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Os autores são Analistas Técnicos de Políticas Sociais (ATPS), vinculados ao Ministério da Saúde. Andréa
Borghi Moreira Jacinto, é antropóloga (andrea.jacinto@saude.gov.br); Daniel Adolpho Daltin Assis é jurista
(daniel.daltin@saude.gov.br); Pedro Macdowell é antropólogo (pedro.macdowell@saude.gov.br); e Taia Duarte
Mota é enfermeira (taia.mota@saude.gov.br). Este texto é uma reflexão independente dos autores, desenvolvidas
a partir de um trabalho mais amplo realizado no âmbito da Coordenação-geral de saúde mental, álcool e outras
drogas, do Ministério da saúde, e de seu Núcleo de Populações Tradicionais, que contou também com a
participação de Isadora Simões de Souza, Marina Rios Amorim e Jaqueline Tavares de Assis, sob a coordenação
de Roberto Tykanori Kinoshita entre 2011-2015. No entanto, reforça-se que as ideias aqui apresentadas são de
inteira responsabilidade dos autores."
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I. Introdução
II. Paralelos entre o campo dos direitos indígenas e o campo da saúde mental: da tutela
ao reconhecimento de direitos
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mesma classificação de incapacidade (civil) e inimputabilidade (penal), via de regra, a partir
das noções de discernimento (não) atribuída aos primeiros e de adaptação à civilização, aos
segundos.
No âmbito civil, é a partir do Código de 1916 que ambos grupos surgem inscritos em
lei, já excluídos, porém, da parcela de pessoas consideradas capazes. Os indígenas perduram
nessa condição civil até 2002, quando o novo Código assume, por fim, que a regulação cabe à
legislação especial. Já os loucos permaneceram na mesma condição normativa por cem anos,
até que, em janeiro de 2016, quando entrou em vigor a Lei Brasileira de Inclusão das Pessoas
com Deficiência (BRASIL, 2015), são liberados da condição de absolutamente incapazes,
orbitando, porém, entre capacidade relativa e total.
No campo penal, a proximidade é tácita. Suas representações surgem no Código Penal
de 1940, porém, apenas aos loucos é expressamente atribuída a inimputabilidade. Já os
indígenas seriam alvo de construção interpretativa processual, vingando, desde então, a
tendência de lhes atribuir ausência total ou parcial de imputabilidade sob a justificativa de
que, para os interesses penais, eram situados como pessoas com desenvolvimento mental
incompleto ou retardo mental (OLIVEIRA apud FILHO, 2009). Em referencia à citação de
Nelson Hungria, por Souza Filho, Macedo lembra que, na Exposição de Motivos da
propositura do Código Penal, aquele penalista incluiu, enfaticamente, dentre os “deficientes
mentais”, o “homo sylvester” (MOREIRA, 2014).
Consagra-se, no âmbito penal, o paradigma da integração, diante do que o acesso a
direitos está intimamente relacionado ao grau de adaptação ao padrão cultural hegemônico e
resultante da colonização europeia. Em todo caso, evidencia-se uma visão estatal segundo a
qual um “problema de desenvolvimento” residiria no interior de cada pessoa louca e indígena.
Em virtude disso, a resposta estatal sempre fora a ação de tentativa de integração, forçada
concreta ou simbolicamente, a partir das políticas e instituições especializadas, pois o impasse
poderia ser dissolvido, conforme tal compreensão, a partir da neutralização das singularidades
psíquicas, sociais e étnicas atributos dessas pessoas e sua adesão ao modelo civilizatório.
A breve introdução sobre o paralelismo resultante da condição de subcidadania a que
foram, por séculos, submetidos loucos e indígenas, será o campo de análise sobre avanços e
desafios na superação da fase histórica da tutela rumo à fase da garantia de direitos humanos
dessas populações, ou mesmo na convivência entre ambos os períodos.
