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Prefácio

O avanço da crise estrutural do sistema do capital faz amadurecer, no Brasil e no

exterior, a situação objetiva em que as alternativas na vida cotidiana vão ganhando

uma nova qualidade. A cada pequena oscilação positiva da economia, das taxas de

emprego ou da produção, mais no curto que no médio prazo, a consequência é a

mesma do que se as oscilações fossem negativas: a crise se aprofunda, as contradições

sociais de agudizam, a vida se torna um pouco mais impossível de ser vivida. O

mesmo vale, e não por acaso, para todas as outras esferas da vida: as reformas na

educação, mesmo quando trazem melhorias imediatas, apenas aprofundam a sua crise;

as reformas na saúde, no trânsito, na segurança, na previdência social, nas políticas

públicas em geral, idem, idem; as medidas para melhorar a vida apenas fazem agravar

a situação que deveriam remediar.

O resultado imediato é que uma das misérias da vida cotidiana é muito

representativa da situação em que nos encontramos. A impossibilidade de viver como

hoje vivemos trouxe a maior epidemia da história: a depressão. Nunca, pelo planeta

afora, tantas pessoas, cotidianamente e por tanto tempo, padeceram do mesmo mal. O

remédio tem sido drogá-las para que sintam menos a dor que é viver nos nossos dias.

Mais impressionante, ainda, é que essa não é uma doença, como o “banzo” dos

escravos no Brasil, que tinha uma clara coloração de classe. A depressão, tal como um

vírus, se esparrama por todas as classes e estratos sociais. Ela é a primeira causa da

perda de dias de trabalho nos EUA; no Brasil, a segunda.

Os anos que vivemos são os primeiros da história em que mais pessoas morrem

por suicídio que nas guerras! E o suicídio cresce em todas as esferas: em países

imperialistas, como os europeus, e em ex-colônias como o Uruguai; entre profissionais

altamente especializados e de elevada renda (professores universitários, por exemplo),

bem como entre trabalhadores cortadores de cana ou que trabalham na colheita de

laranja em São Paulo; entre pessoas com mais de 50 anos e entre jovens entre 18 e 25

anos, na zona urbana e na zona rural, e assim sucessivamente.

Os seres humanos, planeta afora, estão se matando porque a sociedade se tornou

tão desumana que não há mais, nela, lugar para os humanos: a alienação, isto é, a
desumanidade posta pela própria humanidade, ganhou um peso e uma dimensão que

nunca teve antes.

Por todos os lados que se olhe, o quadro é semelhante. Da conversão dos centros

urbanos em zonas de guerra à destruição das riquezas naturais, do sistema de saúde às

famílias, da Igreja de Roma aos times de futebol: não há nada, nenhuma instituição,

nenhum complexo social que não esteja sob a crise dos seus fundamentos.

Há pouco lugar à dúvida, se é que há alguma, de que vivemos dias difíceis. Mas,

são, também, dias apaixonantes para se viver.

Pois, à medida que a vida vai se tornando impossível, a consciência,

impulsionada pelas contradições e sofrimentos (contradições e sofrimentos não menos

reais que a própria consciência), vai se dando conta da essência da situação em que nos

encontramos: ou destruímos o capital ou o capital destrói a humanidade. A falência das

alternativas reformistas (desde a antiga social-democracia no Velho Mundo até os

reformistas de todos os tipos e matizes em nosso país) vai confirmando, na prática, na

vida cotidiana, a inexistência de uma terceira alternativa.

E isto tem um profundo impacto imediato.

A inexistência da possibilidade de uma terceira alternativa tem por

consequência direta que as diferenças entre os reformistas e os burgueses já não mais

têm lugar no nosso presente. Para ficar, no tempo e no espaço, próximo a nós: o PT

podia até ser a favor do aborto no passado. Sob os governos petistas, a liberdade do

aborto, antes clandestina e limitada, mas real, desapareceu quase por completo. O PT

pode até defender um Estado laico e um ensino laico: não foi sob os governos petistas

que os “fundamentalistas” mais avançaram seus programas doutrinadores, que eles

chamam de “educacionais”? Distribuição de renda? Não foi sob os governos petistas

que a concentração da renda foi impulsionada – inclusive por políticas públicas como o

Bolsa Família? Democratização da cultura? Sob o governo do PT o domínio da

produção cultural pelos grandes grupos econômicos só se intensificou. Democratização

da saúde? Nunca os planos de saúde dominaram tanto o setor como nos anos Lula-

Dilma… Quando o ensino privado mais avançou com financiamento do Estado sobre a

educação pública? Democratização do poder econômico? Não foram os governos

petistas que aprofundaram a privatização e promoveram a expansão do agrobusiness?


Esse é um dos resultados da crise estrutural: não há mais alternativa

intermediária entre o capitalismo e o socialismo. Os reformistas são tão burgueses

quanto os burgueses são reformistas!

Essa é a razão para que, hoje, os “democratas” não sejam mais nossos aliados na

luta pelos “direitos” dos trabalhadores. Eles, os próprios democratas, assumem como

suas as tarefas de impor aos trabalhadores as medidas de que o capital em crise

estrutural necessita para sobreviver. O mercado é o senhor dos reformistas tal como o

dos burgueses.

Na atualidade, são os democratas que se encarregam até mesmo do “trabalho

sujo” da repressão: são capazes de coisas que nem Hitler sonhou! Qual o mais bárbaro

e “científico” centro de tortura que a humanidade jamais conheceu, na qual os

torturadores não estão submetidos a nenhuma Constituição e, por isso, fazem o que

querem com os prisioneiros? Qual o lugar no mundo em que os direitos humanos não

existem? A base militar em Guantánamo, mantida pela democracia dos Estados

Unidos! Quais são os países que estão montando o maior e mais intenso sistema de

vigilância e controle de seus cidadãos? As democracias mais avançadas do planeta, os

países europeus! Não são essas mesmas democracias que montaram os centros

clandestinos de tortura, os “buracos negros”?

E, cá entre nós, não foi a democracia petista que colocou em prisão de segurança

máxima alguns pobres indivíduos que, nas vésperas das Olimpíadas, entraram em sites

do Estado Islâmico? Um deles não terminou morto um dia depois de transferido para

uma prisão comum? O crime: nenhum! Não haviam feito nada além de manifestar suas

opiniões… Não foi essa mesma democracia petista que perseguiu as lideranças que

surgiram da explosão de 2013? E não foi essa mesma democracia petista que

domesticou o MST, que desmontou boa parte do movimento popular pela cooptação

com mecanismos como o orçamento participativo, que amordaçou os sindicatos,

transformando os sindicalistas em funcionários públicos e os sindicatos em extensões

do Estado etc. etc.?

Essa situação histórica de fundo tem um amplo efeito sobre as consciências e,

por essa mediação, sobre a produção teórica. Tal como na vida cotidiana, tal como na
luta política, também na teoria as opções vão se reduzindo às opções de fato

fundamentais; o campo intermediário vai se restringindo.

Nas décadas de 1980-90, para lançar mão de um exemplo notório, a Teoria do

Agir Comunicativo de J. Habermas era considerada a base teórica de um novo projeto

“societal” (no jargão da época) capaz de superar as mazelas da concorrência do

mercado sem que se fosse preciso superar o próprio mercado (a transição da razão

“instrumental” para a razão “comunicativa”). No governo FHC, não poucos

intelectuais respeitáveis namoravam as teses de Habermas para combater os “delírios”

que ainda defendiam ser o trabalho o fundamento do mundo dos homens. Vilmar

Farias, uma então notória personalidade intelectual e professor da UNICAMP, era dos

mais entusiastas e agressivos defensores dessa concepção. Hoje, quem ainda lê

Habermas? Quem o toma por capaz de fundar um novo “projeto societal” que torne

melhor a vida de todos? Quem ainda se lembra de Vilmar Farias, além de uns poucos

ex-alunos e uma fotografia no auditório das humanas na Unicamp?

De modo similar, todas as muitas teorizações que, partindo da correta

constatação de que tudo no mundo é contraditório, incorretamente concluíam que o

espaço de sala de aula é uma mediação para uma “educação revolucionária”, não

terminaram tendo de se confrontar com a dura realidade de que essa mediação de nada

serve para a revolução, pois é uma mediação social criada e controlada pelo Estado?

Tal como a sociedade degenera para uma violência cada vez mais generalizada, a

relação aluno-professor vai também tornando evidente sua essência: o professor

representa o Estado e, para superar essa situação, apenas superando o Estado.

Nenhuma reforma educacional será capaz de superar o fato de que a relação

pedagógica em sala de aula é uma relação de opressão, de poder. De Frenet a

Makarenko, de Ana Maria Nidelcof a Saviani, as ilusões com o espaço da sala de aula

não estão se desfazendo no contato com a realidade?

Muito poderia ser dito da mesma tendência evolutiva nas ciências humanas em

geral: da sociologia, que nem sequer pode tomar a realidade como seu objeto de

investigação; da ciência da história, que se dissolve em minúcias; da economia, que não

pode sequer se colocar o questionamento do mercado; do serviço social, que cada vez

mais se converte numa mera mediação operativa das políticas de controle social
ordenadas pelo Estado, e assim sucessivamente. Aqui, contudo, nos interessa

diretamente o cenário que se desdobra no interior do debate educacional. E é aqui que

os méritos do texto de Rafael Rossi se fazem mais significativos.

Lembram-se, há não muito, do entusiasmo levantado pelos governos petistas? O

impacto que teve no campo teórico da educação, as ilusões que foram alimentadas de

que as escolas profissionais, no novo modelo adequado ao neoliberalismo,

promoveriam o desenvolvimento integral, não alienado, “omnilateral” no dizer de

alguns? Ou ainda as descabidas ilusões dos projetos educacionais que foram gerados

sob a égide do “trabalho como princípio educativo”, desde a Escola Florestan

Fernandes, do MST, até os sucessivos projetos educacionais para Estados e Municípios,

elaborados a partir dos pressupostos da Pedagogia Histórico-Crítica? Intelectuais

marxistas importantes não colaboraram na implantação do ENEN – com tudo o que

isso significa para a privatização da educação? Não saudaram como democratizante

todas as propostas de reforço e expansão do ensino privado, porque realizadas pelos

petistas? Entregar a UNE ao PCdoB não foi saudado como a consolidação da

democracia no movimento estudantil?

Tem sido nesse contexto que, na educação, assistimos à corrosão da mitologia

que se criou ao redor do “trabalho como princípio educativo”. Tal como toda

concepção reformista, esta também tem de “descer do muro”, ante a enormidade da

crise e tem de revelar sua essência: não vai muito além de instrumento de manutenção

do sistema do capital. Os textos pioneiros e originais de Ademir Lazarini (Capital e

educação escolar na obra de Demerval Saviani, Inst. Lukács, 2015), Ivo Tonet (Educação

contra o capital, Inst. Lukács, 2014), Rosângela Melo (A necessidade da educação física na

escola, Inst. Lukács, 2014), Neide Favaro (Pedagogia histórico-crítica e sua estratégia

política: fundamentos e limites, Coletivo Veredas, 2017) e Maria Lúcia Paniago (Livro

didático: a simplificação e vulgarização do conhecimento, Inst. Lukács 2013), os núcleos de

investigação no Ceará (Suzana Jimenez) e Florianópolis (Paulo Tumolo), contribuem

para a revisão crítica da mitologia que envolve as concepções educacionais hoje

dominantes. Este é um fenômeno particular de uma tendência bem mais geral, ainda

que longe de ser universal: os reflexos na teoria da redução do horizonte histórico à

alternativa destruição da humanidade versus superação do capital.


Essa aproximação da consciência à realidade é um dos aspectos que tornam esse

difícil momento tão apaixonante de ser vivido. As enormes forças que o capital tem à

sua disposição, o enorme peso ontológico da vida capitalista a determinar nossa

concepção burguesa de mundo (lembram-se: “A existência determina a

consciência…”?), – apesar de tudo isso, se a crítica revolucionária do mundo ainda não

ganhou a força das armas, ela avança no plano teórico. Indivíduos, mas também

pequenos grupos, vão brotando do solo da crise estrutural do capital, colocando novas

questões e oferecendo novas respostas a antigos problemas.

Esse é um fenômeno que se generaliza por praticamente todos os campos do

conhecimento. Do estudo antropológico-arqueológico acerca da origem do trabalho às

questões mais agudas da transição para além do capital. No estudo da Ontologia de

Lukács, uma esfera mais próxima a mim, nota-se uma clara alteração no eixo das

investigações. Se há não muitos anos, contra a onda pós-moderna e o neoliberalismo, a

questão central era defender o trabalho como categoria “eterna” (Marx) porque

fundante (Marx, Lukács, Mészáros) da humanidade, hoje essa questão parece estar

assentada. E é substituída pela questão da transição de uma sociedade fundada pelo

trabalho proletário a uma socialidade fundada pelo trabalho associado – por tudo, uma

questão mais avançada, porque com consequências práticas imediatas. Por quais

mediações, por que meios libertar a humanidade das alienações que brotam do capital:

esse o novo eixo das investigações mais recentes que têm em Lukács uma referência

importante. Desnecessário acrescentar: com a fundamental contribuição de István

Mészáros.

O movimento editorial reflete esse momento: traduções são realizadas de seus

textos principais, e mesmo a Estética, o Jovem Hegel e A destruição da razão têm suas

publicações prometidas. A Ontologia conta, hoje, com duas traduções distintas. Os

Grundrisse de Marx conheceram sua primeira tradução ao português; uma competente

nova tradução (Luciano Martorano), com belas introduções de Paulo D. Fraga e Ingo

Elbe, agora com base na MEGA2, dos Manuscritos de 1844 foi recentemente publicada

pela (quem diria!) Martin Claret, depois da edição, com base no texto da Werke,

coordenada por José Paulo Netto, para a Expressão Popular, publicada em 2015 etc.,

etc.
Uma nova geração de investigadores é portadora dessa nova fase, e novos

autores vão trazendo à vida produções teóricas, reflexões, investigações que não

apenas já são de bom nível, como ainda exibem vastas possibilidades de

desenvolvimento no futuro imediato.

É nesse horizonte mais amplo que o livro de Rafael Rossi encontra seu lugar. Ele,

claro, é o resultado casual e isolado da iniciativa de um indivíduo – mas esse acaso e

essa iniciativa apenas se tornaram possíveis porque o presente o possibilita e – do

ponto de vista da luta de classes – o requer. Nem tão isolado, portanto, nem tanto

apenas obra de um único indivíduo, é essa conexão com o presente que possibilita ao

texto de Rafael Rossi abordar e fornecer uma resposta inequívoca à questão decisiva

para os educadores: pode uma educação, um método educacional, uma reforma

educacional, por mais geral e profunda, fundar o “novo” ser humano, com valores e

ações que vão para além das alienações do capital? Não, sem deixar lugar a dúvidas,

responde o livro de Rafael Rossi! Sem a mediação da Revolução Proletária (e a

definição do proletariado para o autor é igualmente precisa: o assalariado

contemporâneo que transforma a natureza em meios de produção e de subsistência),

não será possível a superação do domínio do capital (portanto, da ideologia burguesa)

sobre o processo educacional.

A partir dos argumentos e da linha de raciocínio deste livro, é possível

aprofundar o conhecimento do processo pelo qual os grandes projetos pedagógicos dos

nossos dias terminam, sem exceção, impossibilitados de ser, na prática, pouco mais do

que aprofundamentos das políticas neoliberais para a educação, independentemente

do desejo de seus autores. Possibilita compreender por que teses e autores tão

fundamentais para a educação nas últimas décadas ficaram longe cumprir o que

prometeram e, ao fim e ao cabo, serviram de mediação para o aprofundamento da crise

da educação no seu todo. A razão de tantos e variados fracassos é argumentada com

precisão por Rafael Rossi: a impossibilidade ontológica de os reformistas reformarem o

sistema do capital em sua crise estrutural. O livro de Rafael Rossi não poderia ser mais

claro, nesse sentido.

O livro de Rafael Rossi tem ainda uma segunda qualidade importante:

produzido na academia, por um intelectual da universidade, não absorveu desse seu


entorno a linguagem difícil, por vezes mesmo rococó, que não raro tenta velar a falta

de conteúdo com o empolamento do texto. Nada semelhante: o texto é claro, direto. Os

parágrafos são bem estruturados, a argumentação é bem articulada, o leitor não tem

dificuldade em acompanhar seus raciocínios e sua argumentação.

Trata-se, não tenho dúvidas, de uma contribuição importante. Fica, após a

leitura, o desejo por um próximo livro do autor. Que ele não nos faça esperar além do

devido.

Sergio Lessa

Berlim, 2017

Introdução

No campo educacional, são raras as análises que articulam a educação à

complexidade do ser social numa abordagem histórico-ontológica. Mais ainda... Por

uma série de influências e processos contraditórios, o debate sobre a educação na

contemporaneidade é marcado, na maioria dos casos, por um viés extremamente

politicista e reformista, isto é, perde-se de vista a centralidade ontológica do trabalho e a sua

centralidade política no processo de transição do capitalismo rumo ao socialismo (TONET,

2008). Com isso, a ênfase passa a ser na “ampliação dos espaços democráticos”, em que

os termos “educação humanizadora e emancipadora” são utilizados sem maiores


preocupações e como se fossem “palavras mágicas”, bastando evocá-las para que de

cara seja assumida uma perspectiva progressista.

Em muitos debates na educação, esquecem completamente que “o capital não

pode ter outro objetivo que não sua própria autorreprodução, à qual tudo, da natureza

a todas as necessidades e aspirações humanas, deve se subordinar absolutamente”

(MÉSZÁROS, 2002, p. 800). Investem-se gigantescos esforços naquilo que, a nosso ver,

é uma completa impossibilidade: construir uma “escola democrática”; uma “educação

omnilateral”; uma “didática crítica” mesmo sem destruir o Estado e sem acabar com

toda a forma de exploração do homem pelo homem.

É na contramão desse modo de encarar a educação e a realidade objetiva que

compreendemos a urgência histórica (MÉSZÁROS, 2005) de resgatar a perspectiva

revolucionária ‒ a partir da abordagem histórico-ontológica marxiana – no debate

sobre a educação, para que a luta não se dê apenas e tão somente no rebaixado

horizonte teórico do reformismo, no qual as batalhas devem se resumir ao

aperfeiçoamento das políticas públicas e da ordem societária vigente.

A série de debates e estudos que os temas aqui abordados suscitam escapa à

tarefa intelectual de um indivíduo e, mais ainda, ao escopo de um livro. Assim, o leitor

precisa estar avisado de que se trata de reflexões em tom provocativo que devem servir

de convite à militância e ao estude rigorosos no campo educacional (e de modo ainda

mais amplo, nas lutas da classe trabalhadora), pelo viés da análise imanente às

contribuições do pensamento marxiano junto às elaborações críticas lukacsianas. O

presente livro consiste na compilação de vários textos que possuem elementos teóricos

para uma crítica aos mais variados estirpes do idealismo educacional contemporâneo,

tendo por base as elaborações de Lukács, em especial, na sua obra de maturidade, a

saber, Para uma Ontologia do Ser Social.

Desse modo, não se trata de mapear a trajetória biográfica de Lukács, mas sim

de apresentar elementos – mesmo que introdutórios e genéricos – oriundos da análise

de sua Ontologia que permitem esboçar indícios de uma crítica revolucionária ao

debate em educação. Escolhemos trazer para o debate as formulações de Lukács, não

por mera preferência acadêmica/intelectual. A justificativa é de outra ordem: o filósofo


húngaro, na esteira de Marx, resgata os fundamentos ontológicos indispensáveis à

compreensão da constituição do ser social como obra humana dos próprios homens,

num processo intrincado e complexo, puramente social.

No início dos anos 1960, Lukács publica os resultados de suas investigações

numa obra intitulada Estética. Ele se propõe a escrever os delineamentos de uma Ética.

Todavia, para escrever a Ética era preciso buscar os seus alicerces “a partir dos

delineamentos ontológicos deixados por Marx”. Tal empreitada o ocupou durante

vários anos, e devido à sua morte em 1971, ele não pôde concluir seu objetivo. Os

manuscritos a respeito dos “delineamentos ontológicos” foram publicados na edição

italiana com os títulos Per uma Ontologia dell’Essere Sociale (1976-81) e Prolegomeni

all’Ontologia dell’Essere Sociale – questioni di pincipio di un’ontologia divenuta possibile

(1990), na versão original, Zur Ontologie des gesellschaftlichen Seins (1984), como atesta

Lessa (2012a). No Brasil, os títulos são Para uma Ontologia do Ser Social (volume I e

volume II) e Prolegômenos para uma Ontologia do Ser Social. Com efeito, precisamos ter

clareza de que “a ontologia lukacsiana tem por objetivo demonstrar a possibilidade

ontológica da emancipação humana, da superação da barbárie da exploração do

homem pelo homem” (LESSA, 2012 a, p. 9).

Os esboços que fundamentam nossa crítica em educação possuem por eixo

central as elaborações presentes na ontologia lukacsiana. Como explica Tertulian

(2007), o objetivo de Lukács era expor as limitações de duas grandes deformações que o

pensamento de Marx sofreu: tanto o determinismo unívoco que absolutiza o papel e a

influência da dimensão econômica sobre os outros complexos sociais; quanto a

interpretação teleológica que considera cada formação social como etapa para a

efetivação de um objetivo transcendental.

Este monumental esforço empreendido por Lukács enquanto base

indispensável para a elaboração de sua Ética apresenta, a nosso ver, elementos da mais

alta relevância para todos aqueles preocupados em compreender a educação, seus

limites, suas possibilidades e suas interações com a totalidade social rumo à

emancipação humana, ou seja, rumo ao comunismo. Por isso mesmo “Lukács permanece
até o fim fiel à aspiração de unir em uma só a ideia de revolução e de humanismo

integral” (TERTULIAN, 2007, p. 247).

Em tempos nossos de crise estrutural do capital, como tratado por Mészáros, a

avalanche idealista estende seu raio de abrangência numa proporção jamais vista antes

na história da humanidade. Se o capitalismo, por meio do trabalho abstrato, pode

extrair mais-valia tanto de atividades que exercem o intercâmbio orgânico com a

natureza quanto de outras práxis sociais (LESSA, 2014), o idealismo, com suas “crias”

chamadas de reformismo e politicismo, se faz presente em muitos aspectos da realidade

objetiva: desde os ambientes acadêmicos universitários, passando por sindicatos,

movimentos sociais, até partidos políticos que se intitulam de “esquerda”. Não é por

acaso que autores “fast food” se tornam celebridades instantâneas e necessárias para a

reprodução do capital, assim como os eufemismos conceituais ‒ marcadamente

enviesados pelo ecletismo metodológico (TONET, 2004) ‒, presentes em muitas análises

sobre a “nova questão social”, “a vulnerabilidade dos grupos que sofrem a exclusão social”, o

“professor intelectual crítico e reflexivo” etc.

Lukács criticou em alguns textos aquilo que denominou, após Marx, de

decadência ideológica da burguesia. Argumenta o filósofo húngaro que “a

manifestação científica deste burguesismo capitalista é o ecletismo, a elevação a

‘método’ científico, por um lado, e pelo outro, a negação das contradições da vida”

(LUKÁCS, 1966, p. 65, tradução nossa). Esta crítica é de extrema atualidade no debate

educacional. Privilegia-se o critério “qualis” e abandona-se a preocupação sobre os

limites e possibilidades da práxis educativa. Foca-se muito mais (e disso as

universidades estão cheias) na busca pelo conceito mais refinado, mais

“academicamente” sofisticado, e perde-se de vista, quase que em absoluto, o fato de

que “as categorias expressam formas de ser, determinações de existência” (MARX,

2011, p. 85).

Com efeito, antes de tudo, é preciso responder: qual a gênese histórico-

ontológica do complexo educacional? Qual a sua função social (isto é: a função que

desempenha no processo de reprodução social)? Qual a relação que mantém com o

trabalho, com os demais complexos sociais e com a totalidade? Apenas desse modo
poderemos obter uma perspectiva mais ampla, profunda, para além dos modismos

acadêmicos pós-modernos e que esteja comprometida com o projeto revolucionário

comunista.

Os textos aqui presentes tratam de temáticas relevantes que devem ser

estudadas e aprofundadas na área educacional, pois partem da análise real e concreta

de desenvolvimento do ser social e dos antagonismos inconciliáveis presentes nesta

forma de sociabilidade burguesa contemporânea, tendo por base as elaborações

formuladas por Lukács e por intelectuais que pesquisam esta mesma tradição marxista.
Capítulo i

Trabalho, educação e ontologia marxiana

Várias são as maneiras1 para entendermos a relação que se estabelece entre a

categoria fundante do ser social: o trabalho e o complexo social da educação. Todavia,

é apenas com a ontologia marxiana que temos as reflexões indispensáveis para

compreender de modo radical – no sentido de ir à raiz dos problemas – as múltiplas

articulações que ocorrem não só entre o trabalho e a educação, mas também com a

totalidade social. Isto, todavia, não ocorre, por ser esta meramente uma opção

acadêmica e intelectual. Mais do que isso: a ontologia marxiana instaura uma nova

teoria social, completamente revolucionária e histórica, que busca apreender os

diversos complexos sociais por meio de sua origem, natureza e função social, ou seja,

por meio de uma abordagem ontogenética.

É urgente resgatarmos uma discussão em educação que preze pela busca

investigativa da realidade objetiva em seu processo de entificação histórica por meio da

ação dos próprios homens e não com base em premissas especulativas e utópicas de

qualquer ordem. Por isso, logo no início, é preciso explicar o que é gnosiologia e o que

é ontologia. A gnosiologia implica o “estudo da problemática do conhecimento”, e a

ontologia, por sua vez, é o “estudo do ser, isto é, a apreensão das determinações mais

gerais e essenciais daquilo que existe”, seja o ser natural, seja o ser social (TONET,

2013, p. 12).

É preciso entender que do ponto de vista gnosiológico a “abordagem de

qualquer objeto a ser conhecido” tem como “eixo o sujeito” e, com isso, “enfatiza-se,

neste caso, não só o caráter ativo do sujeito no processo de conhecimento, mas

especialmente o fato de que é ele que constrói (teoricamente) o objeto”. Em face disto é

ele o “polo regente do processo de conhecimento” (TONET, 2013, p. 13).

Já o ponto de vista ontológico indica uma abordagem de “qualquer objeto tendo

como eixo o próprio objeto”. Cumpre esclarecer que “a captura do próprio objeto

1
Uma versão deste texto foi também publicada na revista entreideias, Salvador, v. 6, n. 2, p. 45-
66, jul./dez. 2017.
implica o pressuposto de que ele não se resume aos elementos empíricos, mas também,

e principalmente, àqueles que constituem a sua essência”. Isso ocorre mesmo se for

uma ontologia de talhe metafísico ou histórico-social, pois o ponto de vista ontológico

resulta na “subordinação do sujeito ao objeto, vale dizer que, no processo de

conhecimento, o elemento central é o objeto” (TONET, 2013, p. 14).

Em suma, “a ontologia é o reconhecimento dos entes, daquilo que está ali,

daquilo que temos diante de nós”; e o critério gnosiológico “refere-se ao saber e,

enquanto tal, ao campo da subjetividade, ao passo que a ontologia, enquanto universo

do ser, se refere à objetividade” (CHASIN, 1988, p. 3).

Esses entendimentos são essenciais para avançarmos em nosso debate. Tratar

das relações que se estabelecem entre trabalho, educação e totalidade social é possível

de ser realizado numa propositura revolucionária e histórica, se levarmos em

consideração a própria lógica de desenvolvimento da realidade objetiva e do processo

de reprodução social, independentemente de nossas vontades, desejos ou

representações. Em decorrência disso, consideramos a ontologia marxiana como a

teoria social – ontológica – que fornece a análise crítica necessária a tal

empreendimento. Obviamente, num texto como este, esta tarefa é impossível de ser

realizada em seus pormenores. Abordaremos, sinteticamente, alguns pontos para

debate e reflexão que nos ajudam no caminho apontado.

Como iremos demonstrar mais adiante, a inovação originada com o

pensamento de Marx encontra respaldo, entre várias condicionantes materiais, na

repercussão e nas consequências da Revolução Francesa e da Revolução Industrial,

possibilitando os seguintes pressupostos: 1) não são os deuses que criam os seres

humanos, “a história dos homens é resultado único e exclusivo das ações humanas”; 2)

para sobreviver, os seres humanos precisam trabalhar, isto é, precisam transformar a

natureza nos meios de produção e de subsistência e, com isso, também transformam a

sua própria natureza; 3) o modo como os “humanos organizam a transformação da

natureza é a base a partir da qual se organizam as relações sociais”; e 4) o trabalho

funda toda sociedade, e o trabalho proletário – “aquele trabalho assalariado que

transforma a natureza em mercadorias” – funda o modo de produção capitalista;


consequentemente, “o proletariado é a classe revolucionária: a única que tem interesse

e necessidade históricos de superar a exploração do homem pelo homem” (LESSA,

2015a, p. 5-6).

Deste modo, antes de tudo é preciso compreender – em linhas gerais – a

ruptura instaurada pela ontologia marxiana. Em um segundo momento,

apresentaremos as relações da educação para com o trabalho, a saber: a dependência

ontológica, a determinação recíproca e sua autonomia relativa.

Por fim, nossas considerações finais reforçam alguns posicionamentos no

tocante à indispensável tarefa de compreendermos a educação, seus limites e

possibilidades a partir do processo de reprodução social efetivado pelos homens na

construção de sua história. Abandonando nosso horizonte de debate e de análise ‒ a

reflexão a partir do trabalho e da totalidade social ‒, abandonamos igualmente as

possibilidades reais e efetivas de uma compreensão de ordem radical, que forneça as

bases interpretativas decisivas para a transformação qualitativa da ordem societária

dominada pelo capital.

