Sei sulla pagina 1di 922

DIGITALIZADO POR:

PRESBÍTERO
(TEÓLOGO APOLOGISTA)
PROJETO SEMEADORES DA PALAVRA
VISITE O FÓRUM
http://semeadoresdapalavra.forumeiros.com/forum
N O R M A N G E ISL ER ^

E N C I C L O P É D I A DE
APOLOGÉTICA
r e s p o s t a s aos c r í t i c o s da f é c r i s t ã

tradução
L a i l a h d e N o r o n h a

te/
Vida
Pelo mesmo autor

Eleitos, mas livres (Vida)


Ética cristã (Vida Nova)

Obras em co-autoria

Fundamentos inabaláveis (Vida)


Introdução bíblica: como a Bíblia chegou até nós (Vida)
Introdução à filosofia: uma perspectiva cristã (Vida Nova) © 1999, de N orm an L. Geisler
Predestinação e livre-arbítrio (M undo Cristão) T ítu lo do original · Baker encyclopedia o f Christian
M anual popular de dúvidas, enigmas e “contradições”da apologetics
Bíblia (M undo Cristão) edição publicada pela
Reencarnação (M undo Cristão) B a k e r B o o k H o u se C om pany,
Amar é sempre certo (Candeia) (Grand Rapids, M ichigan, eua)

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por

E d i t o r a V id a

Rua Júlio de Castilhos, 2 8 0 ■ Belenzinho


cep 0 3 0 5 9 -0 0 0 · São Paulo, sp

Telefax 0 xx 11 6 0 9 6 6 8 1 4
www.editoravida.com.br

P r o ib id a a r e p r o d u ç ã o p o r q u a is q u e r m e io s ,

SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FO NTE,

Todas as citações bíblicas foram extraídas da


Nova Versão Internacional ( n v i ) ,
© 2001, publicada pela Editora Vida,
salvo indicação em contrário.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (c ip )


(Câm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Geisler, N orm an L. -
Enciclopédia de apologética: respostas aos críticos da fé cristã/
N orm an Geisler; tradução Lailah de N oronha — São Paulo:
Editora Vida, 2002.

T ítulo original: Baker encyclopedia o f C hristian apologetics

IS B N 85-7367-560-8

1. Apologética - Enciclopédias I. T ítulo


02-3765__________________________________________________________________ c d d 239.03
Indice para catálogo sistem ático

1. Apologética: Cristianismo: Enciclopédias 2 3 9 .0 3


Agradecimentos
Quero agradecer às pessoas que contribuíram significativamente na preparação deste manuscrito. Entre
elas se acham Steve Bright, Jeff Drauden, Scott Henderson, Mark Dorsett, Holly Hood, Kenny Hood,
David Johnson, Trevor Mander, Doug Potter, Mac Craig, Larry Blythe, Jeff Spencer e Frank Turek.
Sou muito grato a Joan Cattell pelas horas incontáveis dedicadas à revisão do manuscrito completo.
Também merecem agradecimentos especiais meu filho, David Geisler, por coletar a vasta bibliografia,
e minha secretária fiel, Laurel Maugel, que 0 digitou e revisou cuidadosamente.
Acima de tudo, quero agradecer a minha dedicada esposa, Barbara, seu amor, apoio e sacrifício,
que tornaram possível a realização deste projeto.
Abreviações
ra Almeida Revista eAtualizada, segunda edição
at Antigo Testamento
a tr Anglican Theological Review
ba The Biblical Archaelogist
bar Biblical Archaelogical Review
Bib. sac. Bibliotheca Sacra
b jr l Bulletin oh the John Rylands Library
br Bible Review
c. cerca de
cap. capítulo
cf. confira, confronte
cnbb Tradução bíblica oficial da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil
cri Christian Research Journal
ct Christianity Today
e.g. exempli gratia, por exemplo
EB Encyclopaedia bíblica
ere Encyclopaedia of religion and ethics
fr. francês
g o tr Greek Orthodox Theological Review
gr. grego
i.e. id est, isto é
IE] Israel Exploration Journal
ingl. inglês
is b e International standard bible encyclopaedia
ja m a Journal oftheAmerican MedicalAssociation
ja sa Journal of theAmerican ScientificAffiliation
je t s Journal oftheEvangelical Theological Society
lat. latim
lxx Septuaginta
m. data da morte
n. data do nascimento
NT Novo Testamento
n t c er k New twentieth century encyclopaedia of
religious knowledge
nvi Nova Versão Internacional
s. seguinte
se Studia Evangélica
v. veja; versículo
w tj Westminster Theological Journal
Aa
acaso. 0 conceito de a caso evoluiu em significado. A ca­ trajetória e outros resultados da inércia. O acaso não teve
so para A r i s t ó t e l e s e outros filósofos clássicos era ape­ influência sobre o processo. Como Sproul disse: “O aca­
nas a interseção fortuita de duas ou mais linhas de cau­ so não tem o poder de fazer nada. Ele é cósmica, total e
salidade. Nos tem pos m odernos, no entanto, o term o completamente impotente” (ibid., p. 6).
assum iu dois significados diferentes. Alguns vêem o Para que ninguém pense que “viciam os” os dados
acaso com o a au sên cia de qu alq u er causa. Como ao citar um teísta, ouça as palavras de Hume:
M ortim er Adler afirm ou, alguns interpretam o acaso
como “o que acontece sem nenhum a causa — o abso­ O acaso, quando examinado estritamente,é apenas uma
luto espontâneo ou fortuito” (Sproul, xv). palavra negativa, e não significa qualquer poder real que te­
Outros vêem o acaso como a grande causa, apesar nha existência em qualquer parte’. [...] “Apesar de não ha­
de ser cega, e não-inteligente. Os naturalistas e m ate­ ver acaso no mundo, nossa ignorância da causa real de qual­
rialistas geralm ente falam dessa m aneira. Por exem ­ quer evento tem a mesma influência na compreensão, e gera
plo, desde David H ume, o argum ento teleológico tem uma mesma espécie de crença ou opinião (Hume, Seção 6).
sido confrontado pela alternativa de que o universo
resultou do acaso, não da criação inteligente. Apesar A tribuir p od er causal ao acaso. H erbert Jaki, em
de o próprio Hume não tê-lo feito, alguns entenderam G od a n d the cosm ologists [Deus e os cosm ólogos ], apre­
que isso significava que o universo foi causado pelo senta um capítulo penetrante intitulado “Dados vici­
acaso, não por Deus. ados”. Ele se refere a Pierre Delbert, que disse: “0 aca­
Acaso e teísmo. 0 a c a s o , concebido ou pela falta so aparece hoje como lei, a m ais geral de todas as leis”
de um a causa ou como a própria, causa, é incom patí­ (Delbert, p. 238).
vel com o teísm o. E nquanto o acaso reinar, A rthur Isso é m ágica, não ciência. As leis científicas lidam
Koestler observou,“Deus é um anacronism o” (ibid., p. com o regular, não o irregular (como o acaso é). E as
3). A existência do acaso tira Deus do seu trono cós­ leis da física não causam nada; apenas descrevem a
mico. Deus e o acaso são m utuam ente excludentes. Se m aneira como as coisas acontecem regularm ente no
o acaso existe, Deus não está no controle total do u n i­ m undo como resultado de causas físicas. Da m esm a
form a, as leis da m atem ática não causam nada. Elas
verso. Não pode nem existir um Criador inteligente. apenas insistem em que, se eu colocar 5 m oedas no
A natureza do acaso. A definição da palavra a c a ­ m eu bolso direito e colocar m ais 7, terei 12 m oedas
so depende parcialm ente da cosm ovisão a em prega.
ali. As leis da m atem ática nunca colocaram um a m o­
Dois usos geralm ente são confundidos quando fala­ eda no bolso de ninguém .
m os sobre a origem das coisas: acaso como p r o b a b i li ­ 0 erro básico de fazer do acaso um poder causai
d a d e m atem ática e acaso como causa real. O prim eiro foi bem colocado por Sproul: “ 1 .0 acaso não é um a
é ap enas ab strato . Q uando um dado é jogado, as entidade. 2. N ão-entidades não têm poder porque não
chances são de um em seis que dará o núm ero seis. A existem. 3. Dizer que algo acontece ou é causado pelo
probabilidade é de 1 em 36 que dê seis nos dois dados acaso é atribuir poder instrum ental ao nada” I p. 13 ».
e 1 em 216 que dê três seis se jogarm os três dados. Mas é absurdo afirm ar que nada produziu algo. O nada
Essas são probabilidades m atem áticas. Mas o acaso sequer existe e, logo, não tem poder para causar algo
não fez que os três dados dessem seis. O que interferiu (v . c a u s a l i d a d e , p r in c ip io d a ) .
foi a força e o ângulo do lançam ento, a posição inicial Causa(s) inteligente(s) e resultados do “acaso” .
na mão, como os dados bateram contra objetos na sua N em to d o s os eventos do acaso acontecem p o r
acognosticismo 10
fen ô m en o s naturais. Causas inteligentes podem ius- dizem nada sobre qualquer suposta realidade além do
tapor-se ao “acaso”. Dois cientistas, trabalhando inde­ m undo em pírico. São apenas prováveis quanto à sua
pendentem ente a partir de abordagens diferentes, fa­ natureza e nunca filosoficamente seguras (v. C e r t e z a /
zem a m esm a descoberta. Um ser racional enterra um S e g u r a n ç a ) . As afirm ações definidoras são úteis em as­
tesouro. Outro o encontra por acaso ao cavar o alicer­ suntos em píricos e práticos, m as nada podem infor­
ce de um a casa. m ar sobre a realidade em qualquer sentido metafísico.
O que parece ser um a m istura aleatória não está A au sên cia d e sen tido na discussão sobre Deus. O
necessariam ente isento de propósito racional. Há um resultado do positivism o lógico de Ayer é tão devasta­
propósito racional por trás da criação de um a m istu­ dor para o teísm o quanto o agnosticism o tradicional.
ra aleatória de seqüências num éricas num sorteio de Não é possível conhecer a Deus, nem expressá-lo. Na
loteria. Há um propósito racional para a m istura alea­ verdade, o term o Deus não tem significado. Portanto,
tória de dióxido de carbono que expelimos no ar à nos­ até o agnosticism o tradicional é insustentável, já que
sa volta; senão voltaríam os a respirá-lo e m orreríam os o agnóstico presum e ser im portante perguntar se Deus
de falta de ar. Nesse sentido, Deus, o Criador, e o acaso existe. Mas, para Ayer, a palavra Deus, ou qualquer
não são conceitos incom patíveis. Contudo, falar sobre equivalente transcendente, não tem significado. Assim,
a causa do acaso é absurdo. é impossível ser agnóstico. O term o Deus não é nem
Conclusão. Estritamente falando, o acaso não pode analítico nem sintético. Não é oferecido pelos teístas
causar ou originar o Universo e a vida. Todo evento tem como um a definição vazia e sem conteúdo, que a nada
um a causa adequada. As escolhas são causas inteligentes corresponde na realidade, nem é um term o cheio de
ou causas não-inteligentes,causas naturais ou causas não- conteúdo em pírico, já que “Deus” é supostam ente um
naturais. A única m aneira de saber de qual delas se trata ser supra-em pírico. Portanto, é literariam ente sem sen­
é pelo tipo de efeito produzido (v. o r ig e n s , c iê n c ia d a s ). Já tido falar sobre Deus.
que o universo manifesta criação inteligente, é razoável Ayer acabou por revisar seu princípio de verifica-
supor um a causa inteligente (v. te l e o l ó g i c o , a r g u m e n to ) . O bilidade (v. ibid., cap. lOss.). Essa nova form a adm itiu
acaso ou a casualidade aparente (como a loteria ou a m is­ a possibilidade de algum as experiências em píricas se­
tura de moléculas de ar) pode ser parte de um desígnio rem seguras, tais como as produzidas por um a única
geral, inteligente, na criação. experiência sensorial, e que haja um terceiro tipo de
afirm ação com algum a verificabilidade analítica ou
Fontes definidora. Ele não chegou a adm itir que a discussão
P. D e lb e r t , La science et la realité. so b re D eus fosse sig n ificativ a. As e x p eriên c ias
}. Gleick, Caos: a criação de uma nova ciência. verificáveis não seriam verdadeiras, falsas, nem reais,
D. H ume, Investigação sobre o entendimento m as apenas significativam ente definidoras. Ayer reco­
humano. nheceu que a elim inação eficiente da m etafísica deve
S. Ja k i, God an d the cosmologists. ser apoiada pela análise detalhada dos argum entos
R. C. S proul, Not a chance. metafísicos (Ayer,cap. 16).M esmo um princípio revi­
sado de verificabilidade em pírica tornaria impossível
ac o g n o stic ism o . Não deve ser confundido com o fazer afirm ações significativam ente verdadeiras sobre
a g n o s tic is m o . O agnosticism o afirm a que não podem os a realidade transem pírica como Deus. Não há conhe­
conhecer a Deus; o acognosticismo afirm a que não po- cim ento cognitivo de Deus; devemos perm anecer “a-
dem os fa la r significativam ente (cognitivamente) sobre cognósticos”.
Deus. Este conceito tam bém é cham ado “não-cognosci- Inexpressável ou m ístico. Seguindo a linha propos­
vism o” ou “ateísmo semântico”. ta por Ludw ig W i t t g e n s t e i n (1889-1951) na obra
O acognosticism o de A.J. A yer. Seguindo a dis­ Tractatus logico-philosophícus, Ayer afirm ava que, em ­
tinção feita por H u m e entre afirm ações definidoras e bora Deus possa ser experim entado, tal experiência
em píricas, A. J. Ayer ofereceu o princípio da verifica- não pode ser expressa em term os de significado.
bilidade em pírica. Esse princípio considerava que, para W ittgenstein acreditava que “a m aneira em que as coi-
as afirm ações serem significantes, devem ser analíti­ sas são no m undo é um a questão ab solu tam en te
cas, a “relação de idéias” (David Hume) ou sintéticas irrelevante para o que é superior. Deus não se revela
(o que H um e cham ou “q uestões de fato” ), isto é, no m undo”. Pois “realm ente existem coisas que não
definidoras ou em píricas (Ayer, cap. 1). Afirm ações podem ser explicadas com palavras [...] Elas compre­
definidoras não têm conteúdo e nada dizem sobre o endem o que é místico”, e “o que não podem os expressar
m undo; afirm ações em píricas têm conteúdo, m as não com palavras devemos consignar ao silêncio”.
11 acognosticismo
Se Deus pudesse expressar-se por meio de nossas não reivindicava valor de verdade. A verificabilidade,
palavras, seria “um livro que explodiria todos os li­ defendia ele, é analítica e definidora, m as não arbitrá­
vros”, m as isso é impossível. Portanto, além de não ria ou verdadeira. É m etacognitiva, ou seja, está além
existir nenhum a revelação proposicional, tam bém não da verificação de exatidão ou falsidade. É apenas útil
existe nenhum ser cogniscivelm ente transcendental. como guia para o significado. Essa é um a tentativa
P o rta n to , q u e r se co n sid ere o p rin c íp io da destinada ao fracasso por duas razões. Em prim eiro
verifkabilidade do positivism o lógico mais rígido, quer lugar, ela não chega a elim inar a possibilidade de fazer
as limitações lingüísticas mais am plas de W ittgenstein, afirm ações metafísicas. Na verdade, adm ite que não
a discussão sobre Deus é m etafisicam ente desprovida se pode legislar significado arbitrariam ente, m as que
de sentido. é preciso considerar o significado das supostas afir­
W ittgenstein acreditava que os jogos de linguagem mações m etafísicas. Mas isso significa que é possível
são possíveis, até m esm o jogos de linguagem religio­ fazer afirm ações significativas sobre a realidade, a ne­
sa. A discussão sobre Deus pode acontecer e acontece, gação do agnosticism o e acognosticism o completos.
m as não é metafísica; ela não diz nada sobre a exis­ Em segundo lugar, restringir o que é significativo é li­
tência e a natureza de Deus. m itar o que poderia ser verdadeiro, já que apenas o
É desastroso para o teísta que Deus não possa ser significativo pode ser verdadeiro. Então, a tentativa de
conhecido (com o em Im m anuel K a x t ) e não possa lim itar o significado ao descritivo ou verificável é afir­
ser objeto de expressão (com o em Ayer). Tanto o m ar que a verdade deve, ela m esm a, estar sujeita a al­
agnosticism o tradicional quanto o acognosticism o gum teste. Se ela não pode ser testada, então não pode
contem porâneo nos deixam no m esm o dilem a filo­ ser falsificada e é, pelos próprios padrões, um a crença
sófico: não há base para afirm ações verdadeiras so­ sem sentido.
bre Deus. R esposta a o m isticism o d e W ittgenstein. Ludwig
A n ã o -fa lsific a b ilid a d e d as cren ças religiosas. 0
W ittg en stein prom o veu o aco g n o sticism o au to-
outro lado do princípio da verificabilidade é o da ridicularizador. Ele tentou definir os limites da lingua­
falsificabilidade. Com base na parábola do jardineiro gem de tal form a que fosse impossível falar cognitiva-
invisível de John W isdom, Antony Flew lançou o se­ m ente sobre Deus. Deus é literalm ente inexprimível. E
guinte desafio aos crentes: “0 que precisaria ter acon­ sobre o que não se pode falar, sequer se deveria tentar
tecido para constituir para você um a prova contra o falar. Mas W ittgenstein teve tão pouco sucesso na res­
am or de Deus ou contra a existência de Deus?” (Flew, trição dos limites lingüísticos quanto Kant na delim ita­
p. 99). A razão disso é que não se pode perm itir que
algo seja um ponto a favor da fé em Deus a não ser ção do âmbito dos fenôm enos ou da aparência. A pró­
que haja disposição de perm itir que sirva como prova pria tentativa de negar todas as afirm ações sobre Deus
contra ela. Tudo o que tem significado tam bém é constitui um a afirmação.
falsificável. Não há diferença entre um jardineiro in ­ Não se pode delim itar a linguagem e o pensam en­
visível, indetectável, e nenhum jardineiro. Da m esm a to sem transcender esses m esm os lim ites. É contradi­
form a, um Deus que não faz diferença verificável ou tório expressar o argum ento de que o inexprimível não
falsificável não é Deus. A não ser que o crente possa pode ser expressado. Da m esm a form a, até m esm o
m ostrar como o m undo seria diferente se não houves­ pensar que o im pensável não pode ser pensado é con­
se Deus, as condições do m undo não podem ser usa­ traditório. A linguagem (pensam ento) e a realidade
das como evidência. Pouco im porta se o teísm o se b a­ não podem ser m utuam ente excludentes, pois toda
seia num a parábola ou num mito, o crente não tem tentativa de separá-las com pletam ente im plica algu­
conhecim ento significativo ou verificável de Deus. Isso ma interação entre elas. Se um a escada foi usada para
pouco, ou nada, acrescenta ao agnosticism o tradicio­ chegar ao alto de um a casa, não se pode negar a capa­
nal de Kant. cidade da escada de levar o indivíduo até lá (v. v e r d a ­
Avaliação. Como seu prim o, o agnosticism o, o de, n a tu re z a d a).
acognosticism o é passível de duras críticas. Duas coi­
R esposta à n ã o -falsificab ilid ad e d e Flew.
Resposta ao acogn osticism o d e Ayer. Como já foi sas devem ser ditas sobre o princípio da falsificabilida­
dito, o princípio da verificabilidade em pírica dem ons­ de de Flew. Em prim eiro lugar, no sentido restrito da
trado por Ayer é contraditório. Não é nem puram ente não-falsificabilidade em pírica, ela é m uito restritiva.
definição nem estritam ente fato. Então, pela própria Nem tudo precisa ser em piricam ente falsificável. Na
definição, cairia na terceira categoria de afirm ações verdade, m esm o esse princípio não é em piricam ente
desprovidas de sentido. Ayer reconheceu esse problem a falsificável. M as no sentido m ais am plo do que é
e lançou m ão de um a terceira categoria para a qual testável e argum entável, certam ente o princípio é útil.
acomodação, teoria da 12
A não ser que haja critérios para determ inar verdade e que as Escrituras eram inspiradas e infalíveis (v. Bí ­
falsidade, nenhum a afirmação sobre a verdade pode ser b lia , P o s iç ã o d e Je su s em r e l a ç ã o à ). Teólogos ortodoxos
defendida. Tudo, incluindo-se posições diam etralm ente rejeitam essa form a de acom odação.
opostas, pode ser verdadeiro. Dois tipos de acomodação. A acom odação legíti­
Em segundo lugar, nem tudo o que é verificável m a pode ser m ais bem denom inada “adaptação”. Deus,
precisa ser falsificável da m esm a m aneira. Como John por causa de sua infinitude, se adapta ao nosso enten­
Hick dem onstrou, há um a relação assim étrica entre dim ento finito para se revelar. Mas o Deus que é a ver­
verificabilidade e falsificabilidade. É possível alguém dade nunca se acom oda ao erro hum ano. As diferen­
verificar a im ortalidade pessoal ao observar consci­ ças vitais são observados facilm ente quando esses con­
entem ente seu próprio funeral. Mas não é possível pro­ ceitos são com parados:
var que a im ortalidade pessoal seja falsa. Quem não
sobrevive à m orte não está lá para refutar nada. E ou­ A daptação A com odação
tra pessoa não poderia refutar a im ortalidade de um a Adaptação ao entendi­ Acomodação ao erro
terceira sem ser onisciente. Mas, se é necessário supor mento finito finito
que exista um a m ente onisciente ou um Deus onisci­ Finitude Pecaminosidade
ente, então seria em inentem ente contraditório usar o Verdades parciais Erros verdadeiros
argum ento da falsificação para refutar a existência de Verdade revelada na Verdade mascarada na
linguagem humana linguagem humana
Deus. Assim, podem os concluir que toda afirm ação so­ Condescender com Comprometer a verdade
bre a verdade deve ser testável ou argum entável, mas a verdade
nem todas as afirm ações sobre a verdade precisam ser Antropomorfismos são Mitos são verdades
falsificáveis. 0 estado de inexistência total de qualquer necessários
coisa seria impossível de falsificar, já que não haveria A natureza de Deus A atividade de Deus é
ninguém nem m aneira de refutá-lo. Por outro lado, a é revelada revelada
ex istên cia de algo é testável p o r ex p eriên cia ou O que parece ser O que realmente é
inferência.
A Bíblia ensina a transcendência de Deus. Seus ca­
Fontes
A. J. A yf.r, Language, truth and logic.
m inhos e pensam entos são m uito m ais altos que os
H. F fjgf.l, Logical positivism after thirty-fíve nossos (Is 55.9; Rm 11.33). Os seres hum anos são m i­
y e a rs,P T ,W in te r 1964. núsculos diante da infinitude de Deus. Deus precisa
A. F lew , T h e o lo g y a n d fa lsific a tio n , e m New “tornar-se m enor” para falar conosco, m as esse ato
essays in philosophical theology.
divino de adaptação à nossa finitude jam ais envolve
N. L. Gf.isi.er, Christian apologetics , cap. 1. acom odação ao nosso pecado, pois Deus não pode
___ , Philosophy ofreligion. pecar (Hb 6.18). Deus usa antropom orfism os (expres­
J. H ick, The existence ofG od. sões verdadeiras de quem Deus é descritas em term os
I. Ram say, Religious language. hum anos) para falar conosco, m as não usa m itos. Às
J. W isdom , G o d s, A. F lew , o rg ., Logic and vezes nos dá apenas parte da verdade, m as essa verda­
language I. de parcial jam ais constitui erro (IC o 13.12). Ele se re­
L. W ittg e n ste in , Tractatus logico-philosophicus. vela progressivam ente, m as nunca erroneam ente (v.
R e v e la ç ã o P ro g r e s s iv a ) . Ele nem sem pre nos diz tudo,
a c o m o d a ç ã o , te o ria d a . Na apologética, este term o m as tudo o que nos diz é verdadeiro.
pode se referir a duas posições: um a delas é aceitá­ Jesus e a acomodação. Sabe-se bem que no n t Je­
vel aos evangélicos, e a segunda é rejeitada p o r eles. sus expressou um a concepção m uito elevada das Es­
A expressão pode se referir à acom odação que Deus crituras (v. B íb lia , a p o siç ã o d e Je su s em r e l a ç ã o à ). Ele
fez da sua revelação às nossas circunstâncias finitas aceitava a autoridade divina (M t 4.4,7,10), a validade
a fim de com unicar-se conosco, com o na Bíblia ou eterna (M t 5.17,18), a inspiração divina (M t 22.43), a
na E ncarnação de C risto (v. B íb lia , E v id ê n c ia s a f a ­ im utabilidade (Jo 10.35), a suprem acia (M t 15.3,6), a
v o r d a ; C a lv in o , J o ã o ; C r is to , d iv in d a d e d e ). A m bas são inerrância (M t 22.29; Jo 17.17), a confiabilidade his­
form as de acom odação au to lim itad ora da p arte de tórica (M t 12.40; 24.37,38) e a precisão científica (M t
Deus a fim de com unicar-se com criatu ras finitas. 19.4,5) das Escrituras. Para evitar a conclusão de que
Críticos negativos da Bíblia (v. C r ític a d a B íb lia ) Jesus estava realm ente afirm ando que tudo isso é ver­
acreditam que Jesus se acom odou a posições errône­ dade, alguns críticos insistem que ele estava apenas se
as dos judeus de sua época quanto à sua convicção de acom odando à crença judaica da época, sem tentar
13 acomodação, teoria da
derrubar as convicções deles. Tais idéias errôneas teriam Até os inim igos de Jesus reconheciam que ele não
sido o ponto de partida do que ele queria lhes ensinar so­ fazia concessões. Os fariseus disseram : “M estre, sabe­
bre questões mais importantes de moralidade e teologia. mos que és íntegro e que ensinas o cam inho de Deus
A acom odação é contrária à vida de Jesus. Tudo que conform e a verdade. Tu não te deixas influenciar por
se sabe sobre a vida e os ensinam entos de Jesus revela ninguém , porque não te prendes à aparência dos ho­
que ele jam ais se acom odou aos falsos ensinam entos m ens” (M t 22.16). Nada no evangelho indica que Je­
da época. Pelo contrário, Jesus repreendeu os que acei­ sus tenha se acom odado ao erro aceito por seus con­
tavam o pensam ento judaico que contradizia a Bíblia, tem porâneos acerca de qualquer assunto.
declarando: “... E por que vocês transgridem o m an ­ A acomodação é contrária ao caráter de Jesus. Do
dam ento de Deus por causa da tradição de vocês? [...] ponto de vista puram ente hum ano, Jesus era conhecido
Assim, por causa da sua tradição, vocês anulam a p a­ por ser um hom em de grande caráter moral. Seus am i­
lavra de Deus” (M t 15.3 ,6b). gos mais próxim os o consideravam impecável (1 Jo 3.3;
Jesus corrigiu opiniões falsas sobre a Bíblia. Por 4.17; 1Pe 1.19). As multidões se maravilhavam com seus
exemplo, no fam oso Serm ão do Monte, Jesus afirm ou ensinam entos “porque ele as ensinava como quem tem
enfaticam ente: autoridade, e não como os m estres da lei” (M t 7.29).
Pilatos exam inou Jesus e declarou: “Não encontro
Vocês ouviram o que foi dito aos seus antepassados: ‘Não motivo para acusar este hom em ” (Lc 23.4). O soldado
matarás’, e ‘quem matar estará suj eito a julgamento’. Mas eu rom ano que crucificou Jesus exclamou: “Certam ente,
lhes digo que qualquer que se irar contra seu irmão estará este hom em era justo” (Lc 23.47). Até incrédulos pres­
sujeito a julgamento (Mt 5.21, 22ííj. taram hom enagem a Cristo. Ernest Renan, fam oso ateu
francês, declarou sobre Jesus: “Seu idealism o perfeito
Esta fórmula ou a fórmula semelhante de“Foi dito:... é a m ais elevada regra de vida impecável e virtuosa”
Eu, porém , vos digo...”é repetida nos versículos seguin­ (Renan, p. 383). Renan tam bém escreveu: “Vamos co­
tes (cf.M t 5.23-43). locar, então, a pessoa de Jesus no ponto m ais alto da
Ele repreendeu o fam oso líder judeu Nicodemos: grandeza hum ana” (ibid., p. 386) e “Jesus continua sen­
“Você é m estre em Israel e não entende essas coisas?” do um princípio inesgotável de regeneração m oral
(Jo 3.10). Isso não é se acom odar às falsas crenças de para a hum anidade” (ibid., p. 388).
seus interlocutores. Ele até repreendeu Nicodem os por Do ponto de vista bíblico, Jesus era o Filho de Deus
não entender coisas em píricas, dizendo: “Eu lhes falei e por isso não podia m entir, pois Deus “não m ente”
de coisas terrenas e vocês não creram ; como crerão se (Tt 1.2). Realmente,“é impossível que Deus m inta” (Hb
lhes falar de coisas celestiais?” (Jo 3.12). Ao falar es­ 6.18). Sua “palavra é a verdade” (Jo 17.17). “Seja Deus
pecificam ente sobre a interpretação errada deles so­ verdadeiro, e todo hom em m entiroso” (Rm 3.4). Seja
bre as Escrituras, Jesus disse diretam ente aos saduceus: qual for a autolim itação divina necessária para a co­
“Vocês estão enganados porque não conhecem as Es­ m unicação com os seres hum anos, não há pecado, pois
crituras nem o poder de Deus” (M t 22.29). Deus não pode pecar. É algo contrário à sua natureza.
As denúncias de Jesus contra os fariseus de maneira Uma objeção é respondida. É verdade que Deus se
alguma poderiam ser classificadas como acomodação. ad apta às lim itações hu m an as p ara com unicar-se
conosco. Jesus, que era Deus, tam bém era um ser hu­
Ai de vocês, guias cegos!” [...] Ai de vocês, mestres da lei e mano. Como ser hum ano, seu conhecim ento era lim i­
fariseus, hipócritas! [...] Guias cegos! Vocês coam um mos­ tado. Isso é revelado em várias passagens das Escritu­
quito e engolem um camelo. Ai de vocês, mestres da lei e dos ras. Prim eiram ente, quando criança, “ia crescendo em
fariseus, hipócritas! [...] Serpentes! Raça de víboras! Como sabedoria” (Lc 2.52). Mesmo quando adulto seu conhe­
vocês escaparão da condenação ao inferno? (Mt 23.16-33). cim ento tinha certas limitações. Segundo Mateus, Jesus
não sabia o que havia na figueira antes de chegar perto
Jesus fez tanta questão de não se acom odar aos fal­ dela (Mt 21.19). Jesus disse que não sabia a hora de sua
sos ensinam entos e práticas no Templo que Segunda Vinda: “Quanto ao dia e à hora ninguém sabe,
nem os anjos dos céus, nem o Filho, senão som ente o
... ele fez um chicote de cordas e expulsou todos do tem­ Pai” (Mt 24.36; grifo do autor).
plo, bem como as ovelhas e os bois; espalhou as moedas dos Mas, apesar das lim itações do conhecim ento h u ­
cambistas e virou suas mesas. Aos que vendiam pombas dis­ m ano de Jesus, lim ites são diferentes de falso conheci­
se:‘Tirem estas coisas daqui! Parem de fazer da casa de meu mento. O fato de ele não saber algum as coisas como
pai um mercado! (Jo 2.15,16). hom em não quer dizer que estava errado sobre o que
A dão, h isto ricid a d e de 14

sabia. 0 fato de Jesus desconher, como hom em , a hipó­ e ). Eles indicam o estilo poético do texto, o paralelism o
tese docum entária (teoria je d p ) sobre a autoria da Lei é dos prim eiros capítulos de Gênesis com outros mitos
um a coisa. Mas é bem diferente dizer que Jesus estava antigos, a suposta contradição entre o texto com a evo­
errado quando afirm ou que Davi escreveu o salmo 110 lução (v. e v o lu ç ã o b io ló g ic a ; e v o lu ç ã o h u m a n a ) e a data
(M t 22.43),que Moisés escreveu a Lei (Lc 24.27; Jo 7.19, recente de Adão na Bíblia (c. 4000 a.C.), que é contrária
23), ou que Daniel escreveu um a profecia (M t 24.15; v. à datação científica dos primeiros hum anos como muito
B íb lia , a p o s iç ã o d e J e s u s em r e l a ç ã o ã ) . As limitações de mais antigos. Consideram tudo isso evidência de que a
Jesus sobre coisas que não sabia como hom em não o história de Adão e Eva é mítica. No entanto, a Bíblia apre­
im pediam de afirm ar verdadeiram ente o que de fato senta Adão e Eva como pessoas reais, que tiveram fi­
sabia (v. P e n ta te u c o , a u t o r i a m o s a ic a d o ; p r o f e c ia , co m o p r o ­ lhos reais, dos quais descendeu o restante da raça hu­
v a d a B íb lia ) . m ana (cf. Gn 5.1 ss.).
O que Jesus sabia, ensinou com autoridade divina. A dão e Eva históricos. Há bons motivos para crer
Ele disse aos seus discípulos: que Adão e Eva foram personagens históricas. Em p ri­
m eiro lugar, Gênesis 1 e 2 apresentam -nos como pes­
Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. Por­ soas reais e até narram os eventos im portantes da vida
tanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando- deles. Em segundo lugar, geraram filhos literais que
os em nome do Pai e do Filho e do espírito santo, ensinan- fizeram o m esm o (Gn 4,5). Em terceiro lugar, o m es­
do-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei m o tipo de frase (“Este é o registro”, “são estas as ge­
sempre com vocês, até o fim dos tempos (Mt 28.18-20). rações”), usada para registrar a história m ais tarde em
Gênesis (e.g., 6.9; 10.1; 11.10,27; 25.12,19), é usada
Ele ensinou com ênfase. No evangelho de João, Je­ para o registro da criação (2.4) e para Adão e Eva e
sus disse 25 vezes: “Digo-lhe a verdade...” (Jo 3.3,5,11). seus descendentes (Gn 5.1; v. P e n t a t e u c o , a u t o r i a
Ele afirm ou que suas palavras valiam tanto quanto as m o s a ic a d o ) . Em quarto lugar, outras cronologias pos­
de Deus, ao declarar: “Os céus e a terra passarão, m as teriores do a t colocam Adão encabeçando as listas (Gn
as m inhas palavras jam ais passarão” (Mt 24.35). Além 5.1; lC r 1.1). Em quinto lugar, o n t designaA dão o p ri­
disso, Jesus ensinou apenas o que o Pai lhe ordenara m eiro dos ancestrais literais de Jesus (Lc 3.38). Em
ensinar. Ele disse: “... nada faço de m im m esm o; m as sexto lugar, Jesus referiu-se a Adão e Eva como os pri­
falo exatam ente como o que Pai me ensinou” (Jo 8.28 b). m eiros “hom em e m ulher” literais, fazendo da união
E acrescentou: “Por m im m esm o, nada posso fazer; eu deles a base para o casam ento (M t 19.4). Em sétim o
julgo apenas conform e ouço, e o m eu julgam ento é ju s­ lugar, Rom anos declara que a m orte literal foi trazida
to, pois não procuro agradar a m im m esm o, m as àque­ ao m undo por “um hom em ” real — Adão (5.12,14). Em
le que m e enviou ” (Jo 5.30). Assim, acusar Jesus de oitavo lugar, a co m paração de Adão (o “prim eiro
errar é acusar Deus Pai de errar, já que ele só falava o Adão”) com Cristo (o “últim o Adão”) em 1 Coríntios
que o Pai lhe dissera. 15.45 m anifesta que Adão era considerado pessoa li­
Resumo. Não há evidência de que Jesus tenha se teral e histórica. Em nono lugar, a declaração de Pau­
acom odado ao erro hum ano em qualquer coisa que lo: “prim eiro foi form ado Adão, e depois Eva” (U m
en sino u. N em há q u alq u er indicação de que sua 2.13,14) revela tratar-se de pessoas reais. Em décim o
autolim itação na Encarnação tenha resultado em erro. lugar, logicam ente devia haver o prim eiro par real de
Ele jam ais ensinou algo nas áreas em que a Encarnação seres hum anos, hom em e mulher, senão a raça não po­
o lim itara como hom em . E o que ensinou, afirm ou com deria continuar. A Bíblia cham a esse casal literal “Adão
a autoridade do Pai, detendo toda autoridade no céu e e Eva”, e não há motivo para duvidar de sua verdadei­
na terra. ra existência.
Objeções à historicidade. O estilo poético de Gênesis
Fontes 1. Apesar da pressuposição com um do contrário e da
A c c o m m o d a t io n .is B E . bela linguagem de Gênesis 1 e 2, o registro da criação
N. L. G , Christian apologetics, cap. 18.
e is l e r não é poesia. Apesar de haver um possível paralelism o
E. R e n a n , The life o f Jesus. de idéias entre os três prim eiros e os três últim os dias,
J. W. W en h am , Christ and the Bible. essa não é a form a típica da poesia hebraica, que en­
volve o uso de duplas em paralelism o. A com paração
A dão, h isto ric id a d e de. Estudiosos da crítica bíblica com Salm os ou Provérbios m ostrará claram ente a d i­
geralm ente consid eram os prim eiros capítulos de ferença. Gênesis 2 não possui nenhum paralelism o
Gênesis m ito (v. a r q u e o l o g i a d o a t ; d i l u v i o d e N oé, m ito poético. Pelo contrário, o registro da criação é igual
15 agnosticismo
a qualquer outra narrativa histórica no a i . O registro é foi “elaborado”, na verdade, a partir de um dente de
in tro d u zid o com o outros registros históricos em um a raça extinta de porcos! A identificação fora basea­
Gênesis, com a frase “Esta é a h istó ria ...” (Gn 2.4; 5.1). da num único dente. O “hom em de Piltdown” era um a
Jesus e autores do n t referem -se aos eventos da cria­ fraude. Identificar um a criatura pelos ossos, ainda mais
ção como históricos (cf. Mt 19.4; Rm 5.14; ICo 15.45; por fragmentos ósseos, é altam ente especulativo.
U m 2.13,14). As tab uinhas en contrad as em Ebla Pode ter havido criaturas de aparência quase hu ­
acrescentaram um testem unho antigo e extrabíblico m ana que eram morfologicamente semelhantes aos se­
sobre a criação divina ex nihilo (v. c r i a ç ã o , t e o r i a s d a ) . res hum anos, m as não foram criadas à imagem de Deus.
Contradição com a evolução. O registro da criação A estrutura óssea não pode provar que havia um a alm a
de Gênesis contradiz a macroevolução. Gênesis narra im ortal feita à imagem de Deus dentro do corpo. A evi­
a criação de Adão do pó da terra, não de sua evolução dência da fabricação de ferram entas simples não prova
a partir de outros anim ais (Gn 2.7). Fala da criação nada. Sabe-se que anim ais (macacos, focas e pássaros)
direta e im ediata por ordem de Deus, não por longos são capazes de usar ferram entas simples.
processos naturais (cf.Gn 1.1,3,6,9,21,27). Eva foi cri­ Essa objeção tam bém pressupõe que os “dias” de
ada a partir de Adão; ela não evoluiu separadam ente. Gênesis são dias solares de 24 horas. Isso não é certe­
Adão era um ser inteligente que sabia falar um a lín­ za, já que dia em Gênesis é usado para todos os seis
gua, era capaz de estudar e nom ear os anim ais, e rea­ dias (cf. Gn 2.4). E o “sétim o dia”, em que Deus des­
lizar atividades para sustentar-se. Ele não era um cansou, ainda continua, m ilhares de anos depois (cf.
sem iprim ata ignorante (v. e v o l u ç ã o t e í s t a ) . Hb 4.4-6; v. G ê n e s is , d ia s d e ) .
No entanto, ainda que se adm ita o fato do regis­ É impossível afirm ar que Gênesis não é histórico.
tro de Gênesis contradizer a m acroevolução, concluir Na verdade, dadas as pressuposições não provadas, a
que Gênesis está errado e a evolução está certa é in ­ história de m á interpretação dos fósseis antigos e a pres-
correr no erro conhecido por petição de princípio. suposição e rrô n e a de que não haja lac u n as nas
Na verdade, há evidências científicas suficientes para genealogias bíblicas de Gênesis 5 e 11, os argum entos
criticar a m acroevolução e suas afirm ações. V. a rti­ contra a historicidade de Adão e Eva são falhos e falsos.
gos sob o tópico e v o l u ç ã o .
Objeção à data recente, A data bíblica, tradicional Fontes
para a criação de Adão (c. 4000 a.C.) é muito recente G. L. A r c h e r , Jr . Enciclopédia de temas bíblicos
para se encaixar na evidência de fósseis antigos de apa­ A . C l stance, Genesis and early man.
rência hum ana, que variam de dezenas de milhares a N. L. G e is le r & T, H o w e , Manual popular de dúvidas, enigmas e
centenas de milhares de anos. A data mais antiga para o “contradições”da Bíblia.
surgim ento da hum anidade baseia-se em m étodos ci­ R. C. N f.w m a n , Genesis and the origin o f the
entíficos de datação e na análise de fragmentos ósseos. earth.
No entanto, há suposições falsas ou contestáveis B. R amm , The Christian view o f Science and
nessa objeção. Em prim eiro lugar, supõe-se que basta Scripture.
adicionar todos os registros genealógicos de Gênesis
5 e 11 e, assim , chegar à data aproxim ada de 4000 a.C. agnosticism o, Este term o provém de duas palavras gre­
para a criação de Adão. Isso, todavia, é baseado na fal­ gas ( a , “n ão ”; gnõsis “co n h ec im en to ” ). O term o
sa suposição de que não existam lacunas nessas listas, agnosticismo foi criado por T. H. Huxley. Significa li­
que de fato existem (v. g e n e a l o g i a s a b e r t a s ou f e c h a d a s ) . te ra lm e n te “n ã o -c o n h e c im e n to ” , o o p o sto de
Essa objeção tam bém supõe que o m étodo de gnosticism o (Huxley, v. 5; v. g n o s t i c i s m o ) . Logo, o
datação de fósseis hum anos antigos é preciso. Mas es­ agnóstico é alguém que alega não conhecer. Q uando
ses m étodos estão sujeitos a m uitas variáveis, incluin­ aplicado ao conhecim ento de Deus, há dois tipos b á ­
do-se a m udança de condições atm osféricas, a conta­ sicos de agnósticos: os que afirm am que a existência
m inação de am ostras e m udanças da taxa de decom ­ e a natureza de Deus r^ãe- são conhecidas, e os que
posição (v. c iê n c ia e a B íb lia e d a t a ç ã o c i e x t í f i c a ) . acreditam que não se pode conhecer a Deus (v. a n a ­
Presum e-se que os fósseis antigos de aparência hu ­ l o g i a , p r in c íp io d a ; D e u s , e v i d ê n c i a s d e ) . Já que o p ri­
m ana descobertos realm ente seriam seres hum anos m eiro tipo não elim ina todo o conhecim ento religi­
criados à im agem de Deus. Mas essa é um a pressupo­ oso, darem os atenção aqui ao segundo.
sição questionável. M uitas dessas descobertas estão de Mais de cem anos antes de Huxley (1825-1895),
tal m odo fragm entadas de m odo que a reconstrução é as obras de D avid H ume (1711-1776) e Im m anuel
m uito especulativa. O cham ado "hom em de Nebraska” K a n t (1724-1804) lan çaram a b ase filosófica do
agnosticismo 16
ag nosticism o. G rande p a rte da filosofia m od erna causadas por eles. Por exemplo, o sol nasce regular­
sim plesm ente pressupõe a validade geral dos tipos de m ente depois que o galo canta, m as certam ente não
argum entos que eles estabeleceram . porque o galo canta. Não é possível conhecer as cone­
O ceticism o de H um e. 0 próprio Kant era racio- xões causais e, sem o conhecim ento da Causa deste
nalista ( v .r a c io n a lis m o ) até que foi “despertado do sono m undo, por exemplo, tudo o que resta ao indivíduo é
dogm ático” ao ler Hume. Tecnicamente falando as po­ o agnosticism o a respeito desse suposto Deus.
sições de Hume são céticas, m as servem aos propósi­ Conhecimento por analogia. M esmo supondo que
tos agnósticos. 0 raciocínio de Hume baseia-se na afir­ todo evento é causado, não podem os ter certeza sobre
m ação de que há apenas dois tipos de afirm ações o que o causa. Assim, no famoso Diálogos sobre a reli­
significantes. gião natural, Hume defende que a causa do universo
pode ser: 1) diferente da inteligência hum ana, já que as
Se tomarmos nas nossas mãos qualquer livro, de teolo­ invenções hum anas são diferentes da natureza; 2) finita,
gia ou metafísica, por exemplo, ele conterá qualquer racio­ já que o efeito é finito e só é necessário inferir a causa
cínio abstrato relativo a quantidade ou número? Não. Con­ adequada para o efeito; 3) imperfeita, já que existem im ­
tém algum raciocínio experimental relativo aos fatos e à exis­ perfeições na natureza; 4) múltipla, pois a criação do
tência? Não. Então lance-o no fogo, pois não pode conter m undo se parece m ais com o produto de tentativas e
nada além de sofismas e ilusão ’’(Investigação sobre o enten­ erros de m uitas divindades em cooperação; 5) m ascu­
dimento humano). lina e feminina, já que essa é a m aneira de os hum anos
serem gerados; e 6) antropom órfica, com m ãos, nariz,
Q ualquer afirm ação que não seja puram ente a re­ olhos e outras partes do corpo como as de suas criatu­
lação de idéias (definidoras ou m atem áticas) por um ras. Logo, a analogia nos deixa no ceticismo sobre a na­
lado, nem um a questão de fatos (em píricos ou reais), tureza de qualquer suposta Causa do mundo.
por outro, é insignificante. É claro que nenhum a das A gnosticism o de K ant. As obras de Hum e influ­
afirm ativas sobre Deus se encaixa nessas categorias, enciaram m uito o pensam ento de Kant. Antes de lê-
logo o conhecim ento de Deus torna-se im possível (v. las, Kant defendia um a form a de racionalism o segun­
ACOGNOSTICISMO). do a tradição de Gottfried L e ib n iz (1646-1716). Leibniz,
Atomismo empírico. Além disso, todas as sensações bem como Christian Freiherrvon W o l f f (1679-1754),
são vivenciadas “totalm ente soltas e separadas”. Co­ que o seguiu, acreditava que a realidade podia ser co­
nexões causais são feitas pela m ente só depois de ob­ nhecida racionalmente e que o teísmo era demonstrável.
servada a conjunção constante dos elem entos cons­ Foram as obras de Kant que acabaram abruptam ente
tan tes da ex periência. O que a pessoa realm ente com esse tipo de pensam ento no m undo filosófico.
vivência é apenas um a série de sensações desconexas
e separadas. Na verdade, não há conhecim ento direto A impossibilidade de conhecer a realidade. Kant con­
nem do próprio “eu”, porque tudo o que sabem os so­ cedia à tradição racional de Leibniz um a dim ensão ra­
bre nós m esm os é o conjunto desconexo de im pres­ cional, a priori, do conhecimento, ou seja, a form a de
sões sensoriais. Faz sentido falar de conexões feitas todo conhecim ento é independente da experiência. Por
apenas na m ente a priori ou independentem ente da outro lado, K ant concordava com H um e e com os
experiência. Então, a partir da experiência não pode empiristas que o conteúdo de todo tipo de conhecimento
haver conexões conhecidas e, certam ente, não há co­ vinha por meio dos sentidos. A m atéria-prim a do co­
nexões necessárias. Todas as questões experim entais nhecim ento é fornecida pelos sentidos, m as a estrutura
im plicam na possível realidade que lhe é contrária. do conhecimento é adquirida posteriorm ente na m en­
Causalidade baseada no costume. Segundo Hume, te. E ssa sín tese criativ a reso lv ia o p ro b lem a do
“todo raciocínio relativo a questões de fato parece ser racionalismo e do em pirismo. No entanto, o resultado
fundam entado na relação de causa e efeito [...] Só por infeliz dessa síntese é o agnosticismo, pois, se não é pos­
m eio dessa relação podem os ir além da evidência da sível saber nada antes que seja estruturado pela sensa­
nossa m em ória e dos nossos sentidos” (Hum e iv, p. 2; ção (tempo e espaço) e pelas categorias do conhecimento
V. CAUSALIDADE, PRINCÍPIO DAJ PRIMEIROS PRINCÍPIOS). E 0 CO- (tais como unidade e causalidade), então não há como
nhecim ento da relação de causa e efeito não é a priori, ir além do próprio ser e saber o que realm ente era antes
m as surge inteiram ente a partir da experiência. Sem­ de o term os assim formado. Isto é, a pessoa só pode sa­
pre há a possibilidade da falácia post hoc — ou seja, que ber o que o objeto é para ela, m as nunca o que ele de
certas coisas acontecem geralm ente depois de outros fato é. Somente o aspecto fenomenológico, m as não o
eventos (até regularm ente), m as não são realm ente num ênico, pode ser conhecido. Devemos perm anecer
17 agnosticismo
agnósticos sobre a realidade. Só sabem os que algo exis­ N ão-falsificável. Antonv F le w desenvolveu um a
te, mas nunca saberemos o que é (Kant. p. 173ss.). filosofia agnóstica a p a rtir de outra nuança das li­
As an tin om ias d a razão hu m an a. Além de existir m itações da linguagem e da consciência do divino.
um abism o intransponível entre con hecer e ser, entre Pode ou não existir um Deus; não é possível provar
as categorias do nosso con hecim en to e a natureza da qualquer das duas teses em piricam ente. Então, não
realidade, contradições inevitáveis tam bém resultam é possível acreditar legitim am ente em nenhum a d e­
quando começamos a atravessar esse limite (Kant, p. las. Para ser verificável, um argum ento deve ser ca­
393ss.). Por exemplo, há a antinom ia da causalidade. Se paz de ser dem onstrado falso. Deus deve ser dem ons­
todas as coisas são causadas, então não pode haver um a trado, de um jeito ou de outro, para fazer diferença.
causa inicial, e séries causais devem começar no infini­ A não ser que o teísta possa enfrentar esse desafio, a
to. Mas é impossível que a série seja infinita e tam bém im pressão que fica é que ele tem o que R. M. Elare
tenha começo. Esse é o paradoxo que resulta da aplica­ denom inou “blik”, ou falha de raciocínio (Flew, p.
ção da categoria da causalidade à realidade. 100). Isto é,ele tem um a crença não-falsificável (por­
E sses arg u m en to s não esgotam o arsen al do tanto injustificada) em Deus, apesar de todos os fa­
agnóstico, m as são a base do argum ento “Deus não pode tos ou condições circunstanciais.
ser conhecido”. No entanto, m esm o alguns que não es­
tão dispostos a adm itir a validade desses argum entos Lógica do a gn osticism o . Há duas form as de
agnosticism o. A form a fraca sim plesm ente afirm a que
optam pelo agnosticism o mais sutil. Tal é o caso da li­
nha de pensam ento cham ada positivismo lógico. Deus é desconhecido. Isso, é claro, abre a possibilida­
Positivism o lógico. Também cham ado em pirism o de de conhecer a Deus e torna possível que alguns co­
lógico é um a filosofia de lógica e linguagem que p ro ­ nheçam a Deus. Assim, esse agnosticism o não am ea­
cura descrever toda realidade em term os sensoriais ça o teísm o cristão. A form a mais forte de agnosticism o
ou experim entais. Suas idéias originais foram desen­ é o cristianism o são incom patíveis entre si, pois ela
volvidas pelo filósofo Auguste C o m tf. (1798-1857). afirm a que Deus é incognoscível.
Suas im plicações teológicas foram descritas por A. J. O utra distinção deve ser feita: existe o agnosticis­
A y e r (1 9 1 0 -1 9 8 9 ) m e d ia n te seu “p rin c íp io da mo ilim itado e o lim itado. O prim eiro afirm a que ta n ­
verificabilidade em pírica”. Ayer alegava que seres h u ­ to Deus quanto toda realidade são incognoscíveis. O
m anos não podem analisar ou definir o Deus infini­ segundo afirm a ap enas que Deus é p arcialm en te
to, logo tudo o que se fala sobre Deus é tolice. A idéia incognoscível dadas as lim itações da finitude e do
de conhecer ou versar sobre um ser num ênico é ab ­ p e cad o h u m a n o s . E sta se g u n d a fo rm a de
surda. Não se deve nem usar o term o Deus. Assim, agnosticism o pode ser adm itida por cristãos como
até o ag no sticism o trad icio n al é insustentável. O possível e desejável.
agnóstico pergunta se Deus existe. Para o positivista, Isso deixa três alternativas básicas relativas ao co­
a pró pria pergunta é insignificante. Assim , é im pos­ nhecim ento de Deus.
sível ser agnóstico.
Por incrível que pareça, o a c o g n o s tic is m o de Ayer 1. Não podem os saber nada sobre Deus; ele é
não negava autom aticam ente a possibilidade da ex­ incognoscível.
periência religiosa, como o agnosticism o. É possível 2. Podem os saber tudo sobre Deus; ele pode ser
experim entar Deus, m as esse contato com o infinito conhecido plenam ente.
jam ais poderia ser expresso de form a significativa, en­ 3. Podem os saber algum a coisa, m as não tudo;
tão é inútil, exceto para o receptor dessa m aravilha. O Deus é parcialm ente cognoscível.
positivista lógico Ludwig W i t t g e n s t e i n (1889-1951)
talvez tenha sido m ais coerente ao propor um tipo
deísta de restrição ao p en sam en to p o sitiv ista (v. A prim eira posição é ag n osticism o; a segunda,
d ogm atism o, e a
últim a, realism o. A posição dogm ática
d e ís m o ) . Se é im profícuo falar sobre Deus ou m esm o
usar o term o, então qualquer ser infinito teria o m es­ é improvável. É necessário ser infinito para conhecer
m o problem a com relação ao que é físico. W ittgenstein plenamente o Ser infinito. Poucos teístas (provavelmente
negava que Deus pudesse estar preocupado com o nenhum deles) defenderam seriam ente esse tipo de
m undo ou revelar-se a ele. Entre os âm bitos num ênico dogmatismo.
e fenom enológico só pode haver silêncio. Em resumo, No entanto, os teístas (v. te ís m o ) às vezes argum en­
para os não-cognitivistas religiosos Ayer e W ittgenstein, tam como se o agnosticism o parcial tam bém fosse er­
o acognosticism o m etafísico é o resultado final da rado. A form a que esse argum ento assum e e que o
análise da linguagem (v. a n a l o g i a , p r in c íp io d a ). agnosticism o é errado sim plesm ente porque não se
agnosticismo 18
pode saber se algo relativo à realidade é incognoscível conhecido sobre a realidade. Isso dá espaço para dis­
sem ter algum conhecim ento sobre ele. Mas essa lógi­ cutir se a realidade é finita ou infinita, pessoal ou im ­
ca está errada. Não há contradição em dizer: “Eu sei o p essoal. E ssa d iscu ssão vai além da q u estão do
suficiente sobre a realidade para afirm ar que existem agnosticism o para debater o deísm o finito e o teísmo.
algum as coisas sobre ela que eu não posso saber”. Por O agnosticismo contraproducente de Kant. O argu­
exemplo, podem os saber o suficiente sobre técnicas de m ento proposto por Kant de que as categorias de pen­
observação e relato para dizer que é impossível saber­ sam ento (tais como unidade e causalidade) não se
m os a população exata do m undo num determ inado aplicam à realidade tam bém é falho. A não ser que as
instante (incognoscibilidade na prática). Da m esm a categorias da realidade correspondessem às categori­
forma, podem os saber o suficiente sobre a natureza da as da m ente, nenhum a afirm ação poderia ser feita so­
fm itude para dizer que é impossível a seres finitos co­ bre a realidade, nem m esm o a afirm ação feita por Kant.
nhecer com pletam ente um ser infinito. Então, o cristão A não ser que o m undo real fosse inteligível, nenhum a
só tem controvérsia com o agnóstico pleno, que descar­ afirm ação sobre ele se aplicaria. É necessária um a pré-
ta na prática e na teoria todo conhecimento de Deus. form ação da m ente à realidade para falar algo sobre
Agnosticismo contraproducente. 0 agnosticism o ela — positivo ou negativo. De outra form a, estare­
completo reduz-se à afirm ação auto destrutiva: (v. a f i r ­ m os pensando sobre um a realidade inim aginável.
m aç õ es c o n tr a d itó r ia s ) “conhecemos o suficiente sobre Pode-se apresentar o argum ento de que o agnóstico
a realidade para afirm ar que nada pode ser conhecido não precisa fazer nenhum a afirm ação sobre a realida­
sobre ela” (v. ló g ic a ). Essa afirm ação é contraditória. de, m as apenas definir os limites do que podem os sa­
Quem sabe algo sobre a realidade não pode afirm ar ao ber. Mesmo tal argum ento, no entanto, é contraditório.
m esm o tem po que toda realidade é incognoscível. E Dizer que alguém não pode saber mais que os limites
quem não sabe absolutam ente nada sobre a realidade do fenôm eno ou da aparência é como tentar fazer um a
não tem base para fazer um a afirmação sobre a reali­ linha na areia com as duas pernas. Estabelecer limites
dade. Não é suficiente dizer que o conhecimento da rea­ tão firmes equivale a ultrapassá-los. Não é possível afir­
lidade só pode ser pura e com pletam ente negativo, isto m ar que a aparência term ina aqui e a realidade começa
é, o conhecim ento só pode dizer o que a realidade não é. ali a não ser que se possa ver até certa distância do ou­
Toda afirm ação negativa pressupõe um a afirm ação po­ tro lado. Como alguém pode saber a diferença entre apa­
sitiva; não se pode afirm ar significativamente que algu­ rência e realidade se não viu o suficiente da aparência e
m a coisa não é e estar completamente desprovido de co­ da realidade para fazer a comparação?
nhecimento dessa coisa. Conclui-se que o agnosticismo O utra dim ensão contráditória é sugerida na ad­
total derrota a si mesmo. Ele presume o conhecimento da m issão de Kant: o núm ero existe, m as não sabe o que
realidade para negar todo o conhecimento dela. é. Será possível saber que algo existe sem saber nada
Alguns já tentaram evitar essa crítica transform an­ sobre ele? O conhecim ento não im plica algum conhe­
do seu ceticism o em pergunta: “O que eu sei sobre a cim ento das características? M esmo um a criatura es­
realidade?”. Mas isso só adia o dilem a. Agnósticos e tra n h a nun ca vista an terio rm en te só p o d eria ser
cristãos devem responder essa pergunta, m as a res­ identificada se tivesse algum as características reco­
posta separa o agnóstico do realista: “Eu posso saber nhecíveis com o tam anho, cor ou m ovim ento. Até algo
algum a coisa sobre Deus” é bem diferente de “Não invisível deve deixar algum efeito ou vestígio para ser
posso saber nada sobre Deus”. Q uando a segunda res­ observado. Não é preciso conhecer a origem ou fun­
posta é dada, um a afirm ação contraditória foi eviden­ ção de um a coisa ou um fenôm eno. Mas certam ente
tem ente apresentada. ele foi observado, ou o observador não poderia saber
Nem adianta recorrer à m udez e não dizer nada. que ele existe. Não é possível declarar que algo existe
Os pensam entos podem ser tão auto-ridicularizantes sem sim ultaneam ente afirm ar o que ele é. Além disso,
quanto as afirm ações. Q uem assum e a p o stu ra de Kant reconheceu no núm ero a “fonte” incognoscível
m udez sequer pode pensar que não sabe absolutam en­ da aparência que recebem os. Tudo isso é inform ativo
te nada sobre a realidade sem que isso im plique co­ sobre o real; existe um a fonte real, essencial de im pres­
nhecim ento sobre a realidade. sões. Isso é m enos que o agnosticism o completo.
Alguém pode estar disposto a adm itir que o co­ Outras form as de ceticismo. O ceticismo de Hume.
nhecim ento sobre a realidade finita é possível, m as não A tentativa cética geral de anular todo julgamento so­
sobre a realidade infinita, o tipo de realidade em ques­ bre a realidade tam bém é contraditório, já que implica
tão no teísm o cristão. Nesse caso, a posição não é mais julgam ento sobre a realidade. De que outra m aneira
agnosticism o completo, pois afirm a que algo pode ser alguém saberia que suspender todo julgam ento sobre
19 agnosticismo
a realidade é o m elhor cam inho, a não ser que real­ como justificativa filosófica. Já vim os, no entanto, que
m ente soubesse que a realidade é incognoscível? O ce­ dividir todas as afirm ações de conteúdo nessas duas
ticism o im plica agnosticism o; conform e dem onstra­ classes é contraditório. Então, é possível que o princí­
do acim a, o agnosticism o im plica conhecim ento so­ pio causal tenha conteúdo e seja necessário.
bre a realidade. O ceticismo ilim itado que elogia a sus­ A própria negação da necessidade causal implica a
pensão de todo o julgam ento sobre a realidade im pli­ necessidade dela. A não ser que haja um a razão (ou cau­
ca um julgam ento dem asiado abrangente sobre a rea­ sa) necessária para a negação, ela não é necessariamente
lidade. Por que desestim ular todas as tentativas de válida. E se há um a razão ou causa para a negação, nessa
chegar à verdade, a não ser que se saiba de antem ão eventualidade, seria usada um a conexão causal necessá­
que são fúteis? E como se pode ter essa inform ação de ria para negar a existência conexões causais necessárias.
antem ão sem já saber algo sobre a realidade? Alguns já tentaram evitar essa objeção lim itando
A alegação feita por Hume de que todas as afirm a­ a necessidade à realidade da lógica e das proposições
ções significativas são um a relação de idéias ou ques­ e negando que a necessidade se aplique à realidade em
tões de fato quebra suas próprias regras. A afirm ação si. Isso não funciona; para que essa afirm ação exclua
não se encaixa em nenhum a das duas categorias. Logo, a necessidade do âm bito da realidade, precisa ser um a
por definição, é sem sentido. Não poderia ser absolu­ afirmação necessária sobre a realidade. Na verdade isso
tam ente um a relação de idéias, porque nesse caso não faz o que alega que não pode ser feito.
descreveria a realidade, como dá a entender. Não é p u ­ Um fu n d a m en to p a r a a an alog ia. Da m esm a for­
ram ente um a afirm ação fatual porque alega cobrir ma, Hume não pode negar toda sem elhança entre o
m ais que assuntos em píricos. Em resum o, a distinção m undo e Deus, porque isso im plicaria que a criação
de Hum e é a base para o princípio da verificabilidade deve ser totalm ente diferente do Criador. Isso signifi­
em pírica de Ayer, e o princípio da verificabilidade em caria que os efeitos devem ser com pletam ente diferen­
si não é em piricam ente verificável (v. A v e r, A. J.) tes da causa. Essa afirm ação tam bém é autodestrutiva;
O atom ism o empírico radical de Hume no qual to­ a não ser que haja algum conhecim ento da causa, não
dos os eventos são “com pletam ente desconexos e sepa­ pode haver fundam ento para negar toda sem elhança
rados”, e o próprio “eu” é apenas um am ontoado de im ­ entre a causa e o efeito. M esmo a com paração negati­
pressões sensoriais é inexeqüível. Se todas as coisas fos­ va implica conhecim ento positivo dos term os com pa­
sem desconectadas, não haveria nem como fazer essa rados. Então, ou não há base para a afirm ação de que
afirm ação específica, já que certa unidade e conexão são Deus deve ser totalm ente diferente, ou pode haver co­
sugeridas na afirm ação de que tudo é desconectado. nhecim ento de Deus em term os da nossa experiência,
Afirmar que “eu não sou nada além de impressões so­ e nesse caso Deus não é com pletam ente diferente do
bre m im m esm o” é contraditório, pois existe sempre a que conhecem os pela experiência.
suposta unidade do “eu” que faz a afirmação. Mas não É preciso ter cuidado aqui para não exagerar na
se pode assum ir um “eu” unificado a fim de negá-lo. conclusão desses argum entos. Uma vez dem onstrado
Para respostas ao acognosticism o, a form a m ísti­ que o agnosticism o total é contraproducente, não se­
ca que W ittgenstein lhe deu e o princípio de falsifica- gue ipso fa c to que Deus exista ou que se tenha conhe­
bilidade de Flew, v. a c o g n o stic ism o . cim ento de Deus. Esses argum entos dem onstram ape­
A lgum as alegações agnósticas específicas. Hume nas que, se Deus existe, não se pode afirm ar que ele
negava o uso tradicional da causalidade e analogia n ão p o d e ser conhecido. Disso conclui-se apenas que
como m eio de conhecer o Deus do teísmo. A causali­ Deus p o d e ser conhecido, não que sa bem o s algo sobre
dade é baseada no costum e e a analogia levaria a um ele. A refutação do agnosticism o não é, então, a prova
deus finito e hum ano ou a um Deus totalm ente dife­ do realism o ou teísmo. O agnosticism o apenas se des-
rente do suposto análogo. trói e possibilita a form ulação do teísm o cristão. A de­
A justificativa d a cau salidade. Hume nunca negou fesa positiva do conhecim ento cristão de Deus ainda
o princípio da causalidade. Ele adm itiu que seria ab­ precisa ser form ulada (v. D e u s, e v id ê n c ia s d e ).
surdo afirm ar que as coisas surgem sem um a causa As an tin om ias de Kant. Em cada um a das supos­
(Hum e, i. p. 187). O que ele de fato tentou negar foi a tas antinom ias de Kant há um erro. Não resulta em
existência de qualquer m aneira filosófica de estabele­ contradições inevitáveis falar sobre a realidade em ter­
cer o princípio da causalidade. Se o princípio causal mos de condições necessárias do pensam ento hum a­
não é m era relação analítica de idéias, m as a crença no. Por exemplo, é um erro opinar que tudo precisa de
baseada na conjunção habitual de eventos triviais, um a causa, pois nesse caso haveria um a infinidade de
então não há necessidade dele. Não se pode usá-lo causas, e até Deus precisaria de um a causa. Apenas
Agostinho 20
coisas lim itadas, mutáveis e contingentes precisam de I. K a n t, Crítica da razão pura.
causas. Q uando se chega ao Ser Necessário, ilim itado L. S tep hen, An agnostic’s apology.
e im utável, não há m ais necessidade de um a causa. O J. W a rd , Naturalism and agnosticism.
finito deve ser causado, m as o ser infinito não-causa-
do. As outras antinom ias de Kant tam bém são inváli­ A gostinho. Bispo de Hipona (354-430), fez sua pere­
das (v. K a n t , I m m a n t e l ). grinação espiritual do paganism o grego, passando pelo
Conclusão. Existem dois tipos de agnosticism o: d u a lism o m a n iq u e ísta , pelo n e o p la to n ism o (v.
o lim itado e o ilim itado. O prim eiro é com patível P l o t i n o ) , e finalm ente ao teísm o cristão. Sua m ente
com as afirm ações cristãs de conhecim ento finito privilegiada e enorm e produção literária fizeram dele
do D eus in fin ito . Mas o agnosticism o ilim itado é um dos teólogos m ais influentes do cristianism o.
autodestrutivo: implica conhecimento sobre a realida­ Fé e razão. Como todos os grandes filósofos cris­
de para negar a possibilidade de sua existência. Tanto o tãos, Agostinho lutou para entender a relação entre fé
ceticismo quanto os não-cognitivismos (acognosticismo) e razão. M uitos apologistas tendem a destacar a ênfa­
podem ser reduzidos ao agnosticismo. A não ser que se de Agostinho sobre a fé e m enosprezar sua valori­
seja impossível conhecer o real, é desnecessário abrir zação da razão na proclam ação e defesa do evangelho
m ão da po ssibilid ad e de q u alq u er conhecim ento (v. f id e ís m o ; a p o l o g é t i c a p r e s s u p o s i c i o n a l ) . Enfatizam
cognitivo ou dissuadir os hom ens de fazer qualquer passagens em que o bispo de H ipona colocou a fé an ­
julgam ento sobre ele. tes da razão, como: “Creio para que possa entender”.
O agnosticism o ilim itado é um a form a sutil de Na verdade, Agostinho disse: “Prim eiro crer, depois
dogm atism o. Ao descartar com pletam ente a possi­ entender” (Do Credo, 4). Pois, “se desejam os saber e
bilidade de qualquer conhecim ento do que é real, ele depois crer, não conseguirem os nem saber nem crer”
fica no extrem o oposto da posição que afirm a o co­ (Do evangelho de João, 27.9).
nhecim ento total da realidade. A m bos os extrem os Se tom adas separadam ente, essas passagens p o ­
são dogm áticos. Am bos são posições obrigatórias re­ dem p a s s a r u m a im p re ssã o e rrô n e a acerca do
lativas ao conhecim ento, contrastantes com a posi­ ensinam ento de Agostinho sobre o papel da razão na
ção de poderm os saber ou sabermos algo sobre a re­ fé cristã. Agostinho tam bém acreditava que há um sen­
alidade. Sim plesm ente não há processo além da onis- tido em que a razão vem antes da fé. “N inguém real­
ciência que perm ita fazer afirm ações tão abrangentes m ente acredita em algum a coisa antes de achar que
e categóricas. O agnosticism o é dogm atism o negati­ ela m erece crédito”. Logo,“é necessário que tudo em
vo, e todo negativo pressupõe um positivo. Logo, o que se acredita seja aceito depois de o pensam ento
agnosticism o total não é apenas au todestrutivo; é abrir o cam inho” (O livre-arbítrio, 5).
autodivinizador. Apenas a m ente onisciente poderia Ele proclam ou a superioridade da razão q u a n ­
ser totalm ente agnóstica, e hom ens finitos eviden­ do escreveu:
tem ente não são onisciêncientes. Assim , a porta p er­
m anece aberta para algum conhecim ento da reali­ É impossível que Deus odeie em nós o atributo pelo qual
dade. A realidade não é incognoscível. nos fez superiores aos demais seres vivos. Devemos, portanto,
recusar-nos a crer de um modo que não receba ou não bus­
Fontes que razão para nossa crença, uma vez que sequer poderíamos
J. Coi.i.ixs, God in m odem philosophy, cap s. 4 e 6. crer se não tivéssemos almas racionais ( Cartas, 120.1).
A. Flbv, Theology and falsification, A. Fi.fw, et
al., orgs., New essays in philosophical Agostinho chegou a usar a razão para elaborar um a
theology. “prova da existência de Deus”. Em O livre-arbítrio, ele
R. ?UKt,Agnosticism. argum entou que “existe algo acim a da razão hum ana”
R. G . - L
a r r k ol , God: his existence and his nature.
agranck (Livro ii, cap. 6). Além de poder provar que Deus exis­
S. Hac kett, The resurrection oftheism . Parte 1. te, a razão é útil no entendim ento do conteúdo da m en­
D. HuM t,“A letter from a gentlem an to his friend sagem cristã. Pois, “como pode alguém crer naquele
in Edinburgh”, em E. C. M ossner, et al., orgs., que proclam a a fé se (para não m encionar outros fa­
The letters o) David Hume. tores) não entender a própria língua daquele que a pro­
___ , Investigação sobre o entendimento clama?” (Citado em Przywara, p. 59).
humano. Agostinho tam bém usou a razão para remover ob-
___ , Diálogos sobre a religião natural. jeções à fé cristã. Referindo-se a alguém que tinha d ú ­
T. H. H , Collected essays, v. 5.
u x ley vidas antes de se converter, escreveu: “É razoável que
21 Agostinho
ele ten ha p ergu ntas sobre a ressurreição dos m o r­ “O céu e a terra existem e, através de suas m udanças e
tos antes de ser adm itido aos sacram entos cristãos”. variações, proclam am que foram criados”.
A inda m ais, No entanto,

talvez também lhe deva ser permitido insistir em dis­ ...o que foi criado e [...] existe,em si nada tem que antes
cussões preliminares quanto à questão proposta a res­ não existisse. Do contrário, sofreria mudanças e variações.
peito de Cristo — por que ele teria vindo tão tardiam en­ E todaS as coisas proclamam que não se fizeram por si mes­
te na história mundial, bem como a algumas perguntas mas (ibid., 11.4).
sérias, às quais todas as outras são subordinadas (Car­
tas 120.1,102.38). Milagres. Já que Deus fez o m undo, pode intervir
nele (v. M i l a g r e ) . Na verdade o que cham am os natu­
Em resumo, Agostinho acreditava que a razão hu­ reza é apenas a m aneira em que Deus age regularm ente
m ana era usada antes, durante e depois de alguém de­ na sua criação.
positar sua fé no evangelho.
Deus. Para Agostinho, Deus é auto-existente, o e u ... Quando isso acontecer de modo regular, por assim di­
sou o q u e s o u . Ele é substância não-criada, imutável, zer, como o rio sem fim das coisas que passam, fluem, per­
eterna, indivisível, e absolutam ente perfeita (v. D e u s , manecem e depois passam das profundezas para a superfí­
n a t u r e z a d e ) . Deus não é um a força im pessoal (v. cie, da superfície para as profundezas, dizemos que é natu­
p a n te ís m o ) , m as sim um Pai pessoal. Na verdade, ele é ral. Quando, porém, tais acontecimentos se apresentam aos
tripessoal: Pai,Filho e Espirito Santo (v.t r i n d a d e ) . Nes­ observadores em desusada mudança para servir de aviso
sa substância eterna não há nem confusão de pessoas aos homens, então, os denominados milagres (A Trindade,
nem divisão de essência. livro ui,cap.6).
Deus é onipotente, onipresente e onisciente. É
eterno, existente antes do tem po e além do tem po. Mas até as atividades regulares da natureza são
É ab solu tam en te tran scen d en te em relação ao u n i­ obras de Deus. Pois:
verso e, ao m esm o tem po, im anente em toda parte
dele com o sua causa sustentadora. Apesar de o m u n ­ Quem faz elevar-se a umidade dos cachos de uva atra­
do ter um com eço (v. k a l a m , a r g u m e n t o c o s m o l ó g i c o ) , vés da raiz da videira e produz o vinho, senão Deus que dá o
nunca houve um tem po em que Deus não existisse. crescimento, quando o homem planta e rega? (1 Cor 3,7). Mas
Ele é um Ser N ecessário que não depende de nada, quando, a uma indicação do Senhor, a água se converte em
m as de quem tudo m ais depende para sua ex istên­ vinho de modo instantâneo, até os insensatos concordam
que houve intervenção direta do poder divino (Jo 2,9). Quem
cia: “Sendo, pois, Deus sum a essência, isto é, sendo cobre os arbustos de folhagem e flores, senão Deus? Contu­
em sum o grau e, p o rtan to , im utável, pôde dar o ser do, quando floresceu a vara do sarcedote Aarão, foi a divin­
às coisas que criou do nada...” (A c id a d e d e Deus, dade que se fez ouvir deste modo inusitado ao homem que
livro xii, cap. 2). duvidava (Nm 17,8). (ibid., livro m, cap. 5)
Origem e natureza do universo. Segundo Agostinho,
o m undo foi criado ex nihilo (v. c r ia ç ã o , p o siç õ e s s o b r e a ) , Seres hum anos. A hum anidade, com o o resto do
do nada. A criação vem d e Deus mas não é parte de Deus. m undo, não é eterna. Os hum anos foram criados por
“... [tu] criaste do nada o céu e a terra, duas realidades, Deus e são sem elhantes a ele. São com postos de um
um a grande e outra pequena. Só tu existias, e nada mais” corpo m ortal e de um a alm a im ortal (v. i m o r t a l i d a d e ) .
(Confissões, 12.7). Assim, o m undo não é eterno. Teve co­ Depois da m orte, a alm a aguarda a reunião com o cor­
meço, não no tempo, m as com o tempo. Pois o tempo co­ po num estado de alegria consciente (céu) ou de tor­
meçou com o mundo. Não havia tempo antes do tempo. m ento contínuo (inferno). Essas alm as serão reuni­
Quando lhe perguntaram o que Deus fazia antes de criar das com seus corpos na ressurreição. E, “depois da res­
o m undo do nada, Agostinho retrucou que, já que Deus surreição, o corpo, agora totalm ente sujeito ao espíri­
era o autor de todo o tempo, não havia tempo antes que to, viverá em perfeita paz por toda a eternidade” (Da
ele criasse o mundo. Não foi criação no tempo mas a cri­ dou trin a cristã, 1.24).
ação do tempo que Deus executou nos seus atos iniciais Para Agostinho, a alm a, ou a dim ensão espiritual
(ibid., 11.13). Então Deus não fa z ia (agia, criava) nada hum ana é de m aior valor que o corpo. Na verdade, é
antes de criar o mundo. Ele apenas era Deus. na dim ensão espiritual que a hum anidade é feita à
0 m undo é tem poral e mutável, e a partir dele po ­ im agem e sem elhança de Deus. Portanto, os pecados
dem os ver que deve haver um ser eterno e imutável. da alm a são piores que os pecados do corpo.
Agostinho 22
O mal. O mal é real, mas não é uma substância (v. voluntariamente todas as coisas por amor ao objeto amado;
m al, problem a d o).A origem do mal é a rebelião das justiça é 0 amor servindo apenas ao objeto amado,e portanto
criaturas livres contra Deus (v. .mal, problema do ). “ Na governando corretamente; prudência é 0 amor distinguindo
verdade, 0 pecado é de tal forma um mal voluntário astutamente entre 0 que 0 impede e 0 que 0 ajuda.
que não é pecado a não ser que seja voluntário” (Da
verdadeira religião, 14). É claro que Deus criou boas Assim,
todas as coisas e deu às suas criaturas morais 0 bom
poder do livre-arbítrio. Mas 0 pecado surgiu quando temperança é 0 amor mantendo-se inteiro e incorrupto
“... [a vontade] peca, ao se afastar do bem imutável e para Deus; justiça é 0 amor servindo apenas a Deus, e assim
comum, para se voltar para 0 seu próprio bem parti- governando bem tudo mais, ainda que sujeito ao homem;
cular, seja exterior, seja interior” (O livre-arbítrio, li- prudência é 0 amor fazendo a distinção correta entre 0 que
vro 11, cap 19). 0 impulsiona em direção a Deus e 0 que 0 impede de fazê-lo
Ao escolher 0 bem menor, criaturas morais trouxe- (Da moral da Igreja Católica, p. 15).
ram a corrupção às substâncias boas. Assim, por natu-
reza, 0 mal é a falta ou a privação do bem. O mal não O objeto desse amor é Deus, 0 Bem Supremo. Ele é
existe sozinho. Como um parasita, 0 mal existe apenas amor absoluto, e a obrigação absoluta do ser humano
como a corrupção das coisas boas. é expressar amor em todas as áreas de atividade, pri-
meiro para com Deus e depois para com 0 próximo.
Pois quem pode duvidar de que a totalidade do que se H istória e destino. No clássico Λ cidade de D eus
chama mal nada mais é que corrupção? Males diferentes po- Agostinho elaborou a prim eira grande filosofia
dem, sem dúvida, receber nomes diferentes; mas 0 mal de to- cristã da história. Ele disse que há duas “cidades”
das as coisas em que qualquer mal seja percebido é a (reinos), a cidade de Deus e a cidade do homem.
corrupção (Contra a epístola dos maniqueus,38). Essas duas cidades têm duas origens diferentes
(Deus e Satanás), duas naturezas diferentes (amor
a Deus e amor próprio, orgulho) e dois destinos di-
O mal é a ausência do bem. É como podridão para
ferentes (céu e inferno).
uma árvore ou ferrugem para 0 ferro. Corrompe coi-
A história caminha para 0 fim. Quando 0 tempo ter-
sas boas sem ter natureza própria. Dessa maneira
minar, haverá a vitória definitiva de Deus sobre Sata-
Agostinho respondeu ao dualismo da religião
nás, do bem sobre 0 mal. O mal será separado do bem, e
maniqueísta que afirmava que 0 mal era uma realida-
os justos serão ressuscitados com corpos perfeitos para
de igualmente eterna, mas oposta ao bem.
viver no estado perfeito. O paraíso perdido no começo
Etica. Agostinho cria que Deus é amor por natu-
da história será reconquistado por Deus no final.
reza. Já que a obrigação humana devida ao Criador é
A história é de Deus. Deus está realizando seu pia-
ser semelhante a Deus, as pessoas têm 0 dever moral
no soberano, e no final derrotará 0 mal e aperfeiçoará
absoluto (v. m oralidade, n atu rez a ab so lu ta da) de amar
0 homem.
a Deus e ao próximo, feito à imagem de Deus.

Assim, temos uma resposta ao problema de por que


Pois esta é a lei do amor que foi imposta pela autoridade Deus teria criado os homens, quando antecipadamente sa-
divina: “Amarás ao próximo como a ti mesmo”, mas “Amarás bia que estes iriam pecar. Foi porque tanto neles quanto por
ao Senhor teu Deus de todo 0 teu coração e de toda a tua alma meio deles ele poderia revelar quanto merecia a culpa do
e de todo 0 teu entendimento (Da doutrina cristã, 1.22). homem e quanto a graça de Deus perdoou, e também por-
que a harmonia de toda a realidade que Deus criou e con-
Logo, devemos concentrar todos os pensamentos,
trola não pode ser deformada pela perversa discórdia dos
a vida e a inteligência naquele de quem derivamos tudo que pecam (A cidade de Deus, 14).
que temos. Todas as virtudes são definidas em termos
desse amor. Avaliação. Agostinho foi criticado por muitas coi-
Agostinho disse: sas, mas talvez mais por aceitar acriticamente 0 pen-
sarnento platônico e neoplatônico (v. P lo t ix o ). Ele até
Quanto à virtude que nos conduz à vida feliz, afirmo que mesmo rejeitou algumas das primeiras posições pia-
a virtude nada mais é que 0 perfeito amor a Deus. A quádru- tônicas no seu livro Retratações, escrito perto do fim
pia divisão da virtude considero ser extraída de quatro for- da sua vida. Por exemplo, por algum tempo ele acei-
mas de amor: [...] Temperança é 0 amor se entregando in- tou a doutrina platônica da preexistência da alma e da
teiramente ao que ama; perseverança é 0 amor sofrendo lembrança das idéias da existência prévia.
23 Albright, William F.
Infelizm ente, houve outras idéias platônicas que a r c h a e o lo g y o fP a le s tin e a n d the B ib le [A a r q u e o lo ­
A g o stin ho jam ais rep u d io u . E ntre elas estava o g ia d a P alestin a e a B íb lia ], Yahweh a n d t h e g o d s o f
dualism o platônico do corpo e da alm a em que os se­ C an aan [Ia v é e os d eu ses d e C a n a ã ], T he ex cav a tion
res hum anos são alm as e apenas têm corpos. Junta­ at Tell B eitM irsim [A es ca v a çã o em T ellB eitM irsim ]
m ente com isso, A gostinho defendia um a posição e A rch a eo lo g y o fP a le s tin e [A rq u eolo g ia d a P a les ti­
m uito ascética dos desejos físicos e do sexo, m esm o na], Escreveu vários artigos e usou sua influência
dentro do contexto do casam ento. com o editor do B u lletin o f the A m erica n S ch o o l o f
Além disso, a epistemologia de Agostinho sobre as O rien tal R esearch [B oletim d a E scola A m er ic a n a d e
idéias inatas foi contestada por em piristas m odernos P esq u isas O rien tais] de 1931 a 1968. Foi um dos lí­
(v. H u m e , D a v id ), assim com o sua posição sobre o deres da Escola A m ericana de Pesquisas O rientais
ilum inis-m o. E m esm o alguns teístas questionam se ( e a p o ) por quase 40 anos.
o argum ento dele para provar a existência de Deus a Im portância apologética. A influência de Albright
p artir da verdade realm ente funciona, perguntando na apologética bíblica foi enorm e e refletiu sua m u­
por que a M ente absoluta é necessária como fonte da dança do liberalism o teológico para o conservadoris­
verdade absoluta. m o protestante. Seu trabalho destruiu m uitas propo­
Até algum as pessoas que aceitam o teísm o clássi­ sições de críticos liberais antigos (v. C r í t i c a d a B í b l i a ) ,
co de Agostinho destacam sua incoerência em não de­ que agora podem ser cham adas pré-arqueológicas. Por
m onstrar a unicidade (singularidade) das idéias divi­ meio de suas pesquisas e descobertas, Albright che­
nas. Isso resultou da aceitação das idéias como for­ gou a várias confirm ações vitais:
m as platônicas irredutivelm ente simples, m uitas das
quais não são possíveis num a substância simples (v. A utoria m osaica do Pentateuco.
um e m u ito s , p ro b le m a d e ). Esse problem a foi resolvido
m ais tarde por Tomás de Aquino com a distinção en ­ O conteúdo do Pentateuco é, em geral, muito mais anti­
tre realidade e potencialidade na ordem da existência go que a data em que foi editado; novas descobertas conti­
(v. m o n ism o ), que foi expressa na doutrina da analogia. nuam a confirmar a precisão histórica da literatura antiga
em cada um de seus mínimos detalhes. Mesmo quando é
necessário admitir adições posteriores ao núcleo original
Fontes
da tradição mosaica, essas adições refletem o crescimento
A g o s t in h o , Contra a epístola dos inaiiiqueus.
normal das instituições e práticas antigas ou o esforço feito
_____ , Da d ou trin a cristã.
por escribas posteriores de salvar o máximo possível das
_____ , A cid a d e d e Deus.
tradições existentes sobre Moisés. Assim, é puro exagero da
_____ , Confissões.
crítica negar o caráter substancialmente mosaico da tradi­
_____ , Cartas.
ção do Pentateuco (Archaeology ofPalestine, p. 225).
_____ ,D a v erdadeira religião.
_____ , 0 livre-arbítrio.
A h istoricid ad e dos p atriarcas.
_____ , Da p red estin ação.
_____ , Do credo. As narrativas dos patriarcas, de Moisés e do Êxodo, da
_____ , Do evan gelho d e João. conquista de Canaã, dos juizes, da monarquia, do exílio e da
_____ ,D a m oral d a Igreja Católica. restauração, todas foram confirmadas e ilustradas de um
_____ ,.4 Trindade modo que eu pensava ser impossível há 40 anos (Christian
N . L. G e is l l r , W hat Augustine says. century, p. 1329).
E. P rz y '.v a ra ,.4 / i Augustine synthesis.

Excetuando-se alguns obstinados entre os eruditos mais


velhos, não há quase nenhum historiador bíblico que não
Albright, W illiam F. Foi cham ado o deão dos a r­ esteia impressionado com o acúmulo rápido de dados que
queólogos bíblicos am ericanos. Filho de m issio n á­ apoiam a historicidade substancial da tradição patriarcal
rios m eto d istas e nascido no Chile (1891-1971), (Biblical periodA ).
o b te v e seu d o u to ra d o na U n iv e rs id a d e John
H opkins em 1916. E ntre suas principais obras es­ Abraão, Isaque, e Jacó não parecem mais personagens
tão From S ton eA g e to C h n stia m ty [Da Id a d e d a P e­ isoladas, muito menos reflexos da história israelita poste­
dra a o cristia n ism o ], A rch a eo lo g y a n d the religion rior; agora eles parecem mais verdadeiros filhos da sua
o f Isra el [/I a rq u e o lo g ia e a relig ião d e Isra el], The época, com nomes semelhantes aos de seus contemporá-
Albright, William F. 24

neos, deslocando-se pelo mesmo território, visitando as Datação do nt. “Na minha opinião, cada um dos
mesmas cidades (principalmente Harã e Naor), praticando os livros do Novo Testamento foi escrito por um judeu
mesmos costumes que seus contemporâneos. Em outras pala- batizado entre os anos 40 e 80 do século 1 a d. (muito
vras, as narrativas patriarcais têm um núcleo histórico com- provavelmente entre 50 e 75 d.C.)” (ibid., p. 359).
pleto, embora seja provável que uma longa transmissão oral dos
poemas originais e sagas em prosa posteriores que subjazem Já podemos dizer com certeza que não há mais base
no texto atual de Gênesis tenha refratado consideravelmente os sólida para datar qualquer livro do Novo Testamento de-
eventos originais (Archaeology o f Palestine, p. 236). pois de meados de 80 d.C., duas gerações completas antes
E vidên cia a fa v o r do a t . “Não resta dúvida de que a
da data entre 130 e 150 proposta pelos atuais críticos mais
arqueologia já confirmou a historicidade substancial
radicais do Novo Testamento” (Recent discoveries in Bible
lands, p. 136).
da tradição do Antigo Testamento” (A rchaeology a n d
the religion o f Israel, p. 176).
No artigo “ Descobertas recentes na Palestina e 0
A medida que 0 estudo crítico da Bíblia for mais e mais evangelho de são João” , Albright argumentou que a
influenciado pelo novo e rico material relacionado ao Ori- evidência em Qumran mostra que os conceitos, ter-
ente Médio antigo, veremos 0 aumento gradual do respei- minologia e mentalidade do evangelho de João prova-
to pela signifícância histórica de passagens negligencia- velmente pertenceram ao início do século 1 (v. Novo
das ou rejeitadas atualmente no e no ” (From Stone
at nt Testam ento, datação d o).
Age to Christianity, p. 81). C on clu sã o. Do ponto de vista apologético, 0 emi-
nente e respeitado arqueólogo apóia com firmeza as
Os rolos do mar Morto provam colunas mestras da apologética histórica. Com algu-
ma incerteza sobre a transmissão do registro oral do
conclusivamente que devemos tratar 0 texto consonantal Pentateuco, Albright acredita que as evidências atuais
da Bíblia hebraica com 0 maior respeito e que a emenda li- e descobertas previstas demonstrarão que ambos os
vre de passagens difíceis a que muito eruditos críticos mo-
testamentos são historicamente precisos. As datas des-
dernos se entregaram não pode mais ser tolerada (Recent
ses livros são antigas. A profecia preditiva do a t e a
discoveries in Bible lands [Recentes descobertas nas terras
bíblicas],p. 128). historicidade das narrativas a respeito de Cristo e da
igreja primitiva no n t são validadas pela arqueologia
Graças às descobertas de Qumran, 0 Novo Testamento moderna (v. A to s , h isto ricid ade de; B íb lia , evidências da;
prova ser na verdade 0 que acreditavam que fosse: 0 DOCUM ENTOS DO N0V0 TESTA M EN TO , CONFIABILIDADE DOS; N0V0
ensinamento de Cristo e de seus seguidores imediatos entre TESTA M EN TO , HISTORICIDADE D 0 ) .
25 e 80 d.C (From Stone Age to Christianity, p.23).
Fontes
Os dados bíblicos históricos são muitos mais precisos W . F. A l b r i g h t , Archaeology and the religion o f
que as idéias dos estudantes críticos modernos, que tendem Israel.
sistematicamente a errar para 0 lado da crítica exacerbada _____ , R e c e n t d is c o v e r ie s in P a le s t in e a n d
(.A rchaeology o f Palestine, 229). t h e G o s p e l o f S t. Jo h n , e m W . D. D a v ie s e D.

D aub e, o rg s ., The background o f the New


A unidade de Isaías. Sobre a teoria antiga e popular
Testament and its eschatology.
de que havia dois autores de Isaías (v. D e u te ro - Is a ía s),
_____ , T o w a r d a m o r e c o n s e r v a t iv e v ie w ,
Albright fez a seguinte objeção numa entrevista:
em c t (18 d e ja n e ir o d e 1963).

Pergunta:‘Muitas passagens em Isaías 40-66 denunci- _____ , E n t r e v i s t a , Christianity Century (19 /11/1958).

am a idolatria como um mal atual em Israel (e.g., 44.9-20; ___ , Recent discoveries in Bible lands.

51.4-7; 65.2,3; 66.17). Como elas podem ser conciliadas com ___ , The biblical period.

a teoria de autoria pós-exílica, já que a idolatria certamente ___ , The archaeology o f Palestine.
não foi reintroduzida em Judá após a restauração..?’ ___ , From Stone Age to Christianity.
Resposta: ‘Eu não creio que qualquer parte de Isaías 40-66 Η . H . V o s , A l b r i g h t W i l l i a m F o x w e ll, e m W .

seja posterior ao século vi a.C.’ ( Toward a more conservative E l w e l l , o rg ., Enciclopédia histórico-teológica


view, p. 360). da igreja cristã.
25 Alcorão, suposta origem divina do
Alcorão, suposta origem divina do. O islamismo orto- 0 A lcorão não é único, mesmo entre obras em ára-
doxo e 0 cristianismo histórico não podem ser ambos be. 0 estudioso islâmico C. G. Pfander indica que “nem
verdadeiros. Cada religião reivindica que somente suas todos os estudiosos árabes concordam que 0 estilo li-
escrituras são a Palavra de Deus inspirada. Também con- terário do A lcorão seja superior a todos os outros li-
têm reivindicações mutuamente excludentes: Deus é três vros da língua árabe” . Por exemplo, “alguns duvidam
pessoas. Deus é apenas uma pessoa.A Bíblia diz que Cristo que em eloqüência e poesia ele supere 0 M u a lla q a t ,
morreu na cruz e ressuscitou dos mortos três dias de- ou 0 M agam at ou 0 H ariri, apesar de poucas pessoas
pois. O Alcorão nega essa informação (v. C risto, morte de; em temas islâmicos serem corajosas 0 suficiente para
Cristo, objeções morais λ morte de; C risto, lendas substituto as expressar tal opinião” (Pfander, p. 264). Dashti afirma,
da morte de; ressurreição, evidência da). Logo, é necessário
no entanto, que 0 A lcorão contém várias irregularida-
que 0 apologista cristão desafie as reivindicações de au- de gramaticais. Ele observa que:
toridade divina do Alcorão.
O rigem d o Alcorão. A reivindicação islâmica a
0 Alcorão contém frases que são incompletas e não são
favor do A lcorão é incomparável em relação a qual-
totalmente inteligíveis sem 0 uso de comentários; palavras
quer outra das principais religiões. Será que 0 A lcorão
estrangeiras, palavras árabes desconhecidas e palavras usa-
das com sentido anormal; adjetivos e verbos flexionados sem
é um milagre? iMaomé afirmou que sim — na verda-
consideração de concordância de gênero e número; prono-
de foi 0 único milagre que ofereceu como prova de suas
mes aplicados ilógica e incorretamente, que às vezes não têm
afirmações de ser profeta (surata 17.88). A evidência
referente; e predicados que, em passagens rimadas, às vezes
que os muçulmanos oferecem para tal afirmação in-
estão muito afastados dos sujeitos.
clui os seguintes pontos.
Argumento do estilo literário singular. A eloqüência é E acrescenta: “essas e outras aberrações na língua de-
altamente questionável como teste da inspiração divina; ram liberdade aos críticos que negam a eloqüência do
mas a pedra fundamental da posição islâmica é que 0 A lcorão” (Dashti, p. 48-9). Ele fornece vários exemplos
Alcorão possui qualidade e estilo literários que só pode- (74.1; 4.160; 20.66; 2.172 etc.), um dos quais é: “No
riam ter vindo diretamente de Deus. Na melhor das hi- versículo 9 da surata 49 (Al h u jju rat),‘E quando dois
póteses a qualificação literária do A lcorão prova que grupos de crentes combaterem entre si, reconciliai-os,
Maomé era uma pessoa dotada artisticamente. Mas dons então!’. O verbo para “combaterem” está no plural, mas
artísticos e intelectuais surpreendentes não são necessa- deveria estar no dual como 0 sujeito,“dois grupos” .Anis
riamente sobrenaturais. Mozart escreveu sua primeira A. Shorrosh descreve outras falhas no Alcorão. Por exem-
sinfonia aos seis anos de idade e produziu toda a sua obra pio, na surata 2, versículo 177, ele indica que a palavra
musical antes dos 35 anos, quando morreu. Maomé só árabe deveria ser sabirun, e n ão sabirin com o é encon-
começou a ditar as revelações quando contava com 40 trada por sua posição na frase. Da mesma forma sabiin
anos. Mas que muçulmano diria que as obras de Mozart na surata 5, versículo 69 é mais acertada que
são miraculosas? Se eloqüência fosse 0 teste, muitos clás- sabiu n .A lém disso, Shorrosh indica que há “um erro
sicos literários poderiam ser considerados divinos, desde grosseiro no árabe” da surata 3, versículo 59. (Shorrosh,
a llíada e a Odisséia de Homero até Shakespeare. p. 199-200). Dashti conta mais de 100 aberrações das
Além disso, até alguns dos primeiros estudiosos regras e estruturas normais do árabe (Dashti, p. 50).
muçulmanos admitiram que 0 A lcorão não era per- Com tais problemas, 0 A lcorão pode ser eloqüente, mas
feito quanto à forma literária. O teólogo xiita iraniano não é perfeito nem incomparável.
Ali Dashti observa que: Como Pfander observou:

entre os teólogos muçulmanos do período antigo, antes mesmo que provassem sem sombra de dúvida que 0 A/-
do fanatismo e da hipérbole prevalecerem, houve alguns corão é muito superior a todos os outros livros em eloqüên-
como Ebrahim On-Nassam que reconheceram abertamen- cia, elegância e poesia, isso não provaria sua inspiração, as-
te que a ordem e a sintaxe do Alcorão não eram miraculosas sim como a força de um homem não demonstra sua sabe-
e que obras de valor igual ou maior poderiam ser produzi- doria ou como a beleza de uma mulher não demonstra sua
das por pessoas tementes a Deus. virtude (Pfander,p.267).
Apesar de alguns condenarem essa visão (basea- Não há conexão lógica entre eloqüência literária e
da na interpretação da surata 17.90), On-Nassam teve autoridade divina. O Deus soberano (que os muçul-
muitos defensores, entre eles vários expoentes impor- manos aceitam) poderia decidir falar na linguagem
tantes da escola mutazilita (Dashti, p. 48). cotidiana, se quisesse.
Alcorão, suposta origem divina do 26
Na m elhor das hipóteses é possível tentar argu­ Em terceiro lugar, m esmo supondo que Maomé fosse
m entar que, se Deus falou, ele deve ter falado da for­ analfabeto, isso não significa que o A lcorão tenha sido
m a m ais eloqüente. De qualquer m aneira, seria um a ditado por Deus. Existem outras explicações possíveis.
falácia argum entar que o sim ples fato de o A lcorão ser Ainda que não form alm ente treinado, M aomé era um a
eloquente im plica que Deus teria sido o seu autor. Os pessoa inteligente, de grande habilidade. Seu escriba po­
seres hum anos podem falar eloqüentem ente, e Deus deria ter com pensado suas deficiências ao estilizar a
pode falar na linguagem com um . obra. Tal prática era comum. Homero era cego; logo, pro­
O utras religiões usaram o belo estilo literário de vavelmente, não escreveu seus épicos sozinho. Alguns
suas obras como sinal da origem divina. Os m uçul­ críticos argum entam que é possível que a prim eira im ­
m anos aceitariam a inspiração dessas obras? Por pressão de Maomé estivesse certa, que ele tivesse rece­
exemplo, o fundador persa do m aniqueísm o, M ani, bido a informação de um espírito maligno, que pode
“supostam ente afirm ou que os hom ens devem crer ter potencializado sua capacidade (v. M ao m é, su p o sto c h a ­
nele como o Parácleto [“Auxiliador” que Jesus prom e­ m ad o d 'v :n o d e).
teu em João 14] porque ele produziu um livro cham a­ Argumento d a p reserv ação do Alcorão. A preserva­
do A rtand, cheio de belas figuras”. Além disso,“ele dis­ ção perfeita do A lcorão prova sua alegada inspiração di­
se que o livro lhe foi dado por Deus, que nenhum ho­ vina? Os m uçulm anos dão a entender que o A lcorão
m em vivo poderia desenhar as figuras com tanta be­ existente hoje é idêntico aos m anuscritos originais, o que
leza e que, portanto, evidentem ente viera do próprio colocaria o livro acima da Bíblia. Os críticos do A lcorão
Deus” (Pfander, p. 264). M as nenhum m uçulm ano discordam disso. Primeiro, geralmente há um sério exa­
aceitaria essa afirm ação. Então por que os não-m u- gero com relação à preservação do A lcorão. Apesar de
çulm anos devem aceitar beleza literária como teste ser verdade que o A lcorão atual é quase um a cópia per­
válido para a autoridade divina do .-L.v\;o? feita do seu original do século vn, não é verdade que seja
A rgum ento d o a n a lfa b e:i;" ic .; í M aom é. Além do
exatamente igual ao que veio de Maomé.
seu estilo, a fonte hum ana e :■conteúdo do A lcorão são O A lcorão foi originariam ente ditado por M aom é e
prova da sua oricem divina. Eles insistem em que n e­ mem orizado por seus seguidores devotos, a m aioria dos
nhum livro co ~ essa m ensagem poderia ter vindo de quais foi m orta logo após a m orte de Maomé. Segundo
u ~ rrcreta analfabeto como M aomé. a antiga tradição, os escribas de M aomé escreveram em
E ouestionável que M aom é tenha sido realm ente
pedaços de papel, pedras, folhas de palm eira, ossos e
analfabeto. Como certa autoridade observou, as pala­ pedaços de couro. Os m uçulm anos acreditam que du ­
vras árabes a l unmi, que querem dizer o profeta “incul­ rante a vida de M aomé o A lcorão já estava escrito. Mas,
to” no A lcorão (7.157), “podem [significar] ‘pagão’ em segundo o testem unho de Zayd, contem porâneo e se­
vez de analfabeto’”. Pfander prefere a tradução “o pro­ guidor de M aomé, Abu Bakr pediu-lhe para “procurar
feta gentio”, concordando que o term o não implica anal­ o A lcorão [diversos capítulos e versos] e reuni-lo”. Ele
fabetism o (Pfander, p. 254). respondeu: “Então, pesquisei o A lcorão: eu o reuni a
A evidência sugere que Maomé não era analfabeto. partir de folhas de palm eira, e pedras finas e brancas e
Por exemplo, “quando o Tratado de Hudaibah foi assi­ peitos de hom ens...” (Pfander, p. 258-9). Na década de
nado, M aomé pegou a pena de Ali, riscou as palavras 650, durante o reinado de O tm an ibn Affan, o terceiro
nas quais Ali o designara “o enviado de Deus” e substi- califa m uçulm ano, relatou-se que várias com unidades
tuiu-as com a própria m ão pelas palavras “filho de islâm icas estavam usando versões diferentes do Alco­
A bdallah”. E, “segundo a tradição, quando estava m or­ rão. Mais um a vez, Zayd foi cham ado para preparar a
rendo, M aomé pediu pena e tinta para escrever um a versão revisada oficial. É essa versão que perm aneceu
ordem designando seu sucessor, m as sua força acabou uniform e e intacta, não a versão original vinda direta­
antes de o m aterial ser trazido” (Pfander, p. 255). m ente de Maomé.
W. M ontgom ery Watts inform a que “m uitos habi­ No livro M aterials for the history o ft h e text o f the
tantes de m eca sabiam ler e escrever, e portanto pres­ Qur’an [M ateriais d a h istória d o texto d o Alcorão], o
supõe-se que um com erciante eficiente como M aomé arqueólogo europeu A rthur Jeffry revelou sua desco­
entendia um pouco das artes” (Watt, p. 40). M esmo te­ berta de um a das três cópias conhecidas de algum as
ólogos m uçulm anos referem -se a M aom é como o “per­ obras islâm icas antigas cham adas M asahif. Esses li­
feito em intelecto” (Gudel, p. 72). Se M aom é não teve vros relatavam o estado do texto do A lcorão antes da
treinam ento form al na juventude, não há razão para padronização, prom ovida por Otm an. Isso revela, ao
que um a pessoa tão inteligente não pudesse aprender contrário da reivindicação dos m uçulm anos, que exis­
sozinha m ais tarde. tiram vários textos diferentes antes da revisão de
27 Alcorão, suposta origem divina do
O tm an. Na realidade, com o D ashti indica, alguns Os denom inados “versículos satânicos” ilustram
versículos do A lcorão foram m udados por sugestão ou tra m udança no texto original. Segundo um a ver­
dos escribas a M aom é, e outros por causa da influ­ são desses versículos, M aom é teve um a revelação
ência de O m ar i, segundo califa do Im pério M uçul­ em M eca, que p erm itia a intercessão de certos íd o ­
m ano, sobre M aom é. los, que dizia:
Jeffry conclui que a recensão de O tm an “foi o to ­
que político necessário para estabelecer o texto padrão Considerastes al-Hat e al-Uzza
para todo o im pério”. Já que havia grandes divergên­ E al-Manat, o terceiro, o outro?
cias entre as versões de M edina, Meca, Basra, Kufa e Estes são os cisnes exaltados;
Damasco, “a solução de O tm an foi canonizar o C ódice Sua intercessão é esperada;
d e M edin a e orden ar que todos os outros fossem Seus desejos não são negligenciados (Watt,p. 60).
destruídos”. Portanto, ele conclui: “resta pouca dúvi­
da de que o texto canonizado por O tm an foi apenas Pouco tem po depois disso M aom é recebeu outra
um dentre vários tipos de texto existentes na época” revelação cancelando os três últim os versículos e subs­
(Jeffry, p. 7-8). titu in d o o que en co n tram o s agora n a su ra ta 53
Nem todos os m uçulm anos atualm ente aceitam a versículos 21-23 que om item a parte sobre interces­
m esm a versão do Alcorão. Os m uçulm anos sunitas acei­ são desses deuses. Segundo Watt, am bas as versões ha­
tam a tradição sahih de M asud como autoritária. Masud viam sido recitadas em público. A explicação de
foi um a das poucas pessoas autorizadas por M aomé a M aom é foi que S atanás o en g an o u e in se riu os
ensinar o A lcorão. Mas o Códice de Ibn M asud do Alco­ versículos falsos sem que ele soubesse!
rão tem um grande núm ero de variações em relação à
W. St. Clair-Tisdall, que trabalhou por m uito tem ­
recensão de Otm an. Só na segunda surata há quase 150 po entre os m uçulm anos, indicou que m esm o no A l­
variações. Jeffry precisou de aproxim adam ente 94 pá­ corão atual existem algum as variações.
ginas para dem onstrar as variações entre os dois. Ele
tam bém destaca que as leituras variantes não são ape­ Dentre as diversas variações podemos mencionar: 1)
nas questão de pequenas variações linguísticas, como Na surata 28.48, alguns apresentam Sahirani em vez de
muitos m uçulm anos afirm am . Jeffry conclui que o tex­ Sihrani; 2) na surata 32.6, depois de ummahatuhum um
to de O tm an que foi canonizado era apenas um entre texto acrescenta as palavras wahua abun lahum; 3) na
vários, e “há suspeita grave de que Otm an possa ter edi­ surata 34.18, em vez de rabbana baid, algumas versões tra­
tado seriam ente o texto que canonizou” (Jeffry, ix-x).
A tradição islâm ica revela certas coisas que não se zem rabuna b a a d a ; 4) na surata 38.22, em vez de tisun
encontram no A lcorão atual. Uma delas é que Ayishah, outro texto coloca tisatun-, 5) na surata 19.35, em vez de
tantaruna alguns contêm yam taruna (Clair-Tisdall, p. 60).
um a das esposas de Maomé, disse:
Entre o que foi enviado do A lcorão estavam dez Apesar de os m uçulm anos xiitas serem m inoria,
(versículos) bem conhecidos sobre amamentação, que era são o segundo m aior grupo islâmico do m undo, com
proibida: depois foram anulados por cinco bem conhecidos. m ais de cem m ilhões de seguidores. Eles afirm am que
Então o enviado de Alá faleceu, e eles são o que se recita do o califa O tm an elim inou intencionalm ente m uitos
Alcorão (Pfander,p.256).
versículos do A lcorão que m encionavam Ali.
L. Bevan Jones resum iu bem a questão no livro The
Outro exemplo de algo que não é encontrado no Al­ p eo p le o f the m osqu e [O p o v o d a m esqu ita], quando
corãoatual é o que Om ar disse: disse:

Em verdade Alá enviou Maomé com a verdade, e fez apesar de ser verdadeiro que nenhuma outra obra per­
descer para ele o Livro, e da mesma forma o Versículo do maneceu durante doze séculos com um texto tão puro, pro­
Apedrejamento era parte do que o Altíssimo enviou: o en­ vavelmente também é verdadeiro que nenhuma outra so-
viado de Alá apedrejava, e apedrejamos como ele, e no Li­ freumudanças tão drásticas (Jones,p.62).
vro de Deus o apedrejamento é o castigo do adúltero”
(Pfander, p. 256). M esmo que o A lcorão fosse cópia perfeita do ori­
ginal dado por M aomé, isso não provaria que o origi­
Essa revelação original foi aparentem ente m udada, nal foi inspirado por Deus. Tudo o que dem onstraria é
e um a centena de chibatadas substituiu o apedrejamento que o A lcorã o atu al é um a cópia idêntica do que
como castigo pelo adultério (24.2). M aom é disse. Não diria ou provaria nada sobre a
Alcorão, suposta origem divina do 28

verdade do que ele disse. A afirm ação m uçulm ana de Mas 0 A lcorão ensina a doutrina da abrogação pela qual
que têm a religião verdadeira porque têm 0 único li- revelações posteriores anulam as anteriores.
vro sagrado perfeitam ente copiado é tão logicam ente Como Gerhard Nehls observou astutam ente: “Gos-
falh a q u a n to p re fe rir u m a n o ta p e rfe ita m e n te taríam os de descobrir como a revelação divina pode
falsificada de mil dólares em lugar da genuína ainda ser m elhorada. Ela deveria ser perfeita e verdadeira
que pouco im perfeita. A questão crucial em que os desde 0 princípio” (Nehls,p. 11). Alguns m uçulm anos,
apologistas m uçulm anos com etem um a petição de como Ali, afirm am que abrogação é apenas “revelação
princípio, é se 0 original é a Palavra de Deus, não se progressiva”, adaptando a m esm a m ensagem de Alá a
eles possuem um a cópia perfeita dele. pessoas diferentes que vivem em períodos diferentes.
A rgum ento das profecias. O A lcorão contém profe- “Mas a surata 2, versículo 106 [sobre abrogação] não
cias preditivas que provam sua origem divina? Isso é fala de cultura ou revelação progressiva com referên-
tratado em detalhes no artigo Maomé, supostos m ilagres cia às escrituras dadas antes de M aom é, m as apenas
de. Entre os pontos destacados estão os seguintes: aos versículos alcorânicos!” (Nehls, p. 2). A revelação
A m aioria das predições são na verdade exortações de Deus, progressiva, durante 1 500 anos, faz sentido,
de um líder m ilitar-religioso para continuarem lutan- conform e ocorreu com a Bíblia (v. p r o g r e s s iv a , r e v e l a -
do que Deus lhes daria a vitória. A única predição subs- cão). Ela traz 0 cum prim ento e am plia ensi-nam entos
tancial foi a respeito da vitória rom ana sobre 0 exérci- anteriores, em vez de fazer correções, e certam ente não
to persa em Issus (30.2-4), que não aconteceu no perí- depois de vinte anos. Isso parece particularm ente ver-
odo de tem po dado pela profecia de “dentro de pouco dadeiro pelo fato de os versículos corretivos estarem
anos” era esperada. geralm ente próxim os dos que são corrigidos. Além
A única outra profecia digna de nota é um a refe- disso, há versículos que as abrogações alcorânicas apa-
rência a dez noites encontrada na surata 89.2, que é rentem ente esqueceram de redigir. A surata 7 versículo
interpretada com o um a predição velada dos dez anos 54 diz que 0 m undo foi criado em 6 dias. Mas a surata
da perseguição sofrida pelos prim eiros m uçulm anos. 41, versículos 9-12, diz que Alá levou um total de oito
Essa é um a interpretação duvidosa, já que 0 versículo dias para criar 0 m undo (2 + 4 + 2). Como am bos
aparentem ente fala de peregrinação (v. profecia como podem estar corretos?
prova da B íb lia ).
O A lcorão tam bém afirm a que os seres hum anos
A rgum ento d a unidade. Insistir que 0 A lcorão deve
são responsáveis pelas próprias escolhas (18.29), e
ser revelação divina porque é coerente e não-contra- que Alá de antem ão selou 0 destino de todos, dizen-
ditório tam bém não é convincente. Às vezes, as rela-
ções de M aom é fo ram m u d a d a s, in c lu in d o os do: “E a cada hom em lhe penduram os ao pescoço 0
“versículos satânicos” citados acim a, em que a revela- seu destino e, no Dia da R essureição, apresentar-lhe-
ção original perm itia que certa tribo adorasse deuses em os um livro, que encontrará aberto” (17.13; v. tb.
pagãos (53.21-23). Essa é um a questão séria para 0 10.99,100).
profeta que acredita que 0 politeísm o é 0 pior pecado. Mesmo que 0 A lcorão fosse coerente, unidade ou co-
Todo 0 conceito de abrogação ( m an su kh ), em que erência é na melhor das hipóteses um teste negativo para
erros prévios foram corrigidos por versículos posterio- a verdade, não positivo. É claro que se um livro é de Deus,
res (cham ados nasikh), revela a falta de unidade no Al- inerrante, ele não conterá qualquer contradição. Mas
corão. Lê-se na surata 2.1: “Não anulam os nenhum
só porque um livro não tem contradições não significa
versículo, nem fazemos com que seja esquecido (por ti), que Deus seja 0 autor. John W. M ontgomery observou
sem substituí-lo por outro m elhor ou semelhante. Ig- com perspicácia: “A geom etria de Euclides é coerente,
noras, por acaso, que Allah é Onipotente?”. Por exem- mas isso não é suficiente para denom iná-la divinamente
pio, a surata 9, versículo 5 é cham ada “0 versículo da autorizada” (Montgomery, p. 9).
espada”, e supostam ente anula 124 versículos que ori- Coerência é 0 tipo de argumento que muitas pessoas
ginariam ente encorajavam a tolerância (cf.2.256). 0 Al- (mesmo cristãos) usam para seus livros sagrados.Mas nem
corão diz enfaticam ente “Não há imposição quanto à todos podem ser a Palavra inspirada de Deus, já que são
religião” (2.256), m as em outros trechos incentiva os mutuamente contraditórios. Unidade em si não prova au-
m uçulm anos: “Combatei aqueles que não crêem em tenticidade divina, ou todos os livros sagrados coerentes
Allah” (surata 9.29) e “m atai os idólatras, onde quer que que contraditórios seriam verdadeiros.A Bíblia é pelo me-
os acheis (9.5 ).N asikh é um a contradição porque 0 Al- nos tão coerente quanto 0 Alcorão, mas nenhum muçul-
corão afirm a que “... as palavras de Allah são im utá- mano admitiria que, por isso, ela seja inspirada por Deus.
veis...” (10.64), que, segundo eles afirm am , 0 A lcorão Argumento da precisão científica. Esse argumento con-
é. P o is“... Nossas decisões são inexoráveis...”( 6 .34). quistou popularidade recentemente, p rin c ip a lm e n te
29 Alcorão, suposta origem divina do
p o r causa do livro de M aurice Bucaille A B íblia, o Al­ Mas o A lcorão não dem onstra nenhum a evidência de
corão e a ciên cia, no qual o cristianism o é atacado por predições sobrenaturais como a Bíblia.
im pedir o progresso da ciência, e o A lcorão é exaltado Alguns críticos questionam quão cientificamente
por prom ovê-la. Na verdade, ele insiste que o A lcorão preciso o A lcorão é. Por exemplo, a afirm ação altam ente
previu m aravilhosam ente a ciência m oderna em vá­ controversa do A lcorão de que os seres hum anos são
rias de suas afirm ações, confirm ando assim de form a form ados a partir de um coágulo de sangue. A surata
m iraculosa sua origem divina. 23, versículo 14 diz:
Mas o cristianism o, não o islam ism o, foi o pai da
ciência m oderna. M. B. Foster, ao escrever para o reco­ Então, convertemos a gota de esperma em algo que se
nhecido jornal inglês de filosofia M ind [Mente] obser­ agarra (coágulo), transformamos esse algo em pequeno pe­
vou que a doutrina cristã da Criação é a origem da daço de carne e convertemos o pequeno pedaço de carne
ciência m oderna (v. Foster, W hitehead, p. 3-4). Os fun­ em ossos; depois, revestimos os ossos de carne....
dadores de quase todas as áreas da ciência m oderna
fo ram c ristã o s tra b a lh a n d o com b ase na sua Essa dificilmente é um a descrição científica do de­
co sm o v isão . Isso in clu i h o m en s com o N icolau senvolvim ento em briônico. Para evitar o problem a,
Copérnico, Johannes Kepler, W illiam Kelvin, Isaac Bucaille reinterpreta o versículo, traduzindo a palavra
N ew ton, Blaise P a s c a l , R obert Bovle, Jam es Clark árabe ’alak [coágulo] por “qualquer coisa que se agarra”
Maxwell e Louis Agassiz (v. c iê n c ia d as o rig e n s ). (Bucaille, p. 204). No entanto, isso é questionável. É con­
Portanto, apesar de o m onoteísm o islâmico ter feito trário â obra de autoridades islâmicas reconhecidas que
m uitas contribuições para a cultura m oderna, é exa­ fizeram as principais traduções para o inglês. E o próprio
gero reivindicar-lhe crédito para a origem da ciência Bucaille reconheceu que“...‘pasta de sangue’, que figura
m oderna. Os exércitos islâm icos destruíram vastas com um ente nas traduções, é um a inexatidão...” (p.233).
fontes de conhecim ento. Pfander, por exemplo, m en­ Isso dá a impressão de que sua tradução caseira foi gera­
ciona que, sob o califa Omar, os soldados m uçulm a­ da para resolver o problema, já que reconhece que “uma
nos destruíram vastas bibliotecas em Alexandria e na afirmação desse tipo é totalmente inaceitável para cien­
Pérsia. Quando o general perguntou a Om ar o que de­ tistas especializados no assunto” (ibid.).
via fazer com os livros, acredita-se que ele respondeu: Da m esm a forma, outros críticos observam que na
“Lance-os nos rios. Pois, se nesses livros há sabedoria, surata 18 versículo 86 o A lcorão fala de alguém viajan­
tem os sabedoria ainda m elhor no Livro de Deus. Se, do para o ocidente “Até que, chegando ao poente do sol,
pelo contrário, há neles algo que causará desvio, Deus viu-o pôr-se num a fonte fervente”. Mas até na tentativa
nos proteja deles” (Pfander, p. 365). de explicar esse problema,Yusuf Ali adm ite que isso tem
“intrigado os comentaristas”. E ele não explica realmente
É um erro supor que um livro é inspirado só por­ o problema, apenas afirm a que isso não pode ser “o ex­
que se conform a à ciência m oderna (v. c iê n c ia e a Bí­ trem o oeste, pois tal coisa não existe” (Ali, p. 754, n.
b lia ) . Apologistas m uçulm anos e cristãos com eteram 2430). Na realidade, não há extremo oeste, e ninguém
o erro de supor a verdade de um sistem a de conheci­ que viaja para o oeste chega ao lugar onde o sol se põe.
m ento científico específico. O conhecim ento científico Mas é isso que o texto diz, por m enos científico que seja.
m uda. Assim, o que parecia ser “harm onia” pode de­ Outros notaram que a suposta antevisão científica do
saparecer. Ao tentar ver teorias científicas m odernas Alcorão é altamente questionável. Kenneth Cragg observa:
em seus “livros sagrados”, erros em baraçosos foram
com etidos por seus defensores. Alguns exegetas do Alcorão afirmavam freqüentemente
M esmo que se pudesse dem onstrar perfeita harm o­ que invenções modernas e dados científicos, até fissão nu­
nia entre o A lcorão e os fatos científicos, isso não prova­ clear, foram previstos ali e agora podem ser detectados em
ria sua inspiração divina. Simplesmente provaria que o passagens não reconhecidas até agora em sua presciência.
A lcorão não com eteu nenhum erro científico. Na m e­ Significados anteriormente desconhecidos se revelam à me­
lhor das hipóteses, a precisão científica é um teste ne­ dida que a ciência progride.
gativo da verdade. Se erros fossem encontrados, isso
provaria que ele não é a Palavra de Deus. O m esm o se Essa conclusão, no entanto, “é altam ente repudia­
aplica à Bíblia ou a qualquer outro livro religioso. É cla­ da por outros como o tipo de corroboração de que o
ro que, se um livro antecipasse de m aneira constante e A lcorão, como escritura espiritual’, não precisa nem
precisa, com séculos de antecedência, o que só viria a aprova” (Cragg, p. 42).
ser descoberto m ais tarde, isso poderia ser usado num Mesmo se provassem que o Alcorão é cientificamen­
contexto teísta para indicar um a fonte sobrenatural. te preciso, ele não seria divinamente autorizado. Tudo que
Alcorão, suposta origem divina do 30

a precisão prova é que 0 A lcorão não cometeu erros ci- Qualquer grupo de idéias cridas e aplicadas fervorosa-
entíficos. Isso não seria inédito. Alguns teólogos judeus mente transformará os seguidores e sua cultura. Isso é
afirmam 0 mesmo a respeito da Torá e muitos cristãos verdadeiro sejam eles budistas (v. budismo), cristãos, mu-
afirmam exatamente a mesma coisa a respeito da Bí- çulmanos ou judeus. Que muçulmano aceitaria 0 argu-
blia, usando argumentos bem semelhantes.!Mas Bucaille mento de que O capital, de Karl M a rx , é inspirado porque
não concordaria que isso prova que 0 at e 0 xt são a transformou milhões de vidas e muitas culturas?
Palavra de Deus. Os críticos não se surpreendem pelo fato de tantos
A rgum ento da estrutura m atem ática. Uma prova terem se convertido ao islamismo quando lembram 0 que
popular da origem divina do A lcorão é sua suposta base foi prometido como recompensa para os que se conver-
milagrosa no número 19. Dezenove é a soma do valor tessem e a ameaça de castigo para os que não se conver-
numérico das letras da palavra “um” (com base na cren- tessem. Os que se“submetessem” receberiam a promessa
ça básica de que Deus é um). Tal método apologético do paraíso com belas mulheres (2.25; 4.57).
não é bem aceito nos círculos científicos por boas ra-
zões. Nenhum muçulmano aceitaria uma mensagem O castigo para aqueles que lutam contra Allah e contra
que afirma ser de Deus se ensinasse idolatria ou imora- 0 Seu Mensageiro, e semeiam a corrupção na terra, é que
lidade. Certamente nenhuma mensagem contendo tais sejam mortos, ou crucificados, ou lhes seja decepada a mão
afirmações seria aceita apenas por motivos matemáti- e 0 pé de lados apostos, ou banidos (5.33).
cos. Portanto, mesmo se 0 A lcorão fosse um “milagre”
matemático, isso não seria suficiente para provar que A tradição islâmica relata que Maomé deu a seguinte
era de Deus, mesmo para muçulmanos inteligentes. exortação para seus seguidores:
Mesmo que a probabilidade for muito alta contra
0 A lcorão ter todas essas combinações incríveis do nú- A espada é a chave do paraíso e do inferno; uma gota de
mero 19, isso não prova nada além de que há uma or-
sangue derramado pela causa de Deus, uma noite na luta,
dem matemática por trás da linguagem do A lcorão.
vale mais que dois meses de jejum e oração. Quem cai na
Como a linguagem é uma expressão da ordem do pen-
batalha terá seus pecados perdoados no dia do julgamento”
samento humano e como essa ordem pode ser reduzi-
(Gibbon, p. 3).
da à expressão matemática, não é anormal que uma or-
dem matemática possa ser encontrada por trás da lin-
A ganância humana teve influência: “ Guerreiros
guagem de um documento. Na verdade, não há nada de
árabes tinham direito a 4/5 de todo saque que junta-
tão anormal sobre sentenças que têm dezenove letras.
vam na forma de bens móveis e escravos” (Noss, p.
Além disso, 0 mesmo tipo de argumento (baseado
711). Era muito vantajoso submeter-se ao inimigo. Os
no número 7) foi usado para “provar” a inspiração da
politeístas tinham duas escolhas: submeter-se ou mor-
Bíblia. Pegue 0 primeiro versículo da Bíblia “ No prin-
rer. Os cristãos e judeus tinham outra alternativa: pa-
cípio criou Deus os céus e a terra” .G. Nehls indica que:
gar altos impostos (9.5,29). E as conquistas islâmicas
foram bem-sucedidas porque, em algumas das terras
O versículo consiste em 7 palavras hebraicas e 28 letras
conquistadas, 0 povo estava cansado dos maus tratos
(7 x 4). Há três substantivos: “Deus, céus, terra”. Seu valor nu-
mérico [...] é 777 (7x 11). O verbo “criou” tem 0 valor 203 (7 x dos governantes romanos e aceitaram voluntariamente
29). O objeto está contido nas três primeiras palavras — com a ênfase do islamismo à igualdade e fraternidade.
14 letras (7 x 2). As outras quatro letras contêm 0 sujeito — Além disso, 0 cristão ou judeu poderia argumen-
também com 14 letras (7x2) [e assim por diante]. tar a favor da verdade das suas religiões pelo mesmo
fundamento. Não seria surpreendente se a crença sin-
Mas nenhum muçulmano permitiria que isso va- cera em Deus, em sua lei moral e no dia final do juízo
lesse como argumento a favor da inspiração divina da mudasse a vida de uma pessoa — coisas em que to-
Bíblia. No máximo 0 argumento é esotérico e não con- dos os monoteístas morais acreditam. Mas não se pode
vincente. A maioria dos estudiosos muçulmanos in- concluir com isso que Maomé seja 0 último profeta de
elusive evita usá-lo. Deus.
Argumento das vidas transformadas. Apologistas in- Se é possível provar que vidas mudadas numa re-
dicam a transformação das vidas e da cultura pelo Alco- ligião são evidência de sua origem divina singular, à
rão como prova da sua origem divina. Tais transforma- luz do poder transformador do evangelho (Rm 1.16),
ções são esperadas. Quando alguém acredita em algo 0 cristianismo é igual, se não superior, ao islamismo.
fervorosamente, vive segundo essa crença. Mas isso ain- No livro E vidences o f Christianity [E vidên cias d o cris-
da não responde à questão se essa é a Palavra de Deus. tian ism o], William P a le y observa:
31 Alcorão, suposta origem divina do
Pois o que estamos comparando? Um camponês galileu ela. Em com paração, o islam ism o não cresceu pela
acompanhado por alguns pescadores com um conquistador m era força da sua m ensagem , m as apenas depois,
à frente de um exército. Comparamos Jesus, sem força, sem quando usou a espada. Na realidade, o cristianism o
poder, sem apoio, sem nenhum atrativo ou influência exter­ prim itivo cresceu m ais quando o governo rom ano es­
na, prevalecendo contra os preconceitos, a erudição, a hie­ tava usando a espada contra os cristãos durante os três
rarquia de seu país, contra as antigas opiniões religiosas, os prim eiros séculos.
ritos religiosos pomposos, a filosofia, a sabedoria, a autori­ Há razões perfeitam ente naturais para a difusão
dade do Império Romano no período mais civilizado e ilu­ rápida do islam ism o, diz Shorrosh. O islam ism o glo­
minado de sua existência — com Maomé fazendo suas jor­ rificava o povo, os costum es e a língua árabes. Incen­
nadas entre os árabes; captando seguidores em meio a con­ tivava a conquista e o saque de outras terras. Utilizava
quistas e triunfos, na era e nos países mais em trevas do a habilidade de lutar no deserto. Oferecia um a recom ­
mundo,e quando o sucesso militar não só operava por esse pensa celestial pela m orte e absorvia m uitas práticas
controle das vontades dos homens e pessoas que buscam pré-islâm icas na cultura árabe. M esmo se indicarem
feitos prósperos, como também era considerado o testemu­ razões m ais positivas, como m elhorias m orais, políti­
nho certo da aprovação divina. 0 fato de multidões, persua­ cas e culturais, parece não haver razão para supor qual­
didas por esse argumento, se ajuntarem ao séquito do líder quer coisa além de causas naturais para a difusão do
vitorioso; o fato de multidões ainda maiores se prostrarem, islamismo. Finalmente,-houve incentivos naturais para
sem protesto, perante poder irresistível — é uma conduta m uitos convertidos. Os soldados receberam a prom es­
em que não podemos ver nada surpreendente; em que não sa do paraíso prom etido como recom pensa por m or­
podemos ver nada que se assemelhe às causas pelas quais o rer na difusão do islam ism o. E o povo que não se sub­
estabelecimento do cristianismo foi efetuado (Paley, p. 257). m etesse era am eaçado de m orte, escravidão, ou com
im postos. Não há necessidade de apelar ao sobrena­
A rgumento d a difusão rápida do islamismo. Alguns tural para explicar o crescim ento do islam ism o sob
estudio sos islâm ico indicam a ráp id a difusão do essas condições.
islamism o como prova de sua origem divina. De acordo O estudioso Wilfred Cantwell Smith especifica o di­
com um apologista m uçulm ano: “a difusão rápida do lema islâmico. Os m uçulm anos acreditam que o islâ é a
islamism o m ostra que o Altíssimo o enviou como reve­ vontade de Deus e é destinado a dom inar o m undo, en­
lação final para o hom em ” (Pfander, p. 226). O islamismo tão seu fracasso deve ser indicação de que a vontade
ensina que está destinado a ser a religião universal. Há soberana de Deus está sendo frustrada. Mas os m uçul­
vários problem as sérios com esse raciocínio. Primeiro, m anos negam que a vontade de Deus possa ser frustra­
pode-se questionar o tam anho e o crescim ento rápido da. Portanto, logicamente eles devem concluir que tal
como testes definitivos da verdade. A m aioria nem sem ­ dom ínio não é a vontade de Deus. O biógrafo de Maomé,
pre está certa. Na verdade, a história tem dem onstrado M. H. Haykal, erra quando responde que os seres hu ­
que geralm ente a m aioria está errada. m anos são livres, e qualquer derrota ou retrocesso de­
De acordo com o próprio teste o islam ism o não é a vem ser atribuídos a eles (Haykal, p. 605). Se Deus real­
religião verdadeira, já que o cristianism o tem sido e m ente quisesse a supremacia do islamismo, sua vonta­
ainda é a m aior religião do m undo em núm ero de de divina teria sido frustrada, por meio da liberdade
adeptos — fato em baraçoso para os m uçulm anos. hum ana ou sem ela. Pois o islamismo não é e jam ais
Além disso, m esm o que o crescim ento rápido fosse foi, desde a época da sua criação, a religião m undial do­
usado com o teste da verdade de um sistem a, o cristia­ m inante num érica, espiritual ou culturalm ente. M es­
nism o, não o islam ism o, provaria ser a religião verda­ mo que o islam ism o tivesse um surto repentino de su­
deira. Pois ele cresceu m ais rápido no princípio, com cesso e ultrapassasse todas as outras religiões, isso não
sua m ensagem sim ples e sob forte perseguição rom a­ provaria que é de Deus. Logicam ente, todo esse suces­
na, que o islam ism o pela força militar. Na verdade, não so dem onstra que foi bem -sucedido, não necessaria­
só conquistou a p a rtir de suas raízes judaicas m ilha­ m ente que é verdadeiro. Pois m esm o depois que algo é
res de convertidos em poucos dias e sem anas (At 2.41; bem -sucedido, ainda podem os perguntar: É verdadei­
4.4; 5.14), m as alcançou o Im pério Rom ano pela força ro ou falso?
espiritual nos seus prim eiros séculos. A rgum ento que D eus f a l a na p rim eira p esso a . Os
C ertam ente, as cruzadas cristãs (séc. xn a xiv) tam ­ m uçulm anos apelam para o fato de que Alá fala na
bém usaram a espada, proibida por Jesus para espa­ prim eira pessoa como evidência de que o A lcorão é
lhar sua m ensagem (M t 26.52). Mas isso foi bem de­ a Palavra de Deus. Na Bíblia, Deus geralm ente é m en­
pois de o cristianism o ter conquistado o m undo sem cionado na segunda ou terceira pessoa, do ponto de
Alcorão, suposta origem divina do 32
vista humano. No entanto, nem todo 0 A lc o rã o fala e talentosa. Não há razão que impeça que uma men-
de Alá na prim eira pessoa, de forma que por essa te criativa seja a fonte dos ensinamentos do A lcorão
lógica apenas as partes na primeira pessoa seri- que não têm antecedentes humanos conhecidos.
am inspiradas. Nenhum muçulmano diria isso vo- 0 biógrafo de Maomé, Haykal, identifica uma pos-
luntariamente. Além disso, em grande parte da sível fonte das “revelações” de Maomé na sua descrição
Bíblia Deus fala na primeira pessoa, mas os mu- da imaginação fértil dos árabes: “Vivendo como ele sob
çulmanos não admitem que essas passagens se ja m 0 vazio do céu e movendo-se constantemente à procura
palavras de Deus, principalm ente quando Deus de pasto ou comércio, e sendo constantemente forçado
abençoa Israel, dando a eles a terra da Palestina a excessos, exageros, e até mentiras que a vida do co-
como herança. mércio geralmente implica, 0 árabe é dado ao exercício
A verdade é que tanto 0 A lcorão quanto a Bíblia da sua imaginação e a cultiva sempre para 0 bem ou
têm passagens que falam de Deus na primeira e na para 0 mal, para paz ou para guerra” (ibid., p. 319).
terceira pessoas. Assim, os muçulmanos não podem Possíveis fon tes sa tân icas d o Alcorão. Também é
usar isso como prova singular da origem divina do possível que Maomé tenha recebido suas revelações
A lcorão. de um espírito maligno. Ele mesmo a princípio acre-
E v id ê n c ia d e u m Alcorão h u m a n a m e n t e inspi- ditava que suas “revelações” vinham de um demônio,
ra do . Além de não existir evidência da origem divina mas foi encorajado por sua esposa Khadija e pela pri-
do A lcorão, há fortes indicações de que sua origem não ma dela, Waraqah, a acreditar que a revelação vinha
é divina. de Deus. Isso é contado em mais detalhes no artigo
F alibilidade. Deus não pode cometer erros ou mu- M aom é, suposto cham ado divino de. Seja pelo próprio
dar de idéia. Porém, como visto acima, 0 A lcorão re- brilhantismo, por outras fontes humanas ou por espí-
flete tal falibilidade em várias ocasiões. ritos malignos finitos, não há nada no A lcorão que não
Fontes pu ram en te hum anas. Conforme descobertas possa ser explicado sem a revelação divina.
de estudiosos reconhecidos pelo islamismo,o conteúdo C onclusão. Apesar das evidências acima contra
do A lcorão pode ser rastreado em sua origem até obras qualquer origem divina do A lcorão, é interessante que
judaicas ou cristãs (geralmente dos apócrifos judaicos autores muçulmanos tenham se negado a abordar a
ou cristãos) ou fontes pagãs. Arthur Jeffry, no livro téc- questão das origens humanas do A lcorão, mas sim-
nico e erudito The foreig n vocabulary o f the Qur’an [0 plesmente repitam afirmações dogmáticas sobre sua
vocabulário estrangeiro do A lcorão], demonstra com ha- fonte divina. Na verdade, raramente encontra-se reco-
bilidade que “não só grande parte do vocabulário reli- nhecimento de problemas, muito menos uma apoio-
gioso, mas também a maior parte do vocabulário cul- gia, entre os estudiosos muçulmanos.
tural do A lcorão não são de origem árabe” (Jeffrv, p. 2).
Algumas das fontes de vocabulário são as línguas etíope, Fontes
persa, grega, siríaca, hebraica e copta (ibid., 2-32). A. A. A b d u l- H a q q , Sharing your faith with a
St. Clair-Tisdall, em The sources o f Islam [As fon tes muslim.
d o Islã], também revela que certas histórias alcorânicas H. A h m a d , Introduction to the study o f the holy
sobre 0 a t dependem do Talm ude. A influência do Quran.
Talmude pode ser vista nas histórias alcorânicas de Caim Μ. Μ. A. A jij o la , M uham mad and Christ.
e Abel, Abraão e os ídolos, e a Rainha de Sabá. A influên- A i.-Rummani, em A. Rippin e J. Knappert, orgs.,
cia direta dos apócrifos cristãos pode ser vista na histó- Textual sources fo r the study o f Islam.
ria dos sete adormecidos e nos milagres da infância de Μ. A1.1, The religion o f Islam.
Jesus, e doutrinas zoroastristas aparecem em descrições Y. Ali, The Holy Quran: translation and
das huris (virgens) no paraíso e no sirat (a ponte entre 0 commentary.
inferno e 0 paraíso; Tisdall, p. 49-59, 74-91). Práticas M. B u c a ii .l E j A Bíblia, 0 Alcorão e a ciência.
como a de visitar a Caaba, os vários detalhes da pere- W. St.CLAiR-TisDALL, A m a n u a l o f the leadin g
grinação à Meca, incluindo visitas aos montes Safa e M uhammedan o bjection s to Christianity.
Marwa, e 0 lançamento de pedras contra uma coluna K. C ragg , Contemporary trends in Islam, em
que simboliza Satanás, eram práticas pré-islâmicas da J. D. Woodberry, org., Muslims and Christians
Arábia pagã (Dashti, p. 55,93-4,164). on the Emmaus road.
0 brilhantism o de M aom é. Como mencionado acima, A. D a s h t i, Twenty-three years: a study o f the
Maomé pode não ter sido analfabeto, e mesmo que não prophetic career o f M ohammad.
tivesse treinamento formal, foi uma pessoa inteligente M. F o re m a n , An e v a lu a t io n o f i s la m ic m ir a c le
33 Alfarabi
c la im s i n th e lif e o f M u h a m m a , te se não- 1. Existem coisas cuja essência é diferente de sua
p u b l i c a d a (1 9 9 1 ). existência. Chamadas “seres possíveis” , elas
Μ . B . F o s te r, T h e C h r is tia n d o c tr in e o f creation podem ser concebidas como não-existentes
a n d t h e r is e o f m o d e r n s c ie n c e , Mind apesar de existirem.
( 1 9 3 4 ). 2. Esses seres têm existência apenas no plano aci-
N . L . G e is le r e A . S a le e b , Answering Islam: the dental, isto é, não faz parte de sua essência exis-
Crescent in the light o f the cross. tir. É logicamente possível que elas jamais exis-
E. G ib b on , The history o f the decline and fall o f tissem.
the Roman empire. 3. Qualquer coisa que tenha existência acidental
]. P. G u d e l, To every muslim an answer: islamic (e não-essencial) deve receber sua existência
apologetics com pared and contrasted with
de outra. Já que a existência não é essencial a
Christian apologetics.
ela, deve haver alguma explicação para sua
H . H a n e e f, What everyone should know about
existência.
Islam and muslims
4. Não pode haver uma regressão infinita de
Μ . H . H a y k a l, The life o f M uhammad.
causas para a existência. Já que a existência
A . J e f f r y , e d ., Islam: M uham m ad and his
de todos os seres possíveis é recebida de ou-
religion.
tra, deve haver uma causa pela qual a exis-
L. B. Jo n es, The people o f the mosque.
tência é recebida.
J. W . M o n tg o m e r y , Faith fou n ded on fact.
5. Portanto, deve haver uma Primeira Causa de
_____ , M u d j iz a , e m The encyclopedia o f
existência cuja essência e existência são idên-
Islam.
ticas. Esse é 0 Ser N ecessário, e não apenas
G . N e h ls , Christians ask muslims.
possível. A Primeira Causa não pode ser um
J. B. Noss, Mans religions.
mero ser possível (cuja essência é não existir),
W . P a le y , Evidences o f Christianity.
já que nenhum ser possível pode explicar a
C. G . P fa n d e r, The M izanul Haqq (The balance o f
própria existência.
truth).
A . A . S h o rro sh , Islam revealed: a Christian Arab’s
view o f Islam.
Avaliação do argum ento de Alfarabi. Muitas crí-
H . S p e n ce r, Islam and the Gospel o f God. ticas ao argumento cosmológico foram feitas por ateus,
C. W a d d y , The muslim mind. agnósticos e céticos. A maioria delas emanam de David
W. M . W a t t , M uham m ad:prophet and statesman. H um e e Immanuel K a n t e foram respondidas por

A . N . W h it e h e a d , Science in the modern world. teístas (v. Deus, objeções a provas em favor de).
Conclusão. Se existem seres cuja essência é não-
Alfarabi. Filósofo árabe de ascendência turca que vi- existir, deve haver um Ser cuja essência é existir,
veu em Alepo (870?-950). Foi um dos primeiros filó- pois as coisas possíveis não são possíveis a não ser
sofos monistas ou panteístas a apresentar as obras de que haja um Ser Necessário. Nenhum ser passa a
Aristóteles e de Platão durante a Idade Média. Influ- existir exceto se algum Ser lhe der essa existência.
enciou Avicena (Ibn Sinâ, 980- i 037) e Averróis (1126- Já que um ser não pode dar existência a outro quan-
1198), cujas posições dominaram a discussão filosó- do é dependente de outro para a própria existência,
fica no fim da Era Medieval. deve haver um primeiro Ser cuja existência não lhe
O pensamento de Alfarabi foi muito influente nas foi dada por outro, mas que dá existência a todos
formas cristãs posteriores do argumento cosmológico os outros. Esse é basicamente 0 mesmo argumento
(v. Deus, evidências de; k a l a m , argum ento cosm ológ ico ). subjacente aos três primeiros dos “cinco caminhos”
Ele construiu a base para os argumentos escolásticos de Aquino para provar a existência de Deus (v. To-
pela distinção entre 0 qu e uma coisa é e 0 fato de que MÁS DE A Q U IN O ).
ela existe. Alfarabi via isso como 0 sinal de distinção
real entre a essência da criatura e sua existência — Fontes
conceito mais tarde defendido por Tomás de A quino. F. C o p le s to n , H istory o f philosophy.
O argum ento cosmológico de Alfarabi. Nessa E. G ils o n , Al Farabi, ep.

distinção real está implícito 0 argumento a favor da ____, H istory o f Christian p hilosop h y in
existência de Deus que assume a seguinte forma: the M iddle Ages.
Altizer, Thomas J. J. 34

alma, imortalidade da. V. im ortalidade. ressuscitou dos mortos).“ Sim, Deus morreu na crucifi-
cação: logo ele cumpre 0 movimento da Encarnação, es-
alta crítica. V. c r ít ic a da B íb lia ; c r ít ic a da redação do vaziando-se completamente de sua sacralidade primor-
A n tig o Testam entojEspinosa, B a ru c h ; W e llh a u s e n J ulius. dial” . De fato, só na crucificação, na morte do Verbo na
Cruz, é que 0 Verbo verdadeira e completamente se tor-
Altizer, Thomas J. J. G. W. F. Hegel (1770-1831) escre- na carne. E “a encarnação só é realmente verdadeira se
veu: “ Deus está morto” (Hegel, p. 506) e Friedrich afeta a morte do sagrado original, a morte do próprio
Nietzsche ( 1844-1900) levou 0 conceito a sério. Escre- Deus” (ibid., p. 82-90,113,149-53; (v. C risto , morte de;
veu: “Deus está morto! Deus continua morto! E nós 0 RESSURREIÇÃO,EVIDÊNCIAS DAJ RESSURREIÇÃO, OBJEÇÔES à ).
matamos” (Nietzche, n.° 125). Na década de 1960 A m orte nos tem pos m odernos. Finalmente, Deus
Thomas J. J. Altizer extraiu as implicações radicais des- morreu nos tempos modernos. Isto é, Deus não só mor-
se tipo de ateísmo e as inseriu em sua teologia da “Mor- reu realmente na encarnação e na cruz, mas morreu em
te de Deus” . nossa consciência, na nossa época, à medida que a rea-
O sig n ifica d o d a m o rte d e D eu s. Há vários tipos lidade de sua morte se desdobrou na cultura ocidental.
de ateísmo. O ateu tradicion al acredita que não existe Para entender isso, é necessário falar sobre um proces-
nem nunca existiu um Deus (v. F eu erb a ch , Lu d w ig ; so dialético.“Progressiva mas decisivamente Deus aban-
F re u d , Sigmund; S a r t r e , Je a n - P a u l). Os ateus sem ân ti- dona ou nega sua passividade original [...] encarnando-
cos afirmam que 0 termo Deus está morto, que a lin- se tanto na quanto com o a realidade do mundo e da his-
guagem religiosa não tem significado (v. A y e r, A . J.; tória. Logo, apegar-se a crença num Deus transcenden-
acognosticismo). Os ateus m itológicos, representados por te é negar a realidade histórica da encarnação” . Pois
Nietzsche, afirmam que 0 mito Deus já esteve vivo, mas “apenas 0 sagrado que nega a própria forma primordi-
morreu no século xx. Os ateus conceituais acreditam al e sagrada pode se encarnar na realidade do profano” .
que existe um Deus, mas está escondido da nossa vi- Portanto, “dialeticamente, tudo depende do reconheci-
são, sendo obscurecido pelas nossas construções mento do significado da identificação total de Deus com
conceituais (v. B u b e r, M a r t in ) . Os ateus p ráticos afir- Jesus e do entendimento que é Deus que se tornou Jesus
mam que Deus existe, mas devemos viver com o se não e não Jesus que se torna Deus” (ibid., p. 46). Logo, é obri-
existisse, sem usar Deus como muleta para nossa in- gação de todo cristão desejar a morte de Deus para que
capacidade de agir de maneira espiritual e responsá- 0 processo dialético possa continuar.
vel. Altizer era um ateu dialético. Os ateus dialéticos A valiação. O ateísmo dialético nega a inspiração
acreditavam que Deus realmente existiu, mas morreu da Bíblia (v. B íb lia , evidências d a), optando pela crítica
no nosso século. radical infundada (v. B íb lia , c r ít ic a da; N o vo Testamen-
Os estágios d a m orte. Altizer chamou Nietzsche 0 to, h istoricid ade do; e d iç ã o ,c rític a de). Nega a ressurrei-
primeiro cristão radical (Altizer, O evangelho do ateísm o ção corporal de Cristo contra toda a evidência históri-
cristão, p. 25). Altizer acreditava que“só 0 cristão sabe que ca (v. ressu rre içã o , evidências da).
Deus está morto, que a morte de Deus é um evento defi- Essa teologia é baseada numa interpretação errô-
nitivo e irrevogável” (ibid., p. 111). Deus não está apenas nea da Encarnação. As Escrituras afirmam que, quan-
escondido da nossa visão, como Martin Buber acredita- do Cristo veio à terra, 0 que aconteceu não foi a sub-
va. Ele realmente morreu em três estágios: tração da divindade, mas a adição da humanidade.
A m orte na E n carn ação. Primeiro, Deus morreu Deus não deixou 0 céu; apenas a segunda pessoa da
quando se encarnou em Cristo. “O fato de Deus ser Je- Trindade acrescentou a si outra natureza, humana, sem
sus significa que 0 próprio Deus se tornou carne; Deus descartar sua natureza divina (v. C ris to , divindade de;
não precisa mais existir como Espírito transcendente trin d a d e ).
ou Senhor soberano” . Quando 0 Espírito se torna Ver- Filosoficamente é impossível que 0 Ser Necessário
bo, ele se esvazia. Isto é, “se 0 Espírito realmente se (Deus) morra. O Ser Necessário não pode passar a exis-
esvazia ao entrar no mundo, então seu próprio Ser es- tir ou deixar de existir. Ele sempre existirá.
sencial e original deve ser deixado para trás numa for- O método dialético subjacente à teoria de Altizer é
ma vazia e sem vida” (ibid., p. 67-8). Em resumo, quan- infundado. Não há base para acreditar que a realidade
do Deus veio à terra, 0 céu ficou vazio (v. C risto da ff. opere por meio de tese, antítese e síntese dialética.
vs. Jesus da h is tó ria ; Jesus h istó rico , busca pelo). C onclusão. O movimento da “morte de Deus” foi
A m orte na cruz. Além disso, Deus não morreu ape- curto, dominando 0 cenário por apenas uma década
nas em geral na encarnação, mas morreu especifica- aproximadamente. Baseou-se numa teologia dialética,
mente na cruz quando Cristo foi crucificado (e não geralmente atribuída a Hegel. Essa teoria exige que toda
35 analogia, princípio da
tese, tal como “ Deus existe” , demande a antítese: “ Deus semelhante às criaturas que fez. Da mesma forma, nos-
não existe” : que por sua vez torna-se a base para nova sas idéias sobre Deus — se estiverem certas — não são
síntese. Isso sempre aparece num movimento progres- totalmente iguais nem totalmente diferentes; são seme-
sivo, 0 qual Altizer não sabia exatamente que forma as- lhantes (análogas). A linguagem religiosa análoga, en-
sumiria. Mas ele acreditava que uma pessoa “deve estar tão, é a única maneira de preservar 0 verdadeiro conhe-
sempre aberta a novas epifanias do Verbo ou do Espíri- cimento de Deus. A discussão unívoca sobre Deus é im-
to de Deus [...] epifanias realmente novas cujas própri- possível e a discussão equívoca sobre Deus é inaceitá-
as ocorrências afetam ou registram um novo movimen- vel e autodestrutiva. Apenas a analogia evita as armadi-
to, ou uma nova realidade, ou 0 próprio processo divi- lhas de ambas e dá entendimento genuíno de Deus.
no” (ibid., p. 84, 105). Assim, enquanto Altizer parece Como Tomás de A quino declarou:
negar todas as formas de transcendência, na verdade
ele nega apenas formas tradicionais que transcendem Esse nome Deus [...] não é entendido nem unívoca
para trás ou para cima e as substitui por uma nem equivocamente, mas analogicamente. Isso fica claro
transcendência futura. Isso já foi chamado de transcen- pela seguinte razão — nomes unívocos têm absolutamente
dência escatológica (v. Geisler, p. 49-52). 0 mesmo significado, ao passo que nomes equívocos têm
nomes diferentes; no sentido analogo, um nome entendi-
Fontes do num significado deve ser colocado no âmbito da defi-
T. J. A l t i z e r , The gospel o f Christian atheism. nição do mesmo nome entendido em outros significados
____ , Radical theology and the death o f God. (Suma teológica , 1a. 13,10).
N. L. G e is le r , Philosophy o f religion.
G. W. F. H e g e l, The phenom enology o f Spirit. A b a se p a r a a a n a lo g ia . A analogia preserva 0 co-
F. N ie tz c h e , Joyful wisdom. nhecimento verdadeiro de Deus porque está baseada
na própria natureza das auto-expressões de Deus. É
analogia, p rin cíp io da. Dois princípios da an alogia às claro que Deus só pode expressar-se às criaturas em
vezes afetam a apologética cristã. Uma é uma regra do termos diferentes dele mesmo. Então, pela própria
historicism o, formulada pelo historiador e teólogo libe- natureza tal expressão ou manifestação de Deus será
ral Ernst Troeltsch (1865-1923), segundo a qual a única limitada, visto que 0 próprio Deus é ilimitado. Mesmo
maneira de 0 passado ser conhecido é por analogia com assim, uma expressão sobre Deus deve comunicá-lo.
0 presente. A implicação dessa regra é que, já que os Logo, a analogia flui da própria natureza do processo
tipos de milagres realizados na Bíblia não acontecem divino de auto-revelação.
hoje, também não podemos saber se aconteceram no A nalogia na causalidade. A semelhança entre 0 Cri-
passado. Para a discussão desse princípio e suas difi- ador e a criatura é baseada na relação causai entre eles
culdades, v. 0 artigo T ro e ltsch , E r n s t. A outra maneira (v. causalidade, principio da). Já que Deus é existência pura
em que esse termo é usado é como um princípio fun- (puro Ser), e já que ele causa todas as outras existências
damental da razão (v. primeiros princípios).É nesse senti- (seres), deve haver uma semelhança entre ele — a Cau-
do que 0 princípio é considerado aqui. sa eficiente — e seus efeitos. Pois uma causa se co-
O p r in c íp io d a a n a lo g ia . 0 princípio da analogia munica com 0 efeito. Existência causa existência. A
afirma que 0 efeito deve ser semelhante à sua causa. Causa da existência deve ser um Ser. Pois ela não pode
Semelhante produz semelhante. 0 efeito não pode ser dar 0 que não tem; não pode produzir a realidade que
totalmente diferente de sua causa. 0 ato (ou agente) não possui. Então, embora a Causa seja um Ser Infini-
transmite realidade. O princípio afirma que a Causa to e 0 efeito seja um ser finito, 0 ser que é 0 efeito é
de toda existência (Deus) deve ser semelhante aos se- semelhante ao Ser que 0 causou. A analogia é baseada
res que ele causa. Nega que Deus pode ser totalmente na causalidade eficiente. Pois “podemos dar nome a
diferente (equívoco) dos seus efeitos, pois 0 Ser que Deus somente a partir das criaturas. Portanto, 0 que é
causa todos os outros seres não pode criar algo que dito sobre Deus e as criaturas é dito tanto à medida da
não tenha existência semelhante à sua. Existência cau- relação entre as criaturas e Deus — a causa princi-
sa existência. pal delas, visto que todos os atributos preexistem ex-
Da mesma forma, a analogia afirma que Deus não celentemente” (ib id ., 10.13,5).
pode ser totalmente 0 mesmo que seus efeitos, pois nesse 0 testemunho da analogia. A necessidade da analo-
caso eles seriam idênticos a Deus. Mas as criaturas não gia não é evidente apenas na revelação geral acerca de
podem ser idênticas ao que não foi criado, nem 0 finito Deus encontrada na natureza; ela também é essencial
ao Infinito. Assim, Deus, 0 Criador de todo ser, deve ser à revelação especial de Deus nas Escrituras (v. B íb l ia ,
analogia, princípio da 36

e v id ê n c ia s d a ) . A Bíblia declara ser verdadeiro 0 conhe- (Aquino, Do ser e da essência). Então, todos os seres
cimento de Deus (v. B íb l ia , e v id ê n c ia s d a ). Mas esse co- criados devem ser compostos de realidade e
nhecimento está contido num livro composto por pa- potencialidade. Eles têm existência real e têm 0 po-
lavras e frases humanas na experiência humana finita. tencial de não existir. Qualquer coisa que passa a exis-
Logo, a questão é: Como podem conceitos humanos tir pode deixar de existir. Mas, se todos os seres cria-
finitos comunicar 0 Deus infinito? A resposta de dos têm um potencial que limita sua existência, então
Aquino é que devem fazê-lo analogamente. Deus não eles são tipos limitados de existência, e sua Causa
é nem idêntico nem completamente diferente de nos- incriada é um tipo ilimitado de existência.
sas expressões sobre ele. É, antes, semelhante a elas. Logo, deve haver uma diferença entre as criaturas
Revelação especial na analogia. Em relação a isso e seu Criador. Elas são limitadas (potencial), e ele não.
a Bíblia é enfática sobre duas coisas. Em primeiro lugar, Isso implica que, quando se fazem afirmações sobre
Deus está além de nossos pensamentos e conceitos, até Deus baseadas no que ele revelou sobre si mesmo na
mesmo dos melhores que possamos ter (cf. Rm 11.33). criação, há uma grande exceção: Deus não é semelhan-
Deus é infinito, nossos conceitos são finitos, e nenhum te à sua criação quanto à potencialidade dela, mas ape-
conceito finito pode imaginar 0 infinito. Também fica nas quanto à realidade. Esse elemento negativo é cha-
claro nas Escrituras que Deus ultrapassa a capacidade mado “0 caminho da negação” {via negativa), e toda
insignificante dos conceitos humanos de comunicar sua discussão adequada sobre Deus deve presumir isso.
essência inefável. Paulo disse:“Agora, pois, vemos ape- Essa conclusão emerge da própria natureza das pro-
nas um reflexo obscuro, como em espelho...” ( 1 C0 vas da existência de Deus.
13.12). João disse sobre 0 homem mortal nesta vida: Podemos afirmar 0 positivo e 0 negativo em duas
“Ninguém jamais viu a Deus” (Jo 1.18). Em segundo propostas:
lugar, apesar dessa deficiência, a linguagem humana é
adequada para expressar os atributos de Deus. Pois, ape- Deus é uma Causa.
sar da diferença infinita entre Deus e as criaturas, não
há ausência total de semelhança, já que 0 efeito sempre Esse é 0 elemento positivo da semelhança na ana-
se assemelha de alguma forma à Causa eficiente. logia criatura-Criador. Seja qual for a realidade que
Mas se Deus é expresso adequadamente em lin-
existe, ela é como a Realidade que a produziu.
guagem humana, mesmo em linguagem inspirada, e
ao mesmo tempo infinitamente mais que qualquer lin-
Deus é uma causa não-causada.
guagem possa expressar, então a linguagem das Es-
crituras é, no máximo, análoga. Isto é, nenhum termo
Esse é 0 elemento negativo. A mesma negação
extraído da experiência humana — e é daí que vêm
deve ser levada em consideração ao examinar ou-
todos os termos bíblicos — pode fazer mais que nos
tros atributos de Deus que emergiram do argumen-
contar com 0 que Deus se parece. Nenhum deles pode
to a favor da sua existência. Como Aquino disse:
expressar de maneira abrangente 0 que Deus realmen-
“ Nenhuma criatura finita pode ser adequada ao
te e. A linguagem religiosa é capaz de, no máximo, fa-
primeiro agente, que é infinito” {D o p o d e r de D eus,
zer afirmações válidas da essência de Deus, mas ja-
7.7). Deus é a causa infinita de toda existência finita.
mais pode expressar sua essência completamente.
A linguagem da analogia. Há duas razões pelas Mas infinito quer dizer não- finito; isso também é
uma negação. Deus é a Causa eterna, isto é, sem fim
quais as afirmações feitas sobre Deus com base na re-
e além do tempo. Algumas das negações não são
velação geral (v. r e v e l a ç ã o g e r a l ) são meramente aná-
tão óbvias. Deus é a Fonte simples (indivisível) de
Iogas. Inicialmente está a questão da causalidade. Os
toda existência complexa. Mas “ simples” aqui real-
argumentos a favor da existência de Deus são argu-
mentos do efeito em direção à Causa eficiente da sua mente significa não complexa. Sabemos que as cri-
existência (ibid., Ia. 2,3; v. D e u s , e v id ê n c ia s d e ) . Já que aturas são contingentes e Deus é necessário, mas
recebem sua realidade de Deus (que é Realidade Pura), por “necessário” só queremos dizer que Deus não é
os efeitos devem ser semelhantes a ele. Pois a Realida- contingente. Não temos nenhum conceito positivo
de transmite e produz realidade. na nossa experiência que possa expressar a dimen-
Depois, a Realidade Pura (Deus) não pode criar são transcendente das características metafísicas
outra Realidade Pura. Realidade Pura não é criada, e é ilimitadas de Deus.
impossível criar um Ser incriado. Mas se a Realidade Portanto, a analogia que usamos para falar so-
incriada não pode criar outra Realidade Pura, então bre Deus sempre conterá um elemento de negação.
ela deve criar uma realidade com potencialidade A criatura é sem elh a n te a Deus porque a Realidade
37 analogia, princípio da
transm ite realidade, m as diferente de Deus porque tem 0 bem infinito está relacionado ao Ser infinito da
um a potencialidade lim itadora que Deus não tem . Ele m esm a m aneira em que o bem finito está relacionado
é Realidade Pura. ao ser finito. Mas isso não ajuda, e pode atrapalhar, a
Tipos de analogia. Dois tipos básicos de analogia encontrar um a relação (sem elhança) entre o bem infi­
devem ser distinguidos: extrínseco e intrínseco. A ana­ nito e o bem finito. Esse não é o tipo de analogia em que
logia entre Deus e a criação é baseada na analogia in­ Aquino baseou a sem elhança entre Criador e criatura.
trínseca. Caso contrário, não haveria sem elhança real. A n alog ia intrínseca. A analogia intrínseca é a em
A nalogia extrínseca. Não há sem elhança real entre
que am bas as coisas possuem a m esm a característica,
duas partes na analogia extrínseca. Só um a possui a ca­ cada um a de acordo com a própria existência. Nova­
racterística; à outra é atribu ída essa característica por m ente há dois tipos: a analogia da proporcionalidade
sua relação com ela. Isso pode ser mais bem explicado adequada e a analogia de atribuição intrínseca.
pela observação dos tipos de analogia extrínseca. A an a lo g ia intrínseca é b a se a d a na sem elh an ça de
A an alog ia extrínseca é b a se a d a na cau salid ad e efi­
relações.Ao m udar sutilm ente a afirm ação de relação
ciente. A analogia é cham ada “analogia por atribuição
na analogia da proporcionalidade inadequada, pode­
extrínseca”. A característica só é atribu íd a à causa por­ m os desenvolver a “analogia da proporcionalidade ade­
que a causa produz a característica no efeito. Na reali­ quada”. Na analogia da proporcionalidade adequada
dade, a causa não possui a característica. Alguns ali­ duas coisas sem elhantes são com paradas, não duas re­
m entos são d en om in ad os “saudáveis” porque estim u­ lações sem elhantes. Há um a relação adequada entre o
lam a saúde do corpo, não porque os alim entos em si atributo que cada um a possui e suas respectivas n atu ­
sejam saudáveis. rezas. Aplicada a Deus essa analogia declararia que:
Essa analogia não oferece qualquer base real para
o conhecim ento de Deus. Só nos m ostra o que a causa
pode produzir, não a característica que realm ente pos­ B em Infinito B em Finito
sui. Nesse tipo de analogia, Deus pode sim plesm ente como
ser ch am ad o bom porque produz coisas boas, m as não Ser Infinito Ser Finito
porque ele seja realm ente bom . Logo, a analogia base­
ada na atribuição extrínseca nos deixa num estado de Apesar de essa analogia não explicar a relação direta
A G N O S Tic iS M O com relação a Deus.
entre o atributo da bondade aplicado a ambas as partes,
A analogia extrínseca é b a sea d a na sem elh an ça das
ela compara a m aneira em que um atributo de Deus está
relações. A analogia baseada em relações sem elhantes
relacionado à sua essência e, por comparação, a m aneira
às vezes é cham ada “analogia da proporcionalidade em que um atributo semelhante no hom em como cria­
inadequada”. É “inadequada” porque a relação existe tura está relacionado à sua essência. A analogia não nos
apenas na m ente que faz a com paração. Não há verda­ diz nada sobre a semelhança entre Deus e a criação. An­
deira sem elhança entre o que está sendo com parado. tes, ela nos informa sobre a m esm a relação entre bonda­
Esse tipo de analogia declara que: de e existência no ser infinito e no ser finito.
A a n alog ia d a atrib u ição intrínseca. Na analogia
da atribuição intrínseca, os análogos possuem o m es­
Sorriso Flores mo atributo, e a sem elhança se baseia na conexão cau­
como sal entre eles. Por exemplo, água quente faz esquentar
Rosto Cam pina o ovo que flutua nela. A causa é transm itida ao efeito.
Uma m ente transm ite sua inteligência a um livro. En­
Um sorriso não é igual a flores. Mas um sorriso tão o livro é o efeito inteligível da causa inteligente.
alegra um rosto da m esm a form a que flores enfeitam Esse é o tipo de analogia na qual Aquino baseia a
um a cam pina. Há um a relação perceptível entre so rri­ sem elhança entre Criador e criaturas. 0 que Deus cria
so e rosto que corresponde à relação entre flores e c a m ­
deve ser sem elhante a ele porque ele se transm ite para
o efeito. Existência transm ite existência. R ealidade
p in a. Essa é um a relação entre duas relações.
Pura cria outras realidades. Esse tipo de analogia de
atribuição intrínseca, em que a causa e o efeito têm o
m esm o atributo, é a base para fazer afirm ações ver­
B em Infinito B em Finito dadeiras sobre Deus. Essas afirm ações correspondem
como à m aneira que Deus realm ente é porque essas carac­
Ser Infinito Ser Finito terísticas são derivadas dele e transm itidas por ele aos
analogia, princípio da 38
seus efeitos. Em resumo, a semelhança entre Criador e relação causai intrínseca. Esse tipo de relação causai
criaturas é derivada das características que 0 Criador existe entre Deus e a criação.
deu às criaturas. Toda criação é semelhante a Deus à medida que é
As criaturas não possuem uma característica co- real, mas diferente de Deus à medida que é limitada pela
mum (por exemplo, bondade) da mesma forma que potencialidade de receber semelhança dele. Um escul-
Deus. Um ser infinito possui bondade de forma infi- tor, a causa, não pode conseguir 0 mesmo efeito no pu-
nita, e um ser finito possui bondade de forma finita. dim e na pedra, apesar da mesma forma ser imposta a
No entanto, ambos possuem bondade, porque um Ser ambos. 0 pudim simplesmente não tem 0 mesmo po-
Bom só pode transmitir bondade. Quanto cada cria- tencial que a pedra de receber uma forma estável e du-
tura carece da bondade de Deus deve-se ao modo finito radoura. A semelhança entre Deus e criatura depende-
e falível da existência da criatura; isso não é causado rá do potencial limitado da criatura de receber sua rea-
pela infinita bondade da sua causa. Mas por menor lidade. Então, as criaturas diferem de Deus quanto à
que seja a quantidade de bondade que a criatura pos- potencialidade, mas são semelhantes (embora não idên-
sui, essa bondade é semelhante ao atributo encontra- ticas) a Deus quanto à realidade.
A relação essencial. A relação causai entre Deus e 0
do no seu Criador, que é bondade.
Deus e as criaturas. Toda discussão descritiva so- mundo é p e r se, não p e r accidens. Isso quer dizer que é
uma relação essencial não-acidental. Deus é a causa
bre Deus baseia-se na analogia da atribuição intrínse-
da existência do mundo, não apenas a causa do seu
ca, pela qual as criaturas são semelhantes ao Criador,
aparecim ento.
por meio da relação causai entre eles. Aquino escreve:
A relação acidental causai é aquela na qual existe
apenas a relação não-essencial entre a causa e 0 efeito.
Alguma semelhança deve ser encontrada entre eles [en-
Músicos geram não-músicos. A habilidade musical
tre os efeitos e sua causa],já que pertence à natureza da ação
não é um elemento essencial da relação entre pai e fi-
que um agente produza 0 que lhe é semelhante, já que cada
lho. Assim, não existe relação essencial entre duas
coisa age conformse é em seu comportamento (Suma contra
grandes violinistas, mesmo sendo mãe e filha, e até
os gentios, 1.29,2).
mesmo se a genética e a criação tiverem contribuído
para as realizações da filha.
Características importantes dessa relação devem ser
No entanto, humanos geram humanos. Caracterís-
entendidas.
ticas de humanidade foram essenciais para a relação
A relação causal. A relação entre Deus e 0 mundo é
dessas musicistas mãe e filha. A filha poderia ter nas-
causai. Nos nomes dados a Deus e às criaturas “vemos
cido com deficiência auditiva que a impedisse de
na relação comum desses nomes a ordem da causa e
discernir tons, mas não poderia nascer felina. A hu-
efeito” (ibid., 1,33). Então,“tudo que se diz sobre Deus e
manidade é a relação causai essencial. As característi-
as criaturas é dito conforme alguma relação da criatura
cas essenciais da humanidade são possuídas tanto pela
com Deus como causa principal” (ibid., 1,13,5). Causa- causa quanto pelo efeito. Esse é 0 tipo de relação cau-
lidade é uma relação de dependência, não de dualismo. sal que existe entre Deus e as criaturas.
As criaturas possuem a característica só porque a rece- A causa eficiente. A causa eficiente é a que fa z algo exis-
beram do Criador. Em outras palavras, a Causa da exis- tir. A causa instrumental é a que faz algo surgir. O estu-
tência compartilhou existência com os seres que fez exis- dante é a causa eficiente do exame finalizado; sua caneta
tir. Não fosse por essa relação causai de dependência, é apenas a causa instrumental. Portanto, 0 exame se as-
não haveria nenhum atributo comum entre 0 Criador e semelhará aos pensamentos do estudante, não às idéias
as criaturas. da caneta, mesmo que ela fosse equipada com um
A relação intrínseca. A relação causai entre Deus e os microcomputador. A garagem se assemelha à planta na
seres humanos é real. A semelhança está baseada no lato mente do contrutor, não ao seu martelo. Logo, não há li-
de que causa e efeito têm a mesma característica, sendo gação necessária entre a causa instrumental e seu efeito,
que 0 efeito a recebe da causa. Deus não é chamado “bom” , apenas entre a causa eficiente e seu efeito.
por exemplo, só porque fez coisas boas. Essa seria uma 0 mesmo pode ser dito sobre a causa eficiente com-
relação causai extrínseca, como 0 ar quente que endurece parada à causa material. A causa material é a fonte de
0 barro. 0 ar não é duro; só produz 0 efeito de dureza. 0 onde algo surge. 0 sol produz calor, que é a causa efi-
mesmo ar quente amolece a cera. ciente das calorias absorvidas pelo pedaço de barro
Mas Deus é bom, e então 0 ser humano tem uma assando sobre a pedra. 0 calor do sol é a causa materi-
fonte de bem. Tanto 0 ar quanto 0 barro ficam quentes, al da dureza produzida no pedaço de barro assando
porque calor transmite calor. Calor produzir calor é uma sobre a pedra. Mas a dureza não é causada pelo calor
39 analogia, princípio da
do sol. A dureza não é nem causada “eficientem ente” universais de significado. As palavras que passam de
pelas condições m ateriais do barro. Esse é outro tipo jogo a jogo ou palavras com significados semelhantes
de causa m aterial. A causa eficiente do barro endure­ possuem semelhança; entretanto, jam ais podem os iso­
cido é o Deus que criou os princípios físicos pelos quais lar um significado básico que devam compartilhar. En­
o barro reage ao calor. tão, W ittgenstein acredita que a separação de significa­
Além disso, o fato de Deus ter criado o corpo de dos nas categorias unívoco, análogo ou equívoco se des­
Adão com um a substância (sua causa m aterial) não faz com o uso dinâm ico da linguagem.
quer dizer que Deus seja um ser m aterial. Causas Será que o significado é estabelecido tão a rb i­
efecientes não precisam assem elhar-se aos efeitos mais trariam en te, à m ercê do contexto? A não ser que haja
que a m ente de Santos D um ont se assem elhava a asas um significado essencial, contrário ao puram ente con­
e fuselagem. O avião é feito de m aterial; a m ente que o vencional, da linguagem, todo significado (e toda ver­
criou, não. As palavras visíveis e m ateriais nessa pági­ dade) é relativo (v. c o n v e n c io n a lism o ). Mas é contraditó­
na se assem elham à m inha m ente (sua causa eficien­ rio afirm ar que “Nenhum significado é objetivo”, já que
te), m as a m inha m ente não é feita de papel e tinta. Da até essa afirmação não teria significado objetivo. Se não
m esm a form a, o Deus invisível (causa eficiente) não é houvesse significado objetivo, “qualquer coisa” signifi­
igual ao m undo visível (causa m aterial), nem o m un­ caria qualquer coisa para qualquer um , até m esm o o
do m aterial ao Deus im aterial (Jo 4.24). oposto do que o com unicador tencionava. Isso seria o
As críticas à analogia. Várias objeções foram le­ caos lingüístico (e social).
vantadas contra o princípio da analogia (e.g., Ferre, Além disso, diferenças entre unívoco, equ ívoco e
1.94-97). M uitas delas foram respondidas por Tomás analógo não são arbitrárias. Na verdade, são logica-men­
de Aquino ou podem ser inferidas a p artir do que ele te abrangentes; não há alternativas. Um termo é entendi­
disse. Eis algum as respostas a objeções significativas. do ou aplicado da m esm a m aneira (univocamente), de
A teoria geral da an alog ia n ão funciona. À m edida m aneira totalm ente diferente (equivocamente), ou de
que a analogia está ligada à m etafísica da causalidade m aneira semelhante (analogamente). W ittgenstein não
intrínseca, ela realm ente funciona. Na realidade, a ana­ oferece alternativa. Mas quando aplicada à realidade ob­
logia parece ser a única resposta adequada ao proble­ jetiva, sua teoria acaba em discussão equívoca sobre Deus.
m a da linguagem religiosa. Toda discussão sobre Deus Pois apesar de ele aceitar discussões significativas sobre
em term os negativos im plica em conhecim ento posi­ Deus, desde que baseadas em experiências religiosas ex­
tivo sobre ele. Mas afirm ações positivas sobre Deus são pressivas, elas não versam realmente a respeito de Deus.
possíveis apenas se conceitos univocam ente entendi­ Na verdade, são discussões sobre experiência religiosa.
dos puderem ser aplicados às criaturas e ao Criador Deus continua parte do místico e inexprimível, pelo m e­
(com o D u n s S c o t t s argum entou). nos no que diz respeito à linguagem descritiva.
Já que Deus é infinitam ente perfeito e as criaturas P orque apenas algum as qualidades se aplicam a Deus.
são apenas finitam ente perfeitas, nenhum a perfeição Apenas as seguintes características: (autenticidade,com­
en c o n tra d a no m u n d o finito pode ser ap licada paixão, liberdade, bondade, santidade, imanência, conhe­
univocam ente a Deus e às criaturas. Mas aplicá-las cimento, amor, justiça e sabedoriaaplicam-se à realidade
equivocam ente nos deixaria no ceticismo. Portanto, humana, e não à potencialidade humana. Assim, som ente
qualquer perfeição encontrada na criação e que pode elas fluem da causalidade eficiente, essencial, princi­
ser aplicada a Deus sem limites é atribuída analogam en­ pal e intrínseca de Deus. Outros seres p ossu em essas
te. A perfeição é entendida univocam ente (da m esm a qualidades; Deus é essas qualidades. Apenas essas ca­
form a), m as é predicada analogam ente (de forma se­ racterísticas podem ser aplicadas adequadam ente ao
m elhante),porque afirmá-la finitam ente de unívoca em Ser ilimitado. Coisas podem ser sem elhantes a Deus
relação a um Ser infinito não o descreveria verdadeira­ na realidade, m as não em potencialidade, já que Deus
m ente. E afirm á-la infinitam ente não o descreveria. não tem potencia-lidade. Ele é Realidade Pura. Então,
Logo, o conceito unívoco, tirado do m undo finito, só só sua realidade é sem elhante a Deus.
pode falar de Deus de m aneira análoga. A plicar p a la v r a s a o infinito. Palavras separadas
As distinções entre unívoco, equívoco e an álogo são de sua finitude não têm significado. Isso quer dizer
obsoletas.Segundo Ludwig W i t t g e n s t e i n , a s expressões que toda discussão relacionada a Deus em term os
recebem significado do uso nos jogos de linguagem b a ­ de analogias ou qualquer outra coisa é insignifican­
seados na experiência. Cada jogo de linguagem é autô­ te, já que os conceitos não podem aplicar-se ao Ser
nom o (i.e., estabelece as próprias regras para deter­ infinito e transcendente. Tal crítica ignora a d istin ­
m inar significados.) à m edida que não há critérios ção entre um conceito e seu predicado. O conceito
analogia, princípio da 40

subjacente a uma palavra permanece 0 mesmo; de existir é unívoco a ambos. Mas Deus existe infinita e
muda apenas a maneira como ele é afirmado. Os independentemente, enquanto 0 ser humano existe
significados das palavras b o n d a d e, ex istên cia e be- finita e dependentemente; nisso são diferentes. Que
leza podem ser aplicados à realidade finita e podem ambos existem é concebido de forma unívoca; como
ser aplicados a Deus; quando usadas no contexto cada um existe é predicável de forma análoga. Pois Deus
divino, as palavras são apenas estendidas de modo necessariamente existe, e as criaturas existem de ma-
ilimitado. Existência ainda é existência, e bondade neira contingente.
ainda é bondade; quando aplicadas à essência de Conclusão. A linguagem religiosa não evoca sim-
Deus são liberadas de qualquer forma limitadora plesmente uma experiência sobre Deus que não diz nada
de significado. Já que a perfeição denotada por al- sobre quem “Deus” é. O discurso sobre Deus é unívoco,
guns termos não implica necessariamente quais- equívoco, ou análogo. Ele não pode ser equívoco, já que
quer limitações, não há motivo para a perfeição não sabemos algo sobre Deus. A afirmação: “Não podemos
poder ser predicada de um Ser ilimitado. Nos ter- fazer nenhuma afirmação significativa sobre Deus” im-
mos de Tomás de Aquino, 0 significado é 0 mesmo; plica que sabemos 0 que a palavra Deus significa no con-
só 0 modo de significação é diferente. texto de outras palavras. Com base nisso, 0 discurso
A nalogia e causalidade. Argumenta-se que a analo- sobre Deus não pode ser unívoco, já que não podemos
gia baseia-se na premissa questionável da causalidade. predicar um atributo do Ser infinito d a m esm a fo r m a
É verdade que Tomás de Aquino baseia a analogia na que fazemos com 0 ser finito. Por exemplo: Deus é
semelhança que deve existir entre a causa eficiente e “bom” , de maneira ilimitada. As criaturas podem ser
seu efeito. Isso é verdade porque existência transmite “boas” de maneira limitada e reflexiva. Ambos são bons,
existência. A Causa da existência não pode produzir a mas não da mesma forma.
perfeição que ela mesma não “possua” . Se Deus causa Mas, se a discussão sobre Deus não é unívoca, nem
bondade, então ele deve ser bom. Se ele causa existên- equívoca, então deve ser análoga. Essa analogia de seme-
cia, ele deve existir. Senão resultará a conseqüência ab- lhança ébaseada nas relações Criador/criatura.Como Causa
surda de que Deus dá 0 que não tem para dar. da existência, Deus é existência. Ele não pode dar 0 que não
A dequ an do term os p a ra 0 infinito. Uma predicação tem para dar.Existênciaproduz existência; Realidade Pura
análoga de Deus deixa de identificar 0 elemento torna reais outras realidades. Já que Deus não pode
unívoco. Ao estabelecer a analogia entre 0 finito e 0 produzir outro Ser Necessário igual a si mesmo, deve
infinito, precisamos ser capazes de isolar 0 atributo produzir seres contingentes. Mas seres contingentes,
ou a qualidade “unívoca” que ambos possuem. E po- ao contrário do Ser Necessário, têm a potencialidade
demos identificar 0 elemento básico, apesar de termos de não existir. Logo, ao mesmo tempo que Deus é Re-
de cancelar as limitações do nosso pensamento ao alidade pura, tudo mais é a combinação de realidade
aplicá-lo a sua Realidade Pura. Não se pode predicar a e da potencialidade limitadora de não-ser.
perfeição ao Ser infinito da mesma maneira que ao Portanto, quando atribuímos a Deus característi-
ser finito porque ele não possui qualidades de manei- cas da criação, não podemos predicar-lhe qualquer de
ra finita. A objeção seria válida para conceitos equívo- suas limitações. Só podemos atribuir a realidade que
cos, que não podem ser aplicados a Deus e à criação, a criatura recebeu do Criador. Nesse caso, as criaturas
mas não se aplica a conceitos unívocos que possuem são semelhantes a Deus e diferentes dele. Isso possibi-
predicações análogas. É preciso ter compreensão lita a compreensão por analogia.
unívoca do que está sendo predicado. Devo ter cuida- As únicas alternativas à analogia são 0 ceticismo
do com a minha definição de a m o r quando digo que ou 0 dogmatismo: ou não sabemos nada sobre Deus,
“eu amo” e que “ Deus é amor” . A única maneira de ou supomos que sabemos coisas da mesma maneira
evitar um equívoco ao predicar a mesma qualidade a infinita que ele sabe.
seres finitos e ao Ser infinito é predicá-la adequada-
mente ao modo de existência de cada um. Fontes
R elacionan do C riador e criatura. A relação real en- F. F e r r e , Analogia, na Encyclopedia of philosophy,
tre 0 Criador e as criaturas não é univocamente expri- Paul E d w a r d s , org. N. L. G e is le r , Philosophy of
mível. Essa crítica deixa de distinguir a coisa expressa religion.
do modo de expressão. O conceito de ser ou existir é en- ____, Thomas Aquinas: an evangelical
tendido igualmente, quer se refira a Deus quer a um appraisal.
ser humano. É “0 que é ou existe” . Deus existe e uma R. M c I n e r n y , The logic of analogy.
pessoa existe; eles têm isso em comum. Então 0 conceito B. M o n d in , The principle of analogy in protestant
41 aniquilacionismo
and catholic theology. aniqui-lacionismo. Em alguns pontos a linguagem pode
T om ás de A q u in o , Do ser e da essência. perm itir tal conclusão, mas em nenhum caso 0 texto exi-
____, Sobre 0 poder de Deus. ge 0 aniquilacionismo. Examinado em cada contexto e
____, Suma contra os gentios. em comparação com outras passagens das Escrituras,
____, Suma teológica. 0 conceito deve ser rejeitado em todos os casos.
S ep aração, n ã o ex tin ção. A primeira morte é ape-
aniquilacionism o. É a doutrina da extinção das almas nas a separação entre a alma e 0 corpo (Tg 2.26), não
dos ímpios em vez de serem enviadas, concientes, para 0 aniquilação da alma. As Escrituras apresentam a
0 inferno eterno. Os descrentes serão destruídos, en- morte como separação consciente. Adão e Eva mor-
quanto os justos entrarão no estado de bem-aventu- reram espiritualmente no momento em que pecaram,
rança eterna. mas ainda existiam e podiam ouvir a voz de Deus
A p o io d a s E s c r i t u r a s . A s e g u n d a m o rte. Os (Gn 3.10). Antes de sermos salvos, estamos “... mor-
aniquilacionistas apontam para referências bíblicas tosem [...] transgressõesepecados” (E f 2.1),eainda
sobre 0 destino dos ímpios como “a segunda morte” assim trazemos em nós a imagem de Deus (Gn 1.27;
(Ap 20.14) para apoiar sua teoria. Já que a pessoa per- cf. Gn 9.6; Tg 3.9). Apesar de serem incapazes de che-
de a consciência deste mundo na primeira morte (mor- gar-se a Cristo sem a intervenção de Deus, os “espiri-
te física), argumenta-se que a “segunda morte” envoi- tualmente mortos” estão suficientemente cônscios de
verá inconsciência no mundo por vir. que as Escrituras exigem que eles creiam (At 16.31), e
Destruição eterna. As Escrituras falam dos ímpios se arrependam (At 17.30). Consciência contínua, no es-
sendo “destruídos” . Paulo disse: tado de separação de Deus e de incapacidade para sal-
var-se — essa constitui a visão das Escrituras sobre a
... quando 0 Senhor Jesus for revelado lá dos céus, com os segunda morte.
seus anjos poderosos, em meio a chamas flamejantes. Ele pu- Destruição, n ão inexistência. Destruição “eterna”
nirá os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao não seria aniquilação, que só dura um instante e aca-
envangelho de nosso Senhor Jesus. Eles sofrerão a pena de ba. Se alguém sofre destruição eterna, então deve ter
destruição eterna, a separação da presença do Senhor e da existência eterna. Os carros num depósito de ferro ve-
majestade do seu poder (2Ts.7fr-9). lho já foram destruídos, mas não aniquilados. Eles sim-
plesmente são irreparáveis ou, irrecuperáveis. As pes-
Os aniquilacionistas insistem que a figura da “des- soas no inferno também.
truição” é incompatível com a existência contínua e Já que a palavra p erd iç ã o significa morrer, perecer
consciente. ou arruinar, as mesmas objeções se aplicam. Em
Perdição. Os ímpios são descritos como reserva- 2 Pedro 3.7 a palavra p erd iç ã o ( r a ) é usada no contex-
dos para a “perdição” (eca ) ou “destruição” ( ra, 2Pe 3.7), to de julgamento, claramente implicando consciência.
e Judas é chamado “destinado à perdição” (Jo 17.12). Na analogia do ferro velho os carros destruídos pere-
A palavra p erd içã o ( a p o le ia ) significa perecer. Isso, ar- ceram, mas ainda são carros. Nesse contexto, Jesus fa-
gumentam os aniquilacionistas, indica que os perdi- lou do inferno como depósito de lixo onde 0 fogo não
dos perecerão ou deixarão de existir. cessaria e onde 0 corpo ressurreto de uma pessoa não
O m esm o qu e n ão h a v er nascido. Jesus disse sobre seria consumido (Mc 9.48).
Judas, que foi levado para a perdição, que “melhor lhe Além dos comentários sobre a m orte e p erd ição an-
seria não haver nascido” (Mc 14.21). Antes de uma pes- teriores, deve-se observar que a palavra hebraica usada
soa ser concebida ela não existe. Então, se 0 inferno é para descrever os ímpios perecendo no a t ( ’ã v a d ) tam-
igual à condição de pré-nascimento, deve ser um es- bém é usada para descrever os justos perecendo (v. Is
tado de inexistência. 57.1; Mq 7.2).Mas até os aniquilacionistas admitem que
Os ím pios p erecerã o. Várias vezes 0 a t menciona os os justos não serão aniquilados. Sendo esse 0 caso, não
ímpios perecendo. O salmista escreveu: “Mas os ímpios, deveriam concluir que os ímpios deixarão de existir com
murcharão, perecerão; e os inimigos do S e n h o r como base nesse termo.
a beleza dos campos desvanecerão como fumaça” A mesma palavra ( ’ã v ad )) é usada para descrever
( S l 37.20; cf. 68.2; 112.10). Perecer, todavia, implica no coisas que estão apenas perdidas e mais tarde são en-
estado de inexistência. contradas (Dt 22.3), 0 que prova que perdido não sig-
R e s p o n d e n d o ao s a r g u m e n t o s d a s E s c ritu ra s. nifica inexistente.
Quando examinadas cuidadosamente em seu contex- “M elh or lh e seria..." Quando diz que teria sido
to, nenhumas das passagens acima comprova 0 melhor se Judas não tivesse nascido, Jesus não está
aniquilacionismo 42

com parando a perdição de Judas com a inexistência 48) onde os corpos dos ímpios nunca m orrerão (cf. Lc
antes da concepção, m as com sua existência antes do 12.4,5). Mas não faria sentido haver fogo eterno e cor­
n a scim en to . Essa linguagem figurada hiperb ólica pos desprovidos de alm as para sofrer o torm ento.
m uito provavelm ente indicaria a severidade do seu Um lugar d e torm ento eterno. João, o apóstolo, des­
castigo; não é um a afirm ação sobre a superioridade creveu o inferno como um lugar de torm ento eterno,
da inexistência sobre a~ existência. N um a condena­ declarando:
ção paralela dos fariseus, Jesus disse que Sodom a e
G om orra se arrependeriam se tivessem visto os m i­ O Diabo [...] foi lançado no lago de fogo que arde com
lagres dele (M t 11.23,24). Isso não quer dizer que re­ enxofre, onde já haviam sido lançados a besta e o falso pro­
alm ente teriam se arrependido, pois em tal caso Deus feta. Eles serão atormentados dia e noite, para todo o sem­
certam ente lhes teria m ostrado esses m ilagres — 2 pre (Ap 20.10).
Pedro 3.9. É sim plesm ente um a linguagem figurada
poderosa que indica que seu pecado foi tão grande O lugar p a ra a besta e o fa lso profeta. Exemplificando
q u e “no d ia do ju íz o h a v erá m e n o r rig o r p a ra claram ente que esses seres ainda estarão conscientes
Sodom a” que para eles (M t 11.24). depois de mil anos de torm ento no inferno, a Bíblia diz
Além disso, o nada jam ais poderá ser m elhor que sobre a besta e o falso profeta que “os dois foram lança­
algo, já que não existe entre eles qualquer coisa co­ dos vivos dentro do lago de fogo que arde com enxofre”
m um por m eio da qual com pará-los. Então não-exis- (Ap 19.20) antes dos “mil anos” (Ap 20.2). Mas depois
tir não pode ser realm ente m elhor que existir. Supor o desse período “o Diabo, que as enganava, foi lançado
contrário é um erro de categoria. no lago de fogo que arde com enxofre, onde já haviam
A rgum entos bíblicos. Além da ausência de qual­ sido lançados a besta e o falso profeta” (Ap 20.10, grifo
quer passagem definitiva a favor do aniquilacionism o, do autor). Eles não só estavam “vivos” quando entra­
vários textos apoiam a doutrina de castigo consciente ram , como tam bém ainda estavam vivos depois de mil
eterno. Um breve resum o inclui: anos de torm ento consciente.
O h om em rico no H ades. Ao contrário de parábo­ O lu gar d e castig o con scien te. O fato de que os
las que não têm personagens reais, Jesus contou a h is­ ím pios “sofrerão a pena de destruição eterna” (2 Ts 1.9)
tória de um m endigo real cham ado Lázaro que foi para im plica que eles devem estar conscientes. Não se pode
o céu e de um hom em rico que m orreu e foi para o sofrer penalidade sem existência. Não é castigo bater
Hades e estava em torm ento consciente (Lc 16.22-28). num cadáver. Uma pessoa inconsciente não sente dor.
Ele clamou: A aniquilação não seria um castigo, m as sim um
livram ento de to d a penalidade. Jó pôde sofrer algo
“Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda que p io r que an iq u ila ç ã o n e sta vida. O castig o dos
lázaro molhe a ponta do dedo na água e refresque a minha ím pios no pós-v id a teria de ser consciente. D outra
língua, por que estou sofrendo muito neste fogo”. Mas form a, Deus não seria justo, já que teria dado um
Abraão respondeu: “Filho, lembre-se de que durante a sua castigo m enor aos ím pios que a alguns justos, pois
vida você recebeu coisas boas, enquanto Lázaro recebeu coi­ nem todos os ím pios sofrem tan to quanto os justos
sas más. Agora, porém, ele está sendo consolado aqui e você nesta vida.
está em sofrimento” (v. 24,25). O lugar eterno. O inferno é descrito como tendo a
m esm a duração que o céu: “eterno” (M t 25.41). Já que
O hom em rico im plorou que seus irm ãos fossem os santos são descritos como conscientem ente alegres
avisados “a fim de que eles não venham tam bém para (Lc 23.43; 2Co 5.8; Fp 1.23), os pecadores no inferno
este lugar de torm ento” (v. 28). Não há indício de an i­ estão concientes durante o castigo (cf. Lc 16).
quilação nesta passagem ; ele está sofrendo torm ento A rgum entos filosóficos. A fa v o r d a an iqu ilação.
constante e consciente. Além dos arg u m en to s bíblicos, m uitos an iq u ila-
O lugar d e choro e ranger d e dentes. Jesus disse vá­ cionistas oferecem razões filosóficas para rejeitar o
rias vezes que as pessoas no inferno estão em agonia castigo consciente e eterno. Entretanto, da perspectiva
constante. Ele declarou que “os súditos do Reino serão teísta, a m aioria delas nada m ais é que um a variação
lançados para fora, nas trevas onde haverá choro e ran ­ do tem a da m isericórdia de Deus. Os argum entos dos
ger de dentes” (M t 8.12; cf. 22.13; 24.51; 25.30). Mas que negam o teísm o ou a im ortalidade hum ana são
um lugar de choro é obviam ente um lugar de tristeza vistos nesses respectivos artigos.
consciente. Quem não está consciente não chora. Os aniquilacionistas argum entam que Deus é um
O lugar onde o fo g o não se apaga. Várias vezes Jesus Ser misericordioso (Êx 20.6), e é desum ano deixar que
chamou o inferno “lugar de fogo inextinguível” (Mc 9.43- pessoas sofram conscientemente para sempre. M atam os
43 Anselmo
anim ais encurralados quando não podem os retirá- Ap 20.12-14). Mas não há níveis de aniquilação. A
los de com partim entos em cham as. Livram os outras inexistência seria a m esm a para todos.
criatu ras de seu sofrim ento. Os aniquilacionis-tas Conclusão. A doutrina da aniquilação tem bases
argum entam que um Deus m isericordioso certam en­ m ais sentim entais que bíblicas. Apesar de haver ex­
te faria o m esm o por suas criaturas. pressões bíblicas que p o d e m ser interpretadas de for­
Contra a an iqu ilação. 0 próprio conceito de um m a a apoiar o aniquilacionism o, não há nenhum a que
Deus absolutam ente m isericordioso im plica que ele é seja n ecessariam en te entendida dessa m aneira. Além
o padrão absoluto do que é m isericordioso e m oral­ disso, várias passagens afirm am claram ente que os
m ente correto. Na verdade, o argum ento m oral para a ím pios sofrerão eterna e conscientem ente no inferno
existência de Deus dem onstra isso. Mas se Deus é o (v. INFERNO, “ PAGÃOS” , SALVAÇÃO DOS; UNIVERSALISMO).
padrão absoluto de justiça m oral, não lhe podem os im ­
por nosso conceito de justiça. A própria idéia de in ­ Fontes
justiça pressupõe um padrão absoluto, que os teístas J. E d w a rd s , The w orks o f Jon ath an Edwards.
atribuem a Deus. E. Fudge, The fire that consum es.
A an iq u ilação rebaixa tan to o am or de Deus L . E . Froo.n;, The con dition alist’s faith o f our father.
quanto a natureza dos seres hum anos como criatu ­ X. L. G e is le r , M an’s destiny: free or forced”, csr,
ras m orais. Seria como se Deus lhes dissesse: “Per­ 9.2
m itirei que sejam livres apenas se fizerem o que eu J. G k rs'i n k r, Jo n a th a n Edw ards on heaven a n d hell.
m andar. Se não fizerem , então elim inarei sua liber­ C. S. Le w is , 0 g ran d e abism o.
dade e existência!”. Isso seria com o se um pai d is­ _____ , O p ro b lem a do sofrim en to, cap. 8.
sesse ao filho que esperava que ele fosse médico, m as, _____ , C artas d o d ia b o a o seu aprendiz.
quando o filho decidisse ser um guarda florestal, o E N 'ietzche, G en ealogia d a m oral: um a p o lêm ica.
pai o m atasse. O sofrim ento eterno é o testem unho R. A. P e t e r s o n , “A traditionalist response to Jo h n
eterno da liberdade e dignidade dos seres hum anos, Stott’s argum ents for annihilationism ”, jets,
m esm o dos que não se arrependem . Dec. 1994.
Seria contrário à natureza dos hom ens aniquilá- _____ , He'll on trial: the case tor etern al
los, já que foram feitos à im agem e sem elhança de punishm ent.
Deus, que é eterno (Gn 1.27). Os anim ais geralm ente C. P ix x o c k ,.4 w ideness in G o d ’s mercy.
são m ortos para que aliviemos sua dor. Mas (a des­ B . Ri/ssei i , Por que n ão sou cristão.
peito do m ovim ento da eutanásia) não podem os fa­ ]. P. Sem saída.
zer o m esm o com os seres hum anos exatam ente por­
S a rtre ,

T. Sh e d d , Eternal punishm ent.


que não são m eros anim ais. São seres criados à im a­
\V. G .

gem de Deus e, por isso, devem ser tratados com o Anselmo. Nasceu em Aosta (1033-1109), Piem onte
m aior respeito pela dignidade de portadores da im a­ (Itália). Tornou-se prior num m osteiro beneditino e
gem de Deus. Não perm itir que continuem a existir m ais tarde foi designado arcebispo de C antuária
segundo destino que escolheram livrem ente, por mais
doloroso que seja, é elim inar a im agem de Deus neles. (1093). Suas principais obras são: P roslogion,M onolo-
gion, Cur Deus hom o, e D a verdade.
Já que o livre-arbítrio é m oralm ente bom , fazendo
parte da im agem de Deus, então seria um m al m oral Filosoficamente, as idéias de Anselm o foram m ol­
retirá-lo. Mas é isso o que a aniquilação faz: destrói a dadas por P l a t ã o (428-348 a.C.). Teologicamente, as
liberdade hum ana para sempre. obras de A g o s t i n h o form am a base de seu pensam en­
Além disso, elim inar um a criatura feita à im agem to. M esmo assim , Anselm o foi um pensador original
im ortal de Deus é renunciar ao que Deus lhe deu — a que criou um dos argum entos m ais criativos, contro­
im ortalidade. Equivale, no caso de Deus, a atacar a versos e duradouros a favor da existência de Deus —
própria im agem ao destruir seus portadores. Mas Deus o argum ento o n t o l ó g i c o .
não age contra si mesmo. As concepções de Anselmo. F é e razão. As posi­
Castigar o crim e de dizer um a m eia-verdade com a ções de fé e razão de Anselmo foram influenciadas pela
m esm a ferocidade que um genocídio é injusto. Hitler “fé que busca entendim ento” de Agostinho. No entan­
deveria receber um castigo m aior que um ladrão co­ to, a colocação que Anselmo fez da razão sobre seus
m um , apesar de am bos os crimes afrontarem a santi­ alicerces não foi alcançada por Agostinho. Na verdade,
dade infinita de Deus. Certam ente nem todo julgam en­ o m étodo de raciocínio da escolástica recente baseia-
to proporcional ao pecado é executado nesta vida. A Bí­ se na dialética filosófica de Anselmo. Seus argum en­
blia fala sobre níveis de penalidade no inferno (M t 5.22; tos a favor da existência de Deus são exemplos disso,
Anselmo 44

especialmente 0 argumento ontológico, que começou 4. Portanto, 0 Sumo Bem (Deus) causa a bonda-
como meditação e terminou como um dos argumen- de em todas as coisas boas.
tos mais sofisticados e sutis que já foram criados (v.
D e u s , e v id e n c ia s
d e ; D e u s , o b je ç õ e s A s p r o v a s d e ). Anselmo argumentou a partir da perfeição em di-
Em Cur Deus h o m o Anselmo deixou claro que a reção a Deus, um argumento que C. S. Lewis emulou
razão deve ser usada para explicar e defender 0 cristi- em Cristianism o pu ro e simples:
anismo. Ele afirmou que é possível revelar“na sua ver-
dadeira racionalidade, os aspectos da fé cristã que pa- 1. Alguns seres estão mais próximos da perfei-
recem impróprios e impossíveis para os incrédulos” ção que outros.
(ibid., 2.15). Até mesmo doutrinas como a Trindade e 2. Porém as coisas não podem ser mais ou me
a Encarnação (v. C r is t o , d iv in d a d e d e ) Anselmo consi- nos perfeitas a não ser que haja um perfeição
derava “aceitáveis e incontestáveis” . Ele concluiu que absoluta para fazer a comparação.
“ao provar que Deus tornou-se homem por necessi- 3. Portanto, deve haver um Ser absolutamente
dade [...] você [pode] convencer tanto judeus quanto Perfeito (Deus).
pagãos pela simples força da razão” (ibid., 2 .2 2 ).
Anselmo argumentou a partir da existência em
Anselmo via 0 papel duplo da razão. Primeiramen-
direção a Deus:
te, ele falou em escrever a prova de certa doutrina da
nossa fé “que estou acostumado a dar aos indagadores”
1. Algo existe.
(ibid., 1.1 ).Isso,disse ele:
2 . O que existe, existe por meio de nada ou por
meio de algo.
n ã o p a r a q u e a l c a n c e m a fé p o r m e io d a r a z ã o , m a s p a r a
3. Mas 0 nada não pode causar algo; só algo pode
q u e p o s s a m r e g o z ij a r - s e a o e n t e n d e r e m e d i t a r n a s c o i s a s
causar algo.
e m q u e a c re d ita m ; e q u e , e s te ja m s e m p re p ro n to s p a r a c o n -
4. E esse algo é uno ou múltiplo.
v e n c e r q u a lq u e r u m q u e e x ig ir d e le s u m a ra z ã o p a r a a e s- 5. Se, são interdependentes ou todos dependen-
p e r a n ç a q u e e s t á e m n ó s ( ib id ., 1 .1 ). tes de outro para existir.
6. Eles não podem ser interdependentes para
Verdade. Poucas obras defendem melhor a natu-
existir, pois algo não pode existir por meio de
reza da verdade que a obra de Anselmo que leva 0 sim-
um ser a quem confere existência.
pies título Da verdade. Anselmo faz uma forte defesa 7. Portanto, deve haver um ser por meio do qual
do ponto de vista da correspondência da verdade e da todos os outros seres existem.
natureza absoluta da verdade (v. v e r d a d e , n a t u r e z a a b - 8. Esse ser deve existir por si mesmo, já que to-
s o l u t a d a ; v e r d a d e , n a t u r e z a d a ). das as outras coisas existem por meio dele.
Deus. Anselmo era um teólogo cristão. Como tal, acei- 9. E 0 que existe por si mesmo, existe no mais alto
tava a Bíblia como a Palavra infalível de Deus (v. B íb l ia , nível.
e v id ê n c ia s d a ) . Disso ele concluiu que Deus é um em es- 10. Portanto, existe um Ser sumamente perfeito
sência (v. D e u s , n a t u r e z a d e ) e três em pessoas — a Trin- que existe no mais alto nível.
dade. Mas Anselmo acreditava que a existência e a natu-
reza desse Deus único (mas não sua triunidade) poderi- Com exceção das duas últimas propostas, que são
am ser demonstradas racionalmente à parte da revela- nitidamente platônicas ao mencionar níveis de exis-
ção sobrenatural. Ao contrário do entendimento popular, tência, esse argumento poderia ter sido expresso (e até
Anselmo tinha muitos argumentos a favor da existência certo ponto foi) por Tom ás d e A q u in o .
de Deus. Elaborou muitas formas do argumento 0 ( s ) arg u m en to(s) on toló g ico (s) d e A n selm o (v.
cosmológico antes de formular 0 argumento ontológico. p r o s l o g i o n ) . A contribuição mais famosa de Anselmo

Os argum entos d e estilo cosm ológico d e A nselm o (v. foi(foram) seu(s) argumento(s) ontológico(s), ape-
Anselmo argumentou a partir da bonda-
m o n o l o g io n ) . sar de 0 próprio Anselmo não tê-lo(s) chamado as-
de em direção a Deus: sim. Immanuel K a x t fez isso vários séculos depois,
acreditando que continha(m) uma falácia ontológica.
1. Coisas boas existem. A primeira forma do argumento ontológico de
2. A causa dessa bondade pode ser uma ou várias. Anselmo partia da idéia de um ser absolutamente per-
3. ' Mas não pode ser múltipla, senão não haveria feito. Ela assume a seguinte forma:
como comparar a bondade, pois todas as coi-
sas seriam igualmente boas. Porém algumas 1. Deus é por definição aquele em relação a quem
coisas são melhores que outras. nada maior pode ser imaginado.
45 antrópico, princípio
2 . O que existe na realidade é maior que 0 que Fontes
existe apenas na mente. A n s e lm o , Cur Deus homo
3. Portanto, Deus deve existir na realidade. Se ___ ,Monologion
ele não existisse, não seria 0 maior possível. ___ , Proslogion
___ , Da verdade.
A segunda forma de argumento ontológico emer- N . L. G f .is le r , Philosophy o f religion, caps. 7, 8 .
giu do debate amigável de Anselmo com outro monge I. Κλντ,Λ crítica da razão pura.
chamado Gaunilo. Ela se dá a partir da idéia do Ser C . S . L e w is , Cristianismo puro e simples.
Necessário.
antediluvianos, longevidade dos. V. ciência e a
1. Deus é por definição 0 Ser Necessário. Bíblia.
2 . É logicamente necessário afirmar 0 que é ne-
cessário a respeito do conceito do Ser Ne- antinomia. Esta palavra é usada de duas maneiras. No
cessário. sentido restrito, significa contradição real, paradoxo ou
3. A existência é logicamente necessária para 0 antítese (v. K a n t , I m m a n u e l ). Geralmente é usada para
conceito do Ser Necessário. demonstrar 0 absurdo ou a impossibilidade de uma te-
4. Portanto, 0 Ser Necessário (Deus) existe ne- oria, como reductio ad absu rd u m (redução ao absurdo).
cessariamente. No sentido coloquial ou popular, é usada apenas para
contradições aparentes, como nos mistérios da fé cristã.
Os prós e os contras do(s) argumento(s) ontológi- Nesse caso significa algo que vai além da razão, mas
co(s) são discutidos em outro artigo (v. o n t o l ó g ic o , a r - não contra ela (v. f é e r a z ã o ; m is t é r io ).
g u m e n t o ) . Seja qual for seu mérito, 0 argumento teve
uma carreira longa e ilustre e ainda está vivo um mi- antrópico, princípio. Afirmação de que 0 Universo
lênio mais tarde. foi preparado desde 0 primeiro momento de existên-
Cristo. A obra de Anselmo, Cur Deus h om o [Por que cia para 0 aparecimento da vida, em geral, e vida hu-
0 Deus-homem?] é um clássico da história do pensa- mana em particular (v. b ig - b a n g ; e v o l u ç ã o b io l ó g ic a ;
mento cristão. É uma ampla defesa racional da neces- t e r m o d i n â m ic a , l e is d a ). Como observou 0 astrônomo
sidade da Encarnação de Cristo e versa sobre 0 ponto agnóstico Robert Jastrow, 0 Universo foi muito bem
de vista penal da expiação. A obra é um marco como pré-adaptado para 0 provável aparecimento da huma-
tratado de teologia racional. nidade (v. A scientist caught). Pois se houvesse a me-
A in fl u ê n c ia d e A n s e lm o . A popularidade de nor variação na hora do big-bang, alterando as condi-
Anselmo, especialmente por causa do argumento ções, mesmo que pouco, nenhuma vida existiria. Para
ontológico, continua, apesar de opositores como David que houvesse vida hoje uma série de exigências extre-
Hum e e Kant. Anselmo teve um impacto positivo em mamente restritivas deveria estar presente na começo
muitos pensadores modernos e contemporâneos, in- do Universo — e estava.
cluindo René D e s c a r t e s , Baruch E s p i n o s a , Charles E v id ê n c ia fa v o rá v el. Além de apontar para 0 iní-
Hartshorne, Norman Malcolm e Alvin Plantinga. cio do cosmo, a evidência científica aponta para cali-
R esu m o . Anselmo é 0 modelo de a p o l o g é t ic a c l ã s - bra-gem muito sofisticada e precisa do Universo des-
s ig a o u tradicional. Acreditava na apresentação de pro - de 0 princípio, calibragem que torna possível a vida
vas da existência de Deus. Além disso, acreditava que humana. Para que a vida exista hoje, um conjunto ex-
a evidência histórica, confirmada por milagres, pode- tremamente restritivo de condições deve ter estado
ria ser apresentada para apoiar a verdade da religião presente no começo do Universo:
cristã (v. m il a g r e s , v a l o r a p o l o g é t ic o d o s ). Anselmo é a
antítese do fideísmo e da apologética puramente 1. 0 oxigênio compõe 21% da atmosfera. Se a
pressuposicional. porcentagem fosse 25%, a atmosfera começa-
Anselmo era filho da sua época, que foi dominada ria a pegar fogo, se 15%, os seres humanos
pela filosofia platônica. As idéias de níveis de existên- morreriam asfixiados.
cia e existência como perfeição geralmente são rejei- 2. Se a força da gravidade fosse alterada em
tadas. Estas, todavia, não são essenciais ao sistema de parte em IO40 (que significa 10 seguido de 40
apologética clássica como um todo. Na verdade, seu zeros), 0 Sol não existiria, e a Lua se lan-
argumento cosmológico com base na existência se çaria contra a Terra ou se perderia no espaço
compara ao de Tomás de Aquino. (Heeren, p. 196). Mesmo um pequeno aumento
an tró p ico , p rin c íp io 46

na força da gravidade resultaria em todas nutrientes no fundo dos oceanos e nos deltas
as estrelas serem bem maiores que 0 nosso Sol, dos rios eles não voltariam para os continen
fazendo com que 0 Sol queimasse de forma rá- tes por meio da elevação tectônica. Até terre-
pida e inconstante demais para sustentar a vida motos são necessários para sustentar a vida
3. Se a força centrífuga dos movimentos planetá- como a conhecemos.
rios não equilibrasse precisamente as forças
gravitacionais, nada ficaria em órbita em tor- Já na década de 1960 explicou-se porque, com ba-
no do Sol. ses antrópicas “devemos esperar ver um mundo que
4. Se 0 Universo estivesse se expandindo a velo- possui exatamente três dimensões espaciais” (Barrow,
cidade de um milionésimo menor que está ago- p. 247). Robert Dicke descobriu
ra, a temperatura da terra seria de 10 000°C
(ibid., p. 185). que na verdade pode ser necessário que 0 universo tenha
5. A distância média entre as estrelas na nossa 0 tamanho e a complexidade enormes que a astronomia mo-
galáxia (que contém 100 bilhões de estrelas) é derna revelou, para a terra ser uma habitação possível para
48 trilhões de quilômetros. Se essa distância seres humanos (ibid.).
fosse alterada apenas ligeiramente, as órbitas
ficariam errantes, e haveria variações extremas Da mesma forma, a massa e a entropia do universo,
de temperatura na terra. (Viajando à velocida- a estabilidade do próton e inúmeras outras coisas pre-
de de um ônibus espacial, 27 000 km por hora cisam ser exatas para possibilitar a vida.
ou 8 km por segundo, seriam necessários 201 Im p lica çõ es teístas. Jastrow resumiu bem as im-
450 anos para viajar 48 trilhões de quilômetros.) plicações teístas:
6. Qualquer uma das leis da física pode ser des-
crita como uma função da velocidade da luz O princípio antrópico [...] parece dizer 0 que a própria
(agora definida: 482 366 064 km por segun- ciência provou, como fato, que este universo foi feito, foi pro-
do). Mesmo uma variação pequena na veloci- jetado, para 0 homem viver nele.Ê um resultado muito teísta
dade da luz alteraria as outras constantes e tor- (Jastrow, p. 17, grifo do autor).
naria impossível a vida na Terra (Ross, p. 126).
7. Se Júpiter não estivesse na sua órbita atual, se- Isto é, 0 equilíbrio incrível de numerosos fatores
ríamos bombardeados com material espacial. no universo que possibilitam a vida na terra indica
O campo gravitacional de Júpiter age como um “perfeita sintonia” causada por um Ser inteligente. Isso
aspirador cósmico, atraindo asteróides e come nos leva a crer que 0 universo foi “providencialmente
tas que, de outra forma, atingiriam a Terra elaborado” para 0 nosso benefício. Nada conhecido
(ibid., p. 196). pelos seres humanos é capaz de “pré-sintonizar” as
8. Se a espessura da crosta da Terra fosse maior, condições do universo de modo a possibilitar a vida, a
oxigênio demais seria transferido para a cros- não ser um Criador inteligente. Ou, por outras pala-
ta, 0 que tornaria a vida impossível. Se fosse vras, 0 tipo de detalhamento e ordem no universo que
mais fina, a atividade vulcânica e tectônica possibilita a vida na terra é apenas 0 tipo de efeito que
tornaria a vida insustentável (ibid., p. 130). se sabe vir de uma causa inteligente.
9. Se a rotação da Terra durasse mais que 24 ho- O astrônomo Alan Sandage concluiu que:
ras, as diferenças de temperatura entre a noite
e 0 dia seriam grandes demais. Se 0 período de Omundo écomplicado demais em todas as suas partes para
rotação fosse mais curto, as velocidades dos ser atribuído apenas ao acaso. Estou convencido de que a existên-
ventos atmosféricos seriam altas demais. cia da vida com toda essa ordem em cada organismo é extrema-
10. As diferenças de temperaturas da superfície mente bem-elaborada. Cada parte de um ser vivo depende de
seriam grandes demais se a inclinação axial da todas as outras partes para funcionar. Como éque cadaparte sabe?
Terra fosse levemente alterada. Como éque cada parte éespecificada na concepção? Quanto mais
11. Se a taxa de descarga atmosférica (relâmpagos) se aprende sobre bioquímica mais inacreditável ela se mostra, a
fosse maior, haveria muita destruição pelo não ser que haja algum tipo de princípio organizador — um ar-
fogo; se fosse menor, haveria muito pouco ni- quiteto para os que crêem... (Sandage, p. 54).
trogênio fixado no solo.
12. Se houvesse mais atividade sísmica muitas vi- E todas as condições estavam estabelecidas no mo-
das seriam perdidas. Se houvesse menos, mento da origem do universo.
47 apócrifos
Stephen Hawking descreveu como os valores dos di- F. HoYi.t, The intelligent universe.
versos números fundamentais nas leis da natureza “pa- R. Jastrow.'A scientist caught between two faiths:
recem ter sido ajustados com precisão para possibilitar 0 interview with Robert Jastrow” , c t , 6 Aug. 1982.
desenvolvimento da vida” e como “a configuração inicial ____, Deus e os astrônomos.
do universo” parece ter sido “escolhida cuidadosamente” H. R. P a g els, Perfect symmetry.
(citado por Heeren, p.67). Apesar do fato de apenas uma H. Ross, The fingerprints of God.
causa de inteligente poder “escolher cuidadosamente” A. S a n d a g e , “A s c ie n t is t r e fle c t s o n r e lig io u s b e l i e f ” ,

qualquer coisa, Hawking, em sua obra, continua cético Truth (1985).


sobre Deus. Ele observou claramente as evidências e for- S. W e in b e r g , Sonhos de uma teoria final: a busca
mulou a pergunta certa quando escreveu: das leisfundamentais da natureza.

Pode haver apenas um numero pequeno de leis, que são antropologia e evolução, v . e v o lu ç ã o b io ló g ic a ;
coerentes e que conduzem a seres complexos como nós, ca- ELOS PERDIDOS.
pazes de fazer a pergunta: Qual é a natureza de Deus? E mes-
mo se só houver um conjunto único de leis possíveis, ele apócrifos. O termo ap ócrifo geralmente se refere a li-
não passa de um conjunto de equações. O que dinamiza as vros polêmicos do a t que os protestantes rejeitam e os
equações e faz um universo para que governem? [...] Mes- católicos romanos e as igrejas ortodoxas aceitam. A pa-
mo que a ciência possa resolver 0 problema de como 0 uni- lavra apócrifo significa “escondido” ou “duvidoso” . Os
verso começou, não pode responder à questão: “Por que 0 que aceitam esses documentos preferem chamá-los
universo se dá ao trabalho de existir?” “deuterocanônicos” , isto é: livros do “segundo cânon” .
A posição católica romana. Católicos e protestan-
Hawking acrescenta: “ Eu não sei a resposta para tes concordam quanto à inspiração dos 27 livros do
essa pergunta” (Hawking, p. 99). n t . Diferem em 11 obras de literatura do a t (7 livros e
Albert Einstein não hesitou em responder à per- 4 partes de livros). Essas obras polêmicas causaram
gunta de Hawking quando disse: discórdia na Reforma e, em reação à sua rejeição pe-
los protestantes, foram “ infalivelmente” declaradas
A harmonia da lei natural [...] revela uma inteligência parte do cânon inspirado das Escrituras em 1546 pelo
de tamanha superioridade que, comparada a ela, todo pen- Concilio de Trento (v. B íb l ia , c a n o n ic id a d e d a ).
sarnento sistemático e toda ação dos seres humanos é uma O Concilio afirmou:
reflexão absolutamente insignificante (Einstein. 40).
0 Sínodo [...] recebe e venera [...] todos os livros [incluindo
Até o ganhador do Prêmio Nobel Steven Weinberg, os apócrifos] tanto do,Antigo quanto do Novo Testamento— visto
um ateu, chegou a dizer que que um só Deus é 0 Autor de ambos [...] que foram ditados, ou
pela própria palavra de Jesus ou pelo Espírito Santo [...] se al-
parece-me que se a palavra “Deus” tem alguma utilida- guém não aceitar como sagrados e canônicos os livros mencio-
de, deveria significar um D eu s in ter es s a d o , u m c r ia d o r e ju iz nados integralmente com todas as suas partes, como costuma-
q u e e s t a b e le c e u n ã o s ó a s leis d a n a tu r e z a e 0 universo, mas vam ser lidos na Igreja Católica (...] será anátema”(Schaff2.81).
também padrões de bem e mal, alguma personalidade pre-
ocupada com nossas ações, algo que, em resumo, merece Outro documento de Trento diz:
nossa adoração (Weinberg,p. 244, grifo do autor).
Mas se águém não aceitar 0 que está nos livros como sagra-
Assim, 0 princípio antrópico é baseado nas evidên- dose canônicos, inteiros com todas as suas partes da Bíblia [...] e
cias astronômicas mais recentes favoráveis à existên- se consciente e deliberadamente condenar a tradição menciona-
cia de um Criador superinteligente do cosmos. Em re- da anteriormente, que seja anátema (Denzinger,Sources,n.° 784).
sumo, fornece as evidências para a atualização do ar-
gumento teleológico a favor da existência de Deus. A mesma linguagem afirmando os apócrifos é repe-
tida pelo Concüio Vaticano 11.
Fontes Os apócrifos que Roma aceita incluem 11 ou 12 livros,
J. D. B a r r o w , et al. The anthropic cosmological dependendo de Baruque 1até 6 ser dividido em duas par-
principle. tes. Baruque 1 até 5 e a carta de Jeremias (Baruque 6). O
A. F-In m e i n , Como veio 0 mundo. deuterocânon inclui todos os 14 (ou 15) livros conside-
S. H av. k i w -, Uma breve historia do tempo. rados apócrifos pelos protestantes exceto a Oração de
F. H e e r e n . S h w me God. M anasses e 1 e 2 Esdras (chamados 3 e 4 Esdras pelos
apócrifos 48

católicos romanos; Esdras e Neemias eram chamados 1 e 4. Esses pais da igreja, como Ireneu, Tertuliano
2 Esdras pelos católicos). e Clemente de Alexandria aceitavam todos os
Apesar do cânon católico romano ter 11 obras de apócrifos como canônicos.
literatura a mais que a versão protestante, apenas 7 5. Cenários de catacumbas cristãs primitivas re-
livros a mais, ou um total de 46, aparecem no índice tratam episódios dos apócrifos, mostrando-os
(0 a t judeu e 0 protestante têm 39). Como se vê na ta- como parte da vida religiosa cristã primitiva,
bela seguinte, outras 4 peças de literatura estão incor- 0 que, no mínimo, revela um grande apreço pe-
poradas a Ester e Daniel. los apócrifos.
Os a p ó crifo s co m o E scritu ra . O cânon maior às
6. Manuscritos primitivos importantes (Álef, a e
vezes é denominado “ cânon alexandrino” , em b) intercalam os apócrifos entre os livros do a t
contraposição ao “cânon palestinense” , que não con-
como parte do a t greco-judaico.
tém os apócrifos, porque supostamente eram parte da
7. Concílios da igreja prim itiva aceitaram os
tradução grega do a t (a S eptuaginta, ou l x x ) prepara-
apócrifos: Roma (382), Hipona (393) e
da em Alexandria, Egito. As razões geralmente dadas
Cartago (397).
a favor dessa lista alexandrina mais extensa são:
8. A Igreja Ortodoxa aceita os apócrifos. Sua acei-
tação demonstra que se trata de uma crença
Livros Livros
cristã comum, não restrita aos católicos romanos.
apócrifos deuterocanônicos
9. A Igreja Católica Romana considerou os
Sabedoria de Salomão Livro da Sabedoria apócrifos canônicos no Concilio de Trento
(c. 30 a.C.) (1546), de acordo com os concílios anteriores
Eclesiástico (Siraque) Siraque (1 32 a.C.) já mencionados e com 0 Concilio de Florença,
Tobias (c. 200 a.C.) Tobias pouco antes da Reforma (1442).
Judite (c. 150 a.C) Judite 10. Os livros apócrifos continuaram sendo induí-
1 Edras (c. 150-100 a.C.) 3 Edras dos em versões bíblicas protestantes até 0 sé-
1 Macabeus (c. 110 a.C.) 1 Macabeus culo xix. Isso indica que mesmo os protestantes
2 Macabeus (c. 110-70 a.C) aceitavam os apócrifos até recentemente.
2 Macabeus
11. Livros apócrifos com texto em hebraico foram
Baruque (c. 150-50 a.C) Baruque capítulos 1-5
encontrados entre os livros canônicos do a t na
Carta de Jeremias Baruque 6
comunidade do mar Morto em Qumran, logo
(c.300 - 100 a.C)
faziam parte do cânon hebraico (v. m a r M o r -
2 Esdras (c. 100 d.C.) 4 Esdras TO, ROLOS D 0 ) .
Adições a Ester Ester 10.4-16.24
(140-130 a.C)
R esp osta s aos a rg u m e n t o s católicos. O n t e 05
Oração de Azarias Daniel 3.24-90: apócrifos. Pode haver no n t alusões aos apócrifos, mas
(c. 200-1 a.C) "A canção dos três não há nenhuma citação definitiva de qualquer livro
rapazes" apócrifo aceito pela Igreja Católica Romana. Há alu-
Susana (c.200 a.C) Daniel 13 sões aos livros pseudepigráficos (falsas escrituras) que
Bel e 0 dragão Daniel 14 (c.1 00 a.C) são rejeitadas por católicos romanos e protestantes, tais
Oração de Manassés como A scen são d e M oisés (Jd 9) e 0 Livro d e E n oqu e
(ou segunda Oração de (Jd 14,15). Também há citações de poetas e filósofos
Manassés, c. 100 a.C) pagãos (At 17.28; 1C0.15.33; Tt 1.12). Nenhuma dessas
fontes é citada como Escritura, nem possui autoridade.
O n t simplesmente faz referência a verdades contidas
1. O n t reflete 0 pensamento dos apócrifos, e até nesses livros que, por outro lado, podem conter (e real-
faz referência a eventos neles descritos (cf. Hb mente contêm) erros. Teólogos católicos romanos con-
1.35 com 2 Macabeus 7.12). cordam com essa avaliação. O n t jamais se refere a qual-
2 . 0 n t cita mais 0 a t grego com base na a t , que quer documento fora do cânon como autorizado.
continha os apócrifos. Isso dá aprovação tácita ao A lx x e os apócrifos. 0 fato de 0 n t citar várias ve-
texto inteiro. zes outros livros do a t grego não prova de forma algu-
3. Alguns pais da igreja primitiva citaram e usa- ma que os livros deuterocanônicos que ele contém se-
ram os apócrifos como Escritura na adoração jam inspirados. Não é sequer um fato comprovado que
pública. a lx x do século 1 contivesse os apócrifos. Os primeiros
49 apócrifos
m anuscritos gregos que os incluem datam do século N. Kelly de que “para a grande m aioria [dos pais] [...] as
iv d.C. escrituras deuterocanônicas se classificavam como Es­
M esmo que esses escritos estivessem na l x x nos critura no sentido completo” está fora de sintonia com
tem pos apostólicos, Jesus e os apóstolos jam ais os ci­ os fatos. Atanásio, Cirilo de Jerusalém, Orígenes e o gran­
taram , apesar de supostam ente estarem incluídos na de teólogo católico rom ano e tradutor da Vulgata, Jerôni-
m esm a versão do a t geralm ente citada. Até as notas da mo, todos se opunham à inclusão dos apócrifos. No sé­
New A m erican B ible [Nova B íblia A m erican a, n a b ] ad ­ culo ii d.C. a versão siríaca (Peshita ) não continha os
m item de form a reveladora que os apócrifos são “li­ apócrifos ( Introdução bíblica, cap. 7 a 9).
vros religiosos usados por judeus e cristãos que não Temas apócrifos na arte das catacum bas. Muitos te­
foram incluídos na coleção de escritos inspirados”. Pelo ólogos católicos tam bém adm item que as cenas das
co ntrário,“... foram introduzidos bem m ais tarde na catacum bas não provam a canonicidade dos livros cujos
coleção da B íblia. Os católicos os ch am am livros eventos retratam . Tais cenas indicam o significado reli­
‘deuterocanônicos’ (segundo cânon)” ( n a b , p. 413). gioso que os eventos retratados tinham para os cristãos
Usados p elos p a is d a igreja. Citações dos pais da primitivos. No m áxim o, dem onstram respeito pelos li­
igreja usadas para apoiar a canonicidade dos apócrifos vros que continham esses eventos, não o reconhecim en­
são seletivas e enganadoras. Alguns pais pareciam to de que fossem inspirados.
aceitar sua inspiração; outros os usavam para propó­ Livros nos m anuscritos gregos. N enhum dos g ran ­
sitos devocionais e hom iléticos (pregação), m as não des m anuscritos gregos (Álef, e b ) contém todos os li­
os aceitavam com o canônicos. Um especialista nos vros apócrifos. Tobias, Judite, Sabedoria e Siraque
apócrifos, Roger Beckwith, observa: (Eclesiástico) são encontrados em todos eles,e os m a­
nuscritos m ais antigos (b o u Vaticano) excluem total­
Quando examinamos as passagens nos primeiros pais m ente M acabeus. Mas os católicos apelam a esse m a­
que supostamente deveriam estabelecer a canonicidade nuscrito para apoiar sua posição. Além disso,nenhum
dos apócrifos, descobrimos que algumas delas são tiradas m anuscrito grego contém a m esm a lista de livros
do texto grego alternativo de Esdras (lEsdras) ou de adi­ apócrifos aceita pelo Concílio de Trento (1545-1563;
ções ou apêndices de Daniel, Jeremias ou algum outro li­ Beckwith, p. 194,382-3).
vro canônico, e que [...] não são muito relevantes; desco­ A ceitação p elo s p rim eiros concílios. Esses foram
brimos ainda que outras não são citações dos apócrifos; e apenas concílios locais e não eram im postos à igreja
que, dentre as que são, muitas não dão qualquer indício toda. Concílios locais geralm ente erravam nas suas
de que o livro seja considerado E scritura ( The Old decisões e m ais tarde eram anulados pela igreja uni­
Testament, cânon 387). versal. Alguns apologistas católicos argum entam que,
m esm o que um concílio não seja ecum ênico, seus re­
E p ísto la d e B a r n a b é 6.7 e T ertulian o, C on tra sultados podem ser im postos se forem confirm ados.
M a rciã o 3.22.5, não citam S ab edoria 2.12, e sim Mas reconhecem que não há m aneira infalível de sa­
Isaías 3.10 ( a t ) , e T ertuliano, De a n im a [Da alm a ] ber quais afirm ações dos papas são infalíveis. Na ver­
15, não cita S abedoria 1.6, e sim Salm os 139.23, dade, adm item que outras afirm ações dos papas são
com o a com paração entre as passagens dem onstra. até heréticas, tais como a heresia m onotelita do papa
Da m e sm a fo rm a, Ju stin o M á rtir, D iá lo g o com H onório i (m. 638).
T rifão 129, claram ente não cita S a b e d o r ia , e sim Também é im portante lem brar que esses livros não
Provérbios 8.21-25 ( a t ) . C ham ar Provérbios de “Sa­ são parte das Escrituras cristãs (período do n t ) . En­
b e d o ria” está de acordo com a no m en clatu ra co­ contram -se, assim , sob a jurisdição da com unidade
m um dos pais [ibid., p. 427]. judaica que os com pusera e que, séculos antes, os re­
Geralm ente, nas referências, os pais não estavam jeitara como parte do cânon.
afirm ando a autoridade divina de nenhum dos onze Os livros aceitos por esses concílios cristãos p o ­
livros canonizados infalivelm ente pelo Concílio de dem até não ser os m esm os em cada caso. Portanto,
Trento. Citavam, apenas, um a obra bem conhecida da não podem ser usados com o prova do cânon exato
literatura hebraica ou um escrito devocional inform a­ m ais tarde proclam ado “infalível” pela Igreja Católica
tivo ao qual não davam nenhum a probabilidade de ins­ R om ana em 1546.
piração do Espírito Santo. Os Concílios locais de H ipona e Cartago no Norte
Os p a is e os apócrifos. Alguns indivíduos na igreja da África foram influenciados por Agostinho, a voz
prim itiva valorizavam m uito os apócrifos; outros se m ais im portante da antigüidade, que aceitava os livros
opunham com veemência a eles. O com entário de J. D. apócrifos canonizados m ais tarde pelo Concílio de
apócrifos 50
Trento. Mas a posição de Agostinho é infundada: 1) O muito suspeita, chegando apenas alguns anos depois
próprio Agostinho reconheceu que os judeus não acei- de Lutero protestar contra essa doutrina. Ela tem toda
taram esses livros como parte do cânon (A cid ad e de a aparência de uma tentativa de dar apoio “ infalível”
Deus, 19.36-38).2) Sobre os livros dos Macabeus.Agos- para doutrinas que não têm verdadeira base bíblica.
tinho disse: “... tidos por canônicos pela igreja e por Livros apócrifos nas versões bíblicas protestantes. Os
apócrifos pelos judeus. A igreja assim pensa por causa livros apócrifos apareceram em versões bíblicas pro-
dos terríveis e admiráveis sofrimentos desses márti- testantes antes do Concilio de Trento e geralmente
res...” (Agostinho, 18.36). Nesse caso, O livro dos eram colocados numa seção separada porque não
m átires, de Foxe, deveria estar no cânon. 3) Agostinho eram considerados de igual autoridade. Apesar de
era incoerente, já que rejeitou livros que não foram anglicanos e alguns outros grupos não-católicos te-
escritos por profetas, mas aceitou um livro que parece rem sempre dado muita im portância ao valor
negar ser profético (IMacabeus 9.27). 4) A aceitação inspirativo e histórico dos apócrifos, nunca os consi-
errada dos apócrifos por Agostinho parece estar liga- deraram de origem divina e de autoridade igual a das
da a sua crença na inspiração da Lxx, cujos manuscri- Escrituras. Até teólogos católicos durante 0 período da
tos gregos mais recentes os continham. Alais tarde Reforma distinguiam entre 0 deuterocânon e 0 cânon.
Agostinho reconheceu a superioridade do texto O cardeal Ximenes fez essa distinção na sua imponente
hebraico de Jerônimo comparado ao texto grego da lx x . Bíblia, a Poliglota com plutense (1514-1517) às véspe-
Isso deveria tê-lo levado a aceitar a superioridade do ras da Reforma. O cardeal Cajetano, que depois se opôs
cânon hebraico de Jerônimo também. Jerônimo rejei- a Lutero em Augsburgo, em 1518, publicou, depois da
tava completamente os apócrifos. Reforma ter começado, 0 C om en tário sobre todos os
O Concilio de Roma (382) que aceitou os livros liv ros h is tó r ic o s a u tê n tic o s d o A n tig o T estam en to
apócrifos não incluiu os mesmos livros aceitos por (1532), que não continha os apócrifos. Lutero falou
Hipona e Cartago. Ele não inclui Baruque, apenas seis, contra os apócrifos em 1543, incluindo tais livros no
não sete, dos livros apócrifos declarados canônicos fim da sua Bíblia (Metzger, p,181ss.).
mais tarde. Até Trento 0 descreve como livro separado Livros ap ócrifos em Qumran. A descoberta dos ro-
(Denzinger, n.° 84). los do mar Morto em Qumran não incluía apenas a
A ceitação p e la Igreja O rtodoxa. A igreja grega nem Bíblia da comunidade (0 a t ) mas também sua biblio-
sempre aceitou os apócrifos e sua posição atual não é teca, com fragmentos de centenas de livros. Entre eles
inequívoca. Nos Sínodos de Constantinopla (1638), se achavam alguns livros apócrifos do a t . 0 fato de ne-
Jafa (1642) e Jerusalém (1672) esses livros foram de- nhum comentário ser encontrado para qualquer dos
clarados canônicos. Mesmo até 1839, no entanto, seu livros apócrifos e apenas livros canônicos serem en-
C atecism o m aior omitia expressamente os apócrifos contrados em pergaminhos e escritos especiais indica
porque não existiam na Bíblia hebraica. que os livros apócrifos não eram considerados
A ceitação nos Concílios d e F loren ça e Trento. No canônicos pela comunidade de Qumran. Menahem
Concilio de Trento (1546) a proclamação infalível foi Mansur alista os seguintes fragmentos dos apócrifos
feita aceitando os apócrifos como parte da Palavra ins- e dos livros p s e u d e p íg r a fo s : Tobias, em hebraico e
pirada de Deus. Alguns teólogos católicos afirmam que aramaico; Enoque, em aramaico; Jubileus, em hebraico;
0 Concilio de Florença, anterior a Trento (1442) fez a Testamento d e L ev i e Naftali, em aramaico; literatura
mesma declaração. Mas esse concilio não afirmou ne- a p ó crifa de D aniel, em hebraico e aramaico, e Salm os
nhuma infalibilidade, e a decisão do concilio também d e Jo s u é (Mansur, p. 203). 0 especialista em manus-
não tem nenhuma base real na história judaica, no x t critos do mar Morto, M illar Burroughs, concluiu:
ou na história cristã primitiva. Infelizmente, a decisão “ Não há motivo para acreditar que alguma dessas
de Trento veio um milênio e meio depois de os livros obras fosse venerada como Escritura Sagrada” (M ore
serem escritos e foi uma polêmica óbvia contra 0 pro- light on the D ea d Sea Scrolls p. 178).
testantismo. 0 Concilio de Florença proclamou que os Resum o dos argum entos católicos em. No máximo,
apócrifos era inspirados para apoiar a doutrina do tudo 0 que os argumentos usados a favor da canoni-
purgatório que havia surgido. Mas as manifestações cidade dos livros apócrifos provam é que vários livros
dessa crença na venda de indulgências chegaram ao apócrifos receberam níveis variados de aceitação por
ponto máximo na época de Martinho Lutero, e a pro- pessoas diferentes na igreja cristã, geralmente não atin-
clamação de Trento sobre os apócrifos era uma con- gindo a confirmação de sua canonicidade. Só depois de
tradição clara ao ensino de Lutero. A adição infalível Agostinho e dos concílios locais que ele dominou de-
oficial dos livros que apóiam orações pelos mortos é clararem-nos inspirados é que começaram a ser mais
51 apócrifos
usados e, por fim, receberam aceitação infalível da Igreja como vindos de Deus. Os livros de Moisés foram acei-
Católica Romana em Trento. Isso ainda não atinge 0 tipo tos imediatamente e guardados num lugar sagrado (Dt
de reconhecimento inicial, contínuo e total entre as igre- 31.26). 0 livro de Josué foi aceito imediatamente e pre-
jas cristãs dos livros canônicos do a t protestante e da servado com a Lei de Moisés (Js 24.26). Samuel foi
Torá judaica (que exclui os apócrifos). Os verdadeiros acrescentado à coleção (ISm 10.25). Daniel já tinha
livros canônicos foram recebidos im ediatam ente pelo uma cópia do seu contemporâneo profético Jeremias
povo de Deus no cânon crescente das Escrituras ( Intro- (Dn 9.2) e da Lei (Dn 9.11,13). Apesar da mensagem
du ção bíblica, cap. 8). Qualquer debate subseqüente foi de Jeremias ter sido rejeitada por grande parte da sua
travado pelos que não estavam numa posição, assim geração, 0 remanescente deve ter aceitado e espalha-
como sua audiência imediata, de saber se eram de um do rapidamente sua obra. Paulo encorajou as igrejas a
apóstolo ou profeta autorizado. Assim, esse debate sub- fazer circular suas epístolas inspiradas (Cl 4.16). Pedro
seqüente sobre os chamados antilegom ena era devido a possuía uma coleção das obras de Paulo, igualando-
sua autenticidade, não canonicidade. Eles já estavam no as ao a t como “Escritura” (2Pe 3.15,16).
cânon; algumas pessoas em gerações posteriores ques- Havia várias maneiras de contemporâneos confir-
tionaram se deviam estar ali. Eventualmente, todos os marem se alguém era profeta de Deus. Alguns foram
antilegom ena (livros questionados mais tarde por al- confirmados de forma sobrenatural (Êx 3,4; At 2.22;
gumas pessoas) foram retidos no cânon.Isso não acon- 2 C0 12.12; Hb 2.3,4). Às vezes isso acontecia por meio
teceu com os apócrifos, pois os protestantes rejeitaram da confirmação imediata da autoridade sobre a natu-
todos eles e até os católicos rejeitaram 3 Esdras, 4 Esdras reza ou da precisão da profecia preditiva. Na verdade,
e A oração de Manassés. os falsos profetas eram eliminados se suas previsões
A rg u m e n to s a fa v o r do câ n o n protesta nte. A evi- não se realizassem (Dt 18.20-22). Supostas revelações
dência indica que 0 cânon protestante, que consiste em que contradiziam verdades reveladas anteriormente
39 livros da Bíblia hebraica e exclui os apócrifos, é 0 ver- também eram rejeitadas (Dt 13.1-3).
dadeiro cânon. A única diferença entre 0 cânon protes- Evidências de que os contemporâneos de cada pro-
tante e 0 palestino antigo está na sua ordem. A Bíblia feta autenticaram e acrescentaram seus livros ao cânon
antiga tem 24 livros. Combinados em um só estão 1 e 2 crescente vêm das citações de obras posteriores. As
Samuel, bem como 1 e 2 Reis, 1 e 2 Crônicas, Esdras e obras de Moisés são citadas em todo 0 a t , começando
Neemias (0 que reduz 0 número em quatro). Os 12 pro- com seu sucessor imediato Josué (Js 1.7; lRs 2.3;
fetas menores são contados como um único livro (re- 2Rs 14.6; 2Cr 17.9; Ed 6.18; Ne 13.3; Jr 8.8; Ml 4.4).
duzindo 0 número em 11). Os judeus palestinos repre- Profetas posteriores citam os anteriores (e.g., Jr 26.18;
sentavam a ortodoxia judaica. Portanto, seu cânon era Ez 14.14,20; Dn 9.2; Jn 2.2-9; Mq 4.1 -3). No n t , Paulo
reconhecido por ortodoxo. Foi 0 cânon de Jesus (Intro- cita Lucas (U m 5.18); Pedro reconhece as epístolas
dução bíblica, cap. 4), Josefo e Jerônimo. Foi 0 cânon de de Paulo (2Pe 3.15,16), e Judas (4-12) cita 2 Pedro.
muitos pais da igreja primitiva, entre eles Orígenes, O Apocalipse está cheio de imagens e idéias de Escri-
Cirilo de Jerusalém e Atanásio. turas anteriores, especialmente Daniel (v., e.g., Ap 13).
Os argumentos que apóiam 0 cânon protestan- Todo 0 a t judaico/protestante foi considerado pro-
te podem ser divididos em dois grupos: históricos fético. Moisés, que escreveu os cinco primeiros livros,
e doutrinários. foi um profeta (Dt 18.15). O restante dos livros do a t
A rgum entos históricos. O teste d a can on icid ad e. Ao foi conhecido durante séculos pela designação “ Profe-
contrário do argumento católico com base no uso cris- tas” (M t 5.17; Lc 24.27). Posteriormente esses livros
tão, 0 verdadeiro teste da canonicidade é a caracteris- foram divididos em “ Profetas” e “ Escritos” . Alguns
tíca profética. Deus determinou quais livros estariam acreditam que essa divisão foi baseada no fato do au-
na Bíblia ao dar sua mensagem a um profeta. Então tor ser um profeta por ofício ou por dom. Outros acre-
apenas livros escritos por um profeta ou porta-voz ditam que a separação foi estabelecida para uso tópi-
credenciado por Deus são inspirados ou pertencem ao co em festivais judaicos, ou que os livros foram colo-
cânon das Escrituras. cados em seqüência cronológica, por ordem de tama-
É claro que, apesar de Deus ter determ in ado a cano- nho decrescente ( Introdu ção bíblica, cap. 7). Seja qual
nicidade desta maneira, 0 povo de Deus teve de desco- for a razão, é evidente que a maneira original (cf. 7.12)
brir quais desses livros eram proféticos. 0 povo de e contínua de referir-se ao a t como um todo até a épo-
Deus a quem 0 profeta escreveu sabia que os profetas ca de Cristo era a divisão dupla: “a Lei e os Profetas” .
satisfaziam os testes bíblicos para serem representan- Os “apóstolos e profetas” (E f 3.5) compunham 0 n t .
tes de Deus, e eles os autenticaram ao aceitar os livros Então, toda a Bíblia é um livro profético, incluindo 0
apócrifos 52
último livro (e.g., Ap 20); isso não se aplica aos livros Esses correspondem exatamente ao a t judaico e
apócrifos. protestante, que exclui os apócrifos.
Profecia n ão-autenticada. Há forte evidência de que Os mestres judeus reconheceram que sua linhagem
os livros apócrifos não são proféticos, e já que a profecia profética terminou no século vi a.C. Mas, como até os
é 0 teste da canonicidade, só esse fato os elimina do católicos reconhecem, todos os livros apócrifos foram
cânon. Nenhum livro apócrifo afirma ser escrito por um escritos depois dessa época. Josefo escreveu: “ De
profeta. Na verdade, 0 livro de Macabeus afirma não ser Artaxerxes até nossa época tudo foi registrado, mas não
profético (IMacabeus 9.27). E não há confirmação so- foi considerado digno do mesmo reconhecimento do
brenatural de qualquer um dos escritores dos livros que 0 que 0 precedeu, porque a sucessão exata dos pro-
apócrifos, como há para os profetas que escreveram li- fetas cessou” (Josefo). Outras afirmações rabínicas so-
vros canônicos. Não há profecia que preveja 0 futuro bre 0 término da profecia apóiam esse argumento (v.
nos apócrifos, como há em alguns livros canônicos (e.g., Beckwith, p. 370). O Seder olam rabbah 30 declara: “Até
Is 53; Dn 9; Mq 5.2). Não há nova verdade messiânica então [a vinda de Alexandre, 0 Grande] os profetas pro-
nos apócrifos. Até a comunidade judaica, a quem os fetizavam por meio do Espírito Santo. Daí em diante:
livros pertenciam, reconheceu que os dons proféti- ‘Incline seu ouvido e ouça as palavras dos sábios’” .B aba
cos haviam cessado em Israel antes de os apócrifos batra 12b declara: “Desde a época em que 0 templo foi
serem escritos (v. citações anteriores). Os livros destruído, a profecia foi tirada dos profetas e dada aos
apócrifos jamais foram alistados na Bíblia judaica sábios” . O rabino Samuel bar Inia disse: “O segundo
com os profetas ou qualquer outra seção. Os livros Templo não tinha cinco coisas que 0 primeiro Templo
apócrifos não são citados nenhuma vez com auto- possuía: a saber, 0 fogo, a arca, 0 Urirn e 0 Tumim, 0 óleo
ridade por nenhum livro profético escrito depois da unção e 0 Espírito Santo [da profecia]” . Então, os
deles. Levando em conta tudo isso, temos evidênci- mestres judeus (rabinos) reconheceram que 0 período
as mais que suficientes de que os apócrifos não de tempo durante 0 qual os apócrifos foram escritos não
eram proféticos e, portanto, não deveriam ser par- foi um período em que Deus estava transmitindo escri-
te do cânon das Escrituras. turas inspiradas.
R ejeição ju d a ic a . Além das evidências da caracte- Jesus e os autores do n t nunca citaram os apócrifos
rística profética apontarem apenas para os livros do como Escritura, apesar de estarem cientes dessas obras
a t judaico e protestante, há uma rejeição contínua dos e fazerem alusão a elas ocasionalmente (e.g., Hb 11.35
apócrifos como cânon por mestres judeus e cristãos. pode fazer alusão a 2 Macabeus 7,12, ou pode ser uma
Filo, um mestre judeu alexandrino (20 a.C.-40 referência a lRs 17.22). Mas centenas de citações no
d.C.), citava 0 a t prolificamente, utilizando quase to- NT mencionam 0 cânon do a t . A autoridade com que
dos os livros canônicos, mas nunca citou os apócrifos foram citadas indica que os autores do n t as conside-
como inspiràdos. ravam parte da “ Lei e dos Profetas” [i.e., 0 a t inteiro],
Josefo (30-100 d.C.), um historiador judeu, ex- que era considerada Palavra de Deus inspirada e infa-
clui explicitamente os apócrifos, numerando os livros lível (M t 5.17,18; cf. Jo 10.35). Jesus citou partes de
do a t em 22 ( - 39 livros no a t protestante). Ele tam- todas as divisões da “ Lei” e do “ Profetas” do a t , que ele
bém nunca citou um livro apócrifo como Escritura, denominava “ todas as Escrituras” (Lc 24.27).
apesar de conhecê-los bem. Em C ontra Á pion (1.8), Os eruditos judeus em Jâmnia (c. 90 d.C.) não
ele escreveu: aceitaram os apócrifos como parte do cânon judaico
divinamente inspirado (v. Beckwith, p. 276-7). Já que
Pois não temos uma multidão incontável de livros entre 0 n t afirma explicitamente que a Israel foram confiadas
nós, discordando dos outros e contradizendo uns aos outros as palavras de Deus” e que a nação fora destinatária
[como os gregos têm], mas apenas 22 livros, que são justamente das alianças e da Lei (Rm 3.2), os judeus foram consi-
considerados divinos; e deles, cinco pertencem a Moisés, con- derados guardiões dos limites do próprio cânon. Como
têm sua lei e as tradições da origem da humanidade até a mor- tal, sempre rejeitaram os apócrifos.
te dele. Esse intervalo de tempo foi pouco menor que três mil A rejeição dos concílios d a igreja prim itiva. Nenhu-
anos; mas quanto ao tempo da morte de Moisés até 0 reinado ma lista canônica ou concilio da igreja cristã conside-
de Artaxerxes, rei da Pérsia, que reinou em Xerxes, os profetas, rou os apócrifos inspirados durante os quase quatro
que vieram depois de Moisés, escreveram 0 que foi feito nas primeiros séculos. Isso é importante, já que todas as
suas respectivas épocas em treze livros. Os outros quatro li- listas disponíveis e a maioria dos mestres desse período
vros contêm hinos a Deus e preceitos para a conduta da vida omitem os apócrifos. Os primeiros concílios a aceitar os
humana (Josefo, 1.8,grifo do autor). apócrifos eram apenas locais, sem força ecumênica.
53 apócrifos
A alegação católica de que o C oncílio de R om a As histórias de Susana e de Bei e o Dragão não estão con­
(382), ap esar de não ser um concílio ecum ênico, ti­ tidas no hebraico [...] Por isso, quando traduzia Daniel mui­
nha força ecum ênica porque o papa D âm aso (304- tos anos atrás, anotei essas visões com um símbolo crítico,
384) o ratificou é sem fundam ento. É um a alegação demonstrando que não estavam incluídas no hebraico [...] Afi­
forçada, que supõe que D âm aso era um papa com nal, Orígenes, Eusébio e Apolinário e outros clérigos e mes­
au to rid ad e infalível. E até m esm o os católicos re­ tres distintos da Grécia reconhecem que, como eu disse, essas
co nhecem que esse co ncílio não era um g ru p o visões não se encontram no hebraico, eportanto não são obri­
ecum ênico. Nem todos os teólogos católicos concor­ gados a refutar Porfírio quanto a essas porções que não exibem
dam que tais afirm ações dos papas são infalíveis. autoridade de Escrituras Sagradas (ibid., grifo do autor).
Não há listas infalíveis de afirm ações infalíveis dos
Papas. Nem há um critério universalm ente aprova­ A sugestão de que Jerônim o realm ente favorecia
do p ara desenvolver tais listas. No m áxim o, apelar os livros apócrifos, m as só estava argum entando que
ao papa p ara to rn a r infalível a afirm ação de um os judeus os rejeitavam, é infundada. Ele disse clara­
concílio local é um a faca de dois gum es. M esm o te ­ m ente na citação acim a que: “não exibem autoridade
ólogos católicos adm item que alguns papas en si­ de Escrituras Sagradas”, e jam ais retirou sua rejeição
n aram erros e foram até heréticos. dos apócrifos. Ele afirm ou na obra Contra Rufino, 33,
R ejeição p o r p a rte dos p rim eiros p a is d a igreja. Al­ que havia “seguido o julgam ento das igrejas” nesse
guns dos prim eiros pais da igreja declararam -se con­ assunto. E sua afirm ação: “Não estava seguindo m i­
trários aos apócrifos. Entre esses figuravam Orígenes, nhas convicções” parece referir-se às “afirm ações que
Cirilo de Jerusalém , Atanásio e o grande tradutor ca­ eles [os inim igos do cristianism o] estão acostum ados
tólico das Escrituras, Jerônimo. a fazer contra nós”. De qualquer form a, ele não reti­
R ejeição p o r jerônim o. Jerônimo (340-420), o gran­ rou em lu g ar alg u m su as a firm aç õ es c o n tra os
de teólogo bíblico do início do período medieval e tra­ apócrifos. Finalm ente, o fato de que Jerônim o tenha
dutor da Vulgata latina, rejeitou explicitam ente os citado os livros apócrifos não é prova de que os aceita­
apócrifos como parte do cânon. Ele disse que a igreja os va. Essa era um a prática com um de m uitos pais da
lê “para exemplo e instrução de costum es”, mas não “os igreja. Ele afirm ou que a igreja os lê “p ara exemplo e
aplica para estabelecer nenhum a doutrina” (Prefácio do instrução de costum es” m as não “os aplica para esta­
Livro d e S alom ão da Vulgata, citado em Beckwith, p. belecer qualquer doutrina”.
343). Na verdade, ele criticou a aceitação injustificada A rejeição dos teólogos. Até teólogos católicos n o ­
desses livros por Agostinho. A princípio, Jerônimo até táveis durante o período da Reform a rejeitaram os
recusou-se a traduzir os apócrifos para o latim , m as apócrifos, tal como o cardeal Cajetano, que se opôs a
depois fez um a tradução rápida de alguns livros. De­ Lutero. Como já foi citado, ele escreveu o livro Comentá­
pois de descrever os livros exatos do a t judaico [e pro­ rio sobre todos os livros históricos autênticos d o Antigo Tes­
testante] , Jerônimo conclui: tamento (1532), que excluía os apócrifos. Se ele acredi­
tasse que fossem autênticos, certamente os teria incluído
E então no total há 22 livros da Lei antiga [conforme as num livro sobre “todos os autênticos” livros do a t.
letras do alfabeto judaico], isto é, 5 de Moisés, 8 dos Profetas e Lutero, João Calvino e outros reform adores rejei­
9 dos hagiógrafos. Apesar de alguns incluírem [...] Rute e tavam a canonicidade dos apócrifos. L uteranos e
Lamentações no hagiógrafo, e acharem que esses livros de­ anglicanos usam -nos apenas para assuntos éticos e
vem ser contados (separadamente) e que há então 24 livros devocionais, m as não os consideram oficiais em ques­
da antiga Lei, aos quais o Apocalipse de João representa tões da fé. Igrejas reform adas seguiram A con fissão de
adorando ao Cordeiro por meio do número de 24 anciãos [...] fé d e Westminster (1647), afirm a:
Esse prólogo pode servir perfeitamente como elmo (i.e., equi­
pado com elmo, contra atacantes) de introdução a todos os Os livros geralmente chamados Apócrifos, não sendo de
livros bíblicos que traduzimos do hebraico para o latim, para inspiração divina, não fazem parte do Cânon da Escritura;
que saibamos que os que não estão incluídos nesses devem ser não são, portanto, de autoridade na Igreja de Deus, nem de
incluídos nos apócrifos (ibid.,grifo do autor). modo algum podem ser aprovados ou empregados senão
como escritos humanos {Da Sagrada Escritura, l.m).
No prefácio de Daniel, Jerônimo rejeitou claram en­
te as adições apócrifas a D aniel ( B ei e o D ragão e Em resum o, a igreja cristã (incluindo anglicanos,
Susana) e defendeu apenas a canonicidade dos livros luteranos e reform ados) rejeitou os livros deuterocanô-
encontrados na Bíblia hebraica, escrevendo: nicos como parte do cânon. Eles fazem isso porque lhes
apócrifos 54
falta 0 fator determinante primário da canonicidade: livros não considerados completamente canônicos. Se-
os livros apócrifos não têm evidência de que foram gundo 0 critério católico, a data da obra não diz respei-
escritos por profetas credenciados por Deus. Outra evi- to à possibilidade de ter ela constado dos apócrifos ju-
dência é encontrada no fato de que os livros apócrifos daicos, mas com 0 fato de ter sido usada por cristãos
jamais foram citados como autoridade nas Escrituras primitivos; ela foi usada, juntamente com outros livros
do n t , nem fizeram parte do cânon judaico, e a igreja apócrifos. Não deveria ter sido rejeitada porque tinha
primitiva nunca os aceitou como inspirados. posição inferior na Vulgata. Jerônimo relegou todas es-
0 erro d e Trento. O pronunciamento infalível do sas obras a uma posição inferior. Ela não reapareceu no
Concilio de Trento de que os livros apócrifos são parte latim até 0 século xv iii porque aparentemente algum mon-
da Palavra inspirada de Deus revela quão falível uma ge católico arrancou a seção de orações pelos mortos.
afirmação supostamente infalível pode ser. Esse arti- Orações pelos mortos eram preocupação constan-
go demonstrou que a afirmação é historicamente in- te dos clérigos de Trento, que convocaram seu concilio
fundada. Foi um exagero polêmico e uma decisão ar- apenas 29 anos depois de Lutero ter publicado suas te-
bitrária envolvendo uma exclusão dogmática. ses contra a venda de indulgências. As doutrinas de in-
O pronunciamento de Trento sobre os apócrifos foi dulgências, purgatório e orações pelos mortos perma-
parte de uma ação polêmica contra Lutero. Seus de- necem ou caem juntas.
fensores consideravam que a aceitação dos apócrifos A rgum entos doutrinários. C anonicidade. As posi-
como inspirados era necessária para justificar ções falsas e verdadeiras que determinam a canoni-
ensinamentos que Lutero havia atacado, principal- cidade podem ser comparadas da seguinte forma (In-
mente as orações pelos mortos. O texto de 2 Macabeus trodu ção b íb lic a , p. 62).
12.46 diz: “... mandou fazer 0 sacrifício expiatório pe-
los falecidos, a fim de que fossem absolvidos do seu Posição incorreta Posição correta
pecado” (c n b b ). Já que havia uma obrigação de aceitar sobre o cânon sobre o cânon
certos livros, as decisões foram um tanto arbitrárias. A igreja determina A igreja descobre
Trento aceitou 2 Macabeus, que apoiava as orações pe- o cânon. o cânon.
los mortos e rejeitou 2 Esdras (4 Esdras pela avaliação A igreja é mãe do A igreja é filha do
católica), que tinha uma afirmação que não apoiava a cânon. cânon.
A igreja é magistrada A igreja é ministra
prática (cf. 7.105).
do cânon. do cânon.
A própria história dessa seção de 2(4)Esdras revela
A igreja regula A igreja reconhece
a arbitrariedade da decisão de Trento. Ele foi escrito em
o cânon. o cânon.
aramaico por um autor judeu desconhecido (c. 100 d.C.)
e circulou nas antigas versões latinas (c. 200). A Vulgata A igreja é juíza A igreja é testemunha
do cânon. do cânon.
0 incluiu como apêndice do n t (c . 400). Desapareceu da
A igreja é mestra A igreja é serva
Bíblia até que protestantes, começando com Johann
do cânon. do cânon.
Haug (1726-1742), começaram a imprimi-lo nos
apócrifos com base nos textos aramaicos, já que não Fontes católicas podem ser citadas para apoiar
constava nos manuscritos em latim da época. Mas, em uma doutrina de canonicidade que se parece muito
1874 uma longa seção em latim (70 versículos do capí- com a“posição correta” .O problema é que apologistas
tulo 7) foi encontrada por Robert Bently numa biblio- católicos geralmente se equivocam nesse assunto. Peter
teca em Amiens, França. Bruce Metzger comentou: Kreeft, por exemplo, argumentou que a igreja deve ser
infalível se a Bíblia é, já que 0 efeito não pode ser mai-
É provável que a seção perdida tenha sido deliberada- or que a causa e a igreja causou 0 cânon. Mas se a igre-
mente arrancada de um ancestral da maioria dos manuscri- ja é regulada pelo cânon, em vez de governá-lo, então
tos latinos sobreviventes, por razões dogmáticas, pois a pas- a igreja não é a causa do cânon. Outros defensores do
sagem contém uma negação enfática do valor das orações catolicismo cometem 0 mesmo erro, afirmando da
pelos mortos. boca para fora 0 fato de que a igreja apenas descobre 0
cânon, mas por outro lado insistindo no argumento
Alguns católicos argumentam que essa exclusão não que faz a igreja a definidora do cânon. Eles negligen-
é arbitrária porque essa obra não fazia parte das listas ciam 0 fato de que foi Deus (por inspiração) quem
deuterocanônicas antigas, foi escrita depois da época de causou as Escrituras canônicas, não a igreja.
Cristo, foi relegada a uma posição inferior na Vulgata e só Essa má interpretação às vezes é evidente no uso
foi incluída nos apócrifos por protestantes no século x v iii. equivocado da palavra testem unha. Quando falamos
Por outro lado, 2[4]Esdras fez parte de listas antigas de sobre a igreja como “testemunha” do cânon depois da
55 apócrifos
época em que foi escrito não querem os dizer no senti­ autor). Em terceiro lugar, não usou con firm ação im e­
do de ser um a testem unha ocular (i.e., relatando evi­ d iata dos contem porâneos, m as a firm a çõ es p o sterio ­
dência de prim eira mão). 0 papel adequado da igreja res de pessoas nascidas séculos depois dos eventos.
cristã no descobrim ento de quais livros pertencem ao Todos esses erros surgiram da interpretação incorre­
cânon pode ser reduzido a vários preceitos. ta do próprio papel da igreja como juíza em vez de
Som ente o p ov o de Deus con tem p orân eo à autoria jurada, como m agistrada em vez de m inistra, sobera­
dos livros bíblicos foi verdadeira testem unha d a ev id ên ­ na em vez de serva do cânon. Por outro lado, a rejeição
cia. Só eles foram testem unhas do cânon durante seu protestante dos apócrifos foi baseada na com preen­
desenvolvim ento. Só eles poderiam atestar a evidên­ são do papel das prim eiras testem unhas para as ca­
cia da característica profética dos livros bíblicos, que racterísticas proféticas e da igreja como guardiã dessa
é o fator determ inante da canonicidade. evidência da autenticidade.
A igreja p osterior n ão é testem unha d a evidên cia Os apócrifos do nt. O s apócrifos do x t form am
do cânon. Ela não cria nem constitui evidência para o um a coleção de livros contestados que foram aceitos
cânon. É apenas descobridora e observadora da evi­ por algum as pessoas no cânon das Escrituras. Ao con­
dência que resta para a confirm ação original da qua­ trário dos apócrifos do a t, o s apócrifos do x t não cau­
lidade profética dos livros canônicos. A suposição da saram controvérsia perm anente ou séria, já que a igreja
igreja de que a evidência subsiste em si m esm a é o universal concorda que apenas 27 livros do x t são ins­
erro por trás da posição católica. pirados (v. B íb lia , e v id ê n c ia s d a ). Os livros apócrifos fo­
Nem a igreja p rim itiv a nem a recente é juíza do ram usados pelo valor devocional, ao contrário dos li­
cânon. A igreja não é o árbitro final quanto aos critéri­ vros m ais e sp ú rio s (m u itas vezes h e ré tico s) da
os do que será adm itido com o evidência. Som ente pseudepigrafia do x t . Obras pseudepigráficas às vezes
Deus pode determ inar os critérios para nosso desco­ são cham adas “apócrifas”, m as foram rejeitadas uni­
brim ento do que seja sua Palavra. 0 que é de Deus terá versalm ente por todas as tradições da igreja.
suas “im pressões digitais”; só Deus o determ ina como Os apócrifos do x t incluem A epístola de p seu d o-
são suas “im pressões digitais”. B a r n a b é {c . 70-90 d.C.), A epístola a o s coríntios (c. 96),
Tanto a igreja prim itiva qu an to a recente são m ais O evangelho segundo os hebreus (c. 65-100), A epístola
ju ra d a s que juízas. Os jurados ouvem as evidências, d e P olicarpo a o s fdipenses (c. 108), D id aqu ê ou O en si­
avaliam as evidências e apresentam um veredicto de no dos d oze apóstolos(c. 100-120), Aí sete epístolas de
acordo com as evidências. A igreja contem porânea (sé­ In ácio (c. 110), H om ilia antiga ou A segunda epístola
culo i) testem unhou evidências de prim eira m ão da d e C lem ente (c. 120-140), O p a sto r de H erm as (c. 115-
ativ id ad e p rofética (tais como milagres), e a igreja pos­ 40), O a p ocalip se d e Pedro (c. 150), e A epístola aos
terior exam inou as evidências da au ten ticid ad e des­ laodicen ses (século iv [?]).
ses livros proféticos, que foram confirm ados direta­ R a zõ es p a ra a rejeição. N enhum dos livros
m ente por Deus quando foram escritos (v. m ila g re s x a apócrifos do x t teve m ais que um a aceitação local ou
B íb lia ). tem porária. A m aioria teve, no m áxim o, status quase
De certa form a, a igreja “julga” o cânon. Ela é cha­ canónico, m eros apêndices de m anuscritos diversos
m ada, como todos os jurados são, a realizar a seleção ou incluídos em índices. N enhum cânon im portante
e avaliação das evidências para chegar ao veredicto. ou concílio eclesiástico os aceitou como parte da Pala­
Mas não é isso que a igreja rom ana praticou no seu vra inspirada de Deus. Onde foram aceitos no cânon
papel m agisterial de determ inação do cânon. Afinal, é por grupos de cristãos, isso se deve ao fato de terem
isso que se quer dizer com o “m agistério” da igreja. A sido atribuídos equivocadam ente a um apóstolo ou
hierarquia católica não é apenas m inisterial; tem p a­ m encionados por um livro inspirado (por exemplo, Cl
pel judicial, não apenas adm inistrativo. Xão é apenas 4.16). Q uando descobriam que isso era falso, sua
o júri observando a evidência; é o juiz determ inando canonicidade era rejeitada.
o que se classifica como evidência. Conclusão. As disputas sobre os apócrifos do a t
Aí está o problem a. Ao exercer o papel m agisterial, tem um papel im portante nas disputas católicas e pro­
a Igreja Católica escolheu o curso errado para apre­ testantes sobre ensinam entos como o purgatório e ora­
sentar sua decisão sobre os apócrifos. Inicialmente, de­ ções pelos m ortos. Xão há evidências de que os livros
cidiu seguir o critério errado, uso cristão em vez de apócrifos sejam inspirados e, portanto, devam ser par­
q u alid ad e profética. Em segundo lugar, usou ev id ên ­ te do cânon das Escrituras inspiradas. Eles não afir­
cia d e segu n da m ã o de escritores posteriores em vez m am ser inspirados, e a inspiração não lhes é atribuí­
de apenas evidên cia de p rim eira m ão para a canoni­ da pela com unidade judaica que os produziu. Não são
cidade (confirm ação divina da atuação profética do citados nenhum a vez como Escritura no x t . M uitos
apológetica, argumento da 56

pais da igreja primitiva, incluindo Jerônimo, os rejei- 4. Os milagres são possíveis (v. m i la g r e ) .
tavam categoricamente. Acrescentá-los à Bíblia pelo 5. Os milagres realizados junto com uma afirma-
decreto infalível no Concilio de Trento evidencia um ção verdadeira são atos de Deus para confir-
pronunciamento dogmático e polêmico criado para mar sua verdade seu por meio de mensageiro
sustentar doutrinas que não são apoiadas claramente (v. m il a g r e s co m o C o n f ir m a ç ã o da v e r d a d e ; m il a -
em nenhum dos livros canônicos. GRES, VALOR APOLOGÉTICO D O S).
À luz dessa evidência poderosa contra os 6. Os documentos do n t são confiáveis (v. Novo
apócrifos, a decisão da Igreja Católica Romana e Or- T e s ta m e n to , d o c u m e n to s , m a n u s c r it o s ; Novo T e s
todoxa de declará-los canônicos é infundada e rejei- t a m e n t o , h is t o r ic i d a d e d o ; Novo T e s ta m e n to , m a -
tada pelos protestantes. É um erro sério admitir ma- NUSCRITOS D 0 ).
teriais não inspirados para corromper a revelação es- 7. Como documenta, 0 n t , Jesus afirmou ser Deus
crita de Deus e minar a autoridade divina das Escri- (v . C r i s t o , d iv in d a d e d e ) .
turas (Ramm,p. 65). 8. A reivindicação da divindade de Jesus foi pro-
vada pela convergência singular de milagres
Fontes (V . MILAGRES NA B í BLI a ) .
H. A n d r e w s , An introduction to the apocryphal 9. Portanto, Jesus era Deus em carne humana.
books o f the Old and New Testaments. 10. Tudo 0 que Jesus (que é Deus) afirmouser ver-
A g o s tin h o , A cidade de Deus. dadeiro é verdadeiro (v. D e u s , n a t u r e z a d e ) .
R. B e c k w it h , The Old Testament canon o f the New 11. Jesus afirmou que a Bíblia é a Palavra de Deus
Testament church and its background in early (v. B íb lia , E v id ê n c ia s d a ; B íb lia , P o s iç ã o d e J e su s
judaism . em r e l a ç ã o à ) .
M. B u r r o u g h s , More light on the D ead Sea scrolls. 12. Portanto, é verdade que a Bíblia é a Palavra de
H. D e n z in g e r, Documents o f Vatican 11, cap. 3. Deus, e tudo 0 que se opõe a qualquer verdade
___ , The sources o f catholic dogma. bíblica é falso (v. r e li g iõ e s m u n d ia is e c r i s t i a n i s -
N . L . G e is le r , “ T h e e x te n t o f th e O ld T e s ta m e n t m o ; p lu r a lis m o r e lig io s o ) .
c a n o n ” , e m G . F. H a w t h o r n e , o rg ., Current issues
in biblical and patristic interpretation. A ap lica çã o. Se 0 Deus teísta existe e milagres são
_____ e W . E . Nix, Introdução bíblica, e d . rev. possíveis, se Jesus é 0 Filho de Deus e a Bíblia é a Pala-
Jo se fo , Antigüidades dos judeus, 1.8. vra de Deus, conclui-se que 0 cristianismo ortodoxo é
B. M e tz g e r, A « introduction to the apocrypha. verdadeiro. Todas as doutrinas ortodoxas essenciais,
B. Ram m , The pattern o f religious authority. tais como Trindade, a expiação de Cristo pelo pecado,
P. S c h a f f , The creeds o f Christendom. a ressurreição física e a segunda vinda de Cristo, são
A. S o u ter, The text and canon o f the New Testament. ensinadas na Bíblia. Já que todas essas condições são
B. W e s tc o tt, Λ general survey o f the canon o f the apoiadas por boas evidências, segue-se que há boas
New Testament. evidências para concluir que 0 cristianismo ortodoxo
é verdadeiro.
apologética, argumento da. Existem vários tipos de E já que proposições mutuamente excludentes não
apologética (v. ap olo gética, tipos de). Mas, segundo a podem ser ambas verdadeiras (v. ló g i c a ) , então todas
apologética clássica, existem certos passos lógicosno as religiões mundiais opostas são religiões falsas (v.
argumento geral em defesa da fé cristã. Já que cada r e l i g i õ e s m u n d ia is e c r i s t i a n i s m o ) . Isto é: budismo,
passo é tratado em detalhes em outros artigos, apenas hinduísmo, islamismo e outras religiões são falsas pelo
a lógica do argumento será traçada aqui. fato de se oporem aos ensinamentos do cristianismo
Os passos. O argumento geral em defesa da fé cristã (v. artigos relacionados ao isla m is m o ; m o n ism o ; z e n - b u -
pode ser formulado em doze proposições básicas. Elas d is m o ). Portanto, apenas 0 cristianismo é a verdadeira
decorrem logicamente uma da outra: religião (v. p lu r a lis m o ) .

I. A verdade sobre a realidade é cognoscível (v. apologética, necessidade da. É a disciplina que lida
v e r d a d e , n a t u r e za d a ; a g n o s t ic is m o ). com a defesa racional da fé cristã. O termo tem origem
2. Os opostos não podem ser verdadeiros (v. pri- na palavra grega ap ologia que “apresentar dar uma ra-
meiros princípios; ló g ic a ). zão” ou “defesa” . Apesar das objeções a que se faça
3. O Deus teísta (v. teísm o) existe (v. Deus, evidèn- apologética nesse sentido por parte de fideístas e alguns
cias de). pressuposicionalistas (v. fid e ísm o ; p r e s s u p o s ic io n a lis ta ,
57 apologética, argumento da
a po l o g é t ic a ) , h á r a z õ e s i m p o r t a n t e s p a r a p a r t i c i p a r d a na igreja deve ser “ [apegado] firm em ente à m ensagem
ta r e f a a p o lo g é tic a . fiel, da m aneira como foi ensinada, para que seja ca­
Deus a ordena. A razão m ais im portante para a paz de encorajar outros pela sã doutrina e de refutar
apologética é que Deus a ordenou. A afirmação clássica é: os que se opõem a ela”. Paulo tam bém nos dá um a in ­
dicação da nossa atitude nessa m issão em 2 Timóteo
... Santifiquem Cristo como Senhor em seu coração. Este­ 2.24,25:
jam sempre preparados para responder a qualquer pessoa que
lhes pedir a razão da esperança que há em vocês. Contudo, Ao servo do Senhor não convém brigar mas, sim ser
façam isso com mansidão e respeito... ( IPe 3.15,16a). amável para com todos, apto para ensinar, paciente. Deve
corrigir com mansidão as que se lhe opõem, na esperança
Esses versículos m andam estarm os prontos. Tal­ de que Deus lhes conceda o arrependimento, levando-os ao
vez jam ais encontrem os alguém que faça perguntas conhecimento da verdade.
difíceis sobre nossa fé; m esm o assim devem os estar
prontos para responder caso alguém pergunte. Estar Quem tentar responder a perguntas de incrédulos
pronto não é sd um a questão de ter a inform ação cor­ certam ente será insultado e tentado a perder a paciên­
reta à disposição, é tam bém a atitude de prontidão e cia, mas nosso objetivo principal é que cheguem ao co­
vontade de com partilhar a verdade sobre o que acre­ nhecim ento da verdade de que Jesus m orreu por nos­
ditam os. Não se espera que toda pessoa precise de pré- sos pecados. Com um a tarefa tão im portante a realizar,
evangelismo, m as, se alguém necesitar, devemos ser não devemos deixar de obedecer a esse m andam ento.
capazes e estar dispostos a lhe responder. É exigência da razão. Deus criou os seres h um a­
Esse m andam ento tam bém liga a tarefa de pré- nos com a capacidade de raciocinar como parte da sua
evangelism o ao lugar de Cristo como Senhor de nos­ im agem (Gn 1.27; cf. Cl 3.10). Na verdade, épelo raci­
sos corações. Se ele realm ente é Senhor, devem os ser ocínio que os hum anos se distinguem dos “anim ais
obedientes a ele para irracionais” (Jd 10). Deus cham a seu povo para usar a
razão (Is 1.18), para discernir o que é verdadeiro ou
... destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda falso (1 Jo 4.6) e correto ou errado (Hb 5.14). Um p rin ­
pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e cípio fundam ental da razão é que ela deve ter evidên­
levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a cias suficientes para a fé. Uma fé sem justificação não
Cristo” (2Co 10.4fc,5). passa disso — é injustificada (v. f é e r a z ã o ).
Sócrates disse: “A vida não exam inada não vale a
Isso significa que devemos confrontar questões nas pena ser vivida”. Ele certam ente estaria disposto a
nossas m entes e nos pensam entos expressos por ou­
tros que porventura im peçam a nós e a eles de conhe­ acrescentar que a fé não exam inada não vale a pena
cer a Deus. Essa é a essência da apologética. ser vivida. Portanto, é obrigação dos cristãos defender
Em Filipenses 1.7 Paulo alude à sua missão de “defesa e sua fé. Isso faz parte do grande m andam ento de am ar
confirmação do evangelho”. Ele acrescenta no versículo 16: a Deus de todo coração, alm a e m ente (M t 22.36,37).
“... aqui me encontro para a defesa do evangelho”. Isso im ­ É necessidade do mundo. As pessoas se recusam cla­
plica que o defensor do evangelho esteja em lugares onde ramente a crer sem provas. Já que Deus criou os hum a­
possa encontrar outros e defender a verdade perante eles. nos como seres racionais, ele espera que vivam racional­
Judas 3 acrescenta: mente, olhando antes de dar um passo. Isso não significa
que não haja espaço para a fé. Mas Deus quer que demos
Amados, embora estivesse muito ansioso por lhes es­ um passo de fé à luz das evidências, não no escuro.
crever acerca da salvação que compartilhamos, senti que era Evidências da verdade devem preceder a fé. N enhu­
necessário escrever-lhes insistindo que batalhassem pela fé m a pessoa racional entra num elevador sem razão para
de uma vez por todas confiada aos santos. crer que ele vai sustentá-lo. N enhum a pessoa sensata
entra num avião que está sem parte de um a asa e com
O povo a quem Judas fora vítim a de falsos mestres, cheiro de fum aça na cabine As pessoas lidam com duas
e ele precisava encorajá-los a batalhar pela fé como fora dim ensões de fé: fé que e fé em. Fé que dá a evidência e
revelada por Cristo. Judas faz um a afirmação im portante base racional para a confiança necessária para esta­
sobre nossa atitude no versículo 22: “Tenham com pai­ belecer fé em. Quando a fé que é estabelecida, pode­
xão daqueles que duvidam .” m os depositar fé em algum a coisa. Portanto, a pessoa
Tito 1.9 faz do conhecim ento das evidências cris­ racional quer provas de que Deus existe antes de de­
tãs um a obrigação da liderança eclesiástica. Um bispo positar sua fé em Deus. Incrédulos racionais querem
apologética, argumento da 58
provas de que Jesus é 0 Filho de Deus antes de deposi- conhecer a Deus mediante a evidência que ele revelou na
tar sua confiança nele (v. c l á s s ic a , a p o l o g é t ic a ). criação (Rm 1.19,20) e na consciência (Rm 2.12-15). É,
O bjeções à apologética. A oposição mais freqüen- sim, referência à depravação humana e rejeição insensa-
te à apologética é criada por místicos e outros ta da mensagem da cruz. Na verdade, apesar de a huma-
experimentalistas (v. l x p l r i m e x t a l , a p o l o g é t ic a ). Fideístas nidade saber claramente por meio da razão que Deus exis-
(v. f id e ís m o ) e alguns pressuposicionalistas também le- te, no entanto ela suprime ou troca essa verdade pela in-
vantam objeções de dois tipos básicos: baseadas na Bí- justiça (Rm 1.18).
blia e vindas de fora das Escrituras. Um defensor da A h u m an id ad e natural n ão consegue entender. Pau-
apologética pode ver nos textos das Escrituras geral- 10 insistiu que quem “não tem 0 Espírito não aceita as
mente citados contra a tarefa apologética, algumas más coisas que vêm do Espírito de Deus” ( 1C0 2.14). Então
interpretações ou aplicações, que na realidade não de- para que serve a apologética? Em resposta a esse argu-
monstram que a apologética seja desnecessária. mento contra a apologética, deve-se observar que Pau-
O bjeções à apologética b a sea d a s na Bíblia. A B íblia 10 não diz que pessoas naturais não conseguem perce-
n ão precisa ser defen dida. Uma objeção feita geralmen- ber a verdade sobre Deus, mas sim que elas não a rece-
te é que a Bíblia não precisa ser defendida; ela só pre- bem (gr. d ec h õ m a i,“receb er”). Paulo declara enfatica-
cisa ser exposta. “ Pois a palavra de Deus é viva, e efi- mente que as verdades básicas sobre Deus são “clara-
caz...” (Hb 4.12a). Dizem que a Bíblia é como um leão; mente” reconhecidas (Rm 1.20). O problema não é que
ele não precisa ser defendido, só solto. Um leão pode os incrédulos não estejam cientes da existência de Deus.
defender-se sozinho. Eles não querem aceitá-la por causa das conseqüências
Isso pressupõe que a Bíblia é a Palavra de Deus. É cia- morais que isso teria sobre sua vida pecaminosa.
ro que a Palavra de Deus é final e fala por si própria. Mas 1 Coríntios 2.14 diz que eles não “são capazes de
como sabemos que a Bíblia, e não 0 Alcorão ou 0 Livro de entendê-las”(gzV7õstó), que pode significar“entender por
M órm on, é a Palavra de Deus? É necessário apelar para a experiência” . Eles conhecem a Deus em suas mentes
evidência para determinar isso. Nenhum cristão aceita- (Rm 1.19,20), mas não 0 aceitaram em seu coração
ria a seguinte afirmação:“O A/corão é vivo,e eficaz,e mais (Rm 1.18).“Diz 0 tolo em seu c o r a ç ã o :‘Deus não exis-
afiado que qualquer espada de dois gumes” . Devemos te.” (SI 14.1)
exigir evidências (v. B íb lia , evidências da). Sem f é é im possível a g ra d a r a Deus. Hebreus 11.6
A analogia do leão é enganadora. 0 rugido do leão insiste que “sem fé é impossível agradar a Deus” . Isso
“fala por si próprio” com autoridade só porque conhe- parece argumentar que pedir razões, em vez de sim-
cemos por evidências anteriores 0 que 0 leão pode fa- plesmente acreditar, desagrada a Deus. Mas, como já
zer. Sem histórias de terror sobre a ferocidade do leão, foi observado, Deus nos chama a usar a razão (lPe
seu rugido não teria autoridade. Da mesma forma, sem 3.15). Na verdade, ele nos deu “claramente” (Rm 1.20)
evidências para estabelecer uma afirmação de autori- “provas indiscutíveis” (At 1.3). O texto de Hebreus não
dade, não há razão para aceitar essa autoridade. exclui os “ fatos” , mas implica sua existência. A fé é
Deus não p o d e ser conhecido p ela razão humana. O descrita‫־‬como “a prova” das coisas que não vemos. As-
apóstolo Paulo escreveu: “0 mundo não 0 [Deus] conhe- sim como a prova de que uma testemunha é confiável
ceu por meio da sabedoria humana” (1Co 1.21). Isso não justifica meu testemunho de fé no que ele viu e eu não
significa, porém, que não haja evidências para a existên- vi, nossa fé em “ fatos que não vemos” (Hb 11.1) é
cia de Deus, já que Paulo declarou em Romanos que a justificada pela prova de que Deus existe. Essas evidên-
evidência da existência de Deus é tão clara que os ho- cias “desde a criação do mundo” , são percebidas “por
mens são“indesculpáveis” mesmo sem ter ouvido 0 evan- meio das coisas criadas” (Rm 1.20).
gelho (Rm 1.19,20).Além disso,ocontexto de 1Coríntios Jesus recusou-se a faz er sinais p a ra os ímpios. Jesus
não é a existência de Deus, mas sim seu plano de salva- repreendeu 0 povo que buscava sinais; então, devemos
ção por meio da cruz. Isso não pode ser conhecido pela contentar-nos em apenas acreditar. Na verdade, algu-
mera razão humana, apenas pela revelação divina. É “10u- mas vezes Jesus repreendeu os que buscavam sinais.
cura” para a mente humana depravada. Finalmente, nes- Ele disse: “ Uma geração perversa e adúltera pede um
sa mesma carta de 1Coríntios Paulo dá a maior evidência sinal” . Isso, porém, não significa que Jesus não queria
apologética para a fé cristã — as testemunhas oculares da que as pessoas vissem as provas antes de crer. Mesmo
ressurreição de Cristo, que seu companheiro Lucas chamou nessa passagem Jesus ofereceu 0 milagre da sua res-
“provas indiscutíveis” (At 1.3). Então sua referência ao surreição como sinal de quem ele era, dizendo que
mundo que não conheceu a Deus por meio da sabedo- nenhum sinal seria dado “exceto 0 sinal do profeta
ria não é menção à incapacidade dos seres humanos de Jonas” . (M t 12.39; cf. Lc 16.31; v. m ilagres na B íb lia ).
59 apologética, argumento da
Jesus apresentou seus milagres como prova da sua capítulo de Gênesis confronta claramente as histórias
missão messiânica (v. m ila g r e ; m ila g r e s , v a l o r a p o lo g é - míticas da criação conhecidas em sua época. Seus mi-
ti c o d o s ) . Quando João Batista perguntou se ele era 0 lagres no Egito foram a resposta de que Deus falava
Cristo, Jesus mostrou milagres como prova, dizendo: por meio dele (Êx 4.1-9). Elias usou a apologética no
monte Carmelo quando provou milagrosamente que
Voltem e anunciem a João 0 que vocês estão ouvindo e Iavé, não Baal, era 0 verdadeiro Deus (lR s 18). Jesus
vendo: os cegos vêem, os mancos andam, os leprosos são utilizou constantemente a apologética, provando por
purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressucitados,e sinais e milagres que era 0 Filho de Deus (Jo 3.2; At
as boas novas são pregadas aos pobres (Mt 11.4,5). 2.22). 0 apóstolo Paulo usou a apologética em Listra
quando provou, a partir da natureza, que 0 Deus su-
“Mas, para que vocês saibam que 0 Filho do homem tem premo do universo existia e que a idolatria era errada
na terra autoridade para perdoar pecados” — disse ao pa- (At 14.6-20).
ralítico — “eu lhe digo: Levante-se pegue a sua maca e vá O caso clássico da apologética no n t é Atos 17 em
para casa” (Mc 2.10,11). que Paulo debateu com os filósofos na colina de Marte
(0 Areópago). Ele não só apresentou a evidência favo-
Jesus negou-se a entreter as pessoas com milagres. rável à existência de Deus a partir da natureza, mas tam-
Ele se recusou a fazer milagres para satisfazer a curio- bém defendeu, com base na história, que Cristo era 0
sidade do rei Herodes (Lc 23.8).Em outras ocasiões não Filho de Deus. Citou filósofos pagãos para apoiar seus
fez milagres por causa da incredulidade (Mt 13.58), por argumentos. A apologética foi usada na Bíblia sempre
não querer atirar “pérolas aos porcos” (Mt 7.6). 0 pro- que afirmações da verdade do judaísmo ou cristianis-
pósito dos milagres era apologético, isto é, para confir- mo entraram em conflito com a incredulidade.
mar sua mensagem (cf. Êx 4.1 -9; Jo 3.2; Hb 2.3,4). E ele Objeções à apologética com bases não-bíblicas. Essas
fez isso em grande abundância pois foi apresentado por objeções contra a apologética surgem de suposições de
Pedro assim: “Jesus de Nazaré foi aprovado por Deus sua irracionalidade, incoerência ou improdu-tividade.
diante de vocês por meio de milagres e sinais que Deus Muitas partem do ponto de vista racionalista ou cético (v.
fez entre vocês por intermédio dele” (At 2.22). a g n o stic ism o ). Outras são fideístas (v. fid e ísm o ).
N ão respon d a a o in sen sato com igu al insensatez. A lóg ica n ã o p o d e nos d izer n a d a sobre Deus. Essa
Dizem que ateísmo é tolice (SI 14.1), e a Bíblia man- objeção é contraditória. Diz que a lógica não pode
da não responder ao tolo. Concordamos com Provér- ser aplicada a essa questão. Mas a afirm ação
bios 26.4, mas também concordamos com Provérbi- sobentende um conhecimento lógico sobre Deus.
os 26.5, que diz: “ Responda ao insensato como a sua Apela à lógica porque afirma ser ela verdadeira en-
insensatez merece, do contrário ele pensará que é quanto seu oposto é falso. Essa alegação, chamada
mesmo um sábio” . Ou 0 livro de Provérbios foi escri- “lei da não-contradição” (v. p r im e ir o s p r in c íp io s ; l ó g i -
to por um louco, ou a lição da passagem é que deve- c a ) , é a base de toda lógica. A afirmação de que a ló-
mos ter cuidado com a maneira e a hora que esco- gica não se aplica a Deus, aplica lógica a Deus. A ló-
lhemos para confrontar idéias falsas. Não discuta gica é inescapável. Você não pode negá-la com suas
com alguém que não dá ouvidos à razão, ou será tão palavras a não ser que a afirme com as mesmas pa-
insensato quanto ele. Mas, se puder mostrar a essa lavras. E inegável.
pessoa 0 erro do seu raciocínio de maneira que pos- A lógica por si só pode nos dizer algumas coi-
sa entender, talvez ela busque a sabedoria de Deus sas sobre Deus — pelo menos hipoteticamente. Por
em vez de depender da própria sabedoria. exemplo, se Deus existe, então é falsa a não-exis-
A apologética n ão é usada na Bíblia. Se a apologéti- tência. E se Deus é um Ser Necessário, então ele não
ca é bíblica, por que não a encontramos sendo usada pode não-existir. Além disso, se Deus é infinito e
na Bíblia? De modo geral a Bíblia não foi escrita para nós somos finitos, então não somos Deus. Também,
incrédulos, mas para crentes. Por já crerem em Deus, se Deus é verdade, ele não pode mentir (Hb 6.18),
Cristo etc., não há necessidade de provar-lhes essas ver- pois mentir seria contrário à sua natureza. Da mes-
dades. A apologética é principalmente para os que não ma forma, a lógica nos informa que, se Deus, é oni-
crêem, para que possam ter uma razão para crer. potente, ele não pode fazer uma pedra tão pesada
Mas a apologética é usada na Bíblia. Até os que es- que ele não consiga levantar. Pois tudo 0 que ele
tão familiarizados com ela não reconhecem esse fato, pode fazer pode levantar.
pois não percebem que 0 que vêem é, na verdade, A lógica n ã o p o d e “p ro v a r” a existência de n ad a. É
apologética. Moisés usou a apologética. 0 primeiro verdade, a lógica nos mostra apenas 0 que é possível
apologética, argumento da 60

ou impossível. Sabemos pela lógica, por exemplo, que depende do que se quer dizer com “provar” . Se “pro-
círculos quadrados são impossíveis. Também sabe- var” significa demonstrar com certeza matemática,
mos que algo pode existir, já que nenhuma contradi- então a maioria dos teístas concordaria que a exis-
ção está envolvida em afirmar que algo existe. Mas tência de Deus não pode ser provada. Pois certeza
não podemos provar só pela lógica que algo realmen- matemática lida apenas com 0 abstrato. E a existên-
te existe. No entanto, sabemos que algo realmente cia de Deus (ou qualquer outra coisa) é concreta.
existe de outra maneira. Sabemos intuitiva e inega- Além disso, a certeza matemática é baseada em axi-
velmente. Pois não posso negar minha existência a omas ou postulados que devem ser pressupostos para
não ser que eu exista para negá-la. A afirmação: “ Eu chegar-se à conclusão necessária. Contudo, se a exis-
não existo” é contraditória, já que tenho de existir tência de Deus deve ser pressuposta para ser prova-
para poder pronunciá-la. Então, apesar de a lógica da, então a conclusão de que Deus existe é apenas
não poder provar a existência de nada, temos conhe- baseada na pressuposição de que ele existe, e nesse
cimento inegável de que algo existe. E, uma vez que caso não é realmente uma prova.
sabemos que algo existe (por exemplo, eu existo), Outra maneira de provar isso é lembrar que a cer-
então a lógica pode ajudar-nos a determinar se é teza matemática é dedutiva por natureza. Sua argu-
finito ou infinito. E, se é finito, a lógica pode ajudar- mentação tem por base as premissas fornecidas. Mas
nos a determinar se também existe um ser infinito não se pode concluir validamente 0 que já não esteja
(v. Deus, evid ências de). implicado na(s) premissa(s). Nesse caso seria neces-
A ra z ã o é inútil em assuntos religiosos. O fideísmo sário pressupor que Deus existe na premissa para in-
argumenta que a razão é inútil em assuntos que li- feri-lo corretamente na conclusão. Mas isso é um
dam com Deus. É preciso apenas acreditar. A fé, não exemplo de petição de princípio.
a razão, é 0 que Deus exige (Hb 11.6). Mas até nas Da mesma forma, se por “provar” a pessoa quer dizer
Escrituras Deus manda usar a razão (Is 1.18; Mt “chegar a uma conclusão logicamente necessária” ,então a
22.36,37; lPe 3.15). Deus é um ser racional, e nos existência de Deus também não pode ser provada, a não
criou para sermos seres racionais. Deus não insulta- ser que 0 argumento ontológico seja válido. Mas a maioria
ria a razão que nos deu pedindo que a ignorássemos dos filósofos nega a sua validade. Não é possível provar
em assuntos tão importantes quanto nossas convic- Deus pela necessidade lógica porque a lógica formal, como
ções a seu respeito. a matemática, lida com 0 abstrato. A não ser que a pessoa
O fideísmo é contraditório. Ou ele tem razão para comece com algo existente, jamais poderá sair do âmbito
que não raciocinemos sobre Deus ou não tem. Se tem, puramente teórico. Se existe um triângulo, podemos saber
então usa a razão para dizer que não devemos usá-la. logicamente e com certeza absoluta que ele terá três lados e
Se 0 fideísmo não tem razão para não usar a razão, três ângulos. Mas talvez não existissem triângulos em lu-
então não tem razão para sua posição, e nesse caso gar nenhum exceto na mente da pessoa. Da mesma forma,
não há razão para aceitar 0 fideísmo. a não ser que saibamos que algo existe, então a lógica não
Afirm ar que a razão é apenas opcional para 0 pode ajudar-nos a saber se Deus existe. E a lógica por si só
fideísta não é 0 suficiente. Pois 0 fideísta oferece al- não nos pode dizer que algo existe.
gum critério para quando usar a razão e quando não, Mas, se por “provar” queremos dizer “ fornecer evi-
ou 0 uso é simplesmente arbitrário. Se 0 fideísta ofe- dência adequada para” ou “dar boas razões para” , en-
rece critérios racionais para quando devemos usar a tão pode-se concluir que é possível provar a existên-
razão, então realmente há uma base racional para essa cia de Deus (v. D e u s , e v id ê n c ia s d e ; a r g u m e n t o c o s m o ló -
posição, e nesse caso ele deixa de ser fideísta. g ic o ) e a veracidade do cristianismo.
A razão não é 0 tipo de coisa sobre a qual uma cri- Ninguém se converte p o r m eio d a apologética. Existe
atura racional pode decidir não participar. Pelo fato a acusação de que ninguém conhece a Cristo por meio
de ser racional por natureza, 0 ser humano deve fazer da apologética. Se isso implica que 0 Espírito Santo (v.
parte do discurso racional. E 0 discurso racional exige E s p ír ito S a n t o n a a p o lo g é ti c a , pap f.l d o ) nunca usa a evi-
que as leis da razão sejam seguidas. Um desses princí- dência apologética para levar pessoas a Cristo, trata-
pios é que a pessoa precisa ter uma boa razão para suas se claramente de uma acusação falsa. C. S. Lewis disse
convicções. Mas, se ela precisa ter uma boa razão, então que
0 fideísmo está errado, já que afirma que não é necessá-
rio ter uma boa razão para 0 que acredita. quase todas as pessoas que conheço que se converte-
N ão é p ossív el p ro v a r q u e D eus existe p ela razão. ram ao cristianismo quando adultos foram influenciadas
Segundo essa objeção, a existência de Deus não pode pelo que lhes parecia ser, no mínimo, um argumento prová-
ser provada pelo raciocínio humano. A resposta vel a favor do teísmo (Lewis, p. 173).
61 apologética, tipos de
Lewis é um exemplo do ateu que se converteu sob diferentes de pressuposicionalism o, tam bém existem
a influência da apologética. 0 cético Frank M orrison diferen ças sig n ificativ as en tre os siste m as não -
converteu-se ao tentar escrever um livro que refutas­ p ressu p o sicio n ais. Se alg uém u sa r as categorias
se a evidência da ressurreição de Cristo (v. M orrison). evidenciai e não-evidencial, acontece a m esm a coisa;
Agostinho conta em suas Confissões com o foi levado apologética clássica e histórica e até algum as form as
ao cristianism o ao ouvir um debate entre um cristão de pressuposicionalism o (e.g., coerência sistem ática)
e um incrédulo. 0 professor Simon Greenleaf, da Fa­ devem ser colocadas na m esm a categoria. O mesmo
culdade de Direito de H arvard, foi levado a aceitar a acontece se alguém usa apologética clássica e apologética
autenticidade dos evangelhos ao aplicar as regras le­ não-clássica como duas categorias amplas.
gais à evidência do x t . Deus tem usado evidência e ra­ Tipos de sistemas. Apesar de as categorias não se­
zão de algum a form a para alcançar quase todos os rem logicamente excaustivas e se sobreporem , parece
adultos que se convertem ao cristianism o. m elhor apenas usar títulos com um ente aceitos e apre­
sentar as diferenças e semelhanças. A avaliação de cada
Fontes um a pode ser encontrada em outros artigos sobre sis­
R. L. B u s h , org., C lassical readings in Christian tem as individuais e seus representantes principais.
apologetics 100-1800 d.C.
Três pontos ajudam a entender cada tipo: os defen­
D. C l a r k , Dialogical apologetics. sores serão alistados; algumas características principais
G. H. C l a r k , Religion, reason and revelation. serão descritas, e com entários sobre superposições e/
W . C o rd u a x , R ea so n a b le faith.
ou contraste com outras abordagens serão feitos.
N. L. G f .is le r e R. B ro o k s , When skeptics ask: a Apologética clássica. Características. A apologética
h a n d b o o k on Christian evidences.
clássica enfatiza argum entos a favor da existência de
P. K r e e f t , et a!., H andbook o f C hristian apologetics. Deus (v. D e u s, e v id ê n c ia s d e ), assim como a evidência
G.R. L e w is , Testing Christianity's truth claims. histórica que apóia a veracidade do cristianism o. A
C. S. L e w is , God in the dock. apologética clássica é caracterizada por dois passos
J. M c D o w e l l , Answering tough questions skeptics básicos: argum entos teístas e com probatórios.
ask.
Argumentos teístas são usados para estabelecer a ver­
___ , Evidência que exige am veredito. dade do teísmo à parte do apelo à revelação especial (e.g.,
J. W. M o n tg o m e ry , Faith founded on tact. a Bíblia). A apologética clássica aceita a validade das pro­
J. P. M o r e l a n d , Scaling the secular city: a defense o f vas teístas tradicionais sobre Deus, apesar de alguns
enfatizarem apenas um a delas. E alguns invalidam cer­
Christianity.
tas provas tradicionais, com mais freqüência o argum en­
F. M o r r is o n , Who moved the stone? to ontológico. Mas a m aioria aceita alguma forma de ar­
W. M. S m ith , T herefore stand. gum ento cosmológico e o argum ento teleológico. Muitos
tam bém acreditam que o argumento moral é válido.
apologética, objeções à . V. a p o l o g é t i c a , n e c e s s id a d e d a . O prim eiro passo da apologética clássica tam bém
envolve chegar à conclusão lógica de que, se o Deus do
apologética, tipos de. Existem diferentes tipos de sis­ teísm o existe, m ilagres são possíveis; na verdade, o
tem as de apologética, m as não existe um meio u n i­ m aior m ilagre, a Criação, é possível. A credibilidade
versalm ente reconhecido para categorizá-los. A borda­ dos m ilagres (v. m i l a g r e ) é essencial ao próxim o passo
gens divergentes parecem ser determ inadas pela pers­ na apologética clássica — a histórica — , m as flui
pectiva da pessoa que as categoriza. No entanto, exis­ logicam ente do prim eiro passo.
tem alguns term os geralm ente aceitos que se podem 0 segundo passo é a evidência histórica confirm a­
usar para perceber de m aneira significativa as dife­ da que substancia a verdade. Os docum entos do n t são
renças entre as abordagens m ais populares. com provadam ente confiáveis do ponto de vista histó­
Sistem as de categarização. É tentador criar cate­ rico (v. DOCUMENTOS DO NOVO TESTAMENTO, MANUSCRITOS;
gorias logicam ente abrangentes de sistem as apolo­ Novo TESTAMEXTO, HISTORICIDADE DO; NOVO TESTAMENTO, FON­
géticos. Dois problem as tornam isso impossível. Pri­ TES x â o - c r is tà s ) . O apologista tam bém dem onstra que
m eiram ente, a categoria parece funcionar, m as a cate­ esses docum entos revelam que Jesus afirm ou, por
goria correspondente que logicam ente se oporia é meio de milagres com provados, ser o Filho de Deus
m uito am pla. Em segundo lugar, sistem as divergentes (v. C r is to , d iv in d a d e d e ). Com base nisso,geralm ente se
geralm ente são colocados na m esm a categoria. Por argum enta que Jesus confirm ou que o a t é a Palavra
exemplo, se alguém usa as categorias pressuposicional de Deus e prom eteu o m esm o para o n t (v. B íb lia , a
e não-pressuposicional, verá que, além de existir tipos p o siç ã o de Jesu s em r e la ç ã o à ).
apologética, tipos de 62

Defensores. A apologética clássica foi praticada por Os evidencialistas não baseiam todo seu argum ento na
A g o s tin h o , A n s e lm o e T o m á s d e A q u in o . Apologistas clás­ evidência histórica. São mais ecléticos, mesclando evidên­
sicos m odernos incluem W infried Corduan, W illiam cias de vários campos. Os evidencialistas atuam como ad­
Lane Craig, N orm an L . Geisler, John Gerstner, Stuart vogados que combinam evidências num resumo geral em
Hackett, Peter Kreeft, C. S. L e w is , J. P. M oreland, John defesa de sua posição, acreditando que o peso combina­
L o c k e , William P a l e y , R. C. Sproul e B. B. W a r e i e l d . do das provas apresentará um a defesa persuasiva.
C om paração com outras abordagens. Às vezes, os Muitos evidencialistas enfocam a ev id ên cia arq u e­
apologistas clássicos começam esse segundo passo de­ ológica como apoio para a Bíblia. Enfatizam que tanto
m onstrando que a Bíblia é comprovadamente a Palavra o a t quanto o n t (v . a r q u e o l o g i a d o a t ; a r q u e o l o g i a d o
de Deus. Ao fazer isso geralmente usam a m esm a prova n t ) foram com provados por m ilhares de descobertas.
básica usada pela apologética evidenciai. Isso inclui m i­ Em sua opinião isso dá razão para aceitar a autorida­
lagres (V. MILAGRES, VALOR APOLOGÉTICO DOS; MILAGRES NA B í- de divina das Escrituras. Outros tipos de apologética
b l i a ) , profecias cum pridas (v. p r o f e c ia c o m o p ro v a d a B í­ tam bém apelam à evidência arqueológica, m as dela
b l i a ) , a unidade da Bíblia, e outras indicações de sua se utilizam de m aneira diferente.
origem supernatural (v. B íb lia , e v id ê n c ia s d a ) . Alguns evidencialista apelam à evidência experim en­
A diferença entre os apologistas clássicos e os tal para apoiar o cristianismo, geralmente o testem unho
evidencialistas sobre o uso da evidência histórica é que de vidas transform adas. A história dos convertidos ao
os clássicos vêem a necessidade de prim eiro estabele­ cristianismo é oferecida como evidência da veracidade
cer a natureza teísta do nosso universo, para assim es­ do cristianismo. Existe outra maneira, argum entam , para
tabelecer a possibilidade e a identidade dos milagres. explicar as m udanças dramáticas, transform adoras, du­
Os evidencialistas não consideram o teísm o pré-con- radouras, e muitas vezes radicais? A conversão de Saulo
dição logicam ente necessária da apologética históri­ de Tarso (At 9) é um exemplo clássico.
ca. 0 argum ento básico dos apologistas clássicos é que A ev id ên cia p ro fética (v. p r o f e c i a c o m o p r o v a d a Bí­
b l i a ) geralm ente é oferecida para com provar o cristia­
não faz sentido falar sobre a ressurreição como ação
de Deus a não ser que, como pré-requisito lógico, seja nismo. A rgum enta-se que apenas a origem divina pode
prim eiram ente estabelecido que existe um Deus que explicar as num erosas e precisas predições bíblicas que
se cum priram . Para os evidencialistas, evidências pro­
pode agir. Da m esm a form a, a Bíblia não pode ser a féticas e outras evidências não form am um passo espe­
Palavra de Deus se não há um Deus que possa falar. E cífico na ordem lógica geral (como na apologética clás­
não se pode provar que Cristo é o Filho de Deus sem sica). Mas é a som a de todas elas sobrepostas que ofere­
base na prem issa logicam ente anterior de que existe ce alta probabilidade da veracidade do cristianismo.
um Deus que pode ter um Filho. Alguns advogados d a apologética eviden ciai. Apesar
A pologética ev id e n c ia i A apologética evidenciai
de a apologética evidenciai ter grande apoio popular,
enfatiza a necessidade da prova para apoiar as afir­ ela apresenta poucos defensores específicos que não se
m ações das verdades cristãs. A evidência pode ser ra ­ encaixam em outras categorias tam bém . Então, parece
cional, histórica, arqueológica, e até experim ental. m elhor caracterizar o evidencialism o pelos vários ti­
Como é m uito am pla, esta categoria se sobrepõe a ou­ pos de evidências enfatizadas na abordagem apologética
tros tipos de apologética. específica. Uma abordagem evidenciai reconhecida é
A lgu m as cara c terística s d a a p o lo g étic a e v id e n ­ oferecida por William P a lf .y no seu livro E v id en cesfo r
ciai.Já que os evidencialistas com preendem um a ca­ Christianity [Indícios do cristianism o], apesar de Paley
tegoria grande e diversificada, suas características se­ ter oferecido provas de Deus prim eiro, e assim poder
rão delineadas conform e o tipo. Os evidencialistas ser descrito como apologista clássico. O tão conhecido
geralm ente usam a ev id ên cia ra cio n a l (por exem plo, livro de Bernard R a m m Protestant christian evidence [In ­
provas sobre D eus) p ara defender o cristianism o. dícios d o p rotestan tism o cristã o ] é outro exemplo de
A ssim , se sobrepõem à apologé-tica clássica. M as apologética com probatória, apesar de o autor ter-se
p ara o evidencialista isso é apenas um a evidência. afastado dessa linha em obras posteriores. O livro
Tam bém em contraste com os apologistas clássicos, evidencialista m ais am plam ente distribuído é E vidên­
os evidencialistas não afirm am que a evidência ra ­ cia que exige um veredito, de Josh McDowell.
cional seja necessária (já que é apenas um a ev idên­ A lg u m as c o m p a r a ç õ e s com ou tra s a b o rd a g en s.
cia) nem logicam ente an terio r a outras evidências. A pesar da evidência não ser exclusiva da apologética
No uso da ev id ên cia h istórica existe ou tra sobre­ evidenciai, a m an eira em que é u sad a é peculiar.
posição entre as apologéticas evidenciai e histórica. A pologistas clássicos e alguns evidencialistas usam
63 apologética, tipos de
argum en tos teístas. Mas, para os evidencialistas, es­ p ara vin d icar o cristian ism o en tre os que as têm .
tabelecer a existência de Deus não é um pré-requisito Os que apelam p ara tais experiências rejeitam ab or­
lógico ou passo necessário. É apenas parte do conjun­ dagens apologéticas no sentido tradicional. R ejei­
to geral de evidências que apóiam o cristianism o. tam argum entos racionais ou evidência factual em
Em contraste com a apologética histórica, o eviden- lugar do que acreditam ser um a experiência que
cialista puro não apela para a evidência histórica como com prova a si m esm a.
base única para sua defesa. Para os evidencialistas há Alguns p rop on en tes d a ap olo g ética ex p erim en tal
certos eventos, tais como as curas de Jesus, ressurrei­ Entre os místicos cristãos o nom e Meister Eckart se des­
ção de m ortos e profecias cum pridas, que por si p ró ­ taca. Os existencialistas incluem Soren K i e r k e g a a r d ,
prios, separados da pressuposição ou prova anterior Rudolph B u l t m a n n e Karl B a r t h (v. tb. f id e ís m o ). Outros
de que Deus existe, substanciam a veracidade do cris­ nom es favoráveis a um a abordagem experim ental mais
tianism o. Já que os fatos deixam isso claro, não há ne­ geral incluem Friedrich S c h l e i e r m a c h e r e Paul Tillich.
cessidade, segundo os evidencialistas, de fornecer um a C om parações com outras abordagen s. Argum entos
razão independente para acreditar na existência de experim entais da existência de Deus às vezes são usa­
Deus. Em com paração, tanto a apologética clássica dos por apologistas clássicos e evidencialistas. A dife­
quanto a pressuposicional insistem que eventos h is­ rença é que, para o apologista experim ental, o único
tóricos só podem ser interpretados à luz da estrutura tipo de evidência é o não-racional, m ístico e existen­
da cosm ovisão da qual são parte. cial. Em outras abordagens apologéticas, o argum en­
A pologética experim ental. Alguns cristãos apelam to da experiência religiosa é apenas um dentre os vá­
principalm ente, m as não exclusivamente, à experiên­ rios tipos de evidência.
cia como evidência da fé cristã. Alguns apelam à ex­ Os evidencialistas, principalm ente do tipo revela-
periência religiosa em geral. Outros a experiências re­ cional, rejeitam argum entos puram ente experim entais
ligiosas especiais. Nessa segunda categoria estão os que por não poderem ser com provados e por serem de in­
enfocam experiências m ísticas e outros que identifi­ terpretação subjetiva.
cam o que acreditam ser experiências de conversão Apologética histórica. A apologética histórica enfatiza a
especificam ente sobrenaturais. Existem algum as di­ evidência histórica como base para demonstração da ve­
ferenças obviam ente im portantes no am plo espectro racidade do cristianismo. Esses apologistas acreditam que
experim ental. m esmo a existência de Deus, pode ser provada apenas pela
Tipos d e experiên cia. 0 valor da experiência religi­ evidência histórica. Por um lado a apologética histórica per­
osa geral é de valor lim itado para a apologética exclu­ tence à classe mais ampla da apologética comprovatória,
sivam ente cristã. Na m elhor das hipóteses, a ex p eriên ­ mas é diferente porque enfatiza a importância, até mesmo
cia g eral estabelece a credibilidade da crença em al­ a necessidade, de começar com o registro histórico para
gum tipo de ser suprem o (não necessariam ente o Deus comprovar a verdade do cristianismo.
teísta). No entanto, as provas da experiência religiosa Alguns defen sores d a ap olo g ética histórica. O cris­
(v. D e u s , a p o l o g é t i c a e x p e r i m e n t a l p a r a ) têm sido ofere­ tianism o é um a religião histórica, então é com preen­
cidas por cristãos e outros. Experiências religiosas ge­ sível que tenha um a ênfase histórica desde o princí­
rais estão disponíveis a todos. pio. Os prim eiros apologistas, incluindo T e r t u l i a n o ,
Experiências religiosas especiais são m ais lim ita­ J u s t i n o M á r t i r , C l e m e n t e d e A l e x a n d r i a e O r í g e n e s de­
das. O místico, por exemplo, afirm a um a experiência fenderam a historicidade do cristianism o.
especial com Deus. E x p eriên cias m ísticas (v. m is tic is ­ Já que esses apologistas antigos geralm ente não
m o ) diferem das experiências religiosas gerais porque eram sistem áticos em suas obras, é difícil dizer se en­
afirm am ser contatos diretos e im ediatos com Deus. tram na categoria de apologética histórica. Alguns ofe­
Os m ísticos cristãos afirm am que tais experiências são receram argum entos teístas, m as provavelmente nem
verdadeiras. todos o viam como o prim eiro passo logicam ente ne­
E m bora os cham ados “encontros de ex p eriên cia cessário da apologética geral. Os apologistas históri­
existen cial com Deus” (v. K i e r k e g a a r d , S o r e n ) não se­ cos contem porâneos incluem John W arwick M ontgo­
jam o m esm o que experiências m ísticas, seus defen­ m ery e Gary H aberm as.
sores afirm am que tam bém são autênticos. A pessoa é A lgum as co m p arações com outras abordagen s. A
tom ada por Deus num encontro não-racional e direto ap o lo g ética h istó ric a é diferen te da ab o rd ag em
que é m ais básico e real que a experiência sensorial. evidenciai por seu enfoque restrito, usando apenas um
A pesar de nem todos cham arem essas experiências tipo de evidência em vez de muitos. Ela tam bém ofe­
“evidência apologética”, elas servem , m esm o assim , rece um argum ento seqüencial. O apologista histórico
Apolônio de Tiana 64

só começa com evidências históricas como premissa bá­ teístas. Aceitam as críticas da argum entação teísta de
sica. Depois de estabelecida a historicidade, o apologista H um e e K a n t (v . D e u s , o b je ç ò e s à s p r o v a s d e ) . Ou acredi­
argum enta que são feitas certas afirmações nas Escritu­ tam que “fatos” separados da cosm ovisão cristã não
ras das quais pode-se inferir que Deus existe, que a Bíblia têm significado.
é a Palavra de Deus e que Cristo é o Filho unigénito de Conclusão. Os proponentes de um tipo de sistem a
Deus. O evidencialista não tem essa ordem lógica que apologético criticam os sistem as oponentes. Assim,
começa apenas com evidências históricas. Pelo contrá­ tanto a avaliação quanto as fontes são descritas sob
rio, o evidencialista emprega um a variedade de evidên­ cada tipo de apologética discutido acim a. Som ente li­
cias das quais se conclui que o cristianismo é verdadeiro. vros que tratam de sistem as apologéticos em geral são
Tanto a apologética histórica quanto a clássica apresentados a na relação de “Fontes”.
usam evidências históricas. Mas o apologista clássico
acredita que a evidência histórica é apenas um segun­ Fontes
do passo, logicam ente precedido por argum entos D. C l a r k , D ialogical apologetics, cap. 5.
teístas que estabelecem a evidência de cosm ovisão N . L . G e is le r , Christian apologetics , Parte 1.
necessária pela qual é possível interpretar corretam en­ G . L e w is , Testing Christianity’s truth claims.
te as evidências históricas. B . R am m , Varieties o f apologetic systems.
A p o lo g ética p re ssu p o sício n a l. A apologética
pressuposicional afirma que é preciso defender o cristia­ apololética clássica. V. c l á s s i c a , a p o l o g é t i c a
nismo a partir do alicerce de certas pressuposições. Ge­
ralmente o adepto desta escola de apologética pressupõe apololética experimental. V. e x p e r i m e n t a l , a p o l o g é t i c a
a verdade básica do cristianismo e depois continua de­
m onstrando que só o cristianismo é verdadeiro. apololética histórica. V. h i s t ó r i c a , a p o l o g é t i c a
Conforme o pressuposicionalism o revelacional, é pre­
ciso pressupor que o Deus trino revelou-se nas Escritu­ apololética pressuposicional. V. p r e s s u p o s i c i o n a l ,
ras Sagradas antes de haver possibilidade de com pre­ a p o lo g é tic a
ender o Universo, a vida, a linguagem ou a história. Isso
às vezes é entendido como um argum ento transcen­ Apolônio de Tiana. Este personagem (m. 98 d.C.) às
dental. Os pressuposicionalistas revelacionais incluem vezes é apresentado por críticos do cristianism o como
Cornelius V a n T i l , Greg Bahnsen e John Frame.
o rival de Cristo por afirm ar ser o Filho de Deus e ter a
O pressuposicionalista racional tam bém começa com capacidade de realizar m ilagres para apoiar sua afir­
a Trindade revelada na Palavra escrita de Deus. Mas o
teste para ver se isso é verdade ou não é apenas a lei da mação. Filostrato, em Vida d e A polônio, registra as his­
não-contradição (v. p r im e ir o s p r in c íp io s ). O cristianism o tórias póstum as de m ilagres, incluindo aparições e
dem onstra a própria veracidade, pois, de todas as reli­ deificação ( a p o t e o s e ) . Alguns críticos usam essas his­
giões, é a única internam ente coerente. Gordon C l a r k e tórias para negar a singularidade da vida, m orte e res­
Cari F. H. Flenry são pressuposicionalistas racionais. surreição de Cristo.
Assim como os pressuposicionalistas racionais, os A valiação das alegações. As alegações a favor de
pressuposicionalistas de coerên cia sistem ática acredi­ A polônio ficam m uito aquém das referentes a Cristo
tam que um sistem a deve ser racionalm ente coerente. (v. C r i s t o , d i v i n d a d e d e ) . A biografia de Apolônio, es­
Além disso, deve considerar abrangentem ente todos crita por Filostrato, term ina com sua m orte. As bio­
os fatos. Tam bém é preciso ser relevante existencial- grafias de Jesus, não (v. M t 28; Mc 16; Lc 24; Jo 20,
m ente à m edida que satisfaz as necessidades básicas 21). Elas term inam com a ressurreição (v. r e s s u r r e i ­
da vida. Só o cristianism o, acreditam eles, oferece um ç ã o , e v i d ê n c i a s d a ) . Não há nada sobrenatural na bio­
sistem a tão consistente. Edward John C a r n e l l e Gordon grafia de Apolônio, nem quanto às afirm ações de d i­
Lewis defendem essa posição. vindade nem quanto aos m ilagres feitos para provar
A abordagem apologética de Francis S c h a e f f e r tem tal alegação. H istórias de m ilagres após sua ressu r­
sido classificada ocasionalm ente como form a separa­ reição sequer fazem parte da biografia. São ch am a­
da de pressuposicionalism o, um tipo de p ressu p osi­ das apenas “h istórias” por seu biógrafo, Filostrato.
cionalism o prático. Schaeffer acredita que sistem as fal­ Na verdade, são lendas posteriores.
sos não são vivenciáveis, que apenas a verdade cristã O livro de Filostrato é a única fonte existente da
é vivenciável. vida de A polônio. A ssim , a au tenticid ade do regis­
A lgum as com parações com outras abordagens. Os tro não é com provada. No caso de Jesus tem os v á ri­
pressuposicionalistas rejeitam a validade das provas os registros contem porâneos de sua vida, m orte e
apoteose 66

c e n tu ry m ira c le w o rk e r” , m o n o g ra fia a p re s e n ­ Essas histórias tam bém foram usadas para m inar
ta d a p a ra a S o c ie d a d e F ilo só fic a E v an g élica. afirm ações da singularidade do cristianism o (v. c r i s ­
tia n is m o , s in g u la r id a d e d o ; p lu ra lis m o r e lig io s o ).
apoteose. Os críticos usam teorias da para a p oteose Avaliação. A hipótese do hom em divino foi der­
argum entar que a divindade e ressurreição de Cristo rubada por diversos teólogos como Oscar Cullman (A
não são crenças exclusivas do cristianism o. Teorias de cristo lo g ia d o N ovo T estam en to), G ary H aberm as
apoteose relativas a pessoas que são levadas para o céu (Ressurrection claim s in non-christian religions) [Afir­
e divinizadas já foram contadas por outras religiões m a ç õ es d e ressu rreição em relig iões n ã o -cristã s], e
(v. m it r a í s m o ) . Entre os críticos m odernos conhecidos Ronald Nash ( Christianity a n d the hellenistic w orld)
que usaram essas histórias para criar dúvidas sobre [C ristianism o e o m undo helenístico].
os registros do n t estão Otto Pfleiderer em The early Existem dificuldades para que essas lendas sejam
christian conception o fC h rist [O conceito cristão p r i­ usadas como alegações que com petem com as referen­
m itivo sobre Cristo] (1905) e W. Bousset em K urios tes a Cristo. As fontes dessas histórias são todas m uito'
Christos [Cristo, o Senhor] (1913). posteriores aos eventos descritos e são questionáveis.
Afirm ações de divinização não são raras na m ito­ Suetônio viveu 150 anos depois de Júlio e quase cem
logia antiga e nas religiões de m istério (Pfleiderer). anos depois de Augusto. O relatório de Dio Cássio sobre
Entre os supostam ente divinizados estão vários im ­ Adriano surgiu cerca de cem anos depois. Filostrato es­
peradores rom anos (com destaque para os Césares, creveu m ais de cem anos depois da m orte de Apolônio.
Júlio e Augusto) e A p o lô n io d e T i a n a (H aberm as,p.l68). Em comparação, a encarnação e divindade de Cristo
Alegações de apoteose. Suetônio relata que, depois foram atestadas por testem unhas oculares em relatos
da m orte de Júlio César, contem porâneos (v. C r i s t o , d iv in d a d e d e ; Novo T e s ta m e n ­
t o , c o n f ia b ilid a d e d o s d o c u m e n to s d o ) .
um cometa apareceu cerca de uma hora antes do pôr-do- Havia um a agenda política por trás da m aioria des­
sol e permaneceu visível por vários dias. Foi considerado uma ses relatórios. Quase metade dos doze im peradores bio­
manifestação da alma de César, elevada ao céu; daí vem a es­ grafados por Suetônio foram supostam ente deificados,
trela, hoje colocada acima da testa de sua imagem divina e a história de Apolônio aparece num a época em que
(Suetônio, 1.88). alguns no Im pério tentavam estim ular a adoração m i­
tológica renovada. De qualquer forma não poderiam ser
D urante a crem ação de Augusto, Suetônio afirm a denom inados registros históricos, já que não há como
que seu espírito supostam ente foi visto “pairando no comprovar se um espírito subiu ao céu ou um a alm a se
céu por entre as cham as” (ibid., vol. 2, p. 100). Isso tam ­
bém é considerado um sinal de apoteose. transform ou em estrela. Esses são testem unhos alta­
Antônio, o escravo favorito do im perador Adriano, m ente subjetivos. Mas a afirmação de que Cristo res­
tam b ém foi su p o stam e n te d iv in izad o na m o rte. suscitou fisicamente dos m ortos, deixando um túm ulo
Adriano acreditava que um a estrela foi criada a partir vazio e aparecendo num corpo físico durante um perí­
de sua alm a, e então construiu um a cidade no local e odo de sem anas para centenas de pessoas, é comprova­
ergueu várias estátuas em hom enagem a Antônio. Uma da historicam ente (v. r e s s u r r e i ç ã o , e v id ê n c ia s d a ) .
das estátuas declara que Antônio foi glorificado no céu O conceito de que um ser hum ano poderia ser
e na verdade era o deus Osíris (Cartlidge, p. 198). divinizado não é o m esm o que o conceito cristão de
Apolônio, um neopitagórico do século i, tam bém encarnação, em que a segunda pessoa da Trindade se
foi supostam ente transportado para o céu depois de torna hum ano. Em Cristo, o Deus m onoteísta se tor­
dem onstrar poderes m ilagrosos. Mais tarde relatou- nou hum ano. Na apoteose um ser hum ano se torna
se que havia aparecido a um jovem rapaz num sonho. m ais um entre vários deuses.
Acreditava-se que Alexandre, o Grande, havia nas­ O caso de Alexandre. As alegações sobre Alexan­
cido de um a virgem , realizado grandes feitos e aceito dre, o Grande, ilustram a diferença radical entre essas
louvores por ser divino (Boyd, p. 49). Ele tam bém é histórias de hom ens divinos e a de Cristo. Ao co n trá­
colocado na categoria de lendas de hom ens divinos. rio dos evangelhos, os registros m ais antigos de Ale­
A firm ações de ressurreição. Além de A polônio xandre não contêm nenhum a das características e n ­
de Tiana, há afirm ações de que líderes não-cristão s contradas em lendas posteriores sobre ele. As h istó ­
ressu scitaram dos m ortos. R obert Price fez um es­ rias dos m ilagres de Alexandre se desenvolveram d u ­
tudo extenso de religião com parativa sobre fenô­ rante o período de m il anos. Os milagres de Jesus fo­
m enos p ó s-m o rte encontrados em ou tras religiões ram registrados nos trinta anos que se seguiram à ocor­
que se opõem às afirm ações cristãs sobre Cristo. rência deles (v. m i l a g r e s n a B íb lia ; m i l a g r e s , m ito s e ) .
67 argumento cosmológico
Na verdade as lendas sobre Alexandre surgiram de­ cosmológico k a la m e a vertical. O argumento cosmológico
pois da época de Cristo. É provável que as histórias horizontal baseia seu raciocínio num a causa do início
dos feitos excepcionais de Alexandre tenham sido in­ do universo. O argum ento cosmológico vertical baseia
fluenciadas pelos registros dos evangelhos. seu raciocínio na existência do universo existente ago­
Os ev angelhos foram escritos no contexto do ra. O prim eiro, que explica com o o universo surgiu, foi
m onoteísm o judaico, que afirm ava que seres hum a­ defendido por B o a v e n tu ra (1221-1274).O segundo, que
nos não podem ser Deus. Mas as histórias de Alexan­ explica como ele continua existindo, provém de T o m á s
dre foram com postas num contexto pagão e politeísta, d e A q u in o (1224-1274). O prim eiro exige um a causa
onde o conceito de hum anos divinizados era aceito. origin adora, o segundo um a causa sustentadora. For­
Conclusão. Tentativas de reduzir Jesus a um a len­ m as diferentes do argum ento cosmológico com binam
da grega de hom em divino são fadadas ao insucesso. am bas as dim ensões.
As diferenças são dem asiado radicais e, se um relato Resum o dos argum entos cosmológicos. A idéia
influenciou o outro, o registro cristão de Deus m ani­ básica desse argum ento é que, já que há um universo
festo em carne hum ana veio prim eiro. em vez de nenhum , ele deve ter sido causado por algo
além dele m esm o. Esse raciocínio baseia-se na lei de
Fontes causalidade (v. c a u s a lid a d e , p rin c íp io d a ), que diz que
“M ira c le w o rk in g th eioi andres in
B . L . B la c k b u r n , toda coisa finita ou contingente é causada agora por
h e lle n ism ( a n d h e lle n ic ju d a is m ) ” , D. W e n h a m , algo além de si m esm a.
Gospel p ersp ectiv es , v. 6: The m iracles o f Jesus. Aristóteles:M otor imóvel. O discípulo de P la tã o (428-
W . B o u s s e t, Kurios Christos. 348 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.) elaborou o argumento
G. B o y d Je s u s un der Siege. de seu mestre sobre Deus. Em sua melhor forma, o argu­
D. R . C a r t l i d g f , D ocum ents tor the study ot the mento cosmológico é descrito no artigo sobre Aristóteles.
gospels. 0 argum ento pressupunha um universo politeísta (v.
O .C u llm a n n , C ristologia do S o w testam ento. p o liteísm o ). Ele partiu do fato da m udança e seus movi­
R . F u lle r , The fou n d ation ot .Y e n 1Testament mentos para a existência de realidades puras e motores
christology. imóveis. Esses seres necessários podem agir sobre seres
G. H a b e r m a s , “ R e s u rre c tio n c la im s in n o n -c h ris tia n contingentes. Eles atuam sobre a m udança potencial para
re lig io n s”, 25. rs torná-la m udança realizada. A cosmologia de Aristóteles
R . N ash, Christianity a n d the h ellen istic world. postulava dezenas de motores imóveis, m as em última
0 . P f le id e r e r , The early C hristian conception ot análise um céu e um Deus. Pois apenas coisas materiais
Christ. podem ser num ericam ente diferenciadas.
R . P r ic e , “ Is th e r e a p la c e fo r h is t o r ic a l c r i t i c is m ? ” , O que cham a a atenção sobre o argum ento de
a rtig o a p re s e n ta d o e m “0 c ris tia n is m o d e s a fia a u n iv e r­ Aristóteles é que ele introduz a questão de um a re­
sid a d e : c o n fe rê n c ia in te rn a c io n a l d e te ísta s e a te u s”, gressão infinita de causas (v. in fin ita , s é r ie ) . Aristóteles
D a lla s ,T exas, 7 -1 0 F eb 1985. luta com um a visão de que devia haver um a pluralidade
S u e tõ m o , The twelve Caesars. de prim eiras causas, mas, ao contrário dos dem iurgos
M . W il k i n s , Jesus un der Fire. de Platão, a Causa Prim eira de Aristóteles é um a cau­
E. Y am al c h i “M ag ic o r m irac le? D ise a se , d e m o n s a n d
, sa final (determ inante).
e x o rc ism s”, D. W i-nham , o rg . G ospel p ersp ectiv es , v. 6: The Mas essa causa determ inante não deve ser confun­
m iracles ot Jesus. dida com a causa eficiente ou produtora dos pensado­
res cristãos posteriores. Nem os demiurgos de Platão (v.
Aquino, Tomás de. V. T o m á s d e A q u i n o . c ria ç ã o , te o r ia s d a) nem o m otor imóvel de Aristóteles
são iguais ao Ser absolutam ente perfeito do teísmo cris­
argumento cosmológico. Os argum entos tradicional­ tão. 0 m otor imóvel de Aristóteles não era um Deus
m ente usados para provar a existência de Deus são o pessoal e não tinha im portância religiosa. N enhum a
argum ento cosmológico, o argumento teleológico, o ar­ adoração era devida a esse deus. A Causa Prim eira não
gum ento m o r a l e o argumento ontológico. Esses são res­ era infinita. Apenas o que é sem form a ou indefinido
pectivam ente os argum entos do cosm os, do desígnio, poderia ser considerado infinito pelos gregos.
da lei m oral e da idéia de um ser absolutam ente per­ A nselm o: argum entos d o tipo cosm ológico. Antes de
feito (ou necessário). A n se lm o , A g o s tin h o ofereceu um a “prova” de Deus. De­
Formas do argumento. Há duas form as básicas pois dele,A nselm o (1033-1119).Ele é m ais conhecido
do argum ento cosmológico: a horizontal ou argum ento por seu argum ento ontológico contido no Proslogion,
argumento cosmológico 68

m as um a obra anterior, o M onologion, ofereceu três Causa eficiente não opera m eram ente sobre m atéria
provas a p osteriori da existência de Deus (Anselm o 1- eternam ente existente. Antes, essa Causa tudo causa,
3). Uma descrição dos seus argum entos é dada no ar­ inclusive a m atéria.
tigo sobre Anselmo. Esses argum entos teístas cristãos com binaram
0 prim eiro argum ento de Anselm o é baseado na pelo m enos três elem entos: 1) a causalidade eficiente
existência de coisas boas: do argum ento de Platão contido em sua obra Timeu\
2) a identificação desse Deus com o Bem da República
1. Coisas boas existem. de Platão, o Ser absolutam ente Perfeito; 3) a identifi­
2. A causa dessa bondade é “um a” ou “m uitas”. cação desse Deus com o Deus do conceito judeu-cris-
3. Se fossem “m uitas”, não haveria como com pa tão. Esse Deus causa a própria existência, não apenas
rar a bondade. Mas algum as coisas são m elho­ as form as de existência, de tudo que existe.
res que outras. Alfarabi: argumento da existência necessária. Fi­
4. Então, há o sum o bem que causa toda bon da­ lósofos árabes e judeus da Idade M édia influencia­
de em todas as coisas boas. ram form as posteriores do argum ento cosmológico.'
O pensador m uçulm ano Alfarabi (870?-950) proveu
0 segundo argum ento é sem elhante, m as começa o fundam ento dos argum entos escolásticos po steri­
pela perfeição: ores com a distinção entre essência e existência.
Aristóteles distinguiu entre o quê um a coisa é e que
1. Alguns seres estão m ais próxim os da perfei­ ela é. Mas Alfarabi afirm ou essa distinção como a “es­
ção que outros. sência” e a “existência”. Essa distinção implica um ar­
2. Mas as coisas não podem ser m ais ou m enos gum ento pela existência de Deus, cuja form a é dem ons­
perfeitas a não ser que exista o padrão absolu­ trada no artigo sobre Alfarabi (v. tb. M aurer p. 95-97).
tam ente perfeito para fazer a com paração. Esse raciocínio estabelece o conceito de“seres possíveis”,
3. Esse padrão é o Ser Absolutam ente Perfeito. cuja essência é distinta da existência. Esses seres não
“precisam” existir. Antes não existiam, pois existência
0 terceiro argum ento, com base na existência, é não faz parte de sua essência. Pode-se dizer que eles
m ais distintam ente cosmológico: existem acidentalmente, em vez de essencialmente.
Tais seres devem ter recebido existência de outro
ser. Esse ser causador tam bém deve ter sido causado.
1. Algo existe, e M as um ser não-causado teve de com eçar a causar.
2. deve sua existência ao nada ou a algo. Essa causa prim eira deve ser um Ser essencial, cuja
3. O nada não pode causar algo. essência é existir. Só a existência de tal Ser Necessário
4. Então, há algo que é “um ” ou “m uitos”. explica a existência de todos os seres acidentais.
5. Se forem “m uitos”, os seres serão interdepen­ Filosoficamente falando,se existem seres cuja essência
dentes para a própria existência ou dependen­ é não existir, então deve haver um Ser cuja essência é existir.
tes de outros. Seres possíveis não são possíveis a não ser que haja um Ser
6. Eles não p od em ser interdependentes para Necessário do qual podem receber existência. E já que um
existir. Algo não pode existir por meio de um ser não pode dar existência a outro quando depende de
ser ao qual confere existência. outro para existir, deve haver um Ser cuja existência não
7. Logo, deve haver um ser por meio do qual todos lhe foi dada por outro, mas que dá existência a todos.
os outros seres existem. Avicena: argumento da primeira causa. Depois de
8. Esse ser deve existir por si mesmo. Alfarabi, o filósofo m uçulm ano Avicena form ulou um
9. Tudo o que existe por si m esm o existe no m ais argum ento cosm ológico sem elhante, que foi copia­
alto grau. do de várias form as por estudiosos posteriores. (Para
10. Logo, o Ser absolutam ente perfeito existe no a form a, veja o artigo A v ic e n a ) . A prova com eça pelos
m ais alto grau. “seres possíveis” de Alfarabi, que devem ter um a cau­
sa para existir. Não pode haver um a série infinita de cau­
Esses argum entos, ao contrário dos de Platão, mas sas de existência, já que a causa da existência deve existir
em consonância com o raciocínio de P l o t i x o , identifi­ ao mesmo tempo que causa outro. Por intemédio dessa
cam o Criador com o Sumo Bem. Ao contrário dos de Causa Primeira todos os seres existem. A Causa Prim ei­
Aristóteles, os argum entos de Anselm o consideram ra deve ser a Causa necessária, pois causa de todos os
Deus a Causa eficiente, não final, do m undo. Ao contrá­ seres possíveis não pode ser um ser possível. Deve ser
rio de Platão ou Aristóteles, Anselmo afirm a que essa um Ser Necessário.
69 argumento cosmológico
Ao em prestar algum as prem issas neoplatônicas (v. 4. Não pode haver um a regressão infinita de rea­
P l o t i n o ) e a cosm ologia de dez esferas, Avicena esten­ lizadores ou motores. Se não há um m otor im ó­
deu seu argum ento para defender que essa Causa Pri­ vel, não pode haver m ovim ento subseqüente, já
m eira necessária criou um a série de anjos ou “inteli­ que todo m ovimento subseqüente depende de
gências”. Eles controlam as dez esferas cósm icas. Ele motores anteriores para movimento.
raciocinou que o Ser Necessário, que é essencialm en­ 5. Logo, deve haver um m otor imóvel, um reali­
te um , pode criar apenas um efeito de cada vez. Já que zador puro sem qualquer potencialidade em si,
pensar é criar e Deus necessariam ente pensa, já que é que não seja realizada.
um Ser Necessário, deve haver da parte de Deus um a 6. Todos o consideram Deus.
em anação de dez seres, cham ados “inteligências”, que
fazem o trabalho real. O últim o desses seres, cham ado O argu m en to b a sea d o na cau salid ad e eficiente:
“Intelecto Agente”, form a os quatro elem entos do cos­
m os e inform a à m ente hum ana toda verdade. 1. Há causas eficientes no m undo (i.e., causas
O deus de Avicena, então, era um Ser Necessário do produtoras).
qual um a força criativa em série de dez deuses resultava 2. Nada pode ser a causa eficiente de si m esm o,
com necessidade absoluta. Ao contrário do Deus cristão pois teria de ser an terio r a si m esm o para
que criou livremente e que é diretamente responsável pela causar-se.
existência de tudo que existe, a cadeia de deuses de Avicena 3. Não pode haver um a regressão infinita de cau
é necessária e esses deuses criam tudo abaixo deles. sas eficientes (essencialm ente relacionadas),
O filósofo judeu Moisés M a im ô x id e s (1135-1204) an­ pois, a não ser que tenha havido um a prim eira
tecipou várias formulações cristãs posteriores de argu­ causa da série, não haveria causalidade na série.
mentos do tipo cosmológico. Ele argumentava em prol o 4. Logo, deve haver um a Causa prim eira, não cau­
primeiro motor, a Causa Primeira e o Ser Necessário,como sa da e eficiente, de toda causalidade eficiente
nos três primeiros argumentos de Aquino. Insistiu que o no mundo.
“ e u sou” do a i (Êx 3.14) queria dizer “existência absoluta” 5. Todos dão a ele o nom e de Deus.
e que só Deus existe absoluta e necessariamente. Todas
as criaturas têm existência apenas como “acidente” acres­ O argum ento baseado na possibilidade e necessidade
centada a sua essência pela sua Causa.
T omás de Aquixo: c in c o a rg u m en to s . Q uando
1. Há seres que com eçam a existir e deixam de
A quino form ulou sua“Cinco vias”, não criou arg u ­ existir (i.e., seres possíveis).
m e n to s q u e e ra m s u b s ta n c ia lm e n te nov os. 2. Nem todos os seres podem ser seres possíveis,
M aim ônides tin h a os três prim eiros argum entos.
Alfarabi e Avicena tinham as duas prim eiras provas. porque o que surge só o faz por meio do que já
A nselm o tin ha um argum ento a p a rtir da perfeição existe. O nada não pode causar algo.
sem elhante ao q uarto argum ento. E a quinta prova 3. Logo, deve haver um Ser cuja existência é n e­
de Aquino era um argum ento m ais teleológico, que cessária (i.e., alguém que nunca foi criado e
estudiosos com o T hierry de C hartes e W illiam de jam ais deixará de ser).
C onches a d ap taram do arg u m en to de Platão em 4. Não pode haver regressão infinita de Seres Ne­
Tim eu. Aquino, é claro, afirm a os argum entos a p a r­
cessários, cada um com sua necessidade depen­
tir do contexto da p ró p ria filosofia, que é m ais dente de outro porque:
aristotélica que a da m aioria de seus antecessores a. A regressão infinita de causas dependentes é
cristãos. Os quatro prim eiros argum entos de Aquino im possível por causa do raciocínio no argu­
podem ser resum idos desta form a: m ento da causalidade eficaz.
b. Um Ser Necessário não pode ser dependente.
O argum ento basead o no m ovim ento (Aquino, 1.2.3): 5. Portanto, deve haver um prim eiro Ser que é ne­
cessário em si e independente de outros para
1. As coisas se movem. 0 m ovim ento é a form a existir.
de m udança m ais óbvia.
2. M udança é um a passagem da p otên cia para o O argumento baseado na gradação (perfeição)
ato (i.e., da potencialidade para a realidade).
3. Nada passa da potência para o ato exceto por 1. Há níveis diferentes de perfeição entre as coi­
algo que está em realidade, pois é impossível sas (algum as estão m ais próxim as da perfeição
um a potencialidade se realizar. que outras).
argumento cosmológico 70
2. Mas as coisas não podem ser mais ou menos 5. Logo, a existência é produzível apenas por al­
perfeitas a não ser que haja o perfeito absoluto. gum ser produtivo. Som ente seres podem pro­
3. A perfeição é a causa dos m enos que perfeitos duzir seres.
(o m aior é a causa do m enor). 6. Não pode haver regressão infinita de seres pro­
4. Logo, deve haver um Ser perfeito que cau­ dutivos, cada um produzindo a existência do
sa a perfeição dos seres m enos que perfeitos. seguinte, porque:
5. A esse cham am os de Deus. a. Isso é um a série de causas essencialm ente
re la c io n a d a s, n ão a c id e n ta lm e n te re la ­
O argu m en to a fa v o r d e u m a C ausa P rim eira da cionadas, 1) onde a causa prim ária está mais
ex istên cia. Parece haver um a form a básica por trás próxim a da perfeição que a secundária, 2) onde
de todos esses argum entos que têm apenas pontos a causa secundária depende da prim ária para
de p a rtid a diferentes. Cada argum ento com eça com a própria causalidade e 3) onde a causa deve
algum a característica de existência (m udança, cau­ ser sim ultânea ao efeito.
salidade, contingência e perfeição, respectivam ente) b. A série infinita de causas essencialm ente
e depois argum enta a favor de um a Causa Prim eira: relacionada é impossível, porque: 1) se toda a
série é dependente da causalidade (toda causa
1. Alguns seres dependentes existem. d e p e n d e de u m a cau sa a n te rio r), en tão
2. Todos os seres dependentes devem ter um a deve h aver algo além da série re s p o n s á ­
causa para sua existência dependente. vel pela causalidade na série. 2) Se um a série
3. A regressão infinita de causas existencialm en- infinita causasse o efeito, então haveria um
te dependentes é impossível. núm ero infinito de causas sim ultaneam ente
4. Logo, deve haver um a Causa Prim eira não cau­ causando um único efeito. Isso é impossível.
sada da existência de todo ser dependente. N ão pod e haver um n ú m ero in fin ito real
5. Esse Ser independente é igual ao “Eu Sou” das num a série, pois é sem pre possível acrescentar
Escrituras, o que explica a im possibilidade de m ais um a qualquer núm ero. 3) Sem pre que
existir m ais de um ser absolutam ente neces­ há causas anteriores, deve haver um a causa
sário e independente do qual tudo depende principal (prim ária). Uma causa não estaria
para existir. m ais próxim a do princípio que qualquer ou­
tra a não ser que haja um princípio. 4) Causas
Duns Scotus: argu m en to d a p rod u tibilid ad e. John
m aiores estão m ais próxim as da perfeição que
Duns Scotus (1265?-1308?) m odificou o argum ento causas m enores, e isso im plica um a Causa per­
cosm ológico de Aquino de duas form as im portantes. feita à frente de todas as coisas m enos que
P rim eiram ente, com eçou com a p ro d u tib ilid a d e da perfeitas. 5) A regressão infinita de causas
existência, não apenas com seres produzidos. Em Se­ im plica im perfeição, já que nenhum a causa
gundo lugar, am pliou o argum ento contra a regressão tem a capacidade de explicar as causas su
cessivas. Mas a série im perfeita im plica algo
infinita de causas dependentes. A form a com pleta da perfeito além da série por base da im perfeita.
prova de Scotus (Scotus, p. 39-56) é: 7. Logo, deve haver um a prim eira Causa produti­
va de todos os seres produzíveis.
1. A existência é produzida (i.e., os seres são pro­ 8. Essa Causa Prim eira de todos os seres produ-
duzidos). Isso aprendem os po meio da experi­ zivéis deve ser única, porque:
ência (pela observação dos seres produzidos), a. É perfeita em conhecim ento, e não pode
m as isso tam bém é verdadeiro independente­ haver dois seres que saibam tudo perfeitam en­
m ente da experiência (i.e., isso se aplicaria a te, pois um conheceria a si m esm o m ais com ­
seres que não existem ). Seria verdadeiro, m es­ pletam ente que o outro o conheceria.
m o se Deus não tivesse criado nada. b. É perfeita em vontade; portanto, am a a si
2. O produto é produzível, por si m esm o, ou por m esm a m ais com pletam ente que am a tudo
nada, ou por outra coisa. m ais, o que significa que o outro infinito seria
3. M as nenhum ser pode autoproduzi-se. Para am ado m enos que perfeitam ente.
causar sua própria existência, teria de existir c. É infinitam ente boa, e não pode haver dois
antes da própria existência. seres infinitam ente bons, pois assim haveria
4. E algo não pode ser causado por nada. Isso é m ais que um bem infinito, e isso é impossível,
contraditório. já que não pode haver m ais que o m áxim o.
71 argumento cosmológico
d. É infinita em poder. Se houvesse dois se­ Sob a influência do discípulo de Leibniz, C hristian
res com poder infinito, isso significaria que h a­ W o l f f (1679-1754), essa prova tornou-se o padrão do
veria duas causas prim árias totais do m esm o argum ento cosm ológico no m undo m oderno. Wolff
efeito, já que não pode haver duas causas que com eçou o argum ento (Collins, p. 137-8) de m aneira
tenham causado, cada, tudo que há. um pouco diferente:
e. O infinito absoluto não pode ser excedido
em perfeição, já que não pode haver um m ais 1. A alm a hum ana existe (i.e., nós existim os).
perfeito que o absolutam ente Perfeito. 2. N ada existe sem um a razão suficiente para
f. Não pode haver dois Seres Necessários, existir.
pois, para diferenciá-los, um teria de ter algu­ 3. A razão de nossa existência deve estar contida
m a perfeição da qual o outro carecesse (se não em nós m esm os ou em outro ser, além de nós
há diferença real, eles não são realm ente dife­ m esm os.
rentes). Mas tudo que um Ser Necessário tem , 4. A razão da nossa existência não está em nós.
deve ter necessariam ente. Então, o que não tem Nossa inexistência é possível ou imaginável.
o que o outro tinha necessariam ente não seria 5. Então a razão da nossa existência deve estar
um Ser Necessário. fora de nós m esm os.
g. Vontade onipotente não pode estar em dois 6. Não se chega à razão suficiente para existirsem
seres, pois então um poderia deixar im potente alcançar o ser que tenha em si m esm o a razão
o que o outro deseja onipotentem ente. Mesmo para sua própria existência. Se não tivesse, en ­
se concordassem em não im pedir um ao ou­ tão deve haver um a razão suficiente para sua
tro, ainda seriam incom patíveis, pois cada um existência além de si mesmo.
fosse a causa prim ária total e (direta) de qual­ 7. O ser que tem em si m esm o a razão para a p ró ­
quer coisa que concordassem em criar. Mas a pria existência é o Ser Necessário.
Causa onipotente deve ser a Causa prim ária 8. Logo, deve haver um Ser Necessário além de
total (e direta) do que cria. A causa que con­ nós, que é a razão suficiente de nossa existên­
cordar com o efeito que não crie diretam ente cia. Se não houvesse um Ser Necessário fora
seria apenas a causa indireta e, logo, não a Cau­ de nós, seríam os Seres N ecessários, tendo a
razão para própria existência em nós m esm os.
sa direta (onipotente) do efeito.
9. É logicam ente impossível não existir um Ser
Necessário. Auto-existência ou essência flui ne­
Leibniz: 0 argumento tia razão suficiente. A form a cessariam ente da natureza do Ser Necessário.
m ais influente do argum ento cosmológico nos tem ­ 10. Logo, esse Ser Necessário é igual ao Deus auto-
pos m odernos surgiu de G ottfried W ilhelm Leibniz existente das Escrituras.
(1646-1716), o racionalista alemão. A prova (Leibniz,
p. 32-9) é assim form ulada: A fórmula Leibniz-Wolff do argum ento cosmológico
baseia-se em grande parte no princípio de razão sufici­
1. 0 m undo inteiro (observado) está m udando. ente (v. s u f ic ie n t e , p r in c ip io d e r a z ã o ) , que geralm ente é
2. Tudo que é mutável carece de razão para a p ró ­ defendido como um princípio analítico evidente. O ar­
pria existência. gum ento é a posteriori na forma, m as não existencial.
3. Há um a razão suficiente para todas as coisas, Começa com a existência de algo, m as depois prosse­
ou em si m esm o ou além de si. gue em direção a sua conclusão, logo é baseado num a
4. Logo, deve haver um a causa além deste m u n­ certeza conceituai, não num a certeza real (existencial).
do para sua existência. É exatamente esse o ponto inicial da crítica m oderna ao
5. Essa causa está ou na própria razão suficiente argum ento cosmológico. Até filósofos escolásticos foram
ou possui um a causa além dela. altam ente influenciados por esse tipo de raciocínio
6. Não pode haver regressão infinita de razões (Gurr). Sua reformulação do argum ento cosmológico
suficientes, pois deixar de alcançar um a ex­ de Aquino está sujeita à m esm a crítica.
plicação não é explicação; m as deve haver Respondendo às objeções ao argumento. Objeções
um a explicação. contra o argum ento cosmológico, em anadas em gran­
7. Logo, deve haver um a Causa Primeira do mundo de parte de Im m anuel K a n t e David H u m e , são tratadas
que não tem razão além dele é a própria razão. A abundantem ente nos artigos biográficos sobre esses fi­
razão suficiente está nela mesma e não além dela. lósofos e no artigo D e u s , o b je ç õ e s à s p r o v a s d e .
argumento cosmológico 72

Taylor: reafirmando o argumento cosmológico. Richard verdadeiro. O argum ento de Taylor parece dar plausibi­
Taylor provocou novo interesse no argum ento cosmoló­ lidade a um tipo cosmológico de argum ento, já que
gico por meio de um a reformulação que evita muitas dem onstra que é significante buscar um a causa para
objeções tradicionais. A reformulação de Taylor assume o m undo inteiro. D em onstra com o o conceito de um
a seguinte forma (Taylor, p. 279-95): Ser Necessário é im portante e argum enta firm em ente
contra a regressão infinita. 0 argum ento baseia-se na
1. O universo com o um todo não explica a p ró ­ necessidade de um a explicação da existência do m un­
pria existência. do, não num a suposta necessidade conceituai ou lógi­
a. Nenhum a parte observável explica sua existên­ ca, como no argum ento ontológico.
cia. Apesar desses fatores positivos para o teísm o, o
b. O todo tam bém não explica sua existência (sua argum ento de Taylor está sujeito às críticas da trad i­
inexistência é concebível). ção racionalista Leibniz-Wolff. Ele coloca o sucesso do
c. R esponder às perguntas Onde? H á qu an to tem ­ argum ento cosmológico nas m ãos do princípio da ra ­
p o ? O quê? ou De qu e tam an ho? Não responde z ã o suficiente, em vez de baseá-lo totalm ente no p rin ­
p o r qu e o m undo existe quando não precisa cípio da cau salid ad e existencial. O m undo exige um a
existir (e.g., um a bola grande encontrada num a causa real e não apenas um a explicação ou razão. Isso
floresta precisa de um a explicação do p orq u ê não pode ser alcançado ao confundir e/ou igualar um a
de existir; expandir a bola ao tam anho do uni­ base para a existência atual do m undo com um a ex­
verso inteiro não elim ina a necessidade de um a plicação da incapacidade de conceber sua inexistência.
explicação). Problem as conceituais exigem soluções conceituais.
2. Tudo o que não explica a própria existência Seres dependentes reais exigem um Ser independente
precisa de um a explicação além de si mesmo. do qual dependem no m om ento presente.
a. É logicam ente possível que o princípio da ra­ Conclusão. O argum ento cosmológico vertical b a­
zão suficiente não seja verdadeiro. Não é ver­ seia-se na prem issa de que algo m antém o universo
dadeiro analiticam ente; pode ser negado sem em existência agora. Algum a coisa não só criou o m un-
contradição. do (Gn 1.1), m as tam bém faz com que continue a exis­
b. Mas é implausível e irracional negar sua verda­ tir (Cl 1.17). 0 m undo precisa de um a causa o rig in a ­
de quando aplicado ao mundo. A inexistência d ora e um a causa con servadora. Esse argum ento res­
do m undo é imaginável, quer inclua apenas um ponde a um a das perguntas m ais básicas: “Por que
grão de areia ou todas as estrelas, e supom os o existe algo (agora) em vez de nada?”. Em resum o, isso
princípio da razão suficiente em todo nosso pode ser enunciado desta m aneira:
pensam ento.
3. A regressão infinita de razões é impossível, pois 1. Toda parte do universo é dependente.
ela não oferece um a razão suficiente; apenas evi­ 2. Se toda parte é dependente, então todo o uni­
ta indefinidam ente dar a razão que é necessária verso tam bém deve ser dependente.
para a existência. Portanto, deve haver um a cau­ 3. Logo, todo o universo é dependente agora de
sa prim ária, auto-suficiente (independente) de algum Ser independente além dele para sua
todo o universo. existência atual.

Taylor acrescenta que não é m enos significativo fa­ Em resposta, os críticos argum entam que a segun­
lar sobre Deus como o Ser Necessário e independente da prem issa é a falácia denom inada com posição. Só
que falar que círculos quadrados não existem . Se é sig­ porque todas as partes de um m osaico são quadradas
nificativo falar sobre seres que são im possíveis, então não significa que o m osaico inteiro seja quadrado. E
é significante falar sobre o Ser necessário. Um concei­ ju n ta r dois triângulos não form a necessariam ente
to de um Ser que não pode n ão existir é tão significante outro triângulo; pode form ar um quadrado. A totali­
quanto um conceito de um ser que n ã o p o d e existir dade pode ter (e às vezes tem ) um a característica não
(i.e., um que pode ser inexistente). possuída pelas partes.
Alguns com entários são necessários com respeito Os defenso res da form a vertical do arg u m en to
ao estado do argum ento cosmológico à luz da revisão cosm ológico logo afirm am que às vezes h á um a
de Taylor. Tal argum ento não chega à conclusão racio­ conexão n e cessária en tre as p a rte s e o todo. Por
nalm ente inevitável’ Taylor adm ite que é logicam ente exem plo, se to d as as p a rte s de um piso são de ca r­
possível que o princípio da razão suficiente não seja valho, en tão to d o o piso é de carv alho. Se to d a s as
73 Aristóteles
iaio tas na co zinha são m a rro n s, en tão o piso é Nascido em Estagira (384-322.C.), Grécia, filho de
m arro m . A razão d isso é que está na p r ó p r ia n a ­ um m édico, A ristóteles entrou para a academ ia de
tureza das lajotas do piso m a rro m que, ao serem P l a t ã o em 367 a.C., aproxim adam ente, e perm aneceu
colocadas m ais lajo tas m a rro n s p arecid as, ain da ali até a m orte de Platão (347). Ele com eçou a instruir
se ten h a um piso m arro m . E u n ir dois triân g u lo s Alexandre, o G rande (356-323), em 342 a.C., aproxi­
não faz n ecessa ria m en te o u tro triân g u lo . E n tre­ m adam ente. Com as conquistas de Alexandre, o p en ­
tan to , u n ir dois triân g u lo s form a n e c e ssa ria m e n ­ sam ento de Aristóteles se espalhou, juntam ente com a
te, o u tra fig ura g eom étrica. língua e a cultura grega, por todo o m undo.
Portanto, está na n atureza dos seres d epen den tes As obras principais de Aristóteles podem ser divi­
que, quando outros lhes sã o acrescidos, ain d a exista didas em lógica, estudos físicos, psicologia e filosofia:
um ser dependente. Se algo é dependente para existir,
então outro ser dependente não pode sustentá-lo, as­ Lógica: C ategorias, Da interpretação, P rim eiros
sim como um pára-quedista não pode salvar outro se analíticos, Segundos analíticos. R efuta
aenhum dos dois estiver com o pára-quedas aberto. ções sofísticas, Tópicos
Alguns críticos respondem que o todo é m aior que Ciências física: M eteorológicas, Da g era ç ã o e da
as partes. Apesar de as partes serem dependentes, o corrupção, Tratado d o céu, Física
universo inteiro não é. Mas a som a das partes é igual Psicologia: D os son h o s, S o b re m e m ó r ia e le m ­
ao todo ou é m aior que ele. Se o universo inteiro é igual brança, S obre a p rofecia p o r m eio d e so ­
25 suas partes, então o todo deve ser dependente, as- nhos (P arva naturalia), Da alm a
s m como as partes são. Prova disso é que, se todas as Filosofia: P oética, M etafísica, É tica a N icôm aco,
3* 3es tossem tiradas, o todo tam bém sum iria. Logo,
Política, R etórica

a tn b e m deve ser contingente.


Se, por outro lado, o universo inteiro é m ais que Poucos pensadores, talvez nenhum , antes ou de­
is partes e não sum isse se as partes fossem todas pois de Aristóteles, fosse m ais analítico, enciclopédico
ie síru íd a s, então o “todo” equivaleria a Deus. Pois é e produtivo.
um Ser Necessário não causado, independente e eter­ Epistem ologia (Teoria do conhecimento). A ristó­
no. do qual todo o universo depende para existir. teles era um em pirista que acreditava que todo conhe­
cim ento com eça nos sentidos. Q uando um objeto é
Fontes
percebido por um ou m ais dos cinco sentidos, a m en­
te com eça a agir sobre ele com seus poderes de abs­
A n se lm o , M onologion.
tração. Aristóteles via três ações do intelecto: a p reen ­
são (entendim ento), p red ica çã o (declarações) e ra cio ­
A r is tú t k i.e s , M etafísica.

cínio silogístico (lógica).


J.C o llin s , G od in m o d e m philosophy.
I. E. G u r r , The p rin cip ie oi s u ífia e iit reason in som e Apreensão. A prim eira ação da m ente é a apreensão
sch olastic systems, 1750 - 1900.
ou o entendim ento de algum a coisa ou objeto. O sujeito
J. D. S c o tu s , P hü osophieal writings.
da apreensão é um anim al racional (ser hum ano). O
objeto da apreensão é a essência (natureza fundam en­
G. L e ib n iz, M on ad olog y a n d oth er p h ilosop h ical
essays.
tal) ou forma das coisas. O m étodo de apreensão é o pro­
A. M au e r, A history o f m ed iev al p h ilosop h y
cesso intelectual de abstração, por meio do qual a m en­
T. M ie t h e , e t a l „ D oes G od ex istfA believ er a n d an
te obtém um universal do proces-sam ento de inform a­
ath eist debate.
ção sobre os particulares. Nisso Aristóteles se diferenci­
J. P. M o r e l a n d , et a l., The d eb ate b e t w e n theists an d
ava dos nom inalistas posteriores, que negavam univer­
atheists.
sais e ensinavam que apenas particulares existem.
R .T ayior, “M etap hv sics a n d G o d ", D. B v sK iu o rg ., Dez m odos de apreensão são cham ados “predica­
The cosm olog ical argtiment. m entos” ou categorias. As categorias incluem:
To m ás d e A q u i n o . S íí W í í teológica.

1. Substância— o qu e é apreendido. Isso tam bém


A ristóteles. Pensador que tem um a im portância imensa se cham a o sujeito da apreensão. Substância
para a apologética cristã. Estabeleceu os princípios b á­ prim ária é o sujeito definitivo de toda predi­
sicos da razão, usados pela m aioria dos apologistas (v. cação. Substância secundária é o universal que
C A U S A L ID A D E , P R IN C ÍP IO DA; P R IM E IR O S P R IN C ÍP IO S ; L Ó G IC A ). Al- é predicável para um a classe.
guns d e n t r e os m a i o r e s a p o lo g is ta s , p r in c i p a l m e n te 2. Q uantidade ou quanto do sujeito é apreendido.
T om ás d e A q u in o , d e p e n d ia m d o s p r in c íp io s a ris to té lic o s . 3. Q u alidade é qu e tipo de sujeito é apreendido.
Aristóteles 74
4. R elação nos inform a a qu e o sujeito se refere. proposições (afirmações) são feitas, conclusões podem
5. A ção indica sobre o qu e o sujeito está agindo. ser tiradas da com binação de duas ou m ais dessas
6. P aixão é a fonte d a qu al o sujeito recebe ação. predicações. Combinar predicações e tirar conclusões
7. Lugarresponde on d e se apreende o sujeito. resulta em silogismo. Há três tipos básicos de raciocí­
8. Tempo responde qu an do o sujeito é apreendido. nio: dedutivo, indutivo, e ilusório.
9. P osição refere-se às circunstâncias nas quais o L óg ica dedutiva lida com a validade das deduções
sujeito é apreendido. dadas às prem issas num silogismo. Aristóteles desen­
10. H ábito ou estado inform a a con d ição em que volveu essa lógica em P rim eiros an alíticos, e em Se­
se encontra o sujeito apreendido. Um hábito é gu n dos an alíticos acrescentou lógica m aterial, que lida
natural, m as não essencial a um a coisa, como com a verdade dessas deduções ou dem onstrações.
roupas para hum anos. L ógica indutiva (tam bém cham ada “opinião”) lida com
o raciocínio da probabilidade. Isso é discutido em Tó­
P red icação. Q uando um objeto é apreendido (en­ picos. L óg ica fa la c io s a lida com raciocínio incorreto e
tendido), certas predicações podem ser feitas sobre ele. é discutido em detalhes em R efu tações sofísticas.
Sem elhante à apreensão, a predicação pode ser divi­ A realidade e Deus. A posição de Aristóteles sobre
dida em sujeito da predicação (ser hum ano) e objeto Deus parte de sua posição sobre a realidade, cham ada
da predicação (natureza fundam ental ou form a de al­ “metafísica”. M etafísica, na opinião de Aristóteles, pode
gum a coisa). A estas são acrescentados o prop ósito da ser entendida com m ais clareza quando com parada a
predicação (a definição ou natureza de algo), m eio de outras disciplinas. Para Aristóteles, a física estuda a re­
predicação e o m od o de predicação. alidade que pode ser experim entada por meio dos cin­
O meio de predicação pode ser comunicado por um a co sentidos. A metafísica estuda a realidade fora da per­
proposição com um sujeito, predicado e um verbo de cepção sensorial. A m atem ática é o estudo do (ser) real
ligação, um a afirm ação do que “é” ou “não é”. Os m o­ no sentido em que pode ser quantificado (apesar desse
dos de predicação são os predicáveis, os vários tipos de não ser o caso em to d a m atem ática m o d ern a). A
realidade que um predicado pode transm itir a respeito metafísica é o estudo do ser no sentido em que é real.
de algo. Os m odos de predicação incluem: R ea lid a d e (a ç ã o ) e p o te n c ia lid a d e (p otên cia). O
Gênero. A hum anidade faz parte do gênero “anim al”. entendim ento de Aristóteles sobre a realidade envol­
Essa característica é com um para muitos sujeitos. via o que realm ente é (rea lid a d e) e o que pode ser
D iferença específica. Os hum anos são anim ais “ra ­ (p o ten cia lid a d e ). Tudo na criação é com posto de for­
cionais”. Essa é a diferença específica desse sujeito. m a (realidade) e m atéria (potencialidade), posição
Espécie. O sujeito denota o gênero e a diferença espe­ cham ada h ilom orfism o. Sua im plicação imutável é que
cífica. Por meio do nosso entendim ento da criação, sabe­ a realidade que percebem os por meio dos nossos sen­
mos automaticamente que hum ano significa “anim al ra­ tidos está m udando.
cional”. Nesse exemplo específico, o sujeito recebeu um M udança é a passagem da potencialidade para a
nom e científico de espécie, que em latim é h o m o sapiens. realidade. Aristóteles postulou dois tipos de m udança,
P rop ried ad e. Um sujeito é predicado pelo que flui substancial e acidental. M udanças substanciais alteram
de sua essência m as não é parte dela. Os seres h u m a­ a substância — o que algo é essencialmente. Essa m u­
nos riem . A habilidade de rir, é um a propriedade dos dança acontece quando a substância surge (geração) ou
seres hum anos. deixa de existir (corrupção). M udança acidental é um a
Acidentes. O predicado descreve o que está na es­ m udança naquilo que algo tem, nos seus acidentes. Um
sência do sujeito m as não é parte dele. Na sentença acidente é o que é inerente num a substância, m as não é
“Ele tem cabelo preto”, a característica de cabelo pre­ da essência dessa substância. M orrer é um a m udança
to não é parte da essência hum ana, m as é parte de um substancial. Aprender é um a m udança acidental.
sistem a de categoria que adere a ela. As qu a tro m u d a n ça s. Ao estu d a r a natureza do
Q u an tid ad e/ex ten são. Essa predicação pode ser ser, A ristóteles postulou quatro causas. D uas são in ­
universal, quando toda a classe está incluída, ou p ar­ trínsecas. A plicadas a um a cadeira de m adeira, são
ticular, quando um a lim itação é especificada. “Seres as seguintes:
hum anos são anim ais racionais, m as poucos seres
hum anos pensam em gaélico.” 1. A causa form al — d e qu ê ela é feita, sua
Q ualidade. A predicação que deve ser expressa por form a ou essência: qualidade de cadeira.
um a afirm ação(“é”) ou um a negação (“não é”). 2. A causa m aterial — com o qu e é feita, seu m a­
R aciocínio (Lógica). Quando algo é apreendido, e terial: m adeira
75 Aristóteles
As outras duas causas são extrínsecas: 5. Uma regressão infinita de realizadores é im pos­
sível, pois toda a série não seria realizada a não
1. A cau sa eficien te — p o r q u e m é feita, o ser que existisse um prim eiro realizador.
agente: carpinteiro. 6. A prim eira realidade realiza as coisas pela cau­
2. A causa final — p ara que é feita, o propósito: salidade final, atraindo-as para si como um
para servir de assento. am ante é atraído pela am ada.
7. Há 47 (segundo o astrônom o Eudóxio) ou 55
A resposta de Aristóteles ao monismo. A metafísica de (conform e Calipo) dessas realidades puras
Aristóteles pode ser entendida como um a resposta ao (“m otores im óveis”).
argum ento de Parmênides (n. em 515 a.C.) a favor do 8. No final, só há um céu e um deus. Apenas coi­
m on ism o (v. m o n i s m o ; u m e m u i t o s , p r o b l e m a d e ) . sas m ateriais podem ser diferentes num erica­
Parmênides argum entou que: 1) Ou tudo é “um ” ou é m en te, já que a m a té ria é o p rin cíp io da
“muitos”. 2) Se há “muitos” seres, eles devem ser diferen­ individualização.
tes. 3) Se são diferentes, devem ser diferentes por existir 9. Este último ponto foi um a adição posterior de
ou por não existir. 4) Não podem ser diferentes por não Aristóteles ou de um dos seus editores depois da
existir, já que não existir é nada (e isso significaria que sua morte. A segunda hipótese é mais pro-vável.
não são diferentes). 5) E tam bém não podem ser diferen­ Para o contexto de Aristóteles na histó-ria do ar­
tes por existirem, já que existir é o que todos têm em co­ gum ento cosmológico, v. a r g u m e n t o c o s m o l ó g ic o .
mum . Não podem ser diferentes no sentido em que são
iguais. 6) Logo, só pode haver um ser (monismo). Várias coisas são notáveis sobre o argum ento de
Existem quatro respostas básicas a Parm ênides. 1) Aristóteles: ele introduz a questão da regressão infinita
O atom ism o afirm ou que essas coisas (átom os) diferem de causas (v. s é r ie in f in it a ). Ele supõe um a pluralidade de
pela inexistência (vazio) absoluta. 2) O platonism o ar­ prim eiras causas com um a observação anexada (que
gum entou (v. P l a t ã o ) que as coisas (form as) diferem pode ter sido de um editor posterior) que supõe um deus.
pela inexistência relativa (qualidade de outro), deter­ Ao contrário dos demiurgos de Platão, a Causa Primeira
minação pela negação. 3) A q l t n o afirmou mais tarde que de Aristóteles é um a causa proposital final, não um a cau­
a existência é um complexo de ação e potência, as coi­ sa eficiente. 0 Motor Imóvel tam bém não era um deus
sas diferem pelo tipo de ser que são. 4) Aristóteles acre­ pessoal que amava e se preocupava com a criação. Na ver­
ditava que apenas coisas materiais eram compostas de dade, o deus de Aristóteles não tinha significado religio­
forma (ato) e m atéria (potência). Formas puras, como so ou necessidade de adoração. Esse deus era apenas um a
os deuses, são simples. Então as 47 ou 55 form as (deu­ necessidade lógica a ser usada para explicar o cosmos e
ses) diferem pelo fato de serem apenas seres diferentes. depois ser descartada. Essa Causa Primeira não era infi­
A existência e natureza d e deus. Dessa resposta a nita como é o Deus do teísmo cristão. Aristóteles seguiu a
Parm ênides, observa-se que o conceito de deus(es) de crença grega de que apenas o que era sem forma e indefi­
Aristóteles não era o do Deus Criador do judaísm o. nido po d eria ser co nsid erado infinito. O deus de
Mas como muitos cristãos posteriores, Aristóteles acre­ Aristóteles não criou tudo livremente e ex nihilo (v. c r ia ­
ditava que a existência de Deus podia ser provada. Seus ç ã o / t e o r ia s d a ) . O universo é eterno, e deus o está form an­
argum entos eram : do ao atraí-lo para si. Então deus não é a causa produtora
(eficiente), mas um a causa atraente (final).
1. As coisas m udam . Isso é estabelecido pela ob­ Outras opiniões de Aristóteles são de interesse para
servação do m ovim ento, a form a m ais óbvia os apologistas cristãos. Ele acreditava na herm enêutica
de m udança. literal (versus alegórica). Ao co n trário de Platão,
2. Toda m udança é a passagem da potencialidade Aristóteles negou a im ortalidade da alm a ou vida após
para a realidade. Isto é, quando o potencial é a m orte. Segundo Aristóteles, a alm a, que é a form a do
realizado, a m udança já ocorreu. corpo, m orre com o corpo (v. im o r t a l id a d e ) . Aristóteles
3. N enhum potencial pode se auto-realizar. A adotou a ética do “m eio-term o ideal” que outros viri­
m adeira não pode se transform ar em cadeira, am a desenvolver, criando um a ética situacional (v.
apesar de ter a capacidade de se tornar um a m o r a l id a d e , n a t u r e z a a b s o l u t a d a ).
cadeira.
4. Deve haver um a realidade que realiza tudo que Fontes
passa da potencialidade para a realidade. Se­ A r is tó te le s , A ristotle’s categories and De in terpretation e ,
não, nada seria realizado. W. D. Ross, trad.
arqueologia do Antigo Testamento 76
___ , The works ofAristotle translated into English, ral, alguns traços remanescentes da verdadeira história
W. D. R oss.org. deveriam ser esperados em tais relatos. As diferenças
W. Anstotle: fundamentais o f the history ofh is
J a eger, são mais im portantes. Os relatos babilónico e sum ério
development, R. R obinson, trad. descrevem a criação como produto do conflito entre
J. Owtn, The doctrine of being in the aristoteüan deuses finitos. Quando um deus é derrotado e dividido
metaphysics. ao meio, o rio Eufrates flui de um olho e o Tigre do ou­
W. D. Ross, Prior and posterior analyties. tro. A hum anidade é feita do sangue de um deus m alig­
no, m isturado com barro. Esses contos dem onstram o
arqueologia do Antigo Testamento. Várias coisas de­ tipo de distorção e acréscimo a ser esperado quando
vem ser lem bradas quando se exam inam dados arque­ um relato histórico é mitificado.
ológicos relativos ao cristianism o (v. a r q u e o l o g ia d o n o v o É menos provável que a progressão literária tosse des­
t e s t a m e n t o ) . Incialm ente, o significado só pode ser de­ sa mitologia para a elegância sem adornos de Gênesis. A
rivado do contexto. Evidências arqueológicas dependem suposição comum de que o registro hebreu é simplesmen­
do contexto de data, lugar, m ateriais e estilo. Como isso te um a versão purificada e sim plificada da lenda
é interpretado depende das pressuposições do intérprete. babilónica é falsa. No Oriente Médio antigo, a regra é que
Portanto, nem todas as interpretações das evidências relatos ou tradições simples dão lugar (por acréscimo e
serão a favor do cristianismo. adorno) a lendas elaboradas, m as não o inverso. Assim, a
Em segundo lugar, a arqueologia é um tipo especial evidência apóia a posição de que Gênesis não é mito trans­
de ciência. Físicos e químicos podem fazer todo tipo de formado em história. Antes, os relatos extrabíblicos eram
experiência para recriar os processos que estudam e história transform ada em mitos (v. c r ia ç ã o e o r ig e n s ; c r ia ­
observá-los vez após vez. Os arqueólogos não podem . ç ã o , p o s iç õ e s s o b r e a ; G ê n e s is , d ia s d e ).
Eles só têm a evidência deixada da única ocasião em As descobertas recentes de relatos da criação em
que aquela civilização viveu. Estudam peculiaridades Ebla ( v . E b l a , t a b u in h a s d f .) acrescentam evidências dis­
passadas, não regularidades atuais. Pelo fato de não so. Essa biblioteca de 16 m il placas de argila antecede
poderem recriar as sociedades que estudam , suas con­ o relato babilónico em 600 anos. A placa relativa à cri­
clusões não podem ser testadas como as outras ciênci­ ação é extrem am ente parecida com Gênesis, falando
as. A arqueologia tenta descobrir explicações plausíveis sobre um ser que criou céu, lua, estrelas e terra. O povo
e prováveis para as evidências que encontra. Ela não de Ebla acreditava na criação a partir do nada (v. uu.\-
pode estabelecer leis como faz a física. Por isso, todas as çÀo, p o s iç õ e s s o b r e a ). A Bíblia contém a versão antiga e
conclusões devem estar sujeitas a revisão. A m elhor in­ m enos adornada da história e transm ite os fatos sem
terpretação é a que m elhor explica todas as evidências. a corrupção das narrativas m itológicas.
Em terceiro lugar, a evidência arqueológica é frag­ O Dilúvio de Noé. Assim como os relatos da cria­
m entária. Ela com preende apenas um pequena fração ção, a n arrativ a do Dilúvio (v. d i l ú v i o d e N o é ) em
de tudo que ocorreu. Assim, a descoberta de m ais evi­ Gênesis é m ais realista e m enos mitológica que outras
dências pode m udar a história consideravelmente. Isso versões antigas, indicando sua autenticidade. As sem e­
acontece especialm ente quando conclusões foram b a­ lhanças superficiais indicam um a base histórica de
seadas no argum ento do silêncio — a falta de evidên­ eventos que inspiraram todas, em vez de indicar plá­
cia existente. M uitas posições críticas sobre a Bíblia gio por parte de Moisés. Os nom es m udam . Noé é cha­
foram derrubadas posteriorm ente por descobertas ar­ m ado Ziusudra pelos sum érios e U tnapishtim pelos
queológicas (v. B í b l i a , c r ít ic a d a ) . Por exemplo, por babilônios. A história básica, não. Deus(es) m anda(m )
m uito tem po acreditava-se que a Bíblia estava errada um hom em construir um barco de dim ensões especí­
quando falou sobre os heteus (Gn 23.10).M as,desde a ficas porque ele(s) vai(vão) inundar o m undo. O ho ­
descoberta da biblioteca hetéia na Turquia (1906), esse m em faz isso, escapa da tem pestade e oferece sacrifí­
deixou de ser o caso. cio ao sair do barco. A(s) divindade(s) responde(m )
A arqueologia apóia o a t . A criação. Os prim eiros com rem orso pela destruição da vida, e faz(em ) um a
capítulos de Gênesis ( la té ll) geralm ente são conside­ aliança com o hom em . Esses eventos fundam entais
rados explicações mitológicas derivadas de versões mais indicam um a base histórica.
antigas da história encontradas no Oriente Médio anti­ Relatos sem elhantes aos do Dilúvio são encontra­
go. Mas essa posição destaca apenas as sem elhanças dos no m undo inteiro. 0 Dilúvio é contado pelos gre­
entre Gênesis e as histórias de criação em outras cultu­ gos, h in d u s, ch ineses, m exicanos, alg onquin os e
ras antigas. Se propuserm os a derivação da raça hum a­ havaianos. Uma lista de reis sum érios trata o Dilúvio
na de um a família, e a isso acrescermos a revelação ge­ como ponto de referência histórica. Depois de nom ear
77 arqueologia do Antigo Testamento
oito reis que tiveram vidas extraordinariam ente lon­ dizer da torre e da confusão das línguas na terra de
gas (dezenas de milhares de anos), esta frase interrom ­ Babel (Gn 11)? A arqueologia revelou que Ur-Nam m u,
pe a lista: “ [Então] o Dilúvio arrasou [aterra] e,q u a n ­ rei de Ur de aproxim adam ente 2044 a 2007 a.C., su­
do o reinado foi dado [novam ente) do céu, o reinado postam ente recebeu ordens de construir um grande
foi [prim eiro] em Kish”. zigurate (tem plo turriform e) como um ato de adora­
Há boas razões para crer que Gênesis apresenta a ção ao deus lunar Nanate. Uma esteia (m onum ento em
história original. As outras versões contêm elabora­ form a de placa) de aproxim adam ente 1,5 m de largu­
ções que indicam corrupção. Som ente em Gênesis o ra e 3 m de altura revela as atividade de Ur-Nam m u.
ano do Dilúvio é dado, bem com o as datas para a cro­ Um painel o representa saindo com um a cesta de ar­
nologia relativa à vida de Noé. Na verdade, Gênesis é gam assa para com eçar a construção da grande torre,
escrito como um jornal ou diário de bordo dos even­ dem onstrando assim sua fidelidade aos deuses, to ­
tos. O barco do relato babilónico, de form ato cúbico, m an d o seu lugar com o sim ples o p erário . O u tra
não poderia salvar ninguém . As águas turbulentas o tabuinha de argila afirm a que a construção da torre
virariam para todos os lados constantem ente. Mas a ofendeu os deuses, que então derrubaram o que os ho ­
arca bíblica é retangular — longa, larga e baixa — m ens construíram , espalharam -nos e tornaram sua
para que navegasse bem nos m ares agitados. O tem po fala incom preensível. Isso é surpreendentem ente se­
de duração da chuva nos relatos pagãos (sete dias) não m elhante ao registro da Bíblia.
é tem po suficiente para a devastação que descrevem . Teólogos conservadores acreditam que Moisés es­
As águas teriam de subir pelo m enos acim a da m aio­ creveu esses p rim e iro s ca p ítu lo s de G ênesis (v.
ria das m ontanhas, a um a altura de 5 600 m etros, e é P e n t a t e u c o , a u t o r ia m o s a ic a d o ) . Mas como poderia, já
m ais razoável supor um a chuva m ais longa para que que esses eventos ocorreram m uito antes do seu n as­
isso aconteça. A idéia babilónica de que toda a água cimento? Há duas possibilidades. Prim eiro, Deus po ­
do dilúvio sum iu em um dia tam bém é absurda. O u­ deria ter revelado os registros para M oisés de form a
tra diferença im pressionante entre Génesis e outras sobrenatural. Assim como Deus pode revelar o futuro
versões é que nesses relatos o herói recebe im ortali­ pela revelação profética, tam bém pode revelar o p as­
dade e louvor. A Bíblia descreve o pecado de Noé. Ape­ sado por revelação retrospectiva. A segunda possibili­
nas a versão que procura dizer a verdade incluiria essa dade é m ais provável: Moisés reuniu e editou regis­
adm issão realista. tros anteriores desses eventos. Isso não é contrário à
Algum as pessoas já sugeriram que esse dilúvio foi prática bíblica. Lucas fez o m esm o no seu evangelho
grave, m as localizado. Mas há evidências geológicas (Lc 1.1-4). P. J. W isem an argum entou convincente­
que apóiam um dilúvio global. Esqueletos parciais de m ente que a história de Gênesis foi escrita original­
anim ais recentes são encontrados em fendas profun­ m ente em tabuinhas de argila e passadas de geração
das em várias partes do m undo e o diluvio parece ser em geração, e que cada “líder de clã” era responsável
a m elhor explicação para elas. Isso explicaria como por m antê-las editadas e atualizadas. O indício p rin ­
essas fendas ocorrem até em m ontes de altura consi­ cipal que W isem an encontrou para isso na Bíblia é a
derável e se estendem de 40 a 90 m etros. Já que n e­ repetição freqüente de palavras e frases, p rincip al­
nhum esqueleto está inteiro, é possível concluir que m ente a frase “São estas as gerações de” ou sim ilares
nenhum desses anim ais (m am utes, ursos, lobos, bois, (e.g., Gn 2.4; 6.9; 10.1; 11.10). M uitas tabuinhas a n ­
hienas, rinocerontes, bisões, veados e m am íteros m e­ tigas eram guardadas em ordem , sendo as prim eiras
nores) caíram nessas fendas vivos, nem foram leva­ palavras de um a nova tab uinha a repetição das ú lti­
dos po r rios. Mas por causa desses ossos diferentes m as palavras da tábua anterior. Uma com paração de
terem sido juntam ente cim entados em calcita, eles Gênesis com outras obras literárias antigas indica
devem ter sido depositados sob água. Essas fendas fo­ que o livro não foi com pilado depois da época de
ram descobertas em vários lugares no m undo. É exa­ M oisés. É bem possível que Gênesis seja um a h istó ­
tam ente esse tipo de evidência que se esperaria que ria de fam ília registrada pelos patriarcas e editada
fosse provocado por um episódio dessa espécie, breve nessa form a final por M oisés.
m as violento, no curto período de um ano. Os patriarcas. A pesar das narrativas da vida de
A Torre de Babel. Existem evidências consideráveis Abraão, Isaque e Jacó não apresentarem os m esm os
agora de que o m undo realm ente teve um a única lín­ tipos de dificuld ades dos p rim eiro s capítulos de
gua no passado. A literatura sum éria faz alusão a isso Gênesis, elas foram consideradas lendárias por m uito
várias vezes. Lingüistas tam bém consideram essa te­ tem po porque pareciam não se encaixar nas evidên­
oria favorável à categorização das línguas. Mas o que cias conhecidas da época. Mas, quanto m ais se desco­
arqueologia do Antigo Testamento 78

bre, m ais histórias são com provadas. Códigos legais Já foram feitas suposições de que a cidade de
da época de Abraão m ostram por que o patriarca te­ “R am essés” em Êxodo 1.11 se cham ava assim em
ria hesitado em expulsar Hagar do seu acam pam ento, hom enagem a R am essés, o G rande, que não havia
pois era obrigado legalm ente a apoiá-la. Som ente construções no delta do Nilo antes de 1300 e que
quando um a lei m aior veio de Deus foi que Abraão a não havia n enhum a grande civilização em C anaã
expulsou voluntariam ente. dos séculos x i x a x i i i a.C. M as o nom e R am essés é
As cartas de M ari revelam nom es como A bam ram com um na h istó ria egípcia. R am essés, o G rande, é
(Abraão), Jacob-el e benjam itas. Apesar de não se re­ R am essés n. N ão se sabe nada sobre R am essés i.
ferir a personagens bíblicas, pelo m enos dem onstram Além disso, o nom e pode referir-se a um a região,
que os nom es eram utilizados. Essas cartas tam bém não um a cidade. Em Gênesis 47.11o nom e Ramessés
apóiam o registro de um a guerra (Gn 14) em que cin­ descreve a região do delta do Nilo onde Jacó e seus
co reis lutaram contra quatro reis. Os nom es desses filhos se estabeleceram .
reis parecem encaixar-se com as nações proem inen­ Alguns teólogos agora sugerem que a reinterpre-
tes da época. Por exemplo, Gênesis 14.1 m enciona um tação dos dados exige a m udança da data da Idade M é­
rei am orreu Arioque; os docum entos M ari dão ao rei dio do Bronze ( i b m ). Se isso for feito, dem onstrará que
o nom e Ariwwuk. Todas essas evidências levam à con­ várias cidades descobertas em Canaã foram destruídas
clusão de que as fontes de Gênesis foram registros de pelos israelitas. A partir de escavações recentes, surgi­
prim eira m ão de alguém que viveu durante a época ram evidências de que a últim a fase do período ( i b m )
de Abraão. precisa de m ais tem po que o que se pensava original­
Sodoma e Gomorra. A destruição de Sodom a e m ente, deixando seu fim m ais próxim o de 1400 a.C.
G om orra era considerada falsa até que evidências re­ que de 1550 a.C. Esse alinham ento reuniria dois even­
velaram que as cinco cidades m encionadas na Bíblia tos previam ente considerados separados por sécu­
na verdade eram centros de comércio na área e esta­ los: a queda das cidades da C anaã do período b m ii e
vam situados geograficam ente como as Escrituras di­ a conquista.
zem. A descrição bíblica de sua destruição parece ser O utra m udança pode ser justificada pelo ponto
igualm ente precisa. As evidências indicam atividade de vista tradicional da h istória egípcia. A cronologia
sísm ica e que as várias cam adas da terra foram abala­ de todo o m undo antigo é baseada na ordem e nas
das e lançadas para o alto. Há m uito betum e ali, e um a datas dos reis egípcios, que geralm ente eram consi­
descrição exata seria que enxofre (piche betum inoso) deradas fixas. M as Velikovsky e Courville afirm am
foi lançado sobre as cidades que rejeitaram a Deus. Há que 600 anos a m ais nessa cronologia desestabilizam
evidências que as cam adas de pedra sedim entária fo­ datas de eventos em todo o Oriente M édio. Courville
ram fundidas por calor intenso. Evidências desse in ­ dem onstrou que as listas dos reis egípcios não de­
cêndio foram encontradas no topo de Jebel U sdum vem ser consideradas com pletam ente consecutivas.
(m onte Sodom a). Isso é evidência perm anen te do Ele argum enta que alguns “reis” descritos não eram
grande incêndio que aconteceu no passado longínquo, faraós, m as sim altos oficiais. H istoriadores acredi­
possivelm ente quando um a bacia de petróleo sob o tavam que cada dinastia vinha depois da anterior.
m ar M orto pegou fogo e explodiu. Tal explicação não M as m uitas d inastias listam subgovernadores que
dim inui de form a algum a a qualidade m iraculosa do viveram ao m esm o tem po que a dinastia anterior.
evento, pois Deus controla as forças naturais. A hora Com essa nova cronologia o êxodo ficaria em 1450
do evento, no contexto das advertências e da visitação a.C. e faria outros períodos da história israelita se
dos anjos, revela sua natureza m ilagrosa. encaixarem com os reis egípcios m encionados. A evi­
A datação do Êxodo. Uma das várias questões sobre dência não é definitiva, m as não há m ais razão para
o relacionam ento de Israel com o Egito é quando o exigir um a data posterior para o Êxodo. Para m ais
Exodo para a Palestina aconteceu (v. P e x t a t e u c o , a u t o r i a inform ações, v. o artigo f a r a ó d o ê x o d o .
m o s a i c a d o ; f a r a ó d o ê x o d o ). Existe até um a “data geral­ Saul, Davi e Salomão. Saul tornou-se o prim eiro
m ente aceita” ( d a g ) oficial para a entrada em Canaã de rei de Israel, e sua fortaleza em Gibeá foi escavada. Uma
aproxim adam ente 1230-1220 a.C. As Escrituras, por das descobertas m ais notáveis foi que fundas eram as
outro lado, ensinam em três textos diferentes (lR s.6.1; arm as m ais im portantes da época. Isso não se relaci­
Jz 11.26; At 13.19,20) que o êxodo aconteceu durante o ona apenas à vitória de Davi sobre Golias, m as à refe­
século que term inou em 1400 a.C., com a entrada em rência de Juizes 20.16 de que havia setecentos peritos
Canaã 40 anos m ais tarde. Apesar do debate continuar, que “podiam atirar com a funda um a pedra num ca­
não há qualquer razão para aceitar a data de 1200. belo sem errar”.
79 arqueologia do Antigo Testamento
Com a m orte de Saul, Samuel nos diz que sua ar­ A invasão assíria. M uito se aprendeu sobre os
m adura foi colocada no templo em Astarote (um a deu­ assírios quando 26 m il placas de argila foram encon­
sa cananéia da fertilidade) em Bete-Seã,e Crônicas diz tradas no palácio de Assurbanipal, filho do Esaradom ,
que sua cabeça foi colocada no tem plo de Dagom, deus que levou os reinos do norte ao cativeiro em 722 a.C.
filisteu do m ilho. Isso era considerado um erro por­ Essas tabuinhas narram as várias conquistas do im ­
que parecia im provável que povos inim igos tivessem pério assírio e registram com honra os castigos cruéis
tem plos sim ultaneam ente no m esm o lugar. Mas esca­ e violentos que caíram sobre os que se opunham a eles.
vações descobriram que havia dois tem plos nesse lo­ Vários desses registros confirm am a precisão da
cal que são separados por um corredor: um para Bíblia. Toda referência do a um rei assírio foi com ­
at

Dagom e o outro para Astarote. Parece que os filisteus provada. Apesar de Sargão ser desconhecido por certo
haviam adotado a deusa cananéia. tempo, quando seu palácio foi encontrado e escavado,
Uma das principais conquistas do reinado de Davi havia um a pintura m ural da batalha m encionada em
foi a captura de Jerusalém. 0 tato de os israelitas entra­ Isaías 20.0 obelisco negro de Salm aneser am plia nosso
rem na cidade por um túnel que levava ao tanque de Siloé conhecimento dos personagens bíblicos ao m ostrar Jeú
era problemático no registro das Escrituras. Acreditava- (ou seu em issário) se curvando perante o rei da Assíria.
se que esse tanque ficava fora das muralhas da cidade na Entre as descobertas m ais interessantes está o re­
época.No entanto, durante escavações na década de 1960, gistro do sítio de Jerusalém feito por Senaqueribe.
foi finalm ente determ inado que a m uralha realmente M ilhares de seus hom ens m orreram e o resto foi dis­
passava para além de onde ficava o tanque. perso quando o rei assírio tentou tom ar a cidade que,
Geralm ente considera-se que os salm os atribuídos como Isaías havia previsto, foi incapaz de conquistar.
a Davi foram escritos bem m ais tarde porque as suas Já que não podia se gabar da sua grande vitória aqui,
inscrições sugerem que havia associações de m úsicos Senaqueribe encontrou um a m aneira de preservar sua
(por exemplo, os filhos de Coré). Tal organização leva reputação sem adm itir a derrota:
m uitos ap en sar que esses hinos deveriam ser datados
da época dos m acabeus no século n a.C. Depois das Quanto a Ezequias, o judeu, ele não se submeteu ao meu
escavações em Ras Sham ra, sabe-se que havia tais or­ iugo. Sitiei 46 das suas cidades mais fortes, fortalezas mura-
ganizações na Síria e Palestina na época de Davi. daseinúm eras vilas próximas [...] Expulsei 200 150 pesso­
A época de Salom ão tam bém tem m uitas co m ­ as, jovens e velhas, homens e mulheres, cavalos, mulas, bur­
ros, camelos, gado grande e pequeno sem conta e (os) con­
provações. O local do tem plo de Salom ão ainda não
foi escav ad o , p o rq u e fica p e rto do lu g a r santo siderei presa de guerra. Dele fiz prisioneiro em Jerusalém,
sua residência real, como um pássaro num a gaiola
islâm ico, o D om o da Rocha. M as o que se sabe so ­ (Pritchard, p. 288).
b re tem p lo s filiste u s c o n stru íd o s n a ép o ca de
Salom ão se encaixa m uito bem com o estilo, a d e­ O cativeiro. V árias facetas da história do relati­
coração e os m ateriais descritos na Bíblia. A única
at

vas ao cativeiro foram confirm adas. Registros encon­


evidência do tem plo é um pequeno ornam ento, um a trados nos fam osos jardins suspensos da Babilônia
rom ã, que ficava na pon ta de um cajado e tem a in s­ m ostraram que Joaquim e seus cinco filhos recebiam
crição: “P ertencente ao Templo de Iavé” . Foi vista um a pensão m ensal e lugar para m orar e eram bem
pela prim eira vez num a loja em Jerusalém em 1979, tratados (2Rs 25.27-30). O nom e Belsazar causou pro­
verificada em 1984 e ad q u irid a pelo M useu de Is­ blem as, porque não havia m enção dele nem lugar para
rael em 1988. ele na lista de reis babilónicos; m as Nabonido deixou
A escavação de Gezer em 1969 encontrou um a ca­ registrado que havia indicado seu filho, Belsazar (Dn
m ada enorm e de cinzas que cobria quase toda a colina. 5), para reinar por alguns anos na sua ausência. E n­
Entre as cinzas foram encontradas peças de artefatos tão, Xabonido ainda era rei, mas Belsazar reinava na
hebraicos, egípcios e filisteus. Aparentem ente as três capital. Tam bém o decreto de Ciro registrado por
culturas estiveram ali ao m esm o tempo. Isso deixou os Esdras parecia encaixar-se nas profecias de Isaías bem
pesquisadores muito intrigados, ate que perceberam que dem ais para ser verdade, até que um cilindro que con­
a Bíblia dizia exatamente o que haviam encontrado: firm ava o decreto em todos detalhes im portantes foi
encontrado.
O faraó, rei do Egito, havia atacado e conquistado Gezer. Xo m esmo período da história do , descobrimos
at

Incendiou a cidade e matou os seus habitantes, que eram que há boas evidências arqueológicas de que as Escri­
cananeus, e a deu como presente de casamento à sua filha, turas dizem a verdade. Em muitos casos, as Escrituras
mulherdeSalomão(lRs9.16). até refletem em prim eira mão conhecimento das épocas
arqueologia do Novo Testamento 80

e costumes que descrevem. Apesar de muitos terem du­ Será que Lucas estava confuso? Não; na verdade
vidado da precisão da Bíblia, o tempo e as pesquisas cons­ ele m enciona o censo posterior de Quirino em Atos
tantes têm dem onstrado constantemente que a Palavra 5.37. É bem provável que Lucas esteja diferenciando
de Deus está mais bem inform ada que seus críticos. esse censo na época de Herodes dos censos m ais co­
Na verdade, enquanto m ilhares de descobertas do nhecidos de Quirino: “Este (o prim eiro) recenseam en­
m undo antigo apóiam de form a geral e m uitas vezes to, foi feito antes de Quirino ser governador da Síria”.
em detalhes o registro bíblico, nenhum a descoberta Há vários paralelos no n t para essa tradução da pala­
incontestável jam ais contradisse a Bíblia. vra grega proton.
Gálio, procôn su l deA caia. Essa designação em Atos
Fontes 18.12-17 era anteriorm ente considerada impossível.
W. F. A im ia n , Archaeology ofPalestine. Mas um a inscrição em Delfos indica esse m esm o títu ­
G. L. A r c h e r , Jr„ Enciclopédia de temas lo para o referido indivíduo e o localiza na m esm a data
bíblicos. em que Paulo estava em Corinto (51 d.C.).
J. Bim son e D. LiviN GSTO N ,“ R e d a t in g th e e x o d u s ” , b a r ,
Lisânias, tetrarca deA bilene. Lisânias não era conhe­
Sept.-Oct. 1987. cido pelos historiadores m odernos até ser encontrada
N. G lueck, R ivers in th e desert.
um a inscrição registrando a dedicação de um templo
K . A . K it c h e n , Ancient Orient and Old Testament.
na qual são m encionados o nom e o título e o lugar cer­
J . B . P r i t c h a r d , o rg ., Ancient Near F.a st texts.
to. A inscrição foi datada entre 14 e 29 d.C., facilmente
C. A. W il s o n , Rocks, relics and biblical reliability.
compatível com o começo do m inistério de João, que
E. Y a m a u c h i, The stones and the Scriptures. Lucas data no reinado de Lisânias (Lc 3.1).
Erasto. Em Atos 19.22, Erasto é descrito com o um
arqueologia do Novo Testamento. A ciência da a r­ coríntio que se torna co-m inistro de Paulo. Se Lucas
queologia trouxe forte confirm ação à h istoricidade
do AT (v. A l b r i g h t , W i l l i a m F.; a r q u e o l o g i a d o A n t i g o quisesse inventar nom es, esse seria o m elhor lugar para
T e s t a m e n t o ) e do n t . A s evidências arqueológicas da
fazê-lo. Como alguém saberia? D urante escavações em
confiabili-dade do n t são surpreend entes (v. Novo Corinto, foi encontrada perto do teatro um a inscrição
T e s t a m e n t o , d a t a ç ã o d o ; Novo T e s t a m e n t o , h i s t o r i c i d a d e que diz: “Erasto, para retribuir sua vereação, colocou
d o ) . Essas evidências serão resum idas em três p ar­ essa pavim entação com recursos próprios”. Se essa
tes: a precisão histórica de Lucas, o testem unho dos inscrição se refere ao m esm o hom em , isso explica por­
historiadores seculares e a evidência física relativa à que Lucas incluiu o detalhe de que um cidadão im ­
crucificação de Cristo (v. C r i s t o , m o r t f . d e ) . portante e rico de Corinto se converteu e deu sua vida
A precisão histórica de Lucas. Acreditava-se no para o m inistério.
passado que Lucas, escritor do evangelho m ais deta­ Além desses, Lucas dá títulos corretos para os seguin­
lhado historicam ente e de Atos, havia inventado sua tes oficiais: Chipre, p rocôn su l (13.7,8); Tessalônica,
narrativa por meio de sua im aginação fértil, porque politarcas (autoridades) (17.6); Éfeso, gu ardiã do templo
atribuía títulos estranhos a autoridades e m encionava (19.35); Malta, hom em principal d a ilha (28.7; Yamauchi,
governadores que ninguém conhecia. As evidências p. 115-9), Cada um deles foi confirmado pelo uso rom a­
ag o ra in d ic a m e x a ta m e n te o o p o sto (v. A t o s , no. Ao todo, Lucas descreve 32 países, 54 cidades e 9 ilhas
h isto ric id a d e de). sem erro. Isso levou o reconhecido historiador Sir William
O censo em Lucas 2.1 -5. Vários problem as estão en­ Ramsay a renunciar a suas posições críticas:
volvidos na afirmação de que Augusto realizou um censo
de todo o im pério durante os reinados simultâneos de Comecei com uma atitude desfavorável a ele [Atos],
Quirino e Herodes. Por exemplo, não há registro de tal pois a engenhosidade e aparente plenitude da teoria de
censo, m as agora sabem os que censos regulares foram Tübingen haviam-me convencido. Não considerei ser de
feitos no Egito, Gália e Cirene. É bem provável que Lucas minha ocupação investigar o assunto de maneira detalha­
tenha querido dizer que censos eram realizados em todo da; mais recentemente, porém, vi-me muitas vezes em con­
o im pério em épocas diferentes, e Augusto começou esse tato com o livro de Atos como autoridade em topografia,
processo. O tem po verbal que Lucas usa indica clara­ antigüidades e sociedade da Ásia Menor. Aos poucos ficou
mente o caráter repetivo desse evento. Quirino realmente evidente que em vários detalhes a narrativa demonstrava
realizara um censo, m as fora em 6 d.C., tarde demais verdade incrível (Ramsay, p. 8 ).
para o nascim ento de Jesus, e Herodes m orreu antes de
Quirino tornar-se governador.
81 arqueologia do Novo Testamento
Concordando plenam ente, o historiador rom ano • Referências geográficas incidentais que indicam
A. N. Sherw in-W hite diz: fam iliaridade com o conhecim ento geral.
• Diferenças na form ulação em Atos que indicam
Para Atos a confirmação de historicidade é impressi­ categorias ditintas das fontes usadas por Lucas.
onante [...] Q ualquer ten tativ a de rejeitar sua • Peculiaridades na seleção de detalhes, com o na
historicidade básica vai parecer absurda agora. Por m ui­ teologia, que são explicáveis no contexto do que se
to tem po historiadores rom anos não o valorizaram conhece agora sobre a vida da igreja no século i.
(Sherwin-White, p. 189). • M ateriais cuja “aparência im ediata” sugere que o
autor recontava um a experiência recente, não um texto
As teorias críticas que surgiram no início do sécu­ m oldado ou editado m uito tem po depois.
lo xix e persistem hoje são infundadas. O arqueólogo • Itens culturais ou idiom áticos conhecidos agora
cristão W illiam F. Albright diz: como exclusivos do am biente do século i.
• Agrupam entos inter-relacionados de detalhes em
Todas as escolas radicais de crítica do m que existiram que dois ou m ais tipos de correlação são com binados
no passado ou existem hoje são pré-arqueológicas e, por­ ou onde detalhes relacionados dem onstram correla­
tanto, estão bem ultrapassadas hoje, uma vez que foram fun­ ções distintas. Por meio da análise cuidadosa dessas
dadas in derLuft [no ar] (Albright, p. 29). correlações, é possível ao historiador reconstruir p ar­
tes bem detalhadas da história, ao encaixar os peda­
Mais recentem ente outro historiador rom ano bem ços de fatos como num quebra-cabeça.
conhecido catalogou várias confirm ações arqueológi­ • Casos onde a inform ação dada por Lucas e deta­
cas e históricas da precisão de Lucas (Hemer, p.390s.). lhes de outras fontes se m esclam sim plesm ente para
O que se segue é um resum o desse relatório volumoso realçar o contexto. Eles não influenciam a historicidade
e detalhado (v. A t o s , h is t o r ic id a d e d e ; N o v o T e s t a m e n t o , de form a signiãcante.
fo n te s n à o - c r is t ã s d o ):
• Detalhes precisos em Lucas que continuam sem
comprovação ou refutação até que se saiba mais.
• D etalhes geográficos e outros que podem ser
considerados conhecidos em geral no século i. É difí­
cil estim ar quanto conhecim ento devia ser esperado Confirm ação p o r h istoriadores não-cristãos.
de um escritor ou leitor antigo. Um conceito errôneo bastan te difundido acerca de
• Detalhes especializados, não de conhecim ento ge­ Jesus é que não há m enção dele em nenhum a fonte
ral, exceto de um pesquisador contem porâneo, como antiga além da Bíblia. Pelo contrário, há várias refe­
Lucas, que viajou bastante. Esses detalhes incluem tí­ rências a ele com o personagem histórica que m o r­
tulos exatos de oficiais, identificação de unidades m i­ reu pelas m ãos de Pôncio Pilatos. A lgum as até d es­
litares e inform ação sobre rotas principais. creveram relatos de sua ressurreição e adoração como
• Detalhes que arqueólogos sabem ser precisos, deus por todos que o seguiam . Gary H aberm as as dis­
mas cujo período exato não podem comprovar. Alguns cute exaustivam ente. Citações de historiadores e o u ­
deles provavelmente não seriam conhecidos, exceto por tras fontes são encontradas no artigo Novo T e s ta m e n ­
um escritor que tivesse visitado os distritos. to , f o n te s n ã o - c ris tã s d o .
• Correlação das datas de reis e governadores co­ Evidências relativas à m orte de Jesus. Três des­
nhecidos com a cronologia da narrativa. cobertas fascinantes ilum inam a m orte de Cristo e, até
• Fatos apropriados para a época de Paulo ou seus certo ponto, sua ressurreição. A prim eira é um decre­
contem porâneos im ediatos na igreja, m as não para to fora do com um ; a segunda é o corpo de outra víti­
um a data anterior ou posterior. m a da crucificação.
• “Coincidências não-planejadas” entre Atos e as O decreto de Nazaré. Uma laje de pedra foi encon­
epístolas paulinas. trada em Nazaré em 1878, inscrita com um decreto do
• Correlações internas de Atos. Im perador Cláudio (41-54 d.C.) segundo o qual ne­
• D etalhes in d e p e n d e n te m e n te com provad os nhum a sepultura devia ser violada nem corpos devi­
que ajudam teólogos a sep arar o texto original de am ser extraídos ou m ovidos. Esse tipo de decreto não
Atos do que pode ter sido acrescentado p o sterio r­ é fora do com um , m as o fato surpreendente é que aqui
m ente nas fam ílias de textos alexand rin os ou oci­ “o ofensor será condenado à penalidade m áxim a pela
dentais. Supostos an acronism os agora podem ser acusação de violação de um a sepultura” (ibid., p. 155).
identificados com o inserções referentes a um p e rí­ O utras advertências citavam um a m ulta, m as m orte
odo posterior. por violar um a sepultura? Um a explicação provável é
Atanásio 82
que Cláudio, depois de ouvir a doutrina cristã da res­ F. F. B r u c e , Merece confiança o Novo Testamento?
surreição e do túm ulo vazio de Jesus, ao investigar os N . G l u e c k , Rivers in the desert.
tum ultos de 49 d.C., decidiu im pedir que relatórios G. R. H ab f.r\e\s, The verdict o f history.
desse tipo viessem novam ente à tona. Isso faria senti­ C. J. H e m e r, The book o f Acts in the setting o f
do à luz do argum ento judaico de que o corpo fora rou­ hellenistic history, C. FI. Gf.mpf, org.
bado (M t 28.11-15). Esse é um testem unho prim itivo J.McRay , Archaeology and the New Testament.
da crença forte e persistente de que Jesus ressuscitou W. M. R am say, St. Paul the traveller and the roman
dos m ortos. citizen.
Yohanan — u m a vítim a d a cru cificação. Em 1968, J. A. T. R o b in so n , Redating the New Testament.
um antigo cem itério foi descoberto em Jerusalém A. N. S h e r w in - W h it f ., Roman society and roman law
contendo cerca de 35 corpos. Foi determ inado que a in the New Testament

m aioria deles sofrera m ortes violentas na rebelião C. A . W il s o n , Rocks, relics and biblical reliability.

judaica contra R om a em 70 d.C. Um deles era um h o ­ E. Y a m a u c h i, The stones and the Scriptures.
m em cham ado Yohanan ben Hagalgol. Ele tinha e n ­
tre 24 e 28 anos, um a fenda palatina, e am bos os pés Atanásio. Foi um dos grandes defensores da fé cristã
ain da traspassados por um cravo de 18 cm de com ­ (296-373 d.C.). Foi educado num a escola catequética
prim ento. Os pés estavam virados para fora, para que em Alexandria. Como secretário do bispo Alexandre,
o cravo pudesse atravessar os calcanhares, bem no participou do Concílio de Nicéia (325). Sucedeu a Ale­
tendão de Aquiles. Isso tam bém faria as pernas se xandre três anos depois. Provavelmente antes de 318,
arquearem para fora, de m odo que pudessem ser u sa­ antes dos 30 anos de idade, escreveu D a en carn ação e
das para apoio na cruz. O cravo havia atravessado Contra as gentes, explicando como o Logos (Cristo) tor­
um a cunha de acácia, depois os calcanhares, depois nou-se hum ano e redim iu a hum anidade. Mais tarde,
um a viga de m adeira de oliveira. Tam bém havia in ­ em Cartas sobre o Espírito Santo, defendeu a personali­
dícios de cravos sem elhantes colocados entre os dois dade e divindade da terceira pessoa da Trindade.
ossos de cada p arte inferior dos braços. Estes havi­ A ortodoxia de Atanásio. Atanásio não só defen­
am feito com que os ossos superiores se desgastas­ deu o cristianism o ortodoxo como tam bém ajudou a
sem à m edida que a vítim a se levantava e abaixava estabelecer o seu padrão, principalm ente quanto à di­
repetidam ente para respirar (a respiração é restrita vindade de Cristo. De 339 a 359 escreveu um a série de
com os braços levantados). As vítim as de crucifica­ defesas da fé (Discursos contra os arian os ) direcionada
ção tinham de se erguer para liberar os m úsculos pei­ aos que negavam a divindade total de Cristo. G ram ati­
torais e, quando ficavam fracos dem ais para fazê-lo, calm ente, a discussão estava centrada na questão de
m o rriam por asfixia. Cristo como hom oiousion (de“substância sem elhante”)
ou hom oousion (de“m esm a substância”) com o Pai. Ata­
As pernas de Yohanan foram esm agadas com um násio m anteve-se firm e contra grandes obstáculos e di­
golpe violento, conform e o hábito do cru cifag iu m ficuldades e, assim, preservou a posição bíblica quando
rom ano ( Jo 19.31,32). Cada um desses detalhes con­ a m aioria dos líderes da igreja havia-se voltado para o
firm a a descrição da crucificação en contrad a no n t . arianism o. Por isso Atanásio recebeu o título de contra
Mais evidências textuais e arqueológicas apóiam m undum (“contra o m undo”).
a precisão do n t (v. C r i s t o , m o r t e d e ) . Mas m esm o esses O Credo niceno. Não se sabe exatam ente o papel
exemplos revelam até onde a arqueologia confirm a a de Atanásio na form ulação do Credo niceno. Ele certa­
verdade das E scrituras. O arqueólogo Nelson Glueck m ente o defendeu com sua vida. Esse credo diz, em
declarou ousadam ente que: parte, na form a original:
Pode-se afirmar categoricamente que nenhuma desco­ Cremos em u m só D e u s , P a i Onipotente, Criador do céu
berta arqueológica jamais contestou uma referência bíbli­ e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis. E em
ca. Inúmeras descobertas arqueológicas foram feitas que um só S e n h o r : J e s u s C r i s t o , Filho Unigénito de Deus; gera­
confirmam em linhas gerais ou em detalhes exatos as afir­ do de seu Pai antes de todos os mundos, Deus de Deus,
mações históricas na Bíblia (Glueck, p. 31). Luz de Luz, Verdadeiro de Deus de verdadeiro Deus; gera­
do, não feito; consubstanciai com o Pai, por quem todas as
Fontes coisas foram feitas...
W. F. “R etrospect and prospect in the New
A l b r ig h t ,
E cremos no E s p í r i t o S a n t o , Senhor e Doador da vida,
Testam ent arehaeology”, em E. J.Yakpam ax,
procedente do Pai e do Filho; o qual com o Pai e o Filho
org„ The teachefsyoke. juntamente é adorado e glorificado; o qual falou pelos profetas.
83 ateísmo
Fontes dialético defendido por Thom as A l t i z e r que propôs que
A ta n a s io , On the incarnation. o Deus transcendente do passado m orreu na encarnação
___ , Contra gentes. e crucificação de Cristo, e essa m orte foi posteriorm en­
___ , Orations against arians. te realizada nos tem pos m odernos. Ateus sem ânticos (v.
F. L. C ro ss, “A t h a n a s i u s , St.” , e m O xford d ictio n a ry o f v e r i f i c a ç ã o e m p í r i c a ) afirm am que a discussão sobre
theChristian Church. Deus está m orta. Essa posição foi defendida por Paul
___ , The study ofSt. Athanasius. Van Buren e outros influenciados pelos positivistas ló­
J. A. D o r n e r , History o fth e development o f the gicos que desafiaram seriam ente a significância da lin­
doctrine o f the person ofChrist, v. 2. guagem sobre Deus. É claro que os que apóiam esta úl­
A. R o b e r ts o n , St. Athanasius.
tim a posição não precisam nem ser ateus verdadeiros.
Two an cien t christologies.
Podem adm itir a existência de Deus e ao m esm o tem po
acreditar que não é possível falar sobre ele em term os
R . V. S e l l e r s ,

P. S c h a f f , The creeds o f christendom, v. 1 .


sig n ificativ os. E ssa p osição foi ch am ad a
“acognosticismo”, já que nega que possam os falar de
ateísm o. Enquanto o p o l i t e í s m o dom inou grande parte Deus em term os cognitivos e significativos. 0 ateísmo
do pensamento grego antigo e o teísmo dom inou a posi­ conceituai acredita que há um Deus, m as ele está escon­
ção cristã medieval, o ateísmo floresceu no m undo m o­ dido da nossa visão, obscurecido por nossas constru­
derno. É claro que nem todos que não têm fé num ser ções conceituais (v. B u b f .r , M a r t i n ) . Finalmente, ateus
divino querem ser chamados de “ateus”. Alguns prefe­ práticos confessam que Deus existe, m as acreditam que
rem a atribuição positiva “hum anistas” (v. h u m a n i s m o s e ­ devemos viver com o se não existisse. A questão é que
c u l a r ) . Outros talvez sejam mais bem descritos como não devemos usar Deus como m uleta para a incapaci­
"materialistas”. Mas todos são não-teístas, e a maioria é dade de agir de form a espiritual e responsável (algu­
antiteísta. Alguns preferem o termo mais neutro “ateístas”. m as obras de Dietrich Bonhõffer podem ser interpreta­
Ao contrário do teísta, (v. t e í s m o ) que acredita que das nessa categoria).
Deus existe além do e no m undo, e do panteísta, que Existem outras m aneiras de designar os diversos
acredita que Deus é o m undo, o ateu acredita que não tipos de ateus. Uma m aneira seria por m eio da filoso­
há Deus neste m undo e nem no além. Só existe um fia que expressa seu ateísmo. Dessa m aneira pode-se
universo ou cosmo e nada mais. falar de ateus existencialistas (Sartre), ateus m arxistas
Já que os ateus têm m uito em com um com os (M arx), ateus psicológicos (Sigm und F r e u d ) , ateus c a ­
agnósticos (v. a g n o s t i c i s m o ) e céticos, são m uitas vezes p italistas (Ayn R a n d ) e ateus com p ortam en tais (B. F.
confundidos com eles (v. Russell, “W hat is an agnos- Skinner).
tic?”).Tecnicam ente, o cético diz: “Eu duvido que Deus Para propó sitos apologéticos, a m an eira m ais
exista” e o agnóstico declara “Eu n ão sei (ou não posso aplicável de c o n sid e ra r o ate ísm o é no se n tid o
saber) se Deus existe”. Mas o ateu afirm a que sa b e (ou m etafísico. Os ateus são pessoas que dão razões para
pelo m enos acredita) que Deus não existe. Uma vez, crerem que não existe Deus no m undo nem além dele.
porém , que ateus são todos não-teístas e já que a m ai­ Assim, estam os falando sobre ateístas filosóficos em
oria dos ateus p a rtilh a com os céticos a posição vez de ateus práticos, que apenas vivem com o se não
houvesse Deus.
antiteísta, m uitos dos seus argum entos são iguais. É A rgum entos a fa v o r do ateísmo. Os argum entos
nesse sentido que o ateísm o m oderno baseia-se m ui­ a favor do ateísm o são em grande parte negativos, ape­
to no ceticism o de David H u m e e no agnosticism o de sar de alguns poderem ser form ulados em term os p o ­
Im m anuel K a n t . sitivos. Os argum entos negativos se dividem em duas
Variações do ateísmo. Em geral, há tipos diferen­ categorias: 1 ) argum entos contra as provas da exis­
tes de ateísmo. 0 ateísm o tradicion al (metafísico) afir­ tência de Deus (v. D e u s , o b i e ç õ e s à s p r o v a s d e ) , e 2) ar­
m a que nunca houve, não há e jam ais haverá um Deus. gum entos contra a existência de Deus (v. D e u s , s u p o s ­
Há m uito s que defendem essa posição, inclusive t a s c o n t r a p r o v a s d e ) . Na prim eira categoria de argu­
Ludw ig F e u e r b a c h , Karl M a r x , Jean-Paul S a r t r e , e m entos, a m aioria dos ateus se baseia no ceticism o de
A ntony F l e w . A teus m ito ló g ic o s com o F ried rich Hume e no agnosticism o de Kant.
N i e t z s c h e , acreditam que o mito “Deus” jam ais foi um Os ateus oferecem o que consideram ser razões
Ser, m as o m odelo vivo pelo qual as pessoas viviam. Esse boas e suficientes para acreditar que não existe Deus.
mito foi m orto pelo avanço do entendimento e da cultura Quatro desses argum entos geralm ente são usados pe­
do hom em . Flouve um a form a passageira de ateísmo los ateus: 1 ) a existência do m al (v. m a l , p r o b l e m a m o r a l
ateísmo 84
d o ) ; 2) a aparente falta de propósito da vida; 3) ocor­ Moléculas de dióxido de carbono são exaladas aleatori­
rências aleatórias no universo; e 4) a prim eira lei da am ente com o oxigênio (e nitogina no ar), m as por um
t e r m o d i n â m i c a — segundo a qual “energia não pode bom propósito. Se não fosse assim, inalaríam os os m es­
nem ser criada nem destruída” como evidência de que mos gases venenosos que exalamos. E algumas coisas
o universo é eterno e, logo, não precisa de um Criador. que parecem ser inúteis podem ser o produto de um
Respostas aos argum entos. A existência d o mal. processo útil. 0 estrum e de cavalo é um bom adubo.
Uma resposta detalhada para o problem a do m al é dada Segundo a cronologia do ateu, o universo absorve e neu­
em outro artigo (v. m a l , p r o b l e m a d o ) , portanto ele será traliza muito bem seus “lixos”. Até onde sabem os, pou­
tratado aqui apenas em term os gerais. 0 raciocínio do co do que se considera lixo é realm ente desperdiçado.
ateu é circular. 0 ex-ateu C. S. L ew is argum entou que, Mesmo que exista tal“lixo”, ele pode ser um subproduto
para saber que há injustiça no m undo, é preciso haver necessário de um processo bom num m undo finito
um padrão de justiça. Então, elim inar Deus efetivamente como o nosso, assim como serragem resulta da extra­
por causa do m al é postular um padrão moral supremo ção e processam ento da madeira.
para declarar que Deus é m au ( Cristianismo pu ro e sim ­ A eternidade da m atéria (energia). Os ateus geralmen­
ples). Mas, para os teístas, Deus é o padrão moral supre­ te citam de modo incorreto a prim eira lei científica da
mo, já que não pode existir um a lei m oral suprem a sem termodinâmica. Ela não deve ser formulada: “Energia não
um Provedor Supremo da lei moral. p od e ser criada nem destruída”. A ciência como ciência
Os ateus argum entam que um Deus absolutam ente não deve ocupar-se com afirmações de “pode” ou “não
bom deve ter um bom propósito para tudo, m as não pode”. A ciência operacional lida com o que é ou não é,
há um bom propósito para a m aior parte do m al no baseada na observação. Uma observação só nos diz, con­
m undo. Logo, não pode haver um Deus absolutam en­ forme a prim eira lei, que “a quantidade de energia real no
te perfeito. universo perm anece constante”. Isto é, apesar da quanti­
Os teístas m ostram que só porque não sabem os o dade de energia utilizável estar diminuindo, a quantida­
propósito das ocorrências do m al não significa que não de de energia real permanece constante no universo. A
exista um propósito bom . Esse argum ento não refuta prim eira lei não diz absolutamente nada sobre a origem
Deus necessariam ente; apenas prova nossa ignorân­ ou destruição de energia. Ela é apenas um a observação
cia do plano de Deus. Seguindo esse raciocínio, só por­ sobre a presença contínua de energia no cosmo.
que não vem os um propósito para todo o m al agora, Ao contrário da segunda lei da term odinâm ica, que
não significa que jam ais saberem os. 0 ateu é prem a­ diz que a energia utilizável do universo está se esgo­
turo no seu julgam ento. Segundo o teísm o, um dia de tando e, logo, devem os ter um começo, a prim eira lei
justiça está chegando. Se existe um Deus, ele deve ter não afirm a que a energia é eterna. Portanto, ela não
um bom propósito para o mal, m esm o que não o co­ pode ser usada para elim inar um Criador do cosmos.
nheçam os. Pois o Deus teísta é onisciente e sabe tudo. As crenças do ateísm o. Os ateus não têm crenças
Ele é totalm ente benigno e tem um a boa razão para idênticas, assim como os teístas. Mas há um núcleo de
tudo. Assim, pela própria natureza deve ter um a boa crenças com uns à m aioria dos ateus. Então, apesar de
razão para o mal. nem todos os ateus acreditarem no que se segue, tudo
Falta de propósito. Ao supor que a vida não tem que segue é aceito pela m aioria dos ateus. E a m aioria
propósito, o ateu está sendo m ais um a vez um juiz pre­ dos ateus acredita no seguinte:
sunçoso e prem aturo. Como se pode saber que não há S obre Deus. Os verdadeiros ateus acreditam que
um propósito suprem o no universo? Só porque o ateu apenas o cosm os existe. Deus não criou o hom em ; as
não sabe o verdadeiro propósito da vida não significa pessoas criaram Deus.
que Deus não tenha um . A m aioria das pessoas passa Sobre o mundo. 0 universo é eterno. Se não foi eterno,
por situações que não fazem sentido na hora, m as então surgiu “do nada e por nada”. É auto-suficiente e
eventualm ente dem onstraram ter grande propósito. autoperpetuador.Nas palavras do astrônom o C a r l S ag an :
0 universo aleatório. O suposto caráter aleatório do “o Cosmo é a única coisa que existe, existiu, e tudo que
universo não refuta Deus. Algum as casualidades são jam ais existirá.” (Sagan, Cosmos, 4). Quando indagado
apenas aparentes, não reais. Quando o d x a foi desco­ sobre o que causou o mundo?”, a m aioria dos ateus res­
berto, acreditava-se que ele se dividia aleatoriam ente. ponderia com Bertrand Russell que ele não foi causado;
Agora todo o m undo científico conhece o incrível e simplesmente existe. Apenas as partes do universo preci­
complexo padrão envolvido na divisão da molécula de sam de um a causa. Elas dependem do todo, mas o todo
hélix dupla conhecida como d x a . Até casualidades reais não precisa de um a causa. Se pedirm os um a causa para
têm um propósito inteligente (v. t e l e o l ó g i c o , a r g u m e n t o ) . o universo, então devemos pedir um a causa para Deus.
85 ateísmo
E se não precisamos de um a causa para Deus, então tam ­ S obre o destin o hu m an o. A m aioria dos ateus não
bém não precisamos de um a causa para o universo. vé destino eterno para pessoas, apesar de alguns fa­
Se alguém insistir que tudo precisa de um a causa, larem de um tipo de im ortalidade coletiva da raça.
o ateu apenas sugere a regressão infinita de causas que Mas, apesar da negação da im ortalidade individual,
jam ais chega à prim eira causa (i.e., D eus). Pois se tudo m uitos ateus são utopistas. Acreditam num paraíso
deve ter um a causa, então a “prim eira causa” tam bém terreno futuro. Skinner propôs um a utopia beha-
precisa ter. Nesse caso não é m ais a prim eira, e nada vioristicam ente controlada em W alden two. M arx
m ais o é (v. Sagan, B rocas bm in , p. 287).
S o b re o m al. Ao co n trá rio dos p a n te ísta s (v.
acreditava que a dialética econôm ica da história p ro ­
p a n te ísm o ) que negam a realidade do mal, os ateus a duziria inevitavelm ente um paraíso com unista. O u­
afirm am convictam ente. Xa verdade, enquan to os tros, com o R and, acreditam que o capitalism o puro
panteístas afirm am a realidade de Deus e negam a re­ pode produzir um a sociedade perfeita. Ainda outros
alidade do mal, os ateus, por outro lado, afirm am a acreditam que a razão hum an a e a ciência podem
realidade do m al e negam a realidade de Deus. Eles produzir um a utopia social. No entanto, quase todos
acreditam que os teístas são incoerentes ao tentar ape- reconhecem a m ortalidade final da raça hum ana, m as
gar-se às duas realidades. se consolam na crença de que sua destruição está a
Sobre os seres hum anos. 0 ser hum ano é m atéria em m ilhões de anos de acontecer.
m ovim ento sem um a alma imortal. Xão há m ente a não Avaliação. Contribuições positivas d o ateísm o. Mes­
ser o cérebro. Nem alm a independente do corpo. Ape­ mo do ponto de vista teísta, nem todas as posições ex­
sar de nem todos os ateus serem m aterialistas rígidos pressas por ateus são falsas. Os ateus já ofereceram
que identificam a alm a com o corpo, a m aioria acredita m uitas percepções sobre a natureza da realidade.
que a alm a é dependente do corpo. A alma, na verdade, A realid ad e do m a l Ao contrário dos panteístas, os
m orre quando o corpo morre. A alm a (e mente) pode ateus não ignoram a realidade do mal. Na verdade, a
ser m ais que o corpo, da m esm a forma que um pensa­ m aioria dos ateus tem um a percepção aguçada do mal
m ento é mais que palavras ou símbolos. Mas, como a e da injustiça. Indicam corretam ente a im perfeição
som bra de um a árvore deixa de existir com a árvore, a
alma tam bém não sobrevive à m orte do corpo. deste m undo e a necessidade de adjudicação da injus­
Sobre a ética. Xão existem absolutos morais, certa­
tiça. Xeste caso, eles estão absolutam ente certos ao di­
m ente nenhum absoluto divinam ente autorizado. Tal­ zer que um Deus am oroso e onipotente certam ente
vez exitam alguns valores geralmente aceitos e duradou­ taria algo sobre a situação.
ros. Mas leis absolutam ente obrigatórias tam bém pare­ Conceitos con traditórios d e Deus. Ao afirm ar que
cem implicar um Provedor de Leis absoluto, o que não é Deus não é causado por outro, alguns descreveram
um a opção (v. m o r a l i d a d e , n a t u r e z a a b s o lu ta t a ). Deus como se fosse um ser autocriado (cau sa sui). Os
Já que valores não são d escobertos por algum a re­ ateus m ostram corretam ente essa contradição, pois
velação de Deus, eles devem ser criados. M uitos ateus nenhum ser causa a própria existência. Fazer isso se­
acreditam que valores m orais em ergem do processo ria existir e não existir ao m esm o tem po. Pois causar
de tentativa e erro, da m esm a form a que as leis de tran ­ existência é passar da inexistência à existência. Mas a
sito se desenvolveram. Geralmente a ação correta é des­ inexistência não pode causar existência. Nada não
crita em term os do que trará o m aior benefício a lon­ pode causar algo (v. c a u s a l i d a d e , p r i n c í p i o d a ). Nesse
go prazo (v. u t i l i t a r i s m o ). Alguns reconhecem sincera­ ponto os ateus estão absolutam ente corretos.
m ente que situações relativas e m utantes determ inam I a lo r e s h u m a n o s p o s itiv o s . M uitos ateus são
o que é certo ou errado. Outros falam sobre o com por­
tam ento conveniente (o q ue“funciona"), e alguns exer­ hum anistas. Juntam ente com outros eles afirm am o
cem toda sua ética em term os de interesse próprio. Mas valor da hum anidade e da cultura. Buscam sincera­
praticam ente todos os ateus reconhecem que cada pes­ m ente as artes e ciências e expressam profunda preo­
soa deve determ inar valores pessoais, já que não há cupação por questões éticas. A m aioria dos ateus acre­
Deus para revelar o que e certo e errado. Conforme o dita que o racism o, o ódio e a intolerância são errados.
M anifesto hum anista declara: Muitos ateus louvam a liberdade e a tolerância e têm
outros valores m orais positivos.
0 h u m a n is m o a firm a q u e a n atu reza do u n iv erso re tra ta ­ A oposição leal. Os ateus são a oposição leal dos teístas.
d a p ela ciên cia m o d e r n a to rn a in aceitáv el q u a lq u e r g a ra n tia É difícil ver as falhas do próprio pensamento. Os ateus
s o b r e n a t u r a l o u c ó s m i c a d o s v a l o r e s h u m a n o s ( K u r t z , p. 8). servem de corretivo para raciocínios teístas inválidos.
Atenágoras 86

Seus argum entos contra o teísmo devem fazer cessar o Qual é a base d a beleza? Os ateus tam bém adm i­
dogm atism o e abrandar o zelo com que m uitos crentes ram um pôr-do-sol bonito e ficam im pressionados
desprezam espontaneam ente a incredulidade. Na ver­ com o céu estrelado. A dm iram a beleza da natureza
dade, os ateus desem penham um papel im portante de como se ela tivesse significado. Mas se o ateísm o é ver­
corretivo para o pensam ento teísta. Monólogos rara­ dadeiro, tudo é acidental, sem propósito. Os ateus ad ­
m ente produzem um raciocínio refinado. Sem ateus, os m iram a beleza natural como se fosse feita para eles, e
teístas não teriam um a oposição significativa com que ainda assim não acreditam num Criador que delibe­
dialogar e explicar seus conceitos de Deus. radam ente a tenha feito para eles.
Uma crítica a o ateísm o. A inda assim , a posição de
que Deus não existe carece de apoio racional adequa­ Fontes
do. Os argum entos do ateu contra Deus são insufici­ T. A l t i z e r , The gosp el o f Christian atheism .
entes (v. a t e í s m o ) . Além disso,hábons argum entos para P. B a y le , Selections from Bayle’s dictionary.
a existência de Deus (v. D e u s , e v i d ê n c i a s d e ) . Para m ui­ L . F e u e rb a c h , A essência do cristianismo
tas coisas, o ateísm o não dá um a resposta satisfatória. J. N. F in d la y , “Can G od’s existence be disproved?”.
Por qu e existe algo e n ão n ada? O ateísm o não dá A. Plantinga, Ontological argument.
um a resposta adequada para explicar porque algo exis­ C. H a r t s h o r n e , “The necessarily existent”, A .
te quando não é necessário que exista. A inexistência Plantinga, The ontological argum ent.
de tudo no m undo é possível, m as o m undo existe. Por J. H ic k , The existence o f God.
quê? Se não há causa para sua existência, não há ra­ B. C. Jo h n so n , An atheist debater’s handbook.
zão para o m undo existir (v. c o s m o l ó g i c o , a r g u m e n t o ) . P. K u r t z , Humanist manifestos / e u.
Q ual é a b a se p a r a a m oralid a d e? Os ateus podem C. S. L e w is , Cristianismo puro e simples.
crer na m oralidade, m as não podem ju s tific a r sua M . M a r t in , Atheism: a philosophical justification.
crença. Por que alguém seria bom a não ser que haja K. M a rx , Marx and Engels on religion.
quem defina bondade e responsabilize as pessoas por G. M a u r a d e s , B elief in God.
seus atos? Dizer que ódio, racism o, genocídio e estu ­ T. M o l n a r , Theists and atheists.
pro são errados é um a coisa. M as se não há padrão J. P. M o r e l a n d , Does God exist?
absoluto de m oralidade (i.e., D eus), então com o es­ F. N ie tz s c h e , Gaia ciência.
sas coisas podem ser erradas? Um a prescrição m o­ ___ , Assim falou Zaratustra.
ral im plica um Prescribente m oral (v. a r g u m e n t o m o ­ K. N ie ls o n , Philosophy o f atheism.
r a l p ara D eus). A. R a n d , For the new intellectual.
Qual é a b a se do significado? A m aioria dos ateus B. R u s s e ll, “W hat is an agnostic?”, em Look (1953).
acredita que a vida é significativa e vale a pena ser vi­ C. S a g a n , Brocas brain.
vida. Mas como pode ser isso, se não há propósito para ___ , Cosmos.
a vida, nem destino após essa vida? Propósito implica J. P. S a r t r e , O ser e o nada.
um Autor do propósito. Mas, se não há Deus, não há B. F. S k in n e r , Sobre o behaviorismo.
objetivo nem significado final. Apesar disso, a m aio­ ___ , Walden two.
ria dos ateus vive como se houvesse. G. S m ith , The case against God.
Qual é a b a se d a verdade? A m aioria dos ateus R . C. S p r o u l, I f there is a God, why are there atheists?

acredita que o ateísm o é verdadeiro e o teísm o é fal­ P. V a n B u r e n , The secular meaning of the gospel.
so. M as afirm ar que o ateísm o é verdadeiro im plica
que há algo que seja verdade absoluta. A m aioria dos Atenágoras. Apologista cristão do século ii denom ina­
ateus não acredita que o ateísm o é verdade só para do o “filósofo cristão de Atenas”. Sua fam osa P etição (c.
eles. Mas, se o ateísm o é verdade, deve haver um a base 177), que ele cham ou “Em baixada”, intercedia junto
para a verdade objetiva (v. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ) . A ao im perador Marco Aurélio a favor dos cristãos. M ais
verdade é um a característica da m ente, e a verdade tarde ele escreveu um a defesa pod erosa da ressu r­
objetiva im plica um a M ente objetiva além das n o s­ reição física (v. r e s s u r r e iç ã o , n a tu r e z a físic a d a ): Sobre a
sas m entes finitas. ressurreição dos mortos.
Qual é a base d a razão? A m aioria dos ateus se or­ Dois autores posteriores m encionam Atenágoras.
gulha de ser racional. Mas para que ser racional se o M etódio de Olimpo (m. 311) foi influenciado por ele
universo é o resultado do acaso irracional? Não há ra­ em sua obra Sobre a ressurreição do corpo. Filipe Sidetes
zão para ser racional num universo aleatório. Logo, o (início do século vi) afirm ou que Atenágoras havia-se
m aior orgulho dos ateus não é possível sem Deus. convertido ao cristianism o quando lia as Escrituras
87 Atenágoras
“buscando contradizê-las” (Pratten, p. 127). Seu tra ­ o mundo mais alto que todas as coisas e estando acima do que
dutor para o inglês observou: ele fez e ordenou, onde estará o outro ou os outros? (ibid.,8).

Tanto sua Apologia quanto seu tratado sobre a Ressur­ Deus é unidade e trindade. Ele é um a pluralidade
reição demonstram habilidade na escrita e uma mente ex­ de pessoas na unidade de um Deus. Atenágoras deixou
tremamente culta. Ele é sem dúvida o mais elegante, e cer­ claro que “reconhecemos tam bém um Filho de Deus...
tamente ao mesmo tempo o mais capaz, dos apologistas cris­ o m esm o Espírito Santo [...] éu m a em anação de Deus”.
tãos primitivos (ibid.). 0 silêncio do historiador Eusébio Logo,“adm it[im os] um Deus Pai, um Deus Filho e um
sobre Atenágoras é estranho em vista de sua obra. Espírito Santo” (ibid., 10). Atenágoras enfatiza que, o
Pai e o Filho sendo um , o Filho foi aquele por meio de
Apologética. Os elem entos básicos da apologética quem o universo foi criado. O Pai tinha o “Verbo em si
posterior estavam presentes nos tratados de A tená­ m esm o” pela eternidade. Então o Verbo foi gerado pelo
goras. Ele defendeu o cristianism o dos ataques do a t e ­ Pai, m as “não como feito adm itim os” (ibid.).
ís m o , canibalism o (com er o corpo de Cristo) e da p rá­ Atenágoras afirm ou os elem entos essenciais do
tica do incesto. Deu ênfase à vida pacífica e irrepreen­ teísm o clássico, insistindo que
sível dos cristãos e afirm ou que eles m ereciam direi­
tos iguais aos outros cidadãos. ... admitimos um só Deus, incriado, eterno e invisível,
As Escrituras. Assim como outros pais da igreja, impossível, incompreensível e imenso, [...] rodeado de luz,
Atenágoras acreditava que a Bíblia era a Palavra ins­ beleza, espírito e poder inenarrável, pelo qual tudo foi feito
pirada de Deus (v. B í b l i a , e v i d ê n c i a s d a ) . Ele afirm ou através do Verbo que dele vem, e pelo qual tudo foi ordena­
que “seria irracional da nossa parte deixar de crer no do e se conserva (ibid.).
Espírito de Deus, que m oveu as bocas dos profetas
como instrum entos m usicais” (ibid., ix), e que Criação. Para Atenágoras, “a divindade é incriada e
eterna [...] m as a m atéria é criada e perecível” (ibid.,4).
os escritos de Moisés, [...] de Isaías, Jeremias e outros E várias vezes afirm ou que o universo fora criado por
profetas que, saindo de seus [...] pensamentos, por moção meio do Verbo. Ele usa essa distinção radical entre Cri­
do Espírito Divino, falavam o que neles se realizava, pois o ador e criação para m ostrar os absurdos do politeísmo.
Espírito se servia deles como flautista que sopra a flauta. Criticou os que não viam a distância entre si e seu Cria­
dor, e então oravam a ídolos feitos de m atéria (ibid., 15).
Deus. Atenágoras afirm ou a existência, a unidade, Ao distinguir o A rtista (Deus) e sua arte (o m undo),
a trin dade e os atributos essenciais de Deus. Isso ele concluiu: “... não é a ele [o m undo] m as ao seu artífice
fez contra o desafio do p o l i t e í s m o . Atenágoras com e­ que se deve adorar” (ibid., 16). Ele indicou que deuses
çou defendendo a existência de Deus contra a posição politeístas eram criados.“... como cham arei deuses aos
rom ana de que os cristãos eram ateus, já que não acei­ que sei que têm hom ens como artificies?
tavam o panteão rom ano nem adoravam o im perador. A ressurreição. Atenágoras escreveu o tratado S o­
Os cristãos não são ateus, escreveu Atenágoras, por­ bre a ressurreição dos m ortos. Com todos os outros pais
que reconhecem um Deus. Ao contrário de alguns gre­ prim itivos (exceto Orígenes, que foi condenado por
gos que negavam a Deus, os cristãos heresia nesse caso), Atenágoras afirm ou a ressurrei­
ção física do m esm o corpo m aterial de carne e osso
... [distinguem] Deus da matéria e [demonstram] que que m orreu (v. G e i s l e r ). Ele insistiu em que o poder
uma coisa é Deus e outra a matéria, e que a diferença entre de Deus é suficiente para levantar corpos m ortos, já
um e outro é imensa, pois a divindade é ineríada e eterna. que criou esses corpos ( Sobre a ressurreição, 3). Q uan­
[...] mas a matéria é criada e corruptível. Não é irracional to à acusação de que Deus não pode juntar as partes
cham[á-los] de ateus? (ibid.,4). espalhadas de um cadáver, ele disse:

Contra o contexto politeísta pagão, Atenágoras afir­ ...Não é possível que Deus desconheça, em cada parte e
m ou a unidade de Deus (ibid., 5). Repreendeu os “ab­ membro, a natureza dos corpos que ressucitarão, nem que
surdos do politeísm o”, perguntando: ignore o paradeiro de cada parte desfeita [...] por mais difí­
cil que pareça aos homens discernir... (ibid.,2 ).
Se, desde o principio, tivesse havido dois ou mais deuses,
certamente os dois teriam tido que estar em um so e mesmo Deus era bem capaz, garantiu ao leitor, de refor­
lugar ou cada um, à parte, em seu lugar, sendo aquele que criou m ar esses corpos “com a m esm a facilidade” (ibid., 3).
atomismo 88

Seu ensinamento poderoso sobre a ressurreição é usa­ realidade é com posta de energia física que, segundo a
do para refutar a acusação de canibalismo. Ele pergunta: prim eira lei da term odinâm ica (v. t e r m o d i n â m i c a , l e i s
d a ) , não é criada nem destruída.
... quem crê na ressurreição quererá oferecer-se como sepul­ Outros pluralistas m odernos, no entanto, optaram
tura dos corpos que hão de ressuscitar? Não é possível alguém pela posição m ais im aterial das entidades de form a
acreditar que nossos corpos ressucitarão e, ao mesmo tempo, os atôm ica cham adas “m ônadas” (v. L l i b n i z , G o t t f r i e d ) ou
coma, como se não devessem ressucitar... (Petição, 36). objetos eternos (v. W h i t e h e a d , Alfred N o r t h ) . Assim, o
atom ism o continua em diversas form as, das quais as
Um a razão para a ressurreição é que variedades m aterialistas ainda constituem um desa­
fio para o cristianism o (v. a t e í s m o ) .
... o homem, que consta de alma e corpo, deve permane­ Há vários problem as sérios com o atom ism o m a­
cer para sempre. É impossível, porém, que ele permaneça se terialista tanto nas form as antigas quanto m odernas.
não ressuscita. De fato, se a ressurreição não se verifica, a Prim eiro, os atom istas não resolvem o problem a de
natureza dos homens não pode permanecer. [...] Juntamen­ “um ” e “m uitos”. Não têm um a explicação adequada
te com a alm a im orredoura, a perm anência do corpo para a razão das coisas sim ples serem diferentes ou a
perdur[ará] eternamente conforme a sua própria natureza razão desse uni-ve rso existir quando a única coisa que
(Sobre a ressurreição, 15). realm ente existe é m ultiplicidade, não unidade.
Em segundo lugar, a form a antiga do atom ism o foi
Ele acrescentou que cada pessoa deve ter corpo e destruída pela divisão do átom o. Essas partículas de
alm a no julgam ento para que este seja justo. Se o corpo realidade supostam ente indivisíveis deram lugar a
não for restaurado junto com a alm a,“... [não] guarda­ um a consideração m ais am ena da energia.
rá m em ória de qualquer de suas obras ou consciência Em terceiro lugar, até na forma m oderna, a crença na
do que nela [na alm a] sofrera (ibid., 20). Em term os eternidade da m atéria (energia física) teve de ceder dian­
bíblicos, um a pessoa será julgada pelas coisas que fez te da segunda lei da term odinâm ica (v. t e r m o d i n â m i c a , le i s
d a ) , que revela que o universo físico não é eterno, mas
“por meio do corpo” (2 Co 5.10). Isso não é com pleta­ está se desgastando (v. e v o l u ç ã o c ó s m i c a ) .
m ente possível a não ser que o corpo seja ressuscitado. Em quarto lugar, o m aterialism o puro é contradi­
tório. É um a teoria im aterial sobre toda m atéria que
Fontes
afirm a que não existe nada que seja im aterial. O m a­
A te n á g o r a s , Petição em fav or dos cristãos.
terialista que olha no m icroscópio, exam inando todas
___ , Sobre a ressurreição dos mortos. as coisas m ateriais, deixa de levar em conta o “eu”
F. L. C ro s s, “A th e n a g o r a s ” , e m The Oxford dictionary im aterial e autoconsciente e seu processo m ental que
o fth e christian church.
está fazendo as deduções.
N. L. G e is le r , The battle for the resurrection , c a p . 4.
B. P. PRAiTEN,“I n tr o d u c t o r y n o te to th e w r itin g s o f Fontes
A th e n a g o r a s ”, e m A. R e J. D
o b e r is o xa ld so n ,
J. CoEEiN s, A history o f m odem european philosophy.
o rg s., The ante-Nicene fathers, v. 2. F. C o p le s to n , A history o f philosophy
M. C. N a h m , Selectionsfrom earlygreekphilosophy.
atomismo. Espécie de m a t e r i a l i s m o que entendia que J. O w e n , A history o f ancient western philosophy.
o universo era feito de pequenas unidades de realida­ J. E. R a v e n , et al„ The presocratic philosophers.
de. Acreditavam que o espaço absoluto (o Vazio) esta­
va cheio dessas partículas pequenas e indivisíveis. Atos dos Apóstolos, historicidade de. A data e a
Toda variedade no universo era explicada em term os au tenticid ade são cruciais p ara a historicidade do
de com binações diferentes de átom os. c r is tia n is m o p r im itiv o (v. Novo T e s t a m e n t o ,
Os atom istas eram pluralistas, ao contrário dos h i s t o r i c i d a d e d o ) e, logo, p ara a apologética em ge­
m onistas, acreditando que a realidade é “m uitos”, não ra l (v. a p o l o g é t i c a , d i s c u s s ã o d a ; p r e o c u p a ç õ e s
“um ” (v. m o n i s m o ; u m e m u i t o s , p r o b l e m a d e ; p l u r a l i s m o ) . ap o lo g éticas do N ovo T e stam en to ).
Os atom istas antigos incluiam filósofos gregos como
Dem ócrito e Leucipo. • Se Atos foi escrito antes de 70 d.C., enquanto as
Já que a palavra grega átomo significa indivisível, testem unhas ainda estavam vivas (v. d o c u m e n t o s d o
m u ita s das posiçõ es m a terialistas ex trem as dos Novo T e s t a m e n t o , d a t a s d e ) , o livro tem grande valor
atom istas caíram com a divisão do átom o. Mas m ate­ histórico para nos inform ar sobre as crenças cristãs
rialistas contem porâneos ainda acreditam que toda a m ais prim itivas.
89 Atos dos Apóstolos, historicidade de
• Se Atos foi escrito por Lucas, com panheiro do 5. Não há indício da m orte de Tiago pelas m ãos
apóstolo Paulo, ele nos coloca dentro do círculo dos do Sinédrio, por volta de 62, conform e regis­
apostólos, que participaram dos eventos relatados. trada por Josefo (A ntigüidades 20.9.1).
• Se Atos foi escrito por volta do ano 62 d.C (a data 6 . A im portância do julgam ento de Gálio em Atos
tradicional, foi escrito por um contem porâneo de Jesus, 18.14-17 pode ser vista como 0 estabelecim en­
que m orreu n o a n o 3 3 (v. Novo T e s ta m e n to , d a ta s d o ) to de um precedente para legitim ar 0 ensina­
• Se Atos é co nsid erado h istó ria precisa, traz m ento cristão sob a égide da tolerância ao ju ­
credibilidade aos seus relatos sobre as m ais básicas daísmo.
crenças cristãs quanto a milagres (At 2.22; v. m i l a g r e s , 7 . A proem inência e autoridade dos saduceus em
v a l o r a p o l o g é t i c o d o s ; m i l a g r e s n a B í b l i a ) , m orte (At Atos pertence à era anterior a 70, antes do co­
2 .2 3 ) , ressurreição (At 2.23,29-32), e ascensão de Cris­ lapso da sua cooperação política com Roma.
to (At 1.9,10). 8. Por outro lado, a atitude relativam ente sim pá­
• Se Lucas escreveu Atos, então seu “livro anterior” tica em Atos para com os fariseus (ao contrá­
(At 1.1), o evangelho de Lucas, deve receber a m esm a rio do evangelho de Lucas) não se encaixa bem
data (durante a vida dos apóstolos e testem unhas) e no período do reavivam ento fariseu depois da
credibilidade. reunião de estudiosos de Jâm nia, por volta de
90 d.C. Como resultado dessa reunião, um a fase
O testem unho de um especialista em história de de conflito crescente com 0 cristianism o foi li­
Rom a. Em bora a erudição do s t , há m uito tem po do­ derada pelos fariseus.
m inada pela alta crítica (v. c r i t ic a d a B íb lia ), tenha se 9 Algum as pessoas já argum entaram que 0 li­
m antido cética com relação à historicidade dos evan­ vro antecede a ida de Pedro a Rom a e tam bém
gelhos e Atos, isso não acontece com os historiadores que usa linguagem que im plica que Pedro e
que estudam esse período. Sherw in-W hite é um caso João, assim como 0 próprio Paulo, ainda es­
em questão. tavam vivos.
Outro especialista acrescentou o peso do seu estu- jq , A proem inência dos “gentios piedosos” nas si­
do à questão da historicidade do livro de Atos. Colin J. nagogas em Atos parece indicar a situação an ­
Hemer descreve dezessete razões para aceitar a data tra­ terior à Guerra Judaica.
dicional que colocaria a pesquisa e a composição de Atos j j E difícil determ inar a época dos detalhes cul­
durante a vida de muitos de seus personagens. Elas apoi­ turais insignificantes, m as podem representar
am firm em ente a historicidade de Atos e, indiretam en­ m elhor 0 am biente cultural da era rom ana en ­
te, do Evangelho de Lucas (cf. Lc 1.1-4; At 1.1): tre Júlio César e Cláudio.
12 Áreas de controvérsia em Atos pressupõem a
,

1. Não há m enção em Atos à queda de Jerusalém relevância do cenário judaico durante 0 perío­
em 70 d.C., um a om issão improvável, dado o do do templo.
conteúdo do livro, se ela já houvesse ocorrido. \3 Adolf H arnack argum entou que a profecia usa­
2. Não há indício do começo da Guerra Judaica da por Paulo em Atos 20.25 (cf. 20.38) pode ter
em 66 d.C., nem de qualquer deterioração drás­ sido contradita por eventos posteriores. Se esse
tica ou específica das relações entre rom anos e for 0 caso, ela provavelm ente foi escrita antes
judeus, 0 que im plica que foi escrito antes des­ de esses eventos acontecerem.
sa época. 14 A form ulação prim itiva da term inologia cris­
3 . Não há indício da deterioração das relações tã usada em Atos se encaixa no período prim i­
cristãs com Roma decorrentes da perseguição tivo. H arnack alista títulos cristológicos, como
de Nero do final dos anos 60. Iesous e ho Kurios, que são usados livrem en­
4. O autor não dem onstra conhecer as cartas de te, enquanto ho Christos sem pre se refere ao
Paulo. Se Atos foi escrito depois, por que Lucas, “M essias”, em vez de aparecer com o nom e
que se m ostra tão cuidadoso com detalhes co­ próprio, e Christos é usado apenas em com bi­
incidentes, não tentaria inform ar sua narrati­ nações form ais.
va por versões relevantes das epístolas? As epís- 15 Rackham cham a atenção pelo tom otim ista de
tolas evidentem ente circularam e devem ter se Atos, que não seria natural depois de 0 judaís­
tornado fontes disponíveis aos leitores de Atos. m o ser destruído e dos cristãos serem m a rtiri­
Esta questão está cercada de incertezas, m as zados na perseguição de Nero do final dos anos
um a data anterior é sugerida pelo silêncio. 60 (Hemer, p 376-82).
Atos dos Apóstolos, historicidade de 90
16. O fim do livro de Atos. Lucas não continua a 7. C orrelações internas latentes em Atos.
história de Paulo no final dos dois anos de Atos 8 . D eta lh es c o m p ro v a d o s in d e p en d en te m en te,
28.30. “A m enção desse período definido im ­ compatíveis com os textos alexandrinos con­
plica um ponto term inal, no m ínim o penden­ tra os ocidentais. Já que há diferenças entre fa­
te” (Hemer, p. 383). Ele acrescenta: “Pode-se ar­ m ílias textuais, a confirm ação independente
gum entar apenas que Lucas atualizou a nar­ pode ajudar a determ inar quando as m ud an­
rativa até a época em que a escrevia, e o final ças foram im portadas para a tradição textual
foi acrescentado na conclusão dos dois anos” de Atos. A leitura secundária pode referir-se a
(ibid.,p. 387). condições de um período posterior e, as-sim ,
17. O “caráter im ediato” de Atos 27,28: Isso é o ajudar indiretam ente a discrim inar períodos
que cham am os “caráter im ediato” dos últim os de tem po.
cap ítu lo s do livro, que são m arcad o s cla­ 9. Assuntos d e con hecim en to g eog ráfico com um ,
ram ente pela reprodução aparentem ente auto­ provavelmente m encionados inform al ou alu­
m ática de detalhes insignificantes, um a carac­ sivamente, com um a exatidão não artificial que
terística que chega ao ponto m áxim o na n ar­ dem onstra fam iliaridade.
rativa da viagem de Atos 27,28.0 “caráter vívi­ 10. D iferenças estilísticas textuais que indicam que
do e im ediato” dessa passagem em particular Lucas usou fontes diferentes.
se diferencia m uito do “caráter indireto” das 11. P ecu liaridades na seleção de detalhes, tais como
prim eiras partes de Atos, onde supom os que a inclusão de detalhes que são teologicam ente
Lucas se baseou em fontes ou lem branças de irrelevantes, m as que podem influenciar o con­
outros e não podia controlar o contexto da sua teúdo histórico.
narrativa (ibid., p. 388-9). 12. P ecu liaridades em detalh es d e “caráter im ed ia ­
to” que sugerem a referência do autor a experi­
O utros argum entos a fa v o r da historicidade. O ências recentes. Tais detalhes não indicam o
argum ento tradicional a favor da veracidade h istó ­ resultado de edição e produção refletida e pro­
rica baseada em “coincidências não-planejadas” é um longada.
conceito discutível. Mas os seguintes argum entos p o ­ 13. R eferên cias culturais ou id iom áticas que suge­
dem ser considerados um desenvolvim ento m ais re­ rem um am biente do século i.
finado dessa abordagem . O livro de Atos contém : 14. A gru pam en tos in ter-relacion ados que com bi­
nam dois ou m ais tipos de correlação. Tal le­
1. D etalhes g eográficos supostam ente bem conhe­ que de conexões possibilita a reconstrução pre­
cidos. Ainda é difícil estim ar a am plitude do cisa de um fragm ento da história a p artir do
conhecim ento geral de um escritor ou leitor quebra-cabeça de inform ações.
antigo. 15. Exemplos em que novas descobertas e conhe­
2. M ais detalhes esp ecializad os que supostam en­ cim ento am pliado esclarecem inform ações con
te são bem conhecidos: títulos de governado­ textuais. Elas são úteis para o com entarista,
res, unidades m ilitares e rotas principais. Essa m as não influenciam significativ am ente a
inform ação teria sido acessível aos que viaja­ historicidade.
vam ou estavam envolvidos em adm inistração, 16. Detalhes precisos encontrados no espectro de
m as talvez não para outros. possibilidades contem porâneas, m as cuja pre­
3. D etalhes locais de rotas, fronteiras e títulos de cisão não pode ser comprovada.
governadores de cidades que provavelm ente
seriam desconhecidos a não ser que o escritor A utor bem -inform ado. Alguns exemplos das três
tivesse visitado os distritos. prim eiras categorias ilustram com o essas conexões
4. C orrelação de d atas de reis e governadores co­ ajudam a datar o trabalho de Lucas e analisar sua pre­
nhecidos com cronologia aparente da estru tu ­ cisão. Atos reflete um entendim ento profundo do que
ra de Atos. era de conhecim ento geral em 60 d.C., o que pode ser
5. D etalhes ad eq u a d o s à d a ta de Paulo ou Lucas cham ado conhecim ento especializado do m undo em
na igreja prim itiva, m as não adequados às con­ que Paulo e Lucas viajaram , e conhecim ento preciso
dições prévias ou posteriores. dos lugares que visitaram .
6. “C oin cid ên cias n ã o -p la n e ja d a s ” ou detalhes Conhecimento geral. O título do im perador “Augusto”
conectivos que ligam Atos às epístolas paulinas. é traduzido form alm ente h o S ebastos em palavras
91 Atos dos Apóstolos, historicidade de
atribuídas a um oficial rom ano (Atos 25.21, 25), mas porque provas não estão disponíveis. A lguns teó lo­
“Augusto”, como o nom e concedido ao prim eiro im pe­ gos tam bém acreditam que algum as afirm ações de
rador, é transliterado Augoustos em Lucas 2.1. Essa di­ Lucas ocasionalm ente contradizem o co nhecim en­
ferença tam bém pode ser ilustrada p o r outros textos. to existente (p o r exem plo, no caso de Teudas). V á­
Fatos gerais de navegação e conhecim ento do for­ rios fatos são confirm ados pela pesq u isa histó rica
necim ento de grãos do im perador são parte da n arra­ e arqueológica.
tiva da viagem de um navio alexandrino até o porto
italiano de Putéoli. O sistem a de fornecim ento do es­ 1. Uma passagem natural entre portos denom i­
tado foi instituído por Cláudio. Esses são exemplos de nados corretam ente (13.4,5). O M onte Cássio,
grande conhecim ento geral. Lucas geralm ente parece ao sul de Selêucia, é visível de Chipre. O n om e
ter cuidado com a descrição de lugares com uns, e vá­ do procônsul em 13.7 não pode ser confirm a­
rios detalhes term inológicos poderiam ser ilustrados do, m as a fam ília de Sérgio Paulo é atestada.
a p a rtir das inscrições reproduzidas. Lucas acha n e­ 2. O porto fluvial de Perge era o destino adequa­
cessário explicar alguns term os para seu leitor, m as do para um navio vindo do Chipre (13.13).
deixa outros de lado. Lugares da topografia da Judéia 3. A localização correta da Licaônia (14.6).
ou nom enclaturas sem íticas são com entados ou ex­ 4. A declinação rara m as correta do nom e Listra
plicados (At 1.12,19), enquanto instituições judaicas e a linguagem correta falada em Listra. A iden­
básicas não são (1.12; 2.1; 4.1). tificação correta dos dois deuses associados à
C onhecim ento esp ecializad o. O conhecim ento da cidade, Zeus e H erm es (14.12).
topografia de Jerusalém é dem onstrado em 1.12,19 e 5. O porto correto, Atália, para os viajantes que
3.2,11. retornavam (14.25).
Em 4.6, Anás é descrito como alguém que ainda 6 . A rota correta dos Portões Cilícios (16.1).
tem grande prestígio e com o título de sum o sacerdo­ 7. A form a correta do nom e Trôade (16.8).
te depois da sua deposição pelos rom anos e da esco­ 8. Um ponto de referência m arcante dos m ari­
lha de Caifás (cf. Lc 3.2; A ntigüidades 18.2.2; 20.9.1). nheiros na Sam otrácia (16.11).
Entre term os romanos, 12.4 dá detalhes da organiza­ 9. A identificação correta de Filipos como colô­
ção de um a guarda m ilitar (cf. Vegetius, d e Re Milit. 3.8); nia rom ana. O local correto do rio Gangites
13.7 identifica corretamente Chipre como província pró- perto de Filipos (16.13).
consular (senatorial), com o procônsul residente em Pafos. 10. Associação de Tiatira com tingim ento de teci­
O papel desem penhado por Trôade no sistem a de dos (16.14). Designações corretas dos títulos
com unicação é reconhecido em 16.8 (cf. Seção c, p. das autoridades da colônia (16.20,35,36,38).
112ss„ 16.11). Anfípolis e Apolônia são conhecidas por 11. Indicação correta dos locais onde viajantes
estações (e supostam ente locais de pernoite) na Via passavam noites sucessivas durante a viagem
Ignácia de Filipos a Tessalônica, como em 17.1. Os ca­ (17.1).
pítulos 27 e 28 contêm detalhes geográficos e de nave­ 12. A presença de um a sinagoga em Tessalônica
gação da viagem para Roma. (17.1), e o título correto p olitarch ê s para as au­
Esses exemplos ilustram os diversos lugares e con­ toridades (17.6).
textos na narrativa sobre os quais Lucas possui infor­ 13. A explicação correta de que viagens m arítim as
mação. O autor de Atos viajou m uito nas áreas m enci­ são m ais convenientes para chegar a Atenas no
onadas na narrativa ou teve acesso a fontes especiais verão com ventos favoráveis de leste (17.14).
de inform ação. 14. A abundância de im agens em Atenas (17.16),
C on hecim en to local específico. Além disso, Lucas e a referência à sinagoga ali (17.17).
m anifesta grande conhecim ento dos locais, nom es, 15. A descrição do d ebate filosófico na ágora
condições, costum es e circunstâncias que caracteri­ (17.17). 0 uso correto em 17.18,19 da gíria
zam um a testem unha contem porânea registrando o ateniense usada para descrever Paulo, sperm o-
tem po e os eventos. Em Atos 13 até 28, descrevendo logos, e o nom e correto do tribunal (a r e io s p a ­
as viagens de Paulo, dem onstra conhecim ento m ui­ gos)-, a descrição correta do caráter ateniense
to íntim o das circunstâncias locais. A evidencia é re­ (17.21). A identificação correta do altar ao “ d e u s
presentada de m aneira m arcante nas passagens de d e s c o n h e c i d o ” (17.23). A reação lógica dos filó­
“prim eira pessoa do plural”, quando Lucas acom pa­ sofos que negavam a ressurreição corporal. O
nhava Paulo, m as vai além delas. Em alguns casos, o título correto, areopag iês para um m em bro do
conhecim ento local específico deve ser descartado tribunal (17.34).
Atos dos Apóstolos, historicidade de 92
16. A identificação correta da sinagoga coríntia 32. A concordância com Josefo quanto ao nome
(18.4). A designação correta de Gálio como Pórcio Festo (24.27).
procônsul (18.12). O b êm a (local de assento do 33. A observação do direito de apelo de um cida-
juiz no tribunal) ainda pode ser visto no fórum dão romano (25.11 ).A fórmula legal d e quibus-
em Corinto (18.16). c o g n o s c e r e v o le b a m (25.18). A forma ca-
17. O nome Turannous (Tirano), atestado numa racterística de referência ao imperador (25.26).
inscrição do século 1 (19.9). 34. A identificação correta das melhores rotas de
18. O culto dos efésios a Ártemis (19.24,27). O culto navegação da época (27.4).
é bem comprovado, e 0 teatro efésio era 0 35. O uso de nomes geralmente unidos da Cilícia e
local de reuniões da cidade (19.29). Panfíliapara descrever acosta (27.5).A referên-
19. O título correto,gram m ateu s, para 0 escrivão e cia ao porto principal onde se poderia encon-
0 título correto de honra da cidade, neôkoros trar um navio de partida para a Itália (27.5). A
( 19.35). O nome correto para identificar a deu- observação da passagem tipicamente lenta
sa (19.37). A designação correta para os ho- para Cnido por causa do vento nordeste (27.7).
mens da assembléia (19.38). O uso do plural A localização de Bons Portos e Laséia (27.8) e
an thu patoi em 19.38 é provavelmente uma re- a descrição correta de Bons Portos tendo más
ferência exata ao fato de que dois homens exer- instalações portuárias para 0 inverno (27.12).
ciam juntamente as funções de procônsul nes- 36. Descrição da tendência do vento sul, naquelas
sa época. regiões climáticas, virar repentinamente um
20. O uso da designação étnica precisa b eroiaios e vento nordeste violento, o g reg a le (27.13). A ca-
do termo étnico asian os (20.4). racterística corretamente descrita de que um
2 1 . O reconhecimento sugerido da importância navio com velas quadradas não tem opção se-
estratégica dada a Trôade (20.7-13). não ser levado por ventos fortes (27.15).
22. A sugestão do perigo da viagem pela costa nes- 37. O nome e local precisos dados para a ilha de
sa área levou Paulo a viajar por terra (20.13). A Cauda (27.16). As manobras corretas dos ma-
seqüência correta dos lugares visitados e 0 plu- rujos durante uma tempestade (27.16-19). A
ral neutro correto do nome da cidade de Pátara décima quarta noite julgada pelos navegadores
( 21 . 1). mediterrâneos experientes como sendo hora
23. A rota correta que passava pelo mar aberto ao apropriada para essa jornada numa tempesta-
sul de Chipre favorecida pelo contínuo vento de (27.27). 0 termo correto para essa parte do
nordeste (21.3). A distância correta entre mar Adriático naquela época (27.27). 0 termo
Ptolemaida e Cesaréia (21.8). preciso, bolisantes, para sondar a profundidade
24. O ritual de purificação característico dos ju- lançando 0 prumo (v. 28). A posição de provável
deus piedosos (21.24). aproximação de um navio prestes a encalhar di-
25. A representação precisa da lei judaica relativa ante de um vento leste (27.39).
ao uso da área do templo pelos gentios (21.28). 38. A descrição correta do severo castigo que re-
26. A posição permanente de um grupo de solda- cairia sobre soldados que deixassem um prisi-
dos romanos na Fortaleza Antônia para repri- oneiro fugir (27.42).
mir tumultos durante festas (21.31). As esca- 39. A descrição precisa das pessoas e superstições
das usadas pelos soldados (21.31,35). locais da época (28.4-6).
27. As duas maneiras comuns de adquirir a cida- 40. 0 título correto p ròtos (tes nêsou) de um ho-
dania romana (22.28). O tribuno fica impres- mem na posição de liderança ocupada por
sionado com a cidadania romana de Paulo Públio nas ilhas.
(22.29). 41. A identificação correta de Régio como refúgio
28. As identificações corretas de Ananias como para esperar um vento sul que levasse 0 navio
sumo sacerdote (23.2) e Félix como governa- pelo estreito (28.13).
dor (23.24). 42. A praça de Ápio e as Três Vendas como para-
29. A identificação de uma parada comum na es- das na Via Ápia (28.15).
trada para Cesaréia (23.31). 43. A prática comum da custódia de um soldado
30. A observação da jurisdição correta da Cilícia romano (28.16) e as condições de prisão paga
(23.34). pelo próprio prisioneiro (28.30,31).
31. A explicação do procedimento penal provinci- C on clu sã o. A historicidade do livro de Atos dos
al (24.1-9). apóstolos é confirmada por evidências incontáveis. Não
93 auto-refutáveis, afirmações
há nada igual à quantidade de provas detalhadas em
qualquer outro livro da antigüidade. Isso não é apenas 1. “ Seja cético com relação a todas as reivindica-
uma confirmação direta da fé cristã primitiva na morte ções da verdade.”
e ressurreição de Cristo, mas também, indiretamente, 2. “Nenhuma verdade pode ser conhecida.”
do registro do evangelho, já que 0 autor de Atos (Lucas) 3. “ Nenhuma afirmação é significativa.”
também escreveu um evangelho detalhado. Esse evan-
gelho é diretamente paralelo aos outros dois evangelhos 0 problema com a afirmação 1 ) é que se trata de
sinóticos. A melhor evidência indica que esse material uma reivindicação da verdade sobre a qual não se deve
foi composto até 60 d.C., apenas 27 anos depois da morte ser cético. Mas isso é incoerente com a própria afir-
de Jesus. Isso significa que foi escrito durante a vida de mação. Semelhantemente, a afirmação 2) é uma rei-
testemunhas dos eventos registrados (cf. Lucas 1.1-4). vindicação da verdade que pode ser conhecida, 0 que
Isso não permite tempo para qualquer suposto desen- contradiz 0 que afirma (ou seja, que nenhuma verda-
volvimento mitológico feito por pessoas que viveram de pode ser conhecida). O mesmo pode ser dito sobre
depois dos acontecimentos. O historiador Sherwin- a afirmação 3), que é oferecida como afirmação signi-
White observou que as composições de Heródoto nos ficativa de que nenhuma afirmação significativa pode
ajudam a determinar a velocidade com que lendas se ser feita.
desenvolvem. Ele concluiu que Defesa do princípio da autofalsificação. O prin-
cípio da autofalsificação não é um primeiro princípio
os testes sugerem que até mesmo duas gerações são (v. p rim e iro s p rin c íp io s ), tal como a lei da não-contradi-
muito curtas para permi 1tir que a tendência mitológica pre- ção. No entanto,baseia-se na lei da não-contradição. Pois
valeça sobre a precisão histórica da tradição oral (Sherwin- uma afirmação é auto-refutável quando implica duas
White, p. 190). afirmações que são contraditórias, uma que afirma ex-
plicitamente e uma contraditória sugerida no próprio
Julius Müller (1801 -1878) desafiou teólogos da sua ato ou processo de fazer a primeira afirmação. Logo, afir-
época a mostrar um exemplo sequer em que um evento mações auto-refutáveis são contraditórias. E a lei da
histórico desenvolvesse muitos elementos mitológicos não-contradição é um primeiro princípio evidente, con-
numa só geração (!Müller, p.29). Não existe nenhum. siderado como tal pela análise da afirmação para ver se
0 predicado é redutível ao sujeito.
Fontes P rincípio da irrefutabilidade. 0 princípio da
W. L. Craig, The son rises. irrefutabilidade também é conhecido por princípio da fal-
) . M ü l l f r , The theory of myths, in its application to sificação ou da invalidação. 0 outro lado da irrefutabi-
the gospel history, examined and confuted. lidade é a incomunicabilidade. Certas coisas são inegá-
C. ]. Hemer, The book of Acts in the setting ot veis porque qualquer tentativa de negá-las acaba por
hellenistic history, C. H.Gempf, org. confirmá-las no próprio processo.Assim, são literalmente
A. N. Sherwix-Whiie, Roman society and roman law incomunicáveis, sem negar 0 que comunicam ou comu-
in the AVir Testament. nicar 0 que negam. Por exemplo, a afirmação“eu não pos-
so dizer uma palavra em português” obviamente não é
auto-refutáveis, afirmações. Xoines diversos. Aürma- verdadeira, porque é a comunicação de uma frase em
ções auto-refutáveis são que não satisfazem próprios português, afirmando não poder dizer uma frase em por-
critérios de validade ou aceitabilidade. Também são tuguês. Desse modo, ela se destrói.
chamadas auto-referentes, autocomprometedoras, Valor do princípio d a irrefutabilidade. O princípio
autodestrutivas e autofalsificadoras. da irrefutabilidade é usado por muitos teístas (v. te ís m o )
Alguns exemplos. Afirmações tais como “eu não para estabelecer 0 ponto de partida para seu argumen-
posso expressar uma palavra em português” são auto- to da existência de Deus (v. D e u s , e v id ê n c ia s d e ). Começa
refutáveis porque a própria afirmação é feito em por- com “algo existe” (e.g., eu existo). Isso deve ser verda-
tuguês. Da mesma forma, a afirmação “eu não existo” deiro, já que qualquer tentativa de negar minha exis-
é autofalsificadora, já que a afirmação implica que eu tência a afirma no processo. Pois devo existir para ne-
existo para fazer a afirmação. gar que existo. Logo, minha existência é inegável.
O princípio da invalidação é um instrumento C om paração e contraste com outros princípios. Mas
apologético útil,já que a maioria das posições não-cristãs, 0 princípio da irrefutabilidade não deve ser confundi-
senão todas,envolvem afirmações incoerentes. Veja, por do com 0 primeiro princípio do pensamento lógico,
exemplo, as seguintes afirmações incoerentes: tal como a lei de não-contradição.
Averróis 94

D iferença das leis da lógica. As leis da lógica são evi- que é um metaprineípio, isto é, um princípio sobre prin-
dentes e racionalmente necessárias. E a necessidade ló- cípios. Nesse caso, não é nem arbitrário nem não-infor-
gica afirma que 0 oposto não pode ser verdadeiro. Por mativo. É aplicável à realidade (v. realism o). É princípio
exemplo, é logicamente necessário triângulo ter três la- que cresce do próprio projeto de tentativas fúteis de ne-
dos. Um círculo quadrado é logicamente impossível. gar primeiros princípios ou outras afirmações que não
Também é logicamente necessário — se há um Ser Ne- podem ser negadas sem afirmá-las. É um princípio que
cessário — que ele exista necessariamente. Mas não é surge das tentativas impossíveis de evitar certas coisas
logicamente necessário que haja um Ser Necessário. É sem afirmá-las (direta ou indiretamente) no próprio
logicamente possível que haja um estado de nada total processo. Não é deduzido ou induzido, mas aduzido. Não
para sempre (v. ontológico, argum ento). Isso não quer prescreve, mas descreve 0 processo de pensamento que
dizer que não possa haver um argumento inegável da se destrói e é auto-refutável.
existência de Deus (v. Deus, evidências de); isso só serve Irrefutabilidade não é uma regra nova para 0 jogo
para indicar que há uma diferença entre necessidade da verdade, mas se assemelha mais a um juiz. Usando
lógica (que alguns invocam a fim de invalidar 0 argu- as regras da lógica (tais como a lei de não-contradi-
mento ontológico) e a irrefutabilidade real (que outros ção), ele chama a atenção para 0 fato de que certas
teístas reivindicam para 0 argumento cosmológico). afirmações eliminaram a si mesmas do jogo da ver-
Da mesma forma, minha inexistência é logicamen- dade por ser contraditórias ou autodestrutivas. Nesse
te possível. Mas não é realm en te afirm ável. Na realida- sentido, 0 princípio da irrefutabilidade “apita” indire-
de, é realmente inegável, já que tenho de existir para tamente 0 jogo da verdade ao demonstrar quais tipos
negar que não existo. de afirmações são permitidas no jogo. Indica certas
Mas há uma ligação importante entre as leis da “afirmações” que não devem participar do jogo da ver-
lógica e 0 princípio da irrefutabilidade. A lei de não- dade porque implicam afirmações opostas enquanto
contradição, por exemplo, pode ser defendida ao de- são feitas. Elas se auto-eliminam (v. tb. primeiros prin-
monstrar que é evidente, pois seu predicado é ou idên- cípios; realism o ; agnosticism o).
tico ou redutível ao sujeito. Assim, afirmações auto-
refutáveis são falsas porque são contraditórias. E con- Averróis. Jurista e médico muçulmano espanhol nas-
tradições são falsas porque violam 0 princípio evidente cido em Córdoba (1126-1198). Seu nome é uma
da não-contradição. latinização da forma árabe de Ibn-Rushd. Averróis es-
Diferença de um argumento transcendental. 0 princí- creveu tratados sobre direito, astronomia, gramática,
pio da irrefutabilidade assemelha-se ao argum ento medicina e filosofia, sendo um comentário sobre
transcendental. Ambos afirmam que certas condições são Aristóteles sua obra mais importante. Era conhecido
precondições necessárias de outras coisas. Por exemplo, pelos estudiosos por“o comentarista” (de Aristóteles).
não posso negar a verdade (v. verdade ab so lu ta) sem R eligião e filosofia . Averróis teve sua influência na
afirmá-la ao declarar que a afirmação“Não há verdade” é Idade Média cristã desvalorizada. Pelo fato de ser 0 co-
verdadeira. Uma verdade transcendentalmente necessá- mentarista de Aristóteles mais lido, sua interpretação
ria é uma verdade inegável. Mas 0 argumento transcen- platônica foi considerada correta e adotada pelos cris-
dental supõe algo além do que é afirmado. Por exemplo, é tãos. Como muitos da sua época, Averróis acreditava
precondição de significado transcendentalmente neces- equivocadamente que Aristóteles era autor de um livro
sária que haja uma mente por trás do significado. Nesse chamado Teologia, que na verdade era um resumo das
sentido, 0 argumento transcendental é um tipo de forma obras de Plotino (Edwards,p. 221).Como resultado,idéi-
indireta de irrefutabilidade. Pois supõe que certas coisas as plotinianas foram atribuídas a Aristóteles.
não poderiam ser verdadeiras sem que outras precon- Os comentários de Averróis sobre Aristóteles foram
dições existissem. essenciais para os currículos educacionais das primei-
Contudo, a afirmação “ Nenhuma sentença é sig- ras universidades da Europa ocidental (ibid., p. 223).
nificativa, incluindo-se esta” é diretamente autodes- Panteísm o em an atista. Apesar de parecer estranho
trutiva, porque se anula sem apelar para a necessi- que um mulçumano seja panteísta (v. panteísmo); isso
dade de quaisquer outras condições. Logo, 0 argu- não é incomum entre os sufis. O deus de Averróis es-
mento transcendental envolve uma forma indireta de tava completamente separado do mundo, sem exercer
irrefutabilidade. providência. Semelhante à teologia de Avicena, 0
Status do princípio d a irrefutabilidade. 0 princípio universo teria sido criado por emanações de Deus. Ha-
da irrefutabilidade não é evidente como os primeiros veria uma série de esferas celestiais (inteligências) que
princípios tradicionais são. Algumas pessoas afirmam desceram de Deus até alcançar a humanidade na esfera
95 Avicena
inferior. A matéria e 0 intelecto seriam eternos. Deus Averróis interpretou 0 Alcorão alegoricamente e
seria um Primeiro Motor impessoal e remoto. A única por isso foi acusado de heresia e exilado, apesar de ser
mente real no universo seria a de Deus. chamado de volta pouco antes da sua morte. Muitos
O indivíduo sob esse esquema só tem um inte- cristãos, de Orígenes (c. 185‫־‬c. 254) em diante, assu-
lecto passivo. Deus pensa por meio da mente huma- miram essa abordagem alegórica das Escrituras.
na. Averróis negava 0 livre arbítrio e a imortalidade Avaliação. Se ele realmente a ensinou, a teoria da
das almas. dupla verdade, à qual alguns dos seus discípulos de-
Duplas Verdades. Averróis foi acusado de ensinar ram continuidade, é contrária às leis básicas do racio-
uma teoria de“dupla verdade” .Xa dupla verdade, acre- cínio (ló g ic a ; primeiros princípios). Fé e razão nâo po-
dita-se simultaneamente em duas proposições auto- dem ser bifurcadas (v. fé e ra z ã o ).
excludentes se uma é filosófica e a outra religiosa. Essa O panteísmo de Averróis é contrário aos princípi-
é uma acusação falsa. É irônico que tal acusação tenha os gerais do teísmo, e ao teísmo cristão especificamen-
sido levantada contra Averróis, que compôs 0 tratado te. Suas posições sobre a eternidade da matéria (v. cri-
D a harm on ia entre religião e filosofia, para refutar essa a ç ã o , p o s iç õ e s sobre a ) são contrárias ao ensinamento

mesma posição. Averróis acreditava em modos alterna- sobre a criação (v. k a l a m , argum ento cosm ológico).
tivos de acesso à verdade, mas aparentemente não acre- Sua negação do livre-arbítrio apresenta sérios pro-
ditava que poderia haver verdades incompatíveis em blemas e é uma forma de forte determinismo, que a
campos diferentes (v. Edwards, p. 223). maioria dos cristãos rejeita. O mesmo pode ser dito so-
No entanto, averroístas posteriores foram acusados bre sua negação da imortalidade individual (v. inferno;
de defender a dupla verdade. Siger de Brabant suposta- im o r t a l id a d e ). A forma de misticismo de Averróis, em
mente introduziu tais ensinamentos neoplatô-nicos na que a mente e as leis da razão são irrelevantes, é inacei-
Universidade de Paris. Boaventura e To.nlás de Aquino rea- tável para os teístas sérios (v. fé e razão; lógica; m istério).
giram fortemente. Aquino é considerado 0 destruidor da
popularidade de Averróis no Ocidente, especialmente por
Fontes
meio do seu livro Da unidade do intelecto (1269).
A v e r r ó is . C om en tário sobre A ristóteles.
Por volta de 1270, Stephen Tempier, bispo de Paris,
_____ , A verroes com m en tary on Plato's
condenou vários ensinamentos de Averróis, inclusive
republic, E. I. J. R o sen th a l, org.
a eternidade do mundo, a negação da providência uni-
_____ , A verroes on the ha rm o n y o f religion
versai de Deus, a unidade do intelecto humano e a ne-
and philosophy.
gação do livre-arbítrio. Em 1277 publicou várias con-
P. Ep’.wri's 1Averroes” , e p .
denações de erros semelhantes. No preâmbulo dessa
X. L. G e is e e r e A. Sai e e b , A nsw ering Islam.
última denúncia, acusou Siger e seus seguidores de di-
E. G il s o n , History of Christian philosophic in the
zer que “coisas são verdadeiras segundo a filosofia, mas
Middle Ages.
não segundo a fé católica, como se houvesse duas ver-
A. A. M aurer ,.' Medieval philosophy.
dades contraditórias” (Cross, p. 116).
S. M i n k , M elanges d e p h ilo so p h ic juive - et arabe.
Apesar de não haver certeza de que Siger realmen-
E. R en a n , Averroes et Vaverroisme, Paris.
te defendeu a teoria da dupla verdade, tal teoria inspi-
To:.íA'Aqirno.Dí? u n idade do intelecto
rou a suposição iluminista de que os domínios da fé e
da razão podem ser separados. Certas formas dessa
teoria ainda prevalecem. Thomas Hobbes, Baruch Avicena. Médico e filósofo (980-1037) das proxi-
Espinoza e Immanuel K a n t promoveram essa idéia, as- midades de Bukhara, na região do Uzbequistão, no
sim como críticos do n t (v. B íb lia ,c r ít ic a da) que sepa- oeste asiático. Seu nome é uma pronúncia latinizada
ram 0 Jesus da história do Cristo da fé (v. B u ltm a n n , da forma arábica de Ibn Sina. Avicena escreveu cer-
R u d o lp h ; C ris to da fe vs. Jesus da h is tó ria ; Jesus, sb iin a - ca de cem livros sobre lógica, m atem ática,
rio ; m itolo gia f. o n t). metafísica e teologia, e sua maior obra, O câ n o n , era
Interpretação alegórica. Seguindo Plotino, Averróis um sistema de medicina. Combinou 0 aristotelismo
acreditava que a forma suprema de sabedoria leva à (v. A r is t ó t e l e s ) e 0 neoplatonismo (v. P l o t i n o ) em
experiência mística de Deus (v. misticismo). Essa experi- sua filosofia panteísta.
ência envolve passar de um conhecimento normal, ra- O a rgum ento cosmológico d e Avicena. Seguindo 0
cional e discursivo para uma experiência transracional, filósofo muçulmano A lfarab i, Avicena formulou um argu-
intuitiva e direta de Deus. Tal abordagem exigia uma mento cosmológico semelhante ao que foi emulado por
interpretação alegórica das Escrituras. escolásticos posteriores, incluindo Tomás de Aquino. Para
Ayer, A. J. 96

encontrar o contexto de Avicena na história do argumento A cosm ologia em anante ficou ultrapassada com a
cosmológico, V. COSMOLÓGICO, ARGUMENTO. astronom ia m oderna.
A argum entação de Avicena é assim: Conclusão. Como no teísm o, o deus de Avicena era
um Ser Necessário. Mas, ao contrário do teísm o, a for­
1. Existem coisas possíveis (i.e., coisas que sur­ ça criativa serial de dez deuses em anou de Deus com
gem porque são causadas, m as não existiriam necessidade absoluta. Além disso, ao contrário do Deus
por si próprias). teísta cristão que criou ex níhilo livrem ente, e que é
2. Todas as coisas possíveis que existem têm um a diretam ente responsável pela existência de tudo, na
causa para existir (já que não explicam a pró­ cosm ologia de Avicena o universo em ana de um a sé­
pria existência). rie de deuses (v. c r i a ç ã o , p o s iç õ e s s o b r e a ) .
3. Contudo, não pode haver um a série infinita de
causas de existências. Fontes
a) Pode haver um a série infinita de causas de F. C o p le s to n , History o f philosophy.
g era çã o (o pai gera o filho, que gera o filho). N. L. G e is le r , Philosophy o f religion.
b) Não pode haver um a série infinita de cau­ E. G ils o n , “Avicena” em The encyclopedia o f
sas de existên cia , já que a causa da existência philosophy.
deve ser sim ultânea ao efeito. A não ser que ___ , History ofchristian philosophy in the
houvesse um a base causal para a série, não Middle Ages.
haveria seres causados.
4. Logo, deve haver um a Causa Prim eira para to ­ Ayer, A. J. A lfred Jules Ayer (1910-1989) foi um
dos os seres possíveis (i.e., para todos os seres hum anista britânico, graduado em Oxford (1932), e
que são criados). m em bro do Círculo de Viena do positivism o lógico.
5. Essa Causa Prim eira deve ser um Ser Necessá­ Esse grupo, form ado em 1932, foi influenciado por
rio, pois a causa de todas as coisas não pode E rnst M ach (m . 1901). Sua obra era extrem am ente
ser um ser possível. antim etafísica (v. m e t a f í s i c a ) e anticristã.
Em Lan gu age, truth, a n d logic [L in gu agem , ver­
A influência neoplatônica sobre A vicena. Ao d a d e e ló g i c a ] ( 193 6), Ayer te n to u e lim in a r a
e m p re sta r alg u m as p rem issas n eo p latô n icas e a m etafísica p o r m eio do p rin cíp io de verificação.
cosm ologia de dez esferas, Avicena am plia seu argu­ F o u n d ation s o f em p irica l kn ow led g e [A licerces d o co ­
m ento para provar que um a Causa Prim eira necessá­ n h ecim en to em p írico ]( 1940) lidava com problem as
ria criou um a série de “inteligências” (dem iurgos ou da lin g u ag em p a rtic u la r e o u tro s p e n sa m en to s.
anjos) e dez esferas cósm icas que controlavam: P h ilosop h ical essays [E n sa io sfilo só ficos] (1954) con­

6. Tudo que é essencialm ente Um pode criar im e­ tin h a artigos tratan d o de problem as levantados por
diatam ente apenas um efeito (cham ado in ­ seus dois prim eiros livros. Até 1956 Ayer havia escri­
teligência). to T h e p r o b le m o f kn ow led g e [O p r o b le m a d o c o n h e­
cim en to] (1956), que reflete o realism o m oderado
7. Pensar é criar, e Deus necessariam ente pensa,
já que é um Ser Necessário. contra o ceticism o. Ele aceita que algum as afirm a­
8. Logo, há um a em anação necessária de Deus de ções possam ser verdadeiras m esm o que não p os­
dez inteligências que controlam várias esferas sam ser inicialm ente justificadas. Uma experiência
do universo. A últim a delas (intelecto agente) que deixou Ayer entre a vida e a m orte na década de
form a os quatro elem entos do cosmo. Pelo in ­ 1980 convenceu-o da possibilidade da im ortalidade,
telecto agente, a m ente hum ana (intelecto pos­ apesar de continuar rejeitando a existência de Deus
sível) é form ada de toda verdade. (v. a c o g n o s t ic is m o ) .
A filosofia de Ayer. Conforme Ayer e os positivistas
A va lia çã o . M u itas c rític a s ao arg u m e n to lógicos, afirm ações significativas devem seguir o cri­
cosm ológico foram oferecidas por ateus, agnósticos e tério da verificação. Todas as proposições genuínas de­
pelo ceticism o, a m aioria das quais originou-se de vem ser em piricam ente testáveis se não são sim ples­
David H u m e e Im m anuel K a n t (v. D e u s ,o b ie ç õ e s a o s a r ­ m ente form ais ou definitivas.
g u m e n to s EM FAVOR DA EXISTÊNCIA D E ). P roposições significativas. Assim como David H u m e ,
Além dos argum entos tradicionais, a form a do ar­ Ayer ensinou que há três tipos de proposições:
gum ento de Avicena está sujeita a m uitas críticas con­ 1) Proposições analíticas são truísm os, tautolo-
tra o panteísm o e o pensam ento neoplotiniano. gias ou verdadeiras p o r definição. Elas são
97 Ayer,A. J.
explicativas, ou seja, o predicado apenas afir­ podem ser verificadas nem refutadas pela experiên­
m a o que o sujeito diz. cia. Em terceiro lugar, as proposições não precisam ser
2) Proposições sintéticas são verdadeiras por ex­ diretam ente verificáveis para ser significativas. Devem,
periência e/ou em relação à experiência. Elas no entanto, ter algum a experiência sensorial relativa
são am pliativas, já que o predicado am plia ou à verdade ou à falsidade.
afirm a m ais que o sujeito. Todas as outras pro­ Na edição revisada de 1946 de Language, truth, an d
posições são absurdas. logic (1946), Ayer considerou necessário fazer outras
3) Elas são desprovidas de significado, não têm revisões no princípio de verificação. Reconheceu re­
sig n ific â n c ia lite ra l e são, no m áx im o , lutantem ente que algum as proposições definitivas, por
em otivas. exemplo, o princípio da verificação em si, são signifi­
cativas sem ser concretas nem sim plesm ente arb itrá­
A m e ta físic a n ã o tem sig n ifica d o . Ayer seguiu rias. Além disso, algum as afirm ações em píricas po­
Im m anuel Kant ao rejeitar afirmações metafísicas ou dem ser verificadas conclusivam ente, por exem plo
teológicas, m as por razões diferentes. Kant usou o ar­ um a experiência sensorial específica. Essas qualifica­
gum ento de que a m ente não pode ir além dos fenôm e­ ções, principalm ente a prim eira, viriam a ser a queda
nos do m undo físico. Mas Ayer reconheceu que a mente do positivism o lógico.
deve ir além do físico. De que outra m aneira saberia que Aplicação do princípio da verificação. M etafísica
não pode ir além? Além disso, enquanto Kant tinha um a e teologia. As conclusões de Ayer foram severas: Todas
metafísica, Ayer não tinha, argum entando que não po­ as proposições m etafísicas são absurdas porque não
dem os falar significativamente sobre o que pode estar são analíticas nem em píricas. Toda filosofia genuína é
além do em pírico. Como Ludwig W ittgenstein disse: analítica, não m etafísica. E a m etafísica surgiu por aci­
“Sobre o que você não pode falar, não fale”. A im possi­ dente de linguagem , a crença que substantivos têm
bilidade da metafísica não está na psicologia do homem, referêcias reais.
m as no significado da linguagem. A m etafísica não é apenas poesia deslocada. A po­
D iferenças. Ayer prescreveu duas diferenças no
esia não diz absurdos; há um significado literal por
princípio de verificação (v. v e r i f i c a ç ã o , p r i n c í p i o d a ). Em trás de grande parte do que os poetas dizem . Esse não
prim eiro lugar, há um a diferença entre verificação p r á ­ é o caso da m etafísica. Além disso, nenhum a proposi­
tica e d e prin cípio. Am bas são significativas. Na verifi­
cação prática o meio de verificação está disponível. Por ção significativa que pode ser form ulada sobre os ter­
outro lado, a verificação de princípio envolve proposi­ m os Deus ou transcendente. Conforme Ayer, isso não é
ções que não tem os m eios para verificar agora, m as ateísm o nem agnosticism o, os quais consideram sig­
sabem os como faríam os isso. Por exemplo: “Não há nificativo falar sobre Deus. Isso é não-cognitivism o ou
vida em M arte” é verificável em princípio, m as ainda acognosticism o, que considera a própria questão de
não é na prática. Deus sem sentido.
Ética. Ayer acreditava que afirmações éticas não são
Em segundo lugar, há um a diferença entre verifi­
ca çã o fo r te e fr a c a . Apenas a verificação fraca é válida.
formais nem reais, e sim emotivas. Tais afirmações ex­
A verificação forte envolve certeza, acim a de qualquer pressam simplesmente o sentim ento de quem fala e ten­
dúvida, ou prova conclusiva. Os prim eiros positivistas tam persuadir outros a sentir o mesmo. Por exemplo:
afirm avam tê-la, m as depois m odificaram sua posi­ “Você não deve roubar” significa que eu não gosto de
ção. Se houver verificação forte, então tam bém haverá roubo e quero que você tam bém sinta o mesmo. Isso
m etafísica geral. E seria pretexto Ayer dizer que há ti­ não é um a declaração concreta, m as apenas expressa a
pos im portantes de absurdos. A verificação está sujei­ atitude de quem fala. Afirmações éticas não são afir­
ta a m udança ou a correção, já que está baseada na mações sobre sentim entos, e sim afirmações d e senti­
experiência. Ayer concluiu que nenhum a proposição mentos. Ayer afirm a que essa posição é subjetiva, m as
além da tautologia pode ser m ais que provável, por não radicalm ente subjetivista. Afirmações éticas são
exemplo: “Todos os seres hum anos são m ortais” é pu­ apenas em issoras e, portanto, inverificáveis, enquanto
ram ente definitivo, ou é um a generalização em pírica. afirmações sobre sentim entos são verificáveis: “Estou
M aior qu alificação do prin cípio d a verificação. Ayer entediado” é verificável; um suspiro é inverificável.
aprim orou o princípio da verificação de três m anei­ Avaliação. 0 positivismo lógico é diam etralm ente
ras. Em prim eiro lugar, nenhum a proposição pode ser oposto ao cristianism o evangélico. Se verdadeiro, o
refutada conclusivam ente pela experiência, a não ser positivismo lógico de Ayer teria conseqüências desas­
que possa ser verificada conclusivam ente pela experi­ trosas para o cristianism o ortodoxo. N enhum a afirm a­
ência. Em segundo lugar, proposições analíticas não ção sobre a existência ou natureza de Deus poderia ser
Ayer, A. J. 98
no m ínim o significativa, quanto m ais verdadeira. A Bí­ elim inaram sistem aticam ente todas as afirm ações
blia não poderia conter revelação proposicional sobre m etafísicas e teológicas.
Deus nem poderia ser a Palavra inspirada de Deus. Não L egislan do sign ificado sem ouvir. O problem a do
poderia haver prescrições éticas significativas, e nem positivism o lógico é que ele tentou legislar o que as
princípios m orais absolutos. pessoas queriam dizer em vez de ouvir o que de fato
A natureza contraditória d a verificação empírica. O diziam . Afirmações éticas são o caso clássico em ques­
golpe m ortal do princípio da verificação de Aver é o fato tão. Um a afirm ação do tipo “Não faça isso” não quer
contraditório de que ele não é em piricamente verificável. dizer“Não gosto dessa ação”. Significa “Você não pode/
Pois, segundo o critério de verificação, todas as afirm a­ deve fazer isso”. É errado reduzir deve para é, o pres-
ções significativas devem ser verdadeiras por definição critivo para o descritivo. Também é um erro reduzir
ou comprováveis empiricamente. Mas o princípio de ve­ “você deve” para “eu acho que é errado”.
rificação não é nenhum dos dois. Por seus próprios pa­ Da m esm a form a, afirm ações sobre Deus não
drões, o princípio da verificabi-lidade não faz sentido. precisam ser reduzidas a tautologias nem afirm a­
E tam bém não escapa do dilem a ao criar um a ter­ ções em píricas p ara ser significativas. Por que as
ceira categoria para incluir a significância do princí­ afirm ações sobre um Ser tran sem p írico (D eus) d e­
pio da verificação, m as para excluir todas as afirm a­ veriam estar sujeitas a critérios em píricos? A firm a­
ções m etafísicas e teológicas. Pois toda tentativa de ções m e ta físic a s são sig n ificativ as no co ntexto
definir tal princípio falhou. No fim , a m aioria dos m etafísico u san d o critérios m etafísicos (v. p r i m e i ­
m em bros do Círculo de Viena original descartou seu r o s p r i n c í p i o s ).
positivism o lógico restrito, incluindo-se o próprio Ayer.
Os princípios de verificação revisados não sobre­ Fontes
viveram . Toda tentativa de expulsar a m etafísica e in ­ A . J. A y e r , Foundations o f em pirical knowledge.
troduzir em seu lugar a verificação por qualificação ___ , Language, truth, and logic.
descobriu que a m etafísica reaparecia pela porta dos ___ , The problem o f knowledge.
fundos, renovada pelas qualificações am pliadas que H. F e ig l, “Logical positivism after thirty-five years”,
perm itiam afirm ações metafísicas. As afirm ações mais pt , W inter 1964.

restritas de verificação inevitavelm ente elim inaram o F. F e r r e , Language, logic, and God.
próprio princípio de verificação. As afirm ações m ais A . F le w , et a l. New essays in philosophical theology.
am plas do princípio que não eram contraditórias não N . L . G k i s le r , Philosophy o f religion,cap. 12.
Bb
B arnabé, E vangelho de. Os m u çu lm an o s citam a autenticação dessa obra. Depois de exam inar a evi­
freqüentem ente o Evangelho de B arn a b é para defender dência num artigo acadêm ico em Islam och ristian a, }.
os ensinos islâmicos (v. M a o m é , su p o sto c h a m a d o d iy ix o Slomp concluiu: “Na m inha opinião a pesquisa acadê­
de; Alcouão, su p o sta o rig e m d iv in a d o ). Na verdade, ele é mica provou cabalmente que esse evangelho é falso. Essa
um cam peão de vendas em muitos países islâmicos. opinião tam bém é com partilhada por vários eruditos
Suzanne Haneef o recom enda em sua bibliografia ano­ m uçulm anos” (Slomp, 68). Na introdução à edição de
tada sobre o islamismo, dizendo: Oxford do Evangelho de B arn abé , Longsdale e Ragg con­
cluem que “a verdadeira data fica [...] m ais próxim a de
Nele se encontra o Jesus vivo retratado mais vividamente e século xvi que do século i” (Longsdale, p. 37).
mais identificado com a missão que lhe tbi confiada do que qual­ As ev idências de que esse não é um evangelho
quer outro dos quatro evangelhos o s t pode retratá-lo. do século i, escrito p o r um discíp u lo de C risto,
são esm ag ad o ras:
É cham ado “leitura essencial para qualquer um que A referência m ais antiga a ele vem de um a obra do
busque a verdade” (Haneef, 186). século v, o Decreto gelasiano, pelo papa Gelásio, 492-
Uma afirm ação islâm ica típica é a de M uham m ad 495 d.C.). Mas até essa referência é questionada (Slomp,
Ata ur-Rahim : p. 74). Além disso, não há evidência manuscritológica
na língua original para sua existência. Slomp diz direta­
O Evangelho de Barnabé é o único evangelho ainda exis­ mente: “Não há tradição textual do v eb [manuscrito de
tente escrito por um discípulo de Jesus... [Ele] foi aceito como Viena do Evangelho d e B arn abé ]” (ibid.). Em contraste,
evangelho canônico nas igrejas de Alexandria até 325 os livros do n t são comprovados por mais de 5 300 m a­
d. C. (Ata ur-Rahim, p. 41).
nuscritos gregos que começam a ser produzidos durante
os três primeiros séculos (v. B íb lia , ev id ê n cias d a ).
Outro autor m uçulm ano, M. A. Yusseff, argum enta Em segundo lugar, L. Bevan Jones observa que
confiantem ente que “em antigüidade e autenticidade,
nenhum outro evangelho pode chegar perto do Evan­ Sua primeira forma conhecida é um manuscrito italia­
gelho d e B a rn a b é” (Yusseff p. 3).
no. Esse manuscrito foi analisado cuidadosamente por eru­
Conteúdo. Não é de surpreender que os apologis­ ditos e é considerado pertencente ao século xv ou xvi,isto é,
tas m uçulm anos recorram ao Evangelho de B arn abé, 1400 anos apos o tempo de Barnabé (Jones, 79).
pois ele apóia um ensinam ento islâmico básico con­
trário ao NT (v. C r is to , m o rte d e ). Afirma que Jesus não Até seus defensores m uçulm anos, como M uham ­
m orreu na cruz (cf. surata 4.157; v. C r is to , ie x p a d a su b s­ m ad ur-Rahim , adm item não existirem m anuscritos
t i t u i ç ã o d a m o r te d e ). M as arg u m en ta que Judas anteriores ao século xvi.
Iscariotes m orreu no lugar de Jesus (seç. 217), tendo-o Esse evangelho é m uito usado por apologistas
substituído na últim a hora. Essa posição é adotada por m uçulm anos hoje, m as não há referência a ele por
m uitos m uçulm anos, já que a grande m aioria deles parte de nenhum escritor m uçulm ano antes do sécu­
acredita que outra pessoa tom ou o lugar de Jesus so­ lo xv ou xvt. Certam ente eles o teriam usado, se de fato
bre a cruz. existisse. Houve m uitos escritores m uçulm anos que
A utenticidade. Eruditos conhecidos que exam ina­ escreveram livros que, sem dúvida, teriam se referi­
ram cuidadosam ente o Evangelho d e B a rn a b é consi­ do a tal obra, se existisse. Mas nenhum deles, nem
deram que não há absolu tam en te nenhum a base para qualquer outra pessoa, jam ais o m encionou entre os
Barnabé, Evangelho de 100

séculos vii e xv, quando houve intenso debate entre cris­ Até os promotores muçulmanos do livro, tais como
tãos e m uçulm anos. Haneef, têm de adm itir que “a autenticidade desse livro
N enhum pai ou m estre da igreja cristã jam ais o ainda não foi estabelecida incontestavelmente [...] Écon-
citou entre os séculos i e xv, apesar do fato de haverem siderado um registro apócrifo da vida de Jesus”. Haneef
citado todos os versículos de todos os livros do x t , com afirma que o livro “ficou perdido do m undo durante sé­
exceção de onze (In trodu ção B íblica). Se o Evangelho culos por causa da sua repressão como documento heré­
d e B a rn a b é fosse considerado autêntico, certam ente tico”, m as não há nenhum a evidência docum entada dis­
teria sido citado m uitas vezes, como todos os outros so. Conforme indicado acima, ele sequer foi mencionado
livros canônicos das Escrituras. Se esse evangelho exis­ por alguém anterior a ele no século vi. Outros teólogos
tisse, autêntico ou não, certam ente teria sido citado por muçulmanos tam bém duvidam da sua autenticidade (v.
alguém . Mas nenhum autor antigo o citou, nem con­ Slomp, p. 68). O fato é que o livro contém anacronismos e
tra nem a favor, por m ais de 1500 anos. descrições da vida medieval na Europa ocidental que re­
Às vezes ele é co n fu n d id o com a E p ísto la de velam que não foi escrito antes do século xiv. Por exem­
[pseudo] B a rn a b é do século i (c. 70-90 d.C .),que é um plo, refere-se ao ano do jubileu a cada cem anos, em vez
livro com pletam ente diferente (Slomp, p. 37-8). Por de cinqüenta ( O Evangelho de B arnabé, p. 82). A declara­
causa das referências a essa obra, eruditos m uçulm a­ ção papal de m udá-lo para cada cem anos foi feita pela
nos alegam falsam ente haver apoio para um a data a n ­ igreja em 1343. John Gilchrist, na obra intitulada Origins
terior. M uham m ad Ata ur-R ahim confunde os dois li­ a n d sources o f the Gospel o f B arn abas [Origens efon tes do
vros e, assim , afirm a equivocadam ente que o evange­ Evangelho d e B arn abé], conclui que
lho estava em circulação nos séculos n e m d.C. Esse é
um erro estranho, já que ele adm ite que am bos são apenas uma solução pode explicar essa coincidência sur­
descritos com o livros diferentes nos “Sessenta Livros”, preendente. O autor do Evangelho de Barnabé só citou as su­
atribuindo o núm ero de série 18 à E pístola d e B a rn a b é postas palavras de Jesus sobre o ano do jubileu acontecer ‘a
e o núm ero serial 24 ao E vangelho d e B arn a bé. Rahim cada cem anos’porque sabia do decreto do papa Bonifácio.
até cita a “Epístola de B arnabé” pelo nom e como evi­
dência da existência do Evangelho d e B a rn a b é (Ata ur- Gilchrist acrescentou:
Rahim , p. 42-43).
Alguns até pensaram erroneam ente que a referên­ Mas como saberia sobre esse decreto a não ser que vives­
cia a um evangelho usado por B arnabé m encionado se na mesma época que o papa ou algum tempo depois? É um
no livro apócrifo Atos d e B a r n a b é (antes de 478) fosse anacronismo óbvio que nos compele a concluir que o Evan­
o Evangelho d e B arn abé. Mas, isso é claram ente falso, gelho de Barnabé não poderia ser escrito antes do século xiv
como a citação revela: “Barnabé, depois de desenrolar d.C.” (Gilchrist, p. 16-7).
o evangelho, que recebemos d e Mateus, seu cooperador,
com eçou a ensinar os judeus” (Slomp, p. 110). Ao om i­ Um anacronism o im portante é que o Evangelho de
tir deliberadam ente essa frase enfatizada, dá-se a im ­ usa o texto da Vulgata do século iv. Outros
B a rn a b é
pressão de que há um evangelho de Barnabé. exemplos de anacronism os incluem um vassalo que
A m ensagem do Evangelho d e B a rn a b é é refutada deve um a parte da sua colheita para o seu senhor (O
com pletam ente por docum entos de testem unhas ocu­ evangelho de B arn abé, 122), um a ilustração do feuda­
lares do século i, encontrados no n t ( v . Novo T e s t a m e n ­ lismo medieval, um a referência a barris de m adeira para
t o , h i s t o r i c i d a d e d o ). Por exemplo, seus ensinam entos vinho (152), em vez dos odres de vinho usados na Pa­
de que Jesus não afirm ou ser o M essias e que ele não lestina,e um procedim ento da corte medieval (121).
m orreu na cruz são absolutam ente refutados por do­ J. Jom ier dá um a lista de erros e exageros:
cum entos de testem unhas oculares do século i (v. Bí­
b l i a , m a n u s c r i t o s d a ). Na verdade, nenhum m uçulm a­ A obra diz que Jesus nasceu quando Pilatos era gover­
no deveria aceitar a autenticidade do E vangelho d e nador, mas ele não se tornou governador até 26 ou 27 d.C.
B arn abé, já que ele contradiz claram ente a afirm ação Jesus velejou para Nazaré, que não fica à beira-mar. Da mes­
do A lcorão de que Jesus era o M essias. O livro afirma: ma forma, o evangelho de Barnabé contém exageros, como a
“Jesus confessou e disse a verdade: ‘Eu não sou o M es­ menção de 144 mil profetas e 10 mil profetas mortos “por
sias [...] Na verdade fui enviado à casa de Israel como Jizebel” (v. Slomp).
um profeta de salvação, m as depois de m im virá o
M essias’” (seç. 42,48). O A lcorão cham a Jesus de “M es­ O estudo de Jom ier m ostra quatorze elem entos
sias” [o “Cristo” ] várias vezes (cf. surata 5.19,75). islâmicos em todo o texto que provam que um autor
101 Barth, Karl
siiilçumano, provavelm ente convertido, escreveu o li- the church [Teologia e a igreja] (1928), Cristiandogm atics
i m O pináculo do tem plo, de onde se diz que Jesus in outline [Esboços d e dogm ática cristã] (1927), Alsem
pregou — um péssim o lugar para pregação — foi tra ­ \Anselmo] (1931), Church dogm atics [D ogm ática cris­
duzido para o árabe como dikka, um a plataform a usa­ tã] (1932-1968). Eles escreveram tam bém um a peque­
da nas m esquitas (7). Além disso, Jesus é apresentado na, porém im portante, obra cham ada Nein [Não]
como alguém que veio apenas para Israel, m as M aomé Influências. Barth inspirou-se na epistemologia de
para a salvação do m undo inteiro (cap. 11). Finalmente, Im m anuel K a n t, por m ediação de Albrecht Ritschl e
ã negação de Jesus como Filho de Deus é islâm ica, as­ W ilhelm H e rrm a n n . O ex isten cialism o de Soren
sim como o fato de que o serm ão de Jesus é baseado K ie rk e g a a rd tam bém teve impacto significante sobre seu
num hutba m uçulm ano que com eça com louvor a pensam ento, apesar de rejeitar essa influência mais tar­
Deus e a seu santo Profeta (cap. 12). de. 05 irm ãos Karam azov, de Fiodor Dostoievski, um
C onclusão. O uso islâm ico do E v a n g elh o d e romance que retratava a falência da filosofia hum anista,
Barnabé para apoiar seus ensinam entos é desprovido ajudou a m oldar seu pensam ento.
de comprovação. Seus ensinam entos até contradizem B arth tam bém foi influenciado pelo m étodo teo­
o Alcorão. Essa obra, longe de ser um registro autênti­ lógico liberal de Flerrm ann, pelo a te ís m o de Franz
co dos fatos sobre Jesus com pilados no século i, é evi­ Overbeck e pelo pietism o de Jean Blum hardt, um pas­
dentemente um a invenção do fim da era medieval. Os tor do início do século xix. O próprio B arth indicou a
melhores registros do século i que tem os da vida de leitu ra da B íblia, esp ecialm en te R om anos, e dos
Cristo são encontrados no x t , e categoricam ente con­ reform adores como influências transform adoras na
tradizem o ensinam ento do Evangelho de B arn abé. Até sua vida e no seu pensam ento (v. Barth, R om an os; to­
referências antigas pagãs contradizem o Evangelho de das as citações neste artigo são das obras de Barth,
Barnabé em ponto cruciais (ver Novo T e s t a m e n t o , f o n ­ exceto as que têm outra indicação).
t e s p a g ã s d o ) . Para um a crítica detalhada o leitor deve Barth tam bém foi muito influenciado de forma ne­
consultar o livro excelente de David Sox, O Evangelho gativa pelo ateísmo hum anista de Ludwig F e u e rb a c h . Ele
de Barnabé. até escreveu um prefácio para um a edição do livro A es­
sência do cristianism o, de Feuerbach. Parecia afirmar que
Fontes
a religião antropomórfica é o melhor que os seres hum a­
M . A t a u r - R a h im , Jesus: prophet of Islam.
nos podem fazer à parte da revelação divina.
N.L. G e i s l e r , Introdução Geral à Bíblia. Elem entos do pensam ento de Barth. Barth foi um
_____ e A. S a le e b , Answering Islam.
estudante do liberalism o que reagiu fortem ente con­
S. H a n e e f, What everyone shouhi know about Islam
tra os ensinam entos liberais. Enfatizou a tran scen ­
and Muslims.
}. Jo m ie r, Egypt: reflexions sur la Recontre al-Azhar.
dência de Deus e o dom ínio do pecado no m undo em
L. B. Jo n es, Christianity explam ed to muslims. oposição à tendência m odernista de colocar a h um a­
J. S lom p , Thegospel dispute, Islamochristiana. nidade no lugar de Deus. Desenvolveu um m étodo te­
D. Sox, O Evangelho de Barnabé. ológico dialético que faz da verdade um a série de p a­
M . A . Y u s s e ff, The Dead Sea scmlls. the Gospel o f
radoxos. Por exemplo, o infinito se tornou finito, o ab­
Barnabas, and the Xew Testament.
solutam ente transcendente se revelou em Jesus. Tam­
bém desenvolveu um tem a de “crise”, descrevendo o
B arth , K arl. Teólogo alem ão (1886-1968) estudou em conflito com esses paradoxos.
Berna, Berlim, Tübingen e M arburgo. M inistrou em Fideísmo. Como pastor em Safenwil, Barth se desi­
Genebra de 1901 a 1911. Após um pastorado de 10 anos ludiu com o liberalism o diante dos problem as p ráti­
em Safenwil, Suíça, Barth foi indicado para ocupar ca­ cos da pregação cristã. Para Barth, a verdade na reli­
deira de teo logia refo rm ad a da U n iversidade de gião é baseada na fé e não na razão ou evidência
Gõttingen (1921). Em 1925 foi a M ünster e depois a ( Church dogm atics, 1.2.17). Isso é fideísmo. Barth acre­
Bonn (1929), onde sua oposição ao m ovim ento Soci­ ditava que a verdade transcendental não pode ser ex­
alista Nacional Alemão resultou no seu exílio. A partir pressa em categorias racionais. Ela precisa ser revela­
de então Barth ensinou teologia na Universidade de da no conflito dos opostos. O conhecim ento teológico
Basiléia até se aposentar em 1962. é um a racionalidade interna, um a coerência interior
As obras m ais influentes de Barth incluem C om en ­ dentro das pressuposições da fé. Esse conhecim ento é
tário de romanos (1922), The Word o /G o d an d theology independente das regras do pensam ento que gover­
[A Palavra d e Deus e a teologia] (1924), Theology an d nam outros conhecim entos.
Barth, Karl 102
O ápice do fideísm o de B arth foi alcançado em e descrição. Assim, a revelação de Deus e a descrição
Anselrn e continuou em Church dogm atics. Só Deus hum ana nunca são idênticas.
pode revelar Deus. A fé não precisa de provas. O Verbo A B íblia éfalível. A Bíblia não é a palavra infalível de
de Deus é conhecido por se fazer conhecer (A n selm o , Deus, m as um livro com pletam ente hum ano. Os auto­
p.282). Esse fideísm o era tão forte que B arth escreveu res da Bíblia eram pessoas lim itadas no tem po que pos­
Nein para responder a outro teólogo neo-ortodoxo, suíam perspectiva própria, que é diferente da nossa. Tes­
Emil Brunner. B arth negou que os seres hum anos te­ tem unharam os eventos redentores conform e os con­
nham a capacidade ativa de receber revelação especi­ ceitos da época. Os autores erraram em todas as pala­
al de Deus (v. r e v e l a ç ã o e s p e c i a l ) . Pelo contrário, Deus vras, m as seu trabalho foi justificado e santificado por
tem de criar m ilagrosam ente o “ponto de contato” den­ Deus para que expressassem a Palavra de Deus jam ais
tro da pessoa antes de se com unicarem (Nein, p. 29). com suas palavras falíveis e falhas. A Palavra de Deus
Barth, com o era esperado, negou a eficácia da revela­ coincide com o próprio livro (a Bíblia). A Palavra é sem ­
ção geral (v. r e v e l a ç ã o g e r a l ) para com unicar a verda­ pre um a ação livre e soberana de Deus. Isso remove as
de de Deus (ibid.,p. 79-85). A hum anidade está de tal palavras da Bíblia da Palavra de Deus, de modo que a
m odo viciada pelo pecado que a revelação não pode Palavra de Deus não está sujeita a ataques direcionados
às palavras da Bíblia.
ser entendida (v. f é f. r a z ã o ; e f e i t o s n o é t i c o s d o p e c a d o ). A B íblia é um a p o rta de acesso. Deus usa essa Bí­
A t e o l o g i a n a t u r a l , que busca estabelecer a existên­ blia para seu serviço ao tom ar o texto hum ano e ir ao
cia de Deus por meio de argum entos racionais (v. D e u s , encontro do indivíduo nela e por meio dela. A autori­
e v i d ê n c i a s d e ) , é sim plesm ente elim inada ( R o m an s ,
dade da Bíblia e seu caráter divino não estão sujeitos à
2.1.168). Os milagres não confirm am a revelação a in­ dem onstração hum ana. Só quando Deus, pelo E spíri­
crédulos. São significativos apenas para os que já crê­ to Santo, fala por meio da Bíblia é que a pessoa ouve a
em (ibid., 3.3.2; 714s.;v. m i l a g r e s , v a l o r a p o l o g é t i c o d o s ). Palavra de Deus. A Bíblia consiste em 66 livros reco­
No livro Shorter com m entary on R om ans [Breve com en ­ nhecidos na igreja, não porque a igreja lhes conceda
tário de R om an os } (1959), Barth reconheceu que há um autoridade especial, m as porque incorporam o regis­
testem unho de Deus na natureza a que todas as pesso­ tro dos que testem unharam a revelação (pessoal) na
as têm acesso, m as logo acrescenta que elas não se apro­ sua form a original (Cristo).
veitam dele ( Shorter com m entary, p. 28). A Palavra de Deus é sempre a Palavra de Deus, m as
A posição de Barth em relação às Escrituras. ela não está à nossa disposição. A expressão com um : “A
Três níveis da P alavra d e Deus. A Palavra de Deus é Bíblia é a Palavra de Deus” não se refere ao livro m as à
revelada em três form as: ação de Deus no livro. A inspiração não garante o cará­
ter gramatical, histórico e teológico das palavras na pá­
1. O Verbo encarnado, Jesus Cristo, é o últim o n í­ gina; ela as usa como porta de acesso.
vel, que é idêntico à segunda pessoa da Trindade. Toda sem elhança entre a Palavra de Deus e a Bí­
2. A Palavra registrada é todo o cânon das Escri­ blia é deficiente, e tudo está em oposição à verdadeira
turas como testem unho da revelação. Palavra de Deus e entra em contradição com ela. Não é
3. A Palavra proclam ada (pregada) depende da um a revelação infalível, m as um registro falível da re­
Palavra escrita, porque baseia-se nesse testem unho da velação de Deus em Cristo. Pode-se dizer que a Bíblia
se torn a a Palavra de Deus se, e quando, Deus está dis­
revelação.
posto a falar por interm édio dela.
Linguagem religiosa. Barth se opunha fortem ente
A B íblia com o registro d a revelação. A Bíblia não é
à linguagem religiosa análoga. Não há a n a l o g i a d a e x i s ­
um a revelação escrita ( Church dogm átic, 6.1.5-7). Ela t ê n c i a , como em são T o m a s d e A q u i n o . Há apenas um a
apenas registra a revelação de Deus em Jesus Cristo. A analogia da fé. Isso significa que a linguagem da Bí­
Palavra proclam ada espera o cum prim ento da Pala­ blia não descreve como Deus realm ente é. Deus tran s­
vra de Deus no futuro. Apenas o Verbo Revelado, o cende de tal m aneira nossa linguagem que sua descri­
Cristo encarnado, tem o caráter absoluto de Palavra ção se torna equívoca quando aplicada a ele. E evocati­
de Deus. A revelação escrita e a Palavra proclam ada va, m as não descritiva.
relacionam -se à Bíblia e só podem ser nom eadas cor­ A r e s s u r r e i ç ã o . Apesar de sua divergência da posi­
retam ente Palavra de Deus quando Deus decide livre­ ção ortodoxa quanto às Escrituras, Barth m anteve algu­
m ente usá-las para nos confrontar. m as posições conservadoras. De m aneira incoerente
B arth estava convencido de que a Bíblia não é a com sua posição sobre as Escrituras, Barth aceitou a
própria revelação, m as sim um testem unho da revela­ concepção virginal, os milagres e a ressurreição corpo­
ção. Há um a diferença entre um evento e seu registro ral. Confessou a Trindade ortodoxa e o Cristo que é Deus.
103 Barth, Karl
Sobre a ressurreição, Barth afirm ou: “A história da 1. Sua tentativa de rejeitar o m odernism o e o li­
Páscoa fala de [...] Cristo ressurreto realm ente, cor­ beralism o;
poralm ente, e como tal aparecendo a seus discípulos” 2. Sua identificação do esforço m odernista de
( Commentary , 1.2.114s.). No livro Credo, seu com en­ colocar a hum anidade no lugar de Deus;
tário sobre o Credo dos apóstolos, acrescentou: 3. Sua rejeição dos esforços de tornar Deus total­
m ente im anente;
O milagre [da ressurreição] consiste em dois fatos que 4. Sua ênfase na ressurreição corporal;
andam juntos... — um, que o tumulo daquele Jesus que mor­ 5. Sua dedicação em cham ar a igreja de volta à
reu na cruz na Sexta-Feira Santa foi encontrado vazio no ter­ Bíblia, com o entendim ento de que a fé não está
ceiro dia, e o outro que o próprio Jesus aparece’[...] a seus direcionada ao livro, m as apenas a Deus; e
discípulos vivo de maneira visível, audível e tangível. 6. Seu apoio às doutrinas ortodoxas centrais.