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a) Povos Indígenas e tutela
Estado nacional deve ser lida no contexto da própria formação da “nação” enquanto tal. Muito
embora suas origens remontem aos primórdios da colonização do território brasileiro e ao tipo
estados europeus (no caso, Portugal), e posteriormente com a independência de suas colônias
tutela requer, primeiramente, distinguir entre duas categorias de povos indígenas no período
colonial, de acordo com o tipo de relação estabelecido com os não indígenas: por um lado,
das missões de catequização, e que desde muito cedo se viram tutelados por padres e
preceptores das companhias religiosas; por outro lado, os povos que não se submeteram ao
europeia.
autóctone à sociedade nacional, que até hoje encontra eco em discursos simpáticos à
manutenção da tutela como condição jurídica dos povos indígenas no Brasil. Mas ela aponta,
sobretudo, para dois objetivos diretamente relacionados com a invenção da nação (primeiro a
entre categorias de sujeitos; por outro lado, a possibilidade de dispor de força de trabalho e
riquezas.
Já na metade do século XIX, em querela entre dois autores que mais tarde seriam
consagrados como importantes representantes das letras nacionais, o futuro escritor Manoel
defendida pelo historiador Francisco Adolpho de Varnhagen, que viria a ser reputado como
“historiador oficial do Império brasileiro”. Nos trechos destacados na epígrafe deste texto,
argumentação jurídica que justificasse a utilização da mão de obra indígena, sobretudo para
viabilizar a exploração das riquezas naturais de suas próprias terras em nome do progresso
nacional. O progresso, portanto, caminha junto com a “civilização” dos povos indígenas, que
econômicos.
cidadania das populações indígenas do Brasil – o que se reforça com o Decreto" nº 5.5051 de
Trabalho OIT sobre Povos Indígenas e Tribais -, é importante recordar, contudo, que nunca
foi oficialmente revogado o obsoleto Estatuto do Índio, datado de 1973, no contexto da última
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ditadura militar. Promulgado pela Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, o Estatuto do
Índio destaca em seu Art. 1º o “propósito de preservar a sua cultura e integrá-los, progressiva
baseada num ideal de civilização dos povos indígenas que significa sua adequação ao sistema
produtivo nacional.
no qual a Ciência Positivista teve papel fundamental para a invalidação dos sujeitos, bem
A loucura entendida como Doença é algo recente na história ocidental, conforme nos
Industrial, o louco fazia parte da vida social das comunidades, o que ocorreu até a Idade
Média. É no Renascimento que ele começa a deixar de ser tolerado e passa a ser “tratado”
como toda massa de indigentes, delinquentes e demais “pessoas que causam problemas”:
Foucault esclareceu que a institucionalização da loucura, bem como o esforço para sua
compreensão, se deram mais como ato jurídico do que como ato da ciência
médica/psiquiátrica. Essa desde o século XVI atuou de maneira secundária ao ato jurídico, a
ponto de no século XVIII toda internação dever ser precedida de interdição civil, pois a
No entanto, na modernidade a ciência médica passou a possuir, cada vez mais, o poder
hegemônico de definir e estabelecer tudo que diz respeito à doença e às formas de lidar com
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ela. Com a herança da institucionalização e a partir da noção de que o louco necessariamente
é um ser perigoso, a ciência médica passou a construir tratados e definir tratamentos cada vez
mais afastados dos sujeitos que vivem a experiência da loucura. Phillipe Pinel possui
fundamental importância nesse processo, pois é atribuído a ele o papel de precursor da doença
tratamento daqueles fenômenos definido por ele como “desvio das paixões”.
mercadorias e doenças encerram também um novo modo de organização social por meio – e
emblema por vezes atribuído aos povos indígenas e, mais notoriamente, aos loucos. Segundo
Machado (1978), a medicina é área de conhecimento que nem sempre privilegiou a saúde
como objeto de estudo, mas – e por mais tempo –, a doença. Foi o dano orgânico e psíquico
que predominou como objeto dessa ciência nos séculos XVI a XVIII. Enquanto não eram
área médica primordial para pensar a política das populações, ao contrário do que ocorreu no
início do processo de urbanização das cidades (séculos XVIII europeu e XIX brasileiro).
Ademais, no Brasil, ainda que o controle das populações não pautasse as práticas
médicas até o século XIX, tais práticas sempre foram controladas pelo Estado, que, também
nesse âmbito, já disputava espaço político com os saberes tradicionais de cuidado e cura2.
