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uma nova qualidade. A cada pequena oscilação positiva da economia, das taxas de
mesmo vale, e não por acaso, para todas as outras esferas da vida: as reformas na
educação, mesmo quando trazem melhorias imediatas, apenas aprofundam a sua crise;
públicas em geral, idem, idem; as medidas para melhorar a vida apenas fazem agravar
hoje vivemos trouxe a maior epidemia da história: a depressão. Nunca, pelo planeta
afora, tantas pessoas, cotidianamente e por tanto tempo, padeceram do mesmo mal. O
remédio tem sido drogá-las para que sintam menos a dor que é viver nos nossos dias.
Mais impressionante, ainda, é que essa não é uma doença, como o “banzo” dos
escravos no Brasil, que tinha uma clara coloração de classe. A depressão, tal como um
vírus, se esparrama por todas as classes e estratos sociais. Ela é a primeira causa da
Os anos que vivemos são os primeiros da história em que mais pessoas morrem
por suicídio que nas guerras! E o suicídio cresce em todas as esferas: em países
laranja em São Paulo; entre pessoas com mais de 50 anos e entre jovens entre 18 e 25
tão desumana que não há mais, nela, lugar para os humanos: a alienação, isto é, a
desumanidade posta pela própria humanidade, ganhou um peso e uma dimensão que
Por todos os lados que se olhe, o quadro é semelhante. Da conversão dos centros
famílias, da Igreja de Roma aos times de futebol: não há nada, nenhuma instituição,
nenhum complexo social que não esteja sob a crise dos seus fundamentos.
Há pouco lugar à dúvida, se é que há alguma, de que vivemos dias difíceis. Mas,
reais que a própria consciência), vai se dando conta da essência da situação em que nos
têm lugar no nosso presente. Para ficar, no tempo e no espaço, próximo a nós: o PT
podia até ser a favor do aborto no passado. Sob os governos petistas, a liberdade do
aborto, antes clandestina e limitada, mas real, desapareceu quase por completo. O PT
pode até defender um Estado laico e um ensino laico: não foi sob os governos petistas
que a concentração da renda foi impulsionada – inclusive por políticas públicas como o
da saúde? Nunca os planos de saúde dominaram tanto o setor como nos anos Lula-
Dilma… Quando o ensino privado mais avançou com financiamento do Estado sobre a
Essa é a razão para que, hoje, os “democratas” não sejam mais nossos aliados na
luta pelos “direitos” dos trabalhadores. Eles, os próprios democratas, assumem como
estrutural necessita para sobreviver. O mercado é o senhor dos reformistas tal como o
dos burgueses.
sujo” da repressão: são capazes de coisas que nem Hitler sonhou! Qual o mais bárbaro
torturadores não estão submetidos a nenhuma Constituição e, por isso, fazem o que
querem com os prisioneiros? Qual o lugar no mundo em que os direitos humanos não
Unidos! Quais são os países que estão montando o maior e mais intenso sistema de
países europeus! Não são essas mesmas democracias que montaram os centros
E, cá entre nós, não foi a democracia petista que colocou em prisão de segurança
máxima alguns pobres indivíduos que, nas vésperas das Olimpíadas, entraram em sites
do Estado Islâmico? Um deles não terminou morto um dia depois de transferido para
uma prisão comum? O crime: nenhum! Não haviam feito nada além de manifestar suas
opiniões… Não foi essa mesma democracia petista que perseguiu as lideranças que
surgiram da explosão de 2013? E não foi essa mesma democracia petista que
domesticou o MST, que desmontou boa parte do movimento popular pela cooptação
por essa mediação, sobre a produção teórica. Tal como na vida cotidiana, tal como na
luta política, também na teoria as opções vão se reduzindo às opções de fato
mercado sem que se fosse preciso superar o próprio mercado (a transição da razão
que ainda defendiam ser o trabalho o fundamento do mundo dos homens. Vilmar
Farias, uma então notória personalidade intelectual e professor da UNICAMP, era dos
Habermas? Quem o toma por capaz de fundar um novo “projeto societal” que torne
melhor a vida de todos? Quem ainda se lembra de Vilmar Farias, além de uns poucos
espaço de sala de aula é uma mediação para uma “educação revolucionária”, não
terminaram tendo de se confrontar com a dura realidade de que essa mediação de nada
serve para a revolução, pois é uma mediação social criada e controlada pelo Estado?
Tal como a sociedade degenera para uma violência cada vez mais generalizada, a
Makarenko, de Ana Maria Nidelcof a Saviani, as ilusões com o espaço da sala de aula
Muito poderia ser dito da mesma tendência evolutiva nas ciências humanas em
geral: da sociologia, que nem sequer pode tomar a realidade como seu objeto de
pode sequer se colocar o questionamento do mercado; do serviço social, que cada vez
mais se converte numa mera mediação operativa das políticas de controle social
ordenadas pelo Estado, e assim sucessivamente. Aqui, contudo, nos interessa
impacto que teve no campo teórico da educação, as ilusões que foram alimentadas de
alguns? Ou ainda as descabidas ilusões dos projetos educacionais que foram gerados
que se criou ao redor do “trabalho como princípio educativo”. Tal como toda
crise e tem de revelar sua essência: não vai muito além de instrumento de manutenção
educação escolar na obra de Demerval Saviani, Inst. Lukács, 2015), Ivo Tonet (Educação
contra o capital, Inst. Lukács, 2014), Rosângela Melo (A necessidade da educação física na
escola, Inst. Lukács, 2014), Neide Favaro (Pedagogia histórico-crítica e sua estratégia
política: fundamentos e limites, Coletivo Veredas, 2017) e Maria Lúcia Paniago (Livro
dominantes. Este é um fenômeno particular de uma tendência bem mais geral, ainda
difícil momento tão apaixonante de ser vivido. As enormes forças que o capital tem à
ganhou a força das armas, ela avança no plano teórico. Indivíduos, mas também
pequenos grupos, vão brotando do solo da crise estrutural do capital, colocando novas
Lukács, uma esfera mais próxima a mim, nota-se uma clara alteração no eixo das
questão central era defender o trabalho como categoria “eterna” (Marx) porque
fundante (Marx, Lukács, Mészáros) da humanidade, hoje essa questão parece estar
trabalho proletário a uma socialidade fundada pelo trabalho associado – por tudo, uma
questão mais avançada, porque com consequências práticas imediatas. Por quais
mediações, por que meios libertar a humanidade das alienações que brotam do capital:
esse o novo eixo das investigações mais recentes que têm em Lukács uma referência
Mészáros.
textos principais, e mesmo a Estética, o Jovem Hegel e A destruição da razão têm suas
nova tradução (Luciano Martorano), com belas introduções de Paulo D. Fraga e Ingo
Elbe, agora com base na MEGA2, dos Manuscritos de 1844 foi recentemente publicada
pela (quem diria!) Martin Claret, depois da edição, com base no texto da Werke,
coordenada por José Paulo Netto, para a Expressão Popular, publicada em 2015 etc.,
etc.
Uma nova geração de investigadores é portadora dessa nova fase, e novos
autores vão trazendo à vida produções teóricas, reflexões, investigações que não
É nesse horizonte mais amplo que o livro de Rafael Rossi encontra seu lugar. Ele,
ponto de vista da luta de classes – o requer. Nem tão isolado, portanto, nem tanto
apenas obra de um único indivíduo, é essa conexão com o presente que possibilita ao
texto de Rafael Rossi abordar e fornecer uma resposta inequívoca à questão decisiva
educacional, por mais geral e profunda, fundar o “novo” ser humano, com valores e
ações que vão para além das alienações do capital? Não, sem deixar lugar a dúvidas,
nossos dias terminam, sem exceção, impossibilitados de ser, na prática, pouco mais do
do desejo de seus autores. Possibilita compreender por que teses e autores tão
fundamentais para a educação nas últimas décadas ficaram longe cumprir o que
sistema do capital em sua crise estrutural. O livro de Rafael Rossi não poderia ser mais
parágrafos são bem estruturados, a argumentação é bem articulada, o leitor não tem
leitura, o desejo por um próximo livro do autor. Que ele não nos faça esperar além do
devido.
Sergio Lessa
Berlim, 2017
Introdução
2008). Com isso, a ênfase passa a ser na “ampliação dos espaços democráticos”, em que
pode ter outro objetivo que não sua própria autorreprodução, à qual tudo, da natureza
(MÉSZÁROS, 2002, p. 800). Investem-se gigantescos esforços naquilo que, a nosso ver,
omnilateral”; uma “didática crítica” mesmo sem destruir o Estado e sem acabar com
sobre a educação, para que a luta não se dê apenas e tão somente no rebaixado
precisa estar avisado de que se trata de reflexões em tom provocativo que devem servir
mais amplo, nas lutas da classe trabalhadora), pelo viés da análise imanente às
presente livro consiste na compilação de vários textos que possuem elementos teóricos
para uma crítica aos mais variados estirpes do idealismo educacional contemporâneo,
Desse modo, não se trata de mapear a trajetória biográfica de Lukács, mas sim
compreensão da constituição do ser social como obra humana dos próprios homens,
numa obra intitulada Estética. Ele se propõe a escrever os delineamentos de uma Ética.
