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PSICOLOGIA E PSICOTERAPIA TRANSPESSOAL

CAMINHOS DE TRANSFORMAÇÃO

FIGURA

AURINO LIMA FERREIRA


ELIÉGE CAVALCANTI BRANDÃO
SALETE MENEZES
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradecemos à Natureza Ilimitada, a Deus, à Deusa, ao Grande


Espírito, ao Eu Sou, ao Vazio e à Verdade sob qualquer forma ou nome. Que possa haver um
mundo mais pacífico para todos os seres.
Aos nossos pais, companheiros, filhos e netos, e amados familiares, vocês são a
motivação principal do esforço constante de nossa transformação em prol da mudança do
mundo em que habitamos.
À Nakeida L. de Lima pela leitura cuidadosa e colaboração ativa na revisão das
temáticas desenvolvidas no texto; seu pensamento sistêmico foi fundamental na costura da
intertextualidade.
À nossa amiga e ex-aluna Maria José Freitas (Zita) que, com sua arte, talento e
sensibilidade, contribuiu com o desenho que ilustra a capa deste livro.
Agradecimento a Dalva Araújo pelo empenho e dedicação na revisão deste livro e
ousadia em aceitar fazê-la em tempo tão exíguo.
Ao Atman-Centro de Desenvolvimento Transpessoal, lugar de construção e desafios,
verdadeiro oásis para o exercício permanente da Psicologia Transpessoal. Às colegas
Salomé Andrade, Ângela Dornelas, Taciana Dornelas, Adriana Dornelas, Luzia Compasso,
Nakeida Lima, Vânia Araújo, Elny Banks, Alcileide Oliveira, Fátima Raposo, Lígia Feijó,
Rúbia Tenório, Nazilda Coelho e Andreza Vieira, por compartilharem sonhos.
Aos alunos que se foram e aos novos, vocês são a razão central deste livro, fonte
primordial da nossa inspiração. Cada parte dele contém as inúmeras reflexões vividas e estão
interdependentemente ligadas as suas consciências e corações.
Aos clientes, por nos ensinar constantemente o valor de aprender sempre, quer seja com
a dor quer seja com o amor; e a todos aqueles clientes em especial que nos contemplaram com
seus casos, auxiliando-nos didaticamente a exemplificar neste livro o que ocorre no setting
transpessoal.
Aos professores e amigos: Léo Matos, Susan Andrews, Roger Woolger, Sofia Bauer,
pelas aulas, supervisões e estímulos na senda transpessoal. Preito de gratidão a Sônia Pinto e
Walter Barros, pelos caminhos apontados, e ao Professor Geraldo Leite (in memoriam), pela sua
coragem de desbravar as vias transpessoais dentro da academia e pelo seu exemplo vivo de
transpessoalidade.
Aos mestres das mais diversas correntes espirituais em toda a história da humanidade,
por sua proteção e assistência perene na nossa prática profissional e nos momentos da
construção deste livro.

Aurino Ferreira, Eliége Brandão e Salete Menezes


Agradecimento Especial

Ao meu orientador, Dr. José Policarpo Júnior, professor do Doutorado de Educação da


UFPE, por ter acolhido um projeto de estudos na área da transpessoalidade humana: DO
ENTRE-DEUX DE MERLEAU-PONTY À ATENÇÃO/CONSCIENTE DO BUDISMO E DA
ABORDAGEM TRANSPESSOAL: A busca de uma pedagogia direcionada para a integralidade
da formação. Bem como por ter possibilitado o uso de muitas das horas destinadas à disciplina
de Estudos Programados para que fosse possível escrever e organizar este livro.
A minha co-orientadora, Drª Nadja Acioly-Regnier, professora do IUFM (Institut
Universitaire de Formation des Maîtres de Lyon) e Université Lyon 2, por abrir as portas da
França para minha busca de transpessoalidade.

Aurino Ferreira
APRESENTAÇÃO

Foi numa manhã de final do mês de março, bem na fase da lua cheia, que me chegou às
mãos a versão deste livro ainda na gênese. Lembro-me que fiquei muito feliz e honrada pelo
privilégio de conhecer o fruto de tão lindo trabalho de Aurino, Eliége e Salete.
Sinto agora minha respiração bem presente, e convido aos que estão para iniciar esta
leitura a observar também a própria respiração e, sustentando-a, dela usufruir enquanto lhes
apresento o texto.
Bem, posso dizer que a leitura inicial fez-me fluir agradavelmente nessa bem elaborada
construção teórica, inclusive pela possibilidade de voltar à memória o meu próprio tempo de
aprendiz principiante, nas indagações que hoje seriam mais facilmente respondidas através dessa
leitura – os autores estão corajosamente se inserindo no processo de cura, no âmbito didático,
das eventuais lacunas na formação profissional daqueles que não tiveram a oportunidade de ter
como suporte de capacitação apoio literário nesse nível. O registro que aqui se descortina tem a
marca da simplicidade, objetividade e coerência sem dispensar o respeito à boa técnica.
Essa forma de perceber o livro consolidou-se quando no mês de agosto de 2005 veio o
convite para a apresentação que ora disponho-me a fazer.
Aceitei, não sem antes sentir e identificar a motivação para tanto, que tem contornos
relevantes na honra de ter os autores como companheiros de jornada, bem como na crença
sincera no trabalho transpessoal como viés psicoterapêutico que se firma cada vez mais como
lastro à capacitação de profissionais, os quais, aprendendo e exercitando um competente e
amoroso atendimento, situam-se à altura dos desafios que lhes estarão sendo propostos no
contexto da atualidade.
Serenamente reconheço que a vivência profissional de tantos anos consagra legitimidade
aos autores para registrar de forma objetiva a prática procedimental, ao tempo em que no
processo da leitura fica evidente uma certa reverência ao ato de saber fazer com atenção e
dedicação no aprendizado de tão precioso exercício, o que lhes confere respeito, dignidade.
Certamente a Psicologia Transpessoal ganha em muito com a inclusão deste livro no
universo didático e psicoterapêutico. E digo mais: ao longo dos anos de experiência como
psicoterapeuta clínica e consultora institucional, reconheço na prática como é essencial o
aprofundamento e a teorização de procedimentos que atendam às peculiaridades do ofício.
Com efeito, os autores, tal qual dedicados artesãos, demonstram habilidade didática ao
dar forma expressiva à matéria prima com que trabalham: a psicoterapia.
Observo seguramente que esse compêndio, na transparência de sua escrita, aponta para a
necessidade do confronto paradigmático de aporte tradicional mecanicista/darwiniano com a
referência holográfica/quântica mais progressista, perfilando um modelo holístico baseado na
percepção de homem a partir de sua integralidade na dimensão de Ser, mais amplificada.
Aqueles que puderem ler esse trabalho perceberão naturalmente que foi escrito com
amor, e que a conexão entre a ciência e a espiritualidade, com clareza solar, abriga-se ao longo
de suas páginas.
O percurso da leitura possibilita abrir-se para um universo multidisciplinar, aprendendo,
exercitando, desenvolvendo um caminho inclusivo para as mais recentes pesquisas, no que tange
à apreciação do estado atual da consciência humana, convergindo saudavelmente para uma
construção de conhecimento que, aliada à geração de sustentabilidade emocional, alcança saúde
e cura psíquica, aprendendo sim, crescendo, e produzindo introvisões que paralelamente revelam
a natureza da realidade ao tempo em que dão alicerce ao “edifício transpessoal”, ousando com
firmeza e segurança.
Resta, agora, manter-me atenta ao meu próprio respirar enquanto, mais uma vez, convido
aqueles que lêem a fazer o mesmo para deixar que a expressão “este livro eu recomendo”,
confortavelmente, encontre eco em cada um e se confirme, criando novas formas de fazer o
saber se transformar e assim seguir trocando, compartilhando profissionalmente, amorosamente
... E assim será!

Nakeida L. de Lima
Psicoterapeuta Transpessoal
ATMAN-Centro de Desenvolvimento Transpessoal
PREFÁCIO

Nenhuma ciência objetiva, nenhuma psicologia,


nenhuma filosofia tampouco, jamais abordou o reino do
subjetivo, e por isso, não o descobriu realmente (Husserl).
Desconfiem da verdade, ela sempre comete os mesmos
erros (Romain Gary).
Estou convencido de que as explicações dos
fenômenos ‘emergentes’ de nossos cérebros, como as idéias,
as esperanças, as imagens, as analogias, e por fim, a
consciência e o livre arbítrio, baseiam-se numa espécie de
anel estranho, uma interação entre níveis em que o nível
superior desce rumo ao nível inferior, sendo também
determinado pelo nível inferior. Haveria, portanto, em outras
palavras, uma “ressonância” de fortalecimento entre
diferentes níveis. O ego nasce assim que tem o poder de
refletir-se (D.hofstadter).

O livro de Salete, Eliége e Aurino é um presente há muito esperado por nós seus
colegas, alunos e ex-alunos. Trata-se de um registro histórico importante, justamente
porque ao passo em que pontua um momento importante da Transpessoal no Brasil,
eterniza a trajetória da Transpessoal no Nordeste a partir de um fazer que em Pernambuco
encontra guarida na trajetória dos três. Um fazer que é ricamente inventivo e arrojado, pois
bebe em fontes muito diversas e encontra nessa diversidade um blending muito original.
Podemos pensar o três como um movimento de síntese. Da unidade à fragmentação
(representado pelo número dois), temos o número três como expressão do “terceiro
incluído” ou uma “unidade complexa” como costuma chamar Edgar Morin. Um olhar que
opera análise, sem disjunção, atento ao que une, ao que ata; abarcando Logos e Pathos,
sensibilidade e racionalidadade, sagrado e profano, objetividade e subjetividade,
espiritualidade e materialidade.
Em uma de suas obras célebres, “O Pensamento Selvagem” Claude Lévi-Strauss
descreve o que vem a ser uma “ciência do concreto”: trata-se de trabalhar a partir do
sensível, do cotidiano, de operar “bricolagens”: juntar e rejuntar dando vida nova,
estabelecendo uma nova simetria, buscando uma harmonia que se concretiza no dia-a-dia
de um pensamento que não se poda em esquemas apriorísticos. Para mostrar os resquícios
desta ciência do concreto entre nós ‘civilizados’, Lévi-Strauss lembra-nos da existência do
bricoleur, que “é o que executa um trabalho usando meios e expedientes que denunciam a
ausência de um plano pré-concebido e se afastam dos processos e normas adotados pela
técnica. Caracteriza-o especialmente o fato de operar com materiais fragmentários já
elaborados, ao contrário, por exemplo, do engenheiro que, para dar execução ao seu
trabalho, necessita de matéria-prima”. Em conclusão, Lévi-Strauss pode comparar os dois
tipos de conhecimento, o do engenheiro, (metáfora do modo de operação da ciência
moderna) e o do bricoler (metáfora do modo de operação do pensamento mítico da ciência
do concreto): “Tanto quanto o bricoler, posto em presença de uma dada tarefa, ele [o
cientista, o engenheiro], [...] ele também deverá começar inventariando um conjunto
predeterminado de conhecimentos teóricos e práticos e de meios técnicos que limitam as
soluções possíveis”. Para o autor, a diferença entre os dois tipos de conhecimento “não é
tão absoluta quanto seríamos tentados a imaginar”, as limitações de cada um “resumem um
estado de civilização” diferenciado: “o engenheiro sempre procura abrir uma passagem e
situar-se além, ao passo que o bricoler, de bom ou mau-grado, permanece aquém, o que é
uma outra forma de dizer que o primeiro opera através de conceitos e, o segundo, através de
signos” (p.35). Enquanto o conceito “se pretende integralmente transparente em relação à
realidade” [pretensão da ciência moderna], o signo “aceita, exige mesmo, que uma certa
densidade de humanidade seja incorporada ao real”(p.35). Podemos deduzir daí que a
ciência moderna, buscando a objetividade do conhecimento (por diferentes vias
metodológicas/abordagens teóricas) pretendeu expulsar a subjetividade de suas investidas
ao conhecimento da realidade, enquanto na ciência do concreto a subjetividade é parte
integrante da relação de conhecimento da realidade, como fica bem claro nesta passagem: o
bricolage “não se limita a cumprir ou executar, ele não ‘fala’ apenas com as coisas [...] mas
também através das coisas: narrando, através das escolhas que faz entre possíveis limitados,
o caráter e a vida de seu autor. [...]. Sem jamais completar seu projeto, o bricoler sempre
coloca nele alguma coisa de si” (p.37).
Bebendo em fontes diversas da Filosofia Perene que no Oriente passam pelas
milenares tradições do Yoga, do Budismo, do Tantra e outros, e no Ocidente trilham pelas
escolas terapêuticas e seus legados preciosos (seja na abordagem ao trauma, na
compreensão do dinamismo psíquico, etc..), os autores desembocam em Pernambuco a se
fazerem foz, fonte, afluente e nascente. A medida da bricolagem não é uma empiria, um
aprender pelo fazer aleatório. É preciso se fazer justiça no esforço criterioso de análise e
crítica com que a tríade tem se debruçado tanto pelos modernos sistemas da psicologia
ocidental quanto pelas tradições sapienciais do Oriente. Eles escapam ao ecletismo das
colchas de retalho, de um holismo ingênuo e romântico. Há crítica, humor e até um
ceticismo saudável nesse fazer. Há um pensamento que não mimetiza simplesmente o
legado dessas tradições, mas que busca uma identidade muito própria. Talvez, essa seja
uma das razões de tanta admiração por parte de seus alunos, entre eles eu próprio.
A marca do pioneirismo é carregada no primeiro instante pelo signo da
incompreensão, do olhar que não comporta a alteridade. Sustentar essa posição não é fácil.
Por essa razão, o nascimento desta obra tem um sabor muito especial também para nós. É o
índice do campo simbólico da Transpessoal que vem em busca de seu reconhecimento. Mas
para buscarmos o reconhecimento do outro é necessário que possamos igualmente olhar a
nós mesmos. Identificarmos nossa própria história, sermos capazes de contá-la. Nesse
olhar, encontramo-nos através de nossas narrativas e definimos o nosso próprio lugar. E
assim é possível ir ao encontro do outro.
É imperioso informar que o livro em suas mãos é uma expressão de um movimento
engajado de afirmação de um espaço sócio-político no âmbito da psicologia brasileira.
Cumpre plenamente o caráter de divulgação da assim chamada “quarta força” convidando o
leitor a empreender uma viagem segura pela sua epistemologia e também pelas suas
técnicas. Tenhamos tranqüilidade perante nossos guias. Ao longo do caminho,
perceberemos o coro de muitas vozes que os ajudaram nesse empreendimento titânico.
Esta obra começou a ser escrita há mais de uma década e se hoje vem a lume é que
este é um momento histórico em que suas formulações encontrarão guarida nas
consciências (e corações) de quantos se dispuserem a lê-la despojadas de pré-concepções
(como já aconselhava Èmile Durkheim acerca das regras que deveriam pautar o fazer do
pesquisador em ciências humanas).
Conheci os autores deste livro em 1999. Naquele ano, este livro já estava sendo
escrito. Sinto-me parte desta construção, pois estudei com eles durante aquele ano e na
virada do milênio, vi-os coordenando esforços para a construção do ATMAN como espaço
de referência da Transpessoal em Pernambuco. Vejo-os como uma família que comporta
divergências, que demanda estilos próprios, mas que encontra sua força justamente nesse
movimento. Guardo profunda admiração pela amorosidade de Salete, pela espirituosidade
de Eliége e pela intelectualidade “astuciosa” de Aurino. Pressinto nesta obra um novo
momento de expansão, agora ancorado no acúmulo de experiências que fornece a
sustentação para novos empreendimentos solo ou em novas parcerias. E torna fecundo o
solo para que muitos outros autores possam fazer germinar seus trabalhos.
Finalizando, este não é um livro de auto-ajuda, mas espero que possa inspirar você a
refletir-se, cuidando mais de si, atento à presença dos outros em sua vida, e preocupando-se
com a Terra que é nossa pátria-mãe.

Marlos Alves Bezerra.

Doutorando em Ciências Sociais, UFRN. Membro


fundador da ANPPT (Associação Norte Rio-Grandense de
Psicologia e Psicoterapia Transpessoal). Pesquisador associado
à Rede Internacional de Sociologia Clínica. Coordenador Geral
da Rede Nordestina de Psicologia Transpessoal (RETRANS).
ÍNDICE

AGRADECIMENTOS .............................................................................................
APRESENTAÇÃO .................................................................................................
PREFÁCIO ............................................................................................................
INTRODUÇÃO .......................................................................................................
CAPÍTULO I: O QUE É PSICOLOGIA TRANSPESSOAL? ..................................
1.1. Origens históricas da Psicologia Transpessoal .........................
1.1.1. Raízes históricas no contexto internacional ............................
1.1.2. Raízes históricas no Brasil .....................................................
1.2. Objeto de Estudo ................................................................
1.3. Conceitos básicos em Psicologia Transpessoal ....
1.3.1. Visão de mundo/realidade ................................
1.3.2. Visão de homem ........................................................
1.3.3. Cartografias da consciência .................................
1.3.3.1. Stanislav Grof – O modelo holotrópico da consciência ...............
1.3.3.2. Ken Wilber – O espectro da consciência .................................
1.3.3.3. Roger Woolger – A cartografia da Flor de Lótus .........................
1.4. A/cientificidade da Psicologia Transpessoal ...........................

CAPÍTULO II: CAMPOS DE ABRANGÊNCIA. .....................................................


2.1. Psicologia Comportamental (Behaviorista) .............................
2.2. Psicanálise ...................................................................................
2.3. Psicologia Existencial e Humanista ...............................................
2.4. Psicologia Evolutiva .................................................
2.5. Psicometria .......................................................................
2.6. Psicofisiologia ..................................................
2.7. Farmacopsicologia .....................................................
2.8. Psicopatologia .............................................................
2.9. Psicossociologia ..................................................
2.10. Hipnologia .....................................................................
2.11. Tanatologia ..................................................................
2..12. Onirologia .....................................................

CAPÍTULO III: AS PSICOTERAPIAS TRANSPESSOAIS ..............................


3.1. Os pressupostos básicos da psicoterapia transpessoal ...........................
3.2. Os sistemas psicoterapêuticos transpessoais ..................................
3.2.1. Respiração Holotrópica - Stanislav Grof ..........................
3.2.2. Terapia de Arte Transpessoal do Mandala - Léo Matos ..........
3.2.3. Terapia Regressiva Integral -Roger Woolger ..........................
3.2.4. Biopsicologia, transcendendo rumo à espiritualidade - Prabhat Rainjan
Sarkar e Susan Andrews ...................................................

CAPÍTULO IV: O PSICOTERAPEUTA TRANSPESSOAL ...................................


4.1. O tripé formador: teoria, trabalho transpessoal e supervisão experencial ....
4.1.1. A Teoria Transpessoal ........................
4.1.2. A Supervisão Experencial ....................
4.1.3. O Trabalho Transpessoal ..........................
4.2. O papel do terapeuta transpessoal .....................................

CAPÍTULO V: AS TÉCNICAS TERAPÊUTICAS TRANSPESSOAIS ...................


5.1. Clarificação e Leitura do Processo Terapêutico dentro das Cartografias
Transpessoais .........................
5.2. Técnicas envolvendo morte-e-renascimento psicológico do ego .....................
5.2.1. Morrer e renascer ........................................
5.2.2. Psicodrama do nascimento ...............................
5.2.3. Visualização do próprio esqueleto .........................................
5.3. Meditação ...........................................
5.3.1. O tigre ..................
5.3.2. O uso da meditação com mantras em terapia ............
5.3.3. Redução da ansiedade, redirecionamento motivacional e contato com a
sombra .......................
5.3.3.1. Os obstáculos-pedra como feedback para o crescimento .........
5.3.3.2. Tocando e liberando amorosamente a experiência de ansiedade ...
5.3.3.3. Amplie o contato com o corpo ..........................................
5.3.3.4. Exercício de ampliação da percepção ............................
5.4. Exercícios psicofisicos. .........................
5.4.1. Asanas .................................
5.4.2. Toques corporais ..............................
5.4.3. Manobras de desbloqueio ..............................
5.5. Sonhos Inacabados .......................
5.6. Jornadas de Fantasia ..............
5.6.1. Técnica da fogueira ...................
5.6.2. Técnica Isto é Real X Isto é Fantasia ................
5.6.3. Técnica do túnel ..................
5.6.4. Vivências da semente no seio da terra ....................
5.6.5. Vivência da programação da própria morte .........
5.6.6. A impermanência e a interdependência ..............
5.6.7. A mensagem do mito ............
5.6.8. O templo interior .............
5.6.9. Desidentificação dos corpos ou centramento no eu superior ....
5.6.10. Jornada para além do jardim ........................
5.6.11. Curando e ampliando os vínculos familiares ................
5.6.12. Identificando recursos ...........................................................
5.6.13. Exercitando o desapego do ego ..............................................
5.6.14. Focalizando um problema I e II
5.6.15. Trabalhando a culpa
5.6.16. Vivência de perda de uma situação
5.6.17. Trabalhando bloqueios, gestalts abertas
5.7. Técnicas Regressivas ...........
5.7.1. Regressão baseada em associações .........................
5.7.2. Regressão a partir de sintomas físicos e psíquicos .......................
5.8. Técnicas envolvendo práticas respiratórias. .....................
5.8.1. Técnicas respiratórias redutoras de ansiedade e estresse ..........
5.8.1.1. Dissolver tensões, dores, desconforto ou incômodos localizados

5.8.1.2. Adote expirações regulares

5.8.1.3. Três respirações calmantes


5.8.1.4. Concentração sustentada na respiração
5.8.1.5. Primeira respiração, última respiração
5.8.1.6. Respiração para cura de si mesmo e controle das emoções
5.8.2. Técnicas respiratórias ativadoras de energia ...............
5.8.2.1. Respiração de poder ...............................
5.8.2.2. Respiração para soltar e ativar tensões
5.8.2.3. Hiperventilação ....................................................
5.9. Desenho do mandala como recurso na Psicoterapia Transpessoal
5.9.1. A técnica do desenho do mandala no contexto da psicoterapia
transpessoal......................
5.10. Exercícios de desindentificação da auto-imagem .......................
5.10.1. Exercício da berlinda ................................................
5.10.2. Exercício de projeção dos cinco papéis ....................................
5.10.3. Desidentificação de personagens internalizados ou sub-personalidades

CAPÍTULO VI: CONCLUSÃO .............................................................................

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. .....................................................................


INTRODUÇÃO

Aqueles que conhecem os outros são sábios.


