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ALGUMAS REFLEXÕES
Renato Mezan*
RESUMO
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Tradução livre do autor. Publicado também em: S. Freud, The standard edition of the complete
psychological works of Sigmund Freud (Vol. 20, p. 256). London: Hogarth Press, 1959.
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Na introdução ao livro de 1996, Grünbaum cita com evidente satisfação esta e outras reações de
psicanalistas eminentes ao seu trabalho.
Já para Karl Popper, o que torna se fez neste sentido. Foi preciso que
científico um enunciado é a possibilidade Grünbaum desencadeasse seu devasta-
de ser falseado, o que significa que a dor ataque ao método clínico para que os
hipótese não apenas deve estabelecer psicanalistas começassem a se preocu-
uma relação (de causa e efeito, concomi- par com os problemas reais da pesquisa
tância, dependência etc.) entre A e B, em nossa área.
mas ainda permitir imaginar meios atra-
vés dos quais ela mesma poderia ser 2. Múltiplos sentidos do termo
desmentida. Caso se realize o experimen- “pesquisa”
to assim concebido e a relação não seja
invalidada, a hipótese que a afirma pode Mas aqui começam outros proble-
ser tida por verdadeira, porém sempre mas. De modo geral, surgiram dois tipos
provisoriamente. Hipóteses que resistem de reação às objeções do filósofo. A
a seguidas tentativas para falseá-las são primeira consistiu em reafirmar a valida-
consideradas mais consistentes do que as de do método clínico, mas sem responder
suas rivais. No caso da psicanálise, po- aos argumentos dele, pressupondo
rém, isso é impossível, porque uma afir- veladamente que, como não é psicanalis-
mação como “todo comportamento hu- ta, não sabe do que está falando (o velho
mano é co-determinado por motivações argumento da resistência à psicanálise,
inconscientes” é tão geral que simples- devidamente aggiornato mas igualmen-
mente não tem como ser contradita: o te ineficaz). A outra foi procurar meios
idealizador e o executor do experimentum extraclínicos, experimentais ou não, para
crucis poderiam estar motivados por de- confirmar a veracidade das afirmações
terminações inconscientes, como a clás- da psicanálise: tratamento estatístico do
sica tese da resistência à psicanálise não discurso em sessão (como fazem na Ale-
se cansa de lembrar. manha Thomä e seus colaboradores),
Os ataques do positivismo lógico e tentativas para comparar a eficácia dos
da filosofia popperiana — que desprezam resultados da psicanálise com os de tera-
nossa disciplina por não ser experimental pias rivais, redefinição do que significa
— causaram pouca impressão nos psi- pesquisa, e outros.
canalistas, seguros de que o método clíni- A meu ver, nada disso é muito útil,
co garantiria a validade das suas teorias. e freqüentemente vem embalado num
Embora já em 1960 David Rapaport (1960/ misto de autodepreciação e de idealiza-
1982) tivesse observado que seria preciso ção do “método científico” que faz pensar
fundamentá-las melhor, estabelecendo no que Nelson Rodrigues, falando do
princípios e refletindo a fundo sobre o que caráter nacional brasileiro, chamou “com-
chamou de single subject research (pes- plexo de vira-latas”. Impressiona-me o
quisa do caso único), o fato é que pouco tom defensivo que muitas vezes adota-
mos ao falar com estes críticos, quer ente das suas palavras, fantasias, desejos
protestando que só quem conhece por e atitudes. De fato, procedemos assim,
experiência pessoal a psicanálise é que mas é preciso reconhecer que não é a isso
pode dizer coisas sensatas sobre ela, quer que se refere a expressão pesquisa cien-
proclamando as excelências do método tífica. Na melhor das hipóteses, estamos
clínico, mas sem dizer exatamente no que fazendo o que Thomas Kuhn denomina
consistem, quer ainda ampliando de tal “ciência normal”, ou seja, encontrando
modo a noção de “pesquisa” que ela novos exemplos que confirmem a valida-
acaba por perder qualquer significado de global da psicanálise ou de determina-
relevante. das hipóteses que ela sustenta. Os proble-
Assim, talvez não estejam fora de mas colocados pela pesquisa — ontológi-
lugar algumas precisões. Minha filha de cos, metodológicos e epistemológicos —
seis anos me perguntou recentemente se não se reduzem à atividade habitual do
as abelhas sentem dor no seu pequeno analista, e a meu ver, se não reconhece-
bumbum quando aferroam alguém, e mos esta diferença, não teremos condi-
acrescentou, muito séria: “Eu quero saber ções de compreender do que estão falan-
porque estou pesquisando as abelhas”. do os que nos criticam. Dizer isso não
É claro que ela se referia a procurar implica diminuir o valor do trabalho clíni-
informações sobre este inseto, no contex- co, nem menosprezar suas dificuldades
to da pré-escola no qual se encontra. Não ou seus praticantes, entre os quais me
sorriam: é neste sentido banal que muitas incluo. Apenas, não é este o ponto que
vezes nos referimos à pesquisa, querendo está em questão.
