Os conservadores estão certos quando eles dizem que
as pessoas buscam cada vez mais a gratificação instantânea e o hedonismo. Mas eles erram ao apontar as causas desse movimento. Eles dizem que as causas são a perda da devoção religiosa e a ascensão da nova esquerda nos anos 60, que vilipendia os valores cristãos. O meu ponto é que essas causas são, se muito, secundárias; e que, ademais, elas trouxeram muitas consequências boas para a sociedade, de modo que seus benefícios mais do que compensam seus eventuais prejuízos. Também argumento que a principal causa da valorização do curto-prazismo é bem outra. Segue abaixo.
Primeiro: perda de devoção religiosa pode até ter
sido uma causa menor do movimento da sobrevalorização da gratificação instantânea, mas foi uma causa boa. Não trair seu cônjuge só porque está escrito no seu livro sagrado que trair é pecado representa uma abdicação da sua capacidade de reflexão racional. Por outro lado, não trair porque você valoriza o compromisso matrimonial em si mesmo e sabe que a traição pode custar muito sofrimento futuro (tanto para você quanto para seu cônjuge, e eventualmente para seus filhos) representa altivez e mostra que você é capaz de refletir racionalmente sobre ações que envolvem um caráter ético.
Portanto, o movimento mundial de distanciamento da
submissão religiosa cega em prol de uma ética secularizada faz parte da independência do intelecto necessária à evolução da sociedade. Mas essa independência não veio sem custos. Um desses custos é justamente a falta de um guia normativo para aqueles que não possuem uma capacidade reflexiva tão elevada. Ora, se Deus não existe, ou se sua existência não impinge em mim nenhuma obrigação moral, por que não trair minha esposa? Por que não roubar? O indivíduo secularizado racional irá dizer que o compromisso matrimonial e a consciência limpa de não prejudicar o próximo são valores que independem da existência de Deus. Já o indivíduo também secularizado mas que vive sob uma nebulosidade mental irá trair sua esposa e roubar sem escrúpulos, sempre que ele não visualize uma punição imediata e mundana, uma vez que a punição dos céus está descartada.
Mas, colocando na balança a conquista da
independência do intelecto em troca da busca incessante do hedonismo por parte de alguns, creio que o resultado da perda de devoção religiosa seja ainda positivo. Deus está morto, e isso não é um problema.
Passemos à segunda causa atribuída pelos
conservadores do movimento da sobrevalorização do hedonismo. Eles dizem que a ascensão da esquerda pós-moderna e contracultural influenciou em muito esse movimento. O que eles esquecem de dizer é que essa mesma onda contracultural foi umas das principais responsáveis pela libertação feminina e pela diminuição enorme do preconceito contra gays, negros e demais minorias. Ora, se a pregação do amor livre tem como pequeno efeito colateral uma maior taxa de traição, em troca do benefício de os homossexuais poderem expressar seu amor sem medo de represália e de mulheres infelizes em seu casamento poderem se divorciar sem medo de sofrerem ostracismo, de forma alguma o movimento responsável por isso trouxe mais coisas ruins do que boas. Colocada na balança, a ascensão da esquerda contracultural dos anos 60 foi muito positiva.
Mas qual seria, então, o principal fator responsável
pela crescente valorização do hedonismo da sociedade? Já expliquei em outro post (vou colocar ele nos comentários). Em poucas palavras: nossa herança de ânsia por dopamina aliada aos incentivos do sistema capitalista. Por um lado, herdamos dos nossos antepassados caçadores-coletores os mecanismos fisiológicos de recompensa pelo esforço adequados ao convívio em natureza. Subir em uma árvore para coletar uma fruta, caçar, buscar sexo, tudo isso requer energia e há riscos envolvidos. Mas, ao mesmo tempo, essas atividades ajudavam nossos antepassados a sobreviver na selva. Através da seleção natural, a natureza criou um mecanismo para que tivéssemos incentivo para fazer essas atividades arriscadas. Esse incentivo é a sensação de bem-estar, e esse bem-estar é causado pelo neurotransmissor dopamina. O resultado é que somos máquinas viciadas em dopamina (não só nos, aliás, mas também grande parte dos outros animais). Junte a isso o fato de vivermos em um sistema econômico em que as empresas estão constantemente concorrendo entre si para atrair a atenção e o dinheiro das pessoas, de modo que só aquelas empresas que mais deixam os clientes dependentes delas sobreviverão. O resultado é que muitos produtos vendidos serão bombas teleguiadas diretamente para o nosso cérebro para produzirmos um caminhão de dopamina.
Desse modo, somos viciados em comer aquela comida
que mais libera dopamina no nosso cérebro, que calha de ser a comida mais insalubre. Somos viciados em buscar orgasmo da forma mais fácil possível, que calha de ser a masturbação mediante pornografia. Somos viciados em entretenimento barato em detrimento do desenvolvimento pessoal. Um prazer hedonista leva ao outro. Se eu não me importo com a minha saúde no longo prazo, e estou sempre me empanturrando com doces e gorduras para liberar dopamina, por que eu me importaria com o meu relacionamento amoroso no longo prazo, e, ao invés disso, não me relacionaria com outras pessoas, para assim liberar um pouco mais de dopamina?
Estabelece-se assim a sociedade do hedonismo, do
imediatismo. O bode expiatório dos conservadores acaba sendo a secularização e a esquerda. Mal sabem eles que o grande culpado é aquilo que eles tanto valorizam: a sociedade de mercado.