Barth enfatizou a frase “ressurreto corporalm en­ Críticas. Deus está fora de alcance. B arth é um
te’^ acrescentou que “não se pode falar em elim inar o exemplo clássico de fideísta. Ao enfatizar dem ais a
túm ulo vazio” (Credo, p. 100). transcendência de Deus, B arth efetivam ente o torna
Na sua obra The resurrection o f the dead [,4 ressur­ incognoscível. Ele jam ais superou a form a do “com ­
reição dos mortos ], Barth acrescenta: “O túm ulo sem pletam ente outro” que caracterizava o seu paradoxo,
dúvida está vazio, sob toda circunstância concebível que é não ficar lado a lado com o Filho revelado de
vazio! ‘Ele não está aqui’”. Além disso: Deus, o Cristo ( Commentary). O Deus de B arth é o
Deus de Kierkegaard. Se a linguagem sobre Deus não
É um evento que envolve o verdadeiro ver com os olhos é sequer analógica, tudo que resta é o a g n o s t i c i s m o so­
e ouvir com os ouvidos e tocar com as mãos [...] Envolve bre a natureza de Deus.
verdadeiro comer e beber, falar e responder,raciocinar e du­ A tese central é contraditória. A idéia de que verda­
vidar e depois acreditar. des transcendentais não podem ser expressas em ca­
tegorias racionais realiza o que nega — expressa um a
O evento verdade transcendental em categorias racionais. Pro­
por que “a verdade é um a série de paradoxos” levanta
é fixo e caracterizado por algo que realmente aconteceu a questão da veracidade dessa afirm ação e, caso seja
entre os homens como outros eventos, e foi vivido e mais verdadeira, se é tam bém paradoxal.
tarde atestado por eles ( Roman, 2.64.143). O fideísmo é infundado. A rgum entar que não há
base racional para a fé cristã é contraditório. É um ar­
Barth chega ao ponto de refutar os que enfatizam gum ento que apóia um a posição religiosa afirm ando
a “corporalidade glorificada” ao fazer certas inferências que argum entos não podem ser dados para apoiar
especulativas a partir do fato de que fesus nem sem ­ posições religiosas. Além disso, o fideísm o pode ser
pre foi reconhecido im ediatam ente após sua ressur­ internam ente coerente, m as não há indicação de onde
reição e de que apareceu atravessando portas fecha­ encontra a realidade, então é impossível distingui-lo
das. B arth responde: da falsidade.
A negação da revelação geral não é bíblica. Q uan­
O que os evangelistas realmente sabem e dizem é sim­ do B arth negou a validade da revelação geral, contra­
plesmente que os discípulos viram e ouviram Jesus nova­ riou o cristianism o histórico e as Escrituras. R om a­
mente após sua morte e que, quando o viram e ouviram, nos 1.19,20 (cf. 2.12-15) declara que a revelação geral
eles o reconheceram, e o reconheceram com base na sua na natureza é tão clara que até seres hum anos peca­
identidade como aquele que conheciam antes. dores são indesculpáveis. O utras passagens dem ons­
tram que Deus pode ser conhecido pela revelação ge­
Realm ente, “nas aparições seguintes aos onze, o ral, entre elas Salmos 119 e Atos 14 e 17.
reconhecim ento acontece quando ele perm ite que ve­ Sua posição sobre as Escrituras está errada. Há
jam e toquem suas m ãos e seus pés” (ibid.). problem as sérios com a posição de B arth sobre as
E scrituras. Ao ten tar preservar a liberdade de Deus
Avaliação. Características positivas. Do ponto de quanto ao falar por m eio das E scrituras, B arth sola­
vista cristão ortodoxo, Barth constitui um a m istura pou a natureza essencial das E scrituras e da Palavra
de bem e mal. Entre as dim ensões positivas do seu autorizada de Deus. Sua posição é co ntrária ao que a
pensam ento estão: Bíblia afirm a sobre si m esm a (v. B í b l i a , e v i d ê n c i a s d a ),
Bayle, Pierre 104
a saber, que não é apenas um testem unho da revela­ famoso Dicionário histórico e crítico (2 v., 1697),que poste­
ção, m as a própria revelação (v. B í b l i a , i n s p i r a ç ã o d a ). riormente foi expandido para dezesseis volumes até a dé­
O foco da revelação divina segundo as Escrituras cima primeira edição (1829-1824).
não é um a palavra que se confirm a, m as um evento Crenças. Como Bayle viveu num a época de intole­
histórico aberto, público e verificável. A evidência é rância religiosa, suas posições eram m ais secretas do
revelada a todos (At 17.31). Lucas com pôs sua obra que seriam em outra situação. Apesar disso, algum as
para m ostrar os fundam entos históricos sobre os quais coisas são claras.
a proclam ação do evangelho se baseia (Lc 1.1-4). Je­ Ceticismo. Após a publicação do D icionário, Bayle
sus ofereceu provas infalíveis (At 1.3). foi acusado de ceticismo, m aniqueísm o e desrespeito
Essa posição equivocada das Escrituras perm ite pelas Sagradas Escrituras. Bayle foi cham ado perante
escolhas quase ilim itadas do que se quer ou não acre­ um a comissão presbiteriana e consentiu em m udar al­
ditar. B arth pode ter aceito a ressurreição literal e físi­ guns artigos ofensivos, que apareceram na forma revi­
ca, m as muitos que o seguiram não aceitavam. Ele acei­ sada na segunda edição. No entanto, é evidente que Bayle
tou a crença não-ortodoxa do universalism o. Assim, estava longe de ser um protestante ortodoxo.
seguindo O r í g e n e s , Barth negou a existência do infer­ Na verdade, Bayle era um cético que se opunha fir­
no e afirm ou que todos serão salvos. m em ente ao m o ntsm o de Baruch E sp in o sa e pendia para
o d u a lism o m aniqueísta — o sistem a do qual A g o s ti­
Fontes n h o se converteu. Bayle acreditava que os reinos da fé
K. B a r t h , Anselm. e da razão são m utuam ente excludentes. A princípio
___ ,Christian dogmatics in outline. os protestantes liberais acreditavam que Bayle estava
___ ,Church dogmatics. do seu lado, m as logo descobriram que ele considera­
___ ,Commentary on Romans. va as crenças cristãs incom patíveis com a razão e a
___ , Credo. ciência.
___ ,Nein. A taqu e à religião. O ataque de Bayle à religião era
___ ,Shorter commentary on Romans. implacável, m as geralm ente sutil. M uitos dos seus ar­
___ ,Theology and the church. tigos no D icion ário lidavam com o problem a do mal,
___ , Word o f God and theology. a im oralidade do a t e a suposta irracionalidade do cris­
G. B o l i c h , Karl Barth and evangelkalism . tianism o. Divertia-se com histórias obscenas de fam o­
C. PiNNO CK,“ K a r l B a r t h a n d C h r is t ia n a p o lo g e tic s ” , sas personagens religiosas. Na verdade, seus artigos
em Themelios (197?). eram um “ataque m aciço contra quase toda posição
E. B r u n n f.r , JJeve/aííon and reason. religiosa, filosófica, m oral, científica ou histórica de
S. A. M a t c z a k , Karl Barth on God. outras pessoas” (Edwards, p. 258 ). Considerava-se “um
B. M o n d in , Analogy in protestant and catholic protestante no verdadeiro sentido da palavra, que se
thought. opunha a tudo o que era dito e tudo o que era feito”
(ibid.).
Bayle, Pierre. Nasceu em Caria, França ( 1647-1706), onde Tolerância religiosa. Bayle acreditava que “questões
seu pai era um ministro calvinista. Freqüentou a Universi­ de crença devem estar fora do âm bito do Estado”—
dade Jesuíta de Toulouse em 1669, onde se converteu ao um a crença que deu à sua obra um lugar no índice
catolicismo. Depois, reconsiderou e retornou ao protestan­ Católico. Em 1686 publicou um C om m entaire p h ilo so ­
tismo, ficando assim sujeito às severas penalidades da lei p h iq u e sur ces p a ro les d e Jesus-C hrist “Constrains-les
francesa. Assim, deixou a França e foi para Genebra para d ’en trer” [C om en tário filo só fic o sobre estas p a la v ra s de
term inar seus estudos. Foi nomeado para a cadeira de filo­ Jesus “obrig a-os a en trar ”] em
que defendeu a tolerân­
sofia em Sedan (1675) e depois em Roterdã (1682), onde cia aos judeus, m uçulm anos, unitários, católicos, e até
publicou seu Pensées diverses sur la comete [Pensamentos ateus.
diversos sobre o cometa] e sua Critique générale de l’histoire Influência. Apesar de Bayle não ser um revolucio­
du calvinisme de M. M aimbourg [Crítica geral d a história nário, sua obras prepararam o cam inho para a Revo­
do calvínismo de M aimbourg] . Seu pai e seus irmãos mor­ lução Francesa. Três anos antes de John L o ck f. (1632-
reram na França por causa das perseguições religiosas. De 1704) escrever seu fam oso livro Carta sobre tolerân ­
1684 a 1687 publicou seu famoso jornal, Nouvelles de la cia, Bayle escreveu seu C om m entaire p h ilosop h iqu e sur
Republique des Lettre [Novidades da República das Letras], le C om pelle Entrare, em que argum entou que a liber­
um a tentativa de popularizar a literatura. Depois de ser de­ dade é um direito natural e que até o ateu não é neces­
posto da sua cadeira em 1693, dedicou toda atenção ao seu sariam ente m au cidadão.
105 Berkeley, George
Bayle teve grande influência sobre os filósofos fran­ A negação de que haja qualquer princípio funda­
ceses do século xviii, principalm ente sobre François- m ental auto-evidente de pensam ento envolve o indiví­
M arie V o l t a i r e (1694-1778). O Dicionário de Bayle foi duo em um a de duas situações: ou num regresso infini­
a fonte da qual tiraram m uitos dos seus argum entos. to no qual nenhum a justificação é dada, ou num ponto
A Encyclopedic, obra cética de Denis Diderot, foi base­ de interrupção arbitrário no qual a pessoa simplesmente
ada na obra de Bayle. Diderot (1713-1784) escreveu: pára de dar explicações (sem justificação para fazer isso;
v. p r im e ir o s p r in c íp io s ) . Plantinga não explica por que co­
Artigos que lidam com preconceitos respeitáveis devem loca sua crença em Deus na categoria de “propriam ente
expô-los diferentemente; a construção de barro deve ser básica”. Um incrédulo pode sim plesm ente pedir suas
despedaçada, indicando-se ao leitor outros artigos em que razões de tê-la colocado nessa categoria, de forma que
verdades opostas são estabelecidas com base em princípios ele é obrigado a dar um a justificação racional, senão
válidos (“Diderot, Denis” em Encyclopedia Britannica). estará com etendo um a petição de princípio.
Como outros fideístas, Plantinga aqui deixou de dis­
A influência de Bayle se estendeu a figuras como tinguir entre crença em e crença que Deus existe. É pre­
David H u m e e Edward Gibbon. Thom as J e f f e r s o n re­ ciso evidência para crer que Deus existe, m as não para
com endou o Dicionário com o um dos cem livros b á­ crer em Deus. Seria um insulto a qualquer esposa exigir
sicos para com eçar a Biblioteca do Congresso ( e u a ). O razões para am á-la. Mas não é um insulto exigir razões
fam oso ateu alem ão Ludwig F e u e r b a c h considerava de que se trata realm ente dela, e não da esposa do vizi­
Bayle com o um a figura im portante no pensam ento nho, antes de abraçá-la. Não é digno do relacionam ento
m oderno e dedicou um volum e inteiro a ele. de um a pessoa com Deus acreditar em Deus por causa
As teses centrais do ceticism o de Bayle são trata­ da evidência. Se há um Valor Supremo (i.e., Deus) no
das em outros artigos, principalm ente: a g x o s t i c i s m o ; universo, deve-se crer nesse Ser porque ele merece. Mas
a p o lo g é tic a ; B í b l i a , c r i t i c a d a ; m i l a g r e s ; e Novo T e s t a ­
é digno pedir evidência de que Deus existe e é o Valor
m e n to , CONFIABILIDADE DO.
Supremo antes de depositar fé nele. A razão exige que
olhemos antes de saltarm os (Geisler, p. 68-9).
Fontes
Fontes
J. D e lv o iv e , Religion, critique e philosophie positive
N. L. G e W. C
e is l e r orduax , P hilosophy o frelig io n .
chez P. Bayle.
A. P , “ T h e r e fo r m e d o b je c tio n to n a t u r a l
L. F e u e rb a c h , Pierre Bayle.
l a n t in g a

t h e o lo g y ” , 11 (1 9 8 2 ).
csr
R. Popkin, “ Bayle, Pierre” , e p .
H. E. S m ith , The literary criticism o f P. Bayle.
Berkeley, George. N asceu em Kilekenny, Irlan d a
(1685-1753). Estudou as obras de John L o c k e e René
b a sic id a d e p ró p ria . B asicidade própria é um a teo ­ D e s c a r t e s no Trinity College, Dublin. Tentou, m as não
ria estabelecida pelo filósofo am ericano contem po­ conseguiu, com eçar um a faculdade em Rhode Island,
râneo Alvin Plantinga, afirm ando que há certas cren­ nos e u a . Depois de ser ordenado m inistro anglicano
ças para as quais é possível m as insensato exigir ju s­ em 1707, foi posteriorm ente sagrado bispo em 1734.
tificação. Elas incluem os conceitos “eu existo” e “há As principais obras filosóficas de Berkeley inclu­
um passado”. A pessoa tem o direito de afirm ar es­ em A tr ea tise con cern in g the p rin c ip ies o f h u m a n
sas crenças sem d ar nenhum a explicação. Plantinga kn ow led g e [T ratado dos p rin cíp ios d o con h ecim en to
inclui a crença “Deus existe” entre as proposições que h u m a n o } (1710), Three dialogu es betw een Hylas an d
são “propriam ente básicas”. Se verdadeiro, isso m i­ Philonous [ Três diálogos entre Hilas e Filonous] (1713),
naria a teologia natural, a necessidade de dar qual­ e The analyst; or, ,4 discourse ad d ressed to an infidel
quer argum ento a favor da existência de Deus (v. m ath em atician [O an alista; ou um discurso dirigido a
D e u s , e v i d e n c i a s d e ) e a ap o lo g ética clássica (v.
um m atem ático in crédu lo j
(1734).
a p o l o g é t i c a c l á s s i c a ). Plantinga afirm a que a crença A filosofia de Berkeley. Berkeley é conhecido por
em Deus é tão central que seria insensato pedir seu duas posições aparentem ente incom patíveis. Ele era
fundam ento . A crença em si é o ponto central da um em pirista epistem ológico no estilo de John Locke.
cosm ovisão do que crê (v. Plantinga, p. 187-98). Também era um idealista metafísico que negava a exis­
Plantinga substitui o fundacionalism o clássico por tência da m atéria.
essas “cren ças b á sica s” . Sua teo ria é um tipo de A epistem ologia do em pirism o. Segundo Berkeley, a
fundacionalism o fídeísta (v. f i d e í s m o ). causa e cura das dificuldades filosóficas não está nos
Berkeley, George 106
nossos sentidos ou em nossa razão, m as no princípio 2. Estou recebendo um a sucessão forte e co n tí­
filosófico da abstração. Podemos imaginar, compor, di­ nua de idéias vindas de fora de m im , forçadas
vidir e sim bolizar (generalizar), e nada mais. Idéias ge­ sobre m im , das quais não tenho controle. O que
rais são apenas idéias específicas designadas como re­ denom ino “m undo” todos os outros tam bém
presentação de um grupo (por exemplo, um triângulo). cham am .
O erro da abstração surge da linguagem ; acredita­ 3. Portanto, deve haver um a M ente (Deus), um
m os equivocadam ente que as palavras têm significa­ Espírito ativo que causa o “m undo” de idéias
dos precisos, que toda palavra representa um a idéia que eu e os outros recebem os de fora de nos­
ou que a linguagem serve prim ariam ente para com u­ sas m entes.
nicação. Ela tam bém desperta paixões e influencia ati­ 4. Não percebem os essa M ente de m aneira dire­
tudes. A cura é lim itar pensam entos a idéias básicas que ta, m as apenas seus efeitos, as idéias que ela
estão livres dos seus nom es tradicionais, para evitar causa.
controvérsias puram ente verbais, a arm adilha das abs­
trações e ser claro. O resultado disso é que não buscare­ Respostas às objeções. Berkeley antecipou e ofe­
m os o abstrato quando o específico é conhecido, nem receu respostas a várias objeções, apesar de nem to ­
suporem os que todos os nom es representam um a idéia. das serem plausíveis.
Berkeley acreditava que a fo n te de todas as idéias é Ao argum ento de que sua teoria elim ina a nature­
interna — sensação, percepção, m em ória e im agina­ za, Berkeley responde que a natureza é um conjunto
ção. O sujeito de todo conhecim ento é um perceptor (a de regras pelas quais Deus regularm ente estim ula idéi­
m ente ou “eu”). A n atureza das idéias é que elas são as nas nossas m entes. À afirm ação de que m atéria não
objetos passivos de percepção. Os resultados de tudo tem significado, responde que ela é apenas um a idéia
isso constituem o idealism o metafísico. alcançada por um grupo de sensações. Em bora alguns
A m etafísica do idealism o. Berkeley aceitava a exis­ insistissem parecer severo dem ais com er e vestir idéi­
tência apenas de m entes e idéias. Ser é perceber ( esse as, isso é verdade, m as só porque vai contra nosso uso
isp ercip ere) ou ser percebido ( esse isp ercip i). N enhu­
habitual das palavras.
m a “m atéria” nem seres extram entais existem: Quanto aos que afirm am que objetos distantes não
estão na m ente, respondeu que, se não estão em lugar
1. Não há com o separar ser de ser p ercebid o. nenhum , estão nos nossos sonhos. Além disso, a visão
2 .0 argum ento contra a existência de qualidades de um objeto distante é o prognóstico de que logo po­
derei senti-lo tocar-m e. Apesar da objeção de que o fogo
secundárias tam bém se aplica às prim árias. Por exem ­ é diferente da idéia do fogo, Berkeley nos lem brou que
plo, a extensão não pode ser conhecida separada de Platão não via essa diferença. M esmo assim , outras
cor e peso. Os núm eros baseiam -se em unidade, que crenças universais são falsas. Todos podem ag ir como
não pode ser percebida. A im agem m uda conform e a se a m atéria existisse, ainda que isso seja filosofica­
perspectiva. O m ovim ento é relativo. m ente falso. À objeção geral de que idéias e coisas di­
3. As “coisas” não podem ser conhecidas separa­ ferem foi dada a resposta de que isso é verdade só por­
dam ente do pensam ento; elas existem apenas no pen­ que a prim eira idéia é passiva e a segunda é ativa (ati­
samento. vada por Deus). Essa teoria destrói o conceito de m o­
4. A crença na “m atéria” acusa Deus de um a cria­ vimento? Não. O m ovim ento é redutível a fenôm enos
ção inútil (v. G u i l h e r m e d e O c c a m ). É impossível con­ sensoriais (idéias). Berkeley tam bém respondeu ao
ceber qualquer coisa existente fora da mente. Fazer isso argum ento de que as coisas não pensadas deixariam
é um poder da m ente de form ar um a idéia em si (não de existir. Deus sem pre pensa sobre elas. Essa últim a
fora dela). Nada pode ser concebido como existência resposta ocasionou a fam osa resposta de John Knox:
não-concebida. “Um poem a sobre Berkeley”.
P ro v a s d e D eu s. A lém de ser um e m p irista
epistem ológico e um idealista metafísico, Berkeley era Havia um jovem que disse:
um cristão teísta ( v . t e í s m o ). Ele até ofereceu um a pro­ “Deus deve achar muito anormal
va da existência de Deus (v. D e u s , e v i d ê n c i a s d e ). Se descobrir que essa árvore
Continua a existir
1. Todas as idéias são objetos passivos ou percep­ Quando não há ninguém no local”.
ção. Prezado Senhor:
a) Mentes percebem , m as Sua surpresa é anormal:
b) idéias são apenas percebidas. Eu sempre estou no local.
107 Bíblia, canonicidade da
E é por isso que a árvore Seus argumentos básicos falh am . Os argum entos de
Continuará a existir Berkeley a favor do idealismo são baseados na noção equi­
Já que é observada por este seu vocada de que conhecer envolve a percepção d e idéias em
fiel criado, Deus. vez de perceber as coisas p o r m eio das idéias. Trata-se
novamente de petição de princípio. Se as idéias não são o
Pode-se argum entar contra Berkeley que isso faria objeto form al do conhecimento, e sim o instrumento do
tudo um resultado direto de Deus ou, senão, artificial. conhecimento, a teoria de Berkeley é destruída.
Ele acreditava que isso não era verdadeiro. Há causas Suas soluções engenhosas são contrárias à experiên­
secundárias — idéias com binadas em padrões regula­ cia. Falar de corpos, matéria e natureza que todos experi­
res (natureza) para os propósitos práticos da vida. O fogo m entam os como m eras idéias que Deus regularmente
indica dor em potencial, m as não a provoca. estimula em nós é brilhante, m as anti-intuitivo. É possí­
Já que a Bíblia fala de corpos físicos, Berkeley foi vel, mas inacreditável. Na verdade, é forçad o falar em co­
acusado de negar o ensinam ento da Bíblia. Sua res­ mer idéias. Afirmar que Deus apenas ressuscitou um con­
posta foi que o que cham am os “corpo” é apenas um a junto de idéias de fa to solapa a doutrina d a ressurreição.
coleção de im pressões sensoriais, m as não algo real­ Sua teo ria acu sa D eus d e m en tira. Na verdade,
m ente m aterial. À insistência de que sua teoria era um a Berkeley parece acusar Deus de m entira (v. D e u s , n a ­
negação dos milagres, Berkeley respondeu que as coi­ t u r e z a d e ; m o r a l , a r g u m e n t o ). Se é apenas um a questão
sas não são reais, m as são percepções reais. Então os do poder de Deus, não há dúvida de que Deus pode
discípulos realm ente perceberam que estavam tocan­ estim ular a idéia de m atéria nas nossas m entes sem
do o corpo ressurrecto de Cristo, apesar de este não que a m atéria realm ente exista. Mas não é apenas um a
ser feito de m atéria da m aneira que geralm ente pen­ questão de poder. Deus é m ais que poderoso. Ele é per­
sam os (v. r e s s u r r e i ç ã o , e v i d ê n c i a s d a ). feito. Não pode enganar. Entretanto, estim ular em nós
Os valores do idealism o. O bispo Berkeley enu­ regularm ente a idéia de um m undo fora da m ente
m erou valores positivos em seu idealism o filosófico. quando esse não existe é m entira.
Por exemplo, a fonte do ceticism o (v. a g n o s t i c i s m o ) aca­
bou. Como podem os saber que idéias correspondem Fontes

à realidade? Sem problem a; já que as idéias sã o reais, B e r k e le y , G eorge,E P.


G.
elas não precisam corresponder a m ais nada. A pedra B e r k e l e y , ,4 treatíse concerning theprincipies o f

fundam ental do ateísm o tam bém se foi — a m atéria . human knowledge.

É a m atéria em m ovim ento eterno que os ateus usam ___ ,The analyst; or, A discourse addressed to an infidel
para elim inar a idéia de Deus. mathematician.
___ , Three dialogues between Hylas and
A base para a idolatria é elim inada. Quem adora­ Philonous.
ria a m era idéia de um objeto na sua m ente? Os J. CoEiiNS, A history of m odem european phüosophy.
socinianos perdem sua objeção à ressurreição, já que
não há nada específico a ser ressuscitado (v. r e s s u r r e i ­ Bíblia, canonicidade da. C a n on icid ad e (do grego
ç ã o , o b j e ç õ e s A ).
k a n o n , reg ra ou n o rm a ) diz resp eito aos livros
Avaliação. Apesar de Berkeley ser um cristão teísta norm ativos ou autorizados inspirados por Deus para
na tradição clássica, suas idéias m etafísicas causaram inclusão nas Escrituras Sagradas. A canonicidade é de­
grande desconforto para outros teístas. Em vez de re­ term inada por Deus (v. b í b l i a , e v i d ê n c i a s d a ). Não são a
solver problem as, parecem criá-los. V árias críticas antigüidade, a autenticidade ou a com unidade religiosa
devem ser observadas: que tornam um livro canônico ou autorizado. Um livro
Sua pressu posição básica é forçad a. A pressuposi­ é valioso porque é canônico, e não canônico porque é
ção fundam ental do idealism o de Berkeley é que ape­ ou foi considerado valioso. Sua autoridade é estabelecida
nas m entes e idéias existem. Uma vez concedida essa por Deus e simplesmente descoberta pelo povo de Deus.
pressuposição, o restante é resultado natural. No en­ D efinição de canonicidade. A distinção entre a
tanto, não existe razão convincente para aceitá-la. Na determ inação de Deus e a descoberta hum ana é es­
verdade, trata-se de petição de princípio, pois presu­ sencial para a visão correta da canonicidade, e deve
m e que ap en as m entes e idéias existem . Não é surpre­ ser feita cuidadosam ente:
sa, portanto, que ele conclua que nada existe além de Xa “visão incorreta” a autoridade das E scrituras
m entes e idéias. A existência da realidade além da é baseada na autoridade da igreja; a visão correta é
m ente e não-m ental não é elim inada por nenhum dos que a autoridade da igreja deve ser encontrada na
argum entos de Berkeley. autoridade das E scrituras. A visão incorreta coloca a
Bíblia, cononicidade da 108
O relacionamento de autoriadade 3. Incapacidade de distinguir entre o acréscim o
entre a igreja e o cânon de livros ao cánon e a rem oção de livros dele.
4. Incapacidade de distinguir entre o cânon que
Posição incorreta Posição correta a com unidade reconhecia e as opiniões excên­
sobre o cânon sobre o cânon tricas de indivíduos.
A igreja determina A igreja descobre 5. Incapacidade de usar adequadam ente a evi­
o cânon. o cânon. dência judaica sobre o cânon transm itido por
A igreja é mãe do A igreja é filha do m ãos cristãs, quer por negar as origens judai­
cânon. cânon. cas, quer por ignorar o meio cristão pelo qual
A igreja é magistrada A igreja é ministra ele foi transm itido.
do cânon. do cânon.
A igreja regula A igreja reconhece P rin cíp ios d e ca n o n icid a d e. A dm itido o fato de
o cânon. o cânon. que Deus concedeu autoridade e, daí, canonicidade
A igreja é juíza A igreja é testemunha à Bíblia, surge outra questão: Como os crentes to m a­
do cânon. do cânon. ram conhecim ento do que Deus fizera? Os próprios
A igreja é mestra A igreja é serva livros canônicos aceitos da Bíblia referem -se a ou ­
do cânon. do cânon. tros livros que não estão m ais disponíveis, por exem ­
plo, o “Livro dos Justos” (Js 10.13) e o “livro das Guer­
igreja acim a do cânon, ao passo que a posição apro­ ras do S e n h o r ” (K m 21.14). E ain d a há os livros
priada vê a igreja so b o cânon. Na verdade, se na co­ a p ó crifo s e os cham ados “livros perdidos”. Como os
luna intitulada “visão incorreta” a palavra “igreja” for pais da igreja sabiam que eles não eram inspirados?
substituída por “Deus”, a visão adequada do cânon Por acaso João (21.25) e Lucas (1.1) não m enciona­
surge claram ente. Foi Deus quem regulou o cânon; o ram um a profusão de literatu ra religiosa? Não havia
hom em apenas recon heceu a autoridade divina que epístolas falsas (2Ts 2.2)? Quais m arcas de in sp ira­
Deus deu ao cânon. Deus d eterm in ou o cânon, e o ção guiaram os pais apostólicos enquanto identifi­
hom em o descobriu . Louis Gaussen dá um resum o cavam e coletavam os livros inspirados? Talvez o p ró ­
excelente dessa posição: prio fato de alguns livros canônicos serem q uestio­
nados periodicam ente, com base em um ou outro
Nessa questão, então, a igreja é serva e não senhora; princípio, defende o valor do princípio e a precaução
repositório, e não juíza. F.la exercita o cargo de ministra, não dos pais no seu reconhecim ento da canonicidade.
de magistrada [...] Dá testemunho, não sentencia. Discerne o Oferece certeza de que o povo de Deus realm ente in ­
cânon das Escrituras, não o cria; reconhece-o, não o autenti­ cluiu os livros que Deus queria.
ca [...] A autoridade das Escrituras não é fundada, assim, na Cinco questões fundam entais estão no centro do
autoridade da igreja. É a igreja que é fundada na autoridade processo da descoberta:
das Escrituras (Gaussen,p. 137). O livro f o i escrito p o r um p rofeta d e Deus? A per­
g u n ta b á sic a era se um liv ro era p ro fético . A
D escobrindo a canonicidade. M étodos adequa­ caractéristica profética determ inava a canonicidade.
dos devem ser em pregados para descobrir que livros O profeta era alguém que declarava o que Deus havia
Deus determ inou serem canônicos. Senão, a lista de revelado. Então, som ente escrituras proféticas eram
livros canônicos seria variada e identificada incorre­ canônicas. Q ualquer coisa que não fosse escrita por
tam ente. M uitos procedim entos usados no estudo do um profeta de Deus não fazia parte da Palavra de Deus.
cânon do a t foram prejudicados pelo uso de m étodos Os term os característicos “E a palavra do S e n h o r veio
falhos (v. APÓCRIFOS DO AT F DO X E ). ao profeta”, ou “O S e n h o r disse a”, ou “Deus disse” são
Critérios in ad eq u ad os d e can on icidade. Cinco m é­ tão freqüentes nos a t de tal m aneira que se tornaram
todos errados afligiram especificam ente a igreja (v. fam osas. Se com provadas, essas afirm ações de inspi­
B eckw ith,p. 7-8): ração são tão claras que seria praticam ente desneces­
sário discutir se alguns livros eram de origem divina.
1. Incapacidade de distinguir um livro que era Na m aioria dos casos tratava-se apenas da questão de
“conhecido” de um livro que tinha a autorida­ estabelecer a autoria do livro. S e foi escrito por um
de divina. apóstolo ou profeta reconhecido, seu lugar no cânon
2. Incapacidade de distinguir conflitos sobre o estava assegurado.
cânon entre grupos diferentes de incerteza so­ Evidências históricas ou estilísticas (externas ou
bre o cânon dentro desses grupos. internas) que apóiam a autenticidade de um livro
109 Bíblia, canonicidade da
profético tam bém defendem sua canonicidade. Esse é Assim, ou a epístola era um a fraude ou havia grande
o m esm o argum ento que Paulo usou para defender dificuldade em explicar seu estilo diferente. Os que se
suas duras palavras aos gálatas (Gl 1.1-24). Ele argu­ incom odavam com essas evidências duvidavam da
m entou que sua m ensagem era autorizada porque ele autenticidade de 2 Pedro e por isso ela foi colocada en­
era um m ensageiro autorizado por Deus: “... apóstolo tre os livros denom inadas antilegô-menos por um tem ­
enviado, não da parte de hom ens nem por meio de pes­ po. Finalm ente foi aceita porque era a obra genuína de
soa algum a, m as por Jesus Cristo e por Deus Pai...” Pedro. As diferenças de estilo podem ser atribuídas à
C ontra-atacou tam bém seus oponentes que pregavam passagem do tem po, a ocasiões diferentes e ao fato de
outro evangelho que, na realidade não é o evange­ Pedro ter ditado verbalm ente IPedro a um am anuense
lho. [...] pervent[endo] o evangelho de Cristo”. O evan­ (ou secretário; v. IPe 5.12).
gelho dos seus oponentes não podia ser verdadeiro A inspiração era tão certa em várias obras proféti­
porque eram “falsos irm ãos” (Gl 2.4). cas que sua inclusão era óbvia. Algum as foram rejei­
Deve-se observar nesse sentido que ocasionalm en­ tadas por falta de autoridade, especialm ente as obras
te a Bíblia contém profecias verdadeiras de indivíduos pseudepigráficas. Esses livros não com provavam sua
cuja posição no povo de Deus é questionável, como alegação de autoria. Esse m esm o princípio de autori­
Balaão (Nm 24.17) e Caifás (Jo 11.49). Mas, m esm o dade foi a razão do livro de Ester ser questionado, prin­
presum indo que essas profecias tenham sido dadas cipalm ente pelo fato do nom e de Deus estar nitida­
conscientem ente, esses profetas não eram autores de m ente ausente. Com um exam e m ais cuidadoso, Ester
livros da Bíblia, e foram apenas citados pelo verdadei­ reteve seu lugar no cânon depois de os pais apostóli­
ro autor. Portanto, seus pronunciam entos estão na cos se convencerem de que a autoridade estava pre­
m esm a categoria que os poetas gregos citados pelo sente, ainda que m enos evidente.
apóstolo Paulo (cf At 17.28; ICo 15.33; Tt 1.12). O autor foi confirmado pelos atos de Deus? O milagre
Os argum entos que Paulo usou contras os falsos é o ato de Deus para confirm ar sua palavra dada por
m estres da Galácia tam bém foram usados como base meio do seu profeta para o seu povo. É o sinal para com ­
para a rejeição de um a carta que foi forjada ou escrita provar seu serm ão; o milagre para confirm ar sua m en­
sob falso pretexto. Uma carta desse tipo é m enciona­ sagem. Nem toda revelação profética foi confirm ada por
da em 2 Tessalonicenses 2.2. Um livro não pode ser um milagre específico. Havia outras m aneiras de deter­
canônico se não for autêntico. Um livro pode usar o m inar a autenticidade de um suposto profeta. Se havia
recurso de personificação literária sem traude. Um dúvidas sobre suas credenciais proféticas, isso seria de­
autor assum e o papel de outro para causar im pressão. term inado pela confirm ação divina, como realm ente
A lguns e stu d io so s ach am que esse é o caso de aconteceu em várias ocasiões nas Escrituras (Êx 4; Nm
Eclesiastes, se Qohelet escreveu autobiograficam ente 16,17; lR s 18; Mc 2; At 5; v. m i l a g r e s n a B í b l i a ).
como se fosse Salom ão (v. Leupold, p. 8ss.). Havia profetas verdadeiros e falsos (M t 7.15), logo
Essa teoria não é incom patível com o princípio, era necessária a confirmação divina dos verdadeiros.
contanto que se possa dem onstrar tratar-se de um re­ Moisés recebeu poderes m iraculosos para comprovar
curso literário e não um a fraude. Mas, quando um au­ seu cham ado (Êx 4.1-9). Elias triunfou sobre os falsos
tor finge ser apóstolo para conquistar a aceitação de profetas de Baal por um a ação sobrenatural (lR s 18).
suas idéias, como os autores de m uitos livros apócrifos Os milagres e sinais que Deus realizou por meio de Je­
do n t fizeram , trata-se de fraude. sus lhe conferiram autoridade (At 2.22). Quanto à m en­
Por causa desse princípio “protético”, 2Pedro foi sagem dos apóstolos,
questionada na igreja prim itiva. Até Eusébio, no sécu­
lo iv, disse: Deus também deu testemunho dela por meio de sinais,
maravilhas, diversos milagres e dons do Espírito Santo
Quanto àquela enumerada como segunda, ti vemos no­ destribuídos de acordo com a sua vontade” (Hb 2.4).
tícias de que não é testamentária, todavia muitos a conside­
ram útil e foi tomada em consideração com as demais Es­ Paulo deu testem u n h o do seu ap osto lado aos
crituras. (História eclesiástica,livro m,cap. 3.3). coríntios, declarando:“As marcas de um apóstolo — si­
nais, maravilhas e milagres — foram dem onstradas en­
Com base em diferenças no estilo literário, alguns tre vocês, com grande perseverança” (2Co 12.12; v. m i l a ­
acreditavam que o autor de 2Pedro não podia ser o m es­ g r e s , VALOR APOLOGÉTICO DOS).
mo autor de IPedro. Mas 2Pedro afirmava ser escrita por A mensagem diz a verdade sobre £>e«s?Apenas os con­
“Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo” (2Pe 1.1). tem porâneos imediatos tiveram acesso à confirmação
Bíblia, canonicidade da 110
sobrenatural da m ensagem do profeta. Outros cren­ da igreja prim itiva rejeitaram ou consideraram de se­
tes em lugares distantes e em épocas posteriores d e­ gunda categoria esses livros porque tinham im preci­
pendiam de outros testes. Um deles era a autentici­ sões h istó ric a s e até in co n g ru ên cias m o rais. Os
dade de um livro. Isto é, o livro diz a verdade sobre reform adores rejeitaram alguns deles por causa do que
Deus e seu m undo conform e outras revelações? Deus consideravam ensinam entos heréticos, como orações
não se contradiz (2Co 1.17,18), nem pode m entir (Hb pelos m ortos, que 2M acabeus 12.45 apóia. 0 apóstolo
6 .8). N enhum livro com afirm ações falsas pode ser a João incentivou firm em ente que toda suposta “verda­
Palavra de Deus. M oisés afirm ou o princípio sobre de” fosse testada pelo padrão conhecido antes de ser
profetas em geral que: recebida (ljo 4.1-6).
O teste de autenticidade foi a razão de Tiago e Judas
Se aparecer entre vocês um profeta ou alguém que faz pre­ serem questionados. Algum as pessoas já considera­
dições por meio de sonhos e lhes anunciar um sinal ram Judas falso porqu e possivelm ente cita livros
miraculoso ou um prodígio, e se o sinal ou o prodígio de que pseudepigráficos não autênticos (Jd 9,14; v. Jerônimo,
ele falou acontecer, e ele disser: ‘Vamos seguir outros deuses 4). M artinho Lutero questionou a canonicidade de
que vocês não conhecem e vamos adorá-los’, não dêem ouvi­ Tiago por não possuir ênfase evidente da cruz, opi­
dos às palavras daquele profeta ou sonhador (Dt 13.3a) nando que o livro parecia ensinar a salvação por obras.
Um estudo m ais cuidadoso liberou Tiago dessas acu­
Assim, qualquer ensinam ento sobre Deus contrá­ sações, e até Lutero se sentiu m elhor quanto a ela. His­
rio ao que seu povo já sabia ser verdadeiro devia ser tórica e uniform em ente, Judas e Tiago foram justifi­
rejeitado. Além disso, qualquer previsão feita sobre o cados, e sua canonicidade foi reconhecida depois de
m undo que não se realizasse indicava que as palavras serem harm onizados com o resto das Escrituras.
do profeta deveriam ser rejeitadas. Como Moisés disse Ele veio com o poder de D eus? O utro teste de
a Israel: canonicidade é o poder do livro de edificar e equipar
os crentes. Isso requer o poder de Deus. Os pais acre­
Mas talvez vocês perguntem a si mesmos: ‘Como sabe­ ditavam que a Palavra de Deus era “viva e eficaz” (Hb
remos se uma mensagem não vem do S e n h o r ?’ 4.12) e co n seq ü en tem en te deveria ter um a força
Se o que o profeta proclamar em nome do S e n h o r não transform adora (2Tm 3.17; IPe 1.23). Se a m ensagem
acontecer nem se cumprir, essa mensagem não vem do Se­ de um livro não atingia seu devido objetivo, se não
n h o r . Aquele profeta falou com presunção. Não tenham medo
dele (Dt 18.21,22). tivesse o poder de m udar vidas, então Deus evidente­
m ente não estava por trás da sua m ensagem . A men­
Se um profeta fizesse essas falsas afirm ações po­ sagem divina certam ente seria apoiada pelo poder de
deria ser apedrejado. Iavé disse: Deus. Os pais acreditavam que a Palavra de Deus atin­
ge seu propósito (Is 55.11). Paulo aplicou esse princí­
Mas o profeta que ousar falar em meu nome alguma pio ao a t quando escreveu a Timóteo: “Porque desde
coisa que eu não lhe ordenei, ou que falar em nome de ou­ criança você conhece as Sagradas Letras que são ca­
tros deuses, terá que ser morto (Dt 18.20). pazes de torná-lo sábio para a salvação...” (2Tm 3.15).
Se é de Deus, funcionará — irá se cum prir. Esse teste
Esse tipo de castigo garantia que não haveria ne­ simples foi dado a Moisés para testar a verdade da pre­
nhum a ação sem elhante por parte daquele profeta e visão do profeta (Dt 18.20ss.). Se o que foi previsto
dava a outros profetas hesitação antes de dizer: “Assim não acontecesse, não seria de Deus.
diz o S e n h o r ” . Com base nisso, literatura herética e boa literatura
A verdade por si só não torna um livro canônico. apostólica não-canônica foi rejeitada do cânon. Até os li­
Esse é m ais um teste de não-autenticidade de um li­ vros cujo ensinamento era espiritual, m as cuja m ensa­
vro que de canonicidade. É um teste negativo que po ­ gem era no m áxim o devocional, foram julgados não
deria elim inar livros do cânon. Os crentes de Beréia canônicos. Esse é o caso da m aioria da literatura escrita
usavam esse princípio quando exam inavam as Escri­ nos períodos apostólico e subapostólico. Há um a diferen­
turas para ver se os ensinam entos de Paulo eram ver­ ça trem enda entre os livros canônicos do n t e outras obras
dadeiros (At 17.11). Se a pregação do apóstolo não religiosas do período apostólico.“Não há o m esm o fres­
concordasse com o ensinam ento do cânon do a t , não cor e originalidade, profundidade e clareza. E não é para
poderia ser de Deus. admirar, pois indica a transição das verdades dadas por
G rande p arte dos apócrifos foi rejeitada porque inspiração infalível para a verdade reproduzida por pio­
não era autêntica. As autoridades judaicas e os pais neiros falíveis” (Louis B e r k h o f : A história da doutrina
111 Bíblia, canonicidade da
cristã, p.38). Falta poder aos livros não-canônicos; não Paulo (2Pe 3.16). Na verdade, os apóstolos insistiram
tinham os aspectos dinâmicos encontrados na Escritura em que suas cartas fossem lidas e circulassem entre as
inspirada.Não eram acom panhados pelo poder de Deus. igrejas (Cl 4.16; lTs 5.27; Ap 1.3).
Os livros cujo poder edificante foi questionado in ­ Alguns argum entaram que Provérbios 25.1 m os­
cluem Cântico dos Cânticos e Eclesiastes. Um livro que tra um a exceção. Sugere que alguns provérbios de
é erótico, sensual ou cético poderia ser de Deus? Cer­ Salomão provavelm ente não foram aceitos no cânon
tam ente não; enquanto esses livros fossem vistos des­ d u ran te sua vida. Antes, “os hom ens de Ezequias”
sa m aneira, não poderiam ser considerados canônicos. transcreveram outros provérbios de Salomão. É pos­
C ertam ente, a m ensagem desses livros foi considera­ sível que esses provérbios adicionais (cap. 25 até 29)
da espiritual; assim os livros foram aceitos.M as o prin­ não tenham sido apresentados oficialm ente à com u­
cípio foi aplicado im parcialm ente. Alguns livros pas­ nidade dos fiéis durante a vida de Salomão, talvez por
saram no teste; outros não. Nenhum livro que care­ causa do seu declínio m oral posterior. Mas, como eram
cesse das características edificantes ou práticas foi con­ provérbios autênticos de Salomão, não havia razão para
siderado canônico. não apresentá-los m ais tarde e então aceitá-los im e­
Ele fo i aceito p e lo p o v o d e D eus ? Um profeta de diatam ente como autorizados. Nesse caso Provérbios
Deus era confirm ado por um ato de Deus (m ilagre) 25 até 29 não seria um a exceção à regra canônica da
e era nom eado porta-voz pelo povo que recebeu a aceitação im ediata.
m ensagem . Então o selo da canonicidade dependia Também é possível que esses capítulos posteriores
de o livro ser aceito pelo povo. Isso não quer dizer de Provérbios tenham sido apresentados e aceitos como
que todos na com unidade à qual a m ensagem do pro­ autoridade durante a vida de Salomão. Essa teoria pode
feta fora pronunciada a tivessem aceito com o au to­ ser sustentada pelo fato de que a parte salom ônica do
ridade divina. Profetas ( IRs 17-19; 2Cr 36.11-16) e livro deve ter sido compilada em três partes, que com e­
apóstolos (G11) foram rejeitados por alguns. Mas os çam em 1.1,10.1 e 25.1. Talvez elas fossem guardadas
crentes na com unidade do profeta reconheceram a em rolos diferentes. A palavra outros em Provérbios 25.1
natureza profética da m ensagem , assim com o outros pode referir-se ao fato de os hom ens de Ezequias copia­
crentes contem porâneos fam iliarizados com o p ro ­ rem a últim a parte (rolo) com as duas prim eiras partes
feta. Essa aceitação tem duas fases; aceitação inicial (rolos). Os três rolos teriam sido im ediatam ente aceitos
e reconhecim ento subseqüente. como autoridade divina, sendo apenas copiados nova­
A a c eita ç ã o in icial do livro pelo povo a quem foi mente pelos estudiosos.
endereçado era crucial. Paulo disse sobre os telassa- Já que as Escrituras de todas as épocas são m enci­
lonicenses: onadas em obras bíblicas posteriores, e cada livro é
citado por algum pai da igreja prim itiva ou alistado
Também agradecemos a Deus sem cessar o fato de que, em algum cânon, há m uitas evidências de que havia
ao receberem de nossa parte a palavra de Deus, vocès a acei­ contínuo acordo na com unidade da aliança com rela­
taram, não como palavra de homens, mas conforme ela ver­ ção ao cânon. O fato de certos livros serem escritos por
dadeiramente é, como palavra de Deus... (2Ts 2.13). profetas em épocas bíblicas e estarem agora no cânon
defende sua canonicidade. Junto com as evidências de
Seja qual for o argum ento subseqüente que hou­ um a continuidade de crença, isso defende firm em ente
vesse sobre a posição de um livro, as pessoas em m e­ a idéia de que a canonicidade existiu desde o início. A
lhores condições para conhecer suas credenciais pro­ presença de um livro no cânon ao longo dos séculos é
féticas eram as pessoas que conheciam o autor. A evi­ evidência de que os contem porâneos do profeta que o
dência definitiva é a que atesta sua aceitação por cren­ escreveu sabiam que ele era genuíno e tinha autorida­
tes contem porâneos. de, apesar de gerações posteriores não terem conheci­
Há am pla evidência de quais livros foram aceitos mento definitivo das credenciais proféticas do autor.
im ediatam ente para o cànon. Os livros de Moisés foram O debate posterior sobre certos livros não deve ofus­
colocados im ediatam ente com a arca da aliança (Dt car sua aceitação inicial pelos contem porâneos im edia­
31.26). A obra de Josué foi acrescentada (Js 24.26). De­ tos dos profetas. A verdadeira canonicidade foi determ i­
pois vieram os livros de Samuel e outros (ISm 10.25). n ada por Deus quando direcionou o profeta a escrever,
Daniel tinha um a cópia de Moisés e dos Profetas, que in­ e foi im ediatam ente recon hecida pelo povo receptor.
cluía o livro do seu contemporâneo Jeremias (Dn 9.2,10, Tecnicamente faiando, a discussão sobre certos li­
11). Paulo citou o evangelho de Lucas como “Escritura” vros nos últim os séculos não era um a questão de
(lTm 5.18). Pedro tinha um a coleção das “cartas” de can on icid ad e, m as de au ten ticid ad e ou g en u in idade.
Bíblia, canonicidade da 112

Como os leitores mais recentes não tinham acesso ao era terminantemente rejeitado, por mais que fosse
autor nem evidência direta de confirmação sobrena- edificante ou popular entre os fiéis. Segundo, houve certos
tural, eles tinham de depender do testemunho histó- livros que durante muito tempo estiveram na iminência de
rico. Uma vez convencidos pela evidência de que os ser incluídos no cânon, mas que no final deixaram de ga-
livros foram escritos por porta-vozes autorizados por rantir sua admissão, geralmente por que lhes faltava essa
Deus, os livros foram aceitos pela igreja universal. !Mas marca indispensável [...] terceiro, alguns dos livros que mais
as decisões dos concílios da igreja nos séculos iv e v tarde foram incluídos tiveram de aguardar um tempo con-
não determinaram 0 cânon, nem 0 descobriram ou siderável antes de obter reconhecimento universal [...] Gra-
reconheceram pela primeira vez. Em momento algum dualmente, contudo, a igreja, quer do Oriente quer do Oci-
a autoridade dos livros canônicos foi competência dos dente, foi chegando a um denominador comum quanto a
concílios da igreja posterior. Tudo que os concílios fi- seus livros sagrados. Oprimeiro documento oficial que pres-
zeram foi dar reconhecimento p osterior, mais am plo, e creve como canônicos apenas os vinte e sete livros de nosso
fin a l aos fatos de que Deus havia inspirado os livros e Novo Testamento é a Carta de Páscoa que Atanásio escre-
de que o povo de Deus os aceitara. veu para 0 ano de 367, mas 0 processo não se completou em
Vários séculos se passaram antes de todos os li- todos os lugares senão um século e meio mais tarde (Dou-
vros do cânon serem reconhecidos. A comunicação e trinas centrais da fé cristã, p.44).

0 transporte eram lentos, então demorava tempo para


os crentes do Ocidente estarem completamente cien- Alguns princípios são implícitos e outros são explíci-
tos. Todos os critérios de inspiração são necessários para
tes das evidências de livros que haviam circulado pri-
demonstrar a canonicidade de cada livro. As cinco ca-
meiro no Oriente, e vice-versa. Antes de 313 d.C a igreja
racterísticas devem pelo menos estar presentes impli-
enfrentou perseguições freqüentes que não permiti-
citamente, apesar de algumas prevalecerem sobre ou-
rem espaço para pesquisa, reflexão e reconhecimento.
tras. Por exemplo, a dinâmica do poder capacitador de
Logo que isso se tornou possível, pouco tempo se pas-
Deus é mais óbvia nas epístolas do n t que nas narrati-
sou antes de haver conhecimento geral de todos os li-
vas históricas do at. A autoridade de “Assim diz 0 Se-
vros canônicos pelos concílios regionais de Hipona
nhor” é mais evidente nos profetas que na poesia. Isso
(393) e Cartago (397). Não havia a necessidade gran-
não quer dizer que a autoridade não esteja presente nas
de de precisão até que surgiu um conflito. Marcião
seções poéticas, nem que não haja dinâmica na história
publicou seu cânon gnóstico, com apenas Lucas e dez
redentora. Significa que os pais nem sempre encontra-
das epístolas de Paulo, na metade do século 11. Epísto-
ram todos os princípios operando explicitamente.
las e evangelhos falsos apareceram durante os séculos
Alguns prin cíp ios sã o m ais im portantes qu e outros.
!1 e m. Já que esses livros afirmavam ter autoridade di-
Alguns critérios de inspiração são mais importantes
vina, a igreja universal precisou definir os limites do
que outros, pelo fato de a presença de um subenten-
cânon, autêntico e inspirado, que já se conhecia. der 0 outro, ou ser uma chave paraosoutros.Por exem-
A p lica n d o p r in c íp io s d e c a n o n ic id a d e . Para não pio, se um livro possui autoridade divina, ele será di-
dar a impressão de que esses princípios foram aplica- nâmico — acompanhado pelo poder transformador
dos explícita e mecanicamente por uma comissão, são de Deus. Na verdade, quando a autoridade estava ine-
necessárias algumas explicações. Como é que os prin- gavelmente presente, as outras características de ins-
cípios operavam na consciência da igreja cristã pri- piração eram automaticamente pressupostas. Entre os
mitiva? Apesar da questão do descobrimento do cânon livros do n t a prova de apostolicidade, sua natureza
estar centrada igualmente no a t e no n t, J. N. D. Kelly profética, era considerada uma garantia de inspiração
discute esses princípios conforme aplicados ao cânon ( B . B . W a r f ie ld , The inspiration a n d au thority o f the
do n t. Ele escreve: B ible, p. 415). Se a qualidade profética pudesse ser pro-
vada, só isso fundamentava 0 livro. No sentido geral,
A questão principal a se observar é que a fixação da os pais da igreja só estavam explicitamente preocupa-
lista de livros finalmente reconhecidos e da ordem em que dos com a apostolicidade e autenticidade. As caracte-
deveriam ser despostos foi resultado de um processo bem rísticas edificantes e a aceitação universal de um livro
gradual [...] Devem-se assinalar três aspectos desse pro- eram pressupostas, a não ser que alguma dúvida so-
cesso. Primeiro, o critério que veio a prevalecer em última bre as duas prim eiras perguntas forçasse uma
instância foi 0 da apostolicidade. Se não fosse provado que reavaliação dos testes. Isso aconteceu com 2Pedro e
um livro era de autoridade de um apóstolo ou que, pelo 2João. A evidência positiva dos três primeiros princí-
menos tinha 0 suporte da autoridade de um apóstolo, ele pios surgiu vitoriosa.
113 Bíblia, crítica da
O testem unho do Espírito Santo. O reconhecimento J. N. D. K e i .i .y , Doutrinas centrais da fé cristã.
da canonicidade não era uma simples questão mecâ- ). P. L an g e, Commentary on the Holy Scriptures.
nica resolvida por um sínodo ou concilio eclesiástico. H. C. Exposition of Ecclesiastes.
Era um processo providencial direcionado pelo Espí- R. C. Sproh ,“ The internal testimony of the Holy
rito de Deus à medida que ele testemunhava para a Spirit” , em N. L. Geiseer, org. Inerrancy.
Igreja sobre a realidade da Palavra de Deus ( v. E s p írito B. B. Wariteed, The inspiration and authority of the
S a n to na a p olo gética, papel d o ). A s pessoas não podiam Bible.
identificar a Palavra enquanto 0 Espírito Santo não
abrisse seu entendimento. Jesus disse: “As minhas ove- Bíblia, crítica da. A palavra crítica, quando aplicada
lhas ouvem a minha voz” (Jo 10.27). Isso não quer di- à Bíblia, significa apenas 0 exercício do discernimento.
zer que 0 Espírito Santo tenha falado misticamente em Teólogos conservadores e não-conservadores fazem
visões para resolver questões de canonicidade. O tes- dois tipos de crítica bíblica: a b aix a crítica, que lida
temunho do Espírito Santo os convenceu da realidade com 0 texto: a alta crítica, que trata da fonte do texto.
de que 0 cânon inspirado por Deus existia, não de sua A baixa crítica tenta determinar 0 que 0 texto original
extensão (Sproul, p. 337-54). A fé se uniu à ciência; dizia, e a outra pergunta quem disse e quando, onde e
princípios objetivos foram usados, mas os pais sabi- por que foi escrito.
am que as obras haviam sido usadas nas suas igrejas A maioria das controvérsias relacionadas à crítica
para mudar vidas e ensinar corações pelo Espírito San- bíblica envolve a alta crítica. A alta crítica pode ser di-
to. Esse testemunho subjetivo se uniu à evidência ob- vidida em negativa (destrutiva) e positiva (construti-
jetiva na confirmação do que era Palavra de Deus. va). A crítica negativa nega a autenticidade de grande
Testes de canonicidade não eram um meio mecâ- parte do registro bíblico. Essa abordagem em geral
nico de medir a quantidade de literatura inspirada, e emprega uma pressuposição anti-sobrenatural (v. mi-
o Espírito Santo não disse: “Esse livro ou essa passa- LAGRES, ARGUMENTOS CONTRA; MILAGRES, MITOS F.). Além dlS-
gem é inspirada; aquele não é” . Isso seria revelação, so, a crítica negativa normalmente aborda a Bíblia com
não descobrimento. O Espírito Santo providencialmen- desconfiança equivalente a um preconceito do tipo
te guiou 0 processo de avaliação e testemunhou para “culpado até que se prove inocente” .
0 povo à medida que liam ou ouviam. C rítica n ega tiv a do nt. Métodos de crítica histó-
C onclusão. É importante distinguir entre a deter- rica, d as fontes, d a form a, d a trad ição e d a red a ção (e
m inação e a descoberta da canonicidade. Deus é 0 único suas combinações) são as abordagens em que, histo-
responsável por determinar; 0 povo de Deus é respon- ricamente, 0 preconceito surge mais forte. Qualquer
sável por descobrir. O fato de um livro ser canônico é um deles, usado para promover uma agenda cética,
devido à in spiração divina. Sabe-se que um livro é com pouca ou nenhuma consideração pela verdade,
canônico devido ao processo de reconhecimento huma- solapa a apologética cristã.
no. O livro foi 1) escrito por um porta-voz de Deus; 2) Crítica histórica. A crítica histórica é um termo
que foi confirmado por um ato de Deus; 3) disse a ver- amplo que abrange técnicas de datar documentos e
dade 4) no poder de Deus; e 5) foi aceito pelo povo de tradições, para verificar eventos relatados nesses do-
Deus. Se um livro tinha 0 primeiro sinal claramente, a cumentos, e usar os resultados na historiografia para
canonicidade geralmente era dada. Os eontemporâne- reconstruir e interpretar. O padre francês Richard
os de um profeta ou apóstolo faziam a confirmação ofi- Simon, oratoriano, publicou uma série de livros, a par-
ciai. Os pais da igreja mais recentes investigaram a pro- tir de 1678, em que aplicou uma abordagem crítica e
fusão de literatura religiosa para reconhecer oficialmen- racionalista para estudar a Bíblia. Esse foi 0 nascimen-
te quais livros eram divinamente inspirados da forma to do estudo histórico-crítico da Bíblia, mas só com
citada por Paulo em 2Timóteo 3.16. Johann Gottfried Eichhorn (1752-1827) e Johann
David Michaelis (1717-1791) 0 moderno padrão his-
Fontes tórico-crítico foi estabelecido. Eles foram influencia-
R. B e c k w i t h , The Old Testament canon oftheXew dos pela pesquisa histórica secular de Barthold Georg
Testament church and its background in early judaism. Niebuhr (1776-1831; R om ische Geschichte, 1811-1812),
L. B e r k h o f , A história das doutrinas cristãs. Leopold von Ranke (1795-1886; G e s h ic h te d e r
E u s e b io , História eclesiástica. ro m a n isch en u m d g er m a n is c h en V olker von 1494-
L G a u ssex, Theopneustia. 1535), e outros, que desenvolveram e refinaram as
N. L. G e i s l e r e \V. E . Nix, Introdução bíblica. técnicas. Entre os influenciados estava Johann
J e r ô n i m o , Lives of illustrious men. Christian Konrad von Elofmann (1810-1877). Ele
Bíblia, crítica da 114

combinou elementos de Friedrich Schelling (1775- seqüências diversas, com 0 segundo dependendo do
1854), de Friedrich Schleiermacher (1768-1834) e do primeiro e 0 terceiro do segundo. Essas teorias foram
luteranis-mo ortodoxo com categorias históricas e precursoras típicas da teoria das D uas fontes desen-
métodos críticos para fazer uma síntese bíblico-teo- volvida por B. H. Streeter (1874-1937), que afirmou a
lógica. Esse modelo enfatizava a “ história supra-his- prioridade de Marcos e posteriormente conquistou
tórica” e “ história santa” ou “história da salvação” grande aceitação entre os teólogos do n t. Os argumen-
(H eilsgeschichte ) — 0 tipo de história que não precisa tos de Streeter foram questionados, e sua tese, desafi-
ser literalmente verdadeira. Suas idéias e termos in- ada por outros. Eta Linnemann, outrora aluna de
fluenciaram K a rlB A R T H (1886-1968), Rudolf B u ltm a n x Bultmann e estudiosa da crítica, escreveu uma crítica
(1884-1976) e outros no século xx. No final do século severa da sua antiga posição em que usa a análise de
xix, teólogos ortodoxos capazes desafiaram a “crítica fontes para concluir que, na verdade, não existe ne-
destrutiva” e sua teologia racionalista. nhum problema sinótico. Ela insiste em que cada au-
Entre os teólogos conservadores estavam George tor dos evangelhos escreveu um registro independen-
Salmon (1819-1904), Theodor von Zahn (1838-1933)e te baseado na experiência pessoal e em informações
R. H. Lightfoot (1883-1953), que usavam métodos crí- individuais. Ela escreveu:
ticos como base para uma crítica construtiva. Essa crí-
tica construtiva se manifesta mais abertamente quan- Com 0 passar do tempo, fico cada vez mais convencida
do considera assuntos como milagres, 0 nascimento vir- de que a crítica do n t praticada por pessoas comprometidas
ginal de Jesus e a ressurreição corporal de Cristo (v. res- com a teologia histórico-crítica não merece ser chamada de
su rreiçâü, evidências da). A crítica histórica não é levada ciência” (Linnemann, p. 9).
em conta hoje nos estudos bíblicos eruditos. Vários tra-
balhos recentes na crítica histórica evidenciam a teolo- E também: “Os evangelhos não são obras literári-
gia racionalista que ao mesmo tempo afirma apoiar a as que redefinem com criatividade um material já aca-
doutrina cristã tradicional. Como resultado disso, sur- bado, tal como Goethe reformulou 0 livro popular so-
giram desenvolvimentos como a crítica das fontes. bre Fausto” (ibid., p. 104). Na verdade, “cada evange-
Crítica d as fontes. A crítica das fontes, também co- lho apresenta um testemunho completo e único. Ele
nhecida por crítica literária, tenta descobrir e definir deve sua existência a testemunhas oculares diretas ou
fontes literárias usadas pelos autores bíblicos. Ela pro- indiretas” (ibid., p. 194).
cura descobrir fontes literárias subjacentes, classificar Crítica d a fo rm a. A crítica da forma estuda formas
tipos de literatura e responder a perguntas relaciona- literárias, tais como ensaios,poemas e mitos,já que obras
das à autoria, unidade e datas dos materiais do a t e n t diferentes têm formas diferentes. Geralmente a forma de
(Geisler, p. 436). Alguns críticos literários tendem a uma peça literária pode revelar muito sobre a sua natu-
destruir 0 texto bíblico, rotular certos livros como reza, seu autor e seu contexto social. Tecnicamente isso é
inautênticos e rejeitar a própria idéia de inspiração chamado de “contexto de vida (Sitz im Leben). A posição
verbal. Alguns teólogos levaram a rejeição de autori- liberal clássica é a teoria documen-tária ou teoria de aná-
dade a tal ponto que modificaram a idéia do cânon lise das fontes do Pentateuco ( jedp) estabelecida por Julius
(por exemplo, com relação à pseudonímia) para aco- Wellhausen (1844-1918) e seus seguidores (v. Pentateuco,
modar suas conclusões (ibid.,p. 436). No entanto, esse a u to ria mosaica de). Eles tentaram mediar 0 tradicio-
empreendimento difícil mas importante pode ser um nalismo e 0 ceticismo, datando os livros do at de forma
auxílio valioso para a interpretação bíblica, já que diz menos sobrenatural ao aplicar a “teoria dos documen-
respeito ao valor histórico das obras bíblicas. Além dis- tos” . Esses documentos são identificados por javista (j),
so, a crítica literária cuidadosa pode impedir más in- que data do século ix a.C., eloísta ( e ) , século 0
terpretações históricas do texto bíblico. deuteronomista (d ), por volta do tempo de Josias (640-
Durante 0 último século, a crítica das fontes do n t 609. a.C), e sacerdotal (p, do alemão Priesterlich), talvez
focalizou 0 denominado “problema sinótico” , já que do século v a.C. O conceito evolucionário era tão atraente
está relacionado a dificuldades que envolvem tentati- na crítica literária que a teoria das fontes para a origem
vas de formular 0 esquema de dependência literária do Pentateuco começou a dominar toda oposição. Uma
responsável por semelhanças e diferenças entre os posição mediadora de alguns aspectos da teoria foi ex-
evangelhos sinóticos de Mateus, Marcos e Lucas. Teo- pressa por C. F. A. Dillman (1823-1894), Rudolph Kittel
rias diversas costumam trabalhar com a idéia da fon- (1853-1929), e outros. A oposição à teoria documental
te q (do alemão Quelle, “ Fonte” ) que não sobreviveu, foi expressa por Franz Delitzsch (1813-1890), que rejei-
mas foi usada pelos evangelistas, que escreveram em tou a hipótese completamente no seu comentário sobre
115 Bíblia, crítica da
Gênesis, porWilliam Henry Green (1825-1900),]ames Orr Crítica da tradição. A crítica da tradição se preocupa
(1844-1913), A. H. Sayce (1845-1933), Wilhelm Mõller, principalmente com a história das tradições antes de se-
Eduard Naville, Robert Dick Wilson (1856-1930) e ou- rem registradas de forma escrita. As histórias dos patri-
tros (v. Harrison, p. 239-41; Archer; Pfeiffer). Às vezes es- arcas, por exemplo, provavelmente passaram de geração
tndos de crítica e forma são prejudicados por pressupo- a geração oralmente até serem escritas como narrativa
ações doutrinárias, incluindo-se a idéia de que formas contínua. Essas tradições orais podem ter sido mudadas
anteriores devem ser curtas e formas posteriores, mais pelo longo processo de transmissão. É de grande interes-
longas. Em geral, no entanto, a crítica da forma benefi- se para 0 estudioso bíblico saber que mudanças foram
ciou a interpretação bíblica. A crítica da forma foi utiliza- feitas e como a tradição posterior, agora registrada numa
da de maneira mais proveitosa no estudo de Salmos fonte literária, difere da versão oral anterior.
(Wenham,History and the Old Testament, p. 40). A crítica da tradição é menos garantida ou segura que
Essas técnicas foram introduzidas no estudo dos a crítica literária porque começa onde a crítica literária
evangelhos no n t como Formgeschichte (“história da for- pára, com conclusões que também são inseguras. É difí-
ma” ) ou crítica da fo rm a . Seguindo na tradição de cil confirmar a hipótese sobre 0 desenvolvimento de uma
Heinrich Paulus e Wilhelm De Wette (1780-1849), entre tradição oral (Wenham, ibid., p. 40-1).Ainda mais tênue
outros, teólogos em Tübingen construíram sobre 0 fun- é a“tradição litúrgica” enunciada por S. Mowinckel e seus
damento da teoria da crítica das fontes. Eles defendiam a associados escandinavos, que argumentam que origens
prioridade de Marcos como primeiro evangelho e várias literárias estavam relacionadas a rituais de santuários pré-
fontes escritas. Wilhelm Wrede 1(1859-1906) e outros crí- exüicos e fenômenos sociológicos. Derivada da aborda-
ticos da forma n t e os primeiros registros escritos desses gem litúrgica está a escola de“mito e ritual” de S. H. Hooke,
eventos. Eles tentaram classificar esse material em “for- que argumenta que um conjunto distinto de rituais e
mas” de tradição oral para descobrir a situação histórica mitos era comum a todos os povos do antigo Oriente
(Sitz im L eben) na igreja primitiva que originou essas for- Médio, inclusive os hebreus. Ambas as abordagens usam
mas. Geralmente supõe-se que essas unidades de tradi- analogias do festival babilônico para apoiar suas varia-
ção refletem mais a vida e 0 ensinamento da igreja pri- ções dos temas clássicos da crítica literária e da crítica da
mitiva que a vida e 0 ensinamento do Jesus histórico. As tradição (Harrison, p. 241).
formas em que as unidades são compostas são indica- A crítica da forma está bem próxima da crítica da
ções do seu valor histórico relativo. tradição nos estudos do nt. Uma revisão de muitas das
A pressuposição fundamental da crítica da forma pressuposições básicas à luz do texto do n t foi feita por
é exemplificada por Martin Dibelius (1883-1947) e Oscar Cullmann em A cristologia do Novo Testamento, e I.
Bultmann. Ao criar novas palavras e ações de Jesus Howard Marshall, The o rigin s o f N ew Testam ent
conforme a situação exigia, os evangelistas teriam or- christology [A5 origens da cristologia do Novo Testamen-
ganizado as unidades ou tradição oral e criado con- to] e l believe in the historical Jesus [Eu creio no Jesus histó-
textos artificiais para servir a seus propósitos. Ao de- rico}. Também veja as discussões em Brevard S. Childs,
safiar a autoria, data, estrutura e estilo de outros li- Introduction to the Old Testament as Scripture [Introdu ‫־‬
vros do n t, os críticos destrutivos chegavam a conclu- ção ao Antigo Testamento como Escritura] e Introduction
sões semelhantes. Para obter uma teologia fragmen- to the New Testament as canon [Introdução ao Novo Tes-
tada do n t, rejeitaram a autoria paulina de todas as tamento como Cânon], e Gerhard Hasel, Teologia do Anti-
epístolas atribuídas a ele, exceto Romanos, ICoríntios, go Testamento e Teologia do Novo Testamento.
2Coríntios e Gálatas (Hodges, p. 339-48). Crítica da redação. A c rític a da redação está mais pró-
Críticos da forma assumidos apoiam duas pressupo- xima do texto do que a crítica da tradição. Como resulta-
sições básicas: 1) A comunidade cristã primitiva tinha do, ela é menos exposta a críticas de especulação subjeti-
pouco ou nenhum interesse biográfico genuíno, nem in- va. A crítica da redação (editorial) só pode ter certeza ab-
tegridade, de modo que criou e transformou a tradição soluta quando tiverem sido usadas todas as fontes que
oral para suprir suas necessidades. 2) Os evangelistas tb- estavam à disposição do redator (editor), já que a tarefa é
ram editores-compiladores de unidades individuais e iso- determinar como 0 redator compilou suas fontes, 0 que
ladas de tradição que eles organizaram e ordenaram sem foi omitido, 0 que foi acrescentado, e que predisposição
consideração para com a realidade histórica (v. Thomas específica estava envolvida no processo. Na melhor das
eGundrvH4 harmony o f the gospels [p.281-2],que identi- hipóteses, 0 crítico só tem algumas das fontes à sua dis-
ficam Dibelius, Bultmann, Burton S. Easton, R. H. posição, tais como os livros de Reis, que foram usados
Lightfoot, Vincent Taylor e D. E. Nineham como os mais pelo(s) autor(es) de Crônicas. Em outros lugares, tanto
importantes críticos da forma do n t). no at quanto no nt, as fontes precisam ser reconstruídas
Bíblia, crítica da 116
a partir da própria obra editada. Assim, a crítica da reda- crítica das fontes, para a crítica de forma e para a crítica
ção fica bem menos confiável como recurso literário da redação, pois esses métodos desafiam a genuinidade,
(Wenham, Gospel origins, p. 439). a autenticidade e, conseqüentemente, a autoridade divi-
Críticos da redação tendem a favorecer a visão de na da Bíblia. Esse tipo de crítica bíblica é infundada.
que os livros da Bíblia foram escritos muito tempo de- Preconceito inculto. Impõe 0 próprio preconceito
pois, e por autores diferentes, do que 0 texto relata. Edi- anti-sobrenaturalista aos documentos. O criador da
tores teológicos mais recentes associaram nomes da his- moderna crítica negativa, Baruch Espinosa, por exem-
tória às suas obras pelo prestígio e pela credibilidade pio, declarou que Moisés não escreveu 0 Pentateuco,
que deles receberiam. Nos estudos do αγ e n t essa teoria nem Daniel 0 livro inteiro de Daniel, e nenhum mila-
surgiu da crítica histórica, da crítica das fontes e da crí- gre registrado realmente aconteceu. Segundo ele, mi-
tica da forma. Como resultado, ela adota muitas pressu- lagres são científica e racionalmente impossíveis.
posições idênticas, incluindo a hipótese documental no Na esteira de Espinosa, críticos negativos concluí-
a t e a prioridade de Marcos no n t. ram que Isaías não escreveu 0 livro inteiro de Isaías.
Avaliação. Como já observamos, a alta crítica pode Sua autoria teria envolvido previsões sobrenaturais
ser útil, contanto que os críticos se contentem com análi- (inclusive saber 0 nome do rei Ciro) mais de cem anos
ses baseadas no que pode ser conhecido objetivamente antes (v. profecia como prova da B íb lia ). Da mesma for-
ou razoavelmente teorizado. A verdadeira crítica não co- ma, os críticos negativos concluíram que Daniel não
meça seu trabalho com a intenção de subverter a autori- poderia ser escrito até 165 a.C. Essa data recente 0 co-
dade e 0 ensinamento das Escrituras. locaria após 0 cumprimento de sua descrição detalha-
Comparação dos tipos de crítica. Grande parte da da dos governos e governantes mundiais até Antíoco
crítica bíblica moderna, no entanto, parte de pressu- Epifànio iv (m. 163 a.C.). Previsões sobrenaturais de
posições filosóficas não bíblicas expostas por Gerhard eventos futuros nem foram consideradas. O mesmo
Maier em The en d o f the historical critical m ethod ( 0 preconceito naturalista foi aplicado ao n t por David
fim do método histórico crítico). Essas pressuposições S tra u s s (1808-1874), Albert Schweitzer (1875-1965) e
incompatíveis com a fé cristã incluem deísmo, mate- B u ltm a n n , com os mesmos resultados devastadores.
rialismo, ceticismo, agnosticismo, idealismo hegeliano Os fundamentos desse anti-sobrenaturalismo ru-
e existencialismo. A mais básica dentre elas é 0 natu- iram com evidências de que 0 universo começou com
ralismo dominante (anti-sobrenaturalismo) que é in- 0 b ig -b a g (v.evo lu ção cósmica). Até os agnósticos como
tuitivamente hostil a qualquer documento que conte- Robert Jastrow (fastrow, p. 18), falam de forças “so-
nha histórias de milagres (v. m ilagres na B íb lia ; mila- brenaturais” em ação (Kenny, p. 66; v. agnosticismo; mi-
gre, mitos e) . Esse preconceito naturalista separa a alta la g re ; m ilagres; argum entos c o n t r a ); basta, então, co-
crítica negativa (destrutiva) da positiva (construtiva): mentar aqui que, com a extinção do anti-sobrenatura-
lismo moderno, não há base filosófica para a critica
Crítica positiva Crítica negativa destrutiva.
(construtiva) (destrutiva) Teoria imprecisa de autoria. A crítica negativa ig-

Base Sobrenaturalista Naturalista nora ou minimiza 0 papel dos apóstolos e testemu-


nhas que registraram os eventos. Dos quatro autores
Regra O texto é "inocente O texto é "culpado
dos evangelhos, Mateus, Marcos e João foram definiti-
até que prove ser até que prove ser
vãmente testemunhas oculares dos eventos que rela-
culpado". inocente".
taram. Lucas foi contemporâneo deles e historiador
Resultado A Bíblia é comple- A Bíblia.é parcial- cuidadoso (Lc 1.1-4; v. At). Na verdade, todos os livros
tamente verdadeira, mente verdadeira do n t foram escritos por contemporâneos ou testemu-
nhas oculares da vida de Cristo. Até críticos como 0
Autoridade Palavra de Deus Mente do homem teólogo da “ morte de Deus” John A. T. Robinson admi-
final tem que os evangelhos foram escritos entre os anos 40
Papel da Descobrir a verdade Determinar a ver- e 65 (Robinson, p. 352), durante a vida das testemu-
razão (racionalidade) dade (racionalismo) nhas oculares.
Mas se os documentos básicos do n t foram com-
postos pelas testemunhas oculares, grande parte da
Algumas pressuposições negativas exigem exame crítica destrutiva desaba. Ela pressupõe a passagem
minucioso, especialmente quanto à sua relação com 0 re- de muito tempo para que “mitos” fossem desenvolvi-
gistro do evangelho. Essa análise é muito relevante para a dos. Estudos revelam que são necessárias pelo menos
117 Bíblia, crítica da
duas gerações para um mito ser criado (Sherwin- “Jesus disse” ou “Jesus fez” nem sempre deve significar
White, p. 190). que na história Jesus disse ou fez 0 que se segue, mas às ve-
0 que jesus realmente disse? Supõe equivocadamen- zes pode significar que no registro inventado no mínimo
te que os autores do n t não distinguiam suas próprias parcialmente pelo próprio Mateus, Jesus disse ou fez 0 se-
palavras das de Jesus. 0 fato de uma distinção clara ser guinte (Gundry,p.630).
feita entre as palavras de Jesus e as dos autores dos evan-
gelhos é evidente pela facilidade com que se faz uma Isso mina claramente a confiança na veracidade
edição do n t que destaca as palavras de Jesus. Na verda- dos Evangelhos e a precisão dos eventos que relatam.
de, 0 apóstolo Paulo distingue claramente suas palavras Nessa posição crítica os autores dos evangelhos tor-
das de Jesus (v.At 20.35; 1C0 7.10,12,25). nam-se criadores dos eventos, não registradores.
João, 0 apóstolo, também 0 faz no Apocalipse (v. É claro que todo estudioso bíblico cuidadoso sabe
Ap 1 .8, 1 1 , 17/7-20; 2.1s.; 22.7, 12-16, 2 0 b ). A vista que determinado evangelista nem sempre usa as mes-
desse cuidado, 0 crítico do n t torna-se culpado ao mas palavras que os demais usaram ao relatar 0 que
presumir, sem evidência consubstanciadora, que 0 Jesus disse. No entanto, eles sempre transmitem 0 mes-
registro dos evangelhos não relata realmente 0 que mo significado. Selecionam, resumem e parafraseiam,
Jesus disse e fez. mas não distorcem. Uma comparação dos relatos para-
Mitos? A crítica destrutiva supõe incorretamente lelos nos evangelhos é grande evidência disso.
que as histórias do n t são folclore ou mito. Há uma Não há base para a afirmação de um estudioso do
grande diferença entre os registros simples de mila- n t de que Mateus criou a história dos magos (M t 2)
gres do n t e os mitos rebuscados que surgiram duran- com base na história dos pombinhos (de Lc 2). Pois,
te os séculos 11 e in d.C., como se vê ao comparar os segundo Robert Gundry, Mateus “transforma 0 sacri-
registros. Os autores do n t negam mitos explicitamente. fício de duas rolinhas ou dois pombinhos’ na apresen-
Pedro declarou: tação do bebê Jesus no templo (Lc2.24; cf.Lv 12.6-8),
no sacrifício dos bebês por Herodes em Belém” (ibid.,
De fato, não seguimos fábulas [muthos] engenhosamen- p. 34-5). Tal teoria não só degrada a integridade dos
te inventadas, quando lhes falamos a respeito do poder e da autores dos evangelhos, como também a autenticida-
vinda de nosso Senhor Jesus Cristo; ao contrário, nós fomos de e a autoridade do registro evangélico. Ε isso tam-
testemunhas da sua majestade (2 Pe 1.16). bém é ridículo.
Tampouco há apoio para Paul K. Jewett, que che-
Paulo também advertiu contra crença em mitos gou ao extremo de afirmar (Jewett, p. 134-5) que 0 que
( lTm 1.4; 4.7; 2Tm4.4;Tt 1.14). 0 apóstolo Paulo afirmou em ICoríntios 11.3 é errado.
Um dos argumentos mais impressionantes contra Se Paulo está errado, então a verdade consagrada de
a teoria do mito foi oferecida por C. S. Lewis: que “0 que a Bíblia diz, Deus diz” não é verdadeira. Na
verdade, se Jewett estiver certo, mesmo quando alguém
Em primeiro lugar, portanto, seja lá 0 que tais homens descobre 0 que 0 autor das Escrituras está afirmando,
forem como críticos bíblicos, eu desconfio deles como críti- não está mais perto de saber a verdade de Deus (cf. Gn
c o s. Parece-lhes faltar 0 bom senso literário: parecem ser 3.1). Se “0 que a Bíblia diz, Deus diz” (v. B íb lia , b td ê n -
incapazes de perceber a própria qualidade dos textos que cias da) não é verdade, a autoridade divina de todas as
lêem [...] Se ele me diz que algo num determinado evange- Escrituras é completamente sem valor.
lho é lenda ou romance, eu quero saber quantas lendas ou A p a rte da igreja primitiva na verdade. 0 fato de a
romances ele já leu, quão bem treinado é seu paladar para igreja primitiva não ter nenhum interesse biográfico
detectar esse sabor, quantos anos ele passou estudando é altamente improvável. Os autores do n t, impressio-
aquele evangelho [...] Tenho lido poemas, romances, litera- nados como estavam por crer que Jesus era 0 Messias
tura visionária, lendas e mitos por toda a minha vida. Sei tão esperado, 0 Filho do Deus vivo (M t 16.16-18), ti-
qual é sua forma e aparência. Sei que nenhum deles se asse- nham grande motivação para registrar precisamente
melhaaisso [0 evangelho] (Lewis,p. 154-5). 0 que ele realmente disse e fez.
Dizer 0 oposto é contrariar as suas afirmações cia-
Criadores ou registradores? λ alta crítica infunda- ras. João afirmou que “ Jesus fez” as coisas registradas
da mina a integridade dos autores do n t ao afirmar em seu evangelho (Jo 21.25). Em outra passagem João
que Jesus jamais disse (ou fez) 0 que os evangelhos disse que anunciava “0 que ouvimos, 0 que vimos com
afirmam. Até alguns que se chamam evangélicos che- os nossos olhos, 0 que contemplamos, e as nossas mãos
garam ao ponto de afirmar que as coisas que apalparam...” (1 Jo 1.1,2).
Bíblia, crítica da 118
Lucas manifesta claramente que havia um interes- Artigo xiii. A firm am os que estar ciente das catego■
se biográfico intenso por parte das primeiras comu- rias literárias, formais e estilísticas das várias parta
nidades cristãs ao escrever: das Escrituras é essencial para a exegese adequada, c
assim valorizamos a crítica do gênero como uma das
Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos muitas disciplinas do estudo bíblico. Negamos que ca-
que se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmi- tegorias genéricas que neguem a historicidade possam
tidos por aqueles que desde 0 início foram testemunhas ocu- ser apropriadamente impostas às narrativas bíblicas
lares e servos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuida- que se apresentam como verdadeiras.
dosamente, desde 0 começo, e decidi escrever-te um relato Artigo xiv. Afirm am os que 0 registro bíblico dos even-
ordenado, ó excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certe- tos, discursos e pronunciamentos, apesar de apresenta-
za das coisas que te foram ensinadas (Lc 1.11-4). do numa variedade de formas literárias apropriadas,
corresponde ao fato histórico. Negamos que qualquer
Afirmar, como fazem os críticos, que os autores desses eventos, discursos ou pronunciamentos
do n t não se interessavam em registrar a verdadeira registrados nas Escrituras tenha sido inventado pelos
história é improvável. autores bíblicos ou pelas tradições que incorporavam.
A obra do Espírito Santo. Tais pressuposições tam- Artigo XV. A firm am os a necessidade de interpretar
bém ignoram ou negam 0 papel do Espírito Santo na a Bíblia de acordo com seu sentido literal ou normal.
ativação das memórias das testemunhas oculares. O sentido literal é 0 sentido gramático-histórico, isto
Grande parte da rejeição do registro evangélico é ba- é, 0 sentido que 0 autor se expressou. A interpretação
seada na pressuposição de que os autores não poderi- conforme 0 sentido literal levará em conta a língua-
am lembrar discursos, detalhes e eventos vinte ou qua- gem figurada e as formas literárias encontradas no
renta anos após os eventos. Pois Jesus morreu em 33, e texto. Negamos a legitimidade de qualquer abordagem
os primeiros registros dos evangelhos provavelmente das Escrituras que lhes atribua significado que 0 sen-
vieram (no mínimo) entre 50 e 60 (Wenham, Gospel tido literal não apóia.
origins, p. 112-34). Artigo xvi. A firm am os que as técnicas críticas legíti-
Mais uma vez 0 crítico está rejeitando ou ignoran- mas devem ser usadas para determinar 0 texto canônico
do a afirmação clara das Escrituras. Jesus prometeu e seu significado. Negamos a legitimidade de permitir
aos seus discípulos: “Mas 0 Conselheiro, 0 Espírito San- que qualquer método de crítica bíblica questione a ver-
to, que 0 Pai enviará em meu nome, lhes ensinará to- dade ou integridade do significado expresso pelo autor
das as coisas e lhes fará lembrar tudo 0 que eu lhes ou de qualquer outro ensinamento bíblico.
disse” (Jo 14.26).
Então, mesmo com a improvável pressuposição de R ed a çã o versus edição. Existem diferenças impor-
que ninguém tivesse registrado 0 que Jesus dissera du- tantes entre a redação destrutiva e a edição construti-
rante sua vida, nem logo depois, os críticos nos querem va. Nenhum erudito bem informado nega que certa
fazer acreditar que as testemunhas oculares cujas me- quantidade de edição ocorreu durante os milhares de
mórias foram ativadas sobrenaturalmente pelo Espirito anos dé história do texto bíblico. Essa edição legítima,
Santo não registraram precisamente 0 que Jesus fez e no entanto, deve ser distinta da redação ilegítima que
disse. Crer que as testemunhas oculares do século 1 es- os críticos negativos advogam. Os críticos negativos
tavam certas e os críticos do século xx estão errados pa- jamais conseguiram apresentar qualquer evidência
rece bem mais provável que 0 contrário. convincente de que 0 tipo de redação em que acredi-
P arâm etros p a r a a critica bíblica. É claro que a eru- tam jamais tenha sido feita no texto bíblico.
dição não precisa ser destrutiva, mas a mensagem bí- A tabela seguinte compara as duas posições.
blica deve ser entendida em seu contexto teísta (so-
brenatural) e em seu cenário histórico e gramatical
Edição legítima Redação ilegítima
Mudanças na forma Mudanças no conteúdo
verdadeiro. Parâmetros positivos para a teologia evan-
Mudanças de escrita Mudanças substantivas
gélica são oferecidos na D eclaração de Chicago sobre a
Mudanças no texto Mudanças na verdade
herm en êu tica, produzida pelo Concilio Internacional
sobre a Inerrância Bíblica: (v. Geisler, S u m m it 11: O modelo redacionista do cânon confunde a ativi-
herm eneutics, p. 10-3, e Radmacher e Preus, H erm eneu- dade legítima dos escribas, envolvendo forma gramati-
tics, inerrancy, a n d the B ible, esp. p. 881-914). Diz em cal, atualização de nomes e organização do material pro-
parte 0 seguinte: fético, com mudanças ilegítimas de redação no próprio
119 Bíblia, evidências a favor da
ojoteúdo da mensagem de um profeta. Confunde a Bíblia, evidências a favor da. A Bíblia afirma ser e
transmissão aceitável do escriba com adulteração ina- prova ser a Palavra de Deus. Foi escrita por profetas
‫״‬estável. Confunde a discussão adequada sobre que tex- de Deus, sob inspiração divina.
® é mais antigo com discussão inadequada sobre quan- Escrita p o r profetas d e D eus. Os autores bíblicos fo-
*) tempo depois os autores mudaram a verdade dos tex- ram profetas e apóstolos de Deus (v. m ilagres, v a lo r
tos. Não há evidência de que qualquer mudança apologético dos; profecia como prova da Bíb lia ). Há várias de-

redacional ilegítima significativa tenha ocorrido des- signações para profeta, que nos informam sobre seu papel
de que a Bíblia foi escrita. Pelo contrário, toda evi- na produção das Escrituras. Eles são denominados:
dência apóia uma transmissão cuidadosa em todos
os assuntos importantes e nos mínimos detalhes. Ne- 1. H om em d e Deus (lR s 12.22), que significa es-
ahuma diminuição da verdade básica ocorreu desde colhido.
as escritos originais até as Bíblias que temos hoje em 2. Servo d o S e n h o r (lR s 14.18), indicando fideli-
aossas mãos (v. m an u scrito s do a t; m anuscritos do n t ). dade.
3. M ensageiro d o S e n h o r (Is 42.19), demonstran-
Fontes do sua missão.
0. Cullmann, The christology o f the New Testament. 4. Vidente ( r o e h ), ou p ro feta (h o z eh ) (Is 30.9,10),
W. R. F a r m e r , The synoptic problem. revelando discernimento dado por Deus.
R. Gundry, Matthew: A commentary on his literary
5. H om em d o Espírito (Os 9.7; cf. Mq 3.8), obser-
and theological art.
vando a habitação espiritual.
G . H a s e l, Teologia do Novo Testamento.
6 . S entinela (Ez 3.17), relativo à atenção dada a
R. Ja s t r o w , “A scien tist c aug h t b etw ee n tw o faiths” ,
Deus.
7. Profeta (mais freqüentemente), que 0 marca
e m c T , 6 A u g . 1982.
como porta-voz de Deus.
P. Je w e t t , Man as male and female.
E . K re n tz , The historical-critical method.
A obra do profeta bíblico é descrita em termos ví-
C. S. L e w is , Christian reflections.
vidos: “ 0 Sen h o r, 0 Soberano falou, quem não profeti-
E . Lin n e m a n x , Historical criticism o f the Bible.
zará?” (Am 3.8). Era ele quem falava “tudo 0 que 0 Se-
___ , Is there a synoptic problem?
n h o r dissera” (Êx 4.30). Deus falou a Moisés sobre um
G . M . M a ie r , The end o f the historical critical
profeta, “porei as minhas palavras na sua boca, e ele
method.
lhes dirá tudo 0 que eu lhe ordenar” (Dt 18.18). E dis-
M a r s h a ll, I. H. The origins o f New Testament
se mais“Nada acrescentem às palavras que eu lhes or-
christology.
deno e delas nada tirem” (Dt 4.2). Jeremias recebeu
A . Q . M o r t o n , e J. M cL e.m a n , Christianity in the
ordens: “Assim diz 0 Sen h o r: Coloque-se no pátio do
computer age.
templo do Se n h o r e fale a todo 0 povo das cidades de
E. D . R a d m a c h e r e R . D . P r e i ‫׳‬s, Hermeneutics,
Judá [...] tudo 0 que eu lhe ordenar; não omita uma só
inerrancy, and the Bible.
palavra” (Jr 26.2).
J. R o b in so n , Redating the New Testament.
0 profeta era alguém que dizia 0 que Deus man-
E. P. S a n d e rs , The tendencies of the synoptic dava dizer; nada mais, nada menos.
tradition.
M o v id o p e lo E sp írito d e D eu s. Em toda a Bíblia,
A. N. S h e r w in - W h it f ., Roman society and roman law
os autores afirmaram estar sob a direção do Espírito
in the New Testament.
Santo. Davi disse: “ O Espírito do Sen h o r falou por meu
B. H. S t r e e t e r , The four gospels: a study o f origins. intermédio; a sua palavra esteve em minha língua”
R . L . T h o m as, “A n in ve stig a tio n o f the a greem ents
(2Sm 23.2). Pedro, ao falar de todo 0 at, acrescentou:
b e tw e e n M a tth e w a n d Lu k e aga in st M a r k ” , “pois jamais a profecia teve origem na vontade huma-
je t s 1 9 ,(1 9 7 6 ). na, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos
____ , “ T h e h e rm e n e u tic s o f e vangelical pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21).
1
re d a c tio n c ritic is m ” , n s 29/4 (D e c 1986). Nem todos os profetas eram conhecidos por esse
J .W . W e n h a m , “ G o spe l o rig in s ” , 117,( 1 97 8). termo. Davi e Salomão eram reis. Mas eram porta-vo-
____ , “ H is t o r y a n d T h e O ld Te s ta m e n t” ,Bib. zes de Deus, e Davi é chamado “profeta” em Atos 2.29-
Sac., 1 2 4 ,1 9 6 7 . 39. Moisés era legislador. Ele também era 0 profeta ou
Bíblia, evidências a favor da 120

0 porta-voz de Deus (Dt 18.18). Amós renunciou ao As reivindicações das Escrituras. “Assim diz 0 Se-
termo “profeta” , porque ele não era um profeta profis- n h o r”. Frases como “diz 0 S e n h o r” o u “assim diz 0 Se-
sional, como Samuel e seu “grupo de profetas” (ISm (por exemplo, Is 1.11,18; Jr 2.3,5), “disse Deus”
n h o r”
19.20). Mesmo se Amós não fosse um profeta por pro- (Gn 1.3), e “0 S e n h o r dirigiu esta palavra” , ou simila-
fissão, seria por dom (cf. Am 7.14). Deus 0 usou para res (Jr 34.1; Ez 30.1) são usadas centenas de vezes nas
falar. E nem todos os profetas falaram no estilo de Escrituras para enfatizar a inspiração direta e verbal
primeira pessoa explícito :“Assim diz 0 S e n h o r” . Os es- de Deus do que foi escrito.
critores das narrativas históricas partiram da abor- A Palavra de Deus. Em alguns pontos a Bíblia afir-
dagem que subentendia a expressão “Assim fe z 0 Se- ma, direta e inequivocamente, ser “a Palavra de Deus” .
nhor” . Sua mensagem era sobre os atos de Deus em Referindo-se aos mandamentos do a t , Jesus disse aos ju-
relação ao povo e seus pecados. Nesse caso Deus fazia deus da sua época: “Assim vocês anulam a Palavra de
do profeta um canal por meio do qual transmitiria sua Deus,por causa da sua tradição” (Mt 15.6). Paulo fala das
mensagem a nós. Escrituras como “as palavras de Deus” (Rm 3.2). Pedro
Inspirada (soprada) por Deus. Ao escrever sobre declara: “Vocês foram regenerados, não de semente pe-
todo 0 cânon do a t, 0 apóstolo Paulo declarou: recível, mas imperecível, por meio da palavra de Deus,
viva e permanente” (lPe 1.23). O autor de Hebreus afir-
Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para 0 ensi- ma: “Pois a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais afiada
no, para a repreensão, para a correção e para a instrução na do que qualquer espada de dois gumes” (Hb 4.12).
justiça, para que 0 homem de Deus seja apto e plenamente A reivindicação de autoridade divina. Outras pa-
preparado para toda boa obra (2 Tm 3.16,17). lavras ou frases usadas nas Escrituras representam
reivindicações da autoridade de Deus. Jesus disse que
Jesus descreveu as Escrituras como a “... pala- a Bíblia nunca passará e é suficiente para a fé e a vida
vra que procede da boca de Deus” (M t 4.4; 7.10). (Lc 16.31; cf. 2Tm 3.16,17). Ele proclamou que a Bí-
Ela foi escrita por homens que foram inspirados por blia possui inspiração divina (M t 22.43) e autoridade
Deus” (M t 4.4;7.10). Paulo disse que suas obras (M t 4.4,7,10). Ela tem unidade (Lc 24.27; Jo 5.39) e
eram “ ... palavras ensinadas pelo E s p írito .” clareza espiritual (Lc 24.25).
(1C02.13), da mesma forma que Jesus disse aos A extensão da sua autoridade bíblica. A exten-
fariseus: “ Como é que Davi, falando pelo Espírito, são da autoridade divina nas Escrituras inclui:
0 cham a‘Senhor’?” (M t 22.43).
O que a Bíblia diz. A lógica básica da inerrância 1. tudo 0 que está escrito — 2Tm3.16;
das Escrituras é oferecida no artigo B íb lia , supostos er-
2. até as palavras — Mt 22.43; 1Co 2.13;
ros na. O fato de a Bíblia ser a Palavra infalível de Deus
3. e tempos verbais — Mateus 22.32; Gálatas 3.16;
é expresso de várias maneiras nas Escrituras. Uma é a
4. mesmo as menores partes das palavras —
fórmula: “O que a Bíblia diz, Deus diz” . Uma passa-
Mt 5.17,18.
gem do at afirma que Deus disse algo, mas, quando esse
texto é citado no n t, o texto nos diz que as Escrituras
Apesar de a Bíblia não ter sido verbalmente ditada
afirmaram isso. Às vezes o inverso também é verdadei-
por Deus, 0 resultado é exatamente como os pensamen-
ro. No a t diz-se que a Bíblia registra algo. O n t declara
tos de Deus seriam. Os autores da Bíblia afirmaram que
que Deus 0 disse. Considere a seguinte comparação:
Deus é a fonte das próprias palavras, já que ele super-
visionou sobrenaturalmente 0 processo pelo qual cada
O que Deus diz... A Bíblia diz ser humano escreveu, usando 0 próprio vocabulário e
Gênesis 12.3 Gálatas 3.8 estilo para registrar sua mensagem (2Pe 1.20,21).
Êxodo 9.1 6 Romanos 9.1 7 Apresentada em termos humanos. Apesar de a
O que a Bíblia diz... Deus diz Bíblia alegar ser a Palavra de Deus, ela também é as pa-
Gênesis 2.24 Mateus 19.4,5 lavras de seres humanos. Afirma ser a comunicação de
Salmos 2.1 Atos 4.24,25 Deus às pessoas, na sua linguagem e expressões.
Salmos 2.7 Hebreus 3.7
Salmos 16.1 0 Atos 13.35 1. Todos os livros na Bíblia foram composições de
Salmos 95.7 Hebreus 3.7 escritores hum anos.
Salmos 97.7 Hebreus 3.7 2. A Bíblia manifesta estilos literários diferentes, des-
Salmos 104.4 Hebreus 3.7
de a métrica fúnebre de Lamentações à poesia exaltada
Isaías 55.3 Atos 13.34
de Isaías, desde a gramática simples de João até 0 grego
121 Bíblia, evindências a favor da
complexo de Hebreus. A escolha de metáforas demonstra 4. Supremacia absoluta— Mt 15.3,6
que autores diferentes usaram 0 próprio contexto histó- 5. Inerrância factual — Mt 22.29; Jo 17.17
rico e seus interesses. Tiago se interessa pela natureza. 6 . Confiabilidade histórica — Mt 12.40;
Jesus usa metáforas urbanas e Oséias as da vida rural. 24.37,38
3. A Bíblia manifesta perspecí/vas e em oções hu m a- 7. Precisão científica — Mt 19.4,5; Jo 3.12
nas; Davi falou no salmo 23 do ponto de vista de um
pastor; 0 livro dos Reis foi escrito de um ponto de vis- A autoridade de Jesus confirma a autoridade da
ta profético, e Crônicas, do ponto de vista sacerdotal; Bíblia. Se ele é 0 Filho de Deus (v. C ris to , divindade d e),
Atos manifesta um interesse histórico e 2Timóteo, 0 então a Bíblia é a Palavra de Deus. Na verdade, se Jesus
coração de um pastor. Paulo expressou tristeza pelos fosse apenas um profeta, a Bíblia ainda seria confir-
israelitas que rejeitaram a Deus (Rm 9.2). mada como a Palavra de Deus por meio do seu ofício
4. A Bíblia revela padrões e processos do pensa- profético. Somente se a autoridade divina de Cristo for
mento humano, incluindo a razão (Romanos) e a me- rejeitada é que se pode rejeitar de modo coerente a
mória (1C0 1.14-16). autoridade divina das Escrituras. Se Jesus fala a ver-
5. Os autores da Bíblia usaram recursos humanos dade, é verdade que a Bíblia é a Palavra de Deus.
para informação, incluindo pesquisa histórica (Lc 1.1- E vidên cias d e m anuscritos. Há manuscritos do n t
4)eobrasnão canônicas (Js 10.13; At 17.28; 1C0 15.33; disponíveis hoje que são datados dos séculos in e iv, e
Tt 1.12; Jd 9,14). fragmentos que podem datar até mesmo do final do
século I. Desde então, 0 texto permaneceu substanci-
O texto o rig in a l é infalível, nã o as cópias. Como almente 0 mesmo. Há manuscritos mais antigos e em
foi observado no artigo B íb lia , supostos erros na, isso não maior quantidade do n t que de qualquer outro livro
quer dizer que todas as cópias e traduções da Bíblia são do mundo antigo. Enquanto a maioria dos livros foi
perfeitas. Deus inspirou os originais, não as cópias, en- preservada em dez ou vinte manuscritos que datam
tão a inerrância se aplica ao texto original, não a todas de mil anos ou mais após sua composição, um ma-
as cópias. Deus na sua providência preservou as cópias nuscrito quase completo, 0 Papiro Chester Beatty, foi
de erros substanciais. Na verdade, 0 nível de precisão é copiado em 250 d.C aproximadamente. Outro manus-
maior que em qualquer outro livro do mundo antigo, crito com a maior parte do n t, chamado Vaticano, data
excedendo os 99% (v. N ovo Testamento, m anuscritos do; de cerca de 325 d.C.
A n tig o Testam ento, m anuscritos do). Os autores bíblicos. Não importa quais fraquezas
A e v id ê n c ia g e ra l. Somadas, as evidências em fa- tivessem, os autores bíblicos são apresentados univer-
vor da reivindicação da Bíblia de ser a Palavra de Deus salmente nas Escrituras como homens escrupulosa-
são surpreendentes. mente honestos, e isso dá credibilidade à sua afirma-
O testemunho de Cristo. Talvez 0 a rg u m ento m ais for- ção, pois a Bíblia não se esquiva de admitir as falhas
te e m favo r de a B íb lia ser a P a la v ra de D eus seja 0 teste- do seu povo.
munho de Jesus (v. B íb lia , posição de Jesus em re la ção a). Eles ensinaram 0 mais alto padrão de ética, inclu-
A té in créd u los a cred ita m que ele foi u m m estre d ivin o . sive a obrigação de dizer sempre a verdade. A lei de
Os m u ç u lm a n o s acred ita m que ele foi u m verdadeiro pro- Moisés ordenou: “Não darás falso testemunho contra
feta de D eus (v. maomé, suposto chamado divino de) . Os cren- 0 teu próximo” (Êx 20.16). Na verdade, apenas alguém
tes, é claro, in sistem em que ele é 0 F ilh o de D eus com o
a firm o u ser ( M t 16.16-18; M c 2.5-11; Jo 5.22-30; 8.58; que é integro em sua conduta e pratica 0 que é justo, que
10.30; 20.28,29) e p ro vo u ser p o r m e io de vá rio s m ilagres de coração fala a verdade e não usa a língua para difam ar,
( Jo 3.2; A t 2.22; v. milagres na B íb lia ). A té 0 Alcorão ad m ite que nenhum m al faz ao seu semelhante e não lança calúnia
que Jesus fez m ilagres (v. maomé, supostos milagres de) e contra 0 seu próxim o, que rejeita quem merece desprezo,
que a B íb lia que os cristãos u sa va m n a ép o ca de M a o m é mas h onra os que tem em 0 Senhor, que m antém a sua pala-
(século vn d .C .) era precisa, já que fo ra m desafiados a vra, mesmo quando sai prejudicado (SI 15.2-4)
Maomé.
consultá-la p a ra v e rific a r as afirm a çõ es de
Jesus afirmou que 0 at era a Palavra de Deus e pro- era considerado justo.
meteu guiar seus discípulos para saberem toda ver- O n t também exalta a integridade, ordenando:
dade. Jesus reivindicou para a Bíblia: “ Portanto, cada um de vocês deve abandonar a menti-
ra e falar a verdade ao seu próximo.” (Ef 4.25a ). A pes-
1. Autoridade divina — Mt 4.4,7,10 soa que “ama e pratica a mentira” será excluída do céu,
2. Indestrutibilidade — Mt 5.17,18 segundo Apocalipse 22.15. A honestidade absoluta era
3. Infalibilidade — Jo 10.35 louvada como virtude cristã cardeal.
Bíblia, evidências a favor da 122

Os autores bíblicos não só ensinaram os padrões realizar milagres semelhantes, ele se recusou (2.118;
morais mais elevados, incluindo honestidade, como 3.183; 4.153; 6.8,9,37). Nas palavras do próprio Maomé
também viveram assim. O profeta verdadeiro não po- (no A lcorão): “ Se os infiéis disserem: Porque não lhe
dia ser comprado. Como 0 profeta que foi tentado con- foi enviado um sinal por seu Senhor?” , já que 0 pró-
fessou,“eu não poderia fazer coisa alguma [...] que vá prio Maomé admitiu que “Allah é capaz de revelar um
além da ordem do S e n h o r” (Nm 22.18). O que Deus sinal” (sura 6.37; v. Maomé, supostos m ilagres de; A lc o rã o ,
falava, 0 profeta tinha de declarar, apesar das conseqü- suposta origem divina do). Mas os milagres foram uma
ências. Muitos profetas foram ameaçados e até martiri- característica do ministério de Jesus, e de outros profe-
zados, mas nunca renunciaram à verdade. Jeremias foi tas e apóstolos (Hb 2.3,4; 2 C0 12.12; v. m ilagres, v a lo r
colocado na prisão por suas profecias inconvenientes apologético dos). Quando questionado por João Batista
(Jr 32.2; 37.15) e até ameaçado de morte (Jr 26.8,24). se era 0 Messias, Jesus respondeu:
Outros foram mortos (Mt 23.34-36; Hb 11.32-38). Pedro
e os onze apóstolos (Atos 5), assim como Paulo (At 28), ...Voltem e anunciem a João 0 que vocês viram e ouvi-
foram todos aprisionados, e a maioria foi posteriormen- ram: os cegos vêem, os aleijados andam, os leprosos são
te martirizada por seu testemunho (2Tm 4.6-8; 2Pe purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados
1.14). Na verdade, ser “ fiel até a morte” era identidade e as boas novas são pregadas aos pobres (Lc 7.22)
da convicção cristã primitiva (Ap 2.10).
Às vezes pessoas morrem por causas falsas que acre- Os milagres, portanto, são a confirmação divina da
ditam ser verdadeiras, mas poucas morrem pelo que alegação do profeta de que falava em nome de Deus (ver
sabem ser falso. Mas as testemunhas bíblicas, que esta- m ilagre). No entanto, dentre todos os líderes religiosos
vam em posição de saber 0 que era verdadeiro, morre- mundiais, apenas os profetas e apóstolos judeus-cris-
ram por proclamar que a sua mensagem veio de Deus. tãos foram confirmados sobrenaturalmente por mila-
Isso é no mínimo evidência p rim a fa c ie de que a Bíblia gres genuínos de natureza tal que jamais poderiam ser
é 0 que eles afirmaram ser — a Palavra de Deus. ilusões ou truques. Milagres comprovadores incluíram
A confirm ação miraculosa. É sempre possível que a transformação de água em vinho (Jo 2), a cura dos
alguém creia que fala em nome de Deus, mas na ver- que tinham enfermidades orgânicas (Jo 5), a multipli-
dade não 0 faz. Existem falsos profetas (M t 7.15). É cação de comida (Jo 6), 0 andar sobre a água (Jo 6) e a
por isso que a Bíblia exorta: “Amados, não creiam em ressurreição de mortos (Jo 11).
qualquer espírito, mas examinem os espíritos para ver Os muçulmanos alegam que Maomé fez milagres,
se eles procedem de Deus, por que muitos falsos pro- mas não há comprovação dessa afirmação, mesmo no
fetas têm saído pelo mundo” (1 Jo 4.1). Uma maneira A lcorão (para sua recusa de fazer milagres, v. surata
garantida de distinguir um verdadeiro profeta de um 3.181-4; v. M aom é, c a r á t e r de). Apenas a Bíblia é con-
falso profeta são os milagres (At 2.22; Hb 2.3,4). O firmada sobrenaturalmente.
milagre é ato de Deus, e Deus não confirmaria sobre- Previsões de profetas bíblicos. Ao contrário de
naturalmente que 0 falso profeta é verdadeiro (v. mii.a- qualquer outro livro, a Bíblia oferece previsões específi-
gres na B íb lia ; p rofecias como prova da B íb lia ). cas que foram escritas centenas de anos antes do seu
Quando Moisés foi chamado por Deus, recebeu cumprimento literal. Muitas delas enfocam a vinda de
milagres para provar que falava por Deus (Êx 4). Elias, Cristo e outros eventos mundiais. Para uma discussão
no Monte Carmelo, foi confirmado pelo fogo do céu sobre várias delas, v. profecia como prova da B íb lia . Ape-
como profeta verdadeiro do Deus verdadeiro (1 Rs 18). sar de os críticos da Bíblia afirmarem que previsões fo-
Até Nicodemos admitiu diante de Jesus: “Mestre, sa- ram escritas depois do seu cumprimento, tais alegações
bemos que ensinas da parte de Deus; pois ninguém abusam da credibilidade. Em alguns casos de cumpri-
pode realizar os sinais miraculosos que estás fazendo, mento mais imediato, nenhuma dessas afirmações é
se Deus não estiver com ele” (Jo 3.2). sequer possível. Esses cumprimentos se destacam como
M esm o 0 A lcorão reconheceu que Deus confirmou sinal da origem peculiar e sobrenatural da Bíblia.
seus profetas (surata 7.106-8,116-9), incluindo Jesus, A unidade da Bíblia. Uma linha de evidências que
pelos milagres. Afirma que Deus disse a Maomé: “ Se apóia a origem divina da Bíblia é sua unidade em gran-
rejeitaram a ti, rejeitaram também os apóstolos antes de diversidade. Apesar de composta por muitas pes-
de ti, que vieram com sinais evidentes” (17.103). Alá soas de contextos históricos diferentes durante mui-
diz: “ Então enviamos depois Moisés e seu irmão com tos anos, a Bíblia fala a partir de uma única mente.
os nossos sinais e uma evidente autoridade” (23.45). Sem levar em consideração dados desconhecidos na
Quando Maomé foi desafiado por incrédulos para datação de Jó e fontes que Moisés poderia ter usado, 0
123 Bíblia, evidências a favor da
primeiro livro foi escrito no máximo em 1400 a.C. e 0 Mesmo que todos os autores possuíssem todas os
último pouco antes de 100 d.C. Ao todo há 66 livros livros anteriores, ainda há uma unidade que transcen-
diferentes, escritos por aproximadamente 40 autores de a habilidade humana. 0 leitor pode supor que cada
diferentes, de diferentes contextos históricos, níveis autor foi um gênio literário incrível que viu a unidade
educacionais e profissões. A maioria foi escrita origi- e 0 “plano” maior das Escrituras e como sua parte se
nalmente em hebraico ou grego, com algumas partes encaixaria nela. Será que mesmo tais gênios escreve-
pequenas em aramaico. riam de forma a prever 0 futuro, apesar de não sabe-
A Bíblia cobre centenas de tópicos em literatura, rem exatamente como ele seria? É mais fácil acreditar
de estilos muito variados. Eles incluem história, poe- numa Mente que supervisionou nos bastidores todo 0
sia, literatura didática, parábolas, alegoria, literatura processo, que formulou 0 plano e desde 0 começo pia-
apocalíptica e épica. nejou como ele se realizaria.
Deve-se observar, no entanto, a unidade incrível. Suponha que um livro de conselhos médicos fa-
Esses 66 livros revelam uma história contínua de re- miliares fosse composto por 40 médicos durante um
denção,do paraíso perdido ao paraíso recuperado, a cri- período de 1500 anos em línguas diferentes, tratando
ação e a consumação de todas as coisas (v. Sauer). Há de centenas de assuntos médicos. Que tipo de unidade
um tema central, a pessoa de Jesus Cristo, até por sim- teria, mesmo supondo que os autores conhecessem 0
pies implicação no αγ (Lc 24.27). No a t Cristo é previs- que seus predecessores haviam escrito? Devido à prá-
to; no NT ele é revelado (Mt 5.17,18). Há uma só mensa- tica médica supersticiosa no passado, um capítulo di-
gem: 0 problema da humanidade é 0 pecado, e a solu- ria que doenças são causadas por demônios que de-
ção é a salvação por meio de Cristo (Mc 10.45; Lc 19.10). vem ser exorcizados. Outro afirmaria que as doenças
Essa unidade tão incrível é bem explicada pela estão no sangue e devem ser escoadas pela sangria.
existência da Mente divina que os autores das Escri- Outro afirmaria que as doenças são uma função psi-
turas afirmam tê-los inspirado. Essa Mente entreteceu cológica da mente sobre 0 corpo. Na melhor das hipó-
cada peça no mosaico único de verdade. teses, tal livro careceria de unidade, continuidade e
Os críticos afirmam que isso não é tão incrível, utilidade. Dificilmente seria uma fonte definitiva de
considerando que os autores sucessivos estavam ci- informação sobre causas e curas de doenças. Mas a
entes dos autores precedentes. Assim, poderiam cons- Bíblia, com uma diversidade maior, ainda é procurada
truir sobre esses textos sem contradizê-los. Ou gera- por milhões em virtude de suas soluções para as do-
ções posteriores apenas aceitaram seus livros no cánon enças espirituais. Só ela, de todos os livros conhecidos
crescente porque pareciam encaixar-se. pela humanidade, precisa de um Deus para explicar
Mas nem todos os escritores estavam cientes de sua unidade na diversidade.
que seu livro seria incluído no cânon (por exem- Confirm ação arqueológica. A arqueologia não
pio, Cânticos dos cânticos e 0 livro de Provérbios, pode provar diretamente a inspiração da Bíblia; pode
escrito por vários autores). Eles não poderiam ter confirmar sua confiabilidade como documento histó-
moldado sua obra para que se encaixasse. Não hou- rico. Essa é uma confirmação indireta de inspiração
ve uma ocasião específica em que os livros foram (v. a rq ueo lo g ia do XT e a rq u e o lo g ia do at, para algumas
aceitos no cânon. Apesar de algumas gerações pos- dessas evidências). A conclusão dessas evidências foi
teriores questionarem como um livro ganhou seu resumida por Nelson Glueck, ao afirmar que
lugar no cânon, há evidências de que livros foram
aceitos imediatamente pelos contemporâneos dos nenhuma descoberta arqueológica jamais contradisse
autores. Quando Moisés escreveu, seus livros foram uma referência bíblica. Várias descobertas arqueológicas
colocados ao lado da arca (Dt 31.22-26). Mais tar- foram feitas que confirmam de forma geral ou em detalhes
de, Josué foi acrescentado, e Daniel tinha cópias exatos as afirmações históricas na Bíblia (Glueck, p. 31).
dessas obras, e até 0 rolo do seu contemporâneo
Jeremias (Dn 9.2). No x t , Paulo cita Lucas (U m Millar Burroughs observa que “mais de um arque-
5.18; cf. Lc 10.7), e Pedro possuía pelo menos algu- ólogo descobriu que seu respeito pela Bíblia aumen-
mas das epístolas de Paulo (2 Pe 3.15,16). Apesar tou por causa de sua experiência de escavação na Pa-
de nem todo crente em todo 0 lugar possuir todos lestina” (Burroughs).
os livros imediatamente, parece que algumas obras Testemunhos de pod er transform ador. O autor
foram aceitas e distribuídas imediatamente. Talvez de Hebreus declara que “a palavra de Deus é viva e efi-
outras tenham sido disseminadas mais lentamen- caz, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes”
te, depois de serem consideradas autênticas. (4.12). O apóstolo Pedro acrescentou: “ Vocês foram
Bíblia, supostos erros da 124

regenerados, não de uma semente perecível, mas im- são encontradas não só no seu próprio çaráter moral
perecível, por meio da palavra de Deus, viva e mas também na confirmação sobrenatural da sua
permanente” ( lPe 1.23). Apesar de não estar na área mensagem, em sua precisão profética, unidade incrí-
de evidências primárias, uma linha de evidência sub- vel, poder transformador e no testemunho de Jesus,
jetiva e complementar é a mudança de vida que a Pa- que foi confirmado como Filho de Deus.
lavra de Deus traz. Enquanto 0 islamismo inicial se
espalhou pelo poder da espada, 0 cristianismo primi- Fontes
tivo se espalhou pela espada do Espírito, apesar de os M. B u r r o u g h s , What mean these stones?
cristãos serem mortos pelo poder da espada romana. F. S. R. L. G au ssen, Theopneustia.
O grande apologista cristão William P a le y resu- N. L. G e is le r , org., Inerrancy.
miu as diferenças entre 0 crescimento do cristianis- _____ e A. S a le e b , Answering Islam.
mo e 0 do islamismo claramente: ____ e W. E. Nix, Introdução geral à Bíblia.
N. G lu e c k , Rivers in the desert.
Pois 0 que estamos comparando? Um camponês galileu R. L. H a r r i s , Inspiration and canonicity o f the Bible.
acompanhando por alguns pescadores como um conquis- C . F. F I. F Ie n r y , Revelation and the Bible.
tador à frente de seu exército. Comparamos Jesus, sem for- A. A. F Io d g e , et al., Inspiration.
ça, sem poder, sem apoio, sem nenhuma circuntância exter- FI. F in d s e l l , The battle fo r the Bible.
na de atração ou influência, prevalencendo contra os pre- J. I. P a c k e r , “Fundamentalism”and the Word o f God
conceitos, a erudição, hierarquia do seu país, contra as opi- B. B. W a r f i e l d , Limited inspiration.
niões religiosas antigas, os rituais religiosos pomposos, a ___ , The inspiration an d authority o f the
filosofia, a sabedoria, a autoridade do Império Romano, no Bible.
período mais refinado e iluminado da sua existência — com C. W il s o n , Rocks, relics, and reliability.
Maomé embrenhando-se entre os árabes; reunindo segui- J. D . W o o d b r id g e , Biblical authority: a critique o f the
dores em meio a conquistas e vitórias, na era e nos países Roger McKim proposal.
mais obscuros do mundo, quando 0 sucesso na batalha não E. Y a m a u c h i, The stones and the Scriptures.
só operava por essa autoridade sobre as vontades e pessoas
dos homens que participam de empreendimentos próspe- B íb lia, supostos erros da. Os críticos afirmam que
ros, como também era considerado um testemunho certo a Bíblia está cheia de erros. Alguns até mencionam
da aprovação divina. O fato de mutiladões de pessoas, per- milhares de erros. Mas cristãos ortodoxos de todas
suadidas por esse argumento, se juntarem à comitiva de um as eras afirmaram que a Bíblia é infalível no texto
líder vitorioso; 0 fato de multidões ainda maiores, sem dis- original ( “ autógrafos” ; ver Geisler, D e c id e f o r
cussão, se submeterem a um poder irresistível — é uma y ou rself). “ Se ficamos perplexos por qualquer con-
conduta com que não podemos nos surpreender, em que não tradição aparente nas Escrituras” , A g o s tin h o obser-
podemos ver nada que se assemelhe às causas pelas quais 0 vou sabiamente, “não se pode dizer: Ό autor desse
estabelecimento do cristianismo foi efetuado (Paley, p. 257) livro está errado’, e sim que 0 manuscrito está erra-
do, ou a tradução está errada, ou não foi entendida”
Apesar da má utilização posterior do poder militar
(Agostinho, 11.5). Nenhum erro que se extenda até 0
nas Cruzadas e em outros episódios isolados anterior-
texto original da Bíblia foi comprovado.
mente, 0 fato é que 0 cristianismo prim itivo cresceu pelo
poder espiritual, não pela força política. Desde 0 início,
Porque a Bíblia não pod e errar. O argumento de
uma Bíblia sem erros (infalível) pode ser colocado na
assim como hoje no mundo todo, foi a pregação da Pa-
seguinte forma lógica:
lavra de Deus que transformou as vidas que·deram ao
cristianismo sua vitalidade (At 2.41). Pois “a fé vem por
se ouvir a mensagem, e a mensagem é ou vida median- Deus não pode errar.
te a palavra de Cristo” (Rm 10.17). A Bíblia é a Palavra de Deus.
Conclusão. A Bíblia é 0 único livro que alega e pro- Logo, a Bíblia não pode errar.
va ser a Palavra de Deus. Ela afirma ter sido escrita
por profetas de Deus que registraram no seu próprio Deus n ã o p o d e errar. Logicamente, 0 argumento é
estilo e linguagem exatamente a mensagem que Deus válido. Então, se as premissas são verdadeiras, a con-
queria que transmitissem à humanidade. As obras dos clusão também é. Se 0 Deus teísta existe (v. Deus, evi-
profetas e apóstolos afirm am ser as palavras dências de; teísm o), então a primeira premissa é verda-

indestrutíveis, imperecíveis e infalíveis de Deus. As deira. Pois 0 Deus infinitamente perfeito e onisciente não
evidências de que suas obras são 0 que afirmam ser pode errar. As Escrituras testificam isso, declarando
125 Bíblia, supostos erros da
enfaticamente que “ é impossível que Deus minta” como autoridade divina, já que 0 histórico e 0 cientí-
(Hb 6.18). Paulo fala do “ Deus que não mente” (Tt 1.2). fico estão inseparavelmente ligados ao espiritual.
Ele é um Deus que, mesmo quando somos infiéis, “per- Uma observação das Escrituras revela que as verda-
manece fiel, pois não pode negar-se a si mesmo” (2Tm des científicas (reais) e espirituais da Bíblia geralmente
2.13).Deus é a verdade (Jo 14.6), e sua palavra também. são inseparáveis. Não se pode separar a verdade espiritu-
Jesus disse ao Pai: “a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17). al da ressurreição de Cristo do fato de que seu corpo dei-
O salmista exclamou: “A verdade é a essência da tua xou permanente e fisicamente 0 túmulo e andou entre as
palavra” (Sl 119.160). pessoas (Mt 28.6; 1C0 15.13-19). Se Jesus não nasceu de
A B íblia é a P alavra d e Deus. Jesus, que é 0 Filho de uma virgem, ele não é diferente do resto da raça humana,
Deus (v. C ris to , divindade de), referiu-se ao a t como a sobre quem se acha 0 estigma do pecado de Adão (Rm
“palavra de Deus” que “não pode ser anulada” (Jo 5.12). Da mesma forma, a morte de Cristo pelos nossos
10.35). Disse:“ Enquanto existirem céus e terra, de for- pecados não pode ser separada do derramamento literal
ma alguma desaparecerá da lei a menor letra ou 0 de seu sangue na cruz, pois “sem derramamento de san-
menor traço, até que tudo se cumpra” (Mt 5.18). Paulo gue, não há perdão” (Hb 9.22). A existência de Adão e 0
acrescentou: “ Toda Escritura é inspirada por Deus” pecado original não podem ser mito. Se não houve um
(2Tm 3.16). Ela “procede da boca de Deus” (M t 4.4). Adão literal e um pecado real, os ensinamentos espiritu-
Apesar de autores humanos registrarem as mensagens, ais sobre 0 pecado herdado e a morte física e espiritual
“ Pois jamais a profecia tem origem na vontade huma- são falsos (Rm 5.12). A realidade histórica e a doutrina
na, mas homens falaram da parte de Deus impelidos teológica se mantêm ou desmoronam juntas.
pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21). Além disso, a doutrina da encarnação (v. C risto , di-
Jesus disse que os líderes religiosos da sua época esta- vixdade de) é inseparável da verdade histórica sobre Je-
vam “anulando a palavra de Deus” pela “própria tradição” sus de Nazaré (Jo 1.1,14). 0 ensinamento moral de Je-
(Mc 7.13). Jesus voltou sua atenção à Palavra escrita de Deus sus sobre casamento é baseado no ensinamento sobre a
ao afirmar vez após vez: “Está escrito” (por exemplo, Mt. existência literal de Adão e Eva, a quem Deus uniu em
4.4,7,10). Essa frase ocorre mais de noventa vezes no xt, matrimônio (Mt 19.4,5). 0 ensinamento moral ou teo-
uma forte indicação da autoridade divina. Enfatizando a lógico é desprovido de significado sem 0 evento históri-
natureza infalível da verdade de Deus, 0 apóstolo Paulo re- co ou real. Se alguém negar que 0 evento literal aconte-
feria-se às Escrituras como a palavra de Deus” (Rm 9.6). O ceu, então não há base para crer na doutrina bíblica
autor de Hebreus declarou que baseada nele, ou em outra coisa qualquer, pois tudo
passa a ser duvidoso (v. m ilagres, mito e).
a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qual- Jesus costumava comparar diretamente eventos do ai‫׳‬
quer espada de dois gumes; ela penetra até a ponto de divi- com verdades espirituais importantes. Relacionou sua
dir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamen- morte e ressurreição a Jonas e 0 grande peixe (Mt 12.40),
tos e intenções do coração (Hb 4.12). sua segunda vinda, a Noé e 0 Dilúvio (Mt 24.37-39). Tanto
a ocasião quanto 0 modo de comparar deixam claro que
Logo, a B íblia n ão p o d e errar. Se Deus não pode er- Jesus estava afirmando a historicidade desses eventos do
rar e se a Bíblia é a Palavra de Deus, então a Bíblia não a i .Jesus disse a Nicodemos:“Eulhes falei de coisas terrenas
pode errar (v. B íb lia , evidências da). Deus falou, e não e vocês não creram; como crerão se lhes falar de coisas
gaguejou. O Deus da verdade nos deu a Palavra da ver- celestiais?” (Jo 3.12). O resultado dessa afirmação é que, se
dade,e ela não contém nenhuma inverdade. A Bíblia é a a Bíblia não fala verdadeiramente sobre 0 mundo físico,
Palavra infalível de Deus. Isso não quer dizer que não como pode ser digna de confiança quando fala sobre 0 mun-
haja dificuldades nas nossas Bíblias. Elas existem, ou li- do espiritual? Os dois estão intimamente ligados.
vros como este não seriam necessários. Mas 0 povo de A inspiração inclui não só tudo que a Bíblia ensi-
Deus pode abordar textos difíceis com confiança, sa- na explicitamente, mas também tudo que a Bíblia toca.
bendo que não são erros de fato; Deus não errou. Isso se aplica a história, ciência ou matemática — tudo
Erros na ciência e na h istó ria ?Algumas pesso- que a Bíblia declara é verdade, seja uma questão gran-
as sugeriram que as Escrituras sempre podem ser de ou pequena. A Bíblia é a Palavra de Deus, e Deus
confiáveis em questões de fé e vida ou em questões não se afasta da verdade. Todas as partes são verda-
morais,mas nem sempre estão corretas em questões deiras, assim como 0 conjunto que compõem.
históricas. Estas dependem delas no âmbito espiri- Se inspirada, en tão inerrante. A inerrância é um
tual, mas não na esfera científica (v. ciê n cia e a B i - resultado lógico da inspiração (v. B íb lia , evidências da).
b lia ). Se isso fosse verdade, a Bíblia seria ineficaz In errân cia significa “completamente verdadeiro e sem
Bíblia, supostos erros da 126
erro” . E 0 que Deus sopra (inspira) deve ser completa- pode ser e não será explicado. Quando um cientista
mente verdadeiro (inerrante). Mas é útil especificar encontra uma anomalia na natureza, ele não aban-
mais claramente 0 que se quer dizer com “ verdade” e dona investigações científicas posteriores. Pelo con-
0 que constituiria um “erro” (v. Geisler, “ The concept trário, 0 inexplicado 0 motiva a estudar mais. Os ci-
of truth in the inerrancy debate” ). entistas do passado não sabiam explicar meteoros,
Verdade é 0 que corresponde à realidade (v. verda- eclipses, tornados, furacões e terremotos. Até recen-
de, definição d a). Erro é 0 que não corresponde à reali- temente, os cientistas não sabiam como os zangões
dade. Nada errado se torna verdadeiro, mesmo que 0 conseguiam voar. Todos esses mistérios revelaram
autor quisesse dizer a verdade. Senão, toda afirmação seus segredos à paciência incansável. Os cientistas
sincera porventura enunciada seria verdadeira, mes- agora não sabem como a vida pode desenvolver-se
mo se totalmente errada. em termoventas no fundo do mar. Mas nenhum de-
Alguns estudiosos bíblicos argumentam que a Bí- les joga a toalha e grita: “ Contradição!” .
blia não pode ser inerrante porque usam um racio- 0 verdadeiro estudioso bíblico aborda a Bíblia com
cínio falho: a mesma pressuposição de que há respostas para 0 que
até agora permanece inexplicado. Quando encontra al-
1. A Bíblia é um livro humano. guma coisa para a qual nenhuma explicação é conheci-
2. Humanos erram. da, 0 estudioso continua a pesquisa, procurando os
3. Logo, a Bíblia erra. meios para descobrir a resposta. Há motivo racional
para a fé de que a resposta será encontrada, porque a
O erro desse raciocínio pode ser visto em outro maioria dos problemas inexplicáveis do passado atual-
raciocínio também errado: mente já foi respondida pela ciência, pelo estudo textu-
al, arqueologia, lingüística e outras disciplinas. Os críti-
1. Jesus era um ser humano. cos argumentaram que Moisés não poderia ter escrito
2. Humanos pecam. os cinco primeiros livros da Bíblia, porque a cultura da
3. Logo, Jesus pecou. época de Moisés era anterior à invenção da escrita.
Agora sabemos que a escrita existia milhares de anos
Pode-se logo ver que essa conclusão está errada. antes de Moisés (v. Pentateuco, a u to ria mosaica do).
Jesus era “sem pecado” (Hb 4.15; v. tb. 2C0 5.21; 2Pe Os críticos acreditavam que as referências da Bí-
1.19; 2J0 2.1; 3.3). Mas se Jesus não pecou, 0 que está blia ao povo heteu eram completamente fictícias. Um
errado com 0 argumento de que Jesus é humano e povo com esse nome jamais existira. Agora que a bi-
humanos pecam, logo, Jesus pecou? Onde é que a blioteca nacional dos heteus foi encontrada na Turquia,
lógica se desviou? as afirmações outrora confiantes dos céticos parecem
O erro é supor que Jesus é ap en a s humano. Meros ridículas.Estudos arqueológicos indicam que zomba-
seres humanos pecam. Mas Jesus não era um m ero ser rias semelhantes sobre a rota e data do Êxodo logo se-
humano. Ele também era Deus. Da mesma forma, a rão silenciadas. Esses e muitos outros exemplos inspi-
Bíblia não é a p en a s um livro humano; também é a ram confiança em que as dificuldades bíblicas que ain-
Palavra de Deus. Como Jesus, ela tem elementos divi- da não foram explicadas não são erros da Bíblia.
nos que negam a afirmação de que tudo que é huma- Supor qu e a B íblia é cu lp ad a de erro a té p ro v ar ino-
no erra. Ambos são divinos e não podem errar. Não cência. Muitos críticos supõem que a Bíblia está erra-
pode haver mais erro na Palavra escrita de Deus do da até que algo prove esta correta. Mas, como um ci-
que havia no Verbo vivo de Deus. dadão acusado de um crime, a Bíblia deve ser lida no
Abordando dificuldades bíblicas. Como Agostinho mínimo com a mesma pressuposição de precisão
disse na citação anterior, os erros não procedem da re- conferida a outras obras literárias que afirmam ser
velação de Deus, mas da má interpretação do homem. não-ficção. Essa é a maneira que abordamos toda a
Exceto onde erros de escribas e mudanças estranhas se comunicação humana. Se não 0 fizéssemos, a vida não
inseriram nas famílias textuais com 0 passar dos sécu- seria possível. Se supuséssemos que placas de trânsi-
los, todas as alegações de erros na Bíblia por parte dos to e semáforos não estão dizendo a verdade, provável-
críticos são baseadas nos seus erros. A maioria dos pro- mente estaríamos mortos antes de poder provar 0 con-
blemas cai em uma das seguintes categorias. trário. Se supuséssemos que embalagens de alimen-
Su por qu e 0 in ex p licad o é inexplicável. Nenhuma tos estavam trocadas, teríamos de abrir todas as latas
pessoa informada afirmaria ser capaz de explicar e embalagens antes de comprá-las.
completamente todas as dificuldades da Bíblia. Mas Deve-se supor que a Bíblia, como qualquer outro li-
é um erro do crítico supor que 0 inexplicado não vro,está dizendo 0 que os autores disseram, vivenciaram
127 Bíblia, supostos erros da
e ouviram. Críticos negativos começam com a pressu- glorie” (Ef 2.8,9). E “ àquele que não trabalha, mas con-
posição exatamente oposta. Não é de admirar que con- fia em Deus, que justifica 0 ímpio, a sua fé lhe é causa de
duam que a Bíblia está cheia de erros. atos como justiça” (Rm 4.5). E também,“não por causa
Confundir interpretações com revelações. Jesus afir- de atos de justiça por nós praticados, mas devido à sua
mou que“a Escritura não pode ser anulada” (Jo 10.35). misericórdia, ele nos salvou” (Tt 3.5).
Como livro infalível, a Bíblia também é irrevogável. A leitura cuidadosa de tudo 0 que Tiago diz e tudo
Jesus declarou: “ Porque em verdade vos digo: até que 0 que Paulo diz mostra que Paulo está falando sobre
0 céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais justificação diante de Deus (somente pela fé), enquanto
passará da lei, até que tudo se cumpra” (Mt 5.18; cf. Lc Tiago está se referindo à justificação dian te dos outros
16.17). As Escrituras também têm autoridade final, (que só vêem 0 que fazemos). Tanto Tiago como Paulo
sendo a última palavra em tudo que discutem (v. Bí- falam das obras que sempre acompanham a vida da-
b lia , posição de C ris to em re la ç ã o λ ). Jesus empregou a quele que ama a Deus.
Bíblia para resistir ao tentador (M t 4.4,7,10), para re- Um exemplo semelhante, dessa vez envolvendo
solver conflitos doutrinários (Mt 21.42) e reivindicar Paulo, é encontrado em Filipenses 2.12. Paulo diz:
sua autoridade (Mc 11.17). As vezes um ensinamento “ponham em ação a salvação de vocês com temor e
bíblico baseia-se num pequeno detalhe histórico (Hb tremor” . Isso parece dizer que a salvação é por
7.4-10), numa palavra ou frase (At 15.13-17) ou na obras. Mas contradiz diretamente os textos anteri-
diferença entre 0 singular e 0 plural (G1 3.16). ores e uma série de outras passagens. Quando essa
Mas ainda que a Bíblia seja infalível, as interpre- afirmação difícil sobre “pôr em ação a salvação” é
tações humanas não são. Embora a Palavra de Deus entendida à luz das passagens claras, podemos ver
seja perfeita (Sl 19.7), enquanto seres humanos im- que n ã o significa que somos salvos por obras. Na
perfeitos existirem haverá más interpretações da Pa- verdade, 0 que quer dizer é encontrado no versículo
lavra de Deus e falsas teorias sobre este mundo. Por
seguinte. Devemos p ô r em a ç ã o nossa salvação por-
isso, não devemos apressar-nos em admitir que uma
que a graça de Deus a efetu a nos nossos corações.
suposição atualmente dominante na ciência seja a pa-
Nas palavras de Paulo,“pois é Deus quem efetua em
lavra final. Algumas das leis irrefutáveis do passado
vocês tanto 0 querer como 0 realizar, de acordo com
são consideradas erros pelos cientistas atuais. Por-
a boa vontade dele” (Fp 2.13).
tanto, contradições entre opiniões populares na ci-
E n sin a r a p a r tir d e um a p a ssa g em obscura. Algu-
ência e interpretações amplamente aceitas da Bíblia
mas passagens na Bíblia são difíceis porque seu sig-
podem ser esperadas. Mas isso não prova que haja
nificado é obscuro. Isso geralmente acontece porque
verdadeira contradição.
uma palavra-chave no texto é usada apenas uma vez
D eixar de entender 0 contexto. O erro mais comum
(ou raramente), então é difícil saber 0 que 0 autor
de todos os intérpretes da Bíblia, inclusive alguns críti-
está dizendo a não ser que possa inferir do contexto.
cos, é ler um texto fora do seu contexto correto. Como
diz 0 provérbio: “O texto fora de contexto é pretexto” .
Uma das passagens mais conhecidas da Bíblia con-
tem uma palavra que não aparece em nenhum outro
Pode-se provar tudo a partir da Bíblia com esse proce-
lugar de toda literatura grega existente até a época
dimento errôneo. A Bíblia diz:“ Deus não existe” (Sl 14.1).
em que 0 x t foi escrito. Essa palavra aparece no que
Mas 0 contexto é:“ Diz 0 tolo em seu coração: Deus não
se chama popularmente “pai-nosso” (M t 6.11). Ge-
existe” . Pode-se afirmar que Jesus nos admoestou di-
ralmente a tradução diz: “Dá-nos hoje 0 nosso pão
zendo:“não resistam ao perverso” (Mt 5.39),mas 0 con-
texto anti-retaliação em que ele fez essa afirmação não de cada dia” . A palavra em questão é traduzida como
deve ser ignorado. Muitos lêem a afirmação de Jesus: “de cada dia” — ( ep iou sion ). Especialistas em grego
“ Dê a quem lhe pede” como se fosse uma obrigação de ainda não chegaram a um acordo sobre sua origem
dar uma arma a uma criança. Deixar de observar que 0 ou significado exato. Comentaristas diferentes tentam
significado é determinado pelo contexto é 0 principal estabelecer ligações com palavras gregas conhecidas,
pecado daqueles que acham falhas na Bíblia. e muitos significados já foram propostos:
Interpretar 0 que é difícil p elo que é claro. Algumas
passagens são difíceis de entender ou parecem contra- Dá-nos hoje 0 pão nosso contínuo.
dizer algumas partes das Escrituras. Tiago parece dizer 0 pão nosso su persubstancial (uma dádiva dá-nos
que a salvação é por obras (Tg 2.14-26),enquanto Pau- hoje sobrenatural do céu).
10 ensina que é pela graça. Paulo diz que os cristãos são Para nosso sustento dá-nos hoje 0 pão nosso.
salvos pela graça“por meio da fé: e isto não vem de vocês, Dá-nos hoje 0 pão nosso d e ca d a d ia (ou aquilo de
é dom de Deus; nâo por obras, para que ninguém se que precisamos hoje).
Bíblia, supostos erros da 128
Cada uma dessas propostas tem seus defensores, pastor (Amós), um príncipe e homem de Estado
cada uma faz sentido no contexto, e cada uma é uma (Daniel), um sacerdote (Esdras), um coletor de impos-
possibilidade baseada na informação lingüística limi- tos (Mateus), um médico (Lucas), um intelectual (Pau-
tada. Não parece haver uma razão convincente para 10) e pescadores (Pedro e João). Com tanta variedade de
abandonarmos 0 que se tornou a tradução aceita em ocupações representadas pelos autores bíblicos, é natu-
geral, mas isso aumenta a dificuldade, porque 0 signi- ral que seus interesses e suas diferenças pessoais este-
ficado de uma palavra-chave é obscuro. jam refletidos nas suas obras.
Em outros casos, as palavras são claras, mas 0 sig- Como Cristo, a Bíblia é completamente humana,
nificado não é evidente porque não temos a informa- mas sem erro. Deixar de lado a humanidade das Es-
ção histórica que os primeiros leitores tinham. Isso com crituras pode levar à refutação falsa da sua integrida-
certeza acontece em ICoríntios 15.29, onde Paulo fala de pela expectativa de um nível de expressão maior
sobre aqueles que “se batizam pelos mortos” . Ele está- do que é comum num documento humano. Isso fica-
se referindo a crentes mortos que não se batizaram e rá mais claro quando discutirmos os próximos erros
outros se batizando por eles para que fossem salvos dos críticos (v. B íb lia , c rític a s à ).
(como os mórmons afirmam)? Ou está se referindo a Supor qu e um relatório p a rcia l é um relatório falso.
outros se batizando na igreja para assumir 0 posto da- Os críticos geralmente deduzem que um relatório par-
queles que morreram? Ou se referindo a um crente se ciai é falso. Mas isso não é verdade. Se fosse, a maior
batizando “para” (i.e., “em vista da” ) a própria morte e parte do que já foi dito seria falsa, já que raramente 0
sepultamento com Cristo? Ou alguma outra coisa? tempo ou espaço permite um relatório absolutamente
Quando não temos certeza, há várias coisas que completo. Alguns autores bíblicos expressam a mes-
devemos lembrar. Primeiro, não devemos construir ma coisa de maneiras diferentes, ou pelo menos de
uma doutrina com base numa passagem obscura. pontos de vista diferentes, em épocas diferentes,
A regra básica na Bíblia é: “As coisas principais são enfatizando coisas diferentes. Assim, a inspiração não
as coisas simples, e as coisas simples são as coisas exclui a diversidade da expressão. Os quatro evange-
principais” . Isso se chama “perspicuidade” (clareza) lhos relatam a mesma história — muitas vezes os
das Escrituras. Se algo é importante, é ensinado cia- mesmos incidentes — de maneiras diferentes para
ramente, e provavelmente em mais de um lugar. Em grupos diferentes e às vezes até citam a mesma afir-
segundo lugar, quando certa passagem não é clara, mação com palavras diferentes. Compare, por exem-
jamais devemos concluir que significa algo que se pio a famosa confissão de Pedro nos evangelhos:
opõe a outro ensinamento simples das Escrituras.
E squecer as características hu m an as d a Bíblia. Com Mateus: “ Tu és 0 Cristo, 0 Filho do Deus vivo”
exceção de algumas seções pequenas como os Dez Man- (16.16).
damentos, que foram escritos “pelo dedo de Deus” (Êx Marcos: “ Tu és 0 Cristo” (8.29).
31.18), a Bíblia não foi ditada verbalmente (v. Rice). Os Lucas: “0 Cristo de Deus” (9.20).
autores não eram meros secretários do Espírito Santo.
Eram autores humanos empregando seus estilos literá- Até os Dez Mandamentos, que foram escritos “pelo
rios e maneiras de sentir. Esses autores humanos às ve- dedo de Deus” (Dt 9.10), são declarados com varia-
zes usavamfon tes hu m an as para seu material (Js 10.13; ções na segunda vez em que foram registrados (cf. Êx
At 17.28; 1C0 15.33; Tt 1.12). Na verdade, todos os li- 20.8-11 com Dt 5.12-15). Há muitas diferenças entre
vros da Bíblia são a composição de um escritor hum ano os livros dos Reis e das Crônicas na descrição de even-
— cerca de 40 deles ao todo. A Bíblia também manifes- tos idênticos, mas eles não contêm nenhuma contra-
ta estilos hum anos d e literatura diferentes. Os autores dição nos eventos que narram. Se tais afirmações im-
falam do ponto de vista do observador quando escre- portantes podem ser declaradas de maneiras diferen-
vem sobre 0 sol nascendo ou se pondo (Js 1.15). Tam- tes, então não há motivo para 0 restante das Escritu-
bém revelam p ad rões hum anos de pen sam en to, inclusi- ras não poderem falar a verdade sem empregar uma
ve lapsos de memória (1 Co 1.14-16), assim como em o- forma fixa de expressão.
ções hu m an as (G14.14). A Bíblia revela interesses hum a- Citações d o a t no x t . Os críticos geralmente indi-
nos específicos. Oséias tem um interesse rural, Lucas, cam variações no uso de passagens do a t no n t como
uma preocupação médica, e Tiago manifesta amor pela prova de erro. Esquecem que nem toda citação preci-
natureza. Os autores bíblicos incluem um legislador sa ser exata. Às vezes usamos citações indiretas e às
(Moisés), um general (Josué), profetas (Samuel, Isaías, vezes, diretas. Na época (como hoje) era um estilo li-
e outros),reis (Davi e Salomão), um músico (Asafe),um terário perfeitamente aceitável dar a essência de uma
129 Bíblia, supostos erros da
afirmação sem usar exatamente as m esm as p alavras. crítico tem a intenção de mostrar que os textos erram,
O mesmo significado pode ser expresso sem usar as 0 erro não está na Bíblia, mas no crítico.
mesmas expressões verbais. Da mesma forma, Mateus (27.5) nos informa que
As variações nas citações que 0 n t faz do a t divi- Judas se enforcou. Mas Lucas diz que “seu corpo par-
dem-se em duas categorias. As vezes elas existem tiu-se pelo meio, e as suas vísceras se derramaram”
porque há uma mudança de locutor. Por exemplo, (At 1.18). Mais uma vez, esses relatórios não se elimi-
Zacarias registra 0 Senhor dizendo: “ Olharão para nam. Se Judas se enforcou numa árvore à beira de um
m im , aquele a quem trespassaram” (12.10). Quando precipício nessa área rochosa, e seu corpo caiu na ro-
isso é citado no n t, João, não Deus, está falando. En- chas pontiagudas abaixo dele, suas entranhas se espa-
tão há uma mudança para: “ Olharão para a q u ele a lhariam como Lucas descreve detalhadamente.
quem traspassaram” (Jo 19.37). Supor que a B íblia aprova tudo qu e registra. É um
Em outras ocasiões, os autores citam apenas parte erro supor que tudo que a Bíblia contém é elogiado
do texto do at. Jesus fez isso na sua sinagoga em Nazaré por ela. A Bíblia inteira é v erdadeira (Jo 17.17), mas
(Lc 4.18,19, citando Is 61.1,2). Na verdade, ele parou registra m entiras, por exemplo, as de Satanás (Gn 3.4;
no meio de uma frase. Se tivesse continuado, não po- cf. Jo 8.44) e Raabe (Js 2.4). A inspiração abarca a Bí-
deria chegar à sua conclusão no texto: “ Hoje se cum- blia completamente no sentido em que registra preci-
priu a Escritura que vocês acabaram deouvir” (v.21). sa e verdadeiramente até as mentiras e erros dos seres
A próxima frase: “e 0 dia da vingança do nosso Deus” , pecadores. A verdade das Escrituras é encontrada na-
refere-se à sua segunda vinda. quilo que a Bíblia revela, não em tudo que registra. Se
Às vezes 0 n t faz uma paráfrase ou resumo do tex- essa distinção não for feita, pode-se concluir equivo-
to do a t (e.g., Mt 2.6). Ou junta dois textos em um só cadamente que a Bíblia ensina imoralidade porque
(M t 27.9,10). Ocasionalmente uma verdade geral é narra 0 pecado de Davi (2Sm 11.4), que promove a
mencionada, sem citar um texto específico. Por exem- poligamia porque registra a de Salomão (lR s 11.3),
pio,Mateus disse que Jesus mudou-se para Nazaré: “E ou que afirma 0 ateísmo porque cita 0 insensato di-
foi viver numa cidade chamada Nazaré. Assim cum- zendo:“ Deus não existe” (SI 14.1).
priu-se 0 que fora dito pelos profetas: Ele será chama- Esquecer que a B íblia n ão é técnica. Para ser verdadei-
do Nazareno” (Mt 2.23). Note que Mateus não cita um ro, não é necessário usar linguagem erudita, técnica ou
profeta determinado, mas sim “profetas” em geral. Vá- “científica” . A Bíblia foi escrita para as pessoas comuns
rios textos falam da humildade do Messias. Ser de de todas gerações e, portanto, usa a linguagem comum,
Nazaré, um nazareno, era sinônimo de pobreza no Is- do dia-a-dia. 0 uso de linguagem fenomenológica, não-
rael da época de Jesus. científica, não é anfícientífica, é apenas pre-científica. As
Há instâncias onde 0 n t aplica um texto de manei- Escrituras foram compostas na Antigüidade por padrões
ra diferente da do at. Por exemplo, Oséias aplica “do antigos, e seria anacrônico impor padrões científicos
Egito chamei 0 meu Filho” à nação messiânica, e modernos a ela. Mas não é mais anticientífico falar que
Mateus 0 aplica ao produto daquela nação, 0 Messias 0 sol “se deteve’que dizer que 0 sol se pôs (Js 10.13)? Os
(M t 2.15, de Os 11.1). Em nenhum momento 0 n t in- meteorologistas ainda se referem às vezes ao “nascer-
terpreta ou aplica mal 0 a t , nem tira conclusões invá- do-sol” e “pôr-do-sol.
lidas dele. O n t não erra ao citar 0 at, como os críticos Supor qu e n úm eros arred o n d a d o s sã o falsos. Como
fazem ao citar 0 n t. na linguagem do dia-a-dia, a Bíblia usa números ar-
Supor qu e relatórios divergentes sã o falsos. O fato redondados (v. Js 3.4; cf. 4.13). Refere-se ao diâme-
de dois ou mais relatórios do mesmo evento serem tro como um terço da circunferência de um objeto
diferentes não quer dizer que sejam mutuamente (lC r 19.18; 21.5). Tecnicamente, trata-se apenas de
excludentes. Mateus 28.5 diz que havia um anjo no uma aproximação (v. Lindsell, p. 165-6); pode ser im-
túmulo após a ressurreição, enquanto João nos infor- preciso do ponto de vista de uma sociedade
ma que eram dois (20.12). Mas não há relatórios con- tecnológica falar que 3,14159265 é “ 3” , mas não é in-
traditórios. Uma regra matemática infalível explica fa- correto (v. ciê n cia e a B íb lia ). É o suficiente para um
cilmente esse problema: onde há dois, sempre há um. “ mar de fundição” (2Cr 4.2) num templo hebreu an-
Mateus não disse que havia a p en as um anjo. Também tigo, apesar de não ser suficiente para um computa-
poderia haver um anjo no túmulo em determinado dor num foguete moderno. Não se pode esperar ver
momento dessa manhã agitada e dois em outro. Seria atores referindo-se a um relógio de pulso numa peça
necessário acrescentar a palavra “apenas” para que 0 de Shakespeare, nem pessoas de um período pré-ci-
relatório de Mateus contradissesse 0 de João. Alas se 0 entífico usar números exatos.
Bíblia, supostos erros da 130
D eixar d e observar recursos literários. A linguagem milhões de reais! E se recebesse outra carta, no dia se-
humana não é limitada a uma única forma de expres- guinte com, esta mensagem, teria ainda mais certeza:
são. Então não há razão para supor que apenas um
estilo literário seria usado num livro divinamente ins- “ VCÊ GANHOl' R$ 10 MILHÕES.”
pirado. A Bíblia revela vários recursos literários: livros
inteiros escritos em p o es ia (por exemplo, Jó, Salmos, Quanto mais erros desse tipo houver (cada um
Provérbios). Os evangelhos sinóticos apresentam p a - num lugar diferente), mais certeza você tem da men-
rábolas. Em Gálatas 4, Paulo utiliza uma aleg oria. O x t sagem original. É por isso que erros de reprodução nos
está cheio de m etáforas (2 C0 3.2,3; Tg 3.6), sím iles (Mt manuscritos bíblicos não afetam a mensagem básica
20.1; Tg 1.6), hipérboles (Jo 21.25; 2 C0 3.2; Cl 1.23), e da Bíblia — e porque estudos dos manuscritos anti-
até fig u ras p o étic a s (Jó 41.1). Jesus empregou a sátira gos são tão importantes. O cristão pode ler uma tra-
(M t 19.24; 23.24). A linguagem fig u ra d a é comum em dução moderna com a confiança de que ela transmite
toda a Bíblia. a verdade completa da Palavra original de Deus.
Não é errado 0 autor bíblico usar linguagem figu- Confundir a firm açõ es gerais com universais. Os crí-
rativa, mas é um erro se 0 leitor interpretar a lingua- ticos geralmente se precipitam ao concluir que afir-
gem figurativa literalmente. É óbvio que, quando a Bí- mações não-qualificadas não admitem exceções. Eles
blia fala do crente descansando à sombra das “asas” tomam esses versículos que oferecem verdades gerais
de Deus (Sl 36.7), isso não significa que Deus é um e se contentam em indicar exceções óbvias. Tais afir-
pássaro com penas. Quando a Bíblia diz que Deus“des- mações só têm a intenção de ser generalizações.
perta” (Sl 44.23), como se estivesse dormindo, isso sig- Provérbios tem muitas delas. Ditados proverbiais por
nifica que é estimulado à ação. natureza oferecem direção geral, não garantia univer-
E squecer qu e ap en a s 0 texto origin al é infalível. Er- sal. São regras para a vida, mas regras que admitem ex-
ros genuínos foram encontrados — em cópias do tex-
ceções. Provérbios 16.7 afirma: “Quando os caminhos
to bíblico feitas centenas de anos após os autógrafos.
de um homem são agradáveis ao Sen h or, ele faz que até
Deus pronunciou apenas 0 texto original da Escritu-
os seus imigos vivam em paz com ele” . Isso certamente
ra, não as cópias. Então, apenas 0 texto original é livre
não foi dito com a intenção de ser uma verdade univer-
de erros. A inspiração não garante que toda cópia seja
sal. Paulo agradou ao Senhor, e seus inimigos 0 apedre-
infalível, principalmente cópias feitas de cópias feitas
jaram (At 14.19). Jesus agradou ao Senhor, e seus ini-
de cópias feitas de cópias (v. Novo T estam ento, manus-
migos 0 crucificaram. No entanto, é uma verdade geral
crito s do; A n tig o Testam ento, m an u scritos do ). Portan-
que quem age de maneira agradável a Deus pode
to, devemos esperar que erros pequenos sejam encon-
minimizar 0 antagonismo dos seus inimigos.
trados em cópias dos manuscritos.
Provérbios 22.6 diz: “ Instrua a criança segundo os
Por exemplo, 2Reis 8.26 confere a idade de 22 anos
objetivos que você tem para ela e mesmo com 0 pas-
ao rei Acazias,enquanto 2Crônicas 22.2 menciona 42.
sar dos anos, não se desviará deles” . Mas outras pas-
O último número não pode estar certo, ou ele seria
sagens bíblicas e a experiência mostram que isso nem
mais velho que seu pai. É sem dúvida um erro do
sempre acontece. Na verdade, algumas pessoas ínte-
copista, mas não altera a infalibilidade do original.
gras na Bíblia (incluindo Jó, Eli e Davi) tiveram filhos
Em primeiro lugar, esses são erros nas cópias, não
desviados. Esse provérbio não contradiz a experiência
nos originais. Em segundo lugar, são erros pequenos
porque é um princípio geral que se aplica de forma
(geralmente nomes ou números) que não afetam ne-
nhum ensinamento. Em terceiro lugar, esses erros de geral, mas permite exceções individuais. Os provérbi-
reprodução são relativamente poucos. Em quarto lugar, os não pretendem ser garantias absolutas. Mas expres-
geralmente pelo contexto, ou por outra passagem, sa- sam verdades que dão conselho e direção úteis, pelos
bemos qual texto está errado. Por exemplo, Acazias só quais 0 indivíduo deve conduzir sua vida diária.
poderia ter 22 anos. Finalmente, apesar de haver um erro Provérbios são sa b ed o ria (conselhos gerais), não
do copista, a mensagem inteira é transmitida. Por exem- lei (imperativos universalmente impostos). Quando a
pio, se você recebesse uma carta com a seguinte afir- Bíblia declara “sejam santos, porque eu sou santo” (Lv
mação, acha que poderia receber 0 dinheiro? 11.45), então não há exceção. Santidade, bondade,
amor, verdade e justiça estão arraigados na própria
“ 0CÊ GANHOU R $ 1 0 M ILH Õ ES.” natureza de um Deus imutável. Mas a literatura de sa-
bedoria aplica as verdades universais de Deus às cir-
Apesar de haver um erro na primeira palavra, a cunstâncias mutantes da vida. Os resultados nem sem-
mensagem completa é transmitida — você ganhou dez pre são os mesmos. No entanto, são conselhos úteis.
131 Bíblia, visão de Jesus sobre a
Esquecer que a revelação posterior substitui a ante- Fontes
rior. Às vezes os críticos não reconhecem a revelação A g o s tin h o , Reply to Faustus the m anichaean, em P.
progressiva. Deus não revela tudo ao mesmo tempo, Schaff, org., A select library o f the nicene and
nem estabelece as mesmas condições para todos os ante-nicenefathers o f the Christian church.
períodos da história. Algumas das suas revelações G . L . A r c h e r , Jr. Enciclopédia de temas
posteriores substituirão suas afirmações anteriores. Os bíblicos.
críticos da Bíblia às vezes confundem uma mudança \\T.A r n d t , Bible difficulties.
na revelação com um erro. O fato de um pai deixar uma ___ , Does the Bible contradict itself?
criança pequena comer com as mãos, mas exigir que N . L . G e is le r , “ T h e c o n c e p t o f t r u t h in th e i n e r r a n c y

a criança maior use garfo e faca não é uma contradi- d e b a te ” , Bib. S ac., O c t.- D e c . 1980.
ção. Isso é revelação progressiva, com cada ordem ade- ____e T. H o w e , When critics ask.
quada à circunstância. _____ e W. E. Nix, Introdução bíblica.
Houve um tempo em que Deus testou a raça humana J. W. H a l e y , Alleged discrepancies o f the Bible.
ao proibi-la de comer de uma árvore específica no jardim H . L in d s e l l , The battle fo r the Bible.
do Éden (Gn 2.16,17). Essa ordem não vale mais, mas a J. O rr , The problem s o f the Old Testament considered
revelação posterior não contradiz a anterior. Além disso, with reference to recent criticism.
houve um período (sob a lei de Moisés) em que Deus orde- J. R . R ic e , Our God-breathed book — The Bible.
nou que animais fossem sacrificados pelo pecado do povo. E. T h ie le , The mysterious numbers o f the kings o f
Mas,já que Cristo ofereceu 0 sacrificio perfeito pelo pecado Israel.
(Hb 10.11-14), essa ordem do a t não é mais válida. Não há R . T uck, ed.,A han dbook o f biblical difficulties.
contradição entre a primeira e a última ordem. R . D. W il s o n , Λ scientific investigation o f the Old
Da mesma forma, quando Deus criou a raça huma- Testament.
na,ordenou que comessem apenas frutas e vegetais (Gn
1.29). Mas depois, quando as condições mudaram de-
Bíblia, visão de Jesus sobre a. O elo crucial na cor-
pois do dilúvio, Deus mandou que também comessem
rente de argumentos de que a Bíblia é a Palavra de Deus
carne (Gn 9.3). Essa mudança de condição herbívora
(v. B íb lia , evidências d a). A progressão (v. ap olo gética,
para onívora é revelação progressiva, mas não é contra-
argum entos da) é a seguinte:
dição. Na verdade, todas as revelações subseqüentes são
apenas ordens diferentes para pessoas diferentes em
1. A verdade sobre a realidade é cognoscível (v.
épocas diferentes no plano geral de redenção de Deus.
v e r d a d e , n a t u r e za d a ; a g n o st ic ism o ).
É claro que Deus não pode mudar mandamentos
2. Os opostos não podem ser verdadeiros (v. pri-
que têm relação com sua natureza imutável (cf. Ml 3.6;
meiros princípios; ló g ic a ).
Hb 6.18). Por exemplo, já que Deus é amor (1 Jo 4.16),
ele não pode mandar que 0 odiemos. Nem pode orde-
3 . O Deus teísta existe (v. Deus, Evid ê n cia s de).
4. milagres são possíveis (v. m ilagres, argum entos
nar 0 que é logicamente impossível, por exemplo, ofe-
c o n tra ).
recer e não oferecer sacrifício pelo pecado ao mesmo
5. Os milagres confirmam as afirmações do
tempo e no mesmo sentido. Mas, apesar desses limi-
profeta de Deus (v. .milagres, valo r apologético dos).
tes morais e lógicos, Deus poderia dar e deu revela-
ções não-contraditórias e progressivas que, se tiradas
6 . Os documentos do n t são historicamente
confiáveis (v. Novo Testam ento, datação do; Novo
do seu contexto apropriado e justapostas, podem pa-
Testam ento, con fiab ilid ad e dos documentos do e
recer contraditórias. Isso é tão errado quanto supor
que um pai se contradiz quando deixa 0 filho de Novo T e stam en to ,h istoricid ad e d o ).
dezesseis anos dormir mais tarde que 0 filho de 6 anos. 7. Como testemunhado pelo n t, Jesus afirmou ser
Depois de quarenta anos de estudo contínuo e cui- Deus (v. C ris to , divindade de).
dadoso da Bíblia, só posso concluir que os que“desco- 8 . A afirmação de Jesus de ser Deus foi confirma-
briram um erro” na Bíblia não sabem muito sobre ela da pelos milagres (v. m ilagres, v a lo r apologético
— sabem pouquíssimo sobre ela. Isso não quer dizer, dos; milagres na B íb lia ; ressurreição, evidências da).

é claro, que saibamos como resolver todas as dificul- 9. Logo, Jesus é Deus.
dades das Escrituras. Alas vimos problemas suficien- 10. Tudo que Jesus (que é Deus) afirmou ser ver-
tes serem resolvidos para saber que essas dificulda- dadeiro é verdadeiro (v. Deus, n atu rez a de).
des também têm respostas. Enquanto isso, Mark Twain 11. Jesus, que é Deus, afirmou que a Bíblia e' a Pa-
estava certo quando concluiu que não eram as partes lavra de Deus.
da Bíblia que ele nào entendia que 0 preocupavam — 12. Logo, é verdadeiro que a Bíblia é a Palavra de
eram as partes que ele entendia! Deus, e tudo que se opõe a qualquer ensinamento
Bíblia, visão de Jesus sobre a 132
bíblico é falso (v. relig iõ es mundiais e cristiaxis- (v. 34),“palavra de Deus” e“não pode ser anulada” .En-
mo; pluraitsm o re lig io s o ). tão, Jesus acreditava que 0 a t era a lei infalível (ou
indestrutível) de Deus.
O q u e Jesus a firm o u sob re a Bíblia. O passo 9 é Jesus afirm ou qu e 0 a t é a P alavra d e Deus. Jesus
crucial para 0 argumento geral. Se Jesus é 0 Filho de Deus, considerava a Bíblia “ Palavra de Deus” .Ele insistiu em
então 0 que ele afirmou sobre a Bíblia é verdadeiro. E Je- outra passagem que ela continha 0 “mandamento de
sus afirmou que a Bíblia é a Palavra infalível, indestrutível Deus” (M t 15.3, 6). A mesma verdade é sugerida em
e inerrante de Deus (v. B íb lia , supostos erros xa). sua referência à indestrutibilidade dela em Mateus
O qu e Jesus afirm ou sobre 0 a t . O x t só foi escrito 5.17,18. Em outras passagens, os discípulos de Jesus a
depois que Jesus ascendeu ao céu. Então, suas afirma- chamam de“palavras de Deus” (Rm 3.2; Hb 5.12).
ções sobre a Bíblia referem-se ao at. Mas 0 que Jesus Jesu s atribu iu su p rem acia total a o a t . Jesus sem-
confirmou para 0 at também prometeu para 0 x t. pre afirmava a autoridade e supremacia total do a t
Jesus afirm ou a au torid ad e divina do a t . Jesus e seus sobre 0 ensinamento ou “tradição” humana. Ele dis-
discípulos usaram a expressão “está escrito” mais de se aos judeus:
noventa vezes. Geralmente 0 aspecto do verbo utiliza-
do no original remete ao fato de que algo “ foi escrito E por que vocês transgridem 0 mandamento de Deus
no passado e ainda permanece como a Palavra escrita por causa da tradição de vocês? [...] Assim, por causa da sua
de Deus” . Geralmente Jesus usava a frase no sentido tradição, vocês anulam a palavra de Deus (Mt 15.3,6).
de “essa é a palavra final sobre a questão. Assunto en-
cerrado” . Esse é 0 caso quando Jesus resistiu à tenta- Jesus acreditava que só a Bíblia tem autoridade su-
ção do diabo. prema mesmo quando todos os ensinamentos huma-
nos mais reverenciados a contestam. Só as Escrituras
Jesus respondeu: “Está escrito: ‘Nem só de pão viverá 0 são a suprema autoridade escrita de Deus.
homem, mas de toda palavra que procede de boca de Deus’” Jesus afirm ou a in errân cia d o a t . In errân cia impli-
[...] Jesus lhe respondeu: “Também está escrito: ‘Não ponha ca não conter erro. Esse conceito é encontrado na res-
à prova ,0 Senhor,0 seu Deus’” [...] Jesus lhe disse:“ Retire- posta de Jesus aos saduceus, uma facção que negava a
se, Satanás! Pois está escrito: ‘Adore 0 Senhor, 0 seu Deus, e inspiração divina do at: “Vocês estão enganados por
só a ele preste culto”’(Mt 4.4,7,10), grifo do autor). que, não conhecem as Escrituras [que não erram] nem
0 poder de Deus!” (M t 22.29). Na oração sacerdotal,
Esse uso demonstra que Jesus acreditava que a Bí- Jesus afirmou a veracidade total das Escrituras, dizen-
blia tinha autoridade final e divina. do ao Pai: “ Santifica-os na verdade; a tua p a la v ra é a
Jesus afirm ou que 0 a t era imperecível. “Enquanto v erd ad e” (Jo 17.17).
existirem céus e terra, de forma alguma desaparecerá Jesus afirm ou a con fiab ilid a d e histórica do a t . Je-
da Lei a menor letra ou 0 menor traço, até que tudo se sus afirmou serem historicamente verdadeiras algu-
cumpra” (M t 5.18). Jesus acreditava que 0 a t era a Pala- mas das passagens mais discutidas do at, incluindo-
vra imperecível do Deus eterno. se a criação de Adão e Eva (M t 19.4,5), 0 milagre com
Jesus afirm ou qu e 0 a t era inspirado. Apesar de Je- Jonas no grande peixe e a destruição do mundo por
sus jamais ter usado a palavra inspiração, ele usou seu um dilúvio na época de Noé. Sobre esta última, Jesus
equivalente. À pergunta dos fariseus, ele replicou: “ En- declarou:
tão, como é que Davi ,fa la n d o p elo Espírito, 0 chama
Senhor... ?” (M t 22.43, grifo do autor). Na verdade, 0 Como foi nos dias de Noé, assim também será na vinda
próprio Davi disse a respeito de suas palavras: “0 Es- do Filho do Homem. Pois nos dias anteriores ao Dilúvio 0 povo
pírito do S e n h o r falou por meu intermédio; sua pala- vivia comendo e bebendo, casando-se e dando-se em casa-
vra esteve em minha língua” (2 S m 2 3.2). É exatamen- mento, até 0 dia em que Noé entrou na arca (Mt 24.37,38).
te isso que se quer dizer com inspiração.
Jesus afirm ou qu e a B íblia é infalível. A palavra in- Jesus afirmou que Jonas realmente foi engolido por
fa lív e l não é usada no x t, mas um equivalente é — um grande peixe e esteve em seu ventre durante três
n ão p o d e ser an u lad a (literalmente: “não pode ser que- dias e três noites:
brada” ). Jesus disse: “Se ele chamou ‘deuses’ àqueles a
quem veio a palavra de Deus, e a Escritura n ão p o d e Pois assim como Jonas esteve três dias e três noites no
ser an u lad a...” (Jo 10.35). Na verdade, três frases po- ventre de um grande peixe, assim 0 Filho do Homem ficará
derosas descrevem 0 a t nessa passagem curta: “ lei” três dias e três noites no coração da terra (Mt 12.40).
133 Bíblia, visão de Jesus sobre a
Jesus também falou sobre 0 assassinato de Abel discípulos autoridade divina no que escrevessem, como
(ljo 3.12), Abraão, Isaque e Jacó (Mt 8.11), os mila- também os apóstolos afirmaram essa autoridade nas
gres de Elias (Tg 5.17), e muitas outras pessoas e even- suas obras. João disse: “Mas estes foram escritos para
tos do a t como historicamente verdadeiros, inclusive que vocès creiam que Jesus é 0 Cristo, 0 Filho de Deus
Moisés, Isaías, Davi e Salomão (M t 12.42), e Daniel, 0 e, crendo, tenham vida em seu nome.”
profeta (M t 24.15). Ele afirmou a confiabilidade his-
tórica de passagens muito discutidas do at. A maneira 0 que era desde 0 princípio, 0 que ouvimos, 0 que vi-
em que esses eventos são citados, a autoridade que lhes mos com os nossos olhos, 0 que contemplamos e as nossos
é atribuída e a base que formam para ensinamentos nãos apalparam - isto proclamamos a respeito da Palavra
importantes que Jesus deu sobre sua vida, morte e res- daVida.(lJo 1.1)
surreição revelam que ele considerava esse eventos
como históricos. Amados, não creiam em qualquer espírito, mas exami-
Jesus a firm ou a p recisã o cien tífica d o at. Os capí- nem os espíritos para ver se eles procedem de Deus, por que
tulos mais discutidos da Bíblia são os onze primei- muitos falsos profetas têm saído pelo mundo [...] Eles vêm
ros (v. ciê n cia EA B íb lia ) . Jesus, no entanto, confirmou do mundo. Por isso, 0 que falam procede do mundo, e 0
0 registro de todo esse trecho de Gênesis. Confiante- mundo os ouve; mas quem não vem de Deus não nos ouve.
mente ele baseia seu ensinamento moral sobre 0 ca- Dessa forma reconhecemos 0 Espírito da verdade e 0 espíri-
sarnento na verdade literal da criação de Adão e Eva. to do err0.(lJ04.1,5,6)
Disse aos fariseus:
Da mesma forma, 0 apóstolo Pedro reconheceu
Vocês não leram que, no princípio, 0 Criados“os fez ho- toda a obra de Paulo por “Escritura” (2 Pe 3.15,16; cf. 2
Tm. 3.15,16), dizendo:
mem e mulher” e disse: “Por essa razão, 0 homem deixará
pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma
só carne” (Mt 19.4,5).
Tenham em mente que a paciência de nosso Senhor sig-
nifica salvação, como também 0 nosso amado irmão Paulo
Depois de falar com Nicodemos, 0 líder dos judeus,
lhes escreveu, com a sabedoria que Deus lhe deu. Ele escre-
sobre coisas terrenas, físicas, como nascimento e ven-
ve da mesma forma em todos as suas cartas, falando nelas
to, Jesus declarou: “ Eu lhes falei das coisas terrenas e
destes assuntos. Suas cartas contêm algumas coisas difíceis
de entender, as quais as ignorantes e instáveis torcem, como
vocês não creram; como crerão se lhes falar de coisas
também o fazem com as demais Escrituras, para a própria
celestiais?” (Jo 3.12). Em resumo, Jesus disse que, a não
destruição deles.
ser que acreditassem nele quando falava sobre ques-
tões científicas empíricas, não acreditariam quando
Ο λ τ é 0 registro do ensino apostólico. O n t é, na ver-
falasse sobre questões celestiais — revelando assim
dade, 0 único registro autêntico que temos dos
que ele as considerava inseparáveis.
ensinamentos apostólicos. Cada livro foi escrito por
O que Jesus prom eteu sobre ο λ τ . Jesus não só afir-
um apóstolo ou profeta do n t (Ef 2.20; 3.3-5).
Logo, 0 .\t é “toda a verdade”que Jesus prom eteu. Com
mou a autoridade e infalibilidade divina do a t , mas tam-
bém assegurou 0 mesmo para 0 n t . Além disso, seus
base no fato de que Jesus prometeu guiar seus discípu-
apóstolos e profetas do n t reivindicaram em seus escri-
los a “toda a verdade” e eles afirmaram essa promessa e
tos 0 que Jesus lhes prometera (v. B í b l i a , e v id ê n c ia s d a ).
registraram essa verdade no n t, podemos concluir que
Jesu s disse q u e 0 E sp írito S an to en s in a ria “to d a a promessa de Jesus finalmente foi cumprida no n t ins-
a v e r d a d e ”. Jesus prometeu que “ Mas 0 Conselhei-
pirado. Dessa forma Jesus confirmou diretamente a ins-
ro, 0 Espírito Santo, que 0 Pai enviará em meu nome, piração e autoridade divina do a t e prometeu 0 mesmo,
lhes ensinará to d a s as coisa s e lhes fará lembrar indiretamente, para 0 n t. Portanto, se Cristo é 0 Filho de
tu do 0 que eu lhes disse” . “ Mas quando 0 Espírito Deus, então 0 at e 0 n t são a Palavra de Deus.
da verdade vier, ele os guiará a to d a a v erd ad e. Não Jesu s e os críticos. Jesus confessou 0 que muitos
falará de si mesmo; falará apenas 0 que ouvir, e lhes críticos modernos negam sobre 0 a t (v. B íb lia , c r it ic a
anunciará 0 que está por vir.” (Jo 14.26; 16.13, grifo da). Se Jesus estava certo, então os críticos estão erra-
do autor). Essa promessa foi cumprida quando fa- dos, apesar da pretensão de terem a erudição a seu fa-
laram e depois registraram (no n t ) tudo que Jesus vor. Pois se Jesus é 0 Filho de Deus, então é uma ques-
lhes ensinou. tão de senhorio, não uma questão de erudição.
Os a p óstolos a firm a ra m essa a u to r id a d e d iv in a Críticos negativos da Bíblia afirmam que Daniel
qu e Jesus lhes deu. Jesus não só prometeu aos seus não foi um profeta que previu 0 futuro, mas apenas
Bíblia, visão islâmica da 134
um historiador que registrou os eventos depois que Apesar das proclamações diretas de Cristo sobre
aconteceram (c. 165 a.C.).Mas Jesus concordou com a as Escrituras, muitos críticos acreditam que ele não
visão conservadora, declarando que Daniel era um estava afirmando nada realmente, mas apenas se aco-
profeta (v. D a n ie l, datação de). Na verdade, Jesus citou modando às crenças equivocadas dos judeus da sua
uma previsão que Daniel fez de um fato que ainda não época sobre 0 at. Porém essa hipótese é claramente
havia ocorrido na época de Jesus. No seu Sermão do contrária aos fatos (v. acomodação, t e o ria d a). Outros
Monte, disse: “Assim, quando vocês irem ‘0 sacrilégio acreditam, que por Jesus ser apenas um homem ele
terrível’, do qual falou 0 p rofeta D an iel..’’ (M t 24.15, cometeu erros, alguns dos quais foram sobre a origem
grifo do autor). “Vejam que eu os avisei antecipada- e natureza das Escrituras. Mas essa especulação tam-
mente.” (M t 24.25). bém não está baseada nos fatos da questão (v. ibid.).
Muitos críticos afirmam que os primeiros seres Jesus nem acomodou seu ensino a falsas crenças (cf.
humanos evoluíram por processos naturais. Mas, Mt 5.21,22,27,28,22.29; 23.Is.) nem estava limitado
como já foi observado, Jesus insistiu em que Adão e quanto à autoridade de ensinar a verdade de Deus (cf.
Eva foram criados por Deus (M t 19.4,5; v. A d ã o , Mt 28.18-20; 7.29; Jo 12.48).
h isto ricid ade de). Se Jesus é 0 Filho de Deus, então a
escolha é entre Charles Darwin e 0 divino, entre uma Fontes
criatura do século xix e 0 Criador eterno. N. L. G e is le r , Enciclopédia apologética, cap. 18.
A maioria dos críticos negativos da Bíblia acredita ___ e W. E. Nix, Introdução bíblica.
que a história de Jonas é mitologia (v. m itologia e 0 Novo R. L i g h t n e r , The Saviour and the Scriptures.
Testam ento). Na verdade, com grande ênfase Jesus afir-
].W. W e n h a m , “Jesus’ view of the Old Testament” ,
mou que “como” Jonas ficou no grande peixe três dias era N. L. G e is le r , org., Inerrancy.
e noites, ele “também” ficaria no túmulo por três dias
e noites. Certamente, Jesus não teria baseado a
Bíblia, visão islâm ica da. Os muçulmanos acreditam
historicidade da sua morte e ressurreição em mitolo-
que 0 A lcorão é a Palavra de Deus, superando todas as
gia sobre Jonas.
outras revelações anteriores. Para sustentar essa cren-
Os críticos da Bíblia negam que tenha havido um
ça, precisam manter um ataque contra as alegações
dilúvio global na época de Noé (v. ciência e a B íb lia ). Mas,
opostas da sua arquiinimiga, a Bíblia.
como visto anteriormente, Jesus afirmou que houve um
O a ta q u e à B íb lia . As acusações islâmicas contra a
dilúvio nos dias de Noé em que todos exceto a família
Bíblia dividem-se em duas categorias básicas: em pri-
de Noé pereceram (M t 24.38,39; cf. lPe 3.20; 2Pe 3.5,6).
meiro lugar, 0 texto das Escrituras teria sido alterado
É comum os críticos bíblicos ensinarem que há
ou falsificado; em segundo lugar, erros doutrinários te-
pelo menos dois Isaías, um que viveu após os eventos
riam se misturado ao ensinamento cristão, como a cren-
descritos nos últimos capítulos (40 até 66) e outro que
ça na encarnação de Cristo, a Trindade divina e a dou-
viveu antes e escreveu os capítulos 1 até 39. Mas Jesus
trina do pecado original (Waardenburg, p. 261-3).
citou ambas as partes do livro como a obra do “profe-
Louvor à B íblia original. Por incrível que pareça, às
ta Isaías” (v. D e u te ro - Is a ia s). Em Lucas 4.17 Jesus citou
vezes 0 Alcorão dá às Escrituras judeu-cristãs títulos
a última parte de Isaías (61.1), lendo:“0 Espírito do Se-
nobres como: “0 Livro de Deus” , “a Palavra de Deus” ,
nhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar
“luz e guia para 0 homem” , “decisão para todos os as-
boas novas os pobres” (Lc 4.18). Em Marcos 7.6 Jesus
citou a primeira parte de Isaías (29.13), dizendo: “ Bem suntos” , “guia e misericórdia” , “0 Livro lúcido” , “a ilu-
profetizou Isaías acerca de vocês, hipócritas; como está minação (al-fu rqan )” 0 evangelho com sua direção e
escrito: Este povo me honra com os lábios, mas 0 seu luz, confirmando a Lei precedente” e “guia e advertên-
coração está longe de mim” (Mc 7.6). O discípulo de Je- cia aos que temem a Deus” (Takle, p. 217). Os cristãos
sus, João, deixou absolutamente claro que houve ape- são incentivados a ler as próprias Escrituras para en-
nas um Isaías ao citar ambas as partes de Isaías (capí- contrar a revelação de Deus para eles (surata 5.50). E
tulos 53 e 6) na mesma passagem, afirmando sobre a até 0 próprio Maomé numa ocasião é exortado a testar
segunda que 0 mesmo “ Isaías disse isso” (Jo 12.37-41). a veracidade da própria mensagem pelo conteúdo das
0 crítico negativo da Bíblia faria bem ao pergun- revelações divinas prévias feitas a judeus e cristãos
tar: Quem sabia mais sobre a Bíblia, Cristo ou os críti- (10.94).
cos? O dilema é esse: Se Jesus é 0 Filho de Deus, então A B íblia anulada. Esse louvor à Bíblia é enganador,
a Bíblia é a Palavra de Deus. Inversamente, se a Bíblia já que os muçulmanos logo afirmam que 0 A lcorão su-
não é a Palavra de Deus, então Jesus não é 0 Filho de pera as revelações anteriores, com base no seu conceito
Deus (já que ele ensinou falsa doutrina). de revelação progressiva. Com isso esperam mostrar que
135 Bíblia, visão islâmica da
0 Alcorão cumpre e anula as revelações menos comple- originais que vieram do profeta Jesus [...] 0 original e 0 fie-
tas, como a Bíblia. Um teólogo islâmico repete essa con- tício, 0 divino e 0 humano estão tão misturados que 0 trigo
vicção ao afirmar que, apesar de um muçulmano dever não pode ser separado do joio. A verdade é que a Palavra
acreditar na Tawrat (Lei de Moisés), no Zabur (os Sal- original de Deus não está preservada nem com os judeus
mos de Davi) e no Injil (Evangelhos), “segundo os teó- nem com os cristãos. 0 Alcorão, por outro lado, está com-
logos mais eminentes” , os livros no estado atual “foram pletamente preservado e nenhum i e nenhum til foi muda-
violados” . Ele continua dizendo: do ou excluído dele (Ajijola, p. 79).

Deve-se acreditar que 0 Alcorão é 0 livro mais nobre de Essas acusações nos trazem de volta à doutrina
todos [...] É a última escritura dada por Deus, anula todos os islâmica de tahrif, ou corrupção das Escrituras judeu-cris-
livros que a precedem [...] É impossível que sofra qualquer tãs. Baseados em alguns dos versículos doAlcorão e, prin-
mudança ou alteração (Jeffery, p. 126-8). cipalmente, na exposição do conteúdo real de outras es-
crituras, os teólogos muçulmanos formularam duas res-
Apesar de ser essa uma visão comum entre teólogos postas. Conforme Nazir-Ali
islâmicos, muitos muçulmanos ainda afirmam crer na san-
tidade e veracidade da Bíblia atual. Mas isso é dito da boca os primeiros comentaristas muçulmanos (por exemplo, At-
para fora, por causa da sua crença firme na suficiência su- Tabari e Ar-Razi) acreditavam que a alteração é tahrifbi’al ma’ni,
prema do Alcorão. Poucos chegam a estudar a Bíblia. uma corrupção do significado do texto sem alteração do texto
Contra 0 a t . Os muçulmanos geralmente demons- em si. Gradualmente, a visão dominante mudou para tahrifbi’al-
tram uma visão menos favorável do a t, que eles acre- lafz, corrupção do próprio texto (Nazir-Ali, p. 46).
ditam ter sido distorcido pelos mestres da lei. As acu-
sações incluem: esconder a Palavra de Deus (2.42; Os teólogos espanhóis Ibn-Hazm, e Al-Biruni, com a
3.71), distorcer verbalmente a mensagem nos seus li- maioria dos muçulmanos, apóiam essa visão.
vros (3.78; 4.46), não crer em todas as partes das suas Outro erudito corânico afirma que
Escrituras (2.85) e não saber 0 que suas Escrituras re-
almente ensinam (2.78). Os muçulmanos incluíram a Torá bíblica aparentemente não era idêntica à tawrat
os cristãos nessas críticas. [leij pura conforme revelado a Moisés, mas havia variedade
Por causa das ambigüidades dos registros do Al- considerável de opinião quanto à extensão da corrupção das
corão, os muçulmanos adotam posições variadas (que antigas escrituras.
às vezes estão em conflito) com relação à Bíblia. Por
exemplo, 0 famoso reformador muçulmano Muham- Por um lado,
madAbduh escreve:
Ibn-Hazm, que foi 0 primeiro pensador a considerar sis-
A Bíblia, 0 Novo Testamento e 0 Alcorão são três livros tematicamente 0 problema de tabdil [mudança], afirmou
concordantes; homens religiosos estudam todas os três e os [...] que 0 próprio texto havia sido mudado ou falsificado
respeitam igualmente. Então 0 ensinamento divino é com- (taghyr), e chamou atenção para histórias imorais que se
pleto, e a verdadeira religião resplandece pelos séculos encontravam nas escrituras.
(Dermenghem.p. 138).
Por outro lado,
Outro autor muçulmano tenta harmonizar as três
grandes religiões mundiais dessa forma: “0 judaísmo Ibn-Khaldun afirmou que 0 próprio texto não havia sido
enfatiza a justiça e a retidão; 0 cristianismo, 0 amor e falsificado, mas os judeus e cristãos interpretaram mal suas
a caridade; 0 islamismo, a fraternidade e a paz” escrituras, principalmente os textos que previam ou anun-
(Waddy,p. 116). Mas a abordagem islâmica típica para ciavam a missão de Maomé e da vinda do islamismo
esse assunto é caracterizada por comentários do (Waardenburg, p. 257).
apologista muçulmano, Ajijola:
0 fato de um erudito muçulmano demonstrar
Os cinco primeiros livros do Antigo Testamento não cons- certo respeito pela Bíblia, fazer citações dela, ou a ma-
tituem a Tawrat original, mas partes da Tawrat foram mistura- neira como ele faz depende da sua própria interpre-
das com outras narrativas escritas por seres humanos, e a dire- tação de tabdil. Ibn-Hazm, por exemplo, rejeita qua-
ção original do Senhor se perdeu nesse lodaçal. Da mesma se todo 0 at por ser uma obra falsificada, mas cita
forma, os quatro evangelhos de Cristo não são os evangelhos alegremente os maus relatórios Tawrat sobre a fé e 0
Bíblia, visão islâmica da 136
comportamento do Banu Israil como provas contra 0 debate continua e cada indivíduo muçulmano pode
os judeus e sua religião. posicionar-se em um dos lados nessa questão, base-
Contra 0 n t . O famoso comentarista muçulmano ado no seu próprio entendimento.
Yusuf Ali afirma que Uma resposta às acusações islâmicas. Uma evi-
dência de que essas visões islâmicas estão extrema-
0 Injil m encionado pelo A lcorão não é 0 n t . Não mente erradas é a incoerência interna da própria vi-
corresponde aos quatro evangelhos canônicos. É o evange- são muçulmana das Escrituras. Outra é que ela é con-
lho único que, segundo 0 islamismo, foi revelado a Jesus e trária aos fatos.
que ele ensinou. Partes dele sobrevivem nos evangelhos con- Tensão na visão islâmica sobre a da Bíblia. Há uma
siderados canônicos e em alguns outros dos quais sobrevi- grande tensão na rejeição islâmica da autenticidade
vem vestígios (Ali, p. 287). do NT real. Essa tensão pode ser focalizada pelos se-
guintes ensinamentos do Alcorão:
São feitas alegações diretas contra 0 n t e 0
ensinamento cristão. Elas incluem acusações de que houve • 0 Novo Testamento original (“ injil” ) é uma re-
uma mudança e falsificação da revelação divina textual e velação de Deus (5.46,67,69,71).
de que houve erros doutrinários, tais como a crença na • Jesus foi um profeta e os muçulmanos devem
encarnação de Cristo, a Trindade, a divindade e a doutri- acreditar em suas palavras (4.171; 5.78). Como
na do pecado original (Waardenburg, p. 261-3). observa 0 teólogo muçulmano Mufassir: Os
Discutida entre os teólogos muçulmanos é a ques- muçulmanos acreditam que todos os profetas
tão do destino eterno do “povo do Livro” .Apesar de 0 são verdadeiros porque são nomeados a servi-
muçulmano comum considerar qualquer“pessoa boa” ço da humanidade pelo Deus todo-poderoso
digna de salvação, tentar explicar todas as evidências (A lá)’ (Mufassir,!).
do Alcorão sobre esse assunto criou muita incerteza. • Os cristãos eram obrigados a aceitar 0 n t do
Entre os teólogos muçulmanos clássicos, judeus e tempo de Maomé (século vn; 10.94).
cristãos geralmente eram considerados incrédulos
( kafar ) por causa da sua rejeição de Maomé como ver- Na décima surata, Maomé é advertido:
dadeiro profeta de Deus. Por exemplo, no comentário
sobre 0 Alcorão escrito por Tabari, um dos comenta- Se estás em dúvida sobre 0 que te temos revelado, con-
ristas muçulmanos mais respeitados de todos os tem- sulta aqueles que leram 0 Livro [a Bíblia] antes de ti. Sem
pos, notamos que, apesar de 0 autor distinguir entre 0 dúvida que te chegou a verdade do teu Senhor; não sejas,
“povo do livro” e os politeístas ( m ushríkun ) e expres- pois dos que duvidam.
sar uma opinião mais elevada quanto aos primeiros,
ele declara claramente que a maioria dos judeus e cris- Abdul-Haqq observa que:
tãos são incrédulos e pecadores porque se recusam a
reconhecer a veracidade de Maomé (Antes, p. 104-5). Os doutores do islamismo ficam muito embaraçados
Além disso, existe a acusação contra a crença cristã com esse versículo, que remete 0 profeta ao povo do Livro
na divindade de Cristo como Filho de Deus (v. cristo , que resolveria suas dúvidas (Abdul-Haqq, p. 23).
divindade de), uma crença que significa cometer 0 peca-
do imperdoável de shirk e que é condenada enfatica- Uma das interpretações mais estranhas é que a
mente em todo 0 Alcorão. A condenação dos cristãos é surata é na verdade dirigida àqueles que questionam
demonstrada na surata 5.72:“São blasfemos aqueles que sua afirmação. Outros afirmam que:
dizem: Allah é 0 Messias, filho de Maria [...] A quem
atribuir parceiros a Allah ser-lhe-á vedada a entrada no Foi 0 próprio Maomé quem foi mencionado, mas, não
Paraíso e sua morada será 0 Fogo Infernal...” importa 0 quanto mudem e direcionem a bússola, ela sem-
Por outro lado 0 teólogo muçulmano contempo- pre aponta para 0 mesmo pólo celestial — a pureza e pre-
râneo, Falzur Rahman, vai contra 0 que admite ser servação das Escrituras.
“a grande maioria dos comentaristas muçulmanos” .
Ele defende a opinião de que a salvação não é adqui- Mas Abdul-Haqq acrescenta:
rida pelo ingresso formal na fé muçulmana, mas,
como mostra 0 Alcorão, pela crença em Deus e no dia Se novamente, considerarmos que 0 povo mencionado é
final e pela prática de boas obras (Rahman, p. 166-7). aquele que duvidou da verdade do islamismo, todo 0 fundamento
137 Bíblia, visão islâmica da
da missão do profeta é exposto; com relação a isso os incré- Vaticano (b), que data de cerca de 325-350 d.C. Há mais
dulos são dirigidos aos judeus [ou cristãos] para uma res- de 5 300 outros manuscritos do n t (v. n t, m anuscritos
posta às suas dúvidas; isso só fortaleceria 0 argumento em do n t ) , que datam do século 11 ao século xv (centenas
Éavor da autoridade das Escrituras — um resultado para 0 dos quais são anteriores a Maomé), que confirmam
qual os críticos muçulmanos não estariam nem um pouco que temos substancialmente 0 mesmo texto que foi
preparados (ibid., p. 100). escrito no século 1. Esses manuscritos oferecem uma
corrente ininterrupta de testemunhos. Por exemplo, 0
Os cristãos respondem que Maomé não teria pe- fragmento mais antigo do n t , o Fragmento John
dido que aceitassem uma versão corrompida do n t. Rylands (p^), data de aproximadamente 117-38 d.C.
Além disso, 0 n t da época de Maomé é substancial- Ele preserva versículos de João 18 como são encontra-
mente idêntico ao atual, já que 0 n t atual é baseado dos no n t atual. Da mesma forma, os Papiros B o d m er
em manuscritos de vários séculos antes de Maomé de c. 200 preservam livros inteiros de Pedro e Judas
(v. nt, m a n u s c rito s do n t ) . Então, pela lógica desse como os temos hoje. A maior parte do n t, incluindo-se
versículo, os muçulmanos devem aceitar a autenti- os evangelhos, está nos Papiros B eatty, e 0 n t inteiro
cidade da Bíblia atual. Mas, se 0 fizerem, devem no Vaticano de cerca de 325 d.C. Não há nenhuma evi-
aceitar as doutrinas da divindade de Cristo (v. Cris- dência de que a mensagem do n t tenha sido destruída
t o , d ivin d a d e d e) e da trin d a d e , já que é isso que 0 n t ou distorcida, como os muçulmanos afirmam que foi
ensina. Mas os muçulmanos rejeitam totalmente (v. Geisler e Nix, cap. 22).
esses ensinamentos, criando um dilema dentro da Finalmente, os muçulmanos usam críticos liberais do
visão islâmica. n t para mostrar que 0 n t foi corrompido, perdido e
Outra incoerência na visão do A lcorão sobre a Bí- desatualizado. Mas 0 falecido teólogo liberal John A . T.
blia é que os muçulmanos afirmam que a Bíblia é “a Robinson concluiu que 0 registro do Evangelho foi escrito
palavra de Allah” (2.75). Os muçulmanos também in- ainda durante a vida dos apóstolos, entre 40 e 60 d.C. (v. nt,
sistem em que as palavras de Deus não podem ser alte- historicidadedo;Bíblia,crítica da).A ex-crítica bultmanniana
radas ou mudadas. Mas, como Pfander demonstra: “se do Novo Testamento Eta Linnemann concluiu recentemente
ambas as afirmações estão corretas [...] conclui-se que que a teoria de que 0 Novo Testamento preservado nos
a Bíblia não foi mudada nem corrompida nem antes manuscritos não contém precisamente as palavras e ações
nem depois da época de Maomé” (Pfander, p. 101).Mas de Jesus não é mais defensável. Ela escreveu:
0 ensinamento islâmico insiste em que a Bíblia foi cor-
rompida, logo, há contradição.
Com 0 passar do tempo, fico cada vez mais convencida
Como 0 acadêmico islâmico Richard Bell demons-
trou, é irracional supor que judeus e cristãos conspira- de que a crítica do Novo Testamento praticada por pessoas
dedicadas à teologia histórico-crítica não merece ser cha-
riam para mudar 0 at. Pois “seu [dos judeus] sentimen-
to para com os cristãos sempre foi hostil” (Bell, p. 164- mada de ciência (Linnemann, p. 9).
5). Por que dois grupos hostis (judeus e cristãos), que
compartilhavam um a t comum, conspirariam em Ela acrescenta: “Os evangelhos não são obras de
mudá-lo para apoiar as visões de um inimigo comum, literatura que reformulam criativamente material já
os muçulmanos? Não faz sentido. Além disso, no su- acabado como Goethe reformulou 0 livro popular so-
posto período das mudanças textuais, judeus e cristãos bre 0 Fausto” (ibid., p. 104). Mas: “Cada evangelho apre-
estavam espalhados pelo mundo, tornando impossível senta um testemunho completo e singular. Ele deve sua
a suposta colaboração para corromper 0 texto. E 0 nú- existência a testemunhas oculares diretas ou indire-
mero de cópias do at em circulação era grande demais tas” (ibid., p. 194).
para as mudanças serem uniformes. E também não há Além disso, 0 uso desses críticos liberais pelos
menção de nenhuma mudança por parte de judeus ou apologistas muçulmanos mina sua visão do A lcorão.
cristãos da época que se tornaram muçulmanos, algo Autores muçulmanos gostam de citar as conclusões
que certamente teriam feito se fosse verdade (v. de críticos liberais da Bíblia sem consideração séria
McDowell, p. 52-3). das suas pressuposições. O anti-sobrenaturalismo que
C on trário à ev id ên cia factual. Além disso, a re- levou críticos liberais da Bíblia a negar que Moisés es-
jeição do n t por parte dos muçulmanos é contrária à creveu 0 Pentateuco, indicando os nomes diferentes de
enorme evidência de manuscritos. Todos os evange- Deus usados em passagens diferentes, também argu-
lhos são preservados nos Papiros Chester Beatty, copia- mentaria que 0 A lcorão não veio de Maomé. Pois 0 Al-
dos por volta de 250. E todo 0 n t existe no manuscrito co rão também usa nomes diferentes para Deus em
big-bang 138
passagens diferentes. A lá é usado para Deus em suras 4, Bíblia e ciência. V. c iê n c ia e a B íb lia .
9,24,33, mas R ab [S en hor] é usado em suras 18,23 e 25
(Harrison, p. 517). Os muçulmanos não percebem que b ig-ba n g. É uma teoria muito popularizada relativa à
as visões desses críticos são baseadas em preconceito origem do universo (v. e v o lu ç ã o c ó sm ic a ), segundo a qual
anti-sobrenatural que, se aplicado ao Alcorão e ao hadith, 0 universo material ou cosmo surgiu de uma explosão há
também destruiria as crenças muçulmanas básicas. Em 15 bilhões de anos. Desde então 0 universo vem se ex-
resumo, os muçulmanos não podem apelar coerentemen- pandindo e desenvolvendo conforme as condições
te à crítica do n t baseada na idéia de que milagres não estabelecidas no momento da sua origem. Se essas con-
acontecem, a não ser que queiram minar sua própria fé. dições fossem ligeiramente diferentes, 0 mundo e a vida
C on clu sã o. Se os cristãos da época de Maomé fo- que conhecemos, inclusive a vida humana, jamais teriam
ram incentivados a aceitar 0 n t e se a evidência abun- se desenvolvido. O fato de que as condições necessárias e
dante de manuscritos confirma que 0 n t atual é es- favoráveis para 0 surgimento da vida humana foram de-
sencialmente 0 mesmo, então, segundo os ensina- terminadas no próprio momento da explosão cósmica
mentos do próprio A lcorão , os cristãos devem aceitar original é chamado de princípio antrópico.
os ensinamentos do n t . Mas 0 n t atual afirma que Je- E v i d ê n c i a s d o b ig - b a n g . O astrônomo inglês
sus é 0 Filho de Deus, que morreu na cruz pelos nos- Stephen Hawking esclareceu bem 0 assunto:
sos pecados e ressuscitou três dias depois. Mas isso é
contrário ao A lcorão. Logo, a rejeição muçulmana da Contanto que 0 universo tivesse um começo, poderia-
autenticidade do n t é incoerente com sua própria cren- mos supor que teve um criador. Mas se 0 universo fosse na
ça na inspiração do A lcorão. verdade completamente auto-abrangente, sem limite ou ex-
tremidade, não teria nem começo nem fim; simplesmente
Fontes existiria ( Uma breve história do tempo).
A . A . A bd u l-H aqq, S harin g y o u r fa ith with a muslirn.
A . A . D . A jij o l a , The essence o f fa ith in Islam.
Robert Jastrow foi um dos primeiros a mencionar essa
A. Y. Ali, The holy Qur’an.
questão no seu livro God an d the astronomers [Deus e os
P. A n tes, “ Relations with the unbelievers in islamic
astrônomos], Esse astrônomo agnóstico observou que:
theology” , em A. Shim m u eA . F a l a t u r i, orgs.,
We believ e m on e God.
“três linhas de evidência — os movimentos das galáxi-
R. B eil, The origin o f Islam in its Christian
as, as leis de termodinâmica e a história de vida das estrelas
environm ent.
— apontavam para uma conclusão: todas indicavam que 0
0 A lcorão e a ciência.
M. Bucaillf., A B íblia,
universo teve um começo” (p. 111).
W. C a m p b e l l , The Qur’an a n d the B ible in the light o f
history a n d science.
A segu n da lei d a term od in âm ica. A segunda lei da
E. D erm en g h em , Mwftijmmaii a n d the islam ic
termodinâmica é a lei de entropia. Ela afirma que a
tradition.
quantidade de energia utilizável em qualquer sistema
N. L. G e i s l e r e A. S a l f .e b , A nsw ering Islam : the
fechado está sempre diminuindo. Isso deve ser con-
Crescent in the light o f the cross.
trastado com a primeira lei da termodinâmica (v.
____e W. E. Nix, In trod u ção bíblica.
te r m o d in â m ic a , le is d a ) , a lei da conservação de ener-
R. K . H a r r is o n , Introduction to the Old Testament.
gia, que afirma que a quantidade de energia real exis-
A . J e f f e r y , o r g .,Islam , M u h a m m a d a n d his religion.
tente no universo muda de forma, mas permanece
E. L in n k m a n n , Is there a synoptic p ro b lem '
constante. Enquanto a energia muda para formas que
R ethinking the literary d ep en d en ce o f the first
requerem menos energia, 0 sistema fechado do uni-
three gospels.
J. M cD o w e l l , The Islam debate.
verso está se deteriorando; tudo tende ao caos. Jastrow
S. S. M u e a s s ir , Jesus, a p rop h et o f Islam.
observou: “ Depois que 0 hidrogênio se esgotar numa
M . N azir - A l i , Frontiers in m uslim -christian
estrela e se converter em elementos mais pesados, não
encounter.
pode mais ser restaurado ao estado original” . Logo,
G . P fan'u e r , T h eM iz an u lH a q q .
“minuto a minuto e ano após ano, à medida que 0 hi-
F. R a h m a n , M ajor them es o f the Qur’na. drogênio é usado nas estrelas, 0 suprimento desse ele-
J. W a ard en blrg , “ World religions as seen in the light mento no universo d im in u i” (Scientist caught,p.\5 - 6).
of Islam” , em Islam : p a st influence a n d presen t Ora, se a quantidade total de energia permanece a
challenge. mesma, mas 0 universo está gastando a energia utili-
C .W addy, T h em u slim mind.
zável, 0 universo começou com um suprimento finito
139 big-bang
de energia. Isso significaria que 0 universo não pode- que convenceu quase todos os céticos, é que a radiação desco-
ria ter existido eternam ente no passado. Se 0 universo berta por Penzias e Wilson tem exatamente 0 padrão de com-
«stá ficando cada vez m ais desordenado, não pode ser primentos de onda esperados para a luz e 0 calor produzidos
eterno. Senão, estaria totalm ente desordenado agora, numa grande explosão. Defensores da teoria do estado está-
mas não está. Então ele deve ter tido um começo alta- vel tentaram desesperadamente encontrar uma explicação
mente ordenado. alternativa, mas falharam (Jastro\\‫־‬,“A scientist caught”, p. 15).
A ex p an são d as galáxias. A segunda linha de evi-
dência é a expansão das galáxias. Evidências revelam Novamente, essa evidência leva à conclusão de que
que 0 universo não está apenas num padrão estável, houve um começo do universo.
mantendo seu m ovim ento eterno. Ele está se expan- A descoberta de um a g ran d e m assa d e m atéria. De-
dindo. No m om ento parece que todas as galáxias es- pois que Jastrow escreveu as três linhas de evidência
tão se m ovendo para fora a partir de um ponto central para 0 começo do universo, um a quarta foi descoberta.
de origem e que todas as coisas estavam se expandin- Segundo as previsões da teoria do big-bang, provável-
do mais rápido no passado que agora. Quando olha- m ente teria havido um a grande m assa de m atéria asso-
mos para 0 espaço, tam bém estam os olhando para 0 ciada à explosão original do universo, m as nada com-
passado, pois estam os vendo coisas não como são ago- parável jam ais fora encontrado. Então, por meio da uti-
ra, mas com o eram quando a luz foi em itida m uitos lização do telescópio espacial Hubble (1992), astrôno-
anos atrás. A luz de um a estrela a 7 m ilhões de anos- mos conseguiram relatar que “ao investigar 0 início do
hiz de distância nos conta como aquela estrela era e tempo, um satélite descobre a estrutura m aior e m ais
sua localização 7 m ilhões de anos atrás. O estudo mais antiga jamais observada — evidência de como 0 uni-
completo feito até agora foi realizado p o r A llan verso surgiu 15 bilhões de anos atrás”. Na verdade, des-
Sandage utilizando um telescópio de 200 polegadas. cobriram a própria m assa de m atéria prevista pela
cosm ologia do big-ban g. Um cientista exclamou: “É
Ele reuniu informações de 42 galáxias, a distâncias no como ver Deus” (Lemonick, p. 62).
espaço de até 6 bilhões de anos-luz de nós. Suas medições O b jeçõ es a o b ig -b a n g . É claro que nem todos os
indicam que 0 universo estava se expandindo mais rapida- cientistas que aceitam um universo em expansão con-
mente no passado que agora. Esse resultado dá mais apoio à cluem que 0 universo foi criado do nada por Deus. Al-
crença de que 0 universo surgiu de uma explosão (Jastrow, guns têm buscado diligentem ente encontrar outras
God and the astronomers, p. 95). alternativas para as implicações teístas.
Teoria d a repercussão cósm ica. Alguns cosmólogos
O utro astrôno m o,Victor J. Stenger, usou um a fra- defendem um tipo de teoria da repercussão segundo
se sem elhante quando afirm ou que “0 universo ex- a qual 0 universo entra em colapso e repercussão eter-
plodiu do nada” (Stenger, p. 13). Essa explosão, cha- nam ente. Eles propõem que há m atéria suficiente para
m ada big-ban g, foi 0 ponto de partida do qual todo 0 causar um a atração gravitacional que atrairá 0 uni-
universo surgiu. Reverter 0 universo em expansão verso em expansão. Consideram isso parte da nature-
nos levaria de volta ao ponto onde 0 universo fica za pulsante da realidade de form a sem elhante à visão
m enor e m enor até desaparecer. Segundo esse racio- hindu de que 0 universo se move em ciclos eternos.
cínio, num determ inado ponto no passado distante, Mas os defensores do big-bang observam que não
-0 universo surgiu. há evidência para apoiar essa teoria. É im provável que
0 ru ído da radiação. Uma terceira linha de evidên- haja m atéria suficiente no universo para fazer 0 uni-
cias de que 0 universo teve um começo é 0 "ruído" de verso em expansão entrar em colapso um a única vez.
radiação de m icroondas que parece vir de todo 0 uni- M esmo se houvesse m atéria suficiente para causar
verso. A princípio acreditava-se que era um a falha ou um a repercussão, há bons m otivos para crer que ela
um ruído dos instrum entos, ou até 0 eleito de fezes de não repercutiria para sempre. Pois de acordo com a
pombas. Alas pesquisas revelaram que 0 ruído dos com provada segunda lei da term odinâm ica, cada re-
instrum entos vinha de toda a parte — 0 próprio uni- percussão sucessiva teria m enos poder explosivo que
verso tem um som de radiação baixa em anando de a anterior, até que 0 universo não repercutisse m ais.
alguma catástrofe passada como um a bola de fogo gi- Como um a bola que quica, ele finalm ente perderia a
gante. Jastrow conclui: força, dem onstrando não ser eterno. A hipótese da re-
percussão é baseada na prem issa falha de que 0 uni-
Nenhuma explicação alem do big-bang jamais foi en- verso e 100°o eficiente, 0 que não é. Parte da energia
contrada para a radiação da bola de fogo. 0 ponto decisivo, utilizável é perdida em cada processo.
big-bang 140
Lógica e matematicamente a evidência para 0 big- real em que vivemos e que teve princípio. E até
ban g sugere que originariamente não havia espaço, Hawking admitiu que, se houve um início, então é ra-
nem tempo, nem matéria. Logo, mesmo que 0 univer- zoável supor que tenha havido um Criador.
so de alguma forma estivesse se expandindo e se con- Hawking admitiu ainda que, mesmo que sua pro-
traindo desse ponto em diante, no começo teria surgi- posta acabasse descrevendo 0 universo real, nenhu-
do do nada. Isso ainda exige um Criador inicial. ma conclusão poderia ser tomada sobre a existência
C osm olog ia p la s m á tic a (A lfv én -K lein ). Hannes de Deus. Escreveu: “ Não creio que a proposta da
Alfvén propôs uma cosmologia plasmática, segundo inexistência de limites prove a inexistência de Deus,
a qual 0 universo é composto de gases eletricamente mas pode afetar nossas idéias sobre a natureza de
condutores que produzem indiretamente um efeito de Deus” . Nas palavras de Hawking, apenas demonstra-
repulsão das galáxias, causando a expansão observa- ria que “não precisamos de alguém para acender 0
da. A expansão, no entanto, não começa com um úni- pavio do universo” (Heeren, p. 83). Mas isso não quer
co ponto; ela tem um tipo de big-bang parcial e depois dizer que não haveria nada para Deus fazer, pois há
se contrai até aproximadamente um terço do tama- mais coisas para fazer funcionar um universo do que
nho do universo atual. Então, algum princípio desco- simplesmente detonar 0 big-bang inicial.
nhecido entra em ação e faz explodir tudo novamente, Os cientistas não têm uma teoria que demonstre
mantendo um equilíbrio eterno. Essa especulação não como um universo ilimitada poderia existir. Como, por
tem apoio científico. Como outras teorias de expan- exemplo, as idéias do universo em expansão podem
são-contração, é contrária à segunda lei da termo di- ser combinadas com um ou nenhum limite? Alan Guth,
nâmica. Especula sem evidência de que 0 universo pai do modelo inflacionário, concluiu que a proposta
nunca se desgasta, mas recicla continuamente formas de Hawking
antigas de energia. Nada jamais é gasto.
Os teóricos da cosmologia plasmática admitem
sofre do problema de ainda não ter uma teoria bem defi-
que não conhecem nenhuma força que pudesse ter sido
nida em que implantá-la. Ou seja, sua teoria é, na verdade, uma
responsável pela expansão. É apenas especulação ba-
noção de gravidade quântica, e até agora não temos uma teo-
seada na pressuposição de um universo eterno. E a te-
ria completa da gravidade em que implantar essa idéia
oria Alfvén-Klein não explica os isótopos de hélio e
(Heeren, p. 83).
luz no universo que não teriam sido sintetizados nes-
Mesmo Einstein não foi capaz de encontrar uma
sas quantidades só em estrelas. Elas podem ser
explicação para a equação da relatividade geral que
explicadas pelo big-bang. Além disso, não oferece uma
não exigisse um início ou um Criador para 0 univer-
boa explicação para 0 ruído cósmico, que é explicado
so. Mais tarde ele escreveu seu desejo “de saber como
pela teoria do big-bang. Matéria mais pesada deveria
Deus criou 0 universo” (ibid., p. 84). Na verdade, até
ser abundante de acordo com a teoria Alfvén-Klein.
Hawking levanta a questão de quem “deu partida às
Nenhuma foi encontrada.
equações” e detonou 0 universo ( B uracos negros,p. 99)
Finalmente, a teoria Alfvén-Klein não explica as
E ru pção esp on tân ea: sem n ecessidade d e causa. Al-
origens últimas. Eric Lerner, que popularizou essa te-
guns ateus argumentam que não há necessidade de
oria, propôs um “ponto de partida” para 0 cosmo quan-
uma causa do início do universo. Eles insistem que não
do estava “cheio de um plasma de hidrogênio mais ou
há nada incoerente sobre algo que surge espontanea-
menos uniforme,livre de elétrons e prótons” (Heeren, mente do nada. Alguns pontos são relevantes para res-
p. 81). Quando questionado sobre 0 que criou esse pias- ponder a essa objeção.
ma, ele admitiu que “não temos conhecimento real Inicialmente, essa proposição é contrária ao princí-
sobre quais foram esses processos” (ibid., p. 81). pio estabelecido da causalidade (v. c a u s a lid a d e , p rin c ip io
O tem po infinito d e Hawking. Outra teoria especu- d a ) que afirma que tudo que surge teve uma causa. Na
lativa sobre 0 big-bang é a hipótese de Stephen verdade, até 0 cético David Humf. confessou sua crença
Hawking sobre 0 tempo infinito - 0 universo não teve nesse princípio comprovado, dizendo: “Jamais afirmei
começo. Mas essa recapitulação da teoria de Albert uma proposta tão absurda quanto a idéia de que qual-
Einstein está sujeita às mesmas críticas que levaram 0 quer coisa possa surgir sem causa” (Hume, v. 1,p. 187).
próprio Einstein a descartá-la (v. K.mam , a r g u m e n t o Em segundo lugar, ela é contrária à iniciativa ci-
c o s m o ló g ic o ) . É uma teoria engenhosa destruída pelo entífica que busca a explicação causai das coisas.
mesmo conjunto brutal de fatos que exige que 0 uni- Francis Bacon, 0 pai da ciência moderna, afirmou que
verso tenha início. Até Hawking distingue seu abstra- 0 verdadeiro conhecimento é“0 conhecimento das cau-
to tempo matemático, que não tem início, do tempo sas” (Bacon, v. 2, p. 121).
141 big-bang
Em terceiro lugar, é contrário ao senso com um incluindo Carl Sagan, usam a prim eira lei da term o-
acreditar que as coisas sim plesm ente aparecem do dinâm ica para apoiar sua teoria. Geralm ente essa lei
nada, sem m ais nem m enos. A realidade não funciona da conservação de energia é assim form ulada: “A ener-
assim na nossa experiência. gia não pode ser criada nem destruída”. Se isso fosse
Em quarto lugar, a idéia de que nada pode causar verdade, a conclusão natural seria que 0 universo (i.e.,
alguma coisa é logicam ente incoerente, já que “nada” a som a total de toda energia real) é eterno.
não tem poder para fazer nada — nem sequer existe. Essa, todavia, é um a m á interpretação da lei, que
Como diz 0 axiom a latino: Ex nihilo nihil fit: Do nada, deveria ser assim formulada: “A quantidade real de ener-
nada vem. gia no universo perm anece constante”. Essa formula-
Em quinto lugar, quando se exam ina 0 “nada” de ção é baseada na observação científica sobre 0 que real-
que 0 universo supostam ente veio, sem um a causa m ente ocorre e não é um a afirmação filosófica dogm á-
sobrenatural, descobre-se que não é realm ente nada. tica sobre 0 que p o d e ou n ão p o d e acontecer. Não há
Isaac Asimov fala sobre isso como um estado d e “exis- evidência científica de que 0 universo é eterno.
tència” em que há “energia” (Asimov, p. 148). Está muito A segunda lei confirm a que a prim eira lei não pode
longe de ser nada. M esm o em term os físicos não é re- ser afirm ada em term os que não perm item a criação
alm ente 0 nada. Ed Tryon, que deu origem à idéia (num de energia. Pois a segunda lei dem onstra que nenhu-
artigo de Nature de 1973), reconheceu 0 problem a de m a energia existiria se não viesse de fora de um siste-
explicar a criação a p a rtir do nada absoluto, já que os ma. Portanto, não pode haver nada com o um sistem a
efeitos quânticos exigem algo m ais que nada — exi- realm ente fechado.
gem espaço, algo que os físicos agora distinguem cui- Dizer que a energia n ão p o d e ser criada é um a pe-
dadosam ente de “nada” (v. Heeren, p. 93). Como Fred tição de princípio. Isso é 0 que precisa ser provado. É
Hoyle observou:“As propriedades físicas do vácuo [ou vitória por definição estipuladora — um exemplo clás-
1"nada”) ainda seriam necessárias, e isso seria algo” sico do erro lógico de p etitio prin cipii.
(Hoyle, p. 144). Além disso, a relatividade geral revela Universo eterno inativo. Alguns sugerem que 0 big-
que 0 espaço no nosso universo não é apenas um nada. ban g apenas indica a prim eira erupção num universo
Como Einstein escreveu: “Não existe um espaço vazio, anteriorm ente eterno. Isto é, 0 universo era eternam en-
isto é, um espaço sem campo. 0 tem po-espaço não te inativo antes desse prim eiro evento. A singularidade
existe sozinho, m as apenas como um a qualidade es- do big-ban g apenas m arca a transição da m atéria física
trutural do cam po” (Heeren, p. 93). 0 cosmólogo Paul primeva. Assim, não haveria necessidade de um Cria-
Davies lem bra que, quando um físico pergunta como dor para fazer surgir algo do nada.
a m atéria surgiu do nada, “isso significa não só como Os teístas observam que nenhum a lei natural co-
a m atéria surgiu do nada, m as tam bém ‘por que 0 es- nhecida poderia explicar essa erupção violenta a par-
paço e tem po existem , para que a m atéria surja de- tir de inatividade eterna. Alguns argum entam que um
les?”. Como 0 cientista espacial John M ather observa, universo eternam ente inativo é fisicam ente im possí-
vel, já que teria de existir no zero absoluto, 0 que é
não temos nenhuma equação para criar espaço e tempo. impossível. A m atéria no início poderia ser qualquer
E 0 conceito nem mesmo faz sentido, [...] E certamente não coisa, m enos fria, pois estaria concentrada num a bola
conheço nenhum trabalho que realmente 0 explique, uma vez de fogo com tem peraturas acim a de bilhões de graus
que não pode sequer form ular 0 conceito ( ibid., p. 93-4). Kelvin. Num m onte de m atéria congelada a zero abso-
luto, nenhum evento inicial teria ocorrido.
George Smoot, principal pesquisador com 0 saté- Supor m atéria prim ordial eterna não explica a or-
lite c o b e , disse: “ É possível im aginar a criação do uni- dem incrível que segue 0 m om ento do big-bang. Ape-
verso do quase nada — não do nada, m as praticam en- nas um Criador inteligente pode explicar isso.
te nada” (ibid., p. 94). Então, 0 “nada” a partir do qual .4 teoria do estado estável. Hoyle propôs a teoria do
alguns cientistas sugerem que 0 universo surgiria sem estado estável para evitar a conclusão de um Criador.
uma causa sobrenatural não é realm ente nada — é Ela afirm a que átom os de hidrogênio surgem para
algo. Isso envolve pelo m enos espaço e tem po. Mas im pedir 0 esgotam ento do universo. Essa hipótese tem
antes do big-ban g não havia espaço, nem tem po, nem falhas fatais, e a m aior delas é que nenhum a evidên-
m atéria. Desse “nada”, só um a causa sobrenatural po- cia científica sequer sugere tal evento. Ninguém jam ais
deria criar algo. observou energia surgindo em lugar nenhum .
A p rim eira lei da term od in â m ica . M uitos astrò- A teoria do estado estável contradiz 0 princípio de
nom os que propõem que 0 universo pode ser eterno, causalidade de que deve haver um a causa adequada
big-bang 142
para todo evento. Apenas um Criador seria uma causa Im p lica çõ es teístas. Após revisar as evidências de
adequada para a criação de novos átomos de hidrogê- que 0 cosmos teve um início, 0 físico Edmund
nio do nada. Negar 0 princípio de causalidade é um Whittaker concluiu: “ É mais simples postular a cria-
preço alto para 0 cientista pagar. ção ex nihilo — vontade divina constituindo a natu-
Apesar de Hoyle não ter abandonado sua teoria do reza do nada” (citado em Jastrow,“A scientist caught” ,
estado estável, ele concluiu que a incrível complexida- p. 111).Até Jastrow, um agnóstico declarado, disse que
de até das formas mais simples de vida exigem um “0 fato de existirem coisas que eu ou qualquer outra
Criador. Depois de calcular que a probabilidade de a pessoa chamaria de forças sobrenaturais em ação é
primeira vida ter surgido sem intervenção inteligente agora, na minha opinião, cientificamente comprova-
é de 1 em 1o40000, Hoyle reconhece um Criador da vida do” (G od an d the astronom ers, p. 15,18). Jastrow acres-
(Hoyle, p. 24,147,150). centa algumas palavras embaraçosas tanto para as-
R ea çã o às ev id ên cia s. As evidências combinadas trônomos céticos quanto para teólogos liberais:
para uma origem do cosmos por meio do big -ban g dão
fortes razões para 0 início do universo. Nenhuma alter- Agora percebemos como a evidência astronômica leva
nativa científica viável foi encontrada. Mas, se 0 univer- à visão bíblica da origem do mundo. Os detalhes diferem,
so tem início, então, como Hawking admitiu, a evidên- mas os elementos essenciais nos registros astronômicos e
cia indicaria a existência de um Criador. Conclui-se bíblicos da gênese são os mesmos: a cadeia de eventos que
logicamente que tudo que tem início tem um Criador. leva ao homem começa repentina e drasticamente num de-
Diante dessa evidência poderosa para 0 início do uni- terminado momento no tempo, numa explosão de luz e ener-
verso, é interessante observar como alguns cientistas gia” (A scientist caught, p. 14).
perspicazes reagiram à notícia.
O astrofísico Arthur Eddington resumiu a atitude Ele ainda observou:
de muitos cientistas naturalistas quando escreveu: “ Fi-
losoficamente, a idéia de um início da atual ordem da
0 astrônomos descobriram agora que ficaram encurra-
natureza é repugnante para mim [...] Gostaria de en-
lados porque provaram, pelos métodos, que 0 mundo come-
contrar uma saída genuína” (Heeren, p. 81).
çou repentinamente num ato de criação [...] E descobriram
A princípio Einstein se recusou a admitir que sua
que tudo isso aconteceu como produto de forças que jamais
teoria geral da relatividade levava à conclusão de que
poderão descobrir ( God and the astronomers, p. 115).
0 universo tinha um início. Para evitar essa conclusão,
Assim, ele afirma que “a busca dos cientistas pelo
Einstein tentou trapacear nas suas equações, mas foi
passado termina no momento da criação” . Diz ainda:
humilhado quando sua falha foi descoberta. A seu fa-
vor reconheça-se que finalmente admitiu seu erro e
Esse é um acontecimento extremamente estranho, ines-
concluiu que 0 universo foi criado. Então, escreveu
perado para todos, menos para os teólogos. Eles sempre acei-
sobre seu desejo “de saber como Deus criou esse mun-
taram a palavra da Bíblia: ‘No princípio, criou Deus os céus
do” . Disse: “Não estou interessado nesse ou naquele
e a terra (“A scientist caught”, p. 115).
fenômeno, no espectro desse ou daquele elemento.
Quero conhecer seu [de Deus] raciocínio; 0 resto é
Jastrow termina seu livro com palavras notáveis:
detalhe” (citado por Herbert, p. 177).
Deve-se perguntar por que seres racionais reagem
Para 0 cientista que viveu pela fé no poder da razão, a história
de maneiras irracionais à notícia de que 0 universo teve
termina como um pesadelo. Ele escalou a montanha da ignorân-
um início. Jastrow oferece uma pista esclarecedora. cia; está prestes a conquistar 0 pico mais alto; e, quando chega à
última pedra, é cumprimentado por um bando de teólogos que
Há um tipo de religião na ciência. É a religião da pessoa estavam sentados alihá séculos (God and the astronomers, p. 116).
que crê que há ordem e harmonia no universo [...] Todo efei-
to deve ter sua causa: Não há uma primeira causa [...] Essa Outros ateus oferecem indícios semelhantes de que
fé religiosa dos cientistas é violada pela descoberta de que 0 0 problema de tirar uma conclusão teísta das evidên-
mundo teve um começo sob condições em que as leis co- cias não é racional, mas espiritual. Julian Huxley dis-
nhecidas da física não são válidas, e como produto de forças se: “Na minha opinião, a sensação de alívio espiritual
e circunstâncias que não podemos descobrir. Quando isso que vem da rejeição da idéia de Deus como ser sobre-
acontece, 0 cientista perde 0 controle. (Jastrow, God and the natural é enorme” (Huxley, p. 32). Mas, se alguém é
astronomers ,p. 113-4,grifo do autor). puramente objetivo na consideração das evidências,
143 Bruce, F. F.
então por que experimentar “alívio espiritual” com a M a y 1993.

notícia de que Deus não existe! J. P. M o r e l a n d , The creation hypothesis.


Talvez 0 famoso ateu, Friedrich Nietzsche, tenha F. N ie tz s c h e , 0 anticristo.
dito mais claramente: “ Se alguém provasse esse Deus C. S a g a n , The edge o f forever.
dos cristãos para nós, seriamos ainda menos capazes A . S a n d a g k ,“A scien tist reflects o n re lig io u s b e lie f” ,

de crer nele” (Nietzsche, p. 627). É óbvio que 0 proble- T r u t h , 1985.

ma de Nietzsche não era racional, mas moral. V. J. S te n g e r , “ T h e face o f ch aos” , Free inquiry,
Conclusão. Em vista da ordem incrível no univer- W in t e r 1 9 9 2 -1 9 9 3 .
so, é difícil tirar qualquer conclusão além da existên- S. W e in b e r g , Sonhos de uma teoria final: a busea
cia de um Ser sobrenatural e superinteligente por trás das leis fundam entais da natureza.
de tudo. Como um cientista gracejou, você pode levar
um astrônomo cético à ordem, mas não pode fazê-lo Boaventura. V. c o sm o ló g ic o , a rg u m e n to ; k a e a m , a rg u m e n -
pensar. Depois de escrever 0 que acreditava serem cri- TO COSMOEÓGICO.
ticas definitivas de qualquer tentativa de demonstrar
e existência de Deus, até 0 maior agnóstico filosófico, Bruce,F.F.F rederickF yv ieB ruce (1910-1990) nas-
Immanuel K a n t , escreveu: ceu em Elgin, Escócia, e estudou os clássicos na Aca-
dem ia Elgin, na U niversidade de A berdeen e na Uni-
Duas coisas enchem a mente com adm iração e reverèn-
versidade de C am bridge. A pesar de ser reconheci-
cia cada vez m aior e mais nova, por mais freqüente e cons- do por seu trab alh o com estudos bíblicos, jam ais
tante que seja nossa reflexão sobre elas: 0 céu estrelado e a fez cursos form ais sobre Bíblia ou teologia. Rece-
lei m oral dentro de m im ” ( Kant, p. 166).
beu diplom a de doutor hon orário em divindades na
U n iv e rsid a d e de A b erd een . E n sin o u g rego em
Os astrônomos modernos enfrentam novamente
E dinburgo (1934-1935) e Leeds (1938-1947). De
a evidência de Deus como Criador do cosmos. É inte- 1959 a 1978 foi professor catedrático (cátedra de
ressante que é justamente isso a que 0 apóstolo Paulo John Rylands) de crítica bíblica e exegese da Uni-
se refere como a razão de serem “indesculpáveis” v ersid ad e de M anchester. N esse m esm o p erío d o
(Rm 1.19,20). (1956-1978) foi editor colaborador p ara a revista
C h ristian ity Today.
Fontes
I. A The beginning a n d the end.
Bruce escreveu quase 50 livros e cerca de 2 m il ar-
tigos, ensaios e críticas. Ele é reconhecido por M erece
s im o v ,

Sovutn organum.
confiança 0 Novo Testam ento ? (v. Novo T e s ta m e n to , c o n -
F. B a c o n ,

W . L . C r a ig , Theism, atheism , a n d big ban g


cosm ology.
f ia b ilid a d e d o s m a n u s c r it o s d o ) . Seu livro C om m entary
, The existence o f G od a n d the origin o f
on the epistles to the E phesians a n d Colossians [C om en-

the universe.
tário sobre as epístolas aos efésios e colossenses] se tor-
A . E in s t e in , Ideals a n d opinions — The w orld as I
nou obra de referência. Seu trabalho m ais apologético
see it. é In d efen se o f the g osp el [Em d efesa do ev a n g elh o ]
N . L. G e is l e r , Origin science. (1959). The bo o k s a n d the parchm en ts [0 5 livros e os
S. H a w k in g , Buracos negros, um versos-bebes e ou p e r g a m in h o s [ (1963) ap ó ia a a u te n tic id a d e e
tros ensaios. co n fiab ilid ad e da B íblia, assim com o Je su s a n d
, Uma breve h istória do tempo. Christian origins outside the New Testament [Jesus e as
F. H e e r e n , Show m e God. origens cristãs fora do Novo Testamento[ (1974). Ele
N. H e r b e r t 4‫״‬ rea lid a d e quanttca: nos confins da tam bém é conhecido por seu livro sobre Q um ran,
nova tísica. Secon d thoughts on the D ead Sea scrolls [ Novas idéias
F. H o yle, et al‫ ״‬The intelligent universe. sobre os rolos do m ar m orto](1956).
D. H um e, The letters o f D avid Hume. Convicções e e n sin am en tos. E s c r itu r a s e
]. Η ι χ ι π , Religion w ithout revelation. apologética. As conclusões de Bruce sobre a Bíblia não
R. J a s t r o w , "A scientist caught between two faiths: 0 fizeram um grande defensor das Escrituras, apesar
interview with Robert Jastrou‫''׳‬, c:, 6 Aug. 1982. de geralm ente tender para 0 ponto de vista conserva-
, G od a n d the astronom ers. dor. Não se considerava conservador, nem acreditava
I. K a n t , Crítica d a raz ã o prática. na “inerrância” da Bíblia, apesar de considerar as Es-
M. D. L e m o n ic k . "Echoes of the big bang". Time, 4 crituras como “verdade” (Gasque, p. 24).
Buber, Martin 144
Se alguma das minhas conclusões críticas, por exem- em Christianity Today (7 Apr. 1989).
pio, são conservadoras, não 0 são porque sejam conserva- N. L. Geisler, The battle for the resurrection.
doras, nem porque eu seja conservador, mas porque creio M. J. Harris, Raised immortal.
que são as conclusões para as quais a evidência aponta”
(Gasque,p.24). Buber,M artin. Existencialistajudeu( 1878-1965) nas-
ceu em Viena, Austria, e estudou filosofia e arte nas
Sua importância para a apologética foi a defesa da universidades de Viena, Zurique e Berlim. Sionista
confiabilidade dos manuscritos bíblicos. quando jovem, foi importante no reavivamento do
Bruce não foi um apologista cristão, mas seus li- hassidismo, uma forma de misticismo judaico. Sua fa-
vros apóiam a apologética histórica (v. ap olo gética his- mosa filosofia“Eu-Tu” foi desenvolvida em 1923, ape-
t ó r ic a ). In defen se o f the g osp el é uma exposição da sar de William James ter usado a frase em 1897. Buber
apologética praticada pelos apóstolos no n t contra 0 lecionou na Universidade de Frankfurt de 1923 a 1933
judaísmo, paganismo e cnosticismo primitivo. Bruce in- e fugiu da Alemanha em 1938. Lecionou na Universi-
siste em que “apologética cristã é uma parte necessária dade Hebraica de 1938 a 1951. Sua forma de existen-
do testemunho cristão” (In defense, p. 10; v. tb. apologética, cialismo exerceu grande influência sobre 0 teólogo
necessidade da). neo-ortodoxo Em il B r u n n e r .
Ressurreição. Bruce acreditava na historicidade dos As principais obras de Buber incluem G ood an d
registros da ressurreição e na ressurreição corporal. evil [Bem e m a l],l a n d thou [ E u e t u ] ( l 923), The eclipse
Distinguiu a visão cristã de ressurreição corporal da o f G od [O eclipse d e D eus], The p ro p h etic fa ith [A f é
visão grega de i m o r t a lid a d e da alma ( “ Paul on p r o fé tic a ](l9 4 9 ),e Two types o f fa ith [Dois tipos d e fé ],
immortality” ,p. 464-5). Critica a visão gnóstica de res- A filo s o fia d e B u b er. Eu-Tu contra eu-aquilo. A re-
surreição espiritual, insistindo em que, para Paulo: lação Eu-Tu é quando os outros são tratados como um
“essa ressurreição futura só poderia ser uma ressur- fim, não um meio. As pessoas devem ser amadas e as
reição corporal” (ibid., p. 466). Mas sua visão de que coisas, usadas, não vice-versa. As pessoas são 0 sujei-
os crentes recebem um corpo espiritual da ressurrei- to, não 0 objeto. Mas muitas coisas podem atrapalhar
ção ao morrer ajudou a minar a visão evangélica his- relações Eu-Tu — parecer ao invés de ser; discurso ao
tórica de um corpo físico da ressurreição (v. ressu rrei- invés de diálogo; impor-se ao outro ao invés de reve-
ção, n atureza física da). Sobre 2Coríntios 5.1 -10,ele dis- lar-se ao outro.
se: “Aqui Paulo parece sugerir que, para os que não so- Como Buber acreditava em Deus, e Jean-Paul
breviverem até a p aro u sia [vinda], 0 novo corpo esta- S a r t r e não acreditava, suas visões existenciais formam
rá disponível na hora da morte” (ibid., p. 470-1). Isso um contraste instrutivo:
levou vários des seus alunos, inclusive Murray Harris,
a afirmar a visão não-ortodoxa de que 0 corpo da res- Jean-Paul Sartre Martin Buber
surreição dos crentes virá do céu, não da sepultura. Projeto comum Eu-Tu
Mais tarde, pressionado pela crítica, Harris abando- Os outros são o inferno. Os outros são o céu.
nou essa visão (v. Geisler, The battle f o r the resurrection, Os outros são o meio de Os outros me ajudam a
cap. 6 e 11). eu me "objetificar". descobrir minha subje-
tividade nas relações
Fontes interpessoais.
F. F. Bruce, Commentary on the Acts o f the Apostles. Não há significado Existe significado absolu-
___ , Commentary on the epistles to the absoluto já que a to, já que existe em
Ephesians and Colossians. humanidade não campo pessoal absoluto
___ Jes u s and Christian origins outside the pode ser Deus. de relacionamento
New Testament. pessoais
___ , In defense o f the gospel.
____,“ Paul on immortality” , em Scottish Deus. De acordo com Buber, Deus é “completa-
Journal of Theology 24.4 (Nov. 1971). mente outro” , mas também “completamente igual” ,
___ , Second thoughts on the D ead Sea mais próximo de mim que eu de mim mesmo
scrolls. (v. Deus, n atu rez a d e). Deus está tão perto que não pode
___ , The books and the parchments. ser buscado, já que não há lugar onde não seja encon-
___ , Merece confiança 0 Novo Testamento' trado. Na verdade, Deus não é procurado pelo ser hu-
W. G asque,“ F. F. Bruce: a mind for what matters” . mano; 0 humano encontra Deus por meio da graça
145 Butler, Joseph
quando Deus chega à pessoa. Todos os que santifi- nada sobre 0 próprio Deus. É linguagem equívoca,
cam esta vida encontram 0 Deus vivo como a inson- totalmente diferente da maneira que Deus é. 0 efeito
dável condição da existência. Ver tudo em Deus não não é semelhante à Causa. Deus dá 0 que não tem.
é renunciar ao mundo, mas estabelecê-lo na sua ver- Não há analogia entre Criador e criaturas (v. analo -
dadeira base. Podemos sentir a presença de Deus, GIA, PRINCÍPIO Da).
mas jamais podemos resolver seu mistério. Deus é Uma epistem ologia m ística. Buber está sujeito às
sentido em todo 0 mundo e em outros, mas deve ser mesmas críticas que outros místicos. Como saber se
encontrado sozinho. Em união com Deus, não somos Deus é que foi encontrado nessa experiência mística,
absorvidos, mas permanecemos um “eu” individual. e não Satanás? A experiência totalmente subjetiva não
Por essa diferença ontológica, Buber evita 0 tem critérios objetivos pelos quais possa ser avaliada.
panteísmo absoluto. A experiência mística cristã é indistingüível da expe-
Linguagem Religiosa. Como P lo tin o , Buber afirma- riência mística budista (v. budismo). Não há critérios
va que Deus não é 0 Bem, mas 0 Superbem; ele deve significativos pelos quais saber a verdade.
ser amado no seu mistério. Deus não se autonomeia
(no “Eu Sou”), mas se revela. Essa é uma revelação, Fontes

não uma definição. A idéia de Deus é uma obra-prima λ ΐ. B u b e r , Good and evil.

da construção humana, a imagem do Inimaginável. No ___ , I and thou.

entanto, a palavra Deus não deve ser descartada, sim- ___ , The eclipse of God.

plesmente porque é a palavra humana mais pesada, e ___ , The prophetic faith.

portanto a mais imperecível e indispensável das pala- ___ , Two types o f faith.

vras. Mas a palavra religião é irritante e sofreu a doen- X. L. G e i s l l r , Philosophy of religion.

ça epidêmica da nossa época. Ela deve ser substituída A. Johnson‫־‬, Faith misguided: exposing the dangers o f mysticism.

pela frase todas as relações h u m an as com Deus.


O eclipse d e Deus. A filosofia atrapalha a relação
budismo. V. panteismo, zen-panteismo.
humana com Deus. A pessoa considera suprema a sua
personalidade e, assim, apaga a luz do céu. A paixão
Bultmann, Rudolph. V. .milagres, mitos e.
peculiar dos filósofos é 0 orgulho de que seu sistema
substitui a Deus. Além disso, a linguagem objetiva do buscapelo Jesus histórico. V. Jesus histórico, buscapelo.
“aquilo” é idolatria verbal que obscurece a Deus. Deus Butler, Joseph. Importante apologista inglês do século
não está sujeito à lei da contradição; falamos dele ape-
nas dialeticamente. χνιιι (1692-1753) (v. apologética, necessidade da). Apesar
de vir de uma família presbiteriana, Butler foi ordena-
Avaliação. Entre as características positivas do pen-
do na Igreja da Inglaterra em 1718, depois de freqüen-
sarnento de Buber estão sua ênfase na necessidade de tar a Universidade de Oxford. Posteriormente tornou-
relacionamentos pessoais e de uma base em Deus. Buber
se bispo de Durham.
oferece uma crítica valiosa da maneira em que a filoso- Apesar de Butler ter dado uma contribuição sig-
fia tem eclipsado Deus, bem como sugestões úteis so- nificativa à discussão da moralidade em “ Three
bre como superar relacionamentos artificiais. sermons on human nature” [ Três serm ões sobre a n a-
Sua visão, todavia, está sujeita a muitas críticas tureza h u m a n a ], ele é mais conhecido por A n alogy
contra outras formas de existencialismo religioso (v. o f religion [A n alogia d a relig ião ], em que defende 0
B a r t h , K a r l ; K ie rk e g a a rd , So rf.n ). Do ponto de vista
cristianismo contra 0 df.ísmo, especialmente 0 de
evangélico, algumas são dignas de menção. Anthony Achlev Cooper, Conde de Shaftesbury, e
N egação d a revelação proposicion al. A negação da
Matthew Tindal. Lord Shaftesbury escreveu
revelação proposicional por parte de Buber (v. re vela - C haracteristics o f m en, m an n ers, opinions, tim es [Ca-
ção especial) teve grande influência sobre Brunner e a
racteristicas de hom en s, m an eiras, op in iões e tem pos,
neo-ortodoxia (v. B íb lia , evidências da). Ele nega que p. 1 7 1 1 ] , e Tindal, C hristianity a s o ld a s the creation
Deus tenha se revelado em qualquer afirmação [C ristian ism o tão velho qu an to a cria çã o, p. 1730],
proposicional. É estranho falar isso sobre um Deus A ap olo gética d e Butler. Butier foi influenciado por
teísta. Esse deus pode agir, mas não falar; não está mor- seu contemporâneo mais velho, Samuel C la rk e , discí-
to, mas é mudo. Então as criaturas podem fazer 0 que pulo de Sir Isaac Newton e defensor da fé cristã. Analogy
0 Criador não pode. O efeito é maior que a Causa. o f religion foi uma defesa da plausibilidade do cristia-
D iscussão equ ívoca sobre Deus. Além de Deus ser nismo em termos da analogia entre a religião revelada
tímido, quando se revela, a linguagem não nos sugere e a natural (v. re v e la ç ã o g e r a l).
Butler, Joseph 146
0 uso d a p robabilid a d e. Conforme a base empírica Ju lgar 0 cristianism o com o um todo. Outro resulta-
do conhecimento e as limitações da ciência, Butler ar- do do argumento análogo de Butler é que um sistema
gumentou, que nosso conhecimento da natureza é ape- de religião deve ser julgado como um todo, não ape-
nas provável (v. c ertez a ; ind u ção ). Já que esse é 0 caso: nas a partir de ataques direcionados contra partes es-
pecíficas, como tendem a fazer os deístas. Quando esse
sempre estamos na posição de aprendizes, e assim ia- padrão fosse aplicado ao cristianismo, Butler acredi-
mais podemos supor que 0 que conhecemos sobre a nature- tava que revelaria que há um “Autor Inteligente e Go-
za é 0padrão para julgar 0 que é natural (Rurak, 367). vernador da natureza” .Ele estendeu essa analogia para
a seguinte crença:
A probabilidade, que é 0 guia da vida, apóia a cren-
ça numa revelação sobrenatural de Deus na Bíblia A humanidade está destinada a viver num estado futuro; 0
(v. B íb lia , evidências da) e nos milagres de Cristo. fato de todos serem recompensados ou punidos; [...] que este mun-
Butler começou A nalogy observando que: do está num estado de apostasia e maldade [...] deu ocasião a uma
dispensação adicional da Providência; da maior importância; pro-
não sei como, muitas pessoas têm como certo que 0 cris- vada por milagres; [...] executada por uma pessoa divina, oMessi-
tianismo não é mais um objeto de estudo, mas que, agora fi- as, para recuperar 0 mundo; não revelada, no entanto, a todos os
nalmente, foi comprovado como fictício. homens, nem provada com a evidência mais forte possível a todos
aqueles a quem é revelada, mas apenas para uma parte da huma-
Sua resposta é que nidade, e com a medida de evidência específica que a sabedoria de
Deus considerou necessária (Analogy in religion, p. 16-7).
qualquer homem racional que considere bem a questão
pode estar tão certo quanto está sobre a própria existência de R ev elação natural e sobrenatural. Com os deístas,
que, pelo contrário, essa questão não está de tal modo fechada Butler concorda que Deus é 0 Autor da natureza e que
que não precise mais ser discutida. Na minha opinião, há fortes 0 cristianismo contém uma republicação dessa reve-
evidências em favor da sua veracidade (Analogy in religion, 2). lação original na criação. Mas 0 cristianismo é mais
que uma revelação sobrenatural. Butler explica:
O bjeção a o deísm o. Butler direcionou seu ataque
contra 0 deísta Tindal, que argumentava: pode-se dizer que a essência da religião natural consis-
te na atenção religiosa a ‘Deus Pai Todo-Poderoso’: E a es-
há uma religião da natureza e da razão, escrita nos cora- sência da religião revelada, distinta da natural, consiste na
ções de todos nós desde a primeira criação, pela qual a hu- atenção religiosa a ‘Deus Filho’ e ao‘Espírito Santo’.
manidade deve julgar a verdade de qualquer religião insti-
tuída (Tindal, p. 50). E,

Para os deístas que rejeitam as Escrituras como reve- como essas revelações são dadas a conhecer, por razão
lação sobrenatural por causa das suas dificuldades, Butler ou por revelação, não importa; porque os deveres surgem
responde: Quem acredita que as Escrituras procederam das relações em si, não da maneira em que somos informa-
daquele que é 0 Autor da natureza pode esperar encon- dos sobre elas (Analogy in religion, p. 198).
trar nelas 0 mesmo tipo de dificuldades que são encon-
tradas na constituição da natureza” (v. r e v e l a ç ã o g e r a l ). A d efesa dos m ilagres. Butler dedicou um capítulo
Logo, “quem nega que as Escrituras vieram de Deus, por ao assunto “ Sobre a suposta pressuposição contra uma
essas dificuldades, pode pela mesma razão, negar que 0 revelação considerada milagrosa” . No próprio resumo
mundo foi formado por ele” (Analogy in religion, p. 9,10). do argumento (à margem), ele insiste:
Já que os deístas admitiam esta última condição não de-
viam negar a primeira. Como James Rurak comenta: 1. Não há suposição, a partir da analogia, contra 0
esquema cristão geral; pois 1) embora não possa ser
a religião natural e a revelada serão julgadas pelo mesmo descoberto por razão ou experiência, só sabemos uma
padrão, a constituição e 0 curso da natureza. A religião natu- pequena parte do grande todo; 2) mesmo que seja di-
ral não pode ser usada como padrão para julgar a revelação ferente do curso conhecido da natureza, a) 0 desco-
(Rurak,367). nhecido talvez não se assemelhe ao conhecido em
tod a p a r t e ; b) observamos diferença às vezes na na-
Há uma analogia entre elas. tureza; c) a suposta diferença não é completa. Então
147 Butler, Joseph
nenhuma suposição resta contra 0 esquema cristão fender 0 cristianismo contra os ataques dos seus
geral, quer 0 denominemos milagroso quer não. críticos naturalistas.
11. Não há suposição contra a revelação primitiva, Do lad o negativo. Do ponto de vista da apologética
pois 1) 0 m ilagre é relativo ao curso da natureza. 2) A clássica (v. clássica, a p o lo g é tica ), Butler enfraqueceu
revelação pode ter seguido a criação, 0 que é um fato desnecessariamente 0 argumento cosmológico ao ar-
admitido.3) O milagre seguinte não [é] uma dificul- gumentar com base na analogia.
dade adicional” . Pois 4) “A tradição declara que a reli- Alguns naturalistas argumentam que 0 argumen-
gião foi revelada no princípio” . to de Butler em favor dos milagres é baseado numa
iii. Não há suposição da analogia contra milagres falsa analogia: “A suposição contra milagres não é ape-
nos tempos históricos, pois 1) não temos caso parale- nas uma suposição contra um evento específico, mas
10 de um segundo mundo caído; 2) especificamente, contra 0 acontecimento desse tipo de evento” . Além
a) há uma suposição contra todos os fatos alegados disso, a comparação com eventos extraordinários na
antes do testemunho, não depois do testemunho; b) natureza não é válido.
razões para intervenção milagrosa podem ter surgido
m 5000 anos; 3) a necessidade que 0 homem tem de Pois, no caso dessas forças, dados os mesmos antece-
direção sobrenatural é uma das razões; i) milagres dentes físicos, as mesmas conseqüências sempre advirão; e
[são] comparáveis a eventos extraordinários, contra os a verdade disso pode ser verificada pelo experimento
quais alguma suposição sempre existe. Então ii) mila- (Bernard,p. 161-2).
gres não [são] incríveis. Na verdade, iii) em alguns ca-
sos, [são] a p riori prováveis, c) Jamais há uma suposi- Embora essa crítica pareça válida para algumas das
ção peculiar contra eles (A nalogy in religion, p. 155-61). ilustrações que Butler dá (por exemplo, eletricidade e
magnetismo), não parece funcionar com todas as sin-
Com base em tudo isso concluo: que realmente gularidades da natureza. Especificamente, não se apli-
não há suposição contra milagres, que os torne, de caria à te o ria do big-ban g defendida por muitos cientis-
algum modo, incríveis; que, pelo contrário, nossa tas naturalistas, já que as condições antecedentes eram
capacidade de discernir razões lhes dá credibilidade 0 nada ou a inexistência. A partir de tais condições, ne-
positiva à história, em casos em que essas razões nhum a previsão pode ser feita ou verificada por expe-
se sustêm; e de forma alguma é certo afirmar que rimentos posteriores. Além disso, Butler parece estar
haja qualquer suposição peculiar da analogia, mes- correto no lado negativo do seu argumento de que não
mo no menor grau, contra milagres, conforme se há probabilidade a p riori contra milagres. Na verdade,
distinguem de outros fenômenos [naturais] extra- ele defende convincentemente a sua probabilidade a
ordinários. p riori (v. MILAGRES, ARGUMENTOS CONTRA).
Portanto, por analogia com a natureza, os milagres
são críveis e até a p rio ri prováveis (v. m ilag re). Fontes
A v a lia çã o . Do la d o p ositiv o. Dado 0 seu contex- J. B u t l e r , Analogy in religion, e s p . ]. FI. B ern ard ,

to deísta, Butler fez uma defesa importante do cris- “ Xote F: the improbability of miracle” .
tianism o. Argumentando a partir da premissa ___ , Fifteen sermons.
deísta de revelação natural, demonstrou que não ___ , The works ot Joseph Butler,\\’. E.
havia suposição provável contra 0 cristianismo. G la d s t o n e , o rg .

Além disso, ao reduzir sua base epistemológica à F.. C. M o s s n f r , Bishop Butler and the Age o f Reason.
simples probabilidade, evitou, com méritos, uma J. R urak, “ Butler’s analogy: a still interesting
necessidade racional para suas conclusões. Não synthesis of reason and revelation” ,,·i i r , Oct.
importa como se avaliem seus resultados, Butler 1980.
deve ser louvado por sua tentativa racional de de- λ ΐ . T in d a l , Christianity as old as the creation.
Cc
Calvinojoão. Nasceu em Noyon, Picardy, França (1509- convicção que há um Deus” (ibid.). Esse “senso de di-
1564), mas tornou-se 0 reformador de Genebra, Suíça. vindade está gravado tão naturalmente no coração
Erudito humanista em Paris quando foi atraído para os humano, na verdade, que até os réprobos são forçados
princípios da Reforma, Calvino baseou grande parte do a reconhecê-lo” (ibid., 1.4.4).
seu pensamento teológico nas obras de Agostinho. Além Λ existência de Deus e a imortalidade da alma. Na
da sua sistematizaçâo da teologia, Institutas da religião primeira parte das Insdtutas, Calvino considera “a es-
cristã, 0 reformador João Calvino foi um exegeta pro- sência invisível e incompreensível de Deus que, até cer-
*estante pioneiro da Bíblia. Os comentários de Calvino to ponto, é feita visível nas suas obras” e as “provas da
sobre as Escrituras Sagradas ainda são muito usados. im ortalidade da alma” (ibid., 1.5.1-2). Pois
Por meio da Academia de Genebra, Calvino e seus cole-
gas também foram pioneiros no treinamento em cada uma das suas [de Deus] obras sua glória está
evangelístico, na erudição protestante e numa ética gravada em letras tão brilhantes, tão distintas e tão ilustres,
abrangente da vida cristã. que ninguém, por mais simples e iletrado, pode alegar igno-
A a p o lo gética d e João Calvino. Os seguidores de ráncia como desculpa” (ibid.).
João Calvino não estão unidos na interpretação da sua
abordagem apologética. Entre eles estão apologistas Calvino não elaborou isso formalmente, como fez
dássicos e pressuposícionalistas (v. clássica, apologé- Aquino, mas provavelmente teria aceito 0 argumento
ttca ; pressuposicional, ap olo gética ). teleològico, 0 argumento cosmológico, e até o argumento
Os pressuposícionalistas, com raízes em Herman moral. Os dois primeiros podem ser vistos na sua ênfa-
Dooyerweerd, são liderados por Cornelius Van Til e se- se em criação e causalidade e 0 último na sua crença numa
guidores seus como Greg Bahnsen e John Frame. Os lei moral natural. Ao comentar Romanos 1.20,21, Calvino
apologistas clássicos seguem a opinião de B. B. Warfield conclui que Paulo
sobre Calvino e são representados por Kenneth Kantzer,
John Gerstner e R.C. Sproul (v. Kantzer).Calvino se iden- ...claramente afirma,aqui que Deus pôs 0 conhecimento de si
tificaria com os apologistas clássicos. mesmo nas mentes de todos os homens. Em outras palavras,Deus
As raízes de Calvino na apologética clássica. Ao con - tem assim demonstrado sua existência por meio de más obras a
trário da visão pressuposicional, a visão de Calvino íim de levar os homens a verem 0 que não buscam conhecer de sua
sobreo uso da razão humana na proclamação do evan- livre vontade, ou seja, que existe Deus (Romanos, p. 66).
gelho não era muito diferente dos grandes pensado-
res anteriores. Como Agostinho e Tomás de A qitxo, 11:1 N atural. Para Calvino esse conhecimento inato de
Calvino acreditava que a revelação geral de Deus é Deus inclui 0 conhecimento da sua lei justa. Ele argumen-
manifesta na natureza e estabelecida nos corações de tou que, já que “os gentios têm a justiça da lei gravada
todos os homens (v. re v e la ç ã o g e r a l). naturalmente nas suas mentes, certamente não podemos
0 senso inato de divindade. “Consideramos indis- dizer que são completamente cegos à lei da vida”
cutível 0 fato de existir na mente humana, e na verda- (Institutos, 1.2.22). Ele chama essa consciência moral de
de por instinto natural, algum senso de divindade” , “ lei natural” , que é “suficiente para sua condenação jus-
disse Calvino em Institutas da Religião Cristã, 1.3.1. tá\ mas não para salvação (ibid.). Com isso a lei natural
Ele argumentou que “não há nação tão bárbara, ne- “0 julgamento da consciência” é capaz de distinguir en-
nhuma raça tão brutal, que não esteja imbuída com a tre 0 justo e 0 injusto (Comentário de Romanos, p. 48).
campo comum 150
A natureza justa de Deus “está gravada em letras tão Então, a maior prova das Escrituras é uniformemente obti-
brilhantes, tão distintas e tão ilustres, que ninguém, por da a partir do caráter do dono da palavra [...] Nossa convic-
mais simples e iletrado, pode alegar ignorância como cão da verdade das Escrituras deve ser derivada da fonte
desculpa” (Institutas , 1.5.1). mais elevada que conjeturas, julgamentos ou raciocínios hu-
A lei natural não só é clara, mas também é especí- manos; a saber, 0 testemunho secreto do Espírito (ibid., 1.7.1;
fica. Estão “gravados nos seus corações uma discrimi- cf. 1.8 . 1) (v. E s p ír it o S a x t o x a a p o l o g é t ic a , p a p e l d o ).
nação e um julgamento, pelos quais distinguem a jus-
tiça da injustiça, honestidade da desonestidade” . Se- É importante lembrar, no entanto, como indica R.
gundo Calvino, até povos sem 0 conhecimento da Pa- C. Sproul, que“0 testim onium não é colocado acima da
lavra de Deus “provam seu conhecimento [...]de que razão como forma de subjetivismo místico. Mas vai
adultério, roubo e assassinato são males, e que a ho- além e transcende a razão” (Sproul, p. 341). Nas pala-
nestidade deve ser almejada” ( C om en tário d e R om a- vras do próprio Calvino:
nos, p. 48). Deus deixou provas de si mesmo para to-
dos os povos tanto na criação quanto na consciência. Mas respondo que 0 testemunho do Espírito é superi-
Já que uma lei moral natural implica um Legisla- or à razão. Pois só Deus pode testemunhar adequadamen-
dor Moral, Calvino teria concordado com 0 que mais te sobre suas palavras, de modo que essas palavras não
tarde tornou-se conhecido como 0 a r g u m e x t o m o r a l d a conquistam mérito total nos corações dos homens até que
e x is t ê n c ia d e D e u s . Na verdade, sua aceitação da lei na- estejam seladas pelo testem unho interior do Espírito
tural 0 coloca no centro da tradição da apologética (ibid.).
clássica de Agostinho, Anselmo e Aquino.
Agindo por meio da evidência objetiva, Deus dá
A evidência d a inspiração das Escrituras. Calvino fa-
certeza subjetiva de que a Bíblia é a Palavra de Deus
lou várias vezes sobre as “provas” da inspiração da Bíblia.
(v. B íb l ia , e v id ê n c ia s d a ).
Elas incluem a unidade das Escrituras, sua majestade, suas
Conclusão. Apesar de João Calvino, por causa do seu
profecias e sua confirmação milagrosa. Calvino escreveu:
lugar na história, se preocupar primariamente com os
debates sobre autoridade, soteriologia e eclesiologia, no
Veremos [...] que 0 volume das Escrituras sagradas ultra-
entanto 0 esboço da sua abordagem à apologética pare-
passa em muito todas as outras obras. Além disso, se as obser-
ce claro. Ele se encaixa na categoria geral da apologética
varmos com olhos transparentes e julgamento imparcial, elas
clássica. Isso é evidente por sua crença de que “provas”
se apresentarão imediatamente com uma ma jestade divina que
de Deus estão disponíveis à mente não-regenerada e pela
submeterá nossa oposição presunçosa e nos forçará a prestar- sua ênfase na revelação geral e na lei natural (v. l e i , n a -
lhe homenagem (Institutas, 1.7.4). TUREZA E TIPOS D ê ).
À luz da evidência, até incrédulos “serão conven-
Fontes
cidos a confessar que as Escrituras exibem evidên-
J. C a lv in o , Comentário sobre as Epístolas de Paulo
cia clara de ser inspirada por Deus e, conseqüente-
aos Romanos e Tessalonicenses.
mente, de conter sua doutrina celestial” (ibid.).
___ , Institutas da religião cristã.
Os efeitos deletérios d a d ep rav ação. Calvino foi rá-
K . K a n tz e r, John Calvin’s theory o f the knowledge
pido em demonstrar que a depravação obscurece essa
o f God and the Word of God.
revelação natural de Deus. Calvino escreve: R. C. S p r o u l, “ The internal testimony of the Holy
Spirit” , em N. L. G e is le r , org., Inerrancy.
A idéia de que a natureza [de Deus] não é clara a não ser B. B. W a r f i e l d , Calvin and calvinism.
que 0 reconheça por origem e 0 fundamento de toda bonda-
de. Disso surgiriam a confiança nele e um desejo de apegar- campo comum. A questão de “campo comum” é prin-
se a ele, se não fosse a depravação da mente humana que a cipalmente um debate entre a apologética clássica e a
afastou do caminho certo da investigação (ibid., 1. 11.2). pressuposicional. A questão é se existe uma área de evi-
dência neutra ou um ponto de partida onde cristãos e
0 p a p e l do Espírito Santo. Calvino acreditava que a não-cristãos podem reunir-se (v. h is t ó r ic a , a p o l o g é t ic a ).
certeza completa de Deus e a verdade das Escrituras Os pressuposicionalistas revelacionais negam que haja
vêm apenas pelo Espírito Santo. Escreveu: um campo comum ao qual ambas as partes podem se
relacionar para estabelecer a verdade do cristianismo.
Nossa fé na doutrina não está estabelecida até que te- Cornelius V a n T il acreditava firmemente que os efei-
nhamos uma convicção perfeita de que Deus é seu autor. tos noéticos do p e c a d o prejudicaram 0 entendimento
151 Camus, Albert

humano de tal forma que não há entendimento co- Avaliação. Partes positivas do pensamento de
mum dos fatos. Não é possível construir um argumen- Camus. Desde 0 início, em O mito de Sísifo, Camus
to apologético sobre os fatos da experiência ou histó- penetrou incisivamente no absurdo da vida vivida
ria sem a obra sobrenatural do Espírito Santo no co- sem Deus. Nos seus primeiros estados de espírito
ração e na mente (v. E s p ír it o S a n t o n a a p o l o g é t ic a , p a p e l niilistas, percebeu a futilidade do suicídio. Sua fi-
do). A visão de mundo de uma pessoa deve ser pres- losofia humanitária demonstrava uma preocupação
suposta ou firmada por um argumento transcendental moral profunda quanto ao destino da humanidade.
para dar uma estrutura interpretatíva a fatos que de Em sua jornada em direção ao e x i s t e n c i a l i s m o , che-
outra forma seriam vazios. gou a ver 0 fracasso do niilismo anterior. Também
Apologistas históricos e clássicos rejeitam essa vi- se aproximou do entendimento do que os cristãos
são, afirmando que há pontos de partida na razão (v. chamam de depravação humana. Durante sua vida,
fé e r a z ã o ; l ó g ic a ) a partir dos quais se constrói uma Camus refletiu uma necessidade profunda de Deus.
defesa de uma cosmovisão teísta e cristã (v. a p o l o g é t ic a , Dimensões negativas. 0 argumento do mal contra
argum ento da; D eu s, e v id ê n c ia s d e ). 0 teísmo supõe equivocadamente que Deus é 0 autor
de todo 0 mal no mundo. Nenhuma responsabilidade
Camus, Albert. Romancista e ensaísta francês (1913- é atribuída aos seres humanos por suas ações peca-
1960) cujas principais contribuições foram feitas du- minosas em infligir sofrimentos sobre si mesmos (v.
rante e após a Segunda Guerra Mundial. O estrangei- l i v r e -a r b í t r i o ). A Bíblia deixa claro que a rebelião de

ro, seu primeiro romance, e O mito de Sísifo (ambos Adão e Eva e seus descendentes causa mal e morte (Rm
de 1942) foram seguidos, após a guerra, por A peste 5.12). Toda a natureza está infectada com 0 pecado
(1947) e O rebelde (1951). Sua última grande obra, A (Romanos 8).
queda, apareceu em 1956. Em 1957 Camus ganhou 0 Além disso, Camus supõe que 0 fato de os cristãos
Prêmio Nobel de literatura. Morreu em 1960, num terem compaixão dos que sofrem é inconsistente com
acidente de carro. a crença cristã na soberania de Deus. Tanto em prin-
Opiniões de Deus e da vida. Camus foi parte de cípio como na prática, 0 cristianismo tem oferecido
um pequeno movimento de ateus franceses (v. a t e ís m o ) mais alívio ao sofredor em todos os níveis que a filo-
associado ao existencialismo e especialmente a Jean- sofia não- cristã. Até 0 agnóstico Bertrand R u s s e l l re-
Paul S a r t r e . Começou como niilista (v. n i il i s m o ), crendo conheceu que 0 que 0 mundo precisava era da com-
que, em vista dos absurdos da vida, a única questão fi- paixão e do amor cristãos (Russell,p. 579). Só no cris-
losófica séria era 0 suicídio. Aos poucos mudou para tianismo algo foi feito, por meio da morte e ressurrei-
uma posição mais humanista (v. h u m a n is m o s e c u l a r ). cão de Cristo, para impedir a peste do pecado (Rm
Àluz da negação de Deus, Camus, como outros ateus, 4.25; 1C0 15.1-4).
ficou sem uma âncora de valores morais. No entanto, Como muitos outros ateus, Camus revelou certo
adotou 0 humanismo moralista, falando agressivamente anseio por Deus (v. D e u s , e v id ê n c ia s d e ) . Escreveu:
contra 0 que considerava males morais, inclusive a guer- “ Para qualquer pessoa que está sozinha, sem Deus e
ra e a pena de morte. Até seu protesto moral contra 0 sem um mestre, 0 peso dos dias é terrível” (Λ queda,
teísmo desmente valores morais básicos. A liberdade do p. 33). Acrescentou em outra parte: “ Nada pode
indivíduo é suprema; 0 valor que colocou na vida hu- desencorajar 0 apetite pela divindade no coração do
mana 0 fez opor-se ao suicídio. homem" (O rebelde, p. 147).
Camus argumentou firmemente que 0 teísmo é O senso moral de certo e errado do romancista
anti-humanitário, por causa do sofrimento intolerá- devia té-10 levado a postular a existência de um Legis-
vel infligido à humanidade (v. m a l , p r o b l e m a d o ). Em A lador Moral cuja simples presença explica a persistente
peste, 0 dilema que coloca diante do teísmo é descrito convicção moral de que algumas injustiças são abso-
mediante a história de uma peste causada por ratos. lutamente erradas (v. m o r a l e m fa vo r d a e x i s t ê n c ia d e
Seu raciocínio pode ser assim formulado: D e u s a r g u m e n t o ). Como 0 antigo ateu de Oxford, C. S.

Lewis, perguntou a si mesmo: “De onde havia tirado


O indivíduo deve unir-se ao medico e lutar contra a peste essa idéia de justo e injusto? Um homem não conside-
ou unir-se ao sacerdote e não iutar contra a peste. ra uma linha torta a não ser que tenha alguma noção
Não unir-se ao medico para lutar contra a peste e do que e uma linha reta” . Ele acrescenta: “A que estava
anti-humanitario. comparando esse universo quando 0 chamei de injus-
Lutar contra a peste e lutar contra Deus. que a enviou. to [...] É claro que poderia abrir mão da minha idéia
Logo, se 0 humanitarismo esta certo. 0 teísmo esta errado. de justiça ao dizer que não era nada além de uma idéia
cananeus, massacre dos 152
particular” , conclui. “ Mas, se fizesse isso, meu argu- completa. Essa afirmação profética indicou que Deus
mento contra Deus também cairia por terra — pois 0 não destruiria 0 povo da terra até que sua culpa mere-
argumento dependia da crença de que 0 mundo real- cesse a destruição completa em julgamento.
mente era injusto, não apenas de que não agradava Por isso, Josué e 0 povo de Israel não estavam agin-
meus caprichos particulares.” Então, do por iniciativa própria. A destruição de Jerico foi feita
pelo exército de Israel como instrumento de julgamen-
no próprio ato de tentar provar que Deus não existia — to sobre os pecados desse povo pelo justo Juiz de toda
em outras palavras, que toda a realidade não fazia sentido — a terra. Nenhuma outra nação antes ou depois pos-
descobri que era forçado a reconhecer que uma parte da reali- suiu essa relação especial com Deus e seu mandamento
dade — ou seja, minha idéia de justiça — fazia muito sentido” (cf. Êx 19.5; Dt 4.8; SI 147.20; Rm 3.1,2). Conseqüen-
(Lewis, p. 45,46). temente, qualquer pessoa que questiona a justificação
desse ato está questionando a justiça de Deus.
Fontes Deus é soberano sobre toda vida e tem 0 direito
G. B rf.k , Camus. de tirar 0 que ele dá. Jó declarou: “0 S e n h o r o deu e
A. Cam us, Λ queda. 0 S e n h o r o levou; louvado seja 0 nome do S e n h o r !”
___ , O mito de Sísifo. (Jó 1.21). Moisés registrou as palavras de Deus:
___ , A peste. “destruindo ao fio da espada, homens, mulheres, jo-
___ , O rebelde. vens, velhos, bois, ovelhas e jumentos: todos os se-
___ , O estrangeiro. res vivos que nela havia” (Js 6.21). Os seres huma-
P. E d w a r d s , “ Camus, Albert” , ep. nos não criam vida e não têm 0 direito de tirá-la (Êx
C.S. L e w is , Surpreendido pela alegria. 20.13), exceto sob regras determinadas por aquele
B. R u s s e ll, “ What is an agnostic?” , The basic que é dono de toda vida humana.
writings o f Bertrand Russell, R . E. E g n e r , et al‫״‬ Deus permite tirar a vida em autodefesa (Êx 22.2),
orgs. na pena de morte (Gn 9.6) e em guerra justa (cf. Gn
14.14-20). E quando há uma ordem teocrática para
cananeus, massacre dos. Quando os israelitas che- fazê-lo, como no caso de Israel e os cananeus, sua jus-
garam à cidade cananéia de Jericó no início da sua in- tificação moral é garantida pela soberania de Deus.
vasão da terra prometida, Josué e seus soldados “des- Quanto à matança de crianças como parte dessa
truindo ao fio da espada, homens, mulhers, jovens, ordem, deve-se observar que, dado 0 estado cance-
velhos, bois, ovelhas e jumentos: todos os seres vivos roso da sociedade em que nasceram, não podiam evi-
que nela havia” (Js 6.21). Os críticos do Bíblia acusam tar sua poluição fatal. Se as crianças que morrem an-
que tal massacre de vidas inocentes e propriedades não tes da idade de responsabilidade vão para 0 céu (v.
pode ser moralmente justificado. Parece contrário ao bebês, salvação de), foi um ato de misericórdia de Deus
mandamento de Deus de não matar seres humanos tirá-los desse ambiente ímpio e levá-las à sua pre-
inocentes (v. Êx 20.13). sença santa. Mas, no final, 0 argumento principal em
R azões d a d estru içã o . A defesa das ações do Israel todas as Escrituras é que Deus é soberano sobre a
antigo dividem-se em três categorias: 1 ) um desafio da vida (Dt 32.39; Jó 1.21). Ele pode ordenar seu fim
suposição de inocência moral; 2 ) delineamento das conforme a sua vontade, e seu povo pode ter confi-
implicações da natureza teocrática singular da ordem e ança total de que as ações de Deus são boas.
3) exame das condições sob as quais ela foi executada. C o n clu sã o . No caso dos cananeus, era necessá-
As Escrituras deixam bem claro que os cananeus es- rio ao estabelecimento de uma nação e um sacer-
tavam longe de ser “inocentes” .A descrição dos seus pe- dócio santos exterminar 0 paganismo da cidade e
cados em Levítico 18 é vivida: “Até a terra ficou contami- seu povo. Se algo restasse, exceto 0 que foi levado
nada; e eu castiguei a sua iniqüidade, e a terra vomitou os para a casa do tesouro do Senhor, sempre haveria a
seus habitantes” (v. 25). Eles eram visceralsamente imo- ameaça da influência pagã para afastar 0 povo da
rais, contaminados com todo tipo de “abominações” , in- adoração pura do Senhor. Como a história subse-
cluindo 0 sacrifício de crianças (v. 21,24,26). qüente de Israel mostra, foi isso que aconteceu.
Deus dera ao povo da Palestina mais de 400 anos
para se arrependerem da sua iniqüidade. O povo daquela Fontes
terra teve toda oportunidade de abandonar sua iniqüi- G. L. A r c h e r , Jr., Enciclopédia de temas
dade. Conforme Gênesis 15.16, Deus disse a Abraão que bíblicos.
seus descendentes voltariam a herdar essa terra, mas X. L. G e is le r & T. H o w e , Manual de dúvidas,
ainda não, porque a iniqüidade do povo ainda não era enigmas e “contradições"da Bíblia.
153 Carnell, Edward John
J. H a le y , A lleged discrepan cies o f the Bible. Acrescentou: “ Não há nenhuma abordagem ‘oficial’
W. K a is e r , o rg ., Classical evangelical essays in Old ou ‘normativa’ da apologética” . Em vez disso,“a abor-
Testament interpretation. dagem é governada pelo ambiente da época. Isso sig-
J.O r r , Christian view of God and the world, a p ê n d ic e nifica que um apologista deve improvisar” (K ingdom
d a p r e le ç ã o 5. o f love, p. 6).
Ao lembrar-se dos seus esforços apologé-ticos, es-
canonicidade. V . B íb l ia , c a n o n ic id a d e d a . creveu: “ Nos meus próprios livros sobre apologética
tentei sistematicamente basear-me em algum ponto
Carnell, Edward John. Apologista pioneiro da renas- útil de contato entre 0 evangelho e a cultura” . Por
eença evangélica após a Segunda Guerra Mundial (1919-
exemplo,“ Em An introduction to Christian apologetics,
1967). Um dos fundadores do Sem inário Teológico
0 apelo era à lei da não-contradição; em A p h ilo so p h y
Fuller em 1948, foi seu presidente de 1955 a 1959. Carnell
o f the Christian com m itm en t, era 0 sentimento judi-
sofria de depressão e de insônia crônica, que ocasionou
cial. Neste livro [ T he kin g d om o f love a n d the p r id e o f
ovício conhecido em barbitúricos. Morreu tragicamente
life], estou apelando para a lei do amor” (ibid., p. 6).
de uma dose excessiva de soníferos, ingeridos acidental
R ejeição dos argum entos clássicos. Como outros
ou intencionalmente, na idade precoce de 48 anos.
Carnell escreveu 8 livros, a maioria dos quais lida
pressuposicionalistas, Carnell rejeitou a validade dos
ακη apologética: An introduction to Christian apologetics argumentos teístas tradicionais (v. D e u s , e v id ê n c ia s
[Uma introdução à apologética 1948}; The theology o f d e ) . Nisso ele segue muitos dos argumentos dos céti-
R ein hold N iebu hr [.4 teolog ia d e R ein h o ld N iebuhr] cos, como David H u m e , e agnósticos (v. a g n o s tic is m o ) ,
(1951); A philosophy o f the Christian religion [Filosofia como Immanuel K a n t .
é a religião Cristã] (1952); Christian com m itm ent: an Os p r o b l e m a s b á s i c o s d o s a r g u m e n t o s teístas. A
epologetic [ O com prom isso cristão, uma defesa}(\957); principal razão para Carnell rejeitar 0 raciocínio
The case f o r orthodox theology [O caso d a teologia orto- teísta é seu ponto de partida. Começa na experiên-
dbccfl](1959); The kingdom o f love an d the p rid e o f life cia e term ina no ceticismo (A n i n t r o d u c t i o n to
\0 Reino d e a m or e 0 orgulho d a vida]( 1960); e The C h r i s t i a n a p o l o g e t i c s , p. 126ss.).Na verdade, Carnell

burden o f S oren K ie r k e g a a r d [ 0 fa r d o d e Sorer! alista sete objeções:


Kierkegaard]( 1965). Artigos e críticas também discu-
ton apologética. Digno de menção é 0 artigo de três 1. 0 empirismo termina em ceticismo. “ Se tudo
partes “ How every C h r i s t i a n can defend his f a i t h ” , em 0 que a mente tem para usar são percepções
Moody monthly (jan., fev. e mar. de 1950). sensoriais como relatórios fornecidos à mente
As influências que moldaram 0 pensamento de do que está acontecendo no mundo externo,0
Carnell são resumidas por um dos seus principais dis- conhecimento jamais pode se elevar ao uni-
dpulos, Gordon Lewis: versai e ao necessário, pois do fluxo só pode
vir fluxo” (ibid., p. 129).
Na Universidade Wheaton, nas aulas de Gordon H. C l a r k ,
2. O princípio da economia elimina 0 Deus cris-
Carnell encontrou 0 teste da não-contradição (v. p r im e ir o s
tão. Hume estabeleceu 0 ritmo para os empi-
wncípios). O teste de adequação ao fato empírico foi defen-
ristas ao insistir que a causa fosse propor-
«fido por Edgar S. Brightman na Universidade de Boston,
cional ao efeito, mas não necessariamente mai-
ande Carnell fez 0 doutorado.
or. Um efeito infinito dita uma causa infinita,
mas um efeito finito não precisa disso.
Finalmente, a exigência da relevância à experiência pes-
3. A falácia da atribuição. Mesmo “supondo que
so ai tornou-se proeminente durante a pesquisa de doutora-
uma causa p ossa ter mais atributos que os
do em teologia de Carnell na Universidade de Harvard, no
vistos no efeito, [...] 0 universo finito não
estudo de Soren Kierkegaard e Reinhold Xiebuhr (Lewis,
exige para sua explicação a existência de uma
Testing C hristianity’s truth claims, p. 176).
causa infinita” .
A a p o lo g ética d e C a rn e ll. Carnell era hipotético 4. Falácia do Deus único. Como podemos ter cer-
o u pressuposicional (v. p ressip o sicio n a l, a p o lo g é tic a ) teza de que 0 Deus provado pelo primeiro ar-
na sua abordagem, em contraste com 0 método gumento é a mesma Divindade que 0 gover-
apologético clássico . nador moral do universo? Já que nenhum
Carnell definiu a apologética como “0 ramo da deles precisa ser infinito, pois 0 efeito é
teologia cristã que tem a tarefa de defender a fé” . finito, á espaço para milhares de deuses.
Carnell, Edward John 154

5. Falácia da antecipação. Tomás de A q uino usou universo. “Uma proposição deve ser verdadeira
os mesmos argumentos que Aristóteles, mas para ser digna de crença, mas isso não quer diz»
chegou à conclusão diferente de um Deus pes- que a crença de todos é verdadeira.”
soai. Isso não teria acontecido porque ele já 5. Os sentimentos são insuficientes, pois “sem a ra-
tinha experiência íntima do verdadeiro Deus? zão para guiá-los, os sentimentos são irrespon-
6. D ifícil situação do compromisso. Uma vez sáveis” .
compromissados com uma posição empírica, 6. A percepção sensorial é, na melhor das hipóteses,
como podemos mostrar que 0 Deus que conse- “uma fonte da verdade, não sua definição ou tes-
guimos demonstrar é 0 Pai de Jesus Cristo? Os te. Nossos sentidos geralmente nos enganam” .
dados obtidos da natureza são satisfeitos pelo 7. A intuição não pode testar a verdade, já que não
Motor Imóvel proposto por Aristóteles, então por podemos “detectar intuições falsas, que existem
que passar dele para a Trindade? em profusão” .
7. Pressuposições não-empíricas. “ Provar a exis- 8. A correspondência de uma idéia à realidade não
tência de Deus a partir do fluxo na natureza exi- pode ser um teste. “Se a realidade é extracon-
ge conceitos que não podem ser encontrados ceitual, como podemos comparar nossa idéia da
na natureza [... ]Para saber a causa é preciso mente a ela?”
primeiro saber 0 que é não-causado[...] Então 9. O pragmatismo é inadequado, pois numa base
argumentos empíricos são bem-sucedidos ape- puramente pragmática não há como distinguir
nas se começarmos com conceitos que são as visões opostas do materialismo e do teísmo
significantes quando Deus já é conhecido, pois sobre 0 absoluto máximo (seja a realidade mate-
só ele é inamovível, não-causado, incontin-gen- rial seja espiritual). Além disso, pragmático não
te, perfeito e absoluto” (ibid., p. 133-4).Até“uma tem 0 direito, conforme sua teoria, de esperar que
lasca na estátua ou uma falha na tela faz 0 ar- sua teoria seja comprovada pela experiência fu-
tista inferior [...] Em resumo, 0 universo reve- tura, já que não tem base para crer na regularida-
la em si mesmo uma quantidade excessiva de de do mundo.
mal para poder suportar 0 peso do argumento
teleológico” (ibid., p. 139). Carnell argumenta que todas as provas dedutivas
são inadequadas, porque
Na melhor das hipóteses, os argumentos teístas
empíricos só têm “valor de inconveniência” , mostran- a realidade não pode ser atingida apenas pela lógica for-
do que 0 empirismo é insuficiente e mostrando algo mal [... ] A verdade lógica não pode passar para a verdade mate-
além do empírico (ibid., p. 152). rial até que os fatos da vida sejam introduzidos na situação.

Rejeição de outros “testes da verdade”. Carnell cri- E provas indutivas são testes inválidos para a ver-
tica e descarta outros testes da verdade. dade, pois não podem exceder a probabilidade.
1. Os mstmtos“nãopodemserotestedaverdade, Uma premissa é demonstrada apenas quando é a im-
já que não podem distinguir entre 0 que é legi- plicação necessária de uma premissa auto-evidente ou quan-
timamente natural à espécie e 0 que é adquiri- do é demonstrada a falsidade da sua contradição
do. Apenas a mente pode fazer isso” . (Introduction to Christian apologetics, p. 48-53,105).
2. Os costumes são um teste inadequado porque
“podem ser bons ou maus, verdadeiros ou fal- A necessidade das idéias inatas. Uma alternativa ao
sos. Algo além e fora dos costumes, portanto, empirismo, então, é um tipo de“racionalismo cristão” .
deve testar a validade dos próprios costumes” . Agostinho ensinou que “a mente, por dom natural do
3. A tradição, um corpo mais normativo de cos- Criador, desfruta da apreensão imediata dos padrões
tumes passados por um grupo desde a anti- que dão sentido à nossa busca da verdade, do bem e
güidade, é insuficiente. “ Existem tantas tradi- do belo” . Pois
ções, conflitantes em sua essência, que apenas
no hospício poderiam ser todas juustificadas.” para falar significativamente sobre a verdade, 0 bem, e 0
4. O consensus gentiu m , ou 0 “consenso das na- belo [...] devemos ter critérios, mas critérios que sejam uni-
ções” , falha como teste da verdade. No passado versais e necessários devem ser encontrados em outro lugar
todos acreditavam que a terra era 0 centro do que não 0 fluxo da percepção sensorial.
155 Carnell, Edward John
Senão, “como sabemos que uma coisa realmente é daquele axioma (v. p r im e ir o s p r in c íp io s ) . A natureza deve ser
wrdadeira, se a alma, por natureza, não possui tal con- suposta para que se prove a natureza (ibid.).
licção?”. E “como seremos capazes de dizer confian-
temente que 0 que é bom hoje será bom amanhã, a De fato, “a demonstração rígida de um primeiro
aão ser que encerremos nossa teoria do bem em algo postulado é impossível, como Aristóteles demonstrou,
Sira do processo da história?” . Em resumo,“como po- pois leva ou ao regresso infinito ou ao raciocínio circu-
éemos saber qual é 0 caráter de toda realidade, de lar” (ibid., p. 102).
■odo a agir sabiamente a não ser que Deus nos diga?” Isso não quer dizer que algumas hipóteses não
(Kd.,p. 152-7). sejam mais bem informadas que outras.
Carnell acredita que as leis da lógica são evidência ina- A inadequação dos testes da verdade. “A verdade é a
lide Deus (v. l ó g ic a ). As pessoas têm um senso inato das qualidade da opinião ou proposição que, quando segui-
■gras de raciocínio correto. Sem 0 Deus revelado nas Es- da até que se obtenha 0 testemunho total dos fatos na
«rituras, seria insignificante dizer que assassinato é errado nossa experiência, não desaponta nossas expectativas”
ine, de modo que ainda seja errado amanhã. O fato de (.Introduction to Christian apologetics, p. 45). A verdade é ο
podermos fazer tal afirmação é uma comprovação de que que corresponde à mente de Deus. É pensar os pensa-
aiste um Autor da nossa natureza moral. mentos de Deus como ele (ibid., p. 47).
Também há 0 conhecimento de Deus por meio da A ina dequ ação dos testes dedutivos da verdade.
O
*atureza. mundo é regular; ele mostra provas do Carnell rejeita os argumentos estritamente deduti-
Deus que faz coisas que são coerentes. Podemos ob- vos e indutivos como maneira de estabelecer a ver-
iervar sentido em nossa existência, e não deveríamos dade do cristianismo. Em seu lugar dá preferência à
ser capazes de fazê-lo exceto por essa pressuposição
abordagem pressuposicional. Provas dedutivas são
rejeitadas porque,
·a hipótese.
Uma base pressuposicional para todo conhecim en-
to.A segunda alternativa ao empirismo confirma a quando alguém demonstra uma proposição, mostra que

primeira. A segunda compreende uma análise existen- é a conclusão necessária de uma premissa que já é considera-

dal do que faz a vida humana significativa (v. Lewis, da verdadeira [...] Pode-se detectar facilmente que a demons-

"Three sides to every story” ). tração pura é operativa apenas num sistema de símbolos for-

Todo pensamento envolve pressuposições (ibid., p. mais, como na lógica e na matemática (ibid., p. 104).

91,95) . Carnell reconhece que A inadequação dos testes indutivos da verdade. O raci-
ocínio indutivo (v. in d u t in o , m é t o d o ) é rejeitado como tes-
pode seperguntar por que temos pressuposições. Por que
te adequado para a verdade do cristianismo, pois “aqui
não ficar com os fatos? A resposta para isso é muito fácif. Te-
não se pode ir além da p r o b a b il id a d e ” (ibid., p. 105). Ne-
mos pressuposições porque devemos fazer pressuposições
nhuma prova real é possível com um argumento de p r o -
para pensar. As melhores pressuposições são as que podem
b a b il id a d e , já que 0 oposto sempre é possível.
responder pelo todo da realidade” (ibid., p. 94).
A impropriedade da revelação geral. Apesar de algum
apelo ser feito à revelação geral (v. r e v e l a ç ã o g e r a l ) como
Então, como no método científico, temos de co- ponto de contato, Carnell argumenta que ela é uma base
meçar com a “ hipótese” e depois colocá-la à prova inadequada para conhecer a verdade sobre Deus. Carnell
(ibid.,p. 89s.). concordava com Calvino que a revelação geral
A hipótese cristã é a melhor pressuposição.
“0 cristão pressupõe Deus e as Escrituras” (ibid., não deve apenas nos motivar a adorar a Deus, mas tam-
p.101). Na verdade,“ Deus é a única premissa maior do bém despertar em nós a esperança da vida futura. Mas, ape-
cristão, mas esse Deus é conhecido por meio das Escri- sar das representações claras dadas por Deus no espelho das
turas” (ibid.). suas obras [...] a nossa estupidez é tão grande, que, sempre
Quanto à acusação de raciocínio circular, Carnell desatentos a esses testemunhos óbvios, não tiramos vanta-
responde francamente: gem deles” . Então devemos recorrer à revelação especial
( I n t r o d u c t i o n t o C h r i s t i a n a p o l o g e t i c s , p . 159-72).
O cristão comete petição de princípio ao supor a verda-
<feda existência de Deus para estabelecer essa mesma exis- A necessid ad e de revelação especial. Já que a re-
tência. De fato! Isso é verdadeiro para que se estabeleça a velação geral é inadequada, há necessidade de pres-
validade de qualquer absoluto. A verdade da lei da supor a verdade da revelação especial. Portanto, 0
[não]contradição deve ser suposta para provar a validade apelo à revelação especial nas Escrituras é — como
Carnell, Edward John 156
qualquer outra hipótese — verificável se seu sistema de pensamento é epistemologicamente anterior a todo
resultante é autocoerente no plano horizontal e com- conhecimento (ibid., p. 164s.). A defesa que Carnell faz
patível com a realidade no plano vertical. da lei da não-contradição é 0 que Cornelius Van Til de-
Carnell enfatiza que trocar a revelação natural pela nominou a r g u m e n to T r a n s c e n d e n ta l .
especial não divide a epistemologia cristã. Há uma úni- O teste p ositivo: ajuste factual. Além da “coerência
ca premissa principal, que 0 Deus que se revelou nas no plano horizontal” , 0 segundo teste da verdade de
Escrituras existe. Essa premissa fortalece a fé daquele Carnell era que 0 sistema se en caix e com os fa to s no
que crê, “pois a fé é um descanso da alma na suficiên- p lan o vertical (ibid., p. 108-9). Coerência é apenas pon-
cia da evidência” . A Bíblia é necessária para nos dar to de partida. Sem ele, a verdade está ausente; despro-
vida de algo mais, a verdade está truncada (ibid., p.
mais evidência. Pois “verdade” é significado sistema-
109). Como Lewis disse:
ticamente formulado e, se a Bíblia cumpre esse padrão,
é tão verdadeira quanto a lei da transmissão de
A mera coerência formal sem adequação factual é vazia
Lambert. Qualquer hipótese é verificada quando in-
e irrelevante. Por outro lado, a relevância obtida por mera
terpreta a vida eficientemente (ibid., p. 175).
experiência sem coerência acaba em caos e ausência de sig-
Carnell defende tanto 0 fato quanto a necessidade
nificado ( Testing Christianity’s truth claims, p. 206).
da revelação especial. Nenhum argumento filosófico
prova que a revelação não pode acontecer, pois Os “fatos” incluíam experiência externa, como fa-
tos históricos, e experiência interna, como paz pesso-
só se pode saber se Deus se revelou ou não após exami- al e subjetiva do coração (Introduction, p. 109-13). Os
nar todos os fatos da realidade, pois qualquer fato ignorado “fatos” de Carnell incluem questões éticas, existenci-
pode ser a própria revelação [...] Então, para encontrar Deus, ais, psicológicas e de valor.
é preciso pelo menos estar em todo lugar ao mesmo tempo, Valores sã o p a rte d o ajuste fa ctu al. Carnell estava
0 que significa ser 0 próprio Deus. convencido de que nenhuma outra cosmovisão pode-
ria satisfazer a busca humana pela comunhão pessoal.
Basicamente, Nenhuma outra oferece padrões significativos de amor
e perdão (Lewis, Testing Christianity’s truth claims, p.
se um homem diz que não há Deus, ele simplesmente se 218).Carnell dedicaA philosophy o f the Christian religion
faz Deus, e então a revelação é realizada. Se ele diz que há um a essa tese. Lewis observou:
Deus, a única maneira de saber isso é pela revelação do pró-
prio Deus. “ Edward Carnell tentou mostrar que 0 cristianismo é
[Pois] a razão fundamental pela qual precisamos de uma não só verdadeiro, mas também desejável para cada pessoa
revelação especial é responder à questãoΌ que devo fazer para como indivíduo ( Testing Christianity’s truth claims, p. 210,
grifo do autor).
ser salvo?’A alegria é nosso principal interesse, mas essa ale-
gria não pode ser nossa até sabermos exatamente como Deus
Carnell escreveu C h ristian c o m m itm e n t e The
vai tratar conosco no fim da história (ibid., p. 175-8).
kingdom o f love a n d the p r id e o f life para provar que
apenas 0 cristianismo dá um sistema de valor e satis-
O teste d e c o e r ê n c ia s iste m á tica . Dois testes nos
fação. Como afirmado na autenticidade existencial de
ajudam a avaliar a verdade de uma cosmovisão: pri-
Francis S c h a e f f e r , pode-se viver peios princípios cris-
meiro, ela deve ser logicamente coerente; segundo,
tãos sem hipocrisia.
deve explicar todos os fatos relevantes. Eles se unem Em K ingdom o f love an d the p rid e o f life, Carnell ar-
em um critério chamado “coerência sistemática” . gumentou a tese não-convencional de que a psicoterapia
“Aceite a revelação que, quando examinada, dá um de Freud dá 0 modelo para fazer uma apologética do
sistema de pensamento que é autocoerente no plano amor, já que relaciona confiança e amor à felicidade.
horizontal e que se encaixa com os fatos da história Declarou:
no plano vertical.” A Bíblia não é aceita arbitraria-
mente como a Palavra de Deus. Eleger qualquer ou- Acredito que, se os apologistas cristãos unissem suas
tra posição seria ignorar os fatos (ibid., p. 190). inteligências e utilizassem melhor 0 amor como ponto de
O teste negativo: não-con trad ição. O teste racional contato, grandes coisas seriam realizadas pela defesa da
básico para a verdade é a lei da não-contradição. É uma fé ” (Kingdom o f love, p. 10).
necessidade inata do pensamento e da vida humana.
Sem a lei da não-contradição, nem sensação, nem ver- Acrescentou que não havia apreciado a significância
dade e nem fala são possíveis (ibid., p. 161-3). Essa lei apologética do amor até ler Sigmund Freud.
157 Carnell, Edward John
Quanto mais refletia sobre 0 relacionamento entre pa- d o p e c a d o ” (Christian com m itm ent, p. 198). Entre outras
ciente e analista, mais convencido fiquei de que a coisas, a imagem de Deus provê princípios morais ina-
jsicoterapia criou inconscientemente uma nova base para a tos e a própria idéia de Deus. Ao citar João Calvino com
^»logética cristã. O cristianismo sempre defendeu 0 amor aprovação, Carnell escreveu:
axno lei da vida” (ibid., p. 6 ).
Certamente não se deve achar estranho que Deus, ao me
O amor é aceitação incondicional. É sempre bondo- criar, tenha colocado essa idéia (Deus) em mim para ser
soe sincero, e não espera nada exceto bondade e verda- como a marca do artista gravada na sua obra (Introduction
de em retorno. to Christian apologetics ,p. 160).

Se 0 homem é feito à imagem de Deus (como as Escri- Avaliação. Contribuições da apologética de Carnell.
isras dizem que é), então os conservadores devem acolher A ên fase na lei d a n ão-con trad ição. Carnell enfatizou
fnalquer evidência que ajude a estabelecer uma conexão corretamente a importância da lei da não-contradi-
iit a l entre 0 poder curador do evangelho e 0 homem como ção como teste negativo da racionalidade (v. l ó g i c a ) .
criatura que é atormentada por ansiedade e desavença. Um Ele considerava sua importância transcendental e ja-
án‫־‬óráo entre graça comum e especial é uma ofensa tanto à mais deixou de usá-la, apesar do fato de acrescentar
cultura quanto ao evangelho (ibid., 9). outras dimensões aos seus critérios gerais para a ver-
dade de uma cosmovisão.
Os defensores de Carnell reconhecem que essa abor- A ex ig ên cia d o aju ste fa c tu a l. Ao contrário do
dagem de valores tem limites. Gordon Lewis pergunta: pressuposicionalismo racional de Clark, a apologética
“Mas apenas a apologética psicológica é suficiente para de Carnell levou em consideração a necessidade de
apoiar a reivindicação da verdade do cristianismo?” .Ele ser abrangente em qualquer teste adequado da ver-
responde sua própria pergunta na negativa: dade. A coerência lógica só oferece um teste negati-
vo para falsidade. Positivamente, demonstra apenas
Em termos de experiência, a verdade do amor resolve
que um sistema p o d e ser verdadeiro, não que seja ver-
problemas, mas do ponto de vista teórico, uma religião pode
d ad eiro. Para demonstrar a verdade, uma cosmovisão
aliviar as ansiedades das pessoas com falsas promessas. Na
deve estar ligada à realidade.
werdade, é 0 que algumas das seitas chamadas cristãs fazem
A rejeição d a su ficiên cia fa ctu a l. Carnell reconhe-
(TestingChristianity’s truth claim s , p. 252).
ceu que a verdade absoluta e metafísica não está nos
fatos em si. Os fatos sozinhos são insuficientes. Ape-
A ética é p a r te do ajuste fa c t u a l Só 0 cristianismo
nas fatos compreendidos no contexto coerente de uma
pode resolver a situação moral do indivíduo. Nenhu-
cosmovisão completa podem ser a base da verdade
ma outra religião pode dar uma resposta coerente à
absoluta. Se a substância da experiência não estiver
pergunta: Como pode um pecador ser justo perante
estruturada por um modelo de significado, não é pos-
Deus? Lewis resume 0 (s) teste(s) da verdade de
sível falar sobre a significância desse sistema. Deve-
Carnell:
se pressupor ou teorizar um modelo metafísico do
universo antes que seja ao menos possível fazer rei-
Em resumo, a apologética de Carnell considera a hipó-
vindicações da verdade absoluta. É claro que é pos-
lese cristã verdadeira porque, sem contradição, explica mais
sível entender os fatos num sentido cotidiano. Cren-
evidências empíricas [...], evidências axiológicas [...] evi-
tes e incrédulos podem ter algo em comum no en-
dências psicológicas [...] evidências éticas [...] com menos
tendimento do que é uma dúzia de rosas. Mas 0 fato
dificuldade que qualquer outra hipótese” (ibid., p. 282).
de 0 significado absoluto dessas rosas ser glorificar
P robabilidade e certeza moral. Carnell está ciente de 0 Deus do teísmo só é conhecido por aqueles que têm
que seu método não dá certeza racional absoluta. Cons- uma pressuposição teísta.
cientemente, ele escolhe uma confiança racional da alta A n ecessid ad e d e u m a estru tu ra d e cosm ov isão.
probabilidade, desde que acompanhada de uma certe- Carnell viu corretamente a necessidade de uma
za moral que vá além da dúvida razoável (Introduction cosmovisão e de uma visão da vida, isto é, do que em
to Christian apologetics, p. 113s.). alemão se chama Weltanschauung. Apenas uma dimen-
O pon to de contato: a im agem de Deus. Ao contrário são da questão da verdade não é 0 suficiente. Verdades
de Van Til, Carnell acreditava que 0 ser humano natural de cosmovisão devem cobrir tudo que está no mundo.
era capaz de entender algumas verdades sobre Deus. Separar 0 elemento racional, 0 elemento empírico ou 0
Não gostava das “homílias vagas sobre os e f e ito s x o é tic o s elemento existencial apenas é inadequado. Carnell viu
Carnell, Edward John 158
claramente a necessidade de testar a verdade de todo 0 Na verdade, isso pode ser colocado na mesma forma
sistema cristão. Ele integrou os três elementos básicos que 0 que Van Til chamou de a r g u m e n to t r a n s c e n d e n t a l .
nesse teste: 0 racional, 0 empírico e 0 existencial. Então a questão não é se podemos provar Deus, mas
A v a lid a d e con tex tu al d a co erên c ia sistem ática. sim que tipo de prova funciona. Assim, Carnell não é
Dada uma estrutura teísta, a coerência sistemática é um pressuposicionalista, mas sim um teísta racional
um método suficiente para determinar a verdade. Isto — oferecendo uma prova para a existência de Deus.
é, numa cosmovisão teísta, a posição que explica de É claro que Carnell acredita que esse tipo de argumen-
maneira mais coerente todos os fatos relevantes é ver- to evita 0 fluxo de experiência sensorial porque tem um
dadeira. É por isso que 0 cristianismo passa no teste e ponto de partida interior na pessoa, não exterior na natu-
0 judaísmo não, já que 0 primeiro explica toda a pro- reza. Mas, quando comenta Romanos 1.20, admite que
fecia (v. p r o f e c ia c o m o p ro v a d a B íb lia ) sobre 0 Messias,
e 0 segundo não. Da mesma forma, 0 islamismo não os céus [natureza externa] declaram a glória de Deus,
explica a evidência teísta de que Cristo morreu na cruz pois nos lembram constantemente que Deus existe. A per-
e ressuscitou dentre os mortos três dias depois. O cris- feição limitada da natureza é uma recordação da perfeição
tianismo explica. Então, tanto 0 judaísmo quanto 0 absoluta; a mutabilidade da natureza é uma recordação que
islamismo são reprovados no teste de abrangência. há uma imutabilidade absoluta.
A n ecessidade da relevância existencial. Carnell viu
0 que poucos apologistas estão dispostos a admitir, que Até admite que seu teste factual da verdade é 0 mun-
um verdadeiro Weltanschauung d ev e ser relevante à vida. do externo, pois, ao “en caixar os fatos, queremos serfiéis
Isso não foi enfatizado 0 suficiente em An introduction à natureza” { ibid.,p. 169-70).Não importando como seja
to Christian apologetics. Mas, quando escreveu Christian chamado 0 argumento, trata-se ainda de uma “prova”
com m itm ent: an apologetic, a relevância existencial ha- racional da existência de Deus que pode ser feita a par-
via-se tornado importante para 0 teste de abrangência tir da natureza externa, que é 0 que os argumentos teístas
de Carnell no que diz respeito à verdade do seu sistema. tradicionais rejeitados por Carnell pretendem alcançar.
D ific u ld a d e s n a a p o lo g é t i c a d e C a rn ell. A Uso incoerente d a probabilidade. Carnell também é
apologética de Carnell não está isenta de falhas, algu- incoerente no seu uso da p r o b a b ilid a d e . Carnell repreen-
mas delas defeitos cruciais. de as abordagens apologéticas que começam com pro-
Epistemologia inata. Carnell evidentemente baseia-se habilidades empíricas e históricas. A argumentação
em Agostinho para sua crença em idéias inatas. Apesar empírica é rejeitada como teste adequado para a verda-
disso não ser uma crítica fatal do seu sistema, vale a pena de do cristianismo, pois “aqui não se pode ir além da
comentar que a crença em idéias inatas é infundada (v. probabilidade” (ibid., p. 105). Ele insiste em que nenhu-
H u m e , D a v id ) e desnecessária. Os mesmos dados podem ma prova real é possível com um argumento de proba-
ser explicados simplesmente supondo uma capacidade bilidade, já que 0 oposto sempre é possível. Mas, ao de-
inata sem idéias inatas. K a n t e T o m á s d e A q u in o demons- fender-se contra a acusação de que sua visão apenas
traram como isso poderia ser feito — mas Aquino não apresenta probabilidade, mesmo em questões cruciais
chegou à conclusão do agnosticismo. como a ressurreição de Cristo, ele responde afirmando
R ejeição dos argum entos teístas. Ao mesmo tempo que a probabilidade é suficiente. Pois
que Carnell rejeita a validade dos argumentos teístas
tradicionais, usa um argumento propriamente teísta. nenhum evento histórico, por mais recente, pode ser de-
Conforme Agostinho e René Descartes, Carnell argu- monstrado além de um grau de probabilidade. Então seria
menta que 0 ceticismo total é contraditório. Se 0 ceti- inadequado esperar que a comprovação da ressurreição de
cismo é duvidar, então ele está pensando. E, se pensa, Cristo, por exemplo, chegasse ao ponto de necessidade lógi-
então deve existir {cogito ergo sum ). Mas Carnell ar- ca (ibid., p. 198).
gumenta que isso fornece não só 0 conhecimento de
si próprio, mas “0 cogito nos dá 0 conhecimento de Mas não se pode adotar os dois aspectos da ques-
Deus. Sabendo 0 que a verdade é, sabemos 0 que Deus tão. Se a probabilidade jamais é prova, então não im-
é ,p o is Deus é a v erd ad e”. Acrescenta: “A prova de Deus porta quão alta seja a probabilidade, Carnell não teria
é semelhante à prova da lógica; lógica deve ser usada provas da ressurreição (cf. At 1.3).
para provar a lógica” (ibid., p. 158-9). Então, ao mesmo Um erro de categoria m etodológica. Carnell trata ex-
tempo que Carnell rejeita os argumentos teístas tra- plicitamente 0 teste das reivindicações da verdade do cris-
dicionais, oferece um a“prova” própria — que é a mes- tianismo como 0 teste de uma “hipótese” científica {An
ma que sua prova para a validade das leis da lógica. introduction to Christian apologetics, p. 101). Mas, como
159 Carnell, Eduard John
Edenne Gilson demonstrou muito bem, isso é um erro Mas, se falamos apenas sobre 0 evento anômalo ou
de categoria metodológica. Emprestar um método da incomum de um cadáver ressurrecto numa estrutura
geometria, ou matemática, ou ciência não é a maneira de uma cosmovisão naturalista, 0 fato em si também se
de fazer metafísica. Cada disciplina tem seu próprio encaixa na estrutura.
método apropriado. E 0 que funciona na ciência, por Conflito de critérios múltiplos p a ra testar a verdade.
aemplo, nem sempre funciona na metafísica. Um sistema que tem muitos critérios para testar a ver-
A rgum entação num círculo vicioso. 0 uso de fatos dade, como 0 de Carnell, tem um problema com 0 que
para testar a verdade da cosmovisão, que por sua vez dá fazer quando os critérios oferecem resultados contradi-
significado a esses fatos, é um círculo vicioso. Ao testar tórios. Nenhum critério é oferecido por Carnell para
cosmovisões não se pode pressupor a verdade de um adjudicar tais conflitos. 0 que acontece, por exemplo, se
dado contexto ou estrutura, pois é exatamente isso que 0 critério do amor contradiz a lei da não-contradição?
está sendo testado. Mas 0 método apologético da con- 0 que acontece quando os fatos parecem apoiar uma
sistência sistemática proposto por Carnell não pode ser posição que contradiz outro princípio do seu sistema?
en teste do contexto (ou modelo) pelo qual os próprios 0 erro do “b ald e fu rad o”. Coerência sistemática é
fetos, os quais ele defende, recebem significado. uma forma de argumento do “balde furado” . Na ver-
0 ajuste factual é inadequado para testar uma dade diz que 0 empirismo não é um teste adequado
cosmovisão porque tal“ajuste” é determinado para os da verdade, que 0 existencialismo não é um teste ade-
fetos pelo padrão geral da cosmovisão. O significado quado da verdade e que 0 racionalismo não é um teste
de um fato não é encontrado na sua pura factualidade, adequado da verdade. Mas se um balde furado não
mas pela maneira em que é modelado ou incorpora- segura a água, então dois ou três baldes furados tam-
do por uma cosmovisão. Carnell diz: “um fato é qual- bém não segurarão. Somar soluções inadequadas não
quer unidade de ser que é capaz de dar significado, produz uma solução adequada, a não ser que haja al-
mas é 0 significado, não 0 fato, que é 0 conhecimento” guma maneira de corrigir a inadequação de um teste.
(Introduction to Christian a p olo g etics, p. 92). Então, pa- Mas 0 problema com a coerência lógica como
rece claro que os mesmos dados (por exemplo, a res- teste da verdade não é corrigido pelo apelo aos fa-
surreição de Cristo) podem ser interpretados alterna- tos. Esse argumento lógico não falha apenas por-
tivamente como uma anomalia (do ponto de vista na- que não oferece referenciais factuais para 0 pen-
turalista), um evento mágico sobrenatural (do ponto samento, mas porque na sua forma mais forte não
de vista panteísta) ou uma ação sobrenatural de Deus oferece argumentos racionalmente inescapáveis, e
(do ponto de vista teísta). Cosmovisões incompatíveis na forma fraca é apenas um teste para a possibilida-
dassificam os mesmos dados com significados dife- de da verdade de um sistema. A lei da não-contradi-
rentes. Por não usar argumentos teístas para estabele- ção só pode mostrar que um sistema está errado se
cer um contexto geral de cosmovisão para os fatos da tem contradições nos seus princípios centrais. Mas
experiência, Carnell não consegue evitar essa crítica vários sistemas podem ser internamente não-contra-
(v. m ilagres, a r g u m e n t o s c o n t r a ) . Por exemplo, algumas ditórios. Da mesma forma, podem existir várias
línguas antigas que não dividem letras em palavras dei- cosmovisões que explicam todos os dados da experi-
xavam 0 leitor decidir pelo contexto. Nenhum apelo aos éncia à medida que os interpretam. 0 panteísmo, por
simples fatos pode resolver 0 problema; apenas um con- exemplo, não tem contradições internas lógicas, e pode
texto, modelo ou estrutura exterior pode fazer isso. E explicar todos os fatos como interpretados através das
quando uma estrutura se encaixa tão bem quanto ou‫״‬ lentes da sua cosmovisão. Apenas se sobrepusermos
tra, não há como adjudicar 0 problema pela apelação a as lentes não-panteístas isso não acontece. Quem en-
modelos diferentes, em que cada um explica todos os tra em outra cosmovisão pode descobrir que seus prin-
fatos à sua própria maneira. Ou sistemas diferentes po- cípios básicos são coerentes, que ela explica todos os
dem explicar de modo igualmente satisfatório 0 mes- fatos da experiência interpretados por meio da sua
mo número de fatos e ter dificuldade com outros. estrutura e que é existencialmente relevante àqueles
Coerência sistemática não oferece maneira de sa- que têm esse estilo de vida.
ber se 0 modelo se encaixa melhor nos fatos porque os A penas um teste negativo d a verdade. Consistência
fatos são antecipadamente ajustados para se encaixar sistemática testa apenas a falsidade, não a verdade, de
no modelo e dar sentido ao todo desde 0 início. 0 fato uma cosmovisão. Mais de uma visão pode ser coerente
da ressurreição de Cristo já é um “interprefato” teísta e e adequada. Mas aquelas que não são coerentes nem
como tal naturalmente se encaixará melhor num esque- adequadas serão consideradas falsas. O ponto de vista
ma teísta das coisas que numa cosmovisão naturalista. de Carnell seria no máximo apenas capaz de eliminar
causalidade, princípios da 160

cosm ovisões falsas (o u aspectos de c o sm o visõ es). E le n ão 1 . Todo efeito tem uma causa.
p o d e d e te rm in a r q u e u m a c o s m o v is ã o é ve rd a d e ira. Essa forma é claramente auto-evidente, e é analí-
E dign o de nota q ue Fred erick Ferre, que usa u m mé- tica, pois 0 predicado pode ser reduzido a sujeito. Ou-
todo sem elhante, tenha reconhecido que m esm o cosmo- tras maneiras afirmar 0 princípio não são analíticas,
visões não-teístas p o d e m ter peso igual ou até m a io r que 0 nem auto-evidentes:
m o d elo cristão qu an d o testadas p o r seus p róprios critéri- 2. Todo ser contingente é causado por outro.
os. Se os teístas ocidentais a d m itirem isso, certam ente 0 3. Todo ser limitado é causado por outro.
h in d u o u b u d is ta s o fis tic a d o p o d e ria c r ia r u m teste 4. Tudo que surge é causado por outro.
com b in ató rio d a verdade p a ra justificar sua cosm ovisão. 5. Inexistência não pode causar existência.

Fontes Às vezes 0 princípio é afirmado de maneiras dife-


J. E. B arnh ard ,The religious epistemology and rentes dessas, mas cada forma é redutível a uma ou
theodicy o f Edward John Carnell and Edgar mais dessas afirmações. Por exemplo, “ Tudo que co-
Sheffield Brightman, dissertação não publicada, meça tem uma causa” é 0 mesmo que “ Tudo que surge
Universidade de Boston, 1964.
é causado por outro” .E “ Todo ser dependente é causa-
The burden o f S0ren Kierkegaard.
E. J. C a rn e ll,
do por outros” é 0 mesmo que “ Todo ser contingente é
____, The case fo r orthodox theology. causado por outro” .
____, Christian commitment: an
D efesa d o p r in c íp io . Uma verd ad e inegável. Se 0
apologetic.
princípio da causalidade é afirmado,“ Todo efeito tem
_____, “ H ow every Christian can defend
uma causa” , então é inegável.
his faith” , Moody monthly, Jan., Feb., M ar. 1950.
Nessa forma 0 princípio da causalidade é analítica-
____, An introduction to Christian
mente auto-evidente, já que “efeito” quer dizer 0 que é
apologetics.
causado e uma “causa” quer dizer 0 que produz 0 efeito.
____, The kingdom o f love and the
Então, 0 predicado é redutível ao sujeito. É como dizer:
pride o f life.
“ Todo triângulo tem três lados” .Mas há uma dificulda-
____, A philosophy o f the Christian
de em afirmar 0 princípio dessa forma para um teísta
religion.
que quer usá-lo para provar a existência de Deus (v. D e u s ,
____, The theology o f Reinhold
e v id ê n c ia s d e ). Ele apenas passa 0 ônus da prova de volta
Niebuhr.
para 0 teísta, que deve mostrar que seres contingentes,
N. L. Geisler, Christian apologetics, cap. 7.
finitos e/ou temporais são efeitos. Ainda que isso possa
E. Gilson, The unity o f philosophical experience.
ser feito, não é tão útil quanto usar a forma“Inexistência
G. Lewis,“ Ed w ard John C arn ell” , W. E lw e ll, org.,
não pode produzir existência” . Permanece, todavia, a
Handbook o f evangelical theologians.
questão se essa forma é auto-evidente ou inegável.
_____, et al. Integrative
theology, v. 1.
Todas as maneiras de defender as formas não ana-
___ Testing Christianity’s truth claims.
líticas do princípio da causalidade (formas 2-4) exi-
_____,“ Three sides to e very story” , R.
L. H arris, org., Interpretation and history.
gem explicação do que se quer dizer com os termos
N. Nash, The new evangelicalism. da afirmação. Vejamos os seguintes exemplos:
B. RaiMM, Types o f apologetics systems. A natureza d a existência e inexistência. A afirmação
W. S. S a i l e r , The role o f reason in the theologies o f
n.° 5 pode ser defendida pela definição dos termos.
Nels Ferre and Edward John Carnell, dissertação “Inexistência não pode causar existência” porque ape-
doutorai não publicada, Universidade Temple. nas existência pode fazer algo existir. Inexistência não é
nada; não existe. E 0 que não existe não tem poder de
causalidade, princípio da. O p r i n c íp i o d a c a u s a li- produzir nada. Apenas 0 que existe pode causar exis-
dade é um p r im e ir o p r in c íp io . T o d o s os p r im e ir o s tência, já que 0 próprio conceito de “causa” implica que
p r in c íp io s sã o a u to - e v id e n te s o u r e d u t ív e is a auto - alguma coisa existente tem 0 poder de criar outra. Do
e v id ê n c ia . M a s n e m t u d o q u e é a u to - e v id e n te p are- nada absoluto não vem absolutamente nada. Ou, para
ce s e r a u to - e v id e n t e a to d o s . O p r in c íp io d a cau sa - expressar de maneira mais popular: “Nada vem do nada;
lid a d e (v. prim eiro s p rin cíp io s) se e n c a ix a n e s s a cate- nada jamais poderia” .
g o r ia e, p o r t a n t o , A firm ação do p rin cíp io da cau- A n atureza d a contingência. Todos os seres contin-
salidade. O p r i n c íp i o d a c a u s a lid a d e p o d e s e r de- gentes precisam de uma causa, pois um ser contin-
c la r a d o d e v á r i a s m a n e ir a s , a lg u m a s m a is a c e ita s gente é algo que existe, mas que pode, sob outras cir-
q u e o u tr a s . P o r e x e m p lo , p o d e - s e d iz e r q u e: cunstâncias, não existir. Já que tem a possibilidade de
161 causalidade, princípio da
aão existir, não é responsável pela sua própria exis- P rim eiro s p rin cíp io s e a existência d e D eus. Dado
lência.Em si, não há razão para existir. Antes não exis- que algo existe (0 que é inegável) pela causalidade (e pelo
tia, mas inexistência não pode causar nada. Existên- princípio da analogia), a existência de Deus pode ser de-
da só pode ser causada por existência. Apenas algo monstrada (v. cosmológico, argumento). Em cada caso, é
pode produzir algo. claro, 0 ônus da prova cai sobre a premissa menor, não a
Observe que ambas as defesas acima (existên- premissa que é 0 princípio da causalidade.
da/ inexistência e contingência) dependem do prin- Tudo qu e surge tem u m a causa. Usando essa afir-
apio de que “ Inexistência não pode causar existên- mação do princípio da causalidade, a existência de
da” ou “0 nada não pode causar algo” . Muitos filó- uma Primeira Causa pode ser demonstrada da seguin-
sofos afirmam que esse princípio é considerado ver- te maneira:
dadeiro intuitivamente e é auto-evidente. Mas, se
alguém não aceitar isso como auto-evidente, a afir- Tudo 0 que surge é causado por outro.
mação pode ser defendida de duas maneiras. 0 universo surgiu.
Em primeiro lugar, inerente ao conceito de produzir Portanto, 0 universo foi causado por outro.
ou causar está a implicação de que algo que existia criou
o que é produzido ou causado. A alternativa é definir 0 É c la ro q u e d eve-se d e m o n s t r a r q u e 0 u n iv e rs o
nada como algo ou uma inexistência como existência, 0 su rg iu . 0 te ísta faz isso p e la c iê n c ia e filo s o fia (v. big-
que é absurdo. Esse argumento deve ser distinguido da ,
bang; kalam argum ento cosm ológico).
proposta de David H u m e de que não é absurdo dizer que Outra maneira de provar a existência de Deus usa
0 nada p o d e ser seguido p o r algo. 0 próprio Hume nega uma afirmação diferente do princípio da causalidade:
que algo p o d e ser cau sado p elo n ada: “Jamais afirmei
uma proposição tão absurda como que algo pode sur- Todo ser contingente é causado por outro.
gir sem uma causa” (Hume, The letters o f D avid Hume, 0 universo é contingente.
ν.Ι,ρ.187). Logo, 0 universo é causado por outro.
Os teístas aceitam plenamente a afirmação de
Hume. Por exemplo, um estado em que não havia Aqui também 0 ônus da prova está na demonstra-
mundo foi seguido por um estado em que 0 mun- ção de que 0 universo como um todo é contigente. Isso
do existia (depois que Deus 0 criou). Isto é, nada geralmente é feito ao demonstrar que 0 universo como
(nenhum mundo) seguido de algo (um mundo). um todo poderia surgir ou, de fato, surgiu, logo é con-
Não há contradição inerente em dizer que nada tingente. Da mesma forma, 0 universo poderia deixar
pode ser seguido de algo. 0 problema surge em de existir. Ele deve ter uma causa para explicar sua
dizer que 0 nada pode p r o d u z ir ou c a u s a r algo. existência, ao invés da sua inexistência.
A importância dessa verdade começa a surgir quan- É claro que, se alguém quiser demonstrar que essa
do é afirmada de outra maneira: Se desde sem pre não causa do universo é inteligente ou moral, 0 princípio
existisse absolutam ente n ada ( inclusive Deus), então sem- da analogia deve ser usado para mostrar que efeitos
pre haveria absolutam ente n ada ( inclusive Deus). se assemelham à sua causa eficiente (v. a n a lo g ia , prin-
Em segundo lugar, tudo que surge deve ter uma cípio da; primeiros princípios). Por exemplo:
causa. Se surgiu, não é um S er N ecessário, que por
sua natureza d ev e sem p re existir. 0 que surge é um Efeitos se assemelham às suas causas de sua existência.
ser con tin gen te , que por natureza é capaz de existir 0 universo manifesta uma criação inteligente na sua
ou não existir. Algo separado do ser contingente deve existência. Logo, 0 universo tem um Criador inteligente.
determinar que ele surgirá. Então, tudo que surgiu
deve ser causado, já que deve haver uma ação efici- O b jeções. A maioria das respostas às objeções
ente que 0 faz passar de um estado de potencialidade direcionadas ao princípio da causalidade estão implí-
(potência) para um estado de realidade (ato). Pois, citas no que foi afirmado.
Aquino observou, nenhuma potência de existir N ão h á necessidade d e um a causa. Alguns ateus (v.
pode realizar-se. Realizar-se significa que estaria ateísmo) argumentam que não há necessidade de uma
anteriormente num estado de realidade, e ser atua- causa. Eles insistem em que não há nada incoerente so-
lizado significa que estaria num estado de bre algo surgindo do nada. Isso, todavia, é contrário à re-
potencialidade. Não pode ser ambos ao mesmo tem- alidade que conhecemos e vivemos e à iniciativa científi-
po. Isso violaria 0 princípio da não contradição. ca, que busca uma explicação causai. É antiintuitivo acre-
Logo, não se pode negar 0 princípio da causalidade ditar que coisas simplesmente aparecem e desapare-
sem violar 0 princípio da não-contradição. cem. Quem defende tal visão também deve encarar 0
causalidade, princípio da 162
fato de que algo que nem mesmo existe não tem 0 po- precisa ter um Ser Necessário para impedir que deixe
der de fazer coisa alguma. de existir — 0 tempo todo.
Se tudo écausado, então Deus também é. Essa objeção A suposição oculta em postular um antigo Ser Ne-
é baseada numa compreensão errônea. O princípio da cessário que não existe mais é que causalidade simul-
causalidade não afirma que tudo tem uma causa. Afirma tânea não faz sentido. Mas não há contradição em di-
apenas que tudo que tem um começo (e então é finito) zer que um efeito está sendo efetuado no mesmo ins-
precisa de uma causa. Por exemplo, se 0 universo não teve tante em que sua existência é causada. Esse é sem dú-
começo, então não precisa de uma causa para seu come- vida 0 caso no relacionamento entre premissas (cau-
ço. Da mesma forma, se Deus não teve começo, ele tam- sa) e a conclusão (efeito) num silogismo. Causa e efei-
bém não precisa de uma causa. Só 0 que tem um começo to são simultâneos, pois, n o instante em que se
precisa de uma causa. Mas poucas pessoas argumentam retira(m) a(s) premissa(s), a conclusão não surge. Da
que 0 universo não teve começo. No final das contas 0 mesma forma, a relação causai entre um rosto e sua
universo precisa de uma Causa que não teve um começo, imagem no espelho é simultânea.
pois 0 universo não pode surgir do nada. O que atrapalha a compreensão é confundir um
O princípio da causalidade não se aplica à realida- efeito com um pós-efeito. Por exemplo, quando a bola é
de. Alguns críticos insistem em que 0 princípio da cau- jogada, ela continua a se mover depois que 0 lançador
salidade pertence ao âmbito da lógica, mas não se apli- deixou de jogá-la. Depois que se dá corda no relógio,
ca à realidade (v. r e a l is m o ) . I s s o é contraditório. Não ele continua funcionando. Mas, nesses e noutros exem-
se pode afirmar consistentemente que as leis do pen- pios, 0 pós-efeito também está sendo efetuado direta
sarnento não podem ser afirmadas com relação à rea- ou simultaneamente por alguma causa, depois que a
lidade. É inconsistente pensar que a realidade não pode causa original deixou de operar. A força da inércia
ser pensada. Já que 0 princípio da causalidade mantém a bola se movendo; as forças de tensão e rea-
é um princípio fundamental da razão (v. F u n d a c io n a - ção mantêm a mola movendo 0 relógio. Se qualquer
l i s m o ) , deve aplicar-se à realidade. Caso contrário, aca- uma dessas forças desaparecesse, 0 pós-efeito cessa-
ba-se numa posição contraditória segundo a qual 0 ria. Se a inércia cessasse logo depois da bola sair da
que é conhecido sobre a realidade não pode ser co- minha mão, a bola pararia instantaneamente no ar. Da
nhecido. O princípio da causalidade é um princípio mesma forma, 0 relógio deixaria de funcionar no ins-
sobre a realidade. Quando diz: “ Inexistência não pode tante em que as leis da física que 0 colocam em funci-
produzir existência” , existência significa 0 que é real e onamento deixassem de operar. Todo suposto pós-efei-
inexistência 0 que não é real. to é apenas um efeito de algumas causas simultâneas.
Não há necessidade de um a causa aqui e agora. Al- Não há pós-efeitos existenciais. Tudo que existe, exis-
guns críticos argumentam que, mesmo se houve uma te aqui e agora. E tudo que está sendo criado agora deve
causa do começo do universo, ela não precisa existir ter um criador agora. Uma distinção básica ajudará a ilus-
agora. Ou uma causa deixou de existir, ou ainda exis- trar esse problema. 0 artista não é a causa da existência
te, mas não é necessária para suster 0 universo. de uma pintura; ele é apenas a causa da criação da pintu-
O Deus teísta demonstrado pelo argumento ra. A pintura continua existindo depois que 0 artista tira
cosmológico não poderia ter causado 0 universo e de- suas mãos da tela. 0 pai não causa a existência do filho,
pois deixado de existir. O Deus teísta é um Ser Neces- mas apenas causa a criação do filho, pois quando 0 pai
sário, e um Ser Necessário não deixa de existir. Se exis- morre 0 filho continua a viver.
te, deve por sua própria natureza existir necessaria- Seres finitos claramente precisam de uma causa,
mente. Um Ser Necessário não pode existir num modo não só para sua criação, mas também para sua exis-
contingente mais que um triângulo pode existir num tência aqui e agora. Pois a todo momento da sua exis-
modo de cinco lados. tência são dependentes de outro ser para sua existên-
Um Ser Necessário deve continuar a causar seus cia. Nunca deixam de ser seres limitados, finitos, con-
ser(es) contingente(s). Um ser contingente deve perma- tingentes. E, como tal, exigem uma causa para cada
necer contingente enquanto existir, já que jamais pode momento da sua existência. Não importa se estamos
ser um Ser Necessário. Mas essa é a única alternativa nos referindo a José da Silva no primeiro, segundo ou
para um ser contingente além de deixar de existir ou terceiro momento da sua existência. Ele ainda existe,
continuar sendo um ser contingente. Mas se um ser con- recebeu existência, e portanto está recebendo existên-
tingente é sempre contingente, sempre precisa de um cia de algo além de si mesmo.
Ser Necessário de que dependa para sua existência. Já Parte do problema poderia ser removido se não fa-
que nenhum ser contingente se mantém em existência, lássemos de existência como se todo 0 conjunto fosse
163 Celso
recebido ao mesmo tempo, mas de existir, um processo conhecimento natural sobre 0 mundo externo depen-
de momento a momento. A palavra ser pode ser ainda de de uma conexão causai entre ele e nossas mentes.
mais enganosa nesse aspecto. Ninguém recebe todo 0
seu ser de uma só vez, nem mesmo no próximo instan- Fontes
te. Cada criatura tem um “ser” presente. A existência vem L. F euerbach , The essence o f Christianity.

um momento de cada vez. Mas a cada momento de exis- S. F r e u d , O futuro de um a ilusão.

tência dependente precisa haver algum Ser independen- R. G a r r i g o u - L a G r a x g e , God: his existence and his
te que dá aquele momento de existência. Nesse caso, a nature.
distinção entre 0 latim esse (ser) e ens (ser, coisa) é útil. N. L. G e is le r , Christian apologetics.
Deus é puro Esse e nosso presente esse (nossa serzice, _____ , e W. C o r d u a x , Philosophy o f

nosso caráter de ser) é dependente dele. Alguma exis- religion.

tência pura precisa existencializar nossa potencialidade E. G ils o n , On being and some philosophers.

de existência, caso contrário não existiríamos. Deus D. H u m e, Dialogues concerning natural religion.

como Realidade pura está tornando real tudo que é real. ___ , The letters o f David Hume, J. Y. T . G r e ig , org.
Logo, é a realidade presente de tudo que é real que exige I. K a n t , Crítica da razão pura.

uma base causai. A. L ig h tm a n , Origins.

A fís ic a qu ân tica m ostra que eventos su batôm icos }. M\m\w,Existence and the existent.
E. M a s c a l l , Existence and analogy.
não são causados. O princípio da incerteza de Heisen-
B. M , The principle o f analogy in protestant
berg (v. ixd eterm ixação, principio de) é um princípio de o x d in

and catholic theology.


mecânica quântica que afirma que
L. M. R e g is, Epistemology.
B. R u ssell, Por que não sou cristão.
a posição e velocidade de uma partícula não pode ser
T o m a s d e A q u in o , On being and essence.
simultaneamente conhecida com certeza absoluta. Segun-
do essa teoria, por exemplo, é possível prever precisamente
Celso. Filósofo pagão do século 11. Sua obra A verdadei-
que fração de átomos de urânio se desintegrará radioativa-
ra doutrina (ou Discurso) é a obra mais antiga que se
mente na próxima hora, mas é impossível prever quais áto-
conhece que ataca a fé cristã (c. 178). É conhecida por
mos farão isso (ibid.).
meio da resposta de oito livros de Orígenes, Contra Cel-
so, que preserva grande parte do discurso de Celso. Ne-
Conclui-se que, se alguns eventos são imprevisíveis,
nhuma outra cópia sobreviveu.
eles não devem ser causados.
Orígenes retrata as crenças de Celso como uma
Mas, essa conclusão não está certa por várias ra-
combinação de uma visão platônica (v. P l a t ã o ) de
zões discutidas no artigo ixd eterm ixação, princípio da.
Deus e do p o l i t e í s m o grego. O resultado era um
Em primeiro lugar, 0 princípio de Heisenberg não é
Deus desconhecido que coloca seus demônios di-
um princípio de in cau salid ad e, mas um princípio de versos na experiência humana. A verdadeira reli-
im previsibilidade. Em segundo lugar, é apenas a po- gião é demonstrada ao concentrar-se em Deus e
sição de determinada partícula que não pode ser pre- propiciar demônios cultuais. A adoração é devida
vista, não 0 padrão geral. Em terceiro lugar, já que 0 ao imperador sob as formas de celebração de fes-
meio subatômico não pode ser “observado” sem ser tas públicas, prestação de serviço público e alis-
bombardeado, 0 cientista não pode ter certeza de tamento no exército (v. Douglas, p. 206).
como realmente é. Nem todos os tísicos concordam Celso se apresenta como um observador pagão
com Heisenberg. A resposta de Einstein foi: “ Deus não descompromissado, sem qualquer sentimento for-
joga dados com 0 universo” . te sobre religião. Ele louva 0 cristianismo por sua
C on clu sã o. Há outros argumentos negativos so- doutrina do Logos e pelos valores morais elevados,
bre 0 princípio da causalidade (v. Deus, objecões as pro- mas se opõe firmemente à sua exclusividade. Criti-
vas da existência de), mas eles não negam 0 próprio ca grande parte da história bíblica por seus relatos
princípio. Por exemplo, 0 argumento de que pode ha- de milagres e expressa repugnância pelas doutri-
ver um número infinito de causas não nega 0 princí- nas da encarnação e crucificação. Também se opõe
pio da causalidade; ele 0 pressupõe. O princípio da ao não-conformismo cristão, que ele considera uma
causalidade em si é tão válido quanto qualquer pri- ameaça ao governo romano. Suas acusações se re-
meiro princípio. Sem ele nem a ciência em particular sumiam a superstição religiosa, intolerância e não-
nem 0 raciocínio em geral seriam possíveis. Todo 0 conformismo político.
certeza / convicção 164

As acusações foram respondidas por Orígenes. com certeza, já que 0 sujeito e 0 predicado dizem a
Celso fracassou em sua apreciação da evidência his- mesma coisa: “A existência existe” ; “ Inexistência é
tórica (v. Novo T e stam en to , h is to ricid a d e d o ) e da jus- não existir” . “ Inexistência não pode produzir exis-
tificação filosófica de milagres bíblicos (v. m ila g re ; tência” também é certo, já que p rod u z ir implica um
m ilag res, argu m ento s c o n t r a ). Também fracassou em produtor existente.
entender a evidência que apóia a divindade de Cris- C erteza moral. Certeza moral existe onde a evidên-
to (v. C r is t o , d iv in d a d e d e) e a singularidade do cris- cia é tão grande que a mente não tem nenhuma razão
tianismo (v. C r is t o , s in g u la rid a d e de; re lig iõ e s m in- para vetar a vontade de crer que é assim. Confia-se
D1AIS E CRISTIANISMO). completamente numa certeza moral. É claro que há
uma possibilidade lógica de que as coisas a respeito
Fontes das quais temos certeza moral sejam falsas. Mas a evi-
C e ls o , The true doctrine. dência é tão grande que não há razão para crer que
H. C h a d w ic k , Origen contra Celsum. sejam falsas. Em termos legais isso é 0 que se quer di-
F. L. Cross, “C elsus” , em The Oxford d iction ary ot zer com “sem sombra de dúvida” .
the Christian church.
Certeza p rática (alta probabilidade). Certeza práti-
E. R. D o d d s, Pagan an d Christian in an age o f
ca não é tão forte quanto certeza moral. As pessoas afir-
anxiety.
mam estar “certas” de coisas que acreditam ter uma alta
O ríg e n e s , Contra Celso.
probabilidade de verdade. Alguém pode ter certeza de
que tomou 0 café da manhã hoje, sem ser capaz de pro-
var isso matemática ou metafisicamente. Isso é verdade
certeza / convicção. C erteza é a confiança de que algo
a não ser que algo tenha mudado a percepção dessa pes-
é verdadeiro. Às vezes certeza é diferente de convicção.
soa e, assim, ela seja levada a pensar que tomou 0 café
Certeza é objetiva, mas convicção é subjetiva. Um pri-
da manhã. É possível estar errado sobre essas questões.
meiro princípio ou afirmação auto-evidente é objeti-
C erteza espiritual (sobrenatural). Na hipótese de
vãmente certa, quer a pessoa tenha certeza disso quer
que o Deus teísta exista, ele poderia dar certeza sobre-
não. Convicção envolve 0 consentimento pelo conhe-
natural de que algo é verdade. Da mesma forma, se
cedor do que é certo; é uma aceitação subjetiva do que
Deus fala diretamente a uma pessoa (e.g.,Abraão em
é objetivamente certo. No uso comum os termos são
Gn 22), então essa pessoa poderia ter certeza espiritu-
empregados alternativamente. A diferença é que cer-
aí que transcende outros tipos de certeza, porque vem
teza existe onde há razões objetivas ou evidências que
diretamente de Deus. Aqueles qu e têm ex p eriên cias
são proporcionais ao nível de certeza reivindicado.
m ísticas diretas com Deus (v. misticismo), tal como Paulo
Mas, no que se refere à convicção, não precisa haver
descreve em 2 Coríntios 12, têm esse tipo de certeza.
um nível proporcional de razões objetivas ou evidên-
Ela seria maior que qualquer outro tipo de certeza, já
cias para 0 nível de convicção que se tem. que um ser onisciente é sua garantia e a onisciência
Tipos d e c ertez a . A certeza divide-se nas catego-
não pode errar. Como e se essa certeza realmente existe
rias lógica, moral, prática e espiritual. sem uma ação sobrenatural é um ponto duvidoso en-
C erteza lógica. A certeza lógica é encontrada em tre teólogos, apesar de muitos apologistas clássicos e
grande parte na matemática e na lógica pura. Esse tipo outros argumentarem q u e existe (v. E s p írito S a n to na
de certeza está envolvida onde 0 oposto seria uma con- APOLOGÉTICA, PAPEL D0).
tradição. Algo é certo nesse sentido quando não há pos- C erteza e co n sen tim en to . Certeza é sempre acom-
sibilidade lógica de ser falso. Já que a matemática é panhada de assentimento. Isto é, a mente sempre con-
redutível à lógica, encaixa-se nessa categoria. É encon- corda com proposições que são certas, caso as enten-
trada em afirmações como 5 + 4 = 9. Também é encon- d a a d eq u a d a m en te . Mas nem todo assentimento é
trada em tautologias ou afirmações que são verdadei- acompanhado de convicção. No cotidiano, damos as-
ras por definição: Todos os círculos são redondos, e ne- sentimento a algo que é apenas provável, e não neces-
nhum triângulo é quadrado. sário. Nos negócios geralmente não há certeza abso-
Certeza m etafísica. Há algumas outras coisas, po- luta; é preciso dar assentimento com base em vários
rém, que podemos ter certeza absoluta de que não são níveis de probabilidade. Esse é quase sempre 0 caso no
afirmações sem conteúdo. Por exemplo, tenho certeza raciocínio indutivo, já que quem raciocina está pas-
de que existo. Isso é inegável,já que não posso negar mi- sando do específico para 0 geral e não tem certeza
nha existência sem existir para fazer a negação. de todos os dados específicos. Uma indução comple-
Os primeiros princípios também podem ser conhecidos ta seria uma exceção, já que todo dado específico é
165 Chesterton, Gilbert K.
conhecido. Por exemplo: “ Há três, apenas três boli- L. M . R fgis , Epistemology.
■has de gude na minha mão direita” é algo que se J. B. S u l l i v a n , An examination o f first principles in
pode saber com certeza. Apesar de ser possível que a thought and being.
pessoa não tenha visto ou contado corretamente, a pro- T o m a s d e A q u in o , On hermeneutics.
habilidade de estar correta é alta 0 suficiente para a pro- ___ , Suma teológica.
posição ser uma certeza moral (v. in d u t iv o , m é t o d o ). F. D. W il h e l m s e n , Man’s knowledge o f reality.
Alguém pode possuir certeza intelectual de uma
proposição, mas não ter convicção subjetiva ou emo- Chesterton, Gilbert K. Ensaísta e poeta inglês ( 1874-
donal. Esse é 0 caso comum da dúvida. Há medo emo- 1936) inteligente e espirituoso, a quern C. S. Lewis
donal, apesar da comprovação racional. A pessoa pode disse dever muito. Chesterton trocou a escola de arte
ter certeza moral de que Deus existe e mesmo assim pelo jornalismo e, em 1922, a Igreja da Inglaterra pelo
sentir sua ausência. catolicismo romano. Suas obras religiosas incluem
Muitas vezes a convicção subjetiva também funci- H eretics (1905), O rthodoxy (1908), The ev erlastin g
ona na direção oposta. Um sentimento de convicção m an (1925) e A vowals a n d d en ia ls (1934). Sua obra
domina a análise racional de tal forma que move a von- A u tobiog rap h y (1936) fornece uma boa visão do ce-
tade de consentir com pouca ou nenhuma evidência. nário religioso de 1895 a 1936.
C ertez a e e rro . A convicção subjetiva é uma ma- O p in iõ es. Deus. Chesterton defendeu 0 catolicis-
neira em que é possível ter certeza moral e/ou con- mo ortodoxo, e suas obras estão repletas de argu-
Ticção sobre a verdade de algo que é objetivamente mentos apologéticos espirituosos a favor da fé cris-
íàlso. A vontade de crer pode dominar a falta de evi- tã. Em O rthodoxy, declarou que “ nunca houve nada
dència, a ponto de se ter segurança de crença sem tão perigoso ou emocionante quanto a ortodoxia”
sua veracidade. Razões de erros incluem sentidos ou (p. 106).
processos mentais defeituosos, consciência incom-
pleta, a motivação da vontade e a necessidade de agir Qualquer pessoa poderia seguir os modismos religio-
na ausência de evidência convincente. sos, desde 0 gnosticismo até a Ciência Cristã,mas evitá-los
Não se pode estar errado sobre os primeiros prin- tem sido uma grande aventura; e na minha opinião a carru-
cípios ou as proposições auto-evidentes. Uma vez que agem de fogo passa como um trovão pelas eras, deixando as
a mente as entenda, é compelida a concordar com elas. heresias tediosas estateladas e prostradas, e a verdade
Não há liberdade de não concordar com uma verdade indômita, cambaleante.mas por fim ereta (ibid.,p. 107).
auto-evidente. Apesar dessa tendência natural à ver-
dade ser um impulso inconsciente, parece que, ade- Chesterton criticou as cosmovisões não-teístas.
quadamente falando, 0 assentimento à certeza é cons- Chamou 0 ateísmo
ciente. Só pode ter certeza quem entende que a verda-
de é um primeiro princípio ou pode ser reduzida a ele. 0 dogma mais ousado de todos [...] É a afirmação de
Esse nível de análise exige consciência. Apenas quan- uma negativa universal; dizer que não há Deus no uni-
do se entende 0 princípio e a verdade se torna inequi- verso é como dizer que não há insetos em nenhuma das
vocamente clara, 0 assentimento é necessário e a con- estrelas (Five types, p. 59).
vicção é garantida.
C on vicçã o en v o lv e repo uso. Já que a convicção Criticou 0 panteísmo por ser incapaz de inspirar a
envolve 0 assentimento consciente com a certeza da ação moral.
verdade pela qual um ser humano tem um apetite in-
consciente, a posse dessa verdade pelo intelecto é a re- Pois 0 panteísmo implica por sua natureza que uma
compensa da convicção. Na presença de tais verdades, coisa é tão boa quanto a outra; a ação, por seu turno, im-
nada no mundo pode privar 0 intelecto dessa posse. A plica na sua natureza que uma coisa é preferível a outra
recompensa da fome de verdade é a convicção de que (Orthodoxy,p.\43).
desfruta conscientemente quem percebe a certeza e a
necessidade da verdade que veio a possuir. Até 0 paganismo é melhor que 0 panteísmo,
acrescentou.
Fontes O paganismo está livre para imaginar divinda-
A ris r ó i , On hermeneutics.
eles des, enquanto 0 panteísmo é forçado a fingir, de ma-
G . H a b e r m a s , Dealing with doubt. neira pedante, que todas as coisas são igualmente
J. N e u
m an , The gram m ar ot assent. divinas ( C atholic church a n d con version , p. 89).
Chesterton, Gilbert K. 166
Chesterton resumiu a diferença entre 0 cristia- coelhos de um a cartola vazia; um processo que geralmente
nismo e 0 b u d is m o nessa observação perspicaz: envolve algum tipo de desígnio (ibid., p. 172).

0 cristão tem pena dos homens porque estão morrendo, e Chesterton declarou que a sugestão de que a evolu-
0 budista tem pena dos homens porque estão vivendo. O cris- ção produziu a mente humana é
tão lamenta 0 que prejudica a vida de um homem; mas 0 budis- com o dizer um h om em que pergunta quem passou
ta lamenta que esteja vivo (Generally speaking, p. 115-6). com a roda por cim a da sua perna: foi a evolução que 0
fez’. A firm a r 0 processo não é m esm o que a firm a r 0 agen-
No seu vivido testemunho pessoal, Chesterton con- te (Handful ofauthors, p. 97-8).
fessou:
Além disso,
Sempre acreditei que 0 mundo envolvia mágica; agora
pensei que talvez envolvesse um mágico [...] Esse nosso mun- é absurdo 0 evolucionista reclamar que é inimaginável
do tem algum propósito; e se há um propósito, há uma pes- para u m Deus considerado inim aginável fazer tudo do nada
soa. Sempre achei que a vida era uma história; e se há uma (v. c r i a ç ã o , v i s õ e s d a ), e depois fingir que é m ais im aginável 0
história há um contador de histórias (Orthodoxy, p. 61). nada se tornar alguma coisa (Saint Thomas Aquinas, p. 173).
Milagres. Chesterton acreditava que Deus intervém Pecado. Chesterton também afirmou a Queda de
ativamente no mundo. Ele definiu milagre como “0 Adão e 0 pecado original. É ruim 0 bastante estarmos
controle repentino da matéria pela mente” (ibid., p. presos no mundo mau, disse ele, mas temos usado mal
137). A realidade dos milagres foi básica para a defesa 0 mundo bom. 0 mal é 0 uso errado da vontade, e en-
apologética de Chesterton. Insistiu em que os mila- tão as coisas podem ser corrigidas apenas por meio
gres devem ser confirmados pela evidência, assim do uso correto da vontade. “ Todas as outras crenças,
como outros eventos da história. exceto essa, são formas de capitulação ao fatalismo”
( The th ing, p.226). Chesterton descreveu os efeitos da
Minha crença que milagres aconteceram na história hu- queda ao dizer que a doutrina do pecado original é “a
mana não é uma crença mística; acredito neles com base doutrina da igualdade dos homens” . Por enquanto to-
em evidência humana como acredito no descobrimento da dos são insensatos {Heretics, p. 165-6).
América” (ibid., p. 161). A valiação. Chesterton foi um defensor espirituo-
so e inteligente da fé cristã em geral e da fé católica
“ Uma conspiração de fatos” impõe essa aceitação romana especificamente. Ele está entre os grandes
na mente. As testemunhas não eram sonhadores mis- apologistas intelectuais católicos do século xx. Sua
ticos, mas pescadores, fazendeiros e outros que eram abordagem é mais literária que lógica quanto a for-
“ incultos e cautelosos” (ibid., p. 163). Por outro lado, ma, mas é racional e penetrante.
as negações de milagres não se baseiam em evidên-
cias, mas em comprometimento filosófico. “ Só há Fontes
uma razão para uma pessoa inteligente não acredi- G. K. C h e s te r to n , A han d fu l o f authors.
tar em milagres. Ela acredita no materialismo” (St. _____ , A utobiography.

Francis o f Assisi, p. 204). Os crentes aceitam os mila- _____ , Five types.


gres porque têm evidência deles. Os incrédulos os _____ , Generally speaking.
negam porque têm uma doutrina contra eles. _____ , Heretics.
C riação. A criação para Chesterton foi a “ maior _____ , Orthodoxy.
das revoluções” (C h a u cer, p. 27). Ele não parece ter _____ , St. Francis o f Assisi.
negado a possibilidade da criação por meio da evo- _____ , Saint T hom as A quinas.
lução (v. e v o l u ç ã o t e í s t a ) , mas também reconheceu _____ , The catholic church a n d conversion.
as deficiências da evolução como teoria das origens _____ , The thing: why I a m a catholic.
(v. e v o l u ç ã o b i o l ó g ic a ). Mesmo que a teoria fosse ver- C. H o llis , The m in d o f Chesterton.
dadeira, A. L. M a y lo c k , The m an w ho was orthodox.
J. W. M o n tg o m e ry , Myth, allegory an d gospel (cap. 2).
a evolução como explicação, como filosofia absoluta da M . W 'a r d , G ilbert K eith Chesterton.
causa dos seres viventes, ainda enfrenta 0 problema de tirar _____ , Return to Chesterton.
167 ciência e a Bíblia
ciência das origens. V. o rig e n s , c iê n c ia das. A m bos os gru pos estão sujeitos a o erro. Pessoas in-
formadas de ambos os lados, tanto intérpretes bíbli-
d én cia e a B íb lia . O conflito entre a ciência e a Bíblia cos como cientistas, cometem erros. Muitos teólogos
tem sido amargo, principalmente nos últimos 150 já acreditaram que 0 sol girava em torno da terra
anos. A maioria das razões dessa hostilidade está re- (como muitos cientistas acreditavam); alguns acredi-
!acionada ao que a pessoa considera ser a natureza e 0 tavam que a terra era quadrada. Mas estavam errados.
procedimento de cada domínio. Para muitos, 0 supos- Da mesma forma, 0 modelo de um cosmos eterno foi
to conflito é resolvido pela separação completa das descartado dando lugar ao modelo do big-bang. Teo-
duas esferas. Isso às vezes é feito pela limitação do rias evolutivas sobre herança de características adqui-
papel da religião ou da Bíblia a questões de fé e da ridas foram derrubadas (v. e v o l u ç ã o b io l ó g ic a ; e v o l u -
déncia a questões de fatos. Especificamente, alguns c ã o q u í m i c a ).

cristãos envolvidos com a ciência argumentam que a Am bos os grupos estão sujeitos a correção. Outro prin-
Bíblia nos fala sobre “quem e porquê” (Deus), e a ciên- cípio importante é que ambas as áreas estão sujeitas a
d a lida com os “como” . correção uma pela outra. Por exemplo, 0 fato científico
Mas essa separação nítida dos domínios da ciên- refutou a teoria da terra achatada. Logo, qualquer inter-
da e da Bíblia é insatisfatória, já que a Bíblia não se pretação que tome versículos sobre os “quatro cantos
lim ita a questões de “quem e porquê” . Ela freqüen-te- da terra” como descrições literais de geografia está er-
mente faz afirmações de fatos sobre 0 mundo científi- rada. A ciência provou que isso está errado.
co. E a ciência não se limita apenas a questões de Igualmente, cientistas que insistem em que 0 uni-
“como” . Ela também lida com as origens (v. o rig e n s, verso é eterno defendem uma teoria comprovadamente
CIÊNCIA DAS). falsa, tanto pela ciência quanto pelas críticas de cris-
Do ponto de vista cristão, a relação entre a Bíblia e tãos (v. c r ia ç ã o , v isõ e s da; e v o lu ç ã o có sm ic a ; b i g - b a n g ,
a natureza é a relação entre duas revelações de Deus, TEORIA D0 ).

revelação especial e revelação geral (v. r e v e la ç ã o g e r a l Nem todos os conflitos são resolvidos com tanta fa-
A primeira é encontrada na reve-
e r e v e la ç ã o e s p e c ia l). cilidade. Pouquíssimas coisas são provadas com certe-
lação de Deus nas Escrituras (v. B í b l i a , e vid ê n c ia s d a ) e za na ciência. Algumas coisas são apenas prováveis ou
a segunda na sua revelação na natureza. Entre essas altamente prováveis. Por exemplo, 0 fato de a terra girar
duas, quando interpretadas adequadamente, não há em torno do Sol não foi absolutamente provado. Essa
conflitos, já que Deus é 0 Autor de ambas e não pode teoria condiz com os fatos da maneira que são conheci-
contradizer-se. dos e e uma interpretação científica altamente provável
No entanto, como 0 entendimento científico é ape- da natureza que entra em conflito com uma interpreta-
nas 0 entendimento humano falível da natureza e como cão contestável das Escrituras, então devemos supor que
teólogos só têm uma interpretação falível das Escri- a segunda está errada. E vice-versa. Por exemplo, a
turas, é compreensível que haja contradições nessas macroevolução é questionável, e a criação do universo,
áreas. A situação pode ser diagramada da seguinte da primeira vida e de novas formas de vida é altamente
maneira: provável. Logo, a criação deve ser considerada verda-
deira e a macroevolução deve ser rejeitada (v. e v o l u ç ã o ).
: escrituras «—sem conflito—> natureza
A B íblia n ão é um livro de ciências. Um princípio
: teologia «—algum conflito—» ciência que alguns apologistas cristãos superzelosos às vezes
esquecem é que, embora a Bíblia não cometa erros ci-
A teologia bíblica envolve a interpretação humana entííicos (v. B í b l i a , s u p o s t o s e r r o s n‫־‬a ), ela também não
do texto bíblico. Como tal, está sujeita a má interpre- e um livro de ciências. Ela não fala em termos científi-
tação e erro. Da mesma forma, a ciência é 0 conjunto cos, técnicos, nem com precisão. Usa números arre-
de tentativas humanas falíveis de compreender 0 uni- dondados. Emprega linguagem de observação, em lu-
verso. Assim, 0 conflito é inevitável. Por exemplo, amai- gar de linguagem astronômica (v. B í b l i a , s u p o s t o s e r -
oria dos cientistas acredita que 0 universo tem bilhões ros n a ). A Bíblia apenas afirma verdades parciais em

de anos. Alguns teólogos afirmam que ele tem apenas várias áreas da ciência. Ela não ensina geometria, nem
alguns milhares de anos de idade. Certamente, ambos álgebra, nem trigonometria. Xão se pode supor con-
não podem estar certos. flitos sem levar esses fatores em consideração.
Princípios de reconciliação. Antes das áreas de con- .4 ciên cia está em con stan te m u d an ça. 0 conheci-
flitos específicos serem analisadas, várias diretrizes são mento científico muda constantemente. Isso signifi-
úteis para avaliarmos a natureza e 0 procedimento de ca que um apologista de anos atrás que teve sucesso
ambas as disciplinas. em conciliar a Bíblia com alguma teoria da ciência
ciência e a Bíblia 168

poderia estar absolutamente errado, já que não havia eventos que levam ao homem começa repentina e abrupta-
um conflito real para resolver. A conformidade perfei- mente num momento definido no tempo, num clarão de luz
ta também pode estar errada hoje, já que a ciência pode e energia (ibid., p. 14).
mudar amanhã. Dado 0 fato de que a ciência é uma
disciplina experimental e progressiva, jamais atingin- N enhum a m atéria nova é criad a. A Bíblia declarou
do uma conclusão final quanto a qualquer assunto, desde 0 princípio que a criação é completa. Deus des-
cabe a nós não pressupor que haja erros científicos na cansou do seu trabalho (Gn 2.2) e ainda descansa (Hb
Bíblia a não ser que: 4.4s.). Em resumo, nenhuma matéria nova (energia)
está sendo criada. É exatamente isso que a primeira
1. algo seja inquestionavelmente reconhecido lei da Termodinâmica declara, ou seja, que a quanti-
como um fato científico; e dade de energia real no universo permanece constan-
2. entre em conflito com uma interpretação das te (v. TERMODINÂMICA, LEIS Da ).
Escrituras que seja inquestionável. O universo está se desgastando. De acordo com a
segunda lei da t e r m o d in â m i c a , o universo está desgas-
Por exemplo, é inquestionável que a Bíblia ensina tando sua energia utilizável. Está literalmente enve-
que um Deus teísta existe (v. t e ís m o ). Logo, seria ne- lhecendo. É exatamente isso que 0 salmista disse:
cessário provar que é um fato científico inquestionável
que Deus não existe para mostrar um conflito real. É No princípio firmaste os fundamentos da terra, e os céus
improvável que conflitos reais entre a ciência e Bíblia são obras das tuas mãos. Eles fornecerão, mas tu permane-
jamais venham a ser demonstrados. Alguns conflitos cerás; envelhecerão como vestimentas. Como roupas tu os
aparentes merecem atenção, bem como algumas teo- trocarás e serão jogados fora. Mas tu permaneces 0 mesmo,
rias prováveis e até altamente prováveis da ciência e os teus dias formais terão fim (SI 102.25-27).
moderna que encontram paralelos impressionantes na
Bíblia. Examinaremos estas primeiro. Gênesis declara que a vida apareceu primeiro no
A Bíblia e a ciência convergem. Como nem toda infor- mar (Gn 1.21), e só depois na terra (1.26,27). Isso está
mação científica era conhecida nos tempos bíblicos, a Bí- de acordo com a teoria de que a vida multicelular pu-
blia fala com credibilidade científica considerável, uma lulava nas águas cambrianas antes de se multiplicar
evidência da sua natureza sobrenatural. na terra.
Origens. O universo teve um princípio. O primeiro
A v id a se rep ro d u z c o n fo r m e su a es p éc ie . Em
versículo da Bíblia proclama que “No princípio criou
Gênesis 1.24 Deus disse: “ Produza a terra seres vivos
Deus os céus e a terra” . Era comum em teorias antigas
de acordo com as suas espécies: rebanhos domésticos,
considerar 0 universo eterno, mas a Bíblia ensinava
animais selvagens e os demais seres vivos da terra,
que ele tinha um princípio. É exatamente isso que a
cada um de acordo com a sua espécie” . Segundo 0
maioria dos cientistas acredita agora por aceitar a te-
paleontólogo agnóstico Stephen Jay Gould:
oria do b ig -b a n g . O astrofísico agnóstico Robert
Jastrow escreveu que
A maioria das espécies não demonstra mudança
direcional durante sua vida na terra. Aparecem no registro
três linhas de evidência — os movimentos das galáxias, as
fóssil com a mesma aparência que quando desapareceram;
leis da termodinâmica e a história de vida das estrelas — leva-
mudança morfológica geralmente é limitada enão-direcional
vamaumaconclusão:tudo indicavaque0 Universoteveumprin-
(Gould, Evolution’s erratic pace [O ritmo incerto da evolução],
cípío (God and the astronomers [Deus e os astrônomos] ,p. 111).
p. 13,14).
Ordem dos eventos. Gênesis 1também indica uma
criação progressiva: universo, seguido da terra sem for- Nesse registro fóssil, como em Gênesis, os seres
ma, seguida pelo que deu forma à terra. Esse é um con- humanos foram os últimos a aparecer.
ceito muito mais sofisticado cientificamente do que a Os seres h u m an os feitos d o p ó d a terra. Ao contrá-
antiga história comum da criação. A Bíblia afirma que rio de antigos mitos ou do A lcorão, que afirma que os
Deus disse no princípio: “ Haja luz; e houve luz” (Gn seres humanos foram feitos de um “coágulo” de san-
1.3). Jastrow escreveu sobre a semelhança dessa afir- gue (v. surata 23.14), a Bíblia afirma que “Então 0 Se-
mação com a ciência moderna: n h o r Deus formou 0 homem do pó da terra e soprou

em suas narinas 0 fôlego de vida, e 0 homem se tor-


Os detalhes diferem, mas os elementos essenciais nos nou um ser vivente” (Gn 2.7). Além disso, acrescenta:
registros astronômico e bíblico são os mesmos: a série de “Com 0 suor do seu rosto você comerá 0 seu pão, até
169 ciência e a Bíblia
que volte à terra, visto que dela foi tirado; porque você Mas f o i demonstrado no artigo G ê n e s i s , d i a s d e , que
cpó, e ao pó voltará” (Gn 3.19). Segundo a ciência, os a palavra hebraica para “dia” pode significar era e
dementos constituintes do corpo humano são os mes- que, se se tratassem de “dias solares” , não precisa-
mos que os elementos encontrados na terra. vam ser períodos sucessivos de 24 horas. Além dis-
C iência terrestre. A águ a retorna à sua fonte. As Es- so, os métodos científicos de datação são baseados
crituras afirmam: “ Todos os rios vão para 0 mar, con- em duas pressuposições improváveis: 1) que as con-
tudo, 0 mar nunca se enche; ainda que sempre corram dições originais eram puras e incontaminadas; e 2)
para lá, para lá voltam a correr” (Ec 1.7; cf. Jó 37.16). que a taxa ou ritmo das mudanças não variou desde
Apesar de 0 autor provavelmente não estar ciente do as condições originais.
processo exato de evaporação, condensação e precipi- Gênesis 1.2. Gênesis 1.2 foi chamado “monumento
tação, sua descrição está em perfeita harmonia com de inexatidões do ponto de vista científico” (Bucaille, p.
esses processos. 40). Bucaille cita 0 fato de que Gênesis 1.2 menciona
A Terra é redonda. Isaías falou de Deus que “assen- água no estágio inicial da história da terra, mas ele in-
tado no seu trono acima da cúpula da terra” (40.22). siste em que “colocar-se água aí é um erro” (Bucaille).
Essa é uma descrição surpreendentemente precisa para Essa é uma acusação estranha, pois 0 próprio
nm profeta do século xvm a.C. E Salomão havia apre- Bucaille admite que “no estágio inicial da formação do
sentado a mesma verdade no século x a.C. (Pv 8.27). universo existia uma massa gasosa” (ibid.). Mas a pró-
A. Terra está suspensa no espaço. Numa era em que pria água tem um estado gasoso conhecido por vapor.
era comum acreditar que 0 céu era um domo sólido, a Além disso, teorias científicas mudam. As teorias de hoje
Bíblia fala precisamente de Deus estendendo os céus geralmente são descartadas amanhã. Assim, mesmo se
houvesse alguma teoria hoje que afirmasse que não
do norte sobre 0 espaço vazio e suspendendo a terra
havia água nos estágios iniciais do universo, ela conti-
sobre 0 nada (Jó 26.7).
nua sendo altamente teórica. E mais, havia água nos
A Bíblia não é apenas compatível com as desco-
primeiros estágios da história da terra, pelo menos na
bertas científicas verdadeiras, mas antecipou muitas
forma de vapor. É por isso que a vida que conhecemos é
delas. O conhecimento científico é compatível com as
possível na Terra, mas não em outros planetas do nosso
verdades das Escrituras.
sistema solar. Portanto, na sua pressa de encontrar er-
Outras d escob ertas cien tíficas. Muitas outras coi-
ros na Bíblia, Bucaille cometeu um.
sas descobertas pela ciência foram afirmadas na Bí-
Gênesis 1.3-5. Com relação a Gênesis 1.3-5,0 críti-
blia centenas e até milhares de anos antes. Elas in-
co muçulmano Bucaille afirma: “Mas é ilógico citar-
duem 0 fato de que: 1) 0 mar tem sendas e veredas
mos 0 efeito produzido (a luz) no primeiro dia, situ-
(2Sm22.16; SI 8.8; Pv 8.28); 2) 0 mar tem limites (Pv
ando a criação do meio de produção (as luzes) três
8.29); 3) a vida está no sangue (Lv 17.11); 4) a doen-
dias mais tarde” (ibid., p. 47).
ça pode ser espalhada pelo contato físico (Lv 13).
Mas 0 sol não é a única fonte de luz no universo.
Supostos conflitos. Gênesis 1 e 2. O exemplo de
Além disso, não é necessário interpretar que 0 texto
conflito entre a ciência e a Bíblia citado com mais
está falando que 0 Sol foi criado no quarto dia. Pode
freqüência é com relação à doutrina da criação. Há 0
ser que Deus apenas 0 tenha feito a p a recer no quarto
conflito sobre a origem do universo (v. o rig e n s , ciên-
dia, depois que a névoa de água se dissipou, tornando
o a d a s ), 0 conflito relativo à origem da primeira vida
sua silhueta visível. (A palavra hebraica para fe z , .«A,
e 0 conflito relativo à origem humana. Um ataque ocorre cerca de 1 200 vezes no a i . Tem uma grande
violento contra a Bíblia do ponto de vista científico é variedade de significados, inclusive: fazer, criar, mos-
encontrado no livro A B íblia, 0 A lcorão e a ciên cia, trar, aparecer, revelar e fazer aparecer.) Antes disso sua
do autor muçulmano λΙ8ι1Γκε Bucaille. Alguns dos luz estava brilhando, como num dia enevoado, sem que
seguintes exemplos específicos de suposto conflito observadores da terra pudessem ver a silhueta do sol.
são catalogados por Bucaille. Uma resposta cristã de Gênesis 1.14-19. Muitos concordariam com Bucaille
peso a essa obra apareceu em William Campbell, The que “Colocar a criação do Sol e da Lua depois da cria-
Qur’an a n d the B ible in the light o f history a n d scien ce ção da Terra é absolutamente contrário à noções mais
[O A lcorão e a B íb lia à luz d a h istória e d a ciên cia}. solidamente estabelecidas sobre a formação dos ele-
D ias d e G ênesis. Os críticos argumentam que, mentos do Sistema solar” (Bucaille, p. 47).
como os “dias” de Gênesis são obviamente de 24 ho- Mais uma vez, há dois problemas. Um é supor que
ras de duração, a Bíblia está em conflito com a até mesmo as idéias científicas mais dominantes de-
datação da ciência moderna que provou que a ori- vem ser consideradas fato absoluto. Na realidade, é
gem do mundo e da vida levou muito mais tempo. estranho que muçulmanos usem esse argumento, já
ciência e a Bíblia 170
que eles também apontam 0 erro de teólogos que acre- criaturas aladas apareceram depois dos répteis. Alguns
ditavam que a teoria científica quase universalmente fósseis de animais marinhos alados foram encontra-
dominante de um universo geocêntrico (que tem a ter- dos em estratos mais antigos que geralmente são de-
ra como centro) era um fato científico. Semelhante- signados para a origem dos répteis. De qualquer for-
mente, idéias científicas dominantes sobre a origem ma, não há contradição, exceto entre teorias da ciên-
do sol e da lua p o d er ia m estar erradas. cia e algumas más interpretações de Gênesis.
Porém, como já vimos nos comentários sobre Gênesis 2.1-3. Ao comentar 0 ensinamento bíblico
Gênesis 1.3-5, não é necessário acreditar que 0 Sol e a de que Deus criou em seis dias (Gn. 2.1-3), Bucaille ale-
Lua foram criados no quarto dia. Antes, por alguma ga que “Sabe-se perfeitamente, em nossos dias, que a
razão (talvez 0 vapor original tenha-se dissipado), sua formação do universo e da terra [...] foi afetuada eta-
forma pode ter-se tornado visível da face da terra ape- pas, estendendo-se em períodos de tempos extrema-
nas no quarto dia. mente longos!” . Isso foi demonstrado acima como sen-
Gênesis 1.19-23. Os críticos encontram duas coi- do infundado no artigo G ê n e s is , d ia s d e .
sas inaceitáveis em Gn. 1.19-23: “0 fato de continentes Gênesis 2.4-25. Bucaille adota a teoria ultrapassada
emergirem no período da história da terra em que ela de que Gênesis 2 contradiz 0 registro dado em Gênesis
ainda estava coberta de água” e “que um reino vegetal 1. A alegação aqui é que Gênesis 1 declara que os ani-
organizado com reprodução por sementes pudesse ter mais foram criados antes dos seres humanos, e Gênesis
aparecido antes da existência do sol” . 2.19 parece inverter essa ordem, dizendo: “Depois que
A primeira questão é infundada, e a segunda foi formou da terra todos os animais do campo [...] 0 Se-
respondida na seção de Gênesis 1.3-5. Quem acha acei- n h o r Deus os trouxe ao homem para ver como este lhes
tável que Deus tenha criado plantas que produziam chamaria” , sugerindo que Adão fora criado antes deles
sementes no início da história da terra? Evolucionistas (v. A d ã o , h is t o r ic id a d e d e ; !a r d im do É d e n ) .
não-teístas que rejeitam Deus e sua obra especial de
A solução para esse problema, no entanto, torna-se
criação podem ter dificuldades. Isso não deveria ser
evidente quando examinamos os dois textos com cuida-
inaceitável para um muçulmano, como Bucaille, que
do. As diferenças surgem do fato de Gênesis 1 dar a or-
afirma acreditar no A lcorão. 0 A lcorão afirma que Deus
dem dos eventos; Gênesis 2 dá 0 conteúdo sobre eles.
criou 0 mundo e tudo que nele há em alguns dias.
Gênesis 2 não contradiz 0 capítulo 1, já que não afirma
A contradição aqui é entre a Bíblia e a hipótese cientí-
exatamente quando Deus criou os animais. Apenas diz
fica dominante (v. Denton; Johnson; Geisler, cap. 5-7).
que ele trouxe os animais (que havia criado anteriormen-
Gênesis 1.20-30. Bucaille insiste em que essa pas-
te) a Adão para que ele os nomeasse. A ênfase no capítulo
sagem contém afirmações inaceitáveis de que 0 reino
animal começou com criaturas do mar e aves. Mas as
2 é na concessão de nomes aos animais, não na sua cria-
ção.Logo, Gênesis 2.19,enfatizando a classificação (não a
aves só aparecem depois dos répteis e outros animais
criação) dos animais, apenas diz: “Depois que formou da
terrestres (ibid., p. 48-9).
terra [previamente] todos os animais do campo [...] 0
Na verdade a Bíblia não diz que Deus criou aves com
Senhor Deus os trouxe ao homem para ver como este lhes
penas antes dos répteis. Ela se refere a criaturas com
chamaria” .
asas (Gn 1.21). Isso geralmente é traduzido por “aves”
Gênesis 1 fornece 0 resumo dos eventos, e 0 capí-
(i.e., animais voadores), mas jamais “criaturas com p e-
tulo 2 dá os detalhes. Juntos, os dois capítulos dão um
nas‫״‬. E, segundo a ciência, criaturas com asas existiam
retrato harmonioso e mais completo dos eventos da
antes das aves com penas. Sua menção juntamente com
“grandes animais marinhos” é uma indicação de que a criação. As diferenças, então, podem ser resumidas da
referência é a dinossauros com asas. Aqui Bucaille su- seguinte maneira:
põe um cenário evolutivo. Mas a evolução é uma hipó- Com isso em mente, os dois textos são perfeita-
tese infundada. Oferecer como prova científica que “vá- mente complementares.
rias características biológicas comuns às duas espécies
Gênesis 1 Gênesis 2
tornam essa dedução possível” é fazer uma dedução
Ordem cronológica Ordem tópica
errada. Pois características comuns não provam ascen-
Resumo Detalhes
déncia comum; podem indicar um Criador comum.
Criação Nomeação
Afinal, há uma semelhança progressiva em automóveis
dos animais dos animais
desde os primeiros até os atuais. Mas ninguém acredita
que um evoluiu do outro por processos naturais.
Finalmente, alguns cientistas contemporâneos es- Gênesis 2, 3. Muitos críticos da Bíblia alegam que
tão questionando a antiga suposição de que todas as não há evidência científica de que 0 jardim do Éden
171 ciência e a Bíblia
*nha existido como a Bíblia afirma. Mas, além de ba- longevidade diminuiu para 70 ou 80 anos para a maio-
scar-se no silêncio, que é uma forma do erro do argu- ria, apesar de Moisés ter vivido 120 anos (Dt 34.7).
mento da ignorância, esse argumento não é verdadei- Terceiro, alguns sugeriram que esses “anos” são, na
» .H á ampla evidência histórica e geográfica da exis- verdade, apenas meses, 0 que reduziria 900 anos à expec-
tcncia de um jardim do Éden literal. tativa de vida normal de 80 anos. Mas isso é inaceitável.
Gênesis 4. O problema aqui é que a Bíblia diz que Não há precedente no at hebraico para interpretar a pala-
Caim se casou quando aparentemente não havia nin- vra ano como “mês” . E Maalaleel teve filhos quando ti-
goém com quem se casar. Caim e Abel eram os pri- nha“apenas” 65 anos (Gn 5.15),e Cainã teve filhos aos 70
meiros filhos de Adão: não havia mulheres para casar anos (Gn 5.12); isso significaria que tinham menos de
com Caim. Só havia Adão, Eva (Gn 4.1) e seu irmão seis anos — 0 que não é biologicamente possível.
morto Abel (4.8). Mas a Bíblia diz que Caim casou-se Quarto, outros sugerem que esses nomes represen-
eteve filhos. tam linhagens ou clãs que duraram gerações antes de
Embora esse seja 0 problema favorito dos críticos sumirem. Isso, porém, não faz sentido. Para começar,
da Bíblia, a solução é bem simples. Caim casou-se com alguns desses nomes (e.g., Adão, Sete, Enoque, Noé)
sna irmã (ou talvez uma sobrinha). A Bíblia diz que são definitivamente indivíduos cujas vidas são narra-
Adão “teve filhos ef i l h a s ’ (Gn 5.4). Na verdade, como das no texto (Gênesis 1— 9).Além disso,linhagens não
Adão viveu 930anos(Gn5.5), teve bastante tempo para “geram” linhagens com nomes diferentes. E linhagens
gerar muitos filhos. Caim poderia ter-se casado com não “morrem” , indivíduos morrem (cf. 5.5,8,11). Ade-
inna das suas várias irmãs, ou até mesmo com uma mais, a referência a ter “filhos e filhas” (5.4) não con-
sobrinha, caso tenha-se casado depois que seus irmãos diz com a teoria de clãs.
ou irmãs tinham filhas já crescidas. Quinto, parece melhor aceitar os anos (apesar de
Quanto ao problema secundário do incesto proibi- serem anos lunares de 12 x 30 = 360 dias).
do e geneticamente perigoso (Lv 18.6) se Caim se ca- Nem só a Bíblia fala de expectativa de vida de cen-
sasse com sua irmã, a solução também não é difícil. tenas de anos entre os antigos. Também há registros
Antes de mais nada, não havia imperfeições genéticas gregos e egípcios de seres humanos que viveram cen-
no início da raça humana. Deus criou Adão genetica- tenas de anos.
mente perfeito (Gn 1.27). Defeitos genéticos resultaram Um problema relacionado a isso é que em Gênesis
da Queda e só ocorreram gradualmente durante longos (6.3) Deus decidiu logo antes do Dilúvio limitar a ex-
períodos de tempo. Além disso, não havia mandamen- pectativa de vida do homem a 120 anos. Em Gênesis
to na época de Caim de não se casar com um parente 11.10-32, no entanto, os dez descendentes de Noé vi-
próximo. Esse mandamento (Lv 18) veio milhares de veram de 148 a 600 anos.
anos depois, na época de Moisés (c. 1500 a.C.). Final- Mesmo supondo que 6.3 refere-se ao tempo de vida
mente, como a raça humana começou com um único dos descendentes de Noé, ele não diz que essa limita-
par (Adão e Eva), Caim não tinha outra pessoa para ca- ção ocorreria im ediatam en te. Pode referir-se apenas
sar exceto uma parente próxima (irmã ou sobrinha). ao eventual tempo de vida dos pós-diluvianos. Na ver-
Gênesis 5. O problema da longevidade das pesso- dade, Moisés, que escreveu essas palavras, viveu exa-
as antes do Dilúvio é óbvio: Adão viveu 930 anos (Gn tamente 120 anos (Dt 34.7).
5.5); Matusalém viveu 969 anos (Gn 5.27), e a expec- Além disso, não há necessidade de interpretar
tativa de vida média de uma pessoa normal era de essa passagem como referência à expectativa de
mais de 900 anos. Mas até a Bíblia reconhece 0 que 0 vida de indivíduos depois do Dilúvio. Provavelmen-
fato científico demonstra, ou seja, que a maioria das te refere-se ao tempo de vida que a humanidade ain-
pessoas vive apenas 70 ou 80 anos antes da morte da teria antes de Deus mandar seu julgamento fa-
natural (SI 90.10). tal. Isso condiz melhor com 0 contexto imediato, que
É fato que as pessoas não vivem tanto tempo atual- fala de por quanto tempo Deus exortaria a huma-
mente. Mas essa é apenas uma afirmação descritiva, não nidade a se arrepender antes de enviar o Dilúvio.
prescritiva. Nenhum cientista demonstrou que é impos- Gênesis 5, 11. Os críticos afirmam que a Bíblia co-
sível alguém viver tanto tempo. Xa verdade,biologicamen- mete um erro científico quando data a humanidade de
te não há razão para os seres humanos não viverem cen- 4000 a.C. aproximadamente. Na verdade, há intervalos
tenas de anos. Os cientistas ficam mais perplexos com 0 nas genealogias bíblicas. Logo, é impossível obter um
envelhecimento que com a 10nge\‫׳‬idade. total de anos de Adão até Abraão. A Bíblia tem
Segundo, a referência em Salmos 90 é da época de gen ealogias precisas nas quais há intervalos evidentes
Moisés (por volta de 1400 a.C.) em diante, quando a (v . GENEALOGIAS ABERTAS OU FECHADAS).
ciência e a Bíblia 172

Gênesis 6-9. A história do Dilúvio foi acusada de afirma: “ No fim da madrugada, do alto da coluna de
improbabilidades científicas, inclusive 0 fato de não fogo e de nuvem, 0 Sen h o r viu 0 exército dos egípcios e
haver evidência geológica e 0 argumento de que seria 0 pôs em confusão” . Finalmente, de acordo com 0
impossível colocar todas as espécies de animais do versículo 26, Deus disse a Moisés: “Estenda a mão sobre
mundo num barco tão pequeno. Mas foi demonstrado 0 mar para que as águas coltem sobre os egípcios” .Mas
(v. d il ú v io d f . Noé) que h á evidência do Dilúvio e que a não há referência da hora dessa ordem, e não é necessá-
arca era enorme, suficiente para abrigar os tipos de rio concluir Israel havia completado sua travessia na-
animais que não poderiam sobreviver ao Dilúvio. quela mesma manhã.
Gênesis 30. Segundo Gênesis 30, Jacó parecia acei- Uma travessia de 24 horas não é tão impossível
tar a posição não-científica da sua época de que a in- quanto parece. A passagem não afirma que 0 povo
fluência pré-natal sobre a mãe afeta as características atravessou em fila indiana, nem que atravessaram
físicas da prole, pois obteve cordeiros malhados e sal- numa extensão de terra da largura de uma via expres-
picados depois de colocar varas riscadas diante das sa moderna. Na verdade, é bem mais provável que Deus
cabras que concebiam (Gn 30.37). tenha preparado uma extensão de vários quilômetros
Apesar de os cordeiros malhados não terem nas- de largura. Isso certamente condiz com a situação, já
cido por causa do plano de Jacó com as varas, há uma que 0 acampamento de Israel às margens do mar Ver-
base científica para seus resultados: melho provavelmente se estendia por 5 ou 6 km ao lon-
go da costa. Quando chegou a hora de 0 povo através-
Para 0 observador casual eram de cor sólida, pois todos sar em terra seca, provavelmente se moveu como um
bodes malhados foram removidos; mas seus fatores ou genes
grande tropel, como um grande exército avançando
hereditários de cor eram mistos, a condição que 0 geneticista
sobre linhas inimigas. 0 mar Vermelho tem uma ex-
tensão de aproximadamente 2 320 km e 290 km de
chama de heterozigótica.
largura em média. Se essa grande multidão através-
sou da maneira descrita, para atravessar uma distân-
[Pois] testes de procriação demonstraram que manchas
cia de 290 km num período de 24 horas eles teriam de
são recessivas em bodes, tornando possível para um bode
se deslocar a uma velocidade de cerca de 13 km por
ter manchas que podem ser transmitidas, apesar de não se-
hora. Essa teria sido uma velocidade razoável e tempo
rem visíveis ( a s a , p. 71).
suficiente para atravessar 0 mar longo e estreito.
Levítico 11. Nos versículos 5 e 6, dois animais, 0 co-
Deus abençoou Jacó, apesar do seu plano de con-
elho e a lebre, são considerados impuros por Levítico
seguir 0 rebanho do seu tio desonesto. O Senhor re-
porque, apesar de remoerem ou ruminarem, não têm 0
velou a Jacó num sonho a verdadeira razão de os ca-
casco fendido. Aías a ciência moderna descobriu que
britos nascerem daquela maneira: “ Então ele disse:
esses dois animais não ruminam. Logo, a Bíblia parece
Olhe e veja que todos os machos que fecundam 0
ter cometido um erro nesse caso.
rebanho são têm linhas, são salpicados e malhados,
É injusto impor 0 conhecimento científico moder-
porque tenho visto tudo 0 Labão lhe fez’” (Gn 31.12, no à palavra “ remoer” . Os coelhos não ruminam no
grifo do autor). sentido técnico, eles fazem uma ação de mastigação
Ê xodo 14. Segundo esse registro da travessia do
chamada“ refecção” , que parece 0 mesmo para um ob-
mar Vermelho, 0 grupo maciço de fugitivos israelitas servador. Isso é conhecido por “ linguagem de obser-
não teve mais que 24 horas para atravessar a parte vação” , e a usamos 0 tempo todo, principalmente
do mar Vermelho que Deus havia preparado. Mas, se- quando estamos falando com pessoas que não enten-
gundo os números dados, havia aproximadamente dem os aspectos técnicos de um assunto. Por exemplo,
dois milhões de pessoas (v. Nm 1.45,46). Mas, para usamos linguagem de observação para falar sobre a
uma multidão desse tamanho, um período de 24 ho- aurora e 0 pôr-do-sol. A descrição não é tecnicamente
ras não era tempo suficiente para fazer tal travessia. correta pelos padrões científicos modernos, mas é útil
É preciso lembrar que, apesar de a passagem dar para 0 nível de conhecimento da pessoa pré-científica
idéia de que 0 tempo que a nação de Israel teve para comum. A frase bíblica deve ser considerada uma ob-
atravessar 0 mar foi curto, essa não é uma conclusão servação ampla e prática que inclui a definição técni-
necessária. O texto afirma que Deus mandou um ven- ca moderna de remoer ou rum inar, assim como ou-
to oriental que abriu as águas “toda aquela noite” (Ex tros animais, inclusive coelhos, que parecem ruminar.
14.21). O versículo 22 parece indicar que foi na ma- Eles são incluídos na lista de animais que ruminam
nhã seguinte que a multidão de israelitas começou sua para que a pessoa comum pudesse fazer a distinção
jornada através do leito do mar. Depois 0 versículo 24 na observação cotidiana.
173 ciência e a Bíblia

Esse é um bom exemplo do porquê afirmarmos que “falsa gravidez” em que seus ventres e seios aumenta-
a Bíblia não tem erros tactuais, mas não é um livro cien- ram sem realmente terem um bebê crescendo no úte-
tífico no sentido moderno. Essas distinções feitas em ro. Algumas pessoas já sofreram cegueira por causas
Levítico eram práticas, não científicas. Deviam ajudar as psicológicas. Experiências com placebos (pílulas de
pessoas a selecionar a comida. Os animais que ruminam, açúcar) indicam que muitas pessoas com doenças ter-
ou ruminantes, são os que regurgitam a comida a fim de minais sentem 0 mesmo alívio que com morfina. En-
mastigá-la novamente. Os ruminantes são normalmente tão, é um fato científico que a mente pode ter um gran-
considerados comida “ limpa” , ou aceitável para os de efeito sobre os processos físicos.
israelitas. Nem a lebre nem 0 coelho são ruminantes e 0 texto diz que a mulher era “obrigada a jurar” pe-
tecnicamente não ruminam. Mas ambos movem suas rante Deus sob ameaça de‘ maldição” (v. 21). Se fosse
mandíbulas de tal forma que parecem estar ruminando. culpada, a água amarga teria funcionado como detetor
Até 0 cientista sueco Lineu os classificou originariamen- de mentira psicossomático. Uma mulher que realmen-
te como ruminantes. te acreditasse que seria amaldiçoada e soubesse que
Refecção é 0 processo em que matéria vegetal indi- era culpada seria afetada. Mas aquelas que sabiam que
gerível absorve certas bactérias e é eliminada como eram inocentes não seriam.
fezes e depois comida novamente. Esse processo ca- Finalmente, 0 texto não diz que alguém realmente
pacita 0 coelho a digerir melhor. O processo é seme- bebeu a água e ficou com o ventre inchado. Simplesmen-
lhante à ruminação. te diz “se” (cf. v. 14,28) beber, esse será 0 resultado. Sem
Levítico 13. Levítico 13 descreve“ lepra” como uma dúvida só acreditar que isso aconteceria e que ela seria
doença infecciosa que pode contaminar roupas. Mas considerada culpada convenceria a mulher que soubesse
lepra é uma doença causada por bactérias e não afeta que era culpada de nâo se sujeitar ao processo.
objetos inanimados como roupas. Josu é 6. Josué 6 registra a conquista e destruição da
Todavia, teólogos têm observado que essa é ape- cidade de Jericó. Se esse registro fosse preciso, aparente-
nas uma questão de uso da palavra, que tem mudado mente as escavações arqueológicas modernas teriam en-
com 0 tempo. Atualmente a lepra é conhecida por contrado evidência desse evento monumental. No entan-
hanseníase. Esse não é 0 mesmo tipo de infecção que to, nenhuma evidência da época de Josué foi descoberta.
é descrita como “ lepra” no at. A doença bacteriana ago- Durante muitos anos a teoria predominante dos
ra identificada como lepra não produz os sintomas des- críticos era que não havia nenhuma cidade de Jericó
critos em várias passagens do at. O termo hebraico na época em que Josué supostamente entrou em Canaã.
tsarat, traduzido “lepra” , é um termo mais geral para Apesar de investigações anteriores da reconhecida ar-
qualquer doença grave de pele ou sinal de infecção ou queóloga britânica Kathleen Kenyon terem confirma-
impureza na superfície de objetos inanimados. A im- do a existência da antiga Jericó e sua destruição re-
pureza de roupas ou paredes em Levítico 14.33-57 pro- pentina, suas descobertas a levaram a concluir que a
vavelmente era um tipo de fungo ou mofo. Roupas cidade só teria existido até no máximo 1550 a.C. apro-
infectadas deviam ser queimadas (Lv 13.52). Casas de- ximadamente. Essa data é muito antiga para Josué e
veriam ser purificadas. Se a infecção não pudesse ser os filhos de Israel fazerem parte da sua destruição.
erradicada, as casas seriam demolidas e as ruínas, tira- No entanto, a recente revisão dessas descobertas
das da cidade (Lv 14.45). anteriores e uma investigação das evidências atuais in-
N úm eros 5. Aqui Moisés supostamente ordenou a dica que não só havia uma cidade que corresponde à
prática de uma superstição que não tem base na ciên- cronologia bíblica, mas que seus restos coincidem com
cia. A esposa acusada de adultério era culpada se, de- 0 registro bíblico da destruição da sua fortaleza mura-
pois de beber água amarga, seu ventre inchasse. Mas da. Num artigo publicado em Biblical Archeology Review
as esposas inocentes e culpadas bebiam a mesma água (março/abril de 1990), Bryant G. Wood, professor con-
amarga, 0 que demonstra que não havia base química vidado pelo departamento de Estudos do Oriente Mé-
ou biológica para 0 inchaço ou ausência dele. dio na Universidade de Toronto, apresentou evidências
Em resposta, várias coisas são importantes. Pri- de que 0 registro bíblico é preciso. Sua investigação de-
meira, 0 texto não diz que a diterença da condição da talhada forneceu as seguintes conclusões:
mulher culpada tinha uma causa qu ím ica ou física. Na Primeira, a cidade que existiu nesse local era for-
verdade, indica que a causa era espiritual e psicológi- temente fortif1cada,correspondendo ao registro bíblico
ca. “Culpa” não é uma causa física. A razão do ventre em Josué 2.5,7,15; 6.5,20.
de uma mulher culpada inchar pode facilmente ser Segunda, as ruínas dão evidência de que a cidade
explicada pelo que se sabe cientificamente sobre con- foi atacada depois da colheita na primavera, correspon-
dições psicossomáticas. Muitas mulheres iá tiveram dendo a Josué 2.6; 3.15; 5.10.
ciência e a Bíblia 174

Terceira, os habitantes não tiveram a oportunida- 0 versículo 13, que afirma: “O sol parou no meio do
de de fugir com seus alimentos do exército invasor, céu e por quase um dia não se pôs” .
como relatado em Josué 6.1 . Além disso, mesmo se a terra reduzisse sua velo-
Quarta, 0 sítio foi curto, não permitindo que os cidade de rotação, não é necessário concluir que a ro-
habitantes consumissem a comida que foi estocada na tação da terra parou completamente. O versículo afir-
cidade, como Josué 6.15 indica. ma que 0 sol “por quase um dia inteiro não se pôs” .
Quinta, as muralhas foram derrubadas de forma Isso poderia indicar que a rotação da terra não foi com-
que houvesse acesso à cidade para os invasores, como pletamente detida, mas que foi retardada de tal forma
Josué 6.20 registra. que 0 sol não se pôs por quase um dia inteiro. Ou é
Sexta, a cidade não foi saqueada pelos invasores, possível que Deus tenha feito a luz do sol se refletir
segundo as instruções de Deus em Josué 6.17,18. por meio de um “espelho” cósmico para que pudesse
Sétima, a cidade foi queimada depois de as mura- ser visto por um dia a mais. Se a rotação da terra pa-
lhas serem destruídas, tal como Josué 6.24 diz. rou completamente, devemos lembrar que Deus é ca-
Apesar de algumas pessoas não aceitarem que es- paz não só de parar a rotação da terra por um dia, mas
ses fatos estejam relacionados à época correta, há evi- também impedir qualquer efeito catastrófico possível
dência de que estão (v. Wood). De qualquer forma, a que poderia resultar da interrupção da rotação da ter-
possibilidade de que realmente esses sejam os restos ra. Apesar de não sabermos exatamente como Deus
da Jericó de Josué não foi descartada. Logo, nenhuma realizou esse evento milagroso, isso não quer dizer que
refutação científica da história bíblica de Jericó foi feita. não possamos saber que ele aconteceu.
Além disso, mesmo se não houvesse evidência presente A frase “parou” não e científica, assim como as ex-
ou remanescente, isso não prova que a história não pressões “nascer do sol" e “pòr-do-sol” usadas por ci-
aconteceu. É possível que a evidência tivesse sido entistas (meteorologistas) todos os dias quando dão a
destruída ou estivesse em outro local. O argumento previsão do tempo. Trata-se simplesmente de uma afir-
de que “não existe evidência, portanto, não aconteceu” mação referente à observação do ponto de vista de uma
pessoa na face da terra que é, afinal, onde estamos. Em
é, na melhor das hipóteses, tênue. Envolve 0 erro do
resumo, não há prova científica de que Josué não teve
argumento da ignorância.
um dia extra de luz para terminar sua batalha.
Josué 10. Durante a batalha com os reis da terra de
IR eis 7.23. Alguns críticos alegaram um erro cien-
Canaã, Deus deu a Israel 0 poder de vencer seus inimi-
tífico nas Escrituras, pois, seguindo IReis 7.23, Hirão
gos. À medida que exércitos do povo da terra fugiam de
construiu um “ tanque de metal fundido, redondo,
Israel, Josué buscou 0 Senhor para deter 0 sol de modo
medindo quatro metros e meio de diâmetro e dois
que tivessem luz suficiente para completar a destruição
metros e vinte e cinco centímetros de altura” .Com base
dos seus inimigos. Mas os críticos insistem em que há
nesse relato, aprendemos que a razão entre a circunfe-
pelo menos dois erros científicos aqui. Primeiro, Josué
rência e 0 diâmetro é de très para um. Mas esse é um
está afirmando equivocadamente uma visão geo-
valor impreciso de pi, que é, na verdade, 3,14158...
cêntrica (tendo a terra como centro) do sistema solar.
Os apologistas ofereceram duas soluções possíveis
Segundo, mesmo levando em conta que isso ocorreu
para esse problema. Harold Lindsell escreve que 1Reis
porque a terra parou de girar em torno do seu eixo na
não errou no uso de pi. Pois, se a largura de 4,5 m do
sua rota ao redor do sol, isso só causaria problemas ain-
recipiente é medida externamente de uma borda a
da maiores. Por exemplo, essa redução de velocidade
outra e a circunferência é apenas da água que está den-
faria as coisas na terra serem lançadas no espaço.
tro do recipiente,p i seria 3,14. Dessa forma a medição
Esse argumento é baseado na suposição não com- interna do recipiente seria menor que 4,5 m, explican-
provada de que milagres não são possíveis (v. m ilagre; do como a circunferência da água (ou do interior do
m ilagres, argümentos c o n tra ). O Deus que fez 0 sol e a
recipiente) seria de apenas 13 m e estaria próximo de
terra pode certamente fazer 0 sol brilhar mais tempo 3,14 vezes 0 diâmetro de 4,5 m (13,5 m).
num dia, se quiser. Alguns teólogos ortodoxos (e.g., Há duas dificuldades com essa teoria. Primeira-
Robert Dick Wilson, de Princeton) afirmaram que a mente, é preciso supor uma espessura do recipiente
palavra hebraica dôm (trad.“deter” ) pode ser traduzida de bronze de 95 cm, que não é afirmada no texto. Se-
por “silenciar” , “cessar” ou “partir” . Logo, interpretam gunda, é preciso supor que 0 diâmetro é medido ex-
que 0 sol deixou de emanar seu calor intenso para que ternamente, mas a circunferência internamente. Isso
as tropas pudessem fazer 0 trabalho de dois dias em parece fora do comum e não é mencionado no texto.
um. Essa teoria não envolveria a redução da velocidade Teoria do núm ero arredondado. Segundo essa teo-
da terra no seu eixo.Todavia, é difícil conciliar isso com ria, é característico da Bíblia falar em números redondos
175 ciência e a Bíblia

(v. B íb l ia , s u p o s t o s e r r o s n a ) , e 3 é 0 número arredon- ]ó 38.7. Muitos críticos da Bíblia acreditam que 0


damento de 3,14.0 registro bíblico de várias medidas a t erra quando fala do firmamento como um domo
de partes diferentes do templo não foi necessariamente sólido. Em relação a Deus, Jó é questionado: “pode
projetado para dar cálculos científicos ou matemáti- aiudá-10 a estender os céus, duros como espelho de
cos precisos. As Escrituras simplesmente dão uma bronze?” (37.18). Na realidade a palavra hebraica para
aproximação. A evidência parece apoiar essa teoria. Ar- 0 “firmamento” (rã q ia ) que Deus criou (cf. Gn 1.6) é
redondar números ou relatar valores ou medidas apro- definido no léxico hebraico como objeto sólido. Mas
ximados era uma prática comum nos tempos antigos, isso contradiz claramente 0 conhecimento científico
quando cálculos científicos exatos não eram usados. moderno do espaço como sendo não-sólido e emgran-
A Bíblia usa números arredondados em outras passa- de parte vazio.
gens (cf. Js 3.4; cf. 4.13; 2Cr 9.25; 13.17). Até 3,14 não é É verdade que, na origem, a palavra hebraica raqiaa
preciso. Nem 3,1415..., já que p i continua indefinida- significava um objeto sólido. Mas 0 significado não é
mente. Então até“precisão científica” é um termo relati- determinado pela origem (etimologia), e sim pelo uso.
vo com relação a pi. Mas é relativamente correto, já que Quando usado em relação à atmosfera acima da terra,
é 0 que p i é para todos os propósitos práticos. E isso era “firmamento” claramente não significa algo sólido (v.
suficiente para fazer um mar de fundição para 0 tem- Newman).
pio antigo. Levar um homem para a lua exige mais pre- A palavra relacionada rãqa (“achatar, espalhar” ) é
cisão. Mas é anacrônico impor esse tipo de precisão traduzida corretamente como “expansão” por traduções
matemática à Bíblia. recentes. Assim como 0 metal se espalha quando achata-
2 Reis 20. Em resposta à oração de Ezequias, Deus do (cf.Êx 39.3; Is 40.19),igualmente 0 firmamento é uma
mandou Isaías profetizar ao rei que Deus acrescentaria área espalhada. O significado “espalhar” pode ser usado
quinze anos à sua vida (2Rs 20.11). Quando ouviu isso, independentemente de “achatar” , como acontece em vá-
Ezequias pediu um sinal para confirmar a promessa de rias passagens (cf. Sl 136.6; Is 42.5; 44.24). Isaías escre-
Deus. O sinal era que a sombra voltaria dez graus. Isso veu: “ É 0 que diz Deus, 0 Senhor, aquele que criou 0 céu
significaria fazer a sombra voltar, em vez de adiantar 0 e 0 estendeu, que espalhou a terra e tudo o que dela pro-
pôr-do-sol. Mas os críticos insistem em que não é cien- cede” (Is 42.5). Esse mesmo verbo é usado para estender
tificamente possível que sombras voltem. Para fazer isso, cortinas ou tendas para morar, 0 que não faria sentido se
a terra teria de reverter abruptamente sua rotação. não houvesse espaço vazio no qual viver. Isaías, por exem-
Essa objeção tem os mesmos problemas que as pio, falou do Senhor “que se assenta no seu trono, acima
reclamações dos críticos sobre 0 sol parar na época de da cúpula da terra, cujos habitantes são pequenos como
Josué. Num universo teísta (v. teísmo) não há razão para gafanhotos. Ele estende os céus como um forro, e os
um milagre como esse não poder acontecer. arma como uma tenda para neles habitar” (Is 40.22).
É digno de crédito acreditar que eventos milagro- A Bíblia fala da chuva caindo do céu (Jó 36.27,28).
sos ocorreram (v. m ilagres, argum entos c o n t r a ), inclu- Mas isso não faz sentido se 0 céu é um domo de metal.
síve a criação do nada (v. c ria ç ã o , visões da). A Bíblia não se refere a pequenos buracos num domo
volta do relógio de sol de Acaz sem dúvida foi um de metal através dos quais os pingos caem. Ela fala no
milagre. Coisas como essa não ocorrem naturalmente. sentido figurado das comportas do céu que se abri-
Na verdade, Ezequias percebeu que não seria uma con- ram para 0 Dilúvio (Gn 7.11 ). Mas provavelmente isso
firmação milagrosa de Deus se 0 sinal envolvesse algum não deve ser interpretado literalmente por ser uma ex-
fenômeno que pudesse ser explicado (2Rs 20.10). Foi a pressão idiomática, como: “Está chovendo canivete” .
natureza milagrosa do evento que 0 qualificou como O registro da criação fala de pássaros que voam
sinal de Deus. Qualquer tentativa de explicar isso seria “sobre a terra, sob 0 firmamento do céu” (Gn 1.20).
pura especulação. Apesar de Deus poder empregar for- Mas isso seria impossível se 0 céu fosse sólido. Logo,é
ças da natureza para realizar seus propósitos, ele tam- mais adequado traduzir rãqia pela palavra “expansão”
bém pode cumprir sua vontade de uma maneira que (como na a r c ). E nesse sentido não há conflito com 0
transcende a lei natural. A Bíblia não diz exatamente conceito de espaço da ciência moderna.
como Deus 0 fez, mas isso não é fora do comum em Mesmo que traduzida literalmente, a afirmação de
milagres onde ocorre a intervenção direta de Deus. Se Jó 37.18 não declara que “os céus” são um “espelho de
Deus reverteu milagrosamente a rotação da terra no seu bronze” , mas apenas que é como [ou semelhante a]
eixo ou a sombra do sol (por refração, talvez) não nos um espelho. É uma comparação poética que não pre-
compete saber. É suficiente dizer que Deus pode fazer cisa ser interpretada literalmente, assim como a afir-
milagres, e esse foi sem dúvida um milagre. mação em Provérbios 18.10 de que 0 nome de Deus é
cientificismo 176

uma “torre forte” .Além disso, 0 ponto de comparação Os conflitos que existem não são entre a natureza e as
em Jó não é a solidez dos céus e de um espelho, mas Escrituras, mas entre interpretações falíveis de uma
sua respectiva durabilidade (fo rte [oz]). ou outra, ou de ambas.
}onas 1. Muitas pessoas têm dificuldade em acre-
ditar que uma pessoa poderia viver dentro de uma Fontes
baleia por três dias e três noites. O problema da res- G. L. A r c h e r , |r Enciclopédia de temas bíblicos.
piração, sem contar os processos gástricos, certamen- A u t o r e s da asa, M o d e m science a n d the C hristian fa ith .

te seriam fatais bem antes de três dias se passarem. M . B u c a illh , B íblia, 0 A lcorão e a ciência.

Novamente, 0 evento é apresentado como um mi- W . C a m p b e ll, The Qur'an a n d the Bible in the light o f history

lagre (Jn 1.17; cf. Alt 12.40). O Deus que criou Jonas a n d science.

e a baleia poderia preservar a vida de Jonas na ba- N. L. G e is le r e T. Howt, When critics ask.

leia. Segundo, Jonas e seu ministério profético são S. J. G o u l d , “ Evolution’s erratic pace” , Natural

mencionados no livro histórico de 2Reis (14.25). Há History (1972).

confirmação arqueológica de um profeta chamado J. H a le y , An exam in ation o f the a lleg ed discrepancies

Jonas cuja sepultura se encontra no norte de Israel, o f the Bible.

de onde Jonas era. Existem até relatos verossímeis da R. Ja s t r o w , God a n d the astronom ers.
__ ,“A scientist caught between two faiths:
história moderna de pessoas que sobreviveram em
interview with Robert Jastrow", C T (6 Aug. 1982).
baleias sem qualquer intervenção divina especial.
H . L i x d s e ll, The battle for the Bible.
Um forte argumento para a precisão histórica de
M . N ahn, Selections from early Greek philosophy.
Jonas é que ela foi atestada por Jesus, 0 Filho de Deus
(v. C r is t o , d iv in d a d e d e ) . Em Mateus 12.40, Jesus prevê R . N ew m an, The biblical teaching on the firm a m en t.
B . Ram m , The Christian view o f scien ce a n d the Bible.
seu próprio sepultamento e ressurreição como sinal
G. R on , Jo sh u a ’s long d ay a n d other m ysterious
para os escribas e fariseus incrédulos da mesma or-
events (video).
dem do sinal de Jonas. Jesus diz: “ Porque assim como
esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande
peixe, assim estará 0 Filho do Homem estará três dias
cientificismo. Crença de que 0 método científico é
e três noites no coração da terra” . Se a história da ex-
0 único método de descobrir a verdade. O pai do
cientismo moderno foi 0 ateu (v. ateísm o) Auguste
periência de Jonas no ventre do grande peixe fosse fic-
C om te (1798-1857), que também começou uma re-
cão, ela não daria apoio profético para a reivindicação
ligião de humanismo secular (v. humanismo s e c u la r ).
de Jesus. Para Jesus, 0 fato histórico da própria morte,
A teoria de Comte também é conhecida como
sepultamento e ressurreição estava no mesmo nível
positivismo, ancestral do positivismo lógico de A.
histórico que Jonas no ventre do peixe. Rejeitar um é
J. A y e r .
lançar dúvida sobre 0 outro (cf. Jo 3.12).
Como 0 cientificismo geralmente acolhe muitas
Jesus continuou mencionando 0 detalhe histórico
crenças individuais, inclusive ateísmo, teorias evolutivas
importante. Sua própria morte, sepultamento e ressur-
(v. evolução biológica ),anti-sobrenaturalismo (v. milagres,
reição era 0 sinal supremo que comprovava suas reivin-
argumentos c o n tra ) e materialism o, ele é avaliado nesses
dicações. Quando Jonas pregou para os gentios incrédu-
artigos. Os que rejeitam a Deus não apreciam seriamente
los, eles se arrependeram. Mas aqui Jesus estava na pre-
0 peso da evidência (v. D e is , evidências de). Esse mau
sença do próprio povo de Deus, e eles se recusaram a crer.
uso do método científico é restrito e truncado (v. fé e
Portanto, 0 povo de Nínive se levantaria para testemu- razão; origens, ciência das), constituindo uma forma de
nhar contra eles no julgamento, porque os ninivitas se naturalismo e, muitas vezes, de materialismo.
arrependeram com a pregação de Jonas (Mt 12.41). Se os Os métodos do cientismo são questionáveis, mes-
eventos do livro de Jonas fossem meramente parábola ou mo que haja um método científico universalmente
ficção, e não história literal, os homens de Nínive na ver- aceito. Não há razão para crer que 0 método científí-
dade não teriam se arrependido, e qualquer julgamento co seja a única maneira de descobrir a verdade.
dos fariseus incrédulos seria injusto. Por causa do teste- Essa dependência do método científico também ig-
munho de Jesus, podemos ter certeza de que Jonas regis- nora as diferenças que a maioria dos cientistas percebe
tra história literal. entre as ciências da operação, que são empiricamente
Conclusão. Todas as tentativas de culpar a Bíblia estudadas, e as ciências forenses, igualmente legítimas,
de erro científico falham. Tanto a natureza quanto as para as quais a metodologia científica rígida é impossí-
Escrituras são revelações de Deus, e Deus não pode se vel (v. origens, ciência das). A s ciências forenses não são
contradizer (v. D e u s , n a t u r e z a d e ; v e r d a d e , n a t u r e z a d a ) . baseadas na religião, apesar de uma delas, a ciência das
177 Clark, Gordon H.

origens, ter implicações religiosas. Mas a ciência das E scu rid ã o epistem ológica. Ceticismo empírico. Na
origens é a única maneira de analisar algumas ques- epistemologia, Clark era um cético empírico (v. agnosti-
tões essenciais sobre a humanidade e sua importância. cismo), concordando com David H u m e . Os sentidos enga-
Ao contrário do cientismo, ela se baseia na evidência nam e não se pode confiar neles. Princípios universais
para validar suas pressuposições. Estas levam a um pon- e necessários vão além dos limites da experiência hu-
to de partida e à existência de um Criador inteligente (v. mana. Como Hume demonstrou, os sentidos nunca
a n t r o p ic o , p rin c ip io ; b ig -b a n g ; e v o lu ç ã o q u ím ica; recebem impressão de uma conexão necessária. As-
As descobertas da ciência das
teleo ló gico, argum ento). sim, nada pode ser provado empiricamente. Clark duvi-
origens contradizem diretamente 0 cientismo. dava de tudo que seus sentidos dissessem sobre 0 mun-
Até os cientistas empíricos reconhecem as limitações do externo. Ele acreditava que, sem a revelação divina,
do método científico (v. Sullivan),já que ele só pode lidar não podemos sequer ter certeza de que existimos.
com fenômenos observáveis. É uma petição de princípio Clark construiu três objeções principais ao empiris-
a favor do materialismo supor que não há nada além do mo: primeiro, é impossível descobrir a “conexão neces-
observável. Outros aspectos da realidade não podem ser sária” entre idéias e eventos. Isso nega a causalidade e
apreendidos pelo método científico (v. Gilson). Alguns são toma toda investigação histórica e científica inútil. Na
conhecidos intuitivamente (v. primeiros princípios), outros melhor das hipóteses, 0 conhecimento pode chegar às
inferencialmente (v. transcendental, argum ento), e alguns impressões do cérebro neste instante e aos vestígios que
apenas pela revelação especial (v. revelação especial). permaneçam agora das lembranças de impressões pas-
sadas. Segundo, a tarefa contínua de integrar-se ao seu
Fontes ambiente atual influencia inevitavelmente as percepções
A. ]. A yer , Language, truth, and logic.
e as torna indignas de confiança. A memória é efetiva-
J. Con ins .4 history of modern european philosophy
mente aniquilada nesse processo. Terceiro, e mais im-
(capítulo 16).
portante, 0 empirismo usa 0 tempo e 0 espaço sorra-
A. Comtf, Curso de filosofia positiva.
teiramente no começo do processo de aprendizado.
E. Gilson, The unity ot philosophical experience.
Mas percepções exatas de tempo e espaço só podem
J. N. D. S u l l i v a n , The limitations of science.
vir no fim do processo de aprendizado, então a mente
T. W h it t a k e r , Comte and Mill.
é continuamente bombardeada com informações que
não é capaz de julgar com precisão (“Special divine
Clark, Gordon H. Nasceu em Filadélfia (1902-1985) e
revelation” , p. 33).
recebeu seu doutorado em filosofia em 1929. Lecionou
Ceticism o histórico. 0 ceticismo histórico de Clark
na Universidade Wheaton, no Seminário Episcopal Re-
é paralelo às suas dúvidas empíricas. Então, Clark nega
formado no Covenant College e foi presidente do De-
a validade da apologética histórica. Mesmo que pu-
partamento de Filosofia da Universidade Butler duran-
déssemos saber que a ressurreição de Cristo é um fato
te 28 anos. Sua carreira acadêmica durou 60 anos.
do testemunho empírico, isso não provaria nada (v. r e s -
Clark foi um pressuposicionalista racional, ao con-
SURREIÇÀO, EVIDÊNCIAS D a ).
trário de Cornelius Van Til, que foi um pressuposiciona-
lista revelacional (v. pressuposiciona!., ap ologética). Entre
Suponha que Jesus realmente ressuscitou dos mortos.
seus alunos figuram Carl F. H. Henry, John Edward
Isso só prova que seu corpo voltou às suas atividades por
Carnell e Ronald Nash.
Seus 30 livros abrangem grande variedade de tópicos um período de tempo após sua crucificação; isso não prova
filosóficos, éticos e teológicos. Algumas das suas obras de que ele morreu pelos nossos pecados ou que ele era 0 Filho
filosofia e apologética incluíram uma história completa de Deus [...] A ressurreição, vista estritamente como um
da filosofia: Thales to D ew ey [De Tales a D ew ey]; A evento histórico isolado, não prova que Cristo morreu pelos
view o f man an d t h i n g s [Λ visão cristã do ho-
C h r is tia n
nossos pecados.
m em e das coisas]; Religions, reason an d revelation [Reli-
giões, razão e reveleção}; e Historiography, secular an d Pesquisas históricas e arqueológicas são incom-
religions [Historiografia secular e religiosa}. Ele também petentes para lid ar com tais assuntos (C lark,
escreveu um livro didático sobre lógica. “ Philosophy of education” , p. 35).
A teologia reformada de Clark baseava-se na so- Id éia s m atas. Clark considerava-se agostiniano na
berania de Deus, e sua apologética tomava 0 Deus trino epistemologia, começando com idéias inatas e dadas
revelado nas Escrituras como seu ponto de partida por Deus (v. A g o stin h o , S a n t o ). Sem a iluminação di-
pressuposicional. Seu teste da verdade era a lei da não- vina via idéias inatas, a mente estaria trancada em
contradição (v. primeiros princípios). trevas epistemológicas. Pela luz do L og os podemos
Clark, Gordon H. 178

ver 0 m u n d o . C la r k tr a d u z iu a u d a c io s a m e n te Jo ã o 0 tomismo identifica Deus como Motor Imóvel.


1.1 : “ N o p r in c íp io e ra a L ó g ic a . E a L ó g ic a e s ta v a c o m Suponha que a experiência do Motor Imóvel fosse de-
D e u s , e a L ó g ic a e r a D e u s ” (c it a d o e m N a s h , The monstrada. Isso não provaria que 0 Motor Imóvel é
p h ilosop h y o f G ordon Clark, p. 67, 118; v. ló g ic a ). Já Deus; é apenas uma causa física do movimento. Nada
q u e c a d a s e r h u m a n o fo i c ria d o p o r D e u s , c a d a pes- no argumento dá a essa força uma personalidade
s o a é u m a id é ia in a t a d e D e u s . M a s a m e n te v a z ia de transcendental.
u m a p e s s o a n ã o p o d e e le v a r- se a c im a d o seu con-
tex to s e n s o r ia l a u m n ív e l e s p ir it u a l a b stra to . S e m Na verdade, se 0 argumento é válido, e se esse Motor
a ju d a , n in g u é m p o d e c o n h e c e r a D e u s . A s te o ria s de
Imóvel explica os processos da natureza, 0 Deus de Abraão,
e m p ir is m o d esd e A r is tó t e le s e Tomás de A q uino a Jo h n
Isaque e Jacó é supérfluo, e de fato impossível (ibid., p. 37).
(R eligions, reason,
Lo c k e , p o rta n to , n ã o f u n c io n a m
a n d rev ela tio n , p. 135). N ã o p o d e m o s c o n h e c e r a
O argumento da existência de Deus é, no máxi-
D e u s , m u ito m e n o s de m a n e ir a s a lv a d o r a . M a s D e u s
mo, inútil. Ele não prova mais que um Deus finito ou
se r e v e lo u n a s E s c r it u r a s , su a P a la v r a i n f a lí v e l e
físico. Permite, embora não prove, a existência de um
in e r r a n t e (v. B íb lia , canonicidade d a ). 0 c r is t ia n is m o
Deus bom, que, no entanto, não precisa ser onipo-
b a s e a d o n e ss a r e v e la ç ã o é a ú n ic a re lig iã o ve rd a d e i-
tente nem a causa de tudo que acontece.
ra (v. C ris to , s in g u la rid a d e de; re lig iõ e s mundiais e o
Todos os argumentos causais envolvem um equí-
c ris tia n ism o ).O c r is tia n is m o é c o n s id e ra d o v e rd a d e iro
voco. Esse argumento envolve a crítica da analogia
p o rq u e só ele e stá liv r e de c o n tra d iç õ e s in t e r n a s n as
feita por Clark (v. a próxima seção).
su a s r e iv in d ic a ç õ e s so b re a v e rd a d e . Todos os siste-
m a s o p o sto s tê m c re n ç a s c o n t r a d it ó r ia s e m u m ou
Com base nesse raciocínio, Clark considera 0 ar-
m a is d o s e n s in a m e n to s b á s ic o s .
gumento cosmológico
A rejeição d as provas teístas. Como a maioria dos
outros pressuposicionalistas, Clark rejeitava as provas pior que inútil. Na verdade, os cristãos podem ficar feli-
tradicionais da existência de Deus (v. Deus, evidências zes com seu fracasso, pois, se fosse válido, provaria uma con-
de). Suas razões eram muito parecidas com as de Hume clusão inconsistente com 0 cristianismo (Religions, reason, and
e Immanuel K a n t . Já que nossos sentidos não mere- revelation, p.41).
cem confiança, não podemos começar pela experiên-
cia nem provar nada sobre 0 mundo, muito menos Rejeição d a analogia. Clark argumentou que a dou-
sobre Deus. Referiu-se à a p olo gética clássica de Tomás trina da analogia, sugerida nos argumentos teístas, en-
de Aquino como “ interpretação cristianizada do volve um erro lógico de ambigüidade. Considerando-se
aristotelismo” ( C hristian view o f m en a n d things, p. p. as proposições:“existem coisas contingentes no movimen-
309). Ele considerou os argumentos de Aquino sobre to, que são tanto realidade quanto potencialidade” e“Deus
Deus circulares, meramente formais, inválidos e existe como realidade total e nenhuma potencialidade” ,
indefensáveis (Religions, reason, a n d revelation, p. 35). Clark questiona se 0 verbo existir pode ser definido da
0 tomismo, disse Clark, exige os conceitos de mesma maneira quando aplicado a Seres Necessários e a
potencialidade e realidade, mas Aristóteles nunca conse- seres contingentes. E teme que haja muita divergência para
guiu definir precisamente 0 que quer dizer com essas idéi- 0 argumento ser válido ( Thales to Dewey, p. 227,278).Exis-
as (“Special divine revelation as rational”, p. 31). 0 racioci- te tem um sentido temporal e humano demais para ser
nio é circular: movimento é usado para definir realidade e aplicado adequadamente a Deus: “Nesse sentido da pala-
potencialidade, mas realidade epotencialidade são usados vra existe, Deus não existe” (ibid. ,312).
para definir movimento (ibid., p. 36).
Tomás remonta às origens do movimento com a Se chegarmos corretamente à conclusão ‘Deus existe’, a
suposição de que há uma primeira causa, já que cau- existência a que chegamos nào será a existência de Deus.
sas não podem regredir infinitamente. Mas essa tam- Silogismos [v. l ó g ic a ] e argumentos válidos exigem que seus
bém é a conclusão tirada por Aquino. Portanto, ele termos sejam usados univocamente (ibid.).
está cometendo petição de princípio (ibid., p. 31).
Para Tomás há duas maneiras de conhecer a Deus. O teste d a v erd a d e. Clark foi um defensor resoluto
Sabemos por negação 0 que Deus não é, e podemos sa- da validade da lei da não-contradição (v. primeiros prin-
ber 0 que ele é por analogia (v. analogia, principio da). cípios).A não-contradição era a base “inevitável” de todo
Não pode haver significados idênticos derivados desses conhecimento e 0 teste da verdade ( Christian view o f
dois métodos. Mas a não ser que os termos possam ser m en an d things, p. 313). A defesa de Clark da lei da não-
unívocos, 0 argumento é uma falácia (ibid.). contradição foi 0 que V a n T i l chamaria argumento
179 Clark, Gordon Η.

transcendental. Sem as formas de lógica, alegou Clark, 0 sistema de Clark oferece um teste abrangente
nenhuma discussão sobre qualquer assunto seria pos- da verdade em todos os sistemas. A não-contradição
sível (ibid., p. 308). Usando a não-contradição, a pode ser aplicada a todo sistema de crença. É ofere-
apologética tem uma tarefa dupla: cida como meio de descobrir quais são falsos e para
Tarefa negativa. A apologética deve mostrar que comprovar os verdadeiros. A lei da não-contradição
todos os sistemas não cristãos são contraditórios em é empregada por todas as pessoas racionais, portan-
suas reivindicações. Clark fez isso na sua história da to é um tipo de padrão indiscutível, não importa qual
filosofia, Thales to Dewey. Ele colocou todos os gran- a cosmovisão. É justa e universal.
des filósofos perante 0 tribunal da racionalidade e os Ao contrário de alguns testes filosóficos compli-
declarou inaptos. cados da verdade, Clark dá apenas um, e é simples: a
Tarefa positiva. Clark acreditava que apenas 0 cris- verdade não pode entrar em conflito consigo mes-
tianismo está livre de contradição e, logo, só ele pode ma. Ou uma visão é não contraditória ou não é. O
ser comprovado. Usando um método geométrico que critério de Clark também é racional. É claro e sólido,
lembrava René Descartes, Clark reduziu 0 cristianis- com pouca probabilidade de se perder em experiên-
mo a seus axiomas básicos a fim de mostrar sua con- cia subjetiva e mística.
sistência interna. Concluiu: Como Nash observou corretamente, Clark enfatizou
“a importância de recusar-se a separar a fé” (citado em
O cristianismo é uma visão abrangente de todas as coi- Robbins, p. 89). Era um arquiinimigo do fideísmo e insis-
sas; ele considera 0 mundo, tanto material quanto espiritu-
tia na necessidade da crença religiosa racional.
al,como um sistema ordenado (ibid., p. 33).
Outra característica positiva é a ênfase de Clark na
verdade objetiva e proposicional (v. v e r d a d e , n a tu r e z a d a ).
Clark estava ciente de que nenhum sistema
Ele enfatiza isso corretamente, não só em geral, mas na
finito poderia dar respostas a todos os problemas,
revelação proposicional expressa nas Escrituras.
já que nenhum mortal é onisciente. Ele raciocinou
Crítica negativa. C eticism o em pírico injustificado.
que,
Clark afirmou não confiar nos seus sentidos, mas pre-
cisava deles para ler a Bíblia. Como poderia acreditar
se um sistema pode dar soluções plausíveis a muitos
no que leu? Como outros céticos, Clark confiava incoe-
problemas, e outro deixa muitas perguntas sem resposta, se
rentemente nos seus sentidos em relação aos aconteci-
um sistema tende menos ao ceticismo e dá mais significado
mentos cotidianos. De que outra maneira poderia ter
à vida, se uma cosmovisão é coerente quando outras são con-
comido ou atravessado a rua? E como saber que seus
traditórias, quem pode negar, já que devemos escolher, 0
sentidos são confiáveis sem que isso seja determinado
direito de escolher 0 princípio mais promissor? (ibid., p. 34).
pelo sentidos? Por exemplo, aprendemos pelos nossos
sentidos a aceitar a aparência de uma vara reta que pa-
C am po com um com n ã o-cristãos. Em oposição ao
rece torta quando mergulhada na água. Não saberia-
seu contemporâneo na teologia reformada, Cornelius
mos que é apenas um reflexo se não pudéssemos confi-
Van Til, Clark acreditava que podia ser estabelecido
ar nos nossos sentidos.
um campo comum com os incrédulos. Esse campo
Tal como outros céticos empíricos, Clark não era
comum é encontrado nas leis da lógica e em “algu-
cético sobre seu ceticismo (v. agnosticismo).Aceita-0 sem
mas verdades divinas” , que os incrédulos conhecem
em virtude da imagem de Deus neles ( B a r t h ’s críticas como um passo necessário no seu pressupo-
th eolog ic al m eth od , p. 96). Em resposta a Karl B a r t h , sicionalismo. Mas por que 0 ceticismo precisa ser 0 pon-
Clark afirmou: to de partida? Por que não pressupor que podemos apren-
der com nossos sentidos? Grande parte das críticas con-
A fé é uma atividade mental e por definição pressupõe tidas no artigo David Hume e na crítica da apologética
pressuposicional podem ser dirigidas a Clark.
um sujeito racional. A razão, portanto, pode ser considera-
da um elemento em comum entre crentes e descrentes (ibid., R aciocínio circular. Clark comete 0 erro de petitio
p. 102). principii ou raciocínio circular (v. lógica). Ele admite que
seu sistema envolve raciocínio circular, mas tenta resol-
A valiação. C ontribuições positivas. Além das con- ver 0 problema, em parte, ao afirmar que todos os ou-
tribuições gerais que fez em prol da reavaliação tros sistemas também padecem desse mal.
evangélica criativa de sua tarefa filosófica, Clark
teve muita influência sobre filósofos evangélicos, Argumentos não cristãos geralmente supõem 0 ponto
entre ele John Carnell, Carl Henry e Ronald Nash. discutido antes de começarem. As questões são formuladas
Clarke, Samuel 180

de modo a excluir a resposta cristã desde 0 princípio Conclusão. Clark prestou grandes serviços à
(.Religions, reason, and revelation, p. 27). apologética cristã ao enfatizar as leis da lógica nas quais
todos os argumentos racionais se baseiam. A lei da não-
Ele acredita que foge do problema porque 0 ceti- contradição é absolutamente necessária para a afirmação
cismo é contraditório ( Thales to Dewev, p. 29,30). Re- e confirmação de todas as reivindicações da verdade. Mas
duzir seu argumento ao nível dos outros não parece a lógica é apenas um conjunto de princípios formais. Ela
ajudar, e isso elimina a possibilidade de que outras vi- diz 0 que pode ser verdadeiro, não 0 que é verdadeiro. Para
sões sejam igualmente consistentes. saber 0 que realmente é verdadeiro, mais cedo ou mais tar-
A rgum entos equ iv ocad os contra provas. A rejeição de é preciso entrar em contato com 0 mundo externo. É
das provas teístas (v. D e u s, supostas re fu ta çõ e s de) por isso que a apologética clássica faz.
parte de Clark não foi melhor que a de seus mentores A visão do próprio Clark depende da aceitação da
agnósticos Hume e Kant (v. agnosticism o). A apologética validade das impressões sensoriais e da probabilidade (v.
de Clark oferece um racionalismo estranho. Primeiro in d u t iv is m o ), que ele nega ter qualquer validade como teste
ele defendeu os céticos nos seus argumentos contra da verdade. De acordo com os próprios princípios, sua
Deus, e depois argumentou a necessidade de defen- visão não poderia ser verdadeira. Ele precisa confiar nos
der Deus racionalmente pelo pressuposicionalismo.
sentidos, mesmo quando lê livros sobre outras visões.
Teria sido mais simples usar argumentos clássicos
Precisa confessar apenas a probabilidade de que todas as
desde 0 princípio.
visões não cristãs sejam falsas,já que não examinou cada
Um ex am e d e todos os sistem as ? Para ser justo, an-
uma delas. Deve confiar nos seus sentidos mesmo quan-
tes de Clark provar seu argumento, ele deve provar que
do aceita a afirmação de que a Bíblia é verdadeira. O mé-
todos os outros sistemas na história e no cenário con-
todo apologético de Clark fracassa em ser um teste posi-
temporâneo são inconsistentes. Ele leva a conclusão
tivo abrangente da verdade do cristianismo.
do seu argumento além da evidência. A fmitude do
investigador limita 0 apoio à sua tese (Lewis, p. 119).
Fontes
Uma vida é curta demais para examinar todos os ou-
G. H. Clark, A Christian view of men and things.
tros sistemas concebíveis. Clark poderia forçar a con-
___ ,“Apologetics” , em C. F. Ft. Henry, org.,
clusão da probabilidade de que 0 cristianismo seja ver-
Contemporary evangelical thought.
dadeiro por esse método, mas, como reduz toda pro-
___ , Barth’s theological method.
babílidade a mero ceticismo, seu método apologético
___ , Philosophy of education.
nos deixa no ceticismo, pelo seu próprio padrão.
___ , Religion, reason, and revelation.
Consistência com outros sistemas. Um problema se-
___ ,“ Special divine revelation as rational” ,
melhante é que Clark usa consistência interna como 0
em C. F. H. Henry, org., Revelation and the Bible.
único teste da verdade de um sistema. Mas ele não pode
___ , Thales to Dewey: a history of
saber que todos os sistemas são contraditórios usando
apenas a lei da não-contradição. Pelos padrões cristãos philosophy.

isso pode ser possível, mas muitos sistemas são consis- ___ ,“ The Bible as truth” , em Bibliotheca

tentes na sua própria visão da realidade. O panteísta (v. Sacra 114 Apr. 1957.

panteísmo) diz: “Eu sou Deus” . Se essa fosse apenas uma ___ , The Johannine Logos.

afirmação internamente contraditória, 0 próprio Deus ___ ,“ Truth” , em E. F. Harrison, org., Baker’s

não poderia dizê-la. Mas ele pode e diz. “ Deus é tudo, e dictionary of theology.

tudo é Deus” pode ser uma afirmação contraditória para N. L. Geisler, Christian apologetics, cap. 2.

uma visão teísta, mas para 0 panteísta que crê que 0 G. Lewis, Testing Christianity’s truth claims, cap. 4.

mundo real é uma ilusão isso é perfeitamente coerente R. Nash,“Gordon H. Clark” , em \V. E hvell, org.,

(v. H1NDUÍSM0; M0NISM0). H andbook o f evangelical theologians.


So um teste negativo. Alei da não-contradição é no ___ , org., The philosophy of Gordon Clark: A festschrift.
máximo um teste negativo da verdade. Ela pode anu- D. W. Robbins, org., Gordon H. Clark: personal
lar uma afirmação de cosmovisão, mas não pode reflections.
comprová-la. Não pode provar que só uma visão é ver-
dadeira, já que mais que uma pode ser consistente in- C larke, Sam uel. Im portante filósofo, físico e
ternamente. Como Gordon Lewis disse: “Contradição apologista inglês de sua época (1675-1729), estudou
é 0 sinal mais garantido de erro, mas consistência não em Cambridge e tornou-se um newtoniano num
é garantia de verdade” ( 120 ). meio dominado principalmente pela ciência de René
181 Clarke, Samuel

Descartes (1596-1650). Foi ordenado pela Igreja da permite nada necessário. Não pode ser do acaso, que
Inglaterra. Seus cargos incluíram ser pároco de St. é uma mera palavra sem qualquer significado. Não
James, Westminster. pode ser explicada pela mera possibilidade, já que
Suas obras estão reunidas em T he works of potencialidade pura de existência não explica porque
Sam uel Clarke, que incluem suas Conferências Boyle algo existe. Portanto, “deve ter existido desde a eterni-
de 1704, “ Uma demonstração do ser e dos atributos dade um ser imutável e independente” (ibid.).
de Deus” , e de 1705, “ Um discurso concernente às 3. Esse ser imutável e independente que sempre
obrigações imutáveis da religião natural e à verdade existiu deve ser auto-existente, ou necessariamente
e certeza da revelação cristã em resposta ao Sr. existente. Tudo que existe deve ser criado do nada, sem
Hobbes, a E s p in o s a , ao autor dos Oracles o f reason e a causa, ou deve ser auto-existente. Surgir sem causa do
outros que negam a religião natural e revelada” . Vá- nada é uma contradição.
rios volumes de sermões ainda existem. As obras de
Clarke influenciaram Joseph Butler (1692-1752) no Ser criado por alguma causa externa não pode se apli-
seu A nalogy in religion (1736). car a tudo; mas algo sempre existiu independentemente;
A b o r d a g e m a p o lo g ética clássica. A abordagem assim como já foi demonstrado (ibid., p. 3).
de Clarke entra na categoria de apologética clássica.
Ele começou com um forte argumento cosmológico Tal ser deve ter existência própria. Esse ser eterno,
em favor da existência de Deus conforme expresso necessário não pode ser 0 universo material (v. m a t e r ia -
na teologia natural. Continuou defendendo a revela- lism o ). O universo material não é eterno nem necessá-

ção sobrenatural cristã (v. m il a g r e ). Como 0 título do rio, já que muitas das suas propriedades são contingen-
seu livro indica, é direcionado a Thomas Hobbes tes. Não pode ser necessário e eterno, já que sua
(1588-1679), a Baruch Espinosa (1632-1677) e a ou- inexistência pode ser concebida. E a inexistência de um
tras abordagens naturalistas (v. n a t u r a l is m o ). ser necessário não é possível.
Existência e atributos de Deus. As Conferências de Moralidade e cristianismo. As conferências de Boyle
Boyle de 1704 consistiam em “ um argumento numa em 1705 sobre religião natural e a verdade do cristia-
cadeia de proposições” .As três primeiras são as mais nismo geraram quinze proposições. As quatro primei-
importantes: ras são dedicadas às obrigações da religião natural. As
proposições cinco a quinze são sobre a verdade e certe-
1. É inegável que algo tenha sempre existido. Já za da revelação cristã. O argumento é típico da aborda-
que algo existe, é evidente que algo sempre existiu. gem clássica porque defende a possibilidade de mila-
Senão, as coisas que existem surgiram do nada, sem gres e a historicidade dos eventos sobrenaturais que
uma causa. Uma coisa não pode ser criada sem que apóiam 0 cristianismo (v. a po lo g étic a h is t ó r ic a ; m ila g r e s ;
algo a crie. Isso é uma “primeira verdade clara e auto- a r g u m en to s c o n t r a ).

evidente” ( “ Discourse concerning the being and A valiação . A maioria dos pontos da avaliação de
attributes” , p. 1 ). Clarke são comentados detalhadamente nos artigos
2. Um ser im utável e independente sempre D e u s , e v id ê n c ia s d e , e D e u s , o b jeç õ e s A s provas d e .
existiu. C ontribuições positivas. Clarke fez uma forte de-
fesa clássica do t e ís m o e cristianismo (v. a p o l o g é t ic a ,
Ou sempre existiu um ser imutável e independente, do a r g u m e n t o s d a ) . Seu argumento, principalmente a pri-

qual todos os outros seres que existem ou existiram no uni- meira parte, é um dos mais poderosos já oferecidos
verso, receberam sua origem; ou houve uma sucessão infinita a favor de um Ser Necessário eterno. Mais tarde teve
de seres mutáveis e dependentes produzidos uns dos outros grande influência no apologista americano Jonathan
numa sucessão infinita (ibid., 2 ). E d w a r d s . Tem muitas semelhanças com 0 “ terceiro ca-
minho” de T o m a s de A q u in o .
Não pode haver uma sucessão infinita de seres, Da mesma forma, Clarke viu 0 que outros teístas
pois tal série deve ser causado de dentro ou de fora. clássicos viram, que a defesa do cristianismo deve
Ela não pode ser causada de fora, já que, suposta- vir em duas etapas. Primeiro, deve haver uma defesa
mente tudo está dentro da série, Não pode ser cau- racional da existência de Deus. Segundo, deve haver
sada de dentro porque nenhum ser na série é auto- uma defesa histórica da origem sobrenatural do cris-
existente e necessário, e tal série surgiu da necessi- tianismo.
dade, da mera possibilidade, ou do acaso. Não pode Crítica negativa. Infelizmente, a lógica na última
ser da necessidade, já que a regressão infinita não parte do argumento de Clarke não é tão rigorosa
clássica, apologética 182
quanto na primeira. Apesar de ficar claro que 1) algo divindade de Cristo e a inspiração da Bíblia. 0 uso da
existe inegavelmente e 2 ) algo deve ser eterno e ne- ressurreição de Cristo geralmente tem um papel im-
cessário, não fica bem claro pelo seu tratamento se portante nesse segundo passo.
esse “algo” precisa ser 3) absolutamente um. Seus ar- Validade das provas teístas. A apologética clássica
gumentos de que a matéria não pode ser eterna de- aceita e os pressuposicionalistas rejeitam a validade das
pendem da física de Newton. No contexto da ciência provas teístas tradicionais de Deus. Alguns pressupo-
moderna, a evidência de uma origem repentina e sicionalistas substituem provas tradicionais por seus
explosiva é mais convincente (v. b ig - b a n g , t e o r ia d o ). próprios argumentos transcendentais de Deus (v. p r e s -
s u po sicio n a l , a p o lo g é t ic a ; V an T il , C o r n e l iu s ) . Nem todos
Fontes os apologistas clássicos aceitam todas as provas tradi-
H. G. A lex a n d er, org., The Leibniz-Clarke cionais de Deus. Por exemplo, muitos rejeitam a valida-
correspondence. de do a r g u m e n to o n to ló g ic o . Mas a maioria aceita algu-
S., “A discourse concerning the being and
C la rk e ma forma de a r g u m e n t o c o s m o l ó g ic o e 0 a r g u m e n t o
attributes of God”, (Conferências de Boyle, 1704). t e l e o l ú g ic o . Muitos também acreditam que 0 a r g u m e n to
__,“A Discourse concerning the m o r a l é válido.
unchangeable obligation of natural religion...” Apologistas pressuposicionais rejeitam a vali-
(Conferências de Boyle, 1705). dade das provas teístas de Deus (v. D e u s , e v id ê n c ia s
__ , The works o f Samuel Clarke. d e ). A maioria deles aceita a validade de grande par-
B. Peach, “Samuel Clarke”, emV, Ferm, org., te do que David H u m e e Immanuel K a n t disseram
Encyclopedia o f morals.
nas suas críticas da argumentação teísta (v. D e u s ,
D. Spracge, “Clarke, Samuel”, em ep. objeções às provas d e ). Alguns, como Gordon C la r k , fazem

isso com base no ceticismo empírico. Cornelius Van Til


clássica, apologética. Praticada pelos primeiros pen- e outros fazem isso porque acreditam que fatos não
sadores que estudaram e usaram a aplicação da razão
têm significado sem a visão de mundo trinitária
para a defesa do cristianismo. Entre esses apologistas
pressuposta. Seja qual for 0 motivo, todos os verda-
pioneiros estavam A g o s t in h o , A n selm o e Tom ás df. A quino
deiros pressuposicionalistas se unem a ateus e
(v. a p o lo g é t ic a , t ip o s d e ) .As raízes da apologética clássi-
agnósticos na rejeição da validade das provas teístas
ca também se encontram em alguns apologistas dos sé-
tradicionais de Deus (v. a g n o s t ic is m o ; a t e ís m o ).
culos 11 e in. A apologética clássica moderna é represen-
tada por William P a l e y , John L o c k e , C. S. L e w is , Β. B.
Evidência histórica e teísmo. Uma tática apoio-
gética é demonstrar a confiabilidade histórica do n t
W a r f ie l d , John G e r s t n e r , R. C. Sproul, William Craig, J. P.
(v. Novo Testam ento, datação do; Novo Testam ento, h is to -
Moreland e Norman L . Geisler.
ric id a d e do ; N o vo T e sta m e n to , m a n u scrito s do) e argu-
A apologética clássica enfatiza argumentos racionais
mentar, com base nessa credibilidade, a favor do tes-
para a existência de Deus (v. D eu s , ev id ên c ia s d e ) e evidência
temunho do n t que Jesus afirmou ser, e comprovou
histórica que apóia a verdade do cristianismo. Os milagres
milagrosamente ser, 0 Filho de Deus (v. C r is t o , d iv in -
recebem ênfasecomo confirmação das afirmações de Cristo
dade de). Assim, a própria voz de Jesus é acrescentada
e dos profetas e apóstolos bíblicos.
à evidência histórica de que 0 a t é a Palavra de Deus.
Diferenças em relação à apologética pressupo-
sicional e evidenciai A apologética clássica difere das Sua promessa do ministério do Espírito Santo faz 0
mesmo para 0 n t (v. BfBLiA, v isã o de Jesus da).
várias formas de apologética pressuposicional na maneira
pela qual lida com as provas da existência de Deus e no Às vezes apologistas clássicos começam esse se-
seu uso da evidência histórica. A apologética clássica di- gundo passo demonstrando que a Bíblia afirma ser a
fere da evidenciai quanto à questão da existência de uma Palavra de Deus e é comprovada sobrenaturalmente
necessidade logicamente anterior para estabelecer a exis- como tal. Ao fazer isso geralmente usam a mesma evi-
tência de Deus antes de defender a verdade do cristianis- dência básica usada por apologistas evidencialistas.
mo (por exemplo, a divindade de Cristo e a inspiração da Isso inclui milagres (v. m i l a g r e ; m i l a g r e s , v a l o r
Bíblia [v. C r isto , d iv in d a d e d e ] ). a p o lo g é t ic o d o s ; m il a g r e s na B íb l ia ), profecias cumpri-

A apologética clássica é caracterizada por dois pas- das (v. p r o f e c ia com o prova da B í b l ia ), a unidade da Bí-
sos básicos. O primeiro passo é estabelecer argumen- blia e outras indicações da sua origem sobrenatural
tos teístas válidos para a verdade do t e ís m o sem (mas (v. B íb l ia , e v id ê n c ia s d a ). A diferença entre os apologistas
com apelo a) revelação especial nas Escrituras. O se- evidencialistas e os clássicos nesse ponto é que os clás-
gundo passo é compilar evidências históricas para sicos vêem a necessidade de primeiro estabelecer um
estabelecer verdades básicas do cristianismo como a universo teísta para estabelecer a possibilidade de
183 clássica, apologética

milagres. Os evidencialistas não vêem 0 teísmo como interpretados de forma diferente sob perspectivas di-
uma pré-condição logicamente necessária da apoio- ferentes de visão de mundo. Não há fatos puros. Todos
gética histórica. os fatos são interpretados, e a interpretação deriva da
0 argumento básico do apologista clássico é que não visão de mundo da pessoa. Se concordarem que 0 ca-
faz sentido falar sobre a ressurreição como um ato de dáver de ]esus ressuscitou, então essa informação pode
Deus a não ser que seja estabelecido, como passo lógi- ser interpretada de outra forma pelas diferentes visões
co, que há um Deus que possa agir. Da mesma forma, a de mundo. Um teísta cristão (v. t e ís m o ) vê 0 evento
Bíblia não pode ser a Palavra de Deus se não há um como uma ressurreição sobrenatural que confirma a
Deus que possa falar. E não é possível provar que Cristo afirmação de Cristo de ser 0 Filho de Deus. Mas 0
é 0 Filho de Deus sem a premissa logicamente anterior panteísta (v. p a n t e ís m o ) vê isso apenas como uma ma-
de que há um Deus que pode ter um Filho. nifestação do Ser, do qual somos todos parte. Revela
Ao mesmo tempo que alguns evidencialistas que Cristo era um guru, não Deus, 0 Criador, revelado
usam provas teístas, eles não acreditam que seja na carne humana. O ateu ou naturalista vê 0 evento
logicamente necessário fazê-lo. Acreditam que tra- como um mito ou, na melhor das hipóteses, uma ano-
ta-se apenas de uma abordagem alternativa. As obras malia que tem uma explicação puramente natural.
de John Warwick Montgomery e Gary Habermas se Em resposta a essa objeção, muitos apologistas
encaixam nessa categoria. clássicos, inclusive este autor, concordam com 0 pon-
Nesse ponto há uma semelhança entre a to básico defendido pelos pressuposicionalistas; ob-
apologética clássica e a pressuposicionalista. Ambas servam, porém, que isso não afeta a abordagem, já que
acreditam que não se pode argumentar legitimamen- a apologética clássica acredita que é logicamente ne-
te com base em dados históricos sem começar com a cessário primeiro estabelecer 0 teísmo como 0 con-
premissa anterior de que um Deus teísta existe. Eles texto de visão de mundo em que os fatos da história
diferem sobre como estabelecer essa premissa inicial. são interpretados adequadamente.
Os pressuposicionalistas afirmam que cada visão de A apologética clássica e os pressuposicionalistas dis-
mundo age como uma grade pressuposicional que fil- cordam em duas questões. Primeiro, apologistas clássi-
tra fatos adicionais e tenta encaixá-los na idéia do in- cos afirmam que podem estabelecer 0 teísmo pelos ar-
divíduo de como 0 mundo funciona. Mas por trás desse gumentos racionais tradicionais, e os pressuposiciona-
processo está um conhecimento inato e subentendido listas não. Segundo, os apologistas clássicos argumen-
da verdade, como diz Romanos 1 e a máxima de A g o s - tam que só é logicamente necessário estabelecer 0
t in h o de que todo ser humano está“ lidando” com Deus. teísmo antes de entender a evidência histórica correta-
O apologista depende da obra do Espírito Santo para mente, Muitos pressuposicionalistas, tal como Van Til,
mostrar 0 fracasso da visão de mundo do indivíduo e insistem em que é necessário pressupor um Deus trino
estimular 0 conhecimento inato. Os apologistas clás- (v. T r in d a d e ) que se revelou nas Escrituras como pres-
sicos insistem em que 0 apologista assume um papel suposição necessária para qualquer evidência históri-
mais ativo junto com 0 Espírito Santo de analisar a ca que apóie 0 cristianismo. Mas isso,para os apologistas
verdade sobre Deus até ela estar estabelecida e admi- clássicos, é apenas raciocínio circular.
tida no coração do incrédulo. .4 validade dos argum entos transcendentais. Nem
O bjeçõ es à a p o lo g ética clássica. Outras visões todos os pressuposicionalistas descartam todos os ar-
cristãs fazem várias objeções importantes à apoio- gumentos a favor do cristianismo. Alguns usam um ar-
gética clássica. Algumas delas vêm de evidencialistas gumento t r a n s c e n d e n t a l (por exemplo, Greg Bahnsen).
e outras de pressuposicionalistas ou fideístas (v. Eles insistem em que a única maneira válida de argu-
F1DEÍSM0), que rejeitam a validade dos argumentos mentar a favor da verdade do cristianismo é mostrar
teístas tradicionais. que é transcendentalmente necessário supor a verdade
In validade das provas tradicionais. Fideístas e básica do cristianismo como condição para fazer algum
pressuposicionalistas rígidos rejeitam todos os argu- sentido independentemente do nosso mundo. Em ne-
mentos clássicos da existência de Deus. Suas objeções nhuma outra pressuposição pode-se supor que há al-
específicas são consideradas em outro artigo (v. D e u s , gum significado na história ou ciência, ou mesmo ten-
OBJEÇÕES ÀS PROVAS DE). tativa de comunicação.
In validade dos argu m en to s históricos. Fideístas Os apologistas clássicos concordam que isso é
e pressuposicionalistas afirmam que nenhum ape- verdade à medida que 0 teísmo é necessário para con-
10 a qualquer tipo de evidência, inclusive evidénci- siderar a vida significativa e coerente. Num sistema
as históricas, é válido, já que os mesmos dados são fechado não há significado absoluto, nem valores
Clemente de Alexandria 184

absolutos, e nenhum “milagre” ocorre que não possa Ele também falou da inspiração dos poetas gregos
ser explicado por fenômenos naturalistas (cf. Jo 3.1,2; (Exortação aos pagãos, 8), e chegou ao ponto de decla-
At 2.22; Hb 2.3,4). Mas não é necessário pressupor que rar que, “pela reflexão e visão direta, aqueles dentre os
Deus é trino, que tem um Filho que se encarnou como gregos que filosofaram precisamente, viram a Deus”
Jesus de Nazaré e se revelou nos 66 livros inspirados (Stromata 1.19).
das Escrituras cristãs. E possível entender 0 mundo Mas Clemente não foi racionalista a ponto de não
supondo menos que toda a verdade do cristianismo. afirmar 0 sola Scriptura, insistindo, a respeito da Bí-
Outras diferenças são detalhadas em outro artigo. blia, em que “certamente a usamos como critério na
É suficiente observar aqui que elas envolvem 0 papel descoberta das coisas” . Pois
da fé e da razão, principalmente 0 uso da lógica ou da
razão para demonstrar a existência de Deus, que os 0 que é sujeito a crítica não deve ser aceito até que seja
apologistas clássicos usam e os pressuposicionalistas assim sujeito; então 0 que precisa de crítica não pode ser
puros rejeitam. um primeiro princípio” (Stromata 7.16).

Fontes No entanto, a filosofia grega servia no máximo como


A n s e l m o , Monologion. um papel preparatório para Cristo. Pois
___ , Prologion.
R. Bush, Readings in classical apologetics. a filosofia helênica não compreende toda a extensão da
W. C o r d u a n , A reasonable faith. verdade, e [... ] prepara 0 caminho para 0 ensinamento verda-
W. L. C r a ig , Apologetics: an introduction. deiramente real [...] e apropriado àquele que crê na providên-
N. L. G e is l e r , Christian apologetics. cia para a recepção da verdade” (Stromata 1.16).
J. G e rstn e r, Reasons for faith.
S. H a c k e t t , The reconstruction ot the Christian Havia limitações à filosofia. Os gregos só tinham
revelation claim. “certos reflexos da palavra divina” (Exortação 7). A fé é
C. S. L e w i s , Cristianismo puro e simples. 0 meio de atingir a revelação total de Deus (Exortação 8).
]. L o c k e , The reason ablen ess ot Christianity. Como Ju s t in o M á r t ir , Clemente acreditava que a
J . P. M o r e l a n d , Scaling the secular city. verdade da filosofia foi tomada por empréstimo das
\V . P a l e y , Saturn! theology. Escrituras hebraicas. Escreveu:
R. C. S??.vc1, R azão para crer.
T o m a s p e A q u in o , Sumtna contra gentiles. Eu conheço teus mestres, mesmo que os queiras escon-
___ , Símia teológica. der. Aprendeste geometria com os egípcios, astronomia com
os babilônios; [...] mas as leis que são consistentes com a
Clemente de Alexandria. Os pais da igreja dos sécu- verdade, e teus sentimentos com respeito a Deus, deves aos
los πe m foram apologistas que defenderam a fé con- hebreus (Exortação 6).
tra os ataques de pensadores judeus e pagãos. Entre
os primeiros apologistas estava Clemente de Alexan- Mas 0 que os filósofos possuíam da verdade não
dria (c. 150-c. 213). revelava Cristo diretamente. Ele disse com clareza:
A apologética de Clemente. Para alguns, a posi-
ção de certos apologistas primitivos, como Clemente, Não creio que a filosofia declare diretamente a Pala-
parece muito racionalista e enfatiza demais a filosofia vra, apesar de em muitos casos a filosofia tentar e conse-
grega. Depois de uma análise mais profunda, no en- guir ensinar-nos persuasivamente argumentos prováveis
tanto, os primeiros defensores pós-apostólicos da fé (Stromata 1.19).
eram mais cristãos na sua apologética do que pare-
cem à primeira vista (v, fé e ra z ã o ). Geralmente ignora-se 0 fato de Clemente acredi-
Clemente afirmou que tar que a fé é um pré-requisito da filosofia; acreditar é
uma precondição de saber. Pois segundo ele todo co-
antes do advento do nosso Senhor, a filosofia era necessária nhecimento é baseado em primeiros princípios, e
para que os gregos conhecessem a justiça [...] Talvez a filosofia
também tenha sido dada aos gregos direta e primariamente, até primeiros princípios são incapazes de demonstração
0 Senhor chamar os gregos. Pois ela tbi um aio para trazer a men- [...] Assim, a fé é algo superior ao conhecimento e [é] seu
te helênica,como a lei, os hebreus, para Cristo’ (Stromata 1.5). critério” (Stromata 2.4).
185 Comte, Auguste

A valiação. Em seu contexto, a defesa da fé cristã das forças naturais, e para a compreensão através de
feita por Clemente foi eficaz. Com base em seu domí- descrições fenomenológicas (empíricas). Em vez de es-
nio da filosofia predominante, defendeu a superiori- píritos animados ou poderes impessoais, as leis natu-
dade da revelação cristã. Ao mesmo tempo em que fi- rais são supostas. Nesse crescimento de três fases cau-
lósofos não-cristãos possuíam alguma verdade, esta sas espirituais e depois racionais são substituídas por
também vinha de Deus, por revelação geral ou especi- descrições puramente naturais (positivistas).
al. Sem 0 cristianismo os gregos teriam no máximo O estágio religioso tem evolução própria. As pesso-
apenas um conhecimento preparatório e parcial de as passam das manifestações politeístas (v. politeísmo)
Deus. A plenitude da verdade é encontrada apenas em da natureza para deuses múltiplos e finalmente ao
Cristo. De fato, a verdade que os pagãos possuíam to- monoteísmo, que consolida todas as forças que não são
maram de empréstimo das Escrituras cristãs. compreendidas numa única divindade. O problema com
a interpretação religiosa é que ela antropomorfiza a na-
Fontes tureza. 0 problema com 0 estágio metafísico é que tor-
C le m e n te de A le x a n d r ia , Exhortation to the heathen.
na as idéias reais, em lugar de apenas descrevê-las e
___ , Stromata, ante-nicenefathers, v. 2,
interpretá-las, como faz 0 estágio positivista.
P h il l ip S c h a f f , org .
O objetivo de Comte era encontrar uma lei geral
pela qual todos os fenômenos estão relacionados. Tal
coerência. V. verdade, d efinição da.
lei, acreditava ele, seria 0 resultado ideal da filosofia
positivista. Mas 0 resultado mais provável é uma uni-
coerência como teste da verdade. V. Clark, Gordon;
dade no método científico.
VERDADE, DEFINIÇÃODA.
Para Comte, a sociologia é a ciência final, a ciência
da sociedade. O progresso social é dialético, passando
Comte, Auguste. De uma família francesa católica e
do feudalismo (v. F re u d , Sigm und), através da Revolu-
racionalista (1797-1857) (v. racioxalism o). Estudou ciên-
ção Francesa, até 0 positivismo. A liberdade de pensa-
cia e foi secretário de Saint-Simone na École Polytechnique.
mento está tão deslocada na sociedade quanto na físi-
Disse que “deixou de acreditar em Deus naturalmente”
ca. A verdadeira liberdade está na sujeição racional a
aos 14 anos de idade. Comte é 0 pai do positivismo e da
leis científicas. Uma lei é que a sociedade deve se de-
sociologia. Ele inventou este último termo. Desenvolveu
uma seita religiosa mística (v. misticismo), não-teísta e senvolver numa direção positivista.
humanista, na qual se instalou como sumo sacerdote Os três estágios de Comte também foram expressos
(v. HUMANISMO SECULAR). politicamente. Primeiro, a sociedade-da Idade Média
As principais obras de Comte foram D iscurso so- compartilhava idéias religiosas comuns (estágio teoló-
b re 0 e s p ír ito p o s itiv o (1830-1842) e C a tec ism o gico). Segundo, a Revolução Francesa tinha ideais poli-
positivista (1852). O Catecism o incluía um calendário ticos comuns (estágio metafísico). Finalmente, a socie-
de “santos” seculares. dade moderna (positivista) deve compartilhar 0 méto-
À filo so fia positivista d e C om te. Com um ponto do científico. Nesse estágio 0 sacerdócio católico foi subs-
de partida epistemológico no agnosticismo tituído por uma elite científico-industrial. Dogmas são
antimetafísico de Immanuel K a n t e no desenvolvimen- baseados na ciência e proclamados pela elite.
tismo histórico de G. W. F. Hegel, Comte desenvolveu sua Karl M a r x negou que tenha lido Comte antes de
“lei de crescimento” . Ela incluía três estágios do desen- 1886, mas um amigo comtiano (E. S. Beesley) presi-
volvimento humano: teológico (infantil) — antigo, diu a assembléia de 1864 da Associação Internacio-
m etafisico (jovem) — medieval epositivista (adulto) — nal dos Operários Marxistas. As teorias de Comte sem
moderno. O primeiro apresentava crença primitiva em dúvida influenciaram 0 desenvolvimento da inter-
deuses pessoais, mais tarde substituída pela idéia grega pretação dialética da história por parte de Marx.
da lei impessoal, suplantada pela crença moderna As o p in iõ es religio sa s d e C om te. Comte não gos-
(positivista) na unidade metodológica da ciência. Es- tava do protestantismo, declarando-o negativo e cau-
ses três estágios representam os estágios mitológico sador de anarquia intelectual. Desenvolveu uma reli-
(mythos),metafísico (logos) e científico (positivista) da gião humanista e não-teísta, em que ele era 0 sumo
raça humana. Segundo Comte, os seres humanos pas- sacerdote da Religião da Humanidade. Sua amante,
sam da explicação pessoal da natureza para a lei im- Clothilde Yaux, era a sacerdotisa. Comte desenvolveu
pessoal, e finalmente a um método objetivo. Eles avan- C alendário religioso /7«mí?msfa,com“santos” tais como
çam da crença em seres sobrenaturais para a aceitação Frederico, 0 Grande, Dante e Shakespeare.
convencionalismo 186

Avaliação. As opiniões de Comte estão sujeitas a é relativa. Mas isso é contrário à afirmação cristã de que
várias fraquezas filosóficas, científicas e históricas. A há verdade absoluta (v. verdade, natureza absoluta da).
crítica de algumas das suas idéias é encontrada em Verdades absolutas são sempre verdadeiras, em todos
outros lugares, particularmente no artigo humanismo os lugares para todas as pessoas.
secu lar. O convencionalismo é uma reação ao platonismo
O ateísm o de Comte é inadequado. Como outros ateus (v. P la t ã o ) , que argumenta que a linguagem tem uma
(v. Deus, suposta re fu ta çã o de), Comte jamais conseguiu essência imutável ou formas ideais. Convencionalistas
eliminar Deus. Ele não refutou realmente os argumen- acreditam que 0 significado muda para se ajustar a
tos a favor da existência de Deus (v. Deus, evidências de). cada situação. 0 significado é arbitrário e relativo à
Em vez disso, tentou eliminá-los por meio de suas teo- cultura e ao contexto. Xão há formas transculturais. A
rias do desenvolvimento histórico. linguagem (significado) não tem essência própria; 0
O desen volvim en to h istórico d e C om te é in fu n d a- significado lingüístico é derivado da experiência rela-
do. A filosofia da história de Comte é gratuita e in- tiva em que a linguagem se baseia.
fundada. Não é justificada filosoficamente nem Alguns dos proponentes modernos do convencio-
corresponde aos fatos. A história simplesmente não nalismo são Ferdinand Saussure (m. 1913), Gottlob
se encaixa nos estágios nítidos de desenvolvimento Fregge (m. 1925) e Ludwig W ittg e n s te in (m. 1951). Sua
que sua teoria exige. Por exemplo, restam grandes teoria é muito aceita na filosofia lingüística atual.
teorias metafísicas modernas e contemporâneas, Sím bolos e significado. Uma diferença importante
como 0 panenteísmo, representado por Alfred North separa uma teoria convencionalista de símbolos e uma
W h i t e h e a d , e 0 monoteísmo que antecedeu 0 teoria convencionalista de significado. Além dos símbo-
politeísmo, como demonstrado pelas tábuas de Ebla los naturais (por exemplo, fumaça indicando fogo) e ter-
(v. monoteísmo p rim itivo ). mos onomatopéicos (por exemplo, cabrum, chuá, bum)
A s crenças hu m anistas d e Com te são absurdas. Até cujo som expressa os significados das palavras, pratica-
outros ateus e humanistas ficam constrangidos com mente todos os lingüistas reconhecem que símbolos são
as crenças religiosas de Comte. Elas descrevem uma convencionalmente relativos. No inglês, a palavra down
perspectiva religiosa e supersticiosa que ele mesmo não tem nenhuma relação intrínseca com as penugem
classificou como primitiva. Se a religião está ultrapas- de um ganso. A palavra também se refere a uma posição
sada pela ciência, para que estabelecer outra religião, mais inferior, um estado psicológico, um tipo de forma-
com sumo sacerdote, sacerdotisa e dias santos? ção montanhosa, uma tentativa de mover a bola no fute-
Na verdade, Comte deificou 0 método científico boi americano e a direção sul. 0 mesmo grupo de sons
de estudar a natureza. Mas Comte protestou que ou- ou sons semelhantes podem ter vários significados bem
tros haviam deificado a natureza. A abordagem diferentes em outras línguas, e muitas línguas terão sons
positivista não era apenas um método de descobrir diferentes para se referirem às penas de um ganso. Isso
alguma verdade, mas 0 método de descobrir toda ver- acontece com a maioria das palavras.
dade. Como tal, envolvia crenças contraditórias no Isso não é 0 mesmo que afirmar que 0 significado
materialismo. Era enfraquecida como cosmovisão de uma frase é relativo culturalmente. É dizer apenas
pela negação da metafísica e da moralidade absoluta que as palavras usadas para expressar significado são
(v. m o ra lid a d e ,n a tu re z a a b so lu ta d a). relativas. Isto é,símbolos individuais são relativos,mas
não 0 significado que uma combinação de símbolos
Fontes dá a uma frase.
A. C o m tf, Curso d e filosofia positiva. Avaliação. Como teoria de significado, 0 conven-
_____ , C atecism o positivista. cionalismo tem sérias falhas. Primeiro, é uma teoria
“ C o m te , A u g u s t e ” , e p s . contraditória. Se a teoria fosse correta, a afirmação
L. L b t -B ruhl , The p h ilosop h y o f Auguste Comte. “ Todo significado lingüístico é relativo” seria relativa
J. S . M il l , Auguste C om te a n d positivism . e, portanto, insignificante. Mas 0 convencionalista que
T. W h it t a k e r , C om te a n d Mill. faz tais afirmações supõe que frases têm significado
objetivo, então ele faz afirmações objetivamente
contradição. V. primeiros princípios. significantes para argumentar que não há afirmações
objetivamente significantes.
convencionalismo. Teoria de que todo significado é Segundo, se 0 convencionalismo fosse correto, afir-
relativo. Já que todas as afirmações da verdade são afir- mações universais não seriam traduzidas para outras
mações significativas, isso implicaria que toda verdade línguas como afirmações universais. Mas esse não é 0
187 convencionalismo

caso. A frase“ Todos os triângulos têm três lados” é con- cosmovisões. Um teísta (v. teísmo) ou um panteísta (v.
siderada universalmente verdadeira em mongol, espa- panteísmo) podem fazer a afirmação: “Deus é um Ser Ne-
nhol e em qualquer língua com as palavras triângulo, eessário” .As palavras em si, sem definições objetivas por
três e lado. O mesmo acontece com a afirmação “ Todas trás das palavras para apoio, carecem de qualquer rela-
as esposas são mulheres casadas” . Se 0 significado fos- cão com a verdade. O teísta e 0 panteísta podem conver-
se culturalmente relativo, nenhuma afirmação univer- sar por horas, dando um ao outro a impressão de que
sal e transcultural seria possível. acreditam nas mesmas coisas sobre Deus. Ao consegui-
Não haveria verdades universais em nenhuma lín- rem demonstrar significados sólidos de Deus e SerNeces-
gua. Não se poderia nem dizer 3 + 4 = 7. Na lógica, sário, no entanto, os que conversam podem discutir as
não haveria a lei da não-contradição. Na verdade, ne- diferenças em suas cosmovisões.
nhum convencionalista coerente pode sequer negar É fácil ver que nenhum conhecimento realmente
tais primeiros princípios absolutos sem usá-los. A pró- descritivo de Deus é possível para um convenciona-lis-
pria afirmação de que “0 significado de todas as afir- ta. A linguagem é estritamente baseada na experiência.
mações é relativo a uma cultura” baseia seu significa- Ela nos diz apenas 0 que Deus parece ser p a ra nós na
do no fato de as leis da lógica não serem relativas a nossa experiência. Não pode nos dizer 0 que ele real-
uma cultura, e sim transcenderem culturas e línguas. mente é p o r si. Isso acaba por se reduzir a agnosticismo
Terceiro, se 0 convencionalismo fosse verdadeiro, contraditório ou à afirmação de que sabemos que não
não conheceríamos nenhuma verdade antes de conhe- podemos saber nada sobre a natureza de Deus (v. ana-
cer 0 contexto dessa verdade nessa língua. Mas pode- log ia, princípio da). Os convencionalistas reduzem 0 sig-
mos saber que 3 + 4 = 7 antes de conhecer qualquer nificado de Deus a um mero referencial interpreta-tivo,
convenção de uma língua. A matemática pode depen- em vez de um ser que está além do mundo. O teísmo
der dos símbolos relativos para se expressar, mas as mostra que Deus é (v. cosmológico, argumento; Deus, evi-
verdades da matemática são independentes da cultu- dências de; K a la m , argum ento cosmológico de).
ra. Da mesma forma, as leis da lógica são indepen- Sétima, 0 convencionalismo tem uma justificação cir-
dentes da convenção humana. A ló g ica não é arbitrá- cular. Não justifica suas alegações, apenas as declara. Se
ria, e suas regras não são criadas num contexto cultu- pedir para um convencionalista dar a base dessa crença de
ral, e sim descobertas. Elas são verdadeiras acima da que todo significado é convencional, ele não pode dar uma
língua e da expressão cultural. base não convencional. Se pudesse, não seria mais
Quarto, um problema relacionado é que 0 convencionalista. !Mas uma base convencional para 0
convencionalismo confunde afon te de significado com convencionalismo seria uma razão relativa para 0
sua base. A fonte do conhecimento de uma pessoa de relativismo. Tal argumento só poderia ser circular.
que “ Todas as esposas são mulheres casadas” pode ser Oitava, convencionalistas geralmente distinguem
social. É possível aprender isso de um parente ou pro- entre gramática superficial e profunda para evitar al-
fessor. .Mas a base do conhecimento de que isso é uma guns dos seus dilemas. Mas tal distinção supõe que eles
afirmação verdadeira não é social, mas sim lógica. Re- têm um ponto de vista independente da linguagem e da
presenta um primeiro princípio de lógica na medida em experiência. 0 convencionalismo, por natureza, não per-
que 0 predicado é redutível ao sujeito (esposa = mulher mite um ponto de vista fora da cultura. Assim, até essa
casada). É verdadeira por definição, não por aculturação. distinção é logicamente inconsistente com a teoria.
Quinta, se 0 convencionalismo fosse correto, ne- Conclusão. A teoria de significado dos convencio-
nhum significado seria possível. Se todo significado é nalistas é uma forma de relativismo semântico. Como
relativo, com base na experiência mutável, que por sua outras formas de relativismo, 0 convencionalismo é con-
vez deriva significado da experiência mutável, não há traditório. A própria teoria de que todo significado é rela-
base para significado. Uma série infinita é imprópria tivo é em si um conceito não relativo. É uma afirmação
para encontrar a primeira causa do universo e é im- significativa feita para ser aplicada a todas as afirmações
própria para descobrir 0 início do significado se todo significativas. É uma afirmação não convencional que
significado depende de outros significados. Uma afir- declara que todas as afirmações são convencionais.
mação sem base de significado é uma afirmação in-
fundada. Fontes
Sexta, 0 convencionalismo tem apenas um critério G. Frf.uí, Über Situi u n dB edeu tu n g ( “ On sense and
interno de significado. Mas critérios internos não ajudam reference” 1em P. Geach, org. e trad., Translations
a resolver conflitos entre significados distintos para a from the p h ilo sop h ica l writings o f G ottlob Frege.
mesma afirmação obtidos de perspectivas de diferentes E. G:l>on. Linguistics a n d philosophy.
cosmovisão 188

J. H a r r is , Against relativism. Panteismo. Deus é o Todo/Universo. Para 0 panteísta,


P la t ã o , Cratylus. não há Criador transcendente além do universo. O Cri-
F. Sau ssu re , C ow s de lin g u istiqu eg én érale ( 1 91 6) . ador e a criação são duas maneiras de denotar uma
_____ , Course in gen era l linguistics. realidade. Deus é 0 universo ou Todo, e 0 universo é
To m as de A q l i n o , Sum a teo lóg ica , 1. 84- 5. Deus. Há, em última análise, uma realidade, não mui-
L. W it t g e n s t e in , Investigações filosóficas. tas diferentes. Tudo é mente. 0 panteismo é represen-
tado por certas formas de hinduísmo, zen-budismo e
cosmovisão. Modo pelo qual a pessoa vê ou interpre- Ciência Cristã.
ta a realidade. A palavra alemã é W eltanschau-ung, que Panenteísm o. Deus está no universo, com o a m ente
significa um “mundo e uma visão de vida” , ou “um está no corpo. O universo é 0 “corpo” de Deus. É seu
paradigma” . É a estrutura por meio da qual a pessoa pólo real. Mas há outro “pólo” de Deus além do uni-
entende os dados da vida. Uma cosmovisão influencia verso físico. Ele tem potencial infinito de se transfor-
muito a maneira em que a pessoa vê Deus, origens, mar. Essa visão é representada por Alfred North
mal, natureza humana, valores e destino. W h ite h e a d , Charles H a r ts h o rn e e Shubert Ogden.
Há sete visões principais de mundo. Cada uma é T e ís m o F in it o . E xiste um Deus fm ito além d o e no
singular. Com uma exceção, pantf.ísmo/politeis.mo, nin- universo. O teísmo finito é como 0 teísmo, só que 0 deus
guém pode acreditar coerentemente em mais de uma além do universo e ativo nele é limitado em natureza e
cosmovisão, porque as premissas centrais são mu- poder. Como os deístas, os teístas finitos geralmente
tuamente exclusivas (v. verdade, natureza da; pluralism o aceitam a criação, mas negam a intervenção milagro-
religio so; relig iõ es , mundiais e c ris tia n is m o ). É claro que sa. Muitas vezes a incapacidade de Deus de derrotar 0
apenas uma cosmovisão pode ser verdadeira. As sete mal é dada como razão para crer que Deus é limitado
cosmovisões principais são: teísmo, deísmo, ateísmo, em poder. John Stuart Mm., W illiam Jam es e Peter
panteismo, panenteísmo, teísmo finito e politeísmo. Bertocci defendem essa cosmovisão.
A n a lis a n d o as visões. Teísmo. Um Deus infinito e P o l it e ís m o . M uitos d eu ses existem a lém d o m u n do
p essoal existe além d o e no universo. 0 teísmo diz que 0 e nele. O politeísmo é a crença em muitos deuses
universo físico não é tudo que existe. Há um Deus in- finitos, que influenciam 0 mundo. Seus defensores
fmito e pessoal além do universo que 0 criou, que 0 negam que qualquer Deus infinito esteja além do
sustenta e que age nele de forma sobrenatural. Está mundo. Afirmam que os deuses são ativos, geralmen-
transcendentalmente “em algum lugar distante” e te acreditando que cada um tem seu próprio domí-
imanentemente “aqui” . É a visão representada pelo nio. Quando um deus finito é considerado chefe so-
judaísmo tradicional, 0 cristianismo e 0 islamismo. bre outros, a religião é chamada de henoteísmo. Os
Deísmo. D eus está além d o universo, m as n ão nele. principais representantes do politeísmo incluem os
0 deísmo é 0 teísmo sem milagres. Diz que Deus é gregos antigos, os mórmons e os neopagãos (e. g.
transcendente sobre 0 universo mas não imanente adeptos da wicca).
nele, por certo não sobrenaturalmente. Defende uma I m p o rtâ n c ia d e u m a cosmovisão. Cosmovisões
visão naturalista da operação do mundo. Junto com 0 influenciam 0 significado pessoal e os valores, a ma-
teísmo, acredita que 0 originador do mundo é um Cri- neira em que as pessoas agem e pensam. A pergunta
ador. Deus fez 0 mundo, mas não age nele. Ele “deu mais importante a que uma cosmovisão responde é:
corda” na criação e a deixa funcionar sozinha. Ao con- “ De onde viemos?” .A resposta a essa pergunta é crucial
trário do panteismo, que nega a transcendência de para 0 modo pelo qual as outras perguntas são res-
Deus, favorecendo a sua imanência, 0 deísmo nega a pondidas. 0 teísmo declara que Deus nos criou. A cri-
imanência de Deus, favorecendo sua transcendência. ação foi do nada, ex nihilo. 0 ateísmo acredita que evo-
François-Marie V o lt a ir e , Thomas Je ffe rs o n e Thomas luímos por acaso. 0 ateísmo defende a criação a partir
P a in e foram deístas. da matéria, ex m ateria. 0 panteismo afirma que ema-
Ateísmo. N ão existe nenhum Deus além d o ou no namos de Deus como raios do sol ou fagulhas do fogo.
universo. O ateísmo afirma que 0 universo físico é tudo A criação é a partir do próprio Deus, ex D eo (v. cria-
que existe. Não existe nenhum Deus em lugar algum, çAo, visões da). Os outros usam alguma forma dessas
nem no universo nem além dele. 0 universo ou cos- explicações, com ligeiras diferenças.
mos é tudo que existe e tudo que jamais existirá. Tudo Essa idéia influenciaria a visão sobre a morte, por
é matéria. O universo é auto-suficiente. Alguns dos exemplo. 0 teísta acredita na imortalidade pessoal;
ateus mais famosos foram Karl M a r x , Friedrich 0 ateu geralmente não. Para o teísta, a morte é 0 co-
N ietzsch e e Jean-Paul S a r t r e . meço, para 0 ateu um término da existência. Para 0
189 criação, visões da

panteísta, a morte é 0 fim de uma vida e 0 começo (um além do e um no mundo), 0 panenteísmo está
de outra, levando a uma eventual união com Deus. correto. Se há um Deus infinito, ou há intervenção des-
Os teístas acreditam que foram criados por Deus se Deus no universo ou não há. Se há intervenção, 0
com 0 propósito de ter comunhão eternamente com teísmo é verdadeiro. Se não há, 0 deísmo é verdadeiro.
ele e adorá-lo. Os panteístas acreditam que perdere-
mos toda identidade individual em Deus. Os ateus ge- Fontes
ralmente vêem a im ortalidade como a continuação da N. L. Gr.:>Lt:R. Worlds apart: a h a n d b o o k on w orld
espécie. Vivemos nas memórias (por certo tempo) e Y ii'K S .

na influência que temos sobre as gerações futuras. J. S;Rt, The universe next door.
Obviamente, 0 que a pessoa acredita sobre 0 fu- |. X . 'B L t , Understanding the times.
turo influenciará como ela vive agora. Xo teísmo
clássico,“só vivemos na terra uma vez” (cf. Hb 9.27), criação, evidências da. V. .« tró p ic o , princípio; Deus, evi-
portanto a vida assume uma certa sobriedade e ur- DFNCIAS DF.; COSMOLÓGICO, ARGUMENTO; D a RWIN, CHARLES; EVO-
gência que não teria para alguém que acredita em LUÇÃO BIOLÓGICA; RALAM, ARGUMENTO COSMOLÓGICO DE; ELOS
re e n c a rn a ç ã o . A urgência é em lidar com 0 ca rm a PERDIDOS.
para a próxima vida ser melhor. Mas sempre há
mais oportunidades nas vidas futuras de tentar no- criação, visões da. Três visões básicas procuram ex-
vãmente. Para 0 ateu, 0 velho comercial de cerveja plicar a origem do Universo. Os teístas (v. teísm o) afir-
resume tudo: Temos de “ viver pra valer, porque só mam que todas as coisas foram criadas ex nihilo, “do
vivemos uma vez” . nada” . Os panteístas (v. panteísmo) acreditam que 0
Um ato virtuoso recebe significados diferentes Universo material surgiu ex Deo, “de Deus”, uma par-
das diversas visões de mundo. O teísta vê um ato te de um Deus impessoal, em vez da obra de um ser
de compaixão como obrigação absoluta imposta sábio que age além de si mesmo. O materialismo (v.
por Deus (v. m o ra lid a d e , n a iu r lz a a b so lu ta d a ), que m aterialism o) afirma uma criação ex m ateria (de ma-
tem valor intrínseco independentemente das con- terial preexistente).
seqüências. O ateu vê a virtude como obrigação Os materialistas, inclusive os ateus (v. ateísmo) e
auto-imposta que a raça humana colocou sobre dualistas (v. dualism o), acreditam que as origens nem
seus membros. Um ato não tem valor intrínseco envolvem criação, se cria ção for definida como 0 tra-
além do que lhe foi designado pela sociedade. balho executado por um ser. Para efeito de compara-
Também há um abismo entre cosmovisões com cão, todavia, 0 materialismo e 0 panteísmo podem ser
relação à natureza dos valores. Para 0 teísta, Deus do- colocados sob 0 título da criação. A origem materia-
tou certas coisas, a vida humana por exemplo, com lista pode ser chamada de Criação ex m a teria ,“a par-
valor supremo. É sagrada porque Deus a fez à sua ima- tir da matéria” .
gem. Assim, há obrigações divinas de respeitar a vida C r ia ç ã o ex materia. Visão m aterialista (ou
e proibições absolutas contra 0 assassinato. Para 0 ateu, dualista) das coisas existentes geralmente afirma que
a vida tem 0 valor que lhe foi atribuído pela raça hu- a matéria (ou energia física) é eterna. A matéria sem-
mana e suas diversas sociedades. É relativamente va- pre existiu e, por isso, sempre existirá. Como 0 físico
liosa, comparada com outras coisas. Geralmente 0 ateu afirma na primeira lei da termodinâmica; “a energia
acredita que um ato é bom se traz bons resultados e não pode ser criada nem destruída” .
mau se não traz. O cristão acredita que certos atos são Há duas subdivisões básicas na visão da “criação-
bons, não importa quais seiam os resultados. da-matéria” : aquela que envolve um Deus e a que não
As diferenças em cosmovisões podem ser resumi- envolve.
das no diagrama seguinte. Em alguns casos as palavras Deus criou a p a rtir de m atéria preexistente. Muitos
representam apenas a forma dominante ou caracterís- gregos antigos (dualistas) acreditavam na criação por
tica da visão, não a de todos que aceitam 0 sistema. Deus a partir de certo “monte de barro” preexistente e
R e s u m o . A realidade é ou apenas 0 universo, eterno (v. Platão, 27s.). Isto é, Deus e a matéria do uni-
ou apenas Deus, ou 0 universo e Deus(es). Se só verso material (cosmo) sempre existiram. A “criação”
existe 0 universo, 0 ateísmo está correto. Se só é 0 processo eterno pelo qual Deus tem dado forma
Deus existe, 0 panteísmo está correto. Se Deus e 0 continuamente à matéria do universo.
universo existem, então ou há um Deus ou mui- P la t ã o denominou a matériafo r m a (ou caos). Deus
tos deuses. Se há apenas um Deus, esse Deus é ou era 0 F orm ador (ou dem iurgo). Usando um mundo eter-
finito ou infinito. Se há um deus finito, 0 teísmo no de idéias, Deus deu forma ou estrutura à massa sem
finito está correto, Se esse deus finito tem dois pólos forma de matéria. O Formador (Deus), por meio dessas
criação, visões da 190

idéias (que fluíam da forma), transformou 0 que era Marx, a mente não criou a matéria; a matéria criou
sem forma (matéria) no que é formado (cosmo). Em a mente (M arx, p. 231).
termos gregos, 0 demiurgo, por meio dos eidos (idéias), Ao supor a existência eterna da matéria e do movi-
que fluíam do agathos (bem), transformou 0 chaos em mento,o ateu explica todo 0 resto pelas doutrinas da evo-
cosmos. Os elementos do dualismo platônico podem ser lução natural (v. evolução cósmica) e das leis naturais. A
facilmente separados: evolução natural (v. evolução biológica) funciona pela
A m atéria é eterna. A matéria básica do universo interação de matéria, mais tempo, mais acaso. Até as com-
sempre existiu. Nunca houve uma época em que os plexidades da vida humana podem ser explicadas por leis
elementos do universo físico não existissem. puramente naturais do universo físico. Dado 0 tempo
A “criação” significa form ação, não origem. “Cria- suficiente, macacos com uma máquina de escrever po-
ção” não significa fazer algo surgir e sim formação ou dem produzir obras de Shakespeare. Nenhum Criador
ordenação. Deus organiza a matéria que existe. inteligente é necessário.
0 “criador” é 0 Formador, não um Produtor. Por- Os d o g m a s d a cria çã o ex matéria. O conceito ateu
tanto, Criador não significa Originador, e sim Cons- das origens pode ser resumido em quatro temas:
trutor. Deus é um Arquiteto do universo material, não A m atéria é eterna. Conforme comentado acima, a
a Fonte de todas as coisas. premissa central do materialismo é que a matéria sem-
Deus não é soberano sobre todas as coisas. Tal Deus pre existiu. Ou, como um ateu disse, se a matéria sur-
não está no controle absoluto, pois há algo eterno além giu, surgiu do nada ep elo nada (Kenny, p. 147). O uni-
de Deus. A matéria eterna está em conflito dualista com verso material é um sistema fechado auto-sustentável
Deus, e ele não pode fazer nada a respeito. Ele pode e autogerado. Isaac Asimov especulou que havia uma
formar a matéria dentro de certos parâmetros. Assim chance igual de que nada viria do nada ou que algo
como há limites sobre 0 que pode ser feito com papel viria do nada. Por acaso, algo surgiu (Asimov, p. 148).
Então ou a matéria é eterna ou veio do nada esponta-
(ele é bom para fazer pipas, mas não espaçonaves), a
neamente sem uma causa.
própria natureza da matéria é uma deficiência. Tanto
Os primeiros materialistas, os atomistas (v. atomismo)
a existência quanto a natureza da matéria impõem li-
acreditavam que a matéria era uma massa de inúmeras
mites a Deus.
partículas indestrutíveis de realidade chamadas átomos.
N ão havia Deus p a ra criar. Uma segunda visão
Com a divisão do verdadeiro átomo e 0 surgimento da -
geralmente é chamada de ateísm o, apesar de muitos
teoria e=mc2 (energia igual a massa vezes a velocidade da
agnósticos (v. a cn o stic ism o ) terem praticamente a
luz ao quadrado) proposta por Albert Einstein, os materi-
mesma visão de mundo. 0 ateu diz que não há Deus;
alistas modernos falam da indestrutibilidade da energia
0 agnóstico afirma não saber se há um Deus. Mas
(a primeira lei da termodinâmica). Energia não deixa de
nenhum deles acredita ser necessário supor um
existir; ela simplesmente assume novas formas. Até na
Deus para explicar 0 universo. A matéria simples-
morte, todos os elementos do nosso ser são reabsorvidos
mente existe. O universo é tudo que existe. Até 0
pelo ambiente e reutilizados por outras coisas. Então 0
espírito veio da matéria.
processo continua.
0 materialista rígido responde à pergunta de onde
Nenhum Criador é necessário. O materialismo rígido
veio 0 universo com a pergunta: De onde veio Deus? A
exige a premissa do ateísmo ou não-teísmo. Não há Deus,
visão de mundo do materialista considera a pergunta
nem ao menos necessidade de um Deus. O mundo se ex-
absurda, porque 0 universo preenche grande parte do
plica. Como Ο π manifesto humanista disse: “Como não-
lugar conceituai normalmente reservado para 0 Cria-
teístas, começamos com os humanos, não com Deus, com
dor (v. CAUSALIDADE,PRINCÍPIO Da). a natureza e não com a divindade” (Kurtz, p. 16).
A idéia da criação vinda da matéria tem sido de- 05 humanos não são imortais. Outra implicação é
fendida desde os primeiros atomistas (v. atomismo). que não há alma imortal (v. im o rtalid a d e) o u um as-
Karl M arx (1818-1883) foi 0 filósofo moderno que pecto espiritual nos seres humanos. 0 / m anifesto
tentou levar 0 materialismo a sua conclusão final no humanista rejeitou
socialismo (Marx, p. 298). Um século depois, 0 as-
trônomo Carl Sagan popularizou a teoria na televi- 0 dualismo tradicional de mente e corpo [...] A ciência
são e nos livros destinados ao grande público. Gran- moderna desacredita tais conceitos históricos como 0 espí-
de parte do mundo ocidental ouviu 0 credo de Sagan: rito na máquina’ e alma separável” (ibid., p. 8,16,17).
Ό cosmo é tudo que existe, ou existiu, ou existirá”
(Sagan, p. 4). A humanidade é apenas poeira cósmi- 0 materialista rígido não acredita em espírito nem
ca. Os seres humanos criaram Deus. Como disse mente. Não há mente, apenas uma reação química
191 criação, visões da

no cérebro. Thomas Hobbes (1588-1679) definiu existe. Essa visão foi defendida por dois represen-
assim a matéria: tantes clássicos, Parmênides, do Ocidente (um gre-
go), e Shankara, do Oriente (um hindu).
O mundo (não quero dizer a terra apenas, que denomi- Parmênides argumentou que tudo é um (v.
na os seus amantes “homens mundanos”, mas 0 universo, monismo), porque supor que mais de uma coisa existe
isto é, toda a massa de todas as coisas que existem) é é absurdo (Parmênides, p. 266-283). Duas ou mais coi-
corpóreo, ou seja, corpo; e tem as dimensões de magnitude, sas teriam de ser diferentes umas das outras. Mas as
a saber, comprimento, largura e profundidade: e todas as únicas maneiras de diferir são por alguma coisa (exis-
partes do corpo também são 0 corpo, e tém as mesmas di- tência) ou por nada (inexistência). É impossível dife-
mensões; e conseqüentemente todas as partes do universo rir por nada, já que diferir por nada (ou inexistência)
são 0 corpo, e aquilo que não é corpo não é parte do univer- é apenas outra maneira de dizer que não há diferença
so: e porque 0 universo é tudo, 0 que não faz parte dele não nenhuma. E duas coisas não podem ser diferentes por
é nada, e conseqüentemente não está em lugar algum existência porque existência é a única coisa que têm
(Hobbes, p. 269). em comum. Isso significaria que diferem exatamente
naquilo em que são iguais. Logo, é impossível haver
Materialistas menos rígidos admitem a existência duas ou mais coisas; só pode haver um ser. Tudo em
da alma, mas negam que ela possa existir independen- um, e um em tudo. Nada mais realmente existe.
temente da matéria. Para eles a alma é para 0 corpo 0 Na terminologia da criação, isso significa que Deus
que a imagem no espelho é para quem 0 olha. Quando
existe e 0 mundo não existe. Há um Criador, mas não há
0 corpo morre, a alma também morre. Quando a maté-
criação. Ou, no mínimo, só podemos dizer que há uma
ria se desintegra, a mente também é destruída.
criação pelo reconhecimento de que a criação vem de deus
Os h u m an os n ão sã o singulares. Entre os que de-
como um sonho vem de uma mente. 0 universo é apenas
fendem a criação a partir da matéria, há diferenças
0 que deus pensa. Deus é a totalidade de toda realidade. E
com relação à natureza dos seres humanos. A maio-
0 não-real sobre 0 que ele pensa e que aparece para nós é
ria concede um status especial aos humanos, como 0
como um zero. É literalmente nada.
ponto mais alto no processo evolutivo. .Mas pratica-
Shankara descreveu a relação do mundo para Deus,
mente todos concordam que os humanos diferem
da ilusão à realidade, pela relação do que parece ser uma
apenas em grau, não em tipo, das formas de vida mais
cobra, mas, por um exame mais acurado, descobrimos
inferiores. Os seres humanos são apenas a forma mais
ser uma corda (v. Prabhavananda, p. 5). Quando olha-
elevada e mais nova da escada evolutiva. Tém habili-
mos para 0 mundo, 0 que está ali não é a realidade
dades mais desenvolvidas que os primatas. Certa-
(Brahman). É apenas uma ilusão ( m ay a).
mente os humanos não são peculiares em rela çã o ao
Da mesma forma, quando uma pessoa olha para
resto do reino animal, mesmo que sejam os seres
si, 0 que parece ser (corpo) é apenas uma manifesta-
mais elevados nele existentes.
cão ilusória do que realmente existe (alma). E quando
U m a av a lia çã o d a c ria ç ã o ex matéria. Para uma
alguém olha para sua alma, descobre que a profundi-
crítica do dualismo, veia fin ito , deísmo. A visão ateísta é
criticada em ateísmo. Além disso, a evidência a favor dade da sua alma (Atmã) é realmente a profundidade
do teísmo é evidência contra um universo eterno (v. do universo (Brahm an). Atmã (hum anidade) é
COSMOLÓGICO, argum ento; K áLáM , ARGUMENTO COSMOLÓGICO
Brahman (Deus). Pensar que não somos Deus é parte
A ciência contemporânea deu argumentos
de; teísm o). da ilusão ou sonho do qual devemos acordar. Mais cedo
poderosos contra a eternidade da matéria com base ou mais tarde devemos todos descobrir que tudo vem
na teoria cosmológica do b ig -b a n g (v.tb. e v o lu çã o de Deus, e tudo é Deus.
cosm ologica). Panteismo não-absoluto. Outros panteístas têm uma
C ria çã o ex Deo. Enquanto ateus e dualistas acre- visão mais flexível da realidade. Ao mesmo tempo que
ditam na criação ex m a teria , 0 panteismo defende a cri- acreditam que tudo é um com deus, aceitam uma
ação ex Deo, a partir de deus. Todos os panteístas po- multiplicidade na unidade de Deus. Acreditam que tudo
dem ser enquadrados em duas categorias: panteismo é um como todos os raios de um círculo estão no centro
absoluto e não-absoluto. desse círculo, ou como todas as gotas juntam-se numa
P an teism o absolu to. O panteismo absoluto afir- poça infinita. Os representantes dessa visão incluem 0
ma que apenas a mente (ou espirito ) existe. O que filósofo neoplatônico do século 11, P lo tin o (205-270), 0
chamamos “matéria” é ilusão, como um sonho ou filósofo moderno, Baruch E spin osa (1632-1677), e 0 con-
uma miragem. Parece existir, mas na verdade não temporàneo hindu, Radhakrishnan.
criaçao, visoes da 192

Conforme 0 Panteísmo não-absoluto, há muitas no Eu sou Deus!” . 0 Senhor Maitreya, considerado por
mundo, mas todas vem da essência de deus. Os mui- muitos 0 “ Cristo” da Nova Era, declarou por meio de
tos estão no Um, mas 0 Um não está nos muitos. Isto é, Benjamin Creme, seu agente de imprensa:
todas as criaturas são parte do Criador.Elas vem dele
assim como uma flor vem Elas vem dele assim como Meu propósito é mostrar ao homem que ele não precisa
uma flor vem de uma semente ou fagulhas vêm do mais ter medo, que toda Luz e verdade está dentro do seu
fogo. As criaturas são apenas gotas que se esparramam coração,que quando esse fato simples for conhecido 0 ho-
da poça Infinita, eventualmente caindo de volta e jun- mem se tornará Deus.
tando-se ao Todo. Todas as coisas vêm de Deus, são
parte de Deus e se unem de volta a Deus. Tecnicamen- U m a av alia çã o d a c ria ç ã o ex Deo. Há várias ma-
te falando, para 0 panteísta, não há criação, mas ape- neiras de avaliar a ex Deo. Já que é parte de uma visão
nas uma emanação de todas as coisas de Deus. 0 uni- panteísta, as críticas ao panteísmo se aplicam a ela.
verso não foi feito do nada (ex nihilo), nem de algo Por exemplo, há uma diferença real entre 0 finito e 0
preexistente (ex m ateria). Foi feito de Deus (ex Deo). infinito, 0 contingente e 0 necessário, 0 mutável e 0
Elementos importantes dessa visão panteísta das imutável. E já que não sou um Ser necessário e imutá-
origens podem ser resumidos brevemente: vel, então devo ser um ser contingente. Mas um ser
Não h á diferença absoluta entre Criador e cria- contingente é aquele que p o d e não existir. E tal ser re-
ção. Criador e criação são um. Eles podem ser dife- almente existe apenas porque foi causado por Deus,
rentes em perspectiva, como os dois lados de um pi- quando de outra forma não existiria. Em resumo, exis-
res, ou relacionalmente, como causa e efeito. Mas cri- te a partir do nada (ex nihilo).
ador e criação não são mais diferentes que 0 reflexo Segundo, como 0 argumento cosmológico kalam
num lago é diferente do cisne que nada nele. Um é demonstra, 0 universo não é eterno. Logo, surgiu. Mas
uma imagem no espelho e 0 outro a coisa real. Até antes dele existir não era nada. Ou, mais adequada-
para quem acredita que 0 mundo é real, Criador e mente, não havia nada (exceto Deus), e depois que ele
criação são apenas dois lados da mesma moeda. Não criou 0 mundo havia algo (além de Deus). É isso que
há diferença real entre eles. se quer dizer com criação ex nihilo. Portanto, 0 que
A relação entre Criador e criação é eterna. Os pan- surge (como 0 universo surgiu) surge do nada, isto é,
teístas acreditam que Deus causou 0 mundo, mas in- ex nihilo.
sistem em que ele sempre 0 causou, assim como rai- C ria çã o ex nihilo. Ex nihilo vem do latim e signi-
os brilham eternamente de um sol eterno. O univer- fica “a partir do ou do nada” . É a visão teísta das ori-
so é tão antigo quanto Deus. Assim como uma pedra gens que afirma que Deus criou 0 universo sem usar
poderia ficar para sempre sobre outra num mundo material preexistente. O teísmo declara que só Deus é
eterno, 0 mundo também poderia ser dependente de eterno, que ele criou tudo sem usar m aterial
Deus para sempre. preexistente e sem fazer 0 universo com “pedaços” da
O mundo éfeito da mesma substância que Deus. Os sua própria substância. Pelo contrário, 0 universo foi
panteístas acreditam que Deus e 0 mundo são feitos feito “do nada” (ex nihilo).
da mesma substância. Ambos são compostos de ma- A coerência da criação ex nihilo. Alguns críticos
terial divino. A criação é parte do Criador. É uma em afirmam que a criação ex nihilo é um conceito sem
essência com Deus. Deus é água. Deus é árvores. Como sentido. Outros afirmam que não é bíblico, um suple-
Marilyn Ferguson disse, quando leite é derramado no mento filosófico ao pensamento cristão. 0 argumento
cereal, Deus é derramado em Deus (Ferguson, p. 382)! que a criação ex nihilo é incoerente é este:
No final há apenas uma substância, um material no
universo, e é divino. Somos todos feitos dele, então 1. Criar “de” implica material preexistente.
somos todos Deus. 2. Mas a criação ex nihilo insiste em que não
A hu m an idade é Deus. Se toda a criação é a ema- havia material preexistente.
nação de Deus, então a humanidade também é. A 3. Logo, a criação ex nihilo é uma contradição.
teóloga popular do panteísmo da Nova Era, Shirley
MacLaine, acredita que se pode dizer com a mesma Em resposta, os teístas negam a primeira premissa,
veracidade: “Eu sou Deus ”, ou “Eu sou Cristo ”, ou “Eu mostrando que“do nada” é apenas uma maneira positiva
sou 0 que sou” (MacLaine, p. 112). No seriado espe- de afirmar um conceito negativo — “não de algo” . Isto
ciai de televisão, “Out on a limb” (janeiro de 1987), é, Deus não criou 0 universo com material preexistente.
ela acenou para 0 oceano e declarou: “ Eu sou Deus. O ditado “nada vem do nada” não é absoluto. Significa
193 criação, visões da

Teísmo Ateísmo Deísmo Teísmo Panenteísmo Panteísmo Politeísmo


Finito
Deus Um, infinito Nenhum Um, infinito Um, finito Um, potencialmente Um, infinito, M últiplo
e pessoal e pessoal e pessoal infinito, realmente impessoal finito
finito ou pessoal e pessoal

Mundo Criado ex Eterno Finito ou Criado ex Criado ex m ateria e Criado Criado


nihilo, (material· eterno m ateria ou ex D eo Eterno ex D eo, ex matéria,
finito ev nihilo. !material eterno
eterno

Deus e Deus além Só mundo Deus além. Deus no Deus pontencialmente Deus é o Deuses no
Mundo do e no mas não mundo e d^m do mundo, mundo mundo
universo do mundo além do e 11‫־‬ ‫ח‬° !undo
mundo realmente

Milagres Possíveis Impossíveis Podem ser Podem ser Impossíveis Impossível Possíveis e
e reais possíveis, mas possíveis, reais
nao reais

Natureza Alm a e Corpo Corpo mortal/ Corpo Corpo mortal/ Corpo mortal Corpo mortal
humana corpo mortal alma imortal mortal‫ ׳‬alma alma imortal alma imortal alma imortal
imortais imortal (alguns)

Destino Ressurreição Aniquilação Recompensa Recompensa Na memória Reencarnação Recompensa


humano para ou julgamento e/ ou de Deus unindo-se e julgamento
recompensa da alma julgamento a Deus divinos
ou julgamento da alma

Origem Livre-arbítrio Ignorância Livre-arbítrio e‫ ׳‬Na luta inter- Aspecto necessário Em lutas entre
domai humana ou ignorância na de Deus de Deus Deuses

Fim do Será Pode ser Pode ser Pode ser Não pode ser derrotado Será absorvido Não será
mal derrotado derrotado derrotado por derrotado por seres humanos por Deus derrotado
por Deus por seres seres humanos por seres ou por Deus pelos deuses
humanos ou por Deus humanos

Base da Baseada Baseada na Baseada na Baseada em Baseada num Baseada em Baseada em


ética em Deus humani- natureza Deus ou na Deus mutável manifestações deuses
dade humanidade menores de
Deus

Natureza Absoluta Relativa Absoluta Relativ a Relativa Relativa Relativa


da
ética
História Linear, Caótica, Linear, Linear, Linear, proposital, circular, Linear ou

e proposital, sem proposital, proposital, eterna ilusória, eterna circular,

objetivo determinada objetivo, eterna eterna proposital,

por Deus eterna eterna


criação, visões da 194

que algo não pode ser causado p or nada, não que nada E se há um infinito e um (ou mais) ser(es) fmito(s),
não pode vir depois do nada. Isto é, algo pode ser cria- então 0 ser finito não pode ser um Ser Necessário eter-
do do nada, mas não por nada. Deus fez 0 universo exis- no. Ele não pode ser necessário já que é limitado ná‫־‬sua
tir a partir da inexistência. Ex nihilo simplesmente de- potencialidade, e qualquer ser com a potencialidade de
nota movimento de um estado de nada para um esta- não existir não é um Ser Necessário. Não pode ser eter-
do de algo. Não implica que 0 nada é um estado de exis- no, já que 0 que é limitado na sua existência jamais al-
tência do qual Deus formou algo. Nada (além de Deus) cança a eternidade. Portanto, não poderia ter preexistido
é um estado de inexistência que precedeu 0 surgimento eternamente (v. Deus, evidências de).
do universo. Quando ateus e panteístas usam a prepo- No entanto, se 0 universo não é eterno, e se Deus não
sição ex eles querem dizer “de” no sentido de uma cau- pode criar de si mesmo, então não há alternativa. Para
sa material. Com ex um teísta quer dizer uma causa um teísta, a criação ex nihilo fica assim demonstrada.
eficiente. O meio-dia vem “da manhã” , depois da ma- 0 argumento da Primeira Causa. A forma horizon-
nhã, mas não literalmente dela. tal do argumento cosmológico (v. k a l a m , argum ento
A lógica da criação ex nihilo. A base para a criação cosmológico de) sustenta que há um princípio do uni-
ex nihilo é dupla: primeiro, as únicas alternativas lógi- verso material de espaço e tempo. Mas, se 0 universo
cas são inaceitáveis. Segundo, é a conclusão lógica do tem um princípio, ele nem sempre existiu. Isso elimi-
argumento da Primeira Causa da existência de Deus na a criação ex m ateria (de material preexistente), já
(v. COSMOLÓGICO, ARGUMENT0 ). que não havia nenhum material antes de a matéria
As três possibilidades. Já foi demonstrado que as cri- surgir. Não havia nada, e então havia matéria que foi
ações ex Deo e ex m ateria são incompatíveis com 0 criada por Deus, mas não de alguma m atéria
teísmo. Logo, a criação ex nihilo deve ser verdadeira. preexistente. Em outras palavras, se todo ser finito foi
Em primeiro lugar, 0 Deus do teísmo não pode criar criado por uma Primeira Causa que sempre existiu,
exD eo. Já que Deus é um ser simples (v. Deus, natureza então “antes” de qualquer ser finito existir não havia
de), ele não pode pegar uma “parte” de si mesmo e fazer nada além da Primeira Causa eterna. Logo, todo ser
0 mundo. Simplicidade significa sem divisão ou partes. finito veio a existir a partir da inexistência.
Logo, não há como 0 mundo criado ser uma parte de E le m e n to s d a c ria ç ã o ex nihilo. A diferença ab-
Deus. Esse ponto de vista é panteísmo, não teísmo. soluta entre Criador e criação. O teísmo cristão afirma
Além disso, 0 Deus do teísmo é um Ser Necessário, que há uma diferença fundamental entre 0 Criador e
isto é, um ser que não pode não existir. Ele não pode ser sua criação. As seguintes comparações enfatizarão es-
criado nem deixar de existir. A criação é um ser contin- sas diferenças.
gente; a criação é um ser que existe, mas pode não exis-
tir. Então, é impossível que a criação seja parte de Deus, Criador Criação
já que ela é contingente e Ele é necessário. Em resumo, não-criado criada
um Ser Necessário não tem elementos desnecessários infinito finita
de seu ser a partir dos quais possa fazer algo. Pode-se eterno temporal
dizer que Deus não tem partes que possa partilhar. Se necessário contingente
pudesse ficar sem elas, não seriam necessárias. Se são imutável mutável
necessárias Ele não pode abrir mão delas. Assim, a cria-
ção ex Deo é impossível para um Deus teísta. Deus e 0 mundo são radicalmente diferentes. Um é
Além disso, um Deus teísta não pode criar ex 0 Criador e 0 outro é a criação. Deus é a Causa e 0 mun-
m ateria. Pois a crença de que há algo eterno fora de do é 0 efeito. Deus é ilimitado e limitado. 0 Criador é
Deus não é teísmo, mas sim dualismo. Não pode ha- auto-existente, mas a criação é completamente depen-
ver outro ser infinito além de Deus, já que é impossí- dente dele para sua existência.
vel haver dois seres infinitos. Se há dois, eles devem Algumas ilustrações podem ajudar a esclarecer a
ser diferentes, e dois seres infinitos não podem ser distinção real entre 0 Criador e a criação. No panteísmo,
diferentes na sua existência, já que são 0 mesmo tipo Deus é para 0 mundo 0 que um lago é para as gotas de
de existência. Dois seres unívocos não podem ser di- água nele, ou 0 que um fogo é para as fagulhas que
ferentes na sua existência, já que existência é 0 pró- saem dele. Mas no teísmo Deus é para 0 mundo 0 que
prio aspecto em que são idênticos. Eles só poderiam 0 pintor é para uma pintura ou 0 autor é para uma
ser diferentes se fossem tipos diferentes de seres (v. peça. Enquanto 0 artista é, de certa forma, manifesto
um e m uitos, problem a de). Logo, não pode haver dois na arte, ele também está além dela. 0 pintor não é a
seres infinitos. pintura. Seu criador está além, sobre e acima dela.
195 criação, visões da

O Criador do mundo 0 faz existir e é revelado nele; mas Ainda que a palavra hebraica para “criação” ,bãra, não
Deus não é 0 mundo. signifique necessariamente criar do nada (v SI 104.30),
A criação teve um princípio. Outro elemento crucial em certos contextos só pode significar isso. Gênesis 1.1
da visão teísta da criação a partir do nada é que 0 uni- declara: “No princípio Deus criou os céus e a terra” . Dado
verso (tudo exceto Deus) teve um princípio. Jesus fa- 0 contexto de que se fala da criação original, subentende-
lou de sua glória com 0 Pai “antes que 0 mundo exis- se ex nihilo. Da mesma forma, quando Deus ordenou:
tisse” (Jo 17.5). O tempo não é eterno. O universo de “ Haja luz” , e houve luz (Gn 1.3), a criação exnihilo estava
espaço e tempo foi criado. O mundo nem sempre exis- envolvida. Pois a luz, de forma literal, e aparentemente
tiu. 0 mundo não começou no tempo. 0 mundo foi 0 de maneira instantânea, surgiu onde anteriormente
princípio do tempo. 0 tempo não existia antes da cria- não estava.
ção, e então, em algum momento no tempo, Deus criou Salmos 148.5 declara: “ [Os anjos] louvem todos
0 mundo. Na verdade, não foi uma criação no tempo, eles 0 nome do S e n h o r, pois ordenou e eles foram
mas sim a criação do tempo. criados.
Isso não significa que tenha havido um tempo em Jesus afirmou: “ E agora, Pai, glorifica-me junto a ti,
que 0 universo não existia. Pois não havia tempo an- com a glória que eu tinha contigo antes que 0 mundo
tes do tempo começar. A única coisa “anterior” ao tem- existisse” (Jo 17.5). Essa frase é repetida em 1Coríntios
po foi a eternidade. Isto é, Deus existe eternamente; 2.7 e 2 Timóteo 1.9. Obviamente, se 0 mundo teve um
0 universo começou a existir. Logo, ele é anterior ao princípio, então ele nem sempre existiu. Literalmente
mundo temporal ontologicamente (na realidade),mas surgiu da inexistência. Nesse sentido, toda passagem do
não cronologicamente (no tempo). n t que fala do “princípio” do universo supõe criação ex
Dizer que a criação teve um princípio é mostrar nihilo (v. Mt 19.4; Mc 13.19). Romanos 4.17 afirma a
que ele surgiu do nada. Primeiramente ele não existia, criação ex nihilo em termos bem claros e simples: “...0
e então passou a existir. Não estava lá, e então apare- Deus que dá vida aos mortos e chama à existência coi-
ceu.A causa desse surgimento foi Deus. sas que não existem, como se existissem” . Em
Ilustrando a criação ex nihilo. Realmente não há Colossenses 1.16, 0 apóstolo Paulo acrescentou: “ Pois
ilustrações perfeitas da criação ex nihilo, já que é um nele foram criadas todas as coisas nos céus e na terra,
evento singular que não ocorre no nosso cotidiano. Só as visíveis e as invisíveis” . Isso elimina a visão de que 0
conhecemos coisas que vêm de algo. No entanto, há universo visível é apenas feito de matéria invisível, já
analogias imperfeitas, mas úteis. Uma é a criação de que até 0 domínio invisível foi criado.
uma nova idéia, que faz surgir algo que não existia an- Em Apocalipse, João expressou 0 mesmo pensamen-
tes. Nós literalmente a concebemos ou arquitetamos. to ao declarar: “ Porque criaste todas as coisas, e por tua
Nós a criamos, por assim dizer, do nada. É claro que, vontade elas existem e foram criadas” (Ap 4.11).
ao contrário do universo físico, as idéias não são ma- De Gênesis a Apocalipse, a Bíblia declara a doutri-
téria. Mas, como a criação ex nihilo de Deus, são cria- na da criação divina de tudo que existe, além dele, a
das por uma inteligência criativa. partir do nada.
Outra ilustração de ex nihilo é um ato de livre-arbí- Crítica à cria çã o ex nihilo. Há várias implicações
trio, pelo qual 0 agente livre inicia uma ação que não importantes quanto à criação ex nihilo. A maioria vem
existia. Já que uma livre escolha (v. liv r e - a r b ítr io ) é de compreensões erradas desse ponto de vista.
autodeterminada, ela não surgiu de condições anterio- Ela n ão im plica tem po antes do tempo. Alega-se que
res. Então, quase como ex nihilo, não flui de estados an- esse ponto de vista implica que havia tempo antes de
teriores. Em vez disso, a livre escolha não é determina- 0 tempo começar, já que afirma que 0 tempo teve um
da por nada; literalmente cria a ação em si. princípio e ao mesmo tempo Deus existia antes (um
A p oio p a ra a cria çã o ex nihilo. Uma das afirma- termo temporal) de 0 tempo começar. Essa objeção é
ções extrabíblicas mais antigas sobre a criação conhe- respondida pelo teísta com a demonstração de que an-
cida pelos arqueólogos, com mais de 4 mil anos de ida- tes não é usado aqui como um termo temporal, mas para
de, esclarece a afirmação sobre a criação ex nihilo■. “ Se- indicar prioridade ontológica. O tempo não existia an-
nhor do céu e da terra: a terra não existia, tu a criaste, tes do tempo, mas Deus existia. Não havia tempo antes
a luz do dia não existia, tu a criaste, a luz da manhã [ain- do tempo, mas havia eternidade. Para 0 universo, a
da] não fizera existir” (Ebla archives, p. 259). A criação inexistência veio “antes” da existência no sentido lógi-
do nada é expressa claramente fora da Bíblia em co, não no cronológico. O Criador existe desde “antes
2 Macabeus 7.28, que diz: “Olha para os céus e para a dos tempos eternos” só por uma prioridade da nature-
terra e vê tudo que neles há, e reconhece que Deus não za, não do tempo. Deus não criou no tempo; ele execu-
os criou a partir de coisas que existiam” . tou a criação do tempo.
criação e origens 196

Ela n ão implica que 0 n ada fez algo. As vezes a Criação ex nihilo


criação ex nihilo é criticada como se afirmasse que 0 A g o s tin h o , A cidade de Deus.
nada fez algo. É claramente absurdo afirmar que a A n s e lm o , Prologion.
inexistência produziu existência (v. causalidade, prin- F i lo , The works o f Philo.
cípio da). Pois a criação exige uma causa existente, mas To m ás de A q u in o , Suma teológica.
a inexistência não existe. Logo, 0 nada não pode criar
algo. Somente algo (ou alguém) pode causar algo. 0 criação e origens. A palavra hebraica da Bíblia para
nada não causa nada. “criação” (b ã ra ) e seu equivalente grego ( ktisis ) geral-
Em vez do nada produzindo algo, a criação ex nihilo mente são reservados para a origem ou princípios das
afirma que Alguém (Deus) fez algo do nada. Isso está de coisas. Mas, apesar de Deus ter completado seu traba-
acordo com a lei fundamental da causalidade, que exige lho de criação (Gn 2.2; Êx 20.13), ele não terminou
que tudo que surge seja causado. O nada não pode criar seu trabalho na criação (Jo 5.17). Acreditar numa cri-
algo, mas Alguém (Deus) pode criar algo além de si mes- ação teísta e na preservação seguinte do mundo ge-
mo, quando antes não existia. Então, para 0 teísmo, a cria- ralmente não é considerado científico atualmente (v.
ção do nada não significa criação pelo nada. an trõ p ico , principio; big-banc.; origens, ciência das). Essa
Ela não implica que “n ada”é algo. Quando 0 teísta opinião baseia-se em parte numa má interpretação do
declara que Deus criou “do nada” , ele não quer dizer ensinamento bíblico sobre a criação e providência de
que “nada” era alguma coisa invisível e imaterial que Deus e em parte num preconceito naturalista. É digno
Deus usou para fazer 0 universo material. Nada signi- de nota que a maioria dos fundadores da ciência mo-
fic a absolutamente nada. Isto é, Deus, e absolutamen- derna, que certamente tinham um ponto de vista ci-
te nada mais, existia. Deus criou 0 universo e depois entífico, acreditavam que as evidências do mundo ci-
fez sozinho algo mais existir. entífico indicavam um Criador.
Conclusão. A criação ex nihilo é biblicamente fun- Esse é um estudo relevante, tanto na busca cientí-
damentada e filosoficamente coerente. É uma verdade fica da verdade quanto na fé cristã. A criação literal do
essencial do teísmo cristão que claramente 0 distingue universo por Deus é vital ao cristianismo (v. cria ç ã o ,
das outras cosmovisões, como 0 panteísmo (ex deo) e 0 visões da; evo lu ção ; evo lu ção b io ló g ica). Além das im-
ateísmo (ex materia). Objeções à criação ex nihilo não plicações para 0 teísmo em geral, os cristãos encon-
resistem diante de uma averiguação cuidadosa. tram no n f uma relação direta entre a criação literal
de Adão (v. Adão, hisfo ricid ad e de) e os ensinamentos
Fontes cristãos mais básicos.
Criação ex materia O trab alh o d e o rig em d e D eu s. Há uma diferença
I. A sim o v, The beginning o f the end. entre 0 trabalho de Deus na origem do mundo e seu tra-
N. L. G e is le r , Knowing the truth about creation. balho na sua operação. Na maioria das referências
T. Hobbes, Leviatã. bíblicas, não há dúvida de que a palavra criação refere-
A . Kenny, Five ways, se à origem do universo. Onde um processo pode ser
P. K r e e f t , Between heaven and hell. sugerido, não está em vista a criação do universo físi-
P. K u s tz , Humanist manifestos I and II. co, mas a propagação da vida animal e humana.
K . M a r !,M arx and Engels on religion, R . N if .b ir h , A palavra hebraica bãra é usada para a operação
org. do mundo por Deus apenas raramente, como em Sal-
P la t A o , Timeu. mos 104.30 e Amós 4.13. É usada para a origem do
C. S a g a n , Cosmos. mundo ou universo em Gênesis 1.1,21,27; 2.3,4; 5.1,2;
Criação ex Deo 6.7; Deuteronômio 4.32; Salmos 89.11,12; 148.5; Isaías
B. Esp in o sa , Tratado politico. 40.26; 42.5; 43.1,7; 45.8,12; e Malaquias 2.10.0 grego
M. F er g uso n ,A conspiração aquariana. ktisis refere-se à criação em Marcos 10.6; 13.19; Ro-
N. L . G e is le r , Christian apologetics. manos 1.20; 1 Coríntios 11.9; Efésios 3.9; Colossenses
_____ & W . W a t k in s , Worlds apart. 1.16; 1 Timóteo 4.3; e Apocalipse 3.14; 4.11 e 10.6.
S. M a c L a in e , Dançando na luz. A palavra bãra no at. Gênesis 1.1 (cf. 1.21,27). “No prin-
Pa rm e n id e s, Proem , G . S. K i r k , e t a l., The presocratic cípio Deus criou os céus e a terra”.Isso obviamente refere-
philosophers. se não ao funcionamento do universo, mas à sua gênese.
PL0T1N0,“ T h e s ix e n n e a d s ” . Gênesis 2.3. “Abençoou Deus 0 sétimo dia e 0 santifi-
P r a b iia v a n a n d a , Os Upanishads: sopro vital do eterno. cou, porque nele descançou de toda a obra que realizara
S. R a d h a k r i s h n a n , The Hindu view o f life. na criação” . O fato de que Deus descansou (cessou 0 ato
197 criação e origens

de criação) e ainda está descansando (Hb 4.4,5) pro- dúvida refere-se à criação como uma singularidade
va que a palavra cria çã o é usada aqui sobre eventos passada, não um processo regular e observável.
de origem passados, singulares, não repetidos. M arcos 13.19. “ Porque aqueles serão dias de tribu-
Gênesis 2.4. “ Esta é a história das origens dos céus lação como nunca houve desde que Deus criou 0 mun-
e da terra, no tempo em que foram criados” . Isso colo- do até agora, nem jamais haverá.” Essa é uma referên-
ca 0 evento da criação no passado. cia inconfundível à criação como ponto de início, não
Gênesis 5.1,2. A criação de Adão e Eva também é um processo de continuação.
mencionada no passado: “Quando Deus criou 0 ho- R om anos 1.20. Paulo declarou que “desde a criação
mem, à semelhança de Deus 0 fez; homem e mulher do mundo os atributos invisíveis de Deus, seu eterno
os criou. Quando foram criados, ele os abençoou e os poder e sua natureza divina, têm sido vistos claramen-
chamou Homem” . te, sendo compreendidos por meio das coisas criadas” .
Gênesis 6.7. Deus clama a Noé: “ Farei desaparecer 1 C orín tios 11.8,9. A criação original de Adão e
da face da terra 0 homem que criei, os homens e tam- Eva literais é vista nos atos pelos quais Deus fez “a
bém os grandes animais e os pequenos e as aves do mulher do homem” e “ por causa do homem” .
céu. Arrependo-me de havê-los feito” .Apesar de pare- Efésios 3.9; Colossenses 1.16. Efésios fala da cria-
cer referir-se aos seres humanos vivos na época de Noé, ção como uma ação completa e passada, referindo-se
sua criação com o raça em Adão (Rm 5.12) foi um even- ao “ Deus, que criou todas as coisas” . Paulo acrescenta
to de origem passado. É claro que Deus continua a pro- em Colossenses que“ todas as coisas foram criadas por
pagação da raça (Gn 1.28; 4.1,25). Mas a criação de ele e para ele [Cristo]” .
Adão foi um evento inicial que não foi repetido. 1 T im óteo 4.3. Embora alimentos sejam produ-
D euteronôm io 4.32. Moisés disse:“ Perguntem, ago- zidos no presente, a referência aqui é à criação o ri-
ra, aos tempos antigos, antes de vocês existirem, des- g in a l dos alimentos. Isso é evidente pelo uso do tem-
de 0 dia em que Deus criou 0 homem sobre a terra; po aoristo, indicando ação completa. Além disso, a
perguntem de um lado ao outro do céu: Já aconteceu frase “para serem recebidos” indica 0 propósito ori-
algo tão grandioso ou já se ouviu algo parecido?” . ginal da criação dos alimentos.
] ó 38.4,7; Salm os 148.5. Sobre os anjos 0 salmista A pocalip se 3.14. 0 livro de Apocalipse refere-se à
diz: “ Pois ordenou, e eles foram criados” . Jó nos diz criação como obra passada de Deus pela qual as coi-
que os anjos já existiam quando “ lancei os alicerces sas começaram. João indicou a proeminência de Cris-
da terra” . Então a referência à criação, Salmo, volta ao to desde“o soberano da criação de Deus” (Ap 3.14; v.
princípio. Cl 1.15,18). 0 exército celestial ao redor do trono de
Salmos 89.11,12. Criação é usada para todas as coisas Deus 0 louva porque por ele todas as coisas “foram
que Deus fez, que agora são suas e lhe dão glória:“Os céus criadas” (4.11). E 0 anjo jurou por aquele “que criou
são teus, e tua também é a terra; fundaste 0 mundo e tudo os céus e tudo 0 que neles há, a terra e tudo 0 que
0 que nele existe, tu criaste 0 Norte e 0 Sul; 0 Tabor e 0 nela há e 0 mar e tudo 0 que nele há” (10.6; v. 14.7)” .
Hermon cantam de alegria pelo teu nome” . A criação contínu a d e D eus. Alguns usos de bãrã e
Isaías 40.26; 42.5; 43.1,7. Deus criou as estrelas, nu- ktisis referem-se ao trabalho contínuo ou à providência
merou-as e nomeou-as, relata Isaías 40.26. Em 42.5 ele de Deus. Ele não deixa de se relacionar com 0 mundo que
declara que Deus “criou 0 céu [...] a terra e tudo 0 que criou. Opera continuamente nele. Sustém sua existência.
dela procede” , (v. tb. Is 45.8,12). Deus criou Jacó e “todo Salmos 104.30. “Quando sopras 0 teu fôlego, eles são
0 que é chamado pelo meu nome” (Is 43.1,7). criados, e renovas a face da terra.” Aqui criar {bãrã) é usa-
M ala qu ias 2.10. Referindo-se à criação da raça do não com relação à geração inicial da vida, mas com
humana, Malaquias diz: “ Não temos todos 0 mesmo relação à sua regeneração contínua. O contexto fala de
Pai? Não fomos todos criados pelo mesmo Deus?” . Deus fazendo “crescer 0 pasto para a gado, e as plantas
Embora a raça tenha se propagado desde Adão, a Bí- que 0 homem cultiva” (v. 14). É Deus quem faz “jorrar as
blia deixa claro que ela foi criada em Adão (Gn 1.27; nascentes nos vales e correrem as águas entre os montes”
v. Rm 5.12). Então a criação da humanidade é vista (SI 104.10) e que traz “trevas, e cai a noite” (v. 20). É um
como um evento de origem. Até Jesus referiu-se a ela Deus que continuamente dá alimento para todos os seres
como um evento que ocorreu quando “no princípio, vivos (v. 28). A ênfase repetida recai sobre a preservação
0 Criador os fez homem e mulher” (M t 19.4). de Deus em relação a esse mundo.
A p a la v r a ktisis no .\ t . Assim como 0 a t , o n t usa A m ós 4.13. “Aquele que forma os montes, cria 0
sistematicamente a palavra c ria ç ã o ( k tis is ) para re- vento e revela os seus pensamentos ao homem, aquele
ferir-se a um evento de origem passado. que transforma a alvorada em trevas, e pisa as mon-
M arcos 10.6. Quando Jesus diz que “Mas no prin- ta n h a s d a terra; Se n h o r, Deus dos Exércitos, é 0 seu
cípio da criação Deus ‘os fez homem e mulher” , sem nome” . Bãrã aqui parece ser usado para 0 trabalho
criaçao e origens 198

de Deus na sua criação, não apenas para sua obra divide-se em duas grandes categorias: criar e preser-
original de criação. A palavra faz, que geralmente var (cuidado providencial). Em cada uma dessas ca-
aparece alternativamente com 0 verbo c ria r (v. Gn tegorias há três áreas de contraste: 0 ator (Deus), seus
1.26,27; 2.18), é usado em outros textos para descre- atos e 0 resultado de seus atos. Os atos de Deus na cri-
ver a providência contínua de Deus (v. SI 104.3,4,10). ação e preservação podem ser comparados.
Outras descrições. De várias maneiras, a Bíblia apre- Os atos divinos de criação e preservação. As passa-
senta Deus trabalhando. Além de criar e fazer, ele está gens bíblicas apresentadas declaram que os atos de Deus
“realizando” e “causando” as operações da natureza. Ele são necessários para a criação do mundo e para que ele
a sustenta (Hb 1.3), conserva (Cl 1.17), faz existir (Ap continue existindo. Isso pode ser formulado de várias
4.11),produ z vida nela (SI 104.14). Ele é a causa contí- maneiras que destacam nuanças da distinção:
nua da sua existência. Não haveria a realidade da cria-
ção, passada ou presente, se não fosse Deus. • Deus criou 0 universo do nada e 0 impede de
C om parando a criação e a providência. O trabalho voltar ao nada.
duplo de Deus — criar e preservar 0 mundo — geral- ‫ י‬Deus é a causa inicial e a causa conservadora de
mente é apresentado na mesma passagem, até no mes- tudo que existe.
mo versículo. Note esses contrastes reveladores. • Deus estava ativo na produção da vida e é ativo
D eus p ro d u z iu e a in d a p rod u z. Gênesis 1.1 diz na sua reprodução.
“ Deus criou os céus e a terra” e mais tarde está tra- • Deus operou na geração do mundo e 0 governa
balhando na terra p ro d u zin d o “relva” (v. 11). A pri- ativamente. A providência refere-se mais espe-
meira foi uma ação de origem; a segunda, de opera- cificamente à administração de Deus de tudo
ção. Ambas são a obra de Deus. que existe e acontece.
Deus descansou e a in d a trabalha. Gênesis 2.2 de- • Deus estava envolvido na criação do universo e
clara que “ Deus já havia concluído a obra que realiza- está envolvido na sua conservação.
ra, e nesse dia descansou” .Mas Jesus afirmou que Deus ‫ ״‬Deus é responsável pela criação e operação do
“continua trabalhando até hoje” (Jo 5.17). O primeiro cosmo.
texto declara 0 início de sua obra de criação; 0 segun-
do retrata a con tin u ação de sua obra na criação. Isso pode ser resumido numa tabela:
D eus lan çou os fu n d a m en to s d a terra e a in d a a
f a z produ tiva. Salmos 104.5 declara a Deus:“ Firmas-
te a terra sobre os seus fundamentos” . Alguns Atos de criação Atos de preservação/
versículos depois Deus está tira n d o “da terra[...]0 seu providência
alimento” (v. 14). O primeiro é um trabalho de origi- Criação do mundo Preservação
nar, 0 segundo de operar. Deus faz ambos. do mundo
Deus criou 0 mundo e ainda 0 sustenta. Em Atos 17.24, Surgimento Continuidade
as Escrituras ensinam que Deus “fez 0 mundo” . Quatro Criação do nada Preservação do
versículos depois, lemos: “Nele vivemos, nos movemos, e retorno ao nada
existimos” (v.28). Deus é a causa passada da sua criação e Princípio Conservação
também é a causa presente da sua existência. Produção Reprodução
Deus criou 0 mundo e ainda 0 conserva. Colossenses Geração Administração
1.16 expressa 0 trabalho passado de Deus como aquele Fabricação Manutenção
pelo qual “foram criadas todas as coisas” . 0 versículo se- Originar Operar
guinte explica que “nele, tudo subsiste” . O primeiro é um
ato de criação. O segundo é 0 ato divino de conservação.
Deus fez 0 universo e ain da 0 faz existir. Em Apoca- D eus com o au tor: ca u sa lid a d e p r im á r ia e secun-
lipse 4.11,0 apóstolo João compara as obras de criação e d á ria . Ao enfatizar Deus como O rigin ador e Opera-
preservação de Deus. Ele escreveu: “Por tua vontade elas d o r principal da criação, pode-se ver Deus direta e
existem e foram criadas”. Todas as coisas receberam sua indiretamente envolvido com este mundo do princí-
existência de Deus e ainda têm existência por causa dele. pio ao fim. Apesar de ser a C ausa P rim á ria de todas
A realidade da criação lida com origens e operação as coisas, Deus opera por meio de cau sas secu n d ári-
presente. O Criador é necessário, não apenas para criá- as. 0 que geralmente consideramos processos da na-
la, mas também para sustentá-la. Nenhum retrato da tureza são, na verdade, atos indiretos de Deus por
criação está completo sem uma dessas ações. meio de causas secundárias (ou naturais). Nessafun-
E x p lic a n d o 0 tra b a lh o d e D eu s. Como já vimos, ção, Deus é a Causa R em ota, e as forças naturais são
0 trabalho de Deus em relação à existência do mundo causas próxim as de eventos. Outra maneira de dizer isso
199 criação e origens

é que Deus é a Causa Fina! e a natureza, a causa im edia- presentes, ambas ações de Deus, é a base de dois tipos
ta da maioria dos acontecimentos. A relação entre os de ciência: ciência da origem e ciência da operação.
dois papéis de Deus como O riginador e O perador pode Im p o rtâ n c ia cien tífica . Até depois da morte de
ser resumida: Darwin, os responsáveis pelo desenvolvimento da ciên-
cia moderna eram criacionistas, pois acreditavam na ori-
gem sobrenatural do universo e da vida. Entre eles estão:
Diretamente, na Diretamente, na provi-
criação, Deus é: dência, Deus é:
Johann Kepler (1571-1630), mecânica celestial,
Originador Operador
astronomia física
Fonte Sustentador
Blaise Pascal (1623-1662),hidrostática
Criador Conservador
Robert Boyle (1627-1691), química, dinâmica do gás
Produtor Provedor
Nicholas Steno (1638-1687),estratigrafia
Indiretamente, Deus é: Agindo por meio de:
Isaac Newton (1642-1727), cálculo, dinâmica
Causa primária Causas secundárias
Michael Faraday (1791-1867), teoria de campos
Causa remota Causas próximas
Charles Babbage (1792-1871), ciência da computação
Causa final Causas imediatas
Louis Agassiz (1807-1873), geologia glacial, ictiologia
Comandante original Subautoridades na
James Simpson (1811 -1870), ginecologia
escala de comando
Gregor Mendel (1822-1884), genética
Louis Pasteur (1822-1895), bacteriologia
Os resultados. Deus age em seu mundo de duas ma-
William Kelvin (1824-1907), energética, termodinâmica
neiras: por intervenção direta (como na criação) e por
Joseph Lister (1827-1912), cirurgia anti-séptica
ação indireta (como na preservação). A primeira é uma
ação im ediata de Deus e a outra é uma ação m ediata. As James Clerk Maxwell (1831 -1879), eletrodinâmica,
ações diretas de Deus são instantâneas ; as indiretas en- termodinâmica estatística
volvem um processo. E as ações divinas de criação são William Ramsay (1852-1916),química isotópica
descontínuas com 0 que aconteceu antes. Elas foram ex-
periência nihilo (“do nada” ) (v. criação, visões da), ou de Além desses fundadores de campos científicos e
nova (completamente novas). Por exemplo, ele produziu matemáticos estavam seus precursores, que também
algo do nada, vida da não-vida, e 0 racional do não-raci- defendiam a criação sobrenatural. Entre eles estão
onal. Essas são descontinuidades transpostas por uma Roger Bacon (1220-1292), Nicolau Copérnico (1473-
ação direta de Deus (v. evolução biológica). 1543) e Galileu Galilei (1564-1642). Com algumas ex-
Além disso, as ações de criação de Deus causa- ceções, os cientistas antes de 1860 eram cristãos. A afir-
'ram eventos sin gu lares de origem, enquanto suas mação de Newton expressa a crença dos cientistas que
ações de preservação envolvem uma re p etiç ã o de viveram durante os primeiros dois séculos e meio do
eventos. Uma produziu sin g u larid ad es, e a outra, re- Iluminismo:
g u larid ad es. Os eventos da criação original n ã o sã o
o b serv ad os hoje, mas a operação divina pode ser ob- Esse esplendido sistema do Sol, planetas e cometas só
serv a d a no presente. O resultado das ações de Deus poderia proceder do conselho e domínio de um Ser inteli-
pode ser comparado desta forma: gente e poderoso. E se as estrelas fixas são os centros de ou-
tros sistemas semelhantes, elas, sendo formadas pelo mes-
Resultado das ações de Deus mo conselho sábio, devem estar todas sujeitas ao seu domí-
Essa distinção entre singularidades passadas e nio (Newton,p. 369).