com isso aludir à mera diminuição da Fala-se em diversos tipos de inves-
nossa ignorância sobre um dado assunto tigação possíveis em psicanálise, como a
(“Pesquise na internet, lá há muita infor- pesquisa conceitual, a pesquisa por entre-
mação sobre o que você quer saber”). vistas não estritamente clínicas, a pesqui-
Não é este o sentido científico do termo, sa histórica, etc. É importante não con-
assim como não o satisfaz o fato de fundir coisas que são por natureza dife-
alguém se documentar para preparar uma rentes. Interessar-se por um problema e
aula ou um artigo (“Vê-se que este texto descobrir o que já foi dito a respeito é
foi bem pesquisado”). Pesquisa em ciên- pesquisa, mas não psicanalítica, embora
cia refere-se exclusivamente à tentativa o tema possa sê-lo (digamos, a contra-
de obter conhecimento novo e de transferência ou a anorexia). O termo
apresentá-lo de modo a que possa se “pesquisa conceitual” me parece bastan-
incorporar ao já existente, seja como com- te confuso: se significa traçar a evolução
plemento, seja como nova perspectiva. de um conceito ou discutir sua esfera de
Diz-se que o analista “pesquisa” aplicação, será uma pesquisa histórica ou
com seu paciente o significado inconsci- epistemológica, mas não psicanalítica. Não
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Dele participei com a conferência “Que significa ‘pesquisa’ em Psicanálise?”, republicada em Mezan
(2005).
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Trechos de Grünbaum, Green têm tradução livre do Autor.
entre a pulsão e a defesa”, ou, no limite, “o ombros dizendo que ele não fez análise e
inconsciente dinâmico existe”). Xeque- portanto não experimentou os benefícios
mate: do método que ataca, tampouco leva a
grandes resultados: o nervo do argumento
(...) as exigências [científicas] em maté- do filósofo permanece intocado, e nós
ria de validação das asserções causais não paralisados frente ao desafio que ele nos
podem ser satisfeitas intraclinicamente, a lança.
menos que o método psicanalítico seja
apoiado por um potente substituto do
4. E então?
Argumento da Adequação. (...) Na ausên-
cia deste substituto, a descontaminação
epistêmica da massa das produções do É óbvio que o único modo de refu-
paciente no divã, relativamente aos efei- tar as posições de Grünbaum consiste em
tos sugestivos das comunicações do ana- mostrar que a sua tese central — os
lista, parece inteiramente utópica. (...) [Tra- dados em que se baseiam nossas teorias
ta-se de] uma sugestão proselitista, tanto são viciados ab ovo pela sugestão — está
mais insidiosa quanto opera sob a máscara errada. Não é o caso de empreender aqui
de uma terapia não-diretiva” (Grünbaum, esta tarefa, mas podemos ao menos, para
1996, pp. 191; 194). concluir, indicar algumas direções possí-
veis.
Em conseqüência, Grünbaum re- No livro de Marshall Edelson a que
comenda que as “teses cardeais” da psi- me referi encontramos algumas idéias
canálise sejam submetidas a outros tipos que merecem extrema atenção. Em pri-
de teste que não o clínico6. Eis aí, a meu meiro lugar, discutir a tese de que a
ver, a raiz do interesse dos analistas pelas sugestão pervade de tal modo a situação
modalidades extraclínicas de pesquisa — analítica que tudo o que dela provém se
para as quais infelizmente estamos muito encontra “contaminado” (e, diria eu, re-
mal preparados por nossa formação pro- sistir à tentação de interpretar a analidade
fissional e por nosso modo de pensar. De mal resolvida ou as fantasias paranóides
onde o mal-estar de que falei atrás, e o possivelmente subjacentes a tal metáfo-
surgimento de uma literatura que, aberta ra). Em segundo, discutir os complicadís-
ou veladamente, veste a carapuça que simos problemas epistemológicos ligados
Grünbaum nos oferece. Por outro lado, à idéia de testar as asserções psicanalíti-
bater no peito e urrar à moda de Tarzan cas com grupos de controle. E não porque
que o método clínico é bom, ou dar de essas asserções sejam “vagas” ou “me-
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“A validação das hipóteses cardeais de Freud deve vir — se vier — principalmente de estudos extraclínicos
bem concebidos, epidemiológicos ou até experimentais (1996, p. 410, grifo do autor). Mesmo assim, o
filósofo se mostra céptico: “Mesmo quando os dados experimentais disponíveis até agora foram
favoráveis, não conseguiram confirmar nenhuma das hipóteses principais de Freud” (idem, grifo do autor).