Aqueles que se conhecem são iluminados.
Lao Tsu1

Há uma lenda milenar que por um movimento sincrônico veio parar em nossas mãos. Ela
estava escrita em um pedaço de jornal que alguém apressado, por causa da chuva torrencial que
caía sobre a cidade, acabou deixando preso ao teto de um veículo. Esta lenda falava de um rei
frígio chamado Górdio que lançara um desafio aos habitantes de sua cidade: desatar o nó que
ligava a direção de seu veículo. Muitas foram as tentativas para desatá-lo, tendo diversos
homens perdido a honra por não haver conseguido.
No entanto, certo dia, apareceu um jovem chamado Alexandre, conhecido mais tarde na
História como “Alexandre, o Grande”, que, com sua espada, cortou o nó ao meio. Da platéia
surpresa, ouviu-se dizer que aquela forma não era válida, já que o nó não tinha sido desatado e
sim cortado. Ao que Alexandre sabiamente respondera: - Para desafios novos temos que usar
novas soluções.
Assim, também surgiu a Psicologia Transpessoal: uma nova solução para um novo
desafio que eclodiu nos Estados Unidos com os movimentos da “Nova Era” expressos no
mergulho no mundo dos alucinógenos - amplificadores e alargadores dos estados de consciência
- nas amplas perspectivas terapêuticas alcançadas com o uso de práticas orientais, bem como na
busca de sentido para uma gama de fenômenos que até então estiveram fora do âmbito do
estudo da psicologia ou foram catalogados como patológicos.
Em termos mais amplos, a Psicologia Transpessoal aparece como a espada de
Alexandre2, ajudando a abrir um imenso flanco na cultura newtoniana-cartesiana, rompendo
com os modelos dominantes em psicologia, no que diz respeito à redefinição do homem e sua
relação com o meio, implementando assim as sementes da integralidade, no qual as divisões são
substituídas por uma visão integrada da realidade e o homem compreendido numa rede
ecológica que em suas últimas conseqüências ampliar-se-ia até o Kosmos3.
Em diversos pontos e em várias áreas do saber humano “a espada” continuou a desfazer
“os nós górdios”, criando uma verdadeira “conspiração aquariana”, conforme está descrito por
Ferguson (1981).
Avaliando as profundas mudanças que ocorreram a partir da virada do século XIX, mais
pronunciadamente dos anos 50 em diante, percebemos, no contexto social, político e em todos

1
Citado em Perry, W. (1981).
2
A “espada de Alexandre” é usada aqui para simbolizar “um clarão de gênio”, conforme indica Chevalier e
Gheebrant (1989).
3
Kosmos com “K” é utilizado para indicar Totalidade conforme aponta Wilber (2002).
os campos da atuação humana, que se iniciou uma corrida louca para assegurar o direito de ser
feliz e saudável. A Sociedade Ocidental, conforme destaca Vasconcelos (1992), gradativamente
redefiniu a saúde mental como uma necessidade social global e imediata, e não uma conquista
particular de um indivíduo ou de possíveis ganhos imaginários apoiados em sonhos futuros. A
necessidade de presentificar a saúde mental em estratégias concretas no nível de políticas
públicas tornou-se pauta de discussões.
Como podemos perceber, iniciou-se de forma ampla e dinâmica um repensar da
concepção de cidadania: organizaram-se movimentos políticos sociais em defesa das classes
consideradas oprimidas expressos em defesa da mulher, do homo-erotismo, dos negros, e
outros.
As camadas populares, sempre excluídas pela classe dominante do processo de
construção social, organizam-se em comissões de bairros e conselhos de moradores numa
tentativa de emergirem da alienação e passarem a participantes do processo sócio-político.
Ergueram-se escolas com uma política de resgate da identidade popular e de valorização do
indivíduo, sendo posta abaixo a tese da evasão escolar, ficando demonstrado que as crianças
não se evadiam e sim eram expulsas por não se adaptarem à ideologia dominante que as
preparava para servidão.
Em meio a esses profundos vieses transformadores, tivemos no Brasil a regularização da
Psicologia como profissão em 1962, copiando os padrões hegemônicos europeus e norte-
americanos, privilegiando o modelo do profissional liberal clássico. Modelo este que no
presente momento se encontra em crise devido à mobilização das camadas sociais provocada,
por sua vez, pelas mudanças econômicas e políticas que repercutem no contexto sócio-
relacional, suscitando mudanças e exercendo, de certa forma, uma pressão sobre os poderes
públicos no sentido de redefinir o atendimento das necessidades coletivas no âmbito das
políticas sócio-administrativas, principalmente no que se refere à saúde numa visão mais ampla,
à educação e a outras áreas essenciais para qualificar as condições de vida a nível físico e
mental.
Como podemos perceber, é dentro destas profundas transformações globais, talvez
estimuladas por elas, que a Psicologia Transpessoal desponta. E por sincronicidade de
movimento isto ocorreu no momento em que a psicologia no Brasil surgia como profissão.
Sendo assim, de um lado, vemos o nascimento de uma “nova era” com o paradigma
transpessoal e do outro, a busca da afirmação de um espaço sócio-político, manifesto na
consolidação da psicologia como profissão. Neste sentido, o presente livro busca circunscrever
o espaço da Psicologia Transpessoal, seja definindo-a, historiando-a ou levantando pontos
centrais no seu já extenso corpo teórico, ao mesmo tempo em que busca consolidá-la no espaço
sócio-político da psicologia brasileira.
Com estes objetivos, o primeiro capítulo busca responder o que é a Psicologia
Transpessoal, situando suas origens históricas no contexto internacional e nacional, o seu objeto
de estudo, apontando ainda os conceitos básicos e discutindo sua cientificidade.
O campo de abrangência da psicologia transpessoal encontra-se delineado no segundo
capítulo.
No terceiro capítulo, explicitamos alguns sistemas psicoterapêuticos transpessoais e seus
pressupostos básicos e no quarto capítulo abordamos o tripé formador: teoria, trabalho
transpessoal e supervisão experiencial na formação profissional e o papel do psicoterapeuta
transpessoal.
O quinto capítulo trata das técnicas psicoterapêuticas, sendo apresentadas aquelas mais
utilizadas pelos autores.
Por fim, este trabalho propõe-se à introdução no mundo regulamentar da Psicologia
Transpessoal, esclarecendo o que lhe pertence e rompendo com suas distorções. É a
materialização de sonhos pelos frutos concretos de anos de experiência profissional: clínica,
hospitalar, ambulatorial, comunitária, e de ensino desta especialidade; também de contínua
vivência terapêutica no papel de cliente e permanente aprendiz da abordagem transpessoal
como norte existencial. Supõe-se ter havido uma "conspiração cósmica" na concretização deste
trabalho, haja vista que a sua proposta parece atender à semeadura de uma nova civilização, em
um tempo de mudanças. A revolução interior em busca do Ser Integral tem na Psicologia e
Psicoterapia Transpessoal um veículo acionador, e urge divulgá-la e esclarecê-la para que mais
pessoas venham a se beneficiar desta abordagem nos novos tempos.
CAPÍTULO I

O QUE É PSICOLOGIA TRANSPESSOAL?

Ao Mestre Interior
Oh, Ser alado de luz!
Minha alma sedenta
Eterno viajante
Te busca por eons sem fim
Entre miríades de galáxias
Perambulando por espaços estelares
E por caminhos diversos
Andei te procurando
Agora, não te ocultes mais de mim.
Não viverei sem tua presença
Estou renascendo das cinzas de tantas mortes
remanescentes da luta inglória
Recebe agora meu corpo frágil
Como um cálice aberto
A ti me entrego apenas para servir
Derrama o néctar sagrado
Do teu infinito amor
Invade sem demora as entranhas do meu ser
Não me deixes perder nesta noite escura
Deixa-me alçar o vôo celeste
Nas asas luminosas das tuas vestes
Para o espaço vazio do meu Ser - eterna e imortal
chama Divina.
( Eliége Brandão )

O interesse do homem por conhecer-se vem das mais remotas eras. Desde as culturas
pré-históricas, passando pela Grécia antiga até os dias atuais, trilhando os mais diversos
caminhos e usando das mais variadas formas, o ser humano busca compreender a si mesmo e
resgatar sua origem, perseguindo o estado de plenitude.
Como na escalada de uma montanha, o indivíduo veio subindo passo a passo, buscando
atingir sua completude. Embora a cada passo vislumbrasse uma parte do enigma, não consegue
desvendar o "Todo". Como na metáfora dos cegos que buscam definir o que é um elefante a
partir do contato limitado com apenas uma de suas partes, cada aspecto percebido configura-se
como verdadeiro, mas não revela a totalidade.
Procurando a cura para seus males, o homem dividido, sentindo-se distanciado da sua
essência, tentou juntar seus “pedaços” dispersos nos entremeios da visão dualista, newtoniano-
cartesiana, e, então, nas igrejas, nos templos, nas sinagogas, nos mosteiros e nos terreiros
tentava reencontrar sua fatia divina (transcendente) através de ritos considerados sagrados.
Cônscio de que não é apenas a conseqüência de instintos e pulsões (Freud) nem somente
o resultado dos condicionamentos (Skinner) tampouco manietado pelas satisfações meramente
sociais (Adler), seus anseios se aprimoraram da direção horizontal à vertical para daí ampliar a
consciência na abrangência de todos os sentidos e dimensões, como tão bem definiram os
estudiosos Freud, Skinner e Adler, cada um a seu tempo, enquanto expoentes da ciência.
Investigando e estudando cientificamente os variados estados de consciência, os teóricos
da Psicologia Transpessoal a colocam como uma das áreas mais novas da ciência do
comportamento, embora e de certa forma já fosse praticada há mais de 5.000 anos pelos antigos
egípcios, pelas civilizações pré-colombianas na América, também na Índia e no Tibete.
O pragmatismo desses povos antigos, porém, não conferia condição de ciência às
práticas denominadas hoje transpessoais. Coube, então, a psicologia como ciência decodificar,
experimentar, observar, catalogar e tratar dentro do aprouch científico para novamente codificar
a partir do contexto da ciência do comportamento, e sistematizar aquelas técnicas que
interferem no estado mental das pessoas, ampliando e transformando suas consciências no
sentido de proporcionar equilíbrio mental, saúde, bem estar, senso de plenitude e, sobretudo,
uma nova percepção de si próprio, do mundo e da realidade no âmbito das percepções
holográficas ou integrais.
É inegável a grande influência que as disciplinas e práticas orientais como o yoga, a
meditação e as práticas budistas trouxeram para a Psicologia Transpessoal, desde os anos
sessenta, quando a cultura ocidental foi, beneficamente, contagiada pelas filosofias asiáticas.
Nesse período, também as técnicas corporais em psicoterapia foram grandemente enfatizadas,
validando-se, sobremaneira, a liberação do prazer sensorial, sem incluir, no entanto, a dimensão
espiritual do indivíduo. E, quanto mais reforço se imprimiu à personalidade, à persona, mais
identificação com o ego e a auto-imagem; mais apego e mais sofrimento pelo medo da perda, da
morte, da finitude do ser biológico, quando se lhe exclui a capacidade de transcendência.
Na visão dualista corpo versus mente, a dimensão espiritual continuava alijada do
contexto humano. E as terapias psicológicas ainda seguiam a dicotomia espírito versus matéria
como dois departamentos isolados entre si; esquecidos, como enfatiza Ram Dass4, de que não
somos um corpo que tem um espírito, mas sim, um espírito que temporariamente possui um
corpo.
A Psicologia Transpessoal nada exclui, pelo contrário, inclui todas as dimensões do ser
humano, propiciando-lhe, enquanto abordagem psicoterápica, meios para enfrentar o sofrimento
e transcender sua identidade egóica, fonte permanente desse sofrimento. Admitimos que a
dificuldade existente ainda hoje das universidades brasileiras adotarem a Psicologia
Transpessoal em seus currículos, nos cursos de formação de psicólogos, resulta não apenas da
desinformação nos meios acadêmicos, mas, principalmente, da mudança de paradigma, no que
se refere ao conhecimento da dinâmica psíquica, e da visão de mundo propostas pelas visões
não-duais.

4
Richard Alpert, mais conhecido no meio transpessoal como Ram Dass, comunicação no Congresso de
Manaus-AM.
Não obstante essa resistência, é notório que a atual vigência do novo paradigma
científico, com o advento da Física Quântica, vem respaldar a visão integral da Psicologia
Transpessoal, conferindo-lhe o escopo de credibilidade nos meios científicos mais adiantados.
Como antes já referido, o interesse do homem pelo mundo mental sempre esteve
presente ao longo da história da humanidade; as manifestações mais antigas da presença
humana sobre a terra expressam a busca pela compreensão desta área desconhecida e fascinante
da vida.
O mito grego de Eros e Psique5 talvez traduza uma das metáforas mais bem trabalhadas
pela cultura ocidental para simbolizar a mente humana. Interpretemo-lo, sucintamente, sob a
ótica transpessoal, mais especificamente a partir da cartografia wilberiana (ver item 1.3.3. deste
livro), de forma a percebermos que os constructos téoricos que sustentam as “psicologias”,
através de suas visões de mundo e dos sentidos atribuídos ao ser humano e, conseqüentemente,
ao seu funcionamento mental, refletem as possibilidades de expressão oferecidas pelos aparatos
simbólicos, bem como pelo nível de consciência possível dentro de uma rede cultural de
relações que privilegia determinados aspectos como foco de estudo em detrimento de outros.
De início, é importante salientar que este mito traduz um percurso da dualidade (divisão
Eros x Psique) para unidade (casamento Eros x Psique), expressando o percurso de tomada de
consciência ou jornada rumo a níveis de funcionamento psíquico mais harmonioso. Vejamo-lo:

“A beleza de Psiqué fez com que se esquecesse Afrodite. Seus templos foram
fechados e abandonados e de todas as partes acudiam forasteiros para ver e
reverenciar não mais a mãe do Amor, mas uma mera princesa.
Irritada com a competição e com o desleixo de seu culto, a deusa pediu a seu filho
Eros para vingá-la e destruir a jovem beldade, fazendo-a casar-se com o mais
repulsivo dos homens.”

Neste ponto do mito, os gregos expressam a dimensão inicial da construção egóica, a


partir dos espelhamentos dos desejos dos outros. Dimensão que assusta e desperta, nos
forasteiros, amor, mas ao mesmo tempo atrai a ira das “deusas”, que buscam confrontar os
mortais, impondo-lhes provas necessárias às transformações egóicas. Ainda neste ponto, Psiqué,
por se encontrar dividida, metaforicamente incorpora o lugar do ego, fruto das identificações
imaginárias, portanto miragem de ilusão e sedução que, quando tem necessidade de encontro
com o oposto (sombra), aqui representado pelo mais “repulsivo dos homens”, sente-se
ameaçado de morte.
O nível do ego encontra-se aqui manifesto em Psiqué como a faixa da consciência que
compreende o nosso papel, a auto-imagem com os seus aspectos conscientes e inconscientes,
bem como a natureza analítica e discriminativa do intelecto, da nossa mente, e daquilo que
sentimos quando nos identificamos com qualquer papel ou imagem particular.

Temendo pela filha, o rei consultou o oráculo e este a condenou às núpcias da


morte: Sobre um rochedo escarpado, suntuosamente ataviada, expõe, ó rei, tua
filha, para as núpcias da morte...

5
Os trechos do mito “Eros e Psiqué” citados no texto encontram-se em Brandão, 1992, pp. 220 - 221.
Em obediência ao oráculo, os pais abandonaram a jovem às núpcias da morte
com o monstro, mas surpreendentemente Psiqué é levada pelo vento Zéfiro para um
palácio encantado, onde passa a desfrutar uma vida paradisíaca com Eros, seu
amante invisível.
As irmãs mais velhas, corroídas de ciúme e inveja, resolvem destruir o idílio da
caçula. Não obstante as contínuas advertências do marido, ela decide, a conselho
das irmãs, surpreender o monstro dormindo e matá-lo.

A passagem de nível de ego para o existencial, no mito, dá-se quando Psiqué levada a
um casamento com sua sombra, vivencia uma experiência de morte e renascimento psicológico
(Rapto de Zéfiro), consolidando o princípio do surgimento de uma visão de organismo total
(encontro com Eros). No entanto este “encontro” não propicia um casamento (quebra da
dualidade), ao contrário solidifica um sentimento persistente e irredutível de que existe uma
consciência separada de suas experiências, Psique apesar de estar junto a Eros não consegue
percebê-lo. O nível existencial não exclui as manifestações egóicas anteriores que continuam a
existir (aqui representadas pelas irmãs mais velhas de Psique) e buscam apontar a dualidade
ainda presente em Psique que não consegue perceber seu amante invisível.

Executado o plano diabólico, Psiqué vê a seu lado o próprio Eros, por quem se
apaixona loucamente. Uma gota de azeite fervente, porém, lhe cai no ombro.
O deus desperta e, sem dizer palavra, abandona a amante. Segue-se a busca de
Psiqué, sua luta contra a crescente ira de Afrodite e a execução das quatro tarefas
que a deusa lhe impõe. Abrindo a caixinha que lhe entregara Perséfone, a esposa do
filho de Afrodite mergulha num sono letárgico. Eros a salva, e, imortalizada por
Zeus, é festejada no Olimpo como esposa eterna do eterno Amor.”

Psiqué na busca pela integração e conhecimento do que já estava com ela (Eros) entra
em um longo processo de transformação, de enfrentamentos, até que a morte psicológica do ego
(sono letárgico) a conduz ao nível transpessoal da mente, ou seja, identificação com o Kosmos,
aqui representado pelo casamento com Eros e os festejos no Olimpo.
Assim, este mito pode ser visto como a forma de dar sentido a um mundo de crenças e
desejos do povo grego ao mesmo tempo em que o ajudou a construí-lo como tal. Ao longo da
história, diversas formas de compreender a mente humana foram elaboradas, e estas sempre
estiveram atreladas a uma forma de conceber o mundo. Sendo assim, pode-se dizer que “as
psicologias”, nas suas já clássicas divisões, surgiram atreladas a uma determinada visão de
mundo. Mundo este que precisa de sentidos para existir enquanto construção cultural.
Analisando como a cultura ocidental tem organizado sua concepção de mundo, Matos
(1992) destaca:

“No mundo ocidental científico atual reconhecemos a existência de duas


realidades básicas: a realidade cartesiano-newtoniana que assume que o universo é
composto por uma quase infinidade de objetos mais ou menos separados uns dos
outros; e a realidade da Física Moderna que assume e prova que o universo é como
uma teia de aranha gigantesca e dinâmica. Em outras palavras, que nesta realidade
mais profunda expressa pela Física Moderna, não existe a separação Sujeito x
Objeto, mas que tudo é simplesmente uma unidade dinâmica.” (p. 9)

Esta visão não dualista da relação sujeito x objeto, destacada pela Física Moderna,
rompe com as construções cartesiano-newtonianas que deram base à atual sustentação de
mundo da cultura ocidental, assim como serviram de alicerce para elaboração das diversas
“psicologias”. Os trabalhos da Física Moderna possibilitaram o surgimento de novas questões,
até então não levantadas dentro da perspectiva dualista, tais como: qual o impacto da quebra da
divisão sujeito x objeto sobre a mente humana? E em que tal impacto alteraria a construção de
mundo? Que concepções de subjetividade emergem de uma visão de mundo não dual?
A primeira reflexão que surgiu destas questões indicou a impossibilidade de
compreender a “unidade dinâmica”, apontada pelo modelo da Física Moderna, a partir do nível
de consciência ordinário (construído dentro do modelo dualista). Neste sentido, surgiram as
pesquisas (Grof, 2000 e Wilber, 1996) sobre os diferentes níveis de consciência, apontando que
a superação dos limites impostos pela nossa personalidade - construída de identificações
imaginárias, portanto fruto de divisões - a partir de tecnologias alteradoras da consciência,
possibilitavam o acesso a níveis de relações mais holísticas com o mundo e consigo mesmo,
propiciando, com isso, níveis de saúde mental mais satisfatórios.
Beneficiando-se das descobertas da nova Física e buscando analisar seu impacto na
mente humana - principalmente no que diz respeito aos diferentes níveis de consciência
produzidos pela presença de determinada forma de ver o mundo (cartesiana-newtoniana x
“unidade dinâmica” da Física Moderna), bem como às tecnologias alteradoras de consciência e
suas repercussões na construção de um novo sentido para o mundo - organizou-se a Psicologia
Transpessoal, como um ramo da Psicologia especializado no estudo dos estados de consciência,
mais especificamente da “consciência cósmica”, ou estados ditos “superiores”, “ampliados” ou
"transpessoais" da consciência que podem ser compreendidos como:

“... entrada numa dimensão fora do espaço-tempo tal como costuma ser
percebida pelos nossos cinco sentidos. É uma ampliação da consciência comum
com visão direta de uma realidade que se aproxima muito dos conceitos da física
moderna” (Weil, 1990a, p.9)

Como se pode perceber, a Psicologia Transpessoal surgiu em resposta às incongruências


dentro do modelo tradicional, numa tentativa de integrar possibilidades de uma maior
capacidade humana na corrente principal das disciplinas comportamentais e de saúde mental do
Ocidente.
Tendo como alvo expandir o campo da pesquisa psicológica, incluindo áreas da
experiência e do comportamento humano associadas à saúde e ao bem-estar extremo, a
Psicologia Transpessoal desponta como movimento sistematizado a partir de 1969. Com a
formação da Associação de Psicologia Transpessoal e a publicação de sua revista, nasceu uma
primeira definição de Psicologia Transpessoal; assim expressa Sutich (1969) apud Weil
(1990a):

“Psicologia Transpessoal (ou “Quarta Força”) é o título dado a uma força


emergente no campo da psicologia, representada por um grupo de psicólogos e
profissionais de outras áreas, de ambos os sexos, que estão interessados naquelas
capacidades e potencialidades ÚLTIMAS que não possuem um lugar sistemático na
teoria positivista ou behaviorista (“Primeira Força), na teoria psicanalítica
clássica (“Segunda Força”), ou na psicologia humanística (“Terceira Força”).
(P.29)

Para sintetizar a definição dada por Sutich, Matos (1992) assim se expressa:

“A Psicologia Transpessoal estuda especialmente estados de consciência e se


interessa especialmente pelo estudo de estado de consciência transpessoal.” (p. 9)

O termo transpessoal6, cuja origem é atribuída a Carl Jung e Roberto Assagioli, foi
adotado depois de uma considerável deliberação em torno dos relatos de praticantes de várias
disciplinas da consciência que falavam de experiência de uma extensão da identidade para além
da individualidade e da personalidade.
Sendo assim, a Psicologia Transpessoal é, antes, um instrumento de pesquisa da natureza
essencial do ser, e

“... não é um ramo da Psicologia que lida com o misticismo, cristais, florais, tarô e
outras práticas. É um desdobramento histórico-científico das três escolas
(Behaviorismo, Psicanálise e Humanismo) que a precederam.” (Gonçalves Filho,
1995 p. 9)

Conforme indica Vaughan e Walsh (1995):

“A psicologia transpessoal está voltada para a expansão do campo da pesquisa


psicológica a fim de incluir o estudo da saúde e do bem-estar psicológico ótimos.
Ela reconhece o potencial da vivência de uma ampla gama de estudos de
consciência, em alguns dos quais a identidade pode estender-se para além dos
limites usuais do ego e da personalidade.” (p.18)

No que diz respeito à psicoterapia transpessoal, os autores citados por último concluem
que ela:

“... inclui áreas e preocupações tradicionais, às quais acrescenta o interesse em


facilitar o crescimento e a percepção para além dos níveis de saúde
tradicionalmente reconhecidos. Reiteram-se nela a importância da modificação da
consciência e a validade da experiência e da identidade transcendentais.” (p.18)

Ainda na lição de Vaughan e Walsh (1995) quando destaca as pesquisas de Stanislav


Grof acerca das experiências transpessoais, têm-se que:

6
Para maiores detalhes sobre a história da evolução do termo Transpessoal, ver Cap.I, item 1.1.
“...essas experiências envolvem uma expansão da consciência para além das
fronteiras costumeiras do ego e para além das limitações comuns de tempo e de
espaço. Em suas pesquisas com a psicoterapia do LSD, Grof observou que todos os
sujeitos terminavam por transcender o nível psicodinâmico e penetravam nos
domínios transpessoais. Esse potencial também pode ser alcançado sem produtos
químicos, seja espontaneamente, pela prática de várias disciplinas da consciência -
por exemplo, meditação e ioga -, ou na psicoterapia avançada” (pp.18 e 19)

Tem-se assim de forma resumida a definição do que os autores entendem por


“identidades transcendentais”, que seria a “expansão da consciência para além das fronteiras
costumeiras do ego e para além das limitações comuns de tempo e de espaço”. O que permite
transcender o nível psicodinâmico e penetrar nos “domínios transpessoais”. Como se pode
perceber não é algo sobrenatural, ou seja, de ordem não humana. Os produtos químicos, a
prática de várias disciplinas da consciência - por exemplo: meditação e yoga -, ou a psicoterapia
avançada, são alguns modificadores da consciência apontados.
Conforme indica Tabone (1995):

“O reconhecimento da existência do nível transpessoal da consciência e das


experiências ligadas a esse nível, entendidas como aspectos intrínsecos da natureza
humana e de que todo indivíduo tem o direito de escolher ou de modificar o seu
“caminho” para atingir os objetivos transpessoais, foi fundamental para o
desenvolvimento da “quarta-força”. (p. 97)

Analisando os estudos de Grof (1984a), Tabone destaca que o enfoque na experiência de


ordem espiritual, compreendida por nós como o estudo do sagrado, marcaram o ponto de
transição entre a psicologia humanista e a transpessoal, e apresenta-se como um dos interesses
de pesquisa desta última.

