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A linguagem da literatura
A essência da arte literária está na palavra. Usada por escritores e poetas em todo o seu potencial
significativo e sonoro, a palavra estabelece uma interessante relação entre um autor e seus leitores/ouvintes. Em
uma entrevista, ao explicar qual é sua relação com a linguagem, o romancista português António Lobo Antunes
disse o seguinte:
LAGO, Bia Corrêa do. Lobo Antunes. Umas palavras: 15 entrevistas memoráveis.
Rio de Janeiro: Capivara, 2012. p. 116. (Fragmento).
Mais do que relatar uma sequência de acontecimentos, as narrativas procuram criar contextos ficcionais
em que os leitores se reconheçam ou se encontrem nas personagens, seres ficcionais que enfrentam dificuldades
e desafios muito semelhantes àqueles enfrentados por todos nós. Suas emoções, suas reações, seus conflitos e
alegrias precisam ser apresentados de modo verossímil, para que essa identificação aconteça. É por essa razão
que o trabalho com a linguagem é tão importante para a criação literária.
Para definir o desafio dos escritores, Lobo Antunes diz: “Você tem de tentar vestir as emoções de
palavras, de maneira que o leitor sinta, através da roupa, a carne que está lá, não estando lá”. Para compreender
a imagem criada pelo autor português, precisamos compreender as comparações que a construíram. Sabemos
que emoções não podem ser “vestidas”. Como também sabemos o que são roupas e que função elas têm quando
as vestimos, temos condições de reconstruir a imagem criada por ele: escolher as melhores palavras para
expressar emoções e sentimentos significa, por meio dessas palavras, permitir que o leitor conclua que há algo a
mais a ser identificado, a “carne” (ou seja, as emoções) vestida por elas.
No texto de Lobo Antunes, palavras como vestir e carne foram usadas em sentido conotativo. Mia
Couto, no trecho transcrito na abertura deste capítulo, exemplifica o poder do uso conotativo da linguagem para
desenhar cenários, sugerir emoções e desencadear sentimentos. O narrador de Terra sonâmbula fala da
“estrada morta”, da paisagem que se “mestiçara de tristezas nunca vistas”, em “cores que se pegavam à boca”,
para citar somente alguns exemplos.
O sentido conotativo (ou figurado) é aquele que as palavras e Além do objeto
expressões adquirem em um dado contexto, quando o seu sentido literal é
modificado. Nos textos literários, predomina o sentido conotativo. A
linguagem conotativa é característica de textos com função estética, ou seja,
que exploram diferentes recursos linguísticos e estilísticos para produzir um
efeito artístico.
Em textos não literários, o que predomina é o sentido
denotativo (ou literal). Dizemos que uma palavra foi utilizada em sentido
literal quando é tomada em seu significado “básico”, que pode ser
apreendido sem ajuda do contexto. A linguagem denotativa é típica de
textos com função utilitária, ou seja, que têm como finalidade predominante
satisfazer a alguma necessidade específica, como informar, argumentar,
convencer, etc.
Como vimos, o uso literário das palavras promove a multiplicação dos sentidos e, assim, permite que o
texto sofra diferentes leituras e interpretações. O uso conotativo da linguagem faz com que as palavras, ao
aparecerem em contextos inesperados ou imprevisíveis, ganhem novos significados e produzam interessantes
efeitos de sentido.
Profundamente
O trecho do poema começa com a lembrança de um acontecimento passado: um menino de seis anos
adormeceu e não viu o fim da festa de São João. Nesse trecho, o verbo adormecer é usado em sentido literal e
significa “dormir, cair no sono”.
A segunda estrofe retoma o momento presente, evocado pelo advérbio hoje, que a inicia. A lista de
familiares, associada à pergunta final (“Onde estão todos eles?”), cria o contexto necessário para que o
verbo dormir ganhe, na última estrofe, um sentido figurado. Passados muitos anos daquela longínqua festa de
São João, a avó, o avô, Tomásia, Rosa “estão todos dormindo”. Imediatamente concluímos
que dormindo significa que eles morreram.