1.1 - Ontologia Marxiana: uma rápida introdução

Numa apertada síntese, podemos dizer, na esteira de Tonet (2013), que o

conhecimento – tendo por base a análise do processo histórico real –, ao longo do

processo de reprodução social, tem uma ruptura com o padrão de cientificidade

moderna originado nos interstícios da dinâmica de superação do feudalismo e do

surgimento da sociedade capitalista. Os gregos e os medievais, resguardadas as

enormes diferenças que apresentam entre si, possuíam uma impostação ontológica no

tratamento filosófico e científico que procediam.

Os modernos, por sua vez, rompem com uma abordagem ontológica e

inauguram uma corrente fortemente empirista, gnosiológica, com foco centrado no

sujeito. Não é por um acaso qualquer que o lema do humanismo tenha sido justamente
“o homem, medida de todas as coisas”. Apenas Marx retoma ‒ ao longo de toda a sua

obra – uma abordagem ontológica do ser social e, em específico, da sociedade

burguesa, porém uma ontologia crítica, de cunho materialista e dialético.

Vamos analisar, rapidamente, como isso se deu. Nos gregos, em especial em

Aristóteles, há uma “ontologia das essências”, ou seja, “a ciência é descobrir a essência

das coisas”. A sociedade escravista estava fundamentada no trabalho escravo, e nela já

podemos perceber a presença da propriedade privada (entendida enquanto o ato de

uma classe apropriar-se privadamente do fruto do trabalho de outra classe), das classes

sociais (senhores e escravos) e do Estado (entendido enquanto complexo que protege a

propriedade privada das classes dominantes). Em Platão, por sua vez, há uma

“ontologia das idealidades” (CHASIN, 1988).

Para os gregos, existia uma dimensão eterna que não poderia ter sido

construída pelos homens e tampouco poderia ser alterada por eles. É esta dimensão

que impunha limites ao fazer a história pelos próprios homens. Em Aristóteles, por

exemplo, o Cosmos era uma espécie de estrutura esférica articulando a esfera eterna e a

Terra, no centro. Esta “estrutura forneceria a cada coisa o seu ‘lugar natural’, de tal

modo que conhecer a essência de cada ente nada mais significava que descobrir o seu

‘lugar natural’ dentro da estrutura cosmológica” (LESSA, 2001, p. 87). O “lugar

natural” dos homens era o espaço delimitado pelos semideuses e os bárbaros, ou seja, a

“humanidade poderia se desenvolver no espaço entre os bárbaros (os humanos mais

primitivos) e os gregos (em especial os atenienses, os humanos mais desenvolvidos)”.

Assim, a história humana estava dada em função do caráter “dualista de sua concepção

de mundo: a essência impõe aos homens o ‘modelo’ da Ideia ou o ‘lugar natural’ do

Cosmos” (LESSA, 2001, p. 88).

Tanto para os gregos quanto para os medievais, o mundo possuía uma ordem

hierárquica definida e imutável. Nem o mundo natural, nem o mundo social eram

encarados como históricos e, menos ainda, como obra da atividade dos próprios

homens. Ao homem cabia, diante do mundo, “muito mais um atitude de passividade

do que de atividade, devendo adaptar-se a uma ordem cósmica cuja natureza não

podia alterar”. O conhecimento e a ação tinham como “pólo regente a objetividade


(mundo real), sendo esta marcada por um caráter essencialmente a-histórico” (TONET,

2005, p. 22).

O modo de produção escravista, todavia, encontrou sua crise estrutural. Isso se

deu a partir do modo de organizar e reproduzir sua forma típica de propriedade

privada. Com as invasões de diversos povos, o desmantelamento do Estado escravista

e uma série de outros fatores, a Europa viu crescer um movimento de fuga de suas

populações para fortificações sob a tutela de um nobre. A maneira típica de organizar o

intercâmbio da sociedade com a natureza para a produção dos meios de produção e de

subsistência – o trabalho – começa a ser reestruturada com base não mais no trabalho

escravo, mas sim no trabalho servil. A relação social predominante ‒ de suserania e

vassalagem ‒ implicava o pagamento de impostos e a destinação de uma parte da

produção dos servos aos seus senhores, que, em troca, os protegiam em casos de

guerra. Isto significou um avanço no desenvolvimento das forças produtivas, pois a

riqueza, apesar de basear-se em servos e terras, estimulava os servos a aumentar a sua

produção, ainda que de modo muito lento e demorado.

No feudalismo, um dos grandes filósofos foi Santo Agostinho. Para ele a

história da humanidade é um processo sucessivo de “alianças e rupturas entre o

homem e seu Criador, iniciando-se com Adão, o primeiro homem, e sua queda, a

expulsão do Paraíso, até o juízo final e a redenção, a volta do homem a Deus”

(MARCONDES, 2001, p. 112). Santo Agostinho rompe com a concepção grega, no

sentido de um tempo cíclico, sem início e sem fim, pois agora há um sentido que pode

ser interpretado a partir da revelação. O modo de produção feudal, contudo, também

começou a assistir, após séculos de duração, a um período de crise estrutural: as

grandes navegações, a renovação do papel do comércio, o Renascimento, o Iluminismo

e as revoluções burguesas tiveram um papel importantíssimo na maneira como se

produzia o conhecimento e, também, na maneira de organizar a totalidade social a

partir do trabalho que, neste caso, deixava de ser baseado na relação de suserania e

vassalagem e passava, pouco a pouco, a se constituir no trabalho assalariado.

A ontologia greco-medieval é cosmológica, isto é, uma ontologia do mundo e

da objetividade, “independentemente do fato de que as soluções são idealismo


desvairados” (CHASIN, 1988, p. 13). Nicolau Copérnico, por seu turno, na revolução

científica, inaugura – por assim dizer – esse período de ruptura com a ontologia

medieval, pois passa a defender matematicamente “um modelo de cosmo em que o Sol

é o centro (sistema heliocêntrico), e a Terra apenas mais um astro girando em torno do

Sol” (MARCONDES, 2001, p. 149).

Descartes é também um pensador original no surgimento do padrão de

cientificidade moderna. Em seu Discurso sobre o Método ele argumenta que o “bom

senso”, ou seja, “a racionalidade é natural ao homem”, e que o erro “resulta na

realidade de um mau uso da razão, de sua aplicação incorreta em nosso conhecimento

do mundo”. O objetivo do método é “precisamente pôr a razão no bom caminho,

evitando assim o erro” (MARCONDES, 2001, p. 162). Bacon, neste sentido, afirmava

que o “homem deve despir-se de seus preconceitos, tornando-se ‘uma criança diante

da natureza’”, já que “só assim alcançará o verdadeiro saber”.

Para Locke é impossível conhecer as coisas na sua essência, apenas se pode ter

um conhecimento “demonstrativo ou dedutivo que não é derivado da experiência, mas

da observação do modo de operar da mente” (MARCONDES, 2001, p. 181). Para Locke,

os homens são proprietários privados por natureza. Trata-se do “direito natural de

propriedade”, que é concedido por Deus (WOOD, 2001).

O egoísmo e o individualismo preponderantes nas análises dos pensadores

representantes da burguesia nascente com o capitalismo, apesar de ser avaliado de

modo diferenciado entre os diversos filósofos, tinha como base comum o fato de uma

essência humana imutável e extremamente concorrencial. Hobbes considerava que este

movimento era uma ameaça e defendia um Estado absolutista, o Leviatã. Adam Smith

acreditava que ao enriquecimento dos indivíduos corresponderia um aumento da

produção e uma prosperidade social, “fazendo, assim, que o egoísmo do indivíduo se

convertesse em prosperidade de todos pela ‘mão invisível do mercado’” (LESSA, 2016,

p. 7). O equívoco de todos esses pensadores era compreender a essência burguesa dos

homens como a essência humana a-histórica e imutável. Para a ontologia marxiana, isto

é assim, pois “na história, este individualismo apenas existiu quando os homens foram
alienados pelo capital; apenas na sociedade burguesa há esta expressão de

individualismo” (LESSA, 2016, p. 7).

Hobbes argumenta que a natureza humana é negativa e egoísta. É o célebre

pensamento de que o “o homem é o lobo do homem” e que ele “é movido por suas

paixões e desejos”, não hesitando “em matar e destruir o outro, seu semelhante”.

Rousseau, ao contrário, defendia a ideia de que “o homem nasce bom, a sociedade o

corrompe” (MARCONDES, 2001, p. 200). É apenas com Hegel que a história passa a ser

obra dos próprios homens, todavia, a essência é delimitada pela ação do “Espírito

Absoluto”, isto é, a história teria uma finalidade, “cujo resultado não poderia ser outro

senão a plena explicitação da essência já dada desde o início: a sociedade burguesa

representa o ‘fim da história’” (LESSA, 2001, p. 90).

Já os contratualistas acreditavam que era necessário um acordo “entre todos para

criar uma sociedade que garantisse os interesses mínimos de todos os seus membros”.

Este acordo entre todos os cidadãos era o contrato social (LESSA, 2016).

Sumariando nosso percurso: a ontologia greco-medieval, de modo geral, possui

uma ontologia cósmica. Com Descartes há uma “ontologia da subjetividade”; já com

Kant há a negação da ontologia e a supervalorização do indivíduo e do polo da

subjetividade. Com Hegel, tem-se a reafirmação de uma ontologia, “reconvertendo a

teoria do conhecimento a uma fenomenologia do espírito, isto é, a uma história da

razão autoconstituinte” e, assim, a “ontologia hegeliana é uma ontologia da razão, só

que esta razão não é da subjetividade, é uma razão como princípio de racionalidade do

mundo e este é constituído ontologicamente por via lógico-ontológica”, o que quer

dizer que “é a lógica que constitui o universo da mundanidade” (CHASIN, 1988, p. 15).

Com a passagem do feudalismo ao capitalismo, no que tange à questão do

conhecimento em meio a este processo histórico, há o desaparecimento do

“fundamento objetivo absoluto”, ou seja, saímos da centralidade do objeto para a

centralidade do sujeito (TONET, 2005). O conhecimento da natureza, agora, não tinha

mais um caráter puramente contemplativo, mas sim prático, já que estava voltado para

atender aos interesses de reprodução da nova ordem social: “a própria forma da

produção material, da qual uma das marcas mais decisivas é a divisão fragmentada do
trabalho, teve repercussões fundamentais na constituição da ciência moderna”,

fazendo com que ela perdesse de vista “os vínculos que interligariam os territórios

investigados”.

Com isso, “foi abandonada a objetividade (o ser) como eixo do conhecimento,

sendo substituída pela subjetividade” (TONET, 2005, p. 24). Isto é verificável em Kant,

pois “a primeira e fundamental questão” não é a respeito do ser, como o era para os

gregos, mas “a respeito do conhecer”. Desse modo, “a categoria da essência é, pois,

relegada a segundo plano na elaboração kantiana e será definitivamente expulsa da

problemática do conhecimento nos desdobramentos subsequentes desta perspectiva”.

Estava constituído “aquilo que chamamos de ‘ponto de vista da subjetividade’, cuja

característica fundamental consistia em atribuir ao sujeito o papel de momento

determinante tanto no conhecer quanto no agir” (TONET, 2005, p. 25).

É apenas com Marx que há o resgate da ontologia, não contemplativa ou

metafísica, mas sim materialista e de talhe dialético. Isso não se deve apenas à

genialidade do indivíduo Marx. Na sociedade capitalista há o desenvolvimento das

forças produtivas e das condições materiais indispensáveis para compreendermos a

totalidade do ser social e as tendências gerais do movimento da reprodução social. Este

é um fato impossível tanto no feudalismo quanto no escravismo ou na sociedade

primitiva, em decorrência do baixo desenvolvimento das forças produtivas. Dois

acontecimentos são importantíssimos para o entendimento desse momento histórico: a

Revolução Francesa e a Revolução Industrial.

Com as revoluções burguesas houve a destruição do modo de produção feudal,

a derrubada do Estado absolutista, o surgimento e consolidação do Estado moderno e

o desenvolvimento da sociedade capitalista. A burguesia “pôde se converter em classe

revolucionária”, entre outros fatores, “porque seu projeto histórico era a emancipação

da opressão feudal da enorme maioria da população de seu tempo” (TONET e LESSA,

2012, p. 54). A economia estava nas mãos da burguesia e, embora “fossem os servos e

os artesãos que produzissem a maior parte da riqueza, uma boa parte vinha também

do comércio internacional e, até mesmo, dos saques de outros povos”. Foi “essa

inserção na reprodução da sociedade de seu tempo que possibilitou à burguesia ter a


força necessária para ser portadora do projeto histórico de todas as outras camadas e

classes sociais em oposição ao absolutismo” (TONET e LESSA, 2012, p. 54).

Já a Revolução Industrial é importante, não tanto por seu aspecto político, como

no caso das revoluções burguesas, mas sim por seu aspecto social, consolidando uma

nova forma de organizar o trabalho em uma sociabilidade regida pelos interesses da

burguesia e não mais do clero ou dos reis. Até este período, “as ferramentas típicas

eram aquelas movidas pela força humana”, o que impunha um limite decisivo. Com a

máquina a vapor no processo produtivo, esse limite foi ultrapassado. A humanidade

“passou da condição em que a carência era inevitável para outra, muito superior, de

abundância”, e pela primeira vez “tornou-se possível produzir mais do que o

necessário para abastecer todas as pessoas do planeta” (TONET e LESSA, 2012, p. 64).

Um alerta é necessário: não podemos reduzir a Revolução Industrial a

meramente uma mudança na tecnologia e na introdução das máquinas no processo de

produção. Essas mesmas tecnologias são o resultado de um processo histórico mais

amplo. O comércio mundial, a riqueza acumulada na Inglaterra, a disponibilidade de

uma ampla maioria de trabalhadores “forçados a abandonar o campo pela cidade, na

medida em que o capitalismo ia penetrando na agricultura” etc. fizeram com que se

tornasse lucrativa a adaptação “da máquina a vapor para a produção industrial”

(TONET e LESSA, 2012, p. 64).

Assim:

Se a Revolução Industrial nos colocou na era da abundância, a


Revolução Francesa eliminou os últimos resquícios importantes do
feudalismo. Abriu aos burgueses um enorme mercado e, ainda mais
significativo, liberou dos feudos uma enorme massa de trabalhadores
que agora, para sobreviverem, tinham como única alternativa vender
sua força de trabalho ao capital. Chegamos ao capitalismo maduro.
(LESSA, 2016, p. 8).

Em decorrência da maturidade alcançada pelo desenvolvimento e da

complexidade do ser social é que fora possível a Marx resgatar a centralidade da

objetividade no plano do conhecimento e, dessa maneira, romper radicalmente com


seus contemporâneos e predecessores. A instauração ontológica de Marx não se dá pela

junção do “materialismo” com a “dialética” e a “perspectiva histórica”, fundando o

chamado “materialismo histórico e dialético”, como se fosse uma simples somatória de

tudo isso. De fato, a ontologia marxiana se funda a partir de três críticas: 1) a crítica da

filosofia hegeliana, da razão especulativa; 2) a crítica à Economia Política; e 3) a crítica

da prática, ou seja, a crítica aos limites essenciais da emancipação política e a defesa da

possibilidade de os homens alcançarem uma forma de sociabilidade marcada pela

emancipação humana (CHASIN, 1988).

Contudo, é preciso esclarecer que o sentido de crítica em Marx não tem um

caráter meramente negativo ou “apenas lógico ou epistemológico”. A crítica, para ele,

significa “o exame da lógica do processo social – levando sempre em conta que é um

produto da atividade humana”, de modo a apreender a “natureza própria, suas

contradições, suas tendências, seus aspectos positivos e negativos, suas possibilidades

e limites”, tendo como parâmetro “os lineamentos mais gerais e essenciais do processo

social como um processo de autoconstrução humana” (TONET, 2005, p. 54).

Por isso,

[...] na medida em que as teorias são parte integrante deste


movimento, criticá-las significa verificar em que medida elas são
capazes de captar a natureza daquele processo e em que medida seus
acertos, erros, lacunas, etc., são expressão de interesses sociais em
jogo. Quando, portanto, falamos em crítica da cidadania, no sentido
marxiano, é a isto que nos estamos referindo e não à simples
desqualificação e denúncia ou ao exame lógico e/ou epistemológico de
qualquer teoria a respeito dela. (TONET, 2005, p. 54-55).

Marx percebe que tanto o idealismo quanto o materialismo reduzem a realidade

a elementos que são “tomados abstratamente”. Para o materialismo, a realidade é

apenas exterior ao homem, como algo “despido de subjetividade”; para o idealismo, “a

verdadeira realidade é a realidade da ideia, do espírito”. Já na ontologia marxiana, a

atividade humana sensível é que confere unidade a estes dois momentos:


“subjetividade e objetividade são dois momentos que constituem uma unidade

indissolúvel” (TONET, 2005, p. 32).

Isto, contudo, não quer dizer que exista plenamente um equilíbrio, mas sim que

subjetividade e objetividade são dimensões efetivamente reais e operantes, e que a

consciência encontra seu campo de possibilidades reais para atuar a partir da

determinação essencial – ontológica – que a objetividade oferece. Isso ocorre, pois, por

um lado, a “própria subjetividade já é um produto social, de modo que ela articula em

si a individualidade e a generidade” e, por outro lado, “porque a objetividade, se não

determina o fim, põe o campo de possibilidades a partir das quais a subjetividade faz

as suas escolhas”. Assim, “o ato de pôr fins, embora seja um ato livre, pois não é uma

imposição inevitável, é, também, sempre um ato concretamente delimitado” (TONET,

2005, p. 36).

Marx irá constatar que o primeiro ato histórico, como afirmado em A Ideologia

Alemã, é o ato de produzir os meios de produção indispensáveis para atender às

necessidades vitais humanas. Com os atos de trabalho, há a criação de novas

necessidades sociais. Em face disso, a reprodução animal, determinada biologicamente, é

sempre a reposição do mesmo, e a reprodução social é sempre a criação do novo

(LUKÁCS). Marx pôde, dessa forma, afirmar que “o homem é um ser genérico e

universal, pois o devir do indivíduo não se dá apenas, e nem principalmente, como um

desdobramento de leis genéticas”, mas sim e, sobretudo, “a apropriação das

objetivações que se tornaram patrimônio do gênero humano”, fazendo com que “o

indivíduo seja social por natureza e não porque viva em sociedade” (TONET, 2005, p.

39).

Não podemos, apressadamente, concluir que para a ontologia marxiana tudo

deva ser resumido ao trabalho, como esclareceremos no próximo item. O “fio condutor

do pensamento marxiano é o processo de autoconstrução do homem, tomado sempre

em nível ontológico” (TONET, 2005, p. 40).

A partir do trabalho, surgem outros complexos sociais, como o da educação,

que passam a ter uma dependência ontológica para com ele e uma determinação

recíproca. O processo de tornar-se homem do homem não é, por consequência, algo


aleatório, nem determinado aprioristicamente. Trata-se de uma processualidade que

possui fundamento no trabalho e se coloca sob a forma de “um complexo de

complexos”, ou seja, “de um conjunto de dimensões que interagem entre si e com a

dimensão fundante”. Com este processo o ser social se torna mais heterogêneo, diverso

e mais unitário, com uma unidade indissolúvel entre existência e consciência e entre

indivíduo e sociedade. Estas unidades indissolúveis, por sua vez, “só podem ser

compreendidas a partir da própria lógica do processo real, e jamais tomadas como um

dado ontológico constitutivo do ser social” (TONET, 2005, p. 46).

Marx, em face de seus antecessores, não os ignora ou “joga-os na lata do lixo”.

Na ontologia marxiana, “a crítica do conhecimento acumulado consiste em trazer ao

exame racional, tornando-os conscientes, os seus fundamentos, os seus

condicionamentos e os seus limites”, ao tempo que se faz a “verificação dos conteúdos

desse conhecimento a partir dos processos históricos reais” (NETTO, 2009, p. 775). A

teoria, na abordagem de Marx, não se reduz ao exame das formas de um objeto, “com o

pesquisador descrevendo-os detalhadamente e construindo modelos explicativos para

dar conta [...] de seu movimento visível”, mas sim como “uma modalidade peculiar de

conhecimento”.

A teoria se distingue de todas as outras modalidades de conhecimento, pois “o

conhecimento teórico é o conhecimento do objeto tal como ele é em si mesmo, na sua

existência real e efetiva, independentemente dos desejos, das aspirações e das

representações do pesquisador”. Ou seja: a teoria, para Marx, é “a reprodução ideal do

movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa”. Por meio da teoria, “o sujeito

reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinâmica do objeto que pesquisa”. Esta

reprodução “será tanto mais correta e verdadeira quanto mais fiel o sujeito for ao

objeto” (NETTO, 2009, p. 776).

Para a ontologia marxiana, o “objeto da pesquisa – no caso, a sociedade

burguesa – tem existência objetiva; não depende do sujeito, do pesquisador, para

existir”. O objetivo do pesquisador indo além da imediaticidade fenomênica – por

onde se inicia necessariamente o processo de conhecimento – é “apreender a essência

(ou seja: a estrutura e a dinâmica) do objeto” e, “capturando a sua estrutura e dinâmica


por meio de procedimentos analíticos e operando a sua síntese, o pesquisador

reproduz no plano do pensamento a essência do objeto que investigou” (NETTO, 2009,

p. 777).

Um ponto nodal neste debate, e que permite tal delimitação do sentido da

crítica que já explicamos e da teoria, é o fato de que “Marx faz da produção e da

reprodução da vida humana o problema central; surgem, tanto no próprio ser humano

como em todos os seus objetos, relações”, e isto como “dupla determinação de uma

insuperável base natural e de uma ininterrupta transformação social dessa base”. Neste

caso, também no trabalho estão contidas “in nuce todas as determinações que [...]

constituem a essência do novo ser social” (LUKÁCS, 2018b, p. 10). Por isso, se

quisermos compreender como de fato a educação se relaciona com a totalidade social, é

preciso articular à reflexão a análise a partir da centralidade ontológica do trabalho.

1.2 - Trabalho, Educação e Totalidade Social

Como já afirmamos anteriormente, para compreender o complexo da educação

tal como ele é em meio à totalidade social, é necessário levar em consideração sua

origem histórica e ontológica. Lukács delineia essas questões em sua obra Para uma

Ontologia do Ser Social, contribuindo com reflexões a respeito dos limites e das

potencialidades que a práxis educativa pode desempenhar em face da totalidade social,

consubstanciada pelo sistema do capital. Não se trata de partir de premissas

gnosiológicas, nem de arranjar intelectualmente os procedimentos investigativos a

priori para investigar a centralidade ontológica do trabalho e da educação. Ao

contrário, é preciso resgatar uma análise que se baseie na própria processualidade

histórica da realidade social. Aliás, esta é uma perspectiva já discutida por Marx e

Engels n’A Ideologia Alemã, quando afirmam:

As premissas de que partimos não são bases arbitrárias, dogmas; são


bases reais que só podemos abstrair na imaginação. São os indivíduos
reais, sua ação e suas condições materiais de existência, tanto as que
eles já encontraram prontas, como aquelas engendradas de sua
própria ação. Essas bases são, pois, verificáveis por via puramente
empírica. (MARX e ENGELS, 2002, p. 10).

Há, portanto, uma prioridade ontológica da objetividade real com relação à

subjetividade, e esta é uma elaboração de decisiva importância da ontologia marxiana

para o debate educacional. Os homens, ao produzirem como primeiro ato histórico os

seus meios de produção e de subsistência, começam a desempenhar uma atividade

crescentemente social. O trabalho, desse modo, será uma categoria fulcral no

desenvolvimento do ser social, pois irá “chamar à vida” – para usar uma expressão de

Lukács – uma série de outros complexos que terão funções sociais qualitativamente

distintas das do trabalho, ainda que com ele se articulem. De modo geral, a perspectiva

ontológica se mostra fundamental nesse processo de compreensão, pois “querer lutar

contra o capital, que se serve de um imenso aparato científico; querer transformar o

mundo sem um sólido conhecimento da realidade é candidatar-se antecipadamente ao

fracasso. Se o conhecimento não garante o sucesso, sem ele o insucesso é inevitável”

(TONET, 1999, p. 5).

Estes dois princípios (a prioridade ontológica da objetividade sobre a

subjetividade e a necessidade de um conhecimento que oriente a prática) são aspectos

ontometodológicos fundamentais para o debate em educação a partir das contribuições

das formulações lukacsianas no capítulo sobre o trabalho em sua Ontologia. O campo

efetivo de possibilidades para intervenção teleologicamente orientada sobre o real é

colocado e configurado a partir da própria realidade objetiva e não das vontades e

anseios do homem. Além disso, sem um conhecimento correto (que, contudo, nunca é

absoluto) a respeito da realidade concreta não se efetivam com eficácia os atos de

trabalho.

Esses entendimentos nos possibilitam compreender como, no debate em

educação, em linhas gerais, é imprescindível o conhecimento da lógica de

funcionamento e estruturação incontrolável (MÉSZÁROS, 2002) do sistema do capital.

Este conhecimento, por sua vez, é fundamental para apreender os limites e as

possibilidades da práxis educativa sem supervalorizar a educação e, ao mesmo tempo,


sem subestimá-la. Por mais que alguns desejem uma “educação humanizadora”, esta

meta é uma impossibilidade real e concreta no âmbito da sociedade capitalista, em que

os interesses a serem atendidos, primordialmente, são aqueles que possibilitarão a

reprodução do capital.

Antes de avançar, porém, convém trazer para o debate o próprio

posicionamento de Marx a respeito do resultado de suas pesquisas, e que consta no

famoso Prefácio de 1859:

Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as


relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser
explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do
espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas raízes nas
condições materiais de existência, em suas totalidades, condições
estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e dos franceses do século 18,
compreendia sob o nome de “sociedade civil”. Cheguei também à
conclusão de que a anatomia da sociedade burguesa deve ser
procurada na Economia Política. Eu havia começado o estudo desta
última em Paris, e o continuara em Bruxelas, onde eu me havia
estabelecido em consequência de uma sentença de expulsão ditada
pelo sr. Guizot contra mim. O resultado geral a que cheguei e que,
uma vez obtido, serviu-me de guia para meus estudos, pode ser
formulado, resumidamente, assim: na produção social da própria
existência, os homens entram em relações determinadas,
necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de
produção correspondem a um grau determinado de
desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade
dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura
jurídica e política e à qual correspondem formas sociais
determinadas de consciência. O modo de produção da vida material
condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o
seu ser social que determina sua consciência. Numa certa etapa de
seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade
entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o
que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de
propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então.
De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações
convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução
social. (MARX, 2008, p. 47, grifos nossos).
O recurso à longa citação de Marx se fez necessário a fim de que possamos

colocar em relevo pontos essenciais da sua teoria social para o entendimento da relação

entre trabalho e educação. Em primeiro lugar, não se pode analisar a educação ou “as

relações jurídicas” por “si mesmas”, já que “essas relações têm, ao contrário, suas

raízes nas condições materiais de existência”. Marx chama a atenção aqui para a

necessidade de analisar as mediações no âmbito da realidade social e seus vários

complexos. Em segundo lugar, há a constatação da relação entre “relações de

produção” ou “base real” e suas “formas sociais determinadas de consciência”.

Contudo, estes dois momentos não se encontram à deriva, pois é o “ser social que

determina sua consciência”, e aqui reside a necessidade de compreensão da

dependência ontológica dos complexos sociais – inclusive da educação – para com o

trabalho.

Na esteira de Lukács, Tonet nos explica sobre estas articulações, a saber: a

relação de dependência ontológica, de autonomia relativa e de determinação recíproca da

educação para com o trabalho (TONET, 2005). Estas elaborações são abstrações que

traduzem a real ligação entre estas duas categorias, que são ontológicas do ser social. O

estudo profundo e sistematizado tanto do capítulo do trabalho da ontologia lukacsiana

quanto da proposição de “atividades educativas emancipadoras” de Tonet é prática

indispensável para a pesquisa na área educacional preocupada com uma interpretação

que se baseie na própria lógica de complexificação do ser social como ele se dá, ou seja,

“o ente enquanto ente” (CHASIN, 1988, p. 82).

A relação de dependência ontológica nos mostra como a educação possui sua

origem histórico-ontológica vinculada aos atos de trabalho e como que ela irá

transmitir os conhecimentos, valores, comportamentos, habilidades etc. necessários

para a reprodução social de uma forma de sociedade fundada num determinado tipo

de trabalho. Por exemplo: o campo de possibilidades inerentes à sociabilidade feudal –

fundada no trabalho servil – impunha ao complexo educacional a transmissão dos

comportamentos e habilidades necessários para a reprodução daquela ordem societária

baseada na relação de suserania e vassalagem entre os servos e os senhores feudais, ou


seja, a educação era limitada pela reprodução daquela forma típica de propriedade

privada baseada no trabalho dos servos.

Já no capitalismo há uma desigualdade estrutural entre capital e trabalho. O

capital é a potência que exerce influência na orientação de todos os complexos sociais,

inclusive na educação. Cabe a ela a transmissão dos conteúdos e conhecimentos que

atendam às necessidades de expansão deste sistema social. Lukács assevera que “o

essencial da educação dos seres humanos consiste, ao contrário, em qualificá-los a

reagir adequadamente a eventos e situações novas [...]” (LUKÁCS, 2018b, p. 133).

Pensemos na sociabilidade regida pelo capital: a totalidade social fundada com

base no trabalho assalariado determina ontologicamente a orientação que a ciência irá ter.

Temos uma ciência altissimamente desenvolvida e capaz de inúmeros avanços em

diversas áreas (pense-se, por exemplo, no acelerador de partículas atômicas LHC, na

Suíça, que permite aos cientistas compreenderem melhor o nosso universo), contudo, a

fome, a miséria e tantas outras penúrias ainda existem de modo abundante no mundo.

