Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Vários autores.
Inclui prefácio em francês.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-7216-863-2
CDU 806.90(81)-087.9
Direicos reservados à
Editora da Universidade Estadual de Londrina
Campus Universitário
Caixa Postal 10.011
86057-970 Londrina - PR
Fone/Fax: 43 3371 4673
e-mail: eduel@uel.br
i, www.eduel.com.br
2016
da quarta fase dos estudos dialetais proposta por Aguilera (2000), contava-se com pouco o PORTUGUÊS EM CONTATO COM O ITALIANO NO SUL DO
mais de meia dúzia de trabalhos que se multiplicaram, até onde foi possível constatar, BRASIL: UM ESTUDO GEOLINGUÍSTICO PLURIDIMENSIONAV
ultrapassando a soma de sessenta estudos que, seguindo orientações sociodialetológicas
Felicio Wessling Margotti
e geolingüísticas, registram a fala do Paraná. Tal fato que engloba não somente o número
(Universidade Federal de Santa Catarina)
de obras, mas também o aprimoramento e a profundidade dos trabalhos constitui, neste
estudo, a quinta fase da Dialetologia paranaense. A paisagem linguística do Sul do Brasil caracteriza-se, entre diversos outros
Como demonstrado neste artigo, a Universidade Estadual de Londrina consolida- aspectos, pelo contato do português com as línguas dos imigrantes europeus, que
se como um dos terrenos mais férteis para essas pesquisas, destacando-se, dessa forma, colonizaram extensas áreas da região desde o século XIX. Monolíngues no início, esses
como referência para os estudos sobre o falar paranaense sem, contudo, deixarem de imigrantes tornaram-se bilíngues ao adquirir o português ao longo dos anos e, atualmente, a
ter importância, para o desenvolvimento da área, os inúmeros trabalhos das outras IES tendência é serem monolíngues em português. Em tal contexto, os italianos se sobressaem,
paranaenses, como a UFPR e a UNIOESTE, entre outras. não só pelo número de falantes, mas também pelas áreas ocupadas e pela influência no
contexto linguístico, sociocultural e econômico. O português falado nas áreas em que ocorre
o contato com o italiano assumiu traços específicos que refletem a constituição social e
étnica da população, distinguindo-se, assim, do português falado em outras regiões e da
variedade-padrão subjacente, isto é, do português dos meios de comunicação, da escola, da
administração e das transações comerciais e industriais, o que, em geral, representa uma
norma objetiva (COSERIU, 1967), não marcada regional ou socialmente.
Isso posto, o objetivo do estudo que se fez, consolidado na tese de doutorado
submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS em novembro de
2004, intitulada Difusão Sócio-Geográfica do Português em Contato com o Italiano
no Sul do Brasil, era explicitar a dinâmica de difusão da língua portuguesa falada no
espaço pluridimensional de contato com o italiano, mais especificamente em oito pontos
(municípios) do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, representando, em cada estado,
duas colônias originais de assentamento de imigrantes italianos e duas colônias mais
recentes e constituídas por imigrações internas.
Os princípios teórico-metodológicos adotados na pesquisa são os da Dialetologia
Pluridimensional e Relacional (RADTKE; THUN, 1996b; THUN, 2000a), a qual busca
constituir uma ciência da variação linguística que corrija as deficiências da Geolinguística
tradicional e acrescente à Sociolinguística uma importância maior ao valor do espaço no
debate sobre a variação: "o conceito das interrelações no espaço", segundo Harald Thun
(2000a).
I O presente texto é uma sintese da tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras da UFRGS, em
2004, sob orientação de Cléo Vilson Altenhofen.
-Toma-se o termo "colono" não apenas no sentido original de habitante das colônias, mas sobretudo no sentido de lavrador, J A expressão "dialeto italiano", ou simplesmente "italiano", refere-se genericamente ao conjunto dos dialetos italianos
trabalhador da roça, em oposição ao habitante urbano, falados em toda a região de colonização italiana no Sul do Brasil.