“Como conseqüência dessa aceitação e da importância atribuída à dimensão


espiritual da vida humana, vários psicólogos humanistas passaram a se interessar
por uma série de estudos até então negligenciados pela Psicologia Humanista, tais
como: o êxtase, as experiências místicas, a transcendência, a consciência cósmica,
a teoria e a prática de meditação e a sinergia interindividual e interespécies.”
(Grof, 1984, apud Tabone, 1995, p. 97)

O estudo do sagrado, como ponte de transição entre a psicologia humanística e a


transpessoal, caracteriza-se por outra forma de compreender o surgimento da Quarta Força em
Psicologia. Palco de imenso cabedal de práticas, estudos e pesquisa, o sagrado esteve por
muitos séculos como foco central de inúmeras reflexões filosóficas e religiosas. O campo
científico também não ficou insensível a tal dimensão, podendo-se destacar na área psicológica
as contribuições de Maslow (1964),Viktor Frankl (1971), Jung (1979), Rogers (1983), William
James (1991), Assagioli (1992), entre outros.
Desvinculando-se da religião, o conceito de sagrado, conforme se encontra apresentado
por Mircea Eliade, no prólogo de sua “História das Crenças e das Idéias Religiosas”, defende
que:
“... é difícil imaginar como poderia a consciência aparecer sem conferir uma
significação aos impulsos e às experiências do homem. A consciência de um mundo
real e significativo está intimamente ligada à descoberta do sagrado. Pela
experiência do sagrado, o espírito humano captou a diferença entre o que se revela
como real, poderoso, rico e significativo, e o que é carente dessas qualidades, ou
seja, o fluxo caótico e perigoso das coisas, seus aparecimentos e desaparecimentos
fortuitos e vazios de sentido... Em suma, o ‘sagrado’ é um elemento na estrutura da
consciência, e não uma fase da história dessa consciência”. (Eliade, Mircea; apud
Omnés, Roland, 1996)

E isto nos possibilita o rompimento com as dicotomias que põem sagrado e científico em
pólos opostos, de forma que o primeiro fica a cargo dos religiosos e o segundo dos homens de
ciência.
Neste sentido, considerando-se o sagrado como “elemento na estrutura da consciência”,
surgiu a Psicologia Transpessoal com um corpo teórico que busca dar conta de uma imensa
gama de fenômenos, até então não valorizados pelas teorias que lhe antecederam. Estes
fenômenos encontram-se catalogados em inúmeros estudos, e seus discursos encontram
ressonância nos conceitos apresentados pela Física Moderna (Weber, 1989; Capra, 1983).
Sem cair nos reducionismos ou mesmo no corporativismo que marcam a maioria das
tendências em psicologia, a Psicologia Transpessoal busca fazer uma síntese das diversas
contribuições das tendências terapêuticas. Seguindo esse curso, ela abriga no seu bojo os
diferentes ramos do saber psicológico donde se destacam aspectos da psicologia no âmbito
experimental, fisiológica, patológica, clínica, evolutiva, behaviorista, gestaltista, psicanalítica,
existencial e humanística. Esta integração propõe uma conexão, na qual os recursos destas
disciplinas com suas respectivas tecnologias são agregados sem esfacelamentos. Desse modo,
foge-se do ecletismo, que poderia ser identificado como o uso isolado de técnicas e recursos de
diversas disciplinas sem fins de conectividade.
Na Psicologia Transpessoal, por reconhecer-se a amplitude do mundo psíquico com uma
cartografia que abrange desde o nível perinatal ao nível transpessoal, busca-se romper com uma
visão fragmentada de mundo, herança do pensamento newtoniano-cartesiano que gera
onipotência e isolacionismos entre os diversos ramos do saber. No que diz respeito a seu
modelo adotado, se pode entender que:

“... psicologia transpessoal é muito semelhante ao modelo quantum-relativismo


da Física moderna sub-atômica..., modelos que procuram apresentar um ponto de
vista integrado da teoria de quantum e relatividade.... O universo todo
(matéria/energia) é uma entidade dinâmica em constante mudança num todo
indivisível.” (Matos, 1992, p.11)

Dessa visão emerge uma proposição holística de mundo, de tal forma que a colaboração
entre escolas tradicionalmente oponentes incorpora-se no cenário transpessoal.
No trabalho transpessoal, quanto mais ampla e integrada for a visão do terapeuta acerca
das possibilidades disponíveis nos diversos ramos do saber, mais ampla será sua possibilidade
de atuação. Uma marca do terapeuta transpessoal deve ser a flexibilidade e a capacidade de
abertura para o novo, mesmo que este desafie suas idéias correntes.
Tendo ressonância num paradigma emergente, a Psicologia Transpessoal não se propõe a
ser um sistema fechado, nem um substituto para o velho, isto é, não tem como objetivo fechar-
se ou dominar frente a uma visão de mundo que sustente uma verdade única. O auto-
enriquecimento, através da autocrítica, marca seu modo de produzir o saber, de forma que a
expansão de novas tecnologias no estudo do homem são requeridas e experienciadas.
Por esse caminho, mesmo as construções cartográficas já estabelecidas, como as de Grof
(1988), Assagioli (1992), Wilber (1996) são vistas como norteadoras de processos, e não como
verdades a serem seguidas rigidamente. Elas apresentam seus valores a partir do momento em
que ampliam as perspectivas de trabalho e sistematizam uma gama imensa de fenômenos. Mas,
por serem elaboradas em determinado nível de consciência, atendem a uma faixa de
experiência, não se propondo a dar conta de todo o fenômeno humano.
Em síntese, a Psicologia Transpessoal surgiu como um desdobramento histórico das
psicologias anteriores, mais especificamente da Psicologia Humanística, de onde saiu a maioria
de seus fundadores. Propondo-se ao estudo dos estados de consciência, com ênfase nos estados
de consciência transpessoal, este novo ramo da psicologia, também denominado “Quarta Força
em Psicologia”, estabelece uma conexão entre existencialismo, fenomenologia, humanismo e as
mais recentes descobertas nos diversos campos do saber humano.
Quanto às pesquisas desenvolvidas, estas buscam resgatar o ser humano em sua
dimensão de totalidade (ser bio-psico-social, cósmico e espiritual). Para tanto, adota uma larga
faixa de possibilidades de aplicação, incluindo as áreas tradicionais da psicologia (industrial,
clínica, escolar, social), nas quais abre novos leques com estudos nas áreas comunitária,
hospitalar, ambulatorial, tanatológica, ecológica, além da educação para a paz.

1.1. Origens Históricas da Psicologia Transpessoal


O passado é história.
O futuro, mistério.
Este momento é uma dádiva.
E por essa razão o chamamos “o presente”.
- Autor desconhecido

A breve análise histórica das origens da Psicologia Transpessoal será feita com a ajuda
do mito de Psiqué, anteriormente relatado, de forma que a passagem de uma época para outra
será marcada por um subtítulo que tenta expressar o percurso do nascimento até o casamento de
Psiqué. A metáfora deste casamento será utilizada, aqui, para expressar o surgimento da
Psicologia Transpessoal.

1.1.1. Raízes históricas no contexto internacional

DA PRÉ-HISTÓRIA AO MUNDO ANTIGO: PSIQUÉ VAGUEIA SEM NOME E


SENTA-SE EMBAIXO DA ÁRVORE BODHI
A busca pela transcendência sempre ocupou um largo espaço nas manifestações culturais
humanas. As pinturas rupestres nas cavernas de Altamira e Lescaux, datadas de 20.000 a.C.,
assim como os ritos religiosos de sociedades primitivas orientais e ocidentais são marcas que
refletem esta preocupação. Os antropologistas catalogaram diversas dessas manifestações ao
longo da História, formando um largo acervo que busca dar conta da relação do homem com o
que hoje se denominam valores de transcendência.
Entre estes achados, destacamos as sepulturas do homem de Neanderthal (100.000 a.C.),
a partir das famosas escavações na caverna de Shanidar, no Iraque, que mostraram evidências
de ritos funerários dos neandertaleses os quais incluíam festas, flores e alimentos, assim como
túmulos cuidadosamente preparados e assinalados.
Jones (1976) assinala a descoberta de esqueletos do Homem do Cro-Magnon, enterrados
na posição fetal. Após a analise de tal prática, chegou-se à conclusão de que a forma do enterro
estava vinculada à crença de que tal posição facilitaria o retorno do espírito do morto, bem
como servia para estabelecer vínculos emocionais e de pertencimento entre a comunidade e um
aplacamento da ansiedade frente à finitude.
Os xamãs sempre ocuparam um lugar de destaque entre as culturas antigas como
responsáveis pela saúde mental e espiritual da população, usando para isso o contato com as
entidades supranormais, sejam estas fantasmas dos mortos, espíritos das plantas, animais, rios
ou montanhas. Em reforço a esta idéia destacamos o trabalho de Gould (1968), no qual o autor
cita as observações do antropólogo Andrew Lang e do etnólogo Max Lang em tribos da
Polinésia, bem como o trabalho de Eliade (1998) considerado clássico nessa área.
Entre os antigos babilônios, egípcios e persas, há a presença marcante de fenômenos que
hoje seriam denominados de consciência transpessoal. O “Livro Egípcio dos Mortos” com seus
textos fúnebres (escritos para NesiQuensu, Querasher e Taquert-p-uru-abt), hinos, orações e
palavras de poder é um verdadeiro tratado de tanatologia e de valorização da vida, a partir do
encontro com a morte e a transformação que ela provoca.
No hino de louvor a Rá, Osíris, o escriba Ani, assim expressa esta transformação:

“Homenagem a ti, (2) ó Rá, quando te levantas. ...És adorado [por mim quando]
tua pulcritude está diante dos meus olhos e [quando teus] (3) raios [caem] sobre o
[meu] corpo. ...Ó tu que és belo de manhã e à tarde, ó tu que vives e estás instalado,
ó meu senhor!
Homenagem a ti, ó tu que és Rá quando te levantas, e (7) Tem quando te pões
magnífico. Levantas-te e brilhas nas costas de tua mãe [Nut], ó tu que foste coroado
rei (8) dos deuses! ...Brilha com teus raios de luz sobre o meu corpo dia após dia
(15)...” (Budge, 1985, pp. 160, 161)

Vem da Índia antiga o cenário onde Psiqué surge, sendo o Tantrismo Shivaista um berço
fecundo para seu desenvolvimento, inclusive do modelo de consciência a partir da noção de
Chakras, vórtices energéticos de natureza psicofísica responsáveis pelos processos mentais,
emocionais e sutis. A sofisticação destes modelos de consciência tem sido resgatada pelas
pesquisas transpessoais, na atualidade, numa tentativa impar de romper com o silêncio
etnocêntrico em relação a outros modelos de mente diferentes dos ocidentais.
Na cidade de Bodhigaia, sob o sol brilhante da manhã indiana, o jovem príncipe Sidharta
senta-se debaixo de uma árvore da espécie Bodhi e faz a motivação de só levantar depois de ter
compreendido o funcionamento de Psiqué. Ele que tinha experienciado os extremos, do
hedonismo à negação completa dos sentidos, tem sua noite povoada de encontros com os
conteúdos de sua mente, até que ao alvorecer toca na estrutura produtora de Psiqué, apontando
o caráter ilusório desta.
O jovem “desperta”, daí ter recebido o nome de Buda, o desperto, ou seja, aquele que vê
além das construções ilusórias, além de maya (a dimensão ilusória). Quando o Buda se levanta,
passa a dedicar-se ao ensinamento sobre a origem, a causa e a cessação do sofrimento,
apontando ao final um caminho de oito passos para sua superação. Desta experiência, brota uma
das mais sofisticadas formas de compreensão da mente humana e talvez um dos primeiros
tratados sobre a mente com uma compreensão transpessoal: O Abhidharma.
Já no Abhidharma, Psiqué é representada em seus processos de construção e
desconstrução denominados “Os doze elos da originação interdependente”. Nele os níveis
transpessoais de desenvolvimento da consciência são delineados, oferecendo uma visão das
emoções destrutivas e o percurso da formação da noção de identidade.
Uma longa tradição de filósofos orientais debruçou-se sobre a mente, produzindo uma
longa literatura que só agora começa a chegar ao ocidente através dos teóricos transpessoais. Os
trabalhos de Wilber (2002), Varela, F.J. & Thompson, E. e Rosch, E. (2003), Goleman (1999a,
1999b) e Epstein (2001, 2003) são exemplos da riqueza teórica oferecidas pelas tradições
budistas no contato com a cultura ocidental.
No Ocidente, contudo, o etnocentrismo, aliado à dificuldade de acesso à literatura
oriental, tem nos conduzido a uma visão de que Psiqué teve seu nascimento junto com a
filosofia grega. No entanto, os modelos de desenvolvimento e as teorias da mente produzidas
nos meios transpessoais apontam para riqueza das teorias orientais, que precisam ser revistas de
forma autêntica e livre de preconceitos.

A GRÉCIA: O NASCIMENTO DE PSIQUÉ

É na Grécia que nasce a idéia de Psiqué, alma, através do contato com as experiências de
morte e nascimento, sonhos e sono, contato com os antepassados, consultas a oráculos etc. Aqui
ainda prevalece a atitude animista de atribuir um poder mágico às forças da natureza. Contudo,
a idéia reducionista de que estes pensamentos são simplórios desvaloriza o poder criador destas
culturas nascentes.
A partir do século VII, a cultura grega vai assumir uma distinção muito particular em
relação a outras culturas. Se lembrarmos das culturas antigas que habitavam o mar Egeu, vemos
que elas tinham uma ligação muito grande com o pensamento oriental. Na verdade, a maneira
deles abordarem a natureza era muito semelhante. Não havia uma distinção, por exemplo, entre
a idéia de Psiqué (idéia de subjetividade, de ser) e a natureza. Havia uma ligação intrínseca
entre esses dois conceitos – psiqué e natureza.
De certa forma tinha-se um pensamento místico, mágico, porém de aproximação, de não
distinção, entre o psiqué e o cosmos. Tanto que os primeiros filósofos, os pré-socráticos, tinham
como ponto inicial de reflexão a natureza. E é somente a partir dos séculos V e VI, quando
começa a filosofia clássica, que ocorre uma reflexão sobre o ser humano dissociada da reflexão
sobre o cosmos, sobre o mundo natural.
Quando os gregos começam a filosofar, eles fazem isso em busca de um princípio
unificador para a existência do mundo e a perspectiva de que Psiqué já estava inserido dentro
desse cosmos. A partir do século V começa a haver uma separação. Ao mesmo tempo em que
se assiste no Oriente, mais especificamente com a iluminação do Buda, a um florescimento
dessa tentativa de pensar a existência humana dentro da sua lógica mais ampla, mais cósmica,
no Ocidente vai-se fazer o caminho inverso.
No século V, encontramos um conjunto de filósofos que ao invés de perguntarem sobre a
questão da origem do princípio unificador da natureza, do cosmos de um modo geral, estão
demarcando o pensamento filosófico em áreas e apontando para uma reflexão mais voltada para
a interioridade, mas não a interioridade em busca da integração que seria a marca do
pensamento oriental (você interioriza para integrar, e não para promover um afastamento do
mundo, da natureza).
No Ocidente, a busca de interiorização, que é uma busca filosófica de si, do
conhecimento de si, é de uma interiorização para marcar uma distância, para marcar uma
diferenciação, um espaçamento entre o ser humano e os demais seres que compõem o cosmos.
É uma tentativa de buscar o conhecimento interior, mas um conhecimento interior que vai
favorecer essa dinâmica do domínio, essa dinâmica da separatividade, do distanciamento. É
uma reflexividade muito diferente da reflexividade oriental, ou seja, você está se conhecendo
mais para se autonomizar, para se separar, você está refletindo sobre si, mas para demarcar uma
fronteira entre Eu e o Outro, Eu e o Mundo. No caso da Grécia, por exemplo: quem é grego e
quem não é; quem é civilizado e quem é bárbaro; quem é que domina os códigos de um
determinado padrão cultural e quem não domina.

PSIQUÉ SOCRÁTICA: CONHECE-TE A TI MESMO

Sócrates desloca o eixo reflexivo da natureza para o ser humano, dando surgimento a
uma virada antropológica. Ao contrário daqueles que lhe antecederam, ele move toda a
produção mental para os seus próprios mecanismos de pensamento, de fundamentação.
Interioriza a reflexão filosófica num desenho preliminar de subjetividade, ao mesmo tempo
antropologiza.
Desse modo, Sócrates coloca o homem como o eixo dessa reflexão mais ampla da
filosofia que é o que vai marcar todo pensamento ocidental, o que modernamente chamamos a
Filosofia do Sujeito, embora os gregos não tivessem essa idéia de sujeito. Na verdade a idéia de
subjetividade é uma idéia moderna. Mas essa percepção de que a compreensão do mundo, do
universo, passa por uma compreensão do sujeito, não seria tão complicada se não tivéssemos
antropologizando o pensamento filosófico. Esse filósofo contribuiu ainda delineando uma
dimensão que podemos chamar de holística, quer dizer, o ser humano ainda não está
completamente dissociado das demais esferas. Já em Platão, seu discípulo direto, isso não
ocorre como veremos mais à frente.
O Oráculo de Delfos é um dos maiores exemplos da riqueza do uso dos estados
ampliados de consciência dentro da cultura grega no período socrático, mantendo-se importante
desde o período do Helenismo até a época de Alexandre, o Grande, um dos seus mais assíduos
consultores. Os diálogos de Sócrates e seu daimon já se tornaram clássicos, sendo famoso o
diálogo com o discípulo Mnéias. Neste, Sócrates aconselha o discípulo a não ir à corrida de
bigas em Charmides, posto que fora informado da sua morte, por seu daimon. Mnéias despreza
os conselhos do filósofo, vindo a falecer, como que cumprindo o anunciado.
PSIQUÉ VAGUEIA DIVIDIDA NAS SOMBRAS DA CAVERNA

Em Platão temos uma demarcação de fronteiras que vai produzir um forte impacto na
cultura ocidental: seu idealismo muito acentuado. Como Sócrates, ele vai partir dessa reflexão
do ser humano, mas aí ele cinde o ser humano, coisa que Sócrates não fazia.
Platão vai produzir uma teoria da alma, da psique, que tem uma dupla face:
1. Por um lado, a alma, a psique, não seria acessível completamente ao
pensamento, porque estaria associada à idéia universal (a idéia do arquétipo);
logo não poderia ser alcançada diretamente. Ao mesmo tempo ele transfere o
domínio da alma para o domínio do inteligível onde não conseguimos acessá-
la diretamente, entretanto ele também afirma que, quando essa alma encarna,
fica sujeita às questões do mundo sensível, sobretudo às questões do corpo. E,
quando encarna, ela tende a se corromper em função desse contato com o
mundo corporal. É nesse mergulho da alma dentro do corpo e com todos os
desafios que essa encarnação acarreta é que ele vai produzir uma outra teoria
da alma.
2. A alma subdividida, em estando na esfera do sentido, ali fica e passa a assumir
como objeto um trabalho de auto-educação. Ele diz que a alma é dividida em
três camadas, três partes. Essa segunda teoria de alma platônica está situada
do ponto de vista morfológico:
- a alma instintiva, localizada na região do baixo ventre; está encarregada dos
apetites, do sexo e da alimentação;
- uma segunda alma, localizada na região cardíaca; responde pela
proteção, pela segurança, está associada às emoções: ira, dor, coragem, nessa
dimensão afetiva volitiva;
- alma racional, aquela que de fato faria a ponte, a ligação com a alma em si, a
psique; estaria ligada ao intelecto. O papel dessa alma racional seria
exatamente colocar esses dois extratos inferiores sob o controle da razão.

A alma, por fazer parte do mundo inteligível, também faz parte das estruturas racionais.
A alma é sinônima de razão. Em Platão temos então uma idéia de Psique ao mesmo tempo
racionalizada, ou seja, reduz-se à psique à dimensão racional, e uma psique cindida, dividida em
si mesmo, em função do contato com a dimensão sensível, com a dimensão corporal que na
filosofia platônica recebe uma valorização negativa, a menor.
A idéia do corpo como corrupção, como uma fração animal instintiva, devendo ser
necessariamente objeto de um controle, um domínio. Então na Grécia, lidar com a Psiqué
implica lidar, sobretudo com uma dimensão que não deixa de ser uma dimensão disciplinar, que
é a dimensão dessa alma tentando controlar a si mesma, dominar a si mesma, no momento em
que ela se percebe, em que ela tem uma consciência do contato dela com essa dimensão
material, essa dimensão da corrupção, essa dimensão sensível. Temos então um esforço que não
só vai marcar o pensamento grego, mas vai, de certa forma, inclusive em função do contato com
o cristianismo e com a tradição judaico-cristã, que também desvaloriza a dimensão sensível, a
dimensão do corpo, se repetindo e se consolidando numa abrangência máxima com Descartes,
na modernidade. Temos de fato, então, uma noção de alma completamente desvinculada, um
pensamento do sujeito em si mesmo descolado de qualquer esfera superior.
Os gregos tentam sair do ciclo de vida e morte, mas tentam fazer isso através de um
mecanismo de abstração, criando uma psique completamente abstrata que poderia em seu
próprio pensamento lidar com vida e morte. Esta é uma estratégia pouco suficiente porque tende
a reprimir uma série de outras dimensões da própria psique que ficam soterradas porque os
gregos não conseguiram fazer esse processo de integração plena. Ao invés de assumir a
dimensão trágica como parte de sua própria existência, eles preferiram fazer essas
hierarquizações, de forma que transcendência passa a ser transcender o mundo, transcender
aquilo que é.
Os gregos contam com uma rica tradição histórica e mitológica, sendo o culto a Dionísio
um dos mais disputados. Neste mito temos uma das primeiras tentativas de encarnar Psique, de
trazê-la ao mundo material. Ainda dentro do mundo mitológico pode-se destacar a figura de
Quíron, o centauro professor de Asclépio, o patrono dos curadores e o arquétipo orientador dos
terapeutas modernos.
Na Grécia antiga o processo de cura era sacerdotal, ou seja, comandado por um
sacerdote que estava a serviço de algum templo. Este processo foi rompido com o surgimento
de Hipócrates, pai da medicina, que estabeleceu o início do processo de cura fora do contexto
religioso. A atitude de Hipócrates é vista como uma tentativa de estabelecer uma idéia mais
próxima do que temos hoje como científico, ou seja, deve ser dissociado do espiritual, contudo
sua atitude não excluía o caráter espiritual envolvido no processo de cura.
Por mais que pese as críticas socráticas contra os sofistas, são inegáveis suas
contribuições para circunscrever o que hoje denominamos subjetividade humana. Pesquisadores
da história da Psicologia, como Mueller, indicam que é pouco provável que, antes deles, tenha
havido uma verdadeira compreensão da realidade subjetiva humana.

CRISTIANISMO: PSIQUÉ CRUCIFICADA

O cristianismo primitivo não tem a dimensão de dualidade. Não achamos nos


evangelhos, ensinamentos originais do Cristo, nenhum tipo de fracionamento, pelo contrário,
vemos uma busca pela recomposição do humano em sua totalidade. É com Paulo de Tarso que
temos, de fato, a primeira grande crucificação de Psiqué, pois sua leitura maniqueísta do
cristianismo primitivo introduz uma grande divisão: o corpo passa a ser foco do pecado e alvo
do controle da alma, do espírito ou da racionalidade, enquanto a alma é glorificada. E é esta
versão da tradição cristã que temos hoje. Uma versão, digamos, cristianizada mas também já
aculturada pela visão grega e que posteriormente Roma assumirá como interpretação oficial.
A crucificação do Cristo é uma metáfora do que é feito com aqueles que apontam para
uma visão não dual e propõem uma ética equânime. Psiqué crucificada é dividida pelo poderio
romano e perde o doce encanto integral dos pensamentos do Galileu.
De Tomás de Aquino a Santo Agostinho a história de Psique passa a ser atrelada à
divisão, a medida que os ensinamentos originais do Cristo passam cada vez mais a servir a
ideologia católica do bem e do mal. A voz integral de Psique é reencontrada em Plotino através
de seus escritos, e, na modernidade foi resgatada em sua originalidade nos textos espíritas de
Kardec (1985).
A DEMONOLOGIA DA IDADE MÉDIA

A Idade Média é marcada por um movimento de recuo histórico; ao invés das grandes
expansões, volta-se para o campo, criam-se muralhas e feudos na tentativa de lidar com os
problemas e a violência devastadora causados pelas invasões bárbaras no fim do império
Romano. Não se conseguindo deter as invasões, a violência aumenta em níveis fora do comum,
então a alternativa à violência foi a reclusão.
O catolicismo tem um grande peso nesse processo de reclusão, exatamente por favorecer
um discurso de decadência, de fim do mundo, de corrupção humana pelas forças demoníacas
em que a única possibilidade de saída é o isolamento, o distanciamento do mundo. Para
alcançar a salvação Psiqué precisa se distanciar do mundo.
O pensamento ocidental, sobretudo no início do século XX, criticava o Oriente ao dizer
que ele tinha uma visão passiva da presença do homem no mundo, em função do ideal ascético
– a idéia de ascetismo como reclusão do mundo. No entanto, podemos ver que o Ocidente
também tem isso de forma bem marcada. O período medieval é todo isso – essa tentativa de
fugir do mundo, como se você ao se afastar desse espaço mundano, o espírito pudesse então
plenificar-se, exercer-se com todas as suas potências. Então, em termos de Psiqué o que vamos
ter, talvez, seja uma dificuldade dessa psique em lidar com essas questões intramundanas, essa
dificuldade de conseguir uma relação harmônica com o mundo.
A metáfora que melhor define Psiqué na Idade Média é a de uma criadora de muralhas.
Ela cria muralhas em volta de si para se proteger dos ataques do mundo, do demônio. Uma
psique que faz um esforço impressionante, quer dizer, direciona todas as suas energias para um
processo de interiorização, mas que não é de harmonização, porém um processo de
interiorização para fugir, ou seja, recorrer à transcendência como fuga. Nega-se toda a dimensão
corporal e se trabalha sobre a alma, mas na perspectiva dela escapar do mundo que a persegue.
Ou seja, há uma criação de fronteiras, de barreiras.
A Igreja tem um peso no controle da produção do conhecimento, e a Idade Média é toda
marcada por este privilégio na construção e guarda do saber, excluindo as possibilidades de
críticas ou de novas elaborações. Na verdade, a partir da idéia cristã de revelação, de que tudo
que deveria ser conhecido já está dito na Bíblia, o livro central, não cabe mais se deter nesse
processo de especulação. É também uma diferenciação em relação à cultura grega. Perde-se o
movimento especulativo: a filosofia torna-se, nesse período, serva da teologia – o filósofo não
tem mais autonomia para produzir um pensamento, ou seja, as reflexões filosóficas precisam
estar ancoradas num norte já revelado – essa é que é a verdade primordial. Então, rompe-se com
o movimento especulativo da racionalidade, mas, ao mesmo tempo, isso não desencadeia
nenhum processo de integralidade porque o que vai ser feito em termos de psique é essa
reclusão e uma tentativa de parada ou de simplesmente adotar uma dimensão da verdade já
revelada. Entretanto, a aceitação de uma visão como verdade única constitui-se em uma
negação do que seria o impulso de desenvolvimento natural humano quando a consigna traz que
“eu preciso escapar, me proteger dessa dimensão mundana”.
Então, temos muito mais a Igreja como uma instituição que controla e que desvia os
saberes que circulam na sociedade para o bem ou para o mal. Foi essa função que permitiu a
preservação ao longo desse período de conflitos e turbulências no continente europeu de um
conjunto de conhecimentos que de outra forma a ele não teríamos acesso, porque a aristocracia
medieval não tinha nenhuma ligação com essa dimensão do saber. De certa forma, eles
retornam a uma concepção aristocrática antiga onde a virtude está baseada na idéia de força, na
idéia de sobrepujar o outro fisicamente através de violência e de poder. Na aristocracia
medieval era o Clero na verdade quem fazia essa intermediação, de saber, de conhecimento,
para a aristocracia. O saber não tinha muito peso.
A Idade Média com o seu “Malleus Maleficarem”, manual prático de caça às bruxas,
publicado em 1484, anuncia uma nova ordem no entendimento dos fenômenos de “consciência
cósmica” ou transpessoal; a demonologia passa a prevalecer, reduzindo toda e qualquer
manifestação para além do entendimento normal a uma obra do mal.
Se na atualidade os fenômenos transpessoais ainda são vistos com reservas ou
catalogados como patológicos, na Idade Média, todo fenômeno de expansão da consciência para
os níveis além do usual era imediatamente atribuído ao demônio e sujeito ao tratamento radical
da Inquisição: a fogueira.
Interessante perceber que as manifestações inquisitoriais ainda fazem parte do nosso
imaginário arquetípico e são muitas vezes reatualizadas no presente, não importando as
racionalizações utilizadas como justificativas para tais atos. Isto pode ser percebido no
movimento desencadeado pelo Conselho Federal de Psicologia, na tentativa de esclarecer a
sociedade acerca das “terapias alternativas”, e que passou a se chamar informalmente, no meio
psicológico, de ‘a caça às bruxas’ ou ‘a caça às terapias alternativas’, o que provocou uma
avalanche de críticas. No esforço de reverter tal postura temos as palavras de Hanns, L. A.
(2004) na revista Psicologia: Ciência e profissão, como se segue:
“Na realidade, é preciso que trabalhemos sem preconceitos, mas com
seriedade. Nesse sentido, se houver uma demarcação correta do que uma psicoterapia
calcada numa formação em psicologia clínica e em outras áreas afins, diferenciando
sua epistemologia dessas práticas alternativas, penso que é suficiente. Não é o caso de
fazermos uma caça às bruxas...” (grifo nosso, p.12)