A que isso se deve? Às relações sociais de produção capitalistas, ou seja, as relações

sociais de produção (a maneira como os homens se relacionam entre si no processo de

transformação da natureza, ou seja, no processo de produção da riqueza material

social), no capitalismo, determinam ontologicamente os rumos da ciência, e esta, direta

ou indiretamente, passa a atender às demandas do capital, e não às reais necessidades

humanas.

Outro exemplo que podemos mencionar para dar concretude ao que estamos

falando são os dados levantados por Ziegler (2011) de que há hoje uma produção de

alimentos no mundo capaz de alimentar duas vezes a população mundial e, mesmo

assim, 100 mil pessoas morrem de fome por dia. A perspectiva reformista observa esta

informação e conclui que o problema é a distribuição. Apenas a perspectiva

revolucionária instaurada por Marx é capaz de esclarecer que a distribuição é desigual, já

que as relações sociais de produção capitalistas são estruturalmente desiguais, a partir do

sistema de assalariamento e da extração de mais-valia.

Em razão deste raciocínio podemos dizer que há uma autonomia relativa da

educação perante o trabalho e a totalidade social. É preciso, portanto, apreender a


determinação recíproca que se estabelece entre trabalho, educação e os demais complexos

sociais, numa dinâmica eminentemente social e histórica.

O sentido de educação que adotamos é o mais amplo possível e não se reduz à

educação escolar ou a um período limitado da vida dos indivíduos. Neste aspecto, a

educação é o complexo social responsável pela transmissão e apropriação do

patrimônio espiritual – cultura humana em sentido lato – desenvolvido histórica e

socialmente pela humanidade. Esta é a função social, ou seja, a função que o complexo

educacional cumpre no processo de reprodução do ser social. Isto, todavia, não quer

dizer que a educação não seja atravessada pelos antagonismos sociais, em especial, no

momento atual de crise estrutural do capital.

Se se deseja expor as categorias específicas do ser social, seu crescer


a partir das suas formas de ser precedentes, sua combinabilidade com
elas, sua fundabilidade nelas, deve-se iniciar esta tentativa com a
análise do trabalho. Naturalmente, não deve ser esquecido que todo
patamar de ser, no todo bem como nos detalhes, tem um caráter de
complexo, i.e., que mesmo suas categorias centrais e mais decisivas
apenas podem ser compreendidas adequadamente no interior e a
partir da qualidade como um todo do nível de ser concernente.
(LUKÁCS, 2018b, p. 7, grifos nossos).

O trecho de Lukács é relevante em ao menos dois pontos: a reflexão ontológica

a partir do trabalho e a consideração desta categoria numa “estrutura global”. Em

outros escritos, o filósofo húngaro já havia apontado para o fato de que o que

diferencia o marxismo das ciências burguesas não é o predomínio das causas

econômicas na explicação dos fenômenos sociais, mas sim a categoria da totalidade

(LUKÁCS, 2003). Por isso, a “totalidade é o território da dialética” (LUKÁCS, 1974, p.

48). Isso é importante, pois do ponto de vista ontometodológico, estamos diante de um

indício próprio da realidade social historicamente elaborada pelos seres humanos.

Se quisermos saber qual a função que determinado complexo ou práxis cumpre

na reprodução social, devemos, pois, “começar pela análise do trabalho”. Todavia, para

não incorrermos no risco de passar a impressão de que basta “resumir” tudo ao

trabalho, é preciso analisar a atividade ou fenômeno que estamos estudando, inserido

numa totalidade social, ou seja, interagindo num “complexo de complexos”.


Chasin assim argumenta:

A totalidade é a única via da compreensão. Explicar é reencontrar a


totalidade. Compreender, capturar intelectualmente alguma coisa é
reproduzir conceitualmente uma unidade que é um todo. Cada
individualidade no seu isolamento não revela a integridade que ela é.
O todo é que explica. Neste sentido, então, o objeto maturado que
ganhou a sua plenitude, onde a supremacia do complexo está
explicitada, permite rever a gênese de tal maneira que as partes
constitutivas da processualidade genética que eram partes, agora se
explicam enquanto partes porque o todo deu acesso ao saber desta
totalidade. Então, não se trata de uma construção do sujeito ou da
construção de um objeto e de seu todo, mas de um todo do objeto
que faculta a compreensão inclusive das partes desse todo no real.
(CHASIN, 1988, p. 72, grifos nossos).

Essas elaborações apresentam enorme potencial para a discussão educacional,

pois em muitos casos tende-se a compreender algum fenômeno educativo tomando-se

por referência uma dinâmica interna à própria educação. É preciso, contudo,

relacionar, refletir e apreender a constituição deste complexo em sua vinculação com o

trabalho (tanto em sentido amplo, quanto em relação à sua forma específica no

capitalismo) e com a totalidade social consubstanciada pela reprodução do capital na

contemporaneidade.

Se assim procedermos com o trabalho veremos que ele é a única categoria que

funda o ser social, cabendo-lhe a função social de produção dos meios de produção e

subsistência indispensáveis às necessidades humanas. Dessa forma, é imprescindível

compreender a diferenciação que se opera entre o trabalho e as demais práxis sociais. O

trabalho “contém um processo entre atividade humana e natureza: seus atos são

dirigidos à transformação de objetos naturais em valores de uso” (LUKÁCS, 2018b, p.

46). Essa é a função que ele desempenha para a continuidade, para a reprodução do ser

social, em seu sentido ontológico, ou seja, independentemente da formação social em

específico.

O filósofo húngaro, com efeito, distingue a teleologia do trabalho de uma

“segunda forma de posição teleológica”. Enquanto a primeira realiza o intercâmbio do


homem com a natureza, na segunda está presente “a tentativa de levar outros seres

humanos (ou outros grupos humanos) a executar, por sua parte, posições teleológicas

concretas” (LUKÁCS, 2018b, p. 46). É no interior desta segunda forma de posição

teleológica (ou pores teleológicos secundários) que se insere a educação.

Conforme Lukács:

O objeto desta posição de finalidade secundária não é mais algo,


portanto, puramente natural, mas a consciência de um grupo humano;
a posição de finalidade não mais intenciona imediatamente a
transformação de objetos naturais, mas o realizar (Zustandekommen) de
uma posição teleológica, a qual, contudo, já está dirigida aos objetos
naturais; os meios igualmente são não mais efeitos imediatos sobre os
objetos naturais, mas querem alcançar tais efeitos por outros seres
humanos. (LUKÁCS, 2018b, p. 47).

O trabalho encontra-se nos pores teleológicos primários; já a educação, a

política e a ideologia encontram-se no âmbito dos pores teleológicos secundários. Isto é

relevante para compreendermos que o que torna o trabalho a única categoria fundante

e todas as outras práxis fundadas é a função social. Assim, “para Marx, o trabalho

possui uma função social muito precisa: faz a mediação entre o homem e a natureza, de

tal modo a produzir a base material indispensável para a reprodução das sociedades”

(LESSA, 2012, p. 45).

O que distingue os vários complexos sociais entre si é a função social que

exercem na reprodução social: a função social do escultor é produzir obras de arte, a do

cirurgião é promover saúde; enfim, “é a função social e não a modalidade de matéria a

ser transformada que particulariza cada um dos complexos sociais” (LESSA, 2014, p.

246). Se cancelarmos o que o trabalho possui de específico, ou seja, se cancelarmos de

nossa análise a sua função social e o “misturarmos” a outras práxis humanas,

perdendo a relação entre fundado e fundante, cancelaremos, também, “a tese marxiana

de ser o trabalho a categoria fundante do mundo dos homens” e, com isso, estará

“linearmente revogada a demonstração de como a essência humana é construto puro e

exclusivo da ação dos seres humanos” e estará, ainda, “revogada a demonstração por
Marx da possibilidade e da necessidade históricas da revolução proletária” (LESSA,

2012, p. 28-29).

Capítulo ii

Educação e emancipação

É muito comum na discussão acadêmica e/ou política atribuir à educação

tarefas hercúleas como: dar conta das desigualdades sociais, promover a construção de
uma “cidadania crítica”, ser “humanizadora”, e vários outros rótulos. Há também outra

perspectiva, porquanto existem posturas que desvalorizam a educação e acreditam que

ela nada pode no tocante à transformação social. Na contramão dessas duas linhas de

raciocínio, entendemos que o correto equacionamento da educação passa pelo

entendimento – a partir da ontologia marxiana – da sua dependência ontológica,

autonomia relativa e determinação recíproca para com o trabalho.

Trataremos – brevemente – destes aspectos na primeira parte do texto, para que

em seguida possamos compreender a impossibilidade real objetiva de uma “educação

emancipadora” no âmbito da sociabilidade burguesa e, ao mesmo tempo, as

possibilidades reais que ela pode oferecer. Com efeito, é preciso explicitar as

contradições estruturais e irreformáveis do sistema do capital, num segundo momento

do texto, a fim de desenvolver uma reflexão capaz de apreender os limites e as

potencialidades do complexo social da educação. Deste modo, poderemos avançar para

a explicitação das formulações elaboradas por I. Tonet (2005; 2007; 2010; 2012; 2014) no

que se refere ao desenvolvimento de atividades educativas de caráter emancipador,

enquanto reflexões imprescindíveis para a crítica radical contra o capital.

Nosso objetivo mais geral é compreender o complexo social da educação

mediante análises oriundas da ontologia marxiana em sua relação com a categoria

fundante do ser social, o trabalho, e assim contribuirmos com uma reflexão de ordem

revolucionária na discussão educacional em tempos de crise estrutural do capital.

2.1 – Trabalho e Educação

Numa apertada síntese, podemos dizer que o ser humano não é “dado” por

natureza, isto é, não se forma por aspectos meramente biológicos e/ou naturais tão

somente. O indivíduo torna-se membro do gênero humano por uma série de

objetivações e apropriações de ordem social e histórica. Todavia, há uma atividade

humana, uma práxis social que se diferencia substancialmente das outras práxis

humanas em razão da sua função social, ou seja, do papel que exerce para a
reprodução social, para a continuidade do “mundo dos homens”. Esta atividade primária

é o trabalho e possui como função social – na análise marxiana – a transformação da

natureza para a produção de valores de uso.

O trabalho é uma categoria ontológica do ser social. Para que a humanidade

continue a existir, é necessário que exista trabalho para transformar a natureza e

atender às necessidades humanas. Os atos de trabalho irão dar origem a uma série de

outros complexos sociais, como a educação (que é, assim como os demais, um

complexo fundado), pois, neste caso, os conhecimentos e as habilidades que se

originaram pelo trabalho precisam ser transmitidos e apropriados pelos seres humanos.

Entretanto, para podermos afirmar que educação e trabalho possuem funções

sociais qualitativamente diferentes ‒ na perspectiva ontológica ‒, é imprescindível

entender o que é abordagem histórico-ontológica. Isso implica levar em consideração o ato

fundante que é o trabalho, articulado com os demais complexos sociais, num sentido

de dependência ontológica dos demais complexos para com o trabalho. Também é preciso

considerar que tais complexos (no caso em análise, a educação) possuem uma

autonomia relativa, isto é, desenvolvem-se mediados por teleologias secundárias, num

processo complexo de desenvolvimento do ser social que, todavia, não os separa em

absoluto da objetividade primária fundante.

Desse modo, a fim de nos afastarmos de qualquer crítica quanto a um

determinismo mecanicista, ressaltamos a relação de determinação recíproca que o

complexo educativo possui com o trabalho, isto é, as múltiplas influências que ocorrem

na interferência dos homens com a natureza e deles entre si. Aliás, o próprio Lukács

entende a relação recíproca entre tais complexos, quando afirma: “O fator subjetivo,

resultante da reação humana e tais tendências de movimento, conserva-se sempre, em

muitos campos, como um fator por vezes modificador e, por vezes, até mesmo

decisivo” (LUKÁCS, 1978, p. 13).

Tonet (2007) nos alerta que é de suma relevância, em todos esses aspectos,

considerarmos a origem, a natureza e a função social que determinada atividade humana

exerce para a reprodução social. Por função social devemos entender “a função que

determinada atividade humana, determinada dimensão social tem na reprodução


social” (TONET, 2007, p. 5). A origem, por sua vez, não constitui uma busca pelo exato

surgimento cronológico de alguma atividade humana, mas sim a origem histórico-

ontológica, isto é, a origem de um determinado complexo social analisado na sua

relação com os atos de trabalho e com a totalidade social.

O trabalho é um ato de pôr consciente e, portanto, pressupõe um


conhecimento concreto, ainda que jamais perfeito, de determinadas
finalidades e de determinados meios. Vimos que o desenvolvimento,
o aperfeiçoamento do trabalho é uma de suas características
ontológicas; disso resulta que, ao se constituir, o trabalho chama à
vida produtos sociais de ordem mais elevada. Talvez a mais
importante dessas diferenciações seja a crescente autonomização das
atividades preparatórias, ou seja, a separação – sempre relativa –
que, no próprio trabalho concreto, tem lugar entre o conhecimento,
por um lado, e, por outro, as finalidades e os meios. A matemática, a
geometria, a física, a química etc. eram originariamente partes,
momentos desse processo preparatório do trabalho. Pouco a pouco,
elas cresceram até se tornarem campos autônomos de conhecimento,
sem porém perder inteiramente essa respectiva função originária.
Quanto mais universais e autônomas se tornam essas ciências, tanto
mais universal e perfeito torna-se por sua vez o trabalho; quanto
mais elas crescem, se intensificam etc., tanto maior se torna a
influência dos conhecimentos assim obtidos sobre as finalidades e os
meios de efetivação do trabalho. (LUKÁCS, 1978, p. 9-10, grifos
nossos).

O recurso à citação direta do texto de Lukács (1978) é preciso, pois a partir

dele e de outros momentos que integram sua Ontologia do ser social podemos perceber a

autonomia relativa dos complexos sociais com relação ao momento fundante. O fato de o

trabalho “chamar à vida produtos sociais de ordem mais elevada” faz com que a

educação se insira neste aspecto – isto não quer dizer que tais complexos se separam de

modo absoluto, mas sim de modo relativo, possibilitando a explicitação tanto da

dependência ontológica quanto da autonomia relativa de que Tonet (2005) nos

esclarece. Já a determinação recíproca está presente no fato de que o trabalho, ao “chamar

à vida” novos complexos sociais, passa a influenciar no desenvolvimento desses

complexos e, também, por eles passa a ser influenciado.


Toda essa reflexão nos comprova a impossibilidade de argumentar sobre

educação e trabalho como idênticos, quando em verdade são complexos

ontologicamente distintos e com funções sociais igualmente distintas no processo de

reprodução social do ponto de vista ontológico, do ponto de vista do próprio

desenvolvimento concreto do ser social. O processo de trabalho no tornar-se homem do

homem, ou seja, no salto ontológico do ser natural ao ser social (que, todavia, não anula

em absoluto o caráter biológico presente na constituição humana), já consubstancia

pores teleológicos com finalidades diversas2:


Digna de nota, para nós, é aqui a manifestação de uma nova forma de
posição teleológica; ou seja, aqui não se trata de elaborar um
fragmento da natureza de acordo com finalidades humanas, mas ao
contrário, um homem (ou vários homens) é induzido a realizar
algumas posições teleológicas segundo um modo predeterminado.
Já que um determinado trabalho (por mais que possa ser diferenciada
a divisão do trabalho que o caracteriza) pode ter apenas uma única
finalidade principal unitária; torna-se necessário encontrar meios que
garantam essa unitariedade finalística na preparação e na execução do
trabalho. Por isso, essas novas posições teleológicas devem entrar em
ação no mesmo momento em que surge a divisão do trabalho; e
continuam a ser, mesmo posteriormente, um meio indispensável em
todo trabalho que se funda sobre a divisão do trabalho. Com a
diferenciação social de nível superior, com o nascimento das classes
sociais com interesses antagônicos, esse tipo de posição teleológica
torna-se a base espiritual-estruturante do que o marxismo chama de
ideologia. Ou seja: nos conflitos suscitados pelas contradições das
modalidades de produção mais desenvolvidas, a ideologia produz as
formas através das quais os homens tornam-se conscientes desses
conflitos e neles se inserem mediante a luta. (LUKÁCS, 1978, p. 10-
11).

Novamente o recurso à citação direta de Lukács (1978) é de suma relevância a

fim de compreendermos de modo mais profundo a inviabilidade ontológica em

assimilar educação e trabalho como complexos idênticos. O filósofo húngaro nos

explica que com o desenvolvimento do processo de trabalho surge a “manifestação de

uma nova forma de posição teleológica”; esta, em vez de “elaborar um fragmento da

natureza de acordo com finalidades humanas” (ato típico do trabalho), encontra


2
O próprio Marx inicia, no Livro I, Tomo I de O Capital, uma discussão ontológica do trabalho,
enquanto “condição eterna” da humanidade e presente em todas as formações sociais específicas. Apenas
posteriormente passa a tratar do trabalho no capitalismo: trabalho abstrato, trabalho produtivo etc.
respaldo no intuito de induzir “um homem” ou “vários homens” a “realizar posições

teleológicas de um modo predeterminado”.

Estamos falando de posições teleológicas secundárias. Tais posições teleológicas

atuam na relação dos homens entre si, e não no intercâmbio orgânico do homem com a

natureza, como é o caso do trabalho em que estão presentes posições teleológicas

primárias. Entretanto, tal entendimento não quer dizer que essas posições teleológicas

secundárias não tenham importância; ao contrário, elas se conformam em “um meio

indispensável em todo trabalho”.

O trabalho, portanto, sempre envolve uma prévia ideação ou teleologia: “a

construção, na consciência, do resultado provável de uma determinada ação”. Assim,

ele pode ser compreendido como um processo “composto pela prévia ideação e pela

objetivação”, resultando “na transformação da realidade e, ao mesmo tempo, do

indivíduo e da sociedade envolvidos” (LESSA, 1999, p. 3).

Também é preciso compreender que os atos de trabalho, ao instaurarem uma

causalidade posta (ao colocarem na realidade objetiva uma “lógica” oriunda da ação

humana e não meramente da natureza), abrem um campo de possibilidades maior do

que o anterior e, ao mesmo tempo, imbuído de certas limitações. Vejamos um exemplo

prático: a totalidade social feudal, fundada no trabalho servil, impunha obstáculos à

plena expansão e desenvolvimento do capital. Apenas com o capitalismo, fundado no

trabalho assalariado/abstrato, torna-se possível ao capital desenvolver-se e “dominar

tudo” (MARX, 2008). Isto acontece porque o campo de possibilidades reais que o

trabalho assalariado/abstrato instaura é superior e mais amplo que o campo de

possibilidades oriundo do trabalho servil. No feudalismo, era impossível que todas as

atividades tivessem como objetivo a produção de mais-valia, pois apenas o trabalho

assalariado “coloca” esta possibilidade.

A análise da centralidade ontológica do trabalho nos permite a correta

apreensão da relação entre subjetividade e objetividade. A prévia-ideação de construir

uma lança para abater (teleologia) um determinado animal, por exemplo, está

vinculada às possibilidades concretas oferecidas pela realidade objetiva. Em razão

disso, Marx pôde afirmar: “O modo de produção da vida material condiciona o

processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que
determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina a sua consciência”

(MARX, 2008, p. 47).

Este raciocínio também é importante em ser refletido no tocante à educação,

pois em seu sentido amplo (ontológico) ela visa capacitar os homens. Nas palavras do

autor: “O essencial da educação dos seres humanos consiste, ao contrário, em qualifica-

los a reagir adequadamente a eventos e situações novas e inesperadas que ocorrerão

mais tarde em suas vidas” (LUKÁCS, 2018b, p. 133). Dessa forma, a educação cumpre a

função social de transmissão e apropriação dos conhecimentos, habilidades e

comportamentos desenvolvidos pelos homens histórica e socialmente.

Todavia, estes conhecimentos, habilidades e comportamentos só se originaram

a partir daquela atividade sensível humana que é o trabalho. Não poderia existir o

complexo da educação se não fosse o trabalho (a dependência ontológica que explicitamos

anteriormente). Como todo modo de produção é fundado num tipo determinado de

trabalho, toda totalidade social se altera, inclusive a educação, no sentido de que ela –

em seu conjunto – irá se orientar por aquele tipo determinado de trabalho. Importante

afirmar que a totalidade social engloba o “conjunto de todas as relações sociais que

sintetizam uma dada formação social” e, neste sentido, ela é uma “expressão do

desenvolvimento histórico passado” e, também, o “campo de possibilidade e desafios

para o desenvolvimento futuro” (LESSA, 1999, p. 8).

Como o trabalho alienado é um fato comum às sociedades de classe, a

orientação geral dominante da educação visa atender aos interesses das classes

dominantes. O capitalismo é fundado com base no trabalho abstrato/assalariado e, em

função disso, a educação também irá ser norteada para manter este tipo de

sociabilidade.

O que estamos afirmando é que com a entrada em cena da propriedade

privada (aqui entendida como a relação social pela qual uma classe – dominante – se

apropria do fruto do trabalho alheio), da sociedade de classes, do Estado e da

exploração do homem pelo homem, a educação sofre interferência dessas relações

sociais alienantes. Isto, todavia, não quer dizer que a sua função social de transmissão e

apropriação do patrimônio material e espiritual amealhado pela humanidade tenha

sido descartada, mas sim que não se trata de todo “patrimônio material e espiritual”
que será transmitido e apropriado, porém apenas o conjunto de conhecimentos e

habilidades que possibilitem a manutenção daquela determinada forma de

sociabilidade existente e que se oriente pela forma concreta de trabalho em cada caso

analisado. Essa dinâmica também se faz presente no modo de produção capitalista, e

sobre isso trataremos no item a seguir.

2.2 - Modo de Produção Capitalista: subordinação estrutural do trabalho ao capital

O modo de produção capitalista por meio de um longo processo desenvolveu

uma série de rupturas com o poder político (Estado absolutista) e o intercâmbio

material do feudalismo (trabalho servil). O capital encontra sua forma mais plena de

desenvolvimento e expansão no capitalismo, libertando-se das amarras e limitações

que o modo de produção servil lhe impunha e realizando sua emancipação política. O

trabalho continua com a função social de transformação da natureza para o

atendimento das necessidades humanas, e a educação persevera com a função social de

transmissão e apropriação do patrimônio histórico-social construído pela humanidade.

Entretanto, com o capitalismo, as necessidades a serem atendidas pelo trabalho e os

conhecimentos a serem transmitidos e apropriados pela educação destinam-se a

atender aos interesses da reprodução do capital e não dos seres humanos.

É neste sentido que é preciso entender o fato de que toda totalidade social está

fundada num determinado tipo de trabalho que orienta todos os demais complexos

sociais (educação, filosofia, arte, ciência, religião etc.). O trabalho escravo fundava o

modo de produção escravista, o trabalho servil fundava a sociedade feudal e o trabalho

assalariado/abstrato funda a sociedade burguesa (LESSA e TONET, 2012). Houve um

avanço com o capitalismo, um progresso inegável na história da humanidade. O

trabalho assalariado proporciona as bases que permitirão promover a cidadania

moderna para além dos entraves políticos, religiosos e aristocráticos inerentes ao modo

de produção feudal.

Todavia, no capitalismo há a necessidade de as pessoas serem livres para que

possam vender ou comprar a força de trabalho. Assim, “o mercado, e não mais o


Estado, passa a ser o organizador da produção na vida cotidiana”, e “o mercado nada

mais é que a expressão cotidiana do capital” (LESSA e TONET, 2012, p. 47). O mercado

se emancipa da tutela do Estado – emancipação política –, e a violência não pode ser mais

uma consequência direta da ação de um soberano, mas requer uma justificação

ideológica para que o Estado “vele” seu conteúdo de classe e se apresente como

“neutro” ante os conflitos.

Portanto, a democracia e a cidadania possuem sua origem na emancipação

política do capital. Perante o Estado, capitalistas e trabalhadores são cidadãos iguais,

contudo, esta igualdade formal possui como base uma desigualdade real. Com efeito, “na

medida em que o Estado ignora as reais desigualdades entre os indivíduos, ele na

verdade permite ao capitalista a maior liberdade para explorar os trabalhadores e

proletários” (LESSA e TONET, 2012, p. 48). Dessa forma, o capital só consegue se

reproduzir e ampliar quanto mais subordine o trabalho e quanto menos o Estado

interfira na economia. Com a quebra do Estado absolutista pelas revoluções burguesas,

“o Estado agora reconhece os direitos individuais de seus cidadãos (acima de tudo, o

direito à propriedade) e deles requer alguns deveres”. Trata-se do “reino da cidadania

e das liberdades democráticas”, ou seja, “é o Estado democrático” (LESSA e TONET,

2012, p. 49).

Foi preciso realizar esta reflexão com relação à emancipação política, para

compreender a sua limitação característica e, com isso, explicitar a vinculação orgânica

da cidadania moderna com a desigualdade real do modo de produção capitalista. E no

interior desta forma de sociabilidade é fundamental notar que “o capital é a potência

econômica da sociedade burguesa, que domina tudo” (MARX, 2008, p. 267, grifo

nosso). Se o capital “domina tudo” no âmbito da sociedade capitalista, não é de se

estranhar que a educação também seja impactada.

Vamos analisar o caso do trabalho para entender melhor essa questão. O

trabalho possui como função social em sentido amplo realizar o intercâmbio orgânico

do homem com a natureza para a obtenção dos valores de uso. Todavia, no

capitalismo, o trabalho do proletário não serve apenas para produzir valores de uso,

mas para produzir mais-valia, ou seja, para produzir trabalho não pago pelo capitalista e,

assim, permitir a acumulação e a expansão do próprio capital.


A sociedade capitalista é aquela “cuja reprodução social é dominada pela

expansão do capital”; esta expansão deve ser entendida tanto no sentido de riqueza

acumulada quanto em termos geográfico-territoriais, pois “o capital termina por se

tornar a forma básica da relação social em todo o planeta com o surgimento e

desenvolvimento do mercado mundial” (LESSA, 1999, p. 13). Já o capital – isto é

sempre importante lembrar – é uma relação social, fundamentalmente caracterizada

pela “expropriação da riqueza produzida pelos trabalhadores, dando origem a uma

forma de propriedade privada que se distingue das formas anteriores pela sua

necessidade intrínseca de expansão”. Deste modo, “ao capital é impossível qualquer

reprodução que não seja a sua reprodução ampliada” (LESSA, 1999, p. 13).

Um exemplo real e concreto: sabe-se, há algum tempo, que transgênicos e

agrotóxicos causam câncer. Contudo, dados da Agência Nacional de Vigilância

Sanitária – ANVISA ‒ e do Observatório da Indústria dos Agrotóxicos da UFPR

mostram que o brasileiro, em média, consome 5,2 litros de agrotóxicos por ano. Apesar

deste panorama, o Prêmio Mundial da Alimentação em 2013, reconhecido como uma

espécie de Nobel da Agricultura, foi concedido para indústrias que desenvolvem

transgênicos, como a Robert Fraley da Monsanto e a Mary-Dell Chilton, pertencente à

Syngenta. O mercado de agrotóxicos é monopolizado pelas empresas Basf, Monsanto,

Bayer, Syngenta, Dow e Dupont, que em 2010 obtiveram 67% de participação no

mercado mundial de agrotóxicos.

Ainda em 2010, o lucro dessas multinacionais foi de 7,3 bilhões de dólares,

alcançando em 2011 o patamar de 8,2 bilhões de dólares. As empresas se apropriam do

lucro e o Brasil fica com o custo social, ambiental e a contaminação (FOLGADO, 2014).

Não é por acaso que, a cada ano, 3 milhões de pessoas são intoxicadas com os

agrotóxicos e mais de 220 mil chegam a morrer, o que corresponde a 660 mortes por

dia e a 25 mortes por hora (GÓMEZ, 2012).

No capitalismo, o que importa não é a produção de alimentos saudáveis para

atender às necessidades de alimentação de todos os seres humanos, mas se produz

alimentos da forma que o capital possa se reproduzir, da maneira como o capital

determina que seja, visando extrair mais-valia do trabalho do proletário rural. O


mesmo se pode dizer com relação à educação. Não importa ao capital que os

indivíduos se apropriem de toda a cultura humana – em sentido amplo –, construída

histórica e socialmente pela humanidade. Interessa ao capital que os indivíduos

possam se apropriar dos conhecimentos, habilidades, comportamentos e visões de

mundo que possibilitem garantir a sua própria reprodução de modo cada vez mais

intenso e extenso. Lukács reconhece isso ao afirmar:

Se hoje, nos países civilizados, domina a educação compulsória


geral e as crianças não fazem nenhum trabalho por um tempo
relativamente longo, também esse período de tempo liberado para a
educação é um produto do desenvolvimento industrial. Toda
sociedade requer uma determinada quantidade (Menge) de
conhecimentos, habilidades, comportamentos etc. de seus membros;
conteúdo, método duração etc. da educação em sentido estrito são
consequências das necessidades sociais que assim emergem.
(LUKÁCS, 2018b, p. 134, grifos nossos).

Basta pensar essa elaboração no que diz respeito à educação na atualidade: os

conteúdos, as formas, os programas, as avaliações, as políticas públicas etc. são criados

de modo a permitir plenamente que os homens se tornem membros do gênero

humano? Ou cada vez mais se forma mão de obra qualificada para atender às

demandas do capital? Outro exemplo que atesta o que estamos argumentando é a

escola do Instituto Germinari3, que se propõe o desafio de preparar jovens para o

ambiente profissional com conteúdos dirigidos para a administração e gestão de

negócios. Este instituto surgiu em 2009 e faz parte da J & F Investimentos, que possui

articulações com empresas como: JBS (uma das maiores processadoras de proteína

animal do mundo); Vigor (atua na área de produtos lácteos); Flora (empresa de

cosméticos e limpeza); Eldorado (atua na área da celulose); Banco Original; Oklahoma

e Floresta Agropecuária (setor de agronegócio); e Canal Rural.