356 A GEOLINGUÍSTICA NO BRASW CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES ALCANÇADOS A GEOLINGUrSTlCA NO BRASIL: CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES ALCANÇADOS 357
,,,I
Admitindo a tese de que esse processo, ocorrido no eixo da diacronia, moldou (e) Dimens~o diassexual (diagenérica): como essa dimensão não foi controlada
uma variedade própria do português falado nessas áreas de contato com o italiano, foram sistematicamente, apenas em algumas entrevistas foi possível confrontar a
selecionadas algumas variáveis linguísticas marcadoras dessa variedade, confrontando-a fala de informantes de sexos distintos;
com a variedade do português-padrão. Não apenas isso: não se trata de uma variedade (f) Dimensão dialingual: inclui informantes ítalo-brasileiros (bilíngues em
uniforme, seja no plano diatópico (entre pontos e áreas diferentes), seja no plano diassocial português e italiano) e luso-brasileiros (estes representados apenas por
(entre estratos sociais distintos). Quer dizer: sustenta-se a hipótese de que essa variedade indivíduos urbanos mais velhos);
de contato apresenta também uma variação interna em seus elementos constitutivos, que é, (g) Dimensão diafásica: inclui dados de conversa semidirigida, respostas a
aliás, da essência de todo sistema linguístico natural. questionário e leitura;
Olhando para as áreas colonizadas por ítalo-brasileiros no Sul do Brasil, nosso (h) Dimensão diarreferencial: análise qualitativa dos comentários e referências
objetivo principal é explicitartendências da difusão do português no espaço pluridimensional metalinguísticas (expressões que descrevem a língua) e referências
dessas áreas de contato com o italiano com base em dados coletados em oito localidades epilinguísticas (comentários sofre fatos associados à língua, mas
distintas de etnia predominantemente italiana, sendo quatro no Rio Grande do Sul e quatro estruturalmente não conexos com ela).
em Santa Catarina. A matriz das entrevistas foi desenvolvida considerando as seguintes possibilidades
de comparação mais relevantes:
Configuração da pesquisa Áreas velhas +-t novas e entre pontos: variação diatópico-cinética
Rural •...•
Urbano: variação diazonal
Os dados foram coletados por meio de 32 entrevistas do tipo pluralidade simultânea, Rural GI +-t Rural GIl (idade): variação diageracional
com a participação de três a cinco falantes com o mesmo perfil, em conformidade com a Rural GI +-t Urbano GI (escolaridade): variação diastrática
estratificação planejada, nos estilos conversa semidirigida, resposta a questionário e leitura, Rural GIl +-t Urbano GIl (bilíngue/monolíngue): variação dialingual
nas quais foram controladas dimensões geográficas e sociais, visando a verificar a pronúncia Entre todos os informantes, considerando o estilo: variação diafásica
variável do ditongo nasal tônico [ãw], do [r] forte, da vogal [a] seguida de consoante nasal, Considerando as justificativas apresentadas, a matriz dos informantes e das
do alçamento das vogais átonas finais [e] e [o], da africação e palatalização de [t] e [d] entrevistas para cada um dos oito pontos (municípios) da pesquisa foi definida de seguinte
diante de [i], da realização das fricativas [s] e [z]. forma:
As variáveis linguísticas foram correlacionadas com as seguintes dimensões: UGI = ítalo-brasileiros mais jovens e urbanos, com escolaridade alta;
(a) Dimensão diatopica (oito localidades): Caxias do Sul (RS), Nova Palma UGn = luso-brasileiros mais velhos e urbanos, com baixa escolaridade;
(RS), Rodeio (SC) e Orleans (SC) representam as colônias velhas; Sananduva RGI = ítalo-brasileiros mais jovens, com escolaridade baixa;
(RS), Sarandi (RS), Chapecó (SC) e Videira (SC) representam as colônias RGII = ítalo-brasileiros mais velhos, com escolaridade baixa.