Resultado da Resultado da ação Kepler deixou claro os motivos por que fazia ciên-
intervenção direta indireta cia quando escreveu:
Imediato Mediato
Instantâneo Um processo Deus permita que minha prazerosa especulação
Descontínuo com Contínuo com (Mysterium cosmographicum) tenha entre homens racionais
o passado o passado 0 efeito completo que me esforcei em obter na publicação;
Evento singular Repetição de eventos isto é, que a crença na criação do mundo seja fortalecida
Singularidade Regularidades por meio desse apoio externo, que a opinião sobre 0 Criador
Não observ ado Observado seia reconhecida na natureza e que sua sabedoria inexaurível
brilhe cada vez mais (citado em Holton, p. 84).
criação e origens 200

Além dos fundadores da ciência moderna serem nem a criação são ciências operacionais. Ambas ope-
criacionistas,o próprio conceito de criação foi um fator sig- ram em princípios de ciência da origem (v. origens,
nificativo no ímpeto à ciência. Μ. B. Foster, ao escrever no ciê n cia d as). Criação é uma ciência — uma ciência
famoso jornal Mind, em 1934, observou: da origem — tanto quanto a macroevolução.
Im portância teológica. É 0 mundo criado que
Surge a questão geral: Qual é a fonte dos elementos não- manifesta a glória de Deus.“Os céus declaram a glória
gregos que foram importados para a filosofia pelos filósofos de Deus; e 0 firmamento proclama a obra das suas
da pós-Reforma e que constituem a modernidade da filosofia mãos” (SI 19.1). O salmista declarou: “ Sen h o r, Senhor
moderna? E [...] qual é a fonte dos elementos não-gregos na nosso, como é majestoso 0 teu nome em toda a terra!
teoria moderna da natureza pela qual 0 caráter peculiar da Tu, cuja glória é contada nos céus” (Sl 8.1). Dessa afír-
ciência moderna da natureza seria determinado? A resposta à mação flui a base da adoração teísta.
primeira questão é: a revelação cristã, e a resposta à segunda O fato de as criaturas serem feitas para adorar é
é: a doutrina cristã da criação (Foster, p. 448). evidente em todas as Escrituras. João escreveu que
no céu a glória da criação será 0 tema do louvor. Os
A passagem para 0 naturalismo. Depois que Charles justos cantarão: “ Tu, Senhor e Deus nosso, és digno
D a rw in (1809-1882) publicou A origem das espécies em de receber a glória, a honra e 0 poder, porque criaste
1859,0 cenário mudou radicalmente. A princípio uma todas as coisas, e por tua vontade elas existem e fo-
explicação naturalista das espécies se tornou dominan- ram criadas” (Ap 4.11).
te (v. n atu ra lism o ). Mas, no último parágrafo da segun- Paulo afirmou que esse mandamento de adora-
da edição desse livro bombástico, foi acrescentada a ção se estende a toda humanidade e que ninguém é
negação de Darwin de insistir numa explicação natu- realmente ignorante quanto à necessidade de adorar
ralista da origem do(s) primeiro(s) ser(es) vivo. Ele ao Criador: “ Pois 0 que de Deus se pode conhecer é
escreveu: “ Há grandeza nessa visão da vida, com seus manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou.
vários poderes, tendo sido soprada originalmente pelo Pois desde a criação do mundo os atributos invisí-
Criador em algumas formas ou numa só” . Apesar de veis de Deus, seu eterno poder e sua natureza divina,
Darwin acreditar que a vida surgiu num “ laguinho de têm sido vistos claramente, sendo compreendidos
águas mornas” , ele não tentou uma explicação total- por meio das coisas criadas, de forma que tais ho-
mente naturalista do universo (v. evo lu ção cósm ica), mens são indesculpáveis; porque, tendo conhecido a
embora seu ponto de vista aponte naturalmente nessa Deus, não 0 gloriftcaram como Deus, nem lhe ren-
direção. Por fim, tais explicações naturalistas começa- deram graças, mas os seus pensamento tornaram-
ram a dominar. se fúteis e 0 coração insensato deles obscureceu-se”
Falácias do anti-supernaturalism o. O preconcei- (Rm 1.19-21).
to naturalista na ciência é devido ao aumento do anti- Pelo fato de 0 universo ser criado e não ser Deus, é
supernaturalismo depois da obra de Baruch Espinosa, idolatria adorá-lo ou adorar qualquer parte dele. O cos-
que argumentou insistentemente que milagres eram mo não é feito de material divino; foi feito por Deus a
impossíveis, e de David Hum e, que insistiu que 0 mila- partir do nada. Veja a seção sobre criação ex nihilo em
groso é inacreditável. Ambos os argumentos têm fa- criação, visões da. É um pecado terrível adorar e servir a
lhas, como demonstrado no artigo m ilagres, argumen- “coisas e seres criados, em lugar do Criador” (Rm 1.25).
tos c o n tra . Por isso a Bíblia condena firmemente a idolatria. Deus
Na verdade, muitas coisas têm acontecido na ci- ordenou: “Não farás para ti nenhum ídolo, nenhuma
ência do final do século xx para fazer voltar a aten- imagem de qualquer coisas no céu, na terra, ou nas
ção a um Criador sobrenatural, especialmente por águas debaixo da terra” (Êx 20.4). Deus é tão diferente
meio da teoria do big-bang, do princípio antrópico e do mundo quanto 0 oleiro é diferente do vaso de barro
de desenvolvimentos na biologia molecular. (Rm 9.20,21 ).Admiração e adoração devem ser dadas
Ciência da origem e ciência da operação. Ligada à ao Artesão, não ao objeto feito.
pressuposição anti-sobrenatural, a atual rejeição ci- Im portância social/ética. A criação santifica 0 ca-
entífica dos pontos de vista criacionistas baseia-se sarnento. Jesus situou a base moral do casamento na cri-
na incapacidade de distinguir entre a ciência da ope- ação literal de Adão e Eva. Ao responder à pergunta: “ É
ração, que lida com regularidades atuais observadas, permitido ao homem divorciar-se de sua mulher por
e a ciência da origem , a reconstrução especulativa de qualquer motivo?” (Mt 19.3), Jesus disse: “ Vocês não
singularidades passadas não observadas. A primei- leram que, no princípio, 0 Criador os fez ‘homem e
ra é uma ciência empírica; a segunda opera mais mulher’ e disse: ‘Por essa razão, 0 homem deixará pai
como uma ciência forense. Nem a macroevolução e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão
201 criação e origens

uma só carne’? Assim, eles já não são dois, mas sim mulher proveio do homem, também 0 homem nasce da
uma só carne. Portanto, 0 que Deus uniu, ninguém mulher. Mas tudo provém de Deus” (1 Co 11.9-12).
separe” (v. 4-6). A criaçã o legitim a a au to rid a d e d o governo. A Bí-
A c ria ç ã o con fere d ig n id a d e ao s seres hu m an os. blia declara que “não há autoridade que não venha de
Moisés disse que m atar seres humanos era errado por- Deus; as autoridades que existem foram por ele
que“à imagem de Deus foi 0 homem criado” (Gn 9.6). estabelecidas” (Rm 13.1). Em Gênesis 9.6, citado aci-
Tiago acrescentou que am ald içoar outros seres huma- ma, a imagem de Deus na humanidade criada é tão
nos é errado pela mesma razão: “Com a língua bendi- importante que os assassinos devem ser executados.
zemos 0 Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os ho- A proteção da vida humana e 0 castigo daqueles que a
mens, feitos às semelhança de Deus” (Tg 3.9). violam tornou-se uma função do governo. Segundo 0
A cria çã o d á sentido à m oralidade. Todos os prin- apóstolo Paulo, “ é serva [autoridade] de Deus para 0
cípios morais (v. m oralidade, n atureza absoluta da) es- seu bem. Mas se você praticar 0 mal, tenha medo, pois
tão arraigados na perfeição absoluta e na natureza ela não porta a espada sem motivo” (Rm 13.4).
imutável de Deus (v. Deus, n atu rez a de). A criação fala A criaçã o estabelece fu n ç õ es e au torid ad e. A lide-
mais especificamente a princípios morais referentes a rança masculina é uma questão contenciosa nas igre-
relacionamentos entre seres humanos como co-por- jas onde os membros defendem a visão bíblica da cri-
tadores da imagem de Deus. Por exemplo, a proibição ação. Não é que os cristãos tradicionais (homens e mu-
contra matar outro ser humano existe porque só Deus lheres) sejam misóginos, como os defensores dos di-
dá e tem 0 direito de tirar a vida humana (Gn 9.6; Jó reitos da mulher geralmente os acusam de ser. Valor
1.21). Não nos atrevemos a fazer 0 mesmo sem auto- igual e respeito de homens e mulheres, bem como uma
rização, porque não criamos a vida humana e não a ordem que enfatize a liderança masculina, são ensi-
possuímos. Nossa responsabilidade moral de proteger nados em Gênesis e aplicados à igreja no n t .
e preservar a vida humana deriva do fato de ser ela Paulo postula esses princípios firmemente em ITi-
criada por Deus. móteo 2.11-14: “A mulher deve aprender em silêncio,
A criação unifica a humanidade. Deus criou Adão e Eva
com toda a sujeição. Não permito que a mulher ensine,
(Gn 1.27) e lhes ordenou que se multiplicassem( 1.28), 0 nem que tenha autoridade sobre 0 homem. Esteja, po-
rém, em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, e
que realmente aconteceu (5.1 ).Todos os seres humanos são
depois Eva. E Adão não foi enganado, mas sim a mulher
seus descendentes (lC r 1.1; Lc 3.38). Com base na doutri-
que, tendo sido enganada, tornou-se transgressora” .
na da unidade humana nos primeiros pais, Paulo declara a
Com relação à estrutura de autoridade familiar, Paulo
filósofos gregos que, de um, Deus tez todas as nações (At
escreveu: “Quero, porém, que entendam que 0 cabeça
17.26-29).Malaquias perguntou:“Não temos todos 0 mes-
de todo homem é Cristo, é 0 cabeça da mulher é 0 ho-
mo Pai? Não fomos todos criados pelo mesmo Deus?” (Ml
mem, e 0 cabeça de Cristo é Deus [...] Pois 0 homem
10). Uma implicação dessa unidade criada é que 0 racismo
não se originou da mulher, mas a mulher do homem;
é moralmente errado perante 0 Criador e é incorreto. Há
além disso, 0 homem não foi criado por causa da mu-
apenas uma raça, a raça de Adão, que é dividida em grupos
lher, mas a mulher por causa do homem” ( 1Co 11.3,8,9).
étnicos. 0 casamento entre esses grupos épermitido. O ódio
É evidente aqui que a ordem de criação é dada
étnico é um ataque direto à criação de Deus.
como base para a estrutura de autoridade dentro de
A criação define a igualdade sexual. A doutrina da
uma família.
criação opõe-se a tentativas, por parte de homens ou
Por ordem de criação e pelo papel de Adão como ca-
mulheres, de afirmar superioridade sobre 0 outro sexo.
beca da aliança entre Deus e a humanidade, a estrutura
Apesar de acusações terem sido feitas contra cristãos
de autoridade no lar e na igreja foi estabelecida através
tradicionais nesse sentido, 0 comportamento abusivo e do homem. A responsabilidade final de Adão era de cum-
humilhante viola 0 ensinamento das Escrituras. Deus prir as ordens da aliança. Foi seu pecado que trouxe mor-
declara que ambos os sexos são iguais perante ele: “ A te à raça humana (v.,p.ex, Rm 5.12-14).
imagem de Deus 0 criou; homem e mulher os criou” Numa breve menção de um assunto complexo,
(Gn 1.27). Isso é igualdade em essência. Jesus repetiu deve-se enfatizar que essa ordem não deve ser consi-
essa verdade em Mateus 19.4. Da mesma forma, 0 após- derada como permissão para negar a igualdade essen-
tolo Paulo observou a interdependência entre homem e ciai entre homem e mulher (v. acima). O plano de Deus
mulher:“Além disso, 0 homem não foi criado por causa de funções diferentes não expressa importância ou va-
da mulher, mas a mulher por causa do homem [...] to- lor relativo no corpo espiritual de Cristo, onde “não há
davia, a mulher não é independente do homem, nem 0 judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mu-
homem independente da mulher. Pois, assim como a lher, pois todos são um em Cristo Jesus” (G13.28).
criação e origens 202

A cria çã o e a q u ed a estão relacion ad as à salvação. querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao
Romanos 5 liga expressamente a redenção à criação arrependimento. O dia do Senhor, porém, virá como ladrão.
literal de Adão: Os céus desparecerão com um grande estrondo, os elemen-
tos serão desfeitos pelo calor, e a terra, e tudo 0 que nela há,
Portanto, da mesma forma como 0 pecado entrou no será desnudada. Visto que tudo será assim desfeito, que tipo
mundo por um homem, e pelo pecado a morte, assim tam- de pessoas é necessário que vocês sejam? Vivam de manei-
bém a morte veio a todos os homens, porque todos pecaram ra santa e piedosa, esperando 0 dia de Deus e apressando a
[...] Se pela transgressão de um só a morte reinou por meio sua vinda. Naquele dia os céus serão desfeitos pelo fogo, e
dele, muito mais aqueles que recebem de Deus a imensa pro- os elementos se derreterão pelo calor. Todavia, de acordo com
visão da graça e a dáviva da justiça reinarão em vida por a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, onde
meio de um único homem, Jesus Cristo (Rm 5.12,17). habita a justiça (2 Pe 3.3-13).

Nesse texto, 0 fato da morte literal, que acontece com Pedro compara vividamente a criação literal do
todos os seres humanos, está diretamente ligado a um mundo com sua destruição literal eventual e a salva-
Adão literal e sua queda. Da mesma forma, por compa- ção eventual. A verdade de uma é interdependente da
ração direta, a morte literal de Cristo e a salvação do outra. Isto é, a confiança do crente na purificação e
pecado estão relacionadas com esse Adão literal. restauração final da criação baseia-se na evidência da
A criação está relacion ada à ressurreição. Ao citar criação do universo.
Gênesis 2.24, Paulo escreveu em 1 Coríntios 15.45-49: C onclusão. O Deus da Bíblia é ativo tanto na ori-
gem quanto na con servação do universo. Ele é a causa
Assim está escrito: “O primeiro homem, Adão, tornou- de sua criação e a causa de sm p reserv ação. O argumento
se um ser vivente” ; 0 último Adão, espírito vivificante. Não cosmológico de kalam é a evidência do primeiro tipo
foi 0 espiritual que veio antes, mas 0 natural; depois dele 0 de relação causai de Deus com 0 universo (uma cau sa -
espiritual. O primeiro homem era do pó da terra; 0 segundo lidade horizontal). E 0 argumento cosmológico tradici-
homem, dos céus. Os que são da terra são semelhantes ao onal é a evidência da cau salidade vertical de Deus na
homem terreno; os que são dos céus, ao homem celestial. sustentação da existência do universo agora. Esse tipo
Assim como tivemos a imagem do homem terreno, teremos de causalidade se opõe ao deísmo. Ambos os tipos de
também a imagem do homem celestial. causalidade apoiam a criação ex n ih ü o. Cada um
corresponde a um tipo de ciência: a causalidade
Paulo compara um Adão literal e um Cristo literal originadora de Deus é 0 objeto da ciência d a origem (v.
ao ensinar 0 significado da ressurreição literal de Cris- o r ig en s , c iê n c ia d a s ), e sua causalidade conservadora é

to. Já que Cristo é as primícias ( 1 C0 15.20) da ressur- objeto da ciência operacional.


reição física do crente, a doutrina da criação de Adão A ciência teria se desenvolvido de outra maneira
está ligada à ressurreição de Cristo e dos crentes. se seus fundadores, de Roger Bacon em diante, ti-
A cria çã o está relacion ad a com a segunda vinda. O vessem a perspectiva ateísta de grande parte da co-
apóstolo Pedro exortou: munidade científica do final do século xx. A maioria
acreditava firmemente numa criação teísta planeja-
Antes de tudo saibam que, nos últimos dias, surgirão da, com leis discerníveis, estabelecidas por um Cria-
escarnecedores zombando e seguindo suas próprias paixões. dor. O preconceito pós-darwiniano contra qualquer
Eles dirão: “O que houve com a promessa da sua vinda? Des- explicação sobrenatural da criação baseia-se numa
de que os antepassados morreram, tudo continua como des- confusão entre ciência de origem e de operação.
de 0 princípio da criação” . Mas eles deliberadamente se es- Na verdade, até a redenção é descrita como uma nova
quecem de que há muito tempo, pela palavra de Deus, exis- criação (2C0 5.17),0 que implica conexão com a“velha”.
tem céus e terra, esta formada da água e pela água. E pela Até a doutrina de inspiração das Escrituras (v. B íb lia , e v i -
água 0 mundo daquele tempo foi submerso e destruído. Pela dèn cias d a ) flui do fato de que há um Deus que por simples

mesma palavra os céus e a terra que agora existem estão re- palavras trouxe 0 universo à existência (p.ex.,Gn 1.3,6). O
servados para 0 fogo, guardados para 0 dia do juízo e para a apóstolo Paulo declarou que “Deus, que disse: ‘Das trevas
destruição dos ímpios. Não se esqueçam disto, amados: para resplandeça a luz’,ele mesmo brilhou em nossos corações,
0 Senhor um dia é como mil anos, e mil anos como um dia. para iluminação do conhecimento da glória de Deus na
O Senhor não demora em cumprir a sua promessa, como face de Cristo” (2C0 4.6). Como sua criação, a Palavra de
julgam alguns. Ao contrário, ele é paciente com vocês, não Deus procede “da boca de Deus” (Mt 4.4).
203 Cristo, divindade de

Fontes Jesus afirm ou ser Iavé. la v é ( y h w h ; às vezes aparece


I. A sim o v, The beginning ot the end. em traduções em português como “ Jeová” ou em
A g o s tin h o , Literary c om m en tary on Genesis. versalete como “ S e n h o r ” ) é 0 nome especial dado por
_____ , On the soul a n d its origin. Deus a si mesmo no a t . É o nome revelado a Moisés em
F. B a c o n , X ovum organum . Êxodo 3.14, quando Deus disse: “Eu Sou 0 que Sou” .
P. S im o n ‫ ־‬d e L a pi a ce, The system ot the world. Outros títulos para Deus podem ser usados para seres
Μ . B . F o s t e r , “ The Christian doctrine of creation and humanos, tais como ’ãdôn (“ Senhor” ) em Gênesis 18.12,
the rise of modern natural science” , M ind, 1934. ou falsos deuses, como ' e l b h t m ( “deuses” ) em
N. L . G e is le r e K. A n d e r s o n , Origins science. Deuteronómio 6.14. Iav é no entanto, refere apenas ao
H . G ru b e r, D arw in on man. único Deus verdadeiro. Nenhuma outra pessoa ou coisa
G . H o lt o n , T hem atic origins o f scien tific thought. podia ser adorada ou servida (Êx 20.5), e seu nome e
P. K r e e f t , B etw een h eav en a n d hell. sua glória não podiam ser dados a outro. Isaías escre-
C. S . L e w is , M ilagres. veu: “Assim diz 0 S e n h o r [...] Eu sou 0 primeiro e eu sou
K. M a r x , A ia r.x a n d engels on religion. 0 último; além de mim não há Deus” (Is 44.6) e:“Eu sou
I. N e w to n , G eneral S hohum em P rincípios m atem áticos. 0 S e n h o r ; este é 0 meu nome! Não daria a outro a mi-
P la t ã o , Timaeus. nha glória nem a imagens 0 meu louvor” (42.8).
C. S a g a n , Cosmos. Jesus afirmou ser lavé. Orou; “ E agora, Pai, glorifi-
T om as de A q u in o , On the p o w er o f God. ca-me junto a ti, com a glória que eu tinha contigo an-
A. N. W h it e h e a d , Science a n d the m od ern world. tes que 0 mundo existisse” (Jo 17.5). Mas Iavé do a t
“ não darei a outro a minha glória...” (Is 42.8). Jesus tam-
c r ia ç ã o e p r e s e r v a ç ã o . V. c r ia ç ã o e o r ig e n s . bém declarou: “ Eu sou 0 Primeiro e 0 Ültimo” (Ap 1.17)
— exatamente as palavras usadas por Iavé em Isaías
c r ia c io n is t a s , p r i m e i r o s . V. c r ia ç ã o e o r ig e n s . 42.8. Ele disse: “Eu sou 0 bom pastor” (Jo 10.11), mas 0
a t disse:‘7m‫׳‬e é meu pastor” (Sl 23.1).Além disso, Jesus
C r is t o , d iv in d a d e d e . A b a s e d o c r is t ia n is m o é a afirmou ser 0 juiz de todos os povos (Mt 25.3ls.; Jo
c re n ç a d e q u e Je su s C ris to é 0 F ilh o d e D e u s , isto é, 5.27s.), mas Joel cita Iavé dizendo: “Pois ali me assenta-
D e u s m a n ife s to e m c a r n e h u m a n a . A p ro v a d is s o é 0 rei para julgar todas as nações vizinhas” (Jl 3.12). Da
s e g u in te : mesma forma, Jesus falou de si mesmo como 0 “noivo”
(Mt 25.1), e 0 a t identifica Iavé dessa forma (Is 62.5; Os
1. A v e rd a d e sob re a re a lid a d e p o d e se r con h eci- 2.16). O salmista declarou: “0 S e n h o r é a minha luz” (SI
d a (v. VERDADE, NATUREZA; AGN0ST1CISM0). 27.1) e Jesus disse: “ Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12).
2. O p o sto s n ão p o d e m ser v e rd a d e iro s (v. p t u r a - Talvez a reivindicação mais forte que Jesus tenha feito
lism o r e l ig io s o ; l ó g ic a ). de ser Iavé está em João 8.58, onde ele diz: “Antes de
3. D e u s existe (v. D e u s , e v id ê n c ia s d e ). Abraão nascer, Eu Sou” . Essa afirmação reivindica não
4. M ila g re s são p o ssív e is (v. m ilag res). só existência antes de Abraão, mas igualdade com 0 “ Eu
5. O m ila g r e é ato d e D e u s p a ra c o n f ir m a r sua Sou” de Êxodo 3.14. Os judeus à sua volta entenderam
v e rd a d e a f ir m a d a p elo m e n s a g e iro d e D e u s claramente seu significado e pegaram pedras para matá-
(v.MILAGRES, VALOR APOLOGÉTICO DOS; MILAGRES COMO 10 por blasfêmia (v.Jo 8.58; 10.31-33). A mesma afirma-
CONFIRMAÇÃO DA VERDADE). cão é feita em Marcos 14.62 e João 18.5,6.
6. Os d o c u m e n to s do n t são c o n fiá v e is (v. Novo Jesus afirm ou ser igual a Deus. Jesus afirmou ser
T e s t a m e n t o , c o n f ia b il id a d e d o c u m e n to s d o ; Ν ονό igual a Deus de várias maneiras. Uma delas foi ao as-
T e s t a m e n t o , m a n u s c r it o s d o ; N ovo T e s t a m e n t o , sumir as prerrogativas de Deus. Ele disse ao paralíti-
h is t o r ic id a d e d o ). co: “Filho, os seus pecados estão perdoados” (Mc 2.5-
7. N o nt Jesus a f ir m o u s e r D e u s . 11). Os escribas responderam corretamente: “Quem
8. Je su s p ro v o u ser D e u s p o r u m a c o n v e rg ê n c ia pode perdoar pecados, a não ser somente Deus?” . En-
in é d ita de m ila g re s (v. m ila g r e s na B í b l i a ). tão, para provar que sua afirmação não era apenas jac-
9. P o rta n to , Jesu s era D e u s e m c a rn e h u m a n a . tància, ele curou 0 homem, oferecendo prova direta de
que 0 que dissera sobre perdoar pecados também era
Já que os seis p rim eiros pontos são tratados nos ver- verdadeiro.
betes indicados, este artigo enfatizará os pontos 5 e 6. Outra prerrogativa que Jesus assumiu foi 0 poder
A afirm ação de Jesus de ser Deus. Jesu s a firm o u de ressuscitar e julgar os mortos:
se r D e u s , d ire ta m e n te e p o r im p lic a ç ã o n e c e s s á ria do Eu lhes afirmo que está chegando a hora, e já che-
q u e d isse o u fez. gou, em que os mortos ouvirão [...] e sairão; os que
Cristo, divindade de 204

fizeram 0 bem ressuscitarão para a vida, e os que fize- (M t 15.25), a mãe de Tiago e João (M t 20.20), 0
ram 0 mal ressuscitarão para serem condenados. (Jo endemoninhado geraseno (Mc 5.6), todos adoraram
5.25,29). Jesus sem uma palavra de reprovação. Os discípulos 0
Ele removeu toda dúvida do que queria dizer quan- adoraram após sua ressurreição (Mt 28.17). Tomé viu
do acrescentou: “ Pois, da mesma forma que 0 Pai res- 0 Cristo ressurreto e exclamou: “ Senhor meu e Deus
suscita os mortos e lhes dá vida, 0 filho também dá vida meu!” (Jo 20.28). Isso só poderia ser permitido por
a quem ele quer” (Jo 5.21). Mas 0 a t claramente ensina- uma pessoa que seriamente se considerasse Deus. Je-
va que apenas Deus dava a vida (Dt 32.39; ISm 2.6), sus não só aceitou essa adoração devida apenas a Deus
ressuscitava os mortos (SI 2.7) e era 0 único juiz (Dt sem reprovar os que a praticaram como também elo-
32.35; J1 3.12). Jesus declarou corajosamente deter po- giou os que reconheceram sua divindade (Jo 20.29; Mt
deres que apenas Deus possuía. 16.17).
Jesus também afirmou que deveria ser honrado Jesus afirm ou ter au toridade igual a d e Deus. Jesus
como Deus. Ele exigiu “que todos honrem 0 Filho também colocou suas palavras no mesmo nível que as
como honram 0 Pai. Aquele que não honra 0 Filho, de Deus.“Yocés ouviram 0 que foi dito aos seus ante-
também não honra 0 Pai que 0 enviou” (Jo 5.23). Os passados [...] Mas eu lhes digo...” (Mt 5.21,22) é repeti-
judeus que 0 ouviam sabiam que ninguém podia afir- do vez após vez. “ Foi-me dada toda a autoridade nos
mar ser igual a Deus dessa maneira, e novamente pe- céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de to-
garam pedras (Jo 5.18). das as nações ...” (Mt 28.18,19). Deus deu os Dez Man-
Jesus afirm ou ser 0 Deus-Messias. Até 0 A lcorão re- damentos a Moisés, mas Jesus disse: “Um novo manda-
conhece que Jesus era 0 Messias (5.17,75). Mas 0 a t en- mento lhes dou: Amem-se uns aos outros” (Jo 13.34).
sina que 0 Messias vindouro seria 0 próprio Deus. Por- Também disse: “Enquanto existirem céus e terra, de for-
tanto, quando Jesus afirmou ser esse Messias, também ma alguma desaparecerá da Lei a menor letra ou 0 me-
estava afirmando ser Deus. Por exemplo, 0 profeta Isaías nor traço, até que tudo se cumpra” (Mt 5.18), mas de-
(em 9.6) chama 0 Messias de “ Deus Forte” . O salmista pois, a respeito de suas próprias palavras, afirmou: “Os
escreveu sobre 0 Messias: “0 teu trono, ó Deus, subsiste céus e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais
para todo 0 sempre” (SI 45.6; v. Hb 1.8). Salmos 110.1 passarão” (Mt 24.35). Ao falar dos que 0 rejeitam, Jesus
registra uma conversa entre 0 Pai e 0 Filho: “ Senta-te à disse: “A própria palavra que proferi 0 condenará no
minha direita” .Jesus aplicou essa passagem a si mesmo último dia” (Jo 12.48). Não há dúvida de que Jesus es-
em Mateus 22.43,44. Na grande profecia messiânica de perava que suas palavras tivessem a mesma autoridade
Daniel 7,0 Filho do Homem é chamado “ancião” (v. 22), que as declarações de Deus no a t.
expressão usada duas vezes na mesma passagem onde Jesus afirm ou ser Deus a o au torizar oração em seu
aparece Deus Pai (v. 9,13). Jesus também disse que era nome. Jesus não só incentivou que as pessoas cressem
0 Messias no seu julgamento perante 0 sumo sacerdote. nele e obedecessem aos seus mandamentos, como tam-
Quando perguntaram: “Você é 0 Cristo, 0 Filho do Deus bém autorizou que a orassem em seu nome.“ E eu farei
Bendito?” , Jesus respondeu: “Sou, [...] e vereis 0 Filho 0 que vocês pedirem em meu nome [...] O que vocês
do homem assentado à direita do Poderoso vindo com pedirem em meu nome, eu farei” (Jo 15.7). Jesus até
as nuvens do céu” . Com isso, 0 sumo sacerdote rasgou insistiu: “Ninguém vem ao Pai, a não ser por mim” (Jo
suas vestes e disse: “ Porque precisa de testemunhas? 14.6). Em resposta a isso, os discípulos não só oravam
Vocês ouviram a blasfêmia” (Mc 14.61-64). Não havia em nome de Jesus ( 1C0 5.4), mas oravam a Cristo (At
dúvida de que, ao afirmar ser 0 Messias, Jesus também 7.59). Jesus certamente queria que seu nome fosse in-
afirmou ser Deus (v. tb. Mt 26.54; Lc 24.27). vocado perante Deus e como Deus na oração.
Jesus afirm ou ser Deus a o aceitar ad oração. O a t pro- A luz dessas formas claras pelas quais Jesus afir-
íbe adorar qualquer pessoa além de Deus (Êx 20.1-4; mou ser Deus, qualquer observador imparcial dos
Dt 5.6-9). O NT concorda, mostrando que seres huma- evangelhos deve reconhecer que Jesus de Nazaré real-
nos recusaram adoração (At 14.15), e também os an- mente afirmou ser Deus em carne humana. Afirmou
jos (Ap 22.8,9). Mas Jesus aceitou adoração em várias ser igual ao Ia v é d o .47.
ocasiões, mostrando que afirmava ser Deus. Um le- Supostas alegações contra ditó ria s d e Cristo. Ape-
proso curado 0 adorou (M t 8.2), e um governante se sar de Cristo declarar ser Deus, alguns críticos tomam
ajoelhou perante ele com um pedido (Mt 9.18). De- certas afirmações de Jesus como negações da divinda-
pois que cessou a tempestade, “então os que estavam de. Dois desses incidentes são muito citados: num, um
no barco 0 adoraram, dizendo:‘Verdadeiramente tu és jovem governante rico veio a Jesus e 0 chamou “ Bom
0 Filho de Deus!” ’ (M t 14.33). Uma mulher cananéia Mestre” .Mas Jesus 0 repreendeu, dizendo :“ Por que você
205 Cristo, divindade de

me chama bom? Ninguém é bom, a não ser um, que é 0 1 esposo” (Ef 5.28-33; Ap 2 1 .2 ) ,“0 Supremo Pastor”
Deus” (Mc 10.17,18; v. Mc 10.17-27; cf. passagens para- ( lPe 5.4),e “0 grande Pastor” (Hb 13.20). O papel de
leias, Mt 19.16-30; Lc 18.18-30). redentor do at (Sl 130.7; Os 13.14) é dado a Jesus no
Mas note que Jesus não negou ser Deus; ele pediu n t (Tt 2.13; Ap 5.9). Ele é visto como perdoador de

que 0 jovem examinasse as implicações do que disse- pecados (At 5.31; Cl 3.13; v. Sl 130.4; Jr 31.34) e“ Sal-
ra. Jesus estava dizendo: “Você percebe 0 que está di- vador do mundo” (Jo 4.42; v. Is 43.4). Os apóstolos
zendo quando me chama bom? Está realmente dizen- também ensinaram sobre ele: “ Cristo Jesus, que há
do que sou Deus?” . É claro que 0 homem não perce- de julgar os vivos e os mortos” (2Tm 4.1). Todos es-
ses títulos são exclusivos de Iavé no a t, mas são
beu as implicações nem de suas afirmações nem do
atribuídos a Jesus no n t.
que a lei dizia; assim, Jesus 0 estava forçando a um
Os discípulos consideraram Jesus 0 Deus-Messias. O
dilema muito constrangedor. Ou Jesus era bom e Deus,
n t começa com uma passagem que conclui que Jesus
ou era mau e humano, pois todo ser humano é mau e
é Emanuel (Deus conosco), referindo-se à previsão
não merece vida eterna.
messiânica de Isaías 7.14.0 próprio título “Cristo” tem
O segundo suposto exemplo é encontrado em João
0 mesmo significado que 0 título hebraico Messias
14.28, onde Jesus disse: “ 0 Pai é maior do que eu” .
(“ungido” ). Em Zacarias 12.10, Iavé diz: “Olharão para
Como pode 0 Pai ser maior se Jesus é igual a Deus? A
[...] aquele a quem traspassaram” . Mas os autores do
resposta é que, como homem, Jesus se subordinou ao
n t aplicam essa passagem à crucificação de Jesus (Jo
Pai e aceitou limitações inerentes à humanidade. En- 19.37; Ap 1.7). Paulo interpreta Isaías 45.22,23 (“ Pois
tão, 0 Pai era maior que 0 Jesus hum ano. Além disso, eu sou Deus, e não há nenhum outro [...] Diante de
na ordem da salvação, 0 Pai tem um cargo mais alto mim todo joelho se dobrará; junto a mim toda língua
que 0 Filho. Jesus procedeu do Pai como 0 profeta que jurará” ) aplicando 0 texto a Jesus: “ Para que ao nome
trouxe as palavras de Deus e 0 sumo sacerdote que in- de Jesus se dobre todo joelho [...] e toda língua con-
tercedeu pelo povo. Em sua essência natural como fesse que Jesus Cristo é 0 Senhor” (Fp 2.10,11). Paulo
Deus, Jesus e 0 Pai são iguais (Jo 1.1; 8.58; 10.30). Um diz que todos os seres criados chamarão Jesus de Mes-
pai terreno é tão humano quanto seu filho, mas tem sias (Cristo) e Iavé (Senhor).
uma posição mais alta. Assim, 0 Pai e 0 Filho na Trin- Os discípulos atribuíram os po deres de D eus a Je-
dade são iguais em essência, mas diferentes em fun- sus. Obras e autoridade que pertencem apenas a Deus
ção. Da mesma forma, falamos do presidente de uma são atribuídas a Jesus por seus discípulos. Disseram
nação como tendo um cargo de maior dignidade, mas que ele ressuscitou os mortos (Jo 5.21; 11.38-44) e
não tendo maior caráter. perdoou pecados (At 5.31; 13.38). Disseram que foi
Não podemos dizer que Jesus se considerava infe- 0 agente principal na criação (Jo 1.2; Cl 1.16) e sus-
rior a Deus por natureza. Esse resumo nos ajuda a en- tentação (Cl 1.17) do universo.
tender as diferenças: Os discípulos associaram 0 nom e de Jesus ao de Deus.
Seus seguidores usaram 0 nome de Jesus como agente
Jesus e 0 Pai como Deus para que suas orações fossem recebidas e repondidas
(At 7.59; 1Co 5.4). Geralmente, nas orações e bênçãos,
Jesus é igual... Jesus é subordinado... 0 nome de Jesus é usado com 0 de Deus, como em “A
em sua natureza divina, em sua natureza humana, vocês, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai e do
em sua essência divina, em sua tunção humana. nosso Senhor Jesus Cristo” (G11.3; Ef 1.2). O nome de
em seus atributos. em seu cargo humano, Jesus aparece com a mesma importância que 0 de Deus
em seu caráter divino, em sua posição humana. nas denominadas fórmulas trinitárias; Jesus mandou
batizar“em nome [singular] do Pai e do Filho e do Espí-
A afirm ação dos discípulos de Jesus ser Deus. rito Santo” (Mt 28.19). Essa associação é feita no fim de
Além da afirmação de Jesus sobre si mesmo, seus dis- 2 Coríntios (13.14): “A graça do Senhor Jesus Cristo, 0
cípulos também reconheceram sua afirmação da di- amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo sejam
vindade. Manifestaram isso de várias maneiras, inclu- com todos vocês” .
indo-se as seguintes: Os discípulos cham aram Jesus de Deus. Tomé viu
05 discípulos atrib uíra m títulos de d iv in d a d e a as marcas de Jesus e exclamou: “ Senhor meu e Deus
Cristo. Em concordância com seu mestre, os apósto- meu!” (Jo 20.28). Paulo diz que Jesus é aquele em
los de Jesus 0 chamaram“o primeiro e 0 último” (Ap quem “ habita corporalmente toda a plenitude da di-
1.17; 2.8; 22.13),“a verdadeira luz” (Jo 1.9), sua “ ro- vindade” (Cl 2.9). Em Tito, Jesus é“nosso grande Deus
cha” ou“ pedra” (lC o 10.4; lPe 2.6-8; v. Sl 18.2;95.1), e Salvador, Jesus Cristo” (2.13), e 0 autor de Hebreus
Cristo, divindade de 206

diz sobre ele: “0 teu trono, ó Deus, subsiste para todo em 1.1. Ele e outros autores das Escrituras conside-
0 sempre” (Hb 1.8). Paulo diz que, antes de Cristo ravam Jesus “0 Deus” , não “ um deus” (v. Hb 1.8).
existir na forma de homem, exisia “sendo Deus” (Fp Os críticos também usam Colossenses 1.15,onde
2.5-8). As frases paralelas sugerem que, se Jesus era Paulo classifica Cristo como “0 primogênito de toda
totalmente humano, então ele também era totalmente a criação” . Isso parece denotar que Cristo é uma cri-
Deus. Uma expressão semelhante,“a imagem do Deus atura, a primeira criatura do universo. Essa interpre-
invisível” refere-se, em Colossenses 1.15, à manifes- tação também é contrária ao contexto, pois Paulo, em
tação de Deus. Essa descrição é reforçada em Colossenses 1.16, diz precisamente que em Cristo “ fo-
Hebreus, que diz: “0 Filho é 0 resplendor da glória de ram criadas todas as coisas” e está prestes a dizer que
Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando to- “a plenitude da Divindade” está nele (2.9). 0 termo
das as coisas por sua palavra poderosa” (1.3). prim ogênito geralmente refere-se a uma posição de
0 prólogo do evangelho de João afirma categori- proeminência na família, 0 que claramente acontece
camente: “ No princípio era aquele que é a Palavra. nesse contexto (v. 1.18). Cristo é 0 herdeiro de todas
Ele estava com Deus, e era Deus.” (Jo 1.1). as coisas, criador e dono. Ele vem antes de todas as
Os discípulos consideravam Jesus superior aos an- coisas.
jos. Os discípulos não acreditavam simplesmente que 0 mesmo se aplica a Apocalipse 3.14, outro
Cristo era mais que um homem; acreditavam que ele versículo usado para negar a divindade de Cristo.
era maior que qualquer ser criado, até mesmo que os João refere-se a Cristo como “0 princípio da criação
anjos. Paulo diz que Jesus está “muito acima de todo de Deus” ( r a ) . Is s o dá a impressão de que Cristo foi 0
governo e autoridade, poder e domínio, e de todo nome primeiro ser criado. Mas aqui 0 significado é que
que se passa mencionar, não apenas nesta era, mas Cristo é 0 Soberano, não 0 prin cípio da criação de
também na que há de vir” (Ef 1.21 ).Os demônios sub- Deus. A mesma palavra grega para princípio é usada
meteram-se ao seu comando (M t 8.32). Os anjos que para Deus Pai em Apocalipse 21.6,7:
recusaram a adoração de humanos são vistos adoran-
do-o (Ap 22.8,9). 0 autor de Hebreus apresenta um Está feito. Eu sou 0 Alfa e 0 Ômega, 0 Princípio e Fim. A
argumento completo da superioridade de Cristo aos quem tiver rede, darei de beber gratuitamente da fonte da
anjos, dizendo: “ Pois a qual dos anjos Deus alguma vez água da vida. 0 vencedor herdará tudo isto, e eu serei seu
disse:‘Tu és meu Filho; eu hoje te gerei? [...] E ainda, Deus e ele será meu filho.
quando Deus introduz 0 Primogênito no mundo, diz:
‘Todos os anjos de Deus 0 adorem?” (Hb 1.5,6). A força do testemunho. Há testemunho abundante
Supostas alegações contrárias à divindade de Cris- do próprio Cristo, e daqueles que 0 conheciam melhor,
to feita s pelos discípulos. Os críticos oferecem textos de que Jesus afirmou ser Deus e que seus seguidores
para argumentar que os discípulos de Jesus não acre- acreditavam ser essa a verdade. Se esse for 0 caso, não
ditavam que ele era Deus. Tais textos precisam ser h á dúvida de que é nisso que eles acreditavam. C. S. Lewis
examinados rapidamente dentro do contexto. As Tes- observou, quando deparou com a audácia das afirma-
temunhas de Jeová usam João 1.1 para mostrar que ções de Cristo, q u e somos confrontados com alternati-
Jesus era “um deus” , não “0 Deus” , porque nenhum vas diferentes.
artigo definido 0 aparece no grego. Essa é uma má
interpretação tanto da linguagem quanto do Estou tentando evitar que se diga a coisa mais tola que
versículo. No grego, 0 artigo definido geralmente é muita gente diz por aí, a respeito de Cristo: “Estou pronto
usado para enfatizar“o indivíduo” , e, quando não está para aceitar que Jesus foi um grande mestre de moral, mas
presente, a referência é à “natureza” do que é denota- não aceito a sua prerrogativa de ser Deus” . Eis aí precisa-
do. Então, 0 versículo pode ser traduzido: “E 0 Verbo mente 0 que não podemos dizer. Um homem que fosse só
era da natureza de Deus” . No contexto dos versículos homem, e dissesse as coisas que Jesus disse, não seria um
seguintes e no restante do evangelho de João (p. ex., grande mestre de moral: seria ou um lunático, em pé de
1.3; 8.58; 10.30; 20.28), é impossível que João 1.1 su- igualdade com quem diz ser um ovo cozido, ou então será 0
gira que Jesus seja algo menos que divino. 0 restante Demônio (Lewis,p.29).
do NT une-se a João na proclamação direta de que
Jesus é Deus (p. ex., em Cl 1.15,16 e Tt 2.13). E v id ê n c ia d e q u e Jesu s é D eu s. 0 fato de Jesus e
Além disso, alguns textos do n t usam 0 artigo de- seus discípulos afirmarem que ele era Deus em carne
finido e claramente referem-se a Cristo como “ 0 humana não prova em si mesmo que ele é Deus. A ver-
Deus” . Não importa se João usou 0 artigo definido dadeira questão é se há alguma boa razão para crer
207 Cristo, divindade de

nessas afirmações. Para apoiar suas afirmações de di- 15. seria levado ao céu (Sl 68.18; v. At 1.9);
vindade, Jesus demonstrou poder e autoridade sobre- 16. colocado assentado à direita de Deus (Sl 110.1;
naturais que são únicos na história humana. v. Hb 1.3).
Profecias messiânicas cumpridas. Havia dezenas de
profecias preditivas no a t relativas ao Messias (v. profecia Essas profecias foram escritas centenas de anos
como prova da B íb lia ). Considere as seguintes previsões, antes de Cristo nascer. Elas são precisas demais para
feitas séculos antes, de que Jesus; se basearem em tendências literárias da época ou ape-
nas em suposições inteligentes, como “profecias” num
1. nasceria de uma mulher (Gn 3.15; v. G14.4); jornal sensacionalista.
2. nasceria de uma virgem (Is 7.14; v. Mt 1.21 s.) Elas também são mais precisas que as supostas
(v. virgem, nascimento); profecias de Maomé no Alcorão (v. A lc o r ã o , suposta
3. morreria 483 anos após a declaração de recons origem d iv in a d o ). Até os críticos mais liberais admi-
trução do templo, em 444 a.C. (Dn 9.24s.; isso foi tem que os livros proféticos foram escritos no mini-
cumprido com precisâo.Y Hoehner, p. 115-38); mo 400 anos antes de Cristo, e 0 livro de Daniel no
4. seria descendente de Abraão (Gn 12.1-3e2.18; máximo em 165 a.C. (v. D a n ie l, datação de). Há boas
v. Mt 1.1 eGl 3.16); evidências para datar esses livros bem antes (alguns
5. descenderia da tribo de Judá (Gn 49.10; v. Lc salmos e os primeiros profetas dos séculos vm e ix
3.23,33 eHb 7.14); а.C.). Mas qualquer datação razoável coloca essas
6. seria descendente de Davi (2 Sm 7,12s.; v. Mt obras bem antes de Jesus ter vivido. É humanamente
1. 1); impossível fazer previsões claras, repetidas e preci-
7. nasceria em Belém (Mq 5.2; v. Mt 2.1 e Lc sas com 200 anos de antecedência. O cumprimento
2.4-7); dessas profecias no universo teísta é milagroso e in-
8. seria ungido pelo Espírito Santo (Is 1 1.2; v. Mt
dica a confirmação divina de Jesus ser 0 Messias.
3.16,17)";
Alguns sugeriram que há aqui uma explicação
9. seria anunciado por um mensageiro (Is 40.3 e
natural para 0 que parecem ser unicamente previsões
Ml 3.1; v. Mt 3.1,2);
sobrenaturais. Uma explicação é que as profecias fo-
10. realizaria de milagres (Is 35.5,6; v. Mt 9.35; v.
ram cumpridas acidentalmente em Jesus. Por acaso,
m ilagres na B íb lia );
ele estava no lugar certo na hora certa. Mas como ex-
11. purificaria do templo (M l 3.1; v. Mt 21.12s.);
plicar as profecias sobre milagres? “Ele fez um cego
12. seria rejeitado pelos judeus (S l 118.22;
ver por acaso?” “ Ressuscitou alguém por acaso?” É
v. lPe 2.7);
pouco provável que esses sejam eventos casuais. Se
13. seria morto de maneira humilhante (Sl 22 e Is
Deus está no controle do universo, a probabilidade é
53; v. Mt 27.31 ss.); sua morte envolveria:
eliminada. Além disso, é pouco provável que esses
a) rejeição duradoura pelo seu próprio
eventos convergissem na vida de um homem. A pro-
povo (Is 53.3; v. Jo 1.10,11; 7.5,48);
b) silêncio perante seus acusadores babilidade das 16 previsões serem cumpridas em um
d) (Is53.7;v.Mt 27.12-19); homem foi calculada em 1 em 104‫י‬. Se considerarmos
c) zombaria (Sl 22.7,8; v. Mt 27.31); 48 previsões, a probabilidade é de 1 em 10b;. É prati-
d) mãos e pés traspassados camente impossível conceber um número tão alto
(Sl 22.16; v.Lc 23.33); (Stoner, p. 108).
e) crucificação com ladrões Mas não é apenas a improbabilidade lógica que eli-
(Is 53.12; v.M. 15.27,28); mina essa teoria; é a implausibilidade moral de um Deus
f) oração por seus perseguidores Todo-Poderoso e onisciente deixar as coisas fugir do seu
(Is 53.12; v.Lc 23.34); controle de tal forma que todos os seus planos de cum-
g) perfuração de seu lado primento profético sejam arruinados por alguém que
(Zc 12.10; v. Jo 19.34); simplesmente estava no lugar certo na hora certa. Deus
h) sepultamento no túmulo de um não pode mentir, nem pode quebrar uma promessa (Hb
homem rico (Is 53.9; v. Mt 27.57-60). б.18). Então devemos concluir que ele não permitiu que
i) lançar a sorte pelas suas vestes suas promessas proféticas fossem frustradas pelo acaso.
(Sl 22.18; v. J019.23.24). Todas as evidências indicam que Jesus é 0 cumprimento
14. ressurreição dos mortos (Sl 2.7 e 16.10; v. At divinamente designado das profecias messiânicas. Ele foi
2.31 e Mc 16.6); 0 homem de Deus, confirmado pelos sinais de Deus.
Cristo, divindade de 208

Se Deus fez as previsões serem cumpridas na vida de Cris- Voltem e anunciem a João a que vocês estão ouvindo e
to, não permitiria que fossem cumpridas na vida de qual- vendo: os cegos vêem, 0 smancos andam, os leprosos são
quer outro. O Deus da verdade não permitiria que uma purificados, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados,
mentira fosse confirmada (v. milagres como confirmação e as boas novas pregadas ao pobres. (Mt 11.4,5).
da verdade).
Uma vida miraculosa esem pecado. A própria nature- Essa realização especial de milagres era 0 sinal es-
za da vida de Cristo confirma sua reivindicação de divin- pecial de que 0 Messias veio (v. Is 35.5,6). O líder judeu
dade. Viver uma vida perfeitamente santa seria um feito Nicodemos até disse: “Mestre, sabemos que ensina da
grandioso, mas afirmar ser Deus e oferecer uma vida santa parte de Deus, pois ninguém pode realiazar os sinais
como evidência é outra questão. Maomé não 0 fez (v. miraculosos que estás fazendo, se Deus não estiver com
Maomé, c a r á t e r de). Buda também não, nem qualquer ele” (Jo 3.2). Para um judeu do século 1, milagres como
outro líder religioso (v. cristo, singularidade de) .Alguns dos os que Cristo fez eram indicações claras da aprovação
inimigos de Cristo trouxeram falsas acusações contra ele, divina para a mensagem do pregador (v. m ilagres como
confirm ação da verdade). Mas,no caso de Jesus,parte des-
mas 0 veredicto de Pilatos foi 0 veredicto da história: “Não
encontro motivo para acusar este homem” (Lc 23.4). Um sa mensagem era que ele era Deus em carne humana.
Então, seus milagres comprovam sua afirmação de ser
soldado no Calvário concordou,dizendo:“Certamente este
0 Deus verdadeiro.
homem era justo” (Lc 23.47), e 0 ladrão na cruz ao lado
A ressurreição. Nada igual a ressurreição de Cristo é
de Jesus disse: “Mas este homem não cometeu nenhum
reivindicado por qualquer outra religião, e nenhum
mal” (Lc 23.41). Mas 0 verdadeiro teste é 0 que as pessoas
outro milagre tem tanta confirmação histórica. Jesus
mais próximas de Jesus disseram sobre seu caráter. Seus
Cristo ressuscitou dos mortos ao terceiro dia no mes-
discípulos viveram e trabalharam bem próximos dele du-
mo corpo físico, apesar de transformado, em que mor-
rante três anos, mas suas opiniões sobre ele não se torna-
reu. No seu corpo físico ressuscitado ele apareceu para
ram negativas. Pedro chamou-o “cordeiro sem mancha e
mais de 500 discípulos num período de 40 dias e con-
sem defeito” (lPe 1.19) e acrescentou:“e nenhum engano
versou com eles (At 1.3; 1C0 15.3-6; v. ressurreição, 0r-
foi encontrado em sua boca” (2.22). João chamou-o de
dem dos eventos). A natureza, a extensão e a quantidade
“Jesus Cristo, 0 Justo” (1Jo 2.1; cf. 3.7). Paulo expressou a
desses aparecimentos removem qualquer dúvida de que
crença unânime da igreja primitiva de que Cristo “não
Jesus realmente ressuscitou dos mortos no mesmo cor-
tinha pecado” (2C0 5.21), e 0 autor de Hebreus diz que po de carne e osso em que morreu. Durante cada apare-
foi tentado como um homem, “porém sem pecado” cimento, foi visto e ouvido com os sentidos naturais do
(4.15). O próprio Jesus desafiou os seus acusadores: observador. Em pelo menos quatro ocasiões foi tocado
“ Qual de vocês pode me acusar de algum pecado” (Jo ou ofereceu-se para ser tocado. Pelo menos duas vezes
8.46), mas ninguém foi capaz de julgá-lo culpado de realmente foi fisicamente tocado. Quatro vezes Jesus
nada. Ele proibiu a retaliação (Mt 5.38-42). Ao contrá- alimentou-se com seus discípulos. Quatro vezes viram
rio de Maomé, jamais usou a espada para espalhar sua seu túmulo vazio, e em duas ocasiões ele lhes mostrou
mensagem ( M t 26.52). Assim, 0 caráter impecável de as cicatrizes da crucificação. Ele literalmente esgotou as
Cristo dá testemunho duplo da veracidade de sua afir- maneiras pelas quais é possível provar que ressusci-
mação. Isso dá evidência do que ele deu a entender, mas tou corporalmente da sepultura. Nenhum evento no
também nos assegura que não estava mentindo quan- mundo antigo tem a comprovação de mais testemu-
do disse Deus. nhas oculares que a ressurreição de Jesus (v. ressur-
Além dos aspectos morais de sua vida, a natureza reição, evidências da).
milagrosa de seu ministério é a confirmação divina. O que é mais impressionante sobre a ressurreição é
Jesus milagres inéditos. Transformou água em vinho 0 fato de 0 a t e Jesus terem previsto que ele ressuscitaria
(Jo 2.7s.), andou sobre a água (M t 14.25), multiplicou dos mortos. Isso destaca 0 valor evidenciai da ressur-
pães (Jo 6.11 s.),abriu os olhos dos cegos (Jo 9.7s.), fez reição de Cristo de forma singular.
os coxos andar (Mc 2.3s.), expulsou demônios (Mc Previsão da ressurreição no at. Os profetas judeus
3.11 s.), curou as multidões de todos os tipos de doen- previram a ressurreição em afirmações específicas e pela
ças (M t 9.35), inclusive lepra (Mc 1.40-42), e até res- dedução lógica. Os apóstolos aplicaram textos específi-
suscitou os mortos em várias ocasiões (Jo 11.43,44; cos do at à ressurreição de Cristo (SI 2.7; cf. Hb 1.5 e At
Lc 7.11 -15; Mc 5.35s.). Quando perguntaram se ele era 13.33). Pedro diz que, já que sabemos que Davi morreu
0 Messias, usou seus milagres como evidência para e foi sepultado, ele devia estar falando de Cristo quando
apoiar a afirmação, dizendo: disse: “porque tu não me abandonarás no sepulcro, nem
209 Cristo, lendas da substituição

permitirás que 0 teu Santo satra decomposição” (Sl Resumo. Jesus afirmou ser Deus e provou isso pela
16.8-11, citado em At 2.25-31). Sem dúvida Paulo usou convergência de trés conjuntos de milagres inéditos:
essas passagens e outras semelhantes nas sinagogas, profecias cumpridas, uma vida milagrosa e sua res-
quando“... discutiu com eles com base nas Escrituras, surreição dos mortos. Essa convergência única de
explicando e provando que 0 Cristo deveria sofrer e eventos sobrenaturais confirma suas alegações de ser
ressucitar dentre os mortos” (At 17.2,3). Deus em carne humana. Isso também responde à ob-
O a t também ensina a ressurreição por dedução jeção de David Hum e de que, já que todos os milagres
lógica. Há ensinamentos claros de que 0 Messias mor- têm reivindicações semelhantes, suas provas se can-
reria (cf. Sl 22; Is 53) e igualmente evidentes de que ceiam mutuamente. Nem todas as religiões têm as
ele teria um reinado político duradouro em Jerusalém mesmas reivindicações de milagres. Apenas no cristi-
(Is 9.6; Dn 2.44; Zc 13.1). Não há maneira viável de anismo seu líder afirma poder provar que é Deus pela
conciliar esses dois ensinamentos a não ser admitir convergência de eventos sobrenaturais únicos como
que 0 Messias, que morreria, viria a ser ressuscitado os que Jesus ofereceu (v. C ris to , sin g u la rid a d e d e). Des-
dos mortos para reinar eternamente. Não há indica- sa forma, só Cristo é confirmado milagrosamente
ção no a t de dois Messias, um sofrendo e outro rei- como Deus e, por causa disso, só ele deve ser aceito
nando,como alguns teólogos judeus já sugeriram. Re- como verdadeiro em tudo que ensina.
ferências ao Messias estão sempre no singular (cf. Is
9.6; 53.Is.; Dn 9.26). Nenhum outro Messias é jamais Fontes
designado. F. F. Bru f , e W. J. M a r t in , “ Two laymen on Christ’s
Mas Jesus não havia começado nenhum reinado deity” . C l
quando morreu. Só pela sua ressurreição as profecias J. B itii, et 31., Jesus: God, ghost or guru?
do Reino messiânico poderiam ser cumpridas.
N. L. Grisi f r , Christian apologetics.
A previsão de Jesus sobre sua ressurreição. Em vá-
___ e A. Saleeb, Answering Islam.
rias ocasiões Jesus também previu sua ressurreição
C. Η οεχ ,ε , Systematic theology, v. l,cap.8.
dos mortos. Na primeira parte do seu ministério, dis-
H .W . H o eh n er , Chronological aspects of the life o f
se: “ Destruam este templo [do meu corpo], e eu 0 le-
Christ.
vantarei em três dias” (Jo 2.19,21). Em Mateus 12.40,
C. S. Leu is, Cristianismo puro e simples.
disse: “ Pois assim como Jonas esteve três dias e três
J. M c D o w e l l e B. L a r s o n ,Jesus — uma defesa btbli-
noites no ventre de um grande peixe, assim 0 Filho
ca de sua divindade.
do homem ficará três dias e três noites no coração
R . R h o a d s , Christ before the manger.
da terra” . Aqueles que viram seus milagres e ainda
P. \V. St o n e r , Science speaks.
assim não creram, disse: “ Uma geração perversa e
B. B. W a r f ie l d , The person and work of Christ.
adúltera pede um sinal miraculoso! Mas nenhum si-
nal lhe será dado, exceto 0 sinal do próprio Jonas”
Cristo, humanidade de. V. C r is t o , d iv in d a d e de;
(M t 12.39; 16.4). Após a confissão de Pedro: “ Então
DOCETISMO.
ele começou a ensinar-lhes que era necessário que 0
Filho do homem sofresse muitas coisas, fosse morto
Cristo, lendas da substituição da morte de. A morte
e três dias depois ressuscitasse.” (Mc 8.31). Isso se tor-
e ressurreição de Cristo são absolutamente cruciais à
nou uma parte central do seu ensinamento desse
verdade do cristianismo histórico (1 Co 15.1 -4). Na ver-
ponto até sua morte (M t 27.63; Mc 14.59). Além dis-
so, Jesus ensinou que ressuscitaria dos mortos, di- dade, a comprovação ou refutação do cristianismo or-
zendo sobre sua vida: “ Tenho autoridade para dá-la todoxo depende do fato de Cristo ter ressuscitado cor-
e para retomá-la” (Jo 10.18). poralmente dos mortos (Rm 10.9; 1C0 15.12-19). Mas,
O filósofo da ciência Karl Popper argumentou que, se Cristo não morreu, certamente não ressuscitou dos
sempre que uma “previsão arriscada” é cumprida, é mortos. Uma das maneiras pelas quais os céticos (v.
considerada confirmação da teoria que a previu. As- agnosticismo) e críticos (v. B íb lia, c rític a da) do cristianis-

sim, 0 cumprimento da previsão de Jesus sobre a pró- mo tentam evitar a verdade da ressurreição (v. ressurrei-
pria ressurreição é a confirmação de sua afirmação Cão, evidências da) é supor que alguma outra pessoa subs-

de ser Deus. Pois 0 que seria mais arriscado que pre- tituiu Jesus na cruz no último instante.
ver sua própria ressurreição? Se alguém não aceitar Lendas de substituição. Formas da lenda de subs-
essas linhas de evidência como prova da afirmação de tituição foram oferecidas já no século 11 por oponen-
Cristo, tem um preconceito tal que não aceitará coisa tes do cristianismo como explicação alternativa da
alguma como evidência. afirmação cristã de que Cristo morreu e ressuscitou
Cristo, lendas da substituição 210

dos mortos. Mas a evidência factual da morte de Cris- Lendas islâmicas de substituição. Os muçulmanos
to na cruz é substancial, e é comprovada sem qual- foram atraídos pela idéia de que Judas ou Simão de
quer crença teológica. Cirene morreram na cruz no lugar de Jesus. Uma teoria
A lenda da substituição atualmente é mais ensi- oposta de que ele desmaiou na cruz e foi tirado ainda
nada entre os muçulmanos; portanto, sua visão será vivo não reforça tal hipótese. Al-Tabari, famoso histori-
respondida nesse artigo. Essa resposta inclui necessa- ador e comentarista muçulmano do Alcorão, relata que
riamente uma explicação da posição do cristianismo Wahab B. Munabih, que viveu por volta do ano 700, pro-
sobre salvação à luz da cruz. O esforço em defender a pagou a mentira de que uma forma humana, não uma
inteligibilidade histórica e teológica da morte de Cristo pessoa, foi substituída. Sua versão é relatada:
é empreendido parcialmente no artigo geral Cristo, .morte
de e no artigo relacionado aos problemas islâmicos e Eles 0 trouxeram à cruz onde pretendiam crucificá-lo, mas
liberais com a crucificação, C risto , objeções morais à mor- Deus 0 levou para si e um simulacro foi crucificado no seu
te de. O conteúdo seguinte supõe esse conteúdo e tenta- lugar. Ele ficou ali durante sete horas, e depois sua mãe e ou-
rá evitar repeti-lo. tra mulher que ele havia curado deloucura vieram chorar por
Razões para rejeitar a morte de Cristo. Por um lado, ele. Mas Jesus veio a elas e disse: “Deus me levou para si, e esse
a indisposição islâmica de aceitar 0 evento histórico é apenas um simulacro” (Abdul-Haqq,p. 135-6).
da morte de Cristo é estranha. Além de haver ausência
total de evidências para uma substituição, 0 islamismo Outro exemplo da crescimento dessa tradição len-
também ensina que dária é a teoria de Thalabi, que viveu uns 300 anos
depois de Munabih. A forma de Jesus foi colocada em
1. Jesus morreria (surata 3.55; cf. 19.33). Judas, que 0 traiu, e 0 crucificaram, supondo que era
2. Jesus ressuscitaria dos mortos (19.33). Jesus. Depois de três horas Deus levou Jesus para si ao
3. Os discípulos de Jesus que testemunharam céu (v. Bruce, p. 179).
os eventos creram que era Jesus, não outra Mais recentemente, A. R. Doi oferece a hipótese de
pessoa que fora crucificada no seu lugar. que, quando os soldados romanos vieram com Judas
4. Os soldados romanos e os judeus acredita para prender Jesus,“os dois judeus se confundiram no
vam que era Jesus de Nazaré que eles crucifi- escuro, e os soldados prenderam Judas em vez de Je-
caram. sus. Então Jesus foi salvo e levado ao céu” (Doi, p. 21).
5. Jesus fez milagres, inclusive ressuscitando Como evidência, os muçulmanos geralmente citam 0
pessoas dos mortos. espúrio E v a x g e l h o d e B a r n a b é .
A b a s e in a d e q u a d a . As lendas de substituição
Se tudo isso é aceito pelos muçulmanos, então não simplesmente não são dignas de crédito do ponto de
há razão para rejeitar 0 fato de Jesus ter morrido na cruz, vista histórico.
nem que ressuscitou dos mortos três dias depois. Elas contradizem 0 registro existente do testemu-
Primeiras lendas de substituição. Lendas de substitui- nho ocular de que Jesus de Nazaré foi crucificado (Mt
ção não são exclusivas do islamismo. Alguns dos primei- 27; Mc 14; Lc 23; Jo 19).
ros oponentes do cristianismo ofereceram especulações Elas são contrárias aos primeiros testemunhos
semelhantes. Segundo 0 pai da igreja do século 11,Frenaco, extrabíblicos judeus, romanos e samaritanos (Haber-
Basílide, 0 gnóstico (v. gnosticismo) ensinou que “na cru- mas, p. 87-118, Bruce, p. 31; v. resumo em arq u e o lo g ia
cificação, ele [Jesus] mudou de forma com Simão de do Novo Testam ento; C ris to , m orte de). Apesar do fato
Cirene que carregou a cruz. Os judeus confundiram Si- de todos esses autores terem sido oponentes do cristi-
mão com Jesus e 0 pregaram na cruz. Jesus ficou ridicu- anismo, eles concordam que Jesus de Nazaré foi cruci-
larizando 0 erro deles antes de subir ao céu” (Lightfoot,p. ficado sob 0 comando de Pôncio Pilatos. Não há ne-
156ss.). No século 111, Mani da Pérsia, fundador da reli- nhum vestígio de testemunho contrário no século 1 por
gião maniqueísta, ensinou que 0 filho da viúva de Naim, amigos ou inimigos do cristianismo.As primeiras len-
que Jesus ressuscitara dos mortos, foi morto em seu lu- das de substituição começam por volta de 150 d.C en-
gar. Segundo outra tradição maniqueísta, 0 diabo, que tre pessoas muito influenciadas pelo gnosticismo. Ne-
estava tentando crucificar Jesus, foi a vítima dessa troca. nhuma baseia-se em evidências de testemunhas ocu-
Fócio (c. 820-895) referiu-se, em suas obras, a um livro lares ou contemporâneas dos eventos.
apócrifo, As viagens de Paulo, que dizia que outra pessoa Elas são implausíveis, pois exigem ignorância to-
fora crucificada no lugar de Jesus (Abdul-Haqq, p. 136). tal por parte dos que estavam mais próximos de Jesus,
211 Cristo, lendas da substituição

seus discípulos e os romanos. Supõem que Jesus disse Abdalati diz que 0 fato de
a sua mãe e a outra mulher que alguém parecido com
ele fora crucificado e que elas não informaram os dis- ele [Jesus] ter ressuscitado em alma e corpo ou em alma
cípulos nem os corrigiram quando foram pregar dili- apenas depois de ter uma morte natural não influencia a fé
gentemente, sob ameaça de morte, que Jesus havia islâmica. Não se trata de um Artigo da Fé, pois 0 que é im-
morrido e ressuscitado dos mortos. portante e fundamental para um muçulmano é 0 que Deus
Já que a maioria dos muçulmanos rejeita 0 fato da revela; e Deus revelou que Jesus não foi crucificado, mas sim
crucificação e morte de Cristo, eles têm grande dificul- levado a ele (v.Abdalati, p. 159).
dade em explicar os aparecimentos após a ressurreição
e a ascensão de Cristo. Já que crêem que Cristo era ape- Ele menciona a surata 4.157 (citada anteriormen-
nas um ser humano, aceitam 0 fato da mortalidade de te). A maioria dos muçulmanos, no entanto, acredita
Cristo. Acreditam que Jesus será ressuscitado com to- que Jesus ressuscitará fisicamente dos mortos na res-
dos os outros seres humanos, mas, depois de rejeitar sua surreição geral no último dia. Nada mais é essencial à
fé islâmica. Portanto, rejeitar a morte de Jesus por cru-
morte na cruz, são forçados a encontrar alguma outra
cificação leva à rejeição da sua ressurreição três dias
explicação para a morte de Cristo.
depois e deixa 0 enigma da ascensão para antes da
Esse dilema incentivou a especulação. Muitos teó-
morte ou ressurreição.
logos islâmicos acreditam que Jesus Cristo foi levado ao
A m á interpretação. A negação islâmica da morte
céu vivo. Sua morte ainda acontecerá no futuro, quan-
de Cristo por crucificação é baseada em má interpreta-
do voltar à terra antes do último dia. Isso eles tiram da
ção teológica. Abdalati, por exemplo, descreve, entre suas
interpretação literal de surata 4.157,158: E por dizerem:
razões para rejeitar a crucificação de Cristo:
Matamos 0 Messias, Jesus, filho de Maria, 0 mensagei-
ro de Allah, embora não sendo, na realidade, certo que
É justo da parte de Deus, ou da parte de qualquer um,
0 mataram, nem 0 crucificaram, mas 0 confundiram
fazer alguém se arrepender pelos pecados ou erros de outros,
com outro. E aqueles que discordam quanto a isso estão
pecados que essa pessoa não cometeu? (Abdalati, p. 160).
na dúvida, porque não possuem conhecimentoalgum,
mas apenas conjecturas para seguir; porém, certamen-
Isso, é claro, baseia-se em má interpretação da dou-
te, não 0 mataram. Mas Allah fê-lo ascender até Ele, por-
trina sobre a expiação de Cristo. Como foi comentado em
que é Poderoso, Prudentíssimo.
outro artigo (C risto , objeções morais à m orte de), Cristo
Outros supõem que Jesus teve morte natural al-
não confessou nem se arrependeu dos nossos pecados.
gum tempo após a crucificação e ficou morto por três
Ele morreu por nossos pecados ( 1C0 15.3). Judicial-
horas ou, segundo outra tradição, sete horas — e de-
mente, Deus “ [0] tornou pecado por nós” (2 Co 5.21)
pois disso ressuscitou e foi levado ao céu (Abdul-Haqq,
— a substituição que os cristãos admitem com pra-
p. 131). Não há testemunho histórico para apoiar tal zer. Ele pagou 0 preço da morte em nosso lugar, para
especulação. que pudéssemos estar diante de Deus sem culpa (Mc
Alguns autores islâmicos, como Ahmad Khan, da 10.45; Rm 4.25; lPe 2.22; 3.18). Esse conceito de vida
índia, acreditam que Jesus foi crucificado, mas não pela vida não é estranho ao islamismo. É 0 princípio
morreu na cruz. Ele apenas desmaiou (v. re ssu rre ição , por trás da sua crença na pena de morte; 0 assassino
te o ria s a lte rn a tiv a s da) e foi retirado depois de 3 horas deve pagar com a vida.
(Abdul-Haqq, 132). Outros muçulmanos no Norte da Outra má interpretação por trás da rejeição
índia acrescentaram a lenda de que Jesus visitou 0 islâmica da crucificação é que um Deus misericordio-
Tibete. Abdul-Haqq diz que Ghulam Ahmad so pode perdoar 0 pecado sem condená-lo justamen-
te. Na verdade, há dois erros básicos aqui. A teologia
inventou a teoria de que Jesus Cristo viajou para a islâmica comete 0 primeiro erro quando sugere que 0
Caxemira [...] depois da sua crucificação. Para apoiar essa que Jesus fez não foi voluntário, mas infligido a ele.
teoria, encontrou convenientemente um túmulo em Jesus disse: “... porque eu dou a minha vida para
Sirinagar, Caxemira, que declarou ser 0 túmulo de Jesus” . retomá-la. Ninguém a tira de mim, mas e a dou por
minha espontânea vontade. Tenho autoridade para dá-
Mas “as especulações [da seita de Ahmad] foram la e para retomá-la” (Jo 10.17,18). Quando Jesus mor-
consideradas heréticas pela ortodoxia islâmica” (ibid., reu, a Bíblia diz que ele “entregou [espontaneamente]
p. 133). 0 espírito” (Jo 19.30).
Cristo, lendas da substituição 212

O segundo erro é que 0 Deus soberano possa ser A b a se racion al p a ra a salv ação p o r substituição.
santo e ao mesmo tempo mudar arbitrariamente as Não há nada contraditório ou incrível a respeito da
regras sobre 0 certo e 0 errado (v. C r i s t o , o b j e ç õ e s m o - salvação por substituição. A mente islâmica não deve
r a i s À m o r t e d e ) . Os muçulmanos, como os cristãos, ter mais dificuldade com esse conceito que qualquer
acreditam no inferno para os que não se arrependem outra mente. Esse conceito está de acordo com a prá-
(surata 14.17; 25.11-14). Mas, se a justiça santa exige tica humana quase universal. É considerado louvável
que os que não a aceitam sejam punidos, então Deus que as pessoas morram para defender os inocentes.
não pode arbitrariamente perdoar alguém por coisa Guerreiros são saudados por morrer por sua tribo. Sol-
alguma sem uma base justa de perdão. A teologia dados são honrados por morrerem pelo seu país. Pais
islâmica não possui tal base. Os muçulmanos rejeitam são considerados compassivos quando morrem pelos
0 pagamento sacrificial de Cristo pelo pecado para um filhos. É exatamente isso que Jesus fez. Como 0 após-
Deus justo, pelo qual os injustos que aceitam 0 paga- tolo Paulo disse: Dificilmente haverá alguém que mor-
mento de Cristo em favor deles são declarados justos ra por um justo, embora pelo homem bom talvez al-
(cf. Rm 3.21-26). A não ser que alguém consiga pagar guém tenha coragem de morrer. Mas [...] Cristo mor-
0 preço do pecado, Deus é obrigado a expressar ira, reu em nosso favor quando ainda éramos pecadores”
não misericórdia. Sem a crucificação, 0 sistema (Rm 5.7,8).
islâmico não tem como explicar de que forma Alá pode Além disso, até no islamismo há morte sacrificial. A
ser misericordioso e ao mesmo tempo justo. prática muçulmana de id ghorban (feito de sacrifício)
S a lva çã o e m Cristo. Superficialmente, parece que apresenta 0 sacrifício de um novilho em memória do sa-
a salvação pela graça por meio da fé na morte e res- crifício de Abraão do seu filho. Para alguns isso é associ-
surreição de Cristo é incompreensível para os muçul- ado ao perdão de pecados. E soldados muçulmanos que
manos. Esse, cremos, não é 0 caso. Apesar de 0 incré- sacrificam suas vidas pela causa do islamismo ganham 0
dulo não receber (gr. d ech om ai) a verdade de Deus (1 Co Paraíso (3.157-8; 22.58-9). Se Alá podia chamar seus ser-
2.14), ele pode p ercebê-la . Segundo Romanos 1.18-20, vos para morrer pelo islamismo, por que achar estranho
os incrédulos são “indesculpáveis” à luz da revelação que Deus chamasse seu Filho para morrer pela salvação
de Deus na natureza. Só 0 fato de os incrédulos serem dos muçulmanos e do mundo?
convidados a crer no evangelho implica que podem C onclusão. Grande parte da rejeição islâmica de
entendê-lo (cf. At 16.31; 17.30,31). Jesus repreendeu Cristo baseia-se em má interpretação dos fatos sobre
os incrédulos por não entenderem 0 que ele estava fa- ele. Eles crêem na inspiração divina do a t e n t origi-
lando, declarando: “ Se vocês fossem cegos, não seri- nais, no nascimento virginal, na vida santa, no
am culpados de pecado; mas agora que dizem que ensinamento de autoridade divina, na morte e even-
podem ver, a culpa de vocês permanece” (Jo 9.41). tual ressurreição (v. r e s s u r r e i ç ã o , e v i d ê n c i a s d a ) , na as-
A b ase islâm ica p a r a a S alvação p o r substituição. censão e segunda vinda de Cristo. É uma tragédia que
Até mesmo no islamismo 0 conceito cristão da cruz a rejeição das alegações de Jesus ser 0 Filho de Deus e
faz sentido. O islamismo tem várias doutrinas, a justi- Salvador do mundo se percam em meio a tudo que os
ça e 0 perdão de Deus, céu e inferno, que não fazem muçulmanos aceitam. O problema principal é a rejei-
sentido sem a expiação substitutiva. O islamismo en- ção da autenticidade da Bíblia. Talvez 0 entendimento
sina que Deus é justo (v. i s l a m i s m o ) . Mas a justiça ab- melhor da base factual da autenticidade da Bíblia (v.
soluta deve ser satisfeita. Deus não pode simplesmen- Novo T e s t a m e n t o , h i s t o r i c i d a d e d o ) pudesse abrir um
te ignorar 0 pecado. Deve ser pago um preço pelo pe- caminho para levar 0 A lcorão a sério quando encoraja
cado que permita às pessoas entrar no céu, pago por os duvidosos a buscar as Escrituras:
elas mesmas ou por alguém no lugar delas. Numa car-
ta a um amigo explicando porque se tornara cristão, Porém, se estás em dúvida sobre 0 que te temos revela-
Daud Rahbar argumenta: do, consulta aqueles que leram 0 livro antes de ti. Sem dúvi-
da que te chegou a verdade do teu Senhor; não sejas, pois,
A doutrina alcorânica da justiça de Deus exige que esse dos que estão em dúvida. (10.94)
mesmo Deus esteja envolvido no sofrimento e seja visto en-
volvido no sofrimento. Só então ele pode ser um iusto juiz Fontes
do sofrimento da humanidade. H . A r d a la t i,Islam in focus.
A. A. Abdli Sharingyour faith with a muslim.
-H a q q ,

Pois “um Deus que é preservado do sofrimento será R. B e l l , The origin ofIslam in its Christian
um juiz arbitrário e caprichoso” (Nazir-Ali, 28). environment.
213 Cristo, m orte de

F. F. B r u c e , Jesus and Christian origins outside the da ressurreição. A evidência de que Cristo realmente
New Testament. morreu na cruz é esmagadora.
A. R. I. D01,“ The status of prophet Jesus in Islam- Uma m orte prevista. 0 at previu (v. profecia como
II” MWLJ. prova da B íb lia ) que 0 Messias morreria (SI 22.16; Is
W. D. E d u a r d s , et al., “On the physical death of Je- 53.5-10; Dn 9.26; Zc 12.10). Jesus cumpriu isso e qua-
sus Christ,'"JAMA 21 de Mar.de 1986. se cem outras profecias do Antigo Testamento sobre 0
F lA v i o Jo s e fo , “Antiquities o f the Jews,” 18.3 Messias (v., por exemplo, Mt 4.14; 5.17,18; 8.17; Jo
N. L. G e is le r e W. E . Nix, Introdução bíblica. 4.25,26; 5.39).
G . H a b e rm a s, Ancient evidence for the life of Jesus. Jesus previu muitas vezes durante seu ministé-
Μ. H. H a v k a i, The life of M uhammad. rio que iria morrer e ressuscitar (M t 12.40; Mc 8.31;
Ju s t in M a r t y r , First apology, e m The ante-nicene Jo 2.19-21; 10.10,11). Uma das predições mais ex-
fathers. plícitas é Mateus 17.22,23: “ Reunindo-se eles na
J. B. L i g h t f o o t , The apostolic fathers. Galiléia, Jesus lhes disse: Ό Filho do homem será
S. S. M u f f a s i r , Jesus, A prophet of Islam. entregue nas mãos dos homens. Eles 0 matarão, e
M. N a z ir - A u , Frontiers in muslim-christiam no terceiro dia ele ressucitará’ E os discípulos fica-
encounter. ram cheios de tristeza” .
“ Sanhedrin” , The babylonian Talmud. Todas as previsões da sua ressurreição no a t (cf. Sl
T á c it o , Anais. 2.7; 16.10) e no n t (cf. Mt 12.40; 17.22,23; Jo 2.19-21)
supõem que ele morreria (v. ressu rreição, evidências da).
Cristo, m orte de. A morte de Cristo é 0 pré-requisito M orte p o r crucificação. Os ferimentos de Jesus tor-
necessário para sua ressurreição (v. r e s s u r r e i ç ã o , e m - naram a morte inevitável. Ele não dormiu na noite
d ê n c i a s d a ) , que é a prova principal da reivindicação anterior à sua crucificação; foi espancado e açoitado,
de Jesus ser Deus (v. a p o i o g é t i c a , a r g u m e n t o d a ) . Além e desmaiou enquanto carregava a cruz. Só esse prelú-
disso, 0 islamismo, um dos principais oponentes do dio à crucificação já foi extenuante.
cristianismo, nega que Jesus tenha morrido na cruz A natureza da crucificação garante a morte. Para
(McDowell, p.47s.). Muitos céticos (v. a g n o s t i c i s m o ) de- uma descrição de um homem crucificado cujos ossos
safiam a realidade da morte de Cristo. foram desenterrados, v. a rq u e o lo g ia , N o vo Testam ento.
E v id ê n c ia s d a m o r t e d e C risto. Há evidências Jesus ficou pendurado na cruz das nove horas da ma-
esmagadoras, históricas e reais, de que Jesus morreu nhã até logo antes do pôr-do-sol (Mc 15.25,33). San-
na cruz e ressuscitou no terceiro dia (v. r e s s u r r e i ç ã o , grou dos ferimentos nas suas mãos e pés e dos espi-
e v i d ê n c i a s d a ) . A evidência da morte de Cristo é mai- nhos que furaram seu couro cabeludo. Por esses
or que a de quase todos os outros eventos no mundo ferimentos teria vazado boa parte do sangue em mais
antigo. A historicidade dos registros do evangelho foi de seis horas. Além disso, a crucificação exige que a
confirmada por uma profusão de manuscritos do n t pessoa se projete constantemente para cima pelas
e testemunhas oculares contemporâneas (v. Novo Tes- mãos, apoiando-se nos pés feridos, para respirar. Isso
t a m e n t o , da ta ç ão d o ; Novo T est a m e n t o , co nfiabilidade causava dor agonizante dos cravos. Um dia como esse
dos documentos do; Novo T e s t a m e n t o , h i s t o r i c i d a d e d o ). mataria qualquer pessoa saudável (v. Tzaferis).
E x p licações altern ativas. Céticos e muçulmanos Além desses ferimentos, 0 lado de Jesus foi tras-
escolheram dentre várias versões da teoria segundo passado com uma lança. Desse ferimentos escorreu
a qual Jesus não morreu na cruz. Uma é que uma uma mistura de sangue e água (Jo 19.34), prova de
droga teria colocado Jesus em estado de coma, e mais que a morte física havia ocorrido. Só esse detalhe, e
tarde ele acordara no túmulo. O testemunho claro da sua confirmação pelos especialistas médicos moder-
narrativa de Mateus é que ele recusou até a droga ge- nos, comprova plenamente a afirmação de que essa
ralmente oferecida à vítim a antes da crucificação narrativa é um registro de testemunhas oculares. Um
para ajudar a amortecer a dor (27.34). Aceitou ape- artigo no Jou rn a l o f the A m erican M edical A ssociation
nas vinagre mais tarde (v. 48) para matar a sede. (21/3/1986) concluiu:
Se a Bíblia tem algum crédito, todos os autores do
n t dizem especificamente ou falam de modo a suben- Sem dúvida, 0 peso da evidência histórica e médica indi-
tender que acreditavam que Cristo morreu na cruz (cf. ca que Jesus estava morto antes do ferimento no seu lado ser
Rm 5.8; 1C0 15.3; lTs 4.14). Nem desmaio nem feito e apóia a visão tradicional de que a lança, enfiada entre
desfalecimento nem drogas poderiam produzir 0 suas costelas no lado direito, provavelmente perfurou não só
vencedor vigoroso da morte descrito nas aparições 0 pulmão direito, mas também 0 pericárdio e 0 coração e,
Cristo, objeções m orais à morte 214

assim, garantiu sua morte. Conseqüentemente, as interpre- Os primeiros autores cristãos após a época de Cris-
tações baseadas na suposição de que Jesus não morreu na to afirmaram sua morte na cruz pela crucificação.
cruz parecem estar em conflito com 0 conhecimento médi- Policarpo, discípulo do apóstolo João, mencionou vá-
co moderno (p. 1463). rias vezes a morte de Cristo, dizendo, por exemplo, que
“nosso Senhor Jesus Cristo, que por nossos pecados
Jesus disse que estava morrendo quando declarou sofreu até a morte” (Policarpo, 33). Inácio (30-107),
na cruz: “ Pai, nas tuas mãos entrego 0 meu espírito!” amigo de Policarpo, escreveu: “ E ele realmente sofreu
(Lc 23.46). E “dito isto, expirou” (v. 46). João narra que e morreu, e ressuscitou” . Senão, ele acrescenta, todos
ele “rendeu 0 espírito” (Jo 19.30). Seu grito de morte os seus apóstolos que sofreram por sua fé, morreram
foi ouvido pelos que estavam por perto (Lc 23.47-49). em vão.“Mas, (em verdade) nenhum desses sofrimen-
Soldados romanos, acostumados com crucificações tos foi em vão; pois 0 S en hor realm en te f o i cru cificado
e morte, atestaram a morte de Jesus. Apesar de quebrar pelos incrédulos” (Inácio, 107). Em D iálogo com Trifão,
as pernas da vítima ser uma prática comum (para que Justino !Mártir observou que os judeus da sua época
ela não pudesse mais respirar), eles não acharam neces- acreditavam que “Jesus [era] um enganador galileu, a
sário quebrar as pernas de Jesus (Jo 19.33). Pilatos certi- quem crucificaram” (Justivo, 253).
ficou-se de que Jesus estava morto antes de dar 0 corpo a Esse testemunho contínuo do a t até os pais da igre-
José para ser enterrado. “Chamado 0 centurião, pergun- ja, inclusive crentes e descrentes, judeus e gentios, é
tou-lhe se Jesus já tinha morrido. Sendo informado pelo evidência esmagadora de que Jesus sofreu e morreu
centurião, entregou 0 corpo a José” (Mc 15.44,45). na cruz.
Jesus foi enrolado em cerca de 50 quilos de pano e
especiarias e colocado num túmulo selado por três dias Fontes
(M t 27.60; Jo 19.39,40). Se ainda não estivesse morto, F lég o n , Chronicles.
a falta de comida, de água e de tratamento médico aca- F. F. B r u c e , M erece con fian ça 0 N ovo Testamento?
bariam com ele. N. L. G e i s l e r , C hristian apologetics.
R eferên cias à cru cificação. O artigo a rq u e o lo g ia , G. H aberm as, A ncient ev id en ce f o r the life o f Jesus,
Novo Testam ento inclui registros de vários historiado- Jo u rn a l o f the A m erican M edical Society, 21 Mar.
res e autores não-cristãos até os séculos 1 e 11 que re- 1986.
gistraram a morte de Cristo como fato incontestável. J u s t i n o M á r t i r , “ Dialogue with Trypho” , The ante-
Entre eles constam 0 Talmude e 0 historiador judeu da nicene fa th ers, v. 1.
época de Cristo, Josefo, e 0 historiador romano J. M c D o w e l l , Evidência qu e exige um veredicto.
Cornélio Tácito (55?-117 d.C.). “Passover” , Talmud babilônico.
Segundo Júlio Africano (c. 221), Talo, um historia- D. S t r a u s s , New life o f Jesus, v. 1.
dor samaritano do século 1 (c. 52),“ao discutir a escuri- V. Tzaferis, “ Jewish tombs at and near Giv’at ha-
dão que caiu sobre a terra durante a crucificação d e Cris- Mivtrat,” IEJ, 20 (1970).
to”, referiu-se a ela como um eclipse (Bruce, p. 113, gri-
fo do autor). O escritor grego do século 11, Luciano, fala Cristo, nascimento virginal de. Y virg in a l, nascimento.
de Cristo como “0 h om em que f o i crucificado na Palesti-
na porque começou uma nova seita no mundo” . Ele 0 Cristo, objeções morais à morte de. Muitos críti-
chama e “sofista crucificado ” (Geisler, p. 323). A “carta cos do cristianismo, inclusive eruditos muçulma-
de Mara Bar-Serapion” (c. 73 d.C.), que se encontra no nos e liberais, rejeitam a doutrina da salvação me-
Museu Britânico, fala da morte de Cristo, perguntando: diante a cruz por motivos morais. Uma razão que
“Que vantagem tiveram os judeus em executar seu R ei os muçulmanos dão é que, segundo 0 islamismo,
sábio f (Bruce, p. 114). Finalmente, houve um escritor os principais profetas da história sempre foram vi-
romano, Flégon, que falou da morte e ressurreição de toriosos contra seus inimigos. Se 0 Cristo de Deus
Cristo em suas Crônicas, dizendo: “Jesus, quando vivo, foi morto na cruz por seus adversários, então 0 que
não se defendeu de nenhuma das acusações que rece- aconteceria com 0 tema recorrente do A lco rã o se-
beu, mas ressuscitou dos mortos, e exibiu m arcas do seu gundo 0 qual quem não obedecer ao profeta de Deus
castigo, e mostrou com o suas m ãos foram fu r a d a s pelos não vencerá? A admissão da cruz não é 0 reconhe-
cravos’ (Flégon, Crônicas, citado por Orígenes, 4:455). cimento de que os ímpios triunfaram sobre 0 justo
Flégon até mencionou “0 eclipse na época de Tibério no final? (Bell, p. 154).
César, em cujo reino Jesus aparentemente foi crucifica- Os teólogos cristãos liberais negam a cruz
do, e houve grandes terremotos” (ibid., p. 445). porque parece eminentemente injusto punir uma
215 Cristo, objeções m orais à m orte de

pessoa inocente pelos culpados. Na verdade a pró- Allah! Xão há mais divindade além d’Ele, Vivente, Auto-
pria Bíblia declara que“o filho não levará a injusti- Subsistente, a Quem jamais alcança a inatividade ou 0 sono; d’Ele
ça do p a i...” (Ez 18.20). é tudo qunto existe nos céus e na terra. Quem poderá interceder
A re je iç ã o is lâ m ica d a c ru c ific a ç ã o . A descren- junto a Ele, sem 0 Seu consentimento? Ele conhece tanto 0 passa-
ça islâmica na crucificação de Jesus está centrada no do como 0 futuro, e eles (humanos) nada conhecem da Sua ciên-
seu entendimento dele como profeta. O desgosto cia, senão 0 que Ele permite. O Seu Trono abrange os céus e a terra,
islâmico pela crucificação de um profeta baseia-se cuja preservação não O abate, porque é 0 Ingente, 0 Altíssimo
em seu conceito de soberania de Deus e rejeição da (2.225).
crença na depravação humana.
A cru cificação é con trária à soberan ia d e Deus. To- Muitos dos 99 nomes de Deus expressam sua so-
dos os muçulmanos ortodoxos concordam que Deus berania.A/-Azíz,“o Poderoso” na sua sublime sobera-
não permitiria que um de seus profetas sofresse uma nia (59,23);Al-Ali “0 Altíssimo” ,queépoderoso (2.255-
morte tão ignominiosa como a crucificação (v. C r is t o , 6 ); Al-Qadir,“o Capaz” , que tem 0 poder de fazer 0 que
LENDA DE SUBSTITUIÇÃO DA MORTE DE: ISLAM ISM 0). Muffasir quer (17.99-101 );Al-Quddus,“o Santo” , a quem tudo no
resumiu bem tal opinião ao dizer: “Os muçulmanos céu e na terra atribui santidade (62.1); Al-Mutaali, “0
acreditam que Jesus não foi crucificado. Os seus ini- Grande” , que se colocou acima de tudo (13.9,10); Al-
migos tinham a intenção de matá-lo na cruz, mas Deus Muizz,“o Engrandecedor” , que engrandece ou rebaixa
0 salvou dessa conspiração” (Muffasir, p. 5). quem quer (3.26); Malik al-Mulk, “Rei do Reino”, que
Várias passagens no A lcorão ensinam que Jesus dá soberania a quem lhe apraz (3.26); Al-Wahed , “0
não foi crucificado na cruz por nossos pecados. A Ünico” , singular na sua soberania divina (13.16,17); Al-
surata 4.157-8 é um texto-chave; aparentemente pa- Wahid,“ 0Singular” ,0 único que criou {74Al);Al-W akil,
rece dizer que Jesus sequer morreu. Certamente nega “0 Administrador” , que administra tudo (6.102).
que ele morreu por crucificação. Diz: Alá pode fazer 0 que bem entender, então poderia
permitir que seu Servo fosse crucificado, se assim 0
E por dizerem: Matamos 0 Messias, Jesus, filho de Maria, quisesse. Na verdade uma passagem no Alcorão parece
0 mensageiro de Allah, embora não sendo, na realidade, certo aplicar essa mesma verdade a Cristo:
que 0 mataram,nem 0 crucificaram, mas 0 confundiram com
outro. E aqueles que discordam quanto a isso estão na dúvida, Quem possuiria 0 mínimo poder para impedir que
porque não possuem conhecimento algum, mas apenas Allah, assim querendo, aniquilasse 0 Messias, filho de Ma-
conjecturas para seguir; porém, certamente não 0 mataram. ria, sua mãe e todos os que estão na terra? Só a Allah perten-
Mas Allah fê-lo ascender até Ele, por que é Poderoso, ce 0 Reino dos céus e da terra, e tudo quanto há entre am-
Prudentíssimo. bos. Ele cria 0 que lhe apraz, por que é Onipotente (5.17)

Um Deus soberano tem controle sobre todas as Supondo que Deus é soberano, é pura presunção
coisas, e não permitiria que seu servo sofresse tal determinar 0 que ele deve ou não deve fazer. Como 0
morte. Pelo contrário, um Deus soberano, como Alá é, profeta Isaías nos informa,Deus disse:“ Pois os meus
livraria seu servo dos seus inimigos. Abdalati, no esti- pensamentos não são os pensamentos de vocês, nem
10 tipicamente islâmico pergunta: “ É compatível com os seus caminhos são os meus caminhos (Is 55.8). O
a misericórdia e sabedoria de Deus acreditar que Je- profeta Isaías nos ensina que Deus realmente aprovou
sus foi humilhado e assassinado da maneira que di- a morte ignominiosa do seu Servo:
zem que foi?” (Abdalati, 160). 0 A lcorão afirma:
... Ele não tinha qualquer beleza ou majestade que nos
E quando Allah disse: Ó Jesus, por certo que porei ter- atraísse, nada havia em sua aparência para que 0 desejásse-
mo à tua estada na terra; ascender-te-ei até Mim e salvar- mos [...] Contudo nós 0 consideramos castigado por Deus,
te-ei dos incrédulos, fazendo prevalecer sobre eles os teus por Deus atingido e afligido. Mas ele foi transpassado por
seguidores, até ao Dia da Ressurreição. causa das nossas trangressões, foi esmagado por causa de
nossas iniquidades; 0 castigo que nos trouxe a paz estava
Uma resposta à op in ião islâm ica sobre a soberan ia. sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados [Is 53.2-5]
A crença islâmica na soberania de Deus derruba sua
objeção à cruz. Se Deus pode fazer tudo que quer, en- Assim, a crucificação de Jesus não foi apenas apro-
tão pode permitir que seu próprio Filho morra por vada por Deus, ela foi prevista (cf. Sl 22.16; Zc 12.10).
crucificação. O A lcorão declara: Não deveria ser surpresa para um leitor do nt que a
Cristo, objeções m orais à morte de 216

mensagem da crucificação fosse ofensiva para os incré- Jesus morreu na cruz por nossos pecados com a dou-
dulos. Na verdade, Paulo até referiu-se à cruz como “lou- trina da depravação.
cura” , mas acrescentou que “Agradou a Deus salvar A. R. I. Doi observa que “atrelado à crença cristã
aqueles que crêem por meio da loucura da pregação” na crucificação de Isa [Jesus ] está 0 conceito irrecon-
“ Porque a loucura de Deus é mais sábia que a sa- ciliável do pecado original” (Doi, p. 19). Ele acrescenta
bedoria humana” (v. 25). categoricamente que
Portanto, a idéia de que Deus permite que seus ser-
vos sejam insultados não é anormal. 0 biógrafo de 0 islamismo não acredita na doutrina do pecado origi-
nal. Não é 0 pecado de Adão que a criança herda e manifesta
Maomé, Haykai, fala de casos de insulto sofridos por
ao nascer. Toda criança nasce sem pecado e os pecados dos
Maomé. Observa, por exemplo, que
pais não são passados para os filhos.

a tribo de Thaqif, no entanto, não só repudiou Maomé


Além disso,
como também enviou seus servos para insultá-lo e expulsá-
10 da sua cidade. Ele fugiu deles e se abrigou perto de um muro “0 islamismo nega enfaticamente 0 conceito de pecado
[...]que fora crucificado ali sentou sob uma vinha ponde-
original e depravação hereditária. Toda criança nasce pura
rando sua derrota pelos filhos de Rabi’ah” (Haykai, 137).
e correta; todo desvio na pós-vida do caminho da verdade e
retidão é devido à educação imperfeita” .
Além disso, mesmo se supusermos, como os mu-
çulmanos, que Deus livraria seus profetas dos seus Ao citar 0 profeta Maomé, Doi afirma que
inimigos, é errado concluir que ele não livrou Cristo
dos seus inimigos. Na verdade, é exatamente isso que “toda criança nasce num molde religioso; são seus pais
a ressurreição representa. Pois “ Deus [0] ressuscitou, que depois 0 transformam emjudeu, cristão ou sabeu [... ] Em
rompendo os laços da morte porque era impossível outras palavras, 0 bem 0 e mal não são criados no homem ao
que a morte 0 retivesse” (At 2.24). Segundo as Escri- nascer. Os bebés não têm caráter moral positivo” .
turas, Deus ressuscitou Jesus porque, como disse; “ Tu
és meu Filho, eu hoje te gerei” (At 13.33). E também as Em vez disso,
Escrituras declaram que Deus cumpriu sua promessa
para seu povo (em SI 16.10) e certificou-se a respeito todo ser humano[...] tem duas inclinações — uma que
de “Cristo, que não foi abandonado no sepulcro e cujo 0 leva a fazer 0 bem e 0 impele ao bem, e outra incitando‫־‬o a
corpo não sofreu decomposição. Ele foi “exaltado à di- fazer 0 mal e impelindo-o ao mal; mas a assistência de Deus
reita de Deus” (At 2.31,33). está próxima (Doi,p. 20).
Na verdade, foi pela morte e ressurreição de Cristo
Resposta a o argum ento contra a depravação. 0 cris-
que “tragada foi a morte pela vitória” (1C0 15.54), e
tão ortodoxo também liga a morte expiatória à depra-
podemos dizer: “ Onde está, ó morte, a sua vitória?
vação humana. Se Deus não fosse imutavelmente justo
Onde está, ó morte, 0 seu aguilhão?” (1 Co 15.55).
e a humanidade incuravelmente depravada, a morte de
Ao contrário do ensinamento islâmico, a morte e res-
Cristo pelos nossos pecados não seria necessária. Mas,
surreição de Cristo manifestaram a misericórdia de Deus.
ao contrário da crença islâmica, a humanidade é depra-
Na verdade, sem isso não haveria misericórdia para um
vada, logo, 0 sofrimento e a morte de Cristo foram ne-
mundo pecaminoso. Paulo escreveu: “Mas Deus demons-
cessários. A rejeição da depravação total é infundada
tra seu amor por nós: Cristo morreu em nosso favor quan-
— 0 que também é sugerido pelo ensina-mento
do ainda éramos pecadores” (Rm 5.8). Ele acrescenta em
islâmico.
outra passagem que é “não por causa de atos de justiça Até os muçulmanos reconhecem que os seres hu-
por nós prsticados, mas devido à sua misericórdia (Tt manos são pecadores. De outra forma, por que precisa-
3.5). Como 0 próprio Jesus disse: “Ninguém tem maior riam da misericórdia de Deus? Na verdade, por que tan-
amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus ami- tos (inclusive todos os cristãos) cometeram 0 maior de
gos” (Jo 15.13). Mas ele morreu por nós “quando [éra- todos os pecados (shirk), afirmando existirem seres se-
mos seus] inimigos” (Rm 5.10). melhantes a Deus (surata 4.116)? Por que Deus preci-
Λ cru cificação é b a se a d a no p ec a d o original. Outra saria mandar profetas para adverti-los de seu pecado,
razão para rejeitar a crucificação baseia-se na rejei- se não fossem pecadores constantes? Todo 0 ministério
ção da doutrina da depravação. Os eruditos islâmicos profético, que é a base do islamismo, se ocupa com
são rápidos em relacionar a afirmação cristã de que chamado ao arrependimento do pecado da idolatria.
217 Cristo, objeções m orais à morte de

Mas por que a humanidade teria esse apetite insaciável Deus, ao céu e ao interno, não fazem sentido sem a
por falsos deuses se as pessoas não fossem depravadas? expiação substitutiva.
Além disso, por que os incrédulos mandados para Deus pode perdoar sem castigar. Outro conceito er-
0 inferno devem sofrer para sempre? Isso parece im- rado da rejeição islâmica da crucificação é que 0 Deus
plicar grande pecaminosidade para merecer castigo misericordioso pode perdoar 0 pecado sem condená-
tão severo quanto 0 sofrimento eterno. É ao mesmo 10 justamente. Isso é refletido na pergunta de Abdalati:
tempo fantasioso e contrário ao Alcorão negar a
pecaminosidade inerente à humanidade. 0 Deus Misericordioso, Perdoador e Altíssimo seria in-
capaz de perdoar os pecados dos homens sem infligir essa
Alguns teólogos muçulmanos acreditavam na doutrina suposta crucificação cruel e humilhante em quem era não
de pecado hereditário [...] E h á uma tradição famosa dequeo só inocente mas também dedicado ao seu serviço e causa
Profeta do islamismo disse:‘Nenhuma criança nasce sem que de maneira tão notável? (Abdalati, p. 162).
0 diabo a toque, exceto Maria e seu filho Jesus (Nazir-Ali,
p. 165). Resposta ao perdão sem expiação. Dois erros bási-
cos estão presentes aqui. Primeiro, sugere-se que 0 que
Textos do Alcorão apóiam a doutrina da deprava- Jesus fez não foi voluntário, mas foi imposto sobre ele.
ção humana. A humanidade é pecaminosa e injusta Os evangelhos declaram que Jesus deu sua vida vo-
(14.34-37; 33.72), tola (33.72), ingrata (14.34/37), fraca luntária e espontaneamente. Jesus disse: “... eu dou a
(4.28-32), desesperada ou orgulhosa (11.9-12-10-13), minha vida para retomá-la. Ninguém a tira de mim,
dada a brigas (16.4) e rebelde (96.6; Woodberry, p. mas eu a dou por minha espontânea vontade. Tenho
155). 0 Alcorão até declara que,“ se Allah castigasse os autoridade para dá-la e para retomá-la” (Jo 10.17,18).
humanos por sua iniguidade não deixaria criatura al- Os muçulmanos não parecem apreciar 0 fundamen-
guma sobre a terra” (16.61). O Aiatolá Khomeini che- to sobre 0 qual 0 Deus justo e santo pode perdoar os
gou a dizer que “a calamidade do homem são seus de- pecados. Apesar de Deus ser soberano, ele não é parcial
sejos carnais, e isso existe em todo mundo, e está ar- sobre 0 que é certo e errado ( v. Geisler, Christian ethics,
raigado à natureza do homem” (Woodberry, p. 159). p. 136-7). Os muçulmanos, assim como os cristãos, acre-
Jesus teve de se arrepender pelos pecados. A nega- ditam que Deus castigará para sempre no inferno os
ção islâmica da morte de Cristo por crucificação ba- que não se arrependerem (cfi surata 14.17; 25.11-14).
seia-se numa má interpretação sobre 0 arrependimen- Mas, se a justiça santa de Deus exige que quem não 0
to. Abdalati, por exemplo, descreve, entre suas razões aceitar seja castigado eternamente por seus pecados,
para rejeitar a crucificação de Cristo: conclui-se que Deus não perdoará arbitrariamente sem
uma base justa para esse perdão. Na teologia islâmica
É justo da parte de Deus, ou de qualquer pessoa, fazer há perdão, mas não há base para esse perdão, pois eles
alguém se arrepender pelos pecados ou erros de outros, pe- rejeitam 0 pagamento sacrificial de Cristo pelo pecado
cados que 0 penitente não cometeu? (Abdalati, p. 160). perante 0 Deus justo, pelo qual ele pode declarar justo 0
injusto que aceita 0 pagamento de Cristo em seu favor
Resposta à acusação de que Jesus teve de se arrepen- (ef.Rm 3.21-26).
der. Em nenhum lugar na Bíblia está escrito que Cristo Um Deus realmente justo não pode simplesmen-
se arrependeu pelos nossos pecados. Só diz que ele“mor- te ignorar 0 pecado. A não ser que alguém capaz de
reu pelos nossos pecados” (1C0 \5.‫)כ‬. Judicialmente, pagar a dívida do pecado a Deus 0 faça, ele é obriga-
Deus tornou, pecado por nós aquele que não tinha do a expressar sua ira, não sua misericórdia. Sem a
pecado” (2C0 5.21). Mas em nenhuma ocasião ele con- crucificação, 0 sistema islâmico não tem meios de
fessou os pecados de alguém. Ensinou seus discípulos a explicar como Alá pode ser misericordioso e justo
orar:“ Perdoa-nos as nossas dívidas” (Mt 6.12),mas Je- ao mesmo tempo.
sus não se une a eles nessa petição. Isso é uma distorção 0 ponto cego teológico nesse sistema criado pel^
total do conceito da expiação substitutiva. rejeição do sacrifício expiatório de Cristo leva a ou-
A Bíblia ensina que Jesus tomou nosso lugar; pa- tras afirmações infundadas, tais como a pergunta re-
gou 0 preço da morte por nós (cf. Mc 10.45; Rm 4.25: tórica de Abdalati:
lPe 2.22; 3.18). Esse conceito de vida pela vida é 0
mesmo princípio por trás da crença islâmica na pena A crença ·cristã] da crucificação e do sacrifício pelo pe-
de morte. Quando um assassino tira a vida de outra cado aparece em alguma religião além dos credos pagãos ou
pessoa, deve abrir mão da própria vida como castigo. dos gregos, romanos, índios, persas, e semelhantes? (Abdalati,
Várias doutrinas relativas à justiça e ao perdão de p. 1 6 0 1 .
Cristo, objeções m orais à morte de 218

A resposta é um óbvio “sim” . É a base do judaísmo Até em relação à Trin dad e e encarnação de Cristo,
histórico, como mesmo um conhecimento casual do os cristãos ortodoxos insistem em que os ensinamentos
a t revela. Moisés disse a Israel: “Pois a vida da carne cristãos são racionais (v. ló g ica). Os “mistérios” da fé
está no sangue, e eu 0 dei a vocês para fazerem podem ir além da nossa razão e ser alcançados por re-
propiciação por si mesmos no altar; é 0 sangue que velação especial, mas nunca vão contra nossa habilida-
faz propiciação pela vida. É por isso que os filhos de de de compreender com consistência lógica (v. m istério).
Israel tinham de sacrificar 0 novilho da Páscoa, co- A Trindade, por exemplo, não é considerada contradi-
memorando sua libertação do cativeiro (Êx 12.1 ss.). cão. Ela não afirma que há três pessoas em uma p essoa,
É por isso que 0 Novo Testamento fala de Cristo como mas três pessoas em uma essência.
“0 Cordeiro de Deus, que tira 0 pecado do mundo” (Jo A cruz é imoral. Os liberais louvaram as virtudes
1.29). E 0 apóstolo Paulo chamou Cristo “nosso Cor- da morte de Cristo como exemplo de amor sacrificial.
deiro pascal, [que] foi sacrificado” (1 Co 5.7). 0 autor Mas tanto muçulmanos quanto liberais detestam a
de Hebreus acrescenta: “sem derramamento de san- idéia do castigo substitutivo pelo pecado. Essa visão
gue, não perdão” (Hb 9.22). essencialmente imoral. Como pode uma pessoa ino-
É claro que os teólogos muçulmanos argumentam cente ser castigada pelos culpados? A própria Bíblia
que 0 a t original também foi distorcido. No entanto, não diz que “0 filho não levará a culpa do pai, nem 0
como 0 NT, os antigos manuscritos do mar Morto do at pai, levará a culpa do filho. A justiça do justo lhe será
revelam que 0 a t hoje é substancialmente 0 mesmo que creditada; e a impiedade do ímpio lhe será cobrada”
na época de Cristo, mais de 600 anos antes de Maomé (Ez 18.20)?
(v. Geisler e Nix, cap. 21). Portanto, já que 0 Alcorão in- Uma prática humana quase universal é conside-
centiva os judeus da época de Maomé a aceitar a revela- rar louváveis as ações de quem morre para defender
ção de Deus na Lei (surata 10.94), e já que 0 at judaico é os inocentes. Soldados são honrados por morrerem por
substancialmente 0 mesmo hoje que era na época de seu país. Pais são considerados compassivos quando
Maomé, então os muçulmanos devem aceitar que sa- morrem por seus filhos. Mas é exatamente isso que
crifícios pelos pecados eram um mandamento de Deus. Jesus fez. Como 0 apóstolo Paulo afirmou: Dificilmente
R e jeiç ã o lib era l d a cru z . Juntamente com os mu- haverá alguém que morra por um justo, embora pelo
çulmanos, os cristãos “liberais” não-ortodoxos rejei- homem bom talvez alguém tenha coragem de morrer.
tam a justiça absoluta de Deus (v. essencialismo d ivin o ), Mas Deus demonstra seu amor por nós: Cristo mor-
a depravação do homem e a expiação substitutiva. Os reu em nosso favor quando ainda éramos pecadores
liberais geralmente não rejeitam a historicidade da (Rm 5.7-8)
cruz, mas a consideram imoral. Insistem em que é es- A morte sacrificial não é estranha ao islamismo. A
sencialmente irracional e imoral castigar uma pessoa prática de Id Ghorban (feito de sacrifício) representa
inocente no lugar da culpada. 0 sacrifício de um novilho em memória do sacrifício
A cruz é irracional. Nada parece mais contraditório que Abraão fez de seu filho. Para alguns isso é associ-
ou irracional que a idéia de salvação por substituição. ado ao perdão dos pecados. Soldados muçulmanos que
Até 0 apóstolo Paulo sugeriu isso quando disse “a men- sacrificam suas vidas pela causa do islamismo rece-
sagem da cruz é loucura para os que estão perecendo” bem 0 Paraíso como recompensa (surata 3.157-8;
( 1C0 1.18). Na verdade, um dos pais da igreja primitiva, 22.58-9). E não é novidade que uma pessoa pague a
T e rtu lia n o (c. década de 160-c. 215-220) não disse so- dívida de outra, mesmo com 0 sacrifício de sua vida
bre a cruz: “Creio porque é absurda” (Tertuliano, 5)? por ela.
Pouquíssimos teólogos cristãos do passado afir- Se Alá pode pedir que seus servos morram pelo
maram que a cruz era irracional. Sem dúvida, islamismo, por que é tão estranho que Deus chamas-
Tertuliano jamais disse que a morte de Cristo era ab- se seu Filho para morrer a fim de que a salvação pu-
surda, que teria sido a palavra latina absurdum. Ele desse ser oferecida aos muçulmanos e para 0 resto do
disse que era “loucura” (Lat.: ineptum) para os que es- mundo? 0 Alcorão dá um belo exemplo de expiação
tavam morrendo — incrédulos — exatamente como substitutiva ao descrever 0 sacrifício de Abraão do seu
Paulo disse. Tertuliano sempre promoveu 0 uso da ra- filho no Monte Moriá. A surata 37.102-7 diz:
zão e da consistência racional na sua teologia. Disse:
“Nada pode ser considerado racional sem ordem, mui- Seu pai lhe disse: Õ filho meu, sonhei que te degolava...
to menos a própria razão passar sem ordem” (ibid.). quando ambas aceitaram 0 desígnio (de Allah) e (Abraão)
Até quando falava do mistério do livre-arbítrio huma- preparava (seu filho) para 0 sa crifício, então 0 chamamos
no, Tertuliano declarou que “ nem assim pode ser con- [Deus]: Ó Abraão... E 0 resg a tam os com outro sacrifício
siderado irracional” (ibid., 1.25). importante [grifo do autor].
219 Cristo, objeções m orais à m orte de

O uso das palavras sacrifício e resgate é exatamen- Fontes


te 0 que os cristãos querem dizer com a morte de Je- H. A b d a l a t i, Islam in focus.

sus na cruz. Jesus usou as mesmas palavras para des- A . A . A b d u l - H aqq, Sharing y o u r faith with a muslim.

crever a própria morte (Mc 10.45). Então a morte M. Ali, R eligious id eas o f Sir S a y a a d A h m a d K han.

sacrificial de Cristo não se opõe ao A lcorão. R. B ell, The origin o f Islam in its C hristian

Como foi observado, 0 peso dessa crítica da cruz ba- environm ent.

seia-se na falsa premissa que a morte de Jesus foi A .R. Doi, “ The status of prophet Jesus in Islam-11,”

involuntária. Mas ela não foi forçada. Ao aguardar a cruz, Mia!, Jun. 1982.

Jesus disse ao Pai: “não seja feita a minha vontade, mas a W. D. E d w ard s, et al.,“ On the physical death of Je-

tua” (Lc 22.42). Antes, no evangelho de João, Jesus referiu- sus Christ” , !mia, 21 Mar. 1986.

se ao sacrifício da sua vida ao dizer: “Ninguém a tira de N. L. G e i s i . f r , Ética critã.


___ e A. S a i .e e b , A nsw ering Islam : the
mim, mas eu a dou por minha espontânea vontade” (Jo
Crescent in the light o f the cross.
10.18). O livro de Hebreus registra as palavras de Jesus: Aqui
___ e W. E . Nix, In trodu ção bíblica.
estou, no livro está escrito a meu respeito; vim para fazer a
G. H aberm as, A ncient ev id en ce fo r the life o f Jesus.
tua vontade, ó Deus” (Hb 10.7).
Μ. H. H a y k a i, The life o f M oham m ed.
Não há outra maneira de pagar a dívida do pecado
J i ' s t i n o M a r t i n , First apology, e m A n te-n icen efathers.
exceto que 0 filho santo de Deus 0 faça. Como Anselmo
S. S. M u f f a s ir , Jesus, a p rop h et o f Islam.
argumentou (em C urD eus hom o?), 0 preço do pecado
M . N a z i r - A l i ,Frontiers in m uslim -christian
deve ser pago a Deus. A justiça de Deus exige que 0 pe-
encounter.
cado seja expiado (cf. Lv 17.11; Hb 9.22). Então, ao in-
“ Sanhedrin,” The babylon ian Talmud.
vés de injustiça, é a justiça que exige a expiação substi-
T e r t u l ia n o , On the flesh o f Christ.
tuta de Cristo. O A lcorão ensina que Deus é justo (v.
J. D. W o o d berry, org., M uslims a n d Christians on the
surata 21.47-8). Justiça absoluta significa que Deus não
E m m aus road.
pode simplesmente ignorar 0 pecado. Um preço deve
A. Z. Y a m a n i, “ Prefácio” , W . M. W a tt, Islam a n d
ser pago, ou pelas próprias pessoas ou por outra pessoa
C h ristian ity today: A contribution to dialogue.
no lugar delas, que as capacita a ir para 0 céu.
Punir uma pessoa inocente não quebra nenhuma Cristo, singularidade de. Os cristãos ortodoxos acre-
lei moral contanto que ela esteja disposta e uma lei mo- ditam que Jesus é 0 Filho unigênito de Deus em carne
ral maior exija a suspensão da lei menor (v. Geisler, Éti- humana (v. C risto , divindade de). Mas alguns incrédu-
ca cristã). No caso da cruz, trata-se da salvação do mun- los, que podem ou não crer que Jesus existiu, não acre-
do, pela qual Cristo, 0 inocente, aceitou voluntariamen- ditam que Jesus era um homem necessariamente sá-
te a injustiça de morrer numa cruz. bio ou especificamente bom. Outros, como os muçul-
C on clu sã o. A crítica moral da cruz baseia-se num manos (v. islam ism o), acham que Jesus foi um profeta,
raciocínio circular. Não faz sentido afirmar que a ex- dentre outros profetas. 0 hinduísmo retrata Cristo como
piação substitutiva é essencialm en te imoral a não ser um dentre vários grandes gurus. Os liberais e muitos
que algo seja essencialmente moral, uma natureza outros acreditam que Cristo foi um ser humano bom
imutavelmente moral de Deus. Mas a natureza e um grande exemplo moral.
imutavelmente justa e santa de Deus exige que 0 peca- No seu ensaio “ Por que não sou cristão” , 0 agnóstico
do seja castigado. A não ser que a justiça de Deus seja Bertrand Russell escreveu: “ Historicamente é pouco
satisfeita por outra pessoa no lugar dos pecadores, 0 provável que Cristo tenha sequer existido e, se existiu,
princípio essencial, moral e eterno, usado pelos libe- não sabemos nada a seu respeito” . Quanto ao caráter
rais exigiria que todos fossem punidos eternamente de Cristo, disse:
por seus pecados no inferno. Mas essa doutrina tam-
bém não agrada aos liberais. Assim, se Deus é amoro- Eu mesmo não consigo sentir que em questão de sabe-
so, como os liberais felizmente admitem, então ele pre- doria ou de virtude Cristo esteja no mesmo nível que outras
cisa encontrar uma maneira de pagar nossa dívida do pessoas conhecidas na história. Acho que devo colocar Buda
pecado e nos livrar. Cristo se dispôs e satisfez a justiça e Sócrates acima dele nesses assuntos (Russell, Por que não
de Deus,“0 justo pelos injustos” ( lPe 3.18), para liberar sou cristão).
0 amor redentor de Deus e nos libertar da culpa e das
conseqüências dos nossos pecados (Jo 3.16; Rm 5.8). Divindade e humanidade. O cristianismo é sin-
Não há outra maneira. guiar entre as religiões mundiais, e a singularidade
Cristo, singularidade de 220

verdadeira de Cristo é 0 centro do cristianismo. A ver- Singular na vida. Desde 0 seu primeiro milagre em
dade sobre Cristo é baseada principalmente nos do- Caná da Galiléia (Jo 2.11), 0 ministério de Jesus foi mar-
cumentos do x r que foram comprovados autênticos em cado por milagres (cf. ]0 3.2; At 2.22). Não eram curas
outro artigo (v. Novo T e s t a m e n t o , c o n f ia b il id a d e do s m a - de doenças ilusórias, nem poderiam ser explicados com
n u s c r it o s d o ; Novo T e s t a m e n t o , h is t o r ic id a d e d o ). O re- dados naturais. São singulares (v. m ila g re ) porque são
gistro do m t , principalmente dos evangelhos, é um dos imediatos, sempre bem-sucedidos, não tiveram reinei-
documentos mais confiáveis do mundo antigo. A par- dência conhecida e curaram doenças que eram incurá-
tir desses documentos aprendemos que várias facetas veis pela medicina, tais como pessoas nascidas cegas
da pessoa de Cristo são absolutamente singulares. (joão 9). Jesus até ressuscitou dos mortos várias pesso-
Jesus Cristo era singular pelo fato de apenas ele, de as, inclusive Lázaro, cujo corpo já estava se decompon-
todos que viveram, ter sido Deus e homem. 0 n t ensina do (Jo 11.39).
a divindade e humanidade totalmente unificadas de Jesus transformou água em vinho (Jo 2.7s.), andou
Cristo. O Credo de Nicéia (325 d.C) afirma a crença uni- sobre a água (M t 14.25), multiplicou pão (Jo 6.1 ls.),
forme de todo cristianismo ortodoxo de que Cristo era abriu os olhos dos cegos (Jo 9.7s.), fez os coxos andar
totalmente Deus e totalmente homem em uma pessoa. (Mc 2.3s.), expulsou demônios (Mc 3.10s.), curou todo
Todas as heresias relativas a Cristo negam uma ou tipo de doença (Mt 9.35), incluindo lepra (Mc 1.40-42),
ambas as proposições. Apenas isso, como alegação, já 0 e até ressuscitou os mortos em várias ocasiões (Mc
torna singular entre todos os outros líderes ou perso- 5.35s.; Lc 7.11-15; Jo 11.43,44). Quando perguntaram
nagens religiosas que já viveram, 0 que pode ser com- se ele era 0 Messias, usou seus milagres como evidência
provado com evidências factuais. Algumas dessas evi- para apoiar a afirmação, dizendo: Voltem e anunciem a
dências são vistas em outros aspectos da singularidade João 0 que vocês estão ouvindo e vendo: os cegos vêem,
de Cristo (v. C r is t o , d iv in d a d e d e ). os mancos andam, os leprosos são ressuscitados, e as
A n a tu rez a so b ren a tu ra l d e Cristo. Singular nas boas novas são pregadas aos pobres (Mt 11.4,5). Essa
profecias messiânicas. Jesus teve uma existência cheia grande quantidade de milagres foi um sinal especial de
de milagres e poder sobrenatural desde sua concepção que 0 Messias viera (v. Is 35.5,6). 0 líder judeu
até sua ascensão. Séculos antes do seu nascimento, foi Nicodemos até disse: Mestre, sabemos que ensinas da
alvo de predições por parte da profecia sobrenatural (v. parte de Deus, pois ninguém pode realizar os sinais
m ila g re s na B íb lia ; p ro fecia como prova da B íb lia ). miraculosos que estás fazendo, se Deus não estiver com
O a t, que até 0 crítico mais fervoroso reconhece que ele (Jo 3.2).
já existia séculos antes de Cristo,previu on de (Mq 5.2), Singular na morte. Os eventos relativos à morte de
qu an d o (Dn 9.26) e com o (Is 7.14) seria a vinda de Cristo foram miraculosos (v. C r is t o , m orte de). Is s o in-
Cristo ao mundo. Ele nasceria de uma mulher (Gn cluiu a escuridão de meio- dia às três da tarde (Mc 15.33)
3.15) da linhagem do filho de Adão, Sete (Gn 4.26), e 0 terremoto que abriu os túmulos e rasgou 0 véu do
através do filho de Noé, Sem (Gn 9.26,27), e de Abraão santuário (!Mt 27.51-54). A maneira pela qual sofreu a
(Gn 12.3; 15.5). Viria pela tribo de Judá (Gn 49.10) e tortura mortal da crucificação foi miraculosa. A atitude
seria descendente de Davi (2Sm 7.12ss.). 0 a t previu que teve em relação aos seus zombadores e carrascos
que Cristo morreria pelos nossos pecados (SI 22; Is foi miraculosa, dizendo: “Pai, perdoa-lhes, pois não sa-
53; Dn 9.26; Zc 12.10) e ressuscitaria dos mortos (Sl bem 0 que estão fazendo” (Lc 23.34). A maneira pela
2.7; 16.10). qual ele realmente morreu foi miraculosa. Como Jesus
Todas essas profecias sobrenaturais foram cum- disse: “porque eu dou a minha vida para retomá-la
pridas singularmente em Jesus Cristo. Isso não acon- ninguém a tira de mim, mas eu a dou por minha es-
teceu com nenhum dos grandes líderes ou persona- pontânea vontade” (Jo 10.17,18). No momento da sua
gens espirituais que já viveram, incluindo Maomé partida, não foi vencido pela morte, mas entregou seu
(v. M a o m é , su po sto s m il a g r e s d e ) . espírito voluntariamente. Jesus disse: “ Esta consu-
Singular na concepção. Cristo não só foi predito so- mado!” Com isso, curvou a cabeça e entregou 0
brenaturalmente, também foi concebido de forma espírito” (Jo 19.30).
miraculosa. Ao anunciar sua concepção virginal, Mateus Singular na ressurreição. O maior milagre da mis-
(1.22,23) indica a profecia de Isaías (7.14). Lucas, um são terrena de Jesus foi a ressurreição (v. re ssu rre iç ã o ,
médico, registra esse início miraculoso de vida huma- evidências d a ). Ela não só foi prevista no at (SI 2;16),mas
na (Lc 1.26s.); Paulo faz alusão ao fato em Gálatas 4.4. 0 próprio Jesus a previu desde 0 início do seu ministé-
De todas as concepções humanas, a de Jesus se destaca rio. Disse: Destruam este templo, [do meu corpo] e eu
como singular e miraculosa (v. v ir g in a l, nascim ento). 0 levantarei em três dias’[... [Mas 0 templo do qual ele
221 Cristo, singularidade de

falava era 0 seu corpo” .s (Jo 2.19, 21; Mt 12.40-42; Jesus foi 0 exemplo perfeito de paciência, bondade e
17.9). Jesus demonstrou a realidade da sua ressurrei- compaixão. Teve compaixão das multidões (Mt 9.36), a
ção em doze aparições durante 40 dias para mais de ponto de chorar por Jerusalém (Mt 23.37). Apesar de
500 pessoas. condenar justamente (em termos claros) os fariseus que
Singular na Ascensão. Assim como sua entrada nes- enganavam os inocentes (Mt 23), não hesitou em falar
se mundo, a partida de Jesus também foi miraculosa. com líderes judeus que demonstravam interesse (Jo 3).
Depois de comissionar seus discípulos,“ E eles ficaram Ao com bin ar características aparen tem en te opostas.
com os olhos fixos no céu enquanto ele subia. De re- Uma das coisas singulares sobre Cristo é a maneira pela
pente surgiram diante deles dois homens vestido de qual unia na sua pessoa características que em qual-
branco” (At 1.10). quer outra pessoa pareceriam impossíveis. Foi exem-
Ao contrário da opinião de alguns (v. Harris,p. 423), pio perfeito de humildade, a ponto de lavar os pés de
essa não foi uma “parábola”, mas sim a ascensão cor- seus discípulos (Jo 15). Mas fez afirmações audaciosas
poral, literal, ao céu, do qual voltará no mesmo corpo de divindade, tais como: “ Eu e 0 Pai somos um” (Jo 10.30)
literal para reinar neste mundo (At 1.11; Ap. 1.7,19,20). e “antes de Abraão nascer, Eu Sou” (Jo 8.58; cf. Êx 3.14).
Os grandes Credos cristãos enfatizam claramente a A afirmação “sou manso e humilde de coração” (Mt
miraculosa ascensão corporal de Cristo. 11.29) parece arrogante, mas comprovou tais palavras
Singular na sa n tid ad e. Alguns dos inimigos de por sua atitude para com as crianças (Mt 18). No en-
Cristo trouxeram falsas acusações contra ele, mas 0 tanto, era tão forte que virou as mesas dos que
veredicto de Pilatos no seu julgamento foi 0 veredicto comercializavam na casa de Deus, usando um chicote
da história: “ Não vejo neste homem crime algum” (Lc para espantar seus animais (Jo 2). Jesus era conhecido
23.4). Um soldado na cruz concordou, dizendo: “Cer- por sua bondade, mas foi severo com os hipócritas que
tamente, este homem era justo” (Lc 23.47), e 0 ladrão enganavam os inocentes (Mt 23).
na cruz ao lado de Jesus disse que “Mas este homem
Vida e ensinam ento. Como 0 próprio Jesus decla-
não cometeu nenhum mal” (Lc 23.41).
rou, a essência do que ensinou está estabelecida no a t
Para a descrição do que as pessoas mais próximas
(M t 5.17,18). Ele condenou tradições irrelevantes e
de Jesus pensavam do seu caráter, Hebreus diz que ele
más interpretações do at (M t 5.21 s., 15.3-5; v. acom o-
foi tentado como homem,“porém, sem pecado” (4.15).
dação, te o r ia da). Apesar da essência do que ensinou
O próprio Jesus desafiou seus acusadores: “Qual de
não ser nova, a forma e a maneira pela qual ensinou
vocês pode me acusar de algum pecado?” (Jo 8.46),
foi singular. O Sermão do Monte emprega um método
mas ninguém foi capaz de culpá-lo de nada. Assim, 0
de ensino novo.
caráter impecável de Cristo dá testemunho duplo da
As parábolas vividas, como 0 bom samaritano (Lc
verdade da sua proclamação. A santidade de Jesus foi
10),0 filho pródigo (Lc 15) eaovelha perdida (Lc.15.4ss.),
singular.
são obras-primas de comunicação. As parábolas estão
O c a rá te r d e C risto é sin gu la r. O caráter de Cristo
no centro do estilo de ensino de Jesus. Ao se inspirar no
era singular de outras maneiras. Ele manifestou em
estilo de vida das pessoas para ilustrar verdades que
grau absoluto as melhores virtudes. Também combi-
queria transmitir, Jesus comunicava a verdade e refuta-
nou características aparentemente opostas.
va 0 erro. Além disso, ao falar em parábolas podia evi-
Ao exem plificar virtudes. Até Bertrand R u s s e ll, que
tar “ lançar pérolas aos porcos” . Podia confundir os que
imaginava ver defeitos no caráter de Cristo, confessou
não queriam acreditar (os incrédulos), mas iluminar
mesmo assim que “0 que 0 mundo precisa é de amor,
amor cristão, ou compaixão” .Mas isso não correspon- os que queriam acreditar (os discípulos). Embora 0 uso
de a crença da maioria, a saber, que Cristo foi a mani- de alegorias e parábolas em si não fosse original, a ma-
festação perfeita da virtude do amor. neira como Jesus as empregou era. Ele trouxe a arte de
A submissão voluntária de Jesus ao sofrimento e ensinar mistérios eternos em termos da experiência
morte ignominiosa por crucificação, tendo ao mesmo cotidiana para um novo patamar. As “leis do ensino”
tempo amor e perdão pelos que 0 matavam, é prova identificadas por pedagogos modernos (Shafer, Seven
dessa virtude (Lc 23.34,43). Só ele viveu perfeitamente laws), foram praticadas perfeitamente no estilo de ensi-
0 que ensinou no Sermão do Monte (Mt 5— 7). Ele não no de Jesus.
se vingou de seus inimigos; pelo contrário, perdoou-os. A maneira pela qual Jesus ensinou foi singular.
Repreendeu seus discípulos por fazer mau uso da espa- Os intelectuais judeus admitiram: “Ninguém jamais fa-
da (Mt 26.52), e milagrosamente recolocou e curou a lou da maneira como esse homem fala” (J0 7.46).Enquan-
orelha amputada de um dos que, dentre a turba, vieram to ensinava em parábolas, as multidões se aglomeravam
para levá-lo à morte (Lc 22.50). para ouvi-lo (Mt 13.34). Quando jovem, impressionou
Cristo, singularidade de 222

até os rabinos do templo. Pois “ Todos os que 0 ouviam como Filho sobre a casa de Deus; e esta casa somos
ficavam maravilhados com 0 seu entendimento e com nós, se é que nos apegamos firmemente à confiança e
as suas respostas” (Lc 2.47). Mais tarde, confundiu aque- à esperança da qual nos gloriamos. Apesar de !Moisés
les que tentaram enganá-lo de forma que “ Ninguém servir a Deus, Jesus foi declarado Filho de Deus com 0
conseguia responder-lhe uma palavra; e daquele dia em direito de reinar sobre todos os servos.
diante, ninguém jamais se atreveu a lhe fazer pergun- Os milagres de Cristo são superiores aos de Moisés.
tas” (Mt 22.46). Moisés realizou grandes milagres, mas os milagres de
C risto é s u p erio r. Jesus Cristo foi singular de to- Cristo foram maiores em grau (v. m ilagres na B íb lia ).
das as formas. Da divindade completa à humanidade Moisés levantou a serpente de bronze para curar os que
perfeita; da concepção milagrosa da à ascensão sobre- a olhassem, mas nisso ele apenas seguiu instruções. Ja-
natural; da caráter impecável até seu ensinamento in- mais fez os cegos verem, os surdos ouvirem. E não há
comparável — Jesus está acima de todos os outros nada no ministério de Moisés para ser comparado à res-
mestres religiosos ou morais. surreição de Lázaro ou de Cristo.
Cristo é superior a Moisés. Como judeu, Jesus não As afirmações de Cristo são maiores que as de Moisés.
tinha argumentos contra Moisés, 0 profeta que trouxe
Moisés jamais afirmou ser Deus e não fez nada além de
a lei judaica e tirou os israelitas do cativeiro egípcio
cumprir seu papel de profeta. Jesus afirmou ser Deus e
para a liberdade como nação independente. Moisés e
previu a própria ressurreição para prová-lo.
Jesus eram profetas do mesmo Deus, e Jesus disse que
Cristo é superior a Maomé. Maomé, 0 fundador do
não veio para abolir a lei (encontrada nas obras de
islamismo, concordou com Jesus e Moisés que Deus é
Moisés), mas para cumpri-la (M t 5.17). Jesus deixa
um (v. islam ism o), que criou 0 universo e que está além
implícito que as palavras de Moisés são as palavras de
do universo. Há um número considerável de concor-
Deus (comparar Mt 19.4,5 com Gn 2.24). Porém, em
dâncias sobre os eventos dos primeiros dezesseis ca-
vários aspectos, vemos que Jesus é superior a Moisés.
pítulos de Gênesis, até 0 ponto em que Hagar foi ex-
Cristo éprofeta superior a Moisés. Em Deuteronô-
pulsa da casa de Abraão. Depois disso, a Bíblia
mio 18.15-19, Moisés previu que Deus levantaria um
enfatiza Isaque e 0 islamismo se preocupa com 0 que
profeta judeu com uma mensagem especial. Qualquer
aconteceu com seu patriarca, Ismael. O ensinamento
pessoa que não acreditasse nesse profeta seria julgada
de Maomé pode ser resumido em cinco doutrinas:
por Deus. Essa passagem tem sido tradicionalmente
interpretada como referente ao Messias. Gênesis 3.15
também é interpretado por muitos como referência a 1. Alá é 0 único Deus verdadeiro.
Jesus “a semente da mulher que esmagaria a cabeça 2. Alá enviou muitos profetas, incluindo-se
da serpente” . Moisés e Jesus, mas Maomé é 0 último e
A revelação de Cristo é superior à de Moisés. “ Pois a maior.
lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verda- 3. O Alcorão é 0 livro religioso supremo (v. A lco-
de vieram por intermédio de Jesus Cristo” (Jo 1.17).Ape- rão , suposta origem divina d o), sendo maior que a

sar de Moisés estabelecer as estruturas morais e sociais Lei, os Salmos, e 0 Injil (Evangelhos) de Jesus.
que guiavam a nação, a lei não podia salvar ninguém 4. Há muitos seres intermediários entre Deus e
do castigo dos seus pecados, que é a morte. Como Paulo nós (anjos), alguns dos quais são bons e al-
diz: “...ninguém será declarado justo diante dele base- guns maus.
ando-se na obediência à lei, pois é mediante a lei que 5. As obras de cada homem serão avaliadas para
no tornamos plenamente conscientes do pecado” (Rm determinar quem será destinado ao céu e ao
3.20). A revelação que veio por meio de Jesus é que os inferno na ressurreição. A maneira de conse-
pecados que a lei revelou foram perdoados, “sendo jus- guir salvação inclui recitar 0 shahadah várias
tificados gratuitamente por sua graça, po meio da re- vezes ao dia (“ Não há Deus além de Alá; e
denção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.24). A revelação Maomé é seu profeta.” ); orar cinco vezes por
de Cristo foi construída sobre 0 alicerce de Moisés ao dia; jejuar um mês de cada ano; dar esmolas
resolver 0 problema que a lei nos mostrou. e fazer peregrinações a Meca.
A posição de Cristo é superior à de Moisés. Moisés é 0
maior dos profetas do at, mas Jesus é mais que um pro- Cristo oferece uma mensagem superior. Jesus fez afir-
feta. Como a epístola aos Hebreus diz: Moisés foi fiel mações superiores às de Maomé. Jesus afirmou ser Deus
como servo em toda a casa de Deus, dando testemunho (v. Cristo,divindade DE).Maomé afirmou apenas ser um sim-
do que haveria de ser dito no futuro, mas Cristo é fiel pies hom em que era profeta (v. Maomé, suposto chamado
223 Cristo, singularidade de

divino de). Portanto, se Jesus não é Deus, certamente não é 0 ensinamento de Cristo é moralmente superior. 0
profeta. Jesus ofereceu uma confirmação superior das suas hinduísmo ortodoxo insiste em que pessoas sofredo-
afirmações. Jesus realizou vários milagres. Maomé não fez ras sejam abandonadas ao sofrimento, porque esse é
milagres e admitiu no Alcorão que Jesus fez muitos. Só Je- seu destino determinado pelo earma. Jesus disse: “Ame
sus morreu e ressuscitou dos mortos. 0 seu próximo como a si mesmo” . Ele definiu próxi-
Cristo oferece 0 melhor caminho de salvação. Ao con- mo como qualquer pessoa necessitada. João disse: “ Se
trário do Deus do islamismo, 0 Deus da Bíblia foi ao nos- alguém tiver recursos materiais e, vendo seu irmão em
so encontro ao mandar seu Filho à terra para morrer pe- necessidade, não se compadecer dele, como pode per-
los nossos pecados. Maomé não ofereceu nenhuma espe- manecer nele 0 amor de Deus? (1 Jo 3.17). Além disso,
rança garantida de salvação, apenas regras para obter 0 muitos, se não a maioria, dos gurus usam sua posição
favor de Alá. Cristo deu tudo que é necessário para nos bem-conceituada para explorar seus seguidores finan-
levar ao céu na sua morte: “Pois também Cristo sofreu ceira e sexualmente. O Bagwan Shri Rajneesh acumu-
pelos pecados uma vez por todas, 0 justo pelos injustos, lou dezenas de Rolls Royces de presente dos seus se-
para conduzir-nos a Deus” (lPe 3.18). guidores. Os Beatles ficaram desencantados com
Cristo oferece 0 modelo de vida superior. *Maomé Maharishi Mahesh Yogi quando descobriram que ele
passou os últimos dez anos da sua vida guerreando. estava muito mais interessado pelo corpo de uma das
Como polígamo, ultrapassou até 0 número de esposas mulheres no seu grupo que com seu espírito. Admiti-
(quatro) que prescreveu para sua religião. Também ram: “ Cometemos um erro” . Até 0 respeitado guru
violou a própria lei ao saquear caravanas que iam a Mahatma Gandhi dormia com outras mulheres além
Meca, algumas das quais estavam em peregrinação. da sua esposa.
Empenhou-se em vinganças, contrariando seu Jesus oferece 0 caminho superior para a ilumina-
ensinamento (v. M aom é, c a r á t e r de). ção. Os gurus são necessários para trazer entendimen-
Jesus é superior aos gurus hindus. No hinduísmo (v. to às escrituras sagradas de Bhagavad Gita e os
hinduísmo v e d a x ta ), guru é um mestre. As escrituras Upanixades, mas não há nenhuma verdade esotérica
hindus não podem ser entendidas pela leitura; elas só ou oculta na Bíblia que precise ser explicada além do
podem ser aprendidas por meio de um guru. Esses ho- entendimento comum. A meditação cristã não é um
mens santos, são adorados mesmo após morrerem, ao esforço para esvaziar a mente, mas sim para enchê-la
contrário das encarnações dos deuses. 0 que eles ensi- da verdade dos princípios bíblicos (SI 1). A meditação
nam é que os seres humanos precisam de libertação do interior é como descascar uma cebola; tira-se camada
ciclo infinito de reencarnação (samsara) que é causado por camada até que, quando se chega ao centro, des-
pelo carma, os efeitos de todas as palavras e ações da cobre-se que não há nada ali. A meditação na Palavra
vida presente e das anteriores. Libertação ( moksha) é de Deus começa com conteúdo e revela 0 significado
obtida quando 0 indivíduo expande seu ser e consciên- até dar contentamento à alma.
cia a um nível infinito e percebe que atman (0 eu) é 0 Cristo ensina a melhor maneira de salvação. 0
mesmo que Brahman (0 ser absoluto do qual toda hindu está perdido no ciclo do carma da reencarna-
multiplicidade se origina). ção até alcançar moksha e é abandonado para achar a
Isto é, cada hindu deve alcançar a divindade pes- saída desse labirinto sozinho. Jesus prometeu que se-
soai. Tal realização só pode ser alcançada ao seguir: ríamos salvos pela fé (Ef 2.8,9; Tt 3.5-7) e que poderí-
Jnana ioga — salvação pelo conhecimento das es- amos saber que nossa salvação está garantida (E f
crituras antigas e da meditação interior; Bhakti ioga 1.13,14; 1Jo 5.13).
— salvação pela devoção a uma das várias divinda- Cristo é superior a Buda. Sitarda Gautama (Buda é
des; carma ioga — salvação por obras, como ceri- um título que significa “iluminado” ) é inferior a Cristo.
mônias, sacrifícios, jejum e peregrinações, que de- 0 budismo começou como movimento de reforma den-
vem ser feitos sem esperar recompensa. Cada um tro do hinduísmo, que se tornara um sistema de espe-
desses métodos incluirá até certo ponto Raia ioga, culação e superstição. Para corrigir isso, Gautama rejei-
uma técnica de meditação envolvendo controle do tou os rituais e 0 ocultismo e desenvolveu uma religião
corpo, respiração e pensamentos. essencialmente ateísta (mas formas posteriores de bu-
0 hinduísmo consiste em grande parte de supers- dismo voltaram aos deuses hindus). Suas crenças bási-
tição, histórias lendárias sobre os deuses, práticas cas são resumidas em Quatro Nobres Verdades:
ocultas e adoração de demônios.
Cristo ensina uma cosmovisão superior Jesus ensina 1. A vida é sofrimento.
uma cosmovisão teísta (v. teísmo). Alas 0 panteísmo, a 2. O sofrimento é causado pelo desejo de prazer
realização da divindade, é 0 centro do hinduísmo. e prosperidade.
Cristo, singularidade de 224

3. 0 sofrimento pode ser superado pela elimina- Sócrates não escreveu nada, mas P la t ã o , seu discípu-
ção do desejo. 10, escreveu muito sobre ele, apesar desses registros
4. 0 desejo pode ser eliminado pela Trilha sprem tanto das ide'ias de Platão quanto do pensamen-
Óctupla. to de Sócrates. Platão apresenta Sócrates como um
homem convencido de que Deus 0 designou para a
A Trilha Óctupla é um sistema de educação religio- tarefa de promover a verdade e a bondade ao fazer os
sa e preceitos morais do budismo. Inclui 1) sabedoria cor- seres humanos examinarem suas palavras e ações para
reta (“As Quatro Nobres Verdades” ); 2) intenções corre- ver se são verdadeiras e boas. Ele é considerado a pri-
tas; 3) linguagem correta; 4) conduta correta (não ma- meira pessoa a reconhecer a necessidade de desenvol-
tar, beber, roubar, mentir nem adulterar); 5) ocupação ver uma abordagem sistemática para a descoberta da
correta (que não causa sofrimento); 6) esforço correto; verdade, apesar de 0 sistema em si ter sido finalmente
7) mentalidade correta (negar 0 eu finito) e8) medita- formulado por Aristóteles — discípulo de Platão.
ção correta (Raja Ioga). Como Cristo, Sócrates foi condenado à morte por
0 objetivo de todo budista não é 0 céu nem estar acusações falsas de autoridades que foram ameaçadas
com Deus, pois não há Deus no ensinamento de por seu ensinamento. Ele poderia ter sido absolvido se
Gautama. O que buscam é 0 nirvana, a eliminação de não tivesse insistido em fazer seus acusadores e juizes
todo sofrimento, desejo e ilusão de auto-existênáa.Ape- examinarem suas afirmações e vidas, 0 que não esta-
sar de uma linha liberal do budismo (budismo aiana) vam dispostos a fazer. Contentou-se em morrer, saben-
agora ter deificado Gautama como salvador, 0 budismo do que havia cumprido sua missão até 0 fim, e que a
tevarada mantém-se mais próximo dos ensinamentos morte, fosse um sono sem sonhos ou uma comunhão
de Gautama e afirma que ele jamais reivindicou divin- maravilhosa com grandes homens, era boa.
dade. Quanto ao fato de ser 0 salvador, diz-se que as úl- Cristo tem uma base superior para a verdade. Jesus,
timas palavras de Buda foram: “ Budas não mostram 0 como Sócrates, geralmente usava perguntas para fazer
caminho; busque a própria salvação com diligência” . seus ouvintes examinarem a si mesmos, mas sua base
Como forma variante do hinduísmo, 0 budismo está
para saber a verdade sobre os seres humanos e Deus
sujeito a todas as críticas mencionadas anteriormente.
estava arraigada no fato de que ele era 0 Deus oniscien-
0 ensinamento de Jesus é superior. Além disso:
te. Ele disse a respeito de si mesmo: “Eu sou 0 caminho,
Cristo enche a vida de mais esperança. O ensinamen-
e a verdade, e a vida” . Ele mesmo era a fonte da qual
to de Jesus é superior ao de Buda porque Jesus ensinou a
toda verdade fluía. Da mesma forma, como Deus, era a
ter esperança na vida, mas 0 budismo vê a vida apenas
Bondade absoluta pela qual toda outra bondade é me-
como sofrimento e egoísmo, coisas a serem erradicadas.
dida. Certa vez pediu para um jovem examinar suas
Jesus ensinou que a vida é uma dádiva de Deus para ser
palavras ao dizer: “Por que me chamas bom? Ninguém
desfrutada (Jo 10.10) e que 0 indivíduo deve ser suma-
é bom, senão um, que é Deus” . Jesus era a própria ver-
mente honrado (Mt 5.22). Ele também prometeu espe-
dade e bondade que Sócrates queria entender.
rança na vida vindoura (Jo 14.6).
Cristo dá mais conhecimento exato. Apesar de
Cristo oferece a melhor maneira de salvação. O bu-
Sócrates ter ensinado alguns princípios verdadeiros,
dista também ensina a reencarnaçao como meio de sal-
geralmente tinha de especular sobre muitas questões
vação. Mas dessa forma 0 eu ou a individualidade da
importantes, como 0 que acontece na morte (v. certe-
alma é erradicada no fim de cada vida. Assim, apesar de
za/convicção). Jesus deu uma resposta exata para tais
continuar vivendo, não é você como um indivíduo que
tem alguma esperança de alcançar 0 nirvana. Jesus pro-
questões, porque tinha conhecimento exato do desti-
no humano (Jo 5.19-29; 11.25,26). Onde a razão
meteu esperança para cada homem e mulher como in-
divíduo (Jo 14.3) e disse para 0 ladrão na cruz ao seu
(Sócrates) tem evidência insuficiente para tirar uma
lado:“ [...] hoje estará comigo no paraíso” (Lc 23.43). conclusão definitiva, a revelação (Jesus) dá respostas
Jesus é 0 melhor Cristo. Jesus afirmou e provou ser que jamais poderiam ser antecipadas.
Deus encarnado. Buda era um simples homem que A morte de Cristo foi mais nobre. Sócrates morreu
morreu e não ressuscitou. Mas Jesus ressuscitou cor- por uma causa e fez isso com coragem, 0 que é muito
poralmente da sepultura. Gautama apenas queria tra- louvável. Mas Jesus morreu como substituto por ou-
zer sua “iluminação” aos outros para ajudá-los a che- tros (Mc 10.45) para pagar 0 preço do que mereciam.
gar ao nirvana, onde todos os desejos e toda existên- Além de morrer por seus amigos, também morreu por
cia individual se perdem. aqueles que eram e continuariam sendo seus inimi-
Cristo ésuperior a Sócrates. Apesar de Sócrates não gos (Rm 5.6,7). Tal demonstração de amor é
ter começado uma religião, atraiu muitos seguidores. inigualável em qualquer outro filósofo ou filantropo.
225 Cristo da fé versus Jesus da história

A prova que Cristo oferece da sua mensagem é su- Pedro nos exorta a “...responder a qualquer pessoa
perior. Provas racionais são boas quando há evidência que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês”
válida para suas conclusões (v. Deus, evidências de). Mas (lP e 3.15b).
Sócrates não pôde apoiar sua afirmação de ser envia- Jesus incentivou 0 uso da liberdade de escolha, sem
do por Deus com nada que se compare aos milagres jamais se impor aos incrédulos (M t 23.37). O taoísmo
de Cristo e sua ressurreição (v. re ssu rre içã o , evidências pede que cada seguidor suspenda a escolha, abra mão
da). Profetas e profetisas pagãos, tais como 0 Oráculo do poder de mudar as coisas. Jesus diz que cada pes-
de Delfos, não se comparam à previsão precisa e aos soa tem uma escolha e que essa escolha faz a diferen-
milagres bíblicos (v. proeecia como prova da B íb lia ). Nes- ça. Cada um decide crer ou não crer (Jo 3.18),obede-
ses atos há uma prova superior de que a mensagem de cer ou desobedecer (Jo 15.14), mudar 0 mundo ou ser
Jesus foi autenticada por Deus como verdadeira (v. mi- mudado por ele (M t 5.13-16).
lagres, v a lo r apologético dos; m ilagres como con firm ação Jesus permite que cada pessoa tenha a liberdade
DA ve rd a d e ). de ser salvo. O taoísmo só oferece uma maneira de con-
Cristo é superior a Lao Tse (taoísmo). O taoísmo formar-se com a maneira que as coisas são. Cristo ofe-
moderno é uma religião de bruxaria, superstição e rece uma caminho para mudança de quem somos e
politeísmo, mas era originariamente um sistema filo- do que somos, para conhecermos as alegrias da vida.
sófico, e é assim que se apresenta à cultura ocidental Em vez de aceitar a morte como fim inevitável, Cristo
hoje. Lao Tse construiu esse sistema em torno de um dá uma maneira de vencer a morte pela sua ressurrei-
princípio que explicava tudo no universo e guiava tudo. ção. Lao Tse não pode fazer essa afirmação.
Esse princípio é chamado Tao. Não há uma forma sim- C on clu sã o. Cristo é absolutamente singular entre
pies de explicar 0 Tao (v. zen-budismo). O mundo está todos os que já viveram (v. re lig iõ e s mundiais e 0 cristi-
cheio de opostos conflitantes — bem e mal, macho e anism o). Ele é singular em sua natureza sobrenatural,
fêmea, luz e trevas, sim e não. Todas as oposições são em seu caráter superlativo, em sua vida e ensinamento
manifestações do conflito entre Yin e Yang. Mas na re- (v. C ris to , divindade de). Nenhum outro mestre mundi-
alidade final Yin e Yang estão completamente entrela- al afirmou ser Deus. Mesmo quando os seguidores de
çados e perfeitamente equilibrados. Esse equilíbrio é algum profeta endeusaram seu mestre, não há prova
0 mistério chamado Tao. Para entender 0 Tao é preci- dada para essa afirmação que possa ser comparada
so perceber que todos os opostos são um e que toda ao cumprimento de profecias, à vida santa e milagro-
verdade está na contradição, não na resolução (v. lógi- sa e à ressurreição. Nenhum outro líder religioso
ca; primeiros princípios). (exceto alguns que copiaram Cristo) ofereceu salva-
O taoísmo vai além disso para incitar a vida em har- ção pela fé, sem obras, baseada na ação de tirar a cul-
monia com 0 Tao. Uma pessoa deve ter uma vida de pa do pecado humano. Nenhum líder religioso ou fi-
completa passividade e reflexão sobre questões como: losófico demonstrou 0 amor pelas pessoas que Jesus
“Qual 0 som de uma mão batendo palmas?” ,ou:“Se uma demonstrou ao morrer pelos pecados do mundo (Jo
árvore cai na floresta e não há ninguém para ouvir, ela 15.13; Rm 5.6-8). Jesus é absolutamente singular en-
ecoará?” . É preciso estar em paz com a natureza e evi- tre todos os seres humanos que já viveram.
tar todas as formas de violência. Esse sistema de filoso-
fia tem muitas semelhanças com 0 zen-budismo. Fontes
Cristo traz liberdade superior. Jesus permite que }. N . D. A n d erso n , The world’s religions.
os seres humanos usem a razão. Na verdade, ele or- H . B i sh n ell, The supernaturalness o f Christ.
dena que 0 façam (M t 22.37; cf. lPe 3.15); 0 taoísmo N . L . G e is l e r , The battle fo r the ressurection.
não faz isso, pelo menos no nível mais elevado. O ___ e R . B r o o k s , When skeptics ask.
taoísmo se ocupa com a afirmação de que “a razão M . J. H a r r i s , From grave to glory.
não se aplica à realidade” . Essa afirmação é contra- C . S. L e w is , Cristianismo puro e simples.
ditória, pois é uma afirmação razoável sobre a reali- B. R u ssell, P orque não sou cristão.
dade. Poderá ser falsa ou verdadeira sobre como as A . Sh a fer, The seven laws o f teaching.
coisas realmente são, mas declara que no final a ver-
dade está na contradição. Jesus ordenou: “Amo 0 Se- Cristo da fé v ersu s Jesus da história. A origem da
nhor, 0 seu Deus de todo 0 coração, de toda a sua diferença entre 0 “Cristo da fé” e 0 Jesus da história
alma e de todo 0 seu entendimento. Este é 0 primeiro geralmente é remontada a Martin Kahler (1835-1912),
e maior mandamento” (M t 22.37,38, grifo do autor). mas provavelmente ele não quis dizer com 0 termo 0
Deus diz: “ Venham, vamos refletir juntos” (Is 1.18). que a maioria dos críticos acreditam. Mesmo antes de
Cristo da fé versus Jesus da história 226

Kahler, Gotthold Lessing (1729-1781) assentou 0 fun- eram confiáveis. Falou de sua “ fidelidade relativamente
damento para a separação entre 0 Cristo da fé e 0 Je- notável” . A confusão de Kahler sobre como conside-
sus da história. O que aconteceu nessa separação por rar os evangelhos levou-o a considerar confiáveis até
meio das “buscas do Jesus histórico” é discutido no as “lendas” do evangelho, “até onde seja concebível”
artigo Jesus h is tó rico , busca do. (ibid., 79-90,95,141-2).
O “fosso”de Lessing. Já em 1778, Lessing conside- O que “queremos deixar muito claro” , disse Kahler,
rou a separação entre 0 histórico e 0 eterno como “0 é “que no final acreditamos em Cristo, não por causa
fosso terrível que não consigo atravessar, por mais fre- de qualquer autoridade, mas porque ele mesmo des-
qüente e diligentemente que tente chegar ao outro lado” perta tal fé em nós” (ibid., p. 87). Ele fez a pergunta
(Lessing, p. 55). 0 fosso separava as verdades contin- crítica da igreja da sua época:
gentes da história das verdades necessárias da religião.
Era simplesmente impossível atravessá-lo a partir do Como Jesus Cristo pode ser um objeto real da fé para
nosso lado. Assim, Lessing concluiu que, não impor- todos os cristãos se 0 que e quem ele realmente era só pode
tando quão prováveis os registros do evangelho sejam ser averiguado por metodologias de pesquisa tão elabora-
considerados, jamais podem servir de base para co- das que só os eruditos da nossa época são adequados para a
nhecer verdades eternas. tarefa? (v. Soulen,p.98).
O fosso de Kant. Em 1781, Immanuel K a n t men-
cionou no seu Critica da razão pu ra a separação entre O “salto”de Kierkegaard. O que também preparou
as verdades contingentes da nossa experiência e as ver- 0 cenário para a disjunção posterior entre 0 Cristo da fé
dades necessárias da razão. Assim, ele acreditava ser e 0 Jesus histórico foi 0 iconoclasta dinamarquês, S0ren
necessária a destruição de qualquer base filosófica ou K ie rk e g a a rd . Kierkegaard perguntou: “Como algo de
científica de crença em Deus.“ Portanto, acho necessá- natureza histórica pode ser decisivo para a felicidade
rio” , ele disse,“negar 0 conhecim ento, para dar espaço eterna?” ( Concluding unscientific postscripts, p. 86). Por-
à/é ” (Kant “ Prefácio,” p. 29). Kant acreditava que é pre-
tanto, Kierkegaard rebaixou a base histórica do cristia-
ciso abordar 0 âmbito da religião pela fé, que é 0 âm-
nismo. A história real não era importante comparada à
bito da razão prática, não da razão teórica. Criou um
crença “de que em tal ano 0 Deus apareceu a nós na for-
fosso intransponível entre 0 âmbito objetivo, científi-
ma humilde de um servo, que viveu e ensinou na nossa
co e cognoscível dos fatos e 0 âmbito incognoscível do
comunidade, e depois morreu” (Philosophicalfragm ents,
valor (moralidade e religião). Essa dicotomia fato/va-
130).Apenas um “salto” de fé pode colocar-nos além do
lor está na base da disjunção entre 0 Cristo da fé e 0
histórico e dentro do espiritual (v. fideísmo).
Jesus da história.
A divisão histórica/historiai de Kahler. O título versus
C risto Jesus. Rudolph Bultmann fez a
disjunção final definitiva e radical entre 0 Cristo da fé e
do livro de Kahler descreve a dicotomia que ele consi-
0 Jesus da história. A visão pode ser resumida assim:
derava necessária: The so-called historical Jesus a n d the
A implicação geralmente tirada dessa disjunção é
historie, biblical Christ (1892).A esse volume é atribu-
que 0 histórico tem pouca ou nenhuma importância
ida a origem da distinção entre 0 Jesus “ histórico”
(historisch) e 0 Cristo “historiai” (Geschichtlich). O que
Kahler tinha em mente com “ histórico” , no entanto, O Jesus histórico O Cristo histórico
era 0 Jesus reconstruído da erudição liberal crítica da Irrelevante para a fé Relevante para a fé
sua época, não 0 Jesus real do século 1. Jesus dos eruditos Cristo dos crentes
Kahler perguntou: Jesus da história crítica Cristo dos evangelhos
Fundamento incerto Fundamento certo
“Devemos esperar [que os crentes] dependam da auto- Inacessível à maioria Acessível a todos
ridade dos eruditos quando a questão se relaciona à fonte dos cristãos os cristãos
da qual retiram a verdade para suas vidas?” A factualidade de Jesus A significância de Jesus
Acrescentou: Jesus do passado O Cristo do presente

“Não consigo confiar nas probabilidades ou numa sé- espiritual. Como Kierkegaard argumentou, mesmo se
rie instável de detalhes, cuja confiabilidade está sempre mu- alguém pudesse provar a historicidade dos evangelhos
dando“ (Kahler, 109,111). em cada detalhe, isso não 0 aproximaria necessariamen-
te de Cristo. Por outro lado, se os críticos pudessem re-
Apesar de Kahler não aceitar uma Bíblia inerrante futar a historicidade dos evangelhos, atendo-se ao ho-
(sem erros), acreditava que os evangelhos em geral mem e que viveu em quem as pessoas acreditavam que
227 Cristo da fé versus Jesus da história
Deus habitava, isso não destruiria os fundamentos da Traconites; Lisánias, Tetrarca de Abilene; Anás e Caifás exer-
fé verdadeira. ciam 0 sumo sacerdócio (Lc 3.1,2a)
Avaliação. Toda a dicotomia entre 0 Jesus da história e
0 Cristo da fé é baseada em suposições altamente duvido- Há uma suposição injustificada de que 0 n t , e prin-
sas. A primeira lida com a historicidade dos documentos cipalmente os evangelhos, carecem de apoio histórico
d 0 NT. adequado. Isso simplesmente não é verdade (v. Novo
0 que é necessário para salvação. Esse conceito de Testamento, arqueologia do; Novo Testamento, datação do;
que a crença nos fatos do evangelho é historicamente Novo Testam ento, confiabilidade dos documentos do; Novo
irrelevante é contrário à afirmação do n t do que é ne- Testam ento, historicidade do, e outros artigos relaciona-

cessário para salvação. 0 apóstolo Paulo apresentou dos à precisão do registro do n t).
como essencial a crença de que Jesus morreu e ressus- Uma falsa dicotomia. A separação entre 0 Jesus e 0
citou corporalmente da sepultura (v. C r is t o , m o r t e d e ; Cristo historicos é baseada na dicotomia falsa de fato e
r e s s u r r e iç ã o , e v id ê n c ia s d a ). Ele escreveu: fé (v. fé e raz ão ) o u de fato e valor. O significado históri-
co de Cristo não pode ser separado de sua historicidade.
E, se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa pregação, Se ele não tivesse vivido, ensinado, morrido e ressusci-
como também é inútil afé que vocês têm. Mais que isso, se- tado dos mortos como 0 n t afirma, então ele não teria
remos considerados falsas testemunhas de Deus, pois con- significância salvadora hoje.
tra ele testemunhamos que ressuscitou a Cristo dentre os Mesmo depois de um século de uso, a distinção con-
mortos. Mas se de fato os mortos não ressuscitam, ele tam- tinua sendo ambígua e varia em significado de autor a
bém não ressuscitou a Cristo. Pois, se os mortos não ressus- autor. Kahler a usou para defender o“pietismo crítico” .
citou, é inútil é a fé que vocés tem, e ainda estão em seus Para Bultmann, significava 0 estilo de existencialismo
pecados. Neste caso, também os que dormiram em Cristo de Martin Heidegger (Meyer, p. 27). John Meyer obser-
estão perdidos. Se é somente para esta vida que temos espe- va que “0 Cristo da fé exaltado por Bultmann parece
rança em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos suspeitosamente um mito gnóstico ou um arquétipo de
Jung” (ibid., p. 28). Mais próximo do outro extremo do
de compaixão (1C0 15.14-19).
espectro, eruditos como Paul Althaus (1888-1966) usa-
ram a distinção de Kahler para defender uma aborda-
A preocupação dos autores. Essa indiferença quanto à
gem mais conservadora da historicidade de Jesus. Kahler
historicidade também não é compartilhada pelos próprios
não teria aceito a concepção de Bultmann nem a de
autores do n t , que parecem estar preocupados com os de-
Althaus. Albert Schweitzer (1875-1965) está mais cien-
talhes de um registro preciso, não um mito vago. Na verda-
te do que Kahler quis dizer. Ele denuncia duramente os
de Lucas nos conta suas técnicas de pesquisa e seu objetivo
que, em nome dessa distinção, fizeram 0 Cristo históri-
como historiador:
co responsável por todo tipo de tendência, desde a des-
truição da cultura antiga até 0 progresso das realiza-
Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos
ções modernas. Portanto, a distinção entre histórico e
que se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmi-
historiai tornou-se uma expressão capciosa e portado-
tidos por aqueles que desde 0 início foram testemunhas ocu-
ra de todo tipo de bagagem ideológica (ibid.).
lares e servos da palavra, Eu mesmo investiguei tudo cuida-
dosamente, desde 0 começo, e decidi escrever-te um relato
Fontes
ordenado, 0 excelentíssimo teófilo, para que tenhas a certe-
G. B a 1 0‫׳‬.\:b erü , The h istorical reliability o f the gospels.
zadas coisas que te foram ensinadas (Lc 1.1-4), M . J. B o r g , Jesus in con tem porary scholarship.
D. E. B r aaten ,“ M a r t i n K a h le r o n th e h is t o r ic ,
Lucas expressa esse interesse histórico ao relacionar
b ib lic a l C h r i s t ” , e m R . A . H a r r is v il l e , The historical Jesus
a história a pessoas e eventos que são parte do registro and the kerygmatic Christ.
público da história (v. A t o s , h is t o r ic id a d e d e ; L u c a s , m ‫־‬p o s - G. H a f . e r v a n The h istorical Jesus.
t o s e r r o s e m ), tais como Herodes, 0 Grande (1.5), César M . K a h ih r . The so-called historical Jesus and the
Augusto (2.1), Quirino (2.2), Pilatos (3.1), e muitos ou- historic, biblical Christ.
tros ao longo de Lucas e Atos. Note seu detalhismo histó- I. Kant. Crítica da razão pura.
rico em datar 0 anúncio que João Batista fez de Cristo S. K : f r k f g a a r d , Concluding unscientific postscripts.
. Philosophical fragments.
No décimo quinto ano do reinado de Tibério César, J. P. M e y e r , .4 m argin al iew.
quandos Pôncio Pilatos era governador da Judéia; Herodes, G. L e s s i n g , Lessing's theological writings, t r a d . H .
tetrarca da Galiléia; seu irmão Filipe, tetrarca da Ituréia e C h a d w ic k .
curas psicossomáticas 228

R. N. S oulen, H a n d bo o k o f biblical criticism , 2“ ed. Por meio do bio feed b ack , as pessoas podem trei-
R. S triple, M odern search f o r the r ea l Jesus. nar-se a direcionar processos corporais que antes eram
considerados involuntários. Podem controlar a pres-
cronologia na Bíblia, problemas de. V. g e n e a l o g i a s são arterial, os batimentos cardíacos, as ondas cere-
ABERTAS OU FECHADAS. brais e a temperatura do corpo.
Sob hipnose, 20% dos pacientes podem ser induzi-
crucificação de Cristo. V. C r i s t o , m o r t e d e . dos a perder a consciência da dor tão completamente
que podem sofrer cirurgia sem anestesia. Alguns paci-
curas psicossomáticas. Curas acontecem em várias entes foram até curados de verrugas sob hipnose. O
religiões. Portanto, não têm valor apologético. Além dis- hipnotizador sugere a idéia e 0 corpo realiza um feito
so, muitos eventos considerados sobrenaturais podem surpreendente de renovação e construção da pele, en-
ser apenas psicossomáticos. Se algo realmente acontece volvendo a cooperação das milhares de células num pro-
no corpo, tal evento entra na categoria de falso milagre cesso mental direcionado não obtido de outra maneira.
(v. m ila g r e s , f a ls o s ) e deve ser diferenciado do verdadei- Numa falsa gravidez, a mulher acredita tanto em
ro (v. m ila g r e s , d e f in iç ã o d e ) . Então é do interesse da ati- sua condição que sua mente direciona uma seqüência
vidade apologética diferenciar curas sobrenaturais de extraordinária de atividades: Aumento hormonal, au-
curas psicológicas. mento dos seios, suspensão da menstruação, indução
Foi demonstrado que a mente tem uma influência de mal-estar e até contrações de parto. Tudo isso sem
incrível sobre 0 corpo. Doenças e curas psicossomáticas fertilização nem feto (Brand, p. 19).
ou “produzidas por influências psíquicas” realmente O Dr. William Nolen explica que
ocorrem. As enfermidades psicossomáticas não são
imaginárias. Enfermidades sem base no corpo são cha- 0 paciente que descobre repentinamente [...] que pode
madas doenças de conversão ou outras formas de neu- agora mover um braço ou perna que estavam anteriormen-
rose. A úlcera é uma doença psicossomática se foi cau- te paralisados, teve paralisia como resultado de um distúr-
sada pelo menos em parte pelo nervosismo que pertur- bio emocional, não físico.
bou 0 processo digestivo e induziu uma superprodu-
ção de ácidos ou outras enzimas. Já que têm base emo- Sabe-se que
cional, tais doenças tendem à cura pela mente. Isso é neuróticos e histéricos freqüentemente se aliviarão de
usado por alguns para argumentar que curas sempre seus sintomas pelas sugestões e pelo ministério de curan-
são fenômenos psicoemocionais. deiros carismáticos. É tratando os pacientes desse tipo que
O p o d e r d a m en te. Pessoas ficaram doentes e até os curandeiros afirmam suas vitórias mais dramáticas’
foram internadas simplesmente porque um grupo de (N01en,p.287).
amigos (fazendo uma experiência) sugeriu que elas es-
tavam doentes. Foram “curadas” da mesma forma — Não há nada milagroso nessas curas. Psiquiatras,
quando os amigos sugeriram mais tarde que estavam internos, profissionais graduados e doutores que fazem
com a aparência melhor. Esse é um exemplo de doença terapia psiquiátrica aliviam milhares desses pacientes
causada pelas emoções e “cura” que só estão periferica- dos seus sintomas todo ano (ibid.).
mente relacionadas ao corpo. O psiquiatra cristão Paul Meyer revelou que curou
O médico e apologista cristão Paul Brand fornece uma jovem de cegueira simplesmente instruindo-a que,
exemplos do poder da mente de curar 0 corpo. A men- quando acordasse em outro quarto, poderia ver. A cura
te pode controlar com eficácia a dor estimulando a aconteceu exatamente como 0 médico ordenou. Sua vi-
produção de endorfmas, simples disciplina mental, são foi restaurada pelo poder da sugestão. Outros mé-
inundando 0 sistema nervoso com outros estímulos. dicos registraram curas de diarréia crônica pela pres-
A acupuntura é um exemplo de acrescentar sensações crição de placebos. Doenças severas de pele e até para-
para interromper a dor. lisia foram curadas por esse método.
No chamado efeito placebo, a fé em simples pílu- Sabe-se que por volta de 80% das doenças estão
las de açúcar estimula a mente a controlar a dor e até relacionadas ao estresse (Pelletier, p. 8). Essas doen-
curar alguns distúrbios. Em algumas experiências ças emocionalmente induzidas geralmente podem ser
entre pessoas com câncer terminal, a morfina era um revertidas pela terapia psicológica ou por meio das “cu-
analgésico eficiente em dois terços dos pacientes, mas ras pela fé” , quando a atitude mental adequada ocasi-
placebos também foram eficientes na metade deles. O ona um efeito de cura.
placebo engana a mente para que acredite que 0 alívio Nenhuma dessas curas é sobrenatural. O efeito
chegou, e 0 corpo reage de acordo. da mente sobre o corpo é um processo natural. Não
229 curas psicossomáticas

envolve nenhuma suspensão das leis naturais. E possí- colheita. Mas Jesus pegou 0 pão (grão) e 0 multiplicou
vel aprender a fazer isso. Quando feito por uma pessoa imediatamente para alimentar os cinco mil (Jo 6.10-12).
que afirma ser um canal para Deus, não é menos natu- Referimo-nos aos “milagres” do nascimento ou da
ral. A fé em vários tipos de deuses ou apenas em outra vida. Deus é quem causa ambos. Mas a questão se tor-
pessoa (0 médico ou curandeiro) fará a mesma coisa. na confusa quando falamos sobre eventos naturais,
Os cristãos não devem surpreender-se que curas graduais e repetidos como “milagres” . São apenas a
psicossomáticas naturais aconteçam. Deus criou a maneira pela qual Deus trabalha regularmente. São
mente com habilidades maravilhosas e criou os pode- maravilhosos, mas não milagrosos (v. m i la g r e ) .
res curativos do corpo. A Bíblia reconhece 0 efeito da O verdadeiro milagre não é uma atividade natu-
mente sobre a saúde da pessoa: “0 coração bem dis- ral, mas a ação sobrenatural direta (v. m ila g r e s n a B i -
posto é remédio eficiente, mas 0 espírito oprimido res- b l i a ) . É por isso que uma das palavras bíblicas para
seca os ossos” (Pv 17.22). No seu livro A natom y o f an milagre é “maravilha” . Ela atrai nossa atenção. Uma
illness [A n atom ia d e u m a e n fe r m id a d e ] , Norman sarça ardente não é anormal, mas, quando queima sem
Cousins descreveu em detalhes como ele literalmente ser consumida e a voz de Deus fala dela, esse não é um
curou-se do seu câncer por meio do riso. E possível evento natural (Êx 3.1-14).
adoecer quando entristecido por uma tragédia ou fi- Do ponto de vista apologético, como distinguir a
car curado ao ouvir boas notícias. cura normal da cura milagrosa? Como distinguir a
Já que Deus nos criou como unidades de mente e cura psicológica da sobrenatural? Apenas a segunda
corpo, ele deve receber a glória quando essa relação tem valor apologético (v. m il a g r e s , v a l o r a p o l o g é t i c o
maravilhosa da mente afetando 0 corpo é usada para d o s).
trazer cura. Mas é um exagero sério considerar essas A fé é 0 ingrediente essencial da cura psicossomática,
curas sobrenaturais. mas não da cura sobrenatural, apesar de acompanhá-la.
O q u e a m e n te n ã o p o d e fa z er. Há algumas condi- Uma pessoa pode ser curada mesmo que não acredite
ções em que apenas a “fé” não pode curar. O poder do que a cura é possível. Nos Evangelhos 35 milagres de Je-
pensamento positivo não pode evitar a morte, ressusci- sus são registrados. Dentre esses, a fé do agraciado só é
tar os mortos, dar visão a um corpo sem olhos, criar mencionada em dez: 1)0 coxo (Jo 5.1-9); 2) leproso (Mt.
membros amputados ou curar tetraplégicos. O Dr. Nolen 8.2-4); 3) a mão seca (Mt 9.2-8); 4) 0 cego de nascença
observa que nenhuma lesão paralisadora da medula (Jo 9.1-7); 5) 0 cego Bartimeu (Mt 20.29-34); 6) a mulher
espinhal jamais foi e nunca será curada por meio da fé com hemorragia (Mt 9.20-22; Mc 5.24-34; Lc 8.43-48);
(Nolen,p. 286). Joni Earickson Tada sofreu tal lesão num 7) os dez leprosos (Lc 17.11-19); 8) Pedro andando na
acidente de natação e ficou tetraplégica. Apesar das ora- água (Mt 14.24-33); 9) a primeira pescaria milagrosa (Lc
ções fervorosas e de toda a sua fé, ela permanece sem 5.1-11); 10) a segunda pescaria milagrosa (Jo 21.1-11).
ser curada por toda a fé que pôde exercitar. Joni conclui: Na maioria desses casos a fé não foi exigida explici-
tamente como pré-condição. Nos poucos casos em que
Deus certamente pode curar, e às vezes cura, pessoas de a fé foi exigida, provavelmente foi a fé em Cristo como
forma milagrosa hoje em dia. Mas a Bíblia não ensina que Messias que foi necessária, não simplesmente 0 fé que a
sempre curará que chegam a ele com fé. Ele se reserva sobe- pessoa poderia ser curada. Portanto, mesmo nesses ca-
ranamente 0 direito de curar ou não curar como lhe con- sos não foi necessário ter fé para ser curado.
vém(Tada, p. 132). Em pelo menos 18 dos milagres de Jesus, a fé não
está presente explícita ou implicitamente. Em alguns
In te rv e n ç ã o so b re n a tu ra l. A sra. Tada reconhece casos a fé é resultado do milagre, não sua condição.
que, se Deus curasse sua medula, um tipo diferente de Quando Jesus transformou a água em vinho, “mani-
cura teria acontecido, um tipo que suspende os pro- festou a sua glória, e os seus discípulos creram nele”
cessos naturais. Os milagres, ao contrário de curas na- (J0 2 .ll).
turais, são a maneira pela qual Deus age em ocasiões Os discípulos de Jesus não acreditaram que ele
especiais. A forma pela qual Deus geralmente cura é poderia alimentar os 5 000 pela multiplicação dos pães
lenta. Mas num milagre ele age de imediato. Quando e peixes (Lc 9.13,14; cf.Mt 14.17).Mesmo depois que
Jesus curou 0 leproso, a cura foi instantânea — não 0 viram Jesus alimentar 5 mil, não acreditaram que po-
resultado de auto-rejuvenescimento da pele (Mc 1.42). deria fazê-lo de novo para 4 mil (M t 15.33). No caso
Muitos dos milagres de Jesus envolveram a acelera- do paralítico, Jesus 0 curou quando viu a fé dos qua-
ção de um processo natural. O fazendeiro coloca 0 grão tro que 0 carregaram até Jesus, não a fé do próprio
no solo e ele se multiplica lentamente em mais grãos até a homem (Mc 2.5).
curas psicossomáticas 230

Em sete milagres Jesus não podia ter exigido fé. quando 0 trouxe de volta à vida (Jo 11.43,44). O após-
Certamente isso é verdade com relação aos três que tolo tocou os crentes samaritanos para que pudessem
ressuscitou dos mortos. Mesmo assim Jesus ressusci- receber 0 Espírito Santo (At 8.18; 19.6). Mas os pró-
tou Lázaro (Jo 11), 0 filho da viúva (Lc 7) e a filha de prios apóstolos receberam 0 Espírito sem que nin-
Jairo (M t 9). O mesmo é verdadeiro com relação à fi- guém lhes impusesse as mãos (At 2.1).
gueira amaldiçoada (M t 21 ),ao milagre da moeda no Em comparação, as curas de fé dependem de im-
peixe (M t 17.24-27), às duas vezes que Jesus multipli- posição de mãos ou de algum outro contato físico ou
cou os pães (M t 14.15) e quando acalmou 0 mar (Mt influência pessoal. Alguns que oram por cura usam
8.18-27). toalhas ou lenços de oração. Outros pedem que os ou-
Também não pode ser provado que a fé dos discí- vintes coloquem as mãos no rádio ou na tv como ponto
pulos foi necessária. Na maioria dos casos os discípulos de contato. Um evangelista pede que as pessoas fiquem
careciam de fé. No milagre da ressurreição de Lázaro, de pé sobre a Bíblia com as mãos na televisão. O con-
Jesus orou para que as pessoas presentes acreditassem tato pessoal ou pelo menos a preparação psicológica
que Deus 0 enviara (Jo 11.42). Logo antes de Jesus re- parece ser condicional para a própria cura.
preender as ondas, disse aos discípulos: “Onde está a Milagres n ão envolvem recaídas. Os milagres bíbli-
sua fé?” (Lc 8.25). Depois de ter acalmado as águas, per- cos duram; não houve recaídas. Quando Jesus curava
guntou: “Ainda não têm fé?” (Mc 4.40). uma doença, ela não voltava. É claro que todos posteri-
Às vezes Jesus fazia milagres apesar da descrença. ormente morreram, mesmo os que ressuscitaram dos
Os discípulos careciam de fé para expulsar 0 demônio mortos. Mas isso foi 0 resultado do processo natural de
do menino (M t 17.14-21). Até a passagem mais usada mortalidade, não porque 0 milagre fora cancelado. En-
para mostrar que a fé é necessária para a operação de tretanto, quando Jesus fazia um milagre, ele durava.
milagres prova exatamente 0 oposto. Mateus 13.58 nos Qualquer outro problema que 0 corpo apresentasse, não
diz: “ E não realizou muitos milagres ali, por causa da era causado porque 0 milagre não tivesse reparado ime-
incredulidade deles” . No entanto, apesar da increduli- diata e permanentemente aquele problema.
dade presente, Jesus “ imp[ôs] as mãos sobre alguns Curas psicológicas nem sempre duram, sejam
doentes e cur[ou-os]” (MC 6.5). induzidas por hipnotismo, placebos ou curandeiros.
C om o d is tin g u ir cu ra s. Há uma distinção clara Na verdade, os “curados” e os “canais de cura” sucum-
entre a cura sobrenatural e a psicológica. A cura real- bem à má saúde. O pregador de rádio Chuck Smith
mente milagrosa diferencia-se da mental por várias relata que conhece alguns dos principais expoentes da
características. Apenas religiões que manifestam es- fé positiva no evangelho de cura e prosperidade que
sas características podem usá-las como confirmação foram internados em hospitais por exaustão nervosa
de reivindicações de fé. (Smith, p. 136-7).
M ilagres n ão exigem fé . Deus está no controle so- M ilagres sã o sem pre bem -sucedidos. Jesus não fa-
berano do universo e pode realizar, e realiza, milagres lhou em nenhum milagre que tentou fazer. Já que 0
com ou sem nossa fé. Dons milagrosos são distribuí- milagre é ato de Deus, é impossível que falhe. É verda-
dos aos crentes do n t “como quer” (1 Co 12.11). Como de que Jesus nem sempre tentava fazer um milagre.
foi demonstrado, Jesus fez milagres mesmo onde ha- Às vezes ele explicava por quê (cf. Mt 13.58). Já que
via incredulidade. não era do ramo do entretenimento, nem sempre sa-
Já as curas psicológicas exigem fé. Quem sofre de tisfazia os caprichos da platéia. Deus faz milagres de
doenças psicossomáticas deve crer em Deus, ou no acordo com sua vontade (Hb 2.4) e propósitos, não os
médico, ou num evangelista. Sua fé possibilita a cura. nossos. Quando, porém, Deus tenta criar um evento
Mas não há nada sobrenatural nesse tipo de cura. Ela sobrenatural, ele 0 concretiza.
acontece com budistas (v. b u d i s m o ) , hindus (v. Tentativas psicológicas de curar nem sempre são
h i n d u í s m o ) , católicos romanos, protestantes e até bem-sucedidas. Como foi observado, alguns tipos de
ateus. Curandeiros que alegam possuir poderes so- problemas físicos não são curáveis pela fé. As curas
brenaturais podem fazê-lo. E psicólogos e psiquia- psicológicas são mais freqüentemente bem-sucedi-
tras também. das nos tipos de personalidade mais influenciáveis.
M ilagres n ão exigem con tato p essoal. Às vezes 0 Alguns estudos demonstram que a grande maioria
apóstolo impunha as mãos sobre os que Deus curava das pessoas no movimento de cura são esses tipos
milagrosamente (cf.At 8.18). No entanto, isso não era de personalidade.
essencial para os milagres. Jesus não tocou muitos dos M ilagres são curas de d oen ças orgânicas, n ão só de
que foram curados. Jesus ressuscitou 0 filho do oficial en ferm id ad es fu n cion ais. Jesus curou pessoas cegas de
do rei à distância (Jo 4.50-54). Jesus não tocou Lázaro nascença (Jo 9) e pernas (Jo 5). Os apóstolos curaram
231 curas psicossomáticas

um homem paralítico de nascença (At 3.2). Jesus res- Resum o. A mente pode auxiliar no processo de
taurou uma mão seca instantaneamente (Mc 3.1-5). cura. A atitude mental positiva geralmente anteci-
Curas psicológicas não acontecem em nenhum desses pa 0 processo curativo natural. Quando a doença é
tipos de curas orgânicas ou condições da natureza. Ge- causada psicologicamente, pode haver uma rever-
ralmente são eficazes apenas em doenças funcionais. são dramática quando a pessoa acredita repentina-
Com freqüência apenas auxiliam ou antecipam a re- mente que pode ser curada. Nesse sentido algumas
cuperação.Não curam instantaneamente nem restau- curas psicossomáticas podem ser imediatas. Mas a
ram 0 incurável. cura psicossomática não pode ocorrer em todas as
0 dr. Brand afirmou diretamente que nunca ouviu doenças, principalmente as orgânicas e incuráveis.
falar de cura milagrosa de câncer do pâncreas, fibrose Curas de “ fé” de doenças funcionais não são sobre-
cística, defeito maior de nascença ou amputação (en- naturais. Carecem das características do verdadei-
trevista, Christianity Today, 25/11/1983). Certa vez ro m ilagre, que são as marcas que dão valor
George Bernard Shaw comentou sarcasticamente que apologético aos milagres. Na verdade, apenas os
as curas em Lourdes, França,não 0 convenceram. Viu profetas judeus-cristãos comprovaram exemplos
muitas muletas e cadeiras de rodas em exposição, singulares desses tipos de curas (v. m i l a g r e s c o m o
“mas nenhum olho de vidro, nenhuma perna de CONFIRMAÇÃO DA VERDADE; M a OM É, SUPOSTOS MILAGRES D E ).
pau, nenhuma peruca” (ibid.).
Milagres são sem pre instantâneos. Como mencio- Fontes
nado anteriormente, Jesus curava as pessoas “ imedia- P. B rand , CT (25 Nov. 1983).
tamente” (Mc. 1.42). Quando falou, 0 mar se acalmou N. L. G e is l e r , Signs and wonders.
completamente (M t 8.26). Quando 0 apóstolo curou 0 W . N o le n ‫ ׳‬, A doctor in search o f a miracle.
homem paralítico de nascença,“imediatamente, os pés K. P e i l i t i e r , CMSJ 1 (1980):8.
e os tornozelos do homem se firmaram” (At 3.7). Até C. S m i t h , Charism atics or charism ania?
no caso de um milagre de dois estágios, cada estágio }. E. T a d a , Um passo mais.
foi cumprido imediatamente (Mc 8.22-25). B . B . W a r f ie l d , Counterfeit miracles.
Dd
Daniel, datação de. O livro de Daniel contém uma de Daniel é um ataque ao seu caráter. Mas só José en-
quantidade incrível de profecias detalhadas. Alega fa- tre os personagens do a t demonstra 0 caráter impecá-
lar dos vários grandes reinos no decorrer da história velde Daniel (v.Dn 1.4,8; 6.3). Até seus inimigos reco-
humana bem antes de sua existência: Babilônia, Medo- nheceram que não podiam encontrar falhas em seu
Pérsia, Grécia e Roma. Se isso for verdadeiro, é uma caráter ou dedicação (Dn 6.5).
das maiores evidências da origem divina da Bíblia e, As partes históricas de Daniel são descrições tão
em comparação, dos outros livros da Bíblia (v. p r o f e c i a claras, detalhadas e precisas de sua época que dão
COMO PROVA DA B ÍB L IA ). credibilidade ao discurso quando falam sobre 0 futu-
H istória ou p ro fecia ? Daniel viu no futuro os rei- ro. Só a distinção clara de Daniel entre 0 presente e 0
nos dos gentios desde 0 reinado de Nabucodonosor, co- futuro é evidência de que ele estava escrevendo cons-
meçando por volta de 605 a.C., até 0 Império Romano, cientemente profecia, não história, nas suas grandes
que começou a exercer domínio já em 241 a.C. e, sob 0 visões.
general romano Pompeu, conquistou a Palestina em 63 Antes do surgimento do anti-sobrenaturalismo
a.C. Assim, 0 livro de Daniel descreve eventos mundiais moderno, a datação de Daniel como do século vi a.C.
centenas de anos antes de acontecerem (Dn 2.7). Daniel (e, portanto, sua natureza profética) não era questio-
11 apresenta uma extensa e detalhada descrição do rei- nada entre os teólogos. Por incrível que pareça, não foi
nado de Ciro, 0 Grande, até 0 reinado do anticristo, 0 0 descobrimento de algum fato arqueológico ou his-
reino milenar e 0 fim dos tempos. tórico que levou os teólogos modernos, seguindo 0
Se Daniel escreveu no século vi a.C., como os teó- exemplo de Baruch E s p i n o s a , a atribuírem a data do
logos conservadores afirmam, então é um exemplo po- século 11 a.C. para 0 livro de Daniel. Foi a pressuposi-
deroso de profecia. Mas se Daniel é datado em 170 a.C., cão filosófica (infundada) do anti-sobrenaturalismo
como muitos teólogos argumentam, ele está escreven- que os levou a presumir uma data recente (v. m i l a g r e ;
do história, e não profecia, e um dos grandes argu- MILAGRES, SUPOSTA IMPOSSIBILIDADE D O S).
mentos a favor da origem sobrenatural da profecia bí- 0 fato de as profecias de Daniel serem pós-data-
blica se perderia. das nos registros históricos demonstra sua precisão.
Evidência interna ap óia um a com posição antiga. Há Senão, por que todo 0 esforço por parte dos que rejei-
evidência persuasiva indicando que Daniel viveu e es- tam a origem sobrenatural de suas profecias de datá-
creveu no século vi a.C. e que, assim, suas descrições las em época posterior à que os eventos realmente
detalhadas da história são previsões sobrenaturais. ocorreram?
Esses eventos são apresentados como futuros. Sua Testemunhas a p ó ia m a com p osição antiga. Josefo
escrita é datada por anos específicos dos reinados dos (v. F l á v i o J o s e f o ), historiador judeu da época de Cristo,
reis da Babilônia e da Medo-Pérsia (por exemplo, os colocou Daniel entre os P rofetas (a segunda seção do
primeiros versículos dos capítulos 2,7,9,10 e 11). Fo- a t judaico), não entre os Escritos (a terceira e última
ram coisas que os homens mais sábios do maior reino seção). Naquela data, portanto, Daniel era considera-
da terra não poderiam adivinhar (cf. Dn 2.1 -13). O tex- do profeta, não historiador. E os profetas eram consi-
to afirma explicitamente que eram sobre 0 futuro, “0 derados mais antigos. Na verdade, a razão para a
que acontecerá nos últimos dias” (Dn 2.28; cf. 9.24- datação recente de Daniel é que ele se encontra entre
29). Ele até declara que era uma extensão de tempo os Escritos no Talmude posterior (400 d.C.). Mas a divi-
“prolongada” , em Daniel 10.1, indicando 0 futuro dis- são normal do a t por teólogos judeus posteriores era a
tante. Logo, 0 ataque à natureza preditiva das palavras L ei e os P rofetas (v. Dn 9.2,11-13; Zc 7.12; Mt 5.17;
Daniel, datação de 234

Lc 24.27). A ordem não convencional do Talmude po- seu livro não está entre os Profetas na Bíblia judaica, mas
deria ter sido criada para usos litúrgicos, tópicos ou li- só mais tarde entre os Escritos ? Conforme mencionado
terários (v. Geisler, cap. 14). acima, essa foi uma decisão posterior, por volta de 400
Jesus confirm ou que Daniel era profeta. Na verdade, d.C. Daniel estava originalmente entre os Profetas. No
usou 0 exemplo de um a previsão feita por Daniel que ain- século i da era cristã, 0 historiador judeu Josefo colocou
da era futura na época de Jesus. Prevendo a futura des- Daniel entre os profetas ( Contra Á pion 1.8). Na divisão
truição de Jerusalém e do templo pelo exército romano posterior dos Profetas em Profetas e Escritos era com-
de Tito, Jesus referiu-se ao “sacrilégio terrível” , que esta- preensível que Daniel fosse colocado entre os Escritos.
ria no santo lugar do templo (Mt 24.15). E há forte evi- Os capítulos de 1a 6 contêm muita história. E Daniel foi
dência histórica de que os evangelhos sinóticos foram um profeta por dom, não por função, já que tinha um
escritos antes de 70 d.C. (v. A tos, h is to r ic id a d e d e; B íblia, papel político importante no governo babilônico.
crítica d a ; Novo T estamento, historicidade do). A evidência A teologia é desenvolvida demais. Alguns críticos afir-
apóia a afirm ação de Jesus de ser 0 Filho de Deus. Tal en- mam que Daniel não poderia ter sido escrito no século vi
trelaçamento de credenciais proféticas significa que ne- porque a visão altamente desenvolvida de anjos, do Mes-
gar a natureza profética das profecias de Daniel é um passo sias, da ressurreição e do julgamento final no livro foi co-
em direção à negação da divindade de Cristo (v. C risto, nhecida apenas num período posterior.
d iv in d a d e de). Esse argumento constitui petição de princípio. Se
Os manuscritos do mar Morto apóiam uma data Daniel é um livro anterior, então é prova de que essa
anterior. Um fragmento de Daniel, possivelmente do teologia “altamente desenvolvida” existia na época. Jó
século 11, foi encontrado entre os manuscritos do m a r e Isaías são livros anteriores e fazem referência à res-
M o r t o em Qumran. Já que era apenas uma cópia, in- surreição (Jó 19.25,26; Is 26.19).Malaquias e Zacarias
dicaria uma data anterior. foram escritos antes do século 11 a.C. e referem-se ao
Daniel, 0 homem, é mencionado em Ezequiel 14.14, Messias (Zc 3.1; 6.12; Ml 3.1; 4.2). Anjos são proemi-
20; 28.3. Até os críticos mais radicais reconhecem que nentes em Gênesis (v. cap. 18, 19 e 28) e em todo 0
Ezequiel viveu no século vi a.C. Mas se 0 único profeta livro de Zacarias.
Daniel conhecido no a t viveu no século vi, não há ra- D aniel su postam en te errou. Alguns críticos alegam
zão para negar que suas profecias sejam do mesmo que 0 livro comete erros históricos. Esse argumento
período. Isso é verdadeiro principalmente à luz da na- demonstra que 0 que realmente está em jogo não é a
tureza do livro, que é vivida, com um sabor de notícia datação de Daniel, e sim a inspiração divina das Es-
de primeira mão, como fornecida por uma testemu- crituras. Faria mais sentido se um Daniel mais antigo
nha ocular. fosse historicamente impreciso. Um escritor posterior
O T alm ude atribui 0 livro de Daniel ao profeta saberia 0 que aconteceu.
Daniel que viveu no século vi a.C. Isso garante à data Mas nenhum dos supostos erros de Daniel resis-
antiga 0 apoio dos teólogos judeus posteriores. tiu ao exame (v. Archer, cap. 20). Por exemplo, confor-
M esm o co m d a t a ç ã o recen te, a s p r e d iç õ e s d e me Daniel 5.31,0 reino de Belsazar foi derrubado por
D an iel fo r a m p recisas. Mesmo com a data posterior um exército invasor, e “ Dario, 0 medo” , tornou-se rei.
(170 a.C.), algumas das previsões de Daniel seriam Mas eruditos modernos não encontraram nenhuma
futuras e sobrenaturalmente precisas. Algumas das menção a tal pessoa nos documentos antigos. Alguns
previsões mais sensacionais foram cumpridas na teólogos modernos afirmam que 0 autor de Daniel
época de Cristo. Daniel 9.24-27 prevê que Cristo mor- erroneamente pensou que os medos, em vez dos
reria depois de “expiar as culpas” e depois de “ trazer persas, conquistaram a Babilônia. Eles afirmam que 0
justiça eterna” , aproximadamente 483 anos depois de autor confundiu Dario 1, rei da Pérsia (521-486 a.C.),
444 a.C. De acordo com 0 ano lunar judaico de 360 com a conquista da Babilônia e identificou esse per-
dias, há exatamente 483 anos entre 444 a.C. e 33 d.C. sonagem como Dario, 0 medo. Esse, alegaram, parece
Deve-se acrescentar aos 477 anos lunares (444 + 33) constituir um erro por parte de Daniel.
outros 6 anos (= 483). Há 5 dias a mais (365) no ano Evidências arqueológicas modernas (v. a r q u e o l o -
real (solar) que no ano lunar (360). E cinco dias ve- g ia d o A n t i g o T e s t a m e n t o ) mostram que Dario, 0
zes 477 é 2 385 dias. Isso dá mais seis anos e meio (v. medo, poderia facilmente ter sido outra pessoa além
H oehner, x ). de Dario 1 da Pérsia. Dois homens se encaixam per-
,45
Objeções a um D aniel profético. escrituras ju - feitamente nas referências de Daniel. Ciro, 0 Grande,
d a icas classificam D an iel com o um dos “escritos”. Se que governou um império unido medo-persa, po-
Daniel era um profeta, perguntam os críticos, porque deria representar 0 lado medo dessa aliança, sendo
235 Darrow, Clarence

conhecido fora das comunicações oficiais como era usada num período anterior não significa que não
Dario, 0 medo. O fato de Daniel identificar esse Dario era, a não ser que tenham onisciência sobre 0 uso da
como medo se encaixa ao contexto persa onde isso linguagem em toda a sociedade antiga. E quanto mais
seria digno de nota. se sabe lingüisticamente sobre culturas antigas, mais
Um candidato melhor surgiu nos textos cuneifor- os teólogos descobrem evidência de uso anterior (v.
mes: Gubaru, que foi designado por Ciro para ser go- Archer, cap. 20).
vernador sobre toda a Babilônia. A prática comum na Conclusão. Há fortes evidências de que as previ-
aristocracia babilônica e persa, principalmente para sões de Daniel vêm do século vi a.C., fazendo delas pre-
emigrantes, era que os nomes particulares refletissem dições notáveis do decorrer da história desde a
0 histórico e a família do indivíduo e 0 nome oficial Babilônia, Medo-Pérsia, Grécia e Roma até depois de
representasse as realidades políticas das novas alian- Cristo. Os críticos não ganham nada com a pós-data
ças da pessoa. Daniel era conhecido em suas funções de Daniel. Uma data mais recente significaria que
oficiais como Beltessazar (Dn 1.7). Sadraque, Mesaque Daniel escreveu exemplos notáveis de profecia sobre-
e Abede-Nego eram nomes babilônicos dos jovens natural (Dn 9). Se essas profecias são verdadeiras, por
hebreus Ananias, Misael e Azarias. que as outras não 0 seriam?
No artigo D an iel in the h isto rian s’ d en [D an iel na
cova dos h istoriad ores], William Sierichs, Jr. afirma Fontes
que Belsazar não era 0 “filho” de Nabucodonosor, e G. L . A rc h e r, Jr., Merece confiança 0 Antigo Testamento?
“ Belsazar não era 0 rei como 0 livro de Daniel afir- ___ , Enciclopédia de dificuldades bíblicas.
ma, e jamais foi rei” ( t s r , v. 7.4, p. 8). Mas até 0 crítico N. L. G e is e e r , A popu lar survey o f the Old Testament.
radical dr. Philip R. Davies admitiu que ambos são “ar- ____e T. H o w e, When critics ask.
gumentos fracos” (Philip R. Davies, D aniel [Sheffield: H . H o eh n er, Chronological aspects o f the life o f
Christ.
IS0T Press, 1985], p. 31). Ele escreveu:
R. K. H a r r is o n , Introduction to the Old Testament.
]. M cD o w ell, Daniel in the critics den.
Comentários críticos, principalmente no início do século
}. W h it c o m b , Darius the mede.
[xx],enfatizaram que Belsazar não era filho de Nabucodono-
sor e nem rei da Babiônia. Esse argumento é repetido, às ve- Dario, 0 medo. V. D a n i e l , d a t a ç ã o d e .
zes,como prova contra a historicidade de Daniel, sendo rejei-
tada por estudiosos conservadores. A partir de 1924 (J.A.
Darrow, Clarence. Clarence Darrow (1857-1938)
Montgomery, Daniel, International, Critical Commentary
foi um advogado criminalista muito conhecido no
[Edinburg: T and T Clark/NewYork: C. Scribner’s Sons, 1927],
início do século xx. Ele é mais conhecido pela defe-
p. 66-7) tornou-se evidente que, apesar de Nabonido ter sido
sa de um homem que foi acusado de ensinar evolu-
0 último rei da dinastia neobabilànica, Belsazar efetivamente ção (v. e v o l u ç ã o b i o l ó g i c a ) em escolas públicas. Du-
governava a Babilônia. Sobre esse ponto, Daniel está corre-
rante 0 julgamento de John Scopes em Dayton,
to. O significado literal do vocábulo “filho” não deveria ser
Tennessee (1925), Darrow conseguiu defender fir-
levado em consideração... (p. 30-1)
memente suas próprias opiniões como evolucio-
nista e agnóstico (v. a g n o s t i c i s m o ) . O estadista cris-
O vocabulário de Daniel é de um p erío d o posterior.
tão W illiam Jennings Bryan (1860-1925) represen-
Críticos lingüísticos acham termos em Daniel que su-
tou 0 Estado e morreu alguns dias depois do vere-
postamente não eram usados até 0 século 11 a.C. Supõe-
dicto.
se que palavras como harpa, trom beta e saltério origi-
naram-se no período macabeu posterior (século 11 a.C.),
O verdadeiro Darrow. Darrow foi muito citado por
dizer: “ É intolerante por parte das escolas públicas
e não no século vi. O estudioso do at R. K. Harrison ob-
ensinar apenas uma teoria das origens” (Mclver,
serva que:
p. 1-13). Wendell Bird, cujo artigo no Yale Law Review
esse argumento não constitui mais um problema na crí- de 1978 foi responsável por muitas reproduções dessa
tica do livro, porque como [William F.] Albright demons- suposta citação, subseqüentemente reconheceu que tal
trou, agora é bem reconhecido que a cultura grega penetrou afirmação provavelmente não era autêntica.
0 Oriente Médio muito antes do período neobabilónico Darrow também foi citado incorretamente no sen-
(Harrison, 1126). tido de acreditar que a criação era uma visão científi-
ca. Ele declarou no julgamento de Scopes que as cri-
Além disso, esse argumento é logicamente um erro ancas devem aprender tanto a criação, quanto a evo-
de ignorância. Só porque não se sabe se uma palavra lução. Ele quis dizer que a evolução deveria ser ensinada
Darrow, Clarence 236

como ciência, e a criação, como teologia. Isso se encaixa “ Dizem que é patrocinado por vários intolerantes reli-
no argumento que usou no tribunal e na sua declara- giosos. 0 sr. Darrow disse isso, substancialmente isso”
ção alguns anos mais tarde: “Na verdade, não há outra (ibid., 197, grifo do autor).
teoria a ser ensinada com relação à origem das várias Essas citações não deixam dúvida de que Darrow
espécies animais, inclusive 0 homem” (Darrow, p. 275). acreditava que quem produzia, promovia e defendia a
D arrow e a acu sação d e intolerância. Ele acreditava lei antievolução do Tennessee era intolerante por ne-
que aprovar e defender a lei da criação de Tennessee era gar 0 direito de ensinar evolução nas escolas públicas,
“intolerância” e usou a palavra intolerância ou intole ‫־‬ embora a criação não fosse ali ensinada. É interessan-
rante seis vezes em apenas duas páginas da transcrição te observar exatamente 0 que 0 próprio Darrow esta-
do julgamento (Hilleary, p. 75,87). Bryan disse no seu va promovendo para ver se ele mesmo permanece aci-
depoimento: ma da acusação de intolerância.
0 que Darrow estava defendendo. Darrow certamente
Eu realmente quero que 0 mundo saiba que e s s e s cava- estava desafiando a lei para estabelecer 0 ensinamento
lheiros não têm outro propósito além de ridicularizar todo da evolução. Mas mesmo evolucionistas reconhecem
cristão que acredita na Bíblia. que “as escolas públicas de Dayton só estavam ensinan-
do uma teoria — evolução — , e era isso que Darrow
Darrow respondeu bruscamente: “ Temos 0 propó- estava tentando defender” (Mclver, p. 9). Assim, 0 apelo
sito de impedir que intolerantes e ignorantes contro- de Darrow: “Que tenham ambas. Que ambas sejam en-
lem a educação dos Estados Unidos, e você sabe disso, sinadas” soa falso. Certamente ele não defendia que 0
e isso é tudo” (ibid., p. 299, grifo do autor). registro de Gênesis fosse ensinado nas escolas públicas,
Em outro trecho, Darrow argumentou que mesmo como teologia. Darrow se opunha categórica-
mente ao ensino da religião nas escolas públicas.
se não sobrar 0 suficiente do espírito de liberdade no A referência de Darrow a Jefferson é infeliz, já que
estado do Tennessee, e nos Estados Unidos, não há uma úni- Jefferson acreditava que “todos os homens foram cri-
ca linha de qualquer constituição que possa resistir à intole- ados...” e até refere-se ao “Criador” na D eclaração de
rância e ignorância que procura destruir os direitos do in- In d ep en d ên cia. Jefferson ficaria surpreso em retornar
divíduo; e intolerância e ignorância estão sempre ativas à América e descobrir que uma nova sociedade decla-
(ibid.,p. 75,grifo do autor). rou inconstitucional ensinar as verdades da D eclara-
çã o d a In d ep en d ên cia nas escolas públicas. 0 próprio
Darrow até refere-se a Thomas J e f f e r s o n , pergun- Jefferson instituiu um departamento de teologia na
tando: Universidade Estadual da Virgínia e transformou em
lei um tratado com os índios kaskaskia (1803) de pa-
Um corpo legislativo tem0 direito de dizer:‘Você não pode gar um missionário católico para estabelecer uma
ler um livro ou fazer uma lição, ou fazer um discurso sobre missão entre eles.
ciência até descobrir se 0 que está dizendo [é] contra Gênesis Avaliação. A opinião de que a evolução é apenas ci-
[...]? Teria — exceto pela obra de Thomas Jefferson, que foi entífica e a criação é apenas religiosa é uma forma de in-
entretecida na constituição de cada estado da União, e per- tolerância distintiva. Se a criação não é científica, então a
maneceu ali como uma espada flamejante para proteger os maioria dos grandes cientistas entre 1620e 1860não eram
direitos do homem contra a ignorância e a intolerância (ibid., científicos quando diziam que a evidência científica in-
p. 83). dicava um Criador (v. cr ia ç ã o e o r ig en s ).
Como argumentado em outro artigo (v. o rig e n s, c i-
Em outra questão Darrow apelou para 0 juiz, pro- ê n c ia d a s ) , a criação é tão científica quanto a
testando: macroevolução (Geisler, Origin science, cap. 6 e 7). Nem
a criação nem a macroevolução representa uma ciên-
O Meritíssimo conhece os fogos que foram acesos na cia empírica. Nenhuma criatura observou a origem do
América para alimentar a intolerância e 0 ódio religioso [...] universo e da vida, e ela não se repete hoje. Mas tanto
O senhor sabe que nenhuma outra suspeita possui a mente a visão criacionista quanto a evolucionista são “cien-
dos homens tão intensamente quanto a intolerância, a ig- tíficas” no sentido de ciência foren se. Elas são apenas
norância e 0 ódio” (ibid., p. 87, grifo do autor). reconstruções especulativas de eventos passados não
observados com base na evidência remanescente. Ar-
Até os advogados que se opunham a Darrow no- gumentar que podemos permitir que professores de ci-
taram 0 uso da palavra intolerantes, mencionando: ências na escola pública ensinem evolução é permitir
237 Darwin, Charles

especulação sobre possíveis causas naturais, mas não ocorrido. Ao aplicar 0 princípio da seleção natural
possíveis causas inteligentes. Por essa mesma lógica, (sobrevivência do mais forte) às variações dentro de
os arqueólogos não são científicos quando supõem populações, Darwin conseguiu argumentar persua-
uma causa inteligente para a cerâmica antiga. Darrow sivamente que, durante longos períodos de tempo,
teria sido mais coerente na defesa da pesquisa cientí- pequenas mudanças somaram grandes mudanças.
fica e da liberdade acadêmica se realmente tivesse pro- Essas grandes mudanças podem explicar a origem
nunciado a afirmação atribuída a ele: “ É intolerante da nova espécie sem a intervenção direta de um Po-
por parte das escolas públicas ensinar apenas uma te- der sobrenatural, exceto talvez para dar início a todo
oria das origens!” . 0 processo.
A evolu çã o do D eu s d e D a rw in . Darwin começou
Fontes como teísta cristão, foi batizado na Igreja da Inglaterra
C. D arrow , The story of my life. e, apesar de sua rejeição ao cristianismo, foi enterrado
N. L. G e is l e r , The Creator in the courtroom. na Abadia de Westminster. A vida de Darwin é um
____, Origin science: a proposal for the
microcosmo da crescente descrença do final do século
creation-evolution controversy, caps. 6,7.
xix (D arw ins early religious training).
___ ,“Was Clarence Darrow a bigot?” , em C/E, Fall 1988.
W. H i l l e a r y e \V . M e t z g e r , The world’s most famous
Apesar de ser anglicano, Darwin foi mandado para
court trial. uma escola dirigida por um ministro unitarista
T.M cI ver,“Creationist misquotation of Darrow” , (Moore, p. 315). Mais tarde, em 1828, entrou para a
em C/E, Spring 1988. Universidade de Cambridge, onde, por decisão de seu
I. N e w to n , “General Scholium” , Princípios matemáticos, pai, se prepararia para 0 ministério (ibid.). Com pou-
Livro 3, “ The systems of the world” . ca idade e com 0 auxílio de E xposition o f the creed [Ex-
p o siçã o do credo], de Pearson, e Evidence o f Christianity
D arw in, Charles. Charles Robert Darwin (1809- deriv ed from its nature a n d reception [E vidências do
1882) nasceu em Shrewsbury, Inglaterra, filho de mé- cristianism o d eriv ad as d e sua n atureza e recep ção ], do
dico. Como naturalista, conseguiu patrocinadores e bispo Sumner (1824),“ Darwin abandonou os poucos
apoio do governo para uma expedição no navio mi- escrúpulos que tinha para professar crença em todas
litar hms Beagle, onde fez suas famosas observações as doutrinas da Igreja” (ibid.). No entanto, Darwin fi-
sobre as diferenças dos tentilhões. Mais tarde usou 0 cou muito impressionado com dois livros de William
que havia aprendido nesse navio como evidência da Paley,A view o f the eviden ces o f C hristianity [Uma vi-
sua teoria da evolução (v. c r ia ç ã o e o rig e n s; c r ia ç ã o , sã o d as ev id ên cias d o cristianism o] (1794); e N atural
visões da; e v o lu ç ã o ; e v o lu ç ã o b io ló g ica ; evolução q u ím i- theology, ou E vidences o f the existence a n d attributes
ca; e lo s p erd id os). o f the Deity [ Teologia natural, ou ev id ên cias d a exis-
Darwin é mais famoso pela obra Λ origem das espé- tência e dos atributos d a D ivindade] (1802).
cies (1859), na qual sugeriu nas últimas linhas da pri- As crenças teístas originais d e Darwin. Ele aceitou
meira edição que, “enquanto este planeta continua em 0 argumento do desígnio de P a le y (v. te le o ló g ic o , ar-
seus ciclos conforme a lei fixa da gravidade” , nele g u m e n t o ) . Em sua A u tobiografia, referiu-se ao seu diá-

rio, onde escrevera que


a vida, com seus vários poderes, sendo originalmente so-
prada [pelo Criador] em algumas formas ou talvez em uma enquanto se está em meio à grandeza da floresta brasi-
só [...] de um princípio tão simples formas infinitas tão belas leira é im possível d ar um a idéia adequada dos sentimentos
e maravilhosas evoluíram e continuam evoluindo. elevados de espanto, adm iração e evolução que enchem e
elevam a mente.
A expressão entre colchetes foi acrescentada na se-
gunda edição de Origem. Só na sua obra posterior, The Ele acrescenta: “Eu me lembro de minha convic-
descent of man (A descendência do homem, 1871), ção de que há mais no homem que a mera respiração
Darwin proclamou que os humanos também evoluíram 91
de seu corpo” (D arw in, A u tobiog rap h y ,p. ).
pelos processos naturais a partir de formas inferiores Darwin reconheceu
de vida. Essa teoria causou uma revolução nas ciências,
cujas reverberações são sentidas ainda hoje. a dificuldade extrema, ou melhor, a impossibilidade de
Foi um momento decisivo no pensamento moder- conceber este universo imenso e m aravilhoso, inclusive 0 ho-
no porque, na opinião de muitos, Darwin deu a primei- m em com sua capacidade de olhar para 0 passado distante e
ra explicação plausível de como a evolução poderia ter para 0 futuro, como resultado do acaso ou da necessidade.
Darwin, Charles 238

Então, essencialmente os mesmos que quando foram compos-


tos originalmente” e que “foram atribuídos aos seus ver-
ao refletir, sinto-me constrangido a olhar para uma Pri- dadeiros autores” (Moore, p. 212). Mas sua fé no at já ha-
meira Causa com uma mente inteligente de certa forma aná- via se deteriorado alguns anos antes (v. B íb l ia , c r ít ic a d a ).
Ioga à do homem; e mereço ser chamado teísta. A a ceita çã o d a alta crítica negativa. “Gradualmen-
te comecei a ver que 0 Antigo Testamento, com sua his-
Darwin reconheceu que havia sido criacionista. Até tória do mundo claramente falsa, com sua torre de
falou da visão criacionista como uma teoria “que a Babel, com 0 arco-íris como sinal etc. etc., atribuindo
maioria dos naturalistas até recentemente nutriu, e que a Deus sentimentos de um tirano vingativo, não era
nutri no passado” (Darwin, p. 30). mais merecedor de confiança que os livros sagrados
dos hindus ou as crenças de um bárbaro qualquer”
Essa conclusão estava forte na minha mente na época, (Darwin, A utobiography, p. 85).
pelo que posso lembrar, em que escrevi A origem das espéci- A aceitação d o anti-sobrenaturalism o. Tanto Baruch
es; e desde aquela época tornou-se gradualmente mais fra- Espin o sa em 1670 quanto David H um e um século mais
ca (Darwin,Autobiography, p. 92-3). tarde atacaram a base da intervenção sobrenatural no
mundo. Darwin acrescentou:
A rejeição de D arw in a o cristianism o. Por volta de
1835, antes de zarpar no B eag le (em 1836), Darwin Por meio de uma reflexão maior de que a evidência
ainda era criacionista. Darwin descreve seu próprio mais clara seria necessária para fazer qualquer homem são
declínio religioso na sua A utobiografia. Escreveu: acreditar nos milagres pelos quais 0 cristianismo é apoia-
do; de que quanto mais sabemos sobre as leis fixas da na-
A bordo do Beagle [outubro de 1836 a janeiro de 1839]
tureza mais inacreditáveis os milagres se tornam; de que
eu era bem ortodoxo, e me lembro das zombarias intensas
os homens daquela época eram ignorantes e crédulos a um
por parte de vários oficiais (apesar de também serem orto-
ponto quase incompreensível por nós; de que não se pode
doxos) por citar a Bíblia como autoridade incontestável em
provar que os evangelhos foram escritos ao mesmo tempo
alguma questão de moralidade.
que os eventos; de que são diferentes em vários detalhes
importantes, importantes demais na minha opinião para
Mas ele não acreditava que a Bíblia fosse uma au-
serem admitidos como imprecisões normais de testemu-
toridade incontestável quanto à ciência nessa época.
nhas oculares — por essas reflexões [...] eu gradualmente
De acordo com Ernst Mayr, Darw in tornou-se
passei a não acreditar no cristianismo como revelação di-
evolucionista entre 1835 e 1837 (Mayr,x).“Já em 1844,
vina (Autobiography, p. 86).
suas opiniões [sobre evolução] haviam atingido gran-
de maturidade, como demonstrado por seu manus-
No entanto, Darwin acrescentou:
crito ‘Essay’.” (ibid.) O filho e biógrafo de Charles
Darwin, Francis Darwin, disse que
Eu não estava disposto a abrir mão da minha crença [... ]
assim a descrença insinuou-se lentamente, mas no final foi
apesar de Darwin ter quase todas as idéias principais
completa. O avanço foi tão lento que não sofri, e nunca mais
da Origem em mente já em 1838, ele deliberou durante vinte
duvidei nem por um segundo sequer de que minha conclu-
anos antes de se comprometer publicamente com a evolu-
ção” (F. Darwin, p. 3.18). são estava correta (ibid., p. 87).

Apenas uma década mais tarde (1848) Darwin es- A “dou trin a co n d en áv el”do inferno. Darwin escre-
tava completamente convencido da evolução, declaran- ve que a crença ortodoxa no inferno foi uma influên-
do desafiadoramente a J. D. Hooker: “Não importa 0 cia específica de sua rejeição ao cristianismo. Ele es-
que você diz, minha teoria das espécies é evangelho creveu:
absoluto” (citado por Moore, p. 211).
A deterioração das crenças cristãs de Darwin co- Na verdade mal posso ver como alguém pode querer que
meçou com uma erosão da confiança na Bíblia. É ver- 0 cristianismo seja verdadeiro; pois uma linguagem tão cia-
dadequejáem 1848 leu The eviden ce o f the genuineness ra do texto parece mostrar que os homens que não crêem, e
o f the gospels [A evidência d a g en u in idade dos evange- isso incluiria meu pai, meu irmão e quase todos os meus
Ihos ], do professor Andrew Norton, de Harvard, que melhores amigos, serão punidos eternamente. E essa é uma
argumentou que os evangelhos “continuam sendo doutrina condenável (ibid., p. 87).
239 Darwin, Charles

A m orte da filha de Darwin. 0 ceticismo crescente mais planejamento na variabilidade dos seres orgâni-
de Darwin já era completo quando sua querida filha, cos e na ação da seleção natural que na direção que 0
Anne, morreu em 1851. O biógrafo James Moore es- vento toma. Tudo na natureza é resultado de leis fixas”
creve que (ibid., 87). Darwin escreveu:

duas emoções fortes, raiva e tristeza, na Autobiografia Tenho a tendência de ver tudo como resultado das leis
destacam os anos de 1848 a 1851 como 0 período em que planejadas, com os detalhes, quer bons quer maus, deixa-
Darwin finalmente renunciou à sua fé (Moore, p. 209). dos à mercê do que podemos chamar acaso (F. Darwin, 1.279;
2.105).
Isso, é claro, foi logo depois que sua visão da evo-
lução se solidificou (1844-1848) e antes de escrever Com 0 acaso como a única fé que lhe restara, 0 na-
seu famoso Origem (1859). turalista se aventurou a chamar a seleção natural de
Apesar de os herdeiros de Darwin suprimirem 0 sua “divindade” . Pois crer nas criações milagrosas ou
efeito que a morte da filha teve sobre Darwin, suas pa- na “intervenção contínua do poder criativo” , disse
lavras revelam 0 impacto (v. Moore, p. 220-3). Em co- Darwin,
nexão com a doutrina do castigo eterno, Darwin não
conseguia ver a conciliação entre a vida de uma crian- é tornar minha divindade, a Seleção Natural, supérflua
ça perfeita e um Deus vingativo (ibid., p. 220). Refe- e responsabilizar a divindade — se é que ela existe — pelos
rindo-se a si mesmo como um “miserável horrível” , fenômenos que são atribuídos corretamente apenas às suas
um dos condenados, em maio de 1856 advertiu um leis magníficas (citado por Moore, p. 322).
jovem entomologista:
Aqui Darwin não só afirmou seu deísmo, mas in-
Ouvi 0 unitarianismo ser chamado de uma cama para dicou seu crescente agnosticismo pela frase “se é que
salvar um cristão caído; e acho que você está numa cama ela existe” .
dessas, mas acredito que ainda cairá mais e mais (citado por Deísmo finito? Nos últimos estágios de seu deísmo
Moore, p. 221). Darwin parecia flertar com um deus finito (v. f in it o ,
d e ís m o ) como 0 que John Stuart M il l havia adotado. Já

Um mês mais tarde, Darwin referiu-se a si mesmo em 1871, em A descendência , Darwin pareceu negar a
como“o capelão do Diabo” , que satiricamente,em lin- crença num Deus infinitamente poderoso. Escreveu
guagem figurada, refere-se a um incrédulo convicto Crença em Deus — religião que “não há evidência de
(Moore, p. 222; v. m a l , pr o b lem a d o ). que 0 homem tenha sido dotado originalmente com
A decadência de D arw in. Darwin gradualmente uma crença enobrecedora na existência de um Deus
descartou 0 teísmo a favor do d e ís m o , deixando apenas Onipotente” (D escent , p. 302). Aqui ele sugere deísmo
0 ato de intervenção divina para a criação da primeira finito. Se esse for 0 caso, durou pouco; Darwin defini-
forma ou das primeiras formas de vida. Essa era apa- tivamente acabou se tornando um agnóstico (v.
rentemente sua visão na época de A origem das espéci- a g n o s t ic is m o ).

e5 (1859), onde, na segunda edição, falou da A g n o s tic ism o . Em 1879, Darwin já era um
agnóstico, escrevendo:
vida, com seus vários poderes, sendo originalmente so-
prada [pelo Criador] em algumas formas ou em uma [...]de Creio que geralmente (e mais e mais à medida que en-
um princípio tão simples formas infinitas tão belas e mara- velheço), mas nem sempre, um agnóstico seria a descrição
vilhosas evoluíram e continuam evoluindo (grifo do autor). mais correta de meu estado mental (citado por Moore, p.
204).
Rejeição do argum ento do planejam ento de Paley.
Apesar de Darwin se apegar a um Deus deísta que cri- Mais tarde, escreveu: “0 mistério do princípio de
ara 0 mundo, mas deixara que ele operasse pelas “ leis todas as coisas é insolúvel por nós; e eu por exemplo
naturais fixas” , gradualmente chegou a rejeitar até a devo me contentar em continuar sendo um agnóstico”
força convincente do argumento da criação. Disse que (Darwin, Autobiografia, p. 84).
foi “ levado” à conclusão de que“o velho argumento do Apesar de seu agnosticismo, Darwin claramente
desígnio na natureza, apresentado por Paley, que an- nega ter sido ateu. Disse: “ Nas minhas variações mais
tes me parecia tão conclusivo, falha, agora que a lei da extremas jamais fui ateu, negando a existência de Deus”
seleção natural foi descoberta [...] parece não haver (citado por Moore, p. 204). Os historiadores rejeitam a
Darwin, Charles 240

história apócrifa da conversão de Darwin no seu leito A microevolução foi confirmada. É atribuída a
de morte. Darwin, até por criacionistas, a confirmação da exis-
Em 1879, muitos anos após a A descendência (1871), tência de pequenas mudanças no desenvolvimento
Darwin declarou: “Parece-me absurdo duvidar de que natural das espécies. Elas são até observáveis, como
um homem possa ser um teísta fervoroso e um revela seu estudo dos tentilhões. Enquanto os
evolucionista” (Carta 7, maio de 1879). O próprio Darwin criacionistas discordam de Darwin quanto à possibi-
se contentava em continuar sendo agnóstico. lidade de tais mudanças resultarem em grandes mu-
Avaliação. Ao contrário do dogmatismo de mui- danças pela seleção natural após longos períodos de
tos evolucionistas contemporâneos, que afirmam que tempo, Darwin e outros devem ser reconhecidos pela
“a evolução é um fato” , Darwin era mais reservado, extinção da visão platônica mais antiga de formas fi-
pelo menos nas suas publicações. xas no nível do que os biólogos chamam espécies.
Aspectos positivos das teorias de Darwin. Darwin A lei da seleção naturalfoi explicada. Darwin tam-
deve ser louvado por geralmente ter 0 cuidado de não bém viu corretamente a função valiosa que a seleção
exagerar. Certamente esse é 0 caso em A origem das natural tem no desenvolvimento da vida. A sobrevi-
espécies. vência do mais forte é um fato da vida animal, como
A evolução é apenas uma teoria. Darwin reconhe- demonstram documentários sobre a natureza na
ceu que sua visão era apenas uma teoria, não um fato. África. Mais uma vez, criacionistas e evolucionistas
Ele a chamou “teoria da evolução” , em oposição à “te- diferem quanto à quantidade de mudança que a se-
oria da Criação” , expressões que usou muitas vezes em leção natural pode causar e se ela é evolutiva. Mas
A origem das espécies (por exemplo, p. 235,435,437). concordam que a seleção natural pode e faz algumas
Tecnicamente, a macroevolução é mais que uma hi- mudanças biológicas importantes no desenvolvi-
pótese não confirmada que uma teoria (v. e v o l u ç ã o b i - mento da vida.
“Elos perdidos”são mencionados. Darwin também
o l ó g i c a ) . Muitos, inclusive alguns evolucionistas,acre-
estava ciente do fato de que a evidência a favor (ou
ditam que se trata de uma tautologia não-falsificável.
contra) a evolução estava no registro fóssil e que ha-
Robert H. Peters, em The american naturalist, afirmou
via nela espaços vazios (v. a seguir). Ele, é claro, espe-
que as teorias evolutivas
rava que descobertas futuras preenchessem esses es-
paços e confirmassem sua “teoria” .
são na verdade tautologias e, como tais, não podem fa-
Aspectos negativos. Uma crítica mais completa da
zer previsões empíricas testáveis. Elas sequer são teorias ci-
evolução biológica e humana é encontrada no artigo
entíficas (Peters, 1).
e v o l u ç ã o b i o l ó g i c a . Aqui a ênfase será dada às falhas

das visões pessoais de Darwin.


Outros, como Stephen Toulmin e Langdon Gilkey
A falta de evidênciafóssil. Ao sentir a falta de formas
chegaram a conclusões semelhantes, chamando-a de
intermediárias no registro fóssil, Darwin confessou:
“mito científico” (Gilkey, p. 39).
Ambos os lados devem ser considerados. Ao con-
A geologia certamente não revela nenhuma mudança
trário de muitos evolucionistas atuais, Darwin acre-
orgânica gradativa, e possivelmente essa é a objeção mais
ditava que a evolução e sua antítese lógica, a criação, óbvia e séria que pode ser usada contra a teoria [da evolu-
devem ser consideradas, medindo-se cuidadosamen- ção] (Darwin, A origem das espécies, 152, grifo do autor).
te a evidência de ambas. Na “ Introdução” de Origem
Darwin afirmou: “Estou ciente de que quase nenhu- Darwin confessou que não encontramos
ma questão é discutida neste volume para a qual não
haja fatos, em geral aparentemente levando a con- um número infinito dessas formas transicionais que, na
clusões diretamente opostas àquelas que foram tira- nossa teoria, ligaram todas as espécies passadas e presentes
das” . Acrescenta: “ Um resultado justo pode ser obti- do mesmo grupo em uma cadeia longa e ramificada da vida
do apenas pela menção e avaliação total dos fatos e (ibid., 161).
argumentos de ambos os lados de cada questão; e isso
é impossível aqui” . Isso parece apoiar uma teoria de Ele atribuiu isso à falta do “registro geológico como
dois modelos que muitos criacionistas sugerem para história do mundo mal cuidado” (ibid.), e outros, à su-
as escolas públicas, mas cujo mandato foi rejeitado posta falta de formas transicionais. Mas esse é um ar-
pela Suprema Corte americana (Edwards, 19 de ju- gumento de silêncio praticamente irrefutável e pres-
nho de 1987). supõe que formas transicionais realmente existem.
241 Darwin, Charles

A realidade é que não há elos perdidos, mas sim uma Quem acredita que alguma forma antiga foi transfer-
cadeia perdida, com apenas alguns elos aqui e ali. mada repentinamente [...] entra no âmbito dos milagres e
O registro fóssil é a única evidência real do que deixa 0 da ciência (citado por Denton, p. 59).
realmente aconteceu, ao contrário do que poderia ter
acontecido, logo essa é uma objeção muito séria. E 0 Ainda estudante, Darwin, comentando Evidences of
período subseqüente de aproximadamente 140 anos Christianity, de Sumner, disse que “quando se vê uma
não foi favorável a Darwin. Apesar da descoberta de religião estabelecida, que não tem protótipo existente
milhares de fósseis, nas palavras de Fred Hoyle, “ο [...] há grande possibilidade de sua origem divina” .
registro evolutivo é tão furado quanto uma peneira” Como Howard Gruber disse:
(Hoyle, p. 77). Mas 0 paleontólogo Stephen Jay Gould,
de Harvard, admitiu que A natureza não salta, mas Deus sim. Logo, se queremos
saber se algo que nos interessa é de [origem] natural ou so-
a raridade extrema das formas transicionais no registro fós- brenatural, devemos perguntar: Isso surgiu gradualmente a
sil persiste como 0 segredo profissional da paleontologia. As partir do que veio antes, ou repentinamente, sem qualquer
árvores evolutivas que decoram nossos livros só têm dados nas evidência de causa natural? (ibid.).
pontas e nós de seus galhos; 0 resto é suposição, por mais razo-
ável que seja, não a evidência de fósseis” (Gould,p. 14). Mas claramente, pelas próprias premissas de
Darwin, 0 resultado não é a macroevolução, pois ele
Na verdade, a falta de evidência para a teoria de admite que há grandes saltos no registro fóssil, que são
Darwin forçou muitos evolucionistas contemporâne- sinal de criação, não de evolução.
os como Gould a recorrer a soluções mais Darwin fez uma analogia falsa. Grande parte da
especulativas, como “equilíbrios acentuados” que por persuasão da teoria de Darwin veio do argumento apa-
natureza dão grandes saltos em períodos de tempo re- rentemente plausível segundo 0 qual se a seleção arti-
lativamente curtos. ficial pode fazer pequenas mudanças significativas
A microevolução não prova a macroevolução. Tudo num curto período, então certamente a seleção natu-
que Darwin demonstrou com sucesso foi que mudan- ral pode fazer grandes mudanças num longo período
ças pequenas ocorrem em formas específicas de vida, de tempo. Mas, como E. S. Russell observou: “a ação
não que haja qualquer evolução entre tipos maiores. do homem na reprodução seletiva não éanáloga à ação
Mesmo considerando longos períodos de tempo, não da ‘seleção natural’, mas quase seu oposto absoluto” .Pois
há evidência real de grandes mudanças. Citando Gould “0 homem tem um objetivo ou um fim em vista; a se-
novamente: leção natural’ não pode ter. 0 homem escolhe os indi-
víduos com quem quer cruzar, escolhendo-os pelas
A história da maioria das espécies fósseis inclui duas características que quer perpetuar ou acentuar” . E
características especificamente em harmonia com 0
gradualismo: ele os protege e à sua prole com todas as suas forças,
1. Estase. A maioria das espécies não exibe nenhuma defendendo-os da operação da seleção natural, que logo eli-
mudança direcional durante a vida na terra. Elas minaria muitas anomalias; ele continua sua seleção ativa e
surgem no registro fóssil com a mesma aparência objetiva de geração a geração até atingir, se possível, sua
com que desaparecem; a mudança morfológica ge- meta.
ralmente é limitada e sem direção,
2. Surgimento repentino. Numa área local, nenhuma es- Mas
pécie surge gradualmente pela transformação lenta
de seus ancestrais; ela aparece de repente, comple- nada desse tipo acontece, ou pode acontecer, pelo pro-
tamente formada (Gould, ibid., 13-4). cesso cego da eliminação diferencial e da sobrevivência di-
ferencial que denominamos incorretamente seleção natu-
A evidência fóssil claramente dá uma demons- ral (citado em Moore, p. 124).
tração de criaturas maduras e completamente fun-
cionais aparecendo repentinamente e permanecen- Então, a coluna central da teoria de Darwin está ba-
do muito semelhantes. Isso é evidência de criação, seada numa analogia falsa (v. e v o l u ç ã o b io l ó g i c a para
não de evolução. maiores comentários sobre essa questão).
Saltos são evidência de criação. À luz das grandes Darwin admitiu sérias objeções. Darwin dedicou
omissões no registro fóssil, as próprias afirmações de um capítulo inteiro de A origem das espécies para 0
Darwin são incriminadoras. Ele disse: que chamou “uma série de dificuldades” (80). Por
Darwin, Charles 242

exemplo: “ Podemos acreditar que a seleção natural pode ser ensinada junto com a evolução porque “ ‘a
pode produzir [...]um órgão tão maravilhosos quan- ciência da criação’ [...] tem como referência os pri-
to 0 olho?” (ibid.). Como os organismos que preci- meiros onze capítulos do livro de Gênesis” (citado
sam dele sobreviveram sem ele enquanto evoluía em Geisler,p. 173).
durante milhares ou milhões de anos? Na verdade, a Não é estranho que a criação não seja científica
maioria dos órgãos e organismos complexos devem por ter uma fonte não científica, quando paralela-
ter todas as partes funcionando juntas ao mesmo mente a teoria de Darwin também tem? A verdade é
tempo desde 0 princípio. Adquiri-las gradualmente que uma teoria científica não precisa de u m a fo n te
seria fatal para seu funcionamento. Além disso, “os científica, mas apenas de algum a p o io científico pos-
instintos podem ser adquiridos ou modificados por sível ou real. Como 0 autor demonstrou no testemu-
meio da seleção natural?” (ibid.). Darwin admite as nho do julgamento de “ Scopes 11” , muitas teorias ci-
dificuldades da evolução ao dizer que “algumas de- entíficas válidas têm fontes não científicas, até reli-
las são tão sérias que até hoje mal posso refletir so- giosas. A idéia de Nikola Tesla para 0 motor de cor-
bre elas sem ficar um pouco atordoado” (ibid.). rente alternada veio de uma visão que teve ao ler um
A ev id ên cia revela an cestrais sep arad os. Por in- poema panteísta. E 0 modelo da molécula de benzeno
crível que pareça, 0 próprio Darwin reconheceu a na- de Kekule foi derivada da visão de uma cobra mor-
tureza enganosa da analogia em que sua teoria se ba- dendo apropria cauda (ibid.,p. 116-7).
seava. Ao explicar suas últimas palavras tão citadas A te o r ia d e D arw in é eq u iv a le n te a o a teísm o .
da O rigem , segundo as quais Deus criou “uma” ou Apesar de Darwin e muitos darwinistas negarem
“algumas” formas de vida, Darwin admite duas coi- de forma decisiva que a teoria de Darwin seja em
sas reveladoras. Primeiro, reconheceu cerca de oito a princípio ateísta, essa acusação pesa seriamente
dez formas criadas. Disse: “Acredito que os animais contra ele. Charles Hodge (1797-1878), 0 estudioso
são descendentes de um número igual ou menor” de Princeton, numa análise profunda, perguntou e
(Darwin, A origem d as espécies, p. 241). Além disso, respondeu à própria pergunta:
admitiu que só se pode argumentar por analogia,
acrescentando: O que é danvinismo? É ateísmo. Isso não significa que 0
sr. Darwin e todos os que adotam suas teorias sejam ateus;
A analogia me levaria um passo adiante, isto é, à crença mas significa que sua teoria é ateísta, que a exclusão do plane-
de que todos os animais e plantas são descendentes de um jamento da natureza é [...] equivalente ao ateísmo (Hodge, p.
único protótipo. Mas a analogia pode ser umguia enganoso 177).
(ibid.,grifo do autor).
A lógica de Hodge é desafiadora. A evolução exclui
Essa é uma admissão reveladora em vista da analo- 0 planejamento, e se não há planejamento na natureza
gia comprovadamente falsa usada entre seleção artifi- então não há necessidade de um Planejador da nature-
ciai e natural. za. Logo, apesar das afirmações em contrário, a evolu-
A teoria d e Darwin n ão f o i derivada d a natureza. ção é em princípio uma teoria ateísta, já que exclui a
Até mesmo evolucionistas admitem que Darwin não necessidade de um Criador inteligente (v. cosmolõgico,
derivou sua teoria do estudo da natureza, mas de uma argumento; F le w , A n to n y ).
cosmovisão naturalista. George Grinnell escreveu: Até muitos evolucionistas reconhecem que 0 cená-
rio de Darwin de uma “poça de água morna” em que a
Fiz muitas pesquisas sobre Darwin e posso dizer primeira vida surgiu espontaneamente exclui Deus
com certa segurança que Darwin também não derivou completamente do âmbito da biologia. Ele escreveu;
sua teoria da natureza, mas sobrepôs uma certa “Geralmente dizem que todas as condições para a pri-
cosmovisão filosófica à natureza e depois passou vinte meira produção de um organismo vivo estão presentes
anos tentando juntar fatos para tentar prová-la agora e que sempre estiveram presentes” . Então, 0
(Grinnell, p. 44). surgimento espontâneo seria possível se

Isso é muito interessante em vista do que 0 Tri- pudéssemos conceber uma poça morna com todos os ti-
bunal Federal decidiu no julgamento “ Scopes 11” pos de amônia e sais fosfóricos,luz, calor eletricidade presen-
(McLean, 22 de janeiro de 1982) que a criação não tes, de modo que uma proteína fosse formada pronta para so-
é ciência, porque, primeiro, tem uma fonte não ci- frer mudanças ainda mais complexas (citado por F. Darwin,
entífica — a Bíblia. O juiz decidiu que a criação não 3.18).
243 datação científica

Francis D arw in adm itiu que __ , A origem das espécies.


F. D a rw in ‫־‬, The life and letters o f Charles Darwin, v. 3.
M . D e n to n , Evolution: a theory in crisis.
Darwin jamais afirmou que sua teoria explicaria a ori-
N . L . G e is le r , The Creator in the courtroom.
gem da vida, mas a implicação existe. Logo, D eus f o i b a n id o
L .G ilk e y , A M er o f heaven and earth.
d a c r ia ç ã o d a s esp écies e d e tod o 0 â m b ito d a b io lo g ia (ibid.). S. J. G o u ld , “Evolution’s erratic pace” , NH, 1972.
C. G r i n n e l l , “ Reexamination of the foundations” ,
Qual a necessidade de um Criador? Só é necessá- Pensee, May 1972.
rio supor 0 que muitos acreditam há muito tempo, que C. H o d g e , O que é darwinism o?
0 universo material era eterno e parece não haver lu- F. H o y le et al., Evolution from space.
P. Jo h n so n , Darwin on trial.
gar para uma Primeira Causa, para Deus. Há, é claro,
__ , Reason in the balance.
evidências contra 0 surgimento espontâneo da primei-
E. M a y r , “ Introdução” , C. D a r w in , A origem das es-
ra vida (v. evo lu ção quím ica) e um universo eterno (v. pécies, 1964 org.
big-bang, t e o ria do; k a l a m , argum ento cosm ológico). E, J. M o o r e , The post-darwinian controversies.
logo, há necessidade de Deus, a despeito do R. P e t e r s , “ Tautology in evolution and ecology” , AN,
darwinismo (v. Deus, evidências de). Ian.— Feb. 1976.

R azões p a r a negar 0 cristianism o eram inválidas.


Além de 0 deísmo e 0 agnosticismo de Darwin serem datação científica. O problema. A datação geralmen-
injustificados, sua rejeição ao cristianismo também era, te aceita (d g a ) na comunidade científica apresenta vá-
pois estava baseada no predomínio de uma alta crítica rios problemas para a apologética cristã, já que supõe
negativa (v. B íb lia , c r ít ic a da) em sua época, que era pré- de dez a vinte bilhões de anos para 0 universo e cente-
arqueológica e há muito tempo foi desacreditada. nas de milhares de anos para a vida humana. Isso é
Da mesma forma, Darwin supõe incorretamente contrário a uma datação amplamente suposta por
que 0 Deus do a t era vingativo, e não amoroso, algo muitos evangélicos de 10 a 20 mil anos do universo e
contrário à afirmação do a t sobre 0 amor, a misericór- da vida humana.
dia e 0 perdão de Deus (Êx 20.6; Jn 4 .2 ). Na verdade, 0 Na realidade, a dga apresenta quatro problemas di-
amor de Deus é mencionado com mais freqüência no ferentes para a defesa do cristianismo histórico: 1) A
dga apóia a evolução? 2 ) A dga contradiz a posição bí-
a t que no n t.
Além disso, 0 conceito de Darwin a respeito do in- blica da idade do universo? 3 ) A dga contradiz a posi-
ção bíblica da idade da raça humana? 4 ) A dga contra-
fe rn o era bastante defeituoso. A própria idéia de que 0
inferno é injusto implica que deve haver um Deus ab- diz a posição bíblica da criação em “seis dias” ? Como
a última pergunta é discutida em detalhes em outro
solutamente justo. E um Deus absolutamente justo
artigo (v. Gênesis, dias de), apenas as três primeiras se-
deve punir 0 pecado.
rão discutidas aqui.
Mais que isso, Darwin parecia ter um conceito de
D ata çã o cien tífica e evolução. Mesmo consideran-
inferno que não era conseqüência de um Deus amo-
do verdadeira a conclusão da dga de que 0 universo
roso, que não força suas criaturas livres a crer nele con-
tem bilhões de anos e a vida tem pelo menos meio
tra a vontade.
bilhão de anos, isso não quer dizer que a macroevo-
Finalmente, a família de Darwin disfarça 0 fato de
lução tenha ocorrido (v. evo lu çã o b io ló g ic a ). Pois bi-
que, quando Darwin abandonou a fé cristã, não con-
lhões de anos são apenas uma condição necessária
seguiu lidar com a morte de sua querida filha. Justa-
para a verdade da evolução, mas não uma condição
mente na hora em que precisava da esperança cristã
suficiente para ela. Um período de tempo mais longo
da ressurreição (v. ressu rreição, evidências da) e reunião
simplesmente não é suficiente para explicar como
com os entes queridos, ele não a teve, porque seu anti-
mudanças graduais por processos naturais poderi-
sobrenaturalismo crescente havia eliminado qualquer
am transform ar um m icróbio num homem.
base firme de crença. Então, ele se voltou para Deus
Multimilhões de anos são uma condição necessária
— 0 que sobrara dele — e 0 culpou por ser “vingati-
para todas as coisas vivas evoluírem. Mas longos pe-
vo” . Tal é a condição de um coração ingrato e incrédu-
ríodos de tempo não são 0 suficiente para provar que
10 (cf.Rm 1.18ss.).
a macroevolução é verdadeira por dois motivos bá-
Fontes sicos: 1 ) longos períodos de tempo não produzem
C. D a r w in , Autobiografia. complexidade específica; e 2 ) um mecanismo natu-
__ , The descent o f man. ral é necessário para explicar a macroevolução.
datação científica 244

Longos p eríod os d e tem po n ão produ zem com plexi- D atação científica e a id a d e d o universo. A teoria
d ad e específica. Não há evidência empírica ou experi- dga não causa problema para todos os cristãos orto-
mental de que longos períodos de tempo produzam 0 doxos — apenas para os que acreditam no universo
tipo de complexidade específica e irredutível encontra- jovem (de milhares de anos). Apologistas do universo
da nos seres vivos (v. evolução química). A simples obser- jovem, tais como Henry Morris (v. Morris, toda a obra)
vação revela que, se alguém derrama sacos de confete e seus seguidores, devem contestar a dga. Eles 0 fazem
vermelho, branco e azul de um avião a trezentos metros de duas maneiras.
de altitude, isso não formará a bandeira americana no Argum entos científicos negativos contra um univer-
gramado do quintal de ninguém. As leis da natureza, so an tig o. O elemento essencial mínimo de uma
sem intervenção inteligente, misturarão as cores; elas apologética do universo jovem é encontrar falhas no
não formarão 50 estrelas e 13 listras com 0 confete. E a esquema de datação científica aceito atualmente. Isso
observação e experimentação demonstram que lançar é tentado de várias maneiras.
os pedaços de papel colorido de trezentos metros de al- Pressuposições improváveis. Proponentes do univer-
titude não dará 0 tempo necessário para que se organi- so jovem indicam que há pressuposições improváveis
zem. Só há uma causa conhecida pelos seres humanos nos métodos de datação do universo antigo. Por exem-
que pode criar uma bandeira americana com peque- pio, métodos de datação radiométrica supõem uma
nos pedaços de papel, e essa é a inteligência. Mas inter- condição original da substância que era “pura” . Eles
venção inteligente não é evolução naturalista; é criação. também supõem que houve uma taxa ou ritmo cons-
A n ecessidade d e um m ecan ism o natural. Para a tante de mudança desde então. Por exemplo, para ar-
evolução naturalista ocorrer, é preciso mais que lon- gumentar a favor de uma terra antiga com base na
gos períodos de tempo. Deve haver também algumas salinidade do mar, a pessoa precisa supor que ele não
causas naturais que possam explicar a complexidade tinha sal e que 0 sal tem sido depositado nele por rios
crescente nas coisas vivas a partir do organismo e córregos a uma freqüência relativamente constante
unicelular original até 0 ser humano. Nenhum meca- desde 0 princípio. Mas essas premissas são ambas
nismo jamais foi encontrado. A seleção natural não faz questionáveis, principalmente se houve um dilúvio
isso. É apenas um princípio de sobrevivência de tipos universal (v. N oé, d ilú v io de). Da mesma forma, para
existentes de vida, não 0 surgimento de novos tipos (v. argumentar a favor de um universo de bilhões de anos
D a rw in , C h a r le s ). Mutações naturais também não fa- com base nos isótopos de chumbo no urânio, é neces-
zem isso. Geralmente não são úteis e muitas vezes são sário supor que eles não existiam no princípio e que a
letais. Variação em populações só explica pequenas taxa de decomposição tem sido constante desde en-
mudanças em tipos específicos de vida e não mudan- tão. Isso também foi questionado.
ças macroevolutivas necessárias entre todas as diver- Além disso, sempre existe 0 problema de uma
sas formas de vida, desde a mais simples até a mais amostra contaminada ou algum outro fator para alte-
complexa. Portanto, longos períodos não explicam rar a taxa de decomposição ou depósito. Isto é, para
como a macroevolução poderia ocorrer. São necessá- apoiar 0 argumento de universo antigo, é preciso mos-
rias causas naturais que possam realmente produzir trar que a amostra usada não foi contaminada com
complexidade específica superior sem qualquer cau- material de um período posterior. Esse é 0 caso da
sa inteligente. Na verdade, a evidência é contrária (v. datação com carbono. Caso contrário, a data resultan-
te le o ló g ic o , argum ento; a n tró p ico , p rincípio). Leis natu- te não é a data original do material.
rais não especificam; escolhem a esmo. Não causam Argum entos positivos a fa v o r d e um universo jov em .
ordem específica superior; causam desordem. Não cri- Outra tática disponível para os defensores do univer-
am vida; causam decomposição. so jovem é dar evidência científica de que 0 universo é
P ouco tem po é fa t a l p a r a a m acroevolu ção. Uma jovem. Muitos desses argumentos foram oferecidos. O
razão pela qual os evolucionistas naturalistas se opõem problema desse método é que ele também deve acei-
tão veementemente aos esquemas de datação que pos- tar algumas pressuposições não provadas (ou impro-
tulam um universo jovem (de 10 mil a 20 mil anos) é váveis) como uma condição original e um processo
que isso é fatal para a teoria evolutiva. A evolução sim- constante desde então. Mas é exatamente isso que os
plesmente deve ter períodos de tempo mais longos que proponentes do universo jovem desafiam na teoria do
apenas alguns milhares de anos. Logo, apesar dos lon- universo antigo. Por exemplo, alguns deles argumenta-
gos períodos de tempo supostos pelo esquema dga não ram, com base na pouca profundidade do pó lunar, que
eliminarem a criação, curtos períodos de tempo eli- a lua tem apenas milhares de anos. Mas fazer isso é su-
minam a evolução. por que a lua não tinha pó no princípio e que a taxa de
245 datação científica

acúmulo tem sido relativamente constante a cada ano. centenas de milhares de anos. E os seres humanos com
Isso também não foi provado, e talvez seja improvável. evidência de religião e consciência de Deus não são
No entanto, os proponentes de um universo jovem têm muito mais antigos. Essas formas bem mais recentes
todo direito de oferecer evidência científica positiva da indicam 0 tempo da origem dos verdadeiros seres hu-
sua teoria, seja por meio de um dilúvio universal, seja manos feitos à imagem de Deus, isto é, seres com capa-
pela freqüência mais rápida de decomposição ou depó- cidade racional, moral e religiosa.
sitos. E se 0 peso da evidência favorece sua teoria, 0 peso Dem onstração de intervalos nas genealogias bíblicas.
da evidência vai contra a macroevolução, que exige pe- É verdadeiro que, se alguém supõe que não há intervalos
ríodos de tempo mais longos. nas genealogias bíblicas, a raça humana tem pouco mais
A alternativa: um universo antigo. Outros cristãos de seis mil anos. Mas há intervalos evidentes nos regis-
ortodoxos defendem sua teoria aceitando a possibilida- tros ancestrais da Bíblia (v. Mt 1.8 e 1Cr 3.11 -14), mesmo
de de um universo antigo de bilhões de anos e indican- nas genealogias antigas em Gênesis (v. Lc 3.36 com Gn
do 0 fato de que a Bíblia não os constrange em lugar 11.12). Isso é discutido detalhadamente em outro artigo
algum a aceitar um universo jovem. Geralmente indi- (v.genealogias abertas). Muitos conhecidos teólogos evan-
cam vários fatores. Primeiro, Gênesis 1 .1 diz apenas que gélicos têm sustentado essa teoria, desde B. B. W a r f ie ld
houve um “princípio” , mas não exatamente quando foi. até Gleason Archer.
Segundo, os “dias” de Gênesis podem representar lon- Conclusão. Apesar de haver conflitos entre certas
gos períodos de tempo. Terceiro, pode ter havido um interpretações do registro bíblico e teorias predomi-
intervalo de tempo antes de os dias de Gênesis começa- nantes da idade da terra e da humanidade, não há con-
rem (como numa forma da teoria do intervalo). Quar- tradições reais. Isso é verdadeiro por duas razões bá-
to, há intervalos conhecidos no registro genealógico (v. sicas. Prim eira, ninguém provou com certeza absolu-
GENEALOGIAS ABERTAS). ta que 0 universo tem determinada idade, jovem ou
D atação científica e a id ad e d a raça hum ana. Ou- antiga. Segunda, há maneiras diferentes de interpre-
tro problema que os defensores da terra jovem e até tar 0 registro bíblico de forma a evitar conflito com a
muitos da terra antiga enfrentam é conciliar a d g a da dgade bilhões de anos. Logo, apesar de haver conflito
idade da raça humana com 0 registro bíblico. Já que com a teoria científica predominante e interpretações
isso é discutido detalhadamente em outro artigo (v. preferenciais do registro bíblico, não há uma contra-
e l o s p e r d i d o s ) , será apenas resumido aqui. Há várias dição insolúvel.
maneiras para resolver esse problema.
R eje içã o dos m éto d o s d e d a ta ç ã o d a raça h u m a- Fontes
na. Os métodos de datação da antigüidade da raça G. A r c h e r , Merece confiança 0 Antigo Testamento ?
A . C u s ta n c f, The genealogies o f the Bible.
humana estão sujeitos a maior debate que os da data
R . G e n try , Creation’s tiny mystery.
do universo — e pelas mesmas razões, só que em
W. H. G re e n , “ Primeval chronology” , em W a lte r
maior grau em alguns casos. Primeiro, há 0 proble- K a is e r , org., Essays in Old Testament
ma de supor que 0 estado original era puro. Segun- interpretation.
do, também há 0 problema de demonstrar uma taxa H. M o r r is , et al., What is creation science ?
constante de decomposição. Terceiro, há a questão de ]. D. M o r r i s , The young earth.
contaminação da amostra ou influência de outras R. X ew m ax et al., Genesis one and the origin o f the
forças. Além disso, alguns métodos de datação (como earth.

0 Carbono 14) só são precisos para milhares, não B. R am.m , The Christian n e w o f scien ce a n d Scripture.
H. R 0 " , Creation and time.
centenas de milhares ou milhões de anos. Outros
B. B .\V A R H E L P ,“ O n th e a n t i q u i t y and th e unity of
métodos de datação como os períodos interglaciais
th e h u m a n race” , The Princeton T heological
são ainda menos precisos. R eview (1 9 1 1 ).
D esafiando a classificação “h u m a n a ”p a ra os fósseis. J. W h it c o m b , e t al., The G enesis flood.
Outro problema é a pressuposição de que antropóides D. E . W o n d er ly , G od s tim e-records in ancient
ou hominídeos muito antigos eram realmente seres sedim ents.
humanos criados à imagem e semelhança de Deus em D. A. Young, Christianity and the age of the earth.
lugar de símios altamente desenvolvidos. E 0 uso de ins-
trumentos simples não prova humanidade, já que alguns deísmo. Deísmo é a cren ça n u m D eus que fez 0 m u n d o,
animais atualmente usam instrumentos simples (como m as n u n ca in terro m p e as operações deste com eventos

focas que usam pedras para abrir conchas). x\ maioria sobrenaturais. É u m teísmo sem m ilagres (v.MiLAGRE).Deus

dos estudiosos admite que 0 homem civilizado não tem não interfere n a sua criação. Pelo con trário , criou-a p a ra
deísmo 246

ser independente dele mediante leis naturais imutáveis 0 Deus com p reo cu p a çã o m oral com esta vida e a
(v. Espinosa, B a r u c h ). Na natureza, ele também provi- p róx im a. O quarto tipo de deísmo afirma que Deus
denciou tudo de que as criaturas precisam para viver. regula 0 mundo, exige obediência à lei moral basea-
0 deísmo cresceu nos séculos xvi a xvm, mas co- da na natureza e preparou uma vida após a morte,
meçou a morrer no século xix. Hoje seus dogmas in- com recompensas para os bons e castigos para os
sistem na negação anti-sobrenatural, aos milagres (v. maus. Essa visão era comum entre os deístas ingle-
m ilagres, argum entos c o n t r a ), e nas visões críticas da ses e americanos.
Bíblia (v. B íb lia , c r ít ic a d a). Representa aqueles que C ren ça s básicas. Apesar de haver diferenças entre
acreditam num ser superior que tem pouco ou nada os deístas, as crenças comuns permitem um entendi-
que ver com nossas vidas. mento de sua cosmovisão comum.
0 deísmo cresceu na Europa, especialmente na Deus. Todos os deístas concordam que há um Deus
França e na Inglaterra, e no final do século xvm na (v. teísm o). Esse Deus é eterno, imutável, inatingível,
América (v. Orr, cap. 3 e 4). Os deístas europeus mais onisciente, onipotente, benévolo, verdadeiro, justo, in-
proeminentes foram Herbert de Cherbury (1583- visível, infinito — em resumo, completamente perfei-
1648), 0 pai do deísmo inglês; Matthew Tindal to, sem que lhe falte nada.
(1656-1733); John Toland (1670-1722) e Thomas Deus é uma unidade absoluta, não uma trindade.
Woolston (1669-1731). Alguns deístas americanos Deus é apenas uma pessoa, não três. O conceito teísta
notáveis foram Benjamin Franklin (1706-1790), cristão da Trindade é falso, até insignificante. Deus não
Stephen Hopkins (1707-1785), Thomas Jefferson existe como três pessoas iguais. Jefferson zombou disso
(1743-1826) e Thomas Paine (1737-1809). O efeito dizendo que “a aritmética trinitária em que três são um
da visão dos deístas americanos, principalmente e um é três” é “jargão incomparável” . Paine acreditava
Paine e Jefferson, são sentidos mais hoje por meio que 0 conceito trinitário resultava em três deuses, logo
da fundação e herança política dos Estados Unidos era politeísta (v. politeísm o). Em comparação, os deístas
(v. Morais, cap. 4,5). afirmam que Deus é um em natureza e um em pessoa.
V á rio s tipos d e d eísm o . Todos os deístas concor- A origem d o universo. 0 universo é a criação de Deus
dam que há um Deus, que criou 0 mundo. Todos os (v. c ria ç ã o e origens). Antes de 0 universo existir, não
deístas concordam que Deus não intervém no mundo havia nada exceto Deus (v. criação , visões da). Ele criou
mediante ações sobrenaturais. Mas nem todos os tudo. Então, ao contrário de Deus, 0 mundo é finito. Teve
deístas concordam quanto à preocupação de Deus com um começo, mas Deus não tem princípio nem fim.
0 mundo e à existência da vida após a morte para os O universo opera por leis naturais. Essas leis fluem
seres humanos (v. im o rtalid a d e). Com base nessas di- da própria natureza da Deus (v. essencialismo divin o ).
ferenças, quatro tipos de deísmo são distinguíveis. Os Como ele, elas são eternas, perfeitas e imutáveis, repre-
quatro variam da preocupação mínima por parte de sentando a ordem e a constância da natureza divina. São
Deus até a preocupação máxima pelo mundo, mas sem regras pelas quais Deus mede sua atividade e regras que
intervenção sobrenatural (Morais, p. 17,85-126). ele espera serem 0 padrão de sua criação.
O Deus sem preocu pação. O primeiro tipo de deísmo A re la çã o en tre D eus e 0 universo. Deus é tão di-
foi em grande parte de origem francesa. De acordo com ferente do universo quanto um pintor de uma pintu-
essa visão, Deus não se preocupa em governar 0 mun- ra, um relojoeiro de um relógio e um escultor de uma
do que fez. Criou 0 mundo e 0 estabeleceu, mas não escultura (v. te le o ló g ic o , a rg u m e n to ). Mas,como uma
tem consideração pelo que vem acontecendo com ele pintura, um relógio e uma escultura, 0 universo re-
depois disso. vela muitas coisas sobre Deus. Por meio de suas ca-
O Deus sem p reo cu p a çã o moral. Na segunda forma racterísticas, demonstra que existe um Criador cós-
de deísmo, Deus se preocupa com os acontecimentos mico, como esse Criador é e 0 que ele espera. 0 uni-
do mundo, mas não com as ações morais dos seres verso também revela que foi criado por Outro Ser e
humanos. O homem pode agir correta ou incorreta- que sua regularidade e sua conservação devem ser
mente, justa ou injustamente, moral ou imoralmente. atribuídas a Outro Ser. Há um Deus que criou, regu-
Deus não se preocupa com isso. la e sustenta 0 mundo. E esse mundo depende de
O Deus com p re o c u p a ç ã o m o ra l com esta v id a. O Deus, não Deus do mundo.
terceiro tipo de deísmo afirma que Deus governa 0 Deus não se revela de qualquer outra maneira além
mundo e se preocupa com a atividade moral dos se- da criação. 0 universo é a Bíblia do deísta. Somente
res humanos. Na verdade, exige obediência à lei mo- ele revela a Deus. Todas as outras supostas revelações,
ral que estabeleceu na natureza. Mas não há futuro quer verbais quer escritas, são invenções humanas (v.
depois da morte. re v e la ç ã o especial).
247 deísmo

Milagres. Milagres não acontecem (v. m ilagres, argu- um certo absoluto ou a um errado absoluto, apesar de
mentos c o n tra ). O u Deus não pode intervir na natureza a aplicação desses absolutos variar, dependendo da
ou não quer. Os deístas que acreditam que Deus não cultura ou circunstância.
pode fazer milagres geralmente argumentam com base 0 destino hum ano. Apesar de alguns deístas nega-
na imutabilidade das leis da natureza. Um milagre vio- rem que a humanidade sobreviva à morte em qual-
laria as leis naturais. Mas as leis naturais são imutáveis, quer caso, muitos acreditam na vida pós-morte. Para
logo não podem ser violadas, pois uma violação envoi- a maioria desses deístas, a vida após a morte é de na-
veria uma mudança do imutável. Portanto, milagres são tureza imaterial; nela, as pessoas moralmente boas
impossíveis. Os deístas que acham que Deus poderia serão recompensadas por Deus e as moralmente más
fazer um milagre, mas não faz, geralmente argumen- serão punidas.
tam com base na propensão humana à superstição e ao História. Em geral, os deístas tinham pouco a di-
engano, na falta de evidência suficiente para apoiar um zer sobre a história. Eles geralmente acreditavam que
milagre e no conhecimento humano da natureza cons- a história era linear e objetiva. Também acreditavam
tante. Eles insistem em que isso põe em destaque a na- que Deus não intervinha na história por intermédio
tureza do Mecânico perfeito, já que ele fez a máquina da de atos sobrenaturais de revelação ou sinais chama-
natureza funcionar sem precisar de consertos constan- dos milagres. Diferiam quanto à preocupação de Deus
tes. Para os deístas, toda narrativa de milagres é resul- com 0 que acontece na história. Muitos deístas fran-
tado da invenção ou superstição humana. ceses dos séculos xvn e xvni acreditavam que Deus não
Seres hum anos. Os deístas concordam que a huma- se importava com esse assunto. A maioria dos deístas
nidade foi criada por Deus e está adequadamente ca- ingleses achava que Deus exercia um tipo de cuidado
pacitada a viver alegremente no mundo. 0 ser huma- providencial sobre as questões da história, mas sem
no é pessoal, racional e livre (v. liv r e - a r b ít r io ), dotado intervenção milagrosa.
de direitos naturais que não devem ser violados por
Muitos deístas acreditavam que 0 estudo da his-
nenhum indivíduo, grupo ou governo. O ser humano
tória tinha grande valor. Pois, antes de mais nada, a
tem a habilidade racional de descobrir na natureza
história demonstra a tendência humana à supers-
tudo que é necessário saber para viver uma vida feliz
tição, ao engano, à dominação, e as terríveis conse-
e completa.
qüências, quando essa tendência não é controlada
Como todos os outros animais, 0 h om o sapiens foi
ou desafiada.
criado com poderes e fraquezas. Os poderes são a razão
A valiação d o deísm o. Contribuições. Coisas positi-
e a liberdade. Entre as fraquezas está uma tendência à
vas podem ser aprendidas com 0 deísmo. Muitos con-
superstição e um desejo de dominar outros de sua raça.
cordam com a insistência dos deístas na importância e
Essas duas fraquezas inatas acabaram por produzir re-
utilização da razão em assuntos religiosos (v. apologética,
ligiões sobrenaturais e governos opressores.
necessidade da; fé E razão; ló g ica). As muitas afirmações
Ética. A base da moralidade humana é a natureza
feitas sobre milagres e revelação sobrenatural devem ser
(v. lei, natureza E tipos de; re ve la çã o g e r a l). Na natureza
verificadas. Nenhuma pessoa razoável entraria num ele-
cada pessoa descobre como se autogovernar, associar-
se com outras criaturas e relacionar-se com Deus. Para vador se tivesse um bom motivo para crer que não fos-
a maioria dos deístas, 0 único princípio humano inato é se seguro. Da mesma forma, ninguém deve confiar
0 desejo pela felicidade. Como esse desejo inato é satis- numa afirmação religiosa sem uma boa razão para crer
feito depende da razão. Uma pessoa que deixa de agir que é verdadeira.
pela razão torna-se infeliz e age imoralmente. Os deístas foram louvados pela crença de que o
Os deístas diferem quanto à universalidade das leis mundo reflete a existência de Deus (v. cosmológico, ar-
morais. Eles concordam que a base de todo valor é gumento). A regularidade e a ordem do mundo sugerem

universal, porque está baseado na natureza. Mas dis- um Criador cósmico. A incapacidade do mundo para
cordam sobre quais leis morais são absolutas e quais explicar suas operações e sua existência parece sugerir
são relativas. O fato de haver certo e errado não é ques- uma explicação final fora do mundo — Deus. As per-
tionado. O problema está em determinar exatamente feições limitadas verificáveis na natureza podem suge-
0 que é certo ou errado em cada caso ou circunstân- rir que há um Ser ilimitado e perfeito além da natureza,
cia. Alguns deístas, tais como Jefferson, concluem que que criou e sustenta todas as coisas. Essa evidência na-
regras morais específicas são relativas. O que é consi- tural está disponível para que todos a vejam e a ela res-
derado certo numa cultura é errado em outra (v. pondam de maneira razoável.
m o ra lid a d e,n a tu re za a b so lu ta da). Outros deístas argu- Os deístas também são reconhecidos por expor mui-
mentam que 0 uso correto da razão sempre levará a tas fraudes religiosas e superstições. Seus constantes
Derrida, Jacques 248

ataques a muitas crenças e práticas ajudaram as pessoas d a).Que anti-sobrenaturalista conseguiu responder a
a avaliar a própria fé religiosa e purificá-la da corrupção. teístas cristãos como J. Gersham !Machen e C. S. Lewis
Críticas a o deísm o. Mas há razão para criticar a (v. Lewis, esp. M ilagres; Machen)? Eles construíram
cosmovisão deísta. Um ser que pôde criar 0 universo uma defesa ampla e sólida com base na ciência, filo-
do nada certamente é capaz de fazer pequenos mila- sofia e lógica contra a crença de que as histórias de
gres, se quiser. Um Deus que criou a água pode parti-la milagres na Bíblia são necessariamente míticas (v. mi-
ou permitir que uma pessoa ande sobre ela. A multipli- TOLOGIA E 0 N0V0 TESTAMENTO).
cação instantânea dos pães e peixes não seria problema Por exemplo, a crença de Paine de que a maioria
para um Deus que criou matéria e vida. Um nascimen- dos livros da Bíblia foram escritos por outras pessoas,
to virginal ou até a ressurreição física dos mortos seri- e não pelas que afirmaram escrevê-los, e escritos muito
am milagres pequenos comparados com 0 milagre da depois dos acontecimentos, ainda é proclamada como
criação do universo a partir do nada. Parece contradi- fato irrefutável por muitos críticos. Mas não há ne-
tório admitir um grande milagre como a criação e de- nhum vestígio de evidência razoável que não tenha
pois negar a possibilidade de milagres menores. sido rejeitada com bons motivos por arqueólogos e
A compreensão deísta da lei universal natural não teólogos. Mais de 25 mil descobertas confirmaram 0
é mais válida. Os cientistas de hoje consideram as leis retrato do mundo antigo dado pela Bíblia (v. arqueolo-
da natureza gerais, não necessariamente universais. As gia do No\‫־‬o Testam ento; arq u e o lo g ia do A n tig o Testa-
leis naturais descrevem como a natureza se comporta m exto). Há evidência suficiente para apoiar a autoria e
em geral. Não ditam como a natureza sempre age (v. as datas antigas da maioria dos livros bíblicos (v. Novo
m ilagres, argum entos c o n t r a ). Testam ento, datação do; Novo Testam ento, confiab ilid ad e
Se Deus criou 0 universo para 0 bem de suas cria- dos documentos d o).
turas, parece ter poder para intervir miraculo-samente Além disso, 0 ataque deísta contra ensinamentos
em sua vida, se seu bem-estar depende disso. Certa- cristãos como Trindade, redenção e divindade de Cris-
mente 0 Criador bondoso que as trouxe à existência to (v. C risto , divindade de), mostra um entendimento
não abandonaria sua criação. Pelo contrário, imagi- superficial e ingênuo desses ensinamentos.
na-se que tal Deus continuaria a nutrir pelas suas cri-
aturas 0 mesmo amor e preocupação que 0 levaram a
criá-las, mesmo que isso significasse prover tais cui- Fontes
dados por meios milagrosos (v. m al, problema d o). J. B u t l í r , The analogy o f religion.
Supondo, então, que milagres são possíveis, não se R . F lin t , Anti-theistic theories.
pode rejeitar toda afirmação de revelação sobrenatu- N . L. G e is l e r , Christian apologetics.

ral sem primeiro examinar a evidência para sua apro- _____ e W . W a t k in s , Worlds apart.
I. K a n t, Religion within the limits o f reason alone.
vação. Se lhe faltam evidências, deve ser rejeitada. Mas
J. L e L a n d , ^ view o f the principal deistic w riters...
se a evidência apóia a afirmação, então a suposta re-
C. S. L e w is , Christian reflections.
velação deve ser considerada autêntica. Certamente
___ , Milagres: um estudo preliminar.
não deve ser descartada sem maiores investigações. ). G. M a c h e n , The virgin birth o f Christ.
Além disso, 0 fato de muitos indivíduos e grupos Η. M . M o ra is , Deism in eighteenth century America.
terem abusado das crenças religiosas não é motivo J. O r r , English deism: its roots an d its fruits.
suficiente para rejeitar religiões sobrenaturais. As des- T. P a in e , Complete works o f Thomas Paine.
cobertas científicas também foram vítimas de abusos, M .T in d a l, Christianity as old as the creation; o u The
mas poucos argumentam que 0 abuso torna tais des- gospel: A republication o f the religion of nature.

cobertas falsas ou constitui razão para abolir a ciên-


cia. Além disso, a mutabilidade da linguagem e 0 fato Derrida, Jacques. É considerado um “filósofo” fran-
da falha humanas não parecem ser argumentos váli- cês contemporâneo, apesar de alguns questionarem se
dos contra a revelação sobrenatural (v. B íb lia , supostos ele é um verdadeiro filósofo. É pai de um movimento
e rro s na; B íb lia , evidências da). É concebível que um conhecido como “desconstrutivismo” , ainda que pes-
Deus onipotente e onisciente superasse esses proble- soalmente ele rejeite 0 significado popular do termo.
mas. Pelo menos tais problemas não deveriam elimi- O movimento também é chamado “pós-modernismo” ,
nar a possibilidade de Deus ter-se revelado, verbalmen- apesar de Derrida também não usar 0 termo para des-
te ou de forma escrita. Mais uma vez, a evidência deve crever sua visão.
ser consultada primeiro. Entre os livros influentes de Derrida estão Λ voz e
Finalmente, 0 argumento dos deístas contra 0 cris- 0 fe n ô m e n o (1967-1968), Da g ram atolog ia, E scrita e
tianismo e a Bíblia é considerado falho (v. B íb lia , c ritic a d iferen ça, P osições (1981) e Lim ited Inc. (1977).
249 Derrida, Jacques

Parte de seu pensamento está fundamentada em metafísica é possível. Acredita que estamos presos em
Immanuel K a n t (metafísica), Friedrich N ietzsche (ate- nossa redoma lingüística. Mas reconhece que usar a lin-
ismo), Ludwig Wittgenstein (visão da linguagem), guagem para negar a metafísica é em si uma forma de
Friedrich Frege (convencionalismo), Edmund Husserl metafísica. Essa incoerência indica a necessidade da
(método fenomenológico; v. verdade, natureza absoluta arquiescrita, um protesto poético contra a metafísica.
d a ), Martin Heidegger (existencialismo) e Wüliam James Três fatores são básicos para entender a filosofia
(pragmatismo e a vontade de acreditar). de Derrida — gramática, lógica e retórica. A gramá-
As visões de Derrida são difíceis de entender por tica expressa frases aceitáveis com palavras modifi-
causa da natureza de suas posições, sua forma de es- cadoras adequadas. A lógica reconhece 0 absurdo das
crever e, às vezes, as más traduções. Por causa desses frases contraditórias. E a retórica demonstra como e
fatores, foi mal interpretado muitas vezes. Não adota quando usar as frases dominadas por meio da gra-
0 niilismo, por exemplo, que é a negação de toda exis- mática e da lógica.
tência e valor (v. m oralidade, natureza ab so lu ta da). E Derrida acredita que a gramática é relativamente
não é anarquista, que nega toda estrutura social. Ape- superficial, relacionada com a manutenção dos sinais
sar de obras que parecem negar toda lei moral, Derrida d a linguagem em boa ordem. Ló gica e retórica são mais

também não é um antinomiano. profundas, lidando com 0 uso e a interpretação dos


O desconstrutivismo é uma forma de herme- sinais. Derrida rejeita a história da filosofia ocidental,
nêutica, de interpretar um texto. Pode, assim, ser dis- em que a linguagem é baseada na lógica. Isso signifi-
tinguido das outras abordagens interpretaiivas. Derrida caria que há um alicerce de lógica na realidade. Ele
não está interessado em destruir 0 significado, mas em rejeita essa pressuposição.
reconstruí-lo. Não é a negação que desmantela 0 texto, Segundo Derrida, a linguagem é baseada na retó-
mas a crítica 0 remodela. Ele se opõe às regras fixas da rica, não na lógica. A soberania da lógica está
alicerçada na teoria de que sinais (por exemplo, pala-
análise. Um desconstrutivista lê e relê um texto, procu-
vras) representam idéias. As idéias fazem contraste
rando significados novos, mais profundos e esquecidos.
semântico com outras idéias. A linguagem diferencia
O desconstrutivismo adota 0 con ven cion alism o.
idéias. Devemos “deconstruir” a linguagem baseada na
Todo significado é relativo à cultura e à situação. Não
lógica para aprender sobre como expressões lingüís-
há significado antes da linguagem.
ticas são usadas na atividade humana. A linguagem
O desconstrutivismo aceita 0 p erspectivism o. Toda
baseada na lógica acarreta uma crença incorreta de
verdade é condicionada pela perspectiva da pessoa.
que há “ linguagens particulares” com “fala pessoal” e
O desconstrutivismo adota uma forma de referen-
“ vida mental particular” . Se a lógica é soberana, en-
cialism o. Não há referência perfeita ou correspondên-
tão a linguagem particular é possível. Idéias não iri-
cia única entre as palavras e 0 significado que elas con-
am variar com as circunstâncias.
ferem. Então, 0 significado é intransferível entre autor e
R etórica com o b a se d a linguagem . Derrida acredi-
leitor. Constantemente mudamos 0 contexto através do
tava que 0 significado é baseado na força retórica, ou
qual vemos símbolos. Esse contexto é limitado. Não po-
seja, 0 papel que exerce na atividade humana (v.
demos saber algo com base numa perspectiva infinita.
W ittg e n s te in ‫־‬, L u d w ig ). Em vez de uma lógica formal
O desconstrutivismo é diferencialism o. Todas as es- subjacente, 0 significado vem da torrente da vida. Pa-
truturas racionais omitem algo. O leitor aborda 0 tex- lavras expressam experiência ligada ao tempo. Assim,
to com suspeita, procurando a “diferença” , 0 desconhe- para entender 0 que 0 texto significa, é preciso pri-
cido que não está lá. meiro entender completamente seu contexto real de
O desconstrutivismo adota uma forma de solipsi- vida. Isso é visto nos cinco argumentos centrais de
sism o lingüístico. Segundo essa teoria, não podemos Derrida:
escapar dos limites da linguagem. Podemos ampliar
nossos conceitos lingüísticos, mas não escapar de nos- 1. Todo significado é complexo. Não há nenhum
sos limites. significado puro e simples por trás dos sinais
O desconstrutivismo adota 0 progresso semântico. Não da linguagem. Se toda linguagem é complexa,
se pode esgotar todos os significados possíveis. Um texto nenhum significado essencial transcende 0
pode ser sempre desconstruído. tempo e 0 lugar.
D e r rid a e 0 desco n stru tiv ism o . Derrida é ateu (v. 2. Todo significado é contingente. Todo objeto da
ateísmo) com relação à existência de Deus e agnóstico linguagem e significado é contingente a uma
com relação à possibilidade de conhecer a verdade ab- realidade de vida mutável. Não há significado
soluta. É antimetafísico, afirmando que nenhuma objetivo.
Descartes, René 250

3. Todo significado é impuro. Experiências puras nega a lógica é baseada nela; caso contrário, seria in-
não existem sem referência a uma experiência significante.
transitória. Não há vida mental particular que Apesar de sua rejeição à (ou protesto contra a)
não pressuponha um mundo real. Não pode- metafísica, Derrida tem pressuposições metafísicas. O
mos sequer pensar sobre um conceito sem próprio fato de discutir “0 que é real?” indica uma
contaminá-lo com alguma referência do nos- metafísica subjacente. E ele afirma que a linguagem
so próprio passado ou futuro. depende de uma relação com 0 mundo. Isso implica
4. Não existe percepção. Os desconstrutivistas uma visão metafísica do mundo.
não rejeitam a vivência. Rejeitam conceitos ide- Sua teoria é uma forma de nominalismo empi-
alizados desconectados do mundo do cotidia- rismo radical (“real” é realidade concreta, diretamen-
no. A natureza do que é significado não é inde- te à minha frente). Como tal é reduzida a um tipo de
pendente do sinal que a significa. solipsismo e está sujeita às mesmas críticas que essas
5. A retórica é a base de todo significado. Toda lin- teorias.
guagem escrita é dependente da linguagem fa- A supremacia da diferença sobre a identidade foge
lada. Não é dependente do significado dos si-nais ao senso comum e torna toda comunicação impossí-
falados. É dependente do padrão de vocalização vel. Na verdade, Derrida não poderia sequer comuni-
(fonêmica). Fonemas são partes do som que car a própria visão, se estivesse certo.
podem ser representados por uma letra. Sem A visão de Derrida está bem associada ao

essa diferença em fonemas as letras são impos- positivism o lógico, com sua famosa natureza
síveis. A diferenciação é a chave do significado, contraditória.(Para uma crítica, v. A y e r, A . J.) A visão
já que todos os sons devem ser diferenciados convencionalista do significado adotada por Derrida
para ser distintos e formar sons significativos. é contraditória (v. co n ve n cio n a lism o ). A s frases que
transmitem sua teoria não teriam significado numa
Muitos acreditam que, com Derrida, a filosofia oci- teoria convencionalista sobre significado. Em resumo,
dental chega ao fim. Ela literalmente se autodestrói à ele não deixou uma base para se firmar — nem se-
medida que se deconstrói. O próprio Derrida acredita quer para expressar sua própria teoria.
que isso continua eternamente em desconstruções ou Finalmente, a “fala” de Derrida não é melhor que 0
reinterpretações sucessivas. “ númeno” incognoscível de Kant, 0 “ silêncio” de
A valiação. Derrida mostra como a tradição lin- Wittgenstein, ou as “chamas” de Hume. Pois nenhum
güística leva ao agnosticismo. Faz algumas críticas deles nos diz nada sobre a realidade.
precisas do pensamento ocidental. Revela que, se a fi- Um tipo de fé está envolvido nesse processo, e 0
losofia da pessoa não começa na realidade, ela nunca deconstrucionismo é fideísta (v. fideísm o). A fé é sem-
acabará logicamente na realidade. Sua crítica da “ lin- pre necessária. Já que 0 significado absoluto é impos-
guagem particular” , pensamento esotérico desligado sível, a indecisão é inevitável. Vivemos sempre entre a
da experiência humana, é perspicaz. certeza absoluta e a dúvida absoluta, entre 0 ceticis-
No entanto, 0 desconstrutivismo de Derrida está mo e 0 dogmatismo. Logo, a fé sempre é necessária.
sujeito a sérias críticas.
Sua expressão difícil (altamente metafórica) é obs- Fontes
J. D e r r i d a , L im ited Inc.
cura e contraditória. Isso obscurece sua teoria, gera
____, Da g ram atolog ia.
má interpretação e dificulta a avaliação. Sua visão con-
____, A voz e 0 fen ô m en o .
tém afirmações contraditórias, tais como: “A história
____, Escritura e a diferença.
da filosofia está fechada” . Ou: “A metafísica chegou ao R. W. D a s e n b o o c k , org., R edraw in g the lines.
fim” . Ele não consegue deixar de usar filosofia e S. E v a n s , Christian perspectives on religious
metafísica em tais afirmações. Sua dúvida quanto à know ledge.
possibilidade real de sabermos alguma coisa é con- L u n d in , The culture o f interpretation.
traditória. Como ele pode saber isso a não ser que sai- J. F. L y o t a r d , O p ó s-m od ern o .
ba algo? Que tipo de status epistemológico devemos G. B. M a d is o n , W orking through D errida.
dar a suas afirmações? Se fossem verdadeiras, seriam C. N o r r i s , D errida.

falsas. Se são apenas protestos poéticos, não destroem


0 significado objetivo ou a metafísica. Descartes, René. Vida e ob ra s d e D esca rtes. 0 teísta
Até sua negação da lógica na retórica é altamente pro- francês René Descartes nasceu em 1596 e morreu em
blemática,senão contraditória. A própria linguagem que 1650 depois de ministrar uma aula matinal de filosofia
251 Descartes, René

à rainha Cristina da Suécia. Foi chamado à filosofia Um argum ento cosmológico (prova a posteriori). 0
pormeio de um sonho no dia lOde novembro de 1619. raciocínio de Descartes procedeu desta maneira: 1) se
Foi um grande matemático e aprendeu filosofia com duvido, então sou imperfeito (pois careço de conheci-
os jesuítas. Suas principais obras são Princípios da fi- mento); 2 ) mas, se sei que sou imperfeito, devo co-
losofia (1641) e D iscurso sobre 0 m étodo (1637). nhecer 0 perfeito (senão não teria como saber que não
Seu m étodo filosófico. Descartes buscou um pon- sou perfeito); 3) mas 0 conhecimento do perfeito não
to arquimediano do qual pudesse começar seu racio- pode surgir de mim, já que sou imperfeito (uma men-
cínio. A o contrário de A g o stin h o (v .), que passou por te imperfeita não pode ser a fonte [base] de uma idéia
um período de dúvida real, Descartes nunca foi céti- perfeita); 4) logo, deve haver uma Mente perfeita que
co. Usou a dúvida como ponto de partida universal e é a fonte dessa idéia perfeita. Essa abordagem era di-
metódico para sua filosofia. ferente, e talvez única. Descartes teve de provar que
A firm ação do método. 0 método de Descartes era Deus existia antes de ter certeza de que 0 mundo exis-
simples e universal. Ele propôs reter a dúvida apenas tia!
do que é indubitável. Em resumo, duvida de tudo de O argum ento ontológico (prova a p rio ri). Como
que seja consistentemente possível duvidar. Anselm o antes dele, Descartes acreditava que 0 argu-
Aplicação do método. Ao aplicar seu método, Des- mento o n to ló g ico para a existência de Deus era válido.
cartes descobriu que podia duvidar: 1 ) de seus senti- Sua forma para ele era esta: 1) é logicamente necessá-
dos — já que às vezes enganam (por exemplo, um ga- rio afirmar sobre um conceito 0 que é essencial à sua
lho na água parece torto); 2 ) de que estava acordado natureza (por exemplo, um triângulo deve ter três la-
— já que às vezes poderia estar sonhando que estava dos); 2 ) mas a existência é logicamente necessária à
acordado; 3) que 2 + 3 = 5 — já que sua memória natureza de um Ser necessário (i.e., Ser); 3) logo, é
poderia deixar de lembrar os números; 4) que há um logicamente necessário afirmar que um Ser necessá-
mundo externo — já que um demônio maligno po- rio realmente existe.
deria enganá-lo. Mas, com toda sua dúvida, havia uma Houve várias reações ao argumento ontológico de
coisa que Descartes considerava impossível duvidar, Descartes. Mas ele 0 defendeu firmemente, reafirman-
isto é, de que estava duvidando. do-o nesta forma para evitar críticas: 1 ) a existência de
Da d úvida à existência. Descartes encontrou seu Deus não pode ser concebida apenas como possível, e
ponto de partida universal na dúvida. Ele argumen- não real (pois assim ele não seria um Ser necessário);
tou da dúvida em direção ao pensamento e daí à exis- 2) podemos conceber a existência de Deus (ela não é
tência. Foi de dubito a cogito a sum (de “duvido” a “pen- contraditória); 3) logo, a existência de Deus deve ser con-
so” a “sou” ). cebida como mais que possível (isto é, como real).
Descartes raciocinou assim: “A única coisa de que Uma objeção a seu argumento, a que ele nunca res-
não posso duvidar é que estou duvidando. Mas, se es- pondeu, foi a de Pierre Gassendi, que insistia em que
tou duvidando, então estou pensando (pois dúvida é Descartes não provara que a existência de Deus não é
uma forma de pensamento). E, se estou pensando, sou logicamente impossível. Portanto, não provara que é
algo pensante (pois só mentes podem pensar)” . logicamente necessária. Gottfried Leibniz argumentou
Nesse ponto, Descartes supõe que há uma diferença mais tarde que a existência é um atributo e, como tal,
entre uma coisa pensante e uma coisa extensa. Minha é uma qualidade simples e irredutível que não pode
mente é uma coisa pensante — e não posso duvidar de entrar em conflito com outras. Então, Deus pode ter
sua existência. Meu corpo e 0 mundo são coisas exten- todos os atributos, inclusive a existência. Mas depois
sas — e posso duvidar da sua existência. Então, mesmo Immanuel K a n t criticaria essa teoria, insistindo em
sendo um teísta, ele não conseguia raciocinar direta- que a existência não é um atributo.
mente em direção a Deus a partir do mundo externo, O teste da verdade de Descartes. Descartes era
como A ris tó te le s , Tomás de Aquino, Gottfried Leibniz e racionalista, no que foi seguido por Baruch Espinosa e
muitos outros teístas (v. cosmológico, argum ento). Gottfried Leibniz. Como tal, acreditava que a verdade
A existência de Deus pode ser provada. No en- se encontrava no âmbito das idéias.
tanto, Descartes encontrou uma maneira indireta de Idéias claras e distintas. Para Descartes, a verda-
demonstrar a existência de Deus envolvendo 0 mun- deira idéia era clara e distinta. Apenas idéias claras e
do exterior. Começaria com seu ponto de partida distintas são verdadeiras (não as misturadas), a sa-
indubitável — a sua própria existência — e racioci- ber, as idéias consideradas auto-evidentes pela intui-
naria a partir daí em direção a Deus e depois de Deus ção racional. Ou aquelas que são (geometricamente)
ao mundo externo. dedutíveis de idéias auto-evidentes.
Descartes, René 252

Quatro regras de pensam ento válido. No seu Dis- tou que a verdade sobre a realidade pode ser conhecida pela
curso sobre 0 método, Descartes estabeleceu quatro re- mente. Além disso, defendeu que a certeza poderia ser
gras para determinar uma idéia verdadeira. Primei- alcançada no nosso conhecimento. O ceticismo pode-
ramente, a regra da certeza afirma que apenas idéias ria ser evitado. Na verdade, ele é contraditório.
indubitavelmente certas (claras e distintas) devem ser A verdade é racional. Descartes abraçou os primeiros
consideradas verdadeiras. Segundo, a regra da divisão princípios do conhecimento, tais como a lei da não-con-
afirma que todos os problemas devem ser reduzidos tradição. Ele os usou na compreensão do mundo. Acredi-
às suas partes mais simples. Terceiro, segundo a regra tava que sem eles a realidade não poderia ser conhecida.
da ordem, 0 raciocínio deve proceder do simples ao A verdade é discutível. Não somente a verdade é
complexo. Finalmente, a regra da enumeração diz que cognoscível e racional, mas também pode apresentar ar-
é preciso revisar e reavaliar cada passo no argumento. gumentos racionais, como os argumentos a favor da exis-
A fonte dos erros. Toda epístemologia deve explicar tência de Deus. Essa visão é útil para a apologética cristã,
erros, principalmente uma epistomologia como a de principalmente para a apologética clássica.
Descartes, que exalta a certeza. A resposta de Descartes D im ensões negativas. Nem tudo em que Descartes
foi que erros surgem no julgamento (na vontade), não acreditava é útil para 0 apologista cristão. Na verdade,
no pensamento. Pois erramos quando julgamos estar algumas coisas provaram ser destrutivas para 0 cris-
correto 0 que não sabemos estar correto. tianismo ortodoxo.
A prova da existência de um m undo externo 0 argum ento ontológico inválido. A maioria dos
proveniente de Deus. O próprio método cartesiano apologistas cristãos não concorda com a defesa
de dúvida sistemática levantou a questão da existên- cartesiana do argumento ontológico. A maioria dos
cia de um mundo externo em questão — pelo menos pensadores argumenta que ele envolve uma transição
por meio dos sentidos apenas. Portanto, era necessá- ilegítima entre 0 pensamento e a realidade.
rio para ele argumentar a favor da existência do mun- Seu ponto de pa rtida insuficiente. Um problema
do de maneira mais indireta. Ele fez isso da seguinte mais sério é 0 ponto de partida de Descartes. Por que
maneira: 1 ) Recebo uma sucessão forte e contínua de duvidar do que é óbvio, isto é, que se tem um corpo e
idéias sobre um mundo, que não estão sob 0 meu con- que há outros corpos à sua volta? Por que duvidar de
trole (logo, não posso estar errado a seu respeito); 2 ) tudo que é duvidável? Por que não duvidar apenas do
assim, ou Deus está fazendo com que acredite nelas que é necessário duvidar ou do que não se tem razão
falsamente ou há um mundo real externo que as cau- para acreditar? Ou, em outras palavras, pode-se duvi-
sa; 3) mas Deus não me enganará (nem permitirá que dar de que 0 ponto de partida de Descartes, a dúvida,
seja enganado) no que estou percebendo clara e dis- seja a melhor maneira de abordar 0 mundo.
tintamente, já que é perfeito (e 0 engano é um sinal de Seu ponto de partida não é realista. Descartes come-
imperfeição); 4) logo, é verdadeiro que há um mundo çou sua filosofia no pensamento (pensamento
externo; 5) já que 0 mesmo argumento se aplica ao indubitável) e depois passou para a realidade. Racioci-
meu corpo, é verdade que tenho um corpo. nou:“Penso, logo existo” .Na realidade, porém: “Sou,logo
Avaliação das visões de Descartes. Descartes é existo” . Ele colocou a carroça à frente dos bois!
em parte bênção, em parte problema para 0 teísmo cris- Quando se começa no âmbito do pensamento se-
tão. Por um lado, é um teísta racional que oferece ar- parado da realidade, não se pode sair legitimamente
gumentos a favor da existência de Deus. Por outro lado, do pensamento puro. Tal é 0 destino de qualquer
sua forma de dualismo racionalista é um fator negati- racionalismo ou idealismo que não comece com a exis-
vo significante que apóia visões contrárias ao teísmo tência (v. re alism o ).
bíblico. Dualismo intransponível entre mente e corpo. A for-
A lgum as características positivas. Do lado bom, ma específica de racionalismo de Descartes estabele-
Descartes pode ser louvado por várias coisas. Entre ceu um dualismo intransponível entre a mente e 0 cor-
elas, muitas têm valor apologético. po. Na verdade, eles são definidos de tal maneira que
A verdade é objetiva. Para começar, Descartes de- são logicamente separados. A mente é definida como
fendeu a objetividade da verdade (v. verdade, natu reza uma coisa pensante e não-extensa, e a matéria como
da). Ela não é subjetiva ou mística. Pelo contrário, é uma coisa extensa e não-pensante. Então, por definição
comum a todas as mentes racionais. “os dois jamais se encontrarão” . Ao fazer isso, Descar-
A verdade é cognoscível. Ao contrário do agnosticismo, tes ficou vulnerável à crítica da defesa do homem como
Descartes afirmou que a verdade é cognoscível. Ao contrá- “um espírito numa máquina” . O dualismo cartesiano
rio de Immanuel K a n t ou David Hume, Descartes argumen­ tem implicações sérias para a visão da natureza dos
253 determinismo

seres humanos, assim como para a da natureza das Es- impressão que era a base do seu futuro ministério [...] Tal
crituras. Pois ele não só nega a unidade da natureza hu- revivificação só poderia ter diminuído a impressão que lhes
mana, mas também estabelece uma dicotomia na na- dera na vida e na morte e, no máximo, só lhes teria dado uma
tureza entre 0 material e 0 espiritual que apóia grande voz elegíaca, mas jamais poderia ter transformado sua triste-
parte da crítica negativa da Bíblia (v. B íb lia , c rític a da; za em entusiasmo, sua reverência em adoraçãofv.l; p.412].
B íb lia , evidências da; B íb lia , supostos erros na).
Outros problem as. Descartes foi criticado por mui- Fontes
tas outras coisas — 0 espaço não permite entrar em W . C r a iü , Knowing the truth about the resurrection.
detalhes. Como aconteceu também com Baruch G. H a b e rm a s, The resurrection o f Jesus: an apologetic.
Espinosa, sua forma geométrica de deducionismo era H. E. G. Pai‫׳‬lus, The life o f Jesus.
questionável. Descartes não justifica 0 uso que faz do D. Strauss, Λ new life of Jesus.
princípio da causalidade. E não prova que uma mente
imperfeita não pode ser a causa de uma idéia perfeita. determinismo. Determinismo é a crença de que to-
Ele não dá 0 valor devido ao papel da experiência na dos os eventos, inclusive escolhas humanas (v. liv re -
busca da verdade. Seu padrão de julgamento da ver- a r b ít r io ), são determinados ou causados por outro. Os
dade não é claro. Esse padrão não pode aplicar-se a defensores dessa visão acreditam que escolhas huma-
conceitos, já que apenas julgamentos são verdadeiros. nas são 0 resultado de causas antecedentes, que por
E não pode aplicar-se a julgamentos, já que Descartes sua vez foram causadas por causas anteriores.
admite que alguns deles são falsos. Finalmente, sua Tipos d e d e te rm in is m o . Há dois tipos básicos de
visão é reduzida a solipsismo mental (a saber, eu sei determinismo: naturalista e teísta. Deterministas na-
apenas enquanto estou pensando — agora — , e não turalistas incluem 0 psicólogo comportamental B. F.
quando não estou pensando). Skinner, autor de Beyond freed o m an d dignity [Além
da liberdade e dignidade] e Beyond behaviorism [Além
Fontes do behaviorism o]. Ateu (v. ateísm o), Skinner escreveu
J. C o l l i n s , God and m odem philosophy. que todo comportamento humano é determinado por
R. D e s c a r t e s , Princípios da filosofia. fatores genéticos e comportamentais. Nessa teoria, hu-
___ , Discurso sobre 0 método manos são como um pincel nas mãos de um artista,
E. G il s o n , The unity o f philosophical evidence. apesar de em sua opinião 0 “artista” ser uma mistura
de manipulação societária e acaso. O ser humano está
desconstrutivismo. v. D e rrid a , Jacques. à mercê dessas forças, simplesmente como instrumen-
to por meio do qual elas se expressam.
desmaio, teoria do. A teoria do desm aio é a teoria A versão teísta dessa visão insiste em que Deus é a
naturalista (v. n a tu ra lism o ) de que Cristo não estava causa final que determina todas as ações humanas.
morto quando foi tirado da cruz e colocado no túmulo. B o n da ge o f the will [A escravidão da vo ntade ], de
Portanto, não ressuscitou dos mortos (v. re ssu rre ição , Martinho L u te ro , e Freedom o f the will [Liberdade da
evidências da). Ela foi proposta por H. E. G. Paulus em vontade ], de Jonathan Ed w a rd s, são exemplos desse
The life o f Jesus [A vida de Jesus], (1 8 2 8 ). determinismo teísta. Trata-se da visão defendida por
Essa teoria tem sérias falhas como explicação al- todos os calvinistas ferrenhos.
ternativa da ressurreição (v. re s s u rre iç ã o , te o ria s a l- A rgu m en to s a fa v o r do d eterm in ism o . O argumen-
t e rn ã tiv a s d a ), já que há forte evidência de que Jesus to da possibilidade alternativa. Todo comportamento hu-
sofreu a morte física real na cruz (v. C ris to , m orte de), mano é não causado, autocausado ou causado por ou-
e centenas de testemunhas 0 viram num corpo tra coisa. Mas 0 comportamento humano não pode ser
ressurreto totalmente inteiro e transformado (v. res- não causado, já que nada acontece sem uma causa. Além
s u rre iç ã o , evidências d a ). Até mesmo a obra natura- disso, ações humanas não podem ser autocausadas, pois
lista A new life o f Jesus [U m a nova vida de Jesu s} nenhuma ação pode causar a si mesma. Para isso, teria
(1879), de David Strauss, refutou a teoria do desmaio: que ser anterior a si mesma, 0 que é impossível. A única
alternativa restante, então, é que todo comportamento
É impossível que um ser que tivesse saído às escondi- humano é causado por algo externo a ele.
das, quase morto, de uma sepultura, que tivesse se arrasta- O argum ento da natureza da causalidade. Edwards
do fraco e doente, necessitando de tratamento médico, al- argumentou com base na natureza da causalidade. Ele
guém que precisava de curativos, fortalecimento e cuidado raciocinou que, já que 0 princípio da causalidade (v.
e que finalmente entregou-se a seus sofrimentos, pudesse CAUSALIDADE, PRINCÍPIO DAJ PRIM EIROS PRIN CÍPIO S) e x i g e q u e
ter dado aos discípulos a impressão de que era um Vence- todas as ações sejam causadas, então é irracional afir-
dor sobre a morte e a sepultura, 0 Príncipe da Vida, uma mar que coisas surgem sem uma causa. Mas para
determinismo 254

Edwards uma ação autocausada é impossível, já que a Deus seja a causa de todas essas ações. A ação
causa é anterior ao efeito, e algo não pode ser anterior autocausada não é impossível, já que a pessoa é ante-
a si mesmo. Portanto, no final das contas, todas as ações rior às suas ações. Portanto, nem todas as ações preci-
são causadas pela Primeira Causa (Deus). “ Livre-ar- sam ser atribuídas à Primeira Causa (Deus). Algumas
bítrio” para Edwards é fazer 0 que se quer, mas Deus ações podem ser causadas por seres humanos a quem
dá os desejos ou afeições que controlam a ação. Logo, Deus deu liberdade moral. Livre-arbítrio não é, como
todas as ações humanas são determinadas por Deus. Edwards afirma, fazer 0 que se quer (com Deus dando
O argum ento da soberania. Se Deus é soberano, os desejos). Mas é fazer 0 que se decide. E nem sempre
então todas as ações devem ser determinadas por ele fazemos 0 que desejamos, como é 0 caso em que 0 de-
(v. Deus, natu reza de). Se Deus controla tudo, então ele ver é colocado antes do desejo. Logo, não podemos con-
deve ser a causa de tudo. Senão, não controlaria tudo. cluir que todas as ações são determinadas por Deus.
O argum ento da onisciência. Alguns deterministas Resposta ao argum ento da soberania. Não é preci-
argumentam com base na onisciência de Deus. Pois, so rejeitar 0 controle soberano de Deus sobre 0 uni-
se Deus sabe tudo, então tudo que ele sabe deve acon- verso para acreditar que 0 determinismo está errado.
tecer conforme sua vontade. Se não fosse assim, Deus Pois Deus tem 0 controle pela sua onisciência, assim
estaria errado sobre 0 que soubesse. Mas a Mente onis- como por seu poder causai. Como 0 próximo ponto
ciente não poder estar errada sobre 0 que sabe. revela, Deus pode controlar eventos ao desejar, segun-
U m a resposta ao d e te rm in is m o teísta. Os não- do seu conhecimento onisciente, 0 que acontecerá pelo
deterministas, principalmente os autodeterministas (v. livre-arbítrio. Deus não precisa criar (ou causar) a es-
liv r e - a r b ít r io ), rejeitam as premissas dos argumentos
colha do homem. Apenas ter a certeza de que uma pes-
deterministas. É importante distinguir duas formas de soa fará algo livremente é suficiente para Deus con-
determinismo, rígido e moderado. O determinismo re- trolar 0 mundo.
jeitado aqui é 0 determinismo rígido: Resposta ao argum ento da onisciência. É verdade
que tudo que Deus sabe deve acontecer segundo sua
Determinismo rígido Determinismo vontade. Senão, Deus estaria errado quanto ao que
moderado soubesse, pois a Mente onisciente não pode estar er-
Ação é causada por Ação não é causada rada sobre 0 que sabe. Mas isso não significa que to-
Deus. por Deus. dos os eventos são determinados (i.e., causados por
Deus é a única causa. Deus é a causa primá- Deus). Deus poderia simplesmente determinar que
ria; seres humanos são fôssemos seres autodeterminantes no sentido moral.
a causa secundária. O fato de ele saber com certeza 0 que as criaturas li-
O livre-arbítrio humano O livre-arbítrio huma- vres farão com sua liberdade é suficiente para que 0
total é eliminado. no é compatível com a evento seja determinado. Mas 0 fato de Deus não as
soberania. forçar a escolher é suficiente para estabelecer que as
ações livres humanas não são determinadas (causa-
O determinismo moderado às vezes é chamado
das) por outra pessoa. Deus determinou o fa to da li-
compatibilism o,]á que é “compatível” com 0 livre-ar-
berdade humana, mas as criaturas livres executam as
bítrio (autodeterminismo). Apenas 0 determinismo rí-
ações da liberdade humana.
gido é incompatível com 0 livre-arbítrio ou a causali-
Pontos fracos do determ inism o. O determ inism o é
dade secundária do agente humano livre.
c o n tra d itó rio . O determ inista insiste em que
Resposta ao argum ento da possibilidade alternati-
va. Todo comportamento humano é não causado,
deterministas e não-deterministas estão determina-
autocausado ou causado por outra coisa. Mas 0 com- dos a acreditar no que acreditam. Mas os determi-
portamento humano pode ser autocausado, já que não nistas acreditam que os autodeterministas estão er-
há nada contraditório sobre uma ação autocausada rados e devem mudar de opinião. Contudo, “devem
(como há sobre um ser autocausado). Pois uma ação mudar” implica que eles estão livres para mudar, 0 que
não precisa ser anterior a si mesma para ser causada é contrário ao determinismo.
por si própria. Apenas 0 ser (eu) precisa ser anterior à O determinismo é irracional. C. S. Lewis argumen-
ação. Uma ação autocausada é apenas causada por mim tou que 0 determinismo naturalista e completo é irra-
mesmo. E eu mesmo sou anterior às minhas ações. cional (v. Lewis). Para 0 determinismo ser verdadeiro,
Resposta ao argum ento da natureza da causalida- seria necessária uma base racional para seu pensamen-
de. Jonathan Edwards argumentou corretamente que to. Mas, se 0 determinismo é verdadeiro, não há base
todas as ações são causadas, mas isso não significa que racional para 0 pensamento, já que tudo é determinado
255 Deus, evidências de

por forças não racionais. Portanto, se 0 determinismo providência. Deus ordena que elas sucedam, necessá-
afirma ser verdadeiro, então deve ser falso. ria, livre ou contingentemente, conform e a natureza das
0 determ inism o destrói a responsabilidade hum a- causas secundárias” (5.2, grifo do autor).
na. Se Deus é a causa de todas as ações humanas, en-
tão os seres humanos não são moralmente responsá- Fontes
veis. A pessoa só é responsável por uma escolha se A g o s t in h o , Sobre 0 livre-arbítrio.
houve livre-arbítrio para fazer ou deixar de fazê-la. J. E d u a r d s , Freedom o f the will.
Toda responsabilidade implica a habilidade de respon- J. F l e t c h e r , Checks to antinomianism.
der, ou por si mesmo ou pela graça de Deus. Dever D. H u m e, The letters o f David Hume.
implica poder. Mas, se Deus causou a ação, então não M. L l t e r o , Bondage o f the will.

poderíamos evitá-la. Logo, não somos responsáveis. ___ , On grace and fre e will.

0 determ inism o anula 0 elogio e a culpa. Da mes- B. F. S k i n n e r , Beyond behaviorism.

ma forma, se Deus causa todas as ações humanas, não ___ , Beyond freedom and dignity.

faz sentido louvar os seres humanos por fazerem 0 T o m a s d e A q u in o , Summa theologica.

bem, nem culpá-los por fazerem 0 mal. Pois, se os co-


rajosos não tivessem outra escolha além de demons- Deus, argumento m oral de. V. m o ra l de Deus, argu-
M EM O .
trar coragem, por que recompensá-la? Se os maus não
tivessem escolha além de cometer seus crimes, por que
puni-los? Recompensas e castigos por comportamen- Deus, coerência de. V. D eus, objeções As provas de;
PANENTEÍSMO.
to moral só fazem sentido se as ações não foram cau-
sadas por outro.
Deus, discussão sobre. V. a n a lo g ia , princípio da.
Determinismo leva ao fatalismo. Se tudo é determi-
nado além do nosso controle, por que fazer 0 bem e evi-
Deus, evidências de. Os argumentos mais conheci-
tar 0 mal? Na verdade, se 0 determinismo estiver corre-
dos para a existência de Deus são 0 a rg u m e n to
to, 0 mal é inevitável. 0 determinismo destrói a própria
cosmológico, o argum ento te le o ló g ic o , o argum ento mo-
motivação de fazer 0 bem e esquivar-se do mal.
ra le 0 argum ento o n to ló g ico . Respectivamente, esses
D eterm inism o não é bíblico. Os oponentes teístas
são os argumentos da criação (gr. cosmos, “universo,
do determinismo oferecem várias objeções a partir das
mundo”),fin alid ade (gr. telos,“finalidade, propósito” )
Escrituras. Definir livre-arbítrio como “fazer 0 que se
e da idéia de um ser perfeito (gr. ontos,“realidade, exis-
quer” é contrário à realidade. Pois as pessoas nem sem-
tência” ). Além deles, 0 argumento axiológico, 0 argu-
pre fazem 0 que querem, nem desejam sempre fazer 0
mento antropológico e 0 argumento da experiência
que fazem (cf. Rm 7.15,16).
religiosa geralmente são usados. O argumento
Se Deus deve conceder 0 desejo antes de a pessoa
axiológico (gr. axios, “valor” ) é baseado nosjulgamen-
poder executar uma ação, então Deus deve ter dado a
tos de valor. Está intimamente ligado ao argumento
Lúcifer 0 desejo de se rebelar contra ele. Mas isso é
moral, 0 argumento que parte de uma lei moral para
impossível, pois nesse caso Deus daria um desejo con-
um Legislador Moral.
tra Deus. Deus estaria contra si mesmo, 0 que é im-
O argum ento cosmológico. Existe um universo,
possível. em vez de nenhum, que deve ter sido causado por algo
Os deterministas teístas como Edwards têm uma além de si mesmo. A lei da causalidade (v. causalidade,
visão falha e mecanicista da personalidade humana. princípio da) diz que todo ser finito é causado por algo
Ele equipara 0 livre-arbítrio humano a balanças que além de si mesmo.
precisam de mais pressão de fora para pender. Seres Há duas formas básicas para esse argumento. A pri-
humanos, entretanto, não são máquinas; são pessoas meira diz que 0 cosmo ou universo precisou de uma
feitas à imagem de Deus (Gn 1.27). causa no seu princípio‫׳‬ , a segunda argumenta que ele
Edwards pressupõe equivocadamente que autode- precisa de uma causa para continuar existindo.
terminismo é contrário à soberania de Deus. Pois Deus Uma causa no princípio. O argumento de que 0
poderia ter predeterminado as coisas de acordo com universo teve um princípio causado por algo além do
0 livre-arbítrio, não em contradição a ele. Até a Con- universo pode ser afirmado desta maneira:
fissão de f é de Westminster, q u e é calvinista, declara:
“ Posto que, em relação à presciência e ao decreto de 1 . O universo teve um princípio.
Deus, que é a causa primária, todas as coisas aconte- 2. Qualquer coisa que teve um princípio deve ter
cem imutável e infalivelmente, contudo, pela mesma sido causada por outra coisa.
Deus, evidências de 256

3. Logo, 0 universo foi causado por outra coisa Portanto, 0 mundo é um evento finito e precisa de uma
(um Criador). causa para seu princípio. 0 argumento pode ser resu-
mido:
Evidência científica. Evidências científicas e filo-
sóficas podem ser usadas para apoiar esse argumen- 1. Um número infinito de momentos não pode
to. De acordo com a segunda lei da termodinâmica, ser percorrido.
num sistema isolado e fechado como 0 universo, a 2. Se um número infinito de momentos tivesse
quantidade de energia utilizável está diminuindo. 0 de transcorrer antes do presente, então 0 pre-
universo está se desgastando, logo não pode ser eter- sente jamais teria vindo.
no. Caso contrário, teria esgotado sua energia utilizá- 3. Mas 0 presente veio.
vel há muito tempo. Deixadas à própria sorte, sem in- 4. Logo, um número infinito de momentos não
tervenção inteligente externa, as coisas tendem à de- transcorreu antes do presente (i.e., 0 universo
sordem. Já que 0 universo ainda não atingiu 0 estado teve um princípio).
5. Mas tudo que tem um princípio é causado por
de desordem total, esse processo não está acontecen-
outra coisa.
do eternamente.
6. Logo, deve haver uma Causa (Criador) do uni-
Outra série de evidências vem da bem aceita
verso.
cosmologia do big-bang. De acordo com essa teoria, 0
universo surgiu com uma explosão aproximadamente 15
Uma causa agora. A versão anterior do argumento
ou 20 bilhões de anos atrás. A evidência oferecida para
cosmológico foi denominada “argumento horizontal” ,
isso inclui: 1) 0 efeito de Doppler, observado na luz das
já que argumenta de forma linear de volta a um prin-
estrelas à medida que se afastam; 2 ) 0 eco da radiação
cípio. Esse argumento também é conhecido como ar-
vinda do espaço, que tem 0 mesmo comprimento de onda
gumento cosmológico kalam. Foi formulado por filó-
que seria emitido por uma explosão cósmica gigantesca;
sofos árabes da Idade Média e empregado por
3) a descoberta de uma massa de energia que seria espe- Boaventura (1217-1274). 0 filósofo contemporâneo
rada de uma explosão. William Craig publicou várias obras sobre ele. Um pro-
O agnóstico Robert Jastrow, fundador-diretor do Ins- blema com 0 argumento é que ele afirma que houve
tituto Goddard de Estudos Espaciais da nasa, disse: um Criador apenas no princípio do universo. Não mos-
tra a necessidade contínua de um Criador. Essa é a
Pode existir uma explicação, lógica para 0 nascimento questão da forma vertical do argumento cosmológico.
explosivo do nosso universo; mas, se existe, a ciência não O proponente mais famoso desse argumento foi To-
pode descobrir essa explicação. A busca do cientista pelo más d e A q u in o (1225-1274).
passado termina no momento da criação. Algo nos mantém em existência agora para não
desaparecermos. Algo não só causou 0 surgimento do
Mas se 0 universo foi criado, então é razoável con- mundo (Gn 1.1), mas também causa a continuação da
cluir que houve um Criador. Pois tudo que tem início sua existência (v. Cl 1.17). 0 mundo precisa de uma
tem um Iniciador. causa originadora e de uma causa conservadora. Esse
Evidência filosófica. O tempo não pode voltar no argumento responde à pergunta básica: “Por que existe
passado eternamente, pois é impossível passar por um algo (agora) ao invés de nada?” . Resumidamente, ele
número infinito e real de momentos. Um número teo- pode ser afirmado desta maneira:
ricamente infinito de pontos sem dimensão existe en-
tre meu polegar e meu dedo indicador, mas não posso 1. Todas as partes do universo são dependentes.
colocar um número infinito de folhas de papel entre 2. Se todas as partes são dependentes, então 0 uni-
eles, não importa quão finas sejam. Cada momento que verso inteiro também deve ser dependente.
passa gasta tempo real que nunca mais podemos vi- 3. Logo, 0 universo inteiro é dependente em sua
ver. Se você passasse seu dedo por um número infini- existência de algum Ser Independente agora.
to de livros numa biblioteca, jamais chegaria ao últi-
mo livro. É impossível terminar uma série infinita de Os críticos respondem que a segunda premissa é
coisas reais. a falha da composição. Só porque todas as peças de
Assim, 0 tempo deve ter um princípio. Se 0 mundo um mosaico são quadradas não significa que 0 mo-
não tivesse princípio, não poderíamos ter chegado ao saico inteiro seja quadrado. E juntar dois triângulos
presente. Mas, se chegamos, 0 tempo deve ter começa- não forma necessariamente outro triângulo; forma
do em determinado momento e continuado até hoje. um quadrado. 0 todo pode ter (e às vezes tem) uma
257 Deus, evidências de

característica não possuída pelas partes. A defesa especificidade. Uma célula viva, no entanto, tem
responde que às vezes há uma ligação necessária especificidade e complexidade. Esse tipo de complexi-
entre as partes e 0 todo. Se todas as partes de um dade nunca é produzida por leis puramente naturais. É
piso são de carvalho, 0 piso inteiro é de carvalho. E, sempre 0 resultado de um ser inteligente. É 0 mesmo
apesar de dois triângulos juntos não formarem neces- tipo de complexidade encontrada na linguagem huma-
sariamente outro triângulo, formarão necessariamente na. A seqüência de letras no alfabeto genético de quatro
outra figura geométrica. Ser uma figura geométrica letras também é idêntica à de uma linguagem escrita. E
faz parte da natureza de um triângulo, assim como ser a quantidade de informação complexa num simples ani-
dependente faz parte da natureza de tudo no univer- mal unicelular é maior que a informação encontrada
so. Um ser dependente não pode sustentar outro ser num dicionário Aurélio.
dependente. 0 astrônomo agnóstico Carl Sagan inadvertida-
Alguns críticos argumentam que 0 todo é maior que mente deu um exemplo ainda maior. Ele declarou que
as partes, assim, apesar de as partes serem dependen- a informação genética no cérebro humano expressa
tes, 0 universo inteiro não é. Mas isso não funciona no em bits é provavelmente comparável ao número total
caso do universo. Se as partes contingentes, que juntas de conexões entre os neurônios — cerca de 100
compõem 0 universo, sumirem, 0 universo some. Evi- trilhões, 1014 bits. Se escrita em inglês, por exemplo,
dentemente 0 universo inteiro é dependente. essa informação encheria uns 20 milhões de volumes,
O a r g u m e n t o teleológico. Existem muitas formas tantos quantos se encontram nas maiores bibliotecas
para 0 argumento teleológico, a mais famosa deriva- do mundo. O equivalente a 20 milhões de livros está
da da analogia do relojoeiro de William P a le y . Já que dentro da cabeça de cada um de nós. “ O cérebro é um
todo relógio tem um relojoeiro, e já que 0 universo é lugar muito grande num espaço bem pequeno” , disse
extremamente mais complexo no seu funcionamento Sagan. Ele declarou tembém que “a neuroquímica do
do que um relógio, conclui-se que deve haver um Cri- cérebro é incrivelmente ativa, 0 circuito elétrico de uma
ador do universo. Resumidamente, 0 argumento máquina mais maravilhosa que qualquer outra inven-
teleológico raciocina a partir de um projeto em dire- tada por seres humanos” . Mas, se esse é 0 caso, então
ção a um Projetista inteligente. por que 0 cérebro humano não precisa de um Criador
inteligente, assim como 0 computador mais simples?
1. Todos os projetos implicam um projetista O a r g u m e n t o onto lógico. O argumento onto- ló-
2. Há muito planejamento envolvido no projeto gico parte da idéia de um Ser Perfeito ou Necessário
do universo. para a existência de tal Ser. Pelo que se sabe, 0 primei-
3. Logo, deve haver um Grande Projetista do uni- ro filósofo a desenvolver 0 argumento ontológico (ape-
verso. sar de não ser 0 primeiro a dar-lhe esse nome) foi
A nselm o ( 1033-1109). Na forma mais simples, 0 argu-
Toda vez que vemos um objeto complexo, sabemos mento é construído a partir da idéia de Deus para a
por experiência prévia que ele veio da mente de um pro- existência de Deus. Há duas formas para esse argu-
jetista. Os relógios implicam relojoeiros; prédios impli- mento: a idéia de um Ser Perfeito e a da idéia de um
cam arquitetos; pinturas implicam artistas; e mensa- Ser Necessário.
gens codificadas implicam uma fonte inteligente. O Ser Perfeito. Segundo essa afirmação, a simples
Além disso, quanto maior 0 projeto, maior 0 pro- idéia de Deus como ser absolutamente perfeito exige
jetista. Os castores fazem represas com toras, mas ja- que ele exista. Resumidamente:
mais construíram algo parecido com a ponte Golden
Gate. M il macacos datilografando por milhões de anos 1. Deus é por definição um ser absolutamente
jamais produziriam H am let por acaso. Shakespeare perfeito.
não 0 escreveu na primeira tentativa. Quanto mais 2. ,Mas a existência é uma perfeição.
complexo 0 projeto, maior a, inteligência necessária 3. Logo, Deus deve existir.
para produzi-lo.
É importante lembrar que por "projeto complexo” Se Deus não existisse, ele careceria de uma perfei-
quero dizer com p lex id ad e específica. Um cristal, por cão, a saber, a existência. Mas se Deus não tivesse al-
exemplo, tem especificidade, mas não complexidade. guma perfeição, não poderia ser absolutamente per-
Tal como um floco de neve, ele tem os mesmos pa- feito. Mas Deus é p o r d efin ição um ser absolutamente
drões básicos repetidos vez após vez. Polímeros alea- perfeito. Portanto, um ser absolutamente perfeito
tórios, por outro lado, têm complexidade, mas não (Deus) deve existir.
Deus, evidências de 258

Desde a época de Immanuel K a n t (1724-1804), a A primeira premissa é auto-evidente. As leis mo-


maioria das pessoas concorda que essa forma de ar- rais são diferentes das leis naturais. As leis morais não
gumento é inválida porque a existência não é a perfei- descrevem 0 que é, prescrevem 0 que deveria ser. Elas
ção. Argumenta-se que a existência não acrescenta não podem ser conhecidas a partir do que as pessoas
nada ao conceito de uma coisa: apenas dá uma ins- fazem. São 0 que todas as pessoas deveriam fazer, quer
tância concreta dela. A moeda na minha mente pode façam quer não.
ter exatamente as mesmas propriedades da que está O peso do argumento está na segunda premissa —
no meu bolso. Mas há uma segunda forma do argu- há uma lei moral objetiva. Isto é, há uma lei moral que
mento ontológico que não está sujeita a essa crítica. não é apenas prescrita por nós, mas também para nós.
O S er Necessário. Anselmo argumentou que 0 pró- Os seres humanos realmente prescrevem 0 comporta-
prio conceito de um Ser Necessário exige sua exis- mento adequado para outros humanos. A questão é se
tência: há evidência de que uma prescrição universal e objeti-
va compreende todos os seres humanos. A evidência
1. Se Deus existe, devemos imaginá-lo como um para tal lei é forte. Está subentendida nos nossos julga-
Ser Necessário. mentos do tipo: “O mundo está piorando” . Como sabe-
2. Mas, por definição, um Ser Necessário não ríamos, a não ser que houvesse algum padrão além do
pode não existir. mundo pelo qual pudéssemos medi-lo? Afirmações
3. Logo, se um Ser Necessário pode existir; então como “Hitler estava errado” não têm força se essa é ape-
deve existir. nas uma opinião ou se os julgamentos morais de Hitíer
estavam certos ou errados dependendo das normas cul-
Já que não há contradição na idéia de um Ser Ne- turais. Se ele estava objetivamente errado, então deve
haver uma lei moral além de todos nós pela qual estamos
cessário, parece correto concluir que ele deve existir.
todos presos. Mas se existe tal lei moral objetiva e uni-
Pois a própria idéia de um Ser Necessário exige sua
versai, então deve haver um Legislador Moral (Deus).
existência. Pois, se ele não existisse, não seria uma exis-
O a r g u m e n t o d a n e c es sid a d e religiosa. Muitas
tência necessária.
pessoas afirmam que não precisam de Deus. Sigmund
Os críticos desse argumento mostram um proble-
F re u d até considerou que 0 desejo de acreditar em Deus
ma, pois é 0 mesmo que dizer: “Se há triângulos, eles
é uma ilusão. O desejo de Deus está baseado na reali-
devem ter três lados” . Mas 0 argumento nunca passa
dade ou nos desejos inatingíveis dos seres humanos?
do “se” inicial. Isso não prova a questão que afirma
A base para a crença em Deus é puramente psicológi-
responder. Apenas supõe, mas não prova, a existência
ca ou é factual? Não importa se os humanos sentem
de um Ser Necessário. Apenas diz que, se um Ser Ne-
necessidade dele, há boa evidência da existência de
cessário existe — e isso está aberto a questionamento
Deus. Mas 0 anseio por Deus existe, não como desejo
— , ele deve existir necessariamente, já que essa é a
psicológico, mas como verdadeira necessidade existen-
única maneira pela qual um Ser Necessário pode exis-
ciai. Essa necessidade em si é uma evidência da exis-
tir, se é que existe.
tência de Deus.
O argumento ontológico não pode provar a exis-
Resumidamente, 0 argumento da suposta neces-
tência de Deus, mas pode provar certas coisas sobre
sidade de Deus para sua existência é assim:
sua natureza. Por exemplo, Deus deve existir necessa-
riamente, se é que existe. Ele não pode deixar de exis- 1. Os seres humanos precisam de Deus.
tir ou existir contingentemente. 2. Aquilo de que os humanos realmente precisam
O a r g u m e n t o d a lei m oral. As raízes do argumen-
provavelmente existe.
to moral de Deus são encontradas em Romanos 2 .1 2 - 3. Logo, Deus realmente existe.
15, que diz que a humanidade é indesculpável por cau-
sa das “exigências da lei [...] gravadas em seu cora- Para esse argumento ter a oportunidade de ser
ção” . Desde a época de Kant esse argumento foi citado comprovado, a segunda premissa deve ser diferencia-
de várias formas. A mais popular emana de C. S. Lew is da da afirmação de que tudo de que se precisa será
em Cristianismo puro e simples. O coração do argumen- encontrado. É possível precisar realmente de água e
to segue esta estrutura básica: morrer de desidratação. Mas isso é bem diferente de
argumentar que a pessoa realmente precisa de água e
1. Leis morais implicam um Legislador Moral. não existe água em lugar nenhum.
2. Há uma lei moral objetiva. Pareceria irracional acreditar que há necessida-
3. Logo, há um Legislador Moral. des reais no universo que são impossíveis de suprir.
259 Deus, evidências de

Há muitos desejos impossíveis de suprir, mas supor ou quatro páscoas seguidas. Gostava da solidão e da natureza,
que há necessidades impossíveis de suprir é supor um e tinha uma paixão por flores silvestres: mas quando a santi-
universo irracional. Da mesma forma, seria razoável dade está no ar, como na Páscoa, então ela pode expandir-se
supor que, se os seres humanos realmente precisam livremente (p. 70).
de Deus, provavelmente há um Deus, ainda que nin-
guém 0 tivesse encontrado. Assim como acontece com Friedrich S c h le ie rm a c h e r definiu a religião como 0
outras necessidades não supridas na vida, pode ser que sentimento de dependência absoluta do Todo
alguns procurem no lugar errado ou de forma errada (Schleiermacher, p. 39). E, apesar de Freud não querer
(v. Pv 14.12). chamar esse sentimento de religioso, ele admite sentir
Isso nos leva ao ponto crucial do problema: Os se- tal dependência. Paul T i l l i c h definiu religião como 0
res humanos têm necessidade real de Deus, ou isso é compromisso supremo (Tillich, p. 7,8,30). Nesse sen-
apenas um desejo? Se há uma necessidade real, então tido da palavra religião, a maioria dos humanistas têm
porque nem todos a sentem? Por exemplo, a maioria um compromisso com 0 humanismo. O 11 Manifesto
dos ateus afirma que não há necessidade real de Deus. humanista diz: “O compromisso com toda a humani-
Até os ateus precisam de Deus. A literatura religio- dade é 0 maior compromisso de que somos capazes”
sa está cheia de testemunhos de crentes que confes- (Kurtz, p. 23). Este é, usando a expressão de Tillich,
um “compromisso supremo” . John D ew ey definiu 0 re-
sam que realmente precisam de Deus. O salmista es-
ligioso como qualquer ideal perseguido com grande
creveu: “Como a corça anseia por águas correntes, a
convicção por causa do valor geral e duradouro. Nesse
minha alma anseia por Ti, ó Deus” (SI 42.1). Jeremias
sentido, 0 humanismo certamente envolve uma expe-
29.13 declara: “ Vocês me procurarão e me acharão
riência religiosa.
quando me procurarem de todo 0 coração” . Jesus en-
Erich Fromm estava até disposto a usar a palavra
sinou: “Nem só de pão viverá 0 homem, mas de toda
Deus para 0 sentimento de compromisso supremo com
palavra que procede da boca de Deus” (M t 4.4). A gos-
toda a humanidade. E, apesar de querer desassociar-
T1NH0 resumiu isso muito bem quando disse que 0 co-
se do que chamava crenças “autoritárias” , admitiu que
ração do homem fica inquieto até encontrar seu des-
suas crenças humanistas eram religiosas. Sentia que
canso em Deus.
sua devoção à humanidade como um todo era uma
O que geralmente não é valorizado pelos incrédulos
devoção religiosa. O objeto humanista dessa devoção
é 0 fato de que a necessidade de Deus não é limitada às ele chamou “Deus” (Fromm, p. 49,54,87). O existen-
pessoas ignorantes e conformadas. Algumas das maio- cialista judeu Martin B u b e r disse que a palavra Deus é
res mentes, inclusive os fundadores da maioria das áre- a mais forte no nosso vocabulário, mas insistiu que,
as da ciência moderna, confessaram sua necessidade. ao amar outras pessoas, a pessoa já cumpriu as obri-
Não é de admirar que essa lista inclua os teólogos Agos- gações religiosas pessoais (Buber, Eu e tu, p. 55).
tinho, Anselmo e Tomás de Aquino. Mas também inclui Até os humanistas ateus (v. h u m a n ism o s e c u la r ) que
Galileo Galilei, Nicolau Copérnico, William Kelvin, Isaac negam ter qualquer experiência religiosa geralmente
Newton, Francis Bacon, Blaise P a s c a l , René Descartes, admitem que uma vez a tiveram no passado. Jean-Paul
Gottfried L e ib n iz , John L o ck e e Soren K ie r k e g a a r d . É qua- S a r t r e fala de experiências na infância. Escreveu:
se impossível afirmar que a deficiência intelectual os
tenha levado a sentir necessidade de Deus. No entanto, eu acreditava. De pijama, ajoelhado ao lado da
Lidando com os sentimentos. Mas, se Deus é neces- cama, com minha mãos juntas, fazia minhas orações todos os
sidade de todos, por que nem todos refletem essa ne- dias, mas pensava em Deus cada vez menos” (Sartre, p. 102).
cessidade? Por incrível que pareça, há evidência de que
refletem. Veja, por exemplo, 0 testemunho de ateus e Bertrand Russell admitiu ter acreditado em Deus,
agnósticos nos seus momentos mais sinceros. Julian assim como Friedrich N ie t z s c h e .
H uxley, por exemplo, admitiu sinceramente um tipo ,4 religião secular. Quer passadas quer presentes as
de encontro religioso: experiências de devoção a Deus, ao “ Todo” ou à hu-
manidade, muitos humanistas admitem algum tipo de
Num domingo de Páscoa, cedo de manhã,levantei-me ao experiência que seria denominada “ religiosa” . E, ape-
amanhecer, antes de todos, saí, corri para meu bosque favori- sar do / Manifesto humanista exigir 0 abandono da
to, entrei onde sabia que havia cerejas silvestres, e ali, no orva- crença em qualquer forma de vida extraterrestre (v.
lho da primavera, peguei uma grande quantidade daquelas Kurtz, p. 14-16), muitos humanistas ateus insistem em
delícias, que trouxe, com uma sensação de que fosse uma oíer- que não renegaram a religião por causa disso. Na verda-
ta aceitável, de volta à casa. Lembro-me de ter feito isso três de, 0 impulso religioso é tão grande, até nos humanistas,
Deus, evidências de 260

que August Comte estabeleceu uma seita humanista e secular “não evoca uma resposta da pessoa inteira,
nomeou-se sumo sacerdote. No sentido em que a pa- intelecto, vontade e emoção” . Além disso os
lavra religioso é definida atualmente por dicionários, humanistas “carecem de originalidade ao fazer afír-
filósofos, teólogos e pelos próprios humanistas, 0 mações positivas sobre a vida do homem e facilmente
humanismo é uma religião. caem nas trivialidades” (Kitwood, p. 48).
Devido a uma interessante série de eventos, a Su- Outra fraqueza do humanismo pode ser a de que
prema Corte dos Estados Unidos reconheceu 0 ele não leva em conta a natureza humana. Alguns
humanismo secular como religião. O julgamento do humanistas refletiram uma ingenuidade incrível com
caso E stados Unidos vs. K auten (1943) permitiu isen- relação à vida. John Stuart M i l l escreveu que seu pai
ção de convocação militar com base na objeção cons- “achava que tudo seria ganho se toda a população
ciente, mesmo se a pessoa não acreditasse numa di- aprendesse a ler” (ibid., p. 50). Até Russell pensava
vindade. O Segundo Tribunal afirmou: que “se pudéssemos aprender a amar nosso próxi-
mo 0 mundo logo se tornaria um paraíso para nós
[A objeção consciente] pode ser justamente considera- todos” (ib id .). Finalm ente, Kitwood acusa os
da uma resposta do indivíduo a um mentor interior, que humanistas de serem “um corpo aristocrático e como
pode ser denominada consciência ou Deus, que é para mui- tal isolado das mais terríveis realidades da vida”
tas pessoas atualmente 0 equivalente do que sempre foi con- (ibid., p. 51). Uma conclusão surge claramente: 0
siderado um impulso religioso (Whitehead, p. 10). humanismo secular prova não ser suficiente para as
realidades psicológicas da vida. W illiam J a m e s
Em 1965,0 Supremo Tribunal no caso Estados Uni- enfatizou no seu tratamento clássico da experiência
religiosa que aqueles que colocaram em chamas este
dos vs. Seeger decidiu que qualquer crença é válida se
mundo foram eles mesmos, inflamados por outro
for “sincera e significativa [e que ela] ocupe um lugar
mundo. São os santos, não os secularistas. Acredita-
na vida de seu possuidor paralela à posição preenchi-
vam num mundo sobrenatural, que 0 humanismo
da pela crença ortodoxa em Deus” (ibid., 14). Depois
secular nega (James, p. 290).
de consultar 0 teólogo Tillich, a Suprema Corte defi-
Apesar de os humanistas seculares geralmente con-
niu religião como a crença “baseada num poder ou ser
fessarem ter experiências místicas e religiosas, negam
ou numa fé, aos quais tudo mais está subordinado ou
que elas envolvam um Deus pessoal. Mas isso é inade-
sobre os quais tudo mais é dependente no final” (ibid.).
quado, primeiro porque sua experiência é estranhamen-
Num artigo bastante revelador na revista Humanist
te pessoal para não ter um objeto pessoal. Falam de“le-
M agazine (1964), várias fraquezas foram demonstra-
aldade” ,“devoção” e “amor” como valores básicos. Mas
das com relação a isso. No artigo “ What’s wrong with
esses são termos que fazem sentido adequado somente
hum anism ?” [“0 que há de errado com 0
quando existe um objeto pessoal. Quem, por exemplo,
humanismo?” ] é feita a acusação de que 0 movimen-
pode apatxonar-se pelo teorema de Pitágoras? Ou quem
to é intelectual demais e quase “removido cirúrgica-
seria religiosamente motivado pela exortação: “Prepa-
mente da vida” .Para alcançar as massas com sua men-
ra-te para conhecer teu e = m c2?” .Como Elton Tr u e b lo o d
sagem, o escritor sugere que seja feito um esforço para
observou com perspicácia:
desenvolver uma Bíblia humanista, um hinário
humanista, dez mandamentos para humanistas e até A alegria e maravilha que os homens sentem na busca
práticas confessionais (testemunhos)! Além disso da verdade, inclusive a qualidade do sentimento dos cien-
tistas que se consideram materialistas, é 0 mesmo tipo de
0 uso das técnicas hipnóticas — música e outros meca- sentimento que temos quando há comunicação real entre duas
nismos psicológicos — durante os cultos humanistas daria mentesfinitas (Trueblood,p. 115).
à audiência aquela experiência espiritual profunda e eles sai-
riam revigorados e inspirados por sua fé humanista (citado Só um objeto pessoal pode realmente satisfazer a
em Kitwood, p. 49). devoção pessoal. Talvez seja isso que cause a falta de
uma experiência religiosa satisfatória entre os
É raro os humanistas falarem tão abertamente so- humanistas. Huxley disse que sua experiência religio-
bre as falhas psicológicas de seu sistema e a necessi- sa ficou cada vez mais fraca com 0 passar dos anos.
dade de tomar de empréstimo práticas cristãs para Escreveu:
corrigi-las.
Fraquezas na religião humanista. T. M. Kitwood resu- Eu estava acostumado, desde a idade de 15 ou 16 anos, a
miu as deficiências quando observou que 0 humanismo ter tais momentos naturalmente [...] Mas agora [...] eram
261 Deus, evidências de

concedidos em quantidade decrescente, e (apesar de ocasi-


onalmente com grande intensidade) mais transitoriamente Seguro diante de mim as imagens de Dante e Espinosa,
(Huxley, p. 77). que foram mais capazes de aceitar 0 destino da solidão [...]
e no final, para todos os que de alguma forma ainda tinham
Sartre confessou que suas experiências religiosas um “ Deus” como companhia [...] Minha vida agora consiste
cessaram quando dispensou Deus de sua vida. Disse: no meu desejo de que fosse diferente [...] e de que alguém
pudesse fazer minhas “verdades” parecerem inacreditáveis
Tive muito mais dificuldade para me livrar dele, pois para mim (Nietzsche, p. 441).
havia se instalado no meu subconsciente [...] Prendi oEspí-
rito Santo no porão e 0 lancei fora; 0 ateísmo é um caso de Sartre admitiu sua necessidade pessoal de religião,
amor cruel e duradouro; acredito que 0 levei às últimas con- dizendo: “ Preciso de Deus” . Acrescentou: “ Busquei
seqüências (Sartre,p.252-3). minha religião, ansiei por ela, pois era 0 remédio. Se
me tivesse sido negada, eu mesmo a inventaria” (Sartre,
A confissão de Sartre acerca da dificuldade e até da p. 97,102). 0 ateu francês Albert Cam us acrescentou:
crueldade da vida sem Deus não deveria surpreender “Nada pode desencorajar 0 apetite pela divindade no
alguém que realmente entende a pessoa humana. A sa- coração do homem” (O rebelde,p. 147). Freud minou a
tisfação origina-se no pessoal. Os seres humanos se sa- base da realidade de Deus, mas admitiu que ele tam-
tisfazem com 0 que Buber chamou de experiência “ Eu- bém tinha uma sensação schleiermachiana de depen-
Tu” , não com a experiência “eu-isto” . Isto é, as pessoas dência absoluta. Admitiu que tinha “um senso da in-
se satisfazem melhor com pessoas (sujeitos), não com significância e impotência do homem diante do uni-
coisas (objetos). Logo, não é estranho que uma experi- verso” (Freud, p. 57). Freud também admitiu que esse
ência religiosa não seja totalmente satisfeita com algo senso de dependência absoluta é inevitável e não pode
menos que um objeto pessoal. ser vencido pela ciência.
Tillich reconheceu que nem todo compromisso A mesma necessidade do divino é dramatizada em
absoluto era feito com algo absoluto. Na verdade, acre- Esperando Godot, de Samuel Beckett, peça teatral com
ditava que ser absolutamente comprometido com 0 um título que lembra a frase de Martin Heidegger,
que é menos que absoluto é idolatria (v. Tillich, p. 57). “waiting for God” (“esperando por Deus” ). Os roman-
Buber demonstrou que ídolos podem ser mentais tanto ces de Franz Kafka expressam a futilidade das tentati-
quanto metais (Buber, Eclipse de Deus, p. 62). Combi- vas solitárias e persistentes de encontrar algum ser cós-
nando esses dois discernimentos dos próprios pensa- mico. Walter Kaufmann chega ao ponto de confessar
dores, podemos observar que, quando os humanistas
fazem de algum ideal ou objetivo finito 0 objeto do seu A religião está baseada na aspiração do homem de trans-
compromisso religioso, são idólatras. cender a si mesmo [...] Quer adore ídolos quer procure aper-
Os humanistas reconhecem que a vida humana feiçoar-se, 0 homem é 0 primata intoxicado por Deus
é mortal. A raça pode ser aniquilada ou extinta. (Kaufmann, p. 354-5,399).
Então por que os humanistas tratam a humanida-
de como se fosse eterna? Por que um compromisso Outros incrédulos como Julian H u x l e y também as-
resoluto com aquilo que está mudando e até pere- sumiram uma atitude positiva com relação a necessi-
cendo, produto de um processo evolutivo cego? Não dades religiosas aparentemente incuráveis. Huxley fa-
é 0 cúmulo da arrogância humanista que a huma- lou da
nidade se dote de divindade (v. Geisler, cap. 15)?
Essa devoção ilim itada que os humanistas dão à possibilidade de desfrutar de experiências de arrebata-
humanidade é devida apenas ao Infinito. A única mento transcendental, físico ou místico, estético ou religio-
coisa digna de compromisso absoluto é 0 Absoluto. so [...] de alcançar harmonia e paz interior, que coloca 0 ho-
A necessidade confessada pelo ateu. Uma das indi- mem acima das preocupações e dos cuidados do dia-a-dia
cações mais fortes de que os seres humanos precisam (citado em Kitwood, p. 38).
de Deus é encontrada no próprio homem que nega a
necessidade de Deus. As necessidades confessas de 0 que é isso além de outra descrição da busca de
humanistas ateus são testemunho eloqüente dessa um Deus?
afirmação. Se a necessidade de Deus é tão enraizada, até nos
Nietzsche lamentou sua solidão intolerável com- humanistas, por que tantos parecem capazes de vi-
parada a outros poetas que acreditavam em Deus. Es- ver sem Deus? Alguns sugeriram que 0 incrédulo é
creveu: incoerente nesse ponto. A filosofia ateísta (v. ateísm o)
Deus, evidências de 262

de John Cage 0 levou ao suicídio quando tentava vi- 0 a rg u m e n to d a a legria . C. S. Lewis desenvolveu
ver de maneira puramente aleatória. Jackson Pollock, um argumento baseado na alegria ou na antecipação
no entanto, decidiu ser incoerente e viver. Seu passa- do prazer celestial. Esse argumento foi afirmado por
tempo era colher cogumelos de forma aleatória, como Lewis em Cristianismo pu ro e simples, 0 problem a do
era sua visão do mundo e ele sabiamente decidiu não sofrim ento e Surpreendido p ela alegria. Foi defendido por
procurar saber quais eram venenosos. Peter Kreeft em H an dbook o f Christian apologetics [Ma-
Numa entrevista franca com 0 jornal Chicago Sun nual de apologética cristã ] e The h ea rt’s deepest longing
Times, W ill Durant admitiu que 0 homem comum des- [0 m ais profu n do an seio d o coração],
moronará moralmente se acreditar que não há Deus. 0 argumento da alegria é assim: As criaturas não
Mas “um homem como eu” , disse Durant, “sobrevive nascem com desejos a não ser que a satisfação para
moralmente porque retenho 0 código moral que me esses desejos exista. Um bebê sente fome; a comida
ensinaram junto com a religião, apesar de eu ter des- pode satisfazê-lo. Um patinho quer nadar; a água su-
cartado a religião, que era 0 catolicismo romano” . pre sua necessidade. Homens e mulheres sentem de-
Durant continuou: sejo sexual; a relação sexual satisfaz esse desejo. Se sin-
to um desejo que nenhuma experiência nesse mundo
Você e eu vivemos à sombra de algo [...] porque estamos pode satisfazer, provavelmente fui feito para outro
usando 0 código ético cristão que nos foi ensinado fundido mundo. Se nenhum prazer terreno satisfaz a necessi-
com a fé cristã [...] Mas 0 que acontecerá com nossos filhos dade, isso não significa que 0 universo seja uma frau-
[...]? Não damos a eles a ética aquecida por uma fé religiosa. de. Provavelmente os prazeres terrenos não foram fei-
Eles estão vivendo à sombra de uma sombra (Durant, 1B:8). tos para satisfazê-la, mas para despertá-la (Lewis, Sur-
p re en d id o p e la a leg ria, p. 120).
É difícil viver à sombra de algo e pior ainda viver à A lógica d o argu m en to d a alegria. A lógica do ar-
sombra da sombra. Mas é exatamente aí que os gumento da alegria é colocada dessa maneira:
humanistas tentar viver sem Deus.
Geralmente a ética ou a estética se torna substitu- 1. Todo desejo natural inato tem um objeto real
ta de Deus, mas mesmo isso só satisfaz enquanto está que pode satisfazê-lo.
ligado a uma crença em Deus. Como Martin Marty 2. Os seres humanos têm um desejo natural, ina-
observou, 0 ateísmo to, pela IMORTALIDADE.
3. Logo, deve haver uma vida imortal após a
acontece e pode acontecer apenas onde a crença existe morte.
ou existia. [Isso] explica porque 0 ateísmo [...] é uma prova
em si, por causa de seu caráter invariavelmente polêmico Para defender a primeira premissa, argumenta-se
(Marty,p. 119-20). que, “se há fome, há comida; se sede, bebida; se eros,
sexo; se curiosidade, conhecimento; se solidão, socie-
Quem tenta subverter tudo — até as sombras es- dade” (Kreeft,H an d b ook, p. 250). A natureza se apres-
téticas e éticas, descobre com Camus que “para quem sa a preencher um vazio. A segunda premissa é apoia-
está sozinho, sem Deus e sem um mestre, 0 peso dos da por um apelo a um anseio misterioso que difere de
dias é terrível” (Camus, Λ q u ed a , p. 133). todos os outros de dois modos. Primeiro, seu objeto é
Sartre considerou 0 ateísmo “cruel” , Camus, indefinível e inatingível nesta vida. Segundo, a mera
“ terrível” , e Nietzsche, “enlouquecedor” . Os ateus presença desse desejo na alma é considerada mais pre-
que coerentemente tentam viver sem Deus tendem ciosa e agradável que qualquer outra satisfação. Por
a cometer suicídio ou a ficar loucos. Os que são in- mais inadequadamente que expressemos isso, 0 que
coerentes vivem à sombra ética ou estética da ver- desejamos é 0 paraíso, 0 céu ou a eternidade (ibid.).Até
dade cristã enquanto negam a realidade que fez a os ateus sentem esse desejo.
sombra. Mas crédulos e incrédulos evidenciam uma Se essas premissas são verdadeiras, então há “mais”
necessidade definitiva de Deus. Viktor Frankl, em que esta vida; há uma vida futura. O fato de reclamar-
The u n con sciou s G od [O D eus in c o n scie n te ], argu- mos deste mundo, da dor e da morte — mas nunca da
menta que “0 homem sempre esteve numa relação eternidade — revela um desejo arraigado por ela. Tal-
intencional para com a transcendência, mesmo que vez nunca a alcancemos, mas isso não anula sua exis-
apenas no nível inconsciente” . Nesse sentido, ele diz, tência, assim como ficar solteiro não prova que não haja
todos os homens procuram 0 “ Deus Inconsciente” alegria matrimonial e morrer de fome não prova que
(citado em Macdonald, p. 43). não exista comida (ibid.).
263 Deus, natureza de

Avaliação. Esse argumento não é logicamente in- J. H u x l e y , Religion without revelation.


contestável. Poucos, se tantos, argumentos são. Mas W. J a m e s , Varieties o f religious experiences.
tem uma certa força existencial que não pode ser ne- R . J a s t r o w , A s c ie n t is t c a u g h t b e t w e e n t w o fa ith s :

gada.Até grandes incrédulos admitiram um desejo por i n t e r v i e w w i t h R o b e r t Ja s tr o w 1, ct 6 A u g . 1982.

Deus. O famoso incrédulo Bertrand Russell admitiu ___ , God and the astronomers.
numa carta a Lady Otto: W . K a u fm a n n , Critique o f religion and philosophy.
T. M. K it w o o d , What is hum an?
Mesmo quando uma pessoa se sente muito próxima de P. K r e e f t , H andbook o f Christian apologetics.
outras pessoas, alguma coisa nela parece pertencer obsti- ___ , The heart’s deepest longing.
nadamente a Deus e recusa-se a entrar numa comunhão P. K u r t z , o rg . Humanist manifestos 1 a n d 11.
terrena — pelo menos é assim que eu deveria expressar isso, C. S. L e w i s , Cristianismo puro e simples.
se acreditasse que Deus existe. É estranho, não é? Importo- ___ Surpreendido pela alegria.
me profundamente com este mundo e com muitas coisas e ___ , Ο problem a do sofrimento.
pessoas nele, mas [...] para quê? Deve existir algo mais im- M . M acdonald , “ T h e r o o ts o f c o m m i t m e n t ” ct , 19

portante, alguém diria, apesar de eu não acreditar que exis- A u g . 1976.

ta {Autobiography, p. 125-6). M . M a rty , Varieties o f unbelief.


F. N ie t z s c h e , The portable Nietzsche.
É claro que é possível que 0 universo seja irracio- H . Ross, The fingerprint o f God.
nal, que esteja zombando de nossas necessidades bá- B . R u s s e ll, The autobiography o f Bertrand Russell.
sicas. Mas há algo na pessoa que se recusa a aceitar C. S a g a n , Cosmos.
isso. O desejo de felicidade pode ser desacreditado, mas A . S a n d a g e , “A s c i e n t i s t r e f l e c t o n r e l i g i o u s b e l i e f ” ,

é mais difícil de erradicar. Truth, 1985

C onclusão. Poucos teístas apoiariam sua defesa da J. P. S a r t r e , As palavras.


existência de Deus em um único argumento. Cada ar- F. S c h l e ie r m a c h e r , On religion: speeches to its cultu-
gumento parece demonstrar uma característica de ral despisers.
Deus junto com sua existência. Por exemplo, 0 argu- T o m a s d e A q u in o , Suma teológica.
mento cosmológico demonstra que Deus é infinita- P. T i l l i c h , Ultimate concern.
mente poderoso; 0 argumento teleológico revela que D. E . T r ueblo o d , Philosophy o f religion.
ele é inteligente; 0 argumento moral que ele é moral; S. W e in b e r g , Sonhos de uma teoria final: a busca das
e, se ele existe, 0 argumento ontológico demonstra que leis fundamentais da natureza.
é um Ser Necessário. J. W h it e h e a d , “ T h e e s t a b lis h m e n t o f th e r e lig io n o f

Alguns teístas oferecem outros argumentos para a s e c u la r h u m a n i s m a n d its f ir s t a m e n d m e n t

existência de Deus, tal como 0 argumento da necessi- i m p lic a t io n s ” , t t l r .

dade religiosa ou 0 argumento da experiência religio-


sa (v. experim ental, a p o lo g é tica ). A maioria dos não- Deus, natureza de. A teo lo g ia n a tu ra l lida com 0 que
teístas afirmam que não precisam de Deus, mas suas pode ser conhecido sobre a existência (v. c o sm o ló g ic o ,
obras e sua experiência traem sua posição. Mas, se há argumento; k a l a m , argumento cosmológico de) e natureza
uma necessidade real de Deus, é bem mais razoável de Deus por meio da razão natural (v. re ve la çã o g e r a l),
acreditar que haja um Deus real que pode realmente separada de qualquer revelação sobrenatural (v. reve-
suprir essa necessidade real. la ç ã o especial). De acordo com os teístas cristãos clássi-
cos (v.TEísM 0),t a is como Tomás de A quino (1225-1274),
Fontes todos os atributos metafísicos essenciais de Deus po-
A n s e l m o , Proslogio. dem ser conhecidos pela razão natural. Isso inclui a
M. B u b e r , Eclipse de Deus. asseidade, simplicidade, imutabilidade, eternidade,
____, Eu e Tu. imensidade, unidade, infinidade e moralidade de Deus.
A . C a m u s , A queda. A sseida de (a u to -ex istên cia ). A m aioria dos
____, O rebelde. teístas clássicos considera a asseidade ou existência
W. D u r a x t , Chicago Sun Times, 24 Aug. 1975. pura de Deus uma característica fundamental. Os pais
V. F r a n k l , The inconscious God. da igreja primitiva, assim como A g o stin h o (354-430),
E. F r o m m , Psicoanáhse e religião. A nselm o (1033-1109) e Aquino, continuamente citam
S. H a w k in g , Uma breve história do tempo. a Bíblia para apoiar essa posição. Ao defender a auto-
F. H o y l e , The intelligent universe. existência (asseidade) de Deus, os teístas clássicos tais
Deus, natureza de 264

como Aquino gostam de citar Êxodo 3.14, onde Deus não tem a possibilidade de não existir. Se não tem 0
se identifica para Moisés como “ Eu Sou 0 que Sou” . Eles potencial de não existir, então deve existir.
interpretavam isso como referência a Deus como Ser Isso não quer dizer que 0 argum ento onto lóg ico seja
Puro ou Existência Pura. válido. Aquino considerou e rejeitou essa prova da exis-
Deus é Realidade Pura, sem potencial em seu ser. tência de Deus proposta por Anselmo. Se Deus (i.e.,
Tudo que tem potencial (potência) precisa ser realiza- Realidade Pura) existe, então deve existir necessaria-
do ou causado por outro. E já que Deus é a Causa su- mente. Mas só porque posso defini-lo não quer dizer
prema, não há nada além dele que realize qualquer que ele exista. Aquino ofereceu seus famosos argumen-
potencial (i.e., habilidade) que ele possa ter. E Deus tos cosmológicos para a existência de Deus ( Sum a te-
não pode realizar seu próprio potencial de existir, já ológica, 1.2.3). E uma vez que sabemos, pela razão e
que isso significaria que ele causou sua própria exis- revelação, que Deus existe, podemos ter certeza de que
tência. Mas um ser autocausado é impossível, já que ele deve existir necessariamente. Tal ser não tem 0
não pode criar a si mesmo. Algo deve existir antes dele potencial de não existir.
para poder fazer algo. Nem mesmo Deus pode criar a Im u ta b ilid a d e. Na sua épica S u m a te o ló g ic a
si mesmo por seus próprios esforços ontológicos. En- ( la.9.1),Aquino oferece três argumentos básicos a fa-
tão, Deus deve ser Realidade Pura na sua Existência. vor da imutabilidade de Deus. 0 primeiro argumento
É claro que Deus tem 0 potencial de criar outras é transmitido no fato de um Deus de Realidade Pura
coisas. Mas não pode criar a si mesmo. Ele sempre exis- (sua qualidade “ Eu Sou” ) não ter potencial. Conclui-se
tiu. E, apesar de Deus ter 0 potencial de fa z e r outras então que Deus não pode mudar (Êx 3.14). Tudo que
coisas, ele não pode ser nada além do que é. Ele tem 0 muda tem que ter 0 potencial para mudar. Mas, como
poder de criar outras coisas (potência ativa), mas não Realidade pura, Deus não tem potencial, então não
tem 0 poder (potência passiva) de existir d e qualquer pode mudar.
outra maneira além daquela em que existe, isto é, como O segundo argumento para a imutabilidade de
um Ser infinito, eterno, necessário e simples. Deus resulta de sua simplicidade. Tudo que muda é
A asseidade de Deus significa que ele é Existência; composto do que muda e do que não muda. Deus não
tudo mais apenas tem existência. Deus é Realidade pode mudar porque um ser absolutamente simples
Pura; todas as outras coisas têm realidade e potencial. não tem composição. Se tudo sobre um ser mudasse,
Então Deus não pode não existir. Todas as criaturas então seria um ser completamente diferente. Na ver-
podem ser não existentes. Isto é, têm 0 potencial de dade, não seria mudança, mas aniquilamento de uma
inexistência. Só Deus é um Ser Necessário. Todos os coisa e criação de algo completamente novo. Mas se
outros seres são contingentes. em toda mudança num ser algo permanece igual e algo
Sim plicidade (indivisibilidade). Já que Deus não não, então ele deve ser composto desses dois elemen-
é composto em sua Existência, mas é Pura Existência, tos. Então um Ser absolutamente simples, sem com-
Pura Realidade sem potencial, conclui-se que é sim- posição, não pode mudar.
pies e indivisível. Um Ser que por natureza não é com- O terceiro argumento para a imutabilidade de Deus
posto não pode ser decomposto. Quem não tem par- origina-se em sua perfeição absoluta. Tudo que muda
tes não pode ser dividido. Logo, Deus tem simplicida- adquire algo novo. Mas Deus não pode adquirir algo
de absoluta sem a possibilidade de ser dividido. É lite- novo, já que não poderia ser melhor ou mais completo.
ralmente indivisível. Portanto, Deus não pode mudar. Se mudasse, não seria
Da mesma forma, um Deus de Realidade Pura sem Deus, pois teria carecido de alguma perfeição.
potencial não pode ser dividido. Pois, se fosse divisí- Aquino também argumenta que só Deus é imutá-
vel, teria de ter 0 potencial de ser dividido. Mas a Reali- vel ( Sum a teológica , la.9.2). Todas as criaturas exis-
dade Pura não tem nenhum potencial no seu Ser. Logo, tem só por causa da vontade do Criador. Seu poder as
deve ser absolutamente simples ou indivisível. trouxe à existência, e é seu poder que as mantém na
A indivisibilidade de Deus também resulta de sua existência. Portanto, se ele retirasse seu poder elas dei-
imutabilidade (v. a seguir). Pois se Deus pudesse ser xariam de existir. Tudo que pode deixar de existir não
dividido, poderia mudar. Mas Deus é imutável por é imutável. Portanto, só Deus é imutável; tudo mais
natureza. Então não pode ser dividido. Ele também é poderia deixar de existir.
absolutamente simples na sua natureza. Im pa ssibilida de (sem p aixões). Um atributo
Necessidade (incontingência). Deus é por natu- muito reconhecido de Deus que foi atacado recen-
reza um Ser absolutamente necessário. Isto é, ele não temente é a im p a ssib ilid a d e. Deus é impassível. A
pode não existir. Deus não é um Ser que pode existir, paixão implica desejo do que não se tem. Mas Deus,
mas um Ser que deve existir. Não é contingente, já que como Ser absolutamente perfeito, não carece de
265 Deus, natureza de

nada. Para carecer de algo ele precisaria ter um po- 0 tempo (a humanidade) dura com potência atua-
tencial para tê-lo. Mas Deus é Pura Realidade, sem lizada progressiva.
potencial nenhum. Portanto, Deus está completa e 0 segundo argumento a favor da eternidade de
infinitamente satisfeito com sua própria perfeição. Deus resulta, semelhantemente, da imutabilidade. Co-
Mas dizer que Deus é impassível no sentido de meça com a premissa de que tudo que é imutável não
não ter paixões ou desejos de satisfação não é dizer muda no estado de seu ser. Tudo que está no tempo
que ele não tem sentimentos. Deus fica irado com passa por uma sucessão de estados. Assim, tudo que é
0 pecado e se regozija com a justiça. Mas os senti- imutável não é temporal. Esse argumento enfatiza
mentos de Deus são im utáveis. Ele sempre, outro aspecto do tempo: tudo que é temporal tem es-
imutavelmente, sente 0 mesmo sentimento de ira tados sucessivos, um após 0 outro. Deus não os tem,
contra 0 pecado. Nunca deixa de regozijar-se com logo ele não é temporal.
a bondade e justiça. Portanto, Deus não tem pai- Imutabilidade total implica necessariamente eter-
xões mutáveis, mas tem sentimentos imutáveis. nidade (ibid., Ia. 10.2). Porque tudo que muda subs-
Eternidade (intem poralidade). Deus não é tem- tancialmente está no tempo e pode ser computado de
poral (Sum m a theologica , 1a. 10.1). Ele está além do tem- acordo com 0 antes e 0 depois. Tudo que não muda
po. Aquino oferece vários argumentos para apoiar essa não está no tempo, já que não tem estados diferentes
conclusão. O primeiro argumento é assim: pelos quais 0 antes e 0 depois possam ser computa-
dos. Nunca muda. Tudo que não muda não é tempo-
1. Tudo que existe no tempo pode ser computa- ral. Além de ser eterno, Deus é 0 único ser eterno (ibid.,
do de acordo com seu antes e depois. Ia .10.3), pois só ele é essencialmente imutável.
2. A existência imutável, como Deus é, não tem Aquino distingue a eternidade do tempo sem fim
(ibid., 1a. 10.4). Primeiro, tudo que é essencialmente
antes nem depois; é sempre a mesma.
3. Conseqüentemente, Deus deve ser intemporal. completo (eternidade) é essencialmente diferente do que
tem partes (tempo). A eternidade é 0 agora para sem-
pre; 0 tempo inclui passado, presente e futuro, agora e
O tempo é duração caracterizada por mudanças
antes. A implicação disso é que a eternidade de Deus
substanciais e acidentais. Uma mudança substancial
não é dividida; toda ela é presente para ele no seu agora
é uma mudança no que algo é. O fogo muda 0 que um
eterno. Deve, assim, ser essencialmente diferente do tem-
pedaço de madeira é. Uma mudança acidental é uma
po em momentos sucessivos.
mudança no que algo tem. Conhecimento crescente é
Segundo, 0 tempo sem fim é apenas um alonga-
uma mudança acidental num ser. Aquino vê três ní-
mento do tempo. Mas a eternidade estabelece diferen-
veis de existência em relação ao tempo e à eternidade:
ças qualitativamente. Ela difere essencialmente, não
apenas acidentalmente. A eternidade é um estado es-
1. Deus na eternidade é Pura Realidade, sem mu-
sencial, imutável de existência que transcende a reali-
dança essencial ou acidental.
dade de momento a momento sucessivo. O tempo
2. Anjos e santos que vivem no mundo espiritual
mede essa realidade, ou melhor, 0 palco em que a rea-
do céu vivem em e v ite rn id a d e (do latim
lidade transcorre.
a ev u m ‫“״‬$em fim” ).
Terceiro, um ser eterno não pode mudar, ao passo
3. Os seres humanos, compostos de alma e cor-
que 0 tempo envolve mudança. Por mudança podem
po, forma e matéria, vivem no tempo.
ser feitas as medidas do antes e do depois. Tudo que
pode ser computado de acordo com 0 antes e 0 depois
A eternidade (Deus) dura sem qualquer potência. não é eterno. O tempo sem fim pode ser computado
A eviternidade (anjos) dura com potência completa- conforme 0 antes e 0 depois. Logo, 0 tempo sem fim
mente realizada. Suas mudanças não são essenciais, não é 0 mesmo que eternidade. O eterno é imutável,
mas acidentais. Os seres espirituais na eviternidade mas 0 que pode ser computado pelo antes e depois
não mudam na essência, apesar de sofrerem mudan- mudou. Conclui-se então que 0 agora eterno não pode
ças acidentais. Os anjos crescem em conhecimento por viver em relação aos antes e depois infinitos.
infusão divina e têm mutabilidade com relação a es- Obviamente, Aquino viu uma diferença crucial en-
colha, inteligência, afeições e lugares (ibid., Ia .10.6). tre o“agora” do tempo e o“agora” da eternidade (ibid.).
Mas sem mudança substancial na eviternidade os an- O agora do tempo é móvel. O agora da eternidade não
jos são imutáveis no seu nível de graça e amor. O que é é mutável de forma alguma. O agora eterno é imutá-
verdadeiro sobre os anjos também é verdadeiro sobre vel, mas 0 agora do tempo está sempre mudando. Há
os eleitos no céu. apenas uma analogia entre 0 tempo e a eternidade;
Deus, natureza de 266

eles não podem ser os mesmos. O agora de Deus não poderia relacionar-se com um mundo mutável. Aquino
tem passado nem futuro; 0 agora do tempo tem. antecipou essa objeção e a tratou extensamente.
Alguns concluíram equivocadamente que Aquino Há três tipos de relações: uma em que ambos os
não acreditava na duração de Deus pela eternidade, termos são idéias; uma em que ambos os termos são
porque rejeitava a temporalidade em Deus. Aquino reais; e uma em que um termo é real e um é idéia (ibid.,
argumentou que a duração ocorre contanto que a rea- la.13.7).
lidade exista. Mas a eternidade, a eviternidade e 0 tem- Ora, já que as criaturas dependem de Deus mas
po duram de formas diferentes. Deus não é dependente delas, estão relacionadas como
Conclui-se, portanto, que a diferença essencial na reais para uma idéia. Isto é, Deus sa b e sobre 0 relacio-
qualidade da duração no tempo, na eviternidade e na namento de dependência, mas não 0 tem. Quando há
eternidade vem da condição da realidade. Deus é R ea- uma mudança na criatura, não há mudança em Deus.
lid a d e Pura. Os anjos têm recebido realid ad e total de Assim também quando 0 homem muda sua posição
Deus nas suas formas espirituais criadas. Os seres de um lado para outro de uma coluna: a coluna não
humanos receberam realid ad e progressivam ente na for- muda; apenas 0 homem muda em relação à coluna.
ma espiritual e no corpo material. Então, apesar de 0 relacionamento entre Deus e as cri-
Já que Deus dura sem potencialidade, não pode aturas ser real, Deus não depende de forma alguma
durar progressivamente. Dura de forma muito maior desse relacionamento.
— como Realidade Pura. Aquino só está negando os relacionamentos depen-
Im en sid a d e. Com a eternidade está 0 atributo da dentes, não todos os reais. Deus nunca muda quando
imensidade (extensão ilimitada). Deus não é limitado no se relaciona com 0 mundo, mas mudanças reais ocor-
tempo nem no espaço. Na imanência de Deus ele preen- rem nesse relacionamento com 0 mundo. A relação do
che 0 espaço, mas não é espacial. Apenas coisas materiais homem com a coluna realmente muda quando ele se
existem no espaço e no tempo, e Deus não é material. move, mas a coluna não muda.
“Deus é espírito” (Jo 4.24). Como ser espiritual, Deus não A relação real mas imutável de Deus com 0 mundo
é material nem espacial. Faz parte da transcendência de fica mais evidente quando Aquino considera como 0
Deus que ele esteja além do tempo e do espaço. Deus eterno se relaciona com 0 mundo temporal (ibid.,
U n id a d e. Os teístas clássicos ofereceram três ra- la.3.7, ad 2). Deus condescende em se relacionar com
zões para a unidade de Deus (ibid., Ia .11.3). O pri- os seres humanos, como se compartilhasse 0 tempo com
meiro argumento é baseado na simplicidade de Deus. eles. Ele pode criar uma relação temporal no tempo,
Um ser absolutamente simples não pode ser mais que apesar de 0 tempo não poder se mover na eternidade.
um, já que para ser mais que um deve haver partes; no Para ter um relacionamento com 0 mundo temporal,
entanto, seres simples não têm partes. Seres absoluta- Deus não precisa ser temporal. Faz tão pouco sentido
mente simples não são divisíveis. Portanto, Deus não dizer que Deus precisa ser temporal para se relacionar
pode ser mais que um ser. com um mundo temporal quanto dizer que ele tem de
A perfeição de Deus argumenta em favor de sua ser uma criatura para criar.
unidade. Se dois ou mais deuses existissem, teriam de Deus está realmente relacionado com as criaturas
ser diferentes. Para serem diferentes, um precisa ter 0 como seu Criador. Mas as criaturas estão realmente
que 0 outro não tem. Mas 0 ser absolutamente perfei- relacionadas com Deus apenas porque ele é seu Cria-
to não pode carecer de nada. Portanto, só pode existir dor. Elas são dependentes dessa ligação entre Criador
um ser absolutamente perfeito. A unidade de Deus e criatura; ele, não. Portanto a relação de Deus com
também pode ser inferida da unidade do mundo. O suas criaturas é real, e não apenas ideal. Trata-se, no
mundo é composto de várias coisas. Várias coisas não entanto, de um relacionamento real de dependência
se unem a não ser que sejam ordenadas. Mas 0 mun- por parte das criaturas, não de uma relação de depen-
do tem uma unidade ordenada. Portanto, deve haver dência por parte de Deus (ibid., la.13.7, ad 5).
um Ordenador do mundo. O c o n h e c im e n to d e D eu s. Deus con hece a si p ró -
Os teístas argumentam que a unidade essencial é prio. Se Deus é absolutamente simples, ele pode co-
explicada melhor por um Ordenador que por vários nhecer a si próprio? Todo conhecimento envolve um
ordenadores. Pois um é a causa essencial da unidade, conhecedor e um conhecido. Mas Deus não tem tal
mas muitos são apenas a causa acidental da unidade. dualidade. Aquino argumenta que no autoconheci-
Portanto, é razoável inferir que há apenas uma causa mento 0 conhecedor e 0 conhecido são idênticos. Logo,
para 0 mundo, não muitas. Deus só pode conhecer a si mesmo por meio de si mes-
R ela cio n a b ilid a d e (co m o m u n d o ). Uma crítica ao mo (ibid., Ia. 14.2). Já que Deus é simples, ele conhece a
teísmo clássico é que um Deus eterno e imutável não si próprio simplesmente.
267 Deus, natureza de

Deus também conhece a si mesmo perfeitamente. Portanto, todas as coisas preexistem no conhecimento
A coisa é conhecida perfeitamente quando seu poten- de Deus, não só com relação à sua existência, mas tam-
ciai de ser conhecido é completamente realizado e não bém com relação às suas essências individuais.
há potencial desatualizado em conhecer a si próprio. A base para 0 que Deus conhece é sua própria
Portanto, 0 autoconhecimento de Deus é completa- essência, porém a extensão do que ele conhece não é
mente realizado (ibid., 1a. 14.3). limitada a essa essência, mas alcança todas as coisas
O conhecimento de Deus é idêntico à sua essência. semelhantes a ela (ibid., Ia .15.2). 0 conhecimento
Pois se as ações de conhecimento de Deus fossem re- que Deus tem de todas as coisas em si mesmo não
almente distintas da sua essência, então estariam re- significa que ele só conheça outras coisas em geral, e
lacionadas, assim como a realidade e 0 potencial. Mas não especificamente. Pois 0 conhecimento de Deus
não pode haver potencialidade em Deus. Portanto, 0 se estende até os limites da causalidade. E a causali-
conhecimento e a essência de Deus são realmente idên- dade de Deus se estende a coisas singulares, já que
ticos (ibid., Ia. 14.4). Isso não significa que Deus não ele é a causa de cada coisa individual. Portanto, Deus
possa conhecer as coisas além de si mesmo. Pois Deus conhece as coisas singulares (ibid., la.14.11). Deus
é a causa eficaz de todas as coisas. tem conhecimento perfeito de tudo. E conhecer algo
Deus con hece e faz. Apesar de Deus conhecer ou- só em geral mas não especificamente é conhecimen-
tras coisas além de si mesmo, ele as conhece por meio to inadequado. Assim, Deus conhece tudo adequa-
de si mesmo. Pois Deus não conhece outras coisas por damente. Isto é, não conhece os raios dos círculos
meio de si mesmo sucessiva ou logicamente, mas si- apenas por conhecer 0 centro; ele conhece os raios
multânea e intuitivamente (ibid., la.14.7, ad 2). O co- assim como 0 centro.
nhecimento de Deus é perfeito porque ele não precisa Deus con h ece 0 m al. O conhecimento perfeito das
conhecer as coisas discursivamente mediante suas coisas deve incluir 0 conhecimento de tudo que pode
causas, mas as conhece direta e intuitivamente (ibid., ocorrer com elas. O mal pode ocorrer como
la.14.7 ad 3,4). Deus não só sabe todas as coisas pelo corrupção das coisas boas. Logo, Deus pode conhe-
seu conhecimento, mas também causa todas as coisas cer 0 mal (v. m a l, p ro b le m a d o ) . Mas as coisas são
pelo seu conhecimento. Deus causa todas as coisas pela cognoscíveis na maneira em que existem. O mal é
sua existência, mas a existência e 0 conhecimento de uma privação nas coisas boas. Portanto, Deus conhe-
Deus são idênticos (ibid., Ia. 14.8). Isso não quer dizer ce 0 mal como uma privação no bem (ibid., Ia. 14.10).
que a criação seja eterna porque ele é eterno. Pois Deus Deus conhece as coisas mutáveis. Já que Deus é imu-
causa todas as coisas como elas são em seu conheci- tável e seu conhecimento é idêntico à sua essência, ele
mento. Mas a idéia da criação ser eterna não estava no conhece 0 passado, presente e futuro no agora eterno.
conhecimento de Deus (ibid., Ia .14.8,ad 2). Portanto, quando 0 tempo muda, 0 conhecimento de
Um efeito preexiste na mente da causa eficaz. Logo, tudo Deus não muda, já que ele conhecia antecipadamente.
que existe deve preexistir em Deus, que é sua causa eficaz. Deus conhece mudança, mas não da m aneira que co-
Deus conhece todos os vários tipos de perfeição em si mes- nhecemos, em momentos sucessivos. Desde a eternida-
mo, assim como os que participam de sua semelhança. Logo, de Deus conhece a totalidade do antes e do depois do
Deus conhece perfeitamente tudo que existe, na medida em agora temporal da história humana (ibid., Ia. 14.15).
que tudo preexiste nele (ibid., Ia. 14.5). Deus conhece as mesmas coisas que nós, mas não
Deus conhece todas as criaturas idealm ente. Deus as conhece da mesma forma que nós as conhecemos.
conhece a própria essência perfeitamente. E conhecer Nosso conhecimento é discursivo, passando de pre-
sua essência perfeitamente implica conhecê-la confer- missas a conclusões. No conhecimento humano há
me todos os modos pelos quais possa ser conhecida, a discursos duplos: uma coisa é conhecida d ep ois da
saber, em si mesma e nas criaturas que participam dela. outra, e uma coisa é conhecida p o r m eio de outra. Mas
Mas toda criatura tem a própria forma, na qual é seme- Deus não pode conhecer as coisas seqüencialmente,
lhante a Deus. Conclui-se, então, que Deus conhece a já que é eterno e conhece todas as coisas eternamente
forma ou idéia de todas as criaturas como modelada à de uma só vez. E Deus não pode conhecer as coisas
sua semelhança. O conhecimento perfeito envolve a ca- logicamente, pois é simples e conhece todas as coisas
pacidade de distinguir uma coisa da outra. Isto e, ele por meio de sua singularidade. Portanto, Deus não pode
conhece não só 0 que as coisas têm em comum (esse) conhecer nada discursivamente (seqüencialmente, de tó-
mas como elas diferem (essentia). Portanto, Deus co- pico a tópico), visto que 0 conhecimento discursivo
nhece todas as coisas em sua essência individual. Mas implica uma limitação de considerar uma coisa de cada
todas as coisas preexistem no conhecimento de Deus. vez por parte do conhecedor (ibid., la.14.7).
Deus, natureza de 268

D eus conhece todas as possibilidades. Por conhecer vontade acompanha 0 intelecto. Além disso, toda na-
a si mesmo perfeitamente, Deus conhece perfeitamente tureza tende para 0 próprio bem ou fim adequado.
todas as maneiras diferentes em que suas perfeições Quando 0 fim é racional, a inclinação é a racional. Deus
podem ser compartilhadas pelos outros. Pois há na tem inclinação racional para 0 bem de sua própria na-
essência de Deus todo 0 conhecimento de todos os ti- tureza. Portanto, Deus tem vontade (ibid., Ia. 19.1).
pos possíveis de coisas que a sua vontade poderia rea- Ter vontade não significa que Deus mude. Pois 0
lizar. Logo, Deus conhece todas as coisas específicas objeto da vontade de Deus é sua bondade divina. E 0
que poderiam ser realizadas (ibid., Ia .14.6). que está na pessoa não precisa de mudança fora da
0 conhecim ento de Deus perm ite 0 livre-arbítrio. pessoa para alcançá-lo. Logo, Deus não precisa mo-
Reunindo essas linhas de pensamento sobre 0 conhe- ver-se fora de si mesmo para alcançar seu próprio fim.
cimento de Deus, vemos como a soberania de Deus Então, há vontade em Deus, visto que ele se inclina para
atua junto com 0 livre-arbítrio humano. O conheci- 0 seu próprio bem. A vontade também envolve amor e
mento de Deus não é simplesmente sobre 0 real; ele deleite no que é possuído. Deus ama a vontade e se
também conhece todos os tipos possíveis de potenci- deleita na possessão de sua própria natureza. Portan-
al. Conhece 0 que existe e 0 que poderia existir. Pois to, Deus tem vontade no sentido de deleite, mas não
Deus conhece tudo que existe de todas as maneiras no sentido de desejo (ibid.).
possíveis. Tanto 0 real quanto 0 potencial têm realida- A vontade de D eus causa a existência das coisas. Só
de. Apenas 0 impossível não tem realidade. Então, tudo porque Deus determina as coisas apenas em si mes-
que é potencial tem realidade. Conclui-se que Deus mo não significa que só determine a si mesmo. Pois
pode conhecer 0 que é potencial assim como 0 que é está de acordo com a natureza do ente comunicar seu
real (ibid., Ia. 14.9). bem para os outros. E Deus é 0 ente por excelência; ele
Isso significa que Deus pode conhecer contingen- é a fonte de toda existência. Logo, está de acordo com
tes futuros, isto é, coisas que são dependentes do li- a natureza de Deus determinar outros seres além de si
vre-arbítrio. Pois 0 futuro é 0 potencial que preexiste
mesmo (ibid., 1a. 19.2). Assim,Deus determina as coi-
em Deus. E Deus conhece tudo que existe em si mes-
sas além de si em si mesmo e por meio de si mesmo.
mo como a causa dessas coisas (ibid., Ia. 14.13). Já que
Deus não é outro além de si mesmo, mas pode deter-
Deus é um ser eterno, conhece todo 0 tempo no agora
minar coisas distintas de si em si mesmo. Pois vonta-
eterno. Mas 0 futuro é parte do tempo, portanto Deus
de implica relacionamento. Logo, apesar de Deus não
conhece 0 futuro, inclusive os atos livres realizados
ser outro além de si mesmo, ele determina coisas além
nele. É claro que tudo que Deus conhece é conhecido
de si mesmo (ibid., Ia.l9.2,ad 1).
infalivelmente, já que Deus não pode errar no seu co-
Deus não é movido por nada além de si mesmo
nhecimento. Os contingentes futuros são conhecidos
quando decide criar por meio de si mesmo (ibid.
infalivelmente. São contingentes com relação à sua
Ia. 19.2, ad 2). Mas, ao determinar coisas além de si
causa imediata (livre-arbítrio humano), mas neces-
mesmo, Deus não é movido por qualquer insuficiên-
sários com relação ao conhecimento de Deus. Deus
cia em si mesmo, e sim pela suficiência em si mesmo,
pode fazer isso sem eliminar 0 livre-arbítrio, pois 0
isto é, pela sua própria bondade. Portanto, determinar
ser onisciente pode saber tudo que não é impossível
outras coisas por meio de sua própria suficiência não
saber. E não é impossível 0 ser eterno conhecer 0 fim
denota nenhuma insuficiência em Deus (ibid., Ia. 19.2,
necessário causado por um meio contingente. Deus
ad 3). Assim como Deus conhece muitas coisas por
pode conhecer 0 que deve ser mediante 0 q ue p o d e ser,
mas não 0 que não p o de ser. meio da singularidade de sua essência, ele pode de-
Portanto, 0 ser onisciente conhece as ações futuras terminar muitas coisas por meio da singularidade
como eventos necessariamente verdadeiros. Se uma (bem) de sua vontade (ibid., Ia. 19.2, ad 4).
ação ocorrerá e Deus sabe disso, então aquele evento D eus deve d eterm in a r e p o d e determ inar. Deus de-

precisa ocorrer, pois a Mente onisciente não pode estar termina as coisas de duas maneiras. Algumas coisas
errada sobre 0 que conhece. Assim, a afirmação “Tudo — a própria bondade, por exemplo — ele deve de-
que é conhecido por Deus deve necessariamente ser” é terminar. Não pode escolher 0 contrário. Essas coi-
verdadeira caso se refira à afirmação da verdade do co- sas ele determina com necessidade absoluta. Outras
nhecimento de Deus, mas é falsa caso se refira à neces- coisas Deus determina com necessidade condicional
sidade dos eventos contingentes (ibid., Ia. 14.5). — a bondade das criaturas, por exemplo. Tudo que
A vo ntade d e D eus. Vontade pode ser definida como é determinado por necessidade condicional não é
a inclinação racional de um ser para seu próprio bem. absolutamente necessário. A criação é determinada
Tudo que tem intelecto também tem vontade, pois a por necessidade condicional.
269 Deus, natureza de

É claro que Deus determina outras coisas p o r causa E já que todas as coisas preexistem na Primeira Causa
da própria bondade, mas não obrigado p o r e la. Pois Deus (a vontade de Deus), não há causa para a vontade de
pode existir sem determinar outras coisas. Deus só pre- Deus (ibid., Ia .19.5).
cisa estabelecer sua própria bondade necessariamente A von tade d e Deus ja m a is p o d e falh a r. A vontade
e outras coisas contingentemente. Portanto, essas ou- de Deus é a causa universal de todas as coisas. Portan-
tras coisas não precisam ser determinadas com neces- to, a vontade de Deus é sempre cumprida. 0 que não
sidade absoluta. É claro que é necessário à vontade de cumpre a vontade de Deus numa ordem cumpre em
Deus que ele determine a própria natureza necessaria- outra. Por exemplo, 0 que escapa à ordem de seu favor
mente. Mas Deus não precisa determinar nada além de retorna à ordem de sua justiça. Quando causas especí-
si mesmo. Quando Deus estabeleceu coisas além de si ficas falham, a causa universal não falha. Deus não
mesmo, deve ter feito isso voluntariamente (ibid., pode falhar (ibid., Ia. 19.6).
la.19.3, ad 3). Pode-se falar de uma vontade an teceden te e conse-
Parece que Deus deve determinar as coisas neces- qiien te de Deus. Deus determina antecedentemente
sariamente. Como um Ser Necessário, ele deve conhe- que todos sejam salvos (2 Pe 3.9). Mas Deus determi-
cer necessariamente tudo que conhece. Assim, parece na conseqüentemente que alguns sejam perdidos, a
que ele deve determinar necessariamente 0 que deter- saber, aqueles que a justiça exige. Mas 0 que é deter-
mina. minado antecedentemente não é determinado abso-
Aquino responde que 0 conhecimento divino está lutamente, mas condicionalmente. Apenas 0 conse-
necessariamente relacionado à coisa criada conheci- qüente é determinado à luz de todas as circunstânci-
da, porque 0 conhecimento no Conhecedor é um com as. É claro que Deus determina algumas coisas por
sua essência. Mas a determinação divina não está ne- meio de causas secundárias. E causas primárias às
cessariamente relacionada à coisa criada determina- vezes são prejudicadas por um defeito na causa secun-
da. A determinação está relacionada às coisas como dária. 0 movimento do corpo é prejudicado por uma
elas existem em si, fora da essência divina. Deus co- perna defeituosa. De igual modo, a vontade anteceden-
nhece necessariamente 0 que conhece, mas não deter- te de Deus é ocasionalmente impedida por um defeito
mina necessariamente 0 que determina. Além disso, numa causa secundária. Sua vontade subseqüente, no
todas as coisas existem necessariamente em Deus, mas entanto, nunca é frustrada. Pois causas primárias uni-
nada existe necessariamente fora dele. Porém Deus só versais não podem ser prejudicadas por causas secun-
precisa determinar 0 que é necessariamente de sua dárias defeituosas, assim como a bondade como tal
natureza. Portanto, Deus só precisa determinar outras não pode ser prejudicada pelo mal. Mas Deus é a Cau-
coisas como elas existem nele, mas não como existem sa Primária universal da existência, e sua vontade não
fora dele (ibid., la.19.3). pode ser prejudicada por ele ter causado a existência
Todas a s coisas cria d a s preexistem n a von tade de (ibid., Ia .19.6, ad 2).
Deus. A vontade de Deus é a causa de todas as coisas, Deus n ão m u da d e idéia. E a vontade de Deus não
então todas as coisas criadas preexistem no conheci- pode ser mudada, pois ela está de perfeito acordo com
mento de Deus. A vontade é a tendência de colocar em seu conhecimento. Ele é onisciente, então 0 que ele sabe
ação 0 que se conhece. Portanto, todas as coisas cria- que acontecerá, acontecerá. Isso não quer dizer que
das fluem da vontade de Deus (ibid., Ia. 19.4). É claro Deus não determine que algumas coisas mudem. Mas
que Deus deve dar 0 bem a tudo que escolhe criar; Deus a vontade de Deus não muda (ibid., Ia. 19.7). Quando
não pode criar 0 mal. Mas não é necessário que Deus a Bíblia fala de Deus “se arrependendo” , quer dizer que
determine qualquer outra coisa ou bem além de si do nosso ponto de vista parece que ele mudou de idéia.
mesmo. Portanto, Deus só precisa dar 0 bem ao que Deus sabia desde a eternidade como tudo aconteceria.
quer criar (ibid., Ia .19.4, ad 1). E a vontade de Deus inclui causas intermediárias, tais
A von tade de Deus é n ão cau sada. Quanto à ques- como 0 livre-arbítrio. Assim, Deus sabe 0 que as cau-
tão da vontade de Deus ser causada, Aquino diz que, sas intermediárias decidirão fazer. E a vontade de Deus
pelo contrário, a vontade de Deus é a causa de todas as está de acordo com seu conhecimento imutável. Por-
coisas. O que é a causa de tudo não precisa de causa. tanto, a vontade de Deus não muda, já que ele estabe-
Pois em Deus 0 meio e 0 fim preexistem na causa por lece 0 que sabe que acontecerá. O que é estabelecido
serem determinados juntos. A vontade humana con- pela necessidade condicional não viola a liberdade
templa um fim determinado e 0 que pode ser feito para humana, já que 0 que é determinado está condicio-
atingir esse objetivo. A vontade de Deus causa tanto 0 nado à sua escolha livre. Deus determina a salvação
fim determinado quanto 0 meio para alcançar esse fim. dos seres humanos condicionalmente. Portanto, a
Deus, objeções às prova de 270

determinação divina de salvar não viola 0 livre-arbí- Não há nada de incoerente entre tais termos se
trio humano, antes 0 utiliza. não são contraditórios. Sabemos 0 que contingente
significa, e necessário é 0 oposto, a saber,“não contin-
Fontes gente” . Os significados desses termos são derivados de
A g o s tin h o , Cidade d e Deus. seu relacionamento com 0 que é dependente deles. E
S. C h a r n o c k , Discourse upon the existence and esses significados são duplos. Primeiro, os termos ne-
attributes o f God. cessário e infinito são negativos. N ecessário significa
R. G a r r ig u o u - L a G r a n g l, God: his existence and his
“não contingente” . Infinito significa “não finito” . Sa-
nature.
bemos 0 que essas limitações significam pela experi-
N. L . G k is lf.r ,Philosophy o f religion.
ência e, por comparação, sabemos que Deus não pode
TomAs d f A q u in o , Suma contra os gentios.
___ , Suma teológica. ter nenhuma delas. Um termo negativo não denota um
atributo negativo. Não é a afirmação de nada; pelo con-
Deus, necessidade de. V. D e u s , e v id ê n c ia s de.
trário, é a negação de toda contingência e limitação
na primeira Causa. O conteúdo positivo de Deus é de-
Deus, objeções às provas de. A maioria das objeções rivado do princípio da causalidade. Ele é Realidade
tradicionais aos argumentos em defesa da existência porque causa toda realidade. É Existência, já que é a
de Deus desenvolveram-se a partir das questões pro- Causa de toda existência. Mas, como Causa de toda
existência, sua existência não pode ser causada. Como
postas por David H u m e e Immanuel K a n t . Algumas
Base de toda existência contingente, ele deve ser um
delas são tratadas mais detalhadamente sob a estru-
Ser Necessário (não-contingente).
tura apologética específica à qual estão relacionadas,
tais como 0 argumento moral, 0 argumento ontológico
Causalidade não passível de prova. Já que todas
as formas do argumento cosmológico dependem do
e 0 argumento teleológico. Este resumo descreve ar-
princípio da causalidade (v. c a u s a l i d a d e , p r i n c i p i o d a ) ,
gumentos e objeções à existência de Deus. São respos-
ele falharia sem 0 princípio. Porém esse princípio pode
tas às questões feitas pelos apologistas cristãos. Argu-
ser provado? Normalmente pensamos que ele é óbvio,
mentos contra a existência de Deus levantados pelos
baseados na experiência. Mas a experiência pode ser
próprios não-teístas são discutidos em D e u s , s u p o s t a s
uma ilusão. Tudo que não é baseado na experiência é
refu ta ç õ es d e .
apenas tautologia, isto é, verdadeiro apenas por defi-
Causas fin ita s para seres finitos. O argumento nição e, portanto, não é prova em si.
cosmológico teoriza a partir de um efeito finito até uma
Essa crítica vem do atomismo epistemológico de
Causa infinita (Deus). Essa conclusão é desafiada pelos
Hume — conforme 0 qual todas as impressões
que insistem em que a única coisa necessária para ex-
empíricas são “completamente desligadas e separadas” .
plicar um efeito finito é uma causa finita. Supor uma
Hume acreditava que a conexão causai necessária não
Causa infinita é um exagero metafísico.
podia ser estabelecida empiricamente a partir da expe-
No entanto, todo ser ou efeito finito é limitado, e todo
riência sensível. Mas a causalidade é apoiada pela ne-
ser limitado só é explicado adequadamente se foi cau-
cessidade metafísica. Não precisamos depender somente
sado por algum Ser que não é limitado. A primeira Causa da observação empírica. O próprio Hume jamais negou
é 0 limitador ilimitado de todas as coisas limitadas. Se que as coisas tivessem uma causa para sua existência.
essa Causa fosse limitada (i.e., causada), precisaria de Disse: “ Nunca afirmei uma proposição tão absurda
uma causa além dela em que basear sua existência li- como a que sustentasse que algo pode surgir sem uma
mitada. Inevitavelmente, todo ser limitado é causado. causa” (Hume, p. 1.187).
Mas a Realidade Pura, ou Existência como tal, é ilimita- Seria ontologicamente imprudente supor que algo
da. E a Realidade que dá os limites para tudo mais que é poderia surgir do nada. O princípio da causalidade
realizado deve ser ilimitada na sua existência. A primeira usado por Aquino é que “todo ser limitado tem uma
Causa deve ser não causada, e uma Causa não causada causa para sua existência” . Esse princípio é baseado
tem de ser a Causa ilimitada ou infinita de tudo mais. na realidade fundamental de que a inexistência não
Nenhum Ser Necessário. Insistem em que termos pode causar existência; 0 nada não pode produzir algo.
como Ser N ecessário e Causa n ão cau sad a não têm sig- É necessário um produtor ou um produto (v. c a u s a l i -
nificado, já que nada na nossa experiência corresponde DADE, P R IN C ÍPIO Da ).
a eles. Essa não é uma objeção válida. A própria frase A necessidade de uma causa da existência está
“ Um Ser Necessário não tem significado” não faz sen- baseada na natureza dos seres finitos e mutáveis
tido, a não ser que as palavras ser necessário possam compostos por ex istên cia (realidade ou ato) e essên-
ser definidas. A afirmação é contraditória. cia (potencial ou potência). A existência como tal é
271 Deus, objeções às provas de

ilim itada; toda existência limitada está sendo li- Matematicamente séries infinitas são possíveis, mas
mitada por algo diferente da existência em si (esse não séries reais. As primeiras são abstratas; as segun-
fator lim itador será chamado de “essência” ); tudo das são concretas. É possível ter um número infinito de
que está sendo limitado está sendo causado, pois pontos numa linha desta página. Mas não é possível
ser limitado na existência é ser causado de deter- colocar um número infinito de letras nesta linha, não
minada maneira finita. Urna existência lim itada é importa quão pequenas sejam (v. in f in it a , s e r i e ). Pontos
uma existência causada. são entidades abstratas ou teóricas; uma série de cau-
Pelo contrário, todos os seres limitados são seres sas de existência é composta de entidades reais. Um
compostos, compostos de existência e essência. Sua número infinito dos primeiros é possível, mas não das
essência limita 0 tipo de existência que podem ter. Da últimas. A razão para isso é simples: não importa quanto
mesma forma, um Ser ilimitado é um Ser não com- dominós estejam enfileirados, pode-se acrescentar mais
posto (i.e., um Ser simples). Tal Ser não tem essência um. 0 número não pode ser infinito.
limitadora como tal. Sua essência é idêntica à sua exis- Além disso, a série infinita de causas simultâ-
tência ilimitada. A necessidade de causalidade, então, neas e existencialmente dependentes não é possí-
é derivada de uma análise do que um ser finito é. Ao ser vel. Deve haver uma base atual para uma série si-
examinado, 0 ser finito é visto como ser causado, e 0 ser multânea de causas, senão nenhuma delas teria
causado deve ter uma causa. uma base para sua existência. Uma regressão infi-
Contradições da causalidade. Aíuitos não-teístas nita sem uma base é 0 mesmo que afirmar que a
interpretam mal 0 princípio de causalidade. Supõem existência na série surge da inexistência, já que ne-
que 0 princípio insiste em que “ todas as coisas têm nhuma causa na série tem uma base real para sua
uma causa” . Se isso fosse verdadeiro, resultaria que não existência. Ou, se uma causa na série dá a base para
se deve nunca parar de buscar uma causa, mesmo para a existência das outras, então ela deve ser a Primei-
Deus. Mas não se deve afirmar que 0 princípio é:“ Todo ra Causa, mas nesse caso a série não é infinita. Se-
ser tem uma causa” . Antes é:“ Todo ser finito e contin- não a causa causaria sua própria existência, ao
gente tem uma causa” . Dessa maneira não há contradi- mesmo tempo que está causando a existência de
ção entre a Primeira Causa, que não é contingente, e 0 tudo mais na série. Isso é impossível.
princípio da causalidade, que afirma que todos os seres O argum ento ontológico inválido. K a n t acredi-
finitos precisam de uma causa. Uma vez que a pessoa tava que essa prestidigitação ontológica introduz um
chega ao ser infinito e necessário, não há necessidade Ser Necessário em todo argumento cosmológico. Tal
de procurar outra causa. 0 ser necessário explica (esta- movimento argumenta invalidamente da experiência
belece) sua própria existência. Existe porque deve exis- à necessidade. Essa crítica não é aplicável à forma
tir. Não pode não existir. Só 0 que pode não existir (a metafísica do argumento cosmológico (v. c o s m o l ó g ic o ,
saber, um ser contingente) precisa de uma explicação. arg u m en to ; T omás de A q u in o ).

Perguntar para um ser necessário por que ele existe é Já que 0 argumento cosmológico começa com a exis-
como perguntar por que a necessidade deve ser neces- tência, não 0 pensamento, ele não precisa contrabandear
sária, ou por que os círculos são redondos. a existência para 0 argumento. A primeira premissa é:
Uma série infinita de causas. Uma objeção ao “Algo existe” .Não há nenhum começo em “aquilo a par-
argumento cosmológico é que uma Causa Primeira tir de que nada maior pode ser concebido” , com que
não é necessária porque uma série infinita de causas é Anselmo iniciou seu argumento ontológico.
possível. Séries infinitas são comuns na matemática. 0 argumento cosmológico continua com princí-
A sugestão de uma série infinita só é feita na for- pio fundado na realidade, não no pensamento. São
ma horizontal ( ka lam ) do argumento cosmológico (v. princípios ontologicamente fundamentados, em vez de
k a l a m , a rg u m e n to co sm o ló g ico d e ) . Xa forma vertical idéias racionalmente inevitáveis. Baseia-se na verda-
proposta por T o m as de A q u in o , a própria primeira cau- de metafísica de que “O nada não pode causar nada” ,
sa, além de um ser finito, contingente e mutável, deve em lugar da afirmação racional de que “ Tudo deve ter
ser infinita e não causada (v. D e u s , e v id ê n c ia s d e ). Is s o uma razão suficiente” (v. s u f ic ie n t e , p r in c íp io d a r a z ã o ).
se dá porque todo ser finito precisa de uma causa. Logo, O argumento termina com “ Realidade Pura é a causa
um ser finito não pode causar a existência de outro. da existência de toda existência limitada” , em vez de
Não pode haver nem mesmo um elo intermediário “um Ser que logicamente não pode não existir” .
entre 0 Criador e suas criaturas. A primeira causa além O conceito da necessidade. Uma objeção é que 0
dos seres cuja existência está sendo realizada deve ser princípio da necessidade se aplica apenas a constru-
0 Realizador da existência. ções ou idéias lógicas, não à existência da vida real.
Deus, objeções às provas de 272

Na verdade necessário é mal aplicado ao “Ser Necessá- cosmológico (v. k a l a m , a rg u m e n to co sm o ló g ico d e ). Ela
rio” do argumento cosmológico. não afeta a forma vertical do argumento baseada numa
Esse argumento falha porque a objeção é contra- causa atual de existência. Esse tipo de argumento
ditória. Ou a afirmação “A necessidade não se aplica à cosmológico não depende de uma posição específi-
vida real” é uma afirmação sobre existência ou não é. ca sobre a origem da criação, mas apenas de sua con-
Se é uma afirmação sobre existência, é contraditória, servação atual em existência. O mundo finito exige
pois afirma ser necessária e sobre a realidade, ao mes- uma causa agora, não importa se começou no tempo
mo tempo dizendo que nenhuma afirmação necessá- ou se é eterno.
ria pode ser feita sobre a realidade. Se é apenas uma 0 an tin ôm io d a causalidade. Os teístas são acusa-
metaafirmação, ou afirmação sobre afirmações (e não dos de argumentar que 0 mundo ao mesmo tempo tem
uma verdadeira afirmação sobre a realidade), então uma Primeira Causa e não tem uma Primeira Causa.
não é informativa sobre que tipo de afirmação pode Tese: Nem toda causa tem uma causa, senão uma série
ou não ser feita sobre a realidade. de causas não começaria a causar, como de fato cau-
Essa crítica também constitui petição de princí- sam. Antítese: Uma série de causas não pode ter um prin-
pio. Os críticos afirmam “saber” que a necessidade cípio, já que tudo exige uma causa. Logo, a série deve
não se aplica à existência porque não há Ser Neces- continuar indefinidamente.
sário. Não há maneira válida e antecipada, ao obser- A antítese desse suposto dilema está incorreta ao
var 0 argumento a favor da existência de Deus, de afirmar que toda causa precisa de uma causa. De acor-
saber se um Ser Necessário existe. O conceito não é do com 0 princípio da causalidade (v. c a u s a lid a d e , prin-
contraditório. Apenas significa não contingente, 0 cípio d a ), apenas coisas fin ita s e contingentes precisam
que é uma idéia coerente. Mas se não há uma manei- de causas. Portanto, a Causa do ser finito não é finita.
ra a p r io r i de saber se um Ser Necessário não pode Apenas causas finitas precisam de uma causa; a Pri-
existir, então é possível que a necessidade realmente meira Causa não causada não precisa de uma causa,
p o ssa a p licar-se à existência, ou seja, se um Ser Ne- porque não é finita.
cessário realmente existe. A an tin om ia d a contingência. Kant insiste em que
C o n tra d iç õ e s m eta física s. Kant ofereceu várias tudo deve ser contingente e ao mesmo tempo não ser
supostas contradições e antinômios que ele achava contingente, se supusermos que esses conceitos se apli-
resultarem da aplicação do argumento cosmológico à cam à realidade. Tese: Nem tudo é contingente, de outra
realidade. Pelo menos três desses antinômios se apli- forma não haveria condição para a contingência. 0 de-
cam ao argumento cosmológico. pendente deve ser dependente de algo que não é depen-
O an tin ôm io sobre 0 tempo. Se supusermos que 0 d en le. Antítese: Tudo deve ser contingente, pois a neces-
tempo se aplica à realidade, 0 resultado parece ser a sidade se aplica apenas a conceitos, não a coisas.
contradição de que 0 mundo é ao mesmo tempo tem- Essa objeção falha porque não há como negar que
poral e eterno. Tese: 0 mundo deve ter começado no a necessidade pode ser aplicada à realidade sem fazer
tempo, ou uma infinidade de momentos passou-se uma afirmação necessária sobre a realidade. Apenas
antes de ele começar, e isso é impossível (já que uma uma refutação ontológica poderia estabelecer a afir-
infinidade de momentos jamais termina). A ntítese: O mação de Kant. E refutações ontológicas (v. D e u s , su -
mundo não poderia ter começado no tempo, pois isso p o s ta s r e f u t a ç õ e s d e ) são contraditórias. Além disso, 0
implica que havia um tempo antes de 0 tempo come- argumento cosmológico já concluiu que algo existe
çar, e isso é contraditório. necessariamente. A validade desse argumento é a re-
A teoria do tempo de Kant é incorreta. O tempo futação à alegação de Kant de que a necessidade não
não é um espectro de momentos sucessivos que existe se aplica à existência.
sem princípio nem fim. Então, a criação não come- O D e u s cosm ológico. Alega-se que 0 argumento
çou num tempo que já existia; a criação fo i 0 princí- cosmológico não prova 0 Deus teísta. Há muitos ou-
pio do tempo. A única coisa “anterior” ao tempo é a tros conceitos de Deus além do teísmo (v. v is ã o de mun-
eternidade, e a eternidade é anterior de maneira cau- d o ). Essa Primeira Causa tem a mesma chance de ser

sal, não temporal. igual ao Deus teísta quanto aos deuses politeístas, ao
Além disso, esse argumento ignora a possibilida- deus panteísta, panenteísta, deísta, ou ao universo
de de uma criação eterna, que alguns teístas, como material do ateísm o (v. ateísm o ; df.ísmo; deísm o f in it o ;
Aquino, consideravam filosoficamente possível. De PANENTEÍSMO; PANTFÍSMO; P0I.ITEÍSM 0).

qualquer forma, a objeção de Kant, se válida, atacaria Deus n ã o é os d eu ses d o p oliteísm o. Não pode ha-
apenas a forma horizontal ( k a la m ) do argumento ver mais de uma existência ilimitada como tal. Mais
273 Deus, objeções às provas de

que 0 Maior não é possível. Tal Causa é puro Ato ou causa de toda existência finita e imutável, mas está além
Realidade, um Ato que é ilimitado e único. Apenas de toda finitude e mudança. Deus muda relacionalmente
realidade unida à potência é limitada, tal como se dá (ao entrar em relações mutáveis com 0 mundo), mas
nos seres contingentes. Para se diferenciar, um ser te- não muda essencialmente. Quando a pessoa passa de
ria de carecer de alguma característica encontrada no um lado de uma coluna para 0 outro, há uma mudança
outro. Mas qualquer ser que carecesse de alguma ca- real na relação, mas não há mudança na coluna.
racterística de existência não seria uma existência ili- Deus n ão é 0 deus d o deísmo. 0 Deus deísta não é a
mitada e perfeita. Em outras palavras, dois seres infi- causa real do universo, como 0 Deus teísta é. Já que 0
nitos não podem ser diferentes no seu potencial, já que universo é um ser dependente, precisa de algo Indepen-
não têm potencial; são realidade pura. E não podem dente do qual depender — 0 tempo todo. O universo
ser diferentes na sua realidade, já que realidade como nunca cessa de ser dependente ou contingente. Uma vez
tal não difere de realidade como tal. Logo, devem ser contingente, sempre contingente. Um ser contingente
idênticos. Só pode haver uma Causa ilimitada para não pode tornar-se um Ser Necessário, pois um Ser
toda existência limitada. Necessário não pode surgir nem deixar de existir. En-
Deus não é 0 deus do panteismo. O panteísmo afirma tão, se 0 universo deixasse de ser contingente, teria se
que um Ser ilimitado e necessário existe, mas nega a rea- tornado um Ser Necessário, 0 que é impossível.
lidade dos seres limitados e finitos. Todavia a mudança é Deus n ã o é 0 deu s d o teísm o fin ito. Uma causa não
um fato fundamental da existência finita. O panteísmo é causada não é finita. Pois todo ser finito precisa de uma
contrário à nossa experiência de mudança. Se toda mu- causa, ou seja, é causado. Mas essa causa é não causa-
dança, inclusive a que se dá nas nossas mentes e consci- da. Logo, não pode ser finita ou limitada. Antes é 0
ências, é irreal, então nenhum rio se move, nenhuma ár- Limitador ilimitado de todo ser limitado. Em resumo,
vore cresce e nenhum ser humano envelhece. Se há mu- tudo que é limitado é causado. Logo, esse Ser não cau-
danças reais, realmente deve haver seres mutáveis distin- sado deve ser ilimitado.
tos de Deus, pois Deus é um Ser imutável. Deus n ã o é o deus d o ateísm o. A Causa não causada
Deus n ão é 0 deus do pan en teísm o. 0 panenteísmo, não pode ser idêntica ao universo material, como
também conhecido como teísmo bipolar ou teologia muitos ateus acreditam. Como normalmente imagi-
de processo, afirma que Deus tem dois pólos: um p ó lo nado, 0 cosmos ou universo material é um sistema li-
rea l (que é identificado com 0 mundo temporal mitado espaço-temporal. Sendo, por exemplo, sujeito à
mutável) e um p ó lo p o ten cia l (que é eterno e imutá- segunda lei da termodinâmica, está se desgastando.
vel). Tal conceito de Deus deve ser rejeitado. A conclu- Além disso, já que espaço e tempo implicam limitações
são do argumento cosmológico demonstra a necessi- a um tipo de existência atual, e uma Causa não causada
dade de um Deus de Realidade Pura sem nenhum po- não é limitada, ela não pode ser idêntica ao mundo es-
tencial (pólo). Além disso, Deus não pode estar sujei- paço-temporal. 0 Deus teísta está no mundo temporal
to à limitação, composição ou espaço-temporalidade como 0 próprio alicerce da existência contínua, mas não
por ser ilimitado. Além disso, 0 Deus teísta não pode é do mundo, pois este é limitado e ele não é.
ter pólos ou aspectos, já que é absolutamente simples Se, em resposta, afirmássemos que todo 0 universo
(i.e., não composto), sem nenhuma dualidade (premis- material não é temporal e limitado, como as partes são,
sa 5). Uma existência ilimitada e parcialmente limita- isso só demonstraria 0 que 0 teísmo afirma. Pois sua
da é uma contradição. conclusão é que existe, além do mundo contingente da
Deus também não está sujeito a mudanças. Pois tudo espaço-temporalidade limitada, uma realidade“comple-
que muda deve ser composto de realidade e potencial ta” que é eterna, ilimitada e necessária. Em outras pala-
para mudar. Mudança é uma passagem do potencial vras, isso concorda com 0 teísmo, de acordo com 0 qual
para a realidade; do que poderia ser para 0 que real- há um Deus além do mundo limitado e mutável da ex-
mente se tornou. !Mas já que a existência como tal não periência. Não passa de um substituto para Deus 0 que
tem potencialidade, ela não pode mudar. Qualquer coi- se admite como uma realidade “completa” que é “mai-
sa que mude prova, dessa forma, que possuía algum or” que a parte vivida da realidade e que tem todos os
potencial para a mudança que sofreu. Uma realidade atributos metafísicos essenciais do Deus teísta.
pura e ilimitada não pode mudar. Portanto, a conclusão do argumento cosmológico
Finalmente, 0 Deus do panenteísmo é uma confu- deve ser 0 Deus do teísmo, ou seja, a Causa única,
são do processo do mundo com 0 Deus que alicerça esse indivisível, infinita, necessária e nãocausada de tudo
processo. Deus está no processo como a base imutável que existe, tanto quando surgiu quanto agora que
para mudança, mas Deus não é do processo. Deus é a continua existindo.
Deus, objeçoes às provas de 274

Nenhuma causa atual Mas grande parte do raciocí- de realidade e potencial. Contudo, como nenhum po-
nio acima é inútil se, como alguns críticos argumentam, tencial pode se auto-realizar, então seres compostos
pudesse existir uma causa inicial sem a necessidade de realidade e potencial devem ser realizados pela Re-
de uma agora. Ou essa Causa já deixou de existir há alidade Pura.
muito tempo, ou pelo menos não é necessária para Falácias modais. A lógica modal é baseada na dis-
sustentar 0 universo. tinção entre 0 possível e 0 necessário. Essa forma de raci-
Um Deus que causou 0 universo e subseqüentemen- ocínio desenvolveu sua lista de falácias. Alguns lógicos
te deixou de existir não poderia ser 0 Deus teísta de- modais argumentariam que é possível todas as partes de
monstrado pelo argumento cosmológico. O Deus teísta meu carro quebrarem ao mesmo tempo, mas isso não
é um Ser Necessário, e um Ser Necessário não pode dei- significa que todas as partes necessariamente quebrarão.
xar de existir. Se existe, deve, por sua própria natureza, Assim, embora todos os seres contingentes possivelmen-
existir necessariamente. Um Ser Necessário não pode te não existam, não necessariamente inexistem ao mes-
existir de modo contingente assim como um triângulo mo tempo, não carecendo, assim, de uma causa universal
não pode existir sem três lados. de existência.
Um Ser Necessário deve causar um ser contingen- Com relação à lógica modal, essa objeção é correta
te 0 tempo todo. Pois um ser contingente deve ser sem- e criaria dúvida sobre algumas formas do argumento a
pre contingente enquanto existir, já que não pode ser partir da contingência. No entanto, essa objeção não se
um Ser Necessário. Mas, se um ser contingente é sem- aplica ao argumento de Aquino, já que ele não se preo-
pre contingente, então sempre precisa de um Ser Ne- cupa em demonstrar que todas as coisas que podiam
cessário do qual possa depender para sua existência. não existir precisavam de uma única causa para produ-
Já que nenhum ser contingente se mantém em exis- zir sua existência, mas que todas as coisas que existem
tência, deve ser mantido em existência 0 tempo todo (apesar de possivelmente poderem não existir) preci-
por um Ser Necessário. sam de um causa para sua existência real, tanto indivi-
Para uma discussão completa desse argumento, v. dualmente como no todo.
a seção de “objeções” em c o s m o l ó g ic o , a r g u m e n t o . Como Uma segunda acusação possível de cometer uma
é explicado naquele artigo, existir é um processo de falácia modal é que é ilegítimo inferir do fato de 0
momento a momento. Nada recebe toda sua existência mundo necessariamente precisar de um ser como a
de uma só vez, nem no instante seguinte. A existência Primeira Causa que 0 mundo precise de um S er Neces-
vem um momento de cada vez. A cada momento de exis- sário como Primeira Causa. Mais uma vez, como foi
tência dependente deve haver algum Ser independente afirmado, essa proposição estaria correta, mas 0 ar-
pelo qual o momento de existência é dado. Deus como gumento cosmológico de Aquino não faz essa
Realidade Pura está realizando tudo que é real. inferência. Deus não é considerado um Ser Necessá-
M odelos arbitrários. Essa objeção afirma que é rio porque 0 argumento necessariamente demonstra
só porque temos modelado a realidade como contin- sua existência. Ele é chamado de Ser Necessário por-
gente ou composta de realidade e potencial que somos, que ontologicamente não pode não existir. Aprende-
então, forçados a concluir que há um Ser Necessário mos sobre esse Ser Necessário não a partir do rigor de
ou Realidade Pura. Isso, insistem, é uma maneira ar- nossas premissas, mas porque a causa de toda exis-
bitrária e forçada de encarar a realidade. tência contingente não pode ser uma existência con-
Os teístas mostram que 0 modelo de contingência/ tingente, mas deve ser um Ser Necessário.
necessidade não é arbitrário, e sim logicamente com- O erro de muitos teístas, principalmente desde
pleto. Ou há apenas um Ser Necessário ou há ser(es) Gottfried Leibniz (1 6 4 6 -1 7 1 6 ), é lançar 0 argumento
contingente(s) e um Ser Necessário. Porém não existe cosmológico no contexto de necessidade lógica basea-
apenas um ser contingente. Pois seres contingentes não do no princípio da razão suficiente. No final, isso leva
são responsáveis pela própria existência, já que existem, a contradições e a um argumento inválido. Em com-
mas poderiam não existir. paração, outros teístas (inclusive Aquino) usaram 0
Da mesma forma, ou tudo é Realidade Pura, ou po- princípio da causalidade existencial para inferir a exis-
tencial puro, ou uma combinação de realidade e po- tência da Causa ilimitada ou do Realizador de toda
tencial não diferenciados. Nenhuma outra possibili- existência. Essa conclusão não é racionalmente inevi-
dade existe. Mas não pode haver duas Realidades Pu- tável, mas é realmente inegável. Se algum ser contin-
ras, já que a realidade como tal é ilimitada e única. Não gente existe, então um Ser Necessário existe; se algum
pode haver dois absolutos ou dois seres infinitos. Por- ser com 0 potencial de não existir existe, então um Ser
tanto, tudo mais que existe deve ser uma combinação sem potencial de não existir deve existir.
Deus, objeções às provas de

Mundo imperfeito, causa imperfeita. Também ale- teleológico. É possível que nada tenha existido, inclu-
ga-se que, se há uma causa do universo, ela não precisa sive Deus. Assim, um estado de total inexistência não
ser perfeita, já que 0 mundo é imperfeito. Se uma causa é uma situação impossível. Mas algo inegavelmente
se assemelha aos seus efeitos, então parece que 0 mun- existe, e por isso essa objeção é irrelevante. Pois en-
do deve ser causado por um grupo de deuses imperfei- quanto algo finito existir, deve haver uma Causa para
tos, finitos, masculinos ou femininos. Pois isso é 0 que sua existência.
conhecemos como as causas de coisas imperfeitas e se- Apenas uma existência lógica. Alguns ateus ar-
melhantes na nossa experiência. gumentam que é logicamente necessário que um tri-
A causa final, no entanto, não pode ser imperfeita, ângulo tenha três lados, mas não é necessário que al-
já que 0 imperfeito só pode ser conhecido se no final guma coisa de três lados exista. Mesmo se fosse
há um Perfeito pelo qual se deduz que não é perfeito. logicamente necessário que Deus existisse, isso não
E a causa não precisa ser igual ao seu efeito. A causa significa que ele realmente exista.
não pode ser menor que seu efeito, mas pode ser mai- Na melhor das hipóteses, essa é uma objeção váli-
or. A causa do ser finito não pode ser imperfeita, já da apenas para 0 argumento ontológico. Os teístas não
que é 0 próprio Ser ou Realidade Pura. Apenas a Rea- precisam imaginar Deus, e a maioria deles não imagi-
lidade Pura pode realizar uma potência (potencial). na, como um ser logicam ente necessário, mas como
Nenhuma potência pode se realizar. Logo, a Causa da um ser realm ente necessário.
existência tem de ser perfeita na sua Existência, já que É logicamente possível que nenhum triângulo exis-
não tem potencial, limitações ou privação que possam ta, mas, se existe, é necessário que tenha três lados. É
constituir uma imperfeição. logicamente possível que não haja um Ser Necessário.
A explicação do acaso. Por que supor uma causa Mas, se um Ser Necessário existe, então é realmente
inteligente (criador) do mundo quando 0 acaso pode necessário que exista. Pois um Ser Necessário deve
explicar 0 aparente desígnio? Dado tempo suficiente, existir necessariamente.
qualquer combinação “de sorte” resultará. O universo Inferindo causa com base na experiência. Há um
pode ser um “ feliz acidente” (v. a c a s o ). abismo intransponível entre a coisa-para-mim (fenô-
Em primeiro lugar, não houve tempo suficiente m eno) e a coisa-em-si ( núm eno ou real), disse Kant.Não
para 0 acaso dar resultado. Um ex-ateu, Fred Hoyle, podemos conhecer 0 núm eno; conhecemos as coisas
calculou que, dado 0 período de tempo geológico de apenas como as percebemos, não como realmente são.
bilhões de anos, a probabilidade ainda é apenas uma Portanto, não podemos inferir validamente uma causa
em IO30"00 de que uma forma tão complexa como um real dos efeitos que sentimos.
animal unicelular surja por forças meramente natu- Essa objeção é forçada e contraditória. É petição
rais (Hoyle). A probabilidade é praticamente zero de de princípio, pois parte do princípio de que nossos
que 0 acaso tenha sido responsável. sentidos não nos dão informação sobre 0 mundo real.
Segundo, 0 acaso não “causa” nada; só as forças cau- Supõe equivocadamente que sentimos apenas sen-
sam. E sabe-se que as forças naturais não produzem com- sações, e não a realidade. Acredita erroneamente que
plexidade específica, tal como a encontrada nos seres vi- só conhecemos nossas idéias, em vez de conhecer a
vos. O acaso é apenas uma abstração que descreve a in- realidade por meio de nossas idéias. Em segundo lu-
terseção de duas ou mais linhas de causas. gar, ao afirmar que não é possível conhecer a reali-
Finalmente, não é científico nem racional apelar à dade, a pessoa está fazendo uma afirmação sobre a
probabilidade. Como até 0 cético David H i‫־‬me admi- realidade. O agnóstico afirma saber 0 suficiente so-
tiu, a ciência é baseada na observação sobre eventos bre a realidade para ter certeza de que nada pode ser
que ocorrem regularmente. E 0 único tipo de causa conhecido sobre a realidade. Trata-se de uma afir-
conhecida pelos seres racionais que pode causar a mação autocontraditória.
complexidade específica encontrada nos seres vivos é Como Kant poderia saber que a realidade causa
uma causa inteligente (v. e v o l u ç ã o q u í m i c a ). nossas experiências a não ser que haja uma conexão
Uma possível inexistência. De acordo com essa causai válida entre 0 mundo real (numenal) da causa e
objeção, é sempre possível imaginar que qualquer coi- 0 mundo aparente (fenomenal) da experiência? Além
sa, inclusive Deus, não exista. Logo, nada existe neces- disso, não seria possível sequer saber que suas próprias
sariamente. Já que Deus é considerado um Ser Neces- idéias eram conexões reais entre causa (mente) e efeito
sário, então nem ele deve existir necessariamente; por- (idéias). E ele não escreveria livros, como os agnósticos,
tanto, Deus não existe. supondo que os leitores olhariam para os efeitos feno-
Essa é uma objeção válida ao argumento onto- ló- menais (palavras) e pudessem conhecer algo sobre a
gico, mas não contra os argumentos cosmológico e causa (mente) numenal (real).
Deus, objeções às provas de 276

A causa de Deus. Bertrand R u s s e l l (1872-1970) Nos termos em que é afirmada, 0 teísta rejeita a pri-
argumentou que, se todas as coisas precisa de uma meira premissa como definição inadequada de onipo-
causa, então Deus também precisa. E se todas as coi- tência. Deus não pode fazer qualquer coisa literalmen-
sas não precisam de uma causa, 0 mundo também não te. Só pode fazer 0 que é possível fazer de forma coeren-
precisa. Mas em nenhum dos dois casos precisamos te com sua existência como Deus. Ele não pode fazer 0
de uma Primeira Causa. que é lógica e realmente impossível. Deus não pode fa-
A premissa principal é falsa. Os teístas não afir- zer algumas coisas. Não pode deixar de ser Deus. Não
mam que tudo precisa de uma causa. O princípio da pode contradizer sua natureza (cf. Hb 6.18). Não pode
causalidade afirma apenas que tudo que com eça (ou é fazer 0 que é logicamente impossível, por exemplo, fa-
finito) precisa de uma causa. Se algo não tem princí- zer um círculo quadrado. Da mesma forma, Deus não
pio, então obviamente não precisa de um Iniciador. Os pode fazer uma rocha tão pesada que não possa levantá-
não-teístas como Russell reconhecem que 0 universo la simplesmente porque tudo que pode fazer é finito.
não precisa de uma causa — simplesmente existe. Se Qualquer coisa que seja finita ele pode mover por seu
0 universo simplesmente existe sem uma causa, por poder infinito. Se pode fazê-la, pode movê-la.
que Deus não pode existir? Ao m esmo tem po bem e mal, existência e inexis-
A rbitrário ou não-supremo. Russell acreditava tência. Os não-teístas dizem que, se Deus é infinito,
que a lei moral está ou além de Deus ou resulta da sua então é tudo, inclusive os opostos. É bom e mau. É per-
vontade. Mas se ela está além de Deus, então Deus não feito e imperfeito. Também é Existência e inexistência.
é supremo, já que está sujeito a ela (e, assim, não é 0 Mas esses são opostos, e Deus não pode ser opostos.
Bem supremo). E se Deus decidiu 0 que seria moral, Além disso, 0 teísta não pode admitir que Deus seja
então ele é arbitrário e não essencialmente bom, e nes- mau ou inexistente. Portanto, não existe Deus teísta.
se caso não seria digno de nossa adoração. Então, de 0 teísta rejeita a premissa de que Deus é tudo; ele
qualquer forma nenhum Deus digno do nome existe. é apenas 0 que é — um Ser absolutamente perfeito. E
Os teístas respondem de duas maneiras. Os Deus não é 0 que não é — um ser imperfeito. É 0 Cri-
voluntaristas encaram 0 dilema e concordam que a lei ador, e não uma criatura. Deus é existência pura e ne-
moral flui da vontade de Deus, mas negam que isso cessária. Então, não pode ser inexistente. Deus não
seja arbitrário. Deus é a fonte de toda bondade. O que pode ser 0 oposto do que é, assim como um triângulo
ele determina como certo é certo. E 0 que ele determi- não pode ser um quadrado e um círculo não pode ser
na que seja considerado errado é errado. A vontade de um retângulo.
Deus é 0 tribunal supremo. Quando dizemos que Deus é ilimitado ou infini-
Os essencialistas evitam 0 dilema, indicando que to, não queremos dizer que é tudo. Não significa, por
há uma terceira alternativa: a vontade de Deus está exemplo, que Deus seja limitado e finito. 0 ilimitado
sujeita ao que é essencialmente bom, mas esse Bem é não pode ser limitado. 0 Criador não criado não pode
sua natureza imutável. Isto é, algo não é bom apenas ser uma criatura criada. 0 padrão de todo 0 bem não
porque Deus 0 determina (voluntarismo). Pelo con- pode ser mau.
trário, Deus 0 determina porque é bom. É bom por- Uma projeção da imaginação. Ludwig F e u e r b a c h
que está de acordo com sua natureza imutavel-mente (1804-1872) argumentou que os seres humanos fi-
boa. Dessa forma, Deus não é nem arbitrário nem zeram Deus à sua imagem. Deus é apenas uma pro-
menos que supremo. jeção do que pensamos sobre nós mesmos. As idéias
Existência onipotente. Os teístas afirmam que Deus de Deus vêm das nossas idéias de seres humanos.
é onipotente. Mas muitos não-teístas insistem em que isso Logo, Deus é apenas uma projeção dessas idéias. Não
é impossível. A lógica de seu argumento é: existe além delas.
Esse tipo de argumento comete um erro sério:
1. Se Deus é onipotente, então poderia fazer qualquer Quem pode saber que Deus não é “nada além” de uma
coisa. projeção sem conhecimento do “além” ? A essência do
2. E se pudesse fazer qualquer coisa, então Deus seu argumento pode ser afirmada dessa maneira:
poderia fazer uma pedra tão grande que não
pudesse movê-la. 1. Deus existe na consciência humana.
3. Mas se Deus não pudesse mover essa rocha, 2. Mas os humanos não podem ir além da pró-
então não poderia fazer tudo. pria consciência.
4. Logo, um Deus onipotente que pode fazer qual- 3. Portanto, Deus não existe além da nossa cons-
quer coisa não pode existir. ciência.
277 Deus, natureza de

O problema com esse argumento é a segunda pre- Além disso, a realidade da existência de Deus é in-
missa. Só porque não podemos ir além de nossa cons- dependente das razões pelas quais as pessoas dese-
ciência não significa que nada existe além de nossa jam ou não que ele exista. Ou Deus não existe ou exis-
consciência. Não posso ir além da minha mente, mas te. Os desejos não podem mudar a verdade. A própria
sei que há outras mentes além da minha com as quais descrença de Freud pode ser ilusão, baseada no seu
interajo. Se não podemos ir além de nossa consciên- desejo de não seguir a Deus (v. Sl 14.1; Rm 1.18-32).
cia, Feuerbach não poderia fazer a afirmação de que O aca so e as o rig en s. Se 0 acaso pode explicar a
não há Deus lá. Como ele sabe que não há Deus lá, a origem do universo (v. e v o l u ç ã o ) , não há necessidade
não ser que seu conhecimento vá além de sua consci- de uma causa. Essa objeção às provas da existência de
ência? Fazer afirmações do tipo “ nada além” (tais Deus está sujeita a várias críticas.
como:“ Deus não é nada além de uma projeção de nos- Um efeito não pode ser maior que sua causa. A
sa imaginação” ) implica um conhecimento do “além” . Causa dos seres inteligentes deve ser inteligente. Ela
Só porque não podemos ir além da própria cons- não pode conceder perfeições que não tem para dar
ciência não significa que nossa consciência não esteja (v. PRIMEIROS PRINCÍPIOS; TELEOLÜGICO, ARGU1MENT0).

ciente das coisas que estão além de nós.Não podemos Não é científico falar que 0 acaso causou os pa-
sair de nós mesmos, mas podemos a lca n ça r 0 que é drões incrivelmente complexos e inteligentes encon-
externo. É exatamente isso que 0 conhecimento faz. A trados na estrutura da vida (v. t e le o lò g ic o , a r g u m e n t o )
consciência não é apenas consciência de si mesmo. e do universo (v. big-bang). Apenas a intervenção inte-
Também é consciência dos outros. Quando lemos um ligente explica adequadamente a organização do dna
livro, não estamos apenas conscientes de nossas pró- no organismo mais simples.
prias idéias, estamos conscientes de outra mente que 0 acaso é apenas uma d escrição estatística da pro-
escreveu as palavras das quais derivamos aquelas idéi- babilidade dos eventos. Apenas forças ou poderes po-
as. A consciência alcança além de si. É isso que os sen- dem causar eventos. O acaso apenas descreve a proba-
tidos e a mente nos capacitam a fazer. bilidade de uma força (ou forças) produzirem deter-
U m a ilusão. Sigmund F r e u d insistiu em que Deus minado evento.
é uma ilusão — algo que desejamos ser verdadeiro, O acaso não pode ser uma causa nos termos do
mas em que não temos base para acreditar, além do argumento cosmológico. 0 acaso não é um poder, por
nosso desejo. Esse argumento é desenvolvido no arti- isso não pode causar nada.
go F r e u d , S ig m u n d . Seu raciocínio aparente: Nem mesmo 0 crítico que propõe que 0 acaso ex-
plica todo 0 universo concordaria que as próprias
1. Uma ilusão é algo baseado apenas no desejo, palavras usadas para expressar suas idéias fossem
mas não na realidade. um produto do acaso.
2. A crença em Deus tem as características de A po ssib ilid a d e do n a da . Alguns críticos argumen-
uma ilusão. tam contra 0 argumento cosmológico com base na afir-
3. Portanto, a crença em Deus é um desejo não mação de que é logicamente possível que nada jamais
baseado na realidade. tenha existido, inclusive Deus. Se é logicamente possí-
vel que Deus jamais tenha existido, então não é
É claro que nessa forma 0 teísta desafia a premissa logicamente necessário que ele exista.
menor. Nem todos que acreditam em Deus acreditam O teísta pode admitir prontamente que é possível
apenas porque desejam um Consolador Cósmico. Al- um Ser Necessário não existir contanto que nada mais
guns encontram a Deus porque anseiam pela realida- tenha existido. Todavia, se há um Ser Necessário, não
de; outros porque estão interessados na verdade, não é possível que ele não exista. Um Ser logicamente ne-
para se sentirem bem. Deus não é apenas um Pai cessário não precisa existir real e necessariamente. Mas
consolador; também é um Juiz que castiga. Os cristãos um Ser realmente necessário deve existir real e neces-
acreditam no inferno, mas ninguém realmente deseja sariamente. A objeção do ateu ao conceito de um Ser
que seja verdadeiro. Na verdade, Freud pode ter inverti- Necessário aplica-se apenas a um ser logicamente ne-
do as coisas; talvez nossa imagem dos pais terrenos seja cessário, não a um ser realmente necessário.
baseada em Deus, e não 0 inverso. Certamente 0 desejo Apesar de ser logicam ente possível que nada jamais
por Deus não é a única base para acreditar que Deus tenha existido, inclusive Deus, isso não é realm en te
existe (v. D e u s, e vid ê n cia s d e). 0 argumento de Freud, no possível. Algo existe. Enquanto não for realmente pos-
máximo, se aplicaria apenas aos que não têm outra base sível um estado de total inexistência, algo deve existir
além do próprio desejo de que Deus exista. necessária e eternamente (e.g., Deus), já que 0 nada
Deus, supostas refutações de 278

não pode produzir algo. E se houvesse um estado de que não é dependente do universo para sua existência.
total inexistência, então sempre haveria uma Mas.de qualquer forma, a afirmação dos ateus é falha.
inexistência total. Pois 0 nada não pode produzir nada. Argum entos não convincentes. Alguns alegam
Um S e r N ec es s á rio (n ã o c a u s a d o ). Mas talvez que os argumentos teístas só persuadem aqueles que
toda a idéia de um Ser não causado não faça sentido. já acreditam, isto é, os que não precisam deles. Por-
Trata-se de um conceito coerente no sentido de ser não tanto, são inúteis. Mas 0 fato de uma pessoa ser
contraditório. Um ser contingente é que pode não existir. convencida por um argumento depende de vários fa-
Um Ser Necessário é aquele que não pode não existir. tores. Em primeiro lugar, mesmo que 0 argumento seja
Já que 0 último é logicamente (e realmente) oposto válido, a persuasão dependerá em parte do fato de 0
ao outro, então rejeitar a coerência de um ser neces- argumento ser entendido ou não.
sário envolveria rejeitar a coerência de um ser con- Uma vez que a mente entenda 0 argumento, con-
cordar com ele é uma questão de vontade. Ninguém é
tingente. Porém esses são os únicos tipos de exis-
forçado a acreditar em Deus só porque a mente enten-
tência que pode haver. Logo, rejeitar a significância
de que há um Deus. Fatores pessoais podem levar uma
do conceito de um Ser Necessário seria rejeitar a
pessoa a evitar 0 compromisso da crença. Os argumen-
significância de toda existência. Mas dizer que “ toda
tos teístas não convertem incrédulos automaticamen-
existência é insignificante” é fazer uma afirmação
te. Mas pessoas de boa vontade que entendem 0 argu-
sobre a existência que afirma ter significado. Isso é
mento devem aceitá-lo como sendo verdadeiro. Se não
contraditório.
0 fazem, isso não prova que 0 argumento esteja erra-
Outra maneira de mostrar a significância do con-
do, apenas demonstra sua relutância em aceitá-lo.
ceito de um Ser não causado é indicar 0 conceito ateísta Conclusão. Muitas objeções foram propostas con-
de um universo não causado. A maioria dos ateus acre- tra as provas da existência de Deus. Elas geralmente
dita ser significativo falar de um universo que não teve são baseadas numa má interpretação das provas. Ne-
causa. Mas se 0 conceito de um universo não causado nhuma delas é bem-sucedida em refutar os argumen-
é significativo, então 0 conceito de um Deus não cau- tos. Se fossem, seriam uma prova de que não se pode
sado também é. ter uma prova. Isso é um argumento contraditório.
Um u n iverso n ã o causado. Por mais significante
que um universo não causado seja, fazê-lo existir em Fontes
termos práticos é outra coisa. 0 universo é uma coleção W. L. C r a ig , The k a la m cosmological argument.
de partes, cada uma contingente e, assim, dependente L. F e u e r b a c h , The essence of Christianity.
de uma causa. Ou 0 universo inteiro é igual a todas as J . N . F in d la y , “ C a n G o d ’s existence be d is p ro v e d ? ” ,

suas partes ou é m ais que todas as suas partes. Se é igual e m A . P la n 11XGA, org., The ontological argument.
a elas, então também precisa de uma causa. A soma de R. F l i n t , Agnosticism.
muitas partes dependentes nunca será igual a mais que S. F r e u d , 0 futuro de uma ilusão.
um todo dependente, não importa quão grande ele seja. R . G a r r ig o u - L a G r a x g e , God: his existence and his nature.
Adicionar efeitos nunca dá uma causa; produz apenas N. L. G e is le r , Philosophy o f religion.

uma grande série de efeitos. Só se 0 universo for m ais F. H o y lh , et al., Evolution from space.

que todos os seus efeitos é que pode ser não causado e D. H u m e, Dialogues Concerning natural religion.

necessário. Mas afirmar que há um algo mais, não cau- ___ , The letters of David Hume.

sado e necessário do qual tudo no universo depende é I. K a n t , A crítica da razão pura.


A . K e n m ,Five ttw /i.
afirmar exatamente 0 que 0 teísta quer dizer com um
B. R u s s e ll, Por que não sou cristão.
Ser Necessário do qual todos os seres contingentes de-
pendem para sua existência.
Deus, supostas refutações de. !Muitos teístas ofere-
A questão toda pode ser esclarecida ao fazer ao não-
cem provas a favor da existência de Deus. Da mesma
teísta esta pergunta: Se tudo no universo (i.e., todo ser
forma, ateus devotos (v. a t e ís m o ) têm oferecido 0 que
contingente) deixasse de existir repentinamente, sobra-
consideram ser refutações da existência de Deus
ria alguma coisa? Se não, 0 universo como um todo tam-
correspondendo aos argumentos ontológico,
bém seria contingente, já que a existência do todo de-
cosmológico, teleológico e moral. Argumentos especí-
pende das partes. Mas se algo permanecesse depois
ficos de não-teístas contra os argumentos apologéticos
de todas as partes contingentes do universo deixa-
são discutidos em D e u s , o b je ç õ e s A s r e f u t a ç õ e s d e .
rem de existir repentinamente, então realmente ha-
Uma refutação ontológica de Deus. Um ateu ar-
veria Algo não causado, necessário e transcendente
gumentou da seguinte forma (v. Findlay,p. Ills .):
279 Deus, supostas refutações de

1. Deus é por definição uma existência necessária. Os teístas observam que isso não chega a ser uma
2. Mas a necessidade não pode aplicar-se à exis- refutação, já que não é logicamente necessária. A se-
tência. gunda, mesmo como argumento (mas não como re-
3. Logo, Deus não existe. futação), apresenta sérios problemas. A evidência de
que 0 universo teve princípio é muito mais podero-
Para apoiar a segunda premissa crucial, observou sa, já que sua energia utilizável está se desgastando
que a necessidade é um termo lógico, não ontológico. (v. term od inâm ica, le is da; big-bang , TEORIA d o ), e, já que
Isto é, a necessidade se aplica a proposições, não à exis- um número infinito de momentos antes de hoje não
tência ou realidade. poderia ter passado, nenhuma série infinita poderia
Os teístas observam que a segunda premissa é con- ser percorrida (v. k a l a m , arg u m en to cosmológico de).
traditória. É uma afirmação necessária sobre a exis- Além disso, a ciência não se baseia na probabilidade,
tência que reivindica que afirmações necessárias não mas na observação e repetição. Esses princípios nos
podem ser feitas sobre a existência. Quem disse que a informam que uma coisa complexa como a vida não
necessidade não pode ser aplicada à existência? Isso ocorre sem uma causa inteligente.
impõe 0 significado em vez de atentar para ele. O pró- Uma refutação m oral de Deus. O argumento
prio critério pelo qual se conclui que a necessidade moral contra a existência de Deus é sem dúvida 0 mais
não pode ser aplicada à existência é arbitrário. Não há conhecido (v. m al, problem a d o ). Uma versão conheci-
necessidade de aceitá-lo. da desse argumento é esta: (v. Bayle, p. 157ss.);
Uma refutação cosmológica de Deus. Esse argu-
mento contra a existência de Deus pode ser afirmado 1. Um Deus completamente bom destruiria 0 mal.
assim: 2. Um Deus onipotente poderia destruir 0 mal.
3. Mas 0 mal não foi destruído.
1. Deus é um ser autocausado (v. Sartre, p. 758, 4. Logo, tal Deus não existe.
762).
2. Mas é impossível causar a própria existência,
Esse argumento também não consegue ser uma re-
pois a causa é anterior ao efeito, e nada pode
futação, porque a primeira premissa é ambígua e a ter-
ser anterior a si mesmo.
ceira premissa não afirma completamente as condições
3. Logo, Deus não pode existir.
reais. Para começar, destruir é ambíguo. Se significa
“aniquilar” , então Deus não pode destruir todo 0 mal
Esse argumento comete um engano na primeira
sem destruir toda a liberdade (v. l iv r e - a r b ít r io ). Mas
premissa. Os teístas não afirmam que Deus é um ser
nenhum ateu quer que a liberdade de não acreditar
autoc ausado. Esse é um conceito contraditório. An-
em Deus seja retirada. Segundo, se destruir significa
tes os teístas definem Deus como um ser /«causado,
“derrotar” , a terceira premissa não acrescenta a im-
0 que não é contraditório. Até os ateus acreditam que
portante palavra a in d a : “ O mal a in d a não foi
0 universo é incausado e sempre existiu. Mas se Deus
destruído” . Quando isso é afirmado, a conclusão é
não é definido como um ser autocausado, a refuta-
diferente, já que Deus ainda pode derrotar 0 mal no
ção é falha.
Uma refutação teleológica de Deus. Um argu- futuro. Se 0 ateu (v. ateísm o) responde afirmando: “O
mal ainda não foi derrotado e nunca será ” , não há
mento teleológico contra a existência de Deus pode ser
afirmado assim (v. Hume, Parte 8): base para a afirmação. Apenas Deus conhece 0 futu-
ro com certeza. Então 0 ateu deve ser Deus para eli-
1. O universo foi projetado ou aconteceu por aca- minar Deus por meio desse raciocínio.
A refu tação ex isten cia l de D eus. O filósofo
so.
2. Mas 0 acaso é a causa adequada do universo. existencialista Jean-Paul S a r t r e argumentou:
3. Logo, 0 universo não toi projetado.
1. Se Deus existe, então tudo está determinado.
Para apoiar a segunda premissa, duas linhas de ar- 2. Mas se tudo está determinado, então não sou
gumento são oferecidas. A primeira afirma que numa livre.
quantidade infinita de tempo todas as combinações 3. Mas sou livre.
acontecerão, não importa quais as probabilidades con- 4. Logo, Deus não existe.
tra isso. Segunda, não importa qual a probabilidade
de algo não acontecer, isso ainda pode acontecer e às Alinha liberdade é inegável. Pois até a tentativa de
vezes acontece. negá-la a afirma. Mas se a liberdade é inegável, então
Dewey, John 280

Deus não pode existir. Pois um ser onisciente (Deus) esteve na Universidade Columbia de 1904 a 1930. Es-
que exista sabe tudo que acontecerá. Então, tudo é de- creveu muitos livros e vários artigos sobre assuntos
terminado, pois se não acontecesse como ele sabia que que variam desde educação e dem ocracia
aconteceria, Deus teria errado. Mas um ser onisciente (Democracy and education [Democracia e educação],
não pode errar. Portanto, se Deus existe, tudo é deter- 1916) a psicologia (Human nature and conduct: an
minado, mas tudo não está determinado, porque sou introduction to social psychology [Natureza humana
livre. Logo, não há Deus. e comportamento: uma introdução à psicologia soei-
Os teístas desafiam a segunda premissa. Não há al, 1930), lógica (Logic: the theory of inquiry [Lógica:
contradição entre determinação e livre-arbítrio. Deus a teoria da investigação], 1938‫ )־‬e arte (Art as
pode determinar as coisas de acordo com nosso livre- experience [Arte como experiência], 1934). Sua visão
arbítrio. Elas podem ser determinadas com relação à de Deus e de religião é muito bem expressa em A
sua presciência e ainda livres com relação à nossa es- common faith [Uma fé comum] (1934).
colha (v. determ inism o). Assim como todo evento no R elig iã o n u m a e ra d e c iên cia . Como humanista
replay de um jogo é determinado, mas foi livre (v. li- secular, Dewey rejeitava a crença no Deus teísta (v.
v re - a rb ítrio ) no momento em que aconteceu, qualquer teísm o). Dewey concluiu que a ciência moderna tor-
evento no mundo pode ser determinado da perspecti- nou improvável a crença numa origem sobrenatural
va de Deus — mas livre do nosso ponto de vista. do universo. “O impacto da astronomia eliminou as
velhas histórias religiosas sobre a criação.” E “desco-
Fontes bertas geológicas removeram 0 mito de criação que
P. B a y i .e , Selections from Bayle’s dictionary. antes parecia tão grande” . Além disso
W. L. Craig, The kalam cosmological argument.
J . N . F i n d i A Y ,“ C a n God’s existence be disproved?” , em a biologia revolucionou conceitos de alma e mente [...]
A. P l a n t i n g a , org., The ontological argument. e essa ciência marcou profundamente as idéias de pecado,
R . F l i n t , Agnosticism. redenção e imortalidade.
R . G a r r ig u o u - L a G r a n g e , God: his existence and his A antropologia, a história e a crítica literária fornece-
nature. ram uma versão radicalmente diferente dos eventos e per-
N. L. G e i s l e r e W. C o r d u a n , Philosophy of religion. sonagens históricos sobre os quais as religiões cristãs se fun-
D. H u m e , Dialogues, Parte 8 . daram.
A. K en n y , Five ways. A psicologia
J. P. M o rela n d , The existence o f God debate.
B. R u s s e l , Por que não sou cristão. já nos está revelando explicações naturais de fenôme-
J. P. S a r t r e ,O s e r e o n a d a . nos tão extraordinários que no passado sua origem sobre-
natural era, por assim dizer, a explicação natural” (A com m on
Deutero-Isaías. V. I saias, Deutero. faith, p. 31).

Dewey, John. John Dewey (1859-1952) foi chamado A ciência, acreditava Dewey, fez até do agnosticismo
pai da moderna educação americana, sobre a qual teve uma reação muito branda ao teísmo tradicional.
grande influência. Como filósofo e escritor, identifi- “ ‘Agnosticismo’ é a sombra lançada pelo eclipse do so-
cou-se com a filosofia do instrumentalismo, também brenatural” (ibid., p. 86). E “agnosticismo generalizado
conhecido como progressivismo ou humanismo prag- é apenas a eliminação parcial do sobrenatural” . Como
mático. No contexto do sistema educacional america- antiteísta ou ateu (v. ateísmo), rejeitou qualquer tentati-
no, suas visões influenciaram praticamente todo ci- va de provar a existência de Deus.
dadão americano do século xx. Dewey assinou 0 Ma-
nifesto humanista e foi líder do movimento pelo A causa da insatisfação talvez não seja tanto 1) os ar-
direcionamento da educação ao humanismo secular gumentos que Kant usou para demonstrar a insuficiên-
(v. HUMANISMO SECULAR). cia dessas supostas provas, quanto 0 sentimento crescente
Nascido e educado no estado de Vermont, Dewey 2) de que elas são demasiadamente formais para ofere-
fez seu doutorado na Universidade John Hopkins. Lá cer qualquer apoio para a religião em ação (ibid., p. 11).
estudou 0 pragmatismo de C. S. Pierce, a psicologia
experimental de G. S. Hall e as filosofias de G. S. Acreditava que a realidade do mal não poderia ser
Morris (um neo-hegeliano) e T. H. Huxley. Dewey conciliada com 0 conceito de um Deus pessoal, bom e
ensinou nas universidades de Michigan e Chicago e onipotente (v.m al, problema do).
281 Dewey, John

Desde seu surgimento na Renascença por meio do Tais crenças atrapalham 0 progresso social. Pois
protesto contra a autoridade eclesiástica, no século
xviii, Dewey acreditava que 0 secularismo dera fruto os homens nunca usaram totalmente os poderes que
no século xix pela “difusão do sobrenatural através da possuem para promover 0 bem na vida, porque esperavam
vida secular” (ibid., p. 65). Interesses seculares cresce- que algum poder externo além de si mesmos e da natureza
ram independentes da religião organizada e “restrin- fizesse 0 trabalho que eles têm a responsabilidade de fazer.
giram a importância social das religiões organizadas A dependência de um poder externo eqüivale a abandonar
a um espaço limitado, e esse espaço está diminuindo” 0 esforço humano (ibid., p. 46).
(ibid., p. 83).
Já que não há Criador, os seres humanos não fo- 0 problema é a divisão entre 0 secular e 0 sagrado
ram criados. Para Dewey, homens e mulheres pensam feita pela religião. “A idéia de que ‘religioso’ significa
em termos científicos e seculares, logo, agora devem uma certa atitude e visão, independentemente do so-
ter uma visão naturalista das origens (v. evolução bio- brenatural, não exige tal divisão” . Pois
ló g ic a ). A humanidade é resultado dos processos na-
turalistas evolutivos, não a criação especial de qual- ela não limita valores religiosos a um compartimento
quer tipo de Deus. específico nem supõe que determinada forma de associa-
A eliminação da religião sobrenatural. Dewey se opu- ção tem uma relação singular consigo. No sentido social, 0
nha a qualquer sobrenaturalismo na religião. Como a futuro da função religiosa parece estar altamente ligado à
maioria das religiões celebram de alguma forma 0 so- sua emancipação das religiões e de uma religião específica
brenatural, ele se opôs à religião no conceito: (ibid., p. 66-7).

A afirmação por parte das religiões de que possuem mo- Além do progresso social ser prejudicado pela
nopólio das idéias e dos meios sobrenaturais pelos quais, crença no sobrenatural, os valores sociais também são
supostamente, podem ser promovidas impede a concreti- condenados por ela.
zação de valores distintamente religiosos inerentes à huma-
nidade (ibid.,p.27-8). A afirmação de um número crescente de pessoas é que
A ciência questiona 0 próprio conceito do sobre- a depreciação dos valores sociais naturais resultou, tanto em
natural. Muitas coisas ensinadas como milagres ago- princípio quanto em fato real, da referência de sua origem e
ra têm explicações naturais. A ciência continuará a significância a fontes sobrenaturais (ibid., p. 71).
explicar os fenômenos incomuns da natureza (v. mila-
GRES, ARGUMENTOS CONTRA). Até mesmo atitudes realmente religiosas são preju-
dicadas pela crença no sobrenatural. Dewey escreveu:
Além da crença no sobrenatural ser baseada na ig-
norância, ela atrapalha a inteligência social. Sugeri que 0 elemento religioso na vida foi prejudicado
pelas idéias acerca do sobrenatural arraigadas que essas cul-
Ela sufoca 0 crescimento da inteligência social pela qual turas onde 0 homem tinha pouco controle da natureza ex-
a mudança social poderia ser direcionada para fora do cam- terna e pouco desenvolvimento de métodos de pesquisa e
po dos meros acidentes, na definição normal de acidente teste (ibid., p. 56).
(ibid., p. 78).
Um novo tipo de religião. Apesar de sua rejeição à
As religiões religião e ao sobrenatural, Dewey não se considerava
irreligioso. Insistia na necessidade e preservação da re-
envolvem crenças intelectuais específicas e associam [...] ligião. O que Dewey realmente preconizava era que a
importância à concordância com elas como doutrinas ver- religião tradicional — que envolve crença no sobrena-
dadeiras, verdadeiras num sentido intelectua. [...] elas de- tural além desta vida — fosse descartada como atitude
senvolveram um aparato doutrinário que os crentes” são religiosa com relação a toda a vida:
obrigados [...] a aceitar (ibid., p. 29).
Vou desenvolver outro conceito de natureza da fase reli-
Essas crenças incluem noções de poderes invisíveis que giosa da experiência, que a separe do sobrenatural e das coi-
controlam 0 destino humano e aos quais são devidas obedi- sas que surgiram a partir dele. E vou tentar demonstrar que
ência, reverência e adoração. Não sobra nada nessas cren- essas derivações são empecilhos, e 0 que é genuinamente
ças que valha a pena preservar (ibid., p. 7). religioso sofrerá uma emancipação quando liberto delas;
Dewey, John 282

para que, pela primeira vez, 0 aspecto religioso da experi- integração de cenários mutáveis do mundo numa totali-
ência esteja livre para se desenvolver livremente, por conta dade imaginária que chamamos de Universo (ibid.,p. 19).
própria (ibid., p. 2).
Tal experiência acontece de maneiras diferentes
0 problema mais sério com a religião é que ela pre- com pessoas diferentes.
judica 0 progresso social. Sua crença no sobrenatural
prejudica a realização de objetivos socialmente dese- As vezes é causada por devoção a uma causa; às vezes
jáveis. Portanto, nada é perdido ao eliminá-la. Na ver- por um trecho de um poema que revela uma nova perspec-
dade, já que há mais pessoas religiosas que pessoas tiva; às vezes, como foi 0 caso de E sp in o sa, [...] mediante a
que têm religião, há muitos benefícios em rejeitar a reflexão filosófica.
religião. Pois, disse Dewey:
Assim, experiências religiosas não são necessa-
Acredito que muitas pessoas são de tal modo repelidas riamente uma espécie singular à parte. Pelo con-
pelo que existe como religião à vista de suas implicações inte- trário,“ acontecem com freqüência, juntamente com
lectuais e morais, que nem estão cientes das atitudes nelas muitos momentos significantes da vida” (ibid., p.
mesmas que, se viessem a fruir, seriam genuinamente religi- 14). A experiência religiosa é um tipo de ideal
osas (ibid., 9). unificador de outras experiências na vida.
Dewev estava disposto a usar 0 termo D eus, mas
O estabelecimento das atitudes religiosas naturais.
queria dizer não um ser sobrenatural, mas
Dewey foi rápido em mostrar que não estava propondo
os fins ideais que num determinado tempo e lugar são
que uma nova religião substituísse a religião sobrena-
reconhecidos por autoridade sobre sua vontade e emoção,
tural. Pelo contrário, ele tentava emancipar elementos e
os valores aos quais a pessoa é extremamente dedicada,
perspectivas que poderiam ser denominadas religiosas
contanto que esses fins, por meio da imaginação, assumam
(ibid., p. 8). A diferença entre uma religião e 0 religioso
unidade (ibid.,p. 42).
é que uma religião “sempre significa um conjunto es-
pecial de crenças e práticas, tendo algum tipo de orga-
Deus representa uma unificação dos valores essen-
nização institucional, moderada ou rígida” . Em com-
ciais da pessoa. Para Dewey, progresso e realização são
paração,“o adjetivo ‘religioso’ não denota nada referen-
esses valores ideais.
te a uma entidade específica, institucional ou como sis-
Ele considerava essencial que as pessoas tivessem
tema de crenças” . Mas “denota uma atitude que pode
ideais religiosos. Pois
ser tomada em relação a todo objeto e todo fim ou ideal
proposto” (ibid., p. 9,10).
nem a observação, nem 0 pensamento, nem a atividade
Substituir a religião tradicional por atitudes religi-
prática podem alcançar a unificação completa da pessoa que
osas reajustaria e redirecionaria a vida. Então a defini-
é chamada de todo. A pessoa toda é um ideal, uma projeção
ção humanista de Dewey do religioso é:
imaginária (ibid.,p. 19).

Qualquer atividade encetada em prol de um fim ideal


Então, a auto-unificação pode ser atingida apenas
contra obstáculos e apesar de ameaças de perda pessoal por
por meio de um compromisso religioso com “Deus”
causa da convicção de seu valor geral e duradouro é de qua-
(i.e. valores ideais). Dewey diz:
lidade religiosa (ibid., p. 27).
Eu deveria descrever essa fé como a unificação da pessoa
Dewey reconhece, da mesma forma que Friedrich mediante a aliança com fins ideais inclusivos, que a imaginação
S c h l e i e r m a c h e r , que uma experiência religiosa envoi- apresenta para nós e aos quais a vontade humana reage como
ve um sentimento de dependência. Mas insiste em que dignos de controlar nossos desejos e escolhas (ibid.,p. 33).
deve ser uma dependência sem doutrinas tradicionais
ou medo (ibid., p. 25). A experiência religiosa ajuda a Uma f é comum. A forma religiosa do humanismo
desenvolver um senso de unidade impossível sem ela. pragmático proposto por Dewey era global. Na sua “fé
Pois por intermédio de uma experiência religiosa comum” , ele viu um objetivo religioso para todos.

a pessoa é sempre direcionada a algo além de si mes- Aqui estão todos os elementos para uma fé religiosa
ma, e então sua própria unificação depende da idéia da que não se limitará a seita, classe ou raça. Tal fé sempre foi
283 Dewey, John

implicitamente a fé comum da humanidade. Resta ainda no sentido mais geral e generoso — nenhuma descoberta
fazê-la explícita e militante (ibid., p. 87). em qualquer área do conhecimento e da pesquisa poderia
prejudicar a fé que é religiosa (ibid., p. 33).
Ele viu a doutrina da fraternidade como tendo a
maior importância religiosa. Para Dewey, a fé na ciência, isto é, a inteligência
crítica, é mais religiosa que a fé em qualquer revela-
Quer sejamos quer não, num sentido metafórico, todos ção de Deus. Por outro lado
irmãos, estamos pelo menos no mesmo barco, atravessan-
do 0 mesmo oceano turbulento. A importância religiosa po- algum aparato doutrinário fixo é necessário para uma reli-
tencial desse fato é infinita (ibid., p. 84). gião. Mas a fé nas possibilidades da pesquisa contínua e rigoro-
sa não limita 0 acesso à verdade, a um canal ou esquema. Essa
Oprincípio último de Dewey. Para Dewey, 0 abso- fé reverencia a inteligência como uma força (ibid., p. 26).
luto era 0 progresso democrático. Dewey se opunha à
religião tradicional sobrenatural porque a considerava A ciência tem uma vantagem sobre a religião como
prejudicial ao progresso social. Disse que “a pressupo- meio para 0 progresso humano porque é um método, não
sição de que apenas agentes sobrenaturais podem dar um conjunto de crenças fixas. É uma maneira de mudar
controle é um método garantido de adiar esse esforço 0 pensamento pela pesquisa testada. Além de a ciência
[de melhoria social]” (ibid.,p. 76). ser superior à religião, ela se opõe ao dogma religioso.
Ele viu três estágios no desenvolvimento social.
Pois 0 método científico é contrário ao dogma e à dou-
No primeiro estágio, os relacionamentos humanos eram trina também, contanto que consideremos “doutrina” no seu
sentido comum — um corpo de crenças definidas que só
considerados infectados com os males da natureza humana
precisam ser ensinadas e aprendidas como verdadeiras.
corrupta que necessitavam de redenção de fontes externas
e sobrenaturais.
Mas
Isso deve ser rejeitado. “No estágio seguinte, desco-
briu-se que aquilo que é importante nessa relação está essa atitude negativa da ciência em relação à doutri-

ligado a valores considerados distintamente religiosos.” na não indica indiferença à verdade. Significa suprema

Isso também deve ser superado. lealdade ao método pelo qual a verdade é alcançada. No
final, 0 conflito científico-religioso é um conflito entre a
aliança com esse método e a aliança com um mínimo
Oterceiro estágio perceberia que na verdade os valores ad-
irredutível de crenças tão preestabelecidas que jamais
mirados nessas religiões que têm elementos ideais constituem
poderão ser modificadas (ibid., p. 38-9).
idealizações defatores característicos da associação natural que
foram projetados a um âmbito sobrenatural para segurança e
Logo, a ciência e a religião são incompatíveis. Mas
aprovação [...] A não ser que haja um movimento em direção
uma dedicação religiosa à ciência é essencial ao pro-
ao que chamei de terceiro estágio, 0 dualismo fundamental e
gresso humano.
uma divisão na vida continuarão (ibid., p. 73).
Avaliação. P . 0 relativismo de Dewey
r a g m a t is m o

é manifesto na verdade e na ética. Pela visão prag-


A ciência como meio para 0progresso. Naturalmen-
mática da verdade, tudo que funciona é verdadeiro.
te, depende da humanidade alcançar 0 progresso so- Mas muitas coisas que “funcionam” em curto pra-
ciai. Essa crença não é nem egoísta nem otimista. 0 zo são falsas. A verdade não é 0 que funciona, mas
único meio adequado de alcançar 0 objetivo do pro- 0 que corresponde aos fatos (v. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ) .
gresso sociaLé a ciência. Nenhum pragmático gostaria de que alguém repre-
sentasse erroneam ente sua teoria porque
Há apenas um caminho garantido de acesso à verdade representá-la de tal forma seria funcional. Nem
— 0 caminho da pesquisa paciente e cooperativa, operan- mesmo pais pragmáticos desejam que seus filhos
do por meio da observação, do registro experimental e da mintam para eles simplesmente porque é conveni-
reflexão controlada (ibid., p. 32). ente fazê-lo do ponto de vista da criança. Josiah
Royce criticou 0 pragmatismo de James ao pergun-
Pois tar se James testemunharia no tribunal e “juraria
dizer 0 que fosse conveniente!”.
se admitíssemos haver apenas um método para verifi- 0 pragmatismo não se daria melhor no âmbito
car 0 fato e a verdade transmitidos pela palavra “científico” da ética. Nem tudo que funciona é correto. Algumas
Dewey, John 284

coisas que funcionam são simplesmente malignas. pensam ento são peculiares a Dewey. A forma de
Traição, mentira e até assassinato de indesejáveis têm humanismo de Dewey era pragmática, militantemente
sido atividades “ bem-sucedidas” . Questões éticas não secular, progressiva e democrática. E Dewey deu muita
são resolvidas pela obtenção de resultados desejados. ênfase à ciência como meio de realização humana. A
Tudo que 0 sucesso prova é que determinada condu- definição de Deus como 0 objetivo ideal e unificador
ta fu n c io n a ‫׳‬ , não prova que a conduta seja correta. para 0 progresso humano é própria dele. Dewey acre-
Progressivism o. O relativismo de Dewey não é to- ditava na salvação pela educação, e a base da educa-
tal. Seu sistema tem 0 absoluto do progresso ou da re- ção é a pesquisa. Aprendemos fazendo, e 0 aprendiza-
alização. Tudo que funciona para 0 progresso social é do está sempre incompleto. Sempre há espaço para
bom; tudo 0 que 0 prejudica é mau. Mas por qual pa- mais progresso. Não haverá um milênio, apenas um
drão 0 progresso é julgado? Se 0 padrão está na socie- processo contínuo e relativo de buscar novos objeti-
dade, então não podemos ter certeza de que estamos vos por meio de experimentos pragmáticos.
progredin do. Talvez estejamos m u dan do. Se 0 padrão
está fora da raça, é uma norma transcendente, um Fontes
imperativo divino, 0 que Dewey rejeita. R. J. B e r n s t e i n , “ Dewey, Jo h n ” , era ep

Outro problema com 0 progressivismo é sua ca- J. 0. B í/ s w e ll , Sr., The philosophies o f F. R. Tennant
rência de um ponto fixo pelo qual se meça a mudança. and John Dewey.
Caso contrário, não é possível sequer medir a mudan- G. H. C l a r k , Dewey.
ça. Se, por exemplo, um observador de um carro em J. D ewey, .4 common faith.
movimento está num carro em movimento, não pode X .L. G e is le r , Is man the measure?, cap. 4.
medir facilmente a velocidade em que 0 outro carro P.A. S c h il p p , org., The philosophy o f John Dewey.
está andando. Se 0 outro carro está andando na mes-
ma velocidade, na mesma direção, 0 observador não dias de Gênesis. V. G ê n e s is , d ia s d e .
pode sequer saber se está se movendo, a não ser que
outra coisa que não está se movendo possa ser usada Dilúvio de Noé. O registro do Dilúvio de Noé em
para fazer a medição. Gênesis 6— 9 levantou sérias questões nas mentes dos
Na prática, 0 progressivismo está baseado nos de- críticos da Bíblia, entre elas:
sejos daqueles que têm 0 poder de estabelecer as pri-
oridades. Por que progressivismo s o c ia l ? Por que Como essa pequena arca poderia carregar centenas de
progressivismo social d em o crático ? É possível progre- milhares de espécies?
dir em direção a ditaduras cada vez melhores. A defi-
Como um navio de madeira flutuaria numa tempesta-
nição de Dewey de “ realização” ou “progresso” em ter-
de tão violenta?
mos sociais e democráticos é totalmente arbitrária e
Como a família de Noé e os animais sobreviveram tanto
filosoficamente injustificada. Não é mais justificada
tempo na arca?
que qualquer outro objetivo que se possa escolher.
R ela tiv ism o . Intimamente ligado ao progres-
E sp écies salvas. O primeiro problema questiona a
sivismo está 0 relativismo. Dewey nega absolutos no
âmbito da verdade (v. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ) e da ética
possibilidade uma arca tão pequena carregar todas as
(v. m o r a l i d a d e , n a t u r e z a a b s o l u t a d a ) . Isso é incoerente.
espécies animais da terra. O consenso dos historiadores
Para mostrar que tu do é relativo, é preciso ter uma
e arqueólogos da Antigüidade é que um côvado tinha
perspectiva não-relativa para enxergar toda a verda-
cerca de 46 cm. Traduzindo as dimensões da Bíblia de
de. Não se pode “ relativizar” tudo mais sem ter uma
acordo com essa medida, a arca de Noé teria apenas 14
base absoluta. A afirmação “ Tudo é relativo” signifi- m de altura, 23 de largura e 137 de comprimento (Gn
ca que a afirmação também é relativa, ou que pelo 6.15). Noé recebeu ordens de pegar dois pares de cada
menos essa afirmação é absoluta. Vimos que Dewey tipo de animal impuro e sete pares de cada tipo de ani-
acreditava em absolutos, mas por sua própria esco- mal puro (6.19; 7.2). Mas os cientistas contam as espé-
lha. Então, a afirmação é contraditória e falha segun- cies animais entre meio bilhão e mais de um bilhão.
do sua própria cosmovisão. Ele é culpado de parcia- Um desastre local? Uma explicação possível é que
lidade, dizendo que tudo é relativo, exceto 0 que ele 0 dilúvio tenha sido local. Nesse caso Noé só precisa-
quer que seja absoluto. Isso é puro dogmatismo. ria repovoar a área e dispor de animais para comer e
R e su m o . O humanismo de Dewey era naturalis- sacrificar.
ta, relativista, otimista e até religioso, apesar de sua Como evidência de que 0 Dilúvio não foi univer-
oposição à religião. Algumas características desse sal, observa-se que a mesma linguagem “universal”
285 Dilúvio deNoé

de Gênesis 6-9 é usada em outras partes quando algo Segundo, 0 conceito moderno de “espécie” não é 0
menor que 0 mundo inteiro é mencionado. O povo mesmo que um “ tipo” na Bíblia. Mas, ainda que fosse,
no Dia de Pentecoste é descrito como sendo “de to- há provavelmente apenas 72 mil tipos diferentes de
das as nações do mundo” (At 2.5), mas as nações ci- animais terrestres, que a arca teria de conter. Como 0
tadas estão restritas ao mundo romano. Paulo fala tamanho médio dos animais terrestres é menor que 0
em Colossenses 1.23 a respeito do “evangelho, que de um gato, menos da metade da arca seria suficiente
vocês ouviram e que tem sido proclamado a todos os para guardar 150 mil animais — mais do que prova-
que estão debaixo do c éu ” . O itinerário de Paulo em velmente havia. Insetos só tomam um pouco de espa-
Atos 13-28 mostra que ele foi apenas até a região do ço. Os animais marinhos ficaram no mar, e muitas es-
Mediterrâneo. pécies poderiam ter sobrevividos na forma de ovo. So-
E 0 sedimento que um dilúvio como 0 de Noé te- braria bastante espaço para oito pessoas e a comida.
ria deixado só é encontrado no vale da Mesopotâmia, Terceiro, Noé poderia ter levado variedades mais
não no mundo inteiro. Não há água suficiente no jovens ou menores de alguns animais grandes. Dados
mundo para cobrir as maiores montanhas (7.20). Al- todos esses fatores, havia espaço suficiente para todos
gumas montanhas têm vários quilômetros de altu- os animais, comida para a viagem e os oito seres hu-
ra. Aguas tão altas teriam causado problemas na ro- manos a bordo.
tação da terra. As montanhas na área mesopotámica Navio de madeira numa tempestade violenta.
não são tão altas. A arca era feita de madeira e carregava uma carga pe-
Finalmente, 0 tamanho da arca restringiria 0 nú- sada. Argumenta-se que as ondas violentas de um di-
mero de espécies. As de uma área restrita seriam aco- lúvio global certamente a teriam partido em pedaços
modadas mais facilmente. (cf. Gn 7.4,11).
Um dilúvio universal?Alguns estudiosos do at acre- A arca era feita de um material forte e flexível (ce-
ditam que há evidências de um dilúvio universal. A lin- dro). Cedro cede sem quebrar. A carga pesada dava
guagem de Gênesis é mais intensa que a das referências estabilidade à arca. Além disso, arquitetos navais rela-
observadas. A ordem de divina de levar animais de toda tam que um vagão retangular flutuante, como a arca,
espécie não seria necessária se apenas a vida numa área é 0 tipo de embarcação mais estável em águas turbu-
geográfica limitada fosse destruída. Os animais pode- lentas. Um ex-arquiteto naval concluiu: “A arca de Noé
riam migrar para repovoar a região. E Gênesis 10.32 era extremamente estável, mais estável, na verdade, que
declara que 0 mundo inteiro foi povoado após 0 Dilú- os navios modernos” (v. Collins, p. 86). Na verdade, os
vio por meio das oito pessoas que foram salvas. Isso navios modernos seguem as mesmas proporções bá-
não seria verdade se as pessoas fora da região não ti- sicas. Mas sua estabilidade é reduzida pela necessida-
vessem se afogado. Pedro refere-se à salvação de apenas de de atravessar a água com 0 mínimo de resistência
oito pessoas (lPe 3.20). possível. Não há razão para a arca de Noé não ter so-
O sedimento no vale da Mesopotâmia é de um di- brevivido a um dilúvio gigantesco, ou até mesmo glo-
lúvio local, não do Dilúvio universal. As camadas bal. Os testes de estabilidade modernos demonstra-
sedimentares em todo 0 mundo estão abertas a inter- ram que tal embarcação poderia enfrentar ondas de
pretação, inclusive a possibilidade de uma catástrofe até sessenta metros e inclinar-se até quase noventa
mundial. Também há sinais de mudanças dramáticas graus e voltar a se estabilizar.
na posição das massas de terra do planeta. As monta- Sobrevivência dentro da arca. Como todos esses
nhas poderiam ter assumido formas novas, muito animais e humanos sobreviveram mais de um ano fe-
mais elevadas por causa das forças sem paralelo atu- chados nessa arca?
antes durante 0 Dilúvio. Há algumas divergências quanto à duração do Di-
A arca era grande 0 suficiente. Mas supondo que 0 lúvio. Gênesis 7.24 e 8.3 falam que as águas do Dilú-
Dilúvio tenha sido universal, permanece a questão de vio duraram 150 dias. Mas outros versículos parecem
como Noé colocaria todos aqueles animais na arca. En- dizer que foram apenas quarenta dias (Gn 7.4,12,17).
genheiros, programadores e especialistas em animais E um versículo indica que foi mais de um ano. Esses
selvagens, todos consideraram 0 problema, e seu con- números referem-se a coisas diferentes. Quarenta dias
senso é que a arca era suficiente para a tarefa. é 0 período em que a chuva caiu sobre a terra (7.12), e
A arca era na verdade uma estrutura enorme — do 150 dias é 0 tempo em que as águas foram baixando
tamanho de um navio moderno, com três níveis de con- pouco a pouco (8.3; v. 7.24). Depois disso, só no quin-
vés (Gn 6.16), que triplicavam seu espaço para mais de to mês depois de a chuva começar a arca firmou-se no
45 000 m\ Isso é equivalente a 569 vagões de trem. monte Ararate (8.4). Cerca de onze meses depois de a
docetismo 28 6

chuva começar, as águas secaram (8.13). E exatamen- elementos emprestados de mitos de nascimen-
te um ano e dez dias depois de 0 Dilúvio ter começa- tos pagãos conhecidos.
do, Noé e sua família pisaram em terra seca (8.14). 3. Pessoas, lugares e eventos identificados com 0
Outra resposta é que os seres vivos podem fazer nascimento de Cristo são historicamente pre-
qualquer coisa para sobreviver, contanto que tenham cisos. Até detalhes que eram considerados er-
água e comida suficiente. Muitos dos animais devem ros foram comprovados pela pesquisa.
ter hibernado completa ou parcialmente. E Noé tinha 4. Nenhum mito grego falou da encarnação li-
bastante espaço para comida do lado de dentro e água teral de um Deus monoteísta na forma huma-
abundante para pegar do lado de fora. na. No cristianismo, a segunda pessoa da
Para comentários sobre como relatos extrabíblicos Trindade tornou-se humana. Nas religiões
do Dilúvio e lendas do mundo antigo se relacionam pagãs, os deuses apenas se disfarçavam de hu-
ao registro da Bíblia, v. A r q u e o l o g i a d o A n t i g o T e s t a - manos; não eram realmente humanos. Nos
m e n to ; E b l a , T a b u in h a s d e . mitos pagãos, um deus e um ser humano in-
variavelmente mantinham relações sexuais, 0
Fontes que não acontece no registro cristão.
G . L . A rc h e r, Jr ., Merece confiança 0 Antigo Testamento? 5. Os mitos de deuses gregos que se tornaram hu-
D . C o llin s, “ W a s N o a h ’s a r k s ta b le ? ” CRSQ, 14 manos vêm depois do tempo de Cristo,então os
(S e p t . 1 9 7 7 ).
autores do evangelho não poderiam tê-los to-
A. Custance, Theflooddocal or global? mado de empréstimo.
G . M. P ric e , The new geology.

B. Ramm, The Christian view o f science and Scripture. Fontes

A. R eiw in k el, Theflood. J. F r a z e r , 0 ramo de ouro.

J. W hitcom b, The world that perished.


J. G. M a c h en , The virgin birth o f Christ.
Christianity and Hellenism.
___ e H. M o r r is , The Genesisflood.
R . N a sh ,

J. Woodmorappe, Noah’s ark: a feasibility study.


E. “Easter — myth, hallucination, or
Y a m a u c h i,

D. A. Young, The biblicalflood. history?”, CT (29 Mar. 1974; 15 Apr. 1974).

divino-humanas, lendas. V. A p o te o s e .
docetism o. Docetismo (gr. dokein, “aparentar”) é
uma heresia do final do século 1 que afirmava que
divinos, histórias de nascimentos. Desde que James
Jesus apenas aparentava ser humano (Kelly, p. 141).
F r a z e r publicou 0 ram o de ouro (1890,1912), tem sido
O docetismo é
comum acusar 0 cristianismo de não ser singular quan-
a afirmação de que 0 corpo humano de Cristo era um fan-
to à história da encarnação de Cristo, mas que histórias
tasma e de que seu sofrimento e morte foram meras aparên-
de nascimentos sobrenaturais são comuns entre os deu-
cias. “ Se sofreu, não era Deus; se era Deus, não sofreu”
ses pagãos. Se isso for verdadeiro, parece minar 0 cristi-
(Bettenson,49).
anismo, demonstrando que ele talvez tenha tomado
emprestado tais idéias de outras religiões. Negavam a humanidade de Cristo, mas afirmavam
Vários tipos de evidência que refutam a teoria da a divindade. Isso é 0 oposto do arianismo, que afir-
fonte do mito pagão são discutidos em detalhes em mava a humanidade de Jesus, mas negava sua divin-
outro artigo (v. L u c a s , s u p o s to s e r r o s em ; m itr a ís m o ; m i- dade (v. C r is to , d iv in d a d e d e ) . 0 docetismo já estava pre-
t o l o g i a e 0 Novo T e s t a m e n t o ; Novo T e s t a m e n t o , sente no final da época do n t , como é evidente pela
h i s t o r i c i d a d e d o ; v i r g i n a l , n a s c i m e n t o ) . Aqui os itens exortação de João, 0 apóstolo, sobre aqueles que ne-
principais são resumidos: gam “que Jesus Cristo veio em carne” (1J0 4.2, grifo do
autor. V.tb. 2J0 7).
1. O n t foi escrito por contemporâneos e não é 0 Uma resposta bíblica. As Escrituras estão reple-
resultado de desenvolvimento mitológico pos- tas de evidências de que Jesus Cristo era completamen-
terior. Lendas não se desenvolvem se as histó- te humano em todos os aspectos, mas sem pecado (Hb
rias são escritas enquanto testemunhas ocula- 4.15). Na verdade, ele é chamado de “0 homem Cristo
res ainda estão vivas para refutar as impreci- Jesus” (lTm 2.5).
sões. Jesus tinha ancestrais humanos. Os evangelhos afir-
2. Os registros de nascimento virginal não mos- mam que Jesus tinha uma verdadeira genealogia hu-
tram sinais de serem míticos, nem incluem mana que começava com 0 primeiro homem, Adão.
287 docetismo

Isso só era possível por parte de mãe, já que ele nas- anos de idade (Lc 2.42-47). A partir daí, Lucas relata:“Je-
ceu de uma virgem (Mt 1.20-25; Lc 2.1-7;v.nascim en- sus ia crescendo em sabedoria, estatura e graça diante de
to v i r g i n a l ) . Mateus traça a genealogia de Jesus a Deus e dos homens” (Lc 2.52). Como homem, tinha co-
Abraão por intermédio de seu pai legal, José, por meio nhecimento finito. Como Deus, era infinito em todas as
de quem herdou 0 direito ao trono de Davi (Mt 1. 1). coisas (v.trindade).
Lucas aparentemente traça a genealogia de Jesus por Jesus passou fo m e hum ana. Lucas registra que Je-
meio de Maria, sua verdadeira mãe, a Adão, 0 primei- sus foi para 0 deserto “onde, durante quarenta dias,
ro membro da raça humana (Lc 3.23-38). foi tentado pelo Diabo. Não comeu nada durante esses
Je s u s teve u m a c o n c e p ç ã o h u m a n a . Segundo dias e, ao fim deles, teve fome” . O corpo de Jesus preci-
Mateus, “ apareceu-lhe um anjo do Senhor em so- sava de comida para sustentá-lo.
nho e disse: ‘José, filho de Davi, não tema receber Jesus teve sede hu m an a. João diz: “ Jesus, cansado
Maria como sua esposa, pois 0 que nela foi gerado da viagem, sentou-se à beira do poço. Isto se deu por
procede do Espírito Santo’ ” . Na linguagem cientí- volta do meio-dia. Nisso veio uma mulher samaritana
fica, Jesus começou como todos os seres humanos, tirar água. Disse-lhe Jesus:‘Dê-me um pouco de água’
pela fertilização de um óvulo humano. Só que, no (Jo 4.6,7). Jesus precisava de água para sustentar seu
caso dele, foi fertilizado sobrenaturalmente pelo Es- corpo. Quando não bebia 0 suficiente, ficava com
pírito Santo, não por esperma humano. sede.
Jesus teve um nascim ento hum ano. Segundo 0 dr. Jesus sentiu cansaço humano. Jesus também ficava

Lucas: cansado fisicamente. E quando ficava cansado, descan-


sava. João disse que Jesus estava “cansado da viagem” (Jo
4.6). Outras vezes se afastou da multidão: “Havia muita
Assim, José também foi da cidade de Nazaré da Galileia
gente indo e vindo, ao ponto de eles não terem tempo para
para a Judeia, para Belém, cidade de Davi, porque pertencia
comer. Jesus lhes disse: ‘Venham comigo para um lugar
à casa e à linhagem da Davi. Ele foi a fim de alistar-se, com
deserto e descansem um pouco’ (Mc 6.31).
Maria, que lhe estava prometida em casamento e esperava
Jesus teve em oções hum anas. 0 versículo mais cur-
um filho. Enquanto estavam lá, chegou 0 tempo de nascer 0
to da Bíblia diz apenas:“Jesus chorou” (Jo 11.35),quan-
bebê, e ela deu à luz 0 seu primogênito. Envolveu-o em pa-
do ele estava ao lado do sepulcro de seu amigo. Mas,
nos e 0 colocou numa manjedoura, porque não havia lugar
um momento antes, 0 texto diz: “Ao ver chorando Ma-
para eles na hospedaria (Lc 2.4-7).
ria e os judeus que a acompanhavam, Jesus agitou-se
no espírito e pertubou-se (v. 33). Jesus chorou por Je-
Não houve nada sobrenatural no nascimento de
rusalém, dizendo: “Jerusalém, Jerusalém, você, que
Jesus. Maria teve uma gravidez de nove meses (Lc
mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados!
1.26,56,57) e dores de parto, e Jesus nasceu através do
Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a
canal de nascimento, como todas as outras crianças.
galinha reúne os seus pintinho debaixo das suas asas,
Lucas, citando a lei mosaica, falou de Jesus como
mas vocês não quiseram” (Lc 13.34).
“primogênito” (Lc 2.23), a mesma expressão usada
Jesus também ficou irado quando viu 0 templo
para todos os judeus machos primogênitos. Foi um sendo profanado: “Então ele fez um chicote de cordas
nascimento natural, só que Maria não tinha parteira, e expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os
então deu à luz sozinha (Lc 2.7). bois; espalhou as moedas dos cambistas e virou as suas
Paulo afirma 0 nascimento humano de Jesus de mesas” (Jo 2.15). Irado com a hipocrisia religiosa, ata-
forma simples: “ Mas, quando chegou a plenitude do cou os líderes religiosos:
tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher,
nascido debaixo da lei” . Ele provém da mulher, Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas, porque
como todos nós ( 1 C0 11.12). percorrem terra e mar para fazer um convertido e quando
Jesus teve uma infância hum ana. Apesar de saber- conseguem, vocès 0 tornam duas vezes mais filho do infer-
mos pouco sobre a infância de Jesus, sabemos 0 sufi- no do que vocès.
ciente'pafa concluir que ele cresceu como as outras Ai de vocès, guias cegos!, pois dizem: “Se alguém jurar
crianças, aprendeu e se desenvolveu normalmente. pelo santuário, isto nada significa; mas se alguém jurar pelo
Como outros meninos judeus, foi circuncidado ao oi- ouro do santuário, está obrigado por seu juramento” (Mt
tavo dia e dedicado ao Senhor no templo aos quarenta 23.15,16).
dias (Lc 2.21,22). Aparentemente era uma criança pre-
coce (Lc 2.41 -49), impressionando os líderes religiosos Jesus tinha um senso de hum or hum ano. Ao contrá-
com seu conhecimento de assuntos espirituais aos doze rio de algumas opiniões austeras, Jesus tinha senso de
Dooyeweerd, Herman 288

humor. O humor é baseado no senso do ridículo. Jesus que Jesus derramou seu “sangue” por nossoS pecados.
expressou isso em várias ocasiões. Na mesma denúncia Paulo escreveu:“ Mas agora, em Cristo Jesus, vocês que
de Mateus 23, ele disse aos escribas e fariseus: “Guias antes estavam longe, foram aproximados mediante 0
cegos! Vocês coam um mosquito e engolem um came- sangue de Cristo” (E f 2.13). Hebreus acrescenta:
10” (v. 24). Além disso, depois da ressurreição repreen- “...quanto mais 0 sangue de Cristo, que pelo Espírito
deu os seus discípulos, que eram pescadores experien- eterno se ofereceu de forma imaculada a Deus, purifi-
tes, porque haviam pescado a noite toda e sem apanhar cará a nossa consciência de atos que levam à morte,
um peixe sequer (Jo 21.5). para que sirvamos ao Deus vivo” (9.14).
]esus tinha linguagem e cultura humanas. Jesus era U m a resposta teoló gica . A negação da humani-
judeu. Era 0 filho de Abraão e Davi (M t 1.1). Tinha dade de Cristo é um erro tão grave quanto negar sua
uma mãe judia (M t 1.20-25; G1 4.4). Tinha cultura e divindade. Se Jesus não é Deus e humano, não pode
religião judaicas ( Jo 4.5-9,21,22). A mulher de Samaria mediar entre Deus e humanos (ITm 2.5). A salvação
0 reconheceu imediatamente como judeu pela aparên- envolve a reconciliação dos seres humanos com Deus
cia e pelo modo de falar (Jo 4.9). (2C0 5.18,19). Isso só é possível se Deus se torna hu-
]esus teve tentação humana. O autor de Hebreus nos mano. A n selm o demonstrou isso em seu Cur Deus
informa: “Pois não temos um sumosacerdote que não homo? [Por que 0 Deus homem?] Negar a verdadeira
possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim humanidade de Cristo é negar a base de nossa reconci-
alguém que, como nós, passou por todo tipo de tenta- liação com Deus. É por isso que a igreja primitiva con-
ção, porém, sem pecado” (4.15). A tentação de Cristo denou 0 docetismo. Entre os condenados por ensinar
foi real (Mt 3). Como ser humano, Cristo sentiu toda essa falsa doutrina estava Cerinto, a quem 0 apóstolo
João se opôs em Éfeso (v. Cross, p. 413; Douglas, p. 305).
sua força (M t 26.38-42).
]esus era de carne e osso humanos. Jesus, como Adão
Fontes
antes da queda, não possuía mortalidade inerente. Isso
veio como resultado da queda (Rm 5.12). No entanto, H.Bettexson, Documents of the Christian church.

Jesus era capaz de morrer e realmente morreu. Como F. L. Cross, The Oxford dictionary of the Christian-
qualquer outro ser humano, Jesus sangrava quando se church.
cortava.“ Um dos soldados perfurou 0 lado de Jesus com ]. D. Douglas, The new international dictionary of
uma lança, e logo saiu sangue e água” (Jo 19.34). O livro the Christian church, org. rev.
de Hebreus compartilha as implicações desse sangue e J. N. D. K e lly , Doutrinas centrais dafé cristã.
água: “ Portanto, visto que os filhos são pessoas de car-
ne e sangue, ele também participou dessa condição hu- Dooyeweerd, Herman. Filósofo reformado holandês
mana, para que, por sua morte, derrotasse aquele que (1894-1977) que estudou e depois ensinou filosofia le-
tem 0 poder da morte, isto é, 0 Diabo” (2.14). gal na Universidade Livre em Amsterdã (1926-1965).
] esus sentiu dor humana. A crucificação inflige uma É mais conhecido por sua obra de quatro volumes A new
morte agonizante, e Jesus sentiu cada momento dela, critique of theoretical thought [Nova crítica dopensamen-
recusando até uma droga que lhe diminuiria a dor (Mt to teórico} (1953-1958). Fundou 0 jornal Philosophia
27.34). Sua dor foi física e emocional. Na cruz, clamou Reformata, que foi fundamental no estabelecimento da
em agonia: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me aban- Associação pela Filosofia Calvinista (mais tarde cha-
donaste?” (Mt 27.46). Antes de sua morte, angustiou-se mada Filosofia Cristã). Outras obras: The Christian
no jardim, suando gotas de sangue e confessando: “A idea of the State [A idéia cristã do Estado], In the
minha alma está profundamente triste, numa tristeza twilight of western thought [No crepúsculo do pensa-
mortal” (M t 26.38). O autor de Hebreus descreve as ex- mento ocidental], Roots of western culture [As raizes
periências de Jesus vividamente: “ Durante os seus dias da cultura ocidental] e Transcendental problems [Pro-
de vida na terra, Jesus ofereceu orações e súplicas, em blemas transcendentais]. Seu trabalho seguiu a tradi-
alta voz e com lágrimas, àquele que 0 podia salvar da ção reformada de Abraham Kuyper (1837-1920), ape-
morte, sendo ouvido por causa da sua reverente sub- sar de ter ido muito além de seu antecessor na crítica
missão” (5.7). ao pensamento ocidental e no desenvolvimento de seu
Jesus teve uma morte humana. A Bíblia testifica re- próprio sistema.
petidamente que Jesus morreu (por exemplo, Mt 16.21; A fil o s o fia d e D o o y e w e e rd . Apesar de seu pen-
Rm 5.8; 1C0 15.3; v. Cristo,morte de).“ Ele foi morto no samento basear-se no pensador reformado Kuyper,
corpo” (lP e 3.18). As Escrituras dizem repetidamente as raízes filosóficas do pensamento de Dooyeweerd
289 Dooyeweerd, Herman

remontam a Im m anuel K a n t (1724-1804) e à 0 coração como raiz da realidade. Dooyeweerd via


fenomenologia de Edmund Husserl (1859-1938). 0 coração como a raiz da existência cristã. É 0 centro
Ele começa com uma crítica dos fundamentos do religioso da pessoa. 0 coração pecaminoso está con-
pensamento ocidental, concluindo que sua base na tra Deus; logo, não há nenhuma estrutura de pensa-
razão é infundada e infrutífera, cega a seus própri- mento religiosamente neutra para a qual se possa ape-
os compromissos religiosos, principalm ente na lar n a construção de um sistema filosófico ( v . n o é t i c o s
pretensa autonomia pela qual a filosofia se desli- DO PECADO, E F E IT O S ).

gou da revelação divina. Da mesma forma, rejeitou A falha de todo pensamento não cristão é que elejulga
a suficiência da revelação geral ou da graça comum encontrar significado na criação. Mas significado não é
como base para construir uma teologia natural (v. encontrado na criação imanente, e sim no Criador trans-
D e u s , evid ên cia s d e ). cendente. Logo, devemos rejeitar a autonomia humana (v.
A crítica transcendental. Uma das heranças de S c h a e f f e r , F r a n c i s ) e viver na dependência da revelação de

Dooyeweerd é sua crítica transcendental, que foi usada Deus (v.Dooyeweerd,/« the twilight,p.67).
por Cornelius V an T il na sua apologética pressuposicio- Soberania nas esferas da realidade. Dooyeweerd
nal. A forma de argumento segue a redução transcen- constrói um sistema distintamente cristão de domí-
dental de K a n t , pela qual se estabelecem as condições nios hierarquicamente ordenados que, segundo ele,
necessárias do pensamento e das ações. compõem 0 fundamento da realidade. Sua teoria é co-
A crítica transcendental difere da crítica trans- nhecida como soberania das esferas, com cada esfera
cendente. A segunda é puramente externa, sem che- de atividade intelectual ou prática subordinada à re-
gar à raiz da questão. A crítica transcendental per- velação de Deus.
gunta: “O que faz a ciência possível?” ; “ Como a Fé (0 Deus estabeleceu quinze esferas de ação para a
ponto de partida religioso) direciona a ciência (e a operação de aspectos diferentes da criação:
filosofia)?” ; “ Como ela pode, infelizmente, também
orientar mal a ciência?” (Klapwijk, p. 22). Segundo
Jacob Klapwijk, essa crítica Sucessão de Momento Ciência
esferas modal
1. numérica quantidade matemática
c o n c e n tra - s e n o s fe n ô m e n o s d a p r ó p r ia c iê n c ia , c o m o
discreta
se r e c o n s t it u i n d o , d e d e n t r o p a r a t o r a , 0 r a c i o c í n i o q u e a
2.espacial extensão matemática
c i ê n c i a s e g u e , p a r a f i n a l m e n t e c h e g a r a e s s e p o n t o d e o ri-
3. cinemática movimento mecânica
g e m , 0 p o n to d e p a r t i d a r e lig io s o e o c u lt o d e t o d a a t iv id a d e
4.física energia física, química
c ie n tífic a (ib id .). 5. biológica vida orgânica biologia, fisiolo-
gia e morfologia
A crítica transcendental procura a “antítese” , já que 6. psíquica sentimento- psicologia
sua tarefa é entrar em conflito com todas as estrutu- sensação empírica
ras de pensamento de base humana. Uma lei do co- 7 . analítica distinção teórica lógica
nhecimento humano é que a verdade é alcançada ape- 8. histórica processo história do
cultural desenvolvimento
nas no conflito de opinião (Dooyeweerd, ix). Essa crí-
da sociedade
tica interna se opõe ao ponto de partida absoluto do
humana
coração impenitente e “tenta abrir os olhos de um pen-
9. lingüística significado filologia,
sador para pressuposições e motivações pré-teóricas” simbólico semântica
que, segundo Dooyeweerd, são de natureza religiosa
(ibid.). Com isso demonstra-se “que a argumentação 10.social relação social sociologia
racional do conhecimento humano é impelida (e pos- 11. econômica economia economia
sivelmente distorcida) pela motivação do coração hu- 12.estética harmonia estética
mano” (ibid.). Pois todo cientista, consciente ou in- 13.jurídica retribuição jurisprudência
conscientemente, tem uma “idéia cósmica” ou estru- 14.ética amor ao próximo ética
15. fé certeza transcen- teologia
tura geral na qual se encaixa todo conhecimento
dente com relação
factual.“ Essa estrutura em si, no entanto, está funda-
à origem
da numa base religiosa (crédula ou incrédula) ” (ibid.).
Então 0 métodojranscendental é a chave para a porta (Adaptado de: E. L. Hebdon Taylor: The Christian
do coração. Apenas a serviço de Deus ele pode ser philosophy of law, politics, and the State [Nutley, N.J.:
usado para destrancar essa porta. Craig, 1969[, 274.)
Dooyeweerd, Herman 290

Todo significado nas esferas criadas aponta para mais é absolutamente absoluto. Todas as outras coisas
algo além de si. Dooyeweerd escreveu: dependem dele. Com a soberania absoluta de Deus fir-
me no lugar, Dooyeweerd vê todas as outras esferas
Significado, como dissemos, aponta para algo fora e além como ramificações. Na verdade, a própria idéia de que
de si, a uma origem, que, em si mesma, não é mais significado. tudo que existe abaixo de Deus é soberano apenas na
Continua dentro dos limites do relativo. A verdadeira Origem, sua esfera é útil, pois quando há conflitos entre as esfe-
pelo contrário, é absoluta e auto-suficiente! (New critique, p. 10). ras, ela chama a atenção para 0 fato de que não são ab-
solutamente absolutas.
Além disso, não há verdades isoladas. Toda verdade O coração. A filosofia de Dooyeweerd começa no
deve ser vista em coerência com 0 sistema inteiro da coração. Pois, como dizem as Escrituras: “Acima de tudo,
verdade. guarde 0 seu coração, pois dele depende toda a sua vida” .
(Pv 4.23). Na verdade, 0 ateísmo começa no coração (SI
Não existe verdade parcial que seja suficiente para si. 14.1). Portanto, nenhum conhecimento completo da hu-
Verdade teórica parcial só é verdade na coerência das ver- manidade é possível sem incluir 0 papel do coração.
dades teóricas, e essa coerência na sua relatividade pressu- Oponto departida fixo. Como ponto de partida fixo
põe a plenitude ou totalidade da verdade (ibid., p. 116). para sua filosofia, 0 Dooyeweerd pós-kantiano desen-
volveu um argumento tra n s ce n d e n ta l, que se tornou
Só Deus, 0 Soberano, é absoluto. Cada esfera é re- uma característica de seu discípulo, Van Til. Essa abor-
lativa e subordinada a ele. “O conceito de uma ‘verda- dagem oferece uma base epistemológica firme sobre
de absoluta teórica se dissolve em contradição inter- a qual construir.
na” (ibid., p. 156). Aspectos negativos. Dooyeweerd tem críticos, mes-
mo entre teólogos reformados. Da mesma forma, re-
Isso significa que 0 dogma relativo à autonomia do pen- jeitou a suficiência da revelação geral (v. re v e la ç ã o
samento teórico deve levar seus adeptos a um impasse apa- g e r a l) o u a graça comum como base para construir
rentemente inevitável. Para manter essa autonomia, são obri- uma teologia natural (v. Deus, evidências de).
gados a buscar seu ponto de partida no próprio pensamen- .4 tendência ao voluntarismo. Um voluntarismo su-
to teórico (Dooyeweerd, In the twilight, p. 19). bentendido é inerente à ênfase que Dooyeweerd dá à so-
berania. Apesar de um esforço nobre para evitar a acusa-
Cada esfera está sujeita à soberania de Deus. ção de ser arbitrário, ele não consegue. Pois regras imutá-
Dooyeweerd cita Calvino:“ Deus não está sujeito às leis veis da razão comum a Deus e ao homem, mas baseadas
[que ele fez], mas [ele] não [é] arbitrário” {A new cri- na natureza de Deus, não parecem ser 0 que ele tem em
tique, p. 93). Esse julgamento está na base de todo pen- mente (v. Deus, natureza de).
samento especulativo. Ele “ revela os limites da razão ,4 confusão da autonomia e da supremacia da razão.
humana estabelecidos para ele por Deus na sua or- Apesar de Dooyeweerd estar certo ao repreender a auto-
dem mundial temporal” (ibid.). nomia da razão separada de Deus, parece rejeitar 0 fato
Influência. A filosofia de Dooyeweerd não teve muita de que isso não significa que a razão possa ser um pa-
aceitação fora dos grupos reformados, mas mesmo as- drão supremo para a verdade. Isso surge de seu
sim atraiu um pequeno grupo de seguidores dedicados. voluntarismo, que vê a razão como vindo da vontade de
Hans Rookmaaker e Van Til talvez sejam seus discípulos Deus, não ligada à sua própria natureza.
mais conhecidos, apesar de Francis S c h a e f f e r ter popula- ,4 falta de base bíblica. Há uma falha geral na de-
rizado muitas de suas idéias. monstração de que todas as suas esferas estão basea-
A valiação. Contribuições positivas. Entre os aspec- das nas Escrituras. De um ponto de vista estritamente
tos valiosos do pensamento de Dooyeweerd está seu cristão, 0 que sua visão afirma ser, isso é uma defici-
desejo de preservar a soberania de Deus. ência séria.
Uma crítica pesada ao pensamento não-cristão. Pou- Uma incoerência básica. Dooyeweerd insiste em que
cos filósofos cristãos atacaram mais diretamente a jugular 0 ser humano autônomo não pode interpretar a cria-
do pensamento não-cristão. Dooyeweerd oferece uma crí- ção sozinho. Deve vê-la com a ajuda de Deus, do ponto
tica pesada aos fundamentos do pensamento ocidental, de vista de Deus. Mas afirma que há um ponto de parti-
avaliando corretamente que este é ignorante quanto aos da pré-científico (fenomenológico) pelo qual a pessoa
seus próprios compromissos religiosos. pode interpretar a criação.Nesse caso, Dooyeweerd não
Soberania e soberania das esferas. Dooyeweerd deixa é coerente com a abordagem transcendental. Pois, em
tudo em ordem. Deus é 0 primeiro e é soberano. Nada vez de procurar as condições transcendentalmente
291 dualismo

necessárias a todos os pensamentos e ações huma- outro, tais como matéria e forma (ou espírito), ou
nos, ele parece basear sua epistemologia num ponto bem e mal. 0 platonismo é um exemplo do primeiro,
de partida fenomenológico. e 0 zoroastrismo, 0 g n o s t i c i s m o e 0 maniqueísmo são
Um ponto de partida não racional. Além disso, esse exemplos do segundo. Os dualistas acreditam na cri-
método fenomenológico é contraditório. Não se pode ação ex m ateria, isto é, de material preexistente. Tal
conceber 0 pré-conceitual nem pensar no pré-racional. posição é diferente da dos teístas, que acreditam na
A verdade é que a razão é inevitável. Não há ponto de criação ex nihilo, do nada, e da dos panteístas (v.
partida pré-racional para seres racionais. p a x t e í s m o ) , que acreditam na criação e x D e o , de Deus

Uma negação da supremacia das leis da lógica. Para (V. CRIAÇÃO , V ISÕ ES D A ).
Dooyeweerd, a ló g ica que conhecemos só se aplica ao 0 d u a lism o . Como Tomás de
D ific u ld a d e s co m
mundo criado. Mas então como podemos pensar so- A quino observou (v. Aquino, passim), nem todos os pri-
bre Deus sem essas leis de raciocínio? Certamente a meiros princípios, como 0 bem e 0 mal, são eternos.
verdade não pode ser encontrada em afirmações con- Baixo e alto são opostos, mas isso não significa que
traditórias sobre Deus. Como isso seria diferente do deve haver seres eternamente baixos e eternamente
koan de um zen-budista (v. budismo), tal como uma altos. Então, 0 bem e 0 mal podem ser opostos sem
mão batendo palmas, sendo uma chave para “enten- serem ambos eternos. Ele chegou à conclusão de que
der” a realidade suprema (0 Tao)? 0 problema é a suposição de que
Testes inadequados para a verdade. Os testes de
Dooyeweerd para a verdade parecem resumir-se a um todos os contrários parecem estar comprimidos sob as
teste subjetivo (0 testemunho do Espírito Santo) e a tes-
categorias de bem e mal, por um deles sempre ser deficien-
te inadequado (coerência interna). 0 segundo é na ver-
te em comparação, eles acham que os princípios ativos pri-
mários são 0 Bem e 0 Mal.
dade apenas um teste de falsidade; todas as teorias in-
coerentes são falsas. Mas não é realmente um teste da
verdade, já que mais de uma visão oposta pode ser in-
Então “não há um primeiro princípio do mal como
ternamente incoerente (v. C l a r k , G o r d o n ) .
há do bem” . Uma razão para isso é que
A insuficiência da revelação geral Como muitos
0 princípio original das coisas é essencialmente bom.
pensadores reformados, Dooyeweerd acredita que a
[Mas ] nada pode ser essencialmente mau. Todo ser, como ser,
revelação geral não é compreensível para a humani-
é bom; 0 mal não existe exceto num sujeito bom (Aquino 1.1).
dade pecadora. Mas isso é diretamente contrário à afir-
mação das Escrituras (Rm 1.19,20; 2.12), que assegu-
Xo dualismo, nenhum dos princípios pode ser supre-
ram que a revelação geral é “claramente vista” e a hu-
mo, já que cada um é limitado pelo outro. Mas alguma coi-
manidade pecadora é indesculpável por não ser sen-
sa deveria ser suprema. Como afirmou, C.S. Lewis,
sível a ela (v. r e v e l a ç ã o g e r a l ) . O fato de 0 coração ín-
crédulo não entendê-la ( 1C0 2.14) não significa de for-
Os dois Poderes, 0 bem e 0 mal, não explicam um ao ou-
ma alguma que não perceba a revelação geral de Deus
tro. Xenhum deles [...] pode afirmar que é Supremo. Mais su-
(cf.Sl 19.1-6; At 14.17).
premo que ambos é 0 fato inevitável de existirem juntos. Cada
um deles, então, está condicionado — se encontra, quer quei-
Fontes
ra quer não, numa situação; e assim, a própria situação, ou
V. B r l m m e r , Transcendental criticism a n d Christian
philosophy.
alguma força desconhecida que produziu essa situação é 0
A . L . C o n r a d ie , The n eo-calvinisi concept o f philosophy.
Supremo real (Lewis, God in the dock, p. 22).
H . D oo yew eerd, In the twilight ot western thought.
___, .4 (1eu‫ ׳‬critique ot theoretical thought. Vocè não pode aceitar que dois seres condicionados e
L. K alsbeei k , Contours o f a Christian philosophy. mutuamente independentes sejam Absolutos (ibid.).
J. Ki.apw iik, “ D ooyew ee rd 's C h ris tia n p h ilo s o p h y:

antithesis a n d c ritiq u e ", RJ. M a r. 1980.


Xo sentido moral, um princípio não pode ser declara-
R . N ash, D ooyew eerd a n d the A m sterdam philosop h y do “bom” e 0 outro “mau”, a não ser que sejam medidos
J. M . S p ie r , An introduction to Christian p hilosop h y por algo além dos dois. !Mas, como Lewis observou
E. L. H. T a y l o r , The Christian philosophy of law,
politics, and politics, and the State. no momento que vocè diz isso, está colocando no uni-
verso uma terceira coisa além dos dois poderes: uma lei ou
dualismo. Na metafísica, 0 dualismo é a crença de que padrão ou regra de bem ao qual um dos poderes se confor-
há dois princípios co-eternos em conflito um com 0 ma e 0 outro deixa de se conformar.
dualismo 292

Mas, já que Como A g o stin h o concluiu, 0 mal é a falta do bem, e


não 0 contrário. Pois, quando tiramos todo 0 mal de
os dois poderes são julgados por esse padrão, ou pelo algo, ele fica melhor. Por outro lado, quando tiramos
Ser que criou esse padrão, então esse padrão, ou 0 Ser que todo 0 bem de algo, não há nada (Agostinho). Logo, 0
fez esse padrão, é anterior e superior a ambos, e será 0 Deus bem é supremo, e 0 mal é uma limitação ou privação
real (Cristianismo puro e simples, p. 49). do bem (v. m al, problema d o).

“O dualismo dá ao mal uma natureza positiva, Fontes


substantiva e autoconsistente, como a do bem” , mas Agostinho, Anti-manichean writings.

“se 0 mal tem 0 mesmo tipo de realidade que 0 bem, a N. L. G e isle r, Philosophy o f religion, caps. 14,15.
___ , The roots o f evil.
mesma autonomia e plenitude, nossa aliança com 0
C. S. Lew is, God in the dock.
bem torna-se a lealdade arbitrária de um partidário.”
___ , Cristianismo puro e simples.
Contudo
Tomás de Aquino, On evil.