O SURGIMENTO DA CIÊNCIA MODERNA: NAS FRONTEIRAS DO


TRANSPESSOAL OU PSIQUÉ “OCULTISTA”

O primeiro marco do Iluminismo ocorreu na Grécia, no século V, com o surgimento da


filosofia e do pensar a própria Psiqué, já o segundo deu-se com o advento da ciência moderna.
Com a Ciência Moderna chega então a possibilidade de retomar aquele processo de
especulação, de reflexão, que havia sido desencadeado anteriormente na Grécia antiga. Quando
a ciência se autonomiza permite pensar novamente essa dimensão da alma, mas agora com uma
característica bem marcada. Assim como a filosofia foi um movimento de busca de autonomia
em relação ao mito, vamos ter então a ciência surgindo como uma tentativa de pensar a alma
independente de outras esferas como a religião e a própria filosofia.
A ciência vai encarnar de forma exemplar aquilo que na Grécia já estava posto como
racionalidade estratégica. Ou seja, o patamar científico surge exatamente como um tipo de saber
que se mede pela sua eficácia, pela capacidade de instrumentalizar o objeto que está sendo alvo
de investigação, foco de pesquisa. O olhar científico é exatamente esse olhar redutivo, essa
racionalidade calculadora que vai “pegar” o objeto, tocar esse objeto em distinção ao sujeito
que pesquisa.
Na modernidade, não apenas a subjetividade está cindida, mas é o próprio sujeito do
conhecimento que também é cindido de modo que vai olhar para a alma, a alma enquanto
objeto de investigação, dentro de suas várias camadas e dimensões. Assim, podemos pluralizar
essa fragmentação do pensamento ao infinito.
Na esteira desse entendimento, cada aspecto da Psiqué, cada aspecto da alma humana,
permite pensar uma ciência particular observando apenas aquela dimensão, aquela camada, o
que impossibilita em absoluto qualquer tentativa de integralidade. Assim, pensar a psique de
forma integral vai ser considerada como uma abstração, como um esforço metafísico, distante e
dissociado.
A consciência moderna (a consciência da temporalidade, da finitude, ou seja, a dimensão
trágica de vida e morte) vai tornar-se um espaço de conscientização da incapacidade da razão de
lidar com essa finitude. Equivale dizer que qualquer tentativa de pensar a integralidade vai ser
tida como absurda. O perfil de modernidade impõe uma consciência trágica do tempo, sem ter
como lidar com a dimensão da morte. Admite-se a dimensão da finitude, a dimensão da história,
mas ao mesmo tempo se tem uma postura de desilusão, de desencantamento de qualquer
possibilidade de se encontrar uma harmonia, uma unidade dentro dessa finitude. Como não há
possibilidade de superar a finitude, a única coisa a fazer na modernidade (utilizando a metáfora)
é entrar de cabeça na roda da vida: mergulhar e assumir (enquanto na Idade Média, se fazia um
esforço contrário para se livrar, no sentido de se proteger do mundo).
O que é Psiqué na Modernidade? Um conjunto de conhecimentos cada vez mais amplos,
mas um conjunto de conhecimentos sobre o que está posto na “roda da vida”7. Passamos “a
saber” cada vez mais sobre o que se passa aqui, sobre os problemas, as patologias do mundo – a
Psicologia tratando das patologias da alma, a sociologia com as patologias da sociedade, a
biologia com as patologias do corpo etc.Todo mundo passa a estudar o pacote, os problemas, as
dificuldades do mundo, da roda da vida. Cada ciência produz os conhecimentos sobre os
problemas que são gerados na dimensão do atual, do presente, mas nenhuma delas admite
propor nada em termos de transcendência, porque elas não conseguem vislumbrar essa
possibilidade.

GALILEU E O INÍCIO DA INSTRUMENTALIZAÇÃO DE PSIQUÉ

A contribuição de Galileu – o telescópio, como instrumento, reconfigura o processo que


transforma o conhecimento. O conhecimento não depende mais apenas da pergunta, da
especulação em si, mas do como, do meio, então o meio passa a ser fundamental no resultado.
O instrumento tem um papel impressionante nisso; vai dar liberdade para a ciência se
autonomizar do pensamento religioso que ela não consegue expressar (o instrumento exterior
que não está ligado a uma subjetividade). Assim, o conceito de instrumento, de tecnologia
ocidental é um conceito exteriorizado.
O ocidental não consegue perceber a idéia de tecnologia interior, como ocorre no
Oriente. É preciso objetivar, então o instrumento objetiva, e, ao objetivar, ele permite que não
se caia nas armadilhas de uma subjetividade enganada, porque a possibilidade de erros está
posta no próprio espírito humano. A Psiqué encarnada fica sujeita a esta dimensão sensível, que
é a dimensão da impermanência, da mudança. Como tudo muda, os sentidos, os registros da
mudança não conseguem captar as variantes, captam apenas aquilo que está passando naquele
momento.

7
Roda da vida é usada aqui para indicar idéias ilusórias, aparentes.
DESCARTES E A INSTRUMENTALIZAÇÃO DE PSIQUÉ

René Descartes entra como o pai, o fundador de uma nova forma de perceber Psiqué,
porque vai a partir da visão de instrumentalização descolar a idéia de subjetividade do corpo.
Ele trata o corpo como lei, como instrumento (Platão e o cristianismo também). O corpo passa a
ser instrumento de manifestação da subjetividade, manifestação da alma. Mas como
instrumento de manifestação ele precisa ser objetivado. Como se objetiva? Pensando a
racionalidade, a subjetividade em si mesma, sem nenhuma referência à integralidade. Descartes,
de fato, vai separar a racionalidade que pensa, que raciocina, dessa racionalidade encarnada.
Vai começar a pensar o sujeito a partir do próprio sujeito (esse é o movimento da modernidade
– de Descartes, de Bacon, de Newton); pensar um sujeito completamente abstraído de qualquer
tipo de vínculo.
Enquanto no Oriente temos a idéia da interdependência, no caso da modernidade, com
Descartes temos a idéia do sujeito completamente independente, ou seja, de um ego que pensa o
mundo, que pensa a si mesmo sem nenhum tipo de vinculação que não seja por seus próprios
mecanismos subjetivos – que é a filosofia do sujeito. Passa-se a pensar o ser, a partir do próprio
ser, sem nenhuma vinculação. Vai-se produzir toda uma filosofia, a filosofia do ego, desse ego
descarnado, do ego que não está corporizado (porque quando se corporifica ele já fica sujeito ao
eu). E isso tudo vai culminar com Kant, que ao estudar as estruturas transcendentais da
subjetividade humana permite ao sujeito conhecer para além dos condicionamentos postos pelo
mundo. Aí Kant vai ser o clímax da modernidade em termos filosóficos porque ele vai separar
os tipos de ciências e as formas de validar essas ciências.
As ciências empíricas – as que utilizam, como fez Galileu, instrumentos objetivos para
medir e quantificar a realidade, são validadas porque há como se fazer aferições. As ciências
que lidam com a subjetividade na sua inteireza existem, diz Kant, mas elas não têm validade,
porque não têm instrumento capaz de fazer aferições. Ou seja, uma mentalidade moderna em
relação a qualquer proposta holística, integral, qualquer proposta transcendente. Os modernos
não negam, “pode haver”, mas ao mesmo tempo não se permitem aprofundar pela ausência de
validade por ser um conhecimento advindo do próprio sujeito. Para o Ocidente não teríamos
uma tecnologia capaz de aferir o que se passa dentro da estrutura subjetiva.
Tomando como exemplo os estados alterados da consciência e sobre a própria
consciência, temos uma série de pesquisas científicas que admitem a compreensão e a dimensão
da consciência, mas não se tem um instrumental para averiguar; o instrumental é o próprio
sujeito avaliando sua experiência. Não há um instrumento externo neutro, um observador
imparcial, logo, pode-se admitir a existência desse tipo de fenômeno, mas não se tem como
validá-lo.
Assim, na esfera ocidental, considera-se uma consciência “pesada”, porque não se nega
essa dimensão, mas ao mesmo tempo não se lhe permite validade. Extrai-se qualquer
possibilidade de avanço nesta investigação da alma humana no que concerne a sua
integralidade. Assim, reduz-se a alma a uma de suas dimensões, uma de suas dimensões
empíricas, porque se não podemos fazer investigação da alma do ponto de vista experiencial,
tem-se a perda de sua validade para a ciência moderna.
Até porque Descartes e outros vão analisar essa estrutura da subjetividade descolada do
autonomismo. À estrutura subjetiva, autonomizada, só o próprio sujeito tem acesso. Daí o furor
que toda psicanálise vem a provocar. Freud vai mostrar como essa própria estrutura subjetiva,
mesmo autonomizada, não é regida por regras lógicas racionais, há outras funções interferindo.
Isso provoca um frenesi porque, a priori, quando Descartes pensa o sujeito, ele está pensando
um sujeito completamente lógico, uma estrutura lógica autoreferente que não faz vinculação
com nada a não ser ela mesma; nem com a dimensão corporal, nem com a dimensão cultural,
nem com a dimensão religiosa. É a lógica em si.
Psiqué é visto como um sujeito da lógica. Na seqüência, percebemos com Nietzsche e
com Freud que esse sujeito da lógica não é tão autoreferente como Descartes dizia, isso vai
provocar o deslocamento e a própria crise da modernidade. Contudo, este movimento de crítica
não é suficiente para deslocar porque, como na Grécia, os conflitos são tão grandes (final do
século XIX, início do século XX), são tantos os problemas objetivos para serem resolvidos que
as ciências se direcionam na busca de solução para essas patologias. Elas ficam cegas à
compreensão de que essas patologias podem estar refletindo exatamente a dissociação.
Percebe-se que na visão ocidental não há o que se possa identificar como uma reflexão
de base, ocorrendo, entretanto, o oposto no Oriente que tem os mesmos problemas sociais,
políticos, culturais na sociedade, mas, ao invés de direcionar todas as energias para as
problemáticas, tenta ver o que é que subjaz ao problema, aonde é que está a base focal o que
permite encontrar o caminho da associação ou de reassociação.
O Ocidente não consegue tornar esse movimento explícito, ele fica sempre subtendido,
marginalizado. Se formos ver as leituras que se fazia do budismo no início do século
XX, comparando com a crítica da modernidade hoje, criticava-se o budismo por
estimular o afastamento do mundo, - na verdade quem tem essa visão muito mais
idealista de afastamento, de negação, somos nós. Nós ocidentais, é que não
conseguimos de fato mergulhar e recompor o que é que nos incomoda, o que é que nos
aflige. Talvez o Oriente não tenha as respostas ainda como nós não temos, mas nós
vemos no Oriente um esforço para chegar num outro nível de compreensão dos
problemas. No Ocidente não conseguimos chegar neste patamar. A questão é resolver o
problema tal como ele emerge, mas nunca recompondo as bases da problemática.

PSIQUÉ BUSCA ESPAÇO NA CIÊNCIA OFICIAL

Coube, no entanto, a Francis Bacon, no século XVII, a primeira manifestação da ciência


oficial sobre alguns dos fenômenos referentes à alteração da consciência. Bacon, também
considerado como Galileu e Descartes fundadores da Ciência, sugere que “superstições e
semelhantes” não deveriam ser excluídas da pesquisa científica, propondo no texto “Sylva
Sylvarum” a investigação dos sonhos telepáticos, da cura psíquica e da influência da
“imaginação” no resultado de jogos com lançamento de dados.
Investigando as fronteiras do sagrado F.W.H. Myers (1961) publicou dois volumes
intitulados “Humana Personality and the Survival of Bodily Death”, incentivando, na sua época,
uma série de investigações científicas.
Fazendo fronteira com as pesquisas que abrangem estados alterados de consciência,
iniciou-se em 1882, em Londres, a “Society for Psychical Research” (SPR), na qual Freud
(1912 e 1963) publicou dois artigos, e em 1885 a “American Society for Psychical Research”,
em Boston.
Eminentes cientistas dirigiram estas instituições, sendo destaques: William Crooks
(1832-1919), físico e químico, descobridor do elemento tálio; Henri Bergson (1859-1941),
eminente filósofo contemporâneo, Prêmio Nobel de Literatura de 1928; William McDougall
(1871 - 1938), psicólogo, Fellow da Universidade de Cambridge e sucessor de William James,
em Havard; Charles Richet (1850 - 1935), Prêmio Nobel de Fisiologia de 1913, pelo seu
trabalho sobre choque anafilático, mas um dos maiores destaques neste eminente grupo foi o
psicólogo e filósofo de Harvard, William James, cujas idéias foram assim destacadas por Myers
(1961):

“Qualquer um que apresente uma saudável dose de bom senso ao examinar


evidências, um bom senso que não tenha sofrido uma lavagem cerebral em
decorrência do sectarismo científico, deveria agora, ao que me parece, encarar que
as sensibilidades e memórias exaltadas, fantasmas verídicos, casas mal-
assombradas, transes envolvendo faculdades supranormais e mesmo experiências
envolvendo transferência de pensamento, não passam de um tipo natural de
fenômeno que deveria, como qualquer outro tipo de fenômeno natural, ser objeto da
curiosidade científica”.(p.23)

Continuando o desfile ao longo da história, em busca de indícios de precursores da


Psicologia Transpessoal, não poderíamos deixar de citar o austríaco, doutorado em medicina
pela Universidade de Viena, Franz Anton Mesmer. Criador da teoria do magnetismo animal, ele
tornou-se motivo de glória e expróbio no meio cientifico vienense, ao afirmar que seu baquet
produzia o reequilíbrio do “fluido universal” nos organismos humano e animal.
Rocha (1993) descreve assim sua prática:

“Numa sala fechada e silenciosa, banhada em luz filtrada e suave, colocava-se


um grande tonel de madeira de cedro, com aproximadamente dois metros de
diâmetro e meio metro de altura... No fundo do tonel cheio de água, garrafas
repousavam sobre uma mistura de vidro pisado e de limalhas de ferro. Pelos
orifícios da cobertura do tonel saíam hastes de ferro, das quais uma das
extremidades mergulhava no líquido, e outra móvel e afilada, aplicava-se aos
corpos dos doentes. Os pacientes, sentados em torno do tonel, eram ligados entre si
por uma corda. Mas a ação só se torna magnética quando Mesmer, em pessoa,
entrava no grupo. ...Então, acontecia a prática da “grande corrente”: a corrente do
magnetizador, encontrando-se com a corrente que saía da cuba, provocava, no
corpo dos que formavam a cadeia, uma verdadeiro redemoinho. Olhos arregalados,
pescoços erguidos, as cabeças pendiam e o público sobressaltado ria, chorava,
gritava, entrava em transe e sentia dores secretas...” (pp. 177-178)

Nas pegadas de Mesmer, seguiu o marquês Chastenet de Puységur que a partir do


chamado sonambulismo magnético, aliado a uma relação verbal com o paciente, abriu margem
para as pesquisas que desembocaram nos estudos do hipnotismo.
Continuando esta saga, o hipnotismo ganha maior sistematização, inclusive recebe este
nome do cirurgião escocês James Braid. Este autor consegue penetrar nos meandros da hipnose,
destacando como suas particularidades específicas: hipermnésia, hiperemotividade e fenômeno
de regressão induzida a idades passadas.

O NASCIMENTO DA PSICOLOGIA CIENTÍFICA OU A TENTATIVA DE MATAR


PSIQUÉ

Analisando-se livros que tratam da história da psicologia pode-se constatar, de acordo


com os modelos dominantes de ciência atual, que os fenômenos vistos até então estavam fora de
um enfoque científico, podendo aproximar-se mais das especulações filosóficas ou místico-
religiosas. E é com pretensões de romper com a interpretação filosófica, bem como com
possíveis vinculações místicas, que o século XX irrompe com a proposta de uma psicologia
científica.
Assim, na Alemanha da virada do século, os fisiologistas Helmholtz, Bois-Reymond,
Brucke e Ludwing tentam reduzir qualquer fenômeno psíquico a explicações físico-químicas,
dispensando todo recurso metacientífico.
Apoiada na filosofia, no “ocultismo” e na hipnose, Psiqué luta para sobreviver a este
ataque, mas com o advento da psicologia científica, ela tem sua morte decretada e em uma
manhã de 1879, nas mãos de Wilhelm Wundt, no laboratório de Leipzig, seu destino foi
traçado: para tornar-se “científica” teria que abandonar seu vínculo com a filosofia, renegar
qualquer laço com o “oculto” e abdicar de todos os métodos hipnóticos.
O paradoxo deste momento pode ser visto através da insistência de Psiqué em
permanecer viva, mesmo que seja na vida privada dos seus detratores, e é assim que um dos
aliados centrais de Wundt, o Dr. Gustav Fechner, enquanto pesquisava sobre medidas
psicofisiológicas do tipo estímulo-resposta, dando solidez à idéia da morte de Psiqué nos
bastidores, viaja para o mundo dos mortos, escrevendo sobre a sobrevivência da alma após a
morte do corpo8.

O RENASCIMENTO DE PSIQUÉ ATRAVÉS DOS GRANDES MESTRES DA


PSICOLOGIA

Psiqué renasce com o resgate da metapsicologia, mesmo tendo sofrido mutilação com a
perda de seu contato estreito com a Filosofia, e tem nas mãos de Freud, um dos seus grandes
pais, um dos maiores apoiadores.
Em Paris, os efeitos terapêuticos da hipnose fizeram escola em Nancy, mas foi no
hospital da Salpêtrière, a “cidade dos loucos”, com seus quase oito mil pacientes, que a hipnose
ganhou destaque nas mãos hábeis do mestre Charcot.

“O mago da Salpêtrière com gestos de prestidigitador e ordens imperativas, faz


aparecer e desaparecer, diante de um auditório estupefato, anestesias, cegueiras e
paralisias, Freud, em 1886, confirma: ‘Mediante um estudo do hipnotismo
cientificamente realizado... Charcot consegue elaborar uma espécie de teoria da
sintomatologia histérica’.” (Rodrigué, 1995, p.228)

8
Wilber (2002, p.8) analisa alguns aspectos dessa contradição.
Charcot fez escola, atraindo à “Meca psiquiátrica”, Paris, inúmeros estudiosos que, com
o objetivo de ampliarem seus conhecimentos, o buscaram. E foi assim que um dos discípulos de
Brücke, um jovem de 29 anos, pobre, cabelos e olhos negros, perdido na multidão que circulava
na Gare du Nord, no dia 13 de outubro de 1885, ganhou destaque. A história das ciências psi
mudaria a partir de suas contribuições, e seu nome, Sigmund Freud, passaria à história como o
pai da psicanálise e um dos maiores investigadores da mente humana.
Destacaremos a seguir alguns dos pioneiros do estudo do psiquismo e seus interesses por
alguns tópicos que estão na meta de pesquisa da Psicologia Transpessoal. Daremos um destaque
especial a Carl Jung por ser considerado um de seus precursores.

Sigmund Freud

Quando buscamos, no Professor de Bergasse, referências acerca de fenômenos que se


aproximem da consciência transpessoal, deparamo-nos com dois momentos: o primeiro é do
“Jovem Freud”, com seus pensamentos voltados para a ciência e a medicina e o segundo o do
“Velho Freud”, mais maduro, interessado em problemas culturais e humanos amplamente
concebidos, e em assuntos relativos à alma.
Bettelheim (1982), escreveu que Freud por várias vezes falou sobre a alma, mas estas
referências foram retiradas da tradução inglesa que se centralizou no “jovem Freud”. Para Freud
a alma se referia à psique como um todo, apesar de em muitos momentos ter usado estes termos
indistintamente, como se vê a seguir:

“Psique é uma palavra grega, e a tradução para ela é “alma”. O tratamento


psíquico significa, pois, “o tratamento da alma”. Uma pessoa poderia, assim,
pensar que o sentido disso é: tratamento dos fenômenos mórbidos da vida da alma.
Mas tal não é o sentido desse termo. O tratamento psicológico pretende ter um
significado muito maior; a saber, o tratamento que tem origem na alma, o
tratamento dos distúrbios psíquicos ou corporais - em graus que influenciam
sobretudo e , de modo imediato, a alma do homem. (Bettelheim, 1982, p.86)

Além de seu interesse por temas como “alma”, pode-se ressaltar estudos de Freud (1963)
sobre telepatia e parapsicologia, bem como seu vínculo com a Sociedade de Estudos Psíquicos,
instituição de pesquisa de temas parapsicológicos e “ocultos”. Sendo relevante pontuar o
conflito com Romain Rolland acerca do “sentimento oceânico”9 (consciência cósmica ou, mais
modernamente, transpessoal).
Epstein, M., apud Scotton, B.W.; Chinen, A.B. e Battista, J.R. (1996), identifica três
grandes contribuições do pensamento freudiano para a Psicologia Transpessoal:
a) a descrição do sentimento oceânico como a apoteose da experiência religiosa. Apesar
da interpretação limitada deste fenômeno como uma regressão à união fusional com a mãe ter
influenciado uma imensa gama de pesquisas reducionistas, Freud oferece-lhe um estatuto
metapsicológico, o que segundo Rodrigué (1995, vol.03, p.162), não é pouco para alguém que
não havia experimentado este fenômeno;

9
Para melhores detalhes ver item 1.3.2. neste trabalho.
b) suas experiências com manejo da atenção, primeiramente com a hipnose, depois com
a associação livre e por fim, com a atenção flutuante. A atenção flutuante se aproxima a estados
descritos a partir dos treinamentos em meditação propostos pela transpessoal;
c) a noção de além do princípio do prazer e a tentativa de rompimento do sofrimento
neurótico a partir da sublimação.
O desencontro de Freud com fenômenos que fugiam ao paradigma dominante à sua
época foi expresso no seu lapso de memória, assim apontado por Rodrigué (1995):

“Numa manhã de dezembro de 1910, Freud partiu, vamos supor, sigilosamente,


para se encontrar com Jung e Bleuler em Munique. Motivo da expedição? Visitar
Frau Arnold, uma renomada astróloga. Mas a visita não teve lugar porque Freud -
conta-nos Jones - não conseguiu lembrar o nome da astróloga”. (Ibid., vol 02,
p.162, grifo nosso)
O lapso freudiano marca um tempo, uma forma de pensar, expressando a ambivalência
vivida no meio científico em relação a fenômenos que ainda não podiam ser explicados. Ao
mesmo tempo traz a marca antecipadora de todo visionário, ou grande gênio, pois antecipa os
interesses de pesquisadores futuros, indicando uma imensa gama de possibilidades de
investigação.