novas; A amostra da pesquisa foi constituída por 32 entrevistas (oito pontos x quatro
(b) Dimensão diazonal: em cada localidade, foram feitas quatro entrevistas: entrevistas), sendo: 16 rurais e 16 urbanas; 16 geração I e 16 geração lI; 24 escolaridade
duas na zona rural e duas na zona urbana; I e 8 escolaridade 2; 24 bilíngues portuguêslitaliano e oito monolíngues português. A
(c) Dimensão diageracional: indivíduos de geração mais velha (45 a 60 anos) e obtenção do material para a pesquisa se fez por meio do preenchimento de formulário,
de geração mais jovem (15 a 30 anos); com identificação dos participantes e anotações de informações sobre o bilinguismo
(d) Dimensão diastrática: inclui informantes de escolaridade até a 8" série dos entrevistados e da comunidade, gravação de conversa semidirigida (com grupo de
do ensino fundamental (inclusive nenhuma escolaridade) e escolaridade três a cinco participantes e duração de mais ou menos 15 minutos), da aplicação de um
superior à 8" série (nesse caso, apenas o grupo formado por indivíduos questionário fonético-fonológico com 60 perguntas e da leitura do texto "Parábola do filho
pródigo".
jovens urbanos);
358 A GEOLlNGUÍSTICA NO BRASIL: CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES ALCANÇADOS A GEOLlNGUÍSTICA NO BRASIL: CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES ALCANÇADOS 359
Na elaboração das cartas linguísticas pluridimensionais, os informantes foram absolutos quanto em. números relativos, seja pela relação dos percentuais e respectivos
posicionados da seguinte forma: símbolos, seja pelo gráfico, conforme se pode visualizar na Figura 1.
UGII VGI
Tabela 1: Distribuição das ocorrências das variáveis linguísticas pesquisadas, por estilos
de fala
Vnrhivel
.\
I uestiouário Leitura I Conversa Total
Ditongo nasal tônico [õw] 413 128 258 799
Consoante
Vogal [aNJ
r
:~
Consoanlt: [dI seguida de [iL._-fr __ ---=-~__
191 251 143 585
_+-::;:..~-I---'-:.:-....-I-.......::-=-- UGII
Consoante [fi . 207 96 112 415
RGl! RGI
Consoante :) 283 314 146 743
Total 3.494 2.484 1.682 7.650
o 100 300m
Fonte: Margotti (2004).
variáveis na comparação entre si e entre os estilos de fala. Todavia, isso não quer dizer
Fonte: Margotti (2004, p. 211).
que a amostra não seja suficiente e adequada para revelar a intensidade e o grau de difusão
das variantes [+ptg] (associadas ao português padrão), o que se revela tanto em números
360 A GEOLlNGUÍSTICA NO BRASIL: CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES ALCANÇADOS A GEOLlNGUÍSTICA NO BRASIL: CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES ALCANÇADOS 361
No conjunto, fazendo abstração das dimensões e parâmetros que caracterizam os perdendo espaço e, consequentemente, o português se difundisse cada vez mais. Na
quatro grupos de informantes em cada uma das localidades, verifica-se que, no português área urbana, onde re'sidem cerca de 90% dos habitantes, é cada vez menor o número de
falado em Caxias do Sul (RS) e Orleans (SC), há significativa ausência de traços linguísticos descendentes de italianos que ainda falam a língua dos antepassados, não obstante sinais de
representativos do contato com a língua italiana; ao contrário, em Rodeio (SC) e Sananduva revitalização da língua e dos costumes dos italianos que, segundo Frosi (1996, p. 166, grifos
(RS), o português falado é ainda fortemente marcado pelo contato. De outra parte, nas do original), "pode ser interpretada como retorno da terceira geração". De outra parte, em
localidades de Nova Palma (RS), Sarandi (RS), Videira (SC) e Chapecó (SC), os processos Caxias do Sul, mais do que nos demais pontos da pesquisa, é presente entre os urbanos
de difusão das variantes [+ptg] estão em estágio intermediário, mas com tendência de a estigmatização da fala de contato com o italiano, considerada fala de colono, ou seja,
expansão, uma vez que a língua italiana deixou ser transmitida de uma geração para outra indivíduo "pouco civilizado", que "gosta de trabalhar, mas não tem cérebro" (depoimento
e o monolinguismo em português é uma realidade cada vez mais presente, principalmente de umjovem urbano).