Todavia, para escrever a Ética era preciso buscar os seus alicerces “a partir dos
vários anos, e devido à sua morte em 1971, ele não pôde concluir seu objetivo. Os
italiana com os títulos Per uma Ontologia dell’Essere Sociale (1976-81) e Prolegomeni
(1990), na versão original, Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins (1984), como atesta
Lessa (2012a). No Brasil, os títulos são Para uma Ontologia do Ser Social (volume I e
volume II) e Prolegômenos para uma Ontologia do Ser Social. Com efeito, precisamos ter
(2007), o objetivo de Lukács era expor as limitações de duas grandes deformações que o
interpretação teleológica que considera cada formação social como etapa para a
indispensável para a elaboração de sua Ética apresenta, a nosso ver, elementos da mais
emancipação humana, ou seja, rumo ao comunismo. Por isso mesmo “Lukács permanece
até o fim fiel à aspiração de unir em uma só a ideia de revolução e de humanismo
avalanche idealista estende seu raio de abrangência numa proporção jamais vista antes
natureza quanto de outras práxis sociais (LESSA, 2014), o idealismo, com suas “crias”
movimentos sociais, até partidos políticos que se intitulam de “esquerda”. Não é por
acaso que autores “fast food” se tornam celebridades instantâneas e necessárias para a
sobre a “nova questão social”, “a vulnerabilidade dos grupos que sofrem a exclusão social”, o
‘método’ científico, por um lado, e pelo outro, a negação das contradições da vida”
(LUKÁCS, 1966, p. 65, tradução nossa). Esta crítica é de extrema atualidade no debate
2011, p. 85).
ontológica do complexo educacional? Qual a sua função social (isto é: a função que
trabalho, com os demais complexos sociais e com a totalidade? Apenas desse modo
poderemos obter uma perspectiva mais ampla, profunda, para além dos modismos
comunista.
formuladas por Lukács e por intelectuais que pesquisam esta mesma tradição marxista.
Capítulo i
articulações que ocorrem não só entre o trabalho e a educação, mas também com a
totalidade social. Isto, todavia, não ocorre, por ser esta meramente uma opção
acadêmica e intelectual. Mais do que isso: a ontologia marxiana instaura uma nova
diversos complexos sociais por meio de sua origem, natureza e função social, ou seja,
ação dos próprios homens e não com base em premissas especulativas e utópicas de
qualquer ordem. Por isso, logo no início, é preciso explicar o que é gnosiologia e o que
ontologia, por sua vez, é o “estudo do ser, isto é, a apreensão das determinações mais
gerais e essenciais daquilo que existe”, seja o ser natural, seja o ser social (TONET,
2013, p. 12).
qualquer objeto a ser conhecido” tem como “eixo o sujeito” e, com isso, “enfatiza-se,
especialmente o fato de que é ele que constrói (teoricamente) o objeto”. Em face disto é
como eixo o próprio objeto”. Cumpre esclarecer que “a captura do próprio objeto
1
Uma versão deste texto foi também publicada na revista entreideias, Salvador, v. 6, n. 2, p. 45-
66, jul./dez. 2017.
implica o pressuposto de que ele não se resume aos elementos empíricos, mas também,
e principalmente, àqueles que constituem a sua essência”. Isso ocorre mesmo se for
das relações que se estabelecem entre trabalho, educação e totalidade social é possível
empreendimento. Obviamente, num texto como este, esta tarefa é impossível de ser
humanos, “a história dos homens é resultado único e exclusivo das ações humanas”; 2)
2015a, p. 5-6).
enormes diferenças que apresentam entre si, possuíam uma impostação ontológica no
sujeito. Não é por um acaso qualquer que o lema do humanismo tenha sido justamente
“o homem, medida de todas as coisas”. Apenas Marx retoma ‒ ao longo de toda a sua
uma classe apropriar-se privadamente do fruto do trabalho de outra classe), das classes
propriedade privada das classes dominantes). Em Platão, por sua vez, há uma
Para os gregos, existia uma dimensão eterna que não poderia ter sido
construída pelos homens e tampouco poderia ser alterada por eles. É esta dimensão
que impunha limites ao fazer a história pelos próprios homens. Em Aristóteles, por
exemplo, o Cosmos era uma espécie de estrutura esférica articulando a esfera eterna e a
Terra, no centro. Esta “estrutura forneceria a cada coisa o seu ‘lugar natural’, de tal
modo que conhecer a essência de cada ente nada mais significava que descobrir o seu
natural” dos homens era o espaço delimitado pelos semideuses e os bárbaros, ou seja, a
Assim, a história humana estava dada em função do caráter “dualista de sua concepção
Tanto para os gregos quanto para os medievais, o mundo possuía uma ordem
hierárquica definida e imutável. Nem o mundo natural, nem o mundo social eram
encarados como históricos e, menos ainda, como obra da atividade dos próprios
do que de atividade, devendo adaptar-se a uma ordem cósmica cuja natureza não
2005, p. 22).
e uma série de outros fatores, a Europa viu crescer um movimento de fuga de suas
subsistência – o trabalho – começa a ser reestruturada com base não mais no trabalho
produção dos servos aos seus senhores, que, em troca, os protegiam em casos de
homem e seu Criador, iniciando-se com Adão, o primeiro homem, e sua queda, a
sentido de um tempo cíclico, sem início e sem fim, pois agora há um sentido que pode
partir do trabalho que, neste caso, deixava de ser baseado na relação de suserania e
científica, inaugura – por assim dizer – esse período de ruptura com a ontologia
medieval, pois passa a defender matematicamente “um modelo de cosmo em que o Sol
cientificidade moderna. Em seu Discurso sobre o Método ele argumenta que o “bom
evitando assim o erro” (MARCONDES, 2001, p. 162). Bacon, neste sentido, afirmava
que o “homem deve despir-se de seus preconceitos, tornando-se ‘uma criança diante
Para Locke é impossível conhecer as coisas na sua essência, apenas se pode ter
modo diferenciado entre os diversos filósofos, tinha como base comum o fato de uma
movimento era uma ameaça e defendia um Estado absolutista, o Leviatã. Adam Smith
p. 7). O equívoco de todos esses pensadores era compreender a essência burguesa dos
homens como a essência humana a-histórica e imutável. Para a ontologia marxiana, isto
é assim, pois “na história, este individualismo apenas existiu quando os homens foram
alienados pelo capital; apenas na sociedade burguesa há esta expressão de
pensamento de que o “o homem é o lobo do homem” e que ele “é movido por suas
paixões e desejos”, não hesitando “em matar e destruir o outro, seu semelhante”.
corrompe” (MARCONDES, 2001, p. 200). É apenas com Hegel que a história passa a ser
obra dos próprios homens, todavia, a essência é delimitada pela ação do “Espírito
Absoluto”, isto é, a história teria uma finalidade, “cujo resultado não poderia ser outro
criar uma sociedade que garantisse os interesses mínimos de todos os seus membros”.
Este acordo entre todos os cidadãos era o contrato social (LESSA, 2016).
que esta razão não é da subjetividade, é uma razão como princípio de racionalidade do
dizer que “é a lógica que constitui o universo da mundanidade” (CHASIN, 1988, p. 15).
mais um caráter puramente contemplativo, mas sim prático, já que estava voltado para
produção material, da qual uma das marcas mais decisivas é a divisão fragmentada do
trabalho, teve repercussões fundamentais na constituição da ciência moderna”,
fazendo com que ela perdesse de vista “os vínculos que interligariam os territórios
investigados”.
sendo substituída pela subjetividade” (TONET, 2005, p. 24). Isto é verificável em Kant,
pois “a primeira e fundamental questão” não é a respeito do ser, como o era para os
metafísica, mas sim materialista e de talhe dialético. Isso não se deve apenas à
revolucionária”, entre outros fatores, “porque seu projeto histórico era a emancipação
2012, p. 54). A economia estava nas mãos da burguesia e, embora “fossem os servos e
os artesãos que produzissem a maior parte da riqueza, uma boa parte vinha também
do comércio internacional e, até mesmo, dos saques de outros povos”. Foi “essa
Já a Revolução Industrial é importante, não tanto por seu aspecto político, como
no caso das revoluções burguesas, mas sim por seu aspecto social, consolidando uma
burguesia e não mais do clero ou dos reis. Até este período, “as ferramentas típicas
eram aquelas movidas pela força humana”, o que impunha um limite decisivo. Com a
“passou da condição em que a carência era inevitável para outra, muito superior, de
necessário para abastecer todas as pessoas do planeta” (TONET e LESSA, 2012, p. 64).
Assim:
tudo isso. De fato, a ontologia marxiana se funda a partir de três críticas: 1) a crítica da
e limites”, tendo como parâmetro “os lineamentos mais gerais e essenciais do processo
Por isso,
Isto, contudo, não quer dizer que exista plenamente um equilíbrio, mas sim que
determinação essencial – ontológica – que a objetividade oferece. Isso ocorre, pois, por
determina o fim, põe o campo de possibilidades a partir das quais a subjetividade faz
as suas escolhas”. Assim, “o ato de pôr fins, embora seja um ato livre, pois não é uma
2005, p. 36).
Marx irá constatar que o primeiro ato histórico, como afirmado em A Ideologia
(LUKÁCS). Marx pôde, dessa forma, afirmar que “o homem é um ser genérico e
indivíduo seja social por natureza e não porque viva em sociedade” (TONET, 2005, p.