A escola localiza-se no município de São Paulo (SP), em terreno de uma das

empresas da J & F Investimentos, com o “compromisso de oferecer alta qualidade de ensino

3
Informações mais detalhadas e todas as citações extraídas encontram-se disponíveis em:
<http://www.escolagerminare.org.br/instituto-jbs/index.php> e <
http://canalrural.ruralbr.com.br/noticia/2013/07/canal-rural-apoia-a-educacao-empreendedora-no-brasil-
atraves-do-instituto-germinare-4202076.html> Último acesso em: dez. 2013.
para jovens potenciais, com o propósito de formar administradores de empresas e gestores de

negócios, que serão líderes do futuro”. Esta escola oferece instrução gratuita no Ensino

Fundamental II e Ensino Médio com a meta de “disseminar uma proposta educacional que

reconheça e abra possibilidades para jovens de alto potencial que, de outra forma, não teriam

condições de utilizar seus talentos para projetos mais ousados de vida”. Nesta escola, “os

alunos realizam, em caráter permanente, projetos de empreendedorismo, visitas à Bolsa de

Valores, e também a ambientes produtivos e corporativos, além de encontros com especialistas”.

A desigualdade real que funda o capitalismo e que emana do trabalho

assalariado/abstrato é irreformável, porém não implica que não seja superável. Vimos

como, por meio do ato de compra e venda da força de trabalho, a extração de mais-

valia permite ao capital acumular e expandir. Esta é uma dinâmica extremamente

necessária para que este sistema continue a se reproduzir. Não existe capital parado,

estático.

A relação social que o capital promove é cada vez mais destrutiva (MÉSZÁROS,

2002) com relação às necessidades humanas, por isso a igualdade não conseguirá – na

sociabilidade burguesa – deixar de ser uma igualdade formal, pois querer uma igualdade

substantiva, no sentido de acabar com as desigualdades sociais e a exploração do

homem pelo homem, só é possível para além do capital, ou seja, numa sociedade

comunista!

É preciso notar que o “segredo” da produção capitalista reside no fato de que o

capitalista “paga ao trabalhador o equivalente ao valor de troca da sua força de

trabalho, e não o valor criado por ela na sua utilização (uso) – e este último é maior que

o primeiro” (NETTO e BRAZ, 2012, p. 100). As relações de produção capitalista geram,

portanto, um enorme impacto sobre a classe trabalhadora não apenas no que diz

respeito à questão do desemprego, mas sobretudo no que se refere aos processos de

pauperização. Ao contrário do que os defensores do capital alegam, o desemprego não

é uma decorrência “natural” do desenvolvimento das forças produtivas, mas sim do

“desenvolvimento das forças produtivas sob as relações sociais de produção

capitalistas” (NETTO e BRAZ, 2012, p. 134). Já os processos de pauperização são uma


decorrência do próprio movimento de expansão, acumulação e concentração do

capital.

Neste sentido, o trabalho produtivo no capitalismo é mais amplo e mais

estreito. É mais amplo, pois inclui outras atividades humanas que não apenas que

transformam a natureza (quem realiza esta função no capitalismo são os proletários,

assim como no feudalismo eram os servos, e no escravismo, os escravos). Também é, ao

mesmo tempo, mais estreito que o trabalho em seu sentido ontológico, pois só produz

mais-valia (LESSA, 2007, p. 221). Dessa forma, todos os complexos sociais serão

“arrastados” para o enorme abismo egocêntrico do capital.

Se estivermos analisando a educação inserida no processo histórico real,

interagindo numa totalidade social e matrizada pelo trabalho abstrato/assalariado (no

caso do capitalismo), ela sempre irá atender em seu conjunto aos interesses e demandas

do capital. Ignorar este fato é abandonar uma análise baseada numa perspectiva

ontológica marxiana (ou seja, que analisa a realidade como ela é e não como nós

imaginamos que ela seja) e nadar “de braçada” no idealismo, o que fatalmente nos

levará a posturas reformistas e politicistas. Entretanto, isto não quer dizer que não seja

possível o desenvolvimento de atividades educativas emancipadoras ‒ atividades que

estejam orientadas pela emancipação humana e não pelas limitações intrínsecas e

irreformáveis da emancipação política.

2.3 – Emancipação e Práxis Educativa

É imprescindível ter em mente as reflexões anteriores para entendermos o

correto equacionamento da relação entre o complexo da educação e o trabalho

enquanto categoria fundante do ser social. Tendo tais elaborações por base, foi possível

compreender – mesmo que brevemente – a lógica incorrigível e estruturalmente

desigual do modo de produção capitalista e como isso impacta também o trabalho e a

educação. Agora, enfim, já temos os elementos basilares suficientes para compreender

o conceito de “atividades educativas emancipadoras”.


Antes de avançar é preciso sinalizar que se buscarmos bases, programas,

conteúdos, currículos e “uma didática” das atividades de cunho emancipador como

debatido por Tonet, a investigação já está ‒ desde o início – fadada ao fracasso. Não há

uma “receita de bolo”; “palavra mágica” ou “didática” presente na obra deste autor no

que concerne ao debate sobre o complexo da educação. Há, todavia, uma análise crítica

e revolucionária de cunho histórico-ontológico (claramente a partir da ontologia marxiana),

isto é, uma análise da educação em meio a um “complexo de complexos” no ser social

que se articula a esta totalidade, tendo no trabalho sua categoria fundante. Podemos

dizer que em tal perspectiva, ao analisar a educação – ou qualquer outra práxis

humana –, há a consideração da origem, da natureza e da função social que determinada

práxis cumpre no processo de reprodução do ser social, como já fora explicado em

diversos momentos por Tonet, seguindo as pistas deixadas por Lukács em sua

Ontologia.

Não concordamos com o posicionamento de que nada é possível (no sentido da

luta revolucionária) ser feito em sala de aula – seja na universidade, seja em uma

escola. Todavia, também não temos a ilusão de “querer pensar uma educação

emancipadora (conteúdos, métodos, técnicas, currículos, programas, formas de

avaliação, etc.) como um conjunto sistematizado que possa se transformar em uma

política educacional” (TONET, 2012, p. 38). Este modo de encarar as coisas não tem

nada de derrotismo ou reprodutivismo mecanicista.

A educação influencia e é influenciada pelo trabalho em seu aspecto estrito em

determinada formação social, e é ele quem irá determinar “certa quantidade de

conhecimentos, habilidades, comportamentos etc. de seus membros”. Tal raciocínio se dá a

partir de uma abordagem tanto histórico-ontológica quanto no que se refere à

prioridade ontológica da objetividade sobre a subjetividade. Não importa o quanto

queiramos e/ou desejemos uma escola ou universidade “justa”, “emancipadora”,

“igualitária”, “popular” etc.; é preciso apreender do processo histórico que tais desejos e

vontades não podem se efetivar em sua totalidade no âmbito da sociabilidade

burguesa de domínio do capital.


Cumpre entender que “uma reformulação significativa da educação é

inconcebível sem a correspondente transformação do quadro social no qual as práticas

educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e historicamente importantes

funções de mudança” (MÉSZÁROS, 2005, p. 25). Ou seja, é impossível efetivamente

obtermos uma educação “emancipadora e crítica” sem romper com a totalidade do

sistema sociometabólico do capital, que estruturalmente coloca seus imperativos de

reprodução acima dos interesses e necessidades humanas. Antes de intentar a

revolução “por dentro da escola ou da universidade pública”, é fundamental que façamos a

crítica histórico-ontológica destas instituições e do Estado e que possamos entender

qual a função social da educação em sentido ontológico (sentido amplo) e suas

particularidades (sentido estrito) no âmbito da sociedade burguesa.

Tais reflexões também são importantes para não colocar sobre os “ombros” do

campo educacional uma responsabilidade que lhe é inviável, como, por exemplo, os

rótulos de “educação emancipadora”. “educação para criar cidadãos críticos e transformadores”

etc. Para isso é fundamental entender a diferença qualitativa entre a emancipação política

e a emancipação humana. Por emancipação humana entendemos


[...] uma forma de sociabilidade, situada para além do capital, na qual
os homens serão plenamente livres, isto é, na qual eles controlarão,
de maneira livre, consciente, coletiva e universal o processo de
produção da riqueza material (o processo de trabalho sob a forma de
trabalho associado) e, a partir disto, o conjunto da vida social.
(TONET, 2014, p. 2, grifos nossos).

Já a emancipação política, como discutida no item anterior, relaciona-se à

origem da cidadania moderna, ou seja, significa os processos políticos e culturais

necessários para a superação do Estado absolutista e a constituição do Estado

moderno, com a consequente superação do trabalho servil para a consolidação do

trabalho assalariado/abstrato. Por isso a emancipação política é visceralmente limitada a

esta forma de sociabilidade burguesa e a emancipação humana aponta necessariamente

para além do capital.

Em razão disso, a educação em seu conjunto, nesta sociedade, não estará

voltada para o objetivo do socialismo/emancipação humana. Concordamos com Tonet

(2012) quanto à impossibilidade da “educação emancipadora”, mas sim na realização de


“atividades educativas emancipadoras”. Essa interpretação nada possui de pessimismo ou

de um pensamento derrotista. Ao contrário, é a partir das possibilidades históricas e

concretas que pensamos na contribuição de iniciativas, problematizações e

intervenções que defendam a emancipação humana e, com isso, contribuam com a

mobilização da classe trabalhadora rumo à superação do modo de produção

capitalista.

Neste ponto, vale a pena uma reflexão: por que “atividades educativas

emancipadoras” e não uma “educação revolucionária”? É muito comum esbarrarmos em

compreensões, no campo marxista, que alegam o fato de que no capitalismo há a

educação da classe dominante e que – “dialeticamente” – também existiria uma educação

da classe trabalhadora; esta, sim, deve ser valorizada na luta contra aquela. Contudo, é

preciso relembrar aquela relação entre objetividade e subjetividade que apontamos

anteriormente no item sobre a relação entre a educação e o trabalho. Os seres humanos,

por meio dos atos de trabalho, instauram uma causalidade posta, ou seja, uma “lógica”

eminentemente histórica e social, e não meramente dada pela natureza. Esta causalidade

posta permite, no campo de possibilidades reais e concretas, uma totalidade social a

partir do determinado tipo de trabalho que a funda.

Se analisarmos o modo de produção capitalista, fundado no trabalho

assalariado/abstrato, verificaremos que este tipo de trabalho é estruturalmente desigual.

Dessa forma, o campo de possibilidades que esta totalidade social no capitalismo torna

impossível ao complexo social da educação – em seu conjunto ‒ ser “emancipador”. A

educação é fundada ontologicamente pelo trabalho, e não o contrário. Por isso, o que a

totalidade social capitalista coloca como possibilidade real é o desenvolvimento de

atividades educativas emancipadoras.

Se afirmarmos – na esteira de Marx e Lukács – que o trabalho é a categoria

fundante do ser social e que toda formação social específica possui um determinado

tipo de trabalho que a funda, como podemos então argumentar ser possível uma

educação em seu conjunto que seja “revolucionária e emancipadora” sem rompermos com

o trabalho assalariado/abstrato que funda o modo de produção capitalista? É aqui que

ganha expressividade lúcida e radical o conceito de “atividades de cunho emancipador”,

pois enquanto não caminharmos de modo cada vez mais acentuado na luta socialista,
querer que o complexo social da educação se altere radicalmente é o mesmo que querer

que os capitalistas se humanizem e passem a dividir seus lucros com todos.

Essa compreensão é possível a partir da consideração em sentido marxiano de

que os indivíduos não precedem, ontologicamente, à sociedade. A natureza dos

indivíduos possui íntima conexão com as relações sociais. É falso, deste modo, afirmar

que os homens são “naturalmente egoístas”; eles tornam-se egoístas e/ou solidários em

decorrência das relações sociais historicamente construídas (TONET, 2012). Assim, é

fundamental conhecer as possibilidades, as contradições, limites e desafios que as

condições materiais históricas apresentam, pois “propor-se a formar, hoje, o homem

integral sem apontar, claramente, a supressão das condições materiais que impedem

essa formação é o mesmo que querer construir uma casa sem os alicerces” (TONET,

2012, p. 55).

Deste modo, devemos estimular o desenvolvimento de ações/atividades

educativas que se preocupem com a emancipação humana. A educação em seu conjunto na

sociedade capitalista não poderá dar conta deste desafio, visto que ela é uma mediação

em uma sociabilidade de “complexos de complexos”. É necessário entender que

“contribuir para uma educação integral, hoje, só pode ter o significado de formar

indivíduos comprometidos – teórica e praticamente – com a construção de uma forma

de sociabilidade – o comunismo – em que aquela formação integral possa efetivamente

ser realizada” (TONET, 2012, p. 83).

Uma orientação revolucionária do conhecimento – tanto para as Ciências

Naturais, Exatas ou Humanas e Sociais – aponta para a consideração da concepção de

mundo presente na abordagem científica, na transmissão do conhecimento e no ensino.

A partir da compreensão da natureza, da função social e da origem é que podemos

afirmar – ao lado de Lessa e Tonet e na esteira de Lukács e Marx – que a educação – em

sentido ontológico – não é trabalho. Todavia, é imprescindível – dada a polêmica que

esta afirmação provoca – que não se trata de uma opção subjetiva e de “vontade

individual” de um pesquisador considerar que a educação é ou não trabalho. Trata-se,

antes de tudo, como temos explicitado, do exame ontológico que cada uma dessas

práxis desenvolve no processo de reprodução do ser social, como já afirmamos. Ou

seja, de modo algum implica valorações moralistas, como já argumentamos.


Com efeito, é fundamental na promoção de atividades educativas de cunho

emancipador um conhecimento de talhe revolucionário, pois só este permite

compreender o objeto de estudo (tanto natural quanto social) como “um momento do

processo de construção da totalidade social” (TONET, 2014, p. 7).

De acordo com Lukács:


[...] assim como, no próprio trabalho, o saber real sobre os processos
naturais que em cada oportunidade se põem em questão, foi
inevitável para poder desenvolver com êxito o intercâmbio orgânico
da sociedade com a natureza, um certo saber sobre o modo pelo qual
os homens são feitos, sobre as suas recíprocas relações sociais e
pessoais, indispensável para induzi-los a efetuar as posições
teleológicas desejadas. (LUKÁCS, 1978, p. 11).

Ora, não basta que apenas se transmita o conhecimento mais desenvolvido e

elaborado pela humanidade. Já vimos que isto é impossível no capitalismo. É

substancial que haja, portanto, uma orientação revolucionária do conhecimento, para que se

possam induzir os homens a “efetuar as posições teleológicas desejadas”. Nesse

horizonte, trata-se de uma orientação socialista, em que a atividade educativa esteja

efetivamente orientada para a emancipação humana. Como já afirmamos isto não

implica imobilismo ou derrotismo, mas sim a cautela necessária para “limpar o

terreno” da educação das perspectivas reformistas e metafísicas.

Conforme Lukács (1978) explicita, assim como é necessário um conhecimento

para a efetivação do trabalho (homem-natureza), também é preciso “um certo saber

sobre o modo pelo qual os homens são feitos, sobre as suas recíprocas relações sociais e

pessoais”, para que seja possível “induzi-los a efetuar as posições teleológicas

desejadas”, isto é: para o desenvolvimento de atividades educativas baseadas numa

perspectiva revolucionária, não basta apenas o acesso ao conhecimento elaborado, mas

a sua transmissão numa perspectiva crítica, pautada pela ontologia marxiana, para que

brotem as possibilidades histórico-concretas de superação do sistema do capital.

Uma orientação revolucionária do conhecimento indispensavelmente deve ser

realizada a partir do estudo individual e coletivo da ontologia marxiana. Marx

instaurou uma nova ontologia do ser social ao colocar nas mãos dos próprios homens o

desenvolvimento do processo histórico e real. Portanto, não partiu de uma “ideia” ou


uma “especulação”. A análise marxiana parte “da terra”, isto é, da realidade produzida

pelos próprios homens relacionando-se entre si e com a natureza ‒ parte dos homens

tal como eles são.

A análise da categoria do trabalho em relação com os demais complexos

sociais e com o correto equacionamento entre objetividade e subjetividade é um aspecto

essencialmente radical da ontologia marxiana e abre a possibilidade da perspectiva

revolucionária. O capitalismo não é visto, nesta “lógica”, como a sociabilidade absoluta e

intransponível construída pela humanidade, mas sim como um modo de produção

historicamente consolidado pelos próprios homens e que pode ser superado por uma

forma de socialidade qualitativamente superior. Em razão disso, é de extrema

relevância o estudo sobre a ontologia marxiana para uma orientação revolucionária do

conhecimento.

É preciso ter clareza de que o objetivo de acesso universal a uma educação de

alta qualidade “não é alcançável no interior do capitalismo, e nesta situação de crise

estrutural, cada vez menos”. Educação de qualidade no capitalismo é uma educação

que atenda aos interesses de reprodução do capital; já no comunismo, a educação

possibilitará aos indivíduos terem acesso ao patrimônio material e espiritual

acumulado pela humanidade histórica e socialmente. No capitalismo, uma “certa

universalização quantitativa (também qualitativa)” é exigida, porém com o

rebaixamento da qualidade de modo cada vez mais explícito. Assim, para efetivamente

resolvermos tal questão, é fundamental entender que “a possibilidade do acesso

universal a uma educação de alta qualidade só existe numa sociedade comunista”

(TONET, 2010, p. 51).

A própria trajetória intelectual de Lukács é prova da necessidade de uma

orientação de cunho revolucionário ao conhecimento e não apenas o acesso ao saber

elaborado. O filósofo húngaro teve uma educação de mais alto nível, dispondo de

acesso à cultura, à arte, aos filósofos clássicos e modernos, enfim, teve contato com e se

apropriou do que a humanidade havia desenvolvido de mais elaborado no campo

científico, estético e artístico. Isso quer dizer que o filósofo húngaro sempre teve como

horizonte o comunismo? Isso quer dizer que ele sempre teve em mente a centralidade

ontológica e política do trabalho? Obviamente que não.


Mas a “conversão” de Lukács ao comunismo não é nada misteriosa.
Como viu Leandro Konder, “a opção pelo comunismo fora
largamente preparada pela constante rebeldia, pelo anseio de soluções
radicais, pela apaixonada negação da sociedade burguesa”. A recusa
do mundo burguês, ponto de partida do jovem Lukács, localiza agora
o sujeito social que pode conferir-lhe um sentido positivo: na segura
interpretação de Löwy, “em 1918/1919, Lukács encontra no
proletariado a força capaz de resolver as antinomias pela destruição
da realidade capitalista, a abolição da reificação, a realização de
valores autênticos e a fundação de uma nova cultura”. (NETTO,
1983, p. 28, grifos nossos).

Ao lado dessa “negação da sociedade burguesa”, o contato com a obra

marxiana é de fulcral e decisiva influência na constituição da reflexão lukacsiana, como

o próprio filósofo comenta:


A relação com Marx é a verdadeira pedra de toque de todo
intelectual que leva a sério o esclarecimento da sua própria
concepção de mundo e do desenvolvimento social, particularmente
a situação atual, a sua inserção nela e seu posicionamento ante ela. A
seriedade, o escrúpulo e a profundidade que dedica a este problema
indicam se e em que medida o intelectual pretende, conscientemente
ou não, furtar-se a uma clara tomada de posição em face das lutas
históricas contemporâneas. (LUKÁCS, 2008, p. 37, grifos nossos).

Esta provocação é necessária para sustentar a orientação de cunho revolucionário

ao conhecimento no âmbito de atividades educativas que se norteiem pela emancipação humana.

Não basta, pois, a transmissão. É preciso ter clareza de que “não se trata de abrir mão

das lutas pelo acesso universal a uma educação de alta qualidade (no sentido

revolucionário). Mas é preciso, igualmente, ter claro que este objetivo não é alcançável

no interior do capitalismo, e nesta situação de crise estrutural, cada vez menos”

(TONET, 2010, p. 51).

Cumpre reforçar a tese da necessidade de realizar “atividades educativas que

contribuam para a formação de uma consciência revolucionária”, em que a

emancipação humana seja o norte e não o “aperfeiçoamento da democracia e da

cidadania”, já que a “a questão é formar indivíduos que tenham consciência de que a

solução para os problemas da humanidade está na superação da propriedade privada e

do capital, e na construção de uma forma comunista de sociabilidade” (TONET, 2010,

p. 51).
Desse modo, concordamos com o autor ao apontar alguns requisitos

fundamentais à atividade educativa de caráter emancipador. Em primeiro lugar, há

que se pensar no conhecimento, de modo que seja “profundo e sólido” – se quisermos:

radical, como compreendido pela ontologia marxiana – a respeito do fim que se

pretende alcançar, a saber: a emancipação humana, a perspectiva “para além do capital”.

Neste aspecto, é imprescindível a compreensão – materialista e dialética – do processo

histórico e social, compreendendo-os enquanto frutos da atividade humana e não de

“potências divinas ou naturais” (TONET, 2014).

Um segundo requisito é a necessária apropriação do processo histórico real,

tanto em suas dimensões universais como nas particulares, pois – mais uma vez – a

educação se insere de modo historicamente herdado e em meio à materialidade

concreta produzida pelos homens, a partir – primordialmente – da forma como

organizam o seu intercâmbio com a natureza. Assim, “é preciso, pois, buscar um saber

de base ontológica, regido pelo princípio da totalidade e inseparável da afirmação de

que o processo de produção material é a matriz ontológica do ser social. Como a

perspectiva de um saber de base ontológica é quase que totalmente desconhecida e/ou

rejeitada pelo universo intelectual, ela exige um investimento redobrado” (TONET,

2005, p. 149). Trata-se de desenvolver atividades que possibilitem o entendimento a

respeito das origens e da natureza da sociabilidade capitalista, da reprodução do

capital e da crise estrutural atual (TONET, 2014).

Outro requisito igualmente importante se dá devido à compreensão da

especificidade da educação, pois não basta “qualquer conceito de educação”, já que nem

todos são consistentes com a emancipação humana. Isso também implica compreender

os “alicerces” e a natureza da construção de uma sociedade comunista, se esta vier a se

constituir. Do mesmo modo que o capitalismo exige a internalização de

comportamentos, valores e ideias condizentes e coerentes com sua reprodução, a

construção de uma sociedade comunista exige que os indivíduos compreendam a

superioridade desta forma de sociabilidade sobre as limitações da sociedade burguesa;

isto, por sua vez, “tem de tomar como ponto de partida a categoria do trabalho e

compreender como, a partir dela, originam-se todas as outras dimensões da vida

social” (TONET, 2014, p. 10).


Um quarto aspecto necessário está em dominar os conteúdos próprios de cada

área. Assim, “o momento predominante – mas não único – que faz de um físico um

educador emancipador não está no seu compromisso político, mas no seu domínio do

saber e da difusão do conteúdo específico e de um modo que sempre estejam

articulados com a prática social” (TONET, 2005, p. 150). Também é preciso

compreender a natureza específica da educação e a função social que ela cumpre, em

suas possibilidades e seus limites, com o intuito de evitar a “supervalorização da

educação” em que ela é entendida como capaz de tudo e, também, para evitar a

desvalorização desta atividade e, dessa forma, apreender sua “contribuição ativa na

luta revolucionária” (TONET, 2014).

Um quinto requisito consiste na articulação da práxis educativa com as lutas

da classe trabalhadora, atentando para a necessidade de rigor e comprometimento com

a tarefa do conhecimento. Em face de toda derrota que o movimento comunista tem

sofrido, a estratégia reformista soa a muitos intelectuais e militantes como o “mal

menor” e “a ponte” para “pouco a pouco” alcançarmos “vitórias” maiores. Contudo, é

imprescindível – se compreendermos efetivamente a necessidade histórica da

perspectiva “para além do capital” ‒ promover atividades educativas pela emancipação

humana.

Em resumo, atividades educativas emancipadoras – de acordo com Tonet –

devem propiciar: 1) o entendimento do desenvolvimento e da complexificação do ser

social (e dos vários modos de produção) com base na própria atividade humana e não

em potências místicas e/ou transcendentais; 2) a compreensão da correta correlação

entre trabalho, educação e totalidade social; 3) a precisão na especificidade de cada área

a ser transmitida; 4) uma orientação revolucionária do conhecimento no processo de

transmissão; e 5) o engajamento crítico nas lutas sociais. Esses princípios podem ser

praticados em movimentos sociais, sindicais, na universidade pública etc. Não temos,

entretanto, a ilusão de que tais práticas podem se tornar hegemônicas no âmbito do

modo de produção capitalista. O intuito se dá na explicitação do que é possível realizar

num contexto histórico real de profunda crise da ordem societária burguesa.

Assim sendo, reafirmamos o posicionamento de Lukács quando afirma: “A

relação com Marx é a verdadeira pedra de toque de todo intelectual que leva a sério o
esclarecimento da sua própria concepção de mundo e do desenvolvimento social”

(LUKÁCS, 2008, p. 37). Para que os princípios apontados por Tonet possam ter alguma

repercussão da parte de pesquisadores e/ou educadores interessados na luta pelo

socialismo e pela emancipação humana, é de extrema relevância o estudo rigoroso das

contribuições do pensamento de Marx e Engels.

Todavia, por uma série de motivos, estas mesmas contribuições foram sendo

profundamente deturpadas ao longo do processo histórico. Por isso, defendemos que a

tradição marxista conhecida como ontologia marxiana e que encontra em Gyorgy Lukács

e István Mészáros seus maiores expoentes (além das obras do próprio Marx), é

imprescindível para todos aqueles que querem compreender como o ser social se

constituiu, como as alienações do capital proliferam em nosso momento histórico,

como se dá o correto relacionamento entre objetividade e subjetividade, enfim, o estudo

permanente, coletivo, consciente e imanente do pensamento de Marx, Lukács e Mészáros é,

em nosso entender, o primeiro passo indispensável para o desenvolvimento de

atividades educativas numa perspectiva revolucionária.

Atividades educativas nesta orientação são de difícil efetivação nas escolas

públicas e/ou universidades. Isto não quer dizer que sejam impossíveis; apenas

devemos ter a clareza de que elas podem se concretizar nesses espaços sempre de

modo muito incipiente e reduzido. Não é difícil compreender a razão deste fato. A

hierarquia burocratizante na sala de aula, no funcionamento das instituições

educacionais formais, a precarização das condições de realização da própria prática

pedagógica, a “selva de pedras” em que o capitalismo converte a educação formal, em

que cada um luta por seu “lugar ao sol” etc., tudo isso e muito mais fazem com que o

desenvolvimento desta proposta de atividades educativas emancipadoras seja ‒ no

capitalismo – restrito. Porém, esse é justamente o campo de possibilidades construído

historicamente pela sociedade burguesa em tempos de crise estrutural do capital.

Sobre este aspecto vale a pena refletir um pouco mais. Não estamos afirmando

que a proposta de Tonet não seja possível de ser realizada nas escolas ou universidades

públicas, todavia, não é possível admitir que ela seja amplamente praticada nesses

contextos. Vamos relembrar a função do Estado capitalista, qual seja: “O Estado é

burguês precisamente porque é uma mediação para o predomínio do capital sobre a


reprodução social” (LESSA, 2007, p. 9, grifos nossos). Se concordarmos com a análise

marxiana a respeito do Estado burguês, como é possível acreditar que seja viável – em

sua totalidade – a transmissão dos conhecimentos artísticos, filosóficos e culturais mais

desenvolvidos pela humanidade em escolas e universidades públicas?

Quem exerce sua prática docente em escolas públicas sabe do que estou

falando: avaliações que em nada contribuem para o sistema de ensino; remunerações

baixíssimas; condições físicas escolares extremamente precárias; fraquíssimo (para não

dizer quase nenhum) incentivo a que os professores enriqueçam sua formação

acadêmica; enfim, vários e vários aspectos extremamente alienantes se fazem presentes

na educação formal pública.

Nas universidades, o mesmo ocorre: aquilo que pode ser considerado como

“marxismo” luta por migalhas em projetos para o desenvolvimento de pesquisas,

palestras, minicursos, eventos científicos. Trata-se de uma luta desigual. Um exemplo

real e prático: uma pesquisa que procure explicitar a exploração dos proletários rurais

em uma usina de processamento de cana-de-açúcar provavelmente terá muitas

dificuldades para obter financiamento. Em alguns casos, poderá, inclusive, sofrer com

ameaças de todo tipo. No entanto, se for uma pesquisa que tente provar como o

agronegócio supostamente promove um “desenvolvimento sustentável”, certamente as

chances serão bem maiores para encontrar agências de fomento interessadas. Não é

necessário escrever mais para compreendermos a quem serve cada uma dessas

perspectivas.

Assim, ao lado da tarefa de estudo sério dos clássicos da história e do marxismo, duas

atitudes são absolutamente necessárias para a promoção da proposta elaborada por

Tonet (2014). Estas duas atitudes, contudo, não devem ser analisadas como momentos

separados. Trata-se da tarefa individual de autoformação, no sentido de que, se estamos

realmente preocupados em compreender a sociabilidade regida pelo capital numa

perspectiva radical e de ordem revolucionária, nada deve nos afastar de nosso estudo

individual, sistematizado e constante. “Apenas” isto já é algo muito difícil de realizar na

atualidade, em face das múltiplas atividades em que estamos inseridos, das várias

alienações que se fazem presentes em nosso cotidiano e que nos impedem uma

compreensão mais profunda sobre diversos temas importantes em nossas vidas.


Motivos não faltam para colocar obstáculos ao estudo individual. Entretanto,

sem esta prática, muito pouco se pode avançar em termos de atividades educativas

emancipadoras, pois assim como a atuação de um educador é fundamental ao processo de

transmissão e apropriação do conhecimento, também é fundamental a atuação permanente

e sistemática de estudos realizados individualmente.

Outra atitude de igual relevância na busca pela concretização de atividades

educativas emancipadoras é a busca contínua por grupos e/ou sujeitos realmente

interessados nesta luta. Muitas vezes podemos nos sentir sozinhos, porém é preciso

contatar outros indivíduos e/ou coletivos que estejam também comprometidos com a

emancipação humana. Sem essas duas atitudes ‒ o estudo individual

sistematizado/permanente e a busca coletiva assumidamente socialista ‒, as possibilidades de

concretizar a proposta de Tonet (2014) ficam muito reduzidas.