Com isso, observamos a relevância desta ciência para o Estado português em suas colônias,
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No início do século XVI, o processo de povoamento das terras brasileiras foi acompanhado da chegada dos
primeiros físicos-mores e cirurgiães-mores, portugueses que coordenariam e fiscalizariam os trabalhos médicos,
conforme ditava o Regimento português de 1521. Segundo Machado e outros, “a Fisicatura é um tribunal, o
Físico-mor, um juiz” (Machado e outros, 1978: 26), do que se depreende, consoante prossegue o autor, que a
medicina brasileira oficializou-se não pelo destaque das práticas de cura, mas de fiscalização da atuação dos
curadores populares. O objetivo geral da Fisicatura não era a sociedade, mas a própria medicina e sua
regulamentação."
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nas quais não se permitia instalar universidade ou congêneres, o que manteve em baixa a
pleno, pelas Câmaras Municipais, das relações cotidianas entre os poucos médicos
autorizados e a população3.
O tema das sujeiras nos logradouros públicos foi o despertador da atenção das
Câmaras Municipais para a saúde coletiva. As regiões portuárias foram nomeadas como pauta
cidade. Verifica-se esse momento como o primeiro ilustrador da medicina social no Brasil:
práticas de controle das populações frente aos vetores contagiosos. Inaugura-se o discurso
subjugando-o ao poder médico como única possibilidade de cura. Nesse sentido, a psiquiatria
construiu um lugar social para loucura e para o louco de completo apartamento social. Os
um etiquetamento, além do qual não existe mais possibilidade de ação ou saída (Basaglia,
1973, p. 62).
Além disso, a loucura foi compreendida como um perigo para a ordem social burguesa
Conforme Basaglia (1975), a loucura precisou ser contida, pois não se enquadrava na nova
No Brasil, esse fenômeno da exclusão da loucura não foi diferente e até o início do
movimento denominado como Reforma Psiquiátrica Brasileira, em meados dos anos 80, o
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"As Câmaras disputaram com a futura classe profissional, notadamente no século XIX, cotidianos espaços de
poder sobre a medicina e as vindouras reconfigurações de sua função social."
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tratamento hegemônico era confinamento em grandes hospitais psiquiátricos, associado ao
Loucura4.
assim como descreveu Basaglia (1973) ao analisar as instituições asilares de sua época, sendo
o poder do saber médico e a força física sobre as pessoas internadas o principal instrumento
exemplos de técnicas corriqueiramente utilizadas por estas instituições, até os tempos atuais,
que mais servem para controlar os comportamentos tidos como inapropriados do que para
produzir cuidado e possibilitar que as pessoas possam aprender a lidar com seu sofrimento.
Deixando claro que a única possibilidade de existência para os sujeitos internados torna-se a
psiquiátrica questiona a forma de organização social. No Brasil podemos ainda ressaltar que o
modelo psiquiátrico hegemônico foi marcado pela privatização da assistência, o que acarretou
(Amarante 2003).
complexo de crítica e tentativa de superação do modelo asilar, que iniciou sua trajetória em
conjunto com a Reforma Sanitária num contexto de mobilização social pela redemocratização
do país. Em meio à luta contra a ditadura militar brasileira (1964- 1985) e à disputa pela
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"Bicho de Sete Cabeças. Direção: Lais Bodansky, 88 minutos, Brasil, 2000 e Nise: o coração da loucura.
Direção: Roberto Berliner, 108 minutos, Brasil, 2016. "
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ampliação dos direitos sociais, o movimento sanitário ganhou e pôde ampliar a disputa pelo
direito a saúde e pela criação de um sistema universal de saúde. Nesse contexto o movimento
melhores condições de trabalho (Amarante, 2003), ganhou força e amplitude para passar a
complexificando-o” (De Leonardis 1987 apud Nicácio, 2003, p 104). Ou seja, passa a
considerar o sujeito em relação, que possui algum tipo de sofrimento psíquico que o atrapalha
de gerir a própria vida. Desvaloriza-se o lugar do diagnóstico como definidor da forma como
tratar a loucura, para se entrar em contato com o sujeito e seu sofrimento, contextualizando o
lugar que ocupa na sociedade. Ou seja, o modelo de cuidado pretendido pelo Movimento de
Reforma Psiquiátrica possui, na cidadania e na ampliação dos direitos sociais e civis das
pessoas que possuem transtornos mentais, peça fundamental para a ação de cuidado em saúde.
de construção de um novo lugar para o louco e para loucura. A participação protagonista nas
das ações de Estado, constitui-se o pilar de sustentação de toda ação de cuidado em saúde
cidadania.