entre os mais jovens e nas áreas urbanas. Já em Rodeio (SC), apesar de a colonização também ter ocorrido no último quartel
Os resultados também devem ser analisados com base em outros aspectos, tais do século XIX, a realidade é bem diferente da de Orleans (SC) e de Caxias o Sul (RS).
como a formação histórica, a organização social e econômica, o tempo de ocupação do Segundo informações prestadas por autoridades locais, em Rodeio, 95% da população é
espaço por italianos ou seus descendentes, a formação da população, a distribuição no descendente de italianos, principalmente trentinos, e mais de 70% ainda falam o italiano.
espaço, o número de habitantes, o nível de desenvolvimento, a representatividade regional, Esses descendentes dos imigrantes precursores preservam orgulhosamente a língua, as
entre outros que configuram, do ponto de vista geolinguístico, áreas de transição entre tradições europeias do Norte da Itália, seus usos e costumes, dando visibilidade às marcas
um estágio no qual o português ainda não se difundiu plenamente, isto é, no qual ainda se de italianidade, por meio do ensino da língua italiana, da dança folclórica, do canto infantil
mantêm fortes traços de influência italiana, e o estágio de forte difusão do português. e de adultos, do teatro da Paixão, da música e de outras atividades artístico-culturais, como
Em Orleans (SC), por exemplo, o alto índice de difusão de traços associados La Sagra, que é uma festa étnica regional promovida principalmente pelo Círculo Trentino,
ao português é explicado, em parte, pelo fato de o lugar apresentar uma diversificação com apoio da Prefeitura Municipal e de outros órgãos públicos e privados.
étnica composta por descendentes de italianos, alemães, poloneses, letos, portugueses e Sananduva (RS) também apresenta baixo índice de difusão do português
outros. Mesmo a população tendo sido formada predominantemente por italianos (cerca comparativamente aos demais pontos pesquisados. Trata-se de um município de tamanho
de 50%, principalmente vênetos), desde o início da colônia, foi intenso o intercâmbio médio quanto ao número de habitantes, em que prevalecem ainda hoje os ítalo-brasileiros
econômico e cultural com comunidades luso-brasileiras locais ou de lugares próximos, (cerca de 90% da população), voltados sobretudo para a produção agrícola. Apesar de não
estimulado, inicialmente, pela construção da estrada de ferro para o escoamento do minério haver, em Sananduva, a mesma valorização étnico-cultural que se constata em Rodeio
de carvão e, depois, por rodovias, hoje asfaltadas. Ou seja, Orleans não é um município (SC), a língua italiana ainda é falada por grande parte da população, inclusive pelos mais
em que prevalecem, com acentuada maioria, descendentes de italianos, tampouco sofreu, jovens, principalmente no meio rural.
durante longos anos, a exemplo de outras colônias velhas, o isolamento por falta de vias de Os demais pontos da pesquisa, considerando o conjunto das especificidades
transporte ou de outros meios de comunicação. locais, configuram-se, do ponto de vista geolinguístico, como áreas de transição entre um
Caxias do Sul (RS), por sua vez, fundada em 1875 por italianos vindos do Norte da estágio no qual o português ainda não se difundiu plenamente, isto é, no qual ainda se
Itália (vênetos em sua maioria), e que por várias décadas permaneceu isolada, devido à falta mantêm fortes traços de influência italiana, e o estágio de forte difusão do português.