“a teoria íntegra do valor [...] exige que 0 bem seja


Duns Scotus. V. cosmológico, argum ento.
original, e 0 mal, mera perversão; que 0 bem seja a árvo-
re, e 0 mal, a hera; que 0 bem seja capaz de perceber 0
dupla verdade, teoria da. V A ve rró is.
mal (como quando homens sãos percebem a loucura)
enquanto 0 mal não pode fazer 0 mesmo... (Lewis, God dúvida. V certeza / convicção; fé e razão; primeiros princípi-
in the dock, p. 22-3). os; indutivismo; Esp írito Santo na apologética, papel do.
Ee
Ebla,tabuinhas de. Dezesseis mil tabuinhas de argi- Há implicações significativas nos arquivos de Ebla
la do terceiro milênio a.C. foram descobertas em Ebla, para a apologética cristã. Elas destroem a crença críti-
na Síria moderna, a partir de 1974. Giovanni Pettinato ca na evolução do monoteísmo (v. monoteísmo primiti-
data-as de 2580-2450 a.C., e Paolo Matthiae sugere vo) a partir do politeísmo e henoteísmo, supostamen-
2400-2250 a.C. Ambos os períodos antecedem qual- te anteriores. Essa hipótese da evolução da religião é
quer outro material escrito em centenas de anos. popular desde a época de Charles D a rw in (1809-1882)
Im p o r tâ n c ia a p o lo g ética d a s ta b u in h a s. A im- e Julius W e llh a u s e n (1844-1918). Agora sabe-se que 0
portância das tabuinhas de Ebla é que elas cor- monoteísmo é anterior. E a força da evidência de Ebla
respondem aos primeiros capítulos de Gênesis, con- apóia 0 ponto de vista de que os primeiros capítulos
firmando-os. Apesar de prejudicados por pressão po- de Gênesis são história, não mitologia (v. d ilú vio de noé;
lítica e negações subseqüentes, os relatórios publica- ciência e a B íb lia ).
dos em jornais respeitados oferecem várias linhas pos-
síveis de apoio para 0 registro bíblico (v. arq u e o lo g ia Fontes
do A n tig o Testam ento). S. C. B e l d , et al‫ ״‬The tablets o f Ebla: concordance
Segundo os relatórios, as tábuas contêm nomes das and bibliography.
cidades de Ur, Sodoma e Gomorra e de deuses pagãos M . D ahood, “Are the Ebla tablets relevant to biblical
mencionados na Bíblia, como Baal (v. Ostling, research?”, BAR, Sept.-Oct. ]980.
p. 76-7). H. L a F a y , “Ebla” , National geographic, 154.6 (Dec.
Os relatórios dizem que as tabuinhas de Ebla con- 1978).
têm referências a nomes encontrados no livro de P. M a t t h i a e , Ebla: an empire rediscovered.
Gênesis, inclusive Adão, Eva e Noé (Dahood, p. 55-6). E. M e r r ill, “ Ebla and biblical historical inerrancy” .
É de grande importância a descoberta dos regis- Bib. Sac., Oct.-Dec. 1983.
tros da criação mais antigos que se conhecem além da R. O sTL 1N‫־‬G ,“ N e w grounding for the Bible?”, Time,
Bíblia. A versão de Ebla antecede 0 registro babilônico 21 Dec. 1981.
em cerca de seiscentos anos. A tabuinha da criação é B. P e tt is a to , The archives o f Ebla.
surpreendentemente parecida com Gênesis, falando de
um ser que criou os céus, a Lua, as Estrelas e a terra. Éden, jardim do. “Ora, 0 S e n h o r Deus tinha plantado
Semelhanças mostram que a Bíblia contém a versão um jardim no Éden, para os lados do leste, e ali colo-
mais antiga e menos alterada da história e transmite cou 0 homem que formara” , relata Gênesis 2.8. Já que
os fatos sem a corrupção das narrações mitológicas. Adão e Eva são apresentados como pessoas reais, com
As tabuinhas relatam a crença na criação do nada, de- filhos reais, dos quais se originou toda a ração huma-
clarando: “ Senhor do céu e da terra: a terra não exis- na (Gn 5.1; lCr 1.1; Lc 3.38; Rm 5.12), supõe-se tam-
tia, tu a criaste, a luz do dia não existia, tu a criaste, a bém que houve um jardim do Éden literal. Na verda-
luz da manhã [ainda] não havia sido criada” (E bla de, a Bíblia fala dele como um lugar real na terra, re-
archives, p. 259). pleto de árvores, plantas e animais. Tinha rios e um
Edwards, Jonathan 294

portal (Gn 2 e 3). Mas os críticos salientam que não há Filho de um ministro congregacional, Edwards foi um
evidência arqueológica (v. arq u e o lo g ia do a n tig o testa- apologista clássico (v. clássica, a p o lo g é tica ). Depois de
m ento) de que tal local tenha existido. Eles concluem receber 0 diploma de bacharel em Yale (1720), ingres-
que a história do Éden é apenas um mito (v. B íb lia , sou no ministério na Igreja Presbiteriana em Nova
c r ít ic a da). York, em 1726. Morreu poucas semanas após começar
A r g u m e n to s a fa v o r d e u m j a r d im real. Mas evi- seu trabalho como presidente da Faculdade de Nova
dências fortes que apóiam a realidade literal do jar- Jersey (hoje Universidade Princeton), em 1758.
dim do Éden vêm de várias fontes. Edwards foi muito influenciado por John Lo c k e
Já que as Escrituras dizem que 0 Senhor selou 0 (1632-1704) e Isaac Newton (1642-1727), e em menor
jardim de alguma forma após a Queda, exatamente extensão pelo idealismo britânico de George B e rk e le y
por isso os crentes não devem esperar encontrar evi- (1685-1753). Menino prodígio, Edwards produziu suas
dências arqueológicas (Gn 3.24). Nem há qualquer obras iniciais na adolescência. Sua primeira obra filo-
indicação de que Adão e Eva tenham feito vasos ou sófica, “Of being” [“Do ser” ], contém um argumento
construído edificações duráveis. Tudo que tivesse so- cosmológico poderoso, assim como sua outra obra ju-
brado de um jardim do Éden seria destruído pelo Di- venil “ The mind” [A mente], Da mesma forma, no seu
lúvio que cobriu a terra (Gn 6— 9; 2Pe 3.5,6). Miscellanies [Miscelâneas] defende a existência e neces-
A Bíblia dá evidência do local, já que os dois rios sidade de Deus. No “Sermon on Romans 1.20” [ “Sermão
mencionados ainda existem — 0 Tigre e 0 Eufrates sobre Romanos"], (1743), não-publicado, Edwards for-
(Gn 2.14). Mesmo que os rios tenham adquirido um nece um argumento cosmológico e teleológico detalha-
curso diferente após 0 dilúvio, a colocação de nomes do a favor de Deus. Uma de suas maiores obras, The
em rios indica que 0 autor acreditava que esse era freedom of the will [Da liberdade da vontade] (1754),
um local literal. A Bíblia até os localiza na Assíria (v. também é enfaticamente apologética, assim como A
14), que é 0 atual Iraque. treatise concerning religious affections [Um tratado so-
bre as sensações religiosas] (1746). Sua grande obra so-
Para uma discussão acerca da realidade de Adão
bre apologética, ,4 rational divinity [ Uma teologia racio-
e Eva, v. A d ã o , h is to ricid a d e de. Há evidências abun-
nal], não foi completada.
dantes de que esses são os primeiros seres humanos
A a p o lo gética d e E d w a rd s. Como apologista clás-
e progenitores literais da raça humana. Pessoas lite-
sico seguindo os passos de Tomás de A q u in o e John
rais precisam de um lugar literal para viver. A Bíblia
Locke, Edwards começou com provas da existência de
chama esse lugar jardim que Deus plantou no Éden
Deus. Edwards usou os argumentos cosmológico e
(Gn 2.8).
teleológico, apesar da ênfase ser dada ao primeiro.
O NT refere-se a eventos que aconteceram no Éden
A relação defé e razão. Edwards equilibrou a razão
como históricos. Fala da criação de Adão e Eva (Mt
e a revelação. A razão tinha oito funções básicas:
19.4; lTm 2.13) e de seu pecado original (lTm 2.14;
Rm 5.12). Mas esses eventos históricos literais pre-
Primeiro, a razão deve provar a existência de Deus, 0
cisam de um lugar geográfico em que acontecer.
Revelador. Segundo, a razão prevê que haverá uma revela-
As Escrituras afirmam que Deus ainda restaura-
ção. Terceiro, só a razão pode compreender racionalmente
rá os seres humanos por uma ressurreição corporal
qualquer “suposta” revelação. Quarto, só a razão pode de-
literal (v. re s s u rre iç ã o física , n atu re z a d a) a um paraí-
monstrar a racionalidade da revelação. Quinto, a razão deve
so literal restaurado (Rm 8.18-23; Ap 21,22). Mas 0
comprovar que qualquer revelação seja genuína. Sexto, a ra-
que é um paraíso literal reconquistado se não houve
zão argumenta a confiabilidade da revelação. Sétimo, a ra-
um paraíso literal perdido? zão, tendo previsto mistérios em qualquer revelação divina
C o n c l u s ã o . Para aqueles que dão alguma
genuína, defende esses mistérios, refutando quaisquer ob-
credibili-dade ao registro bíblico, a evidência de um jeções à sua presença. Oitavo, apesar de a “luz divina e so-
Éden literal é bem convincente. Esse lugar está en- brenatural” não vir da razão, é a razão que compreende 0
trelaçado com ensinamentos básicos da fé cristã, tais que essa luz ilumina [Jonathan Edwards, p. 22-3].
como Criação literal, Queda e Restauração, 0 que lhe
dá ainda mais importância. Negar 0 Éden literal é ne- Mas a razão humana tem quatro limitações signi-
gar uma pedra fundamental dos ensinamentos bási- fícativas.
cos da Bíblia para os quais há forte evidência.
Primeiro, ela não pode tornar 0 conhecimento de Deus
Edwards, Jonathan. Importante filósofo-teólogo, “real” para 0 homem impenitente. Segundo, não pode con-
avivalista e pastor na América antiga (1703-1758). ceder uma revelação sobrenatural e salvadora, nem mesmo
295 Edwards, Jonathan

“percebê-la” pela mera razão. Terceiro, se recebe uma reve- alternativas: nada ou Deus. Mas como 0 estudioso da
lação, não pode determinar daí em diante 0 que essa revela- obra de Edwards, John Gerstner, disse sucintamente:
ção pode ou não conter. Quarto, não pode nem “compreen-
der” a revelação divina como revelação divina, apesar de O nada é absolutamente nada. Isto é, não podemos
poder reconhecer sua presença [ibid., p. 27], formar a idéia do Nada. Se pensamos que temos uma
idéia do Nada, então pensamos que sabemos que 0 Nada
Provas da existência de Deus. Edwards esboça sua existe. O Nada então é Algo (Gerstner, “Outline of the
abordagem da existência de Deus (v. Deus, evidências apologetics”,p. 10).
df.) em Freedom of the will (2.3). O apologista prova a
posteriori, ou a partir dos efeitos, que deve haver uma Provas dos atributos de Deus. Como Gerstner ob-
causa eterna e depois argumenta que esse ser deve ser servou corretamente:
necessário e perfeito a priori. Edwards combinou pro-
vas cosmológicas e teleológicas. Até argumentou con- Teólogos extraordinários como Tomás de Aquino e
tra um universo eterno (v. “ Sermão sobre Romanos Jonathan Edwards descobrem mais sobre Deus na revela-
1 .20” ) no estilo do argumento cosmológico de kalam. cão comum da natureza que teólogos ordinários encontram
Deus é eterno. O fato de Deus ser eterno estava fir- na revelação extraordinária das Escrituras, (ibid., p. 99).
me na mente de Edwards desde a infância. No seu en-
saio“ The mind” , concluiu que“não é estranho que haja Edwards resume 0 que pode ser conhecido sobre
[algo eterno], pois a necessidade de haver algo ou nada Deus pela revelação geral (v. r e v e l a ç ã o g e r a l ):
0 subentende” . E já que existe algo, então sempre hou-
ve algo. Por quê? Porque 0 nada é uma impossibilida- Somente pela metafísica é que podemos demonstrar
de, já que “não podemos ter tal conhecimento porque
que Deus não é limitado a um lugar nem é mutável; que
tal coisa não existe” .
ele não é ignorante ou esquecido; que é impossível ele
A convicção firme de Edwards de que algo é eter-
morrer ou ser injusto; e há apenas um Deus e não cente-
no surge da lei da causalidade (v. cau salid ad e, princí-
nas ou milhares (Freedom, 4.13).
pio d a ), que ele descreve como princípio auto-eviden-
te, um “ditame do bom senso” , “a mente da humani-
Deus é independente. Já que Deus é eterno e ne-
dade” e “esse grande princípio do bom senso”
cessário, deve ser independente. É anterior ao mun-
(Freedom, 2.3). Em Miscellanies ele declara que 0
do, e 0 mundo é dependente dele, não 0 inverso.
princípio segundo 0 qual todos os efeitos têm uma
Deus tem todas as perfeições. “ Ter algumas, mas
causa é uma verdade auto-evidente (v. prim eiros prin-
não todas [as perfeições], é ser finito. Ele é limitado
cípios). Nesse caso, “se imaginarmos uma época em
em certos aspectos, isto é, com relação ao número de
que não havia nada, um corpo não pode surgir por
virtudes ou perfeições.” Mas “ isso é [...] incoerente
conta própria. Pois acreditar que algo pode surgir
com a existência independente e necessária. Ser li-
sem uma causa é abominável ao entendimento”
mitado quanto às virtudes e qualidades excelentes é
(Freedom, p. 91, 74).
ser contingente” (“ Sermon on Romans 1.20” ).
Edwards estava tão convencido de que nada podia
Deus é infinito. Edwards afirmou que “ nada é
surgir sem uma causa que argumentou que mesmo um
mais certo que a existência de um Ser incriado e
mundo eterno precisaria de uma causa. Pois,“se supu-
sermos que 0 mundo é eterno, a beleza, 0 plano e a dis- ilimitado” ( Works, p. 97-8). Pois aquilo que é neces-
posição útil do mundo não indicariam com menos for- sário e independente tem de ser infinito.
ça a existência de um autor inteligente” . Pois, Deus é um. Já que Deus é infinito, ele deve ser
um. Pois “ ser infinito é ser tudo e seria uma contra-
se considerássemos um poema como a Eneida de dição supor dois tudos" (Miscellanies, n°. 697). Toda
Virgílio, seria ele mais satisfatório a nós se nos dissessem realidade está em Deus, ou como sua existência ou
que era da eternidade [...] Seria mais satisfatório se nos no que flui dela. Nas palavras de Edwards:
dissessem que foi feito por manchas aleatórias de tinta no
papel?” (ibid., 312, p. 79,80). Deus é a soma de toda existência e não há existência
sem sua existência. Todas as coisas estão nele, e ele está em
Deve haver um ser eterno. Assim, a eternidade de todas elas (ibid., n.° 880).
Deus é necessária porque um “nada” eterno é impos-
sível, já que 0 nada não pode produzir algo. Algo exis- O ataque de Edwards ao deísmo. Edwards acredi-
te, então algo sempre deve ter existido. Há apenas duas tava que Deus existia e que milagres são possíveis
Edwards, Jonathan 296

(v .m ila g re ; m ilagres, v a lo r a p ologético dos). Deus não é verdades importantes, se não houvesse algo como a revelação
deísta (v. deísmo). Na verdade, a crítica de Edwards ao no mundo, e que jamais teriam deixado sua brutalidade.
deísmo é uma das mais profundas do século xvm .
Deístas, ao contrário dos cristãos teístas, acredita- Além disso,‘ ninguém jamais alcançou noções to-
vam que Deus criou 0 mundo e se revelou na nature- leráveis das coisas divinas, a não ser pela revelação
za, mas nunca faz milagres nem produz revelação so- contida nas Escrituras” (Miscellanies, p. 350). Como
brenatural. Essa visão foi declarada na “ Bíblia dos Gerstner disse: “ Se há alguma coisa que a revelação
deístas” , Christianity as old as creation, or the gospel, a natural revela, é que a revelação natural não é sufici-
republication of the religion of nature [O cristianismo ente (Gerstner,“ Outline of the apologetics” , p. 200).
tão antigo quanto a criação, ou 0 evangelho, uma Prova da revelação sobrenatural na Bíblia. É cia-
reedição da religião da natureza} (1730), de Matthew ro que isso só mostra que precisamos de revelação
T in d a l. Para Tindal, e outros deístas, tais como Thomas especial, não que a temos. Para demonstrar que a
Je ffe rs o n , Thomas Paine e François V o lt a ir e , a revela- Bíblia é a Palavra de Deus, Edwards usou um argu-
ção natural era suficiente. mento duplo: 1) Ela é internamente coerente. 2) Ela
Como Gerstner observa, Edwards “refuta os deístas é externamente comprovada.
não por um apelo à fé, mas pela análise racional” O teste interno: racionalidade. Numa formulação ne-
(Gerstner, “Outline of the apologetics” , p. 196). Ele de- gativa, 0 cristianismo não é falso por apresentar mistéri-
monstra a insuficiência da razão como substituta da re- os (v. m istério), mas sim porque não tem contradições in-
velação (ibid., p. 197). Ao contrário de Tindal, Edwards ternas (v.“ miscellanies” , p. 544).Razão e revelação corre-
argumenta que, quando a razão demonstra que uma re- tas se harmonizam, e “a Bíblia não pede [que os seres
velação é de Deus, é razoável insistir em que toda doutri- humanos ]acreditem contra a razão” ('“Sermon on Isaiah
na contida naquela revelação é verdadeira ( Works, p. 3.10” ). Deus chega ao coração por meio da cabeça.
2479s.). Quando se sabe que a Bíblia é a Palavra de Deus, O teste externo: evidência milagrosa. Como ou-
a lógica exige que tudo que ela diz seja aceito. tros apologistas clássicos, Edwards acreditava que
Prova da necessidade da revelação sobrenatural. O ar- milagres resultam da existência de um Deus teísta.
gumento de Edwards a favor da revelação divina é triplo: Se Deus pode criar 0 mundo, ele pode intervir nele.
“ 1) Apesar de Deus por meio da natureza revelar tanto so- Essa intervenção milagrosa assume uma dentre
bre si mesmo, os homens não ‘conhecem’a Deus realmente quatro formas.
pela natureza. 2) Mesmo que conhecessem a Deus pela Primeiro, há 0 milagre da profecia sobrenatural
natureza, ela não revela se Deus os salvará ou condenará. (v. p ro fecia co.mo prova da B íb lia ). Em Miscellanies, ele
3) Mesmo se a natureza revelasse esse fato, não mudaria a discute 0 cumprimento das previsões do a t, tanto ge-
atitudehostil dohomem contra Deus e a salvação” (Gerstner, rais quanto messiânicas (p. 443,891,1335). Só Deus
“Outline of the apologetics”, 198-9). poderia fazer tais previsões.
As pessoas não “conhecem” a Deus pela natureza. Segundo, milagres podem ser usados para dar cré-
Num de seus sermões, Edwards fala da “cegueira natu- dito a um mensageiro de Deus. Edwards recorre aos
ral do homem nas coisas da religião” (Edwards, Works, milagres de Cristo. As vezes, como no caso da ressur-
2247s.). Pois “há uma cegueira extrema nas coisas da reição de Lázaro, Jesus afirmou com antecedência que
religião, que naturalmente possui os corações da huma- faria um milagre para provar sua afirmação.
nidade” (ibid., p. 247). Isso não é culpa dos sentidos, mas
da cegueira do coração. Assim, “surge claramente a ne- Será possível que Deus ouviria um impostor, ou orde-
cessidade da revelação divina” (ibid., 253). naria ou permitiria que uma coisa tão extraordinária fosse
A5 pessoas não sabem se serão salvas. Por melhor feita imediatamente como conseqüência da palavra e do ato
que seja a revelação natural, ela não é salvadora. A re- de um impostor? (ibid., p. 444).
velação natural traz condenação, não salvação. Deixa
as pessoas indesculpáveis (Rm 1.20). Se elas “não se Terceiro, ele recorre à natureza sobrenatural do
convenceram pela salvação, serão convencidas pela conteúdo do ensinamento de Moisés (v. m ilagres como
condenação” (ibid., p. 255). con firm ação da ve rd a d e ), argumentando que nenhuma
A revelação natural não ameniza a inimizade. A na- coisa divina viria de uma fonte puramente humana.
tureza deixa a humanidade em inimizade com Deus.
Edwards concluiu: Por exemplo, como os judeus, que não tinham conheci-
mento em ciência ou filosofia e que eram propensos à idola-
Acredito que a humanidade seria como um bando de tria como as nações à sua volta, poderiam inventar sua dou-
feras, com relação ao seu conhecimento sobre todas as trina refinada e avançada acerca de Deus? (ibid.,p. 159,1158).
297 Edwards, Jonathan

Quarto, ele argumentou com base nos resultados falhas na justiça e na misericórdia de Deus, e temos evi-
sobrenaturais da conversão. De que outra maneira dências abundantes da necessidade do inferno. Então,
uma pessoa venceria 0 medo da morte? (“ Sermon on insistiu, se tivéssemos uma verdadeira consciência es-
Romans 14.7” ). Ele se empenhou, em “A treatise piritual, não ficaríamos chocados com a severidade do
concerning religious affections” [“ Tratado sobre as inferno,e sim com nossadepravação(lVorfo,v. l,p 109).
sensações religiosas” ], em mostrar que a alegria e a Edwards argumentou que
paz que caracterizam a conversão cristã não estão pre-
sentes em outras religiões. é muito irracional supor que não deveria haver castigo
A necessidade de iluminação subjetiva. Apesar de futuro, supor que Deus, que fez 0 homem como criatura ra-
tudo isso entatizar evidências racionais e objetivas, cional, capaz de saber seu dever e ciente de que merece cas-
Edwards não acreditava que a revelação geral nem a es- tigo quando não 0 faz, deixaria 0 homem sozinho e 0 deixa-
pecial fossem suficientes para abrir corações deprava- ria viver como quer, jamais 0 puniria pelos seus pecados e
dos para a verdade de Deus. Somente “a luz divina e so- jamais faria distinção entre 0 bem e 0 mal [...] É irracional
brenatural” poderia abrir 0 coração para receber a re- supor que Aquele que fez 0 mundo deixaria as coisas em tal
velação de Deus. Sem essa iluminação divina, ninguém confusão e jamais cuidaria do governo de suas criaturas, e
aceita a revelação de Deus, não importa quão forte seja jamais julgaria suas criaturas racionais ( Works, v. 2, p. 884).
a evidência. É necessário um coração novo, não um cé-
rebro novo. Isso vem pela iluminação do Espírito Santo. Edwards responde a algumas das perguntas
Essa luz divina não concede nova verdade, ou nova re- mais difíceis sobre 0 inferno já feitas por uma mente
velação. Pelo contrário, dá um novo coração, uma nova racional:
atitude de receptividade à \ferdade revelada (v. Gerstner, Por que as pessoas não se arrependem no inferno?
“Outline of the apologetics” [“ Esboço da apologética” ], Parece que, uma vez num lugar tão horrível, os conde-
p. 295-7; v. Esp irito Sa n to na apologética, papel do). nados quereriam sair. Não é assim, raciocinou
A racionalidade do livre-arbítrio e da predestinação. Edwards. Pois como pode um lugar desprovido da
Como grande defensor da predestinação, Edwards acre- misericórdia de Deus conseguir 0 que nenhum esfor-
ditava que Deus não tinha obrigação de salvar ninguém. ço de sua graça conseguiu na terra, a saber, causar a
Todos merecem ir para 0 inferno. Então,“ele poderia, se mudança no coração e na disposição dos ímpios? Se 0
quisesse, ter deixado todos perecerem ou poderia inferno pudesse reformar pecadores perversos, então
redimir todos” (Jonathan Edwards, p. 119). Mas Deus estes seriam salvos sem Cristo, que é 0 único meio de
escolheu predestinar alguns ao céu e deixar que outros salvação (ibid., v. 2, p 520). O sofrimento não amolece
recebam 0 que merecem no inferno. Como todos po- 0 coração; antes, 0 endurece. Vivesse Edwards em nos-
dem ser livres se ao mesmo tempo Deus sos dias, descobriria que os altos índices de reincidên-
predeterminou que apenas alguns fossem salvos? cia e criminalidade crônica nas prisões modernas con-
Edwards tenta conciliar racionalmente essas duas dou- firmam esse ponto de vista.
trinas aparentemente contraditórias ao afirmar que a Por que os pecados temporais merecem castigo
Liberdade “ é 0 poder, oportunidade ou vantagem que eterno? A justiça de Deus exige castigo eterno para os
todo mundo tem para fazer 0 que quer” (ibid., p. 311). pecados porque “a atrocidade de qualquer crime deve
O livre-arbítrio é fazer 0 que se quer, mas é Deus quem ser avaliada conforme 0 valor ou dignidade da pessoa
dá apenas aos eleitos 0 desejo de aceitá-lo. Logo, ape- contra a qual ele é cometido” (Davidson, p. 50). Então,
nas eles serão salvos (v.“ pagãos” , salvação de; crian ças, um assassinato de um presidente ou do papa é mais
salvação de; u niversalism o ). atroz que 0 de um terrorista ou chefão da máfia. O pe-
A defesa racional do inferno por Edwards. Edwards cado contra um Deus infinito é um pecado infinito, dig-
não demonstra em parte alguma sua crença na no de castigo eterno ( Works, v. 2, p. 83).
racionalidade do cristão mais que na sua detesa da dou- Por que 0 inferno não pode ter valor redentor? O
trina do castigo consciente eterno. Argumentou que inferno satisfaz a justiça de Deus e a glorifica ao mos-
mesmo um simples pecado merece 0 inferno, já que 0 trar quão grande e assombroso esse padrão é.“A justi-
Deus santo e eterno não pode tolerar nenhum pecado. ça vindicativa de Deus parece rígida, exata, tremenda
Quanto mais, então, uma multidão de pecados diários e terrível, e, portanto, gloriosa” (ibid., p. 2 p. 87). Quanto
em forma de pensamentos, palavras e ações tazem a mais horrível e tenebroso 0 julgamento, maior 0 brilho
pessoa indigna de sua presença? A isso deve ser acres- na espada da justiça de Deus. Castigo aterrorizante é
centada a rejeição da misericórdia imensa de Deus. digno da natureza de um Deus aterrorizante. Pela de-
E acrescente-se a isso uma disposição para encontrar monstração majestosa da ira de Deus, ele recupera a
Edwards, Jonathan 298

majestade que lhe foi recusada. Uma demonstração confrontar os problemas teológicos mais difíceis. Ele
tenebrosa de castigo na vida futura trará a Deus 0 que acreditava que a verdade de Deus está em harmonia com
os seres humanos recusaram-se a dar a ele nesta vida. a razão correta. Sua defesa do cristianismo começou
Aqueles que não glorificam a Deus espontaneamente com um dos argumentos mais racionais e poderosos a
nesta vida serão forçados a glorificá-lo na próxima. favor da existência de Deus já oferecidos por um teísta.
Todos são ativa ou passivamente úteis a Deus. No Apesar de enfatizar 0 raciocínio, Edwards não era
céu, os crentes serão ativamente úteis ao louvar a sua racionalista. Argumentou a favor da necessidade da
misericórdia. No inferno, os incrédulos serão úteis pas- revelação especial. Acreditava que a razão era insufi-
sivamente ao trazer majestade à suajustiça. Assim como ciente para trazer as pessoas a Cristo. Nada além da
uma árvore morta é útil como lenha para 0 fogo, os ho- obra sobrenatural da iluminação divina do coração
mens desobedientes são apenas combustível para 0 fogo humano poderia fazer isso (v. E s p ír it o S a n t o na
eterno (ibid., v. 2, p. 216). Já que os incrédulos preferem APOLOGÉTICA, PAPEL D0 ).
ficar longe de Deus agora, por que não esperar que esse Edwards viu claramente a necessidade de apresen-
seja seu estado escolhido pela eternidade? tar uma defesa racional da existência de Deus antes
Um Deus misericordioso permitiria sofrimento no de tentar uma defesa histórica do cristianismo. Mas
inferno? Supor que a misericórdia de Deus não per- ele também percebeu que a verdade do cristianismo
mite sofrimento no inferno é contrário à realidade. não pode ser justificada sem recorrer à evidência ex-
Deus permite muito sofrimento neste mundo. É um terna. Há um teste factual, assim como racional, para
fato empírico que Deus e 0 sofrimento humano não a verdade do cristianismo.
são incompatíveis (Gerstner, “ Outline of the Crítica negativa. Algumas críticas justificadas e
apologetics” , p. 80). Se a misericórdia de Deus não pode algumas injustificadas foram feitas a Edwards. Críti-
tolerar sofrimento eterno, então também não pode cas comuns à teologia reformada são comentadas em
tolerá-la em doses menores (Works,v. 2 p. 84). outro artigo (v. liv r e - a r b ítr io ). Para uma compreen-
Além disso, Edwards argumentou que a miseri- são precisa de seu pensamento, entretanto, duas críti-
córdia de Deus não é uma paixão ou emoção que cas devem ser respondidas: que seu idealismo platô-
supera sua justiça. Esse tipo de misericórdia seria um nico (v. P la t ã o ) o leva ao panteísmo e que seu Deus
defeito em Deus, ela 0 faria fraco e incoerente, não carece de misericórdia.
um justo juiz. A acusação de que Edwards era panteísta (v.
Finalmente, nossas atitudes e sentimentos serão panteísmo), porque identificou Deus com toda Existên-
transformados e corresponderão mais aos de Deus. cia, é respondida cuidadosamente em Gerstner, “An
Logo, amaremos apenas 0 que Deus ama e odiaremos outline of the apologetics of Jonathan Edwards” , pt. 2,
0 que Deus odeia. Já que Deus não sofre ao pensar no p. 99-107.0 Deus de Edwards é apenas “toda Existên-
inferno ou em vê-lo, nós também não sofreremos — cia” no sentido de que toda existência ou é sua essên-
mesmo no caso de pessoas que amamos nesta vida. cia ou flui dele. Edwards deixa claras distinções entre
Edwards dedicou um sermão inteiro e isso: “ The end of Deus e a criação, entre Ser Necessário e ser contingen-
the wicked contemplated by the righteous” [“0 fim dos te. E sua ênfase a indivíduos eternamente eleitos ou
ímpios contemplado pelos justos” ]. Na condensação eternamente condenados é incompatível com uma
desse sermão por Gerstner cosmovisão panteísta (ibid., p. 104).
Um dos argumentos de Edwards sobre 0 inferno é
não parece nem um pouco cruel da parte de Deus infli- que Deus não tem a obrigação de ser misericordioso.
gir tal sofrimento extremo a criaturas extremamente per- A misericórdia, ele insiste, é uma escolha, e não um de-
versas (Gerstner, “Outline of the apologetics”, p. 90). ver. Deus só tem de conceder sua misericórdia a quem
decidiu concedê-la. Esse argumento parece negar 0 que
Avaliação. Só é possível examinar rapidamente as Edwards diz acreditar: Deus é um ser completamente
implicações à apologética encontradas na obra de perfeito, 0 que incluiria benevolência total. Mas se Deus
Edwards. é completamente benevolente, então algo em Deus 0
Avaliação positiva. Jonathan Edwards foi um famo- obriga a ajudar pecadores necessitados. Jamais acharí-
so avivalista americano e um grande intelectual — amos que uma pessoa é completamente boa se ela não
uma combinação rara. Sua defesa da fé seguia a tradi- tentasse salvar todos os que pudesse de um naufrágio
ção da a p olo gética clássica. ou de um prédio em chamas.
Não importa 0 que se pense das respostas de Segundo Edwards, ninguém é levado a agir, a não
Edwards a perguntas difíceis sobre 0 inferno, ele tentou ser que Deus aja por ele. O livre-arbítrio é fazer 0 que
299 Einstein, Albert

se quer, mas só Deus dá 0 desej0 para tal. Quando apli- escapou a vida inteira. Sua primeira publicação foi
cado à escolha de Lúcifer, a de se rebelar contra Deus, intitulada A new determ ination o f m olecular dim ensions
isso significaria que Deus lhe deu 0 desejo de pecar. [Uma nova d eterm in ação de dim en sões m olecu lares}
Mas Deus não pode pecar (Hc 1.13) nem pode dar a (1905). Seu artigo seguinte, On a heuristic view point
pessoas livres 0 desejo de pecar (Tg 1.13,14). Logo, 0 concerning the production an d transform a-tion o f light
conceito de livre-arbítrio de Edwards (e 0 conceito bem [Sobre um pon to de vista heurístico a respeito d a p ro d u -
semelhante do calvinista rígido) parece racionalmen- ção e tran sform ação da luz], postulava que a luz é com-
te incoerente. posta de quattta (partículas que mais tarde foram de-
nominadas fótons) que, além do comportamento de
Fontes ondas, demonstram certas propriedades exclusivas das
B. W. D a v id so n , Reasonable damnation: how partículas. Em On the electrodynam ics o f m oving bodies
Jonathan Edwards argued for the rationality of [Da eletrodinâm ica dos corpos em m ovim en to ], postu-
hell, j e t s , 38.1 (Mar. 1995). lou que 0 tempo e 0 movimento são relativos para 0 ob-
J. E d w a r d s , Freedom o f the will. servador. Seu artigo seguinte, Does the inertia o f a body
____ , Jo n a th a n Edw ards: representative d ep en d upon its energy content? [A inércia d e um corpo
selection .,.,Clarence H. Faust,et al‫ ״‬orgs. dep en d e d e seu conteúdo de en ergia?], postulava sua fa-
___ , Of being, The philosophy o f Jonathan mosa equação e = m c 2 (Energia = massa vezes a veloci-
Edw ards from his priv ate n otebooks, seção 12, dade da luz ao quadrado). Em 1916 ele escreveu The
H.G. Townsend, org. fou n d ation o f the general theory o f relativity [Fundam en-
____, “ Sermon on Isaiah 3.10” , ms. não publicado, tos da teoria geral d a relatividade], obra em que argu-
Yale University Beinecke Library. mentou que a gravidade não é uma força, mas um cam-
____, “ Sermon on Romans 1.20” , ms. não publicado, po curvo no espaço-tempo contínuo criado pela pre-
Yale University Beinecke Library. sença da matéria.
____, “ Sermon on Romans 14.7” , ms. nào publicado, Visão d e D eu s e d a religião. Apesar de seu apoio
Yale University Beinecke Library. ao movimento sionista, Einstein não era um judeu pra-
___ , The mind, The p h ilosop h y of ticante. Sua relação com 0 judaísmo era mais étnica que
Jonathan Edwards from his private notebooks, religiosa. O judaísmo não tinha grande importância em
seção 12, H. G . Townsend, org. sua vida, mas ele insistia em que um judeu pode aban-
_____ , The w orks o f Jo n a th a n E dw ards , E. donar sua fé e ainda ser judeu. Numa carta do período
Hickman, org. da guerra ao físico Paul Ehrenfest, Einstein expressou
J. G e r s t n e r , Jo n a th a n Edw ards: A m ini-theology. um sentimento de amargura contra Deus por causa do
___ ,An outline of the apologetics of holocausto europeu:
Jonathan Edwards, em Bib. Sac., 133 (Jan.-Mar.
1976; Apr.-Jun. 1976; Jul.-Set. 1976; Oct.-Dec. O antigo Jeová ainda está ausente. Infelizmente ele sa-
1976). crifica os inocentes com os culpados, a quem ele deixa tão
terrivelmente cegos que sequer sentem culpa (ibid., 156; v.
Einstein, Albert. Nasceu em Ulm, Alemanha, em 1879. C A .V A M ÍU S , M A S S A C R E D O S ).

Formou-se na escola de engenharia em Zurique, em


1901. Em 1905 escreveu seu primeiro artigo sobre a Quanto à interação de religião e ciência, Einstein
teoria da relatividade, pelo qual recebeu 0 doutorado acreditava que
da Universidade de Zurique. Mais tarde, em 1919, fi-
cou mundialmente famoso, do dia para a noite, quan- ao domínio da religião pertence a fé em que os regula-
do a Sociedade Britânica Real anunciou que sua nova mentos válidos para 0 mundo da existência são racionais,
teoria da gravidade havia derrubado a teoria de Isaac isto é, compreensíveis à razão. Não posso imaginar um ci-
Newton, que se mantivera por trezentos anos.Em 1921 , entista genuíno sem essa fé profunda. A situação pode ser
ganhou 0 Prêmio Nobel de Física por seu trabalho no expressa por uma imagem: ciência sem religião é aleijada,
campo da física teórica. O anti-semitismo crescente religião sem ciência é cega (Frank, p. 286; v. fé r r a z ã o ) .
na Europa levou Einstein a mudar-se para os Estados A ordem do universo. Para Einstein 0 universo era
Unidos em 1933, onde ensinou na Universidade uma maravilha da ordem matemática:
Princeton até sua morte em 1955.
Einstein abraçou 0 pacifismo, 0 liberalismo e 0 Quanto mais um homem é imbuído da regularida-
sionismo. Buscou durante toda a vida encontrar uma de ordenada de todos os eventos, mais firme se torna
teoria do campo unificado — um objetivo que lhe sua convicção de que não há mais espaço, ao lado dessa
Edwards, Jonathan 300

regularidade ordenada, para causas de uma natureza di- não posso acreditar nesse conceito de um Deus
ferente (de um Criador). Para ele, nem 0 governo huma- antropomórfico que tem os poderes de interferir nessas leis
no nem 0 governo de uma vontade divina existe como naturais [...] Se há tal conceito de Deus, é um espírito sutil,
causa independente de eventos naturais. Com certeza a não uma imagemde um homem que tantos fixaram nas suas
doutrina de um Deus pessoal que interfere com eventos mentes. Em essência, minha religião consiste em uma ad-
naturais jamais poderia ser refutada, de modo real, pela miração humilde por esse espírito superior ilimitável que
ciência, pois essa doutrina pode sempre refugiar-se nos se revela nos pequenos detalhes que somos capazes de per-
domínios em que 0 conhecimento científico ainda não ceber com nossas mentes frágeis e delicadas (ibid., v. m il a -
se estabeleceu (ibid.; v. teleológico, argumento). GRES, ARGUMENTOS CON'TR a ).

Um biógrafo explicou que Einstein acreditava que A orig em d o universo. Há uma estranha ironia
quanto à visão de Deus sustentada por Einstein. Sua
do ponto de vista matemático 0 sistema das leis físicas aceitação relutante da teoria do big-ban g para a ori-
é muito complexo, e, para entendê-lo, são necessárias enor- gem do universo deveria afastá-lo da sua posição
mes capacidades matemáticas. No entanto, ele espera que a panteísta para uma posição mais teísta. Pois Einstein
natureza realmente obedeça a um sistema de leis matemá- não conseguiu encontrar uma explicação para sua
ticas (citado em Herbert, p. 177). equação da relatividade geral que não exigisse um
princípio ou um Criador para 0 universo. Até mesmo
A natureza d e Deus. Numa resposta de 1929 a uma 0 físico e antiteísta do final do século xx, Stephen
pergunta do rabino Goldstein de Nova York, Einstein Hawking, faz a pergunta sobre quem “acendeu as equa-
descreveu sua crença num conceito panteísta de Deus:
ções” e detonou 0 universo (Hawking, p. 99).
“Acredito no Deus de Espinosa que se revela na har-
Primeiro Einstein se opôs à evidência crescente de
monia de tudo que existe, não num Deus que se preo-
uma origem por uma grande explosão {big-ban g), tal-
cupa com 0 destino e as ações dos homens” (Clark, p.
vez por perceber suas implicações teístas. Para evitar
38; v. E s p in o s a , B a r u c h ) . Acrescentou em outro lugar:
essa conclusão, Einstein acrescentou um “ fator
“A fonte principal dos conflitos atuais entre os domí-
indeterminante” a suas equações e acabou sendo hu-
nios da religião e da ciência está no conceito de um
milhado mais tarde quando sua fraude foi descober-
Deus pessoal” (Frank, 285). Logo, ele rejeitou 0 te ís m o
ta. Felizmente, ele eventualmente admitiu seu erro e
em favor do panteísmo.
concluiu que 0 universo foi criado. Então, escreveu
Conseqüentemente, negava que haveria um dia de
sobre seu desejo de saber como Deus criou esse mun-
recompensa ou castigo após a morte.
do. Disse: “ Não estou interessado nesse ou naquele fe-
O que não consigo entender é como poderia haver um nômeno, no espectro desse ou daquele elemento.
Deus que recompensaria ou castigaria seus súditos ou que po- Quero conhecer seu pensamento, 0 resto é detalhe” (v.
deria nos induzir a desenvolver nossa vontade no nosso coti- Herbert, p. 177).
diano(Bucky,85). A valiação. É lógico que, após reconsiderar a evi-
dência de que 0 cosmo teve um princípio, Einstein
Ele disse: deveria ter concluído, como 0 físico britânico Edmund
Whittaker: “ É mais simples postular criação ex nihilo
Não acredito que um homem deve ser reprimido nas suas — vontade divina constituindo a natureza do nada”
ações diárias por ter medo do castigo após a morte ou que deva (]astrow,“ Scientist caught” ,p. 111; v. c r i a ç ã o , v is õ e s d a ) .
fazer as coisas sóporque dessa maneira será recompensado de- Até Robert ]astrow, agnóstico convicto, disse: “Que
pois que morrer [...] A religião não deveria ter nada quever com existem 0 que eu ou qualquer pessoa chamaria de for-
medo de viver ou medo de morrer, esimdeveria ser uma busca ças sobrenaturais em ação agora é, creio eu, fato cien-
do conhecimento racional (ibid., p. 86). tificamente comprovado” ( G od a n d the astronom ers,
p. 15,18). Jastrow observa que
Deus e milagres. Ao anunciar que a existência de
milagres jamais poderia ser refutada, Einstein uniu- astrônomos agora sabem que se colocaram num beco
se a Espinosa ao negar que pudessem ocorrer: sem saída porque provaram, pelos seus métodos, que 0
mundo começou abruptamente num ato de criação [...] E
As leis naturais da ciência não só foram resolvidas teo- descobriram que tudo isso aconteceu como resultado de for-
ricamente, mas também foram provadas na prática. Então ças que eles não têm esperanças de descobrir (ibid., p. 15).
301 elos evolucionários perdidos

Infelizmente, não temos evidência de que Einstein verdade não eram verdadeiros fósseis transicionais, de
tenha chegado à conclusão que seus avanços científicos forma que 0 registro é ainda mais escasso hoje que na
apoiam (v. a n t r ó p i c o , p rin c íp io ; e v o lu ç ã o c ó s m ic a ; k a l a m , época de Darwin! O paleontólogo Stephen Jay Gould,
ARGUMENTO COSMOLÓGICO DE; TERM ODINÂM ICA, LEIS Dã ). da Universidade de Harvard, confessou:
Se é fato científico que 0 universo surgiu de uma
explosão por forças sobrenaturais, Einstein deve ter A extrema raridade de formas transicionais no registro
aceitado milagres. Esse foi 0 maior milagre de todos. fóssil persiste como“o segredo do negócio” da paleontologia.
As árvores evolutivas que enfeitam nossos livros didáticos
Fontes só têm dados nas extremidades e nos nós de seus galhos; 0
P. A. Bucky, The private Albert Einstein. resto é inferência, por mais razoável que seja, não evidência
R. W. C la r k , Einstein: his life and tunes. de fósseis (Gould, p. 14).
“ E in s te in ,” EB, 1994 org.

P. F r a n k , Einstein: his life and times. Niles Eldredge concorda, argumentando que
S. H a w k in g , B u racos negros, u n iv ersos-b ebês e outros
ensaios. a expectativa afetouapercepçãodetal forma que 0fato mais
F. H e e r f n , Show me God. óbvio sobre a evolução biológica — imutabilidade — raramen-
N . H erbert , A realidade quàntica — nos confins da te,sealguma vez, foi incorporado nas noções científicas decomo
nova física. a vida realmente evolui. Se já existiu um mito, é que a evolução
R. J a s t r o w , “ A scientist c aug h t b e tw e e n tw o taiths: é um processo de mudança constante (Eldredge,p.8).‫׳‬
in te rv ie w w ith R o b e rt Ja s tro w ” , CT 6 A u g . 1982.

___ , God and the astronomers. Gould reconheceu francamente que a história da
maioria das espécies fósseis inclui duas característi-
elos evolucionários perdidos. Os evolucionistas acre- cas especificamente incoerentes com 0 gradualismo:
ditam em ancestrais comuns para todas as plantas e
animais, inclusive seres humanos. Sua teoria Estase. A maioria das espécies não exibe nenhu-
macroevolutiva (v. e v o l u ç ã o ; e v o l u ç ã o b i o l ó g i c a ) impli- ma mudança direcional durante sua presença na ter-
ca a crença de que todas as formas superiores de vida ra. Aparecem no registro fóssil praticamente da mes-
evoluíram das formas inferiores por meio de peque- ma forma que quando desaparecem; mudança
nas mudanças no decorrer de vários milhões de anos. morfológica geralmente é limitada e sem direção.
No entanto, reconhecem que 0 registro fóssil estuda- A parição repentina. Em nenhum lugar, a espécie
do pela paleontologia não revela tal série extremamen- surge gradualmente, por meio da transformação
te gradativa de formas animais nas seqüências de tem- constante de seus ancestrais. Aparece de uma vez,
po adequadas. Esses fósseis transicionais que deveri- “completamente formada” (Gould, p. 13-4). Assim, é
am ser encontrados no solo, mas não têm sido, são justo dizer que a teoria da evolução, como Darwin a
chamados “elos perdidos” na cadeia evolutiva. concebeu, não foi verificada pela única fonte de evi-
O próprio pai da evolução moderna, Charles dência real, 0 registro fóssil.
Darwin, reconheceu isso como um problema sério E x p lica çã o d e “e lo s p e rd id o s ”. Apesar de a incapa-
quando escreveu em A origem das espécies: “ Então por cidade de encontrar “elos perdidos” ter desapontado os
que nem toda formação geológica nem todo estrato evolucionistas, poucos abandonaram a teoria. Pelo con-
estão cheios de tais elos intermediários? A geologia trário, reagem de várias formas:
certamente não revela nenhuma cadeia orgânica ex-
tremamente gradativa, e essa, talvez, seja a objeção Existem algumas formas fósseis transicionais para
mais óbvia e grave que possa ser alegada contra a mi- apoiar a evolução, então é provável que outras venham
nha teoria” (p. 152). É claro que Darwin esperava que a ser encontradas. Fósseis de cavalos são dados como
um número suficiente desses “elos perdidos” fosse en- exemplo de série fóssil.
contrado para substanciar 0 que ele chamou “teoria da Uma pequena fração de todos os animais que exis-
evolução” , em vez de “teoria da criação” (235,435,437). tiram foi preservada em fósseis. E apenas uma fração
Nos quase 150 anos desde que Darwin escreveu muito pequena de todos os fósseis foi desenterrada.
(1859), milhões de fósseis foram desenterrados. Mas Então, não devemos esperar que muitos “elos perdi-
os “elos perdidos” necessários para confirmar essa te- dos” sejam encontrados.
oria não foram encontrados. Na verdade, descobriu- Por natureza, fósseis transicionais eram poucos.
se que algumas espécies consideradas transicionais na Isso aumenta sua raridade.
elos evolucionários perdidos 302

Muitas espécies tinham partes moles que perece- mudar seu tipo básico. Mudanças podem ser feitas
ram facilmente e não foram preservadas. aos poucos no formato dos pára-lamas, na cor e no
Muitos evolucionistas apóiam a posição denomi- acabamento. Mas se uma mudança é feita no tama-
nada “equilíbrio pontuado” , que afirma que a evolu- nho do pistão, isso envolve mudanças simultâneas no
ção ocorreu mais rapidamente do que se pensava. Há virabrequim, no bloco, no sistema de refrigeração, no
saltos no registro fóssil. A evolução, afirmam eles, pa- compartimento do motor e em outros sistemas. De
rece mais uma bola quicando até 0 alto de uma esca- outra forma, 0 novo motor não funcionará (Denton, p.
da que uma bola rolando para 0 alto de um monte. 11). Da mesma forma, transformar um peixe num rép-
Elos cruciais foram encontrados entre os primatas til ou um réptil num pássaro envolve mudanças drás-
e os seres humanos. Eles incluem 0 homem de ticas e simultâneas em todos os sistemas biológicos
Neandertal, 0 homem de Pequim, 0 Australopithecus, do animal. A evolução gradual não pode explicar isso.
Lucie e outros. 0 mesmo se aplica ao sistema do código genético mui-
R esposta à teo ria do elo p e rd id o . As respostas to mais complexo.
de criacionistas a essas defesas da teoria evolutiva se- O próprio conceito do “elo perdido” contém uma
guem várias linhas de raciocínio. petição de princípio a favor da evolução. A analogia
Mesmo que uma série extremamente gradual de pressupõe uma cadeia com algumas lacunas. A verda-
fósseis fosse encontrada, havendo assim menos elos deira descrição implica alguns elos com uma cadeia
perdidos na progressão, isso não provaria a evolução. perdida. Existem “intervalos” gigantescos entre os prin-

Semelhança e progresso não provam necessariamen- cipais tipos de vida em todos os “níveis” da suposta
te um ancestral comum; podem ser evidência de um hierarquia evolutiva. No entanto, toda a analogia da
Criador comum. Os evolucionistas às vezes talam da cadeia pressupõe que a “cadeia” de evolução existiu e
que existem “elos” perdidos a ser encontrados. Isso
evolução do avião ou do carro, de modelos simples a
sobrepõe uma analogia a favor da evolução no regis-
mais complexos mais tarde. No entanto, nem 0 carro
tro fóssil. Um estudo imparcial desse registro não re-
nem 0 avião evoluíram por forças naturais que pro-
vela partes de uma cadeia, mas formas básicas dife-
duziram pequenas mudanças durante um longo perí-
rentes, que aparecem de forma repentina e simultâ-
odo de tempo. Em ambos os casos, houve interferên-
nea, completamente formadas e funcionais, reprodu-
cia externa inteligente que criou um modelo semelhan-
zindo a espécie e continuando praticamente iguais em
te aos anteriores. Essas ilustrações apóiam 0 modelo
toda sua história geológica. Essa evidência indica um
criacionista de um Criador comum, em lugar de um
criador inteligente.
ancestral evolutivo comum.
Há menos fósseis transicionais hoje que na época
Isso leva a outro problema: formas de vida diferen-
de Darwin. Pois muitas coisas consideradas transicio-
tes podem ser semelhantes externamente ou até mes-
nais na verdade não eram. A evolução do cavalo é um
mo nos componentes básicos de seu código genético,
exemplo disso. Até os evolucionistas reconhecem que a
mas ainda assim ser partes de sistemas completamente
suposta progressão não é uma série contínua de trans-
diferentes. Assim como é necessário inteligência para
formação. Há uma regressão em alguns casos (e.g., 0
criar H am let a partir de palavras selecionadas de um
número de costelas no Eohippus antigo é dezoito e no
idioma, também é necessário inteligência para selecio-
Orohippus posterior é quinze). Da mesma forma, 0 nú-
nar e organizar informação genética a fim de produzir
mero de costelas no Pliohippus antigo é dezenove, ao
uma variedade de espécies que se encaixam num passo que no Equus Scotti posterior é dezoito. Até a
biossistema. maioria dos evolucionistas deixou de lado esse exem-
Além disso, 0 código genético de uma forma de pio como prova da evolução. O menor animal (do ta-
vida difere de outra, assim como 0 modelo τ de manho de um cachorro) da série (Eohippus) não é um
Henry Ford difere de um Mercedes Benz. Existem cavalo, e sim um texugo.
semelhanças básicas, mas são sistemas bem dife- Entre os poucos “elos perdidos” encontrados, 0
rentes. E mudanças sistemáticas devem aparecer celacanto (um peixe com nadadeiras fortes, normal-
simultaneamente para 0 sistema funcionar; elas não mente datado do período devoniano) não é meio peixe
podem ser gradativas. Isto é, todo 0 novo sistema e meio réptil. É 100% peixe. Nenhum celacanto foi en-
deve surgir de modo funcional. Mas mudança si- contrado com pés evoluindo nele. Na verdade, foram
multânea e sistemática num organismo que já fun- encontrados celacantos vivos no presente, e são idênti-
ciona é adequado a um modelo criacionista, não cos aos do registro fóssil de uns 60 milhões de anos atrás.
evolucionista. É possível fazer pequenas mudanças Da mesma forma, 0 arqueoptérix não é meio pássaro e
num carro gradualmente durante um tempo sem meio réptil. Outros pássaros antigos tinham dentes
303 epistemologia

como ele. Alguns pássaros atuais, tais como 0 avestruz, Ainda que outros primatas morfologicamente seme-
têm garras nas suas asas. 0 arqueoptérix tem penas e lhantes a seres humanos fossem desenterrados, isso não
asas perfeitamente formadas — necessáras para 0 vôo. significaria que são espiritualm ente iguais. Por trás da
E primatas que utilizam ferramentas simples não são forma de homem estão a mente e a alma humanas (v.
prova da evolução. Até mesmo alguns pássaros e focas i m o r t a l i d a d e ) . A pessoa humana tem uma consciência
usam objetos como ferramentas. Mas os primatas não singular, e esta tem linguagem, com sua estrutura ori-
fizeram foguetes ou computadores. entada por regras gramaticais. Além disso, os seres hu-
A descoberta de supostos “elos perdidos” entre manos têm consciência e práticas religiosas; os
primatas e humanos não apóia a macroevolução (v. primatas, não. Todas as tentativas de demonstrar seme-
L u b e n o w ). lhança física entre primatas e seres humanos como base
Logicamente, as semelhanças físicas entre as es- para a evolução ignoram a diferença gigantesca entre 0
pécies não provam um ancestral comum. Uma expli- reino animal e um ser humano criado à imagem e se-
cação alternativa é que elas têm um Criador comum, melhançade Deus (Gn 1.27).
que as criou para viverem em ambientes semelhantes.
A genética é a única maneira de provar uma ligação. Fontes
Infelizmente, não há como reconstruir a estrutura ge- W. R. B ir d , The origin of the species revisited, 2 v.
nética dos ossos desenterrados. É 0 que está oculto que C. D a r w i n , A origem das espécies.
importa. E a diferença entre um cérebro primata e um M . D em o n , Evolution: a theory in crisis.
humano é imensa. Essa diferença não se refere ape- N . E l d r e d g f ., O s mitos da evolução humana.
nas ao tamanho do cérebro, mas à sua complexidade e N . L. G e i s l e r , Is man the m easure ?, cap. 11.
habilidade de criar arte, linguagem humana e meca- ___ , Origin science (cap . 7 ).

nismos altamente complexos. D. G is h , Evolução: 0 desafio do registro fóssil.


Além disso, alguns dos ossos do passado, famosos S. J. G o u l d , “ E v o lu tio n ’s e rra tic pace” , e m Natural
por serem considerados de espécies transicionais, não history (1 9 7 2 ).

são mais vistos dessa maneira nem pelos evolu- A. J o h n s o n , Darwinism on trial.
cionistas. 0 homem de Piltdown, uma referência nos M. L u b e n o w , Bones o f contention.
livros de ciência e museus durante anos, acabou des- }. M o o re, The post-darwinian controversies.
mascarado como fraude. 0 homem de Nebraska era a C. T h a x t o n , e t al., org s., Of pandas and people.
reconstrução a partir de um dente, que na verdade era
de um porco extinto. No entanto, 0 homem de Nebraska epistem ologia. Epistem ologia é a disciplina que lida
foi usado como evidência no julgamento Scopes (1925) com a teoria do conhecimento. O termo pode ser divi-
para apoiar 0 ensino da evolução nas escolas públicas. A dido em epistem ologia (gr. epistem e, “conhecer, saber” ;
evidência fóssil do homem de Pequim desapareceu. Al- logos, “estudo” ). É 0 estudo de como conhecemos.
guns questionam sua validade, baseada em estudos an- As várias epistemologias incluem 0 r a c io n a l is m o ( v .
teriores ao desaparecimento dos pedaços de ossos. Um E s p i n o s a , B a r u c h ) , empiricismo (v. H u m e , D a v i d ) ,
problema sério é que essa criatura foi morta com um a g n ü s t ic is m o (v. K a n t , I m m a n u e l ) , idealismo (v. P l a t ã o ) ,
objeto pontiagudo, uma causa de morte altamente im- positivismo, (v. C o m t e , A u g u s t e ) , e x is t e n c ia l is m o ( v .
provável para um pré-humano. Até alguns evolu- S0R EN ‫ ־‬K ie r k e g a a r d ) , fenomenologia (v. H e g e l , W. F. G.;
cionistas acreditam que 0 australopiteco era um H e i d e g g e r , M a r t i n ) , e m is t ic is m o ( v . P l o t in o ) .
orangotango. Até hoje, nenhuma descoberta de fós- A epistemologia discute se as idéias são inatas ou se
sil primata sujeita a exame minucioso científico e nascemos como uma tabula ra sa , isto é, um quadro-ne-
objetivo é uma forte candidata à árvore genealógica gro vazio. Ela também se ocupa com testes da verdade
humana. Apesar de supostas diferenças genéticas, (v. v e r d a d e , n a t u r e z a a b s o l u t a d a ) e se verifica idéias ver-
0 homem de Neandertal tinha capacidade cerebral dadeiras apenas são coerentes (v. c o e r e n ti s m o ) o u se pre-
maior que 0 homem moderno, e há evidência de que cisam de uma base suprema (v. fu .v d a c io n a lis .m o ) em pri-
celebrava rituais religiosos, características normal- meiros princípios auto-evidentes.
mente associadas a seres racionais e morais. Com A epistemologia também lida com certeza (v. c e r -
essa história, há razão para questionar outras desco- t e z a c o n v ic ç ã o ) e dúvida (v. c e t ic is m o ) . 0 agnosticismo
bertas fragmentárias. A postura curvada do homem afirma que não podemos conhecer a realidade. O ní-
de Neandertal‫ "־‬foi atribuída a uma deformidade ós- vel de certeza do que conhecemos varia entre a baixa
sea resultante de uma deficiência de vitaminas que os probabilidade (v. i x d u t i v is m o ) e a necessidade racional
habitantes de cavernas sofriam por falta de luz solar. (v. p r im e ir o s p r in c í p io s ; l ó g ic a ; t a u t o l o g ia s ).
Espinosa, Baruch 304

escatológica, verificação. V. ve rifica çã o , estratégias de. modalmente dependentes de Deus. Esses “modos” são
aspectos ou momentos de Deus, atributos seus e pro-
Espinosa, Baruch. Baruch (ou Benedictus) Espinosa priedades para nós. Os dois únicos atributos de Deus
(1632-1677) nasceu em Amsterdã, de uma família de que conhecemos são 0 pensamento e a extensão de Deus
judeus portugueses. Apesar de ser do ramo da ótica infinitamente no espaço.
(polidor de lentes) e jamais ter lecionado filosofia na P rovas d e D eu s. Espinosa acreditava que a exis-
universidade, teve grande influência na filosofia moder- tència de Deus podia ser provada com certeza mate-
na. Acima de tudo, criou um impacto negativo no cris- mática. A primeira forma de sua prova pode ser afir-
tianismo ortodoxo. Espinosa foi até excomungado da sua mada da seguinte maneira:
sinagoga em 1656 por acreditar que Deus é “extenso”,
uma forma de ranteísmo, que anjos são imaginários e 1. Deve haver uma causa para tudo, tanto existente
que im ortalidade da alma não existe. quanto inexistente.
O filósofo medieval Moisés M a im ô x id es (1135- 2. Um Ser Necessário deve existir necessariamente,
1204), por meio do seu Guia dos p er p lex o s , ajudou a não ser que haja uma causa adequada para
Espinosa a conceituar Deus como um Ser Necessário explicar sua inexistência.
e a empregar a razão humana independentemente da 3. Mas não existe causa adequada para explicar
revelação divina. A idéia de Anselmo (c. 1034-1109) porque um Ser Necessário não existe:
de Deus como um ser absolutamente perfeito e neces- a )Tal causa teria de ser ou de dentro da na-
sário também influenciou 0 pensamento de Espinosa. tureza de Deus ou de fora dela;
O racionalista francês René D escartes (1596-1650), que b)Nenhuma causa fora de uma existência
escreveu M editations [M editações], ensinou Espinosa necessária poderia anular sua existência;
c) e nada interior a um Ser Necessário nega
a usar os métodos matemáticos na filosofia. O filósofo
que este seja um Ser necessário;
do primeiro século F il o x (13 a.C.-45 d.C.) levou
d) Logo, não há causa adequada para expli-
Espinosa a acreditar que Deus é a base de toda existên-
car porque um Ser Necessário não existe;
cia e que a Bíblia deve ser interpretada alegoricamente.
4. Logo, um Ser Necessário necessariamente existe.
A geometria de Eudides (c. 300 a.C.) ensinou a Espinosa
seu racionalismo dedutivo. A partir desse histórico, ele
A segunda forma do argumento de Espinosa é esta:
deu grande ênfase à unidade de Deus. Todos esses e
outros fatores contribuíram para uma forma singular
1. Algo existe necessariamente.
de panteísmo racionalista.
2. Essa Existência Necessária é finita ou infinita.
As duas obras principais de Espinosa são Tractatus
3. Mas nenhuma causa finita pode impedir exis-
theologico-politicus, tractatu spoliticu s [Tratado teoló-
tência infinita, e é contraditório dizer que a
gico-político, tratado p o lític o ], (1670) e É tica (1674).
Causa infinita impediu a Existência infinita.
Filo so fia. Como Euclides, Espinosa começa defi-
4. Logo, deve haver uma Existência infinita.
nindo seus axiomas e depois fazendo deduções a par-
tir deles. Somente dessa maneira, ele escreve, é que se
A criação difere de Deus apenas como um modo
pode ter certeza de suas conclusões. A verdade só é
difere da sua substância ou um pensamento da
conhecida por meio de uma idéia verdadeira. A verda-
mente que 0 gerou. Todos os modos fluem necessa-
de perfeita só é conhecida por meio da idéia perfeita. riamente de Deus como 180° fluem de um triângu-
O erro tem quatro causas: 1) Nossas mentes dão ape- 10. Essa criação é ex D eo, não criação ex n ih ilo (v.
nas uma impressão fragmentada das idéias. 2) A ima- c r ia ç ã o , visõ es d a ). O efeito deve ser tão infinito
ginação é afetada pelos sentidos físicos e nos confun- quanto a Causa. A vontade não é um atributo de
de. 3) O raciocínio é abstrato e geral demais. 4) Não Deus, mas apenas um modo (logo, não é uma fonte
podemos começar com a idéia perfeita. O remédio para de criação).
0 erro é voltar à Idéia perfeita de Deus. Quanto mais a Este mundo é 0 mais perfeito possível. O mal é ne-
pessoa se alimenta da Idéia perfeita, mas perfeita ela cessário. O mundo natural opera pela lei natural (cien-
se torna. Sensações são confusas e indefinidas. tífica) (v. n atu ralism o). A lei da gravidade de Newton é
A filosofia de Espinosa começa com a idéia perfeita universal e é 0 modelo para todas as leis científicas. Não
de Deus, 0 ser absolutamente necessário e perfeito. Deus há exceções para uma lei verdadeira.
deve ser concebido como um ser que existe por si mes- A im p o s s ib ilid a d e d e m i l a g r e s . Espinosa acredi-
mo — isto é, autocausado. Mas só pode haver um Ser tava que só poderia haver uma substância infinita
absolutamente independente. Todos os outros seres são e que, portanto, 0 universo não foi criado. Deus é
305 Espinosa, Baruch

idêntico ao universo. Não poderia criá-lo, pois é da organização do universo físico. Por isso era axiomático
sua substância (v. m ilag res, impossibilidade de). Para que leis naturais eram imutáveis.
Espinosa, Deus não é transcendente; não está além C rítica bíblica. O racionalismo e 0 naturalismo de
da criação que conhecemos ou em alguma outra cri- Espinosa têm conseqüências profundas para quem acre-
ação. Isso significa que a criatividade de Deus não é dita em eventos milagrosos ou revelações sobrenaturais.
mais que a atividade da natureza. Se a suposição de Ele tornou-se um dos primeiros intelectuais modernos
Espinosa é verdadeira, milagres são impossíveis. Se a fazer uma alta crítica sistemática da Bíblia (v. B íb lia ,
Deus (0 sobrenatural) é idêntico à natureza (0 natu- c r ít i c a da; w e llh a u s e x , J u l iu s ) . Seu livro T ractatus
ral), não há intervenção sobrenatural na natureza Theologico-politicus, muito difundido no final do sécu-
vinda de fora dela. Com essa estrutura geral em men- 10 xvn, era em grande parte um comentário crítico da
te, podemos examinar os argumentos de Espinosa Bíblia. Ele chegou a algumas conclusões radicais que,
contra milagres. se verdadeiras, tornariam falsas as Escrituras sobrena-
Espinosa declarou: turalmente inspiradas.
0 naturalism o de Espinosa 0 levou a concluir que
portanto, nada acontece na natureza em contradição Moisés não poderia ter escrito muitas passagens do
com suas leis universais; não, tudo concorda com elas e as Pentateuco (v. pfntateuco, a u to ria mosaica do ), logo a teo-
segue, pois [...] ela mantém a ordem fixa e imutável. ria de que Moisés era seu autor era infundada ( Tractatus,
p. 126). Ele acreditava que Esdras, 0 escriba, escrevera
Na verdade, “um milagre, seja em contravenção à os cinco primeiros livros do at, assim como 0 restante
natureza, seja ultrapassando-a, é um absurdo” .Espinosa dele (ibid., p. 129-30).
era dogmático com relação à impossibilidade de mila- Não é de admirar que Espinosa tenha rejeitado os
gres. Proclamou: registros dos evangelhos sobre a ressurreição. Os após-
tolos, disse, pregaram uma religião universal baseada
Podemos, então, ter certeza absoluta de que todo evento apenas na crucificação (ibid., p. 170). O cristianismo era
que é realmente descrito nas Escrituras necessariamente acon- uma religião mística e não-proposicional, sem funda-
teceu, como todas as outras coisas, segundo leis naturais” mentos. Essencialmente, Espinosa concordou com Paulo
( Tractatus, 1:83,87,92). em 1 Coríntios 15 quanto ao fato de que, sem a ressur-
reição de Cristo, 0 cristianismo é uma religião sem es-
0 argumento de Espinosa contra milagres é mais perança. Por não acreditar na ressurreição, essa era
ou menos assim: sua opinião a respeito da fé cristã. Todos os outros
milagres também são condenados. Ele louvou “qual-
1. Os milagres são violações de leis naturais. quer pessoa que procura as verdadeiras causas dos
2. As leis naturais são imutáveis. milagres e tenta entender os fenômenos naturais
3. É impossível violar leis imutáveis. como um ser inteligente” (É tica, Apêndice,pt. l,pro-
4. Logo, milagres são impossíveis. posição 36). Além de tudo ter acontecido de acordo
com leis naturais, as próprias Escrituras “ fazem a
A segunda premissa é a chave do argumento de afirmação geral em várias passagens de que 0 cur-
Espinosa. A natureza “mantém a ordem fixa e imutável” so da natureza é fixo e imutável” (É tica , p. 92,96).
(ibid., p. 83). Tudo “acontece necessariamente [... ]segun- Para Espinosa, as Escrituras simplesmente “con-
do as leis naturais” (ibid., p. 92). Se é verdadeiro que tém a palavra de Deus” (T ractatu s, p. 165, grifo do
“nada acontece na natureza em contravenção às suas autor). Essa posição foi uma das características do
leis universais” , Espinosa está certo em acreditar que cristianism o lib eral posterior, defendido por
um milagre“ é um absurdo” (ibid., p. 83,87). Friedrich S c h e le ie rm a c h e r (1768-1834). É falso di-
Para apreciar as implicações, é preciso estar ciente zer que a Bíblia é a Palavra de Deus (v. B íb lia , evi-
de que Espinosa era um racionalista que tentou cons- dências d a ). Partes da Bíblia que con têm a palavra
truir sua filosofia com base na geometria euclidiana são conhecidas como tal porque a moralidade se
(Ética, 1.1-42). Ele acreditava que era preciso aceitar conforma à lei natural conhecida por razão huma-
como verdadeiro apenas 0 que é evidente ou 0 que é na (ibid., p. 172, 196-7).
redutível à evidência. Como D e s c a rte s , Espinosa ar- Os profetas não falaram com base na “ revelação”
gumentava de forma geométrica a partir de axio- sobrenatural, e “os modos de expressão e discursos
mas, chegando a conclusões contidas nesses axio- adotados pelos apóstolos nas epístolas mostram cia-
mas. Espinosa viveu na era que foi marcada pela ramente que elas não foram escritas por revelação e
Espinosa, Baruch 306

ordem divina, mas apenas pelos poderes naturais e cia dos cientistas em concluir que 0 universo surgiu por
opiniões dos autores” (ibid., p. 159). Espinosa ocasi- meio de uma grande explosão (“ big-bang ” ) bilhões de
onalmente diz que os profetas falavam por “ revela- anos atrás. Jastrow oferece várias linhas de evidência
ção” , mas vê isso como 0 poder extraordinário da científica que apóiam um princípio do universo: 0 fato
imaginação (ibid., p. 24). de 0 universo estar se desgastando, a teoria da relativi-
Os conceitos gerais e 0 anti-sobrenaturalismo da dade de Einstein, e 0 padrão de expansão e 0 eco de ra-
crítica bíblica de Espinosa ainda são amplamente acei- diação que podem ser detectados. O eco de radiação
tos pelos teólogos seculares e eruditos cristãos liberais. “convenceu os mais céticos” (Jastrow,p. 15). Einstein de-
A v a lia ç ã o . Três elementos no pensamento de senvolveu a teoria geral da relatividade, mas não notou
Espinosa são interessantes para a apologética cristã: que um universo em expansão era 0 resultado natural
panteísmo, 0 anti-sobrenaturalismo (v. m ilagres, argu- de sua teoria. O matemático russo Alexander Friedmann
mentos c o n t r a ) e a crítica bíblica (v. B íb lia , c r ít ic a da). descobriu a razão da omissão de Einstein, um erro in-
Os três estão relacionados. Como 0 panteísmo e a crí- fantil de álgebra. Na verdade, ele havia dividido por zero.
tica bíblica são criticados em seus respectivos artigos, Einstein respondeu defendendo sua tese original, só que
a ênfase aqui será dada às pressuposições naturalis- cometeu outro erro nessa prova.
tas e suas conseqüências sobre a crença na inspiração Posteriormente Einstein reconheceu seu erro e es-
das Escrituras. creveu: “ Minha objeção baseava-se num erro de cál-
O ataque de Espinosa aos milagres baseia-se na ge- culo. Considero os resultados do sr. Friedmann corre-
ometria ou dedução euclidiana, no racionalismo, no tos e esclarecedores” . No entanto, “essa circunstância
determinismo natural e na visão da natureza de Deus. [de um universo em expansão] me irrita” . Em outra
Um jo g o dedutivo com cartas m arcadas. O panteís- ocasião, ele disse: “Admitir tais possibilidades parece
mo dedutivo e racionalista de Espinosa sofre de um um absurdo” (ibid., p. 16,25-8).
problema sério de petição de princípio. Isso é verda- Por que a teoria de que 0 universo teve um prin-
deiro com relação ao panteísmo e ao anti- cípio parece “absurda” e tão irritante a ponto de le-
sobrenaturalismo que flui dele. Como David Hum e var Einstein a cometer um erro matemático? A res-
observou, nada validamente dedutível das premissas posta, escreve Jastrow, foi dada quando Einstein dis-
deve estar presente nessas premissas desde 0 princí- se que sua religião era a crença “no Deus de Espinosa,
pio. Se Deus é definido como ser absolutamente ne- que se revela na harmonia ordenada do que existe”
cessário, do qual tudo mais é apenas um modo, é evi- (ibid., p. 28).
dente que 0 resultado é 0 panteísmo, pois uma defini- C onclusão. Espinosa foi um racionalista (v. racio-
ção panteísta de Deus está contida no axioma. Se uma nalism o) para quem a essência de Deus era igual ao
concepção panteísta é inserida a p riori, não é de ad- universo, e para quem 0 universo é eterno e opera
mirar que mais tarde ela possa ser deduzida. segundo a uniformidade da lei natural. Liderou 0 ata-
Da mesma forma, se 0 m aterialism o já é pressupôs- que filosófico contra os milagres e contra 0 testemu-
to nas premissas racionalistas de Espinosa, não é de nho da Bíblia sobre 0 Deus Salvador pessoal. Mas,
admirar que ataque os milagres da Bíblia. A questão é como foi demonstrado, sua pressuposição de fé co-
se suas premissas racionalistas são defensáveis. Ele não mete uma petição de princípio quando defendida
fornece um argumento convincente. Mas, uma vez que logica-mente, porque sua definição de leis naturais,
se definam leis naturais como “ fixas” e “imutáveis” , é sem fundamento, preconiza que elas sejam inque-
fácil chegar à conclusão de que relatos de milagres são bráveis ( ‫ג‬.‫ ז‬m ilagres, a rgum entos c o n t r a ).
irracionais. Nada pode quebrar 0 inquebrável. O que Espinosa precisava fazer, mas não fez, era
O Deus e a ciên cia d e Espinosa. O Deus de Espinosa fornecer um argumento sólido para suas pressuposi-
era de substância igual à do universo. Milagres como ções racionalistas. Seu raciocínio é geométrico, mas
intervenções sobrenaturais só são possíveis num uni- retirou seus axiomas do nada, em vez de basear-se na
verso teísta. Logo, cientistas querem razão para crer observação empírica.
que um Deus teísta (v. teísm o) existe, antes de acredi- O conceito de lei natural de Espinosa como sistema
tar que há qualquer evidência a favor de milagres. determinista é auto-refutável. Se tudo é determinado,
Num universo do tipo Natureza = Deus, milagres sim- a teoria de que 0 determinismo é errado também é de-
plesmente não acontecem. terminada. Mas 0 determinismo não pode ser verda-
A crença de Albert E instein no Deus de Espinosa deu deiro e falso ao mesmo tempo. Logo, a base de Espinosa
origem a uma das histórias mais fascinantes na ciência para 0 anti-sobrenaturalismo é infundada. Portanto, mi-
moderna. O astrofísico Robert Jastrow fala da relutân­ lagres não podem ser considerados impossíveis.
307 Espírito Santo na apologética, papel do

Finalmente, a evidência em favor de um princí- Santo. Isso foi tarefa dos teólogos posteriores,
pio singular do universo de espaço e tempo tem cres- principalm ente A g o s t in h o , T o m á s de A q u in o e os
cido (v. big-bang, t e o r ia do; evo lu çã o cósm ica). Nesse reformadores.
caso, há um exemplo irrefutável de um milagre, e sua Agostinho. Agostinho (354-430) enfatizou a obra do
hipótese de Espinosa é refutada. Além disso, concluir Espírito - chamar seres humanos depravados e mortos
que 0 universo teve um princípio arrasa 0 conceito em delitos à nova vida em Cristo. Mas manteve essa obra
de Deus defendido por Espinosa, um Deus que não em tensão com a crença de que a razão humana é ne-
existe além do universo. cessária para julgar e entender a revelação divina. Sem
ela não podemos conhecer a verdade de Deus. Cada um
Fontes dos cinco propósitos servidos pela razão no pensamen-
B. Esp in o sa , Tractatus theologico-politicus, tractatus to de Agostinho é independente da mediação sobrena-
potiticus. tural do Espírito Santo.
R. Ja s t r o w , God and the astronomers. A razão vem antes dafé. Primeiro, há um sentido em
W . Jam es, Someproblems ofphilosophy. que a razão vem antes da fé. Agostinho declarou que
C. F. von W e iz s a c k e r , The relevance ofscience.
W. C r a ig , The kalam cosmological argument. ninguém realmente acredita em algo a não ser que tenha
S. H a w k in g , Uma breve história do tempo. primeiro pensado que tudo que em que se acredita deve ser
aceito depois que 0 pensamento mostra 0 caminho” (O li-
“espírito mentiroso” enviado por Deus. V. m entiras vre-arbítrio,5).
nas E s c r itu r a s .
A razão distingue os seres humanos. Segundo, a razão é
Espírito Santo na apologética, papel do. A maioria uma faculdade distintiva e superior nos seres humanos.
dos apologistas cristãos concordam que 0 Espírito San-
to dá ao indivíduo testemunho da salvação pessoal. Ro- Deus nos livre que ele odeie em nós a faculdade pela
manos 8.16 afirma: “0 próprio Espírito testemunha ao qual nos fez superiores aos outros seres. Portanto, devemos
nosso espírito que somos filhos de Deus” (v. 1J0 3.24; recusar-nos a acreditar nisso e não receber ou buscar a ra-
4.13). Muitos também acreditam que 0 Espírito Santo zão para nossa própria crença, já que não poderíamos nem
dá testemunho da verdade do cristianismo. Um dos vá- acreditar se não tivéssemos almas racionais ( Cartas, 120.1).
rios textos que ensinam isso é 1João 5.6-10:
A razão complementa a criação e a providência.
Este é aquele que veio por meio de água e sangue, Jesus Cristo Terceiro, a razão complementa as provas que Deus dá
[...] E 0 Espírito équemdá testemunho, porque 0 Espírito é a verda- de sua existência (v. Deus, evidências d e ). “ Ficará claro
de [...] Nós aceitamos 0 testemunho dos homens,mas 0 testemunho que Deus existe quando, com sua assistência, eu pro-
de Deus tem maior valor, pois é 0 testemunho de Deus, que ele dá var, como prometi, que existe algo superior à razão
acerca de seu Filho [...] Quemnão crê emDeus 0 faz mentiroso, por- humana” (O livre-arbítrio, 2.6).
que não crê no testemunho que Deus dá acerca de seu Filho A razão capacita a comentar 0 evangelho. Quarto, a
razão ajuda as pessoas a entenderem 0 conteúdo da
Alguns alegam que 0 uso da razão relacionada a mensagem cristã. Como alguém pode acreditar num
Deus, como a apologética diz fazer (v. a p olo gética, ne- pregador sem entender as palavras que 0 pregador fala?
cessidade d a), é incoerente com a ênfase bíblica da ne- O entendimento contribui para a crença.
cessidade de 0 Espírito Santo convencer alguém da A razão remove as objeções. Quinto, a razão pode
verdade do cristianismo. Mas a posição cristã é que ser usada para remover objeções à fé. Referindo-se a
não há contradição entre razão e evidência por um alguém que tinha dúvidas antes de se tornar cristão,
lado e a obra do Espírito Santo por outro. escreveu: “ É razoável que indague sobre a ressurrei-
Os p a is d a igreja p rim itiv a . Os primeiros apoio- ção dos mortos antes de ser admitido aos sacramen-
gistas cristãos, de Ju stino M á r t i r (100-165) a C lem ente tos cristãos” . Além disso,
de A le x a n d ria (c. 155-220), usaram a razão para defen-

der a fé. Eles também acreditavam na necessidade da talvez também deva ter permissão para insistir em discus-
revelação divina e da obra do Espírito Santo para trazer são preliminar sobre a questão proposta relativa a Cristo —
a verdade sobre Deus à humanidade. No entanto, não por que ele veio tão tarde na história humana, e sobre algu-
deram tratamento sistemático ao relacionamento pre- mas outras grandes questões, às quais todas as outras estão
ciso entre a razão humana e 0 ministério do Espírito subordinadas ( Cartas, 102.38).
Espírito Santo na apologética, papel do 308

Assim, Agostinho ensinou que a razão é útil antes, A filosofia aplica a razão. Aquino via três usos para a
durante e depois de se exercitar a fé no evangelho. No razão na filosofia. A razão humana pode ser usada para
entanto, a razão tem deficiências e, sem a obra do Espí- provar a teologia natural (a existência e natureza de um
rito Santo, a humanidade estaria nas trevas. Deus). Pode também ser usada para ilustrar a teologia
O papel do Espírito Santo. A necessidade e superi- sobrenatural (a Trindade e a encarnação). E pode ser usa-
oridade da revelação divina ficam bastante claras no da para refutar falsas teologias.
pensamento de Agostinho. Uma famosa afirmação sua Ela demonstra a existência e a unidade de Deus e
é: “Primeiro creia, depois entenda” (Sobre 0 credo, 4). outras proposições relativas a Deus e às criaturas.“ Tais
“ Se quiséssemos saber e depois crer, não seriamos ca- verdades sobre Deus foram provadas demonstrativa-
pazes nem de saber nem de crer” (D o evangelho de mente pelos filósofos, guiados pela luz da razão natu-
Jo ã o , 27.9). Já que a fé foi um dom do Espírito ral” ( Su m m a theologica, la.3, 2). A filosofia usa os
(Enchiridion, 31), não há verdadeiro conhecimento da ensinamentos dos filósofos para explicar doutrinas cris-
fé cristã sem a obra do Espírito Santo. tãs tais como a Trindade. Apesar de os argumentos de-
A revelação supera 0 resultado do pecado. “A falsi- monstrativos não estarem disponíveis à teologia sobre-
dade surge não porque as coisas nos enganam [...] É 0 natural, existem argumentos prováveis que podem re-
pecado que engana a alma, quando as pessoas bus- velar a verdade divina. E a filosofia pode ser usada para
cam algo que é verdadeiro, mas abandonam ou negli- se opor a ataques contra a fé, demonstrando que são
genciam a verdade” (D a verdadeira religião, 36). Esse falsos e desnecessários.
pecado é herdado, pois A razão hum ana pode apoiar a fé. Sobre 0 uso da“ra-
zão” (apologia) em 1Pedro 3.15,Aquino argumentou que,
0 pecado que eles [Adão e Eva] cometeram foi tão grande apoiando 0 que cremos, a razão humana tem uma rela-
que prejudicou toda natureza humana — nesse sentido, a ção dupla com a vontade do crente. Às vezes a pessoa não
natureza foi transmitida à posteridade com uma propen- tem vontade de acreditar senão movido pela razão hu-
são ao pecado e uma necessidade de morrer (A Cidade de mana. Nesse caso, a razão diminui 0 mérito que viria com
Deus, 14.1). a fé, já que as pessoas “deveriam acreditar nas questões
da fé, não por causa da razão humana, mas por causa da
Somente a revelação divina recebida pela fé pode autoridade divina” . E “a razão humana pode ser subse-
superar isso.“ E ninguém consegue descobrir Deus sem qüente à vontade do crente”.
que tenha primeiro acreditado no que mais tarde co-
nhecerá” (O livre-arbítrio, 2.6). Pois, quando um homem tem avontade pronta para crer,
A revelação é superior ã razão. “Então 0 que entende- ele ama a verdade em que crê, reflete sobre as razões que
mos devemos à razão; aquilo em que acreditamos, à au- pode encontrar para apoiá-la e as leva a sério; e, dessa ma-
toridade” (Z)a vantagem do crer, 25).Agostinho deixou isso neira, a razão humana não exclui 0 mérito da fé, mas é sinal
bem explícito quando confessou a Deus: “Éramos fracos de mérito maior (ibid., 2a2ae.2,10).
demais para encontrar a verdade somente por meio da
razão, por essa causa precisávamos da autoridade das A fé é apoiada pela evidência provável não basea-
Escrituras Sagradas” ( Confissões, 6.5). da nela. “Aqueles que depositam sua fé nessa verdade,
Além de 0 Espírito Santo ser 0 meio pelo qual re- no entanto, ‘para a qual a razão humana não oferece
cebemos a revelação escrita de Deus (ibid., 7.21 ),ele é evidência experimental’, não acreditam ignorante-
necessário para iluminar e confirmar sua verdade. E 0 mente, como se ‘seguissem fábulas artificiais’.” Antes,
Espírito Santo é a verdade da presença de Deus no cris- “argumentos confirmam verdades que excedem 0 co-
tão. “Se em verdade tens caridade, tens 0 espírito de nhecimento natural e manifestam as obras de Deus
Deus para entender: pois é uma coisa muito necessá- que superam toda natureza‫(״‬Sum a contra gentios, 1.6).
ria” (Homília vi). Na evidência positiva apresentada por Aquino figura-
Tom ás d e A q u in o . A questão da relação entre 0 vam a ressurreição dos mortos, a conversão do mun-
Espírito Santo e 0 uso da razão humana é realmente do e os milagres (v. m ilagres, v a lo r a p ologético dos).
uma subdivisão do assunto mais amplo, fé e razão. A evidência negativa compreende argumentos
Aquino (1224-1274) falou extensamente sobre ambas. contra as falsas religiões, inclusive seu apelo sensual
Falou sobre as provas racionais da existência de Deus a prazeres carnais, ensinamentos que contradizem
e ofereceu evidências históricas e experimentais para suas promessas, fábulas e falsidade, a falta de profe-
apoiar a verdade do cristianismo. Aquino também tas e milagres que ofereçam confirmação para teste-
acreditava que ninguém chega à fé em Cristo sem uma munhar a inspiração divina do seu livro sagrado (por
obra especial e graciosa do Espírito Santo. exemplo, 0 A lcorão ), 0 uso da força para difundir a
309 Espírito Santo na apologética, papel do

mensagem, 0 testemunho de sábios que se recusaram vo maior da inspiração interior (instinctus) de Deus convidan-
a crer e perversões das Escrituras. do-o a crer (Summa theologica ,2a2ae.6,1).
Pode ser surpreendente para quem conhece suas
diferenças saber quão próximas as razões de Aquino Quanto ao consentimento voluntário nas questões de
para a necessidade do Espírito Santo estão das de João te,podemos observar dois tipos de causas.A causa que per-
Calvino. Calvino estudou a fundo Aquino e os teólo- suade de fora é confirmada por algo como um milagre ou
gos medievais, apesar de ser devedor, em grande par- um apelo humano. Isso é suficiente se não há uma causa
te, a Agostinho. que persuada de dentro.“O consentimento da fé, que é sua
O Espírito supera os efeitos do p eca d o (v. noéticos do ação principal, portanto, tem como causa 0 próprio Deus,
pecado, efeitos). Como Calvino em seus escritos posteri- movendo-nos interiormente por meio da graça.” Crer pró-
ores, Aquino acreditava que 0 pecado distorce profun- prio da vontade que foi preparada por Deus por meio de
damente a mente. Essa distorção deixa a razão incapaz sua graça, para receber 0 conhecimento que supera a na-
de contemplar a Deus e, assim, descobrir a fé que traz tureza (ibid.,2a2ae.2,9, ad 3).
certeza. Deus quer que seu povo tenha confiança, assim O Espírito torna certa a evidência provável. Como po-
seu Espírito comunica certo conhecimento dele por demos ter certeza, já que 0 apoio de nossa fé se baseia em
meio da fé (Sum a teológica ,2a2ae.l,5,ad 4). testemunhos intermediários (falíveis)? Aquino responde
O Espírito revela verdade sobrenatural. Para Aquino que acreditamos nos profetas e apóstolos por causa de
a única maneira de superar um adversário da verdade seu testemunho confirmado por milagres (Mc 16.20; v.
divina é a partir da autoridade das Escrituras — uma milagres n‫־‬a B íb l ia ). Cremos em outros mestres apenas por
autoridade divinamente confirmada pelos milagres. concordarem com os escritos dos profetas e apóstolos (Da
Pois cremos naquilo que está acima da razão humana verdade, 14.10, ad 11). Socamente a Bíblia, inspirada pelo
apenas porque Deus 0 revelou. É necessário “ receber
Espírito Santo, dá certeza e autoridade infalível à fé (v. cer-
pela fé não apenas coisas que estão acima da razão,
TE2A/ CONVICÇÃO).
mas também aquelas que podem ser conhecidas pela
Deus é a base da fé. Somente Deus, não a razão, é a
razão” . Sem a revelação do Espírito Santo, estaria-
base da fé. A razão pode provar que Deus existe, mas não
mos nas trevas com relação a mistérios da fé como a
pode convencer um incrédulo a acreditar em Deus ( Suma
Trindade, a salvação e outras questões reveladas ape-
teológica, 2a2ae.2.2, ad 3). Podemos acreditar (consentir
nas na Bíblia.
sem reservas) em algo que não é nem auto-evidente nem
O Espírito é necessário p a ra con ced er fé . Além de
deduzido a partir de si mesmo (onde 0 intelecto é movi-
muitas coisas serem conhecidas apenas pela fé, a pró-
do) por uma ação da vontade.
pria fé pela qual são conhecidas é um dom do Espírito
Isso não significa que a razão não tenha um papel
Santo. A razão pode acompanhar a fé, mas não pode
anterior.
causar fé.“ Fé é chamada consentimento sem questio-
na-mento à medida que 0 consentimento de fé, ou as-
A fé não envolve uma busca pela razão natural de provar
sentimento, não seja causado por uma investigação do
aquilo em que se acredita. Envolve, no entanto, uma forma de
entendimento” .A fé é produzida por Deus. Ao comen-
questionamento das coisas pelas quais uma pessoa é levada a
tar Efésios 2.8,9, Aquino argumentou que 0 livre-ar-
acreditar, e.g., se elas são faladas por Deus e confirmadas por
bítrio é inadequado para a fé, já que os objetos da fé
milagres” (ibid., 2a2ae.2.1, resposta).
estão acima da razão.“ 0 fato de um homem acreditar,
portanto, não acontece por si mesmo a não ser que
Deus 0 permita” (C om en tário sobre Efésios, 96). A te é Os demônios, por exemplo, estão convencidos pela
um dom de Deus, e ninguém pode crer sem ela. evidência de que Deus existe,
A razão acompanha 0 assentimento da fé; ela não
a causa (Da verdade, 14.A1, ad 6). Uma não causa a mas não são suas vontades que trazem consentimento do
outra, mas a fé e a razão são paralelas. “A fé envolve a que supostamente acreditam. Antes são forçados pela evi-
vontade (liberdade), e a razão não força a vontade” dència dos sinais que os convencem de que aquilo em que
(ibid.). Uma pessoa é livre para discordar, mesmo di- os fiéis acreditam é verdadeiro.
ante de razões convincentes para crer.
O Espírito d á um motivo p ara crer. Para crer em Deus, Xo entanto,
é preciso ter 0 testemunho interior do Espírito Santo. Pois
esses sinais não causam a aparência do que se acredita para se
quem crê tem um motivo suficiente para crer, a autoridade do dizer que os demônios, em virtude disso, podem ver as coisas
ensinamento de Deus, confirmado pelos milagres, e 0 moti­ em que acreditam (Da verdade, 14.9,ad4).
Espírito Santo na apologética, papel do 310

Jo ã o C alvino. João C a lv in o (1509-1564) acredita- adultério, roubo e assassinato são considerados


va que a razão humana era adequada para entender a maus em todas as sociedades, e a honestidade é valo-
existência de Deus, a imortalidade da alma e até a ver- rizada (Romanos e Tessalonicenses, p. 48). É evidente
dade do cristianismo. Ao mesmo tempo, acreditava que que Deus deixou provas de si mesmo para todos na
ninguém poderia ter certeza dessas verdades sem a criação e na consciência.
obra do Espírito Santo. Calvino acreditava que muitas A evidência da inspiração das Escrituras. Calvino
verdades sobre Deus poderiam ser conhecidas, sem falou repetidas vezes sobre “provas” da inspiração da
qualquer obra especial do Espírito Santo, tais como Bíblia (v. B íb lia , evidência da), entre elas a unidade das
senso de divindade, lei natural e evidência da verdade Escrituras, sua majestade, suas profecias e sua confir-
da Bíblia. mação milagrosa. Ele escreveu:
O senso inato de divindade. Todo ser humano tem um
senso natural de Deus à partir da obra do Espírito Santo. Se olharmos para [a Bíblia] com olhos puros ejulgamen-
Algum senso da pessoa de Deus está embutido na mente to imparcial, ela se apresentará imediatamente com uma ma-
e nos instintos humanos.“Não há nação tão bárbara, ne- jestade divina que subjugará nossa oposição presunçosa e nos
nhuma raça tão bruta, que não esteja imbuída com a con- forçará a homenageá-la (Institutos, 1.7.4).
vicção de que há um Deus” (Institutas, 1.3.1). Esse senso
de divindade está tão naturalmente gravado no coração
A evidência compele até incrédulos a confessar (até
humano que até mesmo filósofos incrédulos são força-
certo ponto conscientemente) que as Escrituras exibem evi-
dos a reconhecê-lo isso (ibid., 1.4.4).
dências claras de que foram enunciadas por Deus (ibid.).
A existência de D eus e a im ortalidade da alma.
0 uso da razão humana, apesar de não ser absolu-
Calvino falou da “essência invisível e incompreensível
to, trouxe convicção suficiente sobre a existência de
de Deus” que foi revelada na criação. Essa prova se es-
Deus e a verdade das Escrituras. Calvino disse que pro-
tende à imortalidade da alma.
vas da inspiração das Escrituras podem não ser tão
fortes a ponto de produzir e fixar uma convicção na
Em cada uma de suas obras sua glória está gravada em
mente, mas são “auxílios muito adequados” (ibid.,
letras tão brilhantes, tão distintas e tão ilustres que ninguém,
1.8 . 1).
por mais tolo e iletrado, pode alegar ignorância como des-
Calvino fala da “credibilidade da Escritura suficiente-
culpa (ibid., 1.5.1-2).
mente provada, até 0 ponto em que a razão natural admi-
ta” .Oferece provas racionais sobre várias áreas, como a dig-
Com respeito a Romanos 1.20,21, Calvino conclui
que Deus nidade, a verdade, a simplicidade e a eficácia das Escritu-
ras. A isso ele acrescenta evidência de milagres, profecia,
apresentou às mentes de todos 0 meio de conhecê-lo, tendo história da igreja e até os mártires (ibid.).
se manifestado de tal forma por meio de suas obras, que A necessidade do Espírito Santo. Ao mesmo tempo,

devem ver necessariamente 0 que por conta própria não pro- Calvino acreditava que ninguém jamais se convenceu
curam saber — que existe um Deus ( Comentário sobre Ro- das verdades sobre Deus, Cristo e a Bíblia sem a obra
manos e Tessalonicenses,2). sobrenatural do Espírito Santo. Ele não via contradi-
ção no que dissera sobre 0 conhecimento natural de
Conhecimento natural da lei natural. O conhecimen- Deus e das Escrituras.
to inato de Deus inclui conhecimento de sua lei justa. 05 efeitos deletérios da depravação. Calvino acredi-
Calvino acreditava que já que “os gentios têm a justiça tava que a depravação humana obscurecia a capaci-
da lei naturalmente gravada nas suas mentes, certamen- dade de entender e perceber a revelação natural de
te não podemos dizer que são completamente cegos à Deus (v. noéticos do pecado, e fe ito s). Escreveu:
lei da vida” (Institutas, 1.2.22). Essa consciência moral é
a lei natural e é suficiente para que nenhum mortal te- Sua idéia da natureza dele [de Deus] não é clara a não ser
nha desculpa para não conhecer a Deus. Por meio dessa que você 0 reconheça como sendo a origem e 0 alicerce de
lei natural, 0 julgamento da consciência é capaz de dis- toda bondade. Logo, surgiria em você confiança nele e um
tinguir entre 0 justo e 0 injusto. Esse conhecimento in- desejo de apegar-se a ele, se a depravação da mente humana
clui 0 senso de justiça implantado pela natureza no co- não 0 tirasse do rumo certo da investigação (ibid., 1.11.2).
ração. Inclui uma discriminação e um julgamento na-
turais que distinguem justiça e injustiça, honestidade e 0 testem unho do Espírito. A certeza completa vem
desonestidade. Calvino acreditava que crimes como apenas pelo Espírito, que age como intermédio da
311 Espírito Santo na apologética, papel do

evidência objetiva para confirmar no coração da pes- za/ co n vicçã o ). Sua segurança não pede razões; em tal
soa que a Bíblia é a Palavra de Deus. Calvino afirmou conhecimento a mente descansa mais firme e segura-
que mente que em qualquer raciocínio. É uma “convicção
que só a revelação do céu pode produzir” (ibid.). Sem
nossa fé na doutrina não está estabelecida até que tenhamos essa confirmação divina, todo argumento e apoio da
uma convicção perfeita de que Deus é seu autor. Logo, a maior igreja é vão. “Até que esse fundamento superior tenha
prova das Escrituras é uniformemente originada do caráter sido estabelecido, a autoridade das Escrituras perma-
daquele a quem pertencem suas palavras. nece incerta” (ibid., 1.8.1).
0 testem unho do Espírito e d a evidên cia. É impor-
Então, tante lembrar, como R. C. Sproul demonstra, que “0
testim onium não descarta a razão como uma forma
nossa convicção da verdade das Escrituras deve ser deriva- de misticismo ou subjetivismo. Pelo contrário, trans-
da de uma fonte superior às coniecturas, iulgamentos ou ra- cende e vai além da razão” (Sproul,“ Internal testimony
zões humanas, a saber, 0 testemunho secreto do Espírito of the Holy Spirit” , p. 341). É a ação de Deus por meio
(ibid., 1.7.1, cf. 1.8.1,1.7.4; grifo do autor). da evidência objetiva, não separado da evidência, que
dá a certeza subjetiva de que a Bíblia é a Palavra de
Deus. É uma combinação do objetivo e do subjetivo,
Usar a razão para defender as Escrituras é insuficiente.
não uma exclusão da evidência objetiva por uma ex-
periência subjetiva. V. adiante os comentários sobre
Apesar de podermos manter a Palavra sagrada de
B.B. W a r f ie ld .
Deus contra os oponentes, isso não significa que iremos
J o n a t h a n E d w a rd s . Jonathan E d w a rd s (1703-
imediatamente implantar a certeza que a fé exige nos
1758) oferece novas percepções sobre a relação entre
seus corações (ibid., 1.7.4).
a evidência apologética e 0 Espírito Santo. Ele tam-
Calvino insistiu em que 0 testemunho do Espírito
bém via uma relação complementar entre os dois.
é superior à razão.
Edwards via oito funções da razão:

Pois assim como somente Deus pode testemunhar ade-


1. A razão deve provar a existência de Deus, 0
quadamente sobre suas palavras, essas palavras também não
Revelador.
obterão crédito total nos corações dos homens até que este-
2. A razão percebe que haverá uma revelação.
jam seladas pelo testemunho interior do Espírito.
3. A razão pode demonstrar que algo que alegue
ser revelação não é de Deus.
Ele acrescenta:
4. A razão demonstra a racionalidade da revela-
ção.
0 mesmo Espírito, portanto, que falou pela boca dos pro-
5. A razão verifica se uma revelação é genuína.
fetas, deve penetrar em nossos corações, para nos conven- 6 . A razão defende a confiabilidade da revelação.
cer de que eles transmitiram com fidelidade a mensagem 7. A razão prenuncia que haverá mistérios numa
que lhes foi divinamente confiada (ibid., 1.7.4). revelação divina genuína, defende-os e refuta
Seja portanto confirmado que os que sào ensinados objeções à sua presença.
interiormente pelo Espírito Santo consentem implícita- 8 . A razão compreende 0 que é iluminado pela
mente nas Escrituras; que a Bíblia, levando consigo a pró- revelação.
pria evidência, não consente em submeter-se a provas e
argumentos, mas deve a convicção total com que deve- A razão prova a existência de Deus. Edwards esbo-
mos recebé-la ao testemunho do Espírito [...] Ilumina- ça sua concepção da existência de Deus em Freedom
dos por ele, nâo mais acreditamos, no nosso próprio jul- o f the will [Da liberd ad e d a v on tad e ] (2.3). A primeira
gamento nem no dos outros, que as Escrituras são de prova é a posteriori, a partir de efeitos, de que há uma
Deus; mas, de maneira superior ao julgamento humano, causa eterna. A partir de argumentos, demonstra que
temos certeza absoluta [...] que vieram a nós, pela tal ser é necessariamente existente. A necessidade dessa
instrumentalidade dos homens, da própria boca de Deus existência demonstra suas perfeições a p riori. As pro-
(ibid., 1.7.5). vas dos argumentos cosmológico e te le o ló g ic o se unem
nessa abordagem.
Calvino acrescentou que a prova apresentada pelo A ra z ã o p o d e c o n ferir certez a. É impossível que
Espírito transcende provas e probabilidades (v. c e r t e ­ 0 nada pudesse causar algo. E já que algo existe, deve
Espírito Santo na apologética, papel do 312

haver um Ser Necessário e eterno. Essa convicção Se não fosse a revelação divina, tenho certeza de que não
firme de Edwards vem do princípio da causalida- há sequer uma doutrina da chamada religião natural, ape-
de, que ele descreve como um princípio auto-evi- sar de toda filosofia e conhecimento, que não estivesse en-
dente, uma “ regra do bom senso” , a “ mente da hu- volvida em trevas, dúvidas, disputas intermináveis e terrí-
manidade” e “esse princípio maior do bom senso” vel confusão [...] De fato, os filósofos receberam 0 funda-
(ibid.). Em Miscellanies, ele declara: “ É reconhecido mento da maioria de suas verdades dos antigos, ou dos
por todos como auto-evidente que nada pode come- fenícios, ou do que recolheram aqui e ali das relíquias da
çar sem uma causa” . Logo, “quando compreendida, revelação (Miscellanies, 1.1.19).
essa é uma verdade que irresistivelmente terá lugar
no consentimento” . Nesse caso, “se supusermos um Apesar da convicção de Edwards de que a razão
tempo quando não havia nada, um corpo não surgi- natural poderia construir argumentos válidos a favor
rá por conta própria” . Pois afirmar que algo pode da existência de Deus, ele negou que algum filósofo
surgir sem uma causa é “0 que a inteligência abomi- não cristão tenha feito isso. “ Jamais se conheceu ou se
na” (Miscellanies número 91). ouviu falar de um homem que tivesse uma idéia [cor-
Edwards estava tão convicto de que algo não po- reta] sobre Deus, sem que esta lhe tivesse sido ensina-
deria surgir sem uma causa que, a exemplo de da” (ibid., 1.6.15).
Aquino, argumentou que até um mundo eterno pre- 0 Espírito dá vida à revelação. Por causa da luz do
cisaria de uma causa. Pois, Espírito Santo, os cristãos podem formular uma reli-
gião natural válida onde os pagãos fracassam. Isso
se supuséssemos que 0 mundo é eterno, a própria dispo- acontece porque
sição bela, planejada e útil do mundo também levaria à
conclusão clara de que teve um autor inteligente. 0 aumento do conhecimento e da filosofia no mundo cris-
tão deve-se à revelação. As doutrinas da religião revelada
são os fundamentos de toda sabedoria útil e excelente [...]
Ele usa 0 exemplo de uma grande obra da litera-
A palavra de, Deus leva nações bárbaras a usar seu
tura. Tal obra, ainda que existisse desde a eternida-
discernimento. Traz suas mentes à reflexão e a razão abstra-
de, exigiria mais explicação que tinta derramada so-
ta e livra da incerteza nos primeiros princípios, tais como a
bre papel (ibid., número 312).
existência de Deus, a dependência de todas as coisas a ele
Dependemos da metafísica para mostrar como é
[...] Tais princípios são a base de toda filosofia pura, como
esse Ser Necessário, para
se vê mais e mais à medida que a filosofia avança (ibid.).

demonstrar que Deus não é limitado a um lugar, nem é


Em vista disso, não é razoável supor que a filo-
mutável; que ele não é ignorante, ou esquecido; que é im-
sofia em si poderia preencher a lacuna. O conheci-
possível para ele morrer, ou ser injusto; e há apenas um
mento é fácil, porém, para os que 0 compreendem
Deus e não centenas ou milhares (Freedom ofthe 1ví7/, 4.13).
por meio da revelação.
Pode parecer incoerente da parte de Edwards
Edwards tinha certeza de que a razão demonstra
afirmar que Deus pode ser comprovado pela razão
os atributos divinos na sua infinidade (v. D eus, natu-
natural e que 0 incrédulo jamais poderia chegar ao
REZA de).
Deus verdadeiro dessa maneira. O motivo, como
Λ razão limitada necessita do Espírito Santo. Ape- Edwards explicou, é que a razão tem mais facilidae
sar do valor dado à razão humana, Edwards acredi- para demonstrar um ponto proposto por outra pes-
tava que limitações significativas da razão humana soa que para descobrir 0 ponto diretamente. Sabe-
precisam da obra do Espírito Santo no coração. A ra- ríamos que as obras da criação são efeitos se não
zão não pode tornar 0 conhecimento de Deus “ real” nos tivessem dito que têm uma causa? As maiores
para os não-regenerados. Ela não pode oferecer uma mentes poderiam ser levadas ao erro e à contradi-
revelação sobrenatural capaz de levar à salvação, ou ção se tentassem formular uma descrição da causa
mesmo perceber tal revelação, por causa da depra- apenas pelo estudo dos efeitos (ibid., 1.6.16).
vação humana. Se recebe uma revelação, não conse- Edwards acreditava ser possível a um incrédulo
gue determinar seu pleno conteúdo divino. construir prova válida da existência do Deus verdadei-
Nada é mais evidente para Edwards que 0 fato, por ro, mas 0 fato de ninguém jamais ter feito isso demons-
mais válida que seja a revelação natural, de que há uma trou para ele que a mente precisa ter a iluminação do
necessidade indispensável da revelação sobrenatural: Espírito. Uma vez que a mente tenha conhecimento do
313 Espírito Santo na apologética, papel do

verdadeiro Deus da revelação, é possível construir um A primeira função pertence apropriadamente à


argumento válido de sua existência com base nas pre- apologética filosófica, que assume 0 estabelecimen-
missas tiradas apenas da natureza e da razão (v. revela- to da existência de Deus como Espírito pessoal, Cri-
ção g e r a l ) . Assim, uma revelação especial não é ador, Preservador e Governador de todas as coisas.
logicamente necessária para provar a existência do Deus A ela pertencem os problemas do teísmo com a
verdadeiro, mas na prática é historicamente necessária. complexa discussão das teorias antiteístas.
Edwards afirma que, ao entendermos completa- Warfield acreditava que a apologética eram os
mente as dificuldades envolvidas em conhecer 0 Deus prolegômenos necessários à teologia. Escreveu:
verdadeiro, inevitavelmente atribuímos toda religião
verdadeira à instrução divina e todo erro teológico à A teologia apologética prepara 0 caminho para toda te-
invenção humana (ibid., 1 .6.2 2 ). ologia ao estabelecer suas pressuposições necessárias, sem
A iluminação subjetiva é necessária. Apesar de toda as quais nenhuma teologia é possível — a existência e na-
sua ênfase na evidência racional e objetiva, Edwards tureza essencial de Deus, a natureza religiosa do homem que
acreditava que nem a revelação geral nem a especial 0 capacita a receber a revelação de Deus, a possibilidade de
eram suficientes para fazer pessoas depravadas abrir- uma revelação de Deus, a possibilidade da revelação e sua
se para a verdade. Além da revelação especial objetiva, concretização real nas Escrituras [ Works, 9.64].
era necessária a iluminação divina subjetiva. Apenas
a luz sobrenatural poderia abrir 0 coração para rece- Warfield acreditava que a apologética tem “ uma
ber a revelação de Deus. Sem essa iluminação divina, parte primária” e“uma parte conquistadora’na dis-
ninguém jamais aceitaria a revelação de Deus, não seminação da fé cristã. O cristianismo é caracteri-
importa quão poderosa fosse a evidência a seu favor. zado pela missão de chegar à posição dominante
Um novo coração é necessário, não um novo cérebro.
por meio do raciocínio. Outras religiões apelam
Isso é feito pela iluminação do Espírito Santo. Essa luz
para a espada ou procuram outra maneira de pro-
divina não oferece nenhuma verdade nova nem reve-
pagar-se. 0 cristianismo apela à razão e é portanto
lações novas. Antes concede um novo coração, uma
“ a religião apologética” (Selected shorter writings
nova atitude de receptividade pela qual se pode acei-
[Escritos breves selecionados], 2.99-100).
tar a verdade de Deus.
O papel do Espírito. Os indícios ou demonstra-
B. B. W arfield. A apologética clássica (v. clássica,
ções do caráter divino da Bíblia andam lado a lado
a p o l o g é t i c a ) foi levada adiante por Benjam in
com 0 Espírito Santo para convencer as pessoas da
Breckinridge Warfield (1851-1921). Ele também via a
verdade da Bíblia. Warfield concordava com Calvino
necessidade tanto da razão humana quanto da obra
em que eles não são em si capazes de levar pessoas
do Espírito Santo para convencer pessoas da verdade
a Cristo nem mesmo de convencê-las da autorida-
do cristianismo.
de divina e completa das Escrituras. No entanto,
A necessidade da apologética racional. Warfield
Warfield acreditava que 0 Espírito Santo sempre
definiu apologética como “a vindicação sistematica-
exerce seu poder de forma convincente por meio
mente organizada do cristianismo em todos os ele-
da evidência.
mentos e detalhes, contra toda oposição” ( Works, 9.5).
Sobre a relação entre a apologética e a Bíblia,
Ou, mais tecnicamente:
Warfield disse:
A apologética não assume a defesa, nem mesmo a
vindicação, mas 0 estabelecimento, não do cristianismo es- É fácil, naturalmente, dizer que 0 cristão não deve ba-
tritamente falando, e sim do conhecimento de Deus que 0 sear sua opinião além das Escrituras, mas nas Escritu-
cristianismo professa incorporar e busca tornar eficaz no ras. Ele certamente deve. Mas com certeza a Bíblia deve
mundo, e que é responsabilidade da teologia explicar cien- primeiramente ser-lhe autêntica como tal, antes de po-
tificamente (ibid., 3). der basear nela seu ponto de vista (ibid., 2.98).

Ele dividiu a apologética funcionalmente: Nesse apelo à evidência, Warfield percebeu que 0
1. A apologética demonstra a existência e a cristão tem algo em comum com os incrédulos. Os fa-
natureza de Deus. tos são universalmente disponíveis, e todos podem ser
2. A apologética revela a origem divina e a au- convencidos da existência de Deus e da verdade das
toridade do cristianismo. Escrituras por meio delas, pelo poder da razão de um
3. A apologética demonstra a superioridade pensador redimido. No seu artigo de 1908 sobre
do cristianismo (ibid., 10 ). “Apologética” , ele disse que, apesar de a fé ser um dom,
Espírito Santo na apologética, papel do 314

ainda é uma convicção formal da mente. Todas as for- Logo, 0 cristianismo é confirmado por fatos objeti-
mas de convicção devem ter evidência como base. A vos. Os atos mais excepcionais de Deus, milagres e pro-
razão investiga a natureza e validade dessa base fecias cumpridas, oferecem a melhor evidência das rei-
(Works, 9.15). vindicações da verdade do cristianismo (v. m ilagres, ya-
A razão não salva ninguém, não porque não haja lo r apologético dos). Eventos sobrenaturais comprovam

prova para a fé cristã, mas porque a alma morta não os teológicos. A razâo testa a revelação (v. fé f. raz ão ).
pode responder à evidência. C o s m o y is à o . O cristianismo também é testado pela
capacidade de fornecer uma visão do mundo inteiro,
A ação do Espírito Santo conceder a fé não está separada da humanidade e de Deus. Os princípios cristãos dão
mais sentido à vida e ao mundo. Uma cosmovisão, ou
da evidência, mas junto dela; e no primeiro instante consiste
“visão sinóptica” , organiza as coisas de maneira mais
em preparar a alma para a recepção da evidência.
significativa (ibid., p. 60). A escolha de uma cosmo-
visão atraente não a torna verdadeira. Além disso, ela
A apologética não transforma homens e mulheres
deve ser internamente coerente (ibid.,p. 63,67). Os cri-
em cristãos, mas a apologética fornece a base sistema-
térios e a coerência de Ramm são semelhantes aos cri-
ticamente organizada sobre a qual a fé deve apoiar-se
térios de coerência factual e consistência lógica pro-
(ibid.).
postos por John Carnell.
Assim, 0 relacionamento entre a razão e a evidên-
Ramm está convencido da validade da lei da não-
cia de um lado e 0 Espírito Santo do outro é comple-
contradição como teste necessário da verdade (v. primei-
mentar. Não é ou 0 Espírito Santo ou a evidência. E 0 ros princípios). Não podemos pensar sem ela (ibid.,68,69;
Espírito Santo agindo na e por meio da evidência para Protestant Christian evidences [Evidências cristãs pro-
convencer as pessoas da verdade do cristianismo. Há testantes], Al, 54). No entanto, Ramm não dá a mesma
uma dimensão externa (objetiva) e interna (subjeti- ênfase à lógica que outros pressuposi-cionalistas, como
va) do processo pelo qual as pessoas reconhecem que Gordon C la r k .
0 cristianismo é verdadeiro. Tais dimensões podem ser Probabilidade ou certeza. Ramm faz distinção en-
chamadas racional e mística, respectivamente. Mas as tre probalidade e certeza. A revelação divina nas Escri-
duas nunca estão separadas, como muitos místicos cris- turas e 0 testemunho interno do Espírito Santo permi-
tãos e subjetivistas tendem a fazer (v. Biblical and tem uma convicção espiritual plena. Essa confiança es-
theological studies [Estudos bélicos e teológicos],cap. 16). piritual se estende à existência e aos atributos de Deus,
B e r n a r d R a m m . De acordo com Bernard R a m m , à verdade das afirmações de Jesus Cristo e à salvação
há três círculos concêntricos de verificação. Eles re- pessoal. Tais fatos são baseados no que Deus fez na his-
presentam três andares na confirmação das reivindi- tória. Nenhum fato histórico é conhecido com “certe-
cações da verdade cristã. za” ,já que ninguém pode voltar ao lugar físico e a época
Testemunho interno. No primeiro círculo de verifi- para testar 0 evento empiricamente. Ele não pode ser
cação, testemunho interno, 0 pecador ouve 0 evange- recriado no laboratório. Mas isso não significa que de-
lho e é convencido de sua verdade pelo Espírito Santo. vemos usar a palavra provavelmente. Os fatos históricos
podem ser conhecidos com um alto nível de probabili-
Isso é “uma verificação espiritual, pois a verificação
dade. Com a evidência das Escrituras, 0 testemunho do
primária da religião deve ser dessa ordem, senão 0 caso
Espírito Santo e as mudanças efetuadas pelas ações do
é transferido para um método de verificação estranho
Deus vivo no cosmo, 0 cristão deposita a fé no alto grau
à religião” .Essa influência persuasiva do Espírito Santo
de probabilidade da convicção absoluta.
é interna, mas não subjetiva ( Witness of the Holy Spirit
R esu m o . Obviamente, nem todos os apologistas
[0 testemunho do Espírito Santo], p. 44).
apresentados aqui concordam em todos os pontos, mas
A ação de Deus. A função primária da evidência cris-
há um acordo geral em comparação com 0 fideísmo,
tã é cultivar a recepção favorável para 0 evangelho. O misticismo e outras formas de subjetivismo.
evangelho ainda deve fazer sua obra, não os argumen- O papel da razão. A razão humana, sem a revela-
tos apologéticos. As provas mostram que ção especial (v. re v e la ç ã o g e r a l; r e v e l a ç ã o esp ecial),
pode fornecer argumentos que apoiam a existência de
esse Deus [bíblico] realmente entra em nosso tempo, Deus, conhecer vários atributos essenciais de Deus (v.
nossa história, nosso espaço, nosso cosmo e faz uma dife- D f.u s , evidências de), oferecer evidência que sustenta a
rença [...] Pelo fato de Deus fazer essa diferença, sabemos fé cristã, defender 0 cristianismo contra ataques, jul-
que acreditamos na verdade e não em ficção ou mera filoso- gar a verdade de supostas revelações e ensinar 0 con-
fia religiosa (ibid., p. 57). teúdo de uma revelação de Deus.
315 essencialismo divino

Há consenso geral sobre os limites da razão. Ela ___ , Protestant Christian evidences.
é marcada pelos efeitos do pecado. Não chega ao co- ___ , The God who makes a difference.
nhecimento adequado do Deus verdadeiro sem a ___ , The witness o f the Spirit.
ajuda divina. Não pode conceder certeza absoluta R. C. S p r o u l , et al., Classical apologetics.
com relação à verdade sobre Deus. Não pode expli- ___ ,“ The internal testimony of the Holy
car os mistérios da encarnação e da T rin d ad e. Apóia Spirit” , em N. L. G e i s l e r , org., Inerrancy.
a fé em Deus, mas não é a base para essa fé. Ela so- T o m a s d e A q i ’i n o , Commentary on Ephesians.
zinha não pode levar ninguém a crer em Deus ou ___ , On truth.
dar conhecimento salvador. ___ , Suma contra gentios.
O p a p e l d o E s p ír it o . A maioria dos apologistas clás- ___ , Summa theologica.
sicos concorda que 0 Espírito Santo tem vários papéis B. B. W a r f ie l d , Biblical and theological studies.

apologéticos necessários. O Espírito possibilitou a ori- ___ ,“ Introduction” , em F. R. Beattie,

gem das Escrituras. Dá aos indivíduos entendimento Apologetics, or the rational vindication o f

da verdade revelada nas Escrituras e suas implicações Christianity.

. O Espírito Santo é necessário para a convicção total ___ , Selected shorter writings 0J Benjamin

das verdades do cristianismo, e só ele leva as pessoas B. Warfield, 2 v.

a crer na verdade redentora de Deus. O Espírito Santo ___ , The works o f Benjamin B. Warfield, 10 v.

age na evidência e por meio dela, mas não separado


dela. Como Espírito de um Deus racional, não se des- essencialismo divino. Essencialismo (do latim esse,
via da mente para chegar ao coração. O Espírito ofere- “ser” ), em relação aos princípios morais e à vontade
ce evidência sobrenatural (milagres) para confirmar de Deus, é 0 ponto de vista segundo qual os princípios
éticos baseiam-se na essência divina imutável (v. Deus,
0 cristianismo.
n atu reza de), não só na vontade mutável de Deus. É
contrário ao voluntarismo divino, que afirma que algo
F o n tes
é bom porque Deus 0 deseja. O essencialismo, pelo con-
Agostixho, Confissões.
trário, afirma que Deus deseja algo porque é bom.
____, Enchiridion.
Há dois tipos básicos de essencialismo: platônico
____,H om ilia VI sobre fo ã o 3 . 1— 4 . 3 .
e teísta. P la t ã o acreditava que Deus, 0 demiurgo, dese-
____, Cartas.
ja todas as coisas de acordo com 0 Bem (agathós), que
____, D a v erd ad eira religião.
é externo a Deus e ao qual ele se sujeita.
____, Do livre-arbítrio.
Os teístas (v. teísm o), acreditam que Deus deseja as
____, Da pred estin ação.
coisas de acordo com sua natureza imutavelmente boa
____, Do credo.
(v. Deus, natu reza de). Então 0 bem supremo não está
____, Evangelho d e João.
fora de Deus, mas nele, é sua própria natureza imutá-
____, Da m o ra l d a Igreja Católica.
vel. Isso é chamado essencialismo divino.
____, Do valor d a crença.
A rg u m en to s a fa v o r do essen cia lism o . Os
____, Da T rindade, em K icen e a n d p o st-
essencialistas cristãos oferecem três linhas básicas de
N icene fathers.
argumento a favor de sua visão: filosófica,bíblica e prá-
____, C id ad e d e Deus.
tica.
J. Calvino, Institutas d a religião cristã, edição de
Argumentos filosóficos do essencialismo. Os teístas
1559. tradicionais argumentam que Deus segundo sua na-
____, As E pístolas a os R om an os e
tureza é imutável. Tomás de A q uino ofereceu três argu-
Tessalonicenses.
mentos básicos a favor da imutabilidade de Deus (v.
J. Edwards, F reedom o f the will.
Deus, n atu reza de).
___ ,“Miscellanies” . O argumento da realidade pura de Deus. O primei-
_____ , “ O f being” . ro argumento é baseado no fato de que 0 Deus de pura
___ ,“ The mind” . realidade (“ Eu Sou” ) não tem potencialidade, pois tudo
N. L. Geisler, Christian apologetics. que muda tem potencialidade. Mas não pode haver
S. Grenz, et al., orgs., Tw entieth-century theology. potencialidade em Deus (ele é Realidade Pura). Por-
K. Krantzer,/0/!í7 Calvins theory o f the kn ow ledge o f tanto, Deus não pode mudar (Êx 3.14). Pois tudo que
G od a n d the Word o f God. muda tem 0 potencial de mudar. Porém, como Reali-
G. Lewis, Testing C christianity’s truth claims. dade Pura, Deus não tem 0 potencial de realizar por
B. Ramm, P roblem s in C hristian apologetics. meio da mudança.
essencialismo divino 316

O argumento da perfeição de Deus. O segundo ar- 0 apóstolo Paulo acrescenta em Tito 1.2: 0 Deus
gumento a favor da imutabilidade de Deus baseia-se que não mente prometeu antes dos tempos eternos
em sua perfeição absoluta. Tudo que muda adquire Tiago 1.17 mostra: Toda boa dádiva e todo dom
algo novo. Mas Deus não pode adquirir nada novo, já perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, que não
que é absolutamente perfeito; ele não poderia ser me- muda como sombras inconstantes” .
lhor. Portanto, Deus não pode mudar. Deus é pela pró- Mas, se Deus é imutável por natureza, então sua von-
pria natureza um ser absolutamente perfeito. Se lhe tade está sujeita à sua natureza imutável. Assim, tudo que
faltasse alguma perfeição, não seria Deus. No entanto, Deus deseja deve ser bom de acordo com sua natureza.
para mudar é preciso ganhar algo novo. Mas ganhar Deus não pode desejar 0 que é contrário à sua natureza.
uma nova perfeição é ter carecido dela. Um Deus que Ele não pode mentir (Hb 6.18). Não pode ser odioso nem
carece de alguma perfeição não poderia ser 0 Deus injusto. 0 essencialismo divino deve estar correto.
absolutamente perfeito que é. Argumentos práticos da imutabilidade moral de Deus.
O argumento da simplicidade de Deus. O terceiro Dois argumentos práticos são oferecidos a favor do
argumento a favor da imutabilidade de Deus parte de essencialismo divino, 0 da necessidade de estabilidade
sua simplicidade. Tudo que muda é composto do que moral e 0 da necessidade da repugnância moral. Ambos
muda e do que não muda. Mas não pode haver com- são apoiados pelo que conhecemos sobre a confiabilidade
posição em Deus (ele é um ser absolutamente simples). de Deus e 0 testemunho escriturístico de que podemos
confiar que Deus não muda.
Logo, Deus não pode mudar.
0 argumento da necessidade de estabilidade moral.
Se tudo sobre um ser mudasse, ele não seria mais
Se todos os princípios morais fossem baseados na von-
0 mesmo ser. Na verdade, isso nem seria mudança,
tade mutável de Deus, então não haveria segurança
mas aniquilação de uma coisa e recriação de algo
moral. Como alguém poderia dedicar-se a uma vida de
completamente novo. Se a cada mudança algo per-
amor, misericórdia ou justiça e depois descobrir que as
manece igual e algo não, a coisa que muda deve ser
regras mudaram e que aquelas não são as coisas cer-
composta desses dois elementos. Já que um ser ab-
tas? Na verdade, como poderíamos servir a Deus como
solutamente simples como Deus não pode ter dois
supremo se ele pudesse desejar que nosso bem supre-
elementos, conclui-se que Deus não pode mudar.
mo não fosse amá-lo, mas odiá-lo?
Argumentos bíblicos do essencialismo divino. As
O argumento da repugnância moral Essencialistas
Escrituras apóiam 0 essencialismo teísta declarando
divinos insistem em que é moralmente repugnante
que Deus é imutável por natureza.
supor, como os voluntaristas, que Deus poderia mu-
Evidência de imutabilidade no a t . O salmista do dar sua vontade quanto ao amor essencialmente bom
a t declarou:
e, em vez disso, querer que 0 ódio fosse uma obriga-
ção moral. Da mesma forma, é difícil conceber como
No princípio firmaste os fundamentos da terra, e os céus um ser moralmente perfeito poderia desejar que es-
são obras das tuas mãos. Eles perecerão, mas tu permane- tupro, crueldade e genocídio fossem moralmente bons.
cerás; envelhecerão como vestimentas. Como roupas tu os Já que é repugnante do ponto de vista moral que cria-
trocarás e serão jogados fora. Mas tu permaneces 0 mesmo, turas feitas à imagem de Deus imaginem tal mudança
eos teus dias jamais terão fim (SI 102.25-27). na vontade de Deus, quanto mais deve ser para 0 Deus
à imagem de quem fomos feitos.
Como 1 Samuel 15.29 afirma: “Aquele que é a Glória 0 argumento da confiabilidade de Deus. A Bíblia
de Israel não mente nem se arrepende, pois não é homem apresenta Deus como eminentemente confiável. Quan-
para se arrepender” . do ele faz uma promessa incondicional, jamais deixa
O profeta acrescentou: “De fato, eu, 0 Senhor, não de cumpri-la (cf. Gn 12.1-3; Hb 6.16-18). Na verdade,
mudo. Por isso vocês, descendentes de Jacó, não fo- os dons e chamados de Deus são decisões imutáveis
ram destruídos” (M l 3.6) de sua parte (Rm 11.29). Deus não é homem para que
Evidência de imutabilidade no m. Ο ν γ é igual- se arrependa (1 Sm 15.29). Sempre se pode confiar que
mente forte com relação à natureza imutável de Deus. ele cumprirá sua palavra (Is 55.1 1). Mas essa confian-
Hebreus 1.10-12 cita Salmos 102, em comprovação. ça suprema em Deus não seria possível se ele pudesse
Alguns capítulos depois 0 autor de Hebreus afirma: mudar sua vontade sobre qualquer coisa a qualquer
“ Para que por meio de duas coisas imutáveis nas hora. A única coisa que faz Deus moralmente respon-
quais é impossível que Deus minta, sejamos firme- sável por cumprir sua palavra é sua natureza imutá-
mente encorajados, nos” (Hb 6.18). vel. Senão, ele poderia decidir a qualquer momento
317 essencialismo divino

mandar todos os crentes para 0 inferno. Poderia re- planos pode ser frustado” (Jó 42.2)? E 0 apóstolo Pau-
compensar os ímpios por assassinato e crueldade. Tal 10 nâo afirmou sobre Deus: “ Pois ele diz a Moisés: ‘Te-
Deus não seria confiável. 0 Deus da Bíb lia é rei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e
imutavelmente bom. terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão’.
O bjeções ao essencialism o. Objeção da suprema- Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço
cia de Deus. Os voluntaristas, como G u ilherm e de Occam, humano, mas da misericórdia de Deus” (Rm 9.15,16)?
opõem-se ao essencialismo. Um dos argumentos baseia- Deus não faz tudo “conforme 0 bom propósito da sua
se na supremacia de Deus, que pode ser afirmada: vontade” (E f 1.5)?
Não é preciso rejeitar a soberania de Deus para ver
1. Ou Deus deseja que algo seja correto, ou é 0 erro desse argumento. Essas passagens não estão fa-
correto porque Deus deseja. lando da base suprema dos princípios morais, mas da
2. Mas, se ele 0 deseja porque é correto, então eleição de Deus. Nem mesmo textos bíblicos que fa-
Deus não é supremo, porque há algo além lam da vontade de Deus como a fonte absoluta do que
dele ao qual está sujeito. é moralmente correto comprovam 0 voluntarismo.
3. Logo, algo é correto porque Deus deseja Princípios morais poderiam vir da vontade de Deus
assim. baseada em sua natureza imutável. Isso é, na verdade,
exatamente 0 que a Bíblia declara sobre 0 caráter imu-
Os essencialistas indicam dois problemas com esse tável de Deus.
argumento. A primeira premissa apresenta um falso Objeção de que Deus mudou de idéia. Segundo os
dilema. Não é preciso escolher um ou outro; ambos essencialistas, há exemplos nas Escrituras onde Deus
podem coexistir. Isto é, talvez os princípios morais flu- mudou de idéia. Ele não se “arrependeu” de ter feito a
am da vontade de Deus baseada na natureza de Deus.
humanidade nos dias de Noé (Gn 6)? Deus não se“arre-
Se esse for 0 caso, a conclusão voluntarista não está
pendeu” ou mudou de idéia sobre a destruição de Nínive
correta. E a segunda premissa supõe incorretamente
(Jn 3)? Deus não mudou de idéia quanto a destruir Is-
que 0 padrão ético supremo ao qual a vontade de Deus
rael depois que Moisés orou (Nm 14)?
deve sujeitar-se está “além” de Deus.Mas,se está“ nele” ,
Essencialistas divinos mostram que Deus não
a saber, sua natureza moral suprema, então 0 dilema
mudou realmente em nenhum desses casos. Os seres
desaparece.
humanos mudaram em relação a Deus e, portanto, só
Objeção da natureza da moralidade. Os que se
parece, do ponto de vista humano, que Deus mudou. 0
opõem ao essencialismo argumentam que princípios
vento parece mudar quando deixamos de pedalar con-
morais pela própria natureza fluem da vontade de
tra ele e passamos a andar a favor dele. Uma cachoeira
Deus, não de sua natureza. Pois uma lei moral é uma
não mudou seu fluxo simplesmente porque viramos
prescrição, e prescrições só vêm de prescribentes. E
uma ordem ética, e ordens só vêm de ordenadores. um copo para cima e de repente vemos que ele está
Logo, é da natureza da lei moral que ela venha de um cheio. Como T o m á s d e A q u in o observou, quando a pes-
Legislador Moral. Insistem em que afirmar (como os soa se move de um lado da coluna para 0 outro, a co-
essencialistas) que as leis morais fluem da essência luna não muda em relação à pessoa. Pelo contrário, a
de Deus, não de sua vontade, é interpretar mal a natu- pessoa se move em relação à coluna.
reza de um princípio moral. C on clu sã o. 0 essencialismo divino baseia-se em
Mas os essencialistas respondem que os volunta- bons argumentos filosóficos, bíblicos e práticos. As
ristas supõem erroneamente, mais uma vez, que se tra- objeções contra ele não são bem-sucedidas. Logo, ape-
ta de um ou outro, em vez de ambos. 0 problema é re- sar de os princípios éticos fluírem da vontade de Deus,
solvido supondo-se (como faz 0 essencialismo) que os eles estão baseados em sua natureza imutável. Assim,
princípios morais fluem da vontade de Deus baseada Deus não pode desejar nada que seja contrário à sua
em sua natureza imutável. Isto é, Deus deseja 0 que é natureza moral essencialmente boa.
correto de acordo com 0 caráter imutavelmente bom de
sua natureza moral (v. m oralidade,natureza absoluta da). F o n tes
Objeção da soberania de Deus. 0 argumento da A gosunho, .4 cidade de Deus.
soberania da vontade de Deus baseia-se mais na in- C. S. Lew is , Cristianismo puro e simples.
terpretação específica de certas passagens bíblicas P i .a t ã ü , Protágoras.

que em raciocínio filosófico. Jó não declarou a Deus: ___ ,.4 república.


“ Sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos teus T om as df .\ q i k o . Suma teológica.
essênios e Jesus 318

essênios e Jesus. Os essênios eram uma seita judaica • pregou 0 amor, eles, não;
separatista que estabeleceu uma comunidade perto do • afirmou ser 0 Messias sem pecado; eles colo-
mar Morto (v. m a r M o r t o , r o l o s d o ) . Seu nome deve de- caram um fardo pesado de pecado sobre cada
rivar de hasidlm (“pessoas leais” [ou piedosas]). Isso pessoa;
pode refletir sua crença de que viviam no fim dos tem- • garantiu a salvação aos gentios; eles eram
pos de apostasia. 0 reinado maligno de Antíoco Epifânio nacionalistas judeus;
no século 11 a.C. pode ter sido 0 impulso para a funda- • ensinou que havia um Messias; eles buscavam
ção dessa seita. Sua comunidade durou até 0 século π dois;
d.C. Segundo Josefo ( Guerras dos judeus, 2.8.2), os • en sin o u a ressu rreição do corpo; eles enfati-
essênios, fariseus e saduceus eram as principais seitas z a vam a im o r t a l id a d e da a lm a , m as n ão do
do judaísmo. Plínio, 0 Velho, ligou-os a Qumran. Sua vida corpo.
era marcada pelo ascetismo, comunismo e a rejeição dos
sacrifícios animais. Na época do k t , eram cerca de 4 mil Em geral, 0 ensinamento ético de Jesus era mais
(Cross, p. 471). parecido com 0 judaísmo rabínico que com a austeri-
Je s u s e os essên ios. Alguns teólogos, tais como I. dade de Qumran.
Ewing ( The essene Christ; [O Cristo essênio]), alegam Apesar de Jesus ensinar a justiça, isso não signifi-
que Jesus era 0 “Mestre da Justiça” essênio, menciona- ca que fosse 0 “Mestre da Justiça” essênio. Tal identifi-
do nos rolos do mar Morto. cação ignora diferenças cruciais. O líder essênio
Há quem defenda que João Batista e até Jesus teri-
am sido membros da comunidade essênia. Durante seu • era um sacerdote, enquanto Jesus foi um Pro-
ministério registrado nos evangelhos, Jesus só se opôs feta, Sacerdote e Rei;
a fariseus e saduceus. Nunca criticou os essênios. Je- • era um pecador que precisava de purificação,
sus certamente se considerava “Mestre de Justiça” . mas Jesus não teve pecado (v. Cristo, divindade de);
Quando foi batizado, disse: “ Deixe assim por enquan- • considerava-se criatura, não 0 Criador;
to; convém que assim façamos, para cumprir toda a • não fez expiação por ninguém ao morrer;
justiça” (M t 3.15). Então João consentiu. Jesus era sa- • não ressuscitou dos mortos como Jesus;
cerdote. De acordo com 0 n t , Jesus foi sacerdote para • não foi adorado como Deus;
sempre segundo a ordem de Melquisedeque (Hb 7.17). • viveu bem antes de Jesus.
Ele cumpriu a tipologia do sacerdócio aarônico. Da
mesma forma, 0 “Mestre da Justiça” da comunidade Não há evidência real de que Jesus tivesse sequer
essênia era um sacerdote. Jesus passou um tempo no visitado a comunidade essênia, mas, de qualquer for-
deserto perto dos essênios. Também opôs-se enfati- ma, uma afiliação casual com os essênios é irrelevante.
camente ao sistema religioso vigente, de maneira bem Sua identidade não permaneceu com ninguém mais
semelhante aos essênios. além de Deus. Em vários aspectos, Jesus foi um
A valiação. Há várias falhas na teoria essênia. Os iconoclasta do judaísmo estabelecido. Apesar de ter
três argumentos básicos a favor da visão essênia se- cumprido, não destruído a lei (Mt 5.17,18), opôs-se
rão tratados em ordem. ao judaísmo oficial por razões diferentes das dos
O fato de Jesus não criticar os essênios é um ar- essênios. A hierarquia judaica 0 rejeitou como Messi-
gumento falho baseado no silêncio. Não foi registra- as, 0 Filho de Deus. Esse não foi 0 caso dos essênios.
do nada que ele tenha dito contra eles. Os essênios Além disso, Jesus não era um asceta. Foi criticado por
não eram parte do judaísmo oficial, que se opunha a comer com pecadores (v. Cristo, divindade de).
Cristo. O T alm ude também não se opunha aos Conclusão. Não há evidência de que Jesus tivesse
essênios, mas não é um livro essênio. Esse também é contato com a comunidade essênia. Mas, se teve, isso
um exemplo da falha “ preto e branco” . Ela ignora 0 não faz dele um essênio nem refuta suas afirmações
fato de Jesus talvez não ter pertencido a nenhum gru- singulares. Seus ensinamentos eram diferentes em as-
po. E ignora diferenças cruciais entre 0 ensinamento pectos importantes. Só Jesus afirmou ser 0 Messias
de Jesus e as doutrinas essênias. Jesus judeu (v. profecia como prova da B íb lia ) e Filho de Deus
(v. Cristo, divindade de).
• opunha-se à pureza cerimonial em relação à
qual os essênios eram tão radicais; Fontes
• opunha-se ao legalismo, e eles eram sem dúvi- M. B l a c k , The scrolls and Christian origins.
da legalistas quanto à lei mosaica; F. L. C r o s s , “Essenes”, em The Oxford dictionary of
• enfatizou 0 Reino de Deus, eles, não; the Christian church..
319 Evangelho de Tomé
M . D l ‫ ׳‬p o n ‫־‬t - S o .m m er , The Jewish sect ot Qumran and Evangelho de Barnabé. V. B a r x a b é , E v a n g e l h o d e .
the Essenes.
I. E w i n g , The Essene Christ. Evangelho de q . V. q , d o c u m e n t o .
F l á y io J o s e f o , Guerras dos judeus.
C . D . G in s b c r g , Os essênios. Evangelho de Tomé. A alegação dos críticos. Alguns crí-
J. B. L i g h t f o o t , St. Paul’s Epistles to the Colossians ticos radicais do x t alegam que 0 evangelho gnóstico de
and to Philemon. Tomé é igual ou superior ao xr e que não apóia a ressurrei-
ção de Cristo. O S e m in á r io J e s u s coloca 0 Evangelho de Tomé
Eusébio. Eusébio (c. 260-340) foi bispo de Cesaréia e 0 na tão gravemente mutilada Bíblia adotada por eles.Ambas
“pai da história da igreja” . Sua História eclesiástica é a as posições são sérios desafios à fé cristã histórica.
principal fonte de informação desde 0 período apostó- 0 E v a n g elh o d e T om é foi descoberto em Nag
lico até 0 século iv. Contém uma quantidade imensa de Hammadi, Egito, perto do Cairo, em 1945, e traduzido
material da igreja oriental, apesar de pouco a respeito para 0 inglês em 1977. Apesar de alguns terem tenta-
da igreja ocidental. Eusébio também escreveu Os már- do dar-lhe uma data anterior, a mais provável não deve
tires d a Palestina, um relato das perseguições promovi- ser anterior a 140-170 d.C. Contém 114 afirmações se-
das pelo imperador Diocleciano (303-310). Também eretas de Jesus. Entre os defensores do Evangelho de
escreveu uma biografia do imperador Constantino. Tom é estão Walter Baur, Frederick Wisse, A. Powell
As obras apologéticas e polêmicas de Eusébio fo- Davies e Elaine Pagels.
ram extensas. Entre elas estão: Contra H iérocles (res- Uma avaliação da credibilidade do Evangelho de
pondendo à retórica anticristã de um governador pa- Tomé. A melhor maneira de avaliar a credibilidade do
gão da Bitínia), A p rep a ra çã o p a ra 0 evangelho (por Evangelho de Tomé é pela comparação com os evange-
que cristãos aceitam a tradição hebraica e rejeitam a lhos do x t , que os mesmos críticos geralmente questio-
grega) e D em on stração do evangelho (argumentos a nam muito (v. Novo T e s t a m e n t o , h is t o r ic id a d e d o ; N o v o
favor de Cristo com base no a t ) . Eusébio também es- T e s t a m e n t o , C o n f ia b il id a d e d o s d o c u m e n t o s d o ; N o v o T e s -
t a m e n t o , m a n u s c r it o s d o ) . Quando essa comparação é fei-
creveu um livro sobre a encarnação: A teofan ia. Outra
ta, 0 Evangelho d e Tomé revela-se inferior.
de suas obras, Contra M arcelo, bispo d eA n cira , é uma
05 evangelhos canônicos são bem anteriores. Levan-
coleção de passagens do a t que prevêem a vinda de
do em conta as datas mais amplamente aceitas dos evan-
Cristo. A esse último acrescentou um livro teológico,
gelhos sinóticos (c. 60-80 d£ . ) , 0 Evangelho de Tom évem
R efu tação d e M arcelo. Eusébio escreveu A defesa de
quase um século mais tarde. Na verdade, há evidência
Orígenes com os pontos de vista de O ríg e n e s a respeito
de datas ainda anteriores de alguns evangelhos (v. Novo
da T r in d a d e e da encarnação (v. Schaff, série 2d, 1.36).
T e s t a m e n t o , d a t a ç ã o d o ) , como até alguns teólogos libe-
Escreveu outras obras como P roblem as dos evangelhos,
rais admitem (v. RobinsonJohn A., tudo). O. C. Edwards
Sobre a P áscoa, Sobre a teologia d a igreja e Dos nom es
afirma quanto ao Evangelho d e Tomé e aos evangelhos
e lugares nas S agradas Escrituras.
canônicos :“Como reconstruções históricas não há como
Eusébio é um elo histórico crucial entre os apósto-
os dois reivindicarem as mesmas credenciais” (p. 27). E
los e a Idade Alédia. Depois dos apóstolos e primeiros
Joseph Fitzmyer acrescenta:
apologistas, ele é 0 exemplo principal da forma assumi-
da pelos apologistas cristãos primitivos. Além disso,
Vez após vez, ela está cega para 0 fato de que está igno-
desempenhou um papel importante na transmissão das
rando um século inteiro de existência cristã no qual esses
Escrituras (v. Geisler e Nix, p. 278-82) por meio da pre-
cristãos gnósticos simplesmente não existiam (p. 123).
paração de cinqüenta cópias da Bíblia apenas 25 anos
depois de Diocleciano ordenar sua extinção em 302. O Evangelho de Tomé é dep en d en te dos evangelhos
Outras testemunhas primitivas são comentadas no canônicos. Mesmo que pudesse ser comprovado que 0
artigo Novo T e s t a m e n t o , f o n t e s n ã o -c r is t ã s d o . Evangelho de Tomé contém afirmações autênticas de
Jesus, “nenhuma defesa convincente foi feita de que
F o n te s qualquer afirmação de Jesus nos evangelhos d ep en d e
F. L . C ro s s, The Oxford dictionary of the Christian
de uma afirmação no Evangelho d e Tomé” (Boyd, p.
church. 118). Mas 0 contrário é verdadeiro, já que 0 Evangelho
X. L. G e is le r e W. X;x, Introdução bíblica. de Tom é pressupõe verdades encontradas anterior-
J. S 1 tvENSON, Studies in Eusebius. mente nos evangelhos canônicos.
D. S. W a l l is - H a d r il l , Eusebius of Caesarea. O Evangelho de Tomé retrata 0 g n o stic ism o do
P. S c h a f f , The Xicene andpost-Xicene fathers. sécu lo π. O Evangelho de Tomé é influenciado pelo tipo
evidentes, verdades 320

de gnosticismo predominante no século 11. Por exem- (c. 125.140), nos Oráculos, fala de .Mateus, Marcos (de-
pio, afirma que Jesus disse estas palavras improváveis e pendente de Pedro) e João (por último), que escreve-
humilhantes: “ Toda mulher que se fizer homem entra- ram os evangelhos. Ele diz três vezes que Marcos não
rá no Reino dos céus” (citado por Boyd, p. 118). cometeu erros. Além disso, os pais consideravam os
A falta de narrativa do Evangelho de Tomé não pro- evangelhos e as epístolas de Paulo tão importantes quan-
να que Jesus não fez milagres. O fato de 0(s) autor(es) to 0 a t inspirado.
do Evangelho de Tomé não incluir (incluírem) narra- Logo, os pais deram testemunho da precisão dos
tivas dos milagres de Jesus não significa que não evangelhos canônicos já no início do século 11, bem
acreditava(m) neles. O livro parece ser uma coleção antes do Evangelho de Tomé ser escrito.
dos pronunciamentos de Jesus, e não de suas obras. O relato da ressurreição. O Evangelho de Tomé reco-
Os evangelhos canônicos são mais confiáveis histori- nhece a ressurreição de Jesus. Na verdade, 0 próprio
camente. H á várias razões pelas quais os evangelhos do Cristo ressurreto e vivo aparece nele falando (34.25-27;
n t são mais confiáveis que os gnósticos. Primeira, os 45.1 -16). É verdade que 0 livro não enfatiza a ressurrei-
cristãos primitivos foram meticulosos na preservação çâo, mas isso era de esperar, já que se trata de uma fonte
das palavras e obras de Jesus. Segunda, os autores dos voltada principalmente para as “afirmações” , em vez de
evangelhos estavam perto das testemunhas oculares e uma narração histórica. Além disso, 0 preconceito teo-
pesquisaram os fatos (Lc 1.1-4). Terceira, há boa evi- lógico gnóstico contra 0 assunto tenderia a menospre-
dência de que os autores dos evangelhos fossem narra- zar a ressurreição corporal.
C on clu sã o. A evidência da autenticidade do Evan-
dores honestos (v. Novo T es ta m e n to , h is t o r ic id a d e d o ; t e s -
gelho de Tomé nem se compara à do x t . O x t data do
t e m u n h a s , c r it é r io de H um e pa r a ). Quarta, 0 retrato geral
século 1; 0 Evangelho de Tomé, do século π. O n t é con-
de Jesus apresentado nos evangelhos é 0 mesmo.
firmado por várias linhas de evidência, inclusive refe-
O cânon básico do n t foi formado no século /. Ao
rências internas, listas canônicas antigas, milhares de
contrário das afirmações dos críticos, 0 cânon básico
citações dos primeiros pais da igreja e as datas bem
do n t foi formado no século 1. Os livros contestados
estabelecidas dos evangelhos sinóticos.
não têm efeito apologético sobre 0 argumento da
confiabilidade do material histórico usado para esta-
Fontes
belecer a divindade de Cristo.
G . B o y d ,Jesus un der siege.
O n t revela que uma coleção de livros existia no
0 . C . E d w a r d s , A Vm ‫ ־‬review o f b o o k s a n d religion
século 1. Pedro fala que possuía as epístolas de Paulo
( M a y 1 9 8 0).
(2Pe 3.15,16). Na verdade, ele as considerava tão im-
C. A . Evans, S a g H a m m a d i texts a n d the Bible.
portantes quanto as “ Escrituras” do a t . Paulo teve aces-
J. F i t z m y l r , A m erica (1 6 F e b . 19 8 0 ).
so ao evangelho de Lucas e 0 cita em 1 Timóteo 5.18.
A . F r e d e r ic k , e t a l., The gnostic gospels.
As igrejas foram instruídas a enviar a outras igrejas N . L . G e is le r , e W . N ix , In trodu ção bíblica.
as epístolas que receberam (Cl 4.16). R. M . G ra n t, Gnosticism a n d early Christianity.
Além do n t , há listas canônicas extrabíblicas que E . L in n lm a n , Is there a synoptic p r o b lem ?
apóiam a existência de um cânon do n t ( v . Geisler e E. P a g e ls , The gnostic gospels.
Nix, p. 294). Na verdade, todos os evangelhos e as epís- J. A . R o b in so n , R edatin g the New Testament.
tolas básicas de Paulo estão representados nessas lis- J. M . R o b in so n , The N ag H a m m a d i library in English.
tas. Até 0 cânon herético do gnóstico M a r c iã o ( c . 140 F. S e ig e r t , et a l., N ag-H am m adi register.
d.C.) continha 0 evangelho de Lucas e dez das epísto- M . ). W il k i n s , e t άΐ., Jesus un der fire.
las de Paulo, inclusive 1 Coríntios.
Ospais do século 11apóiam os evangelhos canônicos. evangelhos, historicidade dos. V. N o v o T f s t a .m e n t o ,
Os pais do século 11 citaram um conjunto de livros que HISTO RICIDADE DO.
inclui todos os livros importantes que apóiam a
historicidade de Cristo e sua ressurreição, a saber, os evidentes, verdades. Quando aplicada a proposições,
evangelhos, Atos e 1 Coríntios. Clemente de Roma (95 a expressão evidente significa que, quando os termos
d.C.) citou os evangelhos (Aos coríntios, 13, 42, 46). são conhecidos, a verdade da proposição é cognoscível
Inácio (c. 110-115) citou Lucas 24.39 (Aos esmirnenses, por si mesma, sem precisar de esclarecimento ou con-
3). Policarpo (c. 115) citou todos os evangelhos firmação de qualquer coisa exterior a ela. Por exem-
sinóticos (Aos filipenses, 2, 7). O Didaquê cita várias pio: “ Todas as “esposas” são “mulheres casadas” é evi-
vezes os evangelhos sinóticos (p. 1, 3, 8, 9, 15,16). A dente, já que os termos esposas e mulheres casadas
Epístola de Barnabé (c. 135) cita Mateus 22.14. Papias significam a mesma coisa. Este tipo de afirmação
321 evolução biológica

evidente é considerada tautologia,já que é desprovida ev o lu ç ã o c ó s m ic a ). Pelo fato de implicações e argumen-

de todo significado, sem afirmar realmente que existe tos diferentes separarem os tipos de apologética rela-
qualquer esposa. Significa simplesmente: “ Se existe cionadas a cada uma dessas vias evolutivas, elas de-
uma esposa, ela é uma mulher casada” . vem ser discutidas em artigos diferentes.
P rin cíp io s e v id en tes. Os primeiros princípios são No sentido amplo, evolução significa desenvolvi-
considerados princípios-evidentes, pois são 0 alicerce mento; mais especificamente passou a significar a teo-
(v. f u n d a c io n a l ism o ) de todas as outras afirmações. Apa- ria da ancestralidade comum. Acredita-se que todos os
rentemente, no entanto, há uma ordem de prioridade seres vivos evoluíram por processos naturais a partir
entre primeiros princípios. de formas de vida anteriores e mais simples. A evo lu ção
Em contraste com 0 fundacionalismo, 0 coerentis- t e ís t a supõe um Deus que deu partida ao processo (ao
mo rejeita todos os princípios e verdades evidentes, criar a matéria e/ ou a primeira vida) e/ ou dirigiu 0
exceto as tautologias, que, segundo eles, são vazias e processo. A evolução naturalista acredita que 0 proces-
inúteis no conhecimento da realidade. Eles insistem so inteiro é natural, inclusive a origem do universo e da
não ser necessário um alicerce absoluto para a verda- primeira vida por geração espontânea.
de, mas apenas coerência entre suas afirmações. Para outras discussões relacionadas à crítica da ciên-
“Eu sou eu” é uma afirmação evidente. Não é ne- cia da evolução, v. A d ão , h isto ricidade d e ; antró pico , princípio ;
cessária informação adicional para saber que ela é ver- big - bang , teorla do ; criação , visõ es da ; D ar w in , C h a r les ; elos
dadeira. Depois de compreendidos os termos, fica cia- perdido s ; origens , ciêncla das , e teleo ló gico , argu m ento .
ro, por si mesma, que é verdadeira. Além disso, as leis
básicas de não-contradição afirmam que uma proposi- evolução biológica. Alguns gregos antigos acredita-
ção não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo e no
vam na evolução. Mas, antes de Charles D a r w in (1809-
mesmo sentido. Essa é uma verdade irredutível em cujos
1882), as teorias da evolução tendiam a surgir de uma
termos todas as outras verdades são consideradas verda-
cosmovisão panteísta (v. p anteísm o) e careciam de
deiras. Sem a lei de não-contradição, nada pode ser con-
credibilidade científica. D a rw in teorizou 0 mecanismo,
siderado verdadeiro. É um primeiro princípio evidente.
chamado “seleção natural” , para fazer a evolução fun-
D efesa d a s a firm a ç õ e s e v id en tes. Não há prova
cionar. Isso colocou a evolução no contexto naturalis-
direta de uma proposição evidente em nada além de
ta que tem sido sua fortaleza desde então. Grande par-
si mesma. É considerada verdadeira simplesmente pela
te do que Darwin ensinou foi rejeitado ou ultrapassa-
análise de seus termos. Se 0 predicado é redutível ao
do, mas sua doutrina da seleção natural foi mantida.
sujeito, é evidente. Afirmações evidentes não podem
A evolução biológica divide-se em micro evolução
ser provadas por outros termos. Se pudessem, não se-
(pequena escala) e macroevolução (grande escala).
riam por outros evidentes.
Os oponentes da macroevolução geralmente aceitam a
No entanto, há uma “prova” indireta de afirmações
microevoluçâo, já que esse processo simplesmente des-
evidentes. Pois uma verdade evidente não pode ser ne-
creve a habilidade que têm várias formas de vida de se
gada sem ser afirmada. Por exemplo, eu não posso ne-
gar que “existo” sem existir para negar isso. Da mesma adaptar ao seu ambiente. Por exemplo, há vários tipos
forma, a lei de não-contradição não pode ser negada de cachorros, mas são todos cachorros. Suas diferenças
sem sugerir que é verdadeira. A afirmação: “ Uma afir- de raciais “evoluíram” (desenvolveram-se) por meio da
mação pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo e seleção natural e artificial. A macroevolução defende a
no mesmo sentido” — deve ser verdadeira ou falsa. Mas evolução em grande escala, do micróbio ao homem,
só pode ser aceita ou negada se a lei da não-contradição desde 0 primeiro animal unicelular até 0 ser humano
for válida. É preciso supor que a lei seja válida antes de como 0 animal mais elevado na cadeia.
afirmar que não é. A maioria dos macroevolucionistas acredita que
Dessa forma, há uma “prova” indireta de verdades a primeira vida começou como resultado das reações
auto-evidentes: Elas não podem ser negadas sem ser químicas no que Darwin chamou “ pequena poça
empregadas. Esse tipo de prova às vezes é colocado na morna” . Pesquisas demonstram que é possível gerar
forma de um a r g u m e n t o t r a n s c e n d e n t a l . as proteínas necessárias para a vida com apenas al-
guns gases básicos e água. Isso incentivou a opinião
evolução. A evolução compreende três áreas básicas: a de que a vida surgiu da matéria sem vida (v. e v o l u -
origem do universo, a origem da primeira vida e a ori- c ã o q u ím ic a ). Dizem que novas formas de vida evoluí-

gem de novas formas de vida. Respectivamente, elas são ram por meio de mutações e da seleção natural. À me-
chamadas evolução cósmica, evolução química e evo- dida que as condições na terra mudaram, animais
lução biológica (v. evolução b io ló g ica ; evolução quím ica; adaptaram novas características para suprir os
evolução biológica 322

desafios. Os que se adaptaram sobreviveram, e os inteligentes. Ambas as ciências acreditam que sabem
que não se adaptavam entraram em extinção. A gran- quando encontraram um efeito que requer uma causa
de variedade de animais extintos representada entre inteligente pelas marcas especiais que a mente deixa no
os fósseis e suas semelhanças com espécies vivas são que produz. Por exemplo, há uma diferença óbvia entre
usadas para confirmar essa tese. um pacote de biscoitos em formas de letra derramado na
Base científica. A evolução, como outras aborda- mesa e a série ordenada de letras: “ Paulo, leve 0 lixo para
gens de eventos passados, é uma ciência especulativa, fora. Mamãe” .Os que acreditam que há uma causa inteli-
não empírica. A ciência especulativa lida com singu- gente para a origem do universo, da primeira vida e/ ou
laridades passadas para as quais não há padrões de de novas formas de vida são chamados “criacionistas” .
eventos recorrentes com que possam ser testadas. As Os que acreditam que isso pode ser explicado por causas
teorias da evolução e da criação também são chama- meramente naturais e não inteligentes são chamados
das teorias da ciência da origem (v.o r ig e n s , c iê n c ia d a s ), “evolucionistas” .Os “evolucionistas teístas” tentam sinte-
em vez de ciência da operação. Ciência da operação é tizar as duas visões.
ciência empírica; e trata da maneira em que as coisas Três áreas básicas de debate separam criacionistas
operam agora. Estuda fenômenos regulares e repeti- e evolucionistas quanto à questão das origens: 1 ) a ori-
dos. Suas respostas podem ser testadas ao repetir-se a gem do universo (v. evo lu ção c ó s m ic a ), 2 ) a origem da
observação ou a experiência. Seus princípios básicos são primeira vida (v. evo lu ção q u ím ic a ) e 3) a origem da vida
a possibilidade de observação e a da repetição. A humana. Historicamente, essas áreas foram chamadas
microevolução é 0 estudo legítimo da ciência da opera- “cosmogonia, biogonia, antropogonia” (v. elos p e r d id o s ),
ção, principalmente relacionada à genética. em comparação com as ciências de operação,
Já que a ciência das origens lida com singularida- cosmologia, biologia e antropologia.
des passadas, ela é mais uma ciência/ormse. Os even- A origem de novas form as de vida. Explicação
tos passados das origens não foram observados e não naturalista das origens. As novas formas de vida vie-
podem ser repetidos. Devem ser reconstituídos pela ram de causas naturais ou sobrenaturais (inteligen-
observação da evidência que resta. Assim como 0 ci- tes). Darwin deu uma das maiores contribuições à te-
entista forense tenta reconstruir como 0 homicídio oria da evolução com sua analogia da seleção por cri-
ocorreu a partir da evidência física, 0 cientista das ori- adores com a seleção na natureza. O princípio de sele-
gens tenta reconstruir a origem do universo, a primei- ção natural tornou-se 0 selo da evolução porque for-
ra vida e novas formas de vida a partir da evidência. neceu 0 sistema pelo qual novos desenvolvimentos de
Os princípios da ciência das origens. Em lugar formas de vida poderiam ser explicados sem apelar a
da observação e da repetição, 0 cientista das origens uma causa sobrenatural.
usa os princípios da causalidade e da analogia. O prin- Darwin estava ciente de que havia sérias falhas na
cípio da causalidade (v. c a u s a l id a d e , p r in c íp io d a ; p r im e i - analogia entre criadores e a natureza, mas ele cria que 0
ros p r in c íp io s ), que está na base da ciência moderna e que os humanos podiam fazer em algumas gerações po-
de todo 0 pensamento racional, afirma que todo evento deria ser feito pela natureza em algumas centenas de
tem uma causa adequada. Na ciência, 0 princípio da gerações. Mas 0 tempo nâo é 0 único fator que enfra-
analogia (ou uniformidade) afirma que 0 presente é a quece a analogia. E. S. Russell escreveu:
chave do passado. Ou, mais precisamente, os tipos de
causas que produzem certos tipos de efeitos no pre- É lamentável que Darwin tenha apresentado 0 termo
sente são os que produziram eventos semelhantes no “seleção natural” ,pois isso criou muita confusão. Ele fez isso,
passado. é claro, porque chegou à sua teoria por meio do estudo dos
Dois tipos de causas. A causalidade divide-se em dois efeitos da seleção praticados pelo homem na criação de ani-
tipos básicos: natural e inteligente. Causas inteligentes às mais domésticos e plantas cultivadas. Aqui 0 uso da palavra
vezes são chamadas causas primárias e causas naturais é completamente legítimo. No entanto, a a ç ã o do h o m e m na
são chamadas causas secundárias. A maioria das ciênci- rep ro d u çã o seletiva n ã o é a n á lo g a à a ç ã o d a “s e le ç ã o n atu -
as busca causas naturais nas leis da física ou da química. ral", mas q u a s e 0 seu op o sto d ireto [...] O homem tem um
Mas outras lidam com causas inteligentes.A arqueologia, objetivo ou fim em vista; a “seleção natural” não pode ter. O
por exemplo, busca uma causa inteligente para os restos homem seleciona os exemplares que quer cruzar, escolhen-
culturais do passado. Os astrônomos do programa seti do-o pelas características que quer perpetuar ou acentuar.
(Search for Extra Terrestrial Intelligence [Busca por Inte- Protege-os de seus resultados por todos os meios possíveis,
ligência Extraterrestre] dirigiram seus radiotelescópios guardando-os assim da intervenção da seleção natural, que
ao espaço sideral, procurando uma mensagem de seres rapidamente eliminaria muitas anomalias; ele continua sua
323 evolução biológica

seleção ativa e objetiva até alcançar, se possível, seu alvo. Não há indicação real de que uma forma de vida
Nada assim acontece, ou pode acontecer, por meio do pro- se transforme em outra completamente diferente. Ape-
cesso cego da eliminação e sobrevivência diferencial, que sar de essas duas características parecerem invalidar
chamamos erroneamente “seleção natural” [citado em a evolução clássica, também são problemáticas para
Moore,p. 124], os criacionistas.
Alguns criacionistas dizem que 0 registro fóssil
Evidência do registro fóssil Raramente é dada a reflete os restos do grande Dilúvio, ou porque alguns
importância ao fato de a única evidência verdadeira a animais foram mais capazes de escapar das águas ou
favor ou contra a evolução estar no registro fóssil. To- pela seleção hidrodinâmica à medida que os restos
dos os outros argumentos a favor da evolução são ba- eram depositados. Esses cientistas estão preocupados
seados no que poderia ter acontecido. Apenas os regis- em preservar evidências de uma terra jovem porque
tros fósseis registram exemplos do que realmente acon- acreditam que a criação foi feita em sete períodos lite-
teceu. Darwin também reconheceu isso como um pro- rais de 24 horas e que não há grandes espaços de tem-
blema e escreveu em A origem das espécies: po nas primeiras genealogias de Gênesis.
Outros, conhecidos por “criacionistas da terra an-
Então porque nem toda formação geológica e nem todo tiga” , afirmam que a terra não precisa ter apenas mi-
estrato estão cheios de elos intermediários? A geologia cer- lhares de anos. Esse grupo acredita que 0 registro fós-
tamente não revela nenhuma cadeia orgânica detalha- sil mostra que a criação foi feita numa série de estági-
damente graduada, e isso talvez seja a objeção mais óbvia e os, com cada novo surgimento no estrato geológico
séria que possa ser levantada contra minha teoria (Darwin, indicando um novo momento de criação direta. Os
p. 280). invertebrados aparecem primeiro, seguidos por um
longo período em que a natureza natureza se equili-
Nesses 150 anos, desde que Darwin a escreveu, a si-
brara antes da explosão seguinte de criação. Depois
tuação só ficou pior para sua teoria. O famoso
apareceram os peixes e daí os anfíbios, até 0 homem
paleontólogo Stephen Jav Gould, de Harvard, escreveu:
ser criado. Essa última teoria concorda com 0 registro
fóssil, mas não há consenso entre os criacionistas so-
A extrema raridade de formas transicionais no registro
bre a idade da terra. Esse é um assunto muito polêmi-
fóssil persiste como 0 segredo da paleontologia. As árvores
co, mas ambos os lados concordam que a evidência
evolutivas que enfeitam nossos livros só têm dados nas pon-
fóssil apóia mais a criação que a evolução.
tas e nos nós de seus galhos; 0 resto é dedução, por mais
Alguns evolucionistas tentaram explicara a evi-
razoável que seja, não evidência de fósseis (Gould, p. 14).
dência fóssil ao apresentar a idéia do equilíbrio pon-
tuado. Esses cientistas dizem que os saltos no registro
Eldredge e Tattersall concordam, dizendo:
fóssil refletem verdadeiras catástrofes que induziram
mudanças radicais repentinas às espécies existentes.
A expectativa deturpou a percepção de tal forma que 0
Logo, a evolução não é gradual, mas pontuada por sal-
fato mais óbvio sobre a evolução biológica — ausência de
tos repentinos de um estágio para 0 outro. A teoria tem
mudança — raramente, se tanto, foi incorporado às noções
sido criticada porque nenhuma evidência de mecanis-
científicas de como a vida realmente evolve. O verdadeiro
mo de causas secundárias necessárias para possibili-
mito é que a evolução é um processo de mudança constante
tar esses avanços repentinos foi demonstrada. Assim,
(Eldredge, p. 8).
a teoria parece basear-se apenas na ausência de fós-
O que 0 registro fóssil sugere? Evolucionistas como seis transicionais. Ela abandona Darwin, que sabia que
Gould agora concordam com 0 que criaci- onistas des- evidências de algo repentino eram favoráveis à cria-
de Louis Agassiz até Duane Gish sempre disseram, que ção. Aceitar a idéia da pontuação como resultado de
0 registro fóssil inclui duas características especifica- uma causa primária aproxima-se perigosamente da
mente inconsistentes com 0 gradualismo: uma visão criacionista.
Estase. A maioria das espécies aparece no registro A evidência dos órgãos atrofiados. Os evolucionistas
fóssil praticamente com a mesma aparência de quan- têm usado a presença dos “ órgãos atrofiados” nos se-
do desapareceram; a mudança morfológica é limita- res humanos como apoio. Argumentam que, já que 0
da e sem objetivo. corpo humano tem órgãos para os quais não há uso
Aparecimento repentino. Em qualquer área, uma conhecido, eles são remanescentes de um estágio ani-
espécie não surge gradualmente. Surge de repente e mal anterior no qual eram úteis. O fato de órgãos
completamente formada (Gould, ibid., 13-4). atrofiados poderem ser removidos sem mal aparente
evolução biológica 324

ao corpo indica que são inúteis. O apêndice, os mús- organizar informações genéticas para produzir a va-
culos das orelhas e a terceira pálpebra são colocados riedade de espécies que trabalham juntas, como um
nessa categoria. sistema, na natureza.
Mas só porque as funções desses órgãos são des- O surgimento repentino dessas formas de vida for-
conhecidas não significa que elas não existam. Já que talece a alegação de que uma inteligência sobrenatu-
0 conhecimento científico é finito e progressivo, pode ha- ral estava agindo para alcançar essa organização. De
ver funções sobre as quais a ciência ainda não está ciente. acordo com 0 princípio da uniformidade, essa é a so-
O fato de tais órgãos poderem ser removidos sem mal lução mais plausível para 0 problema. Então, 0 maior
aparente para 0 corpo é insignificante. Outros órgãos po- problema para os evolucionistas não são os “elos per-
dem compensar sua perda. E pode existir uma perda que didos” , mas uma explicação para a origem de novos
não é facilmente detectada.Alguns órgãos, como as amíg- sistemas complexos de informação genética.
dalas, podem ser importantes no estágio inicial do de- A evidência baseada na com plexidade específica.
senvolvimento da pessoa, como, por exemplo, durante o Além do fato de a primeira célula viva ser extrema-
início da infância, para ajudar a combater doenças. E ór- mente complexa, as formas de vida elevadas são ain-
gãos como um rim ou um pulmão podem ser removidos da mais complexas. Se a informação genética num
sem grande perda, mas têm uma função. animal unicelular excede a da Enciclopédia britânica,
É importante observar que a lista de órgãos a informação no cérebro humano é maior que a da
atrofiados diminuiu de cerca de cem, quando a idéia foi Biblioteca do Congresso. Se é necessária uma causa
proposta pela primeira vez, para meia dúzia hoje. Há inteligente para produzir a forma de vida mais sim-
indícios de propósitos para alguns deles. 0 apêndice pies, quanto mais para a vida humana!
pode auxiliar na digestão e pode ser útil no combate a A complexidade sempre foi um grande problema
doenças. Os coelhos têm um apêndice grande, e vegeta- para a evolução. É 0 mesmo problema enfrentado ao
rianos podem beneficiar-se mais com apêndice. 0 mús- examinarmos a origem da primeira vida (v. evo lu çã o
culo da orelha ajuda a proteger contra congelamento em q u ím ic a ). A analogia dos criadores usada para ilustrar
climas mais frios. A “terceira pálpebra” ou m em brana
como processos naturais fizeram tudo contém muita
nictitante existe nos seres humanos para coletar mate-
intervenção inteligente, que é ignorada na teoria. Os cri-
rial estranho que entra no olho. O “rabo” ou cóccix é
adores manipulam 0 processo de acordo com um plano
necessário para sentar confortavelmente. As glândulas
inteligente para encorajar desenvolvimentos específicos.
endócrinas, antes consideradas orgãos atrofiados, agora
Com relação à informação, isso é passar de um estado
são consideradas de grande importância na produção
de complexidade no código de DNA para um estado de
de hormônios. Descobriu-se que 0 timo está envolvido
complexidade maior, ou pelo menos mais específico. É
na proteção do corpo contra doenças.
como mudar a frase:
Mesmo que alguns órgãos realmente fossem rema-
nescentes de um período anterior no desenvolvimento
“ Ela tinha cabelo castanho”
humano, isso não provaria a evolução. Podem ser re-
manescentes de um estágio anterior da raça humana,
para a afirmação mais complexa:
em vez de uma espécie pré-humana. Pode-se dizer que
um órgão que perdeu sua função não demonstraria que
“ Seus cachos acaju brilhavam ao sol” .
está evoluindo, mas “involuindo” — perdendo alguns
órgãos e habilidades. Isso é 0 oposto da evolução.
Esse aumento na inform ação codificada no
A evidência do código genético. Os criacionistas
concluem que há limitações reais à mudança evolutiva filamento de d n a exige inteligência tanto quanto 0 có-
digo original para produzir vida. Na verdade, se a ana-
embutidas no código genético de todo ser vivo. As
mudanças nessa estrutura indicam um projeto para a logia de Darwin prova alguma coisa, é a necessidade
categoria principal de cada forma de vida. Cada nova de intervenção inteligente para produzir novas formas
forma de vida surgiu por um ato de intervenção inte- de vida. O princípio da uniformidade leva diretamen-
ligente que organizou informação genética para ade- te a essa conclusão quando deixa claro que estamos
quar-se a determinadas funções. Assim como seqüên- lidando com a ciência das origens, não com a ciência
cias de letras variam formando palavras diferentes, da operação.
padrões de d n a variam produzindo espécies diferen- A e v id ên cia da m u d a n ça sistêm ica. Mudanças
tes. Se a inteligência é necessária para criar 05 lusíadas macro evolutivas exigem mudanças em grande escala
a partir de uma seleção de palavras encontradas num de um tipo de organismo para outro. Os evolucionistas
dicionário, ela também é necessária para selecionar e argumentam que isso ocorreu gradualmente durante
325 evolução biológica

um longo período. Uma objeção séria a essa teoria é Pode-se usar as mesmas palavras e transmitir uma
que todas as mudanças funcionais de um sistema para mensagem completamente diferente. Logo, o argu-
outro devem ser simultâneas (v. Denton, p. 11). Por mento do evolucionista da alta semelhança das for-
exemplo, pequenas mudanças podem ser feitas num mas de expressão num macaco e um ser humano não
carro gradualmente durante um período de tempo sem prova ancestrais comuns. As frases: “Você me ama” e
mudar seu tipo básico. Pode-se mudar 0 formato dos “Você me ama?” têm ambas as mesmas palavras, mas
pára-choques, a cor e 0 estilo gradualmente. Mas, se transmitem mensagens totalmente diferentes. Com in-
há uma mudança no tamanho do êmbolo, isso exigirá teligência pode-se construir um parágrafo (ou até
mudanças simultâneas no virabrequim, no bloco e no mesmo um livro inteiro) em que exatamente as mes-
sistema de ventilação. Se isso não for feito, 0 novo mas frases transmitem mensagens completamente di-
motor não funcionará. ferentes. Um exemplo rudimentar pode ser algo assim:
Da mesma forma, mudar peixe para réptil ou de João veio antes de Maria. Maria veio após João [=
réptil para pássaro exige mudanças dramáticas em todo depois de]. Então João e Maria se encontraram [= no
0 sistema do animal. Todas essas mudanças devem ocor- mesmo lugar].
rer simultaneamente ou a oxigenação do sangue não Compare isso com as mesmas frases numa ordem
combinará com 0 desenvolvimento do pulmão, nem diferente, transmitindo um significado diferente:
com a passagem nasal e mudanças na garganta, refle- Maria veio após João [= procurando-o], João veio
xos autônomos no cérebro, musculatura torácica e antes de Maria [= à frente de]. Então João e Maria se
membranas. A evolução gradual não explica isso. encontraram [= num encontro amoroso],
Para explicar a mesma coisa pelo prisma da gené- 0 alto nível de similaridade de informação genéti-
ca no macaco e no ser humano não significa absoluta-
tica, não se pode passar de pequenas mudanças gra-
mente nada. É a maneira em que as peças são unidas
duais num código genético simples para uma molé-
que faz uma grande diferença. Ouça 0 testemunho
cuia complexa de d n a sem grandes mudanças simul-
desse evolucionista:
tâneas, muito menos por mutações aleatórias. Peque-
nas mudanças aleatórias em “ Batatinha quando nas-
Quando nos empenhamos em tentar estabelecer uma
ce se esparrama pelo chão” jamais produzirão Os
série evolutiva de seqüências, não conseguimos achar a or-
lusíadas, mesmo que todas as letras do alfabeto e a
dem linear que esperávamos, do primitivo ao avançado.
pontuação estiverem presentes. A primeira mudança
pequena e aleatória poderia ser “ Batatinha quanto
Na verdade,“em vez de uma progressão de divergên-
nasce...” . A próxima, “ Batatinha quando nasce...” . A
cia crescente, cada seqüência vertebrada é igualmente iso-
cada mudança, a mensagem fica mais truncada, mui-
lada, por exemplo, da seqüência citocromática do cação” .
to longe de Os lusíadas e indo na direção errada. Ape-
Logo,
nas um ser inteligente pode transformar as mesmas
letras da língua em Os lusíadas — por redesenvol-
nessas e em outras inúmeras comparações, provou-se im-
vimentos simultâneos e sistemáticos.
possível ordenar seqüências protéicas numa série
O alfabeto tem 23 letras; 0 alfabeto genético tem
macroevolutiva correspondente às transições esperadas de
apenas quatro, mas 0 método de comunicação pela se-
peixe > anfíbio > réptil > mamífero (Thaxton.p. 139-40).
qüência de letras é igual. O cientista de informação
Hubert P. Yockey insiste: Conclusão. Agora que temos novas evidências so-
bre a natureza do universo, a informação armazenada
É importante entender que não estamos raciocinando nas moléculas de dna e outras confirmações fósseis,
por analogia. A hipótese da seqüência aplica-se diretamen- as palavras de Agassiz ressoam mais alto que quando
te à proteína e ao texto genético como também à língua es- foram escritas pela primeira vez em 1860:
crita, e, portanto, 0 tratamento é matematicamente idênti-
co” (Yockey,p. 16). [Darwin] perdeu de vista a mais impressionante das ca-
racterísticas, e a que permeia 0 todo, a saber, que percorrem
Acontece que um filamento de dna carrega a mes- a Natureza evidências inconfundíveis de pensamento, cor-
ma quantidade de informação que um volume de uma respondentes às operações de nossa mente e portanto inte-
enciclopédia. ligíveis para nós como seres pensantes e inexplicáveis em
Cada nova forma de vida tem seu próprio código qualquer outra base exceto que devem sua existência à inte-
singular, que, apesar de semelhante nas letras usa- ligência ativa; e nenhuma teoria que ignore esse elemento
das, difere grandemente na mensagem transmitida. pode ser fiel à natureza (Agassiz, p. 13).
evolução cósmica 326

Há duas teorias das origens de novas formas de vida. E tal ocorrência seria contrária ao princípio da causa-
■Uma diz que tudo surgiu por causas naturais; a outra lidade (v. c a u s a l id a d e , p r in c ip io d a ), que afirma que deve
depende de uma causa sobrenatural (inteligente). As haver uma causa adequada para cada evento. Os
evidências esmagadoras apoiam esta última. criacionistas observam prontamente que apenas 0 Cri-
ador seria a causa adequada para a criação de novos
Fontes átomos de hidrogênio a partir do nada (v. c r ia ç ã o ,
L. A g a s s iz , “Agassiz: review o f Darwin’s O rig in s ...” VISÕES DA).
série 2, v. 30 (30 Jun. 1860). Apegar-se a crenças como a teoria do estado está-
M . J. B e h e b , D arw in’s black box. vel ou a teoria da eternidade da matéria tem um alto
W. R. B i r d , The origin of species revisited, 2 v. preço para 0 cientista, pois ambas violam uma lei fun-
C. D a r w in , A origem d as espécies. damental da ciência: 0 princípio da causalidade.
R . D a w k in s , R iv er out o f Eden. Ambas as teorias exigem que 0 cientista acredite em
_____ , The blin d w atchm aker. eventos que acontecem sem uma causa. Mesmo 0 gran-
M . D kn to n , Evolution: a theory in crisis. de cético David Humf, disse: “ Jamais afirmei uma
N. E e d re d g e , Os mitos da evolução humana.. proposição tão absurda como a de que algo pode surgir
N . L . G e is ie r , Is m a w the m easure'‘, cap. 11.
sem uma causa” (Hume,v. 1 p. 187). Mas essa proposi-
_____ , Origin science, cap. 7.
ção absurda é aceita por cientistas que ganham a vida
D . G is h , E volu ção: 0 d esafio d o registro fóssil.
na base da lei da causalidade. Se 0 universo inteiro não
S. J. G o u l d , “ Evolution’s erratic pace” , NH, 1972.
foi causado, por que deveríamos crer que as partes te-
P. Jo h n s o n , D arw inism on trial.
nham sido causadas? Se as partes são todas causadas,
_____ , R eason in the balance.
que evidência poderia sugerir que 0 todo não é 0 foi?
Nada no princípio da causalidade apóia essa conclusão.
iM. Lu b e n o w , B on es o f contention.
Alguns evolucionistas cósmicos afirmam um tipo
J. M o o r e , T h ep o st-d a rw in ian controversies.
de teoria d a repercussão, pela qual 0 universo entra
C. T h a x to n , et. al., orgs., O f p a n d a s a n d p eop le.
em colapso e repercute para sempre. Mas não há evi-
H. P. Y o c k e y , “ Self-organization, origin of life
dência de que exista matéria suficiente para parar e
scenarios, and information theory” ,/Γβ, 1981.
reiniciar por forças gravitacionais 0 universo em ex-
pansão sequer uma vez. Além disso, essa hipótese é
evolução cósmica. Ou 0 universo teve princípio ou contrária à segunda lei da termodinâmica, que afir-
não teve. Se teve princípio, então foi causado ou não
ma que, mesmo que 0 universo repercutisse, iria, como
foi causado. Se foi causado, que tipo de causa poderia
uma b o la que ricocheteia, perder a força (v. big-bang,
ser responsável por criar todas as coisas?
TEORIA D0).
O u n iv erso e te rn o . Tradicionalmente, os cientis-
U niverso com p rin cíp io . Os criacionistas podem
tas evolucionistas cósmicos acreditam que 0 univer-
oferecer evidências de que 0 universo não é eterno, mas
so, de alguma forma, sempre existiu. A matéria é eter-
teve uma causa. Apesar de não ser teísta, Robert Jastrow,
na. A principal base científica é a primeira lei da
fundador e diretor do Instituto Goddard de Estudos
termodinâmica (v. term odinâm ica, leis d a), segundo a
Espaciais da .v a s a , resumiu a evidência no seu livro God
qual “energia não pode ser criada nem destruída” .
and the astronomers [Deus e os astrônomos], Jastrow
Os criacionistas respondem que isso é uma má
indica três linhas de evidência — os movimentos das
interpretação da primeira lei que deveria ser afirma-
galáxias, as leis da termodinâmica e 0 histórico da vida
da: “A quantidade real de energia no universo perma- das estrelas — que indicam que 0 universo teve um
nece constante” .Ao contrário da versão mal-interpre- princípio (Jastrow, p. 111). Ora, se estamos falando de
tada da primeira lei, isso baseia-se na observação ci- um movimento da ausência de matéria para a matéria,
entífica sobre 0 que ocorre e não é uma afirmação fi- estamos claramente num âmbito de eventos que não
losófica sobre 0 que pode ou não acontecer. Não há podem ser repetidos, relativos à ciência das origens.
evidência científica de que 0 universo é eterno. A segunda lei da termodinâmica. Talvez a evidência
Fred Hoyle propôs a teoria do estado estável para mais significativa seja a segunda lei da termo- dinâmi-
evitar essa conclusão. Ela afirma que átomos de hi- ca. Segundo essa lei, “a quantidade de energia utilizável
drogênio surgem para impedir que 0 universo se dis- no universo está diminuindo” . Ou, em outras palavras:
sipe. Isso também exige que 0 universo constante- “Num sistema isolado e fechado, a quantidade de ener-
mente gere átomos de hidrogênio a partir do nada. gia utilizável está diminuindo” .Não importa como seja
Essa hipótese apresenta falhas insolúveis. Não há evi- formulada, essa lei mostra que um universo eterno
dência científica de que tal evento tenha ocorrido. teria utilizado toda sua energia ou chegado ao estado
327 evolução cósm ica

de total desordem. Como isso não aconteceu, ele deve A descoberta de uma grande massa de matéria. De-
ter tido um princípio. pois que Jastrow registrou as três linhas de evidência para
A primeira lei da termodinâmica diz que a quan- 0 princípio do universo, uma quarta foi descoberta. Se-
tidade real de energia no universo permanece cons- gundo a teoria do big-bang, deve ter existido uma gran-
tante — não muda. A segunda lei da termodinâmica de massa de matéria associada à explosão original que
diz que a quantidade de energia utilizável em qual- criou 0 universo, mas nenhuma era conhecida até 1992.
quer sistema fechado (0 que 0 universo é) está dimi- Por meio do telescópio espacial Hubble, astrônomos en-
nuindo. Tudo tende à desordem, e 0 universo está se contraram a própria massa de matéria prevista pela
dissipando. Ora, se a quantidade total de energia con- cosmologia do big-bang. Assim, a evidência combinada
tinua a mesma, mas a energia utilizável está se dissi- dá uma prova surpreendente do fato de que 0 universo
pando, a quantidade inicial não era infinita. A quanti- teve um princípio.
dade infinita não pode acabar. Isso significa que 0 uni- C au sa do cosm o. Se 0 universo não é eterno, mas
verso é e sempre foi finito. Não poderia ter existido no surgiu em algum momento, a lei da causalidade nos
passado infinito. Então deve ter tido um princípio. E, diz que ele deve ter tido uma causa. Pois tudo que sur-
se teve um princípio, este deve ter sido causado, já que ge é causado. Logo, 0 universo foi causado.
todo evento tem uma causa correspondente (v. c a u s a - Logicamente, se estamos procurando uma causa
L ID A D E , PRINCÍPIO 1)a ) .
que existia antes de 0 universo (natureza) começar,
0 movimento das galáxias. Os cientistas argumen- estamos procurando uma causa sobrenatural. Até
tam que 0 universo não está situado apenas num pa-
Jastrow, agnóstico convicto, declarou: “O fato de ha-
drão estabelecido, mantendo seu movimento eterno.
ver 0 que eu ou qualquer pessoa chamaria de forças
Agora parece que todas as galáxias estão se movendo
sobrenaturais agindo é agora, na minha opinião, um
para fora, como se de um ponto de origem central e
fato cientificamente comprovado” (ibid., p. 15, 18).
que todas as coisas estavam se expandindo mais rápi-
Já que está falando do ponto de vista da ciência da
do no passado do que agora. Olhando para 0 espaço,
operação, provavelmente ele quer dizer que não há
também olhamos para 0 passado. Vemos as coisas
causa secundária que possa explicar a origem do
como elas eram quando a luz foi emitida pelas estre-
universo. Mas com 0 reconhecimento da ciência das
las muitos anos atrás. A luz de uma estrela a sete mi-
origens, podemos supor uma causa primária sobre-
lhões de anos-luz de distância nos diz como ela era e
natural que parece ser a resposta mais plausível à
onde estava há sete milhões de anos. Usando um te-
questão.
lescópio de duzentas polegadas, Allan Sandage com-
C o n clu sã o . Jastrow resume bem 0 enigma dos
pilou informação sobre 42 galáxias, até seis bilhões de
evolucionistas cósmicos e conclui assim 0 seu livro:
anos-luz de distância. Suas medições indicam que 0
universo estava se expandindo mais rapidamente no
Para 0 cientista que viveu pela fé no poder da razão, esta
passado do que hoje. Esse resultado também apóia a
história termina como um pesadelo. Ele escalou a montanha
crença de que 0 universo começou com uma explosão
da ignorância; está prestes a conquistar 0 pico mais alto; e,
(Jastrow, God and the astronomers, p. 95).
0 eco da radiação. Uma terceira linha de evidência quando chega à última pedra, é cumprimentado por um ban-
de que 0 universo teve um princípio é 0 “eco” da radi- do de teólogos que estavam sentados ali há séculos (ibid., p.
ação que parece vir de tudo. A princípio acreditava-se 105-6).
que era uma falha ou ruído dos instrumentos. Mas
pesquisas descobriram que 0 ruído vinha de toda parte Depois de ser humilhado pela evidência de que 0
— 0 próprio universo tem uma radiação baixa de al- cosmos teve um princípio, Albert Einstein declarou seu
guma catástrofe passada que parece uma grande bola desejo de saber como Deus criou este mundo. Não es-
de fogo. Jastrow diz: tou interessado neste ou naquele fenômeno, no espec-
tro deste ou daquele elemento. Quero conhecer seu pen-
Nenhuma explicação além do big-bang jamais foi en- samento.o resto sãodetalhes (citado em Herbert,p. 177).
contrada para a radiação da bola de fogo. O ponto decisivo,
que convenceu quase todos os céticos, é que a radiação des- Fontes
coberta por Penzias e Wilson tem exatamente 0 padrão de W. L. C r a i g , The kalam argument for the existence o f God.

comprimento de onda esperado para a luz e 0 calor produ- F. H e e r e x , Show me God.

zidos numa grande explosão. Defensores da teoria do esta- N . H er ber t , A realidade quântica: nos confins da
do estável tentaram desesperadamente encontrar uma ex- nova Hsica.
plicação alternativa, mas falharam (ibid., p. 15). D. HiWiE, The letters o f David Hume,\. 1
evolução química 328

M. D. L e m o n i c k , “ Echoes of the big-bang” , Time, no desconhecimento das bactérias microscópicas.


4 May 1993. Quando Pasteur esterilizou 0 recipiente, matando as bac-
R. Jastrow,“A scientist caught between two faiths” , térias, nenhuma vida surgiu. A mesma incapacidade é
CT, 6 Aug. 1982. reconhecida por princípios de causação. Um conceito
___ , God and the astronomers. causai básico exige que 0 efeito não possa ser maior que
H. Ross, The fingerprint o f God. sua causa (v. causalidade, princípio da). Assim como a
E. W h it t a k e r , The beginning an d end o f the world. inexistência não pode produzir existência, a ausência
de vida não pode produzir vida. A água não pode subir
evolução humana. V. D a rro w , C la re n c e ; D arw in , sozinha acima do nível de sua fonte.
Charles; Dewey, John; evolução biológica; elos perdidos. As experiências da origem da vida envolvem interfe-
rências ilegítimas do investigador. Por exemplo, interven-
evolução química. Os evolucionístas químicos afír- ção inteligente é manifesta em vários níveis. Por que cer-
mam que leis puramente naturais podem explicar a tos gases (como 0 hidrogênio) são incluídos e outros
origem da primeira vida por geração espontânea. Os (como 0 oxigênio) são excluídos? Essa não é uma escolha
criacionistas insistem em que uma causa inteligente é inteligente, baseada no conhecimento do que funcionará
necessária para construir a estrutura básica da vida. ou não? Além disso, quem construiu 0 aparato para a ex-
Ao contrário do que se acredita, a evidência positiva periência? Por que ele não tem um formato diferente? Por
de uma causa inteligente não é baseada na que decidiram injetar uma descarga elétrica? Certamen-
improbabilidade estatística de a vida ter surgido por te, escolhas inteligentes foram feitas em vários níveis.
acaso. Na verdade, é porque a ciência não é baseada Há uma suposição injustificada de que as condições
no acaso; é baseada na observação e na repetição (v. primitivas da terra (ou de algum outro lugar) eram se-
ORIGENS, CIÊNCIA DAS). melhantes às da experiência. Hoje sabe-se que duas con-
Apesar do fato estabelecido — baseado na obra dições cruciais eram diferentes. Já que a experiência não
de Louis Pasteur (1822-1895) — de que a vida não funcionará com a presença de oxigênio, supuseram que a
começa espontaneamente da ausência de vida, todos atmosfera primitiva da terra não tinha oxigênio. Mas sabe-
os cientistas naturalistas acreditam que no princípio se agora que isso é falso. Só esse fato em si é suficiente
foi assim. A base científica para essa conclusão são as para anular a experiência e a teoria da evolução química.
experiências de Harold Urey e Stanley Miller. Eles de- Além disso, como muitos evolucionístas químicos admi-
monstraram que estruturas básicas de vida tem, os elementos químicos na concentração usada na
(aminoácidos) podem ser obtidas a partir de elemen- experiência não são encontrados em nenhum lugar da
tos puramente químicos (hidrogênio, nitrogênio, amô- terra. Todo o cenário da sopa primitiva é um mito (v.
nia e gases de dióxido de carbono) por leis naturais Thaxton,cap. 4).
sem qualquer intervenção inteligente. Uma descarga A analogia entre a experiência de Miller e as condições
elétrica passada através desses elementos, os fez pro- conhecidas da terra primitiva é inválida, pois ignora a pre-
duzir essas estruturas fundamentais de vida. Supon- sença de forças destrutivas. 0 oxigênio destruiria 0 proces-
do que raios passassem por elementos semelhantes na so.A energia necessária do Sol e da radiação cósmica dani-
atmosfera primitiva, a primeira vida pode ter surgido fica as próprias substâncias produzidas. Sob as condições
pelo processo puramente natural na terra ou em qual- necessárias para a vida ter surgido espontaneamente, é mais
quer outro lugar. provável que os elementos fossem destruídos mais depres-
A teoria é que logo depois que a terra esfriou 0 sufi- sa do que seriam produzidos. A natureza está cheia de for-
ciente, a combinação de hidrogênio, nitrogênio, amô- ças destrutivas que derrubam e desorganizam. Isso é parte
nia e dióxido de carbono reagiu, formando aminoácidos, da segunda lei da termodinâmica (v. termodinâmica,leis da).
que com 0 tempo evoluíram para filamentos de dna e Mesmo que os elementos químicos certos pudes-
finalmente para células. Esse processo supostamente sem ser produzidos, não se pode responder de forma
consumiu vários bilhões de anos, e foi necessária a ener- satisfatória como seriam ordenados adequadamente
gia acumulada do sol, da atividade vulcânica, de raios e e envolvidos numa parede celular. Isso exigiria outra
raios cósmicos para manter 0 processo em andamento. série totalmente distinta de condições.
Os p r o b le m a s . A teoria segundo a qual a vida te- Além disso, os evolucionístas jamais apresentaram
ria surgido por causas puramente naturais está sujei- qualquer mecanismo que possa captar a energia para
ta a várias objeções. fazer o trabalho de selecionar aminoácidos e determi-
É contrária à experiência científica universal de que nar qual deles construirá cada gene para desenvolver
a vida nunca surge da ausência de vida. A equivocada um organismo vivo. Não adianta ter uma gaveta cheia
crença pré-moderna de que isso era possível baseava-se de pilhas se não há uma lanterna — um mecanismo
329 evolução química

para captar energia — para contê-las. A molécula de necessária para produzir vida. Sabemos que pedras re-
dna é muito complexa. Veja uma descrição dessa com- dondas geralmente são causadas por leis naturais re-
plexidade em evo lu ção biológica. sultantes do movimento da água e da fricção. Sílex e
Supondo que poderia haver energia suficiente dis- obsidiana não se transformarão em lança ou flecha des-
ponível, os únicos sistemas que podem captar energia sa forma. A única questão, então, é se uma célula viva é
para fazer esse tipo de trabalho são ou vivos ou inteli- mais parecida com uma pedra redonda ou uma ponta
gentes. E fácil transferir bastante energia a um siste- de flecha. Qualquer pessoa que observe os rostos escul-
ma aleatoriamente para aquecê-lo, mas organizá-lo e pidos dos presidentes no monte Rushmore sabe que es-
criar informação exige inteligência. sas formas de pedra foram formadas por uma causa
Finalmente, mesmo com todas as interferências inteligente. Além de causas naturais jamais produzirem
nas experiências de Miller, que anulam os resultados 0 tipo de informação específica demonstrada no monte
a favor do processo puramente natural, não foi pro- Rushmore, sabe-se também pela observação repetida
duzida uma única célula viva. Um aminoácido não que causas inteligentes realmente produzem esse tipo
passa de um elemento químico. Por mais biologica- de especificidade.
mente interessante que seja, não está vivo. Falta um Complexidade específica indica uma causa inteligente.
ingrediente crucial — 0 código de vida ou dna — que 0 tipo de evidência que indica uma causa inteligente para
é a evidência positiva de uma inteligência criativa. a vida é chamado complexidade específica. Carl Sagan
O utra s te o ria s n a tu ra lis ta s. Outras teorias fo- disse que uma única mensagem do espaço sideral con-
ram propostas para explicar as origens da primeira firmaria sua crença de que há vida extraterrestre. Tal co-
vida na terra. Uma é que haveria leis naturais envoi- municação seria complexidade específica. Ou, para ser
vidas no processo ainda não descobertas, mas os ci- mais preciso, já que sabemos que mensagens comple-
entistas só são capazes de indicar tal necessidade xas sempre resultam de causas inteligentes, só resta
quando as leis que conhecem militam contra a cria-
ver se uma célula viva contém mensagem complexa.
ção da vida. Outros sugerem que a vida pode ter vin-
Com a descoberta do código dna de vida, a resposta é
do à terra de outro lugar no universo — ou num me-
clara. Em toda a natureza, apenas células vivas têm
teorito ou numa antiga espaçonave — , mas ambas
mensagens complexas conhecidas por complexidade
as soluções apenas pioram 0 problema. De onde veio
específica. Um pedaço de quartzo tem especificidade,
aquela vida? Fendas termais no fundo do oceano e
mas não complexidade. A mensagem num cristal é
depósitos de argila estão sendo estudados como pos-
repetitiva, como a mensagem: estrelaestrelaestrela. Uma
síveis fontes de reprodução do princípio da vida, mas
cadeia de polímeros aleatórios (chamados polipeptí-
isso não explica uma maneira de captar energia para
deos) é complexa, mas não dá mensagem específica.
possibilitar a complexidade específica. A causa mais
Parece-se mais com: fqpizgenyatkpvno. Apenas uma
provável, e a única que a evidência apóia, é uma cau-
célula viva tem especificidade e complexidade que não é
sa inteligente. O único debate significativo é entre 0
repetitiva e que comunica uma mensagem ou função cia-
panteísta e 0 teísta; ambos insistem em que há uma
ra, tal como: Estafrase tem um significado. Logo, uma cé-
Mente por trás da complexidade específica nos seres
lula viva exige uma causa inteligente. A ciência fala da
vivos, diferindo apenas quanto a essa Mente estar
vida simples e da vida complexa. Mesmo 0 organismo
além do universo ou apenas nele.
unicelular mais simples tem informação suficiente que,
E v id ê n c ia d e in teligên cia . Falta evidência de uma
causa natural da origem, mas haverá evidência positi- se escrita, daria um volume da Enciclopédia britânica.
va que indique uma causa inteligente da primeira vida? Uma mensagem clara e distinta — um projeto
A chave para saber que tipo de causa está envolvida complexo com uma função específica — foi causada
nas questões da origem é 0 princípio da analogia (uni- por alguma forma de inteligência que interveio para
formidade).Esse é um dos princípios fundamentais em impor à matéria natural limites que ela não assumiria
qualquer compreensão científica do passado. A arque- sozinha. Alguns fenômenos naturais são organizados
ologia utiliza ao supor uma causa inteligente para os e surpreendentes, mas claramente causados por for-
artefatos que podem ter se originado em civilizações ças naturais. 0 Grande Cânion e as cataratas do
passadas. 0 programa seti analisa as ondas de rádio do Niágara exigem apenas as forças cegas do vento e da
cosmos em busca de vida extraterrestre, procurando água para formá-los. Não se pode dizer 0 mesmo so-
algo que rompa com a uniformidade. bre 0 monte Rushmore ou uma usina hidrelétrica. Eles
0 princípio da analogia ( uniformidade). Ao obser- requerem intervenção inteligente.
var vez após vez que tipos de efeitos são produzidos pe- A confirmação da teoria da informação. Estudos
las causas, podemos determinar qual tipo de causa é da teoria da informação confirmam que é possível
evolução química 330

determinar uma causa inteligente apenas pelas fre- Conclui:


qüências de letras. Numa série de letras que carrega
uma mensagem (mesmo que não saibamos qual é a Ninguém na Universidade de Harvard, ninguém nos ins-
mensagem), há uma certa freqüência de letras. E isso titutos nacionais de saúde, nenhum membro da Academia
que faz códigos desconhecidos serem decifráveis e pos- Nacional de Ciências, nenhum ganhador do Prêmio Nobel
sibilita a remoção de ruídos de uma fita, aumentando — absolutamente ninguém pode dar uma explicação deta-
a clareza da mensagem. lhada de como 0 alio, ou a visão, ou a coagulação do sangue,
O que explicaria 0 surgimento repentino da vida e tam- ou qualquer outro processo bioquímico complexo pode ter
bém forneceria a organização informativa da matéria viva? se desenvolvido no estilo darwiniano. Mas estamos aqui.
Se aplicarmos 0 princípio da uniformidade (analogia) à Todas essas coisas surgiram de alguma forma; se não no
questão, a única causa que sabemos que faz esse tipo de estilo darwiniano, como? (p. 187).
trabalho geralmente é a inteligência. A suposição razoável
é que também foi necessária inteligência desse tipo no pas- Outros exemplos de complexidade irredutível que
sado.A experiência uniforme nos prova isso e, como David Behe são: aspectos de reduplicação de dna, transporte
H um e diz, a experiência uniforme resulta em prova, aqui há de elétrons, síntese telomérica, fotossíntese e regulação
prova diretae completa,baseada na natureza do fato (Hume, de transcrição (ibid., p. 160).“A vida na terra, no seu
p. 122-3). Já que não é possível que estejamos falando de nível mais fundamental, nos seus componentes mais
inteligência humana ou mesmo de seres vivos no âmbito críticos, é produto de atividade inteligente” (ibid., 193).
natural, devetratar-se de uma inteligência sobrenatural. Isso Behe acrescenta:
cria uma disjunção no decorrer da natureza que irrita a
A conclusão da criação inteligente flui naturalmente dos
maioria dos cientistas; porém, uma vez que se admita que
próprios dados — não de livros sagrados ou crenças sectá-
há uma disjunção radical do nada para algo no princípio
rias. Deduzir que sistemas bioquímicos foram criados por
do universo,pode haver pouca objeção à idéia de mais uma
um agente inteligente é um processo monótono que não
intervenção quando a evidência claramente a indica.
exige novos princípios de lógica ou ciência (ibid.).
A confirm ação da biologia molecular. O livro de
Michael Behe, A caixa preta de D arw in, confere forte
Logo,
evidência, baseada na natureza de uma célula viva, de
que ela não poderia ter se originado ou evoluído a par-
tir de nada menos que a criação inteligente. A célula
0 resultado desses esforços cumulativos para investigar a
célula — para investigar vida no nível molecular — é um
representa, em muitos casos, complexidade irredutível
clamor alto, claro e penetrante de “desígnio” ! O resultado é
que não pode ser explicada pelas pequenas mudanças
tão preciso e tão significativo que deve ser exibido como uma
incrementais exigidas pela evolução.
das maiores conquistas da história da ciência. A descoberta
Darwin admitiu:
compete com as de Newton e Einstein (ibid., p. 232-3).

Se pudesse ser demonstrado que qualquer órgão com-


C onclusão. Como Hume demonstrou, no mundo
plexo que existisse não pudesse ser formado por várias mo-
empírico supomos conexões causais apenas porque ve-
dificações sucessivas e pequenas, minha teoria seria derru-
mos certos eventos unidos vez após vez. E já que 0 pre-
bada (A origem das espécies, p. 154).
sente é a chave para 0 passado, 0 mesmo se aplica às cau-
sas da origem. Portanto, não é científico supor algo além
Até evolucionistas, como Richard Dawkins, de uma causa inteligente para a primeira célula viva, já
concordam: que a experiência repetida diz que a única causa conhe-
cida capaz de produzir complexidade específica, como a
Na verdade, a evolução muito provavelmente nem sem- vida tem, é uma causa inteligente. Então, a evolução quí-
pre é gradual. Mas deve ser gradual quando usada para ex- mica não passa no teste científico. E é irrelevante especu-
plicar 0 surgimento de objetos complicados e aparentemente lar que uma causa natural ainda é possível, já que a ciên-
projetados, como os olhos. Pois se não é gradual nesses ca- cia é baseada na evidência que aponta claramente na di-
sos, deixa de ter qualquer poder explicativo. Sem graduação reção de uma causa inteligente pela conjunção constante
nesses casos, voltamos ao milagre, que é sinônimo da au- que David Hume denominou “prova”.
sência total de explicação [naturalista] (p. 83).
Fontes
Behe dá vários exemplos de complexidade M. J. B f.HL·, .4 caixa preta de Darwin.
irredutível que não pode evoluir em pequenos passos. R. D.wkins, The blind watchmaker.
331 evolução teísta

M. D e n t o n , Evolution: a theory in crisis. interveio sobrenaturalmente muito mais vezes que


D. H ume, Investigação acerca do entendimento humano. isso. Eles geralmente se denominam criacionistas pro-
A. J o h n s o n , Darwin on trial. gressivos. Bernard Ramm e Hugh Ross ( Thefingerprints
L . O r g e l ,.4> origens da vida. of God [A5 impressões digitais de Deus]) encaixam-se
M. P o l a n y i , “ Life transcending physics and nessa categoria.
chemistry” , CEX. Evolução deísta. 0 d e ís m o não acredita em nenhum
B. T h a x t o n , et a l, The mystery of life's origin. ato sobrenatural ou milagre após 0 ato inicial da cria-
ção do universo material a partir do nada. Quanto ao
evolução teísta. Definição. Xo sentido amplo,a evo- processo evolutivo e a produção de formas de vida, in-
lução teísta é a crença de que Deus usou a evolução elusive os seres humanos, não há diferença real entre
como meio de produzir as várias formas de vida fí- a evolução deísta e a evolução naturalista, que inclui 0
sica neste planeta, inclusive a vida humana. Alas há ATEÍSMO e O AGNOSTICISMO.

vários tipos de evolução nas quais Deus supostamen- Evolução panteísta. Outra forma de evolução envoi-
te está envolvido. Na verdade, há várias idéias de Deus vendo crença em Deus é chamada evolução panteísta. O
ligadas à evolução. p a x t e ís m o , ao contrário do teísmo e do deísmo, acredita

Tipos de evolução ligadas a Deus. Nem todas as que Deus é tudo e tudo é Deus. Deus é 0 universo ou a
formas de evolução ligadas a Deus são tecnicamente Natureza. Baruch E s p in o s a e Albert E in s t e in acreditavam
formas de evolução teísta, já que muitas delas não en- nisso. O ex-ateu Fred Hovle adotou essa visão no seu livro
volvem um conceito teísta. A seguinte tipologia deve Evolutionfrom space [A evolução vinda do espaço] (1981).
ser considerada sugestiva, não exaustiva. Segundo essa teoria, Deus criou a primeira vida e depois
Evolução teísta. Evolução “teísta” significa a crença muitas formas básicas de vida, em várias ocasiões, como
de que 0 Deus teísta usou 0 processo evolutivo que cri- indicado pelos grandes lapsos no registro fóssil. Mas 0
ara para produzir todas as espécies de vida. Além disso, Deus que interveio inteligentemente para formar esses
“teísta” quer dizer que Deus fez pelo menos um m ila g re vários tipos de vida fez isso de dentro do universo, não de
após sua criação original do universo ex nihilo (v. cria - fora. Pois Deus é a Alente do universo. Deus é a natureza.
ção, t r ê s visões d a ). Senão, não há diferença entre teísmo Evolução panenteísta. Ao contrário do panteísmo,
e deísmo na questão das origens. É claro que 0 que acredita que Deus é tudo, 0 p a n e n t e ís m o afirma que
evolucionista teísta (que não nega mais que dois atos Deus está em tudo. O panenteísmo é diferente por sua
de criação sobrenatural) ainda poderia acreditar nos crença de que Deus é a Força Vital no universo e na
outros milagres na Bíblia após a criação, tais como 0 força evolutiva. Henri Bergson expressou essa teoria
n a scim ento v i r g in a l o u a RESSURREIÇÃO. no livro Creative evolution [Evolução criativa] em 1907.
E volução teísta m ín im a. O evolucionista teísta mí- Essa também parece ser a posição do evolucionista
nimo acredita que Deus realizou dois atos sobrenatu- católico Teilhard de Chardin. Segundo essa posição, a
rais de criação: 1 ) a criação da matéria do nada e 2 ) a evolução é 0 processo contínuo que avança, às vezes
criação da primeira vida. Depois disso todos os ou- em saltos, pela virtude da força divina imanente no
tros seres vivos, até mesmo os seres humanos, surgi- universo.
ram por processos naturais que Deus ordenou desde Avaliação. Já que a essência de todas as teorias é
0 princípio. criticada em outros artigos sobre deísmo, panteísmo e
Evolução teísta m á x im a . O evolucionista teísta panenteísmo, não é necessário fazê-lo aqui. Resta ape-
máximo acredita que Deus realizou pelo menos três nas destacar que sua visão da evolução deorganismos
atos sobrenaturais de criação: matéria, a primeira vida vivos pressupõe as posições anti-sobrenaturalistas do
e a alma humana. Depois da criação inicial da maté- ateísmo e agnosticismo. Só 0 teísmo realmente acredita
ria e da vida, todos os organismos animais, até mes- nos atos sobrenaturais do Deus que está além do uni-
mo 0 corpo humano, evoluíram pelas leis naturais que verso e que ocasionalmente intervém nele.
Deus estabeleceu desde 0 princípio. Essa é a visão tra- Muitos dos argumentos usados contra a evolução
dicional católica, pelo menos no último século. naturalista ou materialista também se aplicam a es-
A crença em outros atos de criação sobrenatural sas outras formas de evolução que envolvem Deus. Pois
provavelmente seriam chamados forma mínima de não laz diferença se os processos naturais foram cria-
criacionismo (apesar disso ser uma linha arbitrária), dos pelo Deus teísta ou não. A evidência mostra que
já que afirmaria que Deus interveio sobrenaturalmente leis naturais não inteligentes não têm a habilidade de
pelo menos quatro vezes na criação. A maioria dos dar vida ou criar novas formas de vida, muito menos
teólogos que afirmam isso também acredita que Deus seres humanos (v. D a r w i n , C h a r l e s ; e l o s p e r d id o s ).
exclusivismo 332

Fontes cristianismo, tais como a morte de Cristo na cruz e sua


H . B erg so n , Creative evolution. ressurreição três dias depois (v. Cristo, morte de; ressur-
C. D a r w in , A origem das espécies. REIÇÃO ,EVIDÊN CIAS D.\).

___ , The descent o f man.


F. H o y l e , Evolution from space. existencialismo. Como movimento ateu, 0 ex is-
G. M il l s , “A theory of theistic evolution as an alternative tencialism o floresceu na metade do século xx,mas seus
to naturalistic theory” , Perspectives on science efeitos permaneceram. O existencialismo provoca um
and Christian faith (1995). efeito negativo no cristianismo evangélico.
B. R am m , The Christian view o f science and Scripture. Influência teológica. V ários movimentos teológicos,
D. R atzsch , Battle o f beginnings. amplamente conhecidos por neo-ortodoxos, foram in-
H . Ross, The fingerprints o f God. fluenciados pelo existencialismo. Karl B a r t h enfatizou 0
Teilhard de C h a r d in , The om ega point. encontro pessoal com Deus, salientando que a Bíblia é 0
H . V an T il l , Portraits o f creation. registro humano falível da Palavra de Deus. Emil Brunner
___ , The fourth day. enfatizou que a revelação é pessoal, não proposicional.
Rudolph B ultm ann desenvolveu 0 método antimitológico
exclusivismo. O exclusivism o, c o m relação a reivindi- para arrancar da Bíblia sua desatualizada cosmovisão so-
cação da verdade, afirma que, se uma proposição da brenatural para chegar à essência existencial (v. mitologia
verdade é verdadeira, todas as proposições opostas a e 0 Novo Testamento).
ela devem ser falsas. Isso é baseado na lei do meio ex- Principais defensores do existencialismo. Um grupo
cluído da lógica (ou A ou não-A, mas não ambos). Essa eclético de filósofos e teólogos contribuíram para 0 que
lei afirma que se A é verdade, então todo não-A é falso se tornou 0 existencialismo moderno. Entre eles estão 0
(v. Ló g ica; primeiros princípios). teísta luterano S0ren K ierkeg aard (1813-1855), o ateu ale-
O exclusivism o religioso afirma que apenas uma mão Friedrich Nietzsche (1844-1900), os ateus franceses
religião pode ser verdadeira, e todas as outras opos- Jean-Paul S a rtre ( 1905-1980) eAlbert Camus (1913-1960),
tas à única religião verdadeira devem ser falsas. Vá- 0 teísta judeu alemão Martin B u b e r (1878-1965), 0 não-
rios termos relacionados ao pluralismo religioso de- teísta alemão Martin Heidegger (1832-1970), 0 católico
vem ser diferenciados: p lu ra lis m o re la tivism o , , francês Gabriel Mareei (1889-1964) e 0 leigo ortodoxo
inclusivism o e exclusivism o. O pluralism o é a crença alemão-oriental Karl Jaspers (1883-1969).
de que toda religião é verdadeira. Cada uma propor- Ê nfases e contrastes d o existencialism o. O existen-
ciona um encontro genuíno com 0 Supremo. Uma cialismo enfatiza a vida acima do conhecimento,
pode ser melhor que as outras, mas todas são ade- 0 desejo acima do pensamento, 0 concreto acima do
quadas. O relativismo (v. verdade, n atu rez a da) é seme- abstrato, 0 dinâmico acima do estático, 0 amor acima
lhante ao pluralismo, afirmando que cada religião é da lei, 0 pessoal acima do proposicional, 0 indivíduo
verdadeira para quem acredita nela. Não há verdade acima da sociedade, 0 subjetivo acima do objetivo, 0
objetiva na religião, logo não há critérios pelos quais não-racional acima do racional e a liberdade acima
determinar qual é a melhor. O inclusivism o afirma que da necessidade.
uma religião é explicitamente verdadeira, e todas as No centro do existencialismo está a crença de que
outras são implicitamente verdadeiras. O exclusivismo a existência tem precedência sobre a essência. Todos
é a crença de que apenas uma religião é verdadeira, e os existencialistas defendem essa visão, de alguma for-
as outras opostas a ela são falsas. ma. Eles discordam em outros aspectos, mas a maio-
Há vários tipos de exclusivismo. O exclusivismo fi- ria dos existencialistas, especialmente os ateus, ten-
losófico é aquele em que uma afirmação ou posição é dem a aceitar outras proposições:
incompatível com outra. Por exemplo, 0 teísmo é incom- Os seres humanos são basicamente animais que
patível com 0 ateísmo (v. cosmovisão). Pois se a afirma- aprenderam a escolher. Não são vistos como seres ra-
ção “ Deus existe” é verdadeira (v. teísmo), a afirmação cionais, políticos ou mecânicos.
“ Deus não existe” é necessariamente falsa (v. ateísmo). A humanidade como objeto não está livre, mas in-
O exclusivismo religioso, ao contrário do pluralismo divíduos como sujeitos estão livres.
religioso, afirma que apenas uma religião é verdadeira “Eu” não sou “eu mesmo” . O “ser” pode ser estuda-
(v. cristo, singularidade de), e as outras opostas a ela são do e descrito como a “coisa” . Mas 0 “eu” por trás da
falsas. Se 0 cristianismo é verdadeiro (v. apologética,argu- coisa transcende a descrição; é totalmente livre.
mento da), então 0 islamismo é falso, já que suas reivindi- Objetividade carece de existência. Apenas 0 sub-
cações de verdade se opõem às doutrinas centrais do jetivo realmente existe.
333 existencialismo

Significado e valor são encontrados em existência, pode ser conhecida. Os existencialistas, no entanto,
vida, desejo e ação. Forma, essência e estrutura são tentam explicá-la, descrevê-la e conhecê-la. Escrevem
irrelevantes e inúteis. livros sobre 0 assunto. Para serem coerentes, no mo-
Significado e valores são criados, não descobertos. mento em que reconhecem que há uma essência da
Existencialistas teístas como Kierkegaard discordam existência, deixam de ser existencialistas no sentido
nesse caso. comum do termo. O existencialismo estabelece a
Da essência à existência. Tudo isso parece mais filosófi- disjunção radical entre essência e existência. Mas nun-
co que prático, e os existencialistas lutam com 0 movimen- ca encontramos existência pura na vida sem alguma
to do abstrato para 0 concreto. Eles próprios descrevem 0 essência. Jamais sabemos que uma coisa existe sem
movimento de várias maneiras. O existencialista cristão saber um pouco sobre 0 que ela é.
Kierkegaard descreveu-0 como “passo de fé” (v. fideísmo), 0 existencialismo é tão subjetivo que tende ao mis-
no qual setem um encontro pessoal com Deus. O ateu Sartre ticismo (v. m isticismo). Sem critérios objetivos, não há
0 denominou“tentativa de passar da existênciapara si para como diferenciar 0 encontro com 0 real do encontro
a existência em si” .Ele acreditava que fazer isso é impossí- com a ilusão. Para os existencialistas teístas, não há
vel, e que a vida é absurda. Os existencialistas ateus, inclusi- como 0 indivíduo saber se encontrou 0 verdadeiro
ve Sartre e Camus, insistem que nenhuma experiência exis- Deus ou 0 subconsciente — ou até mesmo Satanás
tencial autêntica é possível. O melhor a fazer é reconhecer a (2C0 11.14).
própria inautenticidade. Os existencialistas teístas acredi- Quando conhecemos outras pessoas ou Deus, 0
tam que a experiência existencial genuína é possível, mas pessoal não pode ser totalmente separado do
não sem 0 encontro pessoal com Deus. Se isso é feito ape-
proposicional. Podemos dizer algo sobre as pessoas por
nas como indivíduo (Kierkegaard) ou na comunidade
meio de proposições ou declarações sobre elas. Pesso-
(Mareei), não se sabe. Pelo menos é possível. Para 0
as que nunca se encontraram também podem se co-
existencialista judeu Martin Buber, tal movimento vai dos
nhecer intimamente por meio de cartas. Da mesma
relacionamentos Eu-coisa para Eu-Tu. Gabriel Marcel acre-
forma, a Bíblia é uma revelação proposicional sobre 0
ditava ser possível uma verdadeira experiência existencial
Deus pessoal (v. B íb lia , evidências da).
passando de“mim” (0 indivíduo) ou“eles” (a multidão) para
A liberdade adotada pelos existencialistas ateus é
“nós” (a comunidade).
impossível. Não temos liberdade absoluta. E, se há um
Avaliação. As opiniões existencialistas são tão varia-
Deus, todas as outras vontades estão subordinadas à
das que comentários gerais dificilmente podem ser classi-
sua vontade absoluta.
ficados por um ou mais grupos sob a categoria. Algumas
A irracionalidade não corresponde ao que a vida
generalizações, todavia, podem ser relacionadas.
é. Deus e a realidade absoluta não estão em contradi-
Contribuições positivas. A ênfase do existencialismo
ção. Deus é 0 Pai de toda razão. A lógica flui de sua
no amor acima do legalísmo encaixa-se no ensínamen-
to de Jesus (Mc 2.27) e é um tipo de corretivo para 0 natureza (v. fé e ra z à o ). Os existencialistas não prati-
legalismo sempre presente em alguns domínios da vida cam a irracionalidade. São bem racionais quando ex-
cristã. A ênfase no prático em vez de no puramente teóri- põem e defendem seu sistema. Inevitavelmente ten-
co coincide com a ênfase cristã numa fé viva (v. Tiago). tam a tirar conclusões racionais de sua visão da exis-
0 NT evita 0 abstrato no ensinamento que boas obras re- tência. A própria tentativa é contraditória.
sultam da fé verdadeira (Ef 2.8-10; Tg 2). Todos os cris-
tãos acreditam na liberdade humana, apesar de alguns Fontes
grupos discordarem em algumas nuanças do significa- J. C o llin s , The existencialists.
do (v. determinismo; liv re - a rb ítrio ). W . B a rre tt, Irrational man.
No sentido original de que “existência está acima da ]. P. S a r t r e , 0 existencialismo e um humanismo.
essência” , Tomás de Aquino pode ser classificado como A. C am us, O mito de Sisifo.
existencialista. Ele descreveu Deus como Existência Pura. E. B r u n n e r , Revelation and reason.
Deus, que é superior em ordem e importância a qual- K . B a rth , Church dogmatics, v. 1.

quer outro ser, é pura Realidade sem nenhuma M . H e id e g g e r, What is metaphysics?


potencialidade. Deus é Existência Pura. Esse é 0 máximo R. B u lt m a n n , Kerygma and myth: a theological de-
no existencialismo cristão, do ponto de vista do realismo. bate, org., H. W‫ ״‬trad. R. H. F u l l e r .
Erros e perigos. Mas 0 existencialismo não aborda G. M a r c e l , The mystery o f being.
adequadamente a essência da existência. Se a existência K. Jasp e rs, Reason and existence.
é superior à essência, então a essência da existência não S. K ie r k e g a a r d , Temor e tremor.
experimental, apologética 334

Êxodo, data do. V a rq u e o lo g ia do A x tig o Testam ento; 0 valor das experiências religiosas em geral é que es-
fa ra ó do Êxodo. tão disponíveis a todos. Até 0 ateu Sigmund Freud admitiu
que experimentou um tipo de “sentimento de dependên-
experimental,apologética. A apologética experimen- cia absoluta” como descrito por Friedrich Schleiermacher.
tal é a forma de defender a fé cristã que apela para a Paul T illic h denominou-se experiência do “compromis-
experiência cristã como evidência da verdade do cris- so absoluto” .0 humanista John Dfa\ty acreditava que todo
tianismo. Apelando à evidência interna, em vez de ex- mundo tem uma experiência religiosa na sua busca pe-
terna, ela difere grandemente de outros sistemas los objetivos, apesar dos obstáculos.
apologéticos (v. ap o lo g ética ,tip o s de). Experiência religiosa especial. A experiência religi-
Proponentes da apologética experimental. Mui- osa especial, ao contrário da geral, não é tão divulgada.
tos pensadores cristãos enfatizaram a experiência, al- Para os que têm tais experiências, elas podem ser uma
guns místicos, outros não. Meister Eckart, na Idade demonstração poderosa da prova do cristianismo. Elas
Média, foi considerado herege, mas escreveu convin- têm formas místicas e existenciais variadas.
centemente sobre as implicações do misticismo cris- Experiência mística cristã. Os místicos cristãos (v.
tão. No período moderno, 0 e x is t e n c ia lis m o (v . m isticism o ) reivindicam uma experiência especial
K ie rk e g a a rd , S 0 re x ) e a neo-ortodoxia (v. B a r t h , K a r l ) com Deus. Experiências místicas diferem das expe-
deram muito valor à experiência religiosa e suas pro- riências gerais de outra maneira: proclamam ser con-
vas do cristianismo. Os liberais e modernistas clássi- tatos diretos com Deus, sem mediação. A experiên-
cos rejeitam a verdade cristã objetiva, então a religião cia é auto-evidente, tão básica para a realidade quan-
experimental geral é praticamente 0 único fundamen- to a experiência sensorial de perceber cores. Para elas,
to possível sobre 0 qual construir uma apologética cris- pelo menos, nada precisa de comprovação.
tã (v. m ilagres, mito e; S c h le ie rm a ch e r, F r ie d r ic h ). Entre Experiências existenciais. Apesar de encontros exis-
os evangélicos, Elton Trueblood defendeu 0 experi- tenciais com Deus não serem místicos, seus proponen-
mentalismo. Apesar de geralmente ficar fora das dis- tes afirmam que eles também autenticam a si mes-
cussões apologéticas, a apologética experimental ca- mos. Há ocasiões em que a pessoa é tomada por Deus
racteriza 0 movimento pentecostal, carismático e a num encontro não-racional e direto que é mais básico e
chamada “terceira onda” . real que a experiência sensorial. Apesar de nem todos
Tipos de apologética experimental. Os apoio- considerarem tais experiências evidência, elas servem
gistas cristãos experimentais dividem-se em várias ca- para provar a autenticidade da fé à pessoa que tem a
tegorias. Alguns apelam à experiência religiosa em ge- experiência. Quem apela para tais experiências rejeita
ral, apesar de geralmente esta não ser usada para pro- abordagens apologéticas no sentido tradicional. Rejeita
var as afirmações singulares do cristianismo tanto 0 apelo à evidência racional e factual e aceita 0 que acre-
quanto a existência de ensinamentos comuns a várias dita ser uma experiência que comprova a si mesma.
religiões. Isso pode incluir a existência do Deus Deve-se observar que nem todos os que têm expe-
transcendental ou a imortalidade da alma. riências especiais com Deus consideram esses mo-
Outros experimentalistas cristãos apelam para mentos provas apologéticas para 0 cristianismo, nem
experiências religiosas. Nessa categoria estão os que para si nem para os outros. Quem enfatiza essas expe-
enfatizam experiências místicas e os que buscam con- riências como componente principal do sistema cris-
versões cristãs sobrenaturais. A descrição clássica de tão, no entanto, tende a considerá-las provas de sua fé.
Jonathan E d w a rd s para a natureza da conversão, A Avaliação da apologética experimental. Apesar
treatise concerning religious affections [Tratado solve de alguns cristãos basearem sua fé principalmente na
as sensações religiosas], argumenta em favor de Deus experiência, outros desmascaram totalmente 0 valor
a partir da experiência da conversão, apesar de apologético desses argumentos subjetivos. Mas, vista
Edwards geralmente enfatizar a razão. da forma correta, a experiência tem um papel impor-
Experiência religiosa geral. 0 valor da experiência tante na religião.
religiosa em geral está limitado às afirmações cristãs. Aspectos positivos. Toda verdade religiosa deveria ser
Logicamente é difícil ver como esse argumento pode vivida. A verdade religiosa, ao contrário das outras for-
ser usado para apoiar até mesmo um Deus distinta- mas de verdade, é preeminentemente uma verdade a ser
mente teísta. Na melhor das hipóteses, estabelece al- vivida. Como disse William James, no coração da expe-
guma credibilidade para um tipo de ser supremo. Mas riência religiosa está 0 objetivo de ter um relacionamen-
provas da experiência religiosa foram oferecidas por to satisfatório e transcendental. A verdade religiosa, disse
cristãos e outros. Kierkegaard, é pessoal, não apenas proposicional. É
335 experimental, apologética

uma experiência que propicia 0 relacionamento vivo da razão, possa avaliar e julgar essa experiência pura,
com 0 Deus vivo. Nesse sentido, a verdade religiosa é ela não tem valor de verdade. Como Jonathan Edwards
muito mais que 0 que sabemos; é 0 que vivemos. Não diria, Deus quer alcançar 0 coração, mas ele nunca dei-
é apenas verdade para ser dominada pelos cristãos; xa de passar pela cabeça.
ela os domina. Ao contrário do que alguns afirmam, não há experiên-
Toda verdade é vivida. No sentido mais geral, toda cias religiosas auto-evidentes que possam demonstrar a
verdade deve ser vivida. Na sua base, experiência signi- verdade do cristianismo. Há diferenças importantes entre
fica consciência — consciência do Supremo. Isso se es- a experiência sensorial e a experiência religiosa especial.
tende da consciência de Deus à consciência de uma ver- Uma é experiência geral, e outra, especial. Uma é experiên-
dade matemática. Se não é vivida, então não é possível cia contínua, e outra, apenas ocasional. Uma é pública e a
“conhecê-la” .Assim, a experiência nesse sentido não é outra, particular. Uma é sensitiva e objetiva, enquanto a
apenas importante para a fé religiosa; é essencial. outra é espiritual e subjetiva. Nenhuma comparação entre
Verdade conceituai é vazia sem experiência. Uma as duas é válida.
conseqüência da necessidade de experimentar a ver- Isso deixa pendente a afirmação de João Calvin o e
dade é que conceitos estéreis são vazios por não se outros de que todos os homens têm conhecimento inato
basearem na experiência (v. t a u t o l o g i a s ) . Apesar de de Deus. Se têm, certamente não é específico 0 suficiente
haver vários níveis e objetos de experiência, não há para estabelecer muito mais que a existência de Deus (e
verdade sobre a realidade que seja totalmente separa- talvez da imortalidade), mas não as verdades singulares
da da experiência. A não ser que se tenha consciência do cristianismo, como a divindade de Cristo (v. C risto, di-
de um objeto por meio da experiência, não se pode vindade de), a T RixDADE e Cristo como caminho para Deus
conhecê-lo diretamente. Logo, a experiência é indis- (v. Cristo, singularidade de;“ pagãos” , salvação dos; pluralismo;
pensável para conhecer qualquer verdade, inclusive a RELIGIÕES M U ND IA IS, CRISTIANISMO e ) .
verdade religiosa. Uma “fonte da” verdade não é uma “prova da” ver-
Aspectos negativos. Embora toda verdade, mesmo
dade. Aqueles que usam a experiência no sentido pri-
a religiosa, deva ser vivida no sentido amplo de ter-
mário para demonstrar a verdade do cristianismo en-
mos consciência dela, nenhuma reivindicação de ver-
volvem-se num mal-entendido básico. A experiência
dade religiosa deve basear-se na experiência sem crí-
religiosa é certamente uma fonte de verdade sobre
tica ou comprovação (v. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ) .
Deus, mas não pode ser usada como teste para essa
O experimentalismo confunde as categorias. É uma
verdade. Tal uso apologético da experiência religiosa
confusão de categorias falar da verdade religiosa expe-
é forçado, já que apela para a experiência a fim de pro-
rimental. Há experiências religiosas verdadeiras (expe-
var a verdade da experiência.
riência de Deus), mas elas são diferentes das expressões
Experiências religiosas não são auto-interpretativas.
(afirmações) sobre tais experiências. A verdade é en-
Nenhuma experiência religiosa, e certamente nenhu-
contrada na expressão sobre 0 objeto de nossas experi-
ma do tipo especial (místico), pode ser autoclassi-
ências, não nas próprias experiências. Então, técnica-
ficada. Outras interpretações são possíveis, que são
mente, não há experiência religiosa verdadeira ou falsa.
dadas prontamente por Ludwig F e u e r b a c h , William
Há afirmações verdadeiras ou falsas relativas ao que a
James e Freud. O fato de a pessoa religiosa ter tido a
pessoa realmente experimentou de Deus e acerca desse
experiência e tê-la classificado não significa que essa
Deus. Mas a própria experiência, no sentido primário,
é a única interpretação ou a interpretação adequada.
não é verdadeira nem falsa.
Alucinações, ilusões e projeções mentais têm aconte-
A razão é necessária. Se a razão é considerada no senti-
cido em muitas experiências religiosas. É necessário
do secundário de reflexão sobre nossa experiência primá-
ria (especialmente a reflexão racional), ela é crucial para mais que uma experiência subjetiva para demonstrar
sabermos a verdade sobre nossa experiência primária. A a verdade objetiva.
experiência primária, assim definida por muitos que a Experiências religiosas carecem de valor objetivo.
enfatizam, não é reflexiva nem crítica. Supostamente não Alguns critérios objetivos e demonstráveis para de-
há utilidade para a lógica nem para a razão. A lógica é pré- terminar a verdade das experiências religiosas são ne-
conceituai. Esse tipo de experiência, se realmente possível, cessárias. É óbvio, com base nos fatos, que experiênci-
é perigosa e não tem função definitiva para determinar a as semelhantes podem ser interpretadas de maneiras
verdade na religião. É “pura” experiência, sem meios pró- diferentes e que experiências religiosas entram em
prios para nos deixar saber se a experiência nos está colo- conflito umas com as outras. É por isso que a Bíblia
cando em contato com a realidade divina. A não ser adverte contra falsos profetas (Mt 7.15) e falsos
que a denominada “experiência secundária” , pelo uso ensinamentos (lTm 4.1 s.; 1 J0 4.Is.). Na verdade ela
experimental, apologética 336

até estabelece critérios objetivos pelos quais a falsida- investigação crítica ou racional. Critérios objetivos são
de pode ser conhecida (cf. Dt 18.9-22). necessários para todas as experiências subjetivas se-
Experiências indescritíveis não têm valor de ver- rem significativas para outra pessoa além da que as
dade. Os místicos geralmente afirmam ter experiên- vivenciam. A verificação objetiva certamente é neces-
cias inefáveis. Seja qual for 0 valor subjetivo que pos- sária antes que possam ser usadas para estabelecer
sam ter para a pessoa que as vive, não podem cons- uma reivindicação da verdade. A mente deve entender
tituir reivindicação válida da verdade para outras e investigar 0 que 0 coração está sentindo. Caso con-
pessoas. Estados subjetivos têm força de coerção, se trário, não podemos saber se corresponde à realidade
tanto, apenas para quem os experimentam. Pela pró- (v. V E R D A D E , N A TU R EZA ABSO LUTA Da ) .
pria natureza são vivenciados apenas por uma pes-
soa. Segundo, uma experiência indescritível não pode Fontes
ser testada porque nem ao menos é conhecida. Seria J. E d w a r d s , A treatise concerning religious affections.
necessário conhecê-la antes de poder testá-la. Se não I. F ei /er b a c h , The essence o f Christianity.
é compreendida racionalmente, não pode ser testa- S. F r e u d , 0 futuro de uma ilusão.
da racionalmente. N. L. G e is lk r , e i a l. Philosophy o f religion, Pt. 1
Conclusão. A experiência religiosa geral não é es- W. Jam es, Varieties o f religious experience.
pecífica 0 suficiente para apoiar afirmações da verda- S. K ie r k e g a a r d , Temor e tremor.
de do cristianismo. No máximo pode apoiar algumas R. O t t o , The idea o f the holy.
afirmações vagas sobre um ser transcendental, mas F. S c h le ie r m a c h e r , On religion: speeches to its
não as afirmações singulares de um Deus trino que se cultured despisers.
revela nas Escrituras. As experiências religiosas tam- P. T il l ic h , Ultimate concern.
bém não são objetivas nem verificáveis. Não oferecem E. T r u e b lo o d , Philosophy o f religion.
Ff
falsificação,princípio de. V F le w , A ntony; verificação, es- quanto ao que é bom. Ao contrário do determinismo,
TRATÉG1AS DE. Deus é amoroso (Jo 3.16; Rm 5.6-8; 2C0 5.14,15; 1Jo
2.1) e não quer que ninguém pereça (2Pe 3.9). Inde-
faraó, endurecimento do coração do. Em Êxodo 4.21, pendentemente do que 0 determinista diga, a justiça de
Deus declara: “Eu vou endurecer 0 coração dele, para não Deus é impugnada se ele endurece pessoas em pecado
deixar 0 povo ir”. Mas se Deus endureceu 0 coração do contra a vontade desta. 0 livre-arbítrio e a compulsão
faraó, ele não pode ser julgado moralmente responsável são contraditórios. Como Paulo comentou sobre a con-
pelas suas ações, já que não 0 fez por livre e espontânea tribuição: “Cada um dê conforme determinou em seu
vontade, mas por coação (cf. 2C0 9.7; lPe 5.2). Parece ha- coração, não com pesar ou por obrigação Deus ama
ver um problema sério aqui em relação ao amor e à justi- quem dá com alegria” (2C0 9.7). Pedro acrescentou que
ça de Deus (v. mal, problema do). Se Deus ama a todos, por os líderes da igreja, ao servirem a Deus, devem traba-
que ele endureceu 0 coração do faraó para que rejeitasse lhar“não por obrigação, mas de livre vontade” (lPe 5.2).
a vontade de Deus? Se Deus éjusto, por que culpar 0 faraó A resposta dos deterministas moderados. Outros res-
pelo seu pecado, se foi Deus quem endureceu 0 coração pondem ao problema do endurecimento do coração do
dele para 0 pecado? faraó alegando que Deus não endureceu 0 coração do
Soluções propostas. Há duas respostas básicas para faraó contra seu livre-arbítrio. As Escrituras deixam cia-
esse problema com base em teologias divergentes. ro que 0 faraó endureceu 0 próprio coração. Elas decla-
A resposta do determinista rígido. Calvinistas ou ram que 0 coração do faraó “se endureceu” (Êx 7.13), que
deterministas rígidos (v. determinismo) enfatizam a sobe- ele “obstinou-se em seu coração” (Êx 8.15) e que“o cora-
rania de Deus e afirmam que ele tem 0 direito de endure- ção do faraó permaneceu endurecido” à medida que Deus
cer ou amolecer 0 coração que quiser. Quanto à justiça de agia sobre ele (8.19). Mais um vez, quando Deus enviou a
Deus, a resposta é de Paulo em Romanos 9.20: “Mas quem praga das moscas, “mas também dessa vez 0 faraó obsti-
é você, ó homem, para questionar Deus?! Acaso aquilo nou-se em seu coração” (8.32). Essa mesma frase ou equi-
que é formado pode dizer ao que 0 formou: ‘Por que me valente é repetida várias vezes (v. tb. 9.7,34,35). Na reali-
fizeste assim?’” O amor redentor de Deus é dado aos elei- dade, com exceção da previsão de Deus acerca do que
tos. Mais uma vez, citando Paulo, eles insistem em que aconteceria (Êx 4.21), 0 fato é que 0 faraó endureceu pri-
Deus “tem misericórdia de quem quer, e endurece a meiramente 0 próprio coração (7.13; 8.15 etc.), e Deus 0
quem ele quer” (Rm 9.18). A forte resposta calvinista endureceu mais tarde (cf. 9.12; 10.1,20,27).
ao problema, então, é que 0 faraó já era um incrédulo Teólogos explicam que palavras hebraicas diferen-
endurecido, e Deus apenas 0 endureceu ao retirar a tes para “endurecer” são usadas nessa passagem (Forster,
graça que suaviza os efeitos da Queda no coração in- p. 1555-1568). Qãshâ, que significa “teimosia” , é usada
crédulo. Ele deixou 0 faraó intensificar sua rebelião, duas vezes, uma vez quando Deus é 0 agente e uma vez
como um incrédulo faria sem restrição divina. Deus quando 0 faraó é 0 agente (7.3; 13.15). Em ambos os
fez isso para mostrar seu poder e glória. O faraó não casos, ela é usada para 0 processo geral, não para uma
teria se arrependido verdadeiramente sem a interven- ação específica. Kãvêd, que significa “pesado” ou “insen-
ção positiva do poder redentor de Deus. sível” , é usada várias vezes, não só se referindo ao cora-
Essa posição é baseada numa visão voluntarista ina- ção do faraó, mas também às pragas. Deus enviou um
ceitável (v. v0L1‫־‬XTAR]SM0),em que Deus pode desejar uma “pesado” enxame de moscas, granizo e enxame de gafa-
de duas ações opostas. Isso parece fazer Deus arbitrário nhotos. hãzãq, que significa “força” ou “incentivo” , é 0
faraó do Êxodo 338

termo usado em relação ao coração do faraó. Quando faraó do Êxodo. A teoria predominante dos teólogos
0 faraó é 0 agente do endurecimento, a palavra usada modernos é que 0 faraó do Êxodo foi Ramessés 11 (v. Bí-
ékãvéd. Quando Deus é 0 agente, 0 termo usado é hãzãq. Nesse caso, 0 Êxodo teria acontecido por
blia, c rítica da).
“Embora 0 faraó tome sua própria decisão moral, Deus volta de 1270 a 1260 a.C. Mas a Bíblia (Jz 11.26; lRs 6.1;
lhe dará força para realizá-la” , escreve Roger Forster (p. At 13.19,20) data 0 Êxodo em aproximadamente 1447a.C.
72). Com base nisso, não há nada moralmente sinis- Segundo a datação normalmente aceita, 0 faraó do Êxodo
tro com relação ao “endurecimento” do faraó, e esse é seria Amenotepe 11, uma identificação que os arqueólo-
0 entendimento com 0 qual calvinistas moderados e gos e teólogos tradicionalmente rejeitam.
arminianos podem concordar. O Ê xo d o antigo. Os estudiosos modernos elevaram
Deus endureceu 0 coração dele de forma semelhan- Ramessés 11e a data de metade do século xiii ao nível de
te à maneira em que 0 sol endurece a argila e também doutrina indiscutível, mas há evidência suficiente para
derrete a cera. Se 0 faraó fosse receptivo às advertências desafiar a opinião convencional sobre 0 Êxodo, assim
de Deus, seu coração não teria sido endurecido por Deus. como a datação tradicional de vários faraós. Explicações
Mas quando Deus deu ao faraó uma suspensão tempo- alternativas dão melhor esclarecimento a todos os dados
rária das pragas, ele se aproveitou da situação. “.Mas históricos, tornando possível a data de 1447 a.C. para a
quando 0 faraó percebeu que houve alívio, obstinou-se saída dos israelitas.
em seu coração e não deu mais ouvidos a Moisés e a A Bíblia é bem específica em IReis 6.1 que 480 anos
Arão, conforme 0 Senhor tinha dito” (Êx 8.15). haviam se passado do Êxodo até 0 quarto ano do reinado
A questão pode ser resumida da seguinte forma: Deus de Salomão, por volta de 967 a.C., 0 que colocaria 0 Êxodo
endurece corações? por volta de 1447 a.C. Isso também concorda com Juizes
11.26, que afirma que Israel passou trezentos anos na terra
Deus não endurece Deus endurece até 0 tempo de Jefté (por volta de 1100 a.C.). Da mesma
corações corações forma, Atos 13.20 fala do período de 450 anos de governo
inicialmente subseqüentemente dos juizes de Moisés a Samuel, que viveu por volta do ano
diretamente indiretamente 1000 a.C. Paulo disse em Gálatas 3.17 que houve 430 anos
contra o por meio do de Jacó a Moisés. Isso seria de 1800 a 1450 a.C. O mesmo
livre-arbítrio livre-arbítrio número é usado em Êxodo 12.40. Se a Bíblia está errada
quanto à sua causa quanto ao seu efeito nesse ponto, ela certamente é coerente e não permite um
Êxodo no século xm.
C onclusão. Se Deus endureceu 0 coração do faraó Possíveis soluções. Há pelo menos três maneiras de
ou de alguma outra pessoa de acordo com a própria ten- conciliar os dados bíblicos com a data do século xv. A pri-
dência e escolha dela, não pode ser acusado de ser in- meira supõe a possibilidade de um Ramessés mais anti-
justo, cruel, ou de agir contrariamente ao livre-arbítrio go. A segunda oferece uma base para ajustar a cronologia
dado por ele mesmo. E as Escrituras deixam claro que 0 dos reis egípcios (v. .arqueologia do Axtigo Testamento).
faraó endureceu 0 próprio coração. Então, 0 que Deus Como essas mudanças abalariam muitas opiniões am-
fez estava de acordo com a livre escolha do próprio 0 piamente aceitas sobre a história antiga, elas enfrentam
faraó (v. liv re - a rb ítrio ). Os eventos podem ser determi- muita oposição, mas a evidência é forte.
nados por Deus na sua presciência, mas são livres do A data geralmente aceita foi baseada em três su-
ponto de vista da escolha humana. Jesus atingiu esse posições:
equilíbrio quando disse em Mateus 18.7: “É inevitável
que tais coisas [que fazem tropeçar] aconteçam, mas ai 1. “ Ramessés” em Êxodo 1.11 recebeu 0 nome de
daquele por meio de quem elas acontecem!” . Ramessés, 0 Grande.
2. Não houve nenhum projeto de construção no
Fontes delta do Nilo antes de 1300.
A go stin h o , O livre-arbítrio. 3. Não houve nenhuma grande civilização em
___ , A graça Canaã entre os séculos xlx e xiii a.C.
J. Ed w ard s, Freedom o f the will.
J. F le t c h e r , John Fletcher’s checks to antinomianism, Se tudo isso for verdadeiro, as condições descritas em
R W isem an, cond. Êxodo seriam impossíveis antes de 1300 a.C. Mas 0 nome
R. T. F o r s te r , God’s strategy in human history. Ramessés aparece em toda a história egípcia, e a cidade
N. L. G e is le r, Predestinação ou livre-arbítrio, R. Basin g e r, et al., mencionada em Êxodo 1pode ter honrado um nobre mais
orgs. antigo com esse nome. Como Ramessés, 0 Grande, é
M. LuterOjA esaavidão da vontade. Ramessés 11,deve ter existido um Ramessés 1,sobre 0 qual
339 faraó do Êxodo

não se sabe nada. Em Gênesis 47.11,0 nome Ramessés é Bronze !Médio é mais prolongada do que se imaginava,
usado para descrever a área do delta do Nilo onde Jacó e ficando assim seu término mais próximo de 1420 a.C.
seus filhos se instalaram. Esse pode ser 0 nome que λloisés Isso corresponde à Bíblia, onde as cidades em Canaã
normalmente usava para se referir a toda a área geográ- eram “grandes, com muros que vão até 0 céu” (Dt 1.28),
fica. Ramessés, então, não precisa sequer se referir a uma como disse Moisés. Além disso, a extensão da destruição,
cidade chamada pelo nome de um rei. com apenas algumas exceções, coincide com a descrição
Segundo, projetos de construção foram encontrados bíblica. “Realmente, a área na qual a destruição ocorreu
em Pi-Ramesse (Ramessés) e em ambos os sítios possí- no final do [Idade do Bronze Médio] corresponde à área
veis para Pitom, datando dos séculos xix e xvn a.C, a era da ocupação israelita, ao passo que as cidades que sobre-
na qual os israelitas chegaram. Eles revelam forte influ- viveram estavam foram dessa área.”
ência palestina. Uma escavação feita em 1987 demonstra .Alguns arqueólogos perguntam onde está a evidên-
que houve construção em Pi-Ramesse e em um dos síti- cia do domínio israelita no final da Idade do Bronze. Sem-
os de Pitom no século xv. Então, se Êxodo 1.11 faz refe- pre consideramos os israelitas responsáveis pela transi-
rência aos projetos de construção que estavam em anda- ção da Idade do Bronze para a Idade do Ferro em 1200
mento na época em que os israelitas eram escravos, ou a.C. O problema com essa teoria é que aquelas mudanças
àqueles em que estavam trabalhando na época do Êxodo, são iguais em todo 0 Mediterrâneo, não apenas na Pales-
há evidência de construção em andamento. Pesquisas su- tina. Os hebreus não poderiam ser responsáveis por uma
perficiais não apresentaram sinais de civilizações como mudança tão extensa. Na verdade, como nômades, eles
as dos moabitas e edomitas antes da entrada de Israel na provavelmente não trouxeram nada consigo, viveram em
terra, mas a escavação mais profunda revelou muitos sí- tendas por algum tempo e compraram sua cerâmica nos
tios que se encaixam nesse período. Até 0 homem que fez mercados cananeus. Além disso, 0 livro de Juizes mostra
a pesquisa inicial mudou sua opinião. Provou-se assim que, depois que Israel entrou na terra, eles não exerceram
que os três argumentos a favor da datação do Êxodo após domínio sobre ninguém por várias centenas de anos. Fo-
1300 a.C eram falsos. Ora, se essas três suposições estão ram dominados por todos à sua volta.
erradas, não há razão para supor uma data posterior para Bimson resume sua proposta desta maneira:
0 Êxodo, e podemos procurar evidências para apoiar a
data bíblica de aproximadamente 1447. Propomos: 1) um retorno à data bíblica da conquista de
Revisão de B im son-Livingston. John Bimson e Canaã (i.e., logo antes de 1400 a.C.) e 2) uma diminuição da
David Livingston propuseram em 1987 que a data da data do final da Idade do Bronze Médio, de 1550 a.C. para logo
mudança da Idade do Bronze Médio para a Idade do antes de 1400 a.C. 0 resultado é que dois eventos previamente
Bronze Recente era imprecisa e devia ser mudada. O separados por séculos são unidos: a queda das cidades bm ii
que estava em jogo era a evidência de cidades de Canaã torna-se evidência arqueológica da conquista. Es-
destruídas em Canaã. A maioria dos sinais de uma sas propostas duplas criam uma coincidência quase perfeita
invasão ou conquista significativa datam de cerca de entre a evidência arqueológica e 0 registro bíblico.
1550 a.C. — 150 anos antes. Essa data é atribuída a
essas ruínas porque se supõe que foram destruídas Revisão de Velikovsky-Courville. Uma terceira pos-
quando os egípcios expulsaram os hicsos, uma nação sibilidade cria um problema para a teoria tradicional
hostil que dominou 0 Egito durante vários séculos. da história egípcia. A cronologia de todo 0 mundo anti-
Bimson acredita que mudar 0 fim da Idade do Bronze go é baseada na ordem e nas datas dos reis egípcios. Em
Médio demonstraria que essa destruição foi feita pe- grande parte, conhecemos essa ordem por meio de um
los israelitas, não pelos egípcios. historiador chamado Maneto, que é citado por outros
Como tal mudança pode ser justificada? A Idade três historiadores. Também há monumentos que dão
do Bronze Alédio ( b m ) foi caracterizada por cidades listas parciais. Essa ordem era considerada indiscutível.
fortificadas; a Idade do Bronze Recente ( b r ) tinha em No entanto, a única data absolutamente fixa é no seu
grande parte colônias menores, sem muros. Portanto, final, quando Alexandre, 0 Grande, conquistou 0 Egito.
0 causador da destruição dessas cidades fornece data Yelikovsky e Courville afirmam que seiscentos anos adi-
para a divisão do período. A evidência é escassa e im- cionais nessa cronologia mudam as datas de todos os
precisa. Além disso, há dúvidas de que os egípcios, que eventos no Oriente Médio.
começavam a estabelecer um novo governo e exército, Deixando de lado a idéia de que a história egípcia é
pudessem realizar longos sítios por toda a terra de fixa, há três evidências de que a história de Israel coin-
Canaã. Evidências positivas surgiram de escavações cide com a história do Egito. Esse tipo de coincidência,
recentes que revelaram que a última fase da Idade do onde 0 mesmo evento é registrado em ambos os países,
faraó do Êxodo 340

é chama-se sincronismo. As três ocasiões em que encon- entre as nações, mas 0 seu fim será destruição” (Nm
tramos sincronismos são as pragas de Moisés, a derrota 24.20). Por que ele amaldiçoou Amaleque, e não 0 Egi-
dos amalequitas e 0 reinado de Acabe. to? Só se 0 Egito estivesse sob domínio amalequita! Além
Um papiro muito antigo escrito por um sacerdote disso, os nomes do primeiro e do último rei amalequita
egípcio chamado Ipuwer, apesar de receber várias inter- naBíblia(Agague1en,v.Nm24.7e ISm 15.8)correspon-
pretações, fala de dois eventos singulares: uma série de dem ao primeiro e ao último rei hicso. Isso indicaria que
pragas e a invasão de uma potência estrangeira. As pra- os hicsos entraram no Egito logo depois do Êxodo e per-
gas coincidem bem com 0 registro mosaico das pragas maneceram no poder até Saul derrotá-los e libertar os
do Egito em Êxodo 7— 12.0 texto fala do rio transfor- egípcios do cativeiro. Isso explicaria as relações amisto-
mado em sangue (cf. Êx 7.20), colheitas destruídas (Êx sas que Israel tinha com 0 Egito na época de Davi e
9.25),fogo (Êx 9.23,24; 10.15) etrevas (Êx 10.22).Apra- Salomão. Na verdade,Velikovsky descobriu semelhanças
ga final, que matou 0 filho do faraó, também é mencio- surpreendentes entre a rainha de Sabá e rainha egípcia
nada: “De fato os filhos dos príncipes são esmagados con- Hatshepsut. Acredita-se que ela viajou à Terra Prometi-
tra as paredes [...] A prisão é arruinada [...] Aquele que da, e as dádivas que recebeu ali são muito semelhantes às
enterra seu irmão está em toda parte [...] Há gemidos em que Salomão deu à sua visitante (v. lRs 10.10-22). Ela
toda a terra, misturados a lamentações” (Papiro 2.13; 3.14; também construiu um templo no Egito que é semelhan-
4.3; 6.13). Isso coincide com 0 registro bíblico que diz: “0 te ao templo de Salomão. Mas, de acordo com a crono-
Senhor matou todos os primogênitos do Egito, desde 0 logia egípcia, ela viveu antes do Êxodo. Somente se a
filho mais velho do faraó, herdeiro do trono, até 0 filho cronologia for reexaminada esse paralelismo poderá ser
mais velho do prisioneiro que estava no calabouço [...] E explicado. A invasão de Tutmés in à Palestina também
houve grande pranto no Egito, pois não havia casa que pode ser igualada ao ataque de Sisaque (2Cr 12.2-9).
não tivesse um morto” (Êx 12.29,30). Imediatamente após O terceiro sincronismo é uma série de cartas (em
esses desastres,houve uma invasão de“uma tribo estran- tabuinhas de argila) chamadas de cartas El-Amarna. São
geira” que saiu do deserto (Papiro 3.1). Essa invasão deve correspondências entre os reis da Palestina (Jerusalém,
ter sido dos hicsos, que dominaram 0 Egito entre 0 Reino Síria e Sumur) e os faraós Amenotepe 111 e seu filho
Médio e 0 Novo Reino. Aquenatom. Os palestinos estavam preocupados com um
O monolito de El-Arish conta uma história semelhan- exército que se aproximava do sul chamado habiru, que
te de trevas e sofrimento na terra nos dias do rei Tom. estava causando grande destruição. Com base em tal des-
Também relata como 0 faraó “saiu para a batalha contra crição, tradicionalmente acredita-se que essas cartas fa-
os amigos de Apopi (0 deus das trevas)” , mas 0 exército lam da entrada dos israelitas em Canaã.Velikovsky mos-
não voltou mais: “Sua majestade lançou-se no chamado tra que uma investigação maior dessas tabuinhas revela
Lugar do Redemoinho” .O lugar do incidente é Pi-Kharoti, um quadro totalmente diferente. Primeiro, Sumur pode
que pode ser 0 equivalente a Pi-ha-hiroth, onde os israe- ser identificado como a cidade de Samaria, que só foi
litas acamparam perto do mar (Êx 14.9). Isso é muito in- construída depois de Salomão (lR s 16.24). Segundo, 0
teressante, porque 0 nome da cidade construída pelos “rei de Hati” ameaça invadir do norte, 0 que parece ser
israelitas é Pi-Tom,“a morada de Tom” .E 0 rei que reinou uma invasão hitita. Terceiro, nenhum dos nomes nas car-
logo antes da invasão dos hicsos foi (no grego) Timaios. tas coincide com os nomes dos reis dados no livro de Josué.
Mas a data egípcia para 0 rei Tom está cerca de seiscen- Em outras palavras, a situação política está totalmente
tos anos adiantada, por volta de 2000 a.C. Ou a cronolo- errada, caso essas cartas sejam da época do Êxodo. Se
gia egípcia está errada, ou a história se repetiu de manei- mudarmos sua data para a época em que Acabe reinou
ra muito incomum. em Samaria e foi ameaçado pelos moabitas e hititas, to-
Segundo Velikovsky, os hicsos devem ser identifica- dos os nomes, lugares e eventos podem ser situados em
dos com os amalequitas, que os israelitas encontraram Reis e Crônicas, até os nomes dos generais dos exércitos.
antes de chegar ao Sinai (Êx 17.8-16). Eles poderiam ter Mas isso coloca Amenotepe m quinhentos anos depois
chegado ao Egito poucos dias depois de os israelitas par- da cronologia tradicional. Assim, ou a cronologia está
tirem. Os egípcios referem-se a eles como Amu, e histo- errada ou é necessário afirmar que a história se repetiu
riadores árabes mencionam alguns faraós amalequitas. exatamente meio milênio depois.
Mas os equivalentes bíblicos são bem convincentes. A descrição que emerge é coerente apenas se a his-
Quando 0 falso profeta Balaão encontrou Israel, eles os tória israelita for usada para datar os eventos egípci-
abençoou apesar das instruções que havia recebido, mas, os. Tal interpretação também exige uma nova crono-
quando se voltou, defrontando 0 Egito, “viu Amaleque e logia para a história egípcia. Courville demonstrou que
pronunciou este oráculo: “Amaleque foi 0 primeiro as listas dos reis egípcios não devem ser consideradas
341 fé e razão

completamente consecutivas. Ele mostra que alguns A razão não pode produzirfé. A razão acompanha,
dos “reis” descritos não eram faraós, mas governado- mas não causa a fé. A fé é assentimento sem questiona-
res locais ou altos oficiais. Entre os mencionados es- mento porque 0 assentimento da fé não é causado pela
tão José (Yufni) e 0 pai adotivo de Moisés, Quenefres, investigação, e sim por Deus. Ao comentar Efésios 2.8,9,
que era príncipe apenas por casamento. Aquino argumentou que
0 reconhecimento de que “reis” da xm Dinastia eram
na verdade príncipes de regiões locais ou vice-reis escla- 0 livre-arbítrio é inadequado para 0 ato da fé, já que 0
recem sobre 0 que Maneto considerava uma dinastia. conteúdo da fé está acima da razão [...] Então, 0 fato de um
Evidentemente não estava fora de cogitação dar nomes à homem acreditar não pode surgir nele a não ser que Deus 0
linhagem principal de reis, compondo uma dinastia, e conceda” (Aquino, E p h esia n s, 96)
depois voltar na escala de tempo e começar uma linha-
gem de vice-reis como dinastia distinta. Ao classificar es- A fé é um presente de Deus,e ninguém pode crer sem
ses vice-reis como reis, 0 antigo historiador hidealizou ela. No entanto,“isso não impede que a compreensão da-
uma cronologia errônea e extremamente expandida do quele que acredita tenha algum pensamento discursivo
Egito. A correção dessa cronologia coloca 0 Êxodo por de comparação sobre as coisas em que acredita” (Da ver-
volta de 1447 a.C. e faz outros períodos da história israe- dade, 14.A 1.2). Tal pensamento discursivo, ou raciocínio
lita coincidirem com os reis egípcios mencionados. de premissas a conclusões, não é a causa do assentimen-
Conclusão. A evidência é forte a favor da data do sé- to da fé,mas pode e deve acompanhá-lo (ibid., 14.A l.6).
culo xv a.C para 0 Êxodo. Isso entra em conflito com a Fé e razão são paralelas. Uma não causa a outra porque
data geralmente aceita para os reis egípcios. Mas talvez a “fé envolve vontade (liberdade) e a razão não força a von-
datação convencional para a Idade do Bronze e certa- tade” (ibid.). A pessoa está livre para discordar, mesmo
mente a cronologia dos reis egípcios precisem ser drasti- que haja razões convincentes para acreditar.
camente mudadas. Mais pesquisas e escavações serão Como questão de abordagem tática na apologética,
necessárias para descobrir quais teorias descrevem me- se a autoridade das Escrituras é aceita (fé), 0 apelo pode
lhor a seqüência de eventos no Egito e em Canaã. No en- ser feito a ela (razão).
tanto, parece que a datação bíblica é mais precisa que se
suspeitava, mais até que 0 conhecimento reunido à custa Logo, contra os judeus somos capazes de argumentar por
de pesquisa. meio do Antigo Testamento, e contra hereges podemos argu-
mentar por meio do Novo Testamento. Mas os maometanos
Fontes [v.islamismo] eospagãos não aceitam nem um nem outro [...]
G. A rch e r, Enciclopédia de temas bíblicos. Devemos, portanto, recorrer à razão natural, à qual todos os
J. Bim son‫ ־‬e D. L iv in g s t o n e , “Redating the Exodus”, homens são forçados a dar seu assentimento (S u m m a
Biblical archaeology review (Sep.-Oct. 1987). th eolog ica,13.2.2).
C 0 URY 1LLE, D. A. The exodus problem and its
ramifications. No entanto, algumas verdades cristãs são atingíveis
N. L. G e is 1.hr e R. B ro o k s , When skeptics ask, cap. 9. pela razão humana, por exemplo, que Deus existe e é um.
R. K. H a r r is o n , Introduction to the Old Testament. “ Tais verdades sobre Deus foram provadas demonstrati-
V e lik o v s k y , Worlds in collision. vãmente pelos filósofos, guiados pela luz da razão natu-
ral” (ibid‫ ״‬la.3.2).
fé e razão.A relação da fé com a razão é muito importan- Três usos d a razão. A razão ou filosofia pode ser usa-
te para 0 cristão reflexivo. O problema de como combinar da de três maneiras, diz Aquino:
esses aspectos de personalidade existe desde os primei-
ros apologistas. De Justino M á r t i r e C le m e n te de 1. A ponta os “preâmbulos da fé” (que Deus exis-
Alexandria a Tertuliano, todos tiveram dificuldades. Agos- te, que somos suas criaturas...; v. cosmológico,
tinho fez a primeira tentativa séria de relacionar as duas, argumento; Deus,evidências de).
mas 0 tratamento mais abrangente veio no final do perí- 2. Analisa os ensinamentos dos filósofos para re-
odo medieval, quando 0 intelectualismo cristão flores- velar conceitos correspondentes na fé cristã.
ceu na obra de Tomás de Aquino. Aquino dá 0 exemplo da obra de Agostinho,
R ela çã o d a f é co m a razão. Aquino acreditava que A Trindade, que se baseia na filosofia para
a fé e a razão se entrelaçam. A fé usa a razão, e a razão ajudar a explicar a Trindade.
não pode ser bem-sucedida na descoberta da verdade 3. Opõe-se a ataques contra a fé a partir da lógica
sem a fé. (Gentios, 1.9).
fé e razão 342

A razão pode ser usada para provar a teologia natu- A fé não envolve uma busca por meio da razão natural para
ral, que estuda a existência e a natureza de um Deus. provar 0 que se acredita. Envolve, porém, uma forma de verifi-
Pode ser usada para ilustrar conceitos teológicos sobre- cação das coisas pelas quais uma pessoa é levada a acreditar,
naturais, tais como a Trindade e a Encarnação (v. C risto, e.g. se são faladas por Deus e confirmadas por milagres” (ibid.,
divindade de). E pode ser usada para refutar falsas teolo- 2a2ae.2,l,resposta).
gias (A Trindade, 2.3). O apologista direciona a pessoa
a aceitar dois tipos de verdade sobre coisas divinas e Os demônios não são convencidos de bom grado
destruir 0 que é contrário à verdade. A pessoa é direcio- pela evidência de que Deus existe, mas são forçados
nada às verdade da teologia natural pela investigação intelectualmente pelos sinais confírmadores de que
racional e às verdades da teologia sobrenatural pela fé. aquilo em que os fiéis acreditam é verdadeiro. Mas não
Assim, para mostrar 0 primeiro tipo de verdade divi- podem dizer que realmente acreditam (Da verdade,
na, devemos proceder com argumentos demonstrativos. 14.9. ad 4).
Mas,já que tais argumentos não estão disponíveis para 0 O testemunho do Espírito. Para que alguém acredi-
segundo tipo de verdade divina, nossa intenção não de- te em Deus é preciso que tenha 0 testemunho interno
veria centrar-se em convencer nosso adversário por meio do Espírito Santo (v. E s p írito S a n to xa ap olo gética, pa-
de argumentos: deveria preocupar-se em responder a pel d o). Pois

seus argumentos contra a verdade; pois, como demons-


tramos, a razão natural não pode contrariar a verdade da quem acredita tem, de fato, motivo suficiente para acredi-
fé. A única maneira de derrotar um adversário da ver- tar, a saber, na autoridade do ensinamento de Deus, confirma-
dade divina é a partir da autoridade das Escrituras — a do por milagres, e — 0 mais importante — na inspiração inte-
autoridade divinamente confirmada por milagres. Pois rior [instinctus] de Deus convidando-o a acreditar” (Suma te-
ológica, 2a2ae.6.1).
cremos no que está além da razão humana apenas por-
que Deus 0 revelou. No entanto, certamente há argu-
O Espírito Santo usa duas causas para estimular a
mentos prováveis que devem ser apresentados para re-
fé voluntária. A persuasão pode vir de fora — por exem-
velar a verdade divina [Gentios, 1.9; v. m ilagres, v a lo r
pio, um milagre que é testemunhado. Ou pode vir de
apologético dos],
dentro. A primeira causa nunca é suficiente para que
A existência de Deus é auto-evidente de modo abso-
alguém consinta interiormente com as coisas da fé.
luto, mas não relativamente (para nós) (ibid., 1.10,11; v.
0 assentimento da fé é causado por Deus à medida que
primeiros princípios). Logo, em última análise, é necessário
ele conduz 0 crente interiormente por meio da graça. A
receber pela fé as coisas que podem ser conhecidas pela
crença é uma questão de vontade, mas a vontade preci-
razão, assim como as coisas que estão acima da razão. O
sa ser preparada por Deus “para ser elevada ao nível do
assentimento intelectual que carece de fé não pode ter
que ultrapassa a natureza” (ibid., 2a2ae.2,9. ad 3).
convicção, pois a razão humana é notoriamente suspeita
R a zão a p o ia n d o a fé . Ao comentar 0 uso da razão
com relação a assuntos espirituais. Conseqüentemente,
em 1 Pedro 3.15, Aquino argumentou que“o raciocínio
humano, apoiando 0 que acreditamos, pode estar numa
foi necessário que a verdade divina fosse dada por meio da
relação dupla com a vontade do crente” . Primeiro, 0 in-
fé, sendo dita a eles, por assim dizer, pelo próprio Deus que não
crédulo pode não ter a vontade de acreditar a não ser
pode mentir (Suma teológica, 2a2a e. 1,5.4).
que seja levado pela razão humana. Segundo, a pessoa
com uma vontade disposta a acreditar ama a verda-
A u to rid a d e divina. Aquino não acreditava que a ra-
de, considera-a e leva a sério sua evidência. A pri-
zão fosse suficiente para a crença em Deus. Ela pode pro- meira vontade, incrédula, pode vir a ter um tipo de
var que Deus existe, mas não pode convencer um incré- fé, mas não terá mérito, porque a crença não vai
dulo a acreditar em Deus. muito além da visão. A segunda pessoa também es-
Razão antes dafé. Podemos acreditar (assentimento tuda 0 raciocínio humano, mas é uma obra meritó-
sem reserva) em algo que não é auto-evidente nem de- ria de fé (ibid., 2a2ae.2,10).
duzido dele por uma ação da vontade. Isso, no entanto, Evidência positiva. A fé é apoiada pela evidência pro-
não significa que a razão não tenha um papel anterior ao vável.
da crença. Julgamos que uma revelação é digna de crédi-
to“com base nos sinais evidentes ou algo desse tipo” (ibid., Aqueles que depositam sua fé nessa verdade, no entanto,
2a2ae.l,4. ad 2). não baseada nela, “para a qual a razão humana não oferece
A razão enuncia que deve ser crido antes que se nenhuma evidência experimental”, não acreditam ignoran-
acredite. temente,como se “seguissem fábulas artificiais” (2Pe 1.16).
343 fé e razão

Mas Fé em relação à razão. A razão humana não força a fé.


Se forçasse, a fé não seria um ato livre. 0 que acontece é
ela revela a própria presença, assim como a verdade do que
seu ensinamento e inspiração, por meio de argumentos apro-
priados; e para confirmar aquelas verdades que excedem 0 a mente de quem acredita se decide quanto a um lado da
conhecimento natural, dá manifestações visíveis de obras questão não em virtude da sua razão, mas em virtude da sua
que ultrapassam a habilidade de toda natureza. vontade. Portanto, 0 assentimento é considerado na definição
[de fé] como um ato mental, à medida que a mente é levada à
0 tipo de evidência positiva que Aquino usou incluía sua decisão pela vontade (ibid., 2a2ae.2,1, ad 3).
coisas como ressuscitar os mortos, milagres e a conver-
são do mundo pagão ao cristianismo {Da verdade, 14.A l). Fé não é irracional. A fé é razão com assentimento.
Evidência negativa. A evidência negativa compreen- Pois
de argumentos contra religiões falsas, inclusive coisas
como seu apelo tentador aos prazeres carnais, ensinamen- refletir com assentimento é, então, característico do crente:
tos que contradizem suas promessas, suas várias fábulas é assim que seu ato de crença está separado de todos os outros
e falsidades, a falta de milagres para dar testemunho à atos da mente envolvidos com 0 verdadeiro e 0 falso (Summa
inspiração divina de seus livros sagrados (como 0 Alco- theologica ,2a2ae.2, !,resposta).
rão), 0 uso de guerra (armas) para difundir sua mensa-
gem, 0 fato de homens sábios não acreditarem em Maomé, Assim, a fé é definida como “0 hábito da mente pelo
apenas nômades ignorantes do deserto, 0 fato de que não qual a vida eterna começa em nós e que leva a mente a
havia profetas para testemunhar a seu favor e perversões assentir com coisas que não estão manifestas” . A fé
muçulmanas das histórias do n‫־‬t e do at ( Gentios, 1.6 ). difere da ciência porque 0 objeto da fé é invisível. E
Fé e testemunho falível. Como podemos ter certeza também difere da dúvida, suspeita e opinião porque
quando 0 sustentáculo de nossa fé se baseia em tantos há evidência para apoiar a fé.
testemunhos intermediários (falíveis)?Aquino responde Fé é um ato livre. Aquino cita Agostinho com aprova-
que os intermediários estão acima de suspeita se forem ção ao dizer que “a fé é uma virtude pela qual se acredita
confirmados por milagres (p. ex., Mc 16.20).“ Só acredi- em coisas invisíveis” (ibid., 2a2ae.4,1, resposta). Ele de-
tamos nos sucessores dos apóstolos e profetas se nos di- clara:
zem as mesmas coisas que os apóstolos e profetas deixa-
ram nas suas obras” {Da verdade, 14.10 e 11). Só a Bíblia Crer é um ato da mente assentindo com a verdade divi-
é a autoridade final e infalível de nossa fé (v. Bíblia, evi- na por causa da ordem da vontade movida por Deus por
déncias da). meio da graça; nisso 0 ato está sob 0 controle do livre-arbí-
Fé e argumentos demonstrativos. Aquino diferenciou trio e é direcionado a Deus. 0 ato da fé é, portanto, meritó-
dois tipos de argumentos racionais: demonstrativos e rio. Isto é, há recompensa para quem crê no que não vê. Não
persuasivos. há mérito (recompensa) em crer no que pode ser visto, já
que não há fé envolvida; é visível. 0 cientista [i.e., filósofo] é
Argumentos demonstrativos,irrefutáveise intelectualmen- impelido a assentir pela força de uma prova conclusiva. Logo,
te convincentes não podem alcançar as verdades da fé, apesar 0 assentimento não é meritório (ibid.,2a2ae.2,9).
de poderem neutralizar a crítica destrutiva que deixaria a te
indefensável. Fé é um ato da mente e da vontade. Já que a crença é
um ato do intelecto sob 0 ímpeto da vontade, resulta tan-
Por outro lado, to da mente quanto da vontade, e ambas são perfectíveis
pela ação. “ Para um ato de fé ser completamente bom,
0 raciocínio persuasivo tirado das probabilidades [...] não então, hábitos devem necessariamente estar presentes na
diminui 0 mérito da fé, pois não implica uma tentativa de trans- mente e vontade” (ibid., 2a2ae.4,2, resposta). Isto é, uma
formar a fé em visão ao transformar em primeiros princípios pessoa não pode ser salva sem uma disposição de fazer
evidentes aquilo em que secré(D1! Trindade, 2A ad 5). algo com a fé. Fé salvadora produzirá boas obras.
Xatureza meritória da fé. A fé é meritória, não porque
Distinguindo fé e razão. Embora a fé não esteja se- é preciso se esforçar por ela, mas porque envolve a vonta-
parada da razão, Aquino as diferencia formalmente. Ele de de acreditar. Ela“depende da vontade segundo sua pró-
acreditava que estão relacionadas, mas 0 relacionamento pria natureza” (ibid., ad 5).“ Pois na ciência e opinião [ar-
não força uma pessoa a crer. gumentos prováveis] não há inclinação por causa da
fé e razão 344

vontade, mas apenas por causa da razão” (ibid., 14.3, res- crença em Deus é proposta no Credo? Aquino responde
posta). Mas “nenhum ato pode ser meritório a não ser que nem todos são capazes de demonstrar a existência
que seja voluntário, como foi dito” (ibid., 14.5, resposta). de Deus.
Aquino acreditava que Hebreus 11.1 é uma boa
definição de fé, pois descreve não só 0 que a fé faz, Não dizemos que a proposição Deus éum ,a medida que é
mas 0 que ela é. Ele via aí os três pontos essenciais: provada pela demonstração, é um artigo de fé, mas algo pres-
suposto antes dos artigos. Pois 0 conhecimento da fé pressu-
1. A passagem menciona a vontade e 0 objeto que põe conhecimento natural, assim como a graça pressupõe a
move a vontade como princípios sobre os quais natureza (ibid., 14.9,ad 8).
a natureza da fé se baseia.
2. Nela podemos distinguir a fé a partir das coisas A p erfeiço a d a p elo am or, p ro d u z id a p e la gra ça . A
que são invisíveis, em contraste com a ciência e razão só pode ir até certo ponto.A fé vai além da razão e a
0 entendimento.
completa. “A fé não destrói a razão, mas vai além dela e a
3. Toda a definição se reduz à frase essencial,“a
aperfeiçoa” (ibid., 14.10, resposta, ad 7).“O amor é a per-
certeza daquilo que se esperamos” (ibid., 14.2).
feição da fé. Já que 0 amor é um atributo da vontade, a fé
é formada por amor” (ibid.,ad 1).“Dizemos que ela é for-
A diferença formal entre fé e razão é que não é
mada no sentido em que a fé adquire alguma perfeição a
possível saber e acreditar na mesma coisa ao mesmo
partir do amor” (ibid‫ ״‬ad 7). Mas “0 ato de fé que precede
tempo. Pois “todas as coisas que sabemos com conheci-
0 amor é um ato imperfeito, esperando completar-se a
mento científico adequadamente denominado sabe-
mos por reduzi-las a primeiros princípios que estão partir do amor” (ibid., 14.A5, resposta). Assim, 0 amor
naturalmente presentes e disponíveis à compreensão” . aperfeiçoa a fé. Já que acreditar depende do entendimen-
Fé e conhecimento sobre 0 mesmo objeto. 0 conheci- to e da vontade, “tal ato não pode ser perfeito sem que a
mento científico culmina na visão da coisa em que se acre- vontade seja aperfeiçoada pelo amor, e 0 entendimento,
dita, de modo que não haja lugar para a fé. Não é possível pela fé. Logo, fé sem forma não pode ser uma virtude”
ter fée conhecimento científico sobre a mesma coisa (ibid., (ibid., ad 1).
14.9, resposta). 0 objeto da fé verdadeira está acima dos No entanto,“0 que a fé recebe do amor é acidental à fé
sentidos e do entendimento. “Consequentemente, 0 obje- na sua constituição natural, mas essencial a ela com rela-
to da fé é aquilo que está fora do nosso entendimento.” ção à sua moralidade” (ibid., 14.6, resposta).
Como Agostinho disse,“cremos no que está ausente, mas Além do amor ser necessário para aperfeiçoar a fé, a
vemos 0 que está presente” (ibid., 14.9, resposta). graça é necessária para produzi-la. “A graça é 0 primeiro
Isso não significa, é claro, que todo mundo neces- [isto é, remoto] atributo das virtudes, mas 0 amor é seu
sariamente acreditará no que eu posso ver sem fé atributo próximo” (ibid., 14.A5, ad 6).
(Suma teológica, 2a2ae.l, 5). Significa, isto sim, que a A s lim itações da razão. Aquino não acreditava que a
mesma pessoa não pode ter ao mesmo tempo fé em razão humana fosse ilimitada. Na verdade ofereceu mui-
um objeto e prova a respeito dele. Quem acredita nele tos argumentos para a insuficiência da razão e para a ne-
pelo testemunho de outro não vê (não sabe) pessoal- cessidade da revelação.
mente.
Cinco razões para revelação. Seguindo 0 filósofo ju-
Conhecimento provável efé. Da mesma forma, não se
deu Moisés Malmônides, Aquino estabeleceu cinco razões
pode ter “opinião” (conhecimento provável) e “ciência”
pelas quais devemos primeiro crer naquilo que, mais
(conhecimento certo) sobre 0 mesmo objeto. Como
tarde,poderemos comprovar (Maimônides, 1.34):
Aquino diz,

1. 0 objeto do entendimento espiritual é profun-


a opinião inclui um receio de que a outra parte [da contra-
do e sutil, bem afastado da percepção ofereci-
dição] seja verdadeira, e 0 conhecimento científico exclui tal
medo. Mas esse medo de que 0 oposto possa ser verdadeiro não da pelos sentidos.
se aplica às questões da fé. Pois a fé traz com ela uma convicção 2. 0 entendimento humano é fraco em sua luta
maior do que 0 que pode ser conhecido pela razão (Da verdade, com essas questões.
14.9 ad 6). 3. Várias coisas são necessárias como provas es-
pirituais conclusivas. Leva tempo para
Conhecimento doutrinário efé. Se a existência de Deus discerni-las.
pode ser provada pela razão, e se 0 que se sabe pela razão 4. Algumas pessoas não têm inclinação para a in-
também não pode ser uma questão de fé, então porque a vestigação filosófica rigorosa.
345 fé e razão

5. É necessário envolver-se com outras ocu- Como resultado dos efeitos noéticos do pecado, a graça
pações além da filosofia e da ciência para é necessária. Aquino concluiu:
suprir as necessidades da vida (Da verda-
de, 14.10, resposta). Se 0 fato de termos algo em nosso poder significa que
podemos fazé-10 sem a ajuda da graça, então estamos presos
Aquino disse ser claro que, a muitas coisas que não estão no nosso poder sem a graça
curadora — por exemplo, amar a Deus ou ao nosso próximo.
se fosse necessário usar a demonstração estrita como
única maneira de alcançar 0 conhecimento das coisas que O mesmo se aplica à crença. Mas com a ajuda da gra-
devemos saber sobre Deus, poucos de qualquer forma ça realmente temos esse poder (ibid., 2 a2 ae.2 , 6 , ad 1).
construiriam a demonstração e mesmo essas pessoas só Aquino, no entanto, não acreditava que 0 pecado
poderiam fazê-lo depois de muito tempo. destruísse a habilidade racional humana. “0 pecado
não pode destruir totalmente a racionalidade do ho-
Em outro trecho, Aquino descreve apenas três ra- mem, pois assim ele não seria mais capaz de pecar”
zões básicas da necessidade da revelação divina. (ibid., Ia2ae.85,2).
Coisas acim a d a razão. Além de ser necessária por

1. Poucos possuem 0 conhecimento de Deus; causa da depravação humana, a fé também é necessária

alguns não têm a disposição para 0 estudo


porque algumas coisas simplesmente vão além do poder

filosófico, e outros não têm 0 tempo ou são da razão. Isso não significa que sejam contrárias à razão,
mas que não são completamente compreensíveis.
indolentes.
2. É preciso tempo para descobrir a verdade.
Contudo, sabe-se que a fé ultrapassa a razão, não por-
Essa verdade é muito profunda, e há muitas
que não há ato de razão na fé, mas porque 0 raciocínio sobre
coisas que devem ser pressupostas. Durante
a fé não pode levar à visão das coisas que são questões de fé
a juventude a alma é distraída pelos “ vários
(ibid., 14.A2, ad 9).
movimentos das paixões” .
3. É difícil separar 0 que é falso no intelecto. Se alguém pudesse basear a fé completamente na
Nosso julgamento é fraco para separar con-
razão, a fé não seria um ato livre; seria assentimento
ceitos verdadeiros e falsos. Mesmo ao de-
causado pela mente.
monstrar proposições há uma mistura do
Uma questão de fé pode estar “acima da razão em
que é falso.
dois níveis” .No nível mais alto pode estar absolutamente
acima da razão — excedendo a capacidade intelectual
É por isso que era necessário que a convicção ina- da mente humana (e.g., a T rin d a d e ). É impossível ter
balável e a verdade pura com relação às coisas divinas conhecimento científico disso. Os crentes concordam
fossem apresentadas aos homens por meio da fé (Gen- com isso só por causa do testemunho de Deus. Ou ela
tios, 1.4,2-5). pode não exceder absolutamente a capacidade intelec-
tual de todos, mas é extremamente difícil de compreen-
Os efeitos N o é t ic o s dopecado. É claro que a men- der, e está acima da capacidade intelectual de alguns (por
te é deficiente com relação às coisas de Deus. Como exemplo,que Deus exista sem um corpo).“ Podemos ter
exemplos de fraqueza Aquino considerou os filó- provas científicas disso e, se não temos, podemos acre-
sofos e seus erros e contradições. ditar” (Da verdade, 14.9, resposta).
Devemos ter fé quando a luz da graça é mais forte
Portanto, para que 0 conhecimento de Deus, inaba- que a luz da natureza. Pois, “apesar da luz divinamente
lável e seguro, pudesse estar presente entre os homens, derramada ser mais poderosa que a luz natural, no
era necessário que as coisas divinas fossem ensinadas nosso estado atual não a compartilhamos perfeita-
por meio da fé, apresentadas, por assim dizer, pela Pala- mente, mas imperfeitamente” . Portanto,
vra do Deus que não pode mentir (ibid., 2a2ae,2,4).
por essa participação defeituosa, por meio dessa mes-
Pois “a busca da razão natural não satisfaz a ne- ma luz derramada não chegamos à visão dessas coisas para
cessidade humana de saber até mesmo as realidades cujo conhecimento a luz nos foi dada. No entanto, teremos
divinas que a razão pode provar” (ibid., 2 a2 ae.2 , 4, tal visão no céu, quando compartilharmos essa luz perfei-
resposta). tamente, e na luz de Deus veremos a luz ( Gentios, 14.8, ad 2).
Feuerbach, Ludwig 346

Assim, a fé ultrapassa a razão. Pois “algumas ver- pressuposicionalistas. Com relação à crença de que
dades sobre Deus excedem toda habilidade da razão Deus existe, Aquino se une aos raeionalistas e
humana. Tal é a verdade de que Deus é trino” (ibid. evidencialistas. Mas com relação à crença em Deus,
1.3). A essência inefável de Deus não pode ser conhe- concorda com os fideístas (v. f i d e í s m o ) e pressu-
cida pela razão humana. O motivo para isso é que a posicionalistas (v. A p o l o g e t i c a p r e s s u p o s i c i o n a l ).
mente depende dos sentidos.
Fontes
Ora, coisas dependentes dos sentidos não podem levar 0 N\ L. G e i s l e r , Thomas Aquinas: an evangelical appraisal.
intelecto humano ao ponto de ver nelas a natureza da substân- Oguia dos perplexos.
λ ΐ . M a im O n id e s ,

cia divina; pois coisas dependentes dos sentidos são efeitos que Em Boécio, Da Trindade.
T o m a s de A q u in o ,

carecem do poder da sua causa (ibid., 1.3,3). ___ , Commentary on Saint Paul’s Epistle to the Ephesians.
___ , Suma contra os gentios.
Só porque não temos razões para as coisas que vão ___ , Suma teológica .
além da razão não significa que elas não sejam racionais. ___ , Da verdade.
Toda crença que não é auto-evidente pode ser defendida
como necessária. Talvez não conheçamos 0 argumento, Feuerbach, Ludwig. Ateu alemão (1804-1872) nascido
mas ele existe. Pelo menos é conhecido por Deus “e pelos em Landshut, na Bavária, e educado em Heidelberg e em
abençoados que têm visão e não fé sobre essas coisas” Berlim sob a influência de G. W. F. H egel. Recebeu seu
(Da Trindade, 1.1.4; Da verdade 14.9, ad 1). Apesar de a doutorado em Erlangen em 1828 (White, p. 190).Em 1830,
razão humana não conseguir alcançar as coisas da fé, ser- publicou uma obra anônima, Pensamentos sobre a morte
ve como prefácio para elas. Embora e a imortalidade, que interpretava 0 cristianismo como
uma religião egoísta e desumana. Quando sua autoria foi
verdades filosóficas não possam ser opostas à verdade descoberta, ele foi demitido do corpo docente.
da fé, pois realmente não a atingem, ainda admitem analo- Feuerbach foi influenciado por Pierre B a y le e es-
gias comuns; e algumas ainda oferecem um prenúncio, pois
creveu uma biografia sobre ele (1838). Sua obra mais
a natureza é 0 prefácio da graça (Da Trindade, 2.3). influente foi A essência do cristianismo (1841 ),apesar
de também ter escrito Princípios da filosofia do futuro,
Embora a verdade da fé cristã que temos discutido ul-
1843, Preleções sobre a essência da religião (1851) e
trapasse a capacidade da razão, essa verdade que a razão
Theogonie (Teogonia, 1857).
humana é naturalmente capacitada a conhecer não pode ser
A na tu reza da religião. Feuerbach foi influenciado
oposta à verdade da fé cristã (Gentios, 1.7, [1]).
pela dialética de Hegel e, por sua vez, influenciou Karl
M a r x e Sigmund Freud. O materialismo de Feuerbach re-
R esu m o . A visão de Aquino sobre a relação entre a
agiu contra 0 idealismo de Hegel. Na religião, Feuerbach
fé e a razão mistura elementos positivos de pressupo-
sicionalismo e evidencialismo, de racionalismo (v. D es- foi influenciado pelo ponto de vista de David Strauss de
c a rte s, R ené; Liebniz, G o t t f r ie d ) e fideísmo. Aquino en-
que a religião nos diz mais sobre a vida interior dos indi-
fatiza a necessidade da razão antes, durante e depois víduos que sobre 0 objeto da adoração (White, p. 191).
de as crenças serem adquiridas. .Mesmo os mistérios Seu objetivo principal:
da fé não são irracionais.
No entanto, Aquino não acredita que apenas a ra- Transformar os amigos de Deus em amigos do homem,
zão possa levar alguém à fé. A salvação é atingida so- crentes em pensadores, adoradores em trabalhadores, can-
mente pela graça de Deus. A fé nunca pode estar basea- didatos a outro mundo em estudantes deste mundo, cris-
da na razão. No máximo pode estar apoiada pela razão. tãos, que se consideram meio animais e meio anjos, em ho-
Então, a razão e a evidência nunca forçam a fé. Há sem- mens — homens completos (A essência do cristianismo,xi.).
pre espaço para que os incrédulos não acreditem em
Deus, ainda que um crente possa elaborar uma prova ,4 base da religião: Autoconscientização. Segundo
válida de que Deus existe. A razão pode ser usada para Feuerbach, apenas um ser humano (não um animal)
demonstrar que Deus existe, mas jamais pode persua- tem autoconsciência. A religião é uma expressão des-
dir alguém a acreditar em Deus. Só Deus pode fazer isso, sa consciência, sob a máscara da conscientização de
agindo no livre-arbítrio do homem e por meio dele. Deus. “No objeto que contempla, portanto, 0 homem
Essas distinções propostas por Aquino são emi- passa a se conhecer” (.4 essência do cristianismo, 5).
nentemente relevantes para a discussão entre .Mas a conscientização como tal é ilimitada, então a
raeionalistas e fideístas ou entre evidencialistas e humanidade deve ser ilimitada. E conscientização é
347 Feuerbach, Ludwig

objetificação. Logo, Deus não é nada além de uma ob- era essencial. A razão é que seres humanos, pela própria
jetificação da espécie humana. natureza, devem objetificar; não podem evitar fazê-lo. E
Deus, uma projeção da imaginação humana. Deus, segundo Feuerbach, é essa objetificação. Mas a ig-
Feuerbach acreditava que a religião é apenas 0 sonho da norância do fato de que 0 objeto na verdade é a própria
humanidade. Ofereceu vários argumentos apoiando sua pessoa é essencial à religião. A criança deve primeiro ver-
hipótese de que Deus não é nada além da autoprojeção se sob a forma de outro (0 pai) antes de poder ver-se como
da consciência humana. ela mesma. Se isso não fosse verdade nas projeções religi-
Argumento da personaiidade humana. 0 primeiro é osas, seria idolatria, a saber, a adoração de si mesmo. En-
baseado nos elementos básicos da personalidade huma- tão, é necessário acreditar que essa projeção da própria
na: razão,vontade e afeição. Razão, vontade e afeição exis- natureza é realmente Deus, mesmo que não seja.
tem cada qual para seu próprio benefício. Pois “querer, 0 progresso no entendimento humano não seria pos-
amar,pensar são os poderes mais elevados, são a nature- sível sem essa projeção. 0 ser humano cresce em
za absoluta do homem como homem e a base da sua exis- autoconhecimento quando antigas divindades se tornam
tência” {A essência do cristianismo, p. 3). Mas tudo que ídolos. Logo, 0 curso ideal da religião é que os indivíduos
existe para seu próprio benefício é Deus. Logo, pela pró- aprendam a atribuir mais a si mesmos e menos a Deus.
pria natureza, a pessoa é Deus. Os atributos de Deus são realmente 0 que as pessoas
Argumento da natureza do entendimento. Não é pos- acreditam sobre si mesmas.A asseidade ou auto-existên-
sível entender algo sem ter sua natureza, já que só coisas cia de Deus é 0 desejo de evitar a temporali-dade ao su-
parecidas podem se entender. Pois “a medida da natureza por um princípio absoluto. A perfeição de Deus é a natu-
também é a medida do entendimento” .Ou seja, é preciso reza moral humana considerada ser absoluto.A persona-
ser para conhecer. Mas os humanos entendem 0 divino. lidade de Deus é 0 esforço de mostrar que personalidade
Portanto, a humanidade deve ser 0 divino. Nas palavras é a forma mais elevada de existência. A providência de
de Feuerbach,“ à medida que a natureza alcança, à medi- Deus é na verdade 0 desejo pela importância. A oração
expressa 0 desejo de autocomunicação. 0 resultado da
da que tua autoconsciência também alcança, nesta mes-
crença em milagres é 0 desejo de satisfação imediata das
ma medida tu és Deus” (A essência do cristianismo, p. 8).
vontades sem espera cansativa.
Argumento dos limites da natureza da pessoa. Um ser
A iro n ia d a religião . Há uma ironia básica nesse
humano não pode ir além de sua natureza; não pode sair
processo que pode ser vista comparando-se as cren-
de si. Mas uma pessoa pode sentir 0 infinito (ter consci-
ças ao sistema circulatório do corpo. A religião é uma
ência dele). Pois “todo ser é em e por si mesmo infinito
ação sistólica, como a das artérias, em que pessoas pro-
— tem seu Deus, seu ser imaginável mais elevado, em si
jetam seu melhor em Deus. A bondade é transportada
mesmo” (A essência do cristianismo, 7). Assim, os seres
para fora da personalidade como 0 sangue rico em oxi-
humanos são infinitos por natureza. 0 infinito que você
gênio sai do coração. Sem esse sentimento de bonda-
sente é sua própria infinitude.
de, 0 indivíduo passa a ser pecaminoso. Isso estabele-
Argumento da história da religião. Feuerbach acredi-
ce a ação diastólica, como a das veias, pelas quais a
tava que historicamente certos atributos foram dados a
bondade é levada de volta ao coração na forma de gra-
Deus porque no raciocínio humano tais atributos eram
ça. Mandamos toda nossa bondade humana “para 0
considerados divinos. Não eram considerados divinos
andar de cima” e 0 chamamos Deus. Então, sentindo-
porque foram dados a Deus. Nesse caso, conclui-se que 0
nos depravados, pedimos para 0 Deus que criamos
que chamamos “divino” ou “Deus” não é nada além de
mandar de volta nossa bondade na forma de graça.
características humanas atribuídas a Deus.
Feuerbach conclui, portanto, que:
“0 objeto de qualquer sujeito não é nada além da
própria natureza do sujeito tomada objetivamente. 1. A religião é a projeção da imaginação humana
Quais sejam os pensamentos e disposições do homem, no ato de autoconscientização.
tal é seu Deus.” Logo, 2. Deus é 0 melhor que se vê involuntariamente
em si mesmo.
a conscientização de Deus é autoconscientização, co- 3. A religião é a dialética necessária do desenvol-
nhecimento de Deus é autoconhecimento. Por seu Deus co- vimento para 0 progresso humano.
nheces 0 homem, e pelo homem seu Deus; os dois são idén- 4. A religião capacita 0 autodescobrimento indi-
ticos (A essência do cristianismo, p. 12). reto e involuntário.

N ecessid a d e d a religião . Apesar de suas conclu- A i n f l u ê n c i a d e F e u e r b a c h . A influência de


sões pessimistas, Feuerbach acreditava que a religião Feuerbach no pensamento moderno foi considerável.
Feuerbach, Ludwig 348

Houve um impacto direto e imediato sobre Karl M a r x , existência de Deus se torna uma existência insípida — uma
e por meio dele sobre 0 movimento comunista mun- existência sem qualidade (A essência do cristianismo,p. 15).
dial. Marx e Friedrich Engels incorporaram os argu-
mentos de Feuerbach contra Deus e a religião ao seu Linguagem religiosa puramente negativa — onde
materialismo dialético, ao mesmo tempo em que cri- podemos saber apenas 0 que Deus não é — é inútil e
ticavam Feuerbach por sua falta de envolvimento po- inadequada. Não podemos saber que Deus não é “isso”
lítico. Engels gabou-se que, com um golpe para pulve- a não ser que saibamos 0 que “isso” é (v. an alo g ia, prin-
rizar a religião, o comunismo colocaria 0 materialis- cípio da).
mo de volta no trono (Marx, p. 224). Ele criticou corretamente religiões centradas em outro
Feuerbach também teve um impacto considerável mundo. A condenação de Feuerbach às religiões centradas
na formação do existencialismo ateísta moderno por em outro mundo é mais precisa que a maioria das pesso-
meio de Martin Heidegger e Jean-Paul S a rtre . O pai da as religiosas admite.Algumas formas de cristianismo ten-
teologia neo-ortodoxa, Karl Barth, presta homenagem dem a se preocupar mais com 0 céu que com a terra. É
a Feuerbach (v. B a r t h , K a r l ) . Em geral, Feuerbach é um possível que alguém fique tão obcecado com 0 doce por-
dos ateus mais importantes e cativantes dos tempos vir que se esqueça do presente infeliz. Nem todos os cren-
modernos, antecipando até a obra de Sigmund Freud. tes são pensadores (A essência do cristianismo, xi).
A valiação. O ateísmo como cosmovisão é avaliado Ele expôs 0 narcisismo de boaparte da experiência re-
em outros artigos, !nas alguns comentários sobre a ligiosa. A tese de Feuerbach não está errada; está apenas
análise singular de Feuerbach sobre a religião são ne- excessivamente ampliada. Muitas religiões realmente fa-
cessários aqui. zem seu deus à imagem humana, criando um deus que é
Algumas contribuições positivas. Até os ateus têm al- domesticado e inofensivo — um deus que podem mani-
guns discernimentos sobre a natureza da realidade. En- pular. Tal deus pode ser tudo que quiserem, mas não é 0
tre os de Feuerbach estão: Deus infinito e soberano da Bíblia (v. Deus, natureza de).
Ele viu a centralidade da questão de Deus. Apesar de Problemas com a visão de Feuerbach. Sua tese central
seu caso amoroso com 0 divino ser infeliz, Feuerbach é contraditória. A premissa básica da visão de Feuerbach
identificou Deus como a questão central: é contraditória. Ele afirma que “Deus não é nada mais
que uma projeção da imaginação humana” . Mas todas
Todas as minhas obras tiveram, estritamente falando, as afirmações de“nada mais” pressupõem conhecimento
um propósito, uma intenção, um tema. Isso não é nada me- do “mais que” . Como ele poderia saber que Deus não é
nos que religião e teologia e tudo que está ligado a elas” (A “nada mais” a não ser que ele mesmo conhecesse 0 “mais
essência do cristianismo, x). que”? Em resumo, a afirmação central do sistema de
Feuerbach destrói-se a si mesma porque implica mais
Ele expôs a religião centralizada no homem. Barth re- conhecimento do que 0 que permite.
velou na “Introdução” de uma edição de A essência docris- Talvez 0 ateísmo seja uma projeção. Feuerbach não
tianismo que Feuerbach analisou corretamente toda for- considera seriamente que sua própria visão pode ser
ma de religião centrada na humanidade, inclusive as que uma projeção de sua própria imaginação. Talvez
vêm do pai do liberalismo moderno, Friedrich Feuerbach esteja apenas imaginando que não há Deus.
Schleiermacher. B a r t h observou: Talvez, como Freud, Feuerbach esteja preocupado em
criar uma visão de Deus à sua própria imagem. Seu
Poderíamos negar que 0 próprio Feuerbach, como um ateísmo também poderia facilmente ser uma ilusão
espião pouco astuto, mas de visão bem aguçada, revela 0 se- — algo que resulta dos seus desejos — como 0 teísmo
gredo esotérico de todo esse sacerdócio? [...] A teologia faz que ele rejeita. A autoprojeção também explica 0 ate-
muito tempo se tornou antropologia (Barth, xxi). ísmo, talvez melhor do que explica 0 teísmo. Assim,
talvez não tenhamos criado 0 Pai; quem sabe 0 ateis-
Quando a teologia moderna abandonou 0 ponto de mo 0 tenha matado.
partida da revelação divina, os seres humanos criaram Ele nunca prova consciência infinita. Muitos argu-
Deus à sua própria imagem. A moderna teologia liberal mentos que Feuerbach oferece para 0 ateísmo são for-
tornou-se antropologia. çados; ele pressupõe 0 que será provado. Nunca prova
Ele chamou a linguagem religiosa negativa de inútil. realmente que a consciência humana é infinita; ape-
Feuerbach disse corretamente: nas supõe. É claro que, se nossa consciência realmen-
te é infinita, então somos Deus. Mas esse sem dúvida
Somente quando 0 homem perde 0 gosto pela religião, e não é 0 caso, já que nossa consciência é mutável e li-
então a religião em si se torna existência insípida — é que a mitada, enquanto Deus é imutável e ilimitado.
349 fideísmo

Não é necessário ser para conhecer. Outra suposição ___ , Preleções sobre a essência da religião.
falha é que é necessário ser idêntico a todo objeto que se N. L. G e i s l e r , et al‫ ״‬Philosophy o f religion.
conhece. Mas ele não prova essa premissa, e esse não é 0 K. Marx, Marx and Engels on religion.
caso. Coisas semelhantes podem se conhecer. 0 conheci- H. W h i t e , “Feuerbach, Ludwig” , EP.
mento pode ser por analogia (v. analogia,principio d a) .Não
precisamos ser uma árvore para conhecer uma árvore, fideísmo. O fideísmo religioso afirma que assuntos de fé e
só precisamos supor a sua semelhança em nossa mente. crença religiosa não são apoiados pela razão. A religião é
Da mesma forma, não precisamos ser Deus para conhe- uma questão de fé e não pode ser argüida pela razão. Só é
cer a Deus. Simplesmente temos de ser semelhantes a preciso crer.A fé, não a razão, é 0 que Deus exige (Hb 11.6).
Deus. Semelhança é suficiente para conhecimento; 0 su- Os fideístas são céticos em relação à natureza da evidência
jeito e 0 objeto não precisam ser idênticos. aplicada à crença. Eles acreditam que nenhuma evidência
Tal crença destruiria 0 processo humano. Feuerbach ou argumento se aplica à crença em Deus. Deus não é al-
acreditava que supor um Deus que na verdade não existe cançado pela razão, mas apenas pela fé. S0ren Kierkegaard
é essencial ao desenvolvimento humano. Mas quem e Karl B a r th são exemplos de fideístas.
aceita a análise de Feuerbach não acredita mais que as Na epistemologia, os fideístas geralmente são
autoprojeções sejam Deus. Então, segundo 0 argumen- coerentistas. Definitivamente rejeitam 0 fundaciona-
to de Feuerbach, 0 progresso humano cessará. Se a ig- lismo clássico ou qualquer crença em primeiros princí-
norância do fato de que somos Deus é essencial ao pro- pios auto-evidentes. Alguns pressuposicionalistas (v.
gresso humano, então, quando a pessoa se torna a p o lo g ê tica pressuposicional) são classificados como
feuerbachiana, 0 jogo acaba e 0 progresso é impossível. fideístas, apesar de muitos acreditarem em alguma for-
Omateriausmo de Feuerbach era inconsistente. Apesar ma de argumento para apoiar sua crença em Deus.
de Feuerbach abominar seu mentor Hegel, jamais esca- Resposta ao fid eísm o . Até do ponto de vista bíblico,
pou totalmente da ressaca do idealismo. E também não Deus nos chama a usar a razão (Is 1.18; Mt 22.36,37; lPe
se livrou da questão irritante de Deus. Para uma pessoa 3.15). Deus é um ser racional e nos criou seres racionais.
que acredita no materialismo básico, essa ênfase na cons- Deus não insultaria a razão que nos deu, pedindo para a
ciência é eminentemente inadequada. Engels observou ignorarmos em questões tão importantes quanto nossas
que Feuerbach “parou na metade do caminho; sua meta- crenças a seu respeito.
de inferior era materialista, a metade superior era idea- 0 fideísmo também é contraditório, usando a razão
lista” (citado em White, p. 192). para dizer que não devemos usar a razão em questões de
Essa análise da experiência religiosa ésuperficial. Barth religião. Se alguém não tem razão para não usar a razão,
denominou o problema de Feuerbach de“superficialida- então essa posição é indefensável. Não há razão para que
de” .Escreveu: se aceite 0 fideísmo.
Afirmar que a razão é apenas opcional para um
Feuerbach era um “verdadeiro filho do seu século” , que fideísta não é suficiente. Pois, ou 0 fideísta oferece algum
“não conhecia a morte” , e“entendia mal 0 maligno” .Na ver- critério para sermos razoáveis e quando não devemos,
dade, qualquer um que soubesse que nós, homens, somos ou a decisão é simplesmente arbitrária. Se há critérios ra-
maus da cabeça aos pés e que refletisse que devemos mor- cíonais para sermos racionais, há uma base racional para
rer, reconheceria que a mais ilusória de todas as ilusões é usar a razão, e 0 fideísmo é falsificável. A razão não é 0
supor que a essência de Deus é a essência do homem (Barth, tipo de coisa de que uma criatura racional escolha parti-
x x v i i i ). cipar. Pelo fato de sermos racionais por natureza, é preci-
so que sejamos parte do discurso racional. E 0 discurso
Fontes racional exige que certas leis da razão sejam seguidas (v.
K. B a r t h , “An introductory essay” , Feuerbach, A primeiros princípios; lógica). Um desses princípios é que a
essência do cristianismo. pessoa deve ter uma razão suficiente para suas crenças.
W . B . C h a m b e r l a in , Heaven wasn’t his destination: Mas se é necessário ter razão suficiente, então 0 fideísmo
the philosophy o f Ludwig Feuerbach. está errado, já que afirma que não é necessário termos
J. Collins, God and modern philosophy. uma razão suficiente para crer (v. fé e razão).
___ , History o f m odern European philosophy. Os fideístas geralmente confundem crença em
F. E n g e l s , Feuerbach and the outcome o f classical com crença que. Apesar do que eles afirmam sobre fé
German philosophy. aplicar-se adequadamente à crença em Deus, não se
L . F euerbach , A essência do cristianismo. aplica à crença que Deus existe. É necessário ter evi-
___ , Pierre Bayle. dência de que há um piso no elevador. De outra forma,
Filho do Homem, Jesus como 350

é loucura dar um passo no escuro. Da mesma for- destacando sua divindade (ibid.; v. C ris to , d ivindade
ma, é loucura dar um passo no escuro como um ato d e ). Jesus disse à multidão que havia perdoado os pe-

de fé em Deus, a não ser que haja evidência de que cados do paralítico, “para que vocês saibam que 0
ele está lá. Filho do homem tem na terra autoridade para per-
Há boas razões para crer que Deus existe, tal como doar pecados” (Mc 2.10). Em vez de supor que ele
0 argumento cosmológico, 0 argumento teleológico e estava negando sua divindade, a multidão estava
0 argumento moral. Além disso, há boas evidências prestes a apedrejá-lo por blasfêmia.
para crer que milagres acontecem, inclusive a morte Jesus disse repetidas vezes que 0 Filho do Homem
de Cristo e sua vitória sobre a morte por nós (v. res- morreria e ressuscitaria dos mortos, eventos que lhe
SURREIÇÀO, EVIDÊNCIAS D a ). deram suas credenciais messiânicas. Marcos escre-
veu: “ Então ele começou a ensinar-lhes que era ne-
Filho do Homem, Jesus como. A expressão Filho do cessário que 0 Filho do homem sofresse muitas coi-
H omem é usada mais freqüentemente para indicar Jesus sas e fosse rejeitado pelos líderes religiosos, pelos
que qualquer outro nome, exceto a própria palavra Jesus. chefes dos sacerdotes e pelos mestres da lei, fosse
Filho do H om em aparece nos quatro evangelhos: 30 vezes morto e três dias depois ressuscitasse” (8.31; v. Mc
em Mateus, 14 em Marcos, 25 em Lucas, e 13 em João 9.9,12,31; 10.33; 14.21). Jesus também usou a frase
(Marshall, p. 777). Também ocorre em Atos 7.56. Hebreus com referência à sua segunda vinda em poder e gló-
2.6 refere-se a “filho do homem” e Apocalipse 14.14 a “fi- ria. Quando 0 sumo sacerdote lhe perguntou: “Você
lho de homem” . é 0 Cristo, 0 Filho do Deus Bendito?’ ‘Sou, disse Je-
O problema é que Jesus faz referência si mesmo sus. Έ vereis 0 Filho do homem assentado à direita
quase exclusivamente como “ Filho do Homem” , quan- do Poderoso vindo com as nuvens do céu” . Foi com
do os cristãos afirmam que ele é 0 Filho de Deus. Será base nessas palavras que 0 Sinédrio condenou Jesus
que essa é uma negação implícita de sua divindade? à morte por blasfêmia (Mc 14.61-64). Reconheceram
Além do sentido literal das palavras, as Escrituras são que 0 Filho do Homem em questão era claramente 0
usadas para fundamentar essa teoria: Salmos 8.4; homem poderoso da visão de Daniel:
80.17; Ezequiel 2.1; 3.1; 4.1, e outras.
O significado literal das palavras não transmite ne- Em minha visão à noite, vi alguém semelhante a um
cessariamente 0 significado literal da expressão. Há filho de homem, vindo com as nuvens dos céus. Ele se apro-
muitos projetos “engavetados” que não estão literal- ximou do ancião e foi conduzido à sua presença. Ele rece-
mente guardados numa gaveta. Uma “plataforma” elei- beu autoridade, glória e 0 reino; todos os povos, nações e
toral não é uma superfície plana de madeira ou de aço. homens de todas as línguas 0 adoraram. Seu domínio é
O contexto deve nos ajudar a entender essas expres- um domínio eterno que não acabará, e seu reino jamais
sões. Ezequiel é responsável por 93 ocorrências da ex- será destruído (Dn 7.13,14).
pressão no a t. Na maioria delas, Deus está falando, e
elas parecem expressar intimidade especial para com No registro do julgamento de Jesus, em Mateus
Ezequiel, 0 servo. Daniel usa 0 termo apenas duas ve- (26.64), 0 próprio Jesus se descreve como “O Filho do
zes, mas vai mais longe, pois Daniel 7.13 descreve um homem assentado à direita do Poderoso” . Quem mais
rei, 0 Messias, em toda sua glória na presença de Deus. além de Cristo, 0 Filho de Deus, poderia sentar-se na
É a ele que Daniel se refere como tendo “aparência de posição honrada à direita de Deus?
homem” em 8.15, com a implicação de que era muito Além disso, quando uma voz do céu confirmou a
mais que carne e osso. É interessante que em 8.17 0 divindade e glória de Cristo, Jesus falou sobre 0 Fi-
Messias passa adiante a expressão. Daniel é chamado lho do Homem sendo “levantado” da morte (Jo 12.28-
pelo nome do Messias:“ Filho do homem...” . Há, certa- 32). Então a multidão respondeu: “A Lei nos ensina
mente, algumas nuanças complexas e sutis por trás que 0 Cristo permanecerá para sempre; como podes
do uso desse termo no at. dizer: Ό Filho do homem precisa ser levantado’?” (Jo
Se Jesus usa a auto-identificação “Filho do Homem” 12.34). A multidão certamente entendeu 0 significa-
para enfatizar a própria humanidade e condição de ser- do da expressão. Ela é usada alternadamente com
vo, como em Ezequiel, ou para anunciar seu papel Messias e com 0 conceito de Isaías 48.11 de que 0
messiânico, como em Daniel, ou ambos, 0 termo certa- Messias compartilha a “glória” do Pai, que Deus de-
mente não é uma negação de divindade. clarou que não daria a outro.
O estudioso do n t I. Howard Marshall demonstra que Alesmo que a expressão fosse apenas uma refe-
Jesus geralmente empregava a expressão quando estava rência à humanidade de Jesus, isso não seria uma
351 Fílon de Alexandria

negação de sua divindade. Ele afirmou claramente ser Misticismo e alegoria. Já que Deus não pode ser co-
Deus de várias maneiras e em várias ocasiões, como nhecido de maneira positiva, Fílon, como outros
demonstrado no artigo C risto , divindade de. Ele tam- platonistas (v. P la t ã o ) eneoplatonistas (v.PL0T1N0),re-
bém aceitou louvor como Deus em outras ocasiões (v., correu ao misticismo. Nem mesmo a revelação de Deus
p.ex.,Mt 16.16-18; Jo 2 0 .2 8 ,2 9 ). nas Escrituras oferecia conhecimento positivo da na-
tureza de Deus e não poderia ser interpretada literal-
Fontes mente quando falava sobre Deus. Apenas a interpre-
D. G u t h r ie , Introduction to New Testament theology. tação alegórica poderia dar 0 verdadeiro significado.
T. M ie t h e e G. H a berm as, Why I believ e God exists. ! Criação e providência. Como teísta judeu (v. teísmo),
0 . C u llm a n x , C hristology in the New Testament. Füon acreditava na criação ex nihilo (v. criação, visões da).
1. H . .M a r s h a l l , “ S o n o f m a n ” , e m D iction ary o f Como platonista, acreditava que a matéria existia antes
Christ a n d the Gospels. da criação. Na tentativa criativa de conciliar essas posi-
ções, supôs que houve dois atos criativos de Deus, um
Füon de Alexandria. Filósofo e exegeta de Alexandria, pelo qual ele criou a matéria e outro pelo qual ele criou 0
Egito (c. 20 a.C.-50 d.C.). Por sua afinidade com a filoso- mundo a partir da matéria preexistente.
fia platônica, é conhecido como 0 Platão hebreu. Suas di- Como Deus é onipotente, é capaz de intervir mila-
versas obras incluem Against Flaccus,procurator ofEgypt grosamente nas leis da natureza que estabeleceu. Mas
[Contra Flaco,procurador do Egito]; Legum allegoriae; On ele faz isso com um propósito. Ao contrário da filoso-
providence [Da providência]; On the eternality ofthe world fia grega, Deus tem providência geral sobre 0 mundo
[Da eternidade do mundo]; Questions and solutions in e providência especial e específica.
Genesis and Exodus [Perguntas e soluções em Gênesis e Logos. Ao interagir com a filosofia grega, Fílon tomou
Êxodo]‫׳‬, The contemplative life {Da vida contemplativa) e emprestado certos conceitos platônicos para expressar
The life ofMoses [A vida de Moisés], suas próprias visões teístas. Seu conceito do Logos é um
Fílon teve uma influência considerável nos líderes desses casos. Em De optficio, ele descreve 0 Logos como
cristãos da “escola alexandrina” , tais como Clem ente de um princípio cosmológico, dizendo:
Alexandria e Justixo Mártir. Seu método alegórico de in-
terpretar as Escrituras também influenciou Orígexes, Deus, supondo, como Deus suporia, que uma bela cópia
Ambrósio, Agostinho e outros. Outros elementos de sua jamais poderia ser criada sem um belo modelo [...] quando
filosofia tiveram um impacto no pensamento cristão pos- ordenou a criação desse mundo visível, primeiro separou 0
terior, inclusive seu uso de provas da existência de Deus, mundo inteligível, para que, usando um modelo incorpóreo e
sua doutrina do Logos e suas teorias da incognoscibilidade divino, pudesse fazer do mundo corpóreo uma imagem mais
de Deus, linguagem negativa sobre Deus, criação ex nihilo nova do velho [...] Quando uma cidade está sendo fundada
(v. criação, visões da) e providência específica. [...] às vezes aparece um homem treinado como arquiteto e,
Filosofia d e Fílon. Füon tentou interpretar as Escri- depois de examinar as características favoráveis do local, pri-
turas conforme a filosofia grega. Sua abordagem era meiro faz um esboço na sua mente de quase todas as partes
eclética e inovadora. da cidade que será construída [...] Depois, recebendo uma im-
Conceito de Deus. Füon ensinou que os seres huma- pressão de cada uma delas na sua alma, como na cera, modela
nos podem conhecer a Deus, quer diretamente por meio uma cidade na mente. Baseado nesse modelo, ele procede com
da revelação divina, quer indiretamente por meio da ra- a construção na cidade de pedra e madeira, fazendo a subs-
zão humana. \rárias formas de provas da existência de tància corpórea se assemelhar a cada uma das idéias
Deus incluíam 0 argumento de P la t ã o a favor de um incorpóreas. Da mesma forma devemos pensar sobre Deus
demiurgo (tratado em Timaeus) e 0 argumento cosmo- [Dodd, p. 67].
lógico de A ris tó te le s a favor de um Motor Imóvel. Füon
aplica 0 Motor Imóvel à existência do mundo, não ape- As semelhanças e diferenças entre 0 Logos de Fílon e
nas ao movimento. Ele até adotou 0 argumento estóico a 0 de João 1 são instrutivas (v. L ogos, teo ria do). Pois am-
favor de uma Mente (Deus) na natureza para mostrar que bos os Logos são a imagem de Deus, 0 meio da criação e 0
havia um Deus transcendente além da natureza. meio do governo de Deus sobre a criação. Só que, em João,
Fílon acreditava que tais argumentos só poderiam 0 Logos é verdadeiramente pessoal, que se tornou um ser
mostrar a existência de Deus, não sua natureza. Para humano realmente encarnado e ao mesmo tempo idên-
ele, Deus era inefável e inominável. Apenas 0 conheci- tico a Deus em natureza (Jo 1.1-14). C. H. Dodd observa
mento negativo era possível. Termos positivos só po- como diferença decisiva que João “concebe 0 Logos en-
dem descrever a atividade de Deus, não sua essência. carnado, e [...], realmente vivendo e morrendo na terra
finito, deísmo 352

como homem. Isso significa que 0 Logos, que em Füon aqui. Apesar de muitos teístas finitos acreditarem que
não é pessoal [...], no evangelho é totalmente pessoal, deus é transcendental (está além do universo),alguns
envolvido em relações pessoais com Deus e com os ho- têm um deus finito que é imanente (está dentro do
mens, e tendo um lugar na história” .Além disso,“0 Logos universo). Henri Bergson, um exemplo dessa última
de Füon não é objeto da fé e do amor. 0 Logos encarnado posição, acredita que Deus é a Força Vital que dá con-
do quarto Evangelho ama e é amado” (Dodd, p. 73). tinuação ao processo de evolução (v. Bergson, cap. 3).
Avaliação. Fílon deve ser criticado por sua teologia Dogmas do teísmo finito. Teístas finitos tendem
puramente negativa (v. analogia, princípio da), seu misticis- a discordar entre si sobre Deus e 0 mundo. Apesar de
mo, seu método alegórico de interpretação e sua atração este artigo enfatizar pontos em comum, algumas dife-
excessiva pela filosofia grega, que 0 levou a erros. Sua dou- renças serão comentadas.
trina do Logos foi equivocadamente aplicada a Cristo (v. Visão de Deus. A característica mais fundamental
L ogos, te o ria do) por autores posteriores. da posição do deus finito é que esse deus é limitado
pela própria natureza; poucos, se é que existem, afir-
Fontes mam que ele é limitado pela bondade. Alguns afirmam
N. Bim m cn, FHon-Judaeus o f Alexandria. que Deus é limitado em poder e em bondade. Quase
C. H. D o d d , The interpretation o f the fourth Gospel. todos concordam que Deus não é infinito em poder.
J. D r u m m o n d , Filon Judaeus. Estritamente falando, a posição de Deus finito afir-
R. N a s h , Christianity and the Hellenistic world. ma que Deus é intrinsecamente limitado na sua natu-
F il o n J u d a e u s , De vita contemplativa. reza. Apesar de Platão parecer acreditar que Deus não
F. E. W alto n , Development o f the Logos-doctrine in
é intrinsecamente limitado na sua natureza, a maioria
Greek and Hebrew thought.
acredita que 0 mundo eterno (que Deus não criou)
FI. A . W olfso n , Filon: foundations o f religious
impõe limites à habilidade de Deus para agir nele (v.
dualism o). Se Deus não criou 0 mundo e não sustenta
philosophy in Judaism, Christianity and Islam.
sua existência, então não é capaz de fazer com ele 0
que quiser; por exemplo, não pode destruí-lo.
finito, deísmo. 0 teísmo acredita que um Deus infini-
Visão do mal. Ao contrário dos panteístas, os teístas
to está além do mundo e no mundo. 0 teísmo finito,
finitos afirmam que 0 mal é real. Na verdade, a presença e
em comparação, supõe um deus que é apenas finito. 0
0 poder do mal limitam a Deus. 0 mal é físico e moral. 0
politeísmo afirma que há muitos deuses, mas teístas
mal físico nem sempre é evitável, mas podemos fazer algo
finitos acreditam que só há um Deus.
a respeito do mal moral. Cooperar com os esforços de
As antigas versões gregas de um Deus limitado in-
Deus pelo bem, mesmo ir além deles se necessário, é par-
cluíam a filosofia de P la t ã o (428-348 a.C.; v. Platão, p.
te de nosso dever moral no mundo.
17-92). Mas, no mundo ocidental, a maioria dos deuses
Há várias explicações para a origem do mal. Os
finitos surgem de um contexto teísta. Em geral, muitos
dualistas (v. dualism o) dizem que ele está sempre aqui,
teístas finitos chegam a essa conclusão porque não con-
de alguma forma. Outros atribuem parte dele ao li-
seguem conciliar sua tradição teísta com a presença
vre-arbítrio humano. Todos, no entanto, concordam
penetrante do mal (v. m al, problema do).
que não há garantia de que 0 mal será completamente
Tipologia do teísmo finito. Há muitas possibilida-
destruído. Se Deus fosse onipotente, destruiria 0 mal.
des diferentes para 0 ponto de vista finito sobre Deus, e
Mas, já que 0 mal não é destruído, não deve existir um
nem todas têm representantes conhecidos. A maioria dos
Deus onipotente. 0 argumento é este;
teístas finitos afirma que Deus é pessoal, mas alguns, in-
elusive Henry Wieman, supõem um ser impessoal 1. Se Deus fosse onipotente, destruiria 0 mal.
(Wieman,p. 6-8,54-62). As limitações desse Deus pode- 2. Se Deus fosse completamente bom, destrui-
riam ser internas, como John Stuart M il l acreditava, ou ria 0 mal.
externas ao mundo, como Platão acreditava. As limita- 3. Mas 0 mal não foi destruído.
ções poderiam estar em sua bondade, mas não em seu 4. Logo, não pode haver um Deus onipotente e com-
poder (uma posição minoritária), ou no seu poder, mas pletamente bom.
não na sua bondade, como proposto por Edgar Brightman
(v. Brightman) e Peter Bertocci. Ou Deus poderia ser li- Ponto de vista sobre a criação. 0 teísmo finito não tem
mitado em poder e bondade (ponto de vista de Mill). uma posição uniforme sobre a criação. Os que vêm da
Um deus finito pode ter ou um ou dois pólos. Para tradição grega dualista, seguindo Platão, acreditam na
a explicação do teísmo finito bipolar, veja 0 artigo criação ex materia, isto é, a partir de matéria eterna
panenteísmo. Exemplos monopolares são discutidos preexistente (v. c ria ç ã o , visões d a). Deus não criou 0
353 finito, deísmo

mundo; ele apenas formou a matéria que já existia. A luz não revelou nenhuma norma ética inequívoca, as pes-
disso, a limitação do poder de Deus é externa. Logo, há soas tèm de decidir por si mesmas 0 procedimento cor-
algo sobre a extensão e a natureza da matéria sobre a qual reto em cada situação. A direção geral nessas decisões é
nem Deus tem controle absoluto. Ele apenas tem de tra- dada de maneiras diferentes por posições diferentes.
balhar com 0 mundo e fazer 0 melhor que pode sob as \risão da história. Com relação ao movimento da his-
limitações que 0 mundo impõe a seus poderes criativos. tória e da humanidade, alguns são mais otimistas que
Uma visão alternativa é que Deus criou 0 universo ex outros. Alguns indicam um progresso evolutivo gradu-
nihilo, do nada. Nesse caso, Deus está limitado por sua al do universo com a esperança de vitória final. A maio-
natureza, não por alguma coisa externa com a qual deve ria tem menos certeza de que 0 bem derrotará todo 0
lidar e sobre a qual não tem autoridade. mal. Todos admitem que é possível que não haja ne-
Todos os teístas finitos concordam que a criação nhuma vitória final. É até imaginável que 0 mal vença 0
não foi ex Deo (de Deus). Essa não é uma posição bem, apesar de a maioria dos teístas finitos considerar
panteísta, apesar de Deus estar limitado à criação e essa possibilidade intuitivamente repugnante. No entan-
ser limitado por ela. to, já que Deus é limitado e (no máximo) está lutando
Visão do mundo. Poucas afirmações relativas ao mun- contra 0 mal, não há garantia. A luta pode simplesmen-
do unem os teístas finitos. Todos concordam que 0 mun- te durar para sempre.
do existe e funciona de acordo com as leis naturais. Além Avaliação. 0 teísmo finito contém percepções signi-
disso, não há unanimidade sobre se ele sempre existiu e/ ficativas da realidade. Como sistema, no entanto, tem sé-
ou sempre existirá. A única posição comum entre os teístas rios problemas.
finitos é que 0 universo físico não é eterno nem ilimitado Contribuiçõespositivas. O mal é tratado realisticamente.
em energia. O universo está sujeito à lei da entropia (v. Ao contrário de cosmovisões como 0 p a n te ís m o , 0 teísmo
termodinâmica, leis da) e está se exaurindo. finito não pode ser culpado de tentar evitar a realidade
Visão de milagres. A maioria dos teístas finitos re- do mal.É por encarar 0 problema que a maioria dos teístas
jeita os milagres. Alguns admitem que intervenções finitos chegou a essa posição.
sobrenaturais são possíveis em princípio, mas negam O exercício do poder divino é limitado. Não importa
que aconteçam na prática. Nesse caso, 0 teísmo finito 0 que os teístas finitos digam sobre 0 significado da pa-
é semelhante ao deísmo, que afirma um Criador so- lavra onipotente, ela não pode significar que Deus pos-
brenatural, mas rejeita qualquer ato sobrenatural na sa literalmente fazer qualquer coisa. Os teístas finitos
criação. Mas 0 deísmo é bem diferenciado do teísmo estão certos ao mostrar que Deus é limitado no seu uso
finito pelo fato de 0 Deus deísta não ter limites intrín- do poder. Por exemplo, Deus não pode usar seu poder
secos em seu poder. Ambas as posições consideram (limitado ou ilimitado) para criar e destruir a mesma
milagres uma violação da lei natural. E já que dão tanta coisa ao mesmo tempo. Deus não pode fazer círculos
ênfase à regularidade e uniformidade do mundo, não quadrados. Não pode dar livre-arbítrio às criaturas e
querem admitir que milagres as interrompam (v. mi- ao mesmo tempo forçá-las a agir contra suas decisões.
la g re ; m ilagres, argum entos c o n t r a ). Da mesma forma, 0 teísmo finito indica um proble-
Visão dos seres humanos. Em última análise a hu- ma real em muitas visões teístas do mal. A posição reco-
manidade foi criada por Deus. Mas, desde Darwin, os nhece que“o melhor mundo possível” pode não ser real-
teístas finitos foram convencidos de que Deus usou mente possível. Só porque podemos imaginar nosso uni-
um processo evolutivo natural. Como foi dito, alguns verso presente com menos ou nenhum mal, não significa
deístas finitos até identificam Deus com a força que Deus possa alcançar tal universo. Um mundo de cri-
evolutiva na natureza. aturas livres, quer livremente criadas por Deus quer não,
A maioria dos teístas finitos admite que os huma- coloca algumas limitações no uso do poder de Deus (v.
nos têm alma, e alguns acreditam que as pessoas são M A L, PROBLEMA 1 )0).

imortais. Todos rejeitam uma visão puramente materi- Hd uma necessidade de lutar contra 0 mal Outro va-
alista (v. m aterialism ü) da humanidade, mas nem todos lor que emerge da maioria das formas de teísmo finito é
têm certeza de que haja vida após a morte. um antídoto para 0 fatalismo. O resultado da luta entre 0
Visão da ética. Poucos teístas finitos acreditam nos bem e 0 mal depende do homem num sentido real. Nos-
absolutos éticos. Já que Deus não é imutável, conclui- sos estorços podem fazer a diferença. O determinismo com-
se que nenhum valor baseado nele também seja imu- pleto é tatal quanto à motivação necessária para lutar
tável. Mas muitos acreditam que valores são objetivos contra 0 mal. Os teístas finitos não podem ser acusados
e duradouros. Alguns até acreditam que certos valo- de resignação passiva ao inevitável. Sua visão demanda
res são incondicionais. .Mas, para a maioria, como Deus envolvimento real das pessoas para derrotar 0 mal.
finito, deísmo 354

Problemas com a visão. Apesar de suas várias percep- 3. Mas 0 mal ainda não foi destruído.
ções positivas quanto à natureza das coisas, 0 teísmo finito A palavra ainda imediatamente revela a possibilida-
como sistema é fatalmente falho. de de 0 mal ser destruído (i.e., derrotado) no futuro. E 0
Sua visão de Deus é inadequada. Filosoficamente, 0 teísta finito que insiste em que isso nunca acontecerá está
conceito de um deus finito é contrário ao princípio da supondo que sabe mais do que uma criatura finita é ca-
causalidade, que afirma que todo ser finito precisa de uma paz de saber.
causa. Um deus finito é apenas uma criatura grande, e Alguns teístas finitos até admitem esse ponto.
todas as criaturas precisam de um Criador. Um ser finito Bertocci, por exemplo, disse que há mal “cujo efeito
é um ser contingente, não um Ser Necessário, que não destrutivo, pelo que sabemos, é maior que qualquer bem
pode não existir. Um ser contingente pode ser inexistente. que pode vir dele” . Mas é exatamente esse 0 problema.
Mas tudo que poderia não existir depende para sua exis- Como um homem finito poderia saber tanto sobre 0 fu-
tência do que não pode não existir, um Ser Necessário. turo a ponto de dizer que nada será feito para derrotar 0
Além disso, quem acredita que Deus é limitado em mal e trazer um bem maior? Por mais improvável que
perfeição assim como em poder não identifica 0 que re- pareça, 0 futuro pode trazer boas novas.
almente é Deus, pelo menos não Deus no sentido absolu- Além disso, se há um Deus onipotente e completa-
to. Pois só seria possível medir a imperfeição por um pa- mente bom, isso garante automaticamente que 0 mal será
drão absoluto (v. Lewis, p. 45-6). Mas 0 padrão absoluto derrotado no futuro. 0 raciocínio é:
da perfeição é por definição Deus. Então um deus finito e
imperfeito seria algo menor que 0 Deus absoluto. Na ver- 1. Um Deus completamente bom tem 0 desejo de
derrotar 0 mal.
dade, parece não haver maneira de supor um deus
2. Um Deus onipotente tem a habilidade para der-
finitamente bom sem ter um Deus infinitamente bom
rotar 0 mal.
como padrão para comparação.
3. Mas 0 mal ainda não foi derrotado.
Nenhum bem incompleto é digno de adoração. Ado-
4. Logo, 0 mal será derrotado no futuro.
ração significa atribuir valor absoluto a algo ou alguém.
Mas por que alguém atribuiria valor absoluto ao que não
Dessa forma, a questão não seria se 0 mal é com-
é absolutamente digno? Todo ser finito é uma criatura, e
patível com um Deus infinito; certamente parece ser.
adorar a criatura em vez de ao Criador é idolatria. Ou,
Na verdade, se um Deus infinito existe, então há uma
citando as palavras de Paul T illic h , um compromisso
garantia de que 0 mal será derrotado, já que tal Deus
absoluto não deveria ser feito com nada além de um Ser
teria 0 desejo e 0 poder para fazê-lo. Então parece que
Absoluto. Mas um ser parcialmente bom não é 0 Bem
0 teísmo finito não conseguiu eliminar um Deus infi-
absoluto. Então por que alguém adoraria um deus finito?
nito por meio do mal.
Sua visão do mal é inadequada. 0 problema do mal
Outro problema para as formas modernas de teísmo
não elimina Deus. Na verdade, não podemos se quer sa-
finito é que, se Deus não é completamente bom, então
ber se há injustiças absolutas no mundo a não ser que
qual é 0 padrão para medir sua bondade? Não pode-
tenhamos algum padrão absoluto de justiça — Deus —
mos medi-lo pelo padrão de sua natureza, pois isso ele
além do mundo. Inversamente, só 0 Deus onipotente pode alcança perfeitamente. Mas se medirmos Deus por al-
derrotar 0 mal, e só 0 Deus onipotente desejaria derrotar
guma lei moral absoluta além de Deus, então 0 Legisla-
0 mal. Logo, se 0 mal ainda vier a ser derrotado, então dor dessa lei absoluta será Deus. Pois as leis vêm de le-
deve haver um Deus onipotente e completamente bom. gisladores, e prescrições morais vêm de prescribentes
Um Deus finito não seria suficiente para a tarefa. morais (v. m o ral a favor de Deus, argum ento). Assim,leis
Além disso, há uma alternativa ao argumento para absolutamente perfeitas não viriam de um Legislador
um Deus finito. Lembre-se de que 0 argumento é assim: Moral absolutamente perfeito? Se um Deus finito não
alcança 0 padrão absoluto de bondade, então não é Deus.
1. Se Deus fosse onipotente, destruiria 0 mal. O Ser moral absoluto além dele seria Deus.
2. Se Deus fosse completamente bom, destrui- Talvez seja por isso que a maioria dos teístas finitos
ria 0 mal. queiram limitar apenas 0 poder de Deus, e não sua bon-
3. Mas 0 mal não foi destruído. dade. Mas, para quem olha de fora, isso parece um jul-
4. Logo, não pode haver um Deus onipotente e gamento arbitrário e racionalização. Além disso, como
completamente bom. Deus pode ser um Ser infinitamente bom se é apenas
um ser finito? Como é possível ser mais do que tem a
A cosmovisão teísta só precisa mudar a tercei- capacidade de ser? Como os atributos de Deus podem
ra premissa: ser ampliados além do que sua natureza real permite?
355 Flávio Josefo

Como pode 0 conhecimento da pessoa, por exemplo, ser firmamento. V ciência e a B íb lia.
ampliado além da capacidade de seu cérebro?
O teísmo finito afirma que Deus não pode destruir Flávio Josefo. Josefo (c. 37-c. 100 d.C.) foi fariseu de li-
todo 0 mal. Alguns dizem que é por causa de um limite nhagem sacerdotal e historiador judeu. Além de sua au-
intrínseco de sua natureza. Outros afirmam que é por tobiografia, escreveu duas obras importantes, Guerras dos
causa de uma limitação extrínseca sobre ele. Mas a única judeus (c.77-78) e Antigüidades dosjudeus (c. 94). Tam-
limitação extrínseca que 0 Criador não poderia destruir bém escreveu uma obra menor, Contra Ápion.
seria um Ser Necessário eterno e não-criado, pois um ser Josefo confirmou de forma geral, e muitas vezes
criado e contingente poderia ser destruído por um Ser em minuciosos detalhes, a historicidade do a t e de par-
Necessário, não-criado. Mas se há um Ser Necessário eter- te do n t (v. Novo Testam ento, fontes não-cristãs D0).A p e-
no e não-criado além de Deus, então tal ser é 0 Criador, e sar de a obra de Josefo relatar os fatos de maneira a
0 “deus finito” acaba sendo apenas uma criação limitada. não ofender os romanos, ela tem grande valor
Se, no entanto, 0 ser além de Deus é apenas criado e con- apologético para 0 cristianismo — uma religião que
tingente, mas Deus é não-criado e necessário, Deus po- era condenada pelos romanos. Josefo foi altamente
deria destruí-lo. Mas se ele pode criar e destruir tudo, por apreciado e grandemente citado pelos primeiros pais
que não admitir que é onipotente? da igreja para apoiar 0 cristianismo.
Este é 0 dilema: se Deus pode destruir tudo no uni- T estem unho do câ n o n . Josefo apóia a posição pro-
verso exceto a si mesmo, então ele é onipotente. Se há al- testante do cânon do a t contra a posição católica, que
gum outro ser indestrutível além de Deus, então ele não é reconhece os apócrifos do at (v. apócrifos do A n tig o e
um Deus onipotente; esse outro ser pode resistir ao seu Novo Testam entos). Ele até menciona os nomes dos li-
poder. Mas em ambos os casos a visão do deus finito es- vros, que são idênticos aos 39 livros do a t protestante.
taria errada, pois haveria um Ser onipotente que poderia Reúne 39 livros em 22 volumes, que correspondem ao
destruir 0 deus finito. número das letras do alfabeto hebraico:
Os teístas finitos admitem que não há garantia de que
0 bem triunfará sobre 0 mal no final. Assim, os que tra-
Pois não temos uma multidão inumerável de livros en-
balham pelo bem podem estar trabalhando em vão. É cia-
tre nós, discordando um do outro e contradizendo um ao
ro que no decorrer diário dos eventos nossos esforços são
outro [como os gregos têm], mas apenas 22 livros, que con-
frustrados. No entanto, um compromisso religioso não é
têm os registros de todos os tempos passados e que são jus-
um compromisso diário; é um compromisso definitivo.
tamente considerados divinos; e deles, 5 pertencem a Moisés,
Será que um deus finito, que não pode garantir vitória
os quais contêm suas leis [...] Os profetas, que vieram de-
mesmo que nos esforcemos ao máximo, pode realmente
pois de Moisés, escreveram 0 que foi feito na sua época em
inspirar um compromisso definitivo? Quantas pessoas
13 livros. Os 4 restantes contêm hinos a Deus e preceitos para
realmente assumirão um compromisso definitivo de tra-
a conduta da vida humana (Contra Ápion 1.8).
balhar em prol do que não tem garantia que vencerá no
final? Podemos ficar inspirados a confessar corajosamen-
Outro ponto de interesse apologético é a referência
te: “Prefiro perder a batalha com quem vencerá no final
de Josefo a Daniel, 0 profeta, como um escritor do sécu-
que vencer a batalha com quem perderá no final” .
10 vi a.C. (Antigüidades, p. 10-2). Isso confirma a natu-
Outras visões inadequadas. Além de suas visões fa-
reza sobrenatural das incríveis previsões sobre 0 decor-
lhas sobre Deus e 0 mal, os teístas finitos não defendem
rer da história depois da época em que Daniel viveu (v.
adequadamente suas visões de aniquilacionismo e anti-
P ro fe c ia como Pro va da B íb lia ). Ao contrário do Talmude,
sobrenaturalismo (v. m ilagres, argumentos c o n tra ).
que é mais recente, Josefo obviamente coloca Daniel
Fontes
entre os profetas, já que não está em Moisés nem na se-
H. Berg so n, Creative evolution.
ção dos “ hinos de Deus” , que incluiria Salmos, Provér-
E. S. B rig h tm a n , A philosophy ot religion.
bios, Eclesiastes e Cântico do Cânticos. Isso ajuda a con-
E. J. C a r x e l l , Christian apologetics, caps. 16,17.
firmar a data anterior de Daniel.
J. C o llin s , God and modern philosophy. Testem unho d o n t . Josefo referiu-se a Jesus como ir-

N. L. G e is le r, et al., Worlds apart,cap. 6. mâo do Tiago que foi martirizado. Escreveu:


C. S. Lew is, Cristianismo puro e simples..
J. S . M il l , Three essays on religion: nature, utility ot Festo agora estava morto, e Albio estava prestes a ata-
religion, and theism. car; então reuniu 0 Sinédrio dos juizes, e trouxe diante deles
H . P. O w e n s , Concepts of deity. 0 irmão de Jesus, e alguns outros [ou alguns de seus compa-
Η. X. W ie m a n , The source ofhuman Good. nheiros], e quando formou uma acusação contra eles como
Flew, Antony 356

infratores da lei, entregou-os para serem apedrejados Nessa época havia um homem sábio que se chamava Je-
{Antigüidades 20.9.1). sus. E sua conduta era boa e [ele] era considerado virtuoso.
Muitas pessoas dentre os judeus e outras nações se torna-
Essa passagem comprova a existência de Cristo por ram seus discípulos. Pilatos 0 condenou a ser crucificado e
um autor não-cristão do século 1 e a afirmação princi- morrer. E aqueles que se tornaram seus discípulos não aban-
pal que seus seguidores faziam a seu respeito — que donaram seu discipulado. Eles relataram que ele havia apa-
ele era 0 Messias. recido a eles três dias após sua crucificação e que estava vivo;
Josefo também confirmou a existência e 0 martírio conseqüentemente, talvez fosse o messias sobre 0 qual os
de João Batista, 0 arauto de Jesus: profetas relataram maravilhas.

Alguns dos judeus pensavam que a destruição do exército Nessa forma, 0 texto não afirma que Josefo acredi-
de Herodes veio de Deus, e muito justamente, como castigo do tava na ressurreição, mas apenas que seus discípulos
que fez contra João, que era chamado 0 Batista; pois Herodes a “relataram” . Isso pelo menos refletiria um relatório
assassinou a João, que era um homem bom e ordenava que os honesto daquilo em que seus discípulos íntimos acre-
judeus exercessem a virtude, tanto em justiça para com os ou- ditavam. Bruce observa que há boa razão para crer que
tros, quanto em piedade para com Deus, para assim serem Josefo realmente se referia a Jesus, testemunhando so-
batizados {Antigüidades 18.5.2). bre sua datação, reputação, parentesco com Tiago, cru-
cificação sob Pilatos pela instigação dos líderes judeus,
Essa referência confirma a existência, 0 nome, a
afirmação messiânica, fundação da igreja e a convic-
missão e 0 martírio de João Batista, assim como 0 n t
ção da ressurreição entre seus seguidores.
0 apresenta.
Num texto polêmico, Josefo dá uma breve descrição
Fontes
de Jesus e sua missão:
F. F. B ruc e, Merece confiança 0 Novo Testamento?
L. H. Feld m a x , Studies on Philo and Josephus.
Ora, havia nessa época Jesus, um homem sábio, se for lí-
J o s e e o , Contra Apion.
cito chamá-lo de homem, pois fazia obras maravilhosas —
___ ,Antigüidades dos judeus.
um mestre de homens do tipo que recebem a verdade com
___, Guerras dos judeus
prazer. Atraiu a si muitos dos judeus e muitos dos gentios. Ele
J. M c D o w e l l , Evidência que exige um veredito.
era [0] Cristo; e quando Pilatos, seguindo a sugestão dos lide-
S. P1\‫־‬F.s,/tn Arabic version o f the Testimonium
res entre nós, 0 condenou à cruz, aqueles que 0 amavam des-
Flavianum and its implications.
de 0 princípio não 0 abandonaram. Pois ele lhes apareceu vivo
R. J. H . S h l t t , Studies in Josephus.
novamente no terceiro dia, como os profetas divinos haviam
H . S t . J. T h a c k e r a y , Josephus the man and the
previsto essas e dezenas de milhares de outras coisas maravi-
historian.
lhosas a seu respeito; e a tribo de cristãos, chamados pelo seu
nome, não desapareceu até hoje [Antigüidades, 18.3.3],
Flew, Antony. Antony Flew (n. 1923) é um proeminente
ateu britânico que lecionou filosofia nas principais uni-
Essa passagem foi citada por Eusébio na sua forma
atual (História eclesiástica 1.1 1 ), e a evidência dos ma- versidades britânicas e foi professor de filosofia na Uni-
nuscritos a apóia. Mas é amplamente considerada uma versidade de Keele. Escreveu ou editou vários livros e
interpolação, já que é improvável que Josefo, um judeu, artigos acadêmicos e é bem conhecido por suas obras
afirmasse que Jesus era 0 Messias e que isso tenha sido em teologia filosófica. Entre suas obras mais poderosas
comprovado pelas profecias cumpridas, obras milagro- estão 0 artigo “Milagres” , na Encyclopedia ofphilosophy
sas e ressurreição dos mortos. Até Orígenes disse que“J0- [Enciclopédia de filosofia], e seus livros New essays in
sefo não acreditava que Jesus era 0 Messias, nem decla- philosophical theology [Afovos ensaios de teologia] e The
rou que era” {Contra Celso 2.47; 2.13; Bruce, p. 108). F. F. resurrection debate [0 debate sobre a ressurreição],
Bruce sugere que a frase “se for lícito chamá-lo de ho- A fa k ific a b ilid a d e d e D eus. A não ser que exista al-
mem” pode indicar que 0 texto é autêntico, mas que Josefo gum critério pelo qual se possa saber se algo é falso, afir-
está escrevendo em referência sarcástica à crença cristã ma Flew, não se pode saber se é verdadeiro. Se a declara-
de que Jesus é 0 Filho de Deus (Bruce, p. 109). ção teísta “Deus existe” é uma afirmação,“ela necessaria-
Outros teólogos sugeriram corrigir 0 texto de for- mente será equivalente à negação da negativa dessa afir-
ma a preservar sua autenticidade sem a implicação mação” . Mas “se não há nada que uma suposta afirma-
de que Josefo aceitava pessoalmente que Cristo era 0 ção negue, então também não há nada que afirme; por-
Messias (v. Bruce, p. 110-1). Pode ser que um texto árabe tanto, essa não é realmente uma afirmação” (New essays,
do século x (v. McDowell, p. 85) reflita a intenção original: p. 98). À medida que esse argumento se aplica a Deus,
357 Flew, Antony

Flew está dizendo que, a não ser que um teísta possa es- não que não pudesse ter êxito em princípio, se de fato
pecificar condições pelas quais se pudesse provar que nenhum Deus existisse.
Deus não existe, não há condições pelas quais provar que Falsificação escatológica. A falsificação escatológica
Deus existe. Algum evento ou série de eventos teria de ser de algumas coisas, tais como a imortalidade, é impossí-
concebido que pudesse provar que não há Deus. vel. Mas muitas crenças religiosas poderiam ser
Além de aceitar a premissa de Flew e admitir que falsificadas. A afirmação “ Irei a um lugar de alegria
nenhuma afirmação religiosa é falsificável (v. quando morrer” é falsificada se a pessoa continua cons-
acognosticismo; F1DEísM0),há duas respostas amplas para ciente após a morte e vai para um lugar de sofrimento.
Flew. Prim eira, pode-se rejeitar 0 princípio de Da mesma forma, a reencarnação pode ser falsificada,
falsificabilidade. Segunda, se pode aceitar 0 desafio de se alguém morrer com um “carma” ,mas não reencarnar.
Flew e afirmar condições pelas quais a existência de É mais difícil falsificar a existência de Deus, ainda que
Deus poderia ser falsificada (v. A y e r , A. J.). alguém viva para sempre. Deus poderia decidir escon-
Rejeição ao princípio da falsificabilidade de Flew. 0 der-se para sempre, mas isso é improvável.
princípio da falsificabilidade em si não é falsificável. Não Não importa como é abordado, 0 princípio da falsifi-
há condições sob as quais se possa saber que esse princí- cação de Flew está longe de ser um golpe convincente à
pio é falso. E outras coisas além da existência de Deus verdade do teísmo ou do cristianismo. O teísta pode ofe-
não são falsificáveis. Por exemplo, a imortalidade da pes- recer muitas maneiras pelas quais crenças básicas po-
soa pode ser provada, desde que haja consciência após a dem ser falsificadas em princípio, mas não tia prática.
morte. Mas não pode ser falsificada, uma vez que, se for- O n ip o tên cia d iv in a , lib e rd a d e e m al. Flew pro-
mos aniquilados por ocasião da morte, não poderemos pôs um dilema difícil para 0 teísmo no artigo sobre
falsificar a alegação de imortalidade. “ Onipotência divina e liberdade humana” (Flew, New
Aceitação doprincípio dafalsificação de Flew. A outra essays, cap. 8). Ele reconhece que os teístas afirmam
resposta é aceitar 0 desafio de Flew e demonstrar que a que mesmo um Ser onipotente não pode fazer 0 que é
falsificação é possível em uma de três maneiras: passada, contraditório. Mas desafia a visão de muitos teístas de
presente e futura. que é contraditório criar um mundo onde nenhuma
Falsificação histórica. A ressurreição de Jesus Cristo criatura livre faria 0 mal.
no terceiro dia pode ser falsificada (v. tessu rreiçã o , eyi- Flew insiste que
dências d a). Bastava que se achasse 0 corpo de Jesus ou
a prova de uma conspiração para eliminar 0 corpo. Ou a onipotência poderia ter, poderia sem contradição ser
encontrar uma testemunha ocular de que Jesus conti- considerada como tendo criado pessoas que realmente sem-
nuou na sepultura mais que três dias. O apóstolo Pau- pre escolheriam livremente fazer a coisa certa (p. 152).
10 reconheceu isso quando disse:“ E, se Cristo não res-
suscitou, é inútil a nossa pregação, como também é E em resposta à afirmação teísta de que Deus não
inútil a fé que vocês têm. Mais que isso, seremos con- poderia ter criado bens de ordem superior sem permi-
siderados falsas testemunhas de Deus, pois contra ele tir bens de ordem inferior, Flew argumenta que
testemunhamos que ressuscitou a Cristo [...]. E, se
Cristo não ressuscitou, inútil é a fé que vocês têm, e a onipotência poderia ter criado criaturas sobre as quais
ainda estão em seus pecados. Neste caso, também os ela poderia estar certa de que responderiam ao desafio ade-
que dormiram em Cristo estão perdidos ” (1 Co 15.14- quado pelo exercício voluntário de força moral sem que tais
18). Se a ressurreição pode ser desacreditada, 0 cristi- criaturas tivessem adquirido esse caráter pelo exercício real
anismo e 0 Deus do cristianismo são falsos. de força moral (p. 155).
Falsificação agora. Já que a evidência apologética da
verdade do cristianismo é baseada em eventos passados, Os argumentos de Flew evocaram a famosa res-
não há maneira direta de testá-la no presente. Só se pode posta do “ livre-arbítrio” de A lvin Plantinga (v.
usar evidência do passado que permanece no presente P la n tin g a , A ly in ) , que argumentou que, enquanto uma
para argumentar a favor ou contra a verdade de eventos única criatura livre escolher 0 mal, Deus não pode
passados. Já que 0 cristianismo depende da verdade da impedi-la sem restringir sua liberdade — e nesse caso
premissa “Deus existe (agora)” , essa é uma premissa elas não seriam realmente livres. Outros observam que
falsificável. Um teísta pode estar disposto a abrir mão da 0 que é logicamente possível não é necessariamente
crença em Deus se 0 ateu puder apresentar uma prova realizável (v. m al, problema d o). Assim, apesar de ser
válida da inexistência de Deus. Tais provas já foram ten- logicamente possível que ninguém jamais fizesse 0
tadas, e todas falharam (v. Deus, supostas refutações de). mal, isso não é realmente realizável enquanto alguém
Isso significa que a falsificação não foi bem-sucedida, livremente escolher fazer 0 mal.
Flew, Antony 358

M ilagres e apologética cristã. Flew alega que os mi- ocorrências do milagroso são necessariamente singulares,
lagres não são históricos (v. m ilag re; m ilagres, v a lo r específicos e passados.
apologético dos), nem verossímeis, nem identificáveis.
O argumento de Flew de que os milagres não são Proposições repetíveis, portanto, têm maior credi-
históricos baseia-se na suposição de que milagres não bilidade lógica (ibid.). Esse argumento pode ser afir-
são repetíveis. Falham, portanto, no teste de credibili- mado da seguinte maneira:
dade. O argumento de Flew segue a forma desenvolvi-
da por David H ume. A maneira pala qual Flew entende 1. Milagres, por natureza, são específicos e não
0 argumento de Hume é a seguinte: repetíveis.
2. Eventos naturais são por natureza gerais e
1. Todo milagre é uma violação de uma lei da na- repetíveis.
tureza. 3. Na prática, a evidência para 0 geral e repetível é
2. A evidência contra qualquer violação da natu- sempre maior que para 0 específico e não
reza é a evidência mais forte possível. repetível.
3. Portanto, a evidência contra milagres é a evi- 4. Portanto, na prática, haverá sempre mais a evi-
dência mais forte possível. dência contra os milagres que a favor deles.

Flew diz que Hume estava preocupado principal- Com base nessa afirmação fica claro que Flew acre-
mente com a questão da evidência. O problema era dita que a generalidade e a repetibilidade são fatores
como a ocorrência de um milagre poderia ser prova- que estabelecem a credibilidade.
R ep etib ilid a d e e falsifica bilid a d e. A maioria dos
da, e não se tais eventos realmente ocorreram. Mas
“nossa única base para caracterizar a ocorrência rela- naturalistas modernos, tais como Flew, aceitam algu-
mas singularidades não repetíveis, por exemplo, na for-
tada como milagrosa é ao mesmo tempo a razão sufi-
mação do universo (v.big-bang, te o ria do). E quase to-
ciente para denominá-la fisicamente impossível” .Mas
dos os cientistas acreditam que 0 processo de origem
por que é assim? Flew responde que 0 historiador crí-
da vida jamais se repetiu. Se 0 argumento de Flew for
tico, confrontado com a história de um milagre, a des-
aplicado consistentemente, é errado os cientistas acre-
carta. Isso é presumir a resposta como prova. Qual a
ditarem em tal singularidade. O argumento de Flew eli-
justificativa para descartar os milagres?
minaria algumas crenças básicas dos naturalistas.
A visão de Flew também está sujeita à mesma crítica
Para justificar seu procedimento ele terá de apelar
que Flew fez aos teístas, pois não é uma posição
exatamente para 0 princípio que Hume apresentou: a “im-
infalsificável (v. acima). Não importa 0 que aconteça,
possibilidade absoluta ou a natureza milagrosa” dos even-
mesmo uma ressurreição, Flew (ao contrário até das afir-
tos atestados.
mações de Hume) seria obrigado a negar que era um
milagre. E nenhum evento no mundo falsificaria 0 natu-
Isso tem de ser feito de modo a satisfazer 0 intelecto
ralismo. Assim, as cartas estão marcadas, de forma que a
de pessoas razoáveis. Assim, Flew acredita que, apesar de
evidência sempre pesará mais a favor do anti-
os milagres não serem logicamente impossíveis, são ci-
sobrenaturalismo que contra ele. E não ajudaria se Flew
entificamente impossíveis.
afirmasse que 0 naturalismo é falsificável em princí-
pio, se nunca fosse na prática. Então, para ser justo,
É pura e simplesmente pela suposição de que as leis vá- teria de permitir aos teístas 0 mesmo privilégio. Se 0
lidas hoje eram válidas no passado [...] que podemos racio- sobrenaturalismo nunca pode ser estabelecido na práti-
nalmente interpretar os detritos (fragmentos) do passado ca, 0 naturalismo também não. É sempre possível ao teísta
como evidência e a partir deles construir nosso relato do alegar sobre todo evento supostamente natural que“Deus
que realmente aconteceu (“Milagres”). é a causa final” . O teísta pode insistir em que todos os
eventos “naturais” (i.e., naturalmente repetíveis) são a for-
À acusação de que esse uniformismo é irracional- ma de Deus operar normalmente e que os eventos “mila-
mente dogmático, Flew responde com 0 que está no cen- grosos” são a maneira de Deus operar ocasionalmente.
tro de sua amplificação do argumento de Hume. Como Pelas próprias afirmações de Flew, não há como, na prá-
Hume insistiu, tica, falsificar a crença teísta.
É possível objetar a conjetura de Flew de que 0
a possibilidade de milagres é uma questão de evidên- repetível sempre excede 0 não repetível. Se fosse assim,
cia, e não de dogmatismo. Além disso, relatos de supostas então, como Richard Whately demonstrou, ninguém
359 Flew, Antony

poderia acreditar na historicidade de nenhum evento sin- idéia de Agostinho sobre milagre asseguraria a depen-
guiar do passado. Se a repetibilidade na prática é 0 verda- dência da criação em Deus, faria isso somente à custa
deiro teste de evidência superior, ninguém deveria acre- da subversão do valor apologético de todos os mila-
ditar que observou nascimentos ou que mortes ocorre- gres (Flew, p. 348). Se um milagre não está além do
ram, pois nenhum deles é repetível na prática. A ciência poder da natureza, mas apenas além do nosso con he-
da geologia seria eliminada. cim en to da natureza, então um milagre não é nada
Os cientistas não rejeitam singularidades imediata- além de um evento natural. Não poderíamos saber se
mente, observa 0 físico e professor Stanley Jaki. um milagre realmente aconteceu; apenas que pareceu
acontecer. Para ser verdadeiramente milagroso, um
Felizmente para a ciência, os cientistas muito raramen- milagre deve ser independente da natureza, mas um
te descartam relatos sobre um caso realmente novo com a milagre não pode ser identificado exceto por sua rela-
afirmação: “Não pode ser realmente diferente dos mil casos
ção com a natureza. Não há maneira natural de iden-
que já investigamos”. A resposta corajosa do jovem assis-
tificar um milagre, a não ser que seja considerado mi-
tente: “!Mas professor, e se esse for 0 milésimo primeiro caso?”
lagre por motivos independentes. Deve ser considera-
que [...] é exatamente a resposta que deve ser oferecida com
do apenas um evento estranho ou incoerente que uma
relação aos fatos suspeitos por causa de seu caráter mila-
lei científica mais ampla poderia explicar.
groso (Jaki, p. 100).
Com base nisso, Flew argumenta que nenhum
evento supostamente milagroso pode ser usado para
Então, se 0 naturalista impõe argumentos a tal ponto
provar que um sistema religioso é verdadeiro. A não
de eliminar milagres, conseqüentemente a base de mui-
tas outras crenças é eliminada por implicação. Qualifica- ser que já exista um Deus que age, não pode haver uma
ções apresentadas de modo a incluir dados naturais e ci- ação de Deus. Argumentar com base na ação de Deus
entíficos reabrem a porta para os milagres. a favor do sistema sobrenatural é cometer petição de
Id en tifica b ilid a d e. O segundo argumento de Flew princípio. Devemos identificar 0 evento como sobre-
não é ontológico, mas epistemológico. Milagres não são natural de um ponto de vista estritamente naturalis-
rejeitados porque se sabe que eles não ocorreram. São ta. Mas isso é impossível, já que um evento incomum
rejeitados porque não se sabe ou não é possível saber se no âmbito natural é, do ponto de vista naturalista, es-
ocorreram. O argumento de Flew vai além da mera tritamente um ponto de vista natural.
identificabilidade. Se bem-sucedido, demonstraria que Portanto, milagres não têm valor apologético.
milagres não têm valor apologético. Agora 0 coração do argumento de Flew está em foco
Flew afirma estar disposto a permitir a possibili- (ibid., p. 348-9). Milagres não são identificáveis porque
dade de milagres em princípio (v. Espinosa, B a ru c h ). não há maneira de defini-los sem presumir como certa a
Na prática, argumenta, há um problema sério, até in- prova de sua existência.
superável, por sermos incapazes de identificar mila-
gres. O argumento pode ser assim resumido: 1. Um milagre deve ser identificável antes de poder
ser identificado.
1. Um milagre deve ser identificável ou distinguível 2. Um milagre é identificado de uma de duas ma-
antes de se saber 0 que ocorreu. neiras: a) um evento anormal na natureza ou
2. Milagres só podem ser identificados no âmbito b) uma exceção à natureza.
da natureza ou na dimensão do sobrenatural.
3. Um evento anormal na natureza é apenas um
3. Identificá-lo por referência ao sobrenatural (como
evento natural, não um milagre.
um ato de Deus) é petição de princípio.
4. Uma exceção da natureza não pode ser conheci-
4. Identificá-lo em referência a termos naturais eli-
da a partir da própria natureza apenas.
mina a dimensão sobrenatural necessária.
5. Logo, um milagre não é identificável e não pode
5. Portanto, não é possível saber se milagres ocorre-
ser usado para provar nada.
ram, já que eles não podem ser identificados.

Flew insiste, contra A g o stin h o (A cidade de Deus Parece que Flew conseguiu provar seu argumento.
2 1 .8), que se um milagre é apenas “um portento [que] Sua primeira premissa é sólida. Devemos saber 0 que
não é contrário à natureza, mas contrário ao nosso co- estamos procurando antes de saber se 0 encontramos.
nhecimento da natureza” , então realmente não tem Não podemos descobrir 0 que não pode ser definido.
valor como prova do sobrenatural. Apenas mostra 0 Mas definir milagres em termos de eventos naturais é
conhecimento relativo de uma geração. Enquanto a reduzi-los a eventos naturais. Defini-los em termos de
Frazer, James 360

uma causa sobrenatural é supor que Deus existe, um refutar essa possibilidade é refutar a possibilidade da exis-
argumento circular. tència de Deus.Tais esforços estão destinados ao fracasso
Pressupondo a existência de Deus. Uma maneira de e geralmente são contraditórios (v. Df.us, supostas refuta-
responder a Flew é afirmar que tanto os naturalistas quan- ÇÒES DE).

to os sobrenaturalistas argumentam em círculo. Os argu- Os apologistas históricos não têm essa opção, já que
mentos anti-sobrenaturalistas pressupõem 0 naturalis- acreditam que toda a defesa do cristianismo, inclusive a
mo. Então, alguns teístas simplesmente afirmam que é existência de Deus, pode ser estabelecida apenas com base
necessário argumentar em círculo. Toda razão é circular na evidência histórica. Contra essa visão, Flew tem um
(V a n T il, p. 118), pois todo pensamento, no final das con- argumento poderoso.
tas, é baseado na fé (v. fideismo).
Se um sobrenaturalista escolhe esse caminho, a base Fontes
T o m á s d e A q u ix o , Suma contra os gentios, Livro 3.
(ou falta dela) parece tão boa quanto a do anti-
A g o s t in h o , Cidade de Deus.
sobrenaturalista. Os naturalistas que tentam eliminar
A. F l e w , “ Miracles” , em lh e Encyclopedia of
milagres com base no compromisso de fé com 0 natura-
philosophy, P. E p w a r d s , org.
lismo não estão em posição de proibir os teístas de sim-
plesmente acreditar que Deus existe e, portanto, que mi-
____,“ Theology and falsification” , em .Veit‫׳‬
essays in philosophical theology
lagres sejam identificáveis. Uma vez que seja dado aos na-
N. L. G e i s l e r , Miracles and the modern mind.
turalistas 0 privilégio de uma mera base de fé para 0 natu-
S. J aki, Miracles and physics.
ralismo, sem prova racional ou científica, outras
C.S. L e w i s , Milagres.
cosmovisões devem receber a mesma oportunidade.
T. Μ 1ΕΤ11Γ, ed., Did Jesus rise from the dead? The
Evidência da existência de Deus. Outra forma de
resurrection debate.
abordagem está disponível, no entanto: Os teístas po-
R. S w ix b i r n e , Miracles.
dem dar justificativa racional para a crença em Deus.
C. V an Tii , Defense of the faith.
Se bem-sucedidos, podem definir (mostrar a identifi-
cabilidade de) milagres no âmbito do reino sobrena-
Frazer, James. James Frazer (1854-1941) nasceu em
tural que têm razão para crer que existe. É exatamen-
Glasgow e estudou na Academia Larchfield, em
te isso que 0 argumento cosmológico e 0 argumento Helensburg, e nas Universidades de Glasgow e Cambridge.
teleológico fazem. Até 0 ponto em que se possa dar um De 1907 a 1919 lecionou antropologia social na Universi-
argumento racional para a existência de Deus, a críti- dade de Liverpool. Frazer foi importante para 0 lança-
ca de Flew é evitada. mento do jornal The Cambridge Review (1879). Fez a pri-
Resum o. Dois temas de Flew são uma ameaça séria à meira de suas Conferências Gifford em 1911 sobre“Crença
apologética cristã: 1 ) O argumento de que a crença em na imortalidade e a adoração aos mortos” . Entre 1890 e
Deus não é falsificável, e 2) 0 ponto de vista de que mila- 1912 produziu sua obra monumental, O ramo de ouro.
gres não são identificáveis. Há algumas maneiras de en- Esse livro e Folk-lore in the Old Testament [Folclore no
carar 0 desafio da verificabilidade. O cristianismo pode Antigo Testamento] (1918), em três volumes, foram pro-
ser comprovado por eventos no passado, presente e futu- duzidos em edições condensadas em 1922 e 1923, res-
ro. Um assunto mais sério é 0 ataque aos milagres. Ape- pectivamente. Frazer também escreveu The worship of
sar de Flew não afirmar que esse argumento elimina a nature [A adoração à natureza] (1926) e Thefear of the
possibilidade de milagres, ele poderia, se bem-sucedido, dead in primitive religion ]0 tnedo dos mortos na religião
prejudicar seriamente a apologética cristã (v. clássica, primitiva] (1933-1934).
apologética; hist órica, apologética). Se milagres não podem O ramo de ouro confere um colorido evolutivo à his-
ser identificados como eventos sobrenaturais, eles não têm tória das religiões. Frazer propôs que as religiões evoluí-
valor apologético. Um simples evento anormal na natu- ram a partir da mágica, passando pelo animismo e
reza não tem nenhum valor evidenciai para provar nada politeísmo, até 0 henoteísmo e, finalmente, para 0 mono-

além da existência da natureza. teísmo. Ele acusou 0 cristianismo de copiar os mitos pa-

Mas, como demonstrado acima, a apologética clássi- gãos. Apesar de seu uso seletivo e cômico de fontes que
ca pode escapar desses problemas, seja por pressupor a foram desatualizadas por pesquisas subseqüentes, as idéi-
existência de uma esfera sobrenatural (i.e., Deus), seja por as do livro ainda são amplamente aceitas.
oferecer evidência para sua existência. Enquanto houver Avaliação. A tese da evolução da religião de Frazer é
um Deus capaz de agir, ações especiais de Deus (mila- infundada por razões discutidas em detalhes em outros
gres) são possíveis e identificáveis. A única maneira de artigos. V milagres, mito e; mitraísmo; mitologia e o Novo
361 Frazer, James

Testamento; e ressurreição em religiões não-cristàs, relatos Isso claramente vai contra as noções animistas e
de. Entre as principais razões estão: politeístas de divindade.
Os mitos pagãos mais freqüentemente citados como 0 estudo de Frazer e seus críticos mostra de forma
modelos para 0 nascimento, morte e ressurreição de Cris- praticamente conclusiva que a tese de Frazer não é
to na verdade apareceram depois dos evangelhos (v. motivada pelos fatos, mas por sua visão evolutiva da
Yamauchi). Portanto, os autores cristãos não poderiam religião (v. D a rw in , C h a r le s ). Ele simplesmente pres-
ter copiado essas histórias. supôs isso. Sua contribuição foi uma apresentação en-
Há diferenças importantes nas versões pagãs e cris- genhosa do conhecimento existente numa estrutura
tãs. Por exemplo, os pagãos não acreditavam na ressur- específica.
reição (v. ressurreição, natureza física da) do corpo físico A visão evolutiva da religião foi, ela mesma, recente,
que morreu, mas na reencarnação da alma em outro ganhando popularidade apenas quando a teoria da evo-
corpo. Histórias pagãs eram todas sobre deuses poli- lução biológica (v. evolução biológica; elos perdidos)íoí po-
teístas (v. p o lite ís m o ), não sobre uma divindade pularizada por Charles Darwin em A origem das espécies
monoteísta (v. teísmo). (1859) eDescent ofman [Descendência do homem] (1871).
Há boas evidências de que 0 monoteísmo tenha A idéia evolutiva de Frazer é baseada em várias conjetu-
sido a primeira religião primitiva dos povos mais an- ras não provadas. Ela pressupõe que a evolução biológica
tigos de que se tem notícia, principalmente no Cres- é um fato, apesar de não ser comprovada. Também pres-
cente Fértil, e não 0 animismo ou 0 politeísmo (v. supõe que a evolução biológica descreve eventos nos ní-
veis social e religioso, 0 que não é conseqüência necessá-
monoteísmo p rim itiv o ). Os registros mais antigos de
ria em qualquer dos casos.
Ebla (v. e b la , tab u in h ãs de) e os livros do a t sobre a
Até a revisão feita por Theodore Gaster no livro de
Antigüidade, Gênesis e Jó, apontam para 0
Frazer afirma:
monoteísmo. O antropólogo W. Schmidt propõe uma
interpretação dos dados em que 0 monoteísmo é a
[A revisão] elimina, por exemplo, a discussão prolongada
visão mais p rim itiva de Deus. O anim ism o, 0
de Frazer sobre a relação entre a mágica e a religião, porque a
politeísm o e 0 henoteísmo são considerados
visão ali expressa, que sugere que as duas coisas estão em su-
corrupção posterior (Origin and growth: primitive
cessão genealógica [....], foi demonstrada como mero
revelation [Origem e crescimento: revelação primiti-
subproduto do evolucionismo do final de século xix, sem base
va]). William F. A lb r i g h t comenta:
adequada (Frazer, The new golden bough [0 novo ramo de ouro],
1959,xv-xv1).
Não pode haver mais dúvida que Fr. Schmidt refutou
com sucesso a progressão evolutiva simples [...] A teoria de Frazer também é baseada num anti-
fetichismo— politeísmo— monoteísmo, ou a progressão sobrenaturalismo infundado (v. m ilagres, argum entos
proposta por Tylor, animismo— politeísmo— monoteísmo c o n t r a ). A Bíblia ensina que Deus revelou-se especifi-
[...] O simples fato é que os fenômenos religiosos são tão camente a certas pessoas e geralmente a toda a huma-
complexos na origem e tão instáveis na natureza que a sim- nidade por meio da criação e da ordem moral (cf. Sal-
plificação excessiva é mais enganosa no campo da religião mo 19; Rm 1.18-20; 2.14,15). A visão evolutiva faz do
que talvez em qualquer outro campo (Albright, p. 171). monoteísmo um produto do desenvolvimento huma-
no. Deus era visto a princípio como algo na natureza e
Mesmo nas denominadas“religiõesprimitivas‫״‬exis- depois como algo além da natureza. Ele não se revela
tentes há um conceito muito difundido de um deus su- às pessoas.
perior ou celestial que os teólogos acreditam estar inti- Além desses fatores, foi demonstrado que mitos pa-
mamente ligado com 0 monoteísmo primitivo. John gãos são posteriores ao registro cristão de nascimento,
Mbiti descreveu trezentas religiões tradicionais. Mas “em morte e ressurreição. Ronald Nash observa que a crono-
todas essas sociedades, sem exceção, as pessoas têm logia está toda errada se as religiões pagãs influenciaram
uma noção de Deus como Ser Supremo (v. Mbiti, African os criadores dos mitos cristãos. Todas as fontes que fa-
religions andphilosophy [Religiões africanas efilosofia]). lam desses mitos pagãos são bem posteriores (Nash, p.
193). Os cristãos não poderiam ser os influenciados.
Albright também reconhece que os deuses superiores po- A conclusão é que as religiões pagãs provavelmente
dem ser onipotentes e lhes pode ser atribuída a criação do copiaram seus mitos do cristianismo (v. divinos, histó-
mundo; em geral são divindades cósmicas que ocasionalmen- rias de nascimentos; .mitraísmo; mitologia e o Novo Testamen-

te, talvez habitualmente, residem no céu (Albright, p. 170). to; ressurreição em religiões nào-cristãs, re la to s de).
Freud, Sigmund 362

Diferenças importantes entre as versões pagãs e cris- Reconheceu que: 1) Realmente há alguma verdade na re-
tãs também impossibilitam uma dependência cristã. ligião. 2) Na verdade, parte da religião pode ser comple-
Nash descreve seis diferenças entre a morte de Jesus e tamente verdadeira, e não pode ser definitivamente refu-
os registros de morte de deuses pagãos: 1) Nenhuma tada. 3) Seria muito importante se fosse verdadeira. 4)
divindade pagã morreu no lugar de um ser humano, Há um sentimento de dependência, do qual a religião
como Jesus. 2) Somente Jesus morreu para expiar os surgiu, que é compartilhado por todos. 5) A religião tem
pecados. 3) Jesus morreu de uma vez por todas, mas dado grande conforto às pessoas. 6) Certos objetivos da
divindades pagãs morriam e nasciam com os ciclos religião, como fraternidade e alívio do sofrimento, são
anuais da natureza. 4) A morte de Jesus foi um evento bons e corretos. 7) Historicamente, tem sido a parte mais
testemunhado na história; as histórias de divindades importante e influente da cultura. Freud até admitiu que
pagãs são apenas míticas. 5) Jesus morreu voluntaria- sua posição contra a religião poderia estar completamente
mente. 6) A morte de Jesus foi uma vitória, não uma infundada, mas mesmo assim a defendia firmemente.
derrota (Nash, 171-2). Da mesma forma, a ressurreição, Apesar desses benefícios, Freud acreditava que a re-
os conceitos cristãos de novo nascimento e redenção e ligião deve ser rejeitada por ser autoritária na forma,
os sacramentos todos diferem significativamente das desnecessária e inadequada. Ele suspeitava que estava
crenças e práticas religiosas pagãs (Nash). fundada num anseio ilusório de realização de desejos.
A religião é algo que queremos que seja verdadeiro, mas
Fontes não temos base para confiar além do nosso anseio. Em
W. F. A l b r i g h t , From the stone age to Christianity.
termos psicanalíticos, Deus é uma neurose da infância
J. F r a z e r , O ramo de ouro ( 1890-1912).
que não foi abandonada, 0 resultado de um anseio por
J. F r a z e r , 0 novo ramo de ouro (1959).
um tipo de proteção celestial. O fato de desejarmos ga-
E. 0. J a m e s , “ Frazer, James George” , em New twentieth-century
nhar na loteria não significa que ganharemos. 0 desejo
encyclopedia of religious knowledge.
de um pai para nos confortar em meio às dificuldades da
vida também é ilusório.
S. K i m , The origin ofPaul’s gospel.
Freud acreditava que a religião era prejudicial por-
J. S. Mbiti, African religion and philosophy.
que:
___ , Concepts of God in Africa.
1. Surge do desejo de um Consolador Cósmico.
J. G. M a ch ex, The origin of Paul’s religion.
2. Originou-se durante um período primitivo (de
___ , The virgin birth.
obscurantismo) do desenvolvimento humano.
R. N a sh , Christianity and the Hellenistic world.
3. Suga a energia do ímpeto de resolver os proble-
W. S c h m id t , High gods in S'orth America.
mas mundiais.
___ , The origin and growth of religion.
4. É egoísta e impaciente, querendo recompensa
___ , Primitive revelation.
imediata e imortal depois da morte.
E. Y a m a u c h i , “Easter — myth, hallucination, or history?” CT (29
5. Pode contribuir para a natureza passional e irra-
Mar. 1974; 15 Apr. 1974).
cional, por causa da doutrinação e repressão de
desenvolvimento sexual.
Freud, Sigmund. Pai da psicanálise, foi um dos ateus
6. Mantém as pessoas num estado perpétuo de
(v. ateísm o)mais influentes da modernidade (1856-
infantilidade e imaturidade.
1339). Suas posições sobre religião propiciaram uma
7. Seus adeptos são “bitolados”; não a abandonam
base racional amplamente aceita para a descrença em
voluntariamente sob nenhuma circunstância.
Deus. Por isso são examinadas minuciosamente pelos
8. Não é necessária; a humanidade agora tem a ci-
apologistas cristãos. ência para controlar 0 mundo e, com resignação,
Freud nasceu em 1856 em Freiberg, Morávia. Quan- pode viver com 0 resto.
do tinha três anos de idade, sua família se mudou para 9. Não trouxe satisfação pessoal e social em milha-
Viena, onde mais tarde ele freqüentou a universidade e res de anos de esforço.
estudou medicina. Casou-se com Martha Bernays, que 10. Tem uma base ilusória e falsa. É considerada ver-
lhe deu seis filhos. dadeira porque: a) nossos ancestrais primitivos
Além de suas obras sobre psicologia, Freud se preo- acreditavam nela; b) provas milagrosas foram
cupava com religião. Escreveu Totem e tabu e Moisés e 0 passadas desde a Antigüidade, e é prova de impi-
monoteísmo, mas sua obra mais eficaz em minar a cren- edade questionar sua autenticidade.
ça em Deus foi 0 futuro de uma ilusão, datada de 1927.
Visão d a relig iã o . Apesar de ser ateu, Freud en- justificações inadequadas para a religião. Se alguém
controu algumas características positivas na religião. purificasse a religião de todas as suas contradições, ela
363 Freud, Sigmund

ainda seria rejeitada, porque é apenas a realização pode ser verdadeiro e que ele esteja errado; ele tende a
de um anseio. Por que devemos acreditar nesse ab- relacionar a maioria das religiões ao tipo de dependên-
surdo, e não em outros? Não se deve simplesmente cia que Schleiermacher chama religião. Freud concor-
agir “como se fosse verdadeira” , contrariando nosso da com Schleiermacher em que a religião pode ser ver-
senso de realidade. dadeira e necessária.
Espiritismo e transes não justificam a religião. Essas Esses consentimentos fazem a rejeição geral da reli-
experiências só provam 0 estado mental subjetivo das gião por Freud parecer preconceituosa, injustificada e até
pessoas que as vivenciam. A religião não deve ser aceita cruel. Na verdade, ele finge não se importar com 0 fato de
em virtude de ser uma crença ancestral. Nossos ances- os princípios religiosos poderem ser verdadeiros, de que
trais eram ignorantes sobre muitas coisas. a religião tem objetivos altruístas, oferece conforto e é a
E não devemos aceitar a religião devido ao sentimen- parte mais significativa e influente da cultura humana.
to de dependência que está dentro de todos os seres hu- A dinâmica da religião. A suposição de que 0 dese-
manos (v. Schleierm acher, F rie d ric h ). Refletir unicamen- jo de satisfação está errado é tão claramente infunda-
te sobre esse sentimento é irreligioso; 0 que se faz a res- do quanto dizer que 0 desejo por comida e água é er-
peito desse sentimento de dependência é que constitui a rado. Freud supõe que tudo que a religião envolve é
religião. A religião não deveria ser aceita como uma res- um desejo de consolo. Mas algumas obrigações religi-
trição moral necessária. Uma base racional é melhor e é osas não são confortáveis. A pessoa as cumpre por um
aplicável a todas as pessoas, não só às religiosas. senso de dever para com Deus e os outros. Certamen-
Achar que Deus é indefinível e indescritível é inade- te, os que são perseguidos e martirizados não encon-
quado. Esse Deus incognoscível não é interessante para tram consolo.
os seres humanos. A ignorância cultural de nossos ancestrais não
Resposta às objeções. À objeção de que “a razão e a desqualifica automaticamente seu julgamento religioso,
ciência são lentas demais para dar 0 conforto e as res- não mais que a falta de treinamento formal significa que
postas necessárias” , Freud replicou que a razão per- alguém não possa ter sabedoria. Na verdade, 0 oposto
siste e é melhor em longo prazo. Freud admitiu que pode ser verdadeiro se a educação tem um objetivo im-
não há garantia de recompensa na razão e na ciência. plícito de induzir ao preconceito. A pessoa pode ser
Tal garantia é buscada por egoísmo. A razão é menos educada pela cultura secular longe de uma reflexão cui-
egoísta que a religião. Ele também admitiu que sua dadosa sobre assuntos religiosos.
visão poderia ser uma ilusão. Ele respondeu que a fra- Em vez de sugar a energia da preocupação com 0
queza de sua visão não prova que a religião esteja cor- mundo, a religião historicamente a tem estimulado
reta. Se fé na razão também é intolerante e dogmática, muito. Outro grande psicólogo, William James, demons-
pelo menos a razão pode ser abandonada sem castigo trou que os santos são fortes, não fracos. Seu clássico
por descrença. A religião, não. Varieties of religious experiences [ Variedades de expe-
À acusação de que a rejeição é perigosa para a ins- riências religiosas} concluiu que quem está em conta-
tituição e 0 trabalho da religião, Freud comenta que a to com um mundo mais elevado geralmente tem mai-
pessoa realmente religiosa não se incomodará com seu or motivação para mudar esse mundo. Por outro lado,
ponto de vista. não é egoísmo desejar a justiça ou receber uma recom-
Seriam os seres humanos demasiadamente pensa. 0 que há de errado em desejar 0 que é certo? Se
passionais para ser governados pela razão? Como a 0 correto não é feito nesta vida, por que não desejá-lo
sociedade sabe se são, uma vez que isso nunca foi na próxima, supondo que há uma esperança racional
tentado? “ Sem a religião, 0 resultado será 0 caos mo- de que exista um mundo por vir? Nessa mesma linha,
ral.” Não, afirma Freud. Pois a razão é uma base me- por que não recompensar 0 bem e castigar 0 mal? A
lhor para os valores morais. Também é falsa a idéia experiência ensina que essa é uma maneira valiosa de
de que somos indefesos sem a religião, pois temos a aprender 0 que é digno.
ciência e a habilidade de nos resignarmos a cuidar Com respeito às paixões humanas, a experiência
de nossos próprios problemas. demonstra que a religião verdadeira não contribui
Em geral 0 argumento ao qual Freud respondia era para a paixão descontrolada, exceto quando sentimen-
que, verdade ou não, os seres humanos não podem ficar tos religiosos são manipulados para servir a um pro-
sem consolação religiosa. Não é de admirar que Freud pósito nacionalista ou racial inadequado. Doutra for-
insista em que as pessoas precisam amadurecer. ma, a religião reprime e controla as paixões humanas.
Avaliação. É digno de nota que Freud não é con- A religião é um fogo que motiva a moralidade, um
tra a religião, mas contra a religiosidade dogmática e catalisador para 0 compromisso com os valores. É a
autoritária. Admite que até mesmo 0 tipo dogmático força motriz por trás do controle da paixão.
Freud, Sigmund 364

Já que os seres hum anos nunca abandonam sua de- ateísmo for verdadeiro, ele é, ao mesmo tempo, perigo-
pendência do universo ou do todo, por que rejeitá-la como so e destrutivo para a religião. Pois a crença em Deus é
inválida? Não é fraqueza dizer que sempre somos seres absolutamente fundamental para a maioria das formas
dependentes. Significa que som os constituídos com o cri- de religião. Além disso, Freud tem uma visão irreal da
aturas que precisam receber da mão do Criador. Supor natureza humana. Outro incrédulo, Thomas Hobbes,
que adm itir um a necessidade real é sinal de fraqueza psi- está mais perto da verdade. Nem a ciência nem a resig-
cológica é como dizer que fome e sede são neuroses. Todo nação substituem adequadamente a religião, como foi
m undo tem um a necessidade básica de compromisso, 0 evidenciado pelo desespero existencial das pessoas sem
que Paul Tillich cham ou “com prom isso supremo” . Freud Deus. E a razão é uma base incompleta para a morali-
adm itiu que seu com prom isso era com 0 deus da Razão dade. Precisamos de um Deus para explicar por que
(Logos). A questão não é se a pessoa tem um compromis- há razões universais para fazer certas coisas. Da mes-
so supremo, m as se aquilo com que está comprometida ma forma, a maturidade individual e a dependência
realmente é supremo. Ao contrário do que pensava Freud, cósmica não são incompatíveis. É possível ter um ca-
a religião é necessária. Os seres hum anos jam ais conse- ráter forte e ser totalmente dependente de Deus. Com-
guirão con trolar tu d o ou estar satisfeitos sozin hos. pare Moisés, Elias, Joana d’Arc e Oliver Cromwell.
Agostinho estava certo quand o disse que a alm a fica Uma resposta à afirmação de Freud de que a religião é
in quieta até encontrar seu descan so em Deus. Até os uma ilusão. É difícil colocar a posição de Freud num tipo
ateus existenciais m odern os (v. Camus, A lb ert; Sartre, de argumento que tem premissas a desafiar. Talvez 0 que
Jean-Paul) reconheceram sua necessidade de Deus (v. ele queira dizer seja 0 seguinte:
Deus, necessidade de).
A incapacidade de muitos em usar a religião ade- 1. Uma ilusão é algo baseado apenas num desejo,
quadamente não a invalida, assim como 0 adultério não
não na realidade.
invalida 0 valor do casamento. O valor da religião é mais 2. A crença em Deus tem as características de uma
bem visto pelos que a aceitam que pelos que a rejeitam.
ilusão.
Isso se vê na rejeição de Freud à Bíblia, como um livro
3. Logo, a crença em Deus é um desejo não baseado
não histórico, sem conferir a autenticidade dos docu-
na realidade.
mentos bíblicos. Sua rejeição à Bíblia não foi baseada
na razão nem na evidência. Tomando por empréstimo
É claro que nessa forma a premissa menor pode
seu próprio argumento, Freud rejeitou a Bíblia com base
ser desafiada facilmente. Nem todos que acreditam em
no próprio anseio, sem evidência racional. Freud não
Deus 0 fazem só porque querem um Consolador Cós-
dá atenção aos argumentos racionais ou experimentais
mico. Alguns acreditam em Deus porque têm sede de
da existência de Deus (v. D eus, evidências df.). Ele sim-
realidade. Muitos acreditam em Deus porque estão in-
plesmente os ignora.
teressados na verdade, não apenas por estar preocu-
É necessário dar uma resposta breve ao que Freud
pados em se sentir bem.
afirmou serem justificações inadequadas da religião.
Além disso, há muitas dimensões desconfortáveis
Freud está certo ao afirmar que a realização de anseios, a
da crença cristã em Deus. Deus não é apenas um Pai
crença diante do absurdo, a crença contrária à realidade,
provedor; ele também é um Juiz que castiga. Os cris-
os estados mentais subjetivos e as crenças ancestrais são
tãos acreditam no inferno, mas ninguém realmente
bases inadequadas para a crença. A religião não deve ser
deseja que ele exista.
aceita simplesmente porque é coerente, e certamente não
porque é absurda. Um Deus completamente indefinível é Freud pode ter invertido as coisas. Talvez nossas
de pouco interesse para 0 homem. imagens dos pais terrenos sejam baseadas em Deus,
Freud define a religião de forma diferente de e não 0 contrário. Talvez seja assim porque Deus nos
Schleiermacher, e por isso sua rejeição à dependência criou à sua imagem, e não 0 contrário. Talvez a cren-
absoluta é mal-argumentada. A moralidade não pre- ça cristã em Deus não seja baseada no desejo de cri-
cisa ser baseada apenas na razão ou na autoridade ar um Pai. Mas talvez a crença do ateu de que não há
religiosa; pode ser baseada na aceitação razoável de Deus seja baseada no desejo de m atar 0 Pai. Afinal, a
uma autoridade suprema. Bíblia declara que os desejos humanos rebeldes re-
A razão substituirá a religião? Freud afirma que não primem a verdade sobre Deus (Rm 1.18) porque as
está disposto para abrir mão da ciência, mas afirma pessoas decidem viver um estilo de vida contrário
que isso não é ilusão. Então a indisposição do crente ao caráter dele (v. SI 14).
de abrir mão de Deus também não deveria ser consi- 0 simples anseio humano por Deus não é a única
derada ilusão. Ao contrário da alegação de Freud, se 0 base para crer que Deus existe. Há boas razões para
365 fundacionalismo

crer que Deus existe (v. D e u s , e v id ê n c ia s d e ). Na me- Negá-los é negar 0 próprio conhecimento; não adianta ten-
lhor das hipóteses, 0 argumento de Freud só se apli- tar compreender os primeiros princípios. Se for possível
ca aos que não têm outra base além do próprio dese- ver através de tudo, então tudo é transparente. Mas um
jo de que Deus exista. Além disso, Deus pode existir mundo completamente transparente é um mundo invisí-
ainda que muitas (ou todas as) pessoas tenham 0 vel.“Ver atrave's” de todas as coisas é 0 mesmo que não ver
motivo errado para crer/ desejar que ele exista. Só (Lewis, p. 87).
porque alguém deseja ganhar na loteria não signifi-
ca que isso acontecerá. Algumas pessoas ganham. Só O argumento fundacional básico é que deve haver
porque muitos desejam um estilo de vida melhor não
uma base para todas as reivindicações da verdade e
significa que isso seja alcançável. Muitos obtêm.
que a regressão infinita (v. in f in it a , S é r i e ) nunca ofere-
Além disso, Freud confunde desejo com necessida-
ce um fundamento; só prorroga 0 oferecimento para
de. E se houver, como muitos ateus admitem, uma ne-
sempre. Logo, deve haver alguns princípios fundamen-
cessidade real de Deus no coração humano? Crianças
tais sobre os quais todo conhecimento se baseia. Tudo
sempre querem doce, mas precisam de comida. Se 0
que não é auto-evidente deve ser feito evidente em ter-
desejo por Deus é uma necessidade, não apenas um
mos de algo que é. Portanto, em última análise, deve
desejo, então a análise que Freud fez da experiência
haver alguns princípios auto-evidentes em torno dos
religiosa é inadequada.
Pode ser que a própria crença de Freud de que não há quais tudo mais pode tornar-se evidente.
Deus seja uma ilusão. Se alguém não deseja obedecer a Não é razoável tentar contorná-los. Portanto, não se
Deus, é muito mais fácil acreditar que não existe nenhum pode ter“mente aberta” sobre sua veracidade. Não se pode
Deus. Na verdade, para alguém que vive em pecado e re- nem ter uma mente sem eles.
belião contra Deus, é muito confortante acreditar que nem P rincípios fu n d a m en ta is . Os fundacionalistas clás-
ele nem 0 inferno existem (SI 14.1; Rm 1.18ss.). sicos geralmente concordam que as leis básicas da lógica
são princípios fundamentais. Elas incluem a lei da não-
Fontes contradição — que uma proposição não pode ser verda-
S. F reu d , Moisés e 0 monoteísmo. deira e falsa ao mesmo tempo e no mesmo sentido. Da
___ , 0 futuro de uma ilusão. mesma forma, os princípios análogos do terço (ou termo
___ , Toteme tabu. médio) excluído (ou algo é verdadeiro ou é falso,mas não
R. C. S p r o u l , If there is a God, why are there atheists? ambos) e da identidade (0 que é verdadeiro é verdadeiro,
N. L. G e i s l e r , Philosophy ofreligion, cap. 4. e 0 que é falso é falso) são princípios fundamentais.
P. V i t z , The religious unconsciousness ofSigmundFreud. Na metafísica, os fundacionalistas tradicionais ofe-
recem princípios, tais como: “ Existência é existir” ;
fundacionalismo. Fundacionalismo é a teoria do co- “ Inexistência é não existir” ; “Algo é existente ou
nhecimento (v. epistem ologia) que afirma a necessida-
inexistente” .
de de certos princípios fundamentais (v. primeiros prin-
Os primeiros princípios éticos incluem: “0 bem deve
cípios) como a base de todo pensamento. Em contra-
ser buscado” ; “0 mal deve ser evitado”; “Ou uma coisa é
partida, 0 coerentismo afirma que tais princípios não
boa ou é má” .
são necessários, mas que as idéias só precisam estar
Críticas. As críticas mais importantes ao fundacio-
ligadas como uma teia, de forma consistente, sem
nalismo são:
quaisquer princípios fundamentais absolutos.
Não h á consenso sobre os prim eiros princípios.
A r g u m e n t o a f a v o r d o fu n d a c i o n a l i s m o . Os
Nem todos concordam sobre quais princípios devem
fundacionalistas argumentam que nenhum conhe-
cimento, nem mesmo sobre idéias coerentes, seria ser incluídos nos princípios fundamentais. Em res-
possível sem que houvesse princípios fundamentais posta, os fundacionalistas demonstram que a inca-
como a lei da não-contradição. Esses princípios pos- pacidade de chegar a um acordo universal sobre 0
sibilitam saber que as idéias são coerentes, e não con- número de princípios fundamentais não significa
traditórias. Eles indicam que nenhuma teia fica sol- que eles não existam, assim como a incapacidade de
ta no ar; ela precisa estar ancorada em algum lugar. concordar sobre quantos princípios éticos existem
C. S. L e w is observou: não significa que não haja base absoluta para certo e
errado (v. m oralidade, natureza ab so lu ta d a), e que a não
Assim, esses primeiros princípios da Razão Prática concordância sobre quantas leis científicas existem não
são fundamentais para todo conhecimento e argumento. significa que elas não existam.
fundacionalismo 366

Não há base para os primeiros princípios. Mas se tudo para descobrir se esse é 0 caso. Por exemplo, é auto-
precisa de uma base, por que não procuramos a base para evidente que “a existência existe” , já que tudo que
os denominados princípios fundamentais? Qual é 0 fun- “existe” tem “existência” . Da mesma forma, é auto-
damento do fundacionalismo? evidente que “todo efeito tem uma causa” , já que um
Os fundacionalistas não argumentam que toda afir- “efeito” significa aquilo que é “causado” . Além disso,
mação precisa de uma base. Eles acreditam que todas só porque algumas coisas não são evidentes para to-
as afirmações que não são auto-evidentes precisam de dos não significa que não sejam auto-evidentes. A
um fundamento. Acreditam que afirmações que não são razão pela qual uma verdade auto-evidente pode não
evidentes em si devem tornar-se evidentes amparados ser evidente para alguém poderia ser pelo fato de a
por algo que seja auto-evidente. Quando se chega ao pessoa não a ter analisado cuifalha de forma algu-
auto-evidente, este não precisa ser evidente com base ma invalida a natureza auto-evidente do primeiro
em mais nada (v. r e a l is m o ). princípio.
O que é auto-evidente ?,Alguns discordam que não há
como saber 0 que é auto-evidente. Nem tudo que é consi- Fontes
derado auto-evidente para os fundacionalistas é auto- A r is t o t f .i .e s , Metafísica.

evidente para outras pessoas. Ν’ . L . G e i s l e r e R . M . B r o o k s , Come let us reason.

Para essa crítica, os fundacionalistas demonstram C. S. L e w i s , The abolition o f man.

que uma verdade auto-evidente é aquela cujo predicado L . M . R e g i s , Epistemology.

é redutível a seu sujeito, direta ou indiretamente. Logo, T o m a s d e A q u i n o , Suma teológica, P t. 1.

tudo que é necessário fazer é analisá-la claramente F. D. W i l h e m s e n , Man's know ledge o f reality.
Gg
genealogias. Do ponto de vista apologético, 0 proble- Gênesis 5, 1 1 1 Crônicas 1 .1 -2 8 Lucas 3.34-38
ma de genealogias “abertas” ou “fechadas” é 0 seguinte: Adão Adão Adão
se elas são abertas (têm intervalos), então por que apa- Sete Sele Sete
recem fechadas, especialmente em Gênesis 5 e 11, onde Enos Enos Enos
as idades exatas em que os filhos nasceram são menci- Cainã Cainã Cainã
onadas? Se são fechadas, então a criação da humanida- M aalaleel M aalaleel M aalaleel
de é estabelecida por volta de 4000 a.C., 0 que contradiz Jarede Jarede jarede
toda evidência histórica e científica de uma data mini- Enoque Enoque Enoque
ma da humanidade (v. G êxesis, DrAS de). Já que devem Matusalém Matusalém Matusalém
ser ou abertas ou fechadas, há um problema apologético Lameque Lameque Lameque
com relação à autenticidade do registro de Gênesis. Noé Noé Noé
Soluções para 0 problema. Posição da cronologia Sem Sem Sem
fechada. Segundo a posição da cronologia fechada, não Arfaxade Arfaxade Arfaxade
há intervalos nas listas de Gênesis 5 e 11 .Ambas estão — — Cainã
completas e dão todos os números necessários para Salá Salá Salá
determinar a idade da raça humana. Héber Héber Héber/Eber
Argum entos. A favor da posição da cronologia fe- Pelegue Pelegue Pelegue/Faleque
chada,argumentos diferentes foram oferecidos. 0 mais Reú Reú Reú/Ragaú
forte é 0 argumento p rim a facie. As genealogias pare- Serugue Serugue Serugue
cem ser fechadas. Pois, além de ser dada a idade em Naor Naor Naor
que 0 filho nasceu, e seu filho, e assim por diante, a Tera Terá Terá
idade total do pai depois de ter 0 filho também é dada. Abraão
Abrão Abrão/Abraão
Por exemplo, 0 texto diz: “Aos 130 anos, Adão gerou
um filho [...] e deu-lhe 0 nome de Sete [...] Viveu ao
Os supostos “ humanos” fossilizados não são descen
todo 930 anos e morreu. Aos 105 anos, Sete gerou Enos”
dentes de Adão. Foram explicados de formas diferen-
(Gn 5.3-6). Essa linguagem parece não deixar espaço
tes com o:l) uma raça pré-adâmica extinta entre
para intervalos.
Gênesis 1.1 e 1.2 (a “teoria do intervalo” ); 2) criaturas
Com uma exceção, nenhuma lista na Bíblia deixa
pré-humanas que tinham formas semelhantes a hu-
elos perdidos nessa genealogia. Há apenas duas ou-
manos, mas não eram realmente humanos; 3) frau-
tras listas desse primeiro período dadas por Gênesis 5
des (0 homem de Piltdown) ou más interpretações
e 1 1 , e ambas têm os mesmos nomes.
(como 0 “ homem de Nebraska” , que descobriram ser
A única exceção é Cainã (na lista de Lc 3). Fora isso,
desconsiderando as ortografias alternativas Salá/ Selá, baseado na identificação errada do dente de um por-
Héber/ Éber, Pelegue/ Faleque, Reú/ Ragaú, e 0 nome de co extinto).
Abrão mudado para Abraão, as listas são idênticas e não Finalmente, os proponentes da cronologia fecha-
revelam intervalos. Os mesmos nomes aparecem em to- da tentam explicar 0 intervalo nas listas (Cainã, Lc
das, sem gerações perdidas aparentes. 3.36) como um problema textual, tal como erro de
Argumenta-se que não há evidência sólida para a escriba ou a inclusão de outro filho de Arfaxade além
civilização humana ter começado antes de 4000 a.C. de Salá. Segundo essa posição, Salá e Cainã seriam
genealogias 368

irmãos. Logo, 0 nome de Cainã em Lucas 3 não repre- de civilizações pré-históricas e falando apenas da hu-
sentaria um intervalo nas cronologias completas de manidade “civilizada” , 0 tempo se estende a vários
Gênesis e Crônicas. milhares de anos antes de 4000 a.C. Houve uma civi-
Objeções à posição da cronologia fechada. A expli- lização no Egito bem antes dessa época. Evidências
cação implausível de Lucas 3.36. A tentativa de expli- científicas e históricas parecem descartar uma ge-
car que Lucas 3.36 não tem intervalos parece altamente nealogia fechada.
implausível. Não existe nenhuma autoridade manus- Genealogias abertas. /I evidência científica. Genea-
critológica real para omitir Cainã de Lucas 3.36. Essa logias abertas são a melhor solução para 0 problema.
seqüência está em todos os manuscritos principais e Como já foi discutido, mesmo descontando as
praticamente em todos os menores. Não há no texto afirmações exageradas de fósseis de seres humanos
absolutamente nenhuma indicação de que Cainã deva de supostos milhões de anos ou até centenas de mi-
ser incluído como irmão de Salá. A construção gra- lhares de anos, há forte evidência para a existência
matical é a mesma para todos os outros nomes na lis- de humanos “modernos” bem antes de 4000 a.C., di-
ta que eram filhos. Apesar de 0 grego colocar “de” sem ferentemente do que exigia a genealogia fechada.
a palavra/!//!o, os tradutores colocaram filho correta- A evidência bíblica. A evidência bíblica para a
mente, já que é isso que a expressão subentende em genealogia aberta com um número desconhecido de
todos os outros casos da lista. É uma petição de prin- gerações ausentes tem boa base. Primeiro, existem
cípio dizer que essa é uma exceção, quando tem a mes- as três gerações ausentes em Mateus 1.8, apesar de
ma construção. Não há precedentes em nenhuma das 0 grego gennaõ) (“gerou” ,“foi 0 pai de” ) ser usado.
listas genealógicas para classificar Cainã como algo Na cultura hebraica bíblica, ser p a i era considerado
além de pai de Salá. 0 mesmo que antepassado ou ancestral. Gerou pode
A única explicação alternativa é que tanto Gênesis significar “ foi ancestral de” . A palavra filh o (ben )
11 quanto 1 Crônicas 1 são esquemas que destacam os
pode significar descendente. Jesus foi 0 “ filho de
pontos importantes na árvore genealógica. Eles têm pelo
Davi” , apesar de pelo menos 31 gerações separarem
menos um intervalo conhecido nas suas genealogias.
Davi de Cristo (as 28 dadas em Mateus 1.17 mais as
Outros intervalos conhecidos. A genealogia de Cristo
três ausentes do versículo 8, que são encontradas
em Mateus 1 tem pelo menos um grande intervalo
em 1 Crônicas 3.11,12).
conhecido; apesar de 0 texto dizer que Jorão foi pai de
Em outro exemplo, uma comparação de lCrôni-
Uzias (v. 8), sabe-se pelo texto de 1 Crônicas 3 que três
cas 6.6-14 com Esdras 7.3,4 revela que Esdras omite
gerações ausentes separam Jorão de Uzias:
6 gerações entre Zeraías e Esdras:
Mateus 1.8 1 Crônicas 3.11,12 Há no mínimo uma geração faltando até mesmo
Jorão Jeorão na genealogia de Gênesis 5 e 11, que parece fechada.
— Acazias Isso demonstra que não importa 0 que 0 texto pare-
— )oás ça dizer, a cronologia deve ser interpretada por meio
— Amazias de uma genealogia aberta.
Uzias Azarias (mais conhe- Se não há intervalos nas genealogias de Gênesis 5 e
cid o por U zias) 11, surgem exemplos impossíveis. Pois ao acrescentar
Assim, já que há intervalos conhecidos nas genea- os números é possível determinar as seguintes datas de
logias, mesmo de um ponto de vista estritamente bí- nascimento e morte A.A. (após a criação de Adão):
blico as genealogias não podem ser consideradas fe-
chadas. 1Crônicas 6.6-14 Esdras 7.3,4
Evidência científica e histórica. Mesmo consideran- Zeraías Zeraías
do-se a interpretação mais conservadora do que cons- Meraiote Meraiote
titui um remanescente humano do “ homem moderno” , Amarias —
ainda é forte a evidência de que havia seres humanos Aitube —
bem antes de 4000 a.C. Os seres humanos parecem va- Zadoque —
gar pela América do Norte desde 10000 a.C. Mesmo que Aimaás —
todas as descobertas fósseis antes dos povos Cro- Azarias —
Magnon e Neandertal não fossem humanas, há vários ]oanã —
esqueletos completos desses grupos que datam de an- Azarias Azarias
tes de 10000 a.C. Mesmo descartando todos os fósseis Amarias Amarias
369 genealogias

Adão (1-930) (Êx 12.40,41). Já que Moisés tinha 80 anos na época


Sete (130-1042) do Êxodo (Êx 7.7), ele deve ter nascido mais de 350
Enos (235-1140) anos depois de Coate. Mas Coate era avô de Moisés ( lCr
Cainã (325-1236) 6.1-3). Isso faria com que a geração entre Coate e
Maalaleel (395-1290) Moisés (a saber, Anrão) durasse 350 anos, quando a
Jarede (460-1422) expectativa de vida do período de Moisés já havia sido
Enoque (622-987) diminuída para 120. Bem antes da época de Moisés,
Matusalém(687-1656) Abraão morreu aos 175 anos,Isaque aos 120, Jacó aos
Lameque (874-1651) 147 e José aos 110.
Noé (1056-2006) A Bíblia não sugere em lugar algum a soma dos
Sem (1558-2158) números dados em Gênesis 5 e 11. Nenhuma afirma-
Arfaxade (1658-2096) ção cronológica é deduzida desses números nem em
Salá (1693-2126) Gênesis 5 e 11 nem em qualquer outra parte das Es-
Héber (1723-2187) crituras. Não é fornecida nenhuma totalização em lu-
Pelegue (1757-1996) gar algum no texto bíblico do tempo que se passou
Reú(1787-2026) entre a criação e Abraão, como há para 0 tempo no
Serugue (1819-2049) Egito (Êx 12.40) e 0 tempo entre o Êxodo e Salomão
Naor(1849-1997) (lR s 6.1).
Terá (1878-2083) A simetria do texto argumenta contra 0 fato de ele
Abraão(2008-2183) ser completo. Teólogos observaram que 0 arranjo si-
Isaque (2108-2228) métrico de Gênesis 5 e 11 em grupos de dez defende
Jacó (2168-2315) sua compressão. Noé é 0 décimo nome depois de Adão,
e Terá 0 décimo depois de Noé. Cada um termina com
Prim eiro, Adão, 0 primeiro homem (v. A d ã o , um pai que tinha três filhos. Esse certamente é 0 caso
teria sido contemporâneo do pai de
h ist o r ic id a d e d e ), em Mateus 1, onde há três séries de 14 (0 sete duplo,
Noé. Pois Adão morreu no ano 930 Α.Α. (após a cria- número de integralidade e perfeição),pois sabemos que
ção de Adão). Lameque, pai de Noé, nasceu em 874 três gerações estão faltando em Mateus 1.8 (lC r
A.A. Isso significa que eles foram contemporâneos por 3.11,12).
56 anos. Da mesma maneira, Abraão só não foi con- Objeção à posição da genealogia aberta. Das obje-
temporâneo de Noé por uma diferença de dois anos. ções à posição da genealogia aberta que ainda não fo-
Mas não há indicação de que este seja 0 caso. ram discutidas, a mais importante é baseada na supos-
É mais implausível supor que Naor, 0 avô de ta interpretação implausível da linguagem de Gênesis 5
Abraão, tenha morrido antes de seu ancestral de sete e 11. Alega-se não só que parece exagero encontrar in-
gerações Noé. Pois Noé morreu em 2006 A.A. e Naor tervalos em Gênesis 5 e 11, dada a linguagem do texto,
morreu em 1997 A.A. como também parece eisegese (impor ao texto algo que
Isaque teria nascido 50 anos antes da morte de não se acha nele) em lugar de exegese (extrair do texto
Sem, filho de Noé. 0 que ali se acha). Afinal, 0 nome do pai e do filho são
Gênesis 10.4 diz que um homem (Javã) deu ori- citados, assim como a idade do pai quando teve esse
gem a povos, não indivíduos (e.g.,Quitim e Rodanim). filho, que se tornou pai do próximo filho com certa ida-
O im no final de seus nomes é plural, indicando uma de. Descrever a idade do pai na hora do nascimento do
pluralidade de povos — tribos ou nações. filho é inútil, a não ser que seja 0 filho imediato e não
Se não houver intervalos, surgem improbabilida- haja intervalos.
des significativas de população. Números 3.19,27,28 Em resposta, algumas questões importantes devem
diz que os quatro filhos de Coate originaram as famí- ser lembradas.
lias dos anramitas, isaritas, hebronitas e uzielitas, dos Primeira, a Bíblia vem de outra cultura e contexto
quais somente os homens eram em número de 8 600 lingüístico. A linguagem metafórica pode atrapalhar
apenas um ano depois do Êxodo. Logo, 0 avô de Moisés 0 leitor quando quer dizer algo diferente. No hebraico,
teve, só durante a vida de Moisés, 8 600 descendentes como no português, é possível falar dos quatro “can-
homens, 2 750 dos quais tinham entre 30 e 50 anos tos” da terra (Is 41.9; cf. Ez 7.2). A Bíblia está dizendo
(Nm 4.36). Essa realmente seria uma família prolifera. que 0 mundo é quadrado? Alguns críticos dizem que
Coate, filho de Levi, nasceu antes da ida de Jacó ao sim. Mas a terra também é descrita como um círculo
Egito (Gn 46.11), onde Israel ficou durante 430 anos ou globo (Is 40.22). É possível que quatro cantos seja
Gênesis, dias de 370

uma linguagem metafórica que pode significar a geo- J. | 0 R P A N ,"T h e b i b lic a l c h r o n o lo g y q u e s tio n : a n a n a ly s is ” ,

grafia compreendida pelos quatro “quartos” do compas- €<ή ·ϊ , 2.2 ( W i n t e r 1979, S p r in g 19 8 0 ).

so, assim como quando nós falamos? R . X ew m an , et a l‫״‬ G enesis one an d the origin o f the earth.
Segunda, como observado nas datas insustentáveis F. S c h a e f f e r , S o fin al conflict.
acima, até na Bíblia há forte evidência de intervalos nas B. B. W a r f ie l d , “ O n th e a n t i q u i t v a n d th e u n i t y o f th e h u m a n

genealogias. R a c e ” ,PTR, 1911.

Terceira, há maneiras de entender 0 texto de Gênesis


11 que permitem intervalos. A frase “e x viveu tanto anos Gênesis, dias de. O problema apresentado pela ciên-
e gerou v” pode significar“e x viveu tantos anos e tornou- cia moderna aos defensores da interpretação “ literal”
se 0 ancestral de y” . Isso não é especulação, pois em de Gênesis 1 é lendário: Como pode haver seis dias
Mateus 1.8 (“Jorão gerou a Uzias” ) significa exatamente literais de criação quando a datação científica tem
isso. “Gerou” deve significar “tornou-se ancestral de” , já demonstrado que a vida surgiu gradativamente ao
que lCrônicas 3.11,12 preenche três gerações ausentes longo de um período de muitos milhões de anos?
entre Jorão e Uzias. Isso não teria sido uma falha de S eis d ia s d e 2 4 horas. Os apologistas prontamen-
Mateus, pois a genealogia da linhagem de Davi era co- te observam que esse problema é grave só para aque-
nhecida por todos os judeus. les que acreditam em seis dias sucessivos de 24 ho-
Alusões quanto à idade do pai na hora do nascimen- ras (= 144 horas) de criação. Isso não se aplica a ou-
to do filho não são necessariamente insignificantes. Só tras posições de 24 horas nem à posição que inter-
porque não sabemos 0 motivo pelo qual Deus incluiu preta “dias” como sendo longos períodos de tempo.
algo no texto não significa que não houve propósito para Argumentos a favor dos dias solares. O problema é
fazê-lo. É um pouco presunçoso dizer a Deus 0 que ele ampliado pelo fato de haver evidência przmafa cie que
deveria ou não ter colocado na sua Palavra inspirada. indica que os dias de Gênesis 1 realmente são perío-
B. B. W arfietd sugere que essa informação deve “deixar dos de 24 horas. Considere os seguintes argumentos:
uma impressão vivida em nós do vigor e da grandeza O significado norm al deyom . O significado nor-
da humanidade naqueles velhos tempos da plenitude mal da palavra hebraicayom (“dia” ) é 24 horas, a não
do mundo” (Warfield). Esse detalhe dá credibilidade ao ser que 0 contexto indique 0 contrário. Mas 0 contex-
fato de que as pessoas viviam até idade extremamente to não indica nada além de um dia de 24 horas em
avançada antes do dilúvio (v. cjêncja e a B íblia ). Faz sen- Gênesis 1.
tido saber que homens que viveram tanto tempo não 05 números estão em série. Quando números são
tiveram filhos aos 16 anos, como homens que vivem usados numa série ( 1 , 2 ,3...) de dias, referem-se a
apenas 70 anos. Mesmo descontando a idade avançada dias de 24 horas. Não há exceção a isso em outra
de Noé para ter filhos (500), a idade média para ter um parte do a t.
filho em Gênesis 5 está acima de 100 anos de idade. Isso A expressão “tarde e m an h ã”é usada. A frase“hou-
certamente é apropriado para alguém que viveu até 800 ve tarde e manhã” denota cada período. Já que 0 dia
ou 900 anos. literal de 24 horas no calendário judaico começava
C on clu sã o. A evidência apóia a posição de que a no pôr-do-sol e terminava antes do pôr-do-sol do dia
Bíblia não nos dá em Gênesis S e l l uma cronologia seguinte, Gênesis 1 deve referir-se a dias literais.
fechada, mas sim uma genealogia resumida. Isso é sus- Os dias são com parados a uma sem ana de traba-
tentado pela evidência bíblica interna de gerações au- lho. Segundo a Lei de Moisés (Êx 20.11), a semana de
sentes,mesmo em Gênesis 11,como também por expe- trabalho judaica de domingo a sexta-feira devia ser
riência externa que a humanidade data de bem antes seguido de descanso no sábado, assim como Deus ha-
de 4000 a.C. Se esse for 0 caso, não há conflito real nes- via feito na sua semana de seis dias da criação. Sabe-
se assunto entre a Bíblia e a ciência nem entre a Bíblia e mos que a semana de trabalho judaica refere-se a seis
si mesma. A genealogia aberta dá uma linhagem preci- dias sucessivos de 24 horas.
sa de descendência para os propósitos de linhagem, mas A vida não p od e existir sem luz. Segundo Gênesis
não satisfaz nossa curiosidade sobre a data da criação 1, 0 Sol e as estrelas só foram feitos no quarto dia
humana. (1.14), mas havia vida no terceiro dia (1.11-13). A
vida, no entanto, não pode existir muito tempo sem
F o n tes luz. Logo, os “dias” não podem ter sido longos perío-
M . A k s ta y , C hronology o f the Old Testament. dos de tempo.
A. C u sta xc l, The g en ealog ies o f the Bible. As plantas não podem viver sem animais. As plan-
W. H. G reen , “ P r i m e v a l c h o r o n o lg v ” , W . K a i s e r , o r g .,Essays in tas foram criadas no terceiro dia (1.11-13), e os ani-
Old Testam ent interpretation. mais, só no quinto dia (1.20-23). Mas há uma relação
371 Gênesis, dias de

simbiótica entre plantas e animais, um dependendo e então não há necessidade de considerar os outros dias
do outro para a sobrevivência. Por exemplo, as plan- como sendo de 24 horas, já que todos usam a palavra
tas liberam oxigênio e recebem 0 dióxido de carbono yom e têm uma série de números com eles.
e os animais fazem 0 inverso. Então, plantas e animais Os seis períodos são comparáveis a uma sem ana de
devem ser criados juntos, não separados por longos trabalho. É verdade que a semana da criação é compa-
períodos de tempo. rada a uma semana de trabalho (Êx 20.11). Mas não é
Resposta aos argumentos. Apesar desses argumen- raro no at comparações em termos de unidades, em
tos, a questão ainda não tem solução definitiva. Aqueles vez de minutos. Por exemplo, Deus designou quarenta
que rejeitam a posição dos seis dias solares respondem: anos de peregrinação para quarenta dias de desobe-
Dia (yôm) p od e significar um longo período. Ge- diência (Nm 14.34). E em Daniel 9.24-27,490 dias são
ralmente a palavra hebraica yôm significa 24 horas. comparados a 490 anos.
Mas 0 significado em Gênesis 1 é determinado pelo Sabemos que 0 sétimo dia é mais que 24 horas, já
contexto, não pela maioria. Mesmo nessa passagem, que, segundo Hebreus 4,0 sétimo dia ainda está acon-
em Gênesis 1 e 2, yôm é usado para toda a criação. tecendo. Pois Gênesis diz que“N0 sétimo dia Deus [...]
Gênesis 2.4 refere-se ao“tempo [jóm ]” em que foram descansou” (2.2), mas Hebreus 4.5-10 nos informa que
criados. A palavra hebraica aparece em outra passa- Deus ainda está nesse descanso de sábado no qual
gem para longos períodos, como em Salmos 90.4 (ci- entrou depois de criar.
tado em 2Pe 3.8): “ De fato, mil anos para ti são como 0 Quando surgiu a luz? A luz não foi criada no quar-
dia de ontem que passou” . to dia, como os defensores do dia solar argumentam.
Dias numerados não precisam ser solares. E não há Antes, foi feita já no primeiro dia, quando Deus disse:
regra na linguagem hebraica exigindo que todos os “ Haja luz” (Gn 1.3). Quanto à razão para haver luz no
dias numerados em série refiram-se a dias de 24 ho- primeiro dia e 0 Sol não aparecer até 0 quarto dia, há
ras. Ainda que não houvesse exceções no a t, isso não duas possibilidades. Alguns estudiosos observaram
significaria que “dias” em Gênesis 1 não pudesse refe- um paralelismo entre os três primeiros dias (luz, água
rir-se a um período maior que 24 horas. Mas há outro e terra — totalmente vazia) e os três dias seguintes
exemplo no at. Oséias 6.1,2 diz: “ Venham, voltemos (luz, água e terra — cheia de criaturas). Isso pode in-
para 0 S enhor. Ele nos despedaçou, mas nos trará cura dicar um paralelismo em que 0 primeiro 0 quarto dia
[...] ele nos dará vida novamente; ao terceiro dia nos cobrem 0 mesmo período de tempo. Nesse caso
restaurará, para que vivamos em sua presença” . Cia- estamos lidando com três períodos de tempo, não seis,
ramente 0 profeta não está falando de “dias” solares, e 0 Sol existiu desde 0 princípio. Outros argumentam
mas de períodos mais longos no futuro. Todavia, ele que, apesar de 0 Sol ter sido criado no quarto dia, ele
numera os dias em série. não apareceu visualmente até 0 quarto dia. Talvez isso
Houve um princípio e um fim . O fato de essa frase tenha acontecido por causa de uma nuvem de vapor
geralmente referir-se a dias de 24 horas, não significa que permitia que a luz passasse, não a forma distinta
que ela sempre seja usada dessa forma. Gênesis 1é um dos corpos celestes emanando luz.
bom candidato a exceção. Além disso, se tudo em Nem todas as plantas e animais são interdependen-
Gênesis 1 for considerado num sentido estritamente tes. Se Gênesis 1é um paralelismo, compreendendo três
literal, a frase “tarde e manhã” não compreende um dias, como sugerido acima, então 0 problema de plan-
dia de 24 horas, mas apenas 0 final da tarde e começo tas e animais criados separadamente desaparece. E
da manhã. Isso é bem menos que 24 horas. Técnica- algumas plantas e animais são interdependentes, mas
mente 0 texto não diz que 0 dia era composto de “tar- nem todos. O Gênesis não menciona todas as plantas
de e manhã” (0 que faria um dia de 24 horas judaico). e animais, mas apenas alguns.
Mas fala simplesmente que “ Passaram-se a tarde e a Se os dias são seis períodos sucessivos, então es-
manhã; esse foi 0 primeiro dia” (1.5). A frase pode es- sas formas de vida vegetal e animal que precisam umas
tar no sentido figurado, indicando 0 começo e fim de das outras poderiam ter sido criadas juntas. Na ver-
um período definido de tempo, assim como nos refe- dade, a ordem básica dos eventos é de dependên-
rimos ao “amanhecer da história” ou ao “entardecer cia. Por exemplo, muitas plantas e animais podem
da vida” . existir sem seres humanos (e foram criados primei-
Finalmente, se todos os dias nessa série de sete fo- ro), mas seres humanos (que são criados no último
rem considerados 24 horas, então por que a expressão dia) não podem existir sem plantas e animais.
“tarde e manhã” não é usada para 0 sétimo dia? Na “D ia s ” co m o p e río d o s d e tem po. Outros cristãos
verdade, como veremos, 0 sétimo dia não é de 24 horas, ortodoxos acreditam que os dias de Gênesis envolvem
Gênesis, dias de 372

longos períodos de tempo. Eles oferecem evidência bí- Adão demonstrou que esperava Eva havia algum tempo
blica e científica para essa posição. (Gn2.23).
A evidência bíblica para dias longos. Há muitas in- Eva foi trazida para Adão, que a observou, aceitou‫־‬a e
dicações no texto das Escrituras para apoiar a crença uniu-se a ela (Gn 2.22-25).
de que os “dias” da criação foram mais longos que 24
horas. As mais freqüentes para apoiar essa posição são Parece pouco provável que todos esses eventos,
explanadas a seguir. principalmente 0 segundo, estivessem compreendi-
Dia (yom) freqüentem ente significa tempo. Voltan- dos num período de 24 horas.
do ao significado das palavras, deve-se observar como A evidência cientifica para dias longos. A maior
yom é usado na Bíblia. A palavra às vezes significa um parte da evidência científica estabelece uma idade
dia profético, um tempo futuro significativo, como em para um mundo de bilhões de anos. A idade do uni-
“dia do S enhor” (Jl 2.31; v. 2Pe 3.10). Como observado verso é baseada na velocidade da luz e na distância
acima, “mil anos [...] são como 0 dia de ontem” . Em das estrelas, assim como na velocidade de expansão
Salmos 90.4 e 2Pedro 3.8. E em Gênesis 2.4, a palavra do universo. Rochas primitivas foram datadas com
resume toda a criação. Isso indica um significado am- base na radioatividade, de bilhões de anos. Conside-
pio da palavra yom na Bíblia é paralelo ao significado rando apenas a velocidade em que 0 sal escorre para
da palavra portuguesa dia. 0 oceano e a quantidade de sal ali existente, chega-se
Como observado acima, Hebreus 4.3-5 ensina que a milhões de anos (v. origens, ciência das).
Deus ainda está nesse descanso do sétimo dia após a P osições s o b re os d ia s d e G ênesis. É claro que, se
criação, descrito como um dia em Gênesis 2.2,3. Esse os dias de Gênesis são longos períodos de tempo, não
dia, então, tem pelo menos 6 mil anos de duração, mes- há conflito com a ciência moderna sobre a idade da
mo nas cronologias mais curtas. terra. Mas, ainda que os dias de Gênesis sejam dias
O terceiro dia é mais longo. No terceiro “dia” Deus de 24 horas, ainda há maneira de conciliar longos pe-
criou a vegetação e a fez amadurecer. Pois 0 texto diz: ríodos de tempo com Gênesis 1 e 2.
“A terra fe z brotar a vegetação: plantas que dão semen- Posição do dia revelatório. Alguns teólogos con-
tes de acordo com as suas espécies, e árvores cujos fru- servadores sugerem que os “dias” de Gênesis podem
tas produzem sementes de acordo com as suas espéci- ser dias de revelação, não dias de criação (Wiseman).
es. E Deus viu que ficou bom” (Gn 1.12, grifo do autor). Isto é, Deus levou uma semana solar literal (de 144
Mas crescer de semente à maturidade e produzir mais horas) para revelar a Adão (ou Moisés) 0 que ele ha-
sementes é um processo que leva meses ou anos. via feito nas eras antes de os seres humanos serem
O sexto dia é mais longo. Também parece que 0 sex- criados. Até as passagens de Êxodo (20.11) que fa-
to dia foi bem mais longo que um dia solar. Considere lam que Deus “fe z ” [1asa] 0 céu e a terra em seis dias
tudo que aconteceu nesse período de tempo (v. podem significar “revelou” .
Newman, Apêndice 111): Assim como um profeta pode receber uma revela-
ção de Deus projetando uma série de eventos futuros
Deus criou todos os milhares de animais terrestres (Gn (v. Dn 2,7,9; Ap 6-19), Deus também pode revelar uma
1.24,25). série de eventos passados a um de seus servos. Na ver-
Deus formou 0 homem do pó (Gn 2.7), como um oleiro dade, Moisés ficou no monte santo por quarenta dias
(cf.Jr 18.2s.). (Êx 24.18). Deus poderia ter levado seis desses dias
Deus plantou um jardim (Gn 2.8), sugerindo atividade para revelar os eventos passados da criação para ele.
envolvendo tempo. Ou, depois que Deus criou Adão, ele poderia ter levado
Adão observou e deu nome a todos aqueles milhares de seis dias literais para revelar a ele 0 que havia feito an-
animais (Gn2.19). tes de Adão aparecer. Alguns teólogos acreditam que
Deus prometeu: “ Farei para ele alguém que 0 uma au- esse material poderia ser memorizado e passado adi-
xilie e lhe corresponda” (Gn 2.18), denotando um tempo ante como a primeira “ história das origens dos céus e
subseqüente. da terra” (Gn 2.4), assim como as outras histórias (lit.,
Adão procurou uma auxiliadora para si, aparentemente genealogias) foram aparentemente registradas e pas-
entre as criaturas que Deus havia feito: “ Todavia não se en- sadas adiante (p.ex., Gn 5.1; 6.9; 10.1).
controupara 0 homem [implicando um tempo] alguém que Posição de dias e eras alternadas. Outros teólogos
0 auxiliasse e lhe correspondesse” (Gn 2.20, grifo do autor) evangélicos sugeriram que os “dias” de Gênesis são pe-
Deus fez Adão dormir por um tempo e operou nele, ti- ríodos de 24 horas de tempo nos quais Deus criou as
rando uma de suas costelas e curando a carne (Gn 2.21). coisas mencionadas, mas que estão separados por
373 Gênesis, dias de

longos períodos entre eles. Isso explicaria as indi- A velocidade da luz pode mudar. Apesar de E in s t e in
cações de grandes períodos de tempo em Gênesis 1e as considerá-la absoluta, e a ciência moderna considerá-
indicações de que havia dias de 24 horas envolvidos. la imutável, não pode ser provado que a velocidade da
Teorias de intervalo. C. I. Scofield popularizou a luz nunca mudou. No entanto, a velocidade da luz (c.
posição de que poderia haver um grande intervalo de 300 000 km/s) é pressuposta em muitos argumentos em
tempo entre os dois primeiros versículos da Bíblia nos favor de uma terra antiga. Mas, se a velocidade da luz é
quais todas as eras geológicas se encaixam. Dessa constante e se Deus não criou os raios de luz junto com
maneira os dias poderiam ser de 24 horas, e 0 mundo as estrelas, então aparentemente 0 universo tem bilhões
ainda poderia ter muitos milhões de anos ou mais. de anos. Pois ao que tudo indica são necessários mi-
Outros acreditam que pode haver um “intervalo” , lhões de anos para essa luz chegar até nós. Porém são
ou melhor, um lapso de tempo antes de os seis dias de grandes “claúsulas condicionais” , que ainda não foram
24 horas começarem. Nesse caso, 0 primeiro versículo provadas. Na verdade, parece que não podem ser pro-
da Bíblia não se referiria necessariamente à criação vadas. Então, enquanto 0 argumento com base na velo-
ex nihilo original de Deus (v. c r ia ç ã o , v is õ e s d a ), mas a cidade da luz a favor do universo antigo pode parecer
ações mais recentes de Deus na formação de um mun- plausível, não é uma prova definitiva.
do que havia criado antes (v. Waltke). A datação radioativa faz pressuposições. Sabe-se
Então há maneiras de acomodar longos períodos bem que u235 e u238 liberam isótopos de chumbo
de tempo e ainda aceitar uma interpretação basica- em determinado ritmo. Ao medir a quantidade de seu
mente literal de Gênesis 1e 2. Não há necessariamen- depósito, é possível calcular quando a decomposição
te um conflito entre Gênesis e a crença de que 0 uni- começou. Muitas rochas primitivas na crosta terres-
verso tem milhões ou até bilhões de anos. tre foram datadas de bilhões de anos por esse méto-
Q uanto é a id a d e d a te r r a ? Parece não haver ma- do. Novamente, por mais plausível que possa pare-
neira de provar quanto tempo 0 universo realmente cer, isso não é definitivo. Pois é preciso supor pelos
tem, nem com base na ciência nem com base na Bí- menos duas coisas para chegar à conclusão de que 0
blia. Há intervalos conhecidos e possíveis nas genea- mundo tem bilhões de anos. Primeiro, é preciso su-
logias bíblicas. E há pressuposições improváveis em por que não havia depósitos de chumbo no princí-
todos os argumentos científicos para uma terra anti- pio. Segundo, é preciso supor que 0 ritmo de decom-
ga, isto é, uma terra de milhões ou bilhões de anos. posição sempre foi estável durante toda a história.
Intervalos no registro bíblico. O bispo James Usher Nenhuma das duas hipóteses pode ser provada. Logo,
(1581-1656), cuja cronologia foi usada na antiga Bí- não há como comprovar pela datação radioativa que
blia de Scofield, argumentou que Adão foi criado em 0 mundo tem bilhões de anos.
4004 a.C. Mas seus cálculos são baseados na suposi- Não há conflito. O mesmo é aparentemente verda-
ção de que não há intervalos nas genealogias de deiro com relação a todos os argumentos para uma
Gênesis 5 e 1 1 . Sabemos, no entanto, que isso é falso terra antiga.
(v. GENEALOGIAS, ABERTAS OU FECHADAS). P0ÍS ã Bíblia dlZ: Por exemplo, os oceanos têm determinada quan-
“Arfaxade [...] gerou a Salá” (Gn 11.12), mas na tidade de sais e minerais neles, e estes escorrem para
genealogia de Jesus em Lucas 3.36 “ Cainã’ é colocado 0 oceano num ritmo fixo a cada ano. Pela matemática
entre Arfaxade e Salá. Se há um intervalo, pode haver simples pode-se determinar a quantos anos isso vem
outros. Na verdade, conhecemos outros. Por exemplo, acontecendo. Mas aqui também deve-se supor que não
Mateus 1.8 diz:“Jorão, [gerou] a Uzias” , mas a listagem havia sais e minerais no oceano no princípio e que 0
paralela em 1Crônicas 3.11 -14 ilustra gerações ausen- ritmo não mudou. Um dilúvio global, como 0 que a
tes entre Jeorão e Uzias (Azarias), a saber,Acazias, Joás Bíblia descreve, certamente teria mudado 0 ritmo de
e Amazias. Quantos intervalos há na genealogia bíbli- depósitos durante aquele período.
ca e qual 0 tempo de cada intervalo não se sabe. Mas Isso não quer dizer que 0 universo não tenha bi-
os intervalos existem, logo, cronologias completas não lhões de anos. Pode ter. No entanto, todos os argu-
podem ser feitas, mas apenas genealogias precisas (li- mentos a favor da idade antiga partem de pressupo-
nhagens de descendência) são apresentadas. sições que não podem ser provadas. Com isso em
Pressuposições nos argumentos científicos. Há mui- mente, as seguintes conclusões são adequadas: Não
tos argumentos científicos para 0 universo antigo, al- há conflito demonstrado entre Gênesis 1 e 2 e 0 fato
guns dos quais são persuasivos. Mas nenhum desses científico. O conflito real não é entre a revelação de
argumentos é incontestável, e todos eles podem estar Deus na Bíblia e ofato científico, mas entre algumas
errados. Alguns exemplos ilustrarão por que não de- interpretações cristãs da Bíblia e muitas teorias de
vemos ser dogmáticos. cientistas com relação à idade da terra.
gnosticismo 374

Na verdade, já que a Bíblia não diz exatamente a de Maria [Madalena], a Sofia de Jesus, Atos de Pedro e
idade do universo, a idade da terra não é um teste de 0 Apócrifo de João. λ primeira tradução de um trata-
ortodoxia. Na verdade, muitos teólogos evangélicos or- do, 0 Evangelho da verdade, apareceu em 1956, e uma
todoxos afirmam que 0 universo tem milhões ou bi- tradução de 51 tratados, inclusive 0 Evangelho de
lhões de anos, inclusive Agostinho, B. B. Warfield, John Tomé, apareceu em 1977.
Walvoord, Francis Schaeffer, Gleason Archer, Hugh Ross L íd eres. Os pais da igreja primitiva acreditavam
e a maioria dos líderes do movimento que produziu a que 0 gnosticismo começara no século 1 e que Simão,
famosa Declaração de Chicago sobre a inerrância da 0 mágico de Samaria (At 8), foi 0 primeiro gnóstico.
Bíblia (1978). De acordo com os pais da igreja, Simão praticava ma-
gia, afirmava ser divino e ensinava que sua companhei-
Fontes ra, uma ex-prostituta, era Helena de Tróia reencarnada.
Agostinho, Cidade de Deus, Livro 11. Hipólito (m.236) atribuiu 0 Apophasis megale [ Ogran-
N. L. G e isle r, Knowing the truth about creation. de anúncio] a Simão. O discípulo de Simão, um antigo
H. M o rris , Biblical cosmology and modern science. samaritano chamado Menandero, que lecionou em
___ , The Genesis record. Antioquia da Síria no final do século 1, ensinava que os
R . Newman, Genesis one and the origin o f the earth. que acreditavam nele não morreriam. Essa afirmação
B. Ramm, The Christian view of science and Scripture. foi anulada quando ele morreu.
H .R o s s , Creation and time. No início do século n, Saturnino (Satórnilo) afir-
B. W a ltk e , The creation account in Genesis 1:1-3,5 v. mou que 0 Cristo incorpóreo era 0 redentor, negando
D. Wisem an, Creation revealed in six days. que Cristo realmente tivesse se encarnado como ho-
D. Young, Christianity and the age o f the earth. mem. Essa crença é compartilhada com 0 d o c e t is m o .
E. Young, Studies in Genesis one. Nesse período, Cerinto, da Ásia Menor, ensinava 0
adocia-nismo, a heresia segundo a qual Jesus tinha sido
gnosticismo. Os gnósticos se seguiram a vários movi- apenas um homem sobre 0 qual Cristo descera no ba-
mentos religiosos que enfatizavam agnose ou 0 conhe- tismo. Já que Cristo não podia morrer, abandonou Je-
cimento, principalmente sobre a origem da pessoa. O sus antes da crucificação. Basilides do Egito foi consi-
d u a lis m o cosmológico também era uma característica derado dualista por Ireneu e monista por Hipólito.
do sistema — mundos espirituais opostos do bem e do Um dos gnósticos mais polêmicos, apesar de
mal. O mundo material estava alinhado com 0 mundo atípico, foi M a r c ià o do Ponto. Ele acreditava que 0
sombrio do mal. Deus do at era diferente do Deus do x t e que 0 cânon
Ninguém conhece com certeza a origem do das Escrituras incluía apenas uma versão truncada
gnosticismo. Alguns acreditam que começou com um de Lucas e dez das epístolas de Paulo (todas, menos
grupo herético dentro do judaísmo. Os proponentes as Epístolas pastorais). Suas teorias foram severa-
dessa teoria citam O apocalipse de Adão e A paráfrase mente atacadas por Tertuliano (c. década de 160-c.
de Sem como antigos documentos gnósticos que reve- 215). Marcião tornou-se um estímulo para a igreja
lam uma origem judaica. Outros dão a ele um contexto primitiva definir oficialmente os limites do cânon (v.
cristão. Uma forma incipiente pode ter-se infiltrado na a p ó c r if o s ; B íb l ia , c a n o n ic id a d e d a ).

igreja em Colossos ou pode ter tido uma base comple- Valentim de Alexandria foi outro gnóstico proe-
tamente pagã. Durante os séculos 11 a iv 0 gnosticismo minente. Veio a Roma em 140 e ensinava que havia
foi considerado uma séria ameaça por pais da igreja uma série de emanações divinas. Dividiu a humani-
como A g o s t in h o , Justino M á r t ir , I r e n e u , C l e m e n t e de dade em três classes: 1 ) hiléticos ou incrédulos, que
A l e x a n d r ia , T e r t u l ia n o e O r íg e n e s . estavam imersos na natureza material e carnal; 2 )
F o n tes p r im á r i a s . O livro de Ireneu, Contra as he- cristãos psíquicos ou comuns, que viviam pela fé e
resias, dá um tratamento extenso ao que os gnósticos atividades pneumáticas; 3) gnósticos espirituais. En-
acreditavam. Três códices gnósticos escritos em copta tre seus seguidores estavam Ptolomeu, Herácleo,
foram publicados. Dois foram descobertos em N ag Teódoto e Marcos. A interpretação de João por
H a m m a d i , Egito, em 1945.0 Códice Askewia-nus con- Herácleo é 0 primeiro comentário conhecido do n t .
tém Pistis Sophia, Códice Brucianus contém O livro Crenças de característica gnóstica persistiram
de Jeú. O mais conhecido entre os documentos de Nag até 0 século iv. Entre as manifestações posteriores es-
Hammadi é 0 E v a x g e l h o d e T o m é . Uma terceira obra tavam 0 maniqueísmo, uma seita dualista que enga-
desse período, Códice Berolinensis, foi encontrada em nou Agostinho na sua vida pré-cristã. Contra ela
outra parte e publicada em 1955. Contém 0 Evangelho Agostinho escreveu muitos tratados.
375 Greenleaf, Simon

E n s in a m e n to s . Já que 0 gnosticismo carecia de levantou-se, depois de ter tragado 0 visível através do invisí-
uma autoridade comum, ele compreendia várias cren- vel, e nos deu 0 caminho para a imortalidade [...] Mas se so-
ças. A base da maioria, se não todas, era: mos manifestos nesse mundo ao vesti-lo, somos seus raios e
estamos cercados por ele até nosso crepúsculo, que é nossa
1 . O dualismo cósmico entre espírito e matéria, bem morte nesta vida. Somos elevados por ele como raios pelo sol,
emal. sem sermos impedidos por nada. Isso é a ressurreição espiri-
2. A distinção entre 0 Deus finito do a t , /ave,que tual que traga 0 psíquico junto com 0 carnal (Malinine,p.45).
era igualado ao Demiurgo de P l a t ã o , e 0 Deus
transcendental do n t . O gnosticismo como movimento organizado pra-
3. A visão da criação como resultante da queda ticamente morreu. O único remanescente atual acha-
de Sofia (Sabedoria). se no sudoeste do Irã. Mas muitos ensinamentos
4. A identificação da matéria como maligna. gnósticos continuam entre os adeptos da Nova Era,
5. A crença em que a maioria das pessoas são ig- existencialistas e críticos da Bíblia. O reavivamento do
norantes sobre sua origem e condição. interesse no Evangelho de Tomé pelo chamado Semi-
6. A identificação de fagulhas de divindade que nário Jesus é um exemplo disso. Também há uma ten-
estão encapsuladas em certos indivíduos es- dência, mesmo entre alguns teólogos evangélicos (v.
pirituais. Geisler), de negar a natureza física da ressurreição. Mas
7. A fé num Redentor docetista, que não era real- 0 gnosticismo continua vivo hoje de forma ampla no
mente humano nem morreu na cruz. Esse re- movimento da Nova Era (Jones).
dentor trouxe salvação na forma de uma gnose Avaliação. O gnosticismo foi muito criticado pe-
secreta ou um conhecimento que foi comuni- los pais da igreja primitiva, principalmente Ireneu,
cado por Cristo após sua ressurreição. Tertuliano, Agostinho e Orígenes, apesar de Orígenes
8. O objetivo de escapar da prisão do corpo, atra- aceitar algumas de suas posições. A posição deMarcião
vessando as esferas planetárias de demônios com relação ao cânon é criticada nos artigos a p ó c r if o s
hostis e reunindo-se com Deus. do Novo T e s t a m e n t o e B íb l ia , c a n o n ic id a d e d a . Para mais

9. A salvação baseada não na fé nem nas obras, comentários sobre 0 gnosticismo, v. os artigos C r is t o ,
mas num conhecimento especial ou gnose da m o r te de; d o c e t is m o ; d u a l is m o .

própria condição.
10. A visão confusa da moralidade. Carpócrates Fontes
incentivou seus seguidores a se empenharem A g o s t in h o , The anti-manichean writings.
em promiscuidade deliberada. Epifânio, seu C. A. E vans, Nag H am m adi texts and the Bible.
filho, ensinava que libertinagem era a lei de A. F r e d e r ic k , e t al‫ ״‬The gnostic gospels.
Deus. A maioria dos gnósticos, no entanto, ti- X. L. G e i s l e r , The battle for the resurrection.
nham uma posição muito ascética com rela- R. M. G rant, Gnosticism and early Christianity.
ção ao sexo e ao casamento, argumentando que a P. J o n e s , Spirit wars.
criação da mulher era a fonte de todo mal e a M . M a e in in e , e t al‫ ״‬De resurrection.
procriação de filhos só multiplicava 0 número J, M. R o b i n s o n , The Xag H amm adi library in English.
de pessoas escravizadas pelo mundo material. F. S e ig e r t , et al., Xag-Hammadi-register.
A salvação das mulheres dependia de um dia T e r t u l ia n o , Contra os valentinianos.
se tornarem homens e voltarem às condições ___ , Chico livros contra Marcido.
do Éden antes de Eva ser criada. Por incrível ___ , Sobre a carne de Cristo.
que pareça, as mulheres eram proeminentes ___ , Da ressurreição da came.
em muitas seitas gnósticas. E . Y a m a u c h i, Pre- C hristian gnosticism.
11. A interpretação do batismo e da santa ceia
como símbolos espirituais da gnose. gnósticos, evangelhos. V. g n o s t ic is m o ; E van gelho de

12. A visão da ressurreição como sendo espiritu- T o m e ; N ag H a m m a d i , e v a n g e lh o s d e.

al, não física (v. r e s s u r r e i ç ã o , n a t u r e z a f í s i c a d a ).


Greenleaf, Simon. Uma das grandes mentes da história
Um dos códigos de Nag Hammadi, De resurrectione jurídica americana (1783-1853). Ele não só lecionou di-
[Da ressurreição] afirma que: reito na Universidade de Harvard como também produ-
ziu 0 principal estudo de evidência legal em três volumes
O Salvador tragou a morte [...] Pois colocou de lado 0 mun- (.4 treatise on the law of evidences [Tratado sobre a lei
do que perece. Transformou-se em um éon incorruptível e das evidências], 1842-1853) usado para ensinar aos
Greenleaf, Simon 376

advogados as regras de evidência legal e 0 meio pelo segundo, de sua capacidade; terceiro, de seu número
qual a autenticidade dos documentos e testemunhas e da consistência de seu testemunho; quarto, da con-
pode ser testada. formidade do testemunho com a experiência; e quin-
Quando desafiado a aplicar essas regras aos docu- to, da coincidência de seu testemunho com circuns-
mentos do n t, Greenleaf produziu um volume The tâncias colaterais.” De acordo com esses princípios, 0
testimony of the evangelists [O testemunho dos evange- n t é um registro autêntico (v. tb. re ssu rre içã o , eyidên-
listas] que defende a autenticidade do nt. A obra defen- cias da; testem unhas, c r it é r io de Hum e r a ra ).
de um elo importante no argumento apologético geral C ertez a m oral. Sobre a natureza da certeza mo-
a favor do cristianismo — a confiabilidade das teste- ral, Greenleaf escreveu (p. 24):
munhas do n t.
Um N ovo T esta m en to a u têntico . As conclusões de Mas a prova de questões de fato repousa apenas na
Greenleaf incluem fortes indicações de evidência. As evidência moral; 0 que significa não apenas a espécie de
seguintes citações são retiradas de sua obra: evidência que não obtemos nem dos nossos próprios sen-
tidos, nem da intuição, nem da demonstração. Nos assun-
“A todo documento, aparentemente antigo, que vem tos comuns da vida não exigimos nem esperamos evidên-
do repositório ou custódia adequados, e não apresen- cia demonstrativa, porque ela é incoerente com a natureza
tando nenhuma marca evidente de falsificação, a lei pre- das questões de fato, e insistir na sua apresentação seria
sume genuíno e faz retornar à parte oposta 0 encargo irracional e absurdo.
de provar 0 contrário” , escreveu Greenleaf. De acordo
com essa “Regra do documento antigo”, 0 x t seria consi- Em geral, Greenleaf considerou-se persuadido por
derado autêntico, já que não apresenta nenhum sinal de um alto nível de probabilidade de que os relatos sejam
falsificação e está sob custódia adequada da igreja no verdadeiros:
decorrer dos séculos, como é demonstrado pela evidên-
cia manuscritológica (v. Novo Testam ento,m anuscritos do). Então a força da evidência circunstancial é considera-
“Nas questões de interesse público e geral, todas as da dependente do número de pormenores envolvidos na
pessoas devem ser supostamentes versadas, com base narrativa; da dificuldade de fabricar todos eles, se falsos, e
no princípio de que indivíduos são versados nos pró- da grande facilidade de detecção; da natureza das circuns-
prios interesses” . Aplicado às testemunhas do n t, isso tâncias a serem comparadas, e das quais as datas e outros
significaria que os livros que vêm delas devem ser con- fatos devem ser coletados; da complexidade da compara-
siderados autênticos, já que versavam sobre seus pró- ção; do número de passos intermediários no processo de
prios interesses. dedução, e da estrutura da investigação.
“ Em julgamentos de fato, pelo testemunho oral, a Nas narrativas dos autores sagrados, tanto judeus quan-
investigação adequada não é pela possibilidade do tes- to cristãos, existem muitos exemplos desse tipo de evidên-
temunho ser falso, mas pela probabilidade suficiente cia, cujo valor mal se pode estimar adequadamente. Como
de que seja verdadeiro” . Já que há evidência provável já foi afirmado, isso não eqüivale a uma demonstração ma-
de que as testemunhas do n t disseram a verdade (v. temática, nem esse nível de prova pode ser justamente exi-
Novo T estam en to , h is to ricid a d e d o ), a possibilidade de gido relações em qualquer conduta moral. Em todas as rela-
que pudessem estar mentindo não supera a verdade ções humanas, 0 nível mais elevado de segurança a que po-
de seu testemunho. demos chegar, antes da evidência denossos sentidos, é 0 da
“Uma proposição do fato é provada quando sua veracida- probabilidade. 0 máximo que pode ser afirmado é que a nar-
de é estabelecida por evidência competente e satisfatória” .Há rativa é mais provavelmente verdadeira que falsa; e pode ser
evidência competente e satisfatória da veracidade do registro verdadeira no mais alto nível de probabilidade, mas ainda
do n t (v.arqueologia do Novo Testamento). não chegar à certeza matemática absoluta (p. 45).
“Na ausência de circunstâncias que gerem suspei-
ta, toda testemunha deve ser considerada digna de cré- C on clu sã o. A conclusão de Greenleaf já diz tudo:
dito, até que 0 contrário seja demonstrado; 0 ônus de
contestar sua credibilidade repousa sobre a parte opos- As narrativas dos evangelistas agora são submetidas à
ta” . 0 n t, como outros livros, deve ser considerado ino- leitura cuidadosa e exame do leitor, sob os princípios e pelas
cente. Esse é 0 oposto do princípio de “considerado cul- regras já afirmadas [...] Seu trabalho é de um advogado, exa-
pado até que prove ser inocente” usado pelos críticos minando 0 depoimento das testemunhas pelas regras de
negativos (v. c r ít ic a da B íb lia ). sua profissão, para averiguar se, caso elas testificassem as-
“ O crédito devido ao depoimento das testemu- sim sob juramento, num tribunal de justiça, teriam sido
nhas depende, primeiramente, de sua honestidade; consideradas confiáveis; e se suas narrativas, como as temos
377 Guilherme de Occam

agora, seriam recebidas como documentos antigos, vindos sem que houvesse mundo? Aplicando Occam a um cé-
da custódia adequada. Se esse for 0 caso, então acredita-se tico posterior, 0 “demônio” concebido por René Descar-
que todo homem honesto e imparcial agirá em conformi- tes (1596-1650) não poderia nos enganar para acredi-
dade com esse resultado, recebendo tal testemunho em toda tarmos que um mundo inexistente existe?
aextensão de seu significado. Mesmo sem engano malevolente, por que 0 Deus
benevolente não poderia criar as impressões que de-
Fontes sejasse sem que houvesse qualquer objeto externo que
S. G , A treatise on the law of evidences.
r een lea f a elas correspondesse?
___, The testimony of the evangelists. Ceticismo metodológico. Occam também supôs 0
princípio de economia de causas, conhecido por nava-
Guilherme de Occam. O ceticismo moderno (v. lha de Ockham. Esse instrumento também provou ser
agnosticism o) não começou com David Hume. Come- útil para os céticos posteriores, com seu princípio de
çou no final da Idáde Média com William de Occam simplicidade ou economia de causas. Apesar de a afir-
(1285-1349). Occam foi contemporâneo mais jovem mação de Occam ser: “Não multiplique causas sem ne-
deDuns Scotu s (1266-1308) e Tomás de A q uino (1224- cessidade” ,ela foi popularizada (corrompida) pela idéia:
1274). Viveu no final da Idade Média e contribuiu para “A causa mais simples é a melhor explicação” ,ou: “Quan-
0 surgimento da Idade Moderna. Embora 0 ceticismo to menor, mais verdadeiro” . Isto é: “O mais simples é 0
tenha florescido com David Hume (1711-1776), suas verdadeiro” . Quando isso é combinado ao princípio de
raízes estavam em Guilherme de Occam. onipotência, as conseqüências podem ser desastrosas.
O pensamento de Ockham teve influência signifi- Por exemplo, Deus poderia criar a impressão de que há
cativa sobre 0 empirismo radical e 0 ceticismo de um mundo físico sem que haja um. Essa explicação mais
Hume, 0 situacionismo ético de Joseph Fletcher (v. simples seria, então, a verdadeira. Essa, realmente, é a
m oralidade, natureza absoluta de), o idealismo de George conclusão a que 0 bispo Berkeley chegou mais tarde.
B e r k e le y (1685-1753), a antitransubstanciação de Ceticismo apologético. Occam não era cético
Martinho L u t e r o (1483-1546), assim como sobre 0 com relação à existência de Deus. Era um teísta. No
voluntarismo ético, 0 nominalismo e a univocidade da entanto, seu ceticismo minou a defesa apologética do
linguagem religiosa (v. a n a lo g ia ,p rin cíp io da). teísmo. Suas objeções ao argumento cosmológico an-
Ceticismo epistemológico. Seu ceticismo foi ma- teciparam Hume e Immanuel K a n t . Occam levantou
nifesto em três níveis: epistemológico, metodológico pelo menos três dúvidas com relação ao argumento
e apologético. Quanto à epistemologia foi um nomina- cosmológico (Occam, 129ss; v. Deus, objeções aos ar-
lista e um empirista cético. GU M EN T O S A FAVOR D E ).

Occam não confiava em seus sentidos. Enfatizava A possibilidade de uma série infinita. Occam ne-
a intuição. Afirmou que as essências ou universais são gou que a regressão essencialmente relacionada e in-
abstrações mentais baseadas em coisas reais (v. rea- finita de causas (v. in fin itas, séries) fosse impossível (v.
lism o). Mas Occam acreditava que a essência era ape- ΚΑ1.ΛΜ, argum ento cosm ológico). Como causas essenci-
nas invenção sem base na realidade. Tais coisas como almente relacionadas (p. ex., um pai gerando um fi-
a natureza humana não eram reais. Apenas seres hu- lho) não precisam ser simultâneas, elas poderiam ser
manos individuais existem. causas originárias e não meramente conservativas. O
O nominalismo tem sérias implicações quando apli- pai não é a causa continuada da existência do filho. Só
cado à queda da humanidade e sua redenção. Como se essa simultaneidade da causa conservativa atual for
pode um ser pecador herdar uma natureza, se não exis- acrescentada ao conceito de uma série essencialmen-
te natureza? Como Cristo pode assumir a natureza te relacionada de causas, argumentou Occam, é que
humana e morrer por todos, se não há natureza hu- uma regressão infinita é impossível.
mana? Como alguém pode ter uma crença ortodoxa É contraditório afirmar que não há Primeira Cau-
na Trindade, que afirma que Deus é três pessoas numa sa para 0 que continua sendo conservado em existên-
essência, se não existe essência? cia agora. Portanto, 0 argumento cosmológico é váli-
Occam argumentou que, como Deus era onipoten- do em referência ao que existe agora, mas não para
te, podia fazer qualquer coisa. Podia criar a idéia da ár- qualquer criação original.
vore na nossa mente, mesmo sem a presença de uma Conhecimento de causas eficientes. Antecipando
árvore (v. Deus, natureza d e ) .Isso,é claro, rebaixou a cren- Hume, Occam baseou 0 conhecimento de causas efi-
ça no processo de “conhecer” algo. A pessoa podia “co- cientes na experiência (v. cau sa lid a d e, princípio d a).
nhecer” com certeza algo que não existia. Deus não Causalidade é definida como “aquilo cuja existência ou
podia criar a idéia de um mundo nas nossas mentes presença é seguida por algo” (Maurer, p. 270). A distinção
Guilherme de Occam 378

antecipa a crítica de Hume de que não há base na expe- Avaliação. O ceticismo epistemológico de Occam
riéncia para fazer uma ligação necessária entre causa e é discutido nos artigos causalidade, princípio da; pri-
efeito. Mas a inevitabilidade da conclusão do argumento meiros princípios; Hum e, D avid, e realism o. 0 ceticismo

cosmológico depende da necessidade da conexão entre apologético é tratado em cosmológico, argumento; Deus,
causa e efeito. Occam colocou então sua navalha no cor- objeções às provas de; Hume, D avid e K a n t , Im m anuel.

dão central que unia 0 argumento cosmológico. Quanto ao ceticismo metodológico de Occam, da-
Incapacidade de provar um Deus. Occam também das suas premissas, a “navalha de Occam” não funcio-
afirmou que não se podia provar em sentido absoluto a na em debates sobre Deus, já que pressupõe a existên-
existência de apenas um Deus (v. teísmo; Deus, n atureza cia do Deus onipotente como premissa. Mesmo a su-
: ξ ) . Apenas se a unidade de Deus for interpretada como posição de que Deus pudesse criar idéias em nós sem
"0 Ser mais perfeito que realmente existe” é que se pode objetos externos não significa que ele fa ria isso. 0 Deus
dizer que a unidade de Deus foi provada. Se, no entan- teísta de Occam não é apenas onipotente, mas total-
to, como os teístas cristãos insistem, a unidade de Deus mente benevolente. E 0 Deus benevolente não engana
refere-se ao Ser “mais perfeito” possível, a unidade de (v. essencialismo divino) .O ceticismo de Occam não fun-
Deus não pode ser provada. A proposição “ Deus existe” ciona sem 0 princípio questionável da parcimônia.
não é auto-evidente. Muitos duvidam disso, e uma pro- Mas como alguém pode provar que supor 0 mínimo
posição auto-evidente não pode ser colocada em dúvi- possível de causas é a maneira de determinar 0 que é
da. E a unidade absoluta de Deus também não pode ser verdade? Isso não é um primeiro princípio. Na me-
conhecida por meio de outras proposições, que tam- lhor das hipóteses, é apenas um guia geral em ques-
bém podem ser postas em dúvida, nem pela experiên- tões científicas. Não é uma regra universal em ques-
tões metafísicas.
cia, pois a experiência só pode prover tal unidade ao
Por que supor que 0 mundo externo é redundante?
que é real, não ao que é possível.
Deus pode ter bons propósitos para ele. Usando a pró-
Portanto, não há maneira de demonstrar que Deus
pria “navalha de Occam” , pode-se dizer que é uma ex-
é absolutamente um.
plicação mais simples admitir que 0 mundo objetiva-
L in g u a g e m re lig io sa u n ív o ca . Numa área
mente real envia impressões a todos, que supor que
Occam foi contra 0 ceticismo. Falou firmemente con-
Deus precise criar impressões em todo ser humano
tra qualquer conceito equívoco ou analógico aplica-
individualmente. A explicação de Occam de que Deus
do a Deus. Occam argumenta convincentemente que
criaria idéias diretamente de um mundo externo em
nenhum conceito pode ter significado totalmente
todo ser humano é deus ex machina. Occam invoca 0
diferente ou equívoco quando aplicado a Deus. Pois,
sobrenatural para salvar sua conclusão do colapso.
se tivesse, não teríamos idéia do que significava.
Mais uma vez, é mais simples nesse caso dar uma ex-
Semelhantemente, 0 conceito análogo deve ter um
plicação natural que invocar uma sobrenatural.
elemento de semelhança, senão seria totalmente di-
ferente. Esse elemento de semelhança é realmente
Fontes
unívoco. Logo, sem conceitos unívocos não podemos
0. F. M. B o e h n e r , “ Introdução”, em William of
saber nada sobre Deus.
Ockham, Philosophical writings.
Apesar de analisar bem os conceitos unívocos, N . L . G e i s l e r e W . C o r d l ’a x , Philosophy o f religion.
Occam parece não entender a necessidade de predicação E. G iis o n ‫־‬, History o f Christian ph ilosop hy in the
analógica, como suposta por Aquino. Isto é, devemos m id d le ages.
definir termos usados por Deus e pelas criaturas da A . M a c r e r , Medieval philosophy.

mesma maneira, mas eles são aplicados de forma dife- W i l l ia m o f O c k h a m , E.xpositio super librum
rente. Deus é infinitamente bom, mas as criaturas só periherm enias.
podem lutar por bondade finita. Bondade não pode ser ___ , Ordinatio ( d . h , q . vm.prima redactio).
aplicada univocamente ou da mesma maneira ao infi- ___ , Philosophical writings.
nito e ao finito (v. a n alo g ia, princípio da). __ _, Summa totius logicae (1, c.xiv).
Hh
h a ã ith , supostos milagres na. V. Maom é, supostos mi- volumes de suas obras publicadas (Meuller,p.411).Apa-
la g re s de. rece uma vez no “ Prefácio” de seu Fenom enologia do es-
pírito, onde afirmou que essa fórmula vinha de Kant e
Hegel, Georg Wilhelm Friedrich. V ida e o b ra s d e rejeitou-a, chamando-a “esquema sem vida” (ibid., p.
H egel. Hegel (1770-1831) nasceu em Wurtenberg, Ale- 412). O especialista hegeliano Gustav Meuller afirmou
manha, numa família luterana. Seu pai era oficial do que “a lenda mais aborrecedora e devastadora de Hegel
governo. Hegel se entediava com professores enfado- é que nele tudo é visto em ‘tese, antítese e síntese’” (ibid.,
nhos e “ faltava a” muitas aulas. Lecionou na Universi- 411). A lenda foi espalhada por Karl Marx por causa de
dade de Jena, onde ele e F. W. J. Schelling lutaram con- sua compreensão distorcida de Hegel.
tra a onda de ceticismo. Hegel era luterano e ao que A lei da não-contradição. Hegel não é claro quanto
parece freqüentava a igreja regularmente. ao status da lei da não-contradição (v. primeiros princípi-
Suas principais obras incluem Lições sobre a filo- os). Às vezes ele parece negá-la, afirmando que “todas
sofia da história, Filosofia da natureza, Enciclopédia
as coisas são contraditórias” , que “0 movimento é por si
das ciências filosóficas em compêndio, A razão na his-
uma contradição existente” e que “só enquanto algo se
tória, Lições sobre a filosofia da religião, sua obra prin-
contradiz é que se move, tem impulso ou atividade”
cipal,Fenom enologia do espírito e Filosofia da estética.
(Acton, p. 443-4). Na verdade, ele nem a menciona como
I n fl u ê n c i a s s o b re H eg e l. Como a maioria das
categoria separada de pensamento no seu Ciência da
grandes personagens da história, Hegel baseou-se em
lógica. Alguns acreditam que ele só afirma va que há
muitos que vieram antes dele. Para mencionar alguns
contradições no nível finito que são resolvidas no Ab-
de principais, de P la t ã o aprendeu que 0 significado do
soluto. Outros acreditam que ele não usava 0 termo no
homem é encontrado no estado; que a filosofia é a ex-
seu sentido lógico e técnico, mas apenas no sentido prá-
pressão mais elevada da realidade; e que toda deter-
tico no desenrolar da dialética da história. Outros acre-
minação é pela negação. De P lo t in o , Hegel aprendeu a
ditam que 0 termo se refere a uma doença necessária
ver 0 mundo e a consciência como manifestação do
do pensamento a caminho da verdade absoluta. Hegel
Absoluto — uma forma de panteísm o. De Baruch
afirma que um “círculo quadrado” ou um “círculo de
Espinosa, aprendeu sobre a inseparabilidade entre Deus
e a natureza e, portanto, 0 anti-sobrenaturalismo. De vários lados” é contraditório (Acton, p. 444). É claro que,
Immanuel K a n t Hegel, concluiu que devemos come- se Hegel quis dizer que a lei da não-contradição (v. pri-
meiros princípios) não se aplica a todas as alegações da
çar com 0 fenômeno da experiência e usar 0 método
transcendental para chegar à verdade. É claro que seu verdade, então sua teoria era incoerente.
treinamento judaico-cristão lhe ensinou uma visão li- 0 argum ento transcendental. Seguindo a prática de
near da história. Kant, Hegel argumentava transcendentalmente, ape-
E p is te m o lo g ia d e H egel. A teoria de Hegel do co- sar de acreditar que isso resultava em absolutos no
nhecimento não é fácil de transmitir brevemente. Mas conteúdo e na forma de conhecimento. Ele acreditava
alguns de seus aspectos são claros. que havia duas opções: realism o e transcendentalismo.
Dialética d e Hegel. Para começar, é necessária uma Isto é, podemos ignorar Kant e voltar ao realismo in-
palavra sobre 0 que Hegel não acreditava. Apesar de gênuo ou ampliar Kant e desenvolver um transcenden-
usar a palavra “dialética” , ele não acreditava no tipo talismo (v. tra n s c e n d e n ta l, a rg u m ento ). Ele escolheu a
marxista (v. M a r x , K a r l ) de dialética de tese-antítese- segunda. Como Kant, acreditava que formas a priori na
síntese. Esse trio não aparece nenhuma vez nos oito mente garantem a certeza. Ao contrário de Kant, no
Hegel, Georg W. F. 380

entanto, Hegel julgava que mesmo 0 conteúdo nosso co- dimensão espiritual). Depois passa para 0 homem cor-
nhecimento é absoluto.Argumentou que 0 conhecimen- poral (a dimensão material). Finalmente, volta-se para
to parcial (relativo) é impossível porque pressupõe co- 0 homem integrado, ser autoconsciente (a dimensão
nhecimento do todo (0 absoluto). ética).
O processo transcendental de conhecer começa com No espírito objetivo a distinção entre sujeitos é
0 conhecimento tal como se nos apresenta (nos fenò- vencida. Tudo é parte da unidade maior — 0 espírito
menos de nossa experiência) e depois continua até en- humano. Portanto, no homem como um todo a
contrar suas condições necessárias. 0 teste do conheci- dualidade é vencida à medida que 0 todo se posiciona
mento é consistência e coerência. Mas nosso conheci- acima das partes e as une. Em resumo, não há Deus se-
mento não pode persistir a não ser que esteja baseado parado da natureza. Deus é dependente da natureza.
em alguma forma maior de conhecimento. E a regres- A visão de Hegel do cristianismo. A encarnação.
são não pode ser infinita (senão não saberíamos nada). Hegel considerava 0 cristianismo (luteranismo) a re-
Portanto, eventualmente devemos chegar ao conheci- ligião absoluta, a manifestação mais elevada do Abso-
mento absoluto, que é a confirmação de todo 0 outro luto até então. Isso é manifesto especialmente na
(conhecimento inferior). encarnação de Deus em Cristo, na qual Deus apareceu
Visão de Hegel sobre Deus. Provas da existência na terra num homem específico numa época específi-
de Deus. Hegel acreditava que havia vencido as obje- ca. Aqui 0 Infinito se identifica com 0 finito.
ções de K a n t para a existência de Deus (v. Deus, obje- O centro da religião é a encarnação. O Espírito
ções às provas da sua ex istên cia). Numa série de pales- Absoluto é onde a dualidade entre Deus e homem é
tras, defendeu 0 argum ento o n to ló g ico para a existên- vencida. Isso é feito em três fases: arte, religião e fi-
cia de Deus (v.Acton, p. 449). losofia. A arte é apenas uma manifestação limitada
Panteísmo evolucionário. A metafísica de Hegel é
(em imagens) do Absoluto. A religião realiza uma
um tipo de panteísmo evolucionário realizado no pro-
manifestação mais elevada do Espírito Absoluto na
cesso histórico. Também pode ser considerada uma
verdadeira liberdade revelada em símbolos. Então, a
forma de panenteísmo, já que há uma bipolaridade de
essência da religião é a cristologia — 0 Deus-homem
Deus e do mundo. De qualquer forma, a história é 0
que morreu e ressuscitou. Quando ele morreu, Deus
conjunto “dos passos” de Deus na areia do tempo. Ou
e 0 homem morreram. Porém, quando ressuscitou,
melhor, a história é a revelação de Deus no mundo tem-
nem Deus nem 0 homem ressuscitaram, mas 0 Espí-
poral. É a conquista progressiva do mundo pelo Espí-
rito Absoluto em que Deus e 0 homem se uniram.
rito Absoluto.
Hegel acreditava que a manifestação mais elevada
Metafísica dialética. A metafísica de Hegel é um exem-
do Absoluto está na filosofia. É a Idéia eterna, a
pio de como sua dialética funcionava. Primeiro, ele co-
epitome, 0 mais completo de todos os conceitos. Essa
meça com a lógica, que pressupõe a idéia eterna. Essa é
é apenas a “categoria” mais elevada de todo pensamen-
a mais vazia de todas as noções, desprovida de conteú-
to e existência, não 0 ponto mais elevado de realiza-
do. Representa Deus como ele é em sua essência eterna
ção. Jamais poderemos “alcançar” 0 Espírito Absoluto,
antes da criação do espírito finito.
ele sempre desaparece, deixando apenas a longa es-
A seguir, há a filosofia da natureza. Essa é a criação
trada do argumento que leva a ele. Logo, enquanto
sem Deus. Mas a criação deve estar relacionada a Deus.
Deus se torna homem na religião, 0 homem se torna
Então como podem esses dois ser conciliados?
Deus na filosofia.
A resposta de Hegel está na filosofia do espírito,
em que há uma dualidade vencedora. Os dois pólos A Trindade. A conciliação final do Infinito e do
de dualidade são Deus e 0 mundo. Hegel acreditava finito, de Deus e do homem, é encontrada na Trinda-
que Deus e 0 mundo devem ser unidos e, assim, de. Pois Deus existia antes do mundo como Pai, foi
abrir mão de suas identidade separadas. Essa é uma manifesto na sua encarnação no mundo como Filho e
idéia básica do panenteísmo mais recente de Alfred como aquele que reconcilia Deus e mundo no Espírito
North W h it e h e a d . 0 ponto de contato está no ho- Santo. Assim, apesar de Deus não poder existir sem
mem, que é 0 tradutor entre natureza e espírito. negação e opostos, ambos são finalmente conciliados
Logo, 0 homem tem a espiritualidade de Deus e 0 na Trindade.
materialismo do mundo. Visão de Hegel d a Bíblia. Um co m eço anti-
Essa vitória divide-se em três fases: espírito sub- sobrenaturalizado da vida de Cristo. Numa tentativa
jetivo, espírito objetivo e Espírito Absoluto (Deus). No inicial de escrever uma biografia de Jesus, Hegel apre-
espírito subjetivo, a dualidade entre sujeito e objeto sentou uma visão anti-sobrenaturalizada de Jesus c
é vencida. Hegel começa com 0 homem consciente (a formulou os ensinamentos sobre Jesus em termos da
381 Hegel, Georg

ética kantiana, algo que aprendeu do famoso Religião do Espírito triunfando sobre todo literalismo. Ele cita
dentro dos limites da razão pura, de Kant. Aqui Jesus é 2 Coríntios 3.6: “A letra mata, mas 0 Espírito vivifica” .
retratado por Hegel como ignorante e obscurantista Com isso, a teologia é convertida em filosofia — filo-
em comparação a Sócrates. Além disso, Jesus não é sofia hegeliana.
nascido de uma virgem (v. v irg in a l, nascim ento). Todos In flu ê n c ia d e H eg e l s o b re outros. Hegel teve uma
os milagres mencionados são interpretados enorme influência sobre os que 0 seguiram. Isso in-
naturalisticamente. O prefácio do Evangelho de João é clui 0 ateísmo de Ludwig Feu erb a ch , que argumentou
reinterpretado de forma a afirmar: “A Razão Pura in- que “ Deus” é 0 auto-entendimento do homem. O pro-
capaz de qualquer limitação é a própria Divindade” . fessor Winfried Corduan divide os seguidores em es-
Mais tarde, em O espírito do cristianismo e seu des- querda, centro e direita. Na esquerda estão os que
tino, Hegel comparou a ética evangélica do amor a duas acreditam que 0 pensamento de Hegel leva sistema-
éticas da lei, a judaica e a kantiana, mas nunca aban- ticamente ao ateísmo impessoal. Na direita estão
donou nem seu anti-sobrenaturalismo nem sua visão aqueles que interpretam a filosofia de Hegel num sen-
dos Evangelhos centrada na moralidade. Hegel tam- tido teológico. No centro estão os que acreditam que
bém reinterpretou em termos de tragédia grega as his- a crença central no Espírito Absoluto permite a reli-
tórias da morte redentora e ressurreição de Cristo en- gião. Isso inclui Bruno Bauer, Ludwig Feuerbach e
contradas no Evangelho. Karl Marx (v. Corduan).
Em A positividade da religião cristã, Hegel diz que, Influência de Hegel sobre 0 ateísmo. Hegel teve
ao afirmar ser 0 Messias, Jesus estava apenas usando uma influência significativa sobre 0 ateísmo moder-
a linguagem do seu ouvinte, uma forma de t e o ria da no. Vários jovens hegelianos de esquerda foram seus
a co m o d a ç ã o . Em vez de reverenciá-lo por seu alunos, inclusive Karl M a r x , com seu m a te ria lism o
ensinamento sobre virtude, reverenciaram seu d i a l é t i c o derivado de sua má interpretação da
ensinamento sobre virtude por causa dos milagres que “dialética” de Hegel. Friedrich N ie tz s c h e , Thomas
supostamente realizara. Aqui Hegel argumenta que a A lt iz e r e os teólogos da “ Morte de Deus” foram in-
religião grega foi vencida pelo cristianismo porque “0 fluenciados pela afirmação de Hegel de que Deus e 0
despotismo dos imperadores romanos havia expulsa- homem morreram na morte de Cristo.
do 0 espírito humano da terra e espalhado a miséria Influência de Hegel sobre 0 existencialismo . Hegel
que obrigava os homens a buscar e esperar felicidade influenciou existencialistas de vários tipos: teístas,
no céu” . Então,“roubado da liberdade, seu espírito, seu ateus, panteístas e panenteístas. Apesar de sua rejei-
elemento eterno e absoluto, foi forçado a se refugiar ção clara a grande parte das teorias de Hegel, 0 exis-
na divindade” . Dessa maneira, a objetividade de Deus tencialismo teísta de S0ren K ie rk e g a a rd depende da
é um complemento da corrupção e escravidão do ho- idéia de Hegel de que a essência da consciência é li-
mem (Primeiros escritos teológicos, p. 162-3). berdade; de que a verdade é vivida, não conhecida
Transcendentalismo posterior de Hegel ( panteísmo). (práxis); de que a existência é um processo concreto e
Mais tarde, em sua Enciclopédia, dominado por seu ide- dinâmico; e de uma avaliação realista da posição infe-
alismo transcendental (i.e.,panteísmo evolucioná-rio), liz do indivíduo no processo da história. Da mesma
Hegel foi um revisionista radical da verdade literal e his- forma, 0 existencialismo ateísta de Jean-Paul S a r t r e
tórica da morte e ressurreição de Cristo. 0 centro da re- também depende das idéias hegelianas de que a cons-
ligião revelada é a cristologia: Jesus Cristo é 0 Deus-ho- ciência é negatividade (liberdade absoluta); de que a
mem. Como tal, morreu na cruz; portanto, Deus e 0 ho- pessoa é condenada a nunca se conhecer; e de que 0
mem morreram ali. A ressurreição não foi nem de Deus homem impõe significado às coisas. A fenomenologia
nem do homem. Mas na ressurreição Deus e homem de Husserl está baseada no método fenomenológico
uniram-se em Espírito Absoluto. Logo, no panteísmo (descritivo) usado por Hegel para analisar a experi-
desenvolvimentista de Hegel é encontrada a manifesta- ência humana. E 0 existencialism o panteísta de Martin
ção mais elevada do Espírito Absoluto. Heidegger é derivado do hegelianismo.
Interpretação das Escrituras. Toda Escritura deve Influência de Hegel sobre a moderna crítica bíbli-
ser interpretada em termos de Espírito Absoluto, que ca. De interesse especial para a apologética cristã é a
Hegel identifica como 0 Espírito Santo. Ao interpretar influência significativa de Hegel sobre a c r ít i c a nega-
as Escrituras, devemos evitar 0 liberalism o e 0 tiy a da B íb lia . Por exemplo, seguindo Hegel, F. C. Baur
racionalismo. 0 verdadeiro entendimento é baseado e sua escola de Tübingen afirmaram que a tensão do
no Espírito. Crenças ortodoxas devem ser reinterpreta- século i entre a forma judaica do cristianismo de Pedro
das à luz da interpretação (panteísta) de Hegel acerca oposta à forma antijudaica de Paulo foi conciliada no
henoteísmo 382

Evangelho de João no século 11 (v. N o v o Testam ento, ___ , Lições sobre a filosofia da religião.
datação de). E a versão anti-sobrenaturalista de David S. K ie r k e g a a r d , Either/or.
Strauss sobre a vida de Cristo parte da idéia hegeliana G. E. M eu ller , “ The Hegel legend of thesis, antithesis-synthesis” ,
de que a realidade espiritual é maior que a histórica. Journal o f History o f Ideas 19, no. 3 (1958).
Logo, como Rudolph B u ltm a n n afirmaria mais tarde: 0 A.V. M il l e r , Hegel’s phenom enology o f spirit.
cristianismo é mito (v. m itologia e 0 N o vo Testam ento). H . S t e r l in g , The secrets o f Hegel.
Influência de H egel sobre a herm enêutica. Da mes-
ma forma, 0 panteísmo místico de Martin Heidegger Heisenberg, princípio da incerteza de. V. indeter-
e a hermenêutica desenvolvida por Bultm ann e NAÇÃO, PRINCÍPIO DA.
Gadamer baseiam-se na ênfase de Hegel nas interpre-
tações espirituais das Escrituras. Isso deu origem à helênicos, salvadores. V. apoteose; h is tó ria s de nasci-
“nova hermenêutica” , que é toda subjetiva. mentos divinos; m itraísm o; re ssu rre içã o em relig iõ es não-
A v aliação d o p e n s a m e n t o d e H egel. Do ponto de cris tã s, afirm ações de.
vista apologético, 0 sistema de pensamento de Hegel
tem aspectos positivos e negativos. Primeiro, alguns henoteísmo. Henoteísmo é um tipo de politeísmo que
elementos positivos serão rapidamente observados. acredita que há um deus supremo entre os muitos deu-
Valores positivos. Sem elaboração (que é feita em ses que existem, como Zeus no politeísmo grego. Isso
outros artigos anotados), Hegel afirmou 0 valor da não deve ser confundido com teísmo ou monoteísmo
metafísica; da verdade absoluta (v. verdade, natureza (v. monoteísmo p rim itivo ), que acredita que há apenas
a b so lu ta d a); de uma visão cristã linear da história; da um Deus supremo e nenhum outro deus.
compreensão dos seres humanos nas suas situações
de vida concretas; da liberdade humana (v. livre- a rb í- heteus (hititas), problema dos. Gênesis afirma que
t r io ) ; de uma dimensão a priori do conhecimento (v. Hete foi 0 progenitor dos heteus (ou hititas), cujo rei-
primeiros princípios); de um argum ento tra n s c e n d e n ta l; no surgiu onde hoje se encontra a Turquia. Entretan-
e outras coisas. to, de acordo com algumas evidências arqueológicas,
Crítica negativa. Apesar dos valores positivos de os heteus não se tornaram uma força proeminente no
Hegel, sua filosofia geral tem tido um efeito negativo Oriente Médio até 0 reino de Mursílis 1, por volta de
sobre 0 cristianismo ortodoxo. Alguns deles incluem 1620 a.C. Foi iMursilis quem conquistou a Babilônia
seu panteísmo ou panenteísmo, seja qual for 0 caso; sua em 1600 a.C.
negação do realismo (v.); seus fundamentos para a Contudo, várias vezes em Gênesis 23 faz-se referên-
crítica da Bíblia; seu anti-sobrenaturalismo (v. mila- cia ao encontro de Abraão com os filhos de Hete, que
g re s), que envolve a negação da ressurreição física (v. controlavam Hebrom por volta de 2050 a.C. Como os
re ssu rre iç ã o , evidências d a); sua idéia de que determi- heteus poderiam ter controlado Hebrom tanto tempo
nação é por negação (v. an a lo g ia , princípio d a); sua in- antes de se tornarem uma força significativa na área?
terpretação “espiritual” ,que antecipa 0 pós-modernis- Tabuinhas cuneiformes foram encontradas descre-
mo e a desconstrução de Jacques D e rrid a e outros (v. vendo conflitos em Anatólia (Turquia) entre princi-
tb. m isticismo); e sua incapacidade de basear 0 conhe- pados heteus de 1950 a 1850 a.C. aproximadamente.
cimento num Deus imutável, minando assim a verda- Mesmo antes desse conflito, havia naquela região uma
de absoluta que afirmava (v. verdade, n atu reza da). raça de não-indo-europeus chamada hati. Essas pes-
soas foram subjugadas por invasores por volta de 2300
Fontes a 2000 a.C. Os invasores indo-europeus adotaram 0
Η. B. A c t o n , “Hegel, Georg Wilhelm Friedrich” , em The nome hati. Em algumas línguas semitas como 0
encyclopedia o f philosophy (v. 3). hebraico, hate e hete seriam escritos com as mesmas
J. C o l l i n s , A history o f m odern Western philosophy. letras. Só as consoantes eram escritas, não as vogais.
W. C o r d u a n , “ Transcendentalism: Hegel” , emN.L. G e i s l e r , Na época de Ramessés n, no Egito, a força militar
Biblical errancy: its philosophical roots. dos heteus foi suficiente para precipitar um pacto de
G. W. F. H eg el, Earthly theological writings. não-agressão entre 0 Egito e 0 Império Heteu, esta-
___ ,Enciclopédia das ciências filosóficas. belecendo uma fronteira entre eles. Nessa época 0
___ , A razão na história. Império Heteu chegava até Cades, no rio Orontes
___ , Fenom enologia do espírito. (atual Asi). Entretanto, evidências adicionais indi-
___ ,Lições sobre a filosofia da história. cam que os heteus realmente penetraram mais ao
___ , Filosofia da natureza. sul, na Síria e Palestina.
383 hinduísmo vedanta

Apesar de 0 reino hitita não ter atingido seu apo- hinduísmo vedanta. 0 hin d u ísm o representa uma
geu até a segunda metade do século xiv, há evidência categoria ampla de crenças religiosas, a maioria das
satisfatória para substanciar a presença significativa quais é panteísta (v. panteísm o) ou panenteísta (v.
dos heteus de modo suficiente para que controlassem p a n e n te ís m o ). Uma das formas mais antigas de
Hebrom na época de Abraão. panteísmo é encontrada na última parte dos Vedas, as
escrituras hindus. Essa parte final é chamada
Fontes U panixades. Pelo fato de os U panixade virem no final
C. E. A. Hittites, em Dictionary o f biblical archaeology. de cada um dos quatro Vedas, foram chamados vedanta,
N. L. G e i s l e r & T. Η οκέ, Manual popular de dúvidas, enigmas e que significa fim ou objetivo do Veda.
“contradições”da Bíblia
G. L. A rch er , Jr ., Enciclopédia de temas bíblicos. Portanto, quando um hindu moderno fala do Vedanta,
0. R. G u r n e y , The hittites. ele quer dizer as duas coisas: as escrituras mencionadas, que
E. N e u f ie l d , The hittite laws. são para ele a última parte dos Vedas, e ao mesmo tempo a
razão última para a existência dos Vedas, sua culminação
Hick, John. A vida e obras de Hick. Um dos filósofos perfeita — numa palavra, sua sabedoria mais elevada
da religião mais importantes do final do século xx. Suas (Prabhavananda, Spiritual heritage, p. 39).
obras literárias e influência têm sido uma grande força
contra 0 cristianismo ortodoxo em vários momentos 0 autor e a data dos U panixades são desconhecidos.
críticos. Isso inclui as questões da existência de Deus, Consistem nas experiências registradas de sábios hindus
do problema do mal, do destino dos seres humanos e (ibid., p. 39,40). Os U panixades, juntamente com 0
da divindade de Cristo. B hagavad-G ita, formam a base do hinduísmo vedanta,
As posições de Hick. Hick defende firmemente 0 que é um exemplo clássico de panteísmo (v. tb. monismo;
p lu ralism o e 0 unitarism o. Sua teodicéia (v. m al, proble- um e muitos; problema de; Parmenides; P lo tin o ).
ma d o ) envolve 0 universalism o e 0 reencarnacionism o. O co n ceito v ed a n ta s o b re D eu s. Nem todas as for-
Todas estas posições, inclusive as de Hick, são discuti- mas de hinduísmo acreditam num Deus impessoal. O
das em outros artigos. As principais obras de Hick são hinduísmo bhakti não acredita. Nem 0 Hare Krishna.
alistadas a seguir. Mas 0 panteísmo vedanta ensina que só Deus
(Brahman) existe. Esse Deus é ao mesmo tempo infi-
Fontes nito em forma, im ortal, imperecível, impessoal,
A. D. C l a r k e e B. H un ter , orgs., One God, one Lord: Christianity onipresente, supremo, imutável, absoluto e indivisível-
in a world o f religious pluralism. mente, mas também nada disso. Pois Deus está além
D. G e i v e t t , Evil and the evidence for God: the challenge of John de todo pensamento e palavra:
Hick’s theology.
D . G e i v e t t , e t a l . , e m D e n n i s O k h o l m e t a l . , More than one way'. O olho não 0 [Brahman] vê,nem a língua expressa, nem
Four views on salvation in a pluralistic world. 1 a mente compreende. Nem 0 conhecemos nem podemos en-
K . G nanakan, The pluralistic predicament. sinar. Ele é diferente do conhecido e [...] do desconhecido.
J. H ic k , Death and eternal life. Quem realmente conhece Brahman 0 conhece como além
___ ,An interpretation of religion. do conhecimento; quem acredita que 0 conhece, não 0 co-
___ , The metaphor o f God incarnate: chnstology in a pluralistic nhece. Os ignorantes pensam que Brahman é conhecido, mas
age. os sábios sabem que ele está além do conhecimento [v.
___ ,“A pluralisms view?” , em D e n n i s O kh o lm et al., More than Upanixades,p.30,1].
one way·'’ Four views on salvation in a pluralistic world.
A. M cG rath, “ The challenge o f pluralism f o r the contemporary Brahman é inexprimível e indefinível. Nada pode
Christian church” , Journal o f the Evangelical Theological ser realmente dito ou pensado sobre ele. Isso é ilustra-
Society (Sept. 1992). do graficamente pelo filósofo hindu Sankara no co-
___ , “ Response to John Hick”, em D e n n i s O k h o lm et al., More mentário sobre os U panixades:“ ‘Senhor’, disse um alu-
than one way? Four views on salvation in a pluralistic no ao seu mestre,ensina-me a natureza de Brahman.
world. O mestre não respondeu. Quando foi importunado pela
R. N a s h , Is Jesus the only savior‫ז‬ segunda e terceira vez, respondeu: ‘Eu te ensinarei, mas
H . N f.ti and, Dissonant voices: religious pluralism and the tu não seguirás. Seu nome é silêncio” ’ (Prabhavananda,
question o f truth. Spiritual heritage, p. 45).
D. O k h o l m , e t a l, A fo r e than one way'Four views on salvation in O co n ceito v eda nta s o b re 0 m u n d o . O panteísmo
a pluralistic world. vedanta também ensina que tudo é Deus e Deus é tudo.
hinduísmo vedanta 384

Há apenas uma realidade. O mundo que vemos, ouvi- Esse impulso em direção à indiferença a qualquer
mos, tocamos, degustamos e cheiramos não existe real- ação é explicado mais claramente em B hagavad-G ita.
mente. Ele parece existir, mas na verdade é uma ilusão, Xo Gita, um longo diálogo ocorre entre Krishna, uma
ou m aya. O universo que percebemos é como andar por manifestação de Brahman, e seu amigo e discípulo,
uma floresta densa à noite e ver 0 que parece ser uma Arjuna. Arjuna fala com Krishna sobre sua relutân-
cobra. Mas, quando voltamos para 0 mesmo lugar à luz cia em lutar contra um povo no meio do qual tem
do dia, vemos que a cobra era na verdade uma corda. A muitos amigos. Ele pergunta a Krishna como pode-
corda parecia uma cobra, porém na realidade não era ria ser justificado 0 assassinato de seus amigos.
uma cobra. Assim como a cobra p arecia existir, 0 uni- Krishna diz a Arjuna que ele precisa libertar-se dos
verso parece existir, mas na verdade não existe. O uni- frutos de suas ações, não importa quais sejam.
verso, pelo contrário, é m aya, uma ilusão sobreposta à Krishna afirma 0 seguinte:
verdadeira realidade, Brahman.
Como os U panixades afirmam: “ Somente Brahman Aquele cuja mente se encontra
existe — nada mais existe. Quem vê 0 universo com- Longe de qualquer vínculo,
plexo, e não a realidade única, passa de morte em mor- Não corrompido pelo ego,
te” (Prabhavananda, Upanixades, p. 21 ).“Medite, e per- Nenhuma ação 0 limitará
ceberá que mente, matéria e m aya (0 poder que une Com qualquer grilhão:
mente e m atéria) são apenas três aspectos de Mesmo que assassine esses milhares
Brahman, a realidade única” (ibid., p. 119). Não será assassino (ibid., p. 122).
0 conceito vedanta sobre a hu m an idade. 0
panteísmo vedanta diz que a humanidade é Brahman. Krishna explica a Arjuna que esse estado de união
M aya, ou 0 universo ilusório, fez-nos pensar que cada com Brahman pode ser alcançado por um ou pela
pessoa é um indivíduo no universo. Mas, se a pessoa combinação qualquer dos seguintes caminhos:
pudesse eliminar 0 m aya dos seus sentidos e mente e
meditar no Ser verdadeiro (Átmã), chegaria à conclu- 1. R a g a y o g a — 0 caminho da união por meio
são de que Átmã é Brahman, a única realidade. A pro- da meditação e controle mental;
fundidade da alma da pessoa é idêntica à profundida- 2 . K a rm a y o g a — 0 caminho da união por meio
de do universo. do trabalho;
Depois de alcançar 0 Brahman, um sábio decla- 3. Jn a n a y o g a — 0 caminho da união por meio
rou: “ Eu sou a vida [...] estou estabelecido na pureza do conhecimento; ou
de Brahman. Alcancei a liberdade do Ser. Sou Brahman, 4. B h a k tiy o g a — 0 caminho da união por meio
auto-iluminado, 0 tesouro mais brilhante. Sou dotado do amor e da devoção (Prabhavananda,
de sabedoria. Sou imortal, imperecível” (ibid., p. 54). Spiritual heritage, p. 98,123-9).
0 conceito vedanta sobre a ética. De acordo com
0 panteísmo vedanta, as pessoas devem transcender Mas qualquer caminho deve ser acompanhado por
0 mundo da ilusão para descobrir 0 Ser verdadeiro desprendimento ou indiferença a qualquer ação. Só
(Prabhavananda, Spiritual h eritag e, p. 55). Isso é al- assim 0 bem e 0 mal serão transcendidos e a união
cançado ao ir além do bem e do mal. “Quando 0 ob- com Brahman, alcançada.
servador contempla 0 Fulgente, 0 Senhor, 0 Ser Su- O destino humano. Perceber a unidade com
premo, então, transcendendo 0 bem e 0 mal, e liber- Brahman é essencial no panteísmo vedanta, pois sem
to de impurezas, une-se a ele” (U pan ixades, p. 47). essa consciência a pessoa está condenada para sem-
Quando uma pessoa se une a Brahman, ele não será pre ao ciclo de sa m sara. S am sara é 0 ciclo do tempo e
mais perturbado por pensamentos como “ Fiz uma desejo, ou nascimento, morte e renascimento (v. re-
coisa ruim” ou “ Fiz uma coisa boa” . Pois ir além do e n c a rn a ç ã o ). É o ciclo ao qual tudo no mundo de ilu-
bem e do mal é não se preocupar mais com 0 que foi são está preso. E sa m sa ra “em si está sujeito e condi-
feito (ibid., p. 1 1 1 ). É tornar-se independente das cionado pela causa infinita, 0 d a r m a do universo”
ações do passado pessoal (ou de outra pessoa), pre- (Corwin, p. 22).
sente ou futuro. Até os resultados de quaisquer ações A vida da pessoa também é determinada pela lei
serão vistos com indiferença. “Quando teu intelecto do ca rm a ou ação. Essa é a lei moral do universo.
libertar-se das suas ilusões, ficarás indiferente aos Huston Smith explica que carm a é “a lei moral de cau-
resultados de toda ação, presente ou futura” sa e efeito” . É absolutamente comprometedora e não
(Prabhavananda, B h ag av ad -G ita, p. 41). permite exceções. O carm a diz que toda decisão feita
385 hinduísmo vedanta

por um indivíduo no presente é causada por todas as 0 desejo de negar todas as limitações da verdadeira
decisões anteriores nas vidas passadas, e por sua vez realidade também é bom. A verdade não pode ser li-
afetará toda decisão futura (Sm ith,p. 76). mitada pela sensações ou percepções humanas. O
A pessoa cujo carma é bom pode seguir um dos hinduísmo luta com 0 problema básico do mal (v. m al,
dois caminhos possíveis. Quem consegue se libertar p r o b l e m a d o ). Reconhece que 0 mal deve ser explicado

do samsara — 0 ciclo de nascimento e renascimento e combatido.