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Sobre a institucionalização da loucura e o confinamento em ambientes isolados, há alguns paralelos históricos
que se pode traçar também com relação à população indígena. Para além do próprio conceito das “reservas
indígenas”, categoria que antecedeu as atuais “terras indígenas” como forma jurídica do reconhecimento estatal
dos direitos territoriais indígenas, e dos aldeamentos religiosos já mencionados, em especial as missões, destaca-
se a trágica e ainda pouco explorada história do Centro de Reeducação Indígena Krenak, que existiu durante o
período da última ditadura militar no estado de Minas Gerais (ver
https://pib.socioambiental.org/pt/povo/krenak/256, acessado em 30 de junho de 2016)."
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Com a re-fundação democrática dos anos 80, uma nova esteira legislativa foi
No âmbito sanitário, o Sistema Único de Saúde (SUS) não foi diferente: na perspectiva da luta
pelos direitos de cidadania das pessoas com transtornos e sofrimentos mentais, a articulação
de abril de 2001, conhecida também como lei da reforma psiquiátrica, foi fruto de uma longa
modelo assistencial de saúde mental, deslocou o cuidado do modelo cujo centro era o
hospital, para uma nova direção, visando serviços em rede com base comunitária. Ao invés do
direito de estar e participar do mundo. Abriu-se caminho para a construção de uma política
nacional de saúde mental em que saúde e direitos humanos são indissociáveis - porque aquele
seu art. 2º, cujo conteúdo localiza a pessoa não no mundo, e sim na relação com o Estado-
saúde. Mas, ainda que não tenha avançado sobre os direitos de autonomia e participação
(BRASIL, 2008).
direitos civis e políticos. Reconhece o sujeito, efetivamente, no marco da proteção dos direitos
humanos já que não o situa apenas como um ponto localizado na relação com os serviços de
saúde. Sinal desse reconhecimento de direitos é a emancipação citada no início desse texto: a
pessoa com deficiência deve ser considerada em plena capacidade civil. Isso, porque a
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alteração do paradigma incapacitante passa a nomear o Estado como incapaz de atender às
reconhecer a manifestação de vontade e - para o que deve - criar estruturas que validem a
participação social e política das pessoas com deficiência, condição bio-psicossocial que, por
si, não a torna incapaz. Trata-se de afastar as barreiras ambientais e atitudinais que, em
interação com a deficiência, contribuem para a violação dos direitos civis e políticos. E,
deficiência”, dado que “deficiência é uma experiência cultural e não apenas o resultado de um
diagnóstico biomédico de anomalias” (Diniz; Barbosa; Santos, 2009, p. 69). Nessa sequência,
vale anunciar, a Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), que, embora seja um suave
retificador normativo no âmbito dos direitos dos povos indígenas, tornou-se a principal caixa
de ressonância da CDPD.
fundamentalmente presente nas relações autoritárias – que, muitas vezes, justificam-se a partir
da proteção ofertada – entre pessoa, grupos ou instituições (tutores) perante mesmos arranjos,
porém mais fracos (tutelados) e, ao mesmo tempo, mediante inevitável (para os tutelados) ou
orientam práticas de repressão e proteção, e, segundo Lima (2015), o poder tutelar pode
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Ao emprestar para o período colonial a expressão “pacificação”, que atualmente
estatais, Pacheco a reconhece como mecanismo para objetivos similares para os quais
Diante disso, o autor afirma que as “'pacificações' foram fundamentais para insular os
indígenas em pequenas faixas de terras, liberando paralelamente vastos espaços para serem
Adotando esse mesmo raciocínio na análise sobre um terceiro público (os loucos),
com a fundação do Hospital Pedro II, no Rio de Janeiro. A paródia seria acertada: as
pacificações (dos loucos nos hospitais) foram fundamentais para insular as pessoas com
transtornos mentais em pequenas faixas de terras. Ainda, como diz em relação aos indígenas,
“é necessário que os tutores imponham aos tutelados uma moralidade (da qual pretensamente
lepra, Lima pode ser citado e, ao mesmo tempo, também parafraseado. Afirma que o “poder
tutelar exclui ao criar postos indígenas aos quais os povos autóctones deveriam (re/a)correr e
junto aos quais deveriam se segregar” (LIMA, 2015, p. 801). O mesmo, portanto, vale para as
populações loucas.