A necessidade de engajamento prático num coletivo junto a outros indivíduos

que lutam pelo socialismo é importante, pois “o poder material tem de ser derrubado

pelo poder material, mas a teoria também se torna força material quando se apodera

das massas” (MARX, 2010, p. 151). Isto significa que não adianta “praticar marxismo em

ar-condicionado”, isto é: sem o nosso esforço individual sistematizado e permanente em

apreender o movimento próprio do real numa orientação revolucionária (ontologia

marxiana) e sem a perspectiva coletiva de luta concreta e prática, não há possibilidade de as

elaborações de Tonet se explicitarem em toda a sua potencialidade.

A classe trabalhadora precisa compreender a constituição do ser social, dos

diferentes modos de produção, da lógica do capital e, para isso, necessita de seus

próprios espaços. Estes apenas surgem com a organização intencional e coletiva dos

próprios trabalhadores.

Entendo que estas duas atitudes são importantes, pois possibilitarão que, em

certo grau, tais atividades emancipadoras possam – ainda que minimamente – se fazer

presentes nas salas de aula formais e em outros contextos. Esse modo de encarar as

coisas não exclui o papel do educador, que pode ou não também ser um professor, isto

é, pode ou não ter passado pelos bancos universitários.

Ao defendermos a necessidade do estudo individual sistematizado e permanente,

temos a clareza do velho ensinamento marxiano de que “o próprio educador precisa


ser educado” (MARX e ENGELS, 2002, p. 100, grifo nosso), e – concomitantemente – ao

argumentarmos a necessidade de esta empreitada ser necessariamente coletiva, retomamos

o pensamento de Marx e Engels ao defenderem que “o verdadeiro resultado de suas

lutas – dos operários – não é o êxito imediato, mas a união cada vez mais ampla dos

trabalhadores” (MARX e ENGELS, 2007, p. 38, grifos nossos).

Em função desses dois aspectos é importante e necessária a prática militante

do educador que se preocupa e luta pelo socialismo. De nada adiante falar do alto,

como “gárgulas”, olhando a realidade e as lutas de classe com o “ar” de quem paira

“acima do bem ou do mal”. É preciso que este educador, ou grupo de educadores, lute

para que as condições de realização de sua atividade educativa possam se concretizar

com a máxima qualidade possível; isso é irrealizável se não tiver um caráter claramente

anticapitalista.

Novamente, vale a pergunta: é possível conseguir uma “educação de

qualidade” sem romper com o capital? Caso se responda afirmativamente a essa

pergunta, das duas, uma: ou por “qualidade” consideram-se as orientações e requisitos

necessários para atender às demandas da sociabilidade burguesa, ou se está

profundamente equivocado. Se se defende uma educação que possibilite a transmissão

e a apropriação do que de mais elevado fora construído e amealhado socialmente pela

cultura humana ao longo do processo histórico, então é impossível reconhecer a

possibilidade de uma “educação de qualidade” perante toda a humanidade no

capitalismo. Neste caso, o entendimento profundo e sistematizado desta ordem

societária e a necessidade de superá-la, novamente, se fazem mais urgentes do que

nunca para aqueles que não querem defender uma perspectiva reformista.

Não podemos nos iludir com a falácia que tenta nos fazer acreditar serem

possíveis grandes transformações educacionais sem que tenhamos transformações

essenciais também na forma como os homens (sociedade) exercem o intercâmbio

material com a natureza, ou seja, o trabalho. Perder de vista esta consideração é

“caminhar a passos largos” num túnel escuro4 em que a luz que há no final; em vez de

uma saída, há um trem vindo em nossa direção. Com efeito, “não pode haver uma

4
Analogia com a frase de Mészáros pronunciada em entrevista à Carta Capital, em 24 de junho de
2011, em que o filósofo húngaro se refere ao Presidente Barack Obama. Disponível em: <
http://www.cartacapital.com.br/politica/istvan-meszaros-as-contradicoes-dos-nossos-tempos> Último
acesso: jun. 2015.
solução efetiva para a autoalienação do trabalho sem que se promova,

conscienciosamente, a universalização conjunta do trabalho e da educação”

(MÉSZÁROS, 2002, p. 67). Igualmente, é importante sinalizar ‒ na esteira de Marx ‒ a

impossibilidade de alterações radicais na estrutura da sociedade capitalista por meio

do parlamento ou do Estado. Justamente o oposto é verdadeiro: a classe trabalhadora,

para efetivar sua tarefa histórica, deve superar o Estado, a existência das classes sociais, a

exploração do homem pelo homem e a propriedade privada.

Essa tarefa também necessita ser pensada a partir da teoria marxiana em seu

aspecto crítico-revolucionário e ontológico, para que enfim, como nos ensinava Lukács

(2012b), o homem singular possa apreender sua própria vida como um processo do

desenvolvimento do gênero. Esse processo implica a superação do modo de produção

capitalista e do trabalho alienado, rumo ao socialismo e ao comunismo.

Precisamos lembrar que: 1) a educação (em sentido amplo) enquanto complexo

social ontológico do ser social possui a função de transmissão e apropriação do

patrimônio cultural (material e espiritual) construído pela humanidade histórico-

socialmente; 2) a educação (em sentido restrito) adquire uma peculiaridade dominante com o

surgimento das sociedades de classes e da propriedade privada, no sentido de que a

educação – em seu conjunto – dominante é a educação que atende prioritariamente aos

interesses das classes dominantes; 3) no aspecto concreto/prático, em meio ao momento

atual de crise estrutural do capital, há a possibilidade de desenvolver atividades educativas

de cunho emancipatório, porém deve-se frisar que se trata de atividades educativas, e não

da educação em sua totalidade.

Portanto, para que a proposta de Tonet possa se concretizar na realidade

objetiva são necessárias as duas atitudes que assinalamos anteriormente: 1) o estudo

individual sistematizado e permanente dos clássicos da histórica e do marxismo; e 2) a

atuação engajada coletiva com indivíduos e/ou grupos efetivamente preocupados com a luta

pela emancipação humana e pelo socialismo. Sem essas práticas, muito pouco iremos

contribuir para uma perspectiva revolucionária no debate educacional e, assim, as

chances de superestimar ou subestimar a educação aumentarão sensivelmente.


Capítulo iii

Ontologia, “momento predominante” e educação

É muito comum, nas análises hegemônicas, perceber a atribuição de uma

autonomia absoluta ao complexo social da educação, desde perspectivas que se

pretendem no “campo marxista” até posicionamentos tipicamente burgueses.

Entendemos que a correta compreensão da educação (a partir de sua função social,

origem e gênese) com base nas constatações – de ordem ontológica marxiana – da

dependência ontológica, autonomia relativa e determinação recíproca da educação

para com o trabalho. Já tratamos dessas relações de absoluta importância em escritos

anteriores (ROSSI 2016a, 2016b); também, outros autores já desenvolveram tais

elaborações com muito mais maestria e rigor (TONET 2005, 2015a; MACENO, 2016).

Nosso objetivo, neste ensaio, é chamar a atenção para uma categoria

extremamente relevante para a ontologia marxiana e que muito pode contribuir com a

reflexão no âmbito educacional: o “momento predominante” (ubergreifendes Moment).

Isto não quer dizer, todavia, que estejamos desconsiderando outras categorias próprias

da teoria social – ontológica – instaurada por Marx. Ao contrário, a própria reflexão

sobre o momento predominante não pode se desvincular, no mínimo, da discussão

sobre trabalho, economia e totalidade. O trabalho, em sentido ontológico, entendido

enquanto produtor de valores de uso.


É a partir do trabalho enquanto única categoria fundante do ser social que se

origina o complexo da economia, responsável pela produção e reprodução das

condições materiais da existência humana. Justamente por isso, também é preciso

articular a este raciocínio a categoria da totalidade, pois o trabalho irá “despertar” o

surgimento de vários outros complexos que terão funções sociais próprias e distintas

da dele no processo de reprodução social.

Lessa (2012), na esteira de Lukács e de Marx, esclarece que em todo processo

social há um momento predominante. Sem “o momento predominante, não teria sido

possível a Marx expressar no plano teórico a processualidade puramente causal que é a

história” (LESSA, 2012, p. 8). Ao contrário do que ocorre em Hegel, as contradições em

processo no âmbito do “complexo de complexos” – nas palavras de Lukács ‒ que

conformam o ser social, não desembocam em um “arranjo estacionário”, já que “em

cada interação sempre um dos elementos exerce o momento predominante na direção

do desenvolvimento em questão” (LESSA, 2012, p. 8).

Convém ressaltar que a totalidade não pode ser resumida simplesmente à mera

soma das partes. Ela contém as partes, porém é mais do que a simples soma,

englobando “múltiplas e muito variadas interações entre elas” e, por isso, apresenta

uma “qualidade” que a diferencia das partes (LESSA, 2014, p. 11), A totalidade implica

pensar nas diversas interações entre os complexos sociais e na síntese qualitativa que

estas interações apresentam. As categorias, para Marx, são “formas de ser,

determinações da existência” (MARX, 2011, p. 85) e, com isso, explicitam seu caráter

ontológico ao emanarem da própria realidade objetiva, numa abstração intelectiva no

processo de conhecimento.

Desta forma, “nenhuma interação real (nenhuma real determinação de reflexão)

existe sem momento predominante” (LUKÁCS, 2018a, p. 607). Se cancelarmos da

análise educativa a consideração a respeito do momento predominante, contribuiremos

para uma hiperfetichização da práxis educativa que, ao invés de analisá-la em meio à

totalidade social, isola-a nas utópicas ilhas românticas academicistas que, cada vez

mais, se distanciam da realidade objetiva.


Para explicitar a relevância desta problemática, dividiremos nosso escrito em

mais duas partes: a primeira conta com a discussão sobre o caráter ontológico do

pensamento marxiano a partir das contribuições decisivas de G. Lukács e importantes

pesquisadores de sua obra; a segunda apresenta a educação inserida numa

sociabilidade marcada, sobretudo, pela crise estrutural do capital (MÉSZÁROS, 2002),

trazendo a reflexão sobre o momento predominante.

3.1 – Ontologia e Teoria Social Marxiana

Em primeiro lugar, cabe argumentar que Lukács tem o mérito de ter

apreendido a impostação ontológica inerente à teoria social instaurada por Marx. Nos

ambientes universitários é muito comum pensá-lo como um economista, um filósofo

ou um sociólogo. Contudo, Marx não produziu uma sociologia, uma economia ou uma

filosofia. A sua relevância teórica e ideopolítica 5 está em ter lançado as bases de uma

concepção de mundo radicalmente nova que se estrutura, em nossa compreensão,

numa postura crítica, radical e revolucionária. É crítica, pois traz à luz os avanços,

recuos, lacunas e desvios de concepções teóricas e políticas a partir do exame do

movimento histórico e concreto da realidade social. É, também, radical, pois

justamente agarra os fundamentos das atividades e dimensões humanas em sua

processualidade histórica a partir do surgimento do ser social e da função que cada

dimensão desempenha na reprodução social. Com efeito, a perspectiva revolucionária

também está presente na ontologia marxiana, pois tendo por base a criticidade radical

com a qual enfrenta a análise do capital e das alienações que a ele estão vinculadas,

consegue provar a possibilidade real de superação deste sistema social incorrigível e,

como diria Mészáros, incontrolável.

5
Esta expressão indica que a ontologia marxiana tem um caráter profundamente ideológico no
sentido restrito de ideologia presente na tematização lukacsiana, ou seja, enquanto “instrumento ideal
através do qual os homens e as classes se engajam nas lutas sociais, em diversos planos e níveis”
(VAISMAN, 1996, p. 110).
Por conseguinte, Lukács percebe que todos os enunciados marxianos são

“proposições concretas”. Isto é decisivo na compreensão do caráter ontológico do

pensamento marxiano, pois “não se encontra nele uma declaração acerca do

tratamento independente dos problemas ontológicos” (LUKÁCS, 2018a, p. 559). Tal

fato ocorre não por um lapso do pensador revolucionário alemão, mas sim em

decorrência de que no tratamento teórico dos problemas que analisa, ele considera a

reprodução intelectiva (no pensamento) de fenômenos existentes socialmente (no plano

da realidade concreta). Com efeito, é a “realidade social como critério último do ser ou

não-ser social de um fenômeno” (LUKÁCS, 2018a, p. 561).

Em razão disso:

Ao falarmos da prioridade ontológica de uma categoria ante a outra,


queremos dizer simplesmente que uma pode existir sem a outra,
enquanto o oposto é ontologicamente impossível. O mesmo para a
tese central de todo materialismo, que o ser tem uma prioridade
ontológica ante a consciência. Ontologicamente isto significa muito
simplesmente que um ser pode existir sem consciência, enquanto toda
consciência deve ter por pressuposto, por base, algo existente.
(LUKÁCS, 2018a, p. 582).

Esta prioridade ontológica do ser sobre a consciência, de acordo com Lukács,

não implica uma perspectiva gnosiológica moralista qualquer. Este princípio também é

válido no que se refere à prioridade da produção e da reprodução do ser humano em

relação a outras funções. Temos, por agora, um primeiro indicativo do que seria o

momento predominante em sentido ontológico mais amplo possível, isto é, a função

que ocupa o processo de “produção e da reprodução do ser humano”. A prioridade

ontológica diz respeito ao fato de que a consciência, como explicado por Lukács, não

pode existir sem o ser social.

A teoria social instaurada por Marx – e isso é preciso que sempre seja

explicitado – baseia-se numa abordagem ontológica. De modo geral, a ontologia é “o

reconhecimento dos entes, daquilo que está ali”; ela se refere ao “universo do ser”, isto

é, “à objetividade” (CHASIN, 1988, p. 3). Não se trata da simples soma ou junção do

“materialismo” com a “dialética” hegeliana numa perspectiva “histórica”, formando o

tão famoso “materialismo histórico e dialético” com as famosas “leis da dialética”. Ao


contrário, a relação de Marx com seus antecessores e contemporâneos é uma relação

baseada na crítica. Não uma crítica banal, mas sim uma crítica que procura deslindar as

lacunas e os avanços em determinada corrente teórica a partir da confrontação com o

processo histórico real efetivado socialmente pelos homens.

A instauração ontológica do pensamento marxiano estrutura-se em três críticas:

a primeira delas diz respeito à crítica ontológica contra a filosofia hegeliana, isto é, da

“razão especulativa”. Hegel considera que a sociedade civil é ordenada/organizada

pela sociedade política e, portanto, é a razão do Estado que unifica a lógica na

sociedade civil. Max, ao contrário, mostra, já em 1843, na sua Crítica à Filosofia do Direito

de Hegel, que é a sociedade civil que determina o Estado.

A segunda crítica marxiana, de ordem ontológica, se dirige à economia política.

Esta crítica é uma “determinação ontológica do cerne da atividade humana a partir de

sua autoprodução, ou seja, [...] o que interessa a Marx é compreender a lógica do

capital para encontrar um modo pelo qual este capital possa ser superado” (CHASIN,

1988, p. 16).

A terceira crítica é a da “razão prática”, pois a “emancipação política” operada

pelo capital na passagem do feudalismo e na constituição do modo de produção

capitalista, apesar de operar um progresso histórico inegável, não pode ser reconhecida

como a forma de liberdade mais plena no ser social. O trabalho, ainda no capitalismo,

não potencializa as faculdades humanas em sua multidiversidade, mas serve para,

cada vez mais, atender às necessidades de reprodução do capital. Assim, a

“emancipação humana” aponta, necessariamente, para uma forma de sociabilidade

superior que esteja matrizada pelo trabalho associado, tornando-se necessária a

completa superação do capital, do Estado, das classes sociais e do trabalho

abstrato/assalariado.

Dessa forma, a crítica, em Marx, é a crítica de uma “propositura teórica a partir

do cotejamento que é feito entre ela e o real”, pois é o real que “serve de telão contra o

qual é esbatida a teoria” e a teoria “é mostrada como falsa na medida em que ela não é

a reprodução fiel do real” (CHASIN, 1988, p. 16). O conhecimento, na ontologia

marxiana, “é uma atividade da consciência que, por meio da construção de ideias,

reflete as qualidades do real”; por outro lado, o real é “um processo histórico” e, assim,
“a reflexão da realidade pela consciência é um constante processo de aproximação das

ideias em relação à realidade em permanente evolução” (LESSA e TONET, 2011, p. 48).

Em suma, o real, a realidade objetiva, detém a prioridade no processo investigativo, e

não os anseios, as vontades ou as convicções do sujeito que investiga.

Lukács, no volume I de sua Ontologia, antes de tratar propriamente do caráter

ontológico do pensamento marxiano, retoma uma análise sobre a filosofia de Hegel.

Este debate é interessantíssimo para apreendermos o papel de destaque que cabe à

categoria do “momento predominante” na análise ontológica da realidade social. Em

primeiro lugar, é preciso destacar que, de acordo com Lukács, Hegel jamais foi um

sonhador ou um visionário, mas sim “um filósofo com alentado e amplo senso de

realidade, com uma fome tão intensa de realidade autêntica como talvez, depois de

Aristóteles, não seja possível encontrar em nenhum outro pensador” (LUKÁCS, 2018a,

p. 483). Assim, não existe nenhuma “esfera da realidade ou do saber a respeito dela que

tenha deixado de provocar em Hegel um apaixonado interesse filosófico” (LUKÁCS,

2018a, p. 483).

Para o filósofo húngaro, Hegel se destacou, entre outros aspectos, por entender

a “impossibilidade de projetar doravante na natureza aquela concepção da forma que

era teleologicamente condicionada pelo trabalho”. Todavia, no sistema hegeliano,

Lukács percebe uma lacuna justamente em face do papel “norteador” do sistema à

“própria ideia”. Afirma: “a interação deve constituir uma espécie de equilíbrio entre

forças fundamentalmente equivalentes e, portanto, uma espécie de síntese estática de

forças dinâmicas”.

Esta “lacuna”, no âmbito da reflexão a respeito do “desenvolvimento real”, ou

seja, “o desenvolvimento ontologicamente significativo”, reforça as interações que

Marx apreendeu a respeito do “momento predominante”. Hegel atribui esse papel

“apenas à própria ideia, de modo que é levado a desvalorizar no plano ontológico a

interação que, de resto, ele compreendeu tão bem” (LUKÁCS, 2018a, p. 542). A partir

disso, deriva uma “dupla desvantagem para os conhecimentos ontológicos”:


Por um lado aparece a natureza como algo, considerado no todo,
estático, o que, contudo, como vimos, brota da – falsa – concepção
como um todo de Hegel; por outro lado, torna impossível, em muitos
casos, examinar o crescente significado do “momento predominante”
das interações e das inter-relações dos diferentes patamares
ontológicos. Em questões singulares, esses problemas aparecem
também para Hegel como problema, como quando, na
“Enciclopédia”, em estreito contato com a passagem por nós citada,
recusa o conceito generalizado de carência-de-forma (Formlosigkeit)
que, costumeiramente, se costuma designar por “não-ser-existente
(Nichtvorhandensein) da forma correta”. Isto, para a ontologia do ser
social – e Hegel toma seu exemplo desta esfera ‒, é perfeitamente
correto; todavia, apenas porque, como a forma parte de uma posição
teleológica, as necessárias alternativas do correto e do falso
permanecem o fundamento. Assim, por exemplo, uma produção que
se propõe artística pode ser “carente-de-forma” no sentido dado por
Hegel, enquanto, digamos, uma planta resultante de circunstâncias
desfavoráveis pode ser deformada, mas não é, absolutamente, sem-
forma. Falhas similares podem-se encontrar nas exposições, muitas
vezes muitíssimo significativas, de Hegel sobre a parte e o todo, e
externo e interno, enquanto determinações reflexivas. (LUKÁCS,
2018a, p. 543, grifos nossos).

Andrade (2014), na esteira de Lukács, investiga a interação que exerce o papel

de momento predominante na gênese e no salto ontológico instaurado pelo ser social.

Para isso é preciso compreender que a “natureza inorgânica é a esfera sobre a qual se

funda todo o existente” e, em decorrência disso, “as outras esferas de ser apenas

podem existir, de modo ontologicamente fundado, na natureza inorgânica”. Assim,

nesta esfera de ser, o seu processo de transformação é marcado pelo “tornar-se-outro

dos ‘elementos’ físico-químicos que a constituem”. Com efeito, “o tornar-se-outro é,

portanto, a peculiaridade ontológica decisiva que assinala a continuidade da esfera

inorgânica” (ANDRADE, 2014, p. 178).

A partir de “múltiplas e complicadíssimas transformações” na esfera

inorgânica, houve um salto ontológico que levou a uma nova esfera de ser: a vida. As

mediações, aqui, são mais complexas e ricas. Dessa forma, “o que distingue a

substância orgânica da inorgânica é o fato de a primeira apenas existir por meio de um

ininterrupto processo de reposição do mesmo”, enquanto “a processualidade

inorgânica é marcada por um interminável tornar-se-outro dos seus elementos” e,

assim, em ambas as esferas de ser há uma “ruptura ontológica”, pois ambas são

“formas distintas de ser” (ANDRADE, 2014, p. 179).


O novo, a partir do surgimento da esfera da vida, passa a determinar “o

direcionamento do desenvolvimento desse processo” e, em função disto, “é a nova

esfera com suas especificidades e funções que, ainda que não tenha se explicitado

completamente, passa a orientar os processos concretos” que dizem respeito “à sua

própria existência” (ANDRADE, 2014, p. 179). Assim sendo,


[...] entre o salto e o novo ser que a partir dele se desenvolve
desdobra-se uma essencial relação: por um lado, para existir o novo
ser é necessário que o salto aconteça, caso contrário, ele não poderia
se consubstanciar; por outro lado, o salto por si só não origina o novo
ser na sua completude. Este novo ser apenas pode se explicitar pela
mediação de um processo evolutivo próprio que, por si, o eleva a um
para-além do imediatismo do salto. Por exemplo, uma vez que com o
salto se destaca do ser inorgânico, a esfera da vida passa a determinar
as legalidades próprias do seu desenvolvimento, de modo que se
inserem em relações categoricamente biológicas as substâncias
inorgânicas presentes no seu processo reprodutivo. Assim, a esfera da
vida determina de modo decisivo o ser dos entes orgânicos (espécie e
gênero), desde aqueles mais simples até os mais complexos, de modo
que o repor-o-mesmo que caracteriza a reprodução nesta esfera tem
de, necessariamente, ser o momento predominante que determina a
processualidade concreta da esfera da vida. (ANDRADE, 2014, p. 180,
grifos nossos).

Importante notar, como a autora destaca, que o salto ontológico não implica por

si só o novo ser em sua completude. O novo ser apenas poderia se explicitar, portanto,

“pela mediação de um processo evolutivo próprio”. Com o ser social, guardadas as

inúmeras proporções e mediações, algo parecido ocorre. A base “ineliminável” do ser

social é a esfera da vida orgânica, todavia, “o seu processo reprodutivo pode chegar à

sua verdadeira e própria concreção, isto é, à explicitação de uma nova substância

produzida e transformada pelos próprios homens” (ANDRADE, 2014, p. 180).

O ser social, ao mesmo tempo, se articula e se diferencia das outras esferas de

ser. O fundamento ontológico do ser social é o trabalho, pois ele irá fundar um

processo “histórico que insere os homens numa processualidade marcada por um

crescente distanciamento da natureza em direção a um autêntico ser social”, e este, por

sua vez, “se desenvolve regido por leis completamente distintas daquelas presentes
nos processos naturais”. Dessa forma, “o trabalho necessariamente implica a produção

do novo” (ANDRADE, 2014, p. 181).

Fixemo-nos um pouco neste ponto, pois é algo de fundamental importância

para nosso debate. Como já argumentamos, é impossível que o ser social se desenvolva

se não estiver articulado de maneira indissolúvel ao ser orgânico e ao ser inorgânico.

Todavia, a “legalidade” e o desenvolvimento do ser social não podem ser reduzidos às

determinações biológicas. A maneira como os homens se relacionam entre si e com a

natureza é qualitativamente distinta da maneira como os animais ou as plantas ou as

rochas se relacionam com o meio ambiente.

Lukács irá utilizar o exemplo da fome, pois ela continua sendo uma necessidade

nos seres humanos, todavia, a partir do desenvolvimento do ser social, ela passa a ter

um “caráter social”, no sentido de que a maneira como os humanos, hoje, saciam a sua

fome se dá com base num processo muito mais “socializado” do que no âmbito das

sociedades primitivas. É só pensarmos no processo de cozimento, preparo, degustação

etc. que envolve a preparação de nossa alimentação hoje, por exemplo. Este caso e

muitos outros ajudam a perceber o “afastamento das barreiras naturais” instaurado

pelo ser social.

Toda esta dinâmica encontra no trabalho a sua categoria fundante. Claro que,

além do trabalho, a totalidade social e os outros complexos sociais irão desempenhar

um papel de absoluta relevância para a explicitação cada vez mais social do ser social.

Todavia, é o trabalho a categoria que exerce a mediação entre a sociedade e a natureza,

que funda todas as outras categorias. O trabalho passa a ser o “momento

predominante” no desenvolvimento do ser social:

Desse modo, o trabalho, criando o novo, produz incessantemente


novas situações objetivas e subjetivas que são continuamente
atualizadas, pois no trabalho o homem descobre e realiza coisas
novas, adquire novos conhecimentos e novas habilidades; dessas
novas realizações surgem novas necessidades, novos caminhos para
satisfazê-las, e tais realizações, por seu turno, requerem que sempre
novas prévias-ideações e depois novas objetivações sejam realizadas, e
assim por diante. Esse desenvolvimento revela, portanto, que a
reprodução social é sempre e necessariamente a produção do novo.
(ANDRADE, 2014, p. 182, grifos nossos).

Assim, enquanto na esfera de ser inorgânica o processo de seu desenvolvimento

é marcado pelo “tornar-se-outro” e na esfera de ser orgânica há a “reposição do

mesmo”, no ser social o trabalho passa a ter uma relevância insuprimível. Desse modo,

“ao remeter sempre para além de si próprio, o trabalho lança a humanidade num

processo histórico que se consubstancia no desenvolvimento da reprodução social” e,

com isso, o trabalho passa a ser a categoria fundante do ser social, bem como “o

momento predominante da sua gênese e desenvolvimento” (ANDRADE, 2014, p. 184).

Lukács explica que quando Marx faz da “produção e da reprodução da vida

humana” o problema “central” (percebendo aqui já uma interação muito clara: o

momento predominante), é possível constatar a insuperável base natural sobre a qual

se estrutura o ser social e a constante transformação “social dessa base”. Com a

identificação do trabalho enquanto única categoria fundante do ser social, Marx torna

possível a argumentação e a demonstração do caráter eminentemente histórico e social

da humanidade. É possível, também, compreender a relação entre objetividade e

subjetividade sobre a regência ontológica da primeira sobre a segunda. O real coloca o

horizonte e as “perguntas” sobre as quais deve a subjetividade capturar e “responder”

corretamente para a reprodução social. É sempre importante destacar que embora o

trabalho seja a categoria fundante, ele não é a única do ser social, e a sua reprodução

exige a participação de uma série de outros complexos sociais que surgem com o

desenvolvimento deste ser e continuam com sua relação entre si e com o trabalho

(TONET, 2013).

No âmbito da sociedade capitalista, apenas aos trabalhadores (e dentro desta

classe, em especial, os proletários, pois são eles que efetivamente transformam a

natureza nos meios de produção e produzem o capital) possuem como condição sine

qua non, para a sua libertação e a libertação de toda a sociedade, o interesse – tenham

eles consciência disso ou não – para compreender a constituição de toda a história

humana a fim de superar radicalmente esta forma de sociabilidade em sua completude.

Para isso é preciso apropriar-se da teoria social crítica – ontológica – instaurada por
Marx e levar em consideração a realidade social enquanto uma múltipla determinação

de vários complexos sociais que interagem entre si e consubstanciam uma determinada

totalidade. Todavia, não se trata de algo aleatório ou rígido e estático. Há nesta plêiade

de interações sempre um “momento predominante”. É este tipo de análise que, em vários

casos, escapa às correntes teóricas educacionais na atualidade.

3.2 - “Momento Predominante”: um “elo perdido” na reflexão educacional

A partir das brevíssimas considerações que fizemos anteriormente, podemos

afirmar que o momento predominante na análise marxiana aparece nas relações sociais

de produção, mas isto não quer dizer que exista qualquer determinismo economicista

mecânico. A produção, enquanto momento predominante, é entendida em seu sentido

amplo/ontológico, ou seja, enquanto “produção e reprodução da vida humana”.

Portanto, “é essa forma geral da produção que determina a distribuição no

sentido marxiano”. Ademais, “o desenvolvimento essencial do ser humano é

determinado pela espécie, por como ele produz”, pois mesmo “o modo de produção

mais bárbaro ou mais alienado forma os seres humanos em um modo determinado no

qual as inter-relações de grupos humanos [...] jogam, por último, papel decisivo”

(LUKÁCS, 2018a, p. 609).

Portanto, em primeiro caso, é preciso compreender que toda forma de

sociabilidade concreta terá como fundamento determinadas relações sociais de

produção. Em face disso, Marx e Engels afirmaram que o “primeiro ato histórico” é a

“produção da própria vida material”, isto é, um ato histórico que é uma “condição

fundamental de toda a história” e que “tem de ser cumprido” para “manter os homens

vivos” (MARX e ENGELS, 2007, p. 33). É a partir daqui que a totalidade social irá

surgir, desenvolver-se e orientar o andamento de cada complexo social.