Sandor Ferenczi

A psicanálise durante um longo período ocupou um lugar de destaque nas pesquisas


voltadas ao psiquismo humano, por isso buscamos entre antigos “mestres” referências a uma
dimensão além do pessoal. Nesta busca deparamo-nos com Ferenczi, “o vizir da psicanálise, o
Heráclito da psiquiatria húngura, o interlocutor de Freud em Siracusa”, nas palavras de
Rodrigué (1995, vol 02, p. XXXI).
Nascido em Budapeste, em 1873, o oitavo de uma família de onze filhos, sua genialidade
não passou despercebida para Freud, de quem se tornou discípulo fiel, talvez um dos poucos das
primeiras gerações de grandes analistas a não romper com o professor.
Suas contribuições à teoria psicanalítica são inúmeras; aqui registramos o Ferenczi
“Astrólogo da Corte dos Psicanalistas”. (Ibid., p.162, vol.2)
Segundo Rodrigué (1995), Ferenczi publicou em 1898, na revista Gyógiászat, editada
por Miksa Schacter, grande figura paterna de sua vida, o ensaio intitulado “Espiritismo”, no
qual o autor narra um episódio que merece destaque, haja vista envolver um dos focos de
pesquisa da Psicologia Transpessoal que são os estados alterados de consciência. Vejamo-lo:

“Certo dia, ele participou de uma reunião mediúnica organizada por um velho
amigo espírita. Na sessão, Ferenczi perguntou: “Em quem estou pensando neste
momento?”. A médium respondeu: “A pessoa na qual você está pensando, acaba de
levantar-se da cama para logo pedir um copo de água e cair morta”. Ferenczi, na
hora, lembrou que tinha marcado uma consulta médica. Foi às pressas à casa do
paciente onde pôde constatar a veracidade do que a médium dissera”. (Vol 02,
p.160)
No que diz respeito à telepatia, transferência de pensamento na linguagem freudiana,
Ferenczi procurou em Berlim a médium e clarividente famosa, Sra. Seidler. De posse de uma
carta de Freud, “entusiasma-se com revelações da médium sobre a pessoa do professor”.
Ferenczi em carta revela ao professor:

“Admitindo que ela possui capacidades realmente fora do comum, talvez elas se
devam a uma espécie de “leitura de pensamento”, isto é, leitura de meus
pensamentos. A auto-análise profunda que realizei depois da sessão, levou-me à
dita hipótese. A maioria das declarações a respeito do senhor correspondem a
processos mentais que eu realmente tive, mas também a processos mentais que
posso ter recalcado... Além da teoria da “indução psíquica”, podemos contemplar a
possibilidade de uma hiperestesia extática’ .
O discípulo, contudo, mostra-se cauteloso:
Quero assegurar-lhe que não há perigo de que eu sucumba ao ocultismo, devido
a esta experiência, ainda obscura.” (Rodrigué, 1995, vol.2, p.162)

Embora seja pouco provável que conforme pontua Rodrigué “o tema do oculto e das
ciências parapsicológicas, em geral, ocupasse pouco espaço nos encontros das quartas-feiras do
grupo freudiano, o assunto operava como contra-ponto. Nessa procura pelo parapsicológico,
Ferenczi estava à frente de Jung”, embora se mostrasse mais reticente.

Otto Rank

Ainda no meio psicanalítico, temos o “O Trauma de Nascimento” de Otto Rank, surgido


no ano de 1923, entre as marcas do câncer de Freud. O escrito rankiano despertou no meio
analítico, inicialmente, uma reação de franca e quase total aceitação. Afirma-se que Freud teria
comentado com Ferenczi:

“Não sei se 66% ou 33% do livro é verdadeiro mas, em qualquer caso, é o mais
importante progresso desde a descoberta da psicanálise”. O que não é pouco na
boca de Freud” (Rodrigué,1995, p.88. vol.3)

Além de considerar o nascimento como um dos eventos importantes na vida do


indivíduo em "A Interpretação dos Sonhos"10 (segunda edição), Freud assinalou que “o ato de
nascimento é a primeira experiência de ansiedade e, assim, passa a ser a fonte e o protótipo do
entendimento da ansiedade” - o trauma de nascimento despertou uma verdadeira guerra no meio
psicanalitico, bem como abriu margens para que pesquisadores desenvolvessem uma teoria
mais ampla a partir deste fato, como é o caso das matrizes perinatais de Grof (1988, 2000).
Freud enviou uma circular aos membros do Comitê com o objetivo de aplacar os ânimos
acirrados. A citação de trechos desta circular depõe acerca da maturidade do “velho Freud”,
atingido pelo câncer. Como se pode conferir em citação de Rodrigué (1995) a seguir transcrita:

10
Nota de rodapé da 2a. Edição
“...incomparavelmente mais interessante. O trauma do nascimento de Rank. Não
hesito em dizer que considero essa obra altamente significativa, que ela me deu
muito o que pensar e que ainda não cheguei a ter um juízo significativo sobre ela.
Há muito estamos familiarizados com fantasias relativas ao útero e reconhecemos
sua importância, mas devido ao realce que Rank lhes deu, elas alcançaram uma
significação muito maior e revelam de imediato o fundo biológico do Complexo de
Édipo. Repito em minha própria linguagem: o trauma de nascimento deve estar
associado a alguma pulsão que visa a felicidade, compreendendo-se aí que o
conceito de felicidade é usado, sobretudo, em sentido erótico. Rank, então, vai além
da psciopatologia e mostra como os homens alteram o mundo externo a serviço
desse instinto, ao passo que os neuróticos poupam-se desse problemas ao tomar o
caminho mais curto de fantasiar o retorno ao útero. Se à concepção de Rank
acrescentarmos a de Ferenczi - a de que o homem pode ser representado por seus
genitais - então pela primeira vez temos uma derivação do instinto sexual normal
em que se encaixa nossa concepção do mundo.
Naturalmente, bem mais poderia ser dito sobre isso e espero que os pensamentos
despertados por Rank tornem-se objeto de muitas discussões frutíferas. Deparamo-
nos aqui não com uma revolta, uma revolução, uma contradição de nosso
conhecimento assegurado, mas com um interessante acréscimo que nós e outros
analistas temos de reconhecer.” (vol.3, pp. 89-91).

As reações a esta circular foram exacerbadas, Erneste Jones afirma que Freud foi “por
demais tolerante”. O clima estava alterado e Freud nesta altura da vida reflete: “Meus discípulos
são mais ortodoxos do que eu” (ibid, p. 91). Poder-se-ia arriscar a hipótese de que ele estivesse
preste a continuar seu relacionamento com Rank, mas o movimento psicanalítico talvez pela
inércia inerente às instituições não lhe permitiu outra escolha senão o caminho da separação.

Assim “O Trauma do Nascimento”, que distanciou discípulo e mestre, levou Freud a


revisar sua teoria referindo-se a posição de Rank “que originariamente era a minha - de que o
afeto da angustia é conseqüência do ato do nascimento e uma repetição da experiência
original, forçou-me, uma vez mais, a revisar o problema da angústia”. (Ibid., vol.3, p.102)

Ora, isso significa que Freud admite o mérito de Rank quanto a travessia traumática do
feto pelo canal estreito da bacia, referindo-se ao evento como protótipo de angústia primeva
para o indivíduo à medida que se constitui em inevitável situação de ameaça à vida e ao mesmo
tempo um caminho único a ser percorrido. Para além dessa situação inicial de perigo, frente a
outras fontes geradoras de traumas, somando um total de quatro situações de perda a serem
iniciadas pela chamada “perda do nirvana intra-uterino”, temos na seqüência (ameaça de): perda
da simbiose materna, perda do pênis e perda do amor do superego.
Desse modo, as contribuições de Rank acerca do trauma de nascimento o colocam entre
os precursores da Psicologia Transpessoal, talvez um dos primeiros a indicar uma amplitude da
consciência para além dos limites impostos pela teoria psicanalítica dominante. Sua teoria
indica-nos a possibilidade de mergulharmos em níveis mais profundos da psique.
Grof (1988) destaca o intenso trabalho de Rank, construindo a partir do mesmo um
arcabouço teórico para dar conta das experiências que envolvem a gravidez e o nascimento.
Este autor elabora a teoria das matrizes perinatais e, em homenagem a Rank, denomina de nível
rankiano do processo terapêutico a fase da terapia na qual emergem conteúdos perinatais de
forma mais condensada.

UMA TENTATIVA DE CASAMENTO PRECOCE ENTRE EROS E PSIQUE

Carl Jung

Carl Gustav Jung, descendente do mítico Sigmund Jung, alquimista de Mainz11, nasceu
em 26 de julho de 1875 em Kesswil, pequeno povoado à beira do lago Constanza, no cantão de
Thurgovia. O interesse por fenômenos que estavam fora do âmbito de estudo da psiquiatria de
sua época, bem como suas ricas contribuições ao desenvolvimento de uma psicologia do
sagrado, põem este autor como um dos precursores da Psicologia Transpessoal.
A família de Jung parece ter estimulado amplamente seu mundo imaginário. Durante a
sua infância experiências transpessoais podem ser assinaladas, como por exemplo: sendo
solicitado a produzir um ensaio, Jung ficou bastante sobrecitado (estado alterado de
consciência). Neste estado produziu um excelente ensaio e foi acusado de plágio pelo professor.
Sem conseguir convencê-lo, e sofrendo por alguns dias, Jung escreveu acerca do contato com
um ‘ser invisível’ que o teria ajudado a fazer o texto.
Na escola Médica de Zurich, Jung escreveu sua tese sobre transe e estados dissociativos,
a partir das experiências com sua prima e médium Helene Preiswerk. Depois de sua graduação
trabalhou com Eugen Bleuler, um dos maiores mestres da psiquiatria, no Hospital de Burgholzh
em Zurique, o que lhe deu uma vasta experiência com psicóticos e colocou-o em contato com o
campo do simbolismo tendo-se, por exemplo um dos seus casos em que um paciente falou de
um sol fálico, figura posteriormente encontrada por Jung na cultura egípcia.
O encontro de Freud e Jung propiciou ao primeiro um suporte acerca da visão
psicanalítica do inconsciente. No entanto as divergências entre ambos não tardariam em
aparecer. Em Viena, Freud e Jung discutiram sobre fenômenos parapsicológicos, quando
ocorreu um barulho na estante de livros do escritório de Freud. Jung disse que tal fenômeno
refletia um dos tópicos que estavam discutindo e predisse um novo barulho. Freud discordou
desta possibilidade, mas um segundo barulho ocorreu. Freud depois escreveu para Jung dizendo
que após sua partida os barulhos continuaram, porém os considerava sem importância.
(Memórias, Sonhos e Reflexões).
Uma das possíveis causas para o rompimento entre Freud e Jung deveu-se ao fato de este
último insistir em destacar temas espirituais em seu foco de pesquisa.
Pode-se considerar as contribuições de Jung para Psicologia Transpessoal em quatro
pontos:
1. a noção que desenvolvimento psicológico poderia incluir o crescimento de altos
níveis de consciência e continuar ao longo da vida;
2. o conceito de transcendência é útil para cada indivíduo;

11
“Ancestral de Carl Gustav, ativo na primeira metade do século XVII, conhecedor de Paracelso.”
3. a prontidão para explorar visões de outras culturas multicentenárias bem como de
levantar insights dentro da cultura ocidental mostraram-se relevantes para o trabalho
clínico atual;
4. o reconhecimento de que cura e crescimento freqüentemente resulta de experiências
simbólicas ou de estados alterados de consciência, os quais não podem ser reduzidos
à racionalização.
Estas contribuições se expressam nos estudos junguianos acerca dos arquétipos e mitos,
inconsciente coletivo, sonhos, tipos psicológicos, da abordagem simbólica, da sincronicidade, e
das dimensões espirituais da psique, que serviram de base para a fundamentação da Psicologia
Transpessoal no Ocidente.
Jung também pode ser visto como um dos primeiros teóricos a estudar, numa perspectiva
psicológica, fenômenos como transes mediúnicos ou não, yoga, espiritualidade dos nativos
americanos, xamanismo africano, o I Ching, alquimia e gnosticismo.
As publicações que mais destacam o aspecto transpessoal na obra de Jung são: Sete
Sermões para um Morto; Uma Resposta a Jó; Memórias, Sonhos e Reflexões (2002). É possível
perceber a ousadia de Jung frente ao meio acadêmico a partir de sua declaração a BBC, quando
questionado acerca da existência de Deus: “Eu não penso que ele existe, eu sei que ele existe”,
contudo, sua ambivalência não permitiu o casamento entre Eros e Psique, mas lançou sementes
e abriu caminhos para esta união.

UM CASAMENTO TARDIO ENTRE EROS E PSIQUÉ

Carl Rogers

Considerado um dos principais representantes da Terceira Força em Psicologia, Rogers


foi um dos primeiros autores que forneceu informações acerca das possibilidades de ampliação
do campo de pesquisa na área psicológica.
Tornando relevante a possibilidade de abertura para novas idéias Rogers (1983) valoriza
àquelas que dizem respeito ao espaço interno – o chamado reino dos poderes psicológicos e das
habilidades psíquicas da pessoa humana.
Nesse sentido assim se expressa:

“Estou aberto a fenômenos ainda mais misteriosos - à premonição, à telepatia, à


clarividência, às auras humanas, às fotografias kirlianas, e até mesmo às
experiências que se dão fora do corpo. Estes fenômenos podem não corresponder às
leis científicas conhecidas, mas talvez estejamos no caminho da descoberta de uma
nova ordem, regida por outros tipos de leis. Sinto que estou aprendendo muito com
uma nova área de conhecimentos, e considero esta experiência agradável e
empolgante.” (p. 26)

Esta abertura de Rogers marca uma passagem importante dentro do movimento


psicológico, pois mostra o interesse dos psicólogos humanistas por uma nova dimensão em
psicologia, que mais tarde passou a denominar-se Psicologia Transpessoal, e apontava novos
rumos para a pesquisa.
Importante ressaltar que em “Reflexões sobre a Morte”, Rogers (1983) nos ensina um
dos pontos considerados centrais da Psicologia Transpessoal: a morte.

“A minha crença de que a morte é o fim foi modificada, no entanto, por coisas
que aprendi na década passada. Fiquei impressionado com os relatos de Raymond
Moody (1975) sobre as experiências com pessoas que estiveram próximas da morte
a ponto de serem declaradas mortas, mas que voltaram à vida. Impressionam-me
alguns relatos sobre reencarnação, embora eu considere uma bênção muito
duvidosa. Interesso-me pelos trabalhos de Elisabeth Kübler-Ross e por suas
conclusões sobre a vida após a morte.” (p.29)

Em atualização a estas afirmações o autor escreve: “Vivendo o Processo de Morrrer”.


Nele busca reorganizar suas considerações sobre o processo da morte, afirmando a nova visão
quando destaca: “contrastam frontalmente com algumas passagens deste capítulo, escrito há
apenas dois anos atrás” (ibid. p.31).
A experiência de falecimento de sua esposa traça um bonito percurso na reorganização
do conceito de morte, e marca a transformação operada em sua mente flexível e disponível ao
novo.

“Modificaram completamente minha concepção do processo da morte. Agora


considero possível que cada um de nós seja uma essência espiritual contínua, que se
mantém através dos tempos e que ocasionalmente se encarna num corpo humano.”
(p. 31)

Em “Estados Alterados de Consciência” Rogers (1983) destaca os trabalhos de Grof e


Grof (1977) e Lilly, que apontam a capacidade das pessoas ultrapassarem o nível comum de
consciência, conforme transcrito a seguir:

“Seus estudos parecem revelar que em estados alterados de consciência, as


pessoas entram em contato com o fluxo da evolução e apreendem seu significado.
Este contato é vivenciado como um movimento que os aproxima de uma experiência
transcendente de unidade. É como se o eu se dissolvesse numa região de valores
superiores, especialmente de beleza, harmonia e amor. A pessoa sente-se como se
ela e o cosmos fossem um só. A realização obstinada de pesquisas parece que vem
confirmando as experiências de união dos místicos com o universo.” (Rogers, 1983,
p.47)

Diante desse cenário, percebe-se que Rogers revela o contato com as produções
científicas da então nascente área de Psicologia Transpessoal, citando os trabalhos Grof, um de
seus expoentes, responsável por valorosa construção cartográfica da consciência nesta área.
Com o desenvolvimento de pesquisas que incluíam a dimensão espiritual da vida
humana, vários psicólogos humanistas passaram a se interessar por uma série de estudos até
então negligenciados pela Psicologia Humanista. Este interesse estava apoiado por inúmeras
pesquisas que surgiram nessa época, contudo é somente no pós-morte que Rogers revela seu
interesse no casamente entre Eros e Psiqué.
PIONEIROS SOLITÁRIOS E LOUCOS DE SABEDORIA: PSIQUÉ BUSCA CASAR-
SE ATRAVÉS DOS ALUCINÓGENOS

Um dos estudos marcantes do período de mais atenção para estados de consciência está
expresso em “As Portas da Percepção”, de Aldous Huxley (2002) que despertou o interesse
pelas drogas alucinógenas como fonte de pesquisa profunda da mente humana. Em 1963, ele
ministrou LSD à sua esposa, no leito de morte, escandalizando a sociedade da época.
Seguindo seus passos, Timothy Leary, doutor em Filosofia pela Havard, começou,
naquela década, a utilizar-se de cogumelos, mais tarde, de LSD. Leary foi pego em flagrante,
condenado a 30 anos de prisão, ainda que tenha sido indultado posteriormente. Na sentença
condenatória figurava que havia induzido seu filho e sua filha a usarem “sacerdotalmente” o
alucinógeno o que escandalizou o júri e a igreja (Wellesley, apud Pincherle, 1985).
Estes fatos marcaram o início de um imenso mergulho no mundo dos alucinógenos que
passaram a atrair cada vez mais interesse, gerando pesquisas que ampliaram a noção da
consciência. Foram descritas vivências que se aproximaram das alusões visionárias dos místicos
orientais, agora mais acessíveis à cultura ocidental. Dentro deste contexto, emergem os estudos
que convergiram para o nascimento da Psicologia Transpessoal.
Anthony J. Sutich, apud Weil (1978), traça um backgraund relativo a este surgimento,
começando por expor um esboço a respeito das definições e declarações de objetivos em
relação ao aparecimento histórico de novas forças na psicologia. Este autor compreende as
definições e declarações de objetivos como formulações sujeitas a transformações, na medida
em que elas forem exigidas pelo desenvolvimento das condições objetivas de vida, de suas
relações, das forças que possam representar.
Neste sentido, o trabalho de Sutich congrega dados preliminares de análise das
declarações, definições e objetivos que caracterizam o aparecimento de uma nova tendência
dentro da psicologia, bem como traça um forte paralelo entre a “Terceira Força”, Psicologia
Humanística, e o nascimento da “Quarta Força”. Sutich pode ser considerado um dos pioneiros
no campo transpessoal, sendo seus esforços de síntese e sistematização extremamente
enriquecedores para o desenvolvimento deste novo campo de conhecimento, de tal modo
valioso que o tomamos como norte para a exposição dos dados históricos seqüenciais da
Psicologia Transpessoal.

DO “TORNAR-SE PESSOA” AO “TORNAR-SE TRANSPESSOAL” OU DO HUMANISMO


À PSICOLOGIA TRANSPESSOAL: PSIQUÉ GANHA UM NINHO

Apesar das ambivalências e reticências em regra observadas na teoria humanista em


relação aos seus vínculos com a Psicologia Transpessoal, é notório que os pais da terceira força
são os mesmos que geraram a quarta força. Como poderemos perceber acompanhando a seguir
o registro temporal do desenvolvimento da Psicologia Transpessoal.
1957 - A definição da “Terceira Força” foi apresentada pelo Dr. Abraham Maslow no
verão de 1957 e incluída na introdução do primeiro número do “Journal of Hunanistic
Psychology” (Sutich apud Weil, 1978), e encontra-se abaixo expressa:

“A Revista de Psicologia Humanística ocupa-se com a publicação de pesquisas


teóricas e aplicadas, contribuições originais, ensaios, artigos e estudos sobre
valores, autonomia, ser, ‘‘self’’, criatividade, identidade, crescimento, saúde
psicológica, organismo, autorealização, necessidades básicas de satisfação e
conceitos relacionados”. (p.24)

Neste período surgiu a “Ortopsicologia” como primeiro título para aquilo que

atualmente se conhece como orientação humanística na psicologia.

1959 - Durante a longa fase de lançamento do “Journal of Ortho-Psychology”, criou-se


uma confusão entre “Ortopsicologia” e “Ortopsiquiatria”, sendo o primeiro termo substituído,
em respeito à já estabelecida revista de psiquiatria, por “Self-Psychology”.
1960 - Em março, o Conselho de Curadores da Brandeis University confirmou o seu
patrocínio à revista. No entanto, para Sutich, estava implícito que só experimentalmente se
chamaria “Journal of Self-Psychology”. O autor atribuiu a provisoriedade do nome ao
preconceito existente entre a comunidade científica em relação a termos como Self.
1961 - Organizou-se nos Estados Unidos a Associação de Psicologia
Humanística (APH).

1963 - A APH ganhou como patrocinadores e responsáveis os membros do Conselho de


Editores da Revista de Psicologia Humanística. Em agosto de 1963 realizou-se o encontro de
fundação da Associação (APH), em Filadélfia, Pensilvânia.
1965 - Agosto, durante o seu terceiro encontro anual, em Chicago, votou-se uma
proposta para transformar a Associação em uma organização independente e isenta de taxas
federais.
Sendo assim, após alguns meses, a Associação de Psicologia Humanística, como novo
veículo para a “Terceira Força”, realizava seu encontro anual na posição de organização
independente, tendo como novo administrador John Levy, e editor associado da RPH, Miles A.
Vich.
1965 - A Organização define-se como:

“... identificada com uma ampla concepção do método científico (...) Empenhada
fundamentalmente na psicologia como uma ciência... Interessada em tópicos que
ocupam pouco espaço nos sistemas existentes, tais como amor, criatividade,
espontaneidade, jogo, calor humano, transcendência do ego, autonomia,
responsabilidade, autenticidade, significado, experiência transcendental, coragem.”
(Idem, p.25)
1966 - Janeiro, vários membros do Conselho de Editores da RPH foram convidados a
participar de um seminário intitulado “Teologia Humanística” com o Padre McNamara, chefe
do Inter-Faith Spiritual Life Institute, de Sena, Arizona, que se realizou em Hot Springs, Big
Sur, Califórnia, e foi co-patrocinado pelo Esalen Institute, no qual o Dr. Maslow, que realizava
um seminário em Big Sur, foi persuadido a participar como palestrante. Nos meses seguintes,
foi sendo detectada uma força emergente em Psicologia que estava sendo confundida com a
Humanística.
Ainda naquele ano, surgiu no Canadá uma revista consagrada ao estudo da consciência
cósmica, sob a direção do psiquiatra, Raymond Prince.
1967 - Janeiro, o termo “trans-humanístico”, criado por Sir Julian Huxley em 1957,
tornou-se “palavra-chave para essa nova força” (idem, p.26). O “Trans” acrescido à palavra
humanístico revelava a necessidade da ampliação de estudos sobre uma gama de fenômenos
desenvolvidos pela força anterior. Tabone (1995) explica este momento da seguinte forma:

“Como conseqüência dessa aceitação e da importância atribuída à dimensão


espiritual da vida humana, vários psicólogos humanistas passaram a se interessar
por uma série de estudos até então negligenciados pela Psicologia Humanista, tais
como: o êxtase, as experiências místicas, a transcendência, a consciência cósmica,
a teoria e a prática de meditação e a sinergia interindividual e interespécies.” (p.
97)

Amplia-se, então, o movimento de reconhecimento da existência de um nível “trans”


considerado até então como uma dimensão a ser pesquisada no cenário que configurava a
pessoa humana numa nova visão. Ao nível “trans” também passou a ser atribuída uma série de
experiências, entendidas como aspectos intrínsecos da natureza humana segundo as quais todo
indivíduo tem o direito de escolher ou de modificar o seu “caminho” para atingir os objetivos
transpessoais (Tabone, 1995).
No dia 14 de setembro de 1967, em uma conferência na First Unitarian Church em São
Francisco, o Dr. Abraham Maslow fez a primeira apresentação pública da “Quarta Força” no
campo da Psicologia. Três dias mais tarde, em um seminário no Esalen Institute, Big Sur,
Califórnia, o Dr. Maslow anunciou o lançamento, num futuro próximo, do “Journal of
Transhumanistic”.
Em dezembro de 1967, com a ajuda dada pelo Dr. Abraham H. Maslow e por Miles A.
Vich foram completadas a definição e a declaração de objetivos da Psicologia Trans-
humanística.