de estradas e de outras formas de comunicação, é, hoje, um grande centro metropolitano, A distribuição percentual das variantes associadas ao português, isto é, daquelas
com destaque na vinicultura e nas atividades industriais do ramo metal-mecânico. Esse variantes não marcadas pelo contato com o italiano, com base na estratificação social da
cenário, juntamente com outros fatores, entre os quais a rápida transformação urbana amostra, está exposta na Tabela 2.
pela qual passou Caxias do Sul a partir da década de 1960, o incremento do turismo e o
desenvolvimento do ensino, inclusive universitário, fez com que a língua italiana fosse
362 A GEOLlNGUÍSTICA NO B~ASIL: CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES ALCANÇADOS A GEOLlNGUÍSTICA NO BRASIL: CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES ALCANÇADOS 363
Tabela 2: Distribuição percentual das variantes associadas ao português por grupos Usando uma escala associada a símbolos que se alternam a cada step de dez
padronizados pontos percentuais, sinalizou-se, nos quatro ângulos da cruz, o desempenho de cada grupo
Grupos Estandardizados estandardizado. Observa-se, então, de forma objetiva que a intensidade da variação se
altera entre os pontos e entre os grupos, seja na perspectiva diatópica, seja na perspectiva
Variantes associadas ao português UGII UGI RGII RGI Média percentual
%
85
I
~ 90
% I %
32 72
%
70
% diassocial. Os símbolos representam valores relativos de difusão do português, isto é, das
variantes não marcadas pelo contato português-italiano. Assim, quanto mais preenchido
J>iton~o nasal. tôn~<:'~.J~ ______
[r) forte [r. xL______________
.__ .
83-"[-6"6- ---_._------
-_._--- --~ 26 50
---------.- estiver o símbolo, menos marcada é a fala pelo contato com a língua italiana, em seus
Vogal [o.(I.e.~1seguida de consoante nasal 90 : 87 .si.: 88 88
, , distintos dialetos. Ao contrário, quanto menos preenchido estiver o símbolo, mais marcada
Elevação da vogal átona final [e) 40 51 20 26 34
-
Elevação da vogal átona finalJo) 51 ! 68 Lzs.. f--~ 49
-----_.- é a fala.
Afrlcação de !!.I~~uida de lll 44 t 59 18 43 41
Conforme consta da Tabela 1, os dados da amostra somam 7.650 ocorrências,
Afrlcação de [d] seguida de [il_______
-c~-;ant;t~i·~tivapalatal ~urda UI
..._ -~1~Q.-
99 98
4
87
17
89
21
-----------
93 das quais 4.523 são realizações de variantes típicas do português-padrão e 3.127 são
. Consoante fricati~-;;pal~t;;IS~~~(3J------
!
98!9"i---- ----_._- _._-------~---
80 88 89 realizações de variantes próprias do português de contato com o italiano. Além de explicitar
Média percentual 68 ,
I 72 42 55 59
os percentuais de difusão dos traços não marcados pelo contato com o italiano em cada
Fonte: Margotti (2004).
uma das variáveis controladas, confirmando o que já foi demonstrado, a Figura 2 mostra
o desempenho de cada um dos grupos, evidenciando que os grupos UOU (urbanos, mais
Os resultados expostos na Tabela 2 evideIlciam que a variedade do português velhos, menos escolarizados, lusos) e UGI (urbanos, mais jovens, mais escolarizados, ítalo-
falada pelos informantes urbanos tem menos marcas do contato com o italiano do que brasileiros) lideram a difusão do português.
a variedade dos informantes rurais. Também fica demonstrado que essa característica é
mais evidente na fala dos urbanos mais velhos, grupo de controle constituído por luso-
brasileiros. Os resultados dos grupos urbanos levam a duas constatações imediatas: de um
lado, em comunidades constituídas predominantemente por descendentes de italianos, os
luso-brasileiros também são usuários da variedade marcada pelo contato com a língua de
imigração, embora essas marcas não tenham a mesma intensidade daquelas documentadas
no português falado pelos ítalo-brasileiros; de outro, os jovens urbanos descendentes de
imigrantes, com escolaridade superior e monolíngues, no mais das vezes, são igualmente
usuários do português marcado pelo contato com o italiano.