— alcançará os planos mais elevados de existência ou Já que 0 hinduísmo vedanta é uma forma de
consciência até tornar-se um com 0 ser divino “no seu monismo e panteísmo, é avaliado em outros artigos.
aspecto impessoal e, assim, chegar finalmente ao tér- Seu erro metafísico básico está na rejeição à ana-
mino da sua jornada” (Spiritual heritage, p. 70). logia da existência (v. a n a l o g ia ). Nem toda existência é
Quem fez 0 bem, mas não 0 suficiente para se li- unívoca — a mesma coisa. Há um Ser Infinito e há
vrar do samsara, irá “para um ou outro céu, onde go- seres finitos, e estes são tipos diferentes de seres. Há
zará dos frutos das suas boas obras que fez no corpo uma analogia de existência.
[...] e quando esses frutos se acabarem, nascerá de Da mesma forma, a negação da realidade do mal é
novo, isto é, reencarnará” na terra num “novo corpo uma forma clássica de il u s io n is m o . Mas quem não sabe
adequado a um nível de existência novo e superior” 0 que é real, não pode saber que 0 mundo é uma ilu-
(ibid., p. 70-1). Se 0 carma da pessoa é em grande par- são. Conhecer 0 real é pré-requisito para conhecer 0
te mau, ela “vai para as regiões dos perversos para co- que não é real.
mer ali os frutos amargos das suas obras. Quando es- Para manter 0 panteísmo absoluto, os monistas de-
ses frutos se acabarem, ela também retornará à terra” vem negar a validade do conhecimento sensorial. Os
reencarnada (ibid., p. 71). sentidos nos dizem que há muitas coisas e que elas
Com relação à lei do carma e ao ciclo do samsara, são físicas. O monista deve negar essas duas informa-
“ é na terra que 0 homem determina seu destino espi- ções sobre a realidade. Mas a negação de todo conhe-
ritual e alcança sua realização final” (ibid.). A salva- cimento sensorial é incoerente. Não é possível saber
ção depende apenas dos esforços pessoais. Estados su- que os sentidos enganam sem confiar neles para fazer
periores de existência oferecem recompensas de feli- tal afirmação. Vemos um galho torto na água e sabe-
cidade e estados inferiores são castigos que cada pes- mos que nossos sentidos estão nos enganando. Como
soa alcança para si.“A história de um indivíduo espe- sabemos que 0 galho é realmente reto? Devemos usar
cífico, 0 número de vezes que passa por renascimento, nossos sentidos. 0 sentido da visão nos diz como ele
ou reencarnação, como é chamada, depende totalmen- parece ser quando está fora da água e 0 tato nos per-
te da qualidade da sua vontade, do esforço moral que mite sentir como ele é dentro da água.
exerce” (ibid.,p. 27) (v. in t e r n o ). Os monistas esperam que confiemos em nossos
No final, toda a humanidade alcançará libertação sentidos quando olhamos para seus livros ou ouvimos
do samsara e a união com Brahman. Algumas pessoas as suas palestras para que as entendamos. Não reco-
poderão voltar à terra várias vezes, mas certamente al- nhecem que, apesar do conhecimento ser mais que
cançarão sua salvação. Como Prabhavananda diz: “Os sensação, ele começa com a sensação. Tudo na mente
Upanixades não conhecem a condenação eterna — e passou primeiro pelos sentidos, exceto a própria men-
esse também é 0 caso de todals as outras escrituras te. Portanto, conhecemos mais que sensações, mas não
hindus” (ibid., p. 71 [v. in t e r n o ] ). conhecemos 0 mundo sem sensações. As sensações são
O panteísmo vedanta é 0 panteísmo absoluto do básicas para toda compreensão da realidade.
Oriente. O hinduísmo ficou mais popular e aceito no Epistemologicamente, 0 hinduísmo monista está
Ocidente por causa de grupos religiosos e práticos sujeito a várias críticas feitas também ao a g n o s t ic is m o .
como a Meditação Transcendental e a Sociedade In- É contraditório, pois usa as leis básicas do pensamen-
ternacional pela Consciência de Krishna. O panteísmo to para expressar suas teorias sobre 0 que afirma ser
vedanta é um monismo absoluto, declarando que Deus inexprimível. Usa primeiros princípios na sua rejei-
é tudo e tudo é Um. ção aos primeiros princípios e à realidade finita.
A valiação. Como outras cosmovisões, 0 m o n ism o A ética do hinduísmo vedanta é uma forma de
tem dimensões positivas e negativas. Apesar de sua relativismo, já que nega que haja absolutos morais (v.
posição de realidade suprema estar errada, 0 hinduís- m o r a l id a d e , n a t u r e za a bso lu t a d a ). Isso também é con-

mo vedanta pode ser recomendado por sua busca pelo traditório. Não é possível evitar todos os absolutos
conhecimento da verdadeira realidade. A realidade vai morais sem afirmar 0 absoluto moral de que não há
muito além do mundo que nossos sentidos percebem. absolutos morais. A afirmação de que a pessoa “deve”
história, objetividade da 386

evitar absolutos é um “dever” moral em si. Não é pos- passados, mas com afirmações sobre eventos passados.
sível afirmar que a verdadeira realidade está além do Esse fato capacita 0 historiador a lidar com fatos de for-
bem e do mal a não ser que haja um princípio moral ma imaginativa. Fatos históricos, insistem eles, só exis-
absoluto pelo qual medir 0 bem e 0 mal. Nesse caso, tem na mente criativa do historiador. Os documentos não
no entanto, há um padrão moral absoluto. contêm fatos, mas são, sem 0 entendimento do historia-
dor, meras linhas de tinta no papel.
Fontes Além disso, uma vez que 0 evento tenha aconteci-
Bhagavad-Gita, Prabhavananda, trad., c o m C. U s h e r k o o d . do, ele nunca mais poderá ser completamente recria-
D. C la rk e ^ . ’L .G u slir, Apologetics in the ‫־‬S eu· Age. do. 0 historiador deve atribuir significado ao registro
C. Corwin, East to Eden' Religion and the dynamics oi social fragmentado de segunda mão.“0 evento em si, os fa-
change. tos, não dizem nada, não dão nenhum significado. É 0
N. L. G e i s l e r e W. W a t k in s , Worlds apart: a handbook on world historiador que fala, que impõe um significado”
views. (Becker, What are historicalfacts?, p. 131).
H. P. O w e n , Concepts o f deity. Duas razões permitem ao historiador apenas um
Prabhavananda, The spiritual heritage of India. acesso indireto ao passado. Primeira, 0 mundo do his-
S. R a d h a k r i s h n a n , The hindu view o f life. toriador é composto de registros, e não de eventos. É
___ , The principle Upanishads. por isso que 0 historiador se vê limitado a oferecer ape-
H. S m it h , The religions o f man. nas um “retrato restaurado” do passado. Nesse sentido,
The Upanishads: breath o f the eternal, Prabhavananda, F. 0 passado é na verdade um produto do presente. Segun-
M a n c h ester, trad. da, 0 cientista pode testar sua teoria, ao passo que a ex-
periência não é possível com eventos históricos. 0 cien-
história, objetividade da. 0 argum ento geral em de- tista empírico tem a vantagem da repetição; pode sujei-
fesado cristianismo ( v . a po l o g é t ic a , a r g u m e n t o d a ) éba- tar suas teorias à falsificação. 0 historiador não pode. 0
seado na historicidade dos documentos do nt (v. Novo evento histórico não observável não pode mais ser com-
T ESTAMENTO, MANUSCRITOS; N OVO TESTAMENTO, HISTORICIDADE provado; faz parte do passado desaparecido para sem-
d o ). Mas isso, por sua vez é baseado na afirmação de pre. Portanto, 0 que a pessoa acredita sobre 0 passado
que a história é objetivamente cognoscível. Já que tal não será mais que uma reflexão da imaginação. Será
fato é desafiado fortemente pelos historiadores con- uma construção subjetiva nas mentes dos historiado-
temporâneos, é necessário refutar essa afirmação para res atuais, mas não se pode esperar que seja a represen-
assegurar a defesa do cristianismo. tação objetiva do que realmente aconteceu.
O bjeções à h istó ria o b jetiva . Muitos argumentos A natureza fragmentária dos registros históricos. Na
foram levantados contra a posição de que a história é melhor das hipóteses 0 historiador pode esperar a to-
objetivamente cognoscível. A discussão aqui apresen- talidade da documentação, mas a totalidade dos even-
tada segue em linhas gerais 0 excelente resumo en- tos nunca é possível. Os documentos cobrem no má-
contrado na tese não publicada de mestrado de ximo uma fração dos eventos (Beard, p. 323). Com base
William L. Craig (v. Craig). Há pelo menos dez argu- apenas em documentos fragmentários não se pode ti-
mentos contra a objetividade da história a serem exa- rar conclusões finais e totais de maneira válida. Os
minados (v. Beard, p. 323-5). documentos não apresentam os eventos, mas apenas
Se esses argumentos forem válidos, isso impossi- sua interpretação mediada pelos autores. No máximo,
bilitará a comprovação do cristianismo por meio de temos 0 registro fragmentado do que alguém pensou
um método histórico. Esses dez argumentos dividem- que aconteceu. Assim, “0 que realmente aconteceu ain-
se em quatro categorias maiores: metodológica, da teria de ser reconstruído na mente do historiador”
epistemológica, axiológica e metafísica. (Carr,p.20). Pelo fato de os documentos serem tão frag-
Objeções epistemológicas. A epistemologia lida com mentados e os eventos tão distantes, a objetividade tor-
0 método de obtenção do conhecimento, e 0 relativista na-se uma ilusão para 0 historiador. Pouquís-simas
histórico contende que as próprias condições pelas peças do quebra-cabeça permanecem,e os retratos par-
quais alguém chega a conhecer a história são tão sub- ciais das poucas peças sobreviventes só sugerem a mente
jetivas que é impossível obter conhecimento objetivo de quem deixou as peças.
da história. Três objeções principais são dadas. Os historiadores são historicamente condicionados. Os
A não-observabilidade da história. Os subjetivistas relativistas históricos insistem em que 0 historiador é
históricos argumentam que a substância da história, ao produto de seu tempo e está sujeito à programação in-
contrário da estudada pela ciência empírica, não é dire- consciente. É impossível afastar-se e observar a história
tamente observável. 0 historiador não lida com eventos objetivamente porque 0 observador é parte do processo
387 história, objetividade da

histórico. A síntese histórica depende da personalidade Sem 0 historiador, os pontos não são numerados nem
do escritor bem como do meio social e religioso em que 0 organizados de forma óbvia. A imaginação oferece
autor vive (Pirenne, p. 97). Nesse sentido é necessário es- continuidade.
tudar 0 historiador antes de poder entender a história do Além disso, 0 historiador não se contenta em con-
historiador. tar apenas 0 que aconteceu, mas se sente obrigado a
Uma vez que 0 historiador é parte do processo his- explicar por que aquilo aconteceu (Walsh, p. 32). Isso
tórico, a objetividade nunca pode ser atingida. A his- torna a história completamente coerente e inteligível.
tória de uma geração será rescrita pela próxima, e as- A boa história apresenta tema e unidade, que são da-
sim por diante. Nenhum historiador pode transcen- dos pelo historiador. Os fatos por si só não fazem a
der a relatividade histórica e observar 0 processo mun- história, assim como pontos desconexos não fazem
dial pelo lado de fora (Collingwood, p. 248). Na me- uma figura. Aí está, segundo 0 subjetivista, a diferen-
lhor das hipóteses pode haver interpretações históri- ça entre crônica e história. A primeira é apenas a ma-
cas sucessivas, menos que definitivas, cada uma ob- téria-prima. Sem a estrutura oferecida pelo historia-
servando a história do ponto de vista da sua geração dor, a “substância ” da história seria insignificante.
de historiadores. Não existem historiadores neutros. 0 estudo da história é um estudo de causas. O his-
Objeções metodológicas. Objeções metodológicas toriador quer saber por quê, para tecer a rede unificada
referem-se ao procedimento pelo qual os historiadores de eventos interligados que forme 0 todo. Assim, a sub-
fazem seu trabalho. Trés objeções metodológicas prin- jetividade é inevitavelmente interposta. Mesmo que
cipais atacam 0 conceito de que a história é objetiva 0 haja alguma semelhança de objetividade na crônica,
suficiente para estabelecer a verdade do cristianismo. não há esperança de objetividade na história. A histó-
A natureza seletiva da pesquisa. Além do historia- ria é, em princípio, não objetiva, pois 0 que a faz his-
dor não ter acesso aos eventos e ter de trabalhar com
tória (ao contrário da simples crônica) é a estrutura
interpretações fragmentárias, 0 que torna a objetivi-
interpretativa dada a ela a partir do ponto de vista sub-
dade mais improvável é que 0 historiador deve fazer
jetivo do historiador. Logo, conclui-se que a necessi-
escolhas entre esses relatórios fragmentados. Os his-
dade da estrutura inevitavelmente impossibilita a ob-
toriadores nem chegam a tocar em alguns volumes en-
jetividade.
contrados nos arquivos (Beard, p. 324). A seleção atu-
A necessidade de selecionar e organizar. O histo-
al entre os registros fragmentados é influenciada por
riador observa indiretamente documentos fragmen-
fatores subjetivos e relativos, inclusive preconceito pes-
tados por intermédio da interpretação da fonte ori-
soai, disponibilidade, conhecimento de línguas, cren-
ginal. No processo, a quantidade selecionada de ma-
ças pessoais e condições sociais. O historiador torna-
terial de arquivos disponíveis é colocada na estrutu-
se parte inseparável da história escrita. O que é inclu-
ra interpre-tativa pela utilização da linguagem car-
ído e 0 que é excluído na interpretação sempre será
regada de valores do próprio historiador dentro da
questão de escolha subjetiva. Não importa quão obje-
cosmovisão geral. Os eventos foram entendidos do
tivo seja 0 historiador, é praticamente impossível apre-
ponto de vista relativo da geração do historiador, e
sentar 0 que realmente aconteceu. Uma “história” não
até os tópicos estudados correspondem às preferên-
é mais que a interpretação baseada na seleção subjeti-
cias subjetivas do pesquisador. As cartas estão
va de interpretações fragmentárias de eventos passa-
marcadas contra a objetividade desde 0 início. Ao
dos e impossíveis de repetir.
escrever, 0 historiador, do ponto de vista pessoal,
Então, argumenta-se, os fatos da história não são
óbvios. “Os fatos falam apenas quando 0 historiador abrange eventos que não se repetem de registros frag-
os chama; é ele quem decide a quais fatos dar apoio, e mentados de segunda mão quando organiza subje-
em que ordem ou contexto” (Carr, p. 32). Na verdade, tivamente 0 material. (Collingwood, p. 285-90).
quando os “ fatos” falam, não são os eventos originais A seleção e a organização serão determinadas pe-
que são articulados, e sim opiniões fragmentadas pos- los fatores pessoal e social. O produto escrito final evi-
teriores sobre esses eventos. Portanto, pela própria denciará preconceitos sobre 0 que foi incluído e 0 que
natureza do projeto, 0 historiador jamais pode espe- foi excluído. Carecerá de objetividade pela maneira em
rar objetividade. que os fatos foram organizados e enfatizados. A sele-
y4 necessidade de estruturar os fatos. O conhecimen- cão será, conforme a estrutura adotada, estreita ou am-
to parcial do passado torna necessário que 0 historia- pia, clara ou confusa. Seja qual for sua natureza, a es-
dor “preencha” as lacunas com sua imaginação. Como trutura reflete a mente do historiador (Beard, p. 150-
uma criança desenha linhas entre os pontos de uma fl- 1). Isso leva 0 leitor ainda mais longe do conhecimen-
gura, 0 historiador contrói as conexões entre os eventos. to objetivo do que realmente aconteceu.
história, objetividade da 388

Os subjetivistas concluem que as esperanças de ob- apenas no contexto geral da cosmovisão. Sem a es-
jetividade são esmagadas a cada passo do processo. trutura da cosmovisão, a “substância” da história não
Uma objeção axiológica (de valor). O historiador tem significado. Agostinho, por exemplo, via a histó-
não pode deixar de fazer julgamentos de valor (v. v e r - ria como uma grande teodicéia, mas W. F. G. Hegel a
d a d e , n a tu r e za d a ). Isso, argumentam os relativistas his- via como um desdobramento do divino. Não se trata
tóricos, torna a objetividade inatingível, pois na pró- de uma descoberta arqueológica ou factual, mas ape-
pria seleção e organização de materiais são feitos jul- nas das pressuposições religiosas ou filosóficas que
gamentos de valor. Títulos de capítulos e seções im- levaram cada pessoa a desenvolver uma posição. As
plicam valores do escritor. filosofias orientais da história são ainda mais varia-
Como disse um historiador, 0 próprio material da das; envolvem um padrão cíclico em vez de um pa-
história está “carregado de valores” (Dray, p. 23). Os fa- drão linear.
tos da história consistem em assassinatos, opressão e Uma vez que se admita a relatividade ou perspecti-
outros males que não podem ser descritos em palavras vidade de uma cosmovisão em vez de outra, os relativistas
moralmente neutras. Pelo uso da linguagem comum, 0 históricos insistem em que já se abriu mão de todos os
historiador é forçado a impor valores. Se, por exemplo, direitos para reivindicar objetividade. Se há maneiras di-
uma pessoa é chamada de “ditador” ou “governante be- ferentes de interpretar os mesmos fatos, dependendo da
nevolente” ,trata-se de um julgamento de valores. Como perspectiva geral, então não existe interpretação objetiva
se pode descrever Adolf Hitler sem fazer julgamento de única da história.
valores? E se alguém tentasse um tipo de descrição ci- Milagres são supra-históricos. Mesmo supondo que
entificamente neutra dos eventos passados, sem qual- a história secular pudesse ser conhecida objetivamen-
quer interpretação afirmada ou sugerida dos propósi-
te, ainda permanece 0 problema da subjetividade da
tos humanos, isso não seria história, mas mera crônica
história religiosa. Alguns escritores estabelecem uma
e sem significado histórico.
forte distinção entre Historie e Geschichte (Kahler, p.
Não há como 0 historiador ficar fora da história.
63; v. K a h lf .r , Martin). A primeira é empírica e objeti-
Perspectivas e preconceitos serão expressos na lingua-
vãmente cognoscível até certo ponto; a segunda é es-
gem de valores pela qual e através da qual 0 mundo é
piritual e íncognoscível de maneira histórica ou obje-
visto. Nesse sentido a objetividade é inatingível. Todo
tiva. Mas como espiritual ou supra-histórica, não há
escritor inevitavelmente avaliará as coisas de uma
como comprová-la de maneira objetiva. A história es-
perspectiva subjetiva e com palavras escolhidas.
piritual não tem conexão necessária com 0 contínuo
Objeções metafísicas. Três objeções metafísicas fo-
espaço-temporal dos eventos empíricos. É “mito” (v.
ram apontadas contra a crença na história objetiva. Cada
m il a g r e s , a r g u m e n t o s c o n t r a ; m il a g r e s , m ito e ; m it o l o g ia
uma delas é predicada, teórica ou prática, na premissa
0 Novo T e s t a m e n t o ). Oferece significado religioso sub-
e
de que a cosmovisão afeta 0 estudo da história.
jetivo ao seguidor, mas carece de fundamento objeti-
A inevitabilidade das visões de mundo. Cada histo-
vo. Como a história de George Washington e a cerejei-
riador interpreta 0 passado na estrutura geral de uma
ra, Geschichte é uma história feita de eventos que pro-
Weltanschauung (cosmovisão). Cada historiador ope-
vavelmente jamais aconteceram, mas que inspiram os
ra a partir de uma das três filosofias da história: 1 ) a
homens a algum bem moral ou religioso.
história é um emaranhado caótico de eventos sem sig-
nificado; 2 ) os eventos da história da humanidade se Se essa distinção for aplicada ao n t , mesmo su-
repetem numa espécie de ciclo; 3) os eventos levam a pondo que a vida e os ensinamentos centrais de Je-
história de forma linear a um ponto final (Beard, p. sus de Nazaré possam ser objetivamente estabeleci-
151). Qual 0 historiador escolher será uma questão de dos, não há maneira histórica de confirmar a dimen-
fé ou de filosofia. Sem que uma visão ou outra seja são milagrosa do n t ( v . m il a g r e s na B í b l i a ). Milagres
pressuposta, nenhuma interpretação é possível. As não acontecem como parte da Historie e, portanto,
Weltanschauungen determinam se 0 historiador vê os não estão sujeitos à análise objetiva; são eventos do
eventos como um labirinto insignificante, uma série tipo Geschichte e, como tais, não podem ser analisa-
de repetições infinitas ou um avanço objetivo. Essas dos pela metodologia histórica. Muitos teólogos con-
cosmovisões são necessárias e inevitavelmente orien- temporâneos aceitaram essa distinção. Paul T il l ic h
tadas por valores. Sem uma c o sm o v isã o , o historiador afirmou que é “uma distorção desastrosa do signifi-
não pode interpretar 0 passado; mas a cosmovisão cado da fé identificá-la com a crença na validade his-
torna a objetividade impossível. tórica das histórias bíblicas” (Tillich, p. 87). Mas,
Uma cosmovisão não é gerada pelos fatos. Os fatos como S0ren K ie r k e g a a r d , Tillich acreditava que 0
não dispensam explicação. Os fatos ganham significado importante é que ela evoque a resposta religiosa
389 história, objetividade da

adequada. Com isso Rudolf Β ι ί τ μ α ν ν e Shubert de eventos 110 passado, os efeitos das causas que reconheci-
Ogden concordariam, bem como grande parte do damente não têm analogia no mundo em que vivemos, e
pensamento teológico contemporâneo. que conhecemos, ficamos sem nenhuma resposta além des-
Até os que, como Karl Jaspers, opõem-se à visão ta.que [...] temos de construir uma casa sem alicerce [...] E
mais radical de desmitificação de Bultmann, aceitam como podemos tentar isso sem entrar em contradição?
a distinção entre dimensões espirituais e empíricas (Bradley, 100).
de milagres (Jaspers, p. 16-7). Do lado mais conser-
vador dos que mantêm essa distinção está Ian Uma resposta ao relativism o histórico. Apesar des-
Ramsey. De acordo com Ramsev, “não é suficiente sas fortes objeções à possibilidade da objetividade histó-
pensar sobre os fatos da Bíblia como ‘fatos históri- rica, a questão não está de forma alguma encerrada. Há
cos brutos’ para os quais os evangelistas dão ‘inter- falhas na posição dos relativistas históricos. As respostas
pretação’distinta” .“ Nenhuma tentativa de fazer a lin- dadas estão na ordem das objeções acima.
guagem da Bíblia conformar-se com a linguagem 0 problema do acesso indireto. Se por objetivo que-
pública, precisa e direta — seja essa linguagem ci- remos dizer conhecimento absoluto, então nenhum
entífica, seja histórica — foi bem-sucedida.” A Bí- historiador humano pode ser objetivo. No entanto, se
blia fala sobre situações que os existencialistas de- objetivo significa “uma apresentação justa mas passí-
nominam “autênticas” ou “existenciais-históricas” vel de revisão que homens e mulheres racionais de-
(Ramsey, p. 118-9, 122). Sempre há “ mais” que 0 vem aceitar” , então a porta está aberta para a possibi-
empírico em toda situação religiosa ou milagrosa. lidade de objetividade. Nesse último caso, a história é
Milagres são historicamente incognoscíveis. A par- tão objetiva quanto algumas ciências (Block, p. 50). A
tir do princípio de analogia de Ernst T r o elt sc h , alguns paleontologia (geologia histórica) é considerada uma
historiadores passaram a se opor à possibilidade de das ciências mais objetivas. Ela lida com fatos físicos e
estabelecer 0 milagre com base no testemunho sobre processos do passado. Mas os eventos representados
0 passado. Como discutido mais detalhadamente em pelas descobertas fósseis não são mais diretamente aces-
m il a g r e s , ARGUMENTOS c o n t r a , Troeltsch equacionou 0 síveis aos cientistas ou mais repetíveis que eventos his-
problema desta maneira: tóricos para 0 historiador. Há algumas diferenças. 0 fós-
sil é uma impressão mecanicamente verdadeira do even-
Com base na analogia dos eventos conhecidos por nós, to original, e a testemunha ocular da história pode ser
buscamos por conjectura e entendimento empático explicar menos precisa. Entretanto, processos naturais também
e reconstruir 0 passado [...]já que discernimos 0 mesmo pro- podem prejudicar a impressão fóssil. Pelo menos se a
cesso de fenômenos em operação no passado e no presente, e pessoa puder determinar a integridade e a
vemos, ali e aqui, os vários ciclos históricos da vida humana confiabilidade da testemunha ocular, não se pode eli-
influenciando e atravessando uns aos outros. minar a possibilidade da objetividade histórica nem da
objetividade geológica.
Sem uniformidade, não poderíamos saber nada 0 cientista pode afirmar ser capaz de repetir os
sobre 0 passado, pois sem a analogia com 0 presente processos do passado pela experimentação, enquanto
seria impossível. De acordo com esse princípio, alguns 0 historiador não pode. Mas mesmo aqui as situações
argumentam que “nenhuma quantidade de testemu- são semelhantes. Nesse sentido a história também
nho jamais tem permissão de estabelecer como reali- pode ser “repetida” . Padrões semelhantes de eventos,
dade passada algo que não pode ser encontrado numa pelos quais comparações podem ser feitas, reincidem
realidade presente” (Becker, Detachment, 12-3). Se não hoje como ocorreram no passado. Experimentos soei-
é possível identificar milagres no presente, não há ana- ais limitados podem ser realizados para ver se a histó-
logia na qual basear 0 entendimento de supostos mi- ria humana se “ repete” . O historiador, assim como 0
lagres no passado. O historiador, como 0 cientista, deve cientista, tem os instrumentos para determinar 0 que
adotar 0 ceticismo metodológico com relação a supos- realmente aconteceu no passado. A falta de acesso di-
tos eventos para os quais não há paralelos contempo- reto aos fatos ou eventos originais não prejudica mais
râneos. O presente é a base do conhecimento do pas- a um que a outro (v. origens, c iência das).
sado. Como F. H. Bradley disse: Da mesma forma, os fatos científicos não são mais
“ óbvios” que os fatos históricos. Sefato significa “even-
Vimos que a história se baseia no último recurso sobre a to original” , então nem a geologia nem a história pos-
dedução de nossa experiência, julgamento baseado no nosso suem fato algum. Ofato deve ser considerado a infor-
estado atual [...]; quando nos pedem para afirmar a existência mação sobre 0 evento original e, nesse sentido, não
história, objetividade da 390

existem apenas subjetivamente na mente do historia- to d a s as m e n te s fin ita s d e v e m a c e ita r c o m o sism


O
ifi-
dor. O que a pessoa faz com os dados, 0 significado ou cado absoluto. Se essa é a cosmovisão correta (v. D e u s ,
a interpretação atribuídos a eles não eliminam de for- t e í s m o ) , então h á um significado obje-
e \‫־‬ip é x c ia s d f ;

ma alguma os dados. Permanece tanto para a ciência tivo em todos os fatos no mundo. Todos os fatos são
quanto para a história um núcleo de fatos objetivos. fatos teístas, e nenhuma maneira não-teísta de in-
Assim, a porta está aberta para a objetividade. É pos- terp1‫׳‬etá-10s é obietiva ou verdadeira. Logo, a objeti-
sível fazer uma distinção válida entre propaganda e vidade histórica é possível, iá que a história teísta do
história. A propaganda carece de base suficiente no fato mundo seria a história de Deus. A objetividade, en-
objetivo, mas a história não. Sem fatos objetivos, ne- tão, é possível numa cosmovisão.
nhum protesto pode ser feito contra má história ou A natureza fragmentária dos registros históricos. O
má propaganda. Se a história está registrada na men- fato de 0 registro fóssil ser fragmentado não destrói a
te de quem a contempla, não há razão para não deci- objetividade da paleontologia. Os restos fósseis repre-
dir contemplá-la da maneira que desejar. sentam apenas uma porcentagem minúscula dos se-
Isso nos traz à questão crucial, que é se os “fatos são res viventes no passado. Isso não impede os cientistas
óbvios” porque são objetivos. Um argumento pode ser de tentarem reconstruir 0 retrato objetivo do que re-
proposto segundo 0 qual, de fato, são. É incoerente afir- almente aconteceu na história geológica. Da mesma
mar que os fatos não têm significado, já que a afirma- forma, a história humana é transmitida por registros
ção sobre 0 fato supostamente insignificante é uma afir- parciais. Nem todo osso é necessário para fazer deter-
mação significante sobre 0 fato. Todos os fatos são minados julgamentos qualificados sobre 0 animal in-
significantes; não há os chamados fatos brutos. Mas esse teiro. A reconstrução da ciência e da história estão su-
argumento não prova realmente que os fatos são óbvi- jeitas a revisão. Descobertas subseqüentes podem ofe-
os. Ele mostra que os fatos podem ter e têm significado. recer novos fatos que exigem novas interpretações. Mas
Mas 0 que ele deve provar (e não prova) é que os fatos
pelo menos há uma base objetiva no fato para 0 signi-
só têm um significado e que 0 apresentam evidentemen-
ficado atribuído à descoberta. Interpretações não po-
te. A questão de nenhuma afirmação significante sobre
dem criar fatos nem ignorá-los, se buscar ser objeti-
fatos poder ser feita sem atribuir algum significado aos
vas. Podemos concluir então que a história não precisa
fatos não prova que 0 significado emane dos fatos. É
ser menos objetiva que a geologia simplesmente porque
possível que 0 significado tenha sido designado aos fa-
depende de registros fragmentados. O conhecimento ci-
tos por aquele que faz a afirmação significativa sobre
entífico também é parcial e depende de suposições e de
eles. Na verdade, apenas “significadores” (i.e., mentes)
uma estrutura geral que pode acabar sendo inadequada
podem atribuir significado.
com a descoberta de mais fatos (v. c iê n c ia e a B í b l i a ).
Não está claro em que sentido 0 fato objetivo pode
Seja qual tor a dificuldade existente, de um ponto
significar algo por si. É um sujeito (e.g., uma mente)
de vista estritamente científico, para preencher as lacu-
que emite significado sobre objetos (ou sobre outros
nas entre os fatos, uma vez suposta uma postura filosó-
sujeitos), mas objetos em si não são sujeitos que emi-
fica com relação ao mundo, 0 problema de objetividade
tem significado. Isso acontece normalmente, a não ser
em geral é resolvido. Se há um Deus, 0 retrato geral já
que suponhamos que todos os fatos objetivos sejam
está feito; os tatos da história apenas preencherão os
realmente pequenas mentes transmitindo significado
detalhes de seu significado. Se 0 universo é teísta, 0 es-
ou transmissores pelos quais outras mentes ou uma
boço do artista iá é conhecido de antemão (v. t e ís m o ); 0
Mente se comunica. Mas tal suposição seria 0 equiva-
lente a invocar uma cosmovisão específica como su- detalhe e a pintura só virão à medida que todos os fatos
perior a outra para provar que “fatos são óbvios” . E da história forem encaixados no esboço geral conside-
mesmo assim poderia ser argumentado que os fatos rado verdadeiro a partir da estrutura teísta. Nesse sen-
não são óbvios, mas transmitem a Mente (Deus) que tido, a objetividade histórica certamente é mais plausí-
fala por meio deles. vel dentro de determinada estrutura, tal como uma
Parece melhor concluir, então, que fatos objeti- cosmovisão teísta. A objetividade reside na visão que
vos não são óbvios. Mentes finitas podem oferecer in- melhor encaixa os fatos coerentemente num sistema
terpretações diferentes para eles ou uma Mente infi- teísta geral apoiado por boas evidências (v. D e u s , e v i -
nita pode dar uma interpretação absoluta deles, mas DENCIAS DE).

não há uma interpretação objetiva que a mente finita Condicionamento histórico. É verdade que todo his-
possa lhes dar. É claro que, se há uma Mente absoluta toriador está limitado ao tempo. Cada pessoa ocupa um
de cujo ponto de vista os fatos recebem significado lugar relativo nos eventos mutáveis do mundo espaço-
absoluto, há uma interpretação objetiva dos fatos que temporal. ,Mas isso não significa que, pelo fato de 0
391 história, objetividade da

historiador ser 0 produto de determinada época, a pes- A seleção de fatos pode ser objetiva ao ponto de os
quisa histórica da pessoa também seja um produto do fatos serem selecionados e reconstruídos no contexto
tempo. O fato de uma pessoa não poder evitar um lugar em que os eventos representados realmente ocorreram.
relativo na história não impossibilita a objetividade. A Já que é impossível para qualquer historiador reunir
crítica confunde 0 conteúdo do conhecimento e 0 pro- numa narrativa tudo que está disponível sobre um
cesso de alcançá-lo (Mandelbaum,p.94). O lugar de onde assunto, é importante selecionar os pontos que repre-
se origina uma hipótese não está essencialmente relacio- sentam 0 período (Collingwood, p. 100). A condensa-
nado à maneira pela qual sua verdade é estabelecida. ção não implica necessariamente distorção. Além dis-
Além disso, se a relatividade é inevitável, a posi- so, a evidência em favor da historicidade do n t no qual
ção dos relativistas históricos é contraproducente: ou a apologética cristã se baseia é maior que a relativa à
sua posição é historicamente condicionada, e portan- verdade de qualquer outro documento do mundo an-
to não objetiva, ou não é relativa, mas objetiva. Se for a tigo (v. Novo Testam ento, m anuscritos do; Novo Testa-
última, admite que é possível ser objetivo na observa- mento, h istoricid ade d o). Se os eventos que subjazem a
ção da história. No entanto, se a posição do relativis- ele não podem ser conhecidos objetivamente, é impos-
mo histórico também é relativa, então não pode ser sível saber qualquer coisa a respeito daquele período.
considerada objetivamente verdadeira. Ésimplesmen- No entanto, permanece a questão: O contexto real
te uma opinião subjetiva que não tem base para afir- e as conexões de eventos passados são conhecidos ou
mar ser objetivamente verdadeira sobre toda a histó- cognoscíveis? A não ser que haja uma estrutura aceita
ria. Se é subjetiva, não pode eliminar a possibilidade para os fatos, não há maneira de reconstruir em mini-
de a história ser objetivamente cognoscível, e se é um atura 0 que realmente aconteceu. O significado objeti-
fato objetivo sobre a história, é sinal de que fatos obje- vo dos eventos históricos depende do conhecimento
tivos podem ser conhecidos sobre a história. No pri- da conexão que os eventos realmente tiveram quando
meiro caso, a objetividade não é eliminada e, no se- ocorreram. Os eventos, no entanto, estão sujeitos a vá-
gundo, a relatividade se contradiz. Em qualquer caso,
rias combinações, dependendo da estrutura dada a eles
a objetividade é possível.
pelo historiador, da importância relativa que lhes é
A reedição constante da história é baseada na su-
atribuída e se eventos anteriores são considerados cau-
posição de que a objetividade é possível. Por que se
sais ou meramente antecedentes. Na verdade não há
esforçar pela precisão sem acreditar que a revisão é
maneira de conhecer as conexões originais sem pres-
mais objetivamente verdadeira que a posição anteri-
supor uma hipótese ou cosmovisão pela qual os even-
or? Por que analisar criticamente se 0 progresso em
tos são interpretados. É claro que a objetividade dos
direção a uma posição mais precisa não é 0 suposto
fatos simples e da mera seqüência de fatos anteceden-
objetivo? A objetividade perfeita pode ser praticamente
tes e conseqüentes é cognoscível sem supor uma
inatingível com os recursos limitados do historiador.
cosmovisão. Mas a objetividade do significado desses
Mas a incapacidade de atingir 100% de objetividade
eventos não é possível sem uma estrutura significati-
está bem longe da total relatividade. Atingir um certo
va, tal como a fornecida por uma hipótese ou cosmovi-
grau de objetividade que esteja sujeita à crítica e à re-
são geral. Logo, 0 problema de encontrar significado
visão é a conclusão mais realista que os argumentos
objetivo na história, como 0 problema de significado
dos relativistas. Em resumo, não há razão para elimi-
objetivo na ciência, depende do Weltanschauung pes-
nar a possibilidade de um grau suficiente de objetivi-
soai. Significado objetivo depende de sistema. Só num
dade histórica.
dado sistema 0 significado objetivo dos eventos pode
A seletividade dos materiais. O fato de que 0 histo-
riador deve escolher dentre todos os materiais possí- ser entendido. Uma vez conhecido esse sistema, é pos-
veis não torna de maneira automática a história pura- sível pela seleção justa e representativa reconstruir 0
mente subjetiva. Jurados fazem juramentos “acima de retrato objetivo do passado. Assim, numa estrutura
qualquer sombra de dúvida” sem ter toda a evidência. A teísta estabelecida, a objetividade é possível.
disponibilidade de evidência relevante e crucial é sufici- Estruturando 0 material da história. Tudo que 0 his-
ente para obter objetividade. Não é preciso saber tudo toriador poderia saber sobre eventos sem pressupor a
para obter objetividade. Não é necessário saber tudo verdade de uma estrutura interpretativa em contraste
para saber algo. Nenhum cientista sabe todos os fatos, com qualquer outra é a pura factualidade e seqüência
mas todos alegam objetividade. Contanto que nenhum de eventos. Quando 0 historiador vai além dos fatos òb-
fato importante seja ignorado, não há razão para eli- vios e da mera ordem de eventos e começa a falar de
minar a possibilidade da objetividade na história nem conexões causais e de importância relativa, uma estru-
na ciência. tura interpretativa é necessária para entender os fatos.
história, objetividade da 392

Se será determinado ou não que os fatos tinham origi- Uma vez que se admita, no entanto, que há justifi-
nalmente a suposta conexão causal e a importância atri- cação para adotar uma cosmovisão, 0 significado ob-
buída dependerá da cosmovisão adotada estar correta jetivo da história torna-se possível (v. teísmo; D e i‫׳‬s,eyi-
ou não. Afirmar que fatos têm “ordem interna” é peti- dexcias ηκ). Num contexto teísta, cada fato da história
ção de princípio. A verdadeira questão é: Como conhe- torna-se um fato teísta. Uma vez concedida a ordem
cer a ordem correta? Já que os fatos podem ser orde- factual dos eventos e conhecida a conexão causai de
nados em pelo menos uma de três maneiras (caótica, eventos, 0 significado objetivo torna-se possível. As
cíclica e linear), simplesmente presumir que uma de- estruturas caótica e cíclica são eliminadas em favor
las é a maneira em que os fatos realmente foram orde- da linear. E, numa visão linear de eventos, conexões
nados é pressupor a resposta sem base real para isso. causais surgem como resultado do contexto num uni-
O mesmo conjunto de pontos pode ter as linhas que verso teísta. 0 teísmo fornece 0 esboço a partir do qual
os ligam desenhadas de várias maneiras. O fato é que a história pinta um retrato completo. Os pigmentos do
as linhas não são colocadas sem uma estrutura tato puro assumem significado real à medida que são
interpretativa por meio da qual a pessoa as vê. Por- misturados no esboço teísta. Objetividade significa
tanto, 0 problema do significado objetivo da história consistência sistemática. Isto é, a maneira mais
não pode ser resolvido sem apelar para uma significante em que todos os fatos da história se mis-
cosmovisão. Uma vez conhecido 0 esboço estrutural, turam no esboço teísta completo é 0 que realmente
é possível saber a posição objetiva (significado) dos aconteceu. Dessa forma, 0 teísmo pode dar uma es-
fatos. Contudo, sem uma estrutura, a simples “subs- trutura objetiva para os fatos históricos.
tância” não significa nada. .4 seleção e organização de materiais. 0 historia-
Sem uma estrutura geral, não há como saber quais dor pode reorganizar dados sobre 0 passado sem
eventos na história são mais significantes, logo, não há
distorcê-lo (Nagel, p. 208).)á que a construção origi-
maneira de saber a verdadeira significância desses e de
nal dos eventos não está disponível nem para 0 histo-
outros eventos no seu contexto geral. O argumento de
riador nem para 0 geólogo, 0 passado deve ser
que a importância é determinada pelos eventos que in-
reconstruído a partir das evidências disponíveis. Re-
fluenciam a maioria das pessoas é inadequado. É uma
construção, no entanto, não exige revisão. O historia-
forma de utilitarismo histórico sujeita às mesmas críti-
dor deve organizar 0 material. O importante é se este
cas que qualquer teste utilitarista para a verdade. A
está organizado ou reorganizado de acordo com os
maioria não determina 0 melhor; grande influência não
eventos tal como realmente ocorreram. Contanto que
significa grande importância ou valor. Mesmo depois
0 historiador incorpore coerentemente todos os even-
que a maioria das pessoas foi influenciada, ainda é pos-
tos significantes de acordo com uma cosmovisão ge-
sível questionar a verdade ou valor do evento que as in-
ral e estabelecida, a objetividade está garantida. A ob-
fluenciou. É claro que, se a pessoa supõe como estrutu-
jetividade organiza os fatos de acordo com a maneira
ra que os eventos mais significativos são os que influ-
em que as coisas realmente eram. A distorção ocorre
enciam a maioria das pessoas em longo prazo, os ideais
quando fatos são negligenciados ou deturpados.
utilitaristas serão determinantes. Mas que direito ela tem
O historiador pode querer ser seletivo no âmbito
de supor uma estrutura utilitarista em vez de uma não-
do estudo, estudar apenas as dimensões políticas, eco-
utilitarista? Novamente, é uma questão de justificar a
própria estrutura geral ou cosmovisão. nômicas ou religiosas de um período específico. Mas
O argumento oferecido por alguns objetivistas é tal especialização não exige subjetividade total. É pos-
que eventos passados devem ser estruturados, pois de sível enfatizar sem perder 0 contexto geral. Uma coisa
outra forma são incognoscíveis e falhos. Tudo que esse é enfatizar detalhes num campo geral, outra bem di-
argumento prova é que é necessário entender os fatos ferente é ignorar ou distorcer 0 contexto geral no qual
por meio de alguma estrutura, caso contrário não faz 0 interesse intensificado está ocorrendo. Contanto que
sentido falar sobre eles. A questão de a estrutura estar 0 especialista fique em contato com a realidade em vez
correta ou não deve ser determinada sobre alguma de refletir pura subjetividade, um nível mensurável de
base além dos meros fatos. Se houvesse uma objetivi- objetividade pode ser mantido.
dade de fatos puros, ela só forneceria 0 simples “0 quê” julgamentos de valores. Pode-se concordar com 0
da história. Mas 0 significado objetivo lida com 0 por- argumento de que a linguagem comum está carregada
quê desses eventos; isso é impossível sem um conjun- de valores e que julgamentos de valores são inevitáveis.
to de significado-estrutura no qual fatos podem en- Isso de forma alguma torna impossível a objetividade
contrar seu lugar de significância. Significado objeti- histórica (Butterfield, p. 244 ). Objetividade significa dar
vo sem cosmovisão é impossível. tratamento justo aos fatos, apresentar 0 que aconteceu
393 história, objetividade da

da maneira mais correta possível. Além disso, objetivi- argumento da analogia de Troeltsch. Primeira, ele dá
dade significa que, quando a pessoa busca saber por que preferência à interpretação naturalista de todos os
esses eventos ocorreram, a linguagem do historiador eventos históricos. É uma exclusão metodológica da
deve atribuir a esses eventos 0 valor que tiveram no con- possibilidade de aceitar 0 milagre na história. 0 teste-
texto original. Supondo, numa cosmovisão estabelecida, munho com base na regularidade não é de forma al-
que certas coisas têm determinado valor, um relato ob- guma um testemunho contra um evento específico
jetivo da história deve reconstruir e reestruturar esses incomum. Os casos são diferentes e devem ser avalia-
eventos com 0 mesmo valor relativo. Assim, a objetivi- dos da mesma forma. As generalizações empíricas
dade exige julgamentos de valor em vez de evitá-los. A (“ Pessoas não ressuscitam numa circunstância nor-
questão não é se a linguagem de valor pode ser objetiva, mal” ) não devem ser usadas como testemunho contra
mas se afirmações de valor retratam objetivamente os relatórios fidedignos de testemunhas oculares de que
eventos. Uma vez que a cosmovisão tenha sido deter- num caso específico alguém de fato ressuscitou dos
minada, os julgamentos de valores não são indesejáveis mortos. A evidência de um evento histórico específico
ou meramente subjetivos; são essenciais. Se este é um deve ser avaliada pelos próprios méritos, independen-
mundo teísta, não seria objetivo dar qualquer coisa temente da generalização sobre outros eventos.
menos que um valor teísta aos fatos da história. A segunda objeção ao argumento da analogia de
A necessidade da cosmovisão. Quem argumenta Troeltsch é que ela procura demais pôr os fatos à pro-
contra a objetividade da história sem uma cosmovisão va. Como Richard W h a t e ly argumentou convincente-
geral está correto. 0 significado é dependente de um mente, nessa pressuposição uniformista não só os
sistema. Sem cosmovisão, não faz sentido falar sobre milagres seriam excluídos, mas também qualquer
significado objetivo (Popper, p. 150s.). Sem um con- evento incomum do passado. Seria necessário negar
texto, 0 significado não pode ser determinado, e 0 con- que a carreira de Napoleão Bonaparte ocorreu (v.
texto é dado pela cosmovisão, não pelos fatos simples. Whately). Ninguém pode negar que a probabilidade
Mas supondo que este seja um universo teísta, con- contra 0 êxito de Napoleão era grande. Seu exército
clui-se que a objetividade é possível. No universo teísta, prodigioso fora destruído na Rússia; todavia, depois
cada fato tem significado objetivo; cada fato é um fato de poucos meses ele liderou outro grande exército na
de Deus. Todos os eventos se encaixam no contexto ge- atual Alemanha, que também foi arruinado em
ral do propósito último. É possível determinar os fatos Leipzig. No entanto, os franceses 0 supriram com mais
e atribuir-lhes significado no contexto geral do univer- um exército suficientemente forte para oferecer resis-
so teísta ao demonstrar que se encaixam mais coeren- tência formidável na França. Isso se repetiu cinco ve-
temente com a interpretação que lhe foi dada. Então é zes até que finalmente ele foi exilado numa ilha. Não
possível reivindicar a descoberta da verdade objetiva so- há dúvida de que os eventos específicos de sua carrei-
bre a história. ra foram altamente improváveis. Com base nisso, en-
Por exemplo, supondo que este seja um universo tretanto, não há razão para duvidar da historicidade
teísta e que 0 corpo de Jesus de Nazaré ressuscitou da das aventuras napoleônicas. A história, ao contrário
sepultura, 0 cristão pode argumentar que esse evento da hipótese científica, não depende do universal e
incomum é 0 milagre que confirma as reivindicações repetível. Firma-se, isto sim, na suficiência do bom
associadas à verdade de Jesus ser 0 Messias. Sem essa testemunho a favor de eventos específicos e não-
estrutura teísta, não é nem sequer significativo fazer repetíveis. Se não fosse assim, nada poderia ser apren-
tal afirmação. Hipóteses abrangentes são necessárias dido com a história.
para determinar 0 significado de eventos, e a hipótese É seguramente um erro importar os métodos
teísta é essencial para afirmar que qualquer evento uniformistas da experimentação científica para a pes-
histórico é milagre. quisa histórica. A reincidência e a generalidade são ne-
A incognoscibilidade histórica de milagres. Ao ser cessárias para estabelecer uma lei científica ou padrões
examinado, 0 princípio da analogia formulado por gerais (dos quais os milagres seriam exceções especí-
Ernst T ro e lts c h revela ser semelhante a objeção aos ficas). Mas esse método não funciona na história. O
milagres feita por David Hume, que se baseava na uni- que é necessário para estabelecer eventos históricos é
formidade da natureza. Nenhum testemunho sobre 0 testemunho digno de crédito de que esses eventos
supostos milagres deve ser aceito se contradisser 0 tes- específicos realmente ocorreram (v. testem unhas, cri-
temunho uniforme da natureza. Troeltsch também té rio s de Hume r a r a ). Esse é 0 mesmo caso dos mila-
rejeitava qualquer evento específico do passado para gres. É um erro injustificável na metodologia históri-
0 qual não houvesse análogo na experiência uniforme ca supor que nenhum evento incomum e específico
do presente. Há pelo menos duas razões para negar 0 pode ser aceito, não importa quão grande a evidência
história, objetividade da 394

a seu favor. O princípio da analogia de Troeltsch des- quanto a objetividade científica pode ser estabeleci-
truiria 0 pensamento histórico genuíno. O historiador da dentro da estrutura aceita de um mundo teísta.
honesto deve estar aberto para a possibilidade de even- Em resumo, milagres podem ser mais que históri-
tos singulares e específicos, não importando se foram cos, mas não podem ser menos que históricos. So-
descritos como milagrosos. Não se deve excluir a priori mente se realmente tiverem dimensões históricas os
a possibilidade de estabelecer eventos como a ressur- milagres são objetivamente significativos e apologeti-
reição de Cristo sem examinar a evidência. É um erro camente valiosos.
supor que os mesmos princípios pelos quais a ciência 0 milagre ésignificativo em áreas diferentes. 0 mi-
empírica funciona podem ser usados na ciência foren- lagre pode ser identificado no contexto empírico ou
se. Como a segunda lida com eventos não repetidos e histórico tanto direta quanto indiretamente, tanto
não observados no passado, ela opera com base nos objetiva quanto subjetivamente. Tal evento é ao mes-
princípios da ciência das origens, não da ciência da mo tempo cientificamente incomum e teológica e
operação. E esses princípios não eliminam, mas esta- moralmente relevante. As dimensões científicas podem
belecem a possibilidade do conhecimento objetivo do ser entendidas de maneira diretamente empírica; a di-
passado — quer na ciência quer na história (v. ori- mensão moral é cognoscível apenas indiretamente por
gens, ciência das). meio da experiência. £ ao mesmo tempo “anormal” e
A natureza supra-histórica dos milagres. Um mila- “evocativa” de algo mais que seus dados empíricos. O
gre é sobrenatural. Certamente 0 apologista cristão não nascimento v ir g in a l é cientificamente anormal, mas no
argumenta que milagres são meros produtos do pro- caso de Jesus é representado como “sinal” para cha-
cesso natural. Algo é milagre quando 0 processo natu- mar a atenção para ele como algo “ mais” que humano.
ral não é capaz de explicá-lo. Deve haver uma injeção As características teológicas e morais do milagre não
do reino sobrenatural no natural, senão não há milagre são empiricamente objetivas. Nesse caso, elas são ex-
(v. m ilag re). Esse é 0 caso especialmente dos milagres perímentadas subjetivamente. Mas isso não significa
do n t, nos quais processos pelos quais Deus realizava que não haja base objetiva para as dimensões morais
seus atos são desconhecidos. Esse também é 0 caso, até do milagre. Se nosso universo é teísta (v.TEís.\10),entã0
certo ponto, de um milagre secundário, no qual pode- a moralidade está baseada objetivamente em Deus.
mos descrever por meios científicos como 0 milagre Logo, a natureza e a vontade de Deus são a base obje-
ocorreu, mas não por que ocorreu. Em ambos os casos, tiva pela qual se pode testar se 0 evento evoca subjeti-
parece melhor admitir que as dimensões milagrosas de vãmente 0 que está objetivamente de acordo com a na-
um evento histórico estão no processo natural, porém tureza e a vontade de Deus. A mesma coisa se aplica às
não pertencem a ele. dimensões da veracidade do milagre. Elas evocam sub-
Milagres ocorrem na história. De acordo com a ob- jetivamente resposta à alegação da verdade a ele asso-
jetividade da história, não há uma boa razão para 0 ciada. No entanto, a alegação da verdade deve estar de
cristão render-se aos teólogos existenciais radicais com acordo com 0 que já se conhece sobre Deus. Se sua
relação à questão das dimensões objetivas e históri- mensagem não corresponde ao que sabemos ser ver-
cas dos milagres. Milagres podem não pertencer ao dadeiro sobre Deus, não devemos acreditar que 0 even-
processo natural histórico, mas realmente ocorrem to seja milagre. É axiomático que os atos do Deus teísta
dentro dele. Até Karl B a r t h fez essa distinção quando não devem ser usados para confirmar 0 que não é a
escreveu: “A ressurreição de Cristo, ou sua segunda verdade de Deus.
vinda, [...] não é um evento histórico; os historiadores Portanto, milagres acontecem na história, mas não
podem estar certos [...] deque nossa preocupação aqui pertencem completamente à história. Mesmo assim,
é com 0 evento que, apesar de ser 0 único aconteci- são historicamente fundamentados. São mais que his-
mento real na história, não é um acontecimento real tóricos, mas não menos que históricos. São dimensões
da história” (Barth, p. 90, grifo do autor). empíricas e superempíricas de eventos sobrenaturais.
Ao contrário de muitos teólogos existencialistas, As dimensões em píricas são objetivamente
também devemos preservar 0 contexto histórico no cognoscíveis,e estas fazem um apelo subjetivo ao cren-
qual um milagre acontece, pois sem ele não há como te. Mas até aqui há base objetiva na verdade conheci-
verificar a objetividade do milagre. Os milagres na ver- da a respeito de Deus e na sua bondade pela qual 0
dade têm uma dimensão histórica sem a qual nenhu- crente pode julgar se coisas empiricamente anormais
ma objetividade da história religiosa é possível. E, são realmente atos do Deus verdadeiro e bom.
como foi argumentado acima, a metodologia históri- A re la tiv id a d e co m p leta d a h istó ria . Além da
ca pode identificar essa objetividade tão certamente invalidade dos argumentos do relativismo histórico,
395 história, objetividade da

há alguns bons argumentos contra suas conclusões. Dois subjetividade/objetividade: Em primeiro lugar, a ob-
desses argumentos são suficientes para demonstrar por jetividade absoluta é possível apenas para a Mente in-
que a possibilidade da objetividade na história não foi finita. Mentes finitas devem contentar-se com a con-
— e não pode ser — sistematicamente eliminada. sistência sistemática. Os seres humanos só podem fa-
0 conhecimento objetivo por fatos e cosmovisão. A zer tentativas passíveis de revisão de reconstruir 0 pas-
análise cuidadosa dos argumentos dos relativistas re- sado baseadas na estrutura estabelecida de referência
vela que eles pressupõem algum conhecimento obje- que incorpora de forma abrangente e coerente os fa-
tivo da história. Isso é visto pelo menos de duas ma- tos num esboço geral. Nesse nível de objetividade, 0
neiras. Primeira, eles falam da necessidade de selecio- historiador pode ser tão preciso quanto 0 cientista.
nar e organizar os “ fatos” da história. Mas se eles são Nem geólogos nem historiadores têm acesso direto a
realmente fatos, apresentam algum conhecimento ob- eventos repetíveis, nem a dados completos sobre eles.
jetivo de per si. Uma coisa é argumentar sobre a inter- Ambos devem usar julgamentos de valores para sele-
pretação dos fatos, mas negar que há qualquer fato cionar e estruturar 0 material parcial disponível.
para interpretar é outra coisa bem diferente. £ com- Na realidade, nem 0 cientista nem 0 historiador
preensível que a estrutura da cosmovisão da pessoa podem alcançar significado sem uma cosmovisão para
afete 0 entendimento do fato de que Cristo morreu interpretar os fatos. Simples fatos não podem ser co-
numa cruz no início do século 1. Mas isso é bem dife- nhecidos sem alguma estrutura interpretativa. Logo,
rente de negar que esse é um fato histórico (v. C r is t o , a necessidade de estrutura ou referencial para 0 signi-
MORTE DE). ficado é crucial para a questão da objetividade. Sem
Segunda, se os relativistas acreditam que a cos- resolver a questão sobre este mundo ser ou não teísta
movisão da pessoa pode distorcer a maneira em que independentemente dos simples fatos, não há manei-
ela vê a história, então deve haver uma interpretação ra de determinar 0 significado objetivo da história. Se,
correta. Senão, seria insignificante dizer que algumas no entanto, há boas razões para acreditar que este é
visões estão distorcidas. um universo teísta, a objetividade na história é uma
A relatividade histórica total é contraditória. Na possibilidade. Pois uma vez que 0 ponto de vista geral
verdade, a relatividade total (seja histórica, seja filo- seja estabelecido, trata-se simplesmente de uma ques-
sófica,seja moral) é autocontraditória (v. primeiros prix- tão de encontrar a visão da história mais coerente com
cípios). Como alguém poderia saber que a história é esse sistema geral. A consistência sistemática é 0 teste
completamente incognoscível sem saber algo sobre da objetividade tanto nas questão históricas, quanto
ela? £ necessário conhecimento objetivo para saber nas científicas.
que todo conhecimento histórico é subjetivo. Os R esu m o . O cristianismo faz alegações sobre even-
relativistas totais devem firmar-se no seu próprio ab- tos históricos, inclusive alegações de que Deus inter-
soluto para relativizar todas as outras coisas. Afirmar veio sobrenaturalmente na história. Mas alguns his-
que toda história é subjetiva acaba sendo uma afir- toriadores se queixam de que não há maneira objeti-
mação objetiva sobre a história. Assim, 0 relativismo va de determinar 0 passado. E, mesmo que houvesse
histórico total se anula. uma base objetiva, os milagres não se encaixariam
£ claro que alguns podem afirmar que 0 conhe- nela. 0 historiador tem material fragmentário de se-
cimento histórico não é totalmente relativo, mas ape- gunda mão para selecionar. Esses fragmentos não po-
nas parcialmente relativo. Então a história, ou pelo dem ser entendidos objetivamente, porque 0 historia-
menos parte da história, é objetivamente cognoscível. dor inevitavelmente impõe um valor interpretativo
As afirmações históricas das verdades centrais do nâo-observável. A supra-história ou mito é útil para
cristianismo são mais amplamente apoiadas pela evi- evocar a resposta religiosa subjetiva, mas não para
dência que as afirmações de veracidade para quase descrever seguramente 0 passado.
todos os outros eventos no mundo antigo. Portanto, No entanto, essas objeções fracassam. A história
isso também é uma admissão de que a relatividade pode ser tão objetiva quanto a ciência. O geólogo tam-
parcial não elimina a verificabilidade histórica do bém vê em segunda mão evidências fragmentadas e
cristianismo. Em resumo, 0 relativismo histórico to- não repetidas de um ponto de vista pessoal. Apesar de
tal é contraditório, e 0 relativismo histórico parcial referenciais interpretativos serem necessários, nem
admite que argumentos históricos sejam justificados toda cosmovisão precisa ser relativa e subjetiva.
na defesa da te cristã. Quanto à objeção de que a história dos milagres
A o b je t iv id a d e d a h is t o r io g r a fia . Várias con- não é objetivamente verificável, os milagres podem
clusões gerais podem ser tiradas do debate sobre ocorrer no processo histórico, como qualquer outro
histórica, apologética 396

evento. A única diferença é que 0 milagre não pode ser h istó rica, apologética. A apologética histórica
explicado pelo decorrer dos eventos. Milagres cristãos enfatiza a evidência histórica como base para demons-
afirmam ser mais que empíricos, mas não são menos trar a verdade do cristianismo (v. ap ologética, tipos de).
que história. Historicamente, os milagres podem ser Nesse ponto coincide com a ap olo gética clássica. A di-
verificados. As dimensões morais e teológicas dos mi- ferença crucial entre as duas é que a apologética his-
lagres não são totalmente subjetivas. Elas exigem uma tórica não acredita ser necessário estabelecer primei-
resposta subjetiva, mas há padrões objetivos de ver- ro a existência de Deus. A apologética histórica acre-
dade e bondade (segundo 0 Deus teísta) pelos quais dita que a verdade do cristianismo, inclusive a exis-
podem ser estimadas. tência de Deus, pode ser provada com base apenas na
A porta para a objetividade da história, e, assim, para evidência histórica.
a historicidade objetiva dos milagres, está aberta. Ne- Essa suposição coloca a apologética histórica na
nhum princípio forçado de analogia uniformista pode ampla classe da apologética evidenciai, mas difere por
trancá-la a priori. A evidência que apóia a natureza ge- enfatizar a importância, se não a necessidade de co-
ral da lei científica não pode eliminar boas evidências meçar com a evidência histórica para a verdade do
históricas de eventos anormais, porém específicos da cristianismo. Geralmente, 0 apologista histórico vê a
história. Argumentos contrários aos milagres não são ressurreição de Cristo como a mola mestra da
apenas indiscutivelmente naturalistas em preconceitos, apologética. Nesse sentido, esta pode ser chamada
mas, se aplicados sistematicamente, eliminam a histó- apologética da ressurreição.
ria secular conhecida e aceita (v. m ilagres, argumentos D efen so res da a p olo gética histó rica. O cristianis-
c o n tra ). A única abordagem realmente honesta é exa- mo é uma religião histórica, assim é compreensível que
minar cuidadosamente a evidência testemunhai de um tivesse uma ênfase histórica desde 0 princípio. Os pri-
suposto milagre para determinar sua autenticidade. meiros apologistas, inclusive Ju stin o M á r t i r , T e rtú lia -
no, C lem ente de A le x a n d ria e O rígenes defenderam a

Fontes historicidade do cristianismo. Da mesma forma, a


K. B a r t h , The word o f God and the word o f man. apologética clássica (v. ap olo gética c lá ssica) ,com Agos-
C . B e a r d , “ T h a t n o b le d r e a m ” , e m The varieties o f history. t in h o , A n s e lm o e To m ás de A q u in o , considerava a

C. L. B e c k e r , “ Detachment and the writing of history” , P. L. apologética histórica parte importante da estratégia
Sn yd er, org., Detachment and the writing o f history. geral para defender a fé cristã.
___ ,“What are the historical facts?” , The philosophy o f history Contudo, 0 que distingue a apologética histórica
in our time. como disciplina é sua crença de que é possível defen-
M . B lo c k, The historian’s craft. der toda a fé cristã, inclusive a existência de Deus e 0
F. H . B rad ley, The presupposition o f critical history. fato dos milagres, estritamente a partir da evidência
H . B u t t e r f i e l d , “Moral judgments in history” , H .M eyerh o ff, histórica, sem a necessidade de qualquer apelo ante-
org., Philosophy. rior aos argumentos teístas (apesar de alguns usarem
E. H . Carr, What is history? evidências teístas de forma suplementar). Essa ênfase
R. G. C o l l i n g w o o d , The idea o f history. parece constituir em grande parte um fenômeno mo-
W. L. C r a i g , “ The nature of history” , tese não publicada de derno. Os apologistas contemporâneos que pertencem
mestrado, Trinity Evangelical Divinity School. a essa categoria incluem John Warwick Montgomery
W . H . D r a y , o rg ., Philosophy o f history. e Gary Habermas (v. m ilagre, v a lo r a p ologético dos; mi-
K. J a s p e r s , et al., Myth and Christianity. la g re s na B íb lia ).

M . M a n d e lb a u m , The problem of historical knowledge. C o n tra ste co m o u tro s sistem a s. A apologética


E. N a g e l , “ The logic of historical analysis” , H. M eyerh o ff, org,. histórica difere da apologética pressuposicional e da
Philosophy apologética clássica (v. a p o lo g é tica pressuposicional)
H . P1RF.NNF.,“ W h a t a r e h i s t o r i a n s t r y i n g t o d o ? ” , H . M e y e r h o f f , quanto à natureza da evidência em si e à natureza da
org., Philosophy. evidência histórica especificamente.
K. P o p p e r , The poverty ofhistoricism. A apologética histórica, assim como a apologética
I. R a m s e y , Religious language. clássica, começam com a evidência para demonstrar
P. T i l l i c h , Dynamics o f faith. a verdade do cristianismo. Os pressuposicionalistas,
E. T r o e l t s c h , “ Historiography” , J. H a s t i n g s , org., por outro lado, começam com as pressuposições do
Encyclopedia o f religion and ethics. incrédulo. O que está em questão é a validade da evi-
W. H. W a lsh , Philosophy o f history. dência para apoiar a verdade. Os pressuposicionalistas
R . W h ately, Historical doubts relative to Napoleon Bonaparte. puros (revelacionais) insistem em que nenhuma
397 histórica, apologética

evidência, histórica ou não, faz sentido, a não ser que milagrosos na vida de Jesus. A partir do argumento
seja interpretada pela lente da cosmovisão cristã geral da divindade de Cristo, muitas vezes afirma-se que a
da pessoa. O apologista histórico acredita que os fatos Bíblia é a Palavra de Deus, já que Jesus (que é Deus)
históricos são evidentes no contexto histórico. Os fez tal afirmação (v. Bíblia, evidência da; Bíblia, posi-
pressuposicionalistas puros, por outro lado, insistem ção de Jesus em relação à ). Dessa maneira, Deus, mi-
em que nenhum fato é evidente; todos os fatos são in- lagres, a divindade de Cristo (v. Cristo, d iv in d a d e d e )

terpretados e exigem uma estrutura de cosmovisão cris- e a inspiração da Bíblia são todos apoiados por um
tã para compreensão adequada. argumento histórico.
A pologética clássica versus histórica. A apoio- Avaliação. As críticas da apologética histórica vêm
gética histórica tem muito em comum com a de dois grupos, dos pressuposicionalistas e dos
apologética clássica. Ambas acreditam na validade da apologistas clássicos.
evidência histórica. Ambas consideram a evidência Fatos evidentes? Os pressuposicionalistas, e até al-
histórica crucial para a defesa do cristianismo. Entre- guns apologistas clássicos, opõem-se a que a
tanto, discordam totalmente quanto à necessidade de apologética histórica comece com a falsa suposição de
a apologética teísta ser logicamente anterior à que os fatos históricos “são evidentes” . A abordagem
apologética histórica. A apologética clássica acredita histórica supõe erroneamente que há “fatos eviden-
que não faz sentido falar sobre a ressurreição como tes” . Qualquer pessoa inteligente pode vê-los e deles
ato de Deus a não ser que esteja estabelecido que exis- pode tirar conclusões adequadas. Mas todos os “ fatos”
te um Deus que pode agir primeiro. A apologética his- ganham significado a p artir do contexto da
tórica, no entanto, argumenta que é possível demons- cosmovisão. A cosmovisão é como um par de óculos
trar que Deus existe ao demonstrar somente pela evi- de lentes coloridas que tingem tudo que é visto atra-
dência histórica que um ato de Deus ocorreu, como vés delas. Todos os fatos são fatos interpretados. Os
na ressurreição de Jesus Cristo. supostos fatos evidentes são como pontos espalhados
A a b o r d a g e m h is tó ric a . A abordagem básica da numa folha de papel. Não há nenhuma linha a ligá-
apologética histórica é começar com a historicida- los, e os pontos são insignificantes a n,ão ser que a men-
de dos documentos do n t e depois usar os milagres te os conecte. De que forma as linhas são desenhadas
de Cristo, especificamente a ressurreição, para de- depende da perspectiva de cada um.
monstrar que Cristo é 0 Filho de Deus (estabele- Como acontece com as objeções à apologética clás-
cendo assim que existe um Deus teísta que pode sica, apenas um teísta entende a ressurreição de Jesus
fazer milagres). de Nazaré como um ato sobrenatural do Deus teísta e
A abordagem típica da apologética histórica co- que esse ato demonstra que Jesus é 0 Filho único do
meça pela tentativa de demonstrar a historicidade dos Deus teísta (v. teísm o). O fato de apenas teístas, ou su-
documentos do n t. Isso geralmente inclui argumen- postos teístas, chegarem a essas conclusões indica que
tos em favor da autenticidade dos documentos do n t a cosmovisão teísta é logicamente anterior até mesmo
(v. Novo Testam ento, datação do; Novo Testam ento, ma- à identificação da ressurreição dos mortos como so-
n u scritos do) e da confiabilidade de suas testemunhas brenatural (v. re ssu rre ição ,evid ên cias da). O evento não
(v. Novo Testam ento, histo ricid ade do; Novo Testam ento, pode ser um ato especial de Deus, a não ser que haja
FONTES NÃO-CRÍSTÃS D0 ). um Deus que possa fazer tais atos especiais (v. Deus,
0 segundo passo seria examinar as afirmações n atu reza de).
neotestamentárias de Cristo quanto a ser ele 0 Filho do Isso não quer dizer que psicologicam ente um even-
Deus teísta que oferece provas milagrosas para suas afir- to como esse não possa ativar a crença em Deus, se
mações. A mais importante dessas provas é que Cristo um cético ou agnóstico vier a crer que ele realmente
ressuscitou dos mortos (v. m ilagres, argumentos c o n tra ). aconteceu. Significa apenas que só quem aceita pelo
Terceiro, a defesa dos milagres de Cristo, especial- menos a possibilidade, se não a plausibilidade, da vi-
mente sua ressurreição, é apresentada. Às vezes isso é são teísta chegaria a essa conclusão. A grande maioria
apoiado pelos argumentos históricos externos ao n t, das pessoas que passam a acreditar no cristianismo
mas a confiabilidade dos documentos do n t é 0 enfoque por causa dos milagres de Cristo e dos apóstolos faz
comum (e essencial). isso apenas porque já adotou a cosmovisão teísta, ex-
Com base apenas nessas premissas, conclui-se plícita ou implícita. Por exemplo, os membros de po-
que Jesus é 0 Filho do único e verdadeiro Deus teísta, vos pré-letrados geralmente se convertem ao cristia-
0 único que pode ser responsável por esses eventos nismo depois que passam a acreditar nesses eventos
humanismo secular 398

milagrosos. Mas essas pessoas já possuíam um teísmo histórico, Jesus. V. C risto da fe rs. Jesus da h is tó ria ; J e -
tácito que adorava um Deus superior ou Deus ceies- sus, Sem inário.
tial (v. monoteísmo p rim itivo ). Até os deístas (v. deísmo)
acreditam que Deus fez 0 grande milagre de criar 0 humanismo secular. O humanismo enfatiza os valo-
mundo (v. c ria ç ã o e o rigens). Assim, a ressurreição dos res e interesses dos seres humanos. Há formas cristãs
mortos evocaria sua crença de que Deus também po- ( v. Lew is, C. S.) e formas não-cristãs. O humanismo se-
deria fazer outros milagres. Mas, apesar disso, tanto cular é a forma dominante da segunda forma. Sua de-
na teoria quanto na prática, a crença no Deus que faz claração é que “O homem é 0 padrão de todas as coi-
milagres é logicamente anterior à crença de que de- sas” . Em vez de focalizar os seres humanos, sua filoso-
terminado evento é milagre, inclusive 0 evento de al- fia é baseada nos valores humanos.
guém ser ressuscitado dos mortos. Os humanistas seculares formam um grupo vari-
Impressões digitais de quem? Outras lacunas na ado. Incluem e x iste n cia lista s (v. S a r t r e , Je a n - P a u l),
abordagem da apologética histórica só podem ser re- marxistas (v. M a r x , K a r l ) , pragmáticos (v. Dewey, Jo h n ),
solvidas com uma cosmovisão teísta. Por exemplo, um egocentristas (v. R an d , A y n ) e comportamentalistas (v.
passo crucial na apologética geral é ser capaz de iden- B. F. Skinner, em determ inism o). Apesar de todos os
tificar um dado evento como milagre. Mas como sa- humanistas acreditarem em alguma forma de evolu-
ber que 0 milagre tem a “impressão digital de Deus” , cão (v. evo lu çã o b io ló g ica; evo lu çã o q u ím ica), Julian
para confirmar a reivindicação da verdade do profeta H u x le y chamava sua posição de “ religião do
de Deus, a não ser que já se saiba que Deus existe e humanismo evolutivo” . Corliss Lamont podia ser cha-
como são suas “impressões digitais” ? Só quem sabe mado de “ humanista cultural” .Apesar das diferenças,
como Deus é pode identificar atos divinos. A própria os humanistas não-cristãos têm uma base de crenças
identificação do ato incomum como milagre depende comuns. Elas foram resumidas em dois “manifestos
do conhecimento anterior de tal Deus (v. m ilagres, humanistas” e representam uma coalizão de vários
iden tificab ilid a d e de). pontos de vista do humanismo secular.
Que tipo de Deus? Se a pessoa não supuser a exis- i M a n ifesto h u m a n ista . Em 1933, um grupo de
tência de um Deus teísta (que é moralmente perfeito 34 humanistas americanos enunciaram os princípios
e não nos enganaria), 0 argumento histórico não fun- fundamentais da sua filosofia no / Manifesto
ciona. Suponha que houvesse um Deus que não é mo- humanista. Entre os signatários estavam Dewev, 0 pai
ralmente perfeito, mas que, mesmo assim, tivesse a da educação pragmática americana; Edwin A. Burtt,
capacidade de realizar milagres. Ele não poderia en- filósofo da religião, e R. Lester Mondale, ministro
ganar as pessoas fazendo milagres para beneficiar unitarista e irmão de Walter Mondale, que viria a ser
um impostor? É crucial para 0 argumento histórico vice-presidente dos e la .
a premissa de que Deus não poderia fazer um mila- ,45 afirmações. Xa introdução, os autores se identi-
gre por meio de ou para alguém que esteja fazendo ficam como “ humanistas religiosos” e afirmam que
uma afirmação fraudulenta em seu nome (v. m ilagres “estabelecer tal religião é uma grande necessidade do
como c o n firm a çã o da v e rd a d e ). Sem a convicção pré- presente” (Kurtz, Humanist manifestos). 0 manifesto
via de que 0 Deus que faz tais milagres é um Ser es- consiste em quinze afirmações básicas que dizem em
sencialmente perfeito (i.e., um Deus teísta) que não parte:
nos enganaria, não é possível ter certeza de que a “Primeiro. Os humanistas religiosos consideram 0
evidência histórica para um milagre realmente apóie universo auto-existente e não criado.” Os signatários são
a afirmação daquele por meio de quem ou para quem antiteístas (v. teísmo ) que negam a existência de um Cri-
0 milagre é realizado. ador que tenha criado ou que sustente 0 universo.
“ Segundo. O humanismo acredita que 0 homem é
Fontes parte da natureza e que surgiu como resultado de um
G. H. Clark , Historiography, secular and religious. processo contínuo.” 0 naturalismo e a evolução natu-
N. L. G f.isler , Christian apologetics, caps. 5,15. ralista são afirmados. O sobrenatural é negado.
G. H aberm as, The history o f Jesus: ancient evidence tor the life “ Terceiro. Por terem uma visão orgânica da vida,
o f Christ. os humanistas acreditam que 0 dualismo tradicional
___ , The resurrection o f Jesus: an apologetic. da mente e do corpo deve ser rejeitado.” Os humanos
J. W. M o n tg o m ery, Christianity and history. não têm alma ou aspecto imaterial na sua natureza.
___ , Evidence for faith. Tampouco são imortais (v. im o rtalid a d e ). Nenhuma
___ , The shape o f the past. existência se estende além da morte.
399 humanismo secular

“Quarto. O humanismo reconhece que a cultura re- promoverá bem-estar social ao desencorajar ansieda-
ligiosa e civilização do homem [...] são 0 produto de de e preocupação que se originem da ignorância.
um desenvolvimento gradual.” Além disso, “0 indiví- “Décimo segundo.Acreditando que a religião deve agir
duo nascido numa cultura específica é em grande par- cada vez mais para produzir alegria e vida, os humanistas
te moldado por aquela cultura” . Isso implica evolução religiosos procuram promover 0 lado criativo do homem e
cultural e relatividade cultural. A evidência cultural encorajar realizações que acrescentem satisfação com a
significa que a sociedade gradualmente tornou-se vida.” Essa ênfase dos valores humanistas de criatividade e
mais sofisticada e complexa; a relatividade cultural realização demonstra a influência de Dewey.
significa que os indivíduos são em grande parte mol- “ Décimo terceiro. Os humanistas religiosos afir-
dados pelas suas respectivas culturas. mam que todas as associações e instituições existem
“Quinto. 0 humanismo afirma que a natureza do para a satisfação da vida humana.” Os humanistas
universo retratada pela ciência moderna torna inaceitá- reconstituiriam rapidamente instituições religiosas,
vel qualquer garantia sobrenatural ou cósmica de valo- rituais, organização eclesiástica e atividades comuni-
res humanos.” Não há valores dados por Deus a serem tárias em torno de sua cosmovisão.
descobertos; portanto, os valores são relativos e estão su- “ Décimo quarto. Os humanistas estão firmemen-
jeitos a mudanças (v. .moralidade, natureza absoluta da). te convictos de que a atual sociedade aquisitiva e mo-
“ Sexto. Estamos convencidos de que 0 tempo já tivada pelo lucro demonstrou ser inadequada e que
passou para 0 teísmo, deísmo, modernismo e vários uma mudança radical nos métodos, controles e moti-
tipos de‘pensamento novo’.” Os escritores do primei- vações deve ser instituída.” No lugar do capitalismo,
ro manifesto eram ateus (v. ateísmo) o u agnósticos (v. os humanistas sugerem “uma ordem econômica soei-
agnosticis.mo) no sentido tradicional dos termos. Até
alizada e cooperativa” .
crenças não-sobrenaturais são rejeitadas (v. m ilagres,
“ Décimo quinto e último. Afirmamos que 0 hu-
argum entos c o n tra ).
manismo irá: a) afirmar a vida, ao invés de negá-la; b)
“ Sétimo. A religião consiste nas ações, propósitos
buscar evocar as possibilidades de vida, não fugir de-
e experiências que são humanamente significativas
las: e c) procurar estabelecer as condições de vida
[...]tudo que, no seu nível, expressa vida humana in-
satisfatórias para todos, não apenas para alguns.” A
teligentemente satisfatória.” A essência dessa afirma-
tendência pró-socialista continua nessa afirmação re-
ção é definir religião em termos puramente humanis-
sumida, que apresenta 0 humanismo religioso numa
tas. A religião é tudo que é significativo, interessante
estrutura de apoio à vida.
ou satisfatório para os seres humanos.
Os humanistas que criaram 0 manifesto afirma-
“Oitavo. 0 humanismo religioso considera a reali-
ram que “a busca do bem-estar ainda é a principal
zação completa da personalidade humana como 0 ob-
tarefa da humanidade” e que cada pessoa “ tem den-
jetivo da vida do homem e busca seu desenvolvimento
tro de si 0 poder para sua realização” . Eles eram oti-
e cumprimento aqui e agora.” A esperança do humanista
mistas com relação aos objetivos e perfeccionistas na
é limitada a este mundo. 0 “objetivo principal do ho-
sua crença de que a humanidade tinha a habilidade
mem” é terrestre, não celestial (v.m aterialism o ).
de alcançá-los.
“ Nono. No lugar das antigas atitudes envolvidas na
Avaliação do 1 Manifesto humanista. 0 1 Manifesto
adoração e oração, 0 humanista encontra suas emo-
humanista pode ser resumido desta forma:
ções religiosas expressas no sentido elevado de vida
pessoal e no esforço cooperativo de promover 0 bem-
estar social.” A emoção religiosa está focalizada nas 1. ateísta (v. ateísmo) em relação à existência de
esferas natural, pessoal e social, não nos âmbitos es- Deus;
piritual e sobrenatural. 2 . naturalista em relação à possibilidade de
“ Décimo. Conclui-se que não haverá emoções e ati- milagres (v. .milagres, argum entos c o n t r a );
tudes exclusivamente religiosas do tipo até aqui asso- 3. evolucionista (v. e v o lu çã o ) em relação às ori-
ciado à crença no sobrenatural.” Este ponto consubs- gens humanas;
tancia as implicações naturalistas das afirmações an- 4. relativista em relação aos valores (v. morali
teriores. A experiência religiosa deve ser explicada em DADE, NATUREZA ABSOLUTA Da );

termos puramente materialistas. 5. otimista em relação ao futuro;


“ Décimo primeiro. 0 homem aprenderá a enfren- 6. socialista quanto política e economia;
tar as crises da vida com base em seu conhecimento 7. religioso quanto a atitude em relação à vida, e
da naturalidade e da probabilidade delas.” Os 8. humanista em relação aos métodos que suge-
humanistas acreditam que a educação humanista re aos que querem alcançar os objetivos dele.
humanismo secular 400

A afirmação não é apenas otimista; é excessivamente prestam um desserviço à espécie humana” .Além dis-
otimista em relação à possibilidade da perfeição huma- so, não encontram evidência suficiente do sobrena-
na. Até os criadores do u Manifesto humatiista (1973) tural. Como “não-teístas, começamos com os huma-
reconheceram que “os eventos desde [1933] fazem essa nos, e não com Deus, com a natureza,e não com a
afirmação anterior parecer otimista demais” . divindade” . Não conseguiram descobrir nenhuma
0 1Manifesto evita propositadamente 0 uso das pa- providência divina. Logo, “nenhuma divindade nos
lavras precisa epode. Mas não evita irá (art. 15) e deve salvará; nós mesmos devemos nos salvar” .
(art. 3, 5, 12, 13, 14). As afirmações dos humanistas “ Segundo. Promessas de salvação imortal ou medo
sobre valores que consideram importantes implicam de condenação eterna são ilusórias e prejudiciais.” Elas
que a pessoa “precisa” buscar esses valores. Logo, os distraem os homens da auto-realização e da preocu-
humanistas seculares estão na verdade oferecendo pação com a injustiça. A ciência descrê da alma (v. i.mor-
uma prescrição moral que acreditam que os seres hu- TAL1DADE).“ Pelo contrário, a ciência afirma que a espé-
manos precisam seguir. cie humana é resultado de forças evolutivas naturais.”
Algumas prescrições morais subentendem uma A ciência não encontrou evidência de que haja vida
força universal, pelas fortes palavras usadas: necessi- após a morte. Os humanos devem preocupar-se com
dade (introdução), deve (art. 3,5,12,14), insiste (art. 0 bem-estar nesta vida, não na próxima.
5), não ou nada (arts. 7,10, conclusão) e até exige (art. “ Terceiro. Afirmamos que valores morais são de-
14) juntamente com os valores defendidos. Na intro- rivados da experiência humana. A ética é autônoma e
dução, uma obrigação universal é eufemisticamente situacional, e não depende de sanção teológica ou ide-
chamada de “ valor dominante” . Da mesma forma os ológica.” Os humanistas baseiam seu sistema de valo-
valores de liberdade, criatividade e realização são cia- res na experiência humana, “aqui e agora” . Os valores
não têm base ou objetivo supra-humano (v. moralidade,
ramente considerados universais e irrevogáveis.
NATUREZA ABSOIUTA Da).
Merece atenção 0 tom religioso do primeiro ma-
“Quarto. A razão e a inteligência são os instrumen-
nifesto que é muito evidente. As palavras religião ou
tos mais eficazes que a humanidade possui.” Nem fé
religioso ocorrem 28 vezes. Os autores consideram-se
nem paixão as substituem. Os humanistas sugerem
religiosos, querem preservar a experiência religiosa e
que“o uso controlado dos métodos científicos [...] deve
até se denominam “ humanistas religiosos” . Sua reli-
ser estendido na busca da solução para os problemas
gião, no entanto, não tem um objeto pessoal supremo
humanos” . Uma combinação de inteligência crítica e
de experiência religiosa.
compaixão humana é a melhor esperança para resol-
11 M anifesto h u m a n ista . Em 1973, quarenta anos
ver problemas humanos.
depois da criação do /Manifesto humanista, os defenso-
“Quinto. A preciosidade e dignidade da pessoa
res do humanismo secular de vários países acharam que
como indivíduo é valor central do humanismo.” Os
era necessária uma atualização. “ 0 11 Manifesto
humanistas permitem autonomia individual condi-
humanista” foi assinado por Isaac Asimov, A. J. Ayer,
zente com a responsabilidade social. Assim, a liberda-
Brand Blanshard, Joseph Fletcher, Antony Flew, Jacques
de individual de escolha deve ser ampliada (v.
Monod e B. F. Skinner.
determ inismo; l iv r e - a r b ítr io ).
No prefácio, os autores negam que “estejam estabe-
“Sexto. Na área da sexualidade, cremos que atitudes
lecendo um credo comprometedor” , mas dizem que
intolerantes, geralmente cultivadas pelas religiões orto-
“hoje é nossa convicção” .Reconhecem continuidade dos
doxas e culturas puritanas, reprimem indevidamente a
humanistas anteriores ao afirmar que Deus, orações, conduta sexual.” Os autores afirmam os direitos de con-
salvação e providência são parte da “fé não comprova- trole de natalidade, aborto, divórcio e qualquer forma
da e desatualizada” . de comportamento sexual entre adultos de comum acor-
As afirmações. As dezessete afirmações básicas no 11 do. “Se não prejudicarem outras pessoas nem obrigá-
Manifesto humanista aparecem sob os títulos “religião” las a fazer 0 mesmo, os indivíduos devem ter permissão
(art. 1e 2),“ ética” (3 e 4),“0 indivíduo” (5 e 6),“sociedade para expressar suas inclinações sexuais e seguir seus
democrática” (7 a 11) e “comunidade global” (12 a 17). estilos de vida como desejam.”
“ Primeiro. No melhor sentido, a religião pode ins- “ Sétimo. Para realçar a liberdade e dignidade, 0
pirar dedicação aos ideais éticos mais elevados. O indivíduo deve experimentar grande variedade de
cultivo da devoção moral e da imaginação criativa é liberdades civis em todas as sociedades.” Isso in-
expressão de experiência e aspiração ‘espiritual’ ge- clui liberdades de expressão e de imprensa, demo-
nuína.” Os autores rapidamente acrescentam “que as cracia política, oposição a políticas do governo,
religiões tradicionais dogmáticas ou autoritárias [...] processos judiciais, religião, associação, expressão
401 humanismo secular

artística e investigação científica. Devem ser prote- Isso deve ser feito por meio de “uma autoridade inter-
gidos e estendidos aos indivíduos os direitos de nacional que garanta os direitos humanos.”
morrer com dignidade e de usar eutanásia e suicí- “ Décimo sexto. A tecnologia é uma chave vital para
dio. Os humanistas se opõem à invasão crescente 0 progresso e desenvolvimento humanos.” Este artigo
da privacidade individual. Essa lista detalhada é um fala contra a condenação indiscriminada da tecnolo-
catálogo dos valores humanistas. gia e seu uso para controlar, manipular ou modificar
“Oitavo. Estamos comprometidos com uma socie- seres humanos sem consentimento da humanidade.
dade aberta e democrática.” Todas as pessoas devem ter “Décimo sétimo. Devemos expandir a comunica-
participação no desenvolvimento de valores e estabele- ção e 0 transporte entre fronteiras. As restrições de
cimento de metas.“As pessoas são mais importantes que viagem devem cessar.” Esse artigo termina com uma
decálogos, regras, proibições ou regulamentos.” Aqui se advertência: “ Devemos aprender a viver abertamente
manifesta uma oposição à lei moral divina como a en- juntos, ou pereceremos juntos” .
contrada nos Dez Mandamentos (Decálogo). A conclusão fala contra “terror” e “ ódio” .Afirma os
“ Nono. A separação entre igreja e Estado e a separa- valores da razão e compaixão, assim como tolerância,
ção entre ideologia e Estado são imperativas.” Os entendimento e negociação pacífica. Exige “0 mais alto
humanistas acreditam que 0 Estado “não deve favore- compromisso [i.e., a esses valores] de que somos capa-
cer nenhum grupo religioso específico pelo uso de di- zes” , que “transcende [...] igreja, Estado, partido, classe
nheiro público, nem promover determinada ideologia” . ou raça” . Fica claro que os humanistas estão exigindo
“ Décimo. [...] Precisamos democratizar a econo- um compromisso supremo com valores morais trans-
mia e julgá-la pela sensibilidade às necessidades hu- cendentes — um compromisso religioso.
manas, testando resultados em termos do bem co- Avaliação do 11 Manifesto humanista. 0 11Manifesto
mum.” Isso significa que 0 valor de qualquer sistema humanista é mais forte, mais detalhado e menos oti-
econômico deve ser julgado numa base utilitarista. mista que 0 /Manifesto humanista. É menos cuidadoso
“ Décimo primeiro. 0 princípio da igualdade mo- no uso de termos morais tais como deve e na exigência
ral deve ser promovido mediante a eliminação de toda de um compromisso supremo. É realmente uma convo-
discriminação baseada em raça, religião, sexo, idade cação forte, urgente, moral e religiosa. Como seu prede-
ou nacionalidade.” A eliminação total da discrimina- cessor, também é ateísta, naturalista, evolucionista, so-
ção resultará numa distribuição mais justa da rique- cialista, relativista e ainda otimista quanto à possibili-
za. Haveria uma renda anual mínima, previdência so- dade de a humanidade salvar a si própria. A ênfase na
ciai para todos que precisam e 0 direito à educação característica internacional é bem mais forte.
universitária. A “D ecla ra çã o h u m a n ista s e c u la r”. A terceira voz
“ Décimo segundo. Deploramos a divisão da hu- de coalizão para 0 humanismo secular soou. Signatá-
manidade por nacionalidades. Chegamos a um mo- rios da “ Declaração humanista secular” , que apareceu
mento decisivo na história da humanidade em que a no periódico humanista secular Free Inquiry, incluí-
melhor opção é transcender os limites da soberania am Asimov, Fletcher, Skinner e alguns que não assina-
nacional e buscar a construção de uma comunidade ram ο 11Manifesto, entre eles os filósofos Sidney Hook
global.” Isso envolveria uma entidade política e Kai Nielsen.
supranacional que permitisse diversidade cultural. As afirmações. A declaração patrocina 0 “humanis-
“ Décimo terceiro. Essa comunidade global deve re- mo secular democrático” . É evidente pelos primeiros
nunciar 0 recurso da violência e da força como méto- parágrafos que os humanistas consideram a religião
do de resolver disputas internacionais.” Esse artigo estabelecida sua grande inimiga: “ Infelizmente, hoje
considera a guerra, por mais localizada que seja, ab- enfrentamos uma variedade de tendências anti-
soluta, e reivindica um “imperativo planetário” para secularistas: 0 ressurgimento das religiões dogmáticas
reduzir gastos militares. e autoritárias; 0 cristianismo fundamentalista, literal
“ Décimo quarto. A comunidade global deve em- e doutrinante” . Além disso, 0 documento reclama do
pregar planejamento cooperativo com relação ao uso “clericalismo muçulmano rapidamente crescente e
de recursos rapidamente esgotáveis [...] eocrescimen- intransigente no Oriente Médio e na Ásia, a reafirma-
to populacional excessivo deve ser controlado por acor- ção da autoridade ortodoxa da hierarquia papal do ca-
do internacional.” Para os humanistas, portanto, a con- tolicismo romano, 0 judaísmo religioso e nacionalis-
servação é um valor moral. ta, e a volta a religiões obscurantistas na Ásia” . A pia-
“ Décimo quinto. É obrigação moral das nações de- taforma desses humanistas é:
senvolvidas dar [...] grande assistência técnica, agrí- Livre Investigação. “ 0 primeiro princípio do
cola, médica e econômica” a nação subdesenvolvidas. humanismo secular democrático é seu compromisso
humanismo secular 402

com a livre investigação. Opomo-nos a qualquer tira- Ciência e tecnologia. “Cremos que 0 método científi-
nia sobre a mente do homem, qualquer esforço por eo, apesar de imperfeito, ainda é a maneira mais confiável
parte de instituições eclesiásticas, políticas, ideológi- de entender 0 mundo. Logo, procuramos as ciências na-
cas ou sociais de algemar 0 livre pensamento.” turais, biológicas, sociais e eomportamentais para conhe-
Separação entre igreja e Estado. “ Por causa de seu cimento do universo e do lugar do homem nele.”
compromisso com a liberdade, os humanistas secula- Evolução. Esse artigo lamenta 0 ataque dos funda-
res acreditam no princípio da separação entre igreja e mentalistas religiosos à evolução. Apesar de negar que
Estado.” Na sua opinião, “qualquer esforço para impor a evolução seja um “princípio infalível” ,os humanistas
uma concepção exclusiva da Verdade [v. verdade, natu- seculares acreditam que ela “ é apoiada tão fortemente
reza da] , piedade, virtude ou justiça sobre toda a soei- pelo peso da evidência que é difícil rejeitá-la” . Conse-
edade é uma violação da investigação livre” . qüentemente,“deploramos os esforços dos fundamen-
0 ideal de liberdade. “Como secularistas democrá- talistas (especialmente nos Estados Unidos) de inva-
ticos, defendemos sistematicamente 0 ideal de liber- dir as salas de aulas, exigindo que a teoria criacionista
dade.” 0 conceito de liberdade do humanismo secular seja ensinada aos alunos e exigindo que ela seja inclu-
inclui não só liberdade de consciência e crença em re- ida nos livros didáticos de biologia” (v. o r ig e x s , c iê x c ia
lação a poderes repressivos eclesiásticos, políticos e d a s ). Os humanistas seculares consideram isso uma

econômicos, como também “liberdade política genuí- ameaça tanto à liberdade acadêmica como à integri-
na, decisões democráticas baseadas na opinião da dade educacional.
maioria e respeito pelos direitos das minorias e pelo Educação. “Na nossa opinião, a educação deve ser
regime da lei” . 0 método essencial de construir sociedades humani-
Ética baseada na inteligência crítica. “0 humanista tárias, livres e democráticas.” As metas de educação
secular reconhece 0 papel central da moralidade na incluem a transmissão de conhecimento, treinamen-
vida humana.” A conduta ética deve ser julgada pela to ocupacional, instrução de cidadania e incentivo ao
razão crítica, e seu objetivo é desenvolver “indivíduos crescimento moral. Os humanistas seculares também
autônomos e responsáveis, capazes de fazer suas es- imaginam a tarefa mais ampla de embarcar num “pro-
colhas na vida baseados no entendimento do compor- grama de longo prazo de educação pública e esclare-
tamento humano” . Apesar de os humanistas secula- cimento com relação à relevância da perspectiva se-
res serem ostensivamente opostos à moralidade abso- cular da condição humana” .
lutista, afirmam que “padrões objetivos surgem, e va- A declaração conclui com 0 apelo: “O humanismo
lores e princípios éticos podem ser descobertos, no secular democrático é muito importante para que a
decorrer da deliberação ética” . civilização humana 0 abandone” . Censura a religião
Educação moral. “ Cremos que 0 desenvolvimento ortodoxa contemporânea como sendo “anticiência,
moral deve ser cultivado nas crianças e jovens [...] logo, antiliberdade e anti-humana” , mostrando que “0
é dever da educação pública lidar com esses valores.” humanismo secular deposita confiança na inteligên-
Tais valores incluem “virtudes morais, inteligência e 0 cia humana e não na orientação divina” . Termina la-
desenvolvimento do caráter” . mentando “0 crescimento dos credos sectários intole-
Ceticismo religioso. “Como humanistas seculares, rantes que promovem 0 ódio” .
geralmente somos céticos em relação a afirmações so- Avaliação da “Declaração humanista secular”. Pode
brenaturais.” Apesar de ser verdadeiro que “reconhece- parecer surpreendente que essa declaração tenha apa-
mos a importância da experiência religiosa, que recido logo após 0 11Manifesto humanista (apenas oito
redireciona e dá significado à vida dos seres humanos, anos), especialmente porque muitas pessoas assinaram
[negamos] que tais experiências estejam relacionadas os dois documentos. Grande parte do conteúdo é seme-
ao sobrenatural” .Acreditam que não há evidência sufi- lhante a um ou aos demais manifestos. Como afirma-
ciente para afirmar que existe algum propósito divino ções humanistas anteriores, enfatiza 0 naturalismo, a
para 0 universo. “Homens e mulheres são livres e res- evolução, a habilidade humana de auto-salvação, assim
ponsáveis pelo próprio destinos.” E não podem esperar como compromissos éticos humanistas comuns com a
salvação de um ser transcendente. liberdade, a tolerância e a inteligência crítica.
Razão. “ Vemos com preocupação 0 ataque atual No entanto, a Declaração tem pontos distintos. Os
pelos não-secularistas à razão e à ciência.” Apesar de aspectos mais significativos são as áreas em que difere
os humanistas seculares negarem que a razão e a ci- dos esforços anteriores. Primeiro, esses humanistas se-
ência podem resolver todos os problemas humanos, culares querem ser chamados “humanistas seculares de-
afirmam que não conhecem um substituto melhor que mocráticos” .A ênfase na democracia é evidente em todo
a inteligência humana. 0 texto. Segundo, eles não declaram que são humanistas
403 Hume, David

religiosos, como os autores dos documentos anteriores. Nem todos acreditam que a ciência e
Isso é estranho, já que os humanistas pedem reconhe- a tecnologia são 0 meio de salvar a humanida
cimento como grupo religioso, e a Suprema Corte dos de, mas todos acreditam que a razão humana
Estados Unidos 0 tenha definido assim em Torcasso vs. e a educação secular são a única esperança
Watkins, em 1961. Na verdade, a declaração poderia ser de continuidade para a raça humana.
caracterizada corretamente como anti-religiosa, pois
ataca especificamente a tendência recente de crenças re- Conclusão. O humanismo secular é um movimen-
ligiosas conservadoras. A maior parte da declaração, na to que consiste em grande parte de ateus, agnósticos e
verdade, parece ser uma reação contra as tendências re- deístas. Todos são antiteístas e anti-sobrenaturalistas.
centes contrárias ao humanismo secular. Finalmente, é Todos são firmemente naturalistas. Essas doutrinas es-
impossível deixar de notar uma incoerência estranha pecíficas são desafiadas em outros artigos, entre eles:
no fato de que a declaração afirma liberdade acadêmi- Deus, supostas re fu ta çõ es de; Deus, evidências de; Deus,
ca, mas insiste em que 0 criacionismo científico seja objeções As provas dh; evolução; evo lu ção biológica; evo-
excluído das aulas de ciências.
lu ç â o química; evo lu ção cósmica; m ilagres e m ilagres, ar-
Elementos comuns no humanismo secular. Um Moralmente os humanistas são
gum entos c o n t r a .
estudo dos manifestos e das declarações humanistas
relativistas (v. m oralidade, n atu rez a a b so lu ta d a). Vári-
e outras obras de humanistas seculares de destaque
os tipos de humanismo não-teísta são avaliados sob
revelam uma base comum de pelo menos cinco prin-
os nomes de seus principais proponentes.
cípios:

Fontes
1 . O não-teísmo é comum a todas as formas de
D. E h r e n t e ip , The arrogance o f humanism.
humanismo secular. Muitos humanistas negam
X. L. G e w .f r , Is man the measure?
completamente a existência de Deus, mas to-
J. H itc h c o c k , What is secular humanism ?
dos negam a necessidade de um Criador do
C. S. L e w i s , The Abolition o f Man.
mundo. Portanto, os humanistas seculares se
P. K urtz, org., Humanist manifesto I e II.
unem na oposição a toda religião teísta.
____, org., “A secular humanist declaration” , Free inquiry.
2 . O naturalismo é essencial ao humanismo,
F. S ch 1.E1TER, Whatever happened to the human race ?
seguindo a negação do teísmo. Tudo no universo
R. W ebber, Secular humanism: threat and challenge.
deve ser explicável por meio de leis naturais.
3. A evolução é a maneira de 0 humanista secu-
lar explicar as origens. Ou 0 universo e as
humanistas, manifestos. V. humanismo se cu lar.
coisas vivas surgiram por meio da interven
ção de um Criador sobrenatural, ou evoluí Hume, critérios para testemunhas confiáveis. V.
testem unhas, c rité r io s de H u m e para.
ram por meios puramente naturalistas. En
tão os não-teístas não têm escolha senão de-
fender a evolução. Hume, David. Filósofo e historiador, nasceu e cresceu
4. O relativismo ético une os humanistas secula em Edimburgo, Escócia (1711-1776), e freqüentou a
res, pois eles não gostam de absolutos (v. abso- Universidade de Edimburgo. Formou-se em direito,
lu to s m orais). Não há valores morais dados por mas logo depois decidiu não exercer a profissão. Em
Deus; a humanidade decide os próprios valo vez disso, durante 0 apogeu do iluminismo europeu,
res. Esses padrões estão sujeitos a mudanças e Hume dedicou-se ao estudo rigoroso da filosofia. Esse
são relativos em situações diferentes. Já que estudo 0 levou ao ceticismo (v. agnosticism o) e ao des-
não há base absoluta para valores em Deus, dém pelo milagroso (v. m ilagres, argum entos c o n t r a ).
não há valores absolutos recebidos dele. Mas, ao contrário de Baruch Espinosa, um século an-
5. A auto-suficiência humana é 0 princípio cen tes, Hume atacou os milagres do ponto de vista
trai. Nem todos os humanistas seculares são empírico, não racionalista. De várias maneiras os dois
utópicos, mas todos acreditam que os seres pensadores se opõem. Espinosa era dogmático, Hume
humanos podem resolver seus problemas sem era cético. Espinosa era racionalista, Hume era
0 auxílio divino. Nem todos acreditam que a empírico. Apesar das diferenças, compartilhavam a
raça seja imortal, mas todos acreditam que a conclusão de que não é razoável acreditar em mila-
sobrevivência da humanidade depende do gres. Para Espinosa, milagres são na verdade impos-
comportamento e da responsabilidade pessoal. síveis; para Hume, são apenas inacreditáveis.
Hume, David 404

Ceticismo empírico de Hume. O cético acredita jamais podemos observar alguma ligação entre eles.
em suspender 0 julgamento sobre questões metafísi- Parecem conjuntos, mas nunca conectados” (ibid.,
cas. O ceticismo de Hume baseava-se na sua epistemo- 7.2.85). Eventos conjuntos não provam que são
logia. Acreditava que todas as idéias são baseadas na conectados pela causalidade assim como não há co-
experiência sensorial. Já que não há experiências sen- nexão causai entre 0 galo cantando e 0 sol nascendo.
soriais de conceitos como Deus, Hume os rejeitava Tudo que se pode fazer é extrapolar com base em ocor-
como insignificantes. rèncias muitas vezes repetidas.
Dois tipos de proposições. Todos os objetos da Avaliação do empirismo cético de Hume. É incoe-
inquisição humana, escreveu Hume, são relações de rente. O ceticismo de Elume mostra-se vulnerável a
idéias ou questões de fato. O primeiro tipo inclui afir- sérias críticas. Talvez a mais séria seja a de que é inco-
mações e definições matemáticas; 0 segundo inclui erente. Segundo Hume, proposições significativas são
tudo que se conhece empiricamente — por meio de empíricas ou analíticas. As empíricas têm conteúdo
um ou mais sentidos. Hume era tão enfático sobre essa mas não revelam nada sobre a realidade metafísica,
distinção que concluiu assim sua Investigação sobre 0 tal como Deus. As analíticas são vazias e sem conteú-
entendimento humano: do. Como 0 princípio da verificabilidade empírica ba-
seia-se nos dois tipos de proposições de Hume, essa é
Quando pesquisamos nas bibliotecas, convencidos des- uma proposição autodestrutiva (v. ló g ic o , p o s it iv is m o ),
ses princípios, que estragos faremos? Se tomarmos em nos- pois a afirmação de que “apenas proposições analíticas
sas mãos qualquer volume — de teologia ou metafísica ou empíricas são significantes” não é uma afirmação
escolástica, por exemplo — perguntemos: Ele contém algum analítica (verdadeira por definição) nem uma afirma-
raciocínio abstrato relativo a quantidade ou númerof Não. ção empírica. Logo, pelos próprios critérios, é insigni-
Contém algum raciocínio experimental relativo a fato e exis- ficante. Se admitimos que tais afirmações são
fêf!ria.?Não. Então queime-o, pois não pode conter nada além significantes, por que as afirmações metafísicas não
de sofisma e ilusão. (12.3.173). podem ser significantes?
O atomismo é contrário à experiência. Outra obje-
Causas conhecidas pelo hábito. Para Hume “todo ção séria ao empirismo cético de Hume é que ele é
raciocínio relativo a assuntos de fato parece ser fun- baseado no atomismo empírico injustificado. Hume
dado na relação de causa e efeito. Somente por meio acreditava que todas as sensações eram atomicamen-
dessa relação podemos ir além da evidência de nos- te separadas.“ Um evento segue 0 outro, mas nunca se
samemóriaedos sentidos” (ibid.,4.1.41 ).Por isso,a pode observar a ligação entre eles. Parecem conjuntos,
mente jamais poderá encontrar a causa de dado even- mas nunca conectados” (ibid., 7.2.85). Mas não é as-
to. Só “depois da conjunção constante de dois obje- sim que os experimentamos. Nós os encontramos
tos, calor e fogo, por exemplo [...] estamos determi- como um fluxo contínuo. Não recebemos uma série
nados apenas pelo hábito de esperar um a partir da destacada de fotos instantâneas, antes vemos um fil-
presença de outro” (ibid., 5.1.57). Isto é, usamos a me contínuo do mundo externo. Somente quando a
causalidade, mas não há base empírica para fazê-lo. pessoa supõe incorretamente que tudo é atomicamente
Em resumo, não se pode conhecer as conexões cau- desconectado e separado é que surge 0 problema de
sais entre as coisas; só se pode acreditar nelas basea- conectá-los.
do nas conjunções habituais.“ Todas as inferências da A causalidade pode ser experimentada internamen-
experiência, portanto, são efeitos de hábito, não de te. Hume é amplamente mal compreendido. Ele não ne-
raciocínio” (ibid.). gou 0 princípio da causalidade. Negou a base em que
Segundo Hume, não podemos sequer ter certeza algumas pessoas tentam provar a causalidade (v. causa-
de que 0 sol surgirá amanhã. Acreditamos que ele sur- lidade, princípio da). Hume rejeitava a intuição, descar-
girá porque isso já aconteceu costumeiramente no tando conexões causais que experimentamos em nossa
passado. Algumas coisas acontecem tantas vezes em consciência e que não são baseadas em eventos exter-
conjunção com outras que é tolice não acreditar que nos. Sou a causa desta frase à medida que a digito, e
haverá conjunções no futuro. Hume até chamaria essa experimento esse fato. Todo mundo experimenta os pró-
experiência uniforme de “prova” , pela qual quer dizer prios pensamentos e ações. Nós os experimentamos
“argumentos de tal modo baseados na experiência que como fluxo contínuo de causa e efeito.
não deixam dúvida ou oposição” (ibid., 6.1.69). No Hume não pôde viver sua teoria. Hume não era co-
entanto,“ todos os eventos parecem completamente erente com seu ceticismo no âmbito prático nem no
soltos e separados. Um evento segue 0 outro, mas teórico. Na área prática, Hume admitiu que precisava
405 Hume, David

descansar de suas buscas céticas e deprimentes e jo- Na melhor das hipóteses 0 argumento da analogia nos
gar uma partida de gamão. Realmente, ninguém pode leva a um Deus finito e imperfeito para um mundo
viver uma vida neutra em todos os assuntos finito e imperfeito. Se insistirmos em que Deus deva
metafísicos e morais. A vida exige certos compromis- ser igual ao que criou, então seria Deus igual a um
sos nessas áreas. Nenhum cético se mantém neutro so- repolho ou a um coelho, só porque os fez?
bre a questão da existência do direito moral de acredi- Uma série infinita de causas é possível. Uma série
tar e expressar suas opiniões. E não existe dúvida so- infinita de causas é possível. Logo, não há necessidade
bre tudo. (Hume não era cético em relação ao ceticis- de chegar a Primeira Causa. Séries infinitas são possí-
mo.) Um cético total não poderia comer, andar ou fa- veis na matemática.
lar ( v. agnosticismo). A necessidade não se aplica à existência, mas apenas a
Mais precisamente, Hume não era coerente com a conceitos. Um Ser Necessário, tal como 0 argumento
própria teoria. Quando argumentava que não conhe- cosmológico conclui, é má aplicação do termo necessário.
cemos a conexão entre eventos, Hume insistia em que A razão é que a necessidade se aplica apenas a conceitos
não podemos se quer ter certeza de que 0 sol surgirá ou idéias, nunca à realidade objetiva. Afirmações neces-
amanhã. Mas quando argumentava contra os milagres sárias são analíticas e sem conteúdo. E afirmações sobre
insistia em que a experiência — uniforme até hoje — 0 mundo real não são necessárias.
de que todos os homens morrem e não ressuscitam Não há necessidade de um criador; 0 acaso pode
dos mortos prova que nenhuma ressurreição aconte- explicar tudo (v. teleológico, argumento). Não há ne-
cerá amanhã (v. ressurreição, evidências da). cessidade de supor uma causa inteligente (um cria-
Hume jamais negou a causalidade. Além disso, 0
dor) do mundo; 0 acaso pode explicar a aparente cria-
próprio Hume jamais negou que as coisas têm causa ção no mundo. Dado 0 tempo suficiente, qualquer
para existir. Escreveu: “Eu nunca afirmei uma propo- combinação afortunada pode surgir. O universo pode
sição tão absurda quanto essa de dizer que qualquer
ser um “acidente” .
coisa pode surgir sem uma causa” (Hume, Letters, v. 1,
É possível que nada jamais tenha existido, inclusive
p. 187). Na verdade, na mesma fonte, Hume afirmou
Deus. É sempre possível imaginar que qualquer coisa,
que seria “absurdo” negar 0 princípio da causalidade.
inclusive Deus, não exista. Logo, nada existe necessa-
O que Hume negou foi a maneira pela qual alguns fi-
riamente. Já que Deus é considerado um Ser Necessá-
lósofos tentam provar 0 princípio da causalidade. Para
rio, nem mesmo ele deve existir necessariamente, por-
Hume, a conjunção habitual é a base para supor uma
tanto Deus sequer precisa existir.
conexão causai.
O que é logicamente necessário não existe necessa-
A rejeição de Hume dos argumentos a favor da
riam ente. Alguns antiteístas argumentam que é
existência de Deus. O ceticismo de Hume com rela-
logicamente necessário um triângulo ter três lados,
ção à existência de Deus baseava-se no seu empirismo
mas não é necessário uma coisa de três lados existir.
e é manifesto em várias objeções que foram muito re-
Logo, mesmo se fosse logicamente necessário Deus
petidas desde sua época. São baseadas no seu famoso
existir, isso não quer dizer que ele realmente exista.
Dialogues concerning natural religion [Diálogos sobre
Se todas as coisas foram criadas, então Deus tam-
a religião natural].
bém foi. Se tudo precisa de uma causa, Deus também
Argumentos contra 0 Deus teísta. Hume argumentou
precisa. E se nem todas as coisas precisam de uma cau-
que todas as tentativas de provar a existência de Deus,
sa, 0 mundo também não precisa. Mas em nenhum dos
pelo menos do Deus teísta (v. teísmo), falham por um dos
casos precisamos de uma Primeira Causa.
seguintes motivos (v. D eus, objeções às provas de): Esses argumentos são respondidos, e a lógica de
Seres finitos precisam apenas de causas finitas. Se- Hume é criticada no artigo Deus, objeções aos argu-
gundo Hume, supor uma Causa infinita é um exagero MENTOS PARA A EXISTÊNCIA DE.
metafísico. Um universo finito só precisa de uma cau- Conclusão. Hume foi uma das personagens mais
sa finita. influentes da filosofia moderna. Sua apresentação clara
0 princípio da causalidade é improvável. Não há e poderosa do ceticismo e do anti-sobrenaturalismo
maneira de provar 0 princípio da causalidade. Tudo foi um fator significativo na formação da mente secu-
que é baseado na experiência poderia existir de outra lar moderna. No entanto, a análise cuidadosa das po-
forma. E tudo que não é baseado na experiência é ape- sições cruciais de Hume revela que são inconsistentes
nas tautologia, isto é, verdadeiro apenas por definição. e contrárias à experiência. Na realidade, a base de seu
Oprincípio da analogia prova um Deus não-teísta. ceticismo é contraditória, já que ele não suspende re-
Mesmo supondo que houvesse um tipo de causa do almente 0 julgamento de muitas posições dogmáticas
mundo, não seria um Deus infinitamente perfeito. que assume sobre Deus e milagres.
Huxley, Julian 406

Fontes personalizadas das forças do destino, com sua uni-


J. Collins, G od a n d m o d em philosophy. dade projetada neles pelo pensamento e imaginação
R. F lin t , A gnosticism. humanos” (ibid., p. 51).
N. L. Geisler, P hilosophy o f religion. Huxlev acreditava que 0 entendimento científico
D. H u m e , In vestigação acerca d o entendim ento h um ano. moderno tornava 0 conceito de Deus obsoleto.
_____ , D ialogues concernin g n atural religion.
_____ , The letters o f D avid Hume. Deus não pode mais ser considerado 0 controlador do
universo sob forma alguma, exceto num sentido hipotético.
Huxley, Julian. Julian Sorell H uxley (1887-1975) foi A hipótese de um Deus não tem mais valor pragmático,
neto de Thomas Huxley que ficou conhecido pelo
apoio a Charles D arwix. Julian recebeu seu diploma disse ele. Operacionalmente,
em zoologia da Universidade de Oxford e mais tarde
lecionou ali. Em 1912, foi designado catedrático do De- Deus está começando a se assemelhar não a um rei,
partamento de Biologia da Universidade Rice. Tornou- mas ao último sorriso do gato que desaparece numa ver-
se professor de zoologia no Kings College, Londres, em são cósmica da história de Alice no País das Maravilhas
1925, e, em 1952, presidente da Associação Humanista (ibid.,p. 58-9).
Britânica. Foi signatário do u Manifesto humanista de
1973 (v. humanismo secular). Seus livros incluem Na verdade, Huxley acreditava que “logo será im-
Principles o f experimental embryology [Princípios de possível um homem ou mulher inteligentes e educados
em briologia experim en ta l] (1934), Evolution, the acreditarem num Deus assim como agora é impossível
m o dem synthesis [Evolução, a síntese m oderna] e acreditar que a terra é plana” (ibid., p. 62).
Religion without revelation [Religião sem revelação] A descrença trouxe grande alívio para Huxley. “No
(1928, revisado em 1957). meu caso” , concluiu, “0 senso de alívio espiritual que
Julian é reconhecido por seu humanismo evolutivo. vem da rejeição à idéia de Deus como ser sobrenatural
Essa posição tem sua expressão mais completa em é enorme.” Ele esperava ansiosamente que outros se jun-
Religion without revelation. Baseando-se na biologia tassem a ele na sua crença (e alívio). Então “a arrogân-
evolutiva de Darwin, na filosofia evolutiva de Herbert cia insuportável dos que afirmam ser os únicos a pos-
Spencer e na ética evolutiva de seu avô T. H. Huxley, suir a verdade religiosa felizmente desapareceria” . E as-
Julian desenvolveu um sistema completo de crenças sim também a intolerância, as guerras religiosas, a per-
que denominou “ humanismo evolutivo” . Expressou seguição religiosa, os horrores da Inquisição, as tentati-
posições sobre uma variedade de assuntos, incluindo vas de reprimir 0 conhecimento e 0 aprendizado, pro-
Deus, origens humanas, religião, valores, ciência, arte duzindo rápida mudança social e moral (ibid., p. 33).
e suas esperanças quantos às possibilidades futuras A crença de Huxley na religião. Apesar da sua forte
da raça humana. descrença em Deus, Huxley considerava-se profunda-
Deus e religião. Como outros humanistas, Huxley mente religioso. “ Creio” , disse Huxley, “que é necessá-
não acreditava no Deus teísta (v. teísmo). Acreditava rio acreditar em alguma coisa. 0 ceticismo completo
que a evolução explicava tudo (v. ateísmo; evolução bio- não funciona” (ibid., p. 13). No final, descobriu que crer
lógica). no método científico supria parte de sua necessidade
Λ descrença em Deus no pensamento de Huxley. religiosa. Assim, Huxley acreditava que 0 método cien-
Huxley se opunha a Deus, mas era a favor da religião. tífico é “0 único método que em longo prazo dará uma
Disse: “Acredito [...] que hoje certamente não conhece- base satisfatória para a crença” (ibid., p. 13).
mos nada além deste mundo e da experiência natural” . Quando Huxley aplicou 0 método científico às ex-
Isto é,“um Deus pessoal, seja ele Jeová, ou Alá, ou Apoio, periências religiosas, inclusive à sua, concluiu que “a
ou Amen-Rá, ou sem nome, mas apenas Deus, eu nada religião surgiu de um sentimento do sagrado” . Huxley
conheço a respeito dele” .E não queria conhecer.“Não sou considerava a capacidade para esse sentimento fun-
apenas agnóstico sobre 0 assunto [...] Não creio num Deus damental para a humanidade, algo inerente à cons-
pessoal em qualquer sentido em que essa frase seja nor- trução da mente humana normal e obtido por meio
malmente usada” (Huxley, p. 17-8). dela. Huxley falou honesta e vividamente sobre suas
A crença em Deus, segundo Huxley, era puramen- experiências religiosas:
te psicológica. Deus Pai era uma personificação da
natureza; 0 Espírito Santo representava os ideais; 0 Lembro-me vividamente de outro incidente no mes-
Filho personificava a natureza humana ideal. Então mo ano. Fazíamos exercícios noturnos entre Aldershot e
“os deuses são criações do homem, representações Fleet: a noite quente de junho estava perfumada pelas giestas:
407 Huxley, Julian

a monotonia do exercício, 0 silêncio imposto e a escuridão, Um dia, enquanto pesquisava numa biblioteca em
combinados à beleza daquela hora, nos impeliam à medita- Colorado Springs, Huxley encontrou alguns ensaios de
ção desordenada. Lord Alorley nos quais encontrou estas palavras: “A
De repente, sem motivo específico, sem ligação apa- próxima grande tarefa da ciência será criar uma reli-
rente com outros pensamentos, um problema e sua solu- gião para a humanidade” . Huxley foi desafiado por essa
ção passaram pela minha mente. Eu havia entendido visão. Escreveu:
como duas opiniões ou procedimentos podem ser am-
bos sinceramente considerados bons, e também realmen- Fui estimulado porque compartilhava sua convicção de
te ser bons — e quando os dois entrassem em contato, que a ciência necessariamente teria um papel essencial na
criação de qualquer religião do futuro que fosse digna do
cada um poderia parecer e ser mau. Isso pode acontecer
nome (ibid., 82).
quando ambos apontam para a mesma direção, mas um
está se deslocando de tal modo mais devagar que se tor-
Uma religião para humanistas. Huxley aceitou
na um peso para 0 outro. Idéias e fatos, exemplos especí-
0 desafio de Morley de desenvolver uma religião cien-
ficos e seu significado geral, a tragédia do conflito amar-
tífica. Batizou-a de “ humanismo evolutivo” . Um de
go entre duas realidades superiores, duas honestidades seus princípios básicos, como 0 nome demonstra, é a
sólidas se debateram na minha mente naquele momento teoria da evolução.
de introspeção, e eu dera um novo passo em direção àque- Evolução humana e destino. A experiência mística
la base pacífica para a ação que é expressa pelo provér- levou Huxley a rejeitar a interpretação puramente
bio francês: “Tout comprendre, c’est tout pardonner” materialista do universo, tal como via no marxismo
[“Compreender tudo é perdoar tudo”]. (V . M A T E R IA L IS M 0 ). Concluiu:
Também havia aquela qualidade definitiva de ser lan-
çado à consciência, implicada no termo revelação, que já foi Em minha opinião, a hipótese materialista, que nega a
descrito para descoberta puramente intelectual por muitos importância dos fatores mentais e espirituais no cosmo, ape-
matemáticos e homens da ciência, especialmente Poincare, sar de mais sofisticada, é tão errônea quanto a noção ingê-
nos ensaios sobre 0 método científico. Foi um exagero da nua da hipótese mágica, que projeta forças espirituais para
sensação que vem quando alguém percebe repentinamente eventos materiais.
um ponto que havia escapado à compreensão, mas sem ne-
nhuma sensação de esforço. A mesma sensação geral na es- Apesar de sua rejeição ao materialismo puro,
fera do sentimento se pode ter quando se é repentinamente Huxley era um naturalista absoluto. Insistia em que
transportado a uma satisfação completa por alguma visão descobertas da fisiologia, biologia e psicologia reque-
súbita de morros distantes depois da planície; ou por uma rem 0 naturalismo. Não havia mais espaço para 0 so-
brenatural. Forças materiais e “espirituais” no cosmos
qualidade súbita de luz — “a luz que nunca existiu no mar
são parte da natureza (ibid., p. 187).
ou na terra” e no entanto está ali subitamente, transforman-
A evolução é, sem dúvida, a única explicação na-
do uma paisagem familiar; ou por um poema ou retrato, ou
turalista da origem da vida. Huxley escreveu:
um rosto. Mas antes eu só tivera uma sensação completa de
recebimento externo numa experiência — a única ocasião
Eu pessoalmente acredito na uniformidade da nature-
em que tive uma visão (de um tipo não alucinatório, mas
za, em outras palavras, que a natureza é considerada orde-
incrivelmente real: essas, do tipo religioso, abundam nos
nada [...] e que não há duas realidades, uma natural e a ou-
registros dos místicos [v. m i s t i c i s m o ] tal como santa Teresa tra sobrenatural, de tempos em tempos invadindo e alteran-
d’Avila) [ibid.,p.86-7], do 0 decorrer dos eventos na realidade natural (ibid., 45).

Experiências religiosas tão vividas deixaram Huxley Huxley acrescentou: “Creio também na unidade da
com crenças passionais “no valor supremo de certas idéi- natureza” . Além disso:
as e atividades” , ele disse, “as quais, na linguagem teo-
lógica, são chamadas Fé” (ibid., p. 76). Na verdade, Creio na unidade pela continuidade. A matéria não apa-
Huxley confessou: rece ou desaparece, nem coisas vivas aparecem exceto a par-
tir de coisas existentes essencialmente em si mesmas (v. xa-
A vida teria sido intolerável sem [esses] relances do es- TU RAL15M0).

tado alternativo, momentos ocasionais de grande felicidade


e renovação espiritual, geralmente vindos por meio da poe- Logo:“A matéria mais complexa que está viva deve
sia ou por meio de uma bela paisagem, ou por intermédio ter, no passado, se originado de matéria que não esta-
de pessoas (ibid., p. 77). va viva” (ibid., p. 45).
Huxley, Julian 408

À medida que a evolução avançava, ela melhorava. experiência por meio da cultura e da troca de idéias
Pois cada novo tipo dominante possui organização ge- (ibid., p. 193). O dever mais sagrado e a oportunidade
ral melhorada. Essa substituição progressiva de tipos e mais gloriosa é promover 0 cumprimento máximo do
grupos dominantes é demonstrada mais claramente nos processo evolutivo e realizar completamente as possi-
últimos vertebrados.“ Então é perfeitamente adequado” , bilidades humanas latentes (ibid., p. 194).
disse Huxley,“usar termos como superior e inferior para Mas apesar do “desabrochar do indivíduo ser visto
descrever tipos diferentes de organismo, eprogresso para como valor intrínseco, como um fim em si mesmo” , 0
certos tipos de tendência” (ibid., p. 192). valor do indivíduo está limitado pela necessidade de
A culminação do processo biológico evolutivo é a manter e melhorar a sociedade (ibid., p. 194-5). O indi-
humanidade. Huxley acreditava que a maneira restante víduo tem deveres para desenvolver 0 potencial pessoal
de progredir era 0 aperfeiçoamento do cérebro e da men- e ajudar outros individual e coletivamente a realizar seu
te. “É claro que 0 homem está apenas no início de seu potencial. Cada pessoa deve contribuir pelo menos um
período de domínio evolutivo e que as possibilidades vas- pouco para promover a evolução do todo (ibid., p. 195).
tas e ainda inimagináveis de maior avanço ainda estão Segundo Huxley,
por vir” (ibid.,p. 193). A biologia revelou 0 destino huma-
no como a forma mais elevada produzida pela evolução, 0 postulado básico do humanismo evolutivo é que for-
0 último tipo dominante e 0 único organismo capaz de ças mentais e espirituais [...] realmente têm efeito operativo
criar maiores avanços. O destino do homem é realizar e realmente são de importância decisiva na tarefa altamen-
novas possibilidades para 0 mundo e ser 0 instrumento te prática de alcançar 0 destino humano; e elas não são so-
da continuidade do processo evolutivo (ibid., p. 193). brenaturais, não estão fora do homem, mas dentro dele
A natureza dos seres humanos. Huxley não era (ibid.).
um otimista absoluto quanto à natureza do homem.
Ele reconhecia tendências e atividades malignas, tais Essas forças não operam apenas dentro de indi-
como cobiça, arrogância, fanatismo, sadismo e gula víduos, mas também pelo processo social. Já que 0
(ibid., p. 196-7). Ele acreditava, no entanto, que a hu- ser humano é 0 único que tem controle consciente
manidade era capaz de se salvar desses males. dessas forças, as pessoas são individualmente res-
Além disso, Huxley não era um materialista rígi- ponsáveis por realizar mais progresso na vida. “ Isso
do (v. materialismo). Acreditava nos aspectos“espiritu- se aplica” , disse Huxley, “ tanto ao instinto de repro-
al” e “mental” da “matéria” do universo assim como dução quanto à ganância ou à sede de poder, tanto à
no aspecto “material” (ibid., p. 186-7). Rejeitava 0 ma- arrogância e ao fanatismo, seja nacional seja religio-
terialismo marxista (v. M arx, K arl) e defendia a expe- so, quanto ao sadismo indisfarçado ou à auto-indul-
riência“mística” .Mesmo assim, era um naturalista de- gência” (ibid., p. 197).
dicado a explicar os fenômenos humanos. No humanismo evolutivo, 0 dever geral do indivíduo
Huxley era claramente otimista quanto à habili- é realizar 0 potencial pessoal. O tipo certo de desenvolvi-
dade da humanidade para alcançar um grande futu- mento individual abre caminho permanentemente para
ro. O ser humano era a única esperança de evolução 0 crescimento. Três áreas de desenvolvimento pessoal são
futura. Juntamente com seu avô, Julian confessou: “Mi- possíveis: especialização, desenvolvimento de habilida-
nha fé está nas possibilidades do homem” (ibid., p. des pessoais em todas as áreas da vida e desenvolvimen-
212).Essa esperança era de que 0 Homo sapiens conti- to de harmonia e paz interior (ibid., p. 199,200).
nuaria a tornar real 0 novo potencial mediante a evo- Na verdade, 0 humanismo evolutivo tem duplo
lução contínua. objetivo: satisfação pessoal imediata e progresso cós-
Evolução e ética. O progresso evolutivo do passado mico em longo prazo. Esse segundo valor Huxley
fornece princípios diretivos para 0 futuro. Com base denomina“o evangelho do humanismo evolutivo” , que
nisso, a humanidade deve buscar as qualidades que é um“valor transcendente” (ibid.,p. 2 0 1).
foram bem-sucedidas. Esses princípios incluem efici- A ciência e 0futuro. Apesar de Huxley não acreditar
ência e controle do meio ambiente, autocontrole e in- na imortalidade individual (ibid., p. 18), acreditava que a
dependência, individuação e níveis de organização, har- humanidade continuaria. Acreditava que a ciência era 0
monia no trabalho, consciência e conhecimento cres- melhor órgão para atingir esse alvo — não a ciência sem
centes, armazenamento de experiência e organização a religião, mas uma religião científica. Escreveu:
mental (ibid.,p. 193).Os seres humanos atingiriam seu
destino com mais sucesso explorando a razão, a ima- O homem do século xx sem dúvida precisa de um novo
ginação e 0 pensamento conceituai, bem como as ca- órgão para lidar com 0 destino, um novo sistema de crenças
pacidades singulares de acumular, organizar e aplicar religiosas e atitudes adaptadas à nova situação na qual suas
Huxley, Julian 409

sociedades agora devem existir. A característica radicalmen- (cf. 11 Manifesto humanista, 1973). Não há boa evidência
te nova da situação atual talvez possa ser afirmada desta ma- observável para indicar a inevitabilidade da evolução de
neira: Religiões e credos antigos eram em grande parte adap- uma religião humanista universal.
tações para lidar com a ignorância e os medos do homem, e A ética evolutiva envolve alguns problemas sérios.
acabaram lidando primariamente com a estabilidade da ati- Como a sociedade preserva os direitos individuais dos
tude. Mas a necessidade hoje é de um sistema de crenças que estão impedindo a evolução social (v. moralidade, na-
adaptado para lidar com seu conhecimento e suas possibili- tureza absoluta da)? Como um “dever” ético pode ser de-
dades criativas; e isso implica a capacidade de enfrentar, ins- rívado de um“fato” biológico? Como pode 0 suposto fato
pirar e guiar mudanças (ibid., p. 188). da evolução ser a base do valor moral? Muitas coisas más
também evoluíram. Assim, deve haver algum padrão fora
A religião humanista de Huxley, então, é 0 órgão do do processo evolutivo para saber 0 que é bom ou mau.
destino. Mesmo assim, Huxley não tinha ilusões de gran- A confissão feita por Huxley quanto a valores trans-
deza com relação às expectativas imediatas desse tipo de cendentes e supremos, experiências místicas e 0 des-
religião.“Como todas as outras novas religiões [...] a prin- tino do mundo será bem recebida pelos que afirmam
cípio será expressa e difundida por uma pequena mino- que esses são indicadores verbais de um “Deus” subs-
ria.” No entanto, ele previu que, “quando chegar a hora cer- tituto. Insistirão em que apenas mentes podem “desti-
ta, se tornará universal, não só potencialmente e na teoria, nar” e apenas pessoas podem ser 0 objeto de compro-
mas realmente e na prática” .A natureza psicológica huma- missos religiosos. Argumentarão que Huxley evitou 0
na torna isso inevitável.“0 homem não pode evitar 0 pro- nome Deus, mas não sua realidade.
Com a deterioração dos fundamentos da evolução
cesso de convergência que caminha para a integração de
moderna (v.evolução), abase do humanismo evolutivo
grupos humanos hostis ou divergentes numa única socie-
de Huxley também está se deteriorando. Além disso, é
dade e na cultura mundial orgânica” (ibid., p. 208).
incoerente. Numa frase ele afirma que a primeira vida
Assim, um processo evolutivo inevitável resultará
surgiu da matéria sem vida (ibid., p. 45), porém na
numa religião humanista universal. Essa sociedade ateísta
seguinte ridiculariza a crença na geração espontânea
continuará 0 desenvolvimento evolutivo por maneiras in-
(ibid., p. 62). Huxley erroneamente usa a ciência
telectuais, psicológicas e sociais continuamente novas.
operacional para explicar as origens (v. origens, cif.ncia
Huxley não sabia que forma sua nova religião te-
das). Tenta explicar eventos não repetidos do passado
ria, que rituais ou celebrações poderia praticar, se te-
por eventos repetíveis do presente. Huxley faz mau uso
ria um sacerdócio, prédios, ou se adotaria símbolos
do método científico que promove como base do
(ibid., p. 209). Fosse qual fosse a forma, deveria ser
humanismo evolutivo. Tal naturalismo também care-
“unificada e tolerante” (ibid.,p. 160). Ele tinha certe-
ce de justificação filosófica. Ele não ofereceu argumen-
za, no entanto, de que viria. Já que “0 espírito cientí- tos adequados para negar a possibilidade da interven-
fico e 0 método científico provaram ser os agentes ção sobrenatural (v. milagres, argumentos contra).
mais eficazes para a compreensão e controle da na- Finalmente, como outros não-teístas, a crítica de Deus
tureza física” , resta às gerações futuras aplicá-los feita por Huxley (v. Deus, objeções aos argumentos de) é su-
para controlar 0 destino humano (ibid., p. 205). perficial e inadequada. Ele não interage com a evidência
Comparação e contraste. O humanismo evolutivo é substancial em favor da existência do Deus teísta (v. Deus,
bem mais amplo que a variedade proposta por Huxley. EVIDÊNCIA DE).
Praticamente todos os humanistas acreditam em algu-
ma forma de evolução. Discordam sobre qual mecanis- Fontes
mo 0 desencadeou. Nem todos concordam com Huxley A . D f>m oni>. Huxley: from devil’s disciple to evolutions high
que a seleção natural (sobrevivência do mais forte) é 0 priest.
meio pelo qual a evolução acontece. O que distingue ain- N. L. Gum er, Is man the measuref
da mais 0 tipo de humanismo proposto por Huxley é J. Hl x l e v , Religion without revelation.
que ele acreditava que deveria ser uma religião univer- Τ. M. Kitwood, What is humanism?
sal e a base da ética. Isto é, tudo que auxilia 0 processo L. Lo,“ Religion without revelation” , em J. W. M on tg o m ery ,
evolutivo é bom, e tudo que 0 prejudica é mau. org., Christianity for the tough mind.
A valiação. Como religião, 0 sonho de Huxley não foi E. L. .\Um:ai l. The secularization of Christianity.
rapidamente assimilado. Parece que muitos humanistas D. A. Xoebee, Understanding the times.
seculares na verdade não querem que seja. Humanistas R. Seeger,“ ]. Huxley, Atheistic religionist” ,JASA 39.3
mais recentes admitiram que Huxley era otimista demais (Dec. 1987).
Ii
Iluminismo. 0 período da história moderna co- B í b l i a , f y i d ê x c i a s d a ). A religião natural foi
nhecido por Iluminismo começou no final do século enfatizada. Suas formas mais radicais encoraja-
xvii e dominou os séculos xvm e grande parte do ram 0 agxosticism o, o ceticism o e 0 ateísm o. Essa for-
século xix na Europa. Baseava-se no racionalismo ma radicalizada sobrevive no humanismo secu-
holandês e alemão, principalmente na obra raciona- lar. Karl B a r t h descreveu 0 Iluminismo como “0
lista e anti-sobrenaturalista de Baruch Espinosa, sistema fundado na onipotência da capacidade
Tractatus theologico-politicus, tractatus politicus humana” (citado em “ Iluminismo” ).
(1670). Christian W o l f (1679-1754) tornou-se 0 pa-
drão do período quando seguiu 0 caminho para a Fontes
verdade por meio da “ razão pura” . Mais tarde G. R. C raig, Reason and authority in the eighteenth century.
Immanuel K a x t 0 definiu em A religião nos limites “ Iluminismo” ,em F. L. Cross, org., The Oxford dictionary o f the
da simples pura (1793) como Christian church.
J. D. Dougi .a s , Dictionary of the Christian church.
a elevação do homem de um estado auto-infligido de infe- P. Gay, The party o f humanity.
rioridade. Um inferior é alguém que é incapaz de usar seu co-
nhecimento sem a ajuda de outro [...] Ter a coragem de usar ilusão religiosa. V. F re u d , Sigmund.
seu conhecimento é então 0 lema do Iluminismo (Douglas, p.
345; v.racioxalismo). ilusionism o. Ilusionismo é a crença de que 0 “mun-
do” só parece ser real. Nossos sentidos nos enganam.
Outros escritores que contribuíram para 0 Ilumi- A mente ou 0 espírito é 0 guia para a verdadeira
nismo foram David Hume, especialmente com seu In- realidade. 0 ilusionismo está associado ao monismo e
vestigação sobre 0 entendimento humano (1748) e com ao paxteísmo. 0 filósofo grego Parmênides é 0 exem-
Diálogos sobre a religião natural (1779); Hermann S. pio do monista que acredita que tudo além do Ab-
Reimarus (1694-1768) e os deístas (v. deísmo) John soluto é ilusão (v. um e m u ito s , p ro b le m a d e ). 0
Toland (1670-1722), Matthew T ix d a l (1656-1733), hinduísmo shankarista é um exemplo de panteísmo
Thomas Paixe (1737-1809) e François-Marie V o lta ir e ilusionista. A Ciência Cristã é panteísta e ilusionista.
(1694-1778). A obra de Gottfried Lessing, Nathan the 0 ilusionismo resolve 0 problema do mal (v. m al,
wise (Natã, 0 sábio, 1779) argumentou a favor da tole- problema do) negando sua existência. 0 ilusionismo
rância religiosa, já que a verdade não era exclusiva do afirma Deus e nega 0 mal, ao passo que 0 ateísmo
cristianismo, mas encontrada em muitas religiões. afirma 0 mal e nega Deus. 0 teísmo afirma a realida-
O Iluminismo enfatizava a razão e indepen- de de ambos, mas nega que haja uma contradição.
dência e promovia uma desconfiança acentuada No ilusionismo hindu, a ilusão do mundo exter-
da autoridade. A verdade deve ser obtida por meio no é chamada maya, e a ilusão de diversidade é cha-
da razão, observação e experiência. 0 movimento mada mithya. No século ix 0 pensador hindu, Sankara,
foi dominado pelo anti-sobrenaturalismo (v. mi- argumentou que Brahman (0 nome hindu do Abso-
la g r e s , a rg u m e x to s c o x t r a ). 0 pluralismo religioso luto) é a única realidade. 0 mundo externo só pare-
foi um dos resultados (v. p lu ra lis m o re lig io s o ). Des- ce existir, assim como uma corda vista à distância
se contexto surgiram 0 deísmo, a crítica bíblica e parece ser uma serpente. Quando examinamos 0
a rejeição da revelação divina (v. B íb lia , c r ít i c a da; mundo de perto, vemos que a única realidade por
imortalidade 412

trás da ilusão é Brahman. Brahman “ faz” 0 mundo 0 ilusionista que afirma que somos realidade
parecer diversificado e mau apenas no sentido em absoluta (Deus) e, não somos parte do mundo, usa
que a corda “faz” criar a aparência de serpente. um argumento forçado. Como sabemos que somos
O ilusionismo ocidental assumiu várias formas. Deus? Os ilusionistas admitem que nem sempre sou-
Os primeiros proponentes do ilusionismo no Oci- beram que eram Deus. Mas a afirmação: “ Descobri
dente foram os gregos Parmênides e Zenão. que sempre fui Deus” é em si uma afirmação con-
Parmênides (n. 515 a.C.) foi um dos primeiro filóso- traditória. Pois deus (Realidade Absoluta) não muda.
fos a centralizar sua atenção em problema metafísico Mudança só faz parte da ilusão. Logo, Deus sempre
de a realidade ser uma ou muitas. Ele argumentou soube que era Deus. E, como não sabíamos, conclui-
que não podemos confiar nos nossos sentidos se que não somos Deus.
(Parmênides, p. 266-7). Parmênides acreditava que Além disso, se 0 mal é uma ilusão, de onde veio a
as coisas podem parecer ser muitas e más, mas são ilusão? E por que todos a experimentam desde os pri-
absolutamente únicas e boas. Os sentidos são facil- meiros momentos de consciência? Como a ilusão sur-
mente enganados, conseqüentemente os humanos giu e como passou de geração a geração? A origem, per-
vêem 0 mundo falsamente como diversificado e mau. sistência e universalidade da suposta “ilusão” defende
Um dos discípulos de Parmênides, Zenão (n. 490 sua objetividade e realidade. Qual a diferença entre di-
a.C.), tentou provar esse argumento por meio da lógica. zer que todo mundo a tem 0 tempo todo e não conse-
Seu “argumento da pista de corrida” negava a existên- gue se livrar dela e dizer que é objetivamente real?
cia do movimento. Um corredor que cobre determina- Parece mais razoável afirmar que 0 ilusionismo é
da distância atravessa um número sucessivo de meta- ilusão. Parecer não haver diferença prática entre con-
des de distância. Para se deslocar de ‫ ג‬a b , é preciso siderar dor ou mal ilusão e considerá-los realidade. Dor
passar pelo ponto médio (ml). Mas para passar de a a ou mal são parte da experiência humana e são enfren-
ml, é preciso passar pelo ponto médio dessa distância tados por todos. Nesse caso, parece mais sensato con-
(m2). E para passar pelo ponto médio m2, é preciso cluir que alguns estão se iludindo ao concluir que a
passar pelo ponto médio (m3). Logo, para nos deslo- dor ou 0 mal não são reais. Citando Sigmund Freud,
carmos em qualquer direção, parece que devemos atra- pode-se perguntar: Por que desejamos tão desespera-
vessar um número infinito de pontos médios, 0 que damente que 0 mal não seja real quando é tão univer-
parece impossível. Isso significa, segundo Zenon, que 0 sal, persistente e inevitável? Será que não é nossa cren-
movimento é impossível e, portanto, uma ilusão. ça de que 0 mal não é real que é a grande ilusão?
Uma forma moderna de ilusionismo no Ociden- Os que acreditam que tudo é uma ilusão não vi-
te é a Ciência Cristã. Segundo Marv Baker Eddv, 0 vem dessa maneira. Evitam a dor como todos os ou-
mal não é uma entidade real, e sim uma falsa per- tros. Comem e bebem como os demais. Os que não 0
cepção; é 0 “erro da mente mortal” . A Ciência Cristã fazem logo experimentam a ilusão da morte. Então, 0
afirma que Deus é verdade e que “não há dor na ilusionismo é literalmente um filosofia impossível de
verdade, e não há verdade na dor” . Pecado, doença e ser vivida. É negada na prática pelos que a defendem.
morte, portanto, são ilusões mortais que não exis-
tem na realidade (Eddy, p. 113,289,480). Fontes
Avaliação. Muitas das críticas ao ilusionismo são Μ. B. E p : iy , Ciência c Saúde com a chave
as mesmas discutidas no artigo panteísmo. das Escrituras.
O ilusionismo é contraditório. Só se pode saber D. C lark, The pantheism o f Alan Watts.
que tudo é ilusão se comparado à realidade. Ilusão ___ , et al. Apologetics in the Sew Age.
significa irrealidade. Deve haver um padrão real pelo N. L. G h s l e r , The roots o f evil.
qual a ilusão é definida. P a rm em pks, 0 Poema, Os pensadores, v. 1. p. 143-98
É claro que 0 ilusionista poderia afirmar que
não está negando toda realidade, apenas a realida- im ortalidade. Imortalidade é 0 termo geralmente usa-
de deste mundo. Brahman é real. E sabe-se que 0 do para a crença de que seres humanos, pelo menos
mundo é irreal em comparação com essa Realida- na sua dimensão espiritual, sobrevivem consciente-
de. Ainda que isso resolva 0 problema lógico do mente à morte e vivem para sempre.
ilusionismo, deixa um problema epistemológico. Conceito grego versus conceito cristão de imor-
Já que estamos neste mundo e supostamente so- talidade. Conceitos gregos e cristãos de imortalida-
mos parte da ilusão, como podemos saber que 0 de diferem entre si (v. Ladd). Segundo um antigo
mundo inteiro é uma ilusão? conceito grego de imortalidade (p.ex., Platão), os seres
413 imortalidade

humanos são uma alma e apenas têm um corpo. A clara a identificação com a ressurreição física. Daniel
alma é para 0 corpo 0 que um cavaleiro é para um previu que “multidões que dormem no pó da terra
cavalo. A salvação é em parte libertação do corpo, acordarão: uns para a vida eterna, outros para a ver-
que é a prisão da alma. Há uma dualismo de alma e 5' gonha, para 0 desprezo eterno” (Dn 12.2). A referên-
oma (corpo). cia ao “pó da terra” mais uma vez apóia a idéia de uma
A tradição judaico-cristã, apesar de reconhecer ressurreição física.
que alma e corpo se separam na morte, defende a Apesar de não fazer parte do a t (v. a p ó crifo s do
unidade da dimensão espiritual e física da natureza A n t ig o e Novo T e s t a m e n to s ), a literatura judaica
humana. O ser humano é um corpo com alma. A intertestamental também menciona a ressurreição fí-
alma é para 0 corpo 0 que a forma é para a matéria, sica. O livro da Sabedoria promete que “no tempo da
ou a forma é para um vaso. Logo, a salvação não é sua visitação” as almas dos justos mortos serão res-
salvação do corpo, mas salvação no corpo (v. ressur- tauradas e “julgarão as nações, dominarão os povos”
reição, n atu reza física da). Na verdade, a palavra imor- (3.7,8). O livro de 2 Macabeus fala do fiel e corajoso
talidade é usada para seres humanos no n t exclusi- judeu que teve sua língua e mãos cortados, dizendo:
vãmente no contexto do corpo ressurreto ( 1 C0 15.53; Outro (2 Esdras) prevê que “do céu recebi estes mem-
2Tm 1.10). bros, e é por causa de suas leis que 0 desprezo, pois
Evidência bíblica da imortalidade. A doutrina espero dele recebê-los novamente” (7.11) depois da
da imortalidade foi revelada progressivamente na época do Messias: “A terra restaurará os que nela dor-
Bíblia, mais explicitamente no n t. mem, e assim também 0 pó daqueles que vivem no
Afirmação do at sobre a imortalidade. Ao contrá- silêncio” (7.32). A morte é descrita aqui como um
rio do pensamento grego, a esperança de vida do at tempo em que “ ficaremos em descanso até aquele
após a morte era definitivamente corporal. As refe- tempo em que tu [Deus] renovarás a criação” (7.75).
rências do a t a um estado imortal são em grande No livro apocalíptico 2 Baruque, perguntaram a
Deus: “ Sob que forma viverão os que viverem nos
parte passagens de ressurreição. Os judeus ansia-
teus dias?” . A resposta é uma afirmação inequívoca
vam pela ressurreição como a restauração do cadá-
de crença na ressurreição material: “ Pois a terra cer-
ver que havia sido colocado no túmulo à vida na
tamente restaurará os mortos [que agora recebe a
terra. Os judeus não só acreditavam que 0 homem
fim de preservá-los]. Não lhes imporá qualquer mu-
fora criado “do pó” (Gn 2.7) e voltaria ao pó (Ec
dança de forma, antes assim como os recebeu, assim
12.7), mas que na ressurreição os mortos seriam
os restaurará, e tal como lhos entreguei, assim tam-
reconstituídos do pó. Esse poder de trazer os mortos
bém os levantará” (49.1; 50.2).
de volta à vida é expresso em várias passagens (v. Dt
Os fariseus d a época do n t acreditavam na ressur-
32.39; ISm. 2.6;Jó 19.25-27; SI 49.14,15).
reição física do cadáver do túmulo. Como os saduceus
Davi falou sobre a ressurreição (no salmo 16) ao
negavam a ressurreição (Mt 22.23), seus oponentes, os
afirmar que “0 teu santo [não] sofra decomposição”
fariseus, acreditavam no corpo físico ressurreto (v. At
(v. 10).Segundo 0 n t (At 2.25-27; 13),Pedro disse sobre 23.8). Eles imaginavam 0 corpo da ressurreição tão físi-
a profecia de Davi que “prevendo isso, falou da res- co que fazia sentido perguntar com qual de seus sete
surreição do Cristo, que não foi abandonado no se- maridos a mulher estaria casada no céu (Mt 22.28).
pulcro e cujo corpo [sflr.v] não sofreu decomposi- Maria e Marta refletiam a crença judaica do n t
ção” (At 2.31). Tal ressurreição envolvia um corpo fí- na ressurreição ao dar a entender que seu irmão
sico de “carne” sarx (v. ressurreição, natureza física da). Lázaro seria ressuscitado nos últimos dias, quando
Jesus cria no que 0 a t ensinava essa doutrina e 0 seu corpo ainda estava no túmulo. Até Murray Harris,
citou para apoiar sua posição contra os saduceus que rejeita a posição judaica da ressurreição mate-
que 0 rejeitavam. Declarou: “ Vocês estão enganados rial, reconhece, no entanto, que
porque não conhecem as Escrituras nem 0 poder
de Deus” (Mt 22.29). Depois citou Êxodo 3.6,15: “Eu era impossível, por exemplo, os judeus acreditarem que
sou 0 Deus de Abraão, 0 Deus de Isaque e 0 Deus de Lázaro, que estava morto havia quatro dias, poderia ser res-
Jacó?” (Mt 22.32), acrescentando: “ Ele não é Deus de suscitado dentre os mortos sem a remoção da pedra que fe-
mortos, mas de vivos” . chava sua tumba e seu surgimento do túmulo (v. Jo 11.38-44)”
Isaías falou sobre a ressurreição do corpo morto (Harris,p .39).
quando escreveu: “ Mas os teus mortos viverão[...].
Vocês que voltaram ao pó, acordem e cantem de ale- Afirmação da imortalidade no nt. Apesar de 0 n t
gria” (Is 26.19). O fato de corpos surgirem do pó deixa dar várias evidências da crença na imortalidade
im ortalidade 414

corporal após a ressurreição (v. ressurreição, evidências “além de” . Como eu poderia saber que não sou nada
d a), também afirma a existência consciente da alma além de meu cérebro sem que eu seja mais que ele?
entre morte e ressurreição. Não posso colocar meu cérebro num tubo de ensaio e
Jesus prometeu ao ladrão arrependido na cruz analisá-lo a não ser que eu (minha mente) esteja fora
alegria consciente no mesmo dia de sua morte, di- do tubo de ensaio.
zendo: “ Eu lhe garanto: Hoje você estará comigo no Por outro lado, há razões para crer que a mente
paraíso” (Lc 23.43). Estêvão orou: “Senhor Jesus, re- não pode ser reduzida à matéria: 1) Tudo que é ma-
cebe 0 meu espírito” (At 7.59). O apóstolo Paulo es- terial é limitado ao espaço e ao tempo. Quando se
creveu: “ Temos, pois confiança e preferimos estar move, move-se no espaço e no tempo. Mas a mente
ausentes do corpo e habitar com 0 Senhor” (2C0 não é tão limitada. Ela percorre 0 universo sem sair
5.8). Contemplando a morte, Paulo acrescentou: “Es- do lugar. 2) Mesmo 0 materialista fala sobre os pen-
tou pressionado dos dois lados: desejo partir e estar sarnentos de sua mente. Mas se 0 materialismo rígi-
com Cristo, 0 que é muito melhor” (Fp 1.23). do estiver certo, não tenho pensamentos discerníveis.
As “almas” dos que haviam sido recentemente Meus pensamentos são um simples 3) fluxo de elé-
martirizados estavam conscientes no céu, pois “quan- trons ou alguma outra partícula material. Os materi-
do ele abriu 0 quinto selo, vi debaixo do altar as alistas afirmam que sua doutrina é verdadeira e que-
almas daqueles que haviam sido mortos por causa rem que outras pessoas concordem com suas con-
da palavra de Deus e do testemunho que deram” (Ap clusões. Mas isso implica que são livres para consi-
6.9). Mesmo a besta e 0 falso profeta que foram lan- derar seus argumentos e mudar sua opinião. Isso
çados vivos no lago de fogo (Ap 19.20) ainda esta- não é possível se são apenas processos materiais e
vam conscientes mil anos depois (Ap 20.10). não seres livres.
Moisés e Elias, morreram muitos séculos antes, A dependência do cérebro. A mente depende do
conversaram conscientemente sobre a morte de Cris- cérebro para funcionar. Sem 0 cérebro, ela não pode
to no monte da transfiguração (Mt 17.3). estar consciente. Mas na morte 0 cérebro pára de
O bjeções à im o rta lid a d e. Os tipos grego e judai- funcionar. Logo, a consciência também deve cessar
co-cristão de vida imortal têm sido atacados. Desta- nesse momento. Esse materialismo modificado é
cam-se quatro argumentos de caráter fisiológico: 1) conhecido como epifenomenalismo. A mente é idên-
0 argumento da consciência e do cérebro; 2) 0 argu- tica ao cérebro, mas é dependente do cérebro físico
mento da dependência da mente consciente do cé- assim como a sombra depende da árvore.
rebro; 3) 0 argumento semelhante de que só 0 cére- Esse argumento supõe, mas não prova, a depen-
bro dá acesso ao mundo; 4) um argumento de per- dência da mente do cérebro. Só porque certas fun-
sonalidade. ções mentais podem ser explicadas de maneira físi-
A natureza da autoconsciência. Para haver vida ca não significa que sejam absolutamente depen-
imortal, a mente deve sobreviver conscientemente à dentes dos processos físicos. Pode haver maneiras
morte. Mas a mente não pode funcionar sem 0 cére- de a mente pensar independentemente do cérebro.
bro. Portanto, quando 0 cérebro morre, a consciên- Afinal, Deus não tem um corpo, e há boas razões
cia cessa. Esse argumento materialista (v. m aterialis- para crer que ele existe como Ser consciente (v. Deus,
mo) faz várias suposições falsas. evidências de). A ciência da neurobiologia é um estu-
Primeira, ele supõe que a consciência é uma função do empírico. Mas isso não significa que tudo que
física, que a “mente” é uma função da matéria, um pro- examina é puramente físico. Ela não pode explicar a
cesso dentro do cérebro. Não há provas para basear mente de maneira totalmente física, assim como a
essa suposição. mente não pode ser confinada a um tubo de ensaio.
Segunda, 0 argumento supõe, equivocadamente, Sempre há 0 “eu” do lado de fora da experiência. Só
que 0 simples fato de mente e cérebro agirem juntos porque certas coisas podem ser quantificadas não
exige que sejam idênticos. Mas não é necessaria- significa que não existam qualidades (tais como 0
mente assim. Eles podem interagir sem ser iguais. amor) que não possam ser quantificadas. Da mesma
Terceira, 0 argumento supõe que a pessoa não é forma, 0 fato de podermos falar em termos materi-
nada sem 0 cérebro. Essa é uma falha redutiva. Coi- ais sobre certas funções da mente não significa que
sas que se combinam não são necessariamente a a mente seja material.
mesma coisa, assim como minhas idéias expressas Argumento do acesso ao mundo. Também argu-
nessas palavras não são 0 mesmo que essas palavras. menta-se que, mesmo se 0 materialismo for falso,
Quarta, 0 argumento materialista é incoerente. ainda pode não existir imortalidade. A mente (pes-
Afirmações do tipo “nada além” supõem conhecimento soa) tem acesso ao mundo por meio do cérebro.
415 im ortalid ad e

Mas a morte destrói 0 cérebro. Portanto, a morte outras, esses são apenas meios de comunicação; não
destrói 0 meio de acesso da pessoa ao mundo. são características físicas identificadoras.
As falhas nesse argumento são logo detectadas. 0 Há detalhes sobre os espíritos (ou mentes) huma-
argumento afirma (sem provas) que 0 cérebro da pes- nos individuais que os diferenciam de outros espíritos
soa é a única maneira de acessar 0 mundo. A pessoa humanos. Cada um tem histórias e memórias diferen-
poderia perder seu corpo e receber outro corpo (tem- tes. Cada um tem personalidade ou caráter diferente, não
porário ou permanente) e ainda tenha acesso ao são diferenças físicas. A música captada pela mente
mundo. Isso também supõe sem provas que não há (não apenas sons no ar) não é física. Mas podemos
outros mundos para os quais se tem acesso. Talvez distinguir uma música bonita da outra, mesmo na
existam outros mundos, físicos ou espirituais, ou nossa mente.
outras dimensões aos quais se possa ter acesso. Finalmente, não é necessário saber quais são as
Esse argumento ainda supõe que não há outra características identificadoras para saber que não
maneira de estar consciente exceto por meio deste precisam ser físicas. Dizer que precisam ser físicas
mundo. Mas não é fornecido nenhum argumento que é um exagero.
demonstre que não é possível estar consciente sem al- E v id ê n c ia e x tra b íb lic a d a im o r ta lid a d e . Os ar-
gum tipo de corpo. Deus se inclui nessa categoria, e gumentos de P la t ã o a favor da imortalidade já fo-
temos boas evidências de que ele existe (v. Deus, evi- ram suplementados por filósofos com outros tipos
dências de). Seres espirituais são conscientes, mas não de evidência. Peter Kreeft forneceu 25 argumentos
têm corpos físicos como os conhecemos (Lc 24.39). a favor da imortalidade (Handbook, p. 235s.). A
Argumento da natureza da personalidade. Al- maioria dos argumentos a favor da imortalidade
guns insistem em que 0 termo “ pessoa” envolve enfrentou sérias objeções.
corpori-zação. Assim, nenhuma pessoa pode so- Argumentos fracos ou falhos da imortalidade. Mui-
breviver sem corpo. Logo, a morte destrói 0 que tos dos argumentos mais fracos a favor da imortalida-
significa ser uma pessoa. de pareciam fortes para algumas pessoas na época. A
Esse argumento é uma petição de princípio, pois maioria é rejeitada por grande parte dos estudiosos.
define “pessoa” de modo que torna impossível a so- Argumento da crença universal. Outros argumen-
brevivência à morte. Se pessoa é definida como “pes- tam com base na crença universal na imortalidade. Os
soa humana” , “pessoa finita” ou “ser pessoal” , não é seres humanos antecipam a imortalidade. A maioria
essa a conclusão. Pode haver outras maneiras ou ou- dos povos antigos realizava rituais de sepultamento,
tros mundos nos quais uma pessoa possa estar cons- mumificação e outras práticas. No entanto, os céticos
ciente sem 0 corpo. observam que essa crença não é realmente universal,
Além disso, a morte só separa uma dimensão de já que os ateus e agnósticos não a aceitam. Mesmo
consciência — a consciência deste mundo. Ainda po- que fosse, uma crença universal não é necessaria-
deríamos estar autoconscientes, conscientes de Deus mente verdadeira. A grande maioria acreditava que
e/ou conscientes de outro mundo (por exemplo, um 0 Sol girava em torno da Terra.
mundo espiritual). Nenhum argumento pode ser ofe- 0 argumento pode ser revisto para adequar-se pelo
recido para mostrar que isso seria impossível. menos em parte à objeção. Kreeft observa que 0 objeto
Argumento da auto-identidade. O argumento da da crença da grande maioria provavelmente é verda-
auto-identidade contra a imortalidade tem a seguinte deiro. A maior parte das pessoas acredita na vida após
forma: se a vida após a morte precisa envolver imor- a morte, então a vida após a morte provavelmente é ver-
talidade individual, então deve haver alguma maneira dadeira (ibid., p. 236). Mesmo nessa forma, a primeira
de identificar um espírito individual. Mas espíritos não premissa admite que a afirmação é apenas “provável-
são distinguíveis, já que não têm um corpo pelo qual mente” verdadeira. Ainda assim isso é questionável, uma
possam ser reconhecidos. Portanto, não pode haver vez que há muitas coisas em que a maioria das pessoas
imortalidade individual. já acreditou.
A suposição aqui é que características físicas são O argumento poderia ser melhorado: “Aquilo em
a única maneira de identificar uma pessoa. Isso não que os sábios acreditam provavelmente é verdadei-
é verdade, como sabem muito bem os deficientes ro. Os sábios acreditam na vida após a morte. Por-
visuais que se conhecem sem nunca terem se toca- tanto, a vida após a morte provavelmente é verda-
do. E correspondentes que não têm fotos um do ou- deira” (ibid.). Isso nos deixa a questão de quem seri-
tro. Mesmo que haja ondas de som ou caracteres em am os “sábios” e se os sábios também não estariam
braile para as pessoas se comunicarem umas com as errados sobre muitas coisas.
im ortalidade 416

Argumento do conhecimento inato. Platão indica- extracorpórea. Em algumas dessas experiências, a cons-
va a habilidade inata de saber coisas que nunca fo- ciência supostamente sai do corpo e observa coisas
ram aprendidas como prova de que a alma existia que não poderiam ser observadas a partir dele.
antes do nascimento e, portanto, sobreviveria após Na melhor das hipóteses essas experiências só
0 nascimento. No seu livro Meno, supunha-se que 0 poderiam indicar uma breve sobrevivência da alma,
menino escravo sabia geometria sem ter estudado. não a existência imortal da pessoa. Os céticos insis-
Os críticos, no entanto, insistem em que, embora tem em que essas experiências são alucinatórias ou
seja possível haver capacidades inatas, não existem imaginárias, cada pessoa projetando imagens pes-
idéias inatas (v. Hume, David). Ainda que existissem, soais do pós-vida como mecanismo de defesa quan-
isso não provaria que foram trazidas de um estado do confrontada com a possível morte.
preexistente, já que a pessoa poderia ter nascido com As experiências extracorpóreas denominadas “pe-
elas. É mais provável que 0 menino escravo de Sócra- sadas” (quando a pessoa supostamente viu ou ouviu
tes tenha sido induzido por perguntas hábeis a usar coisas que seria impossível testemunhar) podem ser
sua habilidade natural para raciocinar e chegar àque- explicadas do ponto de vista cristão como demonía-
las idéias. Já se comprovou que outras supostas “me- cas. Muitas dessas experiências estão ligadas a ativi-
mórias” de vidas anteriores eram falsas. No famoso dades ocultista e heréticas (v. lTm. 4.1 s.). De qual-
caso de Bridie Murphy, mais tarde foi demonstrado quer forma, não provam a imortalidade, já que exis-
que essa jovem não havia vivido séculos atrás na Ir- tem outras explicações.
landa, mas que sua avó havia lido suas histórias da Há sérias dúvidas do ponto de vista cristão de que
Irlanda e falado gaélico com ela quando era pequena. a pessoa realmente esteve morta. A definição cristã de
Sob hipnose (0 poder da sugestão), as experiências de morte (cf. Gn 35.18; 2C0 5.8; Tg 2.26) ocorre quando a
infância vieram à tona como “memórias” de uma vida alma deixa 0 corpo. Se não deixa 0 corpo, então a ex-
anterior (Geisler, p. 75). periência não evidencia a sobrevivência. Se tivesse
Argumento da alma como princípio de vida. Ou- deixado, 0 retorno ao corpo seria uma ressurreição.
tro argumento em Fédas, era que, já que a alma é 0 Só Deus pode ressuscitar os mortos (Dt 32.39; ISm
princípio da vida no corpo, ela não pode morrer. A 2.6; Jo 5.28,29; 11.25). Mas muitos incrédulos já tive-
vida jamais pode admitir 0 seu oposto, que é a mor- ram tais experiências, que confirmaram suas crenças
te. Logo, a alma não pode morrer. Mas essa também anticristãs. Deus não opera milagres para confirmar
é uma argumentação exagerada, pois todos os ani- 0 erro das pessoas (v. m ilagres, v a lo r ap ologético dos).
mais e até plantas também estão vivos. Com esse Além disso, deixar 0 corpo e voltar é contrário à Bí-
argumento seria necessário acreditar na imortali- blia, que diz que só morremos uma vez (Hb 9.27). De
dade de cenouras e repolhos. acordo com as experiências, essas pessoas morreriam
Argumento da alma imaterial. Em Fedás Platão duas vezes.
sustentava a imortalidade da alma. Já que a alma não Argumento de visões místicas. Experiências mís-
é material, argumentou, não é divisível nem destru- ticas (m isticism o ) e visões do céu são freqüentemente
tível. 0 que é indestrutível é imortal. No entanto, até relatadas em algumas igrejas e, se verdadeiras, cons-
seu maior discípulo, A r is t ó t e le s , invalidou esse ar- tituiriam prova de uma existência após a vida. Paulo
gumento, negando a imortalidade das almas indivi- relatou um evento desse tipo (2C0 12), apesar de
duais. Afinal, nem toda forma (que é imaterial) so- ter 0 cuidado de não caracterizá-la como visão ou
brevive à morte, como a forma de uma cadeira, vaso experiência extracorpórea.
ou até um animal demonstra. Se alguém apelar para uma revelação, deve ofere-
Do ponto de vista cristão, a alma não é indestrutível, cer prova da confiabilidade dessa revelação (v. B íb l ia ,
já que tudo que Deus cria ele também pode destruir. evidências d a). No caso de experiências místicas, não
Mas se 0 argumento de Platão estivesse correto, nem há prova racional. Se alguém ficar no corpo enquanto
Deus poderia aniquilar uma alma. Logo, se a alma tem uma visão, 0 cético argumenta que experiências
não é indestrutível, até uma entidade imaterial pode subjetivas internas não são nada mais que isso — sub-
ser destruída. jetivas — e não têm força evidenciai capaz de exigir a
Argumento das experiências de extracorpóreas. Al- crença de mais ninguém. Se a pessoa realmente deixa
guns argumentaram a favor da imortalidade com base 0 corpo e volta, isso é contrário ao ensinamento da
em experiências extracropóreas. Até 0 humanista bri- Bíblia de que só morremos uma vez. Qualquer afir-
tânico e positivista lógico A. J. Ayer mudou de idéia mação de que Deus tenha ressuscitado uma pessoa
com relação à imortalidade depois de uma experiência dentre os mortos cria 0 paradoxo de que Deus não
417 im ortalid ad e

ressuscitaria alguém para que pudesse ensinar coisas pregando a ressurreição. Nada mais pode explicar
contrárias à sua Palavra. A maioria dos que afirmam toda essa evidência exceto a ressurreição corporal e
ter passado uma experiência extracorpórea realmente literal de Cristo.
ensinam de maneira contrária às Escrituras (v. Abanes). Alternativas naturalistas à ressurreição já foram
Argumento da comunicação com os mortos. Outra propostas, mas nenhuma era plausível. Elas se dividem
afirmação completamente antibíblica é que a vida após em duas categorias. Uma nega que Jesus realmente
a morte pode ser comprovada pela comunicação com morreu, apesar da evidência de sua morte real ser
os mortos por meio de médiuns ou transes. Isso é co- mais que substancial (v. C risto , m orte de). 0 segundo
mum no meio do ocultismo e da nova era. Elizabeth grupo nega que ele ressuscitou, dando uma alternati-
Kübler-Ross, autora de Death and dying [/I morte e 0 va naturalista. Essas alternativas são facilmente refu-
morrer], afirma ter vivido tais experiências. Os céti- tadas pela evidência (v. ressurreição, teo rias altern a ti-
cos, no entanto, explicam tais experiências como alu- VAS DA).
cinações ou manifestações do inconsciente de quem Argumento da existência de um Deus pessoal. Su-
as teve. Os cristãos mostram que a Bíblia condena 0 pondo que haja um Deus teísta, pode-se argumentar
contato com os mortos (Dt 18.11) e adverte sobre 0 que um ser humano criado com uma dimensão
engano promovido pelos demônios (1 Tm 4.1; 1Jo 4.1). racional, moral e imaterial não seria criado para ser
Argumento do propósito da vida. Alguns indicaram destruído. 0 argumento é assim:
0 significado, propósito ou objetivo da vida como prova
da imortalidade. O argumento era este: “A vida preci- 1. Há boas evidências de que exista um Deus
sa ter um propósito digno. Se a vida termina em ani- teísta pessoal.
quilação, não tem um propósito digno. Portanto, deve 2. Os seres humanos foram criados semelhan-
haver vida após a morte” (Kreeft, Handbook, p. 248). tes a Deus, como seres pessoais, racionais e morais.
A resposta dos críticos, é que a vida não precisa 3. O Deus teísta pessoal não aniquilaria 0 que é
ter um propósito digno (v. C a m u s,A lb e rt; existencialis- semelhante a ele de maneiras tão sem sentido.
mo; S a r t r e , Je a n - P a u l). Outros desafiariam a questão 4. Portanto, os seres humanos são imortais.
desse propósito digno ser ou não a promoção da so-
brevivência da espécie nesta vida. A evidência a favor das duas primeiras premissas
Argumentos plausíveis ou prováveis da imortalida- é dada nos artigos argum ento cosmológico; Deus, evi-
de. Aparentemente, a melhor maneira de preencher dências de; Deus, argum ento m o ra l de; k a l a m , argum ento
essa lacuna consiste em apelar para evidências de- cosmológico de. A
terceira premissa é defendida no ar-
monstradas por outros argumentos. Há razões mais tigo sobre 0 aniquilacionism o. O s críticos observam cor-
plausíveis para acreditar na imortalidade; algumas retamente que esse é um argumento a priori. É basea-
parecem ser bem fortes. A mais forte de todas é 0 do no que esperaríamos que Deus fizesse, mas não há
argumento da ressurreição física de Cristo. necessidade de que ele 0 faça. Ainda que isso seja ver-
Argumento da ressurreição de Cristo. A imortali- dadeiro, não tira a força do argumento num sentido
dade é comprovada pelo fato de Cristo ter voltado dos existencial ou moral.
mortos (v. ressu rre içã o , evidências da). Essa evidência O tipo de ser que os humanos são — pessoal, racio-
consiste nos seguintes fatos: nal e moral — evita a crítica de que até cristãos acredi-
0 NT (v. Novo Testam ento, con fiab ilid ad e dos docu- tam que se Deus aniquila as almas de animais, por que
mentos do; Novo Testam ento, historicidade d o) revela que não destruiria seres humanos? A resposta parece piau-
mais de quinhentas testemunhas viram a Cristo após sível: Os seres humanos foram feitos à imagem dele.
sua ressurreição ( 1C0 15.6) em doze ocasiões dife- Argumento do amor de Deus. Um argumento se-
rentes, distribuídas num período de quarenta dias melhante surge do amor de Deus. O Deus teísta é bom
(At 1.3). Ele foi visto e ouvido em cada ocasião. Foi e amoroso (v. Deus, natu reza de). Mas, se Deus é amo-
tocado pelo menos duas vezes (Mt 28.9; Jo 20.17; v.b. roso, deseja 0 bem dos que ama. A imortalidade deve-
Lc. 24.39; Jo. 20.27). Comeu (Lc 24.30,42,43; Jo 21.12,13; ria resultar disto: um ser amoroso não aniquila ou-
At 1.4; v. 10.41). As feridas resultantes da crucifica- tro; antes deseja a existência contínua do objeto de
ção eram visíveis (Lc 24.39; Jo 20.27). Os discípulos seu amor. Deus é absolutamente amoroso. Portanto,
viram seu túmulo vazio e os panos com que seu cor- Deus deseja a existência contínua de todas as pes-
po fora envolvido. Essas experiências transforma- soas (ibid., p. 246).
ram os seguidores de Cristo de céticos medrosos e Esse argumento não força demais as coisas,
dispersos na maior sociedade missionária do mundo, como alguns podem alegar. Não insiste em que Deus é
im ortalid ad e 418

obrigado a desejar a existência de uma criatura Esses argumentos têm validade, mas não destroem
imortal, nem desejar necessariamente sua existên- realmente a persuasão racional da necessidade de
cia imortal. Apenas afirma que, dado 0 fato de que supormos a imortalidade como explicação da
Deus decidiu que outras pessoas existissem, é ra- moralidade. Essa razão suprema geralmente assume
zoável supor que seu amor pessoal por essas outras a forma do argumento da justiça absoluta.
pessoas leve-0 a continuar desejando a existência Argumento do anseio pelo céu. C. S. Lewis (Cris-
delas. É claro que, dessa forma, 0 argumento não tianismo puro e simples, Surpreendido pela alegria,
oferece uma prova completa da imortalidade, mas The pilgrim ’s regress [O regresso do peregrino], Ο
apenas uma expectativa razoável. problema do sofrimento, Peso de glória) afirmou 0
Argumento da justiça absoluta. O Deus teísta tam- seguinte argumento:
bém é absolutamente justo. O argumento com base na
justiça de Deus é formulado assim: 1. Todo desejo inato natural tem um objeto real
que pode satisfazê-lo.
1. Deus é 0 padrão absoluto de justiça. 2. Os seres humanos têm um desejo inato e na-
2. Não há justiça absoluta para muitas coisas tural pela imortalidade.
nesta vida. 3. Portanto, deve haver uma vida imortal após a
3. Portanto, deve haver outra vida em que a jus- morte.
tiça absoluta seja alcançada.
Em defesa da primeira premissa, argumenta-se
Os ataques à primeira premissa ignoram 0 argu- que, se há fome, há comida; se há sede, há bebida; se
mento da existência de Deus (v. m o ra l de Deus, argu- há eros, há satisfação sexual; se há curiosidade, há co-
m ento) o u voltam-se contra quem os utiliza. Isso por- nhecimento; se há solidão, há sociedade (Kreeft,
que insistir, como fazem os antiteístas, em que há in- Handbook, p. 250). A segunda premissa é apoiada por
justiças absolutas neste mundo é supor um padrão um apelo a um anseio estranho e misterioso que dife-
absoluto de justiça pelo qual a injustiça é conhecida re de todos os outros anseios porque é indefmível e
(v. ateísmo; m al, problema do). inatingível nesta vida, e a mera presença desse desejo
Da mesma forma, é extremamente difícil de- é considerada mais preciosa e agradável que qualquer
monstrar que há justiça absoluta nesta vida. É possí- outra satisfação. Por mais erroneamente que expres-
vel apelar para a reencarnação, argumentando que a semos tal desejo, 0 que todos desejam é 0 paraíso, 0
injustiça será vingada em outra encarnação. Mas isso Céu ou a eternidade (ibid.).
não ajuda, já que os reencarnacionistas acreditam Se essas premissas forem verdadeiras, há algo
na sobrevivência da alma e/ ou imortalidade. E sem “além” desta vida. O fato de reclamarmos deste mun-
tal recurso pareceria ser necessário admitir que há do, com sua dor e morte, revela um desejo profundo
injustiças não resolvidas nesta vida. À luz disso, é pela eternidade. Talvez jamais a alcancemos, mas isso
difícil explicar por que um Deus absolutamente jus- não refuta sua existência, assim como permanecer
to não as retificaria em outra vida. Caso se lance solteiro a vida toda não prova que não haja satisfa-
mão do recurso do aniquilacionismo como forma ção matrimonial, e morrer de fome não prova que
de castigo, então, supostamente, pelo menos alguns não exista comida em lugar algum (ibid.). Esse argu-
receberiam vida eterna. mento foi uma força moral positiva.
Argumento do dever moral Immanuel K a n t ofere- O argumento da “aposta de Pascal” da imortalida-
ceu um argumento de ordem prática: O bem supremo de. Apesar de 0 argumento conhecido como a “apos-
para todas as pessoas é que tenham felicidade em har- ta de Blaise P a s c a l” ser usado principalmente a favor
monia com 0 dever. Mas as pessoas não são capazes da existência de Deus, ele também pode ser aplicado
de alcançar 0 bem supremo nesta vida. Nem podem à imortalidade. Em resumo, se temos tudo a ganhar
encontrar esse bem sem Deus. Portanto, devemos pos- e nada a perder por acreditar na imortalidade, seria
tular um Deus e uma vida futura em que 0 bem su- tolice não acreditar nela. Pode-se fazer uma crítica
premo possa ser alcançado. de que essa não é realmente uma prova da imortali-
Os críticos de Kant dizem que ele não provou dade, mas um argumento para acreditar nela com
realmente a tese da imortalidade. Apenas provou ou sem provas. Nesse aspecto, é semelhante ao argu-
que a imortalidade faz sentido. Também percebe- mento de Hume contra os milagres. Na melhor das
mos que um dever moral faz sentido. Mas não temos hipóteses apenas demonstra por que as pessoas de-
prova de que realmente haja um dever moral real. vem acreditar que os milagres não acontecem. Pode
419 indeterm inação, princípio de

se r q u e n ã o h a ja im o r t a lid a d e , a p e s a r de se r to lic e indeterminação, princípio de. Alguns supõem equi-


n ã o a c r e d ita r n ela. vocadamente que 0 “ princípio de incerteza” ou
C onclusão. S e ja m q u a is fo re m os in d íc io s , expec- indeterminação, postulado por Werner Heisenberg,
ta tiv a s o u c o n c lu sõ e s so b re 0 p ó s - v id a in fe r id a s d a apóia um ataque ao princípio da causalidade (v. causa-
c o n sc iê n cia e e x p e riê n c ia s h u m a n a s , a p ro va m a is con- lidade, princípio da; primeiros princípios) e, portanto, aos
v in c e n te (A t 1.3; 2Tm 1.10) d a im o rta lid a d e ve m d a argumentos pela existência de Deus (cosmológico, argu-
re ssu rre iç ã o d e C risto e dos q u e ele e o u tro s p ro fetas mento). Ele é usado para mostrar que nem todos os even-
e a p ó s to lo s r e s s u s c ita ra m d o s m o rto s , c o n f o r m e 0 tos têm causas, que algumas coisas acontecem espon-
re g istro das E s c ritu ra s . O u tra s su p o stas re ssu rre içõ es tânea ou imprevisivelmente, principalmente no nível
n ão tê m co m p ro va çã o (v. ressu rreição em religiões não- subatômico. Logo, 0 princípio também é usado para
cristãs, reivindicações de) e g e ra lm e n te a c a b a m sendo apoiar a visão da liberdade humana conhecida como
a f ir m a ç õ e s fr a u d u le n ta s o u e q u iv o c a d a s (v. K o le ). indeterminismo (v. livre - a rb ítrio ; indeterminismo).
O u tro s a r g u m e n to s p la u s ív e is s u p le m e n t a m a res- C o m p re e n d e n d o 0 p r in c íp io . É um princípio da
su rre iç ã o , m a s n ã o p a re c e m se r d e fin itiv o s se m ela. mecânica quântica que afirma que “a posição e a
N o e n ta n to , a lg u n s d eles tê m m é rito . N o g e ra l d ão velocidade de uma partícula não podem ser simul-
a lg u m a e v id ê n c ia a p a r t ir d a re v e la ç ã o g eral (v. reve- taneamente conhecidas com certeza absoluta. Se uma
laçã o g e r a l), d is tin ta d as E s c r itu r a s , e m fa v o r d a im or- for conhecida com muita certeza, a outra se torna
ta lid a d e d o s seres h u m a n o s . muito incerta” . Por exemplo, de acordo com essa
teoria, “ é possível prever precisamente qual fração
Fontes de [átomos de urânio] se desintegrará radioativa-
R. A ba n es, Jou rn ey into the light.
mente na próxima hora, mas é impossível prever
W . L . C r a i g , K now ing the truth a bo u t the resurrection.
quais átomos desaparecerão” (Lightman, p. 560).
R . G eis, L ife a fter death.
No entanto, esse princípio não apóia a teoria se-
N. L. Geisler, The battle for the resurrection.
gundo a qual eventos surgem sem causa ou que as
ações humanas são desprovidas de causa. O princípio
____e J. Y. Α μ α χ ο , R een ca rn açã o ou ressurreição.
de inderterminação de Heisenberg não diz que não
M. ].H arris,R a ised im m ortal.
há causa dos eventos, mas só diz que não se pode
A. K ole, M iracle a n d magic.
prever 0 percurso de determinada partícula. Logo, não
P .K r eeft , H a n d book o f Christian apologetics.
deve ser considerado um princípio de não-causalida-
_____ , The h e a r t’s d eep est longing.
de, mas um princípio de imprevisibilidade. O princí-
G. L add , “ T h e G r e e k v e r s u s th e H e b r e w v i e w o f m a n ” , e m The
pio da causalidade afirma que há uma causa, mes-
p a ttern o f New Testament truth.
mo que não saibamos exatamente qual seja. Se não
C. S. L e w is , C ristianism o p u ro e sim ples.
houvesse causa, não haveria efeito ou evento. Na ver-
_____ , Su rpreendido p e la alegria.
dade, a ciência moderna baseia-se no princípio de
_____ , The p ilg rim ’s regress.
que as coisas não surgem sem uma causa (v. Origens,
_____ , O p r o b lem a d o sofrim ento.
ciência das).
_____ , P eso d e glória.
O princípio de Heisenberg nem mesmo nega a
]. P. M o r e la n d e G . H ab erm as, Imm ortality: The other side o f death.
previsibilidade em geral. Afirma apenas que “siste-
P la t ã o , Fédon.
mas físicos devem ser descritos em termos de pro-
_____ , A república.
babilidades” (Lightman, p. 553). Ou seja, é possível
prever precisamente qual fração de partículas rea-
inato. In a to sig n ifica “ con gênito ; q u e p erten ce à natu-
girá de certa forma, mas não quais átomos reagirão
reza de u m ser; que n asce c o m 0 in d iv íd u o ” . Id é ia s ina-
(ibid.). Apesar da posição de determinada partícula
tas são a q u e la s c o m as q u a is a lg u é m n a s ce o u te m
não poder ser prevista, 0 padrão geral pode ser pre-
antes de q u a lq u e r e x p e riê n c ia se n so ria l. P la t ã o acre-
visto. Isso implica uma conexão causal. A questão é
d ita v a e m id é ia s in atas. A ris tó te le s as re je ita va , afir-
que cientistas, com seus instrumentos e habilidades
m a n d o que nascem os com o u m a tabula ra sa ‫׳‬
, tod as observadoras limitados, não podem agora prever 0
as id é ia s são d e riv a d a s d e n o ssa e x p e riê n c ia se n s o ria l percurso de partículas subatômicas individuais.
(v. Hume, D avid).
A Mente infinita poderia prever 0 percurso e a
velocidade. Se eu esvaziar um saco de bolas de pin-
incerteza, princípio da. V. indeterm inação, princípio da. gue-pongue sobre vários recipientes abertos, não é
possível que eu preveja qual bola cairá em cada um
inclusivism o. V. p lu ralism o relig ioso. dos recipientes. Na prática, não é possível saber e
indeterm inism o 420

calcular apropriadamente todos os fatores físicos en- ____ e W1XFR1ED C o r d u a n , Philosophy o f religion.

volvidos no ato de cair e ricochetear. Só podemos W . H e is e n b e r g , Física e filosofia.

saber que aproximadamente duas vezes mais boli- S. J a k i , M iracles a n d physics.

nhas entrem nos recipientes que são duas vezes mai- A . L ig h t m a n , et a l‫״‬Origins.
ores. Isso não significa que, em princípio, seja impos-
sível saber quais bolas cairão em quais recipientes. indeterm inism o. O indeterminismo assevera que
O princípio de Heisenberg descreve 0 meio sub- algumas ou todas as ações humanas não são causa-
atômico, que não é conhecido sem interferência do das. As ações são totalmente contingentes e espon-
investigador. Microscópios eletrônicos, pelos quais 0 tâneas (v. liv r e - a r b í t r i o ) . Charles Pierce e William
meio subatômico é observado, bombardeiam as par- James eram indeterministas. Alguns indeterministas

tículas subatômicas para “ vê-las” . Como Mortimer contemporâneos apelam para 0 princípio da
Adler observou: indeterminação de Werner Heisenberg (v. indetermi-
nação, princípio de) para apoiar sua posição. Segundo
esse princípio, os eventos no meio subatômico
Ao mesmo tempo que os princípios de incerteza de
(como 0 percurso específico de uma determinada
Heisenberg eram estabelecidos, a física quântica reconhecia
partícula) são imprevisíveis.
que as medições experimentais intrusivas que fornecem os
Os oponentes do indeterminismo respondem
dados usados nas fórmulas matemáticas da teoria quântica
com várias objeções, afirmando que:
concediam aos objetos e eventos subatômicos um caráter in-
determinado [...] Conclui-se, então, que a indeterminação não
• 0 princípio de Heisenberg é mal aplicado, já
pode ser intrínseca à realidade subatômica (Adler, p. 96-100).
que não lida com c a u s a l i d a d e , mas com previsi-
b ilid a d e ;
Logo, um comportamento imprevisível pode re- • 0 indeterminismo tornaria toda ciência im-
sultar, em parte, da tentativa de observá-la. possível, já que tudo depende do princípio de cau-
Nem todos os físicos aceitam a física quântica e a salidade;
teoria da incerteza. E m resposta a isso, Albert E in s t e in • 0 mundo se tornaria irracional, se as coisas
protestou: “ Deus não joga dados com 0 universo” . acontecessem sem uma causa;
A m á a p lica çã o d o p r in c íp io . É um erro de ca- • 0 p r in c íp io de c a u s a lid a d e e stá b e m estabe-
tegorias aplicar um princípio da física às esferas lecid o e é in e g á vel (v. c a u sa lid a d e , princípio d a );
metafísica e moral sem justificativa. Mesmo que haja • os seres humanos perdem a responsabilida-
indeterminação na física, isso não significa que a de moral se não têm participação em suas ações;
indeterminação automaticamente invada 0 meio mo- • pelo menos no nível cósmico, 0 indetermi-
ral. Por definição, a física lida com 0 que é (no meio nismo nega 0 papel de Deus com Orígínador e
físico) e a moralidade com 0 que deveria ser. Sustentador de todas as coisas (Gn 1; Cl 1.15,16;
E rro s d e in d eterm in a ç ã o . Os princípios da física Hb 1.3).
também não se aplicam automaticamente à metafísica.
C o n c lu s ã o . O indeterminismo afirma que as
Etienne Gilson demonstrou 0 erro metodológico des-
ações não estão ligadas às escolhas livres ou a qual-
se tipo de pensamento na história da filosofia ociden-
quer outra “causa” . Isso pode ser comparado às teo-
tal (v. Gilson). Há sérios erros em supor que 0 mundo
rias do determinismo, que afirma que todas as ações
metafísico (real) opera sem causalidade.
são determinadas por forças fora do indivíduo, e do
Supor que não há causas para eventos torna a
autodeterminismo, que afirma que todas as ações
ciência impossível, já que as ciências da operação e
são autocausadas, sem fatores externos. Cada uma
das origens dependem do princípio da causalidade.
dessas teorias é baseada num fundamento inade-
Supor que não há causas para eventos torna 0 mun-
quado. O indeterminismo viola leis fundamentais
do irracional. É contrário à razão afirmar que as coi- do pensamento e, se verdadeiro, eliminaria a res-
sas acontecem sem uma causa. Outros problemas ponsabilidade moral.
são observados no artigo.
indutivo, método. A ló g ic a indutiva e a dedutiva
Fontes são bem diferentes. A lógica dedutiva surge a partir
M. J. A d l e r , Truth in religion. de idéias gerais em direção a instâncias específicas.
E. G ils o n , The unity o f philosophical experience. Os seres humanos são mortais. Portanto, João, um
N. L. G e is l e r , Origin science. ser humano, é mortal.
421 indutivo, método

A lógica indutiva parte de instâncias específicas isso geralmente não é possível saber com certeza.
em direção a conclusões gerais. Sócrates, Aristóteles, Para exemplificar, suponha que escolhemos pardais,
Moisés, Adão, Joaquim, Manuel e Antônio são todos gaivotas e beija-flores para a , b e c como animais que
mortais. Isso é evidência de que todos os seres hu- têm asas ( p ) e penas ( q ). Agora se d for a letra atri-
manos são mortais. buída a gansos selvagens, então conclui-se que é ver-
Enquanto a lógica indutiva observa a causa (ou dadeiro que também tem a qualidade r, a habilidade
condição) e determina seus efeitos/conseqüências, de voar. Para quase todos os pássaros, esse argumen-
a lógica indutiva observa os efeitos e tenta determi- to funciona. Mas e se d for um pingüim? Ele tem asas
nar as causas. e penas, mas não pode voar. Aqui vemos que nossa
A lógica dedutiva é raciocínio a p r io r i e lógica conclusão deve permanecer apenas provável, e ja-
indutiva é raciocínio a posteriori. Esses termos lati- mais poderemos afirmar que é verdade absoluta.
nos significam que a lógica dedutiva tira suas con- Quanto mais fortes, porém, forem as analogias que
clusões antes de examinar a experiência. A lógica fazemos, mais prováveis serão as nossas conclusões.
indutiva tira as conclusões somente a p ó s examinar A n a tu r e z a d a p r o b a b i li d a d e . Pelo fato de a
a experiência. É claro que a premissa ou 0 procedi- indução basear-se na analogia, estendendo observa-
mento indutivos podem ser colocados na forma de- ções de alguns para a toda classe, isso geralmente
dutiva: Os seres humanos que nascem certamente envolve um salto indutivo. Precisa estender-se além
morrem. Maria acabou de nascer. Portanto, Maria das observações específicas para fazer afirmações
invariavelmente morrerá. A forma desse argumento amplas e gerais. Geralmente, conclusões indutivas
é dedutiva, mas a premissa principal é baseada numa não podem ser universalmente denominadas ver-
dadeiras porque são generalizações, e exceções sem-
observação indutiva.
pre são possíveis. Em vez de serem verdadeiras ou
Os cânones da lógica dedutiva foram estabeleci-
falsas, envolvem níveis de probabilidade. Às vezes
dos por Aristóteles no século iv a.C. As regras foram
esses níveis podem ser medidos quanto à porcenta-
determinadas pela primeira vez por Francis Bacon em
gem de precisão; outras vezes, a porcentagem pode
N ovum organum , em 1620, e mais tarde elaboradas
ser estimada. Conclusões indutivas devem ser avali-
por John Stuart M i l l (1806-1873).
adas conforme se encaixem na seguinte escala:
A n a tu re z a d o ra c io c ín io in d u tiv o . Uma das
maiores diferenças entre lógica dedutiva e indutiva se
99% — Praticamente certo: evidência esmaga-
acha nos tipos de conclusões alcançadas. Ao contrário
dora.
da certeza do raciocínio dedutivo, 0 raciocínio indutivo
Exemplo: a lei da gravidade.
fornece níveis de probabilidade.
90% — Altamente provável: evidência muito
Níveis de p robabilid ad e. Na lógica dedutiva, se as
boa.
premissas forem verdadeiras, a conclusão d ev e ser ver-
Exemplo: Nenhum floco de neve tem estrutura
dadeira (v. c e rte z a /c o n v ic ç ã o ). A única indução corre-
idêntica a outro.
ta é a indu ção p erfeita , tal como: “ Todas as moedas na
70% — Provável: evidência suficiente. Exemplo:
minha mão direita são de dez centavos” . Se há apenas
A eficácia e segurança dos remédios que já foram
três e podemos ver e contar todas as três, então temos
testados e aprovados.
a indução perfeita e a convicção. A razão pela qual
50% — Possível: nenhuma evidência ou evidên-
induções geralmente chegam apenas a conclusões pro- cia equivalente contra e a favor. Exemplo: Nosso time
váveis é que geralmente são sustentadas por analogia ganhará 0 “cara ou coroa” .
ou generalização. A analogia é a declaração de que, pelo 30% — Improvável: evidência insuficiente a seu
fato de haver uma semelhança entre duas coisas, elas favor. Nesse ponto, ninguém acredita exceto alguns
também serão semelhantes em outros aspectos. Se fi- poucos para quem funcionou.
zéssemos um diagrama de tal argumento, ele ficaria 10% — Altamente improvável: evidência escassa a
assim: favor. A teoria de que Jesus passou seus primeiros anos
estudando com um guru hindu entra nessa categoria.
a,b ,c e d tê m to d o s as q u a lid a d e s p e q . 1% — Praticamente impossível: quase nenhu-
a , b e c têm todos a qualidade r. ma evidência a favor. A evidência da existência de
Portanto, d também tem a qualidade r. unicórnios está nesse nível.

Isso parece razoável, contanto que haja alguma Às vezes existem números reais para calcular
ligação entre as qualidades p e q e a qualidade r. Mas a probabilidade. Isso é p r o b a b i li d a d e esta tística .
indutivo, método 422

Quando não há números, a evidência deve ser pe- que os outros números. A mediana de 1,2,3,49,50 é 3.
sada pela p r o b a b ilid a d e em p írica . Essa pode não ser a melhor maneira de representar os
P robabilidade estatística. Ao calcular 0 nível de pro- dados.
babilidade de um problema estatístico, existem regras P roba b ilid a d e em pírica. Há quatro questões bási-
a ser seguidas: cas que devem ser formuladas a todo argumento
D efinir os term os claram ente. Não se pode discutir indutivo no qual dados empíricos são apresentados.
significativamente se “todos os homens são criados
iguais” até que os termos todos os hom en s, criad os e 1 .Q uantos casos fo r a m ex a m in a d o s ? Quão abran-
iguais sejam esclarecidos. gente é a amostra?
Classes suficientes devem ser p lan ejad as p a ra abran- 2 .Q uão rep resen ta tiv a é a e v id ê n c ia ? Como os
g er todos os dados. As classes católica, protestante eju - escolhidos representam 0 espectro de idéias eco-
daica são insuficientes para abranger todos os dados da nômicas, sociais, raciais e religiosas encontradas
religião americana. Essas categorias excluem muçulma- nesse país? Quanto mais diferenças existirem en-
nos, hindus, budistas, humanistas seculares e uma va- tre os casos, mais forte será a conclusão. Se os ca-
riedade de religiões menores. As categorias monista, sos estudados não refletem como 0 mundo real é, a
politeísta, teísta e não-teísta provavelmente seriam sufi- conclusão não será verdadeira.
cientes para abranger as religiões americanas. ò.Q u ão cu id a d o sa fo i a a v a lia ç ã o d a evid ên cia?
Só um p rin cíp io d e classificação p o d e ser usado. Como foram estudadas as semelhanças? Quantas
Apenas uma questão deve ser levantada de cada vez. diferenças foram estudadas? Todas as explicações
Se a questão é: “Você é republicano ou democrata?” , possíveis foram consideradas? Os resultados exe-
então não é necessário perguntar como parte da mes- cutados foram isolados de outras causas possíveis?
ma questão:“Você é conservador ou liberal?” .Isso con- Toda a evidência foi apresentada? Quão crítica foi
funde as categorias. a avaliação da evidência?
Classes n ão p o d e m sobrepor-se. Republicanos e de- 4.C om o a in fo rm a ção co leta d a se relacion a com 0
mocratas contêm conservadores e liberais. Se duas con hecim en to j á existen te ? Ela contradiz alguma cer-
respostas são possíveis para algumas pessoas, ambas teza? Ajuda a explicar melhor as coisas? Às vezes no-
serão recebidas de alguns, nenhuma de outros, e ain- vas evidências podem abalar as estruturas de ques-
da outros responderão uma ou outra sem nos mos- tões que considerávamos resolvidas, mas seu nível de
trar que há sobreposição. Tais estatísticas são inúteis, probabilidade e utilidade explanatória fazem delas
porque não há como saber quais respostas dão a in- descobertas bem-vindas.
formação desejada.
O m étod o m ais ap rop ria d o p a ra relatar os resulta- Tipos d e p ro b a b ilid a d e . Além da indução perfei-
dos d eve ser selecion ado. Há três maneiras em que as ta, 0 raciocínio indutivo produz um dos dois tipos de
estatísticas podem ser afirmadas. A m éd ia, a m o d a probabilidade: a p rio ri ou a posteriori.
(mais freqüente) e a m ed ian a (0 número médio). A P ro b a b ilid a d e a priori. A probabilidade a priori
média é 0 valor que pode ser encontrado pela soma de ou probabilidade matemática diz respeito ao da pos-
todos os números e a divisão pelo número de algaris- sibilidade e das possíveis combinações. Oferece uma
mos somados. (A média de 5,6,7,8,9 é 7 [5 + 6 + 7 -I- maneira matemática de avaliar a possibilidade de um
8 + 9 = 35 — 5 números = 7].) Pode ser usado para evento. Há várias fórmulas matemáticas para desco-
descobrir onde 0 grupo se encontra no todo, como para brir a probabilidade de vários tipos de eventos. Por
a nota média de uma prova. Se você quiser saber qual exemplo, alguns eventos são simples e exclusivos: Ou
a nota que a maioria das pessoas tirou numa prova, a acontece uma coisa ou outra. Quando se lança uma
m o d a é mais apropriada. É conhecida simplesmente moeda, você tem cara ou coroa. Outros eventos são
pela constatação do número que ocorre mais vezes. Se mais complexos, como descobrir quantas combina-
as notas são 5,6,7,8, 8, 8, 8, 8,9, então 8 é a moda. ções possíveis de aminoácidos existem que formari-
Às vezes é útil saber onde se localiza a metade para am as proteínas necessárias para a vida (v. acaso).
determinada pergunta. Essa é a m ed ian a do grupo, que P robab ilid ad e a priori p a ra eventos exclusivos. Um
representa 0 ponto médio entre os números mais alto evento exclusivo não está combinado com outros
e mais baixo nos nossos dados. A mediana da nossa eventos nem é dependente deles. Uma moeda só tem
série 5,6,7,8,9 é 7,0 mesmo que a média. Geralmente dois lados. Assim, quando ela é lançada, a probabili-
a mediana será próxima da média, mas não em casos dade é de uma em duas (ou uma de duas) de dar
em que haja um dado bem maior ou bem menor cara. Da mesma forma, há seis faces num dado,
423 indutivo, método

portanto a probabilidade de dar qualquer um dos cada número é usado apenas uma vez, os números
números é de uma em seis. A probabilidade de tirar podem ser repetidos numa permutação complexa.
0 ás de espadas de um baralho é de uma em cin- Em vez de apenas teclar dez números em determi-
qüenta e duas. Isso não significa, é claro, que real- nada ordem (uma permutação simples), uma per-
mente serão gastas 52 tentativas para tirá-lo. Ele pode mutação complexa é mais parecida com a senha da
aparecer na primeira vez. Isso quer dizer apenas que trava de uma pasta que tem três mostradores, cada
a probabilidade a p rio ri de tirá-lo a princípio é de um dos quais com números de 1 a 10. Qualquer um
uma em 52. Isso significa que, se alguém tentasse desses números pode cair em qualquer posição na
tirá-lo um número infinito de vezes, tiraria 0 ás em série. Então 0 número total de combinações possí-
média a cada 52 vezes. veis é 10 x 10 x 10 = 1 000.
P ro b a b ilid a d e a priori p a r a eventos in depen den - Para calcular 0 número de combinações possíveis
tes. Isso lida com a probabilidade matemática ante- para uma permutação complexa, é preciso tomar 0 nú-
cipada dos resultados de duas ou mais moedas ou mero de opções para cada posição e elevá-lo ao núme-
dados. Esses são eventos separados e independentes ro de posições. Por exemplo, num brinquedos de mon-
e, assim, a probabilidade deve ser multiplicada. Isso tar rostos que tem quatro opções de nariz, queixo, boca,
significa que a probabilidade de tirar duas caras ao par de olhos, cabelo e testa, há quatro opções para cada
lançar duas moedas é 1/2 x 1/2 = 1/4 ou uma em posição e seis posições no todo. Pegamos 0 número de
quatro. Da mesma forma, a probabilidade de tirar opções (4) e 0 multiplicamos por si mesmo 0 mesmo
um seis em dois dados é 1/6 x 1/6 = 1/36 ou uma em número de vezes que 0 número de posições (6). Então
36. Se uma moeda e um dado são usados, então a temos 4x4x4x4x4x4(ou46) = 4 096 rostos diferentes.
probabilidade é 1/2 x 1/6 ou uma em doze. Valor apologético das p robabilid ad es a prioristicas.
P robabilidade a priori de eventos dependentes. Às Há muitas aplicações da probabilidade matemática
vezes um evento é dependente do outro, nesse caso à apologética. Por exemplo, segundo Fred Hoyle (em
devemos saber quantas combinações diferentes ou Evolution from sp ace [Λ evolu ção vinda d o esp aço]),
permutações são possíveis. Para uma permutação um ex-ateu, quando as combinações possíveis são
simples, em que queremos descobrir quantas combi- consideradas, as probabilidades de a primeira célu-
nações existem para determinado número de even- la viva ter surgido sem um Criador são de Í/IO40000.
tos conhecidos, multiplicamos esse número (n) por Com tais probabilidades, como alguém pode negar
(η -1) x (n - 2) x (n - 3) e assim por diante até chegar que 0 universo foi criado e ainda ser considerado
a 1. Em outras palavras, multiplicamos todos os nú- razoável? Da mesma forma, 0 astrônomo Hugh Ross
meros inteiros entre 1 e n para descobrir quantas calculou a probabilidade de a forma de vida mais
combinações existem. Por exemplo, para descobrir simples ter surgido por acaso. Ele diz que isso exigi-
quantas permutações existem para um grupo de três ria um mínimo de 239 moléculas de proteína. Cada
letras, multiplicamos 3 x 2 x 1 = 6. Por exemplo, as uma dessas moléculas é composta de (em média)
combinações possíveis são para as letras a , b e c . São: 445 aminoácidos unidos. Ora, cada um desses elos
deve ser feito por um dos 20 aminoácidos diferen-
ABC BAC ZCAB tes. Então a probabilidade de a forma mais simples
ACB BCA CBA de vida surgir dessa união por acaso é 1 em 20445x239
— 239 ou 1/1013 915. É razoável acreditar que não só a
Se um mágico distribuir quatro cartas para qua- forma mais simples de vida, mas todas as formas com-
tro pessoas, são 24 combinações possíveis da ordem plexas de vida surgiram de um acidente da sorte?
em que essas cartas podem estar (4 x 3 x 2 x 1 = 24). O evolucionista Julian Huxley calculou que a pro-
Se um sistema de segurança tem dez dígitos no te- babilidade da evolução do cavalo era de 1 em 1 0001
ciado e cada um só pode ser usado uma vez, há 10 x 000°00. Ele admitiu que ninguém jamais apostaria em
9 x 8 x 7 x 6 x 5 x 4 x 3 x 2 x l = 3 628 800 códigos algo tão improvável (Huxley, p. 45,6). É claro que
possíveis. Na música há 479 001 600 séries de doze muitos evolucionistas conhecem essas probabilida-
notas possíveis (uma seqüência de notas que usa des e dizem: “ Bem, dado 0 tempo suficiente qual-
cada passo da escala cromática uma vez). quer coisa pode acontecer” . Mas há tempo suficien-
Uma série em que várias possibilidades podem te? Vamos supor que todo 0 universo fosse feito de
encaixar-se em cada lugar é uma p erm u ta ç ã o com - aminoácidos (0 que está bem longe da verdade).
plex a. Em lugar de uma combinação simples em que Haveria 107: moléculas disponíveis. Se unirmos
inferno 424

todos esses aminoácidos ao acaso numa velocidade Na ciência das origens (v. origens, ciência das) ela é
de 1 por segundo para a idade amplamente aceita do conhecida previamente por meio dos princípios de
universo (cerca de 15 bilhões de anos), então a pro- causalidade (v. causalidade, princípio d a), da analogia
babilidade dessa forma simples de vida aparecer é ou da uniformidade.
reduzida a 1/1014 999999905. Isso é uma probabilidade
em dez elevada a 15 bilhões. Vinte bilhões de anos Fontes
não é tempo suficiente mesmo se 0 universo esti- F. B a c o n , Novum organum.
vesse abarrotado de partículas para produzir vida. N. L. G e i s l e r , Origin science.
Para se defender desse ataque, 0 evolucionista _____ e R. M . B roo ks, Come let us reason.
pode responder: “ Mas isso só precisava acontecer F. H o yle, Evolution from space.
uma vez. Tirar uma mão perfeita de bridge também J. H u x l e y ,Evolution in action.
é um evento altamente improvável, mas já aconte- ). M c D o w e l l , Evidência que exige um veredito.
ceu” . Isso é verdade. É possível; mas é provável? Qual J. S. M il l , A lógica das ciências morais.
0 nível de probabilidade de que a hipótese evolutiva H. Ross, The fingerprint o f God.
seja verdadeira? David Hum e disse: “ Um homem sá- B. R u s s e l l , “On induction”, em Basic writings o f Bertrand
bio sempre baseia sua crença na evidência” . Toda Russell.
evidência diz que 0 universo é pequeno demais e P. W. S t o n e r , Science speaks.
jovem demais para permitir a união aleatória da vida,
mesmo numa forma simples. Seguindo a máxima de inferno. 0 inferno já foi chamado de cruel, desu-
Hume, como pode um homem sábio acreditar que a mano e bárbaro. Bertrand R u s s e ll disse que quem
vida surgiu espontaneamente e pelo acaso quando a ameaça pessoas com 0 castigo eterno, como Jesus
evidência diz que isso é praticamente impossível? fez, é desumano (Russell, p. 593-4). Os incrédulos
Por outro lado, qual a probabilidade de 0 registro em geral têm questionado a existência e a justiça
da criação de Moisés ter aleatoriamente colocado do inferno. Os cristãos ortodoxos, no entanto, ca-
os eventos da criação na ordem certa? Suponha que tólicos e protestantes, têm defendido a realidade e
haja oito eventos sucessivos (criação do universo, eqüidade do inferno.
luz, água, atmosfera, mares e terra, vida marinha, A existência do inferno. A existência do inferno
animais terrestres e homem) que poderiam ter sido tem sido defendida por argumentos baseados nas Es-
colocados em qualquer ordem. Essa é uma permu- crituras e na razão humana.
tação simples (8 x 7 x 6 x 5 x 4 x 3 x 2 x 1 = 40 320). Jesus ensinou a existência do inferno. As Escrituras
Então a probabilidade de Moisés registrar esses even- afirmam enfaticamente a doutrina do inferno. Algu-
tos na ordem correta era apenas 1 em 40 320. mas das afirmações mais fortes de que existe um in-
Além disso, calcula-se que há 191 profecias no a t ferno vêm de Jesus Cristo, a segunda pessoa da T r i n -
sobre 0 Messias. Elas incluem onde ele nasceria (Mq dade. Ele falou mais sobre 0 inferno que sobre 0 céu.
5.2), como ele morreria (Is 53), quando morreria (Dn Jesus advertiu: “ Não tenham medo dos que matam 0
9), que ele ressuscitaria dos mortos (SI 16). A probabili- corpo, mas não podem matar a alama. Antes, tenham
dade de que 48 dessas profecias se cumprissem em um medo daquele que pode destruir tanto a alma como 0
homem é cerca de 1/10157. Isso é um 1 com 157 zeros corpo no inferno” (Mt 10.28). Ele acrescentou sobre
atrás. Se um apostador conseguisse acertar em 48 ca- aqueles que 0 rejeitam: “Assim como 0 joio é colhido e
valos ganhadores sem um único erro, seria razoável queimado no fogo, assim também acontecerá no fim
suspeitar que ele dispunha de informações exclusi- desta era” (Mt 13.40).
vas. Da mesma forma, é altamente provável que os No sermão profético, proferido no monte da Oli-
profetas do a t tenham tido auxílio para saber tanto veiras, nosso Senhor disse que no juízo final Deus dirá
sobre eventos que aconteceriam centenas de anos após “aos que estiverem à sua esquerda: ‘Malditos, apar-
a morte deles. Certamente essa é a conclusão razoável. tem-se de mim para 0 fogo eterno, preparado para 0
P ro b a b ilid a d e a posteriori. Probabilidade a Diabo e os seus anjos’” (Mt 25.s41). Sobre a seriedade
p o sterio ri é probabilidade empírica. Ao contrário do perigo do inferno, Jesus advertiu: “ Se a sua mão 0
da probabilidade a p rio ri , não é probabilidade co- fizer tropeçar, corte-a. É melhor entrar na vida muti-
nhecida antes de a possibilidade matemática de um lado do que, tendo as duas mãos, ir para 0 inferno,
evento ocorrer. Pelo contrário, é a probabilidade real onde 0 fogo nunca se apaga” (Mc 9.43). A realidade do
depois do fato de que um evento ocorreu. Tal proba- inferno é óbvia segundo a história vivida contada por
bilidade é conhecida pelo uso do método científico. Jesus em Lucas 16. Essa história é diferente de uma
425 inferno

parábola, já que nela Jesus usa 0 nome real de uma 0 apóstolo Paulo falou da separação eterna de
pessoa (Lázaro). A história fala do destino de um rico Deus, dizendo:
e um mendigo, Lázaro, após a morte:
... quando 0 Senhor Jesus for revelado lá dos céus, com os
Havia um homem rico que se vestia de púrpura e de linho seus anjos poderosos, em meio a chamas flamejantes. Ele pu-
fino e vivia no luxo todos os dias. Diante do seu portão fora nirá os que não conhecem a Deus e os que não obedecem ao
deixado um mendigo chamado Lázaro, coberto de chagas; este evangelho de nosso Senhor Jesus. Eles sofrerão a pena de des-
ansiava comer 0 que caía da mesa do rico. Até os cães vinham truição eterna, a separação da presença do Senhor e da majes-
lamber suas feridas. tade do seu poder (2Ts 1.7/7-9).
Chegou 0 dia em que 0 mendigo morreu, e os anjos 0 leva-
ram parajunto de Abraão. O rico também morreu e foi sepulta- O autor de Hebreus acrescenta uma observação
do. No Hades, onde estava sendo atormentado, ele olhou para de finalidade: 0 homem aos homens está destina-
cima e viu Abraão de longe, com lázaro ao seu lado. Então, cha- do a morrer uma só vez e depois disso enfrentar 0
mou-o: “Pai Abraão, tem misericórdia de mim e manda que juízo” (Hb 9.27).
Lázaro molhe a ponta do dedo na água e refresque a minha lín- A ju stiça d e Deus exige 0 inferno. Além de afirma-
gua,porque estou sofrendo muito neste fogo” . ções diretas, as Escrituras oferecem razões para a exis-
Mas Abraão respondeu: “Filho, lembre-se de que durante tência do inferno. Uma é que a justiça exige a existên-
durante a sua vida você recebeu coisas boas, enquanto que cia do inferno, e Deus é justo (Rm 2). Ele é tão puro e
Lázaro recebeu coisas más. Agora, porém, ele está sendo con- imaculado que não pode sequer ver 0 pecado (Hc
solado aqui e você está em sofrimento. E além disso, entre 1.13). Deus trata a todos com igualdade: “Pois em Deus
vocês e nós há um grande abismo, de forma que os que de- não há parcialidade” (Rm 2.11). Como Abraão decla-
sejam passar do nosso lado para 0 seu, ou do seu lado para 0 rou: “Não agirá com justiça 0 Juiz de toda a terra?”
nosso, não conseguem” . (Gn 18.25). 0 salmo 73 representa as passagens que
Ele respondeu: “Então eu te suplico, pai: manda Lázaro ir ensinam que nem toda justiça é feita nesta vida. Os
à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos. Deixa que ele os perversos parecem prosperar (v. 3). Logo, a existência
avise, a fim de que eles não venham também para este lugar de de um lugar de castigo para os perversos após esta
tormento” . vida é necessária para manter a justiça de Deus. Cer-
Abraão respondeu: “Eles têm Moisés e os Profetas; que os tamente não haveria justiça real se não houvesse um
ouçam” . lugar de castigo para as almas dementes de Stalin e
“Não, pai Abraão” , disse ele, “mas se alguém dentre os Hitler, que iniciaram 0 massacre impiedoso de mi-
mortos fosse até eles, eles se arrependeriam.” lhões. A justiça de Deus exige que haja um inferno.
Abraão respondeu: “Se não ouvem a Moisés e aos Profe- Jonathan Ed w a rd s argumentou que mesmo um
tas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite único pecado merece 0 inferno, já que 0 Deus eterno e
alguém dentre os mortos” (Lc 16.19-31). santo não pode tolerar nenhum pecado. Cada pessoa
comete muitíssimos pecados em pensamentos, pa-
A B íblia en sina qu e 0 inferno existe. Outros escri- lavras e ações. Tudo isso é intensificado pelo fato de
tos inspirados do n‫־‬t afirmam a existência do infer- que rejeitamos a imensa misericórdia de Deus. Acres-
no. Talvez 0 relato mais detalhado seja 0 de Apoca- cente-se ainda a prontidão do homem em reclamar da
lipse de João: justiça e misericórdia de Deus, e temos evidências
abundantes da necessidade do inferno. Se tivéssemos
Depois vi um grande trono branco e aquele que nele estava verdadeira consciência espiritual, não ficaríamos abis-
assentado. A terra e 0 céu fugiam da sua presença, e não se mados com a severidade do inferno, mas sim com nos-
encontrou lugar para eles. Vi também os mortos, grandes e sa própria depravação (Edwards, 1 p. 109).
pequenos, em pé diante do trono, e livros foram abertos. Outro O a m o r d e Deus exige 0 inferno. A Bíblia afirma que
livro foi aberto, 0 livro da vida. Os mortos foram julgados de “ Deus é amor” (1 Jo 4.16). Mas 0 amor não pode agir
acordo com 0 que tinham feito, segundo 0 que estava registra- coercivamente, apenas persuasivamente. Um Deus de
do nos livros. O mar entregou os mortos que nele havia, e a amor não pode forçar as pessoas a amá-lo. Paulo fa-
morte e 0 Hades entregaram os mortos que neles havia; e cada lou que as coisas são feitas livremente, e não por obri-
um foi julgado de acordo com 0 que tinha feito. Então a morte gação (2C0 9.7). Amor forçado não é amor; é estupro.
e 0 Hades foram lançados no lago de fogo. O lago de togo é a Um ser amoroso sempre dá “espaço” para outros. Não
segunda morte. Aqueles cujos nomes não foram encontrados se impõe contra a vontade dos outros. Como C. S.
no livro da vida foram lançados no lago de fogo (Ap 20.11 -15). Le w is escreveu:
inferno 426

O Irresistível e0 Irrefutável são as duas armas que a própria poderosa. Ele é descrito como um lugar de trevas (Mt
natureza do seu esquema 0 impede de usar.Anular 0 livre-arbí- 8.12; 22.13),que está“fora” [das portas da cidade celestial]
trio humano [...] seria inútil para ele.Ele não podeforçar.Só pode (Ap 22.14,15). O inferno fica fora da presença de Deus
atrair (Lewis, Cartas do inferno, cap. 8). (Mt 25.41; 2Ts 1.7-9). É claro que esses são termos
relacionais, não necessariamente espaciais. Deus está
Logo, os que escolhem não amar a Deus devem “acima” , e 0 inferno está “abaixo” . Deus está “dentro” , e
ter 0 direito de não amá-lo. Os que não desejam 0 inferno está “fora” . O inferno está na direção contrá-
estar com ele devem ter permissão para ficar sepa- ria a Deus.
rados dele. O inferno permite a separação de Deus. A natureza do inferno é uma realidade horrível. É
A d ign idade hu m an a exige 0 inferno. Já que Deus como ser deixado do lado de fora, no escuro, para
não força as pessoas a ir para 0 céu contra sua vonta- sempre (Mt 8.12). É como uma estrela errante (Jd 13),
de, 0 livre-arbítrio humano exige um inferno. Jesus uma nuvem sem água (Jd 12), um fogo inextinguível
exclamou: “Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os (Mc 9.43-48), um abismo (Ap 20.1,3), uma prisão ( lPe
profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas 3.19) e um lugar de agonia e arrependimento (Lc
vezes quis eu reunir os seus filhos, como a galinha re- 16.28).
úne os seus pintinhos debaixo das suas asas, e vocês Emprestando 0 título do livro de Lewis, 0 inferno
não quiseram!” (Mt. 23.37). Como Lewis disse: é 0 “grande abismo” — uma separação eterna de Deus
(2Ts 1.7-9). Há, na linguagem bíblica,“um grande abis-
Há apenas dois tipos de pessoas no final das contas: aque- mo” entre 0 inferno e 0 céu (Lc 16.26) de forma que
las que dizem a Deus: “Seja feita a tua vontade” , e aquelas a ninguém pode passar de um para 0 outro.
quem Deus diz, no final: “Seja feita a tua vontade” (Cartas do A Bíblia não diz em lugar nenhum que 0 inferno é
inferno, p. 69). “uma câmara de tortura” em que pessoas são forçadas
a entrar contra a vontade para serem torturadas. Essa
A soberan ia d e Deus exige 0 inferno. A não ser que é uma caricatura criada por incrédulos para justificar
haja inferno não há vitória final sobre 0 mal (v. .mal, pro- sua reação de que 0 Deus que envia pessoas para 0
blema do). Pois 0 que frustra 0 bem é 0 mal. O trigo e 0 inferno é cruel. Isso não quer dizer que 0 inferno não
joio não podem crescer juntos para sempre. Há uma seja um lugar de tormento. Jesus disse que era (Lc
separação final, senão 0 bem não triunfará sobre 0 mal. 16.24). Mas, ao contrário da tortura que é infligida de
Como na sociedade, 0 castigo do mal é necessário para fora contra a vontade da pessoa, a tormenta é auto-
que 0 bem prevaleça. Da mesma forma, na eternidade 0 infligida.
bem deve triunfar sobre 0 mal. Se isso não acontecer, Até os ateus (v. S a r t r e ; a t e í s m o ) sugeriram que a
Deus não está no controle total. A soberania de Deus porta do inferno é trancada pelo lado de dentro.
exige 0 inferno, senão ele não seria 0 vencedor final so- Somos condenados à liberdade de estar sem Deus.
bre 0 mal que a Bíblia declara que ele é (v. 1 C0 15.24- A presença divina do céu seria a tortura para quem 0
28; Ap 20— 22). rejeitou irrecuperavelmente. O tormento é viver com
A cruz d e Cristo im plica a realid ad e do inferno. No as conseqüências de nossas más escolhas. £ 0 choro e
centro do cristianismo estáacruz(lC0 1.17,18; 15.3). ranger de dentes que resulta da consciência de que
Sem ela não há salvação (Rm 4.25; Hb 10.10-14). É a fracassamos e merecemos as conseqüências. Assim
razão pela qual Cristo veio ao mundo (Mc 10.45; Lc como um jogador de futebol bate no chão com força
19.10). Sem a cruz não há salvação (Jo 10.1,9,10; At depois de perder um gol que decidiria a Copa, as pes-
4.12). Apenas por meio da cruz podemos ser libertos soas no inferno sabem que a dor que sofrem é auto-
dos nossos pecados (Rm 3.21-26). Jesus sofreu gran- infligida.
de agonia e até separação de Deus na cruz (Hb 2.10- O inferno também é descrito como um lugar de
18; 5.7-9). Antecipando a cruz, Jesus “orou ainda mais fogo eterno. Esse fogo é real mas não necessariamente
intensamente; e 0 seu suor era como como gotas de físico (como 0 conhecemos), porque as pessoas terão
sangue que caíam no chão” (Lc 22.44). Mas por que a corpos físicos nâo perecíveis (Jo 5.28,29; Ap 20.13-15),
cruz e todo esse sofrimento, a não ser que haja 0 então 0 fogo normal não os afetaria. Além disso, as
inferno? A morte de Cristo perde ou seu significado figuras de linguagem que descrevem 0 inferno são
eterno a não ser que haja uma separação de Deus da contraditórias, se consideradas num sentido físico.
qual as pessoas precisam ser salvas. Ele tem fogo, mas é trevas. É um lago e um abismo.
A n a tu rez a e localização do in fe m o . A Bíblia des- Apesar de tudo na Bíblia ser literalmente verdadeiro,
creve a realidade do inferno com linguagem figurada nem tudo é verdadeiramente literal.
427 inferno

A duração do inferno. Muitos incrédulos estari- com 0 Deus amoroso eliminar os que não fazem ο
am dispostos a aceitar um inferno temporal, mas a que ele deseja. Se Deus aniquilasse os seres huma-
Bíblia fala dele como eterno. nos estaria atacando a si mesmo, pois somos feitos
O inferno du rará enqu an to Deus existir. A Bíblia à sua imagem (Gn 1.27), e Deus é imortal. O fato de
declara que Deus existe para sempre (SI 90.1,2). Na tais pessoas estarem sofrendo não ju s tific a
verdade, ele não tem princípio nem fim (Ap 1.8). Criou aniquilá-las, assim como um pai não deve matar 0
todas as coisas (Jo 1.3; Cl 1.15,16) e permanecerá de- filho que está sofrendo. Até alguns ateus insistiram
pois que este mundo for destruído (2Pe 3.10-12). Mas em que a aniquilação não deve ser desejada mais
Deus, por natureza, não pode tolerar 0 mal (Is 6; Hc que a liberdade consciente.
1.13). Logo, as pessoas más devem ficar separadas de O in fern o é tem poral, n ã o eterno. O inferno não
Deus para sempre. Enquanto Deus for Deus e 0 mal pode ser apenas um aprisionamento longo. O inferno
for mal, um deve ficar separado do outro. deve existir enquanto existir um Deus justo, contra 0
O inferno du rará en qu an to 0 céu durar. O céu é des- qual todo 0 inferno se opõe.
crito como “eterno” na Bíblia. Mas a mesma palavra Apesar de as palavras p a r a sem pre poderem signi-
grega ( a iõn ion ), usada no mesmo contexto, também ficar um longo período de tempo em alguns contex-
indica que 0 inferno é “eterno” (Mt 25.41; cf. v. 46; 2Ts tos, nesse contexto são usadas para 0 céu assim como
1.9; Ap 20.10). Então, se 0 céu é eterno, 0 inferno 0 inferno (v. Mt 25). As vezes a forma enfática “para
também é. Não há absolutamente nenhuma base bí- todo 0 sempre” é usada. Essa frase é usada para des-
blica para supor que 0 inferno é temporal e 0 céu é crever 0 céu e 0 próprio Deus (Ap 14.11; 20.10).E Deus
eterno. não pode estar preso ao tempo; ele é eterno (Edwards,
Tampouco existe a possibilidade de alguém sair do 2, p.85-6).
inferno. Existe um grande abismo, de modo que nin- A sugestão de que 0 sofrimento temporal levará
guém pode sair (Lc 16.26). O julgamento começa logo ao arrependimento final é irreal. As pessoas no infer-
após a morte (Jo 8.21; Hb 9.27). Isso não é diferente no estão rangendo os dentes, 0 que não indica uma
do fato de algumas decisões na vida serem irreversí- disposição mais temente a Deus ou reformada, mas
veis. O suicídio é um caminho sem volta. uma rebelião firme e insistente. Assim, depois de as
As pessoas permanecem conscientes após a mor- pessoas estarem no inferno por algum tempo, have-
te, quer estejam no céu (2C0 5.8; Fp 1.23; Ap 6.9), rá mais justificação para 0 castigo de Deus, não me-
quer no inferno (Lc 16.23). A besta ainda estará cons- nos. Se 0 inferno tivesse um efeito reformador sobre
ciente depois de mil anos no inferno (Ap 19.20; as pessoas, então Jesus não teria amaldiçoado os que
20.10). Não faz sentido ressuscitar os incrédulos para 0 rejeitam e são enviados para 0 inferno (Mt 11.21-
0 julgamento eterno (Dn 12.2; Jo 5.28,29) antes do 24). Nenhum pecado seria imperdoável se as pes-
grande trono branco (Ap 20.11-15), a não ser que soas no inferno pudessem ser reform adas (M t
estejam conscientes. 12.31,32). Da mesma forma, Jesus jamais diria a Judas
Objeções ao inferno. Os incrédulos têm feito que teria sido melhor se não tivesse nascido.
muitas objeções à doutrina do inferno (v. Lewis, Como pode um lugar destituído da graça
O p ro b lem a do sofrim ento, cap. 8). restringente de Deus conseguir 0 que nenhum dos es-
O in fern o é a n iq u ila ç ã o . A Bíblia afirma clara- forços de sua graça conseguiram na terra, ou seja,
mente que há sofrimento consciente no inferno que uma mudança do coração? Se 0 inferno pudesse re-
causará “choro e ranger de dentes” (Mt 8.12). Pessoas formar pecadores perversos, eles seriam salvos sem
aniquiladas não estão conscientes de qualquer so- Cristo, que é 0 único meio de salvação (Edwards, v. 2,
frimento. A besta e 0 falso profeta no inferno esta- p. 520). O sofrimento não tende a suavizar 0 coração
rão conscientes após mil anos de sofrimento (Ap duro; ele 0 endurece ainda mais (v. F a r a ó , e n d u r e c i -
19.20; 20.10; v . a x iq u il a c io x is m o ). m e x t o d e ). A reincidência e a criminalidade persis-

A aniquilação não seria um castigo, mas a liber- tente nas prisões modernas confirmam 0 argumen-
tação de todo sofrimento. Jó parecia preferir a ani- to de Edwards.
quilação ao sofrimento (Jó 3). Mas Deus não reali- A justiça de Deus exige 0 castigo eterno. “A atroci-
zou esse desejo. Jesus fala de níveis de castigo (Mt dade de qualquer crime deve ser avaliada de acordo
5.22), mas não pode haver níveis de inexistência. com 0 valor ou a dignidade da pessoa contra a qual foi
A a n iq u ilaçã o dos ím p io s é c o n trá ria à n atureza de cometido” ( Davidson, p. 50). Logo, 0 assassinato de um
Deus (v. D e u s , x a t u r e z a d e ) e à n atureza dos h u m a n o s presidente ou do papa é considerado mais atroz que
feitos à sua im a g e m (v. !m o r t a l id a d e ). Não é coerente 0 de um terrorista ou chefão da máfia. O pecado
inferno 428

contra 0 Deus infinito é um pecado infinito digno livre-arbítrio. Isso seria 0 “inferno” , já que eles não
de castigo infinito (Edwards, v. 2 p. 83). pertencem ao lugar onde todos amam e adoram a Pes-
Por que não reformar as pessoas? Por que 0 castigo soa que eles mais querem evitar. A alternativa de Deus
eterno? Por que Deus não tenta reformar os pecadores? seria aniquilar a própria imagem em suas criaturas.
A resposta é que Deus tenta reformar as pessoas; 0 pe- Mas isso seria um ataque contra si mesmo.
ríodo de reforma é chamado vida. Pedro declarou: Além disso, sem separação eterna, não haveria céu.
0 mal é contagioso (1 Co 5.6) e deve ser isolado. Como
0 Senhor não demora em cumprir a sua promessa, como uma praga mortal, se não for contido continuará a
julgam alguns. Ao contrário, ele épaciente com vocês, não que- contaminar e corromper. Se Deus não separasse 0 tri-
rendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arre- go do joio, 0 joio sufocaria 0 trigo. A única maneira de
pendimento (2Pe 3.9; v. 1Tm 2.4). preservar um lugar eterno de bem é separar eterna-
mente dele todo mal. A única maneira de ter um céu
Mas depois do período de reforma vem 0 perío- eterno é ter um inferno eterno.
do de prestação de contas (Hb 9.27). 0 inferno é Finalmente, se 0 castigo temporal de Cristo é sufi-
apenas para os irreparáveis e impenitentes, os de- ciente para nossos pecados eternamente, então não há
pravados (v. 2Pe 2.1-6), não para os reformáveis. Se razão para 0 sofrimento eterno não ser apropriado
fossem reformáveis, ainda estariam vivos. Pois Deus, para nossos pecados temporais. Não é a duração da
na sua sabedoria e bondade, não permitiria que fosse ação, mas 0 objeto que é importante. Cristo satisfez 0
para 0 inferno quem ele sabia que iria para 0 céu se Deus eterno pelo seu sofrimento temporal, e os incré-
lhe fosse dada a oportunidade. Como C. S. Lew is ob- dulos ofenderam ao Deus eterno pelos seus pecados
servou, a alma que deseja a alegria de maneira séria temporais. Logo, 0 sofrimento temporal de Cristo sa-
e constante não a perderá. Os que buscam, acham. tisfaza Deus eternamente ( 1J0 2.1), e nossos pecados
Para quem bate, a porta será aberta (Lewis, Ogrande temporais ofendem a Deus eternamente.
abismo). 0 inferno não tem valor redentor. À objeção de que
Deus não pode forçar criaturas livres a serem re- não há valor redentor na condenação das almas ao in-
formadas. A reforma forçada é pior que castigo; é ferno, pode-se responder que 0 inferno satisfaz a jus-
cruel e desumana. Pelo menos 0 castigo respeita a tiça de Deus e a glorifica ao mostrar quão grande e te-
liberdade e a dignidade da pessoa. Como Lewis mível esse padrão é.“A justiça vindicativa de Deus pa-
observa com perspicácia: “ser curado’ contra sua recerá rígida, precisa, temível, e terrível, e portanto glo-
vontade [...] é ser colocado no mesmo nível dos riosa” (Edwards, v. 2, p.87). Quanto mais horrível e te-
que não têm vontade própria; é ser classificado mível o julgamento, mais reluzente 0 brilho da espada
com bebês, imbecis e animais domésticos” (Lewis, da justiça de Deus. 0 castigo terrível é compatível com a
God in the dock, 226). Os seres humanos não são natureza de um Deus que inspira temor. Com uma de-
objetos manipuláveis; são sujeitos respeitados por- monstração majestosa de ira, Deus recebe de volta a ma-
que são feitos à imagem de Deus. Os seres huma- jestade que lhe foi recusada. Aqueles que não dão glória
nos devem ser punidos quando fazem 0 mal por- a Deus de livre e espontânea vontade durante esta vida
que são livres e sabem 0 que é errado. São pessoas serão forçados a dar-lhe glória na próxima vida.
a serem castigadas, não pacientes a serem curados. Todas as pessoas, então, são ativa ou passivamen-
A condenação por pecados temporais é exagerada ? te úteis para Deus. No céu, os crentes louvarão ativa-
Castigar uma pessoa eternamente pelo que fez por um mente sua misericórdia. No inferno, os incrédulos
curto período na terra parece a princípio um exagero. serão passivamente úteis ao trazer majestade à sua
No entanto, um exame mais profundo revela que isso justiça. Assim como uma árvore estéril é útil apenas
não só é justo, mas necessário. Para começar, apenas 0 para lenha, os desobedientes serão apenas combus-
castigo eterno será suficiente para pecados contra o tível para um fogo eterno (ibid. v. 2, p. 126). Já que os
Deus eterno (v. D e u s,n atu rez a de). Os pecados podem incrédulos preferem ficar distantes de Deus no tem-
ser ter sido cometidos no tempo, mas são contra 0 Eter- po, por que não deveríamos esperar que esse seja
no. Além disso, nenhum pecado pode ser tolerado en- seu estado escolhido na eternidade?
quanto Deus existir, e ele é eterno. Logo, 0 castigo pelo 0 inferno é apenas uma ameaça, não uma reali-
pecado também deve ser eterno. dade. Alguns críticos acreditam que 0 inferno é ape-
Além disso, a única alternativa ao castigo eterno é nas uma ameaça que Deus não cumprirá. Mas é bias-
pior, ou seja, roubar dos seres humanos sua liberdade fêmia afirmar que um Deus de verdade usa menti-
e dignidade, levando-os à força para 0 céu contra seu ras deliberadas para governar os seres humanos.
429 inferno

Ademais, isso significa que “os que acham que 0 Por que Deus criou pessoas destinadas ao inferno?
inferno é uma fraude são mais astutos que 0 próprio Alguns críticos do inferno argumentam que, se Deus
Deus por descobrir isso” (Davidson, p. 53). Como sabia que suas criaturas 0 rejeitariam e acabariam
Edwards afirmou: num lugar tão horrível como 0 inferno, por que ele as
criou? Não teria sido melhor que jamais tivessem exis-
Eles supõem que foram muito astutos porque descobri- tido do que existirem e irem para 0 inferno?
ram que isso não é verdade; e assim Deus não escondeu seu É importante lembrar que a inexistência não pode
plano 0 suficiente para impedir que esses homens tão perspi- ser considerada condição melhor que qualquer tipo
cazes conseguissem discernir a trapaça e derrotar 0 plano de existência, já que a inexistência é nada. E afirmar
(Edwards,v.2,p.516). que 0 nada pode ser melhor que algo é um enorme
erro categórico. Para comparar as duas coisas, elas
Os santos poderão serfelizes se uma pessoa queri- precisam ter algo em comum. Mas não há nada em
da estiver no inferno? A pressuposição dessa ques- comum entre existência e inexistência. Elas são
tão é que somos mais misericordiosos que Deus. diametralmente opostas.
Deus está perfeitamente feliz no céu, e ele sabe que Uma pessoa pode sentir vontade de que uma vida
nem todos estarão lá. Mas é infinitamente mais mi- de miséria seja simplesmente extinta, mas não pode
sericordioso que nós. Além disso, se não pudésse- pensar consistentemente que a inexistência seja um
mos ser felizes no céu sabendo que alguém estava no estado melhor que a existência. É verdade que Jesus
inferno, nossa alegria não dependeria de nós, mas de disse que teria sido melhor se Judas não tivesse nasci-
outra pessoa. O inferno, todavia, não pode vetar 0 do (Mc 14.21 ).Mas essa é apenas uma expressão indi-
céu. Podemos ser felizes no céu da mesma forma cando a gravidade de seu pecado, não uma afirma-
que podemos ser felizes comendo e sabendo que ção sobre a superioridade da inexistência sobre a
outros estão morrendo de fome, desde que tenha- existência. Numa condenação paralela dos fariseus,
mos tentado alimentá-los, mas eles recusaram a co- Jesus disse que Sodoma e Gomorra teriam se arre-
mida. Assim como podemos curar lembranças tris- pendido se tivessem visto seus milagres (Mt 11.20-
tes aqui na terra, Deus também “enxugará dos [nos- 24; v. m ila g r e ) . I sso não significa que realmente teri-
sos] olhos toda lágrima” no céu (Ap 21.4). am se arrependido (ou Deus certamente lhes teria
Edwards observou que supor que a misericórdia mostrado esses milagres — 2Pe 3.9). Trata-se ape-
de Deus não permite sofrimento no inferno é contrá- nas de uma forma de linguagem expressiva, indi-
rio aos fatos. Deus permite bastante sofrimento neste cando que seu pecado foi tão grande que “ haverá
mundo. É um fato empírico que Deus e a dor das cria- menos rigor” (v. 24) no dia do julgamento para
turas não são incompatíveis (Gerstner,p.80).Se a mi- Sodoma que para eles.
sericórdia de Deus não pode 0 suportar sofrimento E também, só porque alguns perderão no jogo da vida
eterno, então também não pode suportá-lo em quan- não significa que ele não deve ser jogado. Antes da final
tidades menores (Edwards, v. 2, p. 84). A misericór- da Copa do Mundo começar, ambos os times sabem que
dia de Deus não é uma paixão ou emoção que exce- um deles perderá. Mas todos decidem jogar.Antes de cada
de sua justiça. A misericórdia interpretada dessa motorista pegar a estrada cada dia, sabemos que pessoas
maneira é um defeito em Deus. Ela 0 deixaria fraco serão mortas. Mas decidimos dirigir. Pais sabem que ter
e incoerente, incapaz de ser um Juiz. filhos pode acabar em grande tragédia, tanto para sua
As atitudes e os sentimentos dos santos no céu se- prole quanto para eles mesmos. Mas 0 conhecimento pré-
rão transformados e corresponderão mais aos de Deus. vio do mal não impede nossa vontade de permitir a pos-
Logo, amaremos apenas 0 que Deus ama e odiaremos 0 sibilidade do bem. Por quê? Porque consideramos me-
que ele odeia. Já que Deus não fica infeliz ao pensar ou lhor jogar, arriscando a oportunidade de ganhar, que não
ver 0 inferno, nós também não ficaremos — ainda tentar nada. É melhor perder na Copa do Mundo que não
que ali estiverem pessoas que amamos nesta vida. poder nem jogar nela. Do ponto de vista de Deus, é me-
Edwards dedicou um sermão a isso: “ The end of the lhor amar 0 mundo todo (Jo 3.16) e perder alguns dos
wicked contemplated by the righteous” [“0 fim dos seus habitantes que não amar ninguém.
ímpios contemplado pelos justos” ]. Na condensação Mas as pessoas não conseguem evitar 0 pecado. A
que Gerstner fez desse sermão, “não parecerá nem um Bíblia diz que nascemos pecadores (SI 51.5) e somos
pouco cruel da parte de Deus infligir sofrimento tão “por natureza, merecedores da ira” (Ef 2.3). Se os pe-
extremo a tais criaturas extremamente perversas” cadores não podem evitar 0 pecado, é justo mandá-
(Gerstner, p. 90). los para 0 inferno por causa disso?
infinita, série 430

As pessoas vão para 0 inferno porque nascem inferno elimina a acusação de que ele é apenas uma
com uma tendência para pecar e decidem pecar. Nas- ilusão. A questão se há um inferno deve ser determi-
cem na estrada que leva ao inferno, mas também nada com base na evidência, nâo no desejo. A evi-
ignoram as advertências pelo caminho para evitar a dência para a existência do inferno é forte.
destruição (Lc 13.3; 2 Pe 3.9). Se a evidência para 0 inferno é substancial, por
Apesar de os seres humanos pecarem porque são que tantas pessoas a rejeitam? Edwards descreveu
pecadores (por natureza), sua natureza pecaminosa duas razões principais para a indisposição de acei-
não os força a pecar. Como A g o stin h o disse correta- tar 0 inferno: 1 ) ele é contrário à nossa preferência
mente: “ Nascemos com a propensão ao pecado e a ne- pessoal; 2 ) temos um conceito deficiente do mal e
cessidade de morrer” . Note que ele não disse que nas- de seu castigo merecido.
cemos com a necessidade de pecar. Apesar de 0 peca- Na verdade, uma negação do inferno é uma indi-
do ser inevitável, já que nascemos com uma tendência cação da depravação humana. Edwards chama a aten-
para ele, 0 pecado não é invencível. ção para nossa incoerência. Estamos todos cientes da
O último lugar para 0 qual os pecados estão desti- natureza abominável de guerras e atos contra a hu-
nados pode ser evitado. Tudo que a pessoa precisa fazer manidade. Por que nâo ficamos igualmente chocados
é arrepender-se (Lc 13.3.; At 17.30; 2Pe 3.9). Todos são com nossa maneira de demonstrar regularmente nosso
responsáveis pela decisão de aceitar ou rejeitar a oferta desprezo pela majestade de Deus (Edwards, v. 2, p. 83)?
de salvação feita por Deus. E responsabilidade também Nossa rejeição do inferno e da misericórdia de Deus é
implica a capacidade de responder (se não por nossas indicação de nossa própria depravação — portanto,
próprias forças,pela graça de Deus). Todos que vão para merecemos 0 inferno. Edwards escreveu:
0 inferno poderiam tê-lo evitado, se quisessem. Nenhum
pagão em lugar nenhum está sem a luz clara de Deus,
Parece-te incrível que Deus seja tão absolutamente negli-
gente com0bem-estar do pecador, a ponto de mandá-lo para um
por isso é indesculpável (Rm 1.19-20; v. 2.12-15; v. “ pa-
abismo ou sofrimento infinito? Isso te choca? E não é chocante
gàos” , salvação dos). Como Deus mandou um missioná-
para ti que sejas tão absolutamente negligente como tens sido
rio a Cornélio (At 10.35), ele também proverá a men-
para com a honra e a glória do Deus infinito? (ibid., v. 2, p.82).
sagem de salvação para todos que a buscam. Pois “sem
fé é impossível agradar a Deus, pois quem dele se apro-
Fontes
xima precisa crer que ele existe e que recompensa aque-
A g o s t in h o , A cid a d e de Deus.
les que 0 buscam” (Hb 11.6).
W . C r o c kett, org.,F o u r view s on hell.
R a z o a b ilid a d e do in fe rn o . Apesar de muitos cre-
B. W . D a v id s o n ‫־‬, “ Reasonable damnation: how Jonathan Ed
rem que 0 inferno não é razoável, segundo Jonathan
wards argued for the rationality of hell” , jrrs 38.1
Ed w ard s, um bom argumento pode ser estabelecido a
(Mar. 1995).
favor de sua racionalidade:
J. E d w a r d s , The w orks o f Jon athan Edwards.
L. Dixox, Fhe other side ot the g o o d news.
É muito irracional supor que não deveria haver castigo
X. L. G f.i s i , “ Man’s destiny: free or forced” , c s r , 9.2 (1979).
futuro, supor que Deus, que fez 0 homem como criatura ra-
fr

J. G e r s t n e r Jo n a th a n Edw ards on heaven a n d h e ll


cional, capaz de entender seu dever e ciente de que merece
S. L e w is, G od in the dock.
castigo quando não 0 cumpre, deveria deixar 0 homem so-
C.

_____ , 0 g r a n d e abism o.
zinho, e deixá-lo viver como quer, e jamais castigá-lo por
___ , Oproblema do sofrimento, cap. 8.
seus pecados, e não diferenciar 0 bem do mal [...] É muito
_____ , C artas d o inferno.
irracional supor que aquele que fez 0 mundo deveria deixar D. M oo re, The battle for hell.
as coisas em tal confusão, e não cuidar do governo das suas F. N ie t z s c h e , G en ealogia d a m oral: u m a p olem ica.
criaturas, e que ele nunca julgará suas criaturas racionais R. A. P e t e r s o n , Hell on trial: the case for etern al pun ishm ent.
(Edwards,v.2,p.884). B. R u s s e ll, Porque não sou cristão.
J. P. S a r t r e , Sem saída.
R a zõ es p a r a re je it a r 0 in fe rn o . Como vários es- W'. G . T. Shedd, The doctrin e o f endless punishm ent.
tudos demonstram, as pessoas estão muito mais dis- ]. L . W a i i .s , Hell: the logic o f dam nation.
postas a acreditar no céu que no inferno. Nenhuma
pessoa boa quer que alguém vá para 0 inferno. Mas, in fin ita, série. Uma série infinita é uma série de
como Sigmund F re u d diria, é uma ilusão rejeitar eventos, pontos, entidades ou causas sem começo
algo só porque desejamos não acreditar nele. Na ver- ou sem fim (ou ambos). Ela geralmente é usada com
dade, como até alguns ateus observaram, a crença no relação a uma série que não tem começo, isto é, que
431 infinita, série

não tem começo no passado. Nesse sentido é mais causando a existência do mundo. Entretanto, por de-
adequado falar de uma regressão infinita. finição, em toda série infinita de causas toda causa
Há dois tipos de séries infinitas: matemática ou está sendo causada por uma causa anterior. Assim, a
metafísica (real). Infinidades matemáticas são abs- causa que causa existência também causa a própria
tratas. A linha entre a e b pode ter um número infinito existência, já que toda causa na série, incluindo a si
de pontos ou interseções não-dimensionais de duas mesma, é causada. Mas é impossível causar a própria
linhas. Infinidades reais são concretas, e não é possí- existência, pois a causa é ontologicamente anterior
vel colocar um número infinito de entidades reais ao efeito, e algo não pode ser realmente anterior a si
entre a e b , não importa quão pequenas essas entida- mesmo. Portanto, uma série infinita de causas de exis-
des sejam. tência é impossível.
Uma série (regressão) infinita real é impossível. Há duas maneiras de evitar esse dilema, ambas
Já que uma série infinita não tem começo e também estão nas mãos dos teístas. Primeira, a causalidade
uma série de momentos se sucede a outra, não im- poderia vir de fora da série para evitar a causa auto-
porta quão longa seja a série, sempre seria possível causada na série. Mas nesse caso temos ou outra causa
acrescentar mais uma. Mas não se pode acrescentar autocausada fora da série (0 que é impossível) ou
mais um a um número infinito. Logo, é impossível uma Causa incausada (que é um conceito teísta),
atingir um número infinito. Só se pode acrescentar caso contrário teríamos outra série infinita por trás
mais um indefinidamente. A infinidade jamais pode dessa causa (0 que é impossível). Ou 0 ateu pode afir-
ser alcançada. Segundo, um número infinito de mo- mar que nem toda causa na série está sendo causa-
mentos jamais pode transcorrer. !Mas 0 número de da. Mas nesse caso pelo menos uma causa na série é
momentos antes de hoje transcorreu. Senão, hoje ja- uma Causa incausada (0 que é um conceito teísta).
mais teria chegado. Logo, não há um número infini- Não importa que rumo tome 0 ateu, ele depara ou
to de momentos antes de hoje. 0 tempo começou. com uma impossibilidade ou com uma Primeira
Esse fato é usado para provar a existência de uma Causa não-causada (Deus).
Primeira Causa no argumento cosmológico de k a l a m Há outras objeções à impossibilidade de uma
para a existência de Deus. Resumidamente: tudo que série infinita de eventos ou causas. Duas pedem
teve princípio foi causado. 0 universo teve princí- comentários.
pio (já que não poderia haver um número infinito Alguns defensores da possibilidade de uma série
de momentos antes de hoje). Portanto, 0 universo infinita afirmam que ela deve ser possível, já que 0
teve uma causa. futuro é infinito, e Deus pode conhecer 0 futuro. Se
Uma série infinita de causas pode ser real ou não pode, então é limitado e 0 teísmo está errado.
potencial. Uma série infinita real é completada. Uma Essa objeção confunde uma série infinita real no fu-
série infinita potencial é a que continua sem fim. turo, que não é possível, com uma série interminável
Uma série matemática infinita pode continuar ou potencialm ente infinita, que é possível. Apesar de
ou voltar. Uma série de causas que recue até 0 infini- ser sempre possível acrescentar um evento ou mo-
to não é possível porque é preciso existir uma causa mento ao futuro (uma série infinita potencial), não é
para começar a série de causas. Mas uma série po- possível atingir um número completo de eventos no
tencial de causas ou eventos é possível em direção à futuro ao qual mais nenhum pode ser acrescentado
eternidade futura, já que não há razão pela qual não (i.e., uma série infinita real). Segundo, como foi de-
possa continuar a produzir uma série de efeitos sem monstrado, uma série infinita real de causas é impos-
fim para sempre. Porém, tal série não seria realmen- sível. E Deus não pode conhecer 0 impossível. Só pode
te infinita, mas apenas potencialmente infinita. Isto conhecer 0 real e 0 possível. Logo, Deus não pode
é, jamais seria completa, podendo sempre ter mais conhecer uma série infinita de causas.
uma causa acrescentada à sua série.
Uma série infinita de momentos ou eventos não Fontes
só é impossível, mas também é uma série infinita de A i - G h a z a l i , In coerên cia d a filosofia [ A r is t ó t e l e s , M etafísica ].

causas. Os a t e u s às vezes argumentam que, mesmo se B o ayextura , 2 S etentiarium .


0 mundo precisar de uma causa, não há razão para W . L. C r a i g , The existence o f G od a n d the beginning o f the universe.
deixar de supor uma causa para essa causa, e assim _____ , The k a la m cosm o lo g ica l argum ent.
por diante, infinitamente. Porém essa é uma má in- J. D . S c o t u s , G od a n d creatures: the q u o d lib eta l questions.

terpretação do que significa ser a causa de existên- C .S .L e w , M ilagres.


cia de algo. Pois em toda série infinita de causas de }. P. M o relan d , Scaling the secu lar city.
existência pelo menos uma causa deve estar realmente T o m a s d e A q l ix o , Sum a teológica.
Ingersoll, Robert G. 432

informação, teoria d a . V. a n tró p ic o , p rin cip io ; e v o lu - 739 e 681 a.C. No entanto, críticos negativos argu-
ção q uím ica. mentam que “ Proto-Isaías” abrange os capítulos de
1 a 39, ao passo que Deutero-Isaías escreveu os capí-
Ingersoll, Robert G. O agnóstico americano Robert tulos de 40 a 66 no século v a.C. Nesse caso, a incrível
G. Ingersoll (1833-1899) nasceu em Dresden, Nova profecia de Isaías que incluía a previsão de que um
York. Ingersoll popularizou a alta crítica da Bíblia (v. rei chamado Ciro (Is 45.1) seria levantado por Deus
B ib i.ia , c r ít ic a d a), bem como 0 pensamento humanista para disciplinar Israel perde seu valor profético. Pois,
(v. hum anism o s e c u la r ) . Com pouca educação formal, se 0 próprio Isaías não escreveu isso cerca de 150
tornou-se advogado em 1854 e desfrutou de uma car- anos antes de Ciro nascer, mas depois que ele viveu,
reira bem-sucedida. Foi um famoso orador nacional. não há nada de maravilhoso em saber seu nome.
Ingersoll considerava-se agnóstico (v. ag n o sticism o ). U m a resposta à hip ó tese. A posição tradicional
Suas principais palestras públicas foram publicadas de que 0 livro de Isaías é uma única obra escrita pelo
como S om e m istakes o f M oses [A lguns erros d e M oi- profeta Isaías é apoiada por vários argumentos.
ses] (1879) e Why I a m an a g n o stic [P or q u e sou A posição crítica que separa Isaías em dois ou
agn óstico] (1889). Sua obra completa é encontrada mais livros é baseada na suposição de que não existe
em The w orks o f R obert G. Ingersoll (12 v., 1902), edi- profecia preditiva. Teólogos modernos afirmam que
tada por Clinton P. Farrell. as profecias nos capítulos 40 a 55 sobre Ciro devem
ter sido escritas depois que Ciro reinou na Pérsia.
irrefutabilidade,princípio da. V a u to -re fu tá v e is , a f i r - Essa posição é anti-sobrenatural e tenta explicar es-
MAÇÕES. sas seções de Isaías como história. No entanto, já
que Deus distingue 0 fim desde 0 começo (Is 46.10),
Isaías, Deutero-. Isaías inclui profecias surpreen- não é necessário negar 0 elemento sobrenatural nas
dentemente específicas que se realizaram séculos profecias de Isaías (v. m il a g r e s , a r g u m e n t o s c o n t r a ).
mais tarde com precisão exata (v. p ro fe cia como prova As diferenças entre as duas partes do livro po-
dem ser explicadas de outras maneiras além da abor-
da B íb lia ) . O valor apologético dessa profecia, no en-
dagem de dois autores. Os capítulos de 1 a 39 prepa-
tanto, foi diminuído pela alegação dos críticos de
ram 0 leitor para as profecias contidas nos capítulo
que houve pelo menos dois Isaías. Eles afirmam que
de 40 a 66. Sem esses capítulos preparatórios, a últi-
0 segundo Isaías, que viveu em data posterior, regis-
ma parte do livro não faria muito sentido. Os capí-
tra a história em vez de estabelecer profecias
tulos de 1 a 35 advertem sobre a ameaça assíria que
preditivas.
pairava sobre 0 povo de Deus. Os capítulos de 36 a 39
A posição tradicional quanto ao livro de Isaías é
formam uma transição da seção anterior para os
que ele foi escrito por Isaías, filho de Amoz, entre
capítulos de 40 a 66, antecipando a invasão de Sena-
Frases sem elhantes nas duas partes de Isaías queribe (cap. 36 e 37) e a decadência espiritual que
estava causando a queda de Jerusalém (cap. 38 e 39).
Capítulos de 1— 39 Capítulos de 40— 66 Esses quatro capítulos intermediários (36— 39) não
1.15b — "As suas mãos 59.3 a — "Pois as suas estão em ordem cronológica porque 0 autor os usa
estão cheias de sangue." mãos estão manchadas de para preparar 0 leitor para 0 que se seguirá.
sangue..." A diferença nas palavras e no estilo de escrita en-
tre as duas seções do livro foi usada pelos eruditos
28.5 — "Naquele dia, 62.3 — "Será uma
críticos para substanciar sua afirmação de que há pelo
o S e n h o r dos Exércitos explêndida coroa na
menos dois livros diferentes. Essas diferenças, no en-
será uma coroa gloriosa, mão do S e n h o r ,
tanto, não são tão grandes quanto se afirma, e as que
um belo diadema para o um diadema real na mão
remanescente do seu do seu Deus."
realmente existem podem ser explicadas como dife-
povo." renças no assunto e ênfase. Nenhum autor escreve
exatamente no mesmo estilo usando precisamente 0
35.6b — "Águas irrompe- 41.18 — "Abrirei rios
mesmo vocabulário quando escreve sobre assuntos
râo no ermo, e ribeiros, nas colinas estéreis e ton- diferentes. Todavia, várias frases encontradas em
no deserto." tes no vales. ambas as seções comprovam a unidade do livro. Por
Transformarei o deserto exemplo, 0 título “0 Santo de Israel” é encontrado 12
num lago, e o chão resse- vezes nos capítulos de 1 a 39 e 14 vezes em 40-66.
quido em manaciais." Em Lucas 4.17, Jesus levantou-se para ler na si-
nagoga e “ foi-lhe entregue 0 livro do profeta Isaías” .
433 islam ism o

O povo na sinagoga e 0 próprio Jesus acreditavam S. R. D riv e r, et. al., trad., Thefifty-third chapter o f Isaiah according
que esse livro era do profeta Isaías. Outros autores to Jewish interpreters.
do n t aceitam Isaías como autor do livro inteiro. N. L. G e isle r e T. How e, Manual popular de dúvidas, enigmas e
João 12.38 afirma que Isaías foi quem escreveu as “contradições’’da Bíblia.
afirmações encontradas em Isaías 6.Is. e 53.1. Ou- R. K. H a rris o n , Introduction to the Old Testament.
tros exemplos em que 0 n t atribui partes dos capítu-
los de 40 a 66 a Isaías incluem Mateus 3.3; Marcos Isaías, nascimento virginal em. V. v ir g in a l, n a s c i-
1.2,3 e João 1.23 (Is 40.3); Mateus 12.17-21 (Is 42.1- ΜΕΝΤΟ.
4); Atos 8.32,33 (Is 53.7,8); e Romanos 10.16 (Is 53.1).
Os rolos do mar Morto incluem a cópia comple- islamismo Islã significa “submissão” . O seguidor des-
ta mais antiga do livro de Isaías, e não há espaço no sa religião é chamado muçulmano (submisso). Maomé,
rolo entre os capítulos 39 e 40. Isso indica que a 0 fundador da fé islâmica, era um comerciante árabe
comunidade de Qumran aceitava a profecia de Isaías de Meca que nasceu por volta de 570 e morreu em 632.
como um livro completo no século 11 a.C. A versão Assim como os cristãos medem a história a partir do
grega da Bíblia hebraica, que data do século 11 a.C., nascimento de Cristo, os muçulmanos elegem como
trata 0 livro de Isaías como um único livro escrito marco da história a data de 622,0 ano em que Maomé
por um único autor, Isaías, 0 profeta. fugiu de Meca para Medina. Essa hégira (hijra signifi-
Ainda que a crítica pudesse demonstrar que ca “fuga” , em árabe) marcou 0 momento decisivo de
parte ou todo 0 livro Isaías foi escrito no século v Maomé em sua submissão a Deus e sua proclamação
de uma nova revelação de Deus. Os muçulmanos acre-
ou mais tarde, isso não refutaria a natureza so-
ditam que Maomé foi 0 último profeta de Deus, so-
brenatural das previsões sobre Cristo. Estas fo-
brepujando Cristo, 0 profeta anterior.
ram cumpridas séculos depois da última data
Os muçulmanos acreditam em submeter-se ao
possível para sua aparição. Isaías previu 0 n a s c i -
único Deus, Alá. Opõem-se categoricamente à fé cris-
m e n t o v i r g i n a l do Messias (Is 7.14), seu ministério
tã na Trindade divina (v. T r in d a d e ). Crer que há mais
(Is 11; 61) e sua morte pelos nossos pecados (Is 53; v.
que uma pessoa em Deus é uma idolatria e blasfê-
C risto , m orte d e ). Isaías 53 é tão específico e tão messiâ-
mia denominada shirk.
nico que até a interpretação rabínica desse capítulo
C ren ça s. A Palavra de Deus. Apesar de os muçul-
antes da época de Cristo 0 considerava uma previ-
manos acreditarem que Deus se revelou na lei judai-
são sobre 0 futuro Messias (v. Driver). Na realidade,
ca (taw rat), nos Salmos (z a b u r ) e nos Evangelhos
mesmo que á autoria fosse datada do final do século
(injil), afirmam que a Bíblia cristã de hoje está cor-
v a.C., é uma previsão sobrenatural clara e específica
rompida, ou tahrif. Afirmam que 0 Alcorão é a Pala-
dada centenas de anos antes. Se Isaías teve uma fon-
vra final de Deus (v. A l c o r ã o , suposta origem d iv in a d o ).
te sobrenatural para essa profecia, então não há ra-
Ele é dividido em 114 capítulos ou suratas e tem
zão para acreditar que não teve a mesma fonte so-
aproximadamente 0 tamanho do n t.
brenatural para suas previsões sobre Ciro.
Doutrinas. Há cinco doutrinas islâmicas básicas:
C o n clu sã o . A tentativa dos críticos da Bíblia de
postular um segundo Isaías posterior ao exílio
1. Há somente um Deus.
babilônico não nega a natureza sobrenatural de suas 2. Houve muitos profetas, inclusive Noé, Abraão,
previsões específicas. Eles nem conseguem provar Moisés, Jesus e Maomé.
que houve um outro Isaías que escreveu os capítu- 3. Deus c-riou os anjos (jinn), alguns dos quais
los 40 de 66. Logo, as predições de Isaías que menci- são bons e outros maus.
onam Ciro pelo nome mais de 150 anos antes de ele 4. O A lcorão é a revelação total e final de Deus.
nascer ainda prevalecem. Mesmo que Isaías rece- 5. O dia final de julgamento está vindo, seguido
besse data mais tardia em parte ou por inteiro, 0 pelo céu para os fiéis e pelo inferno para os
livro está cheio de previsões específicas, principal- perdidos.
mente aquelas cumpridas literalmente por Cristo,
que foram feitas com séculos de antecedência. Além dessas cinco crenças centrais, há cinco prá-
ticas básicas do islamismo:
Fontes
O. T. A llis , The Old Testament: its claims an d its critics. 1. Tudo que é necessário para se tornar um muçul-
___ , The unity o f Isaiah mano é confessar 0 shahadah: “ Não há Deus
G. L. A rc h e r, Jr., Merece confiança 0 Antigo Testamento? além de Alá; Maomé é 0 mensageiro de Alá” .
islam ism o 434

2. É preciso orar (salat), cinco vezes ao dia. A unidade de Deus é um aspecto tão fundamental
3. É preciso fazer um jejum anual (saw m ) du- do islamismo que, como disse um autor muçulmano:
rante 0 nono mês lunar ( R a m a d ã ). “0 islamismo, como outras religiões antes dele na sua
4. É preciso dar esmolas (z a q a t ) aos pobres, a clareza e pureza original, não é nada além da declara-
quadragésima parte do salário. ção da unidade de Deus, e sua mensagem é uma con-
5. Todo muçulmano capaz deve peregrinar para vocação para testemunhar sobre essa unidade” (Mahmud,
Meca uma vez na vida (Hajj). p. 20). Outro autor muçulmano acrescenta: “A unidade
de Alá é a característica distintiva do islamismo. Essa é a
Os muçulmanos também acreditam na jih a d ou forma mais pura de monoteísmo, isto é, a adoração de
guerra santa, que alguns grupos radicais têm exalta- Alá, que não foi gerado nem gerou nem teve qualquer
do ao nível de uma doutrina fundamental. Embora associado a ele na sua divindade. 0 islamismo ensina
isso possa envolver a morte dos infiéis por causa de isso nos termos mais inequívocos” (Ajijola, p. 55).
sua fé, para os muçulmanos mais moderados Jih a d é É por causa dessa ênfase intransigente na unidade
esforço sagrado com a palavra, não necessariamen- absoluta de Deus que 0 maior pecado no islamismo é 0
te com a espada. shirk — associar parceiros a Deus. O A lcorão declara
Muitas doutrinas são compartilhadas com 0 cris- firmemente que “Allah jamais perdoará quem lhe atri-
tianismo, tais como a criação (v. c r ia ç ã o , t e o r ia s d a ), buir parceiros, conquanto perdoe outros pecados a
anjos, céu, in f e r n o e a r e s s u r r e iç ã o de todas as pesso- quem lhe apraz. Quem atribuir parceiros a Allah des-
as. Quanto ao Cristo, afirmam sua posição de profe- viar-se-á profundamente” (p. 116)
ta, n a s c im e n t o V1RG1XAL, ascensão física, segunda vin- Deus com o rei absoluto. Nas palavras do A lcorão:
da, ausência de pecado (v. C r is t o , s in g u l a r id a d e d e ),
m il a g r e s e messianidade. Allah! Não há divindade além d’Ele, Vivente, Auto-
Os muçulmanos negam a base da mensagem cristã, Subsistente, a quem jamais alcança a inatividade ou 0 sono;
ou seja, que Cristo morreu na cruz pelos nossos peca- d’Ele é tudo quanto existe nos céus e na terra. Quem poderá
dos (v. C r isto , m orte d e ; C r isto , objeções .m orais ã m orte d e ; interceder junto a Ele, sem 0 Seu consentimento? Ele conhece
C r isto , len d a su bstitu ta da m o r te ) e que ele ressuscitou da tanto 0 passado como 0 futuro, e eles (humanos) nada conhe-
morte fisicamente três dias depois (v. r essu r r eiçã o , e v i - cemda Sua ciência; senão 0 que Ele permite. O Seutrono abrange
d ên cia s da ; r essu r r eiçã o , n atu r eza física d a ). os céus e a terra, cuja preservação não O abate, porque é 0 In-
D eu s com o S e r Absoluto. Alá é descrito pelos mu- gente, 0 Altíssimo (2.255).
çulmanos em termos de vários atributos básicos. Fun-
damental a todos é 0 atributo da unidade absoluta. De Deus é auto-suficiente e não precisa de nada, mas
todos os atributos do Deus islâmico, 0 mais importante tudo precisa dele. Esse atributo é conhecido como
é sua unidade indivisível. Negar isso é blasfêmia. aseidade, ou auto-existência. Deus é 0 Poderoso e 0
O Deus islâmico é sua unidade absoluta e Todo-Poderoso. É 0 Criador de todas as coisas exis-
indivisível. Na surata 112, Maomé define Deus com tentes e das coisas que existirão; e nada acontece sem
essas palavras: “ Dize: Ele é Allah, 0 Único! Allah, 0 sua vontade. Ele é 0 Conhecedor de tudo que pode ser
Eterno e Absoluto! Jamais gerou ou foi gerado! E conhecido. Sua sabedoria compreende todo 0 uni-
ninguém é comparável a Ele!” . Acredita-se que essa verso que criou e sustenta sozinho. Deus é completa-
surata vale um terço de todo 0 A lcorão. Os sete céus mente soberano sobre toda sua criação.
e as sete terras são fundados nela. A tradição islâmica Muitos dos 99 nomes islâmicos de Deus falam da
afirma que confessar esse versículo retira os peca- sua soberania. Ele é:
dos “como um homem arranca as folhas de uma
árvore no outono” (Cragg, p. 39). A l-A dl, 0 Justo, cujas palavras são perfeitas na
Duas palavras são usadas no A lcorão para des- justiça e na verdade (6.115);
crever a unidade de Deus: ’a h a d e w ah id : A h a d é Al- Ali, 0 Altíssimo, que é poderoso (2.225,6);
usado para negar que Deus tenha qualquer parceiro A l-‘A ziz, 0 Precioso, poderoso na sua soberania
ou companheiro. No árabe, isso significa a negação sublime (59.23);
de qualquer outro número. A palavra w ahid pode A l-B a d i‘, 0 Idealizador, que arquitetou toda a arte
significar 0 mesmo que a primeira palavra ou tam- da criação (2.117);
bém pode significar “O único e 0 mesmo Deus para A l-hakim , 0 Sábio, que julga os seus servos (40.
todos” . Isso quer dizer que há apenas um Deus para os 48-51);
muçulmanos, e que ele é 0 mesmo Deus para todos os A l-hasib, 0 Suficiente, que é suficiente como aquele
povos. Deus é uma unidade e uma singularidade. a quem se presta contas (4.6,7);
435 islam ism o

Á l-Jabbar, 0 Inacessível, cujo poder e força são vontade pode ser identificada por seus efeitos, mas
absolutos (59.23); sua vontade é inescrutável. Isso explica a antítese em
Al-Jalil, 0 Majestoso, poderoso e majestoso ele é; alguns dos nomes de Deus (v. a seguir). Por exemplo,
A l-Ja m i‘, 0 Reunificador, que congrega todos os Deus é “Aquele que induz ao erro” e também “Aquele
homens no dia determinado (3.9); que guia” .
A l-M alik, 0 Rei, que é Rei dos reis (59.23); Deus com o ser absolu tam en te incognoscível. Já que
A l-M u‘izz, 0 Honorificiente, que honra ou rebai- tudo é baseado na vontade de Deus e já que seus efei-
xa a quem deseja (3.26); tos às vezes são contraditórios e não refletem nenhu-
Al-M untaqim , 0 Vingador, que se vinga dos peca- ma essência absoluta, a natureza de Deus é totalmente
dores e socorre os fiéis (30.47); incognoscível. Na verdade,
Al-M uqsit, 0 Justo, que estabelecerá as balanças
com justiça (21.47,8); a vontade divina é um absoluto além do qual nem razão
A l-M uta‘a li, 0 Altíssimo, que se estabeleceu aci- nem revelação se estendem. Na Unidade da vontade única, no
ma de todos (13.9,10); entanto, essas descrições coexistem com aquelas que se rela-
Al-Q adir, 0 Poderoso, que tem 0 poder de fazer 0 cionam à misericórdia, compaixão eglória (Cragg, p. 64).
que lhe agrada (17.99-101);
Al-Q uddus, 0 Santíssimo, a quem todos no céu e Deus é nomeado a partir de seus efeitos, mas não
na terra atribuem santidade (62.1); deve ser identificado com nenhum deles. A relação
A l-w ahid, 0 Único na sua soberania (13.16); 0 entre a Causa Absoluta (Deus) e suas criaturas é
Único que criou (74.11); extrínseca, não intrínseca. Isto é, Deus é considerado
A l-W akil, 0 Administrador, que controla tudo
bom porque causa 0 bem, mas a bondade não faz
( 6 . 102 );
parte de sua essência.
Avaliação. O monoteísmo islâmico é passível de
M alik al-M ulk, 0 Detentor da realeza, que dá so-
muitas críticas, especialmente do ponto de vista cris-
berania a quem lhe agrada (3.26).
tão. Sua idéia rígida de unidade absoluta é crucial.
O p ro b lem a d a u n idade absoluta. O monoteísmo
Deus com o ju stiça absoluta. Vários nomes de Deus
islâmico é rígido e inflexível. Sua visão da unidade de
revelam sua justiça absoluta: 0 Majestoso, 0 Reunifi-
Deus é tão forte que não permite nenhuma pluralidade
cador, 0 Suficiente, 0 Juiz, 0 Justo, 0 Santíssimo, aquele
em Deus. Logo, não vê nada entre monoteísmo e
a quem todos no céu e na terra atribuem santidade,
triteísmo (três deuses), e os cristãos são colocados
0 Observador da Justiça e 0 Vingador.
nessa segunda categoria. Há várias razões para essa
Deus com o am or absoluto. Ao contrário do que se
má interpretação. Para começar, parece haver uma
acredita, Alá é um Deus de amor. Na verdade, alguns
má interpretação do texto bíblico relacionado a Deus
dos nomes de Deus retratam essa mesma caracterís-
( M ao m é , supostas prf .v isõ e s b íb lic a s so b r e ). Os muçulma-
tica. Por exemplo, Deus é Ar-Ra htnan, 0 Clemente, 0
nos também têm uma visão grosseiramente
mais misericordioso dentre os que demonstram mi-
antropomórfica do significado de Cristo como 0 “Fi-
sericórdia (1.3; 12.64), e Al-W adud, 0 Amoroso, com-
lho” de Deus. Geralmente isso parece exigir algum tipo
passivo e amoroso com seus servos (11.90, 92). Ele
de geração sexual, segundo 0 pensamento deles. Mas
impôs a lei de misericórdia a si mesmo (6.12). Ele diz:
os termos “ Pai” e “ Filho” não exigem geração física,
“Minha clemência abrange tudo” (7.156). Maomé dis- assim como 0 termo alm a m ater não implica que a
se no A lcorão: “Se verdadeiramente amais a Allah, se- escola onde nos formamos foi nosso ventre físico. A
gui-me; Allah vos amará e perdoará as vossas faltas, paternidade pode ser interpretada em outro sentido
porque Allah é Indulgente, Misericordioso” (3.31). além do biológico.
Deus com o v on tad e absolu ta. Há certo mistério Há um problema filosófico mais profundo e bá-
com relação aos nomes de Deus. O historiador sico. Em última análise, Deus não tem essência ou
Kenneth Cragg afirma que esses nomes “devem ser natureza (cognoscível) da qual se possa distinguir
interpretados como características de sua vontade três pessoas ou centros de consciência (v. T r i n d a d e ) .
divina, e não leis de sua natureza. A ação, que surge Essa posição é conhecida como n o m in a lis m o . Deus é
de tais descrições, pode ser esperada, mas não é uma vontade absoluta, e vontade absoluta deve ser abso-
questão de necessidade” . O que dá unidade às ações lutamente única. A pluralidade de vontades (pesso-
de Deus é quem as determina. Como Determinador, as) tornaria impossível qualquer unidade absoluta.
ele pode ser reconhecido pelas descrições dadas a E os muçulmanos acreditam que Deus é absoluta-
ele, mas não se conforma a nenhuma. A ação de sua mente único (pela revelação e pela razão). A razão
islam ism o 436

informou a Maomé que a unidade é anterior à cristãos afirmam para a Trindade? Portanto, parece
pluralidade. Como Plotino dissera vários séculos que a visão islâmica da unidade absoluta de Deus
antes (205-270), toda pluralidade é composta de uni- não seria, por sua própria distinção, incompatível
dades. Logo, a unidade é a condição absoluta de tudo. com 0 trinitarismo cristão. A lógica básica islâmica
Aceitar essa maneira neoplatônica de pensar impli- do monoteísmo ou do politeísmo é inválida. Eles
ca logicamente a negação da possibilidade de qual- mesmos admitem que algo pode ser uma expressão
quer pluralidade de pessoas em Deus. Logo, pela pró- eterna de Deus sem ser numericamente idêntico a
pria natureza do compromisso filosófico do tipo de ele. Então, usando sua ilustração, por que Cristo não
neoplatonismo dominante na Idade Média, 0 pen- pode ser a eterna “expressão da Vontade Divina” sem
samento islâmico sobre Deus foi solidificado numa ser a mesma pessoa que essa Vontade Divina?
singularidade intratável que não permite nenhuma 0 p ro b lem a do voluntarismo. Na própria base da
forma de trinitarismo. visão islâmica de Deus estão um voluntarismo (v.
Esse monoteísmo rígido não é completamente e s s e n c ia l is m o ) e um nominalismo radicais. Para 0

coerente com algumas das distinções do próprio islamismo tradicional, Deus não tem essência, pelo
islamismo. Os teólogos islâmicos, em coerência com menos uma essência cognoscível (v. D eu s , n a t u r eza d e ).
certos ensinamentos do A lcorão, fizeram distinções Mas ele é Vontade. É verdade que Deus é considerado
dentro da unidade de Deus. Por exemplo, eles acre- justo e amoroso, mas não é essencialmente justo ou
ditam que 0 A lcorão seja a Palavra eterna de Deus. A amoroso. E ele é misericordioso só porque “ Ele im-
surata 85.21,22 declara: “ Sim, este é um Alcorão Glo- pôs a Si mesmo a clemência” (surata 6.12). Contudo,
rioso, inscrito em uma Tábua preservada [no céu]” . como Deus é Vontade Absoluta, se escolhesse não ser
E na surata 43.3,4, lemos: “ Nós 0 fizemos um Alcorão misericordioso, não seria. Não há natureza ou essên-
árabe, a fim de que 0 compreendêsseis. E, em verda- cia em Deus segundo a qual deva agir.
de, encontra-se na mão dos Livros, em nossa Pre- Há dois problemas básicos com esse nomina-
sença, e é altíssimo (em dignidade), repleto de sabe- lismo radical: um metafísico e um moral.
doria” (v. 13.39). 0 p ro b lem a m etafísico. A posição islâmica orto-
Esse original eterno é 0 modelo do livro terreno doxa sobre Deus afirma, como já vimos, que Deus é
que conhecemos por A lcorão. um Ser absolutamente necessário. E auto-existente,
Os muçulmanos insistem em que 0 verdadeiro e não pode não existir. Mas, se Deus é por natureza
A lcorão no céu não é criado e expressa perfeitamen- um tipo necessário de ser, então é de sua natureza
te a mente de Deus. Mas reconhecem que 0 A lcorão existir. Ele deve ter uma natureza. 0 islamismo orto-
não é idêntico à essência de Deus. Alguns teólogos doxo acredita que haja outros atributos essenciais
muçulmanos até comparam 0 A lco rã o à visão do de Deus, tais como ser auto-existente, incriado e eter-
L og os divino de Cristo, defendida pelos cristãos or- no. Mas se essas são características essenciais de
todoxos (v. C r is t o , d iv in d a d e d e ). Como 0 professor Deus, então Deus deve ter uma essência, senão os
Yusuf K. Ibish afirmou sobre 0 A lcorão: atributos não podem ser essenciais. É precisamente
assim que a essência é definida, a saber, como os
Ele não é um livro no sentido comum, nem é comparável à atributos ou características essenciais de um ser.
Bíblia, nem aoAntigo e Novo Testamento. É uma expressão da 0 p ro b lem a moral. 0 voluntarismo islâmico supõe
Vontade Divina. Se você quiser compará-lo a algo no cristia- um problema moral sério. Se Deus é apenas vontade,
nismo, deve compará-lo ao próprio Cristo. sem uma essência, então ele não pode fazer as coisas
porque são certas; antes elas são certas porque ele as
E acrescenta: “ Cristo foi a expressão do Divino faz. Deus é arbitrário quanto ao que é certo e errado.
entre os homens, a revelação da Vontade Divina. E Não tem de fazer 0 bem. Não tem de ser amoroso com
isso 0 que 0 A lcorão é” (Waddy, p. 14). todos; poderia odiar, se quisesse. Na verdade, na surata
O islamismo ortodoxo descreve a relação entre 3.31 lemos: “Allah vos amará [...] Allah é indulgente,
Deus e 0 A lcorão ao observar que a fala é um atribu- Misericordioso” , mas 0 versículo 32 diz que “Allah
to eterno de Deus, que como tal não tem começo não aprecia os incrédulos” . Deus poderia decidir não
nem interrupção, exatamente como seu conheci- ser amoroso. E por isso que os teólogos muçulmanos
mento, seu poder e outras características de seu ser têm tanta dificuldade com a questão da predestinação.
infinito (v. Golziher, p. 97). Mas se a fala é um atributo Os p ro b lem a s do agxosticismo . Já que Deus não tem
eterno de Deus que não é idêntico a Deus, mas é de essência, pelo menos não uma que os nomes (ou
alguma forma distinta dele, então isso não permiti- atributos) de Deus realmente descrevam, a visão
ria 0 mesmo tipo de pluralidade na unidade que os islâmica de Deus envolve uma forma de agnosticismo.
437 islam ism o

Na realidade, a base do islamismo não é con hecer a causa. “Não se pode dar 0 que não se tem.” Logo, se
Deus, mas ob ed ecê-lo. Não é meditar sobre sua essên- Deus causa bondade, ele precisa ser bom. Se causou
cia, mas su bm eter-se à sua vontade. Como Pfander existência, ele precisa possuí-la (Geisler, T h o m a s
observou corretamente sobre os muçulmanos: “ Se A quinas, cap. 9).
pelo menos pensarem profundamente, descobrirão Objeções a essa posição geralmente confundem a
que são incapazes de conhecer a Deus [...] Portanto causa material ou instrumental com a causa eficiente.
0 islamismo leva ao agnosticismo” (Pfander, p. 187). A causa eficiente de algo é aquela p o r m eio d a qu al ele
0 agnosticismo islâmico surge porque os mu- surge. A causa instrumental é m eio p elo qu al ele surge,
çulmanos acreditam que Deus causou 0 mundo pela e a causa material é constituição. As causas material e
causalidade extrínseca. Na verdade, “a vontade Divi- instrumental não se assemelham necessariamente a
na é um absoluto, além da razão e da revelação. Na seus efeitos, mas as causas eficientes sim. A pintura
unidade da Vontade única, no entanto, essas descri- não se assemelha ao pincel do artista, mas assemelha-
ções coexistem com as que se relacionam com a se à mente do artista. 0 pincel é a causa instrumental,
misericórdia, compaixão e glória” (Cragg, p. 42-3). ao passo que 0 artista é a causa eficiente.
Deus é nomeado por seus efeitos, mas não deve ser Outro erro é confundir causalidade material com
identificado com nenhum deles. A relação entre a eficiente. Água quente é mole, mas pode fazer um ovo
Causa Absoluta (Deus) e suas criaturas é extrínseca, endurecer, por causa das propriedades do ovo. A mes-
não intrínseca. Isto é, Deus é considerado bom por- ma água quente amolece a cera. A diferença é 0 mate-
que faz 0 bem, mas não porque a bondade faça parte rial que recebe a causalidade. Assim, um Deus infini-
de sua essência. to pode causar e causa um mundo finito. Portanto
Entre as fraquezas significativas inerentes nesse Deus não é finito porque causou um cosmos finito.
agnosticismo, um problema moral, um filosófico e Nem é contingente porque ele, como Ser Necessário,
um religioso se destacam imediatamente. causou um universo contingente. A finitude e a con-
Primeiro, se Deus não é essencialmente bom, mas tingência são parte do próprio material de um ser
apenas considerado bom porque faz 0 bem, por que criado. Deus é diferente da criação nesses modos de
não considerá-lo mau também, já que causa 0 mal? (v. ser. No entanto, tudo que existe p ossu i existência, e
m a l , pr o b lem a d o ) Por que não chamá-lo “pecador” e Deus é Existência. Deve haver uma semelhança entre
“ infiel” , já que faz as pessoas não crerem? Seria coe- Existência e existência (v. a n a lo g ia , p r in c íp io d a ). Deus é
rente fazer isso, já que Deus é nomeado de acordo a realidade pura, sem nenhuma potencialidade. Tudo
com suas ações. Se os muçulmanos respondem que mais que existe tem 0 potencial de não existir. Então
algo em Deus é a base para chamá-lo “ bom” , mas todas as coisas criadas têm realidade, já que realmen-
nada nele é a base para chamá-lo “mau” , então admi- te existem, e potencialidade, já que poderiam não exis-
tem que os nomes de Deus realmente nos dizem algo tir. Deus é como as criaturas quanto à realidade, mas
sobre sua essência. Na verdade, eles admitem uma diferente quanto à potencialidade. É por isso que,
relação intrínseca entre a causa (Criador) e 0 efeito quando nomeamos Deus a partir de seus efeitos, de-
(criação). Isso leva a um problema metafísico na vi- vemos negar tudo que implica finitude e limitação ou
são islâmica de Deus. imperfeição e atribuir a ele apenas 0 atributo puro ou
Segundo, na base das visões medievais de Deus, a perfeição. Essa é a razão pela qual 0 mal não pode ser
um neoplatonismo entrincheirado surge de Plotino. atribuído a Deus, mas 0 bem sim. 0 mal implica im-
A teoria de P lo t ix o de que 0 Supremo [Deus] era de perfeição ou privação de alguma característica boa. O
forma absoluta um Ser indivisível influenciou gran- bem em si não implica limitação nem imperfeição (v.
de-mente 0 monoteísmo islâmico. Além disso, Plotino m a l , p r o b lem a d o ). Então Deus é bom pela própria na-

afirmava que 0 Ser é tão absolutamente transcenden- tureza, mas não pode ser mau ou fazer 0 mal.
te (acima e além de tudo) que não pode ser conheci- Terceiro, a experiência religiosa no contexto
do, exceto pela experiência mística. Isso influenciou monoteísta envolve a relação entre duas pessoas, 0
0 agnosticismo muçulmano e 0 misticismo sufita. A adorador e Deus. É, como Martin B u b e r observou
razão fundamental pela qual não pode haver seme- corretamente, uma relação “eu-tu” . Mas como pode
lhança entre 0 Ser [Deus] e 0 que flui do universo é uma pessoa adorar alguém sobre quem não pode
que Deus está além da existência, e não há semelhan- saber nada? !Mesmo no islamismo, é preciso amar a
ça entre existência e 0 que está além dela. Deus. Mas como podemos amar alguém sobre quem
T o m á s d e A q u in o deu a resposta definitiva ao não sabemos nada? Como 0 ateu Ludwig F e u e r b a c h
agnosticismo e misticismo plotiniano. Aquino ar- disse: “0 homem realmente religioso não pode ado-
gumentou que um efeito deve assemelhar-se à sua rar um ser totalmente negativo [...] Somente quando
islam ism o 438

um homem perde 0 gosto pela religião é que a exis- contradição; elimina a responsabilidade humana;
tência de Deus se torna uma existência sem qualida- faz de Deus 0 autor do mal e dá lugar ao panteísmo.
de, um Deus incognoscível” (Feuerbach, p. 15). 0 problema lógico com 0 determinismo islâmico
Alguns críticos sugeriram que a posição islâmica é que mesmo comentaristas muçulmanos são força-
extremamente transcendente de Deus já levou algu- dos a reconhecer que Deus realiza ações contradito-
mas seitas muçulmanas a divinizar Alaomé. Já que a rias (v. p r im e ir o s p r in c íp io s ). O estudioso do Islã Ignaz
relação com 0 Deus transcendente é vista como dis- Golziher resume a situação: “ Provavelmente não há
tante, é apenas por meio de Maomé que alguém se outro ponto de doutrina sobre 0 qual ensinamentos
atreve a se aproximar do trono de Deus. No Qawwalis igualmente contraditórios possam ser derivados do
(um evento da cultura popular), Maomé é louvado A lcorão como este” (Golziher, p. 78). Um teólogo mu-
em versos. Isso geralmente assume a forma de çulmano observa: “A doutrina alcorânica da predesti-
divinização: “ Se M a o m é não tivesse existido, 0 pró- nação é bem explícita, apesar de não ser muito lógi-
prio Deus não teria existido!” . Essa é uma alusão à ca” (Stanton, p. 54-5). Por exemplo: Deus é “Aquele
relação próxima que Maomé supostamente tinha que induz ao erro” , e também “Aquele que guia” . Ele
com Deus. Maomé geralmente recebe títulos como é “Aquele que causa danos” , e Satanás também é. Ele
“ Salvador do mundo” e “ Senhor do universo” . A é “0 Destruidor” , “0 Constrangedor” ou “ Tirano,” e “0
divinização popular de Maomé, que se opôs tão vio- Insolente” . Quando pessoas são descritas, todos es-
lentamente a toda idolatria desse tipo, apenas de- ses conceitos têm um sentido maligno.
monstra a falência teológica da visão islâmica de Teólogos muçulmanos às vezes tentam conciliar isso
um Deus tão distante e tão incognoscível que 0 de- dizendo que essas contradições não estão na natureza
voto precisa manter contato com algo que consiga de Deus (já que ele realmente não tem uma natureza),
entender, mesmo a ponto de divinizar 0 profeta que mas estão no âmbito de sua vontade. Elas não estão na
condenou a idolatria. sua essência, mas nas suas ações. No entanto, essa é uma
Os p rob lem as do determ inism o extrem ado. Já que explicação inadequada. Deus tem uma natureza ou es-
no islamismo 0 relacionamento entre Deus e os seres sência cognoscível. Logo, os teólogos muçulmanos não
humanos é 0 de Mestre e escravo, Deus é 0 Monarca podem evitar a contradição de que Deus tem caracte-
abdoluto e os seres humanos devem submeter-se (v. rísticas opostas ao colocá-las fora da sua essência e
d e t e r m in is m o ; l iv r e - a r b ít r io ). Esse retrato irresistível de dentro do mistério de sua vontade. Além disso, ações
Deus no A lcorão criou uma tensão na teologia muçul- fluem da natureza e a representam, então deve haver
mana com relação à soberania absoluta de Deus e 0 algo na natureza que corresponda à ação. Água salgada
livre-arbítrio humano. Apesar de protestos em con- não flui de um rio de água doce.
trário, 0 islamismo ortodoxo ensina a predestinação Outros tentam diminuir os extremos severos do
absoluta do bem e do mal; todos os nossos pensamen- determinismo muçulmano ao criar uma distinção,
tos, palavras e ações, quer bons quer maus, foram pre- não encontrada no A lcorão, entre 0 que Deus/az e 0
vistos, pré-ordenados, determinados e decretados des- que ele p erm ite que suas criaturas façam pelo livre-
de a eternidade, e tudo que acontece, acontece segun- arbítrio. Isso resolve 0 problema, mas somente por
do 0 que foi escrito. A surata 6.18 diz que “ Ele é 0 meio da rejeição de afirmações claras do A lcorão, da
Soberano absoluto dos Seus Servos” . Comentando so- tradição e dos credos.
bre esses tipos de afirmações do A lcorão, Cragg de- Essas afirmações podem ser vistas juntamente com
monstra que Deus é 0 Qadar, (determinação) de to- 0 problema moral do determinismo islâmico. Ao mes-
das as coisas e sua taqdir, (sujeição), abrange todas as mo tempo que teólogos muçulmanos preservam a res-
pessoas e toda história. A natureza, quer animada quer ponsabilidade humana, eles só podem conseguir isso
inanimada, está sujeita a seu comando, e tudo que é com sucesso ao modificar aquilo que 0 A lcorão real-
criado — uma flor de verão ou a ação de um assassi- mente diz. A surata 9.51 declara: “ Dize: nada nos ocor-
no, um recém-nascido ou a incredulidade de um pe- rerá além do que Allah nos tiver predestinado!...” . A
cador — vem dele e é dele” . Na verdade, se “ Deus surata 7.178-9 acrescenta: “Quem Allah encaminhar
quisesse, não precisaria existir criação, não precisa- estará bem encaminhado; aqueles que desencaminhar
ria existir idolatria, não precisaria existir inferno, não serão desventurados. Temos criado para 0 Inferno
precisaria existir um meio de escapar do inferno” numerosos gênios e humanos...” . A surata 36.7-10 diz:
(Cragg, p. 44-5).
Há quatro problemas básicos com essa forma A afirmação sobre a maioria deles prova ser verdadeira pois
extrema de pré-determinação: lógico, moral, teo- que são incrédulos. Nós sobrecarregamos os seus pescoços
lógico e metafísico. Pela ordem, ela envolve uma com correntes até ao queixo, para que andem com as cabeças
439 islam ism o

erguidas (sem poderem ver). E lhes colocaremos uma barreira Sum a contra os gentios para ajudar os missionários a
pela frente e uma barreira por trás, e lhes ofuscaremos os olhos, lidar com 0 islamismo na Espanha.
para que não possam ver. Tanto se lhes dá que os admoestes ou Esse predeterminismo radical é expresso nas afir-
não: jamais crerão. mações dos credos islâmicos. Lê-se:

O Alcorão francamente admite que Deus pode- Deus Altíssimo é 0 Criador de todas as ações de suas cria-
ria salvar a todos, mas não quis fazer isso. A surata turas, quer de incredulidade quer de credulidade, quer de obedi-
32.13 declara: “E se quiséssemos, teríamos ilumina- ência quer de rebelião: todas elas são pela vontade de Deus e sua
do todos os seres; porém, a Minha sentença foi pro- sentença e sua conclusão e seu decreto” (Cragg, p. 60-1).
nunciada; sabei que encherei 0 Inferno com gênios
e humanos, todos juntos” . É extremamente difícil Outro confessa:
entender como, afirmando essa posição, alguém pode
coerentemente sustentar qualquer tipo de respon- Uma possível qualidade de Deus é seu poder de criar 0
sabilidade humana. bem ou 0 mal a qualquer hora que quiser: esse é seu decreto
Há também um problema teológico com essa vi- [...] Coisas boa s e más são o resultado do decreto de Deus.
são severa da determinação soberana de Alá sobre É 0 dever de todo m uçulm ano crer nisso [...] É ele quem
todos os eventos: ela faz de Deus 0 autor do mal. No causa mal e bem. Então as boas obras de alguns e 0 mal de
hadith, Maomé declara: “No decreto necessariamente outros são sinais de que Deus deseja castigar alguns e re-
determina tudo que é bom e tudo que é doce e tudo compensar outros. Se Deus deseja atrair alguém para si,
que é amargo, e essa é minha decisão entre vós” . De então ele lhe dará a graça que fará aquela pessoa fazer boas
acordo com uma tradição, Maomé bateu no ombro obras. Se deseja rejeitar alguém e hum ilhar outra pessoa,
de Abu Bakr e disse: “ Ó Abu Bakr, se Alá, 0 Altíssimo, então criará pecado nela. Deus cria todas as coisas, boas e
não quisesse que houvesse desobediência, não teria
más. Deus cria pessoas e também suas ações: E le te crio u e
criado 0 Diabo” . Na verdade, um dos teólogos mais
ta m b é m 0 q u e fa z e s (A lc o r ã o 3 7 .9 6 [Rippin & Knappert, p.
respeitados de todos os tempos, Al-Ghazzali, franca-
133; grifo do autor]).
mente reconhece que “ele [Deus] também fez a incre-
dulidade do incrédulo e a irreligiáo dos ímpios, e, sem
Conclusão. A atitude do controle absoluto de
essa vontade, não haveria nem incredulidade nem
Alá sobre todo aspecto de sua criação influencia pro-
irreligião. Tudo que fazemos, fazemos por sua vonta-
fundamente a teologia e a cultura islâmicas. O poeta
de: 0 que ele não quer, não acontece” . Se alguém per-
persa Omar Khawam refletiu a tendência fatalista
gunta por que Deus não deseja que os homens creiam,
da teologia islâmica quando escreveu:
Al-Ghazzali responde:

Tudo é um tabuleiro de noites e dias


Não temos 0 direito de perguntar sobre 0 que Deus deseja
Onde 0 destino joga com homens como peças;
ou não. Ele é perfeitamente livre para desejar e fazer 0 que lhe
Aqui e ali move e une e mata,
agrada. Ao criar incrédulos, ao desejar que permaneçam nesse
E um por um os coloca de volta no armário.
estado; [...] ao desejar, em suma, 0 que é mau, Deus tem fins
sábios em vista que não nos é necessário saber (Haqq, p. 152).
Artigos relacionados ao islamismo e à apologé-
No problema metafísico com 0 determinismo tica islâmica: A l f a r a b i ; A v ic e .n a ; A v e r r ó is ; B í b l i a , v i -
sAo is l â m ic a d a ; M a im ô n id e s ; N ovo T e s t a m e n t o , suposta
islâmico, essa posição extrema levou alguns teólo-
co rrupção d o ; M a o m é , s u p o s t a s p r e v is õ e s b íb l ic a s d e ;
gos muçulmanos à conclusão lógica de que na ver-
M a o m é , su p o st o c h a m a d o d iv in o d e ; M a o m é , c a r á t e r m o -
dade só existe um agente no universo — Alá. Um
ral d e; A lc o r ã o , o r ig e m d iv in a do , A lc o r ã o , su po st o s m i -
teólogo muçulmano escreveu:
lagrf .s n o .

Além de [Alá] poder fazer qualquer coisa, ele realmente é


0 Ünico que pode fazer algo. Quando um homem escreve, é Alá Fontes
quem criou na sua mente a vontade de escrever. Alá ao mesmo K. C r a g g , The call o f the M inaret.
tempo dá poder para escrever, depois realiza 0 movimento da É. F ti e r b a lH , .4 essên cia d o cristianism o.

mão e da caneta e a aparência no papel. Todas as outras coisas X . L . G K 1s1.hR, T hom as A quinas: an evan gelical appraisal.

são passivas, só Alá é ativo (Xehls, p. 21 ). _____ e A. S a le e b , A nsw ering Islam .


I. G o l z i h e r , Introduction to Islam ic theology.
Esse panteísmo está na base de grande parte do Tu.mas de A q u in o , Suina con tra os gentios.

pensamento medieval. Tomás de Aquino escreveu S. Z w em er , The M oslem d octrin e o f God.


Jj
James, William . William James (1842-1910) foi deísta ideais humanos. Tal poder “deve ser diferente e maior
finito (v. f in it o , d e ís m o ) quanto à sua cosmovisão e que nossos seres conscientes” ( Varieties o f religious
pragmático (v. p r a g m a t is m o ) em sua teoria da verda- experience [Variedades da experiência religiosa ], p. 396).
de e da ética (v. m o r a l id a d e , n a t u r e z a a bso lu t a da ; v e r - Mesmo afirmar esse pouco sobre Deus parecia
d a d e , n a t u r e z a d a ). Ele abordava 0 mundo e Deus de para James uma crença exagerada. Tudo que James
um ponto de vista experimental. Seu teste da verda- sabia com certeza era que existe algo “mais” no além
de para uma cosmovisão era simplesmente: “Que com 0 qual os seres humanos se sentem ligados como
diferença concreta essa cosmovisão fará na vida real “continuação subconsciente da vida consciente” . Des-
da pessoa?” . A verdade, portanto, não está inerente considerando as crenças exageradas e confinando-nos
na idéia. “A verdade acontece numa idéia. Ela se tor- ao que é comum e genérico, há uma experiência de
na verdadeira, é feita verdadeira, pelos eventos.” A salvação que vem como conteúdo positivo da experi-
cosmovisão que funciona melhor é verdadeira ência religiosa. Isso pelo menos, James confessou, é
(Essays in p rag m atism [En saios sobre p ra g m a tism o ], literal e objetivamente verdadeiro (ibid., p. 386, 388).
p. 160-1; todas as citações neste artigo são das obras James especulou muito pouco sobre suas cren-
de James). ças exageradas. Ele concluiu assim seu clássico
V isã o d e D eu s. Para James, a cosmovisão que Varieties o f religious experien ce: “Quem sabe a fideli-
funcionava melhor era uma forma de deísmo finito. dade dos indivíduos aqui embaixo às próprias cren-
Tal Deus evitava “0 Deus sagrado irreal da teologia ças exageradas possa ser útil para que Deus, por sua
escolástica [teísmo] ou 0 monstro panteísta ininteligível” vez, seja mais eficientemente fiel às suas tarefas mais
(Pluralistic universe [U niverso p lu ra lista ], p. 316). O nobres?” (p. 391).
Deus panteísta engole todos os indivíduos na unidade Apesar das diferenças específicas que várias
absoluta de sua consciência (v. m o n ism o ; p a n t e ís m o ). O cosmovisões expressam sobre Deus, James tinha cer-
Deus teísta é tão transcendentemente distinto de suas teza de que a única coisa que toda a experiência
criaturas que nada tem em comum com elas (ibid., p. 26; religiosa tinha em comum era que “ todas concor-
v. teísm o ). dam que algo mais’ existe; apesar de algumas afir-
À luz desses extremos, James acreditava que a marem que ele existe na forma de um deus pessoal
linha de menor resistência era aceitar uma “consciên- ou deuses pessoais, apesar de outros estarem satis-
cia sobre-humana” que não fosse totalmente abran- feitos em imaginá-lo como um rio de tendência ideal
gente, que fosse finita em poder e/ou sabedoria (ibid., cravado na estrutura eterna do mundo” . James tam-
p. 311). “ Toda evidência que temos, na minha opi- bém encontrou semelhanças genéricas entre religiões
nião, parece arrastar-nos com muita força para a no fato de que 0(s) deus(es) age(m), e que é benéfico
crença numa forma de vida sobre-humana com a dar sua vida a ele(s). As diferenças surgem, acres-
qual, sem saber, partilhar a autoconsciência” (ibid., centou, quando as religiões explicam 0 que querem
p. 309). Tal Deus não precisa ser infinito; na verdade dizer com a união com 0 divino, que vem com a
poderia haver mais de um Deus. James prontamente experiência religiosa (ibid., p. 385). Qualquer coisa
entendeu 0 p o l it e ís m o como a cosmovisão possível além disso era, para James, crença exagerada e
para o pragmático. O importante era supor um poder especulativa. O teísmo cristão, por exemplo, definiria 0
maior que fosse amigável para com a humanidade e os m ais como 0 Deus Iavé, e a u nião como a imputação
James, William 442

da justiça de Cristo a nós. Tais crenças são mera es- Apesar do tom naturalista (v. n a t u r a li s m o ) ,
peculação. Essa é apenas uma maneira de conceituar James acreditava no sobrenatural. Na verdade, ele
Deus (v. p luralism o re lig io so), e James não a conside- acreditava que 0 cristianismo se rendeu com ex-
rava a maneira mais prática. cessiva facilidade ao naturalismo, assumindo os
A natureza do universo. James declarou-se oposto preceitos das ciências físicas sem questionar. Como
simultaneamente às idéias panteístas e materialistas / Immanuel K a x t , James acreditava que 0 sobrenatu-
ateístas do mundo (v. ateísm o), mas as distinções en- ralismo teísta confina-se desnecessariamente aos
tre seu pensamento e 0 do panteísta em geral eram sentimentos sobre a vida como um todo, vida que
pequenas. 0 mundo não é redutível à matéria, nem é 0 teísmo considera com otimismo exagerado.
puro espírito ou mente. Ao contrário do monismo, Nessa maneira superotimista e universalista de
James afirmava a visão pluralista do universo — ver 0 mundo ideal, a praticidade se evapora
que existem várias coisas diferentes. Ainda assim, (ibid.). James rejeita esse sobrenaturalismo mais
tal universo não é realmente diferente de Deus. “A “grosseiro” . Seu sobrenaturalismo mais “ refina-
idéia teísta, retratando Deus e sua criação como en- do” admite “ orientações providenciais e não en-
tidades distintas uma da outra, ainda deixa 0 sujei- contra dificuldade intelectual na mistura do mun-
to humano fora da realidade mais profunda no uni- do ideal e do mundo real, interpolando influênci-
verso” (Pluralistic universe, p. 25), As teorias distintas as da religião ideal entre as forças que causa-
de James 0 identificam como próximo, em teoria, do tivamente determinam os detalhes do mundo
que mais tarde seria chamado paxenteísmo. real” (ibid., p. 392).
Seja qual for 0 nome dado, James professava uma
O Deus dos teístas é muito distinto (transcendente) visão mais ampla da realidade que a aceita pela ci-
do que ele criou. ência. Ele estava disposto a usar 0 termo sobrenatu-
Os teístas também estão errados em supor que ral, mas não no sentido teísta. Ele não aceitaria, por
Deus é completo e auto-suficiente. exemplo, a idéia de “curas milagrosas” , que era co-
A criação foi 0 ato livre de Deus, e ele a fez como mum no final do século xix. Ele se opunha a qualquer
uma substância estranha a si mesmo, e a humanidade interrupção sobrenatural de um processo natural.
é feita de uma terceira substância, que é diferente de Isso deve ser descartado pelo cientista como cria-
Deus e da criação. ções da imaginação. Com uma consciência quase
profética a respeito do século seguinte, James acres-
Na visão panenteísta, semelhante a algumas for- centou: “ Ninguém pode prever até que ponto essa
mas de panteísmo, Deus anima 0 mundo assim como legitimação dos fenômenos ocultistas sob títulos ci-
a alma anima 0 corpo. Isso é diferente do naturalis- entíficos inéditos pode prosseguir — até mesmo
mo “0 frio e a escuridão cortantes e a ausência de ‘profecia’ e ‘levitação’ podem entrar nesse esquema”
todo significado permanente” . 0 naturalismo coloca (ibid., p. 378).
a humanidade “numa posição semelhante à de um Mas outro tipo de milagre cotidiano era rece-
grupo de pessoas vivendo num lago congelado, cerca- bido mais abertamente — as influências sutis, até
do por penhascos dos quais não há saída” (ibid., p. 12 2 ). subliminares de Deus sobre nós por meio do mun-
M ilagres. Como tal Deus se relaciona com 0 mun- do natural. Se “ houver um mundo mais amplo de
do é um pouco difícil de entender até que James existência que 0 de nossa consciência normal, se
classifica 0 Deus miraculoso cristão como “grotes- nele houver forças cujos efeitos sobre nós sejam
co” por conformar a natureza às vontades humanas intermitentes, se uma condição facilítadora dos
(v. m ila g re ). “ 0 Deus que a ciência reconhece deve efeitos for a abertura da porta ‘subliminar’, tere-
ser um Deus exclusivamente de leis universais, um mos os elementos de uma teoria à qual os fenôme-
Deus que opera no atacado, não no varejo” ( Varieties, nos da vida religiosa proporcionam plausibilidade”.
p. 372-4). 0 Deus de James está mais ligado organi- James estava tão impressionado com a importân-
camente ao mundo: “0 divino não pode significar cia dessas “energias transcósmicas” que ele acredi-
uma única qualidade, deve significar um grupo de tava que elas influenciavam 0 mundo natural (ibid.,
qualidades, em torno das quais, alternativamente, p. 394).
todos os homens podem encontrar missões dignas. Essa negação do milagroso, exceto dentro de nor-
Se cada atitude for uma sílaba na mensagem total da mas naturalistas restritas, resultou na negação de
natureza humana, todos nós somos necessários para uma experiência transformadora de conversão. James
fornecer 0 sentido completo” (ibid., p. 368). afirmava ceticamente que “ homens convertidos —
443 James, William

como uma classe — são indistinguíveis dos homens imortalidade (v. e v o lu ç ã o b io ló g ic a ). Nesse ponto,
naturais; alguns homens naturais até excedem al- James assume a suposição naturalista de que a
guns homens convertidos quanto a seus frutos” . Logo, mente não pode sobreviver à morte porque é ape-
“os que acreditam no caráter não-natural da con- nas uma função do cérebro. Mesmo que 0 pensa-
versão súbita têm de praticamente admitir que não mento seja uma função do cérebro, isso não nos
há nenhuma característica óbvia que diferencie a leva a negar a imortalidade, pois 0 aspecto espiri-
classe de todos os verdadeiros convertidos das ou- tual é inegável. “O fato de esta vida natural depen-
tras classes” (ibid., p. 192). der do cérebro não tornaria de forma alguma a
O b e m e 0 m al. James acreditava que a “santida- vida mortal impossível — ela pode ser bem com-
de” fluía da experiência religiosa. Ele rejeitava a teo- patível com a vida sobrenatural oculta no além”
ria de Friedrich Nietzsche de que 0 santo é um indi- (Human immortality [Imortalidade humana], p. 24,
víduo fraco. James indicou personagens fortes como 38-9). A ciência pode provar apenas a concomitância
Joana D’Arc e Oliver Cromwell como exemplos dis- no funcionamento da mente e do cérebro; a depen-
so. James louvava a vida santa, dizendo que ela dava dência que a mente tem do cérebro ainda não foi
à religião seu “ lugar de destaque na história” mesmo provada (ibid., p. 42-3).
quando outros aspectos da fé não faziam frente ao A h is tó ria e s e u o b jetiv o . James se opunha às
bom senso prático e ao teste empírico. “ Sejamos san- teorias otimistas e pessimistas do destino humano.
tos, então, se pudermos, tenhamos ou não sucesso Ele não poderia concordar com os que acreditavam
de forma visível e temporária” ( Varieties, p. 290). que 0 mundo não poderia ser salvo. O otimismo
Mas não há padrão absoluto para a vida santa de considera a salvação do mundo inevitável. No meio
bem, pois James era relativista (v. m o ralid ad e, nature- do caminho entre os dois, estava a doutrina do
za a b so lu ta da) que acreditava que “não existe uma meliorismo, que julga que a salvação não é necessária
filosofia ética feita dogmaticamente com antecedên- nem impossível. Pragmático, James se sentia obri-
cia” (Essays, p. 65). Cada um deve encontrar 0 que gado a aceitar a melhoria do mundo como sendo
funciona melhor para si mesmo. James oferece ape- provável, mas não inevitável. “O pragmatismo deve
nas a norma geral de que devemos evitar 0 “natura- adiar uma resposta dogmática, pois ainda não sabe-
lismo” puro por um lado, por sua inépcia, e 0 mos com certeza que tipo de religião funcionará
“salvacionismo puro” por outro, por sua tendência à melhor no final” (Pragmatism and other essays
alienação (Varieties, p. 140). Entre esses dois extre- [Pragmatismo e outros textos], p. 125,132).
mos devemos encontrar 0 caminho mais conveni- O realismo de James levou-o a rejeitar a crença
ente. A raça humana como um todo ajuda no pro- do u n iv e rs a lis m o de que todos devem ser salvos.
cesso de determinar 0 conteúdo da filosofia ética à “Quando 0 cálice for derramado, os resíduos ficarão
medida que contribuímos para a vida moral da raça. para trás para sempre, mas a possibilidade do que
Apesar de sua moralidade relativa e da tendên- for derramado é doce 0 suficiente para ser aceita”
cia ao panteísmo, James discordava radicalmente (ibid., p. 130). Para justificar sua conclusão, James
da maioria dos panteístas, pois acreditava que 0 ofereceu este exemplo:
mal é real, não uma ilusão. Ele acusava 0 panteísmo
e 0 teísmo de fazer uma separação muito radical Suponha que 0 autor do mundo lhe explicasse os fatos
dos conceitos de moralidade absoluta e relativa. antes da criação, dizendo: “Vou fazer um mundo que não terá
Na verdade, ele tentou dar força aparentemente garantia de salvação, um mundo cuja perfeição será apenas
absoluta a um grupo de normas morais aceitas uni- condicional, sendo a condição que cada um faça 0 melhor que
versalmente, apesar de não poderem ser chamadas puder. Eu lhe ofereço a chance de fazer parte de tal mundo. A
“absolutos” . Apesar de 0 sistema parecer amarra- segurança dele, como você vé, não é garantida. É uma verdadei-
do por fios tênues, 0 m aterial conectivo é 0 ra aventura, com perigo real, mas pode ser bem-sucedida. É um
pragmatismo: “ Ό verdadeiro’, em resumo, é ape- esquema social de trabalho cooperativo a ser realizado genu-
nas 0 conveniente na nossa opinião, assim como 0 inamente. Você está disposto a participar? Vai confiar em si
correto’ é apenas 0 conveniente no nosso compor- mesmo e confiar nos outros agentes 0 suficiente para correr 0
tamento” (Essays, p. 170). risco?” (ibid., p. 127).
S e r e s h u m a n o s . Os seres humanos têm uma
dimensão espiritual e também uma dimensão ma- Diante de tal proposta, James acreditava que a mai-
terial. Por meio da evolução a partir de formas infe- oria das pessoas iria preferir 0 risco de tal aventura à
riores de vida, a humanidade atingiu um ponto de inexistência. Esse, acredita ele, é 0 mundo que temos.
Jefferson, Thomas 444

A valiação. William James foi um filósofo fasci- Sua teoria sobre 0 mal é insuficiente. Apesar de
nante que não se encaixava em nenhum molde. Suas ]ames reconhecer a realidade do mal, seu deísmo
teorias apresentam uma variedade de característi- finito 0 deixava sem garantia de uma vitória final
cas positivas e negativas para os teístas. sobre 0 mal. Um deus finito não tem os recursos
Positivas. Do ponto de vista cristão, James geral- infinitos necessários para assegurar a vitória final
mente parece tentar caminhar na direção da fé or- sobre 0 mal. Nisso, James oferece inadvertidamente
todoxa, embora a partir de uma grande distância. uma solução para seu problema. Ele admitiu que “0
0 materialismo é rejeitado. Os teístas concordam mundo fica mais rico por ter um Diabo nele, contanto
com a rejeição de James ao materialismo. A huma- que possamos dominá-lo” (ibid., p. 55). É exatamen-
nidade é mais que matéria. Sobre essa imortalidade, te isso que um deus finito não pode fazer. Um deus
James estava absolutamente correto. limitado poderia perder ou, na melhor das hipóte-
0 mal é real. James não tinha ilusões sobre 0 mal ses, empatar. Somente 0 Deus infinitamente bom e
(v. ilusionism o). Ele aceitava sua realidade. Rejeitava poderoso do teísmo pode garantir 0 final da luta
um panteísmo que afirmava Deus e negava 0 mal. contra 0 mal (v. m al, problema d o).
Ao mesmo tempo, evitava a tentação do ateísmo de 0 pragmatismo é infundado. A crítica interna
afirmar 0 mal e negar a Deus. mais séria contra 0 pragmatismo é que, pragmatica-
0 princípio do divino é afirmado. Ao mesmo tem- mente, ele não funciona. Precisaríamos de conheci-
po que James não era um teísta, ele acreditava num mento infinito de todas as conseqüências para cada
tipo de deus e aceitava a mão desse deus na criação. ação ou filosofia alternativa. Jamais poderemos ter
Ele via 0 valor prático dessas crenças na vida de uma certeza dos resultados das coisas. Apenas um Deus
pessoa. teísta poderia ser um pragmático eficaz, e ele não é.
A vida santa é valorizada. James estava disposto Um dos colegas de James em Harvard, Josiah
a admitir 0 papel significativo que as crenças religi- Royce, chegou ao âmago da questão dessa visão prag-
osas tinham na sua vida. Ele louvava a santidade e mática da verdade quando perguntou a James se ele
sua contribuição ao valor da religião. testemunharia no tribunal e juraria “dizer 0 conve-
0 universalismo é rejeitado. Ao contrário de ou- niente, todo 0 conveniente, e nada além do conveni-
tros pensadores liberais, James negava 0 otimismo ente, com a ajuda da experiência futura” .
ilusório universalista. Estava disposto a admitir que 0 relativismo é incoerente. James negava todos os
nem todos podem ser salvos e que algum tipo de absolutos morais (v. absolutos m orais). Para ele 0 cor-
inferno existe. Isso é honestidade revigorante para reto era 0 conveniente no modo de viver, como a
alguém que rejeitava a autoridade divina da Bíblia. verdade era conveniente no modo de saber. Mas é
Negativas. 0 deísmo finito é inadequado. 0 deus impossível negar todos os absolutos morais sem su-
finito de James era bastante limitado. Para uma dis- gerir um absoluto moral.
cussão sobre os problemas com essa cosmovisão, v.
panenteísmo e W h ite h e a d , A lf r e d N o rth . Fontes
0 anti-sobrenaturalismo é infundado. A rejeição ]. C a r s e l l , An introduction to C hristian apologetics,
do sobrenatural por James era ilógica (v. m ilag res, caps.16, 17.
argum entos c o n t r a ). Sua afirmação de que a religião \\ L. Geisler, The roots o f evil.
sobrenatural mina 0 ímpeto humano de progredir é ____and W. Watkins, worlds a p a r t, cap. 6.
contrária à sua própria análise. Ele dava à religião W. James, A pluralistic universe.
“ lugar de destaque” na história humana pela virtude ____, Essays in pragm atism .
do amor altruísta dos sobrenaturalistas cristãos. Ele ____, H um an im m ortality: tw o su pposed
concluiu que “0 conjunto de qualidades pertinentes o bjection s to the doctrine.
à santidade é indispensável para 0 bem-estar do ____, P ragm atism o e outros textos.
mundo” ( Varieties, p. 290). Ele admirava os teístas ____, V ariedades d a ex periên cia religiosa.
cujas crenças causaram grande impacto, entre eles
Cristo, Cromwell e Stonewall Jackson. Ele ainda ad- Jefferson, Thomas. Thomas Jefferson (1743-1826),
mitiu que grandes instituições acadêmicas e soei- 0 autor da Declaração de Independência (1776) e o
ais, inclusive universidades, hospitais, a Cruz Ver- terceiro presidente dos Estados Unidos da América
melha, 0 movimento de abolição da escravatura e era deísta (v. deísmo). Algumas de suas primeiras obras
missões de resgate, foram iniciadas por pessoas que garantiram-lhe um lugar no coração dos historiado-
acreditavam no sobrenatural. res como “0 maior autor da Revolução Americana” .
445 Jefferson, Thomas

(Ketcham, 4:259). Suas posições filosóficas e religio- p. 49). Ele também cortou a ressurreição de sua “ Bí-
sas influenciam suas obras, mas geralmente não fi- blia” expurgada do sobrenatural, terminando-a as-
cam explícitas, exceto em suas cartas. É principal- sim: “ Então tomaram 0 corpo de Jesus, e 0 envolve-
mente a partir dessas cartas que seu deísmo pode ram em lençóis de linho com aromas, como é 0 cos-
ser claramente descoberto. tume de sepultamento dos judeus. Mas no lugar onde
As posições religiosas de Jefferson refletem-se ele foi crucificado, havia um jardim; e no jardim um
no seu resumo dos Evangelhos, The life and morals of sepulcro novo, onde nenhum homem havia jazido.
Jesus of Nazareth [A vida e a ética de Jesus de Nazaré] Ali eles sepultaram Jesus, e rolaram uma grande pe-
(1803). Numa referência de 1816 ao livro, ele 0 cha- dra para a entrada do túmulo, e partiram” (Life and
mou de “paradigma de suas doutrinas, feito ao re- morais,p. 132).
cortar textos do livro e colocá-los nas páginas de um Bíblia. Obviamente Jefferson considerava os Evan-
livro em branco, numa determinada ordem de tem- gelhos distorções sempre que sugeriam a ação sobre-
po ou assunto [...] 0 mais belo fragmento de ética natural de Deus. Ele acusou os autores de “muitas ve-
que jamais vi” . 0 57.° Congresso evidentemente con- zes esquecer, ou não entender, 0 que viera dele, dando
cordou, ordenando uma edição publicada em 1904. a interpretação errônea deles a suas máximas e ex-
A cosm ovisão de Jefferson. Deus e 0 Mundo. pressando sem inteligibilidade para os outros 0 que
Jefferson acreditava que há um Deus, 0 Criador, eles mesmos não haviam entendido” (ibid., vii). Os
Sustentador e Administrador do universo. Ele afir- ensinamentos de Jesus foram expressos de forma “mu-
mava que esse Deus é infinitamente sábio, bom, jus- tilada, incorreta, e muitas vezes incompreensível”
to e poderoso. Influenciado por Isaac Newton, (ibid., p. 49) por um bando de “simplórios e imposto-
Jefferson via 0 mundo como harmonioso, sob 0 con- res” que corromperam os verdadeiros ensinamentos
trole das leis naturais e aberto à investigação huma- morais. 0 pior nesse bando era 0 apóstolo Paulo, “0
na. Deus 0 criou dessa maneira. A verdade disso fica grande corifeu e primeiro corruptor das doutrinas de
clara pela estrutura do universo: Jesus” (v. B íb lia , c rític a da).
Jefferson literalmente cortou os milagres dos
Eu acredito (sem revelação) que, quando observamos 0 evangelhos e reteve apenas os ensinamentos morais
universo em suas partes, gerais ou específicas, é impossível de Jesus. Suas posições não eram tão radicalmente
para amente humana não perceber nemsentir uma convicção deístas quanto as de Thomas P a in e . Elas se asseme-
de criação, de uma perícia consumada e de poder indefinido lhavam mais ao deísmo de Matthew Tindal no seu
emcada átomo de sua composição. Os movimentos dos cor- Christianity as old as creation; or, The Gospel: a
pos celestes, mantidos exatamente no seu curso pelo equilí- republication of the religion of nature [0 cristianismo
briodas forças centrífuga ecentrípeta; aestrutura da terra, com tão antigo quanto a criação; ou 0 Evangelho: a
sua distribuição de terras, águas e atmosfera; corpos animais republicação da religião da natureza\ e às posições
evegetais, examinados nos menores detalhes; insetos, meros do unitarista Joseph Priestley. Jefferson rejeitava os
átomos de vida, mas tão perfeitamente organizados quanto 0 principais ensinamentos teológicos do cristianismo,
homem ou 0 mamute; as substâncias minerais, sua geração e como a divindade de Cristo, 0 pecado original, a
seususos; éimpossível, eu digo, que a mente humana não creia salvação pela graça somente por meio da fé e a mor-
quehá emtudo, nessacriação, causa eefeito que levamà causa te expiatória de Cristo. Ele acreditava que Jesus foi 0
suprema, um Criador de todas as coisas desde matéria e movi- maior reformador e moralista da história.
mento, seu Preservador e Regulador (Foote, p. 10). Dependia dos que entendiam a verdade, tal como
Jefferson, purificar a verdade dos erros que haviam
Milagres. Jefferson também acreditava que Deus sido impostos a ela. Ele se empenhou em reunir a
jamais interveio na história por meio de milagres verdade editada de várias partes dos quatro evange-
sobrenaturais ou revelação (v. m ila g r e ; r e v e la ç ã o lhos, organizados na ordem que lhe parecia mais
esp ecia l). Registros que sugeriam 0 contrário eram natural (Fesperman, p. 81,83-4).
invenções, superstição ou fanatismo (Fesperman, Seres humanos. Como afirmado na Declaração
Ρ-81). de Independência, Jefferson considerava “evidente
Jefferson rejeitava enfaticamente 0 nascimento que todos os homens foram criados iguais; que são
virginal de Cristo. “O dia virá” , disse ele, “em que 0 dotados por seu Criador de certos direitos
registro do nascimento de Cristo aceito nas igrejas inalienáveis; que entre eles estão vida, liberdade e a
trinitárias será classificado como a fábula de busca da felicidade” . Esses “direitos inalienáveis”
Minerva emergindo do cérebro de Júpiter” (Foote, estão baseados na natureza, que é em si imutável.
Jefferson, Thomas 446

Já que esses direitos são naturais, eles são universais estaduais quando ratificaram essa emenda. Foi por
(v. le i n a t u r a l; m oralidade absoluta, natu reza da). Ou- ressentimento sobre 0 que a Associação Batista de
tros direitos naturais, na opinião de Jefferson, eram Danbury, Connecticut, dissera sobre suas posições
0 direito de associação, 0 direito de autogoverno e 0 que Jefferson escreveu sobre 0 “muro de separação
direito de liberdade com relação à religião (Padover, entre a igreja e 0 Estado” . Ele jamais usou a frase fora
p.89-91,143,148,155-6). do contexto de sua carta particular, e outras afirma-
A criação divina de todas as pessoas como seres ções indicam que esse “muro” de Jefferson deveria
iguais teve conseqüências lógicas. Uma foi que a es- proteger 0 governo estadual da interferência federal
cravidão como prática aceita nos Estados Unidos com relação à religião.
teve de ser abolida. Jefferson tentou realizar esse ob- Jefferson deixou muitas evidências de suas posi-
jetivo ao tentar passar um plano que ele projetou, 0 ções sobre igreja e cooperação estadual. Ele criou
“ Relatório do Governo para 0 Território Oeste” um departamento de religião na Universidade da
(1784). Isso possibilitaria a abolição da escravatura Virgínia. Até propôs que os alunos fossem obriga-
em todos os estados depois de 1800 (ibid., p. 92-3). dos a ir à igreja e fossem proibidos de praguejar.
Sua legislação foi derrotada por um voto. Dois anos Num tratado com os índios kaskaskias, Jefferson e 0
mais tarde ele escreveu sobre essa decisão. “A voz de Congresso pagaram por serviços de um missionário
um único indivíduo [...] teria impedido esse crime e um templo com dinheiro de impostos. O Congres-
abominável de espalhar-se por todo 0 país. Logo, so fez isso mais de uma vez, sendo cuidadoso em
vemos que 0 destino de milhões de futuros escravos não favorecer um grupo religioso mais que outro.
depende da voz de um único homem, e 0 céu ficou A filosofia central nesse caso era que nenhuma
em silêncio naquele terrível momento! Mas espera- posição ou grupo religioso deveria receber sanção
se que não fique em silêncio para sempre, e que os legal à custa de outra posição ou grupo. Ele disse:
amigos dos direitos da natureza humana prevalece- “ Eu sou a favor da liberdade de religião e contra
rão no final” (Foote, p. 18). todas as manobras para criar uma ascendência legal
O ser humano é um “ animal racional” (v. de um grupo sobre outro” (Padover, p. 119). Além de
A r is t ó t e l e s ) que foi dotado “de um senso inato de afirmar que tal ação violaria 0 direito da lei natural
justiça” . A razão e 0 senso humano de moralidade de religião livre, Jefferson acreditava que isso seria
poderiam errar, pois nem “sabedoria” nem “virtude” desvantajoso para a religião, já que cada grupo serve
são hereditárias. No entanto, a verdade prevalecerá, como um controle para os outros.
e os seres humanos podem “ser restringidos do que Cristo e religião. A religião havia sido a causa do
é errado e protegidos no que é correto, pelos pode- grande mal na opinião de Jefferson, e era importan-
res moderadores, confiados a pessoas da própria es- te que uma opinião fosse equilibrada por opiniões
colha” (Padover, p. 143,131-5,178,91). opostas. Milhares haviam sido queimados, tortura-
Deus e governo. Fica claro com base na Declara- dos, multados e aprisionados, “porém ainda não
ção que Jefferson não contemplava a separação de avançamos nem uma polegada em direção à unifor-
Deus do governo. Na verdade, ele acreditava que os midade” . A coerção passada havia tornado metade
governos deviam lealdade a Deus. Inscrita no már- do mundo tola, e a outra metade, hipócrita.
more do seu memorial em Washington, D. C., está a Apesar de Jefferson identificar-se como cristão,
afirmação: “ Deus, que nos deu vida, nos deu liberda- muitos concordavam com os batistas de Danbury
de. Podem as liberdades de uma nação permanecer que ele não era ortodoxo. Ele considerava sua “Bí-
asseguradas quando tivermos removido a convic- blia” editada uma prova “de que sou um verdadeiro
ção de que essas liberdades são um dom de Deus?” . cristão, ou seja, um discípulo das doutrinas de Jesus*
Apesar de Jefferson estar na França como em- (Life and morais, vm). Jefferson admitiu que não era
baixador quando 0 Congresso ratificou a Primeira um cristão que aceitava os ensinamentos históricos
Emenda (1789), ele certamente concordava que “0 da Bíblia e da igreja. “ Sou um cristão no sentido
Congresso não fará nenhuma lei relativa ao estabe- único em que acredito que Jesus gostaria que qual-
lecimento da religião; nem proibindo seu livre exer- quer um fosse, sinceramente ligado às suas doutri-
cício” . Esse não é 0 “ muro de separação” que ele nas acima de todas as outras; dedicando a ele toda a
supostamente apoiara. A intenção da Primeira Emen- excelência humana e crendo que ele jamais afirmou
da é claramente que 0 governo federal não deveria 0 contrário” (Foote, p. 4).
estabelecer uma religião nacional, como os ingleses. M al. As pessoas têm simultaneamente qualida-
É interessante que cinco colônias tinham religiões des boas e más. Na verdade, “a experiência comprova
447 Jesus, fontes não-cristãs referentes a

que as qualidades morais e físicas do homem, quer Dois serafins me esperam com 0 manto da morte;
boas, quer más, são transmissíveis até certo ponto” . Darei a eles teu amor quando der meu último suspiro
Uma função primária do governo é proteger as pes- (Foote.p. 68).
soas de fazer mal umas às outras e estar atento às
necessidades e desejos das massas. Quando um go- Jefferson falou sobre 0 Juiz de toda humanida-
verno deixa de realizar essa função, seus oficiais “tor- de na Declaração, mas não definiu 0 que quis dizer
nam-se lobos” . Essa não é uma ocorrência incomum. com 0 termo. Ele não omitiu as referências de Je-
A tendência das pessoas de exercer poder abusivo sus sobre recompensas no céu para os justos e cas-
sobre outras “parece ser a lei de nossa natureza geral, tigo no inferno para os incrédulos em sua Bíblia
apesar de exceções individuais; e a experiência de- resumida. O que ele acreditava literalmente sobre
clara que 0 homem é apenas um animal que devora isso é outra questão.
a própria espécie” . O tipo de governo que tende a A valiação. Por Jefferson ser um deísta, suas po-
promover esse mal é 0 dirigido por reis, nobres ou sições sofrem as mesmas críticas. Isso inclui a nega-
sacerdotes. “ Quase todos os males conhecidos [na ção de milagres (v. m ilagres, argum entos c o n t r a ), as-
Europa] podem ser relacionados ao seu rei como s im como a rejeição à imanência de Deus (v. teísm o).
fonte” (Padover, p. 164,97,103). Quando os governos Suas posições sobre a Bíblia também eram infunda-
se tornam tirânicos, é obrigação dos governados das (v. B íb lia , supostos erro s na; B íb lia , c r ít ic a da; B íb lia ,
derrubá-los. EVIDÊNCIAS da).
É tica . Seguindo a tradição da lei natural de John
L ocke , Jefferson afirmou que a lei moral natural se Fontes
aplica às nações e aos indivíduos: “ É estranhamente J. B u t l e r , The analogy o f religion natural and
absurdo supor que um milhão de seres humanos revealed to the constitution and course o f nature.
reunidos não estejam sob as mesmas leis morais que F. I. F e s p e r m a n , “ Jefferson’s Bible” , em Ohio Journal
os obrigam individualmente” (Foote, p. 42). A fonte o f Religious Studies, 4:2 (Oct. 1976).
da moralidade humana é 0 “amor aos outros” , que R. F l i n t , Anti-theistic theories.
foi “implantado” pela natureza. É esse “ instinto mo- H. \V. F o o te, Thomas Jefferson: champion o f religious
ral [...] que nos leva irresistivelmente a sentir e a freedom , advocate o f Christian morals.
socorrer” os aflitos. Ações morais são relativas. N. L. G e i s i .f r , Airac/es and the modern mind.
Ações julgadas virtuosas num país são consideradas _____ e W . W a t k i n s , Worlds apart.
corruptas em outro. Isso acontece porque a “ nature- I. K ant, Religion within the limits o f reason alone.
za estabeleceu a utilidade para 0 homem [como] R. K e t c h a m , “ Jefferson, Thomas” , em The
padrão [...] de virtude” (Padover, p. 150-1). encyclopedia o f philosophy, 4:259.
Jefferson considerava Epicuro e Jesus os maiores J. L e L a n d . A view o f the principal deistk writers...
mestres morais. Considerava-se seguidor de ambos, R. N a s h , Christian faith an d historical
apesar de se identificar mais com Epicuro. A respeito understanding.
disso, escreveu: “Sou [...] um epicurista. Acredito que J. O r r , English deism.
as doutrinas genuínas (não as imputadas) de Epicuro S. K, P a d o v e r , Thomas Jefferson and thefoundations
contêm tudo que é racional na filosofia moral que o f American freedom.
Grécia e Roma nos deixaram” (Padover, p. 175).
D es tin o h u m a n o . A alma humana sobrevive à
morte. No seu leito de morte Jefferson escreveu es- jEPD,teoria das fontes. V pextateuco, a u to ria mosaica do.
tas palavras de despedida para sua filha:
Jesus, fontes não-cristãs referentes a. Os críticos
As visões da vida desaparecem, seus sonhos não da Bíblia alegam ou sugerem que os documentos do
existem mais; X I não são confiáveis, pois foram escritos pelos dis-
Amigos queridos do meu peito, por que estão co- cípulos de Jesus ou por cristãos posteriores. Eles
bertos de lágrimas? observam que não há confirmação de Jesus em ne-
Vou para os meus pais, saúdo aquela praia nhuma fonte não-cristã. Vários fatores minam a va-
Que coroa todas as minhas esperanças e que en- lidade dessa crítica (v. B íb lia , c r ít ic a da).
terra todas as minhas inquietações. A e v id ê n c ia . Há evidências muito convincentes
Adeus, minha querida, minha filha amada, adeus! de que 0 x t é um registro confiável composto por
A última agonia da vida é separar-me de ti. contemporâneos e testemunhas oculares dos eventos
Jesus, fontes não-cristãs referentes a 448

(v. B í b l ia , h is t o r jc id a d e d a ; Novo T e s t a m e n t o , datação d o ; desse testemunho. Josh McDowell, em Evidência que


Novo T e s t a m e n t o , h is t o r ic id a d e d o ; Ν ονό T e s t a m e n t o , exige um veredito, dedica um capítulo à evidência
m a n u s c r it o s d o ) . 0 Novo Testamento detém, mais que não-cristã. F. F. B r u c e escreveu uma análise de nível
qualquer outro documento escrito da história antiga, popular da evidência em Merece confiança 0 Novo
0 maior número de manuscritos de antiguidade bem Testamento? E em Jesus and Christian origins outside
atestada, com cópias bem feitas, escritas por pessoas the New Testament [Jesus e as origens cristãs fora do
que cronologicamente se encontravam mais próximas Novo Testamento], que é um estudo mais profundo e
dos eventos registrados. A arqueologia continuamen- completamente documentado. Uma análise recente
te confirma detalhes de suas obras (v. a r q u e o l o g ia do sobre 0 assunto é de Garv Flabermas em um capítulo
Novo T e st a m e n t o ) . Se 0 registro do n t não é confiável, de The historical Jesus [0 Jesus histórico].
não temos esperança de nenhum conhecimento Historiadores antigos. Uma quantidade surpre-
confiável dos acontecimentos antigos. endente de informação sobre Jesus pode ser extraí-
A objeção de que os escritos do n t são sectários da dos historiadores que foram contemporâneos dele
envolve uma implicação significativa, mas falsa, de ou viveram logo depois. Estes incluem:
que as pessoas que estiveram envolvidas nos fatos Tácito. Um romano do século 1 chamado Tácito

ou com as pessoas sobre os quais prestam depoi- é considerado um dos historiadores mais precisos
mento não constituem testemunhas confiáveis. Isso do mundo antigo. Ele nos oferece 0 registro do gran-
é claramente falso. Os sobreviventes do Holocausto de incêndio de Roma, pelo qual alguns culparam 0
estavam próximos dos eventos que descreveram para imperador Nero:
0 mundo. Esse mesmo fato os coloca na melhor po-
Mas nem todo 0 socorro que uma pessoa poderia ter pres-
sição para saber 0 que aconteceu. Eles estavam lá, e
tado, nem todas as recompensas que um príncipe poderia ter
aconteceu com eles. 0 mesmo se aplica ao testemu-
dado, nem todos os sacrifícios que puderam ser feitos aos
nho judicial de alguém que sobreviveu a um ataque.
deuses, permitiram que Nero se visse livre da infâmia da sus-
Isso se aplica aos sobreviventes da invasão da
peita de ter ordenado 0 grande incêndio, 0 incêndio de Roma.
Normandia durante a Segunda Guerra Mundial ou à
De modo que, para acabar com os rumores, acusou falsamente
Ofensiva de Tet durante a Guerra do Vietnã. As teste-
as pessoas comumente chamadas cristãs, que eram odiadas
munhas do n t não deveriam ser desqualificadas por-
por suas atrocidades, e as puniu com as mais temíveis tortu-
que estavam próximas dos eventos que relatam.
ras. Christus, 0 que deu origem ao nome cristão, foi condenado
Relacionado à acusação de que Jesus carece de
à morte por Pôncio Pilatos, durante 0 reinado de Tibério; mas,
testemunho de incrédulos está 0 fato de que há forte
reprimida por algum tempo, a supertição perniciosa irrompeu
evidência favorável a ele, mas falta de evidência fraca.
novamente, não apenas em toda a Judéia, onde 0 problema teve
Suponha que quatro pessoas tenham sido teste-
início, mas também em toda a cidade de Roma.
munhas oculares de um assassinato. Também havia
uma testemunha que chegou no local depois do as-
Essa passagem contém referências aos cristãos,
sassinato e apenas viu 0 corpo da vítima. Outra pes-
chamados assim por causa de Christus ( Cristo em
soa ouviu um relato de segunda mão do assassinato.
latim), que sofreu a “penalidade extrema” sob Pôncio
No julgamento, 0 advogado da defesa argumenta: “A
Pilatos durante 0 reinado de Tibério. A “supersti-
não ser pelas quatro testemunhas oculares, esse é ção” que começou na Judéia e chegou a Roma foi
um caso difícil de resolver, e as acusações devem ser muito provavelmente a ressurreição de Jesus.
retiradas por falta de evidências” . Outras pessoas po- Suetônio. Suetônio foi 0 secretário principal do
dem pensar que 0 advogado estava tentando mudar imperador Adriano (reinado 117-138). Duas refe-
de assunto com uma pista falsa. A atenção do juiz e 0 rências são importantes:
júri estaria sendo desviada da evidência mais forte
para a mais fraca, e 0 raciocínio estaria claramente Como os judeus, por instigação de Cherstus, estivessem
errado. Já que as testemunhas do n t foram as únicas constantemente provocando distúrbios, ele os expulsou de
testemunhas oculares e ofereceram testemunhos Roma ( Vida de Claúdio, 25.4).
contemporâneos de Jesus, é uma falha desviar a aten-
ção para as fontes seculares não-cristãs. No entanto, Nero infligiu castigo aos cristãos, um grupos de pessoas
é educativo mostrar que evidências a favor de Jesus dadas a uma superstição nova e maléfica (Vida dosCésares,26.2)
podem ser compiladas fora do n t .
A s fo n te s . Algumas fontes excelentes foram co- Essas breves referências estabelecem algumas
locadas à disposição para dar melhores descrições coisas. Havia um homem chamado Chrestus (ou
449 Jesus, fontes não-cristãs referentes a

Cristo) que viveu durante 0 século 1. Alguns judeus seus discípulos. Pilatos condenou-o à crucificação e à morte.
causaram tumultos relacionados a esse homem. E aqueles que haviam sido seus discípulos não deixaram de
Suetônio, ao escrever muitos anos mais tarde, não segui-lo. Eles relataram que ele lhes havia aparecido três dias
estava na posição de saber se os tumultos eram pro- depois da crucificação e que ele estava vivo [...] talvez ele fosse
vocados por Chrestus ou pelos judeus contra seus 0 Messias, sobre 0 qual os profetas relatavam maravilhas.
seguidores. De qualquer forma, Cláudio ficou abor-
recido 0 suficiente para expulsar todos os judeus da Mesmo sem as partes que são provavelmente
cidade (inclusive os companheiros de Paulo, Áqüila interpolações cristãs, esse texto é um testemunho
e Priscila) em 49. Além disso, os cristãos foram per- extraordinário da vida, morte e influência de Jesus.
seguidos depois do incêndio de Roma, e haviam pro- Ele diz que Jesus foi conhecido como um homem
fessado uma nova crença religiosa. sábio e virtuoso que tinha discípulos judeus e genti-
J o s e f o . Flávio Josefo (37/ 38-97) foi um revolucio- os. Pilatos 0 condenou a ser crucificado. Os discípu-
nário judeu que, na época da revolta judaica, passou los relataram que ele ressuscitou dos mortos ao ter-
a ser leal aos romanos para salvar sua vida. Tornou- ceiro dia. A idéia estava ligada à sua proclamação de
se um historiador, trabalhando sob 0 patrocínio do ser 0 Messias.
imperador Vespasiano. Seu Antiguidades dos judeus Talo. Talo escreveu por volta de 52 d.C. Nenhuma
data do início da década de 90 e contém duas passa- de suas obras sobreviveu, mas algumas citações frag-
gens de interesse. A primeira refere-se a “ Tiago, ir- mentadas são preservadas por outros autores. Um
mão de Jesus chamado Cristo” (20.9). Isso confirma desses autores é Júlio Africano, que, por volta de 221,
os fatos do Novo Testamento de que havia um ho- cita Talo numa discussão sobre a escuridão que se-
mem chamado Jesus, que era conhecido como “Cris- guiu a crucificação de Cristo:
to” e teve um irmão chamado Tiago. A segunda refe-
rência é bem mais explícita e controversa: No mundo inteiro caiu uma escuridão tenebrosa; as ro-
chas foram partidas por um terremoto, e muitos lugares na
Por essa época surgiu Jesus, um homem sábio, se é que é Judéia e outros distritos foram derrubados. Essa escuridão,
correto chamá-lo de homem, pois operava obras maravilho- Talo, no terceiro dos livros que escreveu sobre a história, ex-
sas [...] tornou a aparecer-lhe vivo ao terceiro dia, tal como os plica essa escuridão como um eclipse do Sol — 0 que me pa-
profetas de Deus haviam predito essas e mais dez mil outras rece ilógico.
coisas a seu respeito ( A n t i g u i d a d e s 28.33).
Africano identifica a escuridão que Talo consi-
A genuinidade dessa passagem tem sido questi- derou um eclipse solar como a escuridão na crucifi-
onada por especialistas de todas as crenças porque cação descrita em Lucas 23.44,45.
parece duvidoso que um judeu que viveu e traba- Oficiais do governo. Outras fontes não-cristãs fo-
lhou fora do contexto cristão tenha dito tais coisas ram os antigos oficiais do governo, cuja profissão os
sobre Jesus. Até 0 apologista e teólogo Orígenes (c. 185- colocava numa posição singular para obter infor-
c. 254) disse que Josefo não acreditava que Jesus era 0 mação oficial não disponível ao público.
Messias (Contra Celso 1.47). Apesar desses problemas, Plínio, 0 Jovem. Plínio foi um autor e administra-
há razões a favor da genuinidade da maior parte do dor romano. Numa carta ao imperador Trajano, por
texto. Primeira, há boa evidência textual para a menção volta de 112, Plínio descreve as práticas de adoração
de Jesus e nenhuma evidência textual do contrário. Se- dos primeiros cristãos:
gunda, 0 texto está escrito no estilo de Josefo. Tercei-
ra, algumas das palavras provavelmente não vieram [Eles tinham] 0 costume de se reunir antes do amanhecer
de um cristão. Quarta, a passagem se encaixa no seu num certo dia, quando então cantavam responsivamente os ver-
contexto gramatical e historicamente. Quinta, a re- sos de um hino a Cristo, tratando-o como Deus, e prometiam
ferência a Jesus em Antiguidades 20 parece pressu- solenemente uns aos outros a não cometer maldade alguma, não
por uma menção anterior. Finalmente, uma versão defraudar, não roubar, não adulterar, nunca mentir, e a não negar
árabe do texto contém elementos básicos sem as a fé quando fossem instados a fazê-lo; depois disso tinham 0
partes questionáveis: costume de separar-se e se reunir novamente para compartilhar
a comida— comida do tipo comum einocente (E p í s t o l a s 10.96).
Nessa época havia um homem sábio chamado Jesus. Seu
comportamento erabom, e sabe-seque era uma pessoa de virtu- Essa passagem confirma várias referências do
des. Muitos dentre os judeus e de outras nações tornaram-se Novo Testamento. A mais notável é que os primeiros
Jesus, fontes não-cristãs referentes a 450

cristãos adoravam Jesus como Deus. Suas práticas apedrejado“por prática de magia epor enganar Israel e fazê-lo
também revelam uma ética forte, provavelmente a desviar-se. Quem quer que saiba algo em sua defesa venha e
de Jesus. Também há uma referência à festa do amor interceda por ele” .Mas ninguém veio em sua detesa e eles 0
e à Santa Ceia. Depois, na mesma carta, Plínio chama penduraram na véspera da Páscoa ( Talmude babilônico,
0 ensinamento de Jesus e seus seguidores de “ su- Sanhedrin.43a).
perstição excessiva” e “superstição contagiosa” , que
pode referir-se à crença e à proclamação cristã da Essa passagem confirma a crucificação, a época
ressurreição de Jesus. do evento na véspera da Páscoa e a acusação de fei-
Im perador Trajano. Em resposta à carta de Plínio, tiçaria e apostasia. Esse texto também nos informa
0 imperador Trajano dá as seguintes instruções para sobre a proclamação que foi enviada antes da morte
punir os cristãos: de Jesus (v. Jo 8.58,59; 10.31-33,39). Outra referência
nessa seção menciona cinco discípulos de Jesus. A
Nenhuma busca para encontrar essas pessoas deve ser maioria das outras referências a Jesus e ao cristia-
feita; quando eles forem denunciados e condenados, de- nismo no Talmude são bem posteriores e de valor
vem ser punidos; mas com a restrição de que, quando a histórico questionável.
pessoa negar ser um cristão, e provar que nâo é (ou seja, Toldot Yeshu. Uma testemunha bem posterior
adorando nossos deuses), ela será perdoada por arrepen- é Toldot Yeshu, um documento anticristão compi-
dimento, apesar de ter incorrido em suspeita anteriormen- lado no século v. Esse documento explica que 0
te (ibid., 10.97). corpo de Jesus foi secretamente removido para
uma segunda sepultura porque os discípulos pre-
Isso esclarece como 0 antigo governo romano
tendiam roubar 0 corpo. Quando os discípulos
via 0 cristianismo. Eles deveriam ser punidos por
chegaram à sepultura, 0 corpo de Jesus havia su-
não adorar os deuses romanos, mas a perseguição
mido, então eles concluíram que ele havia ressus-
não era irrestrita.
citado. Enquanto isso as autoridades judaicas
A driano. O historiador cristão Eusébio (c. 265-
eram informadas sobre 0 verdadeiro local do cor-
339) registra uma carta do imperador Adriano para
po de Jesus. Apesar de ser bem posterior, esse do-
Míncio Fundano, procônsul asiático. Semelhante à
cumento provavelmente reflete a primeira opi-
carta de Trajano a Plínio, Adriano dá alguma instru-
nião comum (v. Mt 28.11-15).
ção sobre como lidar com os cristãos:
Outras fo n tes de entre 05 gentios. Houve fontes
dos gentios sobre a vida de Cristo além das romanas.
Efetivamente, não me apraz deixar a questão seminvesti-
gação, não suceda que sejam molestados os inocentes e aos Elas incluem:
delatores que sedê apoio para exercerem a maldade. Se, pois, Luciano. Luciano de Samosata foi um autor gre-

os provincianos podem manifestadamente manter essa peti- go do século 11 cujas obras contém críticas sarcásti-
ção contra os cristãos, pleiteando-a perante 0 tribunal, em- cas ao cristianismo:
preguem apenas este trâmite, e não petições nem somente
gritos. É preferível, se alguém quer incriminar, que tu mesmo Os cristãos, como sabes, adoramum homem atéhoje— 0
tomes conhecimentos da causa. personagem distinto que introduziu seus rituais insólitos, c
foi crucificado por isso [...] Essas criaturas mal-orientadas
A passagem confirma que cristãos muitas vezes começam com a convicção geral de que são imortais, 0 que
eram acusados de infringir as leis e eram punidos, explica 0 desdém pela morte e a devoção voluntária que são
mas que a moderação era incentivada. tãocomuns entre eles; eainda foi incutido neles pelo seulegis-
Outras fon tes judaicas. Além dos autores judeus lador original que são todos irmãos, desde 0 momento emque
do Novo Testamento e Josefo, outras testemunhas se convertem, enegam os deuses da Grécia, e adoram 0 sábio
judaicas referem-se à vida de Jesus. crucificado, evivem segundo suas leis. Tudo isso adotamcomo
Talmude. As obras talmúdicas mais valiosas com fé, e como resultado desprezam todos os bens mundanos,
relação ao Jesus histórico são aquelas compiladas considerando-os simplesmente como propriedade comum
entre 70 e 200 durante 0 denominado Período Tanaíta. (Death ofpelegrine, 11-3).
O texto mais significativo é 0 tratado da Mishnd.
Seguindo Habermas, várias coisas podem ser
Na véspera da Páscoa eles penduraramYeshu e antes dis- verificadas a partir desse texto. Jesus era adorado
so, durante quarenta dias 0 arauto proclamou que [ele] seria pelos cristãos. Ele introduziu novos ensinamentos e
451 Jesus, fontes não-cristãs referentes a

foi crucificado por seus ensinamentos. Seus ensina- Em outra passagem lemos que:
mentos incluíam a irmandade dos crentes, a impor-
tância da conversão e a importância de negar outros Jesus era paciente em aceitar 0 sofrimento [...] pois ele
deuses. Os cristãos viviam segundo as leis de Jesus. sabia que essa morte évida para muitos [...]foi pregado numa
Além disso, os seguidores de Jesus consideravam-se árvore; publicou 0 decreto do Pai na cruz [...] Entregou-se à
imortais e eram caracterizados por seu desprezo pela morte através da vida [... ] Depois de libertar-se dos trapos
morte, devoção voluntária e renúncia a bens mate- perecíveis, vestiu 0 imperecível, que ninguémjamais poderá
riais. Apesar de ser um dos críticos mais declarados lhe arrancar (20.11-14,25-34).
da igreja, Luciano fornece um dos registros mais
informativos de Jesus e do cristianismo primitivo Essas citações afirmam que Jesus era 0 Filho de
fora do n t . Deus e 0 Verbo, que se tornou homem e assumiu um
Mara Bar-Serapion. Um sírio, Mara Bar-Serapion, corpo carnal. Ensinou seus seguidores sobre 0 Pai.
escreveu para seu filho Serapion entre 0 século 1 e 0 Jesus sofreu e foi crucificado. Sua morte traz vida
início do século in aproximadamente. A carta con- para muitos. Jesus foi ressuscitado dos mortos num
tém uma aparente referência a Jesus: corpo imperecível.
O apócrifo de João foi uma obra gnóstica do sé-
Que vantagem os atenienses abtiveram em condenar culo ‫ ח‬que se inicia com um suposto registro histó-
Sócrates à morte? Fome e peste lhes sobreviveram como rico de um encontro entre Arimânio, 0 Fariseu, e
castigo pelo crime que cometeram. Que vantagem os habi-
João, filho de Zebedeu, 0 discípulo. João suposta-
tantes de Samos obtiveram ao pôr fogo em Pitágoras? Logo
mente disse que Jesus “ foi para 0 lugar de onde veio”
depois sua terra ficou coberta de areia. Que vantagem os
(1.5-17). Essa era uma aparente referência à ascen-
judeus obtiveram com a execução de seu sábio rei? Foi logo
são. Arimânio respondeu que João fora enganado
após esse acontecimento que 0 reino dos judeus foi ani-
por Jesus. Não há evidência além de O apócrifo de
quilado. Com justiça Deus vingou a morte desses três sábi-
que esse evento tenha ocorrido.
os: os atenienses morreram de fome; os habitantes de
O E vaxgelho d e Tomé ( c . 140-200) é uma coleção
Samos foram surpreendidos pelo mar; os judeus arruina-
de alguns eventos espúrios e outros reais, além de
dos e expulsos de sua terra, vivem completamente
citações de Jesus. Ele nos diz várias coisas sobre a
dispersos. Mas Sócrates não está morto; ele sobrevive aos
identidade de Jesus. Jesus se identifica como 0
ensinos de Platão. Pitágoras não está morto; ele sobrevive
Ressurreto, 0 Filho do Flomem, 0 Filho de seu Pai e 0
na estátua de Hera. Nem 0 sábio rei está morto; ele sobre-
Todo do Universo. Como na Bíblia, os discípulos não
vive nos ensinos que deixou (Manuscrito siríaco, add 14,
reconhecem a verdadeira identidade de Jesus. O Evan-
658; citado em Habermas, p. 200).
gelh o de Tomé refere-se à morte e exaltação de Jesus.
É um documento completamente gnóstico e por isso,
Essa passagem confirma quatro ensinamentos
e também pela data posterior, tem valor histórico
específicos do n t : 1) Jesus era considerado um ho-
limitado.
mem sábio e virtuoso; 2) Jesus foi considerado por
O tratado sobre a ressurreição é uma obra gnóstica
muitos 0 rei de Israel; 3) os judeus executaram Je-
do final do século n. Apesar da filosofia gnóstica car-
sus; 4) Jesus continuou vivo nos ensinamentos de
seus seguidores. regada, 0 Tratado afirma vários ensinamentos: Jesus
Fontes gnósticas. Logo depois da época de Cristo, realmente era divino. Apesar disso, Jesus, 0 Filho de
vários grupos não-cristãos cresceram paralelos à Deus, assumiu a forma carnal. Jesus morreu, ressus-
igreja. Um dos mais bem-sucedidos foi 0 dos citou e derrotou a morte para os que crêem nele. O
gnósticos (v. GNOSTICISMO). valor dessa obra como fonte histórica também é
O Evangelho da verdade. Esse livro do século 11 limitado.
provavelmente foi escrito por \'alentino (135-160). Outras fontes perdidas. Além dessas fontes não-
Ele confirma que Jesus foi uma personagem históri- cristãs da vida de Cristo, alguns documentos são su-
ca em várias passagens: geridos, mas não foram encontrados.
Os Atos de Pôncio Pilatos. Apesar de um docu-
Pois quando 0 viram e ouviram, ele permitiu que 0 provas- mento supostamente oficial — Atos de Pôncio Pilatos
sem e cheirassem e tocassem 0 Filho amado. Quando ele apa- — não ter sobrevivido, ele é mencionado por J u s t in o
receu instruindo-os sobre 0 Pai [...] Pois veio por meio de apa- M á r t ir por volta do ano de 150 e por T e r t u l ia n o por

rência carnal (30.27-33; 31.4-6). volta do ano 200. Justino escreve:


Jesus, Seminário 452

“Transpassaram as minhas mãos eos meus pés” significa- Fontes


va os cravos que na cruz transpassaram seus pés e mãos. E }. X . D. A n d e r s o n , The w itness o f history.
depois de crucificá-lo, aqueles que 0 crucificaram lançaram F F. B r u c e , M erece con fian ça 0 S o v o Testam ento'
sorte sobre as suas roupas e as repartiram entre si. Que tudo _____ , Jesus a n d C hristian origins outside the
isso aconteceu assim, podeis comprová-lo pelas atas redigidas New Testament.
no tempo de Pôncio Pilatos (1 Apologia, p. 35). E u s e b io , H istória eclesiástica.
F l a v io J o s h 0, A ntiguidades dos judeus.
Justino também afirma que os milagres de Jesus G. H aberm as, The h istorical Jesus, cap. 9.
podem ser confirmados nesse documento (ibid., p. 48). L u c ia n o de S a m o sa t a , The w orks o f L u cian of

Flegon. Flegon (n. c. 80) foi escravo liberto do Sam osata.


imperador Adriano. Nenhuma das obras de Flegon }. M c D o w e l l, Evidência que exige um veredito, c a p , 5

sobreviveu, mas ele é mencionado várias vezes por O r /g e n e s , Contra Celso.


autores posteriores. Falou sobre a morte e ressur- P l ín io , o J o v e m , Cartas.
reição de Cristo em Crônicas, obra que não sobrevi- A. R o b e r t s e J. D o n a l d s o n , orgs. The ante-N icene
veu, dizendo: “ Jesus, enquanto vivo, não se preser- fathers.
vou, mas ressuscitou depois da morte e exibiu as S u e t ô n io , L ife o f Claudius.

marcas de seu castigo, e mostrou como suas mãos _____ , L ife o f Nero.
foram traspassadas pelos cravos” (citado em T á c it o , Anais.

Orígenes, 4.455; v. Habermas, 210; Anderson, p. 19).


Flegon também mencionou “0 eclipse na época de Jesus, Seminário. 0 Seminário Jesus é uma socie-
Tibério César, em cujo reino Jesus parece ter sido dade de teólogos do n t , dirigida por Robert W. Funk,
crucificado, e 0 grande terremoto que aconteceu na que foi organizada em 1985 com 0 patrocínio do
época” (Orígenes, p. 14). Júlio Africano confirma as Instituto Estar, de Santa Rosa, Califórnia. Mais de
mesmas citações (Júlio Africano, p. 18). setenta teólogos se reúnem duas vezes por ano para
Habermas resume, com base nas referências de fazer declarações sobre a autenticidade das palavras
Flegon, que Jesus previu 0 futuro, que houve um eclip- e ações de Cristo. 0 Seminário é composto por cató-
se na época da crucificação, e que isso ocorreu du- licos liberais e protestantes, judeus e a t e u s . A maio-
rante 0 reinado de Tibério. Após sua ressurreição, ria é de professores do sexo masculino, mas 0 grupo
Jesus apareceu e mostrou suas feridas, principalmen- inclui um pastor, um cineasta e três mulheres. Cerca
te as marcas dos cravos da crucificação (Habermas, de metade deles formaram-se nas faculdades de te-
P-211). ologia de Harvard, Claremont ou Vanderbilt.
Resumo. As fontes primárias da vida de Cristo Obras. Uma das intenções da organização é pu-
são os quatro evangelhos (v. Novo T e s t a m e n to , blicar livros de crítica textual para uma grande va-
h is to ricid a d e d o ). No entanto, há relatos considera- riedade de pessoas que normalmente lêem tais estu-
veis de fontes não-cristãs que complementam e dos. Assim, 0 grupo tem um número crescente de
confirmam os registros evangélicos. Estes vêm em publicações. Entre as obras até agora publicadas en-
grande parte de fontes gregas, romanas, judaicas e contram-se: Marcus Borg, Jesus in contemporary
samaritanas do século 1. Em resumo, elas nos infor- scholarship [Jesus na erudição contemporânea] e
mam que Jesus: 1) era de Nazaré; 2) viveu de modo Meeting Jesus again for the first time [Encontrando-
sábio e virtuoso; 3) foi crucificado na Palestina sob se de novo com Jesus pela primeira vez]; John Dominic
Pôncio Pilatos durante 0 reinado de Tibério César Crossan, In fragments: the aphorisms of Jesus [Em
na época da Páscoa, sendo considerado 0 rei judeu; fragmentos: os aforismos de Jesus], Jesus: a revolu-
4) segundo seus discípulos, ele ressuscitou dos mor- tionary biography [Jesus: uma biografia revolucio-
tos depois de três dias; 5) seus inimigos reconhe- nária], The historical Jesus: the life of a mediterranean
ceram que ele realizou feitos incomuns denomi- peasant [0 Jesus histórico; a vida de um camponês
nados por outros “ feitiçaria” ; 6) seu pequeno gru- mediterrâneo] e The other four Gospels: shadows on
po de discípulos se multiplicou rapidamente, es- the contours of canon [05 outros quatro evangelhos:
palhando-se até Roma; 7) seus discípulos negavam sombras nos contornos do cânon]; Funk, The five
0 politeísmo, viviam de acordo com princípios Gospels [ Os cinco evangelhos] e The parables of Jesus
morais e adoravam a Cristo como divino. Essa des- [As parábolas de Jesus]; e Burton Mack,/esus: A new
crição confirma a imagem do Jesus apresentada vision [Jesus: uma nova visão], The myth of innocence:
nos evangelhos do n t. Mark and Christian origins [0 mito da inocência:
453 Jesus, Seminário

Marcos e as origens cristãs], The lost Gospel: the book ca palavras que provavelmente podem ser atribuí-
of Q and Christian origins [O evangelho perdido: ο das a Jesus. Cinza representa palavras que provável,
livro de q e origens cristãs] e Who wrote the New mas não certamente, vieram de fontes posteriores.
Testament: the making of the Christian myth [Quem Preto indica palavras que Jesus quase certamente
escreveu 0 Novo Testamento: a criação do mito cris- não disse.
tão]. 0 maior esforço do grupo foi a tradução dos O voto baseou-se numa variedade de obras cris-
evangelhos editados por Robert J. Miller, The comple- tãs além dos quatro evangelhos canônicos, incluindo
te Gospels: annotated scholar’s version [05 evange- 0 fragmentado Evangelho de Pedro, 0 suposto, mas
lhos completos: versão anotada por eruditos]. não existente, docum ento q o u Quelle (“ fonte” ), 0 E van-
gelho de T omé do século n, e no documento chamado
Objetivos do trabalho do Seminário. Apesar de os
membros do seminário produzirem obras de críti- Marcos secreto, que não sobreviveu. Tomé geralmen-
ca, desde sua concepção 0 Seminário Jesus buscou te é tratado como 0 quinto evangelho, tão importan-
colocar suas conclusões à disposição do público em te quanto os quatro livros canônicos.
geral, em vez de limitá-las à comunidade acadêmi- Resultados da votação. O resultado desse traba-
ca: “Vamos tentar realizar nosso trabalho para 0 pú- lho é a conclusão de que apenas 15 citações (2%)
blico ver; não só honraremos a liberdade de infor- podem ser consideradas absolutamente palavras
autênticas de Jesus. Cerca de 82% do que os evange-
mação, mas também insistiremos na divulgação pú-
lhos canônicos atribuem a Jesus não é autêntico.
blica de nosso trabalho” (Funk,Forum, 1.1). Para esse
Outros 16% das palavras são de origem duvidosa. A
fim 0 Seminário buscou publicidade de todas as fon-
seguinte tabela divide as proporções de cada Evan-
tes possíveis. Uma conferência na t v , muitos artigos,
gelho por categoria e a porcentagem de citações “au-
entrevistas, cassetes e possivelmente um filme são
tênticas” de Cristo. Note-se que Tomé teve maior por-
parte dessa campanha de informação ao público
centagem de votos “ vermelhos” , autênticos, que
sobre a teologia anti-sobrenatural. Funk confessou
Marcos e João.
a natureza radical do trabalho quando disse: “ Estamos
C o n c lu s õ e s d o S e m i n á r io . Várias conclusões
investigando 0 que é mais sagrado para milhares de
radicais emergem do trabalho do Seminário Jesus
pessoas; portanto, estaremos constantemente nos
que afetam seriamente 0 cristianismo ortodoxo his-
aproximando da blasfêmia” (ibid., p. 8). Essa é uma
tórico, pois elas são levadas a sério pelo público:
revelação honesta e precisa do que tem acontecido.
Procedimentos do Seminário. 0 grupo vale-se de
1. O “antigo” Jesus e 0 “cristianismo antigo” não
bolinhas coloridas para votar sobre a precisão do
são mais relevantes.
que Jesus falou. A cor vermelha indica palavras que
2. Não há consenso sobre quem Jesus foi (cínico,
Jesus provavelmente pronunciou. Cor-de-rosa indi-
sábio, reformador judeu, fe-minista, profeta mes
tre, profeta social radical ou profeta escatológico?).
Citações Verme- Rosa c in z a Preto Autên- 3. Jesus não ressuscitou dos mortos. Um dos mem-
dos lho tico bros, Crossan, teoriza que 0 cadáver de Jesus foi
Evangelhos
enterrado numa vala rasa, desenterrado e co-
mido por cães.
M ateu s 11 61 2,690 235 4‫ןן‬
420
4. Os evangelhos canônicos são recentes e não
merecem credibilidade.
M arcos 5. As palavras autênticas de Jesus podem ser
177 1 18 66 92 0,6°o reconstruídas com base no denominado “do-
cumento q ”, o Evangelho de Tomé, Marcos se-
L u cas ereto e 0 Evangelho de Pedro.
392 14 65 ‫ ן‬28 185 3 ,6 ° ‫״‬
Como Funk disse claramente, 0 Seminário con-
cluiu que “os contextos narrativos em que as palavras
lo ã o 134 de Jesus são preservadas nos evangelhos são invenção
140
dos evangelistas. São fictícias e secundárias” (“ The
emerging Jesus” , p. 11).
A valiação. Para uma avaliação mais extensa do
Tom é 40 92 1,5"
202
Evangelho de Tomé e do documento q , v . esses artigos.
A maioria das questões levantadas pelo Seminário é
Jesus, Seminário 454

analisada em B í b i t a , e v id ê n c ia s d a ; B íb l ia , c r ít ic a da; ressurreição de Cristo. Até teólogos críticos datam 1


CRISTO, MORTE DE; MILAGRES, ARGUMENTOS CONTRA; N 0 V0 TES- Coríntios de cerca de 55-56 d.C. Isso 0 coloca dentro
TAMENTO, HISTORICIDADE DO e RESSURREIÇÃO, EVIDÊNCIAS DA. de um período 25 anos após a morte de Jesus em 33.
Outras afirmações podem ser acrescentadas: Alguns estudiosos importantes admitem datas an-
A ala radical da teologia. O Seminário Jesus repre- teriores para os evangelhos básicos. 0 falecido bispo J.
senta a ala radical da teologia do n t , que infelizmente A. T. Robinson argumentou que eles foram escritos
inclui grande número de teólogos e pastores de desta- entre 40 e 60. Isso dataria os primeiros registros em
que. O fato de algumas de suas posições serem adotadas apenas sete anos após os eventos relatados.
por vários teólogos contemporâneos não é 0 proble- Mesmo as datas posteriores das décadas de 60 a
ma, pois a verdade não é determinada por voto majo- 80 não dão margem a distorções mitológicas. Já foi
ritário. A maioria das provas que oferecem, além do demonstrado que mesmo duas gerações é pouco
procedimento de votação, não são convincentes e ge- tempo para permitir que tendências lendárias eli-
ralmente inexistem, com exceção de citações de um minem 0 fato histórico puro (v. m it o l o g ia f. o Novo
ou outro teólogo liberal como fontes incontestáveis. Testam ento).
Apesar de os teólogos radicais chamarem bastante a Aceitação acrítica do documento q . O método pelo
atenção no final do século xx, no quadro mais amplo qual 0 Seminário Jesus conseguiu chegar às suas con-
da história cristã eles são minoria. clusões radicais com grande atividade acadêmica foi
Anti-sobrenaturalismo injustificado. As conclusões simples. Ele rebaixaram os registros do século 1 e das
radicais do grupo são baseadas em pressuposições testemunhas oculares contemporâneas da vida de Je-
radicais, uma das quais é uma rejeição injustificada sus (os quatro evangelhos) a obras de mitologia e os
de qualquer intervenção milagrosa na história por substituíram por obras das quais não sobreviveram
parte de Deus (v. m ilagres, argumentos c o n tra ). Um dos
quaisquer traços documentais, tais como q, e obras
principais motivos para rejeitar a autenticidade dos
claramente apócrifas como 0 Evangelho de Tomé. Mas
evangelhos canônicos é a suposição de nenhuma re-
Qé um documento puramente hipotético. Não há ma-
ferência a milagres ser confiável. Essa pressuposição
nuscritos. Ninguém jamais citou tal livro ou referiu-
infiltrou-se na teologia por meio de David H um e e
se à sua existência. É uma reconstrução literária pura-
David Strauss. O anti-sobrenaturalismo de David Hume
mente hipotética baseada em pressuposições
é infundado.
injustificadas. Isso contraria a própria evidência.
Aceitação infundada de datas posteriores. Da su-
O uso de Tomé é questionável por várias razões.
posição do anti-sobrenaturalismo vem a tendência
É claramente uma obra do século n, bem fora da
de presumir datas mais tardias para a autoria dos
época dos contemporâneos dos eventos. Contém he-
evangelhos (no mínimo, 70 a 100, e alguns sustentam
resias, pois seu ensinamento é gnóstico (v. N a g
mais tarde). Ao fazer isso, podem criar tempo sufi-
Ham madi, evangelhos de). A afirmação de ter sido es-
ciente entre os eventos e 0 registro para as testemu-
crito por um apóstolo 0 coloca na categoria de len-
nhas oculares morrerem e desenvolver-se certa “aura”
da. É interessante que seu uso para desacreditar a
mitológica em torno do fundador do cristianismo.
ressurreição ignora 0 fato de que a obra se apresen-
Assim, podem dizer que 84% das palavras de Jesus
ta como palavras do Cristo ressurreto.
foram inventadas mais tarde. Mas há problemas com
essas datas posteriores e, à medida que a arqueolo- Os teólogos do Seminário Jesus também usam
gia amplia 0 entendimento das fontes do século 1, Marcos secreto e 0 Evangelho de Pedro. Pedro é uma
essa posição torna-se insustentável. Entre os proble- obra apócrifa do século 11 ou 111. Ninguém, na história
mas estão: recente, jamais viu Pedro ou a cópia da carta de Cie-
A evidência de manuscritos do início do século mente que supostamente 0 continha. Então como
11 indica firmemente uma origem asiática no século pode seu conteúdo ser usado para julgamento aca-
1. Os evangelhos são citados em outras obras do sé- dêmico da autenticidade dos evangelhos?
culo i (v. B íb lia , evidências da). Paralogismo. O processo de raciocínio do Semi-
O evangelho de Lucas foi escrito antes de Atos, nário Jesus é uma forma sofisticada de erro de lógi-
que tem forte evidência de uma data no máximo ca conhecido por petitio princippi, ou petição de
entre 60-62 d.C. (v. A to s , h isto ricid a d e de). Is s o está princípio. Seu raciocínio circular começa com vi-
dentro do período de tempo de vida dos contempo- são não-sobrenaturalizada de uma personagem re-
râneos de Jesus. ligiosa do século 1 e termina no mesmo ponto.
Os escritos de Paulo falam da historicidade dos C on clu sã o. Apesar do desejo de chamar a aten-
eventos mais cruciais nos evangelhos, a morte e ção do grande público e de suas tentativas de alcançar
455 Jesus histórico, busca do

tal objetivo, nada é novo nas conclusões radicais do história permanece dogma central de grande parte
Seminário Jesus. Ele só oferece outro exemplo de crí- da pesquisa moderna do \ t ( v . J e s u s , s e m in á r io ). Ela
tica negativa e infundada da B íb l ia . Suas conclusões está baseada no anti-sobrenaturalismo de Baruch
são contrárias à evidência esmagadora favorável à E s p in o s a , no d e ís m o inglês e na dicotomia de fato/ va-
historicidade do nt e à confiabilidade das testemu- lor de Immanuel K a n t .
nhas do n t . Elas baseiam-se em preconceito anti- Em 1835, David S tra u s s publicou sua obra despi-
sobrenaturalista infundado. da do sobrenatural The life o f Jesus critically ex am in ed
[i4 vida de Jesus ex a m in a d a criticam ente]. Sob a in-
Fontes fluência de David H u m e , Strauss descartou a
C. Blomberg, The h istorical reliability o f the Gospels. confiabilidade dos elementos históricos e sobrena-
____ , “ T h e s e v e n ty -f o u r ‘scholars’ : w h o does turais nos evangelhos, considerando-os “ultrajes” e
the Jesus S e m in a r re a lly speak for?” , e m cri “ mitos” . Isso levou a tentativas posteriores de
(F a ll 1994). desmitificar os registros evangélicos (v. m itolo gia f, o
G. Boyd, Jesu s unders siege. Novo Testam ento).
D. A . C a rso n ,“ Five Gospels, n o C h r is t ” , Christianity Albert Schweitzer encerrou esse período em 1906
Today (2 5 A p r. 1 99 4). com seu The quest o f the historical Jesus [A busca do
E. Ferguson, B ackgroun ds o f the earliest Christianity. Jesus histórico], Ele argumentou que a mensagem de
G . Habermas, The historical Jesus. Jesus era de natureza escatológica e que a pesquisa
C .J.H e.m lr, The b o o k o f Acts in the setting o f Hellenic supostamente objetiva sobre 0 homem Jesus havia
history. produzido uma personagem moldada nos próprios
1. H . M a r s h a ll, I believ e in the h istorical Jesus. preconceitos dos pesquisadores. “ Não há nada mais
JAV. M ontgom ery, History a n d Christianity. negativo que 0 resultado do estudo crítico da vida
A . X . S h e ru ix - U ' hite, R om an society a n d R om an law de Jesus” , escreveu Schweitzer. “Ele é uma persona-
in the X ew Testament. gem criada pelo racionalismo, dotado de vida pelo
M .J . W i lk in s , et a l .,Jesus un derfire. liberalismo e vestido de trajes históricos pela teolo-
gia moderna” (Schweitzer, p. 396).
O p e río d o sem buscas. Schweitzer prejudicou se-
Jesus, singularidade de. V. C r is t o , d iv in d a d e d e; C r is - veramente a confiança da busca pelo histórico e inau-
to , s in g u l a r id a d e d e ; r e l ig iõ e s m u n d ia is e c r is t ia n is m o . gurou um período durante 0 qual tal pesquisa ficou
desacreditada. Rudolph B ultm ann considerava tal obra
Jesus da história. V. C r isto da f é co n tra J e s u s da h is t ó - metodologicamente impossível e teologicamente ile-
r ia ; J e s u s h is t ó r ic o , b u sc a d o ; J e s u s , S e m in á r io . gítima. Em Jesus e a Palavra (1958), ele escreveu:

Jesus histórico, busca do. Há mais de cem anos Realmente acredito que não podemos saber quase nada
que acontece uma busca para identificar 0 Jesus his- com relação à vida e à personalidade de Jesus, já que as primei-
tórico e diferenciar essa pessoa do Cristo da Fé (v. ras fontes cristãs não demonstram interesse em nenhuma das
C r ist o da fé c o n tra J e s u s da h is t ó r ia ). Na verdade, vári- duas, além de serem fragmentárias e muitas vezes lendárias; e
as buscas já foram feitas. Todas, exceto a última, re- outras fontes sobre Jesus não existem (Bultmann, p. 8).
jeitaram totalmente a historicidade do n t e mina-
ram 0 cristianismo ortodoxo e a apologética cristã. Bultmann indicou a mudança da procura histórica
As buscas pelo Jesus real podem ser divididas para 0 encontro existencial. Valendo-se do pensamento
em quatro períodos: 1 ) a primeira busca ou busca de Strauss, Bultmann começou a desmitificar os evan-
“antiga” , 1778-1906; 2) 0 período “sem busca” , 1906- gelhos e a reinterpretá-los de forma existencial.
1953; 3) a “nova” busca, 1953-1970; e 4) a terceira A n o v a b u s ca . Um aluno de Bultmann, Ernst
busca, de 1970 (v. Holden, cap. 2). Kasemann, começou a “ nova busca” numa palestra
O p e río d o da p r im e ir a busca. A busca pelo Jesus de 1953. Ele rejeitou 0 método de Bultmann como
histórico partiu da publicação póstuma por Gotthold docético (v. d o c e t is m o ), porque Bultmann desconside-
Lessing do livro [Fragm entos], d e Hermann Reimarus. rava a humanidade de Jesus. Apesar de manter gran-
No fragmento “Sobre a intenção de Jesus e seus discí- de parte das pressuposições da busca anterior, os ob-
pulos” , Reimarus separou 0 que os apóstolos disse- jetivos de Kasemann eram diferentes. A antiga busca
ram sobre Jesus do que Jesus realmente disse sobre objetivava a descontinuidade entre 0 Cristo da fé e 0
si. Essa dicotomia entre 0 Cristo da fé e 0 Jesus da Jesus da história em meio à suposta continuidade.
João, evangelho de 456

A nova busca preocupava-se com a pessoa de Cristo Mas sua historicidade foi consolidada mais que a de
como a palavra pregada de Deus e sua relação com a outros livros (v. Novo Testamento, confiabilidade dos do-
história. A obra principal da nova busca é Jesu s o f cumentos do; Novo Testamento, historicidade do; Novo Tes-
N azareth [Jesus d e N a z a ré ], de Gunther Bornkamm ΤΑΜΕΝΤΟ, FONTES ΝΑΌ-CRISTÃS D 0 ).
(1960). Má interpretação de “mito”. A maioria das buscas
A te rc eira b usca . A pesquisa mais recente sobre não entendeu a natureza do “mito” . Só porque um
0 Jesus histórico é em grande parte a reação à “nova evento é mais que empírico não significa que é me-
busca” . Ela é multifacetada, incluindo alguns da tra- nos que histórico. O milagre da ressurreição, por
dição radical, uma nova tradição da perspectiva e exemplo, é mais que a ressurreição do corpo de Je-
conservadores. Na categoria “conservadora” estão I. sus — mas não é menos que isso. Como C. S. Lew is
Howard Marshall, D. F. D. Moule e G. R. Beasley-Murray. observou, os que equiparam 0 n t à mitologia não
Eles rejeitam a idéia de que a descrição do Jesus do estudaram bem 0 n t; tampouco não estudaram bem
n t foi de alguma forma criada por seitas helênicas os mitos (v. m itolo gia e o N ovo Testam ento).
de salvação (v. m itr a ís m o ; a p o te o s e ) . Falsas suposições sobre documentos extrabíblicos.
O grupo da nova perspectiva coloca Jesus no con- Na busca radical mais recente há um esforço mal
texto do século 1. Esse grupo inclui E. P. Sanders, Ben F. direcionado para adiar a datação do n t e acrescen-
Meyer, Geza Vermes, Bruce Chilton e James H. tar os documentos extrabíblicos q e 0 Evangelho de
Charlesworth. A tradição radical é exemplificada pelo Tomé. Mas está bem estabelecido que há registros do
Seminário Jesus e seu interesse no E v a n g e lh o d e T o m é n t anteriores a 70 d.C, enquanto contemporâneos e
e no d o c u m e n to q. Mais informações sobre esse grupo testemunhas oculares ainda estavam vivos. Além
podem ser encontradas no artigo S e m in á r io J e s u s . O
disso, não há prova de q ter existido como docu-
Seminário Jesus usa muitos dos métodos de Strauss e
mento escrito. Não há manuscritos ou citações dele.
Bultmann, mas, ao contrário do primeiro, 0 grupo é
O Evangelho de Tomé é uma obra de meados do sécu-
otimista sobre a recuperação do indivíduo histórico.
10 11, muito recente para ter figurado entre os escri-
Os resultados até hoje, no entanto, renderam teorias
tos dos evangelhos.
bem diferentes, baseadas num pequeno fragmento dos
ensinamentos do n t que consideram autêntico.
Fontes
A valiação. Suposições falsas sobre m étod o e pre-
C . B lo m b e r g , The historical reliability o f the Gospels.
missas. Com a exceção da retomada acadêmica con-
G. B 0 RN K A M M ,/es«s o f Nazareth.
servadora, todas as buscas basearam-se em premis-
G. B o y d Je s u s under siege.
sas falsas e procederam com base em métodos fa-
R . Funk, The fiv e Gospels.
lhos ou questionáveis. A maioria desses métodos
G. H a b e rm a s, The historical Jesus.
são examinados detalhadamente nos artigos cita-
C. J.H e m e r , The book o f Acts in the setting o f Hellenic
dos. As premissas falsas incluem:
history.
A n ti-s o b r e n a tu r a lis m o . Relatos de milagres e
J. H o ld f.n , A n examination o f the Jesus seminar.
qualquer referência ao sobrenatural são rejeitados
I. H . M a r s h a ll, I believe in the historical Jesus.
imediatamente. Isso é injustificado (v. m ila g r e ; m ila -
The life o f Jesus critically examined.
g re s , a rg u m e n to s c o n tr a ; n a tu ra lis m o ). D. S tr a u s s ,

The quest o f the historical Jesus.


D icotom ia d e fa t o / valor. A suposição de K a n t de A . S c h w e itz e r ,

H . R e im a ru s, Fragments , org. G . Lessing.


que é possível separar fato de valor é claramente
falsa, 0 que fica evidente na impossibilidade de se-
parar 0 fato da morte de Cristo de seu valor. Não há João, evangelho de. O evangelho de João é um elo
significado espiritual no nascimento virginal se ele importante no argumento a favor da divindade de
não for um fato biológico. E não se pode separar e Cristo e da veracidade do cristianismo. Supondo que
fato da vida de seu valor; um assassino inevitável- a verdade é cognoscível (v. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ), o
mente ataca 0 valor do indivíduo como ser humano argumento geral pode ser afirmado (v. a p o l o g é t ic a ,
ao tirar a vida da pessoa. a r g u m e n t o g e r a l d a ) da seguinte forma;

Falsa separação. As buscas não podem substanciar


a disjunção entre 0 Cristo da fé e 0 Jesus do fato. Elas I. O Deus do teísmo existe.
supõem, sem provas, que os Evangelhos não são histó- 2. No universo teísta, milagres são possíveis (v.
ricos e que não apresentam a pessoa histórica de Jesus. m il a g r e ).

N egação da historicid ad e. No centro das buscas 3. Milagres ligados a reivindicações da verdade


está uma negação da natureza histórica dos evangelhos. são atos de Deus que confirmam a verdade
457 João, evangelho de

proclamada por seu mensageiro (v. ,\1il a g r e s , A r g u m e n to s c o n tra a h is to ric id a d e. Vários ar-
valo r a po lo g ét ic o d o s ). gumentos são usados contra a autenticidade do re-
4. Os documentos do n t são historicamente gistro de João:
confiáveis. Jo ã o foi escrito no século 11, en tão n ão p o d e r ia ser
5. No n t , Jesus afirmou ser Deus. escrito p o r um a testem unha ocular. Supostamente, 0
6. Jesus provou ser Deus mediante a conver- autor coloca na boca de Jesus e seus discípulos afir-
gência inédita de milagres. mações que lhe atribuem divindade.
7. Portanto, Jesus era Deus em carne humana. Se João tivesse sido escrito durante 0 século 11,
isso em si não 0 tornaria falso. É comum 0 fato de
O evangelho de João comprova a quinta premis- outros registros da Antiguidade — que os críticos
sa, registrando as afirmações explícitas de divinda- aceitam — terem sido escritos séculos após os even-
de por parte de Jesus: tos sobre os quais falam. A primeira biografia de
Alexandre, 0 Grande, foi escrita 200 anos depois de
Além disso, 0 Pai a ninguém julga, mas confiou todo julga- sua morte, mas é usada por historiadores como fon-
mento ao Filho, para que todos honrem 0 Filho como honram te confiável de informação. Mas não há evidência de
0 Pai. Aquele que não honra 0 Filho, também não honra 0 Pai que João tenha escrito tanto tempo depois. Nenhu-
que 0 enviou (5.22,23).
ma evidência testemunhai ou documentária con-
Eu lhes afirmo que antes de Abraão nascer,Eu sou! (8.58).
tradiz suas afirmações explícitas de ter sido teste-
Eu e 0 Pai somos um (10.30).
munha ocular do que Jesus disse e fez. João registra:
E agora, Pai, glorifica-me junto a ti, com a glória que eu ti-
“ Este é 0 discípulo que dá testemunho dessas coisas
nha contigo antes que 0 mundo existisse (17.5).
e que as registrou. Sabemos que 0 seu testemunho é
verdadeiro” (Jo 21.24). No contexto, a afirmação
Outras afirmações sobre as reivindicações de
identifica claramente 0 autor como 0 apóstolo João.
divindade feitas por Cristo não são registradas
Não há evidência do contrário, logo a evidência p ri-
nos sinóticos como são em João (p.ex. 9.35-38;
m a facie para um evangelho autêntico é forte.
13.13-15 e 18.6). Afirmações claras de um apósto-
Essa evidência é fortalecida pelo frescor e viva-
10 contemporâneo sobre a divindade de Cristo
cidade do livro, que não contém registros antigos de
vêm de João:
muitos anos após os eventos que relatam. Explica-
ções de contexto histórico, detalhes pessoais e con-
No princípio era aquele que é a Palavra. Ele estava com
versas particulares cuidadosamente relacionadas
Deus,eera Deus (1.1).
(p.ex., Jo 3,4,8— 10,13— 17) revelam a obra de uma
Ninguém jamais viu a Deus, mas 0 Deus Unigênito, que
testemunha ocular (v. Jo 2.6; 4.6; 6.10; 12.3, 5). Por
está junto do Pai, 0 tornou conhecido (1.18)
exemplo, João (5.2) menciona cinco pavilhões no
Isaías disse isso porque viu a glória de Jesus e falou so-
tanque de Betesda. Escavações entre 1914 e 1938 des-
bre ele (12.41).
cobriram esse tanque e confirmaram que ele era
Senhor meu e Deus meu! [A confissão de Tomé sobre 0
exatamente como João descreveu. Como esse tan-
Cristo ressurreto, 20.28].
que não existia no século 11, é pouco provável que
Pelo fato de tais afirmações não terem passagens qualquer fraude do século 11 tivesse acesso a tal deta-
análogas em outros evangelhos, os críticos negati- lhe sobre pessoas, lugares, geografia e topografia.
vos descartaram sua autenticidade. Os apologistas Outra alegação dos críticos é que João é muito
freqüentemente evitam a questão limitando-se às diferente, em eventos e em linguagem, para estar tra-
afirmações de Jesus sobre sua divindade nos tando do mesmo homem e eventos que os evangelhos
sinóticos (p.ex. Mt 16.16,17; Mc 2.5-10; 14.61-65) e sinóticos. As questões de linguagem serão discutidas
nas ocasiões em que ele aceitou adoração (p.ex., Mt a seguir. O fato de os eventos serem diferentes é uma
28.9; Mc 5.6; 15.19). prova favorável. Se João tivesse sido escrito até um
Não podemos, no entanto, evitar João completa- século depois dos sinóticos para promover compro-
mente. Se, como alguns críticos afirmam, João criou missos teológicos, a tendência seria referir-se a algu-
essas citações ou não as relata com precisão, os re- mas das mesmas ocorrências, apenas acrescentando
gistros do evangelho estão minados, assim como os algo a elas. Isso não acontece. Mas há sobreposições
ricos ensinamentos teológicos encontrados em João nos momentos óbvios (a crucificação e ressurreição)
(v. Novo T e s t a m e n t o , datação d o ; N ovo T e s t a m e n t o , e em outras ocorrências marcantes — Jesus andando
c o n f ia b il id a d e dos d o c u m e n t o s d o ). sobre a água, a multiplicação dos pães, sua entrada
João, evangelho de 458

triunfal em Jerusalém e especialmente a última ceia. cf. Mt 18.12-14; Lc 15.3-7). Discipulado significa ser-
Não há diferença substancial entre esses registros. viço (13.4,5,12-17; ef. Lc 22.24-27). João introduz“se-
A hipótese do século 11 levou um duro golpe com mear” versus “ceifar” (4.37); 0 filho aprendiz (5.19-
a descoberta no Egito do “ Fragmento John Rylands” 20a); “escravidão” versus “ filiação” (8.35); “trabalhar”
do evangelho, que pode ser datado por volta de 114 e “andar na luz” (9.4; 11.9-10); 0 “ ladrão” , 0 “porteiro”
d.C. João foi escrito na Ásia Menor. Se cópias esta- e 0 “aprisco das ovelhas” (10.1-3«); 0 “germinar do
vam circulando numa pequena vila do outro lado do grão de trigo” (12.24); a “vinha” e 0 “agricultor” (15.1-
Mediterrâneo já em 114, 0 original certamente era 6); e a “dor de parto” (16.21; Blomberg, 158). Em vez
uma obra do século 1. de mostrar que 0 relatório de João não é autêntico,
Tradicionalmente João é considerado 0 último tais expressões parabólicas estabelecem 0 elo entre
evangelho a ser escrito, durante a década de 90. Mas 0 Jesus de João e 0 Jesus dos sinóticos.
pesquisas recentes dos rolos do m a r M orto levaram O livro a b ran g e ép ocas e lugares diferentes. João
alguns teólogos a datar João antes de 70, por sua afi- relata conversas mais particulares, ao passo que Jesus
nidade com Qumran (Guthrie, p. 261-2). A maior se expressava por meio de parábolas com a multidão
evidência observada é a simplicidade da linguagem incrédula (Mt 13.13-15). Os eventos registrados não
e 0 tema de luz e trevas, tão comum no pensamento são encontrados nos sinóticos. João lida com os mi-
de Qumran (Jo 1.4-9; v. 8.12). Até mesmo teólogos nistérios inicial e final de Cristo, enquanto os sinóticos
liberais, tais como John A. T. Robinson, datam João lidam, em grande parte, com os ministérios central e
entre 40-65 (Robinson, p. 352), 0 que 0 colocaria ape- da Galiléia. É compreensível que Jesus tenha dito coi-
nas uma década após os próprios eventos. Essa data sas de modo um pouco diferente em horas e locais
pode ser recente demais, mas reflete 0 que se apren- diferentes, como qualquer pregador itinerante.
deu sobre 0 conhecimento em primeira mão do Jo ã o estava atingindo um novo público. A ausên-
autor com relação aos eventos relatados.
cia de parábolas narrativas sugere que 0 público
A origem de João no século 1, enquanto as teste-
desse pregador não era um grupo de língua semita.
munhas oculares ainda estavam vivas, parece ser
João usa termos com um apelo quase universal para
inquestionável. Isso sugere definitivamente a
minimizar as barreiras de comunicação (Carson, p.
historicidade de João.
46). Isso corresponde à data posterior a 70 d.C. quan-
J o ã o n ão usa p a r á b o la s . O evangelho de João é
do os romanos conquistaram Jerusalém e 0 evange-
diferente porque não contém parábolas, tão carac-
lho alcançava um público mais variado e não-judeu.
terísticas dos evangelhos sinóticos. Isso é conside-
As p ala v ra s têm estilo diferente. Supõe-se que qual-
rado por alguns críticos evidência de que João é um
quer diferença de estilo prove que João preocupou-se
registro menos confiável. Mas, dadas as outras se-
em criar em vez de relatar as palavras de Jesus. Toda-
melhanças entre eventos essenciais e ensinamentos,
via, essa não é a conclusão lógica. Há pelo menos ou-
é difícil entender como a ausência de parábolas pro-
tras três explicações possíveis para as diferenças:
varia que 0 relato de João não é confiável. No entan-
to, quatro questões são levantadas:
1. Os sinóticos pode ser mais precisos que João;
Esse é um argu m en to b a se a d o no silêncio. O silên-
2. João pode ser mais preciso que os sinóticos.
cio nesse ponto não prova nada logicamente, exceto
3. Ambos podem relatar eventos diferentes
que João decidiu limitar sua obra a outros assuntos.
Ele pode ter feito isso de propósito, especialmente com precisão e alguns dos mesmos eventos
se seu evangelho foi 0 último a ser escrito. Não have- de maneiras diferentes. A evidência apóia a
ria razão para João ter de repetir 0 material já dispo- última alternativa.
nível. Com outros três evangelhos em circulação
durante vinte ou trinta anos, 0 propósito de João As p a la v r a s sã o em g ra n d e p a r te as m esm as. Se
pode ter sido complementar os relatos. Ele foi seleti- João é recente ou impreciso, por que ele às vezes
vo, indicando que aconteceu muito mais do que po- relata as afirmações de Jesus com as mesmas pala-
deria ser dito (20.30,31; 21.24,25). vras que os sinóticos? João e Marcos relatam que
Jesu s usa lin gu ag em p a r a b ó lic a em Jo ã o . Craig Jesus disse ao paralítico: “ Pegue a sua maca e vá para
Blomberg observa que, apesar de João não conter casa” (Mc 2.11; Jo 5.8). As palavras de Jesus aos discí-
parábolas narrativas, 0 livro mostra que Jesus gosta- pulos que 0 viram andando sobre a água são: “ Sou
va de metáforas e linguagem figurada ou proverbial eu! Não tenham medo!” (Mc 6.50; Jo 6.20). Quando
(Blomberg, p. 158). Jesus se identifica como 0 bom Jesus apareceu aos discípulos, disse: “ Paz seja com
pastor que tenta resgatar a ovelha perdida (10.1-16; vocês!” (Lc 24.36; Jo 20.19).
459 João, evangelho de

N o entanto, não é necessário para um relatório 0 B o m Pa sto r resgata seu rebanho (10.1-16; v.
c o n fiá v e l u s a r e x a ta m e n te as m e sm a s p a la v ra s , M t. 18.12-14; Lc. 15.3-7).
contanto que 0 m esm o significado seja transm itido . O Pa i revela 0 Filho; ning uém conhece 0 P a i se-
E m vário s pontos 0 teor do que Jesus disse é 0 mes- não 0 Filho (10.14,15; 13.3; 17.2,25; v. M t. 11.25-27).
m o em João e na passagem sinótica equivalente. Ao Jesus foi tentado a aban don ar 0 cam in h o da cruz
alim e n ta r a m u ltidão de 5 m il pessoas, Jesus disse: (12.27; v .M c 14.35,36).
“ M andem 0 povo assentar-se” (v. Jo 6.10) e M arcos C rer em Jesus significa crer no P a i (12.44,45; cf.
diz que Jesus “ o rd en o u que fizessem todo 0 povo M t 10.40; M c 9.37; Lc 10.16).
assentar-se” (6.39). E m João, Jesus defendeu a mu- O v e rd a d e iro d isc ip u la d o sig n ific a se rviço vo-
lh er que 0 un giu dizendo: “ Deixe-a em paz; que 0 luntário (13.4,5,12-17; v. L c 22.24-27).
guarde para 0 dia do m eu sepultam ento” (12.7). Mar- O discípulo não é m aio r que seu m estre (13.16; v.
cos escreve: “ D e rra m o u 0 p e rfu m e em m eu corpo M t 10.24; Lc 6.40).

antecipadam ente, preparando-o para 0 sepultamen- O E s p írito Santo dará aos discípulos sua mensa-
to” (14.8). Sobre a traição de Judas, Jesus disse em gem d ia n te das a u to rid a d e s (14.26; 15.26; v. M t.

João: “ D igo-lhes que c erta m en te u m de vocês me 10.19,20; M c 13.11).

tra irá ” (13.21). M arco s escreve: “ Digo-lhes que cer- Os discípulos serão expulsos das sinagogas (16.1-

tam ente u m de vocês m e trairá, alguém que está co- 4; cf. M t. 10.17,18; M c 13.9).

m endo com igo” (14.18). E m João 13.38, Jesus disse a Os d is c íp u lo s serão e s p a lh a d o s p elo m u n d o

Pedro: “ Você dará a vid a por m im ? Asseguro-lhe que, (16.32; v .M c 14.27).

antes que 0 gelo cante, você m e negará três vezes!” . Os cristãos têm au toridade para reter ou perdo-
ar pecados (20.23; v. M t. 18.18; Blom berg, p. 157-8).
E m Lucas, ele diz: “ E u lhe digo, Pedro, que antes que
0 galo cante hoje, três vezes você negará que m e co-
H á p a ss a g en s “jo a n i n a s ” n os sin óticos. M ateu s
11.25-27 registra um a típ ica passagem jo a n in a que
n h e c e ” ( L c 2 2 .3 4 ). A q u i Jo ã o c o n c o rd a com um
ap resen ta Jesus usand o 0 m esm o d iscu rso d ireto ,
sin ó tico e M a rc o s diverge, m e n cio n a n d o duas, ao
sem parábolas, que João atrib u i a ele. N a verdade, 0
invés de três vezes (M c 14.30). E m João 18.11, Jesus
texto parece tão jo an in o que, se alguém não soubes-
disse a Pedro: “ Guarde a espada!” . E m M ateus 26.52,
se que era de M ateu s, co n clu iria que veio de João.
disse: “ Guarde a espada!” .
Lu cas 10.21,22 tam bém tem estilo jo an in o . En tão , 0
Jo ã o re g istra e n sin a m e n to s e sp ecífico s que se
suposto estilo jo a n in o das p alavras de Jesus não é
assem elham m u ito aos evangelhos sinóticos:
exclusivo do evangelho de João. Pelo co ntrário , po-
Jesus é 0 “ Filho do hom em ” (1.51; 5.27; 8.28; v .M t
deria representar 0 estilo real de falar que Jesus usa-
9.6; 16.13; 20.18; M c 2.10; 8.31; 10.45; Lc 12.40; 19.10;
va freqüentem ente.
24.7, ao todo 80 ocorrências).
.45 d eclarações “Eu sou ” d e Jesus sã o diferentes do
Jesus ensinou com autoridade (2.18; 5.27; 10.18;
qu e Jesus disse nos sinóticos. Já que as sete afirm a-
v. M t 7.29; 9.6; 28.18; M c. 1.22,27; Lc. 4.32; 5.24).
ções“ Eu Sou” (4.26; 6.35; 8.12,58; 10.9,11; 11.25; 14.6)
E preciso nascer de novo para en trar no R ein o
são exclusivas de João, alguns a firm a m que é pouco
de Deus (3.3; v. M c 10.15).
p ro vável que Jesus tenha dito isso, pelo m enos dessa
A seara ab u n dan te espera os ceifeiros (4.35; v.
m an e ira.
M t. 9.37,38).
N a verdade, esse argum ento é um a faca de dois
O profeta não tem honra em sua p átria (4.44; v.
gumes. É possível argum entar igualm ente que as pala-
M c 6.4).
vras dos sinóticos não são confiáveis porque diferem
Jesus co rrigiu a tradição jud aica, principalm en-
das afirm ações joaninas. M as não é correto dizer que
te quanto ao sábado (5.9/7-16; 7.22,23; v . M t 12.1-13;
os sinóticos não tém afirm ações de Jesus usando essa
M c 2 .23-3:5; Lc 13.10-17).
identificação im plícita com yh w h do at. “Eu so u ” (do
Os incréd ulos serão julgados segundo suas obras
grego egõeim i) é baseado na proclam ação de Iavé de
(5.29; v.M t. 25.46). ser Deus no ai ( v. Dt 5.6; 32.39; S I46.11; Is.40— 45,passim).
Jesus é 0 Filho U nigênito de Deus, tendo 0 direi- Em M a te u s 11.25-27 e Lucas 10.21,22,os sinóticos usam
to de cham á-lo ' Λ Β Β % Pai (5.37; 17.11; v. M t 3.17; um estilo semelhante de expressão. A mais explícita é a
18.10; M c 14.36; Lc 3.22; 9.35; 23.46). afirmação de Jesus para 0 sumo sacerdote em M arcos
Jesus é a luz do m und o (8.12; v. M t 5.14). 14.62: “Sou egõeimi [0 C ris to ]” . N u m a dem onstração
Jesus ensinou, em parte, para endurecer os cora- de poder sem elhante a u m a epifania, Jesus disse aos
ções dos que se opunham a ele (9.39; v. 12.39,40; M c discípulos: “ Coragem ! Sou eul N ão tenh am m e d o !”
4.12; 8.17). (.Mc 6.50; grifo do au tor).
João, evangelho de 460

Além disso, onde João ou os outros autores teri- João apoiou 0 tema de Jesus (v. 20.30,31). Ambos fo-
am conseguido essa forma notável? Antigos autores ram escolhidos para serem incluídos no evangelho
apócrifos tentaram conformar seu estilo ao formato como evidências. Acontece que não há equivalência
que era aceito como genuíno. Nenhum outro líder entre as “afirmações” de João e as dos sinóticos. Por
religioso do século 1 usou afirmações como essas. A que deveria haver se ele está conscientemente
semelhança mais próxima vem da fonte judaica cha- complementando os sinóticos já disponíveis com base
mada D o c u m e n to d e D a m a s c o , encontrada em na riqueza de informações que “nem mesmo no mun-
Qumran. Nele está escrito: “ Buscas 0 Deus dos deu- do inteiro haveria espaço suficiente” (Jo 21.25)?
ses? Eu sou” , seguido no capítulo seguinte por “ Eu Há equivalência entre João e os sinóticos em al-
sou, não temais, porque antes dos dias existirem Eu gumas passagens, principalmente as que tratam dos
sou” (cit. em Stauffer, p. 179; observe como Deus faz sinais ou milagres que Jesus fez. Jesus andando so-
afirmações semelhantes em SI 46.2 e Is 43.1). bre a água e a multiplicação dos pães em João 6 e sua
O conteúdo das afirmações “ Eu sou” de João é ressurreição em João 20 aparecem nos sinóticos sem
sugerido nos sinóticos. Craig Blomberg observou variação significativa no registro de João. Se 0 livro
que os quatro evangelhos descrevem um homem não mostra adições inautênticas ou exageros na nar-
cujas palavras durariam para sempre, que perdoou ração dos sinais de Jesus, não há razão para duvidar
pecados, que relacionou 0 destino da humanidade de que João esteja relatando 0 que Jesus disse.
consigo mesmo, que exigiu lealdade absoluta, que Finalmente, foi João quem escreveu que Jesus
ofereceu descanso aos cansados e salvação aos per- prometeu a ativação divina da memória dos após-
didos, e que garantiu que Deus responderia às ora- tolos sobre “tudo 0 que [Jesus] lhes disse” (Jo 14.26;
ções feitas em seu nome (p. 166). O uso dessa expres- 16.13). Se as memórias foram sobrenaturalmente
são por parte de Jesus nos sinóticos e em João revela ativadas pelo Espírito Santo, não há nenhum proble-
sua reivindicação da divindade. Como Stauffer ar-
ma em entender como os autores dos evangelhos
gumentou: ‘“ Eu sou’ — significava: onde estou, ali
conseguiram reproduzir tão de perto 0 que Jesus
está Deus, ali Deus vive e fala” (Stauffer, p. 194-5).
disse décadas depois.
Argumentos a favor da autenticidade geral de
A con cisão d as afirm a ções d e Jesus d em on stra que
João se aplicam às passagens “ Eu Sou” . Não há uma
são p alav ra s de João. Outra alegação relativa ao esti-
boa razão para suspeitar que João e os sinóticos não
10 do discurso de Jesus é que a concisão demonstra
sejam independentemente autênticos. Essas passa-
a obra de um autor e de um redator. Isso ignora 0
gens conferem em todas as áreas principais de se-
fato de que nem todos os registros de João sobre as
melhança, muitas vezes até nos detalhes. João tam-
afirmações de Jesus são concisos (v. Jo 3.3-21; 5.19-
bém usa afirmações na terceira pessoa, como é co-
47; 6.26-58; 10.1-18). 0 sermão do “ Cenáculo” tem
mum aos sinóticos. Em João 10.1-7 ele obviamente
três capítulos (Jo 14— 16), competindo com 0 Ser-
volta para a primeira pessoa porque seus ouvintes
mão do Monte de !Mateus 5— 7 em extensão. João 17
não entendem 0 significado de sua ilustração na ter-
relata a oração mais longa de Jesus.
ceira pessoa.
Já os sinóticos registram afirmações breves de
Cristo. Mateus fornece 0 vigoroso “ Dêem a César 0
“Eu lhes asseguro que aquele que não entra no aprisco das
que é de César e a Deus 0 que é de Deus” (22.21).
ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assai-
Marcos registra: “ Tudo é possível àquele que crê”
tante” [...] Jesus usou essa comparação, mastJes não compre-
enderam 0 que lhes estava falando. Então Jesus afirmou de (9.23), e Lucas: “ Nem só de pão viverá 0 homem”
novo: Digo-lhes a verdade: “Eu sou a porta das ovelhas”. ( Jo (4.4). Observe declarações como as de Lucas 18.27;
10.1,6,7;grifodo autor). 23.34,43,46.
Por que a concisão seria sinal de inautenticidade?
Jesus pode ter usado 0 estilo mais curto e sim- O mesmo argumento poderia ser usado para con-
pies citado por João em várias ocasiões para dar cluir que Abraham Lincoln não fez 0 discurso de
ênfase ou quando os ouvintes não entendiam. Gettysburg. Sem dúvida houve ocasiões em que Je-
Já que João enfatiza 0 antagonismo entre os lide- sus falou extensamente e ocasiões em que suas pala-
res judeus e Jesus (v. Jo 5.16,18; 7.1; 10.31 etc.), é com- vras foram claras e sucintas.
preensível que afirmações como “ Eu Sou” ocorram João mostra atenção cuidadosa com a precisão
em João. das palavras de Jesus. Ele separa 0 que Jesus falou
Não há provas de que João tenha criado os sete (que os discípulos geralmente não entendiam) do
“Eu Sou” ou os sete “sinais” (milagres) com os quais que os discípulos só entenderam mais tarde. Jesus
461 João, evangelho de

disse: “ Destruam este templo, e eu 0 levantarei em Melhor ainda, não há razão pela qual Jesus não pu-
três dias” . João acrescenta: “ Depois que ressuscitou desse ter dito amên, amên nessas ocasiões, assim
dos mortos, os seus discípulos lembraram-se do que como João registra. Não há passagens equivalentes
ele tinha dito. Então creram na Escritura e na pala- nos sinóticos que contradigam isso.
vra que Jesus dissera” (Jo 2.19,22; v. 20.9). O que Jesus Há diferenças de vocabulário em João. Aproxima-
realmente disse, no entender de João, é separado do damente 150 palavras de Jesus em João não são en-
que os outros discípulos acharam que ele disse contradas nos outros evangelhos (Carson, p. 45). Mui-
(21.22,23). Outros evangelhos fazem a mesma dis- tas delas são tão gerais que Jesus deveria ter dito essas
tinção (v. Mc 3.30). Então, a concisão das afirmações palavras como parte do seu discurso normal, se é que
registradas em João não é sinal de que Jesus não as usou. Isso é oferecido como evidência de que João
disse essas coisas. criou, não relatou, 0 que Jesus disse.
A frase “Digo a verdade ” [gr.,amên, amên] são ex- Tal argumento ignora 0 fato de que qualquer
clusiva de João. Mais uma vez os críticos supõem que comunicador respeitado usa palavras de acordo com
0 uso exclusivo de João: “ Digo a verdade” , nas afirma- a ocasião. E já que em geral se aceita que Jesus falava
ções de Jesus indica que Jesus jamais usou essa forma aramaico, há espaço para alternativas de palavras no
de ênfase (Jo 1.51; 3.3,5,11; 5.19,24,25; 6.26,32,47,53; grego pelo autor como tradutor. Tudo isso levanta a
8.34,51,58; 10.1,7; 12.24; 13.16,20,21,38; 14.12; 16.20,23; questão que se aplica a vários argumentos sobre as
21.18). Essa expressão não é usada nos sinóticos, mas afirmações de Jesus nos evangelhos. Um discurso ou
“Asseguro-lhe que...” [amên, amên/ego soi] (Jo 13.38) é diálogo pode ser relatado literalmente ou numa ver-
semelhante a Asseguro-lhe que...” [amên, amên/ ego soi] são condensada (Westcott, cxv-cxix). O estilo e 0 pro-
(Mt 26.34 e Mc 14.30). O uso duplo pode indicar ên- pósito do relato podem variar. Carson escreve:
fase (v. Blomberg, p. 159).
Em alguns casos reter 0 estilo de umdiscurso pela inclu-
Não há razão para supor que Jesus não tenha
são de uma variedade de frases egracejos literais pode ser im-
falado dessa forma na ocasião. Os discursos de Jesus
portante; em outros, pode ser bem mais estratégico enfatizar
em João geralmente são de épocas diferentes (co-
0 argumento essencial eesboçá-lo, ainda que alinguagemusada
meço e final do ministério) e de lugares diferentes
seja bem diferente da linguagem do discurso original (p. 46).
(Judéia, em vez da Galiléia), e até para pessoas dife-
rentes (p.ex., a mulher samaritana, que não tinha as
Logo, muitos teólogos conservadores estão dis-
mesmas expectativas políticas falsas acerca do Mes-
postos a aceitar que nem todas as afirmações de
sias que os judeus — 4.25,26 (v. Carson, p. 58). João
Jesus devem estar preservadas ipsissima verba (nas
apresenta mais conversas particulares que os
palavras exatas), mas apenas ipsissima vox (com 0
sinóticos. João registra a conversa particular de Je-
mesmo significado).
sus com Nicodemos (cap. 3), com a mulher no poço
O tempo e outras características gramaticais tam-
(cap. 4), com a mulher adúltera (cap. 8) e para os
bém influenciam a escolha de palavras, como Carson
discípulos (caps. 13— 16). Durante seu ministério
observa. Se 0 “presente histórico” é bastante usado na
Jesus evitava fazer afirmações públicas explícitas
narrativa, mas com pouca freqüência nos discursos,
quanto ao fato de ser 0 Messias. Mas ele não hesitou
demonstra que 0 padrão não apóia teorias de fontes
em fazê-lo em particular (4.25,26) e perante 0 sumo
contemporâneas quê tentam dar a essas passagens
sacerdote (Mc 14.61-65). Jesus usava a linguagem
redatores diferentes (Carson, p. 45).
adequada à ocasião. O argumento contra a autenticidade dessas afir-
Alguns teólogos evangélicos sugerem que João mações é uma forma de petição de princípio. O proble-
fez uso duplo de em verdade {amên) por motivos ma só existe porque esses modos diferentes de expres-
homiléticos. Por trás dessa teoria está a alegação de são encontrados em João não são considerados na fixa-
que 0 evangelho de João foi composto como um ção do que constituiu 0 estilo de Jesus. Mas isso é um
sermão (v. 20.30,31). D. A. Carson argumenta assim paralogismo porque presume que as expressões de João
(p. 46). Conseqüentemente, Jesus pode ter realmente não são parte da maneira autêntica de Jesus falar.
dito amên, mas João duplicou 0 termo como recurso O registro e a ordem dos eventos diferem. Outro
retórico. Embora isso seja possível, parece melhor argumento contra a confiabilidade do registro de
concluir que qualquer duplicação resultou do dese- João é que a ordem dos eventos às vezes é diferente.
jo do autor de expressar para 0 leitor uma ênfase A maior parte de João 1— 17 e 21 não aparece em
que apenas uma testemunha auricular poderia ter nenhum dos outros evangelhos, então a seqüência
detectado no tom de voz de Jesus quando ele falou. relativa não é problema.
João, evangelho de 462

João descreve a purificação do templo durante 0 0 Espírito unge Jesus como João testemunhou (Jo 1.32;
início do ministério de Jesus (2.13-22), mas ela é Mc 1.10).
colocada no final pelos sinóticos (v. Mc 11.15-19). A multidão de 5 mil é alimentada (Jo 6.1-15; Mc 6.32,33).
Jesus estava cumprindo profecias quando conde- Jesus anda sobre a água (Jo 6.16-21; Mc 6.45-52).
nou 0 comércio no templo. Ele chamava a atenção
quanto à expansão do Reino para 0 mundo gentílico. Gerhard Maier acrescenta algumas semelhanças
Então é bem provável que Jesus tenha feito isso duas entre João e Mateus (cit. em Blomberg, p. 159). Isso é
vezes, no início de seu ministério e depois que che- bem interessante, pois Mateus geralmente é conside-
gou à cidade para luta final. Isso é apoiado pelas rado pelos críticos um dos menos semelhantes a João.
diferenças nos relatos. João não fala da hostilidade
aberta da liderança do templo, como !Marcos, que Ambos usam citações do at e anunciam seu cum-
sugere que essa purificação final reforçou sua in- primento.
tenção de matá-lo, “pois 0 temiam, visto que toda a Ambos registram a freqüência, extensão, locali-
multidão estava maravilhada com 0 seu ensino” (Mc zação e natureza instrutiva de sermões extensos de
11.18). Esse antagonismo das autoridades caracteri- Jesus.
zou 0 final do ministério de Jesus. O fato de Jesus Ambos apresentam discursos de despedida ela-
usar 0 mesmo texto do a t para repreendê-los não borados (0 Cenáculo e 0 discurso no Monte das Oli-
deve causar surpresa, já que os confrontava pelos -veiras).
mesmos pecados (v. Mt 4.4,7,10). Ambos enfatizam a instrução particular dos dis-
Nenhum dos evangelhos afirma ter sido escrito cípulos.
em ordem cronológica. O tema, não a seqüência, dita Ambos citam um propósito evangelístico, com
a ordem do texto. Na cronologia geral, se uma 0 evangelho sendo oferecido “primeiro ao judeus e
perícope do mesmo evento é colocada num lugar depois a todos os gentios” .
diferente, ela pode servir a um propósito literário João tem um a cristologia recente. Uma razão mui-
ligeiramente diferente. Mateus e Lucas colocam os tas vezes afirmada para rejeitar a precisão de João
três eventos da tentação numa ordem diferente (v. no relato das afirmações de Jesus é a suposta
Mt 4 e Lc 4). O argumento de que a seqüência de cristologia “posterior” e “altamente desenvolvida” ,
João demonstra ser um registro posterior e pouco que enfatiza a divindade plena de Jesus (p.ex.: Jo 1.1;
confiável está errado. Poderia ser material comple- 8.58; 10.30; 20.29). Essa objeção baseia-se numa vi-
mentar ou escrito com temas diferentes em mente. são dialética infundada do desenvolvimento doutri-
A despeito da seqüência, os eventos que João têm nário. Críticos, seguindo F. C. Baur, atribuem a visão
em comum com os sinóticos demonstram seme- desenvolvimentista hegeliana (v. Hfcf.l, G. W. F.) ao
lhança considerável até nos detalhes, conforme de- registro evangélico (Corduan, p. 90-2). Eles come-
monstrado por Blomberg (p. 156-7): çam com a teoria de que João deve ter sido posteri-
or, já que suas visões eram uma síntese do conflito
Em ambos, Jesus dá visão ao cego, ressuscita os mortos e anterior entre a tese de Pedro e a antítese de Paulo.
cura 0 filho de um oficial à distância (Jo 4.46/7-54; Lc 7.1-10) Mas essa teoria de tese-antítese é indefensável.
Em ambos, Jesus desafia as interpretações da lei sobre 0 Marcos (considerado pela maioria desses mes-
sábado (Jo 9.6-7; Mc 8.23-25). mos críticos 0 primeiro evangelho) faz afirmações
Ambos mencionam Jesus recusando-se a fazer milagres de divindade por e sobre Cristo. Por exemplo, quan-
simplesmente para satisfazer seus inimigos (Jo 6.30-34; Mc do Jesus afirmou perdoar os pecados, os fariseus
8.11-13). viram isso como afirmação de divindade e respon-
Ambos relatam tentativas de prender Jesus que falharam deram: “ Por que esse homem fala assim? Está blasfe-
(Jo 8.59; 10.39; Lc. 4.29,30). mando! Quem pode perdoar pecados, a não ser so-
Ambos descrevem sua amizade com Maria e Marta (Jo mente Deus?” (Mc 2.7). E quando perguntaram a
11.20; 12.2,3; Lc 10.38-42). Jesus sob juramento se ele era 0 Messias (que se-
Em ambos, ele é acusado de estar possuído (Jo 10.19-21; gundo 0 at seria Deus — SI 45.8; Is 9.6; Zc 12.10),ele
Mc 3.22). respondeu claramente: “ Sou. [...] E vereis 0 Filho do
Em ambos, João Batista é a voz do que clama no deserto de homem assentado à direita do Poderoso vindo com
Isaías40.3 e 0 predecessor do Messias (Jo 1.23; Mc 1.2,3). as nuvens do céu” (Mc 14.62). A resposta reconhece
O batismo de João com água é comparado ao futuro batis- claramente sua afirmação de ser Deus, e 0 Sinédrio
mo do Messias com 0 Espírito (Jo 1.26,27,33; Mc 1.7,8). usou isso para condenar Jesus por “ blasfêmia”
463 João, evangelho de

(v. 64). Fora dos evangelhos, a epístola de Paulo aos equivalentes a Lucas, e Lucas discute seu próprio
romanos (c. 56), que é considerada por muitos como método historiográfico e precisão (v. A to s , h isto ri-
anterior aos evangelhos, tem uma descrição forte da CIDADE D E ):

divindade de Cristo, proclamando-o “ Deus acima


de todos” (Rm 9.5). Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que
Muitas das afirmações mais fortes da divindade se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos por
de Jesus aparecem no contexto em que ele é desafi- aqueles que desde 0 início foram testemunhas oculares e ser-
ado ou confrontado pela multidão. Embora isso se vos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente,
aplique a João e aos evangelhos sinóticos (v. Mc 2.7- desde 0 começo, e decidi escrever-te um relato ordenado, ó
10; 14.61,62; Jo 10.24,30-33), João enfatiza 0 antago- excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das coisas
nismo dos “judeus” (v. Jo 5.16,18; 7.1; 10.31). É com- que te foram ensinadas (Lc 1.1-4).
preensível que ele desse atenção especial às afirma-
ções claras de divindade. Se Mateus e Marcos contam substancialmente a
O propósito principal dos sinóticos não era mesma história que Lucas, então, são tão confiáveis
enfatizar a divindade de Cristo. A ênfase judaica de historicamente quanto Lucas. E se 0 material equi-
Mateus foi dada ao esperado Messias. Marcos valente de João não diverge em substância dos
enfatizou Jesus como Servo (Mc 10.45). Lucas desta- sinóticos, 0 ônus da prova está com os críticos para
cou a humanidade de Jesus. O propósito claro de mostrar razões sólidas pelas quais 0 testemunho do
João era mostrar Jesus, 0 Deus encarnado (1.1,14; apóstolo não deva ser considerado historicamente
20.31). Não é surpresa que haja mais afirmações de confiável (v. Novo Testam ento, h isto ricid ade do).
divindade nesse evangelho. No auge dele, João relata As diferenças no uso da linguagem entre João e os
que Tomé declarou a divindade de Cristo, procla- sinóticos podem ser explicadas em grande parte pela
mando‫־‬o “ Senhor meu e Deus meu” (20.28). Se isso localização (Judéia), data (início e fim do ministério)
não for exato, então João interpreta mal 0 ponto cen- e natureza (muitas conversas particulares). As afir-
trai de seu livro, que os milagres de Jesus levaram os mações “ Eu Sou” podem ser interpretadas como afir-
discípulos a reconhecer a verdadeira identidade dele mações mais curtas e simples que Jesus fez para os
como Deus (v. 20.28-31). que não 0 entenderam a princípio. Na verdade, 0 fato
C o n clu sã o . Os argumentos contra a autentici- de 0 registro de João ser tão íntimo, vivo e detalhado
dade das afirmações de Jesus no evangelho de João defende firmemente sua autenticidade.
parecem baseados mais em suposições filosóficas a O elo de João no argumento apologético é um
priori que na evidência histórica e textual. Há expli- dos mais fortes da corrente. Na verdade, é 0 único
cações razoáveis para as diferenças com base em evangelho que afirma ser escrito por um apóstolo e
onde, quando, para quem e sob quais circunstâncias testemunha ocular (Jo 21.24,25). Carson conclui:
Jesus falou. A maioria delas é explicada pela premis-
sa razoável de que João escreveu um evangelho pos- É totalmente plausível que Jesus às vezes tenha falado no
terior e conscientemente suplementar. Ele delibera- estilo que denominamos “joanino” ,e que 0 estilo de João te-
damente evita repetir 0 que os outros evangelhos nha sido até certo ponto influenciado pelo próprio Jesus. Quan-
disseram a nâo ser que fosse realmente importante do toda evidência é reunida, não é difícil acreditar que, quando
para 0 tema. Como foi visto nas áreas de sobreposição, ouvimos a voz do evangelista na sua descrição do que Jesus
as passagens equivalentes entre João e os evangelhos disse, estamos ouvindo a voz do próprio Jesus (Carson, p. 48).
sinóticos são substanciais.
Não há evidência real de que João tenha criado, Fontes
em vez de relatado, 0 que Jesus disse. Pelo contrário, C. B lo m berg , The historical reliability of the Gospels.
0 registro de João é tão intenso, vivo, particular, de- F. F. B r c c e , Merece confiança 0 Xovo Testamento?
talhado e pessoal que apresenta 0 testemunho ínti- D. F. Carson‫־‬, The Gospel according to John.
mo, de primeira mão, por parte do autor. Há razão W. C o r d l a n , “ T r a n s c e n d e n t a lis m : H e g e l” , e m

para crer que João preservou as palavras originais Biblical errancy: its philosophical roots, N. L.
de Jesus ou 0 mesmo significado, até mesmo as pa- GE!SLER,0rg,

lavras exatas. R, T. F r a n c e , The evidence for Jesus.


As razões para aceitar a autenticidade do evan- N. L. GlI'Ler, Christian apologetics.
gelho de João são tão boas ou melhores que as que D.G i ' t h r ie , .Y e n ‫ ׳‬Testament introduction: the Gospels
apóiam os sinóticos. Tudo pode ser aceito em sã and Acts.
consciência como histórico. Mateus e Marcos são I. H. M arsha ll, I believe in the historical Jesus.
Justino M ártir 464

J. A. T. RoBixsnx, Redating the AVir Testament. eles pela investigação e intuição, conforme a parte do Verbo
E. S t a u f f e r , Jesus and his story. que lhes coube. Todavia, como eles não conheceram 0 Verbo
R. L. T h o m a s ,4 harm ony o f the Gospels. inteiro, que é Cristo, eles freqüentemente se contradisseram...
B. F. W f.s t c o t t , The Gospel according to St. John, v. 1. (Segunda apologia, 10.3).

Os ensinamentos cristãos “ [são] superiores a toda


Josefo. V. F la v io Josefo. filosofia humana” (ibid., 15.3). Justino afirmou que
ninguém confiava em Sócrates 0 suficiente para
Josué, dia longo de. V. ciência e a bíblia. morrer por ele, como muitos morreram pelos ensi-
namentos e presença de Cristo (ibid., 10.7).
judaísmo. V. B íb lia , evidências da; C risto , divindade de; Como muitos outros pais da igreja primitiva,
C ris to , m ilag res de; T rin d a d e ; p ro fecia como prova da Justino acreditava que a verdade existente na filoso-
B íb lia . fia grega era emprestada da revelação divina das Es-
crituras hebraicas ( Primeira apologia 60.1 -10). Na me-
Justino Mártir. Um dos apologistas cristãos (v. clás- lhor das hipóteses, a filosofia grega continha apenas
sica, a p o lo g é tica ) do início do século 11 (1 0 0 [?]- 1 6 4 ). verdades parciais e obscuras, mas 0 cristianismo
Era filho de pais pagãos de Samaria. Converteu-se ao continha a verdade de forma completa e clara- Logo,
cristianismo em 130. Depois lecionou em Éfeso, onde “ tudo 0 que de bom foi dito por eles, pertence a nós
se envolveu num debate e escreveu Diálogo com Trifão cristãos” (Segunda apologia, 13.4).
(c. 130). Posteriormente, abriu uma escola cristã em Visão d a ressu rreiçã o . Como Justino estava tão
Roma. Ali escreveu sua Primeira apologia (c. 155). A próximo cronologicamente dos apóstolos, e como a
Segunda apologia (c. 161) foi voltada para 0 senado ressurreição é tão crucial para 0 cristianismo, sua
romano. Sua ênfase na filosofia grega e na razão le- visão da ressurreição é bastante interessante (v. res-
varam algumas pessoas a concluir equivocadamen- surrf.ição, evidências da).
te que ele era racionalista. Como outros pais da igre- A ressurreição é possível. Contra os que negavam
ja primitiva, Justino acreditava na inspiração e auto- a ressurreição, Justino confrontou os que se diziam
ridade divina das Escrituras. crentes, mas consideravam impossível que Deus res-
S u p o sto ra c io n a lis m o . Citada como evidência suscitasse os mortos. Deus, disse ele, havia demons-
de seu suposto racionalismo é a afirmação de Justino trado seu poder ao criar 0 primeiro homem, “pois
de que até os gregos que “viviam uma vida razoável ele foi feito do pó por Deus [...] agora estamos de-
e honesta” conheciam Cristo, 0 Logos (2 .8 ). Ele che- monstrando que a ressurreição da carne é possível”
gou ao ponto de dizer que Cristo “é 0 Verbo, do qual (.Ante-Nicene fathers, 1.294-9). Justino declara:
todo 0 gênero humano participou. Portanto, aqueles
que viveram conforme 0 Verbo são cristãos, quando Que os incrédulos se calem, apesar de eles mesmos não
foram considerados ateus...” (Prim eira apologia, crerem. Mas, em verdade, ele chamou a carne à ressurreição, e
4 6 .2 ,3 ). promete a ela vida eterna. Pois, quando ele promete salvar 0
O papel da razão. Apesar dessas citações, é in- homem, faz a promessa para a carne ( Justino, cap. 8 ).
fundado concluir que Justino acreditava que os pa-
gãos poderiam entrar no Reino por meio da filoso- A ressurreição física (v. re ssu rre içã o , natu reza físi-
fia. Seus críticos interpretam mal sua visão sutil de Justino admitiu que havia pessoas que afir-
ca d a ).
FÉ E RAZÃO. mavam que Jesus apareceu apenas como espírito,
Justino afirmou enfaticamente que sua fé estava somente com aparência de carne. Tais pessoas rou-
em Cristo, não em Sócrates: estava no cristianismo, bavam uma grande promessa feitas aos cristãos:
não na filosofia. Escreveu: “ E a Razão correta [Cris-
to], quando veio, provou que nem todas as opiniões Se a ressurreição fosse apenas espiritual, seria necessário
nem todas as doutrinas são boas, mas que algumas que ele, ao ressuscitar dos mortos, mostrasse 0 corpo separa-
são más, enquanto outras são boas” (ibid., 2.9 ). Justino do de si, e a alma vivendo separada dele. Porém ele não fezisso,
acreditava que 0 cristianismo era superior à filoso- mas ressuscitou 0 corpo, confirmando nele a promessa de vida
fia grega, declarando: (ibid., cap. 2 )

Portanto, a nossa religião mostra-se mais sublime do que Caso contrário, por que Cristo ressuscitou no
todo 0 ensinamento humano [...] tudo 0 que os filósofos ele- corpo em que havia sido crucificado e deixou os
gisladores disseram e encontraram de bom, foi elaborado por discípulos tocarem seu corpo quando duvidaram?
465 Justino Mártir

E eles foram convencidos por todo tipo de prova que era e necessidade da revelação divina. No entanto, não há
ele mesmo, e no corpo, pediram que comesse com eles, para dúvida de que Justino, como os apologistas clássicos
que comprovassem com mais precisão que ele realmente depois dele, usaram a razão para explicar e defender a
havia ressuscitado corporalmente (ibid., cap. 9). fé cristã (v. clássica, apologética).

Justino Mártir observou que Jesus também provou Fontes


a possibilidade de a carne subir ao céu, mostrando que H. C h a d w i c k , “ Justin Martyr’s defense of Christianity” , b ! r l 47
0 lar do corpo físico da ressurreição dos cristãos está (1965).
no céu: “A ressurreição é uma ressurreição da carne F. L. C r o s s , The Oxford dictionary o f the Christian church.
que morreu. Pois 0 espírito não morre; a alma está no J u s t i n o M á r t i r , “Apologia” , em A. R o b e r t s e J. D o n a l d s o n ,
corpo, e sem a alma não pode viver” (ibid., cap. 10). org., The ante-Nicene fathers, v. 1.
C o n c lu s ã o . Os primeiros apologistas, como ___ , Diálogo com Trifão
Justino, não eram tão sistemáticos quanto os apoio- ___ , Primeira Apologia.
gistas posteriores como Tomás de Aquino. No entanto, ___ ,“ Fragments of the lost work of Justin on the resurrection” ,
Justino estava longe de ser racionalista quanto ao uso em A. R o b e r t s e J. D o n a l d s o n , org., The ante-Nicene fathers, v. 1.
da razão. Ele acreditava firmemente na superioridade ___ , Segunda Apologia.
Kk
Kabir. Mestre e reformador religioso indiano que Karim. 0 politeísmo é uma ilusão ( m aya ). Ao con-
viveu no século xv no norte da índia. Rebelou-se con- trário do hinduísmo e do islamismo, ele acreditava
tra 0 sistema de castas do hinduísmo (v. hindui'smo que a salvação era pela fé, não por obras. Na busca de
ved an ta) e gerou várias seitas, a últimas das quais foi 0 Deus, um guia é necessário. No entanto, tal mestre
siquismo. Seus discípulos eram chamados kabirpanthis
não deve ser aceito cegamente sem ser testado. Já
e procediam do hinduísmo e islamismo. que todos devemos nossa existência ao mesmo Deus,
É claro que Kabir era odiado por hindus e por
devemos demonstrar ternura a todos que vivem.
muçulmanos. Brámanes 0 censuravam por ser sócio
Um ensinamento importante de Kabir é a dou-
de uma mulher de má fama. Foi denunciado pelo rei
trina do Sabda, ou 0 Verbo. Qualquer pessoa que quei-
de Déli por supostamente afirmar sua divindade. Ele
ra conhecer a verdade deve abandonar os vários ver-
morreu em Maghar, perto de Gorakhpur. Seus segui-
bos e seguir 0 Verbo. O Verbo é a porta para a verda-
dores acreditam que ele era a encarnação da divin-
dade que sua mãe encontrou flutuando sobre uma de. Ele disse: “ Eu conheço 0 Verbo, que me mostrou
flor de lótus (v. apoteose; divinos, h istó ria s de nascimen- 0 [Deus] invisível” (Burn, p. 633).
to s ). Também há lendas sobre sua mãe ter sido uma A suposta ressu rreiçã o d e Kabir. Depois de sua
virgem, ou que ele nasceu da mão de sua mãe quan- morte em 1518, seus seguidores muçulmanos e hindus
do ela era viúva. dividiram-se quanto à cremação de seu corpo, práti-
Kabir não deixou obras literárias, mas inspirou ca que os hindus favorecem e os muçulmanos conde-
parelhas de versos, hinos, poemas e odes (encontra- nam. Acredita-se que 0 próprio Kabir apareceu para
dos no Khas Grantha). Cerca de cinqüenta anos após resolver a controvérsia. Quando ordenou que tiras-
sua morte, muitos ditados de Kabir foram compila- sem 0 pano colocado sobre seu corpo, descobriram
dos por Bhago Das. Vários deles estão incluídos no apenas flores. Seus seguidores hindus queimaram
texto sagrado sique A di Granth. Provavelmente foi metade das flores e os muçulmanos enterraram a ou-
discípulo de Ramanand, da escola de pensamento tra metade. Há problemas significativos com a tenta-
Viasnava. Seu ensinamento foi uma das principais
tiva de comprovar tais afirmações. E as diferenças
fontes inspiradoras de Nanak Shah, 0 fundador do
entre elas e a ressurreição de Cristo são decisivas (v.
siquismo. Foi um dos primeiros pensadores a tentar
RESSURREIÇÃO, EVIDÊNCIAS DA; RESSURREIÇÃO EM RELIGIÕES NÃO-
influenciar 0 hinduísmo e 0 islamismo. Tinha algum
CRISTÃS, AFIRMAÇÕES DE).
conhecimento de sufismo, seita mística do islã (v.
islamismo; misticismo).
Fontes
Não se sabe ao certo se ele acreditava num céu
R. B1'rx, “ Kabir, Kabirpanthis” , e m ere.
ou in fe rn o distintos. Acreditava, no entanto, na reen-
carnação. Seus seguidores acreditam que as almas ___ ,“ Sikhs, Siks, Sikhism” , em The new

vão ou para 0 céu ou para inferno entre as encarna- Schaff-Herzog encyclopedia.

ções (Burn, p. 633). Kabir era anti-ritualista. Rejeita- G. H aberm as, “Resurrection claims in non-Christian

va os símbolos externos e práticas do hinduísmo. religions” , r s 25 (1989).

Ele também era teísta, crendo no ser supremo cha- ___ , “ Did Jesus perform miracles?” , em M.

mado Ram. Seu Deus tinha vários nomes: Ram, Ali e W il k in s , o rg ., Jesus underfire
Kahler, Martin 468

Kahler,Martin. Martin Kahler (1835-1912) estudou nas Escrituras. Ele simplesmente insistiu em que nem
teologia em Heidelberg, Tübingen e Hãlle e foi pro- as fontes evangélicas nem os métodos naturalistas do
fessor na Universidade de Hãlle. Referiu-se certa vez historiador são adequados para produzir uma biogra-
a seus estudos com F. C. Baur em Tübingen como fia verdadeira do Jesus real (ibid., p. 93). Não negou que
um “ banho frio crítico” (v. Strimple, p. 90). Suas prin- os evangelhos apresentam “um retrato confiável do Sal-
cipais obras em teologia foram Die Wissenschaft der vador para os crentes” (ibid., p. 94).
christlichen Lehre [A sabedoria da doutrina cristã], Kahler enfatizou que 0 uso dos princípios de ana-
1883 e Geschichte der protestantischen Dogmatik itn logia de Ernst T roelsch não podem revelar 0 Jesus real.
19. ]ahrhundert [História da dogmática protestante Isso exige analogias no presente por meio das quais
no século x1x](pub. 1962). Sua obra mais influente, O se pode entender 0 passado (v. analogia , princípio da;
denominado Jesus histórico e 0 Cristo histórico e bíbli- história , objetividade da ) . “A distinção entre Jesus Cristo

co (1892) foi traduzida para 0 inglês em 1964. e nós mesmos não é de grau, mas de gênero” (ibid.).
Kahler é considerado 0 ímpeto para a “segunda Logo, os cânones da história naturalista jamais
busca” pelo Jesus histórico (v. Cristo da fé rs. Jesus da podem descobrir 0 Filho encarnado de Deus.
história; busca do Jesus histórico). Kahler atacou a ten- “ Kahler tentou livrar 0 cristão da tirania do es-
tativa do século xix de reconstruir 0 Jesus da história pecialista, do papado, do erudito” , escreve Strimple
como exercício de especulação. Ele afirmou que 0 (ibid., p. 95). Ele perguntou:
“ Cristo real” era 0 Cristo da fé, não 0 Jesus que é 0
resultado da suposta pesquisa histórica (v. Bíblia, crí- Nós [crentes] devemos esperar depender da autoridade
tica da). O Cristo real é 0 Cristo do kerygma (procla- dos homens estudados quando 0 assunto se refere à fonte da
mação) cristão, que está disponível a todos. qual eles devem tirar a verdade para suas vidas? Não posso
As teorias de Kahler deram ímpeto a conserva- confiar nas probabilidades ou na massa volúvel de detalhes,
dores e liberais. Os liberais e neo-ortodoxos aceitam cuja confiabilidade muda constantemente (Kahler, p.
sua conclusão de que a fé não pode depender da 109,111).
pesquisa histórica (v. fid eísm o ). Os conservadores re-
gozijaram-se por seu repúdio às tentativas de sepa- Isso lembra Gotthold Lessing e sua “ vala feia” ,
rar 0 Jesus da história do Cristo da fé. bem como a questão posterior de S0ren K ie r k e g a a r d :
M á i n t e r p r e t a ç ã o d e K a h le r. Kahler é 0 pai da “ Como algo de natureza histórica pode ser decisivo
distinção alemã entre 0 Jesus “ histórico” para a felicidade eterna?” (Kierkegaard, p. 86). Mas
(historisch) e 0 Cristo “ histórico” (geschichtlich). Kahler jamais compreendeu sua teoria no sentido
No entanto, é duvidoso que ele quisesse que essa em que B ix t m a n n e críticos posteriores interpreta-
distinção fosse usada como tem sido usada pelos ram 0 Cristo da fé contra 0 Jesus da história.
críticos do n t . Quando Kahler referiu-se ao “de- C on fiável, m a s n ã o infa lível. Kahler rejeitava a
nominado” Jesus histórico, tinha em mente 0 Je- inspiração verbal e infalibilidade das Escrituras (v.
sus reconstruído que resultou da crítica liberal, B íb l ia , ev id en c ia s da ), que denomiou “ fé autoritária”
não 0 Jesus do século 1. Como Robert Strimple (Kahler, p. 72). Ridicularizou a idéia de que apenas a
disse: infalibilidade das Escrituras com relação a todo as-
sunto incidente poderia garantir sua confiabilidade
O tratado de Kahler e seu título são mal empregados sobre 0 ponto central. Acreditava que devemos “abor-
quando usados para apoiar a distinção do século xx entre “0 dar a Bíblia sem teorias detalhadas sobre sua natu-
Jesus da História” e “0 Cristo da fé” . reza e origem” . A tradição do evangelho era “ ineren-
temente falível” e a Bíblia como livro “contém” a
Carl E. Braaten disse na sua “ Introdução” à tra- revelação de Deus (Kahler, p. 91,106,112-4).
dução inglesa de 0 denominado Jesus histórico: Afirmava no entanto que a Bíblia é 0 único meio
suficiente para chegar ao “porto seguro” da fé no
O “Jesus histórico” não é 0 Jesus terreno como tal, mas Cristo vivo. Pois “quanto mais convivência a pessoa
sim 0 Jesus que pode ser feito objeto da pesquisa histórico- tem com a Bíblia, mais ela descobre que 0 poder de
crítica. O termo tem referência primária ao problema do co- atração do Salvador converge com a autoridade da
nhecimento histórico e não pretende negar ou desvalorizar a Bíblia” (ibid., p. 76). Acrescentou: “ Fomos precipita-
historicidade da revelação (Strimple, p. 92). dos em seguir 0 conselho de Lessing de ler a Bíblia
como lemos outros livros” (ibid., p. 123).
Kahler jamais negou a confiabilidade histórica do Segundo Kahler, a Bíblia apresenta um retrato ge-
nt . Não rejeitou a descrição geral de Cristo apresentada ralmente confiável do Cristo histórico.
469 kalam, argumento cosmológico

0 retrato bíblico de Cristo, tão real e único além da imagina- de separar fatos e fé é tratada em artigos como fideísmo;
ção, não é uma idealização poética originada na mente humana. fé e razão e K a n t , Im m anuel. A tentativa de construir
A realidade do próprio Cristo deixou sua marca indelével sobre um muro entre a fé e a história é discutida nos artigos
seu retrato (ibid., p. 79-90,95). C risto da fé vs. Jesus da h istó ria e Jesus, Sem inário.
Apesar de ser verdade que a fé no final das con-
Essa impressão de Cristo é encontrada novamen- tas não é baseada no histórico, mas no Deus que a
te no “retrato panorâmico” da Bíblia, não no retrato evoca, isso não significa que a fé cristã não seja
minucioso: enfatizada e apoiada pelo histórico (v. E s p írito San-
to na a p o lo g é tica , papel d o ). Is s o também não signi-
Nos evangelhos, não detectamos nenhuma tentativa ri- fica que a revelação de Deus que evoca a fé verda-
gorosa de precisão da observação ou de preservação de deta- deira não seja mediada pelo histórico. Deus é a
lhes [...] No entanto, a partir dessas tradições fragmentadas, causa primária e remota, mas os dados históricos
lembranças parcialmente compreendidas, essas descrições sobre Cristo são a causa secundária e intermediária
coloridas pelas personalidades individuais dos autores, con- que evocam a fé.
fissões profundamente sentidas, sermões que 0 proclamam
Salvador, sentimos 0 olhar fixo da imagem viva e coerente de Fontes
um Homem, uma imagem que jamais deixamos de reconhe- G. Blomberg, The historical reliability o f the Gospels.
cer. Em suas ações e vida incomparáveis (inclusive suas apa- M. ]. B o rg , Jesus in contemporary scholarship.
rições após a ressurreição), esse Homem gravou sua imagem C. E. B r a a t e n , “Martin Kahler on the historic,
na mente e memória de seus seguidores com traços tão pro- biblical Christ” , em R. A. H a r r is v il l e , The
nunciados e profundos que não poderia ser apagada nem historical Jesus an d the kerygmatic Christ.
distorcida (ibid., p. 141-2). G. H aberm as, The historical Jesus.
M . K a h ler, The so-called historical Jesus an d the
Essaé historic, biblical Christ.
S. K ie r k e g a a r d , Concluding unscientific postscripts.
uma vida humana tangível, retratada de maneira rica econ- J. P. M eyer ,A marginal jew.
ereta e ao mesmo tempo breve e concisa. Quando conseguimos R. N. S01LEN, H andbook o f biblical criticism, 2 ed.
deixar para trás a exigênciade um registro bíblico infalível, pode- R. S t r i p l e , Modern search for the real Jesus.
mos apreciar até a confiabilidade das lendas, dentro dos limites
do que éimaginável” (ibid.). k a la m , argumento cosmológico. O argumento
cosmológico é 0 argumento a partir da criação ao
Essa não é a visão conservadora das Escrituras, Criador, a posteriori, do efeito à causa, e é baseado no
mas está longe da visão liberal radical que-nega a princípio da causalidade (v. causalidade, princípio da;
historicidade básica dos evangelhos. primeiros princípios). Afirma que todo evento tem uma
Apesar de Kahler afirmar a confiabilidade geral causa, ou que tudo que começa tem uma causa.
das Escrituras, não depositou sua fé no aspecto histó- O argumento kalam (do árabe, “eterno” ) é uma
rico. A fé é gerada no coração por Deus. Ele escreveu: forma horizontal (linear) de argumento cosmológico.
O universo não é eterno, então deve ter tido uma Cau-
Queremos deixar absolutamente claro que cremos emCris- sa. Essa Causa deve ser considerada Deus. Esse argu-
to não por causa de qualquer autoridade, mas porque ele mes- mento tem uma história longa e venerável entre filó-
mo evoca tal fé em nós (ibid., p. 87). sofos islâmicos como A lf a r a b i, A l G h a z li e A vice n a .
Alguns filósofos acadêmicos também 0 usaram, es-
A fé independente do n t atuante na mente de Kahler pecialmente Boaventure. Mas ele não foi aceito por
foi expressa pelos samaritanos em João 4.42: “Já agora Tomás de Aquino, que acreditava ser filosoficamente
não é pelo que disseste que nós cremos; mas porque possível (apesar de biblicamente falso) que Deus pu-
nós mesmos temos ouvido e sabemos que este é ver- desse ter causado 0 universo desde a eternidade.
dadeiramente 0 Salvador do mundo” (ibid., p. 76-7). E ss ê n c ia d o a r g u m e n t o . O esquema básico do
Avaliação. A questão da historicidade e inspira- argumento kalam é:
ção das Escrituras é tratada detalhadamente em ar-
tigos como Atos, h i s t o r i c i d a d e d e ; B í b l i a , c r í t i c a d a ; Bí- 1 . Tudo 0 que teve princípio teve uma causa.
b lia , ev id ê n c ia s d a ; L u c a s , supostos erros e m ; m il a g r e s , 2 . O universo teve princípio.
m ito e e Novo T e s t a m e n t o , h is to r ic id a d e d o . A tentativa 3. Logo, 0 universo teve causa.
kalam, argumento cosmológico 470

Linhas de evidência científica e filosófica geral- universo estivesse se expandindo e se contraindo, ain-
mente são fornecidas para apoiar a segunda pre- da estaria se desgastando, então acabaria em colapso
missa crucial. A evidência científica é baseada em de qualquer forma. Lógica e matematicamente, a evi-
grande parte na Segunda Lei da Termodinâmica (v. dência do big-bang sugere que originariamente não
term odinâm ica, leis d a), que afirma que a energia útil havia espaço, nem tempo, nem matéria. Logo, ainda
do universo está se esgotando e, portanto, não pode que 0 universo estivesse de alguma forma passando
ser eterna. Outra evidência de apoio é tirada da por expansão e contração a partir desse momento, no
cosmologia do big-bang, inclusive 0 universo em princípio ele surgiu do nada. Isso ainda exigiria um
expansão e 0 eco expresso de radiação da explosão Criador inicial.
original — tudo isso usado para apoiar a idéia de Teoria do estado estável Fred Hoyle elaborou a te-
um princípio do universo. oria do estado estável para evitar a necessidade de
O argumento filosófico favorável ao princípio supor uma primeira causa. De acordo com essa hipó-
pode ser resumido assim: tese, átomos de hidrogênio surgem espontaneamente
para impedir 0 desgaste do universo. Nesse caso, não
1. Se um número infinito de momentos tivesse seria necessário um princípio, já que sua energia útil
ocorrido antes de hoje, então hoje jamais te- não está se desgastando. No entanto, há dois proble-
ria chegado, já que é impossível atravessar mas sérios com essa especulação. Primeiro, não há
um número infinito de momentos. evidência científica de que átomos de hidrogênio sur-‫׳׳‬
2. Mas hoje chegou. jam espontaneamente. Isso nunca foi observado em
3. Logo, houve um número finito de momentos lugar algum. Segundo, a crença em átomos de hidro-
antes de hoje; 0 universo teve um princípio. gênio surgindo do nada é criação ex nihilo (v. criação,
visões da). Isso não explica 0 que (ou quem) as cria. Na
C ríticas. Críticas foram feitas contra 0 argumen- verdade, tal crença é contrária ao princípio funda-
to kalam. As mais importantes estão incluídas aqui, mental da ciência (e do pensamento racional) que diz
com respostas pelos proponentes do argumento (v.tb. que tudo que surge teve uma causa.
big-bang, t e o ria do). Não há necessidade de uma causa. Alguns ateus
Universo eterno memorável. Alguns sugerem que argumentam que não há nada incoerente em algo
0 big-bang apenas indica a primeira erupção do uni- que surge do nada. Eles insistem que 0 universo po-
verso previamente eterno. Isto é, 0 universo era eter- deria surgir “pelo nada e do nada” (Kenny, 66). Os
namente inativo antes desse primeiro evento. A sin- proponentes do argumento kalam oferecem várias
gularidade do big-bang apenas indica a transição da explicações em resposta. Primeiro, isso é contrário
matéria física primitiva. Logo, não há necessidade ao princípio estabelecido da causalidade. É contrá-
de um Criador para fazer algo do nada. rio à iniciativa científica, que busca uma explicação
Nenhuma das leis naturais conhecidas pode ex- causai. É contra-intuitivo acreditar que as coisas
plicar essa erupção violenta a partir de inatividade simplesmente surgem do nada. !Muitos argumentam
eterna. Alguns teístas afirmam que 0 universo eter- que a idéia de que 0 nada pode causar algo é
namente inativo é fisicamente impossível, já que te- logicamente incoerente, já que 0 “ nada” não tem
ria de existir a zero grau, 0 que é impossível. A maté- poder para fazer nada — ele nem mesmo existe.
ria no princípio era tudo, menos fria, sendo amalga- Série infinita. Alguns pensadores acreditam que um
mada numa bola de fogo com temperaturas acima número infinito de momentos é possível, já que na ma-
de bilhões de graus Kelvin. Na porção de matéria temática séries infinitas são possíveis. Por exemplo, um
congelada a zero grau, nenhum evento poderia ocor- número infinito de pontos existe entre os extremos de
rer. Finalmente, supor matéria primitiva eterna não uma régua (v. D e u s , o b jeç õ k s às provas d e ). Em resposta a
explica a incrível ordem que se segue ao momento essa objeção, os proponentes do argumento kalam in-
do big-bang (v. a n trõ p ico , principio). Apenas um Cria- sistem em que há uma diferença entre uma série infi-
dor inteligente pode ser responsável por isso. nita matemática e uma série infinita real. Séries mate-
Universo em repercussão. Alguns cientistas sugeri- máticas são abstratas, mas séries reais são concretas.
ram que 0 big-bang pode ser apenas 0 evento mais Numa série concreta é impossível ter um número infi-
recente no processo eterno de expansão e contratação. nito, pois não importa quão longa ela seja sempre é
Há vários problemas com essa hipótese. Não há evi- possível acrescentar mais um. Mas assim ela seria mais
dência científica real para essa especulação. Isso con- que infinitamente longa, seria impossível. Além disso, 0
tradiz a Segunda Lei, que exige que, mesmo que 0 fato de se ter um número infinito de pontos abstratos
471 kalam, argumento cosmológico

(sem dimensão) entre os extremos de um livro na mi- 2. Segundo 0 princípio an tró p ico , o universo foi
nha mesa não significa que se possa colocar um núme- “adaptado” ou “pré-moldado” desde 0 momen-
ro infinito de livros (nem mesmo folhas de papel) entre to de sua origem no big-bang para 0 eventual
eles, não importa quão finos sejam. surgimento da vida humana. Qualquer mudan-
Outros se opõem dizendo que, se Deus conhece ça das condições, por menor que fosse, tornaria
0 futuro, que é infinito, então ele conhece uma série a vida como a conhecemos impossível.
infinita de eventos. E, se ele a conhece, então ela deve 3. Logo, a Primeira Causa deve ter sido uma
ser possível, não importa quão contrária seja às nos- causa inteligente.
sas intuições. Mas os defensores demonstram que 0
futuro não é uma série infinita real, mas apenas po- O argumento da natureza das causas naturais afir-
tencial, sempre havendo a possibilidade de mais um ma que causas naturais têm certas características
evento. Além disso, se a série infinita real é impossí- que não estavam presentes antes do momento da
vel, Deus não pode conhecê-la, já que Deus não pode criação do universo. O argumento pode ser afirma-
conhecer 0 impossível, apenas 0 real e 0 possível. do desta maneira:
Não há Deus pessoal. Alguns se opõem ao argu-
mento kalam porque ele não prova que Deus é pes- 1. Causas naturais têm condições predetermina-
soai ou inteligente. Logo, não é útil para 0 teísmo das.
cristão que acredita num Criador inteligente. Em 2. Mas não havia condições predeterminadas
resposta, alguns teístas argumentam que apenas um antes do momento da origem big-bang do
ser com livre-arbítrio poderia criar algo do nada. E universo de tempo e espaço.
alguns teístas acreditam que 0 argumento 3. Logo, a Causa não foi uma causa natural; ela
cosmológico sozinho prova um Deus teísta. Ele deve deve ter sido uma causa não-natural sem con-
ser unido ao argumento teleológico e/ ou ao argu- dições predeterminadas.
mento moral para demonstrar que Deus também é 4. A única causa conhecida que tem essas ca-
inteligente e moral. Em segundo lugar, alguns propo-
racterísticas é uma causa livre.
nentes do argumento kalam oferecem argumentos
5. Logo, a Primeira Causa foi uma causa livre.
para a personalidade da Primeira Causa, indepen-
dentemente dos argumentos teleológico ou moral.
L im ite s d o a r g u m e n t o . O argumento e a existên-
Três foram sugeridos.
cia contínua de Deus. Três objeções têm mais valor
O argumento para a Primeira Causa pode ser
que outras. Elas não invalidam 0 que 0 argumento
afirmado desta forma:
kalam demonstra, mas mostram suas severas limi-
tações. Esse argumento não pode provar que algum
1. O universo teve uma Primeira Causa.
Deus existe agora. Logo, não pode refutar 0 deísmo.
2. O ato da Primeira Causa de criar foi determi-
Além disso, suas suposições não são aceitáveis para
nado, ou indeterminado, ou autodeterminado.
0 panteísta, então é inútil contra 0 panteísmo.
3. Mas não pode ser determinado, já que não
O argumento kalam como tal não prova que al-
havia nada antes da Primeira Causa.
gum Deus existe agora ou existe necessariamente. É
4. E não pode ser indeterminado, já que isso é
um argumento sobre como 0 universo se originou,
contrário ao princípio da causalidade.
não como é sustentado. Demonstra que uma Primeira
5. Logo, 0 ato de criar deve ter sido auto deter-
Causa era necessária para explicar como 0 universo
minado.
surgiu. Isso não significa que não haja uma maneira
6. Mas atos autodeterminados são atos livres,
pois é isso que se entende por ato livre (v. de retificar esse inconveniente. Pode-se argumentar
UVRE-ARBÍTRI0 ).
que essa Primeira Causa deve existir agora, já que 0
7. Logo, 0 ato pelo qual a Primeira Causa criou único tipo de ser que pode causar um ser contingente
0 mundo deve ser um ato livre de um ser (i.e., que pode surgir) é um Ser Necessário. Um Ser
inteligente e pessoal. Necessário não pode surgir nem deixar de existir. No
entanto, isso toma emprestado 0 raciocínio do argu-
O argumento da natureza das causas pode ser mento cosmológico vertical para compensar a falta
afirmado desta maneira: no argumento cosmológico horizontal. Pode ser mais
fácil começar com a forma vertical.
1. Uma causa inteligente é caracterizada por efei- Kalatn e 0 deísmo. Já que 0 argumento de kalam
tos que têm efeitos ordenados e regulares. como tal não prova que Deus é necessário para
Kant, Immanuel 472

sustentar a existência atual do universo, ele tem A religião dentro dos limites da simples razão (1793);
tons deístas (v. d e ís m o ). Isso não significa que esse Metafísica dos costumes (1797).
argumento negue a possibilidade de milagres, mas Agnosticism ofilosófico d e K a n t Antes de Kant, as duas
nega a base ontológica para a imanência de Deus. correntes de pensamento européias dominantes eram 0
Um Deus que não é, como 0 a r g u m en t o cosmológico racionalismo e 0 em pirism o . Os racionalistas incluíam René

horizontal demonstra ser a causa da própria exis- D escartes (1596-1650), Baruch E spinosa (1632-1677) e
tência do universo, deisticamente remoto. O ar- Gottfried L eibniz (1646-1716). Os empiristas eram liderados
gumento mostra que Deus era necessário para dar por John L ocke (1632-1704), George B erkeley (1685-1753)
início ao universo, que é exatamente 0 que os eDavid H um e (1711-1776). O s racionalistas enfatizavam0 a
deístas acreditam que aconteceu. Novamente, 0 priori e os empiristas 0 a posteriori. Os racionalistas acredita-
problema não é retificável, a não ser que se bus- vam em idéias inatas, ao passo que os empiristas insistiam
que ajuda na forma vertical do argumento em que nascemos como uma tabula rasa. Kant foi treinado
cosmológico, mostrando como um Ser Necessá- na tradição racionalista, mas, suas palavras, foi “acordado
rio é necessário 0 tempo todo para sustentar to- do seu sono dogmático” pelo cético escocês Hume.
dos os seres contingentes a todos os momentos O gênio de Kant revelou-se na síntese dessas duas
da sua existência. epistemologias divergentes (v. E p is t e m o l o g ia ). Os
O argum ento e 0 panteísm o. O kalam não refuta 0 empiristas, conclui, estão certos no sentido em que
panteísmo. Na verdade, comete uma petição de prin- nascemos como páginas em branco, sem idéias ina-
cípio ao assumir a realidade do mundo finito. Ne- tas. O conteúdo de todo conhecimento vem p o r m eio,
nhum panteísta admitiria as premissas de que um da experiência. Já os racionalistas enfatizam corre-
mundo finito de espaço e tempo realmente existe e tamente que há uma dimensão apriorística do co-
está realmente se desgastando, ou que 0 tempo é nhecimento. Embora 0 conteú do de todo conheci-
mento venha por intermédio dos sentidos, a fo rm a
real, envolvendo unidades reais discretas que pas-
ou estrutura é dada pelas formas prévias ( a priori)
sam sucessivamente. Logo, 0 kalam não é eficaz no
da sensação e das categorias da mente ( Crítica da
combate ao panteísmo. Que valor tem para 0 teísmo
razão p u ra , p. 173-5,257-75).
esse argumento, que não elimina nem 0 deísmo nem
O preço da síntese kantiana foi alto: nesse modelo
0 panteísmo? Parece não haver solução que não en-
de processo de conhecimento perdeu-se a capacida-
volva um apelo para a forma vertical do argumento,
de de conhecer a realidade. Se Kant estava certo, sabe-
cosmológico. A forma vertical do argumento
mos como sabemos, mas já não sabemos de fato. Pois
cosmológico parece necessária para sustentar 0 ar-
se todo conhecimento é formado ou estruturado por
gumento kalam .
categorias apriorísticas, só podemos conhecer as coi-
sas como elas aparentam ser, não como elas são. Pode-
Fontes
mos conhecer fenôm eno s, mas não 0 núm ero. Logo, 0
T. a l- F . A l- G h a z a li, Incoherence o f the philosophers,
ganho epistemológico líquido significou a perda
trad. S. A . K am ali.
ontológica total. A realidade ou a coisa-em-si, inclu-
A I- K in d i , On first philosophy.
indo-se Deus, está eternamente além de nós. O que
B o n a v en t u r e , 2 sententiarium 1.1.1.2.1-6.
nos resta é a coisa-para-mim, que é a aparência, mas
W . C r a ig , The existence o f God and the beginning o f
não a realidade. Logo, a teoria de Kant culmina no
the universe.
agnosticismo filosófico.
___ , The kalam cosmological argument.
Kant ofereceu uma segunda razão para seu
A . K en n y , Five ways.
agnosticismo, as antinomias da razão (v. a n t in o m ia ).
J. P. M o re la n d , “The cosmological argument”, em Quando categorias de conhecimento são aplicadas
Scaling the secular city.
à realidade, resultam em antinomias. Duas servem
para ilustrar a questão. A antinomia sobre 0 tempo
Kant, Immanuel. Immanuel Kant (1724-1804) nasceu afirma:
em Kõnigsberg, Prússia Oriental. Ele estudou e mais tarde Tese: O mundo deve ter tido princípio, senão um
lecionou na Universidade de Kõnigsberg.Não se casou e número infinito de momentos teria se passado até
levou uma vida altamente regrada. As principais obras de agora. Mas isso é impossível, já que não se pode
Kant foram História g era l da natureza e teoria dos céus transpor 0 infinito.
(1755), que propõe a hipótese nebular; Crítica da razão Antítese: Mas 0 mundo não poderia começar no
p u ra (1781); Progressos da metafísica (1783); Crítica da tempo, senão teria havido tempo antes do tempo
razão prática (1790); Crítica da faculdade do juízo (1790); começar, 0 que é impossível.
473 Kant, Immanuel

Na antinomia da causalidade: A n ti- s o b r e n a t u r a lis m o d e K a n t. Kant não só


Tese: Nem toda causa tem uma causa, senão a sintetizou 0 racionalismo e 0 empirismo, mas deu
série jamais teria começado; todavia começou. En- ímpeto ao agnosticismo moderno e ao deísmo. Seu
tão, deve haver uma primeira causa. impacto na história da filosofia foi sentido especial-
Antítese: Mas a série não pode ter um início, já mente na epistemologia e na metafísica. De certa
que tudo tem uma causa. Então, não pode haver uma forma, a posição de Kant com relação aos milagres é
primeira causa. mais útil ao naturalismo que a de Hume. 0 ataque de
Já que a razão, quando aplicada à realidade, termi- Hume ao sobrenaturalismo é frontal, ao passo que 0
na em contradições, é preciso que nos contentemos de Kant é subterrâneo (v. m il a g r e s , a rg u m en to con -
em aplicar a razão apenas ao mundo fenomenal, 0 t r a ). Para Kant, milagres não são essenciais à verda-

mundo para mim, e não ao mundo numênico, 0 mun- deira religião.


do em si. Moralidade e a verdadeira religião. Como Espinosa,
T eo ria d e K a n t s o b re D eu s. Kant acreditava em Kant acreditava que a moralidade é 0 coração da
Deus, mas insistia em que a existência de Deus não verdadeira religião, apesar de as justificativas de
pode ser provada (v. D e u s , objeções às provas d e ). To- ambos para essa conclusão serem diferentes uma da
das as provas a favor da existência de Deus são outra. Segundo Kant, a razão teórica jamais pode
inválidas. O argumento cosmológico e 0 argumen- alcançar a Deus (v. Crítica da razão pura). Deus só
to teleológico são baseados no argumento ontoló- pode ser conhecido pela razão prática (v. Crítica da
gico, que é inválido. Cada um depende do conceito razão prática). À luz do fato de que não podemos
de um Ser Necessário. Mas afirmações sobre a exis- saber se há um Deus, mas devemos cumprir a or-
tência não são necessárias. Um Ser Necessário não dem moral, devemos viver supondo que há um Deus.
é um conceito que dispensa explicação. O que é Prenunciando Friedrich S c h l e ie r m a c h e r (1768-
logicamente necessário não é realmente necessá- 1834), Kant afirmou que a razão prática ou moral
rio. Além disso, regressão infinita é possível. E a deve determinar 0 que é essencial à religião. Essa
causa numênica (real) não pode ser derivada do razão moral deve ser um guia para a interpretação
efeito fenomenal (aparente). da Bíblia (v. B íb l ia , crític a da ). Ele até admitiu que
O argumento ontológico deixa a experiência (ao “freqüente-mente essa interpretação pode, à luz do
falar da maior causa possível) e se eleva ao âmbito texto (da revelação), parecer forçada — geralmente
das idéias puras. Além disso, a existência não é um pode até ser forçada; mas se 0 texto pode de alguma
predicado (atributo), mas apenas uma ocorrência de forma apoiá-la, deve ser preferida à interpretação
algo. Por exemplo, 0 dinheiro na minha mente tem literal” (A religião dentro dos limites da simples ra-
os mesmos atributos que 0 dinheiro na minha car- zão). 0 ensinamento moral da Bíblia “certamente
teira. A única diferença é que um existe e 0 outro nos convence da sua natureza divina” (ibid., p. 104).
não. Com a moralidade como regra para a verdade,
Kant não acreditava que a existência de Deus os milagres tornam-se um introdução adequada ao
pudesse ser provada pela razão teórica, mas acredi- cristianismo, mas não estritamente necessários para
tava que ela era um postulado necessário da razão ele. A religião moral deve “no final, tornar supérflua
prática (v. m oral para a e x ist ên c ia de D e u s , a rg u m en to ). a crença em milagres em geral” . Acreditar que mila-
Eis um resumo de seu raciocínio na Crítica da ra- gres podem ser úteis para a moralidade é uma “pre-
zão prática: sunção absurda” (ibid.).
Kant afirmou que a vida de Cristo pode ser “nada
1. O maior bem para todas as pessoas é que elas mais que milagres” , mas advertiu que, no uso desses
tenham felicidade em harmonia com 0 dever. relatos, “não os transformemos num dogma da reli-
2. Todas as pessoas devem esforçar-se em bus- gião que 0 conhecer, crer em e professar os milagres
ca do bem maior. em si sejam 0 meio pelo qual agrademos a Deus”
3. O que as pessoas devem fazer, podem fazer. (ibid., p. 79-80). Com isso ele dá a entender que a
4. Mas as pessoas não são capazes de realizar 0 crença em milagres não é essencial à fé cristã.
bem maior nesta vida a não ser que exista Crítica bíblica naturalista. A própria natureza do
um Deus. milagre é desconhecida: “ Não podemos saber nada
5. Logo, devemos postular um Deus e uma vida sobre auxílio sobrenatural” , Kant escreveu (ibid., p.
futura em que 0 bem maior possa ser alcançado. 179). Uma coisa da qual podemos ter certeza é que,
Kant, Immanuel 474

se um milagre contradiz claramente a moralidade, interpretação de Kant da lei moral exige isso. Segun-
ele não pode ser de Deus. Que pai mataria um filho do Kant, a verdade histórica é determinada a priori
que é, até onde ele sabe, perfeitamente inocente pela lei moral, não a posteriori a partir dos fatos.
(ibid., p. 82)? Então a lei moral desqualifica a histó- Numa hermenêutica moral, 0 que aconteceu é inter-
ria da disposição de Abraão de sacrificar Isaque em pretado por meio do que deveria ter acontecido.
Gênesis 22. Kant levou esse argumento moral à con- Se 0 argumento é válido, devemos viver como se
clusão de que milagres nunca acontecem. Numa pas- milagres não acontecessem — ainda que tenham
sagem reveladora, argumentou: acontecido. Devemos ordenar nossas vidas pela ra-
zão (prática), mesmo se isso for contrário aos fatos.
As pessoas cujo julgamento nessas questões é tão par- Devemos “raciocinar” na prática que 0 que é verda-
ciai que elas mesmas se consideram indefesas sem mila- deiro é falso.
gres, acreditam que amenizam 0 golpe que dão na razão A valiação. Esse é um uso irracional da razão, e
ao afirmar que eles acontecem raramente. Quão raramen- seus efeitos devastaram a epistemologia ocidental.
te? Uma vez a cada cem anos? Aqui não podemos deter- Conseqüências filosóficas. Filosoficamente, 0
minar nada com base no conhecimento do objeto [...] mundo pós-kantiano não pode conhecer a Deus nem
mas apenas com base nas máximas que são necessárias discernir a realidade. A filosofia de Kant contradiz
para 0 uso da nossa razão. Logo, milagres devem ser con- principalmente Paulo, quando este afirma que 0
siderados acontecimentos diários (apesar de estar disfar- poder de Deus e a natureza divina são claramente
çados de eventos naturais), senão nunca devem ser consi- vistos por meio da natureza (Rm 1.20). Nem mesmo
derados [...] Já que a primeira alternativa (que milagres as Escrituras podem dizer como Deus realmente é.
acontecem diariamente) não é nem um pouco compatí- As Escrituras não nos informam sobre como Deus
vel com a razão, nada resta exceto adotar a segunda máxi- realmente é por si, mas apenas a maneira que ele é
ma — pois esse princípio continua sendo uma máxima para nós. A Bíblia diz como Deus quer que pensemos
para julgamentos, e não uma afirmação teórica. (Por exem- sobre ele. Ela apenas apresenta discussão teológica
pio, com relação à) preservação admirável das espécies que não fala realmente sobre Deus.
nos reinos vegetal e animal [...] ninguém, na verdade, pode Conseqüência teológica. A teologia kantiana se-
afirmar que sabe se a influência direta do Criador é neces- guiu essa disjunção racional entre 0 que aparenta
sária ou não em cada situação. Para nós não são [...] nada ser e 0 que é. Aceitando 0 abismo entre a aparência
além de efeitos naturais e jamais devem ser considerados e a realidade, Soren K ie rk e g a a rd (1813-1855) procla-
algo diferente (ibid., p. 83-4). mou existencialmente que Deus era “completamen-
te diferente” e insistiu em que a razão humana não
Quem vive pela razão moral, então, “não incor- tomasse parte na defesa do evangelho. Kierkegaard
pora a crença em milagres às suas máximas (de ra- escreveu:
zão teórica ou prática), apesar de, na verdade, não
impugnar sua possibilidade ou realidade” (ibid., p. Se Deus não existe, seria, é claro, impossível prová-lo; e se
83). Portanto, milagres devem ser possíveis, mas nun- ele existe, seria tolice tentar. Pois desde 0 início, ao começar
ca é racional acreditar neles, já que a razão sempre é minha investigação, pressupus isso [...] senão sequer teria co-
baseada em leis universais. *meçado, entendendo prontamente que 0 todo seria impossí-
À luz desse naturalismo moral, não é de surpre- vel se ele não existisse (Fragmentos filosóficos, p. 31-5).
ender que Kant rejeite a ressurreição de Cristo (v.
re ssu rre içã o , evidências da). Ele escreveu: “Os registros Três das teorias de Kant, se verdadeiras, destrui-
mais secretos, acrescentados como seqüência, da sua riam a fé cristã. Primeira, Kant é um agnóstico filo-
ressurreição e ascensão [...] não podem ser usados a sófico (v. agnosticism o). Segunda, ele afirmou que ne-
favor da religião dentro dos limites exclusivos da nhum argumento a favor da existência de Deus é
razão sem violar seu valor histórico” (ibid., p. 119). válido (v. cosmológico, argu m ento). Terceira, ele negou
Em vez de olhar para a evidência histórica a fa- 0 direito de acreditar em milagres.
vor das Escrituras, ele simplesmente a descartava Os argumentos de Kant a favor do agnosticismo
como inautêntica porque era moralmente dispen- são inválidos. Suas antinomias erram pelo fato de te-
sável. Mais uma vez a hermenêutica moral forçada é rem uma premissa falsa. Não há necessidade de existir
melhor que a interpretação “ literal” . Por quê? Não tempo antes do tempo; poderia haver eternidade. 0
porque os fatos históricos 0 apóiem, e sim porque a teísmo não afirma a criação no tempo, mas a criação
475 Kant, Immanuel

do tempo com 0 mundo. Nem tudo precisa de uma esse agnosticismo. Primeiramente, Kant foi incon-
causa, apenas seres contingentes (finitos, temporais). sistente, já que às vezes passava para 0 mundo
Logo, um Ser Necessário, primeiro e eterno, não pre- numênico (real) para fazer afirmações sobre ele. Ao
cisa de uma causa (v. causalidade, princípio da). tazer isso, deixava implícito que 0 mundo numênico
0 argumento de que não podemos conhecer 0 é cognoscível. Em segundo lugar, não se pode separar
mundo real é incoerente. A própria afirmação: “ Não congruentemente os dois reinos sem ter algum c0-
podemos conhecer a realidade” é uma afirmação nhecimento de ambos. Uma linha não pode ser de-
que pressupõe 0 conhecimento sobre a realidade. A senhada, a não ser que se possa ver além dela. Dizer:
tentativa de minar as provas teístas também falha, “ Eu sei que a realidade é incognoscível” é afirmar
como discutido no artigo Deus, objeções às provas de. saber algo sobre a realidade. 0 agnosticismo com-
Kant sugere, sem entrar em pormenores, numa pleto é incoerente.
premissa crucial (premissa 3 a seguir), no seu argu- Como outros naturalistas, Kant comete uma peti-
mento contra milagres, que a razão opera de acordo ção de princípio ao estabelecer uma regra de unifor-
com as leis universais. A partir de suas obras, pode- midade, uma estrutura interpretativa pela qual 0 na-
se reconstruir 0 argumento: turalista exige conhecimento uniforme do mundo.
Para Espinosa, a regra é racional; para Hume, é
1. Não podemos conhecer 0 mundo real (0 empírica; para Anthony F lf .w é metodológica; para
mundo em si) pela razão teórica. Kant, é moral. Kant regula toda a vida pela lei moral
2. Tudo em nossa experiência (0 mundo para universal (razão prática). Já que ele não permite exce-
nós) deve ser determinado pela razão prática. ções a uma lei, não há exceções à regra: “Viva como se
3. A razão prática opera segundo as leis universais. não existissem milagres” .
4. Milagres devem ocorrer diariamente, rara Mas isso é uma petição de princípio. Por que
mente ou nunca ocorrem. alguém deve supor que não há exceções a nenhuma
5. Mas 0 que ocorre diariamente não é milagre; lei? E por que devemos supor que tudo está sob uma
ocorre segundo as leis naturais. lei? Talvez existam peculiaridades, tais como a ori-
6. 0 que ocorre raramente não é determinado gem do mundo ou a história da terra, que desafiam
por nenhuma lei. a classificação (v. origens, ciência das). 0 próprio Kant
7. Mas tudo deve ser determinado pela razão criou a hipótese nebular com base na singularidade
prática que opera nas leis universais. científica no início de nosso sistema solar.
8. Logo, milagres não acontecem. A ciência agora sabe mais, e 0 modelo mudou. A
lei natural agora é considerada geral e estatística,
Para apoiar a terceira premissa crucial, Kant mas não necessariamente universal e sem exceções
escreveu: (v. le i n a t u r a l). Kant acreditava, como outros de sua
época, que a lei da gravidade de Newton era univer-
Nas questões da vida, portanto, é impossível para nós salmente verdadeira, sem exceções. Se Kant estava
depender de milagres ou sequer levá-los em consideração errado em sua posição sobre a lei científica — in-
quanto ao uso da razão (e a razão deve ser usada em todo inci- sistindo em que todo evento fosse classificado sob
dente da vida) (Religião dentro dos limites). alguma lei natural, então sua objeção moral aos mi-
lagres fracassou.
M ila g r e s são teoricamente possíveis, mas prati- Conseqüências hermenêuticas. Segundo 0
camente impossíveis. Se vivermos como se eles ocor- fideísmo pós-kantiano, a Bíblia não é uma adapta-
ressem, derrubamos a razão prática e a lei moral, ção k finitude humana; é uma acomodação ao erro
que são a essência da religião verdadeira. Portanto, humano. Ela não contém antropomorfismos, e sim
admitir que milagres ocorrem e viver à sua luz é, na mitos. A tarefa da hermenêutica não é “trazer para
realidade, prejudicial à religião. Mesmo que existam fora a verdade” (exegese) do texto, mas extrair a ver-
atos sobrenaturais, devemos viver (e pensar) como dade do texto do erro que 0 envolve. De qualquer
se não existissem. forma, a verdade objetiva está fora de alcance; então
Kant fez uma disjunção radical entre 0 mundo quem estuda a Bíblia procura pela “verdade” subje-
incognoscível das coisas que existem (os númenos) tiva. Logo, a hermenêutica pós-kantiana está impe-
e 0 mundo da nossa experiência (os fenômenos). No dida de obter conhecimento real de Deus a partir
entanto, os filósofos observaram duas coisas sobre das Escrituras ou de qualquer outra fonte.
Kierkegaard, S0ren 476

Conseqüências apologéticas. Nesse contexto, a Fontes


apologética só pode ser fideísta ou pressuposicional. J. C o llin s , God and modern philosophy.
Não é por acaso que não havia pressuposicionistas W . C r a ig , The k a l a m cosmological argument.
(v. prrssuposicional, ap o lo g ética ) antes de Kant e me- R . F lin t , Agnosticism.
nos não-pressuposicionistas depois dele (v. clássica, N. L. G e is le r , Christian apologetics (cap. 1).
a p o lo g é tic a ). Aqueles que aceitam as conclusões de ___ , Etica cristã.
Kant são forçados a renegar a razão a favor da mera ___ , Miracles and modern thought.
fé (v. fé E ra z ã o ). Não podem mais cumprir 0 impe- _____ e W i n C o r d u a n , Philosophy o f religion
rativo bíblico de dar “ razão da esperança” . A neo- (cap. 7-9).
ortodoxia de Karl B a r t h negou até a afirmação limi- S. H a ck ft t , The resurrection o f theism.
tada de Emíl B r u x n e r de que existe a capacidade de I. K a n t , Crítica da faculdade do juízo.
receber a revelação de Deus. Barth proibiu a teo lo - ___ , Crítica da razão prática.
gia n a t u r a l e não permitia nem uma a n a lo g ia de Deus ___ , Crítica da razão pura.
na criação. Em Kierkegaard e Barth, nasceu 0 mo- ___ , Progressos da meta física.
derno fideísmo cristão, que consiste em proclama- ___ , A religião denter dos limites da simples razão
ção sem verificação de reivindicações da verdade. C .S . L e w is , Milagres.
Conseqüências evangelístieas. Quando 0 cristia-
nismo é reduzido a declaração sem defesa, sua mis- Kierkegaard, Soren. Nasceu em Copenhague (1813-
são é seriamente prejudicada. Entre as várias teorias 1855), filho de Michael Pederson, dinamarquês po-
do mercado intelectual, é necessário declarar Cristo bre da península da Jutlândia que acumulou fortuna
e defender a declaração. Deus, que criou a razão hu- vendendo cortinas e depois vendeu seu negócio em
mana à sua imagem e que nos convida a raciocinar 1786 para estudar teologia. Kierkegaard disse que
com ele (Is 1.18), exige 0 sacrifício do pecado, não foi criado com severidade e devoção por um velho
da razão, como condição para entrar no reino. Ao melancólico. Sua mãe e cinco de seus seis irmãos
contrário do agnosticismo kantiano, do existen- morreram quando ele era pequeno, resultado, dizia-
cialismo de Kierkegaard ou do misticismo panteísta, se, de uma maldição sobre a família. Ele se referiu às
0 cristianismo não é um “salto no escuro” . Pelo con- mortes no título de seu primeiro livro, From papers
trário, convida todos a olhar antes de pular. Agosti- of one still living [Dos papéis de um dos sobrevi-
nho observou corretamente que “ realmente ninguém ventes].Era muito inteligente, mas preguiçoso, e
acredita em algo a não ser que tenha primeiro che- amava 0 teatro e a música, principalmente Mozart.
gado à conclusão que deve acreditar naquilo” . Logo, Um defeito na espinha pode ter afetado sua ma-
“ é necessário que tudo em que se acredita seja acei- neira de ver a vida. Hans Christian Andersen re-
to depois que a razão levou à conclusão” (Da tratou 0 jovem Kierkegaard freqüentemente bê-
predestinação, 5). bado, como personagem principal de seu roman-
C o n clu sã o . 0 ataque de Kant aos milagres é fun- ce Shoes offortune [05 sapatos da fortuna]. Con-
damental. Ele considera os milagres fundamental- vertido ao cristianismo e reconciliado com seu
mente desnecessários à verdadeira religião. Para ele, pai em 1838, estudou de 1831 a 1841, antes de re-
a religião verdadeira é viver segundo a lei universal ceber 0 diploma de mestre em filosofia. Ficou
da razão prática. No entanto, 0 agnosticismo de Kant noivo de Regina Olsen depois da formatura, mas
é contraditório, comete petição de princípio ao su- decidiu não se casar.
por uma uniformidade moral e presume que a natu- Obras. A extensa produção literária de Kierkegaard
reza de uma “ lei” científica é um sine qua non uni- começou quando ele tinha 21 anos em 1834 e conti-
versai, em vez da generalização estatística. Para evi- nuou até 1855. Suas obras podem ser assim classifi-
tar 0 milagroso, Kant teve de eliminar os registros cadas:
de milagres dos documentos básicos do cristianis- Começando com Papéis, 0 autor produziu mui-
mo, sem qualquer razão histórica para isso. tos ensaios e livros estéticos e filosóficos. Essas obras
0 cristianismo histórico afirma que milagres são incluem os discursos “A expectativa da fé” , “ Toda
parte verdadeira e essencial do sistema de crença dádiva é perfeita e definitiva” , “0 amor cobre uma
religioso (Rm 10.9; 1 C0 15.12-32). 0 cristianismo multidão de pecados” , “Fortalecido no homem inte-
sem milagres é um cristianismo sem Cristo, cuja vida rior” , “0 Senhor deu e 0 Senhor tirou” , “Adquirir sua
foi (e ainda é) caracterizada por milagres (v. mila- alma com paciência” , “ Preservar sua alma com pari-
GRES, ARGUMENTOS CONTRa). ência” , “Paciência na espera” , “0 espinho na carne” .
477 Kierkegaard, S0ren

“ Contra a covardia” , “ O homem justo persevera na A fase estética A fase ética A fase religiosa
oração com Deus e vence — nisso Deus vence” ,“ Um
culto confessional” , “Na ocasião de um casamento” Sentim ento D e cisã o Existência
e “Ao lado de um túmulo” . Voltado para si Voltado para Voltado para
Seus livros sobre estética incluem Post-scriptum mesmo a lei Deus
definitivo e não científico, Temor e tremor, Johannes Rotinas Regras da R e vela çã o da
climacus or de omnibus dubitandum est, Fragmentos da vida Vida vida
filosóficos, Prefácios, repetição, Etapas no caminho Voltado para 0 Voltado para Voltado para a
da vida, O conceito do temor e O conceito de ironia. presente a vida/ tempo eternidade

As obras explicitamente religiosas de Kierkegaard Indivíduo é Indivíduo é Respeito ao


incluem Neutralidade armada, Ataque contra a “cris- espectador participante legislador

tandade”, Julgai por vós mesmos, De autoridade e reve- Viver pelos Viver pelas
caprichos normas
lação: 0 livro deAdler, Da diferença entre um gênio e um O individual
pessoais universais
apóstolo, Pureza de coração é querer uma só coisa, Res-
posta a Theophilus Nicolaus (Fé e paradoxo), A crise e Vida de Vida de
vontade Pessoa de Deus
delib e ra çã o
uma crise na vida de uma atriz, A dialética da comuni-
cação ética e ético-religiosa, O evangelho do sofrimento, Vida de Preo cu paçõ es Verdade
intelecto futuras subjetiva
O sumo sacerdote — Opublicano — A mulher pecado-
Interesses Respeito à lei Âmbito
ra, O indivíduo, Os lírios do campo, O ponto de vista, A
imediatos m oral existencial
presente era, A doença para a morte, O Deus imutável,
O universal
Treinamento no cristianismo, Qual é 0 julgamento de
Proposições
Cristo quanto à cristandade oficia e Obras de amor.
sobre Deus
Outras obras que não podem ser classificadas
Verdade
incluem: Meditações de Kierkegaard, Artigos de jor-
objetiva
nal, Os diários de Kierkegaard e As orações de
Âmbito
Kierkegaard. essencial
C o n vicçõ es básicas. Teologicamente Kierkegaard
era ortodoxo. Escreveu que não estava tentando mu- Kierkegaard descreve 0 conflito entre as esferas
dar as doutrinas ensinadas na igreja, e sim insistin- estética e ética na sua obra Isso ou aquilo (1843), um
do em que algo fosse feito com elas (Journals and ataque ao pensamento dialético de G. W. F. Hegel
Papers, 6:362). Ele acreditava na inspiração das Es- (1770-1831). Kierkegaard acreditava que a paixão é
crituras (v. B íb l ia , e v id ê n c ia s d a ), no n a sc im en t o v ir g i - 0 ápice da existência. Não há valor real nem no
n a l , em milagres, na expiação, na ressurreição cor- acúmulo objetivo de conhecimento nem 11a sua in-
poral e no julgamento final (v. in f e r n o ). Em “ Pensa- tuição alegre e mística. A vida não é encontrada em
mentos que ferem pelas costas” , ele se mostra hor- fatos neutros nem em discernimentos alegres, mas
rorizado porque 0 cristianismo substituiu a ressur- em escolhas responsáveis.
reição pela imortalidade platônica. O volume 1 é uma apresentação dramática da vida
Três fases da vida, uma eterna. As convicções ge- estética por um homem sofisticado que vê 0 pathos
rais de Kierkegaard são expressas em três fases de inevitável do prazer. Nesse hedonismo, a própria ex-
vida: a estética, a ética e a religiosa. Seu propósito é periência reflexiva é 0 objeto do prazer. O esteta refi-
levar a pessoa da vida estética de prazer para a vida nado é moralmente indiferente, em vez de rebelde. A
religiosa de compromisso por meio da vida moral do experiência estética é uma experiência de possibili-
dever. Em Meu ponto de vista para minha obra como dades infinitas, nunca de realidade presente. O autor
autor, ele escreveu: “ Eu sou e fui um autor religioso, e tem medo de tornar-se 0 eu verdadeiro e apenas brin-
todo meu trabalho como autor está relacionado ao ca com 0 ambiente. Ele escolhe, não entre 0 bem e 0
cristianismo, ao problema de alguém se tornar cris- mal, mas entre escolher e não escolher. O máximo
tão, à polêmica direta e indireta contra a ilusão de que para a vida estética é 0 compromisso com 0 desespe-
num país como 0 nosso todos são cristãos de algum ro. O esteta tem interesses imediatos, mas não preo-
tipo” (ibid., p. 5-6). cupações futuras.
Alguns contrastes são úteis para resumir esses O volume 2 apresenta 0 outro pólo — a responsa-
três níveis: bilidade moral. A vida significativa é impossível sem
Kierkegaard, S0ren 478

0 esforço moral. Ser ético significa ser governado pelo com ação de graças. Toda tragédia pessoal é de al-
eterno; ser estético é ser governado pelo temporal. guma forma redimida pela soberania de Deus. O
Ética e estética são qualitativamente distintas, mas sofrimento é benéfico para destruir a autodeter-
estão naturalmente relacionadas pelo fato de a pri- minação rebelde.
meira ser a condicão>
anterior à segunda.
O
Agir
O
etica- Religião vs. ética. Em Temor e tremor, Kierkegaard
mente significa aceitar responsabilidades sob a sobe- revela como a ética é transcendida pela religião.
rania de Deus. Logo, a realização pessoal não está na Abraão é devotado à lei de Deus, que proíbe matar.
simples criação pessoal, mas na integração do eterno No entanto, Deus manda oferecer Isaque como sa-
com 0 temporal. crifício. Incapaz de explicar ou justificar sua ação,
Nesse Eclesiastes kierkegaardiano, a escolha bá- Abraão suspendeu a ética e deu um “salto de fé” . Ao
sica do estilo de vida estético é no final das contas fazê-lo, destronou a ética sem destruí-la.
fundir 0 bem e 0 mal, ao passo que 0 estilo de vida Kierkegaard acreditava que a fé religiosa era
ético inevitavelmente escolherá 0 bem. Isso lembra pessoal, algo que somos. Devemos vivê-la, não ape-
a máxima de Agostinho: “Ama a Deus e faze 0 que nas conhecê-la. A verdade espiritual não pode ser
queres” . Kierkegaard está preocupado principal- apenas reconhecida; deve se apropriar dela pelo
mente com a maneira em que a pessoa vive (pai- compromisso.
xão), em vez de 0 que ela faz (conteúdo). Mas a pes- Em Pós-escritos não-científicos finais, outra dis-
soa ética também acaba no desespero de encontrar tinção é estabelecida dentro da fase religiosa. A reli-
significado. Isso leva 0 leitor à terceira fase, a religi- gião x é religião natural, e a religião y é sobrenatural.
osa. A vida ética leva ao fracasso em atingir os pró- A primeira é religiosidade; a segunda é 0 cristianis-
prios ideais. Isso leva ao arrependimento, a precon- mo. A religião x é racional, mas a religião y é parado-
dição da fé. xal. A primeira enfatiza apenas uma necessidade ge-
Kierkegaard introduz Deus como 0 Legislador ral; a segunda é criada por uma necessidade especial
Moral. 0 arrependimento ético termina em triste- de Cristo.
za causada pelo próprio fracasso. Isso em si não Em Fragmentos filosóficos, Kierkegaard relaci-
leva à redenção. A ética leva à lei com seu fracasso, ona fé e razão. O livro é filosófico e objetivo. 0
não ao Legislador. cristianismo é estudado quanto a seu conteúdo (0
Essa obra importante prepara para a fase reli- que), ao contrário dos Pós-escritos, que enfatiza 0
giosa sem entrar nela. A lei termina em autocon- cristianismo como modo existencial de vida
fiança, mas não traz confiança em Deus. 0 indiví- (como). Esse ataque à filosofia centrada no homem
duo no final acaba com duas escolhas — a religião influenciou Karl Barth profundamente. Os seres
ou 0 desespero. humanos vêem Deus como um Desconhecido
Kierkegaard esperava que suas obras estéticas desconcertante. Deus deve iniciar a comunicação.
levassem as pessoas a querer escolher a religião como Duas questões são levantadas. Primeira, é possível
maneira de encontrar 0 significado eterno. Ele es- basear a felicidade eterna no conhecimento histó-
creveu vários “discursos edificantes” para dar a res- rico? Isso remonta a Gotthold Lessing (1729-1781)
posta ao desespero das fases estética e ética. Infeliz- e sua “ vala” . Segunda, como pode 0 Deus transcen-
mente, descobriu que as pessoas preferiam diversão dente comunicar-se conosco?
a edificação. Em “A expectativa da fé” , uma resposta Kierkegaard usa a parábola de um rei que se
à fase estética, afirmou que 0 conforto só é encon- torna mendigo para conquistar 0 amor de uma
trado no eterno. É uma estrela guia para um mari- donzela pobre a fim de argumentar que não se
nheiro que enfrenta a repetição monótona das on- pode conseguir 0 eterno a partir do puramente
das. 0 tédio do temporal é vencido apenas pela tran- histórico, nem 0 espiritual a partir do racional. 0
qüilidade do transcendental. A fé é uma paixão pelo pecado original é 0 fato humano fundamental (v.
eterno e uma resposta a ele. Até a dúvida pode ser 0 conceito do temor). A humanidade não pode conhe-
um instrumento para despertar 0 Deus eterno. cer nem encontrar a verdade sem que Deus lhe
Em “ Toda dádiva boa e perfeita” , uma resposta à ofereça 0 conhecimento e 0 encontro por meio
vida de dever ético, Kierkegaard demonstra como da revelação. Essa revelação milagrosa e autênti-
Deus usa a depressão moral para 0 nosso bem. Mes- ca não faz parte do sistema racional.
mo a oração negada não é injusta. A pessoa que ora Razão e revelação. Kierkegaard comparou
está melhorando, ainda que a resposta não seja para Sócrates a Cristo para chegar à diferença entre reve-
0 bem. Até tragédias podem ser vitórias se recebidas lação e razão:
479 Kierkegaard, Soren

Sabedoria de Sócrates Revelação de Cristo é supra-racional, 0 que transcende a racionalidade


Lem branças passadas Expectativa futura finita. O verdadeiro absurdo na situação humana é
Verdade despertada Verdade recebida de que as pessoas devem agir como se tivessem certeza,
de dentro fora apesar de não terem motivo para ter certeza.
Verdade imamente Verdade transcendente Fé e 0 irracional. O livro Post-Scriptum definiti-
Verdade racional Verdade paradoxal vo e não científico acrescenta que a razão objetiva
Verdade vem do Verdade vem do Deus- jamais pode encontrar a verdade existencial. Pro-
homem sábio H om em vas não podem comprovar nem derrubar 0 cristi-
anismo. Tentar provar Deus é um insulto tão ver-
gonhoso quanto ignorá-lo. Reduzir 0 cristianismo
As verdades cristãs não são analíticas (auto-evi-
à probabilidade objetiva seria fazer dele um tesou-
dentes) nem sintéticas, porque ainda que factual-
mente corretas, não são aceitas, pois 0 conhecimen- ro que se pode possuir negligentemente, como di-
nheiro no banco.
to humano carece da certeza contida nas afirma-
ções cristãs. As afirmações cristãs são paradoxais e A fé em fatos religiosos, tais como a encarnação
só podem ser aceitas pela fé. Há um Deus real e trans- ou autoridade das Escrituras, não é fé verdadeira.
cendente, que só pode ser escolhido na sua auto-reve- Fé verdadeira é dom de Deus e inatingível pelo
lação. Esse Deus é significante e real, mas paradoxal. esforço. A encarnação (v. C risto, divindade de) e a
Ele é 0 limite desconhecido do conhecer; ele atrai Bíblia são pontos de referência objetivos, mas não
magneticamente a razão e causa uma colisão passional são razões. A fé verdadeira é 0 salto em direção à
com a humanidade dentro do paradoxo. A razão não revelação de Deus que não se baseia em evidência
pode penetrar Deus, nem pode evitá-lo. O próprio objetivamente racional ou empírica. A razão, no
zelo dos positivistas em eliminar Deus demonstra sua entanto, tem 0 papel negativo de nos ajudar a dis-
preocupação com ele. O paradoxo supremo de todo tinguir 0 absurdo do paradoxo. O cristão é impedi-
pensamento é a tentativa de descobrir algo que 0 pen- do pela razão de crer em absurdos (Post-scriptum,
sarnento não pode conceber. 504). Ele conta a parábola de um louco que quer
Provas e indicações. Deus é desconhecido para provar que é são. Ele bate uma bola no chão, dizen-
nós, mesmo em Cristo. Deus indica sua presença do: “ Bum, a terra é redonda” . Ele mostra que 0 que
apenas por “sinais” (indicações). A revelação para- 0 louco disse era verdade, mas mesmo assim isso
doxal do desconhecido não é cognoscível pela razão. não prova que ele é são. A maneira pela qual ele diz
A reação humana deve ser um salto de fé, que é con- isso mostra que ele não está relacionado correta-
cedido por Deus, mas não imposto a nós; podemos mente com a verdade (ibid., p. 174).
aceitar a fé ou decidir viver racionalmente (v. Conhecimento volitivo e racional de Deus. O peca-
fideísmo ). A fé em Deus não pode ser racional ou do, não nossa inabilidade mental, faz Deus parecer
empiricamente fundada. Racionalmente não pode- um paradoxo absoluto. Esse paradoxo absoluto tor-
mos sequer imaginar como Deus é ou não é. O má- na-se absurdo na cruz, a ofensa oferecida pelo evan-
ximo que podemos fazer é projetar em direção ao gelho. A tarefa humana, portanto, não é compreen-
transcendente qualidades familiares que jamais 0 der a Deus intelectualmente, mas submeter-se a ele
alcançam. Não podemos argumentar com base nas existencialmente em amor sacrificial. O paradoxo
obras da natureza de Deus, pois ou elas pressupõem não é teórico, mas volitivo. Não é metafísico, mas
Deus ou conduzem à dúvida. axiológico. Deus é loucura para nossa mente e ofen-
Os que pedem provas da existência de Deus ig- sa ao nosso coração. O paradoxo objetivo de Deus
noram a Deus (v. D eus, evidências de), pois já possuem em Cristo deve receber uma resposta paradoxal de
0 que imaginam (v. “ Por ocasião de um culto fé e amor.
confessional” , em Thoughts on crucial situations in Escrituras. Kierkegaard acreditava que a Bíblia
human life [Pensamentos sobre situações cruciais na era a Palavra inspirada de Deus (v. revelação espfxi-
vida humana[). Ainda que se pudéssemos provar a al ). Escreveu:
existência de Deus, ela seria irrelevante para nós. É
sua relação conosco que tem importância religiosa. Estar sozinho com as Sagradas Escrituras! Não me atre-
O evangelho é apresentado apenas como escolha exis- vo! Quando abro numapassagem, sejaqual for — ela mepren-
tencial, não para reflexão racional (Pós-escritos, p. de instantaneamente, me pergunta (é como se 0 próprio Deus
485; Obras de amor, p. 74). Deus não é irracional. Deus me perguntasse: “Fizeste 0 que leste aqui?” ).
Kierkegaard, S0ren 480

Ele até a chama “ Palavra de Deus” , acrescentan- sucesso além das expectativas, poderá com todo seu
do: “ Meu ouvinte, com que intensidade estimas a trabalho não garantir nada relativo à fé” . Para 0 críti-
Palavra de Deus?” ( Auto-exame, p. 51). Kierkegaard co, ele adverte: “Quem ataca a Bíblia também deve ter
até acreditava que 0 cânon estava fechado e que Deus buscado uma compreensão clara da possibilidade de,
não dá novas revelações. Criticava duramente qual- se 0 ataque for bem-sucedido acima de toda expecta-
quer pessoa que afirmasse ter recebido uma nova tiva, nada haver que acompanhe 0 resultado filológico” .
revelação (v. B íb l i a , c a n o n ic id a d e d a ). Se os defensores da Bíblia alcançam seus maiores so-
No entanto, Kierkegaard não acreditava ser ne- nhos ao demonstrar que livros pertencem ao cânon,
cessário ou importante defender a infalibilidade das sua autenticidade, confiabilidade e inspiração, de que
Escrituras. Isso fica evidente em suas posições so- adianta? Será que alguém que antes não tinha fé deu
bre 0 eterno e 0 temporal, bem como em seus co- um passo em direção a ela? A fé não resulta simples-
mentários sobre c r ít ic a bíblica. mente da investigação científica; na verdade, não vem
O eterno e 0 temporal. Com o pode a salvação eter- de forma direta. Pelo contrário, “em sua objetividade
na dep en d er de d o cu m en to s h istó rico s (e portan to a pessoa tende a perder 0 interesse pessoal infinito na
incertos)? C om o pode 0 h istórico o ferecer conheci- paixão, que é a condição da fé” (Post-scritum definiti-
m ento não-histórico? (v. Cristo da fé vs. Jesus da histo- vos). Mas e se os oponentes da Bíblia comprovarem
ria). A resposta de Kierkegaard é que, à m edida que a tudo que alegam sobre ela, isso elimina 0 cristianis-
B íblia oferece in fo rm açã o em p írica, c o n stitu i base mo? De forma alguma. Se 0 crente “acreditasse por
insuficiente para a fé religiosa. Som ente a fé inspirada causa de alguma prova, estaria prestes a abrir mão de
pelo Espírito encontra 0 Deus eterno no Cristo tem - sua fé” . A fé não precisa de provas, disse ele. A fé, na
poral (v. Espírito Santo na apologética, papel do). Os au- verdade, considera a prova sua inimiga (ibid., p. 31).
to r e s b íb lic o s n ão c e r t ific a m p r im a r ia m e n t e a Em outro trecho Kierkegaard afirma que, para
historicidade da divindade de Cristo (v. Cristo, divin- dar lugar à fé, homens e mulheres devem ser libertos
dade de), m as testificam a favor da divindade de Cristo dos grilhões da necessidade histórica. A história não
na história. Logo, a crítica bíblica é irrelevante. O im- é uma necessidade que se revela, como Hegel disse,
p o rta n te n ão é a h is to ric id a d e de C risto , e sim a mas uma resposta livre ao desafio e à confrontação.
contem poraneidade de sua pessoa que confronta hoje A liberdade escapa da rede da explicação científica.
pessoas pela fé na ofensa do evangelho. O Jesus his- Rejeição à teologia natural. A religião natural é
tórico é um a p ressuposição necessária, m as a histó- boa, mas não é cristã, porque carece de revelação
ria não prova que ele é 0 Messias. A única prova disso transcendente. Ela suplementa 0 cristianismo, po-
é 0 fato de serm os seus discípulos. rém é patética sem 0 cristianismo para completá-la.
Historicidade e contemporaneidade. Se 0 eterno Surge da colisão da razão com 0 desconhecido (um
vem como evento na história, como pode estar igual- conceito desenvolvido no Numinous, de Rudolph
mente disponível a todas as gerações? A resposta é Otto), que jamais vai além da colisão. O ser humano
que a fé não depende do acaso ou de um encontro é um criador de deuses que deifica tudo que é esma-
fortuito com Jesus na rua. Isso seria contemporaneidade. gador. Mas no fundo do coração da devoção natural
A fé é centrada num evento histórico, mas não se esconde-se um capricho que sabe que produziu a
baseia nele. Nenhuma contemporaneidade superfi- divindade e que a divindade é uma fantasia. Logo, a
ciai pode gerar fé; apenas a contemporaneidade es- religião natural desvia-se ou para 0 politeísmo, que
piritual pode fazê-lo. coleta todas as fantasias, ou para 0 panteísmo, que
as funde de modo incongruente. Assim, Kierkegaard
Pois se a geração contemporânea não deixasse após sua conclui que, por mais que a razão nos aproxime de
passagem senão estas palavras: “Cremos que nesse determi- Deus, essa ainda será a maior distância que ele esta-
nado ano Deus apareceu entre nós na forma humilde de servo, rá de nós.
que ele viveu e ensinou na nossa comunidade, e finalmente Kierkegaard acrescenta uma observação interes-
morreu, isso seria mais que suficiente (ibid., p. 130). sante sobre a religião comparativa. O budismo, diz,
procura 0 eterno fora do tempo — pela meditação.
Assim, 0 tempo é irrelevante para a fé. Não existe Sócrates buscou 0 eterno antes do tempo — pela
discipulado de segunda mão. memória. Mas 0 cristianismo busca 0 eterno no tem-
Crítica da Bíblia. Quanto ao apologista da Bíblia, po — pela revelação.
Kierkegaard 0 exorta: “Quem defende a Bíblia para 0 Avaliação. Apesar de Kierkegaard poder ser con-
benefício da fé deve ter certeza de que, no caso de ter siderado um evidencialista moderado com relação às
481 Kierkegaard, Soren

verdades objetivas e históricas, com relação à ver- Está correto em notar que, mesmo se alguém tivesse
dade religiosa ele é quase um exemplo clássico de registros históricos perfeitos, essa informação por
fideísta. Ele e Karl Barth, são os fundadores do ata- si só não levaria a pessoa ao contato com Deus.
que cristão à abordagem racional e evidenciai do Dificuldades. F id e ís m o . Como outros fideístas,
cristianismo no mundo moderno. No entanto, há Kierkegaard oferece razões incoerentes para 0
vários valores no pensamento kierkegaardiano, até fideísmo, que afirma que não se pode oferecer ra-
mesmo para a apologética cristã. zões para as questões da fé. 0 restante dessa questão
Contribuições positivas. Kierkegaard pode ser lou- é discutida no artigo fideísmo.
vado por sua crença nos fundamentos da fé cristã. Separando fato e valor. Seguindo Immanuel Kant,
Ele enfatizou 0 encontro pessoal com 0 cristianismo Kierkegaard separa radicalmente fato e valor, 0 que
autêntico, a importância do livre-arbítrio em opo- é e 0 que deve ser. Isso deu ímpeto à separação do
sição ao determinismo comportamental e 0 retorno Jesus da história do Cristo da Fé (v. C risto da fé vs. Jesus
à fé do nt. Enfatizou a imutabilidade, a transcendência, da história; Jesus, Seminário; milagres, mito e ). Apesar de
e a graça de Deus e a depravação humana. Ofereceu 0 histórico não possibilitar 0 contato com 0 eterno, 0
explicações criativas sobre muitas passagens bíblicas. eterno também não pode ser separado da história
Uma repreensão ao racionalismo. Alguns racio- real. Apesar de Kierkegaard não negar a realidade his-
nalistas, como René D escartes, Gottfried L eibniz e tórica dos milagres, reduz a importância dessa di-
Christian Wolff, enfatizaram uma abordagem extre- mensão. Os milagres podem ser mais que históricos,
ma de Deus. Desvalorizaram 0 papel da fé e do encon- mas não são menos. Ao negar a importância do his-
tro pessoal no relacionamento genuíno com Deus. tórico, ele mina a autenticidade do nt e, com ele, 0
Exageraram seus argumentos a favor da existência de cristianismo do nt . A mudança de ênfase de fato
Deus (v. D f.us, evidências dê), afirmando que eram ma- para valor leva à negação do fato e de seu apoio à fé.
tematicamente absolutos. O ataque de Kierkegaard Apoio evidenciai para a fé. Apesar de Kierkegaard
ao racionalismo e sua ênfase sobre 0 encontro pesso- estar correto sobre a fé ser baseada não em fatos,
al com 0 Deus vivo é uma repreensão útil ao mas em Deus, ele está errado ao supor que não há
racionalismo puro. apoio racional e evidenciai para a fé. É claro que
A distinção clássica entre a razão e as verdades Deus é a base da fé em Deus, todavia isso não signi-
da fé (v. fé e razão) às vezes é esquecida na apologética fica que não temos qualquer outro apoio racional
racional moderna. Há verdades que, apesar de irem ou evidenciai para a fé. Kierkegaard exagera quando
contra a razão, vão além da razão (v. mistério ). afirma: “0 milagre não pode provar nada; pois, se
Kierkegaard via isso claramente. você não acredita que ele [Deus] é 0 que diz ser, você
A verdadeira base para a fé. Alguns apologistas nega 0 milagre. Um milagre pode chamar a atenção”
clássicos (v. clássica , apologética ) e apologistas (Training in Christianity [Treinamento no cristia-
evidenciais (v. apologética, tipos de) tendem a esque- nismo[, p. 99).
cer que a fé não se baseia na evidência ou razão Fé em efé que. Não há evidência para fé em Deus.
sobre Deus, mas no próprio Deus. Kierkegaard Isso é estritamente uma questão de fé. No entanto,
enfatizou esse ponto em demasia. há evidência para se ter fé que exista um Deus.
Pré-evangelismo útil. Poucos descreveram 0 de- Kierkegaard não enfatiza a importância de ter a evi-
sespero da vida estética tão claramente quanto dência de que Deus existe. Nenhuma pessoa racio-
Kierkegaard. Either/ Or [Isso ou Aquilo} dá uma vi- nal depositaria sua fé num elevador para ir ao nono
são inédita da futilidade da vida sem Deus. Isso pode andar sem evidência de que 0 elevador pudesse fa-
ser formulado como um argumento implícito a par- zer isso. Da mesma forma, nenhuma pessoa racional
tir da necessidade religiosa (v. D eus, necessidade de). deveria confiar em Deus sem que fosse razoável acre-
0 histórico e 0 eterno. Kierkegaard está correto ditar que existe um Deus confiável.
ao observar que 0 milagre é mais que mera dimen- 0 papel dos argumentos teístas. Kierkegaard não
são histórica, e 0 histórico é insuficiente para possi- oferece refutações aos argumentos a favor de Deus
bilitar 0 contato com 0 Deus vivo (v. milagres, mito e ). como Kant (v. D eus, obieções ás provas de). Ele oferece
A ênfase exagerada por parte dos apologistas histó- apenas um tipo de reclamação existencial contra ar-
ricos pode ser mal-interpretada e dar a entender gumentos teístas, que são uma ofensa a Deus. Mas
que é possível chegar a Deus mediante a evidência por que 0 Deus da razão ficaria ofendido por usar-
histórica apenas. Kierkegaard faz advertências agu- mos a razão? A razão é parte do que nos faz seme-
das quanto ao abismo entre 0 histórico e 0 eterno. lhantes a ele (Gn 1.27).
Kushner, Harold 482

Um Deus completamente diferente. O conceito de não ressuscitou, inútil é a fé que vocês têm, e ainda
Deus como “completamente diferente” é uma forma estão em seus pecados” ( 1 C0 15.17; v. Rm 10.9).
de a g n o st ic ism o . Como 0 reino numénico de Kant (a Revelação pessoal e proposicional. Apesar de crer
coisa-em-si), Deus jamais pode ser conhecido. Pode- na inspiração das Escrituras, a ênfase de Kierkegaard
mos conhecer apenas que ele existe, mas não 0 que ele na natureza pessoal da verdade religiosa e na ne-
é. Precisamos conhecer algo sobre 0 que algo é ou não cessidade do encontro existencial com Deus dese-
podemos saber que existe. Mesmo um objeto estra- quilibrou a balança axiológica contra a revelação
nho que nunca vimos antes não é “completamente proposicional. Ela não só foi diminuída, mas tam-
diferente” . Podemos não conhecer seu propósito, mas bém separada do que é realmente importante, a re-
podemos conhecer seu peso, forma e cor. A própria velação pessoal. Isso levou à neo-ortodoxia de Karl
afirmação de que não sabemos nada sobre Deus é B arth e Emil B runner, que negou a posição histórica

uma declaração de que se sabe algo sobre ele; logo, é e ortodoxa de que a revelação é proposicional.
Os termos salto, absurdo e paradoxo. Kierkegaard
incoerente. Conhecimento puramente negativo so-
não era irracionalista, como alguns afirmaram, mas 0
bre algo é impossível. A afirmação de que Deus não é
uso que faz dos termos nos dá essa impressão. Absur-
“isso” sugere que conhecemos 0 “isso” . Assim, consi-
do e p a ra d o xo geralmente têm sido reservados, de
derar a linguagem religiosa mera indicação de Deus,
Zenão a Kant, para significar contradição lógica (v.
incapaz de descrevê-lo, na verdade nos deixa em ig-
primeiros princípios; lógica). São, na melhor das hipóte-
norância total e em situação de derrota.
ses, uma escolha infeliz de termos e geralmente são
Suspensão da ética. Em sua suspensão do ético
mal-interpretados. Kierkegaard foi muito mal-inter-
pelo religioso, Kierkegaard abriu 0 caminho para a
pretado, em parte por tê-los usado. Da mesma forma,
ética de situação. Apesar de crer firmemente nas leis
falar de um “salto” de fé parece irracional, como até
morais de Deus, no mais alto nível do dever — sua
Kierkegaard pareceu reconhecer mais tarde (v.
relação com Deus — , não há como distinguir 0 certo
Journals, p. 581).Tais palavras extremas para descrever
do errado. O encontro existencial com Deus coloca a
0 mistério do que não vai contra a razão, mas apenas
pessoa além dos reinos racional e ético. Apesar do
está além dela, só podem levar à má interpretação.
contexto racional e ético em que começa, a suspensão
do ético pelo religioso deixa a pessoa sem qualquer Fontes
guia real no nível mais elevado de certo e errado. G. E. A r b a u g h , K ierkegaard’s authourship.
Subjetividade da verdade. Kierkegaard não afir- S. E v a n s , Kierkegaard’s “Fragments’’and “Postscript”.
mou que a verdade era subjetiva. Ele disse: “A ver- ___ , Subjectivity and religious belief.
dade é subjetividade” . E, apesar de não negar a ver- F. C a r m i n c a l , “ The unknown and unread Soren
dade objetiva (v. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ) na ciência ou Kierkegaard” , em Studia et apologia.
na história, negava que a verdade religiosa fosse J. C a r n e l l , The burden o f Soren Kierkegaard.
objetiva ou testável. Isso não só nos deixa com um P. S. M in e a r , et al., Kierkegaard and the Bible.
mero teste subjetivo da verdade religiosa como H. N y g e r e n , “Existentialism: Kierkegaard” , em Ν’. L.
também confunde a natureza objetiva da verdade G E 1 S L E R ,o r g ., M )/ 1 'f ii/ inerrancy: its
religiosa com a condição subjetiva de recebê-la. philosophical roots.
Certamente deve-se aplicar as verdades do cristia- V. tb. as várias obras de Kierkegaard citadas acima.
nismo à vida subjetivamente, mas isso não signifi-
ca que tais verdades devam ser definidas como sub- Krishna. V. hinduísmo vedaxta; ressurreição nas religiões
jetividade. Toda essas verdades correspondem ob- NàO-CRISTÃS, REIVINDICAÇÕES DE; RELIGIÕES MUNDIAIS, CRISTI-
jetivamente à situação descrita. ANISMO E.
Minimizando 0 historicamente necessário. Quan-
do Kierkegaard falou sobre a mera fé num homem Kushner, Harold. Rabino americano do final do sé-
chamado Jesus, em quem as pessoas acreditavam culo xx cuja versão popular de deísmo finito é ex-
que Deus habitava, como os fatos históricos mini- pressada em seus best-sellers Quando tudo não é 0
mos necessários para a fé cristã, ele abriu caminho bastante e Quando coisas ruins acontecem às pessoas
para a demitologização radical de B u l t m a n n . Isso ataca boas. Kushner desafia 0 cristianismo em vários pon-
a afirmação do n t de que 0 fato da ressurreição cor- tos importantes, principalmente na sua rejeição aos
poral é absolutamente necessário para 0 cristianis- milagres e nos argumentos a favor de um Deus finito
mo. Como 0 apóstolo Paulo declarou: “ E, se Cristo (v. MILAGRES, ARGUMENTOS CONTRa ).
483 Kushner, Harold

Um D eu s lim itado. Segundo Kushner, existe um não é 0 bastante, p. 77). Cada indivíduo é feito “ à
Deus que é limitado em poder e perfeição. Mas, imagem de Deus” . Isso se manifesta principalmente
em sua habilidade de escolher entre 0 bem e 0 mal.
quando falamos de um Deus, estamos fazendo algo mais Os seres humanos também são seres racionais.
que um censo de quantos seres divinos existem? Será que
estamos dizendo que Deus “está no controle...”? (Quando tudo Quando as primeiras páginas da Bíblia descrevem Adão
não éo bastante, p. 133). dando nomes aos animais, é feita uma homenagem à sua ha-
bilidade singular de raciocínio, de classificar as coisas em
Além disso, “pelo fato de ser Um, ele está comple- categorias. O homem sozinho pode usar sua mente para fazer
tamente sozinho a não ser e até que haja outras pesso- ferramentas, [...] assim como para escrever livros e sinfonias
as para amá-lo” (ibid., p. 56). Esse Deus “não pode (ibid., p. 103-4).
monopolizar todo Poder e não deixar nenhum para
nós” (ibid.). Além de Deus ser limitado por nossa cau- Os seres humanos não só têm mente e vontade, mas
sa, ele também é limitado por causa de sua natureza. também têm corpos físicos que sentem dor (ibid., p.
Nas palavras de Kushner: 78). No entanto, 0 corpo humano é bom. Para Kushner,
“ver 0 corpo humano e todo 0 mundo natural com
Reconheço suas limitações. Ele élimitado no que pode fazer nojo ou desconfiança é uma heresia, assim como vê-lo
pelas leis da natureza e pela evolução da natureza humana e da sem a devida reverência” (ibid., p. 83). Deus é bom, e
liberdade moral humana (Quando coisasruinsacontecemàspes- também fez a humanidade boa. Quando a Bíblia des-
creve Adão e Eva comendo 0 fruto da árvore do conhe-
soas boas, p. 134).
cimento do bem e do mal, eles não caíram; eles “subi-
ram” . Foi um momento de progresso para a raça hu-
Devemos entender “que até Deus tem dificuldade
mana, não uma catástrofe. Foi um salto no processo
para controlar 0 caos e limitar a destruição que 0 mal
evolutivo.
pode causar” (ibid., p. 43).
Kushner refere-se à mente humana como “a pro-
Kushner vê a finitude de Deus como uma vanta-
va mais irrefutável da mão de Deus no processo
gem para nossa vida, não um risco. Pois, “se pode-
evolutivo” (ibid., p. 110). Em outro trecho escreve so-
mos reconhecer que existem algumas coisas que
bre “0 que Deus tinha em mente quando preparou os
Deus não controla, muitas coisas boas se tornam
seres humanos para evoluírem” (ibid., p. 135). Portan-
possíveis” (ibid., p. 45). Na verdade, “ Deus, que não
to, a evolução é 0 meio pelo qual Deus expressa sua
causa nem previne tragédias, ajuda ao inspirar pes-
criatividade (v. evolução biológica). O ser humano é 0
soas a ajudar” (ibid., p. 141). Deus não pode contro-
produto mais elevado desse processo — a criatura
lar 0 mundo e os seres humanos, mas ele “é 0 poder
mais parecida com Deus.
divino que os incentiva a crescer, avançar e desafi-
Um m u n d o caótico. Embora 0 mundo esteja num
ar” (ibid., p. 132).
processo de mudança, existem coisas sobre 0 mun-
Deus, para Kushner, é um Deus de amor, não de
do que até Deus não pode mudar. Deus não pode
poder ( Quando tudo não é 0 bastante, p. 55). Ele é
fazer condições fatais serem menos fatais ou curar
mais bondoso que capaz (ibid., p. 58).“Deus é a força
uma doença (Quando coisas ruins acontecem às pes-
que nos leva a deixar 0 egoísmo e ajudar nosso pró-
soas boas, p. 110). “As leis da natureza não fazem ex-
ximo, e ao mesmo tempo 0 inspira a transcender 0 ceções para pessoas boas. Uma bala não tem consci-
egoísmo e nos ajudar” (ibid., p. 183). Quanto às nos- ência; nem um tumor maligno ou um automóvel
sas circunstâncias trágicas: “Deus não pode impedir desgovernado” (ibid., p. 58).
a calamidade, mas nos dá a força e perseverança As mãos de Deus estão atadas pelas leis insensí-
para superá-la” ( Quando coisas ruins acontecem às veis da natureza. Logo, não podemos pedir um mila-
pessoas boas, p. 141). Deus não pode evitar nossas gre para Deus. Quando coisas muito anormais acon-
desgraças, mas também não as envia. “ Xossas des- tecem, “devemos curvar nossas cabeças para agra-
graças não têm nada que ver com ele, e então pode- decer pela presença de um milagre, e não pensar que
mos pedir ajuda a ele” (ibid., p. 44). Mesmo durante 0 nossas orações, contribuições ou abstinências fize-
holocausto, Deus “estava com as vítimas, e não com ram isso” (ibid.). A oração não nos dá contato com
os assassinos, mas [...] ele não controla a escolha do 0 Deus sobrenatural. Na verdade a oração “nos dá
homem entre 0 bem e 0 mal” (ibid., p. 84). contato com outras pessoas, pessoas que têm os
S e re s h u m a n o s bons. A humanidade é um re- mesmos temores, valores, sonhos e dores que nós”
sultado evoluído da “criação de Deus” (Quando tudo (ibid., p. 119).
Kushner, Harold 484

Esse mundo também é irracional (Quando tudo Tal religião era adequada para a civilização ima-
não é 0 bastante, p. 111). Não há significado final em tura, mas obediência cega gera crianças perpétuas
nada que acontece (Quando coisas ruins acontecem (Quando tudo não é 0 bastante, p. 127-8).
às pessoas boas, p. 136). Não há razão para algumas Um nível mais elevado de maturidade ética é al-
pessoas sofrerem e não outras. cançado por aqueles “que entendem que as regras
não vêm ‘do alto’. As regras são feitas por pessoas
Esses eventos não refletemaescolha de Deus. Elas aconte- como elas, e podem ser mudadas por pessoas como
cempor acaso, e0 acaso éoutro nome para caos, naqueles can- elas” .
tos do universo onde aluz criativa de Deus ainda não penetrou
Nesse ponto ser“bom” não significa mais apenas obede-
(ibid., p. 53).
cer às regras. Agora significa compartilhar aresponsabilidade
de avaliar e fazer regras que serão justas, para que possamos
P e r d o a r D eu s p e lo m al. O mal é real (Quando
desfrutar a vida numa sociedade justa (ibid., p. 123).
tudo não é 0 bastante, p. 89). “Estar vivo é sentir dor,
e esconder-se da dor é estar menos vivo” (ibid.). O
E sp era n ç a e m rela çã o ao fu t u r o . Quanto à vida
mundo é injusto, e devemos ajustar-nos a ele. Em após a morte, 0 rabino Kushner é incerto. A imortali-
vez de culpar Deus, precisamos perdoá-lo. Numa pas- dade pessoal é apenas uma esperança. “Nem eu nem
sagem comovente, 0 rabino pergunta: qualquer pessoa viva pode conhecer a realidade dessa
esperança” (Quando coisas ruins acontecem às pesso-
Você é capaz de perdoar e amar a Deus mesmo quando as boas, p. 28). Ele “acredita que a parte de nós que não
descobriu que ele não é perfeito, mesmo quando ele 0 decep- é física, a parte que chamamos de alma ou personali-
cionou ao permitir azar edoença ecrueldade no seu mundo, e dade, não morre e não pode morrer” . Mas logo acres-
permitiu que algumas dessas coisas acontecessem comvocê? centa: “Não sou capaz de imaginar uma alma sem um
Você pode aprender a amá-lo eperdoá-lo apesar das suas limi- corpo. Será que seremos capazes de reconhecer almas
tações [...] assim como aprendeu a perdoar e amar seus pais sem corpos como sendo as pessoas que conhecemos
apesar de não serem tão sábios, fortes ou perfeitos quanto e amamos?” (ibid.).
você precisava que fossem? (Quando coisas ruins acontecem Kushner admite que a crença no mundo futuro
àspessoas boas, p. 148). pode ajudar as pessoas a suportar a injustiça deste
mundo. Mas pode permitir a aceitação da injustiça,
A solução para 0 problema do mal (v. m al, pro- em vez de se fazer algo a respeito (ibid., p. 29). Deve-
blema d o) é “perdoar Deus por não ter feito um mun- mos viver para 0 presente, um momento de cada
do melhor, estender a mão para as pessoas à nossa vez. “Jamais resolvemos 0 problema de viver de uma
volta e continuar vivendo apesar de tudo” (ibid., p. vez por todas” (Quando tudo não é 0 bastante, p. 143).
0 importante é viver 0 agora. Aqueles que vivem no
147).
presente com integridade não têm medo de morrer
M a t u r i d a d e n a é tica . A teoria de Kushner do
(ibid., p. 155). “ Não tenho medo da morte porque
certo e errado tem raízes na tradição judaica, mas
sinto que vivi. Amei e fui amado” (ibid., p. 161). A
floresce à luz da psicologia contemporânea. As ve-
maioria das pessoas não tem medo de morrer, mas de
zes ele fala sobre Deus como Legislador. “ Ele nos
viver. Temem a vinda da morte sem jamais ter vivido
comanda. Ele impõe a nós um senso de obrigação
(ibid., p. 156).
moral” (Quando tudo não é 0 bastante, p. 180). Deus
Não devemos buscar recompensas futuras.
“ nos comanda. É por isso que estamos na terra,
“ Quando se aprende a viver, a própria vida é a re-
para servir a Deus, para fazer sua vontade” (Quando
compensa” (ibid., p. 152). O rabino Kushner cita com
coisas ruins acontecem às pessoas boas, p. 86). A obe- aprovação 0 Talmude, que diz: “ Uma hora neste mun-
diência às leis de Deus, no entanto, é uma atividade do é melhor que toda eternidade do Mundo Futuro”
ética inferior. Seguindo 0 psicólogo Jean Piaget, (ibid., p. 151). Quando falamos de Deus no céu como
Kushner acredita que a obediência não é necessari- nossa esperança, “banalizamos a religião e impedi-
amente a maior virtude. Na verdade, mos que pessoas bem-intencionadas a levem a sério
e encontrem ajuda ali” (ibid., p. 179). Nossa imorta-
uma religião que define moralidade como obediência aos lidade real é ter filhos e plantar coisas de que outros
seus mandamentos é adequada para crianças epessoas ima- possam desfrutar depois que partirmos (ibid.,p. 173).
turas, e pode ter sido adequada para a humanidade como um O céu e 0 inferno estão na terra. O céu “ é ter apren-
todo quando a civilização era imatura. dido a fazer as coisas e desfrutar das coisas que nos
485 Kushner, Harold

tornam humanos, as coisas que apenas seres huma- Reconhecimento do problema da intervenção di-
nos podem fazer” . Em comparação, vina. Ele também indica um problema que alguns
teístas tendem a ignorar. Dada a realidade da condi-
0 pior tipo de inferno que posso imaginar não é de fogo ção humana, Deus não pode fazer tudo. Existem li-
e enxofre [... ] 0 pior inferno é perceber que você poderia ter mites operacionais ã intervenção divina. Deus não
sido um ser humano de verdade [...] e agora é tarde demais pode violar a liberdade humana que concedeu aos
(ibid., p. 157). seres feitos à sua imagem. Assim, fazer um milagre
contrário à liberdade moral é operacionalmente
Deus não intervirá no futuro para recompensar e impossível para Deus. Intervir continuamente seria
castigar os corruptos. A verdadeira recompensa é “que contrário às próprias leis que tornam possível a vida
ele fez a alma humana de tal maneira que apenas uma física e moral.
vida de bondade e honestidade nos faz sentir espiri- Pontos fracos e objeções. A maioria dos aspectos
tualmente saudáveis e humanos” (ibid., p. 183). questionáveis do pensamento de Kushner são criti-
A valiação. Contribuições positivas. Apesar de seu cados em outros artigos. Eles serão citados aqui com
deísmo finito ser falso, sua articulação da posição con- referências.
tém verdades: Primeiro, 0 deísmo finito é infundado (v. fin ito ,
Reconhecimento do problema do mal Kushner ba- deísmo).
seou seu pensamento numa área crucial — 0 pro- Segundo, 0 conceito do mal de Kushner é inade-
blema do mal. Com respeito ao tema, ele reconhece quado (v. m al, problema do).
a realidade do mal, em vez de optar pelo panteísmo, Terceiro, a negação do sobrenatural de Kushner
que 0 nega. Ele tem razão ao afirmar que furacões é infundada (v. m ilag re).
não têm consciência; atingem pessoas boas e más. Quarto, sua negação da imortalidade é contrária
Atingem igrejas e casas de prostituição. Qualquer à evidência (v. im o rtalid a d e ). Sem essa negação sua
solução adequada ao problema do mal natural deve defesa desmorona, já que depende da premissa de
lidar com essa realidade (v. m al,p rob lem a d o). Kushner que erros cometidos nesta vida não serão retificados
tenta encontrar essa solução. Ele não a relega ao âm- na próxima vida (v. Geisler, The roots of evil [As raízes
bito do absolutamente inexplicável. Apesar de teístas do mal], apêndice 3).
não concordarem com a solução encontrada (v. a Apesar de sua popularidade, a forma de deísmo
seguir), de qualquer forma louvamos suas tentativas finito de Kushner, principalmente com relação ao
de encontrá-la. mal, não resiste à prova. Ela tem mais apelo emocio-
Discernimento do problema do sofrimento. Por ter nal que justificação racional.
sofrido fisicamente, Kushner não é um observador
imparcial; ele é sensível ao impacto existencial do Fontes
sofrimento. Sua perspectiva é a diferença entre C. S. H. K u s h n e r , Quando tudo não é 0 bastante.
L e w is no seu livro Oproblema do sofrimento, quando ___ , Quando coisas ruins acontecem às pessoas boas.
não está sofrendo pessoalmente, e suas reflexões pos- N . L . G e i s i .e r , The roots of evil, e d . rev.

teriores em A grief observed [Uma dor observada], _____ e H . K i ' s h n e r , t r a n s c r i ç ã o , d e b a t e

depois que sua esposa morreu de câncer. televisionado, “The John Ankerberg show”, 1984.
LI
Lapide, Pinchas. Rabino e teólogo do final do sécu- Fontes
10 xx que, sem se converter ao cristianismo, defende P. L a p i d e , The resurrection o f jesus.
a crença cristã de que Jesus de Nazaré ressuscitou ___ , T im e(4 June 1979).
corporalmente da sepultura. Sua conclusão apóia um
elo crucial na apologética cristã — 0 da ressurreição lei, natureza e tipos de. A lei moral é uma medida
de Cristo. de conduta. É 0 primeiro princípio (v. primeiros prin-
No seu livro The resurrection of Jesus [A ressur- cípios) da ação humana. Depois de proclamada, uma
reição de Jesus], 0 rabino Lapide concluiu: lei é obrigatória. Os teonomistas afirmam que a única
lei legítima é a lei divina, insistindo em que gover-
Com relação à futura ressurreição dos mortos, sou e con- nos humanos devem ser baseados na lei bíblica
tinuo sendo um fariseu. Com relação à ressurreição de Jesus (Bahnsen). Os eticistas situacionais insistem em que
no domingo de Páscoa, fui durante décadas um saduceu. Não não há absolutos morais e que toda lei é redutível à
sou mais um saduceu, já que a seguinte deliberação me levou lei humana. Os moralistas refletem sobre a relação
a refletir melhor sobre isso (125). entre a lei divina e a lei humana. Um dos tratamentos
mais abrangentes e influentes do assunto é 0 de Tomás
Ele acrescenta: de Aquixo. Teólogos seculares, protestantes e católicos,
incluindo-se João C a i.v ix o , John L o c k e , Thomas
Se 0 poder de Deus que estava ativo em Eliseu é grande 0 Je f fe r s o x e até 0 teórico legal William Blackstone,
suficiente para ressuscitar até uma pessoa morta que foi joga- basearam-se em sua análise.
da no túmulo do profeta (2Rs 13.20,21), então a ressurreição A n a tu re z a d a lei. A lei é uma medida ou regra
corporal de um judeu crucificado também não seria impossí- pela qual somos levados a agir ou somos impedidos
vel (p. 131). de agir. A lei é 0 primeiro princípio de ação. É a regra
básica ou 0 princípio pelo qual as ações das pessoas
Já que milagre é ato de Deus que confirma a ver- são direcionadas. A regra ou medida da atividade
dade de um profeta de Deus (v. m ila g r e s , v a l o r humana é a razão, cuja função é direcionar meios a
a p o lo g ético dos), é difícil evitar a conclusão de que fins (Aquino, Suma teológica, la2ae. 90,1). A lei civil
Jesus é 0 Messias (v. C risto , divindade de). Como disse é uma ordem da razão para 0 bem comum, feita
certo autor: pelos representantes que coordenam a comunida-
de. Ela é promulgada por eles (ibid., Ia2ae, 90,4).
Não entendo a lógica de Pinchas Lapide. Ele acredita que A lei como primeiro princípio. Cada área da ativida-
é possível que Jesus tenha sido ressuscitado por Deus. Ao de humana tem primeiros prixcípios. Existem primeiros
mesmo tempo, ele não aceita que Jesus seja 0 Messias. Mas princípios do raciocínio humano, tais como a lei da não-
Jesus disse que era 0 Messias. Por que Deus ressuscitaria um contradição. Da mesma forma, existem primeiros prin-
mentiroso? (Time,4de junho de 1979). cípios da existência, tais como 0 princípio: “A existência
existe” . E há primeiros princípios da ação humana, tais
Na verdade, outro rabino disse a Jesus: “Mestre, como: “ Faça 0 bem, evite 0 mal” . A última lei é a
sabemos que ensinas da parte de Deus, pois nin- natural. Os preceitos da lei natural são para a razão
guém pode realizar os sinais miraculosos que estás prática 0 mesmo que os primeiros princípios do pen-
fazendo, de Deus não estiver com ele” (Jo 3.2). samento são para 0 raciocínio filosófico. O primeiro
lei, natureza e tipos de 488

princípio da razão prática é nosso fim último ou feli- humana, mas a medida suprema é a lei eterna (ibid.,
cidade última. A lei preocupa-se principalmente com Ia2ae. 71,6). Quando a ação humana é consumada em
0 planejamento para esse fim. Em resumo, a lei é a harmonia com a ordem da razão e da lei eterna, a ação
regra direcionada para 0 bem comum (felicidade) é correta; quando se afasta do que é correto, é errada
(ibid., Ia2ae. 90,2). (ibid., Ia2ae. 21,1). A razão humana é a base para a lei
Proclamação da lei. Para ser efetiva, a lei deve ser natural no sentido em que participa da razão eterna de
proclamada. Ninguém é obrigado a obedecer a um pre- Deus. Nesse sentido, violar a ordem da razão resulta na
ceito sem ser primeiro informado razoavelmente so- violação da lei de Deus (ibid., Ia2ae. 19, 5).
bre ele (Aquino, Disputas). Isso resulta logicamente Lei humana. A lei humana, também chamada lei
da natureza da lei como dever de ação para 0 bem civil ou positiva, é a tentativa da razão humana de
comum. Logo, para estabelecer a obrigação, a lei deve fazer leis práticas baseadas na lei natural. A lei hu-
ser aplicada às pessoas para ser regulada e deve ser mana resulta quando a razão prática procura pro-
levada ao conhecimento pela promulgação (Suma mulgar leis concretas para a sociedade a partir de
teológica, la2ae. 90,4). Não conhecer a lei é desculpa preceitos da lei natural (ibid., Ia2ae. 91, 3). É uma
legítima para não obedecê-la, a não ser que seja ig- particularização dos princípios gerais da lei natural.
norância culpável. As leis humanas podem ser inferidas da lei natu-
D iferen tes tipos d e lei. Quatro tipos de lei foram ral. Alguns preceitos são inferidos da lei natural como
diferenciados: eterna, natural, humana e divina. Cada conclusão. Por exemplo, “ Não matarás” vem de “Não
uma é a medida ou regra num âmbito diferente. farás 0 mal” . Outros preceitos são incorporações es-
Lei eterna. Lei eterna é a idéia na mente de Deus, 0 pecíficas da lei natural. A lei natural dita que crimino-
princípio do universo que está por trás do governo de to- sos devem ser punidos, mas não (nem sempre) esta-
das as coisas (ibid., Ia2ae. 91,1). É a fonte e 0 modelo de belece 0 caráter dessa punição (ibid., Ia2ae. 95, 2). A
todas as outras leis. Pois todas as leis derivam-se da lei lei humana deve ser derivada da lei natural, quer como
eterna à medida que partilhem da razão correta. É eterna conclusão, quer como aplicação específica (ibid.). A
primeira é como ciência demonstrativa, e a segunda,
porque, estando na mente de Deus, é 0 plano das coisas
como arte. Logo, as leis declaradas como conclusões
que foram estabelecidas desde a eternidade (ibid.). Por-
recebem sua força da lei natural e do governo que as
tanto, lei eterna é a razão divina pela qual 0 universo é
promulga. As leis aplicadas recebem sua força somente
governado. Todas as coisas sujeitas à providência divina
do governo.
são governadas e medidas pela lei eterna; logo, comparti-
Nem tudo 0 que é proibido pela lei humana é
lham a lei eterna (ibid., Ia2ae. 91,2). É a mente eterna de
essencialmente mau. Algumas coisas são ordenadas
Deus que concebeu e determinou tudo que existiria e
como boas ou proibidas como más. Outras são boas
como funcionaria. Dela fluem outros tipos de leis.
porque são ordenadas ou negativas porque são proi-
L e i N a t u r a l . A comunicação da lei eterna às criaturas
bidas (ibid., 2a2ae. 57,2). Uma ação maldosa, proibi-
racionais é chamada lei natural. A lei natural é a participa-
da por um preceito negativo, nunca deve ser come-
ção humana na lei eterna por meio da razão. Está contida
tida. Entretanto, muitos fatores devem conspirar para
na lei eterna primariamente e secundariamente na facul-
fazer que uma ação ordenada de virtude seja corre-
dadejudicial natural da razãohumana (ibid., Ia2ae. 71,6). A
ta. Uma ação virtuosa não precisa ser cumprida em
lei natural é a luz da razão pela qual discernimos 0 que é
todo caso, “mas apenas quando condições devidas
certo e errado (ibid., Ia2ae. 91,2). É a lei escrita nos cora-
de pessoa, tempo, lugar e situação exigem sua obe-
ções humanos (Rm 2.15).
diência” (v. Gilby, p. 361).
A lei natural nos ensina a fazer 0 bem e evitar 0 mal.
A lei humana é imposta a pessoas imperfeitas. “Por-
O bem e 0 mal devem ser estabelecidos no contexto do tanto, ela não proíbe todos os males, dos quais os virtu-
que é adequado para os seres humanos como huma- osos se abstêm, mas apenas os mais graves, que a mai-
nos, sua vida racional e moral (Disputas, 2). Assim, uma oria pode evitar, e principalmente os que são prejudici-
boa ação está de acordo com a natureza humana moral ais a outros e de cuja prevenção depende a estabilidade
e racional. Uma má ação é contrária à natureza huma- social” (Suma teológica, la2ae. 96,2). Isto é,
na. Infelizmente, a maioria das pessoas erra nesse pon-
to porque age de acordo com os sentidos, em vez de a lei humana não pode perdoar a todos e a tudo 0 que é
agir com a razão (Suma teológica, la. 49,3). contra a virtude; ela é suficiente para proibir ações contra a
No entanto, viver segundo a natureza humana não vida comunitária; 0 restante ela tolera quase como se fosse
significa que a natureza humana é a medida suprema. lícito, não porque é aprovado, mas porque não é punido (ibid.,
Na atividade voluntária, a medida aproximada é a razão 2a2ae. 77,1).
489 lei, natureza e tipos de

“Nem toda ação de virtude é ordenada pela lei hu- lei nem amor; é a lei do amor. Leva a humanidade a
mana, mas apenas as que são impostas para 0 bem públi- Deus. Pois “0 amor é nossa união mais forte com
co” (ibid., 2a2ae. 96,3). Pois “0 fim imediato da lei humana Deus, e isso acima de tudo é 0 propósito da lei divina” .
é a própria utilidade dos homens” (ibid., Ia2ae. 95,3). Deus é amor, e 0 maior dever é amá-lo (Suma contra
É claro que nem toda lei humana é legítima. Uma os gentios, p. 111-6).
lei tem a força de lei apenas quando beneficia a co- Reprimir 0 mal. Nem todos obedecerão à lei de
munidade (ibid., 2ae. 90, 2). Leis contrárias ao bem Deus, logo sanções são necessárias, ou para reformar
comum (0 que é exigido pela lei natural) não têm a 0 pecador ou para proteger a sociedade por meio da
força de lei. Da mesma forma, leis não promulgadas, punição ao infrator (Suma teológica, 2a2ae. 68, 1).
ainda que direcionadas ao bem comum, não geram Esse também é 0 caso da lei divina e natural. 0 pro-
compromisso (Disputas, p. 177). pósito principal é 0 nosso bem, mas 0 propósito
Lei divina. A lei divina tem um propósito dife- secundário é castigar os que desobedecem.
rente da lei natural. Sua intenção é levar as pessoas a Bem comum. As leis humanas também têm 0 pro-
Deus. Isto é, “0 propósito do legislador é que 0 pósito de alcançar 0 bem comum. Aquino reconheceu
homem possa amar a Deus” (Aquino, Suma contra que “ é impossível fazer uma regra adaptar-se a todos
os gentios, p. 111-6). A lei divina, portanto, não é dada os casos” . Logo, “os legisladores devem considerar 0
aos incrédulos, mas aos crentes. A lei natural é para que ocorre na maioria dos casos e devem estruturar
os incrédulos. A lei divina é obrigatória na igreja, suas leis de acordo” . Por exemplo, a lei ordena que as
mas a lei natural é obrigatória em toda sociedade. A coisas emprestadas sejam devolvidas. E se uma arma
lei natural é direcionada ao bem temporal, mas a lei foi emprestada e, após devolvida, for usada para a
divina é direcionada ao bem eterno. Visto que a lei violência (ibid., 2a2ae. 120,1)? Então 0 que produz 0
natural reflete 0 próprio caráter de Deus, ela não bem comum nem sempre é correto num caso espe-
pode mudar. A lei divina, contudo, é baseada na von- cífico. Já que 0 legislador não pode levar toda exce-
tade de Deus e, portanto, muda. Logo, “tanto na lei ção específica em consideração, a lei deve ser base-
divina quanto na humana, algumas coisas são orde- ada no que geralmente acontece (Aquino,
nadas porque são boas [...] Outras, por sua vez, são Comentário, 5 Ética, serm. 16).
boas porque são ordenadas...” (Suma teológica, 2a2ae. L eis div ergen tes. Às vezes há conflito entre tipos de
57, 2). Isso se reflete na mudança efetuada por Deus lei. Em tais casos, há uma hierarquia de prioridades.
na lei divina do a t para 0 n t. A lei natural continua Prioridade da lei natural. Há exceções até para
sendo a mesma de geração a geração e de pessoa a leis humanas justas. As leis humanas são apenas ge-
pessoa. rais, não universais. Às vezes a lei natural as anula.
P ro pó sito d a lei. Em geral, 0 propósito de Deus Embora a lei de direitos de propriedade exija que
para a lei é regular a atividade humana. Cada tipo de devolvamos 0 que tomamos emprestado quando nos
lei, é claro, tem seu regulamento em mente. Pela lei eter- for pedido, não devemos devolver uma arma para
na Deus regulamenta todo 0 universo, pela lei divina alguém que pretender cometer um assassinato. Nesse
regulamenta a igreja e pela lei natural regulamenta caso, “obedecer à lei seria errado; deixá-la de lado e
todas as criaturas racionais. Além dessas esferas, seguir 0 que é exigido pela justiça e benefício co-
Aquino descreve várias dimensões específicas do pro- mum será correto” (Aquino, Suma teológica , 2a2ae.
pósito de Deus em dar a lei. 120,1). A virtude da justiça ou eqüidade exige isso. A
Amizade. Um propósito da lei é promover a amizade. lei moral tem preferência sobre a lei humana em
casos especiais, ainda que a lei humana seja justa.
Como 0 propósito principal da lei humana é possibilitar a Leis baseadas na natureza de Deus. As leis divina e
amizade dos homens entre si, a lei divina tem 0 propósito humana, sendo baseadas na vontade de Deus, podem
principal de proporcionar amizade entre 0 homem e Deus ser mudadas (v. essencialismo). A lei natural, no entan-
(ibid., 2a2ae. 99,2). to, é baseada na natureza de Deus e não pode ser mu-
dada (Suma teológica, 2a2ae. 57,2; v. Deus, natureza de).
Para ser civilizado, 0 comportamento deve ser re- Logo, conclui-se que, sempre que há um conflito en-
gulamentado. Sem leis, a amizade não pode funcionar, tre a lei imutável e a lei mutável, a primeira tem prefe-
já que é a medida dos relacionamentos corretos. rência. Quando os discípulos colheram grãos no sá-
Amor a Deus. Jesus resumiu todas as leis em duas: bado, foram isentos de culpa pela necessidade da fome.
amar a Deus e aos outros. Aquino chama 0 amor a E Davi não transgrediu a lei ao tomar os pães que não
Deus “propósito total do legislador” . Logo, não é nem devia comer (ibid., 3a. 90,4).
Leibniz, Gottfried 490

Forma vs. conteúdo. Pensadores cristãos observa- vida, que considerava de igual importância: 0 amor
ram que de Deus, a promoção do bem-estar humano e a
perfeição da razão. O método de Leibniz era mate-
0 julgamento segundo 0 qual a forma da lei nào deve ser mático, mas empiricamente fundamentado. Ele
seguida em determinadas circunstâncias não é uma crítica à começou analisando descobertas científicas (não
lei, mas uma apreciação de uma situação específica que apenas idéias, como René D e s c a r te s ). Ele acredita-
surgiu (ibid., 2 a2 ae. 120, 1). va que tudo começava nos sentidos, exceto a men-
te. Um fundamento puramente lógico para a ciên-
Se alguém não faz isso, a severidade tem prefe- cia não é possível. Mas a razão é necessária para
rência sobre a eqüidade. Pois “0 cuidado legal deve completar 0 conhecimento. Não há uma coleção
ser direcionado pela eqüidade, que fornece uma re- universal de dados sensoriais, e os sentidos não
gra superior para a atividade humana” (ibid., 2 a2 ae. podem organizar e relacionar todos os dados.
120,2). Há uma lei superior e leis inferiores. Quando O conhecimento metafísico (universal) é possível
elas divergem, 0 indivíduo é obrigado a obedecer à apenas porque Deus fez todas as coisas em harmonia.
superior. Todas as idéias são inatas, geradas pela mente a partir
de informação sensorial.
Fontes Primeiros princípios. Algumas idéias são necessa-
G . B a h n sen, Theonomy m Christian ethics. riamente verdadeiras. Esses primeiros princípios são
N. L. G e i s l e r , £ tica cristã. a condição de todo conhecimento. Como primeiros
___ , Thomas Aquinas: an evangelical princípios, os predicados em cada afirmação podem
appraisal. ser deduzidos do sujeito. Eles incluem:
T. G i l b y , Texts o f Aquinas. O princípio da razão su ficiente. “Há uma razão su-
T o m a s d e A q u in o , On the cardinal virtues. ficiente para tudo, ou em outro ou em si mesmo.” Esse
___ , Comentário, v Ética. princípio é a base de todas as proposições e inteligibilidade.
___ , Compendium theologiae. O princípio da não-contradição. “ Uma coisa não
___ , Disputas. pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo e no
___ , Da perfeição das criaturas espirituais. mesmo sentido.”
___ , Suma contra os gentios. O princípio da identidade. “ Uma coisa é idêntica a
___ , Sumrna theologica. si mesma.” Eu sou eu; a é a.
___ , Da verdade. O princípio da razão suficiente regulamenta toda
a verdade. Os princípios da não-contradição e da iden-
lei natural. V. le i, n atu rez a e tipos de; re v e la ç ã o g e ra l; tidade estabelecem todas as verdades necessárias.
m oralidade, n atu rez a ab so lu ta da. Oprincípio da identidade dos indiscerníveis. “Onde
não há diferença discernível, as coisas são idênticas.”
Leibniz, Gottfried. Um gênio nascido na Alemanha Nenhuma substância separada (ou mônada) é igual a
(1646-1716) que aprendeu grego e filosofia escolástica outra. O mundo está cheio de coisas qualitativamente
tão cedo que lhe negaram um mestrado em Direito diferentes, hierarquicamente graduadas. Se duas coi-
na Universidade de Leipzig por ser jovem demais. In- sas são iguais, não há razão suficiente para Deus es-
ventou 0 cálculo em parceria com Isaac Newton, em colher ambas para existirem num mundo bom ao
1676. Escreveu uma tese de doutorado sobre as solu- máximo (v. .mal, problema d o).
ções simbólicas aos problemas filosóficos. Foi muito O princípio da continuidade. “O mundo está cheio;
influenciado pelo racionalista contemporâneo Baruch não há brechas na hierarquia dos seres no melhor dos
Espinosa, apesar de Espinosa ser panteísta (v. panteísmo), mundos.” A natureza nunca age em saltos.
e Leibniz, teísta (v. teísmo). O princípio da contingência. “Toda coisa contingente
As obras mais influente de Leibniz foram Dis- tem uma causa.” A possibilidade não explica a realidade.
curso sobre metafísica, Monadologia e Teodicéia. Sua A questão básica: Por que algo existe, em vez de nada?
influência sobre 0 pensamento moderno foi con- Oprincípio da perfeição. “O bem tende a maximizará
siderável. Immanuel K a n t era racionalista leibni- Como no princípio escolástico da finalidade (agentes
ziano antes de ser acordado de seu “sono dogmá- agem para um bom fim), 0 bem produz 0 bem no grau
tico” ao ler David Hum e. máximo possível.
Teoria do co n h ecim en to : ra cio n a lism o . O resultado: é melhor existir que não existir. Es-
Leibniz afirmou três objetivos de seu trabalho na sências têm tendência ( conatus) à existência.
491 Leibniz, Gottfried

Provas de Leibniz para a existência de Deus. natureza, um ser absolutamente perfeito não
Leibniz ofereceu vários argumentos para a existência pode carecer de nada. b) Mas, se não existisse,
de Deus: careceria de algo. c) Logo, um ser absolutamente
Argumento da perfeição ou da harmonia. Seu ar- perfeito não pode carecer de existência.
gumento da perfeição ou da harmonia pode ser afir- 2. É possível (não-contraditório) que um ser
mado assim: absolutamente perfeito exista, a) Uma per-
feição é uma qualidade simples (= mônada),
1. Essências puras são possibilidades eternas. já que cada uma difere em tipo. b) Mas tudo
2 . É melhor existir que não existir. que é simples não diverge de outra coisa sim-
3. Todas as coisas têm uma tendência à existên- pies. c) Logo, é possível que um ser (Deus)
cia ( conatus). a) Algumas são incompatíveis tenha todas as perfeições.
com outras, b) Nem tudo pode existir em de- 3. Portanto, é necessário que um ser absoluta-
terminado momento, c) Mas todas se empe- mente perfeito exista.
nham para existir.
4. Ainda assim, há harmonia no universo. Metafísica (monadologia). Leibniz desenvolveu sua
5. Logo, deve haver um Deus que ordena todas as própria teoria da substância para ligar 0 mundo físico às
coisas, mantendo-as em harmonia umas com realidades metafísicas. Sua doutrina gira em torno das
as outras. mônadas. Ele acreditava que mônadas existem como“par-
tículas” imateriais mais elementares que 0 átomo, pois os
Argumento cosmológico. 0 argum ento cosmológico átomos físicos podem ser divididos, mas as mônadas
formulado por Leibniz tinha a seguinte forma: metafísicas não podem. As mônadas diferem umas das
outras em forma, tamanho, espaço e qualidade. São cria-
1. Todo 0 mundo observado está mudando. das, podem ser destruídas, mas não podem mudar. Cada
2. Tudo 0 que muda carece de razão para a pró- mônada percebe e age diferentemente, em seu nível hie-
pria existência. rárquico, conforme estabelecido por Deus. Juntas, agem
3. Mas há uma razão suficiente para tudo. em harmonia total umas com as outras de acordo com 0
4. Logo, deve haver uma causa além do mundo plano de Deus e têm tendência inata à perfeição que está
para a existência. incorporada à sua essência. Como corpo e alma são subs-
5. Essa causa é ou a própria razão suficiente ou tâncias separadas, suas mônadas separadas funcionam
existe outra além dela. juntas em harmonia exata como ordenado por Deus.
6. Mas não pode haver regressão infinita de ra- Na hierarquia da mônadas, as mais altas são as
zões suficientes, pois a incapacidade de atin- que pertencem ao âmbito espiritual. As mônadas da
gir uma explicação não é explicação. Deve ha- alma são de ordem superior às do corpo. A Mônada
ver uma explicação. suprema e não-criada é Deus. Deus criou todas as
7. Logo, deve haver uma Primeira Causa do mun- outras mônadas e maximiza 0 bem entre elas e por
do que não tem razão além de si, mas é a pró- meio delas.
pria razão suficiente. O p ro b lem a do mal. Segundo Leibniz, Deus
preordena todas as coisas pela presciência, sem coagir
Esse argumento difere do de Aquino pelo uso do 0 livre-arbítrio. A liberdade é a espontaneidade de
princípio da razão suficiente. Tomás de A quino recorreu um ser intelectual. Deus tem uma vontade antece-
apenas ao princípio da causalidade e, assim, evitou as dente, que só faz 0 bem. Ele também tem uma vontade
acusações de racionalismo que foram corretamente conseqüente para realizar 0 melhor mundo possível,
dirigidas contra Leibniz. 0 princípio da razão sufici- dada a existência do mal. Por ser 0 melhor de todos
ente levou ateus (v. S a rtre , Jean-Pau l; N ietzche, F rie d ric h ) os seres possíveis, Deus ordena 0 melhor de todos os
a concluir que 0 argumento cosmológico resultava no mundos possíveis. Já que 0 mundo é ordenado por
conceito incoerente de Deus como ser autocausado. Deus, ele deve ser 0 melhor mundo possível ou 0
menos deficiente dos mundos.
A rgumesto ontológico. Leibniz também contribuiu Existem três tipos de mal: metafísico (finitude),
para 0 debate do argumento ontológico: moral (pecado) e físico (sofrimento). A finitude é a
base do pecado e do sofrimento. 0 pecado é 0
1. Se é possível que um ser absolutamente perfeito resultado da ignorância, um estado confuso e impuro.
exista, então é necessário que ele exista, a) Por 0 mal faz parte da imagem total do bem, dando
Lessing, Gotthold Ephraim 492

sombra para que a luz se destaque no contraste (v. Ao contrário do primeiro princípio da causalidade
MAL, PROBLEMA D0 ). de Aquino, 0 princípio da razão suficiente não se
Deus age para aperfeiçoar 0 universo, 0 que só pode baseia na realidade (v. re alism o ), mas apenas no âm-
ser feito pelo aperfeiçoamento das pessoas. Deus pro- bito das idéias. Finalmente, 0 princípio não é
cura aperfeiçoar a alma imortal por intermédio da irrefutável, já que se pode dizer que uma coisa não
igreja. Essa posição sobre a igreja universal baseia- tem razão (causa) sem usar uma afirmação contra-
se na Cidade de Deus, de A g o s t in h o . ditória. Na verdade, 0 Deus não-criado é a suprema
Avaliação. Algumas das idéias de Leibniz são fa- Causa incausada.
lhas, mas suas contribuições positivas devem ser re- O argumento ontológico. A forma do argumento
conhecidas: ontológico de Leibniz é baseada numa premissa mui-
Contribuições positivas. Por meio de seu trabalho to rejeitada: a existência é uma perfeição (v. K a n t ,
no desenvolvimento do cálculo, Leibniz contribuiu Im m anuel). Além disso, sua tentativa de provar que 0
imensamente para a matemática e a ciência moder- conceito é logicamente possível não atinge 0 objetivo.
na, contribuindo também para a epistemologia, a Ela está sujeita à mesma crítica direcionada a outros
metafísica, a teologia e a teodicéia. pluralismos baseados na visão unívoca da existência
Epistemologia. Leibniz foi fundacionalista (v. (v. analogia,principio da). É impossível evitar 0 monismo.
eu n d a c io n a l is m o ), e enfatizou corretamente que 0 co- Nem mesmo a forma do argumento cosmológico
nhecimento é impossível sem primeiros princípios. de Leibniz sugere 0 ponto de partida certo por ser ba-
Apesar de muitos discordarem de sua crença em idéi- seada apenas na observação [aparência] de mudança.
as inatas, até Kant no seu a g n o stic ism o reconheceu a Visão do mal. Essa visão do livre-arbítrio tende a
necessidade da dimensão inata do conhecimento. ser reduzida a uma forma de determinismo. Pois se é
Metafísica. Como teísta (v. t e ís m o ), Leibniz acredi- Deus quem dá 0 ímpeto ou desejo pelas livres escolhas,
tava na criação ex nihilo. Ele deu forma moderna a como elas podem ser realmente livres (v. liv re - a rb ítrio )?
conceitos teístas, com os quais lutou, da tradição de Semelhantemente, sua teodicéia implica que 0
Agostinho, A n sel m o e Tomás de Aquino. Seu argumento melhor que Deus pode fazer ainda envolve 0 mal.
cosmológico influenciou teístas. Isso foi poderosamente satirizado no C andide, de
Teodicéia. A solução de Leibniz para 0 problema Voltaire. Embora Deus deva fazer 0 melhor de que é
do mal era clássica (v. m a l , p r o b l e m a d o ). Ela lutava com capaz, 0 mundo presente não é 0 melhor. Este não é
a origem, natureza e persistência do mal de forma a 0 melhor mundo possível, apesar de provavelmente
tentar preservar a perfeição absoluta de Deus e a li- ser a melhor m aneira possível de chegar ao melhor
berdade humana. Além disso, apesar das críticas in- m undo possível (v. m al, problema do).
fundadas, seu conceito de um “mundo melhor possí-
vel” é um elemento essencial na teodicéia. Fontes
Fraquezas. Apesar dos valores centrais, Leibniz J. C o l l in s , God and m odem philosophy.
é vulnerável a certas críticas: N. L. G e is l e r e W. C o rd u a n , Philosophy o f religion.
Epistemologia racionalista. Como Hume demons- }. E. G u r r , The principle o f sufficient reason in som e
trou, 0 conceito de idéias inatas é contrário à experi- scholastic systems, 1750-1900.
ência. Não há evidência de que nascemos com um de- D. H u m e , Investigação acerca do entendimento
pósito de idéias, apenas aguardando serem ativadas. humano.
A dimensão a priori do conhecimento parece estar na I. K a n t , Crítica da razão pura
área da capacidade, não do conteúdo. Isto é, nascemos G. Le ib n iz , Discurso sobre metafísica.
com a capacidade de conhecer a verdade, mas não com ___ ,M onadologia.
a mente cheia delas. ___ , Teodicéia.
D u a l is m o . O dualismo (mente e corpo) de Leibniz leva

às posições improváveis do paralelismo, ocasionalismo


e harmonia estabelecida entre mente e corpo. Não há Lessing, Gotthold Ep h raim . Filho de um past«■
interação ou unidade reais entre os dois. alemão erudito que se tornou dramaturgo e crítico
O princípio da razão suficiente. Apesar da valida- (1729-1781). Estudou teologia na Universidade de
de de muitos dos primeiros princípios de Leibniz, 0 Leipzig, onde assimilou 0 racionalismo do ilumi-
princípio da razão suficiente leva logicamente a um nismo, cujo principal representante era Christian
Ser contraditório, autocausado. Pois se a causa da exis- W o l f f , seguidor de Gottfried Le ib n iz . Lessing foi
tência de Deus está nele mesmo, Deus é autocausado. influenciado pelos deístas ingleses (v. d e ísm c ).
493 Lessing, Gotthold Ephraim

Como crítico teatral, foi influenciado pelo deísta diferenciar 0 Jesus da história do Cristo da fé, ele fez um
Hermann Reimarus, de cujo livro, An a p o lo g y fo r estudo crítico das fontes dos evangelhos sinóticos em
r a t io n a l w o rsh ip p ers o f G o d [U m a a p o lo g ia d o s New hypotheses concerning the evangelists regarded as
a d o ra d o res racion ais d e D eus[, ele publicou trechos m erely h u m an h isto ria n s [N ovas h ip óteses sob re os
em 1774, em 1777 e 1778 (v. deísmo). Lessing final- evangelistas con siderados sim ples historiadores hu m a-
mente chegou a ser dominado pelo panteísmo de nos] (1784). As visões de Lessing foram expressas
Baruch Espinosa. numa peça de teatro, “Natã, o sábio” , que defendia 0
A influência de Lessing sobre outros pensadores é amor e a tolerância, em vez da concordância com um
imensa. Isso pode ser visto no liberalismo de Friedrich credo. A visão de Lessing foi a essência do iluminismo
S c h le ie rm a c h e r e Samuel Coleridge, bem como no cristão, a teoria segundo a qual, por trás dos acrésci-
existencialismo de Soren Kierkegaard, no historicismo mos religiosos, 0 cristianismo é um código moral de
de G. W. F. H eg el e no positivismo de Auguste Comte. irmandade universal.
V isõ es d e D eu s. Lessing veio de uma família A “v ala” d e Lessing. 0 legado de Lessing foi uma
trinitária (v. Trindade), mas gradualmente adotou idéias “ vala” aberta entre as verdades contingentes da his-
deístas e finalmente tornou-se pasnteísta. Como tal, sua tória e as verdades necessárias da fé. Ele separou a
vida prenunciou grande parte da história dos dois sé- revelação de verdades eternas das verdades contin-
culos seguintes. Em 1753, Lessing já indicava em The gentes e limitadas ao tempo da história.‫ ׳‬Foi com
Christianity o f reason [O cristianism o d a razão] que esse grande abismo que K ie rk e g a a rd lutou e do qual
estava tendendo ao panteísmo, ao misturar Espinosa e tirou seu “salto de fé” (v. Temor e trem or).
Leibniz e negar que Deus é um superobjeto além ou por Lessing afirmou que as “verdades acidentais da his-
trás do mundo (v. Chadwick, p. 445). Sua obra de 1763, tória jamais podem tornar-se a prova das verdades ne-
On the reality o f things outside God [Da realid ad e das cessárias da razão” (Chadwick, p. 445). Não há ligação
coisas além de Deus] , publicada postumamente em 1795, lógica entre as realidades históricas e a fé. Verdades da
negava 0 teísmo tradicional. Ele negou a existência de fé são matemáticas e a priori, independentes da experi-
um mundo criado separadamente de Deus. ência. As anteriores são verdades contingentes, a
Friedrich Jacobi, em L etters to M oses M en delssohn posteriori da experiência. Portanto, a narrativa históri-
on S pin oza’s d octrin e [C artas a M oisés M endelssohn ca jamais transmite conhecimento de Deus.
sobre a doutrina d e Espinosa] (1785), relatou como, R elativism o. Lessing foi mais relativista que céti-
sete meses antes da morte de Lessing, 0 crítico lhe co. Imortalizou sua visão no aforismo: “ Se Deus se-
falara sobre sua rejeição à metafísica transcendente gurasse em sua mão direita toda a verdade e em sua
do deísmo. Ele adotou a visão imanentista de Espinosa. mão esquerda unicamente 0 eterno esforço em bus-
Isso foi confirmado por trechos encontrados entre os ca da verdade, tal que me fizesse sempre e eterna-
papéis de Lessing (ibid., p. 446). mente estar errado, e me dissesse: ‘Escolhe!’, com
Além de Lessing acreditar que nada existe fora da humildade eu me precipitaria à sua esquerda e pe-
mente divina, ele também acreditava existir uma con- diria: ‘Pai, dá-me esta, a verdade absoluta é reserva-
tingência fora de Deus, já que as idéias de coisas con- da somente para ti” ’(Chadwick, p. 445).
tingentes são necessárias. Isso prenunciava as idéias Avaliação. Deixando de lado a autopropalada hu-
dos pensadores mais recentes da teologia do proces- mildade de Lessing, é evidente que 0 resultado líqui-
so (v. panteísmo), tais como Alfred North W h ite h e a d . do de suas visões é a forma contraditória de agnosticismo,
H istó ria e os ev a n gelh o s. Em 1754, Lessing pu- relativismo (v. verdade, natureza da) e uma dicotomia
blicou uma série de “ Vindicações” , na qual defen- de fato e valor e de história e fé (v. apologética, argu-
deu várias personagens históricas que, segundo ele, mento da; Novo Testam ento, m anuscritos do; Novo Testa-
haviam sido tratadas injustamente pela igreja. Ao mento, confiabilidade dos documentos d o). Uma opinião
expressar simpatia pela ética cristã nesses líderes, perspicaz é que “Lessing passou sua vida esperando
demonstrou antipatia pelas doutrinas cristãs. que 0 cristianismo fosse verdadeiro e argumentando
Cristo versus Jesus. O ponto decisivo para Lessing que não era” (Chadwick, p. 445).
ocorreu em 1769. Como bibliotecário do duque de
Brunswick, começou a publicar trechos de um ma- F on tes
nuscrito do deísta Reimarus (1766-1769). O último H. C h a d w ic k , Lessing’s theological writings.
trecho precipitou uma controvérsia com 0 pastor E. H. G o m b r ic h , “ Lessing” , em Proceedings o f the
Johann Goeze, de Hamburgo, e lançou a busca pelo British Academy, v.43 (1957).
Jesus histórico (v. C ris to da f é rs. Jesus da h istó ria; Jesus P. H a z a r d , European thought in the eighteenth
h is tó rico , busca do; Jesus, Sem in ário). Além de Lessing century.
Lewis, C. S. 494

F. C. A. K o e l l n , The philosophy o f the enlightenment. the dock [Deus no banco dos reus], p. 138). Ele expli-
G. L e s s i n g , Lessing’s gesamm elte werke, org. P. R il l a . cou que a matéria nâo é coeterna com Deus:

A entropia nos assegura que, apesar da regra universal na


“ Lessing, vala de” . V. Lessing, G o t t h o ld Ephraim . Natureza que conhecemos, ela não pode ser absolutamente
universal. Se um homem diz:“0 gato não morreu”,você sabena
Lewis, C. S. Clive Staples Lewis (1898-1963) é com hora que essa não éa história completa. A parte que você ouviu
razão 0 teísta e apologista cristão mais influente do implica um capítulo posterior em que 0 gato berrou, eum ca-
século xx pelo fato de a maior parte de seu trabalho pítulo anterior emque alguém atirou um pau nele. A natureza
ter sido feito na mídia popular, inclusive em trans- que está se“desgastando” não pode ser a história completa. 0
missões de rádio e por meio de histórias infantis, (v. relógio não pode parar a não ser que alguémtenha dado corda
apologética, necessidade da). Como professor da Univer- nele (Milagres p. 157).
sidade de Oxford, esse ex-ateu expressou verdades
profundas em linguagem tão simples que atingiu 0 A matéria é 0 produto de uma !Mente cósmica (v.
coração de milhões de pessoas. Lewis negou ser filó- dualism o). “Mas admitir esse tipo de mente cósmica é
sofo ou teólogo, mas seu discernimento dos pontos admitir um Deus fora da Natureza, um Deus trans-
essenciais do teísmo fez dele um apologista e comuni- cendente e sobrenatural” (ibid., p. 30). O universo é
cador importante. matéria. A matéria não pode produzir uma mente;
A n a tu re z a e e x istê n c ia d e D eu s. Lewis aceita- apenas uma mente pode produzir matéria (v. materi-
va a posição de Agostinho-Anselmo-Aquino sobre alism o ). A criação do mundo não foi a partir de ma-
0 Deus eterno, necessário, transcendente, moralmen- téria preexistente. O mundo foi criado do nada. Deus
te perfeito e pessoal (v. Deus, n atu rez a d e). Deus trans- criou este mundo livremente:
cende espaço e tempo:
A liberdade de Deus consiste em que nenhuma causa
Sem dúvida Deus está no tempo. Sua vida não consiste de além dele mesmo produz seus atos e nenhum obstáculo ex-
momentos que se sucedem uns aos outros [...] Dez e trinta, e terno os impede — em que sua própria bondade é a raiz da
todos os outros momentos desde 0 começo do mundo, são qual todos eles crescem e sua própria onipotência, 0 ar em
sempre 0 presente para Deus. que florescem (Oproblema do sofrimento, p. 23).