39).
deva ser resumido ao trabalho, como esclareceremos no próximo item. O “fio condutor
que passam a ter uma dependência ontológica para com ele e uma determinação
dimensão fundante”. Com este processo o ser social se torna mais heterogêneo, diverso
e mais unitário, com uma unidade indissolúvel entre existência e consciência e entre
indivíduo e sociedade. Estas unidades indissolúveis, por sua vez, “só podem ser
desse conhecimento a partir dos processos históricos reais” (NETTO, 2009, p. 775). A
teoria, na abordagem de Marx, não se reduz ao exame das formas de um objeto, “com o
dar conta [...] de seu movimento visível”, mas sim como “uma modalidade peculiar de
conhecimento”.
movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa”. Por meio da teoria, “o sujeito
reprodução “será tanto mais correta e verdadeira quanto mais fiel o sujeito for ao
p. 777).
reprodução da vida humana o problema central; surgem, tanto no próprio ser humano
como em todos os seus objetos, relações”, e isto como “dupla determinação de uma
insuperável base natural e de uma ininterrupta transformação social dessa base”. Neste
caso, também no trabalho estão contidas “in nuce todas as determinações que [...]
constituem a essência do novo ser social” (LUKÁCS, 2018b, p. 10). Por isso, se
tal como ele é em meio à totalidade social, é necessário levar em consideração sua
origem histórica e ontológica. Lukács delineia essas questões em sua obra Para uma
Ontologia do Ser Social, contribuindo com reflexões a respeito dos limites e das
histórica da realidade social. Aliás, esta é uma perspectiva já discutida por Marx e
desenvolvimento do ser social, pois irá “chamar à vida” – para usar uma expressão de
Lukács – uma série de outros complexos que terão funções sociais qualitativamente
distintas das do trabalho, ainda que com ele se articulem. De modo geral, a perspectiva
anseios do homem. Além disso, sem um conhecimento correto (que, contudo, nunca é
trabalho.
reprodução do capital.
colocar em relevo pontos essenciais da sua teoria social para o entendimento da relação
entre trabalho e educação. Em primeiro lugar, não se pode analisar a educação ou “as
relações jurídicas” por “si mesmas”, já que “essas relações têm, ao contrário, suas
raízes nas condições materiais de existência”. Marx chama a atenção aqui para a
Contudo, estes dois momentos não se encontram à deriva, pois é o “ser social que
trabalho.
educação para com o trabalho (TONET, 2005). Estas elaborações são abstrações que
traduzem a real ligação entre estas duas categorias, que são ontológicas do ser social. O
que se baseie na própria lógica de complexificação do ser social como ele se dá, ou seja,
origem histórico-ontológica vinculada aos atos de trabalho e como que ela irá
para a reprodução social de uma forma de sociedade fundada num determinado tipo
base no trabalho assalariado determina ontologicamente a orientação que a ciência irá ter.
Suíça, que permite aos cientistas compreenderem melhor o nosso universo), contudo, a
fome, a miséria e tantas outras penúrias ainda existem de modo abundante no mundo.
humanas.
Outro exemplo que podemos mencionar para dar concretude ao que estamos
falando são os dados levantados por Ziegler (2011) de que há hoje uma produção de
assim, 100 mil pessoas morrem de fome por dia. A perspectiva reformista observa esta
socialmente pela humanidade. Esta é a função social, ou seja, a função que o complexo
educacional cumpre no processo de reprodução do ser social. Isto, todavia, não quer
dizer que a educação não seja atravessada pelos antagonismos sociais, em especial, no
outros escritos, o filósofo húngaro já havia apontado para o fato de que o que
na reprodução social, devemos, pois, “começar pela análise do trabalho”. Todavia, para
contemporaneidade.
Se assim procedermos com o trabalho veremos que ele é a única categoria que
funda o ser social, cabendo-lhe a função social de produção dos meios de produção e
trabalho “contém um processo entre atividade humana e natureza: seus atos são
46). Essa é a função que ele desempenha para a continuidade, para a reprodução do ser
específico.
humanos (ou outros grupos humanos) a executar, por sua parte, posições teleológicas
Conforme Lukács:
relevante para compreendermos que o que torna o trabalho a única categoria fundante
e todas as outras práxis fundadas é a função social. Assim, “para Marx, o trabalho
possui uma função social muito precisa: faz a mediação entre o homem e a natureza, de
tal modo a produzir a base material indispensável para a reprodução das sociedades”
ser transformada que particulariza cada um dos complexos sociais” (LESSA, 2014, p.
de ser o trabalho a categoria fundante do mundo dos homens” e, com isso, estará
exclusivo da ação dos seres humanos” e estará, ainda, “revogada a demonstração por
Marx da possibilidade e da necessidade históricas da revolução proletária” (LESSA,
2012, p. 28-29).
Capítulo ii
Educação e emancipação
tarefas hercúleas como: dar conta das desigualdades sociais, promover a construção de
uma “cidadania crítica”, ser “humanizadora”, e vários outros rótulos. Há também outra
ela nada pode no tocante à transformação social. Na contramão dessas duas linhas de
possibilidades reais que ela pode oferecer. Com efeito, é preciso explicitar as
a explicitação das formulações elaboradas por I. Tonet (2005; 2007; 2010; 2012; 2014) no
fundante do ser social, o trabalho, e assim contribuirmos com uma reflexão de ordem
Numa apertada síntese, podemos dizer que o ser humano não é “dado” por
natureza, isto é, não se forma por aspectos meramente biológicos e/ou naturais tão
humana, uma práxis social que se diferencia substancialmente das outras práxis
humanas em razão da sua função social, ou seja, do papel que exerce para a
reprodução social, para a continuidade do “mundo dos homens”. Esta atividade primária
atender às necessidades humanas. Os atos de trabalho irão dar origem a uma série de
originaram pelo trabalho precisam ser transmitidos e apropriados pelos seres humanos.
fundante que é o trabalho, articulado com os demais complexos sociais, num sentido
de dependência ontológica dos demais complexos para com o trabalho. Também é preciso
considerar que tais complexos (no caso em análise, a educação) possuem uma
complexo educativo possui com o trabalho, isto é, as múltiplas influências que ocorrem
na interferência dos homens com a natureza e deles entre si. Aliás, o próprio Lukács
entende a relação recíproca entre tais complexos, quando afirma: “O fator subjetivo,
muitos campos, como um fator por vezes modificador e, por vezes, até mesmo
Tonet (2007) nos alerta que é de suma relevância, em todos esses aspectos,
exerce para a reprodução social. Por função social devemos entender “a função que
dele e de outros momentos que integram sua Ontologia do ser social podemos perceber a
autonomia relativa dos complexos sociais com relação ao momento fundante. O fato de o
trabalho “chamar à vida produtos sociais de ordem mais elevada” faz com que a
educação se insira neste aspecto – isto não quer dizer que tais complexos se separam de
homem, ou seja, no salto ontológico do ser natural ao ser social (que, todavia, não anula
atuam na relação dos homens entre si, e não no intercâmbio orgânico do homem com a
primárias. Entretanto, tal entendimento não quer dizer que essas posições teleológicas
ele pode ser compreendido como um processo “composto pela prévia ideação e pela
causalidade posta (ao colocarem na realidade objetiva uma “lógica” oriunda da ação
tudo” (MARX, 2008). Isto acontece porque o campo de possibilidades reais que o
uma lança para abater (teleologia) um determinado animal, por exemplo, está
processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que
determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”
pois em seu sentido amplo (ontológico) ela visa capacitar os homens. Nas palavras do
mais tarde em suas vidas” (LUKÁCS, 2018b, p. 133). Dessa forma, a educação cumpre a
a partir daquela atividade sensível humana que é o trabalho. Não poderia existir o
trabalho, toda totalidade social se altera, inclusive a educação, no sentido de que ela –
em seu conjunto – irá se orientar por aquele tipo determinado de trabalho. Importante
afirmar que a totalidade social engloba o “conjunto de todas as relações sociais que
sintetizam uma dada formação social” e, neste sentido, ela é uma “expressão do
orientação geral dominante da educação visa atender aos interesses das classes
função disso, a educação também irá ser norteada para manter este tipo de
sociabilidade.
privada (aqui entendida como a relação social pela qual uma classe – dominante – se
sociais alienantes. Isto, todavia, não quer dizer que a sua função social de transmissão e
sido descartada, mas sim que não se trata de todo “patrimônio material e espiritual”
que será transmitido e apropriado, porém apenas o conjunto de conhecimentos e
sociabilidade existente e que se oriente pela forma concreta de trabalho em cada caso
material do feudalismo (trabalho servil). O capital encontra sua forma mais plena de
que o modo de produção servil lhe impunha e realizando sua emancipação política. O
É neste sentido que é preciso entender o fato de que toda totalidade social está
fundada num determinado tipo de trabalho que orienta todos os demais complexos
sociais (educação, filosofia, arte, ciência, religião etc.). O trabalho escravo fundava o
moderna para além dos entraves políticos, religiosos e aristocráticos inerentes ao modo
de produção feudal.
mais é que a expressão cotidiana do capital” (LESSA e TONET, 2012, p. 47). O mercado
se emancipa da tutela do Estado – emancipação política –, e a violência não pode ser mais
ideológica para que o Estado “vele” seu conteúdo de classe e se apresente como
contudo, esta igualdade formal possui como base uma desigualdade real. Com efeito, “na
2012, p. 49).
Foi preciso realizar esta reflexão com relação à emancipação política, para
econômica da sociedade burguesa, que domina tudo” (MARX, 2008, p. 267, grifo
trabalho possui como função social em sentido amplo realizar o intercâmbio orgânico
capitalismo, o trabalho do proletário não serve apenas para produzir valores de uso,
mas para produzir mais-valia, ou seja, para produzir trabalho não pago pelo capitalista e,
expansão do capital”; esta expansão deve ser entendida tanto no sentido de riqueza
forma de propriedade privada que se distingue das formas anteriores pela sua
reprodução que não seja a sua reprodução ampliada” (LESSA, 1999, p. 13).
mostram que o brasileiro, em média, consome 5,2 litros de agrotóxicos por ano. Apesar
lucro e o Brasil fica com o custo social, ambiental e a contaminação (FOLGADO, 2014).
Não é por acaso que, a cada ano, 3 milhões de pessoas são intoxicadas com os
agrotóxicos e mais de 220 mil chegam a morrer, o que corresponde a 660 mortes por
mundo que possibilitem garantir a sua própria reprodução de modo cada vez mais
humano? Ou cada vez mais se forma mão de obra qualificada para atender às
negócios. Este instituto surgiu em 2009 e faz parte da J & F Investimentos, que possui
articulações com empresas como: JBS (uma das maiores processadoras de proteína
3
Informações mais detalhadas e todas as citações extraídas encontram-se disponíveis em:
<http://www.escolagerminare.org.br/instituto-jbs/index.php> e <
http://canalrural.ruralbr.com.br/noticia/2013/07/canal-rural-apoia-a-educacao-empreendedora-no-brasil-
atraves-do-instituto-germinare-4202076.html> Último acesso em: dez. 2013.
para jovens potenciais, com o propósito de formar administradores de empresas e gestores de
negócios, que serão líderes do futuro”. Esta escola oferece instrução gratuita no Ensino
Fundamental II e Ensino Médio com a meta de “disseminar uma proposta educacional que
reconheça e abra possibilidades para jovens de alto potencial que, de outra forma, não teriam
condições de utilizar seus talentos para projetos mais ousados de vida”. Nesta escola, “os
assalariado/abstrato é irreformável, porém não implica que não seja superável. Vimos
como, por meio do ato de compra e venda da força de trabalho, a extração de mais-
necessária para que este sistema continue a se reproduzir. Não existe capital parado,
estático.