De modo diverso, os percentuais da Tabela 2 demonstram que são os falantes
de áreas rurais que mais se afastam do português-padrão. Mesmo assim, vê-se que há
uma diferença significativa entre os rurais mais velhos (42%) e rurais mais jovens (55%),
o que indica que os mais jovens, por serem menos bilíngues do que os mais velhos e,
eventualmente, por serem mais escolarizados e terem mais contato com o meio externo,
tendem a eliminar as marcas de influência e apontar para uma mudança em curso na direção
de uma variedade linguística cada vez mais dissociada da relação com o italiano.
A Figura 2 representa a difusão geral das variantes associadas ao português, no
espaço e nos estratos sociais.
O
O
O
de 31 a 40%
de41 a50%
de 51 a 60%
)
/"-V---r~v.::QI!f'->."
cõ"ê
~ º~
.J Ô"~
~O
00 100 ocupadas predominantemente por descendentes de imigrantes italianos no Sul do Brasil,
mais especificamente em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, representaram bem mais
O de 61 a 70% O O O'':?.. do que a realização de uma descrição geolinguística, trabalho por si só relevante. Esta
• de 71 a 80% 010 O SAI!TA
I~'-\':·'·TAP.IHA pesquisa também contribuiu para conhecer melhor a trajetória desses desbravadores, que
S313'"' Saoa,d,"' ~ 0""" carregam consigo parte da história da colonização do Brasil.
AR CiEI!TIlIA RIO CiP.AI!DEDO SUL
?gle Ao mesmo tempo em que a língua portuguesa toma-se capital simbólico dos
italianos mais ricos e urbanizados, representando ascensão social, a fala dialetal (o talian)
00 ~Ie
C3Has 1j,)SII
«- perde prestígio, e seus falantes - os colonos - passam a ser estigmatizados. Quem se
1
° comunica por meio do dialeto italiano é visto como "colono grosso", e quem se expressa em
português com interferências do italiano é "motivo de riso". Eis aí a origem do sentimento
de vergonha ou medo de falar, seja em dialeto italiano, já modificado pelas interinfluências
31 dialetais e pelo português, seja em língua portuguesa, com interferências do italiano.
A partir da década de 1950, com o crescimento demográfico das colônias, o
desenvolvimento econômico e industrial, o melhoramento das vias de comunicação, a
32<:1
UGII UGI comunicação em português via rádio e o empobrecimento dos lotes rurais, o colono busca
RGl! RGI novas alternativas de vida. Ou desloca-se à procura de novas terras, ou sai da roça e vai
3,
trabalhar nas fábricas. Assim, enquanto a migração interna é determinante para a formação
o 100 :DO 3001<m
da coiné vêneta, o êxodo rural passa a ser um importante fator de promoção da língua
portuguesa. Ela é o sistema linguístico de prestígio, em consonância com a norma e os
5rp 49' 4~
© F .:lício 'tIV. Margotti (2004) padrões de comunicação válidos para todo o país.
É da natureza das sociedades humanas eleger modelos de fala como melhores
Fonte: Margoti (2004, p. 208). e mais "bonitos" e, porque têm prestígio, são imitados e reproduzidos. Em sentido
inverso, elegem-se também modelos de fala como mais "feios", sendo assim rejeitados,
Entre os grupos da zona rural, em todos os pontos, os falantes mais jovens falam ridicularizados e socialmente estigmatizados. Como sistemas linguísticos, os conceitos
português com menos interferências do italiano do que os mais velhos. Em resumo, tanto de "feio" e "bonito" não têm razão de ser, pois são resultantes de 'preconceitos sociais.