Em outras palavras: Deus não criou 0 mundo porque era obrigado;


criou porque quis. A existência do universo é total-
Deus tem toda a eternidade para ouvir a oração proferida mente contingente da boa vontade do Criador.
numa fração de segundo por um piloto cujo avião se despeda- 0 argument() moral Lewis começa Cristianismo puro
ça em chamas (Cristianismopuro e simples, p. 95-6) e simples com a premissa de que uma lei moral e ob-
jetiva, como até mesmo divergências comuns pressu-
Deus é, no entanto, imanente (presente e operante) põem, implica um Legislador Moral.
na criação. Lewis escreveu:
Há alguma coisa que dirige 0 universo e que se revela em
Procurar Deus — ouoCéu — pela exploração espacial é mim na forma de uma lei insistindo para que eu faça 0 que é
como ler ou assistir a todas as peças de Shakespeare na espe- certo. Penso que devemos admitir que essaAlguma Coisa mais
rança de encontrar Shakespeare numa das personagens ou se parece com uma mente do que com qualquer outra coisa
Stratford num dos lugares. Shakespeare está de certa forma que conhecemos; e isso porque, afinal de contas, tudo 0 mais
presente emtodos os momentos de cada peça. Mas nunca está que conhecemos é matéria, e não poderíamos imaginar um
presentedamesmamaneiraque FalstaffouLadyMacbeth. Nem pouco de matéria que fosse capaz de dar instruções ( Cristia-
estádifuso numa peça como um gás (Christian reflections [Re- nismo puro e simples, p. 14).
flexões cristãs], p. 167-8).
O argumento de Lewis pode ser assim resumido:
O a r g u m e n t o c o s m o ló g ic o . Apesar de aceitar uma
forma teísta de evolução (v. a seguir), Lewis acredi- 1. Deve haver uma lei universal moral e objeti-
tava na criação a partir do nada (v. cria ç ã o , pontos de va, senão nenhum julgamento ético faz senti-
v ista sobre a ). Pois “0 que Deus cria não é Deus; assim do (v. m oralidade, natu reza absoluta da). Nada
como 0 que 0 homem cria não é homem” (G od in poderia ser considerado mau ou errado, e
495 Lewis, C. S.

não haveria razão para cumprir promessas p. 34). “A cabeça governa 0 ventre por meio do peito
ou acordos (God in the dock, cap. 1 ). — 0 centro [...] das emoções que 0 hábito treinado
2. Essa lei moral não se origina em nós. Na organiza em sentimentos estáveis.” Sem esse elemen-
verdade, estamos obrigados a ela. to médio “0 homem é vão: pois por seu intelecto ele
3. A fonte dessa lei é mais semelhante a uma mente é mero espírito, e pelo seu apetite, mero animal”
que semelhante à matéria, e não pode fazer parte (ibid., 34). Além da natureza moral resta um ideal
do universo assim como um arquiteto não faz moral atingível. Lewis concordaria com a afirmação
parte do prédio que constrói. de que 0 valor primário da educação é a educação
4. Logo, existe um Legislador Moral que é a fonte nos valores primários. A educação cumpre seu de-
e 0 padrão absolutos de tudo que é certo e vido propósito quando cultiva julgamentos de valor
errado (ibid., cap. 7). para ajudar a aperfeiçoar a natureza moral. Sem
emoções treinadas, 0 intelecto é impotente contra 0
Para uma discussão mais detalhada do argumen- animal (ibid., p. 33-4). Logo, Lewis observa, é melhor
to da lei moral de Lewis e sua defesa, v. sua seção no jogar cartas com um cético que é um cavalheiro do
artigO M O R A L, ARG UM ENTO RARA A EX IST ÊN C IA DE D e US. que com um filósofo moral que foi criado entre tra-
A n a t u r e z a d o s s e r e s h u m a n o s . Não importa paceiros (ibid., p. 34). Só pelo fato de estar sob a lei
como a ciência mostre que 0 corpo humano surgiu, de Deus é que podemos falar sobre ter poder de
0 processo foi divinamente iniciado e consumado autocontrole (ibid., p. 86).
por Deus na criação da alma humana racional. 0 humanismo secular, num tipo de simplicidade
Seres humanos são racionais. Lewis não se im- horrorosa, remove 0 órgão moral e ao mesmo tem-
portaria com 0 título de “racionalista” . Várias vezes po exige a função moral. “ Criamos homens sem pei-
ele exalta a racionalidade humana. Escreve: to e esperamos deles virtude e iniciativa. Rimos da
honra e ficamos chocados ao encontrar traidores
Não conseguiria entender 0 universo sem poder confiar em nosso meio” (ibid., p. 35).
na minha razão. Se não pudéssemos confiar na inferência não Seres humanos são criativos. Caracteristicamen-
poderíamos saber nada sobre nossa própria existência (God te, Lewis também afirmou a natureza estética den-
in the dock, p. 277). tro do ideal da criatividade humana. Dorothy Sayers,
no seu livro Toward a Christian aesthetic [Em busca
“0 coração nunca substitui a cabeça, mas pode e da estética cristã], considera a idéia de arte como
deve obedecê-la” ( The abolition of man [A abolição do criação a contribuição mais importante do cristia-
homem[, p. 30). nismo à estética (6). 0 artista ou escritor não é 0
Também deve haver uma razão ou explicação Criador, mas um subcriador. A expressão criativa
suprema. “Não se pode continuar fingindo dar ex- revela a imagem dos sentimentos interiores de um
plicações para sempre: você descobrirá que invali- artista assim como 0 Deus invisível foi visivelmente
dou a própria explicação com explicações.” Além expresso na encarnação de seu Filho. Ele e outros
disso, “não se pode continuar percebendo através das cristãos de seu grupo da Universidade de Oxford,
coisas para sempre” . Conseqüentemente, “não adi- chamado Inklings [Vagas idéias], produziu uma
anta tentar perceber através de primeiros princípi- quantidade imensa de obras literárias. 0 próprio
os. Se você percebe através de qualquer coisa, então Lewis escreveu:
tudo é transparente” . Mas “perceber através de todas Sete livros de ficção das Crônicas de Nárnia: 0
as coisas é 0 mesmo que não perceber” (ibid., p. 91). leão, a feiticeira e 0 guarda-roupa; 0 príncipe na ilha
Lewis acreditava que 0 pensamento racional é ine- mágica; A viagem do peregrino da alvorada; 0 sobri-
gável. Ele insiste em que “todos os argumentos [contra] nho do feiticeiro; 0 cavalo e seu menino; A cadeira de
a validade do pensamento criam uma exceção suben- prata‫׳‬, A última batalha.
tendida e ilegítima a favor do pensamento que se faz no Uma “trilogia espacial” , que explorou a natureza
momento” . Logo, “a validade do pensamento é básica: da batalha de Deus contra 0 mal pessoal e social no
todas as outras coisas devem se encaixar nela da me- contexto de uma série de três histórias de ficção cien-
lhor maneira possível” (Lewis, Milagres,p. 23). tífica: Longe do planeta silencioso, Perelandra e That
Seres humanos são morais. A ênfase na natureza hideous strength [Aquela força hedionda[.
racional não nega as emoções humanas. Os que colo- Cartas do Diabo ao seu aprendiz e 0 grande abis-
cam 0 pensamento acima do sentimento são para mo, histórias de ficção leves refletindo a dinâmica
Lewis “homens sem peito” (Lewis, Abolition of man, da tentação e da rebelião contra Deus.
Lewis, C. S. 496

Uma série de programas da rádio bbc transfer- dignidade humana. Há uma base firme para essa vir-
mada em um clássico apologético, Cristianismo puro tude na natureza humana imortal e semelhante a Deus:
e simples, assim como obras mais profundas de a pessoa tem habilidades racionais, morais e volitivas.
apologética e filosofia, incluindo God in the dock É por isso que a punição pelo erro é apropriada. A
[Deus no banco dos réus], Studies in medieval and pessoa sabe 0 que não deve fazer e merece ser penali-
renaissance literature [Estudos em literatura medieval zadapela ação ilícita (God m the dock, p. 292). 0 castigo
e renascentista], The abolition of man [A abolição do é 0 complemento à dignidade humana.
homem] e 0 problema do sofrimento. Citando Martin B lb e r , Lewis exorta a ciência a não
Sua autobiografia intelectual e espiritual, Surpre- tratar a pessoa como objeto — “isso” — mas a reco-
endido pela alegria. nhecer 0 ser humano — “tu” (Lewis, The abolition of
A história comovente de sua crise de fé com a mor- man, 90). Jamais devemos submeter um ser humano à
te da esposa, A grief observed [ Uma dor observada]. ciência como mero objeto a ser controlado. Isso, diz
Muitas correspondências pessoais, das quais uma Lewis, é “0 ‘acordo do mágico’ [...] no qual 0 homem
amostra foi publicada em Letters to an american lady entrega objeto após objeto, e finalmente a si mesmo,
[Cartas a uma senhora americana]. para a Natureza, em troca de poder” (ibid., p. 87). Quan-
Seres humanos são imortais. Lewis também afir- do a ciência consegue assumir 0 controle, ela tem 0
mou 0 valor eterno da humanidade (v. im ortalidade). mesmo objetivo que a mágica, apesar de seus meios
Essa afirmação surge da crença de que cada pessoa é serem diferentes (ibid., p. 89). Ele nos lembra que até 0
feita à imagem de Deus. Afirmar humanidade en- pai da ciência modêrna, Francis Bacon, condenou
quanto se nega 0 valor moral supremo não assegura aqueles que fazem do conhecimento científico um
qualquer valor humano real. Humanistas seculares, se- fim, e não um meio (ibid., p. 88). Lewis exortou a ciên-
gundo Lewis, eliminam a humanidade, em vez de cia ao arrependimento: “A ciência regenerada que te-
afirmá-la (v. The abolition of man [Λ abolição do ho- nho em mente não faria nem com minerais e vegetais
mem] e uma versão alegórica dessa mensagem, That 0 que a ciência moderna ameaça fazer com 0 próprio
homem” (ibid., p. 89,90).
hideous strength ]Aquela força hedionda]). Ao negar
Lewis repreende os secularistas por se gabarem
ao ser humano a natureza imortal, moral e semelhan-
da ciência:
te a Deus, eles negam a personalidade e eliminam a
base para 0 tratamento do indivíduo com respeito
Com relação aos poderes manifestos no avião ou no rádio,
supremo (The abolition of man, p. 76-7).
0 homem é tanto 0 paciente ou sujeito quanto 0 possuidor,já
A ironia, então, é que, à medida que humanistas
que é 0 alvo das bombas e da propaganda (ibid., p. 68).
seculares elevam a humanidade à divindade, ele lan-
çam fora toda humanidade, com seu direito inerente
0 que chamamos poder sobre a natureza acaba
ao respeito. Em comparação, 0 cristianismo, ao afir-
como 0 poder de algumas pessoas sobre outras (ibid.,
mar que a base do valor supremo vem de um Deus
p. 69). “ Cada novo poder conquistado pelo homem
transcendente, preserva a base da dignidade humana
também é um poder sobre 0 homem. Cada avanço 0
suprema.
deixa mais fraco e ao mesmo tempo mais forte”
Assim, 0 humanismo secular desumaniza 0 que
(ibid., p. 71).
procura deificar. Apenas a visão cristã retém a verda-
A não ser que as pessoas no controle do poder
deira humanidade. Pois Lewis afirma que “ou somos
estejam obrigadas por uma lei moral objetiva, 0 po-
espírito racional, obrigados a obedecer para sempre
der conquistado será usado apenas para escravizar,
aos valores absolutos do Tao [lei moral], ou somos
e não para beneficiar a raça humana. Lewis diz:
mera natureza a ser amassada e cortada em novas
formas” (ibid., p. 84). A única garantia contra a tirania
Duvido que a história nos mostre um exemplo de um
e a escravidão é afirmar 0 valor humano imortal no homem que, depois de ter saído da moralidade tradicional e
contexto da lei moral absoluta. Pois “0 processo que, adquirido poder, tenha usado esse poder de maneira benevo-
sem controle, abolirá 0 homem, prossegue acelera- lente (ibid., p. 75).
damente entre comunistas e democratas assim como
entre os fascistas” (ibid., p. 85). Somente na lei moral A ironia final é que, quando a humanidade sai da
absoluta é que existe a realidade concreta na qual se lei moral, que Lewis chama tao, a palavra chinesa
pode ser verdadeiramente humano (ibid., p. 86). para “caminho” , ela não é mais humana, mas objeto.
Seres humanos têm dignidade. Seguindo-se à “A conquista final do homem provou ser a abolição
racionalidade e à responsabilidade moral está a do homem” (ibid., p. 77).
497 Lewis, C. S.

Os humanistas seculares de sua época eram tão (0 que é). Na verdade, por trás da natureza, existe
preconceituosos com relação à visão penal que Lewis uma Mente moral absoluta que fornece a lei moral.
tinha da justiça que nenhuma das publicações acadê- M al. Segundo Lewis, 0 mal não é eterno, como
micas publicou seus escritos sobre 0 tema. Sua afir- afirma 0 dualismo.
mação definitiva foi publicada pela primeira vez numa
revista australiana e mais tarde incorporada a God in Os dois Poderes, 0 bem e 0 mal, não se explicam.Nenhum
the dock. Nesse artigo, Lewis ataca a visão reformatória dos dois [...] pode afirmar ser 0 Absoluto. Mais absoluto que
da justiça do humanismo secular. Ele argumenta que ambos é 0 fato inexplicável de sua existência conjunta. Ne-
é tirania sujeitar 0 ser humano à cura compulsória e nhum deles escolheu esse tête-à-tête. Cada um, portanto, está
indesejada. A visão reformatória é “humanitarismo ilu- condicionado — encontra-se a contragosto numa situação;
sório” , que disfarça a crueldade com a falsa premissa e ou essa situação em si, ou alguma força desconhecida que
de que 0 crime é patológico, não moral. Na verdade, a produziu essa situação, é 0 Absoluto real. O dualismo ainda
visão reformatória desumaniza 0 indivíduo, tratan- não atingiu 0 fundamento da existência. Não se pode aceitar
do-o como paciente ou caso, em vez de pessoa. Lewis dois seres condicionados e mutuamente independentes
insiste em que ser “curado” contra a própria vontade
como 0 Absoluto autofundado e auto-abrangente (God in
coloca 0 homem ou mulher na categoria dos que não
the dock, p. 22).
conseguem pensar por si mesmos e não conseguirão.
Mesmo 0 castigo severo de alguém como ser humano
0 mal surgiu do livre-arbítrio (v. liv r e - a r b ít r io ).
racional trata a pessoa como um portador da imagem
Isso não significa que ser livre seja mau. Na liber-
de Deus ( God in the dock, p. 292).
dade é que mais nos assemelhamos a Deus e parti-
Lewis estava intensamente ciente do perigo da
cipamos da realidade eterna (ibid., p. 129). 0 cristi-
substituição da lei moral objetiva de Deus por leis
anismo concorda com os dualistas em que 0 uni-
políticas objetivas (v. le i, n atu rez a e tipos de). A histó-
verso está em guerra. Mas 0 cristão não acha que
ria mostra que ditadores que se afastam da lei moral
essa é uma guerra entre poderes independentes. É,
são invariavelmente malevolentes. 0 potencial para
na verdade, uma rebelião civil, e estamos vivendo
0 mal quando muito poder está ao alcance político
no território ocupado pelo rebelde ( Cristianismo
de uma pessoa é horrendo. Essa mensagem também
puro e simples, p. 25). Essa rebelião não foi a princí-
entra no comentário social da obra alegórica That
hideous strength. pio uma transformação em maldade. “A maldade,
M ila gres. O naturalismo afirma que a natureza é quando examinada, acaba sendo a busca de um bem
“0 que há” . Portanto, se 0 naturalismo é verdadeiro, da maneira errada” (ibid., p. 24).Como A g o s tin h o e
todo evento na natureza deve ser explicável sob a Tom ás de A q u in o , C. S. Lewis acreditava que 0 mal

ótica do sistema total da natureza. Mas a razão não existe por si mesmo, mas como a corrupção
(indutiva) humana, que até mesmo os naturalistas do bem (v. m a l, problem a d o ). “A bondade é 0 que é; a
pressupõem e exercitam, não pode ser explicada es- maldade é apenas a bondade corrompida. E deve ter
tritamente em termos de causas naturais não-racio- havido algo bom antes de se corromper” (ibid., p.24).
nais. Além disso, Até 0 Diabo é um anjo caído. Assim, “0 mal é um
parasita, não uma coisa original” (ibid., 50).
0 naturalista não pode condenar os pensamentos de ou- Deus não permite 0 mal sem um propósito bom.
tras pessoas porque têm causas irracionais e continuar a Até 0 mal físico tem um impacto moral. Pois Deus
acreditar nos seus próprios pensamentos, que têm (se 0 na-
turalismo for verdadeiro) causas igualmente irracionais sussurra para nós nos nossos prazeres, fala na nossa cons-
(Milagres, p. 22). ciência, mas grita na nossa dor: ela é seu megafone para des-
pertar um mundo surdo (0problema dosofrimento, p. 81).
E também, argumenta Lewis, se 0 naturalismo
está correto, não há razão para os pensamentos do S e re s h u m a n o s . Assim, os seres humanos são
lunático ou drogado não serem levados em conta seres racionais e morais livres, com uma alma imor-
pelo naturalista tanto quanto os próprios pensamen- tal. Mas cada um está num corpo num mundo mate-
tos. Essa é a contradição do naturalismo. rial com outros corpos. Lewis escreveu:
Existe mais que a natureza; existe a mente, que não
pode ser reduzida à matéria. E existe 0 valor (0 que Uma criatura sem ambiente não teria escolhas para fazer:
deveria ser), que não pode ser reduzido à natureza então essa liberdade, como a autoconsciência (se na verdade
Lewis, C. S. 498

não forema mesma coisa), exige novamente a presença diante a vontade deles, ou com ela?” . Se digo: “Sem sua vontade” ,
do eu de algo além do eu (ibid., p. 17). logo percebo uma contradição; como 0 ato voluntário su-
premo de auto-entrega pode ser involuntário? Se digo:“Com
0 ambiente humano é chamado natureza. .Mas a sua vontade”, minha razão responde: “Como se dará isso, se
humanidade é mais que processos naturais. Os seres não vão se entregar?”(Oproblema do sofrimento, p. 106-7).
humanos pensam racionalmente, e “nenhum pensa-
mento é válido se puder ser totalmente explicado como No final da vida e da história, Lewis encontra
resultado de causas irracionais” . Toda visão de mun- dois tipos de pessoa — “ aquelas que dizem para
do que faz da mente humana 0 resultado de causas Deus: ‘Seja feita a Tua vontade’, e aquelas a quem
irracionais é inadmissível. Tal visão “seria a prova de Deus diz, no final: ‘Seja feita a tua vontade’. Todos
que não há provas, 0 que é absurdo” (Milagres, p. 21). que estiverem no inferno terão escolhido isso” . Lewis
O ser humano é um ser racional e moral. Sem a acreditava que “sem essa escolha pessoal não haveria
natureza moral não haveria humanidade verdadeira, inferno. Nenhuma alma que séria e constantemente
então os que abolissem a lei moral aboliriam a huma- deseje a felicidade abriria mão dela. Quem busca,
nidade no processo ( The abolition of man p. 77): acha. A quem bate, abrir-se-á” (O grande abismo, p.
69). Logo, as portas do inferno estão trancadas por
Ou somos espíritos racionais, obrigados eternamente a dentro. Até os que desejassem sair do inferno não
obedecer aos valores absolutos do tao, ou somos mera natu- fariam isso às custas da autonegação, que é 0 único
rezaa ser amassada ecortada emnovas formas para 0 prazer de meio pelo qual a alma pode atingir 0 bem {O grande
senhores que, supostamente, não devem ter nenhum motivo abismo, p. 127).
além dos próprios impulsos “naturais” .Apenas 0 tao dá uma A v a lia ç ã o . Apesar do valor surpreendente de
lei de ação humana ecomum que pode subjugar reis e súbitos. Lewis para a apologética cristã, nem tudo nas suas
Uma crença dogmática no valor objetivo é necessária para a posições é compatível com 0 cristianismo evangéli-
própria idéia deumgoverno que não étirania ou uma obediên- co. Lewis escreveu uma de suas melhores críticas ao
cia que não é escravidão (ibid., p. 84-5). naturalismo já publicada {Milagres), na qual defen-
deu os milagres literais do n t, inclusive a ressurrei-
Ética. A criatura moral humana é obrigada a viver de ção de Cristo. No entanto, Lewás negava, incoerente-
acordo com a lei moral absoluta (v. moralidade, natureza mente, a natureza literal de muitos milagres do a t (v.
absoluta da), que transcende a lei humana. Foi isso que m ilagres n a B íb lia ):
os autores da Declaração de Independência americana
tinham em mente quando escreveram sobre as “Leis Os hebreus, como outros povos, tinham mitologia: mas,
da Natureza e do Deus da Natureza” e de “certos direitos como eram 0 povo escolhido, sua mitologia era a mitologia
inalienáveis” de que todos são“dotados pelo seu Criador” . escolhida — a mitologia escolhida por Deus para ser 0 veícu-
Como seres morais, criados à imagem de Deus, temos 10 das primeiras verdades sagradas, 0 primeiro passo no pro-
certas obrigações absolutas para com os outros. cesso que termina no n t , onde a verdade se tornou completa-
Essa lei moral objetiva é prescritiva, não descritiva. mente histórica. Se podemos dizer com certeza onde, nesse
Ela estabelece os princípios pelos quais devemos viver, processo de cristalização, qualquer história específica do n t
não apenas expressa a maneira em que vivemos. Não é cai, é outra questão. Eu acredito que as memórias da corte de
convenção social, pois às vezes ela condena a sociedade. Davi estão numextremo esão um pouco menos históricas que
E não é instinto de massa, pois às vezes agimos de acor- Marcos ou Atos; e que 0 Livro de ]onas é 0 outro extremo
do com um senso de dever contra nosso instinto de pre- (Milagres,p. 139).
servação ( Cristianismo puro e simples, p. 22). Podemos
progredir em nosso entendimento, mas a lei moral não Lewis aceitava a divindade de Cristo. Mas não
muda (The abolition of man, p. 58-9). acreditava num Cristo que comprovou a
A h istó ria e 0 objetivo. A vida é 0 campo de provas historicidade e autenticidade de alguns dos próprios
para a eternidade. Durante a vida, cada criatura racio- eventos do n t que Lewis rejeitava. Jesus comprovou
nal faz uma decisão de vida. Todos participam do jogo a verdade literal de Jonas (Mt 12.40), da criação não-
e,“se um jogo é jogado, deve ser possível perder” . É cia- evolutiva de Adão e Eva (Mt 19.4), do Dilúvio (Mt.
ro que, acrescenta Lewis, 24.38,39) e de outros eventos milagrosos (v. Geisler,
Inerrancy [Inerrância], p. 3-35). Lewis parece atri-
eu pagaria qualquer preço para poder dizer verdadeira- buir ao a t um desenvolvimento não-cristão de mi-
mente:“Todos serão salvos”.Mas a minha razão retruca:“Sem tos (v. m ilagres, mito e). Isso é bastante surpreendente
499 lim itaçao de Cristo, teoria da

à luz de sua crítica aos teólogos do nt que fazem a Apesar de mais tarde ter algumas dúvidas
mesma coisa. Lewis os repreende: (Ferngreen), seu próprio contexto educacional apa-
rentemente levou Lewis a supor uma visão evolutiva
Uma teologia que nega a historicidade de quase tudo nos (v. evolução biológica) da origem do universo (v. Cristi-
evangelhos, aos quais a vida e as afeições e 0 pensamento anismo puro e simples, p. 52,65). 0 fato de até mesmo
cristãos se fixaram por quase dois milênios — que ou nega um apologista intelectual tão piedoso e corajoso quan-
totalmente 0 milagroso ou, por incrível que pareça, depois to Lewis ter sido envolvido pelas suposições
de engolir 0 camelo da Ressurreição se incomoda com 0 humanistas e da alta crítica demonstra que cada crente
mosquito da multiplicação dos pães — se oferecida a um deve avaliar continuamente a verdade do que está
homem simples pode produzir apenas um ou outro de dois aprendendo num ambiente secular pagão.
efeitos. Ou ele se tornará um católico romano ou um ateu
Fontes
(Christian reflections, p. 153).
G. L. A r c h e r , ]r., Merece confiança 0 Antigo Testa-
mento?
Lewis reconhece que pode estar errado com re-
G. B. F e r n g r e e n , et al.,“ C. S. Lewis on creation and
lação aos milagres do at. Ele admite que sua posição
evolution ...” .
é experimental e está sujeita a erros, e que 0 assunto
N. L. G e is l e r , Is man the measure ?
está além do seu conhecimento:
____, org. Inerrancy.
C. S. L e w is Christian reflections.
A consideração dos milagres do a t está além da intenção ___ , God in the dock, esp.“ The
deste livro e exigiria muitos tipos de conhecimento que não humanitarian theory of punishment” .
possuo. Minha posiçãoatual— que éexperimental eestásujeita ___ , Cristianismo puro e simples.
a toda espécie de correção — seria que, assim como, no lado ___ , Milagres.
factual, uma longa preparação culmina na encarnação de Deus ___ , The abolition o f man.
comoHomem, noladodocumentário averdade apareceprimei- , Oproblem a do sofrimento.
ro na forma mítica e então, mediante um longo processo de , Reflections on the Psalms.
condensação ou focalização, finalmente se torna encarnada ___ , Cartas do Diabo ao seu aprendiz.
como História (Milagres, p. 139). ___ , Studies in m edieval and Renaissance
literature.
Lewis também aceitava outras idéias da alta críti- R. P lrtiel , C. S. Lewis'case fo r the Christian faith.
ca sobre 0 a t (v. B íb lia , c r ít ic a d a). Ele questionou a D. S a v e r s , “ Toward a Christian aesthetics” , em The
historicidade de Jó, “porque 0 livro começa com um whimsical Christian.
homem bem desligado da história ou mesmo da lenda, ]. R. R. T o l k i e n , 0 Senhor dos Anéis
sem genealogia, vivendo num país do qual a Bíblia
não diz quase nada” (Cristianism opuro e simples, 110). limitação de Cristo, teoria da. Os críticos da Bí-

Lewis acreditava nisso apesar da referência a Jó como blia ofereceram duas teorias que minam 0 argumen-
sendo um personagem histórico tanto no a t (E z 14.14, to apologético a favor da divindade de Cristo (v. Cris-
to, d ivindade de) e da autoridade das Escrituras (v.
20) quanto no n t (Tg 5.11). Uz é mencionada em
B íb lia , evidências da). 0 elo crucialnoargumento ge-
Jeremias 25.20 e Lamentações 4.21. Costumes e for-
ral para ambas é que Jesus ensinou ser 0 Filho de
mas de nomes próprios ligados a Jó também foram
Deus e que a Bíblia é a Palavra de Deus (v. ap olo gética,
comprovados (Archer, p. 438-48).
argu m ento d a ). Essas proposições são baseadas na
Lewis tinha uma posição bastante negativa com
premissa de que os evangelhos nos dizem exatamente
relação a vários salmos, chegando ao ponto de
0 que Jesus ensinou. Se Jesus acomodou intencio-
considerá-los “diabólicos” (Reflections on the Psalms
nalmente suas palavras ao que seus ouvintes criam,
[Reflexões sobre Salm os], p. 25). Rejeitou a autoria
mas não revelou 0 que realmente acreditava, a con-
davídica de todos os salmos exceto 0 salmo 18 (ibid., clusão não se sustenta (v. acomodação, t e o ria da).
114). Isso é surpreendente, dada sua grande consi- Da mesma forma, se Jesus era tão limitado em seu
deração por Cristo e os evangelhos. Jesus compro- conhecimento humano a ponto de ele não se esten-
vou que Davi escreveu 0 salmo 110 (Mt 22.41-46). der a assuntos como a autoridade e autenticidade do
Jesus também afirmou a autoridade divina de todo at, não estava realmente afirmando nada sobre essas
0 a t (Mt 5.17,18; Jo 10.35) e principalmente dos Sal- questões. Antes, seu ministério limitava-se a questões
mos (v. Lc 24.44), um dos livros que ele citou com espirituais e morais, e ele não afirmou nada sobre
mais freqüência. questões históricas e críticas.
lim itação de Cristo, teorias da 500

Os a r g u m e n t o s a f a v o r d e u m C risto lim ita d o . artigo C ris to , divindade de. Um erro ou pecado teria
Duas colunas de sustentação do argumento da limi- sido atribuído à segunda pessoa da Trindade.
tação são a humanidade de Cristo e a teoria da kenosis. Já que a doutrina ortodoxa de Cristo reconhece que
Conhecimento humanamente limitado. A Bíblia ele era completamente humano, não há problema com
deixa claro que Jesus era humano (v. C risto , divindade a afirmação de que Jesus não sabia muitas coisas. Ele
de). Mas se Jesus era realmente humano em todos os tinha duas naturezas, uma infinita ou ilimitada em
sentidos, por que não poderia cometer um erro hu- conhecimento, a outra finita ou limitada em conheci-
mano? Por que Jesus não poderia estar errado sobre mento. Será possível que Jesus não tenha “errado” a
muitas das coisas em que acreditava, contanto que não respeito do que ensinou acerca do at, mas simples-
prejudicassem sua missão redentora geral? mente era tão limitado que seu conhecimento e au-
Esvaziamento na encarnação. A Bíblia também toridade humanos não se estendiam a essas áreas? A
ensina que Jesus “se esvaziou” de sua onisciência na evidência dos registros do n t exige a resposta nega-
encarnação. O fato de tal esvaziamento ter limitado tiva enfática a essa pergunta.
severamente seu conhecimento quando ensinava é Jesus tinha conhecimento supranormal. Até em seu
denominado teoria da kenosis, da palavra grega kenoõ, estado humano, Cristo possuía conhecimento supra-
“esvaziar” . Ele não sabia quando seria sua segunda humano. Ele viu Natanael sob a figueira (Jo 1.48). Je-
vinda, pois disse: “Quanto ao dia e à hora ninguém sus conhecia a vida particular da mulher samaritana
sabe, nem os anjos no céu, nem 0 Filho, senão so- (Jo 4.18,19). Sabia quem 0 trairia (Jo 6.64) e tudo 0
mente 0 Pai” (Mc 13.32). Ele não sabia se havia figos que aconteceria em Jerusalém (Mc 8.31; 9.31; Jo 18.4).
na árvore em Marcos 11.13. Quando criança ele “ ia Sabia da morte de Lázaro antes de lhe contarem (Jo
crescendo em sabedoria” , como outras crianças (Lc 11.14). Apesar de suas limitações, 0 conhecimento de
2.52). Ele precisou fazer perguntas (Mc 5.9, 30; 6.38; Jesus era completamente adequado à sua missão e
Jo 14.9). Talvez Jesus também não conhecesse a ori- ensino doutrinário.
gem do a t e da verdade histórica de seu registro. Jesus possuía autoridade absoluta. Cristo afirmou,
Resposta à teoria da limitação. A “teoria da limita- com autoridade absoluta, que tudo que ensinou veio
ção” é mais plausível e potencialmente mais prejudi- de Deus. “Os céus e a terra passarão, mas as minhas
ciai que a teoria da acomodação. Mas ambos os argu- palavras jamais passarão” (Mt 24.35). Jesus proclamou:
mentos a favor da limitação do conhecimento de Cris- “ Todas as coisas me foram entregues por meu Pai”
to ignoram pontos cruciais sobre quem Jesus era. (Mt 11.27). Ele mandou seus discípulos ensinarem
Deus pode errar ou pecar? Em Jesus, uma e a mes- outros “a obedecer a tudo 0 que eu lhes ordenei” (Mt
ma pessoa era Deus e homem ao mesmo tempo. Se a 28.20). Jesus afirmou que 0 próprio destino das pes-
pessoa humana tivesse pecado ou errado, Deus teria soas dependia de suas palavras (Mt 7.24-26) e que
pecado ou errado. É por isso que a Bíblia tem cuida- suas palavras seriam a base para 0 julgamento (Jo
do ao dizer: “ Passou por todo tipo de tentação, po- 12.48). A expressão “ Digo-lhes a verdade” enfático é
rém, sem pecado” (Hb 4.15). Ele era humano 0 bas- usado para introduzir seus ensinamentos 25 vezes,
tante para sentir cansaço e tentação, mas não para somente em João. Em Mateus ele declarou que nem
pecar (v. 2C0 5.21; lPe 3.18; 1Jo 3.3). Se 0 pecado um til passaria da lei que ele não cumprisse. E, em
atribuído a Cristo também deve ser atribuído a Deus, todo 0 restante de Mateus 5, Jesus igualou as própri-
que não pode pecar (Hc 1.13; Hb 6.18), 0 erro atribu- as palavras a essa lei. Ele afirmou que suas palavras
ído a Cristo teria sido 0 erro cometido por Deus (v. trazem vida eterna (Jo 5.24) e jurou que seu
T rin d a d e ). ensinamento vinha do Pai (Jo 8.26-28). Embora fosse
A teoria de que Jesus se esvaziou da divindade um ser humano na terra, Cristo aceitou ser reconhe-
quando se tornou humano é infundada. Certamente cido como Deus (p.ex., Mt 28.18; Jo. 9.38).
não é 0 que diz Filipenses 2. Os versículos 5 e 6 dizem C on clu sã o. A conclusão mais razoável é que os
que ele se esvaziou de sua natureza divina ao humi- ensinamentos de Jesus possuíam autoridade divina.
lhar‫־‬se e tornar-se ser humano. Quando ele se esva- Apesar das limitações necessárias envolvidas na en-
ziou, ainda tinha a forma ou essência de Deus. Se a carnação, não há erro nem má interpretação no que
mesma palavra, forma, aplicada para servo significa Cristo ensinou. Ainda que haja possíveis limitações na
que ele era servo, então aplicada a Deus significa extensão do conhecimento de Jesus, não havia limi-
que ele é Deus. É isso que João 1.1 declara. O Jesus tações na veracidade de seus ensinamentos. Assim
humano afirmou ser Deus. Como ele demonstrou como Jesus era completamente humano, mas seu
que isso era verdade é discutido detalhadamente no caráter moral era perfeito (Hb 4.15), ele era finito no
501 livre-arbítrio

conhecimento humano, mas sem erro factual no que que Deus é a única causa eficiente. O determinista
ensinou (Jo 8.40,46). Tudo que Jesus ensinou veio de moderado acredita que Deus como Causa Primária é
Deus e continha autoridade divina. compatível com 0 livre-arbítrio humano como Cau-
sa Secundária.
Fontes In d e te rm in is m o . Segundo 0 indeterminista.pou-
N .L .G m ia , Christian apologetics, cap. 18. cas ações humanas (se de fato alguma é) são causa-
J. Wf.xham, Christ and the Bible, cap. 2. das. Eventos e ações são contingentes e espontâneos.
Charles Pierce e William James eram indeterministas.
linguagem religiosa. V. an alo g ia, princípio da; l ó g i c o , Argumentos a favor do indeterminismo. Os argu-
positivismo; W ittg en stein , Ludw ig. mentos a favor do indeterminismo seguem a nature-
za das ações livres. Já que estas não seguem nenhum
livre-arb ítrio. As idéias sobre a natureza do livre- padrão determinado, conclui-se que são indetermina-
arbítrio humano dividem-se em três categorias: das. Alguns indeterministas contemporâneos recor-
determinismo, indeterminismo (v. indeterm inação, prin - rem ao princípio de indeterminação de Werner
cípio da) e autodeterminismo. O determinista leva em Heisenberg (v. indeterm inação, princípio de) para apoiar
conta as ações causadas por outro, 0 indeterminista sua posição (v. prim eiros p rin cíp io s). Segundo esse
as ações não-causadas e 0 autodeterminista as ações princípio, eventos no âmbito subatômico (como a tra-
autocausadas. jetória específica determinada partícula) são comple-
Determinismo. Para uma discussão completa eos argu- tamente imprevisíveis.
mentos a favor e contra essa posição, v. determinismo. Há Conforme 0 argumento da imprevisibilidade das
dois tipos básicos de determinismo: naturalista e teísta. O ações livres, uma ação deve ser previsível para ser de-
determinismo naturalista é mais prontamente associ- terminada. Mas ações livres não são previsíveis. Logo,
ado ao psicólogo comportamental B. F. Skinner. Skinner são indeterminadas.
acreditava que todo comportamento humano é deter- Crítica do indeterminismo. Todas as formas de
minado por fatores genéticos e comportamentais. Os indeterminismo naufragam no princípio da causali-
seres humanos só agem conforme sua programação. dade, que afirma que todos os eventos têm causa (v.
Todos os que aceitam as formas rígidas da teologia causalidade, princípio d a). Mas 0 indeterminismo afir-
calvinista acreditam em algum nível de determinismo ma que escolhas livres são eventos não-causados.
teísta. Jonathan Edwards relacionava todas as ações a Deus O indeterminismo torna 0 mundo irracional e a
como Primeira Causa. “Livre-arbítrio” para Edwards é ciência impossível. É contrário à razão afirmar que as
fazer 0 que se quer, e Deus é 0 Autor dos desejos do coisas acontecem aleatoriamente, sem uma causa.
coração. Deus é soberano, está no controle de tudo e, em Logo, a indeterminação é reduzida ao irracionalismo.
última análise, é a causa de tudo. A humanidade pecado- As ciências de operação e das origens dependem do
ra está totalmente cativa às suas inclinações, então pode princípio da causalidade. Só porque uma ação livre não
fazer tudo 0 que quiser, mas 0 que quiser estará sempre é causada por outra não significa que é não-causada.
sob o controle de seu coração corrupto e mundano. A Poderia ser autocausada.
graça de Deus controla ações como Deus controla dese- O uso do princípio de Heisenberg é mal aplicado,
jos e pensamentos, bem como ações correspondentes. já que não lida com a causalidade de um evento, mas
Resposta ao determinismo. Os indeterministas res- com a imprevisibilidade.
pondem que a ação autocausada não é impossível e que O indeterminismo rouba a responsabilidade mo-
não é necessário atribuir todas as ações à Primeira Cau- ral dos seres humanos, já que não são a causa dessas
sa (Deus). Algumas ações podem ser causadas por se- ações. Se não são, por que deveriam ser culpados por
res humanos aos quais Deus deu liberdade moral. O li- ações malignas? O indeterminismo, pelo menos na
vre-arbítrio não é, como Edwards afirma, fazer 0 que escala cósmica, é inaceitável do ponto de vista bíblico,
deseja (com Deus dando os desejos).É fazer 0 que deci- já que Deus está relacionado causalmente ao mundo
de, 0 que nem sempre é a mesma coisa. Não é necessá- como Criador (Gn 1) e Sustentador de todas as coi-
rio rejeitar 0 controle soberano de Deus para negar 0 sas (Cl 1.15,16).
determinismo. Deus pode controlar pela onisciência A u to d e term in is m o . De acordo com essa teoria, as
tanto quanto pelo poder causai. ações morais de uma pessoa não são causadas por
Duas formas de determinismo podem ser dite- outro nem são não-causadas, mas são causadas pela
renciadas: rígida e moderada. O determinista rígido própria pessoa. É importante saber desde 0 início
acredita que todas as ações são causadas por Deus, exatamente 0 que significa autodeterminismo ou
livre-arbítrio 502

livre-arbítrio. Negativamente, significa que a ação poder soberanamente dado para fazer escolhas morais.
moral não é não-causada nem é causada por outro. Só a liberdade absoluta seria contrária à soberania ab-
Não é nem indeterminada nem determinada por ou- soluta de Deus. Mas a liberdade humana é uma liberda-
tro. Positivamente, é moralmente autodeterminada, de limitada. Os seres humanos não estão livres para se
uma ação livremente escolhida, sem compulsão, em tornar Deus. Um ser contingente não pode tornar-se
que seria possível fazer 0 contrário. Vários argumen- um Ser Necessário. Pois um Ser Necessário não pode
tos apoiam essa posição. ser criado. Deve ser sempre 0 que é.
A rgum entos a fa v o r d o au todeterm in ism o. Ou as O livre-arbítrio é con trário à graça. Alega-se que
ações morais são não-causadas, ou são causadas por ou as ações livres e boas vêm da graça de Deus ou de
outro, ou são causadas pela própria pessoa. Mas ne- nossa iniciativa. Mas no caso da última, elas não são
nhuma ação pode ser desprovida de causa, já que isso resultado da graça de Deus (Ef 2.8,9). Todavia, essa
viola 0 princípio racional fundamental segundo 0 qual não é uma conclusão lógica. O livre-arbítrio é um
todo evento tem uma causa. E as ações de uma pessoa dom gracioso. Além disso, a graça especial não é im-
não podem ser causadas por outros, pois nesse caso posta coercivamente à pessoa. A graça, pelo contrário,
não seriam ações pessoais. Além disso, se as ações da age persuasivamente. A posição rígida do determinista
pessoa são causadas por outro, como responsabilizá- confunde a natureza da fé. A capacidade da pessoa
la por elas? Tanto Agostinho (em Do livre-arbítrio e Da receber 0 dom gracioso da salvação de Deus não é a
graça e do livre-arbítrio) quanto Tomás de Aquino eram mesma coisa que trabalhar por ele. Pensar assim é dar
autodeterministas, e também 0 são os calvinistas mode- crédito ao receptor do dom, e não ao Doador.
rados e arminianos contemporâneos. A a ç ã o au tocau sad a é logicam ente impossível. Ale-
A negação de que algumas ações podem ser li- ga-se que 0 autodeterminismo significa causar a si
vres é contraditória. O determinista completo in- mesmo, 0 que é impossível. Uma pessoa não pode ser
siste em que tanto deterministas quanto inde- anterior a si mesma, que é a implicação da ação
terministas estão determinados a acreditar no que autocausada. Essa objeção interpreta mal 0 determi-
acreditam. Mas os deterministas acreditam que nismo, que não significa que a pessoa causa a si mes-
os autodeterministas estão errados e devem mudar m a, mas sim cau sa 0 a con tecim en to d e ou tra coisa.
sua posição. Mas “dever mudar” implica liberdade Uma ação autodeterminada é determinada pela pró-
para mudar, 0 que é contrário ao determinismo. Se pria pessoa, não por outra.
Deus é a causa de todas as ações humanas, então os O au tod eterm in ism o é con trário à cau salid ad e. Se
seres humanos não são moralmente responsáveis. E todas as ações precisam de causa, da mesma forma
não faz sentido louvar os seres humanos por faze- acontece com as ações da vontade, que não são cau-
rem 0 bem nem culpá-los por fazerem 0 mal. sadas pela pessoa, mas por outra coisa. Se tudo precisa
Uma dimensão dessa controvérsia está relaciona- de uma causa, as pessoas que executam as ações tam-
da com 0 conceito de “eu” . 0 autodeterminista acre- bém precisam (v. causalidade, princípio da).
dita que haja um “eu” (sujeito) que é mais que 0 obje- Não há violação do princípio da causalidade real
to. Isto é, minha subjetividade transcende minha ob- no exercício das ações livres. O princípio não afirma
jetividade. Não posso colocar tudo que sou sob a lente que todas as coisas (seres) precisam de uma causa.
de um microscópio para analisar, como um objeto. Eu Coisas finitas precisam de uma causa. Deus é não-
sou mais que minha objetividade. Esse “eu” que trans- causado (v. Deus, natureza de). A pessoa que realiza as
cende a objetificação é livre. O cientista que tenta es- ações livres é causada p o r Deus. 0 p o d e r da liberdade
tudar 0 eu sempre transcende a experiência. O cien- é causado por Deus, mas 0 exercício da liberdade é
tista está sempre do lado de fora olhando para dentro. causado pela pessoa. O eu é a primeira causa das ações
Na verdade, “eu” sou livre para “me” rejeitar. Isso não é pessoais. O princípio da causalidade não é violado
determinado pela objetividade, nem está sujeito a fi- pelo fato de todo ser finito e toda ação ter uma causa.
car preso à análise científica. Como tal, 0 “eu” é livre. O au tod eterm in ism o é con trário à p red estin ação.
Objeções ao autodeterminismo. O Ihre-arbítrio elimina a Outros alegam que 0 autodeterminismo é contrário à
soberania. Se os seres humanos sãolivres, estão fora da sobe- predestinação de Deus. Mas os autodeterministas res-
rania de Deus? Ou Deus determina tudo, ou não ésoberano. E pondem que Deus pode predeterminar de várias ma-
seeledetermina tudo, então não há ações autodeterminadas. neiras. Pode determinar 1) contrariamente ao livre-ar-
É suficiente observar que Deus soberanamente bítrio (forçando a pessoa a fazer 0 que ela não escolhe
delegou livre-arbítrio a algumas de suas criaturas. Não fazer); 2 ) baseado nas livres escolhas já feitas (esperan-
havia necessidade de fazê-lo. Então 0 livre-arbítrio é um do para ver 0 que a pessoa vai fazer); 3) sabendo de
503 Locke, John

modo onisciente 0 que a pessoa fará “de acordo com sobre a tolerância influenciou bastante a Revolução
pré-conhecimento de Deus Pai” (lPe 1.2). “Pois aque- Americana — principalmente Thomas Je ffe rso n .
les que de antemão conheceu, também os predestinou As principais obras de Locke foram A carta sobre
para serem conformes à imagem de seu Filho” (Rm a tolerância, 1667), E nsaio acerca do entendim ento hu-
8.29). Ou a posição 2 ou a 3 é coerente com 0 m an o (1690) e The reason ablen ess o f Christianity [A
autodeterminismo. Ambas insistem em que Deus pode raz o a b ilid a d e d o cristian ism o ] (1695).
determinar 0 futuro pelo livre-arbítrio, já que ele sabe A epistem ologia em pírica de Locke. Locke era
oniscientemente com certeza como as pessoas agirão empirista, seguindo a obra de A r is tó t e le s (v .). No seu
em liberdade. Então, 0 futuro é determ in ad o do ponto E n saio a cerca do en ten d im en to h u m an o, ele chamou
de vista do conhecimento infalível de Deus, mas livre sua epistemologia “ método histórico simples” , isto
do ponto de vista da escolha humana. é, tratar as idéias tal como elas surgem nas nossas
Ligado ao argumento do determinismo rígido mentes. Seu objetivo era descobrir a origem, extensão
está 0 fato de que, apesar de Adão ter livre-arbítrio e grau de certeza ao nosso conhecimento.
(Rm 5.12), os seres humanos pecadores estão As du as fon tes d e idéias. Locke acreditava que ha-
escravizados pelo pecado e não estão livres para via duas fontes de idéias (ou objetos de pensamento):
atender a Deus. Mas essa posição é contrária ao 1 ) sensação — experiência de um objeto externo (que
chamado constante de Deus a que os homens se atua sobre 0 corpo e produz uma idéia na mente) —
arrependam (Lc 13.3; At 2.38) e creiam (p.ex.,J0 3.16; e 2 ) reflexão — experiência de operações internas
3.36; At 16.31), e às afirmações diretas de que até os da mente. Como prova, ele ofereceu quatro argu-
incrédulos têm a habilidade de reagir à graça de Deus mentos. Primeiro, os bebês nascem como tá b u la s
(Mt23.37;J0 7.17;Rm7.18; lC09.17;Fm 14; lP e 5.2). rasas, sem um depósito de idéias. Segundo, onde há
Esse argumento prossegue afirmando que, se os experiências diferentes, há idéias diferentes.
humanos têm a capacidade de atender, então a salva- Terceiro, onde não há experiência, não há idéia
ção não é pela graça (Ef 2.8,9), mas pelo esforço hu- correspondente. Por exemplo, pessoas nascidas cegas
mano. No entanto, isso é um engano com relação à não têm idéia de visão, e surdos-mudos não têm idéia
natureza da fé. A habilidade de uma pessoa receber 0 de som. Quarto, temos apenas idéias detectadas pelos
dom gracioso da salvação de Deus não é 0 mesmo que cinco sentidos (ou combinações deles).
trabalhar por ele. Pensar assim é dar crédito a quem A n atu reza d o con h ecim en to. Para Locke, todo
recebe 0 dom, e não ao Doador, que 0 dá graciosa- conhecimento é concordância ou discordância.
mente. In tu ição é concordância entre duas idéias percebi-
das imediatamente (p.ex., “Eu” e “existo” = Eu exis-
Fontes to). Esse é 0 conhecimento mais correto.
A g o s t in h o , O livre-arbítrio. D em on stração é concordância entre duas idéias
J. E d w a r d s , The freedom o f the will. por meio de uma terceira idéia (p.ex.,“ Deus existe” ).
]. F l e t c h e r , John Fletcher’s checks toAntinomianism, Isso é menos certo para nós somente porque a cadeia
co n d e n sad o p o r P. W is e m a n . de argumentos causa isso.
R. T . F o ste r, et a l ‫ ״‬God’s strategy in human history. S en sação é concordância entre a idéia e 0 objeto
N. L. G e i s l e r , “Man’s destiny: free or forced” , csr, externo (p.ex., “O mundo existe” ). Isso é menos certo.
9.2 (1979). A prova de Locke do mundo externo era assim: 1)
D. H u m e , The letters o f David Hume. Deve haver uma fonte das nossas idéias. Nem todas
C. S. L e w i s ,Milagres. elas poderiam ser criadas por nós. 2) Algumas idéias
M. L u tero , On grace an d tree will. são mais ativas que outras, demonstrando que são
___ , The bondage otthe will. (originais, e não criadas por nós. 3) Temos 0 testemu-
B. F. S k i n n e r , Beyond behaviorism. nho combinado de vários sentidos de que essas idéi-
___ , O mito da liberdade. as ativas vêm do mundo externo. 4) Prazer e/ ou dor
T o m a s d e A q u in o , Sum a teológica. ocorrem repetidamente com 0 contato com ele, mes-
mo quando não queremos. Logo, deve haver um
mundo externo que é a fonte dessas idéias ativas
Locke, John. Vida e obras de Locke. Nasceu em sobre as quais não temos controle.
Somersetshire, Inglaterra, em 1632, e morreu em 1704. Argum ento de Locke a fa vo r da existência de
Não gostava da educação escolástica, mas leu e gos- Deus. O argumento de Locke para a existência de Deus
tou de René D e s c a r te s e Francis Bacon. Sua obra segue a linha do argumento cosmológico tradicional
lógica 504

(v.). 1) Algo existe. Por exemplo, eu existo (0 que se Essa mesma posição foi expressa por Thomas
sabe pela intuição). Além disso, 0 mundo existe (0 que Jefferson na D eclaração d a in d ep en d ên cia (1776), na
se sabe pela sensação). 2) Esse algo que existe vem ou qual escreveu: “Afirmamos serem evidentes as se-
a) de si mesmo, b) do nada ou c) de outro. Mas 3) guintes verdades, que todos os homens são iguais,
somente algo pode causar algo. Algo não pode ser que são dotados por seu Criador de certos direitos
causado pelo nada. 4) Não pode existir uma série inalienáveis, entre os quais estão a vida, a liberdade
in fin ita de causas da existência do mundo. Se existisse, e a busca da felicidade” .
0 mundo inteiro seria fundado no nada. Mas isso é
impossível, pois nesse caso (já que 0 nada não pode Fontes
causar algo) 0 mundo jamais teria surgido. Logo, 5) J. G. C la p p , Locke, John, em The encyclopedia o f
deve haver uma primeira causa da minha existência philosophy, v. 4.
e do mundo. 6) Esse ser eterno deve ser onipotente e J. C o llin s , A history o f m odern European philosophy.
onisciente. Deve ser onipotente porque é a fonte de }. L o c k e , An essay concerning toleration.
todo 0 poder e deve ser onisciente porque 0 ___ , An essay concerning human
cognoscível não pode surgir do incognoscível. Locke understanding.
acreditava que era ridículo dizer que tudo tem uma ___ , The reasonableness o f Christianity.
causa exceto 0 universo.
A defesa do cristianism o. Tendo por base seu lógica. A lógica lida com os métodos de pensamento
teísm o racional, Locke argumentou na tradição da válido. Revela como tirar conclusões adequadas de
apologética clássica (v. apologética clássica). No seu The premissas e é um pré-requisito de todo pensamen-
reasonableness o f Christianity ele defendeu a existência to. Na verdade, ela se baseia em leis fundamentais da
de milagres. Nos seus dois Vindications [Vindicações], realidade e da verdade, os princípios que tornam pos-
(1695,1697),defendeuoque dissera em The reasonableness sível 0 pensamento racional (v. primeiros princípios). A
o f Christianity. lógica é um instrumento tão indispensável e inevitável para
A defesa d o sobrenatural. Locke não era nem deísta todo pensamento que até os que a evitam ainda usam
(v. deismo) nem sociniano (que negava a ressurreição) formas lógicas para argumentar sua rejeição (v. fideísmo).
[v. re ssu rre içã o , evidências da] . Defendeu os milagres e As três leis fundamentais de todo pensamento
a Bíblia como Palavra de Deus (v. B íb lia , evidências da). racional são:
Ele acreditava que a Bíblia poderia ser defendida pela
razão, mas que continha mistérios da fé cristã que vão 1. a lei d a n ã o - c o n tra d iç ã o (a n ã o é n ão-A);
além da razão. 2. a lei da identidade (a é a );
A div in d ad e d e Cristo. Ele também defendeu a di- 3. a lei do terceiro excluído (ou a ou não-A).
vindade de Cristo (v. C ris to , divindade de), afirmando:
“Vemos que 0 povo justificou sua fé nele, i.e., sua fé Cada uma tem uma função importante. Sem a lei
nele como Messias, por causa dos milagres que fez” da não-contradição poderíamos dizer que Deus é Deus
( T he rea so n a b len ess o f C hristian ity [58] 1). Acres- e que Deus é 0 Diabo. Se a lei da identidade não for
centou sobre Jesus: “ Ele foi enviado por Deus: seus obrigatória, não pode haver unidade nem identidade.
milagres demonstraram isso” (ibid., 242). Há uma Sem ela não há diferença em dizer: “ Eu sou eu” ou “eu
ausência evidente da discussão sobre a Trindade. sou uma cadeira” . Se a lei do termo médio excluído
Mas a ausência não significa necessariamente não valesse, os opostos poderiam ser verdadeiros.
negação. Apesar de Locke admitir numa carta a Além desses princípios básicos, há princípios de
Limborch que disse algumas coisas para agradar aos inferência válida. Essas inferências tradicionalmente
deístas (v. d e ísm o ), ele explicitamente negou o foram classificadas como lógica dedutiva ou indutiva
arianismo. (v. ind u tivo , m étodo), ou argumentos transcendentais.
Posição de Locke sobre ética e governo. Locke Mas todas elas usam alguma forma dessas três leis
acreditava que a “ lei da natureza” (v. n a t u r a l, le i) nos básicas.
ensina que, A lógica e Deus. Se a lógica é a base de todo pen-
sarnento, é a base de todo pensamento sobre Deus
sendo todos iguais e independentes, nenhuma pessoa deve (teologia). Alguns se opõem, dizendo que isso deixa
prejudicar outra em sua vida, saúde, liberdade ou posse; pois Deus sujeito à lógica. Mas Deus é soberano e não
os homens são todos criação de um Deus onipotente e está sujeito a nada além de si mesmo. Então como 0
infinitamente sábio (Carta sobre a tolerância, 2 .6 ). pensamento sobre Deus pode estar sujeito à lógica?
505 lógica

Por um lado Deus não está sujeito à lógica; na Deus é racional, e os seres humanos foram feitos à
verdade, nossas afirm ações sobre Deus estão sujei- sua imagem. Assim, usar a lógica não é opor-se à
tas à lógica. Todas as afirmações racionais devem revelação; é parte dela.
ser lógicas. Já que a teologia procura fazer afirma- Terceiro, nem m esm o a revelação especial (v. re-
ções racionais, afirmações teológicas estão sujeitas y e la ç à o especial) pode ser conhecida ou comunicada
às regras do pensamento racional, assim como qual- sem a lógica. Não seriamos capazes de distinguir a
quer outra afirmação. revelação de Deus da revelação do Diabo sem que
Mas Deus realmente está sujeito à lógica, mas não a lei da não-contradição fosse válida. Além disso,
porque haja algo mais absoluto que ele. Como a lógica quando a Bíblia revela que “ Deus tanto amou 0
representa princípios de pensamento racional e como mundo” , não poderíamos saber que 0 amor não é
Deus é um Ser racional, Deus está sujeito à própria ódio sem que a lei da não-contradiçâo fosse válida.
natureza racional. À medida que a lógica manifesta Portanto a lógica é essencial para a revelação espe-
razão, ela flui da própria natureza de Deus, e Deus está ciai (v. re v e la ç ã o es p e c ia l) e para a revelação geral
sujeito à sua natureza. Na realidade, ele não pode agir (v. re v e la ç ã o g e r a l) .
de forma contrária a ela, ética ou logicamente. Por Finalmente, há uma diferença entre usar a razão
exemplo: “ É impossível que Deus minta” (Hb 6.18). D a e ser racionalista. O racionalista tenta d e te rm in a r
mesma forma, é impossível para Deus contradizer a si toda a verdade pela razão humana. O cristão sensato
mesmo. Ambas as situações violam sua natureza bá- apenas usa a razão para descobrir a verdade que Deus
sica (v. Deus, natureza de). revelou, pela revelação geral ou pela revelação espe-
Deus não está sujeito apenas à própria consis- ciai na Bíblia (v. B íb lia , evidências da).
tência racional; ele também está sujeito à lógica A lógica e Aristóteles. Alguns críticos da lógica
que é derivada dela. Pois não poderíamos nem co- tradicional afirmam que A r is tó t e le s inventou a lógi-
meçar a pensar ou falar sobre Deus sem a lei da
ca, e não há razão para aceitar sua forma ocidental
não-contradição. Nesse caso, a lógica é anterior a
de lógica, em vez do tipo “oriental” , que não usa a lei
Deus porque precisamos usar a lógica antes de
da não-contradição. Mas Aristóteles não inventou a
poder sequer pensar nele racionalmente. A lógica é
lógica; ele a descobriu. As leis do pensamento racional
anterior a Deus na ordem do conhecim ento, mas Deus
estavam em operação eternamente em Deus e desde
é anterior à lógica na ordem da existência. A lógica
0 princípio nas criaturas racionais. Aristóteles ape-
é anterior a Deus epistem ologicam ente, mas Deus é
nas as articulou.
anterior à lógica ontologicam ente.
Essa crítica também subentende que 0 pensamento
Argumentar que isso sujeita Deus à nossa lógi-
“oriental” pode evitar 0 uso da lógica. Mas, como vi-
ca é estabelecer uma dicotomia falsa. Lógica é ló-
mos, as leis básicas de pensamento são inescapáveis
gica; não é “nossa” lógica no lugar da lógica “dele” .
para todos os seres racionais, seja qual for a sua cultu-
A nossa é baseada na dele. A natureza racional de
ra e visão de mundo. Nenhum filósofo “oriental” (v.
Deus é a base de nossa natureza racional. Ele fez assim
zen-budismo) pode sequer pensar ou falar sem usar a
para que pudéssemos entender algo sobre ele. A lei da
lei da não-contradição. A própria negação dessa lei
não-contradição aplica-se aos pensamentos de Deus
e também aos nossos. As pessoas não a inventaram ; emprega a lei na sua negação. Ela é literalmente
só a descobriram. irrefutável (v. irrefu ta b ilid ad e , princípio da).
Racionalidade vs r a c i o n a l i s m o . Outros protestam M uitos tipos de lógica. Outros afirmam que há

que sujeitar as verdades sobre Deus à razão humana é vários tipos de lógica. Por que escolher apenas uma
uma forma de racionalismo (v. epistem ologia; Espinosa, e estabelecê-la como norma para todos os tipos? Em
B a r u c h ). No entanto, essa objeção ignora várias coisas resposta a isso, basta observar que, apesar de haver
importantes. Primeiro, Deus não está sendo submeti- muitos tipos de lógica (dedutiva, indutiva, simbóli-
do à nossa razão. Deus é 0 autor da razão e nos criou à ca etc.), todas as formas de lógica dependem dos
sua imagem. Portanto, os princípios básicos da razão princípios racionais básicos de pensamento afirma-
não são arbitrariamente impostos a Deus; na verdade, dos anteriormente. Por exemplo, nenhuma forma vá-
eles vêm de Deus (v. fé e ra z ã o ). lida de lógica pode operar sem 0 princípio da não-
Segundo, as leis básicas da razão não se opõem à contradição. Se coisas contraditórias podem ser ver-
revelação de Deus; são parte essencial da revelação dadeiras, então 0 pensamento é impossível. Mas não
geral de Deus. A racionalidade humana, com suas podemos negar 0 pensamento sem pensar. Logo, ne-
leis básicas, é manifestação da racionalidade de Deus. gar as leis do pensamento é literalmente impensável.
lógica 506

A lógica e a on ipotên cia. A Bíblia diz que “para Além disso, Deus não criou as leis da lógica. Elas
Deus todas as coisas são possíveis” (Alt 19.26). Ele é manifestam sua natureza não-criada. Deus é racio-
onipotente, e um Ser onipotente pode fazer qual- nal, e há certos princípios básicos de racionalidade
quer coisa. Portanto, parece que Deus poderia violar que não podem mudar, assim como Deus não pode
a lei da não-contradição, se quisesse. Mas isso se mudar sua natureza essencial. As leis da física não
baseia em má interpretação. Quando a Bíblia decla- são assim. Supostamente, Deus poderia ter criado
ra que Deus pode fazer 0 impossível, não se refere ao outros tipos de mundos, com outros tipos de leis. A
que é realm en te impossível, mas ao que é h u m an a- lei da gravidade, por exemplo, aplica-se ao universo
m en te impossível. material. Não se aplica a anjos sem corpos físicos.
Além disso, onipotência não significa que Deus A lógica e os m istérios d a fé. Alguns apresentam a
possa fazer 0 que é contraditório. Se fosse assim, objeção de que os grandes mistérios cristãos, tais
Deus deixaria de ser Deus. Alas é impossível ao Ser como a T rin d a d e , a Encarnação (v. C ris to , divindade
não-criado decidir que quer ser criado. É impossível de) e a predestinação (v. determinismo; liv r e - a r b ítr io ),
para 0 Ser Necessário (que não pode deixar de exis- violam as leis da razão humana. Há uma diferença
tir) decidir que não quer existir. Deus não pode con- entre proposições que vão além da razão, tais como
tradizer a própria natureza. Portanto, onipotência não mistérios da fé, e aquelas que vão con tra a razão. As
significa que Deus possa fazer literalmente qualquer que vão além da razão não vão contra a razão. O
coisa. A Bíblia diz que “ é impossível que Deus minta” entendimento humano sem 0 auxílio da revelação
(Hb 6.18; v. 2Tm 2.13). E assim como Deus não pode especial não pode alcançá-las. Tais verdades só po-
contradizer sua natureza moral, ele não pode contra- dem ser conhecidas por meio da revelação especial.
dizer sua natureza racional. Na verdade, a onipotên- Quando conhecidas, suas premissas não contradi-
cia só significa que Deus pode fazer qualquer coisa zem outras verdades reveladas.
que não seja contraditória ou impossível. Por exem- A lóg ica e a T rin dade. A doutrina da Trindade
pio, Deus não pode fazer um círculo quadrado. E não afirma três pessoas numa Essência. Não afirma que
pode criar uma pedra tão pesada que não consiga há três pessoas numa Pessoa ou três essências em
levantá-la. Pois, se fizesse, não poderia movê-la. E uma Essência. Essas seriam contradições lógicas.
não precisa “movê-la” . Só precisa destruí-la e recriá- L óg ica e a E n ca rn açã o . A Encarnação não afir-
la no lugar onde deseja colocá-la. ma que Deus se tornou humano. O Infinito não
A lógica e os milagres. Deus criou leis naturais, mas pode se tornar finito, ou 0 Necessário, contingente.
pode transcendê-las por meio de milagres (v. .milagre). Antes ela afirma que a segunda pessoa da Trindade
Deus planejou a lei da gravidade e a viscosidade dos tornou-se homem. Jesus assumiu uma natureza
líquidos, mas Jesus andou sobre a água. Por que as leis humana sem deixar de lado sua divindade. Portan-
da lógica não podem ser violadas como as leis da física? to, a Encarnação não foi a subtração da divindade,
Primeiro, essa é uma analogia inválida. As leis da mas a adição de sua humanidade. Duas naturezas
natureza são d escritiv as, enquanto as leis lógicas, numa pessoa não é uma contradição. Duas natu-
como as leis éticas, são prescritivas. Isto é, as leis da rezas numa natureza ou duas pessoas numa Pessoa
lógica nos dizem como devemos raciocinar para seriam, mas não duas naturezas juntas numa Pessoa.
conformar nosso pensamento à realidade. Trata-se de um mistério, não de uma contradição.
Semelhantemente, as leis morais, são prescrições A lóg ica e a p re d estin a ç ã o . A predestinação e 0
universais (v. m oralidade, natu reza absoluta d a). Todo livre-arbítrio também não são uma contradição
mundo deve raciocinar que, se todos os triângulos lógica. Não é contraditório afirmar que Deus
têm três lados e essa figura é um triângulo, então ela predeterminou quem será salvo, desde que tenha
tem três lados. Não há exceções; todos devem che- predeterminado que isso aconteceria por meio do
gar a essa conclusão. As leis da física são generaliza- livre-arbítrio. O que seria contraditório é afirmar
ções descritivas. Elas apenas nos informam sobre que Deus fo r ç o u pessoas a aceitá-lo livrem ente, já que
como as coisas são; não nos exortam sobre como liberdade forçada é logicamente incompatível. Mas
algo deve ser. Como descrições do modo em que as afirmar que Deus determinou conscientemente
coisas geralmente ocorrem, elas admitem exceções. como efetuaria a salvação pela sua graça e por meio
O milagre é a exceção. Assim, ele não contradiz a lei do nosso livre-arbítrio não é uma contradição lógi-
geral. A comparação entre as leis físicas e as leis do ca. É um mistério, mas não uma contradição lógica
pensamento é inválida. (v. determ inism o; liv r e - a r b ít r io ).
507 logos, teoriado

Fontes Fontes
Aristóteles, Primeiros analíticos. A. J. A y e r , Foundations of empirical knowledge.
___ , Segundos analíticos ___ ,Linguagem, verdade e lógico.
___ , Refutações dos sofistas. ___ , The problem 01 knowledge.
___ , Tópicos. H . F l ig l , “ Lo gical p o s i t iv i s m after th i r ty -f i v e years” ,

I. C o p i, Introdução à lógica. em Philosophy Today ( W i n t e r 1964).


N . L. G e is l e r , Come let us reason. F. F frrl, Language, logic, and God.
A. Fi nv , et al., A c t r essays in philosophical theology.
lógico, positivismo. O positivismo lógico é uma esco- N . L. G e is l e r , Philosophy of religion (cap. 12)
la de pensamento que operou durante a década de 1920 D. H im , Investigação solve 0 entendimento humano.
entre um grupo de filósofos de Viena que incluía Alfred
J. A y e r , Rudolf Carnap, Herbert Feigl e Moritz Schlick. logos, teoria do. A palavra grega logos vem de lego
Eles tomaram uma posição antimetafísica e desenvol- (“Eu falo” ). Logos significa “palavra, fala, explicação,
veram um princípio de verificação empírica pelo qual princípio ou razão” . Na filosofia grega, 0 conceito de
tudo (exceto tautologias e afirmações empíricas) é con- logos tinha significados diferentes. Heráclito a conside-
siderado sem sentido. rava a lei racional que governava 0 universo. Anaxágoras
Essa posição continha implicações devastado- a via como 0 princípio da inteligência no universo,
ras para 0 cristianismo, já que nem a existência nem apesar de chamá-la nous (“mente” ), assim como P l a t ã o .
os atributos de Deus poderiam ser significativamen- Para os estóicos, 0 log os era 0 princípio de toda
te declarados. Todo 0 debate sobre Deus foi consi- racionalidade no universo. Mas logo antes de 0 n t ser
derado absurdo literal (v. a n a lo g ia , p rin c íp io da; escrito, 0 filósofo judeu F í l o n (30 a.C-45 d.C.) des-
W ittg e n s te in , Lu d w ig ). Esse ponto de vista às vezes é
creveu 0 logos como a imagem de Deus que era dis-
chamado acognosticismo o u ateísmo semântico.
tinta de Deus e um intermediário entre Deus e 0
As raízes do princípio da verificabilidade
mundo (Edwards, “L ogos”). Mais tarde, no século 111,
empírica são encontrados no ceticismo empírico
P l o t i n o declarou que 0 logos ou nous era a emanação
de David H u m e . No último parágrafo de In v estig ação
inferior do único Ser (Deus).
sobre 0 entendim ento hu m an o, Hume escreveu:
No entanto, não há razão para supor que João
esteja retratando algo inferior a Deus no logos. João
Quando pesquisamos bibliotecas, persuadidos desses
diz clara e enfaticamente que “0 logos era Deus” (Jo
princípios, que danos fazemos? Se pegamos qualquer volume
1.1; v. tb. 8.58; 10.30; 20.28). O conceito que João tem do
na mão — de teologia ou da escola da metafísica, por exemplo,
logos é de um ser pessoal (Cristo), enquanto os gregos
devemos perguntar: Ele contém algum raciocínio abstrato re-
0 consideravam um princípio racional impessoal. O
lativo a qualidade ou número?Não. Contém algum raciocínio
logos é mencionado com pronomes pessoais, como
experimental relativo ao trivial e à existência?Não. Então lan-
ele (1.2) e nele (1.4). Esse não era 0 caso do logos grego.
ce-0 ao fogo, pois não pode conter nada além de sofismas e
Segundo João, 0 logos “se fez carne” (1.14). Combi-
ilusão (Hume,p. 173).
nar logos (razão) ou nous (mente) e carne era contrário
ao pensamento grego. A carne era ou maligna, como no
Se Hume estava certo, há dois tipos de afirmações
gnosticismo, ou quase maligna, no pensamento platôni-
significativas: 1 ) as verdadeiras por definição (analíti-
cas) e 2 ) as consideradas verdadeiras por meio dos co ou plotiniano (v. P l o t i n o ) . Apenas na tradição
sentidos (sintéticas). Apenas afirmações definitivas e judaico-cristã a matéria ou carne era considerada res-
sensoriais são significativas. Todo 0 resto é literalmente peitável de alguma forma. Os cristãos a viam como boa
absurdo. 0 suficiente para ser digna de vestir a Deus na encarnação.
No mundo anglófono, Ayer foi um defensor ze- O at, não as idéias gregas, é a raiz das idéias do n t.
loso dessa posição. Ele formulou a conclusão de Hume João, como todos os autores do n t (talvez exceto Lucas),
para 0 princípio da verificabilidade empírica, que eram judeus. A raiz de seu pensamento estava no
afirmava em sua forma original que há apenas dois judaísmo. Eles citam 0 a t centenas de vezes. Logo, é
tipos de proposições significativas. contrário ao fundamento judaico e ao pensamento
0 positivismo lógico morreu pela própria espada dos autores do n t usar fontes gregas para suas idéias
(v. Feigl).O princípio da verificabilidade empírica não teológicas.
é empiricamente verificável. Toda tentativa nesse sen- O n t é um livro teísta (v. teísm o), enquanto 0 pen-
tido destrói sua eficácia. O positivismo não pode ser sarnento grego era politeísta e panteísta (v. panteísmo).
usado para excluir afirmações metafísicas (v. metafísica). Não esperaríamos que João se baseasse em tal
Lucas, supostos erros em 508

cosmovisão para expressar suas idéias. O a i falava censo entre 10 e 5 a.C. Registros periódicos aconte-
do futuro Messias que era Deus (SI 110.1; Is 9.6; 45.6; ciam a cada catorze anos. Por causa desse padrão
Zc 12.10), que viria em carne, sofreria e ressuscitaria regular de recenseamento, qualquer ação era consi-
fisicamente dos mortos ( v. Is 53). Nem a religião derada uma política geral de Augusto, apesar de 0
nem a filosofia grega ensinam essa doutrina. Afir- censo local possivelmente ter sido instigado por um
mações segundo as quais 0 cristianismo baseou-se governador. Portanto, Lucas reconhece 0 censo como
em idéias ou deuses pagãos são infundadas (v. vindo do decreto de Augusto.
MITRAI'SMO; RESSURREIÇÃO EM RELIGIÕES NÃO-CRISTÃS, RE1YIX- Já que 0 povo de um país subjugado era obrigado a
d i c a ç õ e s d e ). jurar lealdade ao imperador, não era incomum 0 impe-
rador requerer um censo imperial como expressão des-
Fontes sa lealdade e como meio de alistar homens para 0 ser-
G. H . C ea rk , Selections from H ellenistic philosophy. viço militar, ou, como provavelmente aconteceu nesse
P. E d w ard s,“ Logos” , e m ep .
caso, como preparação para arrecadar impostos. Por
Filo, De vita contem plativa. causa das relações tensas entre Herodes e Augusto nos
W . R . I n c .e , “ L o g o s ” , e m e r f .
últimos anos do reinado de Herodes, como 0 historia-
J. G . M a c h e n , The origin o f P au l’s religion. dor judeu Josefo relata, é compreensível que Augusto
R. N a sh , C hristianity a n d the H ellenistic world.
começasse a tratar 0 domínio de Herodes como um
F. E. W a lto n , D evelopm ent o f the logos d octrin e in
país subjugado e conseqüentemente impusesse tal cen-
G reek a n d H ebrew thought.
so para manter 0 controle sobre Herodes e 0 povo.
Terceiro, um censo era um projeto enorme que
Lucas, supostos erros em. Lucas foi acusado pe- provavelmente levaria vários anos para ser finaliza-
do. Tal censo com 0 propósito de impostos começa-
10s críticos de conter imprecisões históricas signi-
do na Gália entre 10-9 a.C. levara quarenta anos para
ficativas na narrativa do nascimento de Cristo, no
ser completado. É provável que 0 decreto para co-
capítulo 2 .
meçar 0 censo, em 8 ou 7 a.C., só tenha começado na
O cen so m u n d ia l. Lucas 2.1-3 refere-se a um cen-
Palestina algum tempo depois. Problemas de orga-
so mundial sob César Augusto quando Quirino era
nização e preparação podem ter adiado 0 censo ini-
governador da Síria. Mas, segundo os registros da his-
ciai para 5 a.C. ou até mais tarde.
tória antiga, esse censo não aconteceu. Na verdade,
Quarto, não era uma exigência incomum que as
Quirino só se tornou governador da Síria no ano 6
pessoas voltassem ao lugar de origem ou para 0 lu-
d.C. Os críticos geralmente acreditam que Lucas errou
gar onde possuíam propriedade. Um decreto de C.
ao afirmar um censo sob César Augusto e que 0 censo
Vibius Maximus em 104 d.C. exigia que todos os au-
realmente aconteceu no ano 6 ou 7 d.C. (este mencio-
sentes de sua terra natal voltassem para 0 censo. Os
nado por Lucas no discurso de Gamaliel, em At 5.37).
judeus estavam bem acostumados às viagens, por
Uma possível retradução. F. F. B r u c e oferece outra
fazerem a peregrinação anual a Jerusalém.
possibilidade. O grego de Lucas 2.2 pode ser traduzido:
Não há nenhuma razão para suspeitar da afir-
“ Este, o primeiro recenseamento (censo), foi feito antes
mação de Lucas com relação ao censo. O registro de
daquele quando Quirino era governador da Síria” . Nes-
Lucas ajusta-se ao padrão normal de recenseamen-
se caso, a palavra grega traduzida por“primeiro ”{protos)
to, e sua data não seria improvável. Esse pode ter
é traduzida como um comparativo, “antes” . Devido à sido apenas um censo local feito como resultado da
construção da frase, essa não é uma tradução imprová- política geral de Augusto. Lucas apenas oferece um
vel. Nesse caso não há problema, já que 0 censo do ano registro histórico confiável de um evento não regis-
6 d.C. é bem conhecido pelos historiadores. trado em outra fonte. Lucas provou ser um historia-
E vidên cia a rq u eo ló g ica recente. A falta de qual- dor surpreendentemente confiável (v. A t o s , h is to r ic i-
quer evidência extrabíblica levou alguns a considerar d a d e d e ; v. Ramsay, St. P aid the traveler a n d R om an
isso um erro. Mas, com os estudos recentes, agora citizen). Não há razão para duvidar dele aqui.
aceita-se amplamente que de fato houve um censo A á r e a g o v e r n a d a p o r Q u irin o Dada a afirma-
anterior, como Lucas registra. ção de Lucas de que 0 censo decretado por Augusto
William Ramsay descobriu várias inscrições que foi 0 primeiramente feito enquanto Quirino era
indicavam que Quirino foi governador da Síria em governador da Síria, 0 fato de Quirino tornar-se
duas ocasiões, a primeira vários anos antes de 6 d.C. governador da Síria muito tempo depois da morte
Segundo os próprios documentos que registraram os de Herodes, por volta do ano 6 d.C., parece um erro
censos (cf. Ramsay, Was Christ?), realmente houve um no evangelho.
509 Lutero, Martinho

Como foi observado, há uma maneira alternati- pesquisando a área sobre a qual Lucas escreveu. Sua
va de traduzir esse versículo que resolve 0 problema. conclusão foi que, nas referências a 32 países, 54 ci-
Além disso, hoje há evidência de que Quirino foi dades e nove ilhas, Lucas não cometeu nenhum erro!
governador da Síria numa ocasião anterior, que co- Esse é um registro que deve ser invejado por histori-
incide com a época do nascimento de Cristo. adores de todas as eras.
Quintílio Varo foi governador da Síria do ano 7
ao ano 4 a.C. aproximadamente. Varo não era um Fontes
líder confiável, fato demonstrado em 9 d.C., quando G. L. A r c w r , Jr.,E n ciclopédia d e tem as
perdeu três legiões de soldados na floresta de bíblicos.
Teutoburger, na Alemanha. Quirino, por outro lado, F. F. B R 1 a :, , U í T e a ’ con fian ça 0 Novo Testamento?
era um líder militar reconhecido que esmagou a N . L. G e is l e r e I . H o w f, M an ual p o p u la r d e dúvidas,
rebelião dos homonadenses, na Ásia Menor. Quando enigm as e "contradição"da Bíblia.
chegou a época de começar 0 censo, por volta de 8 G. F ü b i r m .i s , The verdict o f history.
ou 7 a.C., Augusto confiou a Quirino 0 problema W. R a m sa y, St. Paul the traveler a n d R om an citizen
delicado na área instável da Palestina, efetivamente _____ , Was Christ born in Bethlehem ?
substituindo Varo ao apontar Quirino para a posição
de autoridade especial nessa questão. Lutero, Martinho. Martinho Lutero (1483-1546), 0
Quirino provavelmente foi governador da Síria em grande reformador alemão que não foi conhecido
duas ocasiões diferentes, uma vez durante a ação como apologista, tinha como preocupação maior
militar de perseguição aos homonadenses entre 12 e restaurar a igreja. No entanto, não disse nada que
2 a.C. e mais tarde, começando por volta do ano 6 negue 0 uso sistemático da razão pelos apologistas
d.C. Uma inscrição latina descoberta em 1764 foi clássicos na defesa da fé.
interpretada de forma a declarar que Quirino foi A razão é condenada. L u tero declarou que a razão
governador da Síria em duas ocasiões. é a faculdade dada por Deus pela qual os seres humanos
Gary Habermas resume bem a situação: são distinguidos animais inscionais ( disputatio de
hom ine). Lutero, assim como outros grandes mestres
1) Ocenso de impostos eraprocedimento bemcomum no da igreja, estava interessado em que a razão humana
Império Romano e realmente ocorreu na Judéia, particular- não substituísse 0 evangelho. A Confissão de Augsburgo
mente. 2) As pessoas eram obrigadas a voltar à cidade natal (Art. 2) condena a crença de que alguém possa ser jus-
para cumprir as exigências do processo. 3) Esses procedimen- tificado “pela própria força e razão” . Martin Chemnitz
tos foram empregados aparentemente durante 0 reinado de acrescentou: “A razão por si mesma e a partir de even-
Augusto (37 a.C.-14d.C.),colocando-o dentro do período de tos não pode estabelecer nada relativo ao amor de
tempo do nascimento de Jesus. 4) A data da coleta de impos- Deus por nós” (Chemnitz, p. 609). Essas afirmações
tos mencionada por Lucas possivelmente ocorreu em6-5a.C., desaprovadoras sobre a razão humana devem ser vis-
0 que também seria útil para tentar encontrar uma data mais tas no contexto adequado (v. f e e r a zã o ).
exata para 0 nascimento de [esus ( The verdict of history, p. 153). Primeiramente, elas foram feitas no contexto de
alguém tentando alcançar a salvação pelas próprias
Conclusão. Há três razões para crer que Lucas é forças, não por meio do mérito de Cristo e da graça
preciso em seu registro do nascimento de Jesus. Pri- pela fé. A razão humana não pode alcançar a salva-
meiro, existe a regra geral de “inocente até que pro- ção. Apenas 0 evangelho traz salvação. Mas isso não
vem 0 contrário” . Um documento da Antiguidade quer dizer que a razão não possa ser usada para de-
sob custódia adequada que alega oferecer um regis- fender 0 evangelho. Em segundo 0 lugar, Lutero acre-
tro preciso (v. Lc 1.1-4) deve ser aceito como autên- ditava que 0 amor redentor de Deus não pode ser
tico até que provem 0 contrário. Isso é conhecido estabelecido pela razão. Isso não quer dizer que a exis-
como regra do docum ento antigo. Essa regra é usada tência de Deus não possa ser estabelecida pela razão
nos tribunais para estabelecer a autenticidade dos (v. c ü s m o i .õ g ic o , a r g u m e n t o ) . Na verdade, entre os
documentos antigos. apologistas clássicos estava A g o st in h o , o mentor filo-
Segundo, existem, como se observou, explicações sófico e teológico de Lutero.
plausíveis que harmonizam 0 registro com a evi- Razão na teologia luterana. Apesar de 0 próprio
dência histórica (v. tb. Aros, h ist o r ic id a d e d e ). Lutero, tão preocupado com a salvação, não ter desen-
Terceiro, Lucas provou ser um historiador confiável volvido uma apologia ou uma teologia sistemática,
até nos detalhes. William Ramsay passou vinte anos seu colega, Filipe Melâncton, desenvolveu ambas.
Lutero, Martinho 510

Melâncton e outros reformadores luteranos usaram a Um exemplo moderno da tradição luterana é


apologética clássica para desenvolver provas da existên- John Warwick Montgomery em suas obras de defe-
cia de Deus. Chemnitz fala da validade dos ensinamentos sa da fé. Veja essas obras citadas entre as fontes
derivados das Escrituras “pelo raciocínio bom, certo, fir- deste artigo.
me e claro” (ibid., p. 249). As próprias polêmicas de Lutero
são firmemente construídas a partir de argumentos Fontes
irrefutavelmente racionais. M . Chem nitz, Exam ination o f the Council o f Trent, v. 1.

A razão, é claro, pode ser 0 “ instrumento do Di- L. S. K e yse r, A system o f Christian evidence.
abo” quando usada em oposição a Deus. Alas a posi- M . L u th e r, L u ther’s works, v. 34, J. P f.i i k a n , o rg .

ção assumida pelos reformadores luteranos e teólo- J. W . M o n tg o m e ry , C hristianity a n d history


gos luteranos modernos quanto às Escrituras revela _____ , C hristianity for the tough-m inded.
uma tradição de teologia e apologética racional. _____ , Evidence for faith.
Mm
Machen, J. Gresham. Nasceu em Baltimore (1881- Machen deixasse a Junta. Ele se recusou e foi julgado
1937) e formou-se em literatura clássica na Universi- por violar seus votos de ordenação. Sem ter a oportu-
dade Johns Hopkins. No Seminário Teológico de nidade de defender suas ações, foi suspenso do mi-
Princeton, foi aluno de B. B. W a r f i e l d e R. D. Wilson. nistério pelo Presbitério de New Brunswick em
Também estudou na Universidade de Princeton e Trenton, Nova Jersey. Ele e outros foram expulsos da
como bolsista na Alemanha, em Marburgo e Gottingen. Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos ( p c u s a ) em
Em Marburgo foi aluno de Adolf Jülicher e Wilhelm 1936. Imediatamente uma nova organização foi for-
Herrmann, que foi discípulo de Albrecht Ritschl. Em mada, a Igreja Presbiteriana da América. Poucos me-
Gõttingen foi aluno de E. Schürer e W. Bouset. Em ses depois, Machen morreu repentinamente, enquan-
1906, Machen tornou-se professor de n t no Seminário to viajava pregando para apoiar a nova denominação.
de Princeton. Sem sua liderança firme, a nova igreja foi dividida
Em 1912, fez uma preleção: “Cristianismo e cul- pelos interesses individuais de seus líderes. Duas de-
tura” , que estabeleceria 0 tema de sua carreira. Iden- nominações surgiram, a Igreja Presbiteriana Ortodo-
tificou 0 problema na igreja cristã como a relação xa e a Igreja Presbiteriana Bíblica.
entre conhecimento e piedade. Há três abordagens Apesar de rejeitar 0 título “conservador” e algu-
desse relacionamento, disse ele. Os protestantes li- mas das ênfases teológicas tradicionalmente adotadas
berais subordinaram 0 evangelho à ciência e igno- pelo movimento conservador, Machen foi 0 líder in-
raram 0 sobrenatural. Os conservadores preserva- telectual desse movimento durante a década de 1920.
ram 0 sobrenatural, mas rejeitaram a ciência. A so- Sua erudição e trabalho pessoal eram respeitados até
lução de Machen foi combinar a busca do conheci- por seus oponentes. Uma de suas contribuições mais
mento com a religião. úteis para as gerações de estudantes foi 0 N ew
Em 1914, Machen já era professor de n t em Testament Greek fo r beginners [ Grego neo-testam entá-
Princeton. Depois da Primeira Guerra Mundial, a Igreja rio p a r a principiantes, (1 9 2 4 )] . Sua defesa clássica, The
Presbiteriana do Norte e 0 Seminário de Princeton virüis birth ot Christ [O nascim ento virginal de Cristo],
passaram por uma mudança fundamental na teolo- (1930), foi de grande importância teológica. Essa co-
gia, do cristianismo histórico e do calvinismo tradi- leçâo de palestras dadas no Seminário Teológico
cional para 0 liberalismo ou modernismo, seguindo Columbia argumentava que 0 nascimento virginal não
as tendências teológicas alemãs. Na batalha resultante, foi uma adição posterior do cristianismo. Outras de-
a denominação e 0 seminário se dividiram. Em 1929, fesas significativas da fé intelectualmente forte foram
Machen, Oswald T. Allis, Cornelius V an Til, Robert Dick The origin o f Paul’s religion [A origem d a religião de
Wilson e mais vinte alunos deixaram 0 seminário. Sob P aulo] (1921), Christianity an d liberalism [ Cristianis -
a liderança de Machen, esses homens estabeleceram ο m o e liberalism o], (1923), W hat is faith ? [O qu e é a fé ]
Seminário Westminster em Filadélfa. 1927, The Christian faith in the m odern w orld [A f é
Em 1933, para se opor ao liberalismo crescente na cristã no m undo m o d ern o],( 1938) e The Christian view
Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos, Machen fun- o f m an [A visão cristã do h om em ], (1937).
dou a Junta Independente para Missões Presbiterianas A p o lo gética fe rv o ro s a e séria . A apologética de
Internacionais. Essa junta testava e comissionava mis- Machen está bem próxima da obra de Charles Hodge,
sionários ortodoxos, dando às igrejas conservadoras B. B. Warfield, A. A. Hodge, Caspar Wistar Hodge e
uma alternativa além dos liberais enviados pela pró- Geerhardus Vos. Como a obra desses homens, a filo-
pria denominação. A Assembléia Geral exigiu que sofia d e Machen baseava-se em Thomas R e id e no
Machen, J. Gresham 512

realism o escocês. Ele acreditava que a razão, que lida- julgada pelos mesmos padrões que a poesia. As Es-
va com fatos e dependia deles, era essencial para a fé. crituras são infalivelmente a verdade de Deus e são
Seguia 0 padrão clássico de n otitia (conhecimento inerrantes, mas não foram mecanicamente ditadas (v.
cognitivo) e assen su s (assentimento), que leva à B íb lia , evidências da). “Em todas as suas partes” , disse

fid u cia (fé). Machen demonstrou que a razão não prova Machen, as Escrituras são “a própria Palavra de Deus,
a fé. Esse era 0 erro fundamental do liberalismo (Lewis completamente verdadeiras no que dizem com rela-
e Demarest, p. 374). Machen era cauteloso em colocar ção a questões de fato e completamente autoritárias
a experiência cristã no seu devido contexto: em seus mandamentos” ( Christian faith in the m odern
world, p. 2,37). Ele afirmou: “Apenas os autógrafos dos
A experiência cristã é corretamente usada quando ajuda a livros bíblicos — em outras palavras, os livros como
nos convencer de que os eventos narrados no Novo Testamen- vieram da pena dos autores sagrados, e nenhuma das
to realmente aconteceram; mas ela nunca pode nos capacitar cópias que agora possuímos desses autógrafos — fo-
a sermos cristãos, quer os eventos tenham ocorrido quer não ram produzidos sob 0 impulso e pela liderança sobre-
(Cristianismo e liberalismo, p. 78). natural do Espírito Santo, 0 que chamamos inspira-
ção” (ibid., p. 39).
O ponto de partida de Machen para a apologética D efesa d o cristia n ism o . A apologia de Machen

foi a consciência humana, que dependia da análise da ortodoxia era em grande parte evidenciai. Come-
lógica e do bom senso. Não entrou em detalhes de çou por apelar aos fatos, principalmente bíblicos e
provas teístas; no entanto, dependia dos argumen- históricos, que exigem uma explicação adequada. A
tos tradicionais. Machen chegou ao ponto de adiar defesa da ortodoxia de Machen baseava-se em dois
milagres importantes, 0 nascimento virginal e a res-
sua ordenação até responder satisfatoriamente às
surreição corporal de Jesus Cristo. Machen geralmen-
objeções de K a n t . Afirmou:
te apelava, como Paulo, ao fato de que, se Cristo não
nasceu de uma virgem na história e não ressuscitou
A própria base da religião de Jesus era uma crença triun-
corporalmente três dias após sua morte, nossa fé é vã.
fante na existência real de um Deus pessoal.
Machen defendeu os milagres nas Escrituras (v. mi-
E sem essa crença, nenhum tipo de religião pode encon-
lagres, argumentos c o n tra ), especialmente os de Cristo,
trar sua referência, corretamente, em Jesus, nos dias de hoje.
ao definir um evento sobrenatural como 0 que “acon-
Jesus foi um teísta, e 0 teísmo nacional está na base do cris-
tece pelo poder imediato, de Deus” ( Cristianismo e libe-
tianismo. Jesus, de fato, não sustentou seu teísmo através de
ralismo, p. 104). Isso, pressupõe a existência de um Deus
argumentos; ele não proveu antecipadamente respostas ao
pessoal e de uma ordem real da natureza. Logo, os mila-
ataque de Kant às provas teístas. Mas isso não significa que
gres estão sobrenatural e dependentemente unidos ao
ele fosse indiferente à crença que é 0 resultado lógico dessas
teísmo.
provas. Significa que a crença existia tão firme para ele quan-
Em defesa dos milagres do n t (v. m ilagres na Bí-
to para seus ouvintes e que no seu ensino ela é sempre pres-
b lia ), Machen ressaltou 0 erro de isolar os milagres
suposta. Assim, hoje, não é necessário que todos os cristãos
do restante do n t. É um erro discutir a ressurreição
analisem a base lógica de sua crença em Deus; a mente hu-
de Jesus como se 0 que foi provado fosse apenas a
mana tem uma faculdade maravilhosa para a condenação dos
ressurreição de um homem do século 1 na Palestina
argumentos perfeitamente válidos, e 0 que parece uma cren-
(ibid., p. 106). Na verdade, a ressurreição é apoiada
ça instintiva pode vir a ser 0 resultado de muitos passos ló-
pela singularidade histórica da pessoa de Cristo e de
gicos. Ou, preferivelmente, pode ser que a crença em um Deus
suas afirmações e pela “ocasião adequada” ou pro-
pessoal seja 0 resultado de uma revelação primitiva e que as
pósito para 0 milagre conforme detectados (ibid., p.
provas teístas sejam apenas a confirmação lógica do que foi 106). A fé demonstrada pela igreja primitiva foi 0
originalmente recebido por diferentes meios. De qualquer argumento mais convincente para a ressurreição
modo, a confirmação lógica da crença em Deus é uma preo- (W hat is Christianity ?, p. 6, 99). Machen ainda apóia
cupação vital para 0 cristão (ibid, p. 64). milagres bíblicos ao ressaltar as tendências naturalis-
tas ilegítimas da igreja liberal, que os rejeita.
In fa lív e l e i n e r r a n t e . Seguindo a antiga tradi- A valiação. Machen defendeu a fé protestante or-
ção de Princeton, Machen acreditava que a Bíblia no todoxa no momento crucial da primeira metade do
original (autógrafos) era plenamente inspirada, sen- século xx. Estabeleceu um padrão elevado de
do que a Palavra de Deus foi mediada pela vida, pela escolástica numa época em que poucos, liberais ou
personalidade dos autores e pelo estilo literário em conservadores, produziam estudos acadêmicos vali-
que escreveram. Assim, a narrativa histórica não é osos. Muitas dessas obras ainda são muito usadas.
513 M aimônides

A apologética geral de Machen é resumida por C. confusos porque acreditavam que os princípios da
Allyn Russell: “A tese de Machen era que 0 cristianis- filosofia grega contradiziam sua fé. 0 livro foi escri-
mo e 0 liberalismo eram essencialmente duas religi- to para os que hesitavam entre as afirmações con-
ões distintas e mutuamente excludentes, não duas va- traditórias da filosofia e da religião. Maimônides
riedades da mesma fé” . Segundo Russel, cristãos e acreditava ser possível conhecer a filosofia grega
liberais usavam a mesma linguagem, mas procediam completamente sem abrir mão da observância dos
de raízes completamente diferentes: mandamentos. Infelizmente, a conciliação geralmen-
te era a favor de uma interpretação alegórica, à custa
Ao atacar 0 liberalismo como religião não-cristã, Machen do entendimento literal das Escrituras.
declarou que as tentativas liberais de conciliar 0 cristianismo A lé m da fé jud aica, enfatizando p rin cip alm ente
com a ciência moderna haviam abandonado tudo 0 que é carac- a unidade e a inefabilidade de Deus, Maimônides foi
terístico do cristianismo (Russell, p. 50). grandem ente influenciado por A i .fa r a b i , A r ist ó t e le s ,
A v e r r ó is , F ilo n , P latão e P lo t in o . O resultado foi a
Fontes p ró p ria síntese desses filósofos, com preferên cia para
W . E u v ell, E n ciclopédia h istórico-teológ ica d a Igreja P la tã o em vez de A ris tó te le s e forte in flu ê n c ia de
Cristã. Plotin o. Maimônides in flu en cio u T omás de A quino e

, H andbook of evangelical theologians. outros filósofos escolásticos, e também 0 racionalista

G. L e w i s e B. D e m a r e s t , C hallenges to inerrancy: a m od ern o B a ru c h E spin osa .

th eo log ica l response. F ilo s o fia . Seguindo seu treinamento judaico,


D. G. H art, “ The Princeton mind in the modern Maimônides acreditava que Deus era um. Também
world and the common sense of J. Gresham acreditava que a existência de Deus era demonstrável,
Machen” , w t i 46.1 (Spring 1984): 1-25. mas que sua essência era incognoscível. Ofereceu
J. G. M ach en , C hristian fa ith in the m od ern world. provas para a existência de Deus que foram usadas
, C ristianism o e L iberalism o.
por escolásticos posteriores, tais como Deus como
, The C hristian view o f m an.
Primeira Causa, Primeiro Motor e Ser Necessário
, The origin o f P au l’s religion.
(três dos cinco argumentos a favor da existência de
, The virgin birth o f Christ.
Deus propostos por Aquino). Ao contrário dos gre-
, W hat is Christianity?
gos, acreditava que Deus era a Causa eficiente, e tam-
bém 0 formal e a final, do mundo.
, W hat isfa ith ?
Os filósofos gregos argumentaram a favor da eter-
G. Μ. M arsd en , “J. Gresham Machen, history and
nidade do mundo, porém Maimônides concluiu que
truth” ,\\42 ‫( ןך‬Fall 1979): 157-75.
esses argumentos não eram decisivos porque igno-
C. A. R u ssell, “J. Gresham Machen, scholarly
ravam a onipotência de Deus, que pode criar livre-
fundamentalist” , j p h 51 (1973): 40-66.
mente um universo da duração que quisesse. Aquino
N. B. S t o n e h o u s e ,/ . G resham M achen: a b iog rap h ical
seguiu essa linha de raciocínio.
m em oire.
Seguindo Plotino, Maimônides acreditava que
C. I. K. S t o r y , “ J. Gresham !Machen: apologist and
todo 0 conhecimento de Deus é negativo. Qualquer
e x e g e te ” , p s b 2 (1979): 91-103.
coisa positiva refere-se apenas às ações de Deus, não
à sua natureza, que é essencialmente incognoscível.
Madalena, manuscritos de. V. Novo T e s t a m e n t o , m a -
A Bíblia revela um nome divino e positivo, y h w h .
n u sc r ito s d o .
0 tetragrama significa “existência absoluta” . Deus é
a Existência pura e necessária. Todas as criaturas são
Maimônides. Moisés, filho de Maimôn (1135-1204),
contingentes. Sua existência é apenas um “acidente”
latinizou seu nome para Maimônides. Deixou sua
acrescentado à sua essência.
cidade natal, Córdoba, Espanha, durante a invasão
A valiação. Há muitas contribuições positivas nas
muçulmana, foi para 0 Norte da África e finalmente
posições de Maimônides. Do ponto de vista do
para 0 Egito, tendo morrido no Cairo. Apesar de ser teísmo e da apologética clássicos (v. c l á s s i c a ,
conhecido por sua doutrina legal, 0 “rabino Moisés” , a p o l o g é t ic a ), sua ênfase à natureza de Deus e à cria-
como os escolásticos 0 chamavam, tornou-se 0 mais ção e seus argumentos em favor da existência de
célebre filósofo judeu da Idade Média. Deus são louváveis.
Em seu G uia d os p er p lex o s , escreveu sobre os 0 que deve preocupar os cristãos é a teologia
pensadores judeus semi-intelectuais que estavam negativa de Maimônides, que não permite analogias
m anuscritos do Antigo Testamento 514

positivas (v. a n a l o g ia ) . E sua tendência de alegorizar sinais gráficos que auxiliam na pronúncia do texto
partes das Escrituras que não podem ser conciliadas consonantal recebido dos soferim, com base na Massorá
com a filosofia platônica então dominante era des- (“tradição” ) que haviam recebido. Os mas-soretas eram
necessária e inaceitável. escribas que codificaram e escreveram as críticas e
comentários orais do texto hebraico. Havia duas esco-
Fontes las ou centros principais de atividade massorética, cada
S. B a r o , org., Essays on Maimonides. uma bastante independente da outra, a babilônica e a
M a im o n id e s , Guia dos perplexos. palestinense. Os massoretas mais famosos foram os
A. M a u r e r , Medieval philosophy, ca p . 8. estudiosos judaicos que viveram em Tiberíades, na
S. P i n e s , “Maimonides” , em e p . Galiléia, Moisés ben Asher (com seu filho Aarão) e
Η. A. W o lfso n , “Maimonides on negative Moisés ben Naftali, no final dos séculos ix e x. 0 texto de
attributes”, em A. *M a rx , org., Louis Ginzberg Ben Asher é 0 texto-padrão da Bíblia hebraica atual,
Jubilee volume. conforme melhor representado pelo Códice Leningra-
do b 19a ( l ) e 0 Códice Alepo.
maniqueísmo. V. d u a l is m o .

Atualmente discute-se 0 texto hebraico “massoré-


manuscritos do Antigo Testamento. Os manuscri- tico” padrão — usado na tradução da Bíblia. Frederic
tos do at não são tão cruciais à apologética cristã quan- Kenyon colocou a questão essencial quando pergun-
to os manuscritos do n t ( v. N ovo T e st a m e n t o , h isto r ic id a d e tou se 0 texto massorético representa 0 texto hebraico
d o ; N ovo T e st a m e n t o , m a n u sc r it o s d o ). N o entanto, sua
escrito originalmente pelos autores. A edição-padrão
confiabilidade geral é importante, pois os manuscri- do texto massorético foi publicada pela primeira vez
tos desempenham um papel crucial no estabelecimen- sob a editoração de um cristão de origem judaica,
to da confiabilidade do a t . Eles também ajudam a es- Jacó ben Chayim (c. 1525). Foi essencialmente uma
tabelecer a data das profecias do at ( v . p r o f e c ia co m o recensão do texto do massoreta Ben Asher (c. 920) (v.
prova da B íb l ia ) , o que desempenha um papel de apoio
Introdução bíblica , cap. 25). A resposta à pergunta de
na defesa do cristianismo (v. a p o l o g é t ic a , a r g u m e n t o
Kenyon surge de uma investigação cuidadosa do nú-
d a ) . Como no caso do n t , os manuscritos originais
mero e da natureza dos manuscritos hebraicos.
(autógrafos) do at não estão disponíveis, mas 0 texto
O n ú m ero d e m anuscritos. A primeira coleção de
hebraico é amplamente representado por manuscri-
manuscritos hebraicos, feita por Benjamin Kennicott
tos pré- e pós-crístãos (v. Geisler, “ Bible manuscripts” ,
(1776-1780) e publicada em Oxford, alistava 615 ma-
1.248-52). Como resultado, a confiabilidade do texto
nuscritos do a t . Mais tarde Giovanni de Rossi (1784-
hebraico pode ser determinada pela evidência dos
1788) publicou uma lista de 731 manuscritos. As desco-
manuscritos disponíveis. Mas, durante os dois mil
bertas mais importantes de manuscritos na era mo-
anos em que passaram copiando 0 texto (50 0 a.C. a
derna são as da guenizá do Cairo (década de 1890) e os
150 0 d.C.), os estudiosos judeus preservaram
manuscritos do mar Morto (1947 e anos seguintes). Só
inacreditavelmente suas tradições textuais.
na guenizá (depósito para manuscritos do sótão da si-
H istória do texto do a t . No judaísmo, uma su-
nagoga) do Cairo foram encontrados 200 mil manus-
cessão de estudiosos foi encarregada da padroniza-
critos e fragmentos (Kahle, p. 13, e Würthwein, p. 25)
ção e preservação do texto bíblico:
dos quais 10 mil são bíblicos (Goshen-Gottstein, p. 35).
• Os soferim [escribas] foram estudiosos e guar- Segundo J. T. Milik, fragmentos de cerca de 600 manus-
diães do texto entre os séculos v e 111 a.C. critos são conhecidos a partir dos .m a n u s c r i t o s d o m a r
M o r t o , nem todos bíblicos. Moshe Goshen-Gottstein
•Os zugot [“pares” de estudiosos textuais] foram
designados para essa tarefa nos séculos 11 e 1 a.C. estima que 0 número total de fragmentos de manuscri-
• Os tanaítas [repetidores ou mestres] estive- tos hebraicos do a t em todo 0 mundo chega às dezenas
ram em atividade até 200 d.C. A obra dos tanaítas de milhares (ibid., cap.31).
pode ser encontrada no Midraxe [“ interpretação tex- C oleçõ es p r in c ip a is . Cerca de metade dos frag-
tual” ], Toseftá [“adição” [ e Talmude [instrução], a mentos de manuscritos da guenizá do Cairo estão
última das quais é dividida em Mixná repetição e guardados na Universidade de Cambridge. O resto
Gemara 0 assunto a ser aprendido. O Talmude foi está espalhado pelo mundo. O papirologista Paul
escrito gradativamente entre 100 e 500 d.C. Kahle, especializado na guenizá do Cairo, identifi-
•Entre 500 e 950 d.C os massoretas acrescentaram cou mais de 120 manuscritos raros preparados pelo
a vocalização (um sistema de pontos e traços) e os “grupo babilônico” dos escribas massoretas.
515 m anuscritos do Antigo Testamento

A maior coleção de manuscritos do .at hebraico no muda do hebraico para 0 aramaico), também vem
mundo é a Segunda Coleção Firkowitch em Leningra- dessa caverna. Fragmentos de comentários de Sal-
do. Ela contém 1 582 itens da Bíblia e da Massorá em mos, Miquéias e Sofonias também foram encon-
pergaminho (725 em papel), mais 1 200 outros frag- trados na Caverna 1.
mentos de manuscritos hebraicos na Coleção Antonin Caverna 2. A Caverna 2 foi inicialmente descober-
(Würthwein, p. 23). Kahle afirma também que esses ta e saqueada por beduínos. Foi escavada em 1952.
manuscritos e fragmentos da Coleção Antonin são to- Fragmentos de cerca de 100 manuscritos, inclusive
dos provenientes da guenizá do Cairo (Kahle, p.7). Na dois de Êxodo, um de Levítico, quatro de Números,
Coleção Firkowitch são encontrados 14 manuscritos dois ou três de Deuteronômio, um de Jeremias, Jó,
do período de 929 a 1121 d.C que se originaram na Salmos, e dois de Rute, foram encontrados.
guenizá do Cairo. Caverna 3. A Caverna 3 foi encontrada por ar-
Manuscritos da guenizá do Cairo estão espalha- queólogos e investigada no dia 14 de março de 1952.
dos por todo 0 mundo. Alguns dos melhores nos Ela revelou duas metades de um rolo de cobre com
Estados Unidos estão na Coleção Memorial Enelow indicações de 60 ou 64 locais contendo tesouros es-
no Seminário Teológico Judaico, em Nova York condidos. Esses locais estavam quase todos dentro e
(Goshen-Gottstein, p. 44ss.). ao redor da área de Jerusalém, indo do norte de
O catálogo do Museu Britânico alista 161 manus- Jerico ao Vale de Acor. Até agora, a busca pelos te-
critos do at hebraico. Na Universidade de Oxford, 0 souro não deu resultados. Várias teorias surgiram
catálogo da Biblioteca Bodleian alista 146 manuscri- para explicar esse rolo. Foi sugerido que é obra de
tos do a t , cada um contendo um grande número de um excêntrico, ou parte do folclore do povo, ou tal-
fragmentos (Kahle, p. 5). Goshen-Gottstein estima que vez um registro dos depósitos do dinheiro do dízimo
apenas nos Estados Unidos há dezenas de milhares de e dos vasos sagrados dedicados ao culto no templo
fragmentos de manuscritos semitas, cerca de 5% dos (v. Allegro).
quais são bíblicos — mais de 500 manuscritos Caverna 4. A Caverna da Perdiz ou Caverna 4,
(Goshen-Gottstein, p. 30). depois de ser saqueada por beduínos, foi investi-
M a n u s c r it o s h e b r a ic o s . Os mais importantes gada em setembro de 1952, e provou ser a mais
manuscritos do at hebraico datam do período entre produtiva. Literalmente milhares de fragmentos
0 século 111 a.C. e 0 século xiv d.C. Desses, os manus- foram recuperados, quer comprados dos beduí-
critos mais surpreendentes são os manuscritos do nos, quer descobertos quando os arqueólogos
mar Morto, que datam do século 111 a.C. ao século 1 peneiraram a areia no chão da caverna. Esses pe-
d.C. Incluem um livro (Isaías) e milhares de frag- daços representam centenas de manuscritos, sen-
mentos que, juntos, representam todos os livros do do que quase 400 deles foram identificados. In-
at exceto Ester. cluem 100 cópias de livros da Bíblia, todos do a t ,
Descobertas dos manuscritos do mar Morto. A Ca- exceto Ester.
verna 1 foi descoberta por um jovem pastor árabe. Um fragmento de Samuel da Caverna 4 (4Qsamb)
Dela ele tirou sete rolos quase completos e alguns frag- é considerado a peça mais antiga que se conhece do
mentos: hebraico bíblico. Data do século 111 a.C. Também fo-
Isaías a ( IqIsj ). O rolo de Isaías do Mosteiro de ram encontrados alguns fragmentos de comentários
São Marcos é uma cópia popular com várias corre- de Salmos, Isaías e Naum. Acredita-se que toda a cole-
ções acima da linha ou na margem. É a cópia mais ção da Caverna 4 representa a abrangência da biblio-
antiga que se conhece de qualquer livro completo teca de Qumran e, dado 0 número relativo de livros
da Bíblia. encontrados, seus livros favoritos parecem ser
Isaías b (lQ ls b). O Isaías da Universidade Hebraica Deuteronômio, Isaías, Salmos, os Profetas Menores e
está incompleto, mas seu texto é mais parecido com Jeremias, nessa ordem. Num fragmento contendo par-
0 texto massorético que Isaías a . te de Daniel 7.28,8.1, a língua passa do aramaico para
Outros fragmentos da Caverna 1. Essa caverna 0 hebraico.
também revelou fragmentos de Gênesis, Levítico, Cavernas 5 e 6. As cavernas 5 e 6 foram escavadas
Deuteronômio, Juizes, Samuel, Isaías, Ezequiel, Sal- em setembro de 1952. Fragmentos de Tobias e de
mos e algumas obras não bíblicas, inclusive Enoque, alguns livros bíblicos, todos em estágio avançado de
Ditos de Moisés (previamente desconhecido), Li- deterioração, foram encontrados na Caverna 5.
vro do Jubileu, Livro de Noé, Testamento de Levi, A Caverna 6 apresentou em grande parte papiros,
Tobias e Sabedoria de Salomão. Um fragmento inte- em vez de fragmentos de couro. Pedaços de papiro
ressante de Daniel, contendo 2.4 (onde a língua de Daniel, IReis e 2Reis estavam entre as descobertas.
m anuscritos do Antigo Testamento 516

Caverna 7 até 10. As Cavernas 7 até 10, examina- reavivada no século 11 a.C., durante a revolta dos
das em 1955, não apresentaram manuscritos impor- macabeus contra os gregos. 0 crítico textual Frank
tantes do a t . Mas a Caverna 7 revelou alguns frag- M. Cross Jr. acredita que 0 Pentateuco samaritano
mentos de manuscritos contestados que foram iden- provavelmente vem do período macabeu.
tificados por José 0’Callahan como partes do \‫׳‬r. Se Uma forma do texto do Pentateuco samaritano pa-
isso for verdadeiro, seriam os manuscritos mais an- rece ter sido conhecida pelos pais da igreja Eusébio de
tigos do NT, datando apenas de 50 ou 60 d.C. Cesaréia (c. 265-339) e Jerônimo (c. 345-c. 419). Ele só
Caverna 11. A Caverna 11 foi escavada no início foi disponibilizado para os estudiosos modernos oci-
de 1956. Ela proporcionou ao mundo uma cópia bem dentais em 1616, quando Pietro della Valle 0 descobriu
preservada de 36 salmos, mais 0 salmo 151, apócrifo, em Damasco. Uma grande agitação surgiu entre os teó-
que antes só havia sido encontrado em textos gre- logos. 0 texto era considerado superior ao texto
gos. Um rolo bem preservado de parte de Levítico, massorético (™),até que Wilhelm Gesenius,em 1815,0
partes significativas de um Apocalipse da Nova Je- julgou praticamente inútil para crítica textual. Mais re-
rusalém e um targum [paráfrase] de Jó em aramaico centemente 0 valor do Pentateuco samaritano foi rea-
foram descobertos. firmado por estudiosos como A. Geiger, Kahle e Kenvon.
Nenhum manuscrito existente do Pentateuco
Vários estudos recentes dos manuscritos do mar
samaritano foi datado de antes do século xi. A comuni-
Morto oferecem descrições e inventários detalhados.
dade samaritana afirma que um rolo foi escrito por
Gleason L. Archer, Jr. tem um bom resumo no apêndi-
Abisai, bisneto de Moisés, no décimo terceiro ano após
ce do seu Merece confiança 0 Antigo Testamento?.
a conquista de Canaã, mas a autoridade é tão espúria
Descobertas de Murabbaat. Estimulados pelas des-
que a afirmação pode ser descartada com segurança. 0
cobertas lucrativas em Qumran, os beduínos procu-
códice mais antigo do Pentateuco samaritano tem uma
raram e encontraram cavernas ao sudeste de Belém
nota sobre sua venda em 1149-1150, mas 0 manuscrito
que revelaram manuscritos contendo datas e docu- em si é bem mais antigo. Um manuscrito foi copiado
mentos da Segunda Revolta Judaica (132-135). A ex- em 1204. Outro datado de 1 2 1 1 -1 2 1 2 agora está na Bi-
ploração e escavação sistemática dessas cavernas co- blioteca John Rylands, em Manchester. Outro, que data
meçou em janeiro de 1952. Os manuscritos mais anti- de c. 1232, está na Biblioteca Pública de Nova York.
gos e com datas ajudaram a estabelecer a antigüidade A edição-padrão impressa do Pentateuco samari-
dos manuscritos do mar Morto. Dessas cavernas veio tano contém cinco volumes, editados por A. von Gall,
outro rolo dos Profetas Menores, a segunda metade de Der Hebrãische Pentateuch der Samaritaner. [0
Joel a Ageu, que se assemelha bastante ao texto Pentateuco hebraico dos samaritanos] (1914-1918). Ela
massorético. O papiro semítico mais antigo que se fornece um texto eclético baseado em 80 manuscritos e
conhece (um palimpsesto), inscrito pela segunda vez fragmentos do final da era medieval. Apesar do texto de
em escrita hebraica antiga (datando dos séculos v11‫׳‬ von Gall estar em letras hebraicas, os samaritanos es-
ou viu a.C.), foi encontrado ali (v. Barthelemy). creviam num alfabeto bem diferente do hebraico qua-
Outro sítio, conhecido por Khirbet Mird, reve- drado. No entanto, sua escrita, como 0 hebraico, des-
lou materiais manuscritos. No dia 3 de abril de 1960, cendia de antigos caracteres paleo-hebraicos.
um fragmento de pergaminho (século 1 d.C.) do sal- Existem cerca de 6 000 divergências entre 0
mo 15 e parte do salmo 16 foram encontrados no Pentateuco samaritano e 0 texto massorético, a maioria
triviais. Em cerca de 1 900 casos 0 texto samaritano
uádi Murabbaat (v. Cass, p. 164).
concorda com a Septuaginta e não com 0 texto
Pentateuco samaritano. Os samaritanos prova-
massorético. Algumas das divergências foram
velmente se separaram dos judeus durante 0 século
introduzidas propositadamente pelos samaritanos
v ou iv a.C., depois de um longo e duro conflito reli-
para preservar suas tradições religiosas e dialéticas. O
gioso e cultural. Na época do cisma, suspeita-se que
texto massorético perpetua 0 dialeto e as tradições da
os samaritanos levaram consigo as Escrituras tal Judéia antiga.
como existiam e prepararam seu próprio texto revi- No início da era cristã uma tradução do Pentateuco
sado do Pentateuco. 0 Pentateuco samaritano não é samaritano foi feita para 0 dialeto aramaico dos
uma versão no sentido estrito, e sim uma porção samaritanos. Esse targum samaritano também foi tra-
manuscrita do texto hebraico. Contém os cinco li- duzido para 0 grego, chamado Samaritikon, que oca-
vros de Moisés e é escrito num estilo antigo de es- sionalmente era citado por Orígenes. Depois do sécu-
crita hebraica. Alguns dos manuscritos bíblicos mais 10 xi, várias traduções do Pentateuco samaritano fo-
antigos de Qumran usam essa escrita, já que ela foi ram feitas em árabe (Kahle, p. 51-7).
517 m anuscritos do Antigo Testamento

Outras descobertas importantes. Papiros Nash. En- Códice Leningrad(? dos Profetas (Kenyon, p. 85) ou 0
tre os manuscritos hebraicos mais antigos do a t , s o - Códice [s.] Petersburgo (Würthwein, p. 26). Contém
brevivem uma cópia danificada do Shem‘ (Dt 6.4-9) Isaías, Jeremias e os Doze. Data de 916, mas sua mai-
e dois fragmentos do Decálogo (Êx 20.2-17; Dt 5.6- or importância é que, por meio dele, a pontuação
21). Os papiros Nash datam do período entre 0 sécu- acrescentada pelos escribas da escola babilônica dos
10 11 a.C. e 0 século 1 d.C. massoretas foi redescoberta. É simbolizado por v
Orientales 4445. Orientales 4445, um manuscrito (ar)p na Bíblia Hebraica Stuttgartensia.
do Museu Britânico, é datado por Christian D. Ginsburg Códice Reuchlin dos profetas. Datado de 1105, 0
do período entre 820 e 850 d.C, com anotações acres- Códice Reuchlin agora está em Karlsruhe. Como 0
centadas um século depois. Mas Paul E. Kahle (v. manuscrito do Museu Britânico (c. 1150), contém
Würthwein, p. 18) argumenta que os textos uma recensão do texto de Ben Naftali, um massoreta
consonantais hebraicos e a pontuação (os pontos ou de Tiberíades. Estes têm sido de grande valor no
marcas de vogais acrescentados) são do século x. Pelo
estabelecimento da fidelidade do texto de Ben Asher
fato de 0 alfabeto hebraico consistir apenas em con-
(Kenyon, 36).
soantes, a escrita hebraica normalmente só apresenta
Códices de Erfurt. Os Códices de Erfurt (e1, e2, e3)
essas letras, com umas poucas letras usadas para re-
estão listados na Biblioteca da Universidade em
presentar alguns dos sons vocálicos. Marcas ou “pon-
Tübingen. Eles representam mais ou menos (mais em
tos” vocálicos foram desenvolvimento medieval. Esse
E3) 0 texto e a pontuação da tradição de Ben Naftali.
manuscrito contém Gênesis 39.20 até Deuteronômio
E l é um manuscrito do século x jv . e2 provavelmente é
1.33, exceto Números 7.47-73 e 9.12— 10.18.
Códice cairense. Um códice é um manuscrito em do século xm. e3, 0 mais antigo, data de antes de 1100
forma de livro com páginas. Segundo 0 colofão, ou (Würthwein, p. 26).
inscrição no final do livro, 0 Códice cairense foi es- Códices perdidos. Há uma quantidade significativa,
crito e pontuado com vogais em 895 por Moisés ben mas agora perdida, de códices cujas leituras peculiares
Asher em Tiberíades, na Palestina (ibid., p. 25). Con- são preservadas e mencionadas na Biblia hebraica
tém os Primeiros Profetas (Josué, Juizes, 1 e 2Samuel, stuttgartensia. O Códice Severi é uma lista medieval de
1 e 2Reis) e os Profetas Posteriores (Isaías, Jeremias, 32 variantes do Pentateuco, supostamente baseada num
Ezequiel e os Profetas Menores). É simbolizado por manuscrito trazido a Roma em 70 d.C que mais tarde 0
um c na Biblia Hebraica Stuttgartensia e é conside- Imperador Severo (222-235) deu a uma sinagoga que
rado 0 texto hebraico de maior autoridade baseado construiu. O Códice Hillel foi supostamente escrito em
na tradição do texto massorético. c. 600 pelo rabino Hillel ben Moisés ben Hillel. Acredita-
Códice Alepo. O Códice Alepo foi escrito por se que era procurado e que foi usado para revisar ou-
Shelomo ben Baya’a (Kenyon, p. 84), mas, segundo a tros manuscritos. Leituras desse manuscrito são cita-
anotação do colofão, foi pontuado por Moisés ben das por massoretas medievais e estão anotadas na Biblia
Asher (c. 930). É um códice-modelo, apesar de, por hebraica sttutgartensia (ibid., p. 27).
muito tempo, não ter sido permitido copiá-lo, e acre- N atureza dos m anuscritos. Tipos de erros nos
ditava-se até que havia sido destruído (Würthwein, manuscritos. Apesar de 0 texto oficial do at ser trans-
p. 25). Ele foi contrabandeado da Síria para Israel.
mitido com muito cuidado, era inevitável que cer-
Agora já foi fotografado e é a base da Nova Bíblia
tos erros de cópia aparecessem nos textos durante
hebraica publicada pela Universidade Hebraica
as centenas de anos de transmissão para milhares de
(Goshen-Gottstein, p. 13). Oferece autoridade autên-
manuscritos. Há vários tipos de erros de cópia que
tica para 0 texto de ben Asher.
produzem variantes textuais (Archer, p. 55-7).
Códice Leningrado. Segundo uma anotação de
cólofon, 0 Códice Leningrado ( l ) foi copiado no
• Haplografia é escrever uma palavra, letra ou
Cairo Antigo por Samuel ben Jacó em 1008, a partir
de um manuscrito (agora perdido) escrito por Aarão sílaba apenas uma vez quando deveriam ser escritos
ben Moisés ben Asher c. 1000 (Kahle, p. 110). Repre- mais de uma vez.
senta um dos manuscritos mais antigos da Bíblia • Ditografia é escrever duas vezes 0 que deveria
hebraica completa. Kittel 0 adotou por base para a ter sido escrito apenas uma.
terceira edição da sua Biblia Hebraica e continua a • Fissão é dividir uma palavra em duas palavras.
ser usado assim na Biblia Hebraica Stuttgartensia. • Flomofonia é a substituição de uma palavra por
Códice Babilônico dos Profetas Posteriores. O outra que é produzida como ela (e.g., “censo” e “senso” )
Códice babilônico (V (ar)p) às vezes é chamado de ou a leitura incorreta de letras de formas semelhantes.
m anuscritos do Antigo Testamento 518

• Homoteleuto é a omissão de uma passagem in- produto. Foi a reverência quase supersticiosa pela
termediária porque 0 olho do escriba pulou de uma Bíblia. Segundo 0 Talmude, havia especificações não
linha para outra palavra semelhante em outra linha. só para 0 tipo de peles a serem usadas e 0 tamanho
• Omissões acidentais ocorrem onde nenhuma das colunas, mas também havia até um ritual religi-
repetição está envolvida (e.g.,“ Tinha Saul [...] anos” oso que 0 escriba devia realizar antes de escrever 0
[cf. ISm 13.1], ou quando vogais são confundidas nome de Deus. Regras normatizavam 0 tipo de tinta
com consoantes. usada, ditavam 0 espaçamento das palavras e proi-
biam a escrita de qualquer coisa com base apenas
Regras para crítica textual. Os estudiosos desen- na memória. As linhas, e até as letras, eram contadas
volveram certos critérios para determinar qual lei- metodicamente. Se um único erro fosse encontrado
tura é correta ou original. Sete regras podem ser num manuscrito, ele seria descartado e destruído.
sugeridas (ibid., p. 59-61). Esse formalismo foi responsável, pelo menos em
parte, pelo cuidado extremo exercido na cópia das
1. A leitura mais antiga deve ter preferência, Escrituras. Também foi a razão de haver apenas al-
porque está mais próxima do original. guns manuscritos (porque as regras exigiam a des-
2. A leitura mais complexa deve ter preferên- truição de cópias defeituosas).
cia, porque os escribas são mais aptos a sim- Comparação de passagens duplicadas. Outra li-
plificar leituras complexas. nha de evidência a favor da qualidade dos manus-
3. A leitura mais sucinta deve ter preferência, critos do at é encontrada na comparação das passa-
porque copistas estavam mais aptos a inserir gens duplicadas do próprio texto massorético. Al-
novo material que omitir parte do texto sa- guns trechos dos salmos aparecem duas vezes (e.g.,
grado. 14 e 53); grande parte de Isaías 36-39 também é en-
4. A leitura que explica melhor as outras varian- contrada em 2Reis 18-20; Isaías 2.2-4 é quase exata-
tes deve ter preferência. mente idêntico a Miquéias 4.1-3; Jeremias 52 é uma
5. A leitura com maior evidência geográfica deve repetição de 2Reis 25; e grandes porções de Crôni-
ter preferência, porque é menos provável que cas são encontradas em Samuel e Reis. Uma análise
tais manuscritos ou versões tenham-se influ- dessas passagens demonstra não só uma forte con-
enciado mutuamente. cordância textual, mas, em alguns casos, quase iden-
6. A leitura que é mais parecida com 0 estilo tidade entre os textos. Pode-se concluir, portanto,
normal do autor deve ter preferência. que os textos do at não sofreram revisões radicais,
7. A leitura que não reflete um preconceito doutri- mesmo supondo-se que essas passagens semelhan-
nário deve ter preferência (Würthwein, p. 80-1). tes tiveram fontes idênticas.
Evidência da arqueologia. Uma prova substanci-
Q ualidade dos m anuscritos. Várias razões foram al a favor da precisão do texto do at vem da arqueo-
sugeridas para a relativa escassez de manuscritos logia. Várias descobertas confirmaram a precisão
hebraicos antigos. A primeira e mais óbvia é a combi- histórica dos documentos bíblicos, até 0 uso ocasi-
nação de antigüidade e destrutibilidade; dois a três mil onal de nomes obsoletos de reis estrangeiros. Essas
anos é muito tempo para esperar que documentos an- confirmações arqueológicas da precisão das Escri-
tigos durem. No entanto, várias linhas de evidência apói- turas foram registradas em vários livros (v. arqueo-
am a conclusão de que sua qualidade é muito boa. logia do Novo T estamento; arqueologia do A ntigo T es-
Leituras variantes. Há poucas variantes nos textos tamento). O arqueólogo Nelson Glueck afirma: “ Pode-
disponíveis porque os massoretas destruíam siste- se dizer categoricamente que nenhuma descoberta
maticamente os manuscritos antigos depois de se- arqueológica jamais contestou uma referência bí-
rem cuidadosamente copiados. Kenyon ilustra a es- blica. Várias descobertas arqueológicas foram feitas
cassez de variações no texto massorético pela compa- que confirmam em geral ou especificamente afir-
ração entre 0 Códice de Leningrado dos Profetas, da mações históricas na Bíblia” (Glueck, p. 31).
tradição babilônica ou oriental, com 0 texto A Septuaginta e 0 texto massorético. A Septuaginta
palestinense padrão (ocidental) de Ezequiel. No texto foi a Bíblia de Jesus e dos apóstolos. A maioria das
ocidental 0 texto massorético às vezes está corrompi- citações do nt são tiradas dela diretamente, mesmo
do. Mas há apenas dezesseis conflitos reais entre os quando seu texto difere do texto massorético. No
dois textos (Kenyon, p. 45,70-2). geral, a Septuaginta se assemelha muito ao texto
Reverência dos judeus pelas Escrituras. Não foi massorético e é uma confirmação da fidelidade do
apenas a precisão dos escribas que garantiu seu texto hebraico do século x.
519 m anuscritos do Antigo Testamento

Se nenhuma outra evidência estivesse disponí- questão de ortografia; 4, de mudanças de estilo, e


vel, 0 argumento a favor da fidelidade do texto as outras 3 compõem a palavra que significa “ luz”
massorético poderia ser aceito confiantemente com (acrescentada no v. 1 1 ), que não afeta muito 0 sig-
base nas comparações textuais e compreensão do nificado (Harris, p. 124). Além disso, essa palavra
extraordinário sistema dos escribas. Mas, com a des- também é encontrada no mesmo versículo na
coberta dos manuscritos do m ar M o rto , começando em Septuaginta e no rolo de Isaías a .
1947, há demonstração quase esmagadora do texto Conclusão. Os milhares de manuscritos hebraicos,
hebraico recebido dos massoretas. Críticos do texto com sua confirmação pela Septuaginta e pelo Pentateuco
massorético alegaram que os manuscritos são poucos samaritano, e as várias outras comparações de fora e
e recentes. Por meio dos manuscritos do mar Morto, de dentro do texto dão apoio surpreendente à
fragmentos de manuscritos antigos confirmam quase confiabilidade do texto do at. Logo, é apropriado con-
todo 0 at. Essas confirmações datam de quase mil anos cluir com a afirmação de Kenyon: “O cristão pode pe-
antes dos grandes manuscritos massoréticos do século gar a Bíblia toda na mão e dizer sem medo nem hesita-
x. Antes das descobertas na guenizá do Cairo e das ca- ção que segura a verdadeira palavra de Deus, passada
vernas do mar Morto, 0 papiro Nash (um fragmento sem perda essencial de geração a geração ao longo dos
dos Dez Mandamentos e Sk'ma‘, Dt 6.4-9), datado entre séculos” .
150 e 100 a.C., era 0 único fragmento conhecido do Como 0 texto do at relaciona-se de maneira fun-
texto hebraico a era cristã. damentalmente com a apologética cristã, sua confia-
Concordância com 0 Pentateuco samaritano. bilidade apóia a fé. Isso é verdadeiro não só no esta-
Apesar das muitas variantes pequenas entre 0 belecimento das datas em que previsões sobrenatu-
Pentateuco samaritano e 0 texto hebraico do a t, rais foram feitas sobre 0 Messias, como também na
há concordância substancial entre eles. As 6 000 confirmação da historicidade do at que Jesus e os
variantes do texto massorético são em grande autores do nt afirmaram (v. Bíblia, evidências da; Bíblia,
parte diferenças de ortografia e variação cultural visão de Jesus sobre a ).
de palavras. Dessas, 1 900 variações concordam
com a Septuaginta (p. ex., nas idades dadas aos Fontes
patriarcas em Gn 5 e 11). Algumas variantes do
]. M. A lleg ro , The treasure o f the copper scroll, 2J ed.
Pentateuco samaritano são sectárias, tais como 0
rev.
mandamento de construir 0 templo no monte
G. L. A r c h e r , ]{.,Merece confiança 0 Antigo Testa-
Gerizim, não em Jerusalém (e.g., após Êx 20.17).
mentoí, Apêndice 4.
No entanto, deve-se observar que a maioria dos
D. B a r t h e l e m ‫ !־‬e J. T. λΙίΕΐκ, Ten y ea rs o f discovery in
manuscritos do Pentateuco samaritano são recen-
the ju dean w ilderness.
tes (séculos xm e xiv) e nenhum é de antes do
século x (Archer, p. 42-3). Mas 0 Pentateuco
T. S. Cass, Secrets from the caves.

samaritano ainda confirma 0 texto geral do qual


K. E1.lic .e r e W. R u d o l p h , orgs., B iblia hebraica
stuttgartensia.
divergiu centenas de anos antes.
X. L. G e i s l e r , “ Bible manuscripts” , em Wycliffe Bible
Comparação com os manuscritos do mar Morto.
Encyclopedia
Com a descoberta dos manuscritos do mar Morto,
____e W. E. Xix, Introdução bíblica.
os estudiosos têm manuscritos hebraicos mil anos
X. G l u e c k , Rivers in the d esert: a history o f the Negev.
mais antigos que os grandes manuscritos do texto
M. G o s h e n - G o c t s t e in , “ Biblical manuscripts in the
massorético, capacitando-os a conferir a fidelida-
United States” , Textus 3 (1962).
de do texto hebraico. Eles são idênticos em mais
R. L. El a r r is , Inspiration a n d canonicity.
de 95% dos casos, e a variação de 5% consiste em
grande parte de caligrafia e ortografia (ibid., p. 24). P. E. K ahi f , The C airogen iza.

O rolo de Isaías (lQ Is ‫ )־‬de Qumran levou os tradu- F. G . K en yo n , Our B ible a n d the ancient m anuscripts.

tores da versão americana Revised standard version R. K it t e l e P. K ah le, orgs., B íblia hebraica, I 1 ed.

a optar por fazer apenas 13 mudanças do texto M .M a n so o r, The D ead Sea scrolls

massorético; 8 delas eram conhecidas com base ]. C. TRE\‫׳‬ER,“ The discovery of the scrolls” , Biblical

em versões antigas, e poucas delas foram significa- Archaeologist 11 (Sep. 1948)

tivas (Burrows,p. 305ss.). Das 166 palavras hebraicas G. V erm es, trad., The D ead Sea scrolls in english.

em Isaías 53, apenas 17 letras hebraicas no rolo E. U ' u r t h w e in , The text of the Old Testament: an

Isaías b diferem do texto massoreta. Dez letras são introduction to the B iblia H ebraica.
Maomé, caráter de 520

Maomé, caráter de. A maioria dos estudiosos do relacionamentos de Maomé com suas esposas são
islamismo reconhece que Maomé era geralmente um argumento contra a poligamia. As esposas che-
uma pessoa de boa conduta moral. Muitos muçul- garam ao ponto de conspirar contra ele. Isso é com-
manos insistem em que ele estava acima do pecado preensível, pois Maomé geralmente ignorava algu-
e que foi 0 perfeito exemplo moral. Afirmam que mas de suas esposas e evitava outras em várias oca-
Maomé “é, na história, 0 melhor modelo de piedade siões (ibid., p. 436). Ele acrescenta:
e perfeição para 0 homem. É a prova viva do que 0
homem pode ser e do que pode realizar no âmbito Realmente, 0 favoritismo por algumas de suas esposas
da excelência e virtude” (Abdalati, p. 8). Isso, dizem, criou tamanha controvérsia eantagonismo entre as“Mães dos
é uma prova importante de que Maomé é 0 profeta Crentes” que Maomé pensou emse divorciar de algumas delas
singular de Deus (Pfander, p. 225-6). (ibid., p. 437).
Um clássico popular islâmico de Kamal ud-Din
ad-Damiri assim descreve do profeta Maomé: Tudo isso fica aquém da situação moral exem-
piar em princípio e prática.
Maomé é0 mais favorecido doshomens, 0 mais honradode Mesmo que a poligamia, como ensinada no Al-
todos os apóstolos, 0 profeta da misericórdia [...] É 0 melhor corão, for considerada moralmente correta, perma-
dos profetas, esuanação éa melhor das nações; [...] perfeitoem nece outro problema sério. Maomé recebeu uma re-
intelecto, efoi deorigemnobre. Tinha uma forma absolutamen- velação de Deus de que 0 homem não deveria ter
tegraciosa, generosidadecompleta, bravuraperfeita, humildade mais que quatro esposas ao mesmo tempo, entre-
excessiva, conhecimento útil [...] perfeito temor a Deus epieda- tanto ele tinha muitas outras. Um defensor muçul-
de sublime. Foi 0 mais eloqüente e0 mais perfeito dos homens mano de Maomé, ao escrever em Theprophet ofIslam
emtoda variedade de perfeição (Gudel, p. 72). as the ideal husband [O profeta do Islã como 0 mari-
do ideal], admitiu que ele teve quinze esposas. Mas
A valiação d o c a rá te r d e M a o m é. Poligamia. Exis-
dizia aos outros que só podiam ter quatro. Como
tem áreas, contudo, em que surgem questões sobre a
alguém pode ser 0 exemplo moral perfeito e não
perfeição moral de Maomé. A primeira é a questão
viver segundo uma das leis básicas que estabeleceu
da poligamia. Segundo 0 Alcorão, um homem pode
para os outros como proveniente de Deus?
ter quatro esposas (Surata 4.3). Isso levanta duas ques-
A resposta islâmica não é convincente. Maomé
tões: A poligamia é correta do ponto de vista moral?
recebeu uma “ revelação” de que Deus lhe havia con-
Maomé seguiu a própria lei?
cedido uma exceção, mas para mais ninguém. Ele
Na tradição judaico-cristã, a poligamia é consi-
cita Deus dizendo: “ Ó Profeta, em verdade, torna-
derada moralmente errada. Apesar de Deus tê-la
mos lícitas, para ti as esposas que tenhas dotado,
pemitido, assim como outras fraquezas e pecados
assim como as que a tua mão direita possui [...] bem
humanos, jamais a aprovou (v. poligamia). O Alcorão,
como toda a mulher crente que se oferecer ao pro-
no entanto, claramente aprova a poligamia, permi-
feta, por gosto, e uma vez que 0 Profeta queira
tindo que 0 homem tenha até quatro esposas, se for
desposá-la; este é um privilégio exclusivo teu, vedado
capaz de cuidar delas. A Surata 4.3 declara: “ Podereis
aos demais crentes” {Surata 33.50).
desposar duas, três ou quatro das que vos aprouve ” .
Além disso, os muçulmanos acreditam (basea-
Sem pressupor a verdade da revelação cristã, há
argumentos contra a poligamia do ponto de vista mo- dos na Surata 4.3 b e outros ensinamentos) que po-
ral comum a muçulmanos e cristãos. A monogamia dem ter um número ilimitado de concubinas, prin-
deve ser reconhecida por precedente, já que Deus deu ao cipalmente entre as que conquistam durante a guer-
primeiro homem apenas uma esposa (Eva). Ela é su- ra. Isso era, sem dúvida, uma motivação poderosa
bentendida por proporção, já que 0 número de homens para 0 sucesso no campo de batalha.
e mulheres que Deus traz ao mundo é mais ou menos Maomé também reivindicou uma isenção divina
equivalente. E a monogamia é sugerida pela paridade. para outra lei que dá a cada esposa seus justos direitos
Se os homens podem casar-se com várias mulheres, conjugais. Os maridos deveriam seguir uma alternância
parece justo que a mulher possa ter vários maridos. fixa entre suas esposas. Maomé insiste em que Deus
Até 0 biógrafo Muhammad Husayn Haykal reco- lhe disse que ele poderia ter quem quisesse quando
nheceu implicitamente a superioridade da monogamia quisesse: “ Podes prescindir (quando da vez) delas, as
quando afirmou que “a felicidade da família e da co- que desejares e tomar as que te agradarem; e se dese-
munidade pode ser mais bem servida pelas limita- jares tomar de novo a qualquer delas que tiveres pres-
ção que a monogamia impõe” (p. 294). Os próprios cindido (quando da vez dela), não terás culpa alguma”
521 Maomé, caráter de

(33.51). Aparentemente até Deus teve de frear 0 amor pertence a ela — uma realização da qual apenas Maomé já foi
de Maomé pelas mulheres. Pois ele finalmente rece- capaz (Haykal, p. 298).
beu uma revelação que dizia: “Além dessas não te será
permitido casares com outras, nem trocá-las por ou- Outro autor muçulmano afirma: “ O islamismo
tras mulheres, ainda que suas belezas te encantem...” deu à mulher direitos e privilégios que ela jamais
(33.52). Uma observação dos fatos da luxúria e incoe- teve em outras religiões ou sistemas constitucio-
rência de Maomé cria dúvidas quanto à sua condição nais” (Abdalati, p. 184).
de exemplo moral perfeito e marido ideal. Imperfeição moral de Maomé. Maomé estava lon-
0 tratamento das mulheres. 0 Alcorão e 0 hadith ge de ser perfeito. Até 0 Alcorão fala de sua necessi-
concedem uma condição inferior às mulheres. 0 nível dade de pedir perdão a Deus. Na Surata 40.55, Deus
superior dos homens é baseado diretamente em man- lhe disse: “ Persevera, pois, porque a promessa de
damentos do Alcorão. Como foi observado, os homens Allah é infalível; implora 0 perdão da tuas faltas...” .
podem casar-se com quatro esposas (poligamia), mas Claramente 0 perdão devia ser pedido pelos própri-
as mulheres não podem ter vários maridos. A Surata os pecados, não pelos de outros (v. tb. 48.2).
2.228 dá explicitamente aos homens 0 direito de se di- Sobre uma dessas ocasiões, Haykal disse incisiva-
vorciar de suas esposas, porém não dá 0 direito igual às mente: “Maomé realmente errou quando rejeitou 0
mulheres, afirmando que “ [têm] um grau a mais sobre [mendigo cego] Ibn Umm Maktum e 0 expulsou [...]
elas” (2.228). nesse caso ele [Maomé] foi tão falível quanto qual-
Maomé sancionou 0 espancamento de uma serva quer pessoa” (p. 134). Dessa forma, fica difícil acredi-
para que ela dissesse a verdade. “A serva foi chamada tar que Maomé possa ser tão louvado. Por melhor que
e Ali imediatamente a agarrou e espancou dolorosa e a moral de Maomé tenha sido em comparação à de
repetidamente enquanto mandava que dissesse a ver- outros de sua época, ele não conseguiu ser 0 exemplo
dade para 0 Profeta de Deus” (Haykal, p. 336). Segundo perfeito para todos os povos de todas as eras que mui-
0 Alcorão, os homens podem bater em suas mulhe- tos muçulmanos afirmam que foi. Ao contrário do
res. A Surata 4.34 declara: “Os homens são proteto- Jesus dos evangelhos, ele certamente não tentaria de-
res das mulheres, porque Allah dotou uns com mais safiar seus inimigos com a pergunta: “Qual de vocês
(força) do que as outras [...] Quanto àquelas de quem pode me acusar de algum pecado?” (Jo 8.46).
constatais rebeldia, admoestai-as (na primeira vez), Guerras santas. Maomé acreditava na “guerra san-
abandonai os seus leitos (na segunda vez) e castigai- ta” (ou jihad). Por revelação divina, ele ordenou aos
as [batei nelas] (na terceira vez)” . Yusuf Ali tenta seus seguidores: “ Combatei pela causa de Allah”
amenizar esse versículo acrescentando “suavemen- (2.244). Acrescentou: “Matai os idólatras onde quer
te” , palavra não encontrada no árabe. que os acheis” (9.5). E: “E quando vos enfrentardes
As mulheres muçulmanas devem usar um véu, an- com os incrédulos (em batalha), golpeai-lhes os pes-
dar atrás dos maridos e ajoelhar-se atrás deles em ora- cocos” (47.4). Em geral, os muçulmanos deviam com-
ção. Duas mulheres devem testemunhar em contratos bater “os que não crêem nem em Allah é no Dia do
civis no lugar de um homem (Abdalati, p. 189-91). Juízo Final” (9.29). Na realidade, 0 Paraíso é prometi-
Em um hadith encontrado no Sahih Al-Bukhari, do para os do Juízo Final que lutam por Deus. A Surata
existe a seguinte narrativa, que descreve a condição 3.195 declara: “Quanto àqueles que foram expulsos
inferior das mulheres: dos seus lares e migraram, e sofreram pela Minha
causa, combateram e foram mortos, absolvê-los-ei
Narrado [por] Ibn'Abbas: 0 Profetadisse:“ Foi-me mos- dos seus pecados e os introduzirei em Jardins [...]
trado 0 inferno e que a maioria de seus habitantes eram mu- como recompensa de Allah. Sabei que Allah possui a
lheres ingratas” . Perguntaram: “ Elas não crêem em A lá?” melhor das recompensas” (v. tb. 2.244 e 4.95). Essas
(ou são ingratas a Alá?) Ele respondeu: “ Elas são ingratas a “guerras santas” foram realizadas “pela causa de Allah”
seus maridos e são ingratas pelos favores e pelo bem (ações (v. Sura 2.244) contra “descrentes” .
caridosas) feitos a elas” (Bukhari, 1.29). A Surata 5.33 declara que “0 castigo, para aqueles
que lutam contra Allah e contra 0 Seu Mensageiro, e
A luz dessas afirmações, parece incrível ouvir semeiam a corrupção na terra, é que sejam mortos, ou
apologistas muçulmanos dizer em: crucificados, ou lhes seja decepada a mão e 0 pé de
lados opostos, ou banidos” . Reconhecendo que esse
Evidentemente, Maomé não só honrava a mulher mais que castigo é adequado, dependendo das “circunstâncias” ,
qualquer outro homem, mas elevou-a ao status que realmente Ali oferece pouco consolo quando escreve que as
Maomé, caratér de 522

formas mais cruéis de tratamento árabe aos inimigos, Vingança. Em pelo menos duas ocasiões, Alaomé
tais como “ furar os olhos e deixar a vítima infeliz ex- ordenou 0 assassinato de pessoas que escreveram po-
posta ao sol tropical” , foram abolidas! (Ali, p. 252,738). emas que zombavam dele. Essa reação exagerada ex-
Tal guerra e perseguição por parte de inimigos por tremamente sensível à zombaria é defendida por
motivos religiosos — não importando os meios — é Haykal:
vista pela maioria dos críticos como intolerância re-
ligiosa. A luz dessas ordens claras de usar a espada Para um homem como .Maomé, cujo sucesso dependia em
agressivamente para difundir 0 islamismo e a prática grande parte da estima que conseguisse conquistar, uma com-
islâmica durante séculos, afirmações de que “essa posição satírica e maliciosa poderia ser mais perigosa que uma
guerra é travada apenas para a liberdade de convocar batalha perdida (Gudel, p. 74).
os homens para se achegarem a Deus e sua religião”
soam falsas (v. Haykal, p. 212). Mas essa é uma ética pragmática do tipo “0 fim
Conveniência moral Maomé sancionou 0 saquea- justifica os meios” .
mento das caravanas comerciais de .Meca por seus Apesar de os “ muçulmanos sempre se oporem à
seguidores (Haykal, p. 357s.). O próprio profeta lide- morte de mulheres e crianças” , Haykal diz que “uma
rou três ataques. Sem dúvida 0 propósito desses ata- mulher judia foi executada porque matou um muçul-
ques não era apenas obter recompensa financeira, mano ao derrubar uma mó sobre sua cabeça” (p. 314).
mas também mostrar ao povo de Meca 0 poder cres- Em outra ocasião, duas escravas que supostamente ha-
cente da força muçulmana, üs críticos do islamismo viam cantado contra Maomé foram executadas com
questionam essa pirataria. Tais ações obscurecem a seu mestre (p. 410). Quando uma mulher, Abu ’Aík, foi
suposta perfeição moral de Maomé. acusada de insultar Maomé (por meio de um poema),
Em outra ocasião, Maomé aprovou a mentira de um dos seguidores de Maomé
um seguidor a um inimigo chamado Khalid para
matá-lo. Então, na presença das esposas do homem, a atacou durante a noite enquanto estava cercada por seus
“0atacou com sua espada e 0 matou. As esposas de filhos, um dos quais ela amamentava [...] Depois de tirar a cri-
Khalid foram as únicas testemunhas e começaram a ança de sua vítima, ele a matou (Haykal, p. 243).
chorar e se lamentar por ele” (Haykal, p. 273).
Em outras ocasiões, Maomé não teve aversão a O zelo com que os seguidores de Maomé mata-
assassinatos politicamente convenientes. Quando um vam por ele era infame. Haykal registra as palavras de
judeu importante, Ka’b Ibn Al-Ashraf, criou uma dis- um devoto que teria matado sua filha se Maomé or-
córdia contra Maomé e compôs um poema satírico denasse. Umar ibn al Khattab declarou tanaticamen-
sobre ele, 0 profeta perguntou: “ Quem me livrará de te: “ Por Deus, se [Maomé] pedisse para cortar a ca-
Ka’b?” . Imediatamente quatro voluntários se dispu- beça dela, eu 0 faria sem hesitar” ( Haykal, p. 439).
seram e logo voltaram para Maomé com a cabeça de Crueldade. Maomé atacou a última tribo judaica
Ka’b nas mãos (Gudel, p. 74). Haykal reconhece mui- de Medina por suspeitar de que haviam conspirado
tos assassinatos desse tipo no seu livro The life of com os inimigos de Meca contra os muçulmanos.
Muhammad [A vida de Maomé}. Sobre um deles, es- Ao contrário das duas tribos judaicas anteriores que
creveu: “0 Profeta ordenou a execução de Uqbahibn foram apenas expulsas da cidade, dessa vez todos os
Abu Muyat. Quando Uqbah implorou: ‘Quem cuida- homens da tribo foram mortos, e as mulheres e cri-
rá dos meus filhos, ó Maomé?’, Maomé respondeu: anças, vendidas como escravas. Alguém tentou jus-
Ό fogo” ’ (p. 234; v. 236,237,243). tificar isso, dizendo que
0 próprio Alcorão nos informa que Maomé não
era imune a mentiras quando as considerava vanta- é preciso examinar a crueldade de Maomé contra os ju-
josas. Ele até teve uma “revelação” para desfazer uma deus à luz de que seu desprezo e rejeição em relação a ele foram
promessa antiga de evitar matar durante 0 mês sa- a maior decepção da vida do profeta, e por um tempo ameaça-
grado de peregrinação: “ Perguntam-te se é lícito ram destruir completamente sua autoridade profética (Andrae,
combater no mês sagrado. Dize-lhes: A luta durante p. 155-6).
este mês é um grave pecado’” (2.217).
Novamente: “Allah ordenou a todos vós a disso- Seja como for, isso justificaria matar os homens
lução dos vossos juramentos (em alguns casos)...” e vender as mulheres e crianças? E esse tipo de ativi-
(66.2). Em vez de coerência, a vida moral de Maomé dade é exemplar para uma pessoa que supostamen-
às vezes era caracterizada por conveniência. te tem um caráter moral perfeito?
523 Maomé, supostas predições bíblicas

Apesar dessa evidência contra Maomé, um de- 1. 0 a t e 0 x t contêm profecias claras sobre ele;
fensor do islamismo responde que, mesmo se “suas 2. 0 chamado de Maomé para ser profeta foi
alegações fossem verdadeiras, ainda assim as refu- milagroso ( v . M a o m í : , s l p o s i o c h a m a d o d i v i n o d t ,) ;

taríamos com 0 simples argumento de que os gran- 3. a linguagem e 0 ensinamento do Alcorão são in-
des estão acima da lei” (Haykal, p. 298)! comparáveis ( v .A iw r à o , m t o s t a o r i g e m d iv i n a d o ) ;

C onclusão. Os muçulmanos fazem afirmações ex- 4. os milagres de Maomé são um selo de suas
traordinárias sobre 0 caráter de Maomé, chegando reivindicações (v. M aomí, s c p o s t o s m i l a c r l s d e ) ;
até a atribuir perfeição moral a ele. No entanto, 0 re- 5. sua vida e caráter provam que ele foi 0 último
gistro de Maomé, mesmo no Alcorão e na tradição e 0 maior dos profetas (v. M aümé, c a r á t e r d e ) .
muçulmana {H adith), está aquém dessas afirmações.
Apesar de ser uma pessoa geralmente de boa conduta P ro fe c ia s b íb lic a s . No livro islâmico popular,
moral em seus afazeres diários, Maomé ensinou, apro- Muhammad in the Bible [Maomé na Bíblia ], Abdu-
vou e participou de atividades moralmente imperfei- Ahad Dawud argumenta que a Bíblia prevê a vinda
tas. Não há evidência de que tenha sido moralmente do profeta Maomé. Ele afirma que “ Maomé é 0 ob-
superior ao ser humano comum. Na verdade, há evi- jeto real da Aliança, e somente nele são cumpridas
dência do contrário. Em comparação, a vida de Cristo real e literalmente todas as profecias no at” (11).
foi impecável (v. C risto, singularidade de). Ele examina 0 n t , considerando Maomé, não Cris-
to, 0 profeta anunciado. Os textos que Dawud e
Fontes outros muçulmanos usam para apoiar essas afir-
H . A b d a i.a ii, Islam in focus. mações incluem:
S. Al-Bukh a r i , The translation o f the m ean ings o f Deuteronômio 18.15-18. Deus prometeu a Moisés:
Sahih A l-B ukhari. “ Levantarei [a Israel] do meio dos seus irmãos um
Y. Ali, The holy Qur'an. profeta como você; porei minhas palavras na sua boca,
T. A x d r a f , M oh am m ed : the m an a n d his faith. e ele lhes dirá tudo 0 que eu lhe ordenar” (v. 18).
A . D .u v i π, M u h a m m a d in the Bible. Os muçulmanos acreditam que essa profecia é
N . L . G e is l e r e A . S a l e e b , A nsw ering Islam . cumprida em Maomé, assim como 0 Alcorão afirma
J. P. G l t ie e , To every muslim an answer. quando se refere ao “ Profeta iletrado, 0 qual encon-
Μ . H . H a y k a e , The life o f M uham m ad. tram mencionado em sua Torá e seu Evangelho...”
C. G . P e a x d e r, The m izanu’l h a q q [ The b alan ce o f (Surata 7.157).
truth}. Alas essa profecia não poderia ser uma refe-
M . A . R a i /1 , Islam: creed and worship. rência a Maomé. Primeiro, é evidente que 0 termo
D. ]. S a h a s , The G reek o rth od ox th eolog ical review , “ irmãos” significa compatriotas israelitas. Foi dito
27.2,3. aos levitas judeus na mesma passagem que eles “ não
A . S c h lm m e l e A . F a i .atl r i , o rg s ., We believe in on e God. terão herança alguma entre os seus compatriotas”
(v. 2). Já que 0 termo “ irmãos” refere-se a Israel,
Maomé, supostas predições bíblicas a respeito não a seus adversários árabes, por que Deus levan-
de. Maomé (570-632) afirmou ser 0 último dos pro- taria para Israel um profeta dentre seus inimigos?
fetas de Deus, 0 auge das palavras proféticas de Em outra passagem de Deuteronômio, 0 termo ir-
Deus à humanidade, 0 selo dos profetas (Surata mãos também significa compatriotas israelitas, não
33.40). Num hadith (tradição oral muçulmana) mui- estrangeiros. Deus mandou os judeus escolherem
to conhecido, Maomé afirma sua singularidade des- um rei “dentre os seus próprios irmãos” , não um
ta forma: “ Recebi permissão para interceder; tui estrangeiro (Dt 17.15). Israel jamais escolheu para
enviado para toda a humanidade; e os profetas fo- si um rei não-judeu, apesar de os reis herodianos,
ram selados comigo” (Schimmel, p. 62). O que ele que eram estrangeiros, terem sido impostos a Is-
disse foi mais tarde escrito no A lcorão, que é consi- rael por Roma.
derado pelos muçulmanos a Palavra verbalmente Assim, Maomé veio de Ismael, como os muçul-
inspirada e inerrante de Deus. Como último profeta, manos admitem, e herdeiros ao trono judaico vie-
Maomé foi superior a Abraão, Moisés, Jesus e outros ram de Isaque. Segundo a Torá, quando Abraão orou:
como 0 profeta de Deus. “ Permite que Ismael seja 0 meu herdeiro!” , Deus
A apologética islâmica segue várias linhas de ra- respondeu enfaticamente: “A minha aliança, eu a
ciocínio para provar a superioridade de Maomé so- estabelecerei com Isaque” (G 11 17.18,21). Mais tarde,
bre os profetas anteriores. As principais provas são: Deus repetiu: “ Será por meio de Isaque que a sua
Maomé, supostas predições bíblicas 524

descendência há de ser considerada” (Gn 2 1 .1 2 ). 0 de Israel, ela dificilmente teria sido uma bênção
próprio A lcorão afirma que a linhagem profética veio para Israel. Na verdade, 0 capítulo mais tarde apre-
por Isaque, não por Ismael: “ E 0 agraciamos com senta uma bênção a cada tribo de Israel dada por
Isaac e Jacó; e designamos, para a sua prole, a profe- Deus, que expulsará "0 inimigo” (v. 27).
cia e 0 livro...” (Surata 29.27). 0 teólogo muçulmano D eu teron ôm io 34.10. Esse versículo afirma que
Yusuf Ali acrescenta a palavra A braão e muda 0 sig- “ Em Israel nunca mais se levantou proteta como
nificado da seguinte maneira: “ Demos a Abraão, Moisés” . Os muçulmanos argumentam que isso prova
Isaque e Jacó, e depositamos na sua descendência 0 que 0 profeta previsto não poderia ser um israelita,
dom da profecia e revelação” . Ao acrescentar Abraão, mas teria sido Maomé.
0 pai de Ismael, ele pode incluir Maomé, um descen- No entanto, 0 “nunca mais” significa desde a mor-
dente de Ismael, na linhagem profética! Mas 0 nome te de Moisés ate 0 tempo em que esse último
de Abraão não se encontra no texto árabe do A lco- versículo foi escrito, provavelmente por Josué. Mes-
rão, que os muçulmanos consideram estar perfeita- mo que Deuteronômio tivesse sido escrito bem de-
pois, como alguns críticos acreditam, teria sido com-
mente preservado.
posto muitos séculos antes da época de Cristo e não
Jesus, não Maomé, cumpriu completamente esse
0 eliminaria como cumprimento dessa profecia.
versículo. Ele veio de seus irmãos judeus (v. G1 4.4).
Como observado acima, Jesus foi 0 cumprimento
Cumpriu Deuteronômio 18.18, pois “ele lhes dirá tudo
perfeito dessa predição sobre 0 futuro profeta. Uma
0 que eu lhe ordenar” . Jesus disse: “Nada faço de mim
razão por que 0 texto não poderia se referir a Maomé
mesmo, mas falo exatamente 0 que 0 Pai me ensinou”
é que 0 futuro profeta seria semelhante a Moisés “e
(Jo 8.28). E: “ Pois não falei por mim mesmo, mas 0 Pai
que fez todos aqueles sinais e maravilhas que 0 Se-
que me enviou me ordenou 0 que dizer e 0 que falar”
nhor 0 tinha enviado para fazer” (Dt 34.11). 0 pró-
(Jo 12.49). Ele se denominou “profeta” (Lc 13.33), e 0
prio Maomé confessou que não fez milagres e prodí-
povo 0 considerava profeta (Mt 21.11; Lc 7.16; 24.19;
gios, como Moisés e Jesus (v. Surata 2.118; 3.183). Fi-
Jo 4.19; 6.14; 7.40; 9.17). Como Filho de Deus, Jesus foi
nalmente, 0 futuro profeta seria como Moisés, que
profeta (falando aos homens por Deus), sacerdote (Hb
falou com Deus “ face a face” (Dt 34.10). Maomé afir-
7— 10, falando a Deus pelos homens) e rei (reinando
mou receber suas revelações por meio de um anjo (v.
sobre os homens por Deus, Ap 19 e 20). Sura 25.32; 17.105). Jesus, como Moisés, foi 11111 medi-
Outras características do “ Profeta” por vir só se ador direto (U m 2.5; Hb 9.15), que se comunicou di-
aplicam a Jesus. Entre elas estão falar com Deus “ face retamente com Deus (v. Jo 1.18; 12.49; 17). Assim, a
a face” e fazer “sinais e prodígios” , que Maomé ad- predição não poderia se referir a Maomé, como mui-
mitiu que não fez (v. adiante). tos muçulmanos afirmam.
D eu teron ôm io 33.2. Muitos teólogos islâmicos H a b a cu q u e 3.3. 0 texto declara que “ Deus veio
acreditam que esse versículo prevê três visitações de Temã, 0 Santo veio do monte Parã. Sua glória co-
de Deus — uma no “ Sinai” para Moisés, outra em briu os céus e seu louvor encheu a terra” . Alguns teó-
“ Seir” por meio de Jesus, e uma terceira em “ Parã” logos muçulmanos acreditam que a passagem se re-
(Arábia), por intermédio de Maomé, que veio a Meca fere ao profeta Maomé vindo de Parã (Arábia), e a
com um exército de dez mil soldados (“ miríades” ). usam juntamente com um texto semelhante em
Essa alegação pode ser respondida facilmente Deuteronômio 33.2.
pelo exame de um mapa da área. Parã e Seir ficam Como já foi comentado (sobre Dt 33.2), Parã fica
perto do Egito, na península do Sinai (v. Gn 14.6; Nm a centenas de quilômetros de Meca, para onde foi
10.12; 12.16— 13.3; Dt 1.1), não na Palestina, onde Maomé. Além disso, 0 versículo está falando de Deus,
Jesus ministrou. Parã fica no nordeste do Sinai, a não de Maomé, que negou ser Deus. Finalmente, o
centenas de quilômetros de Meca. “louvor” não poderia se referir a Maomé (cujo nome
Mais significativo ainda, esse versículo está fa- significa “ louvado” ), já que 0 sujeito de “ louvor” e
lando da vinda do “ Sf.xhor” , não de !Maomé. E ele está “glória” é Deus, e os muçulmanos seriam os primei-
vindo com “ miríades de santos'\ não com 10 mil ros a reconhecer que Maomé não é Deus e não deve
sold ad os, como Maomé. ser louvado como tal.
Essa profecia é considerada “bênção com a qual Salm os 45.3-5. Como essa passagem fala de alguém
Moisés, homem de Deus, abençoou os israelitas an- que vem com a “espada" para dominar seus inimigos,
tes da sua morte” (v. 1). Se fosse uma previsão sobre os muçulmanos às vezes 0 citam como predição do
0 islamismo, que tem sido um inimigo constante profeta Maomé, que era conhecido como “0 profeta
525 Maomé, supostas predições bíblicas

da espada” . Eles insistem em que 0 texto não poderia que 0 homem que João proclamou deixaria Jerusa-
se referir a Jesus, já que ele não veio com uma espada, lém e seu templo mais gloriosos (v. Ag 2.8,9; Ml 3.1),
como ele mesmo admitiu (em Mt 26.52). não poderia tratar-se de Cristo; caso contrário, seria
Mas 0 versículo seguinte (v. 6) indica que a pes- 0 mesmo que “confessar 0 fracasso absoluto de todo
soa mencionada é “ Deus” , que, segundo 0 n t , Jesus 0 empreendimento” (Dawud, p. 158-60).
afirmou ser (Jo 8.58; 10.30); mas Maomé negou re- O ministério público de Jesus só teve início “de-
petidas vezes ser algo além de um profeta humano pois” do de João, exatamente como João previra. Jesus
(v. C r is t o , d iv in d a d e d e ). só 0 começou depois de seu batismo por João (Mt
Além disso, apesar de Jesus não ter vindo na pri- 3.16,17) eda tentação (Mt4.1-ll). Segundo, João sub-
meira vez com uma espada, a Bíblia declara que ele meteu-se a Jesus, dizendo que não era digno de levar
assim virá outra vez, quando “os exércitos do céu” 0 suas sandálias (Mt 3.11). Na verdade, 0 texto diz que
seguirão (Ap 19.11-16). Na primeira vez ele veio para João tentou impedi-lo, dizendo: “ Eu preciso ser ba-
morrer (Mc 10.45; Jo 10.10,11). Na segunda vez ele tizado por ti, e tu vens a mim?” (Mt 3.14). Terceiro,
virá “em meio a chamas flamejantes [...] punirá os Jesus afirmou sua razão para 0 batismo, isto é, que
que não conhecem a Deus” (2Ts 1.7,8). Portanto, não ele era necessário para “cumprir toda a justiça”
há justificativa para considerar 0 texto uma predi- (Mt 3.15). Já que ele não viera para “abolir a Lei
ção sobre Maomé. Na realidade, Hebreus 1.8,9 expli- ou os Profetas” , e sim “cumprir” (Mt 5.17), tinha
citamente identifica Cristo nessa passagem. de se identificar com suas exigências. Senão, não
Isaías 21.7. Isaías vê numa visão carruagens com poderia ser, como era, perfeitamente justo (v. Rm
tropas de cavalos, jumentos e camelos. Os comenta- 8.1-4). Quarto, João claramente sabia quem Cris-
ristas muçulmanos acreditam que a tropa de“jumen- to era quando 0 batizou, porque 0 anunciou como
tos” é Jesus, e a tropa de “camelos” é Maomé, que, “0 Cordeiro de Deus, que tira 0 pecado do mun-
segundo eles, substituiu Jesus como profeta. Mas isso do!” (Jo 1.29). E ele, com a multidão, viu 0 “ Espíri-
é especulação sem nenhuma base no texto ou no con- to de Deus” vindo sobre Jesus e a “voz dos céus”
texto. Até unia observação rápida da passagem revela proclamar: “ Este é 0 meu Filho amado, em quem
que Isaías está talando sobre a queda da Babilônia, vá- me agrado” (Mt 3.16,17). Apesar de João ter ex-
rios séculos antes da época de Cristo. O versículo 9 pressado algumas dúvidas mais tarde, elas foram
declara: “Caiu! A Babilônia caiu!” . Não há nada no tex- rapidamente respondidas por Cristo, que confir-
to sobre Cristo nem Maomé. Além disso, a referência a mou com seus milagres (Mt 11.3-5) que era 0 Mes-
cavalos, jumentos e camelos está falando sobre os vári- sias profetizado por Isaías (35.5,6; 40.3).
os meios pelos quais a notícia da queda da Babilônia se Finalmente, nem todas as profecias do at so-
espalharia. Mais uma vez, absolutamente nada se refere bre 0 Messias (Cristo) foram cumpridas durante
a Maomé. sua primeira vinda; algumas aguardam seu retor-
M ateus 3.11. Segundo Dawud, essa predição so- no (v. p r o f e c i a c o m o p r o v a d a B í b i .i a ) . Jesus afirmou
bre João Batista não poderia se referir a Cristo e que não estabeleceria seu Reino até a consuma-
deve referir-se a Maomé (p. 157). João disse: “Alas ção do século (Mt 24.3), quando “verão 0 Filho do
depois de mim vem alguém mais poderoso do que homem vindo nas nuvens do céu com poder e
eu, tanto que não sou digno nem de levar as suas grande glória” (M t 24.30). Somente então irá “0
sandálias. Ele os batizará com 0 Espírito Santo e com Filho do homem se assentar em seu trono glorio-
fogo” . Dawud argumenta que “0 próprio advérbio so, vocês que me seguiram [os Doze] também se
‘depois’ claramente exclui fesus de ser 0 Profeta pre- assentarão e em doze tronos, para julgar as doze
visto”, já que “ambos eram contemporâneos e nas- tribos de Israel” (Mt 19.28).
ceram no mesmo ano” . Além disso, “João não pode- As testemunhas oculares, contemporâneas de Je-
ria estar falando de Jesus, porque, se esse fosse 0 sus, e seus discípulos 0 reconheceram como aquele
caso, ele teria seguido a Jesus e se submetido a ele profetizado no a t , já que é exatamente assim que apli-
como discípulo e subordinado” . E ainda mais: “ Se cam as profecias de Malaquias (3.1) e Isaías (40.3) às
Jesus fosse realmente a pessoa que 0 Batista previu, suas obras (v. Mt 3.1-3; Mc 1.1-3; Lc 3.4-6).
[...] não seria necessário nem faria sentido ele ser fo ã o 14.16. Os teólogos muçulmanos vêem na
batizado pelo seu inferior no rio como um judeu referência de Jesus ao “Conselheiro” prometido (gr.
penitente comum!” . Na realidade, João “n ão reconhc- paraklétos) uma predição sobre Maomé. Eles baseiam
ceu 0 dom de profecia de Jesus até que ouviu falar tal interpretação na referência do Alcorão (Surata 61.6) a
— na p risão — sobre seus milagres” . Finalmente, já Maomé como “ ’Ahmad” (periklytos), que consideram
Maomé, suposto chamado divino de 526

ser a tradução correta da palavra grega p a r a k lé to s , 0 uso islâmico das Escrituras geralmente é ar-
nesse caso. bitrário e sem justificativa textual. Embora os teó-
Dos mais de cinco mil manuscritos gregos do nt logos islâmicos sejam rápidos em apontar que as
(Geisler e Nix, cap. 22), não há absolutamente nenhu- Escrituras foram corrompidas (v. Novo T e s t a m e n t o ,
ma autoridade textual para colocar a palavra periklytos m a n u s c r i t o s d o ) , no entanto, quando encontram um

(“ louvado” ) 110 original, como os muçulmanos afir- texto que acham que pode dar crédito à sua teoria,
mam que deveria ser. Em todos os casos está escrito não têm problema nenhum em aceitar sua autenti-
paraklétos (“consolador” ). Nessa passagem Jesus iden- cidade. Sua determinação de quais textos bíblicos
tifica claramente 0 “ Conselheiro” como “0 Espírito são autênticos é arbitrária e egoísta.
Santo, que 0 Pai enviará em meu nome” (Jo 14.26). C o n clu sã o . A Bíblia não prediz em lugar nenhum
0 Conselheiro foi dado por Jesus aos apóstolos a vinda de Maomé. As tentativas de apologistas
(v. 16), isto é, àqueles que dariam testemunho dele islâmicos de reivindicar tal coisa são interpretações
porque estavam com ele “desde 0 princípio” (Jo 15.27; forçadas, contrárias ao contexto da passagem. Já os
v. Lc 1.1,2; At 1.22). Mas Maomé não foi uni dos apósto- profetas do at profetizaram com detalhes a vinda de
los de Jesus, então não poderia ter sido aquele a quem Cristo. Cristo, não Maomé, é apresentado como 0
Jesus se referiu como “Conselheiro” (p a ra k léto s ). Mensageiro de Deus (v. m i l a g r e s , v a l o r a p o i o c f .t ic o
d o s ; C r is t o , d iv in d a d e d f ). Na realidade, as Escrituras
0 Conselheiro que Jesus prometeu habitaria com
eles “para sempre” (v. 16), mas Maomé está morto há comprovam que Cristo é 0 Filho de Deus.
treze séculos.
Fontes
Jesus disse aos discípulos: “ Voces 0 conhecem”
Y. A l i , The holy Qur'an.
(v. 17), mas os apóstolos não conheceram .Maomé, Ele
A . D a w u d , M uham mad and the Bible.
só nasceria seis séculos depois. Além disso, Jesus disse
N . L . G f is i e r e W . E . N 1 \ , Introdução bíblica.
aos seus apóstolos que 0 Conselheiro estará “em vocês”
_____ e A . S a i e e b , Answering Islam: the
(v. 17). Maomé não poderia estar nos apóstolos de
Crescent in the light of the cross.
Jesus de forma espiritual ou doutrinariamente com-
A . S c h im m k i ,And M uham m ad is his messenger.
patível.
Jesus afirmou que 0 Conselheiro seria enviado
Maomé, suposto chamado divino de. Maomé afir-
“em meu nome” (Jo 14.26). Mas nenhum muçulma-
mou ter sido chamado por Deus para ser profeta. Na
no acredita que Maomé foi enviado por Jesus no
verdade, ele afirmou ser 0 último dos profetas de
nome de Jesus.
Deus na terra, “0 derradeiro dos Profetas” (Surata
0 Conselheiro que Jesus estava prestes a enviar
33.40). A suposta natureza miraculosa de seu cha-
não “ falará de si mesmo" ( Jo 16.13). Mas Maomé cons-
mado é usada pelos muçulmanos como prova de
tantemente testifica por si mesmo (por exemplo, na
que 0 islamismo é a religião verdadeira.
Surata 33.40). O Conselheiro glorificaria Jesus (Jo
Uma investigação dos fatos, mesmo a partir de
16.14), mas 0 islamismo declara que Maomé substi-
fontes islâmicas, revela que a visão que 0 Islã tem de
tuiu a Jesus. Ele não glorificaria a Jesus, a quem con-
Maomé sofre de um problema agudo de presunção.
siderava um profeta anterior e, por isso, inferior.
Não é possível encontrar, por exemplo, provas da
Finalmente, Jesus afirmou que 0 Conselheiro vi-
reivindicação de que ele foi chamado para dar a
ria “dentro de poucos dias” (At 1.5), não centenas de revelação completa e final de Deus nas circunstân-
anos depois. O Espírito Santo veio cinqüenta dias cias que envolvem seu chamado.
depois, no Dia de Pentecostes (Atos 1 e 2). E le m e n t o s d o c h a m a d o . S u fo ca d o p o r um an jo.
Uso islâ m ico da s E s c ritu ra s . A observação cui- Durante seu chamado, Maomé disse que foi sufo-
dadosa de todos esses textos no seu pano de fundo cado pelo anjo — três vezes. Maomé disse sobre 0
literário demonstra que eles são arrancados vio- anjo: “ Ele me sufocou com 0 pano até eu achar que
lentamente de seu contexto pelos apologistas mu- iria morrer. Então me soltou e disse: ‘Recite!’ ( Iq r a ).
çulmanos ansiosos por encontrar na Escritura ju- Quando hesitou, recebeu “ mais duas vezes 0 mal-
daico-cristã algo que comprove a superioridade do trato” (Andrae, p. 43-4). Essa parece ser uma forma
islamismo (v. C r is io , sin g u la rid a d e de). Os teólogos anormal de aprendizado coagido, não característi-
islâmicos reclamam quando os cristãos tentam in- co do Deus gracioso e misericordioso que os mu-
terpretar 0 A lc o rã o para demonstrar a vantagem çulmanos afirmam que Alá é, assim como contrá-
do cristianismo. Alas são culpados da mesma coisa rio ao livre-arbítrio que acreditam que ele deu às
de que acusam os cristãos. suas criaturas.
Maomé, suposto cham ado divino de

E n ga n a d o p o r um d e m ô n io ? O próprio Maomé 'Eles me ouvem assim como vocês, mas não podem
questionou a origem divina da experiência. A prin- me responder” ’ (ibid., p. 231). Em outra ocasião
cípio pensou que estava sendo enganado por um Maomé foi encontrado “orando pelos mortos enter-
jin n (espírito maligno). Na verdade, Maomé a prin- rados naquele cemitério” (ibid., p. 495). Haykal até
cípio ficou com muito medo da fonte dessa nova admite francamente que
revelação, mas foi encorajado por sua esposa
Khadijah e 0 primo dela, Waraqah, a acreditar que a não há razão para negar 0 evento da visita do Profeta ao
revelação era a mesma que Moisés recebera e que cemitério de Baqi por ser inadequado, levando-se em conside-
ele também seria um profeta de sua nação. Um dos ração 0 p o d e r espiritu al e·psíquico d e M a o m é d e com u n icação
biógrafos muçulmanos modernos mais respeitados, com os div ersos c a m p o s d a re a lid a d e e s u a p e r c e p ç ã o d a rea-
Muhammad Husayn Haykal, fala vividamente sobre lid a d e esp iritu al q u e ex c e d e a d o s h o m e n s com u n s (ibid., p.
0 medo atormentador de Maomé de estar possuído 496; grito do autor).
por um demônio:
Silêncio e depressão. Outra coisa que obscurece a
Entrando e m pânico, Maomé se levantou e perguntou a si suposta origem divina de sua mensagem é 0 fato de
mesmo: “ 0 que vi? S erá q u e fiq u e i p o ssu íd o c o m o tem ia (" . que, depois disso, houve um longo período de silên-
Maomé olhou para a sua direita e sua esquerda, mas não disse cio que, segundo alguns registros, durou três anos,
nada. Ficou ali por um tempo tremendo de medo e estupefato. durante os quais Maomé entrou em desespero, sen-
Temia que a caverna pudesse estar mal-assombrada e que ele
tindo-se abandonado por Deus e chegando a consi-
acabasse fugindo, ainda incapaz de explicar 0 que viu (p. 74;
derar 0 suicídio. Essas circunstâncias não parecem
grifo do autor).
ser características de um chamado divino.
.4 “revelação"satânica. Em outra ocasião, Maomé
Haykal observa que Maomé antes temia a posses-
anunciou uma revelação que achava ser de Deus,
são demoníaca, mas sua esposa Khadijah 0 conven-
mas depois a mudou, afirmando que Satanás havia
ceu do contrário. Pois, “como fez em ocasiões anteri-
colocado os versos no texto. Deus teria dito ao pro-
ores quando M aom é temeu estar possuído pelo demò-
feta: “ Tais (divindades) não são mais do que nomes,
nio, agora também permaneceu leal a seu marido e
com que as denominastes, vós e vossos antepassa-
desprovida de qualquer dúvida” . Assim, “respeitosa-
dos, acerca do que Allah não vos conferiu autorida-
mente, até reverentemente, ela lhe disse: ‘Regozije-se
de alguma” (53.23 v.22.51). Mas infelizmente a men-
meu primo! Seja firme. Por aquele que domina a alma
tira humana sempre é uma possibilidade. Os pró-
de Khadijah, eu oro e espero que seja 0 Profeta desta
prios muçulmanos acreditam que todos os que rei-
nação. Por Deus, não abandonarei’” (ibid., p. 75).
vindicam ter revelações que se opõem ao Alcorão
Na verdade, a descrição de Haykal sobre a experi-
são mentirosos. A luz disso, é razoável perguntar se os
ência da “ revelação” recebida por Maomé é sente-
muçulmanos consideraram a possibilidade de a pri-
lhante a de outros médiuns. Haykal escreveu sobre a
meira impressão de Maomé, de que estava sendo en-
revelação para remover a suspeita de culpa sobre uma
ganado por um demônio, ser correta. Eles reconhe-
das mulheres de Maomé:
cem que Satanás é real e que é u m grande mentiroso.
Então por que descartam a possibilidade de 0 próprio
Maomé não havia se movido de seu lugar quando a re-.
velação veio a ele acompanhada das convulsões costumei-
Maomé ter sido enganado, como pensou a princípio?
Fontes hum an as para 0 Alcorão. Finalmente, al-
ras. Ele íicou estendido nas suas roupas, e um travesseiro
foi colocado sob sua cabeça. Aishah [sua esposa] mais tar-
guns críticos não vêem nada de sobrenatural na ori-
de relatou: “ Temendo que algo ameaçador estivesse pres-
gem das idéias de Maomé, observando que a grande
tes a acontecer, todos na sala estavam com medo, exceto maioria das idéias no Alcorão têm tontes judaicas,
eu, pois não temia nada, porque sabia que eu era inocen- cristãs ou pagãs conhecidas (v. A 1c o r ã o , scp o sta o ri-
gem d iv in a n o ). Até Haykal inadvertidamente indica
te...” ,M aom é recuperou-se, sentou-se ecomeçou a enxu-
gar a testa onde gotas de suor se juntaram (ibid., p. 337). uma possível fonte das “revelações” de Maomé. Ele
escreveu:
Outra característica geralmente associada a “re-
velações” ocultas é 0 contato com os mortos (cf. Dt A imaginação do árabe é forte por natureza. Por viver sob

18.9-14). Haykal, relata uma ocasião em que “os a abóbada do céu e deslocar-se constantemente à procura de

muçulmanos que 0 ouviram [Maomé] perguntaram: pastos ou comércio, e por ser constantemente forçado a extre-
‘Está invocando os mortos?’, e 0 Profeta respondeu: mos, exageros e até mentiras que a vida comercial geralmente
Maomé, supostos milagres de 528

acarreta, 0 árabe é dado ao exercício de sua imaginação e a 5. feito da forma exata em que foi anunciado;
cultiva continuamente para 0 bem ou para 0 mal, para a paz 6. feito apenas pelas mãos do profeta;
ouparaaguerra (ibid .,319). 7. a comprovação de sua reivindicação profética,
não sua refutação;
C o n clu sã o . A reivindicação de que Maomé foi 8. acompanhado pelo desafio de reproduzi-lo;
chamado por Deus não pode ser apoiada pela evi- 9. irreproduzível por qualquer pessoa presente.
dência. Na realidade, a comprovação, mesmo em
fontes islâmicas, é iustamente a oposta. Além disso, Os muçulmanos acreditam que Moisés, Elias e
não há confirmação sobrenatural desse chamado (v. Jesus fizeram milagres que cumpriram esses critéri-
M a o m é , s u p o s t o s m il a g r e s d f ) tal como existe no caso os (v. “Mudjiza” ). A questão é: A eloqüência do Alco-
de Jesus (v. C r is t o , d iv in d a d e d e ; p r o f f .g ia c o m o p r o v a da rão preenche essas características para ser um mila-
B i r i t a ; r e s s u r r e i ç ã o , e v id ê n c ia d a ). gre? A resposta subjetiva é não, nem na forma nem
Finalmente, 0 caráter de Maomé deixa muito a no conteúdo.
desejar em relação à sua reivindicação (v. M a o m é , M ila g re s 110 A lc o rã o . Reivindicações de mila-
c a r á t e r d e ). Comparado ao caráter impecável de Cris- gres sobre Maomé dividem-se em três categorias: rei-
to, Maomé torna-se insignificante (v. C r is t o , s in g u l a - vindicações e previsões sobrenaturais de Maomé
RIDADF. DE). registradas no Alcorão; reivindicações de milagres
no Hadith ou tradição islâmica (Bukhari, iii-vi).
Fontes A Surata 6.35 é usada por muitos muçulmanos
A. Y Ai 1, The meaning o f the glorious Qur’an. para mostrar que Maomé podia fazer milagres:
T. A n d r a k , M uhammad: the man and his faith.

N. L. Grisi f r e A. S ai.feb , Answering Islam.


Uma vez que 0 desdém dos incrédulos te penaliza, vê:
Μ. H. H aykai , The life o f Muhammad.
mesmo que pudesses penetrar por um túnel, na terra, ou as-
cender até ao céu para apresentar-lhes um sinal, ainda assim
não farias com que cressem.
Maomé, supostos milagres de. O islamismo afir-
ma ser a única religião verdadeira. Para apoiar essa
Uma investigação cuidadosa do texto revela que
afirmação, oferece 0 Alcorão como principal mila-
ele não afirma que Maomé era capaz de fazer mila-
gre. Mas muitos apologistas islâmicos também afir-
gres. Antes de mais nada, isso é hipotético “M esmo
mam que Maomé fez outros milagres para sustentar
que pudesse...”. Não diz que ele fez. Em segundo lugar, a
suas reivindicações de ser profeta de Deus, apesar
passagem até implica que ele não podia fazer mila-
do fato de que, quando lhe pediram milagres para
gres. Senão, por que estaria penalizado por não fazê-
apoiar suas reivindicações, Maomé tenha se recusa-
los? Se pudesse fazer milagres, poderia ter eliminado
do a fazê-los (Surata 3.181-4).
facilmente 0 desdém que lhe era tão “angustiante” .
D efin içã o islâ m ica d e m ila g re. Para os muçul-
Λ suposta divisão da Lua. Pela interpretação de
manos, 0 milagre é sempre um ato de Deus (v. m i l a -
muitos muçulmanos, a Surata 54.1,2 diz que, confor-
g r e ; m il a g r e s n a B i b l i a ). A natureza é a maneira pela
me a ordem de Maomé perante os descrentes, a Lua
qual Deus age geral e repetidamente, e milagre é con-
foi dividida. Pois está escrito: “A Hora (do Juízo) se
siderado khaw arik, “0 violador do costume” . Exis-
aproxima, e a lua se fendeu. Porém, se presenciam
tem muitas palavras para milagre em árabe, mas a
algum sinal, afastam-se dizendo: É magia transitória!” .
única usada no Alcorão é ayah, “sinal” (v. 2.118,151,
Novamente há problemas com a interpretação do
253; 3.108; 28.86-7). 0 termo técnico usado pelos te-
texto. Maomé não é mencionado na passagem. O Alco-
ólogos muçulmanos para designar 0 milagre que con-
rão não chama esse episódio de milagre, ainda que a
firma 0 chamado profético de alguém é m udjiza. palavra sinal (ayah) seja usada. Se é milagre, contradiz
Para qualificar-se, 0 evento precisa ser: outras passagens que afirmam que Maomé não fez pro-
ezas relacionadas à natureza, como essa (v. 3.181-4).
1. Um ato de Deus que não pode ser executado Além disso, a passagem é anterior àquelas em
por qualquer criatura; que descrentes pedem um sinal. Se Maomé conse-
2. contrário ao curso habitual das coisas; guisse realizá-lo, 0 sinal teria sido universalmente
3. direcionado à comprovação da autenticida- observado e mencionado com surpresa em todo 0
de do profeta; mundo. Mas não há evidência de que tenha sido
4. precedido pela anunciação de um futuro (Pfander, p. 311-2). Até teólogos islâmicos dizem que
milagre; isso se refere à ressurreição dos últimos dias, não a
529 Maomé, supostos m ilagres de

um milagre durante a época de Maomé. Eles acredi- Segundo a tradição islâmica, vários milagres su-
tam que a expressão “a Hora (do Juízo)” refere-se ao postamente ocorreram aqui, sendo 0 mais proemi-
final dos tempos. O tempo verbal é considerado a nente aquele em que Deus enviou três mil anjos para
maneira comum de língua árabe expressar um even- ajudar na batalha (supostamente identificáveis pe-
to profético futuro. los turbantes que usavam), além do resgate
A jo rn a d a notu rna . Uma ocorrência milagrosa miraculoso de Maomé logo antes de um homem de
registrada no A lcorão é 0 Isra de Maomé ou “ jor- Meca tentar matá-lo com uma espada. Uma tradição
nada noturna” . Muitos muçulmanos acreditam que diz que Maomé jogou um punhado de terra contra 0
Maomé, depois de ser transportado para Jerusa- exército de Meca para cegá-los e fazer com que ba-
lém, ascendeu ao céu no lombo de uma mula. A tessem em retirada.
Surata 17.1 declara: É questionável se todas essas passagens refe-
rem-se ao mesmo evento. Até mesmo teólogos mu-
Glorificado seja Aquele que, durante a noite, trans- çulmanos acreditam que a Surata 8 menciona ou-
portou 0 Seu servo, tirando-o da Sagrada Mesquita (em tro evento e deve ser interpretada simbolicamente,
Makka) e levando-o à !Mesquita de Alacsa (em Jerusalém), como Deus lançando medo no coração do inimigo
cujo recinto bendizemos, para mostrar a ele alguns dos de Maomé, Ubai ibn Khalaf (Pfander, p. 314). A
nossos sinais. Surata 5 é interpretada como referência a outro
evento, possivelmente a tentativa de assassinato de
Mais tarde, a tradição muçulmana complementou Maomé em Usfan.
esse versículo, falando da escolta de Gabriel por vári- Apenas a Surata 3 menciona Badr, e não diz nada
os níveis do céu. Ele é cumprimentado por pessoas sobre um milagre. No máximo revela apenas cuida-
do providencial de Deus por Maomé, não um evento
importantes (Adão, João, Jesus, José, Enoque, Arão,
sobrenatural. Certamente não fala de um milagre que
Moisés e Abraão). Enquanto está lá negocia com Deus
confirme as credenciais proféticas de Maomé, já que
para que a ordem de orar cinqüenta vezes seja reduzi-
não há evidência de que preencha os nove critérios.
da para cinco vezes ao dia.
Se a vitória de Badr é 0 sinal de confirmação divi-
Não há razão para considerar essa passagem
na, então por que a derrota subseqüente em Uhud não
como referência a uma viagem literal ao céu. Muitos
foi sinal de reprovação? A derrota foi tão humilhante
teólogos muçulmanos não a interpretam dessa ma-
que “tiraram duas argolas de corrente da ferida de
neira. O famoso tradutor do Alcorão, Abdullah Yusuf
Maomé, e dois de seus dentes frontais caíram” . Além
Ali, ao comentar essa passagem, afirma que “ela co-
disso, os muçulmanos mortos foram mutilados no
meça com a Visão mística da Ascensão do Santo
campo de batalha pelo inimigo. Um inimigo de Maomé
Profeta; ele é transportado da Mesquita Sagrada (de
“cortou vários narizes e orelhas para fazer um colar
Meca) para a Mesquita Distante (de Jerusalém) numa
com eles” . Até Muhammad Husayn Haykal reconhe-
noite e vê alguns Sinais de Deus” (“ Introdução à
ceu que “os muçulmanos foram derrotados” aqui, ob-
Surata xvn” , p. 691). Mesmo segundo uma das pri- servando que 0 inimigo ficou “ intoxicado com a vi-
meiras tradições islâmicas, a esposa de Maomé, tória” (Haykal, p. 266-7). Mas ele não considerou isso
Aisha, relatou que “0 corpo do apóstolo ficou como sinal sobrenatural de desfavor divino. Na verdade,
estava, mas Deus removeu seu espírito à noite” (Ishaq, depois da batalha de Badr, 0 Alcorão se gaba de que
p. 183). Mesmo se isso fosse considerado milagre, os seguidores de Maomé podiam derrotar um exér-
não há evidência apresentada para testar sua auten- cito com a ajuda de Deus estando em número dez
ticidade. Pela própria definição do islamismo de si- vezes menor que 0 inimigo (Surata 8.65). Mas aqui
nal confirmador, esse milagre não teria nenhum va- estavam em número apenas três vezes menor, assim
lor apologético ( “ Mudjiza” ; v. m ila g r e s , v a l o r como na vitória em Badr, e no entanto sofreram gran-
apologétigo dos). de derrota.
A vitória em Badr. Outra reivindicação de mila- Maomé não é 0 primeiro líder militar com me-
gre geralmente atribuída a Maomé é a vitória em nor número de guerreiros na história a ter uma gran-
Badr (v. 3.123; 8.17). A Surata 5.11 diz: “ 0 crentes, de vitória. A Guerra dos Seis Dias de Israel, em 1967,
recordai-vos das mercês de Allah para convosco, pois foi uma das batalhas mais rápidas e decisivas na
quando um povo intentou agredir-vos, Ele 0 conte- história das guerras modernas. Mas nenhum muçul-
ve. Temei a Allah, porquanto a Allah se encomen- mano a consideraria sinal milagroso da aprovação
dam os crentes” . divina da vitória de Israel sobre uma nação árabe.
Maomé, supostos milagres de 530

A divisão do peito de Maomé. Segundo a tradi- 622, e a vitória só se completou em 625. Isso seria
ção islâmica, no nascimento de Maomé (ou logo pelo menos dez ou onze anos, não “alguns anos” , como
antes da sua ascensão), Gabriel supostamente abriu Maomé disse.
o peito de Maomé, removeu e purificou seu cora- A edição Uthman do Alcorão não tem vogais, que
ção, depois 0 encheu com sabedoria e 0 colocou de só foram acrescentadas bem mais tarde (Spencer, p.
volta. Isso se baseia em parte na surata 94.1, 2, 8, 21). Logo, a palavra sayaghlibuna, “vencerão” , pode-
que diz: “Acaso, não expandimos 0 teu peito, E ali- ria ser traduzida, com a mudança de duas vogais,
viamos 0 teu fardo, [...] E volta para 0 teu Senhor sayughlabuna, por “serão vencidos” (Tisdall, p. 137).
Ainda que essa ambigüidade fosse removida, a pro-
(toda) a atenção” .
fecia não é nem em longo prazo nem anormal. Era
A maioria dos teólogos muçulmanos conserva-
previsível que os romanos derrotados contra-ataca-
dores interpretam esta passagem como linguagem
riam. Só era necessário um pouco de conhecimento
figurativa que descreve a grande ansiedade que
das tendências da época para prever tal evento. Na
Maomé sofreu nos seus primeiros anos em Meca. O
melhor das hipóteses, poderia ter sido uma boa esti-
grande comentarista Ali disse: “O peito é simbólica-
mativa. De qualquer forma, parece não haver prova
mente 0 berço da sabedoria e do sentimento mais
suficiente de que seja sobrenatural.
elevado de amor e afeição” ( The meaning of the glorious A única outra suposta profecia digna de menção
Qur’an [O significado do glorioso Alcorão], 2.1755). é encontrada na Surata 89.2, em que a frase “e pelas
P ro fecia s no Alcorão. Os muçulmanos oferecem
dez noites” é interpretada por alguns como uma pre-
as profecias do Alcorão como prova de que Maomé dição dos dez anos de perseguição que os primeiros
podia fazer milagres. Mas a evidência não é convin- muçulmanos sofreram (Ahmad, p. 347s.). !Mas sem
cente. As suratas geralmente citadas são aquelas em dúvida essa é uma interpretação rebuscada, porque
que Maomé promete vitória a suas tropas. até 0 tradutor do Alcorão, Ali, admitiu que pelas dez
Que líder militar religioso não diz às suas tropas: noites geralmente é interpretado como as primeiras
“ Deus está do nosso lado; vamos ganhar. Continuem dez noites de Zul-Hajj, 0 período sagrado de peregri-
lutando!” ? Além disso, tendo em mente que Maomé nação (Ali, 1731, n. 6109). Certamente não há nenhu-
é conhecido como “0 profeta da espada” , com seu ma predição clara.
grande número de conversões obtidas depois que A evidência de que Maomé possuía 0 dom da
renunciou a meios pacíficos, mas relativamente ine- profecia é fraca. Suas profecias eram vagas e contes-
ficazes para difundir sua mensagem, não é surpresa táveis. Foi muito mais fácil dar significado a elas
que tenha previsto a vitória. depois do evento que entender 0 significado antes.
Levando-se em conta 0 zelo das forças muçulma- Se Maomé possuísse a habilidade de prever mi-
nas, que receberam a promessa do Paraíso por seus lagrosamente 0 futuro, certamente a teria usado para
esforços (v. 22.58-9; 3.157-8; 3.170-1), não é de surpre- esmagar seus oponentes. Mas não 0 fez. Pelo contra-
ender que tenham sido muitas vezes vitoriosos. Final- rio, admitiu que não fez milagres, como os profetas
mente, não é de admirar 0 fato de que tantos se “sub- antes dele fizeram, e simplesmente ofereceu como
meteram” , levando-se em conta a ordem de Maomé: seu sinal 0 Alcorão.
“O castigo para aqueles que lutam contra Allah e con- Finalmente, Maomé jamais apresentou uma pro-
tra 0 Seu Mensageiro, e semeiam a corrupção na terra, fecia como prova de seu dom (v. M aom é, suposto cha-
é que sejam mortos ou crucificados, ou lhes seja dece- mado d ivin o d e). Não há menção a nenhuma. Jesus
pada a mão e 0 pé de lados opostos, ou banidos” (5.33). ofereceu milagres repetidamente como prova de que
A única predição substancial foi a respeito da vi- era 0 Messias, 0 Filho de Deus. Quando estava pres-
tória romana (bizantina) sobre 0 exército persa em tes a curar 0 paralítico, disse aos judeus incrédulos:
Issus. A Surata 30.2-4 diz: “Os bizantinos foram derro- “ Mas, para que vocês saibam que 0 Filho do homem
tados, em uma terra muito próxima; porém, depois tem na terra autoridade para perdoar pecados” , algo
de sua derrota, vencerão dentro de alguns anos” . que os judeus afirmavam que só Deus podia fazer
Essa predição é pouco impressionante (v. Gudel, (Mc 2.7), “eu lhe digo: Levante-se, pegue a sua maca
p. 54). Segundo Ali, “alguns anos” significa de três a e vá para casa” (v. 10,1 1 ) A luz desse forte contraste
nove anos, mas a vitória real só veio treze ou quatorze quanto à confirmação miraculosa das respectivas
anos depois da profecia. A derrota dos romanos pe- afirmações, qualquer pessoa racional teria sérias dú-
los persas na captura de Jerusalém aconteceu por vidas quanto a existência de evidências suficientes
volta de 614 ou 615. O contra-ataque só começou em para apoiar as reivindicações de Maomé.
531 Maomé, supostos m ilagres de

M ila g re s no h adith . A maioria das reivindica- Elas são apócrifas. Esses supostos milagres da
ções de milagres feitos por Maomé não ocorreram tradição islâmica seguem 0 mesmo padrão narrati-
no Alcorão, 0 único livro do islamismo, para 0 qual a vo que os contos apócrifos de Cristo escritos um ou
inspiração divina é reivindicada (v. M aom é, supostos dois séculos após sua morte. São adições lendárias
m ilag rls de; A l c o r ã o , suposia origem divina do). A grande feitas por pessoas que viveram muitos anos depois
maioria dos supostos milagres é relatada no hadith dos eventos originais, e não 0 registro de testemu-
[Tradição], que, segundo os muçulmanos, contém nhas oculares contemporâneas (v. .m i l a g r e s , mito e ) .
muitas tradições autênticas. Há centenas de histórias A maioria das pessoas que reuniram histórias de
de milagres no hadith ( v. hadith , supostos m ilagres \‫־‬o). milagres viveram de cem a duzentos anos depois. De-
Al Bukhari conta como Maomé curou a perna penderam de histórias passadas oralmente durante
quebrada de um amigo, Abdullaha ibn Atig, que se gerações com vários acréscimos. Nem mesmo as his-
feriu enquanto tentava assassinar um dos inimigos tórias consideradas autênticas pelos muçulmanos,
do Profeta. como determinado pelo isnad (ou cadeia de conta-
Várias fontes relatam a história de que Maomé dores de histórias), têm credibilidade suficiente. Es-
milagrosamente deu água para 10 mil soldados na sas histórias não são baseadas em testemunhas ocula-
batalha de Hudaibiyah. Ele supostamente colocou a res, mas em gerações de contadores de histórias. Joseph
mão numa garrafa vazia e deixou a água fluir de seus Horowitz questionou a confiabilidade do isnad:
dedos. Há várias histórias de provisão milagrosa de
água. Numa, a água é transformada em leite. A questão sobre quem divulgou inicialmente esses con-
Existem várias histórias de árvores que falam com tos de milagres deveria ser facilmente respondida se ainda
Maomé, que 0 saúdam ou saem da frente para ele pudéssemos olhar para 0 isnad, ou cadeia de testemunhas, com
passar. Certa vez, quando Maomé não conseguia en- a mesma confiança que aparentemente esperam de nós. É muito
contrar um lugar isolado para fazer as necessidades, atraente quando 0 mesmo relatório aparece em várias versões
duas árvores supostamente se uniram para escondê- essencialmente semelhantes [...] Em geral a técnica do isn ad
10 e depois voltaram para 0 seu lugar quando ele ter- não impossibilita decidir onde se apossar do registro oral e
minou. Bukhari afirma que uma árvore na qual onde é 0 caso de copiar os livros de preleções dos mestres
Maomé se encostou ficou com saudades quando ele (Horowitz, p. 49-58).
partiu. Há muitas histórias de lobos e até montanhas
que saudaram Maomé. Não há consenso sobre elas. Entre os muçulmanos
Algumas histórias narram Maomé alimentando não há uma lista geralmente aceita de milagres autênti-
milagrosamente grandes grupos com pouca comi- cos do hadith. Na verdade, a maior parte das histórias
da. Anas conta que Maomé alimentou oitenta ou do hadith é rejeitada pela maioria dos teólogos muçul-
noventa homens com alguns pães de cevada. Ibn Sa’d manos. Grupos diferentes aceitam coleções diferentes.
relata a história de uma mulher que convidou Maomé Isso cria dúvidas quanto à sua autenticidade.
para uma refeição. Ele levou mil homens com ele e Bukhari, considerado 0 colecionador mais confiá-
multiplicou a pequena refeição da mulher para ali- vel, admitiu que, das 300 mil hadith que reuniu, consi-
mentar a todos. derava apenas 100 mil possivelmente verdadeiras. E
O hadith geralmente relata histórias dos feitos entre as últimas ele selecionou 7 275. Isso significa
milagrosos de Maomé contra seus inimigos. Uma que ele admitiu que mais de 290 000 delas não são
vez Maomé amaldiçoou um de seus inimigos, cujo confiáveis.
cavalo afundou até a altura do estômago no chão Nenhum cãnon é aceito por todos. Nenhum cânon
duro. Sa’d disse que Maomé transformou 0 galho de de hadith é aceito por todos os muçulmanos. A mai-
uma árvore numa espada de aço. oria dos muçulmanos divide sua credibilidade em
A autenticidade dessas histórias é questionável ordem descendente da seguinte maneira: 0 Sahih de
por várias razões: Al Bukhari (m. 256 a.H. [“após a Hégira” , fuga de
Elas são contrárias ao Alcorão. Para os muçulma- Maomé em 622 d.C]), 0 Sahih de Muslim (m. 261
nos, apenas 0 Alcorão é divinamente inspirado. Mas a.H.), 0 Sunan de Abu Du’ad (morto em 275 a.H.), 0
nenhum dos milagres de Maomé está registrado no Jami de Al-Tirmidhi (m. 279 a.H.), 0 Suand de Al
Alcorão. Na verdade, eles são contrários a todo 0 espí- Xasa (m. 303 a.H.), e 0 Sunan de Ibn Madja (m. 283
rito do Maomé do Alcorão, que repetidamente recu- a.H.). Com esses hadith, os biógrafos relacionaram
sou-se a fazer esse tipo de coisas diante dos incrédu- histórias de milagres. As mais importantes são Ibn
los que 0 desafiaram (v. surata 3.181-4; 4.153; 6.8,9). Sa’d (m. 123 a.H.), Ibn Ishaq (m.151 a.H.) e Ibn
Maomé, supostos milagres de

Hisham (m. 218 a.H.). As categorias acima são reiei- Maomé também aceita 0 tato de que Jesus tez
tadas pelo islamismo xiita, embora os xiitas, iunta- milagres para provar a origem divina de sua mensa-
mente com outros muçulmanos, aceitem 0 Alcorão. gem, tais como curar e ressuscitar pessoas dentre os
Sua origem é suspeita. A origem das reivindicações mortos (v. surata 5.113). Mas, se Jesus podia realizar
de milagres do islamismo é suspeita. Sabe-se que 0 feitos miraculosos ligados à natureza para confir-
islamismo tomou por empréstimo de outras religiões mar sua comissão divina e Maomé se recusou a fa-
muitas de suas crenças e práticas (Dashti, p. 55). Isso é zer 0 mesmo, a superioridade de Maomé sobre Cris-
freqüentemente documentado. Não é de admirar que to como profeta e questionável.
as reivindicações islâmicas de milagres tivessem sur- A resposta de Maomé ao desafio de fazer mila-
gido, dessa forma, quando apologistas cristãos demons- gres (v. surata 6.8,9; 17.90-2) é esclarecedora: “Quem
traram a superioridade de Jesus sobre Maomé pelos sou eu senão um mortal, um Mensageiro?” . Não é
milagres de Jesus (v. milagres na B ib lia; Novo Testamento, possível imaginar Moisés, Elias ou Jesus dando tal
historicidadf, do). Histórias de milagres islâmicos come- resposta. Maomé admitiu que, quando Moisés foi
çaram a aparecer depois que dois bispos cristãos, Abu desafiado pelo faraó, respondeu com milagres (v.
Qurra, de Edessa, e Arethas, de Cesaréia, indicaram a surata 7.106-8,118). Sabendo que essa era a maneira
ausência de milagres autenticadores em Maomé. Sahas de Deus confirmar seu profeta, Maomé se recusou a
observou: fazer milagres semelhantes.
Os muçulmanos não oferecem uma boa explica-
A implicação [do desafio do bispo] é bem clara: 0
ção para a ausência de milagres de Maomé. O argu-
ensinamento de Maomé pode até ter mérito; mas não é su-
mento islâmico mais comum é que
ficiente para qualificá-lo como profeta, sem sinais sobre-
naturais. Se tais sinais fossem demonstrados, seria possí-
uma das maneiras estabelecidas de Deus é que ele dá aos
vel aceitá-lo como profeta (p. 312).
profetas 0 tipo de milagres que concordam com 0 espírito da
época para que 0 mundo possa ver que ele está além do poder
Portanto, se os muçulmanos pudessem inventar
humano e que opoder de Deus se manifesta nesses milagres.
milagres, conseguiriam responder ao desafio cristão.
Sahas observa que várias histórias de milagres se
Logo,
assemelham muito aos milagres de Jesus encontra-
dos nos Evangelhos (ibid., p. 314). Por exemplo, Maomé
durante a época de Moisés a arte da feitiçaria havia se de-
subiu ao céu, transformou água em leite e alimentou
senvolvido mais. Portanto, Moisés recebeu milagres que sur-
milagrosamente grande número de pessoas.
preenderam
r
os tnaaos,
c
e, ao ver esses milaares,
~
os masos
£‫יי‬
acei-
Falta de valor apologético. Elas não preenchem os
taram a liderança e autoridade de Moisés.
critérios islâmicos. Nenhuma das histórias de mila-
gres preenche as nove categorias aceitas pelos mu-
Semelhantemente,
çulmanos para um milagre capaz de c onfirmar a
reivindicação do profeta {mudjiza). Logo, pelos pró-
durante a época do Profeta do islamismo, a arte da elo-
prios padrões islâmicos, nenhuma dessas histórias
qüéncia havia progredido bastante. Então, 0 Profeta do
demonstra a verdade do islamismo.
islamismo recebeu 0 milagre do A lcorão, cuja eloqüência emu-
Elas não vêm do Alcorão (que é considerado
deceu os maiores poetas de sua época (Gudel, p. 38-9).
inspirado), logo não têm autoridade divina pelos cri-
térios islâmicos. A ausência desses eventos no Alco-
rão, onde Maomé é constantemente desafiado a apoi- Mas não há evidência de que essa seja “ uma das
ar suas afirmações milagrosamente, é um forte ar- maneiras estabelecidas de Deus” . Pelo contrário, se-
gumento de que não são autênticos (v. A l c o r ã o , su- gundo a admissão do próprio Alcorão de que Deus
posta origem divina d o). Certamente se Maomé pudes-
repetidamente operou milagres relativos à natureza
se silenciar seus críticos confirmando sobrenatu- por meio de Moisés e de outros profetas, incluindo-
ralmente sua mensagem, ele teria feito isso. se Jesus, a maneira estabelecida por Deus para con-
Maomé aceita 0 fato de que Deus confirmou os firmar seus profetas é por meio de milagres. Além
profetas antes dele com milagres. Ele se refere à con- disso, não há nada sobrenatural na eloqüência.
firmaçâo de Deus às credenciais proféticas de Moisés R e s u m o . O fato de Maomé não querer (ou apa-
(v. 7.106-8,116-9; 23.45). O Alcorão também se refere rentemente não poder) fazer milagres ligados à
a manifestações do poder miraculoso de Deus por natureza, mesmo sabendo que os profetas antes
meio dos profetas (v. 4.63-5; 6.84-6). dele podiam e fizeram, parece uma escapatória para
533 mal, problema do

não-muçulmanos reflexivos. Eles perguntarão: “ Se 1. R. A. 1-arlqi, Islam.


Deus confirmou outros profetas por meio de tais N . L . G l is l l r e A u d i l S a l c e b , Answering Islam: the

coisas, por que não fez 0 mesmo com Maomé para Crescent In the light of the cross.
remover toda dúvida?” . Nas palavras do próprio J. Gidhl, To every muslim an answer.
Maomé (do A lc o rã o ): “ E dizem do Mensageiro: M. H a y k a l , The life of Muhammad.
‘Por que Deus não lhe enviou algum sinal?’” , já ). H o r o w it z , “ The growth of the Mohammed
que até Maomé admitiu que “ Deus é capaz de en- legend” , em The Moslem world 10 (1920).
viar um sinal” (Sura 6.37). I. I s h a q , Sir at rasul Allah [ t r a d , p o r The life of

Maomé simplesmente ofereceu seu próprio sinal Muhammadj.


(0 Alcorão) e disse que 0 rejeitaram por incredulida- G. Nr.m s, Christians ask Muslims.
de, não pela sua incapacidade de fazer milagres. Nas C.G.PiAMikR, The balance of truth.
poucas ocasiões em que eventos sobrenaturais estão M . A . R a i l , Islam: creed and worship.

ligados à vida de Maomé, eles podem ser explicados I). ]. S a h a s , "The formation of later Islamic doctrines
por meios naturais. Por exemplo, os muçulmanos con- as a response to Byzantine polemics: the
sideram a grande vitória na batalha de Badr em 624 miracles of Muhammad” , em gotr, 1982.
indicação sobrenatural da aprovação divina em seu A. SciiiM.Mhi ,“ The prophet Muhammad as a centre
favor. Mas exatamente um ano depois as forças de of Muslim life and thought” , We believe in one
Maomé sofreram uma derrota humilhante. No entan- God.
to, isso não é considerado sinal de reprovação divina. A. A. Shork1s h ,M ™ revealed: a Christian Arab’s view
Ao contrário do Alcorão, a tradição islâmica (0 of Islam.
hadith) está cheia de afirmações de milagres, mas H .SecscaJslam and the gospel of God.
elas carecem de autenticidade: contradizem a afir- W. S. C Tisdall, The source of Islam.
mação de Maomé no A lcorão. São registradas um
século ou mais após Maomé. A maioria é rejeitada mal, problema do. Se Deus é absolutamente bom,
por teólogos muçulmanos. Demonstram evidências então por que 0 mal existe (v. Deus, natu reza de)? O
de acréscimos. Não preenchem os critérios estabe- problema do mal é um sério desafio à defesa do
lecidos por teólogos muçulmanos para a confirma- cristianismo. Na verdade, há muitos problemas rela-
ção sobrenatural das afirmações de Maomé, de que cionados ao mal, por exemplo, os problemas sobre
era profeta de Deus. sua origem, natureza e propósito e sobre como evitá-
Em comparação, Jesus fez vários milagres. A maio- 10. Os problemas originados pelo mal podem ser di-
ria deles, se não todos, relacionava-se com sua reivin- vididos em moral, metafísico (v. m etafísica) e físico.
dicação de ser Deus em carne humana (v. C risto , divin- Cosm ovisões e 0 m al. Apesar de toda cosmovisão
dade d l; m ila g re ). O s relatos desses milagres são de ter de lidar com a questão do mal, 0 problema é especi-
testemunhas oculares e contemporâneas de Jesus. almente relevante para 0 teísmo. Das três cosmovisões
Dessa maneira crucial, há uma diferença significativa principais, 0 ateísmo afirma a realidade do mal e nega a
entre a confirmação sobrenatural de Cristo como 0 realidade de Deus. O panteísmo afirma a realidade de
Filho de Deus e a falta de uma confirmação confiável Deus, mas nega a realidade do mal. O teísmo afirma a
de que Maomé fosse ao menos profeta de Deus. realidade de Deus e do mal. Associado a isso está 0
problema: como 0 Ser absolutamente bom (Deus) pode
F on tes ser compatível com 0 mal, 0 oposto do bem?
H. A b i u l a u , Islam in locus. Comparado com outras cosmovisões que afir-
Η. Μ. Αημ \γ>, Introduction to the study of the holy mam Deus e 0 mal, 0 teísmo parece estar na posição
Quran. menos vantajosa. O tfísm o finito, por exemplo, afirma
I . R. A1. F a r l a ji , Islam. que Deus deseja destruir 0 mal, mas é incapaz porque
A . Y. A1 ! , ,'I n t r o d u c t io n to s u r a x v i f ’ . c m The tem poder limitado. O deísmo clássico, da mesma for-
meaning of the glorious Qur’an. ma, pode distanciar Deus do mal ao enfatizar que Deus
____ , “ M u d j iz a ” , e m The encyclopedia of Islam. não é imanente no mundo, pelo menos não sobrena-
Μ. I. B i K11AR1, The translation of the meanings of turalmente. Estamos sozinhos. E, para 0 eanentfísmo, 0
Sahih Al-Bukhari, Μ. M. K h a n , tr a d . mal é uma parte necessária do progresso contínuo de
A . Π α ί γ π , Twenty-three years: a study of the interação de Deus e do mundo (seu corpo).
prophetic career of Mohammad. O problema para 0 teísmo é que ele não só acre-
A . D aw u d , Muhammad in the Bible. dita que Deus é Todo-Poderoso e poderia destruir 0
mal, problema do 534

mal, mas também é amoroso e deveria destruí-lo. Os teístas diferenciam a Causa Primária da ação
Além disso, 0 Deus teísta é onisciente e criou 0 mun- livre (Deus) e a causa secundária (0 ser humano).
do completamente cònscio do que aconteceria. E, Deus deu 0 poder de escolha. Mas Deus não é respon-
ainda por cima, criou 0 inundo livremente (v. c r ia - sável pelo exercício do livre-arbítrio para fazer 0 mal.
çAo, v is õ e s d a ), de modo que 0 mundo poderia ter Deus não realiza a ação livre por nós. 0 livre-arbítrio
sido diferente. humano não é mera causa instrumental por meio da
É no contexto desse tipo de Deus teísta que abor- qual Deus age. Os seres humanos são a causa eficien-
damos os problemas do mal. te, embora secundária, das próprias ações livres. Deus
A origem do mal. De onde veio 0 mal? 0 Deus produz o fato do livre-arbítrio, mas cada ser humano
absolutamente bom não pode criar 0 mal. E, aparen- realiza 0 ato do livre-arbítrio. Então Deus é responsá-
temente, uma criatura perfeita nem pode dar ori- vel pela possibilidade do mal, mas devemos assumir a
gem à imperfeição. Então de onde vem 0 mal? 0 responsabilidade pela realidade dele. Deus não deseja
problema pode ser assim resumido: que 0 mal seja feito nem deseja que não seja feito. Ele
deseja permitir que 0 mal seja feito, e isso é bom.
1. Deus é absolutamente perfeito. Mas se Deus não pode desejar 0 mal, então qual é
2. Deus não pode criar nada imperfeito. sua causa? Nenhuma ação pode ocorrer sem ser cau-
3. Mas criaturas perfeitas não podem fazer 0 mal. sada, já que isso viola 0 primeiro princípio da cau-
4. Portanto, nem Deus nem suas criaturas per- salidade (v. c a u s a l id a d e , p r in c íp io d a ), que exige que
feitas podem produzir 0 mal. todo evento tenha causa.
Para responder a essa pergunta, é necessário des-
Todavia, no universo teísta essas são as únicas fon- crever a natureza do livre-arbítrio. Há três visões bá-
tes possíveis do mal moral. Portanto, parece não haver sicas da natureza do livre-arbítrio. No determinismo,
solução para a origem do mal no universo teísta. uma ação livre é causada por outra pessopa; no
Os elementos básicos na resposta teísta a esse indeterminismo, é não-causada, e no autodetermi-
problema são encontrados em A g o stin h o e T o m a s de nismo é causada pela própria pessoa. 0 d e t e r m in is m o
A q u in o . O s teístas desde então seguiram as linhas de eliminaria a responsabilidade humana, já que outro
seu pensamento. Ambos concordaram na resposta, causou a ação, não nós mesmos. O in d e t e r m in is m o é
que pode ser declarada da seguinte forma: irracional, já que uma regra fundamental da razão é
que toda ação tem causa. Conclui-se então que toda
1. Deus é absolutamente perfeito. livre escolha deve ser causada pela própria pessoa.
2. Deus criou apenas criaturas perfeitas. É claro que a pessoa usa 0 poder do livre-arbítrio
3. Uma das perfeições que Deus concedeu a al- para fazer livres escolhas. Mas a pessoa não é 0 livre-
gumas dessas criaturas foi 0 poder do livre- arbítrio. Ela apenas tem livre-arbítrio. É errado dizer
arbítrio. que sou livre-arbítrio; apenas tenho livre-arbítrio. En-
4. Algumas dessas criaturas escolheram livre- tão, sou a causa eficiente de minhas ações, mas 0 poder
mente fazer 0 mal. do livre-arbítrio é 0 meio pelo qual ajo livremente.
5. Portanto, uma criatura perfeita causou 0 mal. ,4 natureza do mal. Há outra dimensão dessa di-
ficuldade. Qual é a natureza do mal? Isto é, qual é a
Deus é bom, e criou criaturas boas com uma essência ou identidade do mal? Esse também é um
qualidade boa chamada livre-arbítrio. Infelizmente, problema especificamente desagradável para 0 teísta
elas usaram esse poder bom para trazer 0 mal ao clássico (v. c lá s s ic a , a p o l o g é t ic a ). Só Deus é eterno, e
universo ao se rebelar contra 0 Criador. Então 0 mal tudo 0 que criou era bom. Então, 0 que é 0 mal?
surgiu do bem, não direta, mas indiretamente, pelo Os teístas rejeitam 0 dualismo. 0 mal não é um
mau uso do poder bom chamado liberdade. A liber- princípio co-eterno separado de Deus. Pois nem to-
dade em si não é má. É bom ser livre. Mas com a dos os opostos como 0 bem e 0 mal são primeiros
liberdade vem a possibilidade do mal. Então Deus é princípios. Isso supõe equivocadamente que só por-
responsável por tornar 0 mal passível, mas as criatu- que algo pode ser essencialmente bom (Deus), algo
ras livres são responsáveis por torná-lo real. pode ser essencialmente mau. Mas, ao rejeitar 0
É claro que outras questões se associam a essa dualismo, é extremamente difícil explicar a realida-
solução do livre-arbítrio para a origem do mal. de do mal. Se 0 mal não é algo separado de Deus, e
Uma é: 0 que provocou a escolha do mal pela não pode proceder do interior de Deus, então 0 que
primeira criatura? é? 0 problema pode ser resumido desta maneira:
535 mal, problema do

1. Deus é 0 Autor de tudo que existe. 0 relacionamento de amor é bom; 0 de ódio é mau.
2. 0 mal é algo que existe. Da mesma forma, quando a criatura adora 0 Cria-
3. Portanto, Deus é 0 Autor do mal. dor, se relaciona bem; quando blasfema contra 0 Cri-
ador, é um relacionamento mau.
Rejeitar a primeira premissa leva ao dualismo. Da Desse ponto de vista, conclui-se que não há nada
mesma forma, negar a segunda leva ao ilusionismo que seja totalmente mau. Se fosse totalmente privado
que nega a realidade do mal (v. panteísmo). Nenhuma de todo bem, não seria nada. Um carro totalmente
das duas é aceitável ao teísta. Então qual é a solução? enferrujado não é um carro. E uma roupa totalmente
Concordar que Deus não criou todas as coisas é negar comida por traças é apenas um cabide num armário.
sua soberania. Dizer que 0 mal não é nada nega a 0 mal, como a ferida, só pode existir em outra coisa.
realidade. Mas admitir que Deus causou todas as coi- Um braço totalmente ferido significa que a pessoa
sas e que 0 mal é alguma coisa é reconhecer que Deus está mutilada.
causou 0 mal — uma conclusão rejeitada por Aquino. Em vista disso, algo não pode ser totalmente
Essa conclusão, no entanto, parece resultar privado, pelo menos não no sentido metafísico. Um
logicamente dessas premissas. A não ser que se rejeite ser totalmente corrompido nem existiria. E a von-
a verdade de uma dessas premissas, é preciso aceitar tade totalmente debilitada não poderia executar
a verdade da conclusão. nenhuma ação moral. É preciso ter cuidado para
0 teísta responde que 0 mal não é uma coisa ou não levar a depravação humana tão longe a ponto
substância. É uma falta ou privação de algo bom que de destruir a habilidade de pecar. Não pode haver
Deus fez. 0 mal é a privação de algum bem específico. 0 mal supremo, pois, apesar de 0 mal reduzir 0
A essência dessa posição pode ser assim resumida: bem, ele jamais poderá destruí-lo completamente.
Nada pode ser completa e ilimitadamente mau. Pois
1. Deus criou toda substância. se 0 bem fosse completamente destruído — e isso
2. 0 mal não é uma substância (mas uma priva-
seria necessário para 0 mal ser completo — , ò pró-
ção numa substância).
prio mal desapareceria, já que seu sujeito, isto é, 0
3. Logo, Deus não criou 0 mal.
bem, não existiria mais.
0 fato de 0 mal não poder ser total em sentido
0 mal não é uma substância, mas a corrupção
metafísico não implica que não possa ser total no
das substâncias boas que Deus fez. 0 mal é como a
sentido moral. Um ser pode ser totalmente (ou radi-
ferrugem no carro ou a podridão na árvore. É afalta
calmente) depravado do ponto de vista moral, no
de coisas boas, mas não é algo por si só. O mal é
sentido de 0 mal ter invadido todas as partes de seu
como a ferida no braço ou furos de traça na roupa.
ser. Mas a depravação moral total só pode ser exten-
Só existe em outra coisa, não sozinho.
siva, não intensiva. Pode estender-se a todas as par-
É importante lembrar que privação não é 0 mes-
tes do ser de uma pessoa, mas não pode destruí-la.
mo que simples ausência. A visão está ausente na
Se destruísse a pessoa, não haveria alguém para fa-
pedra assim como no cego. Mas a ausência de visão
zer 0 mal. 0 mal total, nesse sentido, destruiria a
na pedra não é privação. A privação é a ausência de
habilidade de a pessoa fazer 0 mal.
algo que deveria estar ali. Já que a pedra por nature-
Os teístas clássicos analisam 0 problema do mal
za não deveria ver, ela não está privada de visão, como
a partir de quatro causas: 1) eficiente, 2) final, 3)
0 cego. 0 mal, então, é a privação de algum bem que
formal e 4) material. Para 0 ser humano, Deus é a
deveria estar ali. Não é a simples negação.
Dizer que 0 mal não é algo, mas uma falta nas causa eficiente; a glória de Deus e 0 bem delas é a
coisas, não é afirmar que ele não é real. 0 mal é a causa final; a alma é a causa formal; e 0 corpo é a
falta real nas coisas boas, como 0 cego sabe muito causa material. Mas, já que 0 mal não é substância, ele
bem. 0 mal não é uma substância real, mas é a priva- não tem causa formal, e sua causa material é a subs-
ção real nas substâncias boas. Não é entidade real, táncia boa.
mas a corrupção real numa entidade real.
0 mal como privação surge de várias formas. Há Causa eficiente Livre-arbítrio
privações físicas, como mutilações, e há privações mo- Causa final Nenhuma. 0 mal é a falta de
rais, como na perversão sexual. A privação pode estar ordem.
na substância (0 que algo é) ou em relacionamentos Causa formal Nenhuma. O mal é a privação
(como se relaciona com outros). Há não só coisas da forma.
más como também há relações más entre as coisas. Causa material A substância boa.
mal, problema do 536

A causa eficiente do mal moral é 0 livre-arbítrio, bem. Liberdade forçada é uma contradição. Portan-
não direta, mas indiretamente. Xão há propósito to, Deus não pode destruir literalmente todo 0 mal
(causa final) no mal. Ele é falta de ordem apropriada sem aniquilar 0 livre-arbítrio. A única maneira de
para um fim bom. 0 mal não tem causa formal pró- destruir 0 mal é destruir 0 bem do livre-arbítrio.
pria. Antes é a destruição da forma em outra coisa. Mas quando não há livre-arbítrio moral, não há pos-
Sua causa material é 0 bem, mas não 0 próprio. Só sibilidade de bem moral. A não ser que 0 ódio seja
existe numa coisa boa, corrompendo-a. possível, 0 amor não é possível. Onde nenhuma cri-
A persistência do mal. Há outro aspecto do proble- atura pode blasfemar, nenhuma criatura pode ado-
ma do mal. Por que Deus 0 permite? Mesmo que não 0 rar. Portanto, se Deus destruísse todo 0 mal, teria de
tenha produzido, permitiu que acontecesse. Contudo, destruir todo 0 bem.
ele é onipotente e poderia destruí-lo. Então por que Mas 0 teísmo afirma que, apesar de Deus não
não 0 faz? destruir (aniquilar) todo 0 mal sem destruir todo 0
A maneira clássica de afirmar 0 problema da bem, ele pode derrotar e derrotará (vencerá) todo 0
persistência do mal é a seguinte: mal sem destruir 0 livre-arbítrio. 0 argumento pode
ser resumido da seguinte forma:
1. Se Deus fosse totalmente bom, destruiria 0 mal.
2. Se Deus fosse onipotente, destruiria 0 mal. 1. Deus é absolutamente bom e deseja derrotar
3. Mas 0 mal não é destruído. 0 mal.
4. Logo, não há Deus. 2. Deus é onipotente e é capaz de derrotar 0 mal.
3. 0 mal ainda não foi derrotado.
Expresso dessa forma, 0 argumento abre a possi- 4. Portanto, um dia será derrotado.
bilidade de um Deus finito, mas os teístas rejeitam
tal conceito. Pois todo ser finito e limitado tem uma 0 poder e perfeição infinitos de Deus garantem
causa (v. cosm ológico, a rg u m e n to ). Então um Deus a derrota final do mal. 0 fato de não ter acontecido
finito é apenas uma criatura que precisa de um Cri- ainda não diminui de forma alguma a certeza de que
ador infinito. E já que Deus é poderoso, então deve 0 mal será derrotado. Ainda que 0 mal não possa ser
ser infinitamente poderoso. Da mesma forma, já que destruído sem destruir 0 livre-arbítrio, ele pode ser
ele é bom, deve ser infinitamente bom. Portanto, um derrotado.
Deus finito não é uma opção para 0 teísta. Deus tem 0 Deus onipotente poderia, por exemplo, sepa-
0 desejo e a habilidade necessários para tornar qual- rar as pessoas boas das más conforme sua livre es-
quer coisa possível. colha. As que amam a Deus ficarão separadas das
É possível destruir 0 mal? 0 teísta responde des- que não 0 amam. As que desejam 0 bem, mas são
ta forma: prejudicadas pelo mal, deixarão de ter seus bons pro-
pósitos frustrados. E as que fazem 0 mal e são inco-
1. Deus não pode fazer 0 que é realmente im- modadas por influências boas não serão mais impe-
possível. didas pelas instigações do bem. Cada um, no céu ou
2. É realmente impossível destruir 0 mal sem no inferno, viverá segundo seu livre-arbítrio. Dessa
destruir 0 livre-arbítrio. forma, a vitória de Deus sobre 0 mal não violaria 0
3. Mas 0 livre-arbítrio é necessário no universo livre-arbítrio.
moral. 0 Deus teísta p o d e derrotar 0 mal, e fará isso.
4. Logo, Deus não pode destruir 0 mal sem des- Sabemos disso porque ele é absolutamente bom e
truir esse universo moral e bom. gostaria de derrotar 0 mal. E, por ser onipotente, ele
é capaz de derrotar 0 mal. Portanto, ele 0 fará. A
É impossível a Deus fazer 0 que é contraditório. garantia de que 0 mal será derrotado é a natureza do
Ele não pode fazer uma afirmação ser verdadeira e Deus teísta.
falsa ao mesmo tempo. Não pode fazer nada que O propósito do mal. Nenhum mal é bom, mas
envolva tal impossibilidade, como fazer um círculo um pouco de mal tem um bom propósito. Dores de
quadrado ou uma pedra tão pesada que ele não con- advertência, por exemplo, são doloridas, mas nesse
siga levantar. caso a dor tem um bom propósito. É claro que nem
Mesmo um ser onipotente não é capaz de fazer qual- todo 0 mal parece ser desse tipo. E 0 mal que parece
quer coisa. Só pode fazer 0 que é possível. Mas não é não ter um propósito bom? 0 problema pode ser
possível forçar as pessoas a escolherem livremente 0 resumido da seguinte maneira:
537 mal, problema do

1. 0 Deus onipotente tem um bom propósito boa parte do mal, sem dúvida a mente infinita pode
para tudo. conhecer 0 bom propósito para 0 resto.
2. Não há um bom propósito para alguns sofri- 0 mal às vezes é subproduto do bom propósito. Nem
mentos. todo mal específico precisa de um bom propósito.
3. Logo, não pode haver Deus onipotente. Alguns males podem simplesmente ser 0 subproduto
necessário do bom propósito. 0 passarinho que acor-
Parece evidente que há sofrimento inútil no da cedo come a minhoca. A contrapartida é que a
mundo. Algumas pessoas melhoram com 0 sofri- minhoca que acorda cedo é comida! 0 que é vida
mento, mas outras ficam amarguradas. Ossos que- para formas superiores é morte para formas inferio-
brados são mais fortes quando se recuperam, mas res. Plantas e animais morrem para que 0 homem
alguns jamais se recuperam. Muitas pessoas mor- possa ter comida para viver. Então 0 mal resulta indi-
rem. 0 que dizer de todo 0 mal inútil no mundo? retamente do bem porque é a conseqüência de um
A resposta teísta ao mal aparentemente sem pro- propósito bom. Portanto, a resposta pode ser expressa
pósito é dividida em quatro. Primeiro, Deus tem um da seguinte maneira:
bom propósito para tudo. Segundo, conhecemos um
bom propósito para a maior parte do mal. Terceiro, 1. Deus tem um bom propósito para tudo que
parte do mal é produto do bem. Quarto, Deus é capaz faz.
de tirar coisas boas do mal. 2. Alguns bons propósitos têm subprodutos
Deus tem um bom propósito pa ra tudo. 0 antiteísta maus.
ignora uma diferença importante: Deus conhece um 3. Logo, alguns males são subprodutos de um
propósito bom para todo 0 mal, mesmo que nós não bom propósito.
0 conheçamos. Só porque mentes finitas não conse-
guem imaginar um bom propósito para um mal não Nem todo evento específico no mundo precisa ter
significa que ele não exista. Já que Deus é onisciente, um bom propósito. Apenas 0 propósito geral precisa
ele sabe tudo. E já que é completamente bom, tem um ser bom. 0 ferreiro tem um bom propósito para mar-
bom propósito para tudo. Então, Deus realmente co- telar 0 ferro derretido e fazer a ferradura. Mas toda
nhece um bom propósito para todo 0 mal, apesar de faísca que sai tem um propósito para seu destino.
não 0 conhecermos: Algumas faíscas podem causar incêndios invo-
luntários. Da mesma forma, Deus tinha um bom
1. 0 Deus completamente bom tem um bom propósito para criar a água (sustentar a vida), mas
propósito para tudo. afogamentos são um dos subprodutos malignos. As-
2. Existem certos males para os quais não ve- sim, nem todo afogamento específico precisa ter
mos um bom propósito. um bom propósito, apesar de a criação da água em
3. Logo, há um bom propósito para todo mal, que ele ocorreu ter tido. Muitas coisas boas seriam
apesar de não 0 vermos. perdidas se Deus não tivesse permitido que o mal
existisse. 0 fogo não queima a não ser que 0 ar seja
0 fato de seres finitos não verem 0 propósito consumido. A retribuição justa não é infligida nem
de certos males não significa que este não exista. a paciência é alcançada sem 0 mal da provação.
A incapacidade de ver 0 propósito do mal não Isso não significa que este mundo atual seja 0
refuta a benevolência de Deus; apenas revela nos- melhor mundo possível. Significa que Deus 0 fez
sa ignorância. como a melhor maneira de atingir seu objetivo
0 propósito de boa pa rte do m al é conhecido p o r supremo do bem maior. Talvez Deus nem sempre
nós. Apesar de não sabermos tudo, sabemos algo. E 0 tire algo bom de todo subproduto mau no mundo
que sabemos é que há um bom propósito para esse decadente. Isso poderia ser verdade no âmbito físico
mal. Dores de advertência têm um bom propósito. Na e moral. Como 0 lixo radioativo, alguns subprodutos
verdade, a habilidade de sentir dor tem um bom pro- malignos podem resistir ao reprocessamento. Na ver-
pósito. Pois, se não tivéssemos 0 sistema nervoso, po- dade, conforme a segunda lei da termodinâmica,
deríamos destruir-nos sem sequer sentir dor. E a dor 0 mundo físico está apodrecendo. Mas Deus tem
física pode ser a advertência que nos salva do desastre 0 poder de recriá-lo (v. 2Pe 3.13). A morte do ser
moral. Como C. S. Lew is mostrou, a dor é 0 megafone humano pode ser derrotada pela ressurreição (v.
de Deus para advertir 0 mundo moralmente surdo. E Rm 8; 1 C0 15). Nada disso é problema para 0
se nós, seres finitos, conhecemos 0 bom propósito de Deus onipotente.
mal, problema do 538

Oproblema do mal físico. A solução anterior para 0 3. Alguns males físicos que afligem outros po-
problema do mal não parece resolver 0 problema dos dem resultar do nosso livre-arbítrio, como no
desastres naturais. Por que existem tornados, furacões caso de maus tratos ao cônjuge ou aos filhos.
e terremotos? Não é suficiente dizer que 0 livre-arbí- 4. Outros sofrem indiretamente por causa do
trio das criaturas causou todos eles. Além disso, mui- nosso livre-arbítrio. 0 alcoolismo pode levar
tas pessoas inocentes morrem por causa deles. Como à pobreza dos filhos do alcoólatra.
explicar então 0 mal natural? Na forma lógica: 5. Alguns males físicos podem ser 0 subproduto
necessário de um bom processo. Chuva, ar
1. O mal moral é explicado pelo livre-arbítrio. quente e ar frio são todos necessários para
2. Mas alguns males naturais não resultam do livre- alimentação e para a vida, mas um subpro-
arbítrio. duto dessas forças é 0 tornado.
3. O mal natural não pode ser explicado pelo 6. Alguns males físicos podem ser a condição
livre-arbítrio das criaturas. necessária para alcançar 0 bem moral maior.
4. Logo, Deus deve ser responsável pelo mal Deus usa a dor para chamar nossa atenção.
natural. Muitos chegaram a Deus por meio do so-
5. Mas os males naturais causam sofrimento e frimento.
morte de inocentes. 7. Alguns sofrimentos físicos podem ser a con-
6. Logo, Deus é responsável pelo sofrimento e dição necessária de um bem moral maior.
morte dos inocentes. Assim como diamantes são formados sob
pressão, 0 mesmo acontece com 0 caráter.
Os teístas questionam várias premissas desse ar- 8. Alguns males físicos são 0 acompanhamento
gumento. Uma resposta à premissa 5, por exemplo, é necessário do mundo físico moralmente bom.
Por exemplo, é bom ter água para nadar e
que neste mundo decadente ninguém é inocente. Pe-
passear de barco, mas uma concomitância
camos em Adão (Rm 5.12) e como conseqüência me-
necessária é que também podemos afogar-
recemos a morte (Rm 6.23). O desastre natural é re-
nos nela. É bom ter relações sexuais para
sultado direto da maldição sobre a criação por causa
procriação e prazer, apesar de isso possibi-
do pecado da humanidade (Gn 3; Rm 8). Ela não será
litar 0 estupro. É bom ter alimento para
removida até Cristo voltar (Ap 21, 22).
comer, mas isso também possibilita a mor-
Da mesma forma, a proposição 6 está errada, já
te por envenenamento.
que implica que Deus é moralmente culpável por ti-
rar a vida de uma criatura. Esse é um erro claro, pois
A essa altura, 0 crítico pode perguntar por que 0
supõe que, já que é errado uma criatura tirar uma
mundo físico é necessário. Por que Deus não criou
vida inocente, também é errado 0 Criador tirá-la. Mas
espíritos, que não poderiam machucar seus corpos
Deus deu a vida e só ele tem 0 direito de tirá-la (cf. Dt
nem morrer? A resposta é: Deus criou; eles se cha-
32.39; Jó 1.21). Nós não demos a vida, e não temos 0
mam anjos. 0 problema é que, apesar de nenhum anjo
direito de tirá-la.
poder morrer por envenenamento, ele também não
A premissa 3 é definitivamente falsa, pois 0 teísmo
pode se deliciar com um churrasco. Apesar de nenhum
pode explicar todo mal natural pela referência ao
anjo jamais ter-se afogado, nenhum anjo jamais foi na-
livre-arbítrio. Na linguagem bíblica, 0 livre-arbítrio dar ou esquiar na água. Nenhum anjo jamais foi estu-
de Adão e Eva trouxe 0 desastre natural a este mun-
prado, mas também nunca desfrutou do sexo ou da
do. Além disso, 0 livre-arbítrio de anjos maus expli-
bênção de ter filhos (Mt 22.30). Neste mundo físico,
ca 0 resto do sofrimento humano. No entanto, mes-
simplesmente temos de aceitar 0 mal concomitante
mo ignorando essa possibilidade, que por si mesma
com 0 bem.
explicaria todo mal natural, 0 sofrimento físico pode
Finalmente, é claro, os teístas cristãos acreditam
ser explicado em relação ao livre-arbítrio humano.
que Deus nos redimirá de todo mal físico também,
dando-nos corpos imortais e incorruptíveis. Mas, se
1. Alguns sofrimentos são causados diretamente
os recebêssemos antes de estarmos moralmente pre-
pelo livre-arbítrio. A escolha de abusar de meu
parados para eles, não faríamos 0 progresso moral
corpo pode causar doença.
necessário para sermos adequados a eles.
2. Alguns sofrimentos são causados indireta-
A p o s s ib ilid a d e d e e v ita r 0 m a l. Se Deus sabia
mente pelo livre-arbítrio. A escolha de ser
que 0 mal aconteceria, por que criou este mundo?
preguiçoso pode resultar em pobreza.
Deus tinha a liberdade de criar ou não criar. Por
539 mal, problema do

que decidiu criar um mundo que sabia que iria melhor que 0 mundo moral. Já que 0 mundo amoral
cair? Os teístas acreditam que Deus é onisciente, não é 0 mundo moral, não há base moral para compa-
completamente bom e livre. Por ser onisciente, pre- ração. Isso também é um erro de categorias.
viu 0 mal. Por ser livre, poderia ter evitado a cria- Um mundo livre onde ninguém peca ou mesmo
ção do mundo. Mas isso entra em conflito com 0 um mundo livre onde todos pecam e depois são sal-
Deus completamente bom, pois tal Deus deve ter vos é concebível, mas não atingível. Enquanto todos
tido um bom motivo para criar 0 mundo, sabendo forem realmente livres, sempre será possível que al-
que haveria 0 pecado. Então por que 0 criou? guém se recuse a fazer 0 bem. É claro que Deus pode-
Havia outras alternativas melhores à disposição ria forçar todos a fazer 0 bem, mas então não seriam
de Deus. Ele poderia não ter criado nada. Poderia ter livres. Liberdade forçada não é liberdade. Já que Deus
criado um mundo amoral, onde nenhum pecado po- é amor, ele não pode impor‫־‬se contra a vontade de
deria acontecer. Poderia ter criado um mundo livre, ninguém. Amor forçado não é amor; é estupro. E Deus
onde ninguém teria escolhido pecar. Poderia ter cri- não é um estuprador divino. O amor deve agir persu-
ado um mundo onde 0 pecado acontecesse, mas to- asivamente, mas não coercivamente. Portanto, em todo
dos fossem finalmente salvos. Qualquer desses mun- mundo livre concebível alguém escolheria fazer 0 mal,
dos teria sido melhor que 0 mundo concebido pelo então um mundo sem mal e perfeito pode não ser
teísta cristão ortodoxo, no qual 0 mal acontece e possível.
nem todos serão salvos no final (v. i n f e r n o ; Um mundo onde 0 pecado jamais se materializa é
aniquieacionismo; u n ive rsa lism o ). O problema assume concebível, mas pode não ser 0 mais desejável moral-
esta forma: mente. Se 0 mal não é permitido, então não pode ser
combatido. Semelhante aos carros, 0 mundo testado
1. Deus poderia ter escolhido uma alternativa é melhor que 0 mundo não testado. Em outras pala-
melhor ao: (a) não criar nada; (b) não criar vras, nenhum lutador de boxe pode derrotar um opo-
um mundo livre; (c) criar um mundo livre nente sem entrar no ringue. Deus pode ter permiti-
que não pecasse; (d) criar um mundo que do 0 mal com 0 propósito de derrotá-lo. Se 0 mal
pecasse, mas em que todos fossem salvos. não é permitido, então as virtudes mais elevadas não
2. Mas Deus não escolheu nenhuma dessas al- podem ser atingidas. Sem dor não há aperfeiçoa-
ternativas. mento. A tribulação produz a perseverança. Não há
3. Logo, Deus não fez 0 melhor. como experimentar a alegria do perdão sem permi-
4. Mas fazermenos que 0 melhor éum mal para Deus. tir a queda no pecado. Então, 0 mundo onde 0 mal
5. Logo, não existe um Deus absolutamente per- não é derrotado e os bens maiores são atingidos não
feito. seria 0 melhor mundo atingível. Portanto, apesar de
um mundo onde 0 pecado não acontece ser teologi-
Alguns teístas desafiam a quarta premissa, argu- camente concebível, ele seria moralmente inferior.
mentando que Deus não precisa fazer 0 melhor; ele C o n c lu s ã o . Ninguém jamais demonstrou que
apenas precisa fazer 0 que é bom. E 0 que ele fez ao qualquer mundo alternativo é moralmente melhor
criar este mundo foi bom, mesmo que pretensamente que 0 mundo que temos. Logo, nenhum antiteísta
pudesse ter sido algo melhor. Mas supondo, por amor pode demonstrar que Deus não criou 0 melhor mun-
ao argumento, que Deus precise fazer 0 melhor, será do, mesmo com a privação do bem. Isso, é claro, não
que outra alternativa realmente seria melhor que significa que 0 teísta esteja comprometido com a
este mundo? Os teístas respondem: “Não!” . crença de que 0 mundo atual é 0 melhor mundo que
A ausência de mundo não é melhor que 0 mun- poderia ser alcançado. Deus ainda não terminou sua
do. Nada não é melhor que algo. Esse é um erro clás- obra, e as Escrituras prometem que algo melhor será
sico de categorias. Algo e nada não têm nada em alcançado. A suposição do teísta é que este mundo é
comum, então não podem ser comparados. Não é 0 melhor caminho para 0 melhor mundo atingível.
nem como comparar maçãs e laranjas, já que ambas
são frutas. É como comparar maçãs e a ausência de Fontes
maçãs, insistindo que a ausência é mais saborosa. 0 problema metafísico do mal
0 mundo sem liberdade não é moralmente me- A g o s t in h o , Contra a epístola dos, maniqueus.
lhor que 0 mundo livre. 0 mundo sem liberdade é ___ , .4 cidade de Deus.
amoral, já 0 livre-arbítrio é necessário para a mora- ___ , Sobre a natureza de Deus.
lidade. O mundo amoral não pode ser moralmente ___ , Da verdadeira religião.
m ar Morto, m anuscritos do 540

T o m á s d e A q c in o , Compendium theologica. testado, esse processo é usado moderadamente. Me-


___ , Suma teológica. tade de um pedaço de embrulho de linho de 50
gramas de um rolo da caverna 1 foi testado pelo Dr.
O problema moral do mal W. F. Libby, da Universidade de Chicago, em 1950,
N. L. G f.1s i .h r , Philosophy o f religion. para dar uma idéia geral da idade da coleção. Os
___ , The roots o f evil. resultados indicaram a idade de 1 917 anos com a
G . W . L f ib n iz , Theodicy. variante de 200 anos ( 10% ), que deixou a data entre
C. S. L e w is , ()grande abismo. 168 a.C. e 233 d.C.
Tom is 0E A y n x o , On evil. Datação paleográfica e ortográfica. A paleografia
O problema físico do mal (estudo de formas antigas de escrita) e a ortografia
A g o s t in h o , Cidade de Deus. são mais úteis, indicando que alguns manuscritos
A. Camus, A peste.
foram compostos antes de 100 a.C. Albright estudou
___ , The roots o f evil.
fotografias do rolo completo de Isaías e determinou
C.S. L e w i s , Oproblem a do sofrimento.
sua data por volta de 100 a.C. “Que descoberta incrí-
vel!” , escreveu. “ E felizmente não há a menor dúvida
A. P1.ANT1NGA, God, Freedom, and evil.
no mundo quanto à genuinidade do manuscrito”
F. M. V01TA1RE, Cândido,ou O otimista.
(ibid., p. 55).
Datação arqueológica. Evidências corroborativas
mar Morto, manuscritos do. A descoberta dos ma-
de uma data antiga vieram da arqueologia. Os vasos
nuscritos do mar Morto (mmm) em Qumran, a partir
contendo os manuscritos eram do fim da era helênica
de 1949, teve implicações apologéticas significati-
(c. 150-63 a.C.) e começo da romana (c. 63 a.C.-100
vas. Esses textos antigos, escondidos dentro de vasos
d.C.). Moedas encontradas nas ruínas do mosteiro
em cavernas nas montanhas por uma comunidade
provaram, pelas inscrições, que foram cunhadas en-
religiosa monástica, confirmam a confiabilidade do
tre 135 a.C. e 135 d.C. A trama e 0 padrão do tecido
texto do at. Eles oferecem porções importantes dos
apoiavam uma data antiga. Evidências também vie-
livros do a t — até livros inteiros — que foram copi-
ram das descobertas de Murabba at ao sul de Belém,
ados e estudados pelos essênios. Esses manuscritos
onde manuscritos datados foram descobertos em 1952.
são datados a partir do século 111 a.C. e, assim, nos
Com datas de 132-135 d.C., elas provaram ser paleo-
oferecem 0 primeiro vislumbre conhecido até ago-
graficamente mais jovens que os mmm (Zeitlin). No
ra dos textos dos livros do a t e suas profecias. Os
final, não havia sombra de dúvida de que os manus-
textos de Qumran tornaram-se testemunho impor-
critos de Qumran vieram do século 1 a.C. e do século 1
tante da origem divina da Bíblia (v. p ro fe c ia co.mo d.C. Assim, eles são mil anos mais velhos que os ma-
prova da B íb lia ). Dão maior evidência contra a críti-
nuscritos massoréticos do século x. Antes de 1947, 0
ca bíblica negativa (v. B íb l ia , c r ít i c a d a ) de livros texto hebraico era baseado em três manuscritos par-
cruciais como Daniel e Isaías (v. D a n ie l, datação de; ciais e um completo que datavam de cerca de 1000
A n tig o Testam ento, m anuscritos do; redação do A n tig o
d.C. Agora, milhares de fragmentos estão disponíveis,
T e s ta m e n to ,c rític a da). assim como livros completos, contendo grandes par-
Os mmm datam desde 0 século 111 a.C. até 0 século 1 tes do a t de um milênio antes do tempo dos manus-
da era cristã. Contêm um livro completo do at, Isaías critos massoréticos.
(v. Isaías, D e u te ro ) e milhares de fragmentos, que jun- A p o io p a r a 0 texto m a sso rético . A natureza e 0
tos representam todos os livros do at, exceto Ester. número dessas descobertas são de valor crítico para
William F. A lb r ig h t denominou essa “a maior desco- 0 estabelecimento do texto verdadeiro (v. A n t ig o T es-
berta de manuscritos dos tempos modernos” (v. ta m fx ro ,m a n t s c r ít ü s D0).C0m fragmentos incontáveis
Trever, p. 55). do at inteiro, há amostras abundantes com que com-
D atação dos m anuscritos do m ar M orto. As da- parar 0 texto massorético. A evidência indica as se-
tas são importantes, mas não cruciais, para 0 valor guintes conclusões gerais.
apologético dos mmm. A datação usou várias linhas Confirmação do texto hebraico. Os manuscritos
de evidência. confirmam de forma surpreendente a fidelidade
Datação com carbono 14. λ datação com carbono com que 0 texto hebraico foi copiado no decorrer
14 é uma forma científica confiável de datação quando dos séculos. Até as cópias massoréticas do século x,
aplicada a material não contaminado de até vários mi- poucos erros surgiram. Millar Burrows, em The D ead
lhares de anos de idade. Já que destrói parte do material Sea scrolls, escreve:
541 m ar M orto, m anuscritos do

É de admirar que durante mil anos 0 texto tenha sofrido Jeremias. 0 fragmento de Jeremias apóia es-
pouquíssimas alterações. Como disse no meu primeiro artigo sas omissões.
sobre 0 rolo Jde Isaías]:“Aqui está amaior importância, 0 apoio 6. Na caverna 11, uma cópia do Salmo 151, que
à fidelidade da tradição massorética” (Burrows, p. 304). era desconhecida até então no texto hebraico,
foi encontrada, apesar de aparecer na lx x .
R. Laird Harris mostra que “evidentemente a dife- Alguns livros apócrifos, que antes só eram
rença entre 0 textos-padrão de 900 d.C. e 0 texto de conhecidos na lx x , também foram encontra-
100 a.C. não é tão grande quanto a diferença entre os dos entre os manuscritos hebraicos nas ca-
textos Neutro e Ocidental no estudo do n t ” (Harris, p. vernas de Qumran (Vermes, p. 296 ).
99). Gleason Archer observa que as duas cópias de
Isaías descobertas na caverna 1 em Qumran “prova- Esse quadro não deve de forma alguma ser visto
ram ser palavra por palavra idênticos à nossa Bíblia uniformemente, já que não há tantas diferenças entre
hebraica em mais de 95% do texto. Os 5% de variação os mmm e 0 texto massorético. Em alguns casos, as
consistiam principalmente em distrações óbvias do variações não concordam coerentemente com a lx x ;
escriba e variações de ortografia” (Archer, p. 19). Vol- em outros, nem concordam. Mas até Orlinsky, que é
tando à questão original e “mais importante” levanta- um dos maiores defensores do texto massorético con-
da pelo erudito do a t Frederic Kenyon (1863-1952) tra emendas propostas baseadas nos mmm, admite:
uma geração atrás, pode-se afirmar agora com mais
confiança que nunca que 0 texto hebraico moderno A versão lx x , tanto quanto0 textomassorético, ganhoumui-
representa fielmente 0 texto hebraico escrito origi- to respeito, com 0 resultado das descobertas de Qumran em
nalmente pelos autores do Antigo Testamento. As des- certos círculos onde havia muito tempo tal respeito era neces-
cobertas do mar Morto nos capacitaram a responder sário (citado emWright, 121).
a essa questão com muito mais segurança do que era
possível antes de 1948 (Bruce,p. 61-9). Esclarecim ento do nt. Alguns fragmentos dos mmm
Apoio à Septuaginta. Já que 0 Novo Testamento foram identificados como os pedaços mais antigos
cita muitas vezes a versão grega do at, a Septuaginta do n t que se conhecem. Além disso, as expectativas
(lx x ) , a confiabilidade desse texto é importante, es- messiânicas revelam que a visão do n t de um Deus-
pecialmente onde é citada no n t. Os mmm dão apoio Messias pessoal que ressurgiria dos mortos está de
à lx x e respondem a perguntas sobre variações entre acordo com 0 pensamento judaico do século 1.
0 hebraico e a lx x grega: 05 fragm entos do n t ? José 0 ’C a li.a h a n , paleógrafo
jesuíta espanhol, foi manchete em todo 0 mundo em
1. Um fragmento contendo Deuteronômio 32.8 1972, quando anunciou que havia traduzido um pe-
diz: “segundo 0 número dos filhos de Deus” , daço do evangelho de Marcos num fragmento dos
termo que é traduzido “anjos de Deus” pela mmm. Essa seria a mais antiga porção do evangelho
lxx, como em Gênesis 6.4 (margem); Jó 1.6; de Marcos já descoberta. Fragmentos da caverna 7
2.1; e 3 8 .7 . 0 texto massorético diz: “segundo haviam sido datados entre 50 a.C. e 50 d.C.; eram
0 número dos filhos de Israel” . considerados “ não identificados” e classificados
O texto massorético de Êxodo 1.5 diz “seten- como “ textos bíblicos” . 0 ’Callahan posteriormente
ta” pessoas. Um fragmento dos mmm de Êxodo identificou nove fragmentos. A coluna central na
1.5 diz “setenta e cinco” pessoas, de acordo tabela seguinte usa 0 sistema numérico estabeleci-
com a lxx. do para os manuscritos. Por exemplo, “ 7q5” significa
Hebreus 1.6/7: “ E todos os anjos de Deus 0 fragmento 5 da caverna 7 de Qumran.
adorem” é uma citação da lx x de Deutero-
nômio 32.43. Essa citação não concorda com
Marcos 4.28 7q 6 ? 50 d.C.
0 texto massorético, mas os fragmentos dos
Marcos 6.48 7q 1 5 d.C.?
mmm que contêm essa passagem tendem a
Marcos 6.52,53 7q 5 50 d.C.
confirmar a i.xx.
Marcos 12.17 7q 7 50 d.C.
4. Isaías 9 .6 diz: “ela 0 chamará” no texto
Atos 27.38 7q 6 ? 60 d.C.
massorético, mas a lx x e agora 0 grande rolo
Romanos 5.11,12 7q 9 + 70 d.C.
de Isaías diz: “0 seu nome será” , por causa de
1Timóteo 3.16; 4.1-3 7 q 4 + 70 d.C.
uma consoante a menos do alfabeto hebraico.
2 Pedro 1.15 + 70 d.C.
5.
7 q 10
A versão grega de Jeremias tem 60 versículos
Tiago 1.23,24 7 q 8 + 70 d.C.
a menos (um oitavo) que 0 texto hebraico de
m ar M orto, m anuscritos do 542

Simpatizantes e críticos reconheceram desde 0 no n‫־‬t descrevem precisamente a expectativa judaica


princípio que, se válidas, as conclusões de 0’Callahan de um Messias individual e pessoal que morreria e
revolucionariam as teorias atuais sobre 0 n t. 0 Aeiv ressuscitaria dos mortos. Um fragmento chamado
York Times relatou: “ Se a teoria do padre 0’Callahan “ Florilégio de Gênesis” (4q 2 52) reflete a crença num
for aceita, isso provará que pelo menos um dos evan- Messias individual que seria descendente de Davi.
gelhos — 0 de são Marcos — foi escrito apenas al- “ Coluna 5 (1 ) ( 0 ) Governo não passará da tribo de
guns anos após a morte de Jesus” . A United Press Judá. Durante 0 domínio de Israel, (2 ) um descen-
International (u p i) observou que as conclusões do dente davídico no trono [não] cessará [...] até que
jesuíta significavam que “as pessoas mais próxi- venha 0 Messias da Justiça, a Raiz de (4 ) Davi” (v.
mas dos eventos — os seguidores originais de Je- Eisenman,p. 89).
sus — consideravam 0 registro de Marcos preciso Até a divindade do Messias é confirmada pelo
e confiável, não um mito, mas verdadeira história” fragmento conhecido por “0 Filho de Deus” (4q 2 46),
(ibid., p. 137). A revista Time citou um teólogo que Placa 4, colunas 1 e 2: “A opressão estará sobre a terra
afirmou que, se ele estiver correto, “podem fazer [...] [até] 0 Rei do povo de Deus surgir, [...] e se
uma fogueira com as 70 toneladas de indigesta eru- tornará [gra]nde sobre a terra. ]...]Todos [f]arão as
dição alemã” (Estrada, p. 136). [pazes,] e todos [0] servirão. Ele será chamado [fi-
É claro que os críticos de 0 ’Callahan se opuse- lho do [Grjande [Deus;] pelo Seu nome será desig-
ram à sua identificação e tentaram descobrir outras nado [...]Ele será chamado filho de Deus; eles 0 cha-
possibilidades. Por causa da natureza fragmentária marão filho do Altíssimo” (ibid., p. 70).
dos manuscritos, é difícil ser dogmático quanto às 0 fragmento “ 0 Messias do céu e da terra”
(4 q 5 2 1 ) menciona até a ressureição do Messias:
identificações. No entanto, 0’Callahan oferece uma
“ ( 1 2 ) então ele curará os enfermos, ressuscitará os
possibilidade plausível, apesar de revolucionária. Se
mortos, e aos humildes anunciará boas novas de
a identificação de um único desses fragmentos como
alegria” (ibid., 23; v. 63, 95).
parte n t é válida, então as implicações para a
Os mmm também confirmam que Qumran não
apologética cristã são enormes. Estaria comprova-
foi a fonte do cristianismo primitivo. Há diferenças
do que 0 evangelho de Marcos foi escrito durante a
importantes entre seu conceito do “Mestre de Justi-
vida dos apóstolos, contemporâneos dos eventos.
ça” , aparentemente uma esperança messiânica
A data anterior a 50 d.C. não permite acréscimos
essênia, e 0 Jesus revelado nas Escrituras e no cris-
e modificações mitológicos aos registros. Eles teri-
tianismo primitivo. As diferenças são suficientes
am de ser aceitos como históricos. Também seria
para mostrar que 0 cristianismo primitivo não
demonstrado que Marcos foi um dos primeiros
era apenas uma ramificação dos essênios, como
evangelhos. Além disso, já que esses manuscritos não
se imaginou (v. Billington, p. 8-10). Os essênios
são originais, mas cópias, isso revelaria que 0 Novo
enfatizavam 0 ódio aos inimigos; Jesus enfatizou
Testamento foi “publicado” — copiado e dissemi-
0 amor. Os essênios eram exclusivistas com rela-
nado — ainda durante a vida dos autores. Isso tam- ção às mulheres, pecadores e estrangeiros; Jesus
bém revelaria a existência do cânon do n t durante 0 aceitava. Os essênios eram sabatistas legalistas;
esse período inicial, com trechos representando cada Jesus não era. Os essênios enfatizavam as leis de purifi-
parte principal do n t: os evangelhos. Atos e epístolas cação judaicas; Jesus atacou-as. Os essênios acredita-
paulinas e gerais. vam que dois messias viriam; os cristãos acreditavam
0 fragmento de 2 Pedro argumentaria a favor da que Jesus era 0 único Messias (v. Charlesworth).
autenticidade dessa controvertida epístola. A ausên- C o n c l u s ã o . Os mmm dão uma contribuição
cia de fragmentos das obras de João pode indicar apologética importante para 0 estabelecimento da
que foram escritas mais tarde (80-90 d.C.), em con- confiabilidade geral do texto do a t hebraico, pois
cordância com as datas tradicionais. Com todas es- contêm as cópias mais antigas dos livros do a t e até
sas conclusões revolucionárias não é de admirar que livros inteiros. Isso é importante para demonstrar
sua autenticidade esteja sendo desafiada. que as profecias do a t realmente foram proferidas
Expectativas judaicas sobre 0 Messias no século 1. séculos antes de se cumprirem. Além disso, é quase
Os mmm também revelaram textos que, apesar de não certo que os mmm dão apoio ao n t. Eles podem con-
se referirem ao Cristo do n t, têm alguns paralelos in- ter os primeiros fragmentos conhecidos do n t e de-
teressantes, além algumas diferenças significativas. As finitivamente contêm referências a crenças
semelhanças que confirmam 0 quadro encontrado messiânicas semelhantes às ensinadas no n t.
543 Maria, aparições de

Fontes Muitas das aparições têm explicação científica ou


W. F. A l b r ig h t , Archaeology o f Palestine. são uma espiritualização de fenômenos naturais (por
G. L. A rch er, Jr., Merece confiança 0 Antigo Testamento? exemplo, a formação de uma nuvem ou 0 reflexo de
C. B11L1NGT0N,“ The Dead Sea scrolls in early luz numa janela). Algumas apresentam todas as
Christianity” , iba , Jan.-Mar. 1996. caracteríscas de alucinaçãos. Do pequeno número de
E. M. B l a ik l o c k , et al., The new international eventos que fogem a explicações puramente naturais,
dictionary o f biblical archaeology. alguns podem ser explicados como ilusões demonía-
F. F. B r u c e , Second thoughts on the Dead Sea scrolls. cas. As poucas aparições com base objetiva na reali-
M. B u r r o w s , The D ead Sea scrolls. dade apresentam sinais de ilusão satânica caracterís-
J. Charlesworth, et a}., Jesus an d the D ead Sea scrolls.
ticos de falsos milagres (v. m ilagres fa lso s ). A s apari-
E. M. Cook, Solving the mystery o f the D ead Sea
ções não têm características específicas de milagre
verdadeiro, como descrito nos artigos m ilagre e mila-
scrolls.
gres, v a lo r apologético dos. Tendem a ser associadas à
R. E i s e x .m a n , et al., A descoberta dos manuscritos do
adoração de uma estátua, crucifixo ou ícone, 0 que é
m ar Morto
uma forma idólatra de adoração (v. Êx 20.4). Algumas
R. L. H a r r is , Inspiration an d canonicity o f the Bible.
envolvem comunicação com os mortos (v. Dt 18.11) e
J. C. TREVER,“ The discovery of the scrolls” , ba 11
falsos ensinamentos (v. lTm 4), tais como a veneração
(Sept. 1948)
a Maria ou a relíquias (v. Geisler e MacKenzie, cap. 15).
J. V a n d er K am, Os manuscritos do m ar Morto hoje.
Também há ocorrências semelhantes em outras
G. V erm es, The D ead Sea scrolls in English.
religiões; portanto, quaisquer reivindicações confli-
___ , The essene writings o f Qumran.
tantes com a verdade são nulas, já que duas reivindi-
D.E. W h it e eW. W h it e , Jr., The first New Testament.
cações opostas à verdade não podem ser apoiadas
G. E. W r ig h t , org., The Bible and the ancient Near
se a evidência é do mesmo tipo. Budistas (v. budismo)
East.
têm visões de Buda, hindus (v. hinduísm o), de Krishna,
S.ZE1TE1x,B.4,Dec. 1963.
e muitos adeptos de seitas têm visões de formas não-
___ , The D ead Sea scrolls and modern
bíblicas de Jesus Cristo. A Igreja de Jesus Cristo dos
scholarship.
Santos dos Últimos Dias (mórmon) é em grande parte
fundamentada em aparições angélicas a Joseph Smith
Maria, aparições de. Muitos afirmam a legitimida- e sustentada por visões experimentadas pelos “apósto-
de de aparições da Virgem Maria ou outros santos. los” da igreja, só que 0 “Cristo” mórmon é irmão de
Essas aparições são às vezes usadas como prova para Lúcifer e resultado da união sexual entre Deus (que
alguma doutrina ou reivindicação de verdade ligada à tem um corpo físico) e Maria.
Igreja Católica Romana. São milagres verdadeiros? Há muitas visões e aparições contraditórias e in-
Têm algum valor apologético no estabelecimento da coerentes, mas nenhum visionário devoto foi capaz
verdade? de substanciar suas afirmações, como Jesus fez (v. C r is -
O v a lo r ap olo gético das a p ariçõ es. As aparições to, singularidade d e), realizando milagres inéditos e ob-
de Maria não estão realmente ligadas a qualquer rei- jetivamente comprováveis (v. m ilagres na B íb lia ; res-
vindicação específica da verdade (v. m ilag res, v a lo r SURREIÇÃO,EVIDÊNCIAS Da ).
apologético dos). Maria jamais declarou que era Deus C o n clu sã o . Seja qual for a posição que as apari-
em carne, tampouco passou a provar isso com mila- ções de Maria possam ter como eventos incomuns,
gres. As reivindicações de veracidade geralmente são elas não subsistem como verdadeiros milagres (v.
feitas pelos que viram a aparição. Geralmente não m ilagre; m ilagres, mAgica e). Ao contrário, sua associ-
fica claro qual seria a afirmação específica. ação a práticas ocultas e falsos ensinamentos de-
Mesmo quando afirmações específicas são as- monstra que não são atos sobrenaturais de Deus.
sociadas ao evento, a suposta natureza milagrosa do Como não estão ligadas a afirmações claras da ver-
evento é refutável. As principais autoridades católi- dade e não são eventos singulares, pois têm para-
cas romanas rejeitam a autoridade das supostas apa- leio em outras religiões, não têm valor apologético
rições de Maria. A maior parte dessas aparições é no no estabelecimento da verdade (v. m ilagres, v a lo r
de natureza experimental básica, e isso levanta ques- a p olo gético dos).

tões sobre a validade do restante das afirmações. Na


melhor das hipóteses, as aparições acrescentam um Fontes
toque de confusão ao debate doutrinário, e Deus N. L. G e i s l e r , Miracles and the m odem mind.

não é Deus de confusão. ___ , Signs an d wonders.


M artin, Michael 544

_____ & R . E. M a c k e n z ie , R om an catholics a n d John A. T. Robinson datam os evangelhos entre 40 e 65


ev an g elicals: a g reem en ts a n d differences. d.C. (v. Robinson, 352).
A. K o le , M iracle a n d m agic. Vários argumentos a favor de uma data anteri-
E. M il l e r eK. S am ples, T he cult o f the Virgin: cath olic or a 70 d.C. podem ser fornecidos. A maioria dos
m ariolog y a n d the ap p arition s o f Mary. teólogos data Marcos entre 60-70, ou, mais preci-
G. P e t e r , In d on esia revival. samente, 65-70. Martin afirma erroneamente que
“Amazing” R andy, The healers. Marcos não foi mencionado até a metade do sécu-
B. B. W a r f ie l d , C ounterfeit miracles. 10 11. Papias refere-se a Marcos durante 0 primeiro
quarto do século 11. Martin também erra ao afirmar
Martin, Michael. Michael Martin, crítico bíblico do que Lucas não era conhecido por Clemente, Inácio
final de século xx, escreveu The case against Christia- ou Policarpo. Os três evangelhos sinóticos são cita-
nity [O argumento contra 0 cristianismo] para argu- dos por eles, incluindo-se 0 texto da ressurreição
mentar que Jesus não é uma personagem histórica. de Lucas 24. Martin afirma que Clemente não deixa
Ele afirma que a primeira camada dos quatro evange- claro se os discípulos receberam instruções de Je-
lhos não é histórica, que Paulo não estava interessado sus na terra. Mas Clemente escreveu: “ Os apóstolos
no Jesus histórico e que Jesus, se é que existiu, não receberam do senhor Jesus Cristo 0 Evangelho que
ressuscitou dos mortos. nos pregaram: Jesus Cristo foi enviado por Deus”
A valiação. Uma crítica às teorias de Martin co- (1 Clemente 42). O argumento de Martin contra as
meça com 0 que 0 próprio Martin aceita com relação datas anteriores é derrubado. E quando os evange-
às primeiras epístolas de Paulo (v. Novo Testam ento, lhos são colocados na mesma geração que as teste-
datação do; N ovo Testam ento, historicidade do; Novo Tes- munhas oculares e contemporâneas dos eventos
Martin aceita a autenticidade
tam ento, m anuscritos d o). (como acontece com as datas anteriores ao ano 70),
de algumas das primeiras epístolas, inclusive 1 e 2 há boa evidência para a historicidade de Jesus (v. Novo
Coríntios e Gálatas. Nessas cartas, Paulo afirmou que Testam ento, historicidade do).
Jesus morreu e ressuscitou (1C0 15), que os apósto- O teólogo radical John A. T. Robinson passou a
los estavam em Jerusalém quando Jesus morreu (G1 acreditar que uma data posterior é insustentável. Ele
1.17), onde os visitou duas vezes, uma vez após sua situa os evangelhos entre 40 e 60.0 estudioso inglês de
conversão (Gl 1.18,19) e catorze anos depois (2.1- história romana Colin Hemer demonstrou que Lucas
10), tendo também se encontrado com Pedro em escreveu Atos entre 60 e 62. E Lucas diz ali que seu
Antioquia (Gl 2.11-14). Paulo não só foi contempo- evangelho já estava pronto (v. At 1.1; cf. Lc 1.1). A mai-
râneo dos apóstolos como estava no mesmo nível oria dos críticos acredita que Marcos e/ ou Mateus
que eles (1C0 9.1). Ao contrário de Martin, Paulo foram escritos antes de Lucas. Isso colocaria os três
conheceu Tiago, 0 “ irmão do Senhor” (1C0 9.5; Gl no período dos contemporâneos de Jesus e das teste-
1.18,19). Esse é 0 sentido natural dessas passagens. munhas oculares (v. Novo Testam ento, datação do).
Além disso, Josefo chamou Tiago de “ irmão de Uso de fontes extrabíblicas. O uso de fontes
Jesus” , não de uma facção de Jerusalém (Josefo, extrabíblicas por Martin é inconsistente. Ele rejeita
20.9.1). Na verdade, os quatro evangelhos falam dos de modo errôneo a referência de Josefo a Jesus. Até
irmãos de Jesus no contexto de sua família terrena cita incorretamente duas autoridades como favorá-
(Mt 12.46,47; Mc 3.31,32; Lc 8.19,20; Jo 7.5). Não há veis à sua teoria, F. F. B ru c e e John Drane. Como a
evidência antiga do contrário. maioria dos teólogos, Bruce é cético com relação à
Paulo menciona outros detalhes sobre a vida de interpretação de um texto de Josefo, segundo 0 qual
Jesus (2C0 5.16, 21). Assim, não é verdade que não ele parece acreditar na ressurreição de Cristo. Mas
existe evidência da historicidade de Jesus. Até mes- Bruce aceita claramente a autenticidade da referên-
mo a primeira camada de material aceita por Martin cia de Jo sefo a Cristo como figura histórica. Drane
revela detalhes básicos sobre a morte e ressurreição declarou: “A maioria dos teólogos não têm dúvida da
de Cristo. autenticidade” da maior parte dessa citação. Portanto,
Datação posterior dos evangelhos. Também há boas as mesmas pessoas que Martin usa para derrubar as
razões para rejeitarmos as datas posteriores sugeridas citações de Josefo afirmam que essas citações demons-
por Martin, entre 70 e 135, para os evangelhos. Uma tram que Jesus foi uma personagem histórica do co-
vez provada a falsidade dessa premissa, qualquer de meço do século 1.
seus argumentos contra a historicidade de Jesus pode Crítica à ressurreição. Martin acredita que as
ser derrubado. Até mesmo teólogos radicais como discrepâncias entre evangelhos desacreditam a
545 Marx, Karl

ressurreição. A questão sobre quem eram as mulhe- folie a deus. Tiveram ilusões divinas. Mas sua alegação
res que estavam no túmulo e quando estiverem lá é é puramente circunstancial. Além disso, os discípulos
um exemplo disso. Mateus diz que as mulheres eram não demonstram sintomas de perturbação mental. Na
Maria Madalena e a outra Maria. Marcos acrescenta realidade estavam tão convencidos e foram tão con-
Salomé às duas Marias. Lucas acrescenta Joana às vincentes que se mostraram dispostos a morrer por
duas Marias. João refere-se apenas a Maria Madalena. seu testemunho, 0 mesmo acontecendo com seus des-
A resposta a esse problema não é difícil. Espera-se cendentes espirituais. Psicoses do tipo folie a deus não
diferenças entre registros independentes. Se não hou- apresentam nesse caso nenhuma evidência a favor e
vesse diferenças de perspectiva, os registros seriam muita evidência contra.
altamente suspeitos. Para uma discussão mais deta- C o n c lu s ã o . Martin não pode apoiar sua afir-
lhada das mulheres na ressurreição, v. ressurreição de mação de que Jesus não é sequer personagem his-
C risto , evidências da. As discrepâncias são conciliáveis tórica. Mesmo partindo de suas premissas, é possí-
(v. B ib lia , supostos erros; ressurreição, ordem dos evextos vel demonstrar a historicidade de Jesus. Além dis-
da). No caso das mulheres no túmulo, Marcos e Lucas so, há forte razão para rejeitar as datas posteriores
indicam que outras mulheres faziam parte do grupo de Martin para os evangelhos. Uma vez que as datas
(Mc 15.40,41; Lc 23.55; 24.10). João cita Maria usando anteriores são reconhecidas, a historicidade de Je-
a expressão “não sabemos” (20.2), demonstrando que sus é óbvia; apenas os detalhes são deixados para 0
ela não estava sozinha e que esse não era um relatório debate.
exaustivo sobre as visitantes da sepultura.
Martin também aplica mal sua analogia da evi- Fontes
dência sobre Cristo a ser apresentada num tribunal. Os
K . A la n d e B . A la n d , The text of the New Testament.
críticos são mais ansiosos para alistar incoerências que
C. B lo m berg , The historical reliability o f the Gospels.
para dar ao texto uma leitura justa. O padrão para
F. F. B r i l l , Merece confiança 0 Novo Testamento?
evidência atual é diferente daquele usado por teste-
C l e m e n t e d e A l e x a n d r ia , Stromata.
munhas do século 1. Comparados a outras histórias, os
F l a y io J o s leo , História dos hebreus.
evangelhos são excepcionalmente bem atestados. O
R. F. F ran ce, The evidence for Jesus.
propósito dos evangelhos, no entanto, não era apre-
G. H aberm as, The verdict o f history.
sentar depoimentos ou testemunhos do banco de tes-
I. H. M arsh all, I believe in the historical Jesus.
temunhas, pois de fato são narrações independentes
M . M a r t in , The case against Christianity.
com a perspectiva da fé. A ressurreição pode ser com-
B. M et zg er , The text o f the New Testament.
provada independentemente da historicidade dos
J. \V. M o n i g o m e r y , Christianity and history.
evangelhos a partir de fatos aceitos por quase todos
___ , The shape o f the past.
os críticos (v., p. ex., Habermas, cap. 5).
J. A . T. R o b i n s o n , Redating the New Testament.
O testem unho de Paulo a fa v o r da ressurreição.
A. X. S h e r w i n - W h it l , Roman society and Roman law
Martin e muitos outros críticos aceitam a autentici-
in the New Testament.
dade de ICoríntios 15 e de sua datação (cerca de 55-
G. A . W ells, Did Jesus exist?
56 d.C). Esse capítulo sozinho é letal para 0 argu-
mento de Martin. Paulo registrou relatórios de tes-
Mártir, Justino. V. Ju stix o M á r t ir .
temunhas oculares pelo menos cinco anos após os
eventos e no máximo 25 anos depois, além de seu
próprio registro de testemunha ocular de uma apa- Marx, Karl. Um dos ateus modernos (1818-1883)
rição após a ressurreição de Cristo. Temos outros mais influentes (v. ateísm o). Seus pais eram alemães
dados para confirmar 0 testemunho de Paulo. Por de origem judaica que se converteram ao luteranismo
exemplo, 0 material doutrinário de Paulo é um dado quando ele tinha seis anos. Fortemente influenciado
favorável. Apesar da negação de Martin, os evange- pelo idealismo de G. W. F. H e g e l (1770-1831), de quem
lhos foram escritos cedo 0 suficiente para confir- foi aluno, adotou 0 ateísmo do colega Ludwig
mar os eventos. E sermões em Atos confirmam isso Feu erb ach (1804-1872). Depois de alguma atividade

(At 2,10,13; v. A to s, h istoricid ade de). Nesses sermões, política radical, que levou à sua expulsão da França
são fornecidos detalhes históricos (Jesus comendo (1845), uniu-se a Friedrich Engels para produzir 0
com os discípulos). Xa verdade, 0 tema comum dos Manifesto comunista (1848). Com 0 apoio econô-
sermões é a ressurreição. mico do comércio têxtil próspero de Engels, Marx
Lista de “ilusões”de Martin. Martin afirmou que os passou vários anos pesquisando no Museu Britâni-
discípulos eram vítimas de uma psicose chamada co para produzir O capital (1867).
M arx, Karl 546

D eu s e r e lig iã o . Quando universitário, Marx iá serviço que deve ser prestado a Deus é fazer do
era um ateu militante que acreditava que a “crítica ateísmo um artigo compulsório de fé e proibir a
da religião é a base de toda crítica”. Para essa critica, religião completamente (ibid., 143). Marx feita até
Marx baseou-se grandemente num hegeliano jovem 0 AGXOSTICISMO:
e radical chamado Feuerbach.
Engels falou da “influência que Feuerbach, mais 0 que, na realidade, é 0 agnosticismo além de. para usar um
que qualquer outro filósofo pós-hegeliano, teve so- termo expressivo de Lancashire, materialismo “envergonha-
bre nós” (Marx and Engels on religion \Marx e Engels do” ? A concepção agnóstica da natureza é completamente ma-
sobre religião], p. 214). Ele comentou entusiasmado a
terialista (ibid., p. 295).
obra A essência do cristianismo, de Feuerbach, que
“com um golpe [...] pulverizou (a religião] [...] pois
Marx estava convencido de que a religião morreria
sem evasivas colocou 0 materialismo 110 trono no-
imediatamente quando 0 socialismo fosse adotado.
vãmente” (ibid., p. 224). Marx extraiu estes três prin-
Como a religião é reflexo do mundo real, não desapare-
cípios de Feuerbach:
cerá até “as relações práticas do cotidiano oferece-
Primeiro, “0 homem é a essência mais elevada
rem ao homem nada menos que relações perfeita-
para 0 homem” (ibid., p. 50). Isso significa que há 0
imperativo categórico de derrubar tudo — princi- mente inteligíveis e razoáveis em relação a seus se-
palmente a religião — que rebaixe a humanidade. melhantes e à natureza” (ibid., p. 136).
Segundo, “0 homem faz a religião; a religião não faz 0 A utopia comunista deveria ser realizada antes do
homem” (ibid., p. 41). Religião é a autoconsciéncia do fim da religião.
ser humano que se sente perdido e sem identificação S eres h u m a n o s . O marxismo defende a visão ma-
com um “Deus”. Terceiro, a religião é “a reflexão fan- terialista da origem humana e da natureza (v. materia-
tástica na mente humana sobre as torças externas que TiSiVio). Isso, é claro, implicou a evolução naturalista. O
controlam seu cotidiano, a reflexão na qual as torças capital veio oito anos depois de ,4 origem das espécies,
terrestres assumem a forma de forças sobrenaturais” de Charles D a rw in , ser publicado em 1859. A evolução
(ibid., p. 147). Deus é projeção da imaginação huma- foi uma adição útil à estrutura materialista de Marx.
na. Deus não fez 0 ser humano a sua imagem; 0 ser “A mente é produto da matéria.” Isto é, a mente evo-
humano fez um Deus à sua imagem (v. Sigmunu Freud). luiu da matéria. A matéria sem vida sempre existiu (v.
O ateísmo de Marx, no entanto, foi bem além de evolução cósmica). A matéria sem vida produziu a vida
Feuerbach. Marx concordava com os materialistas em (v. evolução química) e, finalmente, a matéria sem inte-
que “a matéria não é produto da mente, mas a mente ligência produziu a inteligência (v. evolução biológica).
é 0 produto mais elevado da matéria” (ibid., p. 231). Marx escreveu sua tese de doutorado na Uni-
Marx tazia objeção a Feuerbach porque este não se- versidade de Jena (1841) sobre as filosofias mate-
guia as implicações de suas idéias no âmbito social, rialistas dos filósofos gregos Epicuro e Demócrito.
pois “ele não pretende abolir a religião; quer
Acrescentando 0 apoio da evolução darwiniana, ele
aperfeiçoá-la” (ibid., p. 237). “Feuerbach”, raciocinou
poderia explicar, sem Deus, a origem da vida hu-
Marx, “não vê que 0 ‘sentimento religioso’ é um pro-
mana como produto dos processos evolutivos no
duto social” (ibid, p. 71). Assim,“ele não se apodera do
mundo material.
significado de ‘revolucionário’, da atividade ‘prático-
Marx descartou a filosofia pura como especula-
crítica”’(i b i d p. 69). Nas palavras do slogan do mar-
ção, comparada à tarefa vital de mudar 0 mundo
xismo, “a religião é 0 ópio do povo” (ibid., p. 35). As
pessoas tomam a droga da religião (M arx, Selected writings in sociology and social
philosophy [Escritos selecionados solve sociologia e fi-
porque este mundo não é adequado para assegurar ao ho- losofia social], p. 82). Logo, não estava muito interes-
mem sua realização completa e seu desenvolvimento integrado, sado no materialismo filosófico. Como materialista,
[então] ele compensa isso com a imagem de um mundo diferen- não negou completamente a mente. Acreditava que
te, perfeito (ibid., p. 36). tudo sobre 0 homem, inclusive a mente, era deter-
minado pelas condições materiais:
Na concepção marxista do surgimento evolutivo
do universo, não há espaço para um Criador ou Go- Para nós, a mente é um modo de energia, uma função do
vernador (v. evo lu ção b io ló g ica). 0 ser supremo do cérebro; tudo que sabemos é que 0 mundo material é gover-
deismo, que está isolado de todo 0 mundo existen- nado por leis imutáveis, e assim por diante (Marx, M arx a n d
te, é uma contradição. Marx concluiu que 0 único E ngels on religion p. 298).
547 M arx, Karl

Essa teoria se ajusta ao que os filósofos chamam A natureza da dialética da história moderna é
epifenomenalismo, que defende que a consciência é que a tese do capitalismo é confrontada pela antíte-
imaterial, mas dependente de coisas materiais para se do socialismo, que abrirá caminho para a síntese
sua existência. Certamente a vida após a morte era suprema do comunismo. A história é predetermina-
ilusão (v. im o rtalid ad e). da como 0 curso das estrelas, mas as leis que gover-
Karl Marx estava mais interessado no ser social nam a história não são mecânicas, e sim econômicas
concreto. Ele acreditava que “a natureza real do ho- (v. determ inism o). A humanidade é economicamente
mem é 0 total da natureza social” (ibid., p. 83). Além de determinada. Isto é, “0 modo de produção da vida
fatos biológicos óbvios como a necessidade de comi- material determina 0 caráter geral dos processos
da, Marx não dava muita importância à existência social, político e espiritual da vida” (ibid., p. 67,70,90,
individual. Ele acreditava que 0 que era verdadeiro 11 ls.}. Também há outros fatores, mas 0 aspecto eco-
acerca de uma pessoa em determinado tempo e em nômico é 0 fator primário da determinação social.
determinada sociedade era verdadeiro para todos, em Engels proclamou enfaticamente:
todos os tempos e em todos os lugares (ibid., p. 91,92).
A consciência determina 0 ser humano, mas 0 ser Nem eu nem Marx afirmamos mais que isso. Logo, se al-
social determina a consciência (ibid., p. 67). A socio- guém distorce nossas palavras dizendo, por exemplo, que 0 ele-
logia não pode ser reduzida à psicologia. Uma genera- mento econômico é 0 único determinante, transforma essa pro-
lização básica era que 0 ser humano é socialmente posição numa frase insignificante, abstrata e insensata (M arx
ativo, distinto de outros animais, porque pessoas as a n d Engels on religion, p. 274).
produzem seu meio de subsistência (ibid., p. 69). Elas
trabalham para se sustentar. Logo, Marx conclui, é certo 0 futuro. Baseado em seu conhecimento da
trabalhar, ter uma vida de atividade produtiva. dialética da história e do determinismo econômico,
Os que não encontram satisfação no trabalho in-
Marx estava certo de que 0 capitalismo se tornaria
dustrial sofrem alienação. Essa alienação será elimina-
cada vez mais instável e que a luta de classes entre a
da quando a propriedade privada for eliminada (ibid.,
burguesia (classe governante) e 0 proletariado (classe
p. 250). A propriedade privada, no entanto, não é a cau-
trabalhadora) se intensificaria. Então os pobres fica-
sa, mas a conseqüência da alienação (ibid., p. 176). A
riam mais numerosos e pobres até que, por meio de
alienação consiste no fato de que 0 trabalhador é força-
uma enorme revolução social, tomariam 0 poder e
do a satisfazer outra pessoa, em vez de buscar satisfação
instituiriam a nova fase comunista da história (ibid.,
pessoal. Até os objetos produzidos pertencem a outro.
p. 79,80,147ss.,236).
A cura para esse mal é a futura sociedade comunista, na
O fato de que essas previsões não se realizaram
qual 0 indivíduo pode satisfazer-se ao trabalhar para 0
foi uma vergonha para a teoria marxista. O fato de 0
bem do todo (ibid., p. 177,253).
oposto quase ter acontecido por pouco não extin-
M u n d o e h is t ó r ia . A visão geral do mundo de
guiu 0 marxismo.
Marx é materialista e dialética. Marx usou 0 termo
.4 utopia comunista. Segundo Marx, 0 capitalismo
materialismo histórico para designar
tem suas contradições internas. Pois à medida que as
a visão do curso da história que busca a causa suprema e
massas se tornassem mais numerosas e os capitalistas
0 grande poder motor de todos os eventos importantes 110 de-
menos numerosos, eles controlariam grandes con-
senvolvimento econômico da sociedade (M arx a n d Engels on
centrações do equipamento produtivo, que usariam
religion, p. 298).
para 0 próprio lucro. As massas eliminariam os capi-
talistas por serem impedimento à produção e toma-
Quando isso é aplicado especificamente à histó- riam a economia industrial. Na sociedade progressiva
ria, Marx é materialista dialético que procura tese, an- emergente, não haveria salário, nem dinheiro, nem
títese e síntese. A história acontece de acordo com a classes sociais e por fim não haveria Estado. Essa uto-
lei dialética universal que pode ser prevista assim pia comunista simplesmente seria a associação livre
como 0 astrônomo prevê eclipses. No prefácio de O de produtores sob 0 próprio controle consciente. A
capital, Marx comparou seu método ao de um físico e sociedade finalmente passaria “de cada um segundo a
disse: “0 objetivo final desta obra é expor a lei econó- habilidade para cada um segundo a necessidade” (ibid.,
mica do movimento da sociedade moderna”, e tam- p. p. 263). Haveria, 110 entanto, um período intermedi-
bém falou de leis naturais de produção capitalista ário de “ditadura do proletariado” (ibid., p. 261). Mas
como “trabalhar com determinação obstinada em no estágio mais elevado 0 Estado desapareceria, e a
direção a resultados inevitáveis”. verdadeira liberdade começaria.
Marx, Karl 548

É tica. Há várias dimensões características da éti- ser louvada. As condições de trabalho melhoraram
ca do marxismo. Três delas são 0 relativismo (v. drasticamente hoje em comparação com as de um
MORALIDADE, NATUREZA ABSOLUTA Da), O Utilitarism O e O século atrás, quando Marx escreveu suas idéias. Da
coletivismo. mesma forma, Marx é justo ao atacar a posição de que
Relativismo. 0 marxismo é uma forma de ateísmo os trabalhadores são 0 meio para 0 fim do lucro capi-
e, como Nietzsche observou, quando Deus morre, todo talista. As pessoas não deveriam ser usadas como fim
valor absoluto morre com ele, é compreensível que a para as coisas, mesmo coisas desejadas por outras
ética marxista seja relativista. Não há absolutos morais. pessoas. Logo, 0 marxismo deu uma contribuição sig-
Existem duas razões para isso. Primeira, não há âmbito nificativa para 0 ethos social que coloca 0 ser acima
externo e eterno. O único absoluto é 0 processo mundi- do dinheiro.
al dialético que se desenrola. Engels escreveu: 0 marxismo foi 0 corretivo do capitalismo ili-
mitado e descontrolado. Qualquer sistema que per-
Rejeitamos, portanto, toda tentativa de impor a nós mes- mite que os ricos se enriqueçam mais e os pobres se
mos qualquer dogma moral como lei eterna, suprema e imutá- tornem cada vez mais pobres, sem limites morais, é
vel sob 0 pretexto de que 0 mundo moral tem seus princípios abusivo. Na antiga economia judaica, essa possibili-
permanentes, que transcendem a história (v. Hunt, p. 87-8). dade era controlada pelo ano do Jubileu (um ano a
cada meio século), quando propriedades eram de-
Segunda, não existe natureza ou essência funda- volvidas aos donos originais.
mental que sirvam de princípios gerais à conduta As aspirações utópicas do marxismo são nobres.
humana. Idéias de bem e mal são determinadas pela O marxismo é tanto uma filosofia da história quan-
estrutura socioeconômica. A luta entre classes gera to 0 intento de derrotar maldades reconhecidas no
a própria ética. mundo. Essa visão ganhou a imaginação e a dedica-
Utilitarismo. O padrão de moralidade é sua con- ção de muitos pensadores idealistas.
tribuição para a criação de uma sociedade comunis- Elementos negativos. Infelizmente, os aspectos
ta. Tudo que promove a causa suprema do comunis- prejudiciais do marxismo são significativos. No cen-
mo é bom, e 0 que a prejudica é mau. As ações podem tro está 0 ateísmo militante e dogmático. É contra-
ser justificadas pelos objetivos. Certa vez, Lenin defi- ditório insistir que Deus não é nada além de uma
niu moralidade como 0 que serve para destruir a so- projeção da imaginação humana. Afirmações do tipo
ciedade capitalista exploradora e unir trabalhadores “nada além” supõem um conhecimento “além de” .
na criação da nova sociedade comunista (ibid., p. 89). Não se pode saber se “Deus” está limitado apenas à
Assim, 0 fim justifica os meios. Alguns neo-marxistas imaginação sem que 0 conhecimento sobre Deus
rejeitam esse ponto, insistindo em que os meios estão ultrapasse a mera imaginação.
sujeitos aos mesmos princípios morais que 0 fim. Mas A visão determinista da história por parte de Marx
eles já deixaram 0 marxismo ortodoxo. Esse é 0 equi- é contrária aos fatos. As coisas não acabaram como
valente comunista ao “bem maior para 0 maior nú- Marx previu. A teoria histórica marxista também é
mero no final” do utilitarismo. um erro categórico, supondo que influências eco-
Coletivismo. Na ética marxista, 0 universal transcen- nômicas agem como leis físicas.
de 0 individual. Isso é herança de Hegel, que acreditava 0 materialismo, como visão da humanidade, ig-
que a vida perfeita é possível somente quando 0 indiví- nora os ricos aspectos espirituais e religiosos da na-
duo é organicamente integrado à totalidade ética. Para tureza humana, sem falar da evidência da imateriali-
Marx, no entanto, a totalidade ética maior não é 0 Esta- dade e da imortalidade humana. Acrescente-se a isso
do, como era para Hegel, mas a “liberdade universal da a teoria da origem humana baseada no ponto de
vontade”. Todavia, essa “liberdade” (v. livrh-arbítrio) não vista falho da evolução naturalista. Foi demonstrado
é individual, mas coletiva e universal. A diferença em que essa teoria é uma explicação inadequada para
relação a Hegel é que 0 ápice passa do Estado para a as origens humanas. A metafísica de Marx é geral-
sociedade, da política para 0 público. mente anti-sobrenatural, eliminando a possibilida-
Na sociedade pertéita, a moral privada é eliminada de de milagres. Mas essa teoria tem talhas filosóficas
e os ideais éticos da comunidade são alcançados. Isso é cruciais, como se observa no artigo milagres, argu-
determinado pela produção material. A produção ma- MEMOS CONTRA.
terial determina a religião, a metafísica e a moralidade. 0 relativismo ético é autodestrutivo em sua for-
A v a lia ç ã o . Contribuições positivas. A preocupa- ma mais forte. A negação absoluta dos absolutos corta
ção de Marx com a condição dos trabalhadores deve a própria garganta, substituindo um absoluto por
549 materialismo

outro. A sociedade socialista não evitou 0 absolutis- D. Lyon, Karl Marx: a Christian assessment of his life e thought.
mo. E as falácias da ética de “0 fim justifica os meios” K. M arx , ()capital.
são infames. ___ , Marx and Engels on religion.
0 marxismo apresenta um idealismo admirável ___ , Selected writings in sociology an d so-
de objetivos (utopia), mas demonstra um registro cial philosophy.
miserável de realizações. A realidade nos países
marxistas levou milhões mais para perto do inferno materialismo. 0 m aterialism o acredita que tudo é ma-
que do paraíso. Embora 0 objetivo da comunidade téria ou redutível a ela. O pan teísm o, por outro lado,
perfeita seja desejável, 0 meio revolucionário de atin- afirma que tudo é mente. Os teístas (v. teís.mo) afirmam
gi-10 resultou numa destruição em massa inédita na que a Mente produziu a matéria, e os materialistas de-
história humana. Do ponto de vista cristão, 0 meio ciaram que a matéria produziu a mente (v. ateísmo). No
de transformar a humanidade não é a revolução, mas materialismo rígido, a “mente” não existe, apenas a ma-
a regeneração. A liberdade não é pelo nascimento de téria. Segundo 0 materialismo moderado ou 0
um novo governo, mas pelo nascimento de uma nova epifenomenalismo, a mente existe, mas é dependente
pessoa interior — isto é, 0 novo nascimento. A visão da da matéria assim como a sombra depende da árvore.
religião de !Marx era superficial. Aos dezessete anos de Thomas Hobbes definiu matéria:
idade, ele deveria ter ouvido a exortação de seu pai: “Fé
[em Deus] é uma [exigência] real do homem mais cedo O mundo (quero dizer não só a terra, que denomina os seus
ou mais tarde, e há momentos na vida em que até 0 amantes “ homens mundanos” , mas 0 universo, isto é, a massa
ateu é involuntariamente levado a adorar 0 Todo-Po- de todas as coisas que existem) é corpóreo, ou seja, corpo; e
deroso” (“Carta de Trier”, 18 de novembro de 1835). tem dimensões de magnitude, a saber, comprimento, largura e
Marx também poderia ter aplicado os próprios profundidade: e toda parte do corpo também é corpo e tem
pensamentos quando disse: dimensões semelhantes; conseqüentemente, todas as partes
do universo são corpo, e 0 que não é corpo não é parte do uni-
A união com Cristo dá exaltação interior, consolo no so- verso:ejá que 0 universo é tudo, 0 que não faz parte dele não é
frimento, segurança tranqüila e um coração aberto para 0 nada, e conseqüentemente não está em lugar nenhum (p. 269).
amor da humanidade, para tudo que é nobre, grande, não por
ambição, pelo desejo da fama, mas apenas por causa de Cris- P rin cíp io s básicos. Os materialistas afirmam vá-
to” (escrito por Marx quando adolescente,entre 10 e 16 de rios princípios básicos comuns (tais como: tudo é
agosto de 1835). feito de matéria [energia]). A maioria dos materialis-
tas compartilha outros princípios, tais como 0 de que
O pai de Marx temia que 0 desejo pela fama ti- os humanos não são imortais (v. imortaeide de).
vesse transformado a consciência cristã de Marx num Só existe m atéria. Como Carl Sagan disse, 0 Cos-
desejo demoníaco. Em março de 1837, ele admoes- mo é tudo que existiu, existe e existirá. Tudo é maté-
tou 0 filho ambicioso: ria ou redutível a ela e dependente dela. Se a matéria
deixasse de existir, nada restaria.
As vezes não consigo me libertar de idéias que despertam A m atéria éetern a. A maioria dos materialistas acre-
em mim maus pressentimentos e temor quando sou atingido, dita que a matéria sempre existiu. Ou, como disse um
como que por um raio, pelo pensamento: Seu coração está de ateu (v. ateísmo), se a matéria surgiu, surgiu do nada e
acordo com sua mente, seus talentos? Será que ele dá lugar a por meio do nada (Kenny, p. 66; v. criação, visões da). O
sentimentos terrenos, porém mais delicados, que, neste vale universo material é auto-sustentado e autocriado. É pro-
de tristeza, são tão essencialmente reconfortantes para um ho- vavelmente eterno, mas, se surgiu, então surgiu sozinho,
mem de senti mentos? E já q u e esse co r a ç ã o é o b v iam en te ani- sem ajuda externa. Isaac Asimov especulou que a pro-
m a d o eg o v e rn a d o p o r um d em ô n io n ã o co n c e d id o a tod os os babilidade de que nada tenha surgido do nada e de que
h o m e n s , esse d e m ô n io s e r á c elestia l o u fa u s tia n o ? (S elected algo tenha surgido do nada é a mesma. Por acaso, algo
writings; grifo do autor). surgiu (Asimov, p. 148). Portanto, a matéria é eterna, ou
então surgiu do nada espontaneamente.
F on tes Os materialistas tradicionais acreditavam que
K. Blo ck m ith i., The challenge o f marxism. existiam inúmeros corpúsculos de realidade cha-
X. L. Glisi i r , Is man the m easure?(cap.5). mados átom os (v. atomismo). Com a divisão do átomo
R. Ν'. C. H unt. The theory and practice o f e a emergência da equação f= m c2 de E in ste in (ener-
communism. gia = massa vezes a velocidade da luz ao quadrado),
materialismo 550

os m aterialistas passaram a falar sobre energia apenas um processo dentro do cérebro. Não há prova
in destrutível. Apelam para a p rim eira lei da para tal suposição.
termodinâmica, afirmando que “a energia não pode Também infundada é a suposição de que, uma vez
ser criada nem destruída” . A energia não deixa de que a mente e 0 cérebro funcionam juntos, devem ser
existir; apenas assume novas formas. .Mesmo na idênticos. Uma suposição daí derivada é que não sou
morte, todos os elementos do nosso ser são nada exceto meu cérebro. Isso é erro reducionista. O
reabsorvidos pelo ambiente e reutilizados. O pro- que funciona junto não é necessariamente a mesma
cesso continua eternamente (v. term odinâm ica, leis da). coisa, assim como as idéias expressas por estas pala-
N ão h á criador. Outra premissa do materialismo vras não são 0 mesmo que as palavras em si. A mente
rígido é 0 ateísmo ou não-teísmo. Isto e, não há nem e 0 cérebro interagem sem serem a mesma coisa.
Deus nem necessidade de 11111 Deus. Como ο π M ani- D epen dên cia d a consciência. Numa forma modi-
festo hu m an ista declara: “Como não-teístas, come- ficada de materialismo, 0 ep ifen om en alism o, a men-
çarnos com seres humanos, não com Deus, com a te não é idêntica ao cérebro, mas é dependente do
natureza, não com a divindade” (Kurtz, 16). Segundo cérebro físico, assim como a sombra depende da
a posição não-teísta da criação a partir da matéria, árvore. Mais uma vez isso supõe, mas não prova, que
nenhuma causa é necessária para fazer a matéria a mente depende do cérebro. Certas funções men-
surgir ou formar a matéria já existente. Não há nem tais podem ser explicadas no nível físico, mas isso
Criador nem Formador do mundo. O mundo expli- não quer dizer que sejam dependentes de processos
ca a si mesmo. físicos. Se há uma dimensão espiritual, além da física,
Os seres h u m a n o s s ã o m ortais. Outra implica- da realidade, a mente demonstra todos os sinais de
ção dessa posição é que não há “alma” imortal nem ser capaz de funcionar em ambas. A neurobiologia é
aspecto espiritual nos seres humanos (v. i m o r t a e i - uma ciência empírica, mas os cientistas admitem
d a d e ). Como 0 i M an ifesto h u m an ista observou, “0 abertamente que ainda não chegaram nem perto de
d u a lis m o tradicional de mente e corpo deve ser re- isolar 0 “eu”. Podem quantificar interações entre mente
jeitado” . 0 materialista acredita que a ciência mo- e cérebro, mas não tiveram sucesso em aprender as
derna desautoriza qualquer dimensão espiritual ou qualidades das reações emocionais ou pessoais.
alma (Ivurtz, p. 8, 16-7). Não há mente, apenas rea- A cesso a o m undo. Os materialistas insistem em
ção química no cérebro. Materialistas menos rígi- que a mente ou ego tem acesso ao mundo por meio
dos admitem a existência da alma, mas negam que do cérebro. A morte destrói 0 cérebro, de forma que
ela possa existir sem a matéria. Para eles, a alma é a morte fecha essa porta. O cérebro é certamente
para 0 corpo 0 que a imagem do espelho é para uma via de acesso, mas não podemos saber se é a
quem a vê. Quando 0 corpo morre, a alma também única via de acesso para 0 mundo. Talvez sim, talvez
morre. Quando a matéria se desintegra, a mente não. Um fato mais objetivo é que pode haver um
também é destruída. outro mundo, ou até dimensões múltiplas, com ti-
Os seres hu m an os n ão são singulares. Os materi- pos de acesso totalmente diferentes, E pode haver
alistas divergem quanto à natureza dos seres huma- m aneiras de alguém estar consciente além da
nos. A maioria atribui um status especial aos huma- interação com 0 mundo físico. Se existem seres es-
nos como ponto mais alto do processo evolutivo (v. pirituais, Deus e anjos, e a evidência é de que exis-
evo lu ção b io ló g ica). Isso não permite uma diferença tem (v. Deus, evidências de ), eles certamente estão cons-
qualitativa dos animais. Os humanos diferem ape- cientes, embora sem 0 acesso de um corpo físico
nas em grau, não em tipo, das tormas inferiores de para 0 mundo. A possibilidade dessa dimensão es-
vida. Os seres humanos são a forma animal mais piritual, é claro, é 0 que 0 materialista quer evitar
elevada e recente na escada evolutiva, com habilida- admitir, mas não há razão para isso.
des mais desenvolvidas que seus companheiros A n ecessid a d e d e co rp o ritifa ç ã o . Os materialis-
primatas (v. humanismo s e c u la r). tas raciocinam que nenhuma pessoa pode sobre-
A rg u m e n to a fa v o r do m aterialism o. A natureza viver sem corpo, e a morte 0 destrói. Assim, ela
cia au toconsciência. Para haver mais que matéria, a destrói a pessoa. É uma petição de princípio defi-
mente deve sobreviver conscientemente à morte. Mas nir “pessoa” de forma arbitrária, algo infundado à
a mente não funciona sem 0 cérebro. Portanto, quando luz de nosso conhecimento. Não sabemos se a mor-
0 cérebro morre, a consciência cessa ao mesmo tempo. te destrói a pessoa pelas razões já afirmadas. No
Esse argumento pressupõe que a consciência é função máximo podemos dizer que a morte rompe uma
física, que a “mente” é função da matéria. A mente é dim ensão de consciência — consciência deste
551 materialism o

mundo. Ainda podemos estar autoconscientes, cons- porém negam que a mente possa existir independente-
cientes de Deus e conscientes de outro mundo. mente da matéria. Insistem em que a mente é mais que
A v a lia ç ã o . Como os materialistas têm muitos matéria, assim como 0 todo é mais que a soma de suas
princípios em comum com outros ateus e agnósticos, partes. Mas 0 todo deixa de existir quando as partes
esses princípios são discutidos nos respectivos arti- somem. Por exemplo, um motor inteiro de automóvel
gos. Seu anti-sobrenaturalismo (v. m ilag re ) é filoso- tem algo mais que suas partes individuais espalhadas
ficamente infundado. Da mesma forma, a aceitação no chão de uma garagem. No entanto, quando as partes
da evolução (v. evolução; evolução biológica; evolução são destruídas, 0 motor “inteiro” também é destruído.
cósm ica) é cientificamente infundada. Da mesma forma, a mente é mais que matéria, mas é
Os argumentos materialistas são contraditórios. dependente da matéria e deixa de existir quando as
Afirmações do tipo “nada além de” supõem um co- partes materiais do homem se dissolvem.
nhecimento “além de” . Como eu poderia saber que Embora aparentemente esse argumento materi-
não sou nada além de meu cérebro sem ser mais que alista seja menos incoerente que 0 primeiro, conti-
ele? Não posso analisar meu cérebro num tubo de nua errado. Ele afirma que a mente é, em última
ensaio sem estar fora dele. análise, dependente da matéria. Mas a afirmação “a
No centro do materialismo está a rejeição à exis- mente é dependente da matéria” não afirma sua de-
tência da mente ou do espírito como entidade sepa- pendência da matéria. Isto é, afirma ser a verdade
rada que sobrevive à dissolução da matéria. A mente, sobre toda a mente e a matéria. Contudo, nenhuma
na verdade, é matéria, ou pelo menos dependente da verdade sobre toda a matéria pode ser dependente
matéria. da matéria para ser verdade. Não é possível colocar-
0 materialismo rígido é incoerente. A posição ma- se fora da matéria para fazer uma afirmação sobre
terialista pura é claramente incoerente (v. Lewis, cap. toda matéria, declarando ao mesmo tempo estar nela,
3). Pois sem dúvida a teoria materialista não é feita de dependendo dela. Se minha mente é completamente
matéria. Isto é, a teoria sobre a matéria não contém dependente da matéria, ela não pode fazer afirma-
matéria. A idéia de que tudo é feito de moléculas não çòes de um ponto de vista além dela. E se suas afir-
consiste em si de moléculas. Pois 0 próprio pensa- mações não são de um ponto de vista independente
mento sobre a matéria deve estar além e acima da da matéria, não são realmente afirmações de toda a
matéria. Se 0 pensamento sobre a matéria faz parte da matéria. Pois é preciso ir além de algo para ver 0
matéria, não pode ser um pensamento sobre toda a todo. O todo não pode ser visto de dentro. Isso signi-
matéria, já que, sendo parte da matéria, não pode trans- fica reivindicar conhecimento transcendente tendo
cender a si mesmo para fazer uma afirmação sobre apenas uma base imanente de operação.
toda a matéria. .4 mente transcende a matéria. Embora os materi-
A mente (ou seu pensamento) só pode transcen- alistas tentem reduzir tudo à matéria, parece que num
der a matéria se for mais que ela. Se é mais que sentido epistemológico, pelo menos, 0 oposto é ver-
matéria, então não existe apenas matéria. Tudo que dadeiro. Para cada análise que faço da matéria, sem-
é material é limitado a uma região de espaço e tem- pre há 0 “eu” que está fora do objeto de minha análise.
po. Quando se move, se move no espaço e no tempo. Realmente, até quando analiso a mim mesmo, há um
Mas a mente não é tão limitada. Ela percorre 0 uni- “eu” que transcende a “mim” . Jamais posso alcançar
verso sem sair do lugar. Até 0 materialista fala sobre meu eu (ego) transcendental. Só posso vê-lo, por assim
pensamentos pessoais. No entanto, se 0 materialista dizer, de relance. Mesmo que tente colocar meu “eu”
rígido estivesse certo, não poderia haver pensamen- num tubo de ensaio de análise, ele se torna um “eu” para
tos individuais. Haveria uma simples corrente de 0 qual 0 fugidio eu está olhando. Sempre há mais que
elétrons ou de alguma outra partícula material. Ape- um eu; há 0 eu, que não é apenas 0 eu. Ao contrário do
nas um ser autoconsciente pode realmente produzir materialismo, então, tudo é redutível ao (i.e., em última
pensamentos. Os materialistas querem que as pes- análise dependente do) eu.
soas concordem com sua doutrina e aceitem suas A mente é anterior e independente da matéria.
teorias. Mas isso não é possível, caso as teorias este- A matéria não é eterna. Há forte evidência para 0
jam corretas. Se a consciência é apenas 0 resultado que os cientistas denominam teoria big-bam, da ori-
de corrente da elétrons, as pessoas são processos gem do universo, demonstrando que a matéria teve
materiais, não seres humanos livres. princípio. 0 argumento cosmológico kalam demons-
0 materialismo modificado éincoerente. Alguns ma- tra que 0 universo material tem uma causa. Mas a
terialistas admitem que a mente é mais que matéria, causa de toda matéria não pode em si ser matéria;
mentiras nas Escrituras 552

logo, algo mais que matéria deve existir. Como Karl não. Algumas são aprovadas por Deus, outras não.
M a r x disse, ou a matéria produziu a mente ou a mente Mas em nenhum caso a Bíblia dá aprovação divina à
produziu a matéria. Já que a matéria foi produzida, mentira.
uma Mente deve tê-la produzido. M entiras relatad as sem ap rov ação. Mentiras evi-
0 legislador era imaterial. üutra maneira de demonstrar dentes são registradas na Bíblia, mas nem por isso são
que nem tudo é matéria é conhecida por a r g u m e n t o m o r a l aprovadas. A Bíblia relata muitos pecados sobre os
p a ra Deus. Ele pode ser assim formulado: quais não coloca aprovação. Por exemplo, algumas
das mentiras de Satanás são registradas nas Escritu-
1. Existe uma lei moral objetiva (v. m o r a l id a d e , ras. Satanás disse a Eva: “Certamente não morrerão”
NATUREZA ABSOLUTA Da ). (Gn 3.4), quando Deus dissera enfaticamente que
2. A lei moral é prescritiva, não descritiva. morreriam (Gn2.17). Esse é um caso claro de uma men-
3. 0 que é prescritivo não é parte do mundo tira que Deus não aprova. Muitos teólogos colocam a
material descritivo. mentira de Raabe nessa categoria (v. a seguir). Nesse
4. Logo, existe uma realidade objetiva imaterial. caso, ela foi abençoada ap esar de sua mentira, e não
Algo além da matéria existe (Lewis, Cristianis- p o r cau sa dela.
m o pu ro e simples, 17-9). Verdades p arciais que n ão são mentiras. Nem to-
das as verdades parciais são mentiras. Em pelo me-
Conclusões. Todos os argumentos a favor do ma- nos um caso, 0 próprio Deus mandou Samuel contar
terialismo são essencialmente contraditórios. Qual- apenas parte da verdade para Saul (IS m 16.1-5).
quer tentativa de negar que há uma realidade além Como Samuel temia pela própria vida nas mãos do
rei Saul quando Deus mandou 0 profeta ungir um
do material implica que uma realidade não-materi-
novo rei, Deus 0 instruiu a dizer a Saul que viera
al, tal como a mente, existe. O materialismo é uma
oferecer um sacrifício, 0 que era verdadeiro, mas
posição insustentável.
também um subterfúgio.
Fontes
M en tiras a p r o v a d a s à luz d e u m a lei su perior.
I. A s im o v , The beginning a n d the end.
Alguns teólogos conservadores e estudiosos da ética
N . L . G e is i .f r , When skeptics ask.
cristã acreditam que, apesar de a mentira ser essen-
T. H o b b e s , L t ·viatã.
cialmente errada, mentir para salvar a vida não é.
A. Κ ιλ μ , The five 11·ays: st. T hom as A qu in as’p roofs
Isso, eles argumentam, é baseado numa hierarquia
o f G o d ’s existence.
ou gradação de valores na qual a misericórdia (ao
P. K urtz, o rg ., Secular hum anist M anifestos / an d n.
salvar uma vida) precede a verdade que resulta em
C. S. L e w is , C ristianism o p u ro e sim ples.
assassinato. As parteiras hebréias em Êxodo 1 pare-
_____ , M ilagres.
cem entrar nessa categoria, e talvez Raabe, que men-
}. P. M o rela n d , et a l., Imm ortality.
tiu para salvar a vida dos espias hebreus.
C. S a g a n , Cosmos.
Passagens envolvendo mentiras aparentes. Vá-
rias passagens importantes envolvendo supostas men-
mentiras nas Escrituras. As Escrituras ensinam
tiras com aprovação divina devem ser examinadas.
que Deus é a verdade (Dt 32.4) e que é impossível
Entre elas está 0 caso da “meia-verdade” de Abraão
que ele minta (Hb 6.18). Deus ordena que não min-
sobre sua esposa Sara, que também era sua meia-irmã.
tamos (Êx 20.16) e adverte que punirá os mentirosos
severamente (Ap 21.8). Mas há muitas ocasiões em G ênesis 12.10-20. Temendo que 0 rei do Egito 0
que Deus parece abençoar a mentira. Os críticos da matasse e tomasse sua esposa (mas sem ameaça di-
Bíblia ressaltam essa aparente contradição. reta), Abraão instruiu Sara: "Diga que é minha irmã,
É digno de nota que esse problema não existe para para que me tratem bem por amor a v o cê e minha
os voluntaristas divinos, que acreditam que uma ação é vida seja poupada por sua causa” (Gn 12.13). Sara era
boa ou má apenas porque Deus deseja que seja assim. meia-irmã de Abraão. No entanto, 0 que Abraão ins-
Porém, segundo 0 essencialismo (v. e s s e x c i a i .is m o d i v i n o ) , truiu Sara a fazer foi mentir.
Deus é essencialmente bom e não pode fazer ou querer Nenhuma aprovação divina à ação de Abraão é
0 mal (v. D e u s , n a t u r e z a d e ). Nesse contexto, 0 problema demonstrada; 0 oposto é sugerido. O aumento da ri-
da mentira divinamente aprovada é grave. queza de Abraão não deve ser visto como recompen-
Categorias de suposta mentira. As “passagens sa divina por sua mentira. Os presentes do faraó são
sobre mentiras” na Bíblia não estão todas na mesma compreensíveis. O faraó pode ter se sentido obrigado
categoria. Algumas são mentiras verdadeiras, outras a recompensar 0 constrangimento terrível que sua
553 mentiras nas Escrituras

sociedade corrupta exercia sobre os que visitavam desobediência civil é justa quando 0 governo tenta
sua terra, e também por levar inadvertidamente a es- impor a injustiça (Êx 5; Dn 3, 6; Ap 13). O caso das
posa de Abraão para seu palácio. 0 adultério era es- parteiras hebréias (Êx 1), que mentiram para salvar
tritamente proibido pela religião egípcia. a vida dos meninos, talvez seja 0 exemplo mais claro.
Os anos de dificuldade que se seguiram podem 1 S am u el 16.1-5. Vimos que Abraão foi julgado
ter sido resultado direto da falta de fé de Abraão no por dizer a meia verdade de que Sara era sua irmã,
poder protetor de Deus. Apesar de algumas pessoas mas em 1 Samuel 16 Deus realmente incentiva
serem retratadas como homens de Deus, elas ainda Samuel a dizer que viera a Belém para oferecer um
são falíveis e responsáveis por seus pecados, como sacrifício, quando também viera para ungir Davi
Davi no seu adultério com Bate-Seba e no assassina- como rei. Deus não encorajou uma mentira? Por que
to do marido dela (2Sm 12). Deus abençoou tais 11- Deus condenou Abraão por fazer 0 mesmo que or-
deres a p esa r de, não p o r cau sa d e seus pecados. denou a Samuel?
Gênesis 31. Gênesis 31.35 registra a aparente men- É importante observar que as duas situações não
tira de Raquel acerca dos ídolos que havia roubado. são as mesmas. A “ meia verdade” de Abraão era uma
Mas Deus parece abençoar Raquel, pois ninguém mentira absoluta, pois a pergunta sugerida era: “ Sara
descobriu nada e Deus concedeu prosperidade a ela é sua esposa?” . E sua resposta na verdade foi: “ Não, ela
e a seu marido Jacó. No entanto, um exame mais é minha irmã” . Com essa resposta Abraão intencio-
detalhado do texto revela que Deus não abençoou nalmente distorceu os fatos, 0 que é uma mentira.
Raquel por roubar os ídolos e mentir sobre sua ação. Perguntaram a Samuel: “ Vens em paz?” Sua res-
Só porque Labão não descobriu que ela era a ladra posta foi: “ Vim sacrificar ao S e n h o r ” ( ISm 16.5). Isso
não significa que Deus a tenha abençoado. É razoá- correspondia aos fatos, ou seja, foi por isso que ele foi
vel supor que Deus não expôs 0 roubo de Raquel e foi isso 0 que fez. 0 fato de ter outro propósito não
para proteger a vida de Jacó (v. 31.31). 0 registro está diretamente relacionado à pergunta que lhe fize-
bíblico revela que Deus deixou Raquel em segundo ram e à resposta que deu. É claro que se perguntas-
plano até sua morte dolorosa (Gn 35.16-20). sem: “ Tens outro propósito para vir?” , então teria de
Jo s u é 2.4,5. Quando os espiões hebreus chega- esclarecer tudo. “ Não” seria uma mentira.
ram a Jericó, procuraram refúgio na casa de Raabe. Ocultamento e mentira não são necessariamen-
Quando 0 rei de Jericó ordenou que Raabe trou- te a mesma coisa. Certamente Samuel ocultou um
xesse os homens, ela disse que eles já haviam parti- dos propósitos de sua missão para salvar a própria
do e que não sabia onde estavam. Quando Israel vida ( ISm 16.2). Não é sempre necessário (nem mes-
destruiu Jericó, Raabe e toda a sua família foram mo possível) dizer tudo para dizer a verdade. 0 fato
salvos, sendo deixados vivos como recompensa por de que Deus mandou Samuel ocultar um dos propó-
sua proteção. Como Deus poderia abençoar Raabe sitos de sua visita para evitar a ira assassina de Saul
por mentir? não significa que ele fosse culpado de mentira. Não
Os defensores do texto bíblico dividem-se em dois dizer parte da verdade e dizer uma mentira não são
grupos nessa questão. Alguns argumentam que não necessariam ente a mesma coisa. E segredo e
fica claro que Deus tenha abençoado Raabe por men- ocultamento não são a mesma coisa que duplicidade
tir. Ele a abençoou por sua “ fé” (Hb 11.31), não pela e falsidade.
mentira. Deus abençoou Raabe ap esar de sua menti- 2 R eis 6.19. Quando Eliseu saiu para encontrar
ra, não p o r causa dela. Os defensores dessa teoria in- seus inimigos, disse a eles: “ Este não é 0 caminho
sistem em que Deus salvou e abençoou Raabe por ela nem esta é a cidade que procuram. Sigam-me, e eu
haver protegido os espiões e ajudado na derrota de os levarei ao homem que vocês estão procurando”
Jericó. Eles reiteram que a Bíblia não diz em parte (2Rs 6.19). Como poderia um homem de Deus men-
alguma que Deus abençoou Raabe por mentir. tir para as tropas sírias?
Outros teólogos insistem em que Raabe enfren- Simplesmente 0 que Eliseu lhes disse não era uma
tou um verdadeiro dilema moral. Seria impossível sal- completa mentira. As tropas sírias foram enviadas a
var os espiões e dizer a verdade aos soldados do rei. Dotã para capturar Eliseu. 0 Senhor os cegou, e Eliseu
Assim, Deus não responsabilizaria Raabe (v. Geisler, saiu da cidade para encontrá-los. 0 que Eliseu disse a
cap. 7). Certamente uma pessoa não pode ser respon- eles foi: “ Não é este 0 caminho nem esta a cidade” .
sabilizada por desobedecer a uma lei inferior para Quando Eliseu saiu da cidade, não estava mais em Dotã.
cumprir uma obrigação superior. A Bíblia ordena obe- Conseqüentemente, entrar em Dotã não era mais a ma-
diência ao governo (Rm 13.1; Tt 3.1; lPe 2.13), mas a neira de capturar Eliseu nem era mais a cidade. Eliseu
mentiras nas Escrituras 554

também os instruiu: Sigam-me, e eu os levarei ao ho- por meio de ações. Alguns críticos acreditam que é isso
mem que vocês estão procurando” . Isso também era que Jesus fez nessa ocasião.
verdadeiro. Eliseu foi adiante deles para Samaria e, quan- Chamar isso de mentira é um exagero. 0 texto
do chegaram, 0 Senhor lhes abriu os olhos, e viram continua dizendo: “ Mas eles insistiram muito com
Eliseu e constataram que estavam em Samaria. ele: ‘Fique conosco, pois a noite já vem; 0 dia já está
2 Crônicas 18.18-22. Nessa passagem, Micaías, 0 quase findando’. Então, ele entrou para ficar com
profeta, retrata Deus alistando espíritos mentirosos eles” (v. 29). Em outras palavras, Jesus estava par-
para provocar 0 mau rei Acabe a selar a própria des- tindo até que 0 persuadiram a ficar com eles. Em
truiçào. O texto diz: ‘Ό S f.x h o r pôs um espírito menti- vez de impor sua vontade aos discípulos, esperou
roso na boca destes seus profetas” (v. 22). Mas como que eles tomassem a iniciativa, 0 que por certo
pode 0 Deus de toda verdade proferir mentira? aconteceu imediatamente. Ao mostrar que pode-
Os defensores afirmam que Deus não está pro- ria seguir seu caminho, convidou esses amigos en-
movendo 0 mal nesse caso, mas simplesmente con- tristecidos a se aproximar.
trolando 0 mal em favor do bem. Vários fatores aju- Êxodo 1.15. A maioria das acusações de mentiras
dam a entender essa situação. Primeiro, essa é uma divinamente aprovadas acabam ou não sendo men-
visão, um retrato dramático da autoridade soberana tiras ou não sendo aprovadas por Deus. Há pelo me-
de Deus descrita num imaginário régio. nos um caso, no entanto, que parece descartar ambas
Segundo, essa visão dramática representa a au- as situações.
toridade absoluta de Deus, até sobre espíritos 111a- O faraó (rei) do Egito ordenou diretamente que
lignos. O Deus da Bíblia, ao contrário de algumas as parteiras hebréias assassinassem os meninos
religiões pagás, está no controle soberano de tudo, hebreus. “ Todavia, as parteiras temeram a Deus e não
até mesmo do mal, que ele usa para realizar seus obedeceram às ordens do rei do Egito; deixaram vi-
bons propósitos v. Jó 1— 3). ver os meninos” (Êx 1.17). Além de as parteiras deso-
Terceiro, a Bíblia às vezes fala de Deus “endure- bedecerem ao faraó, quando este as questionou sobre
cendo” os corações das pessoas (v. Rm. 9.17,18) ou suas ações, elas mentiram, dizendo: “As mulheres
até enviando a elas fortes ilusões (2Ts 2.11). Mas, por hebréias não são como as egípcias. São cheias de vi-
meio de um exame mais detalhado, descobrimos gor e dão à luz antes de chegarem as parteiras” (Êx
que Deus fez isso aos que endureceram seus cora- 1.19). “ Deus foi bondoso com as parteiras” , segundo
ções (Êx 8.15) e que “não creram na verdade” (2Ts 1.20,21. “ Visto que as parteiras temeram a Deus, ele
2.12). Deus usa até a depravação deles para realizar concedeu-lhes que tivessem suas próprias famílias” .
seus propósitos. Deus permite mentiras como julga- Praticamente não há dúvida de que as partei-
mento do mal. ras desobedeceram a uma ordem do governo ao
Deus, para seus propósitos de justiça, permitiu não assassinar os meninos recém-nascidos e ao
que Acabe fosse enganado pelos espíritos malignos mentir para disfarçar. O dilema moral no qual as
para cumprir sua vontade soberana e boa. parteiras se encontraram era inevitável. Ou elas
João 7.3-10. Os críticos da Bíblia às vezes apelam obedeciam à lei de Deus de não matar ou obedeci-
para esse texto a fim de mostrar que Jesus mentiu. am à obrigação menor do faraó. Ao invés de come-
Essa é uma acusação grave, iá que, além de tratar-se de ter infanticídio deliberado contra os filhos de seu
uma mentira divinamente aprovada, teria sido conta- próprio povo, as parteiras desobedeceram ao rei.
da pelo próprio Deus na pessoa de seu Filho. Os ir- Deus manda obedecer aos poderes governamentais,
mãos incrédulos de Jesus 0 desafiaram a ir a Jerusa- mas também manda não matar (Êx 20.13).
lém e apresentar-se abertamente como 0 Messias A salvação de vidas inocentes é uma obrigação
(7.3,4). Jesus recusou-se, dizendo: “ Eu ainda não su- maior que a obediência ao governo. Quando 0 go-
birei a esta festa, porque para mim ainda não che- verno ordena um ato contra Deus, não devemos obe-
gou 0 tempo apropriado” (v. 8). Mais tarde, porém, decer. Deus teria responsabilizado as parteiras se ti-
]esus subiu (v. 10). Jesus não foi abertamente, como os vessem cumprido seu dever em relação ao governo.
irmãos sugeriram, nem logo quando sugeriram. Além No caso das parteiras, a lei maior era a preservação
disso, João 7.8 relata que Jesus disse que ele não iria da vida dos meninos recém-nascidos (v. At 4; Ap 13).
“ainda” . Ele “permaneceu na Galiléia” antes de subir. Além disso, a mentira e 0 ato de enorme desobedi-
Lucas 24.28. Quando Jesus terminou seu discurso ência aconteceram no contexto do compromisso de
para os dois discípulos na estrada para Emaús,“ fez como fé das parteiras para com Deus. Elas tiveram de fazer
quem ia mais adiante” (Lc 24,28b). Apesar de não se uma escolha de lealdade e obediência, escolha que
tratar nesse caso de uma mentira verbal, é possível mentir exigiu coragem e sabedoria espiritual. Uma situação
555 milagre

semelhante pode envolver obediência à autoridade relacioná-los aos processos naturais e 0 que nos reve-
dos pais. A submissão faz parte da autoridade moral. lam sobre Deus. P 01‫ ־‬causa da importância desse as-
Mas se um pai manda um filho matar ou adorar um sunto, os milagres são discutidos sob várias cate-
ídolo, 0 filho deve submeter-se à autoridade maior e gorias relacionadas à natureza dos milagres em
recusar-se a fazê-lo. Jesus ressaltou a necessidade geral, registros nas Escrituras e ataques à possibili-
de seguir a lei moral maior quando disse: “ Quem dade de intervenções milagrosas de Deus. As ocor-
ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é rências que os crentes consideram falsas ou
digno de mim” (M t 10.37a). ocultistas serão distinguidas dos atos genuínos de
As parteiras temiam a Deus, e isso levou-as a D eUS (v. M IL A G R E S FA LSO S).
fazer 0 que era necessário para salvar vidas. Sua afir- Definição. Milagre é 0 ato especial de Deus que
mação falsa ao faraó era parte essencial de seu es- interrompe 0 curso natural dos eventos. A idéia cristã
forço para salvar vidas. do milagroso depende diretamente da existência do
Conclusão. Textos narrativos nos quais uma pes- Deus teísta (v. c o s m o l ó g ic o , a r g u m e n t o ; m o r a i , p a r a D e u s ,
soa mente se encaixam numa das seguintes categorias: a rg u m en to ; t e l e o l ó g ic o , a r g u m e n t o ). Se 0 Deus teísta
Primeiro, em alguns casos não havia mentiras, mas ape- existe, milagres são possíveis. Se há um Deus que
nas afirmações legítimas de parte da verdade. Segundo, pode agir, então seus atos são possíveis. A única ma-
na maioria dos casos de mentiras óbvias não há indica- neira de demonstrar que milagres são impossíveis é
ção de que Deus as tenha aprovado. Pelo contrário, ge- refutar a existência de Deus.
ralmente houve algum tipo de julgamento. Nos casos A afirmação acima exige imediatamente uma ex-
que podem ser legitimamente chamados de falsifica- plicação: Que “atos especiais” de Deus? Como se sabe
ção divinamente aprovada, tais como 0 das parteiras quando eles ocorrem? Deve haver características dis-
em Êxodo 1, há um conflito inevitável com a lei moral
tintas específicas de milagres antes de podermos
maior. Somente quando há um conflito raro, inevitável
analisar eventos que possuem essas características.
com umas das leis morais maiores de Deus, é que ele
Dizer apenas que um milagre é uma singularidade é
suspende nosso dever para com a verdade.
insuficiente. Singularidades ocorrem na natureza
sem intervenção divina óbvia.
Fontes
Os teístas (v. t e í s m o ) definem milagres em senti-
Agostinho, Against lying.
do fraco ou forte. Segundo Agostinho, a definição
____ , On lying.
mais fraca descreve um milagre como “ um sinal [que]
X . L. G lisle k , Ética cristã, cap. 7.
não é contrário à natureza, mas contrário ao nosso
J. M l r r ai , Principles of conduct.
conhecimento da natureza” (Agostinho, 21.8).
Outros, seguindo T o m a s d e A q u i n o , definem mila-
metafísica. A metafísica (lit. além do físico) é 0 estudo
gre no sentido forte de um evento que está fora do
da existência ou realidade. É usada alternadamente com
poder da natureza, algo feito apenas por meio de po-
a ontologia (gr. ontos,“ser”, e logos, “palavra sobre” ).
der sobrenatural. Esse sentido mais forte é importan-
A metafísica é a disciplina filosófica que res-
te para os apologistas. O milagre é intervenção divina,
ponde a perguntas como: O que é real? (v. r e a l i s m o );
uma exceção sobrenatural do curso regular do mun-
A realidade é uma ou muitas? (v. u m e m u i t o s , p r o b l l -
do natural. 0 ateu (v. a t e í s m o ) Antony F i e w disse bem:
m a d e ) ; Ela é natural (v. n a t u r a l i s m o ) o u sobrenatural?
“ Um milagre é algo que jamais teria acontecido se a
(v. m i l a g r e s , a r g u m e n t o s c o n t r a ) . Outro problema
natureza tivesse de, por assim dizer, usar os próprios
metafísico importante é se a existência é unívoca ou
analógica (v. a n a l o g i a , p r i n c i p i o d a ) . recursos” (Flew, p. 346). Leis naturais descrevem regu-
Na tradição aristotélico-tomista, a metafísica é laridades naturalmente causadas; um milagre é uma
definida como 0 estudo do ser enquanto existente. singularidade sobrenaturalmente causada.
A física é 0 estudo do ser enquanto físico. A matemáti- Para elaborar essa definição, precisamos de al-
ca ê 0 estudo do ser enquanto quantificável. gum conhecimento do que se quer dizer por lei
natural. No sentido amplo, a lei natural é a descri-
milagre. Diante de uma cultura materialista e natu- cão geral da maneira comum e ordenada em que 0
ralista, os crentes acreditam que Deus criou e governa mundo opera. Conclui-se, então, que 0 milagre é a
0 universo, e que são desafiados a defender sua fé. Um maneira incomum, irregular e específica pela qual
tema da filosofia e da apologética cristã é entender e Deus age no mundo.
explicar por que os registros bíblicos de milagres de- Probabilidade de milagres.
Se podemos saber
vem ser aceitos, 0 que os milagres são e não são, como se milagres realmente aconteceram depende da
milagres 556

resposta a três perguntas; 1) “ Milagres são possíveis?” ; antes de observar a história humana, é possível sa-
2) “Os documentos do n t são confiáveis?” ; 3) 'As tes- ber que eventos milagrosos não são apenas possí-
temunhas oculares do n t eram confiáveis?” . veis, mas reais. O próprio a r g u m f . n t o g o s m o e o g ic o , pelo
Um argumento freqüentemente ignorado é 0 da qual sabemos que Deus existe, também prova que
probabilidade dos milagres. É verdade que a filosofia um evento sobrenatural ocorreu. Pois, se 0 universo
(i.e., argumentos pela existência de Deus) demonstra teve um início e, portanto, um Iniciador (v. b/g-rlvc,
que milagres são possíveis, mas apenas a história revela Tt.ORIA 1)0; Κ Λ ΙΛ Μ , A RG U M EN T(' COSMOLOGICO), DeUS C r io u

que são reais. Mas também é verdadeiro que, dada a exis- 0 universo do nada (v. c r i a ç ã o , visofs 1u). Alas criação
tência de um Deus teísta, os milagres são prováveis. ex nihilo, a partir do nada, e 0 maior evento sobrena-
Um Deus teísta tem a ca p acid ad e de realizar mi- tural já ocorrido. Se 0 fato de Jesus ter transformado
lagres, já que é todo-poderoso ou onipotente. Ele tam- um pouco de pão em muito pão é milagre, quanto
bém tem 0 desejo de fazer milagres porque sabe to- mais a criação de tudo a partir do nada? Transtor-
das as coisas, é on iscien te e é totalmente bom ou mar água em vinho não é nada em comparação à
on iben evolen te. Quem examina a história para ver se criação das primeiras moléculas de água. Portanto, a
Deus fe z milagres já pode saber que Deus é 0 tipo de conclusão surpreendente é que, se 0 Criador existe,
Deus que faria, se pudesse, e pode. então 0 milagroso não é apenas possível, mas tam-
Por que Deus faria milagres, se pudesse? Por natu- bém real. De forma que a história do cosmo revela
reza e vontade, ele é 0 tipo de Deus que deseja comu- q u e 0 milagroso ocorreu por Deus fazer algo dó nada;
nicar-se com suas criaturas e fazer 0 bem a elas. E um fazer vida da não-vida; fazer 0 racional (mente) do
milagre, por definição, é um evento que faz exata- não-racional (v. e v o lu ç ã o e artigos relacionados). Que
mente isso. Milagres curam, restauram, trazem de vol- milagres maiores ocorreriam na história humana
ta à vida, comunicam a vontade de Deus, vindicam que já não sabemos terem acontecido na história
seus atributos e muitas outras coisas que estão de cósmica?
acordo com sua natureza. Tais coisas são adequadas à 0 m ilagroso na história hum ana. Ao contrário do
natureza daquele que as faz (0 Criador ou Redentor) e que se acredita, se Deus existe, devemos abordar a
a necessidade de quem 0 recebeu (a criatura). Por história com a expectativa do milagroso, não com um
analogia, que bom pai terreno capaz de resgatar 0 preconceito naturalista contra ele. Pois, como já vi-
filho que está se afogando não faria tudo em seu po- mos, se 0 Criador existe, milagres não são apenas pos-
der para realizá-lo? E se ele tivesse todo poder, então síveis e prováveis, mas 0 milagroso iá ocorreu na his-
saberíamos de antemão que sua bondade 0 levaria a tória cósmica. Deus já interferiu sobrenaturalmente
fazê-lo. Quanto mais nosso Pai celestial? Portanto, sa- na história do cosmo e na vida que conduz à história
bemos antes mesmo de examinar a evidência da rea- humana, λ luz disso, a expectativa mais razoável não é
lidade dos milagres que, se Deus existe, eles não são perguntar se, mas perguntar on de ele interferiu na his-
apenas possíveis, mas também prováveis. tória humana.
Além disso, se 0 milagre é ato de Deus para con- A realidade dos milagres na história humana é
firmar sua palavra por meio de um mensageiro(v. baseada na confiabilidade dos documentos do n t (v.
m ila g r es, valor a p o l o g é t i g o d o s ) , é razoável que Deus Novo T e s t a m e n t o , m a n u s c r i t o s n o ) e na confiabilidade
queira fazer milagres. Por meio dos milagres, Deus das testemunhas do n t (v. N o v o T e s t a m e n t o , h is t o r ig io a d e
confirma seus profetas (Hb 2.3,4). Essa foi a maneira d o ; Novo T e s t a m e n t o , f o n t e s n a o -c r i m As). Pois uma vez

pela qual Deus confirmou Moisés (Êx 4) e Elias (lR s aceita a confiabilidade desses dois testemunhos
18). E essa é a maneira pela qual confirmou ]esus (Jo combinados, fica acima de qualquer dúvida que 0 nt

3.2; At 2.22). De que melhor maneira Deus poderia registra vários eventos milagrosos.
nos confirmar seus porta-vozes? E é provável que um Dimensões dos milagres. No padrão da Bíblia,
Criador inteligente, pessoal e moral queira comunicar- um milagre tem várias dimensões.
se da maneira mais eficaz com suas criaturas. Primeiro, milagres têm cará ter in com u m . 0 mi-
Realidade dos milagres. Ainda que a filosofia tor- lagre é um evento fora do comum em comparação
ne possíveis os eventos sobrenaturais e a natureza do com 0 padrão regular de eventos 110 mundo natu-
Deus teísta demonstre que são prováveis, somente a ral. Como uma “ maravilha” , atrai a atenção por sua
história revela se são reais. Mas a “ história” aqui inclui singularidade. Uma sarça ardente que não é consu-
a história do cosmo e a história da raça humana, mida, fogo do céu e uma pessoa passeando sobre a
Realidade do milagroso na história cósmica. Um fato água não são ocorrências normais. Logo, atraem a
raramente apreciado por completo é que, mesmo atenção dos observadores.
557 milagres, argumentos contra

Segundo, milagres têm uma dimensão teológica. Fontes


Milagre é um ato de Deus que pressupõe um Deus A go s 1iniio, A cidade de Deus.
que age. O ponto de vista de que um Deus além do C . B r o w n , “ M ila g r e , p r o d íg io , s in a l” , e m Novo dicionário inter
universo 0 criou, 0 controla e pode interferir nele é nacional de teologia do Novo Testamento.
denominado t e ís m o . A . F11:w‫׳‬, “ M ir a c le s ” , e m The encyclopedia of
Terceiro, milagres têm dimensão moral. Eles tra- philosophy.
zem glória a Deus ao manifestar seu caráter moral. N . L CtH1si.fr, Miracles and the modern mind.
Milagres são atos visíveis que refletem a natureza I). G n v m e G . H a b erm as,./« defense of miracles.
invisível de Deus. Assim, nenhum milagre verdadei- C. S. L b v is , Milagres.
ro é mau, porque Deus é bom. Milagres, por nature- R . Sw in b f r n e , Miracles.
za, procuram produzir e/ ou promover 0 bem. F. R . T k n n a n t, Miracle and its philosophical
Quarto, milagres têm dimensão doutrinária. Os presuppositions.
milagres na B íb lia estão ligados direta ou indireta-
mente a “ reivindicações da verdade” (v. m ilagres na milagres, argumentos contra. A maioria dos pen-
B í b l i a ). São maneiras de distinguir 0 profeta verda- sadores modernos que rejeitam milagres seguem os
deiro do falso profeta (Dt 18.22). Eles confirmam a argumentos do cético escocês (v. a g n o stic ism o ) David
verdade de Deus por meio do servo de Deus ( H b H u m e (1711-1776). Hume proporcionou 0 que mui-

2.3,4). Mensagem e milagre andam juntos. tos acreditam ser 0 mais formidável de todos os de-
Quinto, milagres têm dimensão teleológiea. Ao safios à perspectiva sobrenaturalista: Milagres são
contrário da mágica (v. m il a g r e s , m á g ic a e ), eles ja- inacreditáveis.
mais são realizados para diversão (v. Lc 23.8). Os Hume estabeleceu três argumentos contra os mi-
milagres têm 0 propósito específico de glorificar ao lagres: filosófico, histórico e religioso. 0 primeiro ar-
Criador e dar evidência ao povo para crer, ao confir- gumento é 0 argumento teórico, baseado na
mar a mensagem de Deus por meio de seu profeta. incredibili-dade de afirmar que leis naturais jamais
C on texto teísta d e u m m ila gre. A característica sejam subvertidas. O segundo é 0 argumento prático,
essencial dos milagres bíblicos é seu contexto teísta que desafia 0 fato de milagres terem testemunhas dig-
(v. te ís m o ). Apenas na cosmovísão teísta 0 milagre pode nas de crédito (v. Novo T esta m en to , h isto ric ida d e d o ). O
ser identificado. Quando Moisés encontrou a sarça último é baseado na natureza contraditória de reivin-
ardente (Êx 3.1-6), começou a investigá-la por sua na- dicações semelhantes de milagres que sobejam em
tureza incomum. A palavra que veio de Deus disse a todas as religiões.
Moisés que aquele evento não era apenas incomum, A in c re d ib ilid a d e d o s m ilagres. Baseando-se na
mas era um milagre. Se Moisés relatasse a ateus con- epistemologia empírica, Hume lançou seu ataque aos
victos (v. a te ís m o ) 0 que havia acontecido com a sarça milagres com 0 comentário:
ardente, eles teriam direito de duvidar da história. N'0
universo ateísta, não faz sentido falar sobre atos de Estou orgulhoso de ter descoberto um argumento [...] que,
Deus. Para 0 não-teísta, a sarça ardente e a voz não se justo, será, entre os sábios eeruditos, 0 empecilho eterno para
pareceriam mais milagrosos que a voz do céu para todos os tipos de ilusão supersticiosa, econseqüentemente será
aqueles que acharam que ela era um trovão (Jo 12.29). útil enquanto 0 mundo durar (Hume, Investigação sobre 0 en-
Mas, considerando-se que Deus existe e levando em tendimento humano, 10.1.18).
conta sua natureza racional e moral, essas caracte-
rísticas dão aos milagres seu poder apologético. O raciocínio de Hume é 0 seguinte (Investigação,
C o n clu sã o . Devemos saber 0 que estamos pro- 10.1.18,120-3):
curando antes de reconhecer 0 milagre. Primeira-
mente, milagres contrastam com a natureza, que é a 1. A pessoa sábia mantém sua crença propor-
maneira regular e naturalmente previsível de Deus cional à evidência.
agir no mundo. Os milagres são a maneira incomum 2. O evento que pode ser fundado na experiên-
e humanamente imprevisível pela qual Deus às ve- cia infalível pode, com toda certeza, ocorrer
zes intervém nos eventos do mundo. O milagre pode de novo no futuro.
parecer-se com qualquer ocorrência incomum, mas 3. A confiabilidade da evidência derivada de
tem uma causa sobrenatural. É realizado com poder testemunhas e do depoimento humano es-
divino, segundo a vontade divina, para um propósi- tabelece provas ou probabilidades, à medi-
to divino, a fim de autenticar a mensagem ou 0 pro- da que é confirmada por outros relatórios
pósito divino. e evidências.
milagres, argumentos contra 558

4. Todas as circunstâncias devem ser cosidera- 1. Os milagres, por definição, violam as leis natu-
consideradas no julgamento da probabilida- rais.
de, e 0 padrão absoluto é como os relatórios 2. As leis naturais são inalteravelmente unifor-
concordam com a experiência e a observa- mes.
ção pessoal. 3. Logo, milagres não podem acontecer.
5. Quando a experiência pessoal não é a mes-
ma, a pessoa deve manter um julgamento con- Mas, embora 0 argumento de Hume às vezes dê
trário e sujeitar a questão a argumento me- essa impressão, não é isso necessariamente 0 que ele
ticuloso. tinha em mente. Se esse é seu argumento, então trata-
6. Quaisquer contradições entre testemunhas se claramente de uma petição de princípio que define
devem ser consideradas suspeitas. A suspeita milagres como impossíveis. Pois, se milagres são uma
também deve surgir se as testemunhas são “violação” do que não pode ser “alterado” , então mila-
poucas, de “caráter duvidoso” , têm interesses gres são impossíveis ipso facto. Os sobrenaturalistas
velados sobre 0 que afirmam, hesitam no tes- poderiam facilmente evitar esse dilema. Poderiam re-
temunho ou afirmam com vigor extremo. cusar-se a definir milagres como “ violações” da lei
7. “Mas quando 0 fato testemunhado é tal que fixa e simplesmente chamá-los “exceções” da regra
raramente seja observado, há 0 confronto geral. Ambas as premissas podem ser negadas. A lei
entre duas experiências opostas, no qual uma natural é 0 padrão regular (normal) de eventos. Não é
destrói a outra com toda a força, e a superior 0 padrão universal ou inalterável.
só pode operar na mente pela força que resta.” Essa seria a maneira fácil de evitar 0 problema. Na
verdade, a posição de Hume contém um argumento
8. O milagre viola as leis da natureza, que foram
que é bem mais difícil de responder, um argumento
estabelecidas pela “experiência firme e inal-
que se refere a uma posição “moderada” da lei natural.
terável” .
Não é um argumento a favor da impossibilidade dos
9. Logo, “a prova contra 0 milagre, com base na
milagres, mas de sua incredibilidade: e
própria natureza do fato, é argumento tão
completo quanto qualquer argumento de ex-
1. O milagre é por definição a ocorrência rara.
periência que possa ser imaginado” .
2. A lei natural é por definição a descrição da
10. A experiência é prova direta e completa con-
ocorrência regular.
tra a existência de qualquer milagre.
3. A evidência para 0 regular é sempre maior
que para 0 raro.
O argumento de Hume pode ser assim abreviado;
4. Indivíduos sábios sempre baseiam a crença
na maior evidência.
1. O milagre é a violação das leis da natureza.
5. Logo, indivíduos sábios jamais devem
2. A experiência firme e inalterável estabeleceu
acredtar em milagres.
essas leis da natureza.
3. A pessoa sábia proporciona a crença à evi-
Xote que essa forma “moderada” do argumento
dência.
não elimina os milagres; eles são considerados in-
4. Logo, a prova contra os milagres é esmaga-
críveis pela natureza da evidência. O sábio não afir-
dora.
ma que milagres não podem acontecer; ele simples-
mente nunca acredita que aconteçam. A evidência
Hume escreveu:
suficiente nunca existe para a crença.
Nessa interpretação “ moderada” do argumento,
Logo, deve haver uma experiência uniforme contra todo
os milagres ainda são eliminados, já que pela própria
evento milagroso, caso contrário 0 evento não mereceria esse
natureza do caso nenhuma pessoa sábia deve acredi-
título [...]. Nada éconsiderado milagre se aconteceu no trans-
tar que um milagre já tenha acontecido. Nesse caso,
curso comum da natureza (10.1.122-3). Hume aparentemente evitou a petição de princípio e
ao mesmo tempo eliminou com sucesso a possibili-
Alternativas 110 argumento de Hume. Há duas ma- dade da crença racional em milagres. Variações des-
neiras básicas de entender 0 argumento de Hume ses argumentos ainda são consideradas válidas por
contra os milagres. Nós as chamaremos de interpre- alguns respeitados filósofos contemporâneos.
tações “rígidas” e “moderadas” . Segundo a interpre- Avaliação do argumento de Hume. Como a forma
tação “ rígida” , Hume estaria dizendo: “ rígida” do argumento de Hume é claramente uma
559 milagres, argumentos contra

petição de princípio e é facilmente respondida pela algumas ressurreições tenham realmente acontecido,
redefinição dos termos, vamos concentrar-nos na segundo os princípios de Hume não se deve acreditar
forma “moderada” . A chave para desvendar esse ata- nelas. No entanto, a verdade não é determinada pela
que está na alegação feita por Hume quanto à expe- maioria de votos. Hume comete um tipo de consensus
riência uniforme. gentium que é uma falha lógica informal argumen-
A experiência “uniforme” de Hume é uma peti- tar que algo é verdadeiro porque é aceito pela mai-
ção de princípio ou é uma alegação especial. É uma oria das pessoas.
petição de princípio se Hume supõe saber que a ex- Esse argumento na verdade iguala “evidência” e
periência é uniforme antes da evidência. Como al- “probabilidade” . Ele diz, na realidade, que a pessoa
guém pode saber que toda experiência possível con- deve sempre acreditar no que é mais provável, no que
firmará 0 naturalismo, sem ter acesso a todas as ex- tem as maiores chances. Portanto, não se deve acredi-
periências possíveis, passadas, presentes e futuras? tar que nos dados lançados saíram três seis no pri-
Se, no entento, Hume só quer dizer por experiência meiro lançamento. As chances de isso acontecer, afi-
“uniforme” as experiências específicas de algumas nal, são de 216 para uma. Ou uma pessoa não deve
pessoas (que não depararam com 0 milagre), isso é acreditar que recebeu um jogo perfeito de bridge (0
uma alegação especial. Outros afirmam ter testemu- que já aconteceu), já que a probabilidade de isso acon-
nhado milagres. Como Stanley Jaki observa: tecer é de uma em 1 635 013 559 600! Hume ignora 0
fato de pessoas sábias basearem crenças emfatos, não
Pelo fato de ser um filósofo sensorialista ou empirista, em probabilidades. As vezes a probabilidade contra
Hume deveria dar credibilidade igual para 0 reconhecimento um evento é alta (baseada na observação anterior de
de qualquer fato, comum ou incomum (Jaki, p. 23). eventos semelhantes), mas a evidência a favor do even-
to é boa (baseada na observação corrente ou teste-
Como C.S. L ew is observou: munho desse evento).
A idéia de Hume de “somar” evidências elimina
Ora, é claro que devemos concordar com Hume que, se a crença em qualquer tipo de evento incomum ou
singular. Richard Whaíeiy satirizou a tese de Hume
existe a experiência absolutamente “uniforme”contra mila-
no panfleto Historical doubts concerning the existence
gres, se em outras palavras eles jamais aconteceram, de fato
of Napoleon Bonaparte [Dúvidas históricas quanto
nunca aconteceram. Infelizmente sabemos que a experiên-
à existência de Napoleão Bonapartej. Já que as con-
cia contra eles é uniforme apenas se sabemos que todos os
quistas de Napoleão são tão fantásticas, tão extraor-
relatórios sobre eles são falsos. E só podemos saber que to-
dinárias, tão inéditas, nenhuma pessoa inteligente
dos os relatórios são falsos se já soubermos que milagres
deve acreditar que tais eventos aconteceram. De-
nunca ocorreram. Xa verdade, estamos argumentando em cír-
pois de relatar os feitos militares maravilhosos e in-
culos (Lewis, p. 105).
comparáveis de Napoleão, Whately escreveu: “Al-
guém acredita em tudo isso e ainda se recusa a acre-
A única alternativa para esse argumento circular
ditar num milagre? Ou melhor, 0 que é isso a não ser
é estar aberto para a possibilidade de os milagres
um milagre? Isso não é uma violação das leis da
terem ocorrido.
natureza?” . Se 0 cético não nega a existência de
Além disso, Hume não avalia a evidência objeti-
Napoleão, “deve pelo menos reconhecer que não
vãmente; ele soma a evidência contra os milagres. A
aplica a essa pergunta 0 mesmo raciocínio que usa
morte acontece vez após vez; a ressurreição aconte- com outras” (Whately, p. 274,290).
ce raramente. Portanto, devemos rejeitar a segunda. Finalmente,’ 0 argumento de Hume leva a conclu-
O
Nas palavras do próprio Hume: sões forçadas. Tenta demonstrar que uma pessoa não
deve acreditar num milagre mesmo que ele aconteça!
Xão é milagre um homem aparentemente saudável mor- Isso porque argumenta não que milagres não aconte-
rer repentinamente só porque tal tipo demorte raramente é ceram, mas que não devemos acreditar que ocorre-
observado. Mas é milagre que um homem morto volte a viver, ram por ser a evidência do comum sempre maior
porque isso nunca foi observado em nenhuma era ou país. que a do raro. Com essa lógica, se um milagre real-
mente acontecesse — por mais raro que seja — ,
Logo, “ é mais provável que todos os homens de- mesmo assim a pessoa não deveria acreditar nele. Há
vam morrer” (Investigação, 10.1.122). algo claramente absurdo nessa afirmação de que um
Há outros problemas com 0 conceito de Hume de evento deve ser desacreditado, mesmo que a pessoa
somar eventos para determinar a verdade. Mesmo que saiba que aconteceu.
milagres, argumentos contra 560

Negação uniforme dos milagres. Alguém pode eli- senso, educação e erudição inquestionáveis para nos pro-
minar a crença em eventos atuais baseado na evi- teger contra toda ilusão a seu respeito.
dência de eventos passados? Parece que Hume quer
que cada pessoa sábia creia de antemão que mila- E não há testemunhas suficientes de “integridade
gres nunca aconteceram, não acontecem e nunca tão certa, que as coloque acima de suspeita de qual-
acontecerão. Antes de examinar a evidência, a pes- quer conspiração para enganar outros” . E elas não são
soa deve revestir-se do testemunho padronizado e “de crédito e reputação suficientes aos olhos da hu-
“ inalterável” do uniformismo. Somente abordando manidade para terem muito a perder caso seja detec-
0 mundo com um preconceito invencível contra qual- tada nelas alguma falsidade” . Finalmente, os supostos
quer coisa que não tenha sido pessoalmente conhe- milagres também não foram “ realizados de maneira
cida no passado é que todas as afirmações do tão pública e numa parte tão celebrada do mundo de
miraculoso podem ser descartadas. modo a tornar 0 seu reconhecimento inevitável” (Re-
Hume reconheceu a falha de seu raciocínio quan- sumo do tratado da natureza humana, p. 124).
do argumentou que, com base na conformidade pas- “A forte propensão da humanidade ao extraordi-
sada, nada pode ser considerado verdadeiro com nário e maravilhoso [...] deve despertar razoável sus-
relação ao futuro. Não podemos sequer saber se 0 peita contra todas as relações desse tipo.” E “se 0 espí-
sol nascerá amanhã (Resumo do tratado da natureza rito da religião se unir ao amor pelo extraordinário,
humana, p. 14-16). Logo, 0 fato de Hume negar mila- chega-se ao fim do bom senso” , escreveu Hume (ibid.,
gres futuros baseado na experiência passada é inco- p. 125-6).
erente com seus princípios e uma violação do pró- Os milagres e os ignorantes. Hume acredita que 0
prio sistema. argumento favorável aos milagres está prejudicado
Se fosse verdadeiro que nenhuma exceção atual pu- porque “eles foram observados principalmente entre
desse anular “ leis” baseadas na experiência uniforme nações ignorantes e bárbaras” .Os que encontram quem
do passado, não haveria progresso no conhecimento
neles acredite em países civilizados, ele acrescentou,
científico do mundo. Pois exceções estabelecidas ou
em geral os encontram originalmente entre os que
repetidas de padrões passados são exatamente 0 que
têm “ancestrais ignorantes e bárbaros” . Além disso,
força a mudança na crença científica. Quando a exce-
“as vantagens são tão grandes de causar uma impos-
ção observada de uma “ lei” passada é estabelecida,
tura entre pessoas ignorantes que [...] se tem assim a
essa “lei” é revista, se possível, para explicar a exceção.
probabilidade muito maior de sucesso em países re-
Uma nova “ lei” a substitui. Foi exatamente isso que
motos do que se a primeira cena tivesse acontecido
aconteceu quando certas “exceções” espaciais, mas
numa cidade reconhecida pelas artes e erudição”
repetidas, da lei da gravidade de Newton foram en-
(ibid., p. 126-8).
contradas, e a teoria da relatividade de Einstein foi
“ No todo, então, parece que nenhum testemunho
considerada mais ampla e adequada. As exceções
de nenhum tipo de milagre iamais resultou em pro-
das “ leis” têm um valor heurístico (de descoberta);
babilidade, muito menos prova.” Além disso, “mesmo
são estímulos ao progresso de nosso conhecimento
supondo que resultasse em prova, seria confrontado
acerca do universo. Assim, 0 que é verdadeiro com
por outra prova derivada da própria natureza do fato
relação a exceções repetidas que exigem uma expli-
que se esforçasse para estabelecer” (ibid., p. 137).
cação natural também é verdadeiro com relação a
Avaliação. Apesar de Hume sugerir que estava aberto
exceções não-repetidas, que indicam uma explica-
para a evidência real do milagre caso ela alcançasse
ção sobrenatural.
seus padrões de pureza, logo se suspeita que as regras
Falta d e testem u n h a s confiáveis. Hume também
argumentou contra 0 testemunho a favor de milagres, de evidência foram adulteradas de forma a eliminar as
na prática. Já demonstramos que tentativas a priori reivindicações de credibilidade de qualquer milagre.
de eliminar milagres falham, assim só restam argu- Hume chega a admitir sinceramente que nenhum
mentos a posteriori. Hume alega que não há evidência número de testemunhas 0 convenceria de um mila-
suficiente para confirmar os milagres do n t . Ele enu- gre. Ao falar do que considerava serem milagres alta-
mera vários argumentos que, se verdadeiros, excluiri- mente comprovados entre os jansenistas de sua épo-
am a credibilidade das testemunhas do n t . ca, Hume escreveu: “ E 0 que temos para opor a ta-
Hume diz: manha multidão de testemunhas além da absoluta
impossibilidade da natureza milagrosa dos eventos
Não se encontra, em toda a história, nenhum milagre que relatam?” . Tal impossibilidade, acrescenta, deve
confirmado por um número suficiente de homens de bom ser suficiente “ aos olhos de pessoas racionais”
561 milagres, argumentos contra

(ibid., p. 133; grifo do autor). Não importa quantas Λ5 testemunhas não se contradizem. Centenas de
testemunhas forem dadas para esses eventos “abso- supostas contradições nos evangelhos foram avalia-
lutamente impossíveis” , nenhuma “pessoa racional” das e consideradas falhas por teólogos, inclusive
acreditará nelas. Se for esse 0 caso, Hume ainda está Gleason Archer, John Haley, William Arndt e outros
abordando todo evento milagroso, por mais bem (v. algumas dessas defesas na lista de fontes deste
comprovado que seja, com um preconceito natura- artigo). 0 erro não está no evangelho, mas no proce-
lista a priori incurável. Todo discurso de verificação dimento usado pelo crítico. Para um estudo de exem-
da credibilidade das testemunhas é anti- pios de acusações, v. B íb l ia , supostos er r o s n a . Os depo-
sobrenaturalismo pobremente disfarçado. imentos das testemunhas do nt nunca são contradi-
Esse preconceito demonstra que 0 argumento de tórios (v. B íb l ia , supostos erro s n a ). Cada um conta uma
Hume divide-se em duas direções. O conhecimento parte crucial e complementar da história inteira.
da natureza humana também revela preconceitos con- É verdade que existem pequenas discrepâncias.
tra a aceitação de milagres. Um relato (Mt 28.2-5) diz que havia um anjo no túmulo
A posição de Hume também é incoerente. Ele na manhã da ressurreição de Jesus; João diz que eram
não permitiu 0 testemunho a favor dos milagres, dois anjos (Jo 20.12). Deve-se notar sobre esses tipos
mas permitiu 0 testemunho dos que viram água con- de discrepâncias que elas são conflitantes, mas não
gelada, rejeitando 0 testemunho dos que não tinham contradições irreconciliáveis. Mateus não diz que ha-
visto. Mas por que permitir 0 testemunho para um via apenas um anjo ali; isso seria uma contradição.
evento e não para outro? Ele não pode responder Provavelmente numa hora havia um, e depois havia
que é porque os outros viram água congelada, pois um segundo anjo no local. Conflito em detalhes é 0
isso é uma petição de princípio. O problema é que que se deve esperar de testemunhas autênticas e in-
dependentes. Qualquer juiz perceptivo que ouviu vá-
uma tribo tropical nunca a viu, então por que devem
rias testemunhas darem testemunhos idênticos sus-
aceitar 0 testemunho de um estrangeiro que diz tê-
peitaria de fraude (v. ev a n g el h o s , h ist o r ic id a d i; d o s ).
la visto, não importando quantas vezes a viu? Mila-
O número de testemunhas ésuficiente. Os 27 livros
gres aconteceram mais de uma vez. Além disso, se-
do n t foram escritos por testemunhas oculares ou
gundo os próprios princípios de Hume, mesmo que
contemporâneas dos eventos que registraram. Seis
alguém tenha visto água congelar apenas uma vez e
desses livros são cruciais para a verdade dos mila-
andou e escorregou nela, isso seria suficiente para
gres do n t : Mateus, Marcos, Lucas, João, Atos e 1
saber que aconteceu. Todavia, 0 mesmo se aplica ao
Coríntios. Todos esses livros testemunham 0 mila-
milagre. Apenas 0 preconceito anti-sobrenaturalista
gre da ressurreição. Até mesmo teólogos críticos re-
impediria a pessoa de considerar honestamente 0
conhecem agora que esses livros são documentos
testemunho confiável sobre sua ocorrência.
do século 1, a maioria escrita antes de 70 d.C, en-
Hume aparentemente não está ciente da forte
quanto os contemporâneos de Cristo ainda viviam.
evidência histórica a favor da confiabilidade dos do-
Praticamente todos os teólogos reconhecem que 1
cumentos bíblicos e das testemunhas (v. B íb l i a , e v i -
Coríntios foi escrita pelo apóstolo Paulo por volta
d ê n c ia s d a ; N ovo T e s t a m e n t o , h ís t o r ic id a d e d o ). Pelo
de 55 ou 56 d.C., pouco mais de duas décadas após a
menos, ele a ignora. No entanto, os milagres bíblicos
morte de Cristo. Esse é um testemunho poderoso a
não podem ser descartados sem uma investigação favor da realidade do milagre da ressurreição. É um
detalhada. Por isso ninguém deve descartar a possi- documento bem antigo. Foi escrito por uma teste-
bilidade desses milagres antes de examinar a evi- munha ocular do Cristo ressurreto (15.8; At 9.3-8).
dência a favor deles. Faz referência a mais de quinhentas testemunhas
Testemunhas do s t e os critérios de Hume. Hume oculares da ressurreição (15.6), enfatizando que a
descreveu os critérios básicos que considerava ne- maioria delas ainda estava viva (v. 6). Qualquer lei-
cessários para testar a credibilidade das testemu- tor imediato de 1 Coríntios poderia comprovar a
nhas (ibid., p. 120). Eles são discutidos no artigo tes- confiabilidade da evidência da ressurreição.
temunhas, c rité r io s de Huaie para. Podem ser resumi- As testemunhas eram honestas. Poucos questio-
dos em quatro perguntas: nam 0 fato de que 0 nt oferece um grande padrão
de moralidade baseado no amor (Mt 22.36,37) e
1. As testemunhas se contradizem? piedade interior (Mateus 5— 7). Os apóstolos de
2. Há número suficiente de testemunhas? Jesus repetiram esse ensinamento nas suas obras
3. As testemunhas foram honestas? (p.ex,Rm 13.1; 1C0 13; Gl 5).Suas vidas exemplifica-
4. Elas eram tendenciosas? ram seu ensinamento moral. A maioria morreu
milagres, argumentos contra 562

pelo que acreditava (2Tm 4.6-8; 2Pe 1.14), sinal in- As testemunhas da ressurreição não lucraram pes-
confundível de sua sinceridade. soalmente por seu testemunho acerca da ressurrei-
Além do ensinamento de que a verdade é um ção. Elas foram perseguidas e ameaçadas (v. At 4, 5 e
imperativo divino (Ef 4.15,25), é evidente que os au- 8). A maioria dos apóstolos toi martirizada. Mas, mes-
tores do n t eram escrupulosos ao registrá-lo. Pedro mo diante da morte, proclamaram e defenderam a
declarou: “ De fato, não seguimos fábulas engenho- ressurreição. E as testemunhas não devem ser descar-
samente inventadas, quando lhes falamos a respeito tadas só porque tém interesse no que aconteceu. Caso
do poder e da vinda de nosso Senhor Cristo” (2Pe contrário, não deveríamos aceitar 0 testemunho de
1.16). O apóstolo Paulo insistiu: “ Não mintam uns sobreviventes do Holocausto, e aceitamos. A questão
aos outros” (Cl 3.9). é se há evidência de que estavam falando a verdade.
Onde quer que as afirmações dos autores do x t A firm a ç õ e s in co eren tes. Hume afirma que “ Todo
coincidam com as descobertas de historiadores e ar- milagre, portanto, que se pretende ter sido feito
queólogos, provam ser precisas (v. a r q u fo i.o gia do Novo em qualquer uma dessas religiões (e todas elas fa-
T es t a m e n t o ). 0 arqueólogo Nelson Glueck conclui: lam em milagres) [...] tem a mesma força, apesar
de mais indiretamente, para derrubar todos os ou-
Pode-se afirmar categoricamente que nenhuma desco- tros sistemas” .
berta arqueológica jamais contestou uma referencia bíbli- Todavia, segundo Hume, esses milagres não atin-
ca. Inúmeras descobertas arqueológicas foram feitas que gem sua meta. Antes, “ao destruir um sistema rival,
confirmam em geral ou em detalhe exato as afirmações da ele [0 milagre] também destrói 0 crédito dos mila-
Bíblia (p. 31). gres sobre os quais esse sistema foi estabelecido”
(Hume, p. 129-30). Já que todas as religiões têm os
Millar Burrows observa que “ vários arqueólogos mesmos tipos de milagres, nenhum deles estabelece
viram seu respeito pela Bíblia aumentar por causa da a veracidade de suas doutrinas. Eles se cancelam
experiência de escavações na Palestina” (Burrows, p. como testemunhos da verdade.
1). Não há sinal de que os autores do x t tenham Há, no entanto, vários problemas significativos
falsificado os fatos relativos à questão. Seu testemu- com 0 argumento de Hume baseado na natureza in-
11110 seria considerado válido por qualquer júri sem coerente das reivindicações de milagres.
preconceito. Como concluiu 0 grande especialista Todas as reivindicações de milagres são iguais?
de Harvard, Simon G r e f x i e a f , seu testemunho não Hume supõe equivocadamente que todos os milagres
demonstra nenhum sinal de perjúrio. são iguais. Isso é contrário aos fatos. Alguns obvia-
As testemunhas não eram tendenciosas. Há razão mente referem-se a anomalias naturais ou curas
para crer que as testemunhas dos milagres de Cristo, psicossomáticas. Principalmente nas religiões ori-
principalmente 0 de sua ressurreição, não estavam entais e da Nova Era, ocorrências sobrenaturais ge-
predispostas a acreditar nos eventos sobre os quais ralmente são truques (v. m il a g r e s , m á g ic a e ). No caso
deram testemunho. Os próprios apóstolos não acre- das profecias, sua precisão é muito baixa para ser
ditaram quando as mulheres relataram 0 que acon- levada a sério. Há uma grande diferença entre andar
tecera (Ec 24.11). Mesmo alguns discípulos que vi- sobre brasas e andar sobre a água, como Jesus fez (Jo
ram a Cristo demoram a crer (Lc 24.25). Na verdade, 6). Há uma diferença entre curar alguém de enxa-
quando Jesus apareceu para dez apóstolos e mos- queca e curar um cego de nascença, como Jesus fez
trou suas feridas da crucificação, “não creram ainda, (Jo 9). Curandeiros de todas as religiões levantam
tão cheios estavam de alegria e de espanto...” (Lc doentes, mas Jesus levantou os mortos (Jo 11).
24.41). E, mesmo depois de ficarem convencidos ao Todas as testemunhas são igualmente confiáveis?
ver Jesus comendo, seu companheiro ausente, Tomé, 0 raciocínio de Hume supõe que a credibilidade das
protestou que não acreditaria se não pusesse 0 dedo testemunhas para as reivindicações de milagres em
nas feridas das mãos e do lado de Jesus (Jo 20.25). todas as religiões seia a mesma. Os milagres do \‫־‬t são
Jesus também apareceu para incrédulos, especi- comprovados por testemunhas oculares contempo-
ficamente para seu meio-irmão cético, Tiago (Jo 7.5; râneas. As histórias islâmicas de milagres aparecem
1C0 15.7) e para um judeu fariseu chamado Saulo de gerações mais tarde (v. m a o m é , suposto s m il a g r e s d e ).
Tarso (At 9). Se Jesus tivesse aparecido para os que Alguns apresentam testemunhas dignas de crédito,
acreditam ou tendessem a acreditar, poderia haver outros não. A credibilidade de cada testemunha de
legitimidade na acusação de que as testemunhas es- um milagre deve ser avaliada por seus méritos. Deci-
tavam predispostas a crer. Mas aconteceu 0 oposto. didamente não são iguais.
563 milagres, argumentos contra

Avaliação. Ao invés de refutar os milagres do n t , o como os milagres que alegam ter ocorrido no
terceiro argumento de Hume de que as histórias de passado, conclui-se que 0 método histórico ade-
milagres de todas as religiões são igualmente quado elimina 0 miraculoso.
(não)confiáveis apóia a autenticidade dos milagres bí- Troeltsch usou 0 “princípio da analogia” , e Antony
blicos. Pois a superioridade das testemunhas cristãs é Flew urn princípio semelhante da “ história crítica”
um argumento válido contra as reivindicações não- contra os milagres. Essas teorias são examinadas ex-
cristãs de milagres. Podemos reafirmar 0 argumento tensamente no artigo T ro eltsch , E r n st , portanto serão
dessa maneira: comentadas apenas em termos gerais aqui.
0 “princípio da analogia” de Troeltsch. Esse princí-
1. Todas as religiões não-cristãs (que reivindi- pio, segundo Troeltsch, afirma que, “sem uniformidade
cam milagres) são apoiadas por reivindica- no presente, não podemos saber nada sobre 0 passado”
ções semelhantes de “milagres” (tanto na sua (Historicism and its problems [0 historicismo e seus pro-
natureza quanto nas suas testemunhas). blemas]). Com base nesse princípio, Troeltsch e outros
2. Mas nenhum desses “milagres” tem um teste- insistiram em que nenhuma evidência ou testemunha
munho forte 0 suficiente para sustentar valor é adequada para estabelecer milagres (Becker, p. 12-3).
evidenciai, portanto eles se auto-anulam. Esse argumento não declara que nenhum desses
3. Logo, nenhuma religião não-cristã é apoiada milagres relatados na Bíblia ocorreu. A afirmação,
por milagres. na verdade, é que eles não são historicamente
Nesse caso, podemos argumentar que apenas 0 cris- cognoscíveis, quer tenham ocorrido, quer não. A
tianismo é divinamente confirmado como verdadeiro. maioria concordaria em que nenhum desses mila-
gres, como um nascimento virginal, andar sobre a
1. Apenas 0 cristianismo tem reivindicações água ou ressuscitar os mortos, ocorre hoje; assim,
singulares de milagres confirmadas por tes- pela analogia de Troeltsch, não é possível saber se
temunho suficiente. tais eventos ocorreram.
2 . O que tem confirmação milagrosa singular “História crítica” de Flew. A “ história crítica” de
das suas reivindicações é verdadeiro (ao Flew é semelhante. Flew afirma que os restos do pas-
contrário das posições opostas). sado não podem ser interpretados como evidência
3. Logo, 0 cristianismo é verdadeiro (ao con- histórica, a não ser que suponhamos que as mesmas
trário das posições opostas). regularidades básicas existentes naquela época se-
jam verificadas hoje. O historiador deve julgar a
Os milagres de Jesus foram instantâneos, sempre evidência do passado pelo conhecimento pessoal do
bem-sucedidos e singulares. Os supostos operadores que é provável ou possível (p. 350).
de milagres que afirmam sucesso parcial só realizam Flew concluiu que 0 historiador crítico descarta
curas psicossomáticas, empregam truques, fazem si- sumariamente histórias de milagres, classificando-
nais satânicos ou promovem outros eventos natural- as como impossíveis e absurdas (ibid., p. 352). A im-
mente explicáveis. Nenhum curandeiro contemporâ- possibilidade, acrescenta Flew, não é lógica, mas fí-
neo sequer afirma curar todas as doenças (inclusive as sica. Milagres são possíveis na teoria, mas na prática
“incuráveis” ) instantaneamente, com 100% de sucesso. transgridem as leis naturais que simplesmente nun-
Jesus e seus apóstolos 0 fizeram. Isso é único e posiciona ca são transgredidas.
esses milagres contra todas as reivindicações opostas Avaliação do argumento histórico. Troeltsch e Flew
de outras religiões. Se os milagres bíblicos são singula- tentam eliminar a cognoscibilidade por meio do que
res, confirmam as reivindicações de verdade ligadas a Flew chama “história crítica” .Além disso, 0 argumento
eles (Êx 4.1s.; lRs 18.1s.; Jo 3.2; At 2.22; 14.3; Hb 2.3,4). (como Flew admite) segue a forma básica do anti-
Todos os outros supostos milagres são, como 0 argu- sobrenaturalismo de Hume, criticado anteriormente.
mento de Hume demonstra, incoerentes. Todos esses argumentos supõem que, para ser crítico
A r g u m e n t o s a p a r t i r d a a n a l o g i a . Ernst e histórico, é preciso ser anti-sobrenatural. Segundo
T r o e l t s c h (1865-1923) estabeleceu a regra da ana- essa posição, a mente fechada é pré-requisito para
logia: A única maneira de conhecer 0 passado é fazer um estudo histórico “crítico” .
pela analogia no presente. Isto é, 0 desconhecido O princípio de que 0 presente é a chave do pas-
do passado só é revelado pelo que se conhece no sado ou de que 0 passado é conhecido pela analogia
presente. Com base nisso, alguns argumentam que, com 0 presente é válido, porque as pessoas vivas no
já que nenhum milagre ocorre no presente, tais presente não têm acesso direto ao passado. Deve-se
milagres, argumentos contra 564

presumir que os tipos de causas que reconhecida- em detrimento dos eventos específicos em questão.
mente produzem certos tipos de efeitos no presente Essa não é uma regra normal de evidência. Além dis-
também produziram tipos semelhantes de eteitos so, alega que nenhum milagre ocorreu, pode ocorrer e
no passado. jamais ocorrerá no mundo atual. Flew e Troeitsch sim-
Mas esse princípio não elimina a crença confiável plesmente não são oniscientes para saber se sua su-
em milagres no passado, mesmo que nenhum des- posição é verdadeira.
ses milagres exista no presente. Há falácias envolvi- Petição de principio. Flew também comete, na prá-
das no argumento histórico. tica, uma petição de princípio quando afirma que os
Uniforme ou unifornústa? Troeltsch e Flew con- milagres são “absolutamente impossíveis” e que 0 pen-
fundiram os princípios da uniform idade (analogia) sador crítico os descarta “sumariamente” . Mas por
e do uniformismo. Eles supuseram que todos os even- que um pensador critico seria tão preconceituo con-
tos passados apresentam-se uniformemente hoie. tra a realidade histórica do milagre? Por que se deve
Isso não só é uma suposição, como também não começar a metodologia armada contra certos even-
confere com 0 que os cientistas naturalistas acredi- tos passados, antes de analisar as evidências?
tam sobre as origens. Todos os cientistas acreditam P re ju d ica n d o 0 p ro g resso cien tífico . Posições
que a origem do universo e a origem da vida são uniformistas têm prejudicado 0 progresso da ciência.
eventos singulares e não-repetíveis (v. o r ig e n s , c iên c ia A teoria do b ig-ba ng é um exemplo. 0 astrofísico
d a s ). Mas se 0 passado pode ser conhecido apenas Arthur Eddington referiu-se a esse princípio especial
em termos de processos ativos agora, então não há e explosivo do universo com as palavras “repugnan-
base científica para conhecê-los. Outro problema te” ,“absurdo” e “inacreditável” ( Jastrow, p. 112). Albert
com 0 uniformismo é que os processos mudam. Einstein cometeu um erro matemático por ter certe-
Uniformistas geológicos não explicam catástrofes, za de que 0 big-bang era “tolice” (ibid., p. 28).
mudanças climáticas, deslocamentos da crosta ter- A evidência é tão convincente que muitos cien-
restre e outros fatores que possam ter alterado for- tistas agora acreditam que os átomos básicos de hi-
ças geológicas. drogênio do universo foram criados em milésimos
O uniformismo supõe ilogicamente que não de segundo. A maioria dos astrônomos hoje aceita a
houve singularidades passadas. Embora 0 conheci- realidade de uma grande explosão inicial. Aqui está
mento do passado seja baseado em analogias do pre- uma singularidade que pela própria natureza não
sente (uniformidade), 0 objeto de tal conhecimento pode ser repetida. Mas é uma teoria viável das ori-
pode ser uma singularidade. Arqueólogos podem sa- gens e um objeto adequado da ciência, embora os
ber com base na analogia que apenas seres inteli- cientistas tivessem de ser arrastados até ela, já que
gentes podem fazer pontas de projéteis. Mas a ma- de fato tem implicações teístas definitivas.
nufatura de uma única ponta de lança por determi- Apelando para 0 geral a fun de elim inar 0 específi-
nado artesão em determinada tribo também pode co. Um tipo estranho de lógica age no argumento his-
ser estudada em si. O que se pode aprender sobre tórico. É preciso julgar todos os eventos específicos
esse evento passado singular pode tornar-se conhe- (especiais) do passado com base nos eventos gerais
cimento atual — uma base para analogia quando (regulares) do presente. Por que não usar eventos es-
outras pontas de lança forem descobertas. Pela ana- peciais do presente como analogia para eventos espe-
logia, cientistas aprenderam que certos níveis de ciais do passado? Existem “anomalias” únicas e espe-
complexidade específica originam-se apenas em cíficas. Do ponto de vista estritamente científico, 0
seres inteligentes. milagre é como a anomalia. Aqui 0 argumento histó-
A analogia devidamente interpretada considera rico usa uma alegação especial. Nem Troeltsch nem
confiável a possibilidade de alguns eventos no pas- Flew permitem que a evidência explique eventos es-
sado terem uma causa sobrenatural inteligente. Mes- pecíficos, em lugar da evidência de categorias gerais
mo sem analogia com 0 presente, há boa evidência de eventos. Existem muitos mais eventos regulares e
de que o universo teve um princípio (v. big-bam ;) e repetidos que eventos não-repetidos. Não há evidên-
uma causa sobrenatural inteligente. cia para 0 não-repetido. É como recusar-se a acre-
Alegação especial. O argumento histórico contra ditar que alguém ganhou na loteria porque milha-
os milagres alega especialmente que a evidência de res perderam. Com esse mesmo raciocínio, 0 filó-
eventos individuais não pode ser permitida, a não ser sofo contemporâneo Douglas K. Erlandson argumen-
que os eventos sejam repetidos. Isso favorece a evi- ta que a lei científica, como tal, lida com classes gerais
dência para todos os eventos que ocorram regularmente, de eventos, enquanto 0 sobrenaturalista lida com
‫כ‬65 milagres, argumentos contra

eventos que não se encaixam nas classes gerais. A Patrick Nowell-Smith. A afirmação do sobrena-
crença em algo não prejudica a crença em outra coisa turalista de que um evento é um milagre porque não
(Erlandson,p.417-28). pode ser explicado em termos de leis científicas in-
Forçando a argumentação. Os argumentos histó- comoda Patrick Nowell-Smith.
ricos provam que a maior parte do que os naturalistas
acreditam sobre 0 passado não pode ser verdadeiro. Podemos acreditar nele [no sobrenaturalista] quando diz
Como Richard W h a tely demonstrou em sua famosa que nenhum método científico conhecido explicará 0 evento
sátira do ceticismo naturalista de Hume (Whately, p. [... ] λIas dizer que é inexplicável como resultado de agentes
224,290), se é preciso rejeitar os eventos singulares no naturais já está além de sua competência como cientista, e
passado porque não há analogia com 0 presente, en- dizer que deve ser atribuído a agentes sobrenaturais é dizer
tão a incrível história de Napoleão deve ser rejeitada. algo que ninguém poderia ter 0 direito de afirmar baseado
Não é crítica 0 suficiente. Na verdade, a “ história somente na evidência (Nowell-Smith, 245-6).
crítica” não é crítica 0 suficiente. Ela não critica a
aceitação irrazoável das pressuposições que elimi- Por mais estranho que um evento seja, argumenta,
nam conhecimento histórico válido. Longe de ser não deve ser atribuído ao sobrenatural, porque futu-
aberto para evidências, seu naturalismo elimina com ros cientistas poderão explicá-lo. No passado, 0 vôo
antecedência qualquer interpretação miraculosa dos do zangão não podia ser explicado pela iei natural. No
eventos no passado. Ela legisla sobre 0 significado, em entanto, os princípios dessa ocorrência muito natural
vez de procurá-lo. foram revelados na descoberta de reservas de energia
A rg u m e n to s da ciên cia . Desde a origem da ciên- nas células da abelha chamadas mitocôndrias, que
cia moderna, é comum afirmar que os milagres não possibilitam 0 vôo pelo movimento rápido das asas.
são científicos. Alguns críticos opõem-se a milagres O argumento pode ser assim descrito:
porque são considerados contrários à própria natu-
reza do procedimento científico de lidar com eventos 1. O que não tem explicação científica não é ne-
irregulares ou excepcionais. Eles insistem em que,
cessariamente cientificamente inexplicável.
quando os cientistas se deparam com um evento ir-
2. Milagres não têm explicação científica.
regular ou anômalo, não supõem um milagre. Ampli-
3. !Milagres não são cientetificamente inexplicáveis.
am seu conhecimento acerca dos processos naturais
de modo a incluir esse evento. Fazer 0 contrário seria
Uma explicação é considerada científica, segun-
abandonar 0 método científico. Alguns argumentos
do Nowell-Smith, se uma hipótese da qual previsões
incluem:
podem ser feitas pode ser comprovada mais tarde
N inian Smart. Ninian Smart declara que nada na
(ibid., p. 249). Além disso, a explicação deve descre-
natureza pode estar fora dos limites da exploração,
ver como 0 evento acontece.
caso contrário invalidaria a pesquisa científica. Mas
Nessa definição, milagres “ legítimos” devem ser
a crença de que certos eventos são milagrosos cria
explicáveis por leis que podem ser declaradas. Caso
uma barreira para a ciência. Logo, aceitar milagres
contrário, 0 evento pode ser explicado.
viola 0 campo de ação da ciência (Smart, cap. 2). Ο
argumento pode ser assim resumido:
Se podemos detectar qualquer ordemnas intervenções de
Deus, deve ser possível extrapolar da maneira comum eprever
1. O milagre é a exceção da lei natural.
2. Na ciência, exceções são estímulos para en- quando ou como um milagre ocorrerá (ibid., 251).
contrar uma explicação melhor, não uma in-
dicação para parar a pesquisa. Nowell-Smith desafia os sobrenaturalistas a
3. Logo, aceitar milagres impede 0 progresso considerar se a idéia de explicação não inclui ne-
científico. cessariamente hipótese, previsão e pensamento so-
bre a possibilidade de 0 “sobrenatural” fazer parte
Portanto, 0 milagre jamais pode ser identificado dela (ibid., p. 253).
como evento irregular ou anomalia. Pelo contrário, Se alegarem que ele está apenas redefinindo 0 “na-
pede mais pesquisa. Quando a lei natural não expli- tural” para incluir milagres, Nowell-Smith responde:
ca a exceção, os cientistas não abandonam 0 barco;
examinam novamente, com mais profundidade. A Concederei 0 seu sobrenatural, se isso étudo que significa.
exceção para uma descrição científica (l 1 ) pode es- Pois 0 sobrenatural não será nada alémdeum novocampo para
tar incluída na descrição mais ampla (12 ). apesquisa científica, umcampo tãodiferente da física quanto a
milagres, argumentos contra 566

física é da psicologia, mas não diferente em princípio nem exi- uma questão de capricho: 0 investigador iria ou não invocar 0
gindo qualquer método não-científico (ibid.). conceito de milagre (Diamond, p. 317).

Isso pode ser assim resumido: Diamond vê dois problemas com 0 sobrenatu-
ralismo. Primeiro, exceções não devem interrom-
1. Somente 0 que tem capacidades preditivas per a pesquisa científica. Elas são, na verdade, estí-
pode ser considerado a explicação de um even- mulos para maior estudo. Segundo, exceções não
to. devem ser necessariamente chamadas milagres. O
2. A explicação miraculosa não pode fazer pre- que é estranho prova que Deus existe? Se não prova,
visões comprováveis. como distinguir 0 incomum do sobrenatural?
3. Logo, a explicação miraculosa não pode ser Segundo Diamond,
considerada explicação do evento.
permitir a possibilidade de explicações sobrenaturais para
As implicações desse raciocínio são que expli- ocorrências naturalmente observáveis é algo que, na verdade,
cações miraculosas devem tornar-se científicas ou levaria cientistas ativos a abandonar a iniciativa científica [...]
deixar de ser explicações. Assim, um milagre é Esses cientistas não poderiam investigar [0 milagre]. Como
metodologicamente não-científico. Isso é contrá- cientistas, não seriam capazes de determinar se a exceção era
rio à maneira científica de explicar eventos, ma- sobrenatural (ibid., p. 320).
neira que sempre envolve a habilidade de prever
eventos semelhantes. Além disso, Nowell-Smith Os cientistas devem operar com autonomia. De-
nega que a racionalidade seja necessária para ex- vem estabelecer as próprias regras e arbitrar seus pró-
plicar qualquer anomalia na natureza. No final, tudo prios jogos. Logo, apesar de nada impedir logicamente
0 que acontece deve ser explicado como resultado um cientista de aceitar uma interpretação sobrenatu-
da lei natural. ral para um evento totalmente extraordinário, os ci-
Alistair M cK innon. Outro oponente dos milagres, entistas estariam liquidando a ciência.
Alistair McKinnon (v. outro argumento de McKinnon Diamond conclui:
no artigo m il a g r e ) apresenta 0 argumento da lei ci-
entífica da seguinte maneira: A resposta que darei a favor da interpretação naturalista é
pragmática. Ela recomenda confiança nas explicações científi-
1. Uma lei científica é uma generalização base- cas semfingir ser uma refutação conclusiva do sobrenaturalismo
ada na observação passada. (ibid.).
2. Qualquer exceção a uma lei científica anula
essa lei como tal e exige uma revisão dela. O esboço desse argumento é pragmático, basea-
3. Um milagre é uma exceção a uma lei científica. do na autonomia do método científico:
4. Logo, qualquer dito ‘ milagre” exigiria uma
revisão da atual lei científica. 1. Os cientistas, por serem cientistas, não po-
dem deixar de buscar explicações naturalis-
Para McKinnon, um milagre deve ser considera- tas para todo evento.
do um evento natural sob uma nova lei, que 0 incor- 2. Admitir um único milagre é deixar de buscar
pora à sua explicação natural. Leis são como mapas, uma explicação natural.
e mapas nunca são violados; são revistos quando se 3. Logo, admitir milagres é deixar de ser um
descobre que estão errados. cientista.
M alcolm D iam ond. Outros tentaram argumen-
tar que milagres se opõem à metodologia científi- A v aliação . Ao contrário de outros argumentos
ca. Por exemplo, Malcolm Diamond, professor de contra os milagres, a objeção científica não tenta pro-
filosofia na Universidade de Princeton, insiste em var que eles são impossíveis ou mesmo inacreditáveis.
que é desastroso aceitar exceções milagrosas a leis Se bem-sucedida, ela demonstraria que milagres não
científicas. Se aceitarem algumas exceções como são identificáveis pelo método científico. Isso abre
sendo sobrenaturais, a possibilidade de haver outras maneiras de identi-
ficar um milagre. Se por definição 0 método cíentí-
0 desenvolvimento científico será impedido ou irá tornar- fico lida apenas com determinada classe de eventos
se algo completamente volúvel, porque seria necessariamente (os repetíveis), então eventos singulares como os
567 milagres, argumentos contra

milagres não podem ser identificados pelo método Confusão de categorias. Até alguns naturalistas
científico. Mas 0 que tal argumento não prova é que admitiram que esse é um argumento a priori que
milagres não acontecem ou que não há outra ma- pode ser refutado pela observação de que uma exce-
neira de identificá-los. E também não demonstra ção a uma lei científica sobrenaturalmente causada
que não há outra maneira de identificar um método não a anula. Leis científicas expressam regularida-
científico pelo qual um milagre possa ser identifica- des. Um milagre é exceção especial e não-repetível
do, pelo menos em parte. (Diamond, p. 316-7). Uma exceção não-repetível não
Anomalias e 0 método científico. Mesmo 0 proce- exige a revisão de uma lei natural. Mais provável-
dimento científico que lida com eventos repetíveis mente deveria ser atribuída à observação talha. Do
e regulares permite eventos excepcionais que não ponto de vista estritamente científico, uma exceção
exigem a explicação de outra lei natural. Um cientis- não-repetível é apenas isso — uma exceção a leis
ta que depara com uma anomalia não revisa auto- científicas conhecidas. Se, sob condições específi-
maticamente as leis antigas. Se a exceção não é cas, a anomalia ocorrer de novo, 0 cientista tem 0
repetível, não há direito de usá-la como base para direito de chamá-lo evento natural. Nesse caso, as
uma nova lei. É inadequado exigir que todos os even- anomalias devem ser indicadores para 0 desenvol-
tos excepcionais sejam naturalmente causados, mas vimento de uma lei natural mais geral.
apenas que eventos repetíveis sejam explicáveis. Por- Os milagres, no entanto, não são resultado de leis
tanto, no milagre não-repetível não há violação do naturais. São causados por ações intencionais de agen-
direito de um cientista praticar a ciência. tes racionais, Deus e seus representantes. A ação da
A ciência normalmente lida com regularidades, vontade é 0 que não pode ser repetido e, portanto,
não com singularidades. Não se pode esperar que um coloca milagres fora do âmbito da observação cientí-
método equipado para lidar com regularidades eli- fica. Um milagre acontece porque Deus quer. Não é
mine a viabilidade científica de um milagre.
possível programar Deus para “querer isso” novamen-
Uma abordagem científica do mundo não é li-
te, a fim de que os cientistas possam acompanhar. Os
mitada a eventos. Existem abordagens científicas le-
milagres não mudam nosso conceito sobre as leis ci-
gítimas que lidam com eventos singulares, que até
entíficas, apenas acontecem fora delas.
sobrenaturalistas apóiam.
Já que os milagres são exceções não-repetíveis de
Mesmo 0 método científico admite exceções
leis conhecidas, eles deixam as leis naturais intactas e,
ou anomalias, e nenhum cientista reexamina as leis
portanto, não são não-científicos. Smart escreveu:
naturais tomando por base uma única exceção. A
“ Milagres não são experimentais, repetíveis. São even-
não ser que 0 cientista possa demonstrar que está
tos específicos, peculiares [...] Não são leis menores.
lidando com uma parte regular e repetível da natu-
Conseqüentemente, não destroem leis maiores” .
reza, ele não tem base para criar uma nova lei natu-
Petição de princípio. Se objeções científicas têm
ral. Não há razão pela qual um milagre não possa
como alvo eliminar a aceitação de milagres por uma
encaixar-se na categoria ampla do anômalo, mes-
pessoa racional, não são bem-sucedidas. Elas clara-
mo no sentido geral do método científico.
mente usam uma petição de princípio ao insistir em
É claro que um milagre compreende mais que
que todo evento na natureza deve ser considerado um
mera anomalia. Existem indícios da atuação “divi-
evento natural. Pois se de tudo que acontece — por
na” . Entretanto, mesmo a partir da abordagem estri-
tamente científica, que lida com regularidades, não mais não-repetível que seja — nada deve ser consi-
é possível eliminar legitimamente a possibilidade derado milagre, milagres são antecipadamente elimi-
de se identificar um milagre. Argumentar que toda nados por definição. Mesmo que a ressurreição dos
exceção a uma lei natural exige outra explicação mortos ocorresse, não seria considerada milagre.
natural é simplesmente uma petição de princípio. Apesar de afirmar que 0 problema deve ser ata-
Tal argumento vai além da ciência e revela um pre- cado com a mente aberta (ibid., p. 243), Nowell-Smith
conceito naturalista (v. m aterialism o; n a tu ra lism o ). demonstra um preconceito inabalável a favor do na-
Como insistem os teístas, se há um Deus, ele não turalismo. Seus padrões exigem que todo e qualquer
pode ser mantido fora de sua criação. Se ele tem a evento seja considerado evento natural. Na verdade,
habilidade de criar 0 universo, tem 0 poder de pro- ele está aberto apenas a interpretações naturalistas,
duzir atos excepcionais ocasionais, mas naturalmen- não para 0 sobrenatural. Isso é uma clara petição de
te não-repetíveis no seu mundo. A única maneira princípio. Ele define “explicação” de maneira tão
eficaz de refutar milagres é refutar a Deus (v. D e u s , intolerante que elimina a possibilidade de uma ex-
SUPOSTAS REFUTAÇÕES DE). plicação sobrenatural. Insiste arbitrariamente que
milagres, argumentos contra 568

todas as explicações devem ser naturalistas para se- as mentes produzem. Da mesma forma, a origem de
rem consideradas. um milagre não são as leis físicas e químicas do
O sobrenaturalista não defende que “qualquer universo, apesar de 0 evento resultante operar de
evento, não importa quão estranho seja, deve ser atri- acordo com a lei natural. Apesar de leis naturais re-
buído a um agente sobrenatural” . Parece provável guiarem a operação das coisas, elas não são respon-
que a maioria dos eventos estranhos são naturais. sáveis pela origem de todas as coisas.
Mas 0 sobrenaturalista também se opõe quando Naturalismo metodológico. Argumentos científi-
Nowell-Smith diz que a agência sobrenatural não cos contra os milagres são uma forma de naturalismo
pode ser parte do relato de um evento estranho. 0 metodológico rígido. 0 próprio método escolhido não
sobrenaturalista diz que é necessário examinar a evi- admite a possibilidade de um evento vir a ser consi-
dência por seus méritos. derado milagre. Explicações que abrangem eventos
Nowell-Smith simplesmente supõe que no final regulares não se aplicam necessariamente a singula-
todos os fenômenos admitem uma explicação natu- ridades. Pedras redondas num rio são produzidas por
ral (ibid., p. 247). Ele não pode saber isso como cien- forças naturais descritíveis. Mas nenhuma lei natural
tista. Não há prova empírica. Essa suposição é sim- pode explicar as faces dos presidentes no monte
plesmente uma questão naturalista de fé. Mesmo que Rushmore. Aqui uma causa não-natural e inteligente
apresentassem a ele evidência empírica de um mi- é invocada (v. evolução química; teleo ló g ico , argum ento).
lagre, ele deixa claro que jamais admitiria que se Quando não se sabe se uma singularidade deve
trata de algo sobrenatural. Enquanto aguarda a des- ser atribuída a causas naturais, demonstrando si-
coberta de uma explicação naturalista, persistirá em nais de intervenção divina, há razões positivas para
acreditar que ela será encontrada. aceitá-la como milagre. As seguintes proposições
E não é necessário que todas as explicações ver-
sobre milagres são discutidas com mais detalhes no
dadeiras tenham valor previsível. Há eventos que ele
artigo m ilag re:
chamaria naturais e que ninguém pode prever. Se 0
naturalista responde que não pode prever uma
1. Têm caráter incomum como eventos irregu-
ocorrência na prática, mas pode fazê-lo na teoria, 0
lares.
sobrenaturalista também pode alcançar esse nível de
2. Apresentam uma dimensão teológica como
previsão. Na teoria, sabemos que um milagre aconte-
atos divinos.
cerá quando Deus julgar necessário. Se conhecêsse-
3. Apresentam uma dimensão moral, já que Deus
mos todos os fatos, inclusive a mente de Deus, poderí-
é um Ser moral absolutamente perfeito. Um
amos prever precisamente quando 0 milagre aconte-
sinal moral de um milagre é que ele traz gló-
ceria. Além disso, milagres bíblicos são singularida-
ria a Deus.
des passadas. Como a origem do universo, não estão
4. Apresentam uma dimensão teleológica. São
se repetindo atualmente. Mas nenhuma previsão pode
ocorrências propositais.
ser feita a partir de uma singularidade; previsões só
5. Apresentam uma dimensão doutrinária. Mi-
podem ser feitas a partir de padrões. O passado não é
lagres estão ligados, direta ou indiretamente, a
conhecido pela ciência empírica, mas pela ciência
reivindicações da verdade (Hb 2.3,4; v. m i e a -
legista. É errado exigir previsões. Na verdade, a pessoa
GRES, VALOR APOLOGETICO D O S).
tenta fazer “retrovisões”.
O sobrenaturalista pode concordar com Nowell-
Smith quando este diz que “0 colapso de todas as ex- Quando um evento incomum e não-repetível, que
plicações em termos da ciência atual não [...] nos for- não se saiba ter sido produzido por causas naturais, é
ça imediatamente para fora do âmbito do ‘natural” ’ acompanhado por outros sinais de intervenção, há
(ibid., p. 248). Os dois se separam quando Nowell- razão para identificá-lo como um ato de um Deus
Smith exige causas naturais para milagres. Tal posição teísta (v. Deus, evidência em favor da existência de).
vai além do que é sustentado pela evidência. 0 natu- Uma definição muito restritiva da ciência. Os ar-
ralista demonstra um compromisso de fé que com- gumentos da ciência contra os milagres são basea-
pete com a dedicação religiosa dos crentes que mais dos numa definição muito restritiva da ciência, que
acreditam em milagres. lida apenas com eventos repetíveis. A ciência tam-
Um problema por trás desse tipo de naturalismo bém lida com singularidades. É verdade que 0 méto-
científico é a confusão da origem naturalista e da do científico apenas testa eventos regulares e
função natural. Motores funcionam de acordo com repetíveis. Mas os cientistas também reconhecem a
leis físicas, mas leis físicas não produzem motores; ciência das origens, que é em grande parte um estudo
569 milagres, argumentos contra

de singularidades. 0 b ig - b a n g que gerou 0 universo é Quarto, quando 0 argumento contra milagres é


uma singularidade radical. A história do nosso pia- reduzido a suas premissas básicas, fica assim:
neta é uma singularidade, contudo é objeto de pes-
quisa. Acharíamos estranho e insensato que um pro- 1. Tudo 0 que realmente acontece no mundo
fessor de biologia excluísse tudo, exceto uma causa são eventos naturais.
natural para as faces esculpidas no monte Rushmore. 2. Alguns supostos “milagres” aconteceram.
Pareceria estranho que um arqueólogo estar limita- 3. Logo, esses milagres são realmente eventos
do a causas naturais em relação a pontas de flecha e naturais.
cerâmica. Afirmar que quem não insiste em causas
naturais não pode ser científico é restringir Essa disposição revela 0 raciocínio circular do ar-
indevidamente a ciência. gumento do naturalista. Tudo que acontece no mun-
Milagres e a integridade da ciência. Agora estamos do natural é, ipso facto, um evento natural. Tudo que
numa posição de avaliar a acusação de que a crença ocorre na natureza foi causado pela natureza. Até mes-
em milagres não é científica. Os comentários de mo Michael Polanyi aparentemente caiu nessa arma-
Diamond deixam evidente sua crença na autonomia dilha quando escreveu:
absoluta do método científico. Ele supõe como ques-
tão de fé, somente com justificação pragmática, que 0 Se a conversão da água em vinho ou a ressurreição dos
método científico é 0 método para determinar toda a mortos pudesse serverificada experimentalmente, isso refuta-
verdade. Na realidade, não é exatamente 0 método ria totalmente sua natureza miraculosa, Na verdade, à medida
científico, mas um aspecto da abordagem científica que cada evento pode ser estabelecido em termos de ciência
— a busca de causas naturais — que é considerada a natural, ele pertence à ordem natural das coisas (Jaki, p. 78).
única abordagem à verdade. Os argumentos de
Diamond são vulneráveis a várias críticas. Isso, é claro, pressupõe 0 que se pretende provar,
Primeiro, é errado pressupor que 0 método cien- que nenhum Ser sobrenatural pode agir na natureza.
tífico necessariamente implica naturalismo. Os cien- Só porque um evento acontece no mundo, não signi-
tistas, não precisam ser tão intolerantes a ponto de fica que ele tenha sido causado pelo mundo. Pode ter
acreditar que nada pode ser considerado milagre. sido especialmente causado por um Deus que trans-
Tudo que um cientista precisa defender é a premissa cende 0 mundo.
de que todo evento tem uma causa e de que 0 univer- A preservação do método científico. Se milagres
so observável opera de maneira ordenada. são admitidos, como alguém pode reter a integrida-
Segundo, é errado supor que leis naturais têm de do método científico? Se alguns eventos são co-
domínio sobre todo e qualquer evento, em lugar de locados fora dos limites de ação dos cientistas, será
todo evento regular. Supor que todo evento irregular que 0 sobrenaturalista fechou a porta para a investi-
e não-repetível tem uma explicação natural não é gação racional de alguns eventos? Supor uma causa
ciência, e sim metafísica. Leis naturais não são res- sobrenatural para a origem de alguns eventos raros
ponsáveis pela origem de todos os eventos, assim não afeta de forma alguma 0 domínio da ciência,
como as leis da física em si mesmas não são respon- admitindo-se que a ciência é baseada num padrão
sáveis pela origem de um automóvel. Leis naturais regular de eventos. A ciência da operação é natura-
são responsáveis pela operação dessas coisas. lista e tem todo direito de exigir 0 controle
Terceiro, não é científico rejeitar explicações ra- explanatório sobre todos os eventos regulares. Mas a
cionais. Se um Deus criou 0 universo e cuida dele, ciência, como tal, não tem 0 direito de afirmar que
não é irracional esperar que ele opere algumas ativi- só ela pode explicar singularidades.
dades regulares e também alguns eventos especiais. A ciência tem autoridade ilimitada na classifi-
A única maneira de refutar efetivamente essa possi- cação de eventos regulares. O cientista tem 0 direito,
bilidade é refutar a existência de tal Deus, 0 que a até a obrigação de examinar todos os eventos, inclu-
maioria dos ateus concorda que é impossível fazer indo anomalias. Porém 0 evento singular e não repe-
(Geisler, Miracles and the modem mind [Milagres e a tido que não é parte de um padrão regular deve ser
mente moderna[, cap. 12). A pessoa realmente cientí- classificado entre os “eventos ainda não considera-
fica e de mente aberta não descartará com antece- dos naturais” . Nessa classe estão eventos que podem
dência, lógica e metodologicamente, a possibilidade ter uma causa sobrenatural. Supor que todos os even-
de identificar alguns eventos miraculosos em defesa tos ainda não explicados são naturalmente explicá-
da autonomia científica. veis vai além da ciência e entra no domínio da crença
milagres, argumentos contra 570

filosófica no naturalismo. Xa verdade, tal suposição de Troeltsch, usado para rejeitar milagres, é um exem-
elimina a possibilidade de haver um Deus sobrena- pio de uniformismo histórico. É uma forma de natu-
tural capaz de intervir no mundo que criou. Mas isso ralismo histórico, que supõe que todos os eventos na
é contrário à evidência (v. D e i >, e v id e n c ia s a favor da história são naturalmente explicáveis. Esse precon-
e x is t ê n c ia d e ). ceito, no entanto, é contrário ao pensamento racional
R esum o. Hume ofereceu um argumento vigoroso em geral e ao pensamento científico em particular.
contra milagres. Todavia, por mais forte que possa Várias tentativas foram feitas para provar que a
parecer, a avaliação indica que Hume foi otimista de- crença em milagres é contrária às explicações cien-
mais ao crer que esse argumento poderia ser “um tíficas ou aos métodos científicos. Alguns argumen-
obstáculo duradouro” e “ útil enquanto 0 mundo du- tam que milagres, por serem contrários às leis natu-
rar” para refutar qualquer reivindicação digna de cré- rais, são imprevisíveis; outros alegam que milagres
dito a favor do miraculoso. Xa verdade, 0 argumento não são repetíveis ou que sacrificariam a autono-
de Hume não é bem-sucedido. Xa forma “ rígida” ele mia da ciência. Tais argumentos cometem uma pe-
comete uma petição de princípio ao supor que mila- tição de princípio a favor do naturalismo. Supõem
gres são, por definição, impossíveis. Xa forma “mode- que 0 método científico deve ser definido de tal
rada” do argumento, Hume ignora a evidência contrá- maneira que exclua a aceitação de milagres. A pre-
ria, incorre uma petição de princípio, força a argu- missa central, apesar de oculta, é que todo evento no
mentação (por exemplo, Xapoleão não teria existido), mundo deve ter uma causa natural. Se não se tem
é incoerente com a própria epistemologia e torna 0 uma explicação agora, deve-se acreditar que mes-
progresso científico impossível. Em resumo, eliminar mo assim ela existe. O sobrena-turalista indica que
milagres antes de examiná-los parece prejudicial. A não é preciso ser incorrigivelmente naturalista para
ser científico. Adequadamente falando, 0 domínio
pessoa sábia não legisla com antecedência , determi-
da lei científica é 0 âmbito dos eventos regulares,
nando que não se pode acreditar que milagres acon-
não de todos os eventos.
teçam; na verdade, ela examina a evidência para ver
Os milagres não destroem a integridade do mé-
se realmente aconteceram. Então, para a mente racio-
todo científico. A ciência é possível enquanto os
nal, os esforços de Hume para eliminar milagres de-
teístas acreditarem que 0 mundo é ordenado, regu-
vem ser considerados fracassados.
lar e opera de acordo com a lei da causalidade. Se a
Hume estava certo em exigir que testemunhas pre-
origem do mundo pode ter uma Causa sobrenatural
encham os critérios de credibilidade. Na realidade,
sem violar as leis pelas quais ele opera, tal Deus tam-
os tribunais dependem de tais critérios para deter-
bém pode causar outros eventos sem violar a opera-
minar questões de vida ou morte. Mas, sem que Hume
ção natural regular. Já que a ciência empírica lida
soubesse, seus testes de credibilidade de testemu-
com a maneira em que as coisas operam, não como
nhas, que ele acreditava suficiente para eliminar a
elas se originam, a origem de um evento por uma
credibilidade dos milagres, na verdade comprovam
causa sobrenatural não viola de forma alguma a lei
a confiabilidade das testemunhas do n t , principal-
natural. Como 0 físico George Stokes observou, um
mente 0 milagre da ressurreição.
novo efeito pode ser introduzido no mundo natural
O argumento das testemunhas que se contradi-
sem suspender a operação ordinária do mundo
zem, levantado por Hume, fracassa porque é basea-
(Stokes, p. 1063).
do em pressuposições falsas que, quando corrigidas,
voltam-se contra ele como prova da singularidade Fontes
do cristianismo. Seu argumento é baseado na pre- G.L. A rch er, Jr., Enciclopédia de temas
missa de que todos os supostos milagres são iguais. bíblicos.
Mas isso não é verdadeiro, nem com relação à natu- W. F. A r n d t , Bible difficulties.
reza do milagre nem com relação ao número e ___ , Does the Bible contradict itself'
credibilidade das testemunhas. I. B arbo ur , Issues in science and religion.
Ao avaliar 0 argumento histórico contra milagres, C. B e c k e r , “ Detachment and the »‫־‬riting of history” ,
deve-se observar que há uma diferença crucial entre 0 em P. L. S x y p f e , org‫ ״‬Detachment and the
princípio da uniformidade (ou analogia), no qual toda writing ot history.
pesquisa válida é baseada, e 0 princípio do uniformismo. F. H. B radi f y , The presuppositions o f critical history.
O segundo é um dogma naturalista que elimina de an- M. B u rro w s, What mean these stones'
temão, pelo próprio princípio metodológico, a M. L. D i a m o n d , "Miracles” , Religious studies 9 (Sept.
credibilidade do milagroso. O princípio da analogia 1 9 7 3 ).
571 milagres, cessação dos dons de

D. K. E r i a n d s o n ‫־‬, “ A new look” , em Religious studies verdade que os acompanham devem ser aceitas em
(Dec. 1977). pé de igualdade com as das Escrituras? A revelação
A. F l e w , “ Miracles” , em The encyclopedia o f divina cessou?
philosophy, org., P. E d w ard s. Os indivíduos selecionados por Jesus e que ficaram
N. L. G e i s l f r , Answering Islam. conhecidos por apóstolos receberam certos sinais in-
___ Christian apologetics. confundíveis de seu ofício (2C0 12.12). Esses dons de
___ , Miracles and the modern mind. sinais incluíam a habilidade de ressuscitar os mortos
___ , When critics ask. com uma ordem (Mt 10.8; At 20.9,10), curar imediata-
D . G e i v e t t e G . H a b e r m a s , In defense of miracles. mente doenças que eram naturalmente incuráveis (Mt
N. G l l e c k , Rivers in the desert: a history of the Xegei‫׳‬
. 10.8; Jo 9.1-7), exorcizar instantaneamente espíritos
S. G r e e n l e a f , The testimony o f the evangelists. maus (Mt 10.8; At 16.16-18), falar mensagens em línguas
J . W . H a l f .y , An examination o f the alleged conhecidas que nunca estudaram pessoalmente (At 2.1-
discrepancies o f the Bible. 8 , cf. 10.44-46) e passar adiante dons sobrenaturais a
S. H a w k in g , Uma breve história do tempo. outros para ajudá-los na missão apostólica (At 6.6, v.
D. Resumo de um tratado da natureza hu- 8.5,6;2Tm 1.6).Em certa ocasião (At 5.1-11 ),os apósto-
mana. los transmitiram uma sentença de morte para duas
___ , Investigação acerca do entendimento pessoas que mentiram “ao Espírito Santo” .
humano.
D e fe s a d e m ila g r e s c o n t ín u o s . Os advogados

___ , Treatise on human nature.


da proposição de que dons milagrosos existem
S. J a k i, Miracles an d physics.
na igreja hoje defendem suas afirmações com vá-
R. J a s t r o w , God and the astronomers.
rios argumentos:
Deus fez milagres na história redentora. Eles são
C.S. L e w i s , Milagres.
registrados de Gênesis a Apocalipse (v. m ilagres na
P. N o w e l l - S m i t h , “ Miracles” , em A. Flf.w, et al‫ ״‬orgs,.
B íb lia ) . Parece que não há razão para crer que te-
,Yen‫ ׳‬essays in philosophical theology.
nham cessado arbitrariamente com os apóstolos.
N. S m art, “ Miracles and David Hume” , em
Deus não mudou (M l 3.6). “ Jesus Cristo é 0
Philosophers and religious truth.
mesmo, ontem, hoje e para sempre” (Hb 13.8). Se
G . S io k e s , International standard Bible
0 Deus milagroso não mudou, então por que os
encyclopedia.
milagres cessariam?
R. S w i n b u r n e , The concept o f miracle.
Jesus falou que 05 milagres continuariam. Ele disse:
E. T r o eltsc h , ífísfonasm and its problems.
“ Digo-lhes a verdade: Aquele que crê em mim fará
___ , “Historiography”, em ere .
também as obras que tenho realizado. Fará coisas ain-
R. W h ately, “ Historical doubts concerning the
da maiores do que estas, porque eu estou indo para 0
existence of Napoleon Bonaparte” , em H.
Pai” (Jo 14.12). Em sua comissão registrada em Mar-
M orley, org., Famous pamphlets, 2a ed.
cos, Jesus disse que milagres acompanhariam 0 evan-
A. N. W h it e h e a d , The concept o f a miracle.
gelho à medida que se expandisse (16.17,18).
C. W il s o n , Rocks, relics, and biblical reliability.
Milagres manifestam a grandeza (Êx 7.17) e gló-
H. P. Y o c key, “ Self-organization, o r i g i n of life
ria (Jo 11.40) de Deus, para livrar seus filhos necessi-
scenarios, and information theory” , jtb (1981).
tados (Êx 14.21; Dt 4.34; At 12.1-19) e comunicar as
mensagens ao povo (Êx 4.8; Hb 23,4).
m ilag res, cessa ção dos dons de. As pessoas que Essas necessidades continuam hoje.
aceitam milagres bíblicos debatem entre si se 0 dom Há exemplos de manifestações miraculosas rea-
especial de realizar milagres, usado para confirmar lizadas por meio dos apóstolos, inclusive os dons de
a revelação de Deus (v. m il a g r e s , valor a p o lo g é tico línguas, curas especiais e até mortos sendo res-
dos) cessou desde a época dos apóstolos. A questão sucitados (v.Wimber, Power evangelism [Evangelismo
tem importância para a apologética. Primeiro, a exis- de poder], p. 44).
tência hoje de milagres do tipo realizado pelos após- A p o siç ã o d e q u e m ila g res cessa ra m . Argumen-
tolos, milagres que serviam de sinais, levanta a ques- tos positivos e negativos são dados para a posição
tão se os milagres do n t confirmam peculiarmente de que 0 dom especial de milagres terminou com a
as reivindicações da verdade de Cristo e dos apósto- época apostóica.
los, conforme registrado nas Escrituras. Segundo, se Provando milagres atuais a partir do passado.
milagres que confirmam reivindicações da verdade Logicamente não há ligação entre ocorrências
divina existem hoje, será que as reivindicações da miraculosas passadas e presentes. Mesmo durante os
milagres, cessação dos dons de

milhares de anos da história bíblica, os milagres se Desejo não prova cumprimento. Há um desejo pe-
agruparam em três períodos bem limitados: 1 ) 0 pe- los milagres contínuos, mas nem todas as necessida-
ríodo mosaico: do Êxodo à conquista da Terra Pro- des sentidas são necessidades reais. Jó não recebeu
metida (com algumas ocorrências no período dos uma cura milagrosa. Nem Epafrodito. Nem 0 apósto-
juizes); 2) 0 período profético: do final do reino de 10 Paulo, que desejava ardentemente ser curado ( 2 C0 r
Israel e Judá durante os ministérios de Elias e Eliseu, 12). 0 testemunho comovente de Joni Earickson Tada
até, com menor intensidade, Isaías; 3) 0 período apos- fala de sua busca por uma cura milagrosa antes de
tólico: a partir do ministério de Cristo e dos apóstolos aceitar a maneira em que Deus havia decidido usá-la
no século (. Ocorrências de milagres não foram nem como tetraplégica.
contínuas nem sem propósito. Teologicamente, os três Quando comparamos os períodos que ocasio-
grandes períodos de milagres têm certas coisas em naram milagres nos tempos bíblicos, não há nenhu-
comum: Moisés precisava de milagres para livrar Is- ma necessidade real de milagres hoje. .Milagres con-
rael e sustentar 0 grande número de pessoas no deser- firmaram nova revelação (Êx 4.6; ]0 3.2; At 2.22). Mas
to (Êx 4.8). Elias e Eliseu fizeram milagres para livrar a Bíblia é muito mais do que aquilo que os santos do
Israel da idolatria (v. lRs 18). Jesus e os apóstolos rea- NT possuíam, e é completa e suficiente para fé e prá-
lizaram milagres para confirmar 0 estabelecimento tica. 0 Pentecoste não precisa ser repetido, como 0
da nova aliança e 0 livramento do pecado que ela Calvário e 0 túmulo vazio.
trazia (Hb 2.3,4). e fato de milagres terem ocorrido Embora os milagres possam manifestar a gran-
em épocas diferentes para propósitos especiais não deza, a glória e 0 livramento de Deus, ele os expressa
significa que aconteçam quando essas condições não também de outras maneiras. Os céus proclamam sua
prevalecem mais. glória e grandeza (SI 19; Is 40). 0 livramento espiri-
Atributos imutáveis; atos mutáveis. Deus nunca tual é conquistado no poder do evangelho (Rm 1.16).
muda, mas seu programa na terra muda. Há estágios Deus age por meio da providência geral e especial
diferentes de seu plano redentor, e 0 que é verdadei- sem suspender leis naturais (v. m ilagres, mágica e).
ro num estágio não é verdadeiro em outro. Não so- Mesmo quando existe uma aparente necessida-
mos mais obrigados a evitar comer certos frutos de de intervenção divina, há situações em que Deus
proibidos (Gn 2.16,17). Não precisamos oferecer um jamais intervém com milagres. Ele não adia a hora
cordeiro como sacrifício pelos pecados (Êx 12). Não da morte (Rm 5.12; Hb 9.27). Isso não significa que
somos mais liderados pelos doze apóstolos e Paulo, Deus nunca intervirá sobrenaturalmente para resol-
antes temos a revelação final de Deus nas Escrituras. ver 0 problema da morte. A hora estabelecida para
Observe que 2 Coríntios 12.12 chama milagres “ as isso acontecer será na ressurreição ( 1C 0 15). En-
credenciais do apostolado” . quanto isso, esperamos a redenção corporal (Rm
Promessas aos apóstolos. Jesus realmente prome- 8.23) — 0 milagre da ressurreição.
teu que os milagres continuariam depois que par- 0 problema do dons de sinais. A afirmação de
tisse, mas não disse que durariam até a sua volta. Eoi que dons de sinais apostólicos ainda existem não
especificamente para os apóstolos que ele fez a afir- distingue ofato dos milagres do dom de milagres:
mação de João 14.12. 0 antecedente ‫ ו‬,os nessa pro-
Dom de milagres Fato dos milagres
messa é limitado aos onze que estavain com ele. A
Limitado aos tempos Ocorre a qualquer hora
promessa do batismo com 0 Espírito Santo, com 0 bíblicos
qual veio 0 dom de línguas, foi dada apenas aos após-
Temporário Permanente
tolos (At 1.1,2). Somente os apóstolos receberam 0 Feito por meio de seres Feito sem seres humanos
cumprimento dessa promessa no Pentecoste (At 1.26; humanos
v. 2.1,7,14). Casos não-apostólicos de línguas testemu- Confirma nova revelação Não confirma revelação
nham a salvação dos primeiros samaritanos e gentios
e daqueles sobre quem os apóstolos impunham as Valor apologético Sem valor apologético
mãos (v. At 8.17,18; 2Tm 1.6) ou acompanham a pro-
clamação de um apóstolo (At 10.44; v. 11.15). A refe- A posição de que milagres cessaram com os após-
rência às “credenciais do apostolado” ( 2 C0 . 12.12) tolos não pressupõe que Deus não tenha feito mila-
não fariam sentido se esses dons fossem possuídos gres desde 0 século 1. Ela argumenta que 0 dom espe-
por qualquer pessoa além dos apóstolos ou daqueles ciai de feitos milagrosos possuído pelos apóstolos ces-
a quem Cristo e os apóstolos concederam 0 dom. sou quando a origem divina de sua mensagem foi
573 milagres, cessação dos dons de

confirmada. Em Hebreus 2.3,4, 0 autor referiu-se aos extraordinários, tais como os apóstolos exerciam,
dons especiais concedidos aos apóstolos como algo não foram possuídos por ninguém desde sua época.
já pertencente ao passado por volta de 69 d.C., quando Ainda que 0 dom especial de milagres tenha cessa-
mencionou a mensagem “ primeiramente anunciada do, 0 fato dos milagres não desapareceu necessaria-
pelo Senhor” . “ Deus também deu testemunho dela mente. Não há evidência, no entanto, de grupos ou
por meio de sinais, maravilhas, diversos milagres e pessoas que possuam dons especiais. Dada a incli-
dons do Espírito Santo distribuídos de acordo com nação da mídia pelo sensacionalismo, se alguém ti-
a sua vontade” . Judas, que escreveu mais tarde (de- vesse tais poderes isso seria um fato muito divulga-
pois de 70), fala da fé que “uma vez por todas [foij do. Os milagres apostólicos tinham pelo menos três
confiada aos santos” (v. 3). Judas exortou seus ouvin- características ausentes nos atos realizados por to-
tes a lembrar “do que foi predito pelos apóstolos de dos os supostos operadores de milagres modernos.
nosso Senhor Jesus Cristo” (v. 17). Aqui também a men- / s características dos milagres do
4 n t . Inicial-

sagem apostólica confirmada milagrosamente foi mente, milagres do n t eram instantâneos. Quando
.,mencionada como tendo ocorrido no passado, já em Jesus ou os apóstolos faziam um milagre, os resulta-
70 d.C. Apesar da profusão de milagres apostólicos (v. dos eram sempre imediatos. 0 homem com uma
At 28.1-10) até 0 final de Atos, cerca de 60-61 d.C, não enfermidade de nascença recebeu uma ordem: “ En-
há registro de milagres apostólicos nas epístolas tão Jesus lhe disse: ‘Levante-se! Pegue a sua maca e
paulinas após essa época. ande’. Imediatamente 0 homem ficou curado, pe-
O argumento com base na ausência repentina de gou a maca e começou a andar” (Jo 5.8,9). Pedro
milagres depois de sua abundância anterior não deve tomou a mão do mendigo e “ imediatamente os pés
ser confundido com 0 “argumento do silêncio” , que e os tornozelos do homem ficaram firmes” (At 3.7).
é falho. A Bíblia não é silenciosa com relação à natu- Mesmo 0 milagre de duas fases de Marcos 8.22-25
reza, propósito e função desses milagres apostólicos levou apenas alguns momentos, e cada fase teve os
especiais (v. p.ex., 2 C0 12.12; Hb. 2.3,4). Essa função resultados desejados imediatamente. Não há cura
de confirmar revelação apostólica coincide com sua gradual durante dias ou semanas. As curas eram to-
cessação, já que os dons não eram necessários após das imediatas.
a revelação ser confirmada. Em segundo lugar, 0 milagre do n t nunca falhava.
Deve-se notar que Paulo aparentemente não pôde Milagre é ato especial de Deus, e Deus não pode fa-
curar alguns de seus auxiliares de confiança (Fp 2.26; lhar. Além disso, não há registro de alguém que te-
2Tm 4.20), pedindo oração ou recomendando que nha recebido 0 milagre e voltado à condição antiga.
tomassem remédio ( U m 5.23). Mesmo enquanto Se houvesse recaídas, os inimigos da mensagem do
Paulo operava milagres, foi incapaz de curar a pró- evangelho teriam rapidamente usado isso para de-
pria enfermidade física (Gl 4.13). Na verdade, não há sacreditar Cristo ou os apóstolos.
nenhum sinal nas Escrituras de alguém fazendo um É claro que os que foram ressuscitados dentre os
milagre para benefício próprio. Essa doença pode mortos morreram novamente. Só Jesus recebeu um
ter resultado da cegueira infligida a ele por Deus ou corpo ressurreto permanente e imortal ( 1C0 15.20).
foi uma enfermidade causada para torná-lo humil- Lázaro morreu novamente, quando sua hora che-
de. De qualquer forma, Paulo a via como algo que gou. O milagre da ressurreição final e eterna será na
aumentava seu valor como servo por meio de sua segunda vinda de Cristo ( 1C 0 15.52,53).
fraqueza. Milagres deviam ser feitos segundo a von- Em terceiro lugar, os dons de sinais do n t , exerci-
tade de Deus. tados por Jesus e pelos apóstolos foram bem-sucedi-
Os sinais especiais dados aos apóstolos estabele- dos em todos os tipos de condições — até com doen-
ciam sua autoridade como representantes de Cristo ças incuráveis e pessoas mortas. Eles curaram pes-
na fundação da igreja. Jesus prometeu “poder” especi- soas que nasceram cegas (Jo 9) e até mortos, um já
ala eles como suas testemunhas (At 1.8).Em 2 Coríntios em decomposição (Jo 11). Além disso, eles curaram
12.12, Paulo apresentou seus milagres como confir- todos os tipos de doenças, não apenas as mais fáceis
mações de sua autoridade. Hebreus 2.3,4 fala dos mi- (Mt 10.8). As vezes, curavam todas as pessoas trazidas
lagres apostólicos especiais como confirmação das a eles em uma região (At 28.9). É fato verificável que
testemunhas de Cristo. O padrão de Deus, de Moisés atualmente ninguém possui os poderes especiais
em diante, foi dar essa confirmação especial a seus de Jesus e dos apóstolos de curar instantaneamen-
principais servos (Êx4; lRs 18; 1J 0 3.2; At 2.22). te todas as doenças e até ressuscitar os mortos com
A posição cessacionista conclui, baseada nas uma ordem (At 9.40). Essas marcas especiais do
Escrituras e na história, que os dons de sinais apóstolo ( 2 C0 12.12), juntamente com a capacidade
milagres, falsos 574

de comunicar às pessoas 0 Espírito Santo (At 8.18) e revelação, mas a revelação cessou com os apóstolos.
dons especiais (2Tm 1.6), além de de punir crentes Isso é comprovado pelo fato de ninguém desde a
mentirosos com a morte (At 5), cessaram. época deles ter realmente possuído seu poder sin-
Em quarto lugar, ao contrário dos milagres dos guiar de curar e até ressuscitar os mortos instanta-
tempos apostólicos, os milagres modernos não con- neamente. Isso não quer dizer que Deus não possa
firmam nova revelação, nem estabelecem as creden- fazer milagres agora. Mas tais milagres não estão li-
ciais dos mensageiros de Deus. Agora a fidelidade da gados a nenhuma reivindicação da verdade e não
pessoa em obedecer e proclamar as Escrituras esta- são um dom possuído por um indivíduo. Seja qual
belece a mensagem. Tentativas de enfatizar 0 miracu- for 0 evento realmente miraculoso que possa ocor-
loso ou reivindicar dons sobrenaturais nos dias de rer, ele não tem valor apologético.
hoje se tornaram uma marca desqualificadora, ao in-
vés de qualificadora. Esse é 0 caso principalmente Fontes
entre os que dizem prever 0 futuro. Para os que fazem T. E dgar, M iraculous gifts: are they for today'1
tais reivindicações, 0 padrão bíblico de precisão é N.L.GEisLER.Aii'racfes a n d the m odern mind.
absolutamente nenhuma previsão falsa (Dt 18.22). Já _____ , Signs a n d w onders.
que a nova revelação cessou com os apóstolos, reivin- W . G rud em , Are m iraculous gifts for today?.
dicações proféticas e miraculosas devem ser encara- J. J i v i d e n , M iracles: fr o m G od or m a n ?
das com sérias suspeitas. C ou nterfeit miracles.
Jesus, a revelação final.
B. B. W a r f ie l d ,
Jesus foi a revelação com- J. W i m b e r , Pow er evangelism .
pleta e final de Deus. “ Há muito tempo Deus falou _____ , P ow er healing.
muitas vezes e de várias maneiras aos nossos ante-
passados por meio dos profetas, mas nestes últimos
milagres, falsos. Distinguir 0 milagre verdadeiro
dias falou-nos por meio do Filho, a quem constitui
do falso é importante para a defesa da fé cristã. Pois
herdeiro de todas as coisas e por meio de quem fez
milagres são a maneira singular de Deus confirmar
0 universo” (Hb 1.1,2). Jesus informou aos apóstolos que uma reivindicação da verdade provém dele (v.
que sua revelação continuaria com 0 Espírito Santo,
Mas
MILAGRES, VALOR APOLOGÉTICO DOS; MILAGRES NA B ÍB L Ia ).
que “ lhes ensinará todas as coisas e lhes fará lembrar
0 falso não pode ser detectado sem que se conhe-
de tudo 0 que eu lhes disse” (J 0 14.26). Usando as Es-
çam as características do milagre genuíno.
crituras, 0 Espírito Santo cumpre 0 papel assumido
anteriormente pelos profetas: “ Mas quando 0 Espíri-
0 milagre verdadeiro tem precondições: é um
ato especial de Deus, e não pode haver atos de Deus
to da verdade vier, ele os guiará a toda a verdade. Não
sem que haja um Deus para realizar esses atos espe-
falará de si mesmo; falará apenas 0 que ouvir, e lhes
anunciará 0 que está por vir” (Jo 16.13). É claro que os
ciais. Milagres podem ocorrer apenas no contexto

apóstolos eram os agentes divinamente autorizados por


de uma cosmovisâo teísta (v. t e ís m o ). 0 milagre é

meio dos quais 0 Espírito Santo proclamou a revelação


intervenção divina no mundo. Deus não pode “ in-
tervir” , a não ser que seja, de forma real, transcen-
final de Jesus Cristo.
Na verdade, os apóstolos reivindicaram esse po- dente sobre ele. Transcendência também deve sig-
der revelador (Jo 20.31; 1C0 2.13; lTs 4.2; 2Ts 2.2; 1Jo nificar que Deus tem poder sobrenatural. Um Deus
2.19; 4.6), afirmando que a igreja foi edificada “sobre que criou 0 mundo do nada, ex nihilo (v. c r ia ç ã o ,
0 fundamento dos apóstolos e dos profetas” (E f 2 .20 ). v is õ e s d a ), tem 0 poder de intervir.
A igreja primitiva reconheceu sua autoridade e “se Os ateus observam 0 mesmo evento que 0 teísta, a
dedicavam ao ensino dos apóstolos” (At 2.42).Os após- ressurreição de Cristo, por exemplo, a partir de sua
tolos foram as testemunhas oculares de Cristo (At cosmovisâo, e não reconhecem nenhum milagre (v.
1.22), incluindo-se Paulo (1 Co 9.1; 15.5-9). Já que esses Para eles, 0 que acon-
ateísmo; ressurreição, evidência da).

canais divinamente autorizados de “ toda verdade” teceu deve ser uma anomalia; algo incomum, talvez,
morreram no século 1, conclui-se que a revelação di- mas que um dia será explicado por meio de proces-
vina cessou com eles. Se a revelação cessou, não há sos naturais (v. n atu ra lism o ). Se confrontados com a
mais necessidade de sinais miraculosos de uma nova ressurreição, os panteístas não admitem que a inter-
revelação. venção divina tenha ocorrido, pois não acreditam que
Conclusão. Argumentos a favor da continuação dos Deus criou todas as coisas (v. panteísmo). O s panteístas
dons de milagres erram 0 alvo. Apesar de Deus não afirmam que Deus é todas as coisas. Logo, a ressurrei-
mudar, suas ações são diferentes em épocas diferentes. ção só poderia ser um evento incomum no mundo,
O propósito dos sinais e prodígios era confirmar a nova não um evento sobrenatural, causado de fora dele.
‫כ‬/‫כ‬ milagre, falsos

Descrição do milagre verdadeiro. As três palavras fenômenos naturais eram considerados milagres no
que as Escrituras usam para descrever um milagre passado, mas não são. Meteoros cruzam nosso cami-
ajudam a delinear esse significado com mais preci- nho pouco freqüentemente, mas são puramente na-
são. Cada uma das três palavras para eventos sobrena- turais e previsíveis. Eclipses são naturais e previsíveis.
turais (sinal, prodígio, poder) delineia um aspecto do Terremotos são relativamente imprevisíveis, mas, à
milagre (para uma discussão completa desses elemen- medida que os cientistas aprendem mais sobre eles,
tos, v. 0 artigo m ilagres na B íb lia ). Do ponto de vista sabem onde ocorrerão, mesmo se não souberem pre-
humano, 0 milagre é um evento incomum (“ prodí- cisamente quando. 0 fato de não serem milagres não
gio” ) que transmite e confirma uma mensagem significa que não pertencem à providência especial
incomum ( “sinal” ) por meio de poder incomum (“po- de Deus. Ele os usa e controla. Podemos ter certeza de
der” ). Do ponto de vista divino, milagre é ato de Deus que às vezes ele intervém de forma dramática. Um
(“poder” ) que atrai a atenção do povo de Deus ( “pro- nevoeiro na Normandia foi de grande ajuda na inva-
dígio” ) para sua Palavra (por meio de um “sinal” ). são da Europa pelas Forças Aliadas no Dia d e na der-
Segundo a Bíblia, 0 milagre tem cinco dimensões rota da Alemanha nazista. O nevoeiro tem causas na-
que, juntas, diferenciam 0 milagre verdadeiro do fal- turais, mas a hora desse nevoeiro foi demonstração
so. Primeiro, milagre verdadeiro tem dimensão não- da providência de Deus. Mas não foi um milagre. Se as
natural. Uma sarça ardente que não é consumida, fogo balas tivessem se desviado dos soldados aliados, teria
do céu e andar sobre a água não são ocorrências nor- acontecido um milagre.
mais. Seu caráter incomum exige atenção. Segundo, 0 O milagre verdadeiro também produz resultados
milagre verdadeiro tem dimensão teológica. Pressu- imediatos (v. curas psicossomáticas). Em Mateus 8.3, Je-
põe 0 Deus teísta que pode realizar esses atos especi- sus tocou um homem e imediatamente este foi cura-
ais. Terceiro, 0 milagre verdadeiro tem dimensão mo- do de lepra. Todas as curas milagrosas de Jesus e dos
ral. Manifesta 0 caráter moral de Deus (v. Deus, nature- apóstolos tiveram essa rapidez. Nenhum milagre le-
za de). Não há milagres malignos, porque Deus é bom. vou meses, nem horas. Apenas um levou alguns mi-
0 milagre que castiga ou julga estabelece a natureza nutos, porque foi um milagre em duas fases — na
justa de Deus. verdade dois atos instantâneos, interligados, de Deus
Quarto, 0 milagre tem dimensão teleológica. Ao (Mc 8.23-25). Em comparação, eventos naturais le-
contrário da mágica (v. m ilagres, mágica e ), os mila- vam tempo e dão trabalho. Leva toda uma estação
gres nunca servem de entretenimento (v. Lc 23.8). para plantar, colher, moer e misturar trigo para fazer
Seu propósito geral é glorificar 0 Criador. Apesar de pão, mas Jesus 0 fez instantaneamente (Jo 6 ). São ne-
não-naturais, são adequados à criação e à natureza cessários dezoito anos ou mais para criar um ser hu-
do Criador. 0 nascimento virginal, por exemplo, foi mano adulto, mas Deus criou Adão instantaneamente
sobrenatural em sua operação, não-natural nas suas (Gn 1.27,•2.7).
propriedades, mas objetivo no seu produto. Foi não- Uma característica do milagre verdadeiro é que
natural, mas não antinatural. A concepção virginal ele sempre traz glória a Deus. A “ mágica” oculta traz
de Maria resultou numa gravidez normal de nove glória ao mágico, e “curas” psicossomáticas ao que
meses e num nascimento (v. divinos, h is tó ria s df nasci- as faz. Ilusões satânicas (v. 2Ts 2.9; Ap 16.14) são men-
m entos).Quinto, milagres, na Bíblia, principalmente tiras (2Ts 2.9) que não glorificam 0 Deus que não
os dons de milagres, têm dimensão doutrinária. Com- pode mentir (Tt 1.2; Hb 6.18).
provam direta ou indiretamente reivindicações da Apesar de milagres não serem eventos naturais,
verdade. Demonstram que 0 profeta é realmente beneficiam 0 mundo natural. A ressurreição é 0 exem-
enviado por Deus (Dt 18.22). Confirmam a verdade pio máximo. Ela reverte a morte e restaura 0 bem da
de Deus por meio do servo de Deus (At 2.22; 2 C 0 vida (v. Rm 8 ). A cura faz 0 corpo voltar à maneira
12.12; Hb 2.3,4). ,Mensagem e milagre andam juntos. em que Deus 0 fez, quando ele era “ bom” (Gn 1.27-
Marcas distintivas do milagre. Além de suas di- 31). Até milagres “ negativos” são bons porque aju-
mensões, 0 milagre verdadeiro tem marcas distinti- dam a justiça de Deus a derrotar 0 pecado.
vas. A mais básica é que 0 milagre verdadeiro é exce- Milagres verdadeiros nunca falham. Eles são atos
ção à lei natural. Leis naturais são eventos regulares de Deus, para quem “ todas as coisas são possíveis”
e previsíveis, mas milagres são eventos especiais e (Mt 19.26). Como Deus não pode falhar, seus milagres
imprevisíveis. É claro que existem alguns eventos na- também não podem. Isso não significa que qualquer
turais incomuns ou anomalias que às vezes são con- servo de Deus possa fazer um milagre a qualquer hora.
fundidos com milagres. .Meteoros, eclipses e outros Milagres ocorrem apenas de acordo com a vontade
milagre, falsos 576

de Deus (Hb 2.3,4; 1C0 12.11). Além disso, verdadeiros Anomalias da natureza. Como foi observado, os
milagres não têm recaída. Se uma pessoa é milagrosa- milagres não devem ser confundidos com anomali-
mente curada, essa cura é permanente. Pseudomilagres, as naturais, como 0 eclipse lunar. Este último é
principalmente do tipo psicossomático, geralmente incomum, mas não é contrário à natureza. Milagres
fracassam. Não funcionam em pessoas que não têm não são naturalmente repetíveis. Anomalias são pre-
fé, e às vezes não funcionam em pessoas que têm fé. visíveis. O vôo do zangão foi uma anomalia durante
Quando funcionam, seu efeito geralmente é apenas muitos anos, mas, como ocorria regularmente, era
parcial e/ ou temporário. previsível antes mesmo de ser explicável. Anomalias
Tipos de falsos milagres. Como observado ante- não têm as dimensões teológica, moral e teleológica.
riormente, muitos eventos incomuns que não são Providência especial. Alguns eventos são causados
milagres verdadeiros são atribuídos a Deus. Deus por Deus indiretamente, não diretamente. Isto é, Deus
age por meio de processos naturais. Outros eventos usa leis naturais para realizá-los. Eles podem ser bas-
incomuns são atos de seres humanos (e/ ou espíri- tante surpreendentes e podem estimular a fé, mas não
tos enganadores, chamados demônios). Esses tam- são sobrenaturais. George Müller reuniu seus órfãos
bém não são milagres reais. Satanás pode enganar, ingleses em volta da mesa de jantar e agradeceu pela
mas ele não pode agir transcendentalmente sobre a comida que não tinham no momento. Naquele instante
natureza de maneira real — e nunca para a glória de uma carroça carregada de pão quebrou na frente do
Deus intencionalmente. orfanato, e tudo foi doado a Müller. Esse foi um ato de
Truques mágicos. 0 milagre verdadeiro é distin- providência maravilhosa, mas não foi um milagre.
guível da mágica (v. m i l a g r e s , m á g i c a e ) . A maioria
Sinais satânicos. Uma das dimensões mais polê-
micas do assunto de falsos milagres é a dos “ sinais”
dos mágicos35 modernos não fingem que as ilusões
que criam são algo além de diversão que “engana” 0
satânicos. A Bíblia usa a mesma palavra para mila-
gre ( “ sinal” ) ao descrever algumas manifestações
público. A intenção é que os espectadores saiam im-
pressionados pela maneira como que 0 mágico fez
incomuns de Satanás. Muitos teólogos chamam es-

aquilo, mas certos de que 0 mágico e seus assisten-


ses eventos de “milagres” . Descobrir se Satanás pode

tes 0 fizeram. Isso é diferente dos atos ocultistas, a


fazer milagres fica difícil por causa do uso indistin-
to da palavra “ milagre” . Todavia, para preservar 0
não ser que um ato de ilusionismo seja feito por
valor apologético dos milagres, deve haver alguma
razões ocultistas. Truques mágicos envolvem enga-
maneira de distinguir 0 milagre divino do satânico.
nos inocentes, mas milagres não envolvem engano.
A maioria dos teólogos concorda com alguns fatos
A mágica tem uma explicação puramente natural;
fundamentais: Satanás é um ser criado (Cl 1.15,16);
milagres, não. 0 milagre está sob 0 controle de Deus,
não é onipotente (Ap 20.10), não pode criar vida (Gn
enquanto a mágica está sob controle humano. Como
1.21; Dt 32.39), não pode levantar os mortos (Gn 1.21).
todas as ações humanas, a mágica pode ser usada
Ele é 0 mestre do engano (Jo 8.44).
para 0 bem ou 0 mal. Não é má em si. Dados esses fatos, não há razão para supor que
Curas psicossomáticas. Interações entre mente e
Satanás possa realizar eventos realmente sobrenatu-
corpo, doenças psicossomáticas e curas geralmente
rais. Como mestre da mágica e supercientista, ele
pode enganar quase todo 0 mundo (v. M t 24.24). Na
não envolvem doenças falsas ou neuróticas e curan-

realidade, “0 mundo todo está sob 0 poder do Malig-


deiros charlatães. Esse assunto complexo e mal-en-
tendido é comentado com mais detalhes no artigo no” (1 Jo 5.19), que é “0 príncipe do poder do ar” (E f
cu ra s psicossomáticas. Neste artigo, é suficiente dizer 2.2). E “0 deus desta era cegou 0 entendimento dos
que curas pelo poder da mente sobre 0 corpo, daí 0 descrentes” ( 2 C0 4.4). Pois “0 próprio Satanás se dis-
nome psicossomáticas, não são milagrosas. Curas farça de anjo de luz” ( 2 C0 11.14).
mentais exigem fé. Milagres, não. Seja usando 0 efeito Os poderes de Satanás, apesar de grandes, são
placebo, tocando a televisão como “ponto de contato” finitos, e os de Deus são infinitos. Logo, parece me-
com um “curandeiro” ou mais diretamente instru- lhor distinguir 0 milagre verdadeiro do sinal satânico
mentos terapêuticos como acupuntura e biofeedback, tanto em nome quanto em capacidade. Deus faz mila-
as curas psicossomáticas podem fazer bem ou mal. gres verdadeiros; Satanás faz sinais falsos. Deus faz
Elas usam a incrível estrutura do corpo, planejada por milagres genuínos; Satanás faz milagres falsificados. É
Deus, para curar. Mas nunca devem ser mal-inter- exatamente assim que a Bíb lia os chama em
pretadas, como intervenções diretas ou verdadeiros 2 Tessalonicenses 2.9, quando fala que “a vinda desse
milagres. São fenômenos humanos, comuns em perverso é segundo a ação de Satanás, com todo 0
muitas religiões. poder, com sinais e com maravilhas enganadoras” .
577 milagres, falsos

Assim como há marcas de milagres, existem si- Sinais satânicos estão associados ao mal moral.
nais da obra de Satanás, que são demonstradas na Milagres falsos tendem a acompanhar rebelião moral
tabela seguinte. e ira contra Deus (1. Sm 15.23), imoralidade sexual
(judas 7), ascetismo (ICo 7.5; Um 4.3), legalidade (Cl
M ilagre d ivino Sinal satânico 2.16,17), orgulho em supostas visões (Cl 2.18), menti-
ra e fraude (1. Tin, 4.2; Jo 8.44), e outras obras da carne
Ato realmente sobrenatural Apenas um ato supra- (Cf.GI 5.19).
normal Sinais satânicos estão associados ao ocultismo.
Sob o controle de Criador sGb o controle da criatura Práticas ocultistas que podem acompanhar sinais
N u n ca associado ao Associado ao ocultismo satânicos incluem: contatos com espíritos (Dt 18.11);
ocuti smo uso de médiuns ou hipnose (Dt 18.11); perda de con-
Frequentemente ligado trole das próprias faculdades mentais ( 1C0 14.32);
Ligado ao Deus a deuses pantéistas
conduta desordenada (ICo 14.40); uso de cristais,
ou politeístas
pedras, varas e outros meios de adivinhação (Dt
18.11; Êx 21.2 1); meditação oriental de esvaziamen-
Associado à \erdade Associado ao erro
to da mente, rezas ou uso de frases repetitivas (Mt
Associado ao bem Associado ao mal 6.7); autodeificação (Gn 3.5; 2Ts 2.9); astrologia (Dt
4.19; Is 47.13-15); idolatria ou uso de imagens na
Envolve profecias da Envolve profecias adoração (Êx 203,4); experiências com aparições de
verdade mentirosas pessoas mortas (Dt 18.11; 1 Co 10. 1821; 2 C0 11.14).
Sinais satânicos são limitados em poder. Satanás
Glorifica o Criador Glorit'ica a criatura pode imitar os milagres de Deus, mas não reproduzi-
los exatamente. Mais uma vez os milagres de Moisés
Sinais satânicos não são sobrenaturais. Sinais fal- e Elias em suas disputas com os magos egípcios e
sos são incomuns. Podem ser supranormais e extra- profetas de Baal. demonstram essa superioridade.
Algumas pessoas acreditaram equivocadamente que
ordinários. Mas não são miraculosos. Podem ser con-
Satanás pode criar vida e ressuscitar os mortos. Isso
siderados falsos sinais se não forem bem-sucedidos,
*é claramente contrário às Escrituras. SÓ Deus é 0
nâo são imediatos ou instantâneos, não são perma-
criador das criaturas vivas (Gn 1.21; cf. Dt 3 2.3 9; 1 S
nentes. Como nos casos que envolveram Moisés e os
.1 0‫)־‬. O próprio S atanás é um ser criado
magos do Egito 011 Elias e os profetas de Baal (Êx 8-12;
m 2.2,6; J * 1
(Cl 1 .15,16),ecriaturaspornaturezanãocriamvida.
IRs 18), os sinais de Satanás perdem numa competi-
Os servos de Satanás admitiram que não podiam
ção com Deus.
nem criar piolhos em Êxodo 8.18,19.
Sinais satânicos estão associados ao erro. Sinais e
Ressuscitar os mortos era um sinal especial de
ensinamentos falsos andam juntos. “ Ora, 0 Espírito
um apóstolo (M t 10.8; 2 C0 12.12). Se Satanás pudesse
afirma expressamente que, nos últimos tempos, al-
fazê-lo, não seria um sinal distintivo do apóstolo de
guns apostatarão da fé, por obedecerem a espíritos
Deus. E se Satanás pudesse ressuscitar os mortos,
enganadores e a ensinos de demônios” (ITm 4.1). Há
poderia copiar a ressurreição - a prova máxima da
“0 espírito da verdade e 0 espírito do erro” (IJo 4.6).
capacidade de ressuscitar os mortos. Nenhum caso
Então talsos ensinamentos não serão confirmados por
de ressurreição real foi comprovado por evidência
um milagre verdadeiro. Sinais falsos estarão ligados a sequer próxima daquela em favor da ressurreição
ensinamentos talsos. Um profeta verdadeiro não faz de Cristo. A maioria é claramente falsa.
profecias falsas. Se os sinais previstos não acontece- Alguns são simples truques fraudulentos. Esse é
rem, foi um sinal falso. Alguns dos ensinamentos fal- 0 caso de um feiticeiro africano que reivindicou ter
sos ligados a sinais falsos seriam: Existem deuses sacrificado um homem para apaziguar os deuses e
além do único e verdadeiro Deus teísta (Dt 6.4; depois tê-lo restaurado à vida. 0 ilusionista Andre
13.1-3). Adoração pode usar imagens e ídolos (Ex Kole, que havia demonstrado a natureza falsa de
203,4). Jesus nâo é Deus (Cl 2.9). Jesus não veio em muitos truques do ocultismo, descobriu que 0 fei-
carne humana (IJo 4.1,2). Devemos entrar em con- ticeiro havia cavado um túnel pelo qual 0 homem, que
tato com espíritos de mortos (Dt 18.11). Podemos ele supostamente havia matado, escapou, retomando
prever 0 futuro Dt 18.21-22). Revelações verdadei- depois (v. Geisler, 118).
ras falíveis 0 1 1 parciais podem vir de Deus (Hb 6.18). Algumas supostas ressurreições são “comas”
Cristo não precisa estar no centro da vida (Ap 19. 10). misticamente induzidos. Alguns gurus indianos são
milagre, mágica e 578

capazes de desacelerar seus processos corporais ao não tem 0 poder de executar u m ato realm ente so-
alterar seu estado de consciência. Isso os capacita a b ren atu ral. Seus sinais são sem pre ilusões e geral-
passar horas num túm ulo com pouco oxigênio. Pelo m ente falsidades óbvias a qualquer um que conheça
m enos u m ilu sio n ista m o d erno conseguiu escapar sinais. E le é 0 mestre da m ágica e um supercientista.
de u m caixão enterrado debaixo de tres m etros de M as apenas Deus pode criar vid a e levan tar os mor-
terra em u m a hora e meia. Ele não afirm ou ter res- tos. A penas Deus pode prever 0 futuro infalivelm en-
su scitad o . S im p le s m e n te ap re n d e u a c o n s e rv a r 0 te. A penas Deus pode cu rar instantaneam ente 0 que
oxigênio do seu grande caixão enquanto cavava pelo é “ in c u rá v e l” . 0 poder de Deus é in fin ito e bom , e
solo fofo até a supertície. seus atos sobrenaturais com p ro vam isso.
A lgu n s casos são apenas ressuscitarnentos mé-
dicos. A ciê n cia m édica reg ularm ente faz ressusci- Fontes
tam entos em pessoas que apresentam m orte clínica, A G O S T IN H O , C idade d e Deus.
m as não estão realm ente m ortas. U m a ressurreição C. B R O W N , - M ila g r e , p r o d íg io , s i n a l " ,

real ocorre quando alguém estava fisicam ente mor- em N ovo d icio n á rio in tern acion al d e teologia do
to. E m co m p aração, Jesus ressuscitou Lázaro após N o v o T e s ta m e n to .

este fic a r e n te rra d o p o r q u a tro dias e seu co rp o N . L. G E IS L E R , M iracles a n d the m o d em mind.


estar-se d ecom pondo (Jo 11.39). _____ , S ig n s a n d w o n d e r s .

A lg u m as supostas ressurreições são apenas ca- A. K O LE, M iracle an d magic.


sos em que in d ivíd u o s d esm aiaram ou en traram em C. S. L E W I S , M ilagres.
com a. 0 evan gelista e m ila g re iro O ral R o b e rt afir- G. P E T E R S , In don esia revival.
m o u ter ressuscitado pessoas dos m ortos. Q uando “A m a z i n g ” R A N D 1 , The healers.
constrangido a dar nom es e endereços, recusou-se a M . T A R Í, A mighty wind.
dá-los. F in a lm e n te , m e n c io n o u u m a m e n in a que 13. 13. W A R F I E L D , Counterfeit miracles.
h a v ia d esm aiado no seu culto. Q uando perg u ntaram
com o ele sabia que ela estava m orta, disse que seu milagres, mágica e. C ru cial ao uso apologético de
corpo estava frio ao toque e que ele e a m ãe da me- m ilagres é a capacidade de d istin g u ir m ilagres ver-
n in a acharam que ela estava m orta. dadeiros dos falsos. M uitas religiões a firm a m s e r“ au-
Ressurreições foram relatadas nos reavivam entos tenticadas” por atos m ilagrosos. En qu an to 0 judaís-
indonésios (v. Geisler, 71-2). Q uando George Peters m o afirm a que a vara de M oisés tornou-se um a ser-
p esq uisou a questão pessoalm ente, não en co ntro u pente e 0 c ris tia n is m o p ro c la m a que Jesus an dou
evidência de ressurreições físicas reais. E m vez disso, sobre a *água, os islam itas dizem que M ao rtié mo-
descobriu que a palavra “ m orte” na língua local tam- veu um a m ontanh a, e gurus hindus d eclaram ter 0

bém pode referir-se a estados de inconsciência, tais poder de levitar.


como desmaios e comas (Peters, 88). O profeta da X o v a Era, B e n jam in Crem e, oferece
A le g a ç õ e s de r e s s u r r e iç ã o a in d a são fe ita s , um espírito de poder e ad ivin h ação superior ao de
m as n e n h u m a fo i c o m p ro v a d a com o u m a ressur- Jesus e que está dispon ível agora para os seguidores
reição física real dos m ortos (v. k k ssu k k eiç ã o , n atu - do “ Cristo” : “ E isso que os capacitou a fazer 0 que na
r e z a f í s i c a d a ). Q uem realm en te possuísse esse po- época era cham ado de m ilagre, mas que hoje é cha-
d e r a tra iria m u ltid õ e s. Jesus teve de p e d ir às pes- m ad o de cura espiritual 0 11 esotérica. D iariam en te,
soas p ara não d iv u lg a re m seus m ilag res ( M t 8.4; no m u nd o todo, m ilagres de cura são feitos.
17.9). E le era tão assed iad o p or m u ltid õ e s atrás de Se um m ilagre é realm ente um ato de Deus que
m ilag re s que m u ita s vezes não tin h a tem p o para suspende leis naturais com 0 propósito de confirm ar
c o m e r ( M c 6.3 1: Jo 6.24). M a s não se co n h e c e Deus como a fonte de alguma verdade, 0 que devemos
n in g u é m desde 0 tem p o dos apóstolos que fives- fazer a respeito dessas “ ofertas de ocasião” . Podem os
se esse tip o de poder. saber a diferença entre 0 que é realmente m iraculoso e
Deus p o d ia ressuscitar os m ortos. Ele ressuscita- 0 que não é de Deus e pode ser demoníaco? E possível
rá todos os m ortos no futuro (Jo 3.28-30; Ap 20.4,5). definir um m ilagre de tal form a a excluir reivindica-
Até essa ocasião ele provavelm ente não tará isso. ções falsas e outros tipos de eventos incomuns?
Conclusão. M ilagres verdadeiros são realm ente 0 pro b lem a de definição. Segundo 0 teísrno, um
so b re n atu ra is; falsos m ilagres são, na m elh o r das m ilagre é um a intervenção sobrenatural de um Deus
hipóteses, apenas supranorm ais. Sinais satânicos são transcendente no m und o n atural. M as 0 p a x t f .í s m o ,

associados ao m al e a falsidade. Atos sobrenaturais com o 0 a t e ís m o , diz que não há Deus além do univer-
são distinguidos pelo bem e pela verdade. E Satanás so. Logo, todos os eventos tem causas naturais. Eles
579 milagre, mágica e

discordam apenas se 0 “natural” é limitado ao físico Os “milagres” panteístas não preenchem essa
ou se pode in clu ir 0 espiritual. Como 0 “Jesus” definição porque seu poder não é de Deus. O autor
panteísta do Evangelho aquariano de Jesus Cristo diz: da Nova Era, David Spangler, identificou a fonte de
“Todas as coisas resultam da lei natural”. Até a Ciên- milagres para os panteístas quando escreveu:
cia Cristã diz que um milagre é “aquilo que é divina- “Cristo é a mesma força que Lúcifer, mas apa-
mente natural, mas deve ser aprendido humanamen- rentemente está-se movendo na direção oposta.
te; um fenômeno da Ciência” . Em vez de dizer que Lúcifer se move para criar a luz in te rio r... Cristo se
não há milagres, os panteístas redefinem milagres move para liberar essa luz” . Então 0 poder para even-
como uma manipulação da lei natural. Numa visão tos supranormais no panteismo vem de Lúcifer, ou
clássica do panteismo, os filmes de Guerra nas estre- Satanás, apesar de ser chamado de Cristo quando sai
las, Luke Skywalker aprendeu a usar “a força” (lei do indivíduo.
natural) num podequase espiritual que 0 capacitava Do ponto de vista bíblico, Lúcifer, também cha-
a executar atos incríveis. Os panteístas tentaram in- mado de Diabo e Satanás.) não é 0 mesmo que Deus
corporar a física avançada em explicações do nem mesmo igual a Deus. No princípio, Deus criou
supranormal. 0 livro de Frijof Capra O tao da física tudo que era bom: a terra (Gn 1 .1 ,3 1), a humanidade
é uma versão atualizada da doutrina panteísta de (Gn 1.27,28) e os anjos (Cl 1.15,16). Um anjo se cha-
que toda matéria é, no fundo, mística: mava Lúcifer (Is 14.12). Ele, era belo, mas se
ensoberbeceu (1 Tm 3.6) e rebelou-se contra Deus,
A unidade básica do universo nâo é apenas a característica dizendo: “subirei acima das mais altas nuvens e serei
central da experiência mística, mas também é uma das revela- semelhante ao Altíssimo” (Is 14.14). Um terço de to-
ções mais importantes da física moderna. Isso se torna evidente dos os anjos deixou seu lar com Deus para segui-lo
no nível atômico e se manifesta mais e mais à medida que vemos (Ap 12.4). Esses seres são agora conhecidos como Sa-
a questão mais a fundo, até 0 âmbito das partículas subatômicas. tanás e seus demônios (Ap 12.7 e Mt 25.41). Eles têm
poderes incomuns, no sentido de que todos os anjos
Assim, a fonte dos “milagres” panteístas não é têm poderes sobrenaturais como parte do mundo
um Deus pessoal onipotente que está além do uni- espiritual. São descritos atuando “nos filhos da deso-
verso. É uma Força impessoal no universo. Logo, es- bediência” (Ef 2.2). Satanás “se transforma em anjo de
ses eventos incomuns não são realmente sobrenatu- luz” (2C0 11.14) até mesmo para parecer estar do lado
rais; são apenas supranormais. de Deus, mas isso é apenas um disfarce.
Sobrenatural versus supranormal. O cristianis- Milagres v er su s mágica. De uma perspectiva
mo não nega que eventos supranormais acontecem, bíblica há testes para distinguir milagres da Nova
mas nega que sejam realmente singulares ou tenham Era ou influências ocultistas que podem ser chama-
qualquer valor apologético na confirmação de rei- das de “mágica” . Milagres são intervenções sobrena-
vindicações de verdade religiosa. A definição de um turais ordenadas por Deus. A mágica é manipulação
milagre verdadeiro tem três elementos básicos as- supranormal de forças naturais. A tabela seguinte
sociados a milagres na Bíblia: poder, sinal e prodígio resume essas diferenças.
(para mais informações sobre esses elementos, v.
M11.AGK1S \.\ B í m i a ) . Milagre Mágica
O poder dos milagres vem de um Deus que está Sob 0 controle de Deus. Sob controle humano.
além do universo. A natureza dos milagres é que eles Não está disponível a Está disponível a
são prodígios, que inspiram temor porque transcen- qualquer hora. qualquer hora.
dem as leis naturais. A palavra sinal revela 0 propó- Poder sobrenatural. Poder supranormal.
sito dos milagres: eles confirmam a mensagem e 0 Associado ao bem. Associada ao mal.
mensageiro de Deus. A dimensão teológica dessa Associado apenas à Associada também
definição é que milagres implicam um Deus fora do verdade. ao erro.
universo que intervém nele. Moralmente, porque Pode subjugar 0 mal. Não pode subjugar 0

Deus é bom, milagres produzem e/ou promovem 0 bem.


Afirma que Jesus é Nega que )esus é Deus
bem. Na sua dimensão doutrinária, milagres reve-
Deus em carne. em carne.
lam quais profetas são verdadeiros e quais são fal-
Profecias sempre Profecias às vezes
sos. Teleologicamente (i.e., em termos de objetivo),
verdadeiras. falsas.
milagres nunca são feitos para proporcionar entre-
Nunca associado a Geralmente associada
tenimento. Eles têm 0 propósito de glorificar a Deus práticas ocultistas. a práticas ocultistas.
e direcionar as pessoas a ele.
milagre, mágica e 580

A mágica usa meios ocultistas para realizar seus Estados Unidos e a Russia continuariam sendo
atos. São práticas que afirmam evocar poderes do potências importantes e não haveria guerras mun-
âmbito espiritual. Em muitos casos, e exatamente diais. É evidente que não e necessário ter poderes
isso que fazem; mas se trata de poder demoníaco. sobrenaturais para chegar a esses resultados
Algumas práticas ligadas diretamente ao poder de- subnormals.
moníaco na Bíblia são: O índice de precisão de aproximadamente 8%
poderia ser atribuído ao acaso e conhecimento ge-
Magia (Dt I 8.10 raldas circunstâncias. Mas pode haver outras coisas
Adivinhação (Dt 18.10 envolvidas. Montgomery nos diz que Dixon usava
Consulta aos espíritos (Dt 18.1 1! uma bola de cristal, astrologia e telepatia, e que seu
Mediunidade Dt 18.1 1 dom de protecia toi dado a ela por uma vidente ci-
Adivinhação (Dt 18.1(l· gana quando era menina.
Astrologia 1Dt 4.19: Is 4 5 1.3-1 . ‫) ־‬ A suposta p rev isão sobre Kennedy. Até a profecia
Heresia (1 Tm 4.1: 110 4.1-3) altamente reconhecida de Jean Dixon sobre a morte
Imoralidade 'Et 2 . 2. 3! de John F. Kennedy e vaga e está errada em alguns
Aotodeiricaçâo ! Gn 3.5: Is 14.12) aspectos (ela diz que a eleição de 1960 seria domina-
Mentira iIo 8.44( da pelos trabalhistas, 0 que nâo aconteceu). Chegou
Idolatria ( I C o 10.19-20) a dizer que Richard Xixon ganharia, 0 que não acon-
Legal ismo e teceu, previsão que contradisse em outra ocasião.
autoprivaçào (Cl 2.16-23: ITm 4.1-4) Sua profecia do assassinato não especifica 0 nome
de Kennedy. Em comparação, Isaías deu 0 nome do
Muitos que praticam e ensinam “m ilagres” Rei “Ciro” e disse 0 que ele faria um século e meio
panteístas admitem que usam práticas ocultistas e antes de ele nascer (v. Is 45.1). Segundo, Dixon não
as recomendam. Os testes a seguir demonstram cia- dá detalhes de como, onde ou quando Kennedy seria
ramente que tais reivindicações de poderes sobre- morto. Compare isso com a especificidade das pro-
naturais não são milagres. fecias do at com relação ao nascimento e morte de
Análise de casa: Jean Dixon. Jean Dixon foi uma Cristo (v. Is 53). Terceiro, sua previsão era geral. Tudo
das médiuns mais famosas do século xx. Ela supos- 0 que adivinhou foi que um presidente democrata
tamente fez muitas previsões supranormais, mas seu morreria durante seu mandato. Em 1960 havia uma
trabalho não atinge de forma alguma os padrões do probabilidade de 50°o de que um democrata tosse
miraculoso. eleito e, dados dois mandatos de quatro anos, uma
Profecias falsas. Ate sua biógrafa, Ruth Montgomery, boa chance de que houvesse pelo menos um atenta-
admite que Dixon fez muitas profecias falsas. do. Além disso, 0 início da década de 1960 se encaixa
num ciclo centenário em que a cada vinte anos um
Ela previutjiiea China comunista provocaria umaguerra presidente morreu durante 0 mandato. O presidente
por causa de Quemoy e Matsu em outubro de 1958; achava de 1980, Ronald Reagan quase foi assassinado.
que 0 líder trabalhista Walter Reuther se candidataria a presi- A Bíblia não permite tais coisas. Todas as formas
dente em 1964. de adivinhação são proibidas. Xenhum erro é per-
mitido ao profeta de Deus. Deuteronômio 18.22 diz
No dia 19 de outubro de 1968, ela nos garantiu que que um profeta deve ser 100°o preciso: “Se 0 que 0
Jacqueline Kennedy não estava pensando em se casar; profeta proclamar em nome do S e n h o r não aconte-
no dia seguinte, a sra. Kenned}‫׳‬casou-se com Aristóteles eer nem se cumprir, essa mensagem não vem do
Onassis! Ele também disse que a Terceira Guerra Mun- S f .n u o r . Aquele profeta falou com presunção. Xão te-

dial começaria em 1954, a guerra do Vietnã terminaria nharn medo dele” .


em 1966 e Castro seria banido de Cuba em 1970. A última frase significa que é adequado apedre-
O A lm an aqu e do Povo (1976) fez um estudo so- jar tal profeta. Se Deus falou, acontecerá. Xão há ne-
bre as previsões dos 25 maiores médiuns, inclusive cessidade para a segunda chance.
Dixon. Os resultados: “ Do total de 72 previsões, 66 Foi provado que algumas reivindicações de po-
(ou 92°0) estavam completamente erradas” (Kole, p. deres supranormais não eram nada além de ilusionis-
69). Das que estavam parcialmente corretas, duas mo e truques mágicos. Danny Korem, mágico profis-
eram vagas e duas pouco surpreendentes — os sional que escreveu um livro expondo tais fraudes,
581 milagre, mágica e

diz; “dadas as devidas circunstâncias, qualquer pessoa M ilag res b íb lic o s sin g u lares. Milagres bíblicos são
pode ser enganada e pensar que testemunhou algo superiores e singulares. Os magos do Egilo tentaram
que jamais aconteceu”. reproduzir os atos de Moisés por meio de ilusionismo
Um exemplo disso é 0 “médium” Uri Ceiler, que com algum sucesso (Êx 7.19s.; 8.6s.), mas, quando Deus
afirma ter 0 poder de entortar objetos de metal sem trouxe os piolhos do pó da terra, os magos fracassa-
tocá-los, bent como ser capaz de praticar telepatia e ram e exclamaram; “Isso é 0 dedo de Deus” (Êx 8.19).
clarividência. Ele até recebeu apoio num relatório do Elias silenciou todas as reivindicações dos profetas
Instituto de Pesquisa de Stanford, publicado numa de Baal quando trouxe fogo do céu sem que eles con-
revista popular de ciência. Mas os editores da revista seguissem fazer 0 mesmo (IR s 18). A autoridade de
notaram que os homens que julgaram os testes acha- Moisés foi vindicada quando Corá e seus seguidores
ram que foram engolidos pela terra (Nm 16). Foi demonstrado
que Arão era 0 sacerdote escolhido por Deus quando
houve pouca consideração pela metodologia estabelecida seu cajado floresceu (Nm 17).
da psicologia experimental [...j Dois juizes também acharam No n t, Jesus curou os doentes (Mt 8.14-17), fez os
q u e os autores não haviam considerado as lições aprendidas cegos verem (Mc 8.22-26), purificou os leprosos (Lc
no passado por parapsicólogos que pesquisavam essa área trai- 8.49-56). Esse padrão continuou com os apóstolos,
çoeira e complicada. quando Pedro curou 0 mendigo no portão do tem-
pio (At 3.1-11) e ressuscitou Dorcas dos mortos (At
Seu ceticismo foi comprovado. A revista New 9.36-41 ). Hebreus 2.4 nos diz 0 propósito desses mi-
Science registrou que “pelo menos cinco pessoas afir-
lagres: “Deus também deu testemunho dela por meio
mam ter visto Geller realmente trapacear”. Uma mu-
de sinais, maravilhas, diversos milagres e dons do
lher que 0 viu num estúdio de televisão disse que “viu
Espírito Santo distribuídos de acordo com a sua
Geller entortar — com a mão, não com poderes psí-
vontade” . Com relação à objetividade, bondade e
quicos — a colher grande”. Outro truque de Geller é
confirmação da mensagem de Deus, não há compa-
tirar sua foto com uma máquina fotográfica sem tirar
ração entre esses milagres e entortar colheres.
a capa da lente. Mas isso também foi feito por um
P r o f e c i a b í b l i c a s in g u la r . A profecia bíblica
fotógrafo usando uma lente grande angular e com a
também é singular, pois, enquanto a maioria das
capa quase fechada. O sucesso de Geller também pa-
previsões é vaga e geralmente falha, as Escrituras
rece diminuir dramaticamente quando os controles
são incrivelmente precisas (v. p r u i h . i a com o pr ov a
são maiores. Em programas de televisão, ele gostava
na B í b l i a ) . Deus previu não apenas a destruição de
de tirar um objeto de uma entre dez latas de filme.
No programa de Merv Griffin na us τν, Geller fez 0 Jerusalém í Is 22.1-25), mas também 0 nome de Ciro,
truque com sucesso, mas algumas pessoas pensaram 0 rei persa que iria repatriar os judeus (Is 44.28; 45 .1 ).
ter visto Geller sacudindo a mesa para que as latas Isso foi predito 150 anos antes de tudo acontecer.
chacoalhassem e ele pudesse distinguir a mais pe- Até 0 lugar onde Jesus nasceu é citado por volta de
sada. Então, no programa de Johnny Carson, no 700 a.C. (Mq 5 .2 ). A hora de sua entrada triunfal em
dia 1." de agosto de 1973, precauções especiais Jerusalém foi prevista precisamente por Daniel em
foram tomadas e Geller não pôde chegar perto 0 538 a.C. (Dn 9.2 4-26). Nenhum adivinho pode ga-

suficiente da mesa para sacudi-la ou tocar as la- bar-se de precisão ou consistência igual.
tas. Fracassou. Cristo previu a própria morte (Mc 8.31), 0 tipo
Ê difícil evitar a conclusão de um crítico que de morte (Mt 16.24), a traição que sofreria (Mt 26.21)
disse que “0 relatório de Stanford simplesmente não e sua ressurreição dos mortos no terceiro dia (Mt
resiste a massa de evidência circunstancial de que 12.39,40). Não há nada igual em nenhuma profecia
I t í Geller é apenas um bom mágico”. O mágico Andre ou milagre ocultista. A ressurreição de Jesus em
Kole esclarece: cumprimento à sua predição se destaca como 0 úni-
co evento singular e não-repetível da história.
0 que a maioria das pessoas não entende sobre Uri tieller
— que ele tentou suprimir na sua publicidade — e que ele Fontes
estudou e praticou mágica quando jovem em Israel. Mas logo 11 11
F. C \ ! < O tao / ! tísica.

entendeu que atraía mais seguidores ao reivindicar poderes L D! iw ! 1\t‫״‬ Tlw ,himiriaiig o s p e l ot Jesus Christ.
paranormais que como mágico. Xa verdade, a maior parte do 1
Ν'. I.. G μ ! k, Signs a n d w onders.

que faz seria um tanto insignificante vindo de um mágico. A. Km: i , Minh'h' dih! magic.
milagres, mito e 582

D. Korfm, T he powers. “0 mito fala do poder ou dos poderes que 0 ho-


“Amazing” Rwm. Flint Fiam. mem supõe que experimenta como base e limite do
Β. B. AV a r f i f i d, Counterfeit miracles. seu mundo e de sua própria atividade e sotrimento.”
Em outras palavras, 0 mito fala de um poder trans-
milagres, mito e. Sob 0 ataque implacável do natu- cendente que controla 0 mundo. É essa esperança que a
ralismo moderno, muitos pensadores religiosos se religião compartilha quando se elimina seu material
entrincheiraram na teoria de que milagres não são periférico cronologicamente limitado (ibid., p. 10-11).
eventos do mundo cronológico-espacial (v. milagres). Bultmann conclui, confiante: “Obviamente [a
Em vez disso, milagres seriam mitos ou eventos num ressurreição] não é um evento da história passada
mundo espiritual, além do tempo e espaço. Como [...] Um fato histórico que envolve a ressurreição
resultado, os registros bíblicos devem ser “desmi- dos mortos é totalmente inconcebível” (ibid., p. 38-
tificados” ou despidos da “casca” mitológica para che- 9). Ele oferece várias razões para essa conclusão anti-
gar ao “cerne” existencial da verdade. Rudolf Bultmann sobrenatural. Primeiro, há “a incredibilidade de um
(1884-1976) estava à frente dessa teoria dos “mila- evento mítico como a ressurreição de um cadáver” .
gres”. Ele adaptou à exegese do \ r 0 conceito de aná- Segundo, “há a dificuldade de estabelecer a historiei-
lise existencial do filósofo fenomenologista Martin dade objetiva da ressurreição, não importa quantas
Heidegger (1889-1976). Usando os métodos de Hei- testemunhas sejam citadas” . Terceiro, “a ressurrei-
degger, ele tentou separar da cosmovisâo do século 1 ção é um artigo de te que, como tal, não pode
a mensagem essencial do evangelho. constituir uma prova miraculosa” . Finalmente,“tal
Naturalismo desmitificado. Bultmann acredita- milagre não é desconhecido no âmbito da mito-
va que as Escrituras baseavam-se num universo de logia” (ibid., p. 39, 40).
três andares, com a terra no centro, 0 céu acima com Então, 0 que é a ressurreição (v. r e s s u r r e i ç ã o , evi-
Deus e os anjos e 0 submundo abaixo. O mundo d ê n c ia s d a ) ? Para Bultmann, é um evento da história

subjetiva, um evento da fé 110 coração dos primeiros


é 0 cenário da atividade sobrenatural de Deus e seus anjos
discípulos. Como tal, não está sujeita à verificação ou
de um lado, e Satanás e seus demônios do outro. Essas forças
falsificação histórica, pois não é um evento no mun-
sobrenaturais intervém no curso da natureza e em tudo que
do de espaço e tempo. Cristo não ressurgiu do túmulo
pensamos edesejamos e fazemos (Bultmann, p. 1).
de José; ressuscitou pela te no coração dos discípulos.
É difícil formular precisamente 0 raciocínio que
Os documentos do nt precisavam ser purifica-
dos dessa estrutura mitológica. A linguagem da mi- Bultmann usou para apoiar sua tese. Parece algo
tologia é inacreditável para as pessoas modernas, assim:
para as quais a visão mitológica do mundo está ob-
soleta.“Todo 0 nosso pensamento atual é formado, bem 1. Mitos são por natureza mais que verdades
ou mal, pela ciência moderna”, então “uma aceitação objetivas; são verdades transcendentes da fé.
cega do nt [...] significaria aceitar em nossa fé e re- 2. Mas 0 que não é objetivo não pode ser parte
ligião a comosvisão que elevamos negar no cotidia- do mundo verificável de espaço e tempo.
no” (ibid., 3,4). 3. Logo, milagres (mitos) não são parte do mun-
Excessivamente confiante, Bultm ann sequer do objetivo de espaço e tempo.
abriu espaço para considerar a pressuposição de que
a descrição bíblica de milagres é impossível. Tal teo- Fraquezas do naturalismo desmitificador. M ila-
ria não podia mais ser levada a sério. A única ma- gres n ão são m enos que históricos. Xão se deve con-
neira honesta de recitar os credos era despir a ver- cluir que, pelo fato de um evento ser m ais que históri-
dade da estrutura mitológica que a circunda. co, ele deva ser m enos que histórico. Os milagres do
Propósito do mito. Se 0 retrato bíblico é mitológi- evangelho têm, com certeza, uma dimensão transcen-
co, como devemos interpretá-lo? Para Bultmann “0 pro- dente. São mais que eventos históricos. Por exemplo,
pósito real do mito não é apresentar 0 retrato objetivo 0 n a s c im e n t o v i r g i n a l envolve tanto a natureza divina
do mundo como ele é, mas expressazzr 0 entendimento de Cristo (v. C r i s t o , d iv in d a d e d e ) e 0 propósito espiri-
do homem sobre si mesmo no mundo em que vive”. tual de sua missão quanto à biologia. É apresentado
Logo,“o mito deve ser interpretado não cosmolo- como “sinal” (Is 7.14). A r e s s u r r e i ç ã o é mais que a res-
gicamente, mas antropologicamente, ou, melhor ain- surreição de um cadáver. Sua dimensão divina impli-
da, existencialmente”. ca verdades espirituais (Rm 4.25; 2Tm 1.10).
583 milagres, mito e

Isso não significa de forma alguma que esses mi- Antony F ie w perguntou: "0 que teria que acon-
lagres não sejam eventos puramente objetivos e re- tecer 011 ter acontecido de modo a constituir para
ais. Até Bultmann admite que os autores do n t acre- você uma refutação do amor de Deus, ou da sua
ditavam que os eventos que descreveram eram his- existência?” (Flew, p. 98).
tóricos: “ Não se nega que a ressurreição de Jesus Fazendo as perguntas de Flew para Bultmann:
seja muitas vezes usada no n t como uma prova "Se 0 cadáver de Jesus de Nazaré tivesse sido desco-
miraculosa [...] Tanto a lenda do túmulo vazio quan- berto depois da primeira Páscoa, isso tornaria falsa
to as aparições insistem na realidade física do corpo sua crença na ressurreição?” .
ressurreto do Senhor” . Claramente isso não aconteceria para Bultmann.
Todavia, “elas certamente foram acrescentadas à A resposta do apóstolo Paulo a essa pergunta, dada
tradição primitiva” (ibid., p. 39). Nenhuma razão só- em 1 Coríntios 15, é um enfático “sim” . Pois,“ se Cris-
lida foi dada para concluir que esses eventos não to não ressuscitou, inútil é a fé que vocês têm, e ain-
poderiam ser eventos na história do espaço e do da estão em seus pecados” (1C0 15.17).
tempo (v. m ilagres xa B íb lia ). Se milagres não são eventos históricos, não têm
Milagres no mundo, mas não do mundo. Bultmann valor evidenciai (v. n n i is .m o ). Não provam nada, já
supõe equivocadamente que qualquer evento no que têm valor apenas para os que querem acreditar
mundo deve ser do mundo. 0 milagre pode originar- neles. No entanto, os autores do m atribuem valor
se no mundo sobrenatural (sua fonte), mas ocorrer evidenciai aos milagres. Consideram-nos “ provas in-
no mundo natural (sua esfera). Dessa maneira, 0 even-
discutíveis” (At 1.3) e não “ fábulas engenhosamente
to pode ser objetivo e verificável sem ser redutível a
inventadas" (2Pe 1.16). Paulo declarou que Deus “deu
dimensões puramente factuais. É possível verificar
prova disso a todos, ressuscitando-o dentre os mor-
diretamente por meios históricos se 0 cadáver de Je-
tos” (At 17.31).
sus de Nazaré toi ressurreto e observado empírica-
C o n c lu são. A abordagem desmitificadora de
mente (as dimensões objetivas do milagre), sem re-
Bultmann aos milagres e documentos do xt em geral
duzir os aspectos espirituais do evento a meros dados
é injustificada. Antes de mais nada, é contrária à evi-
científicos. Porém, ao afirmar que tais milagres não
ciência esmagadora da autenticidade dos dooumen-
podem ocorrer na história do espaço e tempo,
tos do m e a confiabilidade das testemunhas (v. Novo
Bultmann está apenas revelando um preconceito na-
turalista injustificado e antiintelectual.
0 , hímokicidadh do). Em segundo lu g a r,é con-
I t ‫״‬.STA.\íí.N i
traria à afirmação do n‫־‬i (2Pe 1.16; v. Jo 1.1-3; 21.24).
A base do anti-sobrenaturalismo de Bultmann não
é evidenciai nem está aberta a discussão. É algo que
Finalmente, 0 v! não é 0 estilo literário da mitologia
(v. Μ ΐιουκ,ΐΑ l 0 Novo Testam en to ). C. S. Lew is, como
ele defende “não importa quantas testemunhas sejam
autor de mitos (fábulas), observou com perspicácia
citadas” (ibid.). 0 dogmatismo de sua linguagem é
revelador. .Milagres são “ inacreditáveis” , “irracionais” ,
que “0 dr. Bultmann nunca escreveu um evangelho” .

“ realmente impossíveis” ,“ sem sentido” ,“ totalmente Então pergunta: “ Será que a experiência da sua vida

inconcebíveis” , “ simplesmente impossíveis” e “ in- culta |... | realmente deu-lhe algum poder de ler as
toleráveis” . Logo, a “ única alternativa honesta” para mentes de pessoas mortas há muito tempo?” . Como
as pessoas modernas é afirmar que milagres são escritor de mitos, Lewis geralmente considerava os
espirituais e que 0 mundo físico está imune à críticos errados quando tentavam ler sua mente em
interferência sobrenatural. vez de suas palavras. No entanto, acrescenta:
Se milagres não são eventos históricos objetivos,
então são inverificáveis e infalsificáveis. Não há ma- Os “resultados garantidos dos estudos modernos” ,
neira factual de determinar se são verdade. Foram quanto à maneira em que um livro antigo foi escrito, são“ga-
colocados além do âmbito da verdade objetiva e rantidos” , podemos concluir, apenas porque os homens que
devem ser tratados como puramente subjetivos. A conheciam os fatos estão mortos e não podem expor as falá-
crítica de Antony Flew (v. v e r if ic a ç ã o , tipos de) foi cias dos intérpretes.
direta quando ele fez 0 desafio: “ Muitas vezes, pesso-
as que não são religiosas têm a impressão de que As críticas de Bultmann são irrefutáveis porque,
não houve nenhum evento ou série de eventos con- como Lewis ironicamente afirma: “ São Marcos está
cebível cuja ocorrência seria admitida por pessoas morto. Quando encontrarem são Pedro haverá ques-
religiosas sofisticadas como razão suficiente para toes mais importantes a serem discutidas” (Christian
reconhecer: 1Nunca houve um Deus’” . reflections,p. 161-3).
milagres, valor apologético dos 584

Fontes seria defin ido como "0 evento que envolve a suspensão do curso
R. lii 11,\:ANN.AÍTtj;w11 a n d m y ih :a :l!tv k g t;,1 ! Je - real dos eventos”.
bate,o rg . H . W . B ‫׳‬k ! h h, tr a d . R . H . H ‫״‬ l .\.