A relação social que o capital promove é cada vez mais destrutiva (MÉSZÁROS,
2002) com relação às necessidades humanas, por isso a igualdade não conseguirá – na
sociabilidade burguesa – deixar de ser uma igualdade formal, pois querer uma igualdade
homem pelo homem, só é possível para além do capital, ou seja, numa sociedade
comunista!
trabalho, e não o valor criado por ela na sua utilização (uso) – e este último é maior que
portanto, um enorme impacto sobre a classe trabalhadora não apenas no que diz
capital.
estreito. É mais amplo, pois inclui outras atividades humanas que não apenas que
mesmo tempo, mais estreito que o trabalho em seu sentido ontológico, pois só produz
mais-valia (LESSA, 2007, p. 221). Dessa forma, todos os complexos sociais serão
caso do capitalismo), ela sempre irá atender em seu conjunto aos interesses e demandas
do capital. Ignorar este fato é abandonar uma análise baseada numa perspectiva
ontológica marxiana (ou seja, que analisa a realidade como ela é e não como nós
imaginamos que ela seja) e nadar “de braçada” no idealismo, o que fatalmente nos
levará a posturas reformistas e politicistas. Entretanto, isto não quer dizer que não seja
enquanto categoria fundante do ser social. Tendo tais elaborações por base, foi possível
debatido por Tonet, a investigação já está ‒ desde o início – fadada ao fracasso. Não há
uma “receita de bolo”; “palavra mágica” ou “didática” presente na obra deste autor no
que concerne ao debate sobre o complexo da educação. Há, todavia, uma análise crítica
que se articula a esta totalidade, tendo no trabalho sua categoria fundante. Podemos
diversos momentos por Tonet, seguindo as pistas deixadas por Lukács em sua
Ontologia.
luta revolucionária) ser feito em sala de aula – seja na universidade, seja em uma
escola. Todavia, também não temos a ilusão de “querer pensar uma educação
política educacional” (TONET, 2012, p. 38). Este modo de encarar as coisas não tem
“igualitária”, “popular” etc.; é preciso apreender do processo histórico que tais desejos e
Tais reflexões também são importantes para não colocar sobre os “ombros” do
campo educacional uma responsabilidade que lhe é inviável, como, por exemplo, os
etc. Para isso é fundamental entender a diferença qualitativa entre a emancipação política
capitalista.
Neste ponto, vale a pena uma reflexão: por que “atividades educativas
da classe trabalhadora; esta, sim, deve ser valorizada na luta contra aquela. Contudo, é
por meio dos atos de trabalho, instauram uma causalidade posta, ou seja, uma “lógica”
eminentemente histórica e social, e não meramente dada pela natureza. Esta causalidade
Dessa forma, o campo de possibilidades que esta totalidade social no capitalismo torna
educação é fundada ontologicamente pelo trabalho, e não o contrário. Por isso, o que a
fundante do ser social e que toda formação social específica possui um determinado
tipo de trabalho que a funda, como podemos então argumentar ser possível uma
educação em seu conjunto que seja “revolucionária e emancipadora” sem rompermos com
pois enquanto não caminharmos de modo cada vez mais acentuado na luta socialista,
querer que o complexo social da educação se altere radicalmente é o mesmo que querer
indivíduos possui íntima conexão com as relações sociais. É falso, deste modo, afirmar
que os homens são “naturalmente egoístas”; eles tornam-se egoístas e/ou solidários em
integral sem apontar, claramente, a supressão das condições materiais que impedem
essa formação é o mesmo que querer construir uma casa sem os alicerces” (TONET,
2012, p. 55).
sociedade capitalista não poderá dar conta deste desafio, visto que ela é uma mediação
“contribuir para uma educação integral, hoje, só pode ter o significado de formar
esta afirmação provoca – que não se trata de uma opção subjetiva e de “vontade
antes de tudo, como temos explicitado, do exame ontológico que cada uma dessas
compreender o objeto de estudo (tanto natural quanto social) como “um momento do
substancial que haja, portanto, uma orientação revolucionária do conhecimento, para que se
sobre o modo pelo qual os homens são feitos, sobre as suas recíprocas relações sociais e
a sua transmissão numa perspectiva crítica, pautada pela ontologia marxiana, para que
instaurou uma nova ontologia do ser social ao colocar nas mãos dos próprios homens o
pelos próprios homens relacionando-se entre si e com a natureza ‒ parte dos homens
historicamente consolidado pelos próprios homens e que pode ser superado por uma
conhecimento.
rebaixamento da qualidade de modo cada vez mais explícito. Assim, para efetivamente
elaborado. O filósofo húngaro teve uma educação de mais alto nível, dispondo de
acesso à cultura, à arte, aos filósofos clássicos e modernos, enfim, teve contato com e se
científico, estético e artístico. Isso quer dizer que o filósofo húngaro sempre teve como
horizonte o comunismo? Isso quer dizer que ele sempre teve em mente a centralidade
Não basta, pois, a transmissão. É preciso ter clareza de que “não se trata de abrir mão
das lutas pelo acesso universal a uma educação de alta qualidade (no sentido
revolucionário). Mas é preciso, igualmente, ter claro que este objetivo não é alcançável
p. 51).
Desse modo, concordamos com o autor ao apontar alguns requisitos
tanto em suas dimensões universais como nas particulares, pois – mais uma vez – a
organizam o seu intercâmbio com a natureza. Assim, “é preciso, pois, buscar um saber
especificidade da educação, pois não basta “qualquer conceito de educação”, já que nem
todos são consistentes com a emancipação humana. Isso também implica compreender
isto, por sua vez, “tem de tomar como ponto de partida a categoria do trabalho e
área. Assim, “o momento predominante – mas não único – que faz de um físico um
educador emancipador não está no seu compromisso político, mas no seu domínio do
educação” em que ela é entendida como capaz de tudo e, também, para evitar a
humana.
social (e dos vários modos de produção) com base na própria atividade humana e não
transmissão; e 5) o engajamento crítico nas lutas sociais. Esses princípios podem ser
relação com Marx é a verdadeira pedra de toque de todo intelectual que leva a sério o
esclarecimento da sua própria concepção de mundo e do desenvolvimento social”
(LUKÁCS, 2008, p. 37). Para que os princípios apontados por Tonet possam ter alguma
Todavia, por uma série de motivos, estas mesmas contribuições foram sendo
tradição marxista conhecida como ontologia marxiana e que encontra em Gyorgy Lukács
e István Mészáros seus maiores expoentes (além das obras do próprio Marx), é
imprescindível para todos aqueles que querem compreender como o ser social se
públicas e/ou universidades. Isto não quer dizer que sejam impossíveis; apenas
devemos ter a clareza de que elas podem se concretizar nesses espaços sempre de
modo muito incipiente e reduzido. Não é difícil compreender a razão deste fato. A
que cada um luta por seu “lugar ao sol” etc., tudo isso e muito mais fazem com que o
Sobre este aspecto vale a pena refletir um pouco mais. Não estamos afirmando
que a proposta de Tonet não seja possível de ser realizada nas escolas ou universidades
públicas, todavia, não é possível admitir que ela seja amplamente praticada nesses
marxiana a respeito do Estado burguês, como é possível acreditar que seja viável – em
Quem exerce sua prática docente em escolas públicas sabe do que estou
Nas universidades, o mesmo ocorre: aquilo que pode ser considerado como
real e prático: uma pesquisa que procure explicitar a exploração dos proletários rurais
dificuldades para obter financiamento. Em alguns casos, poderá, inclusive, sofrer com
ameaças de todo tipo. No entanto, se for uma pesquisa que tente provar como o
chances serão bem maiores para encontrar agências de fomento interessadas. Não é
necessário escrever mais para compreendermos a quem serve cada uma dessas
perspectivas.
Assim, ao lado da tarefa de estudo sério dos clássicos da história e do marxismo, duas
Tonet (2014). Estas duas atitudes, contudo, não devem ser analisadas como momentos
perspectiva radical e de ordem revolucionária, nada deve nos afastar de nosso estudo
atualidade, em face das múltiplas atividades em que estamos inseridos, das várias
alienações que se fazem presentes em nosso cotidiano e que nos impedem uma
sem esta prática, muito pouco se pode avançar em termos de atividades educativas
interessados nesta luta. Muitas vezes podemos nos sentir sozinhos, porém é preciso
contatar outros indivíduos e/ou coletivos que estejam também comprometidos com a
que lutam pelo socialismo é importante, pois “o poder material tem de ser derrubado
pelo poder material, mas a teoria também se torna força material quando se apodera
das massas” (MARX, 2010, p. 151). Isto significa que não adianta “praticar marxismo em
próprios espaços. Estes apenas surgem com a organização intencional e coletiva dos
próprios trabalhadores.
Entendo que estas duas atitudes são importantes, pois possibilitarão que, em
certo grau, tais atividades emancipadoras possam – ainda que minimamente – se fazer
presentes nas salas de aula formais e em outros contextos. Esse modo de encarar as
coisas não exclui o papel do educador, que pode ou não também ser um professor, isto
lutas – dos operários – não é o êxito imediato, mas a união cada vez mais ampla dos
do educador que se preocupa e luta pelo socialismo. De nada adiante falar do alto,
como “gárgulas”, olhando a realidade e as lutas de classe com o “ar” de quem paira
“acima do bem ou do mal”. É preciso que este educador, ou grupo de educadores, lute
com a máxima qualidade possível; isso é irrealizável se não tiver um caráter claramente
anticapitalista.
nunca para aqueles que não querem defender uma perspectiva reformista.