de 1988, é interessante observar que as políticas públicas construídas ao longo dos anos 90 e
da primeira década do século XXI tiveram participação decisiva dos movimentos sociais, e
tiveram também duas noções centrais para a articulação de suas práticas e discursos:
civil organizada, como para grupos sociais ligados à luta antimanicomial e à reforma
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psiquiátrica, a desconstrução da tutela significou a afirmação das noções de autonomia e de
militância política.
capacidade postulatória (Dantas, 2005), luta por, como diz Beltrão (2010), “ser cidadão pleno
A década de 70 foi um marco nesse processo por ter sido o período em que se
configurou o que passou a ser chamado de movimento indígena no Brasil, cuja organização
ganhou escala nacional com a criação da União das Nações Indígenas (UNI), articulando-se
1988). Esse processo “provocou mudanças de orientação na atuação política dos indígenas no
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Matos, Maria Helena Ortolan. Rumos do Movimento Indígena no Brasil Contemporâneo: Experiências
Exemplares no Vale do Javari. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, março de
2006, p. 14. "
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Ao longo das décadas seguintes, testemunhou-se uma maior participação indígena na
esfera pública da sociedade e Estado brasileiros. São exemplos desse processo a própria
década e a intensificação de conflitos interétnicos têm expressado de modo cada vez mais
claro que o reconhecimento jurídico não é suficiente para garantir a efetividade dos direitos
lembram Souza Lima & Barroso-Hoffmann (2002), o fim jurídico da tutela da União sobre
interação que se poderia qualificar de tutelares, nem representa um novo projeto para o
seus direitos no âmbito das políticos públicas, ainda que seja relativizado pelas ambiguidades
e contradições do papel do Estado no plano das relações interétnicas, e por diferentes sentidos
que a noção de participação possa implicar, não deve todavia deixar de ser apontado8. Nesse
sentido, a promulgação do Decreto no. 7.747, de 05 de junho de 2012, e todo o processo que
Indígenas (PNGATI) podem ser vistos como um dos resultados desses esforços, visto que
pela primeira vez na construção de uma política de estado para povos indígenas, partiu-se de
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" “Nesse cenário foi especialmente importante o estabelecimento definitivo da competência do Ministério da
Saúde quanto a ações para a saúde dos índios, a partir de da Lei 9.649 de 1998 (Seção II, Art. 14, XVIII, c).
Ainda em 1998, a partir da Fundação Nacional de Saúde, foram realizados 15 encontros regionais no país para
discutir com indígenas e apoiadores a implantação de um subsistema de saúde indígena, que viria a ser essencial
para a organização da atenção à saúde indígena, fundamentado na invenção de uma nova circunscrição
administrativa - os distritos sanitários indígenas, concebidos como de base étnica. A Lei nº 9836/1999, chamada
de Lei Arouca, configurou o subsistema, surgido desse amplo processo de articulação, que operou sem dúvida a
partir da já longa história de mobilização de indígenas.” in Souza Lima (2015, p.443-444). Sobre as
Conferências Nacionais de Saúde Indígena, ver:
http://www.ccms.saude.gov.br/conferenciasnacionaisdesaude/conferenciasindigenas.php"
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Para uma leitura mais aprofundada sobre o tema, ver Souza Filho, 2015. "
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um processo de discussão e elaboração reunindo diferentes setores do estado, representantes
do movimento indígena, tendo sido a proposta submetida a consulta aos povos indígenas.9
individuais de escolher, desejar, poder dizer de si, e sobretudo direito de estar no mundo – ter
cuidado em liberdade. A lei 10.216 de 06 de abril de 2001, conhecida também como lei da
reforma psiquiátrica, foi fruto de uma longa mobilização de diferentes setores da sociedade
cuidado do modelo cujo centro era o hospital, para uma nova direção, visando serviços em
rede com base comunitária. Ao invés do distanciamento e da exclusão pela internação, iniciou
uma proposta de cuidado em que a saúde e a reabilitação psicossocial só são possíveis com o
para a construção de uma política nacional de saúde mental em que saúde e direito são