nas áreas urbanas quanto nas áreas rurais, apesar de nessas áreas a intensidade da difusão do Nas áreas de colonização italiana, um conjunto de preconceitos estigmatizadores da fala
português ser menor do que naquelas, a mudança é conduzi da pelos falantes mais jovens, regional, em nível fonético, lexical, sintático e mesmo discursivo, representados por meio
sustentando, assim, a hipótese de que há uma possível mudança em progresso, não só no de piadas, marca até hoje a transição sociolinguística, caracterizada pela valorização do
366 A GEOLINGUÍSTICA NO BRAS!L: CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES ALCANÇADOS A GEOLINGUÍSTICA NO BRASIL: CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES ALCANÇADOS 367
português em detrimento da fala em dialeto italiano. Nessas áreas de colonização italiana, em zonas rurais tendem a ·ser muito mais conservadores do que os habitantes das zonas
ou se adquire o dialeto italiano, como um sistema misto e restrito a essas áreas, porém em urbanas, sendo, por isso, alvos de avaliações negativas: os falantes urbanos consideram a
vias de substituição (language shift), ou se adquire uma variedade de português híbrida, fala dos colonos "grosseira" e "errada".
impregnada de interferências do dialeto. Dentre as hipóteses iniciais, constava ainda que a difusão do português é favorecida
É em razão desse panorama linguístico nas áreas de contato do português pelos falantes mais jovens, o que se confirmou. A análise das variáveis linguísticas também
com o italiano que se propôs explicitar a dinâmica de difusão do português falado por revelou que em todas - exceto vogal [aN] - também ocorre maior difusão do português
descendentes de imigrantes italianos. Os dados linguísticos coletados em 32 entrevistas entre os falantes mais escolarizados, como era esperado.
confirmam, de um lado, que o português falado nas áreas ocupadas por ítalo-brasileiros é, Outra hipótese inicial sinalizava que a difusão do português, nas áreas pesquisadas,
de fato, impregnado de interferências das variedades do italiano. De outro lado, encontram- é mais intensa entre os falantes luso-brasileiros, uma vez que esses usuários da língua
se também evidências fortes de que esses falantes almejam libertar-se dessas marcas de têm menor contato com o italiano e, por isso, estão menos sujeitos às interferências. Isso
interferência, que funcionam como uma espécie de rótulo estigmatizador do colono ítalo- também se confirmou.
brasileiro. Quanto à correlação dos estilos de fala com a variação, a hipótese era de que
A hipótese levantada no início deste trabalho, de que a difusão do português nos os estilos mais formais favorecessem a difusão do português, na seguinte ordem: leitura
pontos (áreas) selecionados para a pesquisa apresenta diferentes graus de variação, tanto na favorece mais do que resposta a questionário, e resposta a questionário favorece mais do
intensidade quanto no modo, confirmou-se. que conversa. Isso, todavia, não se confirmou, pois resposta a questionário obteve 63% de
Ao confrontar o uso das variantes linguísticas com as diferentes dimensões aplicação das regras associadas ao português, conversa obteve 58% e leitura obteve 56%.
controladas pela pesquisa, constatou-se que os pontos de pesquisa comportam-se como Uma explicação possível é que, na resposta a questionário, o falante concentra sua atenção
ilhas, com características próprias, em razão de suas peculiaridades quanto à época de na forma do item lexical, facilitando o monitoramento de sua fala. Na leitura, ao contrário,
fundação, constituição da população, número de habitantes, nível de desenvolvimento, a atenção volta-se para o conteúdo, ainda mais em se tratando de texto conhecido. Mas,
organização social e econômica, representatividade regional, entre outros aspectos. De como explicar os resultados da conversa, considerado o estilo mais casual? Levantam-
qualquer modo, Orleans (SC) e Caxias do Sul (RS), duas colônias velhas, estão em estágio se duas possibilidades: ou as contingências da própria entrevista fizeram os participantes
mais avançado do que os demais pontos no que diz respeito à inovação linguística. Em controlar com mais intensidade sua fala (presença do entrevistador e realização dessa etapa
sentido oposto, a maior resistência à incorporação de inovações linguísticas, isto é, à difusão no início da entrevista, entre outras possibilidades de explicação) ou algumas mudanças
de traços do português, foi registrada em Rodeio (SC) e Sananduva (RS). A hipótese de que não são regulares, reforçando a hipótese da difusão lexical.