Não podemos nos iludir com a falácia que tenta nos fazer acreditar serem
“caminhar a passos largos” num túnel escuro4 em que a luz que há no final; em vez de
uma saída, há um trem vindo em nossa direção. Com efeito, “não pode haver uma
4
Analogia com a frase de Mészáros pronunciada em entrevista à Carta Capital, em 24 de junho de
2011, em que o filósofo húngaro se refere ao Presidente Barack Obama. Disponível em: <
http://www.cartacapital.com.br/politica/istvan-meszaros-as-contradicoes-dos-nossos-tempos> Último
acesso: jun. 2015.
solução efetiva para a autoalienação do trabalho sem que se promova,
para efetivar sua tarefa histórica, deve superar o Estado, a existência das classes sociais, a
Essa tarefa também necessita ser pensada a partir da teoria marxiana em seu
aspecto crítico-revolucionário e ontológico, para que enfim, como nos ensinava Lukács
(2012b), o homem singular possa apreender sua própria vida como um processo do
socialmente; 2) a educação (em sentido restrito) adquire uma peculiaridade dominante com o
de cunho emancipatório, porém deve-se frisar que se trata de atividades educativas, e não
atuação engajada coletiva com indivíduos e/ou grupos efetivamente preocupados com a luta
pela emancipação humana e pelo socialismo. Sem essas práticas, muito pouco iremos
elaborações com muito mais maestria e rigor (TONET 2005, 2015a; MACENO, 2016).
extremamente relevante para a ontologia marxiana e que muito pode contribuir com a
Isto não quer dizer, todavia, que estejamos desconsiderando outras categorias próprias
surgimento de vários outros complexos que terão funções sociais próprias e distintas
Convém ressaltar que a totalidade não pode ser resumida simplesmente à mera
soma das partes. Ela contém as partes, porém é mais do que a simples soma,
englobando “múltiplas e muito variadas interações entre elas” e, por isso, apresenta
uma “qualidade” que a diferencia das partes (LESSA, 2014, p. 11), A totalidade implica
pensar nas diversas interações entre os complexos sociais e na síntese qualitativa que
determinações da existência” (MARX, 2011, p. 85) e, com isso, explicitam seu caráter
processo de conhecimento.
totalidade social, isola-a nas utópicas ilhas românticas academicistas que, cada vez
mais duas partes: a primeira conta com a discussão sobre o caráter ontológico do
apreendido a impostação ontológica inerente à teoria social instaurada por Marx. Nos
ou um sociólogo. Contudo, Marx não produziu uma sociologia, uma economia ou uma
filosofia. A sua relevância teórica e ideopolítica 5 está em ter lançado as bases de uma
numa postura crítica, radical e revolucionária. É crítica, pois traz à luz os avanços,
também está presente na ontologia marxiana, pois tendo por base a criticidade radical
com a qual enfrenta a análise do capital e das alienações que a ele estão vinculadas,
5
Esta expressão indica que a ontologia marxiana tem um caráter profundamente ideológico no
sentido restrito de ideologia presente na tematização lukacsiana, ou seja, enquanto “instrumento ideal
através do qual os homens e as classes se engajam nas lutas sociais, em diversos planos e níveis”
(VAISMAN, 1996, p. 110).
Por conseguinte, Lukács percebe que todos os enunciados marxianos são
fato ocorre não por um lapso do pensador revolucionário alemão, mas sim em
decorrência de que no tratamento teórico dos problemas que analisa, ele considera a
da realidade concreta). Com efeito, é a “realidade social como critério último do ser ou
Em razão disso:
não implica uma perspectiva gnosiológica moralista qualquer. Este princípio também é
relação a outras funções. Temos, por agora, um primeiro indicativo do que seria o
ontológica diz respeito ao fato de que a consciência, como explicado por Lukács, não
A teoria social instaurada por Marx – e isso é preciso que sempre seja
reconhecimento dos entes, daquilo que está ali”; ela se refere ao “universo do ser”, isto
baseada na crítica. Não uma crítica banal, mas sim uma crítica que procura deslindar as
a primeira delas diz respeito à crítica ontológica contra a filosofia hegeliana, isto é, da
sociedade civil. Max, ao contrário, mostra, já em 1843, na sua Crítica à Filosofia do Direito
capital para encontrar um modo pelo qual este capital possa ser superado” (CHASIN,
1988, p. 16).
capitalista, apesar de operar um progresso histórico inegável, não pode ser reconhecida
como a forma de liberdade mais plena no ser social. O trabalho, ainda no capitalismo,
abstrato/assalariado.
do cotejamento que é feito entre ela e o real”, pois é o real que “serve de telão contra o
qual é esbatida a teoria” e a teoria “é mostrada como falsa na medida em que ela não é
reflete as qualidades do real”; por outro lado, o real é “um processo histórico” e, assim,
“a reflexão da realidade pela consciência é um constante processo de aproximação das
primeiro lugar, é preciso destacar que, de acordo com Lukács, Hegel jamais foi um
sonhador ou um visionário, mas sim “um filósofo com alentado e amplo senso de
realidade, com uma fome tão intensa de realidade autêntica como talvez, depois de
Aristóteles, não seja possível encontrar em nenhum outro pensador” (LUKÁCS, 2018a,
p. 483). Assim, não existe nenhuma “esfera da realidade ou do saber a respeito dela que
2018a, p. 483).
Para o filósofo húngaro, Hegel se destacou, entre outros aspectos, por entender
“própria ideia”. Afirma: “a interação deve constituir uma espécie de equilíbrio entre
forças dinâmicas”.
interação que, de resto, ele compreendeu tão bem” (LUKÁCS, 2018a, p. 542). A partir
Para isso é preciso compreender que a “natureza inorgânica é a esfera sobre a qual se
funda todo o existente” e, em decorrência disso, “as outras esferas de ser apenas
inorgânica, houve um salto ontológico que levou a uma nova esfera de ser: a vida. As
mediações, aqui, são mais complexas e ricas. Dessa forma, “o que distingue a
assim, em ambas as esferas de ser há uma “ruptura ontológica”, pois ambas são
esfera com suas especificidades e funções que, ainda que não tenha se explicitado
Importante notar, como a autora destaca, que o salto ontológico não implica por
si só o novo ser em sua completude. O novo ser apenas poderia se explicitar, portanto,
social é a esfera da vida orgânica, todavia, “o seu processo reprodutivo pode chegar à
ser. O fundamento ontológico do ser social é o trabalho, pois ele irá fundar um
sua vez, “se desenvolve regido por leis completamente distintas daquelas presentes
nos processos naturais”. Dessa forma, “o trabalho necessariamente implica a produção
para nosso debate. Como já argumentamos, é impossível que o ser social se desenvolva
Lukács irá utilizar o exemplo da fome, pois ela continua sendo uma necessidade
nos seres humanos, todavia, a partir do desenvolvimento do ser social, ela passa a ter
um “caráter social”, no sentido de que a maneira como os humanos, hoje, saciam a sua
fome se dá com base num processo muito mais “socializado” do que no âmbito das
etc. que envolve a preparação de nossa alimentação hoje, por exemplo. Este caso e
Toda esta dinâmica encontra no trabalho a sua categoria fundante. Claro que,
um papel de absoluta relevância para a explicitação cada vez mais social do ser social.
mesmo”, no ser social o trabalho passa a ter uma relevância insuprimível. Desse modo,
“ao remeter sempre para além de si próprio, o trabalho lança a humanidade num
com isso, o trabalho passa a ser a categoria fundante do ser social, bem como “o
identificação do trabalho enquanto única categoria fundante do ser social, Marx torna
trabalho seja a categoria fundante, ele não é a única do ser social, e a sua reprodução
exige a participação de uma série de outros complexos sociais que surgem com o
desenvolvimento deste ser e continuam com sua relação entre si e com o trabalho
(TONET, 2013).
natureza nos meios de produção e produzem o capital) possuem como condição sine
qua non, para a sua libertação e a libertação de toda a sociedade, o interesse – tenham
Para isso é preciso apropriar-se da teoria social crítica – ontológica – instaurada por
Marx e levar em consideração a realidade social enquanto uma múltipla determinação
totalidade. Todavia, não se trata de algo aleatório ou rígido e estático. Há nesta plêiade
afirmar que o momento predominante na análise marxiana aparece nas relações sociais
de produção, mas isto não quer dizer que exista qualquer determinismo economicista
determinado pela espécie, por como ele produz”, pois mesmo “o modo de produção
qual as inter-relações de grupos humanos [...] jogam, por último, papel decisivo”
produção. Em face disso, Marx e Engels afirmaram que o “primeiro ato histórico” é a
“produção da própria vida material”, isto é, um ato histórico que é uma “condição
fundamental de toda a história” e que “tem de ser cumprido” para “manter os homens
vivos” (MARX e ENGELS, 2007, p. 33). É a partir daqui que a totalidade social irá
Um exemplo para tornar mais claro o que estamos falando: dados levantados
por Ziegler (2011) demonstram que há hoje uma produção de alimentos no mundo
capaz de alimentar duas vezes a população mundial e, mesmo assim, 100 mil pessoas
morem de fome por dia. A perspectiva reformista observa esta informação e conclui
e da extração de mais-valia.
complexos sociais (agricultura, arte, filosofia, ciência, ideologia etc.). Todos esses
econômicas, porém,
sociais ante a economia: trata-se, sempre, de uma autonomia relativa. Esta é uma
com o capital. O que se está fazendo neste caso? Está-se abordando o complexo
Isto sem falar das posições que compreendem ser possível disputar o Estado “por
dentro”, para que os trabalhadores, “uma vez lá”, possam corrigi-lo e colocá-lo a
Gadotti (2012), por exemplo, pode ser considerado um autor que imputa à
Defende o autor uma práxis educativa que “construa sujeitos autônomos, pensantes,
marxiana. Para além desta questão de fundo, que não é nosso foco neste texto,
chamamos a atenção para o fato de que se não considerarmos o capital como sistema
“omnilateral” mesmo sem rompermos com o Estado e com o trabalho assalariado, que
reprodução do capital, que, por intermédio do Estado, cumpre suas orientações e atende a
suas demandas. Não quer dizer que nada podemos fazer. Todavia, é preciso não ter
ilusões de que é “por dentro” do Estado que construiremos a luta socialista. É preciso
p. 4).
outra política educacional, que destine mais recursos para a educação e que organize
estrutural do capital. Afirma que seria um “milagre monumental” esperar que esta
“grande tarefa histórica de nosso tempo”. Justamente por isso, as mudanças na área
educacional não podem ser apenas formais, mas sim “essenciais”, no sentido de que
É preciso chamar a atenção para o fato de que não são aqueles que fazem a
instâncias “se decide a sua forma concreta, mas não o seu sentido mais profundo”.