Um exemplo para tornar mais claro o que estamos falando: dados levantados

por Ziegler (2011) demonstram que há hoje uma produção de alimentos no mundo

capaz de alimentar duas vezes a população mundial e, mesmo assim, 100 mil pessoas

morem de fome por dia. A perspectiva reformista observa esta informação e conclui

que o problema é a distribuição. Apenas a perspectiva revolucionária instaurada por


Marx pode compreender que a distribuição é desigual, já que as relações sociais de

produção capitalistas são estruturalmente desiguais, a partir do sistema de assalariamento

e da extração de mais-valia.

Aqui, já podemos começar a compreender que é a atividade econômica

(incluindo nesta atividade a forma típica de trabalho inerente a cada modo de

produção) que exerce o papel de momento predominante diante dos demais

complexos sociais (agricultura, arte, filosofia, ciência, ideologia etc.). Todos esses

complexos possuem uma autonomia nunca absoluta em face das atividades

econômicas, porém,

[...] apenas no interior da dinâmica concreta do desenvolvimento


econômico, a ela reagindo concretamente, realizando o a ele
socialmente demandado, opondo-se a suas tendências concretas —
sob condições subjetivas bem como objetivas — pode encontrar sua
peculiaridade própria, impõe-se uma autêntica independência.
(LUKÁCS, 2018b, p. 218-219).

Este trecho de Lukács nos esclarece a respeito da autonomia dos complexos

sociais ante a economia: trata-se, sempre, de uma autonomia relativa. Esta é uma

compreensão de fundamental importância para o complexo educacional. Muitas

correntes pedagógicas compreendem que a educação pode ser “humanizadora”,

“emancipadora” ou desenvolver a “omnilateralidade humana” mesmo sem romper

com o capital. O que se está fazendo neste caso? Está-se abordando o complexo

educacional a partir de uma autonomia absoluta e não relativa.

Como se desenvolver conteúdos, programas, uma didática, políticas públicas,

formação de professores e tudo o mais para promover uma “educação humanizadora”,

se a base, ou melhor, as relações sociais de produção, nesta forma de sociabilidade,

estão assentadas nos imperativos expansionistas incontroláveis do sistema do capital?

Isto sem falar das posições que compreendem ser possível disputar o Estado “por

dentro”, para que os trabalhadores, “uma vez lá”, possam corrigi-lo e colocá-lo a

serviço das reais necessidades humanas.

Gadotti (2012), por exemplo, pode ser considerado um autor que imputa à

educação uma autonomia absoluta ante a totalidade social consubstanciada pelo


capital, pois não leva em consideração a relação do “momento predominante”.

Defende o autor uma práxis educativa que “construa sujeitos autônomos, pensantes,

sujeitos capazes de autogovernar-se e de governar”. Ou seja:


[...] trata-se de formá-los integralmente, omnilateralmente,
harmonizando estudo e trabalho, como na visão da educação
politécnica e omnilateral preconizada por Marx que coincide com a
visão de uma educação crítica e transformadora de Paulo Freire.
(GADOTTI, 2012, p. 4).

O que temos na análise deste autor? Um claro e explícito ecletismo

metodológico ao tentar aproximar o existencialismo cristão de Paulo Freire à ontologia

marxiana. Para além desta questão de fundo, que não é nosso foco neste texto,

chamamos a atenção para o fato de que se não considerarmos o capital como sistema

sociometabólico que exerce o momento predominante na totalidade social

contemporânea, muito provavelmente descolaremos a educação desta mesma

totalidade e consideraremos ser possível uma “educação transformadora” ou

“omnilateral” mesmo sem rompermos com o Estado e com o trabalho assalariado, que

é a forma típica de trabalho que funda o modo de produção capitalista. O mesmo,

guardadas as devidas proporções, se observa na análise de Saviani ao argumentar

sobre o papel da educação pública formal:


Devemos, pois, nos empenhar em ampliar diuturnamente o processo
de conquista da escola pública pelos trabalhadores, considerada
como um espaço vital para a apropriação, por parte desses mesmos
trabalhadores, dos conhecimentos sistematizados, isto é, da ciência
como força produtiva, sem perder de vista, em momento algum, o
horizonte de construção de uma sociedade sem classes, pois só então
as conquistas perfilhadas serão definitivamente asseguradas.
(SAVIANI, 2005, p. 271, grifos nossos).

Nosso intuito não é desvalorizar ou desmoralizar a obra de Dermeval Saviani.

Tão só chamamos a atenção é para o fato de que é impossível uma pedagogia, um

currículo, políticas públicas, materiais didáticos, formação de professores etc. que – em

seu conjunto – apontem para a luta revolucionária do trabalho contra o capital. A

educação escolar pública é determinada ontologicamente pelas necessidades de

reprodução do capital, que, por intermédio do Estado, cumpre suas orientações e atende a
suas demandas. Não quer dizer que nada podemos fazer. Todavia, é preciso não ter

ilusões de que é “por dentro” do Estado que construiremos a luta socialista. É preciso

lembrar que há uma “dependência ontológica do Estado em relação ao capital e,

portanto, a absoluta impossibilidade de o Estado controlar o capital” (TONET, 2015 b,

p. 4).

O idealismo presente nas concepções educacionais que não levam em

consideração o momento predominante que o capital, via Estado, exerce sobre a

educação escolar se baseia na “crença de que alguma nova teoria educativa ou

pedagógica poderia mudar a realidade da educação”. Na prática, a luta se baseia “em

outra política educacional, que destine mais recursos para a educação e que organize

toda a atividade educativa, ainda no interior do capitalismo”, de modo a atender “aos

interesses da classe trabalhadora” (TONET, 2015 b, p. 10).

Tanto a chamada Pedagogia do Oprimido quanto a Pedagogia Histórico-Crítica

mostram-se incapazes de apreender os limites da educação na atual forma de

sociabilidade, justamente por não considerarem o momento predominante sobre o

complexo social educacional e a sua dependência ontológica, autonomia relativa e

determinação recíproca para com o trabalho e a totalidade6.

Mészáros (2005), por outro lado, apreende lucidamente a autonomia relativa da

educação no tocante às relações sociais de produção capitalistas e em meio à crise

estrutural do capital. Afirma que seria um “milagre monumental” esperar que esta

sociedade estimule as instituições de educação formal a “abraçar plenamente” a

“grande tarefa histórica de nosso tempo”. Justamente por isso, as mudanças na área

educacional não podem ser apenas formais, mas sim “essenciais”, no sentido de que

elas devem “abarcar a totalidade das práticas educacionais da sociedade estabelecida”

(MÉSZÁROS 2005, p. 45).

É preciso chamar a atenção para o fato de que não são aqueles que fazem a

educação ou o Estado que “estabelecem qual o sentido” da atividade educativa. Nestas

instâncias “se decide a sua forma concreta, mas não o seu sentido mais profundo”.

Este “sentido mais profundo” é definido “pelas necessidades mais gerais da

reprodução do ser social”, e como é o trabalho “o fundamento ontológico do ser social,

6
Para compreender a crítica radical, de ordem ontológica marxiana, às limitações da Pedagogia
Histórico-Crítica é decisiva a leitura de Lessa (2007), Lazarini (2010), Macário (2005) e Tonet (2012).
é óbvio que, em cada momento e lugar históricos, uma determinada forma de trabalho

será a base de uma determinada forma de sociabilidade” e, portanto, “de uma certa

forma concreta de educação” (TONET, 2015a, p. 8, grifos nossos).

O amplo leque de discussões e temáticas que perpassam este debate é muito

amplo e complexo, e não será possível desenvolvê-lo no espaço de um artigo. Chasin

(2009); Tonet (2005, 2014, 2015); Lessa (1999, 2007, 2012); Netto (2012); Mészáros (2002)

e vários outros autores possuem contribuições indispensáveis para o aprofundamento

destas reflexões numa postura crítica e ontológica marxiana. Importante para nós,

neste momento, salientar que é a economia que exerce o papel de momento

predominante no desenvolvimento e na orientação dos complexos sociais, e que a

autonomia destes, inclusive da educação, é sempre uma autonomia relativa e nunca

absoluta.

O indivíduo jamais pode ser parâmetro absoluto e único na análise dos

fenômenos sociais. É preciso lembrar que os indivíduos atuam no campo de

possibilidades colocado pelo ser social. Justamente em função desta perspectiva

ontológica no tratamento da relação entre o indivíduo e o ser social é que é preciso

levar em conta o papel do momento predominante.

Marx, a respeito do resultado de suas pesquisas, afirma no famoso Prefácio de

1859:
Minhas investigações me conduziram ao seguinte resultado: as
relações jurídicas, bem como as formas do Estado, não podem ser
explicadas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do
espírito humano; essas relações têm, ao contrário, suas raízes nas
condições materiais de existência, em suas totalidades, condições
estas que Hegel, a exemplo dos ingleses e dos franceses do século 18,
compreendia sob o nome de “sociedade civil”. Cheguei também à
conclusão de que a anatomia da sociedade burguesa deve ser
procurada na Economia Política. Eu havia começado o estudo desta
última em Paris, e o continuara em Bruxelas, onde eu me havia
estabelecido em consequência de uma sentença de expulsão ditada
pelo sr. Guizot contra mim. O resultado geral a que cheguei e que,
uma vez obtido, serviu-me de guia para meus estudos, pode ser
formulado, resumidamente, assim: na produção social da própria
existência, os homens entram em relações determinadas,
necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de
produção correspondem a um grau determinado de
desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade
dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura
jurídica e política e à qual correspondem formas sociais
determinadas de consciência. O modo de produção da vida material
condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o
seu ser social que determina sua consciência. Em uma certa etapa de
seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade
entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o
que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de
propriedade no seio das quais ela se haviam desenvolvido até então.
De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações
convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução
social. (MARX, 2008, p. 47, grifos nossos).

O trecho de Marx é claro e de suma importância para a reflexão que estamos

delineando. As relações sociais de produção são as responsáveis pelas “condições

materiais de existência” e a “totalidade dessas relações de produção” irá constituir a

“estrutura econômica da sociedade”. Portanto, a superestrutura possui também uma

autonomia relativa, pois sua função social é distinta da estrutura econômica, todavia,

sua atuação e limites de desenvolvimento serão dados pelo campo de possibilidades

reais e efetivas colocado pela própria estrutura econômica.

A educação, por exemplo, possui uma autonomia relativa, já que a sua função no

processo de reprodução social é a transmissão e a apropriação dos conhecimentos,

valores, técnicas, comportamentos etc. construídos histórica e socialmente pelos

homens e que atendam às demandas de reprodução de determinada forma social

específica. Dessa maneira, a função social da educação é diferente da do trabalho, que é,

como já afirmamos, a produção dos meios de produção e de subsistência

indispensáveis para a vida humana. Todavia, só existem conhecimentos a serem

transmitidos em razão dos atos de trabalho que os homens realizam. Temos, portanto,

a dependência ontológica, de que já tratamos em outros momentos, da educação para com

o trabalho: não é possível existir educação se não existir o trabalho. A autonomia da

educação é sempre relativa, já que seu campo de atuação estará limitado a partir das

possibilidades concretas que determinada forma típica de trabalho exercerá sobre o

complexo da economia, e este para com a totalidade social. Economia, totalidade,


trabalho e educação se determinam reciprocamente e, também, com os demais complexos

sociais.

Em relação ao desenvolvimento de cada complexo social é a totalidade que irá

exercer o papel de momento predominante (ANDRADE, 2011). O trabalho funda o ser

social, e o desenvolvimento do gênero “põe as necessidades e coloca as novas

demandas que devem ser objetivamente atendidas por meio do desenvolvimento de

novos complexos sociais parciais”. Assim, é o movimento da totalidade social que, ao

“colocar as questões e, ao mesmo tempo, delinear o horizonte de possibilidades para as

respostas, exerce o papel de momento predominante da reprodução social em relação a

cada um dos complexos sociais parciais” (ANDRADE, 2011, p. 14-15). Com esta

dinâmica,

[...] se, por um lado, o desenvolvimento particular de cada um dos


complexos sociais parciais potencializa o desenvolvimento da
totalidade social, por outro lado, o impulso, o conteúdo e a forma das
mudanças que sofrem esses complexos ao longo da sua explicitação
brotam do desenvolvimento da própria totalidade social. Desse
modo, é o movimento da totalidade social que, na gênese e
desenvolvimento particular de cada um dos complexos sociais
parciais, exerce o papel de momento predominante. E, nesse sentido,
as mudanças que continuamente os complexos sociais parciais sofrem
na sua estrutura categorial resultam das transformações que eles
incorporam, advindas daquelas demandas postas pelo
desenvolvimento concreto do gênero. (ANDRADE, 2011, p. 50, grifos
nossos).

A partir do que temos discutido, portanto, com relação ao desenvolvimento dos

complexos sociais, a totalidade é o momento predominante, porém, com relação à

própria totalidade social, “a esfera da economia exerce o papel de momento

predominante do desenvolvimento objetivo do mundo dos homens”, já que é nesse

complexo que se articula a “reprodução primária da vida humana” (ANDRADE, 2011,

p. 53). A autora nos explica que a totalidade só pode ser o momento predominante no

desenvolvimento dos complexos, já que ela – a totalidade – desempenha o papel de

mediação entre a economia e cada um dos complexos.


Em suma: a totalidade exerce papel de momento predominante ante a

orientação de cada complexo social, e a economia funciona como momento

predominante da própria totalidade.

Se analisarmos o momento atual, veremos que, de acordo com Mészáros (2002),

vivemos um período de crise estrutural do capital. Esta crise atinge todas as dimensões

sociais e todos os territórios (de modo distinto: uns sofrerão mais o impacto das

desigualdades e da barbárie provocada pelo agronegócio, como no caso das

populações indígenas no Mato Grosso do Sul; em outros territórios, por sua vez, outros

sofrerão mais com a falta de empregos, violência urbana etc.) sob a lógica espacial da

expansão do capital. Além disso, todas as escalas são afetadas (desde a do nosso corpo

com os litros e litros de veneno que ingerimos por ano através da água e dos alimentos,

até a escala global com as guerras imperialistas) e não é possível “exportar” as

contradições “explosivas” deste sistema sociometabólico de um lugar para outro.

O complexo da economia e das relações sociais de produção, sob a lógica do

capital, provoca impactos avassaladores sobre a totalidade social, e esta, por sua vez,

irá influenciar no desenvolvimento de cada complexo social. É isto o que quer dizer o

discípulo de Lukács, quando afirma: “O capital não pode ter outro objetivo que não

sua própria autorreprodução, à qual tudo, da natureza a todas as necessidades e

aspirações humanas, deve se subordinar absolutamente” (MÉSZÁROS, 2002, p. 800,

grifos nossos).

Neste texto argumentamos que uma das categorias marxianas – de ordem

ontológica, portanto, que emana do próprio solo histórico e social do “mundo dos

homens” – é a categoria da totalidade. Lukács certa vez afirmou que a “totalidade é o

território da dialética” (LUKÁCS, 1974, p. 48). Entretanto, se não considerarmos em

nossa análise, inclusive no âmbito da discussão educacional, a categoria do “momento

predominante”, não conseguiremos apreender a interação dinâmica e ontológica que se

estabelece entre os complexos sociais para com a totalidade e para com a economia e o

trabalho.

O idealismo poderá se manifestar tanto no sentido de considerar que a

educação nada pode na forma atual de sociabilidade regida pelo capital, quanto no que
se refere a uma autonomia absoluta em face do próprio capital e do Estado. É o que

ocorre com os posicionamentos que defendem a “ampliação dos espaços democráticos”

com “mais recursos” para a educação e que acreditam ser possível desenvolver uma

pedagogia socialista ou revolucionária dentro das escolas públicas atuais,

desconsiderando todos os limites gigantescos que a reprodução social do capital coloca

como impossibilidade ontológica neste terreno.

É sempre a totalidade social que exercerá o papel de momento predominante na

orientação e desenvolvimento dos complexos sociais. Contudo, a própria totalidade

terá como momento predominante o complexo da economia, que inclui o trabalho, pois

é responsável pela produção e reprodução das condições materiais vitais da existência

social.

A categoria “momento predominante” não é importante como mero

“eruditismo teoricista”. Ela é relevante para investigarmos as dinâmicas processuais

que se efetivam na prática social real. Sem este impulso necessário para o

conhecimento teórico, pouco poderemos avançar na transformação revolucionária

desta ordem social.

Se estamos, de fato, preocupados com a luta por uma educação que contribua

para o desenvolvimento da formação humana, temos de desenvolver uma luta no

sentido revolucionário, na qual o “alvo global” e a “bússola” devem ser “a radical

transcendência do próprio capital, em sua complexidade global, e na totalidade de suas

configurações históricas dadas e potenciais” (MÉSZÁROS, 2002. p. 1.065).


Capítulo iv

Diversidade e desigualdade

Há algumas décadas, tem sido comum deparar com discursos que apregoam a

necessidade do “respeito à diversidade”. Neste campo de entendimento, é

extremamente importante nos conscientizarmos das diferenças étnico-raciais,

religiosas, de posicionamentos políticos, de grupos sociais etc. Por meio desta

“conscientização” poderíamos estabelecer, de fato, práticas “mais solidárias” entre as

pessoas que prezem pelo respeito, contribuindo, então, para uma sociedade “mais

justa”, “mais igualitária” e “democrática”.

Todavia, note-se que no âmbito da defesa “viva a diferença!” há uma lacuna, ou

melhor, há um pressuposto que evidencia um equacionamento errôneo da relação

entre objetividade e subjetividade. Existe neste debate uma supervalorização da

consciência e um desprezo pela reflexão sobre as condições materiais da existência

social.

Os defensores da bandeira “respeito à diversidade” (mídia, políticos,

movimentos sociais, intelectuais etc.) entendem que o preconceito ou a desigualdade

entre os indivíduos sociais emana de uma causa subjetiva, baseada na consciência das

próprias pessoas e que, por isso, é preciso trabalhar esta mesma consciência (não por

um acaso qualquer, este discurso faz muito sucesso no debate educacional) de modo

que, por fim, todas as desigualdades sociais desaparecerão ou diminuirão

sensivelmente com o apelo moralista do tão em voga “politicamente correto”.

Antes de avançar, entretanto, é preciso deixar claro que não ignoramos as

enormes desigualdades existentes entre as classes sociais, sobretudo na sociedade em

que vivemos, regida pelo modo de produção capitalista e pelas demandas do capital.

Também não negamos a enorme diversidade de gênero, etnia, religiosidade, práticas

políticas etc. que marcam esta sociedade.

Porém, entendemos que uma compreensão sólida, bem equacionada e racional

deste assunto encontra respaldo na reflexão histórica a respeito de como se opera a

articulação entre subjetividade e objetividade, sem desprezar a primeira (como

costumeiramente o velho materialismo fez) e, ao mesmo tempo, sem valorizar


sobremaneira as ações e os limites da consciência (como o idealismo, de modo geral,

fez). Isto não quer dizer que exista uma situação de equilíbrio entre estas duas esferas

do ser social/humanidade.

Vejamos, a seguir, como se opera esta articulação e, de modo introdutório, as

características mais gerais do modo de produção capitalista para, por fim, esboçarmos

uma crítica às limitações de cunho idealista presentes no debate que exalta as

diferenças e a diversidade.

4.1 – Consciência e realidade

Para compreender a ligação entre consciência e realidade objetiva, é preciso

retomar um ponto de inflexão sobre o processo de surgimento da humanidade: a partir

de quais processos os seres humanos passaram a se diferenciar qualitativamente dos

animais e, com isso, criaram uma nova esfera de ser: o ser social.

Na esteira de Marx e Lukács (entre outros), entendemos que o trabalho

permitiu o salto essencial – ontológico – do ser meramente biológico à humanidade.

Todavia, o trabalho nunca pode ser pensado em termos isolados, mas sim junto às

relações sociais e à comunicação.

A questão do por que o trabalho fundou o ser social não implica um raciocínio

de ordem cronológica (quem veio primeiro ou depois). Tanto a comunicação como as

relações sociais se basearam em sua estrutura mais geral e inicial, em função das

demandas e necessidades colocadas pela própria atividade do trabalho.

Além disso, é preciso deixar claro que por trabalho não estamos, ainda,

tratando da relação de emprego ou assalariamento no interior da sociedade atual, mas

sim enquanto práxis ineliminável de qualquer sociedade e que possui a função social

de transformação da natureza para a produção dos meios de produção e de

sobrevivência indispensáveis à vida social. Por isso, “a essência do trabalho é, em

Lukács, uma peculiar e exclusiva articulação entre teleologia e causalidade” (LESSA,

2012, p. 60).

Com o trabalho, a consciência, por meio de uma necessidade real e existente,

analisa os meios presentes na própria realidade para atingir uma determinada


finalidade. Isto é o pôr teleológico, já que articula, sempre, no trabalho, a configuração

ideal  do fim a ser atingido na consciência dos seres humanos e, também, inclui

a objetivação, ou seja, a criação de algo que antes não existia na natureza, como uma

lança. A madeira existe na natureza, todavia, uma lança apta para abater um

determinado animal, não. Isso é exclusivo da ação humana teleologicamente orientada.

Com efeito, “o trabalho é um ato de pôr consciente e, portanto, pressupõe um

conhecimento concreto, ainda que jamais perfeito, de determinadas finalidades e de

determinados meios” (LUKÁCS, 1978, p. 9).

Neste ponto, podemos perceber claramente a relação entre consciência e

realidade. A partir do exame da categoria trabalho, compreendemos que: 1) a realidade

objetiva pode existir sem a consciência, mas o contrário é impossível, ou seja, toda

consciência reflete, apreende, capta elementos de uma realidade existente fora dela; 2) a

realidade social, fruto da ação dos seres humanos, não pode existir sem a ação ativa da

consciência; 3) o “momento predominante” cabe à realidade, ou seja, à objetividade, pois

apesar de a consciência ter um papel ativo na criação da vida social, é a própria

realidade que coloca o campo de limites e possibilidades para a consciência atuar.

Pensemos, novamente, no caso do trabalho: é absolutamente uma

impossibilidade real e concreta querer confeccionar uma lança de marfim se este

elemento é ausente na localidade na qual me encontro. A consciência, dessa forma,

possui um papel ativo para compreender, analisar, pensar possíveis vínculos, possíveis

articulações etc. dos elementos existentes na própria realidade. Todavia, se a

consciência abandonar em seu horizonte de análise a própria objetividade, terminará

por exigir dela algo que não é possível de ser objetivado. Em termos extremamente

populares: “não é possível tirar leite de pedra!”.

Em função disso, as ideias “são a tradução teórica e a interpretação de uma

dada realidade objetiva”; nesse caso, “o sentido dos produtos da consciência deve ser

buscado na realidade objetiva e não na própria consciência” (TONET, 2016, p. 48).

Colocar o foco na consciência, não apreendendo os limites e as possibilidades reais e

concretas presentes na objetividade, é caminhar a largos passos na direção do

idealismo.
Uma vez que esboçamos em linhas gerais a relação entre consciência e

realidade, podemos agora avançar para a compreensão do modo de produção

capitalista e suas desigualdades estruturais.

4.2 – Capitalismo e Desigualdade

Certamente as desigualdades sociais já existiam antes do surgimento do modo

de produção capitalista. A origem histórica das desigualdades sociais se confunde com

a gênese da propriedade privada (entendida como a apropriação privada de uma classe

do fruto do trabalho realizado por outra classe), das classes sociais e do Estado. O

próprio surgimento do sistema do capital é anterior ao modo de produção capitalista, e

é a sua superação total que deve ser almejada na luta revolucionária socialista, e não

apenas o capitalismo. Entretanto, há uma nova configuração na produção das

desigualdades com a sociedade burguesa capitalista.

Em primeiro lugar, é preciso entender que cada forma de sociabilidade possui

como base estrutural uma determinada forma típica de trabalho. O trabalho de coleta

fundava a sociedade primitiva, o trabalho escravo, a sociedade escravista, o trabalho

servil, a sociedade feudal, e o trabalho assalariado proletário funda a sociedade

capitalista, assim como, se assim acontecer, o trabalho associado fundará a sociedade

socialista.

Em segundo lugar, não se trata de resumir tudo de modo acrítico ao trabalho,

mas sim de apreender que a realidade social é formada por uma variedade de

dimensões sociais (arte, filosofia, política, ideologia, ciência, religião etc.) que possuem

funções diversas no processo de reprodução da sociedade, entretanto, só podem existir

a partir da capacidade humana em efetivar atos de trabalho.

Todas as dimensões sociais irão atuar e se desenvolver perante as

possibilidades matrizadas pela síntese da totalidade social, ou seja, pela interação

qualitativa de todas as dimensões que compõem a vida humana enquanto gênero.

Pensemos num exemplo: o conhecimento para ler e escrever, na sociedade feudal, não

estava disponível aos servos. Isto ocorria em decorrência do trabalho servil e de aquele

modo de produção não colocar como possibilidade real a leitura e a escrita aos servos.
Para fazer o pão, construir moinhos de vento, pontes, estradas etc., os servos não

precisavam saber ler nem escrever. Quem possuía a possibilidade de desenvolver estes

conhecimentos era a Igreja, já que cabia a ela a função de difusão ideológica e científica

geral da sociedade feudal.

Com a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, criaram-se as condições

materiais indispensáveis ao avanço do trabalho assalariado: 1) a separação radical entre

os produtores (trabalhadores) e os proprietários dos meios de produção (capitalistas),

de tal modo que para garantir a sobrevivência, aos trabalhadores só resta vender sua

força de trabalho; 2) a emancipação política operada pelo capital, que o livrou das

“amarras” inerentes aos modos de produção pré-capitalistas e, com isso, possibilitou

uma mobilidade e uma liberdade do capitalista muito maior do ponto de vista

histórico; 3) as bases da cidadania moderna, pois todos precisam ser livres, iguais e

proprietários (livres para vender e comprar a força de trabalho de quem julgar mais

apto; iguais perante a lei, embora no capitalismo se trate de uma igualdade

formal,  baseada numa desigualdade real; e proprietários da força de trabalho – os

trabalhadores – e do capital – os capitalistas); e 4) a força de trabalho disponível enquanto

mercadoria para ser livremente vendida e comprada.

Todas essas transformações possibilitaram que, no capitalismo, a mais-

valia  pudesse ser extraída do processo de produção das mercadorias e não mais tão

somente do processo de circulação (MANDEL, 1982). Quando o proletário, que é o

trabalhador que na sociedade capitalista transforma a natureza e produz os meios de

produção e de sobrevivência indispensáveis à vida social, inicia a sua jornada de

trabalho numa fábrica, ao final de uma semana ou de um mês ele produziu um valor

muito superior ao valor que ele recebe pela sua mercadoria força de trabalho sob a

forma de salário.

Esta dinâmica mostra como as desigualdades sociais encontram respaldo, no

modo de produção capitalista, na extração da mais-valia do trabalho dos proletários.

Não se trata de nenhuma falta de conscientização de que o proletariado é explorado,

mas sim de uma condição objetiva, social e historicamente construída, que o obriga a

sofrer tal exploração para que possa sobreviver. Por isso mesmo, o “desenvolvimento

capitalista é, necessária e irredutivelmente, a produção exponenciada de riqueza e a


produção reiterada de pobreza”, pois “ainda se está por inventar ou descobrir uma

sociedade capitalista – em qualquer quadrante e em qualquer período histórico – sem o

fenômeno social da pobreza como contraparte necessária da riqueza socialmente

produzida” (NETTO, 2007, p. 143).

A produção capitalista possui como características mais gerais: 1) o valor de troca

subordina o valor de uso, ou seja, as mercadorias possuem sua utilidade, mas, no

capitalismo, não se produzem mercadorias para o atendimento das reais necessidades

humanas, senão para garantir a reprodução, cada vez a um custo humano e ambiental

mais elevado, do sistema do capital; 2) o processo de produção se baseia na propriedade

privada: tanto os trabalhadores que transformam a natureza (proletários) quanto

aqueles que não a transformam devem produzir mais-valia ou servir à autovalorização

do capital; 3) a competição é um condicionante insuprimível se não se romper com o

sistema do capital em sua totalidade, pois tanto os capitalistas devem competir entre si

pela apropriação privada da mais-valia de modo mais acentuado e frenético e em

escala acelerada, quanto os trabalhadores diariamente devem se digladiar por uma

vaga no mercado de trabalho (não existe fraternidade real num sistema baseado

na concorrência contínua de seus membros); e 4) a produção capitalista visa, em face das

tendências anteriormente esboçadas, à  produção do lucro e à reprodução/acumulação do

capital, nem que para isso seja preciso gastar trilhões de dólares em guerras, assassinar

crianças, jovens, idosos, sem-terra, sem-teto, quilombolas etc.

Marx assevera:

Produção de mais-valia ou geração de excedente é a lei absoluta desse


modo de produção. Só à medida que mantém os meios de produção
como capital, que reproduz seu próprio valor como capital e que
fornece em trabalho não pago uma fonte de capital adicional é que a
força de trabalho é vendável. (MARX, 1996, p. 251).

O capital “engloba” a diversidade: ele explora, expropria, persegue, estupra e

mata independentemente da cor da pele, religião, preferência sexual etc. Se uma aldeia

indígena for empecilho para o avanço do agronegócio em uma determinada região e

isto representar um obstáculo à reprodução do capital, muito provavelmente toda a

aldeia será exterminada. Com efeito:


A permanência da pobreza e das desigualdades no quadro das
nossas sociedades – ou, mais exatamente, nas formações econômico-
sociais capitalistas – não resulta da ausência de boa vontade e de
esforços ou da fragilidade dos meios técnicos para uma melhor
instrumentalização das políticas sociais a ela referidas. Pobreza
relativa e desigualdades são constitutivos insuperáveis da ordem do
capital – o que pode variar são seus níveis e padrões, e esta variação
não deve ser subestimada quando estão em jogo questões que afetam
a vida de bilhões de seres humanos. (NETTO, 2007, p. 159, grifos
nossos).