as colônias novas são mais resistentes à difusão do português confirma-se em Sananduva Essas são as conclusões mais relevantes com base nos dados coletados. Porém,
(SC), Sarandi (RS) e Videira (SC), mas não em Chapecó (SC), devido, em parte, ao elevado grande desafio desta pesquisa foi, desde o início, a elaboração de mapas pluridimensionais
grau de urbanização. Nova Palma (RS), uma das colônias velhas da amostra, apresenta um que permitissem visualizar o grau de difusão do português nas áreas delimitadas e em
nível de inovação intermediário. Em síntese, pode-se afirmar que o estágio de difusão do diferentes grupos sociais, a exemplo do que já vem sendo posto em prática no Atlas Lingüistico
português em cada área de contato com o italiano está, em parte, correlacionado ao tempo Diatópico-Diastrático do Uruguai (ADDU-Norte) (THUN, 2000c), no Atlas Lingiiistico
e à quantidade de contato, tendo em vista a urbanização e a presença de português. Guarani-Românico (ALGR) (THUN et aI., 2009a) e no Atlas Linguístico do Brasil (ALiB)
Quanto à variação diazonal, que confronta a fala de indivíduos das áreas rurais (CARDOSO et aI., 2014a, 2014b), dentre outros atlas linguísticos. Neste estudo, optou-se
com a fala de indivíduos das áreas urbanas, fica bastante evidente que entre os urbanos a por representar a variação por meio de escalas percentuais associadas a cinco símbolos,
difusão alcança um estágio muito mais avançado do que entre os rurais, mesmo se essa indicadores da intensidade da difusão. Além disso, a apresentação simultânea e sucessiva
comparação for feita exclusivamente entre jovens ítalo-brasileiros, por exemplo. Isso, na de quatro diferentes grupos de informantes em cada ponto, permitindo o contraste entre a
verdade, não representa nenhuma novidade, pois, como se sabe, os falantes que moram fala de falantes urbanos e rurais, mais velhos e mais jovens, mais escolarizados e menos
368 A GEOLINGUÍSTlCA NO B~ASIL: CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES ALCANÇADOS A GEOLINGUÍSTlCA NO BRASIL: CAMINHOS PERCORRIDOS, HORIZONTES ALCANÇADOS 369
escolarizados, além de falantes luso-brasileiros e ítalo-brasileiros, dá aos mapas não só
a capacidade de representar a intensidade da variação, mas também o modo como ela
acontece, ou seja, quais grupos de fatores atuam de modo mais intenso na variação.
Mas isso não era tudo. Um mapa pluridimensional, que representa a variação
de um item fonético-fonológico, em determinado estilo de fala, pode indicar importante
tendência de mudança linguística. Todavia, ao juntar em um só mapa uma série de'
mapas, representando a variação do mesmo traço fonético-fonológico em diferentes
contextos lexicais e em diferentes estilos, aumenta-se, sobremaneira, a capacidade de fazer
generalizações sobre o fenômeno. Essa capacidade cresce ainda mais quando se agregam,
aos mapas pluridimensionais, outras informações estatísticas por meio da legenda ou de
. gráficos. Foi isso que se fez, confirmando plenamente a hipótese inicial de que os mapas
geolinguísticos permitem visualizar o grau de difusão do português nas áreas de pesquisa,
fornecendo argumentos mais consistentes para as conclusões.
Tem-se, assim, a convicção de que este trabalho, apesar de, quanto à metodologia,
ser experimental em muitos aspectos, oferece subsídios importantes para a descrição do
português falado no Sul do Brasil, mais especificamente nas áreas em' que predominam
populações de descendentes de italianos.