O uso do advérbio profundamente reforça a ideia de sono profundo, do qual os familiares não irão mais
despertar. Quando associamos a passagem de tempo ao “desaparecimento” daquelas pessoas, percebemos que
foi criado o contexto no qual o verbo dormir ganha um novo sentido.
As memórias da infância são fonte inesgotável de inspiração. Este outro poema tematiza a infância
explorando diferentes sentidos da palavra.
Madrigal
Madrigal
Meu amor é simples, Dora,
Como a água e o pão. Composição poética breve que exprime
um pensamento fino, terno ou galante.
Como o céu refletido Surgiu no século XIV, no norte da Itália,
Nas pupilas de um cão. e destinava-se quase sempre a ser
musicada. Ainda hoje, muitos poetas
PAES, José Paulo. Melhores poemas: José Paulo Paes. escrevem madrigais.
Seleção de Davi Arrigucci Jr. São Paulo: Global, 2003. p. 69.
Para definir o seu amor por Dora, o eu lírico recorre à semelhança entre esse sentimento e dois
alimentos vitais para os seres humanos: o pão e a água. A aproximação entre o amor, o pão e a água sugere que
esse sentimento é tão essencial para o eu lírico quanto os alimentos mais básicos.
Eu lírico ou eu poemático é o “eu” que fala na poesia. Seu equivalente nos textos em prosa é o narrador.
A segunda comparação presente no poema reforça a ideia de simplicidade do amor. Um cão, ao olhar
para o céu, não interpreta o que vê. Além disso, a comparação entre o amor e a imagem do céu refletido nos
olhos do cão (símbolo, talvez, da fidelidade) estabelece uma ponte entre o que é pequeno/particular (os seres
humanos, os alimentos) e algo grande/ universal (o céu).
O efeito das comparações na construção do sentido do poema é claro. São elas que nos ajudam a
identificar duas características “definidoras” do amor: o fato de ele atuar como um alimento, que mantém vivos
os amantes, e também como uma força transformadora, que promove uma certa superação da dimensão pessoal
em direção à universalidade.
Um outro recurso linguístico que explora as possibilidades criativas da linguagem são as metáforas.
Em grego, o termo metaphorá significa “mudança, transposição”. Na origem das metáforas, portanto,
existe um processo de substituição: aproximam-se dois elementos que, em um contexto específico, guardam
alguma relação de semelhança, transferindo-se, para um deles, características do outro.
Dito assim, parece complicado, mas não é. Observe o seguinte poema de Sophia Andresen:
Novembro
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. Obra poética III. Portugal: Editorial Caminho, 1997. p. 41.
Sabemos que um mês não “respira”, porque a respiração é um atributo dos seres animados. O que
significa, então, o primeiro verso do poema?
Sophia Andresen era uma escritora portuguesa e, na Europa, o inverno começa no fim do mês de
setembro. Durante o inverno, o frio rigoroso faz com que a respiração das pessoas torne-se visível.
Com a metáfora da “respiração” de Novembro, Sophia Andresen torna mais “concreta”, para o leitor, a
ideia do ar gelado que atua sobre a natureza, desfolhando as árvores, destruindo a vida.
NERUDA, Pablo. Confesso que vivi. Tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: Difel, 1978. (Fragmento).
Disponível em: <http://www.releituras.com/pneruda_menu.asp>.
Acesso em: 22 set. 2014
Por meio de uma série de comparações e metáforas, o poeta chileno Pablo Neruda define, liricamente, a
importância da palavra para a literatura.
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Fonte bibliográfica:
ARRAUE. M.L.M, PONTARA. M. Literatura: Tempos, Leitores e Leituras – São Paulo: Moderna, 2015.
(Texto adaptado)