psíquico é um importante mote de toda ação em saúde mental, tendo em vista que essa é a
possibilidade de experiências para os usuários vem se fortalecendo cada vez mais, o que
interage com a noção de saúde como capacidade fundamental, que viabiliza o exercício de
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“O processo de consultas aos povos indígenas para a construção da PNGATI reuniu 1.250 representantes
indígenas, pertencentes a 186 povos de todas as regiões do país, que foram mobilizados e indicados pelas
organizações indígenas regionais – APOINME, ARPINPAN, ARPINSUL, COIAB – e pela articulação nacional,
através da APIB” in BAVARESCO, Andréia; MENEZES, Marcela. Entendendo a PNGATI: Política Nacional
de Gestão Territorial e Ambiental Indígenas. – Brasília: GIZ/Projeto GATI/ Funai, 2014, p. 14. Disponivel em:
http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/cogedi/pdf/Outras_Publicacoes/Entendendo%20a%20PNGATI/Ente
ndendo_a_PNGATI.pdf. Além do processo de consulta, a PNGATI também tem como precedentes experiências
significativas de participação indígenas, inclusive na gestão de projetos governamentais, como na historia do
Projeto Demonstrativo dos Povos Indígenas. Ver Manchinere, Toya; Jacinto, Andréa Borghi M. (orgs) Diálogos
e Saberes: lições, experiências e recomendações dos projetos demonstrativos dos povos indígenas para as
políticas públicas. Brasília: MMA, GIZ, 2015. "
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Uma primeira discussão que já possui certa tradição no campo da saúde mental
brasileira é a questão do trabalho, que aparece junto com a discussão sobre economia
solidária, devido à identidade práxica entre ambos os campos. Desde o início dos anos 2000
importante papel de discussão, junto à sociedade civil organizada, acerca dos obstáculos
dos anos foi-se ampliando e possibilitando tanto a defesa direta dos direitos dos usuários e
familiares dos serviços de saúde mental, como a participação direta tanto no controle da
mental. A questão da moradia mostrou-se como outra importante questão, tendo em vista que
muitas vezes os laços sociais e familiares são rompidos, tanto em decorrência do próprio
loucura.
Se no campo das tutelas foi possível observar paralelos entre o campo da saúde mental
interessantes em práticas que se contrapõe a tutela, seja na defesa dos direitos indígenas, seja
em relação aos direitos das pessoas com transtornos mentais. Nas situações citadas acima, a
luta pela autonomia reúne esses distintos campos e sujeitos sociais em lutas por modos de
viver próprios, pelo direito de produzir e cuidar de modo autônomo de seus territórios de vida
– seja em uma terra indígena ou na cidade –, de suas relações sociais, e dos frutos do trabalho.
A noção de bem viver permite de modo potente e rico explorar essas aproximações.
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III. Caminhos de Bem Viver: encontros possíveis entre Saúde Mental e Direitos
Indígenas
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para um caminho importante na superação efetiva da história de relações tutelares às quais os
povos indígenas e os ditos “loucos” foram submetidos no Brasil. Para além da mera inclusão
em uma determinada ordem estabelecida, a cidadania efetiva pressupõe o direito à voz e à
participação nas decisões políticas, inclusive na construção dos projetos coletivos, com
autonomia e protagonismo.
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Bibliografia
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Janeiro: Fiocruz, 2003.
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Deficiência. Brasília. 2015.
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LANGDON, Jean. “O que beber, como beber e quando beber: o contexto sociocultural do
alcoolismo entre as populações indígenas”. Anais do Seminário sobre alcoolismo e
vulnerabilidade às DST/AIDS entre Povos Indígenas da Marcorregião Sul, Sudeste e Mato
Grsosso do Sul. Ministério da Saúde. Série Seminários e Congressos, no. 04. Brasília, 2001.
MOREIRA, Erika M. Onhemoirõ: o Judiciário frente aos direitos indígenas. UnB/ Programa de Pós-
Graduação em Direito. Brasília, 2014.
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SOUZA LIMA, Antonio Carlos de. “Sobre tutela e participação: povos indígenas e formas de
governo no Brasil, séculos XX/XXI”. Mana, vol. 21, no. 2, Rio De Janeiro, Agosto 2015.
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