Uma contradição incontornável, no capitalismo, se dá entre o desenvolvimento

da ciência e a apropriação de seus resultados. Se o trabalho proletário é a base da

sociedade burguesa capitalista, esta desigualdade estrutural também irá impactar

todas as demais dimensões da vida social. Com relação à ciência, conhecemos cada vez

mais a origem do planeta Terra e até do próprio universo e, entretanto, estamos

assolados por doenças que pensávamos extintas e que são de fácil extirpação.

Produzimos casas, roupas, alimentos e energia elétrica em quantidade muito maior do

que a capacidade de consumo de todos os habitantes do planeta e, todavia, milhões

não têm onde morar, o que vestir, morrem de fome e não contam com qualquer tipo de

abrigo.

Vale sempre lembrar que:

Só quando o trabalho for efetiva e completamente dominado pela


humanidade e, portanto, só quando ele tiver em si a possibilidade de
ser “não apenas meio de vida”, mas “o primeiro carecimento da
vida”, só quando a humanidade tiver superado qualquer caráter
coercitivo em sua própria autoprodução, só então terá sido aberto o
caminho social da atividade humana como fim autônomo. (LUKÁCS,
1978, p. 18, grifos nossos).

Em linhas gerais, assim funciona o capitalismo regido pelos interesses

mesquinhos do sistema do capital. Não há possibilidade de reformas, não há a mínima

chance para impor uma lógica diferente desta lógica estruturalmente desigual. Não é

possível controlar algo completamente incontrolável. Resta tão só a superação total

deste sistema, com todas as pragas que com ele andam juntas: a propriedade privada,

as classes sociais, o Estado e o próprio capital.


Com este pequeno texto, apresentamos em rápidas linhas a articulação entre

subjetividade/consciência e objetividade/realidade, mostrando que a primeira possui

um papel ativo na produção da vida social, todavia, é preciso sempre que a consciência

reflita e apreenda os elementos presentes na própria realidade objetiva, para não exigir

desta soluções inviáveis.

Justamente em razão disto evidenciamos as desigualdades estruturais oriundas

do modo de produção capitalista controlado pelas necessidades de acumulação e

reprodução do capital. A exploração que os trabalhadores (de modo geral) e os

proletários (em específico) sofrem no capitalismo não se deve a uma falta de

criatividade dos trabalhadores ou a uma falta de conscientização da diferença e da

diversidade que apresentam entre si. Ao contrário, a exploração, no capitalismo,

encontra fundamentos sólidos reais e concretos, construídos historicamente por meio

da consolidação e da disseminação do trabalho assalariado e do Estado moderno.

Não basta, portanto, ressaltar a necessidade do “respeito à diferença”. Se

quisermos que todos os indivíduos possam ter igualdades reais de expressar plenamente

sua diversidade e de se desenvolver livremente como membros do gênero humano, é

preciso superar a sociedade capitalista regida pelo capital, pois nela não é possível o

desenvolvimento de condições objetivas de uma igualdade de oportunidades reais entre as

pessoas em sua múltipla diversidade.

É fulcral entender que:

O contrário da diferença não é igualdade, mas sim a indiferença. O fato


de os homens serem diferentes não significa que devem ser iguais. E é
somente em uma sociedade de iguais que as diferenças podem
efetivamente se manifestar. Numa sociedade de desiguais não há
diferentes. Há indiferentes. (NETTO, 2016, grifos nossos).

Capítulo v

Idealismo educacional: um grande hotel no abismo

A sociabilidade burguesa enfrenta uma grave crise. Alguns a consideram mais

uma das inúmeras perturbações que o capitalismo já sofreu e, por isso mesmo, possível

ser “corrigida”; outros entendem que esta crise é estrutural, e a única maneira de ser
superada é superando a totalidade do sistema do capital. Entendemos que uma

“novidade histórica” do momento atual é a incapacidade de o capital “deslocar” suas

contradições, como nos explica Mészáros (2002). Isto significa que todos os países e

continentes, com expressões e intensidades variadas, enfrentam, hoje, os efeitos

“explosivos” dos defeitos estruturais do próprio capital.

No debate educacional contemporâneo, podemos perceber reflexos da crise do

capital. Muitos pesquisadores, extremamente competentes e comprometidos com uma

educação melhor e de qualidade, acabam por reforçar uma perspectiva idealista em

suas análises e interpretações. Todavia, é importante assinalar que o idealismo na

educação não é fruto tão somente da crise estrutural do capital. Este é um fenômeno

que se relaciona diretamente com o que Marx denominou de “decadência ideológica

burguesa”. Em todo caso, hoje, o idealismo educacional decadente é uma necessidade

social deste sistema societário essencialmente desigual e contraditório.

O momento de ascensão da constituição da sociedade capitalista (mais ou

menos século XV até a primeira metade do século XIX) presenciou uma burguesia

como classe revolucionária, intencionando a destruição dos resquícios feudais e pré-

capitalistas. No âmbito da ciência, havia a necessidade de um conhecimento sobre a

natureza e a realidade objetiva, de caráter empírico. Este conhecimento, contudo, não

se aprofundava na apreensão da essência desta forma de sociabilidade nem avançava

na consideração das raízes dos problemas sociais; todavia, não era um conhecimento

especulativo ou místico. Foram grandes expoentes deste período Vico, Bacon e Galileu

(TONET, 2016a).

A partir do momento em que a burguesia se torna classe dominante, há uma

decadência deste padrão positivo no âmbito do processo de conhecimento que vinha se

desenvolvendo. Agora, interessa à burguesia ocultar e bloquear uma compreensão

profunda da realidade social. Trata-se “da perspectiva dessa classe, de compreender a

realidade social na forma e até o limite que permita a reprodução dessa ordem social

considerada” (TONET, 2016a, p. 133). Isto, contudo, não ocorre de modo plenamente

consciente por parte dos indivíduos, mas certamente atende aos interesses da

burguesia em se manter como classe dominante.


Um ponto importantíssimo desse processo e que muito interessa ao debate que

estamos propondo é que, descartando as categorias da totalidade e da essência da

realidade social, o período de decadência ideológica burguesa que, em nossa

compreensão, agudiza-se de modo exponencial no momento contemporâneo de crise

estrutural do capital, acaba por jogar “sobre os ombros do sujeito a tarefa de realizar os

recortes do objeto a ser estudado e de conferir unidade aos dados empíricos”. Assim,

“a aparência e o empírico se tornam a matéria sobre a qual trabalha a cientificidade

moderna” (TONET, 2016a, p. 134).

Lukács (1966) explica que a tendência geral da decadência ideológica da

burguesia é a liquidação dos esforços dos ideólogos burgueses que, anteriormente,

orientavam-se para compreender as tendências sociais e o modo de funcionar desta

sociedade, o que, posteriormente, deu lugar a uma pseudociência superficialmente

concebida e “misticamente desfigurada”.

Para o filósofo húngaro, a decadência ideológica é uma necessidade social, já

que suas “questões básicas” dizem respeito aos problemas que surgem do próprio

desenvolvimento do capitalismo. A diferença consiste no fato de que “os ideólogos

anteriores deram uma resposta honrada e sincera, mesmo que incompleta e

contraditória, e a decadência alude covardemente ao que é” (LUKÁCS, 1966, p. 65,

tradução nossa). A decadência ideológica burguesa é, para Lukács, anticrítica,

porquanto ataca a superfície dos fenômenos na sua imediaticidade e trata de modo

fragmentado as diversas problemáticas sociais.

Ante esta decadência que não se baseia tão somente em aspectos subjetivos e

especulativos, mas que tem como solo as próprias condições materiais de reprodução

desta sociedade, alguns intelectuais se comportam como se estivessem em um hotel de

luxo, porém um hotel à beira do abismo. Afirma Lukács que cada dia mais faz-se

evidente que os problemas do capitalismo são irreformáveis. Isso possui um duplo

impacto sobre grande parte da intelectualidade: por um lado, leva ao “abismo do

desespero”, em que não se vislumbra saída alguma para tais problemas; por outro

lado, se reafirma o “salto vital” ao campo do proletariado revolucionário, “o salto vital

ao futuro luminoso” (LUKÁCS, 2007, p. 39, tradução nossa). Para realizar este “salto
vital”, os “produtores de ideologia” – os intelectuais – devem abandonar as ilusões que

emanam da perspectiva de classe burguesa e sua concepção de mundo, ou seja, devem

abandonar a ilusão da “prioridade da ideologia ante a materialidade, ante o

econômico” e, por isso mesmo, “devem abandonar a ‘digna’ altura de onde

formulavam seus problemas e soluções desde então” (LUKÁCS, 2007, p. 39, tradução

nossa).

Para Lukács, daí surge o “conforto espiritual do Hotel”, ou seja, destas ilusões

produzidas pela própria intelectualidade. Se alguém quiser buscar uma saída mágica

para todos os tipos de problemas da cultura, encontrará no “Grande Hotel Abismo”

uma ampla sala de reuniões à disposição para tal propósito. Nele, toda forma de

“embriaguez intelectual” é permitida e, assim, “todos podem ter a satisfação de

representar o único ser sensato em uma Torre de Babel da loucura universal”

(LUKÁCS, 2007, p. 40).

Em suma, compreendemos que a crise estrutural do capital reforça ainda mais,

no âmbito do debate educacional, a decadência ideológica burguesa que se esbalda nos

amplos salões de um hotel já em queda, num abismo social cada vez mais profundo e

escuro. Para explicitar esse argumento, dividiremos o texto em mais três partes. Num

primeiro momento, apresentamos os principais pressupostos vigentes na reflexão

educacional contemporânea. Em seguida, explicitaremos os limites de cada um dos

pressupostos apontados anteriormente e os vínculos que se estabelecem entre

educação, trabalho e totalidade social. Por fim, nossas considerações finais contam com

uma breve síntese da discussão aqui proposta.

5.1 - O Discurso Educacional Contemporâneo

Antes de explicitar os principais aspectos presentes nos discursos educacionais

contemporâneos, é preciso explicar dois pontos de suma importância para o nosso

debate. Em primeiro lugar, é preciso entender que o sujeito do conhecimento possui

seu “momento predominante” nas classes sociais, e não nos indivíduos, apenas.
Certamente os indivíduos produzem teorias e ciência, todavia, o “sujeito fundamental

são as classes sociais”, já que “são elas que, pela sua natureza fundada no processo de

produção, põem determinadas exigências e determinada perspectiva”. Os indivíduos,

ao elaborarem teorias, expressam, “ao nível teórico, de modo consciente ou não, os

interesses mais profundos das classes sociais”, o que quer dizer que a classe, “pela sua

natureza, estabelece o campo, nunca absolutamente rígido, no interior do qual o

indivíduo exercerá o seu poder ativo” (TONET, 2013, p. 17).

Um segundo ponto a ser explicado é o entendimento de crítica e de teoria

segundo Marx. A crítica, em Marx, consiste em “trazer ao exame racional, tornando-os

conscientes, os seus fundamentos, os seus condicionamentos e os seus limites”, ao

tempo que “se faz a verificação dos conteúdos desse conhecimento a partir dos

processos históricos reais” (NETTO, 2009, p. 775). Ou seja: a crítica, que também

estamos realizando no debate aqui proposto, não deve ser encarada como algo vulgar

ou maniqueísta. Ao contrário, deve basear-se no confronto com o processo histórico

real.

Esta concepção de crítica também está intimamente articulada ao entendimento

de teoria, em Marx, como uma “modalidade peculiar de conhecimento” que se

distingue das demais modalidades, pois “o conhecimento teórico é o conhecimento do

objeto tal como ele é em si mesmo, na sua existência real e efetiva, independentemente

dos desejos, das aspirações e das representações do pesquisador” (NETTO, 2009, p.

776). Desse modo, a teoria é a “reprodução ideal do movimento real do objeto pelo

sujeito que pesquisa”, e esta reprodução será tão mais verdadeira, “quanto mais fiel o

sujeito for ao objeto” (NETTO, 2009, p. 776). Não se trata de uma reprodução como um

“espelhismo mecanicista”, mas sim de uma reprodução que capta o próprio

movimento e a constituição mais essencial do objeto, tendo, por isso mesmo, o sujeito

um papel ativo em desvelar e fazer emergir do objeto estas mesmas tendências e

características.

Entendemos, por conseguinte, que a teoria social instaurada por Marx se baseia

num ponto de vista ontológico, histórico e social. Para este ponto de vista, a abordagem

do objeto tem como eixo o próprio objeto (TONET, 2013). A captura do objeto implica o
“pressuposto de que ele não se resume aos elementos empíricos, mas também, e

principalmente, àqueles que constituem a sua essência”. Por sua vez, “não cabe ao

sujeito criar – teoricamente – o objeto, mas traduzir, sob a forma de conceitos, a

realidade do próprio objeto” (TONET, 2013, p. 14).

Uma vez que explicitamos o que é crítica e teoria em Marx, podemos avançar

para a consideração dos elementos mais presentes na análise educacional atual.

Brandão (2008), seguindo a perspectiva freiriana, afirma num de seus textos que:

A educadores importa transformar este aparente “sinal menos” na


relação pessoa cultura, ou mente individual – campo de significados,
em um “sinal mais”. Porque o que passa é que na dinâmica inevitável
das interações entre as pessoas, entre as pessoas e os seus símbolos,
entre símbolos e símbolos (ou entre significados e significados), o que
está acontecendo todo o tempo é uma fascinante relação dialógica
entre a criação interpessoal da cultura e a criação cultural da pessoa.
(BRANDÃO, 2008, p. 24, grifos nossos).

O que observamos neste trecho e que, de modo geral, se faz presente nesta

perspectiva, é o foco no diálogo entre educador e educando para desenvolver uma

“ação cultural” que seja “dialógica” e promova uma verdadeira “educação

significativa”. Aqui, presenciamos uma análise centrada apenas na relação educando-

educador, numa hiperfetichização que a considera com uma autonomia absoluta em face

das interferências e do campo de possibilidades colocado pela reprodução do capital.

Freitas (2014), por sua vez, não parte da perspectiva freiriana, porém defende

reformas na educação ainda no interior desta forma de sociabilidade capitalista:

Pelo lado dos que se contrapõem a esta visão, a proposta inclui uma
matriz formativa que não é restrita ao cognitivo, mas que inclui,
além desta dimensão, a formação para a criatividade, a afetividade,
o desenvolvimento corporal e as artes, e se expressa em uma
organização do trabalho pedagógico que inclua as dimensões do
conhecimento, da diversidade da cultura, da história, do trabalho e
das lutas sociais pela transformação da sociedade. (CALDART, 2014).
Nesta perspectiva posta, não cabe orientar todo o sistema educativo
apenas para o ensino da leitura, da matemática e das ciências medido
em testes padronizados, cujas médias de desempenho terminam
sendo critério para se definir o que é uma boa educação. A boa
educação exige uma matriz alargada de formação que não restrinja
as possibilidades de formação humana da juventude. (FREITAS,
2014, p. 1.107, grifos nossos).

E prossegue com sua argumentação:

Com outro posicionamento para o primeiro par dialético (objetivos/


avaliação), as repercussões para o segundo par dialético
(conteúdos/métodos) também são diferentes. Para o desenvolvimento
desta nova matriz não é suficiente uma escola de tempo parcial,
professores com qualificação precarizada, ênfases em processos de
controle “passo a passo” comandados por avaliações externas que
adaptam a escola às funções sociais vigentes, à subordinação, mas a
escola deve ser vista como um centro cultural da sua comunidade
que investiga a vida e suas contradições sociais, que libera a energia
criativa da juventude e a desenvolve em todas as suas dimensões
possíveis, incluindo o domínio sólido do conhecimento das ciências
e das artes. Tal é o antagonismo das propostas em curso. A
implementação da proposta dos reformadores empresariais – mesmo
que conseguisse algum grau de “melhoria” nas escolas baseada na
pressão pelo medo –, nos conduzirá a mais da mesma forma de
organização do trabalho pedagógico já vista nas escolas, ampliada
pela teoria da responsabilização, a qual sufoca atualmente a juventude
nas salas de aula, que privilegia a sua adaptação às necessidades do
aumento da produtividade das empresas, conduz a uma concepção de
escola centrada no cognitivo e em testes que legitimam as
classificações e ranqueamentos que estimulam a responsabilização e a
meritocracia como forma de denegrir a educação pública,
conduzindo-a à sua privatização e à precarização do magistério.
(RAVITCH, 2011a) (FREITAS, 2014, p. 1.108, grifos nossos).

Certamente Freitas (2014) possui um posicionamento progressista no debate

educacional. O autor se coloca contrário à interferência dos “reformuladores

empresariais” sobre a educação e aponta a necessidade de outra lógica neste campo.

Contudo, o idealismo também se faz presente aqui ao defender, mesmo que dentro do

capitalismo, uma “formação para a criatividade, a afetividade, o desenvolvimento

corporal e as artes” etc. Para ele, a “boa educação” exige “uma matriz alargada de

formação” e, assim, a “escola deve ser vista como um centro cultural da sua
comunidade”, que “libera a energia criativa da juventude e a desenvolve em todas as

suas dimensões possíveis” etc.

Nesta linha de entendimento, novamente a educação aparece com uma

autonomia absoluta em face da sociabilidade vigente. Como desenvolver uma formação

ampla, “omnilateral”, sem romper com a totalidade do sistema do capital e do Estado?

Como concretizar uma escola enquanto “centro cultural” ainda no capitalismo e com a

mediação do Estado?

Vejamos outros aspectos da mesma questão também presentes em

pesquisadores da chamada “Pedagogia Histórico-Crítica”. Gasparin, num de seus

textos, propõe a necessidade de implantação de uma didática para a pedagogia

histórico-crítica. A partir de uma experiência neste âmbito, afirma o autor:

Nosso trabalho com a pedagogia histórico-crítica, tanto nos cursos de


graduação em que trabalhamos quanto em palestras e assessorias
didático-pedagógicas a prefeituras, Núcleo Regionais de Educação e a
instituições educacionais privadas, tem como objetivo evidenciar
uma prática da pedagogia histórico-crítica no processo escolar de
ensino e aprendizagem. (GASPARIN, 2013, p. 90, grifo nosso).

Para o autor, “é necessário enfrentar o desafio de institucionalizar a pedagogia

histórico-crítica a fim de que haja maiores possibilidades de ser assumida e posta em

prática pelas escolas e pelos docentes” (GASPARIN, 2013, p. 96, grifos nossos). É,

portanto, segundo o autor, possível instaurar uma didática da pedagogia por ele

defendida como prática necessária de construção de uma outra escola, outra sociedade,

outra educação.

Explicitemos o que pensa Saviani, um dos mais expressivos expoentes desta

corrente pedagógica:

Penso que a tarefa da construção de uma pedagogia inspirada no


marxismo implica a apreensão da concepção de fundo (de ordem
ontológica, epistemológica e metodológica) que caracteriza o
materialismo histórico. Imbuído dessa concepção, trata-se de
penetrar no interior dos processos pedagógicos, reconstruindo suas
características objetivas e formulando as diretrizes pedagógicas que
possibilitarão a reorganização do trabalho educativo sob os aspectos
das finalidades e objetivos da educação, das instituições formadoras,
dos agentes educativos, dos conteúdos curriculares e dos
procedimentos pedagógico-didáticos que movimentarão um novo
éthos educativo voltado à construção de uma nova sociedade, uma
nova cultura, um novo homem. (SAVIANI, 2012, p. 81, grifos nossos).

Para Saviani e Gasparin, é possível lutar, dentro do capitalismo, por um novo

currículo, uma nova didática, “penetrar no interior dos processos pedagógicos” e

reconstruir “suas características objetivas, formulando as diretrizes” que, para eles,

possibilitarão a “reorganização do trabalho educativo” e dos “procedimentos

pedagógico-didáticos que movimentarão um novo éthos”.

Reafirmamos que nosso intuito não é desprezar as inúmeras contribuições dos

autores que aqui estão em discussão. Trata-se tão somente de expor seus principais

elementos, pois, em cada contexto, são os aspectos e os pressupostos hegemônicos,

hoje, na reflexão educacional.

Deste modo, para Brandão, Freitas, Gasparin e Saviani (cada um com sua

contribuição e foco específico), percebe-se: 1) um foco no sujeito (com uma perspectiva

eminentemente gnosiológica); 2) uma concepção de Estado como instrumento que

pode ser reformado, se pressionado (sendo possível a concretização de uma

“pedagogia marxista/socialista”); 3) uma megavalorização da política como categoria

fundamental no momento presente; 4) uma autonomia absoluta da educação ante a

totalidade social matrizada pelo capital na vigente forma de sociabilidade. Abordemos

cada um desses pressupostos.

Em primeiro lugar, o ponto de vista gnosiológico se manifesta no debate atual

em educação, pois considera que no processo de conhecimento o foco deve ser o sujeito

(TONET, 2013). Cabe ao sujeito criar teoricamente o objeto, sendo ele que “colhe os

dados, classifica, ordena, organiza, estabelece as relações entre eles e, desse modo, diz o

que o objeto é” (TONET, 2013, p. 13). A maioria das análises se resume ao empirismo,

escolhendo qual a melhor técnica para colher os dados da realidade e propor


alternativas, centradas no sujeito, sem se preocupar – mesmo que de modo não

consciente e direto – com a viabilidade ou não disso na ordem societária burguesa.

Há, por assim dizer, uma megavalorização, na discussão educacional, das

técnicas, dos procedimentos metodológicos, do tipo de entrevista que o pesquisador

deve escolher para tratar o seu objeto. Com isso, evidencia-se uma prerrogativa

baseada numa abordagem gnosiológica do fenômeno educativo, além de considerar as

categorias capazes de moldar a realidade, e não como “meras formas de ser,

determinações da existência”, tal como Marx (2011, p. 85) explica.

Este modo de encarar a questão leva, por seu turno, a um abandono da

discussão sobre o Estado e sua relação com o sistema do capital. Para muitos

pesquisadores, é algo completamente infantil considerar o Estado como defensor da

propriedade privada das classes dominantes. Segundo eles, uma visão mais

“moderna” ou “pós-moderna” de Estado passa, necessariamente, pela “ampliação dos

espaços democráticos” e por uma “cidadania crítica e participativa”. Novamente,

também aqui, é preciso insistir que não se trata tão somente da escolha deste ou

daquele conceito de Estado. Se assim procedêssemos, cairíamos na perspectiva

gnosiológica que estamos criticando.

Para entender o Estado ou qualquer outra dimensão social, é preciso buscar

seus fundamentos históricos e ontológicos, bem como sua função social. Buscar os

fundamentos históricos e ontológicos é pesquisar sobre a gênese e a natureza do Estado

a partir do processo histórico real, e sua articulação com a atividade sensível humana: o

trabalho. Assim, verificaremos que o Estado não surge para garantir a “paz social” ou,

mesmo no capitalismo, para “organizar a sociedade a partir das pressões de cada

grupo/classe”. Ao contrário, o Estado se origina com a propriedade privada, no

momento em que uma classe passa a se apropriar privadamente do fruto do trabalho

de outra classe.

O surgimento das classes sociais, a separação entre trabalho manual e trabalho

intelectual (aquele que controla e comanda o trabalho manual), o surgimento da

propriedade privada e da exploração do homem pelo homem estão, dessa forma,

profundamente imbricados com a origem histórica e ontológica do Estado. No caso do


Estado moderno, construído com as revoluções burguesas que deram origem ao modo

de produção capitalista, há uma dependência ontológica do Estado para com o capital

(MÉSZÁROS, 2002). Todas as tentativas que tentaram reformar, disputar ou controlar o

Estado e/ou o capital fracassaram e, inevitavelmente, tenderão sempre a fracassar. Isto

ocorre porque o “capital chegou à dominância no reino da produção material

paralelamente ao desenvolvimento das práticas políticas totalizadoras que dão forma

ao Estado moderno” (MÉSZÁROS, 2002, p. 106).

Portanto, “o Estado moderno altamente burocratizado” surge “da absoluta

necessidade material da ordem sociometabólica do capital” na forma de uma

“reciprocidade dialética”. O Estado é um “pré-requisito indispensável para o

funcionamento permanente do sistema do capital” (MÉSZÁROS, 2002, p. 108-109). Esta

é a função que o Estado cumpre no processo de reprodução social do capital.

Com efeito, é uma completa impossibilidade real – ontológica – uma educação

formal, uma didática, uma “educação significativa”, uma “escola como centro cultural”

etc. sem romper com o capital e com o Estado. Investir esforços neste sentido é tentar

controlar aquilo que é absolutamente incontrolável: o capital. Esta é uma tese que

Mészáros retoma de Marx e expõe detalhadamente em sua obra Para além do Capital,

quando afirma que o trabalho ou é o “antagonista estrutural e a alternativa sistêmica ao

capital” ou irá permanecer a “parte estruturalmente subordinada [...] do processo de

autorreprodução ampliada do capital”, sendo “uma autocontradição absurda” querer

“compartilhar a força com o capital” (MÉSZÁROS, 2002, p. 837).

Ao abandonarem esses elementos do horizonte de suas análises, boa parte da

intelectualidade no campo educacional, hoje, acredita ser possível a concretização de

uma pedagogia socialista/marxista. Concordamos com Tonet (2016b) quanto à

necessidade de uma teoria educacional que aponte uma concepção de sociedade, de

homem etc.; entretanto, uma teoria da educação “voltada à orientação prática das

atividades educativas concretas” não é viável no âmbito da sociedade capitalista, pois o

capital é a relação social que a tudo subordina. Há, portanto, em nosso entendimento, a

necessidade de uma “teoria geral marxista da educação”, mas há que compreender a

completa impossibilidade de uma “pedagogia socialista, isto é, uma teoria da educação


voltada para a aplicação prática desses princípios em um sistema geral de educação

durante a vigência do capitalismo” (TONET, 2016b, p. 45).

Tal entendimento nos possibilita apreender que não é a política ou a educação, e

muito menos a política estatal, que são responsáveis por uma possível revolução

socialista que almeje superar o capital. A política é necessária, enquanto forma

específica de ideologia, como explica Lukács (2013), para a derrubada do poder político

da burguesia. Contudo, o que decide a questão é a alma social da revolução – como diria

Marx –, isto é: a superação do trabalho assalariado pelo avanço do trabalho associado

(matriz fundante do comunismo), em que há o controle livre, coletivo, consciente e

universal dos produtores/trabalhadores de absolutamente todo o processo produtivo.

Em suma, ainda vivenciamos, e hoje ainda mais, em razão da crise estrutural, o

processo de decadência ideológica burguesa. Isso, no que diz respeito à educação, leva

a que a maior parte das análises de seus intelectuais se conforme num grande hotel que

está não à beira do abismo, mas sim em franca e acentuada queda num gigantesco

abismo. Grande número desses intelectuais, entretanto, se comporta como se ainda

houvesse muito tempo para se preocupar com os problemas sociais e que seria possível

remediá-los sem grandes transformações ou agitação. Não é por um acaso qualquer

que “revolução” tenha se tornado palavra maldita; para muitos, diz respeito apenas

aos momentos históricos anteriores e àqueles que defendem a violência.

Em quarto lugar, é de extrema relevância compreender as relações que se

estabelecem entre a educação, o trabalho e a totalidade social, para não imputarmos à

educação (ou a qualquer outro complexo/dimensão social) uma autonomia absoluta.

Sobre isto trataremos no item a seguir.

5.2 – Educação e Ontologia

A ontologia marxiana parte de pressupostos reais e não de dogmas, como o

próprio Marx afirma em A Ideologia Alemã. Para isso, um pressuposto básico é começar
pelo primeiro ato histórico, a produção das condições materiais da existência social.

Nenhuma sociedade sobrevive se não transformar a natureza nos meios de produção e

de subsistência necessários à reprodução social. Para isso, há uma categoria de suma

relevância que irá permitir a gênese tanto do ser social quanto de todos os outros

complexos/dimensões sociais. Trata-se da categoria ontológico-primária: o trabalho.

Se quisermos entender o complexo da educação, em meio a uma determinada

totalidade social, e compreender a sua gênese ontológica e sua função social, devemos

voltar nossa análise, primeiramente, para o estudo a respeito do trabalho. É preciso

afirmar, antes de avançarmos, que o ser social não é redutível ao trabalho, pois o

próprio trabalho só pode se efetivar socialmente exigindo, no mínimo, um conjunto de

relações sociais. É a partir do trabalho que se originam todas as outras dimensões da

vida social. Ele é a única categoria intermediária que visa exercer o intercâmbio

orgânico do homem (sociedade) com a natureza, que funda o ser social e todos os

complexos sociais.

O trabalho é uma atividade profundamente social – e não animal ‒, pois para

transformar a natureza e atender a uma necessidade, igualmente social, o fim a ser

atingido já existia idealmente antes de se objetivar. Todos os atos de trabalho partem

de uma necessidade social e encontram no plano ideal o projeto a ser objetivado. Trata-

se da prévia-ideação, nos termos lukacsianos.

Com isso, dá-se um processo que transforma a possibilidade latente em

determinado material natural num objeto real, sensível, social. As pedras, no exemplo

de Lukács (2018b), apresentam a possibilidade, para os homens, de ser utilizadas como

facas ou machados. Mas da pedra em-si e do próprio movimento da natureza não

surgem facas ou machados. Para isso ocorrer é preciso o papel ativo da consciência

humana em captar um conhecimento objetivo a respeito das próprias determinações

naturais, para que determinado produto, fruto do trabalho, possa se objetivar numa

causalidade posta, ou seja, num determinado objeto essencialmente social e que passará a

fazer parte do patrimônio construído pelo gênero humano, tendo, por conseguinte,

uma história distinta daquela de seu criador.


Dois pontos de absoluta relevância para o nosso debate: 1) a relação entre

homem, sociedade e natureza, no trabalho; 2) a articulação entre objetividade e

subjetividade.