6
Para compreender a crítica radical, de ordem ontológica marxiana, às limitações da Pedagogia
Histórico-Crítica é decisiva a leitura de Lessa (2007), Lazarini (2010), Macário (2005) e Tonet (2012).
é óbvio que, em cada momento e lugar históricos, uma determinada forma de trabalho
será a base de uma determinada forma de sociabilidade” e, portanto, “de uma certa
(2009); Tonet (2005, 2014, 2015); Lessa (1999, 2007, 2012); Netto (2012); Mészáros (2002)
destas reflexões numa postura crítica e ontológica marxiana. Importante para nós,
absoluta.
1859:
Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as
relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser
explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do
espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas raízes nas
condições materiais de existência, em suas totalidades, condições
estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e dos franceses do século 18,
compreendia sob o nome de “sociedade civil”. Cheguei também à
conclusão de que a anatomia da sociedade burguesa deve ser
procurada na Economia Política. Eu havia começado o estudo desta
última em Paris, e o continuara em Bruxelas, onde eu me havia
estabelecido em consequência de uma sentença de expulsão ditada
pelo sr. Guizot contra mim. O resultado geral a que cheguei e que,
uma vez obtido, serviu-me de guia para meus estudos, pode ser
formulado, resumidamente, assim: na produção social da própria
existência, os homens entram em relações determinadas,
necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de
produção correspondem a um grau determinado de
desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade
dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura
jurídica e política e à qual correspondem formas sociais
determinadas de consciência. O modo de produção da vida material
condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o
seu ser social que determina sua consciência. Em uma certa etapa de
seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade
entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o
que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de
propriedade no seio das quais ela se haviam desenvolvido até então.
De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações
convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução
social. (MARX, 2008, p. 47, grifos nossos).
autonomia relativa, pois sua função social é distinta da estrutura econômica, todavia,
A educação, por exemplo, possui uma autonomia relativa, já que a sua função no
transmitidos em razão dos atos de trabalho que os homens realizam. Temos, portanto,
educação é sempre relativa, já que seu campo de atuação estará limitado a partir das
sociais.
cada um dos complexos sociais parciais” (ANDRADE, 2011, p. 14-15). Com esta
dinâmica,
p. 53). A autora nos explica que a totalidade só pode ser o momento predominante no
vivemos um período de crise estrutural do capital. Esta crise atinge todas as dimensões
sociais e todos os territórios (de modo distinto: uns sofrerão mais o impacto das
populações indígenas no Mato Grosso do Sul; em outros territórios, por sua vez, outros
sofrerão mais com a falta de empregos, violência urbana etc.) sob a lógica espacial da
expansão do capital. Além disso, todas as escalas são afetadas (desde a do nosso corpo
com os litros e litros de veneno que ingerimos por ano através da água e dos alimentos,
capital, provoca impactos avassaladores sobre a totalidade social, e esta, por sua vez,
irá influenciar no desenvolvimento de cada complexo social. É isto o que quer dizer o
discípulo de Lukács, quando afirma: “O capital não pode ter outro objetivo que não
grifos nossos).
ontológica, portanto, que emana do próprio solo histórico e social do “mundo dos
estabelece entre os complexos sociais para com a totalidade e para com a economia e o
trabalho.
educação nada pode na forma atual de sociabilidade regida pelo capital, quanto no que
se refere a uma autonomia absoluta em face do próprio capital e do Estado. É o que
com “mais recursos” para a educação e que acreditam ser possível desenvolver uma
terá como momento predominante o complexo da economia, que inclui o trabalho, pois
social.
que se efetivam na prática social real. Sem este impulso necessário para o
Se estamos, de fato, preocupados com a luta por uma educação que contribua
Diversidade e desigualdade
Há algumas décadas, tem sido comum deparar com discursos que apregoam a
pessoas que prezem pelo respeito, contribuindo, então, para uma sociedade “mais
social.
entre os indivíduos sociais emana de uma causa subjetiva, baseada na consciência das
próprias pessoas e que, por isso, é preciso trabalhar esta mesma consciência (não por
um acaso qualquer, este discurso faz muito sucesso no debate educacional) de modo
que vivemos, regida pelo modo de produção capitalista e pelas demandas do capital.
fez). Isto não quer dizer que exista uma situação de equilíbrio entre estas duas esferas
do ser social/humanidade.
características mais gerais do modo de produção capitalista para, por fim, esboçarmos
diferenças e a diversidade.
animais e, com isso, criaram uma nova esfera de ser: o ser social.
Todavia, o trabalho nunca pode ser pensado em termos isolados, mas sim junto às
A questão do por que o trabalho fundou o ser social não implica um raciocínio
relações sociais se basearam em sua estrutura mais geral e inicial, em função das
Além disso, é preciso deixar claro que por trabalho não estamos, ainda,
sim enquanto práxis ineliminável de qualquer sociedade e que possui a função social
2012, p. 60).
ideal do fim a ser atingido na consciência dos seres humanos e, também, inclui
a objetivação, ou seja, a criação de algo que antes não existia na natureza, como uma
lança. A madeira existe na natureza, todavia, uma lança apta para abater um
objetiva pode existir sem a consciência, mas o contrário é impossível, ou seja, toda
consciência reflete, apreende, capta elementos de uma realidade existente fora dela; 2) a
realidade social, fruto da ação dos seres humanos, não pode existir sem a ação ativa da
possui um papel ativo para compreender, analisar, pensar possíveis vínculos, possíveis
por exigir dela algo que não é possível de ser objetivado. Em termos extremamente
dada realidade objetiva”; nesse caso, “o sentido dos produtos da consciência deve ser
idealismo.
Uma vez que esboçamos em linhas gerais a relação entre consciência e
é a sua superação total que deve ser almejada na luta revolucionária socialista, e não
como base estrutural uma determinada forma típica de trabalho. O trabalho de coleta
socialista.
mas sim de apreender que a realidade social é formada por uma variedade de
dimensões sociais (arte, filosofia, política, ideologia, ciência, religião etc.) que possuem
Pensemos num exemplo: o conhecimento para ler e escrever, na sociedade feudal, não
estava disponível aos servos. Isto ocorria em decorrência do trabalho servil e de aquele
modo de produção não colocar como possibilidade real a leitura e a escrita aos servos.
Para fazer o pão, construir moinhos de vento, pontes, estradas etc., os servos não
precisavam saber ler nem escrever. Quem possuía a possibilidade de desenvolver estes
conhecimentos era a Igreja, já que cabia a ela a função de difusão ideológica e científica
de tal modo que para garantir a sobrevivência, aos trabalhadores só resta vender sua
histórico; 3) as bases da cidadania moderna, pois todos precisam ser livres, iguais e
trabalho numa fábrica, ao final de uma semana ou de um mês ele produziu um valor
muito superior ao valor que ele recebe pela sua mercadoria força de trabalho sob a
forma de salário.
mas sim de uma condição objetiva, social e historicamente construída, que o obriga a
sofrer tal exploração para que possa sobreviver. Por isso mesmo, o “desenvolvimento
humanas, senão para garantir a reprodução, cada vez a um custo humano e ambiental
sistema do capital em sua totalidade, pois tanto os capitalistas devem competir entre si
capital, nem que para isso seja preciso gastar trilhões de dólares em guerras, assassinar
Marx assevera:
mata independentemente da cor da pele, religião, preferência sexual etc. Se uma aldeia
todas as demais dimensões da vida social. Com relação à ciência, conhecemos cada vez
assolados por doenças que pensávamos extintas e que são de fácil extirpação.
não têm onde morar, o que vestir, morrem de fome e não contam com qualquer tipo de
abrigo.
chance para impor uma lógica diferente desta lógica estruturalmente desigual. Não é
deste sistema, com todas as pragas que com ele andam juntas: a propriedade privada,
um papel ativo na produção da vida social, todavia, é preciso sempre que a consciência
reflita e apreenda os elementos presentes na própria realidade objetiva, para não exigir
quisermos que todos os indivíduos possam ter igualdades reais de expressar plenamente
preciso superar a sociedade capitalista regida pelo capital, pois nela não é possível o
Capítulo v
uma das inúmeras perturbações que o capitalismo já sofreu e, por isso mesmo, possível
ser “corrigida”; outros entendem que esta crise é estrutural, e a única maneira de ser
superada é superando a totalidade do sistema do capital. Entendemos que uma
contradições, como nos explica Mészáros (2002). Isto significa que todos os países e
educação não é fruto tão somente da crise estrutural do capital. Este é um fenômeno
menos século XV até a primeira metade do século XIX) presenciou uma burguesia
na consideração das raízes dos problemas sociais; todavia, não era um conhecimento
especulativo ou místico. Foram grandes expoentes deste período Vico, Bacon e Galileu
(TONET, 2016a).
realidade social na forma e até o limite que permita a reprodução dessa ordem social
considerada” (TONET, 2016a, p. 133). Isto, contudo, não ocorre de modo plenamente
consciente por parte dos indivíduos, mas certamente atende aos interesses da
estrutural do capital, acaba por jogar “sobre os ombros do sujeito a tarefa de realizar os
recortes do objeto a ser estudado e de conferir unidade aos dados empíricos”. Assim,
que suas “questões básicas” dizem respeito aos problemas que surgem do próprio
Ante esta decadência que não se baseia tão somente em aspectos subjetivos e
especulativos, mas que tem como solo as próprias condições materiais de reprodução
luxo, porém um hotel à beira do abismo. Afirma Lukács que cada dia mais faz-se
desespero”, em que não se vislumbra saída alguma para tais problemas; por outro
ao futuro luminoso” (LUKÁCS, 2007, p. 39, tradução nossa). Para realizar este “salto
vital”, os “produtores de ideologia” – os intelectuais – devem abandonar as ilusões que
formulavam seus problemas e soluções desde então” (LUKÁCS, 2007, p. 39, tradução
nossa).