O NASCIMENTO OFICIAL DA PSICOLOGIA TRANSPESSOAL OU O


CASAMENTO DE EROS E PSIQUÉ

1968 – No início desse ano, durante uma discussão em que tomaram parte o Dr.
Abraham H. Maslow, o Dr. Viktor Frankl, o Dr. Stanislav Grof e o Dr. James Fadiman, sobre o
título da revista que expressaria as idéias da nova força, houve uma insatisfação com o termo
“trans-humanístico”, sendo então substituído por “Transpessoal”.
Sutich, apud Weil (1978) destaca esta substituição da seguinte forma:
“Entretanto, as diferenças eram tão significativas que levaram inevitavelmente à
conclusão de que uma área nova e de características próprias da pesquisa
psicológica estava se manifestando. Era uma área de pesquisa “pessoal”, mas que
ia além dos limites usuais da investigação científica. Além disso, a nova área diferia
de maneira significativa do trans-humanismo (Huxley, 1957) pelo fato de enfatizar
principalmente o indivíduo experienciador mais do que a raça humana como um
todo. Por isso foi bastante natural que... a nova área recebesse o título de
‘Psicologia Transpessoal’”. (p 29)

Grof (1988), na abertura de sua obra magistral “Além do cérebro: nascimento, morte e
transcendência em psicoterapia”, descreve-nos, assim, este momento:

“... conheci um pequeno grupo de profissionais, nos últimos anos da década de 60,
que incluía Abraham Maslow, Anthony Sutich e James Fadiman, que
compartilhavam minha crença de que o tempo estava maduro para lançar um novo
movimento em psicologia, que enfocasse o estudo da consciência e o
reconhecimento dos significados das dimensões espirituais da psique. Após vários
encontros para determinar a clarificação desses novos conceitos, decidimos chamar
essa nova orientação de “psicologia transpessoal”. Logo em seguida foi lançado o
Journal of Transpersonal Psychology e a Associação de Psicologia transpessoal.”
(p. XII)

Tabone (1995) com referência a este momento de mudança destaca que o termo
“transpessoal”, conforme descrito por Sutich (1969, apud Weil, 1978): “além do pessoal”, ou
“além da personalidade”, desloca o foco de atenção dado até então pelas psicologias anteriores
à personalidade; sendo portanto uma marca diferenciadora e definidora da Psicologia
Transpessoal. Citando Vaughan, a autora refere-se assim ao fato acima descrito:

“A Psicologia Transpessoal atribui menor importância a personalidade; esta é vista


apenas como um dos aspectos do ser, com o qual o indivíduo pode, mas não deve,
identificar-se”(p.98)

Contudo, podemos ainda, dentro do contexto humanista, destacar o “trans” acrescido ao


pessoal como uma forma de marcar uma compreensão total do ser humano, de forma que este
termo não se refere apenas ao “ir além”, mas, também, ao tornar-se MAIS PESSOA, assumindo
radicalmente toda a amplitude do Ser Humano, conforme destaca Wilber (2002).
1969 - Surgiu nos Estados Unidos a primeira Associação de Psicologia Transpessoal
(Association for Transpersonal Psychology) que publica uma revista de Psicologia Transpessoal
cujo objetivo é a publicação dos trabalhos de pesquisa dos estudiosos da Quarta Força.
Entre os primeiros editores da referida revista destacaram-se Anthony Sutich, Michael
Murphy e James Fadiman. Tendo como membros participantes: Charlotte Buhler, Abraham
Maslow, Allan Watts, Arthur Koestler, Viktor Frankl.
Sutich (apud Weil, 1978) ressalta a declaração de objetivos, como se segue:
“... deve ser entendida como sujeita a interpretações opcionais individuais ou de
grupos, tanto parcial quanto totalmente, com relação à aceitação de seus conteúdos
como essencialmente naturalistas, teístas, sobrenaturalistas, ou qualquer outra
classificação que se lhes dê.” ( pp. 30 e 31).

De fato, isto realça o caráter democrático e o compromisso com a pesquisa científica


desenvolvida por este órgão de divulgação.
Com a formação da Associação de Psicologia Transpessoal e a publicação de sua revista,
nasceu uma primeira definição de Psicologia Transpessoal, assim expressa:

“Psicologia Transpessoal (ou “Quarta Força”) é o título dado a uma força


emergente no campo da psicologia, representada por um grupo de psicólogos e
profissionais de outras áreas, de ambos os sexos, que estão interessados naquelas
capacidades e potencialidades ÚLTIMAS que não possuem um lugar sistemático na
teoria positivista ou behaviorista (“Primeira Força), na teoria psicanalítica
clássica (“Segunda Força”), ou na psicologia humanística (“Terceira Força”).
Sutich, apud Weil, 1978, p.29)

No que diz respeito ao seu campo de estudo, esta nova força em psicologia distingue-se
de forma clara, como abaixo pode ser conferido:

“... ocupa-se especificamente do estudo científico empírico e da aplicação das


descobertas importantes dos seguintes assuntos: metanecessidades, no âmbito
individual e da espécie; valores últimos; consciência unitiva; experiência de pico;
valores B; êxtase; experiência mística; respeito; ser; auto-realização; essência;
felicidade; milagres; significado último; transcendência do ‘‘self’’; espírito;
singularidade; consciência cósmica; sinergia individual e da espécie; máximo
encontro interpessoal; sacralização da vida cotidiana; fenômenos transcendentais;
alegria e diversão cósmica; consciência sensorial máxima; responsividade e
expressão; e dos conceitos e experiências e atividades relacionadas”. (idem, p. 30).

1969 - A American Association for Humanistic Psychology era uma organização


independente e próspera, mantendo suas pesquisas na área de “auto-realização”, enquanto o
movimento orientado pela Psicologia Transpessoal avançava em busca da
“autotranscendência”.
1972 e 1975 - Foram realizados o I e II Congresso Internacional de Psicologia
Transpessoal, na Islândia.
1976 - Realização do III Congresso Internacional de Psicologia Transpessoal, na
Finlândia.
1978 - Durante o IV Congresso Internacional, realizado na cidade de Belo Horizonte -
Brasil, Stanislav Grof juntamente com o Lama Tibetano Tarab Rinpoche, Pierre Weil, Léo
Matos, Michael Murphy e Richard Price, os dois últimos, fundadores do Instituto Esalen,
criaram a Associação Internacional de Psicologia Transpessoal, que posteriormente dispensou o
nome “psicologia” pela “simples razão que o transpessoal é muito mais do que psicologia; o
enfoque transpessoal é, em realidade, um enfoque para a vida, portanto, não se limitando
somente à psicologia, mas incluindo outras ciências” (Matos, 1992, p. 13).
Denominando-se ITA (Association Transpersonal International) com sede na Califórnia
(Esalen Institute, Big Sur, Califórnia, USA), esta instituição mantém um caráter internacional e
interdisciplinar, o que a distingue da já existente Associação de Psicologia Transpessoal.
A partir desta data a ITA fica como organizadora de diversos congressos, tendo
encerrado por um breve período as suas atividades após o nono congresso realizado no Japão,
no ano de 1986. No entanto, outros congressos internacionais foram realizados sob a gerência
de outras instituições nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil. Atualmente a ITA mantém
suas atividades, organizando congressos e encontros no meio transpessoal.
A década de 80 – Há um incremento nos congressos transpessoais, tanto em número
quanto em qualidade. Inicia-se uma intensa fase de consolidações de pesquisas dos estados
ampliados de consciência.
Década de 90 – Surge um forte movimento de vinculação e introdução da Psicologia
Transpessoal no meio acadêmico. As produções teóricas dos mestrados e doutorados começam
a sedimentar o paradigma transpessoal, dando margem ao início de um diálogo entre ciência e
espiritualidade. O Brasil volta à rota de interesse internacional, sendo escolhido para sediar o
XV Congresso Internacional de Psicologia Transpessoal, ocorrido na Amazônia.
2000 - A virada do milênio é marcada pelos movimentos de legitimação da Psicologia
Transpessoal em âmbito internacional. A contribuição do arcabouço teórico transpessoal no
estudo e promoções de uma cultura de paz são cada vez mais reconhecidas. As pesquisas
pioneiras realizadas isoladamente com mestres orientais ganham maior sistematização, sendo
replicadas em grandes centros de pesquisas. Um dos grandes exemplos desse processo está nos
diálogos entre Oriente e Ocidente promovidos sob os auspícios de Sua Santidade Dalai Lama.
Nestes encontros tem participado uma imensa gama de cientistas interessados em contribuir
com a lacuna que nos tem separado, sendo destaque Daniel Goleman e Francisco Varela.
No cenário internacional têm-se notícias de alguns centros que trabalham com a
excelência da Psicologia Transpessoal no âmbito de formação, pesquisa e estudos. A título de
referência “en passand” temos:

CENTROS DE FORMAÇÃO DESCRIÇÃO


Association for Humanistic Fornece um índice de instituições que
Psychology oferecem programas de estudo nas áreas
humanística, existencial e transpessoal, em
nível de graduação e pós-graduação.
Harvard University (E.U.A.) No curso de licenciatura em Psicologia,
oferece algumas cadeiras claramente
inseríveis num quadro humanista, quando
não transpessoal, como:
Mente/Cérebro/Comportamento; Música e
Cérebro: Fundamentos Neurológicos da
Percepção e Cognição da Música;
Redescobrindo a Mente: Seminário; Mapas
de Significações: As Narrativas e a
Regulação Cortical da Emoção, e Memória e
Imaginação.
Stanford University (E.U.A.) Além de um curso geral de Psicologia bem
estruturado, oferece cadeiras em sintonia
com as pesquisas transpessoais: Sono e
Sonhos, e Controle Mental.
Duquesne University (E.U.A.) O Departamento de Psicologia oferece os
seguintes cursos de curta duração, a serem
ministrados por professores visitantes
considerados especialistas de renome:
Psicologia da Criatividade; Psicologia da
Consciência; O Processo de Integração da
Personalidade; Teorias Existencialistas do
Ser Humano, e Exploração Fenomenológica
do Mundo-de-Vida da Criança.
The University of Arizona (E.U.A.) Promove o estudo da Consciência de modo
integral e equilibrado, em áreas que incluem
a Filosofia, as neurociências, a Psicologia e
as ciências cognitivas, ciências físicas e
biológicas, a Cultura e a Fenomenologia.
State University of West Georgia O Departamento de Psicologia escolheu
(E.U.A.) ocupar-se, além de assuntos mais
convencionais, do estudo de temas
existenciais da vida psicológica, estrutura da
consciência, espiritualidade, experiências
transpessoais e paranormais, reações a
estresse extremo, pensamento oriental, etc.
John Fitzgerald Kennedy University Oferece cursos de mestrado com títulos
(E.U.A.) sugestivos, como Estudos da Consciência;
Educação para a Saúde Holística; Artes
Transformativas, e Psicologia Transpessoal.
Num curso de pós-graduação em Estudos
Holísticos, inclui as seguintes disciplinas:
Paradigmas da Consciência; Psicologia
Transpessoal: Transformando o Self; Saúde
Holística: Corporificando o Self;
Consciência e Temas Sociais; Consciência e
Criatividade, e O Self no Mundo:
Revitalizando Comunidades e Locais de
Trabalho.
University of California, Irvine Seu Departamento de Psiquiatria e
(E.U.A.) Comportamento Humano oferece módulos
de formação que variam freqüentemente,
entre os quais se incluíam na programação
de 1998: Terapias Orientadas para o
Crescimento; Introdução à Hipnose Clínica,
e O Encontro do Ocidente e do Oriente.
Saybrook Graduate School and Oferece mestrado e doutorado em Ciências
Research Center (E.U.A.) Humanas e em Psicologia, focalizando
claramente o estudo da experiência humana.
Na área de Psicologia, salientam-se as
seguintes disciplinas: Pensamento Crítico;
Psicologia da Consciência; Dimensões da
Criatividade; Modelos de Consciência;
Psicologias Orientais; Psicologia do
Xamanismo; Metáfora e Compreensão
Humana; Fenomenologia, e Crítica
Fenomenológica dos Sistemas Psicológicos.
University of Hawaii at Manoa No Curso de Psicologia, oferece uma área de
(E.U.A) Psicologia da Personalidade/Transpessoal.
University of Nevada, Las Vegas A Cátedra Begelow de Estudos da
(E.U.A.) Consciência aborda estados dissociativos, a
consciência na proximidade da morte, a
questão da eventual sobrevivência pós-
morte.
Northern Illinois University (E.U.A.) O Departamento de Psicologia Educacional,
Aconselhamento e Educação Especial
oferece, em programas de doutoramento,
disciplinas relacionadas com a Psicologia
Transpessoal e Humanista, como
Biofeedback em Aconselhamento em
Educação; Teoria do Aconselhamento
Transpessoal; Terapia Gestalt; Psicossíntese;
Criatividade e Aprendizagem; Educação
Transpessoal; O Aluno Superdotado, e
Teoria Social Humanista Aplicada à
Educação.
University of Massachusetts A Faculdade de Educação oferece curso e
Dartmouth (E.U.A.) seminário de Educação Transpessoal.
Naropa University (E.U.A.) Instituição de inspiração budista,
reconhecida oficialmente, oferece graduação
em Psicologia Contemplativa, Psicologia
Somática e Psicologia Transpessoal.
Institute of Transpersonal Psychology Programas de certificação em Psicologia
(E.U.A.) Transpessoal, em boa parte através da
Internet e sob a forma de seminários. Aborda
as seguintes áreas: Expressão Criativa;
Psicologia Espiritual; Estudos Transpessoais;
Aconselhamento para o Bem-estar e
Consciência Mente-Corpo, e
Desenvolvimento Espiritual da Mulher.
Université du Québec à Montreal - Oferece, no quadro de uma licenciatura em
UQAM (Canadá) Psicologia (baccalauréat), as seguintes
disciplinas: Psicologia Humanista;
Desenvolvimento Afetivo do Adulto;
Psicologia Humanista e Intervenção; Temas
Especiais em Psicologia Humanista;
Abordagens Fenomenológicas, e Indivíduo
Criativo e Treino de Criatividade.
Liverpool John Moores University Oferece diplomas e certificados de pós-
(Inglaterra) graduação em Consciência e Psicologia
Transpessoal.

The University of Edinburgh Tem uma cátedra de Parapsicologia,


(Escócia) dedicada ao estudo de fenômenos
paranormais e dos seus mecanismos numa
ótica humanista, interdisciplinar, ética e
equilibrada.

Importante salientar que nas informações citadas, os inúmeros centros formadores


autônomos não foram contemplados, destacamos apenas os centros ligados a universidades o
que evidencia o longo alcance de propagação da abordagem transpessoal à medida que
observamos o crescente aumento do número de terapeutas formados por institições
especializadas.

1.1.2. Raízes históricas no Brasil

As tradicionais escolas euro-americanas ainda são dominantes no exercício da psicologia


pátria. No entanto, autores como Augras (1983), Góis (1993), Campos (1997) destacam que a
diversidade cultural de um povo não pode ser negligenciada quando se propõe a produção de
um saber. Neste sentido, como pode uma psicologia inserida em um contexto cultural de
pluralidade, como é o Brasil, descartar os aspectos espirituais ou do sagrado de seu povo?
Teorias que buscam explicar a realidade psicológica brasileira devem estar atreladas às
variáveis sócio-culturais. Neste cenário, a Psicologia Transpessoal busca resgatar o vínculo
entre as tradições populares e o saber acadêmico, possibilitando uma ampliação das leituras
apresentadas para estes fenômenos ao tempo em que oferece um amplo cenário de experiências
quânticas no campo holográfico.
Na esteira desse entendimento, o Brasil constitui-se um dos países que nas palavras de
Matos (1992) tem “um background especificamente transpessoal”, logo é de se esperar a
riqueza de suas produções nesta área, bem como seu interesse por este “approach científico
holístico para a vida”. No entanto, o medo e o preconceito ainda têm-se feito presentes, criando
obstáculos neste ramo de pesquisa, o que dificulta a expansão dessa forma de conhecimento.
Sob o rótulo de alternatividade têm sido postas barreiras ideológicas e políticas que
dificultam o processo de pesquisa. As resistências produzidas pelo pouco acesso às informações
contidas nas bibliografias expressam mais a dificuldade de divulgação de leituras especializadas
do que propriamente uma crítica teórica ao referido tema. Temos mais apegos ideológicos do
que atitude científica, manifestando-se mais como um padrão de resistência e menos como
aprofundamento calcado em referentes cientificamente sistematizados.

PSIQUÉ ENTRA EM TRANSE EM UM BRASIL PLURAL

Nas distintas vertentes de psicologia tem-se observado, à exceção da psicologia


social/comunitária, uma negação quanto ao estudo dos estados ampliados de consciência e
relegado aos antropólogos, sociólogos, historiadores e religiosos, uma imensa gama de
fenômenos que se beneficiariam de um olhar psicológico.
No viés psicologia social/comunitária é por demais valorada a importância dos rituais
mágico/religiosos, com ênfase naqueles que usam o transe para o equilíbrio das relações
comunitárias. Pais e Mães-de-Santo, espíritas, sensitivos e rezadeiras funcionam como
terapeutas populares que compartilham códigos lingüísticos aproximados, o que facilita a
eficácia de suas intervenções12 como agentes de ligação entre as necessidades mais
individualizadas e a dimensão transcendente.
O porquê dessa eficácia? Qual o papel do transe, ou estado ampliado de consciência? O
que é o transe e quais as suas repercussões psicológicas? Qual o papel do sagrado no
desenvolvimento da consciência? Qual o impacto dos sistemas de crenças religiosas e dos
estados ampliados sobre o desenvolvimento da personalidade? Estas são questões que buscam
respostas. E a Psicologia Transpessoal tem buscado respondê-las, contribuindo no
estabelecimento de uma ponte entre a academia e os sistemas de cura das camadas populares.

DOS TERREIROS PARA A ACADEMIA: PSIQUÉ BUSCA ESPAÇO

A entrada da Psicologia Transpessoal no Brasil deu-se por três vias principais: a) Ação
individual ou via dos pioneiros b) Movimento Popular e comunidades terapêuticas ou via
alternativa e c) Oficial ou via acadêmica.
Na primeira via, tivemos psicólogos com formação acadêmica tradicional e que
mantinham suas atividades dentro deste enfoque, mas que em suas vidas privadas tiveram
experiências de estados ampliados de consciência ou mantinham algum contato com tradições
espirituais que usavam o transe como caminho de cura. Esta via era geralmente ambivalente e
dicotômica, pois os padrões de crenças, visões de homem e mundo da psicologia oficial
excluíam qualquer possibilidade de inclusão do sagrado, de forma que a repressão e a negação
eram os mecanismos mais comuns para lidar com estes fenômenos.
Em nossa experiência, como formadores, encontramos alunos e professores que na
academia mantinham o discurso de oposição da “psicologia oficial” frente aos estados
ampliados de consciência, mas que eram vistos em transe nos terreiros ou centros espíritas;
enquanto outros, por assumirem mais abertamente suas visões de mundo, sofriam pressões,
aberta ou subliminarmente, por parte dos colegas acadêmicos.

12
O trabalho de Moffat (1984) na Argentina foi pioneiro nesta área.
Contudo, pioneiros emergiram e começaram a introduzir lentamente os estudos dos
estados ampliados de consciência em seus trabalhos, bem como tentaram equilibrar suas visões
de mundo com os modelos de psicologia já presentes e reconhecidos em nossa cultura, vale
salientar aqui o contato com as teorias de Jung como tentativa de preservarem suas identidades
profissionais ou de manterem a comunicação aberta com a academia.
Esta via era marcada por um movimento individual e não sistematizado onde a marca do
sigilo profissional, também encobria valores, crenças e principalmente os princípios subjacentes
a atividade profissional. Não havia clareza quanto a necessidade de coletivar as experiências
vivenciadas no ambiente privado, pois estas colocavam em risco o paradigma dominante
criando uma tensão com os pares de profissão, colocando em risco a auto-imagem destes
psicólogos.
Neste caminho também tivemos os desbravadores ‘loucos de sabedoria’, aqueles que
aberta e deliberadamente se opunham aos modelos dominantes, resistindo bravamente às
tentativas de enquadramento institucional e lutando para implantarem seus pensamentos
inovadores.
Na segunda via, tivemos a influência dos trabalhos em grupo junto aos movimentos
populares e às comunidades terapêuticas, aqui houve marcadamente uma influência do encontro
com o humanismo rogeriano e os movimentos de contracultura emergentes da década de 60.
Psicólogos ligados aos movimentos populares seja através do engajamento político-
ideológico (psicologia e pedagogia do oprimido) ou por vínculos religiosos (teologia da
libertação, movimento espiritualista reencarnacionista), buscavam disponibilizar,
informalmente, recursos terapêuticos para favorecer o desenvolvimento dos grupos e com isso
criar um ambiente facilitador que estabelecesse um vínculo democrático entre os saberes da
psicologia e os das classes populares.
O ambiente comunitário, de abertura e expansão, possibilitava uma mescla de discussão
política-ideológica com as práticas religiosas próprias das comunidades. Era possível em um
encontro discutirem-se problemas de segurança pública e violência e vivenciar dinâmicas de
grupo que geravam confiança e ao final orar e cantar pedindo proteção a Deus ou aos Orixás.
Não havia tão intensamente a dicotomia da primeira via, pois no meio popular a divisão entre o
sagrado e o profano ainda não tinha se embasado e as experiências do sagrado não sofriam
exclusão e eram vistas como práticas naturais pelos psicólogos engajados nestes movimentos.
O acompanhamento dos movimentos populares e as lutas contra as descriminações
possibilitavam aos psicólogos um engajamento ativo na vida comunitária e isto conduzia ao
contato com as práticas de cura popular, vistas como um acervo de riqueza ancestral
multicentenária e não como práticas “primitivas decorrentes do pensamento mágico”. A
tentativa de explicitar os processos de dominação e a luta de classes presentes nos modelos de
psicologia importados estavam expressas na valorização do saber popular.
Outro grande grupo, nesta via, era formado por psicólogos que tiveram oportunidade de
contactar in loco com as comunidades orientais ou que estavam bastante influenciados pela vida
em organização coletiva mais presentes na América do Norte e na Europa. O estilo de vida
oriental, com os seus modelos de integração mente e corpo, que incluíam práticas de yoga,
meditação, respiração conduzida, visualizações na busca por liberação de padrões negativos de
comportamento possibilitavam aos psicólogos uma primeira tentativa de integração de sua visão
de mundo, de forma que muitos se engajaram nestes movimentos.
As comunidades terapêuticas permitiam a expressão e exploração num ambiente
acolhedor dos potenciais humanos e das vivências dos metavalores propostos por Maslow.
Destas experiências surgiu um imenso número de técnicas de expansão da consciência.
Contudo, o caráter informal permanecia inerente. Havia uma preocupação maior em possibilitar
crescimento aos grupos e aos indivíduos do que compartilhar estas experiências nos meios
acadêmicos, geralmente vistos como limitados e limitantes ou como aparelhos de controle do
estado e da sociedade, portanto repressores dos processos de expansão da consciência.
A maturidade de uma teoria, como aponta Wilber, apud Scotton, Chinen e Batista
(1996), vem do intercâmbio com outras formas de paradigmas, de modo que a entrada na
academia, espaço de circulação paradigmático, torna-se uma necessidade para legitimação da
Psicologia Transpessoal, até porque os passos desse desenvolvimento ocorrem mesmo à revelia,
ainda que sob os “atentos olhos” da referência cartesiana de percepção do ser no mundo.
Pioneiros da psicologia brasileira, como Pierre Weil, lançaram as primeiras tentativas de
inclusão da transpessoal na academia, dando nascimento à terceira via.
Esta via vem sendo percorrida por um imenso número de psicólogos transpessoais que
buscam neste intercâmbio o reconhecimento sócio-político-ideológico necessário para um
diálogo não marginal com as outras abordagens, ao mesmo tempo em que abrem espaço para
pesquisa e formação dentro desta abordagem.
A maturidade teórica adquirida pela transpessoal, nas duas últimas décadas, tem
possibilitado o embasamento necessário para o contato com as diferenças de paradigmas,
enquanto as pesquisas na área dos estados ampliados de consciência têm crescido
aceleradamente e ganho respaldo, inclusive dos monitoramentos cada vez mais sofisticados do
cérebro, e isto tem favorecido um olhar de aceitação por parte do pensamento universitário.
Contudo, ainda que o caráter da “louca sabedoria”13 e da irreverência dos teóricos
transpessoais das primeiras gerações sofram restrições no contato com a academia, ‘a loucura
dos estados ampliados’ estará longe de ser limitada e continuará como marca da Psicologia
Transpessoal.
O contato com o arcabouço teórico veiculado nas escolas do Ocidente, principalmente,
nos conduz diretamente ao fantasma da institucionalização e de seus mecanismos de controle.
Contudo, a impermanência, um dos conceitos centrais da teoria transpessoal, coloca-se como
um mecanismo autoregulador de dissolução, ou seja, a expansão e a consolidação institucional
necessária a esta fase de implantação da Psicologia Transpessoal terão que se dissolver, dando
continuidade a novos processos de abertura e surgimento de novas formas de ser-no-mundo.

PAIS BRASILEIROS PARA PSIQUÉ E UM POUCO MAIS DE HISTÓRIA

Na psicologia brasileira dois nomes destacam-se como os “pais” da psicologia


transpessoal: o primeiro é o de Pierre Weil, que além de ter sido pioneiro na introdução da
teoria transpessoal percorreu no início várias regiões do país divulgando e anunciando o
surgimento dessa nova escola no mundo acadêmico; até hoje atua com contribuição teórica
inestimável, bem como montou centros formadores espalhados por todo Brasil e uma

13
A expressão “louca sabedoria” é usada por Chögyam Trungpa (2004, mimeo) para indicar o uso de
estratégias de pensar pós-convencionais.
universidade14 em Brasília. O segundo é Léo Matos que influenciou intensamente a formação
das primeiras gerações de psicoterapeutas transpessoais, além de ter aberto, com seus cursos na
Índia, um canal de comunicação com as psicologias orientais.
O levantamento histórico da Psicologia Transpessoal no Brasil não se encontra
amplamente exposto, haja vista a imensa quantidade de eventos que vêm ocorrendo no país. A
seguir pontuaremos os principais fatos que se constituíram em marco para a divulgação e
consolidação da Psicologia Transpessoal.
1978 - Além de ser criado a ITA, durante o Quarto Congresso Internacional, na cidade
de Belo Horizonte, foi fundando em dezembro O GONPO - Instituto Brasileiro de Psicologia
Transpessoal, o qual promoveu “a divulgação, pesquisa científica, treinamento, vários cursos e
conferências” (Matos, 1992, p.13), encerrando suas atividades em agosto de 1984.
1985 - Foi fundada pelo brasileiro Dr. Léo Matos, a Associação Brasileira de Psicologia
Transpessoal (ABPT) que funciona em convênio com a Associação de Psicologia Transpessoal
da Finlândia, Suomen Transpersonaalisen Psykologian Seura, (STPS).
1992 - A ABPT, juntamente com a STPS, organizou o Congresso Internacional de
Psicologia Transpessoal (II.. Midnight Sun Internacional Psychology Transpersonal
Conference), realizado na Finlândia em junho de 1992.
1996 - Realizado pela ITA, na cidade de Manaus, a XV Conferência Transpessoal
Internacional, com ampla repercussão nacional e internacional.
Weil (mímeo15), historiando a Psicologia Transpessoal no Brasil, destaca a importância
da formação das sociedades transpessoais como recursos de formação dos profissionais e órgãos
de pesquisa, como pode ser visto a seguir:

“Uma (sociedade16) é a ATAS, mais ligada a Stanislav Grof, e Associação


Transpessoal da América do Sul. Mais recentemente, está sendo criada junto com os
portugueses, uma associação de língua portuguesa que é a ALUBRAT - Associação
Luso-Brasileira de Transpessoal17. Existe também, criada por Léo Matos, uma
Associação Brasileira de Psicologia Transpessoal, e há muitos institutos de
Psicologia Transpessoal, além de uma “Rede Holos”, criada por nossa Universidade,
que é uma rede holística.”