O estudo das análises de Marx (1996), Lukács (2018), Tonet (2005), Lessa (2012),

Netto e Braz (2012), entre outros, nos mostra que, no trabalho, há a transformação da

natureza para a produção dos meios de produção e de subsistência para atender às

necessidades humanas. Contudo, também há uma transformação da própria

individualidade e do gênero humano: ao transformar a natureza, os homens produzem

muito mais daquilo que o fim imediato almejava.

Uma série de conhecimentos, habilidades, técnicas, comportamentos etc. é

originada nos atos de trabalho, e isto se reflete na própria constituição humana dos

homens, e também do próprio gênero. Pensemos, por exemplo, numa tribo, no

contexto da sociedade primitiva, que saiba dominar o fogo e produzir instrumentos de

pedra polida, e em outra tribo que ainda não produziu tais conhecimentos. A

capacidade de intervenção na natureza para a transformação e a produção da

existência social – o desenvolvimento das forças produtivas – é muito maior no

primeiro caso do que no segundo.

Por outro lado, há ainda uma articulação entre objetividade e subjetividade.

Como nos lembram Lessa e Tonet (2011), para o idealismo há a prioridade da ideia

sobre a matéria; já para o materialismo, é o inverso. Para Marx, por sua vez, o ser social

nem é redutível apenas à ideia, nem apenas à matéria, mas sim uma “síntese de ideia e

matéria que apenas poderia existir a partir da transformação da realidade (portanto, é

material)”, de acordo com um “projeto previamente ideado na consciência (portanto,

possui um momento ideal)” (LESSA, TONET, 2011, p. 41).

Já no plano político:

[...] o materialismo histórico-dialético permite superar os impasses


do idealismo (que reduz a luta de classes ao embate de ideias) e do
materialismo mecanicista (que desconsidera o papel das ideias na
história). Para o primeiro, a luta de ideias é muito importante para
orientar as ações concretas dos homens, acima de tudo para se fazer
a revolução. Sem ideias revolucionárias, não há ações
revolucionárias; contudo, sem ações revolucionárias, as ideias
revolucionárias não têm qualquer força. E, para que as ideias
revolucionárias possam se converter em ações revolucionárias, é
necessário que elas reflitam adequadamente as necessidades e
possibilidades de cada momento histórico. (LESSA, TONET, 2011, p.
41, grifos nossos).

Assim, partindo da análise do trabalho, podemos compreender a realidade

objetiva e a consciência não como algo homogêneo, mas como momentos distintos,

porém unitários, no mesmo processo. O “ser social apenas pode existir como síntese

das ideias (da prévia-ideação) com a materialidade natural”, e esta síntese, por sua vez,

produz “uma nova causalidade, uma nova esfera objetiva, realmente existente, tão

existente quanto uma pedra ou o universo: a sociedade humana” (LESSA, TONET,

2011, p. 42).

Em síntese: 1) “todo ato de trabalho produz uma nova situação, na qual novas

necessidades e novas possibilidades irão surgir”; 2) “todo ato de trabalho modifica

também o indivíduo, pois este adquire novos conhecimentos e habilidades que não

possuía antes”; 3) “todo ato de trabalho, portanto, dá origem a uma nova situação,

tanto objetiva quanto subjetiva”; “essa nova situação possibilitará aos indivíduos novas

prévias-ideações, novos projetos e, desse modo, novos atos de trabalho”, que “darão

origem a novas situações, e assim por diante” (LESSA, TONET, 2011, p. 21-22).

Com a constatação de que o trabalho é o ato ontológico-primário do ser social, é

possível a Marx afirmar que ele é “radicalmente histórico e radicalmente social”. É

radicalmente histórico “porque tudo o que compõe o ser social, inclusive a essência

humana, é criado ao longo desse processo”; assim, “não há nenhuma parte que integre

o ser social que seja de origem divina ou puramente natural”. É também radicalmente

social “porque tudo o que compõe o ser social é resultado da interatividade humana”,

ou seja, “tudo é resultado da atividade social dos homens” (TONET, 2016a, p. 98).

Como explicam Netto e Braz (2012):

Para denotar que o ser social é mais que o trabalho, para assinalar
que ele cria objetivações que transcendem o universo do trabalho,
existe uma categoria teórica mais abrangente: a categoria de práxis. A
práxis envolve o trabalho, que, na verdade, é o seu modelo – mas
inclui muito mais que ele: inclui todas as objetivações humanas. Por
isso mesmo, no trato dessas objetivações, dois pontos devem ser
salientados:

 Deve-se distinguir entre formas de práxis voltadas para o controle e a exploração da


natureza e formas voltadas para influir no comportamento e na ação dos homens. No
primeiro caso, que é o trabalho, o homem é o sujeito e a natureza é o objeto; no segundo
caso, trata-se de relações de sujeito a sujeito, daquelas formas de práxis em que o
homem atua sobre si mesmo (como na práxis educativa e na práxis política);

 Os produtos e obras resultantes da práxis podem objetivar-se materialmente e/ou


idealmente: no caso do trabalho, sua objetivação é necessariamente algo material;
mas há objetivações (por exemplo, os valores éticos) que se realizam sem operar
transformações numa estrutura material qualquer. (NETTO, BRAZ, 2012, p. 55-56,
grifos nossos).

Netto e Braz (2012) apontam distinções fundamentais para a nossa reflexão. Já

afirmamos que a realidade social é muito mais que o trabalho. Todavia, é também

preciso diferenciar aquelas formas de práxis que transformam a natureza, que é o

trabalho, das outras formas de práxis sociais que agem no âmbito dos homens entre si,

como é o caso da educação, do direito, da política, da ideologia etc. Lukács (1981) irá

chamar o primeiro caso de teleologia do trabalho, e o segundo caso, de posições teleológicas

secundárias. Por isso “o trabalho é constitutivo do ser social, mas o ser social não se

reduz ou esgota no trabalho”, já que, “quanto mais se desenvolve o ser social, mais as

suas objetivações transcendem o espaço ligado diretamente ao trabalho” (NETTO,

BRAZ, 2012, p. 55). Este entendimento permite compreender que o ser social é o único

ser capaz de:

1) realizar atividades teleologicamente orientadas; 2) objetivar-se


material e idealmente; 3) comunicar-se e expressar-se pela linguagem
articulada; 4) tratar suas atividades e a si mesmo de modo reflexivo,
consciente e autoconsciente; 5) escolher entre alternativas concretas; 6)
universalizar-se e; 7) socializar-se. (NETTO, BRAZ, 2012, p. 53).

Dessa maneira, temos uma primeira relação fundamental a estabelecer: no salto

ontológico do ser inorgânico ao ser orgânico, o trabalho realiza o papel de “momento


predominante” e, com isso, todos os outros complexos sociais serão fundados por ele,

vale dizer, terão uma “dependência ontológica” para com o trabalho, tanto em seu

sentido ontológico (presente em todas as formações sociais), quanto no que se refere à

forma específica e concreta do trabalho em cada modo de produção (trabalho escravo

no escravismo, trabalho servil no feudalismo, trabalho assalariado/abstrato no

capitalismo e trabalho associado no comunismo).

Dependência ontológica significa que todos os complexos possuem sua existência

atrelada à existência do trabalho e que todos eles atuarão dentro do campo e dos

limites determinados pelo trabalho e pela totalidade social. Ex.: a educação possui uma

dependência ontológica para com o trabalho, pois: 1) é impossível existir educação sem

o trabalho; 2) a educação irá atuar em face dos limites e das possibilidades impostas

pela forma típica de trabalho em uma dada formação social.

Se analisarmos a origem histórica e ontológica do complexo social da educação,

ela provém dos conhecimentos, habilidades, técnicas e comportamentos, que derivam

dos atos de trabalho e são transmitidos a outros indivíduos, sendo por estes

apropriados. Diferentemente dos animais, os seres humanos não nascem prontos para

realizar as atividades imprescindíveis à produção da existência social. Estas atividades

não nos são “dadas” biologicamente de modo predeterminado. Aqui reside a

importância da educação como processo de “aquisição” destes “conhecimentos” que,

por sua vez, “permitam ao indivíduo tornar-se apto a participar conscientemente

(mesmo que essa consciência seja limitada) da vida social” (TONET, 2016a, p. 101).

A sua natureza “consiste em propiciar ao indivíduo a apropriação de

conhecimentos, habilidades [...] etc. que se constituem em patrimônio acumulado e

decantado ao longo da história da humanidade” (TONET, 2005, p. 142). Isto permite

entender a autonomia relativa e nunca absoluta que a educação possui ante o trabalho e

a totalidade social. A autonomia da educação é relativa, pois ela não possui como

função social a transformação da natureza para a produção dos meios de produção e

de subsistência necessários à reprodução social, mas se relaciona com a transmissão e a

apropriação entre os homens dos conhecimentos – cultura humana em geral –

construídos histórica e socialmente pelo conjunto da humanidade. É fundamental,


neste aspecto, a consideração de que é sempre a totalidade social que exerce o papel de

momento predominante na orientação de cada complexo social específico.

Conforme Andrade (2011), na esteira de Lukács:

Isto é, se em relação a cada um dos complexos sociais parciais a


totalidade é o momento predominante, ante a totalidade social a
esfera da economia exerce o papel de momento predominante do
desenvolvimento objetivo do mundo dos homens, pois é esse
complexo que, em todos os aspectos, está intimamente ligado à
“reprodução primária da vida humana”, ao tempo que suscita o
aparecimento de novos outros complexos sociais para mediar tal
reprodução. (ANDRADE, 2011, p. 53, grifos nossos).

Toda esta linha de argumentação, é preciso que se diga, não desconsidera as

influências mútuas que se estabelecem de todos os complexos entre si e com a

totalidade social. Trata-se, neste caso, da “determinação recíproca” entre eles. Também

aqui é preciso evidenciar as alterações qualitativas que todos os complexos, inclusive a

educação, sofreram com a entrada em cena da propriedade privada, no sentido por nós

já explicado.

Em toda sociedade de classes, “o interesse das classes dominantes será sempre o

polo determinante da estruturação da educação” (TONET, 2005, p. 142). Isto significa

que “ela será configurada de modo a impedir qualquer ruptura com aquela ordem

social” (TONET, 2005, p. 142). Este é um fato completamente ignorado pelo atual

idealismo educacional. Pensam seus expoentes que as diretrizes e orientações gerais da

educação emanam desta ou daquela secretaria ou instância estatal. Ignoram que é a

totalidade matrizada pelo capital que irá orientar os rumos deste complexo

educacional, sendo a forma concreta definida com a mediação do Estado em sua mais

diversa extensão burocrática.

Desse modo, não são os que “fazem a educação e nem sequer o estado ou outras

instâncias sociais que estabelecem qual o sentido dessa atividade” educativa. Nestes

níveis se decide sua forma concreta, mas não “o seu sentido mais profundo”. Se assim

o é, “em cada momento e lugar históricos, uma determinada forma de trabalho será a

base de uma determinada forma de sociabilidade e, portanto, de uma certa forma


concreta de educação” (TONET, 2016a, p. 102). Novamente temos aquelas relações

explicadas anteriormente:
Dependência ontológica, autonomia relativa e determinação recíproca.
Dependência ontológica no sentido de que a educação tem a sua
matriz na forma como os homens se organizam para transformar a
natureza. Autonomia no sentido de que ela se constitui como uma
esfera e uma função específicas, portanto diferentes do trabalho, e
que, justamente para cumprir essa função própria, tem de organizar-
se de maneira independente dele. E determinação recíproca, no
sentido de que há uma relação de influência mútua entre a educação
e todos os outros momentos da totalidade social – trabalho, política,
direito, arte, religião, ciência, filosofia etc. (TONET, 2016a, p. 102,
grifos nossos).

Antes da existência da propriedade privada, portanto, no contexto das

sociedades primitivas, a educação era uma atividade, uma “tarefa” exercida por todos

os membros daquelas sociedades. Como não existia a separação entre classes sociais,

nem a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, a educação não era

apartada da comunidade para ficar a cargo de alguma instância ou grupo de

indivíduos (TONET, 2016a). A educação nas comunidades primitivas ocorria de modo

espontâneo, era universal e “permitia o acesso igualitário de todos os seus membros ao

saber acumulado e decantado” (MACENO, 2005, p. 46). Não havia um “obstáculo

social” ou “força construída pelo homem que se colocasse contra a construção genérica

do indivíduo” (MACENO, 2005, p. 47).

Com o surgimento da propriedade privada e das classes sociais, do trabalho

alienado e da exploração do homem pelo homem, houve impactos enormes sobre

todos os complexos sociais, inclusive a educação. A divisão social do trabalho separou

os homens entre “aqueles que produzem a riqueza e aqueles que dela se apropriam

privadamente” (TONET, 2016a, p. 103). Este processo foi marcado por um conjunto de

técnicas e processos de trabalho que foram descobertos e aprimorados com a revolução

neolítica, possibilitando um aumento da produtividade do trabalho. Esse

desenvolvimento das forças produtivas gerou a separação entre trabalho manual e

trabalho intelectual (MACENO, 2005).

Tal fato histórico tornou necessária uma instituição que permitisse e ratificasse,

por meio da força e da violência, a existência do trabalho alienado e a reprodução da


propriedade privada. Essa instituição é o Estado. O acesso ao saber sistematizado,

antes universal, passa, agora, a ser restrito apenas às classes dominantes. As demais

classes sociais terão uma educação que atenda à totalidade social tanto da sociedade

escravista, quanto, posteriormente, à totalidade da sociedade feudal.

Importante notar que “o aparecimento da sociabilidade de classes não alterou

em nada a função social mais essencial da educação, ou seja, embora desigual, ela

continuou a formar os indivíduos favoravelmente à reprodução social” (MACENO,

2005, p. 52); “esse conjunto de conteúdos reproduz hegemonicamente os interesses das

classes dominantes” (MACENO, 2005, p. 53).

De modo geral, podemos dizer que a educação será “privatizada”, no sentido

de que ela será “organizada para atender à reprodução da sociedade de modo a

privilegiar os interesses das classes dominantes”. Haverá, portanto, uma educação para

os que realizam o trabalho manual, que são as classes dominadas, e outra para aqueles

que realizam o trabalho intelectual e “fazem parte das classes exploradoras e

dominantes (uma pequena minoria)” (TONET, 2016a, p. 103-104).

Essa desigualdade era muito evidente no âmbito do modo de produção

escravista e feudal, já que a desigualdade social era tida como algo extremamente

natural e “divino”. Já a sociedade capitalista proclamou, formalmente, o acesso

igualitário aos direitos sociais, entre eles a educação.

No longo processo de destruição do feudalismo e de constituição do

capitalismo, a educação da tradição feudal, essencialmente “cavalheiresca e cristã

secular e cenobial”, que era destinada às classes dirigentes, passou também a conviver

com outras demandas, que, por sua vez, exigiam outra educação, articulada aos

interesses da sociabilidade burguesa que se esboçava. Aquilo que “se processava a

nível econômico se refletia nas outras dimensões da sociabilidade” (MACENO, 2005, p.

61).

Apesar do discurso da universalização, muitos teóricos ignoravam e, em muitos

casos ainda ignoram, que há uma estreita relação entre “desigualdade real e igualdade

formal”, e que “a desigualdade real, gerada na matriz do ser social, que é o trabalho, é

o momento fundante dessa forma de sociabilidade” (TONET, 2016a, p. 104). Portanto, a

igualdade real, absoluta, é uma impossibilidade ontológica no contexto da lógica de


reprodução e funcionamento do modo de produção capitalista, orientado pelo sistema

do capital. Então, “uma vez que a educação é subordinada aos imperativos da

reprodução do capital, e uma vez que ele é a matriz da desigualdade social”, seria

“totalmente absurdo esperar que ele pudesse proporcionar a todos uma igualdade de

acesso a ela” (TONET, 2016a, p. 104).

Com relação à educação formal, mediatizada pelo Estado e operacionalizada de

modo dominante através da escola, é preciso lembrar que, ao contrário das sociedades

anteriores, no capitalismo há a necessidade da “educação formal para se identificar

como indivíduo genérico (embora cindido) e para atuar favoravelmente na reprodução

social”, ou seja, “a educação formal é uma necessidade para a auto-reprodução do

capital” (MACENO, 2005, p. 65). Aqui se demonstra, com clareza, a falsidade do

discurso idealista educacional que afirma que a escola tem por “dever construir uma

autêntica formação humana plenamente aberta e crítica”. A escola no capitalismo não

serve a este propósito, mas se destina a atender aos interesses da reprodução social do

capital.

O idealismo educacional vigente hoje não percebe a contradição em que se

encontra. Seus intelectuais enfatizam “a universalidade do direito à educação e a

necessidade da formação integral do ser humano”, contudo, “o processo real, objetivo,

impede o acesso universal à educação e desmente a possibilidade de uma formação

integral”. Dessa forma, tal idealismo educacional não percebe que se encontra num

grande hotel de luxo, discutindo assuntos os mais diversos e variados, contudo sem

perceber a própria realidade, sem captá-la do modo que ela é em si mesma, tornando-

se, por isso mesmo, “um discursos vazio, mas convenientemente funcional à

reprodução dos interesses das classes dominantes” (TONET, 2016a, p. 105).

É extremamente relevante compreender que o complexo educacional possui

como função social a transmissão e a apropriação de conteúdos, valores e

conhecimentos necessários para atender às necessidades de uma determinada forma de

reprodução social. Há uma dependência ontológica da educação para com o trabalho e a

totalidade social, pois a educação tem sua origem atrelada ao trabalho e atua em

conformidade com uma determinada totalidade social, que, por sua vez, é fundada

num determinado tipo de trabalho. No capitalismo, trata-se da totalidade social


capitalista fundada com base no trabalho assalariado/abstrato. Por isso, podemos

afirmar que:

A autêntica, irrestrita e integral universalização não é realizável pelo


capital, porque tem como pressuposto a sua eliminação. O verdadeiro
acesso igualitário ao saber produzido exige uma lógica de reprodução
social que permita que a autoconstrução humana não encontre
barreiras socialmente construídas à sua realização. (MACENO, 2005,
p. 82).

Desse modo, “regidas pela mercadoria, reguladas por contratos e por

legislações, assentadas nos princípios do liberalismo, as relações de produção

capitalistas”, de modo geral, “não poderiam realizar-se sem a mediação da educação

formal aos trabalhadores” (MACENO, 2005, p. 65). Ignorar isso era desculpável, como

nos diz Tonet, apenas no momento em que a maturidade do capital não estava

plenamente desenvolvida e impossibilitava o conhecimento profundo e essencial de

seu modo de operar. Uma vez que é possível conhecer as tendências gerais do capital,

ignorar tais fatos é algo indesculpável e assume “claramente o caráter de uma falsa

consciência socialmente necessária” (TONET, 2016a, p. 104). A educação terá sempre

uma autonomia relativa ante a totalidade social e o trabalho, e isso também deve ser

considerado em face das múltiplas determinações recíprocas que se estabelecem entre

todos os complexos sociais.

É preciso perceber o imenso abismo no qual este grande hotel do idealismo

educacional está caindo há décadas, e dizer mais de mil vezes que “onde há divisão

social do trabalho, onde há desigualdade social, exploração e dominação do homem

pelo homem”, é completamente “impossível uma educação voltada para a formação

integral do ser humano” (TONET, 2016a, p. 106). Com efeito, a decadência ideológica

educacional vigente se conforma numa necessidade social devido à profunda crise por

que passa o capital e se constitui em algo de absoluta relevância para a defesa, mesmo

que implícita, desta forma de sociabilidade contraditória e desigual.

A esta altura do texto, seria natural se o leitor se indagasse: “que sujeito

pessimista; não há nada, então, para se fazer no âmbito educacional?”. Essa pergunta é

completamente pertinente ao nosso debate. É preciso não ter ilusões nem esperar
grandes transformações essenciais rumo a uma “educação omnilateral”, ou acreditar

na viabilidade, sem romper com o capital, de instituir uma “pedagogia socialista”. Já

demonstramos como o capital, o Estado e a propriedade privada colocam vários e

diversos obstáculos que tornam estas empreitadas absolutamente impossíveis no

capitalismo.

No momento histórico de crise estrutural em que vivemos, parece-nos que a

possibilidade é de promoção de atividades educativas de caráter emancipador, no

sentido proposto por Tonet (2014). Tais atividades educativas não serão exequíveis na

sua amplitude dentro das universidades e das escolas. Elas, todavia, podem e devem

ser promovidas por todos aqueles efetivamente comprometidos com a luta socialista.

Atividades educativas de caráter emancipador “não configuram uma ‘educação

socialista’, mas apenas atividades que contribuam para a luta contra o capitalismo e

para a construção de uma sociedade comunista”. Para isto, é imprescindível “o

domínio da concepção marxiana de mundo, de homem, de sociedade, de história, do

processo histórico, da lógica do capital e da crise atual” (TONET, 2016b, p. 45). Isto sim,

em nosso entendimento, é passível e urgente de ser realizado mediante as

possibilidades colocadas pela realidade objetiva.

Considerações finais

No âmbito do debate educacional, defendemos o caráter cada vez mais

anticapitalista às lutas que se travam no campo e na cidade, isto é, a necessidade de

imprimir às lutas educacionais, claramente, uma orientação socialista. Para isto, é de

extrema importância retomar a radicalidade revolucionária da ontologia marxiana no tocante

à centralidade ontológica e à centralidade política da categoria trabalho, tanto para

compreendê-la em seu aspecto mais geral, enquanto “condição eterna” que estabelece

o intercâmbio orgânico do homem com a natureza a fim de retirar desta os meios de

produção e de subsistência, quanto para assimilar a centralidade política do proletariado no

âmbito das lutas dotadas de um caráter revolucionário.


Um ponto importante na análise do debate sobre Lukács diz respeito ao fato de

que a educação não é o “carro-chefe” da transformação social. Toda totalidade social

possui como matriz fundante uma forma típica de relação entre os homens no processo

de transformação da natureza. Assim, são o trabalho e as relações sociais de produção

que determinam ontologicamente o campo de possibilidades sobre as quais os

complexos sociais, inclusive a educação, irão atuar. Isto não implica um desprezo pelo

papel da subjetividade ou da práxis educativa. Para superar o capital é preciso que os

indivíduos o compreendam em sua lógica mais essencial e atuem de modo

conscientemente elaborado e intencional na construção das bases indispensáveis do

processo de transição socialista. Certa vez, Tertulian afirmou:

Enquanto nos restringimos na esfera da subjetividade pura, uma


infinidade de possibilidades se abre diante de nós, no interior das
quais, por falta de uma confrontação com a realidade, é impossível
dissociar as que são abstratas das que são concretas. Apenas o
contato com a realidade é capaz de dissipar, como quiméricas, as
possibilidades abstratas e validar as reais. (TERTULIAN, 2014, p. 46,
grifos nossos).

Entendemos que uma grande lição e um enorme desafio constantes na Ontologia

lukacsiana dizem respeito às afirmações ontológicas ali presentes e à possibilidade que

temos de analisar a educação em face do conjunto do processo histórico e real. Caso

contrário, continuaremos sem saber dissociar as possibilidades que são “abstratas das

que são concretas”, como afirma Tertulian.

Nesse sentido, entendemos que o campo de possibilidades colocado pelo capital

como alternativa real e concreta a ser desenvolvida em nosso momento histórico não é

uma “educação” para além do capital, mas sim atividades educativas que se orientem

por tal objetivo. Tais atividades educativas podem ser desenvolvidas tanto em escolas

públicas (apesar das extremas dificuldades inerentes à determinação do Estado ali

presentes) quanto em outros espaços de organização coletiva dos trabalhadores.

É preciso lembrar que as desigualdades sociais não são um “defeito” desta

forma de sociabilidade, mas se articulam ao modo como o capital subordina o trabalho.


Os defeitos estruturais e os antagonismos explosivos do mundo em
que vivemos são negados, ou cegamente desconsiderados, com
grandes justificações explicativas pelos que esperam que acreditemos
que “no mundo real” não há alternativa alguma para a dócil aceitação
das condições necessárias ao funcionamento sem problemas do
sistema global do capital. (MÉSZÁROS, 2002, p. 38).

Tendo claras essas perspectivas e essas orientações, é certo que aquilo que Tonet

– na esteira de Lukács ‒ denomina como “atividades educativas de cunho emancipador” é

de profunda relevância para refletirmos sobre o momento histórico de crise estrutural

do capital. Sem entender a história da humanidade e as determinações mais gerais e

essenciais desta forma de sociabilidade burguesa, não entenderemos os rumos a serem

construídos no âmbito da necessidade histórica de uma ofensiva socialista.

O conhecimento é fundamental, mas é imprescindível que seja um

conhecimento de orientação revolucionária, que coloque a história e seus feitos nas

mãos dos homens e não de alguma entidade transcendental. Atividades educativas

deste tipo não abrem mão da necessidade de compreensão dos fundamentos do

comunismo, da discussão sobre emancipação política e emancipação humana, pois o

fundamento do ser social é o trabalho, e não a política. A questão central de superação

do capital se encontra na transformação do modo de organização do trabalho, e não

somente numa questão de “cidadania” ou de “políticas públicas”.

Apenas no comunismo, que é uma forma de sociabilidade superior ao

capitalismo e que possui como fundamento o trabalho associado, será possível uma

educação que verdadeiramente permita uma autêntica formação humana, capaz de

desenvolver todas as suas potencialidades.

Um aspecto de todo este debate precisa ficar claro: assim como Marx (2010) nos

diz que a crítica das ilusões não deve ser meramente a crítica das ilusões, mas sim a

crítica de um mundo que necessita de e produz ilusões, entendemos que a crítica à

decadência ideológica burguesa expressa no hiperidealismo educacional não deve se

restringir a si mesma. Ao contrário, nossa crítica se dirige a esta forma de sociabilidade

em apodrecimento e crise, que produz e reproduz constantemente análises e discursos

extremamente subjetivistas, fragmentados, centrados no sujeito e sem perspectiva de

transformações sociais. Por isso, Lukács afirmou que a decadência científica “opera em
estreito contato com a apologia consciente e venal da economia capitalista” (LUKÁCS,

2015, p. 103).

O discurso idealista educacional, mesmo que intentando falar a partir “do chão

da escola” – como muitos apregoam estar realizando –, por não capturar a realidade

enquanto totalidade, nem as articulações que esta realiza com o complexo educacional,

produz análises cada vez mais distantes da realidade social e, assim, “apesar da

extraordinária variedade exterior dos temas e dos modos de desenvolvê-los”,

encontramos “nesta aproximação de falsa objetividade – porque morta – e de falsa

subjetividade – porque vazia” aquela definição marxiana da ideologia da decadência:

“imediatismo e escolástica” (LUKÁCS, 2015, p. 132).

Dessa forma, atividades educativas emancipadoras possibilitam apreender a

especificidade da educação sem menosprezar suas contribuições; todavia, também sem

superestimá-la com tarefas que lhes são impossíveis de realizar. Para tal entendimento,

novamente a ontologia marxiana pode ajudar sobremaneira. Por fim, tais atividades

educativas são capazes de esclarecer diversas questões e enfrentar desafios que o

capital nos coloca dia após dia. Ademais, o engajamento crítico nas lutas sociais é

também importante como estratégia, visando contribuir com uma ofensiva socialista.

Também precisamos chamar atenção para o fato de que “pretender organizar o

processo educacional, no seu conjunto, de modo a favorecer os interesses da classe

trabalhadora, é uma empresa fadada, de antemão, ao fracasso”. Para que tal

empreitada tenha sucesso, é indispensável a “completa destruição do capital e do

Estado”, já que são eles que “garantem, cada um a seu modo”, que a educação “seja

organizada em função dos interesses da burguesia” (TONET, 2014, p. 5).

Estas reflexões só são possíveis de ser elaboradas se tivermos por parâmetro

analítico o próprio desenvolvimento do processo histórico real, levando em conta o

campo de possibilidades que a realidade objetiva, matrizada pelo trabalho e

consubstanciada pela totalidade social, impõe ao desenvolvimento do complexo

educacional ‒ como Lukács em sua monumental Para uma Ontologia do Ser Social

permite apreender. Ou seja, estas elaborações só foram possíveis porquanto tivemos

em mente a função social que cada complexo social desempenha e, também, a


compreensão da dependência ontológica, da determinação recíproca e da autonomia relativa

da educação para com o trabalho.

Este é um entendimento que não descola a educação da totalidade que é regida

pela sociabilidade do capital. É neste ponto que reside a necessidade de romper com a

lógica do capital e, também, de pensar de modo crítico e profundo as possibilidades e

os limites da atividade educativa orientada pela emancipação humana. Apenas com a

ontologia marxiana, tendo em vista a centralidade ontológica do trabalho, é possível

vislumbrar as potencialidades e os limites da práxis educativa, para além da visão

limitante e deformadora que o capital lhe imprime, sem, contudo, sobrecarregá-la com

uma responsabilidade inexequível, como costumeiramente a abordagem idealista o faz,

tendo, em muitos casos, uma fundamentação politicista. Por isso, “enquanto os homens

fizerem do Estado e da política sua idolatria suprema, não haverá a menor chance para

a emergência e o desenvolvimento de uma visão projetiva que tenha arrimo na

potência humano-societária revelada pelo trabalho qualificado” (CHASIN, 1997, p. 2).

A ontologia instaurada por Marx e retomada por Lukács “tem por objetivo

demonstrar a possibilidade ontológica da emancipação humana, da superação da

barbárie da exploração do homem pelo homem” (LESSA, 2015 b, p. 9). Esta é a grande

razão teórica e ideopolítica da sua escolha por todos que defendem a perspectiva

revolucionária.

Para concluir, gostaria de retomar o velho princípio que diz:

Só quando o trabalho for efetiva e completamente dominado pela humanidade


e, portanto, só quando ele tiver em si a possibilidade de ser ‘não apenas meio
de vida’, mas ‘o primeiro carecimento da vida’, só quando a humanidade tiver
superado qualquer caráter coercitivo em sua própria autoprodução, só então
terá sido aberto o caminho social da atividade humana como fim autônomo.
(György Lukács)

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