A. F! 1u, "Theology and falsification",em .\Vu‫ ׳‬essars Logo, “quem insistisse em descrever um evento
in p h ilosop h ical theology. como milagre estaria na posição um tanto estranha
X . I..G1 μ i r,.Miracles aiiil the m od ern m iiu i de afirmar que sua ocorrência era contrária ao cur-
('. S. 11.» 1>, Christiiin reflections. so real dos eventos” (ibid., p. 50). 0 argumento de
_____, M ilagres. McKinnon pode ser resumido da seguinte maneira:

milagres, suposta impossibilidade dos. V. n a tl - 1. Leis naturais descrevem 0 curso real dos
RAL1SM0; MI LAGRFS, A R G U M E X T O S C O M RA: E s PI XOSA, B a RUCH. eventos.
2. Um milagre é uma violação a uma lei natural.
milagres, valor apologético dos. As principais 3. Mas é impossível violar 0 curso real dos
reivindicações do cristianismo dependem do va- eventos (0 que é, é; 0 que acontece, acontece).
lor apologético dos milagres (v. apologftiga , argu- 4. Logo, milagres são impossíveis.
m h x to d a ; m i l a g r h ). Se milagres não têm valor
evidenciai, não há evidência objetiva, histórica, para Argumento de McKinnon. H á vários p rob lem as
apoiar as reivindicações do cristianismo histórico com esse argumento. Três em especial são dignos de nota:
e ortodoxo. Petição de princípio. Se McKinnon está certo, os mi-
Alguns naturalistas contemporâneos argumentam lagres não podem ser identificados no mundo natural,
que, não importa quão incomum um evento seja, ele já que tudo que acontece não será milagre; se tudo que
não pode ser considerado milagre. Se isso for verda- acontece é um evento natural ipso facto, é claro que
de, pode ter sérias implicações para os que acreditam milagres nunca acontecem. Mas isso é apenas uma pe-
em milagres. Nenhum evento incomum que reivindi- tição de princípio; sua definição de lei natural vai con-
que origem divina poderia ser considerado milagre. tra os milagres. Não importa 0 que aconteça no mundo
Além disso, religiões teístas como 0 judaísmo e 0 cris- natural, automaticamente será chamado “evento natu-
tianismo, nas quais reivindicações milagrosas são usa- ral” . Isso eliminaria de antemão a possibilidade de qual-
das apologeticamente, não poderiam realmente iden- quer evento no mundo ser milagre. Mas isso não reco-
tificar nenhum de seus eventos incomuns como con- nhece sequer a possibilidade de nem todo evento no
firmação milagrosa de suas verdades, não importa mundo ser do mundo. Pois um milagre pode ser um
quanta evidência pudessem produzir para a autenti- efeito na natureza de uma causa que está além da natu-
cidade desses eventos. reza. Pois a mente de um computador está além do
Identidade dos milagres. Há dois aspectos no computador, mas 0 computador está 110 mundo.
caso da identidade dos milagres. Primeiro, milagres M á d efin ição. 0 problema é que McKinnon defí-
devem ser identificáveis antes de um milagre espe- niu mal as leis naturais. Leis naturais não devem ser
cífico poder ser identificado. Segundo, é preciso re- definidas como 0 que re a lm e n te acontece, e sim
conhecer determinadas características para identi- como 0 que regu larm en te acontece. Como Richard
ficar um evento específico como milagre. 0 foco Swinburne demonstra: “ leis da natureza não descre-
aqui será na identidade dos milagres. vem apenas 0 que acontece [...] Descrevem 0 que
Segundo alguns, milagres não podem ser identi- acontece de forma regular e previsível” . Portanto,
ficados porque 0 conceito de milagre não é coeren- “quando 0 que acontece e completamente irregular e
te. Alistair McKinnon, por exemplo, afirma que “ a imprevisível, sua ocorrência não é algo descritível por
idéia de suspensão da lei natural é autocontraditória. leis naturais” (ibid., p. 78). Assim, milagres podem ser
Resulta do significado do termo” (Swinburne, p. 49). identificados como eventos 11a natureza que entram
Pois se leis naturais são descritivas, apenas nos in- na categoria do irregular e imprevisível. Um milagre é
formam sobre 0 curso real dos eventos. Mas nada, mais que um evento irregular e imprevisível no mun-
diz McKinnon, pode violar 0 curso real dos eventos. do natural, mas não é menos que isso. De qualquer
Ele escreve: forma, eles não podem ser descartados pela simples
definição de uma lei natural como 0 que realmente
Essa contradição pode destacar-se mais se em lugar de lei acontece. Apesar de ocorrerem no mundo natural,
natural usarmos a expressão curso real dos eventos. 0 milagre milagres são diferentes de ocorrências naturais.
583 milagres, valor apologético dos

Tipos confusos d e eventos. Como leis naturais li- credulidade na Antigüidade variava inversamente à
dam com regu laridades e milagres com singularida- saúde da ciência e diretamente ao vigor da religião”
des, os milagres não podem ser violações de leis natu- (ibid.). David Strauss, crítico bíblico do século xix,
rais. Não são nem da mesma categoria de eventos. Um era ainda mais cético. Escreveu:
milagre não e uma “minilei” natural; é um evento úni- Pudemos rejeitar sumariamente todos os milagres, proie-
co com características próprias. Portanto, afirmar que cias, narrativas de anios e demônios e semelhantes, por serem
milagres não acontecem (ou não se deve acreditar simplesmente impossíveis e inconciliáveis com as leis conhe-
que aconteceram) porque não estão na mesma cate- cidas e universais que governam 0 curso dos acontecimentos

goria que os eventos naturais é erro de categoria. Pela (v. ibid., p. 347).

mesma lógica, também podemos dizer que nenhum


livro tem uma causa inteligente porque sua origem Segundo Flew, tal ceticismo é justificado por uma
nâo pode ser explicada por leis operacionais da física base metodológica.
e química. Identificabilidade. Flew afirma estar disposto a
Argumento de Flew. Um ataque mais poderoso ao permitir na teoria a possibilidade de milagres. Na
prática, argumenta que 0 problema de identificar
valor apologético dos milagres é dado por Antony Fi rv.
um milagre é sério, até mesmo insuperável.
A objeção básica aos milagres por parte dos naturalistas
contemporâneos não é ontológica, mas epistemológica.
0 argumento contra milagres a partir da não-
identidade pode ser resumido:
Isto é, os milagres não são rejeitados porque sabemos
que não ocorrem. Na verdade, não sabemos e não pode-
1. Um milagre deve ser identificado (distingui-
mos saber que ocorreram. A objeção de Flew entra nessa
do) antes de ser possível saber que ocorreu.
categoria. Se bem-sucedido, 0 argumento de Flew de- 2. Um milagre pode ser distinguido de uma en-
monstra que milagres não têm valor apologético.
tre duas maneiras: em termos de natureza ou
M ilagres são p a ra sita s d a n atureza. Flew define em termos do sobrenatural.
amplamente 0 milagre como algo que “jamais teria 3. Identificá-lo pela relação com 0 sobrenatu
acontecido se a natureza tivesse de, por assim dizer, ral conto ato cie Deus é uma petição de prin
usar os próprios recursos” (Flew, p. 346). Ele observa cípio.
que Tomas df. A quino demonstrou que milagres não 4. Identificá-lo em relação ao evento natural tira
são necessariamente a violação da lei natural. Aquino sua qualidade sobrenatural.
escreveu que “0 artesão não é contra 0 princípio do 3. Fogo, não é possível saber se milagres ocor
artesanato [...] se causa uma mudança no seu pro- reram, já que não há como identificá-los.
duto, mesmo depois de ter dado a primeira forma
ao objeto” (Aquino, 3.100). Além desse p o d e r ser ine- Flew insiste, contra Agostinho (v. Agostinho, 21.8),
rente à idéia de artesanato, a m en te do artesão tam- que, se 0 milagre é apenas “0 portento [que] não é con-
bém é. 0 milagre leva a marca inconfundível do po- trário à natureza, mas contrário ao nosso conhecimento
der e da mente divinos. 0 milagre, então, é “ uma da natureza" (Flew, p. 348), ele não tem nenhum valor
interposição surpreendente do poder divino pela apologético real. Pois, argumenta Flew, se 0 evento é ape-
qual as operações do curso normal da natureza são nas milagre em relação a nós no presen te, não prova
anuladas, suspensas ou modificadas” (v. Flew, p. 346). que a revelação que pretende apoiar esteja realm ente
além do poder da natureza. Apesar da idéia de Agos-
Aceitando essa definição teísta, Flew insiste em
tinha de que 0 milagre asseguraria que a criação de-
que “exceções são a lógica dependendo das regras.
pende de Deus, ela acaba subvertendo 0 valor
Somente se puder ser demonstrado que há uma or-
apologético do milagre (ibid.). Pois, se 0 milagre é
dem é que se torna possível demonstrar que a or-
apenas contrário ao nosso con hecim en to da natureza,
dent é ocasionalmente anulada” (ibid., p. 347). Fm
ele não é nada além de um evento natural. De qual-
resumo, os milagres, para Flew, são logicamente pa-
quer torma, não poderíamos saber que 0 milagre real-
rasitas da lei natural. Logo, uma posição firme sobre
m ente ocorreu, só que p arece a nós que ocorreu.
milagres é possível sem uma posição firme sobre a
A ideia de Flew pode ser afirmada de outra ma-
regularidade da natureza. neira. Para identificar um milagre na natureza, a iden-
,4 im p r o b a b ilid a d e dos m ilagres. Flew argumen- tificação desse milagre deve ser em termos do que é
ta que milagres são improváveis p r im a fa c ie , ci- independente da natureza. Mas não há maneira
tando 0 historiador R. M. Grant, segundo 0 qual “ a de identificar um milagre como independente do
milagres, valor apologético dos 586

natural exceto apelando para 0 reino sobrenatural, 0 (Deus) é pressupor que Deus existe. Portanto, mi-
que é petição de princípio. Isso significaria afirmar, lagres não podem ser usados como evidência da
na verdade: “ Sei que isto é um evento milagroso no existência de Deus. 0 sobrenaturalista argumenta
mundo natural, porque sei (a partir de alguma base em círculos.
independente) que há uma causa sobrenatural além Pressuposição da existên cia de Deus. Uma
do mundo natural” . maneira de responder a Flew é afirmar que argu-
No entanto, não há maneira natural de identificar mentar em círculos não é característica exclusiva
um milagre. Pois a não ser que já se saiba (em base dos sobrenatura-listas. Os naturalistas fazem a mes-
independente) que 0 evento é milagroso, ele deve ma coisa. Argumentos anti-sobrenaturalistas pres-
ser considerado apenas mais um evento natural. Do supõem 0 naturalismo. Logo, é necessário argumen-
ponto de vista científico, é apenas “estranho” ou tar em círculo, porque toda razão é circular (Van Til,
incoerente com eventos previamente conhecidos. Tal p. 118). No final das contas, todo pensamento é fun-
evento deve ocasionar pesquisa de uma lei científi- dado na fé (v. e£ k r a z â o ; fideísmo).
ca mais ampla, não adoração. Se 0 sobrenaturalista decide seguir esse cami-
Com base nisso, conclui-se que nenhum evento nho, a base (ou falta de base) é tão boa quanto a do
supostamente milagroso pode ser usado para pro‫־‬ anti-sobrenaturalista. Certamente os naturalistas que
var que um sistema religioso é verdadeiro. Ou seja, descartam milagres a partir do compromisso de fé
milagres não podem ter nenhum valor apologético. no naturalismo não estão na posição de proibir os
Não podemos argumentar que Deus existe devido a teístas de simplesmente acreditar que Deus existe e,
um evento ser ato de Deus, pois a não ser que saiba- logo, que milagres são possíveis e identificáveis. Uma
vez que os naturalistas aceitam 0 privilégio da mera
mos que há um Deus que pode agir, não podemos
base de fé para 0 naturalismo, para 0 qual não têm
saber que uma ocorrência é ato seu. O segundo ele-
prova racional ou científica, eles devem dar às
mento não pode provar 0 primeiro (ibid., p. 348-9).
cosmovisões alternativas a mesma oportunidade.
Se milagres não são identificáveis, porque não
há maneira de defini-los sem uma petição de prin-
Evidência da existência de Deus . Mas há ou-
tro caminho. Os teístas podem oferecer primeiro
cípio, 0 raciocínio continua:
uma justificativa racional para crer em Deus por
meio dos argumentos cosmológico e teleológico.
1. O milagre deve ser identificável antes de po-
Se bem-sucedidos, podem ter 0 direito de definir
der ser identificado.
(mostrar a identidade de) os milagres em termos
2. O milagre é identificado em apenas uma de
do reino sobrenatural em cuja existência têm ra-
duas maneiras — ou como um evento
zão para crer. Desde que se possa fornecer um ar-
incomum na natureza, ou como exceção
gumento racional para a existência de Deus, não é
à natureza.
difícil evitar a crítica de Flew de que milagres não
3. Mas um evento incomum na natureza é ape‫־‬ têm valor apologético identificável.
nas um evento natural, não um milagre. Milagres como confirmação da verdade . A apoio‫־‬
4. Uma exceção à natureza não pode ser consi- gética cristã é baseada em milagres. Se milagres não
derada (i.e., identificada) apenas de dentro são possíveis (v. teísm o) e reais (v. Novo Testam ento,
da natureza. h isto ric! da de no; MíLAGREs na B íb lia ), não há maneira
5. Logo, um milagre não é identificável. de verificar as reivindicações da verdade do cristi-
anismo. Isso levanta a questão da relação entre 0
E, é claro, 0 que não é identificável não tem valor milagre e a reivindicação da verdade. Será que os
evidenciai. Não pode ser usado para provar a verda- milagres são a confirmação apropriada e válida das
de do cristianismo. reivindicações da verdade do cristianismo?
Resposta ao argumento de Flew. A primeira pre- A afirmação de David H ume (1711-1776) de que
missa de Flew é sólida. Devemos saber 0 que estamos todas as reivindicações da verdade religiosa são
procurando antes de saber que 0 encontramos. Se contraditórias falha, porque a credibilidade de to-
não podemos defini-lo, então não podemos ter cer- dos os supostos “milagres” não é igual. No entanto,
teza de que 0 descobrimos. Mas, se podemos definir permanece a duvida quanto a um milagre poder
um evento em termos da natureza, os milagres po- confirmar a verdade.
dem ser reduzidos a eventos naturais. Entretanto, No contexto do at e no n t, as pessoas não demons-
defini-los em termos de uma causa sobrenatural traram aceitação ingênua de toda suposta palavra ou
587 milagres, valor apologético dos

ação de Deus. Como hoje, queriam provas. Os mila- para 0 outro? Se 0 S enhor é Deus, sigam-no; mas se
gres deveriam confirmar a mensagem do porta-voz Baal é Deus, sigam-no” (lRs 18.21). Para provar que
de Deus. era profeta do Deus verdadeiro, Ia vé , Elias propôs
M ilagres confirm aram a reivindicação profética. um confronto no qual invocariam uma confirma-
Quando Deus pediu que Moisés liderasse Israel para ção sobrenatural. Depois de os profetas de Baal não
fora do Egito, ele respondeu: terem conseguido fazer fogo descer do céu sobre
seu sacrifício, Elias mandou encharcar 0 altar a Iavé
“E se eles não acreditarem em mim nem quizerem me e orou: “ Ó Senhor, Deus de Abraão, de Isaque e de
ouvir e disserem: Ό Senhor não lhe apareceu,?” Então 0 Se- Israel, que hoje fique conhecido que tu és Deus em
nhor lhe perguntou: “Que é isso em sua mão?”“Uma vara” , Israel e que sou 0 teu servo e que fiz todas estas
respondeu ele. Disse 0 S e n h o r : “Jogue‫־‬a ao chão” . Moisés coisas por ordem tua” (lRs 18.36).
jogou-a, eela setransformou numa serpente. Moisés fugiu dela, O texto acrescenta: “Então 0 fogo do S enhor caiu e
mas 0 S e n h o r lhe disse: “Estenda a mão epegue-a pela cauda”. queimou completamente 0 holocausto, a lenha, as
Moisés estendeu a mão, pegou a serpente e esta se transfer- pedras e 0 chão, e também secou totalmente a água
mou numa vara em sua mão. E disse 0 Senhor: “1550é para que na valeta. Quando 0 povo viu isso, todos caíram
eles acreditem que 0 Deus dos seus antepassados , 0 Deus de prostados e gritaram: Ό S enh o r é Deus! Ο $ εν η ο γ é
Abraão, 0Deus de Isaque , 0 Deus de Jacô, apareceu a vocé” (Êx Deus!’” (IRs 18.38,39).
Milagres confirmados na reivindicação messiânica.
4.1-5; grifo do autor).
0 ministério de Jesus foi caracterizado por sinais so-
brenaturais que confirmaram sua identidade de profe-
Está claro que os milagres deveriam confirmar a
ta, e mais que profeta. Mas 0 evangelho de Mateus regis-
mensagem que Deus lhe dera. Deus, na verdade, fez
tra que alguns fariseus e escribas ainda exigiam um
vários milagres. Porque “se eles não acreditarem em
sinal de confirmação: “Mestre, queremos ver um sinal
ainda assim não acreditarem nestes dois sinais nem
miraculoso feito por ti” . Jesus recusou-se a concedê-lo
lhes derem ouvidos, tire um pouco de água do Nilo e
nesse dia, não porque milagres não constituíssem um
derrame‫־‬a em terra seca. Quando você derramar essa
sinal de sua identidade, mas porque 0 pedido foi feito
água em terra seca ela se transformará em sangue”
com desprezo e incredulidade. Em vez disso, Jesus anun-
(Êx 4.8,9).
ciou que logo teriam 0 maior de todos os sinais
confirmatórios: “Uma geração perversa e adúltera pede
Mais tarde, quando Moisés foi desafiado por Corá,
um sinal miraculoso! Mas nenhum sinal lhe será dado,
um milagre foi novamente a vindicação de Deus.
exceto 0 sinal do profeta Jonas” (Mt 12.38,39). Assim
como Jonas ficou no ventre do peixe durante três dias,
Depois disse [Moisés] a Corá e a todos os seus seguido-
Jesus ficou na sepultura e voltou à vida. Ele ofereceu 0
res: “Pela manhã 0 S e n h o r mostrará quem lhe pertence e fará
sinal miraculoso de sua ressurreição como prova de
aproximar-se dele aquele que é santo, 0 homem a quem ele
que era 0 Messias.
escolher” [...J E disse Moisés:“Assim vocês saberão que 0 Se-
João enviou mensageiros para perguntar a Jesus
n h o r me enviou para fazer todas essas coisas e que isso não
se ele era 0 Messias.
partiu de mim. Se estes homens tiverem morte natural eexpe-
rimentarem somente aquilo que normalmente acontece aos Naquele momento Jesus curou muitos que tinham males,
homens, então 0 S e n h o r não enviou. Mas, se0S e n h o r fizer acon- doenças graves e espíritos malignos, e concedeu visão a mui-
tecer algo totalmente novo, ea terra abrir a sua boca eos engo- tos que eram cegos. Então ele respondeu aos mensageiros:
lir,junto com tudo 0 que édeles, eeles desceremvivos ao Sheol, “Voltem e anunciem a João 0 que vocês viram e ouviram: os
então vocês saberão que estes homens desprezaram 0 S e n h o r ” cegos vêem, os aleijados andam, os leprosos são purificados,
[...] Desceram vivos à sepultura, com tudo 0 que possuíam; a os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados e as boas no-
terra fechou-se sobre eles epereceram, desaparecendo do meio vas são pregadas aos pobres” (Lc 7.21,22).
da assembléia (Xm 16.5,28-30,33).
Eram exatamente esses os tipos de milagres que
Poucos questionaram a autoridade divina de os profetas previram que confirmariam a presença
Moisés a partir de então. do Messias de Israel. A resposta estava clara: os mi-
Quando confrontado pela crença em divindades lagres de Jesus confirmavam suas mensagens.
pagãs, Elias, 0 profeta de Israel, desafiou 0 povo de Xicodemos, membro do Sinédrio, disse a Jesus:
Israel: “Até quando vocês vão oscilar para um lado e “ Mestre, sabemos que ensinas da parte de Deus, pois
milagres, valor apologético dos 588

ninguém pode realizar os sinais miraculosos que semelhantes entre religiões opostas se anulariam. Ele
estás fazendo, se Deus não estiver com ele" (Jo 3.2). afirmou apenas que “ todo milagre, portanto, que pa-
No seu grande sermão no Pentecoste, Pedro disse recia ter sido realizado em qualquer uma dessas re-
à multidão que Jesus foi “aprovado por Deus diante ligiões (e todas elas sobejam em milagres) [...] tem
de vocês por meio de milagres, maravilhas e sinais a mesma força, apesar de mais indiretamente, para
que Deus fez entre voces por intermédio dele, como derrubar todos os outros sistemas” e u ao destruir 0
vocês mesmos sabem” (At 2.22). sistema rival, destrói também 0 crédito desses mila-
Milagres continuaram a r e iv in d ic a ç ã o apostólica. gres sobre os quais esse sistema foi estabelecido” . Já
Hebreus 2.3,4 afirma que Deus testemunhou sobre que a0 objetivo [um milagre] é estabelecer 0 sistema
sua ‘4grande salvação” no evangelho “ por meio de específico ao qual é atribuído, ele tem a mesma for-
sinais, maravilhas, diversos milagres e dons do Es- ça [...] para derrubar todos os outros sistemas” . Isso
pírito Santo distribuídos de acordo com a sua von- indica a possibilidade de que uma religião que apre-
tade” (Hb 2.3,4). Milagres foram usados para con- sente confirmação miraculosa singular seja verda-
firmar a mensagem apostólica. Eles eram 0 sinal deira, e todas as afirmações opostas, falsas.
sobrenatural para seu sermão, a confirmação divina 0 agnóstico (v. agnosticismo ) Bertrand R ussell

de sua revelação. (1872-1970) admitiu que milagres confirmariam


Para defender seu apostolado em Corinto, Paulo uma reivindicação da verdade. Em resposta à per-
escreveu: “As marcas de um apóstolo — sinais, ma- gunta “ Que tipo de evidência 0 convenceria de que
ravilhas e milagres — foram demonstrados entre Deus existe?” , Russell disse:
vocês, com grande perserverança” ( 2 C0 12.12). Esse
poder apostólico especial e miraculoso foi ofereci- Creio que, se eu ouvisse uma voz do céu prevendo tudo
do como prova da verdade que lhes falava. que iria acontecer comigo nas próximas 24 horas, inclusive
A lc o rã o e m ila g r e s c o m p r o b a t ó rio s . O judaís- eventos que pareceriam altamente improváveis, e se todos
mo e 0 cristianismo não são as únicas religiões esses eventos acontecessem, então talvez eu me convencesse
que reconhecem a validade dos milagres como pelo menos da existência de alguma inteligência super-huma-
meio de confirm ar uma mensagem de Deus. O na. Posso imaginar outra evidência do mesmo tipo que possa
islamismo também (v. m aom é , s u p o st o s m i l a g r e s d e ). me convencer, mas, pelo que sei, essa evidencia não existe.
Maomé reconheceu que profetas antes dele (inclu-
sive Jesus) foram confirm ados por poderes C o n f i r m a ç ã o ló g ic a d o s m i la g r e s . A lógica
miraculosos. aE se desmentem, (recorda-te de que) subjacente à idéia de que um milagre seja usado para
também foram desmentidos os mensageiros que confirmar uma reivindicação religiosa da verdade é
antes de ti, apresentaram as evidências, os Salmos a seguinte:
e 0 Livro luminoso” (Surata 3.184).
O Alcorão registra uma declaração de Moisés 1. Se 0 Deus teísta existe, milagres são possíveis.
sobre seus milagres: “ Tu bem sabes que ninguém, 2. O milagre é ato especial de Deus.
senão 0 Senhor dos céus e a terra, revelou estás 3. Deus é a fonte e 0 padrão de toda verdade;
evidências e, por certo, ó Faraó, creio que estás ele não pode errar.
condenado à perdição” (17.102). Alá diz: “ Então 4. E 0 Deus teísta também não confirmaria algo
enviamos Moisés e seu irmão com os nossos sinais que fosse falso.
e uma evidente autoridade” (23.45). Então, na prá- 5. Logo, milagres verdadeiros ligados à men-
tica, todas as grandes religiões monoteístas con- sagem confirmam que a mensagem é de Deus:
cordam em que a reivindicação da verdade pode a) O milagre confirma a mensagem.
ser comprovada por milagres. b) O sinal confirma 0 sermão.
In c ré d u lo s e m ila g res c o m p r o b a t ó rio s . Mesmo c) O ato de Deus confirma a Palavra.
muitos dos que rejeitam milagres concordam que d) Nova revelação precisa de nova confirmação.
milagres singulares poderiam ser usados para apoi-
ar as reivindicações da veracidade da religião que Se há um Deus onipotente, onibenevolente e onis-
os possui. Até Humh sugeriu que milagres realmente ciente, conclui-se que ele não faria um ato milagroso
singulares confirmariam as reivindicações da ver- para confirmar uma mentira. Já que milagres são por
dade de uma religião. Ele argumentou que milagres natureza atos especiais de Deus, Deus não pode ir
589 milagres, valor apologético dos

contra a própria natureza. O Deus de toda verdade tipo de suposto milagre. Milagres semelhantes de
não confirmaria miraculosamente um erro. Logo, fontes opostas se anulam. Logicamente, do ponto de
quando uma reivindicação da verdade é confirmada vista teísta, é impossível que milagres verdadeiros
várias vezes por milagres, como os dos profetas do at, confirmem reivindicações opostas, já que 0 milagre
de Jesus e dos apóstolos do n t , a verdade se mostra e é ato de Deus, que não pode confirmar a mentira
todas as posições opostas revelam-se falsas. (Hb 6.18; v.Tt 1.2 ).
Critérios para confirmação. Vários critérios po- M últiplos. Como diz Deuteronômio 17.6: “ Pelo
dem ser estabelecidos, com base nos princípios dis- depoimento de duas ou três testemunhas tal pessoa
cutidos acima, para reconhecer milagres como con- poderá ser morta” . Testemunhas múltiplas são me-
firmação da reivindicação da verdade. Esses são cri- lhores que apenas uma. Na verdade, em assuntos le-
térios para milagres apologeticamente valiosos. To- gais de vida ou morte, 0 testemunho múltiplo geral-
dos supõem que milagres são possíveis. Milagres mente é obrigatório. O milagre não elimina a dúvida.
confirmatórios devem ser: Logo, apologeticamente, milagres, relevantes devem
ser múltiplos.
Ligados a uma reivindicação da verdade Preditivos. Outra característica geralmente liga-
Verdadeiramente sobrenaturais da ao milagre confirmatório é ser geralmente profe-
Singulares tizado. Embora isso não seja essencial, é útil, pois
Múltiplos elimina a acusação de que 0 evento milagroso não
Preditivos esteja ligado à reivindicação da verdade. De outra
forma, poderia ser visto como resultado do acaso.
Ligados a um a reivindicação da verdade. Nem to- Por exemplo, se um falso mestre estivesse ensinando
dos os eventos estão ligados a reivindicações da ver- às margens do mar da Galiléia enquanto Jesus anda-
dade. Não houve nenhuma reivindicação da verdade va sobre as águas, 0 andar de ]esus não teria sido
da qual os atos da criação são evidência. E nenhuma confirmação das posições do falso mestre.
lição foi ensinada pelo trasladação de Enoque ao céu Em várias ocasiões na Bíblia, Jesus e outros profetas
(Gn 5), pelas pragas sobre 0 rei que tomou a esposa de predisseram e fizeram milagres que confirmaram suas
Abraão (Gn 12), pelo maná do céu (Êx 16), pelos feitos reivindicações. Jesus profetizou sua ressurreição desde
sobrenaturais de Sansão (Jz 14— 16) ou pela ressur- 0 começo de seu ministério (Mt 12.40; 17.22,23; 20.18,19;
reição do homem que tocou os ossos de Eliseu (2Rs Jo 2.19-22). Ele profetizou explicitamente a ressurreição
13). A maioria dos milagres está ligada a uma pessoa como “ sinal” (milagre) de suas reivindicações (M t
que, com isso, é confirmada como profeta de Deus. 12.39,40). Uma vez Jesus previu enfaticamente que um
Mas esses atos não têm valor apologético direto sem milagre seria evidência de sua reivindicação de ser
a reivindicação específica do caráter profético do 0 Messias: ‫״‬tMas, para que vocês saibam que 0 Filho
mensageiro e da mensagem da parte de Deus. do homem tem na terra autoridade para perdoar
V erd ad eiram en te so b ren a tu ra is. Um milagre é pecados’ — disse ao paralítico — eu lhe digo: levan-
verdadeiramente sobrenatural, e não anomalia, má- te-se, pegue a sua maca e vá para casa ‫( מ‬Mc 2.10,11).
gica (v. milagres , mágica E),cura psicossomática (v. No at , os milagres geralmente eram anunciados
cura psicossomática ), nem mesmo um ato especial com antecedência. Elias profetizou que 0 fogo do
de providência. Nenhum deles envolve interven- céu consumiria 0 sacrifício ( IRs 18.22s.). Moisés pro-
ção realmente sobrenatural. Todos podem ser ex- meteu julgamentos sobrenaturais de Deus sobre 0
plicados por meios naturais, ainda que às vezes Egito (Êx 4.21-23). Moisés anunciou que 0 cajado
bem incomuns e usados por Deus. Uma caracterís- floresceria (Nm 17.5) e que 0 rebelde Corá seria jul-
tica de um evento sobrenatural é que ele é imediato, gado (Nm 16.28-30).
não gradual. É um evento irregular e naturalmente Conclusão. O próprio Flew não afirmou que seu
não-repetível. É sempre bem-sucedido quando rea- argumento elimina a possibilidade de milagres. Na
lizado por Deus ou uma pessoa que ele capacita. verdade, ele acredita que suas conclusões debilitam
Singular. Hume argumentou que um evento su- seriamente a apologética cristã (v clássica, ap o lo g ética;

postamente sobrenatural não pode apoiar uma rei- h i s t ó r i c a , apoi o g h t i c a ). Se os milagres não podem ser
vindicação religiosa se uma reivindicação contra- identificados como eventos sobrenaturais, não têm
ditória é feita por outro que pode fazer 0 mesmo de valor apologético real. Um evento simplesmente
milagres na Bíblia 590

incomum na natureza não pode provar nada além foi-nos confirmada pelos que a ouviram. Deus também deu
da natureza. Todavia, a apologética cristã pode evi- testemunho dela por meio de sinais, maravilhas, diversos mi-
tar esse problema, quer pressupondo a existência lagres e dons do Espírito Santo distribuídos de acordo com
de Deus quer oferecendo evidência independente a sua vontade.
de milagres para a existência dele. Enquanto houver
um Deus capaz de agir, atos especiais de Deus (mila- Os milagres são a maneira de Deus dar crédito a
gres) são possíveis e identificáveis. A única maneira seus mensageiros. O milagre é ato de Deus que con-
de refutar essa possibilidade é refutar a possibilida- firma que a mensagem é verdadeira, substancia 0
de da existência de Deus. Mas tais tentativas são no- sermão e comprova a Palavra de Deus (v. m il a g r e s ,
toriamente mal-sucedidas e incoerentes (v. Deus, su- VALOR APOLOGÉTICO DOS).

POSTAS REFUTAÇÕES DE). Quando Corá desafiou a autoridade divina de


Além de os milagres poderem confirmar uma rei- Moisés, Deus confirmou Moisés ao abrir a terra para
vindicação da verdade, os milagres bíblicos (v. m il a - engolir Corá (Xm 16). Quando Israel hesitou entre 0
gres naB í b l i a ) cumprem todos os critérios que os deus Baal e lavé, Deus confirmou Elias em lugar dos
tornam apologeticamente valiosos. Como demons- profetas de Baal ao mandar fogo do céu para consumir
trado anteriormente, nenhuma outra religião nem os sacrifícios. Elias havia orado: “ Que hoje fique co-
qualquer reinvindicação da verdade opostas ao cris- nhecido que tu és Deus em Israel e que sou 0 teu
tianismo deram exemplos comprovados de eventos servo e que fiz todas estas coisas por ordem tua”
realmente sobrenaturais (v. C r is t o , d iv in d a d e d e ). Po- (lRs 18.36).
demos concluir que os milagres bíblicos, e somente Em milagres Jesus foi, ao mesmo tempo, confir-
eles, apoiam as reivindicações da verdade de Cristo mado e revelado. O líder religioso Nicodemos disse a
e dos profetas bíblicos. Somente 0 cristianismo é a Jesus: “ Sabemos que ensinas da parte de Deus, pois
religião sobrenaturalmente comprovada (v. r e l ig iõ e s ninguém pode realizar os sinais miraculosos que
m u n d ia is e c r is t ia n is m o ). estás fazendo, se Deus não estiver com ele‫( ״‬Jo 3.2).
Muitas pessoas 0 seguiam porque viam os sinais que
Fontes ele fazia com os doentes (Jo 6.2). João disse sobre 0
A g o s tin h o , A cidade de Deus (21.8). primeiro milagre registrado de Jesus: “ Revelou assim
A . F le w , “ M i r a c l e s ” , ep . a sua glória, e os seus discípulos creram nele” ( Jo 2.11).
N . L . G e is le r , Christian apologetics. João disse que escreveu sobre os milagres de Jesus
‫_ __״‬, Miracles and the modern mind. “para que vocês creiam que Jesus é 0 Cristo, 0 Filho de
C. S. L e w is , Milagres. Deus” (Jo 20.31). Os apóstolos tinham confiança ao
J. L o c k e , Reasonableness o f Christianity. proclamar que “Jesus de Nazaré foi aprovado por Deus
B. R u s s e ll, “What is an agnostic?” , L ook, 1953. diante de vocês por meio de milagres, maravilhas e
R . S w in b u rn e , Miracles. sinais que Deus fez entre vocês por intermédio dele,
Tom As de A q u in o , Suma contra os gentios, Livro 3. como vocês mesmos sabem” .
C. V a n Tu., Defense o f the faith. Os milagres eram as credenciais apostólicas na
B. B. W a r f i e l d , Counterfeit miracles. igreja primitiva. Paulo afirmou que os sinais do ver-
dadeiro apóstolo foram manifestos entre os coríntios
milagres de Jesus. V. m il a g r e s xa B í b l i a . ( 2 C0 12.12). Ele e Barnabé relataram aos apóstolos
“ todos os sinais e maravilhas que, por meio deles,
milagres na Bíblia. No sentido amplo do termo mi- Deus fizera entre os gentios” (At 15.12).
lagre, todo evento causado sobrenaturalmente des- Sinais, prodígios e poder. A Bíblia usa três pa-
crito nas Escrituras é miraculoso. Mas as Escrituras lavras básicas para descrever um milagre: sinal pro-
também usam 0 conceito num sentido mais limita- dígio e poder. Cada uma das palavras tem uma
do e técnico. Em eventos sobrenaturais do passado conotação que revela a idéia completa dos mila-
(e eventos previstos para 0 futuro), um sinal anor- gres bíblicos (v. m il a g r e ).

mal externo confirma uma mensagem de Deus. “Sinal”. Apesar de a palavra hebraica para sinal
Talvez 0 texto definitivo do xt sobre milagres (,ôt) às vezes ser usada para referir-se a coisas natu-
seja Hebreus 2.3,4: rais tais como estrelas (Gn 1.14) ou 0 sábado (Êx 31.13),
ela geralmente tem um significado sobrenatural, algo
Como escaparemos, se negligenciarmos tão grande sal- determinado por Deus com uma mensagem especial
vação? Esta salvação, primeiramente anunciada pelo Senhor, designada a ela (v. m il a g r e s , valor apo lo gético d o s ).
591 milagres na Bíblia

A primeira ocorrência do conceito aparece na (Jz 6.17). Deus respondeu com fogo milagroso que
predição divina dada a Moisés de que Israel seria consumiu a oferta (v. 21). Deus confirmou a si mesmo
liberto do Egito para servir a Deus em Horebe. Deus a Eli por previsões milagrosas sobre a morte de seus
disse: “ Eu estarei com você. Esta é a prova de que filhos (ISm 2.34). Sinais proféticos confirmaram a de-
sou eu que 0 envia” (Êx 3.12). Quando Moisés disse signação do rei Saul por Deus (ISm 10.7, 9). Isaías fez
a Deus: “ E se eles não acreditarem em mim nem previsões como sinais de sua mensagem divina (Is 7.14;
quiserem me ouvir?” (Êx 4.1), 0 Senhor providen- 38.22). Vitórias sobre inimigos foram chamadas‘1sinais”
ciou dois “ sinais” : seu cajado se transformou numa (ISm 14.10). Sinais confirmaram curas (Is 38.7,22) e
serpente (Êx 4.3) e sua mão se tornou leprosa (Êx acompanharam julgamento (Jr 44.29).
4.6). “ Isso é para que eles acreditem que 0 Deus No NT, sinal (sem eion) é usado 77 vezes (48 vezes
dos seus antepassados, 0 Deus de Abraão, 0 Deus nos evangelhos). É ocasionalmente usado para even-
de Isaque, 0 Deus de Jacó, apareceu a você” (4.5). tos comuns, tais como a circuncisão (Rm 4.11), e para
Moisés fez os sinais, e 0 povo creu (4.30,31). Deus um bebê envolvido em faixas (Lc 2.12). Esses sinais
deu outros sinais, — as pragas, como testemunho têm significado divino especial. Geralmente a palavra
aos egípcios: “ E os egípcios saberão que eu sou 0 é reservada para 0 que chamaríamos milagre. É usada
S en h o r, quando eu estender a minha mão contra 0 quando Jesus curou (Jo 6.2; 9.16), transformou água
Egito e tirar de lá relação aos milagres de Cristo (Mt em vinho (Jo 2.11) e ressuscitou os mortos (Jo 11.47).
13.58), ao nascimento virginal de Cristo (Lc 1.35), ao Da mesma forma, os apóstolos fizeram milagres de
derramamento do Espírito Santo em Pentecostes (At cura (At 4.16,30), “grandes sinais e milagres que eram
1.8 ), ao “poder” do evangelho para salvar pecadores realizados” (At. 8.13) e “sinais e maravilhas” (At 14.3;
(Rm 1.16), ao dom especial de milagres ( 1C0 12.10) e 15.12); pois “ muitos maravilhas e sinais eram feitos
ao poder de ressuscitar os mortos (Fp 3.10). A ênfase pelas dos apóstolos” (At 2.43). Até as autoridades ju-
da palavra está no aspecto da en ergização divina do daicas disseram: “ Que faremos com esses homens?
evento milagroso. Todos os que moram em Jerusalém sabem que eles
Repetidamente 0 propósito da ocorrência sobre- realizaram um milagre notório que não podemos
natural é dado como um “sinal” duplo: “ Nisto você negar” (At 4.16).
saberá que eu sou 0 Sen h o r” (Êx 7.17; cf, 9.29-30; 10.1,2) A palavra “sinal” também é usada para 0 milagre
e que esse era “meu povo” (Êx 3.10; cf. 5.1; 6.7; 11.7). mais importante no n t , a ressurreição de Jesus Cristo
Várias afirmações sobre sinais aparecem no con- dos mortos. Jesus disse que sua geração incrédula ve-
texto do livramento de Deus em favor do seu povo, ria 0 sinal “do profeta Jonas” . Como Jonas havia fica-
tirando-o do Egito. Deus reclamou para Moisés no do no ventre do peixe durante três dias e três noites,
deserto, dizendo: “Até quando este povo me tratará “0 Filho do Homem ficará três dias e três noites no
com pouco caso? Até quando se recusará a crer em coração da terra” (Mt 12.39,40). Jesus repetiu essa pre-
mim, apesar de todos os sinais que realizei entre eles?” dição da sua ressurreição quando lhe pediram um
(Nm 14.11; cf. v. 22). Moisés desafiou Israel: “ Pergun- sinal em Mateus 16.1,4. Além de a ressurreição ser um
tem, agora, aos tempos antigos [...] ou que um deus milagre, ela também transmitia uma mensagem de
decidiu tirar uma nação do meio de outra para lhe Deus (Jo 2.19).
pertencer, com provas, sinais, maravilhas e lutas” (Dt “P rodígio.” Muitas vezes as palavras sinais e p ro-
4.32,34). Moisés lembrou 0 povo: “O Senhor realizou, dígios são usadas juntas no at para os mesmos even-
diante dos nossos olhos, sinais e maravilhas grandio- tos (Êx 7.3; cf. Dt 4.34; 7.19; 13.1,2; 26.8; 28.46; 29.3;
sas e terríveis contra0 Egito e contra 0 faraó e toda a 34.11; Ne 9.10; SI 135.9; Jr 32.20,21). Outras vezes a
sua família” (Dt 6.22). “ Por isso 0 Senhor nos tirou do Bíblia descreve como “ prodígios” eventos que são
Egito com mão poderosa e braço forte, com feitos descritos em outras passagens como “sinais” (Êx 4.21;
temíveis e com sinais e maravilhas” (Dt 26.8; cf. 29.2,3; 1 1.9,10; SI 78.43; 105.27; Jl 2.30). Às vezes a palavra é
Js 24.17; Ne 9.10; SI 105.27; Jr 32.20,21). usada para um “sinal” natural (Ez 24.24) ou um coisa
Em todo 0 at Deus realiza “sinais” miraculosos. singular que um profeta fez para deixar clara a sua
Sinais confirmam profeta como porta-voz de Deus. mensagem (Is 20.3). A palavra p rod íg io ( m ô fét) ge-
Como foi observado, Moisés recebeu credenciais ralmente tem significado sobrenatural (divino).
miraculosas (Êxodo 3 e 4). Gideão pediu a Deus: “dá- A palavra grega teras significa “ um sinal mira-
me um sinal de que és tu que está falando comigo” culoso, prodígio, portento, presságio, m aravilha”
milagres na Bíblia 592

(Brown, 2.633). Ela carrega consigo a idéia daquilo povo de Deus ( “ prodígio") para a Palavra de Deus
que é maravilhoso ou surpreendente (ibid., 623-5). (por meio de um ^sinaF’).
Em 16das 17 ocorrências no n t , a palavra "prodígios” Os propósitos do milagre são:
é usada juntamente com a palavra “ sinal” . Ela des-
creve os milagres de Jesus ( Jo 4.48; At 2.22), os mila- 1. Glorificar ã natureza de Deus (Jo 2.11; 11.40);
gres dos apóstolos (At 2.43; 14.3; 15.12; Rm 15.19; Hb 2. confirmar certas pessoas como mensageiras
2.3,4), os milagres de Estevão (At 6 .8 ) e os milagres de Deus (At 2.22; Hb 2.3,4); e
de Moisés no Egito (At 7.36). Ela conota eventos so- 3. dar evidência para a crença em Deus (Jo
brenaturais antes da segunda vinda de Cristo 6.2,14; 20.30,31).
(Mt 24.24; Mc 13.22; At 2.19).
“Poder” “ Poder” (Kôah) às vezes é usado para po- Nem todas as testemunhas do milagre crêem nele.
der humano no a t (Gn 31.6; Dt 8.17; Na 2.1). Mas geral- Nesse caso, 0 milagre é um testemunho contra os que
mente é usado para poder divino, inclusive 0 poder rejeitam essa evidência. João lamentou: “!Mesmo de-
criador de Deus: Foi Deus quem fez a terra com 0 seu pois que Jesus fez todos aqueles sinais miraculosos,
poder” (Jr 10.12; 27.5; 32.17; 51.15). O “poder” de Deus não creram nele’ (Jo 12.37). O próprio Jesus disse so-
vence seus inimigos (Êx 15.6,7), livra seu povo do Egi- bre algumas pessoas: “ Tampouco se deixarão conven-
to (Nm 14.17; cf.v. 13), governa 0 universo (lC r 29.12), cer, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos”
dá a Israel sua terra (SI 111.6) e inspira os profetas (Lc 16.31). Um resultado, mas não 0 propósito, dos
(Mq 3.8). De modo geral, 0 poder está diretamente milagres é a condenação do incrédulo (v. Jo 12.31,37).
ligado a eventos chamados “sinais” ou “prodígios” , ou
aambos (Êx9.16;32.11;Dt4.37;2Rs 17.36;Ne 1.10).Às R e f e r ê n c i a s b íb lic a s a m ila g r e s . Cerca de 250
vezes palavras hebraicas que denotam poder são usa- ocorrências nas Escrituras preenchem a defini-
das no mesmo versículo com “ sinais e prodígios” . ção restrita de sinal, prodígio e poder. Como mui-
Moisés fala do livramento de Israel “com provas, si- tas passagens referem-se a atos sobrenaturais
nais, maravilhas e lutas, com mão poderosa e braço múltiplos, 0 numero de eventos miraculosos re-
forte” (Dt. 4.34; cf. 7.19; 26.8; 34.12). ais é maior que 0 número de referências relacio-
“ Poder” (dynamis) às vezes é usado no xt para nadas. Além disso, a Bíblia geralmente refere-se a
referir-se a poder humano ( 2 C0 1.8 ), a capacidades eventos singulares que combinam vários milagres.
humanas (Mt 25.15) ou a poderes demoníacos (Lc. Dez leprosos foram curados (Lc 17.12-14), assim
10.19; Rm. 8.38). Como seu equivalente no at ,o termo como todos ou a maioria dos doentes numa cidade
do x t geralmente é traduzido como “ milagres” . (Mt9.35).
Dunamis é usado em combinação com “sinais e ma-
ravilhas” (Hb 2.4), com relação aos milagres de Cristo Gênesis
(Mt 13.58), ao nascimento virginal de Cristo (Lc 1.35),
1 Criação de todas as coisas.
ao derramamento do Espírito Santo em Pentecostes
5.19-24 Trasladação de Enoque para
(At 1.8), ao “poder” do evangelho de salvar pecadores
(Rm 1.16), ao dom especial de milagres ( 1C0 12.10) e
estar com Deus.

ao poder de ressuscitar os mortos (Fp 3.10). A ênfase 7.9-12,1 7-24 Dilúvio.


da palavra está no aspecto da energização divina do
11.1,5-9 Julgamento na Torre de Babel.
evento milagroso.
Natureza bíblica do milagre. As três palavras que as 12.10-20; 17.15-19; Pragas sobre faraó por tomar
Escrituras usam para descrever milagre ajudam a deli- 18.10-14 a esposa de Abraão.
near 0 significado dos milagres mais precisamente. Cada
19.9-11 Soclomitas acometidos de
uma das três palavras para eventos sobrenaturais
cegueira.
{sinal prodígio, poder) descreve um aspecto do mila-
gre. Do ponto de vista humano, 0 milagre é um evento 19.15-29 Sodoma e Gomorra destruídas.
incomum (“prodígio” ) que transmite e confirma uma
mensagem incomum ( “ sinal” ) por meio de poder 19.24-26 Esposa de ló transformada em sal.

incomum (“poder” ). Do ponto de vista divino, 0 mi- 21.24-26 Sara concebe Isaque.
lagre é ato de Deus (“poder” ) que atrai a atenção do
593 milagres na Bíblia

Êxodo 17.8 O cajado de Arão floresce.


20.7-11 Moisés fere a rocha para obter
3.1-15 A sarça ardente.
O cajado de Moisés é transformado água.
4.1-5
em serpente e restaurado. A cura por meio da serpente de
21.6-9
bronze.
Mão de Moisés se torna leprosa
4.6,7
é restaurada. 22.21-35 A jumenta de Balaão fala.
O cajado de Arão é transformado Josué
7.10-12 em serpente, que engole as serpen- 3.14-17 As águas do Jordão são divididas.
tes dos magos. O encontro de Josué com o ser
5.13-15
7.19-24 Água transformada em sangue. angelical.
8.5-7; 12, 1 A praga dos sapos no Egito. 6 A queda de Jericó.

8.16-18 A praga dos piolhos no Egito. 10.12-14 O sol de detém em Gibeão.


8.20-24 A praga das moscas no Egito. Juizes
9.1-7 O gado egípcio morre de doença.
2.1-5 OAnjo do S e n h o r aparece a
9.8-11 Úlceras nos egípcios e seus Israel.
animais. Espírito do S e n h o r vem sobre
3.8-11
9.22-26 Tempestade de trovão, granizo Otoniel.
e fogo. Sangar mata seicentos com uma
3.31
10.3-19 A praga de gafanhotos no Egito. aguilhada de bois.
6.11-24 O Anjo do S e n h o r aparece a
10.21-23 A praga de trevas cobre os
Gideão.
egípcios.
6.36-40 O sinal da lã de Gideão.
12.29,30 Os primogênitos humanos e de 7.15-25 Deus entrega Midiã nas mãos de
animais do Egito são mortos. Gideão.
A coluna de fogo guia Israel. 13.3-21 O Anjo do S e n h o r aparece a
13.21,22
Manoá.
14.19,20 O Anjo protege Israel dos
14.5,6 Sansão mata o leão.
egípcios.
15.14-17 Sansão mata mil filisteus com uma
14.21-29 O mar é aberto para Israel poder
queixada de jumento.
passar.
16.3 Sansão carrega o portão de
15.23-25 As águas amargas de Mara tornam- uma cidade.
se doces. 16.27-31 Sansão causa a queda do
16.12,13 Codornas cobrem o acampamento templo de Dagom
de Israel.
E providenciado maná para 1 Samuel
16.14,15 Israel comer. 3.2-10 A voz de Deus chama Samuel.
17.5,6 Água é tirada da rocha. 5.1-5 O deus Dagom é derrubado.
17.8-16 A vitória sobre Amaleque.
5.6-12 Asdode é ferida com tumores.
19.16-18 Fogo e fumaça cobrem o 6.19 Deus fere homens de Bete-Semes.
monte Sinai.
19.19-25 Deus fala com Moisés no Sinai. 2 Samuel
20.1-17 Deus dá a lei 6.6,7 Uzá morre depois de tocar na arca.
Levítico 1 Reis
9.23,24 Fogo consome o holocausto.
3.3-28 Deus dá a Salomão grande sabedoria.
10.1-7 Julgamento de Nadabe e Abiú.
Números 1 7.1 A seca de três anos julga Israel.
11. 1,2 Fogo consome os israelitas 17.2-6 Corvos alimentam Elias.
murmuradores
1 7.8-1 6 Uma viúva recebe farinha e óleo.
1 2 .1 0 - 1 5 Miriã fica leprosa e é curada.
1 7.1 7-24 Elias ressuscita o filho da viúva.
16.28-33 Julgamento de Corá e dos rebeldes.
1 8.1 7-38 Fogo consome o sacrifício de Elias
16.35 Fogo consome os rebeldes que
no monte Carmelo.
ofereceram incenso.
16.46-48 Praga impedida pela oferta
46- 8.41 ‫ן‬ Elias ora e Deus manda chuva.
de incenso.
milagres na Bíblia 594

19.5-8 Elias é alimentado pelo anjo do 5.5 A escrita na parede.


S en h o r . 6.1 6-23 Daniel é salvo dos leões.
7.1— 8.14 As visões de Daniel.
2Reis
9.20-27 Visões de Daniel das setenta
1.9-15 Fogo do céu consome soldados.
semanas.
2.7,8 Elias abre as águas do Jordão.
10.1— 12.1 3 Outras visões de Daniel.
2.11 Elias é levado ao céu em carruagem
de fogo.
)onas
2.13,14 Eliseu abre as águas do Jordão.
2.19-22 Eliseu abre as águas em Jericó. 1.4-16 A tempestade divina
2.24 Os jovens mortos por ursas. impede a fuga de Jonas.
3.15-20 As covas ficam cheias de água. 1.17 O grande peixe enviado por
4.1-7 As vasilhas da viúva ficam cheias de Deus engole Jonas.
óleo. 4.6 A planta cresce para fazer
4.8-17 Mulher sunamita dá à luz um filho. sombra para Jonas.
Eliseu ressuscita um morto. 4.7 O verme destrói a planta.
4.32-37
4.8 Deus envia vento oriental.
Eliseu torna comestível a comida
4.38-41
venenosa.
Uma centena é alimentada com
4.42-44 Mateus Marcos Lucas João Descrição
pães e grãos.

5.1-14 Naamã é curado da lepra.


2.1-11 Água transforma‫־‬
5.27 Geazi é julgado com lepra. da em vinho.
6.5-7 O machado de ferro flutua na água.
A visão de cavalos e carruagens de 4.46 O filho do nobre
6.16,17 fogo. é curado.
O exército sírio é atingido por
Jesus escapa da
6.18 cegueira. 4.30
multidão.

6.19,20 Deus abre os olhos dos sírios. 5.6 Pescaria farta.


1.23 4.33 O espírito
Um homem morto ressuscita pelo
13.20,21 imundo é
contato com os ossos de Eliseu.
expulso.
20.9-11 O relógio de sol de Acaz retrocede.
8.14 1.30 4.38 Sogra de Pedro
Jó é curada.

Deus fala do meio de um


38— 42.6 8.16 1.32 4.40 Doentes são
redemoinho
curados
Isaías
8.2 1.40 5.12 Um leproso é
Visão de Isaías com relação a
1.1 curado.
Jerusalém.
9.2 2.3 5.1 8 Um coxo é
6 Visão do S en h o r por Isáias.
curado.
Ezequiel 5.9 Um homem
Ezequiel tem uma visão da enfermo é
1
glória de Deus. curado.
A mão seca é
Daniel 12.9 3.1 6.6
restaurada.
2.26-45 Daniel relata e interpreta o sonho
12.15 3.10 Doentes são
de Nabucodofornalha.
curados.
3.14-30 O livramento da fornalha

4 O juízo e a restauração de
Nabucodonosor.
595 milagres na Bíblia

7.11 O filho da viúva A moeda na


17.24
é ressuscitado. boca do peixe.

8.5 7.1 O servo do cen-


turião é curado. 9j A cego de nas-
cença é curado.
7.11 O Filho da viúva
é ressuscitado. Um surdo-mudo
11.14
endemoninhado
O demônio é é curado.
12.22
expulso do cego
13.11 A mulher enfer-
mundo
ma é curada.

8.23 4.35 3.22 A tempestade é 14.1-4 O homem hidró-


cessada pico é curado.

3.26 11.43 Lázaro é ressus-


| 8.28 5.1 Demonios
citado.
expulsos entram
nos porcos. 17.11 Dez leprosos
são purificados.
9-18- 5.22-35 8.40-49 A filha de 20.30 10.46 Dois cegos são
18.35
23 um líder curados.
é ressuscitada. 21.18 11.12 A figueira seca.
22.51 Orelha do servo
9.20 5.25 8.43 A mulher com
é restaurada.
hemorragia é
28 16.1-8 24 20 Jesus ressuscita
curada.
dos mortos.
Cegos são
Um anjo rola a
9.27 curados. 28.1-7
pedra e
Demônio é
9.32 anuncia a
expulso do
ressurreição.
surdo-mudo.
14.13 6.30 9.10 6-1 Cinco mil são 28.5-8 16.5-7 24.4-8 Um anjo apa‫־‬
alimentados. rece no túmulo.
14.25 6.48 6.19 Jesus anda 20.11-13. Anjos aparecem
sobre a agua. a Maria.

14.36 6.56 Doentes são 16.9 20 14 17 ^esus aParece a


curados em MariaMadalena.
Genesaré.
Jesus aparece
28.9,10
15.21 7.24 Filha de um para mulheres.
gentio é curada.
16.12 24.13‫־‬ Jesus aparece
7.31
Um surdo-mudo 35 no caminho
é curado. para Emaús.

15.32 8.1 I Quatro mil são 20 19-23 Jesus aparece


| alimentados. para dez.

16.14 ‫־‬ 24.36■ 20.26- Jesus aparece


Um cego e para-
8.22 3‫ן‬ para os onze.
! líticoé curado. 18 48
1 tc Jesus aparece
Transfiguração para sete.
17.1-8 9.2-8 9.28-36
de Jesus.
21-6 Pesca milagrosa.
M enino
!17.14 9.17 9.38
epléptico 28.16- 16.15- Jesus aparece
é curado. 20 18 aos apóstolos
milagres na Bíblia 596

Atos 6.13 As estrela^ caem do céu.


1.3-5 Jesus aparece e rala com os apóstolos 6.14 As montanhas são movidas de seu
(Lc 24.49-51). lugar.
1.6-9 Jesus ascende ao céu. Saraiva, togo e sangue caem na
8.7
1.10,11 Anjos aparecem para os apóstolos.
terra.
2.1-4 O Espírito Santo enche os apóstolos.
8.8 Unia montanha é lançada no mar. Um
2.4-13 Os apóstolos talam em outras línguas.
Pedro cura o coxo no templo. terço do mar se transforma em sangue.
3.1-11
Ananias e Safira morrem. 8.9 Um terço das criaturas do mar morre.
5.5-10
5.12 Sinais e prodígios dos apóstolos. 8.9 Um terço dos navios é destruído.
5.18-20 Os apóstolos são libertos da prisão. 8.10,11 Uma estrela cai e um terço dos rios
7.55,56 Estêvão vê Jesus com Deus. e fontes fica amargo.
8.7 Espíritos impuros expulsos. Um terço do sol escurece.
8.12
8.13 Filipe taz milagres e sinais. Um terço da lua escurece.
8.1 2
8.14-17 Os samaritanos recebem 0 Espírito
8.12 Um terço das estrelas escurece.
Santo.
9.1 Uma estrela cai do céu.
8.39,40 Filipe é arrebatado pelo Espírito Santo.
9.2 O Sol é escurecido por fumaça do
9.3-7 Jesus aparece para Saulo (v. 1Co 15.8).
Jesus aparece para Ananias. abismo.
9.10-16
9.17-19 A visão de Saulo é restaurada. 9.3-11 Praga de gafanhotos.
9.32-34 Pedro cura Enéas. 9.18 Um terço da humanidade morre.
9.36-42 Dorcas é ressuscitada dos mortos. 11.5 As duas testemunhas destroem ini-
10.1-8 Cornélio recebe uma visão. migos com fogo de suas bocas.
10.9-16 Pedro recebe uma visão três vezes. As duas testemunhas impedem a
11.6
10.44-48 Uma família gentílica recebe o Espírito
ch uva.
Santo.
11.6 As duas testemunhas transformam
12.7-10 Um anjo liberta Pedro da prisão.
água em sangue.
12,23 Um anjo mata Herodes.
Elimas, o mágico, fica cego. 11.6 As duas testemunhas invocam pragas.
13.8-11
14.8-10 Paulo cura o aleijado de Listra. 11.11 As duas testemunhas ressuscitam.
16.16-18 Paulo expulsa o demônio de uma jovem. 11.12 As duas testemunhas ascendem ao
16.25,26 Um terremoto abre as portas da prisão. céu.
18.9,10 Paulo recebe uma visão. 11.13 Um terremoto destrói um décimo
19.6 Crentes efésios recebem o Espírito da cidade.
Santo.
11.19 Relâmpagos, vozes, trovão,
19.11,12 Paulo faz sinais incomuns.
terremoto e granizo.
20.9-1 2 Êutico é restaurado à vida.
16.2 Úlceras naqueles que adoram a besta.
23.11 Paulo recebe visão.
Paulo protegido da mordida de 16.3 O mar se transforma em sangue, e
28.3-6
uma víbora. tudo nele morre.
28.7,8 Paulo cura o pai de Públio. 16.4 Os rios e as fontes de água se transfor-
mam em sangue.
ICoríntios
16.8 O sol queima as pessoas.
15.6 Jesus aparece a quinhentas pessoas.
16.10 As trevas cobrem o reino da besta.
15.7 Jesus aparece para Tiago.
16.12 O rio Eufrates seca.
2Coríntios
16.18 Vozes, trovão e terremoto.
12.1-6 Visão do céu concedida a Paulo.
16.20 Ilhas e montanhas são destruídos.
Apocalipse
16.21 Pedras caem sobre as pessoas.
1.1— 3.22 Visão de Jesus concedida a João.
18.1 -24 A Babilônia é derrubada.
4.1— 22.21 Visão cio futuro concedida a João.
19.11-16 Jesus Cristo retorna.
6.12 O grande terremoto.
O sol escurece. 21.1 O novo céu e a nova terra aparecem.
6.12
6.12 A lua fica como sangue. 21.10 A nova Jerusalém desce.
597 milagres na Bíblia

M ilagres do a t . Críticos negativos da Bíblia negam a É baseada numa visão equivocada de mito. A re-
autenticidade de todos os milagres na Bíblia. Essa con- jeição de Lewis aos milagres do ATé baseada numa
clusão não é baseada numa abordagem histórica, mas visão infundada de mito (v. m il a g r e s , m ito e ). Segundo
numa abordagem filosófica baseada em pressuposi- Lewis, a verdade aparece primeiro como mito e de-
ções anti-sobrenaturais. Há bons fundamentos para pois como história. Na verdade, 0 inverso é 0 verda-
aceitar a autenticidade dos milagres do n t . No entanto, deiro, principalmente com relação a histórias pagãs
até alguns defensores dos milagres do n t têm questio- em que deuses aparecem na terra, morrem e depois
nado a autenticidade de alguns relatos do a t . reaparecem em forma corporal. Foi demonstrado que
Num livro muito popular em defesa da possibili- esses mitos pagãos provavelmente copiaram a morte
dade de milagres em geral e dos milagres do x t par- e ressurreição de Cristo, em vez do contrário (v. d iv i -
ticularmente, 0 próprio apologista C. S. L e w is relega xos, h ist ó r ia s de n a sc im e n t o s ; F r a s e r , J a m e s ; r ess u r r e iç ã o

muitos milagres do at ao âmbito do mito. Em Mila- Além disso,


em r e l ig iõ e s x ã o -c r is t à s , r e iv ix d ic a ç õ e s d e ).

gres, escreveu: não há indicação na Bíblia de que Deus opera de tal


forma. Pelo contrário, a Bíblia condena os mitos (v.
Minha atual posição [...] seria que, assim como, do lado Um 1.3,4; 4.7; 2Tm 4.4). Todo conceito de mito que se
factual, uma longa preparação culmina na encarnação de Deus torna história é emprestado de uma posição crítica
no Homem, do lado documentário averdade aparece primeiro anti-sobrenatural, que 0 próprio Lewis condena (v.,
na forma mítica e depois, por um longo processo de ênfase, por exemplo, God in the dock, cap. 16).
finalmente se encarna na História. Os hebreus, como outros É contrária ao monoteísmo do at. Os milagres do at
povos, tinham mitologia; mas, como eram 0 povo escolhido, se encaixam no conceito monoteísta de Deus que
sua mitologia era a mitologia escolhida. Acredito que as me- permeia todo 0 registro bíblico. O Deus teísta (v. t e ís m o )
é 0 Deus além do mundo que criou 0 mundo. Como
mórias da corte de Davi estão num extremo da escala esão um
esse Deus teísta ama 0 que fez, é compreensível que
pouco menos históricos que são Marcos ouAtos, e que 0 livro
interviesse a favor de criaturas necessitadas. O fato de
de Jonas está no outro extremo (p. 139).
0 at registrar milagres se encaixa perfeitamente em
sua mensagem central (v. m il a g r e s na B í b l ia ).
Não há mais razão para rejeitar a autenticidade
É incoerente com 0 registro histórico. As histórias
de milagres no at que para rejeitar milagres no x t . A
de milagres do at são parte do mesmo registro his-
evidência é do mesmo tipo: documentos confiáveis
tórico que os eventos considerados história crono-
escritos por contemporâneos dos eventos. Na ver-
lógico-espacial. Não há nenhuma evidência de que
dade, 0 próprio x t fala de eventos miraculosos do at
quaisquer manuscritos desses textos jamais tenham
como históricos.
existido sem os registros dos milagres. Estão pre-
Evidência geral. Demonstramos, em artigos rela-
sentes sem modificação nos textos mais antigos que
cionados, porque milagres são filosoficamente pos-
possuímos. Além disso, os milagres integram a his-
síveis (v. cosm ológico. a rgu m ento ; m ila g re ; m o ra l em
tória e a mensagem que 0 at transmite. Se remover-
favor da existência de Deus, argum ento; te le o ló g ic o , ar-
mos os eventos milagrosos de Gênesis 1 e 2, a men-
gum ento). 0 Deus pessoal onipotente e bom que criou
sagem sobre 0 Criador desaparecerá. A história de
0 mundo de criaturas pessoais à sua imagem pode
Noé e sua fidelidade numa época de incredulidade
fazer milagres. Ele fará isso se quiser comunicar-se
não faz sentido sem a intervenção de Deus para salvá-
com suas criaturas finitas, pois milagres são parte 10 e destruir 0 mundo com 0 Dilúvio. 0 chamado de
crucial de tal comunicação. Começando com a cria- Israel e 0 livramento do Egito são insignificantes
ção, que é 0 maior de todos os milagres, as Escritu- sem a intervenção sobrenatural de Deus para reali-
ras revelam exatamente esse Deus (v. evolução cósmi- zar essas coisas. Os milagres de Elias, Eliseu e Jonas
ca; k a l a m , argum exto cosm ológico). Evidências histó- são inseparáveis do teor da história que registram.
ricas demonstram persuasivamente que milagres É contrária ao uso do a t no x t . As referências do
ocorreram no x t (v. m ila g re s, arg u m e n to s c o x t r a ). \ t aos milagres do at pressupõem sua natureza his-
Como Deus e 0 plano redentor do a t e x t são os tórica. A criação do mundo não é apenas citada re-
mesmos, há toda razão para esperar que os milagres petidamente no n t, mas os eventos e pessoas envoi-
registrados no at sejam autênticos. vidas também são considerados históricos. Adão e
Evidência específica. A rejeição de Lewis de alguns Eva são mencionados como figuras históricas mui-
milagres do at é incoerente, fundada em pressuposi- tas vezes n0 NT(Mt 19.4; 1 C0 11.8,9; U m 2.13,14).Em
ções falhas, contrárias à evidência histórica, e que não Romanos 5.12 a inferência é inconfundível: por um
estão de acordo com 0 uso do at no x t . só homem entrou 0 pecado no mundo. Em Lucas
M ill, John Stuart 598

3.38, Adão é incluído na genealogia de Jesus. Da mes- ___ , Miracles and the modern mind, Apêndice b
ma forma, Adão é chamado 0 “primeiro homem” C. S. Lewis, God in the dock.
em comparação direta com Cristo, que é 0 “último ___ , Milagres.
Adão” (1 Co 15.45). H. Lockyer, All the miracles in the Bible.
Eventos sobrenaturais no a t são a base para 0
ensinamento do n t . Jesus comparou a verdade de Mill, John Stuart (1806-1873). Adepto da cosmovisão
sua ressurreição com a preservação milagrosa de deumdeus finito (v. fin ito , deismo), com um positivismo
Jonas no ventre de grande peixe, dizendo: “Pois as- lógico que assumiu uma forte posição antimetafísica
sim como Jonas esteve três dias e três noites no ven- (v. Ayer, A. J.). Ele é conhecido por ser 0 pioneiro no
tre do um grande peixe, assim 0 Filho do homem pensamento científico moderno. Criou regras para 0
ficará três dias e três noites no coração da terra” (Mt raciocínio científico indutivo (v, in d u tivo , m étodo) e
12.40). Dado 0 contexto, é inconcebível que Jesus foi uma das fontes do utilitarismo ético. Mill elaborou
quisesse dizer: “Assim como vocês crêem naquele os cânones do pensamento científico indutivo afir-
mito sobre Jonas, quero falar sobre 0 que realmente mados pela primeira vez por Francis Bacon (1561-
acontecerá na minha morte”. Jesus faz uma compa- 1626) em Novum organum (1620).
ração semelhante entre sua volta e 0 Dilúvio (histó- Um Deus pequeno. Mill rejeitou 0 a rg u m e n to
rico), dizendo: “Assim acontecerá na vinda do Filho te le o ló g ic o tradicional exposto por William P a le y . Ra-
do homem” (Mt 24.39). ciocinou que 0 argumento de Paley é baseado na
Jesus referiu-se a vários eventos miraculosos do analogia segundo a qual semelhança em efeito im-
a t como históricos, incluindo-se a criação (Mt 19,4; plica semelhança em causa. Esse tipo de analogia
24.21), os milagres de Elias (Lc 4.26) e as profecias de enfraquece à medida que as diferenças aumentam.
Daniel (Mt 24.15). À luz do uso que Jesus faz dos Relógios implicam relojoeiros somente porque, pela
milagres do a t , não há como desafiar sua autentici- experiência prévia, sabemos que relojoeiros fazem
dade sem impugnar sua integridade. Aceitar 0 n t relógios. Não há nada intrínseco no relógio que exija
como autêntico e ao mesmo tempo rejeitar os mila- a habilidade de um artesão. Da mesma forma, pega-
gres do a t é incoerente. das implicam seres humanos e estrume implica ani-
Resumo. A descrição bíblica de milagres usa três mais porque a experiência prévia nos informa que
palavras principais: poder, prodígio e sinal. Essas pa- essa conexão é apropriada. Não se trata de haver um
lavras designam a fonte (poder de Deus) a natureza projeto intrínseco nos vestígios. Portanto, concluiu
(maravilhosa, incomum), e 0 propósito (revelar algo Mill, 0 argumento de Paley é fraco.
além de si). Milagre é 0 sinal para confirmar 0 ser- Mill ofereceu então 0 que considerava ser a ex-
mão; maravilha para confirmar as palavras do pro- pressão mais forte do argumento teleológico, basea-
feta; milagre para ajudar a estabelecer a mensagem do num “método de concordância” indutivo. Esse ar-
(v. m ila g r e s , v a l o r a p o lo g é tic o d o s ) . gumento foi 0 mais fraco dos métodos indutivos de
Existem centenas de registros de milagres nas Mill, mas ele considerava 0 argumento teleológico a
Escrituras. Os do n t chamam mais nossa atenção forma forte desse tipo de indução. Mill começou com
porque são bem comprovados e revelam Jesus Cris- 0 aspecto orgânico em vez de com 0 aspecto mecâni-
to no seu poder sobre Satanás, as doenças e a morte. co da natureza:
O n t demonstra que 0 poder contínuo de Cristo es-
tava presente na jovem igreja. No entanto, não são I. Há uma incrível concordância de propósi-
mais incríveis ou inacreditáveis que os milagres do to entre os diversos elementos no olho hu-
a t . Na realidade, dada a existência do Deus teísta, mano.
todos os milagres tornam-se possíveis. Como 0 pró- 2. Não é provável que uma seleção aleatória
prio L e w is observou: “Se acreditamos em Deus de- tenha unido esses elementos.
vemos acreditar em milagres? Sem dúvida, sim” (Mi- 3. O método do acordo argumenta a favor de
lagres, p. 109). O maior milagre de todos — a ressur- uma causa comum do olho.
reição de Cristo — ocorre no n t . Se isso é histórico, 4. A causa foi uma causa final (proposital), não
então não há razão para rejeitar os milagres meno- uma causa eficiente (produtiva).
res de Moisés, Elias ou Eliseu.
M ill disse que a evolução biológica, se verda-
Fontes deira, diminui a força até mesmo dessa forma mais
G. L. A r c h e r , Jr., Merece confiança 0 Antigo Testamento? forte do argumento teleológico, pois grande parte
N . L . G e is l e r ,Miracles. do que parece ser criação é atribuído à seleção
599 M ill, John Stuart

natural da evolução (v. Geisler, Philosophy o f religion , uniu nas formas em que aparecem agora. Não fica
p. 177-84). claro que ele tenha poder para alterar qualquer pro-
0 raciocínio de Mill 0 levou a supor um Deus finito: priedade da matéria. Matéria e energia são, portan-
to, eternas. Delas Deus construiu um mundo usando
Um Ser de grande poder, mas poder limitado, como ou pelo os materiais e propriedades disponíveis (p. 178).
que limitado não podemos nem supor; de grande, etalvez ili- Ao supor 0 Deus finito e a matéria eterna, Mill
mitada, inteligência, mas talvez, também, mais estritamente seguiu P la t ã o num dualismo teísta. A criação não é ex
limitada que seu poder; que deseja e se preocupa, de certa for- nihilo (do nada) nem ex deo (de Deus). É ex m ateria
ma, com a felicidade das criaturas, mas que parece ter outras (de matéria preexistente; v. c ria ç ã o , visões da).
motivações de ação com as quais se preocupa mais, eque mal Mill acreditava no universo material que chamou
se pode supor tenha criado 0 universo somente para esse pro- “Natureza” . “Natureza é todo 0 sistema de material, com
pósito (“Nature”, em Three essays on religion [Três ensaios todas as suas propriedades” (p. 64). É “todos os fatos, reais
sobre religião], p. 194; exceto onde anotado, as citações sub- e possíveis” ou“0 modo [...] no qual todas as coisas acon-
seqüentes serão desse ensaio). tecem” (p. 5-6). Já que todas as coisas acontecem de ma‫״‬
neira uniforme, podemos falar de leis da natureza:
Tal descrição limita Deus em poder e bondade.
Podemos inferir a partir da natureza que Deus tem Todos os fenômenos que foram suficientemente exami-
sentimentos benevolentes para com suas criaturas, nados são vistos acontecendo com regularidade, tendo até
certas condições fixas, positivas e negativas, na presença das
mas passar disso para a inferência de que seus únicos ou quais invariavelmente acontecem (ibid.).
principais propósitos são os debenevolência eque 0 único fim
eobjetivo da criação tenha sido afelicidade de suas criaturas não É tarefa da ciência descobrir essas condições.
éapenas injustificado por qualquer evidência, mas também é
M ilagres. Mill acreditava que 0 deus finito é 0 au-
uma conclusão em oposição à evidência que temos” (p. 192).
tor das leis da Natureza e poderia intervir nos assun‫־‬
tos da humanidade, apesar de não haver evidência
A divindade de M ill não pode prever 0 futuro ou
disso. Mill concorda com David H u m e que “0 testemu-
0 que será de seus atos, pois não é onipotente. A
nho da experiência contra milagres é inevitável e
evidência demonstra uma inteligência superior à de
indubitável” (p. 221). Mill toma outra rota para chegar
qualquer ser humano, mas 0 fato de que Deus usa
à conclusão anti-sobrenatural (v. m ilag re; n a tu ra lis-
meios para atingir fins demonstra que ele é limita-
mo). Ele acreditava que uma ocorrência incomum,
do. “Quem apelaria a meios se para atingir seu fim se
mesmo que contrariasse uma lei bem estabelecida, é
sua palavra fosse suficiente?” (p. 177).
apenas a descoberta de outra lei, previamente desco-
Apesar de acreditar que poderiam existir vários
nhecida (p. 221).
criadores, ele preferiu a idéia de que havia apenas
Então quaisquer fenômenos novos que sejam des-
um (ibid., p. 133). Além dos princípios gerais da cri-
ação da natureza, há poucos motivos para crer no cobertos ainda dependem da lei e são sempre repro-
Criador benevolente. A natureza não é direcionada duzidos exatamente quando as circunstâncias são re-
para um fim moral específico, se é que tem um ob- petidas (p. 222). 0 milagre alega sobrepujar leis natu-
jetivo (p. 189). rais, não apenas cancelar uma lei natural com outra.
As limitações de Deus estão nele mesmo, não Tal violação da lei não pode ser aceita. Como Mill tem
são apenas causadas pelo mundo ou outros seres. tanta certeza de que há uma explicação natural para
Ele não pode controlar as qualidades e forças da es- todos os eventos? Ele obtém provas a partir da ausên-
trutura do universo. Os materiais do universo não cia de uma causa sobrenatural para toda experiência
permitem que Deus cumpra completamente seus e da experiência freqüente das causas naturais:
propósitos, ou ele não soube como fazê-lo (p. 186).
C ria çã o. 0 universo não foi criado do nada, se- Os princípios mais comuns do juízo lógico nos proíbem
gundo Mill. “A indicação dada pela evidência exis- supor qualquer efeito como causa do juízo de que não temos
tente indica a criação, não do universo, mas de sua nenhuma experiência, a não ser que todas as causas daquilo de
ordem presente por uma Mente inteligente, cujo po- que temos experiência sejam comprovadas como estando au-
der sobre os materiais não era absoluto” (p. 243). sentes. Mas há poucas coisas das quais temos experiência mais
Na verdade, a natureza não dá razão para supor freqüente do que de fatos físicos que nosso conhecimento não
que a matéria ou a força foram feitas pelo Ser que as nos deixa explicar (p. 229-30).
M ill, John Stuart 600

Nada há, portanto, que exclua a suposição de que 0 maior número. Não há absolutos éticos. Pode haver
todo “milagre” tem uma causa natural e, uma vez que situações em que uma mentira cause mais bem que a
essa suposição é possível, “nenhum homem de juízo verdade. Nosso melhor guia é a experiência, por meio
ordinário e prático suporia uma causa que não tives- da qual podemos desenvolver parâmetros gerais
se razão para supor ser real, exceto a necessidade de ( Utilitarianism [Utilitarismo], cap. 2).
explicar algo que é suficientemente explicado sem D estin o h u m a n o . O ser humano é mente e alma
ela” (p. 231). e também corpo material. Não há evidência, então,
Milagres não podem ser considerados impossí- de que a alma não possa ser imortal. Mas também
veis se há um Deus. Mill acreditava que, “se tivésse- não há evidência a favor da alma imortal (v. im ortali-
mos 0 testemunho direto dos nossos sentidos de um dade). M ill acreditava ser correto que almas não se
fato sobrenatural, ele seria tão completamente auten- tornam “fantasmas‫ ״‬que se intrometem em assuntos
ticado e certificado quanto qualquer fato natural. humanos. Além disso só havia uma esperança (p.
Dependendo desse contato pessoal, os milagres 201, 208-10). De uma coisa tinha certeza:
não têm comprovação histórica e são inválidos como
evidência da revelação (p. 239)” . Se há vida após a morte, nada pode ser mais oposto a qual-
M a l e ética. Uma das evidências mais convincen- quer estimativa que possamos form ar acerca da probabilida-
tes da finitude de Deus é a presença do mal no mundo de do que a idéia com um de que a vida futura seja um estado de
(V. MAL, PROBLEMA D0; FINITO, DEÍSM0; KlJSHNER, HAROLD). recompensas e castigos [v. i n f e r n o ] em qualquer outro sentido
Mill concluiu que, “se 0 criador do mundo pode [fa- além do fato de que as conseqüências de nossas ações sobre
zer] tudo que quer, ele quer a miséria, e não há como nosso próprio caráter e susceptibilidades nos seguirão no fu-
escapar da conclusão” (p. 37). Os homens são enforca- turo, como fizeram no passado e no presente (p. 2 1 0 1 ‫)־‬.
dos por fazer 0 que a Natureza faz ao matar todo ser
que vive. Na maioria das vezes, essa morte acontece Qualquer vida futura simplesmente dará conti-
com tortura. A Natureza tem uma desconsideração nuidade à vida agora. Supor que a morte traga a
total pela misericórdia e justiça, tratando as pessoas separação radical na mudança do modo de nossa
mais nobres e as piores da mesma forma. Tais males existência é contrário a todas as analogias tiradas
são absolutamente incoerentes com um ser todo-po- desta vida. Devemos supor que as mesmas leis da
deroso e todo-bondoso. O melhor que ele poderia natureza existirão.
esperar era uma divindade parcialmente boa com po- Apesar da falta de evidência para a imortalidade,
der limitado (p. 29-30). À luz do mal terrível da Natu- a vida aqui e agora vale a pena, assim como 0 esfor-
reza, seria irracional e imoral usar a lei natural como ço para cultivar a melhoria do caráter (p. 250). Tam-
modelo para ação. O dever humano não é imitar a bém há fundamento para 0 otimismo com relação à
natureza, mas corrigi-la. Alguns aspectos da nature- raça humana:
za podem ser bons, porém “nunca foi estabelecido
por nenhuma doutrina digna de crédito quais de- As condições da existência hum ana são altamente favorá-
partamentos específicos da ordem da natureza de- veis ao crescimento de tal sentimento, visto que um a batalha
vem ser considerados como projetados para nossa é constantem ente travada, na qual a criatura h um ana mais
instrução e orientação moral” (p. 42). De qualquer hum ilde não é incapaz de participar, entre os poderes do bem
forma, é impossível decidir 0 que expressa 0 caráter e do mal, e na qual até a menor ajuda para 0 lado certo tem seu
de Deus na natureza. valor na prom oção do progresso, m uito lento e m uitas vezes
Já que a ética não pode ser baseada na revelação im perceptível, pelo qual 0 bem está gradualm ente conquis-
nem no sobrenatural, obviamente não existem má- tando espaço do mal, mas conquistando tão visivelm ente em
ximas absolutas de moralidade (p. 99). Depois de intervalos consideráveis que garante a vitória final do bem, que
rejeitar absolutos morais (v. m oralidade, n atu reza ab- ainda é bem distante, mas não é incerta (p. 256).
so lu ta d a), M ill criou 0 cálculo utilitário pelo qual a
pessoa é obrigada a fazer 0 que pode para trazer 0 Além de M ill expressar otimismo em relação à
maior bem para 0 maior número de seres no côm- vitória final do bem sobre 0 mal, também acreditava
puto geral das coisas. que os esforços humanos nessa direção certamente
Mill respeitava muito 0 exemplo moral de Jesus se transformariam numa nova religião. Pois
(p. 253-4). Mas com relação à explicação do preceito
áureo cristão, Mill acreditava que 0 utilitarismo era a fazer algo durante a vida, por menos que seja, se nada mais
resposta. Devemos agir para trazer 0 bem maior para for possível, para trazer essa consumação um pouco mais perto,
601 M ill, John Stuart

é 0 pensam ento m ais anim ador e revigorante que pode ins- Deus infinitamente poderoso e perfeito para eliminá-lo.
p irar a criatura h um ana (p. 257). Não se pode sequer saber se há injustiças absolutas sem
conhecer algum Ser absolutamente justo além do mun-
A valiação. V isão in a d e q u a d a d e D eu s. Filoso- do. Apenas um Deus infinitamente poderoso e perfeito
ficamente, um deus finito não é auto-explicativo. Tal pode derrotar 0 mal. Somente um Deus onipotente pode
deus é contrário ao princípio da causalidade que afir- derrotar 0 mal; somente um Deus completamente bom
ma uma causa para todo ser finito. Um deus finito é deseja essa derrota. Um deus finito não será suficiente
apenas uma criatura grande, que precisa de um Cri- (v. MAL, PROBLEMA D0).
ador. Um ser finito é um ser contingente, não-neces- M ill comete um erro categórico ao argumentar
sário. Um ser contingente é 0 que pode não existir. que Deus não é perfeito porque mata de maneira que
Tudo que pode não existir depende, para sua exis-
seria considerada assassinato para os humanos. Deus
tência, de um Ser Necessário, que não pode não existir
é 0 Criador da vida e tem 0 direito de tirar 0 que dá
(v. cosmológico, argu m ento ).
(Dt 32.39; Jó 1.21). Nós não criamos a vida; não temos
Além disso, um deus que não é absolutamente
0 direito de tirá-la. O jardineiro que é soberano sobre
perfeito não é Deus no sentido absoluto. Só é possí-
as flores e arbustos no seu jardim não tem 0 direito de
vel medir sua imperfeição por um padrão absoluto
cortar os que pertencem ao vizinho. Eles pertencem a
de perfeição. Mas a perfeição absoluta é, por defini-
quem os controla. Toda a vida pertence a Deus. Ele
ção, Deus. Assim, se houvesse um deus finito imper-
pode tirá-la, se quiser, sem desobedecer a qualquer lei
feito, ele seria menos que 0 Deus absoluto. Já que 0
moral.
Deus de M ill pratica 0 mal, pode-se dizer que seu
argumento prova melhor a existência do Diabo. De Visão inadequada dos milagres. A rejeição de M ill
qualquer forma, alguém incompletamente bom não aos milagres, bem como a de Flume, é uma petição
é digno de adoração. Por que alguém atribuiria dig- de princípio. M ill baseia a crença em métodos que
nidade absoluta ao que não é absolutamente digno? pressupõem 0 naturalismo (v. m ilag re; m ilagres, ar-
Todo ser finito é criatura, e adorar a criatura é idola- gumentos c o n t r a ). Ele pressupõe que toda exceção à

tria. Ou, nas palavras de Paul T i ll i c h , não se deve lei natural terá automaticamente uma explicação na-
estabelecer compromisso absoluto com algo inferior tural. Se alguém sabe com antecedência que todo
ao Absoluto. Uma criatura parcialmente boa não é evento, por mais incomum, tem uma explicação na-
Absoluta. tural, os milagres são eliminados de antemão. A abor-
Alguns deístas finitos tentam evitar essa crítica dagem de Mill quanto à imortalidade humana igno-
ao supor um Deus limitado em poder, mas não em ra fortes evidências de sua existência.
perfeição. Isso parece arbitrário e ilusório. Como Visão inadequada da ética. O utilitarismo tam-
Deus pode ser infinitamente bom quando é apenas bém é inadequado. Como forma de relativismo, está
um ser finito? Como alguém pode ser mais do que sujeito às críticas contra os relativistas (v. m oralidade,
tem capacidade de ser? Como os atributos de Deus natu reza ab so lu ta da). Como se pode saber que nada é
podem ser estendidos além do que sua natureza per- absoluto sem um padrão absoluto pelo qual medi-
mite? 10? Além disso, para funcionar adequadamente, 0
Por fim, um deus finito não dá garantia de que 0
utilitarismo exige que criaturas finitas saibam 0 que
mal será derrotado. Já que compromisso religioso é
trará 0 bem maior para 0 maior número de pessoas
absoluto, estamos absolutamente comprometidos
no final. Raramente temos certeza do que trará 0
com a causa do bem, que pode não vencer no final.
bem maior, mesmo em curto prazo. Apenas 0 Deus
Um deus finito que não pode garantir vitória real-
infinitamente sábio e bom poderia ser utilitarista. E
mente inspiraria 0 compromisso absoluto? Quantas
Mill não conhece tal Deus.
pessoas realmente farão um compromisso absoluto
para trabalhar em prol de causa sem certeza de vitó-
Fontes
ria? Uma pessoa pode ser inspirada a confessar co-
rajosamente: “ Prefiro perder uma batalha lutando X. L. G h s le r , Ética cristã.

pelo exército que vencerá no final, a ganhar uma ___ , Filosofia da religião.

batalha lutando pelo exército que perderá no final‫״‬. P la t ã o , Timaeus.

Um deus finito não dá segurança para produzir tal J. S. M il l , Λ lógica das ciências morais.
motivação. ___ , Three essays on religion: nature, utility
Visão inadequada do mal. 0 problema do mal o f religion, an d theism.
não elimina Deus ou sua bondade. 0 mal exige um ___ , Utilitarianism.
misticismo 602

m is té rio . O apóstolo Paulo escreveu: “ Não há dúvida acredita que 0 conhecimento intuitivo e imediato
de que é grande 0 mistério da piedade: Deus foi da realidade última é possível.
manisfestado em corpo, justificado no Espírito, vis- Tipos de misticismo. O misticismo pode ser cias-
to pelos anjos, pregado entre as nações, crido no sificado de várias maneiras. Em termos de cosmovisão,
mundo, recebido na glória” (lTm 3.16). ele pode ser dividido em cristão e não-cristão ou
A encarnação é um mistério (v. C r is t o , d iv in d a d e teísta e não-teísta. Há também formas de misticis-
d e ). A T r in d a d e também é. mo na maioria das religiões mundiais. Algumas, tais
O m istério não deve ser confundido com a como 0 ZEX-BUD1SM0, são místicas em si. O objetivo
antinomia ou 0 paradoxo, que envolve uma contra- aqui é se 0 misticismo tem algum valor apologético.
dição lógica (v. l ó g i c a ) . O mistério vai além d a ra z ã o , Isto é, a experiência mística ajuda a estabelecer a
mas não con tra a razão. Não há contradição, embo- verdade do sistema de crença da pessoa que a vive?
ra não tenhamos compreensão total. A natureza da experiência mística. Experiências
Além disso, 0 mistério não é algo que possa ser religiosas são notoriamente difíceis de definir.
alcançado pela razão humana sem ajuda (v. f é e r a - Friedrich S c h l e ie r m a c h e r disse que a religião é 0 senti-
zAo). O mistério é conhecido apenas pela revelação mento de dependência absoluta do Todo. Paul T i ll ic h
divina especial (v. r e v e l a ç ã o e s p e c ia l ). Logo, mistéri- definiu religião como 0 compromisso absoluto. Nos-
os não são 0 sujeito da t e o lo g ia n a t u r a l , mas apenas sa análise concluiu que é a percepção de alguma for-
da teologia revelada. ma de Outro transcendente (v. Geisler, Philosophy of
Outra característica do mistério é que, apesar de religion [Filosofia d a religião]).
sabermos qu e ambos os elementos que compõem 0 Uma ex p eriên cia religiosa particu lar. Experiên-
mistério são verdadeiros e compatíveis, não sabe- cias religiosas são de dois tipos básicos: gerais e es-
mos com o são compatíveis. Por exemplo, sabemos pecíficas. A primeira está disponível a todas as pes-
q u e Cristo é Deus e humano, mas é um mistério soas, e a segunda, apenas para algumas pessoas. A
com o essas duas naturezas se unem numa pessoa. primeira é pública e a segunda é particular. Experi-
Finalmente, 0 mistério é distinto do problema. O ências místicas são particulares por natureza. Isso
problema tem solu ção; 0 mistério é objeto de m edita- não significa que os outros não possam ter experi-
ç.ão. O problema exige conhecimento extensivo; 0 mis- ências semelhantes. Só significa que a experiência é
tério, concentração intensiva. Como os quadradinhos singular para quem a teve. E 0 público não tem tais
em branco nas palavras cruzadas, 0 problema pode experiências a qualquer hora.
ser resolvido com mais conhecimento; 0 mistério não. Uma experiên cia religiosa focalizad a. Algumas for-
Se pudesse, não seria mistério. Mistérios não exigem mas de percepção são gerais e outras, específicas. Por
respostas, mas sim discernim ento. exemplo, a percepção de estar casado é uma experi-
ência geral que a pessoa tem 0 tempo todo. Mas a
Fontes percepção de se casar é uma experiência especial que
N . L . G e isi e r e R . B r o o k s , When skeptics ask. a pessoa só tem durante a cerimônia. A experiência
G. M arcel, The m ystery o f being. mística é mais que isso. É a percepção focalizada e
T o m á s m: A q u in o , S u m a contra os gentios. intensificada do Supremo, ao passo que a experiência
religiosa geral é como a percepção contínua e geral de
m is té r io , re lig iõ e s de. V. a p ó c r if o s do Novo T e s t a - Schleiermacher de ser dependente do Supremo.
m e n t o ; g n o s t ic is m o ; m il a g r e , m it o e ; m it r a ís m o ; m ito lo - Uma ex p e riê n c ia intuitiva. Experiências místi-
g ia E0 Novo T e s t a m e n t o ; r e s s u r r e iç ã o em r e l ig iõ e s n ã o - cas de Deus não são cognitivas. Não são mediadas
c r is t ã s , r e iv in d ic a ç õ e s d e . por conceitos ou idéias. Pelo contrário, são imedia-
tas e intuitivas. São contatos diretos com Deus. Como
m is tic is m o . Fundo histórico. A palavra m isticism o tal, não são discursivas. Não envolvem processos de
é derivada da palavra grega m ustikos, que significa raciocínio.
alguém iniciado nos mistérios. Posteriormente, foi Uma ex p eriên cia inefável. Apesar de muitos mís-
usada em círculos cristãos como a parte da teologia ticos tentarem descrever sua experiência, a maioria
que acredita na comunhão direta da alma com Deus. logo diz que palavras são inadequadas para expressá-
No contexto panteísta (v. p a n t e ís m o ), geralmente 0 la. Muitos admitem que só podem dizer 0 que ela
indivíduo místico é alguém que busca por meio de não é. Todas as tentativas positivas são puramente
contemplação e entrega ser absorvido pelo Supremo; metafóricas, alegóricas ou simbólicas. Ela pode ser
na filosofia, refere-se com feqüência a alguém que vivida, mas não descrita (v. P lo t in o ).
603 misticismo

0 valor ap olo g ético d as ex p eriên cias m ísticas. Ο E xperiências místicas p o d em ser m al-interpretaãas.
misticismo tem valor. Como W illiam Jam es obser- Não há aqui nenhuma tentativa de negar que algumas
vou, indica um estado além do puramente empírico pessoas têm experiências místicas. F. não negamos
e racional. Na realidade, formas cristãs de misticis- que elas possam achar que tais experiências são au-
mo, tais como a de Meister Eckhart, foram aceitas tênticas. Nem desafiamos 0 fato de que possa lhes
por muitos cristãos ortodoxos. parecer que elas têm sua explicação.
No entanto, nossa preocupação aqui é com a rei- Apenas argumenta-se que não há evidência dis-
vindicação dos místicos quanto à veracidade ine- so. Experiências semelhantes de pessoas de
rente de suas experiências místicas. Eles insistem cosmovisões diferentes (v. cosmoyisao) parecem vin-
em que elas são tão básicas quanto percepções sen- dicar as próprias cosmovisões ou sistemas religio-
soriais, sendo um tipo de percepção espiritual. Ou- sos. Todavia, esse fato demonstra que não há auten-
tros desafiam essa argumentação e oferecem várias ticação, já que opostos não podem ser verdadeiros.
razões para rejeitar qualquer valor que tenham tais Em resumo, tais experiências não se auto-identifi-
experiências. cam e, portanto, podem ser erroneam ente
E x p eriên cias m ísticas n ã o au ten tica m a si m es- identificadas por aqueles que as têm.
mas. Embora não seja necessário negar que há esta- O m is tic is m o le v a a o a g n o s t i c i s m o . Como a mai-
dos mentais transcognitivos, geralmente os místi- oria dos místicos admite, eles só têm 0 conheci-
cos afirmam que tais experiências autenticam a si mento negativo. Isto é, sabem apenas 0 que Deus
próprias. Isso parece ser uma confusão de duas coi- não é. Mas não têm conhecimento positivo do que
sas. As experiências podem ser autenticadoras para Deus é, certamente não num sentido cognitivo. Em
a pessoa que as tem, mas não autenticam a si mes- resumo, são agnósticos religiosos, ou acognósticos
mas. Só autentica a si mesmo, como nos prim eiros (v. ACOGNOSTICIS.MO). Podem crer em Deus e senti-lo,
princípios auto-evidentes, 0 que pode ser conhecido mas não têm conhecimento positivo do que acredi-
pela investigação dos termos da proposição. Por tam ou do que sentem. Reconhecem um reino mís-
exemplo: “ Todos os triângulos são figuras de três tico, mas, como Ludwig W ittg e n s te in , não devem fa-
lados” é auto-evidente porque 0 predicado diz exa- lar sobre ele. Há pelo menos dois problemas sérios
tamente 0 que 0 sujeito diz. Mas não há tal seme- com essa posição.
lhança numa experiência mística com Deus. Primeiro, 0 conhecimento puramente negativo é
/I experiên cia m ística n ão é objetiva. Os próprios impossível. Não se pode conhecer 0 que Não É sem
místicos admitem que as experiências que têm não conhecer 0 que É. Da mesma forma, não se pode saber
são públicas, mas particulares. Então, são subjetivas, como Deus não é sem saber como ele é. Segundo,
e não objetivas. Experiências subjetivas, no entanto, desde que a religião, pelo menos no sentido teísta,
têm validade apenas para 0 sujeito que as vive. Como envolve uma relação pessoal com Deus, é difícil en-
W illiam James mencionou em sua obra clássica tender como a pessoa pode tê-la se não conhece ne-
Varieties o f religious experien ce [V ariedades d e expe- nhuma das qualidades do Amado. Nesse sentido, 0
riência religiosa], experiências místicas não têm au- comentário do ateu Ludwig Feuerbach é adequado:
toridade sobre as pessoas que não as vivem. “Somente quando 0 homem perde 0 gosto pela reli-
E xperiên cias m ísticas n ão sã o verificáveis. Já que gião, e a religião em si torna-se assim existência insí-
experiências místicas não têm u m a base objetiva, pida, é que a existência de Deus se torna uma existên-
também não podem ser testadas. Sendo subjetivas cia insípida — uma existência sem qualidades”
por natureza, não há teste objetivo para elas. Logo, (Feuerbach, p. 15).
estão totalmente relacionadas aos indivíduos que as
têm. Por isso, não há maneira de aplicar validamente Fontes
a outros 0 que 0 sujeito experimenta. D. K. C l a r k , The pantheism of Alan Watts.
E xperiências místicas se anulam . Quando uma ex- D. C la r k e X . L. G a n n , Apologetics in the New Age.

periência mística é usada para apoiar a reivindicação \V. Cordian , “A hair’s breadth from pantheism:
da verdade do sistema de crença de quem a viveu, isso meister Eckhart’s God-centerd spirituality” ,
não tem valor pela simples razão de que pessoas com .‫־‬£75 3 7 ) 1994 (

sistemas de crença diferentes têm experiências mís- M. E c k h a r t , Meister Eckhart, trad. Raymond B.
ticas. Mas se 0 mesmo tipo de evidência é usado para Blakney.
apoiar crenças opostas, ela anula a si mesma. A evi- L. F e u e r b a c h , The essence of Christianity.
dência deve ser singular para uma pessoa em contras- X . L. G e is i .hr , Christian apologetics (cap. 6).

te com outra, de modo a validar uma, e não a outra. X . L. G k is i .er e W . C o rd u a n , Philosophy of religion
mitologia e 0 Novo Testamento 604

(Parte Um). como prova milagrosa. Finalmente, eventos semelhan-


S. Hackf.tt, Orientalphilosophy. tes são conhecidos por mitologia (ibid., p. 39,40).
G. W. F. Hfwi., F e n o tn e n o lo g ia d o espirito. Já que a ressurreição não é evento da história no
Γ). I.. Johnson,Λ reasoned look ,11 Asian ‫׳‬v/y/c.‫; ״‬,-. tempo e 110 espaço, e evento da história subjetiva. É 0
R. O t t o , Mysticism: east and west. evento da te 110 coração dos primeiros discípulos.
Pi.nmo, Enneads. Como tal, não esta suieita à verificação histórica obje-
1) .T . S u z u k i, Introdução 1:0 :en-budismo. tiva ou à falsificação. Cristo ressuscitou do túmulo de
F. Sen Af-UFi-R, The God who is there. José apenas na fe do coração dos discípulos.
0 argument(! de Bultmann pode ser assim
mito, mitologia. V. a p ó c r if o s ; J h sfs, s e m i n á r i o ; m i i .a -
resumido:
g r f s , m it o e ; m it r a i s m o ; N ad H a m m a d i; q , Hv a n o efh o dr;

RESSURREIÇÃO FM REEIG1ÕES N Ã O - e R M A S , R EIV INDICAÇÕES DE.


1. Mitos são, por natureza, mais que verdades
objetivas; são verdades transcendentes da fé.
mitologia e o Novo Testamento. A base da argu-
2. Mas 0 que não e objetivo não pode ser parte
mentação da alta crítica é a teoria de que grande
de um mundo verificável de espaço e tempo.
parte da descrição de Jesus e de seus ensinamentos
3. Logo, milagres (mitos) não são parte do mun-
no nt evoluiu com 0 passar do tempo no contexto
do objetivo de espaço e tempo.
social e nos meandros teológicos da igreja primiti-
va. Jesus, 0 homem, perdeu-se na lenda e no mito,
A valiação. Várias obieções foram oferecidas ao
enterrado sob reivindicações sobrenaturais como 0
nascimento virginal, milagres e a ressurreição (v. rp .s - naturalismo mitológico de Bultmann.
s u r r e iç à o , ev id ê n c ia s d a ). Por trás desses eventos esta-
Basicamente, a desmitificação é baseada em pe-
vam os padrões dos deuses gregos e romanos. Além los menos duas suposições não comprovadas. Pri-
dos ateus e céticos, alguns teólogos do n t têm feito meiro, milagres não são históricos. Segundo, mila-
tais acusações. Rudolf B u it m a n n esteve à frente desse gres podem acontecer 110 mundo sem ser do mun-
ponto de vista sobre 0 n t . Ele insistiu em que os do. A teoria de Bultmann é dogmática e inverificável.
registros religiosos deviam ser “desmitificados” , ou Ele não tem base evidenciai para suas afirmações.
despojados da sua “casca” mitológica para chegar ao Ainda assim, contraria a evidência avassaladora a
“cerne” existencial da verdade. favor da autenticidade dos documentos do n t e da
N a tu ra lis m o d e s m it ific a d o d e B u lt m a n n . Na confiabilidade das testemunhas (v. Novo T e s t a m e n t o ,
base do pensamento de Bultmann está sua teoria de i i i s t o r i c i i u p f no). Na verdade, sua posição é direta-

que 0 cristianismo surgiu da cosmovisão pré-cien- mente contrária à afirmação de Pedro, um dos auto-
tífica de um universo de três níveis: a terra está no res do vi‫־‬, de que não estava pregando “ fábulas enge-
centro dessa cosmovisão, com Deus e os anjos no nhosamente inventadas” (2Pe 1.16). Na realidade, ele
céu acima, e 0 submundo abaixo. 0 mundo material e os outros apóstolos eram testemunhas oculares.
sofria ação de forças sobrenaturais de cima e de João disse 0 mesmo 110 começo e 110 final de seu
baixo, que intervinham nos pensamentos e ações evangelho (1.1-3; 21.24).
dos homens (Bult-mann, p. 1). Os documentos do n t
0 NT não pertence ao gênero literário da mitolo-
deviam ser despojados de sua estrutura mitológica,
gia. C. S. L e w is , autor de contos, observou que “0 dr.
pois a ciência tornara a cosmovisão sobrenaturalista
Bultmann jamais escreveu um evangelho” . Lewis per-
obsoleta. A aceitação cega do n t sacrificaria 0 inte-
gunta:“A experiência de sua culta [...] vida realmen-
lecto para assumir 11a religiáo a cosmovisão que ne-
te lhe deu algum poder de ler as mentes das pessoas
gamos no cotidiano (ibid., p. 3, 4). A única maneira
[que escreveram os evangelhos J mortas há muito tem-
honesta de recitar os credos é eliminar a estrutura
po?” . C01110 autor vivo, Lewis em geral considerava
mitológica da verdade neles contida.
Bultmann proclamou com ousadia que a ressur- seus críticos errados quando tentavam ler sua mente.
reição não é um evento da história passada, “pois 0 Acrescenta;
fato histórico que envolve a ressurreição dos mor-
tos é totalmente inconcebível” (Bultmann, p. 38-9). Os“ resultados garantidos da erudição moderna” ,quantoà

Ressuscitar um cadáver não é possível. A historicidade maneira em que um livro antigo foi escrito, são“garantidos” ,pode-
objetiva da ressurreição não pode ser verificada, não se concluir, apenas porque os homens que conheciam os fatos
importa quantas testemunhas sejam citadas. A res- estão mortos e não podem expor as falácias dos intérpretes (Lewis,
surreiçào é questão de fé. Isso em si a desqualifica Christum reflections [Reflexões cristãs], p. 161 -3).
605 mitologia e o Novo Testamento

E v id ê n c ia a fa v o r do N ovo T estam ento. Outros observar que foi nos dias de “César Augusto” (Lc 2.1)
artigos demonstram que 0 n t foi escrito por con- que Jesus nasceu e mais tarde batizou-se “no décimo
temporãneos e testemunhas oculares dos eventos (v. quinto ano do reinado de Tibério César, quando Pôncio
Lc 1.1-4). Não resultou de desenvolvimento posteri- Pilatos era governador da judéia; Herodes, tetrarca da
or de lenda (v. B í b i i a , c r i t i c a d e ; m i t o l o g i a l 0 Novo Galiléia [...] Anás e Caifás exerciam 0 sumo sacerdó-
T e s t a m e n t o ; Novo T e s t a m e n t o , d a t a ç ã o d o ; Now! T e n t a - cio” (Lc 3.1,2).
μ η ν ro, m a n u s c r i t o s d o ). O artigo m i l a g r e s , μ π ο e apre- Sexto, nenhum mito grego ou romano tala da
senta as análises a seguir em maiores detalhes. encarnação literal de um Deus monoteísta em for-
Alguns livros do ni surgiram durante a vida das ma humana (v. Jo 1.1-3, 14) por meio de um nasci-
testemunhas oculares e de contemporâneos. Lucas m ln 10 v ir g in a l literal (Mt 1.18-25), seguido pela mor-
foi escrito por volta de 60, apenas 27 anos após a te e ressurreição física. Os gregos acreditavam na
morte de Jesus, antes de Atos, em 60-62 d.C (v. Hemer, re k n c a rn a ç a o num corpo mortal diferente; os cris-
todo 0 livro). Primeira aos Coríntios foi escrita por tãos do NT acreditavam na ressurreição do mesmo
volta de 55-56, apenas 22 ou 23 anos após a morte de corpo físico imortalizado (v. Lc 24.37). Os gregos
Jesus (v. 1 C0 15.6-8). Até 0 teólogo radical do n t , John eram politeístas (v.P0L1TEfsM0),nã0 monoteístas,como
A. T. Robinson, data registros básicos dos evange- eram os cristãos do nt.
lhos entre 40 e 60 (v. Robinson). Histórias de deuses gregos tornando-se huma-
Dado 0 fato de que partes dos evangelho e outros nos por meio de eventos milagrosos como um nas-
livros cruciais do n t foram escritos antes de 70 d.C, cimento virginal não foram anteriores, e sim poste-
não há tempo ou maneira de uma lenda se desenvol- riores a época de Cristo (Yamauchi). Logo, se existe
ver enquanto testemunhas oculares ainda estejam vi- alguma influência de uma coisa sobre a outra é a
vas para refutar a história. Uma lenda leva tempo e/ou
influência do evento histórico do n t sobre a mitolo-
distância para se desenvolver, e nenhum dos dois es-
gia, não 0 inverso.
tava disponível. O historiador A. N. Sherwin-White
C o n clu sã o . Os registros do nt não demonstram
chama a teoria mitológica do n t de “ inacreditável”
nenhum sinal de desenvolvimento mitológico. Na
(Sherwin-White, p. 189). Outros observaram que as
verdade, os eventos milagrosos são cercados por re-
obras de Heródoto nos capacitam a determinar a
ferências históricas de pessoas, lugares e épocas re-
velocidade em que lendas se desenvolvem. Duas ge-
ais. Os documentos do nt são antigos demais, nume-
rações é muito pouco tempo para tendências lendá-
rosos demais e precisos demais para serem acusa-
rias eliminarem 0 fato histórico (Craig, p. 101). Julius
dos de apresentar mitos. Apenas um preconceito
Müller (1805-1898) desafiou teólogos de sua época a
anti-sobrenatural injustificado poderia ser a base
produzir um exemplo sequer de que em uma gera-
de qualquer conclusão ao contrário (v. milagres, ar-
ção um mito tenha se desenvolvido num contexto
(íumhntoscomra).
em que os elementos mais proeminentes são mitos
(Müller, p. 29). Nenhum foi encontrado.
Fontes
As histórias do n t não demonstram sinais de
R. Bi 1.7 \i \nn, K erygm a an d m yth: a th eological debate.
serem mitológicas. Lewis comenta que os registros
W. Ca 111. , The sou ri/ei.
são diretos e simples, escritos de forma histórica, e
não artística, por judeus rigorosos e sem atrativos,
N. L Ghm 1 1 ■, M iracles a n d the m o d e m m ind, ca p . 6 .
R. Gr.im \1 kí, The virgin birth: d octrin e o f deity.
que não conheciam a riqueza mitológica do mun-
C . ). H : κ. The h o ok o f Acts in the setting o f Hellenic
do pagão à sua volta (Lewis, M ilagres, p. 236).“ Tudo
history
que sou na vida privada é um crítico literário e
J ‫׳‬.‫ '׳‬í in ‫ ׳‬Μ \k: : r, D ialogue with T rypho,cap.M .
historiador, esse é meu trabalho” , disse Lewis. “ E es-
tou preparado para dizer com base nisso que, se al- C. S. Lrv. λ , Christian reflections.
, C ristianism o p u ro e sim ples.
guém pensa que os evangelhos são lendas ou ro-
mances, essa pessoa está apenas demonstrando sua , M ilagres.

incompetência como crítico literário. Já li muitos I. ( 1. M .v :!in . The virgin birth o f Christ.

romances e conheço muito bem as lendas que sur- 1. M . 1: h■·;. The theory o f myths, in its application to

giram entre povos antigos, e sei muito bem que os the G ospel history ex am in ed a n d conf uted.

evangelhos não são esse tipo de coisa” (C h ris tia n R. X ‫־‬.Ή , Christianity a n d the H ellenistic world.
reflections [Reflexões cristãs], p. 209). I. A. T. R' ■pínmjn, R edatin g the New Testament.
Pessoas, lugares e eventos que cercam as historias A. N. rk\\-Wm tt,R o m a n society a n d rom an law
do evangelho são históricos. Lucas se esforça para in the A t 'it‫ ׳‬Testament.
mitraísmo 606

1
E . YA.\:.\ v H :.” Ea$ter — M y t h , h a llu c in a tio n , or “A lei e os Profetas profetizaram até João. Desse
hi st or y?"’,·15) " ‫ ״‬M a r. Ι9 Γ 4 ; 29 M a r. 1 9 Γ 4 ‫־‬. tempo em diante estão sendo pregadas as boas no-
vas do Reino de Deus, e todos tentam forçar sua
mitraísmo. Alguns críticos contemporâneos do cris- entrada nele. É mas fácil os céus e a terra desapare-
tianismo argumentam que essa religião não é base- cerem do que cair da Lei 0 menor traço” (Lc 16.16,17).
ada na revelação divina, mas foi emprestada das re- O cristianismo de Paulo e de Jesus é bom conhe-
ligiões de mistério, tais como 0 mitraísmo. O autor cedor do judaísmo e está completamente alheio às
muçulmano Yousuf Saleem Chishti atribui doutri- seitas de mistério. Paulo escreveu aos romanos: “ Por-
nas como a divindade de Cristo e a expiação a que 0 fim da lei é Cristo, para a justificação de todo
ensinamentos pagãos do apóstolo Paulo e a doutri- 0 que crê” (Rm 10.4). Ele acrescentou aos colossenses:
na da T r i x d a d f . a invenções pagãs dos pais da igreja. “Ninguém os julgue pelo que vocês comem ou be-
Teoria d a f o n t e p a g ã . Chishti tenta demonstrar bem, ou com relação a alguma festividade religiosa
a vasta influência das religiões de mistério sobre 0 ou à celebração das luas novas ou dos dias de sába-
cristianismo: do. Estas coisas são sombras do que haveria de vir; a
realidade,porém, encontra-se em Cristo” (Cl 2.16,17).
A doutrina cristã da expiação foi altamente influenciada O cristianism o ensinou qu e os seres h u m an os são
pelas religiões de mistério, principalmente 0 mitraísmo, que pecadores. Tanto Paulo quanto Jesus ensinaram que
tinha seu filho de Deus e Mãe virgem, crucificação eressurrei- os seres humanos são pecadores. Jesus declarou: “Eu
ção após a expiação dos pecados dahumanidade e, finalmente, lhes asseguro que todos os pecados e blasfêmias dos
sua ascensão ao sétimo céu. homens lhes serão perdoados” (Mc 3.28). Ele acres-
centou em João: “Eu lhes disse que vocês morrerão
em seus pecados. Se vocês não crerem que Eu Sou
Ele acrescenta:
[aquele que afirmo ser], de fato morrerão em seus
pecados” (Jo 8.24).
Quemestudar os ensinamentos do mitraísmo juntamen-
Paulo declarou que todos os seres humanos são
te comos do cristianismo, certamente se surpreenderá com a
pecadores, insistindo em que “todos pecaram e estão
afinidade que évisível entre eles, tanto que muitos críticos são
destituídos da glória de Deus” (Rm 3.23). Ele acres-
obrigados a concluir que 0 cristianismo é0 fac-símile ou a se-
centou em Efésios: “ Vocês estavam mortos em suas
gunda edição do mitraísmo (Chishti, p. 87).
transgressões e pecados” (Ef 2.1). Na verdade, parte
da própria definição do evangelho era que “ Cristo
Chishti descreve algumas semelhanças entre
morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras”
Cristo e Mitra: Mitra foi considerado 0 filho de Deus,
( 1 C 0 15.3).
foi um salvador e nasceu de uma virgem, teve doze
O cristianism o ensinou qu e a ex p ia çã o d e sangue
discípulos, foi crucificado, ressuscitou dos mortos
era necessária. Tanto Jesus quanto Paulo insistiram
no terceiro dia, expiou os pecados da humanidade e
em que 0 sangue derramado de Cristo era necessá-
voltou para seu pai no céu (ibid., p. 87-8).
rio como expiação pelos nossos pecados (v. C r i s t o ,
A valiação. Um leitura honesta dos dados do n t
m orte de). Jesus proclamou: “ Pois nem mesmo o Fi-
demonstra que Paulo não ensinou uma nova religião
lho do homem veio para ser servido, mas para servir
nem baseou-se em mitologia existente. As pedras fun-
e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10.45).
damentais do cristianismo são tiradas claramente do Ele acrescentou na Última Ceia: “ Isto é 0 meu san-
a t , do judaísmo em geral e da vida de uma persona-
gue da aliança, que é derramado em favor de muitos,
gem histórica chamada Jesus. para perdão de pecados” (Alt 26.28).
Ji,sus e a origem da religião d e Paulo. Um estudo Paulo também é enfático. Afirmou que em Cris-
cuidadoso das epístolas e dos evangelhos revela que to “temos a redenção por meio de seu sangue, 0 per-
a fonte dos ensinamentos de Paulo sobre a salvação dão dos pecados, de acordo com as riquezas da gra-
era 0 a t e os ensinamentos de Jesus. Uma compara- ça de Deus” (Ef 1.7). Em Romanos, acrescentou: “Mas
ção simples dos ensinamentos de Jesus e Paulo de- Deus demonstra seu amor por nós: Cristo morreu
monstrará isso. em nosso favor quando ainda éramos pecadores”
A m bos ensinaram que 0 cristianismo cum pria 0 ju - (5.8). Referindo-se à Páscoa do a t , ele disse: “Cristo,
dais mo. Paulo, como Jesus, ensinou que 0 cristianismo nosso Cordeiro pascal, foi sacrificado” ( 1 C0 5.7).
era um cumprimento do judaísmo. Jesus declarou: “Não O cristianism o en fatizou a ressurreição d e Cristo.
pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim Jesus e Paulo também ensinaram que a morte e 0
abolir, mas cumprir” (Mt 5.17). Jesus acrescentou: sepultamento de Jesus foram completados por sua
607 mitraísmo

ressurreição corporal (v. r e s s u r r e iç ã o , e v id ê n c ia s d a ; Origem d a T r i n d a d e . A doutrina cristã da Trinda-


Jesus disse: “ Está es-
r e s s u r r e iç ã o , n a tu r e za f ísic a d a ). de não tem origem pagã. As religiões pagãs eram
crito que 0 Cristo haveria de sofrer e ressuscitar dos p o l i t e í s t a s e p a n t e í s t a s , mas os trinitários são

mortos no terceiro dia” (Lc 24.46). Jesus fez um de- monoteístas ( v .t e ís m o ). Os trinitários não são triteístas
safio: “ Destruam este templo, e eu 0 levanterei em que acreditam em três deuses separados; eles são
três dias [...] Mas 0 templo do qual ele falava era 0 monoteístas que acreditam num Deus manifesto em
seu corpo” (Jo 2.19,21). três pessoas distintas.
Depois de ter ressuscitado dos mortos, seus dis- Embora 0 termo T r i n d a d e ou sua fórmula espe-
cípulos lembraram-se do que ele disse. Então cre- cífica não apareçam na Bíblia, ele expressa fielmen-
ram nas Escrituras e nas palavras que Jesus havia te todos os dados bíblicos. Uma compreensão preci-
dito (Jo 2.22; cf. 20.25-29). sa do desenvolvimento histórico e teológico dessa
O apóstolo Paulo também enfatizou a necessida- doutrina ilustra de forma ampla que foi exatamente
de da ressurreição para a salvação. Aos romanos es- por causa dos perigos do paganismo que 0 Concilio
creveu: “Ele [Jesus] foi entregue à morte por nossos de Nicéia formulou a doutrina ortodoxa da Trinda‫־‬
pecados e ressuscitado para nossa justificação” (Rm de. Para um tratamento breve da história dessa dou‫־‬
4.25). Na verdade, Paulo insistiu em que a crença na trina, v. E. Calvin Beisner, God in three persons [Deus
ressurreição era essencial para a salvação, ao escre- em três pessoas]. Dois clássicos nessa área são G. L.
ver: “ Se você confessar com a sua boca que Jesus é Prestige, God in patristic thought \Deus no pensa-
Senhor e crer em seu coração que Deus 0 ressusci- mento patrístico] e J. X. D. Kelly, Doutrinas centrais
tou dentre os mortos, será salvo” (Rm 10.9). da fé cristã.
O cristianismo ensinou que a salvação épela gra- M itra ísm o e cristia n ism o . Com base nisso é evi-
ça mediante a fé. Jesus afirmou que todas as pessoas dente que 0 cristianismo se originou do judaísmo e
precisam da graça de Deus. Os discípulos de Jesus dos ensinamentos de Jesus. É igualmente evidente
lhe disseram: ‘“Neste caso, quem pode ser salvo?” . que ele não se originou do mitraísmo. As descrições
Jesus olhou para eles e respondeu: ‘Para 0 homem é de Chishti dessa religião são infundadas. Na verdade
impossível, inas para Deus todas as coisas são possí- ele não dá referência para as semelhanças que alega.
veis’” (!Alt 19.25,26). Em todo 0 evangelho de João Ao contrário do cristianismo (v. Novo T e s ta m e n io ,
Jesus apresentou apenas uma maneira de obter a u 1 s t o r ic id a d e ),o mitraísmo é baseado em mitos. Ronald

salvação graciosa de Deus: “Quem crê no Filho tem a Nash, autor de Christianity and the Hellenistic world
vida eterna” (3.36; v. 3.16; 5.24; Mc 1.15). [O cristianismo e 0 mundo Helênistico], escreve:
Paulo ensinou a salvação pela graça mediante
a fé, afirmando: “ Pois vocês são salvos pela graça, O que sabemos com certeza é que 0 mitraísmo, tal como
por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de seus competidores entre as religiões de mistérios, tinha 11111
Deus; não por obras para que ninguém se glorie” mito básico. Mitra supostamente nasceu quando emergiu
(E f 2.8,9; v. Tt 3.5-7). Ele acrescentou aos roma- de uma rocha; estava carregando uma faca e uma tocha e
nos: “ Todavia, àquele que não trabalha, mas con- usando um chapéu frígio. Lutou primeiro contra 0 Sol e
fia em Deus, que justifica 0 ímpio, sua fé lhe é cre- depois contra um touro primevo, considerado o primeiro
ditada como justiça” (4.5). ato da criação. Mitra matou 0 touro, que então se tornou a
Uma comparação dos ensinamentos de Jesus e Pau- base da vida para a raça humana (Nash, p. 144).
10 sobre salvação revela claramente que não há base
para especular sobre qualquer fonte dos ensinamentos O cristianismo afirma a morte física e ressurrei-
de Paulo além dos de Jesus. O cristianismo baseou-se ção corporal de Cristo. O mitraísmo, como outras
no judaísmo, não no mitraísmo. Na realidade, a men- religiões pagãs, não tem ressurreição corporal. O au-
sagem de Paulo acerca do evangelho foi examinada e tor grego Esquilo resume a visão grega: “Quando a
aprovada pelos apóstolos originais (G11e 2), demons- terra tiver bebido 0 sangue de um homem, depois
trando 0 reconhecimento oficial de que sua mensa- de morto, não há ressurreição". Ele usa a mesma
gem não se opunha à de Jesus (v. Habermas, p. 67-72). palavra grega para “ ressurreição” , anastasis, que
A acusação de que Paulo corrompeu a mensagem Paulo usa em 1 Coríntios 15 (Esquilo, Eumenidcs, p.
original de Jesus foi respondida há muito tempo por J. 647). Nash observa:
Gresham M a c h e n na sua obra clássica The origin ot
Paul's religion [A origem da religião de Paulo] e por F. Alegações dadependênciacristã primitiva do mitraísmo fo-
F. B r u c e em Paul and Jesus [Paulo e Jesus]. ramrejeitadas por várias razões. Omitraísmo não temconceito
molinismo 608

da morte e ressurreição de seu deus nem lugar para qualquer co-eternas na Trindade (v. t r :n d a d e ). O s modalistas afir-
conceito de renascimento — pelo menos durante seus pri- mam que Deus apenas se manifesta de três modos ou
meiros estágios [...] Durante os primeiros estágios da seita, a formas em ocasiões diferentes. Infelizmente, algu-
idéia de renascimento seria estranha à sua visão básica [...] mas ilustrações usadas por trinitários tendem ao
Além disso, 0 mitraísmo era basicamente uma seita militar. conceito modalista de Deus. Por exemplo, os
Portanto, é preciso ser cético com relação a sugestões de que modalistas afirmam que Deus é como a água, que
tenha atraído civis como primeiros cristãos (ibid. I. pode se manifestar num dos três estados diferentes
em ocasiões diferentes: líquido, gasoso ou sólido.
O m it r a ís m o flo re s c e u d e p o is do c r is t ia n is m o , Há ilustrações mais apropriadas para 0 trini-
n ã o a n te s, lo g o 0 c r is tia n is m o n ão p o d e ria te r copi- tarismo. Elas demonstram que Deus é simultanea-
ado 0 m it r a ís m o . A c ro n o lo g ia está to ta lm e n te erra- mente uma pluralidade na unidade, já que são três
d a , e p o r isso n ão h á c o m o 0 m it r a ís m o p o s s a te r pessoas distintas em uma natureza eterna. Deus é
in flu e n c ia d o 0 d e s e n v o lv im e n to d o c ris tia n is m o n o como um triângulo (sua natureza), que tem três ân-
sé cu lo i (ib id ., 147; v. m itolo g ia f. 0 Novo Testam ento). gulos (suas pessoas). Nessa ilustração 0 três e 0 um
Conclusão. Todas as alegações de dependência são simultâneos, não sucessivos. Sem três lados não
cristã para com religiões gnósticas (v. gnosticism o) e há triângulo. Além disso, cada ângulo difere dos ou-
de mistério (v. N a g Ham m adi, evangelhos d e) foram tros, mas todos compartilham a natureza do triân-
rejeitadas pelos especialistas em estudos bíblicos e guio. Ou ainda Deus é como 1‫( ־‬l'x 1 x 1 = 1). Aqui
também há três e um ao mesmo tempo. Não é um
clássicos (ibid., p. 119). O caráter histórico do cristi-
manifesto em três ocasiões diferentes de três ma-
anismo e a data antiga dos documentos do n t não
neiras diferentes.
oferecem tempo suficiente para desenvolvimentos
No modalismo, há uma pessoa na divindade. Nesse
mitológicos. E há uma falta absoluta de evidência
caso, 0 modalismo é como 0 monoteísmo tradicional
antiga para apoiar tais idéias. O teólogo britânico
do islamismo, e não como 0 teísmo trinitário. Na Trin-
Norman Anderson explica:
dade, três pessoas distintas se unem em uma natureza
eterna.
A diferença básica entre 0 cristianismo e as religiões de
Tanto 0 trinitarismo quanto 0 modalismo dife-
mistério é a base histórica de um e 0 caráter mitológico das
rem do triteísmo, que afirma existirem três deuses
outras. As divindades das religiões de mistério eram apenas
(1 + 1+ 1 = 3). Essa é uma forma de po i i t e í s m o . Como
“ figuras nebulosas de um passado imaginário” , enquanto 0
0 trinitarismo, apresenta três pessoas diferentes, mas,
Cristo que 0 kerygma apostólico proclamou viveu e morreu
ao contrário do trinitarismo, acredita que cada um
poucos anos antes dos primeiros documentos do n t serem
dos três seres separados é um deus, com natureza
escritos. Mesmo quando 0 apóstolo Paulo escreveu sua pri- individual. Os trinitários ortodoxos acreditam que
meira carta aos coríntios, a maioria das cerca de quinhentas Deus tem uma única natureza, mas que três pessoas
testemunhas da ressurreição ainda estava viva (Anderson, p. distintas, co-eternas e iguais compartilham essa
52-3). mesma natureza (v. bibliografia do artigo T r in d a d e ).

Fontes m olinism o. O molinismo é uma doutrina da relação


N . A n d e rso n , C hristianity a n d w orld religions. entre a graça de Deus e 0 livre-arbítrio humano, ori-
E . C .B e e s n e r, G od in three persons. ginada pelo jesuíta espanhol Luís de Molina (1535-
F. F. B ru c e , Paul a n d Jesus. 1600). Molina afirmou que Deus tem um tipo espe-
Y. S.Chishti, W hat is C hristianity? ciai de presciència dos atos humanos livres, que ser-
G. H a b e rm a s , The verdict o f history. ve como base do gracioso dom divino da salvação. O
J. N . D. K e l l y , D outrinas centrais d a fé cristã. molinismo foi amplamente adotado pelos jesuítas e
J. G. M a c h e x , The origin o f P a u l’s religion. confrontado pelos dominicanos. Após 0 exame de
R . N ash, C hristianity a n d the H ellenistic world. uma congregação especial em Roma (1598-1607),
G. L. P r e s tig e , G od in patristic thought. ambas as doutrinas foram permitidas nas escolas
H . R id d e rb o s , Paul a n d Jesus. católicas.
Exposição do molinismo. Segundo 0 molinismo,
modalismo. 0 modalismo é uma doutrina não-orto- Deus tem três tipos de conhecimento: natural, mé-
doxa ou herética acerca de Deus, que nega a doutrina dio e livre (Craig, The only wise God [O único e sábio
trinitária ortodoxa de que há três pessoas distintas e D eus], p. 131).
609 molinismo

Conhecimento natural é 0 conhecimento de Deus Evitando 0fatalismo. Um quarto argumento é que


de todos os mundos possíveis. Esse conhecimento é 0 conhecimento médio é a única maneira de evitar
essencial para Deus. Preocupa-se com 0 necessário 0 fatalismo. O fatalismo teológico afirma que todas
e 0 possível. as coisas são necessariamente predeterminadas, in-
Conhecimento livre é 0 conhecimento que Deus elusive 0 que chamamos “atos livres” . No entanto, se
tem deste mundo real. Após um ato livre de sua von- somos realmente livres, algumas coisas não aconte-
tade, Deus sabe essas coisas de forma absoluta, mas cem necessariamente, mas contingentemente, con-
tal conhecimento não é essencial a Deus. forme escolhas livres. Porém, se alguns eventos são
Conhecimento médio ou scientia media é carae- contingentes, 0 conhecimento de Deus sobre eles
terístico do molinismo. Deus não pode saber os fu- não pode ser necessário. Deus deve saber 0 que se
turos atos livres assim como sabe outras coisas. Deus decidirá livremente que ocorrerá.
sabe algumas coisas absolutamente, mas atos livres Além disso, os molinistas vêem grandes benefíci-
futuros são conhecidos apenas contingentemente os na sua doutrina para a explicação da predestinação,
“ Deus, a partir de uma compreensão muito profun- providência de Deus, dos problemas do mal (v. m a l ,
da e inescrutável de toda vontade livre na sua essên- p r o b l e m a d o ) e até do i n f e r n o . “ No momento lógico
cia, intuiu 0 que cada um, segundo sua liberdade anterior à criação, Deus não tinha idéia de como
inata, faria se colocado nessa ou naquela condição” muitos seriam salvos e muitos perdidos” , segundo um
(Garrigou-Lagrange, The one God [O Deus único], p. defensor do molinismo (Craig, ibid., p. 145-6). Com
460; V. LIVRE-A RBÍTRI0). relação à predestinação,
Ao contrário do conhecimento natural, esse co-
nhecimento médio ou intermediário é de certa for- 0 próprio ato de selecionar um mundo para ser criado é um
ma dependente do que criaturas livres decidem fa-
tipo de predestinação. A pessoa neste mundo que Deus sabia
zer. A onisciência de Deus “espera” para ver 0 que
que responderia certamente responderá e será salva [...] Éclaro
uma criatura livre faz “antes” de selecionar aqueles
que, se rejeitássemos sua graça, 0 conhecimento médio de Deus
que serão salvos. Como Deus é eterno, a seqüência é
seria diferente [... ] Quanto aos incrédulos, a única razão por que
apenas lógica, não cronológica.
não foram predestinados é que rejeitaramlivremente a graça de
Argumentos a favor do conhecimento médio. Argu-
Deus (ibid., p. 136).
mento das três circunstâncias. Um argumento a favor
da scientia media é que há três tipos de conhecimen-
O custo de ter determinado número de eleitos é
to em Deus, porque há três circunstâncias possíveis.
ter um número determinado que se perderá. Deus
Entre 0 meramente possível e 0 necessário existe 0
ordenou as coisas providencialmente para que aque-
contingente (livre). Como Deus conhece todas as cir-
les que estão perdidos de qualquer forma não esco-
cunstâncias futuras, conclui-se que deve conhecê-las
lhessem a Cristo (ibid., p. 148,150).
na forma em que existem (3). Futuros atos livres são
Argumentos bíblicos a favor do molinismo. Argu-
contingentes. Deus deve conhecer futuros atos livres
mentos bíblicos a favor do molinismo são baseados
por meio de um conhecimento intermediário que
em passagens tais como 1 Samuel 23.6-13 e Mateus
não é nem necessário nem meramente possível, mas
é contingente, segundo a maneira que as criaturas 11.20-24. Deus sabia que, se Davi permanecesse na
livres escolherão. cidade, Saul viria para matá-lo. Assim, se as respos-
Argumento da ordem do conhecimento. Logicamente, tas de Deus por meio da estola sacerdotal forem con-
um evento deve ocorrer antes de poder ser verdadeiro. sideradas simples presciência, seu conhecimento terá
Ele deve ser verdadeiro antes de Deus poder saber que sido falso. O que foi previsto não aconteceu. Apenas
é verdadeiro. Deus não pode considerá-lo verdadeiro seriam verdadeiras as respostas que fossem consi-
antes que seja verdadeiro. Logo, Deus deve esperar (do deradas algo certo de acontecer sob circunstâncias
ponto de vista lógico) a ocorrência dos atos livres antes livremente escolhidas. Isso indicaria que Deus tem
de poder saber que são verdadeiros. conhecimento contingente sobre elas. Em Mateus
Argumento da natureza da verdade. A verdade 11, Jesus afirma que as cidades antigas que mencio-
corresponde à realidade. Deus não pode considerar na teriam se arrependido se tivessem visto os mila-
nada verdadeiro, a não ser que já tenha ocorrido. gres de Jesus. Mas isso faz sentido apenas se 0 co-
Como futuros atos livres ainda não ocorreram, 0 nhecimento de Deus fosse contingente em relação
conhecimento de Deus sobre eles depende de sua ao que elas teriam feito.
ocorrência. Como sua ocorrência é contingente, 0 R esu m o . O molinismo supõe que Deus deve “es-
O '

conhecimento de Deus sobre elas é contingente. perar” para saber que as coisas são verdadeiras. Mas
molinismo 610

Deus é eterno, e uma perspectiva eterna conhece as O fato de Deus saber 0 que as pessoas teriam
coisas “antes” de ocorrerem no tempo. Deus conhe- feito sob condições diferentes não é incoerente com
ce as coisas na eternidade, não no tempo. Todas as 0 fato de seu conhecimento ser necessário. Ele ape-
coisas preexistem na Causa suprema (Deus). Então nas sabia necessariamente 0 que teria acontecido se
Deus sabe coisas nele mesmo desde a eternidade. as pessoas tivessem feito escolhas diferentes.
Ele não precisa “esperar” para saber. A valiação. Tomistas e calvinistas tém-se oposto
A verdade é correspondente à realidade. Mas a rea- firmemente ao molinismo, iugando-o uma negação
lidade à qual 0 conhecimento de Deus corresponde é da independência e da graça de Deus.
sua própria natureza, pela qual ele conhece eterna e Segundo 0 tomismo, Deus é Realidade Pura; nele
necessariamente todas as coisas da forma que não há potencial passivo (v. a n a l o g ia , p r i n c i p i o d a ;
preexistem nele. O conhecimento de Deus não é de- A r is t ó t e l e s ; D ‫־‬1‫־‬s, n a t u r e z a d e ; T o m a s d e A q l t n o ). Se
pendente da espera para que 0 efeito ocorra no tempo. Deus tivesse potencial, ele precisaria de uma causa.
O efeito preexiste eminentemente na causa, logo Deus Como é a Causa suprema de todas as coisas, Deus
sabe todas as coisas que acontecerão perfeitamente nele não tem potencial (v. D e c s , n a t u r e z a d e ) . Se 0
mesmo “antes” que elas aconteçam no tempo. molinismo estiver correto, Deus é 0 recipiente pas-
O conhecim ento de Deus não é contingente. O co- sivo do conhecimento dos atos livres. O “conheci-
nhecimento de Deus não é dependente das condi- mento médio” de Deus é dependente de eventos que
ções do objeto conhecido. Se 0 que Deus sabe é con- realmente ocorrem. O grande “ Eu Sou” torna-se 0
tingente, então ele deve sabê-lo contingentemente. “ Eu Posso Ser” . Isso implica uma passividade que
Mas como Deus é um Ser Necessário, ele deve saber Deus como Realidade Pura não pode ter. Logo, 0
tudo de acordo com sua natureza, necessariamente. molinismo é contrário à natureza de Deus.
Como Deus é eterno, todo seu conhecimento é in- D eus se torna um efeito. Outra afirmação da difi-
tuitivo, eterno e necessário. Como sua existência é culdade é que 011 0 conhecimento de Deus é com-
independente e ele deve saber tudo de acordo com
pletamente causai, determinando todos os eventos,
sua natureza independente, conclui-se que 0 conhe-
ou é determinado por esses eventos. Xão há outra
cimento de Deus não é dependente de nada.
alternativa. Os molinistas dizem que 0 conhecimen-
O fatalism o não é necessário. O molinismo não é
to de Deus é determinado por futuros atos livres.
a única alternativa ao fatalismo. Deus pode ter co-
Isso sacrifica Deus como Causa suprema. Ele é de-
nhecimento necessário de atos contingentes. Ele pode
terminado pelos eventos, não 0 Determinador. Isso
saber com certeza 0 que acontecerá livremente. Só
é contrário à natureza de Deus, pois ele se tornaria
porque ele tem certeza sobre um evento não signifi-
espectador epistemológico (ibid., p. 107).
ca que este não acontecerá livremente. O mesmo
A graça eficaz e negada. Outra objeção é que 0
evento pode ser necessário do ponto de vista do co-
molinismo nega a graça eficaz de Deus na salvação.
nhecimento de Deus e livre do ponto de vista da
Tudo que Deus quer acontece sem que nossa liberda-
escolha humana (v. d e t e r m i n is m o , l i v r e -a r b i t r i o ) . Se
de seja transgredida. “ Ele deseja com eficácia nosso
Deus é onisciente, então ele sabe tudo, inclusive 0
consentimento livre, e realmente consentimos, de li-
fato de que Judas trairia a Cristo. Se Judas não tivesse
vre vontade” (ibid., p. 401). Somente dessa maneira a
traído a Cristo, Deus estaria errado sobre 0 que sa-
graça de Deus pode ser eficaz. Deus é 0 Autor ativo
bia. Mas isso não significa que Judas foi coagido.
da salvação (ibid., p. 398). Como Aquino diz: “ Se a
Pois Deus sabia certamente que Judas trairia a Cris-
intenção de Deus é que esse homem, cujo coração
to livremente. Assim como notícias pré-gravadas de
televisão referem-se a eventos que não podem ser ele está movendo, venha a receber graça
mudados, mas foram livremente escolhidos, Deus santificadora, então esse homem receberá graça in-
na sua onisciência vê 0 futuro com a mesma certeza falivelmente” .
com que vê 0 passado. A intenção cie Deus não pode falhar, e os salvos
É possível usar a mesma solução para mistérios são infalivelmente salvos ( eertissim e , diz Agostinho;
teológicos sem ser molinista. O conhecimento de Deus ibid., 1 1 1 ).
sobre 0 futuro pode ser necessário sem que nenhum Ao mesmo tempo que concordam con! a nature-
evento seja forçado. Os mistérios da predestinação e za eficaz da graça, os tomistas se separam dos
da providência são mais bem explicados pela nega- calvinistas extremados nessa questão. Para os tomistas,
ção de qualquer contingência 110 conhecimento de as criaturas livres retem 0 poder de decidir não seguir
Deus a respeito deles, já que 0 fatalismo não resulta da a Deus quando Deus graciosa e eficazmente os leva a
negação do molinismo (v. d e t e r m in is m o ; l i v r e -a r b i t r i o ). escolher segundo sua vontade predeterminada.
611 monismo

Os calvinistas extremos ensinam que esse movimen- serem diferentes, devem ser diferentes em existên-
to do Espírito Santo no coração da pessoa que esco- cia ou inexistência. Existência é 0 que as torna idên-
lhe é irresistível. Se é a vontade de Deus, essa pessoa ticas, então não podem ser diferentes nisso. E não
responderá porque 0 Espírito estimula 0 coração. Os podem ser diferentes pela inexistência, pois
tomistas insistem em que, “ao invés de forçar 0 ato, inexistência é nada, e ser diferente em nada é não
ao invés de destruir [...] a liberdade, 0 impulso divi- ser diferente. Então não pode haver uma pluralidade
no tornou real [...] a liberdade. Quando a graça efi- de existências. Há apenas um único ser indivisível.
caz toca 0 livre-arbítrio, esse toque é virginal, ele A ltern a tiv a s ao m o n ism o . Basicamente, há qua-
não violenta, apenas enriquece” (ibid., p. 1 1 0 ). tro alternativas ao monismo. Aristotelismo, tomismo,
Mas isso não é essencial para a posição antimoli- atomismo e platonismo, as duas últimas afirmando
nista. O conhecimento de Deus poderia ser determi- que os vários seres diferem pela inexistência. O
nante do ato livre sem causá-lo. Essa doutrina foi de- aristotelismo e 0 tomismo afirmam que os vários se-
fendida por Agostinho e por calvinistas moderados res diferem pela existência.
(v. Geisler). A5 coisas diferem pela inexistência absoluta. Com
a geração de filósofos que seguiram Parmênides vi-
Fontes eram os atomistas, tais como Leucipo e Demócrito,
W . C r a ig , The only w ise God. que afirmavam que 0 princípio que separa um ser
_____ , D ivine forekn ow led g e a n d future (átomo) de outro é absolutamente nada (i.e.,
contin gen cy from A ristotle to Suarez. inexistência). Eles 0 chamaram vazio. A existência é
R. G a r r ig o i -La g ra n c e, G od: his existence a n d his completa, e a inexistência é vazio. Os átomos não
nature. diferem na essência, mas estão separados por espa-
_____, P redestination . ços diferentes. Essa diferença, no entanto, é apenas
_____ , R eality: a synthesis o f thom istic extrínseca. Não há diferença intrínseca nos átomos
thought. (seres). Essa resposta era pouco adequada. Ser dife-
_____ , The o n e God. rente em absolutamente nada é não ter absoluta-
N . I . G u m 1 r e m B a s i n g e r , P red estin ação e livre- mente nenhuma diferença. Se a falta de diferença
arbítrio. está num local ou em outro não faz diferença. Não
I. Dt M o l in a , On div in e fo rek n o w led g e. ter absolutamente nenhuma diferença é ser absolu-
T o m a .' 1)t A ql ' in o , Sum a contra os gentios. tamente igual. O monismo derruba 0 atomismo.
_____ , Sum a teológica. As coisas diferem pela inexistência relativa. Platão
acreditava que as coisas diferem porque formas di-
monismo. O estudo da realidade é a metafísica. A ferentes ou arquétipos estão por trás delas. Essas idéi-
maneira de ver a realidade é uma cosmovisão. Algo as ou formas são a realidade. Todas as coisas neste
fundamental para a cosmovisão de uma pessoa é se mundo da nossa experiência são apenas sombras do
ela vê 0 “ um ou muitos” . Essa diferença separa mundo real. Elas têm significado porque participam
monistas de pluralistas e está tão arraigada nos pa- das formas verdadeiras. Por exemplo, cada ser hu-
drões de pensamento da pessoa que ela raramente mano individual participa da forma universal da hu-
está ciente de que tal diferença de ponto de vista manidade no mundo das idéias.
realmente existe. O monismo vê tudo como “ um” . Platão viu a fraqueza de sua posição e tentou
Deus e 0 universo são uma só coisa. O cristianismo escapar ao modificá-la para a explicação de que as
está comprometido com 0 “muitos” do pluralismo, formas ou idéias não são indivisivelmente separa-
afirmando que Deus difere da criação (v. teísmo). das pela inexistência absoluta; em vez disso, estão
Os a rg u m e n to s a fa v o r do m o n ism o . O monismo, relacionadas pela inexistência relativa.
ao contrário de todas as formas de pluralismo, insiste Essa inexistência relativa também foi chamada
em que toda realidade é uma só. Parmênides de Eléia de “outro” (Platão, Sofista, 255d). Platão acreditava
(n. c. 515 a.C.) inicialmente propôs, ou identificou, a que podia ter muitas formas (seres) diferentes e evi-
questão, e muitos filósofos desde então lutaram com tar assim 0 monismo. Cada forma diferia das outras
seu dilema. Quatro respostas foram propostas, mas formas porque não era a outra forma.
apenas uma resolve 0 problema com sucesso. Toda determinação é pela negação. O escultor
Parmênides argumentou que não pode haver determina 0 que a estátua é em relação à pedra ao
mais de uma coisa (monismo absoluto). Se houvesse eliminar com 0 cinzel aquilo que não é desejado. A
duas coisas, elas teriam de ser diferentes. Mas, para forma final é diferente do que a escultura poderia
monismo 612

ser se pedaços de pedra diferentes estivessem aos são diferentes na propria existência porque pode ha-
pés do escultor. Da mesma maneira, cada forma é ver tipos diferentes de seres (Aquino, la.4, 1, ad 3).
diferenciada de todas as outras formas pelo que não Deus, por exemplo, é um tipo infinito de ser. Todas as
existe. A cadeira é diferente de todas as outras coisas criaturas são tipos finitos de seres. Deus é Realidade
na sala porque não é a mesa. Xão é 0 chão ou a parede Pura; todas as criaturas são compostas de realidade e
etc. A cadeira não é absolutamente nada. Ela tem ca- potencialidade. Logo, seres finitos diferem de Deus
racterísticas de cadeira. Mas não é nada em relação às porque tém potencialidade limitadora; ele não tem.
outras coisas, porque não é essas outras coisas. Coisas finitas podem ser diferentes umas das outras
Parmênides não teria se impressionado com a pelo fato de sua potencialidade ser completamente
tentativa de Platão. Ele teria perguntado se havia al- realizada (como nos anios) ou progressivamente rea-
guma diferença nos próprios seres. Xão havendo, lizada (como nos seres humanos). Mas em todas as
então ele teria afirmado que todos esses seres (for- criaturas sua essência é realmente diferente da exis-
mas) devem ser idênticos. Xão há muitos seres, mas tência. A essência e a existência de Deus são idênticas.
apenas um. Aquino não foi 0 primeiro a fazer essa distinção, mas
A 5 coisas diferem como seres simples. Tanto 0 foi 0 primeiro a fazer uso tão extenso dela.
atomista quanto 0 platonista lutaram com 0 dilema Aquino argumenta no seu livro Do ser e da essên-
de Parmênides. Tentaram diferenciar as coisas pela cia que a existência é algo diferente da essência exceto
inexistência. A r is t ó t e l e s e T o m á s d e A q u in o tentaram em Deus, cuia essência é sua existência. Tal ser ne-
encontrar a diferença nas coisas. Ambos afirmaram cessariamente será único e singular, já que a multi-
que os seres são essencialmente diferentes. Aristóteles plicação de algo só é possível quando há uma dife-
afirmou que esses seres são metafisicamente simples rença. Mas em Deus não há diferença. Conclui-se
(Aristóteles, ix, 5, 1017a 35b-a). Tomás de Aquino os necessariamente que em todas as outras coisas,
considerava metafisicamente compostos. exceto nessa existência única, a existência deve ser
Veja 0 artigo A r is t ó t f t .e s para 0 argumento com- uma coisa, e a essência, outra.
pleto de que há uma pluralidade de 47 ou 55 motores Isso respondeu ao dilema proposto pelo monismo.
imóveis que são separados uns dos outros pela pró- As coisas diferem quanto à existência porque são tipos
pria existência. Essa pluralidade de seres causa todo diferentes de seres. Parmênides estava errado porque
movimento no mundo, cada um do seu próprio do- supôs que “ser” sempre é compreendido univocamente
mínio cósmico. Cada um é forma pura sem matéria. (da mesma maneira). Aquino considerava esse ser aná-
A matéria diferencia as coisas neste mundo. Essa logo (v. a n a l o g i a , p r i n c í p i o d a ). Isso significa que cada ser
pluralidade de formas substanciais totalmente se- pode ser compreendido de maneiras semelhantes, mas
paradas não tem existência em comum. Os motores diferentes. Todos os seres que existem são iguais pelo
são completamente diferentes uns dos outros. Não fato de serem todos reais. Seres finitos diferem do
podem ser relacionados (v. Eslick, p. 152-3). único Ser infinito porque têm potencialidades dife-
Parmênides perguntaria a Aristóteles como se- rentes para se tornar outras coisas ou para deixar de
res simples podem ser diferentes quanto à própria existir. E têm atualizações diferentes desses potenci-
existência. Coisas compostas de forma e matéria po- ais individuais.
dem ser diferentes porque a matéria específica di- Superioridade da posição tomista. A posição de
fere de todas as outras matérias, apesar de terem a Aquino tem valor pela própria racionalidade e pela
mesma forma. Mas como as formas (seres) puras implausibilidade das posições alternativas. A posi-
diferem? Aqui não há princípio de diferenciação. Se ção de Parmênides viola nossa experiência da
não há diferença na existência, sua existência é idên- multiplicidade diferenciada mas inter-relacionada
tica. A solução de Aristóteles não evita 0 monismo. de seres.
Tomismo: as coisas diferem como seres comple- A posição tomista sobre pluralidade é que a
xos. A quarta alternativa pluralista ao monismo é multiplicidade é possível porque cada coisa tem seu
representada por Tomás de Aquino, que, como próprio modo de existência. A essência, 0 princípio
Aristóteles, buscou a diferença nas próprias coi- de diferenciação, é real. Isso não significa que a es-
sas. Mas, ao contrário de Aristóteles, que começou sência seja independente da existência. A essência é
com seres simples, Aquino acreditava que todos os real porque existe. A distinção real no ser entre essên-
seres finitos são compostos. Apenas Deus é um Ser cia (essentia) e existência (e>‫<־‬ ‫־‬f) parece ser a única
absolutamente simples, e só pode haver um Ser resposta satisfatória ao problema de unidade e
(Deus) assim. No entanto, pode haver outros tipos pluralidade. Sem a analogia da existência, não há ma-
de existência, ou seja, seres compostos. Os seres neira de explicar a multiplicidade.
613 monoteísmo primitivo

Parmênides não via multiplicidade porque via primitivo. Jó, 0 único outro livro bíblico situado num
toda existência univocamente. As coisas são total- período antigo pré-mosaico, claramente tem uma vi-
mente diferentes ou totalmente idênticas. Não há são monoteísta de Deus (v., por exemplo, Jó 1.1,6,21).
intermediários. Se toda existência é unívoca, então Romanos 1.19-25 ensina que 0 monoteísmo prece-
toda existência é idêntica. Não há espaço para dis- deu 0 animismo e 0 politeísmo e que essas formas de
tinção; tudo é uma Existência. É por isso que a religião surgiram à medida que as pessoas trocaram a
cosmovisão monista não suporta a distinção entre glória de Deus pela imagens feitas segundo a seme-
Criador e criatura. É por isso que a esperança supre- lhança do homem mortal, bem como de pássaros,
ma das religiões monistas é unir-se a “deus” . Tudo quadrúpedes e répteis.
mais é inexistência. A única maneira de evitar a con- M o n o te ísm o , a n tig o ou r e c e n t e ? O monoteísmo
clusão monista que resulta da visão equívoca ou da recente proposto por Frazer. Desde que James F r a z e r
visão unívoca das existências é ter uma visão publicou O ramo de ouro (1912), acredita-se que as
analógica. A única maneira em que a existência pode religiões evoluíram a partir do animismo, passando
ser analógica é se há na existência 0 princípio da pelo p o l it e í s m o , pelo h e n o t e ís m o , chegando finalmente
unificação e 0 princípio da diferenciação. Como se- ao monoteísmo. Mesmo antes disso, Charles D a r w in
res finitos têm potencialidades diferentes (essênci- preparou 0 caminho para tal esquema evolutivo.
as), esses seres finitos podem ser diferenciados na Frazer alegou que 0 cristianismo copiou mitos pa-
realidade quando essas potencialidades são realiza- gãos. Apesar do seu uso seletivo de dados anedóticos,
das ou criadas em tipos diferentes de existência. que se tornaram obsoletos com pesquisas posterio-
C o n clu sã o . O ser é 0 que existe. Quantos seres res, 0 livro ainda tem muita influência, e suas idéias
existem? O ser pode ser simples (realidade pura) ou são consideradas verdadeiras. A tese evolutiva de
complexo (realidade e potencialidade). Não pode Frazer sobre a religião realmente é infundada, como
haver dois seres absolutamente simples, já que não observado no artigo sobre sua obra.
há nada num ser completamente simples pelo qual Argumentos a favor do monoteísmoprimitivo. Exis-
poderia ser diferenciado do outro. Mas um ser sim- tem evidências substanciais para apoiar a obra de
pies deve ser diferente dos seres complexos, já que Schmidt (v. Schmidt), segundo a qual 0 monoteísmo é
não tem potencialidade e eles têm. Essa é a distinção a crença primitiva sobre Deus. Argumentos a favor
entre Criador e criatura. É por isso que só pode ha- do monoteísmo primitivo vêm dos registros e tradi-
ver um Deus puro e simples, mas muitos seres cria- ções mais antigos que sobreviveram. Eles incluem não
dos que combinem realidade e potência ou só a Bíblia, mas também as tábuinhas de Ebla e 0
potencialidade. Apenas um é Existência; tudo 0 mais estudo de tribos pré-letradas. Gênesis representa os
tem existência. Essa parece ser a única resposta ade- registros mais antigos da raça humana, retornando ao
quada ao monismo. primeiro homem e mulher. O arqueólogo William F.
A l b r i g h t demonstrou que 0 registro patriarcal de

Fontes Gênesis é histórico.


A r m 0 1 i l l s , M etafísica.

L. J. Es! r K,“ The real distinction” ,M od em Graças à pesquisa moderna “agora reconhecemos sua [das
sch oo lm a n 38 ()an. 1961) Escrituras] historicidade substancial. As narrativas sobre os
P.'iRM hM DL', Proem. patriarcas, Moisés e0 Êxodo, a conquista de Canaã, os juizes, a
Ρ 1.Α 1Λ 0 , Parm ênides. monarquia, 0 exílio e a restauração, foram todas confirmadas e
_____ , Sofista. ilustradas de uma forma que eu considerava impossível há qua-
R. J. Τι‫>־‬κγ, “ Plato's later dialectic” , M od em renta anos (From the Stone Age to Christianity \Da idade da pedra
sch oolm an 38 (Mar. 1961). ao cristianismo], p. 1).
Tom λ' 1 >F. Aql [N0 , Do ser e d a essência.
_____ , Sum a teólogiea. Gênesis é uma obra literária e genealógica, uni-
da por uma lista de descendentes (Gn 5, 10) e a
monoteísmo. V. t e ís m o ; i s l a m is m o ; m o n o t e ís m o p r im i t i v o . fórmula literária: “ Esta é a história da...” . A frase é
usada em todo 0 Gênesis (2.4; 5.1; 6.9; 10.1; 11.10,27;
monoteísmo prim itivo. A Bíblia ensina que 0 25.12, 19; 36.1,9; 32.2). Além disso, eventos de cada
monoteísmo foi 0 primeiro conceito de Deus. O pri- um dos onze primeiros capítulos discutidos de
meiro versículo de Gênesis é monoteísta: “No princí- Gênesis são mencionados por Jesus e pelos autores
pio Deus criou os céus e a terra” (Gn 1.1). Os patriar- do n t como históricos. Isso inclui a existência de
cas Abraão, Isaque e Jacó refletem esse monoteísmo Adão e Eva (v. Mt 19.4,5), a tentação (U m 2.14) e a
moral Deus, argumento 614

Queda (Rm 5.12), os sacrifícios de Caim e Abel (H b do monoteísmo primitivo. Albright reconhece que
11.4), 0 assassinato de Abel por Caim (1)0 3.12), 0 “deuses supremos podem ser onipotentes e podem
nascim ento de Sete (Lc 3.38), a trasladação de levar crédito pela criação do mundo; em geral são
Enoque ao céu (Hb 11.5), os casamentos antes do divindades cósmicas que com treqüéncia residem
Dilúvio, 0 Dilúvio e destruição da humanidade (Mt no céu” (From the stone age, p. 170).
24.39), a preservação de Noé e sua família (2Pe 2.5), Isso claramente se opõe aos conceitos animistas
a genealogia de Sem (Lc 3.35,36) e 0 nascimento de e politeístas.
Abraão (Lc 3.34). C o n clu sã o . Xão há razão real para negar 0 regis-
Há forte evidência da historicidade de Adão e tro bíblico do monoteísmo primitivo. Pelo contrá-
Eva especificamente. Mas esse registro revela que rio, há evidencia suficiente de que 0 monoteísmo
essas primeiras pessoas eram monoteístas (Gnl.1,27; tenha sido a primeira religião, da qual outras se des-
2.16,17; 4.26; 38.6,7). viaram, assim como Romanos 1.19-25 declara. Isso
Depois de Gênesis, Jó é 0 livro bíblico mais anti- se ajusta melhor à evidência da existência do Deus
go e também revela uma visão monoteísta. Deus é 0 monoteísta (v. D e u s , e v id ê n c ia d e ) e à tendência com-
Criador (4.17; 9.8,9; 26.7; 38.6,7) pessoal (Jó 1.6,21), provada dos seres humanos de distorcer a verdade
moral (1.1; 8.3,4), porém soberano (42.1,2) e onipo- que Deus lhes revela (v. n o é t ic o s do p e c a d o , e f e it o s ).
tente (5.17; 6.14; 8.3; 13.3).
Além da Bíblia, os registros relevantes mais antigos Fontes
vêm de Ebla, na Síria. Eles revelam um monoteísmo w: E a ‫׳־‬ :!:7. From the Stone A<y to Christianity.
claro, ao declarar; “Senhor do céu e da terra, a terra não G. ‫־\ג‬. B r -λ'··,7 !:. Understanding w orld religions.
existia, tu a criaste, a luz do dia não existia, tu a criaste, a A. The d oon v av p ap ers.
luz da manhã ainda não havias criado” (Pettinato, The 1.(â . F K , 0 ram o de ouro.
archives of Ebla [Os arquivos de Ebla], p. 259). E. 0. J .;is "Frazer. James George", cm N'TCERK.
Religiões prim itivas da África revelam unani- E. Ml·'‫׳‬-‫׳‬ . Ebla and biblical historical inerrancv
memente um monoteísmo explícito. John Mbiti es- em R ihiiotheca Sacra (Oct,-Dec. 1983)
tudou trezentas religiões tradicionais. “Em todas es- J. M ‫׳‬-.:‫׳‬., A frican religions.
sas sociedades, com uma única exceção, as pessoas |. S. Μ κζ:, A frican religions a n d philosophy.
têm a noção de Deus como Ser Supremo” (v. African . Concepts o !G o d in Africa.
religions and philosophy [Religiões e filosofia africa- B. P ; :"ΠΝΛ7! ‫׳‬, The archives o f Ebla.
nas] ). Isso é verdadeiro com relação a religiões primiti- \V. S ; . . k High g ods in S'orth A m erica.
vas em todo 0 mundo. Até nas sociedades politeístas, um . The origin a n d grow th o f religions.
deus maior ou celestial reflete 0 monoteísmo latente. , P rim itive revelation.
A idéia do monoteísmo recente e evoluído é, ela
mesma, recente, tendo ganhado popularidade so- moral Deus, argumento. A maioria dos argumen-
mente na esteira de Charles Darwin e sua teoria da tos a favor da existência de Deus, tais como 0 argu-
evolução biológica (v. A origem das espécies, 1859). A MENTO COS.MOLÓGICO e O ARGUMENTO TELEOLÓGICO, Sã0 d0
idéia foi afirmada pelo próprio Darwin em The descent mundo antigo. O argumento ontológico vem da era
of man [A descendência do homem] (1871). A idéia medieval. Mas 0 argumento moral tem origem mo-
evolutiva de Frazer na religião é baseada em várias su- derna, emanando das obras de Immanuel Kant.
posições infundadas, entre elas a pressuposição de que P o s tu la d o m o r a l d e K an t. Kant rejeitou firme-
a evolução biológica é verdadeira, apesar de carecer de mente os argumentos tradicionais a favor da exis-
provas (v. ev o l u ç ã o b io l ó g ic a ). Ainda que a evolução bio- tência de Deus (v. Deus, obieções as provas de). No en-
lógica fosse verdadeira, não há razão para crer que a tanto, não rejeitou a crença em Deus. Pelo contrário,
evolução seria verdadeira no caso da religião. acreditava que a existência de Deus é um postulado
A tese da evolução do monoteísmo de Frazer praticamente (moralmente) necessário, apesar de
também é baseada em evidência fragmentária e não podermos provar isso.
anedótica, não na pesquisa histórica e cronológica O argumento de Kant a favor da existência de Deus
séria das origens do monoteísmo. Encaixa a evi- com base na razão prática, extraído do seu Crítica da
dência no modelo evolutivo. A evidência pode ser razão prática, pode ser esboçado da seguinte maneira:
tão bem explicada, se não melhor, para defender a
tese de que 0 politeísmo seria uma degeneração do 1. A felicidade é 0 que todos os seres humanos
monoteísmo original. 0 paganismo é um desvio desejam.
61‫כ‬ moral Deus, argumento

2. A moralidade (ou seja, 0 imperativo categó- 1. 0 ideal moral absolutamente perfeito existe
rico) é 0 dever de todos os seres humanos (0 (pelo menos psicologicamente em nossas
que devem fazer). mentes).
3. A unidade da felicidade e do dever é 0 bem 2. A lei moral absolutamente perfeita só pode exis-
maior (0 sum nnim bon u m ). tir se houver uma Mente moral absolutamente
4. 0 sum m u m bonu m deve ser buscado (já que é perfeita: a) Idéias só podem existir se houver
0 bem maior). mentes (pensamentos dependem de pensado-
3. Mas a unidade do desejo e do dever (que é 0 res), b) E idéias absolutas dependem da Mente
bem maior) não é possível para seres huma- absoluta (não de mentes individuais [finitas]
nos finitos no tempo limitado. como as nossas).
6 . E a necessidade moral de fazer algo implica a 3. Logo, é racionalmente necessário postular
Alente absoluta como base para a idéia mo-
possibilidade de fazê-lo (dever implica poder).
ral absolutamente perfeita.
7. Logo, é moralmente (i.e., praticamente) ne-
cessário postular: a) uma Divindade para tor-
Para apoiar a objetividade da idéia moral abso-
nar essa unidade possível (i.e., um poder de
luta, Rashdall oferece este raciocínio:
uni-los) e b) imortalidade para tornar essa
unidade atingível.
1. A moralidade geralmente é considerada ob-
jetivamente obrigatória.
Urna forma mais simples é esta:
2 . Alentes maduras vêem a moralidade como
algo objetivamente obrigatório (i.e., que obri-
1. 0 bem maior de todas as pessoas é que elas ga todos, não apenas alguns).
tenham felicidade em harmonia com 0 dever. 3. A objetividade moral é um postulado racio-
2. Todas as pessoas devem lutar pelo bem maior. nalmente necessário (porque algo não pode
3. 0 que as pessoas devem fazer, podem fazer. ser considerado melhor ou pior a não ser que
4. Mas as pessoas não são capazes de atingir 0 haja um padrão objetivo de comparação).
bem maior nesta vida sem Deus. 4. É praticamente necessário postular idéias
5. Logo, devemos postular um Deus e uma objetivas morais.
vida futura em que 0 bem maior possa ser
alcançado. Se a lei moral objetiva existe independentemente
de mentes individuais, então deve vir de uma Mente
Kant não ofereceu seu postulado como p r o v a que existe independentemente de mentes finitas. Do
teórica sobre Deus. Ele não acreditava que tal prova ponto de vista racional, é necessário postular tal Men-
fosse possível. Mas via a existência de Deus como te para explicar a existência objetiva dessa lei moral.
pressuposição moralmente necessária, não 0 resul- As maneiras mais comuns de desafiar esse argu-
tado do argumento racionalmente necessário. mento são: questionar a existência da lei moral obje-
As premissas de Kant foram desafiadas. Os tiva; negar que 0 ideal moral absoluto precisaria da
Mente moral absoluta. Porque uma mente finita não
existencialistas (v. e x is t e n c ia l is m o ), inclusive Jean-
pode evocar a idéia de perfeição moral sem que esta
Paul S a r t r e e Albert Camus, e ateus como Friedrich
exista no mundo real. Afinal, não podemos pensar
N ie t z s c h e desafiaram a pressuposição de que 0 bem
sobre triângulos perfeitos sem que estes existam?
maior é atingível. Martinho L u t e r o e João C a l v in o ,
A r g u m e n to m o ra l d e Sorley. O argumento mo-
bem como outros reformadores protestantes, ape-
ral é dependente da objetividade da lei moral. Logo,
sar de terem vivido antes de Kant, negaram que
é necessário oferecer uma defesa dessa premissa. É
dever implica poder. Ainda outros, de A r is t ó t e l e s exatamente isso que W. R. Sorley faz na sua versão do
em diante, acreditavam que 0 bem maior é atingi- argumento moral a favor da existência de Deus. Já
vel nesta vida. que existe 0 ideal moral anterior a, superior a e in-
A rg u m e n to m o ra l d e R ashdall. Hastings Rashdall dependente de todas as mentes finitas, deve haver
fez 0 que Kant não tentou quando ofereceu um argu- uma Mente moral suprema da qual esse ideal moral
mento racional para a existência de Deus com base na é derivado:
lei moral. Começando com a objetividade da lei mo-
ral, ele raciocinou para chegar à Mente moral absolu- 1. Exite uma lei moral objetiva que é indepen-
tamente perfeita (v. Hick, p. 144-52). dente da consciência que os homens fazem
moral Deus, argumento 616

dela e que existe apesar da falta de concordân- ponto de vista moral; c) nenhum julgamento
cia humana com ela: a) as pessoas estão cien- moral estaria errado, sendo todos subjetiva-
tes de tal lei entre si; b) as pessoas admitem mente corretos; d) nenhuma questão ética
que sua validade é anterior ao seu reconheci- jamais poderia ser discutida, pois não have-
mento dela; c) as pessoas reconhecem que a ria significado objetivo para qualquer termo
lei moral tem autoridade sobre elas, apesar de ético; e) posições contraditórias estariam
não se renderem a ela; d) nenhuma mente finita todas corretas, iá que os opostos estariam
compreende completamente sua significância; igualmente corretos.
e) todas as mentes finitas juntas não atingiram 2. Essa lei moral está além dos indivíduos e além
a concordância completa sobre seu significa- da humanidade como um todo a) está além
do nem conformidade com seu ideal. das pessoas individuais, já que estas geralmente
2. Mas as idéias existem apenas nas mentes. entram em conflito com ela; b) está além da
3. Logo, deve haver a Mente suprema (acima de humanidade como um todo, pois os seres hu-
todas as mentes finitas) na qual essa lei manos carecem coletivamente dela e até me-
moral objetiva existe. dem 0 progresso de toda raça por ela.
3. Essa lei moral deve vir de um Legislador
Sorley chama a atenção para a diferença impor- moral porque a) uma lei não tem significado,
tante entre a lei natural e essa lei moral. A primeira é a não ser que venha de uma mente — apenas
descritiva do universo, enquanto a segunda é mentes emitem significado; b) deslealdade
prescritiva do comportamento humano. Assim, a lei não faz sentido, a não ser que se reporte a
moral não pode ser parte do mundo natural. É a ma- uma pessoa, mas as pessoas morrem por le-
neira em que os humanos devem agir. Está além do aldade ao que é moralmente correto; c) a ver-
mundo natural e é 0 modo pelo qual devemos nos dade é insignificante se não for a união das
comportar no mundo. mentes, mas as pessoas morrem pela verda-
Os que criticam a forma que Sorley deu ao argu- de; d) logo, 0 descobrimento da lei moral e 0
mento moral afirmam que 0 simples fato de as pesso- dever em relação a ela só fazem sentido se há
as acreditarem que há uma lei moral além delas e in- uma Mente ou Pessoa por trás dela.
dependente delas não significa que ela realmente exis- 4. Portanto, deve haver uma Mente moral e pes-
ta. Juntamente com F e u e r b a c h , eles acreditam que tal soai por trás dessa lei moral.
lei é apenas a projeção da imaginação humana. É um
ideal coletivo da consciência humana (ou inconsci- É digno de nota que a forma do argumento mo-
ência), que evoca 0 melhor da natureza humana como ral de Trueblood demonstra sua validade em ter-
ideal pelo qual devemos viver. Os críticos também mos de racionalidade. Em essência, rejeitar a lei
apontam as diferenças de compreensão da moral moral é irracional ou sem sentido. Isto é, a não ser
como indicação de que não há uma lei moral univer- que se presuma que 0 universo é irracional, deve
sal, mas apenas uma coleção de vários ideais huma- haver uma lei moral objetiva e, portanto, um Legis-
nos que se sobrepõem e são, portanto, confundidos lador Moral objetivo.
com a lei moral. Finalmente, os críticos desafiam a Além das coisas ditas contra as outras formas de
premissa de que apenas a Mente suprema e extra- argumento moral, alguns críticos, principalmente os
humana pode ser a base para esse ideal moral univer- existencialistas e niilistas, simplesmente indicam 0
sal. Idéias perfeitas podem ser criadas por mentes absurdo do universo. Simplesmente se recusam a
imperfeitas, dizem eles. admitir, com Trueblood, que 0 universo é racional.
A r g u m e n t o m o r a l d e T r u e b lo o d . O filósofo Admitem que pode ser absurdo supor que não há lei
evangélico Elton T r u e b l o o d acrescenta algo signifi- moral, mas logo acrescentam que é assim que as
cativo aos argumentos morais propostos por Rashdall coisas são — sem sentido. É claro que 0 defensor do
e Sorley na sua forma do argumento: argumento moral poderia demonstrar a natureza
contraditória da afirmação de que “nada faz senti-
1. Deve haver uma lei moral objetiva; senão a) do” , já que a própria declaração é considerada algo
não haveria concordância tão grande com que faz sentido.
relação a seu significado; b) nenhuma A r g u m e n t o m o r a l d e L ew is. A forma moderna
discordância moral real jamais teria aconte- mais popular do argumento moral provém de C. S.
cido, estando cada pessoa certa do próprio L e w is em C ristianism o p u ro e sim ples. Ele não só
617 moral Deus, argumento

fornece a forma mais completa do argumento da prescritivas (0 que deve ser), como são as leis morais.
maneira mais persuasiva como também responde Situações factualmente convenientes (como as coisas
às principais objeções. 0 argumento moral de Lewis são) podem ser moralmente erradas. Alguém que tenta
pode ser resumido da seguinte forma: me derrubar e fracassa está errado, mas quem me der-
ruba acidentalmente não está.
1. Deve haver uma lei moral universal, senão a) A lei moral não é imaginação humana. E a lei
discordâncias morais não fariam sentido, moral não pode ser apenas a imaginação humana,
como todos supomos que fazem; b) todas as porque não podemos nos livrar dela, mesmo quan-
críticas morais seriam desprovidas de senti- do queremos. Nós não a criamos; ela foi gravada em
do (p.ex. “ Os nazistas estavam errados” ); c) é nós de fora para dentro. Se fosse imaginação, então
desnecessário cumprir promessas ou tratados, todo valor dos julgamentos seria insignificante, in-
como todos supomos que é; d) não nos ex- elusive afirmações como “Odiar é errado” e “ 0 ra-
plicaríamos quando violássemos a lei moral, cismo é errado” . Mas, se a lei moral não é apenas
como fazemos. descrição ou prescrição humana, então deve ser uma
2. Mas uma lei moral universal exige um Legis- prescrição moral de um Prescribente Moral além de
lador Moral, já que a Fonte dela a) dá ordens nós. Como Lewis observa, esse Legislador Moral se
morais (como os legisladores fazem); b) está assemelha mais a uma Mente que à natureza. Ele não
interessada em nosso comportamento (como pode ser parte da natureza, assim como um arquite-
as pessoas morais estão). to não é idêntico ao prédio que cria.
3. Além disso, esse Legislador Moral universal A injustiça não refuta 0 Legislador Moral. A obje-
deve ser absolutamente bom a) senão todo ção principal ao Legislador absolutamente perfeito é
esforço moral seria fútil, no final das contas, 0 argumento baseado no mal ou na injustiça no mun-
do. Nenhuma pessoa séria pode deixar de reconhecer
já que estaríamos sacrificando nossas vidas
que todo assassinato, estupro, ódio e crueldade no
pelo que não é absolutamente correto; b) a
mundo 0 tornam imperfeito. Mas se 0 mundo é im-
fonte de todo bem deve ser absolutamente
perfeito, como pode haver um Deus absolutamente
boa, já que 0 padrão de todo bem deve ser
perfeito? A resposta de Lewis é simples: “A única ma-
completamente bom.
neira de 0 mundo ser imperfeito é se existe um pa-
4. Logo, deve haver um Legislador Moral abso-
drão absolutamente perfeito pelo qual pode ser con-
lutamente bom.
siderado imperfeito” (v. m o r a l id a d e , n a t u r e z a a b s o l u t a
d a ). Pois a injustiça só faz sentido se há um padrão de
A lei moral não é instinto coletivo. Lewis antecipa
justiça pelo qual algo é considerado injusto. E a in-
e responde persuasivamente a objeções importan-
justiça absoluta só é possível se há um padrão abso-
tes ao argumento moral. Essencialmente, suas res-
luto de justiça. Lewis recorda os pensamentos que
postas são: 0 que chamamos lei moral não pode ser
tinha quando ateu:
0 resultado do instinto coletivo, senão 0 impulso
mais forte sempre ganharia, mas isso não acontece.
Como eu tive esse idéia de justo e injusto?Um homem não
Sempre agiríamos por instinto ao invés de altruisti-
considera uma linha torta sem que tenha alguma noção de uma
camente para ajudar alguém, como às vezes faze-
linha reta. Com que eu estava comparando esse universo quan-
mos. Se a lei moral fosse apenas instinto coletivo, os
do 0chamei de injusto [... ] Éclaroqueeu poderia ter abandona-
instintos estariam sempre corretos, mas não estão.
do minha idéia dejustiça ao dizer que não era nada além de uma
Até amor e patriotismo às vezes estão errados. idéia particular minha. Mas, se fizesse isso, meu argumento con-
A lei moral não é convenção social. A lei moral tam- tra Deus também ruiria— pois 0argumento dependia de dizer
bém não pode ser mera convenção, porque nem tudo que 0 mundo era realmente injusto, não apenas que não agrada-
aprendido por meio da sociedade é baseado na conven- va a meus caprichos individuais. Logo, no próprio ato de tentar
ção social. Por exemplo, matemática e lógica não são. As provar que Deus não existia — em outras palavras, que 0 todo
mesmas leis morais básicas podem ser encontradas em da realidade não fazia sentido — me vi forçado a admitir que
quase todas as sociedades, passadas e presentes. Além uma parte da realidade — isto é, minha idéia de justiça — fazia
disso, os julgamentos sobre 0 progresso social não seri- total sentido (Cristianismopuro esimples, p. 45,46).
am possíveis se a sociedade tosse a base dos julgamentos.
A lei moral difere das leis da natureza. A lei mo- Em vez de refutar 0 Ser moralmente perfeito, 0
ral não deve ser identificada com as leis da natureza. mal no mundo pressupõe um padrão perfeito. É
As leis da natureza são descritivas (0 que é), não possível questionar a onipotência desse Legislador
moralidade, natureza absoluta da 618

Supremo, mas não sua perfeição absoluta. Pois se al- A medição é impossível sem absolutos. Até os rela-
guém insiste em que há imperfeição real no mundo, tivistas morais fazem afirmações como: “O mundo
deve haver um padrão perfeito para que se saiba isso. está melhorando (ou piorando)” . .Mas não é possível
saber que ele está “melhorando” , a não ser que saiba-
Fontes mos 0 que é “melhor” . Algo menos que perfeito só
N. L. G f .is le r e W. C o r d ia n ‫־‬, Philosophy ot religion. pode ser medido em comparação a algo perfeito. Logo,
J. H ic k , The existence of God. todos os julgamentos morais objetivos implicam 0
I. K a n t , Crítica da razão pratica. padrão moral absoluto pelo qual podem ser medidos.
C. S . L e w is , Cristianismo puro e simples. Discordâncias morais exigem padrões objetivos.
H. Rashdali., The theory ofgood and evil. Discordâncias morais reais não são possíveis sem 0
W . R . S o r le y , Moral value and the idea ot God. padrão moral absoluto pelo qual os lados podem ser
E . T r u e b lo o d , Philosophy of religion. medidos. De outra forma, ambos os lados de qualquer
disputa moral estarão certos. Mas os opostos não po-
moralidade, natureza absoluta da. O cristianis- dem estar ambos corretos. Por exemplo, as afirmações
mo ortodoxo sempre defendeu os absolutos morais. “Hitler foi um homem mau” versus “Hitler não foi um
No entanto, a maioria dos éticos defende alguma homem mau” não podem estar ambas corretas no mes-
forma de relativismo. Logo, é necessário defender a mo sentido (v. prim eiros princípios). Sem 0 padrão moral
crença em absolutos morais. objetivo pelo qual as ações de Hitler possam ser medi-
A bsolutos m o ra is. Antes de a natureza absoluta das, não podemos saber se ele era mau.
da moralidade poder ser entendida, a moralidade Absolutos morais são inevitáveis. O relativismo
deve ser definida. Uma obrigação moral compreen- moral total reduz-se a afirmações como: “Vocè nun-
de várias coisas. Primeiro, 0 dever moral é bom em ca deve dizer nunca” , “Você deve sempre evitar usar
si mesmo (um fim ), nâo apenas bom como meio. a palavra sempre” ou “Você absolutamente não deve
Além disso, é algo que devemos buscar, um dever. A acreditar em absolutos morais” . Afirmações com
moralidade é prescritiva (“dever” ), não apenas des- “deve” são afirmações morais, e afirmações com
critiva (“ser” ). A moralidade lida com 0 que é corre- “nunca deve” são afirmações morais absolutas. Por-
to, em contraste com 0 que é errado. É uma obriga- tanto, não há maneira de evitar absolutos morais
ção, pela qual a pessoa é responsável. sem afirmar um absoluto moral. O relativismo mo-
Uma obrigação moral absoluta é: ral total é contraditório.
D istin çõ es e m ab so lu to s m o ra is. Se há base ab-
Um dever moral objetivo (não-subjetivo) — soluta para a moralidade, então por que tantos acre-
dever para com todas as pessoas. ditam que toda moralidade é relativa? As razões para
Uma obrigação eterna (não-temporal) — de- isso são em grande parte baseadas na incapacidade
ver 0 tempo todo. de fazer distinções adequadas.
Uma obrigação universal (não-local) — dever A diferença entre fato (é) e valor (deve ser). Os
em todos os lugares. relativistas confundem fato e valor, 0 que é e o que
Um dever absoluto é 0 que compromete todas as deve ser. 0 que as pessoas fazem está sujeito a mudan-
pessoas 0 tempo todo em todos os lugares. ça, mas 0 que elas devem fazer não está. Há uma dife-
rença entre sociologia e moralidade. A sociologia é
Defesa dos absolutos. Absolutos morais podem descritiva; a moralidade é prescritiva. Os relativistas
ser defendidos ao demonstrar a deficiência do confundem a situação tactual mutável com 0 dever
relativismo moral. Pois ou existe um absoluto moral, moral imutável.
ou tudo mais é moralmente relativo. Logo, se 0 Diferença entre valor e exemplo de valor. Também
relativismo está errado, então deve haver uma base há confusão entre 0 valor moral absoluto e atitudes
absoluta para a moralidade. mutáveis com relação ao fato de determinada ação
Tudo é relativo para 0 absoluto. Simplesmente per- violar ou não esse valor. No passado, bruxas eram con-
guntando: “Relativo a quê?”, é fácil ver que 0 relativismo denadas como assassinas, mas agora não são. O que
total é inadequado. Não pode haver relativo ao rela- mudou não foi 0 princípio moral de que assassinato é
tivo. Nesse caso, não poderia tratar-se de relativo, ad errado. Antes, nossa compreensão sobre 0 fato de as
infinitum, já que não haveria nada a que ser relativo, bruxas realmente matarem pessoas por meio de suas
etc. Albert E i x s t e ix não acreditava que tudo fosse re- maldições é que mudou. A compreensão factual da
lativo no universo físico. Ele acreditava que a veloci- pessoa sobre a situação moral é relativa, mas os valo-
dade da luz é absoluta. res morais envolvidos na situação não são.
619 Mullins, Edgar Young

A diferença entre valores e compreensão. Uma má C. S. L e w i s , The abolition of man.


interpretação semelhante acontece com a diferença _____ , Cristianismo puro e simples.
entre 0 valor imutável e a compreensão mutável des- E. L u t z e r , The necessity of ethical absolutes.
se valor. Um casal profundamente apaixonado en-
tende melhor seu amor após vinte anos. O amor não muçulmano. V A l f a r a b i; A v ic e n a ; A v e r r ó is ; B i'b l i a , v i-

mudou. Sua compreensão sobre ele mudou. SÃO ISLÂMICA da; C r is t o , OBJEÇÕES MORAIS À MORTE DE; CRISTO,

A diferença entre fim (valor) e meios. Geralmente LENDA DA SUBSTITUIÇÃO NA MORTE DE; N 0V0 TESTAMENTO, SUPOS-

os relativistas morais confundem 0fim (0 valor) com TA CORRUPÇÃO D0; M a OMÉ, SUPOSTAS PRE\’ISÕES BÍBLICAS DE;

0 meio para atingir esse valor. A maioria das dispu- M a OMÉ, SUPOSTO CHAMADO DIVINO DE; M a OMÉ, MILAGRES DE;

tas políticas é desse tipo. Políticos liberais e conser- M a O-MÉ, CARATER DE; ALCORÃO, SUPOSTA ORIGEM DIVINA DO.

vadores concordam em que a justiça deve ser feita


(0 fim); apenas discordam sobre qual programa é 0 Mullins, Edgar Young. Nasceu no dia 5 de janeiro de
melhor meio para atingir a justiça. Militaristas e pa- 1860, em Franklin, Mississippi. Estudou na Faculdade
cifistas desejam a paz (0 fim); apenas discordam de Mississippi e na Universidade a & μ do Texas, onde
quanto ao fato de um exército forte ser 0 melhor se formou em 1879. Depois de ouvir um ex-advogado,
meio para atingir essa paz. 0 major William Evander Penn, falar na Primeira Igre-
A diferença entre mandamento e cultura. Outra ja Batista de Dallas, Mullins se converteu. Penn fora
diferença importante, geralmente ignorada pelos descrito como um homem que usava “razão e persu-
relativistas morais, é entre 0 mandamento moral ab- asão sem denúncia” (Nettles, p. 54). Sentindo 0 cha-
soluto e a maneira relativa em que uma cultura pode mado para 0 ministério, foi para 0 Seminário Teoló-
manifestá-lo. Todas as culturas têm algum conceito gico Batista do Sul em 1881, onde se formou em 1885,
depois de estudar teologia e filosofia. Em 1886, casou-
de modéstia e decoro para saudações e cumprimen-
se com Isla May Hawley. Depois de pastorear em
tos. Em algumas um beijo é adequado, mas em ou-
Kentucky e Maryland, foi designado presidente do
tras tal intimidade chocaria. 0 que deve ser feito é
Seminário do Sul em 1889, onde permaneceu até sua
comum, mas como deve ser feito difere. A incapaci-
morte em 1928.
dade de fazer essa distinção leva muitos a acreditar
Mullins foi teólogo e apologista. Sua principal obra
que, pelo fato de 0 valor ser diferentemente expres-
apologética é intitulada Why is Christianity true?
so entre as culturas, 0 valor em si (0 que) difere.
[Por que 0 cristianismo é verdadeiro?] (1905). Seu
A diferença entre aplicações. Uma discussão legí-
último livro, Christianity at the crossroads [O cristi-
tima para decidir qual valor se aplica a uma situa-
anismo na encruzilhada] (1924), é muito polêmico.
ção não é igual à discussão se há um valor absoluto.
Suas outras obras também têm nuanças apologéticas:
Por exemplo, erramos se pensamos que quem acre-
The axioms ofreligion [05 axiomas da religião] (1908),
dita que uma mulher grávida tem 0 direito ao abor- The Christian religion in its doctrinal expression [A
to não dá valor à vida humana. Ele simplesmente religião cristã em sua expressão doutrinária] (1917)
não acredita que 0 feto é realmente um ser humano. e Freedom and authority in religion [Liberdade e au-
Esse debate é muito importante, mas não deve co- toridade em religião] (1913).
municar erradamente a idéia de que 0 bem absoluto R ela çã o e n tr e as c iên cia e as E scritu ra s. Mullins
de proteger a vida é a questão. A questão é se 0 feto foi muito influenciado pelo m e t o d o in d u t iv o da ciên-
é uma pessoa humana (v. Geisler, cap. 8). cia moderna. Ele também reverenciou 0 pragmático
C onclusão. Absolutos morais são inevitáveis. Até William J a m e s . Sem descartar a apologética tradicio-
aqueles que os negam usam-nos. As razões para rejeitá- nal, acreditava que 0 importante era “estabelecer a
los geralmente são baseadas na má compreensão ou posição cristã por meio de princípios de investiga-
má aplicação do absoluto moral, não na rejeição real a çào empregados pelos seus opositores, contanto que
ele. Isto é, valores morais são absolutos, mesmo que a esses princípios sejam válidos” (Mullins [p. lj, p. 4).
compreensão que tenhamos deles ou das circunstán- Apesar de Mullins não ter denunciado a e v o l u ç ã o ,
cias em que devem ser aplicados não seja. defendeu firmemente a criação direta dos seres hu-
manos. Estava disposto a admitir que “Deus fez 0 mun-
Fontes do gradualmente durante longos períodos de tempo,
M . A d l e s , Six great ideas. P t . ‫נ‬ . que há progresso e crescimento no universo” (Mullins,
A. Bi n0 \:, 0 declínio da cultura ocidental. [4], p. 67). Mas sua afirmação sobre ciência e religião
N. L. GEBEER.fr/a1 crista. atacou cientistas que fazem “de supostas descobertas
Mullins, Edgar Young 620

na natureza física uma arma conveniente de ataque vida sem pecado (v. C r is t o , s in g u l a r id a d e d e ), morreu a
contra os fatos da religião” . Da mesma forma, opós-se morte expiatória e ressuscitou corporalmente dos
ao “ensinamento de meras hipóteses como se fossem mortos (v. r e s s u r r e iç ã o , e v id ê n c ia s d a ).
fatos” . Apesar de reconhecer que a “evolução há mui- Defesa da inspiração das Escrituras. A aborda-
to já é uma hipótese prática da ciência” , sempre afir- gem de Mullins às Escrituras foi indutiva, seguindo a
mava que “seus melhores expositores admitem livre- de James O r r , Marcus Dodds e William Sanday. Re-
mente que as causas da origem das espécies ainda jeitou 0 que considerava a abordagem “escolástica” ,
não foram descobertas. E nenhuma prova apareceu que fazia dos autores bíblicos “meros instrumentos
de que 0 homem não é criação direta de Deus, como sem inteligência ou penas usadas pelo Espírito San-
registrado em Gênesis” (Mullins [5], p. 64). to” (Mullins [3], p. 379). Mas confessou de boa vonta-
Defesa do sobrenaturalismo. Mullins declarou de sua crença de que a Bíblia é revelação de Deus (v.
que “0 maior debate hoje é entre 0 naturalismo e 0 B í b l i a , e v id ê n c ia s da ). Nela, disse ele, temos “a Escritu-

sobrenaturalismo” (v. m i l a g r e s , a r g u m e n t o s c o n t r a ). ra autorizada por Deus que a experiência cristã não


“ Defendemos inalteravelmente 0 sobrenatural no transcende nem pode transcender” (ibid.,p. 382).
cristianismo” (Mullins [5], p. 64). Falou firmemente Menciona os escritores bíblicos transmitindo “a ver-
contra seu alicerce no naturalismo, chamando este dade isenta de erro” (ibid., [2], 144). Seguindo James
último de “ ultraje contra a natureza humana [...] a Orr, afirma que a Bíblia “interpretada e julgada im-
milhões de milhas de distância da grande luta no parcialmente está livre de erro demonstrável em suas
coração do mundo” (!Mullins [4], p. 148). afirmações e é harmoniosa nos seus ensinamentos”
Defesa do teísmo. Apesar de Mullins ter enfati- (Mullins [3],p.381).
zado a experiência cristã, ele não negligenciou total- Ênfase à experiência cristã. Sem negligenciar as
mente 0 valor dos argumentos teístas a favor da exis- dimensões objetivas e racionais da fé, !Mullins deu mui-
tência de Deus (v. D e u s , e v id ê n c ia s d e ). Em Why is ta ênfase aos elementos experimentais da fé cristã. O
cristianismo, segundo ele, “tem que ver com dois gran-
Christianity true?, falou firmemente contra as prin-
des grupos de fatos: os fatos da experiência e os fatos
cipais cosmovisões alternativas (v. co s m o v is ã o ), como
da revelação histórica de Deus por meio de Cristo”
0 p a n te ísm o , idealismo, m a t e r ia lis m o , a g n o s tic is m o e
(Mullins [2], p. 18). Registrou testemunhos de cristãos
evolucionismo naturalista. Favoreceu, no entanto, a
reconhecidos da história da igreja assim como con-
verificação pragmática do cristianismo. Apesar dis-
temporâneos. Acreditava que havia conseguido “evi-
so, tentou libertar-se das acusações de subjetivismo
dência irrefutável da existência objetiva da Pessoa
ao enfatizar a base factual e histórica do cristianis-
[Deus] que assim me move” (Mullins, p. 284). Combi-
mo, assim como sua natureza racional. Opunha-se à
nando todo testemunho experiencial de uma linha-
redução do cristianismo a uma filosofia. Escreveu:
gem ininterrupta de cristãos que remontava ao n t ,
“0 cristianismo não é uma filosofia do universo. É
concluiu: “Alinha certeza se torna absoluta” (ibid.).
uma religião [...] 0 cristianismo é uma religião his-
tórica, e uma religião de experiência. Está fundada
Fontes
em fatos. A cosmovisão cristã baseia-se nesses fa-
W il l ia m E. A . E l i is , .4 man of books and a man of
tos” (Mullins [4],p. 163).
Defesa da historicidade dos evangelhos. A astú-
thepeople.
F is h f . r H um p h r e y s , “ E.Y. M u l l i n s ” , em Baptist
cia apologética de Mullins é retratada num tributo
theologians, T i m o t h y Ge org e e D a v i d D o c k e r y orgs.
feito por Thorton Whaling, professor de apologética e E .Y .M u l l ix s (1), Why is Christianity true?
teologia no Seminário Teológico Presbiteriano em E. Y. !M u llin s ( 2 ), The Christian religion in its
Louisville, que observou que “Mullins está bem fami- doctrinal expression.
liarizado com os ataques históricos contra a fé cristã E. Y. M u l l in s ( 3 ), Freedom and authority in religion.
e também é um mestre das respostas históricas” E. Y. M i ‫׳‬l l in > ( 4 ) , Christianity at the crossroads.
(Nettles, p. 56). Até sua obra doutrinária, The Christian 1
E .Y . M u i i n s (? ) ," S c i e n c e a nd religion” , e m Review
religion in its doctrinal expression [A religião cristã em and Expositor. 22.1 (Jan. 1925).
sua expressão doutrinária], contém uma forte defesa E.Y'. M u l i in s ( 6 ), The axioms ot religion.
dos fatos do Jesus histórico. Baseado na integridade T om N f- τ ϊ ΐ ts,“ Ed ga r Y o u ng M u l l i n s ” , e m Handbook
das testemunhas do n t (v. Novo Te s t a m e n t o , h is t o r ic id a d e ot evangelical theologians.
d o ), Mullins reconstruiu a partir dos registros históri- B il l C l a r k T h o m a s , Edgar Young Mullins: a baptist
cos 0 Jesus sobrenatural que teve n a s c im e n t o v ir g in a l , exponent of theological restatement.
Nn
não-contradição, princípio da. V. p r im e ir o s p r in c íp io s . apologético no argumento a favor da confiabilidade
do material histórico usado para estabelecer a di-
Nag Hammadi, evangelhos de. Alguns críticos radi- vindade de Cristo.
cais do x t (v. B íb lia , c r ít ic a d a) afirmam que os evange- 0 x t revela uma coleção de livros no século 1.
lhos gnósticos são iguais aos do x t e que não apóiam a Pedro fala que dispõe das epístolas de Paulo (2Pe
ressurreição de Cristo (v. m ila g re; re s s u rre iç ã o , evidências 3.15,16), igualando-as às Escrituras do a t . Paulo teve
d a ). O S e m in á rio Jesus coloca 0 E v a n g e l h o d e T o m é na sua acesso ao evangelho de Lucas, citando-o (10.7) em
Bíblia, que é tão severamente truncada. Ambas as con- ITimóteo 5.18.
clusões são um desafio sério à fé cristã histórica. Além do x t , listas canônicas apóiam a existência
Os evangelhos gnósticos (v. g n o s t i c i s m o ) foram de um cânon do x t ( v . Geisler e Nix, 294). Na realidade,
descobertos em Nag Hammadi, Egito, perto do Cai- todos os evangelhos e epístolas básicas de Paulo são
ro, em 1945, e traduzidos para 0 inglês em 1977. O representados nessas listas.
Evangelho de Tomé (140-170) contém 114 pronunci- Até 0 cânon herético de Marcião (c. 140) aceitou
amentos secretos de Jesus. 0 evangelho de Lucas e dez das epístolas de Paulo (v.
C red ib ilid a d e dos evangelhos gnósticos. A melhor B íb l ia , c a x o x ic id a d e d a ).

maneira de avaliar a credibilidade desses evangelhos é Apoio dos pais da igreja. Um conjunto comum de
pela comparação com os evangelhos do N‫־‬r, que os mes- livros foi citado pelos pais no século 11. Isso inclui os seis
mos críticos têm sérias dúvidas em aceitar (v. livros cruciais para a historicidade de Cristo e sua res-
g n o s t ic is m o ; Novo T e s t a m e n t o , h is t o r ic id a d e d o ; Novo T e s t a - surreição, os evangelhos, Atos e 1 Coríntios. Clemente
m e n t o , m a n u s c r it o s d o ). Perto dos evangelhos canônicos, de Roma citou os evangelhos no ano 95 (Aos coríntios,
os evangelhos gnósticos são bem inferiores. 13,42, 46). Inácio (c. 110-115) citou Lucas 24.39 (Aos
Obras recentes. As datas atestadas para os evan- esmirneus, 3). Policarpo (c. 115) cita todos os Evange-
gelhos canônicos são no máximo de 60-100 (v. Novo lhos sinóticos (Aos filipenses, 2,7). O Didaquê (início do
T e s t a m e n t o , d a t a ç ã o d o ). Os evangelhos gnósticos apa- século 11) cita os evangelhos sinóticos (1,3,8,9,15,16). A
receram quase um século depois. 0. C. Edwards afir- Epístola de Barnabé (c. 135) cita Mateus 22.14. Papias
ma: “Como reconstruções históricas, não há manei- (Oráculos, c. 125-140) menciona Mateus, Marcos (nar-
ra de os dois tipos de evangelho reivindicarem cre- rando Pedro) e João (último) que escreveram os evan-
denciais idênticas” (Edwards, p. 27). gelhos. Ele diz três vezes que Marcos não cometeu erros.
Valor histórico. Os primeiros cristãos preservaram Os pais consideravam os evangelhos e as epístolas de
meticulosamente as palavras e ações de Jesus. Os autores Paulo equivalentes ao at inspirado (v. Aos coríntios, de
dos evangelhos eram próximos das testemunhas ocula- Clemente [47], Aos efésios [10] e A Policarpo [1, 5], de
res e pesquisaram os fatos (v. Lc 1.1-4). Há evidência de Inácio, e Aosfilipenses, de Policarpo [1,3,4,6,12]).
que os autores dos evangelhos eram honestos como nar- Os pais testemunharam a favor da precisão dos
radores. Eles também apresentam a mesma descrição evangelhos canônicos no início do século 11. Isso é
geral de Jesus (v. B íb l ia , supo sto s e r r o s n a ; r e s s u r r e iç ã o , e \t - bem antes de os evangelhos gnósticos serem escri-
d ê n u a s d a ). tos, no final do século 11.
Cânon do x t . Contrariando os críticos, 0 cânon do Registros gnósticos da ressuneição. Não há evidência
xt com os evangelhos e a maioria das epístolas de real de que o suposto documento q (Quelle, fonte) pro-
Paulo foi formado antes do fim do século 1. Os únicos posto pelos críticos tenha existido (v. Linneman; v. q ,
livros disputados, os antilegomena, não têm valor docum ento). Trata-se de uma reconstrução imaginária,
natural, teologia 622

portanto a alegação de que ele não tem nada sobre a natural é estabelecida em comparação com a teolo-
ressurreição é inútil. gia sobrenatural que depende da revelação sobre-
0 Evangelho de Tomé existe, apesar de pertencer natural (v. r e v e l a ç ã o e s p e c i a l ) de Deus, tal como a
ao final do século 11. No entanto, contrariando os Bíblia.
críticos que apóiam essa composição, reconhece a A te o lo g ia n a tu ra l d e p e n d e do s a rg u m e n to s r a c i-
ressurreição de Jesus. Na verdade, é 0 Cristo vivo, o n a is a fa v o r d a e x is t ê n c ia de D e u s (v. c o s m o l ó g ic o ,

pós-morte (34.25-27; 45.1 16 ‫ )־‬que supostamente fala arg u m en to ; m o r a l a fa v o r d e Deus, argum ento; te le o ló g ic o ,
nele. É verdade que não enfatiza a ressurreição, mas a rg u m en to ) e d a n a tu re z a (v. Deus, n ature za d e ). A m a i-

isso é esperado, já que é basicamente uma fonte de o r ia d o s teólo gos n a tu ra is , s e g u in d o Tomás de A q u in o ,


“pronunciamentos‫ ״‬e não uma narrativa histórica. a c re d ita q u e é p o s s ív e l co n h e c e r a e x is tê n c ia , u n id a -
Além disso, 0 preconceito teológico dos gnósticos de e n a tu re z a g e ra l de D e u s a p a r t ir d a re v e la ç ã o n a t u -
contra a matéria ignoraria a ressurreição física. ral. No e n ta n to , a t r in d a d e de D e u s (v. tr in d a d e ) , a
Os credos dos primeiros cristãos. Como os críticos e n c a rn a ç ã o de C r is to (v. C r is to , d iv in d a d e d e ) e a re d e n -
reconhecem a autenticidade de 1 Coríntios 15, que ção (v. “ p a g ã o s ” , s a l v a ç ã o d o s) só p o d e m ser c o n h e c id a s
data de mais ou menos 55-56 d.C, é impossível negar p e la re v e la ç ã o s o b re n a tu ra l. E s s e s ite n s são c o n h e c i-
a historicidade da ressurreição. Isso foi apenas 22 do s p o r m is té rio s d a Fé (v. m isté rio ).
ou 23 anos após a morte de Jesus (1C0 15.6). Além
disso, 1 Coríntios 15.1 refere-se a um possível credo naturalism o. O naturalismo filosófico ou metafísico
que confessa a morte e a ressurreição de Cristo que refere-se à teoria de que a natureza é tudo 0 que
seria ainda mais próxima dos eventos. Mesmo existe. Não há um reino sobrenatural e/ ou interven-
supondo a idade mínima de dez a doze anos do credo, ção no mundo (v. m a t e r i a l i s m o ; m i l a g r e s , a r g u m e n t o s
ele teria surgido apenas dez a doze anos após os c o n t r a ) . No sentido restrito, todas as formas de não-

eventos. Poucos eventos antigos têm essa verificação teísmo são naturalistas, inclusive 0 a t e í s m o , o p a n t e í s m o ,
contemporânea imediata. O DEÍSM O e 0 a g n o s t i c i s m o .
C o n clu sã o . A evidência a favor da autenticidade No entanto, alguns teístas (v.t e í s m o ) , principalmente
dos evangelhos gnósticos não se compara à do n t . 0 n t os cientistas, defendem uma forma de naturalismo
é um livro do século 1. 0 Evangelho de Tomé é um livro metodológico. Isto é, ao mesmo tempo que reconhe-
da metade do século 1. 0 n t é comprovado por várias cem a existência de Deus e a possibilidade de mila-
linhas de evidência, inclusive outras referências no n t , gres, empregam um método de abordagem do mun-
listas canônicas antigas, milhares de citações pelos do natural que não admite milagres (v. c i ê n c i a d a s o r i -
pais primitivos e as datas antigas comprovadas dos g e n s ) . Esse é 0 caso de muitos evolucionistas teístas (v.

evangelhos. e v o l u ç ã o ; e v o l u ç ã o b i o l ó g i c a ), tais como Douglas Young

(v. Young) e Donald !MacKay (v. MacKay). Eles insis-


Fontes tem em que admitir milagres na natureza para expli-
0. C. E d w a r d s , New review of book and religion car 0 singular ou anômalo é invocar “0 Deus dos
(M ay 1980). intervalos” . Nesse sentido cooperam com os anti-
C. A. E v a n s , Nag Hammadi texts and the Bible. sobrenaturalistas, que negam milagres por serem es-
].Fitzmyer,America (16 Feb. 1980). tes contrários ao método científico.
A. F r e d e r ic k , et al., The gnostic gospels. F o rm a s d e n a tu ra lism o m etafísico. Os naturalis-
N. L . G e is le r e W. Nix, Introdução bíblica. tas metafísicos são de dois tipos básicos: materialis-
R. M . G ra n t, Gnosticism and early Christianity. tas e panteístas. 0 materialista reduz tudo à matéria
E . L in n e m a n , Is there a synoptic problem? (v. m a t e r i a l i s m o ) e 0 panteísta reduz tudo à mente ou
J. P. M o r e l a n d , org. Jesus under fire. espírito. Ambos negam que 0 reino sobrenatural in-
J. M. R o b in so n , The Nag Hammadi library in English. tervém no mundo natural. Eles se diferenciam princi-
F. S e ig e rt, et al., Nag-Hammadi-resister. palmente com relação ao mundo natural ser ou não
C. M. T u c kett ,Nag Hammadi and the gospel composto por matéria ou mente (espírito). Os que
tradition. sustentam a última posição geralmente admitem a
possibilidade de eventos supranormais derivados des-
natural, teologia. Teologia é 0 estudo (logos) de Deus sa Força espiritual invisível (v. m i l a g r e ; m i l a g r e s , m á g i -
(theos). Teologia natural (v. l e i , n a t u r e z a e t i p o s d e ) é 0 c a e ) . Esses eventos, no entanto, não são sobrenaturais

estudo de Deus que se baseia no que se pode conhecer no sentido teísta de um ser sobrenatural que intervém
por meio da natureza (v. r e v e l a ç ã o g e r a l ) . A teologia no mundo natural que criou.
623 naturalism o

B a s e s p a r a 0 n a t u r a l i s m o . Os naturalistas que todo evento no universo pode ser explicado a


metafísicos rejeitam completam os milagres. Vari- partir do universo inteiro (0 sistema inteiro). Os
am apenas na base da crítica ao sobrenatural. Baruch naturalistas acreditam que não há necessidade de
Esp in o sa acreditava que milagres são impossíveis por- apelar para algo (ou alguém) fora do universo para
que são irracionais. David H u m e afirmou que mila- explicar qualquer evento no universo nem explicar
gres são inacreditáveis. Rudolph B u lt m a n n conside- 0 universo inteiro em si.
rava que milagres não são históricos, são mitos (v. Porém os naturalistas mais científicos, que insis-
m ila g re s , m ito E; m it o lo g ia E 0 Novo T e s t a m e n t o ). Base- tem em explicar tudo em termos de leis físicas e quí-
ado na im possibilidade de repetir 0 milagroso, micas não podem explicar as próprias teorias ou leis
Antony F l e w argumentou que milagres não são por meio de meros processos físicos e químicos. Pois
identificáveis. Immanuel K a n t declarou que mila- a “teoria” ou “lei” sobre processos físicos obviamente
gres não são essenciais à religião. Lodas essas alega- não é em si um processo químico. É uma teoria não-
ções foram cuidadosamente analisadas e conside- física sobre coisas físicas. Perguntaram certa vez a um
radas infundadas nos artigos m ila g r e e m ila g re s , a r- professor de física: “Se tudo é matéria, então 0 que é
GUMENTOS CONTRA. uma teoria científica sobre a matéria?”. Sua resposta
A v a lia ç ã o . In c o e r ê n c ia teísta d o n a tu ralism o. foi: “É m ág ica!”. Quando lhe perguntaram sua base
Teorias naturalistas admitem que um tipo deísta de para crer nisso, ele respondeu: “Fé” . É interessante
Deus existe ou negam ou duvidam da existência de observar a incoerência de a cosmovisão puramente
um Ser divino. Mas supostas refutações de Deus são materialista recorrer à fé na “mágica” como base para
notoriamente mal-sucedidas (v. D e u s, supostas re fu ta - crenças materialistas.
ções d e ). A evidência de que Deus existe é forte (v. Outro argumento que revela a incoerência do
c o s m o ló g ic o , a r g u m e n t o ; m o r a l de D e u s , a r g u m e n t o ; naturalismo puro foi dado por C. S. Lew is. Citando
t f t e o ló g ic o , a r g u m e n t()). Quanto a teorias que admi- Haldane, Lewis escreveu:
tem a existência de um Deus sobrenatural, porém
negam milagres (tais como 0 deísmo), muitos críticos Se meus processos mentais são determinados completa-
demonstraram sua incoerência fundamental. Pois, se mente pelo movimentos dos átomos no meu cérebro, não te-
Deus pode e fez 0 maior ato sobrenatural de todos — nho razão para supor que minhas crenças sãoverdadeiras [...]
a criação do mundo a partir do nada (v. c r ia ç ã o , visões eportanto não tenho razão para supor que meu cérebro écom-
d a ), não há razão para negar a possibilidade de eventos posto de átomos (Lewis, p. 22).
sobrenaturais inferiores (i.e., milagres). Pois fazer água
do nada (como Deus fez em Gn 1) é um evento sobre- Se 0 naturalismo afirma ser verdadeiro, então
natural maior que transformar água em vinho (como deve haver algo mais que meros processos naturais;
Jesus fez em Jo 2). deve haver a “razão” , que não é simplesmente um
Insuficiência científica. A ciência moderna demons- processo físico natural.
trou 0 milagre — a origem do universo material do Outra maneira de afirmar a incoerência do natura-
nada. A evidência da origem instantânea ( big -b an g ) lismo é demonstrar que uma premissa básica da ciên-
do universo é forte. Essa evidência inclui a segunda lei cia, que até os naturalistas defendem, é contrária à con-
da termodinâmica (v. te rm o d in â m ic a s , le is d a ), o uni- clusão de que qualquer evento no universo pode ser
verso em expansão, 0 eco da radiação e a descoberta explicado a partir do universo inteiro. Essa premissa
da grande massa de energia prevista pela teoria do de que “todo evento tem uma causa” é a base filosófi-
big-ban g (v. k a la m , a rg u m e n to c o s m o ló g ic o ). Assim, a ca da pesquisa científica (v. c a u s a lid a d e , p rin cíp io d a ).
matéria nem é eterna nem é tudo 0 que existe. E, se há Assim, os cientistas — certamente os naturalistas —
um Criador de todo 0 universo a partir do nada, 0 tentam encontrar a explicação ou causa natural de
maior milagre já aconteceu. todos os eventos. Mas se todo evento tem uma causa,
Insuficiência filosófica. Duas premissas comuns a conclui-se que 0 universo inteiro tem uma causa. Pois
todas as formas de humanismo secular (v. hum anism o 0 universo concebido pela ciência moderna é a soma
s e c u l a r ) são 0 não-teísmo e 0 naturalismo. Elas po- total de todos os eventos num determinado momento.
dem ser tratadas juntas, uma vez que, se não há ser Porém, se cada evento é causado, então todo evento é
sobrenatural (Criador) além do universo natural, en- causado. E se 0 universo é a soma total de todos os
tão a natureza é tudo que existe. Geralmente 0 natu- eventos, então 0 universo inteiro é causado. Por exem-
ralismo significa que tudo pode ser explicado por pio, se cada lajota do piso é marrom, então 0 piso intei-
processos químicos e físicos. No mínimo significa ro é marrom. E se cada parte da mesa é de madeira,
neopaganismo 624

então a mesa inteira é de madeira. Da mesma forma, homem — e tem muito que ver com nossa saúde espiritual e
se todo evento no universo é um efeito, então, ao acres- nosso crescimento espiritual (Satin, p. 113-4).
centar todos os eventos (efeitos), não se tem uma cau-
sa. Pelo contrário, a soma total de todos os eventos R a íz e s d o n e o p a g a n is m o . O neopaganismo não
causados precisa de uma causa para explicála (v. é um movimento monolítico. Ele surge do solo do
COSMOLÓGICO, A R G U M E N T O ). paganismo, h in d u ís m o , 1vicca e, indiretamente, do a teis-
Não é suficiente para 0 naturalista dizer que há algo m o e de outros sistemas. O ateísmo moderno fertili-

“mais” no universo que a soma de todos os eventos ou zou 0 solo em que 0 neopaganismo contemporâneo
“partes” , pois ele não estaria explicando tudo em ter- cresceu. David Miller descreve-0 surgindo das cinzas
mos de “partes” ou eventos físicos, mas em termos de da “morte de Deus” proclamada por Thomas A litor e
algo além deles. No entanto, é perfeitamente coerente outros nas décadas de 1960 e 1970. “A morte de Deus
para 0 não-naturalista insistir em que os eventos do abre 0 caminho para 0 renascimento dos deuses”,
universo não podem ser explicados a p e n a s em segundo Miller. Quando Deus morreu na cultura mo-
termos do universo físico dos eventos. Mas 0 natura- derna, os deuses antigos surgiram novamente. O
lismo não é capaz de explicar nem a si mesmo nem ao monoteísmo estava impedindo 0 paganismo.
universo com uma premissa puramente naturalista. P oliteísm o antigo. É claro que a raiz principal do
neopaganismo é 0 politeísmo grego e romano antigo.
Fontes Miller observou que 0 p ü ii t f ís m o antigo permaneceu
N.L.Geisler,Zs man the measurer, cap. 5. no submundo ou na tradição da contracultura do Oci-
___ , Miracles and the modern mind, cap. 8. dente em todo 0 reinado de 2 mil anos do pensamento
T. Hobbfs, Leviatã. monoteísta. Essa tradição pode estar por trás do re-
C. S. Lewis, Milagres. cente interesse em coisas como ocultismo, magia,
D. M ac K ay, Clockwork image. vida extraterrestre, sociedade e religiões orientais,
D. A. Young, Christianity and the age of the earth. comunidades, novas formas de vida familiar múltipla
e outros sistemas de estilo de vida alternativo que
neopaganismo. É 0 reavivamento do paganismo anti- parecem tão estranhos (ibid., p. 11). Ele acrescenta
go (v. m it r a I s m o ). É uma forma de p o l it e ís m o que surgiu na que, para tradições racial-culturais, os europeus oci-
esteira do movimento da “morte de Deus” (v. A l t iz e r , dentais ainda se baseiam em deuses e deusas da
T h o m a s ; N ie t z s c h e , F r ie d r ic h ). O neopaganismo também é Grécia antiga (ibid., p. 6,7,60,81).
manifesto em feitiçaria ( w i c c a ) , ocultismo e outras reli- Hinduísmo. Nem todo paganismo moderno vem
giões ligadas ao movimento da Nova Era (v. Geisler). da Grécia. O reavivamento do b u d ism o e principalmen-
Mark Satin comparou 0 novo paganismo com te do hinduísmo, com seus milhões de deuses, tam-
formas primitivas de religião. Citando Andrea bém apóia a religião da Nova Era e 0 neopaganismo. O
Dworkin, observou que a “religião antiga” : hinduísmo já se infiltrou em quase todos os níveis da
cultura ocidental, feito sob medida para 0 humanismo
• Celebrava a sexualidade, a fertilidade, a nature- ocidental ao ensinar que cada um de nós é um peque-
za e 0 lugar da mulher nela. no deus.
• Adorava uma divindade cabeluda e alegre que F eitiçaria (wiccaj e fem in ism o radical. Outra cor-
amava a música, a dança e boa comida. rente é a religião wicca. Esse movimento, conhecido
• Era centrada na natureza e na mulher, com sa- popularmente como feitiçaria, tem uma superposição
cerdotisas, sábias, parteiras, deusas e feiticeiras. forte com 0 movimento feminista. Os partidários da
• Não tinha dogmas. Cada sacerdotisa interpre- bruxaria abominam 0 monoteísmo (v. t e ís m o ). A bru-
tava a religião à sua maneira. xa feminista Margot Adler expressa essa posição. Adler
refere-se ao monoteísmo como uma das posições po-
Nem tudo isso poderia ser restabelecido na socie- líticas e religiosas totalitárias que dominam a socie-
dade da Nova Era, escreve Satin, mas os neopagãos dade (Adler).
poderiam adaptar a centralização na natureza e na Ocultismo e Guerra nas estrelas. A “religião de Jedi”
mulher a novas prioridades. de Guerra nas estrelas, de George Lucas, baseia-se no
feiticeiro mexicano Don Juan. O biógrafo de Lucas,
A centralização na natureza tem um equivalente óbvio na Dale Pollock, menciona que “0 conceito da Força nos
nossa preocupação crescente coma qualidade de nossa ligação filmes de Lucas foi muito influenciado por Tales o f
com 0 meio ambiente — tanto 0 natural quanto 0 criado pelo p o w er [Contos de p o d er], de Carlos Castaneda. Esse é
625 neopaganismo

um registro de um suposto feiticeiro indígena me- as bruxas feministas geralmente serem monoteístas,
xicano, Don Juan, que usa a expressão ‘força vital’” adorando a deusa como 0 único deus (ibid., p. 35,112).
(Pollock, p. 10). O diretor do filme de Lucas O im pé- Os neopagãos às vezes se descrevem como politeístas
rio co n tra-ataca, Irvin Kershner, é um zen-budista monoteístas. Morgan McFarland, uma bruxa de Dallas,
(v. zen-budism o). Ele admitiu sobre 0 filme: declarou:

Quero apresentar um pouco de zen aqui porque não quero Eu me considero monoteísta por crer na Deusa, Creatrix,
os jovens achando que tudo se resume em mocinho matando 0 Princípio Feminino, mas ao mesmo tempo reconheço que
bandido, mas que também há um pouco para pensar sobre si outros deuses e deusas existem através dela como manifesta-
mesmos e seu ambiente (Kershner,p. 37). ções dela, facetas do todo (ibid., p. 36).

Seja qual for a fonte da Força de Guerra nas estre- Pela própria definição, 0 uso do vocábulo m on o-
las, é claramente semelhante à F orça em que as bruxas teísta aqui é enganoso. Ela e outros pagãos acredi-
neopagãs acreditam. O próprio Lucas referiu-se à for- tam numa manifestação multifacetada (politeísta)
ça como uma religião no primeiro filme de sua trilogia do panteísmo. Cada manifestação, é claro, é finita (v.
de Guerra nas estrelas (Lucas, p. 37,121,145). A perso- p o l it e í s m o ).

nagem Luke Skywalker, praticava magia branca quando A co n ex ão fem in ista ra d ica l O neopaganismo está
entrou em contato com 0 “lado luminoso da Força”, a fortemente ligado ao feminismo radical. Nem todos
Força era “Deus”. Lucas afirmou numa entrevista para os neopagãos são feministas, nem todas as feministas
Time (v. Fontes) que “0 mundo funciona melhor se são neopagãs. Adler descreve a dinâmica dessa forma:
você estiver do lado bom” dessa Força oculta. A feiti-
çaria de Lucas é ainda mais evidente no herói de seu Muitas assembléias de bruxaria feminista têm [...] atraído
filme subseqüente, Willow, cujo objetivo de vida era mulheres de todos os estilos de vida. Mas, até aqui, a maioria
ser feiticeiro. dessas mulheres já foi fortalecida pelo movimento feminista,
C a r a c te r ís tic a s d o n e o p a g a n is m o . Têm por base ou por grupos de conscientização, ou por experiências
politeísmo, 0 oculto, 0 relativismo e 0 pluralismo. importantes como divórcio, separação ou uma experiência
Politeísmo. Os neopagãos são livres para adorar qual- homossexual (ibid., 37).
quer deus ou deusa, antigo ou moderno, do oriente ou
do ocidente. Alguns adoram Apoio e Diana. 0 autor-fi- Uma feminista neopagã diz:
lósofo Theodore Roszak ( W here the w astelan d ends
[Onde acab a 0 erm o ] ) é animista. Acredita que “a estátua Descobrimos que mulheres que trabalham juntas são ca-
e 0 bosque sagrado eram janelas transparentes [...] pazes de evocar seu passado e despertar seus ancestrais [...]
pelas quais a testemunha era levada para solo sagrado Isso não parece acontecer quando homens estão presentes
do além e participava do divino” (v. Adler, 27). A [...] parece que em assembléias mistas, não importa quão
maioria dos neopagãos reaviva uma das formas ociden- “feministas”as mulheres sejam, um tipo de competição come-
tais de politeísmo. Os nomes dos deuses podem variar, ça a acontecer. Entre mulheres apenas,nada disso ocorre,e uma
mas a maioria é celta, grega ou latina. grande reciprocidade se desenvolve, ao contrário de tudo que
Alguns neopagãos discutem sobre 0 estado ontológico já vimos (ibid., p. 124).
de seus “deuses”, dando-lhes um papel idealista ou estético.
Mas, como foi dito: “Todas essas coisas estão dentro Algumas eram feiticeiras antes de ser feminis-
do âmbito da possibilidade. Está em nossa natureza tas. Uma neopagã de Los Angeles disse que sua jor-
chamá-las em ‘deuses’”. Deus é um ser eterno; e nós nada espiritual começou quando viu sua mãe falan-
também. Então, de certa forma, nós também somos do com os mortos.
deus. Adler menciona que há duas divindades da
maioria dos grupos de w icca: 0 deus é 0 senhor dos Eu a vi entrar em transe e sentir presenças à sua volta. Ele
animais e da morte e do além; e a deusa tem três é uma artista, e sua arte geralmente reflete influência
aspectos: Donzela, Mãe e Anciã. Cada um de seus sumerianas [...] Ela faz previsões e pode fazer cessar 0 vento.
aspectos é sim bolizado por uma fase da lua. A
Donzela é a lua crescente, a Mãe é a lua cheia e a Mas a filha, como a mãe, tinha um papel tradicio-
minguante é como a mulher que já não pode ter nal de esposa e mãe e sentiu-se limitada e escravizada.
filhos. Adler sugere que os neopagãos podem ser con- Ao tentar 0 suicídio, ela teve uma visão que confir-
siderados adoradores de duas divindades, apesar de mou suas crenças ocultas. Sua conscientização como
neopaganismo 626

feiticeira e 0 ponto de vista feminista se uniram na caso, então os opostos poderiam ser ambos verda-
tentativa de liberar sua feminilidade da opressão que deiros. Isso viola as leis fundamentais de pensamen-
sentia (ibid., p. 76-7). to (v. p rím e irO ' ?rix c i f :<:‫)>׳‬. A pessoa que afirma que
Uma vantagem da feitiçaria para as mulheres é que opostos podem ser ambos verdadeiros não acredita
nesse contexto seu sexo tem statu s igual, e geral- realmente que 0 oposto daquela afirmação também
mente superior. Já na década de 1890, um observa- seja verdadeiro.
dor social chamado Leland escreveu que, em tem- Relativismo. Os neopagãos são relativistas. Porém
pos de rebelião intelectual contra 0 conservadorismo nenhuma verdade pode ser relativa. A própria afir-
e a hierarquia, há uma luta feminista por superiori- mação é apresentada como uma reivindicação não-
dade. Ele observou que na feitiçaria a mulher é 0 relativa. Xão pode haver um Deus único (monoteísmo)
princípio primitivo: e mais que um deus (politeísmo) ao mesmo tempo e
no mesmo sentido (v. p lu ra lis m o ).
A percepção dessa tirania levou grande número de des- Pluralism o. 0 deseio pluralista de englobar todas
contentes à rebelião e, como não podiam prevalecer por meio as formas de religião enfrenta 0 mesmo problema.
da batalha aberta, canalizaram seu ódio numa forma de anar- Não pode ser todas verdadeiras, incluindo-se as
quia secreta, que estava, no entanto, intimamente mesclada opostas. Isso viola a lei da nâo-contradiçâo (v. lü g i-
com superstição e fragmentos da tradição antiga (ibid., 59). ca ; p rim e iro s p rin c íp io s ). Ou o politeísmo é verdadeiro

ou 0 monoteísmo é verdadeiro. Ambos não podem


Ocultismo. Quase inevitavelmente os neopagãos es- ser verdadeiros. Os neopagãos não podem usar afir-
tão envolvidos com 0 ocultismo. Acreditam numa for- maçòes do tipo “ou um ou outro” para afirmar pen-
ça, energia ou poder impessoal, do qual podem receber sarnentos do tipo “tanto um quanto outro” . Os
a capacidade para fazer coisas supranormais. Luke politeístas têm de negar 0 pluralismo para afirmá-
Skywalker, de Guerra nas estrelas, é 0 modelo clássico 10, pois não acreditam que 0 oposto do pluralismo
dessa crença. Tentativas de maldição são outro exemplo. seja verdadeiro. Mas se os opostos não são verdadei-
ros, 0 pluralismo é falso.
P lu ralism o e relativism o. Os neopagãos são forte-
Inclusirism o. A afirmação de que devemos ser in-
mente pluralistas. Por natureza, 0 politeísmo cede
clusivos, considerando todas as religiões verdadeiras,
espaço a vários deuses e deusas. Toda forma de ado-
também é contraditória. É unia afirmação não-indu-
ração de qualquer deus escolhido é legítima. Tal cren-
siva (i.e., exclusivista) afirm ar que apenas 0
ça rejeita a verdade absoluta, dando lugar ao
inclusivismo é verdadeiro e todo exclusivismo é falso.
irracionalism o no qual opostos podem ser verda-
Ao mesmo tempo que afirma permitir diversidade
deiros. Miller nega que qualquer sistema opere “se-
total de expressão, a prática neopagã é bem restritiva.
gundo conceitos e categorias fixos” e que tudo seja
A própria existência de comunidades secretas revela
controlado por categorias lógicas exclusivas. Rejeita
a natureza exclusivista do grupo. Alguns referem-se à
a idéia de que algo tenha de ser verdadeiro ou falso,
wicca como a religião. Até seus defensores acreditam
belo ou feio, bom ou mau (ibid., p, 7).
num elemento universal no neopaganismo, insistin-
Coerentemente, muitos neopagãos rejeitam total-
do na universalidade do conteúdo, mas não da forma
mente a idéia de .4 Bíblia das bruxas , principalmente
(ibid., p. 116,145). A existência de um ritual de inicia-
0 artigo definido A. Os pagãos modernos continuam ção é uma característica do exclusivismo. As bruxas
sendo antiautoritários, gabando-se de ser “a religião afirmam que seu ritual é a maneira de proteger a ins-
mais flexível e adaptável, [...] perfeitamente disposta tituição de pessoas desonestas, más ou que difamari-
a eliminar os dogmas” (Adler, ix, p. 126,135).Um “cre- am 0 grupo (ibid., p. 98). Contudo, se precisam prote-
do” neopagão, portanto, é uma contradição. Por defi- ger sua instituição do mal ou de pessoas desonestas,
nição, eles não têm credos. deve haver uma forma genuína de preservação. Adler
Avaliação. Muitas críticas da religião neopagã, afirma que a feitiçaria iá foi a religião u n iversal que
politeísta e relativista (v. v e rd a d e , n a t u r e z a a b s o lu ta d a) foi forçada para 0 submundo (ibid., p. 66). Essa é uma
são tratadas em outros artigos, λ', d u a lis m o ; f i n i t o , reivindicação implícita de universalidade exclusi-
deísmo; gxosticism o; D e u s, n a tu re z a de; hinduism o v e d a n ta ; vismo de ser a religião.
m onismo; N o s tr a d a m u s ; paxteísm o; p lu ralism o re lig io s o ; Uma controvérsia em que adeptos da wicca con-
Algumas questões
v e r d a d e , x a tu rf.z a da; zen-budism o. denaram um casal que cobrava dinheiro para dar au-
centrais podem ser discutidas brevemente aqui: las de feitiçaria também mostra exclusividade. As pes-
Irracionalism o. Os neopagãos afirmam que devem soas que declararam sua reprovação insistiram em
descartar a razão como norma da vida. Mas, nesse que “isso viola a Lei da Feitiçaria”, mostrando que há
627 neopaganismo

uma lei universal de feitiçaria que define 0 certo e 0 Ele acrescenta que seus deuses têm característi-
errado. Se não define, a feitiçaria pode ser da forma cas humanas. São imperfeitos e muito mais acessíveis
que se desejar. Até os “Princípios da crença wicca", (Forth Worth Star-Ielegram , 16 Dec. 1985, 2a ). Na lin-
adotados pelo Conselho de Feiticeiras Americanas guagem bíblica essa é uma confissão clara do fato de
em 11 e 14 de abril de 1974, apresenta uma forte decla- que os pagãos “suprimem a verdade pela injustiça [...]
ração excluindo a crença no cristianismo como “0 e trocaram a glória do Deus imortal por imagens fei-
único caminho”. Elas reconheceram isso francamen- tas segundo a semelhança do homem mortal” (Rm
te como parte de “nossa animosidade contra 0 cristi- 1.18,23).
anismo” (ibid., p. 103). Caráter anticonfessional. Apesar de seu protesto, 0
Grupos inclusivos não percebem que toda reivin- neopaganismo tem seus credos e dogmas. Adler admi-
dicação de verdade é exclusiva. Se 0 cristianismo é te: “Já vi muitas pessoas no grupo se preocupando com
verdadeiro, então necessariamente todas as crenças detalhes de ritual e mito. Algumas pessoas aceitam es-
não-cristãs são falsas. Se a feitiçaria é verdadeira, to- ses detalhes como dogma”. Embora proteste contra
das as outras crenças são falsas. O neopaganismo é tão dogmas, Adler estabelece um conjunto de “crenças bá-
exclusivista quanto qualquer outra religião que afir- sicas” que, segundo ela, “a maioria das pessoas nesse
ma ter descoberto a verdade sobre a realidade. livro compartilha” (Adler, p. 88, ix). Ela parece não per-
Os neopagãos admitem que 0 “politeísmo sempre ceber que dessa forma está definindo um credo.
incluí 0 monoteísmo. 0 inverso não é verdadeiro” O credo que ela confessa é informativo:
(ibid., viii). Inclui não é a palavra adequada aqui. O
politeísmo está disposto a absorver ou engolir crenças O mundo é santo. A natureza é santa. O corpo é santo. A se-
monoteís-tas, mas deve ser extremamente exclusivista xualidade é santa. A mente é santa. A imaginação é santa. Sois
em relação a todas as formas ortodoxas de santos [... ] Tu és Deusa. Tu és Deus. A divindade é imanente em
monoteísmo. Essas cosmovisões não podem compar- toda Natureza. Está tanto dentro quanto fora (ibid.).
tilhar 0 mesmo sistema de crença. Sob 0 manto da
linguagem inclusiva, 0 neopaganismo acredita que 0 Há várias doutrinas regulares do neopaganismo
caminho único é negar que haja um único caminho. nesse credo, incluindo-se panteísmo, politeísmo,
In c a p a c id a d e d e ex p lica r origens. Algumas reli- animismo, autodeificação e, implicitamente, livre ex-
giões pagãs falam sobre as origens, mas poucas fa- pressão sexual. No credo que chamaram “Princípio da
zem perguntam legítimas sobre elas (v. co sm o ló g ico , crença w icca", 0 Conselho das Feiticeiras America-
a r g u m e n t o ). Existem deuses atuando, mas como nos nas descreveu treze princípios básicos. Esses princí-
levaram a esse ponto? O que causou tudo? C. S. L e w is pios incluem adoração à Lua, harmonia com a natu-
afirmou que 0 estabelecimento de uma relação en- reza, 0 poder criativo no universo manifestado em
tre Deus e a natureza também os separa. Aquilo que polaridades masculinas e femininas e sexo como
faz e aquilo que é feito são duas coisas, não uma. prazer. Por incrível que pareça, rejeitaram a adora-
“Logo, a doutrina da criação de certa forma elimina cão ao Diabo e a crença de que 0 cristianismo é “0
a divindade na natureza” (Lewis, p. 79,80). Isso des- único caminho” (ibid., p. 101-3).
trói 0 paganismo. Missão. Os neopagãos afirmam que não procuram
In ca p a c id a d e de ex p licar a u n idade. Se 0 pagão novos convertidos. “Você não se torna pagão”, eles in-
percebesse que a natureza e Deus são distintos, que sistem, “você é pagão”. Eles afirmam que ninguém se
um fez 0 outro, um governou e 0 outro obedeceu, os converte à w icca. Mas aceitam pessoas atraídas pelo
deuses não seriam adorados, e sim 0 Deus criador. C. paganismo por “ouvir falar, uma conversa entre amigos,
S. Lewis observou: “A diferença entre crer em Deus e uma palestra, um livro ou um artigo”. Independente-
em vários deuses não é aritmética [...] Deus não tem mente de seu propósito, 0 que são esses recursos além
plural” (Lewis, p. 78, 82). Com isso é revelada a de- de meios de proselitismo? Afirmar que essas pessoas
pravação do politeísmo, pois os politeístas prefe- sempre foram pagãs e que apenas “se encontraram”
rem adorar um deus que fazem, em vez de ao Deus (ibid., x, p. 14,121) é como missionários cristãos nega-
que os fez. Um neopagão concluiu: rem que evangelizam, já que os que crêem apenas “vol-
tam para Deus”. Como qualquer outra pessoa que acre-
Percebi que não era tão ultrajante, e que podíamos esco- dita que encontrou a verdade ou a realidade, os
lher que divindades seguir... [pois] 0 elemento do cristianis- neopagãos não conseguem resistir à tentação de pro-
moque [me] incomodava [...] era sua exigência de submissão pagar sua fé. Por que outro motivo a experiência do
àdivíndade. esclarecimento levaria novos wiccanos a proclamar com
neoteísmo 6 :8

0 zelo de um novo convertido: “Entrei em contato com a em que utilizaremos nossa liberdade, apesar de po-
Deusa. Era a religião” (ibid., p. 116)? der às vezes prever com grande precisão as escolhas
que faremos livremente” (Pinnock, p. 76-7).
Fontes O neoteísmo pode ser descrito da melhor ma-
A im .e r , M a r iío t , D raw ing down the moon. neira observando-se 0 que ele tem em comum com
____, “ Neo-paganism and feminism'', em 0 teismo tradicional ou clássico e também as dife-
Christian Research Journal. renças entre eles.
N. L. G u s l iir e J. A m anv, The infiltration ot the A V ir Princípios cm com u m com 0 teismo. De acordo com
Age. 0 teis.vo clássico, os neoteístas acreditam que Deus é
I. K ershnfr, Entrevista em Rolling Stone (24 Ju ly um Ser pessoal, transcendente, onipotente, que criou
1980). 0 mundo t\v nihilo. do nada (v. c r ia ç ã o , y is õ fs d a ), e que
C. S. Luvi s, Reflections on the Psalms. pode fazer e tem feito atos sobrenaturais nele. Deus
G. L i c a s , Star wars. está 110 comando do universo, mas deu aos seres hu-
____, Entrevista em 77» 1t’ ( 23Mav 1983), 68. manos 0 poder de fazer livres escolhas.
D . M il e f r , The new polytheism.
P rin cípios diferen tes d o teism o. Ao contrário do
D. P om o c k , Skywalking: the life and films of George
teismo tradicional, 0 neoteísmo afirma que Deus não
Lucas.
tem conhecimento infalível dos atos livres futuros. Além
M.S\\ \s,h'ew Age politics.
disso, ele pode mudar e muda sua opinião de acordo
com nossas orações. Além disso, Deus não é absoluta-
neoteísmo. Significado do termo. Os defensores dessa mente simples nem é atemporal ou eterno. Logo, ele
não é capaz de controlar completamente ou prever de
posição dizem defender a teoria da “abertura de Deus”
forma exata como as coisas se desenvolverão.
ou “teismo do livre-arbítrio”, e com isso querem di-
zer que Deus aceita mudanças e que os seres huma-
Uma avaliação do neoteísmo. Características p o-
sitívas. Há muitas dimensões positivas no neoteísmo.
nos têm liv re - a rb ítrio , em oposição a qualquer prévio
Elas incluem todas as coisas que seus adeptos têm em
determinismo divino do futuro. Mas 0 “neoteísmo” pa-
comum com os teístas clássicos.
rece ser um termo mais adequado, simples e descriti-
Criação cx nihilo. Uma das crenças característi-
vo. Eles mesmos confessam que são teístas, mas ado-
cas do teismo clássico, em comparação com outras
taram alguns dos princípios do panenteísmo ou teolo-
cosmovisões (v. g o sm o vísã o ), é que Deus criou 0 uni-
gia de processo (v. W h ite h e a d , A. NT.).
verso do nada. Isso 0 distingue claramente a posição
Alguns defensores do neoteísmo. Defensores do do panenteísmo e coloca seus adeptos no campo
neoteísmo incluem Clark Pinnock, Richard Rice, John
maior do teismo.
Sanders, William Hasker e David Basinger (v. Pinnock
A firm ação de milagres. Ao contrário dos panen-
et al‫ ״‬The openness o f G od [.4 abertu ra d e D eus}). Ou-
teístas e de acordo com os teístas, os neoteístas afir-
tros que escreveram em defesa da posição: Greg Boyd,
mam a realidade dos m il a g r e s . Isso os coloca ao lado
Stephen T. David, Peter Geach, Peter Lang,). R. Lucas,
do teismo tradicional e em oposição ao n a t u r a l i s m o
Thomas V Morris, Ronald Nash, A. X. Prior, Richard e teismo neoclássico atual, conhecido por teologia
Purtill, Richard Swinburne e Linda Zagzebski. do processo.
Alguns princípios básicos do neoteísmo. Em Ê n fa s e à r e l a ç ã o d e D eus c o m a c r i a ç ã o . Os
suas palavras, os neoteístas acreditam que “ 1. Deus neoteístas se preocupam bastante, 0 que é correto,
não só criou este mundo ex nihilo, mas pode intervir em preservar a relação de Deus com 0 mundo. Um
e às vezes intervém unilateralmente nos assuntos ter- Deus que não pode ouvir e responder a orações é
renos. 2. Deus escolheu criar-nos com liberdade menos que pessoa e não é 0 Deus descrito na Bíblia.
incompatibilista (libertária) — liberdade sobre a qual Ênfase ao livre-arbítrio. Junto com os teístas clás-
ele não pode exercer controle total. 3. Deus também valo- sicos, os neoteístas deseiam defender 0 livre-arbí-
riza a tal ponto a liberdade — a integridade moral das trio das formas de determinismo que eliminariam 0
criaturas livres e um mundo no qual tal integridade é livre-arbítrio genumo. Isso é louvável.
possível — que normalmente não anula tal liberda- Além disso, deve ser mencionado que os neotéistas
de, mesmo se acha que está produzindo resultados estão corretos em enfatizar que há algumas coisas
indesejáveis. 4. Deus sempre deseja nosso bem maior, que são impossíveis para Deus, já que ele decidiu fa-
tanto individual quanto coletivamente, portanto é afe- zer criaturas livres. Ele não pode, por exemplo, forçá-
tado pelo que acontece em nossas vidas. 5. Deus não las a escolher algo livremente. Liberdade forçada é
possui conhecimento exaustivo da maneira exata uma contradição (v. l i v r e - a r r í t r i o ; m a l, p r o b le m a d o ).
629 Newman, John Paul

C rítica n egativa. Os neoteístas devem ser criti- Isto é, algumas delas podem estar erradas. Além dis-
cados em parte por criar Deus à sua imagem (v. so, não temos como saber quais delas estão erradas.
Geisler, toda a obra). Na verdade eles absorveram Então, 0 neoteísmo mina a infalibilidade de todas as
demais 0 panenteísmo e estão sujeitos a muitas das previsões bíblicas (v. p r o f e c i a c o m o p r o v a d a B í b l i a ).
mesmas críticas. 0 n eoteísm o d estrói 0 teste bíblico acerca d o s fa l-
0 n eoteísm o não é bíblico. Já que neoteístas cris- sos p ro fetas. A Bíblia declara (em Dt 19.22) que a
tãos afirmam aceitar a autoridade da Bíblia, podem profecia falsa é 0 teste do falso profeta. Mas, como
ser julgados por seus padrões (Geisler, cap. 4). E a foi mencionado, segundo 0 neoteísmo pode haver
Bíblia, comparada ao neoteísmo, afirma claramente previsões falsas na Bíblia. Nesse caso, a falsa predi-
que Deus não muda. 0 Eu Sou auto-existente (Éx cão não pode ser 0 teste do falso profeta, já que até
3.14) das Escrituras diz: “De fato eu, 0 Sfxhor, não Deus poderia fazer uma predição falsa.
mudo” (Ml3.6; Hb 1.12; Tg 1.17),eque conhece“des- 0 n eoteísm o m in a a con fian ça em p ro m essas in-
de tempos remotos, 0 que ainda virá” (Is 46.10). “ É con dicion ais. Se 0 neoteísmo está correto, até as pro-
impossível medir 0 seu entendimento” (SI 147.5) e, messas incondicionais não são dignas de confiança,
portanto,“predestinou” os eleitos (Rm 8.29; 2Pe 1.2). incluindo-se a resposta a orações (v. Geisler, cap. 5,6).
Ele “não é homem para se arrepender” (ISm 15.29). Por mais bem-intencionado que Deus possa ser ao fa-
Quando a Bíblia menciona que Deus “se arrepen-
zer a promessa, se 0 cumprimento de alguma maneira
de” , isso é apenas do nosso ponto de vista, como quan-
depende de escolhas humanas livres (0 que geralmente
do há arrependimento por parte de um homem (Jn
ocorre), Deus pode não ser capaz de cumprir sua pro-
3). Por exemplo, quando alguém muda de direção de-
messa.
pois de pedalar sua bicicleta contra 0 vento, não foi 0
vento que mudou. Mesmo os neoteístas admitem que
Fontes
há antropomorfismos na Bíblia.
De autores neoteístas
O neoteísm o é incoerente. Por exemplo, neoteístas
G. Bu‫׳‬
! Trinity a n d process.
acreditam que Deus criou 0 mundo temporal do
S. T. D ‫> ״‬, L ógica e a n atu reza de Deus.
nada. Então, ele deve ser anterior ao tempo, e não
C Pin N! H.k, et al‫ ״‬The o pen ness o f God.
temporal em si mesmo. Mas os neoteístas negam
W . Η ‫׳‬-,'!\γ Κ\ God, tim e, a n d know ledge.
que Deus seja um Ser atemporal. Isso é incoerente,
X. Χ λ ή . The concept o f God.
pois, se Deus criou 0 tempo, ele não pode ser tempo-
R. R;, ;‫־‬, G o d ’s forekn ow ledge a n d m an ’s fr e e will.
ral, assim como Deus não pode ser uma criatura se
criou todas as criaturas (v. Geisler, cap. 6). R. Sv.1n:!ikm., The coheren ce oj Theism
Da mesma forma, os neoteístas admitem que
Deus é um Ser Necessário, embora neguem que seja Contra neoteístas
A u o m in h o ,/! cid a d e de Deus.
Realidade Pura. Mas aqui novamente não podem ter
as duas escolhas. Pois um Ser Necessário não tem a A n se lm u , Proslogio.

potencialidade de inexistência. Se tivesse, não seria Ϊ . m as he A q u in o , Sum a teológica.

um Ser Necessário. Porém, se não tem potencialidade J. C mvino, As Institutas.

de não existir, sua existência deve ser Realidade Pura S. C hak n o c k , D iscourse upon the existence a n d

(sem potencialidade). attributes o j God.

Finalmente, se Deus é um Ser Necessário, não R. G \rrk,oe:-La(,range, God: his existence a n d

pode mudar sua Existência. Pois 0 Ser Necessário nature.

deve ser necessariamente 0 que é; não pode ser ou- X. L. Gi-isi.i.R, Creating G od in man's image.
tra coisa. No entanto, os neoteístas afirmam que Deus R. Grceneer, The inexhaustible God.
pode mudar, isto é, ele não é imutável. Mas essas F.. M a sc a ee , He w ho is.

duas coisas afirmadas pelos neoteístas não podem H. P. Owen, Concepts o f deity.
ser verdadeiras.
0 n eoteísm o m ina a in falibilidade. Apesar de mui- Newman, John Paul. Nasceu em Londres (1801-
tos neoteístas afirmarem crer que a Bíblia é a Pala- 1890) e foi ordenado pela igreja da Inglaterra em
vra infalível de Deus, isso é incoerente com seus prin- 1825. Foi 0 mais famoso inglês convertido ao cato-
cípios básicos. Se Deus não pode saber 0 tuturo in- licismo romano e um dos maiores apologistas cató-
falivelmente, as previsões bíblicas que envolvem atos licos da era moderna. Converteu-se quando era ado-
livres (que são a maioria) não podem ser infalíveis. lescente e cresceu no segmento mais calvinista do
Newman, John Paul 630

anglicanismo. Estudou em Oxtord e continuou como existência do Legislador Supremo. No entanto,


preletor no Oriel College. Repelido pelo liberalismo Newman reconheceu que a ausência de Deus indica-
teológico que viu surgir em sua igreia. lançou 0 Mo- va a alienação devida ao pecado e exigia uma maneira
vimento de Oxford ou Movimento dos Panfletos. divinamente estabelecida de salvação. Essa maneira
Quando percebeu que a Igreia Anglicana como um deve ser acompanhada de uma autoridade de ensino
todo não 0 apoiaria, refugiou-se no catolicismo ro- suficiente para resistir à obstinação arbitrária dos se-
mano (1845), que ele acreditava oferecer a melhor res humanos pecadores. A religião natural (v. natural,
esperança de vencer 0 ataque liberal. Ele chegou à t e o l o g i a ) antecipa essa religião revelada. Mas ele acre-

posição eclesiástica de cardeal. ditava que só há uma religião no mundo que supre as
Newman produziu várias obras com temas aspirações, necessidades e predisposições da fé natu-
apologéticos. Quando era anglicano, escreveu Essays ral e da devoção (ibid., p. 187).
on m iracles [Ensaios sobre m ilagres] e The arian s o f Em An essay in a id o f a g ram m ar o f assent (cap. 10,
the fou rth century [Os aru m os do século iv], Em seu parte 2), Newman estabeleceu um argumento históri-
University serm on s [S erm ões d a un iversidade], pre- co impressionante baseado na convergência de pro-
gados entre 1826 e 1843, desenvolveu suas posições habilidades. Concluiu que 0 cristianismo é mais pro-
sobre fé e razão. Em E ssay on the d ev elo p m en t o f vável que outras religiões pela convergência de pro-
Christian doctrin e [E nsaio so b re 0 d esen v olv im en to habilidades que dão origem à certeza moral (v. certe-
da dou trin a cristã] (1845), explicou suas razões para l \; c ü n v íl c ã o ). Primeiro, a história dos judeus mostra
crer que a Igreja Católica Romana era a verdadeira 0 exemplo de monoteísmo extraordinariamente for-
sucessora da igreja primitiva. Seu livro Id e a o f a te diante da idolatria persistente. O cristianismo é 0
university [A id éia d e um a universidade] foi escrito cumprimento das expectativas messiânicas de Israel
em 1852. Em 1864, em resposta aos ataques de Charles e concorda com a previsão de Jesus de que ele enche-
Kingsley, compôs sua autobriografia, A p olog ia p ro ria a terra e a dominaria.
vita su a. Sua última obra importante foi An essay in Newman argumenta com mais detalhes em A po-
a id o f a g ra m m a r o f assent ] l Tm en saio em auxílio a login p ro vita sua a favor da dimensão católica de
u m a g ram ática do assen tim en to], 1870. sua apologética. Ele insiste em que, se a revelação
Posições a p o lo gética s d e N ew m a n . Em Essay on divina fosse entregue ao domínio da razão humana,
the d ev elop m en t o f Christian d octrin e, Newman ar- inevitavelmente se deterioraria e dissolveria em caos
gumentou, contra objeções de liberais a toda reli- e confusão (ibid., p. 188). Na opinião dele apenas
gião dogmática, que 0 assentimento religioso é real. uma autoridade viva e infalível poderia interrom-
Não é uma idéia passageira. A teologia especulativa, per esse processo de declínio. No seu Essav on the
praticada pelos liberais, lidava com lógica e abstra- d ev elo p m en t o f C hristian d o ctr in e , tentou mostrar
ções, mas 0 crente se apega de todo 0 coração ao como a Igreia Católica seguiu uma linha de desen-
Deus vivo (Dulles, p. 185). volvimento que manifesta sua continuidade com a
Depois Newman comentou 0 problema do nível revelação original dada na Bíblia.
de convicção exigido pela fé e a quantidade de certeza Avaliação. A apologética de Newnian é valiosa para
na qual se baseia (v. L e s s i n g , G o t t h o l d ). Newman não católicos e protestantes. Algumas características po-
acreditava na possibilidade de acumular um conjun- sitivas incluem 0 apelo à evidência objetiva e históri-
to de argumentos filosóficos ou históricos que de- ca (v. apologetic1. H1ST0R1CA), a disposição de discutir a
monstraria que 0 cristianismo está acima de todos os dimensão subjetiva e moral e a ênfase na certeza mo-
argumentos possíveis. Acreditava que argumentos pu- ral que resulta de probabilidades convergentes.
ramente objetivos não trariam verdadeira convicção Do lado negativo, Newman não formula uma defe-
religiosa. Devido ao elemento subjetivo em toda in- sa convincente a favor da singularidade do catolicismo
vestigação religiosa, Newman preteriu 0 que se cha- como uma barreira ao liberalismo. O protestantismo
ma “dialética existencial da consciência" (ibid., 186). conservador, mesmo sem 0 suposto magistério infalí-
Nisso ele seguiu Joseph B l i l l r no estudo de analogias vel, teve muito mais sucesso na defesa de suas posições
e probabilidades (v. p r o b a r i i .i i g i ' E ) . (v. Geisler, cap. 11 ).Além disso, a tese de Newman sobre
Newman só considerava duas alternativas coeren- 0 desenvolvimento histórico da doutrina não tem base
tes com relação à crença em Deus: a :‫־‬e i >m l ‫׳‬e catolicis- nas Escrituras nem nos pais da Igreja e é contrária aos
mo romano. Rejeitava 0 ateísmo por causa do teste- pronunciamentos supostamente infalíveis do Concilio
munho da consciência, que segundo ele implicava a de Trento (v. Geisler, cap. 10).
631 Nietzsche, Friedrich

Fontes de guerra contra a vida, contra a natureza [...] a


A. D u l l e s , A history o f apologetics. deificação do nada, a vontade do nada considerado
N. L. G e i s l e r e R. M . a c K e n z i e , Roman catholics and santo” (ibid., p. 92-4).
evangelicals: agreements and differences. H istó ria e d estin o . A história humana, como ο
J. H. Xeuwíax, .4» essay in aid o f a gram m ar o f assent. destino humano, é cíclica. Nietzsche rejeitou qual-
___ , Apologia pro vita sua. quer noção cristã da história dotada de objetivo ou
___ , Essay on the developm ent o f Christian de um es ch a to n a favor da recorrência cíclica de
doctrine estilo oriental. A história não caminha a lugar al-
G. Sa l m o n , The infallibility o f the church. gum. Não há objetivos finais para alcançar, nenhum
paraíso a reconquistar. Há apenas a vida individual
Nietzsche, Friedrich. Um dos ateus mais vividos e para viver pela coragem e criatividade. A humani-
convincentes (v. ateísmo) de todos os tempos (1814- dade cria seu destino aqui, e não há pós-vida —
1900). Sua rejeição a Deus foi instintiva e incisiva (v. exceto a eterna recorrência da mesma situação. Os
Deus, supostas re fu taçõ es de). Com a negação de Deus, super-homens são os gênios que formam 0 destino.
Nietzsche negou todo valor objetivo baseado nele. “Eles dizem: Assim será!' Determinam 0 ‘se’ e 0 ‘para
Logo, sua visão é uma forma de niilism o. Apesar de que fim’ da humanidade [...] Seu saber é seu criar”
ter sido criado no lar de um pastor luterano, (Além do bem e do m a l , p. 18-9).
Nietzsche reagiu violentamente contra seu treina- Ética. A percepção chocante da morte de Deus levou
mento religioso. Sua mãe, tia e irmãs 0 criaram des- Nietzsche à conclusão de que todos os valores e absolutos
de criança, após a morte de seu pai. baseados em Deus também estavam mortos (v. m o r a l i d a d e ,
D e u s e o m ito d e D eu s. Nietzsche baseou sua n a t u r e z a a b s o l u t a d a ) . Logo, Nietzsche rejeitava todos os

crença de que Deus jamais existiu em vários pontos valores judaico-cristãos tradicionais de maneira quase vio-
fundamentais (Além do bem e do mal, p.23).Eleargu- lenta. Nietzsche questionou até princípios gerais, tais
mentou que 0 Deus do teísta deveria ser autocausado, como “não ferir outro homem” (A lém d o bem e do
0 que é impossível (v. D e l s , o b j e ç õ e s a p r o v a s d e ) . O m al, p. 186-7). Ridicularizou 0 princípio cristão de
mal no mundo eliminaria ainda mais 0 Criador be- amor: “ Por que, seus idiotas [...] ‘Que tal louvar aquele
nevolente (v. m a l , p r o b l e m a d o ) . Nietzsche julgou que que sacrifica a si mesmo?” ’ (ibid., p. 220). Na verdade,
a base para a crença em Deus era puramente 0 cristianismo “ é a maior de todas as corrupções
psicológica (v. F r e u d , S i g m u n d ) . Nietzsche exortou: imagináveis [...] eu 0 denomino mancha imortal da
“ Rogo-vos, meus irmãos, permanecei fiéis à terra, e humanidade.” (O anticristo, p. 230).
não creiais naqueles que vos falam de esperanças de No lugar dos valores cristãos tradicionais, propôs
outros mundos!” . Acrescentou: que as pessoas modernas fossem “além do bem e do
mal” . Sugeriu a transavaliação que rejeitaria as virtu-
No passado 0 pecado contra Deus era 0 maior pecado; mas des “suaves” e femininas do amor e da humildade e se
Deus morreu, e esses pecadores morreram com ele. Agora apoderaria das virtudes “duras” e masculinas da se-
pecar contra a terra é a coisa mais terrível (A ssim talava veridade e da desconfiança (A lém do bem e d o m al,
Z a ratu stra,p . 1 25 ) . toda a obra).
Seres h u m a n o s. Não há pós-vida, então tudo 0 que
Nietzsche acreditava que 0 mito “Deus” já havia a pessoa puder fazer para superar os limites da mor-
sido importante. Foi 0 modelo pelo qual a Europa talidade pessoal é desejar a recorrência eterna da mes-
medieval e da Reforma baseou sua vida. Essa cultu- ma situação (v. i m o r t a l i d a d e ). Isto é , deve desejar vol-
ra, no entanto, estava em decadência. A modernidade tar e viver a mesma vida vez após vez. Já que não há
havia alcançado a humanidade da presente época, Deus e náo há valores objetivos para descobrir, a raça
que não podia mais acreditar em Deus. “ Deus está humana deve criar os próprios valores. A falta de sen-
morto!” , clamou Nietzsche. A humanidade moder- tido e conteúdo da vida deve ser superada. Os que a
na precisa enterrar Deus e continuar. superam são “ super-homens” .
O m u n d o . Já que Deus não existe, só existe 0 mun- Avaliação. Todos os ateus compartilham os elemen-
do. A matéria está em movimento, e a vida se move tos básicos da posição de Nietzsche. Sua alegação de
em ciclos (v. m a t e r i a i . i s m o ; n a i u r a l i s m o ). O mundo é que nenhum Deus existe é refutada por forte evidên-
real, e Deus é ilusão. Não há Deus ao qual devamos ser cia da existência de Deus (v. c o s m o l ó g i c o , a r g u m e n t o ;
fiéis. Logo, cada pessoa é exortada a “permanecer fiel m u r a l a f a v o r de D e u s , a r g u m e n t o ; t e i . e o l o g i c o , a r g u m e n -

à terra” . Pois Nietzsche via Deus “como a declaração to ). As objeções a esses argumento são respondidas
niilism o 632

em outro artigo (v. D e u s, objeções as provas d f ). Como e vid e n c ia i (v. a p o lo g ética , tipos de), alegando que 0
acontece com 0 ponto de vista de F re u d , a posição de pecado co rrom peu tanto a m ente h u m a n a que não é
Nietzsche de que Deus é uma ilusão é infundada. Seu possível que a hum anidade caída entenda a revelação
relativismo moral não pode resistir à força lógica do de Deus adequadam ente nem raciocine corretamen-
absolutismo moral. Tanto a visão materialista (v. mate- te. Essas objeções estão baseadas nu m a com preensão
r ia lis m o ) do universo (v. n a tu ra lis m o ) quanto sua eter- específica da teologia reform ada e são expressas por
nidade são contrárias a bons argumentos científicos te ó lo g o s c o m o S o re n K ie r k e g a a r d (1 8 1 3 -1 8 5 5 ),
(v. B i g - r a k g ) e filosóficos (v. k a l a m , a r g u m e n t o H erm an Dooyeweerd (1894-1977) e Cornelius Van Til
C0SM0LÓGIC0). (1895-1987). Outros cristãos reform ados e apologistas
c lá s s ic o s (v. c la s s ic a, A p o lo g é t ic a ) r e je ita m essa

Fontes dicotom ia, afirm and o que, apesar de 0 pecado des-

J. C o l li n s , 71 history o f m odem European philosophy, tru ir a im agem de Deus na h um anidade e a revelação

c a p . 18.
geral, ele não as apaga.

N. L. G e is l e r e W. W a t k in s , Ethics: options and issues, Pecado e a mente. Jo ã o Calvino. Reform adores

c a p . 2.
protestantes enfatizam os efeitos noéticos do peca-

___ , Worlds apart: a handbook on world do. João C a lv in o (1509-1564) foi rápido em demons-
trar que a depravação da von tade h u m a n a obscure-
views, c a p . 2.
ce a capacidade de entender e responder à revelação
R. G. H o l l i n d a i e, Nietzsche: the man an d his
natural de Deus. Escreveu:
philosophy.
K . J a s p e r s , Nietzsche uns das christentum, E . B.
A idéia da natureza dele [de Deus] não é clara a não ser
A sh to n , tra d .
que 0 reconheça como origem e fundação de toda bondade.
W. K a u fm a n n , The portable Nietzsche.
Logo, surgiria a confiança nele e 0 desejo que apegar-se a ele,
F. N ie tz s c h e , 0 anticristo.
se a depravação da mente humana não a afastasse do curso
___ , Além do bem e do mal.
adequado de investigação (In stitu tas, 1.11.2).
___ , Genealogia da moral.
___ , The Will to Power
C alvino acreditava que a Certeza completa (v. cer-
___ , Assim falav a Zaratustra.
teza/convicção) só vem pelo Espírito Santo (v. Esp írito
Sa n to na apologética, papel do) agindo por meio dessa
niilism o. Niilism o vem do latim nihil, que significa
evidência objetiva para co nfirm ar no coração da pes-
“nada” ,e expressa a negação de toda existência ou valor
soa que a B íb lia é a Palavra de Deus. Ele escreveu:
(v. Nietzsche, F rie d ric h ). Ao rejeitar valores, 0 niilismo é
antinômico ou contraditório. No entanto, mesmo a
Nossa fé na doutrina só é estabelecida quanto temos a con-
maioria dos relativistas (v. m oralidade, natureza absoluta
vicção perfeita de que Deus é seu Autor. Logo, a maior prova da
da) o u situacionistas não nega todo e qualquer valor,
Escritura é uniformemente tirada do caráter daquele a quem
apenas todos os valores absolutos. Niilistas menos
palavra pertence (v. B íb l ia , ev id en c ia s d a ).
rígidos negam apenas que qualquer valor supremo
ou absoluto exista. O único valor que existe é 0 que
Nossa convicção da verdade das Escrituras deve ser deri-
nós criamos. Não há valor objetivo a ser descoberto. vada de uma fonte maior que conjecturas, julgamentos ou ra-
A negação de toda existência é contraditória, já que zões humanas; a saber, 0 testemunho secreto do Espírito”
é preciso existir para negar toda existência. Quem não (ibid., 1.7.1, v. 1.8.1).
existe não nega nada.
Da mesma forma, a negação de todo valor é incoe- É im p o rta n te lem b rar, no en tanto, com o R . C.
rente, já que a própria negação envolve a crença de que Sproul dem onstra, que “0 testimonium não é colocado
há valor nessa negação. Os niilistas valorizam sua li- c o n tr a a ra zão c o m o fo r m a de m is tic is m o ou
berdade de ser niilistas. Logo, não podem escapar à subjetivism o. M as vai além e transcende a razão” .
afirmação implícita de valor, mesmo quando 0 negam Nas palavras de C alvino:
explicitamente.
Mas respondo que 0 testemunho do Espírito é superior à
Noé, arca de. V. d ilú v io de Noé. razão. Pois somente Deus pode testemunhar adequadamente
a favor de suas palavras, de modo que essas palavras não obte-
noéticos do pecado, efeitos. Alguns teólogos se rão crédito total no coração dos homens até que sejam seladas
opõem a qualquer forma de apologética racional ou pelo testemunho interior do Espírito (citado por Sproul, ibid.).
633 noéticos do pecado, efeitos

É Deus agindo por meio da evidência objetiva depravação “detém” , ou “suprime” , essa verdade pela
que nos dá certeza subjetiva de que a Bíblia é a Pala- injustiça (Rm 1.18).
vra de Deus (v. B íb l ia , e v id ê n c ia s d a ). Sem fé... “Sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb
Cornelius Van T il . Uma das expressões modernas 1 1 .6) parece argumentar contra a necessidade da ra-
mais fortes da destruição da mente pela depravação zão. Na verdade, parece que pedir razões, em vez de
está na obra de Van Til. Ele disse que 0 incrédulo tem simplesmente acreditar, desagrada a Deus. Mas Deus
dentro de si 0 conhecimento de Deus por causa da cri- nos chama a usar a razão ( 1Pe 3.15; v. a p o lo g é t ic a , nhchs -
ação à imagem de Deus. E, diz no parágrafo seguinte: sid ad e d a ). Na verdade, ele deu “claramente” (Rm 1.20)

“Mas essa idéia de Deus é suprimida pelo seu falso “provas indiscutíveis” (At 1.3). O texto de Hebreus
princípio, 0 princípio da autonomia” (In defense of the não exclui “evidência” , mas na verdade a subentende.
faith [Em defesa da fé[, p. 170). É esse princípio que Pois a fé é a “certeza” das coisas que não vemos
constitui a analogia do “visão distorcida” de Van Til, (Hb 11.1). Assim como a certeza de que alguém é uma
pelo qual todo conhecimento do incrédulo é distorcido testemunha confiável justifica minha crença no
e falso. A doutrina da depravação radical implica na testemunho dela, nossa fé em “coisas que não vemos”
crença de que toda atividade interpretativa incrédula (Hb. 11.1) é justificada pela evidência que temos de
resulta em conclusões falsas. que Deus existe, que é vista claramente, sendo perce-
Argumentos nas Escrituras. A posição de que 0 bida “por meio das coisas criadas” (Rm 1.20).
pecado corrompe a capacidade humana de entender a Aquele que não pode entender. Paulo insistiu em
revelação de Deus ou receber sua graça redentora ge- que “Quem não tem 0 Espírito não aceita as coisas
ralmente busca 0 apoio de certas passagens bíblicas. que vêm do Espírito de Deus” (1 Co 2.14). Então, para
Mortos no pecado. Paulo usa a linguagem figurada que serve a apologética? Eles nem podem conhecer
de que os incrédulos estão “mortos” nos seus pecados a Deus! Mas Paulo não diz que 0 homem natural não
(Ef 2.1). Com isso se conclui que os mortos não ouvem pode perceber a verdade sobre Deus. O ápostolo diz
nem vêem a revelação geral de Deus. Não a conhecem que ele não 0 recebem (gr. dechomai, “dar as boas-
até que são regenerados pelo Espírito Santo. Geralmen- vindas” ). Paulo declarou enfaticamente que as ver-
te Paulo é citado ao dizer: “Quem não tem 0 Espírito dades básicas sobre Deus “ têm sido vistas
não aceita as coisas que vêm do Espírito de Deus, pois claramente” (Rm 1.20). O problema não é que os
lhe são loucura; e não é capaz de entendê-las, porque incrédulos não estejam cientes da existência de Deus,
elas são discernidas espiritualmente” (1Co 2.14). mas que não querem aceitá-lo por causa das conse-
Sabedoria do mundo não alcança a Deus. Paulo es- qüências morais que isso teria em sua vida
creveu que 0 mundo, pela sua sabedoria, não conheceu pecaminosa. Eles não “conhecem” (gr. ginoskõ, que
a Deus(lC0 1.21). Isso não pode significar que não freqüentemente significa “saber por experiência” ).
haja evidência da existência de Deus, já que Paulo Eles conhecem a Deus na mente (Rm 1.19,20), mas
declarou em Romanos 1.19,20 que a evidência da exis- não 0 aceitaram no coração (Rm 1.18). “ Diz 0 tolo
tência de Deus é tão clara que os pagãos são em seu coração: Deus não existe” (SI 14.1).
“ indesculpáveis” . O contexto de 1 Coríntios não é a Resposta. O próprio Van Til percebeu a tensão em
existência de Deus, mas seu plano de salvação na cruz. sua posição. Ele fala disso como uma “questão difícil” ,
Isso não pode ser conhecido pela mera razão, mas à qual “não podemos dar uma explicação totalmente
apenas pela revelação divina. É “loucura” para a mente satisfatória” (Introduction to systematic theology [In-
humana depravada. Finalmente, ainda em 1Coríntios, trodução à teologia sistemática], p. 15). Na verdade, se
Paulo dá sua maior evidência apologética para a fé seres humanos pecadores realmente vissem tudo com
cristã — 0 testemunho ocular da ressurreição de a “visão distorcida” , de modo que não pudessem en-
Cristo, que seu companheiro Lucas denominou tender a verdade da revelação geral ou do evangelho,
“muitas provas indiscutíveis” (At 1.3). Portanto, sua não seriam moralmente responsáveis.
referência ao mundo que pela sabedoria não conhece Calvino jamais acreditou nos efeitos noéticos do
a Deus não é uma referência à incapacidade dos seres pecado, a ponto de afirmar que nenhuma pessoa
humanos para conhecer a Deus por meio da evidén- incrédula poderia entender a revelação de Deus. Na
cia que ele revelou na criação (Rm 1.19,20) e na cons- realidade, Calvino insistiu em que “existe na mente
ciência (Rm. 2.12-15). Antes trata-se de uma referên- humana, e na verdade por instinto natural, um senso
cia à rejeição humana, insensata e depravada da men- de divindade” (Institutas. 1.3.1). Ele argumentou que
sagem da cruz. Apesar de cada pessoa saber clara- “não há nação tão bárbara, nem raça tão bruta, que
mente por meio da razão humana que Deus existe, a não esteja impregnada com a convicção de que há
noéticos do pecado, efeitos 634

um Deus” (ibid.). Esse “senso de divindade está tão na direção de sua vida. Isso também não significa
naturalmente gravado no coração humano que até os que a própria negação da verdade pelo incrédulo
depravados são forçados a reconhecê-lo” ( Institutas, seja,de certa forma, a afirmação dela (Frame,p. 207).
2.4.4). Calvino foi além, afirmando que a essência Frame acrescenta que e simplista afirmar que os
invisível e incompreensível de Deus toi manifesta efeitos noéticos do pecado resultam numa falsifica-
nas obras de Deus, junto com provas da i m o r t a l i d a d e ção proposicional cie toda afirmação do incrédulo
da alma ( Institutas, 1.5.1-2). Pois (ibid., 2 1 1 ).
O próprio Van Til oferece afirmações que não se
em cada uma das suas obras sua glória está gravada em ajustam à antítese. Ele argumenta
letras tão brilhantes, tão distintas etão ilustres, que ninguém,
por mais obtuso e ignorante, pode alegar ignorância como que apresentamos a mensagem e a evidencia da posição
desculpa (ibid.). cristã da maneira mais clara possível, sabendo que, pelo fato
de 0 homem ser 0 que 0 crente diz que ele e, 0 incrédulo será
Ao comentar Romanos 1.20,21, Calvino conclui capaz de entender no sentido intelectual as questões
que Paulo ensina que Deus envolvidas (“My credo").

apresentou à mente de todos amaneira de conhecê-lo, ten- Mas como 0 incrédulo pode entender as questões,
do se manifestado por meio de suas obras, de forma que elas mesmo no sentido intelectual, se não há nada em
devemnecessariamente ver aquilo que elas mesmas não procu- comum, nem conhecimento de qualquer tipo — se
ram saber — que há um Deus (New Testamentcommentaries: ele vé tudo com a visão distorcida?
Epistles ofPaul totheRomansand Thessalonians). As Escrituras declaram claramente que os seres não-
regenerados são “indesculpáveis” (Rm 1.19,20:2.12-15).
Para Calvino, esse conhecimento inato de Deus Adão e Eva estavam “mortos em [... ] transgressões e
inclui 0 conhecimento de sua lei justa. Ele acreditava pecados" (v. Et" 2.1) no mesmo instante que comeram
que, já que “os gentios têm a justiça da lei naturalmen- 0 fruto proibido (Gn 3.6; Rm 5.12). Mas ouviram e
te gravada em sua mente, não podemos dizer que são entenderam Deus falando com eles (Gn 3.9-19).
totalmente cegos à regra da vida” ( Institutas, 1 .2 .2 2). Um erro comum do pressuposicionalismo re-
Ele chama essa consciência moral “ l e i n a t u r a l ” , que é formado e a má interpretação da linguagem figurada
suficiente para a condenação, mas não para a salva- de “mortos” como 0 equivalente de espiritualmente
ção (ibid.). Por meio dessa lei natural, “0 julgamento “aniquilados” , erro que, felizmente, não cometem
da consciência” é capaz de distinguir entre 0 que é quando falam da segunda morte (Ap 20.14). A morte
justo e injusto (New Testament commentaries: Epistles nas Escrituras é mais bem entendida em termos de
of Paul to the Romans and Thessalonians, p. 48). Por separação, não de aniquilação (v. a n t q l t i .a c i o m s m o ). O
causa das letras brilhantes da glória de Deus, a maio- profeta disse: “Mas as suas maldades separam vocês
ria das pessoas tem as mesmas idéias básicas sobre 0 do seu Deus” (Is 59.2).“ Mortos” não é a única lingua-
que é certo e 0 que é proibido. É evidente que Deus gem figurada usada na Bíblia para descrever a hu-
deixou “provas” de si mesmo para todos, tanto na cri- manidade pecaminosa. Doença, cegueira, poluição
ação quanto na consciência (ibid, p. 48). e defeito também são usados. Mas nenhuma delas
Posição extrema de \'as Tu. Até os discípulos de implica uma pessoa totalmente incapaz de entender
Van Til tinham sérias reservas quanto à sua posição a revelação de Deus.
sobre a destruição total da razão pelo pecado. John Outros teólogos reformados não-pressuposicionais,
Frame responde que “negar a restrição [da graça co- tais como Jonathan Edwards, Β. Β. W a r f i e l d , John
muni], como Van Til parece fazer no contexto atual, é Gerstner e R. C. Sproul também acreditam firmemente
negar a própria graça comum” (Frame, p. 194). Ele na depravação total sem aceitar essa posição distorcida
acrescenta que a antítese de Van Til da mente com e dos efeitos noéticos do pecado. A depravação total pode
sem Cristo exige qualificação considerável. Tal antí- ser compreendida como a incapacidade de iniciar ou
tese pareceria sugerir que 0 incrédulo erra a cada obter a salvação sem a graça de Deus.
afirmação feita. A depravação não funciona neces- Nessa mesma conexão, os pressuposicionalistas
sariamente dessa maneira. A formulação também (v. a p o lo g é t ic a p r e s s u p o s i c i o x a l ) reformados geral-
sugere que a deficiência especificamente intelec- mente interpretam mal 1 Coríntios 2.14, dizendo
tual da depravação humana aparecerá de forma ine- que 0 texto significa que incrédulos não podem
vitável no que 0 incrédulo diz, faz ou cria, antes que sequer entender a verdade de Deus antes de serem
635 noéticos do pecado, efeitos

regenerados. Além da dificuldade óbvia de que os em entender 0 divino está no fato de que filósofos não
incrédulos teriam de ser salvos antes de crer — 0 podem entender assuntos humanos sem erro. Portan-
oposto do que as Escrituras dizem em João 3.16,36; to, era necessário que Deus transmitisse verdades di-
Atos 16.31 e Romanos 5.1 — , essa é uma má inter- vinas por meio da lé, entregues aos seres humanos pelo
pretação da passagem. E não adianta afirmar que eles Deus que não pode mentir (ibid., 2a2ae. 2,4).
são regenerados antes de ser salvos (justificados), já A graça, portanto, é necessária para transpor os
que a pessoa é colocada no Reino de Deus pela rege- efeitos noéticos do pecado. Aquino concluiu que Deus
neração (Jo 3.3; Tt 5.5). Como Fred Howe observou, a precisa ajudar 0 homem com a graça reabilitadora. Não
palavra grega para “receber” , dechomai, significa “dar podemos amar a Deus nem ao próximo sem a graça.
as boas-vindas” . Isso não significa que não entendam. Não podemos nem mesmo crer. Mas com a graça te-
Eles claramente entendem (Rm 1.19,20), mas não es- mos esse poder. Como Agostinho diz, todos os que re-
tão dispostos a receber as verdades de Deus (Howe, p. cebem esse auxílio de Deus 0 recebem pela misericór-
71-2). Conseqüentemente, não as conhecem por ex- dia; todos que não 0 recebem não 0 recebem pela jus-
periência. Eles as conhecem apenas na mente, não no tiça, por causa do pecado original e pessoal (ibid.,
coração. A incompre-ensão dessas verdades leva à 2a2ae. 2,6 ad 1). No entanto, Aquino não acreditava que
má interpretação dos efeitos do pecado. 0 pecado houvesse destruído completamente a habili-
Limites da razão. Seguindo 0 filósofo judeu dade racional humana. Antes “0 pecado não pode des-
Moisés M a im ò n id e s (1135-1204), T o m á s d e A q u in o truir a racionalidade do homem completamente, senão
(1224-1274) estabeleceu cinco razões pelas quais de- ele não seria mais capaz de pecar” (ibid., Ia2ae. 85,2).
vemos passar a crer e mais tarde talvez possamos Efeitos proporcionais do pecado. Segundo Emil
dar boa evidência. Devemos crer porque B r u n n e r (1889-1966), os efeitos noéticos do pecado

são manifestos na mente em proporção direta à dis-


1. essas verdades são profundas e sutis e tância de uma disciplina de natureza religiosa. Os efei-
separadas de nossos sentidos; tos do pecado original são mais evidentes, por exem-
2. a mente é fraca para entender coisas novas; pio, na filosofia que na economia. Já que a disciplina
3. vários fatos precisam ser reunidos para que da teologia é a mais religiosa, há maior área de discor-
provas conclusivas se desenvolvam; dância com os incrédulos. Brunner via a cosmovisão
4. alguns não possuem 0 temperamento religiosa como progressivamente menos importante
científico para estudar conceitos filosóficos; na ética, na psicologia/ sociologia, na física e ainda
5. temos mais que fazer na vida que apenas menos importante na matemática. Isto é, na matemá-
pensar. tica os cristãos e não-cristãos têm a menor discor-
dância e na ética, a maior discordância.
Fica claro que, se fosse preciso total compreen- Conclusão. 0 pecado afeta toda a pessoa — men-
são para chegar a Deus, poucos poderiam organizar te, emoções e vontade. Os seres humanos são radical-
os passos necessários ao conhecimento, e só depois mente depravados em sua existência. Outra maneira
de muito tempo. De modo que a fé, que dá acesso à de dizer isso é que são extensivamente afetados pelo
salvação a qualquer momento, é um grande benefício pecado. Mas os seres humanos não são totalmente
(Aquino, Da verdade, 14.10, resposta). Portanto, para depravados no sentido intensivo, μ que 0 pecado não
a convicção de coisas divinas, a fé é necessária. destrói a imagem de Deus (v. Gn 9.6; Tg 3.9). A ima-
Aquino afirmou: gem de Deus é obscurecida, mas não apagada.
Assim, a revelação pode ser percebida, mesmo
A mente do homem é muito limitada com relação às coi- que não seia recebida de bom grado por criaturas
sas de Deus. Olhe para os filósofos; mesmo enquanto analisa- depravadas, sem a obra do Espírito. Não há conheci-
vam questões sobre 0 homem, erraram em vários pontos e mento certo e salvífico de Deus sem a sua revelação
defenderam posições contraditórias. Portanto, para que 0 co- especial nas Escrituras e sem a graça especial do
nhecimento de Deus, certo e seguro, pudesse estar presente Espírito Santo aplicando as Escrituras e convencen-
entre os homens, era necessário que as coisas divinas fossem do a pessoa do pecado, da necessidade e da verdade
ensinadas por meio da fé, tal como disse a Palavra de Deus, na revelação geral e especial. A revelação geral sozi-
que não pode mentir (Aquino, Suma teológica ,2a2ae.2,4,6). nha (v. r e v e l a ç ã o g e r a l ) , no entanto, é suficiente para
revelar a Deus, se alguém realmente quiser vê-lo;
A mente investigadora não entenderá as coisas de portanto os perdidos são justamente condenados por
Deus, disse Aquino. Um sinal da deficiência humana não receberem 0 que viram claramente (Rm 1.20).
nominalismo 636

Fontes 0 n om in alism o leva ao ceticismo. Se não há base na


E. B r u n n e r , Revelation and reason. realidade para nossas idéias gerais, palavras não nos
J. C a l y in o , Institutas da religião cristã. dizem nada sobre a realidade. Devemos permanecer
____, New Testament commentaries: Epistles céticos sobre 0 mundo real. Mas 0 ceticismo comple-
of Paul to the Romans and Thessalonians. to (v. a g n o s t ic is m ü ) é incoerente. Se suspendesse 0 jul-
J. F r a m e , Cornelius Van Til: an analysis of his thought. gamento sobre a própria afirmação central, como
F. H o w e , Challenge and response. exige que façamos com tudo mais, 0 cético teria de
K . K a n t z e r , / 0 / w Calvin’s theory of the knowledge of ser cético com relação ao ceticismo. Isso destruiria a
God and the Word of God. base do ceticismo.
T om as de A q u in o , Da verdade. O n om in alism o leva ao relativism o m o r a l Se con-
____, Suma contra os gentios. ceitos universais não têm base no mundo real, não
____, Suma teológica. pode haver nenhum valor moral universal. Tudo se-
V an T i l , C o r n e l iu s , In defense of the faith. ria simplesmente individual ou situacionista. Não ha-
____, Introduction to systematic theology. veria nada que se devesse fazer em cada circunstância
(tal como ser amoroso ou justo). Mas a negação de
nominalismo. N om inalism o é a teoria segundo a qual todos os absolutos é incoerente (v. m o r a l id a d e , n a t u r e -
nem conceitos universais nem essências são reais (v. z a a b s o l u t a d a ), pois a afirmação de que a pessoa não
re alism o ), isto é, não têm existência além da mente. d eve acreditar em absolutos morais é em si um abso-
Tudo é individual. Um conceito universal é um con- luto moral.
ceito geral ou de classe que inclui todos os indivíduos. O n om in alism o leva à heresia. Todos os cristãos
A classe é um conceito abstrato que existe apenas na ortodoxos acreditam que Deus tem uma essência ou
mente (v. epistemologia; primeiros princípios). natureza e que Cristo tem duas naturezas (v. T r in d a -
Humanidade é 0 conceito geral que inclui todos
d e ). No entanto, se os nominalistas estiverem corre-
os seres humanos individuais. Mas os nominalistas
tos, Deus não tem natureza. Da mesma forma, Cristo
insistem em que a humanidade não existe; apenas
não poderia ter uma natureza humana e outra divi-
indivíduos existem. O triângulo é um conceito uni-
na, como os credos afirmam (v. C r is t o , d iv in d a d e d e ).
versai, mas também existe apenas na mente. Na rea-
Logo, 0 nominalismo é uma negação do cristianis-
lidade apenas coisas individuais com formato tri-
mo histórico e ortodoxo dos credos.
angular existem.
Natureza do nominalismo . O nominalismo pode P
O nom inalism o reage excessivam ente aoplaton ism o.
(428-348 a.C.) acreditava que tudo 0 que existe
la t ã o
ser mais bem visto em comparação com idéias opos-
é parte da essência ou forma eterna. Os nominalistas
tas. Seguindo P latão, 0 teólogo medieval Gilbert de
negam tais essências imutáveis, afirmando que tudo é
Porree afirmou que conceitos universais são coisas
específico ou individual. Eles não reconhecem, no en-
reais. Do outro lado do espectro, 0 pensador medieval
tanto, que essas não são as únicas opções. Aquino de-
Roscellinus (1050-1125) afirmou que conceitos uni-
monstrou que, apesar de conceitos universais existi-
versais são um m ero sin al, “ um eco da voz” . Pedro
rem na mente como abstrações individuais, eles estão
Abelardo (1079-1142) afirmou que conceitos univer-
arraigados na realidade. Não há entidade como a na-
sais são substantivos formados por uma confusão de
tureza humana. Contudo, cada ser humano comparti-
idéias individuais. Guilherme de Occham (1280-1349)
lha características essenciais (= natureza ou essên-
foi um verdadeiro nominalista. Para ele, conceito uni-
versai é um m ero conceito abstrato na mente. John Duns
cia). Portanto, a abstração referente ao que chama-
Scotus (1266-1308) acreditava que conceitos univer- mos “humanidade‫ ״‬não é apenas 0 nome; é referência
sais são vínculos ou naturezas com uns que em si mes- à relação que existe verdadeiramente na realidade.
mos não são nem universais nem individuais. A natu-
reza como tal é neutra; pode ser generalizada pela Fontes
E. G ils o n , The history of Christian philosophy in the
mente ou concretizada com a aisto-ice” . T omás de
A quino (1224-1274) mantinha uma posição realista (v. Middle Ages.

realismo), declarando que um conceito universal é exis- J. F. H a r r is , Against relativism.

tência m ental. É uma forma existente na mente, mas }. P. M o r e l a n d , Universais, qualities, and quality-

arraigada na realidade. instances.

Problemas com 0 nominalismo. Do ponto de vista G u ilh e r m e de O clh ^m , Ockham:philosophical writings.

realista, 0 nominalismo tem problemas, alguns com con- W. V. Q u in e , From a logical point of view.

seqüências sérias para as doutrinas cristãs importantes. Tom as de A q u in o , Suma teologica.


637 Nostradamus

Nostradamus. 0 francês Michel de Notredame ou parte baixa do Danúbio é conhecida como “ Ister” ou
Nostredame (1503-1566) era conhecido pelo nome “ Hister” (Randi, p. 213), que parece ser próximo 0
latino Nostradamus. Formou-se na Universidade de suficiente de Hitler para os propósitos deles.
Montpellier, na França, e foi físico e astrólogo. Publi- No entanto, a inversão do “ t” e do “s” (Hitser) e
cou um livro de profecias rimadas intitulado Centúrias a substituição do “s” pelo “ 1” (Hitler) em Hister são
(1555). Alega-se que ele previu precisamente a morte totalmente arbitrárias. Em outra quadra (4-68),
de Henrique 1 1 da França e muitas outras coisas. Nostradamus menciona 0 baixo Danúbio junto
Segundo Andre Lamont, Nostradamus sees all com 0 Reno {I)e Ryn). Mas, se Hister refere-se a
[Nostradamus vê tudo[ (“ Prefácio” , 2.a ed.),“ele en- Hitler, a que De Ryn se refere? Os seguidores de
tendia das artes da astronomia, cabala, astrologia, al- Nostradamus são incoerentes, tratando um rio
quimia, mágica, matemática e medicina” . como anagrama e 0 outro rio literalmente. A ex-
As previsões de Nostradamus. Alguns críticos do pressão latina de Germain deveria ser interpretada
cristianismo exaltam Nostradamus como exemplo de al- por “ irmão” ou “parente próximo” , não “Alemanha”
guém que fez previsões do nível das profecias da Bíblia, (Randi, p. 214). Ainda que essas interpretações al-
cancelando assim a reivindicação de singularidade so- tamente questionáveis sejam aceitas, a profecia
brenatural atribuída à profecia bíblica (v. pr o fecia como permanece ambígua. 0 que querem dizer “ bestas”
prova da B íb l ia ). Todavia, quando investigadas, não fa- e a “jaula de ferro” ? Dizer que Adolf Hitler (“0 gran-
zem jus a essa afirmação. As previsões de Nostradamus de” ) será “arrastado numa jaula de ferro” enquanto
demonstram sinais de uma fonte ocultista e podem ser a Alemanha “não observará nada” é tão ambíguo e
explicadas por processos puramente naturais. confuso que torna toda a profecia sem sentido.
0 grande terremoto na Califórnia. Nostradamus su- A quadra 4068 também refere-se supostamente
postamente previu um grande terremoto na Califórnia a Hitler:
no dia 10 de maio de 1981. Isso foi relatado no dia 6 de
maio de 1981, no jornal l ‫׳‬sa Today. Mas esse terremoto No ano muito próximo, perto deVênus,
não ocorreu. Na verdade, Nostradamus não mencionou Os dois maiores da Asia eAfrica do Reno edo baixo Danúbio,
nenhum país, cidade ou ano. Ele escreveu apenas de um que se dirá terem chegado,
“terremoto” numa “nova cidade” e sobre um“grande ter- Choro, lágrimas em Malta e na costa da Ligúria.
remoto” no dia 10 de maio [sem ano],
A ascensão de Hitler. Lamont afirma que Nostradamus Como no exemplo anterior, “baixo Danúbio” é inter-
profetizou “a vinda de Hitler e do nazismo num inundo pretado como “Hitler” .“Os dois maiores da Ásia e África”
dividido” (Lamont, p. 252). Entretanto, Hitler não é são interpretados como Japão e Mussolini, respectiva-
mencionado, e a previsão não fornece datas e é vaga: mente. Assim, a segunda e a terceira linha referem-se à
“ Seguidores de seitas, grandes infortúnios aguardam Aliança Tripartite entre Japão, Itália e Alemanha. 0 quarto
0 Mensageiro. Uma besta no teatro prepara a peça é interpretado como referência ao bombardeio de Malta
cênica. O inventor desse feito maligno será famoso. e ao bombardeio de Gênova (Randi, p. 215).
Pelas seitas 0 mundo será confundido e dividido” Além das razões dadas acima, essa profecia afir-
(ibid.). Nesse contexto há uma referência a “ Hister” ma que tais eventos aconteceriam num “ano muito
(não Hitler) por Nostradamus ( c:4q 68), que é próximo” , mas a Aliança Tripartite (1941) aconteceu
obviamente um lugar, não uma pessoa. A tentativa quase quatrocentos anos depois da previsão. Não fica
de remontar esses dados ao seu nome e cidade natal claro como a Ásia poderia referir-se ao Japão, e muito
é exagerada. Além disso, Hitler cresceu em Linz, Aus- menos como a África poderia referir-se a Mussolini
tria, não num lugar chamado Hister. 011 à Itália. Novamente os seguidores de Nostradamus
A quadra 2-24 apresenta: são incoerentes, pois interpretam Ásia, África e 0 baixo
Danúbio figurativamente, sem dar a interpretação cor-
Bestas loucas de fome nadarão através de rios. respondente para 0 Reno. Finalmente, essa profecia é
Grande parte do exército estará contra 0 baixo Danúbio ambígua. Poderia ser interpretada de várias maneiras
[H ister s era ], para cumprir diversos eventos diferentes.
Ogrande será arrastado numa jaula de ferro enquanto 0 A Segunda Guerra Mundial. Segundo Lamont,
irmão mais novo [de Gennain ] não observará nada. Nostradamus previu que, depois da Primeira Guerra
Mundial, a Guerra Civil espanhola e outras guerras, uma
Isso é supostamente uma profecia relativa a Adolt mais terrível ocorreria — a Segunda Guerra Mundial,
Hitler. Conforme os seguidores de Nostradamus, a com seu conflito aéreo e sofrimento. Mas nenhum
Nostradamus 638

desses detalhes é fornecido. A profecia é tipicamente Previsões após 0 fato. O próprio Nostradamus re-
vaga, e 0 evento a que ela supostamente se refere pode- conheceu que suas previsões foram escritas de tal for-
ria ser facilmente previsto sem qualquer poder sobre- ma que “jamais poderiam ser entendidas até que fos-
natural. A passagem diz simplesmente: sem interpretadas após 0 evento e pelo evento” (Randi,
p. 31). Não há nada milagroso em dar a uma profecia
Após uma grande exaustão humana, outra maior está sen- um cumprimento que não podia ser claramente visto
do preparada. A medida que 0grande motor renova os séculos, nela antes. Jamais foi comprovado que uma previsão
uma chuva de sangue, leite, fome, ferro e peste [virá,. Xo céu de Nostradamus era genuína. Isso significa que ele é
será visto fogo com grandes faíscas (Lamont, p. 168!. um falso profeta ou não estava afirmando seriamente
que fazia previsões reais. Talvez ele fosse um impos-
Avaliação. As previsões de Xostradamus são ge- tor ou um trapaceiro literário.
rais, vagas e explicáveis de maneira puramente natural. Profecias com arde troça?Seus prognósticos eram
Além disso, Nostradamus demonstra sinais claros de tão vagos e improdutivos que até a enciclopédia Man,
influência demoníaca e ocultista (v. m ila g r es , m á g ic a e ). myth and magic [Homem, mito e mágica[ sugere que
Falsas profecias. Um sinal evidente do falso pro- “Nostradamus as compôs com ar de troça, porque es-
feta é a falsa profecia (v. Dt 18). Se as previsões de tava bem ciente de que há um mercado duradouro
Nostradamus forem consideradas literalmente, mui- para profecias, principalmente para as dissimuladas”
tas são falsas. Se não são, então podem preencher (Cavendish, p. 2017). Como James Randi disse:
muitos “cumprimentos” . Como John Ankerberg disse,
“ é fato inegável que Nostradamus fez várias profeci- As incríveis profecias de Michel de Nostredame, sob in-
as falsas” (Ankerberg, p. 340). Ericka Cheetham, a vestigação, revelam ser uma coleção entediante de versos vagos,
reconhecida estudiosa de Nostradamus, disse dire- cheios de trocadilhos, e aparentemente mal escritos [...] De
tamente sobre seus prognósticos em seus uma distancia de mais de quatrocento anos, imagino ouvir um
Almanaques:“Muitas dessas previsões estão erradas” francês barbudo rindo da ingenuidade dos simplórios do sé-
(Ericka, p. 20). Algumas interpretações são tão culo λλ que ele enganou (p. 36).
diversas que, ao mesmo tempo que uma pessoa
aponta para uma referência à “Genebra calvinista” , A confissão de fonte demoníaca. Nostradamus ad-
outra acredita que a referência seja a “poder atômico” mitiu a inspiração demoníaca quando escreveu:
( The prophecies of Nostradamus [As profecias de
Nostradamus[, p. 81). O décimo das calendas de abril foi despertado por pessoas
Previsões vagas. A verdade é que a grande maio- malignas; a luz se extmguiu; assembléia demoníaca procuran-
ria dos prognósticos de Xostradamus são tão ambí- do os ossos do diabo (damant — "demônio”) segundo Psellos
guos e vagos que poderiam preencher uma variedade (Lamont, p. 71).
de eventos. Considere este:
Ao comentar isso, Lamont observou que
Foice ao lado do Lago, junto com Sagitário no ponto do
seu ascendente — doença, fome, morte por tropas — 0século/ a utilização de demonios ou anjos negros é recomendada
era se aproxima da sua renovação (Centúrias 1.6). por antigos autores de magia. Eles afirmam deter 0conhecimento
de assuntos temporais e, quando controlados, darão muita in-
As linhas podem ser interpretadas para preencher formação ao operador.
vários eventos no futuro. Quando algo é considerado
um cumprimento, Xostradamus parecerá sobrenatu- Ele acrescenta que “Nostradamus não poderia ter
ral. Astrólogos e adivinhos usam descrições vagas e evitado tal tentação” (ibid.).
simbolismo 0 tempo todo. Xostradamus era um mes- Várias formas de praticas ociãtistas. Nostradamus
tre nessa arte. foi associado a várias atividades ocultistas. Lamont
Interpretações contraditórias. Xão há unanimida- observa que “Magia — Astrologia — Simbolismo —
de entre os intérpretes de Xostradamus sobre 0 signi- Anagramas — [são uma] Chave para Nostradamus”
ficado de suas previsões. Essa talta de concordância é (ibid., p. 69). Nas Centúrias, a Quadra 2 é traduzida da
outra prova de sua ambigüidade e falta de autoridade. seguinte forma:
Em The prophecies of Nostradamus os editores indi-
cam interpretações contraditórias (v. !,16; !,51;n,41; A vara de condão na mão assentada em meio aos Galhos,
11,43; 11,89; 111,97 etc.). Ele (0 profeta) molha na água a bainha (do seu traje) e0pé.
639 Novo Testamento, datação do

Um temor, e uma voz estremece pelos braços; esplendor literárias pelo máximo de tempo possível. Por essa ra-
divino, O Divino está sentado, próximo (ibid., p. 70). zão, estudiosos radicais defendem datas do final do sé-
culo i e, se possível, do século 11, para os autógrafos (v.
Lamont comenta que aqui Jesus, Sem inário). Com essas, datas argumentam que os
documentos do xt, principalmente os evangelhos, con-
Nostradamus seguiu os rituais de mágicos de acordo com tèm mitologia (v. mitologia e o Novo Testam ento). Os au-
Iâmblico. É noite — ele está sentado no banco ou tripé profé- tores criaram os eventos contidos, em vez de relatá-los.
tico — uma pequena chama surge. Ele tem avara de condão na Argumentos a favor das datas antigas. Lucas e
suamão(ibid.,p.70-l). Atos. O evangelho de Lucas foi escrito pelo mesmo
autor de Atos dos Apóstolos, que se refere ao evan-
Além do uso da varinha de condão do ocultismo, gelho de Lucas como 0 relato de “tudo 0 que Jesus
Nostradamus era muito conhecido por seu conhe- começou a fazer e a ensinar” (At 1.1). O destinatário
cimento astrológico — outra prática ocultista con- (“ Teófilo” ), estilo e vocabulário dos dois livros de-
denada pela Bíblia (Dt 18). Mas seja qual for a sua monstram um autor comum. O especialista em his-
fonte, essas previsões não competem de forma algu- tória de Roma Colin Hemer ofereceu evidência po-
ma com as previsões claras, específicas e altamente derosa de que Atos foi escrito entre 60 e 62 d.C (v.
precisas das Escrituras. A to s , h is to ricid a d e de). Essa evidência inclui as se-
Conclusão. Não há comparação real entre as pre- guintes observações:
visões de Nostradamus e as profecias da Bíblia. As
dele são vagas, falíveis e ocultas. As da Bíblia são cia- 1. Não há menção em Atos do evento crucial da
ras, infalíveis e divinas (v. B íb lia , evidências da). A Bíblia queda de Jerusalém no ano 70 d.C.
fez várias previsões claras e distintas centenas de anos 2. Não há indicação da rebelião da Guerra Judai-
antes. Nostradamus não 0 fez. Não há evidência de ca de 66 d.C ou da séria deterioração das rela-
que Nostradamus sequer tenha sido profeta; certa- ções entre os romanos e judeus antes dessa
mente ele não era como os profetas da Bíblia. A pro- época.
feda bíblica é singular na sua afirmação de ser sobre- 3. Não há indicação da deterioração das rela-
natural (v. profecia como prova da B íb lia ). ções cristãs com Roma durante a perseguição
de Nero na segunda metade final da década de
Fontes 60 d.C.
J. AxKhKBF.RG, et al., Cult watch. 4. Não há indicação da morte de Tiago às mãos
M. C a v e n d is h , “Nostradamus” , em Man, myth, and do Sinédrio em c. 62, registrada por Josefo
magic, nova ed., v. 15. em Antiguidades judaicas (20.9.1.200).
E. C iie e t ih m , The final prophecies of Nostradamus. 5. A importância do julgamento de Gálio em
A. K 0Lt, Miracle and magic. Atos 18.14-17 pode ser vista como 0 estabele-
A. L amont, Nostradamus sees all. cimento de um precedente para legitimar 0
M. Xos'i r a d a m u s , Centúrias. ensinamento cristão sob a proteção da tole-
J. R a n d i , “ Nostradamus: The Prophet for All Seasons” , rância estendida ao judaísmo.
The Skeptical Enquirer (Fall 1882). 6. A proeminência e autoridade dos saduceus
The prophecies of Nostradamus. em Atos reflete uma data anterior a 70, antes
do colapso de sua cooperação política com
nova era, religiões da. V. panenteísm o; panteísm o; Roma.
hinduísmo; zen-budismo; neopaganismo; politeismo. 7. A atitude relativamente amistosa em Atos
para com os fariseus (ao contrário do que se
Novo Testamento, datação do. A data em que 0 x t toi encontra no evangelho de Lucas) não coinci-
escrito é uma questão importante quando se prepara 0 de com 0 período de reavivamento farisaico
argumento apologétíco geral a favor do cristianismo (v. que levou ao concilio de Jâmnia. Nessa época
apoi.ogf.tica, argumento da). A confiança na precisão his- teve início uma nova fase de conflito com 0
tórica desses documentos depende parcialmente de te- cristianismo.
rem sido escritos ou não por testemunhas oculares e 8. Atos parece antedatar a chegada de Pedro a
por contemporâneos dos eventos descritos, assim como Roma, 0 que implica que Pedro e João esta-
a Bíblia afirma. Estudiosos que optam pela crítica vam vivos na época em que 0 livro foi escrito.
negativa (v. B íb lia , c r ít ic a da) fortalecem suas teorias 9. A proeminência de “piedosos” nas sinagogas
à medida que separam os eventos reais das obras pode indicar uma data anterior a 70, após a
Novo Testamento, datação do 640

qual havia poucos interessados e prosélitos de século depois da crucificação em 33. Além disso,
gentios do judaísmo. Paulo fala de mais de quinhentas testemunhas da
10. Lucas dá detalhes insignificantes da cultura ressurreição que ainda estavam vivas quando ele
do início do período júlio-claudiano. escreveu (15.6). São especificamente mencionados
11. As áreas de controvérsia descritas pressupõem os doze apostolos e Tiago, 0 irmão de Jesus. A evi-
que 0 templo ainda existia. dência interna para essa data antiga é forte:
12. Adolf Harnack afirmou que a profecia de
Paulo em 20.25 (cf. 20.38) teria entrado em 1. O livro afirma repetidamente ter sido escrito
contradição com eventos posteriores. Nesse por Paulo (1.1,12-17:3.4,6,22; 16.21).
caso, 0 livro deve ter aparecido antes desses 2. Há equivalèncias com 0 livro de Atos.
eventos. 3. Há um tom de autenticidade no livro do prin-
13. A terminologia cristã usada em Atos reflete cípio ao fim.
um período anterior. Harnack indica 0 uso de 4. Paulo menciona quinhentas pessoas que vi-
Iesous e ho Kurios, enquanto ho Christos sem- ram a Cristo, a maioria das quais ainda esta-
pre designa “0 Messias” , e não 0 nome próprio va viva.
de Jesus. 5. O conteúdo está em harmonia com 0 que se
14. 0 tom confiante de Atos parece improvável sabe sobre Corinto durante aquela época.
durante a perseguição de Nero aos cristãos e
a Guerra Judaica com Roma durante 0 final Também há evidência externa:
da década de 60.
15. A ação termina no início da década de 60, 1. Clemente de Roma refere-se a ele em sua
mas a descrição em Atos 27 e 28 é feita com Epístola aos coríntios (cap. 47).
uma proximidade vivida. Também é um lu- 2. .4 Epístola de Baniabé faz alusão a ele (cap. 4).
gar estranho para terminar 0 livro, se muitos 3. O pastor de Hermas 0 menciona (cap. 4).
anos tivessem desde que os eventos anterior 4. Há quase seiscentas citações de 1 Coríntios só
a 62 ocorreram. em Ireneu, Clemente de Alexandria e Tertuliano
(Thiessen, p. 2 0 1). É um dos livros mais bem
Para provas adicionais da precisão e data anti- atestados de todos do mundo antigo.
ga de Atos, v. 0 artigo A to s , h is to ricid a d e de. Se Atos
foi escrito em 62 d.C ou antes, e Lucas foi escrito Junto com 1 Coríntios, 2 Coríntios e Gálatas são
antes de Atos (60, por exemplo), então Lucas foi bem atestados e antigos. Todos os três revelam um
escrito menos de 30 anos após a morte de Jesus. interesse histórico nos eventos da vida de Jesus e for-
Isso é contemporâneo à geração das testemunhas necem fatos que concordam com os evangelhos. Pau-
dos eventos da vida, morte e ressurreição de Jesus. 10 fala do nascimento virginal de Jesus (G14.4), de sua
É exatamente isso que Lucas afirma na introdução vida sem pecado (2C0 5.21), morte na cruz ( 1C0 15.3;
do seu evangelho: G13.13), ressurreição no terceiro dia ( 1C0 15.4) e apa-
rições pós-ressurreição {1 Co 15.5-8). Ele menciona as
Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que centenas de testemunhas oculares que poderiam
se cumpriram entre nós, conforme nos foram transmitidos por comprovar a ressurreição ( 1 C0 15.6). Paulo baseia a
aqueles que desde 0 início foram testemunhas oculares e ser- verdade do cristianismo na historicidade da ressur-
vos da palavra. Eu mesmo investiguei tudo cuidadosamente, reição ( 1C0 15.12-19). Paulo também dá detalhes his-
desde 0 começo, e decidi escrever-te um relato ordenado, 0 tóricos sobre os contemporâneos de Jesus, os aposto-
excelentíssimo Teófilo, para que tenhas a certeza das coisas los ( 1C0 15.5-8), incluindo seus encontros partícula-
que te foram ensinadas. res com Pedro e os apóstolos (G1 1.18-2.14). Pessoas,
lugares e eventos do nascimento de Cristo eram todos
Lucas apresenta a mesma informação sobre históricos. Lucas se esforça muito para mostrar que
quem Jesus é, 0 que ele ensinou, sua morte e ressur- Jesus nasceu durante os dias de César Augusto (Lc
reição, como fizeram os outros evangelhos. Portan- 2.1) e foi batizado no décimo quinto ano de Tibério.
to, também não há razão para rejeitar sua precisão Póncio Pilatos era 0 governador da Judéia, e Herodes
histórica. era tetrarca da Galiléia. Anás e Caifás eram os sumos
Primeira aos Coríntios. Em geral teólogos críti- sacerdotes (Lc 3.1,2).
cos e conservadores aceitam que 1 Coríntios toi Aceitação de datas recuadas. Há uma aceitação
escrita até 55 ou 56 d.C. Isso é menos que um quarto crescente de datas recuadas para 0 nt, mesmo entre
641 Novo Testamento, datação do

alguns estudiosos críticos. Dois ilustram essa ques- Policarpo citou os quatro evangelhos, Atos e a maio-
tão, 0 ex-liberal William F. A lb r ig h t e 0 crítico radi- ria das epístolas paulinas. 0 pastor de Hermas (115-
cal John A . T. Robinson. 140) cita Mateus, Marcos, Atos, 1 Coríntios e outros
William F. Albright. Albright escreveu: “ Já pode- livros. O Didaquê (120-150) refere-se a Mateus, Lucas, 1
mos dizer enfaticamente que não há mais base sóli- Coríntios e outros livros. Papias, companheiro de
da para datar qualquer livro do n t depois do ano 80 Policarpo, que foi discípulo do apóstolo João, citou
aproximadamente, duas gerações inteiras antes da João. Isso argumenta fortemente que os evangelhos
data entre 130 e 150 dada pelos críticos mais radi- existiam antes do final do século 1, enquanto algu-
cais do n t da atualidade” (Recent discoveries in Bible mas testemunhas oculares (inclusive João) ainda
lands [Descobertas recentes em terras bíblicas], 136). estavam vivas.
Em outra parte, Albright disse: “ Na minha opinião, Antigos manuscritos gregos. Sem dúvida 0 ma-
todo 0 n t foi escrito por judeus batizados entre os nuscrito mais antigo de um livro do n t é um papiro
anos 40 e 80 do século 1 (provavelmente entre 50 e 75 da Biblioteca John Rylands (p52), que data de 117 a
d.C.)” (“ Towards a more conservative view” [“ Em 138 d.C. Esse fragmento do evangelho de João sobre-
busca de uma visão mais conservadora” ], p. 3). vive desde uma data a apenas uma geração de dis-
Esse estudioso chegou ao ponto de afirmar que a tância da composição original. Já que 0 livro foi com-
evidência da comunidade de Qumran demonstra que posto na Ásia Menor e esse fragmento foi encontra-
os conceitos, terminologia e mentalidade do evangelho do no Egito, certo tempo de circulação é necessário,
de João provavelmente são do século 1 (“ Recent sem dúvida datando a composição de João no sécu-
discoveries in Palestine” [ “Descobertas recentes na Pa- 10 1. Livros inteiros (Papiros Bodmer) estão disponí-
lestina” ]). “Graças às descobertas de Qumran, 0 n t pro- veis a partir do ano 200. A maior parte do n t, incluin-
va ser realmente 0 que se acredita ser: 0 ensinamento do todos os evangelhos, está disponível nos manus-
de Cristo e seus seguidores imediatos entre c. 25 e c. 80 critos dos Papiros Chester Beatty, copiados a partir
de 150 anos após 0 n t ter sido terminado (c. 250).
d.C.” (From stone age to Christianity [Da idade da pe-
dra ao cristianismo], p. 23). Nenhum outro livro do mundo antigo tem um espa-
ço de tempo tão pequeno entre a composição e as
John /4. T. Robinson. Conhecido por seu papel no
cópias manuscritas mais antigas como 0 n t (v. Novo
lançamento do movimento da “ Morte de Deus” ,
Testam ento, m anuscritos d o).
Robinson escreveu um livro revolucionário intitulado
José 0 ’C allahan, um paleógrafo jesuíta espanhol,
Redating the New Testament [Redatando 0 Novo Testa-
esteve nas manchetes em todo 0 mundo no dia 18 de
mento], no qual propôs novas datas para os livros do
março de 1972, quando identificou um fragmento
n t que os recuam além do que a maioria dos teólogos
manuscrito de Qumran (v. M a r m orto, rotos d o) como
conservadores jamais havia feito. Robinson data
um pedaço do evangelho de Marcos. 0 pedaço era
Mateus do ano 40 até depois do ano 60, Marcos por
da Caverna 7. Fragmentos dessa caverna haviam sido
volta de 45 a 60 Lucas de antes de 57 a após 60 e João de
datados entre 50 a.C. e 50 d.C., dentro do espaço de
antes de 40 a depois de 65. Isso significaria que um ou
tempo estabelecido para as obras do n t. Usando os
dois evangelhos poderiam ter sido escritos apenas
métodos aceitos de papirologia e paleografia,
sete anos após a crucificação. No máximo foram to-
0 ’C allah an comparou seqüências de letras com do-
dos compostos durante a vida dos contemporâneos e
cumentos existentes e posteriormente identificou
das testemunhas oculares dos eventos. Supondo a in-
nove fragmentos pertencentes a um evangelho, Atos
tegridade básica e a precisão razoável dos autores,
e algumas epístolas. Alguns deles foram datados de
isso colocaria a credibilidade dos documentos do n t
acima de qualquer dúvida.
Texto fragmento data
Outras evidências. Citações antigas. Só dos qua-
aproximada
tro evangelhos há 19 368 citações pelos pais da igreja
M arcos 4 .2 8 7q 6 50 d.C
do final do século 1 em diante. Isso inclui 268 por
M arcos 6 .4 8 7q1 5 ?d .C .
Justino M á r t i r (100-165 d.C), 1 038 por Ireneu (ativo
M arcos 6.52,53 7 q 5 50 d.C
no final do século π), 1017 por Clem ente de A le x a n d ria
M arco s 12.17 7 q 7 50 d.C
(c. 155-c. 220), 9231 porOrígenes(c. 185-c. 254),3822
Atos 2 7 .3 8 7 q 6 +60 d.C
por Tertuliano (c. 160-c. 220), 734 por Hipólito (m. c.
Rom anos 55.11,1 2 7 q 9 +70 d.C
236) e 3 258 por Eusébio (c. 265-c. 339; Geisler, p. 31).
1Tim óteo 3.1 6; 4.1-3 7 q 4 +70 d.C
Antes disso Clemente de Roma citou Mateus, João e
2 Pedro 1.15 7 q 10 +70 d.C
1 Coríntios em 95 a 97 d.C. Inácio referiu-se a seis
Tiago 1.23,24 7 q 8 +70 d.C
epístolas paulinas por volta de 110, e entre 110 e 150
Novo Testamento, historicidade de 642

pouco depois do ano 50, mas ainda assim extrema- from before A.D. 50'". Biblical Apostolate 6
mente cedo. (19 72.‫׳‬.
C on clu são. Os amigos e críticos reconhecem que, W . N . P ; l : < : :.:.'-‫׳ ׳‬-. The identitication oftheXete
se válidas, as conclusões de 0’Callahan revoluciona- Testament text.
rão as teorias do n t . Se apenas alguns desses fragmen- W. W h it e , Ir.. "O'Callahan's identification:
tos forem do n t , as implicações para a apologética confirmation and its consequences",
cristã são enormes. Marcos e/ou Atos devem ter sido Westminster Journal 35 (1972).
escritos durante a vida dos apóstolos e contemporâ- J. A. T. Ro?:N'·:·:.‫׳‬. ReJating the Xew Testament.
neos dos eventos. Não haveria tempo para adições A . N . She»·. :ν-\\':‫־‬::τξ. Roman society and Roman law
mitológicas aos registros (v. m it o l o g ia e Novo T e s t a - in the Sen■ Testament.
m e n t o ). Eles devem ser aceitos como históricos. Mar- R .C .lA ií- m . Introduction to theXev: Testament.
cos poderia ser considerado um evangelho antigo. J. W e s h a :· :. Redating Matthew: Mark, and Luke: a
Quase não haveria tempo para uma série anterior de fres'n assault on the synoptic problem.
manuscritos q (v. q, d o c u m e n t o ). E como esses manus- E. Ya.'.:a‫׳‬.‫־‬.‫׳‬h:. "Easter — mvth, hallucination, or
critos não são originais, mas cópias, seria possível historv", Christianity Today ! 15 Mar, 1974; 29
provar que partes do n t foram copiadas e aissemi- Mar. 19741.
nadas durante a vida dos autores. Nenhuma data
do século i permite tempo para mitos ou lendas N ov o Testamento, fontes não-cristãs do. V J e s is ,
entrarem nas histórias sobre Jesus. O desenvolvi- FO N TES N A Ü -C R :S T Ã S DE,
mento de lendas leva pelo menos duas gerações
inteiras, segundo A. N. Sherwin-White (v. Sherwin- Novo Testamento, historicidade do. Thomas P a in e ,
White, p. 189). A distância física dos eventos reais um dos fundadores dos Estados Unidos da América
também é útil. Nenhuma das duas características e autor de C om m on sense [B om senso] e The ag e o f
está disponível aqui. A idéia é totalmente ridícula reason [A id a d e d a ra z ã o ], disse sobre Jesus Cristo:
diante de um evangelho de Marcos datado do ano “ Não há história escrita na época que Jesus Cristo
50 ou de epoca anterior. Mesmo deixando de lado supostamente viveu que fale da existência de tal
as afirmações controvertidas de O’Callahan, a evi- pessoa, de tal homem” (Paine, p. 234). Xo ensaio Por
dência cumulativa coloca 0 n t no século 1, durante qu e n ão sou cristão, Bertrand R u s s e i i escreveu: “ His-
a vida das testemunhas oculares. toricamente é muito duvidoso que Cristo tenha
sequer existido, e se existiu não sabemos nada a seu
Fontes respeito” (Russell, p. 16). Um livro recente de G. A.
W . F. A l b r i g h t , A rchaelogy a n d the religion o f Israel. Wells conclui que, mesmo que houvesse um Jesus
_____ , From stone age to Christianity. histórico, não seria 0 Cristo do n t .
___ , Recent discoveries in Bible lands. Mas 0 cristianismo depende completamente da
____, “ Recent discoveries in Palestine and pessoa histórica de Jesus Cristo (v. 1 C0 15). Já que 0
the Gospel of St. John", em W. D. D a v ies e D a v id n t é a fonte primária de informação sobre as palavras

D AUBE,o r g s ., The b ackg rou n d of the S e n ‫׳‬ e obras de Cristo, se ele não for exato, não possuímos a
Testament a n d its eschatology. apresentação em primeira mão das afirmações, ca-
____, “ William Albright: toward a more ráter e credenciais de Jesus. A integridade histórica
conservative view” , C hristianity Today (1 8 Jan. do n t é crucial para a apologética cristã.
1 9 6 3 ). A evidência a favor da historicidade dos documen-
R . B u lt m a n n , K erygm a a n d m yth: a th eolog ical debate. tos do n t pressupõe a possibilidade do conhecimento
D. Es 1r a d a e W. Whi ι έ , Jr., The first .Wu· Testament. da história em geral e a credibilidade da história de
E. F is h e r , “ New Testament documents among the milagres, especificamente. Há pessoas que acreditam
Dead Sea scrolls?” , The Bible Today 61 (1 9 7 2 ), que nenhuma história pode ser conhecida objetiva-
P. G a r n k i , “ ()’Callahan’s fragments: our earliest New mente. Sua posição é respondida no artigo h i s t ó r i a ,
Testament texts?” , Tvangelical Quarterly 45 o b j e t i v i d a d e d a . Tal ceticismo radical elimina a possi-

(1 9 7 2 ). bilidade de saber qualquer coisa sobre 0 passado.


N .L .G tisL tR jn trod u ção bibh ca. Imediatamente, a história nas universidades e de-
C. J. H e m l r , The b o o k o f Acts in the setting of partamentos clássicos é eliminada. Nenhuma fonte
H ellenistic history sobre eventos passados poderia ser fidedigna. Por
B. O r c h a r d , “A fragment of St. Mark’s Gospel dating analogia, tal ceticismo eliminaria todas as ciências
643 Novo Testamento, manuscritos do

históricas, tais como geologia histórica (paleonto- I. H. M arsh all, I believe in the historical Jesus.
(logia), arqueologia e ciência legal (v. origens, ciência M. M a r l in , The case against Christianity.
das). Elas também dependem da investigação e in- B. M et zg er , The text o f the Xew Testament.
terpretação de evidência do passado. J. W . M o n tg o m ery , History and Christianity.
Já que tudo que não ocorre agora é história, tal ___ , The shape o f the past.
posição eliminaria todo depoimento de testemu- Τ. P a in t , Examination.
nhas oculares. Até mesmo as testemunhas vivas só B. R ussell, P orqu e não sou cristão.
poderiam testemunhar sobre 0 que viram em deter- A . N . S h erw in - W h it e , Roman society and Roman law
minado momento da realidade. Por outro lado, se in the New Testament.
seu testemunho pode ser aceito enquanto vivem, os E. T r o e l s c h , “ Historiography” , em J. H a s t in g s , org.,
registros válidos que deixam para trás são igualmente Encyclopedia of religion and ethics.
fidedignos. R. W ' h a t e l e y , Historical doubts concerning the
Alguns críticos se opõem apenas à história de mi- existence of Napoleon Bonaparte.
lagres. Isso é discutido em detalhes no artigo m ila-
gres, a rgu m ento s c o n tra . Essa posição claramente co-
Novo Testamento, manuscritos do. A fidelidade
mete uma petição de princípio ao supor que ne- do texto do n t é um elo importante na apologética
nhuma história de milagres é confiável antes mes- do cristianismo (v. a p o lo g é tica , a rg u m ento da; Novo
mo de examinar a evidência. Ninguém que procu- Testam ento, h isto ricid ade dos documentos d o ), e há evi-
re a verdade objetiva deve supor que 0 relato de dências esmagadoras para apoiar a confiabilidade
um evento anormal não deve ser digno de crédito do texto do n t.
antes mesmo de considerada a questão. Tanto na
A história dos manuscritos. O testemunho a fa-
ciência (v. b i g - b a x g ; evo lu çã o quím ica; evo lu çã o cósmi-
vor da fidelidade do texto do n t vem principalmente
c a ) quanto na história a evidência demonstrou que
de três fontes: manuscritos gregos, traduções antigas
singularidades radicais ocorreram (v. re s s u rre iç ã o ,
e citações das Escrituras por autores cristãos.
evid ências da; nascim ento v ir g in a l).
Os manuscritos gregos são os mais importantes e
O primeiro passo ao estabelecer a historicidade
são encontrados em quatro classes: papiros, unciais
do n t é demonstrar que os documentos do n t foram
[escritos com letras maiúsculas], minúsculos e
transmitidos com precisão desde a época da compo-
lecionários. Essas designações podem ser difíceis de
sição original. Isso é demonstrado no artigo Novo T es-
seguir, pois papiro refere-se ao material ou tecido no
tamento, manuscritos do.
qual a escrita era feita. Uncial e minúscula referem-se
O segundo passo é demonstrar que foram escri-
à maneira em que as letras eram formadas no estilo
tos por contemporâneos ou testemunhas oculares
de escrita do manuscrito, e lecionários são coleções
confiáveis dos eventos (v. n t, datação d o). Contrarian-
de textos bíblicos encadernados para uso no culto de
do os críticos, há mais evidência da historicidade da
adoração. O que é confuso é que manuscritos em
vida, morte e ressurreição de Cristo que de qualquer
papiros são escritos com as letras arredondadas,
outro evento do mundo antigo (v. Novo Testam ento,
cursivas e maiúsculas da escrita uncial. Mais de
FONTES N ão -cristãs).
Rejeitar a historicidade do Novo Testamento é re- duzentos lecionários foram escritos em letras unciais.
jeitar toda a história. Mas não podemos rejeitar toda a Mesmo assim, estudiosos tentam catalogar suas
história sem empregar um pouco de nossa história. A descobertas de acordo com a característica mais
afirmação: “O passado não é objetivamente cognos- distintiva de cada um. Cada papiro vem de uma era
cível” é em si uma afirmação objetiva a respeito do ou região específica. Os manuscritos gregos tendem a
passado. Logo, a posição contra a cognoscibili-dade ser comparados uns com os outros e usados extensi-
da história se anula (v. h isto ria, objetividade da). vãmente na comparação do grego usado no texto. Esses
manuscritos colocados nas categorias de escrita uncial
F on tes e minúscula são diferenciados pelo estilo de escrita e
K. A i wp e B . A l a n d , The text o f the S en ‫׳‬Testament. por serem escritos em velino ou pergaminho. Então,
C. B i 1i.MBHRb, The historical reliability of the Gospels. por exemplo, um manuscrito uncial em papiro está
F. F. B r l i . e , Merece confiança 0 Novo Testamento? na categoria papiro; um manuscrito uncial em velino
R .T . F ra n ce , The evidence tor Jesus. é chamado uncial. A escrita minúscula é pequena, sim-
N. L. G l s l e r , Christian apologetics. pies, cursiva e só se desenvolveu na Idade Média.
G. H a b l r .v .a >, The historical Jesus: ancient evidence Assim, há bem mais manuscritos minúsculos, mas
for the life ot Christ. são posteriores, entre os séculos ix e xv.
Novo Testamento, manuscritos do 644

Outro termo freqüentemente usado em referén- Um fragmento, 0 papiro de John Ryland (p‫);'־‬, data de
cia a manuscritos antigos e medievais é Códice. 117-138 d.C. (v. Xou! T est a m e n to , datação d o ).
Enquanto 0 culto judaico tradicionalmente preferia Muitos críticos rejeitam a identificação, argumen-
Escrituras em forma de rolos, os cristãos na cultura tando que tais porções são fragmentárias demais para
grega usavam mais a forma de livro encadernado, identificação precisa. Mas 0’Callahan é um paleógrafo
que passou a ter mais aceitação a partir do século 1. respeitado e defende seu trabalho por ser condizente
Portanto, a maioria dos manuscritos, mesmo os mais com 0 método pelo qual outros fragmentos antigos
antigos, são Códices encadernados. são identificados. Os críticos não conseguiram, sem
Mais manuscritos. Textos gregos catalogados in- mudar os procedimentos normais, inventar obras al-
cluem 88 manuscritos em papiro, 274 manuscritos ternativas viáveis das quais os fragmentos poderiam
unciais e 245 lecionários unciais. Os manuscritos ter vindo. Caso sejam fragmentos do \‫־־‬r, essas datas
unciais antigos são extremamente valiosos para esta- antigas revolucionarão 0 estudo crítico do nt.
belecer 0 texto original do n t. Os outros 2 795 manus- Manuscritos mais precisos. Os muçulmanos afir-
critos e 1 964 lecionários são minúsculos. mam que 0 Alcorão foi conservado com precisão (v.
Trata-se de um número e de uma variedade sur- A lc o r ã o , suposta origem divina d o). Mas, embora 0 Al-

preendentes. Normalmente os clássicos da Anti- corão seja um livro medieval do século vii, 0 n t é 0
guidade sobrevivem em apenas algumas cópias ma- livro mais precisamente copiado do mundo antigo.
nuscritas. Segundo F. F. B ru c e , sobreviveram nove ou É claro que 0 fator importante não é a precisão exata
dez cópias das Guerras gálicas de Júlio César, vinte nas cópias, mas se 0 original é a Palavra de Deus (v.
B íb lia , evidências da).
cópias da História romana de Lívio, duas cópias dos
Há um mal-entendido muito difundido entre os
Anais de Tácito e oito manuscritos da História de
críticos sobre os “erros” nos manuscritos bíblicos. Al-
Tucídides (Bruce, p. 16). A obra secular antiga mais
guns estimaram que há cerca de 200 mil erros. Antes
documentada é a Ilíada de Homero, sobrevivendo
de mais nada, esses não são “erros” , mas leituras vari-
em 643 cópias manuscritas. Contando apenas as có-
antes, e a maioria deles é estritamente gramatical. Se-
pias gregas, 0 texto do n t é preservado em aproxima-
gundo, essas leituras estão espalhadas em mais de 5
damente 5 686 porções manuscritas parciais e com-
300 manuscritos, de forma que a ortografia variante
pletas que foram copiadas à mão a partir do século 11
de uma letra de uma palavra de um versículo em 2 mil
(possivelmente 1) até 0 século xv (v. Geisler, cap. 26).
manuscritos é considerada 2 mil “erros” . Os estu-
Além dos manuscritos gregos, há várias traduções
diosos textuais Westcott e Hort estimaram que
do grego, sem mencionar citações do nt. Contando as
apenas uma em 60 dessas variantes tem impor-
principais traduções antigas em aramaico, copta, ára-
tância. Isso resulta num texto 98,33% puro. Philip
be, latim e outras línguas, há 9 mil cópias do n t. Isso dá
Schaff calculou que, das 150 mil variantes conhe-
um total de mais de 14 mil cópias do n t. Além disso, se
cidas em sua época, apenas 400 mudavam 0 signi-
compilarmos as 36 289 citações dos pais da igreja pri-
ficado da passagem, apenas 50 eram de real im-
mitiva dos séculos 11 a iv, podemos reconstruir todo 0
portância e nenhuma afetava
n t com exceção de onze versículos.
Manuscritos mais antigos. Uma característica de
um artigo de te ou um preceito de dever que não seja abun-
um bom manuscrito é sua idade. Geralmente, quan-
dantem ente sustentado por outras passagens incontestáveis
to mais antiga a cópia, mais próxima da composi- ou pelo teor geral do ensinamento bíblico ( Schaff, p. 177).
ção original ela está e menos erros de copistas apre-
senta. A maioria dos livros antigos sobrevivem em A maioria dos outros livros antigos não é tão
manuscritos que foram copiados cerca de mil anos bem autenticada. O teólogo do n t Bruce Metzger es-
depois de serem compostos. É raro ter, como a Odis- timou que o Mahabharata do hinduísmo tem apenas
séia, uma cópia feita apenas quinhentos anos após o cerca de 90°o de precisão e a Ilíada de Homero tem
original. A maior parte do n t é preservada em manus- cerca 95 °0 . Em comparação, estimou que 0 n t é apro-
critos feitos menos de duzentos anos após 0 original ximadamente 9 9 ,5 °0 preciso (ibid.).
(p45, p46, p47), sendo alguns livros do n t de pouco menos Estudiosos islâmicos reconhecem 0 estudioso
que cem anos após sua composição (pw), e um frag- textual Frederic Kenyon como autoridade sobre ma-
mento (p5:) data de apenas uma geração após 0 século nuscritos antigos. Mas Kenyon concluiu:
1. O n t, em comparação, sobrevive em livros comple-
tos de pouco mais de cem anos após ser concluído. O núm ero de m an u scrito s do nt, de traduções antigas
Fragmentos estão disponíveis apenas décadas depois. dele e de citações dele nos autores m ais antigos da igrejaé
645 Novo Testamento, manuscritos do

tão grande que é praticamente garantido que a leitura correta papiro de um Códice, é a cópia incontestável mais
de toda passagem duvidosa é preservada em um a ou outra antiga de um trecho do n‫־‬t. Ele data da primeira meta-
dessas autoridades antigas. Não se pode dizer isso sobre ne- de do século 11, provavelmente 117-138 d.C. Adolf
nhum outro livro antigo no m undo (p. 55). Deissmann argumenta que pode até ser mais antigo
(Metzger, Text of the New Testament [0 texto do nt ], p.
O testemunho dos manuscritos. Manuscritos em 39). 0 pedaço de papiro, escrito dos dois lados, con-
papiros. A data dos supostos manuscritos mais anti- tém partes de cinco versículos do evangelho de João
gos do nt é contestada. Um fragmento conhecido (18.31-33, 37,38). Pelo fato de ter sido encontrado no
como fragmento de “Madalena” contém uma refe- Egito, longe da Ásia Menor, onde, segundo a tradição,
rência a Maria Madalena (em Mt 26). Esse pedaço de João foi escrito, essa porção tende a confirmar que 0
papiro está na biblioteca da Universidade de Oxford. Evangelho foi escrito antes do final do século 1.0 frag-
0 especialista em papiros Carsten Thiede, da Ale- mento pertence à Biblioteca John Rylands, em
manha, argumentou que esse poderia ser 0 registro Manchester, Inglaterra.
de uma testemunha ocular de Jesus. Outros especia- Papiros Bodmer. A descoberta mais importante
listas 0 datam do século 11 ou mais tarde (v. Stranton, dos papiros do nt desde os manuscritos Chester
Gospel truth?). Beatty foi a aquisição da coleção de Bodmer pela
Outros fragmentos do evangelho datam de 50 d.C., Biblioteca de Literatura Mundial em Culagny, per-
e foram encontrados originalmente entre os rolos do to de Genebra, na Suíça. Ela também tem três par-
mar Morto. José 0’Callahan, paleógrafo jesuíta espa- tes, designadas p66, p7‫ ־‬, p75. Datando de aproximada-
nhol, identificou um fragmento de manuscrito de mente 200 d.C ou antes, p66 contém 104 folhas de
Qumran (v. mar morto, rolos do) como sendo 0 pedaço João 1.1— 6.11; 6.35b — 14.26; e fragmentos de
do evangelho de Marcos mais antigo que se conhece.
quarenta outras páginas de João 14— 21 (Metzger,
Fragmentos da Caverna 7 haviam sido datados previ-
Text of the New Testament, p. 40). P72 é a cópia mais
amente entre 50 a.C. e 50 d.C., relacionados como “não
antiga conhecida de Judas, 1 Pedro e 2 Pedro. Tam-
identificados” e classificados como “textos bíblicos?” .
bém incluía 0 fragmento de um hino, salmo 33 e
Os nove fragmentos de Qumran são relacionados da
Salmo 34,1 Pedro e 2 Pedro, e vários livros apócrifos:
seguinte forma:
,4 natividade de Maria, Correspondência de Paulo
aos coríntios, Décima prim eira ode de Salomão,
Marcos 4.28 7q 6 50 d.C.
Homilia sobre a Páscoa, de Melito, e A apologia de
Marcos 6.48 7q 15 ? d.C
Filéias. Esse papiro do século in aparentemente era
Marcos 6.52,53 7q 5 50 d.C.
um códice particular medindo 18x15 centímetros,
Marcos 12.17 7q 7 50 d.C
preparado por aproximadamente quatro escribas
Atos 27.38 7q 6? 60 d.C
(Metzger, Text of the New Testament, p. 40-1). 0
Romanos 55.11, 12 7q 9 +70 d.C.
manuscrito p75 é um códice de 102 páginas (origi-
1Timóteo 3.1 6: 4.1-3 7q 4 +70 d.C.
nariamente 144), medindo 30 x 16 centímetros. Con-
2 Pedro 1.15 7q 10 +70 d.C.
tém a maior parte de Lucas e João em unciais cla-
Tiago 1.15 7q 8 +70 d.C.
ras e cuidadosamente escritas, e data de 175 a 225
d.C. É a cópia mais antiga que se conhece de Lucas
Os críticos de 0’Callahan se opõem à identifica-
ção e deram outras fontes possíveis para eles. A na- (Metzger, Text of the New Testament, p. 42).
tureza fragmentária do manuscrito dificulta a certe- Papiros Chester Beatty. Esses papiros datam de
za com relação à sua verdadeira identificação (v. 250 d.C. aproximadamente. Trinta das folhas perten-
0 ’C allahan , J osé). cem à Universidade de Michigan. Uma coleção im-
Oitenta e oito manuscritos de papiro inquestio- portante dos papiros do n‫׳‬t (p'\ p46, p47) agora está no
náveis já foram encontrados, dos quais os mencio- Museu Beatty, perto de Dublin. Os papiros de Chester
nados a seguir são os representantes mais impor- Beatty consistem em três códices, contendo grande
tantes. O testemunho dos papiros para 0 texto é ines- parte do nt. p45 é feito de pedaços de trinta folhas de
timável, porque vem dos primeiros duzentos anos um códice de papiro: dois de Mateus, seis de Mar-
após 0 nt ser escrito. Manuscritos ou fragmentos de cos, sete de Lucas, dois de João e treze de Atos. 0
papiro são identificados com um “ p” , seguido por códice original consistia em umas 220 folhas, me-
um número sobrescrito de 1 a 88. dindo 30 x 24 centímetros cada. Vários outros desses
Fragmento John Rylands. O fragmento John fragmentos pequenos de Mateus apareceram numa
Rylands ( p ? ; ) , um fragmento de 6 x 9 centímetros de coleção em Viena (Metzger, Text of the New Testament,
Novo Testamento, manuscritos do 646

p. 37). O manuscrito p4" consiste em 86 folhas mutila- importante do texto por sua antiguidade, precisão e
das (33 x 18 cm) de um original que continha 104 ausência de omissões.
páginas das epístolas de Paulo, incluindo Romanos, O relato da descoberta e um dos mais fascinantes
Hebreus, 1 Coríntios, 2 Coríntios, Efésios, Gálatas, da história textual. Ele foi encontrado no Mosteiro de
Filipenses, Colossenses, 1 Tessalonicenses e 2 Tessalo- Santa Catarina, no monte Sinai, pelo conde Lobegott
nicenses. Partes de Romanos e 1Tessalonicenses e Friedrich Constantine von Tischendorf (1815-1874).
2Tessalonicenses completa não se encontram nos Em sua primeira visita (1844), descobriu 43 folhas de
manuscritos, que foram organizados em ordem de- velino, contendo 1 Crônicas, Jeremias, Xeemias e Es-
crescente de tamanho. Como p4‫־‬, p;" data de 250 apro- ter, num cesto de retalhos que os monges estavam
ximadamente. O manuscrito p4 contém dez folhas usando para acender 0 fogo. Ele guardou esse texto da
mutiladas do livro de Apocalipse, medindo 27 x 15 Septuaginta e 0 levou para a Biblioteca da Universi-
centímetro. Das 32 folhas originais, apenas a parte dade de Leipzig, na Alemanha, onde permanece e é
do meio, 9.10-17.2, permanece. conhecido por Códice Frederico-Augustano. A segun-
Unciais em velino e pergaminho. Os manuscritos da visita de Tischendorf, em 1853, não deu resultados,
considerados mais importantes do n t geralmente são mas, em 1859, quando estava prestes a voltar para casa
os Códices unciais que datam do século iv em dian- de mãos vazias, 0 dirigente do mosteiro mostrou-lhe
te. Apareceram logo depois da conversão de uma cópia quase completa das Escrituras e alguns
Constantino e da autorização do Concilio de Nicéia outros livros.
(325) para copiar livremente a Bíblia. Esse manuscrito contém mais da metade da
Há 362 manuscritos unciais de partes do n t, dos Septuaginta e todo 0 nt, exceto Marcos 16.9-20 e João
quais alguns dos mais importantes são dados a se- 7.53— 8.11. Os apócrifos, iuntamente com a Epístola
guir, e 245 são lecionários unciais. Os manuscritos
de Barnabé e uma grande parte do O pastor de
unciais mais importantes são a, b, c e (Alef), que
Elermas, também estão incluídos.
estavam disponíveis aos tradutores da Versão Auto-
Esse Códice toi escrito em unciais gregas grandes
rizada Inglesa. O único bom manuscrito uncial gre-
e claras em 364 páginas (mais as 43 em Leipzig), me-
go disponível em 1611 era 0 d, e foi pouco usado na
dindo 39 x 42 centímetros. Em 1933, 0 governo britâ-
preparação da Versão Autorizada. Só esse fato indi-
nico 0 comprou para 0 Museu Britânico. Em 1938, foi
cava a necessidade da Versão Revisada, baseada em
publicado um volume intitulado Scribes and correctors
manuscritos melhores e mais antigos.
of Codex Sinaiticus [Escribas e revisores do Códice
Códice Vaticano. Talvez seja 0 uncial mais antigo
Sinaítico] (Metzger, Text of the New Testament, p. 42-5).
em pergaminho ou velino (c. 325-350) e uma das tes-
Códice Alexandrino. O Códice Alexandrino ( a ) é
temunhas mais importantes do texto do nt. Provável-
um manuscrito bem preservado que ocupa 0 segun-
mente foi escrito até a metade do século iv, mas não
do lugar depois do Sinaítico como representante do
era conhecido pelos estudiosos textuais até 1475, quan-
texto do \‫־־‬r. Apesar de alguns datarem esse manus-
do foi catalogado na Biblioteca do Vaticano. Nos qua-
crito do final de século :v (Kenyon, p. 129), provável-
trocentos anos seguintes, os eruditos não puderam
mente é obra dos escribas do século v de Alexandria.
estudá-lo. Um fac-símile fotográfico completo foi fei-
Em 1621, foi levado para Constantinopla pelo patri-
to em 1889-1890, e outro do m em 1904.
Ele inclui grande parte da Septuaginta, a versão arca Cirilo Lucar. Lucar Thomas Roe, embaixador
grega do a t, e 0 n t em grego. Faltam ITimóteo a inglês à Turquia em 1624, para presentear 0 Rei James
Filemom, Hebreus 9.14 até 0 final do n t e as Epístolas I. James morreu antes de 0 manuscrito chegar à In-
Gerais. Os apócrifos são incluídos com as exceções de glaterra, e 0 manuscrito foi dado a Charles 1 em 1627,
IMacabeus, 2Macabeus e a Oração de Manasses. Tam- tarde demais para ser usado na Versão Autorizada
bém faltam Gênesis 1.1-46.28, 2Reis 2.5-7 e 10-13, e de 1611. Em 1757, George 110 apresentou à Biblioteca
Salmos 106.27-138.6. Marcos 16.9-20 e João 7.53-8.11 Nacional do Museu Britânico.
foram propositadamente omitidos do texto. Contém todo 0 at, exceto várias mutilações em
Esse códice foi escrito em unciais pequenas e de- Gênesis 14— 16, ISamuel 12— 14 e Salmos 49.19—
licadas em velino fino. Ele contém 759 folhas de 30 x 79.10. Apenas Mateus 1.1— 25.6, João 6.50— 8.52 e2
30 cm — 617 no a t e 142 no n t. O Códice Vaticano Coríntios 4.13— 12.6 estão faltando no χτ. O
pertence à Igreja Católica Romana, e é guardado na manuscrito também contém 1 e 2 Clemente e os Sal-
Biblioteca do Vaticano, na Cidade do Vaticano. mos de Salomão, com algumas partes faltando.
Códice Sinaítico. Um manuscrito do século iv, O manuscrito contém 773 folhas de 30 x 36
geralmente é considerado a testemunha mais centímetro, 639 do at e 134 do χτ. As unciais grandes
647 Novo Testamento, manuscritos do

e quadradas foram escritas em velino bem fino. O Universidade de Cambridge. É surpreendente por cau-
Códice Alexandrino pertence à Biblioteca Nacional sa de algumas variações distintas do texto normal do
do Museu Britânico. O texto varia em qualidade n t (Metzger, Text of the New Testament, p. 50).

(Metzger, Text of the New Testament, p. 47,49). Códice Claromontano. 0 Codex Claromontano é
Códice Ephraemi Rescriptus. O Códice Ephraemi um texto datado de 550 aproximadamente, designado
Rescriptus (c) provavelmente originou-se em Alexan- i v ou d 1’2. A segunda forma significa Dpauln porque
dria, Egito, por volta de 345. Foi levado para a Itália suplementa d (Códice Bezae) com as Epístolas Paulinas.
por Giovanni Lascaris por volta de 1500 e mais tarde Contém grande parte do n t que falta no Códice Bezae.
foi comprado por Pietro Strozzi. Catarina de Médici, Como d , d 2 é um manuscrito bilíngüe e contém 533
a manipuladora do poder na política italiana e espo- páginas, de 21 x 18 centímetros. O manuscrito d2 pa-
sa e mãe de reis franceses, adquiriu-0 por volta de rece ser originário da Itália ou da Sardenha (Kenyon,
1533. Quando morreu, 0 manuscrito foi colocado na Our Bible and the ancient manuscripts [Nossa Bíblia e
Bibliothèque Nationale de Paris, onde permanece. os manuscritos antigos], p. 207-8; Souter, 28).
Nesse códice, a maior parte do at está faltando, Recebeu 0 nome de Claromontano por causa do
exceto partes de Jó, Provérbios, Eclesiastes, Cântico mosteiro em Clermont, França, onde foi encontrado
dos Cânticos de Salomão e dois livros apócrifos, Sa- por Beza. Após a morte de Beza, 0 códice pertenceu a
bedoria de Salomão e Eclesiástico. No n t faltam 2 vários particulares. Finalmente, Luis xiv 0 comprou
Tessalonicenses, 2 João e partes de outros livros para a Bibliothèque Nationale, em Paris, em 1656.
(Scrivener, 1.121). O manuscrito é um palimpsesto. Tischendorf editou-o completamente em 1852.
Pelo fato de 0 papel ser tão valioso, manuscritos an- Contém todas as epístolas de Paulo e a epístola
tigos geralmente eram apagados e reutilizados. Com aos Hebreus, apesar de versículos de Romanos 1 e 1
cuidado, estudiosos às vezes podem discernir tanto Coríntios 14 estarem faltando no grego e versículos
0 texto original quanto 0 rescriptus, ou texto reescri- de 1 Coríntios 14 e Hebreus 13 estarem faltando no
to. Assim, um palimpsesto pode ter valor adicional. latim. Foi artisticamente escrito numa única coluna
Essas folhas originalmente continham 0 Anti- de 21 linhas em velino fino de alta qualidade. O gre-
go e 0 x t , mas foram apagadas por Ephraem, que go é bom, mas 0 latim é gramaticalmente inferior
escreveu seus sermões nas folhas. Pela reativação em alguns trechos. O manuscrito agora está na
química, Tischendorf conseguiu decifrar a escrita Bibliothèque Nationale, em Paris.
quase invisível (Lyon, p. 266-72). Apenas 209 folhas Outros códices. Códice Basilense ( e ) é um manus-
sobreviveram: 64 do a t e 145 (das 238 originais) do crito dos evangelhos em 318 folhas, do século vm. Está
n t . As páginas têm 27 x 36 centímetros, com uma na biblioteca da Universidade de Basiléia, Suíça.
coluna larga de 40 a 46 linhas (geralmente 41). O Códice Laudianos ( e 2 o u e 3) data do final do século
manuscrito C mistura todos os principais tipos tex- vi ou do começo do século vn. Foi editado por
tuais, concordando freqüentemente com a família Tischendorf em 1870. O manuscrito e 2 contém Atos
bizantina inferior. em grego e latim, organizado em linhas muito curtas de
Códice Bezae. Escrito entre 450 e 550,0 Códice Bezae uma a três palavras. É 0 manuscrito mais antigo conhe-
(também chamado Codex Cantabrigiensis ou n) é 0 cido que contém Atos 8.37.
manuscrito bilíngüe mais antigo que se conhece do n t . Códice Sangermanense ( e 3 o u e p) é uma cópia de
Foi escrito em grego e latim e pode ser originário do sul d 2 em grego e latim, datada do século íx, logo não tem

da Gália (França) ou do norte da Itália. Foi encontrado valor independente para a crítica textual.
em 1562 por Teodoro de Beza, 0 teólogo francês, no Códice Boreliano ( f ) contém os quatro evange-
Mosteiro Santo Ireneu, Lyons, França. Em 1581, Beza 0 lhos, data do século íx e encontra-se em Utrecht.
entregou à Universidade de Cambridge. Códice Augiense ( f 2 ou f p) é um manuscrito do
Esse códice contém os quatro evangelhos, Atos e 3 século íx das epístolas de Paulo em grego e latim (com
João 11-15, com variações dos outros manuscritos in- grandes omissões), mas Hebreus está apenas no latim.
dicados. Do texto grego faltam partes de Mateus 1, Agora está na Faculdade Trinity, em Cambridge.
6— 9,27; João 1— 3; Atos 8— 10,21,22— 28. Em latim, Também chamado Códice Harleiano, 0 códice
faltam partes de .Mateus 1,6-8,26,27; Atos 8— 10,20, Wolfii a ( g ) data do século x. Contém os quatro evan-
21,22— 28; 1João 1— 3. As 406 folhas medem 24 x 30 gelhos, com muitas omissões.
centímetros, com uma coluna de 33 linhas em cada Datando do século íx, 0 Códice Boerneriano (g3
página. O manuscrito está localizado na Biblioteca da ou g p) contém as epístolas de Paulo em grego com
Novo Testamento, manuscritos do 648

uma tradução literal interlinear em latim. Evidente- 0 Códice Porfiriano (9‫ ־‬ou p‫ ) '־׳‬é um dos poucos
mente incluía um cópia da epístola apócrita aos manuscritos unciais que contém 0 livro de Apocalipse.
laodicenses. Possivelmente é de origem irlandesa. Contém ainda Atos e as epístolas gerais e paulinas, com
O Códice Wolfii b ( h ) contém os quatro evangelhos, omissões. Encontra-se atualmente em São Petersbur-
mas com muitas omissões. Data do século ix ou x e go, Rússia.
agora se encontra na Biblioteca Pública de Hamburgo. Agora no Museu Britânico, 0 Códice Nitriense
Códice Mutinense ( h : o u n a) é uma cópia de Atos ( r ) é um palimpsesto de Lucas, datado do século v i,

(faltam sete capítulos), datada do século ix; acha-se sobre 0 qual foi escrito um tratado do século vm ou
agora na Biblioteca Grã-Ducal em Módena, Itália. O ix de autoria de Severo de Antioquia. Também
texto é bizantino. contém 4 mil linhas da llíada de Homero. 0 texto é
O Códice Coisliniano ( h ‫ ־‬o u h p) é um códice im- ocidental.
portante das epístolas de Paulo, que data do século 0 Códice Vaticano 354 (s) é um dos manuscritos
v i. As 43 folhas existentes hoje estão divididas entre autodatados mais antigos dos evangelhos e foi pre-
as bibliotecas em Paris, Leningrado, Moscou, Kiev, parado em 949. Encontra-se na Biblioteca do
Turim e Monte Atos. Vaticano.
O Códice Washingtoniano 11 (1) é um manuscrito 0 Códice Borgiano ( t ) é um fragmento valioso
das epístolas paulinas da Coleção Freer no Instituto do século v que contém Lucas 22 e 23 e ]oão 6— 8. 0
Smithsoniano, Washington, d .c . Há 84 folhas restantes texto se assemelha muito ao do Códice Vaticano.
das 210 originais. Ele data do século v ou vi e contém Agora em .Moscou, 0 Códice Mosquense (v) é
partes de Hebreus e todas as cartas de Paulo, exceto uma cópia quase completa dos quatro evangelhos,
Romanos. datada do século v m ou ix. O manuscrito está em
O Códice Cyprius ( k ) é uma cópia completa dos unciais até João 8.39, onde muda para as minúsculas
quatro evangelhos datada do século ix ou x. típicas do século xm .
O Códice Mosquense ( k 2 ou Kap) é um códice de Códice Washingtoniano 1 (w) data do século iv ou
Atos, das epístolas gerais e epístolas paulinas com início do século v. 0 professor H. A. Sanders, da Uni-
Hebreus, datado do século íx ou x. versidade de Michigan, editou-o entre 1910 e 1918. O
O Códice Régio (l) é um códice dos evangelhos manuscrito contém Deuteronômio, Josué e Salmos,
datado do século vm. Sua característica singular é a os evangelhos, Hebreus e partes das epístolas paulinas,
presença de dois finais do evangelho de Marcos. O exceto Romanos. Alguns salmos estão faltando, assim
primeiro é 0 final curto, que diz 0 seguinte: “ Mas como 0 texto de Deuteronômio 5e 6, Josué 3 e 4, Mar-
elas [as mulheres] relataram brevemente a Pedro e cos 15, João 14— 16 e algumas epístolas. O manuscrito
aos que estavam com ele tudo 0 que haviam ouvido. dos evangelhos tem 187 folhas, 374 páginas de bom
Depois disso, 0 próprio Jesus enviou por meio deles, velino. Cada página tem 17 x 24 centímetros e uma
do ocidente ao oriente, a proclamação sagrada e coluna de trinta linhas, consistindo em unciais incli-
imperecível da salvação eterna” (Mc 16.8, Revised nadas pequenas, mas nitidamente escritas. Os evan-
Standard Version). O segundo final são os versículos gelhos incluem Mateus, João, Lucas e Marcos, nessa
9-20 tradicionais. ordem. O final longo de Marcos (16.9-20) é anexado,
O Códice Angélico ( l : ou L ‫ ׳‬r ) é uma cópia con- com uma inserção muito digna de nota depois de
tendo Atos, as epístolas gerais e as epístolas paulinas 16.14: “E eles se desculparam, dizendo: ‘Esta era de
datada do século ix. injustiça e incredulidade está sob Satanás, que não
O Códice Pampiano ( m) contém os quatro evan- permite que a verdade e 0 poder de Deus prevale-
gelhos. Data do século íx. çam sobre as coisas impuras dos espíritos. Portanto
O Códice Purpúreo Petropolitano (x), escrito no revelai vossa justiça agora’ — assim falaram a Cris-
século v i com letras prateadas em velino púrpura, é to. E Cristo lhes respondeu: Ό termo de anos para 0
um pergaminho de luxo dos evangelhos. Das 462 fo- poder de Satanás se cumpriu, mas outras coisas ter-
lhas originais, cerca de 230 estão espalhadas em todo ríveis se aproximam. E por aqueles que pecaram fui
0 mundo. entregue à morte, para que retornem à glória
O Códice Sinopense (0) é outra edição de luxo incorruptível da justiça que está no céu’” (Metzger,
dos evangelhos datada do século vi, escrito com tinta Text of the New Testament, 54; A textual commentary
dourada em velino púrpura. Agora está na on the greek New Testament [ Um comentário textual
Bibliothèque Nationale, em Paris. Contém 43 folhas sobre 0 Novo Testamento grego, p. 122-8). O manuscrito
de Mateus 13-24. de Deuteronômio e Josué tem 102 folhas (30 x 36 cm),
649 Novo Testamento, manuscritos do

com duas colunas em cada página de velino grosso. O A família alexandrina é representada pelo manus-
manuscrito mutilado de Salmos tem porções de 107 crito 33, que data do século íx ou possivelmente x.
folhas que originariamente mediam 33 x 42 centime- Contém todo 0 n t exceto Apocalipse e agora pertence
tros, escritos numa coluna. Esse Códice é misteriosa- à Bibliothèque Nationale. Apesar de ter tipo de texto
mente misturado, como se fosse compilado de ma- predominantemente alexandrino, demonstra traços
nuscritos que representavam várias tradições ou fa- de bizantino em Atos e nas epístolas paulinas.
mílias textuais. Alguns estudiosos reconhecem um tipo textual da
O Códice Dubliense (z [Zêta]) é um palimpsesto família cesariense em alguns manuscritos dos evan-
de 299 versículos de Mateus. Data do século v ou vi. gelhos. Ele remonta ao texto cesariense usado nos sé-
O Códice Sangallense Δ (Delta) é um manuscrito culos in e !v. Uma subfamília italiana do cesariense é
greco-latino interlinear dos quatro evangelhos (fal- representada por aproximadamente uma dúzia de
tando Jo 19.17-35). Data do século íx. manuscritos conhecidos por família 13. Esses manus-
O Códice Koridethi Q(Thêta) é uma cópia dos critos foram copiados entre os séculos xi e xv. Uma de
evangelhos do século íx. O texto de João difere em suas características interessantes é que contêm 0 tre-
tradição do de Mateus, Marcos e Lucas. Parece-se cho sobre a mulher adúltera (Jo 7.53— 8.11) depois
com 0 texto do século 111 ou iv usado por Orígenes e de Lucas 21.38, em vez de depois de João 7.52.
Eusébio de Cesaréia. Alguns minúsculos individuais incluem os ma-
O Códice Tischendorf 111 Λ (Lambda) contém 0 nuscritos a seguir.
texto de Lucas e João. O manuscrito do século íx está 0 manuscrito 61 consiste em todo 0 n t , datando
localizado na Universidade de Oxford. do final do século xv ou início do xvi. Foi 0 primeiro
O Códice Zacynthius Ξ (X i) é um palimpsesto manuscrito encontrado contendo 1 João 5.7, a única
do século xn ou xm que preserva grande parte de razão pela qual Erasmo foi compelido a inserir essa
Lucas 1.1— 11.33. É 0 manuscrito mais antigo do n t passagem duvidosa no seu n t grego em 1516.
que tem comentários na margem. O manuscrito 69 contém todo 0 n t e data do século
O Códice Petropolitano Π (P i) é uma cópia qua- xv. E um membro importante da família 13.
se completa dos evangelhos, datada do século íx. 0 manuscrito 81 foi escrito em 1044 e é um dos
O Códice Rossanense Σ (Sigma) é uma cópia de mais importantes de todos os minúsculos. Seu texto
Mateus e Marcos datada do século vi. É 0 manuscrito em Atos concorda freqüentemente com 0 tipo de
bíblico mais antigo enriquecido com ilustrações texto alexandrino.
O Códice Beratino φ (Phi) é uma edição de luxo O manuscrito 157 é um códice dos evangelhos da-
do século vi contendo Mateus e Marcos, com gran- tado do século xn que segue 0 tipo cesariano. Uma
des lacunas. inscrição editorial ou colofão, encontrada nesse e em
0 Códice Athous Laurae Ψ (Psi) é um manuscri- vários outros manuscritos, afirma que foram copia-
to do século vm ou íx que contém os evangelhos, de dos e corrigidos “a partir de antigos manuscritos em
Marcos 9 em diante, Atos, as epístolas gerais, epísto- Jerusalém” . (Para mais informações sobre 0 “cólofon
las paulinas e Hebreus. Apresenta 0 mesmo final di- de Jerusalém” ,v.Journal of Theological Studies 14 [1913]:
ferente de Marcos que 0 Códice Régio. 78ss.,242ss.,359ss.)
O Códice Athous Dionysiou Ω (õmega) data do O manuscrito 565 é uma dos mais belos de todos
século vm ou íx e é uma cópia praticamente completa os manuscritos conhecidos. Contém todos os evan-
dos quatro evangelhos. É um dos exemplares mais gelhos em velino púrpura com letras douradas.
antigos da tradição textual conhecida por texto O manuscrito 614 é uma cópia de Atos e das epísto-
bizantino. las datado do século xm, com muitas leituras pré-
Manuscritos minúsculos. Como as datas do sé- bizantinas.
culo íx ao xv indicam, a maioria dos manuscritos O manuscrito 700 é um códice do século xi ou xn
minúsculos não possuem a alta qualidade dos que impressiona por suas leituras divergentes. Con-
unciais mais antigos. No entanto, não é sempre tém 2 724 divergências do Textus Receptus e 270 que
assim. Alguns minúsculos são cópias recentes de não são encontradas em nenhum outro manuscrito.
bons textos antigos. Sua maior importância está O manuscrito 892 é um códice dos evangelhos do
na comparação que oferecem entre as famílias século íx ou x com leituras surpreendentes de um
textuais. Há 2 795 manuscritos minúsculos do n t e tipo antigo (alexandrino).
1 924 lecionários minúsculos. São reconhecidos O manuscrito 1739 é um códice muito importan-
pelo número do manuscrito. te do século x baseado diretamente em um tipo de
Novo Testamento, preocupações apologéticas do 650

manuscrito alexandrino do século iv. Contem nas mar- G. Sfasnun. Capei vutk?
gens anotações das obras de Ireneu, C l e m e n t e , O r í g e n e s , Β. H . "C ó d ic e s 1 5 7 .1 0 7 1 a n d th e

Eusébio e Basílio. C a e s a r e a n T e x t", e m Q u a 'itu k c u n m ie: studies


O manuscrito 2053 é uma cópia de Apocalipse do p m e < ;:e ú te K irscpv L a k e i 1 9 3 7).

século xm. É uma das melhores fontes do texto de


Apocalipse. Novo Testamento, preocupações apologéticas do.
Conclusão. Embora haja muitas leituras vari- A historicidade do n t é baseada na evidência de que
antes nos manuscritos do n t , há uma multidão de a história pode ser conhecida, na confiabilidade de
manuscritos disponíveis para comparação e cor- seus manuscritos e na credibilidade de suas teste-
relação dessas leituras para chegar à leitura corre- munhas (Xovo T e s t a m e n t o , h i s t o r i c i d a d e d o ). As teste-
ta. Por meio do estudo comparativo intensivo das munhas incluem os autores do n t que foram teste-
leituras em 5 686 manuscritos gregos, os teólogos munhas oculares e/ ou contemporâneas dos even-
eliminaram cuidadosamente erros e adições de tos, bem como outras fontes seculares antigas.
copistas “ bem-intencionados” e discerniram quais Essas questões são parte do elo crucial na
manuscritos antigos são mais precisos. Questões apologética cristã geral ( v . a p o l o g é t i c a , a r g u m e n t o d a ) .
textuais permanecem, mas 0 leitor atual da Bíblia, Sem 0 n t confiável, não temos maneira objetiva e
e principalmente os que lêem 0 n t grego recente- histórica de saber 0 que Jesus disse ou fez. Xão
mente editado pela United Bible Societies, podem podemos estabelecer se ele era Deus, 0 que ensinou
ter certeza de que 0 texto está extremamente pró- ou 0 que seus seguidores fizeram e ensinaram. Há
ximo dos autógrafos. dois passos básicos no argumento a favor da
credibilidade dos documentos do n t . Primeiro,
Fontes devemos mostrar que os manuscritos toram escri-
F. F. B ruce, Merece confiança 0 Novo Testamento? tos cedo 0 suficiente e com atenção suficiente a de-
P. C o m f o r t , The complete text o f the earliest New talhes para serem registros fidedignos. Uma questão
Testament manuscripts. paralela, também importante, é se os livros do nt
A . D e is s m a n n , Tightfrom the ancient east. foram transmitidos precisamente, para podermos
D. E strad a eW. W h it e , Jr ., The first New Testament. saber com certeza 0 que foi escrito nas cópias origi-
G. F e e , The textual criticism o f the New Testament. nais ou autógrafos. Segundo, devemos saber se as
N. L. G e i s l e r e W. E. Nix, Introdução bíblica. fontes ou testemunhas usadas pelos autores eram
F. K en y o n , The Bible and archaeology. confiáveis.
___ , Our Bible and the ancient manuscripts. Pode ser surpreendente para quem não está fa-
R. Lyon, Reexamination o f Codex E h p ... miliarizado com os fatos que haja mais evidência
B. M etzg er, Chapters in the history o f New Testament documentária para a confiabilidade do n t que para
textual criticism. qualquer outro livro do mundo antigo. A evidência será
___ , Manuscripts of the Greek Bible. analisada em três artigos.
___ , Text o f the .Ynr Testament. Novo T e s t a m e n t o , d a t a ç ã o d o discute em geral 0
___ , A textual commentary on the Greek que se sabe e 0 que não se sabe sobre quando os
New Testament. evangelhos, as epístolas, Atos, Hebreus e Apocalipse
A. T. R o b e r t s o n , An introduction to the textual de João foram escritos. Outras informações sobre
criticism ot the New Testament. datação estão disponíveis nos artigos A t o s ,
G. I.. R o b in s o n , Where did we get our Bible' h is t o r ic id a d e d e ; B íb l ia , e v id ê n c ia s d a ; J e s u s , S e m in á r io ; q ,

P. S c h a f f , Companion to the Greek Testament and D O C U M EN TO .

English version. Os artigos Xovo T e s t a m e n t o , h i s t o r i c i d a d e d o ; N o v o


F. H . A . S c r iy f n e r , Plain introduction to !he criticism T e s t a m e n t o , m a n u s c r i t o s d o e Xovo T e s t a m e n t o , fontes

o f the New Testament. n ã o - c r i s t ã s no abrangem preocupações mais gerais

A . So it e r , The text and canon ot the New Testament. da transmissão exata dos documentos.
Oo
objetivismo. V. Ran d , A yn. foram datadas por 0’Callahan, mas por outros estudi-
osos, antes que ele as identificasse; as datas jamais fo-
0 ’Callahan, José. José 0 ’Callahan (n. 1922), ram questionadas seriamente e se encaixam nas da-
paleógrafo jesuíta espanhol, que fez a surpreendente tas determinadas para outros manuscritos encontra-
identificação de nove fragmentos entre os manuscri- dos na mesma área de Qumran. Os arqueólogos que
tos do mar Morto, de Qumran, como sendo de vários descobriram a Caverna 7 comprovaram que ela não
livros do n 1. demonstra sinais de ter sido aberta desde que foi sela-
Os fragmentos. Começando com sua primeira da em 70 d.C. e que seu conteúdo data de antes disso.
declaração, em 1972, 0’Callahan posteriormente O estilo de escrita (em unciais gregos) foi identificado
identificou nove fragmentos da Caverna 7 como Mar- como proveniente do início do século 1 (v. Novo T e s t a -
cos 4.28; 6.48; 6.52,53; 12.17; Atos 27.38; Romanos MENTO, M.-VXL SCRITOS D0).
5.11,12; 1 Timóteo 3.16; 4.1-3; 2 Pedro 1.15; e Tiago 0’Callahan é um paleógrafo reconhecido que fez
1.23,24. Os fragmentos da Caverna 7 haviam sido da- muitas identificações bem-sucedidas de textos anti-
tados previamente do período entre 50 a.C. e 50 d.C. gos. Suas identificações desses textos são idênticas às
para a discussão mais extensa sobre esses fragmen- passagens. Nenhuma alternativa viável foi encontra-
tos, v. m ar M o r t o , ro lo s do; Novo T estam en to, manus- da. Na verdade, dois estudiosos calcularam que a pro-
c rito s do; Novo Testam ento, datação do, e Novo Testa- babilidade de essas seqüências de letras representa-
mento, h isto ricid a d e do). rem algum outro texto é de 1 em 2,25 x 1065.
Implicações da identificação. Se verdadeiras, as Não é de admirar que objeções à identificação de
conclusões de 0’Callahan invalidam totalmente mui- 0’Callahan tenham sido levantadas. Alguns alegaram
tas teorias sobre 0 n t. O New York Times relatou: que 0’Callahan jamais trabalhara com os manuscri-
tos originais. Isso é falso. Outros alegam que os pe-
Se a teoria do padre 0 ’Callahan fosse aceita, provaria que daços são fragmentos pequenos. No entanto, outros
pelo menos um dos evangelhos — 0 de são Marcos — foi textos antigos foram identificados com evidência
escrito poucos anos após a morte de Jesus. igual ou menor. Alguns alegaram que 0 manuscrito
de .Marcos 5 é muito vago ou indistinto para ser real-
United Press International observou que suas con- mente legível. Mas agora fotografias mais nítidas es-
clusões indicavam que tão disponíveis.
A identificação de certas letras foi questionada.
as pessoas mais próximas dos eventos — os seguidores Se identificações forem revistas, a identidade do ma-
originais de ]esus — consideraram 0 relato de .Marcos pre- nuscrito poderá mudar. Mas, de um modo geral,
ciso e confiável, não um mito, mas história verdadeira (Es- 0’Callahan usou as letras propostas pelos editores
trada, p. 137). originais. Onde não as usou, os editores concorda-
ram em que sua identificação poderia estar correta.
A Time citou um estudioso que afirmou que, se cor- Do texto crucial de Marcos 5 ele usou todas as nove
retas, “elas poderiam fazer uma fogueira com 70 tone- letras completas e seis das dez letras parciais. Onde
ladas de indigesta erudição alemã” (ibid., p. 136). ele variou em relação aos editores originais, seu jul-
Datando a evidência. As datas antigas (dadas acima) gamento era uma possível alternativa baseada no
são apoiadas pela evidência de que essas peças não próprio manuscrito.
Occam, Navalha de 652

Alguns críticos ofereceram alternativas possíveis Occam, ou Ockham (1285-1349). Também é chamado
que não provinham do n t. Para que estas fossem bem- princípio da frugalidade. Na forma popular, afirma que
sucedidas, eles tiveram de mudar 0 número de letras a explicação mais simples é a melhor explicação. Isso
de uma linha de texto antigo de 20 para 60 em alguns geralmente é interpretado como “quanto menos, mais
casos. Tal quantidade de letras por linha seria altamen- verdadeiro” e, pela extensão lógica “0 menor é 0 verda-
te incomum. Uma evidência confirmadora da tese de deiro” . Mas não era isso que Occam tinha em mente.
0’Callahan é que ninguém descobriu outro texto que Na fórmula original de Occam, 0 princípio apenas
não fosse do n t para esses manuscritos. Usando regras afirma que “causas não devem ser multiplicadas sem
normais, 0’Callahan deu identificações prováveis do n t. necessidade” . Isto é, não se deve supor mais causas ou
Relevância apologética. Se a identificação de razões que 0 necessário para explicar os dados. A ver-
apenas alguns desses fragmentos for válida, as im- dadeira explicação poderia envolver muitas causas, e
plicações para a apologética cristã são enormes. O ter menos causas seria incorreto. Mas complicar des-
evangelho de Marcos foi escrito durante a vida dos necessariamente 0 problema também torna 0 raciocí-
apóstolos e contemporâneos dos eventos (v. Novo nio incorreto.
Testam ento, datação do; Novo Testam ento, h isto ricid a d e
d o ). Essa data antiga (antes de 50 d.C) não dá espaço onipotência de Deus, suposta contradição da. Al-
para acréscimos mitológicos dos registros (v. mito- guns críticos alegam que a visão teísta (v. teísmo) de
lo g ia e o N o vo T e stam en to ). Eles devem ser conside-
Deus é incoerente, já que afirma que Deus é onipoten-
rados históricos. Marcos é um dos primeiros evan- te ou todo-poderoso (v. Deus, n atureza de). Eles argu-
gelhos. A probabilidade de haver uma fonte q ou sé- mentam:
rie de manuscritos do evangelho do tipo de q é mais
remota (v. q, D o cu m en to ). Já que esses manuscritos 1. Um Ser onipotente pode fazer qualquer coisa.
não são originais, mas cópias, 0 n t foi copiado e dis- 2. Um Ser onipotente pode fazer uma pedra tão
seminado rapidamente. A existência de um cânon do
pesada que não consiga movê-la.
n t desde 0 princípio é sugerido por essa coleção de
3. Logo, um Ser onipotente não pode fazer tudo.
livros, representando os evangelhos, Atos, epístolas
4. Mas as premissas 1 e 3 são contraditórias.
paulinas e gerais — todas as principais partes do n t.
5. Logo, é contraditório afirmar que Deus é oni-
Finalmente, 0 fragmento de 2 Pedro indicaria a au-
potente.
tenticidade dessa epístola bastante contestada. A au-
sência de fragmentos das obras de João poderia in-
Nenhum teísta sofisticado realmente acredita na
dicar que foram escritas mais tarde (80-90 d.C), de
premissa 1 de forma não qualificada. 0 que os teístas
acordo com as datas tradicionais.
informados acreditam é que:

Fontes
1. Deus pode fazer tudo 0 que é possível.
D. E s t r a d a e W . W h it e , Jr., The first New Testament.
2. Não é possível fazer uma pedra tão pesada que
E . F is h e r , “New Testament documents among the
não possa ser movida.
Dead sea scrolls?” , The Bible Today 61 (1972).
3. Portanto, não é possível Deus fazer uma pedra
P. G a r n e t , “(),Callahan’s fragments: our earliest New
tão pesada que não possa mo\^ê-la.
Testament Texts?” , em Evangelical Quarterly 45
(1972).
B. O r c h a r d , “A fragment of St. Marks Gospel dating
Deus não pode fazer literalmente qualquer coisa
from before 50 A.D.?” , em Biblical Apostolate 7
que possamos imaginar. Ele não pode contradizer a
(1972).
própria natureza. Hebreus 6.18 declara: “ É impossível
W. N. P ic k e r in g , The identification o f the New que Deus minta” . Deus não pode fazer 0 que é logica-
Testament text. mente impossível, por exemplo, um círculo quadrado.
W. W h it e , Jr.,“(),Callahan’s identifications: Não pode fazer duas montanhas sem um vale entre
confirmation and its consequences” , elas. Não pode negar a lei da não-contradição (v. pri-
Westminster Journal 35 (1972). meiros princípios).
Além disso, Deus não pode fazer 0 que é realmen-
Occam, Guilherme. V. G u i l h e r m e de O ccam . te impossível. Por exemplo, ele não pode querer não
criar um mundo que quis criar. Mas, depois de ter de-
Occam, Navalha de. Navalha de Occam é 0 nome po- sejado criar, era impossível não criar. Deus também
pular do princípio estabelecido por Guilherme de não pode forçar criaturas livres (v. liv r e - a rb ítrio ) a crer
653 ontológico, argumento

em coisas contra a vontade delas. Forçar alguém a fa- 1 . Deus é, por definição, 0 maior Ser que pode ser
zer algo livremente é uma contradição (v .in fe rn o ). Pois, concebido.
se a vontade é livre, não é forçada. E se é forçada, então 2. Existir na realidade é maior que existir apenas
não é livre. na mente.
É realmente impossível fazer uma pedra tão pe- 3. Portanto, Deus deve existir na realidade. Se não
sada que não possa ser movida. 0 que um Ser oni- existisse, não seria 0 maior ser possível.
potente pode fazer, ele pode mover. A criatura finita
não pode ser mais poderosa em sua resistência que A segunda forma do argumento vem da idéia de
0 Criador infinito é em seu poder de não sofrer re- um Ser Necessário:
sistência. Se Deus a criou, ele pode fazer com que
deixe de existir. Depois, ele a recriaria em outro lu- 1 . Deus é, por definição, um Ser Necessário.
gar. Portanto, não há contradição em acreditar que 2 . É logicamente necessário afirmar 0 que é ne-
Deus é onipotente e que pode fazer qualquer coisa cessário ao conceito de um Ser Necessário.
que seja possível fazer. 0 crítico estabeleceu um ar- 3. A existência é logicamente necessária ao con-
gumento baseado numa caricatura e não demons- ceito de um Ser Necessário.
trou qualquer incoerência no atributo da onipotên- 4. Portanto, um Ser Necessário (= Deus) neces-
cia de Deus. sariamente existe.

ontologia. Ontologia é 0 estudo (logos) da existência O bjeções. D ebate d e A nselm o com Gaunilo. As ob-
(on tos).Έ 0 estudo da realidade. Ela responde à pergun- jeções do monge Gaunilo e as respostas de Anselmo
ta a0 que é realV\ como a ética responde à pergunta “0 ajudam a explicar 0 argumento.
que é corretoV\ a estética responde à pergunta “0 O bjeção 1: E xistência necessária. Gaunilo afirmou
que é beloV z a epistemologia responde àperguntaccO que
que 0 argumento é baseado na falsa premissa de que
é verdadeiroV\
tudo que existe na mente também deve existir na rea-
A ontologia e a metafísica são usadas alternadamen-
lidade fora da mente.Anselmo respondeu que isso não
te. Ambas estudam 0 ser como ser ou 0 real como real.
é verdadeiro. Apenas no caso de um ser absolutamen-
São as disciplinas que lidam com a realidade absoluta.X
te perfeito, que teria de ser um Ser Necessário, é ver-
dadeiro que, se é concebível, então ele deve existir fora
ontológico, argumento. 0 argumento ontológico a fa-
da mente também. Todos os seres contingentes pode-
vor da existência ou ser (gr. ontos) de Deus procede da
riam não existir. Apenas um Ser Necessário não po-
simples idéia que Deus é um Ser absolutamente per-
deria não existir.
feito ou necessário. 0 argumento ontológico foi for-
O bjeção 2: C onceber e duvidar. Gaunilo também
mulado inicialmente por Anselm o (1033-1109), ape-
insistiu em que, se a inexistência de Deus fosse real-
sar de este não lhe haver dado tal nome. Ele tem sido
mente inconcebível, ninguém poderia duvidar. Mas as
submetido a muita crítica, tanto de defensores de ar-
pessoas duvidam dela ou a negam; há céticos e ateus.
gumentos teístas (v. Tomás de A q u in o ) quanto de opo-
Porém Anselmo respondeu que, embora as pessoas
nentes do teísmo tradicional (v. Hum e, D avid ; K a n t ,
possam negar a existência de Deus, elas não podem
Im m anuel). Immanuel Kant (1724-1804) foi 0 primei-
c o n c e b e r a inexistência de um Ser Necessário. A
ro a chamá-lo argumento ontológico porque acredita-
va que fazia uma transição ilícita do pensar para 0 ser inexistência de Deus é afirmável, mas não concebível.
O bjeção 3: L im itações m entais. Gaunilo afirmou
(ontos).
F o r m a s d e A n s e lm o . 0 argumento ontológico
que não podemos se quer formar 0 conceito do Ser
pode ser chamado mais precisamente “a prova da ora- mais perfeito possível. É apenas uma série de palavras,
ção” , já que chegou a Anselmo quando ele meditava sem referência empírica ou significado. No entanto,
sobre a natureza de Deus. Em geral acredita-se que Anselmo negou isso, fornecendo seis razões para sua
Anselmo desenvolveu duas formas de argumento resposta: 1) Deus é uma palavra comum e familiar.
ontológico. A segunda surgiu no seu debate com um 2) A fé e a consdência dão conteúdo a essa palavra.
outro monge, chamado Gaunilo. 3) Nem todas as idéias são imagens sensíveis, já
A primeira forma do argumento ontológico é ba- que conceitos abstratos são possíveis. 4) Deus pode
seada na idéia de Deus como Ser absolutamente per- ser compreendido indiretamente, assim como 0 Sol é
feito. Não se pode conceber um ser maior (v. Plantinga, compreendido a partir dos seus raios. 5) Podemos for-
O ntological argu m en t , p. 3-27). Na forma lógica, se mar 0 conceito do ser mais perfeito partindo do me-
apresenta assim: nos que perfeito em direção ao mais perfeito possível
ontológico, argumento 654

6) Mesmo os que negam a Deus devem ter alguma como a0 maior 0 que pode ser concebido‫״‬. Segunda,
idéia do que estão negando. mesmo que Deus seja compreendido dessa maneira,
O bjeção 4: P ensam en to e realidade. Gaunilo afir- isso não prova que ele realmente exista, mas apenas
mou que a mera idéia de uma ilha perfeita não garan- que a idéia existe mentalmente. Isso chega ao cerne da
te sua existência, e assim é com a idéia de um Ser per- objeção comum ao argumento ontológico. Terceira, a
feito. Mas Anselmo insistiu em que há uma diferença proposição, “Deus, um Ser Necessário, existe‫״‬, é auto-
importante: a idéia de uma ilha perfeita pode carecer evidente em si , porém não é evidente p a ra nós. Pois
de existência, mas não a idéia de um Ser perfeito. É não podemos conhecer a essência de Deus diretamen-
possível uma ilha — mesmo uma ilha perfeita — não te, mas apenas mediante seus efeitos, a posteriori. Não
existir. Mas não é possível um Ser (Necessário) per- podemos conhecê-la a p riori. Apenas Deus conhece a
feito não existir. própria essência intuitivamente. Isso também é mais
O bjeção 5: Conceber inexistência. Gaunilo afirmou próximo do ponto central da crítica.
que a inexistência de Deus não é mais inconcebível que F orm a do argum ento de Descartes. Pouco se avan-
a nossa inexistência. É possível, no entanto, imaginar çou no diálogo sobre 0 argumento ontológico durante
inexistência pessoal. Anselmo se apressou a demons- séculos. Então 0 racionalista do século x v n René Des-
trar, todavia, que a inexistência de qualquer coisa, exceto cartes (1596-1650) desencadeou uma série de críticas
de um Ser Necessário, é imaginável. Pois se é possível ao reformular e defender 0 argumento. Sua afirmação
um Ser Necessário existir, então é necessário que ele seguia a segunda forma de Anselmo:
exista. Sua inexistência, e somente ela, é inconcebível.
O bjeção 6: Prova de existência. A existência de Deus 1 . É logicamente necessário afirmar sobre um
deve ser provada antes que possamos discutir sua es- conceito 0 que é essencial à sua natureza (p. ex.,
sência (p. ex., que ele é um tipo perfeito de Ser). Logo, Um triângulo deve ter três lados).
2. Mas a existência é logicamente necessária à na-
não podemos usar sua essência (como um Ser abso-
tureza de um Existente (i.e., Ser) necessário.
lutamente perfeito) para provar sua existência.
3. Portanto, é logicamente necessário afirmar que
Anselmo respondeu que podemos comparar caracte-
um Existente necessário existe.
rísticas ideais antes de sabermos se algo é real. Pode-
mos defini-lo (p, ex., 0 poderoso cavalo alado, Pégaso)
Diálogo com Caterus. Como Anselmo, Descartes teve
e depois questionar sua existência.
seus antagonistas. Caterus, um padre, insistiu em que 0
Finalmente, Anselmo acusou Gaunilo de não
argumento só prova a existência conceituai de Deus. Pois
entender bem seu argumento e, portanto, atacar
0 conjunto de palavras “leão existente‫ ״‬é conceituai-
uma caricatura. Ele insistiu em que Deus não
mente necessário, mas não prova que um leão exista.
deve ser definido como “0 maior de todos os se-
Apenas a experiência pode fazer isso. Logo, 0 conjunto
res” (como Gaunilo pensou), mas como a0 maior
“Ser Necessário” não prova que Deus existe.
Ser p o s s ív e l” . Apesar de Gaunilo propor algumas
Descartes respondeu que Caterus havia refutado
questões pertinentes, nenhuma delas realmente
outro argumento, não 0 seu. Sua primeira reafirmação
refuta 0 argumento de Anselmo, principalm ente
do argumento é baseada no seu conceito de verdade
em sua segunda forma.
como 0 que é claramente percebido:
O bjeção de Aquino. O argumento ontológico não
convenceu T om ás de A q u ix o . Sua objeção ao argumento
1. Tudo 0 que percebemos clara e distintamente
de Anselmo pode ser vista na sua reformulação do é verdadeiro.
argumento: 2. Percebemos clara e distintamente que a exis-
tência deve pertencer a um Existente necessário.
1 . Deus é, por definição, 0 maior Ser que pode 3. Então, é verdadeiro que um Existente necessá-
ser concebido. rio existe.
2 . 0 que existe mental e realmente é maior que 0
que existe apenas mentalmente. A segunda reafirmação de Descartes ao seu argu-
3. Logo, Deus deve existir realmente, pois uma vez mento assume outra forma:
que a frase “Deus existe” seja compreendida, é
considerada uma proposição auto-evidente. 1. Tudo 0 que é da essência de algo deve ser afir-
mado sobre ele.
Aquino oferece três objeções a esse argumento: 2. Existência é da essência de um Existente neces-
Primeira, nem todo mundo entende 0 termo “Deus” sário (= Deus).
655 ontológico, argumento

3. Logo, a existência deve ser afirmada com res- que a existência é uma perfeição e, como tal, é uma
peito a Deus. qualidade simples e irredutível que não pode entrar
em conflito com outras. Logo, Deus pode ter todas as
A terceira reafirmação do argumento ontológico perfeições, inclusive existência.
assume esta forma: Outras reações às p rov as d e D escartes. Em outra
visão negativa do argumento ontológico de Descartes,
1. A existência de Deus não pode ser concebida sua visão foi reafirmada:
apenas como possível, mas não real, pois nes-
se caso ele não seria um Existente necessário. 1 . Se não é contraditório que Deus exista, então é
2. Podemos conceber a existência de Deus. Isso certo que ele existe.
não é contraditório. 2 . Não é contraditório que Deus existe.
3. Logo, a existência de Deus deve ser concebida 3. Então, é certo que Deus existe.
como mais que possível (ou seja, como real).
À luz dessa nova forma do argumento, os críticos
Debate com Gassendi. A objeção de Pierre Gassendi ofereceram duas objeções que, se verdadeiras, invali-
aos argumentos de Descartes assumiu a seguinte forma: dariam a conclusão de Descartes. A primeira é que a
premissa menor pode ser questionada ou negada.
1. A existência de Deus é tão desnecessária quan- Logo, 0 argumento resulta necessariamente. Segunda,
to a de um triângulo. A essência de ambos pode Descartes admitiu que sua idéia de Deus era inade-
ser imaginada sem sua existência. quada. Mas, se é inadequada, então não é clara. E, se
2. Assim como no caso dos triângulos, a existên- não é clara, então, pela própria definição de verdade
cia não é propriedade necessária de Deus. como idéias “claras e distintas” , não é verdadeira.
3. É uma petição de princípio incluir existência Descartes respondeu que a existência de Deus é
como parte da essência de Deus. não-contraditória em qualquer dos dois sentidos em
que a consideremos. Se não-contraditória significa 0
4. Essência e existência não são idênticas, caso
que n ão discorda d o p en sam en to h u m an o , é claramente
contrário tanto Platão quanto Deus existiriam
não-contraditória. Pois não atribuímos a Deus nada
necessariamente. Se não são idênticas, nenhu-
além do que 0 pensamento humano necessita que atri-
ma delas existe necessariamente.
buamos a ele. Se não-contraditório significa 0 qu e n ão
5. Somos tão livres para imaginar que Deus não exis-
p o d e ser con hecido p ela m ente h u m an a , então não se
te quanto para imaginar um Pégas 0 inexistente.
pode conhecer nada, muito menos a existência de
6. Devemos provar que triângulos têm três lados
Deus. Tal definição eliminaria todo pensamento hu-
(não apenas supor). Da mesma forma, devemos
mano, 0 que é impossível. Mesmo que nosso conceito
provar que Deus existe (não apenas supor).
de Deus fosse inadequado, não se conclui que seja con-
7. Descartes não provou realmente que a existên-
traditório, já que toda contradição surge da falta de
cia de Deus não é logicamente impossível. Logo,
clareza, e vemos claramente que Deus deve ser um Ser
ele não provou que é logicamente necessária.
Necessário. Descartes sugeriu ainda que 0 que não
vemos claramente não destrói 0 que vemos claramen-
A resposta de Descartes assumiu a seguinte forma:
te. Já que vemos claramente que não há contradição
no conceito de um Ser Necessário, 0 argumento surge
1. Existência é uma propriedade no sentido de
em resultado. Pois isso é tudo 0 que é necessário para
que é atribuível a uma coisa. apoiar a discutida premissa menor do argumento.
2. Apenas Deus tem existência necessária; nem Objeções de Hume e Kant. Crítica de Hume ao ar-
Pégaso nem qualquer outra coisa a possui. gum ento ontológico. David Hume (1711-1776) estabele-
3. Não é petição de princípio incluir a existência ceu 0 que se tornou objeção-padrão ao argumento
entre os atributos de um Existente necessário. ontológico, assim como a outras “provas” da existência
Na verdade, é necessário fazê-lo. de Deus. Ela foi seguida pela crítica referencial de K a n t
4. Existência e essência não podem ser separa à premissa central da primeira forma do argumento.
das num Ser que é um Existente necessário. A crítica de Hume do argumento ontológico tem
Logo, Deus deve existir. esta forma lógica básica:

Descartes não respondeu à objeção 7. Gottfried 1 . Nada é racionalmente demonstrável a não ser
Leibniz(1646-1716) tentou fazer isso ao argumentar que 0 contrário implique contradição, pois,
ontológico, argumento 656

se deixa aberta qualquer outra possibilidade, 1 . 0 que não acrescenta nada à idéia da essência
então essa posição não é necessariamente não é parte dessa essência.
verdadeira. 2. A existência não acrescenta nada à idéia da es-
2. Nada que é distintamente concebível implica sência. Nenhuma característica é acrescenta-
contradição. Se fosse contraditório, não seria da à essência pela suposição de que ela é real e
distintamente concebível; se é impossível, não não imaginária. Um dólar real não tem nenhu-
pode ser possível. ma característica que um dólar imaginário não
3. Tudo 0 que imaginamos que existe também po- tenha.
demos imaginar como inexistente. A existência 3. Logo, a existência não é parte da essência. Não
ou inexistência das coisas não pode ser descar- é um atributo que possa ser afirmado sobre
tada conceitualmente. algo.
4. Não há ser, portanto, cuja inexistência implique
contradição. Se a terceira premissa de Kant for sólida, invalida
5. Conseqüentemente, não há ser cuja existência pelo menos a primeira forma do argumento ontológico
seja racionalmente demonstrável. dado por Anselmo. A luz de Kant, 0 argumento de
Anselmo ficaria desta forma:
Na verdade, Hume afirma que nenhum argumento
a favor de Deus é racionalmente inescapável, porque 1. Todos os atributos possíveis devem ser afirma-
sempre contém premissas que logicamente podem ser dos sobre um Ser absolutamente perfeito.
negadas. As conclusões sempre carecem de necessida- 2. Existência é um atributo possível que pode ser
de lógica, porque as premissas sempre admitem outras afirmado sobre um Ser absolutamente perfeito.
possibilidades lógicas. Por isso, 0 argumento ontológico 3. Logo, existência deve ser afirmada sobre um
não é uma demonstração racional no sentido restrito. Ser absolutamente perfeito.
A crítica de Kant. Foi Kant quem nomeou 0 argu-
mento ontológico, já que achava que este fazia uma Avaliação da crítica de Kant. Segundo a crítica de
transição ilícita do âmbito do pensamento puro para Kant, a premissa menor está errada. Existência não é
0 da realidade (de eidos a ontos). Kant tinha várias ob- um atributo que possa ser predicado a algo. A essên-
jeções ao argumento, as quais considerava fatais para cia dá a definição, e a existência dá um exemplo do
toda a causa teísta (ibid., p. 57-64). Primeira, ele le- que foi definido. A essência é dada na conceitualização
vantava a objeção de que não temos um conceito po- da coisa; existência não acrescenta nada a essa
sitivo de um Ser Necessário. Deus é definido apenas conceitualização, mas apenas a torna concreta. Logo, a
como 0 que não pode não ser. Além disso, a necessi- existência não acrescenta nada ao conceito de um Ser
dade não se aplica à existência, mas apenas a proposi- absolutamente perfeito nem 0 deprecia. Esta se tornou
ções. Necessidade é um qualificador lógico, não uma objeção-padrão ao argumento ontológico desde
ontológico. Não existem proposições existencialmen- Kant. Ela pode ser redigida da seguinte maneira:
te necessárias. Tudo 0 que se sabe pela experiência (que
é a única maneira em que questões existenciais são 1. O argumento de Anselmo depende da premis-
cognoscíveis) poderia ser desconhecido. Segunda, 0 que sa de que a existência é predicado — atributo
é logicamente possível não é necessariamente possível ou perfeição.
ontologicamente. Pode não haver nenhuma contradi- 2. Mas a existência não é um predicado.
ção lógica na existência necessária, mas ela ainda pode a) Anselmo segue 0 conceito platônico de exis
ser realmente impossível. Assim, não há contradição tência.
envolvida na rejeição tanto à idéia quanto à existência b) A existência não é um atributo, mas apenas
de um Ser Necessário. Da mesma forma, não há contra- exemplo de um atributo.
dição na rejeição do triângulo e de sua trilateralidade. 3. Logo, 0 argumento de Anselmo não é válido.
Contradição resulta em rejeitar um sem 0 outro.
Finalmente, existência não é um predicado, como Uma moeda que eu imagine à minha mente tem
se fosse um atributo ou propriedade que pudesse ser os mesmos atributos da moeda que tenho em meu
afirmada sobre um sujeito ou coisa. Existência não é bolso. A única diferença é que, com a que está na mi-
um atributo de uma essência, mas uma suposição des- nha carteira, tenho um exemplo de uma moeda. Mas
se atributo. Kant utilizou 0 seguinte argumento para um exemplo concreto de um atributo não acrescenta
apoiar essa idéia: nada ao atributo em si.
657 ontológico, argumento

Os proponentes modernos do argumento de que 0 simples num sistema conceituai pode ser com-
Anselmo, tais como Norman Malcolm e Charles plexo em outro. Uma terceira objeção pode ser acres-
Hartshorne, respondem que a crítica de Kant só se centada. Leibniz faz um movimento injustificado do
aplica ao primeiro argumento de Anselmo. A segunda conceituai para 0 real.
forma não depende da premissa de que a existência é Prova ontológica d e E spinosa. Como Descartes, seu
um atributo. contemporâneo Baruch Espinosa (1632-1677) afirmou
A f o r m u la ç ã o d e L e ib n iz . Apesar de Gottfried que a existência de Deus era matematicamente
Leibniz ser mais conhecido pelo argumento cosmoló- demonstrável. Ele escreveu: aNão podemos ter maior cer-
gico, também estabeleceu uma forma de argumento teza da existência de algo que da existência de um ser
ontológico. Ao sentir que 0 argumento ontológico bási- absolutamente infinito ou perfeito — isto é, Deus” . E ,
co era válido, mas que era necessário demonstrar que 0 como Descartes, Espinosa acreditava que essa certeza era
conceito de Deus não era contraditório, Leibniz derivada da prova ontológica (ibid., p. 50-3). A formula-
reformulou 0 argumento desta maneira (ibid., p. 54-6). ção de Espinosa para 0 argumento ontológico é:

1 . Se é possível um Ser absolutamente perfeito 1 . Deve haver uma causa para tudo, ou para sua
existir, então é necessário que exista, pois: existência ou para sua inexistência.
a) por definição um Ser absolutamente perfei- 2. Um Ser Necessário (Deus) existe necessaria-
to não pode carecer de nada. b) Mas, se não mente, a não ser que haja uma causa adequa-
existe, carece de existência, c) Logo, um Ser da para explicar por que ele não existe.
absolutamente perfeito não pode carecer de exis- 3. Não há causa adequada para explicar por que
tência. um Ser Necessário não existe, a) pois essa cau-
2. É possível (não-contraditório) que um Ser ab- sa teria de estar ou dentro da natureza de Deus
solutamente perfeito exista. ou fora dela. b) Mas nenhuma causa fora de
3. Logo, é necessário que um Ser absolutamente um Existente necessário poderia anulá-lo.
perfeito exista. c) E nada dentro de um Existente necessário
poderia anulá-lo, pois nada dentro de um Ser
Para apoiar a premissa menor crucial, Leibniz ofe- Necessário pode negar que é um Ser Necessá-
receu 0 seguinte argumento: rio. d) Logo, não há causa adequada para ex-
plicar por que um Ser Necessário não existe.
1. Um atributo é uma qualidade simples e irredu- 4. Logo, um Ser Necessário existe necessariamente.
tível, sem qualquer limite essencial.
2. Tudo que é simples não pode entrar em confli- Poderia ser apontada para a prova de Espinosa a
to com outras qualidades simples, já que dife- objeção comum de que ele faz a existência realmente
rem em tipo. necessária, quando é apenas necessária como concei-
3. E tudo que difere em tipo de outro não pode to. Há pelo menos uma outra objeção. A primeira pre-
entrar em conflito com ele, já que não há área missa afirma que “deve haver uma causa para 0 nada” .
de semelhança na qual se sobreponham ou di- Além dessa premissa não ser comprovada, ela é con-
virjam. traditória. A lei da causalidade só exige que “deve ha-
4. Logo, é possível um Ser (Deus) possuir todos ver uma causa para algo” .É injustificado insistir numa
os atributos possíveis. causa para 0 nada. A defesa da premissa de Espinosa é
que “a potencialidade da inexistência é a negação de
Nem mesmo os defensores do argumento ontológico poder” . Mas inexistência já é uma negativa, e a nega-
acreditam que Leibniz realmente tenha provado a com- ção de inexistência seria uma afirmação de existên-
patibilidade de todos os atributos possíveis de Deus cia. No entanto, isso deixaria a base tradicional para 0
(ibid., p. 156s.). Malcolm viu dois problemas com 0 ar- argumento ontológico e começaria a argumentar a
gumento. Primeiro, ele supõe que algumas qualida- partir da existência. É exatamente isso que Espinosa
des são essencialmente “positivas” e outras “negativas” , faz na sua segunda forma do argumento:
mas isso pode não ser verdadeiro. Algumas qualida-
des podem ser positivas num contexto e negativas em 1 . Algo existe necessariamente. Para negar isso a
outro. Segundo, Leibniz supõe equivocadamente que pessoa teria de afirmar que pelo menos uma
algumas qualidades são intrinsecamente simples, ao coisa existe, a saber, ela mesma.
contrário de Ludwig W itt g e n s t e in , que demonstrou 2. Essa Existência necessária é finita ou infinita.
ontológico, argumento 658

3. É possível que essa existência necessária seja 3. Logo, Deus não pode existir (pois a única ma-
infinita. neira em que poderia existir é a mesma em que
4. Deve haver uma causa para que não seja uma nào pode existir).
existência infinita.
5. Nenhuma existência finita pode impedir que Mais adequadamente, no entanto, 0 argumento
exista uma Existência infinita e dizer que uma deveria ser formulado desta maneira:
Existência infinita impede sua própria existên-
cia infinita é contraditório. 1. A única maneira em que um Ser Necessário
6. Logo, deve haver uma Existência infinita (Deus). poderia existir é existir necessariamente.
2. A proposição “ Deus existe necessariamente‫ ״‬é
Duas coisas importantes devem ser observadas so- uma proposição existencialmente necessária.
bre os argumentos de Espinosa. Primeiro, ele empresta 3. Nenhuma proposição existencialmente neces-
do argumento cosmológico a premissa “Algo existe” .Isso sária pode ser verdadeira.
deixa uma prova estritamente a p rio ri , como ele mes- 4. Logo, a proposição “ Deus existe necessaria-
mo admite. Segundo, a conclusão do argumento de mente” não pode ser verdadeira.
Espinosa não é 0 Deus teísta de Descartes e Leibniz, mas
um Deus panteísta. Não há reconhecimento do Ser Ne- Na segunda forma, as falhas do argumento ficam
cessário e seres contingentes. Essa Existência infinita é evidentes. Vamos ignorar a objeção à premissa 1 do
absolutamente uma; não há, além dela, substâncias ou ponto de vista do deísmo finito (que Deus não precisa
criaturas finitas. 0 que os teístas (v. t e ís m o ) denominam ser concebido como existindo necessariamente), já que
criaturas, Espinosa vê apenas como modos ou momen- 0 assunto aqui é se a concepção teísta tradicional de
tos na única Substância infinita — Deus. um Ser absolutamente perfeito é ou não correta. O
R e fu ta ç ã o on to ló gica d e Fin dla y. 0 argumento teísta desafiaria as premissas 2 e 3.
ontológico teve uma mudança radical com a tentativa Supondo que não existam proposições existenci-
de alguns‫״‬ateus de transformá-lo numa refutação da almente necessárias, 0 teísta poderia mudar a propo-
existência de Deus (v. D e u s , supostas r efu taç õ es d e ). O siçãoccDeus existe necessariamente‫ ״‬para “Deus exis-
argumento ontológico é muito rejeitado atualmente. te” . Então 0 teísta poderia afirmar que a proposição
Alguns até inverteram as posições, fazendo dele um tipo “Deus existe” é uma proposição logicamente necessá-
de refutação ontológica de Deus. Essa foi a intenção de ria (v. Hughes, p. 59). Dessa maneira, a necessidade se
J. N. Findlay, que argumentou (ibid., p. 111-22): aplica apenas à proposição, e não à existência, invali-
dando assim a crítica.
1. Deus deve ser considerado um Ser Necessário Mas 0 teísta não precisa supor que não há propo-
(i.e., como existindo necessariamente), pois sições existencialmente necessárias. Na verdade, al-
qualquer coisa inferior a esse tipo de ser não guns teístas deram exemplos do que eles consideram
seria digna de adoração. ser afirmações existencialmente necessárias. Ian T.
2. Mas proposições existencialmente necessárias Ramsey sugere que “Eu sou eu” é um exemplo. Malcolm
não podem ser verdadeiras (como Kant de- oferece aHá um número infinito de números primos”
monstrou),pois necessidade é apenas uma ca- como exemplo. Alguns acreditam que “círculos qua-
racterística lógica das proposições, não da re- drados não existem” . Seria existencialmente necessá-
alidade. rio, apesar de ser negativo para forma. Se há exemplos
3. Logo, Deus não existe. negativos, por que não exemplos positivos? Negativos
pressupõem positivos.
O argumento de Findlay pode ser expresso desta Ainda outros teístas, interpretando Anselmo e Des-
maneira mais simples: cartes literalmente, insistem em que “ Deus existe ne-
cessariamente” é um caso especial. É a única proposi-
1. A única maneira em que Deus poderia existir ção existencialmente necessária, e não é apenas desne-
é se ele existisse necessariamente (qualquer cessário, mas também impossível dar qualquer outro
tipo de existência menos que a necessária 0 exemplo de proposições existencialmente necessárias.
faria menos que Deus). No entanto, parece que a maneira mais eficaz de
2. Mas nada pode existir necessariamente (pois eliminar a refutação ontológica de Findlay é demons-
necessidade não se aplica à existência, mas ape- trar que sua premissa é incoerente. A afirmação “Não
nas a proposições). há proposições existencialmente necessárias” é em si
659 ontológico, argumento

uma proposição existencialmente necessária. E se é, contraditório no conceito de um ser que não


então há proposições existencialmente necessárias. pode não existir, b) A única maneira de rejeitar
Pelo menos existe essa — e por que não outras? Se isso é alegar um significado especial para 0
não é uma afirmação necessária sobre existência, en- p o ssív el No sentido lógico normal da palavra
tão não elimina realmente a possibilidade de que po- possível, não há contradição no conceito de um
deria haver um Existente existencialmente necessário. Ser Necessário.
Assim, ou ela não realiza sua intenção de eliminar a 3. Com um Ser Necessário, a existência “pelo
possibilidade de proposições existencialmente neces- menos possível” é indistinguível de uma exis-
sárias ou derrota a si mesma ao oferecer uma propo- tência “possível e real” . Um Ser Necessário não
sição existencialmente necessária para provar que não pode ter existência “meramente possível” (se
há proposições existencialmente necessárias. um Ser Necessário pode existir, então ele deve
A re fo rm u la ç ã o d e H a rtsh o rn e . Depois de uma existir), pois a) Deus por definição é uma exis-
história tão variada, esse venerável argumento para 0 tência independente e, portanto, não pode ser
teísmo sobreviveu e alcançou dias melhores. Um dos produzido por outro, como seres “meramente
defensores mais ardentes do argumento ontológico é possíveis” podem ser. c) Deus é eterno e, assim,
0 panenteísta Charles Hartshorne. Sua afirmação e não pode ter surgido como seres “meramente
defesa do argumento diante de todas as críticas tradi- possíveis” podem surgir.
cionais é instrutiva (v. Plantinga, p. 123-35). 4. Logo, um Ser Necessário necessariamente tem
Hartshorne formula assim 0 argumento: existência possível e real.

1. A existência de um Ser Necessário é a) impos- Hartshorne responde às objeções ao seu argumen-


sível, e não há exemplo dela; ou b) possível, mas to ontológico:
não há exemplo dela; ou c) possível, e há
exemplo dela. Não é possível que a inexistência de Deus fosse sempre
2. Mas a premissa b é sem sentido, como dizer logicamente possível, apesar de ele realmente sempre ter exis-
que existe um quadrado redondo, pois um Ser tido. Primeiro, isso é uma alegação especial do significado da
Necessário não pode ser apenas um ser possível. palavra possível Em todos os outros casos,possível refere-se a
3. E a premissa a não é eliminada pelo argumen- seres cuja inexistência é logica e realmente possível. Por que
to ontológico como tal, mas a significância do fazer de Deus uma exceção ao dizer que sua inexistência é
termo Ser Necessário é uma suposição justi- realmente impossível, mas logicamente possível? Além disso,
ficável que pode ser defendida por outros meios. nem é logicamente possível Deus ser concebido como algo
que surgiu. Na verdade, a própria concepção de sua natureza
Depois de identificar 0 que considerava ser a lógi- sequer pode ser logicamente concebida como tendo surgido.
ca básica do argumento ontológico, Hartshorne conti- Pois é contraditório até pensar em Deus como sendo produ-
nuou chegando à elaboração completa: zido. Por definição, Deus é um Ser Necessário, e um ser defi-
nido dessa forma não pode ser meramente possível.
1 . Todo pensamento deve referir-se a algo além de
si que é, pelo menos, possível: a) Onde há sig- Não se pode comprovar um ilha perfeita ou um
nificado, há algo que se quis comunicar, b) Ape- Diabo perfeito com as mesmas premissas do argumen-
nas pensamentos contraditórios são impossí- to ontológico. A ilha perfeita não é indestrutível, como
veis. c) 0 significado deve referir-se a algo além Deus é. Se é, a fizerem indestrutível, ela se torna idên-
do próprio conteúdo e consistência interior, ou tica ao cosmo como corpo de Deus. (A visão que
será desprovido de sentido, d) A passagem do Hartshorne tem de Deus é panenteísta — 0 universo
pensamento para a realidade é baseada numa material é visto como 0 “corpo” de Deus [v.panenteísmo],
passagem anterior inversa da realidade para 0 mas há um pólo transcendente de Deus que é mais
pensamento, e) A ilusão total é impossível; ilu- que seu “corpo” cósmico.) Um demônio perfeito é ab-
são pressupõe um pano de fundo de realidade; surdo inequívoco, pois seria infinitamente responsá-
f) É possível haver confusão com relação à rea- vel e infinitamente adverso a tudo que existe e ao mes-
lidade específica, mas não com relação à reali- mo tempo, infinitamente amoroso e infinitamente
dade em geral. odioso com relação a tudo que existe; estaria intima-
2. A existência necessária de um Ser Necessário mente unido e ferozmente oposto a tudo que existe.
é “ pelo menos possível” , a) Não há nada Mas tais atitudes contraditórias são impossíveis.
ontológico, argumento 660

0 argumento ontológico prova mais que a mera 1 . Todos os pensamentos são experiências do que
autoconsistência da idéia de um Ser Necessário. Pois é, no mínimo, possível.
todo significado tem um referente externo que é ou 2 . Temos pensamentos sobre um Ser que deve exis-
possível ou real. E Deus, por definição, não pode ser tir (um Ser Necessário).
meramente um ser possível. Portanto, 3. Mas um Ser Necessário não pode ser meramen-
te um ser possível.
1. Todo significado implicitamente afirma Deus 4. Portanto, um Ser Necessário deve ser mais que
em referência a: a) 0 que ele fez (chamado na- meramente possível; deve ser real.
tureza conseqüente — imanência de Deus) ou
b) 0 que ele pode fazer (chamado natureza pri- Como Hartshorne disse: “Só temos de excluir im-
possibilidade ou insignificância para estabelecer reali-
mordial — transcendência de Deus).
dade” . Ou seja: “Ou Deus é um termo sem sentido ou
2. Sem Deus como a base universal de significa-
existe um ser divino‫״‬. Ou, para reafirmar 0 argumento:
do, não haveria nenhum significado para uni-
versais. Nada pode ter significado objetivo, a
1. Ou a existência de um Ser Necessário é a)
não ser que haja um reino que é objetivamente
menos que uma idéia (i.e., contraditória e im-
significante.
possível),b) ou meramente uma idéia mas não
3. Podemos ficar confusos quanto à existência de
uma realidade, ou c) mais que mera idéia —
coisas específicas, mas não quanto à existência
uma realidade.
de Deus — que é 0 conteúdo da própria 2. Não é menos que uma idéia, pois é um concei-
existência. to não-contraditório.
4. A única maneira de se opor ao argumento 3. Não é apenas uma idéia, pois é contraditório
ontológico é fazer uma disjunção absoluta en- falar de um Ser Necessário como apenas
tre significado e realidade. Mas essa disjunção possível. Se um Ser Necessário existe, deve exis-
é insignificante. Significado e realidade devem tir necessariamente. Não há outra maneira em
se encontrar em algum ponto; a esse ponto cha- que possa existir.
mamos Deus. 4. Logo, a existência de um Ser Necessário é mais
que uma mera idéia; é uma realidade.
Se existência não é predicado, então pelo menos
0 modo de existência é sugerido em todo predicado. O argumento ontológico não é meramente hipoté-
Isto é, quando uma qualidade é predicada sobre algo, tico; ele não supõe existência. O argumento ontológico
é sugerido que algo existe contingente ou necessari- não diz:
amente. E um Ser Necessário (Deus) não pode
existir contingentemente. 1. Se existe um Ser Necessário, ele existe necessa-
0 argumento ontológico não faz de Deus uma exce- riamente.
ção aos princípios filosóficos gerais. Essa essência im- 2. Existe um Ser Necessário (0 que caracteriza uma
plica que existência em Deus não é uma exceção aos petição de princípio).
princípios filosóficos, mas 0 resultado da aplicação con- 3. Logo, um Ser Necessário existe necessariamente.
sistente dos princípios filosóficos a vários tipos de exis-
Essa crítica contém a suposição contraditória de
tências. A natureza de Deus implica existência como
que “se um Ser Necessário existe como um mero fato
nenhuma outra natureza, porque somente em Deus não
contingente, ele não existe como fato contingente, mas
há distinção entre 0 possível e 0 real (Deus é a realiza-
como verdade necessária” . Esse não é 0 significado da
ção de tudo que lhe é possível tornar real). “ Dizer que
premissa principal. 0 argumento, pelo contrário, não
uma coisa pode não existir não é dizer que deve haver
é contraditório e deveria ser afirmado desta maneira:
algo sem existência. É dizer que pode haver existência
sem essa coisa.‫ ״‬Existência deve existir necessariamen- 1. Se a expressão Ser Necessário tem algum signi-
te; essa ou aquela existência não precisa existir. ficado, 0 que significa deve realmente existir
0 mero pensamento não produz realidade, mas 0 (fora da mente).
pensamento necessário produz. Não pode haver 2. A expressão Ser Necessário tem um significado
disjunção absoluta entre pensamento e realidade. Pen- (não é contraditória).
sar é uma experiência real, e pensamos que Deus é 3. Logo, um Ser Necessário realmente existe
possível. Hartshorne conclui: (fora da mente).
661 ontológico, argumento

Se não implica a possibilidade de inexistência (pois 1. A existência de um Ser Necessário deve ser
uma existência necessária não pode não existir). Se a) uma existência necessária, b) uma existên-
significa a possibilidade da ausência de sentido. E até cia impossível ou c) uma existência possível.
a possibilidade de ausência de sentido desaparece, pois, 2 . Mas a existência de um Ser Necessário não é
a não ser que haja uma base para 0 significado (Deus), uma existência impossível, a) Ninguém jamais
não pode haver significado. demonstrou que 0 conceito de um Ser Neces-
Hartshorne baseia sua teoria firmemente na identi- sário é contraditório, b) Há uma base na expe-
ficação final do lógico com 0 ontológico, uma premissa riência humana para “algo maior que tudo mais
discutida por outros. Segundo, ele não exclui realmente
que possa ser concebido” (p. ex., 0 sentimento
a possibilidade de outros poderem demonstrar que 0
de culpa ou a experiência da graça), c) A tenta-
termo Deus é desprovido de sentido. Pode ser que al-
tiva de Leibniz de provar que não há contra-
guém ainda venha a demonstrar uma contradição no
dição falha, pois pode haver uma. Não pode-
próprio conceito de um Ser Necessário. Se alguém fizer
mos demonstrar que não pode haver uma.
isso, os argumentos ontológicos fracassam.
Apenas sabemos que ninguém demonstrou
Além disso, 0 argumento baseia-se na suposição
que há uma contradição. E a prova permanece
de que deve haver uma base objetiva para significado
de sorte que haja qualquer significado. É exatamente até que alguém demonstre que há uma
isso que existencialistas como Jean-Paul Sartre e Albert contradição no próprio conceito de um Ser
Camus negavam. Eles acreditavam numa base subje- Necessário.
tiva para 0 significado, mas não negavam todo signi- 3. E a existência de um Ser Necessário não pode
ficado. Seu argumento é que não há significado no ser meramente uma existência possível, pois
universo aem si” exceto 0 significado subjetivo que a uma existência meramente possível mas não
pessoa estabelece. 0 absurdo objetivo ainda seria uma necessária de um Ser Necessário a) é contrária
opção, a não ser que se considere que Hartshorne re- à própria natureza de um Ser Necessário.
futou 0 absurdo objetivo. Um Ser Necessário não pode ser um ser possí-
Finalmente, há uma premissa sugerida em todos vel. b) Um ser possível seria um ser dependen-
os argumentos ontológicos que, se verdadeira, prova- te, e isso é contrário a um Ser Necessário, que é
velmente vindicaria 0 argumento diante de sua críti- um Ser independente por natureza.
ca-padrão (a de que ele faz uma transição ilícita do 4. Logo, um Ser Necessário necessariamente existe.
lógico para 0 ontológico, do pensamento para a reali-
dade). A premissa é esta: 0 racionalmente inevitável é 0 argumento de Malcolm também pode ser colo-
0 real. Se defensável (v. Geisler e Corduan, p. 289-96), cado na forma hipotética:
isso provaria que 0 absurdo objetivo está errado. Na
verdade, se 0 racionalmente inevitável é 0 real, e é ra-
1 . Se é possível um Ser Necessário existir, então é
cionalmente inevitável pensar em Deus existindo ne-
necessário que ele exista, pois a única maneira
cessariamente, parece que a conclusão é que é real-
em que um Ser Necessário pode existir é exis-
mente verdade que Deus existe necessariamente. No
tir necessariamente.
entanto, antes de supormos que 0 argumento
2 . É possível que um Ser Necessário possa exis-
ontológico venceu, devemos examinar outra afirma-
tir. Não há nada contraditório sobre afirmar a
ção sobre ele e uma última crítica.
existência de um Ser Necessário.
Reformulação de M alcolm. Norman Malcolm ge-
3. Logo, um Ser Necessário necessariamente exis-
ralmente recebe crédito pelo reavivamento do argu-
te.
mento ontológico na forma mais viável, apesar do tra-
balho de Hartshorne ter dito a mesma coisa vinte anos
antes. Malcolm ocasionou um reavivamento popular Ou reafirmar 0 cerne do argumento na forma ca-
do interesse pelo argumento, pelo menos na área da tegórica:
filosofia analítica. Malcolm considerava a primeira for-
ma do argumento de Anselmo invalidada pela crítica, 1. Um Ser Necessário por definição é um ser que
formulada por Kant, de que existência não é um atri- não pode não existir.
buto; a segunda forma do argumento de Malcolm se 2 . 0 que não pode não existir deve existir, pois
considerava imune a essa (ou qualquer outra) crítica esse é 0 complemento lógico.
(v. Plantinga, p. 137-59). Malcolm reformula assim 0 3. Logo, um Ser Necessário deve necessaria-
segundo argumento de Anselmo: mente existir.
ontológico, argumento 662

Parece que a premissa crítica 110 argumento é a que ser logicamente contingente sem ser ontologicamente
afirma que a mera possibilidade de um Ser Necessá- contingente. Ou, por outras palavras, Malcolm presume
rio é contraditória. Vamos afirmar novamente 0 argu- que, pelo fato de não ser o n to lo g ica m en te po ssí-
mento com a defesa mais completa de Malcolm para vel que Deus seia contingente, não é logicam ente
essa premissa: possível que Deus seia contingente, Malcolm ignora
0 fato de que é logicamente possível que Deus seja
1. A existência de um Ser Necessário deve ser: a) um Ser Necessário, mas não logicamente necessário.
uma existência necessária, b) mera existência No entanto, Plantinga estará certo apenas se a pre-
possível ou c) uma existência impossível. missa sugerida no argumento ontológico estiver erra-
2. Mas ela não pode ser uma existência impossí- da: “0 racionalmente inevitável é 0 real” . Se 0 que é
vel. Não há contradição. racionalmente inevitável deve ser ontologicamente
3. Não pode ser mera existência possível, pois tal inevitável, então Hartshorne e Malcolm aparentemente
existência seria: a) Uma existência dependen- criam um bom argumento contra essa crítica. Eles ar-
te. Uma existência dependente não pode, ao gumentam que é logicamente necessário considerar
mesmo tempo, ser uma existência independen- Deus real, já que é logicamente contraditório conce-
te, tal como uma existência necessária.b) Uma ber um Ser Necessário que não tenha necessariamen-
existência fortuita. Se Deus simplesmente exis- te existência.
tisse, ele não seria um Ser Necessário, c) Uma Avaliação. Isso não significa que 0 argumento
existência temporal. Se Deus tivesse surgido, ele ontológico seia válido. Há uma crítica final e possível-
seria dependente, 0 que é contrário à sua Exis- mente fatal. Plantinga observa que também é
tência independente ou necessária. logicamente “possível” que Deus jamais tenha existi-
4. Logo, a existência de um Ser Necessário é uma do. Na verdade, é logicamente possível que nada ja-
existência necessária; isto é, um Ser Necessário mais tenha existido, incluindo-se Deus. Alas essa pode
existe necessariamente. ser apenas uma omissão aparente no argumento
ontológico. Talvez a razão pela qual essa possibilidade
Malcolm admite que pode haver uma contradição lógica não se apresente como evidente aos proponen-
no conceito de um Ser Necessário e que ele não pode tes do argumento ontológico é que eles estão presu-
provar que não há contradição. Essa admissão significa mindo uma premissa eosmológica. Pois parece de ime-
que sua “prova” não é garantida. É logicamente possível diato evidente a qualquer pessoa que existe que algo
que esteja errada. Logo, a conclusão não é racionalmente realmente existe. E, se algo existe, não é verdadeiro que
inevitável. Logo, mesmo dada a validade do restante do nada existe. E, se algo existe, isso invalida a afirmação
argumento, não se trata de uma prova no sentido mais de que nada existe. Mas, se algo realmente existe, não
restrito da palavra. é verdadeiro afirmar que nada existe. Logo, fracassa a
Crítica de Plantinga. Plantinga avalia 0 argumen- crítica de Plantinga, segundo a qual 0 argumento
to ontológico de Malcolm em termos de esquema ló- ontológico é mal-sucedido simplesmente porque ig-
gico (ibid., p. 160-71): nora a possível verdade de que nada existe.
Todos os defensores do argumento ontológico só
1. Se Deus não existe, sua existência é logicamente precisam invalidar a crítica de Plantinga para demons-
impossível. trar que algo existe. Isso é realizado facilmente ao in-
2. Se Deus existe, sua existência é logicamente ne sistir em que ninguém pode negar existência sem exis-
cessária. tir para fazer a negação. Pois é realmente impossível
3. Logo, ou a existência de Deus é logicamente im- afirmar que nada existe, já que deve haver alguém em
possível ou é logicamente necessária. existência para fazer essa afirmação. Em resumo, os
4. Se a existência de Deus é logicamente impos- argumentos ontológicos baseados meramente na
sível, 0 conceito de Deus é contraditório. previsibilidade e inconceptibilidade são inválidos,
5. 0 conceito de Deus não é contraditório. mas um terceiro argumento baseado na inegabili-
6. Logo, a existência de Deus é logicamente neces- dade parece evitar essas falhas. Isso parece ser ver-
sária. dadeiro pela simples razão de que a única maneira
aparente de invalidar a segunda forma do argumen-
Plantinga não concorda com a segunda premissa. to ontológico é pela conceptibilidade (i.e., possibili-
Deus poderia existir sem que sua existência fosse dade lógica) da verdade que nada existe, mas essa ver-
logicamente necessária. A existência de Deus poderia dade não é afirmável porque algo realmente existe.
663 ontológico, argumento

Logo, é inegável que algo existe e, portanto, Deus deve 0 melhor”. Ele estrutura esse argumento de
necessariamente existir. Assim, parece que uma ter- maneira que 0 ser cuja existência pretende de-
ceira forma de argumento ontológico pode se defen- monstrar acabará sendo Deus.
der com sucesso da crítica de Plantinga. 3. Grandeza m áxim a épossivelmente exemplificada.
Nessa forma revista, 0 que se tem não é realmente Não há nada contraditório ou logicamente er-
um argumento ontológico, mas um argumento rado em supor que num mundo possível pode-
cosmológico. Pois há uma diferença, como Anselmo re- mos encontrar essa qualidade. Essa exemplifi-
conheceu na sua resposta a Gaunilo, entre a possibili- cação é elaborada na premissa 4, que supõe um
dade lógica de que nada, incluindo Deus, jamais tenha mundo m, uma essência e e a propriedade de
existido e a realidade da afirmação por alguém que exis- grandeza máxima.
te: “Nada, incluindo Deus, jamais existiu” . É claro que é 4. H á um m u n do (m ) no q u al a essência ( e ) é tal

inegavelmente verdadeiro que algo existe, mas não por- que e é exem plificado em m e f. im plica gran d eza
que é inconcebível ou logicamente impossível que não m áx im a em m. Nesse mundo hipotético, essa
exista nada. Não é logicamente contraditório supor que essência hipotética tem a propriedade de gran-
nada poderia ter existido. Inexistência é uma possibili- deza máxima. Devemos lembrar a afirmação
dade lógica. A única maneira de poder invalidar a pos- da premissa 1. 0 que é verdadeiro sobre uma
sibilidade lógica de que “nada jamais existiu, inclusive essência seria verdadeiro sobre um objeto que
Deus” é afirmar: “Algo existiu ou existe” . Mas, uma vez tem essa essência.
que a pessoa afirme a premissa “Algo existe” e argumente 5. Para qu alqu er objeto (x), se x exem plifica e, en-
a partir disso que “ Deus existe” , ela deixou 0 argumen- tão x exem plifica excelên cia m á x im a em todos
to ontológico e passou para 0 cosmológico. Deixou 0 âm- os m undos possíveis.
bito a p r io r i da razão pura e entrou no âmbito a 6. E im plica a p ro p r ied a d e d e ex celên cia m áx im a
p osteriori da existência. O chamado terceiro argumento em todos os m undos possíveis. Plantinga argu-
da impossibilidade de negar existência não é um argu- menta que a mesma relação que é necessaria-
mento ontológico, mas um argumento cosmológico. E mente verdadeira em m seria necessariamen-
precisa de mais elaboração e defesa. te verdadeira em qualquer mundo possível.
O a r g u m e n t o d e P la n tin ga . Após anos de estudo Portanto, ele pode fazer tal afirmação geral com
e crítica do argumento ontológico, Plantinga propôs relação a essa essência e à propriedade que im-
sua versão, que considera válida. Ele oferece várias for- plicaria qualquer mundo possível.
mulações, uma das quais pode ser resumida em dez 7. Se m fosse real, teria sido im possível qu e e n ão
passos (Plantinga, The nature o f necessity, p. 214-5): pu desse ser exem plificado. Essa afirmação é um
componente simples da lógica modal. Se algo
1. Algo tem a p ro p ried a d e d e g ran d eza m áx im a é válido para qualquer mundo possível, cer-
se tem a p ro p ried a d e de excelên cia m á x im a em tamente seria válido se esse mundo fosse 0
todos os m undos possíveis. A maior coisa deve mundo real. Assim, se 0 mundo possível em
ser a melhor coisa, não apenas no mundo que consideração fosse real, essa essência com ex-
existe, mas em todos os mundos possíveis. Um celência máxima em todos os mundos possí-
mundo possível é qualquer mundo logicamente veis teria de ser real. Na verdade, dadas as pre-
concebível. Sempre que fechamos nossos olhos missas precedentes, a negação dessa realidade
e imaginamos que nosso mundo real é diferen- seria impossível.
te de alguma forma racional,estamos imaginan- 8. 0 que é im possível n ão varia d e m undo p a r a
do um mundo logicamente possível. Obviamen- mundo. Diferenças entre mundos possíveis são
te 0 mundo real é um mundo possível. factuais. Xào envolvem absurdos lógicos. Não
!Mas há muitos outros mundos possíveis. há nenhum mundo logicamente possível no
Eles “existem” no sentido de que são possibili- qual círculos sejam quadrados ou deduções
dades lógicas, não que sejam reais. Se algo lógicas não advenham. Relações lógicas são
não é 0 mais excelente em todos os mundos constantes em todos os mundos possíveis.
possíveis, não é realmente 0 maior, pois é pos Logo, necessidade ou impossibilidade lógica-
sível imaginar algo maior. são as mesmas em todos os mundos. De forma
2. E xcelên cia m áx im a im plica onisciência, onipo- que 0 que Plantinga disse sobre e em mteria de
tência e p er feiç ã o moral. Com essa premissa se aplicar a e em todos os mundos possíveis.
Plantinga define 0 que quer dizer com “algo é Também seria impossível e não se exemplificado.
Orígenes 664

9. E xiste um ser qu e tem excelên cia m á x im a em Parece que nenhuma prova ontológica válida foi
todos os m undos. Portanto, conclui-se que dada até agora que torne racionalmente inevitável con-
10. O ser que tem excelência m áx im a existe no mun- cluir que há um Ser Necessário. No entanto, ninguém
d o real. Logo, usando a lógica modal, Plantinga teve sucesso em fazer uma refutação ontológica de
demonstrou que Deus (0 Ser com onisciência, Deus, tornando logicamente impossível que haja um
onipotência e perfeição moral) existe. Deus. Necessária ao argumento teísta válido é a pre-
missa de que “algo existe ou existiu” . Quem argumen-
A valiação. Esse argumento rigoroso evita muitas ta que “algo existe, logo Deus existe” deixou a aborda-
críticas tradicionalmente levantadas contra 0 argu- gem do argumento ontológico a p rio ri e passou para
mento ontológico. Mas deixa clara a crítica que pro- uma abordagem cosmológica a posteriori.
pusemos contra 0 argumento nesse contexto. Essa Se alguém pudesse validar um argumento teísta
abordagem baseada na lógica modal estipula desde 0 ao importar a premissa inegável de que “algo existe” e
princípio que algo existe. 0 conceito de mundos possí- argumentar com base nela que “algo existe necessari-
veis só faz sentido se comparado com um mundo real. amente” , isso ainda seria muito distante do Ser sim-
Apenas se, pelo menos por amor ao argumento, per- pies e absolutamente perfeito do teísmo cristão. É in-
mitirmos que haja uma realidade é que 0 argumento teressante observar que três visões de Deus resulta-
se desenvolve. Além disso, definir um ser maximamen- ram do mesmo tipo de argumento ontológico, e ou-
te perfeito em termos teístas é gratuito (premissa 2 ). tros acreditam que mais um pode ser suposto. Des-
Por que a perfeição não poderia ser vista em termos cartes e Leibniz chegaram a um Deus teísta. Espinosa
não-morais e não-inteligentes? argumentou a favor de um Deus panteísta. Hartshorne
Mas finalmente, e mais diretamente, 0 argumento acabou chegando a um Deus panenteísta (v. pa x e n t e ísm o ).
na premissa 4 estipula a realidade de e como uma es-
Também sugere-se que, além de importar algum tipo
sência. Na filosofia de Plantinga, essências não são
de premissa platônica, 0 argumento ontológico pro-
apenas conceitos ou palavras mentais, mas existem de
duz deuses politeístas (v. p o l it e ís m o ). Até mesmo mui-
certa forma como sendo reais. Logo, 0 argumento está
tos ateus estão dispostos a reconhecer que 0 universo
começando a se parecer com 0 argumento de Descar-
é de alguma forma necessário, mas não 0 identificam
tes, no qual ele estipula a idéia de um Ser Supremo e
de forma alguma com Deus. Já que as posições são
depois tenta dar uma explicação (Descartes, p. 23-34).
mutuamente excludentes, conclui-se que não podem
Porém esse argumento também foi denominado
ser verdadeiras.
cosmológico. E 0 mesmo pode acontecer com 0 argu-
Para defender 0 teísmo, aparentemente é preciso
mento de Plantinga. Talvez seja válido porque deixou
ir além do argumento ontológico. Pois 0 argumento
0 âmbito dos argumentos puramente ontológicos.
ontológico apenas, ao que parece, não designa que tipo
C onclusão. 0 argumento ontológico assumiu mui-
de Deus (ou deuses) é encontrado na conclusão.
tas formas. Todavia, nenhuma parece não ser válida.
A única maneira exeqüível de torná-lo válido (se é que
Fontes
pode ser validado) é supor ou afirmar que algo existe. E
R. D e s c a r t e s , Meditations on first philosophy.
uma vez que a pessoa argumente: “Algo existe, logo Deus
N. L. G t 1sLER,“ The missing premise in the
existe” , ela realmente argumentou cosmologicamente.
ontological argument” ,em rs (Sep. 1973).
0 argumento ontológico em si, sem emprestar a pre-
_____e W . C o r p i 'a n , Philosophy of religion.
missa “Algo existe” , simplesmente não pode provar a
G.E. H u g h e s , “ Can God's existence be disproved?” ,
existência de Deus. Pois é sempre logicamente possível
em A. F l e w , et al., orgs., Philosophical theology.
que nada jamais tenha existido, de forma que não é ne-
A. P l a n t in g a , The nature o f necessity.
cessário logicamente afirmar que Deus existe.
___ , The ontological argument: from
Alguns sugeriram que nossa conclusão é inválida
porque 0 próprio conceito de “nada” é negativo, pressu- Anselm to contemporary philosophers.

pondo assim que algo existe. Se isso é correto, argumen- B. S p ix o z a , Ética.

tam, nossa contenção de que“é logicamente possível que


nada jamais tenha existido” é errada. No entanto, essa Orígenes. Um dos pais da igreja primitiva e defensor
objeção confunde 0 conceito de inexistência (que não do cristianismo (185-254). Foi muito influenciado
pressupõe 0 conceito de existência) e um estado de pelo pensamento platônico (v. P p a t ã o ; P p o t in o ) e
inexistência que não pressupõe um estado de existên- gnóstico (v. g x o s t ic is m o ). Como conseqüência, sua de-
cia. É uma referência à possibilidade lógica do estado fesa da fé tendia a sacrificar ensinamentos importan-
de inexistência, não ao conceito de inexistência. tes. Negou a historicidade de partes cruciais das
665 Orígenes

Escrituras; ensinou a preexistência da alma e 0 univer- inúmeros exemplos de tipo semelhante registrados como ten-
salismo (a crença de que todos finalmente serão salvos; v. do ocorrido, mas quais não aconteceram literalmente? Os pró-
“ pagàos ” , salvação d o s ) e negou que Jesus tivesse ressus- prios evangelhos estão cheios do mesmo tipo de narrativas;
citado dos mortos num corpo físico (v. r e s s u r r e iç ã o , n a - por exemplo, 0 diabo levando Jesus até uma montanha alta,
t u r e z a física da ). Essas posições foram condenadas por para mostrar-lhe dali os reinos de todo 0 mundo e a glória
serem heréticas pelos concílios posteriores da igreja. deles (ibid., 4.1.16).
Orígenes foi um autor cristão do início do século 11
em Alexandria, Egito. Estudou onze anos com 0 neo- P re e x is tê n c ia d a a lm a . O argumento de Orígenes
platonista Amônio Sacca, em cuja escola foi colega de para a preexistência e eternidade da alma depende
Plotino (205-270). Orígenes liderou uma escola cate- grandemente do platonismo. Ele argumenta que Deus
quética em Alexandria (211 -232) e mais tarde fundou havia feito outros mundos antes desse, e faria mais no
uma escola em Cesaréia. futuro (ibid., 2.5.3). Na criação,
Suas várias obras incluem a Hexapla, uma compa-
ração de seis colunas de diversas traduções gregas e devemos supor que Deus criou um número tão grande
hebraicas do at. Infelizmente, nenhuma cópia dessa de criaturas racionais ou intelectuais (ou seja qual for 0 nome
grande obra sobreviveu. Ele também escreveu Contra que recebem), que anteriormente denominamos entendi-
Celso, uma obra apologética respondendo ao filósofo mentos, quanto ele previu que seria suficiente (ibid., 2.9.1).
Celso, e De principiis, um importante tratado teológico.
A B íblia. Apesar de Orígenes afirmar que a Bíblia Negar a eternidade da alma era como negar a oni-
era divinamente inspirada, ele não aceitava a histori- potência de Deus, segundo ele. A alma deve ser
cidade completa das Escrituras nem interpretava tudo preexistente e eterna porque,
literalmente. Como outros na escola alexandrina de in-
terpretação, ele geralmente alegorizava partes cruciais como ninguém pode ser um pai sem ter um filho, nem
das Escrituras. um mestre sem possuir um servo, Deus também não pode
A Bíblia apenas parcialmente histórica. Orígenes insistiu: ser onipotente a não ser que existam aqueles sobre os quais
ele possa exercer seu poder; e, portanto, para que Deus seja
Portanto, temos de afirmar em resposta, já que somos considerado onipotente, é necessário que todas as coisas
manifestadamente dessa opinião, que a verdade da história existam.
pode e deve ser preservada na maioria das instâncias (De
principiis, 4.19). Ele ficou mais poderoso enquanto criava mais pes-
soas? Na verdade,“ele sempre teve aqueles sobre quem
Infelizmente, isso não incluía partes cruciais da Bí- exercia poder, e que foram governados por ele como
blia. Ele afirmou que 0 leitor atento encontraria várias rei ou príncipe” (ibid., 1 .2 .10).
passagens nos evangelhos nas quais inserções de even- Finalmente, Orígenes argumenta que,
tos não-históricos foram feitas. “E se analisamos a le-
gislação de Moisés, muitas das leis manifestam a se a alma de um homem, que é certamente inferior en-
irracionalidade, e outras a impossibilidade da sua ob- quanto continua sendo a alma de um homem, não foi for-
servação literal” (ibid., 4.1.16,17). mada junto com seu corpo, mas é comprovadamente im-
Interpretação alegórica. A precisão não era muito plantada estritamente de fora, tanto mais será 0 caso da-
importante se a mensagem estivesse mergulhada em queles seres vivos que são denominados celestiais. Ademais,
alegoria. Orígenes buscava “descobrir em toda expres- [...] como poderiam sua alma e as imagens nela presentes
são 0 esplendor oculto das doutrinas encobertas pela terem sido formadas com 0 corpo, de quem, antes de ser cri-
fraseologia comum e sem atrativos” (ibid., 4.1.7). ado no ventre, foi conhecido por Deus, e foi santificado por
A história de Adão e Eva devia ser interpretada sim- ele antes do seu nascimento? (ibid., 1.7.4).
bolicamente. Porque
Universalismo . Orígenes acreditava que no final
ninguém, creio eu, pode duvidar que a afirmação de que todos seriam salvos. Essa posição é explicitamente
Deus andava à tarde no paraíso e que Adão se escondeu atrás universalista;
de uma árvore está relatada simbolicamente nas Escrituras, e
que algum significado místico pode ser indicado por isso. E Portanto, quando 0 fim for restaurado ao princípio, e 0 tér-
os que não são completamente cegos podem encontrar mino das coisas comparado ao seu começo, será restabelecida
Orígenes 666

a condição das coisas na qual a natureza racional foi colocada, vingança de Deu? é útil para a purgação das almas.
quando não precisava comer da árvore do conhecimento do Acredita-se que também 0 castigo, que dizem ser aplicado
bem e do mal; então, quando todo sentimento de impiedade pelo fogo, é aplicado com 0 objetivo de cura (ibid., 2.10.6).
for removido, e 0 indivíduo for purificado e limpo. Aquele que
é 0 único Deus bom se torna para si “tudo”, e isso não se dará Acrescentou:
apenas 110caso de poucos indivíduos, ou de um numero con-
siderável, mas ele mesmo é“tudo em todos”. E quando a mor- Os que foram removidos do seu estado primitivo de
te não mais existir em parte alguma, nem 0 aguilhão da mor- bênção ainda não foram removidos irrecuperavelmente,
te, nem qualquer mal sequer, então Deus será “tudo em to- mas foram colocados sob a regra das ordens santas e aben-
dos” (Orígenes, De principiis, 3.63). çoadas que descrevemos; e ao tirar proveito da ajuda de-
las, e sendo moldados pelos princípios e disciplina saluta-
Segundo Orígenes, esse conhecimento salvador viria res, podem recuperar-se, e ser restaurados à sua condição
de felicidade (ibid., 1.6.2).
lenta e gradativamente, vendo que 0 processo de recu-
peração e correção acontecerá imperceptivelmente em ins- Λ sa b ed o ria de Deus. Orígenes insistiu em que
tantes individuais durante 0 decorrer de eras inúmeras e
imensuráveis, umas derrubando as outras, e chegando por Deus, pela habilidade inefável de sua sabedoria, trans-
um curso mais rápido à perfeição, enquanto outras seguem formando e restaurando todas as coisas, das tormas mais
de perto, e algumas à distância. diversas, para algum objetivo útil, e para a vantagem comum
Portanto, por meio de ordens numerosas e incontadas de todas, chamava de volta as próprias criaturas que diferi-
am tanto umas das outras na conformação mental à con-
de seres progressivos que estão sendo reconciliados com
cordància de obra e propósito; de forma que, apesar de esta-
Deus de um estado de inimizade, 0 último inimigo final-
rem sob a influência de motivações diferentes, elas comple-
mente é alcançado, que se chama morte, para que também
tam a plenitude e perfeição de um mundo, e a própria vari-
possa ser destruído, e não mais ser um inimigo. Quando,
edade das mentes tende a um fim de perfeição.
então, todas as almas racionais forem restauradas a essa con-
Pois é 0 mesmo poder que segura e une toda a diversi-
dição, a natureza deste nosso corpo se transformará na gló-
dade do mundo, e lidera os diversos movimentos a uma obra,
ria de um corpo espiritual (ibid., 3.6.6).
a fim de que uma obra tão imensa como 0 mundo não se
dissolva pelas dissensões das almas.
05 textos bíblicos. Alguns dos argumentos de Orí-
E por isso cremos que Deus, 0 Pai de todas as coisas,
genes para 0 universalismo estão baseados em textos
para assegurar a salvação de todas as suas criaturas por meio
bíblicos e outros em especulação filosófica.
do plano inefável de sua palavra e sabedoria, ordenou cada
No contexto do amor de Deus em Cristo, Orígenes
umas delas, para que todo espírito, quer alma quer existên-
baseou-se em passagens que falavam de Deus conquis-
cia racional, seja qual for 0 nome, não seja compelido à for-
tando e subjugando seus inimigos. Baseou-se nas pas-
ça, contra a liberdade da própria vontade, a qualquer outro
sagens que citavam Salmos 110.1, principalmente 1
caminho além do que os motivos da própria mente 0 levem
Coríntios 15.25: “0 S e n h o r disse ao meu senhor:‘Sen- (para que ao fazer isso 0 poder de exercitar 0 livre-arbítrio
ta-te à minha direita até que eu faça dos teus inimigos seja tirado, 0 que certamente produziria uma mudança na
um estrado para os teus pés [...] Pois é necessário que natureza do próprio ser) (ibid., 2.1.2).
ele reine até que todos os seus inimigos sejam postos
debaixo de pés” (D eprin cipiis, 1.6.1). O n ip otên cia d e Deus. “ Porque nada é impossível
0 fim co m o 0 p rin cíp io . Orígenes raciocinou a para 0 Onipotente, e nada é incapaz de ser restau-
partir da premissa neoplatônica de que “0 fim é rado a seu Criador” (ibid., 3.6.5). Isso, é claro, im-
sempre como 0 princípio e, portanto, assim como plica que Deus deseja, por sua bondade, fazê-lo
há um fim de todas as coisas, surgem de um prin- (U m 2.1; 2Pe 3.9). Mas, se Deus quer salvar a to-
cípio muitas diferenças e variedade, que novamen- dos, e ele pode salvar a todos (i.e., ele é onipoten-
te, por intermédio da bondade de Deus, e pela su- te), então para Orígenes parecia resultar que ele
jeição a Cristo, e intermédio da unidade do Espíri- salvaria a todos.
to Santo, são chamadas de volta a um fim, que é E spiritualism o. Orígenes também negou a nature-
como 0 princípio” (ibid., 1 .6.2 ). za física permanente da ressurreição, pelo que foi con-
Justiça reform atória. Orígenes rejeitou a visão pe- denado pelos bispos do Quinto Concilio Ecumênico da
nal da justiça (v. in f e r n o ), argumentando que a fúria da igreja, quando escreveram:
66 / Orígenes
Se alguém disser que após a ressurreição 0 corpo do Se- Segundo Orígenes, apesar de Cristo ser eterno, sua
nhor era etéreo [...] e que assim serão os corpos de todos após divindade é derivada do Pai:
a ressurreição; e que depois de 0 próprio Senhor ter rejeitado
seuverdadeiro corpo e após outros que ressuscitarem rejeita- Porque sempre afirmamos que Deus é Pai de seu Filho
rem os seus, a natureza dos seus corpos será aniquilada: que unigênito, que nasceu dele, e deriva dele 0 que ele é, mas
seja anátema (Cânon 10 citado por Schaff, 14.314-9). sem qualquer começo {Deprincipiis 1.2.2).

Da mesma forma, Numa lógica platônica distorcida, Orígenes até ar-


gumentou que de alguma forma a existência do Filho
se alguém disser que 0 julgamento futuro significa a des- depende do Pai:
truição do corpo e que 0 final da história será uma natureza
[phusis] imaterial e que dali em diante não haverá mais ma- Pois seo Filho faz, semelhantemente, todas as coisas que
téria, mas apenas espírito [nous]: que seja anátema (ibid., 0 Pai faz, então, devido ao Filho fazer todas as coisas como 0
Cânon 11). Pai, é a imagem do Pai formada no Filho, que nasceu dele,
como um ato da sua vontade, procedendo da mente. E por
Por volta de 400,0 Concilio de Toledo declarou en- isso acredito que a vontade do Pai apenas deve ser suficiente
faticamente: “Cremos verdadeiramente que haverá a para a existência do que ele deseja que exista. Pois no exerci-
ressurreição da carne da humanidade” (Parker, p. 24,26). cio da sua vontade ele emprega apenas 0 que é manifesto
E 0 Quarto Concilio de Toledo (663) acrescentou: pelo conselho da sua vontade. E então a existência do Filho
também égerada por ele {Deprincipiis 1.2.6, grifo do autor).
Por intermédio de sua morte e sangue somos purifica-
dos e obtemos perdão (dos nossos pecados) e seremos res-
A valiação. Na melhor das hipóteses, Orígenes foi
suscitados novamente por ele no último dia na mesma car-
uma bênção parcial para a apologética cristã. Defen-
ne em que agora vivemos, (e) da maneira em que 0 (nosso)
deu a inspiração básica e historicidade da Bíblia.
mesmo Senhor ressuscitou (ibid., 26).
Enfatizou 0 uso da razão para defender 0 cristianis-
mo primitivo contra os ataques do paganismo e ou-
C risto in fe rio r ao Pai. Apesar de não negar a di-
tros falsos ensinamentos. Foi um estudioso textual.
vindade de Cristo, Orígenes acreditava que Jesus tinha
No entanto, os pontos fracos de Orígenes parecem
uma posição subordinada ao Pai a ponto de perder sua
exceder os pontos lortes. Negou a inerrância da Bíblia,
divindade aqui na terra. Orígenes escreveu:
pelo menos na prática (v. B íb lia , supostos erros n a). Ensi-
nou 0 universalismo, contrário às Escrituras e aos credos
O Filho de Deus, despojando-se da sua igualdade com 0
ortodoxos. Ensinou a preexistência da alma, em vez do
Pai, e mostrando a nós 0 caminho do conhecimento dele,
ensinamento ortodoxo da criação. Fez interpretações al-
torna-se a imagem clara da sua pessoa {Deprincipiis, 1.2.8).
tamente alegóricas das Escrituras, minando verdades li-
terais importantes. Afirmou uma posição aberrante so-
Até a bondade de Cristo é derivada do Pai:
bre a natureza de Cristo, que deu origem à heresia ariana
posterior (v. C risto, divindade de) .Negou a natureza tangi-
Se isso écompletamente entendido, demonstra claramen-
vel e física do corpo ressurreto (v. ressurreição, evidência
te que a existência do Filho é derivada do Pai, mas não no
da; re ssu rre iç ã o , n atu re z a eisica d a), ao contrário do
tempo, nem de qualquer outro princípio, exceto, como iá dis-
semos, do próprio Pai {Deprincipiis 1.2.11). ensinamento claro das Escrituras (Lc 24.39; At 2.31; 1J0
4.2) e dos credos (v. Geisler, The battle for the resurrection
Orígenes falou claramente sobre a posição inferi- [A batalha p ela ressurreição], cap. 5, e In defense o f the
or ao Pai quando disse: resurrection [Em defesa da ressurreição), c ap. 9).

Supondo que pode haver alguns indivíduos entre as mui- Fontes


tidões de crentes que não concordam plenamente conosco, C. B ig g s , The Christian platonists of Alexandria.
e que imprudentemente afirmam que 0 Salvador é 0 Deus J. D a x i e l o u , Origen.

Altíssimo; no entanto, não pensamos como eles, mas acre- W. Fairwkather, Origen and Greek patristic theology.

ditamos nele quando diz: “O Pai que me enviou é maior que N. L. G e is l e r , In defense of the resurrection.

eu” . Portanto, não faríamos — como Celso nos acusa de fa- ____, The battle for the resurrection.

zer — a quem chamamos Pai inferior ao Filho de Deus O r íg e n e s , Contra Celso.

{Contra Celso 8.14). ____,De principiis.


origens, ciência das 668

T. Parktr, org., The decades of Henry BuUinger. no principio. F. difícil saber sequer que fatores existi-
P. S a m i , org.,.4 select library ofXicene andpost-.Xicene am para interagir uns com os outros. Um exemplo sim-
Fathers of the Christian church. pies e óbvio é que as leis que operam durante 0 funcio-
J.W. T r ig g , Origen: the Bible and philosophy in the n am ento de um moinho de vento não são suficientes
third-century church. para produzir aquele moinho. Um moinho de vento fun-
____, The Fifth Ecumenical Council ot ciona por leis puramente naturais da física — pressão,
Constantinople (553 d.C). movimento e inércia. Inércia, no entanto, não pode cri-
ar estrutura, soldar 0 metal, montar 0 gerador movido
origens, ciência das. A crença de que 0 universo e to- a vento ou ajustar as lâminas da hélice. Alguém teve de
das as formas de vida foram criados por Deus não é vir de fora do sistema do moinho, trazer 0 conhecimen-
considerada ciência verdadeira por alguns porque a to, plantas e manipulação de materiais necessários. Leis
ciência lida com teorias que podem ser comprovadas naturais explicam adequadamente por que a eletrici-
por testes. Não há como testar a criação, já que toi uma dade é gerada por um moinho de forma contínua; elas
singularidade passada única. Essa objeção é baseada são insuficientes para explicar 0 início do sistema.
em má interpretação de dois tipos de ciência: em pírica Somente 0 fato de as coisas operarem de forma re-
eforen se. A ciên cia op eracion al lida com 0 mundo que guiar torna possível as observações e previsões base-
existe agora, e a ciên cia d as origens lida com 0 p a ssa d o adas nelas. Por isso, uma abordagem diferente e obje-
(Geisler, Origin scien ce [ C iência d a s o rig en s ], caps. tivos diferentes agem numa ciâu‫־‬ia forense. Normal-
1,6,7). A ciência operacional é uma ciência em pírica mente se ouve falar da ciência forense em investiga-
que lida com regularidades atuais, mas a ciência das ções policiais, nas quais cientistas tentam reconstruir
origens é uma ciência forense que considera singula- 0 que aconteceu para criar a cena de uma morte não -
ridades passadas — a origem do universo e das for- observada, por exemplo. Alguns elementos podem ser
mas de vida. repetíveis, mas não a série essencial de eventos, já que
Já que não há uma forma direta de testar uma teoria a pessoa envolvida nos eventos está morta. Mas a falta
ou um modelo da ciência das origens, ela deve ser consi- de princípios da ciência empírica não frustra total-
derada plausível ou implausível, com base na consistên- mente a análise científica da morte. A ciência forense
cia e abrangência com que reconstrói 0 passado não ob- tem suas regras e princípios. Usando as evidências que
servado conforme a evidência disponível. A ciência restaram (tais como armas, padrões de ferimentos,
operacional é baseada em princípios de observação e re- gotas de sangue e impressões digitais), 0 cientista fo-
petição. As leis da física e química, por exemplo, são base- rense pode fazer uma reconstrução plausível do even-
adas na observação de padrões repetitivos de eventos. Tais to original. De forma semelhante, 0 cientista das ori-
observações podem ser feitas a olho nu ou com 0 auxílio gens tenta reconstruir a origem do universo e a ori-
de instrumentos sensíveis, mas algum tipo de observa- gem da vida.
ção é crucial. Igualmente, deve haver alguma repetição P rin cíp io s da c iê n c ia d a s o rig en s. Além dos dois
ou padrão repetitivo. Pois nenhuma análise científica pode princípios óbvios segundo os quais toda teoria ou
ser feita com base num evento singular. A ciência modelo deve ser consistente e abrangente, os princí-
operacional baseia-se na repetição de padrões semelhan- pios cruciais da ciência das origens são ca u sa lid a d e
tes de eventos. Porque a ciência operacional não envolve e u n iform id a d e (analogia) (Geisler, Origin sc ie n c e , p.
apenas regularidades atuais, mas também futuras, que 131-2).
podem ser previstas. Porém nenhuma previsão científica C ausalidade. Como 0 cientista forense, 0 cientista
pode ser feita a partir de um evento singular. das origens acredita que todo evento tem um a causa
A operação do cosmos é estudada pela ciência a d eq u a d a (v. ■,:.voALimnE, principio da; primeiros princí-
operacional da cosm ologia. Mas a origem do cosmos é 0 pios). Esse é 0 caso tanto para eventos não observados
campo da ciência da cosm ogonia. A ciência operacional como para eventos observados. Esse princípio tem
da biologia não lida propriamente com 0 início da vida, uma aceitação tão universal que praticamente não
mas com seu funcionamento contínuo. O começo da precisa de justificação. É suficiente mencionar que
vida é 0 campo de estudo da biogenia. Aristóteles disse: “ O homem sábio busca causas” .
Ao distinguir essas duas áreas de investigação, é Francis Bacon acreditava que a verdadeira sabedoria
importante observar diferenças substanciais, mesmo é o‘ conhecimento das causas” (Bacon,2.2.121).Atéo
nas leis naturais nos processos que observam. Leis cético David H l \;e concordou com isso ( L etters o f
pelas quais algo opera hoje podem funcionar de for- D avid Hum e [Cartas d e D avid H um e], 1.187). É evi-
ma bem diferente da maneira em que funcionavam dente para a maioria dos seres racionais que tudo que
669 origens, ciência das

surge tem u m a causa. Se isso não fosse verdade, as coi- lança, cerâmica, retratos e sinfonias. Estamos tão con-
sas surgiriam e desapareceriam ao acaso, mas isso não vencidos pela prévia experiência repetida de que ape-
acontece. Na verdade, sem 0 princípio da causalidade, nas a inteligência produz esses tipos de efeitos que,
nenhuma ciência seria possível. quando vemos um único evento que se assemelhe a um
É importante observar que 0 princípio da causali- desses tipos de efeitos, invariavelmente supomos uma
dade n ão afirma que tudo tem uma causa. Concorda- causa inteligível para ele. Quando esbarramos na frase
mos com 0 ateu (v. ateísmo) que, se a matéria (energia) 11João ama Maria” escritas na areia,jamais supomos que
é eterna e indestrutível, não precisa de uma causa. as ondas a fizeram. A questão é se a origem do primeiro
Apenas tudo 0 que começa — ou é contingente — tem organismo vivo (que não observamos) se deveu a uma
uma causa. Se um Ser é eterno e independente (quer causa secundária (natural) ou a uma causa inteligente
seja 0 universo quer seja Deus), não precisa de uma primária. A única maneira científica de determinar isso
causa. Causalidade aplica-se a coisas que su rgem ; tudo é pela analogia com nossa experiência de qual tipo de
0 que simplesmente existe é não-causado. causa regularmente produz esse tipo de efeito.
U n iform id ad e (a n a lo g ia ). Em termos gerais, 0 O princípio da uniformidade é um argumento ba-
princípio científico da uniformidade afirma que “0 seado na analogia. É uma tentativa de chegar ao des-
presente é a chave do passado” .Aplicado mais especi- conhecido (passado) por meio do conhecido (presen-
ficamente à questão de causas passadas não-observa- te). Já que não temos acesso direto ao passado, pode-
das, 0 princípio da uniformidade (analogia) afirma mos “conhecê-lo” apenas por analogias, com 0 presen-
que a causa de certos tipos de eventos agora teria pro- te. É assim que a história humana, a história da terra e
duzido efeitos semelhantes no passado. Eventos pas- a história da vida são reconstruídas. A geologia histó-
sados têm causas semelhantes às causas dos eventos rica, por exemplo, é totalmente dependente, come ci-
atuais. ência, do princípio da uniformidade. A não ser que
0 princípio da uniformidade deriva seu nome da possamos observar atualmente na natureza ou em la-
experiência uniform e na qual é baseado. Observação boratório certos tipos de causas produzindo certos ti-
repetida revela que certos tipos de causas regularmente pos de eventos, não podemos reconstruir validamente
produzem certos tipos de eventos. Por exemplo, água a história geológica. Mas já que podemos observar
fluindo sobre pequenas pedras gradativamente desgasta causas naturais produzindo esses tipos de efeitos hoje,
a superfície da pedra, tornando-a lisa e arredondada. podemos postular que causas naturais semelhantes
Vento na água produz ondas. Chuva forte na terra re- produziram efeitos semelhantes no registro geológico
sulta em erosão, e assim por diante. Essas são causas r do passado. A arqueologia como ciência é possível ape-
naturais e secundárias. Seus efeitos são produzidos por nas porque supomos 0 princípio da uniformidade.
forças naturais cujos processos são parte observável da Certos tipos de instrumentos, arte ou escrita forne-
op eração contínua do universo físico. cem consistentemente informações sobre os seres in-
Entretanto, 0 princípio da u n iform id ad e não deve teligentes que os produziram. Até simples pontas de
ser confundido com uniform itarianism o. Este é a pres- lança nos levam a afirmar quais índios as produziram
suposição naturalista (v. n a tu ra lism o ) equivocada de e quando. Elas podem ser diferenciadas de pedaços de
que todas as causas de eventos no mundo devem ser pedra moldados pelo vento ou pela água. Quando os
naturais. Isso é uma petição de princípio e é contrário restos do passado contêm escrita, arte, poesia ou mú-
à melhor evidência da origem do universo (v. bh;-basg ; sica, imediatamente insistimos em que vieram de se-
evo lu ção cósmica; term odinâm ica, leis d a). Não há razão res inteligentes.
para aceitar a premissa de que tudo que acontece na Portanto, se a evidência exige urna causa secundária
natureza foi causado pela natureza (v. n atu ralism o; mi- ou primária, 0 princípio da uniformidade é a base. A não
la g r e ). Afinal, 0 mundo natural não causou a si mes- ser que tenhamos tido uma conjunção constante de um
mo (v. co s m o ló g ic o , a rg u m e n to ; k a l a m , ARGUMENTO certo tipo de causa com um certo tipo de efeito no pre-
cosm olúgico). Até mentes finitas podem intervir 0 tem- sente, não temos base na qual aplicar 0 princípio a even-
po todo no mundo natural. Nada impede que uma tos passados conhecidos apenas por meio de restos.
Mente infinita faça 0 mesmo. O prin cípio d a consistência. Todas as teorias devem
Além de causas secundárias, há causas primári- ser consistentes. Qualquer que seja 0 modelo científi-
as. A inteligência é uma causa primária. E 0 princí- co construído do passado, deve ser coerente ou não-
pio de uniformidade (baseado na conjunção cons- contraditório com todos os outros elementos da posi-
tante) nos informa que certos tipos de eteitos vêm cão científica da pessoa. Posições contraditórias de-
apenas de causas inteligentes: linguagem, pontas de vem ser rejeitadas. Não se pode afirmar que 0 universo
origens, ciência das 670

teve um princípio e não começou. E não se pode afir- quando estes oferecem uma explicação natural para 0
mar coerentemente que 0 cosmo foi criado e não foi primeiro ser vivo.
criado. A lei da não-contradição aplica-se a todos os Igualmente, a visão criacionista da origem do cos-
pontos de vista (v, l ó g i c a ; p r i m e i r o s p r i n c í p i o s ). mo é tão científica quanto a posição dos evolucionistas.
O princípio da abrangência. Além disso, explica- Ambas usam a evidência científica no presente. E
ções científicas devem ser abrangentes. L’m bom mo- ambas usam 0 princípio da causalidade. O criacionista
delo explica abrangentemente os fatos conhecidos. indica a evidência da segunda lei da termodinâmica
Anomalias persistirão, mas nenhum dado indiscutí- (v. term odinâm ica, leis da) que 0 universo está se des-
vel pode ser negligenciado na construção da teoria. gastando como evidência de que teve princípio, junto
Logo, sendo iguais todas as outras coisas, a posição com a outra evidência a favor da teoria do b ic -b a x g .
mais abrangente é considerada a melhor. Isso, associado ao princípio da causalidade, resulta na
Áreas diversas da ciência das origens. Agora que conclusão de que:
os princípios básicos da ciência das origens foram es-
tabelecidos, eles podem ser aplicados às três áreas 1 . O cosmo teve princípio.
principais da origem: 0 princípio do universo, 0 sur- 2. Tudo que começa tem uma causa.
gimento da primeira vida e 0 aparecimento de seres 3. Logo, 0 cosmos teve uma causa (v. ka la u , ar-
humanos (racionais). Em cada caso isso admite uma GUMENTO COSMOLÓGICO).
distinção entre ciência das origens e ciência operacio-
nal. Já existem nomes para distingui-las. Objeções à ciência das origens. Duas objeções
Ciência das Ciência básicas surgem repetidamente. A primeira diz respeito
ao método científico; e a segunda à origem do modelo
origens operacional
Universo Cosmogonia Cosmogonia
científico.
Naturalismo na abordagem científica. A essa altu-
Vida Biogenia Biologia
ra, os evolucionistas freqüentemente objetam que a
Seres humanos Antropogenia Antropologia
abordagem criacionista não é científica porque apela
A evidência científica é apresentada em outro artigo para a causa sobrenatural. Os evolucionistas apenas
a favor da posição criacionista da cosmogonia (v. evo lu - supõem causas naturais. Logo, a visão dos criacionistas
ção cósmica ),biogenia (v. evolução q u ím ic a ) e an tropogenia é desqualificada, mesmo como ciência das origens. Tal
(v. evolução bio ló gica ). Logo, só falta perguntar se a cria- objeção é um caso clássico de petição de princípio.
ção é uma ciência. Quem disse que a ciência só pode permitir causas na-
Ciência da criação. A visão criacionista das origens turais para fenômenos no mundo natural? Essa mo-
pode ser tão científica quanto a visão evoluáonista. A ção é inválida, pois elimina a criação por definição. É
crença de que existe um Criador inteligente do univer- possível, pela mesma moção, exigir que haja apenas
so, da primeira vida e de novas formas de vida é tão causas sobrenaturais para todos os eventos e eliminar
científica quanto as visões naturalistas da teoria da todas as causas naturais por definição (v. m il a g r e s , a r -
macroevolução. Ambas são ciência das origens, não ci- g u m e n t o s c o n t r a ). É uma forma de n a t u r a l is m o

ência operacional. Ambas lidam com singularidades metodológico. Apesar de poder admitir a existência de
passadas. Ambas usam a abordagem forense ao recons- uma esfera sobrenatural, insiste em que 0 método ci-
truir um cenário plausível do evento passado e não entífico deve permitir apenas causas naturais. Embo-
observado à luz da evidência que permanece no pre- ra isso seja verdadeiro com relação à ciência
sente. Ambas usam os princípios da causalidade e da operacional, não é 0 caso da ciência das origens.
analogia. Ambas buscam uma explicação dos dados. Eliminar a causa inteligente do mundo e da vida
Ambas, às vezes, apelam para uma causa primária (in- como explicação científica é contrário à origem e à
teligente) a fim de explicar os dados. A arqueologia história primitiva da ciência. A maioria dos fundado-
supõe uma causa inteligente para a cerâmica. Os an- res da ciência moderna eram criacionistas que acre-
tropólogos fazem 0 mesmo com instrumentos anti- ditavam que a evidência científica indicava um Cria-
gos. Da mesma forma, quando os criacionistas vêem dor sobrenatural e inteligente do universo e da vida.
0 mesmo tipo de complexidade específica num ani- Redefinir a ciência de modo a eliminar a possibilida-
mal simples constituído de uma única célula, tal como de da causa inteligente é contrário ao início e caráter
0 primeiro suposto ser vivo, eles também admitem próprios da ciência moderna.
uma causa inteligente para isso. Sua visão é tão espe- A abordagem científica deve seguir a evidência,
cífica no procedimento quanto a dos evolucionistas mesmo que ela a leve a uma causa sobrenatural. Como
671 origens, ciência das

seria científica uma abordagem que se recusa a con- de ciência operacional, não das origens, já que a for-
cluir que existe 0 tipo de causa para a qual a evidência ma da terra está sujeita à verificação e à observação.
aponta? Será que um arqueólogo deve se recusar a acei- A forma contínua da terra não está relacionada com
tar qualquer coisa que não seja uma causa natural para a questão da sua origem. Não há necessidade de per-
a arte que desenterra? mitir que a teoria da terra plana seja ensinada como
A única causa adequada para a origem da vida e do ciência, já que foi refutada cientificamente. Isso pode
universo é a causa sobrenatural. Afinal, se — como toda ser aplicado a algumas teorias, mas a teoria da “ ter-
evidência indica — todo 0 mundo natural teve um prin- ra quadrada” é realmente falsa. E não há razão para
cípio, a Causa deve estar além da natureza (v. kalam , ar- permitir que algo que foi refutado seja ensinado
gumento cosmológico). Isso, por definição, é 0 sobrena- como teoria científica legítima.
tural. Baseada em que lógica a pessoa deixa de tirar uma Esse não é 0 caso da criação, já que ninguém refu-
conclusão lógica simplesmente porque quer supor uma tou realmente que uma causa inteligente do universo
definição estipuladora da “ciência” de forma a excluir e da vida é possível (v. D e u s , su po sta s r efu t a ç õ e s d e ). Na
esse tipo de causa do âmbito científico? verdade, há mais evidência plausível para um Criador
Mesmo que a pessoa insista obstinadamente, (v. c o sm o lõ g ic o , a r g u m e n t o ) e Arquiteto (v. TELEOLÓGICO,
seja qual for a razão, em excluir todas as causas não- a r g u m e n t o ; a x t r ó p ic o , p r in c íp io ) do cosmo que para a

naturais da palavra ciência, isso não invalida as cau- evolução naturalista (v. ev o lu ç ã o b io l ó g ic a ).
sas sobrenaturais ou 0 estudo delas. Elas simples- Criação e outras visões religiosas. Acredita-se que, se
mente passam para outra área da busca intelectu- for permitida a entrada da visão bíblica da criação na
al, seja a “ filosofia” , seja outra ciência qualquer. A ciência, as visões religiosas islâmica, budista, hindu e
ciência é simplesmente empobrecida no caminho outras também devem ser permitidas. Mas 0 criacio-
da própria busca pela verdade. Não há razão válida nismo científico não é um ponto de vista religioso; é uma
para excluir as explicações sobrenaturais do esfor- visão científica que apela apenas para a evidência cien-
ço acadêmico interessado em descobrir e ensinar a tífica a fim de apoiar suas conclusões. Só porque a idéia
verdade sobre nosso mundo. de uma visão científica vem de um livro religioso não
A origem de um modelo científico. Alguns adversári- significa que a visão seja religiosa. Como mencionado
os da ciência das origens insistem em que 0 modelo da acima, a fonte de muitas teorias científicas foi religiosa,
criação é tirado de um documento religioso, a Bíblia, e mas a natureza da teoria não era. A implicação de que
a religião não tem lugar na ciência. Embora a pessoa permitir que a criação seja ensinada junto com a evolu-
possa alegar que ensinar a Bíblia numa aula de ciêfiáas ção daria margem a um número infinito de outras teo-
seja exercício religioso, essa alegação ignora uma dis- rias da origem não procede. Basicamente, há duas ex-
tinção muito importante. A fonte de uma teoria cientí- plicações dos eventos da origem: ou 0 universo teve uma
fica não tem nenhuma relação com sua validade. Algu- causa inteligente ou uma causa não-inteligente. Ou a
mas descobertas científicas amplamente aceitas tiveram causa é natural ou sobrenatural. Todas as visões da ori-
fontes religiosas. Nikola Tesla (1856-1943) teve a idéia gem — budista, hindu, islâmica (v. b u d is m o ; h in d u ís m o ;
do motor de corrente alternada a partir de uma visão is l a m is m o ) ou judeu-cristã — classificam-se numa des-

que teve ao ler 0 poeta panteísta Goethe. O modelo para sas duas categorias. Se a Causa do Universo é“ Deus” , se
a molécula de benzeno foi concebido por Kekule após deve ser adorada ou como deve ser adorada são ques-
ter uma visão de uma cobra mordendo a própria cau- tões religiosas e não estão incluídas na esfera de ação
da. Nenhum cientista rejeitaria essas descobertas cien- da ciência das origens.
tíficas simplesmente por causa de sua fonte religiosa. A r is t ó t e l e s supôs um Motor Imóvel (uma Causa
Da mesma forma, ninguém deve rejeitar a idéia de um não observada), mas jamais 0 considerou objeto de
Criador inteligente do universo e da vida simplesmente devoção religiosa. Era simplesmente uma explicação
porque a fonte é religiosa. A questão não é de onde a racional para 0 que ele observara no mundo.
idéia veio, mas se ela explica adequadamente os fatos. E
um Criador inteligente explica adequadamente a ori- Fontes
gem do universo e da vida. F. B a c o n , Novuih organum.
Uma teoria de “terra plana”. Muitos que se opõem a P. D.wis, et al01 ‫'״‬pandas and people.
chamar a criação de visão científica insistem em que N.L. GtiSLLR, Knowing lhe truth about creation.
fazê-lo é abrir a porta para 0 ensinamento da “terra pia- , et al‫ ״‬Origin science.
na” como ciência também. Mas claramente esse não é 0 L). H iw it , Investigação acerca do entendimento humano.
caso. Se a terra é quadrada ou esférica é uma questão , The letters of David Hume.
Orr, James 672

P. Jo h n so n , Reason in the balance. obra God’s image [4‫ ״‬imagem de Deus] (1905) enfatizou
J. P. M o r e l a n d , o rg ., The creation hypothesis. a necessidade de reconhecer a criação sobrenatural da
___ , Creation and the nature o f science. alma humana. Em God’s image in man [A imagem de
C .T h o x t o n , The mystery o f life's origin ( E p í lo g o ) . Deus no homem] (1910), argumentou que a evolução
___ , The soul o f science. moral minava a seriedade da depravação humana.
A abordagem apologética de Orr era peculiar. Em
Orr, James. Teólogo e apologista escocês (1844-1913). The progress ofdogma [O progresso do dogma] (1901),
Estudou na Universidade de Glasgow e ministrou na opôs-se a Adolf Harnack (1851-1930) e seu ataque à
Igreja Presbiteriana Unida em Hawick (1874-1891). história do dogma, ao demonstrar a lógica interna do
Lecionou na Faculdade Teológica Presbiteriana (1891 - desenvolvimento da ortodoxia. The virgin birth of
1901) e daí em diante na Faculdade da Igreja Unida Christ [O nascimento virginal de Cristo] (1907) (v. vir -
Livre em Glasgow. As obras de Orr foram muito lidas
ginal de C risto, nascimento) e Revelation and inspiration
na Europa e América do Norte. Seu grande conheci-
[Revelação e inspiração] (1910) foram contribuições
mento, escrita prolifera e análise profunda 0 fizeram
significativas. Outra obra duradoura foi seu trabalho
estimado por evangélicos militantes durante a ascen-
de editar na International standard Bible encyclopedia
são do liberalismo clássico.
[Enciclopédia bíblica internacional padrão] (1915).Orr
As primeiras obras sobre apologética de Orr fo-
também escreveu artigos para The fundamentais [05
ram as mais duradouras. Christian view of God and
fundamentos] (1910-1915), obra em doze volumes que
the world [A visão cristã de Deus e do mundo] (1893)
defendia a teologia conservadora.
foi uma obra de referência universal até a década de
1950. Orr foi um dos primeiros críticos britânicos do
teólogo liberal Albrecht Ritschl (1822-1889) no seu The
Ritschlian theology and the evangelical fahh [A teolo- Fontes

gia de Ritschl e a fé evangélica] (1897). Defendeu a G. G. Sc0R(,1t,.4 call for continuity: the theological

autoria mosaica essencial do Pentateuco (v. pe n t a t eu c o , contribution 01 }ames Orr.

a u t o r ia m o s a ic a d o ) contra os ataques de Julius ,“Orr,James” ,em S. B. Ferg u so n ‫־‬, et al.,

Wellhausen. Apesar de estar disposto a aceitar algu- orgs., A'tnv dictionary of theology.

mas facetas da evolução biológica (v. e v o l u ç ã o ), sua P. T o o n , The development o f doctrine in the church.
Pp
“pagãos” , salvação dos. 0 destino dos que nunca Atos 10.35. Pedro falou sobre Deus a Cornélio, 0
ouviram 0 evangelho, tradicionalmente chamados gentio que nunca ouvira 0 evangelho, dizendo que
pagãos por missiólogos e apologistas, constitui um “de todas as nações aceita todo aquele que 0 teme e
problema para a benevolência de Deus. Se Deus é faz 0 que é justo” (At 10.35). O texto indica que
completamente bom, então como pode enviar para Cornélio era “temente a Deus” (v. 2) e foi aceito por
0 inferno pessoas que nunca ouviram sobre Jesus e ele, apesar de ainda não ter ouvido a mensagem cristã.
sobre como serem salvas? Alguns estimam que no Atos 19.2-6. Esse texto menciona crentes que fo-
final do século xx cerca de metade dos mais de 6 ram salvos muitos anos depois da época de Cristo,
bilhões de pessoas nunca ouviram 0 evangelho. Mui- apesar de não terem recebido 0 Espírito Santo. Pau-
tos mais “ouviram” , por assim dizer, 0 evangelho, 10 perguntou-lhes: “ Vocês receberam 0 Espírito Santo
mas jamais receberam qualquer instrução signifi- quando creram?” Eles responderam: Não, nem se-
cativa sobre Cristo. quer ouvimos que existe 0 Espírito Santo” . Então
Duas respostas a esse problema são oferecidas. Paulo declarou a verdade a eles, e “ouvindo isso, eles
Alguns acreditam que os pagãos podem ser salvos
foram batizados no nome do Senhor Jesus” (At 19.5).
sem 0 evangelho se responderem à luz da revelação
Mas foram chamados “discípulos” (crentes) antes
geral. Outros acreditam que Deus dá a verdade do
de Paulo pregar para eles (v. 1).
evangelho por revelação especial aos que realmente
R om anos 2 .6 ,7 . Paulo declarou que Deus “ retri-
0 buscam.
buirá a cada um conforme 0 seu procedimento” . Ele
Salvação na revelação geral. Os que acreditam dará vida eterna aos que, persistindo em fazer 0 bem,
que 0 pecador pode ser salvo sem ouvir que Jesus
buscam glória, honra e imortalidade (Rm 2.6,7). Isso
morreu pelos seus pecados e ressuscitou dos mor-
está no contexto de “os gentios, que não têm a lei”
tos (1C0 15.1-5) raciocinam da seguinte maneira:
(2.14), isto é, pagãos. Mas isso significaria que os
0 am o r e a justiça de Deus. A Bíblia afirma que
pagãos podem receber a “vida eterna” sem a revela-
Deus é justo (SI 33.5). Ele não faz acepção de pessoas.
Pois “em Deus não há parcialidade” (Rm 2.11). Abraão ção especial por meio da lei de Deus.
declarou: “ Não agirá com justiça 0 Juiz de toda a Gálatas 3.8. Segundo Paulo, “ Prevendo a Escritu-

terra?” (Gn 18.25). Além disso, Deus é benevolente. ra que Deus justificaria os gentios pela fé, anunciou
Ele ama 0 mundo inteiro e enviou seu único Filho primeiro as boas novas a Abraão: ‘Por meio de você
para morrer por ele (Jo 3.16). Pois: todas as nações serão abençoadas’” (G1 3.8). Mas 0
“evangelho” que Abraão ouviu não tinha o conteúdo
0 Senhor não demora emcumprir a sua promessa, como explícito de que Cristo, 0 Filho de Deus, morreu e
julgam alguns. Ao contrário ele épaciente comvocès, não que- ressuscitou dos mortos. Pois quando Abraão creu, 0
rendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao arre- texto simplesmente diz: “ Levando-o para fora da ten-
pendimento(2Pe3.9). da disse-lhe: Olhe para 0 céu e conte as estrelas, se é
que pode contá-las? E prosseguiu: Assim será a sua
Argumentando com base nos atributos do amor descendência” (Gn 15.5).
e justiça, alguns apologistas cristãos insistem que tal Hebreus 11.6. Segundo esse versículo, “quem dele
Deus não condenaria os que nunca ouviram 0 evan- se aproxima precisa crer que ele existe e que recom-
gelho de Cristo. Eles oferecem algumas passagens pensa aqueles que 0 buscam” (Hb 11.6). Isso parece
para apoiar sua posição: incluir os que nunca ouviram 0 evangelho.
“pagãos‫״‬, salvação dos 674

Apocalipse 14.6. João, 0 apóstolo, disse: “Então vi ou quem lhe deu os sapatos. Logo, todos os versículos
outro anjo, que voava pelo céu e tinha na mão 0 que indicam que a morte e a ressurreição de Cristo
evangelho eterno para proclamar aos que habitam foram necessárias para salvação são considerados
na terra, a toda nação, tribo, língua e povo” (Ap 14.6). referências ao fato da morte de Cristo, não ao conhe-
Se 0 evangelho pelo qual foram salvos é eterno, en- cim ento explícito desse fato.
tão foi 0 mesmo proclamado no λ τ . O texto seguinte S a lva çã o p o r m e io d e C risto. A posição ortodo-
indica que esse texto não tinha 0 mesmo conteúdo xa tradicional de Martinho Lutero e João Calvino e
que 0 evangelho do n t (1C0 15.1-5). Porém as pesso- seus discípulos era que a salvação não é possível
as foram salvas por crerem nas boas novas de que sem a crença na morte e ressurreição de Cristo, pelo
Deus é 0 Deus da graça. menos desde a época de Cristo.
Jonas 3.1-5. O at relata uma história explícita de Salvação pelo conhecim ento de Cristo. A posição
como pagãos foram salvos — pelo menos da des- ortodoxa tradicional de que a salvação só se dá por
truição física. O profeta judeu Jonas recebeu ordem meio do conhecimento de Cristo cria um problema
de ir a Nínive (Assíria) e proclamar: Daqui a qua- ainda mais sério quanto à justiça e benevolência de
renta dias Nínive será destruída” . Então,“os ninivitas Deus com relação ao destino dos que nunca ouvi-
creram em Deus. Proclamaram um jejum, e todos ram. No entanto, há muitas passagens nas Escrituras
eles, do maior ao menor, vestiram-se de pano de que indicam isso.
saco” (Jn 3.4,5). E “ Tendo em vista 0 que eles fizeram Atos 4.12. Os apóstolos declararam que “não há
e como abandonaram os seus maus caminhos, Deus salvação em nenhum outro, pois, debaixo não há ne-
se arrependeu e não os destruiu” (Jn 3.10). Mais tar- nhum outro nome dado aos homens, pelo devamos
de Jonas disse sobre sua conversão: “Eu sabia que tu ser salvos” . Já que há referência explícita ao “nome” de
és Deus misericordioso e compassivo, muitff paci- Cristo, é difícil acreditar que 0 conhecimento explíci-
ente, cheio de amor e que prometes castigar mas to de Cristo não seja exigido como condição de salva-
depois te arrependes” (Jn 4.2). ção. Não é apenas 0 fato de Cristo, mas 0 nom e de
Não há indicação de que 0 conteúdo da mensa- Cristo que é necessário para salvação.
gem fosse mais que a crença num Deus gracioso que Rom anos 10.9. Paulo insiste que,“ Se você confes-
perdoa os que abandonam seus pecados e voltam-se sar com a sua boca que Jesus é Senhor e crer em seu
para ele pela fé. coração que Deus 0 ressuscitou dentre os mortos,
Salmos 19.1-4. O próprio céu proclama 0 evange- será salvo” . Romanos 10.9 parece exigir que a con-
lho, de acordo com 0 salmo 19: fissão do próprio nome de “ Jesus” seja necessária
para a salvação.
Os céus declaram a glória de Deus; 0 firmamento procla- Rom anos 10.13-14 . 0 apóstolo continua, acrescen-
ma a obra das suas mãos. Um dia fala disso a outro dia; uma tando: “ Todo aquele que invocar 0 nome do Senhor
noite 0 revela a outra noite. Semdiscurso nempalavras, não se será salvo” . Como, pois, invocarão aquele em quem
ouve a sua voz. Mas a sua voz ressoa por toda a terra, e as suas não creram? E como crerão naquele de quem não
palavras, até os confins do mundo. ouviram falar? E como ouvirão, se não houver que
pregue? A ênfase do fato de 0 incrédulo ter de “ invo-
Essa passagem parece ensinar que todos, em todo car” Cristo e de precisar “ouvir” 0 evangelho de al-
0 lugar, já ouviram 0 “evangelho” da criação pelo guém que “pregue” para ele parece eliminar a possibi-
qual podem ser salvos. Por incrível que pareça, essa é lidade de alguém ser salvo hoje sem ouvir 0 evangelho
a mesma passagem mencionada por Paulo quando de Cristo.
diz que ninguém pode ouvir sem um pregador (Rm João 3.18. O próprio Jesus disse enfaticamente:
10.14,18). “ Quem nele crê não é condenado, mas quem não cré
Uma distinção importante. Todos os evangélicos já está condenado, por não crer no nome do Filho
acreditam que era necessário que Cristo morresse e Unigênito de Deus” . A fé explícita “ no nome do
ressuscitasse para que qualquer pessoa seja salva. Os unigênito Filho de Deus” é colocada como a condi-
que acreditam que a salvação pode ser obtida por ção da salvação.
meio da revelação geral insistem, no entanto, em João 3.36. Esta passagem é clara: “ Quem crê no
que não é necessário co n h ecer esse fato. Eles mos- Filho tem a vida eterna; já quem rejeita 0 Filho não
tram que uma pessoa poderia receber um par de verá a vida, mas a ira de Deus permanece sobre ele’
sapatos novos de presente de um benfeitor anôni- Isso parece indicar claramente 0 conhecimento do
mo sem saber qual animal morreu para dar 0 couro “Filho” (Cristo) necessário à salvação.
675 “pagãos” , salvação dos

João 10.9,11,14. Jesus declarou: recompensa aqueles que 0 buscam” . Apesar de a


referência ser ao conhecimento de Deus, não de Cris-
Eu sou a porta; quem entra por mim será salvo. Entrará e to, um inclui 0 outro. Já que 0 contexto menciona os
sairá,e encontrará pastagem [...] Eu sou 0 bom pastor. Obom santos do a t , não os crentes do n t , é compreensível
pastor da a sua vida pelas ovelhas [... ] Eu sou 0 bom pastor; que a afirmação mais ampla sobre 0 conhecimento
conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem. explícito de Cristo não tenha sido incluída. É uma
afirmação da exigência mínima para ser salvo em
0 fato de as ovelhas (crentes) precisarem “co- qualquer época. Não exclui a crença em Cristo como
nhecer” a Cristo e “entrar” pela porta indica que um exigência explícita para a salvação.
conhecimento explícito de Cristo é necessário para Gálatas 3.8. Os proponentes da revelação especi-
salvação. al respondem de duas maneiras a essa passagem.
1 João 5.10-13. João repete a mesma verdade: Alguns acreditam que mesmo na época do at o s san-
tos tinham algum conhecimento da vinda de Cristo.
Quemnão crê em Deus 0 fazmentiroso, por que não crê no Paulo disse que 0 “descendente” de Abraão era Cris-
testemunho que Deus dá acerca de seu Filho. E esteé 0 testemu- to (G1 3.16). Jesus disse aos judeus: “Abraão, pai de
nho: Deus nos deu a vida eterna, eessa vida está em seu Filho. vocês, regozijou-se por que veria 0 meu dia; ele 0 viu
Quem tem 0 Filho, tem a vida; quem não tem 0 filho de Deus, e alegrou-se” (Jo 8.56). Isso pode indicar que Abraão
não tem avida. Escrevi-lhes estas coisas, avocês que crêem no conhecia a Cristo pessoalmente (talvez como 0 Anjo
nome do Filho de Deus, para que vocês saibam que têm a vida do S e n h o r ). Outros proponentes simplesmente acre-
eterna. ditam que Gálatas 3.8 descreve 0 conteúdo mínimo
(separado do conhecimento explícito da morte e
As palavras destacadas deixam claro que João ressurreição de Cristo) necessário para salvação no
está ensinando que 0 conhecimento explícito de Cris- a t . 0 conteúdo do que Abraão acreditava foi clara-

to é necessário para a salvação. mente descrito no at (Gn 15.5,6) e não dizia nada
Uma resposta aos revelacionistas gerais. Os de- sobre a morte e a ressurreição de Cristo, apenas que
fensores da salvação apenas mediante a r e v e l a ç ã o a descendência de Abraão seria tão numerosa quanto
e s p e c ia l estão bem cientes dos textos usados como as estrelas do céu.
comprovação pelos que acreditam que a salvação Apocalipse 14.6. A referência de João ao evange-
dos pagãos é somente por meio da revelação geral. lho eterno, sem levar em consideração 0 que a ex-
Atos 10.35. Duas coisas geralmente são mencio- pressão queira dizer, não apóia a posição de que a
nadas sobre 0 caso de Cornélio. Primeiro, Cornélio é salvação dos “pagãos” é baseada apenas na revelação
prova de que os que buscam a Deus em vista da luz geral. Essa mensagem veio a eles por meio da revela-
que têm, receberão a revelação especial pela qual ção especial. Deus enviou um anjo para pregá-la.
podem conhecer a Cristo. Afinal, 0 objetivo da his- Além disso, 0 conteúdo desse evangelho era sobre
tória é mostrar que Deus enviou Pedro com a revela- os que creram no “ Cordeiro” e “ foram comprados”
ção especial e que Cornélio só se tornou cristão de- por seu sangue (Ap 14.1,4). O fato de 0 evangelho ser
pois de ouvir e crer nessa revelação especial. Alguns eterno não deve significar nada além de que Cristo
indicam que 0 livro de Atos cobre 0 período de tran- era 0 “ Cordeiro que foi morto desde a criação do
sição entre 0 at e 0 n t , durante 0 qual os que eram mundo” (Ap 13.8). Certamente não há indicação de
salvos recebiam a luz de Cristo pela qual podiam que João esteja falando sobre um “evangelho eterno”
tornar-se cristãos. Cornélio pode encaixar-se nessa conhecido apenas pela revelação geral.
categoria. Jonas 3.1-5. Os santos do at não tinham necessa-
Atos 19.2-6. Essa passagem é sobre os discípulos riamente 0 mesmo conhecimento exigido para a sal-
de João Batista que ainda não tinham ouvido falar vação que os do n t . A doutrina da r e v e l a ç ã o p r o g r e s -
sobre a vinda do Espírito Santo. Isso não está relaci- siva indica que Deus desvendou progressivamente

onado a nunca terem ouvido 0 evangelho. O episó- seu plano na terra ao dar mais e mais revelação até a
dio ilustra a natureza transitória da época, durante a revelação total e final, em Cristo (Hb 1.1,2).
qual os que ainda não tinham escutado a mensagem Salmos 19.1,2. 0 salmista não está falando da re-
cristã (ou a mensagem completa) eram salvos com velação especial de Deus, mas das revelações gerais
base na revelação especial que haviam recebido. feitas por meio dos “céus” , que são “obras das suas
H ebreus 11.6. De acordo com este texto: “Quem mãos [criadoras]” . Ele não está falando da cruz, que
dele se aproxima precisa crer que ele existe e que é a obra do amor redentor de Deus (Rm 10.14, 18).
“ pagãos” , salvação dos 676

De acordo com Romanos, a revelação geral nos infor- Deus e os homens: 0 homem Cristo Jesus (U m 2.5).
ma sobre “0 seu [de Deus] eterno poder e sua nature- Além disso, 0 autor de Hebreus concordou com essa
za divina” (Rm 1.20). isso é suficiente para condena- posição, afirmando que, “Mas agora que ele [Cristo]
ção, já que torna todos os homens “indesculpáveis” apareceu uma vez por todas no fim dos tempos, para
(ibid.), mas não para a salvação. aniquilar 0 pecado mediante 0 sacrifício de si mes-
R om an os 2.6,7. Esse texto não afirma que os pa- mo” (Hb 9.26).
gãos são salvos pela revelação geral, mas apenas os
que “ buscam [...] imortalidade” . Mais tarde Paulo Mas quando este sacerdote [Cristo] acabou de oterecer,
disse que não somente Cristo “tornou inoperante a para sempre, um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à
morte e trouxe à luz a vida e a imortalidade por direita de Deus [...] Por que, por meio de um único sacrifício,
meio do evangelho” (2Tm 1.10). A revelação geral e ele aperfeiçoou para sempre os que estão sendo santificados
outros meios são parte da “ bondade de Deus [que] (Hb 10.12,14).
leva ao arrependimento” (v. 4). Os que respondem à
luz da revelação geral recebem revelação especial Literalmente, “ não há salvação em nenhum ou-
pela qual podem ser salvos. tro, pois debaixo do céu não há nenhum outro nome
U m a d e fe sa d a ju s tiç a d e D eu s. Mas é justo Deus dado aos homens pelo qual devamos ser salvos” (At
mandar para 0 inferno pessoas que nunca ouviram 4.12).
0 único evangelho pelo qual poderiam ser salvas? Na É justo con d en a r aq u eles qu e n ão ou viram !1Sim, é
verdade essa questão abrange várias perguntas numa justo condenar os que não receberam a revelação
só. Elas serão divididas e analisadas uma a uma. especial de Deus. Inicialmente, por meio da revela-
Os p a g ã o s es tã o p e r d i d o s A resposta bíblica a cão geral eles conhecem “seu eterno poder e sua na-
essa pergunta é clara: Todos os seres humanos nas- tureza divina” (Rm 1.20). Estão cientes de que ele
cem em pecado (SI 51.5) e são “por natureza mere- “fez 0 céu, a terra, 0 mar e tudo 0 que neles há” (At
cedores da ira” (Ef 2.3). Pois 14.15). Estão cientes de que Deus “ não ficou sem
testemunho: mostrou sua bondade, dando-lhes chu-
... da mesma forma como 0 pecado entrou no mundo por va do céu e colheita no tempo certo” (At 14.17). Ape-
um homem, epelo pecado a morte, assim também a morteveio sar de não terem a Lei de Moisés,
a todos os homens, porque todos pecaram (Rm 5.12).
Todo aquele que pecar sem a lei, sem a também percerá
Referindo-se explicitamente aos pagãos que só [...]De fato, quando os gentios, que não tèm a lei, praticam
têm a revelação geral, 0 apóstolo Paulo declarou: naturalmente 0 que ela ordena, tornam-se lei para si mesmos,
embora não possuam a lei [de Moisés]; pois mostram que as
Pois desde a criação do mundo os atributos invisíveis de exigências da lei estão gravadas e seu coração (Rm 2.12-15).
Deus, seu eterno poder e sua natureza divina, têm sido vistos
claramente, sendo compreendidos por meio das coisas cria- Apesar de Deus ter-se revelado aos pagãos por
das, de forma que tais homens são indesculpáveis (Rm 1.20). meio da criação e da consciência, a humanidade
pecadora rejeitou universalmente essa luz. Logo, Deus
Da mesma forma, acrescenta: “ Todo aquele que não é obrigado a dar-lhes mais luz, já que rejeitaram
pecar sem a lei, sem a lei também perecerá, e todo a luz que tèm. Na verdade, apesar de terem a luz, “a
aquele que pecar sob a lei, pela lei será julgado” (Rm. ira de Deus se revela dos céus contra toda impieda-
2.12). Assim, resumindo sua conclusão da passagem de e injustiça dos homens que suprimem a verdade
inteira, Paulo declara que “não há distinção, pois to- pela injustiça” (Rm 1.18). Uma pessoa perdida no
dos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” escuro de uma floresta densa que procura um pou-
(Rm 3.22,23). Sim, rebeldes pecadores contra Deus co de luz deve ir em direção a ela. Se essa pessoa se
permanecem perdidos e separados do conhecimento afasta da pouca luz e fica eternamente perdida nas
de Cristo. trevas, ela só pode culpar a si mesma. As Escrituras
H á salv ação sem Cristo? Todos os cristãos orto- dizem: “ Este é 0 julgamento: a luz veio ao mundo,
doxos concordam que não há salvação sem a obra mas os homens amaram as trevas, e não a luz, por-
redentora de Cristo. Jesus disse: “Eu sou 0 caminho, que as suas obras eram más” (Jo 3.19).
a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser Se 0 incrédulo realmente buscasse a Deus por
por mim” (Jo 14.6). O apóstolo Paulo acrescentou: meio da revelação geral, Deus providenciaria a re-
“ Porquanto há um só Deus e um só mediador entre velação especial suficiente para a salvação dele.
677 “ pagãos” , salvação dos

Depois que Deus levou Pedro ao gentio Cornélio, ο povos e línguas, em pé, diante do trono e do Cordei-
apóstolo declarou: “Agora percebo verdadeiramen- ro” (Ap. 7.9a). Na verdade, apesar da porcentagem
te que Deus não trata as pessoas com parcialidade, variar, pareceria estranho se não houvesse ninguém
mas de todas a nações aceita todo aquele que 0 teme de um país que desejasse ser salvo (assim como se-
e faz 0 que é justo” (At 10.34,35). O autor de Hebreus ria estranho que todas as pessoas de outro país qui-
nos diz que aqueles que procuram encontram. “ Deus sessem ser salvas). As pessoas têm livre-arbítrio, e 0
[...] recompensa aqueles que 0 buscam” (Hb 11.6). livre-arbítrio é exercitado livremente. Alguns acre-
Deus tem vários caminhos à sua disposição por ditarão, outros não.
meio dos quais pode levar a verdade do evangelho Existe a segunda ch a n ce? Alguns apologistas cris-
às almas perdidas. O meio mais comum são os pre- tãos e muitas seitas acreditam que Deus dará uma
gadores do evangelho (Rm 10.14,15), seja pessoal- segunda chance depois da morte para os que nunca
mente, seja pelo rádio, tv o u alguma gravação. Numa ouviram 0 evangelho. Os cristãos ortodoxos rejei-
determinada ocasião Deus usará um anjo para pre- tam isso. A Bíblia declara: “ Da mesma forma, como
gar 0 evangelho “a toda nação, tribo, língua, e povo” 0 homem está destinado a morrer uma só vez e de-
(Ap 14.6). Muitas pessoas já receberam uma Bíblia, pois disso enfrentar 0 juizo” (Hb 9.27). A urgência
leram-na e foram salvas. Outras foram salvas medi- com que as Escrituras instam sobre tomar uma de-
ante literatura evangélica. Não podemos saber se cisão agora nesta vida (Pv 29.1; Jo 8.24; Hb 3.7-13). 0
Deus transmitiu revelação especial por meio de vi- texto de 2 Pedro 3.9 é forte evidência de que não há
sões, sonhos ou outras maneiras milagrosas. A ver- segunda chance. 0 fato de as pessoas irem imediata-
dade é que Deus está mais interessado em que que mente para 0 céu ou para 0 inferno (Lc 16.19-31;
todos sejam salvos do que nós estamos. Pois “O Se- 2 C0 5.8; Ap 19.20) indica que a decisão deve ser to-
mada nesta vida. Já que Deus tem tantas maneiras de
nhor não demora em cumprir a sua promessa, como
se revelar aos incrédulos antes da morte, é desneces-
julgam alguns. Ao contrário, ele é paciente com vocês,
sário que 0 faça depois que morrem. A crença na
não querendo que ninguém pereça, mas que todos
segunda chance solapa a ordem de fazer missões.
cheguem ao arrependimento” (2Pe 3.9). A justiça de
Para que haver a Grande Comissão (Mt 28.18-20), se
Deus exige que ele condene todos os pecadores, mas
as pessoas podem ser salvas sem receber a Cristo
seu amor 0 compele a salvar a todos os que, por sua
nesta vida?
graça, crêem. Porque “ todo aquele que invocar 0
Interpretações das Escrituras usadas para apoiar
nome do Senhor será salvo” (Rm 10.13).
a segunda chance de salvação são, na melhor das hi-
É importante lembrar uma coisa. Enviar pessoas
póteses,muito polêmicas (e.g. lPe 3.18,19).Textos cia-
que nunca ouviram para 0 inferno não é injusto.
ros ensinam que 0 inferno aguarda os incrédulos. Não
Pensar assim é 0 mesmo que afirmar que não é certo
há evidência real de que Deus dará segunda chance
um indivíduo morrer de uma doença para a qual há
para alguém ser salvo após a morte. Jesus disse: “Eu
uma cura que ele não conhece. A questão crucial é
lhes disse que vocês morrerão em seus pecados. Se
como a pessoa contraiu a doença, não se ela ouviu
vocês não crerem que Eu Sou [quem afirmo ser] de
falar da cura. Além disso, se a pessoa não deseja saber
fato morrerão em seus pecados” (Jo 8.24).
se há uma cura nem fazer 0 que é necessário para ser
curada, com certeza será considerada culpada.
Fontes
Pessoas de todas as nações serão salvas? Os que
M . B ronson , Destiny o f the heathen.
rejeitam a posição de que a revelação especial seja
J. H. G e r s t n e r , “ Heathen” , em B akers dictionary o f
necessária para a salvação geralmente indicam os theology.
países não-cristãos. E a China, a índia, a África e M. L lt e r o e D. E r a sm o , Free will and salvation.
muitos países que eram comunistas? Certamente não E. D. O s b u r n , “ Those who have never heard: have
é justo ter no céu tantos dos países ocidentais e tão they no hope?” , jf.ts.
poucos das terras orientais. S. P f l r t n e r , L uther an d A qttinas on sal vation.
Não há razão para a porcentagem de pessoas sal- F. P ie p e r , Salvation only by faith in Christ.
vas ser a mesma em todos os países. A quantidade de C. P1NN0CK, Λ wideness in God’s mercy.
salvos dependerá de quem crê, e isso varia de lugar I. R a m sey, “ History and the Gospels: some
para lugar. Assim como na agricultura e na pesca, al- philosophical reflections” , SE.
gumas áreas são mais férteis que outras. As Escritu- J.O . S a n d e r s , H o w lost are the heathen ?
ras garantem que haverá “grande multidão que J. S a n d e r s , No other nam e.
ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, R. W o l f f , The fin al destiny o f heathen.
Paine, Thomas 678

Paine, Thomas. Entre os deístas (v. deísm o) mais rejeitava todas as afirmações de revelação verbal ou
militantes do princípio da história dos Estados escrita de Deus. Todas essas crenças eram “ inven-
Unidos da América (1737-1809). Suas obras poli- ções humanas, estabelecidas para amedrontar e es-
ticas, tais como C o m m o n s e n se [Senso comum] cravizar a humanidade, e monopolizar 0 poder e 0
1776) e T he rig h ts o f m an [D ireito s d o h o m e m [ lucro” (ibid., p. 6 ). A “religião revelada” pela qual ti-
(1791-1792), foram muito influenciadas por suas nha 0 maior desprezo era 0 cristianismo. Ele resu-
crenças deístas. O pensamento de Paine influen- miu seus sentimentos:
ciou as revoluções americana e francesa. Mas sua
importância não termina aí. Na obra T he a g e o f De todos os sistemas de religião que foram inventados,
rea so n [O século da razão] (1794-1795), Paine es- não há nenhum mais depreciativo para 0 Todo-Poderoso,mais
tabeleceu sua defesa do deísmo de forma que fos- destrutivo para 0 homem, mais repugnante para a razão, e mais
se inteligível para todas as pessoas. Por acreditar contraditório em si, que essa coisa chamada cristianismo.
que 0 republicanismo e 0 igualitarismo estavam Absurdo demais para acreditar, impossível demais para con-
ameaçados pelos líderes eclesiásticos, Paine es- vencer, e inconsistente demais para praticar; torna 0 coração
creveu T he a g e o f re a so n para destruir todas as insensível, ou produz apenas ateus e fanáticos. Como máqui-
afirmações de revelação sobrenatural e, assim, desa- na de poder, serve ao propósito do despotismo; e, como meio
creditar 0 clero (Morias, p. 120-2). de enriquecimento, à avareza dos sacerdotes; mas até agora,
Visão d e D eu s. “Acredito em um Deus, e em ne- com relação ao bem do homem em geral, não leva a nada aqui
nhum outro” , escreveu Paine. Como os teístas (v. nem no além (ibid.,p. 150).
teísm o), Paine acreditava que 0 Deus único era oni-
potente, onisciente, bondoso, infinito, misericordi- “A única religião” , acrescentou Paine, “que não
oso, justo e inapreensível ( C om plete w orks o f T hom as foi inventada, e que tem em si toda evidência de
P ain e [Λ5 obras com pletas d e T hom as P ain e ] p. 5, 26, originalidade divina, é 0 deísmo puro e simples” . Na
27, 201). Mas, ao contrário dos teístas, Paine acredi- verdade, 0 deísmo “deve ter sido a primeira, e pro-
tava que a única maneira de descobrir tal Deus é vavelmente será a última [religiãoj na qual 0 ho-
“pelo exercício da razão” . Ele rejeitava todas as for- mem crerá” (ibid.).
mas de revelação sobrenatural, acreditando que eram C ria çã o . Paine acreditava que 0 universo foi cri-
incognoscíveis. Afirmou que “ revelação aplicada à ado por Deus e é sustentado por ele. Deus criou “mi-
religião significa algo comunicado im ed ia ta m e n te lhões de mundos” e são todos habitados por criatu-
por Deus ao homem” . Conseqüentemente, rejeitava ras inteligentes que “desfrutam das mesmas oportu-
até que revelações a outras pessoas tivessem autori- nidades de conhecimento que nós” . Uma razão de
dade prescritiva. O que foi revelado a alguém foi Deus ter criado todos esses mundos era para que a
revelado àquela pessoa apenas. Era um rumor para “gratidão devocional” e a “admiração” das suas cria-
qualquer outra pessoa, e, conseqüentemente, ela não turas fosse evocada em sua contemplação desses
era obrigada a acreditar nele (ibid., p. 26, 7). Logo, mundos (ibid., p. 46-7).
apesar da afirmação de que “nenhum homem nega- “ a p a lavra de deus f a c ria ç ã o que vemos: E é nessa
rá ou desafiará 0 poder do Todo-Poderoso de fazer p alav ra, que nenhuma invenção humana pode falsi-
tal comunicação, se ele desejar” , tal revelação só po- ficar ou alterar, que Deus fala universalmente ao ho-
deria ser cognoscível à pessoa que a recebeu direta- mem.” (v. re v e la ç ã o g e r a l). O universo revela tudo 0
mente de Deus (ibid.). que é necessário saber sobre Deus. Por meio dele
Paine também argumentou que a revelação so- podemos saber que Deus existe, como ele é e 0 que
brenatural (v. re v e la ç ã o especial) era impossível, dada espera (ibid., p. 24,26,309; grifo de Paine).
a inadequação da linguagem humana para transmi- O universo revela a existência de Deus. É evi-
ti-la. A revelação de Deus deve ser absolutamente dente que as coisas que constituem 0 universo
“imutável e universal” (ibid., p. 25). A linguagem hu- não poderiam ter-se criado (v. cosm o lógico, argu-
mana não poderia ser 0 meio para essa comunica- m e n to ). Deve haver “a primeira causa eternamen-
ção. As mudanças no significado das palavras, a ne- te existente, de natureza totalmente diferente de
cessidade de tradução para outras línguas, os erros qualquer existência material que conhecemos, e
de tradutores, copistas e impressores, e a possibili- pelo poder da qual todas as coisas existem; e essa
dade de alteração proposital, todos demonstram que primeira causa, 0 homem chama de Deus” (ibid.,
nenhuma linguagem humana pode ser 0 veículo da p. 26; cf. 28). Paine também argumentou com base
Palavra de Deus (ibid., p. 19; cf. 55-6). Assim, Paine no movimento. Como 0 universo consiste em
679 Paine, Thomas

matéria que não pode se mover, a origem da rota- Paine acreditava que as pessoas moralmente
ção dos planetas é impossível a não ser que exista boas seriam felizes no pós-vida e as pessoas moral-
uma primeira causa externa que os colocou em mente perversas seriam punidas. As que não fossem
movimento. Essa Primeira Causa deve ser Deus particularmente boas ou ímpias, mas moralmente
(Albridge, 6.17). Ele também argumentou com indiferentes, seriam “completamente aniquiladas”
base na estrutura (v. t e le o ló g ic o , a rg u m e n to ). Como ( Complete works, p. 5,56).
a “obra das mãos do homem é prova da existência Mal. Paine não tenta em momento algum conci-
do homem” , e como 0 relógio é “evidência positi- liar a presença do mal com 0 conceito de Deus (v.
va da existência de um relojoeiro” , então “da mes- m al, problem a d o ). Na verdade, 0 único mal, ele até
ma forma a criação é evidência para a nossa ra- parecia notar, era 0 mal causado pela injustiça social
zão e nossos sentidos da existência de um Cria- e 0 mal causado pela “religião revelada” . 0 primeiro
dor” ( C om plete works, p. 310). O mundo também podia ser tratado em grande parte no nível político.
revela como Deus é: O segundo, que compunha a maior espécie de mal,
podia ser mais bem prevenido pela inadmissão “de
Queremos contemplar Seu poder? Nós 0 vemos na qualquer outra revelação além da manifesta no livro
imensidão da sua criação. Queremos contemplar sua sabedo- da criação” e pela consideração de qualquer outra
ria? Nós a vemos na ordem imutável pela qual 0 todo incom- suposta “palavra de Deus” como “ fábula e imposi-
preensível é governado. Queremos contemplar sua prodigali- ção” (ibid., p. 37).
dade? Nós a vemos na abundância com que enche a terra. Que- Ética. Paine resumiu 0 coração das suas convic-
remos contemplar Sua misericórdia? Nós a vemos no fato de ções éticas da seguinte maneira:
ele não reter essa abundância nem dos ingratos. Queremos con-
templar sua vontade com relação ao homem? A bondade que ... a bondade moral e beneficência de Deus manifestas na
demonstra a todos é uma lição para nossa conduta uns para criação para com todas as suas criaturas; que, vendo, como
com os outros (ibid., p. 201). vemos diariamente, a bondade de Deus a todos os homens, é
um exemplo que chama todos os homens a praticar 0 mesmo
Tudo 0 que a pessoa precisa saber está disponí- uns para com os outros; e, conseqüentemente, que qualquer
vel à humanidade pela consulta da “escritura cha- perseguição, evingança entre homem ehomem, e toda cruel-
mada Criação” (ibid.). dade aos animais é uma violação do dever moral (ibid., p. 56).
Seres humanos. Segundo Paine, 0 ser humano é
um ser racional, pessoal e livre. Ele acreditava na “igual- Se cada pessoa estivesse “ impressionada tão
dade do homem” e nos deveres religiosos de cada completa e firmemente quanto deveria estar com a
pessoa de “praticar a justiça, amar a misericórdia e crença de um Deus, sua vida moral seria regulada
promover a felicidade de seus semelhantes” (ibid., p. pela força dessa crença” . A humanidade “temeria a
5,41, 309). Paine negava implacavelmente que a raça Deus, e a si mesma, e não faria 0 que não poderia
humana havia se rebelado contra Deus e precisava de ficar oculto do outro” . Por outro lado,
salvação. Como afirmou, a humanidade
foi ao esquecer-se de Deus nas suas obras e seguir livros
está na mesma condição relativa com seu Criador [que] de suposta revelação que 0 homem se distanciou do caminho
sempre esteve, desde a criação do homem, e [...] é seu maior reto do dever e da felicidade, e se tornou sucessivamente a
consolo saber isso (ibid., p. 24). vítima da dúvida e do engano (ibid., p. 150,309).

Quanto à im ortalidad e, Paine só podia dizer: “ Es- A B íblia e m ilagres. Paine não escreveu qual-
pero felicidade além desta vida” (Age o f reason, 1.3). quer obra que expressasse sua opinião sobre a his-
Acrescentou: tória ou 0 destino. Mas tinha certeza de que a Bíblia
era historicamente questionável (v. Novo Testam ento,
Não me preocupo com 0 modo da existência futura. Eu me histo ricid a d e d o ) e cheia de erros (v. B íb lia , supostos
contento em acreditar, até mesmo com convicção positiva, que erro s n a ). Ridicularizava e considerava mítica qual-
0 Poder que me deu existência écapaz de continuá-la, de qual- quer história bíblica relacionada ao sobrenatural
quer forma ou maneira que quiser, com ou sem este corpo [... ] (v. m itolo g ia E 0 Novo Testam en to ). Alegou que as atri-
Parece mais provável para mim que continuarei a existir na vida buições tradicionais de autoria a quase todos os
futura do que eu tenha existido, como existo agora, antes de a livros na Bíblia estavam erradas e que a maioria
existência começar (ibid., p. 58). foi escrita bem mais tarde do que se acreditava
Paley, W illiam 680

tradicionalmente. Argumentou que todo 0 nt foi es- Paley, William. William Paley ( 1743 -1805 ), apologista
crito (v. Novo T e s t a m e n t o , datação d o ) “mais de trezen- inglês, foi para Cambridge (1759) estudar matemá-
tos anos após a época em que Cristo supostamente tiea. Depois de ser ordenado ao pastorado (1767),
viveu” (ibid., p. 9-12,15,19-21,53,61-131,133). lecionou em Cambridge durante nove anos. Chegou
Paine não acreditava que atos sobrenaturais de a ser arquidiácono de Carlisle. Escreveu três obras
Deus tivessem ocorrido na história (v. m il a g r e s , a r - importantes, The p rin cip ies o f m o r a l a n d p o litic a l
g u m e n t o s c o n t r a ). Aceitando as leis da natureza como p h ilo so p h y [05 p rin cíp ios d a filosofia m o ra l e políti-
prescrições de como a natureza “deve agir” , definiu ca] (1785), .4 view o f the eviden ces o f Christianity [ Um
milagre como “algo contrário à operação e efeito ex a m e das ev id ên cias do cristianism o] (1794) e Na-
dessas leis” . Mas acrescentou que, “a não ser que sai- tu ral th e o lo g y ; or, E v id en c es o f th e ex iste n c e a n d
bamos toda a extensão dessas leis, e [...] os poderes attributes o f the deity [ Teologia natural, ou evidênci-
da natureza, não somos capazes de julgar se algo que as a fa v o r d a ex istên cia e a trib u to s d a d iv in d a d e]
nos parece maravilhoso ou milagroso está dentro ( 1802). Mais tarde, em 1831, enquanto estudava para
do, ou além do, ou é contrário ao seu poder natural seus exames de bacharelado em Cambridge, Charles
de ação” . Logo, nosso conhecimento limitado da na- D a r w i n estudou e foi profundamente influenciado
tureza nos deixa sem “nenhum critério positivo para pelo E vidences de Paley.
determinar 0 que um milagre é, e a humanidade, ao A p o lo g é tic a d e Paley. Paley foi um apologista
dar crédito a aparições sob a suposição de que são clássico (v. c lá s s ic a , a p o lo g é t ic a ). Seus dois livros na
milagres, está sujeita a ser continuamente explora- área cobrem as duas áreas centrais da apologética
da” . Como conseqüência dessas considerações, “nada tradicional, a existência de Deus (N atural theology)
pode ser mais inconsistente que supor que 0 Todo- e a verdade do cristianismo (Evidences).
Poderoso usaria meios tais como os que se chamam A rgu m en to a fav o r d a existên cia d e Deus. Paley
milagres” . É bem mais provável (“um em um mi- ofereceu 0 que se tornou a fórmula clássica do argu-
lhão” ) que quem relata um evento minta que a natu- mento teleológico (v. t e le o ló c ic o , a r g u m e n t o ). Ela tem
reza mude. “Jamais vimos, na nossa época, a nature- por base a analogia do relógio: Se alguém encontras-
za sair do seu curso, mas temos boa razão para crer se um relógio num campo vazio, concluiria correta-
que milhões de mentiras foram ditas no mesmo pe- mente que ele teve um criador devido a sua estrutu-
ríodo” (ibid., p. 51-3). ra óbvia. Da mesma forma, quando se olha para a
A valiação. Os elementos básicos das teorias de estrutura ainda mais complexa do mundo em que
Paine são avaliados em outros artigos. V. B í b i t a , s u - vivemos, não se pode deixar de concluir que há um
POSTOS ERRO S NA; B í B L I A , EV ID ÊN C IA S DA; D EÍSM O : IN FER N O ; grande Criador por trás dele.
m ila g r e s , a rg u m e n to s c o n t r a , e Novo T e s ta m e n to , Nas palavras de Paley “ao atravessar um pântano,
HISTORICIDADE DO. suponha que eu chutasse uma p e d r a e perguntas-
sem como a pedra chegou até ali; eu poderia res-
Fontes ponder que ela sempre estivera ali...” Mas “suponha
A . O. A ld rid g e ,“ P a in e , T h o m a s ” , em fp. que eu encontrasse um relógio no chão, e tivesse de
R. F l in t , Anti-theistic theories. explicar como 0 relógio apareceu ali; dificilmente
N. L. Gkisier, Christian apologetics. pensaria em responder que 0 relógio sempre esteve
___ , & W . W a t k in s , Worlds apart: a handbook ali” . Ele pergunta: “ Por que tal conclusão é inadmis-
on world views. sível no segundo caso e não no primeiro? Por essa
I. K a n t , Religion within the limits ot reason alone. razão, e não por qualquer outra, a saber, que, quando
}. L el a n d , A view o f the p rin cip a l deistic writers. inspecionamos 0 relógio, percebemos — 0 que não
C. S. L e w is , Christian reflections. pudemos descobrir na pedra — que suas várias partes
__ , Milagres. são estruturadas e montadas para um propósito...”
}. G. M achhn , The virgin birth o f Christ. (Paley, p. 3). Paley demonstra que as estruturas na
Η. M . M o r a is , Deism in eighteenth century‫׳‬America. natureza são mais incríveis que as de um relógio. Ele
}. O r r , English deism: its roots and its fruits. é cuidadoso ao basear seu argumento na observa-
T. P a in t, Common sense. ção, dizendo repetidamente: “Observamos...” , “ Essas
__ , Complete works of Thomas Paine. observações...'”e“Xosso observador...” ( Paley, Evidences,
___ , The a g e o f rea so n , Partes 1 e 2. p. 10-1, 16-7, 20, 29).
__ , The rights of man. O raciocínio é assim: Um relógio demonstra que
M . T in d a l , C hristianity as o ld as the creation... foi montado para um propósito inteligente (para
681 Paley, W illiam

marcar horas). Tem uma mola para lhe dar movi- têm traços extremamente definidos e complexos.
mento. Uma série de rodas, feitas de bronze para não A experiência nos leva a concluir que tais formas só
enferrujar, transmite esse movimento. A mola é feita podem ocorrer quando feitas por artesãos inteli-
de aço resistente. A cobertura frontal é de vidro para gentes (v. Geisler, Origin science, p. 159).
que se possa ver através dela. Tudo isso é evidência Evidências a fav or da verdade. Paley estava ciente
de estrutura inteligente. de que milagres (v. m il a g r e s ) eram essenciais para a
Mas 0 mundo demonstra maior evidência de es- certificação da revelação cristã (v. m il a g r e s , v a l o r
trutura que um relógio. É uma obra de arte superior a po lo g étic o d o s ). Ele aceitou a tese de David H u m e de

ao relógio. Tem uma variedade infinita de meios que a credibilidade dos milagres depende da
adaptados aos fins. Só 0 olho humano seria suficien- confiabilidade das testemunhas. As testemunhas do
te para demonstrar estrutura inteligente na nature- cristianismo, alegou, são consideradas confiáveis por-
za. Paley saqueou 0 A n atom ia de Kiell para obter que persistiram no seu relatório até sob 0 risco de
ilustrações de adaptações de meios aos fins na natu- perseguição e ameaças de morte. Ele rejeitava outros
reza, incluindo ossos e músculos de seres humanos e prodígios que pudessem ser reduzidos a falsas per-
seus equivalentes no mundo animal. cepções, exageros, ou que fossem importantes para 0
Paley argumentou que deve haver apenas um Cri- interesse próprio de quem os reivindicava.
ador, já que na natureza se manifesta a uniformida- Paley rejeitava a tese de Hume de que a experi-
de de propósito divino em todas as partes do mun- ência universal testifica contra os milagres. Isso,
do. Esse Criador inteligente (pessoal) também é bom, segundo ele, era uma petição de princípio, já que
como evidenciado pelo fato de que a maioria das os milagres por definição devem ser exceção à
estruturas são benéficas e pelo fato de que 0 prazer é ocorrência universal. A questão real é se há teste-
dado como sensação animal. munhas confiáveis.
Paley acrescentou que um regresso infinito de A valiação. Paley é um dos grandes apologistas
causas não é plausível (v. in f in it a , s é r ie ). Pois “a cadeia do final do século xvm e início do século xix. Na ver-
composta de um número infinito de elos não pode dade, sua influência continua. Paley usou os argu-
sustentar-se mais que a cadeia composta de um nú- mentos centrais. Enfatizou a evidência para estabe-
mero finito de elos” . Isso acontece “porque, ao au- lecer os argumentos clássicos. Dois discípulos, F. R.
mentar 0 número de elos, de dez, por exemplo, para Tennant e A. E. Taylor (v. t e l e o l ó g ic o , a r g u m e n t o ), de-
cem, de cem para mil etc., não chegamos sequer a ram continuidade a sua versão do argumento
nos aproximar; não observamos a menor tendência teleológico. Recentemente 0 pensamento de Paley
de sustento próprio” (Paley, p. 9,10). ganhou interesse renovado por meio do desenvolvi-
Uma versão modernizada do argumento de Paley mento do princípio antrópico.
pode ser esta: Ao atravessar um vale, suponha que eu Crítica de Hum e. Em geral acredita-se que H u m e
encontre uma pedra estratificada arredondada e ti- respondeu ao argumento teleológico de Paley de an-
vesse de explicar como ela ficou assim. Posso res- temão. A primeira objeção de Hume supõe estrutu-
ponder plausivelmente que, no passado, foi deposi- ra no universo, mas argumenta por analogia que cri-
tada pela água em camadas, que mais tarde se solidi- adores humanos finitos cooperam para construir
ficaram pela ação química. Um dia um pedaço mai- grandes obras, usando tentativa e erro ou um longo
or da pedra se quebrou e foi subseqüentemente ar- período de tempo (v. Hume). Paley referiu-se expli-
redondado pelos processos de erosão natural da citamente a esse ponto no seu argumento de que 0
água. Certo dia eu deparo com 0 monte Rushmore mundo inteiro revela um plano unificado — um
com suas formas de granito de quatro faces huma- fato indicativo de uma Inteligência singular.
nas. Aqui estão sinais óbvios de produção inteligen- 0 segundo argumento de Hume mudou de base
te, não 0 resultado de processos naturais. Mas por ao argumentar que a estrutura é apenas aparente. A
que uma causa natural serve para a pedra e não para adaptação dos meios aos fins pode resultar do aca-
as faces? Quando examinamos as faces na monta- so. Ele insiste em que, se supusermos que 0 universo
nha, percebemos 0 que não poderíamos descobrir de matéria em movimento é eterno, então, numa
na pedra — que elas manifestam estrutura inteli- infinidade de operações casuais, todas as combina-
gente. Elas transmitem informação especificamente ções se realizarão. Logo, não há necessidade de su-
complexa. A pedra, por outro lado, tem padrões ou por uma causa inteligente (ibid.).
estratos redundantes facilmente explicáveis pelo Paley não só respondeu a essa objeção, mas usou
processo observado de sedimentação. Mas os rostos 0 princípio da uniformidade de Hume para refutar a
panenteísmo 682

tese dele de que é razoável postular uma causa natu- panenteísmo. 0 panenteísm o não deve ser confun-
ral para as estruturas da natureza. Pois Paley argu- dido com 0 panteísm o. Panteísmo significa literal-
mentou, seguindo Hume, que a “experiência unifor- mente que tudo (“ pan” ) é Deus (“ teísmo” ), mas
me” revela que apenas uma causa inteligente pode panenteísmo significa “tudo em Deus” . Também é
produzir os tipos de efeitos que vemos na natureza. chamado teologia do processo (já que vê Deus como
Paley escreveu: um ser mutável), teísmo bipolar ( já que acredita que
“ Sempre que vemos as marcas de estrutura, so- Deus tem dois pólos), organicism o (já que vê tudo
mos levados por sua causa ao autor inteligente. E que existe como um organismo gigantesco) e teísmo
essa transição do entendimento é fundada na expe- neoclássko (porque acredita que Deus é finito e tem-
riência uniform e.” Inteligência, disse Paley, pode ser poral, ao contrário do teísmo clássico).
distinguida por certas propriedades, tais como 0 As diferenças entre teísmo e panenteísmo po-
propósito, relacionamento íntimo das partes umas dem ser assim resumidas:
com as outras e cooperação complexa das partes
Teísmo Panenteísmo
para servir a um propósito comum. (N a tu ral
Deus é o Criador. Deus é o diretor.
theology, p. 37). Experiências uniformes (que Hume
Criação é ex n ih ilo . Criação é ex m a t e r ia
estava até disposto a chamar “prova” ) argumentam
Deus é soberano Deus está trabalhando
contra qualquer causa natural dos tipos de efeitos
sobre o mundo. com o mundo.
que vemos em toda a natureza. Na verdade, 0 único
Deus é independente Deus é dependente do
tipo de causa conhecida pela experiência repetida e
do mundo. mundo.
uniforme (que é a base de Hume para conhecer uma
Deus é imutável. Deus é mutável.
conexão causai) é a causa inteligente.
Deus é absoluta- Deus está se
Logo, 0 argumento de Hume contra a estrutura
mente perfeito. aperfeiçoando.
se volta contra ele como argumento a favor de um
Deus é monopolar. Deus é bipolar.
Criador (v. t e l e o l ó g ic o , a r g u m e n t o ).
Deus é realmente Deus é realmente
C o n clu sã o . Os argumentos de Paley em favor de
infinito. finito.
Deus e em favor do cristianismo ainda formam a
espinha dorsal para grande parte da apologética con-
temporânea. A única grande diferença é que agora Em lugar do Deus Criador, infinito, imutável e
temos muito mais “carne” para colocar no esquele- soberano, os panenteístas vêem Deus como um di-
to. Com a descoberta da evidência da origem do retor finito e mutável das questões mundiais, que
universo (v. b i g - b a n g ) , o tempo infinito de Hume foi trabalha em cooperação com 0 mundo para atingir
cientificamente eliminado. Com a descoberta do maior perfeição em sua natureza.
princípio antrópico, é evidente que há apenas uma 0 teísmo vê a relação de Deus com 0 mundo como

Mente sobrenatural por trás do universo desde 0 a de um pintor e sua obra. 0 pintor existe indepen-
momento do seu começo. A microbiologia, com a dentemente da pintura; ele trouxe a pintura à exis-
complexidade incrível da molécula de dna (v. e v o lu - tência, e ainda sua mente é expressa pela pintura.
ção q u ím ic a ), acrescenta ao argumento de Paley di- Em comparação, 0 panenteísta vê a relação de Deus
mensões de complexidade específica e estrutura in- com 0 mundo da maneira que ao mente está relaci-
teligente que ele jamais poderia imaginar. onada ao corpo. Na verdade, eles acreditam que 0
mundo é 0 “corpo” de Deus é um pólo, e a “mente” é
Fontes outro pólo. No entanto, como alguns materialistas
M . L. C l a r k e , Paley: evidence for the num. modernos que acreditam que a mente é dependente
N. L. G e is l e r , et al‫ ״‬Origin science. do cérebro, os panenteístas acreditam que Deus é
___ , Philosophy o f religion. dependente do mundo. .Mas há uma dependência
___ , When skeptics ask. recíproca, um sentido em que 0 mundo é depen-
D. H u m e , Dialogues concerning natural religion. dente de Deus.
D. L . L e M ahif .u , The mind o f William Paley. Variações do p a n en teísm o . Todos os panenteístas
G. W. M e a d l e y , Memoirs o f William Paley. concordam que Deus tem dois pólos, um pólo real (0
W. P a le y , A v ie w o f th e e v id e n c e o f C hristian ity mundo) e um pólo potencial (além do mundo). To-
___ , Natural theology; or, Evidences o f the dos concordam que Deus é mutável, finito e tempo-
existence and attributes 01 the deity. ral em seu pólo real. E todos concordam que seu
F. R. T en n a n t , Philosophical theology pólo potencial é imutável e eterno.
683 panenteísmo

A principal diferença em como vêem Deus é se C re n ç a s básica s d o p anen teísm o. Apesar de ha-
Deus no seu pólo real é uma entidade (evento) real ver diferenças internas entre os panenteístas, sua
ou uma sociedade de entidades atuais. Alfred North cosmovisão básica tem os mesmos elementos es-
W h it e h e a d (1861-1947) acredita na primeira visão, e senciais. Os elementos incluídos são:
Charles Hartshorne na segunda. A natureza de Deus, Todos os panenteístas con-
A maioria das outras diferenças são basicamen- cordam que Deus tem dois pólos. 0 pólo conseqüente
te metodológicas. A abordagem de Whitehead é mais ou concreto — na realidade. É Deus como ele real-
empírica, enquanto a de Hartshorne é mais racional. mente é na sua existência de momento a momento.
Logo, Whitehead tem um tipo de argumento É Deus nos pormenores reais de sua transformação.
teleológico para Deus, enquanto Hartshorne é fa- Nesse pólo Deus é finito, relativo, dependente, con-
moso por seu argumento ontológico. Alguns tingente e em processo. O outro pólo de Deus é 0
panenteístas, tais como John Cobb, rejeitam a primordial ou abstrato. Isso é Deus em abstração, 0
disjunção entre os dois pólos em Deus. Ele afirma que é comum e constante no caráter de Deus não
que Deus age como unidade, não apenas num pólo importa como 0 mundo exista. O pólo abstrato divi-
ou no outro. Mas todos concordam que Deus tem no fornece um mero esboço da existência de Deus
dois pólos, que podem ser diagramados: sem preenchê-lo com conteúdo concreto ou espe-
cífico. Nesse pólo Deus é infinito, absoluto, inde-
Natureza primordial Natureza conseqüente
pendente, necessário e imutável.
Pólo potencial Pólo real
Os panenteístas concordam que 0 pólo abstrato
Eterno Temporal
de Deus está incluído no seu pólo concreto. Sua trans-
Absoluto Relativo
formação ou seu processo caracteriza toda a reali-
Imutável Mutável
dade. Mas essa realidade de Deus não deve ser con-
Imperecível Perecível
siderada existência, que é estática e não criativa. A
Ilimitado Limitado
criatividade permeia tudo 0 que existe. E Deus é
Conceituai Físico
extremamente criativo.
Abstrato Concreto
Deus também é considerado pessoal. Há discor-
Necessário Contingente
dância sobre 0 fato de ele ser uma entidade real
Objetos eternos Entidades atuais
(como em Whitehead) ou uma série ordenada de
Impulso inconsciente Realização consciente
entidades atuais (como em Hartshorne). Mas quase
R e p r e s e n t a n t e s d o p a n e n te ís m o . Há vários todos os panenteístas acreditam que Deus é pessoal.
precursores da visão do processo de Deus. 0 Natureza do universo. O universo é caracteriza-
Demiurgo de P la t ã o (428-348 a.C.) lutava eternamen- do por processo, mudança ou transformação. Isso
te com 0 caos para transformá-lo no cosmos. Isso acontece porque ele é constituído por uma multi-
forneceu a base dualista (v. d u a lis m o ) para os dois dão de criaturas criativas que estão constantemente
“pólos” de Deus. Mesmo antes (c. 500 a.C.), a filosofia introduzindo mudanças e novidades ao universo.
do fluxo de Heráclito afirmou que 0 mundo é um Além disso, 0 universo é eterno. Isso não significa
processo constantemente mutável. necessariamente que 0 universo atual seja eterno.
No mundo moderno, G. W. F. H e g e l (1770-1831) Pelo contrário, pode significar que houve muitos uni-
propôs a revelação progressiva de Deus no processo versos no passado infinito. Algum mundo sempre
do mundo, dando um passo significativo em dire- existiu de alguma forma e algum mundo de alguma
ção ao panenteísmo. No evolucionismo cósmico de forma sempre existirá no futuro infinito. Finalmen-
Herbert Spencer (1820-1903), 0 universo é visto como te, todos os panenteístas rejeitam a idéia teísta tra-
processo progressivo. Henri Bergson (1851-1941) dicional da criação do nada, isto é, ex nihilo (v. c r i a -
propôs a evolução criativa (1907) de uma força vital c ã o , v i s õ e s d a ) . Alguns, incluindo Ogden, aceitam a

(elã vital) que impulsiona a evolução em “saltos.” expressão ex nihilo, mas reinterpretam a criação de
Mais tarde ele identificou essa força com Deus (1935). modo que ela signifique apenas que 0 mundo atual
Mesmo antes disso, Space, time an d deity [Espaço, ou 0 estado atual do mundo nem sempre existiu e
tempo e divindade[, de Samuel Alexander (1920), lan- foi criado a partir de um mundo anterior. Outros
çara uma visão processual da relação de Deus com 0 (como Whitehead e Hartshorne) rejeitam até a idéia
universo temporal. A principal fonte do panenteísmo, de criação ex nihilo e afirmam a criação ex m ateria
no entanto, é Whitehead. Sua influência é perceptí- (a partir de material preexistente). É claro que, já
vel em Hartshorne, Schubert Ogden, Cobb e outros. que 0 material é na verdade 0 pólo físico de Deus, a
panenteísmo 684

criação também é ex deo. Na verdade, 0 universo Ética. Muitos panenteístas acreditam que não há
atual é co-criado por Deus e pelo homem a partir de valores absolutos (v. m o ralidad e, n ature za abso luta da).
matéria preexistente. Deus, é claro, é 0 Transforma- Já que Deus e 0 mundo estão em grande fluxo, não
dor ou Formador primário de cada mundo e de cada pode haver nenhum padrão imutável e absoluto de
estado de mundo. valor. Por outro lado, panenteístas como Hartshorne
R elação de Deus com 0 universo. Na cosmovisão alegam que há uma base universal de ética, ou seja,
panenteísta, 0 pólo conseqüente de Deus é 0 mundo. beleza, harmonia e intensidade. Qualquer coisa que
Isso não quer dizer que Deus e 0 mundo sejam idên- promova, ou se baseie em, ou aja a partir dessa base, é
ticos, pois Deus é mais que 0 mundo, e os indivíduos boa; qualquer coisa que não 0 faça é má. Entretanto,
que compõem 0 mundo são distintos de Deus. Isso mesmo supondo esse fundamento estético universal,
significa, no entanto, que 0 mundo é 0 corpo cósmi- ordens ou regras éticas específicas não são universais.
co de Deus e que essas criaturas que compõem 0 Ainda que 0 indivíduo deva, em geral, promover bele-
mundo são como células no seu corpo. É por isso za e não feiúra, como exatamente isso deve ser feito é
que Deus não pode existir sem algum tipo de uni- relativo. Portanto, apesar da possibilidade de haver
verso físico. Ele não precisa desse mundo, mas tem uma base ou fundamento supremo para a ética, os
de coexistir em algum mundo. Semelhantemente, 0 valores em si não são absolutos, mas relativos.
mundo não pode existir sem Deus. Logo, 0 mundo e Destino humano. O destino da humanidade não
Deus são mutuamente dependentes. Além disso, as deve ser procurado no céu, inferno ou pós-vida cons-
criaturas no universo atribuem valor para a vida de ciente (v. im o rta lid a d e ). Mas os seres humanos, como
Deus. O objetivo abrangente de todas as criaturas é todas as outras criaturas de Deus, viverão para sem-
enriquecer a felicidade de Deus e ajudá-lo assim a pre apenas na memória cósmica de Deus. Uma pes-
complementar 0 que lhe falta. soa que contribua ricamente para a vida de Deus
Milagres. Uma implicação do panenteísmo é que terá a satisfação de saber que Deus se lembrará cari-
atos sobrenaturais são impossíveis (v. m ila g r e s , a r - nhosamente dela para sempre. Os que vivem sem
gum entos c o n t r a ) . Já que 0 mundo é 0 corpo de Deus, atribuir muito valor a Deus, os que, em outras pala-
não há nada fora de Deus que possa ser interrompi- vras, vivem infielmente, não serão lembrados com
do ou no qual ele possa irromper. Na realidade, Deus tanto carinho por Deus.
é em grande parte um recipiente passivo da ativida- No panenteísmo, 0 processo evolutivo contí-
de de suas criaturas e não uma força ativa no mun- nuo ajuda a impulsionar os eventos eternamente.
do. Deus é um Solidário cósmico e não um Ativista Deus e a humanidade também são considerados
cósmico (v. f in it o , deism o; K u s h n e r , H a r o ld ) . Conse- co-criadores da história. Mas, ao contrário do
qüentemente a intervenção milagrosa no mundo não teísmo, não há um final da história. Sempre haverá
é característica da natureza do Deus panenteísta. a divindade insuperável que está constantemente
Muitos panenteístas rejeitam os milagres porque a crescendo em perfeição. E sempre haverá algum
visão científica contemporânea do mundo os elimi- mundo cheio de criaturas criativas cujo objetivo
na. Ogden toma essa posição. É por isso que ele ado- abrangente é enriquecer a experiência de Deus. A
ta 0 programa de Rudolph Bultmann de desmitificar história não tem começo e não tem fim. Não há
as histórias de milagres na Bíblia (v. m ito lo g ia e o destino final, utopia ou fim. A história, como todas
Novo T e sta m e n to ). as outras coisas, sempre existiu, existe e sempre
Seres humanos. Os panenteístas concordam que existirá em processo. A história não chega a lugar
a humanidade é pessoal e livre. Na verdade, a huma- algum, está apenas prosseguindo.
nidade como um todo é co‫־‬criadora com Deus e de A v a lia ç ã o . C ontribu ições do pan en teísm o. Os
Deus. Ela não só ajuda a decidir 0 curso dos eventos panenteístas procuram uma visão abrangente da re-
humanos e mundiais, mas também dos eventos re- alidade. Reconhecem que 0 conhecimento parcial
lativos a Deus. A identidade humana não se encon- das coisas é inadequado. Então procuram desenvol-
tra no “ Eu” duradouro. Mas, como 0 resto do mun- ver uma visão coerente e razoável de tudo que exis-
do, a identidade é encontrada apenas nos eventos ou te, uma cosmovisão completa.
ocasiões reais da história nos quais a humanidade O panenteísmo consegue propor uma relação ín-
se transforma. O ser humano está parcialmente cri- tima entre Deus e 0 mundo sem destruir essa rela-
ando a si mesmo em toda decisão e ação, a cada ção, como 0 panteísmo. Deus está no mundo, mas
momento. O objetivo é servir a Deus ao atribuir va- não é idêntico a ele. A presença de Deus no universo
lor à sua experiência constantemente crescente. não destrói a multiplicidade que os seres humanos
685 panenteísmo

experimentam, mas a preserva e até lhe dá propósi- criar a si mesmo para existir. Achar que isso poderia
to e significado. Dada a existência do Ser supremo, ocorrer é acreditar que atos potenciais podem re-
os panenteístas demonstram que 0 mundo deve de- alizar-se. Copos poderiam se encher com café e 0
pender de Deus para sua origem e continuidade. Sem aço poderia se transformar num arranha-céu. Como
a existência de Deus, 0 mundo não continuaria a um ser poderia existir antes de si mesmo para se
existir. Eles insistem em que deve haver uma causa criar? É isso que um ser autocausado teria de fazer
adequada para explicar 0 mundo. para existir. O panenteísta pode responder que Deus
Os panenteístas relacionam seriamente sua não criou a si mesmo; sempre existiu. Pelo contrá-
cosmovisão a teorias contemporâneas da ciência. rio, a versão panenteísta do Deus autocausado cria
Seja qual for a cosmovisão da pessoa, a ciência não sua transformação. Isto é, Deus produz mudanças
pode ser ignorada. Descobertas humanas válidas em em si mesmo. Deus realiza seus próprios potenciais
qualquer área ou disciplina devem ser incorpora- efetuando seu próprio crescimento.
das à cosmovisão individual. Se a realidade é real- Mas isso leva a outro problema. Se Deus causa
mente razoável e não contraditória, todo conheci- sua transformação e não sua existência, então 0 que
mento pode ser coerentemente sistematizado, não ou quem sustenta a existência de Deus? Como um
importa quem 0 descubra ou onde seja descoberto. ser pode mudar sem que exista um ser imutável para
Os panenteístas levam isso a sério. sustentar a existência do ser mutável? É impossível
Críticas a o pan en teísm o. Algumas das críticas que tudo esteja em fluxo. Tudo 0 que muda passa da
mais importantes serão mencionadas aqui. potencialidade para a realidade, do que não existe
A idéia do Deus que é infinito e finito, necessá- para 0 que existe. Tal mudança não poderia realizar-
rio e contingente, absoluto e relativo é contradito- se ou ser autocausada, pois potenciais ainda não são
ria. A contradição surge quando opostos são afir- 0 que têm 0 potencial de ser.
mados sobre a mesma coisa ao mesmo tempo e da O nada não pode produzir algo. E tais mudanças
mesma maneira ou forma. Por exemplo, dizer que não poderiam ser incausadas, pois deve haver uma
um balde está cheio de água e vazio ao mesmo tem- causa para todo efeito ou evento (v. c a u s a l id a d e , p r in -
c íp ío d a ). Parece, então, que 0 universo de mudança,
po e da mesma forma é contraditório. Isso jamais
que é 0 pólo concreto de Deus, deve ser causado por
poderia acontecer, pois é logicamente impossível.
algo que não muda. Algo fora da ordem mutante
Hartshorne respondeu à acusação de contradi-
deve sustentar toda a ordem existente. Por isso, deve
ção ao demonstrar que opostos metafísicos não são
haver um ser além do que 0 filósofo de processo
atribuídos ao mesmo pólo divino. Mas os atributos
considera “ Deus” que sustenta sua existência. Se isso
que estão relacionados, tais como finitude e contin-
é verdadeiro, 0 Deus panenteísta não é realmente
gência, são aplicados a um pólo diferente. Infinida-
Deus, mas 0 ser que 0 sustenta é realmente Deus. Tal
de e finitude, necessidade e contingência, apesar de
Deus não é um ser imutável-mutável, como a divin-
aplicadas à mesma coisa ao mesmo tempo, são apli-
dade resultante do processo é, mas teria de ser
cadas aos pólos apropriados em Deus (Hartshorne,
simplesmente imutável.
Man 's vision o f God [A visão hum ana de Deus], p.
Outro aspecto desse problema é que 0 panenteísta
22-4). O teísta cristão H. P. Owen respondeu que pa-
sabe que tudo, inclusive Deus, é relativo e mutável.
rece não haver distinção real entre os dois pólos
Como alguém pode saber que algo está mudando
divinos. Como 0 pólo abstrato não tem existência quando não há um ponto de referência estável pelo
concreta ou real, ele deve ser uma mera idéia, tendo qual medir a mudança? 0 teísta tem Deus e seu cará-
realidade mental, mas não existência (Owen, p. 105). ter e vontade absolutos e imutáveis. 0 panenteísta
Portanto, Deus não deve ser realmente infinito e ne- não tem tal padrão. O panenteísta poderia responder
cessário, pois esses atributos estão no pólo potenci- que seu padrão imutável é a natureza primordial imu-
al que não existe na realidade. Deus na realidade é tável de Deus. Mas isso não parece adequado. Pois 0
apenas finito e contingente. Ou Deus deve ser am- pólo primordial de Deus é apenas uma abstração —
bos os lados dos opostos metafísicos ao mesmo tem- não tem realidade. Pode ser um padrão conceituai, mas
po e no mesmo pólo. A primeira opção torna sem não real. Além disso, um panenteísta que diz que Deus
sentido a doutrina de Deus do panenteísmo, e a se- é imutável quer dizer que Deus é imutavelmente mutável
gunda a torna contraditória. De qualquer forma, 0 — não pode deixar de mudar sempre e melhorar sem-
conceito bipolar de Deus é incoerente. pre (Hartshorne, Natural theology [Teologia natural], p.
A idéia de Deus como ser autocausado é contra- 110, 276). Assim, parece que voltamos ao começo, com
ditória. É difícil entender como qualquer ser pode tudo mudando e nada que esteja sendo mudado.
panenteísmo 686

O conceito panenteísta de personalidade parece Se a proposição “Nada existe” é logicamente pos-


entrar em conflito com nossa experiência. Nós pelo sível, a existência do Deus de Hartshorne e Ogden é
menos acreditamos que somos seres pessoais que, tênue. Tal Deus deve manter 0 universo em anda-
até certo ponto, suportamos mudanças. A maioria mento e mudar universos rapidamente, ou ele some
de nós não acredita que nos tornamos novas pesso- de cena. Ele está amarrado como que por um cordão
as a cada momento que existimos. Na verdade, dizer: umbilical a algum mundo. Mas, se é logicamente pos-
“ Eu me torno uma nova pessoa a cada momento sível que a frase "algum mundo existe” nem sempre
que existo” supõe que há algo que perdura, 0 “eu” tenha sido verdadeira, é logicamente possível que a
que sofre as mudanças. Senão, 0 que muda? Se nada afirmação "Deus existe” tenha sido, em algum mo-
perdura de momento a momento, é possível dizer mento, falsa. Mas, segundo Hartshorne e Ogden, se
que qualquer coisa mude? Se não há sentido em que Deus não é logicamente necessário, um ser necessá-
a pessoa é uma identidade contínua, parece que só rio que deve sempre ter existido a despeito de qual-
podemos falar de uma série de ocasiões distintas de quer outra coisa, a existência de Deus deve ser
“eus” atuais (ibid., p. 58). E a única coisa que se pode logicamente impossível. Por essa regra, 0 Deus de
dizer que muda nessa série de “eus” é a série em si, Hartshorne e Ogden é necessariamente falso.
não cada “eu” individual na série. Isso parece des- A teologia do processo enfrenta um sério dilema
truir a auto-identidade e contradizer a experiência (Gruenler, p. 75-9). Deus compreende todo 0 univer-
humana. Esse problema é especificamente forte para so ao mesmo tempo, mas Deus é limitado ao espaço
Hartshorne. De acordo com sua teoria, a pessoa dei- e tempo. Mas qualquer coisa limitada ao espaço e
xa de existir toda vez que há um momento sem um tempo não pode pensar mais rápido que a velocida-
“eu” consciente. Isso incluiria períodos de sono ou de da luz, que leva bilhões de anos para atravessar 0
sob anestesia ou outros momentos de inconsciên-
universo a cerca de 300 mil quilômetros por segun-
cia. Um pai despertando um filho do sono 0 estaria
do. No entanto, parece não haver maneira de a men-
chamando de volta à existência.
te que leva todo esse tempo para pensar em todo 0
Dizer com 0 panenteísta que sempre existiu al-
universo poder compreender e direcionar simulta-
gum tipo de mundo é uma petição de princípio. É
neamente todo 0 universo. Por outro lado, se a men-
claro que é impossível que 0 nada total tenha existi-
te de Deus transcende 0 universo de espaço e tempo,
do, pois ninguém existiria para experimentá-lo. Nes-
e instantânea e simultaneamente abrange 0 todo, essa
se caso não haveria 0 nada total. Mas isso pressupõe
não é uma visão panenteísta de Deus, mas sim teísta.
que apenas 0 que pode ser experimentado pode ser
verdadeiro. Por que esse critério da verdade deveria
Fontes
ser aceito? Hartshorne dá a entender que isso deve-
X . L. G e : s l e r , “ Teo lo g ia do pro ce sso” , e m Tensions
ria ser aceito porque não pode haver sentido sem
in contemporary theology.
experiência (ibid.). Portanto, um conceito que não
____ e W . W a t k í N '. Worlds apart: a handbook
pode ser experimentado não deve ter sentido. Mas,
on world news.
se isso é verdadeiro, Hartshorne estabeleceu sua
R . G . G r i' en ler , The inexhaustible God: biblical faith
tese por mera definição, pois, se não pode existir
and the challenge otprocess theism.
sentido sem experiência, então a total inexistência,
C. H a r t s h o r n e , .4 n a t u r a l th e o lo g y tor o u r tim e.
que não pode ser experimentada, não faz sentido.
___ , M an's vision o f God.
Hartshorne estabeleceu sua tese definindo 0 sentido
____ , T h e lo g ic o t p e r fe c tio n .
de tal maneira que torna a inexistência total num
S. M. O g d e n , The reality ot God.
conceito desprovido de sentido. Ele não provou a
ausência de sentido da frase “nada existe” , mas ape- ___ , Theology in crisis: a colloquium on the

nas a supôs, 0 que é petição de princípio. credibility ot “God".