tafóricas” (embora fosse recomendável, (analítico ou não), uma família, uma insti-
diz Edelson, depurar nossas formulações tuição — um universo self-contained,
para as tornar o menos ambíguas possí- em suma. Sustenta Edelson que o método
vel), mas porque a reprodução exata no clínico, corretamente manejado, é ade-
grupo B das condições vigentes no grupo quado para investigar este tipo de ser, e
A encontra dificuldades de monta, que ele que os temores de Grünbaum quanto à
examina detalhadamente. sugestão são largamente exagerados.
Eu acrescentaria que pode ser Sendo um analista bem-informado sobre
muito útil uma reflexão global sobre a filosofia da ciência, Edelson debate com o
afinidade dos métodos científicos (no plu- professor de Pittsburgh em seu próprio
ral, pois são vários) com os diversos tipos território — mostrando por exemplo que
de ser, numa versão contemporânea do o método experimental não é, como pensa
dito de Aristóteles “o Ser se diz de muitas nosso adversário, o único a satisfazer aos
maneiras”: o que convém a um objeto cânones do “indutivismo eliminativo” —
físico pode não convir a uma entidade nome complicado que designa a postura
matemática ou a um romance. Se a psi- epistemológica de Grünbaum8. Uma
que constitui um tipo particular de ser, a single study research criteriosamente
forma de investigá-la não pode ser a conduzida também pode preencher os
mesma que para outros — em particular, seus exigentes requisitos.
o método experimental pode ser singular- Uma precisão importante é que o
mente inadequado a este objeto espe- estudo de um caso singular não é equiva-
cífico7. lente à narrativa comentada teoricamen-
Mas é sobretudo por uma reavalia- te de um caso de análise (o que chama-
ção rigorosa do estudo de casos singula- mos “estudo de caso”, por isso o risco de
res que o desafio epistemológico de equívoco). Ele pode assumir as feições de
Grünbaum pode ser neutralizado. O sin- uma pesquisa comparável a outras, dando
gular pode ser aqui uma pessoa, um par origem a hipóteses e teorias que podem
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Desenvolvo mais amplamente esta idéia, que me parece fundamental para discutir com Grünbaum e para
determinar o que pode significar a expressão “pesquisa em psicanálise”, em “Sobre a epistemologia da
psicanálise”, in Interfaces da psicanálise. Grünbaum aborda esse problema no seu capítulo sobre a
aplicabilidade do método experimental à “teoria freudiana da personalidade”, mas não podemos, nesta
comunicação, examinar com o cuidado necessário as suas afirmações. Não me pareceram nada convincentes;
mas a discussão delas precisará esperar uma outra oportunidade.
8
O indutivismo eliminativo opõe-se ao indutivismo enumerativo, que admite que uma hipótese pode ser
considerada verdadeira enquanto a enumeração de exemplos confirmadores não for interrompida pelo
surgimento de um contra-exemplo. Já a versão eliminativa do indutivismo sustenta que “um dado só pode
ser considerado probatório para a hipótese H1 se for obtido de modo tal, que elimina a possibilidade de
explicações alternativas H2, H3, ..., que de outro modo poderiam ser consideradas como dando conta daquele
dado”. (Cf. Edelson, 1984, p. 5, e todo o capítulo 3 da parte I.)
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Tradução livre do autor. Publicado também em: S. Freud, The Standard edition of the complete
psychological works of Sigmund Freud (Vol. 21, p. 56). London: Hogarth Press, 1961.
SUMMARY
Key words: Research. Scientific method. Clinical method. Philosophy of science. Adolf
Grünbaum.
RESUMEN
Renato Mezan
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