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A vitalidade da palavra

RENATA SALGADO

H T T P :// J B O N L I N E . T E R R A . C O M . B R / J B / P A P E L / C A D E R N O B /2002/12/01/ J O R C
A B 20021201006. H T M L
Psicanalista
Neste começo de século, convivemos com a incômoda sensação de já termos visto ou
lido sobre quase tudo nesta vida. Depois de tantas teorias feitas por antropólogos,
psicanalistas e sociólogos e das análises críticas feitas por todos os tipos de
especialistas que as ciências humanas já produziram, o que ainda nos resta saber?
Nossos olhos estão gastos e cansados de tantos remakes ou releituras.

Época de deserto cultural, tempo saturado pelo excesso da manipulação de imagens e


dissonâncias sonoras, eis que surge, ainda assim, algo que resiste impecavelmente ao
tempo: o ruído da palavra em forma de depoimento. Meio de comunicação, que não
pretende ser discurso, prova cabal da existência, de renovação e revolução de nossa
espécie.

A capacidade de o ser humano falar e ser reconhecido no ato de sua fala, em estado
bruto e vivo, seja este rosto de um anônimo aposentado, um camelô, uma garota de
programa ou de uma jovem universitária. Sejam todos e que a cada um destes seja
dada a palavra.

Esta é a grande arte de Eduardo Coutinho. Apostar na força da palavra como centelha
de vitalidade, de vida humana demasiadamente humana, como diria Nietzsche. O filme
traz inúmeros depoimentos de pessoas que vivem no mesmo edifício, Master. Todas
concordam em receber em suas casas a equipe do diretor. O que se revela em cada
um daqueles mínimos espaços é a arte do encontro com intimidade.

A forma como Coutinho conduz as entrevistas pode ser dita ''analítica'', porque
admite o silêncio como resposta, além de não conferir julgamento ou qualquer juízo
aos entrevistados. Os depoimentos revelam: o desejo, a verdade, a solidão e o amor.
É incrível como, em alguns casos, o que nos comove não é, por exemplo somente o
fato de um homem estar emocionado cantando My way, mas a presença da própria
paixão abstrata, não só um homem velho e saudoso, mas a própria afirmação do
desejo de estar vivo surge em canto. Isto faz com que as falas tenham dimensões
éticas e estéticas.
A tônica da arte deste filme é a espontaneidade com que as histórias são contadas e o
respeito com que são escutadas. O pulsar de cada um daqueles moradores está na
diversidade de suas histórias. São relatos das andanças e errâncias que, entre perdas
e aventuras, demonstram uma compreensão afável pelo que é particular, ou o que
conhecemos vulgarmente como as ''mazelas da vida''. Ficamos fascinados pela forma
como o desejo pulsa em cada depoimento. Mas também impressionados com o tanto
que Coutinho colhe, perguntando tão pouco.

A verdade do que é dito é colocada em questão pelo próprio diretor. Como é o caso
da menina de programa que trabalha para sustentar a filha e que conta sem embaraço
que, quando fala, mente. Ela consegue formular em três minutos o que a filosofia
levou anos para anunciar: ''que a verdade tem a estrutura de uma ficção''. Mas a
verdade se faz presente também de uma outra forma. Ela está presente no aqui e
agora, em todos aqueles trejeitos, enquadrada nos gestos, no olhar, lágrima ou sorriso
dos entrevistados que causam uma reação imediata na platéia. De verdade, é a
identificação que surge escancarada na tela. Anônimos que nos servem de espelho.

É comum então que batam palmas, gritem e comentem o filme durante a sessão. A
vibração acontece porque há encontro, um instante de resgate, de redenção daquele
que, ao falar, libera impurezas, e enganos inevitáveis da vida. É lindo ver como o ser
(falante) humano trabalha para dar um sentido à sua forma particular de viver!
Coutinho recupera tudo que é bom. Por um momento, não pensamos que estamos sós,
esquecemos nossos interesses pessoais, somos contagiados pelo fluxo da vida.

O edifício do cotidiano carioca

[02/DEZ/2002]

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