Mesmo que Hartshorne possa provar que 0 nada ____ , “ T o w a rd a n e w th e ism ” , e m Process

total não é possível, a visão panenteísta não se com- philosophy a n d C hristian thought.

prova automaticamente. Pois isso seria apenas uma H. P. O w e n , The C hristian knowledge ot God.

maneira de dizer que nem tudo pode ser contingente. W . E . S t o k f s , “A W h ite h e a d ia n reflection on G o d 's

Mas isso leva naturalmente a uma posição teísta (v. relatio n to the w o r ld " , em Process Theology
t e is m o ), na qual deve haver um Ser Necessário além do T omas pe A q i i n c , Suma teológica.
mundo contingente. Não é necessário concluir que 0 A. X . W h it e h e a d , Adventures o f ideas.
panenteísmo é verdadeiro só porque um estado de ___ , Modes ot thought.
total inexistência não é possível. ___ , Process and reality.
687 panteísmo

panteísmo. P anteísm o quer dizer que tudo (“pan” ) N atu reza d e Deus. Deus e a realidade são impes-
é Deus (“ teísmo” ). É a cosmovisão da maioria dos soais. Personalidade, consciência e intelecto são ca-
hindus (v. hinduísmo), muitos budistas (v. budismo) e racterísticas de manifestações inferiores de Deus,
outras religiões da Nova Era. Também é a cosmovisão mas não devem ser confundidas com ele. Em Deus
da Ciência Cristã, Unidade Cristã e Cientologia. há a simplicidade absoluta de um ser. Não há partes.
Segundo 0 panteísmo, Deus “é tudo em todos” . A multiplicidade pode fluir dele, mas ele, por si só, é
Deus permeia, abrange e se encontra em todas as coi- simples, não múltiplo.
sas. Nada existe fora de Deus, e todas as coisas estão de N atureza d o universo. Os panteístas que supõem
alguma forma identificadas com Deus. 0 mundo é algum tipo de realidade para 0 universo concordam
Deus, e Deus é 0 mundo. Mais precisamente, no en- que ele foi criado ex deo, “de Deus” , não ex nihilo, “do
tanto, no panteísmo tudo é Deus, e Deus é tudo. nada” , como 0 teísmo afirma (v. criação, visões da). Há
0 panteísmo tem uma longa história tanto no apenas um “Ser” ou Existente no universo; os demais
oriente quanto no ocidente. Do misticismo orien- são uma emanação ou manifestação dele (v. unidade e
tal dos sábios e videntes hindus ao racionalismo diversidade, problema de). É claro que os panteístas ab-
de filósofos ocidentais como Parmênides, Baruch solutos afirmam que 0 universo não é nem uma ma-
E spinosa e G. W. F. H egel, o panteísmo sempre teve nifestação. Somos todos apenas parte de uma ilusão
seus defensores. elaborada. A criação simplesmente não existe. Deus
Tipos d e panteísmo. Há tipos diferentes de pan- existe. Nada mais.
teísmo. O panteísmo ab so lu to é representado pelo D eus em re la çã o a o universo. Ao contrário dos
pensamento de Parmênides, filósofo grego do sécu- teístas, que vêem Deus além e separado do universo,
10 v a.C., e da escola vedanta do hinduísm o (v. os panteístas acreditam que Deus e 0 universo são
Hinduísmo Vedanta). 0 panteísmo absoluto ensina que um. 0 teísta concede alguma realidade ao universo
há apenas um ser no mundo, Deus, e que as demais de multiplicidade, mas 0 panteísta não concede. Os
coisas que parecem existir não existem realmente. que negam a existência do universo, é claro, não vêem
Outro tipo de panteísmo, 0 em an an tista , foi estabe- nenhuma relação entre Deus e 0 universo. Mas to-
lecido pelo filósofo do século 111 de nossa era Plotino. dos os panteístas concordam que toda realidade que
Segundo essa teoria, tudo flui de Deus da mesma existe é Deus.
maneira que uma flor cresce a partir da semente. M ilagres. Uma implicação do panteísmo é que
Também há 0 panteísmo desenvolvim entista de Hegel milagres são impossíveis. Pois, se tudo é Deus, e Deus
(1770-1831). Hegel via os eventos da história como é tudo, nada existe fora de Deus que poderia ser
manifestações reveladoras do Espírito Absoluto. 0 interrompido ou penetrado, 0 que a natureza de um
panteísmo m o d a l do racionalismo de Espinosa, do milagre exige. Para mais comentários sobre isso, v. 0
século xvii afirmava que há apenas uma substância artigo sobre E spinosa. Já que os panteístas concor-
absoluta, na qual todas as coisas finitas são apenas dam que Deus é simples (não tem partes) e é tudo 0
modos ou momentos. 0 panteísmo múltiplo é encon- que existe, Deus não poderia fazer nenhum milagre,
trado em algumas formas do hinduísmo, especialmen- pois 0 milagre implica que Deus está de certa forma
te em Radhakrishnan. Essa posição afirma vários ní- “fora” do mundo no qual “intervém” . 0 único senti-
veis de manifestação de Deus, sendo 0 nível mais alto do em que Deus “ intervém” no mundo é pela pene-
da manifestação de Deus 0 Ser Absoluto, ao passo que tração regular nele de acordo com repetidas leis es-
os níveis inferiores 0 revelam em multiplicidade cres- pirituais superiores, tais como a lei do C arm a (v.
cente. 0 panteísmo penetran te é a visão popularizada reexcarnação), Logo, a cosmovisão panteísta elimina
pelos filmes G uen a nas estrelas, de George Lucas, nos os milagres (v. milagres, argumentos contra).
quais a Força (Tão) permeia todas as coisas. Essa cren- Seres hum anos. Os panteístas acreditam que 0 ser
ça é encontrada no zen-budismo. humano como ser distinto é absolutamente irreal
C re n ç a s b á s ica s. Existem outros tipos de pan- (panteísmo absoluto) ou que a humanidade é real,
teísmo, mas estes estabelecem as características mas bem menos real que Deus. 0 ensinamento bási-
comuns da cosmovisão. Cada um desses tipos iden- co do panteísmo absoluto é que os seres humanos
tifica Deus com 0 mundo, mas variam na idéia dessa devem superar sua ignorância e perceber que s ã o
identidade. Todos os panteístas acreditam que Deus Deus. Os que colocam uma distância entre Deus e a
e 0 mundo real são um, mas diferem quanto à ma- humanidade ensinam uma visão dualista da pessoa
neira em que Deus e 0 mundo estão unidos. As — corpo e a alma. 0 corpo incapacita 0 ser humano,
crenças básicas da cosmovisão panteísta são apre- impedindo-o de unir-se a Deus. Portanto, cada
sentadas a seguir. um deve purificar-se do seu corpo para que a alma
panteísmo 688

possa ser liberta para atingir a unidade com 0 Ser Quanto ao destino humano individual, a maioria
Absoluto. Para todos os panteístas, 0 objetivo prin- dos panteístas, principalmente dos tipos orientais,
cipal ou fim último da humanidade é unir-se a Deus. acredita na reencarnação. Depois que a alma deixa 0
Ética. Os panteístas geralmente se esforçam para corpo, ela entra em outro corpo mortal para realizar
viver moralmente corretos e incentivar outros a fa- seu Carm a. Eventualmente 0 objetivo é deixar 0 corpo
zer 0 mesmo. Muitas vezes suas obras estão cheias e, no caso da maioria dos panteístas, unir-se a Deus.
de exortações ao uso do bom senso, à devoção à Isso é chamado de N irvan a e significa a perda da
verdade e ao amor altruísta pelos outros. individualidade. A salvação final nesse tipo de siste-
Mas essas exortações geralmente se aplicam a ma panteísta é d a individualidade da pessoa, não nela,
um nível inferior de obtenção espiritual. Quando como os cristãos acreditam (v. im o r t a l id a d e ).
uma pessoa atingiu a união com Deus, ela não se Avaliação. C ontribuições do pan teísm o. 0 pante-

preocupa mais com leis morais. Desligamento ou ísmo tenta explicar toda realidade, em vez de partes
dela. Se somos parte de um u n i-v e rso, qualquer
despreocupação total com as ações e seus resulta-
cosmovisão deve procurar abraçar essa unidade. O
dos geralmente são ensinados como pré-requisito
panteísmo tem uma visão holística das coisas. Qual-
para atingir a união com Deus. Como Deus está além
quer visão abrangente de Deus deve incluir a sua
do bem e do mal, a pessoa deve transcendê-los para
presença e atividade imanente no mundo. 0 Deus
alcançar a Deus. A moralidade é enfatizada apenas
que não se relaciona e que não pode se relacionar
como preocupação temporal, e por trás disso não há
com a humanidade não receberá adoração de mui-
base absoluta para certo ou errado (v. absolutos mo-
tos, e muitos sequer pensarão que ele a mereça. 0
rais). Prabhavananda e Christopher Usherwood ad-
panteísmo enfatiza corretamente que Deus está no
mitem isso quando dizem:
mundo e está intimamente relacionado a ele. Deus
não é transcendentalmente remoto e totalmente re-
Toda ação, sob certas circunstâncias epara certas pesso- movido do universo.
as, pode ser um meio para 0 crescimento espiritual — se for Finalmente, a ênfase que 0 panteísmo dá a não
feita com espírito de desligamento. Todo bem e todo mal é re- atribuir limitações a Deus na nossa linguagem sobre
lativo para 0 ponto individual de crescimento... Mas, no sen- ele é adequada. Se Deus é ilimitado e transcendente,
tido mais elevado, não pode haver nem bem nem mal todas as limitações devem ser eliminadas dos ter-
(Bhagavad-Gita, p. 140). mos que lhe são aplicados. Sem isso, surge a idola-
tria verbal. O Infinito não pode ser compreendido
Assim, para 0 panteísta, a conduta ética é um meio, por nossas idéias finitas.
não 0 fim em si mesmo. É usada apenas para ajudar a C ríticas. O panteísmo absoluto é contradito-
pessoa a atingir 0 nível mais elevado de espiritualidade. rio. O panteísmo absoluto afirma: “ Eu sou Deus” . Mas
No final, a realidade não é nem boa nem má. Como Deus é 0 Absoluto imutável. A humanidade, todavia,
Prabhavananda diz: “Se dissermos: ‘Sou bom” ou ‘Sou sofre 0 processo de mudança chamado iluminação
ruim’, estamos apenas usando a linguagem de m aya em conseqüência dessa percepção. Então como
[0 mundo da ilusão] ( v.ilusionismo).‘Sou Brahman é a as pessoas poderiam ser Deus se as pessoas mu-
única afirmação a nosso respeito que podemos fazer” dam e Deus não muda?
(Spiritual heritage [Herança espiritual], p. 203). Os panteístas tentam escapar a essa crítica per-
mitindo alguma realidade à humanidade, seja ela
H istó ria e d e s tin o h u m a n o s . Os panteístas difi-
emanacional, modal ou manifestacional. Mas, se re-
cilmente falam sobre história, exceto em formas mo-
almente somos apenas modos de Deus, por que não
dificadas de panteísmo geralmente influenciadas
sabemos disso? H. P. Owen descreve isso como “am-
pelo teísmo ocidental (como em Hegel). Eles não
nésia metafísica” que permeia todas as nossas vidas.
estão preocupados com ela, pois ela não existe, ou é
Se estamos sendo enganados sobre a consciência de
vista como um aspecto do mundo das aparências,
nossa existência individual, como sabemos que 0
algo a ser transcendido. A história não tem objetivo
panteísta não está sendo enganado ao afirmar ter
ou fim supremo. Sempre que recebe algum tipo de consciência da realidade absoluta?
realidade, é sempre (com exceção do panteísmo de Na verdade, se 0 mundo é realmente ilusório,
Hegel) considerada cíclica. Como a roda de sam sara, como podemos distinguir entre realidade e fanta-
a história se repete eternamente. Não há eventos sin- sia? Lao Tse expressa bem a pergunta: “ Se, quando
gulares nem eventos finais da história. Não há milê- estava dormindo, eu era um homem sonhando
nio, utopia ou eschaton. que era uma borboleta, como sei que quando
689 panteísmo

estou acordado não sou uma borboleta sonhando A categoria 4 é a mais aceita pelos panteístas. Mas
que é um homem?” (Guiness, p. 14). Se 0 que consi- se 0 mal é apenas ilusão, no final não há pensamentos
déramos continuamente real não é, como poderia- e ações boas e más. Logo, que diferença faria se louva-
mos distinguir entre realidade e fantasia? Talvez, mos ou amaldiçoamos, aconselhamos ou estupramos,
quando atravessamos uma avenida com três pistas amamos ou assassinamos alguém? Se, no final, não há
de trânsito vindo em nossa direção, não precisemos diferença moral entre essas ações, as responsabilida-
nos preocupar, pois é tudo uma ilusão. Será que de- des morais absolutas não existem. No final das contas
vemos sequer olhar para atravessar a rua, se nós, 0 crueldade e não-crueldade são iguais. Um crítico re-
trânsito e a rua não existimos de verdade? Se os sumiu a questão com a seguinte ilustração:
panteístas vivessem seu coerentemente panteísmo,
não sobraria nenhum panteísta. Um dia eu estava falando para um grupo de pessoas nos
N a tu re z a in c o e re n t e d o panteísmo. 0 panteís- aposentos de umjovem sul-africano em Cambridge. Entre elas,
mo é incoerente (v. panteísmo), e também todas as estava presente um jovem indiano que era de formação sique (v.
formas de pensamento que afirmam que a indivi- s1QusM0),mas da religião hindu (v.hinduísmo). Ele começou a falar
dualidade é uma ilusão causada pela mente. De acor- firmemente contra 0 cristianismo, mas não entendia realmente
do com 0 panteísmo, mentes são aspectos da ilusão os problemas de suas crenças. Então eu disse:“Não estou corre-
e não podem dessa forma dar nenhuma base para toemdizerque.combasenoseu sistema, crueldade e não-cru-
explicá-la. Se a mente é parte da ilusão, ela não pode eldade são iguais, que não há diferença intrínseca entre elas?”.
ser a base para explicar a ilusão. Logo, se 0 panteís- Ele concordou [...]0 aluno em cujo quarto nos reunimos, que
mo é verdadeiro ao afirmar que minha individuali- entendera claramente as implicações do que 0 sique admitira,
dade é uma ilusão, 0 panteísmo é falso, já que não há
pegou sua chaleira com água fervendo com a qual estavaprestes
base para explicar a ilusão (v. D. K. Clark, capítulo 7).
a fazer chá e a posicionou acima da cabeça do indiano. 0 homem
O panteísmo também não consegue resolver 0
olhou para cima, perguntou 0 que ele estava fazendo eeledisse,
problema do mal de maneira satisfatória (v. mal, pro-
com uma objetividade fria, mas gentil:“Não há diferença entre
blema do). Declarar que 0 mal é ilusão (v. ilusionismo)
crueldade e não crueldade”. Depois disso 0 hindu partiu na noi-
ou menos que real não é apenas frustrante e vazio
te. [Schaeffer, The God who is there, p. 101 ].
para os que sofrem com 0 mal, mas parece filosofica-
mente inadequado. Se 0 mal não é real, qual é a ori-
Se os panteístas estão corretos em afirmar que a
gem da ilusão? Por que as pessoas têm sofrido por
realidade não é moral, que 0 bem e 0 mal, certo e
tanto tempo e por que 0 mal parece tão real? Apesar
errado são inaplicáveis para 0 que existe, então estar
da afirmação contrária do panteísta, ele também so-
correto é tão insignificante quanto estar errado
fre dor, angústia, e posteriormente morrerá. Até os
(Schaeffer, He is there a n d h e is not silent). A base
panteístas se prostram de dor quando ficam com apen-
para a moralidade é destruída. 0 panteísmo não leva
dicite. Saem do caminho quando um caminhão vem
0 problema do mal a sério. Como C. S. L ewis disse:
na direção deles para não se machucarem.
Se Deus é tudo, e tudo é Deus, como os panteístas
“Se você não levar as distinções entre 0 bem 0 mal a sério,
afirmam, então 0 mal é uma ilusão e no final não há
certo e errado. Pois há quatro possibilidades com
é fácil dizer que qualquer coisa que encontrar neste mundo é
relação ao bem e 0 mal:
uma parte de Deus. Mas, sem dúvida, se você pensar que algu-
mas coisas são realmente más, eDeus realmente bom, não pode
1. Se Deus é totalmente bom, 0 mal deve existir falar assim" (Cristianismopuro esim ples,p. 30).
à parte de Deus. Mas isso é impossível, já que
Deus é tudo — nada pode existir sem ele. Dessa e de outras maneiras, 0 conceito panteísta
2. Se Deus é totalmente mau, 0 bem deve existir de Deus é incoerente. Dizer que Deus é infinito, mas
separadamente de Deus. Isso também não é de certa forma compartilha sua existência ( e x D eo)
possível, já que Deus é tudo. com a criação, é levantar a questão de como 0 finito
3. Deus é totalmente bom e totalmente mau. Isso pode ser infinito — 0 que os panteístas absolutos
não pode ser, pois é contraditório afirmar afirmam. Senão, é preciso considerar 0 mundo finito
que a mesma coisa é totalmente boa e má a menos que real, apesar de existir. Vimos os proble-
mesmo tempo. Além disso, a maioria dos mas da primeira opção absoluta. Mas a segunda op-
panteístas mal. ção torna Deus infinito e finito, pois supostamente
4. O bem e 0 mal são ilusórios. Não são catego- compartilha sua existência com criaturas, 0 que
rias reais. implica um ser infinito tornando-se menos que
Pascal, Blaise 690

infinito. Mas como 0 Infinito pode ser finito, 0 ab- P r a m : v.■‫״‬ ‫··־‬.'.‫׳‬ The spiritual heritage ot India.
soluto ser relativo e 0 imutável ser mutável? , Os uranisiiads: sopro vital do eterno.
O Deus do panteísmo também é incognoscível. S. R u ‫׳‬h The Hindu view o f life.
A própria afirmação “ Deus é incognoscível de ma- }. M. Ro?:nm n,.4í! introduction to early Greek
neira intelectual” parece desprovida de sentido ou philosophy.
incoerente. Pois, se a afirmação em si não pode ser F. Sch >.ffffk, He is there and he is not silent.
entendida de maneira intelectual, é incoerente. Por- , The God who is there.
que a afirmação é que nada pode ser entendido so- H. Smith. The religions o f man.
bre Deus de maneira intelectual. Alas 0 panteísta es- D . T . Si'zi'Ki, Introduction ao zen-buddhism.
pera que apreendamos intelectualmente essa verda-
de — de que Deus não pode ser entendido de ma- Pascal, aposta de. V. Pascal, Blaise.
neira intelectual. Isto é, 0 panteísta parece estar fa-
zendo uma afirmação sobre Deus que garante que Pascal, Blaise. Matemático, cientista e filósofo fran-
tais afirmações sobre ele não podem ser feitas. Mas cês (1623-1662). Quando contava 16 anos, comple-
como pode alguém que afirma que só se pode fazer tou um tratado original sobre seções cônicas. Con-
afirmações negativas sobre Deus, fazer uma afirma- tribuiu para 0 desenvolvimento do cálculo diferen-
ção positiva sobre Deus? Plotino admitiu que 0 co- ciai e originou a teoria matemática da probabilida-
nhecimento negativo pressupõe alguma percepção de. Várias propostas e demonstrações matemáticas
positiva. Senão, não se saberia 0 que negar. receberam seu nome: triângulo aritmético de Pascal,
Os críticos ainda afirmam que a negação de
lei de Pascal e hexagrama místico de Pascal.
muitos panteístas da aplicabilidade da lógica à re-
A ênfase de Pascal na fé 0 levou a entrar em conta-
alidade é incoerente. Pois, para negar que a lógica
to com os jansenistas, um grupo católico sectário, opos-
se aplica à realidade, parece que seria preciso fazer
to aos jesuítas. Entre os iansenistas ele teve sua “pri-
uma afirmação lógica sobre a realidade que garan-
meira conversão” (1646). Mais tarde teve sua “conver-
te que nenhuma afirmação lógica pode ser feita.
são definitiva” , quando descobriu 0 “ Deus de Abraão,
Por exemplo, quando 0 zen-budista D. T. Suzuki diz
Deus de Isaque, Deus de Jacó, não dos filósofos e eru-
que para compreender a vida devemos abandonar
ditos” (Pascal, p. 311).
a lógica (Suzuki, p. 58), ele usa a lógica nessa afir-
Depois da condenação do apologista jansenista
mação e a aplica à realidade. Na verdade, a lei da
Antoine Arnuald (em 1655), Pascal escreveu suas 18
não-contradição ( a não pode ser a e não-A) não
Lettresprovinciales{ Cartas provincianas,(1656-1657),
pode ser negada sem que a usemos na própria ne-
que atacavam a teoria jesuítica de graça e
gação (v. p rim e iro s p r in c íp io s ). Portanto, para negar
que a lógica se aplica à realidade, é preciso fazer moralidade. Sua obra mais famosa é P ensam entos,
uma afirmação lógica sobre a realidade. Mas então publicada após sua morte a partir de anotações
como a posição será defendida? começadas anteriormente. Pensam entos vindicou 0
cristianismo por meio de fatos, cumprimento pro-
Fontes fético e por um apelo ao coração (Cross, p. 1036).
B hagavad-G iia. Prabhavananda. trad., com C. F é e H azão . Apesar da oposição de Pascal a René
Usherwood; v. esp. Apend. 2: “ The Gita and War” . Descartes e apesar do seu racionalismo cartesiano
D. K. Ci.ark, The pantheism o f Alan Watts. dar-lhe 0 título imerecido de fideísta (v. fideísmo), na
D. K. C l a r k , Apologetics in the Λ π γ .-I ç t . verdade Pascal ofereceu muitas evidência para apoi-
G. H. C l a r k , Thales to Dewey. ar a fé cristã. Segundo a tradição de Agostinho, na qual
W. C o r d u a n , “ Transcendentalism: Hegel” em X. L. foi educado, Pascal acreditava que apenas a fé podia
G l is i .f r , o rg ., Biblical inerrancy: an analysis o f libertar do pecado e colocar 0 homem num relacio-
its philosophical roots. namento pessoal com Deus. Sempre há um pouco de
B. E s p in o s a , Ética. risco na fé, mas é um risco que vale a pena correr. Ele
R. ΐιιχ τ, Anti-theistic theories. confessou que 0 "coração tem razões que a própria
0. G ltnf.ss , The dust o f death. razão desconhece” . No entanto, isso não exclui 0 uso
S. H ackf . i t , Oriental philosophy. da razão para apoiar as verdades da fé cristã.
G. W. F. Hegel, The phenom enology ot mind. A p ologética. A apologética racional de Pascal para
C. S. Lewis, Cristianismopuroesim ples. 0 cristianismo pode ser dividida em três partes. Pri-
H. P. O w e n , Concepts o f deity meira, seu uso da evidência; segunda, 0 apelo às pro-
P l o t in o , Enéadas. fecias cumpridas; e terceira, sua famosa “aposta” .
691 Pascal, Blaise

O uso da evidência. Pascal acreditava que “ é um Tens duas coisas a perder: 0 verdadeiro e 0 bom; e duas coisas
sinal de fraqueza provar a existência de Deus a par- a apostar: tua razão e tua vontade, teu conhecimento e tua
tir da natureza” (Pascal, n.° 466). Ele acrescenta: “ É felicidade; e tua natureza tem duas coisas a evitar: erro e des-
um fato surpreendente que nenhum autor canônico graça Examinemos 0 ganho ea perda envolvidos em apos-
jamais tenha usado a natureza para provar a existên- tar “cara”, que Deus existe. Estimemos os dois casos: se ganha-
cia de Deus” (ibid., n.° 463). No entanto, ele descre- res, ganharás tudo, se perderes não perderás nada. Então não
veu doze “provas” do cristianismo: hesita; aposta que ele existe...
Confesso, admito isso, mas na verdade será que não há
1. ... religião cristã, pelo fato de ser estabelecida maneira de ver quais são as cartas? Sim. As Escrituras e 0 resto
tão firme e gentilmente, apesar de tão contrá- etc. Sim, mas minhas mãos estão amarradas e meus lábios,
ria à natureza;
selados; estou sendo forçado a apostar e não sou livre; estou
2. a santidade, sublimidade e humildade de uma
preso e por natureza não posso crer. O que queres de mim en-
alma cristã;
tão? Isso é verdadeiro, mas pelo menos entende que, se és in-
3. os milagres das santas Escrituras;
capaz de crer, é por causa das tuas paixões, já que a razão te
4. Jesus Cristo especificamente;
impele a crer e no entanto não consegues. Concentra-te então
5. os apóstolos especificamente;
em não te convenceres por provas numerosas da existência de
6. Moisés e os profetas especificamente;
Deus, mas pela redução das tuas paixões. Queres encontrar a fé
7. 0 povo judeu;
e não conheces 0 caminho. Queres ser curado da descrença e
8. profecias;
9. perpetuidade: nenhuma religião desfruta de
pedes pelo remédio: aprende com os que foram presos como
perpetuidade; tu e que agora apostam tudo que têm. Estas são as pessoas que
10. doutrina, explicando tudo; conhecem 0 caminho que queres seguir, que foram curadas da
1 1 . a santidade dessa lei, e aflição da qual começaram. Comportaram-se como se cres-
12. a ordem do mundo (ibid., n.° 482). sem, tomando água benta, encomendando missas, e assim por
diante. Isso te fará crer naturalmente, e te tornará dócil. Mas é
Algumas dessas evidências Pascal discute exten- disso que tenho medo. Mas por quê? O que tens a perder? No
samente. A prova baseada na profecia abrange Pensa- entanto, para te mostrar que esse é 0 caminho, a verdade é que
mentos n.° 483-511. Ele observa a natureza sobrenatu- isso diminui as paixões que são teus maiores obstáculos...”
ral das profecias, já que “escreveram essas coisas mui- Digo que ganharás mesmo nesta vida, e que a cada passo
to antes de acontecerem” (ibid., n.° 484). Indica sua que tomares nesse caminho verás que teu ganho é tão certo e
especificidade, citando a previsão feita por Daniel so- teu risco tão insignificante que no final perceberás que apos-
bre em que ano 0 Messias morreria (ibid., n.° 485). taste em algo certo e infinito pelo qual não pagaste nada.
Com relação à profecia messiânica, ele descreve vári-
as previsões detalhadas, tais como 0 precursor de Cris- Segundo a aposta de Pascal, ninguém perde ao
to (Ml 3), seu nascimento (Is 9; Mq 5) e sua obra em apostar que Deus e a imortalidade existem. Mesmo
Jerusalém para cegar os sábios e estudiosos, Isaías 6, 8, que não se possa provar a existência de Deus ou do
29 (ibid., n.° 487) (v. profecia como prova da B íblia). pós-vida, é uma boa aposta acreditar neles. Não te-
Aposta de Pascal. Em P ensam entos, ofereceu a mos nada a perder. Se Deus não existe, a vida do
Aposta. Supondo, como Pascal, que não podemos crente é uma vida maravilhosa de qualquer forma.
saber com certeza somente pela razão se Deus existe
Se ele existe, muito mais ainda. Além dessa vida ser
ou 0 que está além desta vida, como devemos viver
maravilhosa, a próxima será ainda melhor. Então,
nesta vida? Qual a probabilidade de haver um Deus
crer em Deus e na vida futura é uma boa aposta,
e uma pós-vida? Pascal escreveu:
tanto para esta vida quanto para a futura.
A aposta não pode ser evitada. Devemos crer em
Ou Deus existe ou não existe. !Mas para que lado nos incli-
Deus ou não crer nele. Já que não podemos deixar de
naremos? A razão não pode decidir essa questão. 0 caos infini-
apostar, a probabilidade está surpreendentemente a
to nos separa. Na extremidade dessa distância infinita uma
moeda é lançada que dará cara ou coroa. Qual será tua aposta? favor de Deus.
A razão não pode fazer-te escolher nenhuma delas, a razão não O jogo da vida deve ser jogado. Mesmo os que
pode provar que qualquer uma das duas esteja errada... dão fim à própria vida devem jogar; eles apenas en-
Sim, mas deves apostar. Não há escolha, já estás compro- curtam a duração do jogo. Mas supor que não há
metido. Qual escolherás então? Vejamos: já que uma escolha Deus além da sepultura é uma aposta arriscada —
deve ser feita, vejamos qual te oferece 0 menor interesse. que não vale a pena fazer. Porém supor que há um
Pascal, Blaise 692

Deus é uma aposta que não vale a pena deixar de também não é uma crítica da Aposta. No máximo
fazer. Pois crer que há um Deus traz recompensas excluiria apenas os que acreditam em Deus por cau-
nesta vida com certeza e possivelmente na próxima. sa dela. Além disso, 0 argumento é baseado numa
Mas supor que não há Deus traz infelicidade nesta visão falha do caráter de Deus. Nenhum Deus mo-
vida e a possibilidade de mais infelicidade no futu- ralmente digno, sem falar do Deus racional, castiga-
ro. Nas palavras do próprio Pascal: ria alguém que usa a sabedoria para pensar sobre
seu destino final.
Isso não deixa escolha; onde houver infinitude, e não hou- 0 ateu George H. Smith argumenta que se perde
ver uma infinidade de probabilidades de perder ao invés de muito ao fazer tal aposta:
ganhar, não há espaço para hesitação, deves dar tudo.
0 que temos a perder? Integridade intelectual, auto-esti-
A valiação. Sua abord ag em é fideísta (v. fideísmo). ma e uma vida passional e satisfatória, antes de mais nada. Em
Pascal, apesar de enfatizar 0 coração e a fé, não é um resumo, tudo que torna a vida agradável. Longe de ser uma
fideísta. Em P ensam entos n.° 149, ele coloca na boca aposta segura, a aposta de Pascal exige a aposta da vida e feli-
de Jesus estas palavras: cidade da pessoa (Smith, p. 184).

Não quero que creias em mim submissamente e sem ra- Mas não está tão claro que seja esse 0 caso. O
zão; não pretendo subjugar-te pela tirania. Nem afirmo expli- próprio Pascal foi um homem de grande intelecto e
car tudo [...]Quero mostrar-te,por meio de provas claras e con- grande integridade, como a maioria de seus inimi-
vincentes, as marcas da divindade em mim que te convencerão gos está disposta a admitir. E certamente é falso afir-
do que sou, e estabelecer minha autoridade pelos milagres e mar que Pascal e outros cristãos inteligentes não
provas que não podes rejeitar, de forma que crerás nas coisas têm uma “ vida satisfatória” . Na verdade, isso é parte
que ensino, não encontrando razão para rejeitá-las exceto tua da aposta de Pascal, ou seja, que não temos nada a
própria incapacidade de reconhecer se são verdadeiras ou não.
perder, já que só essa vida de fé — mesmo que Deus
Isso obviamente não é fideísmo.
não exista — é eminentemente satisfatória. Final-
mente, Smith ignora 0 ponto principal de Pascal: 0
Seu arg u m en to com b a se na p r o fe c ia é fa lh o . A
crente também aguarda a recompensa eterna. “ Tudo
visão de Pascal foi submetida a sérias críticas no
a ganhar e nada a perder” ; a incredulidade tem difi-
século xvni. 0 deísta François-Marie V oltaire (1694-
culdades para refutar Pascal.
1778) é típico. Com relação aos milagres, Voltaire
É possível desafiar a premissa de que os crentes
escreveu: “ Nenhuma das profecias que Pascal men-
não têm nada a perder. Se não há Deus, os cristãos se
cionou pode ser aplicada honestamente a Cristo; e
submetem a uma vida de sacrifício por nada (2C0
sua discussão sobre milagres era absurda” (Torrey, p.
11.22-28; 2Tm 3.12). Eles perderam uma boa dose de
264). No entanto, como vemos no artigo profecia como
alegria por ser crentes. Mas, levando em conta que 0
prova da B íblia, as perguntas dos deístas podem ser
crente tem verdadeira alegria e paz, perdão e espe-
respondidas e 0 argumento de Pascal pode ser vin-
dicado como defesa do cristianismo. rança, mesmo em meio ao sofrimento (Rm 5, Tg 1),
Suas p o siçõ es n ã o eram ilu m in adas. Voltaire, na essa não é uma alegação convincente.
vigésima quinta carta filosófica, declarou que a posi- No entanto, a aposta não é prova da existência de
ção de Pascal sobre a queda, redenção, providência Deus, mas um caminho de prudência. Ela apenas
divina, predestinação e graça não era nem iluminada mostra que é tolice não acreditar em Deus. Resta a
nem humanitária e que ele incentivava 0 fanatismo. questão se 0 caminho “sábio” leva à verdade.
Quanto à “Aposta” de Pascal, Voltaire ficou cho-
cado que ele recorreresse a tal meio para provar a Fontes
existência de Deus. Se “os céus proclamam a glória D. A da m so n , Blaise Pascal: mathematician, physicist,

de Deus” , por que Pascal rebaixaria a evidência eter- and thinker about God.

na de Deus na natureza (v. Deus, evidências de)? W. K a u f m a n n , Critique o f religion and philosophy.

Certa vez, Walter Kaufmann, professor da Uni- P. Krf.f.ft, Christianity for modern pagans: Pascal’s

versidade de Harvard, afirmou em tom de zombaria pensées.

que talvez 0 Deus de Pascal “ ultrapassasse Lutero” . B. P a s c a l , Pensées.

Isto é,“ Deus poderia castigar aqueles cuja fé é inspi- “Pascal, Blaise” , em F. L. C ross , et al‫ ״‬orgs., The
rada pela prudência” (Kaufmann, p. 177). Mas isso Oxford d iction ary o f the Christian church, I ‘ ed.
693 Páscoa, conspiração da

R. H. P o p k in , “ Pascal” , em P. Edwards, org., A natureza da profecia sobrenatural. Ao contrário


Encyclopedia o f philosophy. da “conspiração da Páscoa” , a profecia messiânica é
G. H. S m it h , Atheism: the case against God. sobrenatural (v. profecia como prova da B íb lia ). E, no caso
H. F. S t ew a r d , Pascal's apology fo r religion. de Cristo, há muitas razões pelas quais ele não poderia
N. T o r r ey , “ Voltaire, François-Marie Arouet De” , em ter manipulado eventos para dar a entender que cum-
P. E dw a rds , ed., Encyclopedia o f philosophy. prira todas as previsões sobre 0 Messias do at.
C. C. J. W e b b , Pascal’s philosophy o f religion. Antes de mais nada, isso era contrário ao seu
caráter honesto, como mencionado acima. Presume
Páscoa, conspiração da. A h ip ótese d a conspiração que ele era um dos maiores enganadores de todos os
d a P áscoa. The Passover plot [A conspiração da Pás- tempos. Pressupõe que ele não era nem mesmo uma
coa] é um livro do teólogo radical do n t H. J. pessoa boa, muito menos 0 homem perfeito que os
Schonfield, que propôs que Jesus foi um conspira- evangelhos afirmam ser. Há várias linhas de evidên-
dor messiânico inocente que armou um “esquema” cia que se unem para demonstrar que essa é uma
para “cumprir” profecias e substanciar suas alega- tese completamente implausível.
ções (Schonfield, p. 35-8). De acordo com a conspi- Segundo, não existe a possibilidade de Jesus ter
ração, Jesus secretamente “ tramou em fé” (ibid., controlado tantos eventos necessários para 0 cum-
p.173), maquinou com um jovem, Lázaro, e José de primento das profecias do A t sobre 0 Messias. Por
Arimatéia, para fingir a morte na cruz, ser reani- exemplo, ele não tinha controle sobre onde nasceria
mado no túmulo e demonstrar aos seus discípulos (Mq 5.2), sobre como nasceria (Is 7.14), quando
(que não sabiam da conspiração) que ele era 0 morreria (Dn 9.25), de qual tribo (Gn 49.10) e linha-
Messias. No entanto, 0 plano deu errado quando os gem seria (2Sm 7.12), e várias outras coisas.
soldados romanos perfuraram 0 lado de Jesus e ele Terceiro, somente de forma sobrenatural Jesus
morreu. Os discípulos, todavia, confundiram ou- poderia ter manipulado os eventos e as pessoas na
tras pessoas com Cristo alguns dias depois e acre- sua vida a fim de que reagissem exatamente da
ditaram que ele havia ressuscitado dos mortos maneira necessária para fazer parecer que ele es-
(Schonfield, p. 170-2). tava cumprindo todas essas profecias, incluindo a
Um d esafio à conspiração da Páscoa. Se verda- proclamação de João (M t 3), as reações de seus
deira, a “conspiração da Páscoa” refutaria 0 cristia- acusadores (Mt 27.12), como os soldados lançaram
nismo ortodoxo, que toma por base a crença de que sorte para levar suas vestes (Jo 19.23,24) e como
Jesus realmente era 0 Messias que cumpriu sobrena- traspassariam seu lado com uma lança (Jo 19.34).
turalmente as profecias do a t morreu na cruz e res- Na realidade, até Schonfield admite que a conspi-
suscitou dos mortos três dias depois (1C0 15.1-5). Sem ração falhou quando os romanos perfuraram Cris-
essas verdades básicas, não há cristianismo histórico to. O fato é que qualquer pessoa com todo esse
( 1 C0 15.12-18). Logo, é obrigação do apologista evan- poder manipulador teria de ser divina — exata-
gélico refutar a hipótese da conspiração da Páscoa. mente 0 que a hipótese da Páscoa tenta evitar. Em
Pelo menos três dimensões básicas da apologética resumo, é preciso um milagre maior para crer na
tradicional são questionadas por essa suposta cons- conspiração da Páscoa que para aceitar que as pro-
piração: 0 caráter de Cristo, a natureza sobrenatural fecias são sobrenaturais.
das predições messiânicas e a ressurreição de Cris- A ressurreição de Cristo.“A conspiração da Pás-
to. Elas serão avaliadas nessa ordem. coa” oferece um cenário implausível como alternati-
O caráter de Cristo. Se a suposta conspiração for va para a ressurreição de Cristo. Isso se dá por várias
verdadeira, Jesus não era nem um pouco “inocente” . razões. Primeira, é contrária aos registros dos evange-
Era um conspirador messiânico, dissimulado e en- lhos, que são comprovadamente confiáveis (v. Novo
ganador. Pretendia enganar seus discípulos mais pró- Testam ento, historicidade do ), tendo sido escritos por
ximos fazendo-os crer que era 0 Messias, quando na testemunhas oculares e contemporâneos dos even-
verdade não era. Mas essa tese é contrária ao caráter tos. Segunda, ignora totalmente 0 testemunho pode-
de Cristo conhecido pelos registros dos evangelhos, roso da ressurreição de Cristo (v. re s s u rre iç ã o , evi-
que são comprovadamente confiáveis (v. Novo T f.$~ dências d a), incluindo: 1 ) um túmulo permanente-
tam ento, m anuscritos do; Novo Testam ento, historicidade mente vazio; 2 ) mais de quinhentas testemunhas
do; N ovo Testam ento, datação do). O Jesus dos evange- oculares ( 1 C0 15:5-7); 3) cerca de doze aparições
lhos é 0 exemplo perfeito de honestidade e integri- físicas de Cristo no mesmo corpo marcado pelos
dade (v. C risto , singularidade de). cravos (Jo 20.27), 4) distribuídas durante 0 período
Pentateuco, autoria mosaica do 694

de quarenta dias (At 1.3), 5) durante os quais Jesus Daniel 9.11 e Malaquias 4.4. Jesus citou 0 Pentateuco,
comeu com eles pelo menos quatro vezes e os ensi- atribuindo a fonte a Moisés em ,Marcos 7.10 e Lucas
nou sobre 0 Reino de Deus; 6) a transformação, da 20.37. A maioria dos críticos modernos nega a auto-
noite para 0 dia, de discípulos medrosos, céticos, ria mosaica e atribui as obras a um grupo complexo,
divididos, na maior sociedade missionária que 0 muito posterior, de escribas e editores sacerdotais.
mundo jamais conheceu! O objetivo era evitar os registros dos livros sobre
Conclusão. “A conspiração da Páscoa” é na verda- ocorrências sobrenaturais e autoridade divina (v.
de um cenário implausível, baseado em pressuposi- B íb lic a , c r ític a ; edição do A ntigo T estam ento , crítica de;
ções injustificadas e contrário a muitos fatos conhe- W ellh a u sen , J u l iu s ).
cidos. Por exemplo, ela supõe: 1) datas recentes Já no século xvn, Baruch E spin o s a negou que
injustificadas para os evangelhos (v. Novo Testamento,
Moisés escrevera 0 Pentateuco. Muitos estudiosos
datação do ); 2 ) um preconceito anti-sobrenaturalista
críticos uniram-se a ele no século xix. Julius
(v. m ila g re ); 3) um caráter falho de Cristo (v. C risto ,
Wellhausen afirmou que os cinco primeiros livros
sin gularid ad e de); 4) a ingenuidade incrível dos seus
foram escritos por várias pessoas, e nomeou as partes:
discípulos; 5) casos numerosos de identificação erra-
javista (1), eloista ( e ), sacerdotal ( p ) e deuteronomista
da após sua morte (v. ressurreição, evidências da; ressur-
( d ). Características literárias supostamente distin-
reiçAo, teo rias altern a tivas da); 6) uma transformação
guiam esses autores.
milagrosa baseada num erro total.
Entre os argumentos oferecidos para demons-
De uma perspectiva positiva, a suposta conspi-
trar que Moisés não poderia ter escrito os primeiros
ração é contrária: 1 ) às datas antigas dos evangelhos;
2 ) à multiplicidade dos registros das testemunhas livros, sete foram muito usados:
oculares: 3) à verificação da história e da arqueolo-
gia (v. arqueologia do Novo T estamento); 4) ao caráter 1. Moisés não poderia ter escrito 0 registro da
conhecido dos discípulos de Jesus; 5) ao túmulo per- sua morte em Deuteronômio 34.
manentemente vazio; 6) à natureza das aparições 2. Certas partes são parentéticas, portanto de-
após a ressurreição; e 7) ao número incrível de tes- vem ter sido acrescentadas (p. ex., Dt 2.10-12;
temunhas oculares do Cristo ressurreto — mais de 2.20 23).
quinhentas. Em resumo, a tese de A conspiração da 3. Moisés ainda não estava vivo quando os even-
Páscoa é apenas mais uma bela teoria arruinada por tos de Gênesis foram registrados.
um conjunto brutal de fatos. 4. Nomes diferentes de Deus são usados em
partes diferentes, refletindo um autores dife-
Fontes rentes.
C. B l o m b er g , The historical reliability of the Gospels. 5. Os nomes de alguns lugares não são os que
G. H a b e r m a s , The historical Jesus. teriam sido usados na época de Moisés, mas
H. J. S c h o n e ie l d , The Passover plot. bem mais tarde.
E. Yamauchi, “ Passover plot or Easter triumph” , em 6. Há referência a Israel na terra prometida, mas
John W. Momgomerv, Christianity for the toughminded. Moisés morreu antes de 0 povo entrar (Dt 34).
C. W ilso n , The Passover plot exposed.
R esp o sta aos a r g u m e n to s . Os teólogos conser-
Paulo, supostas contradições entre Jesus e a re- vadores responderam que nenhum desses argumen-
ligião de. V. B íb lia , supostos erro s na; m itraísm o. tos é forte 0 suficiente para justificar as afirmações
e teorias extraordinárias que surgiram delas nos es-
pecado, efeitos noéticos do. V. noéttcüs do pfcado, tudos do A t . Há razões mais fortes para atribuir 0
efeitos; ceticismo; V agnosticismo; a fo io g é tic a , necessida- Pentateuco a Moisés.
de da; apolo gética, objeçôes à; B íb lia , c r ít ic a da; certeza/ O registro da morte de Moisés. Como Moisés era
convicção; fé e razão; Deus, objeçôi-s às provas de; Hume, um profeta (Dt 18.15; At 3.22) que possuía dons e
David; K a n t , Lm.manuei.; m ilagres, v a lo r ap ologético dos. habilidades milagrosos (v., p. ex., Êx 4), não há razão
para ele não poder escrever 0 registro da sua morte
Pentateuco, autoria mosaica do. A Bíblia atribui de antemão (v. m ila g r e s , valor apologético dos ).
os primeiros cinco livros da Bíblia, Gênesis, Êxodo, No entanto, como não há sinais no próprio texto
Levítico, Números e Deuteronômio, 0 Pentateuco, a de que seja uma profecia, pode ter sido escrito por
Moisés em Êxodo 24.4; Josué 1.7,8; Esdras 6.18; seu sucessor. Teólogos como R. D. Wilson, Merrill
695 Pentateuco, autoria mosaica do

Unger, Douglas Young, R. Laird Harris, Gleason L. anexada a ela a frase “Esta é a história da ...” ou “ Este
Archer, Jr. e R. K. Harrison facilmente aceitam que 0 é 0 Registro d[e] as gerações dos...” . Essas frases ocor-
capítulo final de Deuteronômio provavelmente foi rem em todo 0 livro de Gênesis (2.4; 5.1; 6.9; 10.1,32;
acrescentado por Josué ou outra pessoa próxima a 11.10,27; 25.12,19; 36.1; 37.2), ligando-o como uma
Moisés. Isso, na verdade, apóia a teoria de continui- série de registros familiares e genealogias. Às vezes os
dade dos profetas escritores, (uma teoria segundo a registros são até chamados livro [heb.=se/er](5.1).
qual cada profeta sucessor) escreve 0 último capítu- Como líder do povo judeu, Moisés teria acesso a esses
10 do livro de seu predecessor. A adição de um capí- registros familiares da história passada e poderia tê-
tulo sobre 0 funeral de Moisés escrito por outro pro- los compilado da forma que conhecemos pelo Gênesis.
feta, segundo 0 costume da época, não altera de for- Nomes diferentes para Deus. Os críticos argumen-
ma alguma a crença de que Moisés foi 0 autor de tam que nomes diferentes de Deus em passagens
tudo até 0 capítulo final. Isso certamente não se diferentes indicam autores diferentes. Indicam
ajusta ao cenário jedp. Gênesis 1, onde 0 suposto autor eloísta (e ) usa exclu-
Seções parentéticas. As seções parentéticas em sivamente ’elohim para Deus. Mas em Gênesis 2 a
Deuteronômio 2 não precisam ser redações poste- frase Yahweh ’elohim (S e n h o r Deus) é usada. O uso de
riores. Os autores geralmente usam material edito- Yahweh (ou Javé) é considerado indício da mão do
rial (e.g., parentético) nas suas obras. Tal adição foi autor javista (j).
feita à frase anterior nesse parágrafo. Nenhum ma- Mas esse argumento é falho. O mesmo tipo de
nuscrito anterior as omite. Portanto, não há evidên- coisa ocorre no Alcorão, que é atribuído a uma fon-
cia convincente que sugira que foram acrescentadas te, Maomé. O nome Alá é usado para Deus nas suratas
por um redator posterior. 4,9,24, e 33, mas Rab é usado nas suratas 18,23, e 25
Mesmo que comentários parentéticos fossem (Harrison, p'. 517). No Alcorão os nomes são usados
acrescentados ao texto, isso não mudaria nada que em capítulos diferentes. Em Gênesis eles estão espa-
Moisés escreveu no restante do texto, nem depreci- lhados no mesmo capítulo ou seção, levando a algu-
aria sua afirmação de autoria do texto inspirado. ma separações incríveis do texto. Até os eruditos
Muitos teólogos evangélicos estão dispostos a admi- favoráveis à teoria jedp não conseguem concordar
tir que comentários como esses poderiam ter sido sobre as separações.
feitos por escribas posteriores para esclarecer 0 sig- A explicação mais natural é que os nomes dife-
nificado do texto. Se são adições, não são mudanças rentes de Deus são usados, dependendo do assunto e
inspiradas que estão sujeitas ao mesmo debate que do aspecto de Deus que está sendo discutido. O nome
Marcos 19.9-20 e João 8.1-11. É possível argumentar majestoso elohim é uma palavra adequada ao falar
com base na evidência interna e externa se elas de- da criação, como em Gênesis 1. Yahweh, 0 que faz
vem ser consideradas parte do texto inspirado das alianças, é mais adequado quando Deus se relaciona
Escrituras. E, como acontece com 0 texto de ljoão com pessoas, como em Gênesis 2, 3.
5.7 sobre a Trindade, se não há boa evidência, 0 texto Estilo literário. Os críticos defensores de jedp di-
deve ser rejeitado. Sem esse tipo de evidência para a zem que 0 Pentateuco reflete um estilo literário de um
passagem, parece melhor considerá-la um comen- período bem posterior. Por exemplo, 0 deuteronomista
tário editorial do próprio Moisés. Em nenhum caso (d ) usa estilo e estrutura do século vn a.c. Mas essa
a autoria mosaica do texto inspirado do Pentateuco alegação também não pode ser baseada em fatos.
é questionada. Descobertas arqueológicas mostram que a forma li-
Moisés e Gênesis. Quanto à composição de terária usada em Deuteronômio é, na realidade, uma
Gênesis, Deus poderia ter revelado a história das ori- forma antiga de todo 0 Oriente Médio. Moisés segue
gens a Moisés, como fez com outras revelações so- como esquema literário os tratados de suserania fei-
brenaturais (e.g., Êx 20). Moisés ficou no monte du- tos entre reis e seus súditos (v. Kline).
rante quarenta dias, e Deus poderia ter revelado a O argumento faz uma suposição que não é ver-
ele a história até a sua época. dadeira na história literária. Os críticos supõem que
Já que não há indicação clara no texto que foi Moisés não poderia ter escrito em mais de um esti-
isso que aconteceu, talvez haja maior razão para crer 10. Como egípcio culto, ele foi exposto a tratados de
que Moisés compilou, e não compôs, 0 registro de suserania e a todas as outras formas narrativas e
Gênesis. Há indicação de que Gênesis foi uma com- artísticas disponíveis na época. Bons autores mo-
pilação de documentos familiares e história oral que dernos mudam de estilo e forma conforme desen-
foram cuidadosamente transmitidos. Cada seção tem volvem sua arte e também para criar efeito. Às vezes
Platão 696

eles podem usar formas diferentes num única obra. improvável para qualquer pessoa além de Moisés,
Um exemplo notável é C. S. L ewis . Os críticos da Bí- que passou quarenta anos como pastor, e mais qua-
blia ficariam loucos se fossem confrontados com 0 renta anos como líder nacional, na região. O mesmo
nome de um mesmo autor em histórias infantis, crí- argumento pode ser usado para as reflexões deta-
ticas literárias profundas, análises escolásticas, sáti- lhadas dos costumes e práticas de uma variedade de
ras alegóricas, ficção científica, narrativa biográfica, povos descritos em todo 0 Pentateuco.
disputas e tratados lógicos. A afirmação interna do livro é que “Moisés, en-
Nomes posteriores de lugares. Nomes posteriores tão, escreveu tudo 0 que 0 Sen h o r dissera” (Êx 24.4).
de lugares são facilmente explicados como inser- Se não escreveu, é uma fraude. O sucessor de Moisés,
ções posteriores. Por exemplo, a cidade natal deste Josué, afirmou que Moisés escreveu a Lei. Na verda-
autor era chamada Van Dyke, Michigan, mas hoje é de, quando Josué assumiu a liderança, relatou que
encontrada no mapa com 0 nome de Warren. fora exortado por Deus: “Não deixe de falar as pala-
Copistas posteriores podem ter atualizado os no- vras deste livro da Lei” (Js 1.8); foi-lhe ordenado que
mes de alguns lugares para as pessoas entenderem tivesse “0 cuidado de obedecer a toda a lei que 0
melhor. Josué 14.15 é quase certamente 0 caso, já que meu servo Moisés lhe ordenou” (1.7). Depois de
entrou no texto uma anotação parentética, que diz: Josué, uma longa sucessão de personagens do A t atri-
“ Hebrom era chamada Quiriate-Arba, em homena- buiu os livros da lei a Moisés, entre eles Josias (2Cr
gem a tiba, 0 maior homem entre os anaquins)” . 34.14), Esdras (Ed 6.18), Daniel (9.11) e Malaquias
Possessão da terra. Deuteronômio 2.12 refere-se (4.4). Jesus e os autores do N t também atribuíram
a Israel na “ terra da sua possessão” , 0 que só aconte- palavras a Moisés. As Escrituras em outros contex-
ceu depois da morte de Moisés. Logo, argumenta-se tos referem-se ao Pentateuco como os livros ou lei
que Moisés não poderia ter escrito essas palavras. de Moisés.
Como os comentaristas do A t Kei e Delitzsch Citando Êxodo 20.12, Jesus usou a introdução:
concluíram, essa referência é à terra a leste do rio “ Pois !Moisés disse” (Mc 7.10; cf. Lc 20.37). O apósto-
Jordão (Gileade e Basã), territórios que foram con- 10 Paulo declarou que “Moisés descreve desta forma
quistados pelos israelitas sob a liderança de Moisés a justificativa que vem da Lei: Ό homem que fizer
e divididas entre as duas tribos e meia, e que é des- estas coisas viverá por meio delas’” , quando citou
crita no cap. 111.20 como a ‘possessão’ que Jeová dera Êxodo 20.11 (Rm 10.5). Portanto, há confirmação da
a essas tribos (Kiel e Delitzsch, ...1.293). autoria mosaica por Jesus, que por meio de milagres
E, sendo uma referência parentética, 2.12 pode- comprovou ser 0 Cristo, 0 Filho de Deus (v. C ris to ,
ria ter sido uma inserção não-mosaica posterior DIVINDADE DE; MILAGRES, VALOR APOLOGÉTICO DOS). E h á aU ‫־‬
ao texto original. Seja qual for a evidência que isso toridade apostólica, que também foi confirmada (v.
fornece de edição posterior, não apóia a autoria MILAGRES NA B (B LI a ).
jedp nem nega a autoria mosaica do texto inspirado
original. Fontes
Autoria m osaica do Êxodo. Há forte evidência G. L. A r c h e r , Jr., Merece confiança 0 Antigo Testa-
de que Moisés tenha escrito Êxodo. Inicialmente, mento?
nenhuma outra pessoa conhecida daquele período F l Av io J osefo , Antigüidades dos judeus.
tinha 0 tempo, interesse e habilidade de compor tal ___ , Contra Ápion.
registro. Segunda, Moisés foi uma testemunha ocu- N. L. G e is l e r e W. E. Mix, Introdução bíblica.
lar dos eventos do Êxodo até Deuteronômio e, as- R. K. H a r r is o n , Introduction to the Old Testament.
sim, era singularmente qualificado. Na verdade, 0 C. F. K e il e F. D e litz sch , Commentary on the Old
registro é um relato vivido de uma testemunha ocu- Testament, v. 1
lar de eventos espetaculares, tais como a travessia M. Kline, Treaty o f the great king.
do mar Vermelho, 0 recebimento dos mandamentos M. Unger, Introductory guide to the Old Testament.
e as peregrinações.
Terceira, pelos registros rabínicos conhecidos mais Pi e a Bíblia. V. B íb lia , supostos erro s να.
antigos, esses livros foram unanimemente atribuídos
a Moisés. Esse é 0 caso do Talmude, assim como das Platão. V id a e o b ra s d e P la tã o . Platão nasceu em
obras de autores judaicos como F ilon e J osefo. 428 a.C., ano da morte de Péricles. Tornou-se díscí-
Quarta, 0 autor reflete 0 conhecimento detalhado pulo de Sócrates aos dezesseis anos. Platão tinha 29
da geografia do deserto (v., p. ex., Êx 14). Isso é muito anos quando seu mentor morreu.
697 Platão

Sua carreira literária é dividida em quatro perí- compartilham uma Forma ou Essência de humani-
odos. No primeiro período ele escreveu Apologia de dade. E humanidade existe como a Forma pura no
Sócrates, Crito, Protágoras e República (Livro 1). No mundo real, 0 mundo espiritual por trás do mundo
segundo período compôs Crátilo, Górgias e Lísis. En- material. E cada uma dessas Formas puras vêm da
tre 0 segundo e terceiro períodos, fundou sua Aca- Forma que contém todas as Formas em sua nature-
demia. No terceiro período produziu Mênon, Fédon, za absolutamente perfeita.
Fedro, Simpósio e 0 restante de República. Antes do Visão platônica de Deus. Para Platão, Deus não
seu último período literário, nasceu seu famoso pu- era a Forma absoluta (agathos), mas 0 Formador (0
pilo, A ris tó t e le s , quando Platão tinha 43 anos. No seu Demiurgo). Seu argumento para 0 Demiurgo (For-
quarto e último período de composição literária, mador do mundo) assumiu a seguinte forma: 1) 0
Platão escreveu Parmênides, Tecteto, 0 sofista, 0 esta- cosmo seria 0 caos sem formas. A matéria pura sem
dista, Filebo, Timeu, Crítias e Leis. estrutura é disforme. 2) 0 caos (sem forma) é malig-
Alexandre, 0 Grande, nasceu quando Platão tinha 72 no, e 0 cosmo (forma) é bom. 3) Todas as formas do
anos (em 347 a.C.). Apenas quatorze anos mais tarde bem no mundo vêm de um Formador Bom além do
(em 333 a.C.) Alexandre começou a conquistar 0 mun- mundo (0 caos não pode se transformar no cosmo).
do e espalhar com isso a linguagem e a cultura grega 4) 0 Formador não pode fazer formas boas sem uma
que dominam grande parte da filosofia desde então. Forma do Bem como padrão. 5) A Forma segundo a
Epistem ologia de Platão. Platão acreditava em qual formas mutáveis são formadas deve ser uma
idéias inatas. Na verdade, cria que essas eram as idéias Forma imutável. Apenas 0 imutável pode ser a base
que a mente contemplara no mundo das Formas pu- para 0 mutável. Apenas 0 Inteligível (Ideal) pode ser
ras antes do nascimento. As idéias eram irredutível- a base para as Idéias. 6) Portanto, há um Formador
mente simples, formas eternas (eidos) que fluíam da (Demiurgo) e a Forma (Bem) segundo a qual todas
única Forma absoluta, 0 Bem (agathos). Como elas as coisas são formadas.
foram contempladas pela alma no estado pré-encar- Para completar sua tríade de absolutos, Platão
nado, só era necessário recordá-las. Isso era realizado ofereceu um argumento a favor de um Primeiro
por meio de um diálogo do método dialético ilustra- Motor (ou Alma universal). Assim como a Forma é
do em Mênon, quando até um menino escravo foi necessária para explicar a fonte das Formas puras, e
capaz de fazer geometria euclidiana simplesmente por 0 Formador é necessário para explicar a existência
lhe fazerem as perguntas certas. É claro que, se alguém das coisas formadas, 0 Primeiro Motor é necessário
não acerta nesta vida, há outra encarnação. para explicar a existência de movimento no mundo.
Quando alguém raciocinava de volta ao funda- 0 raciocínio de Platão assume esta forma: 1) As coi-
mento do pensamento, encontrava os prim eiros prin- sas se movem. Isso se sabe pela observação. 2) Mas 0
cipios absolutos de conhecimento que serviam como que move é movido por outro ou se move. 3)
fundamento de todo conhecimento. Ceticismo, Automotores (almas) são anteriores aos não-
a g n o s tic is m o e relativismo (v. v e r d a d e , n a t u r e z a automotores. Pois 0 que não se move é movido pelo
a b s o lu ta d a ) são contraditórios (v. c o n t r a d it ó r ia s , que se move. 4) Automotores são eternos; senão não
a firm a ç õ e s ). haveria movimento, já que algo inerte não pode se
M etafísica de Platão. Platão acreditava que 0 mover. Platão acrescenta que: 5) deve haver dois
universo é eterno, 0 processo eterno pelo qual 0 Cri- automotores no universo, um responsável pelo mo-
ador (Demiurgo) contemplava 0 Bem (0 agathos) e vimento regular (bom) e outro pelo movimento ir-
transbordava de Formas (eidos) que informavam 0 regular (mau). 6) 0 responsável pelo movimento bom
mundo material (chaos) para sempre, formando-o é 0 melhor, porque é 0 Motor Supremo, que ele cha-
no cosmo. A criação, então, é um processo eterno de ma de Alma universal. 7) Logo, há um Motor Supre-
criação ex materia (v. c ria ç ã o , visões d a). Logo, a reali- mo (alma).
dade é um dualismo básico de Forma e matéria, ambas A influência de Platão sobre 0 p en sam en to
co-eternas. posterior. Alfred North W h it e h e a d disse que a filoso-
Como Platão estabeleceu na famosa analogia da fia ocidental é uma série de notas de rodapé sobre
caverna na República, 0 mundo físico é um mundo Platão. Isso é em grande parte verdadeiro. Influênci-
de sombras. 0 mundo real é 0 mundo espiritual das as específicas são manifestas em Plotino, A g o stin h o ,
Formas puras. Cada coisa física é estruturada ou for- no gnosticismo, no a sceticism o , no m isticism o, no
mada por essas Formas ou universais, ao contrário inatismo, no dualism o, na a le g o r ia e no panenteísmo.
do nominalism o, que nega a realidade dos universais e Como Platão defendia uma forma de deísmo fin ito ,
essências. Por exemplo, todos os seres humanos John Stewart M il l , William J am es , Brightman, Peter
Platão 698

Bertocci, Whitehead e Charles H a r ts h o rn e também qual as pessoas certamente vão após a morte. Platão
foram influenciados por Platão. Da mesma forma, propôs a existência de um céu e de um inferno .
Friedrich S c h le ie rm a c h e r, Adolph Harnack e outros Capacidade intelectual inata. A maioria dos
liberais e humanistas (v.humanismo s e c u la r ) que acre- apologistas cristãos acredita que há uma capacida-
ditam na perfectibilidade inerente do homem ori- de inata, dada por Deus, na mente humana. Não nas-
ginam-se de Platão, que acreditava que conhecer 0 cemos absolutamente vazios, mas com certas capa-
bem é fazer 0 bem. A salvação vem pela educação. cidades e habilidades racionais dadas por Deus. Isso
U m a av alia çã o das visões d e Platão. As visões de se manilesta na universalidade de primeiros princí-
Platão têm muitos valores duradouros. Uma lista in- pios, tais como a le i da não -co n trad icão .
completa incluiria pelo menos os fatores a seguir. Dimensões negativas. A despeito das muitas ca-
Dimensõespositivas. Há vários valores positivos no pen- racterísticas positivas do sistema platônico, muitas
sarnento de Platão, muitos dos quais foram úteis para ex- das idéias de Platão são uma frustração contínua para
pressar e defender a té cristã. Entre eles estão os seguintes: 0 cristianismo. Algumas delas são dignas de nota.
F u x d a c io x a lis m o . A defesa que Platão fez dos primei- Dualismo metafísico. Ao contrário do cristianis-
ros princípios tem sido muito útil para os apologistas mo, que afirma a criação monárquica ex nihilo (do
cristãos no argumento contra 0 a g n o s ticism o e 0 nada), Platão afirmou um dualism o de criação ex
convencionalismo.
materia, a partir de matéria preexistente (v. cria çã o ,
Verdade como correspondência. Como outros fi- visões d a). Logo, para Platão 0 universo material é
lósofos clássicos, Platão definiu verdade a como cor- eterno, não temporal como acreditam os cristãos,
respondência, dando assim apoio à convicção cristã apresentando boa evidência para apoiar sua tese (v.
de que a verdade metafísica é 0 que corresponde à
k a l a m , argum ento cosm ológico; b ig - b a x g , te o ria do).
realidade. A verdade é objetiva e não meramente
Deísmo finito. Ao contrário do Deus teísta do cris-
subjetiva (v. verdade, n atu rez a da).
tianismo que é infinito em poder e perfeição, 0 Deus
Absolutismo epistemológico. Além de a verdade ser
de Platão era finito. Mas há boa evidência para de-
objetiva para Platão, também era absoluta. Os argu-
monstrar que Deus é infinito.
mentos de Platão ainda são usados por apologistas
Dualismo antropológico. Um dos legados mais du-
cristãos para defender sua fé na verdade absoluta.
radouros e perturbadores de Platão entre os cristãos é
Absolutismo moral. Platão também acreditava em
sua visão dualista dos seres humanos. Segundo Platão,
valores absolutos. Isso igualmente está de acordo
0 homem c uma alma e só tem corpo. Na verdade, para
com a tarefa da apologética cristã de defender abso-
ele os seres humanos estão presos em seus corpos.
lutos morais (v. absolutos m orais).
Disso resultam 0 asceticismo (negação do corpo) e a
E s s e x c i a l i s m o ético. Além de acreditar em absolu-
alienação, e 0 cristianismo não apóia nenhuma das
tos morais, Platão afirmou que eles estão ancorados
duas posições.
na natureza imutável da Forma (0 Bem).
Alegorismo. Pelo fato de acreditar que a matéria
Universais. Ao contrário do nom inalism o, Platão
era menos real e pior que 0 espírito, Platão depreciou
argumentou, como fazem os cristãos ortodoxos, que
a interpretação literal das coisas. Xo campo da inter-
há universais e essências. Xa realidade, é parte da fé
pretação isso leva a procurar 0 significado espiritual
cristã que Deus tem uma essência e três pessoas e
que Cristo tem duas essências ou naturezas unidas ou místico mais profundo do texto. Isso deu origem
numa pessoa (v. C risto , divindade de). ao neoplatonismo (v. P lo t in o ) e à alegoria medieval (v.
O rígenes), problema que ainda assedia a igreja cristã.
Argumentos afavor da existência de Deus. As pro-
vas que Platão ofereceu para a existência de Deus Inatismo. Apesar de Platão indicar corretamente
foram predecessoras das formas cristãs posteriores uma dimensão inata da mente humana, muitos cris-
do argu m ento cosmológico ou do argumento da per- tãos, seguindo Tomás de Aquino, rejeitam a crença
feição (v. Deus, evidências de) usadas por A g o stin h o , de Platão nas idéias inatas. Alguns grandes pensado-
Anselm o e Tomas de Aquino. res cristãos, como Agostinho, chegaram ao ponto de
Imortalidade. Platão defendeu 0 que todos os cris- afirmar a idéia concomitante de Platão da recorda-
tãos ortodoxos acreditam, ou seja, que os seres hu- ção dessas idéias de uma existência prévia, e mais
manos têm uma dimensão espiritual em sua com- tarde tiveram de abandoná-la.
posição, que é imortal (v. im o rtalid ad e). Reencarnação. O conceito platônico de reencar-
A vida além desta. Outra dimensão do pensa- nação, como os conceitos orientais, foi condenado
mento de Platão que é aceitável para os cristãos é pela igreja cristã e é refutado por boas evidências,
sua crença no mundo espiritual além deste, para 0 bíblicas e racionais (v. reen carn ação ).
699 Plotino

Otimismo humanista. De certa forma Platão é 0 0 Uno é absolutamente simples, isto é, não tem
pai do humanismo ocidental (v. humanismo s e c u la r). partes; e é absolutamente necessário, isto é, deve exis-
Sua crença de que os seres humanos são aperfeiçoáveis tir. O Uno não “surgiu” simplesmente, mas existe por
pela educação é contrária ao ensinamento das Escri- necessidade. Essa Unidade absoluta deve existir, por-
turas e à experiência humana universal. que a multiplicidade pressupõe uma unidade anteri-
Dilema pluralista. Como outros filósofos que se- or. Só podemos saber 0 que é muitos se conhecermos
guem Parmênides, Platão jamais resolveu 0 proble- 0 Uno. “... deve preceder Realidade e ser seu autor”
ma da unidade e da diversidade (v. monismo). Ele aca- (Enéadas, 6.6.13; todas as outras citações são dessa
bou com várias Formas irresoluvelmente simples fonte). Assim, ele é a fonte absoluta de existência. Está
que não podiam diferir umas das outras de maneira além da existência e é anterior a ela.
real (v. p lu ralism o m etafísico). O indescritível e incognoscível. Plotino argumenta
que 0 Uno transcende tudo de que é a fonte, que é
Impropriedade teológica. Alguns cristãos vêem mais
tudo na realidade: “Certamente esse Absoluto não é
verdade cristã em Platão do que realmente existe. A
nada das coisas que se pode afirmar sobre ele —
tríade de Platão, Forma, Formador e Alma do mundo,
não tem existência, nem essência, nem vida — já
não é de forma alguma a T rindade cristã, como alguns
que é 0 que transcende a todas essas coisas” . Até seu
afirmaram. Para começar, duas delas (a Forma e a Alma
próprio nome, ele transcende: “E esse nome contém
do mundo) sequer são pessoas no sentido significante
na verdade nada mais que a negação da pluralidade
do termo. Além disso, os elementos da tríade não com-
[...] Se fôssemos levados a pensar positivamente so-
partilham uma única natureza. bre ele, nome e coisa, haveria mais verdade no silên-
Além disso, Platão e os outros filósofos gregos ja- cio” (3.8.101).
mais uniram seu Deus e seu princípio metafísico mais Se 0 Uno é verdadeiramente indescritível, por que
elevado, como os cristãos (v. Gilson). Em Platão, por Plotino tenta descrevê-lo? Sua descrição, diz ele, é um
exemplo, 0 Bem é 0 maior princípio metafísico, mas chamado à visão, que impele em direção ao Uno.
0 Bem não é identificado com Deus. Pelo contrário, 0 Podemos saber algo sobre 0 Uno por meio de sua
Demiurgo, que é inferior ao Bem, é Deus no sistema descendência, existência (6.9.5). Apesar de não po-
de Platão. dermos falar dele ou conhecê-lo, podemos falar ou
saber algo sobre ele em termos do que veio a partir
Fontes dele. Devemos lembrar, no entanto, que nossas pala-
E. G ilso n ‫־‬, God and philosophy (cap. 1) vras e pensamentos são apenas indicadores, não re-
J. O w l n s , A history o f ancient western philosophy. almente descritivos, mas apenas evocativos.
P latão, República Níveis de realidade. Nous. O primeiro nível de
___ , Apologia de Sócrates. realidade é Nous (“Mente” ). Nous é a Mente Divina; é
___ , Timeu. Deus, mas não 0 Deus mais elevado. É Existência
___ , Leis.
pura. Das emanações dele, Nous é a primeira (5.1.4,
A. E. T a y l o r , Plato: the man and his works.
8 ). Quando 0 Uno emana, e esse emanante se volta
para a fonte, surge a dualidade simples do Conhece-

platônica de Deus, visão. V. cosmolúgico, argum ento. dor e do Conhecido (6.7.37). Essa dualidade simples
é Nous. Nous, por sua vez, origina outras emanações
ao voltar-se para si mesmo. Produz intelectos ou for-
Plotino. Nasceu no Egito (c. 205-270) e antes dos 30 mas específicas que se voltam para fora, produzindo
anos começou a estudar filosofia em Alexandria. Pos-
a alma mundial, que por sua vez produz as espécies
teriormente estudou com Amônio Saccas, mestre
das almas individuais (6.2.22; 6.7.15). O Uno, Nous, e a
de Orígenhs, durante onze anos. Plotino só começou Alma mundial formam não uma trindade, mas uma
a escrever depois de ensinar filosofia em Roma du- tríade emanacional. Deste Deus de três níveis fluem
rante dez anos. Sua obra teve extrema influência no todas as outras coisas. A criação é ex deo, emanacional
pensamento filosófico e religioso. Ele seguia a e necessariamente (v. criação, visões da).
cosmovisão do panteísmo emanacional. Alma universal. O segundo nível da realidade, a
D e u s e 0 m u n d o . Ao contrário do p anteísm o Alma universal, é uma posição média entre Nous e 0
vedanta (v. hixduísmo ve d a n ta ), Plotino acreditava que mundo corpóreo. Reflete 0 Nous e organiza 0
a existência ou realidade é múltipla, ou há muitas corpóreo. A Alma universal é até mais múltipla que
realidades. Contou três níveis ou planos de existên- Nous, pois está mais distante da Unidade absoluta
cia. Alas antes e além da existência está 0 Uno. do Único. Ela emana quando 0 Nous reflete sobre si
Plotino 700

mesmo (6.2.22). A Alma universal anima 0 universo Destino. O primeiro passo em direção à salva-
em toda sua multiplicidade, dando-lhe uma unida- ção começa no âmbito do sentido, onde alguma
de ou totalidade (3.1.4,5). unidade foi imposta pelo Ser Absoluto acima
Matéria. O terceiro nível de realidade é a mate- (1.6.2-3). Ao olhar para as "belezas do âmbito do
ria. Como todo 0 processo emanante é um desen- sentido, imagens e sombras fugitivas que entraram
volvimento necessário da unidade à multiplicidade, na matéria” , a pessoa percebe que “ há belezas mais
é preciso que 0 último estágio esteja a um passo da antigas e sublimes que essas” (1.6.3, 4). Esses obje-
inexistência completa. Plotino descreve a matéria tos do sentido nos indicam a fonte (6.9.11). Não
como não-existência, mas acrescenta que isso não devemos parar com eles, mas ascender além de-
deve ser entendido como inexistência. Antes, a ma- les. Assim, 0 primeiro passo é do mundo sensível
téria é uma imagem de existência, ou algo mais dis- para 0 mundo intelectual de Xous.
tante ainda que uma imagem. Quanto mais distante Como 0 primeiro passo envolvia 0 movimento a
algo está da Fonte de existência, 0 Uno, menos uni- partir do externo, 0 segundo passo continua a as-
dade e existência tem (6.9.1). Como a matéria é a censão do interno, a alma, para 0 eterno, Nous. Esse
mais múltipla das formas de realidade, ela “não tem movimento é da alma inferior à alma superior, e
vestígio de bem em si” (1.8.7). Já que a Unidade ab- depois para Nous, que está acima da alma. A mente
soluta é absolutamente boa, cada nível mais distante humana deve identificar-se com a Mente. Conhece-
de multiplicidade é pior e capaz de maior mal (1.8.5). dor e conhecido devem tornar-se um. Isso é feito
A matéria não tem nenhum bem em si, mas tem a por meio da meditação. Mesmo agora, no entanto, a
capacidade para 0 bem. A matéria não é 0 mal puro. Unidade suprema ainda não foi atingida.
É apenas privada de todo bem (1.8.3), restando-lhe O terceiro e último passo leva à união mais eleva-
apenas a mera capacidade para 0 bem. da possível — unidade com 0 Uno. Isso só pode ser
O que está além e é anterior à existência, 0 Uno, atingido pela união mística (v. misticismo) que elimina
eterna e necessariamente se desenvolve como uma toda multiplicidade, até intelecto e razão. Diz Plotino:
semente se transforma numa flor. Isso produz Nous, “Quem quer contemplar 0 que transcende 0 intelecto
ou 0 que Plotino chama de “ Um-Muitos” . Nous é 0 consegue fazê-lo quando se despoja de tudo que é do
Ser tornando-se autoconsciente, isto é, descobrin- intelecto” . 0 caminho passa além do conhecimento,
do-se. Mas quando Nous reflete sobre si mesmo, ele mesmo os objetos mais elevados do conhecimento,
produz a alma universal, ou 0 que Plotino chama chegando ao intuitivo e místico. Nesse último estágio,
“Um-Muitos” . Da Alma universal tudo mais flui, in- tudo é unidade absoluta novamente. O que emanou,
elusive matéria ou os “muitos” . retornou. Tudo que fluiu de Deus voltou e deve voltar
O ser flui da unidade para a multiplicidade. E (5.5.6; 6.9.4).
para Plotino também há um fluxo de volta à unida- A v aliação . Apesar das características positivas
de. Assim como há uma necessidade de os muitos no seu sistema (tal como a transcendência de Deus e
emanarem do Uno, há uma necessidade de os Mui- a imortalidade humana), as teorias de Plotino estão
tos retornarem ao Uno. O processo é como esticar sujeitas às mesmas críticas que outras formas de
um elástico gigante. Ele pode ser esticado até certo panteísmo. Algumas de suas premissas precisam de
ponto antes de voltar à origem. uma avaliação especial.
S e r e s h u m a n o s . Plotino acredita que os seres
O Uno e a não-existència. Para Plotino, 0 Ser Supre-
humanos são almas que têm corpo. O verdadeiro ser
mo (Uno) está além da existência. Mas 0 ser deve estar
é a alma eterna (v. im o rtalid a d e), que é temporaria-
no âmbito da existência ou da inexistência. Não há
mente ligada a uma casca material. Por essa ligação
nada entre algo e 0 nada. Já que 0 Ser não está no
com a matéria, a alma fica contaminada (1.2.4). Se
âmbito da existência, deve ser inexistente ou nada.
uma pessoa não se esforça para alcançar 0 bem e a
Mas Plotino afirma que 0 Ser produziu toda existên-
unidade absolutos, e ao invés disso se preocupa ape-
cia. Isso é 0 maior absurdo metafísico.
nas com a matéria, seu ser se tornará absolutamente
maligno (1.8.13). Para ser salva e obter perfeição su- Efeito e causa. No sistema plotiniano 0 efeito
prema, a pessoa deve abandonar a matéria e buscar revela ser maior que a causa. Pois 0 Uno produziu
0 Uno. A salvação consiste em vencer 0 dualismo existência, mas não tem existência. A mente emer-
entre corpo e alma. Isso normalmente exige muitos ge dele, mas ele não tem mente. Entretanto, a água
ciclos de reencarnação. Para escapar do ciclo, a pes- não pode subir além da sua fonte. Um efeito não
soa deve voltar-se para 0 interior pelo asceticismo e pode ser maior que sua causa (v. cau salid ad e, princí-
pela meditação. pio da; a n a lo g ia , principio d a).
701 pluralismo religioso

Seguindo 0 princípio da causalidade está 0 prin- 0 panteísmo é uma forma de monismo, e 0 teísmo é
cípio da analogia. Já que a causa não pode produzir uma forma de pluralismo. Os monistas têm uma no-
0 que não possui, 0 efeito deve assemelhar-se à cau- ção unívoca ou equívoca da existência (v. P lo t in o ).
sa. É claro que não pode ser idêntico, já que um é 0 Os teístas esposam a analógica da existência (v. ana-
produtor e outro 0 produzido. Um é superior. Mas, já log ia, princípio da).
que apenas existência produz existência, deve exis-
tir alguma semelhança real entre causa e efeito. A pluralismo religioso. Para entender melhor 0
Causa infinita e incausada de toda outra existência é pluralismo religioso, vários termos relacionados a
Existência, apesar de não ser finita nem ser causada. religião precisam ser distinguidos: pluralismo,
Para Plotino 0 Ser não compartilha nenhuma carac- relativismo, inclusivismo e exclusivismo:
terística com sua descendência. É totalmente “ou-
tro” . Isso viola 0 princípio da analogia (v. a nalo gia, • O pluralismo religioso é a crença de que toda
princípio da; primeiros princípios). religião é verdadeira. Cada uma proporciona um
Conhecimento do supremo. Plotino não poderia encontro genuíno com 0 Supremo. Uma pode ser
garantir qualquer conhecimento do Único. Ele está melhor que as outras, mas todas são adequadas.
além da existência e além da descrição. Todas as afir- • O relativismo (v. ve rd ad e a b so lu ta ) afirma que
mações sobre ele são negativas ou equívocas. Po- não há critérios pelos quais se possa saber qual reli-
rém, até Plotino admitiu que não podemos saber 0 gião é verdadeira ou melhor. Não há verdade objeti-
“quê” a coisa não é sem sabermos 0 “que” é. Conhe- va na religião, e cada religião é verdadeira para quem
cimento negativo pressupõe conhecimento positi- acredita nela.
vo (6.7.29; 6.9.4). • O indusivismo afirma que uma religião é expli-
R e su m o . O panteísmo emanante de Plotino co- citamente verdadeira, enquanto todas as outras são
meça na unidade, que dá origem à multiplicidade implicitamente verdadeiras.
crescente até quase atingir 0 ponto de inexistência. • O exdusivismo é a crença de que apenas uma
Então tudo volta crescentemente a uma unidade mai- religião é verdadeira, e as outras que se opõem a ela
or, até que a unidade maior é alcançada na unidade são falsas.
absoluta com 0 Uno. Aqui a pessoa se une ao Uno e
ao Todo. O cristianismo é exclusivista; afirma ser a única
Se palavras não podem expressar 0 Ser, 0 próprio religião verdadeira (v. C ris to , sin g u la rid a d e de). Isso
Plotino escreveu centenas de páginas descrevendo coloca os cristãos em confronto com os movimen-
sua teoria do absoluto. Apenas 0 silêncio verbal e tos modernos de estudar religião comparativa e bus-
mental absoluto é coerente para 0 místico (v. misti- car comunhão entre crenças. Alister McGrath per-
cismo). Mesmo linguagem evocativa ou meros indi- gunta; “ Como podem as afirmações do cristianismo
cadores não são suficientes. A não ser que indiquem ser levadas a sério se há tantas alternativas rivais e se
algo que possamos entender, ainda não temos ne- a ‘verdade’ em si se tornou uma opção desvaloriza-
nhum conhecimento. da? Ninguém pode reivindicar a possessão da ver-
dade. É tudo uma questão de perspectiva. Todas as
Fontes reivindicações da verdade são igualmente válidas.
A. A. A r m s t r o n g , The architecture o f the intelligible Não há ponto de vista universal ou privilegiado que
universe. permita decidir 0 que é certo e 0 que é errado”
E. B r e h i e r , The philosophy o f Plotinus. (Challenge ofPluralism [O desafio dopluralismo] , p. 365).
D. C l a r k e N. L. G e i s l e r , Apologetics in the new age, I g u a ld a d e e n tr e as re lig iõ e s m u n d ia is . O
cap. 4. pluralista John Hick argumenta: “ Não considero que
G . C l a r k , From Thales to Dewey. as pessoas das outras religiões mundiais estejam, em
N. L. G e i s i .f r e W. W a t k in s , Worlds apart: a handbook geral, num nível moral e espiritual diferente dos cris-
on worldviews, cap. 3. tãos” . Pois “O ideal básico de amor e cuidado pelos
P l o t in o , Enéadas. outros e de tratá-los como gostaria de ser tratado é,
na verdade, ensinado por todas as grandes tradições
pluralismo metafísico. O pluralismo afirma que a religiosas” (Hick, A Pluralisms View, p. 39). Hick ofe-
realidade é encontrada na diversidade, em vez de na rece como prova 0 fato de que afirmações seme-
unidade (v. unidade e diversidade, problema de). Ele se lhantes à “ Regra Áurea” do cristianismo podem ser
opõe ao monismo, que afirma que a realidade é única. encontradas em outras religiões (ibid., p. 39, 40).
pluralismo religioso 702

É questionável se os praticantes das religiões não- produto importado do cristianismo, por influência
cristãs realmente podem demonstrar 0 que Gálatas de pessoas como Gandi, que foram tocadas por
5.22,23 chama de “0 fruto do Espírito” : amor, alegria, princípios cristãos. Mesmo assim, ele não atingiu a
paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, compaixão cristã total de madre Teresa.
mansidão, domínio próprio. Certamente os não-cris- Encontrar um princípio moral próximo do Pre-
tãos fazem coisas boas e sentem a emoção do afeto ceito Áureo (cf. Mt 7.12) não é 0 suficiente para
que chamamos amor. E outros são gentis, bons, ge- mostrar igualdade moral. Essa é uma manifestação
nerosos e controlados. Mas eles são capazes de ma- da revelação geral, a lei escrita por Deus nos cora-
nifestar amor á g a p e ? É possível levar uma vida fi- ções de todos (Rm 2.12-15). Quando foi vivida em
lantrópica e até morrer por convicções pessoais, mas momentos de espiritualidade nacional, a moralidade
não mostrar 0 verdadeiro amor holístico baseado cristã produziu compaixão social dinâmica, enquan-
em Deus (v. 1C0 13.3). Os cristãos devem ter um tipo to religiões orientais produziram sociedades estag-
de amor qualitativamente diferente uns pelos ou- nadas e 0 islamismo produziu sociedades intoleran-
tros e sobretudo por Deus. Embora a graça comum tes (Pinnock, em Okhlam, p. 61).
de Deus capacite pessoas más a fazer 0 bem (v. Mt A análise de Hick é uma petição de princípio.
7.11), apenas 0 amor sobrenatural de Deus pode Apenas ao supor que 0 denominador comum moral
motivar uma pessoa a expressar a g a p ê verdadeiro a todas as religiões é 0 padrão pelo qual elas devem
(cf. Jo 15.13; Rm 5.6-8; 1J0 4.7). ser julgadas é que ele chega à conclusão pouco sur-
Antes que se conclua apressadamente que William preendente de que elas são todas iguais. Mas é preci-
James demonstrou a igualdade de todas as formas de so negar os aspectos superiores da moralidade ou
santidade em Varieties o f religious experiences [ Varie- ensinamento cristãos para mostrar que 0 cristianis-
d a d es d e experiên cias religiosas ], 0 livro A treatise on mo não é superior. Hick parece reconhecer isso ta-
religious affections [Tratado de sentim entos religiosos], citamente ao admitir que “a aceitação de alguma
de Jonathan Edwards, deve ser lido com atenção. forma de visão pluralista leva cada religião a não
Edwards argumenta convincentemente que manifes- enfatizar e eventualmente deixar de lado aquele as-
tações de piedade cristã são únicas, diferença situada pecto da sua autocompreensão que implica uma
no nível mais elevado da piedade cristã e não-cristã. reivindicação da superioridade singular entre as re-
Mesmo que alguém pudesse demonstrar um ligiões do mundo” (ibid., p. 51).
tipo de igualdade moral na prática entre a maioria Além disso, a manifestação moral da crença não
dos adeptos das grandes religiões, só isso não pro- resolve a questão da verdade. Por exemplo, 0 fato
varia igualdade moral entre as religiões. A pessoa de que existem mórmons externamente com boa
que pratica perfeitamente um código moral infe- conduta moral não prova que Joseph Smith foi um
rior pode parecer mais moralmente correta que a verdadeiro profeta. Na verdade, há forte evidência
pessoa que vive imperfeitamente de acordo com de que ele não foi um verdadeiro profeta (v. Tanner).
um padrão ético superior. Para fazer uma compa- Entre as evidências do contrário estão suas profe-
ração justa, é preciso comparar os ensinamentos cias evidentemente falsas (v. m il a g r e ; p r o f e c ia como
morais mais elevados das várias religiões. Além prova da B í b l i a ). Há evidência para mostrar se algo é

disso, é preciso comparar os melhores exemplos verdadeiro além do estilo de vida dos seus adeptos.
dos adeptos de cada uma. A comparação detalhada A verdade é 0 que corresponde à realidade (v. v e r -
das atitudes, objetivos e motivações, assim como ações d a d e , n a t u r e z a d a ), logo, uma religião é verdadeira

de madre Teresa e Mohandas Gandi demonstraria a se seus princípios centrais correspondem ao mun-
superioridade da compaixão cristã pelos necessi- do real, não apenas se seus seguidores vivem cor-
tados. Do lado da religião moderna, também é pre- retamente ou até mesmo melhor que os adeptos de
ciso estabelecer 0 que é inerente ao sistema moral outra religião.
de outra religião e 0 que foi incorporado a ela como Em quinto lugar, a superioridade moral do cris-
resultado da atividade missionária cristã. 0 tianismo não está em nossa imperfeição como cris-
hinduísmo como sistema não gerou compaixão so- tãos, mas na perfeição singular de Cristo como nos-
ciai em Gandi. Gandi foi um aluno do cristianismo so exemplo. Não se baseia no nosso caráter moral
que considerou seriamente a conversão. Ele pro- falível, mas no caráter impecável dele (Jo 8.46; 2C0
clamou sua admiração pelos ensinamentos de Je- 5.21; Hb 4.15; 1Jo 3.3). Nesse contexto, há claramente
sus no Sermão do Monte. A compaixão social en- uma superioridade moral do cristianismo sobre to-
contrada em algumas formas atuais do hinduísmo é das as outras religiões.
703 pluralismo religioso

Ig u a ld a d e re d e n tiv a d a s religiões. Quanto à rei- Isso significa que não importa se a pessoa é nazista,
vindicação cristã do modo superior de salvação, Hick satanista ou membro da Sociedade da Terra Plana.
acredita que tal afirmação comete uma petição de Qualquer visão seria verdadeira. Claramente, porém,
princípio ou não é verdade na prática. a sinceridade não é um teste da verdade. Muitas pes-
soas já estiveram sinceramente erradas sobre mui-
Se definirmos salvação como ser perdoado eaceito por Deus tas coisas.
por causa da morte de Jesus na cruz, torna-se uma tautologia Finalmente, isso implica que todas as reivindi-
afirmar que apenas 0 cristianismo conhece eé capaz de pregar a cações da verdade são uma questão de “tanto-quan-
fonte da salvação. [...] Se definirmos salvação como a mudança to” , em vez de “ou-ou” . Com esse raciocínio poderi-
humana real, atransformação gradual do egoísmo natural (com am existir círculos quadrados, tolos sábios e analfa-
todos os males humanos que fluem disso) para uma orientação betos cultos. Proposições mutuamente exclusivas não
radicalmente nova, centrada em Deus e manifestada no‘fruto do podem ser ambas verdadeiras. Reivindicações de ver-
Espírito’,parece claro que a salvação está acontecendo em todas dades opostas de religiões diferentes não podem ser
as religiões mundiais — e acontecendo, até onde podemos ver, ambas verdadeiras (v. ló g ic a ; p r im e ir o s p r in c íp io s ). Por
quase na mesma medida (ibid., p. 43).
exemplo, 0 panteísmo hindu e 0 teísmo cristão afir-
mam cosmovisões mutuamente excludentes. O isla-
Além do mais, 0 que é comum a todas as religiões
mismo nega, e 0 cristianismo proclama, a morte de
mundiais é uma resposta adequada para 0 Supremo.
Jesus na cruz e sua ressurreição dos mortos três dias
“Mas elas parecem constituir, mais ou menos igual-
depois. Um dos dois deve estar errado.
mente, a autêntica percepção humana do Supremo e
A s in g u la r i d a d e d e C risto. Quanto ao dogma
uma resposta a Ele, 0 Real, a base final e fonte de tudo”
cristão sobre a singularidade de Cristo (v. C r is t o , s in -
(ibid., p. 45). Há, é claro,“uma pluralidade de tradições
g u l a r id a d e d e ) ser Deus encarnado como verdadeiro
religiosas que constituem respostas humanas dife-
homem, Hick afirma que há dois problemas princi-
rentes, mas ao que parece mais ou menos igualmente
pais: Primeiro, 0 próprio Jesus não ensinou essa sin-
salvadoras, ao Supremo. Estas são as grandes religiões
gularidade. Segundo, 0 conceito de que Jesus era Deus
mundiais” (ibid., p. 47).
e humano não é coerente.
A análise de Hick das crenças sobre salvação é
Hick rejeita aparentes afirmações sobre a singu-
baseada na suposição de que todas as religiões têm
laridade de Cristo nos evangelhos porque vê teólo-
uma relação adequada com 0 que é realmente Su-
gos do NT fazendo 0 mesmo.
premo. Isso é uma petição de princípio. Talvez algu-
mas não estejam sequer ligadas ao que realmente é
Entre os principais teólogos do n t atualmente há um con-
Supremo (i.e., 0 verdadeiro Deus). Ou talvez não es-
senso geral de que essas não são afirmações do Jesus históri-
tejam adequadamente relacionadas ao que realmente
é Supremo (Deus). co, mas palavras atribuídas a ele 60 ou 70 anos mais tarde por
Hick supõe equivocadamente que todas as religi- um escritor cristão, que expressava a teologia desenvolvida na
ões são apenas a resposta humana ao Supremo. Mas sua parte da igreja em expansão (ibid., p. 52,53).
isso pressupõe a visão anti-sobrenatural da religião.
Na verdade, pressupõe a panteísta oriental do Supre- Hick cita uma lista de autores bíblicos que su-
mo como 0 que transcende todas as manifestações postamente concordaram que “ Jesus não reivindi-
culturais específicas nas várias religiões mundiais. cou divindade para si” (ibid.).
Essa negação da verdade de qualquer religião es- Hick está mal informado sobre ambas as ques-
pecífica é em si uma forma de exclusivismo. Isso fa- tões. Atualmente a confiabilidade histórica dos evan-
vorece a visão específica conhecida por panteísmo gelhos está além da contestação séria (v. Aros,
para negar a especificidade do teísmo cristão. Supor HISTORICIDADE DE; N 0 V 0 TESTAMENTO, DATAÇÃO D 0 ; N 0 V Ü T e S-

esse tipo de posição panteísta como base para a aná- Reivindicar que as afirma-
t a m e x t o , h ist o r ic id a d e d o ).

lise de todas as religiões, incluindo as não-panteístas, ções de Jesus foram editadas muitos anos depois
é simplesmente petição de princípio. Ou, em outras para se ajustarem a um programa religioso simples-
palavras, 0 pluralista que nega que qualquer religião mente não se enquadra com os fatos. Os evangelhos
específica é mais verdadeira que as outras está fazen- estavam disponíveis nas formas que conhecemos
do uma reivindicação específica da verdade. agora já durante a vida das testemunhas oculares e
A visão pluralista chega ao ponto de afirmar que dos contemporâneos dos eventos. Evidências recen-
tudo em que se acredita sinceramente é verdadeiro. tes parecem adiantar as datas. João, considerado 0
pluralismo religioso 704

último evangelho a ser escrito, é de autoria de um aplica a outros atributos de Jesus. Como Deus, ele
participante dos eventos (Jo 21.24). Lucas foi escrito era onipotente. Como ser humano, não era
por um discípulo contemporâneo que conhecia as (v. C r is t o , d i v i n d a d e d e ).

testemunhas oculares (Lc 1.1-4). Os evangelhos co- A leg a çõ es d e in to le râ n cia . Outra acusação é que
nhecidos relatam, não criam, as palavras e ações de 0 exclusivismo é intolerante, ataque dirigido à posi-
Jesus. Há forte evidência das afirmações singulares que ção exclusivista de que uma visão religiosa é verda-
ele fez de ser Deus encarnado (v. C risto , d ivind ad e d e ). deira e as opostas são falsas. Isso, para os pluralistas,
A segunda alegação de Hick é que “não se pro- parece intransigência. Por que apenas uma visão tem
vou ser possível, após quinze séculos de esforço in- 0 privilégio da verdade?
termitente, dar um significado claro à idéia de que Com esse raciocínio, os pluralistas também são
Jesus tinha duas naturezas completas, uma humana “intolerantes” . A afirmam que suas opiniões são ver-
e outra divina” (ibid., p. 55). Hick pergunta: “ É real- dadeiras, excluindo visões opostas (incluindo 0
mente possível que 0 conhecimento infinito resida exclusivismo). E eles certamente não toleram a po-
num cérebro humano finito?” (ibid., p. 55). Nova- sição de que visões pluralistas e não-pluralistas são
mente: “ Nós na verdade pretendemos afirmar que verdadeiras.
Jesus era literalmente onipotente mas fingia não ser, Se a acusação de intolerância é feita pelo modo
como em Marcos 6.5?” . como alguns exclusivistas expressam suas posições,
os não-pluralistas não têm 0 monopólio da grosse-
E apesar de ser bom,amoroso,sábio,justoemisericordi- ria, intimidação e afirmações mal formuladas. Como
oso, há um problema óbvio quanto à maneira emque um ser foi demonstrado pelo movimento “ politicamente
humano finito poderia ter essas qualidades num grau infinito correto” nas universidades, os pluralistas podem ser
[...] Um ser finito não pode ter atributos infinitos (ibid., p. 56). tão intolerantes quanto quaisquer outros. Na verda-
de, deve haver mais exclusivistas que pluralistas que
Hick chega bem perto de afirmar que a encarnação agem com respeito e moderação. No entanto, deve-
envolve uma evidente contradição lógica e sua lin- se observar que 0 próprio conceito de tolerância
guagem parece sugerir isso. Se não for uma contradi- implica uma discordância real. Ninguém tolera 0
ção lógica, não há incoerência demonstrada nessa po- que afirma tolerância pressupõe uma visão confi-
sição. Na realidade, 0 próprio Hick admite que “ é ante da verdade.
logicamente permíssível acreditar em qualquer coi- Intransigência. A questão da tolerância está rela-
sa que não se contradiz” (M etap h or o f G od in carn ate cionada à alegação favorita dos pluralistas: a de que
[A m etáfora d o Deus en c a rn a d o ], p. 104). Quanto à os não-pluralistas são intransigentes, já que afirmam
afirmação de que é difícil demonstrar como isso que sua posição é verdadeira, e tudo 0 mais está
acontece, pelo mesmo motivo seria necessário ne- errado. Isso parece presunçoso. Por que apenas os
gar tanto grande parte de nossa experiência comum exclusivistas podem possuir a verdade?
como a ciência moderna (que tem dificuldade para A resposta é que os pluralistas (p)eos exclusivistas
explicar como a luz pode ser ondas e partículas ao (e ) fazem uma afirmação igual quanto à verdade e ao
mesmo tempo). erro. Ambos afirmam que sua posição é verdadeira e
Segundo, Hick parece estar mal informado so- tudo 0 que se opõe a ela é falso. Por exemplo, se e é
bre a visão ortodoxa das duas naturezas de Cristo. verdadeiro, todo não-E é falso. Da mesma forma, se pé
Suas objeções pressupõem a heresia monofisista, verdadeiro, todo não-p é falso. Ambas as posições são
que confunde as duas naturezas de Cristo. Sua intransigentes. Toda verdade é intransigente.
questão: “ É realmente possível que 0 conhecimen- Afinal, 2+3 só pode ter uma resposta verdadeira
to infinito resida num cérebro humano finito?” — 5. A verdade é assim.
(ibid., p. 55) revela essa confusão. A visão ortodo- Im p eria lism o in telectu al. Outra acusação é que
xa não afirma que havia conhecimento infinito os exclusivistas são culpados de imperialismo inte-
no cérebro finito de Cristo. Antes, afirma que ha- lectual. Os exclusivistas são totalitários com relação
via duas naturezas distintas em Cristo, uma infi- à verdade. Deviam ser mais abertos às idéias de vá-
nita e outra finita. A pessoa de Cristo não detinha rias fontes, não apenas de uma. Alguns pluralistas
conhecimento infinito. Ele possúa conhecimento pós-modernos chegam ao ponto de afirmar que as
infinito apenas em sua natureza infinita. Como próprias idéias de verdade e significado cheiram a
Deus, sabia todas as coisas. Como ser humano, fascismo (citado em McGrath, “ Challenge of
Jesus cresceu em sabedoria (Lc 2.52). O mesmo se Pluralism” [O desafio do plu ralism o], p. 364).
705 pluralismo religioso

Essa alegação tem certo impacto, principalmen- 0 m u n do é “religiosam en te a m b íg u o ”. Hick acre-


te para os de mentalidade política específica, mas é dita que “0 universo, como atualmente acessível a
inútil para determinar 0 que é verdadeiro. A maneira nós, pode ser interpretado intelectual e experimen-
em que essa alegação geralmente é feita é como uma talmente tanto de maneira religiosa quanto natura-
forma de falácia lógica conhecida por argumento lista” (Interpretation o f religion [In terpretação d a re-
a d h om in em , que ataca a pessoa, e não a posição. ligião], p. 129; v. Geivett, p. 77). Não podemos conhe-
Essa objeção também faz uma pressuposição cer a verdade sobre Deus; 0 que é real não pode ser
injustificada de que a verdade deve ser mais demo- diferenciado do que é falso.
crática. Mas a verdade não é decidida pela maioria. É uma afirmação contraditória saber que não
A verdade é 0 que corresponde à realidade (v. v e r d a - se pode saber 0 que é real. Só porque a realidade
d e , n a tu r e za d a ), quer a maioria acredite quer não. Os
não é completamente conhecida, não significa que
pluralistas realmente acreditam que todas as visões é impossível conhecê-la realmente (v. agnosticism o;
são igualmente verdadeiras e boas e devem ser re- re a lism o ). Como Geivett observa, “até onde Deus é
solvidas pela maioria? 0 fascismo ou 0 marxismo conhecido, ele é conhecido realmente” . A própria
são bons como a democracia? 0 nazismo foi bom idéia do Real indistinguível é implausível, até mes-
como qualquer outro governo? Deveríamos ter to- mo contraditória. A afirmação de Hick de que 0
lerado a queima das viúvas nos funerais hindus de Real pode ser simbolizado pelo conceito do sunyata
seus maridos? do budismo é um desses casos. Pois se 0 Real é tão
P ressu p o siçõ es d o p lu ra lis m o . H á critérios m o- indistinguível, como um símbolo pode representá-
rais transreligiosos. Para fazer 0 argumento da igual- 10? E 0 Real não pode se manifestar em várias tradi-
dade moral funcionar, é preciso supor uma série de ções, como Hick afirma. Para algo ser manifesto, pelo
critérios morais que não são específicos de nenhuma menos algumas de suas características devem ser
religião pelos quais todos possam ser avaliados. Os reveladas. Mas 0 Real, se totalmente indistinguível,
pluralistas geralmente negam que exista qualquer lei não tem características identificáveis. Logo, não
moral universalmente obrigatória. Se houvesse tais pode se manifestar na nossa experiência de ma-
leis morais absolutas, haveria necessidade de um Le- neira significativa. Há um tipo de epistemologia
gislador Moral absoluto. Mas apenas as religiões do mística pressuposta nessa abordagem de que “ Deus
tipo teísta aceitam esse critério, e algumas delas rejei- é incognoscível” (v. m isticism o). Na verdade ela de-
tam a natureza perfeita e absoluta de Deus (por exem- ereta imperativamente como Deus pode e não pode
pio, teístas finitos). Se há uma lei moral comum a se revelar (Geivett, p. 77).
todas as religiões, ela não é específica, e nenhuma re- 0 diálogo é a única maneira de conhecer a ver-
ligião pode ser julgada inferior por não possuí-la. dade. Outra pressuposição seriamente falha é a po-
Finalmente, se não há tais leis morais universais,
sição de que 0 diálogo inter-religioso pluralista é a
não há como julgar moralmente todas as religiões
única maneira válida de descobrir a verdade. Ne-
por qualquer padrão além delas. E não é justo tomar
nhum diálogo religioso genuíno é possível se a pes-
padrões de uma religião e aplicá-los a outra, afir-
soa presume que sua religião é verdadeira antes do
mando que esta é inferior.
diálogo. Essa é a prova de que ela não está “aberta”
Fen ôm en os p o d em ser explicados. Por trás do ata- para a verdade. 0 diálogo verdadeiro supõe que a
que pluralista ao exclusivismo está a pressuposição pessoa seja tolerante, aberta, humilde, esteja dispos-
naturalista. Todos os fenômenos religiosos podem ser ta a ouvir e aprender, a participar da busca conjunta
explicados naturalisticamente. Nenhuma explicação da verdade e do amor altruísta (ibid., p. 239).
sobrenatural é permitida. Mas esse naturalismo pre- No entanto, 0 diálogo verdadeiro é possível sem
sunçoso é injustificado. Milagres não podem ser eli- que se adote a posição pluralista da verdade. É possí-
minados a p rio ri (v. m ilagres, argumentos c o n t r a ). E, vel ter uma atitude de humildade, aceitação e tolerân-
como David Hume afirmou, os milagres não são incrí- cia sem sacrificar convicções sobre a verdade. 0 pró-
veis. E não falta evidência para os milagres. Na verdade, prio pluralista não está disposto a abrir mão do com-
há evidência substancial para 0 maior “milagre” de to- promisso com 0 pluralismo como condição para tal
dos, a criação ex nihilo do mundo a partir do nada (v. diálogo. Isso viola 0 imperativo básico do pluralista.
big-basg e A141AU, argumento C0SM0LÓG1C0). Também exis- Na realidade, 0 convite ao diálogo geralmente é a ten-
te evidência abundante de que a ressurreição de Cris- tativa pouco engenhosa de evangelismo em prol da
to ocorreu (v. ressurreição, evidências da). cosmovisão do que convida ao diálogo.
pluralismo religioso 704

último evangelho a ser escrito, é de autoria de um aplica a outros atributos de Jesus. Como Deus, ele
participante dos eventos (Jo 21.24). Lucas foi escrito era onipotente. Como ser humano, não era
por um discípulo contemporâneo que conhecia as (v. C r is t o , d iv in d a d e d e ).
testemunhas oculares (Lc 1.1-4). Os evangelhos co- A leg a çõ es d e in to le râ n cia . Outra acusação é que
nhecidos relatam, não criam, as palavras e ações de 0 exclusivismo é intolerante, ataque dirigido à posi-
Jesus. Há forte evidência das afirmações singulares que ção exclusivista de que uma visão religiosa é verda-
ele fez de ser Deus encarnado (v. C risto , divind ad e d e ). deira e as opostas são falsas. Isso, para os pluralistas,
A segunda alegação de Hick é que “não se pro- parece intransigência. Por que apenas uma visão tem
vou ser possível, após quinze séculos de esforço in- 0 privilégio da verdade?
termitente, dar um significado claro à idéia de que Com esse raciocínio, os pluralistas também são
Jesus tinha duas naturezas completas, uma humana “intolerantes” . A afirmam que suas opiniões são ver-
e outra divina” (ibid., p. 55). Hick pergunta: “ É real- dadeiras, excluindo visões opostas (incluindo 0
mente possível que 0 conhecimento infinito resida exclusivismo). E eles certamente não toleram a po-
num cérebro humano finito?” (ibid., p. 55). Nova- sição de que visões pluralistas e não-pluralistas são
mente: “Nós na verdade pretendemos afirmar que verdadeiras.
Jesus era literalmente onipotente mas fingia não ser, Se a acusação de intolerância é feita pelo modo
como em Marcos 6.5?” . como alguns exclusivistas expressam suas posições,
os não-pluralistas não têm 0 monopólio da grosse-
E apesar de ser bom, amoroso, sábio, justo emisericordi- ria, intimidação e afirmações mal formuladas. Como
oso, há um problema óbvio quanto à maneira em que um ser foi demonstrado pelo movimento “ politicamente
humano finito poderia ter essas qualidades numgrau infinito correto” nas universidades, os pluralistas podem ser
[...] Um ser finito não pode ter atributos infinitos (ibid., p. 56). tão intolerantes quanto quaisquer outros. Na verda-
de, deve haver mais exclusivistas que pluralistas que
Hick chega bem perto de afirmar que a encarnação agem com respeito e moderação. No entanto, deve-
envolve uma evidente contradição lógica e sua lin- se observar que 0 próprio conceito de tolerância
guagem parece sugerir isso. Se não for uma contradi- implica uma discordância real. Ninguém tolera 0
ção lógica, não há incoerência demonstrada nessa po- que afirma tolerância pressupõe uma visão confi-
sição. Na realidade, 0 próprio Hick admite que “ é ante da verdade.
logicamente permissível acreditar em qualquer coi- Intransigência. A questão da tolerância está rela-
sa que não se contradiz” (M etap h or o f G od in carn ate cionada à alegação favorita dos pluralistas: a de que
[A m etáfora d o Deus en ca rn a d o ], p. 104). Quanto à os não-pluralistas são intransigentes, já que afirmam
afirmação de que é difícil demonstrar como isso que sua posição é verdadeira, e tudo 0 mais está
acontece, pelo mesmo motivo seria necessário ne- errado. Isso parece presunçoso. Por que apenas os
gar tanto grande parte de nossa experiência comum exclusivistas podem possuir a verdade?
como a ciência moderna (que tem dificuldade para A resposta é que os pluralistas (p) e os exclusivistas
explicar como a luz pode ser ondas e partículas ao ( e ) fazem uma afirmação igual quanto à verdade e ao
mesmo tempo). erro. Ambos afirmam que sua posição é verdadeira e
Segundo, Hick parece estar mal informado so- tudo 0 que se opõe a ela é falso. Por exemplo, se e é
bre a visão ortodoxa das duas naturezas de Cristo. verdadeiro, todo não-E é falso. Da mesma forma, se p é
Suas objeções pressupõem a heresia monofisista, verdadeiro, todo não-p é falso. Ambas as posições são
que confunde as duas naturezas de Cristo. Sua intransigentes. Toda verdade é intransigente.
questão: “ É realmente possível que 0 conhecimen- Afinal, 2+3 só pode ter uma resposta verdadeira
to infinito resida num cérebro humano finito?” — 5. A verdade é assim.
(ibid., p. 55) revela essa confusão. A visão ortodo- Im p eria lism o in telectu al. Outra acusação é que
xa não afirma que havia conhecimento infinito os exclusivistas são culpados de imperialismo inte-
no cérebro finito de Cristo. Antes, afirma que ha- lectual. Os exclusivistas são totalitários com relação
via duas naturezas distintas em Cristo, uma infi- à verdade. Deviam ser mais abertos às idéias de vá-
nita e outra finita. A pessoa de Cristo não detinha rias fontes, não apenas de uma. Alguns pluralistas
conhecimento infinito. Ele possua conhecimento pós-modernos chegam ao ponto de afirmar que as
infinito apenas em sua natureza infinita. Como próprias idéias de verdade e significado cheiram a
Deus, sabia todas as coisas. Como ser humano, fascismo (citado em McGrath, “ Challenge of
Jesus cresceu em sabedoria (Lc 2.52). 0 mesmo se Pluralism” [O desafio d o plu ralism o], p. 364).
705 pluralismo religioso

Essa alegação tem certo impacto, principalmen- 0 mundo é “religiosamente ambíguo”. Hick acre-
te para os de mentalidade política específica, mas é dita que “0 universo, como atualmente acessível a
inútil para determinar 0 que é verdadeiro. A maneira nós, pode ser interpretado intelectual e experimen-
em que essa alegação geralmente é feita é como uma talmente tanto de maneira religiosa quanto natura-
forma de falácia lógica conhecida por argumento lista” (Interpretation of religion [Interpretação da re-
ad hominem, que ataca a pessoa, e não a posição. ligião], p. 129; v. Geivett, p. 77). Não podemos conhe-
Essa objeção também faz uma pressuposição cer a verdade sobre Deus; 0 que é real não pode ser
injustificada de que a verdade deve ser mais demo- diferenciado do que é falso.
crática. Mas a verdade não é decidida pela maioria. É uma afirmação contraditória saber que não
A verdade é 0 que corresponde à realidade (v. verda- se pode saber 0 que é real. Só porque a realidade
de, natu reza da), quer a maioria acredite quer não. Os não é completamente conhecida, não significa que
pluralistas realmente acreditam que todas as visões é impossível conhecê-la realmente (v. agnosticism o;
são igualmente verdadeiras e boas e devem ser re- re a lism o ). Como Geivett observa, “até onde Deus é
solvidas pela maioria? 0 fascismo ou o marxismo conhecido, ele é conhecido realmente” . A própria
são bons como a democracia? 0 nazismo foi bom idéia do Real indistinguível é implausível, até mes-
como qualquer outro governo? Deveríamos ter to- mo contraditória. A afirmação de Hick de que 0
lerado a queima das viúvas nos funerais hindus de Real pode ser simbolizado pelo conceito do sunyata
seus maridos? do budismo é um desses casos. Pois se 0 Real é tão
Pressuposições do pluralism o. Há critérios mo- indistinguível, como um símbolo pode representá-
rais transreligiosos. Para fazer 0 argumento da igual- 10? E 0 Real não pode se manifestar em várias tradi-
dade moral funcionar, é preciso supor uma série de ções, como Hick afirma. Para algo ser manifesto, pelo
critérios morais que não são específicos de nenhuma menos algumas de suas características devem ser
religião pelos quais todos possam ser avaliados. Os reveladas. Mas 0 Real, se totalmente indistinguível,
pluralistas geralmente negam que exista qualquer lei não tem características identificáveis. Logo, não
moral universalmente obrigatória. Se houvesse tais pode se manifestar na nossa experiência de ma-
leis morais absolutas, haveria necessidade de um Le- neira significativa. Há um tipo de epistemologia
gislador Moral absoluto. Mas apenas as religiões do mística pressuposta nessa abordagem de que “ Deus
tipo teísta aceitam esse critério, e algumas delas rejei- é incognoscível” (v. m isticism o). Na verdade ela de-
tam a natureza perfeita e absoluta de Deus (por exem- ereta imperativamente como Deus pode e não pode
pio, teístas finitos). Se há uma lei moral comum a se revelar (Geivett, p. 77).
todas as religiões, ela não é específica, e nenhuma re- 0 diálogo é a única maneira de conhecer a ver-
ligião pode ser julgada inferior por não possuí-la. dade. Outra pressuposição seriamente falha é a po-
Finalmente, se não há tais leis morais universais, sição de que 0 diálogo inter-religioso pluralista é a
não há como julgar moralmente todas as religiões
única maneira válida de descobrir a verdade. Ne-
por qualquer padrão além delas. E não é justo tomar
nhum diálogo religioso genuíno é possível se a pes-
padrões de uma religião e aplicá-los a outra, afir-
soa presume que sua religião é verdadeira antes do
mando que esta é inferior.
diálogo. Essa é a prova de que ela não está “aberta”
Fenômenos podem ser explicados. Por trás do ata- para a verdade. 0 diálogo verdadeiro supõe que a
que pluralista ao exclusivismo está a pressuposição pessoa seja tolerante, aberta, humilde, esteja dispos-
naturalista. Todos os fenômenos religiosos podem ser ta a ouvir e aprender, a participar da busca conjunta
explicados naturalisticamente. Nenhuma explicação da verdade e do amor altruísta (ibid., p. 239).
sobrenatural é permitida. Mas esse naturalismo pre- No entanto, 0 diálogo verdadeiro é possível sem
sunçoso é injustificado. Milagres não podem ser eli- que se adote a posição pluralista da verdade. É possí-
minados a priori (v. m ilagres, argum entos c o n t r a ). E, vel ter uma atitude de humildade, aceitação e tolerân-
como David Hume afirmou, os milagres não são incrí- cia sem sacrificar convicções sobre a verdade. 0 pró-
veis. E não falta evidência para os milagres. Na verdade, prio pluralista não está disposto a abrir mão do com-
há evidência substancial para 0 maior “milagre” de to- promisso com 0 pluralismo como condição para tal
dos, a criação ex nihilo do mundo a partir do nada (v. diálogo. Isso viola 0 imperativo básico do pluralista.
b ig -b a n g e k a l a m , argumento C0SM0LÓG1C0). Também exis- Na realidade, 0 convite ao diálogo geralmente é a ten-
te evidência abundante de que a ressurreição de Cris- tativa pouco engenhosa de evangelismo em prol da
to ocorreu (v. ressurreição, evidencias da). cosmovisão do que convida ao diálogo.
poligamia 706

A visão de Hick é religiosamente neutra. Hick fin- contra 0 casamento com várias esposas (Dt 17.17) e
ge neutralidade religiosa, mas isso não existe. Seu a violação do princípio da monogamia — um ho-
suposto pluralismo é padronizado segundo a idéia mem para uma esposa (cf. 1 C0 7.2; lTm 2.2). Para
hinduísta do Transcendente. E é antagônico aos prin- muitos críticos, isso parece uma contradição (v. Bí-
cípios centrais do cristianismo. Não incentiva real- BLIA, SUPOSTOS ERROS N‫־‬a ).

mente 0 diálogo genuíno entre as tradições. Na ver- O p ro b le m a d a p o lig a m ia . A monogamia é 0 pa-


dade, torna quase vazio 0 conceito de estar “numa drão ideal de Deus para a raça humana. A poligamia
determinada tradição religiosa” . Afinal, segundo os nunca foi ordenada por Deus; foi apenas tolerada.
pluralistas, toda tradição é essencialmente igual. En- Desde 0 princípio, Deus estabeleceu 0 padrão ao
tão, aceitar 0 pluralismo é rejeitar sua tradição e criar 0 casamento monogâmico entre um homem e
aceitar a tradição pluralista. uma mulher, Adão e Eva (Gn 1.27). É evidente na
A visão relativista da verdade é correta. Por trás afirmação subseqüente que “ Por essa Razão, 0 ho-
da afirmação pluralista de que todas as religiões prin- mem deixará pai e mãe e se unirá á sua mulher, e eles
cipais têm uma reivindicação igual da verdade está se tornarão uma só carne” (Gn 2.24). A poligamia
a visão relativista da verdade (v. verdade, n atu reza da). jamais foi estabelecida por Deus para nenhum povo
Mas a negação da verdade absoluta é contraditória. em nenhuma circunstância.
Ela afirma que 0 relativismo é verdadeiro para to- Como resultado desse exemplo estabelecido por
dos, em toda parte e sempre. Mas 0 que é verdadeiro Deus, essa era a prática geral (Gn 4.1) até ser inter-
para todos, em toda parte e sempre é a verdade ab- rompida pelo pecado. O primeiro polígamo regis-
soluta. Portanto, 0 relativista afirma que 0 relativismo trado, Lameque, foi um homem perverso (Gn 4.23).
é absolutamente verdadeiro. Cristo reafirmou a intenção original de Deus em
Mateus 19.4, observando que Deus criou um “ ho-
Fontes mem e [uma] mulher” e os uniu em matrimônio.
M. A d ler , Truth in religion. A Lei de Moisés proíbe a poligamia, ordenando:
A . D. C l a r k e e B . H un ter , o rg s ., One God, one Lord: “ Ele não deverá tomar para si muitas mulheres” (Dt
Christianity in a w orld o f religious pluralism . 17.17). A advertência contra casamentos com incré-
D. C l a r k e N . L . G e i s l e r , Apologetics in the New Age. dulos foi repetida na própria passagem que dá 0
W . V. C r o c k e t t e J. G . S i g o u n t o s , o rg s., Through no número das esposas de Salomão (lRs 11.2). Por im-
fau lt o f their own? The fate o f those who have plicação, a poligamia pode ser vista nessa afirma-
never heard. ção. Por causa do grande número e de sua idolatria,
K. G nanakax , The pluralistic predicament. as esposas de Salomão causaram danos irreparáveis
J. H ic k , An interpretation o f religion. à casa de Davi e a Israel.
___ , The m etaphor o f God incarnate: O x t enfatiza que “cada um deve ter sua esposa, e
christology in a pluralistic age. cada mulher 0 seu próprio marido” ( 1 C0 7.2). Isso
A . M c G r a t h , “ T h e c h a l l e n g e o f p l u r a l i s m f o r th e exclui enfaticamente a poligamia. Paulo insistiu em
c o n t e m p o r a r y C h r i s t i a n c h u r c h ” , jets (S e p . que um líder eclesiástico deve ser “marido de uma
199 2) só mulher” (U m 3.2,12). Além de outros significa-
R. N ash, I s Jesus the only savior ? dos, isso certamente implica a relação monogâmica.
H. N et la n d , Dissonant voices: religious pluralism O casamento monogâmico representa a relação
an d the question o f truth. entre Cristo e sua “ noiva” (singular), a igreja
D . O k h o l m , et a l., More than one way: tour » 5 on (Ef5.31,32).
salvation in a pluralistic world, v. c o n t r ib u iç õ e s O julgamento de Deus sobre a poligamia é evi-
e s p e c ia is d e D. G e iv e t t , e t a l., J. H i c k e C. P i n n ü c k . dente por exemplo e implicação:
J. S a n d e r s , N o other n am e: an investigation o f the 1. A poligamia é mencionada pela primeira vez
destiny o f the unevangelized. no contexto de uma sociedade rebelde con-
G. T a n n er e S. T a n n er , The changing world o f tra Deus, na qual 0 assassino “ Lameque to-
mormonism. mou [para si] duas mulheres” (Gn 4.19, 23).
2. Deus advertiu repetidamente os polígamos
poligamia. O versículo 3 de 1Reis 11 diz que Salomão das conseqüências de suas ações “Se 0 fizer,
teve 700 esposas e 300 concubinas. Outros homens desviará 0 seu coração” de Deus (Dt 17.17; cf.
de Deus muito louvados na Bíblia tiveram várias lR sll.2 ).
esposas (e/ou concubinas), inclusive Abraão e Davi. 3. Deus jamais ordenou a poligamia — assim
Porém as Escrituras advertem repetidas vezes como 0 divórcio, ele apenas os permitiu por
707 politeísmo

causa da dureza do coração dos homens (Dt declínio das posições judeu-cristãs na cultura geral.
24.1; Mtl 9.8). Isso foi acompanhado pelo crescimento da feitiçaria,
4. Todo polígamo na Bíblia, incluindo Davi e que também segue 0 politeísmo. O livro de Margo
Salomão (lC r 14.3), pagou um alto preço seu Adler, Drawing down the moon [ Trazendo a lua para
pecado. baixo], narra esse movimento.
5. Deus odeia a poligamia, assim como odeia 0 David L. Miller, autor de The new polytheism:
divórcio, já que destrói seu ideal para a famí- rebirth of the gods and goddesses [O novo politeísmo:
lia (cf. Ml 2.16). 0 renascimento de deuses e deusas], argumenta que 0
politeísmo está em plena atividade na sociedade con-
C on clu sã o. Embora a Bíblia registre casos de po- temporânea. Incentiva as pessoas na sociedade oci-
ligamia, isso não significa que Deus a aprovava. A dental a entrar em sintonia com os deuses para se
monogamia é ensinada na Bíblia por precedente, já liberar e ser 0 tipo de pessoas que realmente são.
que Deus deu ao primeiro homem apenas uma es- Todas as citações neste artigo são do livro de Miller.
posa; por proporção igual de homens e mulheres C re n ç a s básicas. Rejeição do monoteísmo. O esta-
que traz ao mundo; por preceito dos mandamentos belecimento do politeísmo exige a demolição do
do At e N t ; por punição, já que Deus puniu os que monoteísmo. Deus deve ser rejeitado antes de os
violaram seu padrão (lR s 1 1 .2 ); e pela representa- deuses serem aceitos.
ção de Cristo e sua noiva pura, a igreja (Ef 5.31,32). O monoteísmo é a crença num Deus acima e além
do mundo. O pensamento monoteísta reúne todos os
Fontes “sistemas de explicação, sejam eles teológicos, socio-
N. L. G e i s l e r e T. Howe, Manual popular de dúvidas, lógicos, políticos, históricos, filosóficos ou psicológi-
enigmas e “contradições"da Bíblia. cos” sob um sistema abrangente. Esse sistema opera
S. G r e n z , Sexual ethics: a biblical perspective. “de acordo com conceitos e categorias fixos” que são
R. McQuilkix, An introduction to biblical ethics, cap 7. controlados por um tipo de lógica “ou/ou” . Algo é “ou
“ Polygamy” , em R. K. H a r r i s o n , org., Encyclopedia verdadeiro ou falso, ou isso ou aquilo, ou belo ou feio,
o f biblical and Christian ethics. ou bom ou mau” . Mas esse tipo de pensamento, diz
H. T h i e u c k e , The ethics o f sex. Miller, “desaponta 0 povo numa época em que a ex-
periência se torna conscientemente pluralista, radi-
politeísmo. É a cosmovisão que afirma a existência calmente tanto/quanto” . A sociedade ocidental é as-
de muitos deuses finitos no mundo. Existem versões sim hoje — radicalmente pluralista (v. p lu ralism o re-
diferentes de politeísmo. Em algumas formas, todos l ig io s o ). O ocidental contemporâneo vive num mun-

os deuses são mais ou menos iguais. Cada um tem do onde verdade e moralidade são relativas. “A vida
uma esfera ou domínio pessoal. Em outras, os deu- geralmente é anárquica: sem horizontes, cercas, li-
ses formam uma hierarquia. O henoteísmo tem um mites, e sem centro para mostrar que a pessoa está
Deus principal, tal como Zeus. Em algumas formas, segura em casa” (p. 7, 9). A situação contemporânea
tais como 0 panteão greco-romano, 0 número de é tão pluralista que seus intérpretes modernos “tive-
deuses é limitado. 0 mormonismo apóia um núme- ram de depender de uma série estranha de palavras”
ro indefinido de deuses. Algumas formas de na tentativa de explicá-la. Charles Baudoin fala de
politeísmo estão separadas de todas as cosmovisões. significado polifônico e existência. Ao mencionar a
Mas no hinduísmo, 0 politeísmo e 0 panteísmo se natureza do pensamento necessário para 0 entendi-
unem, propondo a existência de um Brahman im- mento contemporâneo, Philip Wheelwright indica
pessoal e mais de 330 milhões de manifestações 0 conhecimento plurissignificativo e a comunicação.
pessoais da Realidade suprema impessoal. Norman 0. Brown fala sobre realidade polimorfa
A a scen sã o do p o liteísm o . A sorte do politeísmo, como chave para nossa história, e Ray Hart descreve
pelo menos no ocidente, está inversamente relaciona- 0 aspecto mais profundo de nossas articulações lite-
da à saúde do teísmo (crença no único Deus). O rárias da realidade com a expressão funcionamento
politeísmo grego entrou em declínio com a ascensão polissèmico do discurso imaginário. Se tentarmos en-
do teísmo filosófico de Platão e Aristóteles. O tender nossa sociedade, Michael Novak sugere que é
politeísmo romano praticamente morreu com a as- útil pensar na América como uma comunidade
censão do cristianismo no ocidente. A cidade de Deus, pluralista de etnias radicalmente imiscíveis. Com re-
de Agostinho, narra a resposta cristã ao politeísmo lação ao governo e à ciência política, Robert Dahl
romano. O politeísmo teve um reavivamento com 0 fala de “poliarquia” (p. 3).
politeísmo 708

Esse tipo de pensamento “ poli” trai 0 fato de colapso, 0 politeísmo morreu e foi substituído pelo
que “sofremos a morte de Deus” (v. te ís m o ). Não monoteísmo. Embora 0 politeísmo tenha perma-
há mais “ um único centro unindo as coisas” . Deus necido “ no submundo ou tradição contracultural
está morto, como Friedrich Nietzsche declarou do ocidente” em todo 0 reinado de 2 mil anos do
audaciosamente. A civilização ocidental enterrou pensamento monoteísta, ele não teve um efeito sig-
0 modo monoteísta de pensar e falar sobre Deus, nificativo. Com a morte do monoteísmo, diz Miller,
existência e realidade (p. 37). Liberadas do “ impe- 0 politeísmo pôde ser restaurado ao seu devido
rialismo tirânico do monoteísmo” , as pessoas po- lugar (p. 1 1 ).
dem descobrir novas dimensões e diversidade. Há Miller acredita que os seres humanos são natu-
um novo potencial para esperanças e desejos, leis e ralmente politeístas na consciência, dando ao
prazeres criativos (p. 4). politeísmo “ vantagens” sobre 0 monoteísmo. “Ape-
Por razões obvias Miller evita fazer referênci- nas uma consciência politeísta explicará realistica-
as à divindade ao definir 0 que quer dizer com mente a nossa vida” (p. 1). As pessoas são libertas da
politeísm o. O politeísmo é “a situação religiosa es- idéia de que devem “endireitar sua vida” ; 0
pecífica [...] caracterizada por pluralidade, e politeísmo permite 0 irracionalismo no qual se pode
pluralidade que se manifesta sob várias formas” . evitar uma visão totalmente estruturada. O
Socialmente falando, é uma “ situação” na qual 0 politeísmo coloca as pessoas em sintonia com a ri-
pluralismo mistura vários valores, padrões soei- queza e a diversidade da vida. O monoteísmo incen-
ais e princípios morais. Às vezes esses valores e tiva 0 pensamento sobre 0 que está por trás da vida,
padrões trabalham juntos, mas geralmente são in- em vez do pensamento na vida em si (p. 27,28).
compatíveis, e cada cosmovisão procura domi- O m un do Miller sugere que 0 novo politeísmo dá
nar a “ordem social normal” (p. 4). “uma nova função aos antigos deuses e deusas” (p.
Filosoficamente, 0 politeísmo é vivido quando 81) em três aspectos. Primeiro, 0 novo politeísmo “ é
não existe a “verdade” única que guia as pessoas a uma sensatez (sensibilidade? v. or. p. 604) moderna” .
“uma única gramática, uma única lógica ou um úni- Não se trata apenas de que “nossa sociedade con-
co sistema de símbolos” (ibid.). O politeísmo temporânea seja pluralista, nem que nossos papéis
intermedia a guerra de cosmovisões ao introduzir: sejam diversos, nem que nossa moralidade seja
relativista, nem mesmo que nossa ideologia política
relativismo, indeterminismo, sistemas lógicos plurais, seja fragmentada” . Essas são manifestações de algo
números irracionais; substâncias que não têm substâncias, mais fundamental. “O sentimento mais básico é que
tais como quarks; explicações duplas para a luz; e buracos
os deuses e deusas estão reemergindo nas nossas
negros no meio de realidades verdadeiras (p. 5).
vidas” (p. 64).
Segundo, 0 novo politeísmo apresenta velhas ma-
Por trás desse papel de pacificador, todavia, 0
neiras religiosas e conceituais de pensamento. O pen-
politeísmo age tentando absorver outras idéias religi-
sarnento ocidental baseia-se nos primeiros gregos,
osas. Continua sendo a adoração de vários deuses e
que eram em grande parte politeístas, portanto as
deusas. Na sua interessante forma popular, essas di-
idéias, os conceitos e as categorias no fundo da psi-
vindades não são adoradas todas as mesmo tempo,
que ocidental se ajustam ao pensamento ou lógica
mas apenas um deus ou deusa de cada vez pode ser
das fábulas míticas (p. 40).
adorado. Nisso, 0 politeísmo aprova 0 monoteísmo, a
adoração de um Deus. Terceiro, 0 novo politeísmo ajuda as pessoas con-
fusas a organizar as “várias potências, estruturas de
A religião politeísta na verdade é uma teologia politeísta, significado e existência, todas dadas a nós na reali-
um sistema de simbolizar a realidade de maneira plural para dade do nosso cotidiano” (p. 64, 65).
explicar toda experiência, sendo no entanto a prática religi- Dada a morte do monoteísmo e 0 renascimento
osa composta de monoteísmos consecutivos. [E isso] im- do politeísmo — até mesmo um novo politeísmo
plica que nossa experiência dos mundos social, intelectual e — quem ou 0 quê são os deuses e deusas desse
psicológico é religiosa — isto é, é tão profunda e extensa que politeísmo? Miller afirma que os deuses são poderes
apenas uma explanação teológica pode explicá-la completa- ou forças. Essas forças transcendem 0 pessoal, 0 his-
mente (p. 6). tórico e 0 social. Não são afetadas por eventos ou
desejos. Mas são imanentes no mundo como potên-
Antigamente 0 politeísmo reinava na cultura cias em indivíduos, em sociedades e na natureza (p.
ocidental. Mas quando a cultura grega entrou em 6, 60). Miller acredita que esses poderes conferem
709 politeísmo

uma estrutura de realidade que informa 0 compor- A terra era considerada “uma esfera imóvel no centro
tamento humano social, intelectual e pessoal, do universo, em volta da qual giravam nove esferas
(p. 6, 7). Esses poderes são “os Deuses e Deusas da concêntricas” . Logo, tudo que existia era “organizado
Grécia antiga — não do Egito, nem do Oriente Mé- ao redor de um único centro” , a terra, imaginando-se
dio, nem da índia hindu, nem da China antiga ou do que 0 fim do universo era “fixo e seguro” . Essa visão
Japão. A Grécia é 0 local do nosso politeísmo sim- monoteísta do mundo caiu com Copérnico (e cien-
plesmente porque, queiramos ou não, somos homens tistas subseqüentes). Agora 0 universo não tem ne-
e mulheres ocidentais” (p. 80, 81). nhum centro conhecido e seus horizontes não são
Esses vários deuses agem harmoniosamente? nem fixos nem seguros. Pelo contrário, ele é visto como
Miller diz que não. Eles geralmente agem em “confli- um “universo expandindo-se infinitamente cujo cen-
to” . A vida pode ser caracterizada como “uma guer- tro é [...] desconhecido” (p. 9).
ra entre os Poderes” . Λ humanidade. Homens e mulheres são “0 parque
de diversões” dos deuses (p. 55). Os deuses passeiam
Ohomem — seu ser, sua sociedade eseuambiente natural “pelos nossos pensamentos sem nosso controle e até
— é a arena de uma eterna Guerra de Tróia. Nossas disposi- mesmo contra nossa vontade” . Não possuímos os deu-
ções, emoções, comportamentos anormais, sonhos e fantasi- ses, mas eles nos possuem (p. 34). Eles “ vivem por
as indicam os momentos difíceis quando a guerra não é mais intermédio de nossas estruturas psíquicas” e “se ma-
uma guerra fria ou uma desavença fronteiriça, mas um conflito nifestam sempre nos nossos comportamentos” . Não
total de guerrilha. Esses indicadores também nos dizem, por agarramos os deuses, mas os “deuses nos agarram, e
sentimento e intuição, quando um Deus se ausentou e outro nós atuamos nas suas histórias” (p. 59).
ainda não correu para preencher 0 vácuo. Conhecemos bem a Psicologicamente, 0 politeísmo é vivido em “per-
guerra (p. 60).
sonalidades” separadas da pessoa. Cada personalida-
de tem autonomia, vida própria que vai e vem sem
Se as pessoas modernas reconhecerem esses deu-
considerar a vontade (p. 5). Ninguém pode ser toma-
ses, nova vida será infundida nas velhas maneiras de
do por mais de um deus ao mesmo tempo. Nesse
ver e pensar. Haverá uma nova estrutura filosófica
sentido Miller e os politeístas modernos são
para falar e pensar sobre nossa “experiência mais
monoteístas, ou henoteístas. Cada pessoa adora um
profunda” (p. 62).
deus de cada vez, 0 que controla a pessoa, dentre um
Miller sugere como essa função dos deuses e deu-
grande panteão de deuses. Porém, a história de um
sas poderia funcionar. 0 tremendo crescimento em
deus que está no domínio temporário pode envolver
tecnologia pode ser considerado e informado pelas
casamentos com outros deuses, parentesco com ou-
histórias de Prometeu, Hefaísto e Asclépio.
tros tantos, filhos e deusas virgens. Assim, em última
análise, a concepção é sempre politeísta. Pensar de
Prometeu rouba 0 fogo e acaba preso numa rocha, ator-
mentado pelo poder que ele mesmo suplantou por seu conhe- outro modo é participar do engano que foi perpetra-
cimento. Hefaísto é0 ferreiro divino, 0 supremo tecnólogo, que do pelo pensamento monoteísta (p. 30, cf. 28).
é 0 bastardo de sua mãe edesprovido de sensualidade e senti- 0 propósito da humanidade é encarnar os deuses,
mento [...] Asclépio é 0 tecnólogo dos sentimentos; é 0 tornar-se cônscia de sua presença, reconhecê-los e
psicoterapeuta que a tecnologia e sua civilização transforma- celebrá-los (p. 55). Isso só pode ocorrer quando co-
rão no sumo sacerdote da cultura da saúde mental (p. 66). meçamos a ver nosso mundo com lentes politeístas e
mitológicas (p. 63,83).
A história da deusa Hera, que “tentou socializar Valores. Todos os valores são relativos (v. moralidade,
0 monte Olimpo” , é reavivada quando “computado- natureza absoluta da). Verdade e falsidade, vida e morte,

res e procedimentos estatísticos vêm a ser adorados beleza e feiúra, bem e mal, todos estão misturados (p.
como sabedoria verdadeira” e “consultores e espe- 29). O pensamento monoteísta separa valores em con-
cialistas devem acompanhar cada decisão nos ne- ceitos e categorias do tipo “ou/ou” (p. 7). Mas esse
gócios e no governo” (p. 67). O trabalho do “ubíquo modo de pensar não explica adequadamente os vá-
deus Pã (“ Tudo” ) é visto no irracional que está sem- rios lados da experiência humana. 0 que os explica é
pre logo abaixo da superfície da experiência huma- 0 pensamento politeísta do tipo “ tanto / quanto” ,
na, explodindo com violência e misticismo” (p. 68). que reconhece a relatividade de todos os valores.
No passado a visão do mundo era estruturada nas Avaliação. Alguns valores positivos do politeísmo.
idéias do século 11 do astrônomo alexandrino Ptolomeu. O politeísmo é um lembrete das realidades separadas,
710 politeísmo

apesar de não decifrá-las corretamente. Há 0 reco- Se os elementos naturais, como por exemplo 0
nhecimento bastante difundido e crescente de que a céu e a terra, tivessem gerado os deuses, os deuses
humanidade não está sozinha no universo. Relatos não seriam seres supremos. Tudo 0 que é derivado
de contatos com ovnis ou seres extraterrestres per- de outra coisa é dependente dela, pelo menos em
sistem. Até vários cientistas acreditam que há seres sua origem. Como um ser que recebeu sua existên-
inteligentes no espaço. E mesmo muitas religiões cia de outro pode estar acima de seu criador? Seria
não-politeístas reconhecem a existência de seres su- como se um pão afirmasse ser maior que seu padei-
pra-humanos, tais como anjos e demônios. Se há a ro, ou um computador se declarasse superior ao seu
realidade divina, conclui-se que devemos tentar des- criador. Da mesma forma, se a natureza criou os deu-
cobrir nossos relacionamentos com essa realidade e ses, a natureza é suprema. .Mas se, como Paul Tillich
pensou, a adoração envolve 0 compromisso supre-
como devemos reagir a ela. A ênfase que os politeístas
mo com 0 supremo, a natureza, não os deuses, deve
dão ao contato dos seres humanos com a realidade
ser adorada. Isso seria verdadeiro com relação a tudo
divina e ao ajuste do seu comportamento de acordo
que supostamente tivesse gerado ou precedido os
com ela é louvável.
deuses. Se os deuses são seres derivados, eles não são
Os politeístas geralmente são elogiados por apre-
dignos de compromisso supremo. Por que adorar
sentar uma analogia entre 0 homem e os deuses. Se
algo que não tem valor supremo?
seres divinos existem, e se têm alguma relação com
Além disso, como Plotino observou, toda
a criação da humanidade, é provável que a natureza
pluralidade pressupõe uma unidade anterior. Mui-
humana reflita de alguma forma a divindade. Uma
tos são apenas a imitação múltipla do Uno. Logo,
causa não pode dar características aos outros que
muitos deuses não são auto-evidentes. Qual é sua
ela mesma não possui. Como uma pintura represen- base de unidade? E quem supervisiona 0 conflito
ta algumas verdades sobre seu pintor (e.g., 0 nível de entre eles? Xão existimos num po lixer so, mas num
técnica, a amplitude da imaginação, ou 0 cuidado universo. Se no final das contas há um Poder pessoal
tomado), os seres humanos devem apresentar algu- por trás do universo, ele deve ser uma unidade.
ma verdade sobre seu(s) criador(es). Logo, se uma O princípio antrópico revela que todo 0 univer-
pessoa é a criação de alguma realidade divina, algu- so era um — com um propósito e um Propositador
mas características humanas devem assemelhar-se — desde 0 princípio. Desde 0 momento do big-bang,
ao(s) Criador(es). Assim, parece razoável concluir todo 0 universo estava calibrado para 0 surgimento
que há uma analogia entre a humanidade e os deu- da vida humana. Isso implica um Criador inteligen-
ses (v. ANALOGIA, PRINCIPIO Da). te. A idéia do universo eterno suposta pelo
Os politeístas reconhecem que há várias forças no politeísmo tem outras objeções filosóficas e cientí-
mundo, algumas incontroláveis. Muitos estudiosos hoje ficas sérias. Um argumento filosófico surge da im-
concluíram que, por trás da maioria dos mitos, sejam possibilidade de uma série infinita de eventos no
eles religiosos ou não, estão histórias verdadeiras de tempo. O universo eterno seria uma série sem co-
encontros humanos com forças que exercem influ- meço de eventos no tempo. Mas como tal série po-
ência. Essas podem ser forças da natureza (e.g., vento, deria existir? Para ilustrar, imagine uma biblioteca
chuva, terremotos, tornados ou enchentes), forças pre- com um número infinito de livros em suas pratelei-
dominantes na cultura (e.g., ganância, esperança, amor ras. Imagine que cada livro esteja numerado. Como
ou desejo de poder) ou forças que estão por trás do há um número infinito de livros, cada livro é nume-
universo (e.g., deuses, anjos, demônios). Os politeístas, rado e todo número possível deve ser impresso nos
por meio de várias formas de histórias, conseguiram livros da biblioteca. Disso conclui-se que nenhum
relacionar vividamente 0 encontro humano com tais livro novo poderia ser acrescentado à biblioteca, pois
forças (v. satanás, re a lid a d f de). não haveria nenhum número restante para atribuir-
lhe. Todos os números teriam sido usados. Mas isso
Críticas ao politeísmo. Apesar de os politeístas te- parece absurdo, pois todos os objetos na realidade
rem algum discernimento sobre a natureza da reali- podem ser numerados. Além disso, seria fácil fazer
dade, sua cosmovisão é falsa. A realidade suprema acréscimos à biblioteca, já que alguém poderia criar
não consiste em muitos deuses finitos. Há boa evi- um novo livro com folhas tiradas dos primeiros 50
dência de que existe apenas um Deus, não muitos (v. livros, encadernadas e colocadas na prateleira. Logo,
cosmológico, argumento; Deus, evidências de; Deus, natu- a idéia de uma série infinita real de livros parece
Esse Deus é 0 criador de tudo mais.
reza de; teísmo). impossível. Portanto, a crença politeísta no universo
Logo, não há muitos seres divinos. eterno parece impossível (v. Craig, passim).
711 pragmatismo

Um argumento científico contra a idéia dos uni- Fontes


verso eterno pode ser derivado da idéia moderna de M . A d ler ,Drawing down the moon.
que 0 universo está se expandindo. O astrônomo A g o s t in h o , A cidade de Deus.
Edwin Hubble concluiu que 0 universo está se ex- F. B e c k w i t h , The mormon concept o f God.

pandindo em todas as direções. Se isso for verdade, W. C r a i g , The kalam cosmological argument.
N. L. G e i s l e r e W. D. W a t k in s , Worlds apart: a
pode-se concluir que em algum ponto no passado 0
han dbook on world views, cap. 8.
universo era apenas um único ponto a partir do qual
H f s i' o d o , Teogonia.
ele se expande. Esse único ponto seria de “densidade
D.!M i l l e r , The new polytheism.
infinita” . Porém nenhum objeto poderia ser infini-
J. S m i t h , Pérola degrande valor.
tamente denso, pois, se contivesse qualquer quanti-
dade de massa, não seria infinitamente denso, mas
pontuados, equilíbrios. V. e vo lu çã o b io ló g ica ; elos
finitamente denso. Logo, 0 universo totalmente en-
PERDIDOS.
colhido ou contraído não é sequer um universo de
verdade. O conceito do universo em expansão exige
positivismo. V. Comte, A ugu ste; lógico, positivismo.
um ponto no qual 0 universo não existia. Nesse caso,
0 universo deve ter sido criado do nada (v. c ria ç ã o ,
pós-modernismo. V. D e rrid a , Jacques.
visões da).
Deuses politeístas estão nesse universo, não fora
pós-vida, experiências de. V. im ortalidade.
dele. Contudo a evidência é de que 0 universo foi
criado. Se 0 universo não fosse eterno, mas tivesse pragmatismo. O pragmatismo é uma filosofia ame-
sido criado do nada (v. c ria ç ã o e x n i h i l o ) , os deuses ricana, criada por William James (1842-1910), que
supostos pelo politeísmo não seriam eternos; teri- enfatiza os resultados práticos de uma teoria. John
am de ser criados. Mas, se foram criados, não são Dewey (1859-1952) é chamado de pragmático, mas
deuses, e sim criaturas feitas por uma Causa eterna sua posição pode ser chamada mais tecnicamente
(Deus). Todavia, se os deuses do politeísmo derivam instrumentalismo.
sua existência de outro, esse outro é realmente 0 Para um pragmático, uma idéia é considerada
Deus supremo do monoteísmo. Logo, 0 politeísmo verdadeira se funciona. Uma série de medidas está
desaba no monoteísmo. Portanto, se os deuses exis- correta se trouxer os resultados desejados.
tem, eles são totalmente dependentes de uma Causa As raízes do pragmatismo são encontradas nas
acima deles e além do universo. Mas essa conclusão idéias de Charles Sanders Pierce, que usou 0 método
coincide com as reivindicações do teísmo, não do pragmático para esclarecer (mas não comprovar)
politeísmo. idéias. Também há semelhanças entre 0 pragmatismo
A analogia politeísta entre a humanidade e os e 0 utilitarismo, que afirma que 0 curso de ação
deuses foi criticada por ser antropomórfica demais correto é 0 que traz 0 maior benefício. Dewey, como
(interpretando 0 que não é humano com base nas instrumentalista, enfatizou resultados práticos de
características humanas). Certamente a criatura deve idéias, especialmente na educação.
ter alguma semelhança com 0 Criador. Mas aplicar A visão pragmática foi severamente criticada,
imperfeições humanas à divindade torna a realida- porque algo não é verdadeiro simplesmente porque
de divina indigna de respeito e adoração. Os deuses dá certo. Mentir pode evitar um resultado negativo
do politeísmo parecem feitos à imagem humana, ou alcançar um objetivo desejado à custa de outra
em lugar de nós sermos feitos à imagem deles, 0 que pessoa, porém isso não torna as mentiras verdadei-
parece avalizar 0 ponto de vista de que 0 politeísmo ras. Algo pode ser considerado contrário aos fatos,
é uma invenção ou superstição humana em vez da mas ainda assim ser seguido, porque parece a medi-
representação da realidade. da mais prática nas circunstâncias. E algo não é cor-
reto porque dá certo. Trapacear “funcione” , mas não
C on clu sã o. Como cosmovisão, 0 politeísmo ca- é correto.
rece de apoio racional e evidenciai. Os vários seres A filosofia ética também confunde causa com
espirituais que existem são limitados e imperfeitos. efeito. Uma idéia não é verdadeira porque funciona;
Logo, implicam um Criador ilimitado e perfeito. O funciona porque é verdadeira. E como alguém julga
politeísmo não explica a causalidade suprema nem 0 que “deu certo” ? Apenas 0 conhecimento prático
a unidade suprema, que são necessárias para expli- é considerado conhecimento verdadeiro. A perspec-
car um universo diverso e mutável. tiva eterna não entra na discussão. Os pragmáticos
pressuposicional, apologética 712

reconhecem apenas os métodos da ciência para tes- evidência para demonstrar a verdade do cristianis-
tar a verdade. Isso torna absoluto 0 método científi- mo. 0 pressuposicionalista, por outro lado, insiste
co. Entretanto, no que tange a preocupações éticas que é preciso começar com pressuposições ou cos-
não existe critério objetivo, como há na ciência. 0 mo- visões. 0 apologista histórico acredita que os
sucesso do resultado só pode ser determinado por fatos históricos são óbvios. São auto-evidentes em
uma perspectiva subjetiva, pessoal e míope. seu contexto histórico. 0 pressuposicionalista puro,
A visão pragmática da verdade também mina a ao contrário, reitera que nenhum fato é auto-evi-
confiança. Que juiz permitiria que alguém fizesse dente, que todos os fatos são interpretados e podem
um juramento para dizer, como um filósofo grace- ser entendidos adequadamente apenas no contexto
jou: “0 que for conveniente, todo 0 conveniente, nada da cosmovisão geral.
mais que 0 conveniente” (v. verdade, natureza da)? Vários tipos d ep ressu p o sicio n a lism o . Dependen-
do de como é definido, há três ou quatro tipos básicos
Fontes de pressuposicionalismo: 1 ) pressuposicionalismo
J. 0. Busweil, Jr., The philosophies o f F. R. Tennant revelacional (v .V a n T il, C o rn eliu s) pressuposicionalismo
and John Dewey. racional (v. C la r k , G o rd o n); 3 ) consistência sistemática
N. L. Geisler e P. ¥hi;berg, Introdução à filosofia, (v. C a r n e l l , E d w a r d Jo h n ). Alguns consideram a
caps. 7,16. apologética de Francis Schaeffer 0 exemplo de uma
_____e W . D. W a t k in s , Worlds apart, a hansd- quarta variação que pode ser chamada de pressupo-
book on world-views. sicionalismo prático. Cada abordagem difere na ma-
W. James, Pragmatismo. neira em que uma cosmovisão é avaliada com res-
H. S. Thayer, Meaning and action: a critical history peito à verdade.
ofpragm atism . Pressuposicionalismo revelacional. De acordo
com 0 pressuposicionalismo revelacional, é preciso
prático, pressuposicionalismo. V. pressuposicional, começar qualquer compreensão racional da verda-
apolo gética; S c h a e ffe r, F ra n cis. de pela pressuposição da verdade da fé cristã. É pre-
ciso supor que 0 Deus trino (v. T r in d a d e ) revelou-se
predestinação. V. determ inismo; liv r e - a r b ítr io . nas Sagradas Escrituras, a Palavra divinamente au-
torizada de Deus. Sem essa pressuposição não é pos-
pressuposicional, apologética. A apologética sível entender 0 universo, a vida, a linguagem, a his-
pressuposicional é 0 sistema que defende 0 cristia- tória ou qualquer outra coisa. Esse tipo de argumen-
nismo tendo como ponto de partida certas pressu- to às vezes é denominado argumento transcendental,
posições básicas. 0 apologista pressupõe a verdade isto é, 0 argumento que começa estabelecendo as
do cristianismo e depois raciocina a partir desse condições necessárias sob as quais todos os outros
ponto. Uma pressuposição básica é que 0 não-cris- tipos de conhecimento são possíveis. Essas condi-
tão também tem pressuposições que afetam tudo ções necessárias supõem que 0 Deus trino se reve-
que ele ouve sobre Deus. Outra é que de certa forma lou nas Sagradas Escrituras.
a pessoa abordada está, como Agostinho disse, “li- Pressuposicionalismo racional. Esse é 0 sistema
dando” com Deus e, como Romanos 1 diz de manei- apologético do falecido Gordon Clark e seu distinto
ra tão condenadora, suprimindo 0 conhecimento discípulo Carl F. H. Henry. Como outros pressuposi-
da verdade. 0 papel do apologista é apresentar a ver- cionalistas, 0 pressuposicionalista racional começa
dade do cristianismo e a falsidade de qualquer pela Trindade revelada na Palavra escrita de Deus.
cosmovisão oposta a Cristo (v. p lu ralism o re lig io so ). Mas 0 teste para saber se isso é verdadeiro é sim-
D ife r e n ç a s d e o u tr o s m é to d o s . A apologética plesmente a lei da não-contradição (v. primeiros prin-
pressuposicional é oposta ao evidencialismo e à cípios). Isto é, sabe-se que 0 cristianismo é verdadei-
apologética clássica (v. a p o lo g é t ic a c lá s s i c a ) . A ro e todos os sistemas opostos são falsos porque
apologética pressuposicional difere da clássica por- todos eles têm contradições internas e apenas 0 cris-
que rejeita a validade das provas tradicionais da exis- tianismo é internamente coerente. Logo, um princí-
tência de Deus (v. Deus, evidências de). Além disso, a pio racional, a lei da não-contradição, é usado como
apologética pressuposicional difere da clássica e da teste da verdade.
histórica no uso da evidência histórica. 0 apologista Consistência sistemática. John Carnell e seu dis-
histórico, assim como 0 apologista clássico, argumenta cípulo, Gordon Lewis, desenvolveram um pressupo-
a favor do uso da razão como ponto de partida e a sicionalismo que tem dois (ou três) testes para a
713 primeiros princípios

verdade da pressuposição cristã. Como os pressupo- Tudo que sabemos sobre a realidade é conhecido
sicionalistas racionais, eles acreditam que um siste- por meio deles. Doze primeiros princípios básicos
ma deve ser racionalmente coerente. Mas, além dis- podem ser estabelecidos.
so, afirmam que 0 sistema deve incluir de forma
abrangente todos os fatos. Mais tarde Carnell acres- 1. A existência existe (h existe) = O princípio
centou um terceiro teste — relevância existencial. da existência..
0 sistema deve suprir as necessidades básicas da 2. A existência é existência (e é e) = O princípio
vida. 0 único sistema, segundo eles, que passa nos da identidade.
três testes é 0 cristianismo. Portanto, 0 cristianismo 3. Existir é não inexistir (e não é 1) = O princípio
é verdadeiro e todos os outros sistemas opostos da não-contradição.
são falsos. 4. Ou existir ou inexistir (Ou e ou 1) = O princí-
Pressuposicionalismo prático. A abordagem pio do terceiro excluído.
apologética de Francis Schaeffer também foi des- 5. Inexistência não pode causar existência (1 >
crita por muitos como pressuposicional. Nesse caso, b ) = O princípio da causalidade.

trata-se de um pressuposicionalismo prático. Uma e 6. Um ser contingente não pode causar um ser
suas características principais é que todos os siste- contingente (sc > sc) = O princípio da contin-
mas não-cristãos não podem ser vividos. Apenas a gência (ou dependência).
verdade cristã é vivenciável. Nesse sentido, usa-se a 7. Apenas um ser necessário pode causar um
capacidade de vivência como teste da verdade do ser contingente (sn -> sc) = O princípio da
cristianismo. necessidade.
C o n clu sã o . A apologética pressuposicional foi
8. Um ser necessário não pode causar um ser
criticada de vários ângulos. A apologética clássica necessário (sn > s") = 0 princípio negativo da
modalidade.
(v. a po l o g é t ic a c l á s s ic a ) desafiou sua rejeição das pro-
9. Todo ser contingente é causado por um ser
vas tradicionais da existência de Deus (v. D e u s , e v i -
necessário (s" -> sc) = O princípio da causali-
d ên c ia s d e ). A apologética histórica (v. a po l o g é t ic a h is -
dade existencial.
t ú r ic a ) defendeu a natureza neutra dos fatos históri-
10. O ser necessário existe = O princípio da neces-
cos. Outros mencionaram a natureza fideísta do
sidade existencial (sn existe).
pressuposicionalismo revelacional e 0 rejeitaram por
1 1 . O ser contingente existe = O princípio da con-
essa razão (v. f id e ís m o ). Já que cada sistema é critica-
tingência existencial (sc existe).
do sob 0 artigo do seu principal defensor, recomen-
12. O ser necessário é semelhante ao(s) ser(es)
da-se atentar para os artigos sobre Cornelius Van Til,
contingente(s) semelhantes que causa = O
Gordon Clark e John Carnell.
princípio da Analogia (s” — semelhante -> sc).

Fontes
Para 0 realista, existir é a base do conhecer. O
J. C a r n e l l , Introduction to Christian apologetics.
racionalista René D escartes disse: “ Penso, logo exis-
G. H. C la rk, Religion, reason, and revelation.
to” . Mas para um realista como T omás de A quino:
G. L e w is , Testing Christianity's truth claims.
“ Existo, logo penso” . Pois não é possível pensar sem
F. S c h a e f f e r , O Deus que intervém.
existir. A existência é fundamental para tudo. A exis-
C. V an T i l , The defense o f thefaith.
tência é a base de tudo. Tudo é (ou, tem) existência.
Logo, não há disjunção entre 0 racional e 0 real. O
primeiros princípios. Os primeiros princípios são pensamento não pode ser separado das coisas nem
a base do conhecimento. Sem eles nada poderia ser 0 conhecer do existir.
conhecido (v. f u x d a m e n t a l is m o ). Até 0 coerentismo Incontestabilidade. Os primeiros princípios são
usa 0 primeiro princípio da não-contradição para incontestáveis ou redutíveis à incontestabilidade. São
testar a coerência do seu sistema. O r e a l is m o afirma evidentes ou redutíveis à evidência. E princípios evi-
que primeiros princípios se aplicam ao mundo real. dentes são verdadeiros pela própria natureza ou in-
Os primeiros princípios inegavelmente se aplicam à contestáveis porque 0 predicado é redutível ao su-
realidade. A própria negação de que os primeiros jeito. O fato de 0 predicado ser redutível ao sujeito
princípios se aplicam à realidade usa primeiros significa que não se pode negar 0 princípio sem usá-
princípios na negação. 10. Por exemplo, 0 princípio da não-contradição não
P rin cíp io s d e rea lid a d e. Sem os primeiros prin- pode ser negado sem ser usado na própria negação. A
cípios básicos da realidade, nada pode ser conhecido. afirmação: “Os opostos não podem ser verdadeiros”
primeiros princípios 714

supõe que 0 oposto dessa afirmação não pode ser A manobra da metaafirmação não evita a arma-
verdadeiro. dilha da autodestruição. Pois afirmações sobre afir-
Nem todos os céticos e agnósticos (v. a g x o s t ic is m o ) mações que afirmam algo sobre a realidade são in-
estão dispostos a admitir que 0 princípio da causali- diretamente afirmações sobre a realidade. Por exem-
dade, que é crucial em todos os argumentos cosmo- pio, se a pessoa diz: “Não estou fazendo uma afirma-
lógicos para Deus, é um primeiro princípio incon- ção sobre a realidade quando digo que afirmações
testável. Na verdade, nem todo cético está disposto a não podem ser feitas sobre a realidade” está fazendo
admitir que algo existe (0 princípio da existência). Logo, uma afirmação sobre a realidade. É 0 tipo de afir-
é necessário comentar sobre sua incontestabilidade. mação mais radical que pode ser feita sobre a reali-
dade, já que proíbe todas as outras afirmações sobre
1. 0 princípio da existência. Algo existe. Por a realidade. Logo, a afirmação “algo existe” não pode
exemplo, eu existo. Isso é incontestável, pois ser negada sem afirmar implicitamente que algo
eu teria de existir para negar minha existên existe (e.g., 0 criador dessa afirmação).
cia. Na própria tentativa de negar explicita
mente minha existência eu a afirmo implici- 3. 0 princípio da não-contradição. A existência
tamente. não pode ser inexistência, pois são opostos
diretos. E opostos não podem ser iguais. Pois
2 0 princípio da identidade. Uma coisa deve quem afirma que “ os opostos podem ambos
ser idêntica a si mesma. Se não fosse, então ser verdadeiros” não acredita que 0 oposto
não seria ela mesma. dessa afirmação é verdadeiro.

4 0 princípio do terceiro excluído. Já que a


Com esses e outros princípios, é importante ob-
existência e a inexistência são opostos (i.e.,
servar a diferença entre indizível e incontestável. Pos-
contraditórios), e os opostos não podem ser
so dizer ou escrever as palavras: “Eu não existo” . Mas,
iguais, nada pode esconder-se nas “ fendas”
quando digo isso, afirmo implicitamente que existo.
entre a existência a inexistência. As únicas
A afirmação de que eu não existo na verdade é in-
escolhas são existência e inexistência.
sustentável. Preciso existir realmente para dizer gra-
maticalmente que não existo.
Qualquer tentativa de negar que todas as afirma-
Alguns nominalistas contemporâneos suge-
ções significativas devem ser não-contraditórias, por
rem que isso é uma sutileza da linguagem. Insis-
sua natureza como afirmação significativa, deve ser
tem em que afirmações como “ Não sei falar uma
não-contraditória. Da mesma forma, qualquer ten-
palavra em português” são basicamente contra-
tativa de negar que a lei da não-contradição se apli-
ditórias, porque a pessoa está falando em portu-
ca à realidade é em si uma afirmação não-contradi-
guês. Ela poderia usar 0 francês e evitar a dificul-
tória sobre a realidade — 0 que é contraditório.
dade. Eles acrescentam que a pessoa pode, até na Então, como os outros primeiros princípios, a lei da
mesma língua, fazer uma metaafirmação que evi- não-contradição é incontestável.
taria essa dificuldade. Isto é, eles pressupõem uma Dois desafios a essa conclusão são oferecidos,
classe de afirmações sobre afirmações (chama- um filosófico e um científico. A objeção filosófica
das metaafirmações) que eles sustentam não se- acusa esse argumento de petição de princípio, usan-
rem afirmações sobre 0 mundo real. Essas do a lei da não-contradição para provar a lei da não-
metaafirmações estão supostamente isentas de contradição. Na verdade ela diz que é contraditório
contradição. Logo, a pessoa que diz: “ Nenhuma negar 0 princípio da não-contradição. Mas a lei da
afirmação sobre Deus é descritiva” supostamente não-contradição não é usada por base do argumen-
não está fazendo uma afirmação descritiva sobre to. É apenas usada no processo fornecer um argu-
Deus, mas sim sobre as afirmações que podem mento indireto para a validade da lei da não-con-
ser feitas sobre Deus. tradição. Assim como a afirmação “ Eu sei falar uma
É verdade que uma afirmação em francês que palavra em português” usa 0 português no processo de
diz que a pessoa não sabe falar uma palavra em por- demonstração de que sei falar uma palavra em portu-
tuguês não é contraditória. Mas uma afirmação em guês, ainda assim a lei da não-contradição é usada no
francês que declare que a pessoa não sabe dizer uma processo de demonstração da validade da lei da não-
palavra em francês é contraditória. contradição. Mas não é a base do argumento.
715 primeiros princípios

A base direta para a lei da não-contradição é sua Outra maneira de entender porque a inexistência
natureza evidente, pela qual 0 predicado é redutível não pode causar existência é ao observar que tudo 0
ao sujeito. E a prova indireta é demonstrada pelo que “surge” deve ter uma causa. Se surgiu não é um
fato de que qualquer tentativa de negá-la implica Ser Necessário, que por natureza deve sempre exis-
sua existência. Isto é, trata-se da condição necessá- tir. Então 0 que surge é, por definição, um ser con-
ria para todo pensamento racional. tingente, um ser que é capaz de existir ou inexistir.
A segunda objeção à lei da não-contradição vem Para toda coisa contingente que surge deve haver a
da ciência. O princípio de complementaridade de Niels mesma ação causadora que a faz passar do estado de
Bohr é usado para provar que a realidade subatômica potencialidade (potência) para 0 estado de realida-
é contraditória. Pois segundo esse princípio há ma- de (ato). Pois, observou Aquino, nenhuma potência
neiras contraditórias de descrever a mesma realida- de existência pode realizar-se e, antes de ser realiza-
de, tal como “a luz é partículas e ondas” . Mas essa é da, deve estar num estado de potencialidade. Mas
uma má interpretação do princípio de complemen- não pode ser ambos ao mesmo tempo (uma viola-
taridade. Como Werner Heisenberg observou, essas ção do princípio da não-contradição). Logo, não se
são “duas descrições complementares da mesma rea- pode negar 0 princípio da causalidade sem violar 0
lidade [...] Deve haver limitações no uso do conceito princípio da não-contradição.
de partícula assim como do conceito de onda, ou se-
ria impossível evitar contradições” . Logo, “se forem 6. 0 princípio da contingência (ou dependên
levadas em consideração essas limitações que podem cia). Se alguma coisa não pode ser causada
ser expressas por relações de incerteza, as contradi- pelo nada (5), então nada pode ser causado
ções desaparecem” (Heisenberg, p. 43). pelo que poderia ser nada, a saber, um ser con
A objeção de que 0 princípio da incerteza ou tingente. Pois 0 que poderia ser nada não é
imprevisibilidade de Heisenberg é contrário ao prin- responsável pela própria existência. E 0 que
cípio da causalidade é infundada. Na melhor das hi- não é responsável pela própria existência não
póteses, não demonstra que eventos não têm causa, pode ser responsável pela existência de ou
mas apenas que são imprevisíveis segundo a tro. Já que é contingente ou dependente para
tecnologia disponível no presente. Para a discussão a própria existência, não pode ser 0 que de
completa, v. « d e t e r m in a ç ã o , p r in c íp io d e . alguma coisa depende para existiu. Logo, 0
ser contingente não pode causar outro ser
5. 0 princípio da causalidade. Só a existência contingente.
pode causar existência. O nada não existe, e 7. O princípio positivo da modalidade. 0 nada
só 0 que existe pode causar existência, já que absoluto não pode causar algo (5). E um tipo
0 próprio conceito de “causar” implica algo (modo) contingente de existência não pode
existente que tem 0 poder de causar outra causar outro ser contingente (6). Então, se
coisa. Do nada absoluto não procede nada. algo surge, deve ser causado por um Ser Ne-
cessário.
A afirmação “A inexistência não pode produzir 8. O princípio negativo da modalidade. Um Ser
existência” é incontestável. O próprio conceito de Necessário é por definição um modo (tipo)
“produzir” ou “causar” implica que algo existe para de ser que não pode não existir. Isto é, pelo
causar ou produzir 0 ser produzido. Negar 0 relaci- próprio modo (modalidade), precisa existir.
onamento de causa e efeito é dizer “ Nada é algo” e Não pode surgir ou deixar de existir. Mas ser
“Inexistência é existência” , 0 que é absurdo. causado significa surgir. Logo, um Ser Neces-
Isso deve ser diferenciado do conceito de David sário não pode ser causado. Pois 0 que surge
H u m e segundo 0 qual não é absurdo 0 nada ser segui- não é necessário.
do de algo. O próprio Hume concorda que uma coisa 9. 0 princípio da causalidade existencial. Todos
é sempre causada por algo. E os teístas aceitam 0 os seres contingentes precisam de uma causa.
conceito de Hume pelo qual, como questão de se- Pois um ser contingente é algo que existe,
qüência, não havia mundo e depois havia um mun- mas podederia não existir. Porém, já que tem
do, que é nada seguido de algo. Não há contradição a possibililidade de não existir, então não é
inerente em dizer que nada pode ser seguido de algo. responsável pela própria existência. Isto é, em
Isso não muda 0 fato de que 0 nada não pode causar si mesmo não há base que explique porque
absolutamente nada. existe ao invés de não existir. Literalmente
primeiros princípios 716

não tem nada(inexistência) por base. Mas a utilizável está acabando e não pode ser eterna [v.
inexistência não pode ser base ou causa por mas isso não vem ao caso
t e r m o d in â m ic a , l e is d a ],

nada (5). Apenas uma coisa pode produzir algo. aqui.) Esse “eu” ou centro de unificação da consci-
10. O Ser Necessário existe = Princípio da Neces- ência em torno do qual essas partes elementares de
sidade Existencial (Sn existe). matéria vêm e vão, não é eterno. Isso é claro por
várias razões.
O princípio da necessidade existencial parte de Primeiro, minha consciência muda. Até os que
dois outros princípios: 0 princípio da existência (n.° afirmam ser eternos e necessários (ou seja, que
1) e 0 princípio da causalidade (5). são um Ser Necessário, Deus) nem sempre tive-
Já que algo sem dúvida existe (1), ou é a) todo ram a consciência de ser Deus. Em algum ponto
contingente ou b) todo necessário ou c) em parte mudam do estado de não estar conscientes de ser
necessário e, em parte, contingente. Mas b) e c) re- Deus para 0 estado de consciência de ser Deus.
conhecem um Ser Necessário, e a) é logicamente Mas um Ser Necessário não pode mudar. Logo,
impossível, sendo contrário ao princípio evidente não sou um Ser Necessário. Portanto, sou um ser
do número 5. Pois se todo(s) 0(s) ser(es) é (são) contigente. Então, pelo menos um ser contingen-
contingente(s), então é possível que todo(s) 0(s) te existe. Tudo é não-necessário.
ser(es) não exista(m). Mas algo sem dúvida existe Além disso, há outras maneiras de saber que sou
agora (e.g., eu existo), como foi demonstrado na pre- contingente. 0 fato de raciocinarmos para chegar a
missa número 1. E 0 nada não pode causar algo (5). conclusões revela que nosso conhecimento não é eter-
Portanto, não é possível (i.e., é impossível) que haja no e necessário. Aprendemos (i.e., mudança do esta-
0 estado do nada absoluto. Mas se é impossível que do de não saber para 0 estado de saber). Mas nenhum
nada exista (já que algo existe), então algo necessari- ser necessário pode aprender algo. Ou sabe tudo eter-
amente existe (i.e., um Ser Necessário existe). na e necessariamente, ou não sabe nada. Se é um tipo
Em outras palavras, se algo existe e se 0 nada não de ser que sabe, então necessariamente sabe, já que é
pode causar algo, então conclui-se que algo deve exis- um tipo necessário de ser. E um ser só pode saber de
tir necessariamente. Pois se algo não existisse neces- acordo com 0 tipo de ser que é. Um ser contingente
sariamente, 0 nada teria causado a coisa que existe. ou finito deve saber contingentemente, e um Ser Ne-
Já que é impossível que 0 nada cause algo, então é cessário deve saber necessariamente. Mas não sei tudo
necessário que algo sempre tenha existido. 0 que posso saber eterna e necessariamente. Portanto,
sou um tipo contingente de ser.
11. 0 ser contingente existe = Princípio da contin-
gência existencial (sc existe). 12. 0 princípio da analogia. Já que a inexistência
não pode produzir existência (5), apenas a
Nem tudo 0 que existe é necessário. Pois a mu- existência pode produzir existência. Mas ura
dança é real, isto é, pelo menos algum(ns) ser(es) ser contingente não pode produzir outro ser
realmente muda(m). E um Ser Necessário não contingente (6). E um ser necessário não pode
pode mudar em sua essência. (Isso não significa produzir outro ser necessário ( 8). Então
que não possa haver mudança em relações exter- apenas um Ser Necessário pode causar ou
nas com outro ser. Apenas significa que não pode produzir um ser contigente. Pois “causar” ou
haver mudança interna na essência. Quando uma “ produzir” significa criar algo. Algo que é
pessoa muda em relação a uma coluna, a coluna criado tem existência. A causa não pode
não muda.) Pois sua existência é necessária, e 0 levar a inexistência à existência, já que exis
que é necessário em essência não pode ser dife- tência não é inexistência (4). O fato de 0 Ser
rente (outro) do que é em sua essência. E toda produzir algo implica que há uma analogia
mudança de essência envolve tornar-se algo es- (semelhança) entre a causa do ser e 0 ser que
sencialmente diferente. ela causa ( 8) Mas um ser contingente é se
Mas é evidente que eu mudo em minha existên- melhante e diferente de um Ser Necessário. É
cia. Mudo de inexistente para existente. Por “eu” quero semelhante porque ambos têm existência. É
dizer 0 ser individual autoconsciente que me deno- diferente porque um é necessário e 0 outro
mino. (Isso não quer dizer que todas as partes ou é contingente. Mas tudo 0 que é semelhante
elementos do meu ser sejam não-eternos. Há boas e diferente é análogo. Logo, há uma analogia
razões para crer que eles não são porque a energia entre 0 Ser Necessário e 0 ser que ele produz.
717 Princeton, Escola de apologética de

Então, duas coisas estão envolvidas no princípio 12. Tal Ser é chamado adequadamente de “ Deus”
de que 0 Ser Necessário causa 0 ser: Primeiro, 0 no sentido teísta, porque possui todas as ca-
efeito deve assemelhar-se à causa, já que ambos são racterísticas essenciais do Deus teísta.
seres. A causa da existência não pode produzir 0 que 13. Logo, 0 Deus teísta existe.
não possui. Segundo, além do efeito ter de se asse-
melhar à causa quanto à existência (i.e., sua realida- C o n clu sã o . Os primeiros princípios são indis-
de), também deve ser diferente dela quanto à pensáveis a todo conhecimento. E os primeiros
potencialidade. Pois a causa (um Ser Necessário), princípios da existência são 0 pré-requisito neces-
pela própria natureza, não tem potencial de não exis- sário para todo conhecimento sobre existência. Es-
tir. Mas 0 efeito (um ser contingente) por sua natu- ses primeiros princípios são incontestáveis ou
reza tem 0 potencial de não existir. Logo, 0 ser con- redutíveis ao incontestável. Pois a própria tentativa
tingente deve ser diferente de sua Causa. Já que a de negá-los os afirma. Por eles a realidade é conheci-
Causa dos seres contingentes deve ser semelhante e da, e a existência de Deus pode ser demonstrada.
diferente do seu efeito, é apenas análoga. Logo, há
uma semelhança analógica entre a Causa de um ser Fontes
contingente e 0 ser contingente que cria. A r is t ó t e l e s , Da interpretação.
D em o n s tra ç ã o d a e x istê n c ia d e D eu s. Dados es- ___ , Metafísica.
ses princípios de existência, pode-se saber muitas W . H e is e n b e r g , Física efilosofia.

coisas sobre a realidade; eles relacionam pensamen- L. M. R eges , Epistemology.


to e coisa. O saber está baseado no existir. Por esses T o m á s d e A q u in o , Comentário sobre a metafísica de
princípios, pode-se provar a existência de Deus (v. Aristóteles
D e u s, e v id ê n c ia s d e ) da seguinte forma: ___ , Da interpretação.
F. D. W il h e l m s e n , Mans knowledge ofreality.
1. Algo existe (e.g., eu existo) (1).
2. Sou um ser contingente (11). Princeton, Escola de apologética de. A Escola de
3. O nada não pode causar uma coisa (5). Apologética de Princeton refere-se à abordagem
4. Apenas um Ser Necessário pode causar um apologética tomada pelos estudiosos da “ Velha
ser contingente (7). Princeton” que floresceram na virada do século xx.
5. Portanto, sou criado por um Ser Necessário Em geral, entrava na categoria da apologética clássi-
(conclui-se com base de 1-4). ca (v. a p o l o g é t ic a c l á s s ic a ), que acredita na validade
6. Mas sou um tipo de ser pessoal, racional e da revelação geral, dos argumentos clássicos a favor
moral (já que realizo esses tipos de atividade). da existência de Deus (v. D e u s , e v id ê n c ia s d e ) e dos
7. Logo, esse Ser Necessário deve ser um tipo milagres como confirmação da verdade (v. m il a g r e ).
de ser pessoal, racional e moral, pois sou se- As raízes filosóficas da apologética de Princeton
melhante a ele pelo Princípio da Analogia (12). são encontradas no realismo empírico da Filosofia
8. Mas um Ser Necessário não pode ser contin Escocesa do Bom Senso, nos escritos de Thomas R e id
gente (i.e., não-necessário) na sua existência, (1710-1796) e no empirismo racional de John L o c k e
0 que seria uma contradição (3). (1632-1704). Suas teorias são exemplificadas nas
9. Logo, esse Ser Necessário é pessoal, racional obras de J. Gresham M a c h e n (1881-1937), Charles
e moral de maneira necessária, não contingente. H odge (1797-1878) e B. B. W a r f ie l d (1851 -1921). Mais
10. Esse Ser Necessário também é eterno, inacau- tarde houve uma quebra radical na tradição, quan-
sado, imutável, ilimitado e único, já que um do 0 Seminário de Westminster foi fundado por pro-
Ser Necessário não pode surgir, ser causado fessores e alunos que discordavam da direção mo-
por outro, sofrer mudanças, ser limitado por dernista de teologia que 0 Seminário de Princeton
qualquer possibilidade do que poderia ser estava tomando. Cornelius Van Til (1895-1987), dis-
(um Ser Necessário não tem a possibilidade cípulo de Flerman Dooyeweerd (1894-1977), condu-
de ser outra coisa além do que é), ou ser mais ziu Princeton à apologética pressuposicional (v.
que um Ser (já que não pode haver dois se- APOLOGÉTICA PRESSUPOSICIONAL).
res infinitos). O espírito, se nem sempre a letra, da velha escola
11. Logo, um Ser Necessário, eterno, não-causa de Princeton continuou com Kenneth Hamilton,
do, ilimitado (= infinito), racional, pessoal e Kenneth Kantzer, John Gerstner e R. C. Sproul. Sua
Moral existe. epistemologia e apologética geral é dependente até
profecia como prova da Bíblia 718

certo ponto do fundamento estabelecido pelo anti- a existência de Deus, mas mostra que eventos
gos teólogos de Princeton. incomuns previstos em seu nome se cumprem como
evidência da sua atividade especial.
Fontes P ro fecia p red itiv a . Se existe um Deus onisciente
J. G erstxer , Reasons for faith. que conhece 0 futuro, a profecia preditiva é possível
C. H odge, Systematic theology, v. 1. (v. teísmo; D eus, natureza de). E se a Bíblia contém tais
J. L ocke , The reasonableness o f C hristian ity. predições, elas são sinal da origem divina da Bíblia.
T. R eid , An inquiry into the human mind on the Nem tudo que se chama “ profecia” na Bíblia é
principles o f common sense. preditivo. Os profetas transmitiram a Palavra de Deus
R. C. S proul , Classical apologetics. e predisseram 0 futuro. Há várias indicações de uma
predição sobrenatural, pelo menos uma com valor
princípio da frugalidade (“ navalha de Occam” ). apologético. Primeira, ela é mais que simples adivi-
V. W illiam of O ckham . nhação ou suposição vaga (v. Ramm, p. 82). Não pode
ser uma mera leitura das tendências. Segunda, lida
princípio da razão suficiente. V. suficiente, princípio com contingências humanas que normalmente são
da razão . imprevisíveis. Predições científicas não são da mes-
ma ordem, já que lidam com projeções baseadas na
probabilidade. V. chance; segurança/certeza(?); méto- regularidade da natureza, por exemplo, a previsão de
do indutivo; lógica. um eclipse. Terceira, é um evento altamente imprová-
vel, não normalmente esperado. As vezes a natureza
processo, teologia do. V. panenteísmo; W hitehead , milagrosa da profecia é pela quantidade de tempo de
A lfred N orth. antecedência com que a predição é feita, de forma a
reduzir a probabilidade da adivinhação. Outras vezes
profecia como prova da Bíblia. Uma das evidênci- é revelada no próprio cumprimento singular.
as mais fortes de que a Bíblia é inspirada por Deus P red içõ es bíblicas. Predições messiânicas. Há duas
(v. B íblia, evidências da) é sua profecia. Ao contrário
categorias amplas de profecia bíblica: messiânica e
de qualquer outro livro, a Bíblia oferece várias pre-
não-messiânica. Payne (ibid., p. 665-70) descreve 191
dições específicas — centenas de anos antes — que
profecias relacionadas ao esperado Messias e Salva-
foram cumpridas literalmente ou indicam um tem-
dor judeu. Cada uma foi cumprida literalmente na
po futuro definido em que acontecerão. No seu ca-
vida, morte, ressurreição e ascensão de Jesus de Nazaré
tálogo abrangente das profecias, Encyclopedia of
(v. Novo T estamento, historicidade do; C risto, divindade
biblical prophecies [Enciclopédia de profecia bíbli-
de). Uma amostra dessas profecias inclui:
ca], J. Barton Payne descreve 1817 predições na Bí-
blia, 1239 no at e 578 no nt (p. 674-5).
O nascimento do !Messias. Deus disse a Satanás
O argumento da profecia é 0 argumento basea-
depois que ele tentou Adão e Eva a pecarem: “Porei
do na onisciência. Os seres humanos limitados só
inimizade entre você e a mulher, entre a sua des-
conhecem 0 futuro se lhes for contado por um Ser
cendência e 0 descendente dela; Este lhe ferirá a
onisciente (Ramm, p. 81). É importante observar que
esse não é um argumento para provar a onisciência. cabeça, e tu lhe ferirás 0 calcanhar” (Gn 3.15). O Nt
Às vezes argumenta-se equivocadamente que uma revela que Jesus realmente nasceu de uma mulher
predição de eventos incomuns é prova de que existe para esmagar 0 poder de Satanás. Pois “quando che-
um Ser onisciente (v. D eus, natureza de). Não é neces- gou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho,
sariamente assim, pois 0 que é incomum não prova a nascido de mulher, nascido debaixo da lei” (G1 4.4;
existência de Deus (v. milagres, argumentos contra). Não cf. Mateus 1; Lucas 2).
importa qual a improbabilidade, um evento incomum Isaías 7.14 p r e v iu q u e u m h o m e m chamado
(por exemplo, uma seqüência perfeita num jogo de Emanuel (“ Deus con osco” ) nasceria de u m a virgem
bridge, algo extremamente improvável) pode aconte- (v. nascimento virginal de Cristo): “ Por isso, 0 Senhor
cer e, às vezes, acontece. Mas, quando se acredita que m esm o lhes dará um sinal: ficará grávid a a virgem
um Ser onisciente existe (v. D eus, evidências de), e pre- c o n c e b e r á e d a rá à lu z um filh o e 0 chamará
dições altamente improváveis são feitas em seu nome E m an u el” . Essa p redição foi feita co m m ais de 700
e todas se cumprem, é razoável supor que foram divi- anos de antecedência (v. Isaías, Deutero). O N t afir-
namente inspiradas. A profecia cumprida não prova m a q u e C ris to c u m p r iu e ss a p r e d iç ã o , d iz e n d o :
719 profecia como prova da Bíblia

Tudo isso aconteceu para que se cumprisse 0 que 0 se pensava, filho de José, filho de Eli[...] filho de
Senhor dissera pelo profeta: “A virgem ficará grávi- Juda, filho de Jacó, filho de Isaque, filho de abraão
da e dará à luz um filho, e lhe chamarão Emanuel” , (Lc 3.23,33,34; cf. Mt 1.1-3). Hebreus acrescenta:
que significa “ Deus conosco” (Mt 1.22,23). A alega- “ Pois é bem conhecido que 0 nosso Senhor des-
ção de que essa não é realmente uma predição do cende de Judá” (Hb 7.14).
nascimento de Cristo é respondida no artigo n a s c i - Os livros de Samuel registram a predição de que
MENTO VIRGINAL DE CRISTO. 0 Messias seria da casa de Davi. Deus disse a Davi:
Miquéias profetizou precisamente:
Quando a sua vida chegar ao fim e você descansar com os
Mas tu, Belém-Efrata, embora pequena entre os clãs de seus antepassados, escolherei um de seus filhos para sucedê-
Judá, de ti virá para mim aquele que será 0 governante sobre 10, um fruto do seu próprio corpo, e eu estabelecerei 0 Reino
Israel. Suas origens estão no passado distante, em tempos dele. Será ele quem construirá um templo em honra ao meu, e
antigos (Mq 5.2). eu firmarei 0 trono dele para sempre. Eu serei seu pai, e ele será
meu filho (2Sm 7.12-14).
Até os céticos escribas judeus identificaram 0
texto como predição referente ao Messias e enca- 0 Nt afirma repetidas vezes que Jesus era “filho
minharam os magos para Belém (Mt 2.1-6): de Davi” (Mt 1.1). 0 próprio Jesus deu a entender
que era 0 “ filho de Davi” (Mt 22.42-45). No chamado
Depois que Jesus nasceu em Belém da Judéia, nos dias do D o m in go de R a m os a multidão aclamou a Cristo
Rei Herodes, magos vindos do Oriente chegarama Jerusalém e como “ Filho de Davi” (Mt 21.9).
perguntaram: “Onde está 0 Recém-nascido Rei dos Judeus? 0 arauto da vinda do Messias. Isaías previu que
Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” . Quando 0 0 Messias seria anunciado por um mensageiro do
Rei Herodes ouviu isso, ficou pertubado, e com ela toda Jeru- Senhor que seria uma “Uma voz clama: ‘ No deserto
salém. Tendo reunido todos os chefes dos sacerdotes do povo prepararem 0 caminho para 0 S enhor; façam no de-
e os mestres da lei, perguntou-lhes onde deveria nascer 0 Cris- serto um caminho reto para 0 nosso Deus’” (40.3).
to. E eles responderam: “ Em Belém da Judéia; pois assim es- Malaquias (3.1) acrescentou:
creveu 0 profeta: ‘Mas tu, Belém, da terra de Judá, de forma
alguma és a menor entre as principais cidades de Judá; pois de Vejam, eu enviarei a meu mensageiro, que preparará 0 ca-
ti virá 0 líder que, como pastor, conduzirá Israel, 0 meu povo’” . minho diante de mim. Então, de repente, 0 S enhor que vocês
buscam vira para 0 seu templo; 0 mensageiro da aliança, aque-
le que vocês desejam virá, diz 0 S enhor dos Exércitos.
Λ g e n e a lo g ia do M essia s. Deus declarou em
Gênesis 12.1-3 que a bênção messiânica para todo 0
mundo viria da linhagem de Abraão: “ Farei de você
Essas predições foram cumpridas literalmente
um grande povo, e 0 abençoarei. Tornarei famoso 0
no ministério de João Batista. Mateus registra:
seu nome, e você será uma bênção. Abençoarei os
que 0 abençoarem e amaldiçoarei os que 0
Naqueles dias, surgiu Jõao Batista, pregando no deserto
amaldioçoarem; e por meio de você todos os povos
da Judéia. Ele dizia: Arrependam-se, pois 0 Reino dos céus está
da terra serão abençoados” (Gn 12.2,3; cf. 22.18). Je-
próximo; Este é aquele que foi anunciado pelo profeta Isaías:
sus realmente era descendente de Abraão. Mateus
Voz do que clama no deserto: Preparem 0 caminho para 0 Se-
começa pelo “Registro da genealogia de Jesus Cristo,
nhor,façam veredas retas para ele (Mt3.1-3).
filho de Davi, filho de Abraão” (Mt 1.1). Paulo acres-
centa: Assim também as promessas foram feitas a
Isaías 11.2 previu que 0 Messias seria ungido pelo
Abraão e ao seu descendente. A escritura não diz: “ E
Espírito Santo para 0 seu ministério: 0 Espírito do
aos seus descendente” , como se falando de muitos,
Senhor repousara sobre ele, 0 Espírito que dá sabe-
mas: “Ao seu descendente” dando a entender que se
doria e entendimento, 0 Espírito que traz conselho
trata de um só, isto é, Cristo (G1 3.16).
e poder, 0 Espírito que dá conhecinento e temor do
0 Redentor viria por meio da tribo de Judá: “ 0
S enhor. Isso aconteceu literalmente com Jesus no seu
cetro não se apartadará de Judá, nem 0 bastão de
comando de seus descendentes, até que venha batismo. Mateus 3.16,17 diz:
aquele a quem ele pertence, e a ele as nações obe-
decerão” (Gn 49.10). De acordo com as genealogias Assim que Jesus foi batizado, saiu da àgua. Naquele mo-
do N t essa era a linhagem de Jesus. Lucas decla- mento 0 ceú se abriu, e ele viu 0 Espírito de Deus descendo
ra: Jesus tinha cerca de trinta anos de idade como pomba e pousando sobre ele. Então uma voz do ceú dis-
quando começou seu ministério. Ele era como se: “Este é 0 meu filho amado, em quem me agrado.
profecia como prova da Bíblia 72 0

Isaías 61 diz que 0 Messias pregaria 0 evangelho escrito:‘A minha casa será chamada casa de oração’; mas vocês
aos pobres e oprimidos. Jesus indicou que estava estão fazendo dela um covil de ladrões’” .
cumprindo esse ministério na sinagoga de Nazaré
(Lc 4.16-19): Entre os vários salmos aplicáveis ao ministério
de Jesus está 0 118.22, que prevê a rejeição do Messi-
Ele foi a Nazaré, onde havia sido criado, e no dia de sábado as pelo seu povo: “A pedra que os construtores rejei-
entrou na sinagoga, como era seu costume. E levantou-se para taram tornou-se a pedra angular” . Esse mesmo
ler. Foi lhe entregue 0 livro do profeta Isaías. Abriu-se encon- versículo é citado repetidas vezes no N t . Por exem-
trou 0 lugar onde está escrito: “0 Espírito do Senhor está so- pio, Pedro escreveu: Portanto, para vocês, os que crê-
bre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos po- em, esta pedra é preciosa; mas para os que não crê-
bres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos pobres e re- em, “a pedra que os construtores rejeitaram tornou-
cuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e pro- se a pedra angular” ( 1Pe 2.7; cf. Mt 21.42; Mc 12.10; Lc
clamar 0 ano da graça do Senhor. 20.17; At 4.11).
Sofrimento e morte de Cristo. Uma das predições
Jesus parou sua leitura cuidadosamente no meio mais incríveis sobre Cristo em todas as Escrituras é
de um parágrafo, deixando de acrescentar a conti- a de Isaías 53.2-12. Essa descrição precisa dos sofri-
nuação da frase: “e 0 dia da vingança do nosso Deus” . mentos de Jesus e da morte de Cristo foi completa-
Isso se refere à sua segunda vinda; não estava se mente cumprida (v. Mt 26,27; Mc 15,16; Lc 22,23; Jo
cumprindo naquele dia na reunião da sinagoga, como 18,19). Isaías prediz doze aspectos da paixão do Mes-
0 restante da profecia. sias, todos cumpridos. Jesus...
Isaías 35.5,6 declarou que 0 Messias faria mila-
gres para confirmar seu ministério, afirmando: “En- 1. foi rejeitado;
tão, se abrirão os olhos dos cegos e se destaparão os 2 foi homem de dores;
ouvidos dos surdos” . O evangelho está repleto de 3. teve uma vida de sofrimento;
milagres de Jesus. Jesus ia passando por todas as ci- 4. foi desprezado pelos outros;
dades e povoados, ensinando nas sinagogas, pregan- 5. carregou nossas dores;
do as boas novas do Reino e curando todas as enfer- 6. foi ferido e oprimido por Deus;
midades e doenças (Mt 9.35). Jesus até citou essas 7. foi traspassado pelas nossas transgressões;
mesmas coisas para João Batista como credencial 8. foi moído pelas nossas iniqüidades;
messiânica. 9. sofreu como uma ovelha;
10. morreu com transgressores;
Jesus respondeu: “Voltem e anunciem a João 0 que vocês 1 1 . não tinha pecado; e
estão ouvindo e vendo: Os cegos veêm os mancos andam, os 12 . intercedeu pelos outros.
leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos são res-
suscitados, e as boas novas são pregadas aos pobres (Mt Outra confirmação da natureza profética de Isaías
11.4,5). 53 é que era comum para os intérpretes judaicos
antes da época de Cristo ensinarem que Isaías falava
A obra do Messias. Malaquias 3.1 predisse a au- aqui sobre 0 Messias judaico (v. Driver). Somente
toridade sobre a adoração do templo que Jesus de- depois que os primeiros cristãos começaram a usar
monstrou ao expulsar os cambistas — no começo e 0 texto apologeticamente foi que ele se tornou, no
no final do seu ministério: ensino rabínico, uma expressão do sofrimento da
nação judaica. Essa visão é implausível no contexto
“Vejam, eu enviarei o meu mensageiro, que preparará 0 das referências normais de Isaías ao povo judeu na
caminho diante de mim. E então, de repente, 0 S enhor que vocês primeira pessoa do plural (“nosso” ou “nós” ), ao passo
buscam virá para 0 seu templo; 0 mensageiro da aliança, aque- que ele sempre se refere ao Messias na terceira pessoa
le que vocês desejam, vira” , diz 0 S enhor dos Exércitos. do singular, como em Isaías 53 (“ele” e “seu” e “si” ).
Entre as outras predições da morte de Cristo estão:
Mateus 21.12,13 relata:
13. seus pés e mãos traspassados (SI 22.16; cf. Lc
Jesus entrou no templo e expulsou todos os que ali esta- 23.33);
vam comprando e vendendo. Derrubou as mesas dos cambis- 14. seu lado traspassado (Zc 12.10; cf. Jo 19.34); e
tas e as cadeiras dos que vendia, pombas, e lhes disse: “Está 15. sua túnica sorteada (SI 22.18; cf. Jo 19.23,24).
721 profecia como prova da Bíblia

Apesar de só ser reconhecido depois do fato, uma Ambas essas passagens são citadas no Nt como
das predições mais precisas nas Escrituras dá 0 ano predições da ressurreição de Cristo. Pedro disse ex-
em que Cristo morreria. Daniel falava tanto do exí- plicitamente sobre a profecia de Davi no salmo 16:
lio de Israel quanto da expiação do pecado quando
registrou uma oração de confissão de pecados do Mas ele era profeta e sabia que Deus lhe prometera sob
seu povo (9.4-19) e uma resposta em forma de visão, juramento que colocaria um dos seus descendentes em seu
na qual 0 anjo Gabriel deu a Daniel a seguinte predi- trono. Prevendo isso, falou da ressureição do Cristo, que não
ção (9.24-26): foi abandonado no sepulcro e cujo corpo não sofreu decom-
posição (At 2.30,31; cf. 13.35).
Setenta semanas estão decretadas para 0 seu povo e sua
santa cidade a fim de acabar com a transgressão, dar fim ao O salmo 2 é citado como predição da ressurrei-
pecado, expiar as culpas, trazer justiça eterna, cumprir a visão ção em Atos 13.33,34 (cf. Hb 1.5). Na realidade, usan-
e a profecia, e ungir 0 santíssimo. Saiba e entenda que, a partir do essas passagens, Segundo 0 seu costume, Paulo
da promulgação do decreto que manda restaurar e reconstruir foi à sinagoga e por três sábados discutiu com eles
Jeruslém até que ungido, 0 líder, venha, haverá sete semanas, e com base nas Escrituras, explicando e provando que
sesenta eduas semanas [...] Depois das sessenta e duas sema- 0 Cristo deveria sofrer e ressuscitar dentre os mor-
nas 0 ungido será morto, ejá não haverá lugar para ele. tos. E dizia: “ Este Jesus que lhes proclamo é 0 Cristo”
(At 17.2,3). Isso dificilmente seria possível a não ser
O contexto indica que Daniel sabia que falava que seus céticos espectadores judeus não reconhe-
sobre anos, já que estava meditando sobre 0 “núme- cessem a natureza profética de passagens como os
ro de anos” que Deus havia revelado a Jeremias em salmos 2 e 16.
que Jerusalém ficaria desolada, ou seja, “setenta anos”
A Ascensão de Cristo. Em Salmos 110.1, Davi pre-
(v. 2). Então Deus disse a Daniel que seria 7 x 70
disse até a Ascensão de Cristo, escrevendo: “ O S e -
(anos) antes de 0 Messias vir e morrer.
nhor disse ao meu Senhor: “ Senta-te à minha direita
Artaxerxes mandou Neemias para “ restaurar e
até que eu faça dos teus inimigos um estrado para os
reconstruir Jerusalém” (Dn 9.25; cf. Ne 2) em 445 /
teus pés” (cf. Sl 2.4-6; 68.6; usado em Ef 4.8). Jesus
444 a.C. A partir desse ano, em vez da data anterior
aplicou essa passagem a si mesmo (Mt 22.43,44).
em que Ciro aprovou apenas a reconstrução do tem-
Pedro usou-a como predição da Ascensão de Cristo:
pio (Esdras 1.3), Daniel previu que haveria 483 anos
Pois Davi não subiu aos céus, mas ele mesmo decla-
até a época da morte de Cristo. Levando em conta a
rou: “O Senhor disse ao meu Senhor: ‘Senta-te à mi-
data amplamente aceita de 33 para a crucificação (v.
nha direita até que eu ponha os teus inimigos como
Hoehner), seria exatamente 483 anos:
estrado para os teus pês” (At 2.34,35).
Sete setes mais sessenta e dois setes é 69 x 7 = 483
As profecias e 0 Messias. É importante observar
444 + 33 = 477
Acrescente seis anos para compensar os cinco dias de um certas coisas singulares das profecias bíblicas. Ao
ano solar que não estão no ano lunar seguido por Israel contrário de predições mediúnicas, muitas delas são
(5 x 477 = 2385 dias ou 6+ anos). bem específicas, dando, por exemplo, 0 nome da tri-
477 + 6 = 483 anos bo, cidade e época da vinda de Cristo. Ao contrário
de predições encontradas em horóscopos de jornal,
Isso supõe que os 490 de Daniel (70 x 7) não são nenhuma dessas predições falhou.
um número arredondado, 0 que é possível. A Bíblia Já que essas profecias foram escritas centenas
freqüentemente arredonda seus números (v. B íblia , de anos antes de Cristo nascer, os profetas não po-
SUPOSTOS ERROS NA; CRONOLOGIA DA BíBLIA, PRO BLEM A S N a ). deriam avaliar as tendências da época ou adivi-
De qualquer forma, a predição de Daniel nos leva à nhando. Muitas predições estavam além da habili-
época de Cristo. dade humana de manipular um cumprimento. Se
Salmos 16.10: A ressurreição de Cristo. O At tam- fosse um simples ser humano, Cristo não teria con-
bém previu a ressurreição do Messias dentre os trole sobre quando (Dn 9.24-27), onde (Mq 5.2) ou
mortos. Salmos 2.7 declara: “ Proclamarei 0 decreto como nasceria (Is 7.14), como morreria (Sl 22; Is
do Senhor: Ele me disse: Tu és meu Filho, eu, hoje, te 53), nem faria milagres (Is 35.5,6), nem ressuscita-
gerei” . Em Salmos 16.10, Davi acrescenta: “ Porque tu ria dos mortos (Sl 2, 16).
não me abandonarás no sepulcro, nem permitirás É improvável que todos esses eventos convergis-
que 0 teu santo sofra decomposição” . sem na vida de um homem. Os matemáticos (Stoner,
profecia como prova da Bíblia 722

p. 108) calcularam que a probabilidade de 16 predi- Jerusalém: “ Seja reconstruída” , e do templo:“ Sejam lançados
ções serem cumpridas num homem (e.g., Jesus) é de os seus alicerces” [...].“Assim diz 0 Senhor ao seu ungido: a
1 em 1045. Que 48 predições convergissem numa pes- Ciro, Cuja mão direita eu seguro com firmeza para subjugar as
soa, a probabilidade é de 1 em 10 !r . É quase impos- nações diante dele earrancar a armadura de seus reis, para abrir
sível conceber um número tão grande. portas diante dele, de modo que as portas não estejam
Mas não é apenas uma im probabilidad e lógica trancadas” (Is 44.24,28-45.1).
que elimina a teoria de que Jesus manipulou os cum-
primentos de profecias a seu respeito; é m oralm ente Essa predição foi feita uns 150 anos antes de
im plausível que 0 Deus onipotente e onisciente (v. Ciro nascer (v. I sa ías , D eutero ). Como Isaías vi-
D eus, natureza de) permitisse que seus planos de cum- veu entre 740 e 690 a.C. aproximadamente (2Rs
primento profético fossem arruinados por alguém 25.21) e Ciro só fez sua proclamação para Israel
que por acaso estava no lugar certo na hora certa. voltar do exílio por volta de 536 (Ed 1), não ha-
Deus não pode mentir (Tt 1.2) e não pode deixar de via maneira humana de saber como Ciro se cha-
cumprir uma promessa (Hb 6.18). Portanto, deve- maria ou 0 que faria. A tentativa dos críticos de
mos concluir que ele não permitiu que suas pro- dividir Isaías e pós-datar a profecia é infundada
messas proféticas fossem frustradas pelo acaso. Toda (v. I saías , D eutero ) e é uma rejeição do detalhe e
evidência indica Jesus como 0 cumprimento divi- precisão da predição.
namente determinado das profecias messiânicas. Ele O retorno de Israel à terra. Dado seu longo exílio
era 0 homem de Deus, confirmado pelos sinais de de cerca de dezenove séculos e a hostilidade dos
Deus (At 2.22). ocupantes da Palestina contra eles, qualquer predi-
P re d iç õ e s n ã o - m e s s iâ n ic a s . Outras profecias ção sobre retorno, restauração e reconstrução da
bíblicas são específicas e preditivas. A seguir temos nação de Israel era extremamente improvável. To-
exemplos: davia, predições feitas com alguns séculos e mais de
D aniel 2 .3 7 -4 2 : A sucessão de gra nd es reinos m un- dois milênios e meio de antecedência sobre as duas
diais. Uma predição incrível na Bíblia é a sucessão restaurações dos judeus à sua terra natal e sua res-
dos impérios mundiais da Babilônia, Medo-Pérsia, tauração como nação foram literalmente cumpri-
Grécia e Roma por Daniel. Interpretando 0 sonho das. Com relação à restauração de Israel de 1948,
do Rei Nabucodonosor da Babilônia sobre uma ima- Isaías previu:
gem humana feita de diferentes metais, ele disse a
Nabucodonosor: Naquele dia, 0 S enhor estenderá 0 braço pela segunda vez
para reivindicar 0 remanescente do seu povo que for deixado
“ Tu, ó rei, rei de reis [...] tu és a cabeça de ouro. Depois de na Assíria, no Egito, em Patros, na Etiópia, em Sinear, em
ti surgirá um outro reino, interior ao teu. Em seguida surgirá Hananteenas ilhas do mar(Is 11.11).
um terceiro Reino, Reino debronze, que governará toda a terra.
Finalmente haverá um quarto reino, forte como ferro, pois 0 O primeiro retorno foi sob Esdras e Neemias
ferro quebra e destroi tudo; e assim como 0 ferro despedaça no século vi a.C. !Mas Israel foi mandado novamen-
tudo, também ele destruirá e quebrará todos os outros” te para 0 exílio em 70 d.C., quando os exércitos
(Dn 2.37-40). romanos destruíram Jerusalém e derrubaram 0
templo. Durante quase dois mil anos 0 povo judeu
Essa profecia é tão precisa que mesmo críticos permaneceu no exílio e a nação não existia. Então,
extremamente negativos concordam que Daniel fa- assim como a Bíblia predissera, eles foram resta-
lou em ordem sobre a Babilônia, a Medo-Pérsia, belecidos após a Segunda Guerra Mundial e um
Grécia e Roma. Os críticos tentam evitar a natureza conflito terrível com os palestinos árabes. Milhões
sobrenatural da profecia ao afirmar que essas pala- retornaram e reconstruíram seu país e, na Guerra
vras foram escritas depois do fato, por volta de 165 dos Seis Dias, em 1967, Jerusalém tornou-se nova-
a.C. Mas não há prova real para essa afirmação. mente uma cidade judaica unida. Nenhuma outra
Ciro, rei da Pérsia. Uma das predições mais espe- nação na história conseguiu manter intacta com
cíficas do at identifica Ciro da Pérsia antes de ele tanto sucesso uma cultura, identidade e língua du-
nascer: rante centenas de anos, muito menos contra 0 ódio
genocida enfrentado repetidas vezes pelos judeus.
Eu sou 0 S enhor [...] que diz acerca de Ciro: “Ele é meu Essa predição bíblica é evidência incrível da ori-
pastor, e realizará tudo 0 que me agrada” , ele dirá acerca de gem sobrenatural das Escrituras.
723 profecia como prova da Bíblia

O fechamento da Porta Dourada. A Porta Doura- recebeu nenhuma promessa de restauração, apenas
da é a porta oriental de Jerusalém, através da qual “desolação perpétua” . Jeremias escreveu em 49.16,17:
Cristo fez sua entrada triunfal no Domingo de Ra-
mos antes de sua crucificação (Mt 21). Ezequiel 44.2 “ 0 pavor que você inspira e 0 orgulho do seu coração 0
previu que um dia ela seria fechada e só reabriria enganaram, a você, que vive nas lendas das rochas, que ocupa
quando 0 Messias retornasse: 0 S enhor me disse: os altos das colunas. Ainda que você, como a águia, faça seu
Esta porta deve permanecer trancada. Não deverá ninho nas alturas, de lá eu 0 derrubarei”,declara 0SENH0R.“Edom
ser aberta; ninguém poderá entrar por ela. Deve per- se tornará objeto de terror; todos os que or ali passarem fica-
manecer trancada porque 0 S enhor, 0 Deus de Israel, rão chocados e zombarão por causa de todas as suas feridas”
entrou por ela.
Em 1543 0 sultão Solimão, 0 Magnífico, fechou Dada a natureza praticamente inexpugnável da
a porta e a murou como Ezequiel havia previsto. antiga cidade esculpida na rocha e protegida por
Ele não imaginava que estava cumprindo uma uma passagem estreita, essa era uma predição incrí-
profecia. Simplesmente a selou porque a estrada vel. Porém, em 636 d.C., ela foi conquistada pelos
que levava a ela não era mais usada para 0 tráfego. muçulmanos e, com exceção de turistas e viajantes,
Ela continua selada até hoje exatamente como a está deserta.
Bíblia previu, aguardando ser reaberta quando 0 A prosperidade do deserto na Palestina. Durante
Rei retornar. séculos a Palestina ficou abandonada e desolada. Es-
A destruição de Tiro. Tiro, um porto importante sas condições se estenderam por toda a terra. Mas
do Mediterrâneo oriental, foi uma das grandes cida- Ezequiel 36.33-35 previu:
des do mundo antigo. Foi uma cidade muito
fortificada e próspera. Mas Ezequiel 26.3-14 previu “Assim diz 0 Soberano, 0 S exhor : No dia em que eu os pu-
sua destruição e demolição total centenas de anos rificar de todos os seus pecados, restabelecerei as suas cidades
antes, ao declarar: eas ruínas serão reconstruídas”. A terra arrasada será cultivada;
não permanecerá arrasada àvista de todos os que passarempor
Assim diz 0 Soberano, 0 S en h o r : “ Estou contra você, Ó ela. Estes dirão: ‘Esta terra que estava arrasada tornou-se como
Tiro e trarei muitas nações contra você; virão como 0 mar 0 jardim do Éden; as cidades quejaziam em ruínas, arrasadas e
quando eleva as suas ondas. Elas destruirão os muros de destruídas, agora estão fortificadas e habitadas” .
Tiro e derrubarão suas torres; eu espalharei 0 seu entulho
e farei dela uma rocha nua. Fora, no mar, ela se tornará um Hoje estradas foram construídas, a terra está sen-
lugar propício para estender redes de pesca [...] Despoja- do cultivada e a agricultura de Israel está prosperan-
rão sua riqueza e saquearão seus suprimentos; derrubarão do. Essa renovação começou antes da virada do sécu-
seus muros, demolirão suas lindas casas e lançarão ao mar 10 xx e continua um século depois. Safras agrícolas,
as suas pedras, seu madeiramento e todo 0 entulho. Porei inclusive uma grande colheita de laranjas, são parte
fim a seus cânticos barulhentos, e não se ouvirá mais a da restauração — assim como Ezequiel predisse.
música de suas harpas. Farei de você uma rocha nua, e você 0 aumento do conhecimento e da comunicação.
se tornará um local propício para estender redes de pesca. Outra profecia bíblica que está sendo cumprida de-
Você jamais será reconstruída, pois eu, 0 Senhor, falei” . pois de milhares de anos é a da predição de Daniel
Palavra do Soberano, 0 S en h o r . do aumento do conhecimento e da comunicação
nos últimos dias (12.4): Deus disse: “ Mas você,
Essa predição foi parcialmente cumprida quan- Daniel, feche com um selo as palavras do livro até 0
do Nabucodonosor destruiu a cidade e a deixou tempo do fim. Muitos irão por todo lado em busca
em ruínas. Mas as pedras, 0 pó e as madeiras não de maior conhecimento”
foram lançadas ao mar. Então Alexandre, 0 Gran- Nunca na história do mundo houve tamanha
de, atacou a aparentemente inexpugnável ilha de explosão nas áreas do conhecimento, transporte e
Tiro, tirando as pedras, 0 pó e a madeira da cida- comunicação como no final do século xx. A pro-
de arruinada do continente e construindo um pulsão a jato na aviação e 0 microcircuito na com-
caminho elevado até a ilha. Além da cidade ja- putação causaram uma explosão nos transportes e
mais ter sido reconstruída, hoje ela literalmente é na informação.
usada como “ local propício” . Uma conclusão importante. Um fato geralmente
A destruição de Edom (Petra). Ao contrário de ignorado pelos críticos é que apenas um caso real de
muitas predições de destruição do At, Edom não profecia cumprida estabeleceria a origem sobrenatural
profecia como prova da Bíblia 724

das Escrituras (cf. Ramm, p.86). Mesmo se a maioria M ’llvaine acrescenta:


das predições bíblicas pudesse ser explicada natu-
ralmente, uma única ocorrência clara funda- A história das nações pagàs realmente é rica emhistórias de
menta 0 restante e confirma 0 evento profético. As- augúriose oráculos e predições desconexas [...] Masumadis-
sim, se 0 crítico quer refutar as profecias, todas as tância incalculável separa todos os supostos oráculos do paga-
instâncias devem ser naturalmente explicáveis. nismo da dignidade das profecias da Bíblia (M’llvaine, p. 246-7).
O b jeçõ es à p r o fe c ia p red itiv a . Várias objeções
foram levantados para negar 0 argumento a favor da Depois de examinar cuidadosamente os profe-
origem sobrenatural da profecia bíblica. As mais im- tas hebreus e pagãos, Calvin Stow concluiu que não
portantes serão consideradas resumidamente. havia nenhuma profecia crível em outras obras, mas
A linguagem da profecia é vaga. Os críticos insistem que cada uma “ é apenas 0 que se esperaria de ho-
em que a linguagem da profecia é tão indefinida que não mens deste mundo, que não têm fé em outro” (cita-
é difícil encontrar um tipo de cumprimento. Predições do em Newman, p. 17-8).
vagas são esclarecidas pelo seu cumprimento. Médiuns fizeram predições como as da Bíblia. Crí-
Nem toda profecia bíblica é clara. Algumas são ticos contemporâneos da profecia bíblica apresen-
vagas e esclarecidas pelo cumprimento. Mas 0 crítico tam predições mediúnicas como iguais às das Es-
deve demonstrar que todas as profecias são dessa na- crituras. No entanto, há outro salto quântico entre
tureza. No entanto, como foi demonstrado nos exem- todos os médiuns e os profetas infalíveis das Escri-
pios acima, algumas profecias são bem específicas. As turas (v. m il a g r e s , m ág ic a f.). Na realidade, um dos tes-
predições de quando Cristo morreria (Dn 9.24s.), em tes dos profetas era se eles proclamavam predições
que cidade ele nasceria (Mq 5.2) e como ele sofreria e que não aconteciam (Dt 18.22). Aqueles cujas profe-
morreria (Is 53) não são nem um pouco vagas. cias falhavam eram apedrejados (18.20) — uma prá-
Outros livros religiosos têm profecias. Também ale- tica que sem dúvida detinha qualquer pessoa que
ga-se que as profecias não são exclusivas da Bíblia, não tivesse certeza absoluta de que suas mensagens
mas são encontradas em outros livros sagrados. eram de Deus. Entre centenas de profecias, os profe-
Logo, não têm valor para provar a verdade do cristi- tas bíblicos jamais erraram. Um estudo das profeci-
anismo sobre outras religiões. Esse argumento é se- as feitas por médiuns em 1975 e observadas até 1981
melhante ao argumento de David Hum e segundo 0 demonstrou que, das 72 predições, apenas 6 se cum-
qual eventos milagrosos semelhantes são afirmados priram de alguma forma. Duas delas eram vagas e
por todas as religiões. Portanto, supostos milagres duas outras eram pouco surpreendentes — os Esta-
não podem ser usados para estabelecer a verdade de dos Unidos e a Rússia continuariam sendo superpo-
uma religião sobre outra. tências e não haveria guerras mundiais. The People's
Essa objeção está sujeita à mesma crítica que a Almanac (1976) fez uma pesquisa das predições de
de Hume (v. m il a g r e s , a r g u m e n t o s c o n t r a ). Primeiro, 24 dos maiores médiuns. Os resultados: Do total de
não é verdade que outras religiões apresentam 0 72 predições, 66 (92%) estavam totalmente erradas
cumprimento específico, repetido e infalível das (Kole, p. 69). A média de precisão de 8% poderia
predições feitas muitos anos antes dos eventos con- facilmente ser explicada pelo acaso e conhecimento
tingentes sobre os quais 0 profeta não tinha contro- geral das circunstâncias. Em 1993 os médiuns erra-
le. Esse tipo de predições é exclusivo da Bíblia. Uma ram todas as principais notícias inesperadas, inclu-
discussão de profecias feita por Maomé no Alcorão, sive a aposentadoria de Michael Jordan, as enchen-
0 rival mais próximo da Bíblia, é encontrado no ar- tes nos Estados Unidos e 0 tratado de paz entre Israel
tigo M a o m é , s u p o s t o s m il a g r e s d e , e demonstra a e a o l p . Entre as profecias falsas havia uma de que a
disparidade entre os dois livros. Rainha da Inglaterra se tornaria freira e de que Kathy
R. S. Foster diz sobre outros livros sagrados e obras Lee Gifford substituiria Jay Leno como apresenta-
de religiões pagãs: dora do programa de t y americano The Tonight Show
(Charlotte Observer, 30/12/93).
Nenhuma profecia comprovada éencontrada em qualquer Da mesma forma, as “ predições” altamente
outro livro ou tradição oral atualmente existente ou que ja- renomadas de Nostradamus não eram tão incríveis
mais tenha existido no mundo. Os oráculos do paganismo não assim. Ao contrário do que se pensa, ele jamais previu
devem ser classificados como exceções. Não há nenhum entre 0 lugar ou 0 ano do grande terremoto da Califórnia. A
eles que passe no teste exigido para provar agência sobre na- maioria das suas “ famosas” predições, tais como a
tural,que toda profecia bíblica evidencia” (Foster,p. 111). ascensão de Hitler, eram vagas. Como outros médiuns,
725 profecia como prova da Bíblia

estava freqüentemente errado, 0 que configura um Jesus manipulou os eventos para cumprir as pro-
falso profeta pelos padrões bíblicos. Mais sobre fedas. Outro argumento usado pelos críticos foi po-
Nostradamus é relatado no artigo N o st r a d a m u s . pularizado pelo livro The Passover plot [A conspira-
Quando as profecias bíblicas foram feitas? Segun- ção da Páscoa](v. P á sc o a , c o n s p ir a ç ã o d a ) , de Hugh
do essa objeção, todas as profecias bíblicas com Schonfield. Ele argumentou que Jesus manipulou
especificidade suficiente para serem inexplicáveis to- pessoas e eventos para dar a impressão de que era 0
ram feitas após os eventos. As incríveis afirmações de Messias profetizado. Essa teoria interessante é
Daniel seriam bem recentes, e as predições de Isaías destruída pelos fatos. Primeiro, vários milagres (v.
sobre Ciro teriam sido acrescentadas depois que 0 rei m il a g r e s na B í b l i a ) confirmaram que Jesus era 0 Mes-
persa apareceu. Eles estavam registrando a história, sias. Deus não permitiria que um impostor pareces-
não profetizando Para debates sobre a datação desses se ser seu Filho (v. m il a g r e s , v a lo r a p o l o g é t ic o d o s ).
dois livros, v. d a n ie l , datação d e , e I sa ía s , D eu tf .r o . Nenhu- Segundo, não há evidência de que Jesus tenha sido
ma dessas nem outras acusações de profecias pós- um enganador. Pelo contrário, seu caráter é impecá-
datadas têm qualquer fundamento em fatos. E muitos vel (v. C r is t o , s in g u l a r id a d e d e ). Terceiro, Jesus não
cumprimentos ocorreram muito depois das supostas poderia cumprir predições sobre as quais não tinha
datas em que tais obras surgiram. controle, tais como sua linhagem (Gn 12.3; 49.10; 2Sm
Os supostos cumprimentos interpretam mal os tex- 7.12-16), seu lugar de nascimento (Mq 5.2), a hora da
tos. Os críticos argumentam que os supostos cumpri- sua morte (Dn 9.24-27) e as condições da sua morte
mentos das predições do A t são, freqüentemente, más (Is 53). Em quarto lugar, para manipular todas as
interpretações do texto do At. Por exemplo, Mateus pessoas (incluindo seus inimigos) e até seus discí-
diz repetidas vezes “para que se cumprisse” (cf 1 .2 2 ; pulos para dar a impressão de que era 0 Messias
2.15,17). Mas quando a passagem do A t é examinada
prometido, Jesus precisaria de poderes sobrenatu-
no contexto, descobre-se que essa não era uma predi-
rais. Mas, se teve tais poderes, deveria ser 0 Messias.
ção real do evento ao qual Mateus a aplicou.
Apenas as profecias bem-sucedidas são registradas.
Um exemplo é Mateus 2.15:“ E assim se cumpriu
Essa objeção afirma que os profetas do Antigo Tes-
0 que 0 Senhor tinha dito pelo profeta: “ Do Egito
tamento eram tão falíveis quanto qualquer outro
chamei 0 meu filho” . Quando a passagem do Ar,
profeta. Acertaram algumas previsões e erraram
Oséias 11.1, é examinada, descobre-se que essa não é
outras. Entretanto, apenas as bem-sucedidas foram
uma profecia preditiva sobre Jesus saindo do Egito
colocadas na Bíblia. Assim, não há nada sobrena-
quando era criança, mas uma afirmação sobre os
tural em relação a elas. Afinal, se apenas as predi-
filhos de Israel saindo do Egito no Êxodo.
ções bem-sucedidas de Jean Dixon fossem reuni-
Admite-se que muitas “ profecias” não são
das num volume muito tempo depois da sua mor-
preditivas e que 0 Nt aplicou certas passagens do Ar a
te, ela também pareceria tão sobrenatural quanto
Cristo que não eram diretamente preditivas sobre ele.
os profetas bíblicos.
Muitos teólogos dizem que esses textos do A t foram
Essa objeção é baseada em premissas falhas. An-
“cumpridos tipologicamente” em Cristo, sem ser di-
tes de mais nada, apresenta a falha do “argumento
retamente preditivos. Isto é, alguma verdade na pas-
da ignorância” . Não apresenta evidência de que
sagem é aplicada adequadamente a Cristo, apesar de
havia outras profecias falsas. Apenas supõe que
não ser diretamente uma predição sobre ele.
havia. O ônus da prova é mostrar a existência das
Outros falam do significado genérico na passa-
gem do A t que se aplica tanto a sua referência do A t profecias que falharam. Segunda, 0 que admite é
(e.g., Israel) como à referência do Nt (e.g., Cristo), já suficiente para destruir sua tese. Se todas as profe-
que ambos, Israel e Cristo, são “filhos” de Deus. Al- cias na Bíblia são boas, temos bastante evidência
guns teólogos descrevem isso como a visão de dupla positiva de que a Bíblia é infalível em seu poder
referência da profecia. Seja qual for 0 caso, esses profético — um sinal garantido de sua origem di-
tipos de passagens proféticas não são diretamente vina e de estar bem acima dos melhores médiuns
preditivos e não têm valor apologético. Existem pas- em seus melhores dias. Terceira, 0 argumento é uma
sagens do A t que não são apenas tipológicas, mas analogia falsa, já que no caso dos médiuns temos
claramente preditivas, como foi demonstrado aci- vários exemplos conhecidos de quando erraram.
ma. Por exemplo, a época e 0 lugar do nascimento e No caso da Bíblia, não temos nenhum. Isso supõe
da morte de Cristo foram previstos. O que 0 crítico que os contemporâneos do profeta teriam aprova-
não pode demonstrar é que todas as “profecias” do do os erros e recebido os acertos como sendo divi-
A t são apenas tipológicas e não-preditivas. nos. Todavia, não era assim que funcionava.
profecia como prova da Bíblia 726

Algumas predições bíblicas não se cumpriram. a sua interpretação. Por exemplo, Jesus não disse que
Vários críticos argumentaram que nem todas as pre- voltaria à terra durante a vida dos discípulos (em Mt
dições da Bíblia se cumpriram. A predição feita por 24.34). Ele jamais disse “Voltarei durante a vida de
Jonas de que Nínive seria destruída em quarenta vocês” . 0 que disse foi: “ Eu lhes asseguro que não
dias não se cumpriu (Jn 3.4). Cristo não voltou den- passará esta geração até que todas estas coisas acon-
tro de uma geração, como disse que faria. Na reali- teçam” . Essa frase pode significar várias coisas dife-
dade, Cristo não voltou para estabelecer um Reino rentes. Para defender sua teoria, os críticos devem
literal como prometeu (Mt 24, 25). E Deus não des- supor que ela só pode significar uma coisa.
truiu 0 mundo com fogo (2Pe 3.10-13) nem estabe-
Além disso, “geração” em grego (genea) pode sig-
leceu um Paraíso perfeito (Apocalipse 21, 22).
nificar “ raça” . Uma interpretação da afirmação de
As supostas profecias não cumpridas dividem-
Jesus é que a raça judaica não passaria até que tudo
se nas seguintes categorias (v. Payne):
isso se cumprisse. Há muitas promessas para Israel,
Algumas são condicionais. A advertência de
incluindo a herança eterna da terra da Palestina (Gn
Jonas a Nínive estava condicionada a sua rebelião
12, 14, 15, 17) e 0 Reino davídico (2 Sm 7), mas a
contínua. Quando se arrependeram (3.5-9), Deus
nação estava prestes a ser destruída pelos romanos.
retirou a maldição iminente. Como Jesus disse aos
seus contemporâneos: “ Mas se não se arrepende- Jesus podia estar prometendo a preservação da na-
rem, todos vocês também perecerão” (Lc 13.3). Da ção de Israel para cumprir suas promessas a ela. Pau-
mesma forma, há um “se não se arrependerem” im- 10 fala do futuro da nação de Israel, quando os
plicado em todo profeta que adverte sobre 0 julga- israelitas serão restabelecidos nas promessas de Deus
mento de Deus. Como Pedro disse, “0 Senhor ... é (Rm 11.11-27). E a resposta de Jesus à última per-
paciente com vocês, não querendo que ninguém gunta dos seus discípulos implicava que ainda have-
pereça, mas que todos cheguem ao arrependimen- ria um reino futuro para Israel, quando pergunta-
to” (2Pe 3.9). O mesmo acontece em Deuteronômio ram: “Senhor, é neste tempo que vai restaurar 0 rei-
11.25, onde Deus diz a Israel: “ Ninguém conseguirá no a Israel?” . Em vez de repreendê-los por sua igno-
resisti-los. 0 Senhor, 0 seu Deus, conforme lhes pro- rância, respondeu: “Não lhes compete saber os tem-
meteu, trará pavor e medo de vocês a todos os povos pos ou as datas que 0 Pai estabeleceu pela sua pró-
daquela terra, aonde quer que vocês forem” . Contu- pria autoridade” (At 1.6,7).
do, eles sofreram derrotas, por exemplo, em Ai (Js 7). Além disso, “geração” também poderia referir-
Mas quando essa promessa é examinada, é clara- se a uma geração no sentido comum das pessoas
mente condicional — “ Se vocês obedecerem a to- que estarão vivas no tempo indicado. Nesse caso,
dos os mandamentos que lhes mando cumprir” (Dt “geração” estaria se referindo ao grupo de pessoas
11.22). Quando Israel obedecia a Deus, eles eram que estarão vivas quando essas coisas acontecerem
invencíveis, mesmo em desvantagem (cf. Js 6, 8-11). no futuro. A geração que estiver viva quando essas
Algumas simplesmente não se cumpriram ain-
coisas (oabominável da desolação [Mt24.15],agran-
da. A maioria delas está relacionada à segunda vinda
de tribulação [v. 21] e 0 sinal do Filho do Homem no
de Jesus, que ainda não aconteceu. É simplesmente
céu [v. 30]) começarem a acontecer ainda estará viva
errado afirmar que a Bíblia tem falsas profecias por-
quando esses julgamentos se completarem. Crê-se
que ainda não se cumpriram. Como Pedro advertiu
normalmente que a tribulação é um período de cerca
(2Pe3.3,4,8,9):
de sete anos (Dn 9.27; cf. Ap. 11.2) no final dos tempos,
Jesus estaria dizendo que “essa geração” viva no iní-
Antes de tudo saibam que, nos últimos dias, surgirão
cio da tribulação ainda estaria viva no final dela.
escarnecedores zombando e seguindo suas próprias paixões.
De qualquer forma, não há razão para supor que
Eles dirão: 0 que houve com a promessa da sua vinda? Desde
que os antepassados morreram, tudo continua como desde 0 Jesus fez a afirmação claramente falsa de que 0 mun-
princípio da criação[...] Não se esqueçam disto, amados: para do acabaria durante a vida dos seus contemporâneos.
0 Senhor um dia é como mil anos, e mil anos como um dia. 0 R e s u m o . A Bíblia está repleta de profecias
Senhor nãodemoraemcumprir suapromessa, comojulgamal- preditivas específicas que se cumpriram literalmen-
guns. Ao contrário, eleépaciente comvocês, não querendo que te. A Encyclopedia of biblical prophecies [Enciclopé-
ninguémpereça, mas que todos cheguem ao arrependimento. dia de profecias bíblicas] calculou que 27% de toda a
Bíblia contêm profecias preditivas (Payne, p. 675).
As outras profecias supostamente não cumpridas Isso não acontece em nenhum outro livro no mun-
não são erros na Bíblia, mas erros dos críticos quanto do. E um sinal claro da sua origem divina.
727 progressiva, revelação

Fontes natureza imutável (Ml 3.6; 2Tm 2.13; Tt 1.2; Hb 6.18).


A. Y. Ali, The glorious Qur’an. Deus pode mudar fatores não-morais sem qualquer
G. T. B. Da v is , Fulfilled prophecies that prove the razão aparente ou afirmada (v. e s s e x c i a l is m o d iv in o ).
Bible. 0 mandamento dado aos seres humanos de serem
S. R . D r i v e r , et al., tra d ., The fifty-third chapter o f herbívoros, mudado para serem onívoros (Gn
Isaiah according tojewish interpreters. 1.29,30; 9.2,3), é um exemplo; mudanças nas leis ce-
R. S . F o s t e r , The supernatural book. rimoniais são outro exemplo. São mandamentos di-
N. L. G e i s l e r e A. S a l e e b , Answering Islam. ferentes, de épocas diferentes, que Deus tinha razões
H. H oehner, Chronological aspects o f the life o f diferentes para decretar, mesmo sem nosso conhe-
Christ. cimento completo (Dt 29.29).
W. K a i s e r , The uses o f the Old Testament in the New. Às vezes Deus ordena mudanças por causa das
A. K o l e , Miracle an d magic, condições da humanidade. Tal é 0 caso da permis-
E. P. M ’Ilv a in e , The evidences o f Christianity. são para 0 divórcio “por qualquer motivo” no A t e
R. N ew m an , e d ‫״‬The evidence o f prophecy. uma proibição forte no N t (Mt 19.3). Jesus disse que
J.B. P a y n e , Encyclopedia o f biblical prophecy. a lei original era “por causa da dureza de coração de
B. R a m m , Protestant Christian evidences. vocês” (19.8). Às vezes Deus tolera certas coisas por
H . S c h o n f ie l d , The Passover plot: new light on the causa de tempos de ignorância (At 17.30); mais tar-
history o f Jesus. de, porém, não as tolera.
H . S p e n c e r , Islam and the Gospel o f God.
Uma razão importante para mudança é que Deus
P. W. S t o n e r , Science speaks.
está revelando um plano. Esse plano tem estágios
nos quais algumas coisas são necessárias e estágios
progressiva, revelação. Às vezes os críticos das Es-
em que outras coisas são necessárias. Quando um
crituras chegam à conclusão precipitada de que a Bí-
“ tipo” de profecia se cumpre (0 sangue do cordei-
blia contém erros (v. B íb lia , supostos erro s na B íb lia )
ro), quando se torna realidade, 0 tipo não é mais
porque Deus ordena algo diferente de um período
necessário. Quando 0 fundamento da igreja foi esta-
para outro. O exemplo clássico é a ordem de Deus
belecido sobre os apóstolos (E f 2.20), eles não foram
sobre os sacrifícios de sangue para expiar 0 pecado
mais necessários.
sob a Lei de Moisés. Estes não são mais válidos por-
À luz do princípio de revelação progressiva, as
que Cristo se ofereceu como 0 sacrifício expiatório
revelações posteriores não são contraditórias, mas
definitivo que os sacrifícios animais prenunciavam
complementares. Elas não erram, mas revelam mais
(v. Flebreus 7-10). Da mesma forma, Deus ordenou
verdade. Revelações posteriores não negam as ante-
que Adão comesse apenas plantas (Gn 1.29,30). No
riores; apenas as substituem. Já que não foram da-
entanto, depois do dilúvio, mandou Noé comer carne.
das a todos, mas apenas para um período específico,
A Lei mosaica proibia comer certos animais por se-
não se contradizem quando mudam. Não há man-
rem impuros (Lv 11). Porém Jesus anunciou que esses
damentos contraditórios para 0 mesmo povo ao
animais eram puros, e podiam ser comidos (Mc 7.19;
mesmo tempo.
At 10.14,15; lTm 4.4). Essas não são contradições, mas
Um exemplo de revelação progressiva pode ser
exemplos de revelação progressiva.
visto em toda família que tem filhos em fase de cres-
O princípio da revelação progressiva significa
cimento. Quando são bem pequenos, os pais deixam
que Deus não revela tudo ao mesmo tempo nem
sempre estabelece as mesmas condições para todos
os filhos comer com as mãos. Mais tarde, os pais
os períodos. Revelações posteriores apresentam coi- insistem no uso da colher. Finalmente, à medida que
sas que suplantam as anteriores. Logo, 0 A t revelava a criança progride, 0 pai manda usar 0 garfo. Essas
apenas sinais da Trindade ensinada no Nt (p. ex., Mt ordens são temporárias, progressivas e adequadas
3.16,17; 28.18-20). O Nt declara explicitamente 0 que para a situação.
estava apenas implícito no A t (v. T rindade).
Deus pode m udar qualquer coisa que não pseudepigráficos. V. a p ó c r if o s , A n t ig o e Novo
envolva uma contradição ou que não vá contra sua T est a m e n t o s.
Qq
q , d o c u m e n t o . Coleção hipotética de ditos ou en- A verdade é que foi Friedrich S c h l e ie r m a c h e r (1768-
sinos de Jesus que supostamente antedata os qua- 1834), 0 pai do liberalismo moderno, quem deu impe-
tro evangelhos. A hipótese q vem da palavra alemã to à idéia quando reinterpretou uma afirmação de
Q uelle, que significa “ fonte” , q foi bastante usado Papias (c. 110) sobre Mateus ter compilado “os orácu-
pelo S e m i n á r i o J e s u s para chegar às suas conclusões 10s” de Jesus (gr. ta logia). Esse, decidiu Schleiermacher,
radicais. Como q supostamente contém ditos, não era um documento que consistia apenas nas “afirma-
obras ou milagres de Jesus, é usado como base para ções” de Jesus, em lugar de “0 que 0 Senhor disse ou
negar a ressurreição. Como q, supostamente 0 do- fez” (v. Linnemann, 75 there a synoptic problem ? [Existe
cumento mais antigo, não continha nenhuma refe- m esm o 0 p ro b lem a s in ó tico ?], p. 20). Mais tarde,
rência à divindade de Jesus, tal conceito também é Christian Hermann Weisse (1801-1866) afirmou que
considerado uma invenção mitológica posterior. essa fonte de pronunciamentos foi usada por Lucas
Se verdadeira, essa hipótese minaria a apologética para compilar seu evangelho, dando assim origem ao
histórica do cristianismo (v. a p o l o g é t i c a h i s t ó r i c a ; conceito de q. Outros acrescentaram que Marcos foi
N ov o T e s ta m e n to , h is to r ig id a d e d o ).
usado por Mateus e Lucas. Então q supostamente ex-
Supostos estágios e datas d e q. Segundo 0 defen- plica 0 material usado por Mateus e Lucas que não é
sor de q Burton Mack, houve realmente quatro estági- encontrado em Marcos, a fonte comum.
os sucessivos de q : p r o t o - Q l , 0 1 , proto-02 e q2. 0 ( s ) No entanto, apesar de sua popularidade, q foi re-
jeitado por vários teólogos desde a época em que foi
evangelho(s) de q supostamente se desenvolveram
proposto. B. F. Westcott (1825-1901), Theodore Zahn
entre 30 e 65, antes de qualquer evangelho canônico
(1838-1933) e Adolf Schlatter (1852-1938) são exem-
aparecer. Então, q supostamente oferece, junto com 0
pios de teólogos mais antigos. Eta Linnemann, John
E v a n g e lh o de Tomé (v . N a g H a m m a d i, E v a n g e l h o s d e ) ,
Wenham e William Farmer são exemplos de teólo-
a visão mais antiga dos seguidores de Jesus.
gos contemporâneos.
Alguns estudiosos distinguem q1 ( c . 50 d.c.), con-
sistindo em frases curtas de Jesus, e q2 (50-60), que
Suposta base de q . Segundo seus defensores, “a
hipótese q, junto com a prioridade de Marcos, é a
pode ter sido composto contra 0 grupo original de
maneira mais eficaz de explicar a miríade de deta-
Jesus como sugerido pelo tom crítico de q2. Isso
lhes no relacionamento entre esses três textos” . Pois
inclui pronunciamentos apocalípticos de maldição
“ Mateus e Lucas somente concordam na seqüên-
sobre os que recusassem 0 programa do Reino. De-
cia de eventos na vida de Jesus quando também
pois da Guerra Judaica (70 d.c.), eles aumentaram a
concordam com Marcos” . E
mitologia (q3) para incluir afirmações sobre Jesus
ser divino (Mack, p. 53). Nessa divisão, q1 apresenta esse padrão peculiar levou quase todos os teólogos do
Jesus como um sábio, um mestre erudito; q2 o retra- nt àconclusão de que Mateus e Lucas devem ter utilizado
ta como profético e apocalíptico; e q3 como um Marcos como um tipo de esquema para suas respectivas
super-homem, incorporando a sabedoria de Deus e obras, mas bem independentemente um do outro.
a autoridade divina (Boyd, p. 121).
H istória da hipótese de q. Levando em conta Essa prioridade de Marcos, no entanto, não ex-
sua ampla aceitação atual, era se esperar que a hipó- plica grande parte do material compartilhado por
tese de 0 tivesse existido desde a igreja primitiva. Mateus e Lucas.
q, documento 730

Como Mateus e Lucas poderiam ter incluído essas di- E “a ordem e organização de material são [... ]si-
versas afirmações, parábolas e histórias ocasionais — às nais claros da coerência de uma camada específica
vezes dando versões que são muito próximas na sua redação de tradição” (ibid., 108). No entanto, 0 único q que
— independentemente um do outro? possuímos foi construído por seus defensores a par-
tir de Mateus e Lucas. Eles decidiram como essas
A luz disso, “a hipótese de q surgiu como manei- afirmações seriam reunidas. Então não é de surpre-
ra de explicar 0 material comum de Mateus e Lucas, ender que elas tenham sido ordenadas para consti-
mas que não é encontrado em Marcos” (Patterson, p. tuir evidência, já que aqueles que construíram <3tam-
39, 40). Essa semelhança em conteúdo e ordem de bém as ordenaram dessa maneira (ibid., p. 125). Eles
eventos é usada para mostrar que os documentos estão cometendo uma petição de princípio.
posteriores dependem dos anteriores, isto é, que A hipótese de q é baseada na visão reconstru-
Mateus e Lucas dependem de Marcos e q . cionista da história que rejeita a história do x t em
A valiação. Do ponto de vista apologético, 0 su- Atos. Se a hipótese q está correta da maneira que
posto “evangelho de q” tem sérias implicações para a alguns teólogos modernos interpretam, 0 livro de
autenticidade dos evangelhos e a apologética histó- Atos deve ser completamente falso. Mas nenhum li-
rica do cristianismo. Mas a evidência mostra que a vro no x t tem mais autenticação de sua precisão
histórica que Atos. Historiadores especializados no
hipótese não mina de forma alguma a autenticidade
Império Romano, tais como A . N. Sherwin-White e
dos evangelhos bíblicos.
Colin Hemer, forneceram evidência esmagadora de
Uma consideração central é que não há nenhum
sua autenticidade (v. A to s, historicidade de). Sherwin-
vestígio de evidência documentária de que q jamais
White escreveu:
tenha existido. Nenhum manuscrito ou versão dele
jamais foi encontrado. Nenhum pai da igreja jamais
Para Atos a confirmação da historicidade ésurpreendente
citou qualquer obra correspondente ao que os teó-
[...] Qualquer tentativa de rejeitar sua historicidade mesmo
logos atuais chamam q. Do que se conhece sobre a
em questões de detalhe agora deve parecer absurda. Os histo-
tradição documentária dos primeiros séculos cris-
riadores romanos aceitam a historicidade de Atos como fato
tãos, essa lacuna é extremamente improvável se a
consumado há muito tempo (Sherwin-White, p. 189).
obra existiu. A ex-defensora de q, Eta Linnemann, ob-
serva a reverência com que os críticos consideram Q:
Antes deles havia a obra de William Ramsay, que,
“Isso é coisa de conto de fadas” (Linnemann, Is there a
depois de décadas de pesquisa, concluiu que na apre-
q ? [O q existe?], p. 19). Os apologistas podem supor com
sentação de centenas de detalhes históricos 0 dr.
confiança que q é uma criação moderna e que nenhum Lucas não cometeu nenhum erro (v. Ramsay). Mas,
manuscrito surgirá na semana que vem para provar se Atos é boa história, a reconstrução histórica de Q
que estão errados. Como Gregor)' Boyd observa: é mitologia.
Um evento importante no cristianismo primiti-
Podemos explicar tais semelhanças de outras maneiras que vo foi 0 Concilio de Jerusalém em 49, no qual 0
não exigema dependência de um documento hipotético”.Por ensinamento de Paulo foi 0 tema central da contro-
exemplo, com base no que sabemos sobre a tradição oral e 0 vérsia. Como Linnemann observa:
métodojudaico de memorização, poderíamos argumentar con-
vincentemente que as semelhanças entre Lucas eMateus sim- Devemos crer que esse Concilio contentou-se em discu-
plesmente indicama confiabilidade das tradições orais quees- tir a interpretação da lei judaica, como Lucas relata, enquanto
tão por trás de ambos. Vários teólogos reconhecidos apoiam Paulo estava‘mitificando’0 evangelho, afirmando que Jesus era
essaposição. Outros argumentamque Lucas usouλlateus como 0 filho de Deus, ao mesmo tempo que os seguidores de q acre-
documento-fonte. Lucas 1.1-4indica que eleusouvárias fontes. ditavam que ele era apenas um sábio? (Linnemann, Is There a
Isso explicaria a semelhança (Bovd, p. 119-20). Q?,p. 20).

O argumento a favor de q é 0 raciocínio circular. Certamente, se os seguidores de q eram seguido-


Mack, por exemplo, argumentou que “freqüentemente res de Jesus, não cristãos, haveria algum vestígio desse
a maneira em que os pronunciamentos são reunidos conflito no x t. Não há (ibid.).
ou ordenados [em q] é evidente. Às vezes uma afir- Nem a ordem de eventos nem a semelhança de
mação oferece a interpretação específica de uma uni- conteúdo é base convincente para supor depen-
dade precedente de material (Mack, p. 106). dência literária. A única maneira de demonstrar
731 q, documento

dependência literária é provar uma porcentagem alta contemporâneos que tinham acesso às afirmações e
de construção literária idêntica. Mas esse não é 0 ações originais de Jesus.
caso, como Linnemann demonstrou (ibid., p. 21-3). A superposição nos evangelhos pode ser explicada
pela premissa de que 1 ) os escritos eram testemunhos
A semelhança de conteúdo emsi não éprova dedependên- independentes cujos registros naturalmente se
cialiterária. Isso tambémpoderia ser causado por pessoas dife- superporiam; ou 2 ) os autores dos evangelhos poste-
rentes relatando 0 mesmo evento. Uma afirmação de Jesus não riores usaram 0 primeiro evangelho escrito, mais suas
poderia diferir tanto quando relatada independentemente por fontes independentes, e/ou uma fonte comum de pro-
duas ou mais pessoas que aouviram. Semelhança pode ser his- nunciamentos orais de Jesus; ou 3) uma edição antiga
toricamente mas não literariamente transmitida (ibid., p. 22). de Mateus ou Marcos foi usada mais tarde pelo autor
assim como pelos outros autores dos evangelhos. As
E a existência de um documento-fonte não pode fontes que Lucas menciona (Lc 1.1-4) podem ser
ser demonstrada pela seqüência de registros. Ape- outros evangelhos canônicos compostos por teste-
nas 24 pares de equivalências, 36,9%, ocorrem num munhas oculares.
capítulo. Apenas 5 (7,69%) ocorrem no mesmo pon- Se um registro evangélico pré-canônico de Jesus
to da narrativa em Mateus e Lucas. À luz disso, existiu, não há boa razão para crer que tivesse omi-
Linnemann argumenta: “ É preciso muita imagina- tido os relatos de milagres e declarações de divinda-
ção” para supor dependência literária (ibid.). de. Na verdade, já que 0 Ar afirmou divindade para 0
Dependência literária supõe redação idêntica. Messias (esp. SI 45.6; 110.1; Is 7.14; 9.6; Mq 5.2; Zc
Mas 0 número de palavras idênticas em versos equi-
12 .10), não há razão para que alguém que afirmava
valentes é 1 792, ou 41% da porção q de Mateus e 42%
ser 0 Messias também não 0 fizesse (v. C ris to , divin-
da de Lucas. Em 17 dos 65 pares de equivalências
dade de; v irg in a l, nascim ento).
que supostamente vieram de q, um quarto de q, o
Mesmo que houvesse algum registro dos pronun-
número de palavras idênticas é menos que 25%. Na
ciamentos originais de Jesus anterior aos evangelhos
parábola dos talentos (Mt 25.14-30), a passagem mais
e que não contivesse milagres, isso não provaria que
longa de q, apenas 60 das 291 palavras são idênticas a
Jesus não fez milagres ou não disse muitas outras coi-
Lucas 19.11-27. Dessas palavras, nove são a conjun-
sas. Pode ser que um dos primeiros discípulos, acos-
ção e, sete são artigos e seis são pronomes. Assim,
tumado a registrar em escrita, tal como Mateus, 0 ex-
restam 38 das 291 palavras para estabelecer depen-
coletor de impostos, tenha registrado os pronuncia-
dência. A maioria delas ocorre no discurso direto.
mentos de Jesus porque sabia que seriam necessários
“ Então a semelhança é facilmente explicada pela me-
mais tarde. Por exemplo, se só tivéssemos Gálatas (e
mória historicamente confiável que chegou até
não Rm, 1 Co e 1 Ts), poderíamos supor que Paulo não
Mateus e Lucas” (ibid.). A passagem mais longa na
área de alta equivalência tem 78% de palavras idên- estava preocupado com a ressurreição. Gálatas ape-
ticas. É pouco maior que 0 Salmo 1, um texto que nas a menciona uma vez. Ter um documento antigo
muitos sabem de cor. Diz Linnemann: “Não é difícil dos pronunciamentos de Cristo não nos permite con-
imaginar que relatos desse comprimento eram me- cluir que ele não fez milagres a não ser que 0 docu-
morizados na cultura oral da época de Jesus” (ibid.). mento 0 diga explicitamente. Ou pode até ser que, à
Não há razão para aceitar a suposição de que qua- luz do tremendo impacto que 0 maior Mestre do
se todo 0 material de q está contido em Mateus e mundo teve nas suas mentes e corações durante três
Lucas. O argumento primário é que, já que Mateus e anos, houve um depósito oral das palavras de Jesus na
Lucas retêm uma grande quantidade de Marcos nos memória dos discípulos antes de haver qualquer re-
seus evangelhos, eles teriam feito 0 mesmo com q. gistro escrito. Na realidade, segundo João, Jesus pro-
Mas isso não acontece, já que Mateus e Lucas podem meteu que 0 Espírito Santo traria à memória as coisas
ter dado mais valor a Marcos. que lhes foram ensinadas (Jo 14.26; 16.13).
Também se supõe que há várias versões de q. Se chegarmos ao ponto de pressupor que uma
Além dos critérios subjetivos sobre os quais isso foi versão antimilagres do documento q existiu, ela po-
decidido, pode ser uma violação da “ Navalha de deria ter sido uma revisão antiga das palavras e ações
Occam” , segundo a qual hipóteses não devem ser de Jesus em oposição aos discípulos originais. Afi-
multiplicadas sem necessidade. Há uma explicação nal, sérias divergências doutrinárias apareceram
mais simples se 0 indivíduo indicar que os evange- durante a época dos discípulos (cf. Cl 2; lTm 4; 1Jo
lhos foram reunidos por testemunhas oculares e por 4). Jesus advertiu sobre os falsos profetas (Mt 7.15).
q, documento 732

Quando segmentos do texto atribuídos a q são “os evangelhos agora devem ser vistos como resul-
examinados como um todo, há evidência dos mila- tado da mitologização cristã primitiva” (Patterson,
gres e da divindade de Jesus. Jesus alegou que seu The lost Gospel, p. 40).
“ Pai” lhe dera autoridade sobre todo 0 mundo ( qs2 4). Começando pela descrença em m ilag res, não é
Considerava-se maior que Salomão ou que 0 profe- de admirar que a reconstrução imaginária de q no
ta Jonas ( qs3 2 ). Acreditava que os que 0 desonras- período antigo seja desprovida de histórias de mila-
sem seriam desonrados por Deus ( qs3 7 ). Jesus de- gres, incluindo a re ssu rre ição .
terminaria quem seria excluído do Reino de Deus A hipótese de q é baseada num número incrível
( qs4 7 ). Ele predisse 0 futuro ( qs4 9 ). Jesus exigiu que de pressuposições (v. Boyd, p. 122-4):
seus discípulos 0 colocassem acima de todos os se-
res humanos, inclusive seus pais ( qs5 2 ). Seus segui- 1. Marcos foi 0 primeiro evangelho e Mateus e
dores sentariam em tronos julgando as doze tribos Lucas seguiram sua forma e conteúdo. O mes-
de Israel ( qs6 2 ). Jesus até mencionou sua ressurrei- mo dado pode ser explicado pela pressupo-
ção por meio do “sinal” (milagre) de Jonas ( qs 3 2 ). sição de uma tradição oral ou pela atribui-
Sem dúvida essa evidência é uma razão pela qual os ção da primazia de Mateus.
críticos tentam estratificar 0 q em vários documen- 2. q existiu como documento escrito. Não há
tos, pós-datando as afirmações para 0 período mais provas disso.
recente possível. No entanto, a base para isso é alta- 3. Um q pode ser reconstruído com 0 que
mente subjetiva, e, mesmo assim, as afirmações ain- Mateus e Lucas têm em comum que não se
da são antigas 0 suficiente para serem autênticas — encontra em Marcos. Mas, se q existiu, não há
durante a vida das testemunhas oculares. maneira objetiva de saber quanto dele foi
Em comparação com 0 hipotético documento q, usado.
0 manuscrito e os documentos mais antigos que se 4. q foi composto para expressar tudo que os
conhecem da fé cristã contêm referências aos mila- cristãos primitivos acreditavam sobre Jesus.
gres e à divindade de Cristo. João está cheio de am- Porque que não poderia ser apenas uma cole
bos (v. João, E v a n g e lh o d e) e 0 Fragmento de John ção de pronunciamentos?
Rylands é 0 manuscrito mais antigo e inquestionável 5. Também se pressupõe que uma comunida
das origens cristãs (v. Novo Testam ento, m anuscritos de pessoas criou q. Não há provas disso. Uma
d o ). A primeira carta aos Coríntios é aceita até pelos pessoa poderia facilmente ter reunido as afir-
críticos como tendo sido escrita por Paulo em 55 ou mações de Jesus.
56, apenas 22 ou 23 anos depois da morte de Jesus. 6. q pode ser precisamente entendido pelo
Refere-se à ressurreição recebida de Paulo nos seus diccernimento das suas diversas fases literá-
primeiros ensinamentos ( 1 C0 15.1,4-8). rias. Nenhum critério objetivo é oferecido
As p res s u p o s iç õ e s d e q. Certamente, embora a pelo qual isso possa ser feito.
maioria dos defensores de q relutem em admitir isso, 7. Esses supostos estágios refletem várias fases
há um preconceito anti-sobrenatural por trás de sua do pensamento dos seguidores de Jesus. As
visão. Seguindo a abordagem naturalista dos evan- várias posições podem facilmente ser con
gelhos que começou com David S tra u s s (em 1835- vergentes.
1836), eles supõem que os milagres não acontece- 8. As posições de Cristo são incompatíveis en
ram. Portanto, todos os registros de eventos mila- tre si. Jesus poderia ser mestre, profeta e au-
grosos são categorizados como resultados posterio- toridade divina. Se esses elementos estão
res de mitologização (v. m itologia e o Novo Testamen- juntos no final, porque não poderiam ter es
t o ) . A pressa com que chegam a essa conclusão, tado no princípio?
mesmo supondo uma fonte antiga de “afirmações” ,
revela 0 desejo de eliminar 0 sobrenatural. A confi- Boyd resume:
ança com que os críticos chegam à conclusão anti-
sobrenatural com base tão especulativa e hipotética Vemos, então, que a revisão liberal da figura de Jesus e da
apóia a tese de que eles realmente começam com história da igrejaprimitiva combase emq resultaemnada mais
uma pressuposição naturalista. Compare as palavras que uma pilha depressuposições arbitrárias construídas sobre
de um defensor de q: “As narrativas canônicas dos outras pressuposições arbitrárias (Boyd, p. 224).
evangelhos não podem mais ser vistas como regis-
tros confiáveis de eventos históricos singulares e es- C on clu sã o. O argumento a favor da hipótese q ,
tupendos na fundação da fé cristã” . Pelo contrário, principalmente sua forma naturalista, não tem base
733 q, d o c u m e n to

histórica, documentária ou literária. Como Boyd Evangelhos são exatamente 0 que se esperaria de reminiscên-
observou: cias de testemunhas oculares (ibid.).

entre outras coisas, todo 0 esquema é completamente Fontes


conjectural. Esses teólogos pedem que troquemos 0 retrato G. B oyd Je s u s under siege.
confiável de Cristo no evangelho pela reconstrução hipotética W. F a r m e r , The synoptic problem: a critical analysis.
da história baseada numa reconstrução hipotética de um do- E. L i n n e m a n n , “ I s there a q ? ” br (Oct. 1995).
cumento hipotético (Boyd, p. 21-2). Não há nada nos evange-
____, Is there a synoptic problem ?
lhos canônicos que não possa ser explicado supondo-se que
B. M ack, The lost Gospel: the book ofQ an d Christian
os autores eram testemunhas oculares e/ou contemporâneos
origins.
dos eventos e que deram um registro preciso do que relataram,
S. J. P a t t e r s o n , “ Q - The Lost Gospel” , b r (Oct. 1993).
assim como Lucas afirma(Lc 1.1-4).
____,“ Yes, Virginia, There Is a Q” , b r (Oct. 1995).
W. R a m s a y , St. Paul, Traveler and Roman citizen.
Nas palavras de um ex-discípulo de q,
A. N. S h e r w i n - W h it e , Roman society and Roman

Os evangelhos relatam as palavras e ações de Jesus. Fa- law in the New Testament.

zem isso em parte por meio de testemunhas oculares diretas J. W. W f.n h a m , Redating Matthew, Mark, and Luke:

(Mateus e João) e parcialmente por meio daqueles que foram a fresh assault on the synoptic problem .
informados por testemunhas oculares (Marcos e Lucas). As
semelhanças assim como as diferenças nos registros dos quântica, física. V. ind eterm inân cia, principio da.
Rr
racional, pressuposicionalismo. V. a p o lo g é t ic a Fundacionalismo. 0 fundacionalismo acredita que
pressuposicional; C la r k , G o rd o n. há primeiros princípios de todo conhecimento, tais
como 0 princípio da não-contradição, 0 princípio da
racionalismo. Como filosofia enfatiza a razão como identidade e 0 princípio da razão suficiente (v. razão
meio de determinar a verdade. A mente recebe auto- suficiente, princípio de) ou 0 princípio da causalidade (v.
ridade sobre os sentidos, 0 a priori sobre 0 a posteriori. cau salid ad e, princípio d a). Todos os racionalistas são
Os racionalistas geralmente são fundacionalistas (v. fundacionalistas, e todos os fundacionalistas acredi-
fundacionalism o), que afirmam que há primeiros prin- tam em alguns princípios fundacionais.
cípios de conhecimento, sem os quais nenhum co- Objetivismo. Os racionalistas também acreditam
nhecimento é possível (v. a seguir). Para 0 racionalista, que existe a realidade objetiva e que ela pode ser
a razão determina a verdade, e a verdade é objetiva (v. conhecida pela razão humana. Isso os distingue do
verdade, natureza da).
m is tic is m o , e x is t e n c ia lis m o e outras formas de
Apesar de A r is tó t e le s (384-322 a.C.) acreditar que subjetivismo. Para 0 racionalista, 0 real é racional, e
0 conhecimento começava nos sentidos, sua ênfase a razão é 0 meio de determinar 0 que é real.
na razão e na lógica fez dele 0 pai do racionalismo
Exclusivismo. Os racionalistas também são exclu-
ocidental. René Descartes (1596-1650), Baruch Espinosa
sivistas. Eles acreditam que os opostos, mutuamente
(1632-1677) e Gottfried Leibniz (1646-1716) foram os
excludentes não podem ser ambos verdadeiros. Se-
principais racionalistas modernos.
gundo a lei da não-contradição, se 0 ateísmo é ver-
A maioria das cosmovisões tem pelo menos um
dadeiro, então todo não-ateísmo é falso. Se 0 cristi-
defensor racionalista importante. Leibniz abraçou 0
anismo é verdadeiro, todos os sistemas não-cristãos
teismo. Espinosa afirmou 0 panteísmó. Ayn Rand (1905-
são falsos. Mas reivindicações opostas da verdade
1977) professou 0 ateísmo. A maioria dos deístas (v.
não podem ser ambas verdadeiras (v. p lu ralism o re-
deismo) afirmou algum tipo de racionalismo. Até 0
LIGI0S0; RELIGIÕES MUNDIAIS, CRISTIANISMO e ).
panenteísm o é representado por fortes defensores
Apriorismo. Todos os racionalistas acreditam que
racionalistas, tais como Charles Hartshorne (n. 1897).
há um elemento a priori do conhecimento. A razão
O deísmo fin ito foi defendido racionalmente por John
é de certa forma independente da experiência. Até
Stuart M i l l (1806-1873) e outros.
A razão pela qual várias cosmovisões têm formas os racionalistas que também são empiristas (p. ex.,
Tomás de A q uino , A r is tó t e le s e Leib n iz) acreditam que
de racionalismo é que 0 racionalismo é uma epistemo-
logia, enquanto a cosmovisão é um aspecto da metafísica. não há nada na mente que não estava primeiro nos
O racionalismo é um meio de discernir a verdade, e a sentidos exceto a mente em si. Sem essa dimensão a
maioria das cosmovisões tem expoentes que as usam priori (independente da experiência) do conheci-
para determinar e defender a verdade da maneira que mento, nada poderia ser conhecido.
a vêem. Diferenças entre os racionalistas. O papel dos sen-
Premissas centrais. Premissas compartilhadas tidos. Alguns racionalistas depreciam, e até negam,
pelos racionalistas. Algumas idéias são comuns para qualquer papel determinante dos sentidos no pro-
quase todos os racionalistas. Elas incluem os seguin- cesso de conhecimento. E enfatizam exclusivamen-
tes fatores, apesar de alguns racionalistas os defen- te 0 racional. Espinosa é um exemplo dessa posição.
derem, modificarem ou limitarem de maneiras que Outros combinam sentidos e razão, tal como A quino
outros não limitam. e Leibniz. Os primeiros são mais dedutivos em sua
Ramm, Bernard 736

abordagem do aprendizado da verdade; os últimos de Los Angeles (hoje Universidade Biola). Terminou
são mais indutivos e inferenciais. sua carreira no Seminário Batista Americano do
Os limites da razão. A diferença crucial entre os Oeste (1959-1974; 1978-1986). Ramm foi autor de
racionalistas é encontrada no âmbito da razão. Al- dezoito livros e mais de 100 artigos e críticas. Suas
guns racionalistas, tais como Espinosa, dão à razão obras sobre apologétiea incluem: Problems in
um âmbito totalmente abrangente. Outros, como Christian apologetics [Problemas da apologétiea cris-
Aquino, acreditam que a razão é capaz de descobrir fã], (1949); Protestant Christian evidences (Evidênci-
algumas verdades (e.g., a existência de Deus), mas as cristãs protestantes, 1954); “ The evidence of
nem toda a verdade (e.g., a T rin d a d e ). Os da segunda prophecy and miracle” [A evidência vinda da profe-
categoria acreditam que há verdades que estão de cia e dos milagres] , em Carl F. H. Henry, org.,Revelation
acordo com a razão e algumas que vão além da ra- and the Bible [Revelação e a Bíblia ], (1958); Varieties
zão. Mesmo estas últimas não são contrárias à razão. of Christian apologetics [ Variedades de apologétiea
Elas simplesmente estão além da capacidade de al- cristã], (1962); e The witness of the Spirit [0 testemu-
cance da razão. Só podem ser conhecidas a partir da nho do Espírito], (1959). The God who makes a
revelação especial (v. re v e la ç ã o especial). difference [O Deus que faz diferença], (1972) foi sua
A v a lia çã o . O racionalismo como um todo tem principal obra apologétiea.
dimensões positivas e negativas para 0 apologista. O A b o r d a g e m a p o lo g étiea d e Ramm. Apesar da
racionalismo ilimitado, que nega toda revelação es- abordagem inicial de Ramm enfatizar as evidências
pecial, obviamente é inaceitável para 0 teísta (v. Bí- a favor do cristianismo, sua visão madura foi uma
b lia , evidências da; fé e ra z ã o ). E nenhuma forma de forma de pressusuposicionalismo semelhante ao de
racionalismo que nega 0 teísmo está de acordo com Edward John C a r n e ll. Seu ponto de partida lógico
0 cristianismo ortodoxo. estava relacionado ao método científico.
No entanto, a ênfase do fundacionalismo na ne- Rejeição dos argumentos teístas. Como outros
cessidade dos primeiros princípios é verdadeira e pressuposicionalistas, Ramm rejeitava os argumen-
preciosa. Também é preciosa a crença na verdade tos teístas tradicionais a favor da existência de Deus.
objetiva. A ênfase do racionalista na natureza exclu- Ele ofereceu três razões: Primeira, Deus não pode
siva de reivindicações da verdade também é um be- ser conhecido sem a fé ( Witness of the Spirit, p. 82-3).
nefício para a apologétiea cristã. Segunda, os efeitos noéticos do pecado (v. pecado,
Do ponto de vista cristão, 0 teólogo racionalista efeito s noéticos do) impedem a eficácia das provas
Jonathan Edwards fez uma distinção importante: toda teístas {Protestant Christian evidences,p. 29). Tercei-
verdade é dada por re ve la çã o , geral ou especial, e deve ra, tais provas são abstratas e não atingem 0 Deus da
ser recebida pela razão. A razão é 0 meio dado por revelação (ibid., 41-2; cf. Philosophy of the Christian
Deus de descobrir a verdade que Deus revela, seja religion [Filosofia da religião cristã], p. 101-4).
neste mundo seja em sua Palavra. Apesar de Deus Ramm concluiu que “a abordagem filosófica da
querer alcançar 0 coração com a verdade, ele não ig- existência de Deus e a abordagem bíblica da reali-
nora a mente no processo. Nesse sentido modificado, dade do Deus vivo são fundamentalmente diferen-
há grande valor no racionalismo cristão. tes” (God who makes a difference, p. 104). Na realida-
de, “podemos dizer epigramaticamente que a prova
Fontes da existência de Deus é a Sagrada Escritura se sabe-
R. D e s c a r t e s , Meditations. mos 0 que estamos dizendo” . Ele explica:
J. E D W A R D S ,“ T h e m in d ” , e m H. G. T o w n s e n d , The
philosophy o f Jonathan Edwards from his Essa afirmação pressupõ a uma compreensão da Escritu-
private notebooks. ra como representante vicária de eventos históricos da ação
N . L . G e is l e r e W . C o r d u a n , Philosophy o f religion. de Deus e da palavra de Deus. Por meio do uso de tais eventos
G . L e i b n i z , Metaphysics. e Palavras 0 Espírito de Deus torna Deus a Realidade que ele é
A. R a n d , For the new intellectual. para nós (ibid., p. 105).
B. E s p in o s a , Ética.
T o m á s d e A q u in o , Suma teológica. Sabemos que Deus existe, Ramm está dizendo,
não por causa de qualquer prova filosófica, mas por-
Ramm, Bernard. Apologista e filósofo cristão (1916- que ele age na história como as Escrituras atestam.
1992) nasceu em Butte, Montana. Ramm começou O ponto de partida lógico. Ramm acreditava que
sua carreira acadêmica em 1943 no Instituto Bíblico é preciso avaliar as opções, comprometer-se com
73 7 Rand, Ayn

uma hipótese, e depois testá-la. Acreditava que 0 pro- E sse s c r ité r io s são s e m e lh a n te s à c o e r ê n c ia
gresso do conhecimento só é possível se a pessoa pas- factu al e co n sistên cia ló gica p ro p o sta s p o r Carnell.
sar dos fatos para alguma teoria ou hipótese que inte- C arn ell está con vencido da valid ad e da lei da não-
gra e explica os fatos ( P h i l o s o p h y of the C h r is tia n co n trad ição (v. primeiros princípios), qu e é um teste
re lig io n , p. 32). n ecessário da verdade. Na realid ade, não p o d em o s
O conteúdo da escolha de pressuposições de p en sar sem ela (ib id ., p. 68-9; Protestant Christian
Ramm era: evidences, p. 4 1 , 54). No entanto, R am m não dá 0 m es-
m o tipo de ênfase à lógica que pressu posicionalistas
A religião cristã éa obra redentora ereveladora do Espírito co m o G ordon C la rk .
Santo que atinge sua maior expressão na revelação eredenção A questão da certeza. R am m fez a distinção en-
na Encarnação de Deus em Cristo; eessareligião épreservada tre certeza e convicção (v. certeza/convicção).Ele acre-
por todas as eras e é testemunhada por todas as eras nas San- d ita v a qu e 1) p o r in te rm é d io das E scritu ra s e do
tas Escrituras inspiradas (ibid., p. 33). testem unh o interno do Espírito Santo, 0 cristão pode
ter convicção total de que D eus existe, de que Cristo
Testemunho interno. No primeiro círculo de ve- é seu S en h or e Salvador, de que ele é u m filh o de
rificação, 0 pecador ouve 0 evangelho e é convenci- Deus. A palavra provavelm ente é desn ecessária para
do da sua verdade pelo Espírito Santo. A verificação respon der a essas questões. A lém disso, 2) a fé cristã
primária da religião deve ser interna e espiritual, ou é u m a questão de história. Fatos h istó rico s p o d em
a verificação se dá por um processo estranho à reli- ser con hecid os com um alto nível de p robabilidade.
gião (ibid., p. 44). Essa influência persuasiva do Espí- 3) A ssim , os cristã o s a p ó ia m su a fé n a co n v icçã o
rito Santo é interna, mas não subjetiva (v. E s p írito
total, cren do na base histó rica objetiva e factual da
S a n to na apologética, papel do).
re v e la ç ã o c r is tã co m a lto n ív e l de probabilidade
A ação de Deus na história. Ramm afirmou que a
(Carnell, Philosophy, p. 73).
função primária das evidências cristãs é prover uma
recepção favorável para 0 evangelho. Essas evidên-
Logo, 0 cristão “está convencido da verdade da sua fé pelo
cias não são 0 evangelho e não 0 substituem. A ação
testemunho do Espírito. É convencido da verdade da sua fé
de Deus na história, 0 segundo círculo, verifica que
pelas ações do Deus vivo no cosmos que faz uma diferença. E
0 Deus bíblico faz uma diferença e:
é um cristão porque acredita que a fé cristã lhe dá a visão global
mais adequada que há com relação ao homem, à humanidade,
realmente entra no nosso tempo, na nossa história, no
ao mundo e a Deus” (ibid., p. 61).
nosso espaço, no nosso cosmos. [...] Porque Deus faz essa di-
ferença, sabemos que estamos acreditando na verdade e não
Fontes
em ficção ou mera filosofia religiosa (ibid., p. 57).
E. J. C a r n e l l , A philosophy o f the Christian religion.
N. L . G e is i .e r , Christian apologetics.
Assim, 0 cristianismo é confirmado por fatos ob-
S . G r e n z , e t a l. , o r g s . , Twentieth century theology.
jetivos. M ila g r e s e profecias cumpridas fornecem a
G. L e w is , Testing Christianity’s truth claims.
melhor evidência (v. profecia como prova da B íb lia ). “ Os
B. Ramm, A Christian appeal to reason.
evidencialistas acreditam que as evidências estabele-
____, P roblem s in Christian apologetics.
cem a origem divina da fé cristã” (God who makes a
____, P rotestant Christian evidences.
difference, p. 55). Eventos sobrenaturais validam posi-
____, The Christian view o f scien ce a n d Scripture.
ções teológicas. A revelação é testada pela razão.
_____ , “ T h e e v i d e n c e o f p r o p h e c y a n d m i r a c l e ” , e m C . F. H .
Adequação da cosmovisão. O cristianismo tam-
bém é testado pela capacitabilidade de a visão H e n r y , o rg ., Revelation and the Bible.

panôramica de todo 0 mundo, da humanidade e de ___ , The God who makes a difference.

Deus. O terceiro círculo é que 0 cristianismo é ver- ___ , The witness o f the Spirit.

dadeiro porque seus princípios explicam melhor a ___ , Varieties of Christian apologetics.

vida e 0 mundo. Uma c o s m o v is ã o é “0 padrão ou es-


trutura que tem 0 maior apelo para 0 indivíduo, que R a n d , A yn . Autora atéia (v. ateísmo) e intelectual. Nas-
encaixa as coisas para ele da maneira mais cida na Rússia (1905-1977) e educada na Universida-
significante” (ibid., p. 60). “A visão sinótica respon- de de Leningrado, Rand em igrou para os Estados Uni-
sável” deve ter considerado os fatos, deve ser testável dos em 1926. Suas obras m ais im portantes, escritas
por algum tipo de critério e deve ser internamente durante 0 final da década de 1950 e início da década
coerente (ibid., p. 67). de 1960, incluem Atlas shrugged [Atlas encolhido], For
Rand, Ayn 738

the new intellectual [Para 0 novo intelectual], enganar, de impor essa consciência onisciente so-
Fountainhead [Origem] e The virtue of selfishness [A bre os outros” (ibid.).
virtude do egoísmo] (1961). “A fé no sobrenatural começa pela fé na superio-
I n f l u ê n c ia s s o b r e Rand. A filosofia de Rand, ridade dos outros” , afirma Rand (ibid.). Não há ne-
chamada objetivismo, combinou elementos do nhum ser consciente e racional além do ser humano.
racionalismo aristotélico (v. A r is t ó t e le s ) , do ateis- “O homem é a única espécie que precisa perceber a
mo de Nietzsche (v. N ietzsch e, F rie d ric h ), do capita- realidade — que quer estar consciente — por esco-
lismo de Adam Smith, do ilusionismo de Sigmund lha” (ibid., p. 5).
F re u d e do egoísmo hedonista. Ela povoou seus ro- Seguindo a Primeira Lei da Termodinâmica (v.
mances com homens e mulheres heróicos que, pela term odinâm ica, leis da), Rand declarou que a vida foi
coragem e independência, mudaram a face da terra. gerada espontaneamente a partir de material eterno
Alguns filósofos foram desprezados por Rand. (v. evolução química): “A matéria é indestrutível; muda
Ela considerava W. F. G. H e g e l “um feiticeiro” , criti- suas formas, mas não pode deixar de existir” . É ape-
cou severamente Immanuel K a x t por sua influência nas “um organismo vivo que enfrenta uma alternativa
deletéria no pensamento moderno e chamou 0 constante: a questão de vida ou morte” ( Virtue of
pragmatismo de William James de “neomístico” . De- selfishness, p. 15). A vida não foi criada, e sim auto-
nunciou a filosofia de Karl M a r x como puro materi- gerada (v. evolução b io ló g ica ). “A vida é um processo de
alism o que proclamava que “a mente não existe, que ação auto-sustentadora e autogerada” (ibid.).
tudo é matéria” (For the new intellectual, p. p.32-4). Os seres humanos. Segundo Rand, a humanidade
As c r e n ç a s d e Rand. Ateísmo. Rand criou sua é diferente de outras espécies vivas porque a cons-
forma singular de ateísmo otimista e egocêntrico. ciência humana é voluntária (ibid., p. 19, 20). Além
Escreveu: disso, “pensar, sentir, julgar, agir são funções do ego”
(For the new intellectual, p. 78). Ao contrário dos ani-
Ergo esse deus sobre a terra, esse deus a quem os homens mais, a humanidade tem a habilidade de fazer “con-
têmbuscado desde que surgiram, essedeus que lhes dará alegria cepções” (ibid., p. 14). Na verdade, a mente é a única
e paz e orgulho. Esse deus, essa única palavra: Eu (ibid., p. 65). arma humana (ibid., p. 78). Rand acrescenta: “ Sua
mente é seu único iuízo da verdade — e se outros
Como Freud, ela considerava a crença em Deus rejeitam seu veredicto, a realidade é 0 tribunal de
ilusão: “ E esse é 0 seu segredo esfarrapado” , ela es- apelo final” (ibid., p. 126).
creveu. “O segredo de todas as filosofias esotéricas, O ser humano, como Aristóteles disse, é um ani-
toda sua dialética e seus supersentidos [...] é levan- mal racional. Mas pensar não é automático nem ins-
tar naquela névoa plástica um único absoluto sagra- tintivo. As leis da lógica são necessárias para direcionar
do: seu Desejo” (ibid., p. 149). Rand repreende todos 0 pensamento (Virtue of selfishness, p. 2 1 -2 ).
os crentes, dizendo que: A natureza da verdade. A verdade é 0 que cor-
responde à realidade. Nas palavras de Rand, “a verda-
esses desejos irracionais que levam à sua crença, essas de é 0 reconhecimento da realidade; a razão, 0 único
emoções que adoram como ídolo, em cujo altar sacrificam a meio de conhecimento do homem, é seu único pa-
terra, essa paixão escura e incoerente em seu interior, que acre- drão de verdade” (ibid.). Na realidade, a “perfeição
ditam ser a voz de Deus ou de suas glândulas, nada mais são moral é a racionalidade pura, [...] a aceitação da razão
que 0 cadáver de sua mente” (ibid., p. 151). como absoluto” (ibid., p. 178-9). Logo, a verdade é
objetiva. Deve ser medida pelo mundo real. E a razão
Rand não nega que algumas pessoas sentem Deus. humana é a única maneira de atingir a verdade (v.
Apenas afirma: racio n alism ó ).
/I virtude do egoísmo. O altruísmo exige que as pes-
quando um místico (v. m i s t i c i s m o ) declara sentir a existén- soas vivam para os outros e coloquem os outros acima
cia do poder superior à razão, ele de fato a sente, mas esse po- de si mesmas. Mas ninguém pode viver para outro real-
der não é um superespírito onisciente do universo. É a consci- mente compartilhando 0 espírito (ibid., p. 79,80). Logo,
ência de qualquer pessoa a quem esse místico entregou a sua a moralidade deve ensinar as pessoas não a sofrer,
(ibid.,p. 161). mas a desfrutar e viver (ibid., p. 123). Na verdade,

O que incita tal entrega? “0 místico é levado pelo 0 credo do sacrifício é uma moralidade para 0 imoral —
desejo de impressionar, de trapacear, de agradar, de uma moralidade que declara sua falência ao confessar que não
739 Rand, Ayn

pode dar ao hom em nenhum a parte pessoal na virtude ou nos corretivo bem recebido para a vertente irracional na
valores, e que suas almas são esgotos de depravação, que de- filosofia contemporânea. Ave rara entre os ateus, Rand
vem aprender a sacrificar (ibid., p. 141). não evita absolutos (v. m oralidade, natureza absoluta da).
Ela abraçou pelo menos 0 valor absoluto da vida hu-
Se decidimos amar os outros, eles devem merecê- mana. Mais uma vez, isso é bem recebido pelo teismo.
10. Rand escreveu que ela não amaria ninguém sem Características negativas. Algumas das dificul-
razão: “ Não sou nem inimiga nem amiga dos meus dades com a filosofia de Rand podem ser observa-
irmãos, mas apenas 0 que cada um merece de mim. das em artigos como ateísmo; evolução biológica; Freu d ,
E, para merecer meu amor, meus irmãos devem fa- Sigmund; humanismo s e cu la r; e m oralidade, natu reza ab-
zer mais que nascer” (ibid., p. 65). so lu ta da. Sobre a inadequação do naturalismo, v. mi-
Baseada em seu preceito de que 0 único deus LAGRES, ARGUMENTOS CONTRA.

digno de adoração é a própria pessoa, Rand propõe Como a maioria dos ateus, Rand cria substitutos
0 “ valor supremo” : “A vida do organismo é seu pa- para Deus. Ela até fala da“graça da Realidade” (Deus?).
drão de valor, 0 que promove sua vida é bom; 0 que Argumenta que é “pela graça da realidade e da natu-
ameaça sua vida é mau” (ibid., p. 17). Ela se opôs ao reza da vida, [que] 0 homem — todo homem — é
um pragmatismo que descartava todos os princípios um fim em si mesmo” (ibid., p. 123). Isso é bastante
e padrões absolutos (For the new intellectual, p. 34). irônico, já que é pela graça do Absoluto (realidade)
“A ética objetivista coloca a vida do homem como ο que cada indivíduo se torna absoluto.
padrão do valor — e sua vida como propósito ético Ao criticar 0 m a te ria lism o marxista, ela parece
de todo homem individual” ( Virtue of selfishness, p. não estar ciente de que seu materialismo é seme-
25). “Nenhum valor é maior que a auto-estima” (For lhante. Ela acreditava que apenas a matéria era eter-
the new intellectual, p. 176). Logo, “todo ‘ser’ implica na e indestrutível. Nesse caso, na análise final, a mente
um ‘dever” (ibid., p. 2 2 ). e a razão — que ela valorizava, deveriam ser reduzi-
Objetivo utópico. Como capitalista que fugiu da dos à matéria. E 0 pensamento não tem mais reali-
União Soviética, Rand resistiu aos argumentos lan- dade que um processo químico.
çados pelo comunismo (v. M a r x , K a r l ) . Pois, quando Apesar de Rand falar da superioridade da mente
se diz “que 0 capitalismo teve sua chance e falhou, sobre a matéria, sua filosofia materialista não per-
eles devem lembrar que no final 0 que falhou foi mite tal distinção. A mente também é redutível à
uma economia mista, que os controles foram a cau- matéria, e totalmente dependente dela. Então como
sa do fracasso” (ibid., p. 53). Se“o sistema americano pode ser superior a ela? Além disso, a origem da
original, capitalismo” fosse praticado na sua pureza mente é matéria. Mas como 0 efeito pode ser maior
primitiva, um tipo de utopia hedonista surgiria que a causa? Isso viola tudo que a razão nos diz so-
( Virtue of selfishness, p. 33). Os verdadeiros conquis- bre a realidade — 0 próprio método que ela procla-
tadores das realidades físicas da vida, disse ela, não ma para descobrir a verdade.
são os que foram capazes de suportar 0 meio, dor- Seu argumento a favor do ateísmo depende da
mindo na sua cama de pregos, mas os que encontra- visão unívoca de existência, que ela não defende (v.
ram a maneira de trocar sua cama de pregos por um a n a lo g ia ). É recomendável que Rand, como atéia, fale
colchão de molas (For the new intelectual, p. 170). da verdade objetiva e absoluta. No entanto, Agosti-
A valiação. Contribuições positivas. A filosofia do nho argumentou que não pode haver verdade abso-
objetivismo tem discernimento. Os teístas tradicio- luta sem Deus. Verdade é 0 que a mente sabe, e ver-
nais podem concordar com algumas de suas idéias. dade absoluta deve residir na Mente Absoluta (=
Como objetivista, Rand defendeu um mundo ob- Deus). Mas 0 ateísmo de Rand rejeita qualquer Men-
jetivamente real. Ela abraçou 0 re alism o e foi uma te Absoluta.
crítica incisiva das formas sentimentais de Uma dimensão positiva do pensamento de Rand
subjetivismo, existengiai.ismo e misticismo que domi- leva ao teísmo, não ao ateísmo que defende. Pois ela
nam 0 pensamento contemporâneo. Rand enfatizou afirma que a pessoa tem a obrigação ou 0 dever
a razão e a objetividade da verdade (v. verdade, natu- moral absoluto. Mas prescrições absolutas só são pos-
reza absoluta da). A verdade não é argila a ser molda- síveis se há um Prescribente Absoluto (v. m o ra l para
da da maneira que desejamos. É realidade sólida. Deus, a rg u m e n to ). Leis morais absolutas só podem
Rand defendeu firmemente a validade das leis da vir do Legislador Moral Absoluto (=Deus). A única
lógica (v. l ó g ic a ; p r im e ir o s p r in c íp io s ). Sua ênfase à razão conclusão lógica para 0 ateu é negar todos os abso-
para testar a verdade e conhecer a realidade foi um lutos morais, como Nietzsche e ]ean-Paul Sartre.
realismo 740

Rand disse claramente que “todo ‘ser implica um tais princípios de conhecimento, realistas clássicos
‘dever ” (ibid., p. 22). Mas, como qualquer texto sobre acreditam que nosso conhecimento do mundo real
lógica nos informa, isso é uma falha de raciocínio. é impossível. Aristóteles e Aquino, por exemplo, afir-
Só porque algo é, não significa que deve ser. O des- maram que há primeiros princípios inegáveis pelos
critivo não é a base do prescritivo. Como outros quais 0 mundo pode ser conhecido.
ateus que negam todos (exceto um) os absolutos, Os realistas clássicos acreditam que os primei-
Rand cai inevitavelmente em outros deles. Por exem- ros princípios são os evidentes. Isto é, uma vez que
pio, ela insiste em que “nenhum homem pode inici- sejam termos conhecidos fica claro para uma men-
ar [...]0 uso da força física contra os outros” (ibid., p. te racional que eles são verdadeiros. Por exemplo,
134). Sua ênfase à razào deixa claro que ela também quando sabemos 0 que esposa significa e 0 que m u-
acredita que “ Todos devem ser sempre racionais” . lheres casadas significa, é evidente que “ todas as es-
Na realidade, seu egoísmo ético resulta no absoluto posas são mulheres casadas” . No entanto, para os
de que “ Todos devem sempre respeitar os direitos realistas clássicos como Aquino, evidente não signi-
dos outros” . E a vida é esse direito fundamental. fica necessariamente a p rio ri ou independente da
experiência. Para os realistas, os primeiros princípi-
Fontes os são conhecidos porque a mente conhece a reali-
B. B ran d en, The passion o f Αγη Rand. dade. Na verdade, esses princípios epistemológicos
N. L. G e is i .h r , Ethics: alternatives and issues, cap. 8.
têm base ontológica na realidade.
A. R and, Atlas shrugged.
Sem tais princípios válidos de conhecimento da
___ , For the new intellectual.
verdade, é impossível conhecer realmente. Deve ha-
___ , The virtue o f selfishness.
ver um relacionamento entre pensamento e coisa,
entre os princípios do conhecimento e 0 objeto do
conhecimento. Mas 0 que é esse relacionamento, e
realismo. Posição de que há uma realidade exter-
como pode ser estabelecido? Esse é 0 problema cri-
na às nossas mentes que podemos conhecer (v.
tico para um realista crítico.
ep istem o lo g ia ). Essa posição é confrontada pelo ce-
ticismo, pelo agnosticism o e pelo solipsismo. Os re-
Primeiros princípios e realidade. Por “realidade”
quer-se dizer não só a mente, mas também 0 mundo
alistas cristãos acreditam que há um Espírito infi-
além dela. A realidade é 0 que existe. É tudo que 0
nito (Deus) e um mundo real e finito composto de
existe. Realidade é existência, e irrealidade é
espíritos (anjos) e seres humanos. Ao contrário do
inexistência. Para os realistas clássicos era suficiente
dualismo, os realistas acreditam que todos os seres
q ue conhecêssemos a existência (ou que soubésse-
finitos são criados e não eternos. Ao contrário dos
mos que conhecemos a existência) e que, na realida-
idealistas (e.g., George B e r k e le y ), acreditam que há
de, nosso conhecimento dos primeiros princípios é
um mundo material, real e além da mente.
baseado no nosso conhecimento fundamental da exis-
Os realistas também acreditam que há uma
tência. Como Eric Mascall observou precisamente, é
correspondência entre pensamento e coisa, entre
desnecessário que alguém exponha sua epistemologia
mente e realidade (v. ve rd a d e , n a tu re z a d a ). Para os
antes de começar a falar sobre Deus, assim como é
realistas clássicos, tais como A r is t ó t e l e s e Tom ás
desnecessário entender a fisiologia humana para co-
de A q u in o , essa correspondência é possibilitada
meçar a andar (Mascall, p. 45). Aristóteles e Aquino
por meio dos primeiros princípios de conheci- não viam a necessidade de justificar esse conheci-
mento. Desde Immanuel K a n t , costuma-se dis- mento assim como não se demonstraria diretamente
tinguir 0 realismo crítico do realismo clássico. 0 um primeiro princípio. Eles são evidentes. Sabemos
realismo crítico começa premissa de que conhe- que são verdadeiros, mesmo antes de podermos ex-
cemos 0 mundo real, e 0 realismo clássico sente plicar porque são verdadeiros. O fato de algo existir é
pela obrigação de provar que 0 conhecemos. Em conhecido pela intuição direta. É óbvio e imediato.
outras palavras, 0 realista pós-kantiano vê a ne- Isso não quer dizer que não há maneira de defender
cessidade de recorrer ao a g n osticism o de Kant, já primeiros princípios exceto ao observar que são auto-
que os kantianos não acreditam que podem co- evidentes, uma vez que os termos sejam conhecidos
nhecer a realidade. adequadamente.
Conhecimento da realidade. 0 que está em ques- A incontestabilidade dos primeiros princípios.
tão é se nossos pensamentos correspondem ao mun- Como foi visto no artigo prim eiros p rincípios, esses
do real. Ou, mais basicamente, se os princípios pelos preceitos são incontestáveis ou redutíveis ao incon-
quais conhecemos são adaptados à realidade. Sem testável. Isto é, não se pode negá-los sem usá-los. Por
741 redação do Antigo Testamento, crítica da

exemplo, não se pode negar 0 princípio de não-con- Posições radicais. Emanuel Tov geralmente é cita-
tradição sem usá-lo na própria negação. A afirma- do para apoiar a posição do cânon editado. Sobre as
ção: “os opostos podem ser verdadeiros” pressupõe supostas redações de Jeremias, ele argumentou que
que 0 oposto dessa afirmação não pode ser verda- detalhes pequenos e grandes foram mudados. Ele acre-
deiro. Embora a maioria admita, nem todos os céti- ditava que essas mudanças tornam-se evidentes:
cos aceitam que 0 princípio da causalidade, que é
crucial em todos os argumentos cosmológicos a fa- 1. no arranjo do texto;
vor de Deus, é um primeiro princípio incontestável. 2. na adição de títulos a profecias;
Nem todo cético admite que algo existe. Logo, é ne- 3. na repetição de seções;
cessário comentar sua incontestabilidade (v. 4. na adição de novos versículos e seções;
VERIFICABILIDADE, ESTRATÉGIAS DE). 5. na adição de novos detalhes; e
A afirmação “ Eu existo” é incontestável. Se eu 6. nas mudanças no conteúdo (Tov, p. 217).
dissesse: “Eu não existo” , teria de existir para dizer
isso. Ao negar explicitamente minha existência, es- É claro que mudanças substanciais no conteúdo
tou afirmando-a implicitamente. Da mesma forma, minariam a credibilidade do a t e principalmente
não posso negar que a realidade é cognoscível. Pois a seu valor apologético. Como alguém poderia ter cer-
afirmação de que a realidade não é cognoscível é em teza de que as profecias não foram adulteradas para
si uma afirmação de conhecimento sobre a realida- que coincidissem com 0 que realmente aconteceu?
de. O agnosticismo total derrota a si mesmo. Redatores “inspirados". Alguns evangélicos ten-
O realismo, portanto, é inevitável. O fato de que às taram adaptar modelos redacionais ao propor 0 “re-
vezes erramos ou nos enganamos com relação à reali- dator inspirado” . Dessa maneira pretendem expli-
dade não nega todo conhecimento sobre ela. Na verda- car a evidência de redação e ao mesmo tempo man-
de, 0 exige. Pois não poderíamos conhecer uma ilusão a ter a inspiração das Escrituras (v. B íb lia , evidências da;
não ser que fosse vista em contraste com a realidade. Novo Testam ento, m anuscritos do; A n tig o Testam ento,
m an u scrito s d o ). Por exemplo, Bruce Waltke afirma
Fontes “que os livros da Bíblia parecem ter passado por
R. G a r r i g o u - L a G r a n g e , God: his existence an d his nature. uma revisão editorial depois de virem da boca do
N. L. G e i s l f .r , Christian apologetics. orador inspirado” . Na mesma passagem ele fala de
_____ e W. C o r d u a n , Philosophy o f religion. “atividade editorial posterior” . Waltke afirma que
E. G il s o n , On being an d som e philosophers. há evidência de redação de 1800 a.C. a 200 d.C.
D. H u m e , The letters o f David Hume, J. Y. T. G r e i g , org. (Waltke, p. 78,79,92). No entanto, há quem responda
J. M knmm,Existent and existence. à proposta de Waltke rejeitando sua posição (ibid., p.
E. M a sc a ll ,Existence and analogy. 133). Até suas concessões tendem a minar 0 texto
T o m a s d e A q u in o , O ente e a essência. bíblico.
Argumentos a favor de redatores. Atenta-se aqui
redação do Novo Testamento, crítica da. V. B íb lia , para a crítica da redação do a t, especialmente aquela
CRÍTICA DA. afirmada por Waltke e alguns outros teólogos evangé-
licos que insistem em que “redatores inspirados” fi-
redação do Antigo Testamento, crítica da. Um zeram mudanças substanciais nas Escrituras. Junto
redator edita ou muda um texto composto por outra com redatores de postura mais crítica, acreditam que
pessoa. A chamada crítica da redação da Bíblia afir- 0 conteúdo dos autores bíblicos sofreu mudanças
ma que editores (redatores) subseqüentes muda- contínuas até chegar à sua forma final.
ram 0 texto das Escrituras. Se essas supostas mudan-
ças foram substanciais, isso prejudica seriamente a 1. Alguém depois de Moisés, possivelmente
credibilidade das Escrituras (v. B íb lia , evidências da). Josué, escreveu 0 último capítulo de Deute-
Não poderíamos saber com certeza 0 que estava no ronômio (cap. 34), já que ele não é profé-
texto original. Para posições de redação crítica rela- tico e registra a morte de Moisés.
cionadas ao N t v. 0 artigo B íb lia , c r ít ic a da. 2. Certos trechos de Deuteronômio (2.10-12,20-
Natureza das diversas abordagens de redação. 23) mostram a evidência de um redator poste
Posições diferentes de crítica da redação são apoia- rior. São de natureza editorial e parentética.
das por evangélicos e não-evangélicos. Os últimos 3. A disposição dos salmos em cinco livros ou
são mais radicais em sua afirmação dos tipos de seções é indubitavelmente obra de editores
mudanças que acreditam que ocorreram no texto. com piladores.
redação do Antigo Testamento, crítica da 742

4. Provérbios passou pelas mãos de editores de- individuais) não é prova do modelo da crítica de
pois de Salomão (10.1; 22.17; 25.1; 30.1; 31.1), redação. Acrescentar salmos ao saltério da maneira
alguns dos quais viveram na época de Ezequias, em que foram escritos se ajusta perfeitamente ao
dois séculos após Salomão (25.1). modelo profético do cánon. 0 que 0 modelo
5. Alguns livros, tais como Jeremias, sobrevi redacional teria de provar é que autores inspirados
vem em duas versões bem diferentes. A ver posteriores fizeram mudanças propositais de con-
são mais longa (hebraica) é um sétimo mai teúdo, não apenas reorganizando 0 que está ali. Não
or que a versão grega da Septuaginta, um há prova disso nos Salmos.
exemplo da qual sobrevive em fragmentos Pequenas adições editoriais não são 0 problema.
de Qumran (4qjerb). A posição do redator inspirado aceita mudanças
6. Os livros de Crônicas apresentam-se como substanciais no conteúdo.
baseados em registros proféticos anteriores Provérbios não mostra nenhuma evidência de re-
(lCr 9.1; 27.24; 29.29; 2Cr 9.29; 13.22; 16.11; dação. Nenhuma das passagens citadas de Provérbi-
20.34; 25.26; 27.7; 28.26; 32.32; 33.19; 35.27; 36.8) os prova que a obra original do autor (seja Salomão
que foram editados pelo(s) autor(es) de [1-29], Agur [30] ou Lemuel [31]) não foi aceita
Crônicas. pela comunidade da fé imediata e continuamente,
sem mudanças subseqüentes de conteúdo. A pala-
R esposta aos a rgu m en to s. Nenhum dos argumen-
vra “compitaram” (25.1) não significa “ transforma-
tos dados para apoiar a redação inspirada é definiti- ram 0 conteúdo” , mas apenas que copiaram para
vo. Merrill Unger admitiu apenas pequenas “adições outro manuscrito. Se esse processo envolveu a sele-
editoriais ao Pentateuco, considerado autenticamente
ção e reorganização do que Salomão havia escrito
mosaico” . Mas rejeitou completamente a idéia de que
anteriormente é irrelevante. Como os Salmos, há uma
adições não-mosaicas posteriores foram feitas no
grande diferença entre reorganizar 0 que Salomão
Pentateuco por redatores, inspirados ou não (Unger, P.
escreveu e editar (mudar) seu conteúdo. Não há evi-
231-2). A resposta à teoria do “redator inspirado” se-
dência de edição.
guirá a ordem dos seus argumentos dados acima.
Duas edições de Jeremias. Os teólogos conservado-
O registro da morte de Moisés. Para a discussão
res reconhecem que pode haver duas versões (edi-
mais completa sobre essa questão, v. p e n t a t e u c o , a u t o -
ções) de Jeremias que se originaram do próprio
r ia m o s a ic a d o . O fato de que Moisés não poderia ter
Jeremias, possivelmente por intermédio de Baruque,
escrito Deuteronômio 34 tem sido aceito por teólo-
seu escriba (Archer, p. 361-2). Isso explicaria diferen-
gos conservadores, inclusive Unger. Todavia, essa não
ças encontradas nos manuscritos. Nesse caso não há
é uma redação no conteúdo de algo que Moisés es-
necessidade de supor um redator posterior. O próprio
creveu. É a adição dos eventos que, humanamente
Jeremias, ainda vivo, poderia ter direcionado a versão
falando, Moisés não poderia ter escrito, ou seja, 0
posterior do seu livro com mais profecias. Jeremias
registro do próprio funeral (Dt 34). É claro que é
pregou e profetizou conforme a ocasião. É compre-
sempre possível que Moisés os tivesse escrito por
ensível que a coleção das suas obras crescesse. Os tra-
revelação divina, mas não há afirmação ou evidên-
cia de que 0 tinha escrito. A finalização do livro por dutores da Septuaginta podem ter tido acesso à ver-
são preliminar.
outro profeta inspirado, possivelmente Josué, não
comprometeria sua autoridade. Citação de outras fontes. As passagens citadas em
Comentários editoriais em Deuteronômio 2. Isso Crônicas (1Cr 9.1; 27.24, etc.) não significam que 0 au-
também é discutido em p e x t a t e u c o , a u t o r ia m o s a ic a d o . tor de Crônicas (possivelmente Esdras) estava editan-
As seções parentéticas em Deuteronômio 2 não pre- do alguns outros livros. Pelo contrário, ele os usou como
cisam ser redações posteriores. Elas se encaixam no fontes para escrever 0 seu livro, assim como Daniel (9)
texto, e não há razão pela qual Moisés não poderia tê- usa Jeremias (25) e 2Samuel 22 usa 0 salmo 18. Lucas
las incluído para explicar ou esclarecer. Se essas adi- evidentemente usa outros registros (Lc 1.1-4).
ções foram feitas por escribas posteriores, elas não Além disso, não é necessário supor que todas
são inspiradas e estão sujeitas ao mesmo ceticismo essas citações do a t sejam de obras inspiradas. Algu-
textual que Marcos 16.9-20 e João 8.1-11. Sem evidén- mas eram registros jurídicos (e.g., lCr 9.1; 27.24; 2Cr
cia do contrário, parece razoável considerar essas pas- 20.34). Os livros “do vidente Samuel” e “do profeta
sagens comentários editoriais de Moisés. Natã” (lCr 29.29) podem ser a obra profética agora
Acrescentando e reorganizando. Simplesmente conhecida por 1 Samuel. Ainda outros podem ter
compilar e organizar escrituras inspiradas (salmos sido comentários não-inspirados (e.g., lCr 13.22).
743 redação do Antigo Testamento, crítica da

Paulo usa fontes não-inspiradas nas suas obras as obras originais não eram as inspiradas por Deus.
(cf. At 17.28; Tt 1.12). Isso não implica mudar um Pois Deus não pode errar (Tt 1.2; Hb 6.18), nem mu-
livro inspirado. dar (Ml 3.6; Hb 1.12; 13.8; Tg 1.17). Se houve um“ re-
P ro b le m a s com re d a çã o “in s p ira d a ”. A idéia de dator inspirado” , Deus fez mudanças de conteúdo
redatores inspirados que fizeram mudanças delibe- em suas edições inspiradas sucessivas.
radas e substanciais no conteúdo de material profé- Além disso, a posição do “ redator inspirado” exige
tico prévio é inaceitável. rejeição da posição evangélica de um original escri-
É contrária à advertência de Deus. Deus fez ad- to definido que Deus “soprou” por meio de determi-
vertências repetidas aos seus profetas: “ Nada acres- nado profeta. Ao invés disso, os autógrafos seriam
centem às palavras que eu lhes ordeno” (Dt 4.2; cf. Pv. um manuscrito fluido em processo, talvez durante
30.4; Ap 22.18,19). Isso, é claro, não significa que outro séculos. Na verdade isso promoveria os escribas ao
profeta não possa ter revelação separada adicional posto de profetas. Deus teria de “soprar” cópias (in-
para completar Deuteronômio. Isso significa, sim, elusive seus erros) assim como os originais.
que ninguém pode mudar (editar) a revelação que Elimina a verificação de uma obra. Redação ins-
Deus deu para outro profeta, ou inclusive para si pirada elimina 0 meio pelo qual a declaração pro-
mesmo. Ninguém devia acrescentar ou diminuir 0 fética poderia ser testada por aqueles a quem foi
que Deus havia falado (cf. Ap 22.19). dada. Segundo a posição da crítica da redação, a
Confunde crítica textual e canonicidade. A idéia de obra profética como tal não foi apresentada à co-
redação confunde canonicidade e a chamada baixa munidade crente contemporânea. Foi terminada e
crítica, ou crítica textual (v. B í b l i a , c r í t i c a d a ). doada ao povo de Deus décadas (ou até séculos)
Canonicidade (gr. kanon, regra ou norma) lida com mais tarde por outra pessoa. Quando havia neces-
quais livros são inspirados e pertencem à Bíblia (v. sidade, Deus confirmava seus profetas com sinais
B íb lia , canonicidade da). A crítica textual estuda 0 texto e prodígios (cf. Êx3-4; lRs 18; At 2.22; Hb 2.3,4). Os
dos livros canônicos, tentando chegar 0 mais próxi- contemporâneos do profeta poderiam testar 0 ho-
mo possível do texto original. A questão de mudanças mem que lhes trouxera as declarações de Deus (cf.
feitas por escribas na transmissão de um manuscrito Dt 18). Mas se a posição do “ redator inspirado”
de um livro inspirado pertence ao campo da crítica estiver correta, não há maneira de confirmar se
textual, não da canonicidade. Da mesma forma, se 0 essa escritura (na sua forma editada eventual) re-
material foi acrescentado depois, como em IJoão 5.7 almente veio de um profeta de Deus. Somente se a
ou João 8.1-11, é uma questão de crítica textual deter- mensagem original e inalterada fosse confirmada
minar se ele estava na obra original. Não é propria- pelos ouvintes originais é que poderíamos ter cer-
mente uma questão de canonicidade. teza do seu devido lugar no cânon.
Crítica textual é uma disciplina legítima porque não Mina a autoridade das Escrituras. 0 modelo de
procura mudar ou editar 0 texto original, mas apenas redação passa a posição de autoridade divina da men-
reconstruí-lo a partir dos manuscritos disponíveis. sagem profética original (dada por Deus por meio do
É contrária ao significado de inspirado. A idéia profeta) para a comunidade de crentes gerações mais
do “editor inspirado” é contrária ao uso bíblico da tarde. É contrário ao princípio de canonicidade se-
palavra inspirada ou divinamente inspirada em 2 gundo 0 qual Deus determina a canonicidade e 0 povo
Timóteo. A Bíblia não menciona escritores inspira- de Deus descobre 0 que Deus determinou ser inspira-
dos, apenas Escrituras inspiradas (v. B íblia , evidências do. Na realidade, 0 modelo de redação coloca a auto-
da). O autor inspirado seria infalível e inerrante, não ridade no povo de Deus em lugar de na mensagem
apenas 0 autor de um livro infalível e inerrante. profética dada por Deus ao seu povo.
É contrária aos autógrafos inspirados. Essa idéia Envolve fraude. Um modelo de crítica de redação
de redação é contrária à posição evangélica de que para a canonicidade implica aceitação de fraude
apenas os autógrafos (textos originais) são inspira- como meio de comunicação divina. De formas sig-
dos. O autógrafo é 0 texto original (ou uma réplica nificativas, a mensagem ou 0 livro que afirma vir de
exata) tal como veio do profeta. Apenas tal texto é um profeta veio na verdade de redatores posterio-
considerado inspirado e, portanto, sem erro. As cópi- res. Aplicada aos evangelhos, a crítica de redação
as são inspiradas até 0 ponto em que reproduzem afirma que Jesus não disse ou fez necessariamente 0
precisamente 0 original. que 0 autor do evangelho afirma ter feito. Redatores
Mas de acordo com a posição do “redator inspi- literalmente colocam suas palavras na boca de Jesus.
rado” , a versão editada final é inspirada. Nesse caso, !Mas isso envolve falsidade ideológica deliberada, 0
reductio ad absurdum 74 4

que constitui fraude (v. Novo Testam ento, h is to riu d a d e Não há redações no conteúdo da mensagem profética
d o). A mesma crítica se aplica se redatores muda- nem por editores inspirados nem por editores não-ins-
ram 0 que 0 profeta escreveu. Isso seria fraude, en- pirados. A maioria das mudanças estão ligadas à forma,
ganando 0 leitor para que acredite que Deus não ao conteúdo. São gramaticais, não teológicas. Os
direcionou 0 que os autores originais disseram. Mas escribas foram fiéis na cópia do texto. Nesse caso, não há
Deus não pode mentir (Hb 6.18). razão para acreditar que a mensagem original do autor
Confunde a edição adequada com redação. 0 mo- bíblico tenha sido mudada. 0 breve espaço de tempo e 0
delo canônico da crítica de redação confunde a ati- grande número de manuscritos comparados com ou-
vidade legítima dos escribas, envolvendo forma gra- tras obras da antigüidade atestam 0 fato de que 0 conteú-
matical, atualização de nomes e disposição de mate- do dos textos bíblicos está inalterado.
rial profético, com as mudanças redacionais ilegíti-
mas do conteúdo da mensagem de um profeta ante- Fontes
rior. Isso confunde a transmissão escrita aceitável G. L. A r c h e r , }r.,Merece confiança 0 Antigo Testamento?
com a manipulação redacional inaceitável. Confun- R . B e c k w it h , The Old Testament canon o f the New
de discussão adequada de qual é 0 texto mais antigo Testament church and its background in early
com afirmações inadequadas de que profetas pos- iudaism.
teriores mudaram a verdade dos textos anteriores. F l á v io Jo s ef o , Contra Apion.
É refutada pela história judaica. A teoria da re- ___ , Antiguidades dos judeus.
dação supõe que existiram redatores inspirados bem Ν’. L. G e is l e r e W. Nix, Introdução bíblica.
depois do período no qual os profetas viveram (viz., E. Tov,“ The literary history of the book of Jeremiah
século iv a.C.). Não pode haver obras inspiradas a
in the light of its textual history” , em J. T ig a y ,
não ser que haja profetas vivos. E os judeus não re-
org., Empirical models for biblical criticism.
conheceram nenhum profeta após a época de
M . U n g e r , Introductory guide to the Old Testament.
Malaquias (c. 400 a.C.). Josefo, 0 historiador judeu,
B. K. W altke, “ Historical grammatical problems” ,
referiu-se explicitamente ao término da revelação
em E. D. R a d m a c h e r e R . D. P r e l s , orgs.,
no “ reinado de Artaxerxes,rei da Pérsia” (Josefo, 1 .8).
Hermeneutics, inerrancy and the Bible.
Acrescentou: “ De Artaxerxes até nossa época tudo
foi registrado, mas não foi considerado digno de
re d u c t io a d a b s u r d u m . Expressão que se refere ao
crédito igual ao que precedeu, porque a sucessão
argumento baseado na lógica que reduz visões opos-
exata dos profetas cessou” (ibid.).
tas ao absurdo ao demonstrar que duas ou mais de
Afirmações rabínicas adicionais sobre 0 término
suas premissas centrais, ou que resultam logicamente
da profecia apóiam tal posição (v. Beckwith, p. 370):
delas, são logicamente contraditórias (v. ló g ic a ). Um
Seder Olam Rabbah 30 declara: “Até então [a vinda de
sistema da apologétiea cristã, 0 pressuposicionalismo
Alexandre, 0 Grande] os profetas profetizaram por
racional de Gordon Clark, depende completamente
meio do Espírito Santo. Daí em diante: ‘Inclina teu
desse tipo de argumento (v. apologética pressuposicional).
ouvido e ouça as palavras dos sábios’” . Baba Batra’ 12 b
declara: “ Desde 0 dia em que 0 templo foi destruído, a
profecia é obtida dos profetas e dada aos sábios” . O reencarnação. Termo que significa literalmente “vol-
rabino Samuel bar Inia disse: “0 Segundo Templo não tar na carne” . Isso não deve ser confundido com a
tinha cinco coisas que 0 Primeiro Templo possuía, a “ Encarnação” de Cristo quando ele veio “em carne”
saber, 0 fogo, a arca, 0 Urim e 0 Tumim, 0 óleo de de uma vez por todas (1Jo 4.1,2) (v. C risto , divindade de).
unção e 0 Espírito Santo [da profecia]” . .Re-encarnação significa que depois da morte a alma
Logo, qualquer mudança no texto do A t após entra em outro corpo e volta para viver outra vida.
essa época não poderia ser inspirada, já que não houve Há várias formas de reencarnação. As mais co-
profetas. Assim, pertencem ao campo da crítica tex- muns vêm do hindlísm o e do budismo (v. zen-budis-
tual, não da canonicidade. mo) e são baseadas na lei inexorável do carma. Sob a

É refutada pela crítica textual. A disciplina acadê- lei do carma, 0 que a pessoa semeia nesta vida será
mica da crítica textual refuta as afirmações da crítica colhido na próxima. Toda ação nesta vida tem uma
redacional. Pois a história do texto bíblico é bem co- reação ou conseqüência nesta vida ou na próxima.
nhecida (v. Novo Testam ento, m anuscritos do). Milhares Ciclos da vida. Popularidade da reencarnação. A
de manuscritos traçam as mudanças. O texto original reencarnação não só é a crença predominante nas
pode ser reconstruído com alto grau de confiança. religiões orientais, mas também conquistou
745 re e n ca rn a çã o

popularidade crescente no mundo ocidental. Aproxi- 0 homem é uma alma num corpo, e sua alma precisa
madamente um em cada quatro americanos acredita crescer em direção ao bem maior, para que não tenha mais de
em reencarnação. Entre jovens universitários a pro- sofrer 0 renascimento contínuo, mas ir ao estado no qual
porção é quase um em três. Surpreendentemente, cerca possa, como Deus, contemplar e desfrutar para sempre a hi-
de uma em cada cinco pessoas que freqüentam igre- erarquia das formas ideais, em toda sua verdade, beleza e
jas regularmente também acredita na reencarnação, bondade (Noss, p. 52).
embora a Bíblia e a crença cristã ortodoxa rejeitem
essa doutrina. Antes desse estado final de felicidade ser realiza-
Muitas pessoas famosas têm proclamado sua do podemos voltar até mesmo como animais.
crença na reencarnação. Uma das mais declaradas é As semelhanças entre Platão e a doutrina hindu
Shirley MacLaine. Outras pessoas famosas que acre- são surpreendentes, principalmente 0 sistema “pes-
ditam na reencarnação são Glenn Ford, Anne Francis soai” de Ramanuja. Essa escola desenvolveu-se a par-
(Honey west), Sylvester Stallone (Rocky, Rambo), tir da visão “impessoal” anterior, mas os ingredien-
Audry Landers (Dallas), Paddy Chayevsky (autor de tes principais são os mesmos: A alma é chamada
Marty, The hospital, Altered states), General George jiva ou jivatman e sobrevive à morte como entidade
S. Patton, Henry Ford, Salvador Dali e Mark Twain. mental chamada corpo sutil. Essa entidade entrará
Na música 0 ex-Beatle George Harrison, Ravi num novo embrião, trazendo consigo 0 carma de
Shankar, Mahavishnu, John McLaughlin e John todas as vidas passadas. Carma inclui ações e as con-
Denver dedicaram-se a espalhar a mensagem de suas seqüências éticas ligadas a elas. Você realmente co-
crenças espirituais numa segunda chance. Até algu- lherá 0 que semeou. Se fizer boas ações, nascerá num
mas histórias em quadrinhos foram influenciados. “ ventre agradável” . Se fizer 0 mal, seu destino será
Camelot 3000, Ronin e Dr. Strange lidaram todos com proporcionalmente menos nobre. Você poderá en-
temas de reencarnação. contrar-se num “ ventre imundo e repugnante” , seja
Fonte da doutrina. A reencarnação tem uma longa animal, vegetal ou mineral. O ciclo de morte e
história. Muitos acreditam que a fonte original da dou- renascimento (samsara) geralmente é retratado
trina seria os Vedas (Escrituras) hindus. Formas bu- como uma roda, com a morte como portal para a
distas, jainistas e siques (v. sikhismo) parecem ter deri- nova vida. Mas 0 objetivo é escapar desse ciclo.
vado dele, assim como ensinamentos de meditação Essa fuga é chamada moksha, e é aqui que surge
transcendental e Hare Krishna. Algumas formas oci- a diferença entre as formas pessoal e impessoal da
dentais podem ter surgido da filosofia grega sem in- doutrina. A versão impessoal diz que, quando toda
fluência direta do ensinamento hindu, começando com dívida do carma é eliminada, a alma perde toda iden-
os pitagoristas. 0 médium Edgar Cayce e adeptos do tidade e simplesmente se torna uma com a Unidade;
movimento teosófico do final do século xvm, incluin- 0 eu se funde com Brahman, a força divina impesso-
do a escritora Helena Blavatsky, foram mestres influ- al. A visão pessoal diz que a alma é simplesmente
entes a respeito de vidas múltiplas. Vários teólogos liberada para ser ela mesma, totalmente devotada a
cristãos tentaram harmonizar formas de reencarna- Bhagwan (0 Deus pessoal).
ção com 0 cristianismo, entre eles Geddes MacGregor Outras formas da doutrina da reencarnação di-
e John H ick . ferem com relação ao que acontece na hora da mor-
Tipos de reencarnação. Filosoficamente, a reen- te e à natureza do estado final de moksha, mas 0
carnação está envolvida em religiões orientais como padrão geral é retido. Os budistas dizem que a alma
hinduísmo, budismo e taoísmo. Ela é fortemente re- inconsciente (vinnana) continua, mas 0 eu (intelec-
jeitada pelo islamismo, judaísmo e cristianismo. Mas to, emoções e consciência) é apagado na morte. Seu
jamais foi confinada ao oriente. Alguns filósofos oci- carma permanece no ciclo de renascimento chama-
dentais antigos também acreditavam que a alma vive do samsara. Há quatro interpretações do estado fi-
de formas diferentes. Pitágoras (c. 580-c. 500 a.C.), nal no budismo, nirvana, que é atingido pela graça
P la t ã o (428-348 a.C.) e P lo t in o (205-270) acredita- de Buda. 0 jainismo e 0 siquismo (doutrina seguida
vam que 0 espírito, ou alma, era eterno e não podia pelos siques) seguem os mesmos padrões do
ser destruído (v. i m o r t a i .i d a d i ■). hinduísmo pessoal e impessoal, respectivamente.
Platão ensinou que a alma imortal assume 0 cor- A maioria das formas cristãs não-ortodoxas de
po apenas como castigo por algum pecado, pelo qual reencarnação não diferem quanto ao conceito bási-
0 sofrimento será muito maior; a alma deve deixar 0 co, mas são influenciadas por outros fatores. Mais im-
âmbito ideal e entrar no mundo material. portante, durante a existência humana, é feita uma
re e n ca rn a çã o 746

decisão sobre a aceitação ou rejeição de Cristo. Xo imaginário se aiucia alguém a entender sua vida. Se
modelo mais simples, os que aceitam a Cristo vão funciona, que importar’’ iBoeth, :■13).
para a presença de Deus, e os que 0 reieitam são Xecessidadc de justiça. Para muitos, a idéia de ter
reencarnados. 0 ciclo continuará até que todos reco- mais de uma chance na vida parece ser a solução
nheçam a Cristo. Dessa maneira, todos, infalivelmen- mais justa. O canna e iusto. Se voce faz coisas ruins,
te, serão salvos (v. 1‫־‬N1vKRSAüsM0).Algumas teorias cris- você paga 0 preço: se raz 0 bem, recebe a recompen-
tãs de reencarnação dão 0 castigo final para os que sa. O castigo e proporcional a maldade do seu canna,
são causas perdidas. Na teoria de MacGregor 0 castigo não tudo ou nada. A idéia de condenar alguém no 0
é 0 aniquilamento (v. a n iq u ii a c ! 0 n is \ : 0 ). A teoria de in fe rn o eterno por causa de uma quantidade finita
Hick é relativamente nova, pois supõe que os seres de pecado parece muito drástica. Alem disso, 0 so-
humanos reencarnam em outros planetas. frimento nesta vida pode ser justificado se é real-
Razão para a crença. Várias análises racionais mente uma liberação do canna de vidas passadas.
são dadas para justificar a crença na reencarnação. Essa explicação elimina a necessidade de responsa-
Três das razões básicas são a crença na alma imortal, bilizar Deus pelo sofrimento. Todo sofrimento pode
as evidências psicológicas de vidas passadas e 0 ar- ser explicado como sendo a liberação justa dos maus
gumento da justiça por meio da reencarnação. atos cometidos em encarnações anteriores.
Imortalidade da alma. A principal razão de Platão Como Quincy Howe afirma: “ Um dos aspectos mais
para crer na transmigração das almas (outro nome atraentes da reencarnação é que ele remove comple-
para referir-se à alma passando a um corpo diferen- tamente a possibilidade de condenação” ( Howe, p. 51).
te) era que ele acreditava que a parte imaterial de Para muitas pessoas, a doutrina do castigo eterno pa-
cada ser humano era não-criada e indestrutível. Exis- rece totalmente incompatível com 0 amor de Deus. A
tia antes de nascermos, e continua a existir depois reencarnação sugere uma maneira em que Deus pode
que morremos. Nada, bom ou mau, pode corrompe- castigar 0 pecado (por meio da lei do canna), exigir a
la. Nesse caso, os reencarnacionistas argumentam fé em Cristo (durante pelo menos uma vida) e ainda
que é provável que ela apareça no mundo em corpos salvar a todos no final. Quem rejeita a Cristo tem ou-
diferentes várias vezes. Isso é parte do seu processo tras oportunidades. Isso até protege a liberdade hu-
de aperfeiçoamento. Da mesma maneira, filosofias mana, porque Deus não coage ninguém a crer; ele
panteístas supõem que tudo é eterno e divino, por- apenas lhes da mais tempo para exercitar sua liberda-
tanto a alma é igualmente incorruptível. de. O progresso moral e 0 crescimento espiritual tam-
Evidências psicológicas. Ian Stevenson, um bém podem ocorrer durante vidas sucessivas, 0 que
parapsicólogo e pesquisador da regressão, disse: permitirá aos indivíduos entender melhor 0 amor de
Deus. Alguns pensam que a perfeição moral não pode
A idéia de reencarnação pode contribuir para a compreen- ser atingida sem a reencarnação.
são melhorada de questões diversas como: fobias e filias da Finalmente, argumenta-se que a reencarnação é
infância; habilidades não aprendidas; anormalidades de rela- justa porque torna a salvação uma questão pessoal
cionamentos entre pais e filhos; vendetas e nacionalismo be- entre 0 indivíduo e Deus. Em vez de lidar com pro-
licoso; sexualidade infantil e confusão de identidade sexual; blemas de culpa imputada a partir do pecado de
marcas de nascença, deformidades e doenças internas; dife- Adão ou ser considerado iusto pela té, cada pessoa é
renças entre gêmeos univitelinos; e apetites anormais duran- responsável pelo próprio canna. Howe, ao argumen-
te a gravidez (Stevenson, p. 305). tar que a expiação por um substituto não é mais
válida, diz: 1'O próprio homem deve fazer as pazes
A regressão a vidas passadas, por meio de hipnose com Deus” (Howe, p. 107). MacGregor diz: “ Meu
ou outro estado de consciência alterada, tem sido útil carma é só meu. É meu problema e 0 triunfo sobre
a algumas pessoas para explicar sentimentos que 0 ele é meu triunfo” . Isso elimina a injustiça de ser
paciente não pode explicar ou vencer. Ao descobrir castigado de qualquer lorma pelo pecado de Adão e
alguma experiência de uma vida passada, muitos ali- a injustiça de Cristo morrer pelos pecados que não
viaram os sentimentos de medo, depressão ou rejei- cometeu. Pelo contrário, a morte de Jesus torna-se
ção. Apesar de muitos psicólogos e hipnotizadores nossa inspiração, “0 catalisador perfeito” para alcan-
que trabalham com regressão não acreditarem real- çar nossa salvação e nos assegurar que estamos na
mente que os eventos recordados por seus pacientes luz infalível do amor de Deus. Ele morreu como nos-
sejam reais, usam este método porque funciona. Como so exemplo, não como nosso substituto. Dessa ma-
um terapeuta disse: “ Não importa se é real ou neira, a reencarnação satisfaz a justiça.
/47 re e n ca rn a ça o

A valiação. Resposta aos argumentos. Os argumen- jamais se resolve com a explicação. Se 0 sofrimento
tos a favor da reencarnação não têm fundamento de cada vida depende dos pecados da vida anterior,
real. Na melhor das hipóteses demonstram apenas a como tudo começou? Se houve a primeira vida, de
possibilidade de reencarnação, não sua realidade. onde veio a dívida do carma que explica 0 sofri-
A imortalidade não comprova a reencarnação. mento nessa vida? O mal é um princípio eterno, jun-
Mesmo que alguém pudesse demonstrar a imoriaei- to com Deus? Não se pode retroceder eternamente
dade da alma com base puramente racional, isso não para resolver 0 problema do mal. A lei do carma não
provaria a reencarnação. A alma poderia sobreviver resolve 0 conflito. Apenas joga 0 problema para vi-
para sempre numa forma desencarnada. Ou a alma das passadas, sem chegar à solução.
poderia ser reunida ao corpo num corpo ressurreto Tem-se a impressão, e alguns argumentam, que
imortal e permanente, tal como os judeus, muçul- carma é 0 mesmo que a lei bíblica — um código
manos e cristãos ortodoxos acreditam. moral universal e rígido. No entanto, 0 carma não é
“Memórias” de vidas passadas não comprovam a uma prescrição moral. É apenas um sistema de re-
reencarnação. Há outros meios de explicar as supos- tribuição; não tem conteúdo para nos dizer 0 que
tas “memórias” ou vidas passadas. Primeiro, elas po- fazer. É uma lei impessoal e amoral de relações de
dem ser falsas memórias. Foi comprovado que mui- ato e conseqüência. Até mesmo comparações com 0
tas outras supostas “ memórias” eram falsas. Algu- relacionamento de ato e conseqüência em Provér-
mas pessoas se recuperaram da síndrome da falsa bios não conseguem reconhecer que 0 A t coloca os
memória. Segundo, essas supostas “memórias” de vi- provérbios como princípios gerais, não sanções ab-
das anteriores são mais abundantes entre os que fo- solutas e inquebráveis de retribuição. Nesse aspec-
ram criados em culturas ou contextos onde foram to, a lei não era tão inalterável quanto 0 carma —
expostos ao ensinamento da reencarnação. Isso suge- era parte de uma lei superior de perdão e graça. A
re que receberam essas idéias quando eram peque- comparação é inválida.
nos e mais tarde as trouxeram do seu banco de me- Argumentos contra a reencarnação. Além dos ar-
mória. Terceira, há casos conhecidos, tais como 0 de gumentos a favor da reencarnação não provarem
Bridie Murphv, em que as supostas “memórias” de sua existência, há argumentos contra a reencarna-
vidas passadaseram nada mais que histórias que sua ção. Vários dos mais importantes podem ser resu-
avó lia para quando era pequena. Outras falsas me- midos.
mórias foram implantadas sob hipnose (0 poder da O argumento moral. Em sistemas panteístas não
sugestão) ou por terapia de fantasia dirigida durante existe a fonte de padrões morais que 0 carma impõe
sessões de orientação ou ensino. A síndrome da falsa (v. panteísmo). Por que punir pessoas por algum mal
memória é reconhecida pelos psicólogos atualmente. se não há padrão moral de certo e errado? Pois no
A reencarnação não resolve 0 problema da justiça. panteísmo não há diferença entre 0 bem e 0 mal. 0
Em vez de resolver 0 problema do sofrimento injus- carma não é uma lei moral. Quanto à moralidade,
to, a reencarnação simplesmente diz que, no final tudo é relativo. Allan Watts, porta-voz do zen-budis-
das contas, ele é justo. Os inocentes não são real- mo, escreveu:
mente inocentes porque 0 carma de vidas passadas
está causando 0 sofrimento. Os reencarnacionistas Obudismo não compartilha a visão ocidental de que haja
reclamam que 0 cristão, diante da mãe de um bebê uma lei moral, imposta por Deus ou pela natureza, que 0 ho-
moribundo, só pode dizer: “Eu não sei” . Mas a lei do mem deva obedecer. Os preceitos de conduta de Buda — abs-
carma pode lhe dar uma resposta: “Seu anjo doce e tinéncia de tirar a vida, de tirar 0 que não édado, da exploração
inocente está morrendo porque numa encarnação de paixões, da mentira e da intoxicação — são regras de con-
anterior foi um mau sujeito” . Isso não é uma solução veniência seguidas voluntariamente (Watts, p. 52).
ao problema, é apenas uma subversão dele. Não lida
com a dificuldade; apenas a descarta. Esse relativismo apresenta problemas reais para
É realmente justo Deus punir crianças pelos pe- a reencarnação. O relativismo é uma posição im-
cados que nem lembram ter cometido? Parece mo- possível de defender na ética. Não se pode dizer: “O
ralmente repugnante e terrivelmente injusto atribuir relativismo é verdadeiro” , ou mesmo: “O relativis-
juízo a alguém que nem sabe que crime cometeu. mo é melhor que 0 absolutismo” , porque essas afir-
Além disso, ao adiar a culpa para a vida seguinte, mações supõem um valor absoluto que contradiz 0
começa-se 0 retorno infinito de explicações que relativismo. Como C. S. Le w is explica:
re e n ca rn a çã o 748

No momento em que vocè diz que um grupo de idéias mo- num corpo anterior não tem base científica. A evi-
rais pode ser melhor que outro, vocè está, na verdade, compa- dência científica indica a concepção humana como
rando ambos a um padrão, dizendo que um deles seconforma a ponto de origem do ser humano individual.
tal padrão mais que 0 outro. Mas 0 padrão que avalia as duas 0 argumento social. Se a reencarnação fosse cor-
coisas é algo diferente de ambas [... | Voce está, na realidade, reta, a sociedade estaria melhorando. Afinal, se já
comparando ambas a alguma Moralidade Real, admitindo que tivemos centenas, até milhares de oportunidades de
existe algo Correto, independentemente do que as pessoas pen- melhorar durante milhões de anos, deveria haver
sam, e que as idéias de algumas pessoas estão mais próximas alguma evidência disso. \’ão há evidência de que tal
desse Correto real que outras (l.ewis, p. 25). progresso moral esteja ocorrendo. As maneiras pe-
las quais podemos manifestar ódio, crueldade, ra-
Para dizer que 0 relativismo está correto, é pre- cismo e barbarismo a outros seres humanos e que
ciso supor que alguma justiça absoluta exista, 0 que foram desenvolvidas. Até um otimista realista que
é impossível no relativismo. Sem que algo absoluta- deseja um futuro melhor deve reconhecer que não
mente correto exista, nada pode ser realmente cor- há evidência irrefutável de que qualquer melhoria
reto; e se nada é correto (ou errado), 0 carma não moral significantiva tenha ocorrido durante os mi-
tem 0 direito de castigar ninguém (v. m o r a l id a d e , n a - lhares de anos que conhecemos.
t u r e z a a b s o l u t a d a ).
O problema do mal e a regressão infinita (v. ineini-
O argumento humanitário. A reencarnação é, no t a s , s e r ie s ). Se 0 sofrimento nesta vida sempre resulta
final das contas, anti-humanitária. Não gera com- do mal feito numa vida anterior, teria de haver uma
paixão social. Quem que ajuda os milhares de pesso- regressão infinita de vidas anteriores. Mas uma re-
as pobres, aleijadas, mutiladas, desabrigadas e famin- gressão infinita no tempo não é possível, já que, se
tas nas ruas da índia está trabalhando contra a lei do houvesse um número infinito de momentos antes
carma. As pessoas sofrem para pagar sua dívida do
de hoje, 0 hoje jamais chegaria. Alas 0 hoje chegou (v.
carma e, se forem ajudadas, terão de voltar e sofrer ΚΑ1.ΛΜ, a rg u m e n to cosM O Ló G ico ). Logo, não houve um
ainda mais para pagar essa dívida. Segundo a crença
número infinito de vidas anteriores como a reen-
hindu tradicional, quem ajuda os sofredores não está
carnação tradicional parece pressupor.
aumentando 0 carma deles, mas 0 próprio carma. A
Por outro lado, se não houve um número infinito
compaixão social que existe na índia é resultado da
de vidas antes desta, deve ter havido uma primeira
influência não-hindu, em grande parte cristã. O
vida na qual uma encarnação prévia não foi a causa
hinduísmo não produziu madre Teresa De Calcutá.
do seu mal. Mas é isso que 0 t e ís m o afirma, a saber,
O argumento psicológico. A reencarnação depen-
que 0 mal originou-se por causa da livre escolha de
de da premissa de que 0 indivíduo tinha 0 senso
um indivíduo nessa primeira vida (e.g., Lúcifer en-
altamente desenvolvido de autoconsciência antes de
tre os anjos e Adão, 0 primeiro ser humano) (v. m a l ,
nascer para receber e armazenar informação e mais
PRO BLEM A D o ).
tarde recordá-la. É fato científico que essa habilida-
Problema do tempo infinito e falta de perfeição.
de só se desenvolve a partir do décimo oitavo mês
Mesmo pela suposição do reencarnacionista de que
de idade. É por isso que não nos lembramos de quan-
houve uma quantidade infinita de tempo antes de
do tínhamos um ano de idade. Afirmar que todo ser
hoje, sua posição enfrenta outro problema sério.
humano “esquece” de forma misteriosa 0 seu passa-
Numa quantidade infinita de momentos há tempo
do de consciência altamente desenvolvida e que a
maioria jamais 0 recupera — a não ser que seja mais que suficiente para atingir a perfeição de todas
treinada e “ iluminada” para tal — é altamente im- as almas que a reencarnação supostamente realiza.
provável. A hipótese é infundada e totalmente Deus Em resumo, todas as almas já deveriam ter-se unido
ex tnachma. a Deus, se houve uma quantidade infinita de tempo
O argumento científico. Cientificamente, sabemos para isso. Mas não se uniram. Logo, a reencarnação
que a vida começa 11a concepção, quando os 23 falhou como solução do problema do mal.
cromossomos de um espermatozóide se unem aos Argumentos bíblicos. Os seres humanos são cria-
23 cromossomos de um óvulo e tormam um zigoto dos. A doutrina da criação é fundamental em rela-
humano de 46 cromossomos. Nessa hora uma vida cão a todas as razões bíblicas para rejeitar a reencar-
humana nova e única começa. Ela tem vida (alma) e nação. A Bíblia é a Palavra inspirada de Deus (v. Bi-
um corpo. É um ser humano individual único. Não b l i a , e v id e n c ia s d a ) . Como tal, ela tem autoridade divi-

existia antes. Afirmar que sua alma (vida) existia na em tudo 0 que ensina. Segundo a Bíblia, os seres
749 reen carn ação

humanos foram criados (Gn 1.27).Deus éeterno (U m a ressurreição é 0 estado final, no qual toda a pessoa,
6.16). Todas as outras coisas foram criadas por ele corpo e alma, desfruta a bondade de Deus.
(Jo 1.3; Cl 1.15,16). Tudo mais existe porque Deus 0
criou do nada (v. c r ia ç ã o , v is õ e s d a ). Isso não se aplica Ressureição Reencarnação
apenas a Adão e Eva, os primeiros seres humanos, acontece uma vez ocorre muitas vezes
mas a todos os outros seres humanos após eles (Gn no mesmo corpo num corpo diferente
5.3; SI 139.13-16; Ec 7.29). Todos os seres humanos num corpo imortal num corpo mortal
desde Adão começam na concepção (Sl 51.5; Mt 1.20). o estado perfeito o estado imperfeito
Nesse caso, não pode haver existência pré-encarna- o estado final o estado intermediário
da da nossa alma.
0 estado intermediário é desencarnado. As Escri- As diferenças entre ressurreição e reencarnação
turas ensinam que, na morte, a alma deixa 0 corpo e são as seguintes:
passa para 0 mundo espiritual, onde aguarda a res- Assim, há uma grande diferença entre a doutri-
surreição. 0 apóstolo Paulo escreveu: “ Temos, pois, na cristã da ressurreição e a doutrina da reencarna-
confiança e preferíamos estar ausentes do corpo e ção. 0 ensinamento de ressurreição da Bíblia (p. ex.,
habitar com 0 Senhor” (2C0 5.8). Segundo, ao con- em Jo 5.28,29; ICoríntios 15; Ap2Ü.4-15),portanto,é
templar a morte, Paulo acrescentou: “ Estou pressio- contrário à doutrina da reencarnação.
nado dos dois lados: desejo partir e estar com Cristo, 05 seres humanos morrem apenas uma vez. Se-
0 que é muito melhor” (Fp 1.23). As “almas” daque- gundo as Escrituras, os seres humanos morrem ape-
les que acabam de ser martirizados estão conscien- nas uma vez, 0 que é seguido pelo julgamento: “ Da
tes no céu. “Quando ele abriu 0 quinto selo, vi, debai- mesma forma, como 0 homem esta destinado a
xo do altar, as almas daqueles que haviam sido mor- morrer uma só vez e depois disso enfrentar 0 Juizo”
tos por causa da palavra de Deus e 0 testemunho que (Hb 9.27). Nascemos uma vez, vivemos uma vez, e
deram” (Ap 6.9). Jesus prometeu ao ladrão arrepen- morremos uma vez. Mas, segundo a reencarnação,
dido na cruz alegria consciente no mesmo dia da vivemos várias vezes. Nascemos e renascemos di-
sua morte, dizendo: “Eu lhe garanto: Hoje estará co- versas vezes, uma após outra. 0 apologista hindu
migo no paraiso” (Lc 23.43). Até Moisés e Elias, que Radhakrishna reconheceu que esse versículo resu-
estavam mortos há séculos, conversavam consciente- me a diferença definitiva entre 0 cristianismo e 0
mente sobre a morte de Cristo no monte da Transfi- hinduísmo. Ele escreveu:
guração (Mt 17.3). Mesmo as almas desencarnadas
dos perdidos estão conscientes. Pois a besta e 0 falso Há uma diferença fundamental entre 0 cristianismo e 0
profeta que foram lançados no lago de fogo (Ap 19.20) hinduísmo; acredita-se que consiste nisso: que, enquanto 0
ainda estavam conscientes “ mil anos” depois (Ap hindu de qualquer escola acredita na sucessão de vidas, 0 cris-
20.7,10). Não há a menor sugestão em nenhum lugar tão acredita que está ordenado morrer uma só vez, vindo, de-
das Escrituras de que a alma após a morte vai para pois disto, 0 juízo’(Radhakrishna,p. 14, 118).
outro corpo, como os reencarnacionistas afirmam.
Ela simplesmente vai para 0 mundo espiritual para 0 julgamento é final. Além dos seres humanos
aguardar a ressurreição. viverem e morrerem uma só vez, seguidos do julga-
O estado após a desencarnação é a ressurreição. A mento, esse julgamento é final (v. i n t e r n o ). Quando a
reencarnação é a crença de que, após a morte, a alma pessoa vai ao seu destino, há um “grande abismo”
passa para outro corpo. Em comparação, a Bíblia que ninguém pode atravessar (Lc 16.26). Na realida-
declara que, após a morte, 0 mesmo corpo físico é de, 0 julgamento é descrito como “destruição eter-
tornado incorruptível na ressurreição (v. r e s s u r r e i - na” (2Ts 1.9) e “ fogo eterno” (Mt 25.41). Se dura para
ç ã o , e v id ê n c ia s d a ). Em lugar de uma série de corpos sempre, não há possibilidade de reencarnação em
que morrem, a ressurreição restaura à vida para sem- outro corpo. Há ressurreição 110 próprio corpo da
pre 0 mesmo corpo que morreu. Em vez de ver perso- pessoa, que recebe 0 julgamento final de salvação ou
nalidade como uma alma num corpo, a ressurreição condenação (Jo 5.28,29).
vê cada ser humano como a unidade de corpo e alma. Jesus rejeitou a reencarnação. Quando pergunta-
Enquanto a reencarnação é 0 processo de aperfeiço- ram se 0 pecado de um homem antes do nascimen-
amento, a ressurreição é 0 estado aperfeiçoado. A re- to era a causa do seu sofrimento, Jesus respondeu:
encarnação é 0 estado intermediário, enquanto a alma “ Nem ele nem seus pais pecaram” , disse Jesus, “
anseia por desencarnar e ser absorvida em Deus; mas Mas isto aconteceu para que a obra de Deus se
Reid, Thomas 750

manifestasse na vida dele” (Jo 9.3). Como isso pro- N. L. G e i <lf.r e J. An:an \ Reencarnação: 0 fascínio
vavelmente é uma referência à falsa crença judaica que renasce cm cada geração.

de que era possível pecar no ventre antes de nascer, S. H.v k: . Oriental philosophy.
produzindo assim deformação física, a resposta de J. H ic k , Death and eternal iit'e.

Jesus exclui qualquer crença em pecado pré-nasci- ____ , Crítica não-intitulada, Religion

mento e carm a. Em outra passagem, Jesus foi bem (Autum n 1975!

enfático ao dizer que 0 sofrimento da pessoa durante Q. H ow e, Reincarnation tor the C h r i s t i a n .


a vida não é necessariamente por causa do pecado C. S. L ev ;;-, Cristianismo puro e simples.

(Lc 13.4,5). Isso é verdadeiro com relação ao início da W. M artin‫־‬, The riddle of reincarnation.

vida, à vida pré-natal ou a supostas vidas pré-encar- V.S.Na \?r:, -^Anarea ot darkness.

nadas. J.B. Xoss, Man's religions.

A g ra ça é con trária à reen ca rn a ção . A reencar- S. R a d h a k r ^ h n a , The hindu vewoflite.

nação é baseada na doutrina do c a rm a , que dita que J. S n y pfr , Reencarnação ou ressurreiçãof.

0 que a pessoa semeia nesta vida colherá na próxi- I. S ! : .; ‫׳‬.,"T he explanatory value of the idea of

ma vida. O carm a é uma lei inexorável, sem exce- reincarnation", em The Journal o f Xervous and

ções. Pecados não podem ser perdoados; devem ser M ental Disease ( Sep. 1977)
S .T rav : s, Christian hope and the future.
punidos. Se alguém não paga sua dívida nesta vida,
A .W atts , The 1vayo fzen.
terá de pagar na próxima.
Mas, segundo 0 cristianismo, 0 perdão é possível.
Jesus perdoou seus inimigos que 0 crucificaram (Lc Reid, Thomas. Thomas Reid (1710-1796) foi um dos
24.34). Os cristãos devem perdoar como Cristo nos fundadores da filosofia escocesa do senso comum.
perdoou (Cl 3.13). O perdão é contrário à doutrina do Nascido em Strachan, perto de Aberdeen, Reid foi
carm a e torna a reencarnação completamente desne-
influenciado por seu professor na Faculdade
Marischal, George Turnbell, que enfatizava a priori-
cessária. A salvação é um “dom” (Jo 4.10; Rm 3.24;
dade do conhecimento do senso, mas sob 0 manto
5.15-17; 6.23; 2C0 9.15; Ef 2.8; Hb 6.4) que é recebido
do berkeleísmo. Depois de estudar 0 T ratad o d a
pela fé. Em vez de se esforçar para merecer 0 favor de
n atu reza h u m an a de H u m e (1739), Reid renunciou a
Deus, 0 crente recebe graça ou favor imerecido e é
suas posições berkeleístas (v. B e rk e le y , G eo rge). Reid
declarado justo. A justiça de Deus é satisfeita porque
lecionou na Faculdade King, Aberdeen, até 1751. Aju-
Jesus foi castigado pelos pecados de todo 0 mundo na
dou a formar a Sociedade Filosófica de Aberdeen,
sua morte. Nossos pecados não foram simplesmente
que geralmente discutia Hume. Em 1764 publicou
ignorados ou jogados debaixo do tapete. Jesus pagou
seu Inquiry into the hum an m ind on the principles o f
(Rm 3.25; Hb 2.17; 1Jo 2.2; 4.10) a exigência de Deus
com m on sense [Investigação sobre en ted im en to hu-
por justiça ao levar nossa culpa como nosso substitu-
m a n o segu n do os p rin cíp io s do senso com u m ] e no
to. Essa penalidade paga por Cristo é contrária à dou-
mesmo ano começou a lecionar no Old College em
trina do carm a e atinge a base da necessidade de re-
Glasgow. Suas principais obras foram Essay on the
encarnação.
in tellectual pow ers [Ensaio sobre as facu ld ad es inte-
Resumo. A doutrina de reencarnação, baseada
lectu ais ] (1785) e Essay on the active pow ers [Ensaio
no c a r m a , não tem evidência objetiva. É contrária
sobre os p o d eres a tiv os ], (1788).
ao bom senso, à ciência, à sã psicologia do desen-
Visões filosóficas. Ao contrário de David Hume,
volvimento humano e à moralidade. Além disso,
Reid acreditava que as idéias surgem dos poderes ina-
opõe-se ao ensinamento claro das Escrituras. Logo, tos da concepção na mente, que se manifestam de
apesar de sua popularidade, até no ocidente, ela é acordo com os primeiros princípios originais da men-
infundada do ponto de vista racional e evidenciai. te. A evidência é a base da crença e surge do uso do
intelecto. Sabemos que essas faculdades são confiáveis
Fontes
porque, não importa como tentemos refutar esses prin-
M . A l b r e c h t , R ein carn ation : a Christian appraisal.
cípios, eles prevalecem. Além disso, todo pensamento
K. A n d e r s o n , Life, death, a n d beyond.
J. B 0ETH,‫״‬In search of past lives: looking at yesterday depende da suposição de que elas são confiáveis. Em
to find answers for today” , D allas Tunes H era ld , resposta aos céticos que desconfiam das faculdades,
3 Apr. 1983. Reid observa que até Hume confiava nos seus senti-
W. de A rte a g a , Past life vision: a Christian exploration. dos na prática e é culpado de incoerência pragmática.
L. de S ilv a , R ein carn ation in huddhist a n d Christian Por causa da sua crença nos poderes ativos, Reid
thought.
afirmou que ele era a causa ativa dos seus próprios
751 re lig iõ e s m u n d ia is e c r is tia n is m o

atos. Atos livres não são 0 resultado de causas ante- S in g u la r id a d e do cristia n ism o . A singularida-
cedentes, mas da vontade. Ações livres não são nem de do cristianismo é encontrada em suas reivindica-
determinadas por outras (v. d e t e r m i n is m o ) nem for- ções sem igual sobre Deus, Cristo, a Bíblia e 0 cami-
tuitas (v. ixdfter.m im smo), mas são causadas pela pes- nho da salvação. Apesar de haver outras religiões
soa (v. i iv re - a ris íirio ). monoteístas, 0 cristianismo afirma ter a visão verda-
Reid ensinou que as crenças do senso comum deira de Deus — 0 trinitarismo (v. T r in d a d e ).
são “a inspiração do Todo-Poderoso” . Não é preciso Uma visão singular de Deus. Xenhuma outra re-
acreditar em Deus para afirmá-las, mas elas são im- ligião na história humana é explicitamente trinitária.
postas pela nossa natureza criada. Quando tentamos P l a t ã o tinha uma tríade na realidade suprema com-
explicá-las, entendemos que nos foram dadas por posta do Bem, do Demiurgo e da Alma Universal (v.
Deus. Na verdade, temos a mesma evidência para Deus Platão). Mas 0 Bem não era nem pessoal nem Deus.
que temos para a inteligência e a vontade em outra
A Alma Universal não era pessoal. Os três não com-
pessoa. Portanto, quem rejeita a Deus também devem
partilhavam uma natureza. 0 neoplatonismo tinha 0
rejeitar a existência de outras mentes.
Uno, 0 Nous, e uma Alma Universal (v. Plotino). Mas
O realismo do senso conium de Reid teve grande
essas séries de emanações não são três pessoas dis-
influência, principalmente sobre os teólogos da li-
tintas numa essência. Nem 0 Uno nem a Alma uni-
nha antiga da Universidade de Princeton, incluindo
versai eram pessoais. 0 Uno não tinha essência nem
Charles H o d g f e B. B. W a r f i e l d ( v . p r in c e t o n , e s c o l a d e
existência. Apenas 11a T r ix d a d e cristã há um Deus
a f o l o c ,é t ic a df:) 11a América (v. Martin).
em essência expresso eternamente em três pessoas
distintas — Pai, Filho e Espírito Santo (Mt 28.18).
F ontes
S. A. üuAvt, The Scottish philosophy of common sense.
Os cristãos afirmam que essa visão de Deus é a
C. Huik;!., Systematic theology, v. 1.
visão verdadeira e que não há outro Deus (1 Co 8.4,6).
T. Μ >κπΝ, The instructed vision.
Outras visões são visões falsas do Deus verdadeiro
J. M i C 1 ‫׳‬mi, The Scottish philosophy. (como 0 judaísmo), ou deuses falsos (como no
T. Rtm.Aii inquiry into the human mind on the hinduísmo). A visão islâmica de Deus é falsa porque
principies of common sense. insiste em que há apenas uma pessoa na divindade.
____, Essay on the active powers. A visão judaica (i.e., A r) de Deus é do Deus ver-
____, Essay on the intellectual powers. dadeiro, mas é incompleta (Êx 20.2,3; Dt 6.4). O At
permite a pluralidade na unidade de Deus (SI 110.1)
Reimarus, Hermann. V. J esus h is t ó r ic o , b u s c a p e l o . e às vezes fala do Filho de Deus (Pv 30.4). Em uma
ocasião todos os três membros da Trindade são
relatividade moral. V. m o r a l id a d e , n a t u r e z a abso luta d a. mencionados numa passagem (Is 63.7-10). Mas 0 At
jamais delineia explicitamente os membros da Trin-
relativismo. V. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ; m o r a l id a d e , n a t u - dade como três pessoas em Um Deus. O Deus do At
REZA ABSOIUTA DA. judaico é 0 Deus verdadeiro revelado explicitamen-
te em sua unidade. É revelação em andamento. O
religiões mundiais e cristianismo. O cristianis- Deus representado em todas as outras religiões é
mo ortodoxo afirma ser a religião verdadeira. O falso. Esses deuses são incompatíveis com a visão de
islamismo e outras religiões fazem a mesma afir-
Deus da Bíblia. A idéia de que somente essa visão é
maçào. Até ο HixndsMO e 0 budismo (v. zen- b u d lsm o ),
verdadeira é exclusiva do cristianismo.
apesar de sua aparência eclética, afirmam ser ver-
Uma visão singular de Cristo. Nenhuma outra reli-
dadeiros. Já que há reivindicações da verdade mu-
gião mundial acredita que Cristo é 0 Filho único de
tuamente excludentes entre essas religiões, é óbvio
Deus, 0 próprio Deus manifesto em carne humana (v.
que não podem estar todas corretas. Por exemplo,
C r is t o , d iv in d a d e d e ). Apenas 0 cristianismo ortodoxo
algumas religiões são monoteístas, tais como 0 ju-
confessa que Jesus é totalmente Deus e totalmente
daísmo tradicional, 0 cristianismo e 0 islamismo.
Outras são panteistas, tais como 0 hinduísmo, 0 humano, duas naturezas numa pessoa. Outras religi-
zen-budismo e a Ciência Cristã. O paganismo, 0 ões prestam homenagem a Cristo. Mas nenhuma 0
neopaganismo e 0 mormonismo são politeístas considera Deus encarnado. Para 0 budismo e 0
(v. poirii ís M o ). Estas têm visões incompatíveis de hinduísmo, ele é um guru que mostra um caminho
Deus. Xo final, apenas uma pode ser verdadeira, e para a realidade suprema (Brahman). O islamismo 0
as outras devem ser falsas. reconhece como um de vários profetas (v. M a o m é ,
religiões mundiais e cristianismo

d e ). Para 0 hinduísmo a
s u p o s t o c h a m a d o d iv i n o Hb 2.3,4) por talarem a verdade sobre Deus (v. m íla-
encarnação é na verdade uma r e e n c a rn a ç ã o de Krishna. GRES, VALOR ΑΡΟΙλ ‫׳‬CÉTICO DOS; MILAGRES NA B í BLI a ).

Mas há diferenças significativas entre Krishna e Cris- Singularidade do caminho da salvação. Embora
to. Krishna é apenas uma encarnação temporária. Não algumas outras religiões (e.g., Escola “ Cat” do
é uma encarnação do Deus monoteísta, mas de um hinduísmo Bhakti) utilizem a graça (v. Otto), 0 cris-
Deus panteísta. Não há comparação real entre 0 con- tianismo é singular no seu plano de salvação:
ceito cristão de Cristo e 0 de qualquer outra religião.
Alguns movimentos religiosos e seitas adotaram uma • Declara que a humanidade é pecaminosa e ali-
visão da divindade de Cristo. Alas cada um acrescen- enada do Deus santo (Gn 6.5; SI 14; Ec 7.28; Lc 13.3;
tou suas crenças não-ortodoxas para destruir as rei- Rm 3.23).
vindicações da verdade feitas nas Escrituras. Uma for- • Insiste que nenhuma quantidade de boas obras
ma de budismo tem até um Buda que morre pelos pode levar 0 ser humano ao céu (Is 64.6; Rm 4.5; Ef
pecados. Mas isso é distante do cristianismo e estra- 2.8,9; Tt 3.5-7).
nho até para a natureza do budismo original (v. C r is t o , • Declara que há apenas um caminho para Deus
s in g u la rid a d e de). — por meio da morte e ressurreição de Jesus Cristo
Ao mencionar as religiões de mistério, 0 estudi- pelos nossos pecados (Jo 10.1,9; 14.6; 1C0 15.1-6). É
oso britânico Norman Anderson explica: preciso crer no coração e confessar com a boca para
ser salvo (Rm 10.9). Xão há outra maneira. Jesus dis-
A diferença básica entre 0 cristianismo e os mistérios é a se: “ Eu sou 0 caminho, e a verdade, e a vida. Nin-
base histórica de um e o caráter mitológico dos outros. As di- guém vem ao Pai a não ser por mim” (Jo 14.6; ef. Jo
vindades dos mistérios não passavam de“personagens nebu- 10.1; At 4.12).
losas do passado imaginário”,enquanto 0 Cristo queo kerygma
Salvação e outras religiões. O cristianismo, por-
apostólico proclamava, vivera e morrera poucos anos antes
tanto, não admite salvação por meio de qualquer
dos primeiros documentos do n t serem escritos. Mesmo seita ou religião. Pois Cristo não é considerado 0
quando 0 apóstolo Paulo escreveu sua primeira carta para os
Filho de Deus que morreu pelos nossos pecados e
coríntios, a maioria de cerca de 500 testemunhas da ressurrei-
ressuscitou em nenhuma religião não-cristã (v. res-
ção ainda estava viva (Anderson, p. 52-3).
Sl RREIÇÃO, EVIDENCIAS d a).

É importante não tirar talsas implicações dessa


Uma visão singular da Palavra escrita de Deus. A
exclusividade:
maioria das religiões tem livros sagrados ou de sa-
Xão significa que Deus não ama os incrédulos no
bedoria, incluindo todas as principais religiões mun-
mundo. “Porque Deus tanto amou 0 mundo que deu 0
diais. O judaísmo tem a Torá, 0 islam ism o, o Alcorão, e
Seu Filho Unigênito, para que todo 0 que nele crer não
0 hinduísmo, 0 Bhagavad-gita. Em comparação com
pareça, mas tenha a vida eterna” J03.16). Paulo disse que
esses e outros livros, a Bíblia cristã é singular.
Deus quer que todos conheçam a verdade ( Um 2.4).
Não significa que Deus não dá salvação a todos.
• Apenas a Bíblia afirma vir pelo processo singu-
João nos informa que Cristo é 0 sacrifício expiatório
lar de inspiração divina (v. Bíbi ia, in s p ira ç ã o d a ). O
Alcorão afirma ter vindo por ditado verbal do anjo pelos nossos pecados e “pelos de todo mundo” (1 Jo
Gabriel Maomé. 2.2). Cristo morreu não só pelos eleitos, mas por to-
• Apenas a Bíblia tem profecias sobrenaturais (v. dos os “ ímpios” (Rm 5.6). Ele morreu até pelos que 0
p r o fe c ia com o p ro va da B í b l i a ) . Outras religiões rei-
“negarem” (2 Pe 2.1).
vindicam profecias, mas não fornecem exemplos de Não significa que apenas algumas nações escolhi-
previsões claras que foram cumpridas literalmente, das serão evangelizadas. João declarou: Depois disso
tais como a Bíblia tem. Os muçulmanos, por exem- olhei, e diante de mim estava uma grande multidão
pio, afirmam que Maomé fez previsões no Alcorão. que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos,
Mas sob investigação mais minuciosa elas não res- povos e línguas, em pé, diante do trono e do Cordeiro
pondem à altura (v. M a o m é , supostos m ila g re s d f; A l- com veste brancas e segurando palmas (Ap 7.9).
c o r ã o , su posta origem d iv in a d o ). Não significa que nenhuma salvação esteja dis-
• Apenas a Bíblia foi confirmada sobrenatural- ponível para os que jamais ouviram de Cristo (At
mente (v. B íb lia ,e v id ê n c ia s da; C r is t o ,d iv in d a d e d e). Pois 10.35; Hb 11.6; v. “ pagãos” , s a lv a ç ã o d o s ). Qualquer pes-
só ela foi escrita por homens de Deus que foram soa em qualquer lugar que busca a Deus 0 encontra-
confirmados por atos especiais de Deus (cf. Êx 4.1 s.; rá. Pedro insistiu em que Deus aceita “de todas as
753 religiões mundiais e cristianismo

nações todo [...], aquele que 0 teme e faz 0 que é mutuamente excludentes, apenas uma pode ser ver-
justo” (At 10.35). 0 autor de Hebreus diz que Deus dadeira (v. p l u r a l is m o ). 0 sistema verdadeiro de pen-
“ Recompensa aqueles que 0 buscam” (Hb 11.6). sarnento deve abranger pensamento e vida. Deve pos-
Todos têm a luz da criação (Rm 1.19) e a consciên- suir consistência e coerência em suas reivindicações
cia (Rm 2.12-15), que é suficiente para condenação e gerais. Mas 0 que é mais importante, 0 sistema deve
não para salvação. Há muitas maneiras pelas quais corresponder à realidade, passada, presente e futura,
Deus pode levar 0 evangelho aos que serão salvos. A natural e sobrenatural. E todos os principais sistemas
maneira normal é por meio de um missionário (Rm de pensamento contêm reivindicações fundamentais
10.14,15). Mas Deus pode salvar por meio da sua pala- da verdade que são contrárias às dos demais sistemas.
vra (Hb 4.12), que ele pode transmitir por meio de Ou 0 cristianismo ensina preceitos verdadeiros sobre
uma visão, um sonho, uma voz do céu ou um anjo (Ap a T r in d a d e , a divindade de Cristo (v. C r is t o , d iv in d a d e
14.6). Deus não está limitado nas maneiras em que d e ) e 0 único caminho para salvação, ou outro sistema

pode levar a mensagem de salvação aos que 0 buscam é verdadeiro e 0 cristianismo é falso.
(cf. Hb 1.1). Mas se os homens abandonarem a luz que A verdade por natureza é restrita. É restrito afir-
têm, Deus não é obrigado a dar mais luz (Jo 3.9). mar que 3 + 3 = 6 é a única resposta, mas todas as
Verdade e outras religiões. Muitos cristãos es- outras respostas estão erradas. 0 ponto de vista do
tão dispostos a aceitar que há verdade ou valor em incrédulo também é restrito. A afirmação: “0 cristia-
outras religiões (v. v e r d a d e , n a t u r e z a d a ). Toda huma- nismo é verdadeiro e todos os sistemas não-cristãos
nidade recebe a revelação geral (Sl 19; At 17; Rm são falsos” não é mais intolerante que afirmar: “0
1.19-29; 2.12-15). Deus revelou-lhes a verdade a eles, h in d u ís m o é verdadeiro e todos os sistemas não-hindus

então não é de admirar que suas crenças expressem são falsos” . Nenhuma reivindicação da verdade é to-
0 bem e a verdade. talmente abrangente.
Há, porém, uma diferença importante entre a ver- Isso não quer dizer que verdades menores den-
dade que os cristãos defendem e a verdade adotada tro de sistemas opostos de pensamento não podem
pelos não-cristãos. 0 sistema cristão é um sistema ser verdadeiras. Os não-cristãos afirmam que 0 as-
de verdade com alguns erros. Todos as religiões não- sassinato é errado e que a terra é esférica. Mas ape-
cristãs são sistemas de erro com algumas verdades nas 0 cristianismo (e 0 judaísmo do qual emergiu)
(v. p l u r a l is m o ). O único sistema de verdade é 0 siste- acredita que 0 mundo foi criado ex nihilo por um
ma cristão. Como os cristãos são finitos, nossa com- Deus trino. Os cristãos e não-cristãos podem acre-
preensão desse sistema de verdade terá alguns erros. ditar que Jesus foi um bom homem. Porém apenas
É por isso que devemos continuar crescendo na ver- os cristãos acreditam que ele era 0 Deus-homem.
dade (2Pe 3.18), sabendo que agora entendemos im- Portanto, apesar de nesse caso poder haver concor-
perfeitamente ( 1 C0 13.9,12). Em comparação, ne- dância entre verdades, não há concordância sobre
nhum sistema não-cristão é verdadeiro como siste- verdades fundamentais exclusivas do sistema cris-
ma, apesar de haver verdades no sistema. No entan- tão.
to, 0 sistema em si obscurece e corrompe essas ver- Todas as religiões afirmam ter a verdade. Como foi
dades de maneira tal que até elas são distorcidas. E observado, a reivindicação de verdade singular é com-
nenhum sistema não-cristão dá a luz da salvação. partilhada por todo sistema religioso que faz declara-
Algumas objeções respondidas. As reivindica- ções sobre a verdade. Isso acontece até nas religiões
ções singulares do cristianismo são ofensivas para a “amplas” e “ecléticas” . Os hindus alegam que é verda-
mente incrédula. “Pois, a mesagem da cruz é loucura deiro que “há muitos caminhos para Deus” . Isso pa-
para os que se estão parecendo, mas para nós, que rece liberal, mas é tão intolerante quanto a afirmação
estamos salvos, é 0 poder de Deus” ( 1C0 1.18). Entre- cristã. Isso exclui todas as visões oponentes.
tanto, 0 crítico ofendido merece uma resposta (Cl A acusação de injustiça. É injusto afirmar que
4.5,6; lPe3.15). não há salvação em outra religião? Esse protesto é
A acusação de intolerância e exclusividade. Ale- infundado pelas razões descritas no artigo p a g ã o s ,
ga-se que 0 cristianismo é intolerante e exclusivista. salvação d o s . É suficiente mencionar que Deus con-

Nada parece pior para a mente contemporânea que feriu a salvação para todos (Jo 3.16; 1Jo 2.2). Todos os
a intolerância. Mas esse argumento é mais emocio- que realmente a querem a obterão (At 10.35; Hb 11.6).
nal que racional: Conclusão. Qualquer reivindicação da verdade é
Apenas uma cosmovisão pode ser verdadeira. Se exclusiva. Um sistema que é totalmente abrangente
várias cosmovisões têm reivindicações da verdade não faz nenhuma reivindicação da verdade. E toda
ressurreição, evidências da 754

proposição que afirma uma coisa nega outra por im- corpo carnal e de tamanha importância para a fé cris-
plicação lógica. Afirmações como: "Deus é tudo” são tã que 0 m insiste em que ninguém pode ser salvo
opostas a afirmações como: "Deus não é tudo”. Xão sem ela (Rm 10.9; 1 C0 15.1-7).
podem ser ambas verdadeiras. Todas as reivindica- Evidência direta. Alguns optaram por um corpo
ções da verdade excluem seu contrário. Xa verdade, ressurreto espiritual ou imaterial (v. r fs s u r r fic à o , na-
todas as religiões afirmam ter a verdade — mesmo tu re z a física da), mas 0 Ni é enfático ao declarar que
que essa verdade é que eles acreditam que outros Jesus ressuscitou com 0 mesmo corpo físico de car-
sistemas religiosos não-eontraditórios também são ne e ossos que morreu. A evidência para isso consis-
verdadeiros. Mas, se duas 0 1 1 mais religiões aceitam as te no testemunho neotestamentário de várias apari-
mesmas verdades, são de fato uma única religião. E ções de Cristo aos seus discípulos durante 0 período
esse único sistema religioso básico afirma ser a reli- de quarenta dias, no mesmo corpo físico marcado
giâo verdadeira excluindo todos os outros sistemas pelos pregos no qual morreu, mas agora imortal.
religiosos opostos. Assim, a reivindicação do cristia- É claro que a evidência da ressurreição de Cristo
nismo de ser a religião verdadeira não é mais intole- depende de sua morte. Em relação ao argumento de
rante que a reivindicação de qualquer outra religião que Jesus realmente morreu fisicamente na cruz, v. 0
(v. Fl.UKAÍ ISMO KIT IGI0S0 ). artigo C risto , mortf γ>ε ; d esm a io , i f.oria do . Aqui resta ape-
nas demonstrar que 0 mesmo corpo que deixou 0
F o n tes
túmulo foi visto diversas vezes vivo depois disso. A
X. Anu! imin, Christianity and world religions.
evidência desse fato é encontrada nas doze aparições,
1C('. Bi í'\i‫׳‬i, God in three persons.
das quais as onze primeiras envolvem os quarenta dias
Η Η Βκν cr, Paul and Jesus.
após sua crucificação (v. r essu r r eiç ã o , rvmFNCiAS da ).
V. S. Qiimiti, W hat is Christianity ?
Aparições. A Maria Madalena (João 20.10-18). É
W. Cordcan, Neighboring faiths.
0 sinal inquestionável da autenticidade do registro
G. Hahfrmas, The verdict ofhistory.
que, numa cultura dominada pelos homens, Jesus
). N. D. Kr.i 1Y, Doutrinas centrais da fé cristã.
aparecesse primeiro a uma mulher.
J. (i. Maciii n, The origin of Paul’s religion.
Xa cultura judaica do século 1, um autor que in-
R. X \M], Christianity and the hellenistic world.
ventasse um relato da ressurreição jamais teria feito
R. 01 India’s religion of grace and C hristian ity
essa abordagem. O testemunho de uma mulher não
compared and contrasted.
era sequer aceito no tribunal. Quem inventasse um
Pi vi \n, A república.
relato diria que Jesus apareceu primeiro para um ou
Piiii'inc, Eneas
mais dos doze discípulos, provavelmente a um dis-
(λ [.. Priai‫״‬,!‫־‬, Godin patristic thought.
cípulo proeminente como Pedro. Em vez disso, a pri-
H. Riuiii rh0 \ Paul and Jesus.
meira aparição pós-ressurreição de Jesus foi para
M. Smii ii, The religions otman.
Maria Madalena. Durante essa aparição houve pro-
vas inquestionáveis da visibilidade, materialidade e
religiosa, experiência. V. a p o lo g é tica fx p e rie n c ia l;
identidade do corpo ressurreto.
D fu s, hyidf.ncias f‫׳‬f; Tru eb lo o d , E i ton.
Ela viu Cristo com seus olhos naturais. O texto
religiosa, linguagem. V. analogia, princípio da.
diz: “ Ela se voltou e viu Jesus ali, em pé” (v. 14). A
palavra “ viu” (theoreo) é uma palavra normal para
re lig io s o de Deus, arg um en to. V. a p o lo g é t ic a ver a olho nu. É usada em outra passagem no n‫״‬i no
lx p frifn c la i ; Deus, evidências de; T ru eb lo o d , E lto n . sentido de ver seres humanos nos seus corpos físi-
cos (Mc 3.11; 5.15; At 3.16) e até para ver 0 corpo de
relógio de sol de Acaz. V. ciência f a B íb lia . Jesus antes de ser ressuscitado (Mt 27.55; Jo 6.19).
Maria ouviu Jesus: “Mulher, por que está choran-
ressurreição, apologética da. V. a p o lo g é tica , tipos do? Quem você está procurando?” (v. 15). Então, mais
d l; ap olo gética h is tó rica ; ressu rre içã o , evidências da. uma vez, ela ouviu Jesus dizer “Maria” e reconheceu
sua voz (v. 16). É claro que ouvir apenas não é evi-
ressurreição, evidências da. A ressurreição corpo- dência suficiente de materialidade. Deus é imaterial,
ral de Cristo é a prova principal de que Jesus era quem mas sua voz foi ouvida em João 12.28. No entanto,
afirmava ser, Deus em carne humana (v. C risto , divin- audição física ligada a visão física é evidência signi-
dadf 1)1). Xa realidade, a ressurreição de Cristo em um ficativa da natureza material do que foi visto e
755 ressurreição, evidências da

ouvido. A familiaridade de Maria com a voz de Jesus Terceiro, as mulheres ouviram Jesus falar. Depois
é evidência da identidade do Cristo ressurreto. de saudá-las (v. 9), Jesus lhes disse: “ Não tenham
Maria tocou 0 corpo ressurreto de Cristo. Jesus medo. Vão dizer a meus irmãos que se dirijam para
respondeu: “ Não me segure, pois ainda não voltei a Galiléia; lá eles me verão” (v. 10). Portanto, as mu-
para 0 Pai” (v. 17). A palavra “segurar” (aptomai) é lheres viram, tocaram e ouviram Jesus com seus sen-
uma palavra normal para toque físico de um corpo tidos físicos, uma confirmação tripla da natureza
material. Também é usada com relação a toque físi- física do seu corpo.
co de outros corpos humanos (Mt 8.3; 9.29) e do Quarto, as mulheres viram 0 túmulo vazio onde 0
corpo anterior à ressusreição de Cristo (Mc 6.56; Lc corpo permanecera. O anjo disse a elas no túmulo:
6.19). O contexto indica que Maria se agarrou a ele “Ele não está aqui; ressuscitou, como tinha dito. Ve-
para não perdê-lo novamente. Numa experiência pa- nham ver 0 lugar onde ele jazia” (v. 6). O “ele” que jazia
agora está vivo, 0 que foi demonstrado pelo fato de
ralela, as mulheres “abraçaram-lhe os pés” (Mt 28.9).
que 0 mesmo corpo que jazia ali está vivo agora para
Maria “ bem cedo, estando ainda escuro... che-
sempre. Assim, tanto no caso de Maria Madalena quan-
gou ao sepulcro e viu que a pedra da entrada tinha
to no das outras mulheres, todas as quatro evidências
sido removida” . Então ela correu até onde Pedro es-
da ressurreição física e visível do corpo numérica-
tava e anunciou que 0 corpo desaparecera (Jo 20.2).
mente idêntico estavam presentes. Elas viram 0 túmulo
O relato paralelo em Mateus nos informa que os
vazio onde seu corpo físico jazia e viram, ouviram e
anjos disseram a ela: “ Venham ver 0 lugar onde ele
tocaram 0 mesmo corpo depois que saiu do túmulo.
jazia” (Mt 28.6). Ambos os textos implicam que ela
Λ Pedro (1C0 15.5; cf. Jo 20.3-9). ICoríntios 15.5
viu que 0 túmulo estava vazio. Mais tarde, Pedro e
declara que Jesus “apareceu a Pedro (Cefas)” . Não há
João também foram ao túmulo. João, “ Ele se curvou narração desse evento, mas 0 texto diz que ele apa-
e olhou para dentro, viu as taixas de linho” e Pedro receu (gr. ophthê) e subentende que também foi ouvi-
“entrou no sepulcro e viu as faixas de linho, bem Jo. Certamente Pedro não ficou mudo. Jesus obvia-
como 0 lenço que estivera sobre a cabeça de Jesus” mente falou com Pedro numa aparição posterior,
(Jo 20.5-7). Mas ver 0 mesmo corpo físico que jazera quando pediu para Pedro cuidar de suas ovelhas (Jo
ali é prova da identidade numérica do corpo antes 21.15-17). Marcos confirma que Pedro e os demais
da ressurreição. discípulos 0 veriam como ele dissera. Pedro, é claro,
Nesse relato Jesus foi visto, ouvido e tocado. Além viu 0 túmulo vazio e os lençóis logo antes dessa apa-
disso, Maria testemunhou 0 túmulo vazio e os lençóis de rição (Jo 20.6,7). Portanto Pedro teve pelo menos três
Jesus. Todas as evidências da identificação inquestionável evidências da ressurreição física: ele viu e ouviu Je-
do mesmo corpo visível e físico que ressuscitou imortal sus, e observou 0 túmulo vazio e os lençóis. Essas são
estão presentes nessa primeira aparição. evidências definitivas de que 0 corpo que ressusci-
A5 mulheres (M t 28.1-10). Jesus não só apareceu tou era 0 mesmo corpo material, visível e tangível
para Maria Madalena mas também para outras mu- que Jesus tinha antes da ressurreição.
lheres com ela (Mt 28.1-10), incluindo Maria, mãe de Xo caminho de Emaús (Mc 16.12; Lc 24.13-35).
Tiago e Salomé (Mc 16.1). Durante essa aparição hou- Durante essa aparição três evidências da ressurrei-
ve quatro evidências de que Jesus ressuscitou no mes- cão física foram apresentadas. Dois discípulos não
1110 corpo físico e tangível no qual fora crucificado. só viram e ouviram Jesus, mas também comeram
com ele. Combinadas, elas provam claramente da
Primeiro, as mulheres viram Jesus. Um anjo lhes
natureza física, tangível, do corpo ressurreto.
disse: “ Ele ressuscitou dentre os mortos e está indo
Dos dois discípulos, um se chamava Cleopas (Lc
adiante de vocês para a Galiléia. Lá vocês 0 verão” (Mt
24.18). Enquanto andavam em direção a Emaús,“0 pró-
28.7). E enquanto elas corriam do túmulo,“de repente,
prio Jesus se aproximou e começou a caminhar com
Jesus as encontrou e disse:‘Salve!’” (v. 9). Assim, rece-
eles” (v. 15). A princípio, não reconheceram quem ele
beram confirmação visual da sua ressurreição física.
era; no entanto, eles 0 viram claramente. Quando final-
Segundo, as mulheres abraçaram-lhe os pés e 0
mente perceberam quem era, 0 texto diz que “ele desa-
adoraram. Isto é, não só viram seu corpo físico, mas pareceu da vista deles” (v. 31). O corpo ressurreto de
0 sentiram também. Como entidades espirituais não Jesus era visível como qualquer outro objeto.
podem ser percebidas com nenhum dos sentidos, 0 Eles ouviram Jesus com seus ouvidos físicos (v.
fato de que as mulheres realmente tocaram 0 corpo 17,19,25,26). Na verdade, Jesus conversou por um bom
físico de Jesus é prova convincente da natureza físi- tempo com eles. Pois, “ E começando por Moisés e
ca e tangível do corpo ressurreto. todos os profetas, explicou-lhes 0 que constava a
ressurreição, evidências da 756

respeito dele em todas as Escrituras” (v. 27). É claro corpo ressurreto era 0 mesmo corpo de carne e osso,
que eles não foram os únicos a quem Jesus ensinou ferido por pregos, que foi crucificado.
depois da ressurreição. Lucas nos informa em outra Nessa ocasião Jesus comeu comida física para
passagem que Jesus “apresentou-se a eles [...] vivo. convencer os discípulos de que ressuscitara num
Apareceu-lhes por um período de quarenta dias fa- corpo físico e literal. "Deram-lhe um pedaço de pei-
lando-lhes acerca do Reino de Deus” (At 1.3). Du- xe assado [e um favo de mel], e ele comeu na presen-
rante esse período, demonstrou que estava vivo com ça deles" (v. 42,43). 0 que torna essa passagem uma
“muitas provas indiscutíveis” (ibid). prova tão poderosa é que Jesus ofereceu sua capaci-
Eles comeram com Ele. Lucas diz: “Quando estava dade de ingerir comida física como prova da natu-
à mesa com eles, tomou 0 pão, deu graças, partiu-0 e reza material de seu corpo de carne e osso. Jesus
0 deu a eles (v. 30). literalmente exauriu as maneiras em que poderia
Embora 0 texto não diga especificamente que Je- provar a natureza corpórea e material do seu corpo
sus também comeu, isso é sugerido por estar “ à mesa” ressurreto. Logo, se 0 corpo ressurreto de Jesus não
com eles. E mais tarde no capítulo é afirmado explici- era 0 mesmo corpo material de carne e osso em que
tamente que ele comeu com os dez apóstolos (v. 43). morreu, ele estaria enganando a todos.
Em duas outras passagens Lucas afirma que Jesus co- .405 onze (João 20.24-31). Tomé não estava pre-
meu com os discípulos (At 1.4; 10.41). Assim, nessa sente quando Jesus apareceu aos seus discípulos (Jo
aparição de Cristo as testemunhas oculares 0 viram, 0 20.24). Depois de seus colegas relatarem quem havi-
ouviram e comeram com ele durante um período am visto, Jesus, Tomé recusou-se a acreditar sem
considerável de tempo numa noite. É difícil imaginar que ele mesmo visse a Cristo e tocasse nele. Uma
como Jesus poderia ter feito algo mais para demons- semana depois, seu pedido foi atendido: “Uma sema-
trar a natureza física de seu corpo ressurreto. na mais tarde, os seus descípulos estavam outra vez
Aos dez (Lc 24.36-49; Jo 20.19-23). Quando Jesus ali, e Tomé com eles. Apesar de estarem trancadas as
apareceu para os dez discípulos, Tomé estava ausen- portas, Jesus entrou, pòs-se no meio e disse: “ Paz
te; Jesus foi visto, ouvido, tocado, e viram-no comer seja com vocês (Jo 20.26). Quando Jesus apareceu,
peixe. Logo, quatro evidências importantes da natu- Tomé viu, ouviu e tocou 0 Senhor ressurreto.
reza física e visível do corpo ressurreto estiveram Tomé viu 0 Senhor. Jesus era claramente visível para
presentes nessa ocasião.
Tomé, por isso, mais tarde, lhe disse: “me viu” (v. 29).
“ Enquanto falavam sobre isso, 0 próprio Jesus
Tomé também ouviu 0 Senhor dizer: “Coloque 0
apresentou-se entre eles e lhes disse: ‘Paz seja com
seu dedo aqui; veja as minhas mãos e coloque-a no
vocês’” (v. 36). Na verdade, Jesus também conversou
meu lado: Pare de duvidar e creia” (v. 27). A essa
com eles sobre “tudo 0 que a meu respeito está escri-
demonstração indubitavelmente convincente de evi-
to na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (v. 44).
dência física, Tomé respondeu: “ Senhor meu e Deus
Então Jesus foi obviamente ouvido pelos discípulos.
meu” ! (v. 28).
Os discípulos também viram Jesus nessa ocasião.
Pode-se concluir que Tomé também tocou 0 Se-
Na verdade, pensaram a princípio que ele era um “espí-
nhor. Certamente foi isso que Tomé disse que que-
rito” (v. 37). Mas Jesus “mostrou-lhes as mãos e os pés”
ria fazer (v. 25). E Jesus pediu que 0 fizesse (v. 27).
(v. 40). Então eles 0 viram claramente e 0 ouviram. No
Apesar de 0 texto dizer apenas que Tomé viu e creu
relato paralelo, João registra: “Os discípulos alegraram-
(v. 29), é natural deduzir que ele também tocou Je-
se quando viram 0 Senhor” (Jo 20.20; cf. v. 25).
sus. Jesus foi tocado em pelo menos duas ocasiões
É possível concluir, com base no fato de que a
(Jo 20.9,17). Então é bem provável que Tomé tam-
princípio eles não estavam convencidos de sua
materialidade tangível, quando Jesus lhes apresentou bém 0 tenha tocado nessa ocasião. De qualquer
suas feridas, que eles 0 tocaram também. Na verdade, forma, Tomé certamente entrou em contato com 0
Jesus lhes disse claramente: “ Toquem-me e vejam; corpo ressurreto físico e visível por intermédio de
um espírito não tem carne nem ossos, como vocês seus sentidos naturais. Se Tomé tocou em Cristo,
estão vendo que eu tenho” (Lc 24.39). O uso que Jesus certamente viu suas feridas da crucificação
fez dos pronomes “eu” e “me” em conexão com seu (Jo 20.27-29). O fato de Jesus ainda ter essas marcas
corpo ressurreto físico expressa sua reivindicação de físicas da sua crucificação é a prova inquestionável
que ele é numericamente idêntico ao corpo anterior de que ele ressuscitou com 0 corpo material que
a ressusreição. Jesus também “ mostrou-lhes as mãos e foi crucificado. Essa era a segunda vez que Jesus
os pés" (v. 40), confirmando aos discípulos que seu exibia suas feridas. É difícil imaginar que ele
757 ressurreição, evidências da

pudesse ter dado prova maior de que 0 corpo Aos quinhentos (1C0 15.6). Não há um relato des-
ressurreto era 0 mesmo corpo de carne que fora sa aparição. Ela só é mencionada por Paulo em
crucificado e agora era glorificado. ICoríntios 15.6, onde ele diz: “ Depois disso apare-
Aos sete discípulos (Jo 21). João registra a aparição ceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a
de Jesus aos sete discípulos que foram pescar na maioria das quais ainda vive” .
Galiléia. Durante essa aparição os discípulos viram Como Jesus foi visto nessa ocasião e como os im-
Jesus, ouviram suas palavras e comeram com ele. pressionou tanto, pode-se concluir que 0 ouviram fa-
A Bíblia diz que “ Jesus apareceu novamente aos lar. Senão, por que Paulo iria subentender sua pronti-
seus discípulos, à margem do mar Tiberíades” (Jo 21 .1 ). dão em testemunhar a favor da ressurreição, como se
Cedo de manhã eles 0 viram na praia (v. 4). Depois de dissesse basicamente: “ Se não acreditam em mim,
Jesus conversar e comer com eles, 0 texto diz: “Esta foi perguntem a eles” ?
a terceira vez que apareceu aos seus discípulos, de- Apesar de curto, esse único versículo é um teste-
pois que ressuscitou dos mortos” (v. 14). munho poderoso da ressurreição corporal de Cris-
Os discípulos também ouviram Jesus falar (v. to. Ele soa verdadeiro. Paulo está escrevendo em 55
5,6,10,12). Jesus teve uma longa conversa com Pedro ou 56 d.c., apenas 22 ou 23 anos após a ressurreição
na qual perguntou três vezes se Pedro 0 amava (v. (33). A maioria das testemunhas oculares ainda es-
15,16,17). Como Pedro negou Jesus três vezes, não ape- tava viva. E Paulo desafia seu leitor a averiguar 0 que
nas ele ouviu Jesus falar como também essas palavras ele estava dizendo com essa multidão de testemu-
sem dúvida penetraram nos seus ouvidos. Jesus tam- nhas que viram e provavelmente ouviram Cristo após
bém disse a Pedro como ele morreria (v. 18,19). sua ressurreição.
Ao que parece Jesus também comeu com os discí- A Tiago (1C0 15.7). Os irmãos de Jesus eram in-
pulos durante essa aparição. Ele perguntou: “Filhos, crédulos antes da ressurreição. 0 evangelho de João
vocês têm algo para comer?” (v. 5). Depois de dizer nos informa que “nem os seus irmãos criam nele”
onde lançar a rede (v. 6), Jesus disse: “Venha comer” , (Jo 7.5). Mas, após sua ressurreição,pelo menos Tiago
(v. 12). Enquanto faziam isso, “Jesus aproximou-se, e Judas, meio-irmãos de Jesus, creram (cf. Mc 6.3).
Tomou 0 pão e 0 deu a eles, lançando 0 mesmo com No entanto, as Escrituras dizem explicitamente que
0 peixe (v. 13)” . Embora 0 texto não afirme explicita- Jesus “ apareceu a Tiago” ( 1 C0 15.7). Sem dúvida Je-
mente que Jesus comeu, como anfitrião da refeição sus também falou com Tiago. Pelo menos, como re-
não seria educado deixar de comer. Pode-se concluir sultado da experiência, Tiago tornou-se um pilar da
que, além de ver e ouvir Jesus, os discípulos compar- igreja primitiva e teve um papel importante no pri-
tilharam uma refeição física com ele. meiro concilio (At 15.13).
Aos apóstolos na Grande Comissão (M t 28.16-20; Tiago também escreveu um dos livros do N t no
Mc 16.14-18). A próxima aparição de Cristo foi na qual falou da “coroa da vida” (Tg 1.12) e da “vinda do
Grande Comissão (Mt 28.16-20). Enquanto Jesus os Senhor” (5.8), que só se tornou possível por meio da
comissionava a discipular todas as nações, foi visto ressurreição de Cristo (2Tm 1.10). Portanto, tudo 0
e claramente ouvido por todos os apóstolos. que Tiago viu e ouviu durante essa aparição de Cristo
O texto diz que os discípulos foram à Galiléia, aonde não só 0 levou à conversão mas também 0 tornou
Jesus ordenara que fossem (v. 16). E “quando 0 viram, 0 uma personagem importante na igreja apostólica.
adoraram” (v. 17). Marcos acrescenta que estavam co- Na ascensão (At 1.4-8). A última aparição de Jesus
mendo (Mc 16.14), embora essa versão esteja na passa- antes da sua ascensão foi novamente para todos os após-
gem final de Marcos, de autenticidade questionável. No tolos. Nessa ocasião eles 0 viram, ouviram e comeram
entanto, não foi simplesmente 0 que viram, mas 0 que com ele. Essas três linhas de evidência são a confirma-
ouviram que os impressionou indelevelmente. cão final da natureza material de seu corpo ressurreto.
Jesus disse: “ Foi-me dada toda autoridade nos Jesus foi visto pelos apóstolos nessa ocasião.
céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de Lucas diz: “ Depois do seu sofrimento, Jesus apre-
todas as nações, batizando-os em nome do Pai em sentou-se a eles e deu-lhes muitas provas indiscutí-
nome do filho e do Espírito Santo” (Mt 28.18,19). veis de que estava vivo” . E acrescenta: “Apareceu-
O tato desse pequeno bando logo tornar-se a maior lhes por um período de quarenta dias” (At 1.3).
sociedade missionária do mundo é testemunho su- Também ouviram Jesus, já que nessa ocasião ele
ficiente de quão poderosamente aquilo que os estava “ falando-lhes acerca do Reino de Deus”
apóstolos ouviram Jesus falar os impressionou. (At 1.3). E durante essa aparição específica Jesus
ressurreição, evidências da , 58

“determinou-lhes que não se ausentassem de Jeru- uma luz do ceu" (v. 13i. 0 íato de Paulo referir-se à
salém, mas que esperassem a promessa do Pai, a qual, uma luz física e óbvio porque ela era tão forte que
disse ele, de mim ouvistes” (4, r a ). Portanto, essa não cegou os olhos físicos (At 22.6, 8 ). Paulo não só viu a
era apenas uma voz familiar, mas um ensinamento luz, mas também viu Jesus.
familiar que confirmava que esse era 0 Jesus que Paulo também ouviu a voz de Jesus talando dis-
lhes ensinara antes da crucificação. tintamente a ele "em aramasco" (At 26.14). A voz
Lucas também diz nessa passagem que Jesus co- física que Paulo ouviu disse: "Saulo, Saulo, por que
meu com os discípulos, como havia feito várias vezes. você me persegue?" (At 9.4). Paulo continuou uma
Pois nessa última aparição antes da ascensão ele esta- conversa com Jesus (v. 5,6) e foi obediente à ordem
va “comia com eles” (At 1.4). Essa é 0 quarto relato de de ir à cidade de Damasco (9.6). A conversão
Jesus comendo após a ressurreição. Aparentemente miraculosa de Paulo, seus esforços incansáveis por
era algo que fazia com freqüência, já que mesmo no Cristo e sua forte ênfase na ressurreição física de
breve resumo do seu ministério em Atos 10 Pedro Cristo (Rm 4.25; 10.9; 1 C0 15) demonstram que tipo
declara que “comemos e bebemos com ele depois que de impressão indelével a ressurreição física deixou
ressuscitou dos mortos ” (v. 41). Certamente, tanto a nele (v. r e s s u r r e i ç ã o , n a t u r e z a f í s i c a d a ).
comunhão íntima como a capacidade física de co-
Outras
mer eram prova mais que suficiente de que Jesus es- Ve r O u v ir T o car
evidências
tava aparecendo no mesmo corpo físico e tangível
1. M aria
que possuía antes da sua ressurreição. túm ulo
M adalena
A Paulo (At 9.1-9; 1C0 15.8). A última aparição de \ azio
;Jo 20.10-18‫׳‬
Jesus foi a Paulo (v. 1C0 15.8). É importante observar
que essa aparição não foi uma visão que ocorreu 2. .Maria

apenas na mente de Paulo. Na verdade, foi um even- outras turn ulo


m ulheres v azio
to objetivo, externo, observável a todos que estavam
a uma distância visual. M t 28.1-10!

túm ulo
3. Pedro
•Paulo denominou “aparição” (gr. ophthe), a mes- 1Co 15 .5 1
vazio,
ma palavra usada para as aparições literais de Cristo lençóis

aos outros apóstolos (ICoríntios. 15.5-7). Na reali- 4. Dois “ comeram


dade, Paulo a denomina “ última” aparição de Cristo discípulos com ele
aos apóstolos. (Lc 24.13-35
• Ver 0 Cristo ressurreto era condição para ser
5. Dez
um apóstolo (At 1.22). Alas Paulo afirmou ser um
discípulos
apóstolo, dizendo: “Não sou apóstolo? Não vi Jesus,
(Lc 24.36-49:
nosso Senhor?” ( 1 C0 9.1).
|0 20.19-23
• Visões não são acompanhadas de manifesta-
ções físicas, tais como luz e uma voz. 6. O n ze viram as
discípulos marcas,

As experiências de ressurreição, incluindo a de (Jo 20.24-31 !


Paulo, nunca são chamadas “visões” ( optusia) em ne- 7. Sete
nhuma passagem nos evangelhos ou epístolas. Du- com eram
discípulos
rante a aparição a Paulo, Jesus foi visto e ouvido. Os ()0 21 )
evangelhos falam de uma “ visão” de anjos (Lc 24.23) e
8. Todos os
Atos refere-se à “visão celestial” de Paulo (At 26.19),
discípulos —
que pode ser uma referência à(s) visão(ões) que ele e
com issão
Ananias receberam mais tarde (At 9.11,12; cf. 22.8;
(Mt 28.1 6-20;
26.19). Quanto à verdadeira aparição a Paulo, Cristo
M c 16.14-18!
foi visto e ouvido pelos sentidos físicos dos que esta-
vam presentes. Em ICoríntios 15 Paulo disse que Je- 9. Q uinhentos
sus “ aparece” também a mim” (v. 8). No registro irmãos
detalhado do episódio em Atos 26, Paulo disse: " n 1 Co I j .6
759 ressurreição, evidências da

10.Tiago
Um só acreditou quando todos os outros apóstolos
(1 C o 15.7)
disseram que Cristo havia aparecido para eles. Dois
discípulos no caminho para Emaús até duvidaram
11. Todos os enquanto falavam com Jesus, pensando que era um
apóstolos — χ estranho (Lc 24.18).
A scen çào Algumas semanas depois, esses mesmos homens
(At 1.4-8) e mulheres que se esconderam (Jo 20.19), estavam
12. Paulo proclamando corajosa e abertamente a ressurreição
(At 9.1-9; ' x de Cristo — mesmo perante 0 Sinédrio que era res-
1Co 15.8) ponsável pela morte de Cristo (At 4, 5). A única coisa
que pode explicar essa mudança imediata e milagro-
*Subentendido
sa é que eles estavam absolutamente convencidos de
”■*Ofereceu-se para ser tocado
que encontraram 0 Cristo corporalmente ressurreto.
Além de Paulo, os que estavam com ele também O tema da pregação apostólica. Apesar de todas
viram a luz e ouviram a voz (At 22.8). Isso demonstra as coisas maravilhosas que Jesus ensinou aos discí-
que a experiência não foi só de Paulo. Não foi ape- pulos sobre 0 amor (Mt 22.36,37), a não-retaliação
nas subjetiva, mas teve um referencial objetivo. Isso (Mt 5) e 0 reino de Deus (cf. Mt 13), 0 tema domi-
aconteceu no mundo físico real, não apenas no mun- nante da pregação apostólica não foi nenhum des-
do de sua experiência espiritual pessoal. Qualquer ses temas. Acima de todos estes, eles proclamaram a
pessoa que estivesse ali também poderia ter visto e ressurreição de Cristo. Esse foi 0 assunto do primei-
ouvido a manifestação física. ro sermão de Pedro em Pentecostes (At 2.22-40) e de
Resumo da evidência direta. A evidência teste- seu sermão seguinte no templo (At 3.14,26). Foi esse
munhal da ressurreição física de Cristo é enorme. 0 conteúdo de sua mensagem perante 0 Sinédrio (At
Comparada às evidências de outros eventos do mun- 4.10). Na verdade, em todo lugar e “com grande po-
do antigo, é surpreendente: der os apóstolos continuavam a testemunhar da res-
Só durante as 11 primeiras aparições Jesus apare- surreição do Senhor Jesus” (At 4.33; cf. 4.2). Ser teste-
ceu para mais de 500 pessoas durante um período de
munha da ressurreição era 0 pré-requisito para ser
40 dias (At 1.3). Em todas as 12 ocasiões Jesus foi visto
0 apóstolo (At 1.22; cf. 1Co 9.1). A melhor explicação
e provavelmente ouvido. Quatro vezes ele se ofereceu
para esse tema ser sua preocupação imediata sema-
para ser tocado. Foi realmente tocado duas vezes. Em
nas após a morte de Jesus era que eles, como os evan-
quatro testemunhos 0 túmulo vazio foi visto, e duas
gelhos nos dizem, 0 haviam encontrado vivo várias
vezes os lençóis foram vistos. Em outras quatro ocasi-
ões é quse certo que Jesus se alimentou. A soma total vezes nos dias após a ressurreição.
dessas evidências é a confirmação surpreendente de .4 reação dos que rejeitavam a Cristo. A reação
que Jesus ressuscitou e viveu no mesmo corpo físico, das autoridades judaicas também é testemunho do
tangível e visível de carne e osso que possuía antes da fato da ressurreição de Cristo. Eles não apresenta-
ressurreição. ram 0 corpo, nem organizaram uma busca. Pelo con-
Evidência indireta. Além de toda evidência dire- trário, subornaram os soldados que guardavam 0
ta da ressurreição corporal de Cristo, há linhas de con- túmulo para mentir (Mt 28.11-15) e lutaram contra
firmação. Elas incluem a transformação imediata dos os discípulos que testificaram que viram 0 corpo
homens que se tornaram apóstolos, a reação dos que vivo. O fato de confrontar, em vez de refutar, as rei-
rejeitaram a Cristo, a existência da igreja primitiva e a vindicações dos discípulos comprova a realidade da
difusão incrivelmente rápida do cristianismo. ressurreição.
Os discípulos transformados. Após a morte de A existência da igreja primitiva. Outra prova 111-
Jesus seus discípulos achavam-se amedrontados, es- direta da ressurreição é a própria existência da igre-
palhados e céticos. Apenas um, João, estivera na cru- ja primitiva. Há boas razões para que a igreja não
cificação (Jo 19.26,27). O restante fugira (Mt 27.58). tivesse nascido, entre elas as seguintes.
Eles também estavam céticos. Maria, a primeira a quem A primeira igreja consistia em grande parte de
Jesus apareceu, duvidou, pensando que vira um iardi- judeus que acreditavam que havia um só Deus (Dt
neiro (Jo 20.15). Os discípulos duvidaram dos 6.4), e no entanto eles proclamavam que Jesus era
relatórios das mulheres (Lc 24.11). Alguns duvidaram Deus (v. C r is t o , d iv in d a d e d e ). Eles oravam a Jesus (At
até ver Cristo com os próprios olhos (Jo 20.25). 7.59), batizavam em seu nome (2.38), afirmavam que
ressurreição, natureza física da 760

ele foi exaltado à direita de Deus (2.33; 7.55) e 0 cha- F o n te s


mavam de Senhor e Cristo (2.34-36), 0 mesmo título W. Qa!.‫־‬. Knowing the truth about the resurrection.
que provocou a acusação de blasfêmia pelo sumo N.I.. r.. The battle for the resurrection.
sacerdote judeu no julgamento de Jesus (Mt 26.63-65). G. H.-.b.1.s.-.:.-.'. Ancient evidence on the iite ot Jesus.
Os primeiros cristãos não tiveram tempo sufici- , The resurrection ot Jesus: an apologetic.
ente para se estabelecer antes de ser perseguidos, R.Kí,‫׳‬:íl, The theological dictionary ot the .V u ‫׳‬Testament.
espancados, ameaçados de morte e até martirizados T. M !t: Ht. Did Jesus rise twin the dead' The
(At 7.57-60). Mas não só mantiveram sua fé como se resurrection debate.
multiplicaram rapidamente. Se 0 que testificaram J.W. M on ‫׳‬:‫׳‬Go.vtRV, C hristianity and history.
não era real, tinham toda razão e oportunidade para E M i ‫׳‬r s :o n . Who moved the stone'
abandoná-lo. Mas não fizeram isso. Apenas um en-
contro real com 0 Cristo ressurreto pode explicar ressurreição, natureza física da. Até algumas pes-
adequadamente a existência de uma seita judaica soas que reconhecem que 0 corpo de Jesus desapa-
que ficou conhecida pelo nome “cristãos” (At 11.26). receu misteriosamente do túmulo e que apareceu
O crescimento do cristianismo. Comparado a em várias ocasiões depois disso negam a natureza
outras religiões, como 0 ís l a m is m o , que cresceu len- física essencial do corpo ressurreto. Isto é, negam a
tamente a princípio, 0 cristianismo teve um cres- crença ortodoxa de que Jesus ressuscitou com 0 mes-
cimento imediato e rápido. Três mil foram salvos mo corpo físico — incluindo as marcas da crucifi-
no primeiro dia (At 2.41). Muitos outros eram cação — que morreu.
acrescentados ao grupo diariamente (At 2.47). Em A ressurreição de Cristo perde seu valor apologé-
questão de dias mais dois mil se converteram (At tico se não for a ressurreição física do mesmo corpo
4.4). Assim, “crescendo 0 número de discípulos” que morreu. Xa verdade, 0 apóstolo Paulo está dis-
tão rapidamente, diáconos tiveram de ser designa- posto a dizer que 0 cristianismo é falso se Cristo não
dos para cuidar das viúvas (At 6.1).Certamente nada ressuscitou corporalmente da sepultura. Logo, a de-
além da ressurreição corporal de Cristo e 0 cum- fesa da ressurreição como evento físico, envolvendo
primento de sua promessa de enviar 0 Espírito San- a revivificação do corpo físico que morreu, é crucial
to (At 1.8) podem explicar esse crescimento ime- para a apologética cristã. A negação da ressurreição
diato e surpreendente. física de Cristo é equivalente à negação da própria
Resumo das evidências. As evidências da ressur- ressurreição, já que é apenas 0 corpo físico, não a
reição de Cristo são convincentes. Há mais docu- alma, que morre. E se esse corpo físico não volta à
mentos, mais testemunhas oculares e mais evidên- vida, não há ressurreição física.
cias que confirmam este fato que para qualquer ou- A importância do corpo. A importância da ressur-
tro evento histórico antigo. A evidência secundária reição física de Cristo é de grande alcance, e as implica-
e suplementar é convincente; quando combinada ções de sua negação são fundamentais para 0 cristianis-
com a evidência direta, representa a defesa sólida da mo ortodoxo. Na verdade, tal negação afeta a apologética
ressurreição física de Cristo. Na terminologia legal, cristã e a nossa salvação (Rm 10.9; 1C0 15.12ss.).
“está acima de qualquer dúvida razoável” . Considerações apologéticas. Por que é tão impor-
Objeções à ressurreição. Muitas objeções foram tante para a reivindicação de divindade de Cristo
feitas contra a ressurreição física de Cristo. Alguns que seu corpo ressurreto seja 0 mesmo corpo físico
afirmam que isso seria um milagre, e milagres não que foi colocado no túmulo? A resposta é dupla.
são aceitáveis (v. m ii a g r e s , a r g u m e n t o s c o n t r a ). Ou- Verificação do Deus verdadeiro. Primeiro, essa é
tros afirmam que os documentos e testemunhas que única maneira de saber com certeza que a ressurrei-
registram esses eventos não eram confiáveis (v. Novo ção ocorreu. O túmulo vazio em si não prova a ressur-
T es t a m e n t o , c o n fia b il id a d e dos d o c u m en t o s do ; Novo Tes- reição de Cristo, assim como 0 relato de que um cor-
t a m e n t o , h ist o r ic id a d f . d o ). Ainda outros inventaram po sumiu de um necrotério não significa que ele res-
teorias alternativas que se opõem à ressurreição (v. suscitou. O corpo original poderia ter desaparecido e
C r is t o , le n d a s s u b s t it u t a s da m o r t e d e ; r e s s u r r e iç ã o , tf.o - as aparições poderiam ser de outra pessoa ou da mes-
Mas os que tentam evitar a res-
r ia s a lt er n a tiv a s à ). ma pessoa em outro corpo — 0 que seria reencarna-
surreição lutam contra um furacão de evidências. ção, não ressurreição. Mas no contexto teísta (v. t e ís m o ),
Os fatos são que Jesus de Nazaré realmente morreu em qual milagres são possíveis, um túmulo vazio mais
(v. C risto , m orte d e ) e realmente ressuscitou dos mortos as aparições do mesmo corpo físico, uma vez morto
no mesmo corpo físico. mas agora vivo, são prova da ressurreição miraculosa.
761 ressurreição, natureza física da

Sem essa identidade física ligando 0 corpo pré e maneira de verificar se a ressurreição ocorreu.
pós-ressurreição, 0 valor apologético da ressurrei- A manifestação de uma forma angelical não prova a
ção é destruído. Se Cristo não ressuscitou no mes- ressurreição corporal. Na melhor das hipóteses, a
mo corpo físico que foi colocado no túmulo, a res- manifestação angelical prova que há um espírito com
surreição não prova sua reivindicação de ser Deus poder para se materializar depois de deixar 0 corpo.
(Jo 8.58; 10.30). A ressurreição apenas substancia a Até os anjos, que são puros espíritos (Hb 1.14),
reivindicação de Jesus de ser Deus se ele ressuscitou têm 0 poder de se “materializar” (Gn 18). Os anjos
no mesmo corpo literal que foi crucificado. que apareceram para Abraão assumiram forma vi-
A verdade do cristianismo é baseada totalmente sível (Gn 18.8; 19.3). Isso, porém, não era prova de
na ressurreição corporal de Cristo. Jesus ofereceu a que por natureza eles possuíssem corpos físicos. Na
verdade, não possuíam; são espíritos (Mt 22.30; Lc
ressurreição como prova de sua divindade durante
24.39; Hb 1.14). E suas manifestações não foram con-
todo seu ministério (Mt 12.38-40; Jo 2.19-22; 10.18).
tinuação física de um corpo terreno anterior, como
Numa passagem, ele apresentou sua ressurreição como
é 0 caso do corpo ressurreto de Cristo. As manifes-
evidência singular de sua identidade. Jesus disse aos
tações angelicais foram apenas formas temporárias
que buscavam um sinal: Mas nenhum sinal lhe será
para facilitar a comunicação com seres humanos.
dado, exceto 0 sinal do próprio Jonas. Pois assim como
Colocar as aparições de Jesus nessa categoria é re-
Jonas esteve três dias e três noites no ventre de um
duzir a ressurreição a mera teofania.
grande peixe, assim 0 filho do homem ficará três dias
Chamar 0 corpo de Cristo “angelical” não só di-
e três noites no coração da terra.(Mt 12.39,40).
minui sua natureza como também destrói seu valor
Além de Jesus apresentar a ressurreição como como evidência, pois há diferença real entre uma
prova de sua divindade, para os apóstolos suas apa- manifestação angelical e um corpo físico literal. A
rições foram “provas indiscutíveis” (At 1.3). Ao apre- ressurreição no corpo imaterial não é prova de que
sentar as reivindicações de Cristo, eles usaram con- Cristo tenha derrotado a morte de seu corpo mate-
tinuamente 0 fato da ressurreição corporal de Jesus rial (cf. 1C0 15.54-56). Um corpo ressurreto imaterial
por base de seu argumento (cf. At 2.22-36; 4.2,10; é 0 mesmo que nenhum corpo ressurreto.
13.32-41; 17.1-4,22-31). Paulo concluiu que Deus “deu Considerações teológicas. O problema da criação.
prova disso [Jesus] a todos, ressuscitando-o dentre Deus criou 0 mundo material e 0 considerou “ bom”
os mortos” (At 17.31). (Gn 1.31; cf. Rm 14.14 e lTm 4.4). O pecado desinte-
A continuidade física entre 0 corpo pré e pós- grou 0 mundo e trouxe decomposição e morte (Gn
ressurreição de Cristo é demonstrada repetidamen- 2.17; Rm 5.12). Toda a criação material foi sujeita à
te na pregação apostólica. Em seu primeiro sermão, escravidão por causa do pecado (Rm 8.18-25). No
Pedro declarou aos judeus: “ Vocês, com a ajuda de entanto, por meio da redenção a decomposição e a
homens perversos, 0 mataram, pregando-o na cruz. morte serão revertidas. Pois “a própria natureza cri-
ada será libertada da escravidão da decadência em
Mas Deus 0 ressuscitou dos mortos, rompendo os
que se encontra” (v. 21). Na verdade, Toda a natureza
laços da morte ...” (At 2.23,24). Ele acrescenta: “não
criada geme até agora [...] mas nós mesmos, que
foi abandonado no sepulcro e cujo corpo não sofreu
temos os primeiros frutos do Espírito, gememos in-
decomposição. Deus ressuscitou este Jesus, e todos
teriormente, esperando ansiosamente nossa adoção
nós somos testemunhas desse fato” (w. 31,32). Paulo
como filhos, a redenção do nosso corpo (v. 22,23).
também é específico ao fazer a ligação entre 0 corpo Deus reverterá a maldição sobre a criação material
real que foi colocado no túmulo e 0 que ressuscitou. por meio da ressurreição material. Qualquer coisa
Ele diz: “ Tiraram-no do madeiro e 0 colocaram num inferior à ressurreição do corpo físico não restaura-
sepulcro mas Deus 0 Ressuscitou dos mortos” ria a criação perfeita de Deus como a criação mate-
(At 13.29,30). rial. Logo, a ressurreição imaterial é contrária aos
Verificação do evento real. Segundo, se Cristo não propósitos criativos de Deus. Assim como recriará
ressuscitou num corpo físico e material, a ressurrei- 0 universo físico (2Pe 3.10-13; Ap 21.1-4), Deus tam-
ção é inverificável. Não há maneira de confirmar se bém reconstituirá 0 corpo humano material ao
ele realmente ressuscitou a não ser que tenha res- redimir 0 que morreu.
surgido no mesmo corpo tangível e físico que mor- Qualquer coisa inferior a recriação material do
reu e foi sepultado. Se 0 corpo ressurreto era es- mundo e a reconstrução material do corpo seria 0
sencialmente imaterial e “angelical” (Harris, Raised fracasso do propósito criativo de Deus. Robert
immortal [Ressurreto imortal], p. 53,124,126), não há Gundry, estudioso do n t , observa:
ressurreição, natureza física da 762

Qualquer coisa inferior a isso mina a intenção final de Pau- observa que é a construção (partioípio presente) que
10 — que 0 homem redimido possua meios físicos de ativida- trata a encarnação como fato contínuo. É isso que os
de concreta para 0 serviço e a adoração eternos de Deus na gnósticos docetistas ( v . gnosticism o ) negavam (Robertson,
criação restaurada” .Portanto.desmaterializar a ressurreição, 6:253). Negar que Cristo tinha um corpo material antes
de qualquer forma, é debilitar a soberania de Deus tanto no ou depois da sua ressurreição é falsa doutrina. 0 atual
propósito criativo quanto na graça redentora (Gundry,p. 182). docetismo pós-ressurreição nega que aquele que veio
na carne também ressuscitou na carne (Harris, From
Oproblema da salvação. Há sérios problemas com grave to glory, p. 124-6).
a doutrina da salvação pela a negação da natureza 0 fato de Cristo ter carne humana é essencial para
física da ressurreição de Cristo. 0 N t ensina que a sua humanidade completa e é usado repetidamente
crença na ressurreição corporal de Cristo é uma con- para descrevé-la (Jo 1.14; Um3.16; 1Jo 4.2; 2J0 7).Nes-
dição da salvação (Rm 10.9,10; lTs 4.14). É parte da se caso, se Cristo não ressuscitou imortalmente na
essência do próprio evangelho ( 1 C0 15.1-5). No Ντ o carne, ele não era totalmente humano. Isso é crítico,
que se entendia por corpo (soma) era um corpo físi- pois 0 ministério de Cristo para nossa salvação não
co literal. Logo, a negação da ressurreição física de terminou na cruz. Segundo Hebreus, Cristo “vive sem-
Cristo prejudica 0 evangelho. pre para interceder por eles” (Hb 7.25). Na verdade, é
Além disso, sem a ressurreição física não há con- pelo fato de Cristo ser completamente humano que é
tinuidade material entre 0 corpo anterior e posteri- capaz de “compadecer-se das nossas fraquezas” no
or à ressurreição e pós-ressurreição. Na verdade, ha- seu ministério sacerdotal (Hb 4.15). Portanto, a hu-
veria dois corpos diferentes (Harris, From grave to manidade completa de Cristo é necessária para nossa
glory [Do túmulo à glória], p. 54-6,126). No entanto, salvação. Logo, se Cristo não ressurgiu nesse corpo
como Gundrv observa: humano, ele não é totalmente humano e não pode ser
eficaz para alcançar nossa salvação.
A continuidade física também é necessária. Se 0 espírito 0 problema da imortalidade humana. Além dis-
humano — um tipo de terceira entidade — for a única ligação so, negar a ressurreição física cria um sério proble-
entre os corpos morta] e ressurreto, a relação entre os dois ma com relação à imortalidade cristã. Se Cristo não
corpos é extrínseca e por isso ineficaz como demonstração da ressuscitou no mesmo corpo físico no qual foi
vitória de Cristo sobre a morte (Gundrv, p. 176).
crucificado, também não temos esperança de ser-
mos vitoriosos sobre a morte física. Somente por
Em termos mais fortes, Gundry conclui que “a
meio da ressurreição física de Cristo 0 crente pode
ressurreição de Cristo foi, e a ressurreição dos cris-
proclamar triunfantemente: “ Onde está, ó morte, a
tãos será, de natureza física” (Gundry, p. 182). Sem a
seu vitória? Onde está, ó morte, 0 seu aguilhão?” (1 Co
ressurreição não há base para celebrar a vitória so-
15.55). Pois é apenas por meio da ressurreição física
bre a morte física.
que Deus “tornou inoperante a morte, e trouxe à luz
O problema da encarnação. A negação da nature-
a vida e a imortalidade por meio evangelho” (2Tm
za física do corpo ressurreto é um erro doutrinário
1.10). Como Paulo disse aos coríntios,“se Cristo não
sério. É um tipo de neodocetismo (v. d o c e t is m o ). Os
ressuscitou [...] os que dormiram em Cristo estão
docetistas eram um grupo não-ortodoxo do século 11
perdidos” (1 Co 15.17,18).
que negava que Jesus fosse realmente humano
O problema do engano moral. Há um problema
(Cross, p. 413). Eles acreditavam que Jesus era real-
moral sério de engano com relação à negação da
mente Deus, mas só parecia ser humano. Negavam
ressurreição física. Ninguém pode olhar diretamen-
que ele tivesse carne humana real.
te para 0 registro do evangelho das aparições de Cris-
Um erro doutrinário semelhante existia no
to depois da ressurreição e negar que Jesus tentou
século 1. João adverte contra aqueles que negam que
convencer os discípulos céticos de que tinha um
“Jesus Cristo veio em carne" (1Jo 4.2; cf. 2J0 7). Na verda-
corpo físico real. Ele disse: “ Vejam as minhas mãos e
de, quando João disse “veio” , ele quis dizer que Cristo
veio na carne e continua (após sua ressurreição) na os meus pés. Sou eu mesmo! Toquem-me e vejam;
carne. Em 1João 4.2 0 particípio perfeito (elêluthota) um espírito não tem carne nem ossos, como vocês
significa “não só que Jesus Cristo veio na plenitude do estão vendo que eu tenho” (Lc 24.39). Ele comeu na
tempo na carne, mas também que, portanto, ele ainda presença deles (w. 41-43). Desafiou Tomé: “Coloque
está presente [...] Ele é um Cristo que veio e habita na 0 seu dedo aqui; veja as minhas mãos. Estenda a mão e
carne” (Schep, p. 71-2). Ao comentar a passagem parale- coloque- a no meu lado. Pare de duvidar e creia”
la em 2João 7, 0 estudioso de grego A. T. Robertson ( Jo 20.27; v. r e s s u r r e iç ã o , e v id e n c ia s d a ).
763 ressurreição, natureza física da

Dado 0 contexto da reivindicação de Jesus e da não confessam Jesus Cristo veio em corpo” (2J0 7).
crença judaica na ressurreição física (cf. Jo 11.24; At 0 uso do particípio no grego significa que Cristo
23.8), não há outra impressão razoável que tais afir- continuava na carne até quando isso foi escrito.
mações pudessem ter deixado na mente dos discí- A alegação de que seu corpo era de carne física an-
pulos senão que Jesus tentava convencê-los de que tes da ressurreição, mas de carne não-física depois
ressuscitara no mesmo corpo físico no qual morre- dela, é uma forma de gnosticismo ou docetismo.
ra. Se 0 corpo ressurreto de Jesus apenas um corpo Jesus comeu alimento físico. Outra evidência que Je-
imaterial, Jesus enganou seus discípulos. Se 0 corpo sus ofereceu da natureza física e tangível de seu corpo
ressurreto de Jesus não era um corpo tangível e físi- ressurreto foi a capacidade de comer, 0 que ele fez em
co, ele estava mentindo. pelo menos quatro ocasiões (Lc 24.30,41-43; Jo 21.12,13;
Evidência da ressurreição física. Como foi de- At 1.4). Atos 10.41 indica que Jesus comeu com fre-
monstrado no artigo r e s s u r r e iç ã o , o b je ç õ e s à , argu- qüência com os discípulos após sua ressurreição, falan-
mentos contra a ressurreição são infundados. Além do sobre os apóstolos que comeram e beberam com
disso, as evidências a favor da natureza física da res- ele, “depois que ressuscitou dos mortos” .
surreição também são surpreendentes. Apesar de Ao contrário dos anjos, 0 corpo de Jesus era mate-
algumas das evidências a seguir também serem váli- rial por natureza (Lc 24.39). Dado esse contexto, seria
das para a historicidade da ressurreição, compro- puro engano Jesus ter mostrado sua carne e oferecido
sua capacidade de comer alimento físico como prova
vam ainda que Jesus não era “angelical” ao aparecer.
de seu corpo físico, se não tivesse ressurgido num
Pelo contrário, ele se apresentou com um corpo bem
corpo físico.
real — 0 mesmo corpo que foi crucificado.
O corpo de Jesus continha suas feridas. Outra evi-
Jesus foi tocado por mãos humanas. Jesus desafiou
dência inconfundível da natureza física do corpo
Tomé: “Coloque 0 seu dedo aqui; veja as minhas mãos.
ressurreto é que ele possuía as marcas físicas da cru-
Estenda a mão e coloque-a no meu lado. Pare de duvi-
cificação de Jesus. Nenhum corpo “espiritual” ou
dar e creia” (Jo 20.27). Tomé respondeu: “Senhor meu e
imaterial poderia ter cicatrizes físicas (Jo 20.27). Na
Deus meu!” (v. 28). Da mesma forma, quando Maria
verdade, no mesmo corpo físico Jesus subiu ao céu,
segurou Jesus após a ressurreição, ele ordenou: “Não
onde ainda é visto como 0 “Cordeiro, que parecia ter
me segure pois ainda não voltei para meu Pai” (Jo 20.17).
estado morto” (Ap 5.6). E, quando Cristo voltar, será
Mateus acrescenta que as mulheres abraçaram os pés
“ esse Jesus que dentre vocês foi elevado ao céu”
de Jesus e 0 adoraram (Mt 28.9). Mais tarde, quando
(At 1.11). Essas mesmas marcas da sua crucificação
Jesus apareceu aos dez discípulos, ele disse: “Vejam as serão visíveis na segunda vinda, pois João declarou:
minhas mãos e os meus pés, que Sou eu mesmo Toque- “Eis que ele vem com as nuvens, e todo olho 0 verá, até
me e vejam” (Lc. 24.39). O corpo ressurreto de Cristo era mesmo aqueles que 0 traspassaram” (Ap 1.7).
um corpo físico que podia ser tocado, até mesmo nas O corpo de Jesus foi reconhecido. As palavras co-
marcas dos cravos e da lança. muns para “ ver” ( horaõ, theoreõ) e “ reconhecer”
O corpo de Jesus era de carne e osso. Talvez a evidên- (epiginõskõ) objetos físicos foram usadas vez após
cia mais forte da natureza física do corpo ressurreto vez com relação a Cristo em seu estado ressurreto
seja que Jesus disse enfaticamente: “ Toquem-me e (v. Mt 28.7,17; Mc 16.7; Lc 24.24; Jo 20.14; lC0 9.1).Em
vejam, um espírito não tem carne nem ossos, como certas ocasiões Jesus não foi reconhecido imediata-
vocês estão vendo que eu tenho” (Lc 24.39). Então, mente por alguns dos discípulos, algumas delas tal-
para provar sua afirmação, pediu algo para comer, e vez por causas sobrenaturais. Lucas fala sobre uma
“ Deram-lhe um pedaço de peixe assado \e um favo ocasião em que “mas os olhos deles foram impedi-
de mel], e ele comeu na presença deles” (v. 41-43). dos de reconhecê-lo” (24.16), e mais tarde “ Então os
Paulo observou corretamente que “carne e san- olhos deles foram abertos e 0 reconheceram” (v. 31).
gue não podem herdar 0 Reino de Deus” (1 Co 15.50), No entanto, as causas gerais eram fatores puramen-
mas Jesus não tinha carne corruptível; ele não tinha te naturais, tais como perplexidade (Lc 24.17-21),
pecado (2 C0 5.21; Hb 4.15). Era de carne, mas não tristeza (Jo 20.11-15), falta de luz (Jo 20.14,15), dis-
carnal. Não tinha carne humana pecaminosa (Hb 4.15); tância visual (Jo 21.4), aparição repentina de Jesus
no entanto, morreu e ressurgiu dos mortos em car- (Lc 24.36,37), roupas diferentes que usava
ne humana real (sarx, At 2.31). João enfatizou a (Jo 19.23,24; 20.6-8) ou a insensibilidade espiritual
encarnação contínua de Jesus, quando advertiu: (Lc 24.25,26) e incredulidade (Jo 20.24,25) dos
“muitos enganadores têm saído pelo mundo, os quais discípulos. De qualquer forma, a dificuldade foi
ressurreição, natureza física da 764

temporária. Antes de as aparições terminarem, não Robert Gundry responde: “ Paulo usa sõma precisa-
restava nenhuma dúvida em suas mentes de que mente porque a fisicidade da ressurreição é indis-
Cristo havia ressuscitado corporal literalmente. pensável para sua soteriologia” (Gundry, p. 69). Esse
O corpo de Jesus p od ia ser visto e ouvido. O corpo uso sistemático da palavra sõma para 0 corpo físico
ressurreto de Jesus podia não só ser tocado, mas é mais uma confirmação de que 0 corpo ressurreto
também visto e ouvido. Mateus diz que “quando 0 de Cristo era um corpo literal e material.
viram , 0 adoraram” (Mt 28.17). Os discípulos de 0 túmulo estava vazio. Junto com as aparições do
Emaús o reconheceram enquanto comiam juntos mesmo Jesus crucificado, 0 túmulo vazio dá forte
(Lc 24.31), talvez pelos seus movimentos (cf. v. 35). evidência da natureza física do corpo ressurreto de
No grego a palavra epiginõsko significa “conhecer, Cristo. Os anjos declararam: “ Ele não está aqui; res-
entender ou reconhecer” . Normalmente significa suscitou, como tinha dito. Venham ver 0 lugar onde
reconhecer um objeto físico (Mc 6.33, 54; At 3.10). ele jazia” (Mt 28.6). Como era um corpo literal e ma-
Maria deve ter reconhecido Jesus pelo tom da voz terial, foi colocado ali, e como 0 mesmo corpo físico
(Jo 20.15,16). Tomé 0 reconheceu, provavelmente ressuscitou, conclui-se que 0 corpo ressurreto era 0
antes de tocar as marcas da crucificação (Jo 20.27,28). mesmo corpo material que morreu.
Durante 0 período de quarenta dias, todos os discí- As vestes m ortuárias não fo r a m desm anchadas.
pulos 0 viram e ouviram, e testemunharam as “pro- Quando Pedro entrou no túmulo, “Viu as faixas de
vas discutíveis” de que estava vivo (At 1.3; cf. 4.2,20). linho, bem como 0 lenço que estivera sobre a cabeça
A ressurreição é dentre os mortos. Ressurreição de Jesus. Ele estava dobrado à parte, separado das
no N t geralmente é descrita como “dos ( ek) os mor- faixas de linho” (Jo 20.6,7). Certamente, se os ladrões
tos” (cf. Mc 9.9; Lc 24.46; Jo 2.22; At 3.15; Rm 4.24; 1C0 tivessem roubado 0 corpo, não teriam tempo para
15.12). Literalmente, essa preposição grega ek signi- tirar e separar 0 lenço. E se Jesus tivesse se evapora-
fica que Jesus ressuscitou “dentre os” corpos mor- do no interior dos lençóis, 0 lenço não estaria num
tos, isto é, da sepultura onde cadáveres são enterra- lugar separado. Esses detalhes revelam a verdade de
dos (At 13.29,30). Essas mesmas palavras são usadas que 0 corpo material de Jesus que jazia ali fora res-
para descrever a ressurreição de Lázaro “dosjdentre] taurado à vida (At 13.29,30). João ficou tão conven-
os mortos” (Jo 12.1). Nesse caso não há dúvida de cido por essa evidência da ressurreição física que,
que ele saiu da sepultura com 0 mesmo corpo que quando a viu, creu que Jesus havia ressuscitado, ape-
foi enterrado. Portanto, a ressurreição era de um ca- sar de ainda não 0 ter visto (Jo 20.8).
dáver físico saindo de um túmulo ou cemitério. O corpo que morreu é o mesmo que ressuscitou. Se
Como Gundry observou corretamente, “para alguém 0 corpo ressurreto é em tudo idêntico ao corpo an-
que fosse fariseu, esse fraseado só poderia ter um tes da ressurreição ressureto e esse é incontestável-
significado — ressurreição física” (Gundry, p. 177). mente material, conclui-se que 0 corpo ressurreto
Sõma sem pre significa corpo físico. Quando usada também é material. Isso, é claro, não significa que
com relação a um ser humano, a palavra corpo (sõma) todas as partículas sejam iguais. Até 0 nosso corpo
sempre significa um corpo físico no n t. Não há ex- atual muda suas partículas continuamente, mas é 0
ceções a esse uso. Paulo usa sõma quando menciona mesmo corpo material. Isso significa que 0 corpo
0 corpo ressurreto de Cristo ( 1 C0 15.42-44), indi- ressurreto é 0 mesmo corpo material contínuo e
cando assim sua crença de que ele era um corpo substancial, não importa que mudanças acidentais
físico. O trabalho exegético definitivo sobre sõma possa haver em suas moléculas. Além do túmulo va-
foi feito por Gundry (ibid.). Como evidência da na- zio, os lençóis, a analogia da semente e as marcas da
tureza física do corpo ressurreto, ele indica que “ Pau- crucificação são outras linhas de evidência de que a
10 usou sõma sem exceções com relação ao corpo ressurreição de Cristo deu-se no mesmo corpo físi-
físico” (Gundry, p. 168). Logo, ele conclui que co que morreu.
Em primeiro lugar, Jesus disse com antecedên-
O uso sistemático e exclusivo de sõma com relação a cor- cia que 0 mesmo templo, seu corpo, seria destruído
po físico em contextos antropológicos se opõe à desmate- e reconstruído. Ele disse: “ Destruam este templo, e
rialização da ressurreição, tanto por idealismo quanto por eu 0 levantarei em três dias ” (Jo 2.19). O pronome 0
existencialismo (ibid.). manifesta que 0 corpo ressurreto é 0 mesmo que 0
corpo destruído pela morte.
Para os que acham que Paulo deveria ter usado Segundo, a mesma identidade é sugerida na forte
outra palavra para expressar a ressurreição física, comparação entre a morte e a ressurreição de Jesus e
765 ressurreição, natureza física da

aexperiência de Jonas no grande peixe (Mt 12.39; 16.4). Conclusão. Murray Harris alegou que 0 corpo
Ele disse: “ Pois assim como Jonas esteve três dias e ressurreto é “espiritual” e não é realmente um corpo
três noites no ventre de um grande peixe, assim 0 físico de carne e osso. E escreveu:
Filho do homem ficará três dias noites no coração da
terra” (Mt 12.40). Obviamente, em ambos os casos 0 Conseqüentemente 0 corpo de “carne e ossos” material
corpo físico que entrou foi 0 mesmo que saiu. Logo, a que Jesus tinha durante seu encontro com os discípulos não
identidade inseparável entre 0 corpo antes e depois era parte integral do seu“corpo espiritual”,mas foi assumido
da ressureição de Jesus estabelecida por Paulo, 0 temporariamente, na verdade por razões evidenciais, como
fariseu convertido, é forte confirmação de que ele está acomodações ao entendimento de seus discípulos (Harris,
afirmando a natureza física do corpo ressurreto. Fromgrave toglory, p. 392).
Terceiro, Paulo acrescentou: “ Pois é necessário
que aquilo que é corruptível se revista de incor- Mas se as marcas da crucificação não estavam no
ruptibilidade, e aquilo que é mortal, se revista de corpo ressurreto “espiritual” real, mas apenas no cor-
imortaliddade” ( 1C0 15.53). É digno de nota que Pau- po assumido temporariamente por razões evidenciais,
10 não diz que esse corpo corruptível será substituí- Jesus enganou seus discípulos quando disse, a respei-
do por um modelo incorruptível. Mas esse corpo to desse corpo temporário de carne e osso: “Vejam as
físico que agora é corruptível “ se revestirá” com 0 minhas mãos e os meus pés. Sou eu mesmo” (Lc 24.39).
elemento adicional de incorruptibilidade. Se um Segundo Harris, esse corpo temporário não era nem 0
corpo material fosse enterrado e um corpo espiritu- corpo físico no qual ele fora crucificado nem seu cor-
al ou imaterial ressurgisse, não seria 0 mesmo cor- po real (“espiritual” ) da ressurreição. Se a afirmação
po. Mas nesse texto Paulo afirma a identidade nu- de Harris está correta, Jesus enganou seus discípulos
mérica entre 0 corpo antes e depois da ressureição. descaradamente.
Quarto, 0 sermão de Paulo em Antioquia revela O único corpo que realmente tinha as mar-
a identidade entre 0 corpo que foi morto na cruz e 0 cas da ressurreição era 0 corpo físico de carne e
que ressuscitou dos mortos. Ele disse: “ Tendo cum- osso no qual Jesus morreu. Mas, segundo Harris,
prido tudo 0 que estava escrito a respeito dele, tira- 0 corpo material assumido temporariamente no
ram-no da madeira e 0 colocaram num sepulcro. qual Jesus apareceu não era 0 mesmo corpo de
Mas Deus 0 ressuscitou dos mortos” (At 13.29,30). carne que tinha as verdadeiras marcas da res-
Finalmente, a ligação íntima entre a morte e a res- surreição. Conclui-se, então, que 0 corpo físico
surreição indica a identidade numérica do corpo assumido temporariamente que Jesus mostrou
ressurreto. Paulo considerou de extrema importância aos seus discípulos era apenas uma réplica do
0 fato de que “ Cristo morreu pelos nossos pecados corpo crucificado. Se Harris estiver certo, Jesus
[...] e que foi sepultado e ressuscitou no terceiro dia” mentiu descaradamente; essa parece uma obje-
( 1C0 15.3,4). Em outra passagem, Paulo declara que 0 ção séria à sua teoria.
que foi “sepultado” foi “ressuscitado dos mortos” (Rm A Bíblia é bem clara com relação à natureza do
6.3-5; cf.At 2.23,24; 3.15; 4.10; 5.30; 10.39,40; 13.29,30; Cl corpo ressurreto. É 0 mesmo corpo físico e material
2 .12 ). É importante salientar que, “como ex-fariseu, de carne e osso que morre. Há, na verdade, várias
Paulo não poderia ter usado uma linguagem tão tra- linhas de evidência para apoiar isso. A evidência da
dicional sem reconhecer sua intenção de retratar a natureza física do corpo ressurreto é surpreendente
ressurreição de um cadáver” (Gundry, p. 176). (v. r e s s u r r e iç ã o , e v id é n c ia s d a ), e nunca é demais res-
À luz da evidência, não há justificativa para a afir- saltar sua importância para 0 cristianismo. Qual-
mação de que 0 corpo antes e depois da ressurreição quer negação da ressurreição corporal de Cristo é
não tinham a mesma “identidade material” e que “0 uma questão séria. Negações feitas por evangélicos
corpo ressurreto não terá a harmonia ou fisiologia do são ainda mais sérias, incluindo os que usam 0 ter-
corpo terreno” (Harris, Raised immortal, p. 124,126). E mo tradicional ressurreição física para afirmar essa
como os crentes terão corpos como 0 dele (Fp 3.21), teoria. Pois ressurreição “ física” sempre significou
conclui-se que seus corpos também serão materiais. que Jesus ressurgiu com 0 mesmo corpo material e
Na realidade, muitos dos argumentos acima podem físico que morreu.
ser aplicados diretamente aos crentes. Por exemplo, a Este fato é a peça fundamental da teologia e
Bíblia diz que eles ressuscitarão do “pó da terra” (Dn apologética ortodoxa. 0 cristianismo histórico se
12.2) e “sairão” dos “túmulos” (Jo 5.28,29), indicando firma ou cai por terra com base na historicidade e
assim a natureza material dos corpos ressurretos. materialidade da ressurreição corporal de Cristo.
ressurreição, objeções à 766

Fontes
4. Dois discípulos x x
W. F. A r n d t e F. W . G in g r ic h , .4 Greek-English lexicon
o f the New Testament.
5. Dez discípulos \ \
W. C r a ig , Knowing the truth about the resurrection.
F. L. C ro ss, org., The Oxford dictionary o f the chnstian church.
6. O n ze discípulos x
G . F r ie d r ic h , The theological dictionary o f the .Y e n ‫ ׳‬Testament.
N. L. G e is le r , The battle for the resurrection. 7. Sete discípulos x
___ , In defense o f the resurrection.
8. Com issão dos
R. G u n d r y , Soma in biblical theology.
apóstolo x x
M. H a r r is , From grave to glory.
___ , Raised immortal. 9. 500 irmãos x
A. T. R o b e r ts o n , Word pictures in the Xew Testament.
J. A. S c h e p , The nature of the resurrection body. 10. Tiago x

ressurreição, objeções à. Entre as objeções comuns 11. Ascensão x

levantadas contra a ressurreição física de Cristo, al- 12. Paulo x x


gumas afirmam que os milagres, incluindo a ressur-
reição, não são críveis (v. m il a g r e s , a r g u m e n t o s c o n - Harmonia dos registros. Com freqüência os críti-
t r a ). Estas objeções são respondidas especificamente cos alegam que 0 registro da ressurreição é contradito-
no artigo acima mencionado. Outros insistem em rio. A ordem dos eventos parece diferir entre os relatos.
que não podemos saber os verdadeiros aconteci- Por exemplo, os evangelhos descrevem Maria Madalena
mentos que envolveram a morte e ressurreição de como a primeira a ver Jesus depois da ressurreição (cf.
Cristo porque os documentos do Nt são falhos. Com Mt 28.1ss.), mas 1 Coríntios 15.5 descreve Pedro como
relação a essa incerteza, v. A t o s , h is t o r ic id a d e d e ; a r - 0 primeiro a ver 0 Cristo ressurreto. Da mesma forma,
q u e o lo g ia d o Novo T e s t a m e n t o ; B íb l ia , c r ít ic a d a ; Je s u s , Mateus (28.1) descreve “Maria !Madalena e a outra Ma-
s e m in á r io d e ; Novo T e s t a m e n t o , m a n u s c r it o s d o ; e Novo ria” como as primeiras no túmulo, mas João (20.1)
T e s t a m e n t o , h is t o r ic id a d e do. descreve apenas Maria Madalena.
No final do século xx, surgiram duas outras obje- 0 exame minucioso revela que as descrições
ções. Uma é que as seqüências de eventos dos evange- apresentam 0 mesmo fato de pontos de vista dife-
lhos não podem ser harmonizadas. Uma segunda teo- rentes; os relatos se harmonizam quando compara-
ria que ganhou adeptos até mesmo entre acadêmicos dos detalhadamente.
evangélicos do nt o argumenta que 0 corpo ressurreto Há uma ordem geral discernível dos eventos pós-
de Cristo era um corpo espiritual, não físico. Murray ressurreição nos registros do Nr. Os demais eventos
Harris estava à frente dessa teoria até que, silenciosa- se encaixam nesse esquema geral (v. r e s s u r r e iç ã o , e v i -
mente, modificou sua opinião. Mas vários outros es- d P.n c ia s d a ):

tudiosos do n t, incluindo e George Ladd, defenderam Os manuscritos mais antigos e confiáveis não
0 mesmo ponto de vista. Pelo fato de vários aspectos contêm Marcos 16.9-20.
dessa teoria precisarem ser considerados, as objeções Pedro viu 0 túmulo vazio; ele não se encontrou
à ressurreição serão respondidas aqui; a considera- imediatamente com Cristo.
ção geral sobre 0 corpo ressurreto — 0 de Cristo e 0 Outros teólogos (cf. Wenham.p. 139) invertem os
nosso — é feita mais extensamente no artigo re s s u r- números 3 e 4 (mas v. Lc 24.34), e alguns combinam
re içã o , n a tu re za física da. 8 e 9. Essas diferenças não afetam a harmonização
dos eventos (v. r e s s u r r e iç ã o d e C r is t o ).
Mt Mc Lc )o At 1C0
Alguns fatores ajudam a entender por que os au-
1. Maria Madalena x x
tores abordaram 0 assunto dessa maneira:

2. Maria/ mulheres X X
• Paulo em 1Coríntios resume a defesa da res-
surreição do ponto de vista legal e oficial, não forne-
3. Pedro X X
cendo um relatório detalhado. Portanto, ele apre-
4. Dois discípulos X X senta uma lista oficial de testemunhas, que jam ais
teria incluído mulheres no contexto greco-romano
767 ressurreição, objeções à

de Corinto. O testemunho de uma mulher não era “corpo natural” anterior à ressureição (1 Co 15.44). Mas
válido no tribunal. um estudo do contexto não apóia essa conclusão.
• A aparição de Cristo para Paulo não foi incluí- Um corpo “espiritual” denota um corpo imortal,
da nos evangelhos, pois Paulo viu a Cristo anos de- não imaterial. Um corpo “espiritual” é dominado pelo
pois da ascensão (Atos 9; cf. 1 C0 15.7). espírito, não destituído de matéria. A palavra grega
• Como apologista, Paulo destacou a aparição pneumatikos (traduzido por “espiritual” aqui) signifi-
impressionante para as quinhentas testemunhas, a ca um corpo dirigido pelo espírito, ao contrário do
maioria das quais ainda estava viva quando ele es- corpo dominado pela carne. Não é governado pela
creveu ICoríntios (c. 55 d.C.). carne que perece, mas pelo espírito que permanece
• Outras aparições, como para Tiago ( 1 C0 15.7) e (v. 50-58). Então 0 “corpo espiritual” aqui não signifi-
no caminho para Emaús (Lc 24.13-34), encaixam-se ca imaterial e invisível, mas imortal e imperecível.
como informação suplementar. Elas não entram no “ Espiritual” também denota um corpo sobrena-
debate da harmonização. tural, não um corpo não-físico. O corpo ressurreto a
que Paulo se refere é sobrenatural. A série de compa-
A história das mulheres. Mesmo os eventos intri- rações usadas por Paulo nessa passagem revela que 0
gantes da primeira manhã envolvendo as mulheres corpo ressurreto era um corpo sobrenatural. Note as
que foram ao túmulo não são difíceis demais de comparações:
organizar (v. r e s s u r r e iç ã o d e C r is t o ) .
Conflito no testemunho independente. O fato de vá- Corpo antes da Corpo após a
rios registros não se harmonizarem com tanta facili- ressurreição — terreno ressureição — celestial
dade deve ser esperado do testemunho autêntico de Perecível (v. 42) Imperecível
testemunhas independentes. Se os registros fossem fraco (v. 43) poderoso
perfeitamente harmoniosos, haveria suspeita de mortal (v. 53) imortal
conluio das testemunhas. O fato de os eventos e a mortal (v. 44) [sobrenatural]
ordem serem descritos de perspectivas diferentes que
dependem do envolvimento pessoal dos participan- O contexto completo indica que “espiritual”
tes e algumas confusões de detalhes num momento (pneumatikos) poderia ser traduzido por “sobrena-
intenso e desconcertante são exatamente 0 que se es- tural” em contraste com “natural” . Isso fica claro
pera de registros confiáveis. Na verdade, muitas men- pelas comparações entre perecível e imperecível,
tes acostumadas a assuntos legais, treinadas para in- corruptível e incorruptível. Na verdade, pneumatikos
vestigar falsas testemunhas, examinaram os registros deveria ser traduzido por “ sobrenatural” em
dos evangelhos e os declararam confiáveis. Simon 1 Coríntios 10.4, quando fala da “pedra espiritual que
Greenleaf, 0 professor de direito de Harvard que es- os seguia” no deserto. O greek-english lexicon of
creveu 0 livro-texto clássico sobre evidências legais, the New Testament explica: “0 que pertence à ordem
atribuiu a própria conversão à sua cuidadosa investi- sobrenatural da existência é descrito como
gação das testemunhas do evangelho. Ele concluiu que pneumatikos: portanto, 0 corpo ressurreto é um soma
pneumatikos [corpo sobrenatural]” .
cópias que fossem universalmente recebidas e que influ- “Espiritual” refere-se a objetos físicos. Um estu-
enciassem tanto quanto os quatro evangelhos seriam recebi- do do uso de Paulo para a mesma palavra em outras
das como evidência em qualquer tribunal de justiça, sem a passagens revela que ela não se refere a algo que é
menor hesitação (Greenleaf, P. 9,10). puramente imaterial. Primeiro, Paulo falou da “ Ro-
cha espiritual” que seguiu Israel no deserto, da qual
A natureza essencialmente física do corpo beberam uma “bebida espiritual” ( 1C0 10.4). Toda-
ressurreto. Várias passagens são usadas por críticos via, a história do at ( È x 17; Nm 20) revela que se
para argumentar que 0 corpo ressurreto de Jesus não tratava de uma pedra física, da qual bebiam água
era contínua e essencialmente físico (Harris, From gra- literal. !Mas a água real que vinha da pedra material
veto glory [Do fiím«/0 àgfóna],p.373).Nenhumadelas, era produzida sobrenaturalmente ( 1C0 10.3,4).
porém, afirma que 0 corpo de Jesus não era físico. Ou seja, 0 Cristo sobrenatural era a fonte dessas
Paulo e 0 “corpo espiritual”. Os proponentes da te- manifestações sobrenaturais de comida e água física.
oria de que 0 corpo ressureto é imaterial citam Mas só porque as provisões físicas vinham de uma
ICoríntios 15.44. Paulo refere-se ao corpo ressurreto fonte espiritual (i.e., sobrenatural) não significa que
como “corpo espiritual” , em comparação com 0 fossem imateriais. Quando Jesus multiplicou
ressurreição, objeções à 768

sobrenaturalmente pão para cinco mil pessoas (Jo 6), e também para vê-lo no seu corpo ressurreto
ele fez pão literal. Mas esse pão literal e material pode- (20.18,25,29). Como a mesma palavra para corpo ( sDma)
ria ser chamado de espiritual por causa da sua fonte é usada para Jesus antes e após a ressurreição (cf. 1 C0
sobrenatural. Da mesma forma, 0 maná literal dado a 15.44; Fp 3.21) e como a mesma palavra para sua apa-
Israel é chamado de “alimento espiritual” ( 1 C0 10.3). rição (horao) é usada em ambos os casos, não há ra-
Além disso, quando Paulo falou sobre “quem é zão para acreditar que 0 corpo da ressurreição não
espiritual” ( 1C0 2.15), ele certamente não quis dizer seja 0 mesmo corpo físico, agora imortal.
um homem invisível e imaterial, sem corpo físico. Ele Até a expressão “ foi visto” (aoristo passivo,
estava falando de um ser humano de carne e osso cuja õphthè) simplesmente significa que Jesus tomou a ini-
vida era vivida pelo poder sobrenatural de Deus. Re- ciativa de se revelar, não que ele era essencialmente
feria-se a uma pessoa literal cuja vida tinha uma dire- invisível até fazer isso. A mesma forma (“ele apare-
ção espiritual. O homem ou a mulher espiritual é a ceu” ) é usada no at grego (2Cr 25.21), nos Apócrifos
pessoa que é ensinada “pelo Espírito” e que “aceita as (IMacabeus 4.6) e no xt (At 7.26) para seres humanos
coisas do Espírito de Deus” ( 1 C0 2.13,14). O corpo aparecendo em corpos físicos (Hatch, 2.105-7). Em
ressurreto pode ser chamado de “corpo espiritual” , outras referências, õphthè é usado para visão ocular.
assim como falamos que a Bíblia é um “livro espiritu- Na sua forma passiva õphthè significa “iniciar uma
al” . Não obstante a fonte e 0 poder espiritual, 0 corpo aparição para visão pública, mover-se de um lugar
ressurreto e a Bíblia são objetos materiais. onde não se é visto para um lugar onde se é visto” . Isso
O Novo dicionário internacional de teologia do não significa que 0 que é por natureza invisível se
Novo Testamento diz que espiritual é usado “em com- torna visível. Quando a expressão “apareceu” (õphthè)
paração com 0 meramente material ou para as ati- é usada com relação a Deus ou anjos (cf. Lc 1.11; At
vidades e atitudes derivadas da carne e que rece- 7.2), que são realidades invisíveis, naquele contexto
bem significado do que é meramente físico, huma- refere-se a uma entidade invisível tornando-se visí-
no e terreno” (Brown, 3.707). vel. Mas como a mesma expressão é usada para outros
Portanto, “espiritual” não significa algo pura- seres humanos com corpos físicos e como se alega
mente imaterial ou intangível. O homem espiri- que Cristo tinha um corpo (soma), não há razão para
tual, como a pedra espiritual e a comida espiritu- interpretar essa expressão como referência a algo além
al, era um ser físico que recebeu auxílio espiritual do corpo físico e literal a não ser que 0 contexto exija
ou sobrenatural. 0 contrário. Dizer 0 contrário contradiz a declaração
A capacidade do Cristo ressurreto de se manifes- enfática de João de que 0 corpo de Jesus, mesmo após
tar inesperadamente. Argumenta-se que 0 corpo a ressurreição (quando João escreveu), era continua-
ressurreto era essencialmente invisível e, portanto, mente físico (1Jo 4.2; 2J0 7).
não era um objeto observável na nossa história. Ο N t O mesmo evento que é descrito por “apareceu”
diz que ele podia “aparecer” (Harris, Raised immortal ou “foi visto” (passivo aoristo), tal como a aparição
[Levantado imortal], p. 46,47). Logo, devia ser invisí- de Cristo a Paulo ( 1C0 15.8), também é encontrado
vel antes de aparecer (v. Lc 24.34; At 9.17; 13.31; 26.16; no modo ativo. Paulo escreveu sobre essa experiên-
1 C0 15.5-8). Em cada uma dessas ocasiões está es- cia no mesmo livro: “ Não vi Jesus, nosso Senhor?”
crito “apareceu” ou “foi visto” (no aoristo passivo do ( 1C0 9.1). Mas, se 0 corpo ressurreto pode ser visto
grego). Gramaticalmente, a ação é de quem aparece, pelo olho, ele não é invisível até que se torne visível
não de quem 0 vê aparecer. De acordo com tal argu- por algum tipo de “ materialização” .
mentação, isso significa que Jesus tomou a iniciati- As aparições de Cristo eram naturais. A palavra
va de se tornar visível em suas aparições. “apareceu” (õphthè) refere-se a um evento natural.
No entanto, 0 corpo ressurreto de Cristo podia ser O Greek-english lexicon of the New Testament, de
visto com os olhos. Registros de aparições usam a Arndt e Gingrich, indica que a palavra é usada “para
palavra horao (“ver” ). Embora essa palavra às vezes pessoas que aparecem de forma natural” . The
seja usada no sentido de ver realidades invisíveis (cf. theological dictionary ofthe New Testament diz que apari-
Lc 1.22; 24.23), ela geralmente significa ver com os ções “ocorrem numa realidade que pode ser percebida
olhos. A palavra comum que significa “ visão” é pelos sentidos naturais” . Na Chave lingüística do Novo
horama, não horao (v. Mt 17.9; At. 9.10; 16.9). No xt , Testamento grego, Fritz Rienecker diz que apareceu signi-
visão refere-se, com freqüência ou sempre, a algo que fica que “ele podia ser visto por olhos humanos, as apari-
é essencialmente invisível, tal como Deus ou anjos. Por ções não era apenas visões” (Rienecker, p. 439).
exemplo, João usa horaò para ver Jesus no seu corpo A intenção não é ignorar textos que, no mínimo,
terreno antes da ressurreição (6.36; 14.9; 19.35) podem ser interpretados de modo a sugerir uma
769 ressurreição, objeções à

aparição ou um desaparecimento milagroso. Cristo invisíveis, não de objetos físicos e materiais.


era Deus e fez milagres. Assim, uma diferença deve 0 milagre é que essas realidades espirituais podem
ser estabelecida entre 0 corpo ressurreto essencial ser vistas. Logo, argumenta-se que um corpo espiritu-
de Cristo e 0 poder de Cristo como Deus encarnado. al é semelhante a um corpo angelical e, portanto, não
O fato de Jesus poder ser visto não é um milagre, pode ser visto. Alguns indicam 0 fato de que os
mas a maneira em que apareceu era milagrosa. Os acompanhantes de Paulo durante sua experiência no
textos sobre 0 que essas aparições repentinas repre- caminho para Damasco não viram Jesus (Pannenberg,
sentam são simplesmente ambíguos, e alguns acre- p. 93). Portanto, a experiência do Cristo ressurreto é
ditam que Jesus ia e vinha rapidamente de maneira chamada de visão. Mas esse raciocínio é falho.
humana normal. Mas há uma forte sugestão de que Lucas 24.23 não diz que ver 0 Cristo ressurreto foi
ele aparecia repentinamente. E os textos também fa- uma visão; refere-se apenas à visão da oposição de
lam de desaparecimentos repentinos. Lucas escreve anjos no túmulo. Os evangelhos jamais se referem a
sobre os dois discípulos no caminho para Emaús: uma aparição do Cristo ressurreto como visão, nem
“ Então os olhos deles foram abertos e o reconhece- Paulo na sua lista em ICoríntios 15. A única referên-
ram, e ele desapareceu da vista deles” (Lc 24.31; cf. Lc cia possível a uma aparição da ressurreição como
24.51; At 1.9). Isso indicaria um ato de poder, um visão está em Atos 26.19, onde Paulo diz: “não fui de-
sinal da sua identidade. sobediente à visão celestial” . Mas mesmo que essa
O texto não afirma em parte alguma que Jesus frase seja uma referência à aparição de Cristo em Da-
deixou de ser físico quando os discípulos não pude- masco, é apenas uma sobreposição de palavras. Pois
ram mais vê-lo. Só porque ele estava fora do campo Paulo claramente disse que viu a Jesus ( 1C0 15.8) e
visual deles não significa que estava fora do seu cor- recebeu credenciais apostólicas ( 1C0 9.1; cf. At 1.22).
po físico. Deus tem 0 poder de transportar pessoas É possível que mesmo em Atos 26.19 a palavra
milagrosamente nos seus corpos físicos antes da res- “ visão” se refira à revelação subseqüente, feita a
surreição de um lugar para outro. Apesar de 0 signi- Ananias, por meio de quem Deus deu a Paulo a co-
ficado preciso do texto não ser claro, parece que missão de ministrar aos gentios (At 9.10-19). Paulo
isso aconteceu com Filipe, 0 evangelista, quando “0 não diz nada sobre ver 0 Senhor como faz ao se refe-
Espírito do Senhor [0] arrebatou” (Atos 8.39), levan- rir à sua experiência em Damasco (cf. At 22.8; 26.15).
do-o a uma cidade distante. Ao ter uma “visão” (optasia), Paulo a designa clara-
Os autores podem enfatizar as “aparições” mente como tal (2 C0 12.1), em contraste com uma
provocadas por Cristo exatamente por causa do seu aparição real.
valor apologético como milagres. As aparições prova- Ainda mais significativo, no entanto, é que, quan-
ram que ele havia derrotado a morte (At 13.30,31; 17.31; do Paulo faz referência à visão, ele não repete 0 con-
Rm 1.4; cf.Jo 10.18; Ap 1.18).A palavra“apareceu” é uma teúdo da experiência no caminho, mas descreve 0
tradução perfeitamente adequada para expressar 0 tri- que veio a saber mais tarde. Paulo não recebeu seu
unfo conquistado. Cristo se mostrou soberano sobre a mandato missionário específico imediatamente
morte e nas suas aparições após a ressurreição. (Atos 9.1-9). Recebeu ordens: “ Levante-se, entre na
A razão para enfatizar as várias aparições de Cris- cidade; alguém lhe dirá 0 que você deve fazer” (v. 6).
to não é porque 0 corpo ressurreto era essencial- Foi ali na cidade, por meio de uma “visão” (v. 10)
mente invisível e imaterial, mas porque era material dada a Ananias, que Paulo recebeu seu mandato mis-
e imortal. Sem um túmulo vazio e aparições repeti- sionário “para levar 0 meu nome [de Cristo] perante
das do mesmo corpo que foi enterrado nele e torna- os gentios” (9.15). Paulo deve ter tido uma visão su-
do imortal, não haveria prova da ressurreição. Então plementar à de Ananias ao orar “ Vá á casa de Judas,
não é de admirar que a Bíblia enfatize tanto as várias na rua chamada Direita” (At 9.11,12). Foi ali que ele
aparições de Cristo. Elas são prova real da ressurrei- ficou sabendo especificamente que Ananias lhe im-
ção física. poria as mãos (v. 12). Assim, quando Paulo disse “não
Aparições da ressurreição como “visões”. O argu- fui desobediente à visão celestial” em Atos 26.19, ele
mento de que as aparições da ressurreição são cha- provavelmente se refere ao mandato recebido por
madas “visões” também é usado para apoiar a teoria meio da visão de Ananias.
do corpo ressurreto não-físico. Lucas relata que as A palavra visão (optasia) jamais é usada em refe-
mulheres no túmulo “ Voltaram e nos contaram ter rência a uma aparição da ressurreição em outra parte
tido uma visão de anjos que disseram que ele está do n t . Ela sempre é usada em relação a uma experiên-
vivo” (Lc 24.23). Mas visões são sempre de realidades cia puramente visionária (Lc 1.22; 24.23; 2 C0 12.1).
ressurreição, objeções à 770

De qualquer forma, 0 Theological dictionary of the incrédulos a princípio. Quando Maria .Madalena e as
New Testament (Dicionário teológico do \‫ ) ד‬observa outras relataram que Jesus ressuscitara,“as palavras delas
corretamente que 0 Novo Testamento faz distinção pareciam loucura” (Lc 24.11). Mais tarde Jesus precisou
entre visões e a experiência em Damasco. repreender os dois discípulos no caminho para Emaús
Aparições diferem de visões. Os encontros com porque não creram na sua ressurreição: “Como vocês
Cristo após sua ressurreição geralmente são descri- custam a entender e como demoram a crer em tudo 0
tos como “aparições” literais ( 1 C0 15.5-8), e nunca que os proletas falaram!” (Lc 24.25). Mesmo depois que
como visões. A diferença entre a mera visão e a apa- Jesus apareceu às mulheres, a Pedro, aos dois discípulos e
rição física é significativa. Visões dizem respeito a aos dez apóstolos, Tomé ainda disse: “Se eu não vir as
realidades invisíveis e espirituais, tais como Deus e marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar 0 meu
anjos. Aparições são de objetos físicos que podem dedo onde estavam os pregos e não puser minha mão
ser vistos a olho nu. Visões não têm manifestações no seu lado, não crerei” (Jo 20.25).
físicas associadas a elas; aparições têm. Seletividade não prova invisibilidade. O fato de
Às vezes as pessoas “ vêem” ou “ouvem” coisas Jesus ser seletivo com relação às pessoas a quem
em visões (Lc 1.11-20; At 10.9-16), mas não com queria aparecer não indica que era essencialmente
seus olhos físicos. Quando alguém realmente viu invisível. Jesus também estava no controle dos que
ou teve contato físico com anjos (Gn 18.8; 32.24; queriam colocar as mãos nele antes da ressurreição.
Dn 8.18), não foi uma visão, mas uma aparição do Em certa ocasião, incrédulos “ 0 levaram até 0 topo
anjo no mundo físico. Durante essas aparições os da colina [...] a fim de atirá-lo precipício abaixo.
anjos assumiram uma forma visível, depois Mas Jesus passou por entre eles e retirou-se” (Lc
retornaram ao estado invisível normal. No entanto, 4.29,30; cf. Jo 8.59; 10.39).
as aparições da ressurreição de Cristo foram expe-
Jesus também selecionou aqueles para quem fa-
riências de ver Cristo em sua forma física e visível zia milagres. Recusou-se a fazer milagres na sua ci-
com os olhos naturais.
dade natal “por causa da incredulidade deles” (Mt
A afirmação de que a experiência de Paulo deve
13.58). Jesus até desapontou Herodes, que esperava
ter sido uma visão porque os que estavam com ele
vê-lo fazer um milagre (Lc 23.8). A verdade é que
não viram a Cristo também é infundada. Os compa-
Jesus recusou-se a lançar pérolas “aos porcos” (Mt
nheiros de Paulo na estrada para Damasco não vi-
7.6). Em submissão à vontade do Pai (Jo 5.30), con-
ram nem entenderam nada, mas viram 0 fenômeno
trolou sua atividade antes e depois da ressurreição.
de luz e som. A Bíblia diz que ouviram “a voz” (At
Mas isso não prova que ele era essencialmente invi-
9.7) e “viram a luz” (At 22.9). Ouviram, mas não en-
sível e imaterial antes ou após sua ressurreição.
tenderam 0 significado do que foi dito. O fato de
Passar por portas fechadas. É sugerido por al-
não verem ninguém (At 9.7) não é surpreendente.
guns que, como 0 Cristo ressurreto podia aparecer
Paulo ficou fisicamente cego com a claridade da luz
numa casa de portas trancadas (Jo 20.19,26), seu cor-
(At. 9.8,9). Ao que parece apenas Paulo olhou direta-
po deve ter sido essencialmente imaterial. Outros
mente para 0 esplendor da glória divina. Logo, só ele
sugerem que ele se desmaterializou nessa ocasião.
viu a Cristo, e só ele foi literalmente cegado por ela
Mas essas conclusões não são sustentáveis.
(cf. At 22.11; 26.13). No entanto, foi a experiência de
O texto não diz realmente que Jesus passou por
uma realidade física real, pois os que estavam com
Paulo também a viram e ouviram com seus olhos e uma porta fechada. Simplesmente diz que “estando
os discípulos reunidos a portas trancadas, por medo
ouvidos naturais.
Aparições apenas para crentes. x\rgumenta-seque dos Judeus, Jesus entrou; pós-se no meio deles” (Jo
a soberania de Jesus sobre suas aparições indica que 20.19). O texto não diz como ele entrou na casa. Como
ele era essencialmente invisível, tornando-se visível 0 texto não diz explicitamente como Jesus entrou
quando queria. Em relação a este ponto, dizem que com as portas trancadas, qualquer sugestão é apenas
Jesus não apareceu para incrédulos, supostamente especulação. Sabemos que anjos usaram seus pode-
indicando que ele não era naturalmente visível. res especiais para destrancar as portas da prisão para
Mas as Escrituras jamais dizem que Jesus não apa- libertar Pedro (At 12.10). O Cristo sobrenatural cer-
receu para incrédulos. Ele apareceu para seus irmãos tamente possuía esse poder. Apesar de físico, 0 cor-
incrédulos ( 1 C0 15.7; Tiago), e Mateus 28.17 indica que po ressurreto é pela própria natureza um corpo
nem todos que 0 viram creram. Ele apareceu para 0 sobrenatural. Logo, deve-se esperar que ele possa
incrédulo mais hostil de todos, Saulo de Tarso (At 9). fazer coisas sobrenaturais como aparecer numa casa
Com relação à sua ressurreição, até seus discípulos eram de portas trancadas.
771 ressurreição, objeções à

Se quisesse, Jesus poderia ter realizado 0 mesmo Pedro disse enfaticamente sobre Jesus: “não foi aban-
feito antes da ressurreição com seu corpo físico. Como donado no sepulcro e cujo corpo não sofreu decom-
Filho de Deus, seus poderes miraculosos eram tão posição” (At 2.31). Paulo acrescenta, em contraste,
grandes antes quanto depois da ressurreição. Mesmo que 0 profeta não poderia estar se referindo a Davi,
antes da ressurreição, Jesus fez em seu corpo físico já que ele “sofreu de decomposição” (At 13.36). As-
milagres que transcendiam leis naturais, tais como sim, no caso de Jesus, a maioria das partículas mate-
andar sobre a água (Jo 6.16-20). Mas andar sobre a riais do seu corpo anterior (se não todas elas) esta-
água não provava que seu corpo anterior à ressurrei- vam no corpo anterior. Alguns dizem que pode ter
ção não era físico ou que poderia se desmaterializar. havido alguma dissolução no corpo de Jesus, pois a
Segundo a física moderna não é impossível um morte em si envolve certa deterioração das molécu-
objeto material passar por uma porta. É apenas esta- las orgânicas. Mas talvez isso se aplique apenas a
tisticamente improvável. Objetos físicos são em gran- seres humanos mortais. De qualquer forma não hou-
de parte espaço vazio. Tudo 0 que é necessário para ve dissolução total, já que sua ressurreição inverteu
um objeto físico passar por outro é 0 alinhamento 0 processo de deterioração (Schep, p. 139).
adequado das partículas nos dois objetos físicos. Isso O corpo destruído. Paulo disse: “ Os alimentos fo-
não é problema para 0 criador 0 corpo. ram feitos para 0 estômago e 0 estômago para os ali-
O corpo físico em decomposição. Outro argumento mentos,’mas Deus destruirá ambos” (1Co 6.13). A partir
dado a favor do corpo ressurreto imaterial é que um desse texto alguns têm argumentado que “0 corpo da
corpo ressurreto físico sugeriria “uma visão grossei- ressurreição não terá a anatomia ou fisiologia do cor-
ramente materialista da ressurreição, segundo a qual po terreno” (Harris, Raised immortal, p. 124). Todavia,
os fragmentos espalhados dos corpos decompostos essa inferência é infundada.
seriam reunidos” (Harris, Raised immortal, p. 126). 0 estudo do contexto revela que, quando Paulo
É desnecessário para a visão ortodoxa acreditar diz que Deus destruirá tanto os alimentos como 0
que as mesmas partículas serão restauradas no cor- estômago, ele está se referindo ao processo da morte,
po ressurreto. Até mesmo 0 bom senso dita que um não à natureza do corpo ressurreto. Pois ele se refe-
corpo pode ser 0 mesmo corpo físico sem ter as re ao processo de morte pelo qual “ Deus destruirá
mesmas partículas físicas. O fato observável de que ambos” (v. 13).
corpos ingerem e eliminam produtos, engordam e Como já foi mencionado, embora 0 corpo da
emagrecem é evidência suficiente disso. Certamen- ressurreição não precise comer necessariamente, ele
te não dizemos que um corpo não é material ou não terá a capacidade de comer. Comer no céu será um
é 0 mesmo corpo porque a pessoa perde cinco qui- prazer sem ser uma necessidade. Jesus comeu pelo
los — ou até vinte e cinco. menos quatro vezes após ter ressuscitado” (Lc
Se necessário, não seria problema para 0 Deus 24.30,42; Jo 21.12; At 1.4). Logo, seu corpo ressurreto
onipotente reunir todas as partículas exatas do corpo era capaz de assimilar comida física. Argumentar
da pessoa na ressurreição. Certamente quem criou que não haverá corpo ressurreto porque 0 estôma-
todas as partículas do universo poderia reconstituir go será “destruído” é equivalente a afirmar que 0
as relativamente poucas partículas de um corpo hu- resto do corpo — cabeça, braços, pernas e tronco
mano. O Deus que criou 0 mundo do nada certamen- — não ressurgirão porque a morte também os trans-
te pode recompor um corpo ressurreto a partir de formará em pó.
algo. !Mas, como já foi mencionado, isso não é neces- “Carne e sangue” e 0 Reino. Paulo disse que “carne
sário, pois 0 corpo ressurreto não precisa das mes- e sangue não podem herdar 0 Reino de Deus” ( 1 C0
mas partículas para ser 0 mesmo corpo. 15.50). Já no século 11, Ireneu afirmou que essa passa-
A luz da ciência moderna é desnecessário acre- gem foi usada por hereges para apoiar seu “grande
ditar que Deus reconstituirá as partículas exatas que erro” (Irineu, p. 30.13), isto é, que 0 corpo ressurreto
a pessoa tinha do corpo anterior à ressurreição. Pois não será um corpo de carne e osso.
0 corpo físico continua sendo físico e retém sua A próxima frase de 1 Coríntios 15.50, omitida
identidade genética, apesar de suas moléculas mu- pelos hereges, demonstra claramente que Paulo não
darem a cada sete anos aproximadamente. 0 corpo está falando da carne em si, mas de carne corruptí-
ressurreto pode ser tão material quanto nossos cor- vel, pois acrescenta: “nem 0 que é perecível pode
pos atuais e ainda assim ter novas moléculas. herdar 0 imperecível” . Então Paulo não está afir-
Ao contrário de nossos corpos, 0 corpo de Jesus mando que 0 corpo ressurreto não terá carne; ele
não se corrompeu no túmulo. Ao citar 0 salmista, não terá carne perecível.
ressurreição, objeções à 772

Para convencer os discípulos amedrontados de Jesus ressuscitou Lázaro dos mortos (Jo 11), mas Lázaro
que não era um espírito imaterial (Lc 24.37), Jesus finalmente morreu de novo. Jesus foi 0 primeiro a
lhes disse enfaticamente que seu corpo ressurreto ressuscitar num corpo imortal, que jamais morrerá
tinha carne. Declarou: “Vejam as minhas mãos e os novamente ( 1C0 15.20). Mas só porque Jesus foi 0
meus pés. Sou eu mesmo! Toquem-me e vejam; um primeiro a ressuscitar num corpo imortal não signi-
espírito não tem carne nem ossos, como voçês estão fica que este fosse um corpo imaterial. O que aconte-
vendo que eu tenho” (Lc 24.39). ceu foi mais que a revivificação de um cadáver, mas
Pedro disse que 0 corpo ressurreto de Jesus é 0 não menos que isso.
mesmo corpo de carne, agora imortal, que entrou Não se deve concluir que, porque 0 corpo
no túmulo e jamais se corrompeu (At 2.31). Paulo ressurreto de Jesus não podia morrer, ele não podia
reafirmou essa verdade em Atos 13.35. E João sugere ser visto. O que é imortal não é necessariamente
que é contrário a Cristo negar que ele continua “em invisível. O universo físico recriado durará para sem-
carne” mesmo após sua ressurreição (1 Jo 4.2; 2J0 7). pre (Ap 21.1-4), mas será visível. Mais uma vez, 0
Essa conclusão não pode ser evitada quando se corpo ressurreto difere do corpo revivificado não
afirma que 0 corpo ressurreto de Jesus tinha carne e porque é imaterial, mas porque é imortal ( 1 C0
osso, mas não carne e sangue. Pois, tendo carne e 15.42,53).
osso, era um corpo literal e material, com ou sem “Forma diferente” de Jesus. Harris escreveu: “Não
sangue. Carne e osso enfatiza a solidez do atual cor- podemos eliminar a possibilidade da forma visível
po físico de Jesus. São sinais mais óbvios de de Jesus ter-se alterado de forma misteriosa, retar-
tangibilidade que 0 sangue, que não pode ser tão dando 0 seu reconhecimento” . Isso sugere que “a
facilmente visto ou tocado. expressão apareceu noutra forma no apêndice de
A expressão “carne e sangue” nesse contexto apa- Marcos (Mc 16.12) resume 0 que ocorreu” (Harris,
rentemente significa carne e sangue mortal, isto é, um From grave to glory, p. 56). Entretanto, essa conclusão
mero ser humano. Isso é apoiado pelos usos paralelos é desnecessária.
no nt. Quando Jesus disse a Pedro: “isto não lhe foi Há sérias dúvidas sobre a autenticidade desse
revelado por carne ou sangue” (Mt 16.17), ele não po- texto. Marcos 16.9-20 não é encontrado em alguns
deria estar se referindo a meras substâncias do corpo. dos melhores e mais antigos manuscritos. E na re-
Certamente estes não poderiam revelar que ele era 0 construção dos textos originais a partir de manus-
Filho de Deus. Mas, como J. A. Schep conclui, “a única critos existentes, muitos estudiosos acreditam que
interpretação correta e natural [de 1 C0 15.50] parece os textos mais antigos são mais confiáveis.
ser que 0 homem como é agora, uma criatura frágil, Mesmo confirmada sua autenticidade, a narra-
terrena, perecível, não pode ter um lugar no Reino ção do evento que a passagem resume (cf. Lc 24.13-
celestial glorioso de Deus” (Schep, p. 204). 32) diz simplesmente: “ Mas os olhos deles foram
O teólogo Joachim Jeremias observa que a má impedidos de reconhece-lo” (Lc 24.16). Isso deixa
interpretação desse texto “ tem um papel desastroso claro que 0 elemento milagroso não estava no corpo
na teologia do nt nos últimos sessenta anos” . Após de Jesus, mas nos olhos dos discípulos (Lc 24.16,31). O
uma cuidadosa exegese da passagem, ele conclui que reconhecimento de Jesus foi impedido até que seus
frase “carne e sangue não podem herdar 0 Reino de olhos fossem abertos. Na melhor das hipóteses tra-
Deus” não se refere à ressurreição, mas às mudanças ta-se de uma referência obscura e isolada sobre a
que ocorrerão na vida com a vinda de Cristo qual é imprudente basear qualquer declaração dou-
(Jeremias, p. 154). trinária significativa. Seja 0 que for que em noutra
Ressurreição e revivificação. A ressurreição de Je- forma signifique, certamente não significa uma for-
sus foi mais que a revivificação de um cadáver físico, ma além de um corpo físico real. Nessa mesma oca-
argumentam os que dizem que a ressurreição foi es- sião Jesus comeu comida física (Lc 24.30). Mais tar-
piritual. Mas isso é insuficiente para negar a natureza de, ainda em Lucas 24, ele disse que sua capacidade
física do corpo ressurreto. A ressurreição de Jesus de comer era prova de que não era um espírito
certamente foi mais que uma revivificação, mas não imaterial (v. 38-43).
menos que isso. Pessoas revivificadas morrem nova- Uma autoridade em significado do grego do N t
mente, mas 0 corpo ressurreto de Jesus era imortal. diz que outra forma significa simplesmente que, as-
Ele conquistou a morte ( 1 C0 15.54,55; Hb 2.14), ao sim como Jesus apareceu na forma de um jardineiro
passo que corpos meramente revivificados eventual- para Maria, aqui ele apareceu na forma de um via-
mente serão conquistados pela morte. Por exemplo, jante (Friedrich, Theological dictionary).
773 ressurreição, objeções à

Vivificado “pelo Espírito” (lP e 3.18). Segundo pedra literal ( 1 C0 10.4). É chamado de “corpo”
Pedro, Jesus foi “morto no corpo, mas vivificado selo (sõma), que sempre significa um corpo físico no
Espírito” . Isso tem sido usado para provar que 0 contexto de um ser humano individual (Gundry, p.
corpo ressurreto era “espírito” ou imaterial. No en- 168).
tanto, essa interpretação é desnecessária e incoe- O corpo ressurreto é chamado “espiritual” e “espí-
rente com 0 contexto dessa passagem e com 0 res- rito vivificante” porque sua fonte é 0 Reino espiritual,
tante das Escrituras. não porque sua substância é imaterial. O corpo
O paralelo entre morte e vivificação normalmente ressurreto sobrenatural de Cristo é“do céu” , assim como
se refere no Nt à ressurreição do corpo. Por exem- 0 corpo natural de Adão era “terreno” ( 1 C0 15.47). Mas
pio, Paulo declarou que “ Cristo morreu e voltou a assim como 0 “ terreno” também tinha uma alma
viver” (Rm 14.9) e que “foi crucificado em fraqueza; imaterial, 0 do “céu” tem um corpo material.
mas, vive pelo poder de Deus” (2C0 13.4). O que seremos. 1João 3.2 tem sido usado para ar-
Mesmo que espírito se refira ao espírito humano gumentar que 0 corpo ressurreto será diferente de
de Jesus, não ao Espírito Santo, a frase não pode signi- um corpo físico. João disse:
ficar que Jesus não tinha um corpo ressurreto. Fosse
esse 0 caso, a referência a esse “corpo” (carne) antes Amados, agora, somos filhos de Deus, eainda não se ma-
da ressurreição significaria que ele não tinha espírito nifestou 0 que havemos de ser, mas sabemos que, quando ele
humano. Parece melhor considerar carne nesse con- se manifestar, seremos semelhantes a ele, pois 0 veremos de
texto como referência à sua condição de humilhação como ele é (1Jo 3.2).
antes da ressurreição e espmto como referência ao
seu poder ilimitado e vida imperecível após a ressur- Quando João fala que não sabe 0 que seremos,
reição (Schep, p. 77). está se referindo à nossa posição no céu, não à nature-
Como anjos na ressurreição. Jesus disse que na
za do corpo ressurreto. Pois ele a está comparando
ressurreição seremos “como os anjos” (Mt 22.30).
com nossa posição agora como “filhos de Deus” , afir-
Mas os anjos não têm corpos físicos; eles são espíri-
mando que não sabe que posição poderemos ter no
tos (Hb 1.14). Logo, argumenta-se, não teremos cor-
céu. Ele sabe que seremos como Cristo. Paulo disse a
pos ressurretos físicos.
mesma coisa em Filipenses 3.21: Deus usará seu po-
Essa é uma má interpretação da passagem. 0 con-
der, “ele transformará os nossos corpos humilhados,
texto não é a natureza do corpo ressurreto, mas se
tornando-os semelhantes ao seu corpo [sõma] glo-
haverá casamento no céu. A resposta de Jesus foi que
rioso” (Fp 3.21).
não haverá casamentos humanos assim como não há
E em 1João 0 apóstolo afirma que Jesus agora tem
casamentos angelicais. Jesus não disse nada aqui so-
um corpo de “carne” (sarx) no céu. “ Todo espírito que
bre ter corpos imateriais. Ele não disse que seriamos
confessa que Jesus Cristo veio em carne procede de
como anjos porque os humanos seriam imateriais,
Deus” (1 Jo 4.2). O uso do verbo (“veio” ) indica ação
mas porque eles serão imortais (cf. Lc 20.36).
passada com resultados que continuam no presente.
Espírito vivificante. Segundo ICoríntios 15.45,
Isto é, Jesus veio no passado em carne e ainda está em
Cristo tornou-se “espírito vivificante” após a ressur-
carne após a ressurreição. O mesmo é afirmado no
reição. Essa passagem é usada para provar que Jesus
presente em 2João 7. Jesus está em carne no céu.
não tinha corpo ressurreto físico.
Na realidade, Jesus retornará com 0 mesmo cor-
Espírito vivificante não se refere à natureza do
corpo ressurreto, mas à origem divina da ressurrei- po físico que subiu ao céu (At 1.10,11), incluindo as
ção. O corpo físico de Jesus ressuscitou somente pelo marcas físicas (Ap 1.7).
poder de Deus (cf. Rm 1.4). Portanto Paulo está fa- Confusão com relação ao corpo de Cristo. Há duas
lando sobre sua fonte espiritual, não sua substância áreas comuns de confusão no uso do material bíbli-
física como corpo material. co para provar que Jesus não ressuscitou num corpo
Se espírito descreve a natureza do corpo ressurreto essencialmente físico. Uma é que os atributos do
de Cristo, Adão (com quem ele é comparado) não corpo ressurreto são confundidos com suas ativi-
teve uma alma, já que é descrito como formado do dades. Nenhuma das passagens claras sobre a natu-
“pó da terra” ( 1 C0 15.47). Mas a Bíblia diz claramente reza física do corpo ressurreto afirma que Jesus dei-
que Adão era um “ser [alma] vivente” (Gn 2.7). xou de ter um corpo físico em momento algum
O corpo ressurreto de Cristo é chamado de “cor- (Harris, From grave to glory, p. 390). Nenhum desses
po espiritual” (1 Co 15.44). Vimos que Paulo usa essa versículos sequer menciona 0 que 0 corpo ressurreto
terminologia para descrever comida material e é. A questão é 0 que ele pode fazer. Por exemplo,
ressurreição, objeções à 774

pode passar através de objetos sólidos, aparecer re- pretações erradas do texto bíblico. Sempre vão con-
pentinamente ou desaparecer repentinamente. Mas tra a evidencia esmagadora de que 0 corpo
0 fato do corpo de Jesus poder passar através de um ressurreto era 0 corpo tísico de “carne” e “ossos” que
objeto sólido não prova que era imaterial assim como Jesus disse que era (em Lc 24.39).
0 fato de andar sobre a água não prova que seus pés O cristianismo histórico se firma ou cai dependen-
eram feitos de madeira flutuante. do da historicidade, tangibilidade e materialidade da
Outro erro é supor que, pelo fato de algumas pas- ressurreição corporal de Cristo ( 1C0 15.12s.; Lc 24.37).
sagens falarem que Jesus passou despercebido dos
discípulos em certas ocasiões, ele era invisível duran- Fontes
te esses períodos. Trata-se aqui da confusão entre per- W . F. A r n t ‫ ־‬e F .W . G!' .' ‫?׳׳‬.‫־׳׳‬f . . 4 Greek-F.nglish lexicon ot the
cepção e realidade. Tal pressuposto deixa de distinguir .Yen· Testament.
epistemologia (estudo do que sabemos) da metafísica C. Rro'.vx. .Voιό dicionário internacional de teologia
(estudo do que realmente existe). O bom senso nos do .Yoro Testamento.
diz que, mesmo que não possamos ver algo, isso não W. Ckai‫״‬. Knowing the truth about the resurrection.
precisa ser invisível e imaterial. O cume do monte G. Fri:‫׳־‬i ri. The theological dictionary ot the AVir Testament.
McKinley fica coberto de nuvens na maior parte do Ν’.L. G:‫'׳‬:rs. The battle tor the resurrection.
tempo, mas mesmo assim é sempre material. , In detense otthe resurrection.
Conclusão. A evidência da ressurreição física é e W. N :x. Introdução hVliea.
convincente, e nunca é demais ressaltar sua impor- S. Gr-k:;: , The testimony otthc evatigelists.
tância para 0 cristianismo. R. Gvn : ?.‫·׳‬.. Soma in biblical theology with emphasis
O NT foi aprovado nos critérios de credibilidade. on pauline anthropology.
Há muitas razões para aceitar a autenticidade dos G. H.-.hiiR.VAs The resurrection otJesus: an apologetic.
registros do n t , apesar da suposta desordem (v. Novo . Ancient evidence on the life ofJesus.
T e s t a m e n t o , h is t o r ic id a d e d o ) . Seis registros das apari- Μ. H '·.rs:>,Fromg’‫׳‬a\‫׳‬e :0 glory.
ções após a ressurreição, Mateus 28; Marcos 16; Lucas . Raised immortal.
24; João 20, 21; Atos 9; e ICoríntios 15, descrevem 0 E. H-R'r: e H. Rh: rv:h,.4 concordance to the
período de quarenta dias no qual Jesus foi visto vivo Septuagint and other Greek versions of the Old Testament.
por mais de quinhentas pessoas em onze ocasiões. iRrXK-.
Dado 0 fato de algumas dessas testemunhas terem J. Jesl\:: a'. "Flesh and blood cannot inherit the
visto 0 túmulo vazio e os lençóis, terem tocado as kingdom of God". em A>1r Testament studies II (195?-1956).
marcas de Jesus e 0 terem visto comer, não há dúvi- \V. Ρλννξν:;:?.ç.Jesus — God and man.
da razoável quanto à realidade da sua ressurreição. F. R 1:-.N:-.;k=x, Chave lingüística do Sovo Testamento grego.
Não há base bíblica para crer que Jesus não res- A. T.R>‫?־‬Γ5‫־‬Ό\‫־‬, Harmony 01 the Gospels.
suscitou com 0 mesmo corpo físico de “carne e san- J. A. Sa:r:·‫׳‬, The nature 01the resurrection body.
gue” que morreu. Não há indicação no texto do n t de J. W is h :■.:.:.Easter enigma.
que nossos corpos ou 0 corpo de Jesus serão menos
“ físicos” no céu. Como 0 teólogo Joachim Jeremias ressu rreição , teorias altern ativas da. A evidência
disse: “Olhe para a transfiguração do Senhor no monte a favor da ressurreição física sobrenatural de Cristo é
da transfiguração, e terá a resposta à pergunta de muito convincente (v. ressurreição, evidências da, e res-
como devemos imaginar 0 evento da ressurreição” surreição, natureza física da), e as objeções podem ser
(Jeremias, p. 157). O corpo material de Jesus foi ma- respondidas de forma adequada (v. ressurreição, obje-
nifesto na sua glória. Semelhantemente, seu corpo ções à ). Explicações alternativas à ressurreição sobre-
ressurreto fará 0 mesmo. natural física foram fornecidas, mas um resumo bre-
Nenhum dos argumentos usados para mostrar ve demonstrará também que elas falham.
que Jesus ressuscitou num corpo de tipo diferente, Teorias naturalistas. Em todas as teorias natura-
invisível e imaterial é bíblico ou convincente. Certa- listas, nas quais a suposição é que Jesus morreu e não
mente, 0 corpo ressurreto era imperecível e imortal, ressuscitou, duas questões são problemas inevitáveis:
mas a alegação de que não era visível e material é Primeira, dado 0 fato inevitável de que Jesus realmen-
infundada. Na melhor das hipóteses é uma inferência te morreu na cruz (v. C risto, morte de; desmaio, teoria
especulativa de referências isoladas usando inter- do), 0 problema básico com todas as teorias naturalis-
pretações questionáveis. Em geral argumentos tas é explicar 0 que aconteceu com 0 corpo. É neces-
contra a ressurreição material são claramente inter- sário explicar por que os registros mais antigos falam
775 ressurreição, teorias alternativas da

do túmulo vazio ou por que 0 corpo morto jamais foi e 0 lenço (um pano que envolvia a cabeça para man-
encontrado. Segunda, os primeiros discípulos ter a boca fechada) ao lado (Jo 20.3-8). Apesar de
testificaram terem visto 0 túmulo túmulo vazio e esti- Paulo não mencionar 0 túmulo vazio explicitamente,
veram com Jesus nas semanas após sua morte. Se fal- ele 0 subentende ao falar do sepultamento de Jesus
sos, por que será que esses relatórios motivaram de como pré-requisito de sua ressurreiçã (1C0 15.4).
tal forma suas ações extraordinárias? Os guardas certamente fizeram uma busca cuida-
As autoridades removeram 0 corpo. Uma hipóte- dosa no túmulo antes de relatar aos líderes judeus que
se propõe que as autoridades romanas ou judaicas 0 corpo de Jesus desaparecera (Mt 28.11-15). Suas vi-
levaram 0 corpo do túmulo para outro lugar, deixan- das seriam tiradas se abandonassem seu dever. Esses
do-o vazio. Os discípulos supuseram equivocada- guardas não teriam de concordar com a história de
mente que Jesus ressuscitara dos mortos. que os discípulos roubaram 0 corpo se pudessem dar
Se os romanos ou 0 Sinédrio estavam com 0 corpo, alguma explicação alternativa razoável. Mas a história
por que acusaram os discípulos de roubá-lo (Mt 28.11- dos guardas não explica as aparições após a ressurrei-
15)? Tal acusação seria absurda. E se os oponentes do ção, a transformação dos discípulos ou as conversões
cristianismo tinham 0 corpo, por que não 0 exibiram em massa de pessoas poucas semanas mais tarde na
para impedir a história da ressurreição? A reação das própria cidade onde tudo acontecera.
autoridades revela que eles não sabiam onde 0 corpo As mulheres foram ao túmulo errado. Alguns suge-
estava. Eles resistiram continuamente ao ensinamento rem que as mulheres foram ao túmulo errado no escu-
dos apóstolos, mas jamais tentaram refutá-lo. ro, viram-no vazio e pensaram que ele ressuscitara. De-
Essa teoria é contrária à conversão de Tiago e, pois, essa história foi espalhada por elas para os discí-
principalmente, de Saulo. Como um crítico tão se- pulos, 0 que levou-os a crer na ressurreição de Cristo.
vero quanto Saulo de Tarso (cf. At 8, 9) poderia ser Há vários problemas com essa história simplista. Se
ludibriado de tal forma? estava tão escuro, por que Maria Madalena achou que 0
Certamente essa teoria não explica as aparições jardineiro estava trabalhando (Jo 20.15)? Por que Pedro
após a ressurreição. Por que Jesus continuou apare- e João cometeram 0 mesmo erro que as mulheres quan-
cendo para todas essas pessoas com 0 mesmo corpo do chegaram, mais tarde, à luz do dia (Jo 20.4-6)? Estava
marcado que foi colocado no túmulo? Isso também claro 0 suficiente para ver os lençóis e 0 lenço num
é contrário às conversões de pessoas que se opu- túmulo cavernoso e sombrio (v. 7).
nham a Jesus. E cria a suposição de que Paulo foi Se os discípulos entraram no túmulo errado, as
ludibriado quando estava do lado anticristão sem autoridades só precisavam ir ao túmulo correto para
saber que 0 corpo estava disponível. E foi ludibriado lhes mostrar 0 corpo. Isso teria refutado facilmente
de modo a acreditar na ressurreição. todas as alegações de ressurreição.
A hipótese do corpo roubado é um argumento fa- E, como sucede com outras teorias naturalistas
lho baseado na inocência. Não há provas para apoiá-la. (v. n a t u r a l is m o ), esta hipótese não oferece nenhuma
O túmulo jamais foi visitado. Uma teoria é que nos explicação para os relatos de aparições de Jesus.
dois meses após a morte de Jesus ele apareceu de Os discípulos roubaram 0 corpo. Os guardas espa-
alguma forma espiritual aos discípulos, e eles prega- lharam a história de que os discípulos roubaram 0
ram a ressurreição baseados nisso. Mas ninguém con- corpo durante a noite e 0 levaram para um local des-
feriu 0 túmulo para ver se 0 corpo de Jesus realmente conhecido. Essa ainda é uma afirmação popular, prin-
estava lá. Por que iriam, se já 0 tinham visto vivo? cipalmente nos meios judaicos. Ela explica a história
Se não podemos acreditar em nada além do que do túmulo vazio e a incapacidade de alguém refutar a
se acha no registro mais antigo nos evangelhos, difi- afirmação de que Jesus ressuscitou dos mortos.
cilmente podemos evitar a questão de que 0 túmulo O roubo de sepulturas não condiz com 0 que se
de Jesus era um lugar movimentado naquela manhã. conhece sobre 0 caráter moral dos discípulos. Eles
Se a questão nunca foi levantada, ela certamente ocu- eram homens honestos. Ensinaram e viveram segun-
pou a mente dos autores dos evangelhos. Uma do os princípios morais mais elevados de honestida-
harmonização da ordem dos eventos é encontrada de e integridade. Pedro negou especificamente que os
no artigo r e s s u r r e iç ã o , o b je ç õ e s à. As mulheres que apóstolos seguissem fábulas engenhosamente inven-
foram terminar os procedimentos de sepultamento tadas (2Pe 1.16). Além disso, os discípulos não dão a
(Mc 15.1) viram a pedra rolada e 0 túmulo vazio. impressão de ser sutis ou astutos. Se estivessem ten-
João chegou ao local e viu os lençóis de linho, segui- tando fazer as predições de Cristo realizar-se, até en-
do por Pedro, que entrou no túmulo e viu os lençóis tão ainda não haviam entendido como as profecias se
ressurreição, teorias alternativas da 776

aplicavam a Jesus. Eles nem mesmo entenderam que meses antes de os discípulos começarem a pregar.
ele iria morrer, quanto mais que ressuscitaria (Jo 13.36). Era tempo suficiente para expor a fraude. Não há
Na cena da sepultura encontramos esses conspi- motivo, oportunidade, ou método para apoiar essa
radores confusos e desnorteados, tal como os ima- teoria, e isso não explica as aparições de Cristo no
ginaríamos se não tivessem a menor idéia do que seu corpo ressurreto.
estava acontecendo. Não sabiam 0 que pensar quan- Mais uma vez, não há explicação melhor que a res-
do viram 0 túmulo vazio (Jo 20.9). Espalharam-se e surreição sobrenatural para onze aparições, no decor-
fugiram com medo de ser presos (Mc 14.50). rer dos quarenta dias subseqüentes, para mais de qui-
Talvez a objeção mais séria seja que a fraude foi
nhentas pessoas (v. ressurreição, f.videxcias da). Elas 0 vi-
absolutamente bem-sucedida. Para isso acontecer os
ram, tocaram, comeram com ele, falaram com ele e
apóstolos tiveram de persistir nessa conspiração até a
foram completamente transformadas do dia para a
morte e morrer pelo que sabiam ser falso. As pessoas
noite de céticos medrosos e dispersos na maior socie-
às vezes morrem pelo que acreditam ser verdadeiro,
dade missionária do mundo. Grande parte disso acon-
mas têm pouca motivação para morrer pelo que sa-
teceu na mesma cidade em que Jesus foi crucificado.
bem que é mentira. Parece inacreditável que nenhum
discípulo jamais tenha abandonado sua fé na ressur-
Aparições foram erro de identificação. Uma te-
reição de Cristo, apesar do sofrimento e da persegui- oria naturalista popularizada pelo livro The Passover
ção (cf. 2C0 11.22-33; Hb 11.32-40). Além de morrer plot [A conspiração da Páscoa], de Hugh}. Schonfield,
por essa “mentira” , os apóstolos colocaram a crença é que as aparições pós-morte, que eram 0 centro da
na ressurreição no centro de sua fé (Rm 10.9; 1 C0 crença dos discípulos na ressurreição, foram todas
15.1-5,12-19). Na verdade, esse foi 0 tema da primeira casos de erro de identificação. Isso é supostamente
pregação dos apóstolos (At 2.30,31; 3.15; e 4.10,33). comprovado pelo fato de os próprios discípulos acre-
Isso é contrário às conversões de Tiago e Paulo ditarem a princípio que a pessoa que apareceu não
(Jo 7.5; At 9 e 1 C0 15.7). Esses céticos certamente era Jesus. Maria pensou ter visto um jardineiro (Jo
ficariam sabendo do plano, e jamais permaneceri- 20). Os dois discípulos pensaram que ele era um es-
am na fé fundamentada em mentira. tranho viajando em Jerusalém (Lc 24), e mais tarde
Finalmente, se 0 corpo foi roubado e ainda está pensaram que viram um espírito (Lc 24.38,39). Mar-
morto, por que continuou aparecendo vivo, tanto cos até admite que a aparição era “noutra forma”
para discípulos quanto para outras pessoas? Jesus (Mc 16.12). Segundo Schonfield, os discípulos con-
apareceu corporalmente para Maria, para Tiago (0 fundiram Jesus com pessoas diferentes em ocasiões
irmão incrédulo de Jesus) e mais tarde para Paulo, 0 diferentes (Schonfield, p. 170-3).
maior oponente judeu do cristianismo primitivo. Essa teoria está cercada de várias dificuldades.
fosé de Arimatéia levou 0 corpo. Uma idéia seme- Inicialmente, em nenhuma dessas ocasiões menci-
lhante é que José de Arimatéia roubou 0 corpo de onadas os discípulos saíram com dúvidas de que
Jesus. José era um seguidor secreto de Jesus, e Jesus foi realmente era 0 mesmo Jesus que conheceram inti-
enterrado no túmulo dele. Os problemas dessa teoria mamente durante anos que aparecera para eles em
resumem-se em “ Por quê?” , “Quando?” e “Onde?” . forma física. Suas dúvidas só foram iniciais e mo-
Por que ele levou 0 corpo? José realmente não ti- mentâneas. Ao final da aparição, Jesus os convence-
nha motivo. Não poderia ter impedido os discípulos ra por suas feridas, pela capacidade de comer, pelo
de roubá-lo, já que era um discípulo (Lc 23.50,51). Se toque, pelo seu ensinamento, pela sua voz e/ou por
não fosse seguidor de Cristo, poderia ter mostrado 0 milagres que ele era a mesma pessoa com quem ha-
corpo e acabado com toda história. viam passado mais de três anos (v. r e s s u r r e i ç ã o , e v i -
Quando ele (ou os discípulos) poderia(m) ter d é n c i a s d a ) . Schonfield ignora toda essa evidência e

levado 0 corpo? José era um judeu devoto que não tira a dúvida inicial deles, que é um sinal de autenti-
profanaria 0 sábado (v. Lc 23.50-56). À noite, as tochas cidade do registro, totalmente fora do contexto.
que carregasse seriam vistas. Um destacamento ro- Em segundo lugar, a hipótese do erro de identifi-
mano estava de guarda em frente ao túmulo (Mt. cação não explica 0 túmulo permanentemente va-
27.62-66). Na manhã seguinte as mulheres chegaram zio. Se os discípulos estivessem vendo pessoas dife-
ao alvorecer (Lc 24.1). Simplesmente não houve rentes, os judeus ou os romanos poderiam ir ao
oportunidade. túmulo de Jesus e mostrar 0 corpo para refutar sua
Se José 0 levou, onde 0 colocou? O corpo jamais reivindicação. Mas não há evidência de que fizeram
foi encontrado, apesar de terem transcorrido dois isso, apesar de terem motivo para querer fazê-lo.
777 ressurreição, teorias alternativas da

O fato é que ninguém jamais encontrou 0 corpo. foi transformado em gases que escaparam do túmulo
Pelo contrário, os discípulos estavam absolutamen- (v. B o y c f . ) , outros, que foi vaporizado ou transmutado.
te convencidos de que haviam encontrado 0 mesmo Deus também teve de capacitar milagrosamente 0
Jesus com 0 mesmo corpo físico ressurreto que ha- Jesus não-físico para que assumisse forma física em
viam conhecido de perto durante anos. ocasiões diferentes pelas quais pudesse convencer os
Terceiro, essa especulação não explica a trans- apóstolos de que estava vivo.
formação dos discípulos. Um erro de identificação e Essa hipótese usa dois milagres para evitar um e,
um cadáver em decomposição num túmulo não ex- no processo, transforma Jesus em enganador. Pois
plicam por que discípulos amedrontados, dispersos ele disse aos seus discípulos antes e depois da res-
e céticos foram transformados na maior sociedade surreição que ressuscitaria no mesmo corpo. Ele até
missionária do mundo, do dia para a noite, pelo en- deixou 0 túmulo vazio e os lençóis como evidência,
contro equivocado com vários seres mortais. embora não tenha ressuscitado como imortal no
Quarto, é bastante improvável que muitas pes- corpo que morreu. Ao falar de sua ressurreição, Je-
soas pudessem ser enganadas em tantas ocasiões. sus lhes respondeu: “ Destruíam este templo, [corpo
Afinal, Jesus apareceu para mais de quinhentas pes- físico], e eu 0 [ O mesmo corpo físico] levantarei em
soas em onze ocasiões diferentes durante 0 perío- três dias” (Jo 2.19, grifo do autor). Isso seria uma
mentira, a não ser que Jesus tenha ressuscitado com
do de quarenta dias. É menos milagroso afirmar a
0 mesmo corpo físico que morreu. Além disso, de-
ressurreição sobrenatural de Cristo que acreditar
pois de sua ressurreição Jesus apresentou as feridas
que todas essas pessoas, em todas essas ocasiões,
da crucificação para seus discípulos como evidên-
foram totalmente enganadas e ao mesmo tempo
cia de que havia realmente ressuscitado no mesmo
totalmente transformadas. É mais fácil acreditar
corpo no qual fora crucificado (cf. Jo 20.27).
na ressurreição.
Finalmente, isso é contrário à conversão de céti-
Enquanto falavam sobre isso, 0 próprio Jesus apresentou-
cos como Tiago e Saulo de Tarso. Como tais críticos
se entre eles e lhes disse: “Paz seja com vocês!” Eles ficaram
seriam enganados?
assustados e com medo, pensando que estavam vendo espíri-
Deus destruiu (transformou) 0 corpo. Todas as teo- to. E le disse: “Porque vocês estão perturbados e porque se le-
rias anteriores são puramente naturalistas. Outro gru- vantam dúvidas no coração de vocês? Vejam as minhas mãos e
po afirma que um tipo de milagre ocorreu, mas não os meus pés. Sou eu mesmo! Toquem-me e vejam; um espírito
foi 0 milagre da ressurreição física do corpo de Jesus não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu te-
depois que ele morreu. Pelo contrário, essa alternativa nho(Lc 24.36-39).
à ressurreição física afirma que Deus destruiu (trans-
formou) 0 corpo de Jesus para que desaparecesse mis- Seria fraude oferecer suas feridas como evidên-
teriosa e imediatamente de vista (v. Harris). As apari- cia de que realmente havia ressuscitado a não ser
ções posteriores de Cristo foram, segundo alguns, que fosse no mesmo corpo crucificado. O propósito
aparições teofânicas e, segundo outros, aparições em dos lençóis no túmulo vazio (Jo 20.6,7; cf. Mc 16.5)
que Jesus assumiu forma corporal na qual as feridas era mostrar que 0 corpo que morreu era 0 que res-
que mostrou eram réplicas para convencer outros suscitara (cf. Jo 20.8). Se Jesus ressuscitou numa for-
de sua realidade, mas não de sua materialidade. Essa ma espiritual, não há razão para 0 corpo físico não
visão é bem mais sofisticada e menos naturalista. permanecer no túmulo. Afinal, Deus é capaz de con-
Ela não se classifica como naturalista típica nem li- vencer pessoas de sua presença e realidade sem qual-
beral. Mas está mais próxima do erro neo-ortodoxo quer forma corporal. Ele pode fazer isso com uma
sobre a ressurreição. Muitas seitas, como as Teste- voz do céu e outros milagres, como fez em outras
munhas de Jeová, defendem essa posição. Mas, como ocasiões (cf. Gn 22.1,11; Êx 3.2; Mt 3.17).
as posições naturalistas, tais posições também estão Essa visão tornaria falso 0 testemunho dos após-
sujeitas a falhas fatais. tolos sobre a ressurreição, já que afirmaram que Jesus
Para evitar 0 único e simples milagre de Jesus ressuscitara dos mortos no mesmo corpo físico em
ressuscitando como imortal no mesmo corpo físico que morreu. Ao falar da ressurreição, Pedro disse:
em que morreu, as pessoas que buscam uma expli-
cação de corpo espiritual supõem que pelo menos Prevendo isso, [Davi] falou da ressureição de Cristo, que
dois milagres aconteceram. Primeiro Deus destruiu não foi abandonado no sepulcro e cujo corpo não sofreu de-
ou transformou imediata e misteriosamente 0 cor- composição. Deus ressuscitou este Jesus, e todos nós somos
po físico em corpo não-tísico. Alguns dizem que ele testemunhas desse fato (At 2.31,32).
ressurreição de Cristo 778

Se isso é verdadeiro, 0 corpo de Jesus não foi argum entos contra ). Outros admitem algum tipo de
destruído; esse mesmo corpo de “carne” ( sarx) foi intervenção divina misteriosa para explicar 0 túmulo
ressuscitado. Foi este Jesus 0 mesmo que foi crucifi- vazio, mas ao mesmo tempo rebaixam desneeessa-
cado (v. 23) e, à semelhança de Davi, morreu e foi riamente os registros bíblicos e 0 caráter de Cristo
sepultado (v. 29). O apóstolo João mostra a continui- (v. C r i s t o , s i n g u l a r i d a d e d e ).
dade entre 0 corpo de carne anterior à ressurreição
e 0 corpo no qual Jesus ressuscitou e que ainda tem Fontes
à direita do Pai. João escreveu: J. Boice, Foundations of the Christian faith.
W . C r a ig , K n o w in g th e tru th a b o u t th e resu rrection .
Oque era desde 0princípio, 0 que ouvimos, 0que vimos com N . L . G e u l e r . The battle for the resurrection.
os nossos olhos, 0 que contemplamos easnossas mãos apalpa- , In d e t e n s e o f th e res u r re c tio n .
ram — isto proclamamos a respeito da Palavra da vida(lJ0 1.1). R . G u n d r y . S o w i ? in biblical theology with emphasis on

pauline anthropology.
João disse que “ todo espírito que confessa que G. Haber.\:aí, T h e r es u r re c tio n o f J e s u s : an a p o lo g e tic .
Jesus Cristo veio em carne procede de Deus” ( 1 J0 M . H a r k !', F ro m g r a v e to g lo ry .
4.2). O uso do passado, junto com 0 presente (2J 0 7) G. Ladp, I b e lie v e in th e r es u r re c tio n o f Jesu s.
em passagens paralelas enfatiza que Jesus ainda es- J. A . Schep, T h e n a tu re o f th e r es u r re c tio n body.
tava (agora no céu) na mesma carne em que veio ao
ressurreição de Cristo. Ordem dos eventos. Histó-
mundo. Logo, negar que Jesus ressuscitou no mes-
rico. Os críticos geralmente alegam que 0 registro
mo corpo físico no qual morreu torna Jesus um en-
ganador e seus discípulos, falsos mestres.
dos evangelhos, principalmente no tocante à ressur-
Tal idéia é fortemente contrária à interpretação
reição, não é aceitável pelas contradições entre os
judaica e bíblica da ressurreição, em que 0 corpo que
relatos. Por exemplo, a ordem dos eventos parece ser
morreu é 0 mesmo que sai do túmulo. Jó disse: “Eu sei
diferente nos diversos registros. Os evangelhos des-
que 0 meu Redentor vive, e que no fim se levantará
crevem Maria como a primeira pessoa que viu Jesus
sobre a terra. E depois que 0 meu corpo estiver
depois da ressurreição, mas ICoríntios 15.5 diz que
destruído e sem carne, verei a Deus” (Jó 19.25,26).
Pedro loi 0 primeiro. Da mesma forma Mateus 28.2
Daniel falou de uma ressurreição física do túmulo,
diz que Maria !Madalena e a outra Maria foram as
dizendo: “Multidões que dormem no pó da terra acor-
prim eiras a chegar ao túm ulo, enquanto João
darão: uns para a vida eterna, outros para a vergonha,
20.1descreve apenas Maria Aladalena no local.
para 0 desprezo eterno” (Dn 12.2). Jesus afirmou que
No entanto, apesar dessas diferenças, 0 exame
0 que é ressurreto é 0 corpo físico que sai do túmulo:
minucioso dos registros da ressurreição revela a
harmonia oculta. Na verdade, demonstra 0 tipo de
Não fiquem admirados com isto, pois está chegando ahora
unidade nas diferenças - esperado de testemunhas
em que todos os que estiverem nos túmulos ouvirão a sua voz e
independentes e confiáveis que não estavam cons-
sairão; os que fizeram 0 bem ressuscitarão para avida, e os que pirando. Logo, a alegação de que os evangelhos se
fizeram0mal ressuscitarão para seremcondenados (Jo 5.28,29). contradizem é falha por várias razões.
A harm onia dos registros da ressurreição. Há
Paulo falou a crentes de luto sobre a expectativa uma ordem geral discernível dos eventos ocorridos
de ver seus queridos nos seus corpos ressurretos após a ressurreição nos registros do \t. Todos os
(lTs 4.13-18), observando que teremos corpos como outros eventos se encaixam nessa lista geral da se-
0 de Cristo (Fp 3.21). guinte maneira:
Conclusão. Há várias tentativas de evitar a res-
surreição física de Cristo. Além da evidência esma- Mt Mc Lc Jo At t Co
gadora da ressurreição física de Cristo no mesmo 1. Maria
Madalena ‫ץ‬ ‫ץ‬
corpo em que viveu e morreu (v. r e s s u r r e i ç ã o , e y i d é n -
c i a s d a ) , não há fatos que comprovam qualquer uma 2. Maria e
dessas teorias. Nenhuma delas explica os fatos. A mulheres x x
maioria é puramente naturalista, 0 que é contrário
3. Pedro \ χ
ao fato de que Deus existe (v. c o s m o l ó g ic o , a r g u m e n t o ;
m o r a l d e D e u s , a r g u .m e n t o ; t e l e o l ó g i c o , a r g u m e n t o ) e 4. Dois χ
que pode fazer e fez milagres (v. m i l a g r e ; m i l a g r e s , discípulos
779 ressurreição de Cristo

1. “Maria Madalena” visitou 0 túmulo de Jesus


5. Dez
apóstolos x x no domingo de manhã, “estando ainda escu-
ro” (Jo-20.1). (É possível que outra pessoa
6. Onze estivesse com ela, já que diz “ sabemos”
apóstolos x [Jo 20.2].)
2. Ao ver que a pedra fora rolada (Jo 20.1), ela
7. Sete χ
apóstolos correu de volta para Pedro e João em Jerusa-
lém e disse: “não sabemos onde 0 colocaram” (v. 2).
8. Todos os 3. Pedro e João correram até 0 túmulo e viram
apóstolos y os lençóis vazios (Jo 20.3-9); depois, os discí
(Grande X X
pulos [Pedro e João] voltaram para casa”
Comissão) X
(v. 10). Mas Maria Madalena seguiu Pedro e
9. Quinhentos João para 0 túmulo.
~ X
irmãos 4. Depois que Pedro e João partiram, Maria Mada-
lena, que permanecera junto ao túmulo, viu
10. Tiago χ
dois anjos “onde estivera 0 corpo de Jesus
11. Todos os
(Jo 20.12). Então Jesus apareceu a ela(Mc 16.9)
apóstolos Xx e disse que voltasse aos discípulos (Jo 20.14-17).
(Ascensão) 5. Quando Maria Madalena saía, as outras mu-
lheres chegaram ao túmulo com aromas para
12. Paulo X X embalsamar 0 corpo de Jesus (Mc 16.1).“ Tando
começo 0 primeiro dia da semana” (Mt 28.1).
As mulheres do grupo, incluindo a “outra Ma-
ria” (Mt 28.1), a mãe de Tiago (Lc 24.10), Salomé
Pedro viu 0 túmulo vazio, não 0 Cristo.
(Mc 16.1) e Joana (Lc 24.1,10), também viram
Outros teólogos (cf. Wenham, p. 139) invertem os
a pedra que fora rolada (Mt 28.2; Mc 16.4; Lc
números 3 e 4 (mas v. Lc. 24.34) e alguns combinam 8 e 9.
24.2; Jo 20.1). Ao entrar no túmulo, viram“dois
Mas isso não afeta a conciliação de todos os dados. De
homens” (Lc 24.4), um dos quais falou com
qualquer forma não há contradição comprovada.
elas (Mc 16.5) e lhes dis-se para voltar para a
Quando vários fatores são observados, não há
Galiléia, onde veriam Jesus (Mt 28.5-7; Mc 16.5-
muita dificuldade em organizar as várias aparições. 7). Esses dois homens eram na verdade anjos
Primeiro, porque Paulo quando defende a res- (Jo 20.12).
surreição, fornece uma lista oficial que inclui 6. Enquanto Maria Madalena e as mulheres saí-
apenas homens (as mulheres na época não podiam am para contar aos discípulos, Jesus aparaceu
testemunhar no tribunal). para elas e lhes disse para irem à Galiléia avi-
Segundo, é compreensível que a aparição a Pau- sar seus “irmãos” (Mt 28.9,10). Enquanto isso,
10 não esteja nos evangelhos, já que sua narração “os onze discípulos foram para a Galiléia, para
termina com a ascensão de Cristo e Paulo viu a 0 monte que Jesus lhes indicara” (Mt 28, 16;
Cristo anos depois (At. 9.3s.; 1 Co 15.7).

Potrebbero piacerti anche