Para Lukács, daí surge o “conforto espiritual do Hotel”, ou seja, destas ilusões
produzidas pela própria intelectualidade. Se alguém quiser buscar uma saída mágica
uma ampla sala de reuniões à disposição para tal propósito. Nele, toda forma de
amplos salões de um hotel já em queda, num abismo social cada vez mais profundo e
escuro. Para explicitar esse argumento, dividiremos o texto em mais três partes. Num
educação, trabalho e totalidade social. Por fim, nossas considerações finais contam com
seu “momento predominante” nas classes sociais, e não nos indivíduos, apenas.
Certamente os indivíduos produzem teorias e ciência, todavia, o “sujeito fundamental
são as classes sociais”, já que “são elas que, pela sua natureza fundada no processo de
interesses mais profundos das classes sociais”, o que quer dizer que a classe, “pela sua
tempo que “se faz a verificação dos conteúdos desse conhecimento a partir dos
processos históricos reais” (NETTO, 2009, p. 775). Ou seja: a crítica, que também
estamos realizando no debate aqui proposto, não deve ser encarada como algo vulgar
real.
objeto tal como ele é em si mesmo, na sua existência real e efetiva, independentemente
776). Desse modo, a teoria é a “reprodução ideal do movimento real do objeto pelo
sujeito que pesquisa”, e esta reprodução será tão mais verdadeira, “quanto mais fiel o
sujeito for ao objeto” (NETTO, 2009, p. 776). Não se trata de uma reprodução como um
movimento e a constituição mais essencial do objeto, tendo, por isso mesmo, o sujeito
características.
Entendemos, por conseguinte, que a teoria social instaurada por Marx se baseia
num ponto de vista ontológico, histórico e social. Para este ponto de vista, a abordagem
do objeto tem como eixo o próprio objeto (TONET, 2013). A captura do objeto implica o
“pressuposto de que ele não se resume aos elementos empíricos, mas também, e
principalmente, àqueles que constituem a sua essência”. Por sua vez, “não cabe ao
Uma vez que explicitamos o que é crítica e teoria em Marx, podemos avançar
Brandão (2008), seguindo a perspectiva freiriana, afirma num de seus textos que:
O que observamos neste trecho e que, de modo geral, se faz presente nesta
educador, numa hiperfetichização que a considera com uma autonomia absoluta em face
Freitas (2014), por sua vez, não parte da perspectiva freiriana, porém defende
Pelo lado dos que se contrapõem a esta visão, a proposta inclui uma
matriz formativa que não é restrita ao cognitivo, mas que inclui,
além desta dimensão, a formação para a criatividade, a afetividade,
o desenvolvimento corporal e as artes, e se expressa em uma
organização do trabalho pedagógico que inclua as dimensões do
conhecimento, da diversidade da cultura, da história, do trabalho e
das lutas sociais pela transformação da sociedade. (CALDART, 2014).
Nesta perspectiva posta, não cabe orientar todo o sistema educativo
apenas para o ensino da leitura, da matemática e das ciências medido
em testes padronizados, cujas médias de desempenho terminam
sendo critério para se definir o que é uma boa educação. A boa
educação exige uma matriz alargada de formação que não restrinja
as possibilidades de formação humana da juventude. (FREITAS,
2014, p. 1.107, grifos nossos).
Contudo, o idealismo também se faz presente aqui ao defender, mesmo que dentro do
corporal e as artes” etc. Para ele, a “boa educação” exige “uma matriz alargada de
formação” e, assim, a “escola deve ser vista como um centro cultural da sua
comunidade”, que “libera a energia criativa da juventude e a desenvolve em todas as
Como concretizar uma escola enquanto “centro cultural” ainda no capitalismo e com a
mediação do Estado?
prática pelas escolas e pelos docentes” (GASPARIN, 2013, p. 96, grifos nossos). É,
portanto, segundo o autor, possível instaurar uma didática da pedagogia por ele
defendida como prática necessária de construção de uma outra escola, outra sociedade,
outra educação.
corrente pedagógica:
autores que aqui estão em discussão. Trata-se tão somente de expor seus principais
Deste modo, para Brandão, Freitas, Gasparin e Saviani (cada um com sua
em educação, pois considera que no processo de conhecimento o foco deve ser o sujeito
(TONET, 2013). Cabe ao sujeito criar teoricamente o objeto, sendo ele que “colhe os
dados, classifica, ordena, organiza, estabelece as relações entre eles e, desse modo, diz o
que o objeto é” (TONET, 2013, p. 13). A maioria das análises se resume ao empirismo,
deve escolher para tratar o seu objeto. Com isso, evidencia-se uma prerrogativa
discussão sobre o Estado e sua relação com o sistema do capital. Para muitos
propriedade privada das classes dominantes. Segundo eles, uma visão mais
também aqui, é preciso insistir que não se trata tão somente da escolha deste ou
seus fundamentos históricos e ontológicos, bem como sua função social. Buscar os
a partir do processo histórico real, e sua articulação com a atividade sensível humana: o
trabalho. Assim, verificaremos que o Estado não surge para garantir a “paz social” ou,
de outra classe.
formal, uma didática, uma “educação significativa”, uma “escola como centro cultural”
etc. sem romper com o capital e com o Estado. Investir esforços neste sentido é tentar
controlar aquilo que é absolutamente incontrolável: o capital. Esta é uma tese que
Mészáros retoma de Marx e expõe detalhadamente em sua obra Para além do Capital,
homem etc.; entretanto, uma teoria da educação “voltada à orientação prática das
capital é a relação social que a tudo subordina. Há, portanto, em nosso entendimento, a
muito menos a política estatal, que são responsáveis por uma possível revolução
específica de ideologia, como explica Lukács (2013), para a derrubada do poder político
da burguesia. Contudo, o que decide a questão é a alma social da revolução – como diria
processo de decadência ideológica burguesa. Isso, no que diz respeito à educação, leva
a que a maior parte das análises de seus intelectuais se conforme num grande hotel que
está não à beira do abismo, mas sim em franca e acentuada queda num gigantesco
houvesse muito tempo para se preocupar com os problemas sociais e que seria possível
que “revolução” tenha se tornado palavra maldita; para muitos, diz respeito apenas
próprio Marx afirma em A Ideologia Alemã. Para isso, um pressuposto básico é começar
pelo primeiro ato histórico, a produção das condições materiais da existência social.
relevância que irá permitir a gênese tanto do ser social quanto de todos os outros
totalidade social, e compreender a sua gênese ontológica e sua função social, devemos
afirmar, antes de avançarmos, que o ser social não é redutível ao trabalho, pois o
vida social. Ele é a única categoria intermediária que visa exercer o intercâmbio
orgânico do homem (sociedade) com a natureza, que funda o ser social e todos os
complexos sociais.
de uma necessidade social e encontram no plano ideal o projeto a ser objetivado. Trata-
determinado material natural num objeto real, sensível, social. As pedras, no exemplo
surgem facas ou machados. Para isso ocorrer é preciso o papel ativo da consciência
naturais, para que determinado produto, fruto do trabalho, possa se objetivar numa
causalidade posta, ou seja, num determinado objeto essencialmente social e que passará a
fazer parte do patrimônio construído pelo gênero humano, tendo, por conseguinte,
subjetividade.
O estudo das análises de Marx (1996), Lukács (2018), Tonet (2005), Lessa (2012),
Netto e Braz (2012), entre outros, nos mostra que, no trabalho, há a transformação da
originada nos atos de trabalho, e isto se reflete na própria constituição humana dos
pedra polida, e em outra tribo que ainda não produziu tais conhecimentos. A
Como nos lembram Lessa e Tonet (2011), para o idealismo há a prioridade da ideia
sobre a matéria; já para o materialismo, é o inverso. Para Marx, por sua vez, o ser social
nem é redutível apenas à ideia, nem apenas à matéria, mas sim uma “síntese de ideia e
Já no plano político:
objetiva e a consciência não como algo homogêneo, mas como momentos distintos,
porém unitários, no mesmo processo. O “ser social apenas pode existir como síntese
das ideias (da prévia-ideação) com a materialidade natural”, e esta síntese, por sua vez,
produz “uma nova causalidade, uma nova esfera objetiva, realmente existente, tão
2011, p. 42).