Ainda na década de 90, a Psicologia Transpessoal no Brasil, assim como em nível


internacional, busca legitimar cada vez mais seu contato com a academia. Estreitando laços com
o campo de pesquisa. Há um aumento no número de congressos e encontros científicos,
objetivando o reconhecimento da transpessoal através da divulgação de experiências e vivências
implementando ampla penetração entre as abordagens psicológicas tradicionais.
Nos primeiros anos de 2000 há um incremento nas estratégias de legitimação da
transpessoal. Criou-se em vários Estados “as redes transpessoais”, que buscam articular as
diversas lideranças a nível nacional, ampliando as trocas de informações e favorecendo os
diálogos entre as agências formadoras, profissionais e Conselhos de Psicologia.

14
Universidade Internacional Holística da Paz.
15
Palestra transcrita da conferência do IX Congresso Internacional de Psicologia Transpessoal do ITA em
Manaus, 1996.
16
Inclusão realizada pelos autores deste trabalho.
17
Criada após a realização da XV Conferência Transpessoal Internacional.
No movimento tanspessoal brasileiro vêm se destacando na realização de cursos de
formação em Psicologia e Psicoterapia Transpessoal: Gislaine D’Assumção (MG), Vera
Saldanha (SP), Roberto Crema (DF), Gerardo Campana (AL), Norma Oliveira (SE), Débora
Andrade e Marlos Bezerra (RN), Lika Queiroz, André Peixinhos, Mário Rodriguez Risso, Teda
Basso e Aidda Pustilnik (BA), Susan Andrews (SP).
Salientamos a dedicação de muitos outros profissionais que, juntamente com àqueles que
conferem cursos de formação, vêm colaborando com a divulgação do movimento transpessoal
no Brasil, através de registro e editoração do arcabouço teórico transpessoal, promovendo
palestras, worshops, como Miklos Burguer (BA); profissionais que lecionam nas universidades
introduzindo esta abordagem, como é o caso de Fátima Tavares (RN) que numa iniciativa
pioneira incluiu a Psicologia Tanspessoal como disciplina e em supervisão de estágio na área
clínica.
Da mesma forma mencionamos Márcia Tabonne e Eliana Bertolucci com seus trabalhos
pioneiros de inclusão da transpessoal no contexto universitário. No que diz respeito à conexão
da transpessoal com o mundo acadêmico destacamos, ainda, os seguintes centros formadores18:

CENTROS DE FORMAÇÃO DESCRIÇÃO


Universidade Estadual de Campinas – O Laboratório de Psicologia Genética inclui
UNICAMP duas linhas de pesquisa complementares para
a formação do professor e relações
interpessoais na escola, com base no
psicodrama e Psicologia Transpessoal.
Universidade Estácio de Sá – Rio de Curso de Extensão: Psicologia Transpessoal
Janeiro. e Psicanálise - Semelhanças e Diferenças
Universidade Estadual Vale do Oferece cursos de especialização e pós-
Acaraú – UVA – Sobral, CE. graduação lato sensu em Psicologia
Transpessoal.
Universidade do Vale do Rio dos Xamanismo; Regressão de Memória; Física
Sinos - UNISINOS - São Leopoldo, Quântica e Psicologia Transpessoal;
RS Psicologia Oriental, Filosofia e Religião;
Estados Alterados de Consciência; Holismo
Grupo de Estudos Transpessoais e Saúde; A Consciência de Unidade;
(GETSINOS) Transdisciplinaridade e Educação.
Centro Psicoterápico e Transpessoal Curso de pós-graduação lato sensu, com
(CPT) – Goiânia, GO. Especialização certificado outorgado pela Universidade
em Psicologia Transpessoal Aplicada. Católica de Goiás.
Universidade Federal de Sergipe – Curso de Formação e Aperfeiçoamento em
Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Psicologia e Psicoterapia Transpessoal.
Comunitários.

Fênix – Centro de Desenvolvimento


Transpessoal.

18
Também aqui não destacamos os centros formadores não vinculados à Universidade, e que, como na
Psicanálise, compõem um grande contingente formador de profissionais.
No nordeste ainda salientamos os profissionais autores deste livro que vêm ministrando
cursos teórico-práticos de formação em Psicologia e Psicoterapia Transpessoal desde 1993.
Lembramos nesse cenário a participação da psicóloga Elny Banks que, através de seu curso de
formação em Psicologia da Gravidez, Parto e Puerpério, tem contribuído com a Transpessoal ao
introduzir as cartografias da consciência de Grof, explicitando a dinâmica perinatal.
No ano de 2000, um grupo de oito psicólogos transpessoais pernambucanos19, buscando
consolidar a Psicologia Transpessoal no nordeste reuniram-se formando o ATMAN – Centro de
Desenvolvimento Transpessoal, com finalidades terapêuticas, de estudos e de pesquisas.

1.2. Objeto de estudo

“A solução é a consciência e ela cresce em espirais.”


- Jack Kornfield

A Psicologia Transpessoal ocupa-se da consciência humana e dos seus diversos níveis de


manifestação. Sendo, portanto, a consciência o objeto de estudo da Psicologia Transpessoal,
interessa-lhe toda e qualquer expressão do comportamento humano, tanto nos aspectos
tradicionalmente denominados como consciente, inconsciente, como superconsciente e
supraconsciente.
Decompondo o termo consciência, temos: com (preposição indicando relação de ligação)
mais o termo do latim Sciencia (saber). Em Psicologia Transpessoal esse saber não se restringe
apenas ao que se passa em nós, pois não é veiculado unicamente à apreensão do eu periférico
que responde aos cinco sentidos, mas amplia-se e se estende a realidades maiores, abarcando
um campo mais amplo de todos os contingentes do Ser-no-mundo.
Como ciência, a Psicologia Transpessoal não visa apenas àqueles conteúdos da mente
pertinentes ao nível psicodinâmico (relativo à biografia do indivíduo) nos estados usuais de
consciência; vai mais além, averiguando e dimensionando conteúdos de níveis mais profundos,
como os de vida intra-uterina (perinatais), memórias atribuídas a experiências de “vidas
passadas”, vivências arquetípicas, percepção de unidade cósmica, estado de êxtase, e toda a
experiência humana proveniente de sua dinâmica interior.
Apesar do crescente interesse surgido nos anos 60 pelos estados ampliados de
consciência, ainda não existe uma teoria completa, de fato, em torno da natureza da própria
existência e importância da consciência, o que continua sendo uma questão difícil e complexa.
Desvalorizada nos sistemas do Ocidente, e supervalorizada nas abordagens orientais – Vedanta
(hinduísmo), Dharmakaia (budismo), a consciência não ocupa devidamente o interesse
científico nos estudos convencionais da psique, conforme pontuam Walsh e Vaughan (1993).
Em que pese, inclusive, o fato dos termos conceituais consciente e inconsciente serem
conhecidos, investigados e estudados e ocuparem um “local” no “território” do saber

19
A drade e Vânia Araújo, em 2003 este grupo foi acrescido pela entrada de Adriana Dornelas, Alcileide Oliveira,
Andreza Vieira, Ângela Dornelas, Fátima Raposo, Nazilda Coelho, Rúbia Tenório e Taciana Dornelas.
psicológico, a consciência só foi enfatizada mais detalhadamente por Willian James e C. G.
Jung. Acreditamos que isso foi conseqüência das divergências de concepção das filosofias
oriental e ocidental que estabelecem um hiato no entendimento e na apreensão da consciência
como fator de saúde, equilíbrio e evolução do ser humano.
Enquanto a psicologia ocidental supõe ser a consciência produto ou propriedade do
cérebro ou da mente do indivíduo, as tradições orientais a concebem como aspecto do absoluto
– Deus, O Vazio, Mente Universal; e desse ponto de vista, a consciência é intangível, portanto
ela vai além do pessoal, do mental, do tempo, do espaço, das qualidades, dos conceitos, das
categorias e de todos os limites. Sendo assim, ela é transpessoal, transmental e transcendente.
Admitindo-se que “para compreender a complexidade da consciência é preciso vê-la
como um sistema e compreender suas partes” (Tart, 1993, apud Walsh e Vaughan, 1993), a
consciência é considerada por muitos como uma função da psique individual, de onde são
inferidos os estados de consciência.
Na definição de Grof (1988), a consciência expressa e reflete uma inteligência cósmica
que permeia todo o universo e toda a existência. Na expressão de Sri Aurobindo – grande
expoente do yoga integral, educador e mestre indiano – toda consciência no ser humano que é o
mental encarnado na matéria viva tem que se elevar, a fim de encontrar a consciência mais alta;
a consciência mais alta também tem que descer para a mente, a vida, a matéria.
Tradicionalmente, no Ocidente, apenas três estados de consciência eram reconhecidos:
vigília, sono e intoxicações. Tais estados limitam-se apenas à consciência comum ou estados
ordinários de consciência, e os estados alterados ou ampliados eram considerados patológicos.
Estudando os estados de consciência, a Psicologia Transpessoal ressalta aqueles estados
que transcendem a personalidade e o conceito de ego. Esse enfoque último é o cerne da
psicologia Transpessoal, é o salto quântico da ciência da psique que até então se ocupava
apenas da persona - estância transitória do ser – omitindo os níveis superiores conectados com o
Self.
A importância dos estudos na área dos estados de consciência que transcendem o ego (ou
auto-imagem) deve-se ao fato de que a ampliação da estrutura egóica, a partir do ‘trans’, pode
favorecer à flexibilização dos mecanismos de defesa, dos comportamentos repetitivos, liberando
o indivíduo dos apegos e fixações, abrindo assim mais espaço para a saúde integral.
O grande risco das experiências de nível transpessoal mal orientadas é fomentar no
indivíduo que as vivencia uma fuga do nível psicodinâmico usando essas experiências a serviço
do ego. Assim, ao invés de integrar, ele pode fixar-se ainda mais no próprio estado e a
experiência servir à inflação egóica no contexto da “ego esclerose”, ou seja, enrijecimento das
defesas e dos comportamentos repetitivos.
Tendo por objeto de estudo a investigação dos estados de consciência, mais
particularmente da “consciência cósmica” ou mais modernamente consciência transpessoal, é
lógico definirmos operacionalmente tal termo, de forma a podermos compartilhar um campo
semântico aproximado.
Assim como o termo “inconsciente” foi estudado sob diversas óticas, desde o nível
substancialista dos psicanalistas das primeiras gerações, passando pelo inconsciente
“estruturado como linguagem” da teoria lacaniana (Garcia-Roza, 1983; Dor, 1992; Rappaport,
1992), até a visão pragmática (Costa, 1996) onde o mesmo é visto como uma rede de crenças e
desejos, o termo “consciência cósmica” sofreu os efeitos das interpretações dadas pelas diversas
culturas, bem como das tecnologias disponíveis para sua análise.
Conforme indica a literatura, a opção pelo termo “consciência cósmica” foi arbitrária e
deve-se ao fato de ser genérico buscando englobar o maior número de experiências descritas na
área, bem como por já trazer certa tradição, tendo sido empregado pelo psiquiatra canadense
Buccke (apud Weil, 1990a) para designar:

“... um estado de consciência que se situa acima da simples consciência comum ao


homem e uma parte dos animais, ou mesmo da consciência de si mesmo” (p.19).

Segundo Weil (1990a) o termo “consciência cósmica” expressa:

“... uma experiência em que determinadas pessoas percebem a unidade do


cosmos, se percebem dentro dela (e não fora, como muitos poderiam imaginar), a
experiência é acompanhada de sentimentos de profunda paz, plenitude, amor a
todos os seres. Compreende-se de um relance o funcionamento e a razão de ser dos
universos, a relatividade das três dimensões do tempo e do espaço, a insignificância
e ilusão do mundo em que vivemos, os erros monumentais cometidos por muitos
seres humanos; uma iluminação acompanha muitas destas percepções. A morte é
vista apenas como uma passagem para outra espécie de existência e o medo dela
desaparece totalmente. Ela pode ser e é, em geral, o resultado de uma longa e lenta
evolução; às vezes, no entanto, ela constitui o início de uma profunda
transformação no sentido dos valores mais elevados da humanidade; neste último
caso ela acontece em momento inesperado.”(p. 19)

Matos (1992) trata a Psicologia Transpessoal como “o estudo científico de estados de


consciência” (p.11), destacando como objeto de estudo central a “consciência transpessoal” que
seria outra forma de designar alterações de estados de consciência para além do ego, tempo-
espaço. Estes estados podem englobar todos as alterações em conjunto ou separadamente.
Atualmente, compreende-se a consciência cósmica como o pico experiencial da consciência
transpessoal, distinguindo-se pela vivência da unidade conforme destacada acima por Weil.
Grof (1994a) aponta que a consciência no estado usual apoia-se nas estruturas sensoriais,
sendo a sua visão de mundo e o seu ser no mundo atrelado aos limites das informações
derivadas do corpo físico e do mundo material, bem como se encontra operando por causalidade
linear e presa à compreensão newtoniana do espaço e tempo. Contudo, a partir da visão
transpessoal dos estados ampliados de consciência, esta noção foi expandida, e a consciência
passou a ser vista não apenas como uma construção cerebral, epifenômeno do cérebro, ou como
uma resultante de nossas vidas individuais; mas como um fenômeno que pode ir além dos
limites de tempo e espaço.
Um exemplo já clássico na literatura transpessoal de vivência da consciência
transpessoal é assim descrito pelo físico Fritjof Capra no livro “O Tao da Física”, e nos ajudará
a melhor compreendê-la:

“Há cinco anos, eu tive uma experiência muito bela, a qual me colocou no
caminho que acabaria por resultar neste livro. Eu estava sentado na praia, em uma
tarde, já no fim do verão, e observava o movimento das ondas, sentindo ao mesmo
tempo o ritmo de minha própria respiração. Nesse momento, subitamente, apercebi-
me intensamente do ambiente que me cercava: este se me afigurava como se
participasse de uma gigantesca dança cósmica. Como físico, eu sabia que a areia,
as rochas, a água e o ar a meu redor eram feitos de moléculas e átomos em
vibração e que tais moléculas e átomos, por seu turno, consistiam em partículas que
interagiam entre si através da criação e da destruição de outras partículas. Sabia
igualmente, que a atmosfera da Terra era permanentemente bombardeada por
chuvas de “raios cósmicos”, partículas de alta energia e que sofriam múltiplas
colisões à medida que penetravam na atmosfera. Tudo isso me era familiar em
razão de minha pesquisa em Física de alta energia: até aquele momento, porém,
tudo isso me chegara apenas através de gráficos, diagramas e teorias matemáticas.
Sentado na praia, senti que minhas experiências anteriores adquiriam vida. Assim,
“vi” cascatas de energia cósmica provenientes do espaço exterior, cascatas nas
quais, em pulsações rítmicas, partículas eram criadas e destruídas. “Vi” os átomos
dos elementos - bem como aqueles pertencentes a meu corpo - participarem dessa
dança cósmica de energia. Senti o seu ritmo e “ouvi” o seu som.” (Capra, p. 13,
1983)

A experiência de Capra, acima descrita, pode ser entendida dentro do modelo de Grof
(1988) como uma experiência transpessoal, assim definida:

“... uma experiência envolvendo uma expansão e extensão da consciência mais


além dos limites usuais do ego e as limitações de tempo e espaço. No estado de
consciência “normal”, ou usual, o indivíduo experiencia a ele mesmo como
existindo dentro dos limites de seu próprio corpo físico (a imagem de corpo) e a sua
percepção do meio ambiente é restringida pela capacidade limitada de seus
exteroceptores; ambas, suas percepções internas e suas percepções do meio
ambiente, são confinadas dentro dos limites usuais de espaço-tempo.”

Com efeito, no campo da física temos em Einstein o exemplo de compreensão ampliada


da consciência como espaço de integração e harmonização do universo, a medida que esse
excelente físico incluiu no bojo de sua bagagem teórica a idéia de que a consciência ali
chamada de intuição abstrata pode acessar qualquer lei da natureza sem nenhum recurso
empírico-analítico ou laboratorial. Basta tão somente que o homem ultrapasse toda a zona de
sucessividade analítica (que caracteriza a consciência ordinária) e então penetre na zona de
simultaneidade intuitiva da razão espiritual, acessando, assim, um estado tal de consciência que
possa saber e experienciar, ainda que num fragmento de segundo, a totalidade do universo – o
Uno do universo – no exercício de regência do cosmos.
Ora, nesse ponto percebe-se que Einstein até considera o pensamento analítico
importante, mas com necessidades que lhe vão para além – todos os metafísicos, hoje, sabem
que a atividade ego-consciente, empírico-analítica da consciência ordinária, é necessária e
presente, mas não é suficiente para garantir sua própria integridade no sentido transpessoal ou
no contexto da realidade Uma do universo.
Grof (1988) ainda destaca que, em alguns casos, o sujeito experiencia a perda dos limites
usuais de seu ego e sua consciência parece se expandir para incluir outros indivíduos e
elementos do mundo exterior. O exemplo abaixo reflete este outro nível da consciência
transpessoal:

"O ritmo da minha respiração entrou em sintonia com o vento que soprava no
alto daquele pequeno monte. Tudo entrava em conexão, os sons dos pássaros
passaram a se confundir com os sons produzidos dentro do meu corpo. Passei a
fazer parte de um grande todo. Eu era aquelas montanhas, o rio, o céu, sentia-me
parte integrante do Universo, um sentimento de sagrado dominou-me. Passei a
compartilhar vida com tudo e a saber da minha ligação com todos os seres. Isto
trouxe-me um profundo sentimento de reverência. Algo na minha vida alterou-se, o
mundo a minha volta agora tem outra magia. (arquivo dos autores)

Ampliando esta perspectiva, Grof destaca que em outros casos o sujeito continua
experienciando sua própria identidade, mas em um tempo, lugar e contexto diferentes,
conforme se vê a seguir.

Trinta minutos após a ingestão do chá ‘‘ayuasca’’20, meu corpo pareceu fundir-
se com o chão, formas mandálicas passaram a desfilar em minha mente, enquanto
acompanhava um fluxo de sensações que explodiam em meu corpo.
Neste estado de consciência percebi-me dentro da minha corrente sanguínea,
acompanhando o percurso das substâncias do ‘‘ayuasca’’ dentro do meu corpo. No
meio daquela turbulência, que parecia mais larvas vulcânicas em movimento
ritmado, deparei-me com o destino final das substâncias. Uma célula, que me
parecia ser do sistema nervoso, destaca-se no meio da paisagem. Naquele momento
a mesma parecia dialogar comigo, o que minha mente racional classificava de
loucura, no entanto a célula parecia ter uma consciência própria e queixava-se do
bombardeio realizado por aquelas substâncias. A célula explodiu na minha frente,
enquanto no seu lugar ficava apenas uma energia azulada. Após esta explosão que
identificava como manifestações sinápticas, o fluxo sangüíneo pareceu aumentar,
enquanto as visões e sensações corporais ficaram mais intensas. (Arquivos dos
autores)

Ainda, em outros casos, o sujeito experiencia um desaparecimento total da noção de


identidade de seu ego e uma identificação total com a consciência de outra identidade
(Grof,1988).

A respiração tornou-se alterada, enquanto uma sensação de frio dominava meu


corpo. Minhas roupas atuais subitamente haviam desaparecido, dando lugar a uma
vestimenta antiga e pobre. Quanto mais contemplava aquela cena, mais me
aproximava daquela mulher, de suas dores e medos. Esta aproximação intensificou-
se ao ponto em que minha identidade atual fundiu-se com a daquela mulher. Passei
a vivê-la, agora eu sou ela. Estou jogada em uma calçada fria, enquanto um homem

20
A experiência com o chá ‘‘ayuasca” foi colhida durante uma vivência realizada por terapeutas motivados
pelo estudo dos estados alterados de consciência.
trajando roupas nobres surge, agredindo-me ferozmente. Minha roupa é rasgada e
fico nua na rua (paciente expressa em seu corpo a cena narrada, tentando esconder
a vergonha da nudez). A vergonha impulsiona-me a correr e a minha frente surge
uma ponte, da qual pulo para dentro do rio. As águas invadem meus pulmões
enquanto tento em vão salvar-me. Enquanto aquele corpo morre, começo a retomar
meu senso de identidade atual, e a morte libera minha identificação com aquela
personagem. Enfim consigo uma explicação para meu medo de mergulhar. Sinto
que agora tudo terminou e aquele corpo diluiu-se nas águas, enquanto sinto-me
presente no aqui-e-agora. (Arquivos dos autores).

Finalmente, em uma extensa categoria dessas experiências transpessoais (experiências


arquetípicas e raivosas, união com Deus, etc.), a consciência do sujeito parece abranger
elementos que não têm nenhuma continuidade com sua referência de pessoalidade
individualizada, os quais não podem ser considerados como simples derivados de suas
experiências no mundo da realidade tridimensional (Grof, idem).

Após um período de relaxamento e focalização no corpo, principalmente na “dor


de ouvido” que me incomodava já há uma semana e resistia ao tratamento médico,
vejo-me diante de uma grande janela suspensa no universo. Esta janela abre-se e
mergulho num espaço transpessoal. Vejo-me no centro de um imenso palco, que se
parece com a terra, sendo que de um lado havia uma imensa sombra composta de
seres mitológicos e espirituais que desfilavam, representando todos os meus medos,
ansiedades e aspectos negativos; do outro lado havia a luz, com seus seres
mitológicos e espirituais, simbolizando os aspectos positivos do meu ser. Cordas
prendiam-me a estes seres, como se eles comandassem a minha vida. Naquele
momento revivi retrospectivamente todos os meus conflitos, os níveis biográficos,
perinatais e transpessoais abriram-se num transbordar de forças. O meu corpo
transbordava de energias, relaxado no colchão.
Eu encontrava-me no centro daquele confronto, naquele momento toda luz e toda
sombra estavam presentes. Uma angústia dominou-me e a “dor de ouvido” ficou
insuportável; todas as pressões concentraram-se e no campo de batalha (palco) a
sombra e a luz iniciaram movimentos de luta, revivi grandes guerras da
humanidade. Meu ouvido estalou, como se algo tivesse sido destampado. E no
centro do palco escutei: “vós sois Deus”, “vós sois luz”, estas palavras ecoaram
forte em meu ser, como a despertar-me de um imenso transe. Caíram por terra as
máscaras da sombra e da luz. Uma emoção imensa tomou conta do meu ser, senti-
me invadido por uma paz profunda. Chorei profundamente, como há muitos anos
não o fazia. Agora o palco era desfeito, sombra e luz estavam unidas em mim, que
permanecia suspenso, sobre o vazio. Um vazio pleno, um vazio/cheio, a comunhão
intensa com Deus. Ao término da vivência sinto-me integrado. A nível biográfico, os
bebês e as mães (branca e preta) da experiência psicanalítica integram-se; no nível
perinatal revivo a experiência de morte e renascimento do ego, enquanto a nível
transpessoal transponho os limites egóicos, o que me possibilitou um alargamento
de meu ser/estar no mundo. (arquivos dos autores)
Os fenômenos acima descritos podem ser mapeados em três regiões experienciais
básicas:

“(1) uma expansão, ou extensão, da consciência dentro do conceito comum de


tempo e espaço; (2) uma expansão, ou extensão da consciência além do conceito
comum de tempo e espaço; (3) experiências ‘psicóides’”(Grof, 1994b, p.114).