Em síntese: 1) “todo ato de trabalho produz uma nova situação, na qual novas
também o indivíduo, pois este adquire novos conhecimentos e habilidades que não
possuía antes”; 3) “todo ato de trabalho, portanto, dá origem a uma nova situação,
tanto objetiva quanto subjetiva”; “essa nova situação possibilitará aos indivíduos novas
prévias-ideações, novos projetos e, desse modo, novos atos de trabalho”, que “darão
origem a novas situações, e assim por diante” (LESSA, TONET, 2011, p. 21-22).
radicalmente histórico “porque tudo o que compõe o ser social, inclusive a essência
humana, é criado ao longo desse processo”; assim, “não há nenhuma parte que integre
o ser social que seja de origem divina ou puramente natural”. É também radicalmente
social “porque tudo o que compõe o ser social é resultado da interatividade humana”,
ou seja, “tudo é resultado da atividade social dos homens” (TONET, 2016a, p. 98).
Para denotar que o ser social é mais que o trabalho, para assinalar
que ele cria objetivações que transcendem o universo do trabalho,
existe uma categoria teórica mais abrangente: a categoria de práxis. A
práxis envolve o trabalho, que, na verdade, é o seu modelo – mas
inclui muito mais que ele: inclui todas as objetivações humanas. Por
isso mesmo, no trato dessas objetivações, dois pontos devem ser
salientados:
afirmamos que a realidade social é muito mais que o trabalho. Todavia, é também
trabalho, das outras formas de práxis sociais que agem no âmbito dos homens entre si,
como é o caso da educação, do direito, da política, da ideologia etc. Lukács (1981) irá
secundárias. Por isso “o trabalho é constitutivo do ser social, mas o ser social não se
reduz ou esgota no trabalho”, já que, “quanto mais se desenvolve o ser social, mais as
BRAZ, 2012, p. 55). Este entendimento permite compreender que o ser social é o único
vale dizer, terão uma “dependência ontológica” para com o trabalho, tanto em seu
atrelada à existência do trabalho e que todos eles atuarão dentro do campo e dos
limites determinados pelo trabalho e pela totalidade social. Ex.: a educação possui uma
dependência ontológica para com o trabalho, pois: 1) é impossível existir educação sem
o trabalho; 2) a educação irá atuar em face dos limites e das possibilidades impostas
dos atos de trabalho e são transmitidos a outros indivíduos, sendo por estes
apropriados. Diferentemente dos animais, os seres humanos não nascem prontos para
(mesmo que essa consciência seja limitada) da vida social” (TONET, 2016a, p. 101).
entender a autonomia relativa e nunca absoluta que a educação possui ante o trabalho e
a totalidade social. A autonomia da educação é relativa, pois ela não possui como
totalidade social. Trata-se, neste caso, da “determinação recíproca” entre eles. Também
educação, sofreram com a entrada em cena da propriedade privada, no sentido por nós
já explicado.
que “ela será configurada de modo a impedir qualquer ruptura com aquela ordem
social” (TONET, 2005, p. 142). Este é um fato completamente ignorado pelo atual
totalidade matrizada pelo capital que irá orientar os rumos deste complexo
educacional, sendo a forma concreta definida com a mediação do Estado em sua mais
Desse modo, não são os que “fazem a educação e nem sequer o estado ou outras
instâncias sociais que estabelecem qual o sentido dessa atividade” educativa. Nestes
níveis se decide sua forma concreta, mas não “o seu sentido mais profundo”. Se assim
o é, “em cada momento e lugar históricos, uma determinada forma de trabalho será a
explicadas anteriormente:
Dependência ontológica, autonomia relativa e determinação recíproca.
Dependência ontológica no sentido de que a educação tem a sua
matriz na forma como os homens se organizam para transformar a
natureza. Autonomia no sentido de que ela se constitui como uma
esfera e uma função específicas, portanto diferentes do trabalho, e
que, justamente para cumprir essa função própria, tem de organizar-
se de maneira independente dele. E determinação recíproca, no
sentido de que há uma relação de influência mútua entre a educação
e todos os outros momentos da totalidade social – trabalho, política,
direito, arte, religião, ciência, filosofia etc. (TONET, 2016a, p. 102,
grifos nossos).
sociedades primitivas, a educação era uma atividade, uma “tarefa” exercida por todos
os membros daquelas sociedades. Como não existia a separação entre classes sociais,
nem a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, a educação não era
social” ou “força construída pelo homem que se colocasse contra a construção genérica
os homens entre “aqueles que produzem a riqueza e aqueles que dela se apropriam
privadamente” (TONET, 2016a, p. 103). Este processo foi marcado por um conjunto de
Tal fato histórico tornou necessária uma instituição que permitisse e ratificasse,
antes universal, passa, agora, a ser restrito apenas às classes dominantes. As demais
classes sociais terão uma educação que atenda à totalidade social tanto da sociedade
em nada a função social mais essencial da educação, ou seja, embora desigual, ela
privilegiar os interesses das classes dominantes”. Haverá, portanto, uma educação para
os que realizam o trabalho manual, que são as classes dominadas, e outra para aqueles
escravista e feudal, já que a desigualdade social era tida como algo extremamente
secular e cenobial”, que era destinada às classes dirigentes, passou também a conviver
com outras demandas, que, por sua vez, exigiam outra educação, articulada aos
61).
casos ainda ignoram, que há uma estreita relação entre “desigualdade real e igualdade
formal”, e que “a desigualdade real, gerada na matriz do ser social, que é o trabalho, é
reprodução do capital, e uma vez que ele é a matriz da desigualdade social”, seria
“totalmente absurdo esperar que ele pudesse proporcionar a todos uma igualdade de
modo dominante através da escola, é preciso lembrar que, ao contrário das sociedades
discurso idealista educacional que afirma que a escola tem por “dever construir uma
serve a este propósito, mas se destina a atender aos interesses da reprodução social do
capital.
integral”. Dessa forma, tal idealismo educacional não percebe que se encontra num
grande hotel de luxo, discutindo assuntos os mais diversos e variados, contudo sem
perceber a própria realidade, sem captá-la do modo que ela é em si mesma, tornando-
se, por isso mesmo, “um discursos vazio, mas convenientemente funcional à
totalidade social, pois a educação tem sua origem atrelada ao trabalho e atua em
conformidade com uma determinada totalidade social, que, por sua vez, é fundada
afirmar que:
formal aos trabalhadores” (MACENO, 2005, p. 65). Ignorar isso era desculpável, como
nos diz Tonet, apenas no momento em que a maturidade do capital não estava
seu modo de operar. Uma vez que é possível conhecer as tendências gerais do capital,
ignorar tais fatos é algo indesculpável e assume “claramente o caráter de uma falsa
uma autonomia relativa ante a totalidade social e o trabalho, e isso também deve ser
educacional está caindo há décadas, e dizer mais de mil vezes que “onde há divisão
integral do ser humano” (TONET, 2016a, p. 106). Com efeito, a decadência ideológica
educacional vigente se conforma numa necessidade social devido à profunda crise por
que passa o capital e se constitui em algo de absoluta relevância para a defesa, mesmo
pessimista; não há nada, então, para se fazer no âmbito educacional?”. Essa pergunta é
completamente pertinente ao nosso debate. É preciso não ter ilusões nem esperar
grandes transformações essenciais rumo a uma “educação omnilateral”, ou acreditar
capitalismo.
sentido proposto por Tonet (2014). Tais atividades educativas não serão exequíveis na
sua amplitude dentro das universidades e das escolas. Elas, todavia, podem e devem
ser promovidas por todos aqueles efetivamente comprometidos com a luta socialista.
socialista’, mas apenas atividades que contribuam para a luta contra o capitalismo e
processo histórico, da lógica do capital e da crise atual” (TONET, 2016b, p. 45). Isto sim,
Considerações finais
compreendê-la em seu aspecto mais geral, enquanto “condição eterna” que estabelece
possui como matriz fundante uma forma típica de relação entre os homens no processo
complexos sociais, inclusive a educação, irão atuar. Isto não implica um desprezo pelo
contrário, continuaremos sem saber dissociar as possibilidades que são “abstratas das
como alternativa real e concreta a ser desenvolvida em nosso momento histórico não é
uma “educação” para além do capital, mas sim atividades educativas que se orientem
por tal objetivo. Tais atividades educativas podem ser desenvolvidas tanto em escolas
Tendo claras essas perspectivas e essas orientações, é certo que aquilo que Tonet
capitalismo e que possui como fundamento o trabalho associado, será possível uma
Um aspecto de todo este debate precisa ficar claro: assim como Marx (2010) nos
diz que a crítica das ilusões não deve ser meramente a crítica das ilusões, mas sim a
transformações sociais. Por isso, Lukács afirmou que a decadência científica “opera em
estreito contato com a apologia consciente e venal da economia capitalista” (LUKÁCS,
2015, p. 103).
O discurso idealista educacional, mesmo que intentando falar a partir “do chão
da escola” – como muitos apregoam estar realizando –, por não capturar a realidade
enquanto totalidade, nem as articulações que esta realiza com o complexo educacional,
produz análises cada vez mais distantes da realidade social e, assim, “apesar da
superestimá-la com tarefas que lhes são impossíveis de realizar. Para tal entendimento,
novamente a ontologia marxiana pode ajudar sobremaneira. Por fim, tais atividades
capital nos coloca dia após dia. Ademais, o engajamento crítico nas lutas sociais é
também importante como estratégia, visando contribuir com uma ofensiva socialista.
Estado”, já que são eles que “garantem, cada um a seu modo”, que a educação “seja
educacional ‒ como Lukács em sua monumental Para uma Ontologia do Ser Social
pela sociabilidade do capital. É neste ponto que reside a necessidade de romper com a
limitante e deformadora que o capital lhe imprime, sem, contudo, sobrecarregá-la com
tendo, em muitos casos, uma fundamentação politicista. Por isso, “enquanto os homens
fizerem do Estado e da política sua idolatria suprema, não haverá a menor chance para
A ontologia instaurada por Marx e retomada por Lukács “tem por objetivo
barbárie da exploração do homem pelo homem” (LESSA, 2015 b, p. 9). Esta é a grande
razão teórica e ideopolítica da sua escolha por todos que defendem a perspectiva
revolucionária.
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