O termo “psicóide”, apontado por Grof, foi originalmente usado por Jung para falar dos
arquétipos do inconsciente coletivo, representando uma área crepuscular entre a consciência e a
matéria. No entanto este termo foi expandido por Grof, sendo dividido em três categorias,21 a
saber:
1) categoria dos fenômenos de sincronicidade, semelhantes aos descritos por Jung;
2) categoria em que eventos do mundo externo estão associados às experiências
internas;
3) categoria de fenômenos psicóides em que a atividade mental é usada para manipular
deliberadamente a realidade consensual.
Partindo dos estudos de desenvolvimento das escolas ocidentais e orientais, Wilber, K.;
Engler, J. e Brown, D. (1986) e Wilber (1999a) montaram um modelo de desenvolvimento onde
a estrutura da psique, enquanto objeto de estudo da psicologia transpessoal, aparece delineado.
Estes autores consideram a estrutura da psique dividida em dois tipos gerais: as estruturas
básicas e as estruturas transitórias.
1. AS ESTRUTURAS BÁSICAS – são as que, ao aflorar no desenvolvimento, tendem a
permanecer existindo como unidades ou subunidades relativamente autônomas no
decorrer do desenvolvimento subseqüente.
2. AS ESTRUTURAS DE TRANSIÇÃO – são as estruturas de fase específica e de fase
temporária que tendem a ser mais ou menos inteiramente substituídas pelas fases de
desenvolvimento subseqüentes. As estruturas de transição são as que não estão
incluídas ou pressupostas no desenvolvimento subseqüente, mas que tendem, ao
contrário, a ser negadas, dissolvidas ou substituídas pelo desenvolvimento
subseqüente.
A cada surgimento de uma estrutura básica específica, as estruturas de transição
tendem a ser negadas, dissolvidas ou substituídas por um desenvolvimento subseqüente.
Além destas duas estruturas, a psique apresenta o Self (ou sistema do Self) que é o ponto de
identificação, volição, defesa, organização e “metabolismo”.

21
Para maiores detalhes analisar o nível transpessoal da cartografia de Grof apresentada no item 1.3.3. deste
livro.
As estruturas básicas em si mesmas são como uma escada, cujos degraus são níveis da
Grande Corrente do Ser. O Self (ou o sistema do Self) é aquele que sobe a escada. A cada degrau
dessa subida, o Self tem uma visão ou perspectiva diferente da realidade, uma sensação diferente
de identidade sem perder àquelas já alcançadas, um tipo diferente de moralidade, um conjunto
diferente de necessidades, e assim por diante. Essas mudanças no sentido do Self e da sua
realidade que se alteram de nível para nível são consideradas estruturas de transição ou, mais
freqüentemente, estágios do SELF que compõem o todo dessa configuração.
Assim sendo, a característica mais notável de uma estrutura básica ou de um nível de
consciência básico é que, uma vez emerja no desenvolvimento humano, tende a permanecer
existindo na vida do indivíduo durante o desenvolvimento subseqüente. Apesar de finalmente
ser transcendido, pressuposto e subordinado pelo movimento ascendente do self em direção a
estruturas básicas superiores, ele ainda conserva uma relativa autonomia e uma
independência funcional.
No modelo de estudo apontado por Wilber (2002), as estruturas básicas da consciência
correspondem à grande cadeia do ser da filosofia perene. A imagem de uma escada espiralada
(figura abaixo), que se inicia no degrau zero (matrizes perinatais) e se desdobra até o degrau
10 (nível último), é a metáfora utilizada por este autor para apresentar a estrutura básica da
consciência.

Fig. Modelo da estrutura da consciência


(Escada Espiral Holográfica).
d
Os quatro degraus iniciais formam a base do Ser e apresentam a característica de ser pré-
pessoais, ou seja a noção de um eu separado ainda não emergiu. Dificuldades nestes degraus
podem gerar patologias graves como as psicoses. Os degraus 4, 5 e 6 formam o nível pessoal,
aqui emerge a noção de um eu separado, enquanto os quatro últimos formam o nível
transpessoal, ou seja vai-se além do pessoal.
Compartilhando os estudos do nível pré-pessoal com outras abordagens terapêuticas, a
Psicologia Transpessoal tem contribuído de maneira ímpar com pesquisas no degrau zero
(Grof, 1988, 1994b, 1997, 2000), bem como tem alargado os estudos dos níveis pessoais
(Wilber, 1999a, 2002). Contudo, a sua grande contribuição tem sido o mapeamento de
fenômenos difíceis de serem incluídos dentro de um modelo pré-pessoal e pessoal, pois se
apresentam além do pessoal; são parte do nível transpessoal.
A Psicologia Transpessoal tem como foco de estudo além dos fenômenos que surgem nos
degraus pré-pessoais e pessoais, os que formam os cinco últimos degraus. Aqui destacaremos
apenas estes últimos, por serem a contribuição eminentemente transpessoal para a psicologia
ocidental. As contribuições da transpessoal no estudo mais aprofundado dos níveis anteriores
de consciência poderão ser alvo de nossos estudos futuros, por hora remetemos o leitor que
deseje aprofundar acerca dessas referências da transpessoal ao estudo dos trabalhos de Wilber
(1999a, 2002).
Na esteira desse entendimento, cinco últimos degraus serão apresentados aqui dentro da
perspectiva de Wilber, apud Vaughan e Walsh (1997), e de Grof (1994a). Wilber aborda a
visio-lógico como a estrutura mais desenvolvida do nível pessoal, representando uma ponte
de transição para os níveis transpessoais. Esta estrutura tem sido denominada pelos
psicólogos tradicionais de “dialética”, “integrativa” e “sintético-criativa”, contudo Wilber
prefere “visio-lógico”, pois enquanto a mente formal estabelece relações, a visio-lógico
“estabelece redes de relações”, uma visão abrangente e panorâmica aliada a uma capacidade
de síntese altamente integradora.
Desdobrando os estudos da filosofia e psicologia perene (Wilber) e a análise dos
protocolos dos estados holotrópicos de consciência (Grof), estes autores apresentam uma
ampla gama de fenômenos que podem ser catalogados em quatro categorias de objeto de
estudo eminentemente pesquisados pela psicologia transpessoal:
1. Psíquico – Wilber aponta este nível como o ápice da percepção visio-lógica.
Aqui temos o primeiro degrau eminentemente de consciência transpessoal,
onde as capacidades perceptiva e cognitiva passam para o “além do pessoal” e
dos limites do estreitamento individual. Começa a brotar “o observador
transpessoal” a partir da aprendizagem da observação sutil das capacidades
perceptiva e cognitiva da mente, tendo em vista transcendê-las. Grof coloca
nesta categoria os fenômenos de experiência fora do corpo, viagem astral,
fenômenos psíquicos e ocultos (pré-cognição, clarividência, psicocinese), aura
e experiências similares, apontando uma visão transpessoal deles.
2. Sutil – Ambos os autores concordam que este nível compreende a sede das
formas arquetípicas propriamente ditas. Arquétipos de divindades, presenças
supremas, guias espirituais, experiências de inspiração divina, visões de luz e
iluminações auditivas compõem o leque de fenômenos pesquisados neste
degrau. É o domínio do Savikalpa Samadhi da psicologia oriental, o Deus final,
criador de todos os domínios, a luz audível do bija mantra, a fonte de todos as
divindades individuais.
3. Causal – Para Wilber este nível é percebido como a origem não-manisfesta ou
a base de transcendência de todas as estruturas inferiores. Grof aponta que este
nível é caracterizado pela transcendência final e libertação na radiância
ilimitada, ou Nirvikalpa Samãdhi da psicologia oriental. Neste nível, não há
sujeito ou objeto, nem self, nem deus, apenas consciência universal sem forma
(Atman).
4. Ùltimo ou supremo – Estado de unidade onde há completa integração e
identidade entre o manifesto e não-manifesto, ponto de união entre o causal e o
não causal. A consciência desperta para sua condição original e qualidade
inerente que é também inerente a toda existência – densa, sutil e causal.

Em síntese, sendo a Psicologia Transpessoal um desdobramento dos estudos das escolas


anteriores em psicologia (Behaviorismo, Psicanálise e Humanismo), seu objeto de estudo
abarca, além dos enfoques já estudados pelas escolas mencionadas, uma ampla gama de
fenômenos que envolvem experiências de expansão e extensão da consciência além dos limites
usuais do ego e das limitações de tempo e espaço, conforme indicam Grof (1988) e Wilber
(1991, 1999b, 2001a, 2001b, 2002), e do mesmo modo os teóricos da Física mais moderna.

1.3. Conceitos básicos em Psicologia Transpessoal

Em todos os debates intelectuais, ambos os lados


tendem a estar corretos naquilo que afirmam e errados
naquilo que negam.
- John Stuart Mill

1.3.1. Visão de mundo/realidade

Partindo da análise do trabalho de Capra (1983) que explanou os movimentos humanos


do passado ao presente em busca do saber, esta seção objetiva situar a visão de mundo e de
realidade da Psicologia Transpessoal.
Desde épocas remotas, o homem preocupa-se em decifrar os mistérios da vida,
indagando-se sobre a realidade em geral. Esta busca da natureza essencial ou constituição real
das coisas (phisis) registrou-se primeiramente no século VI a.C., quando os sábios gregos da
escola de Mileto não dissociavam a ciência da filosofia e da religião, considerando todas as
formas de vida como exteriorizações da phisis.
Voltando um pouco no tempo, temos em Heráclito de Éfeso um representante da
sabedoria ocidental antiga que apontava qualquer par de opostos como UM, e que a Unidade
contém e transcende todas as forças opostas. Ele enfatizava que a causa de todas as
transformações no mundo vem da interação dinâmica e cíclica dos opostos. Em contrapartida,
Parmênides se opôs a ele, considerando o Ser único e invariável, encarando a mudança como
simples ilusão dos sentidos.
O clássico conflito transformação/dinamismo versus substâncias invariáveis propunha-se
ser solucionado pelos gregos daquela época que elaboraram o conceito de átomo – a menor
unidade indivisível da matéria – idéia que sugere demarcação de limites entre espírito e matéria,
corpo e alma etc.
Dessa forma, os atomistas gregos influenciaram o separativismo, concordando com
mudanças no mundo resultantes da mistura (transformação, Heráclito) e separação das
substâncias invariáveis (imutabilidade, Parmênides) que compõem o Ser.
Temos também importante contribuição de Aristóteles que deu ênfase à imutabilidade do
universo e contemplação à perfeição de Deus (imutável e separado dos homens). Isso
influenciou para que não houvesse interesse pelas investigações sobre o mundo da matéria e
gerou uma supervalorização do espiritual. Atendendo a seus próprios interesses, a Igreja Cristã
apoiou os ensinamentos aristotélicos durante toda a Idade Média, reforçando sua visão
separatista e inquestionável da realidade; haja vista que essa posição lhe permitia desfrutar
domínio sobre os homens.
Com o Renascimento no fim do séc. XV, Capra (1983) afirma que se retomou o
interesse pelo estudo da natureza. Desta vez, através de experimentação científica (Galileu) para
se contrapor a inquestionabilidade doutrinária de Aristóteles.
No séc. XVII, René Descartes dividiu a natureza em dois reinos apartados e
independentes: o da mente (res cogitans) e o da matéria (res extensa), expressando radicalmente
o dualismo espírito/matéria.
Despontou no cenário Isaac Newton que elaborou sua mecânica, base da Física Clássica,
a partir destes fundamentos cartesianos.
A visão mecanicista, ou seja, a visão do mundo como máquina composta de objetos
reunidos e de matéria sem vida e o determinismo cartesiano (“Penso, logo existo”) levou o
homem a igualar sua identidade apenas à sua mente e não a todo o seu organismo.
Fragmentação interna espelhando a visão de mundo exterior, como salientou Capra.
Entretanto, observa-se que a Unidade Básica do universo sempre foi enfatizada pelas
escolas do misticismo oriental. O objetivo ao abraçar esse caminho é tornar-se consciente da
Unidade e da relação mútua de todas as coisas, transcender a noção de si-mesmo (self
individual) e se identificar com a Realidade Última. O aflorar dessa consciência chama-se
Iluminação, que transcende o intelecto e as defesas egóicas.
Para o místico, continuou Capra, quando a mente racional é silenciada (através de vários
métodos, inclusive meditação), a intuição leva a uma percepção extraordinária da realidade de
forma direta, sem o filtro do pensamento conceitual. Capra dá um testemunho pessoal desta
experiência. (Ver cap.1 deste livro)
A experiência direta da realidade, segundo ele, transcende tanto o pensamento
intelectual, como a percepção sensorial. O conhecimento através dessa vivência é chamado
pelos budistas de Absoluto, pois se trata de experimentar a “qüididade” indiferenciada, plena,
indeterminada, indivisa, o mundo tal como é.
A vivência do Absoluto caracteriza a experiência mística e não pode ser descrita em
palavras (inefável) por situar-se além dos sentidos e do intelecto. Esta apreensão intuitiva da
realidade resulta, pois, de um estado de consciência não usual, que se pode chamar de estado
meditativo ou místico.
Para os cientistas tradicionais o processo de produção de conhecimento vem através de
uma mente cheia de informações e conceitos, caracterizando-se como conhecimento indireto
por intermédio dos sentidos e do racional. Tal forma de apreender a realidade é um sistema de
símbolos e conceitos abstratos caracterizado pela estrutura seqüencial e linear, explicitada em
sinais que o comunicam (alfabetos, símbolos matemáticos, entre outros). O sistema de
pensamento conceitual é incapaz de apreender e descrever a realidade absoluta, sendo então
limitado a uma realidade consensual, ordinária.
Capra ressaltou que ambas as formas de conhecer o que é real podem se correlacionar,
colaborando uma com a outra.
Os filósofos orientais e os estudiosos da física subatômica são unânimes quanto à
transitoriedade e ao dinamismo como características básicas dos objetos e, portanto, da
realidade. Concordam com um Universo como realidade inseparável, multidimensional, onde
inexistem linhas retas, bem como formas inteiramente regulares, cujas distinções só existem em
mútua relação – daí as considerações de realidade relativa (coerente ao senso comum) e
Realidade Absoluta (transcendente à primeira).
Niels Bohr e Werner Heisemberg, como fundadores da teoria quântica, consideram a
natureza essencial das coisas, absurda e paradoxal (ex: espaço finito/infinito;dentro/fora;
radiação eletromagnética constituir-se simultaneamente em partículas e ondas; causa-e-efeito,
etc.)
Grof (1988, 1997a), eminente teórico da Psicologia Transpessoal, aponta que aquilo que
se apresenta como real, diante da lógica e dos cinco sentidos, na verdade pode ser considerado
como ilusão se enfocado através do novo paradigma científico onde tudo está intrinsecamente
ligado no universo, de forma interdependente.
Para a Psicologia Transpessoal como não estamos de fato separados – a separatividade é
real para um nível de consciência ordinário, e é ilusão para o nível de consciência de Unidade –
somos um todo, inteiro e coerente, envolvido em um incessante processo de mudança: o
holomovimento (David Bohm).
Bohm coloca o mundo em fluxo constante onde “estruturas estáveis de qualquer espécie
são nada mais que abstrações, e qualquer objeto descritível, entidade ou eventos são vistos
como derivados de uma totalidade indefinível e desconhecida” (Grof, 1988, p. 57).
Assim, para a Física Moderna baseada nas teorias quântica e da relatividade, bem como
para a Psicologia Transpessoal, a apreensão do universo do que é real sempre inclui o
observador. A consciência tem papel predominante na experiência da realidade.
Lembramos aqui a semelhança com a Fenomenologia que inclui o observador no
fenômeno, enfatizando sua interferência nos resultados, ou seja, na percepção e conceituação do
objeto e, conseqüentemente, da realidade.
Fenômeno é o isolamento de um fato, de uma significação, cortando-se as amarras com a
historicidade, a existencialidade e até a possibilidade de sua existência. Segundo Morente
(1979) “todo conhecimento há de ser um sujeito sobre um objeto. De modo que o par, sujeito
cognoscente – objeto conhecido, é essencial em qualquer conhecimento” (p.147); configurando-
se como conhecimento sempre essa dualidade. Porém ele alerta que se veja nessa aparente
dualidade não uma mera separação, mas uma correlação, de ida e volta, visto que o sujeito é
sujeito para o objeto e vice-versa, não se podendo pensar em um sem o outro. Assim os termos
sujeito e objeto do conhecimento (ou seja, da realidade) são correlativos.
Para a Fenomenologia, tal correlação é tida como irreversível, pois não existe
possibilidade de que o sujeito se torne objeto e vice-versa. O sujeito é o que sai de si para captar
o objeto, possuí-lo mediante o pensamento. Por outro lado, o objeto “se entrega ao sujeito”, vai
para o sujeito produzindo-lhe uma mudança: o pensamento. O pensamento é, assim, resultado
de uma ação simultânea do objeto sobre o sujeito e do sujeito ao ir para o objeto. A atividade do
sujeito é, portanto, compatível com a sua receptividade.
O objeto é transcendente em relação ao sujeito (vai além) e isso vale tanto para objetos
reais como ideais, porque tem suas propriedades (que não variam pela ação do sujeito: não são
desgastadas, aumentadas, nem diminuídas). O objeto é sempre transcendente ao sujeito porque
esta correlação é irreversível e porque não pode jamais penetrar no sujeito.
O objeto (realidade) não é objeto para o sujeito senão quando começa a ser conhecido.
Não é objeto se não o for para um sujeito.
Para compreender melhor o fenômeno, na perspectiva da Psicologia Transpessoal,
podemos substituir objeto por realidade, ampliando-o. A realidade transcende o sujeito (o seu
campo perceptivo, conceitos, valores, limitações de pensamento etc). Isto é correto, se
compararmos que o que é observável pelo sujeito é relativo a seus limites, e que, portanto,
existe uma realidade que está além, transcende o indivíduo; uma realidade que existe
independente, mas só se torna consciente através de um nível de consciência alterado do
ordinário. Poder-se-ia dizer que o sujeito em nível profundo conecta essa realidade
elementarholográfica, daí as reações e atitudes por vezes pouco compreendidas, diz-se: “agiu
por impulso”, ou mesmo “sentiu-se uma certa estranheza na própria atitude”, então o sujeito
transita na realidade, nela intervindo sem, entretanto, abraçá-la em toda sua totalidade
consciente. Porque essa realidade que dele transcende se faz conhecer mais profundamente
quando o sujeito, ele mesmo, se autotranscende, penetrando na dimensão holográfica e trazendo
à consciência a apreensão inteira (na medida da sua percepção) dessa realidade que a ele se
apresenta. Em outras palavras, o sujeito tem limites para perceber a realidade que por sua vez se
limita a tal apreensão, de igual modo o sujeito se expande e amplifica a percepção da realidade
que se faz ampliada na sua consciência transcendente. Esse movimento se dá numa conexão
recíproca.
A Psicologia Transpessoal possui a visão de mundo quantum-relativista, constituindo-se
holística e buscando estudar estados de consciência experienciados pelo observador, os quais
desvelam a realidade – e por que não dizer realidades? Um de seus métodos de investigação é,
portanto, fenomenológico, estudando estados de consciência para conhecê-los como níveis de
realidade. A realidade nesta perspectiva surge inseparada do observador.
Na sede pelo conhecimento do que é real, e lembrando que ser expressa-se em tudo que
existe na natureza, “a filosofia é a ciência dos objetos do ponto de vista da totalidade, enquanto
as ciências particulares são os setores parciais do ser, províncias recortadas dentro do continente
total do ser”. (Morente, 1979, p. 31)
O autor acima citado apontou que, em geral, disciplinas e estudos como a ontologia, a
metafísica, a lógica, a teoria do conhecimento (gnosiologia), a ética, a estética, a filosofia da
religião, a psicologia e a sociologia formavam partes e se constituíam províncias diferentes do
território da filosofia. Explicou que outras disciplinas se desprenderam, como as matemáticas, a
física, a química e outras, do velho tronco da filosofia, quando conseguiram circunscrever um
aspecto da imensa realidade, defini-la e dedicar-lhe extrema atenção.
Os filósofos ainda se ocupam destas disciplinas. Duas delas, a gnosiologia e a ontologia
permanecem no campo filosófico quando as outras já iniciaram uma tendência a particularizar o
objeto. Segundo Morente, permanece atual a discussão se a psicologia é ou não uma disciplina
filosófica e tal discussão se estende à sociologia e à estética.
Observamos então como a filosofia pretende designar a totalidade do conhecimento e
como dela se liberam ciências por almejarem a particularidade, a especialidade, “a recortar um
pedaço do ser dentro do âmbito da realidade” (Morente, 1979, p. 32).
Assim, é possível compreender o esforço de Freud em pretender transformar a psicologia
em ciência, baseando-se sua teoria psicanalítica no modelo científico newtoniano-cartesiano,
buscando compartimentalizar seu objeto de estudo (a psique humana), conferindo-lhe forças
mecânicas, massa, estruturas, entre outros atributos, a fim de dar-lhe o status de ciência.
Finalmente, a Psicologia Transpessoal, com sua visão holística, propõe-se a estabelecer
pontes entre as filosofias (principalmente as de tradições orientais) e a ciência ocidental,
respaldando-se no paradigma quântico-relativístico de realidade. Seu objetivo é resgatar o
conhecimento da totalidade e integrá-lo no das especialidades, abarcando o complexo no
simples, o coletivo no singular, o comum no particular e o universal no individual.

1.3.2. Visão de homem

O ser humano é parte de um todo que chamamos de


universo, uma parte limitada no tempo e no espaço. Ele
vê a si mesmo, seus pensamentos e sentimentos como
algo separado do resto, uma espécie de ilusão de ótica
da sua consciência. Essa ilusão de ótica é uma espécie
de prisão para nós, restringindo-nos aos nossos desejos
e afeições pessoais. Nossa tarefa é nos libertar dessa
prisão, aumentando a amplitude da nossa compaixão,
para abarcar todas as criaturas vivas e toda a natureza em sua
beleza.
- Albert Einstein

A estruturação da personalidade e a identidade egóica

A maioria dos sistemas em psicologia tem a personalidade como a questão que define a
identidade de uma pessoa; em outras palavras é a personalidade o que a identifica. A saúde
mental é neste contexto percebida dentro de um processo de estruturação e adaptabilidade.
Na perspectiva transpessoal esta importância é relativizada, considerando-se a
personalidade “como apenas um aspecto do ser com o qual o indivíduo pode, mas não é
obrigado a fazê-lo, identificar-se” (Vaughan e Walsh, 1995, p.63).
A saúde mental nesse contexto é vista como um processo de superação das
identificações exclusivas com a personalidade antes que uma modificação desta, pois alterar a
personalidade é permanecer preso aos jogos de identificações que a construíram, portanto
escravizado a uma auto-imagem; enquanto que se desidentificar possibilita uma abertura para
dimensões mais ricas da psique.
Wilber (1996), renomado teórico da psicologia do desenvolvimento dentro da
abordagem transpessoal, descreveu, nos primórdios de suas pesquisas, que a personalidade vai-
se estruturando a partir do nascimento, de estágios de total indiferenciação até o
estabelecimento de uma diferenciação em nível de ego, gradualmente evoluindo para uma
individualização cada vez mais sofisticada. Isto representa o nível egóico do processo que se
intitula evolução da consciência.
No nível egóico, o processo caracteriza-se pela passagem através dos estágios
pleromático, urobórico, tifônico, sócio-verbal, mental-egóico e centáurico, sendo este último o
mais diferenciado de todos deste nível, caracterizando a formação do ego. Essa evolução no
nível egóico é para ele uma forma transitória que se dirige aos campos transpessoais do ser.
Assim, em sua visão inicial, interpretada por muitos como linear, o indivíduo vai
ampliando sua identidade para uma integração com o Universo com níveis mais sutis da
realidade relacionados com a realidade que transcende o consensual, os cinco sentidos, ou seja,
em direção a uma “Identidade Transpessoal”, como nomeia Bertolucci (1991).
Grof (1988) discordou dessa percepção wilberiana de linearidade de tempo na
construção da identidade, pois acredita que a personalidade é multinivelada, ou seja, seus
diversos níveis se entrelaçam e interferem entre si, continuamente. Reporta-se aos níveis de
consciência perinatal (memórias intra-uterinas, referentes à concepção, gestação, momentos em
torno do parto, antes e depois); de consciência do psicodinâmico (período do nascimento até o
presente), e de consciência transpessoal (sobretudo que transcende os cinco sentidos: a
consciência além do ego, além do tempo e do espaço; inclusive abrindo a perspectiva para
experiências arquivadas no inconsciente coletivo, originadas filogeneticamente e/ou
ontogeneticamente, experiências interraciais, interculturais, como também para experiências de
vidas passadas).
Woolger (1988) demonstra concordância com Stanislav Grof, explicitando em sua
compreensão da personalidade, através do diagrama da Flor de Lótus (ver capítulo III deste
livro) como a consciência multinivelada busca a integração e a homeostase através da resolução
dos dramas da alma e do equilíbrio dos opostos. Tais dramas representam situações inacabadas,
traumas ou bloqueios, originados nesta ou em outras vidas, ou em estados intermediários –
como o bardo (espaço entre-vidas) e o perinatal – mesmo que vistos por ele também sob a ótica
fenomenológica, não descartando a possibilidade da produção imaginativa do inconsciente.
Assim, subpersonalidades do passado podem estar atuando na dinâmica da personalidade atual.
A identidade egóica (com i minúsculo) compõe-se daquilo que se constitui relativo ao
indivíduo: seu nome, sua história pessoal, suas ocupações, seus compromissos sociais, seus
afetos, sua profissão, papéis que exerce na vida. A imagem que constrói de si mesmo representa
seu ego.
A auto-imagem é necessária como um referencial dentro do contexto tanto individual
como social, servindo de “guardiã”, conforme destaca Matos (mimeo), pois ela “protege”
enquanto lhe confere uma identidade que lhe permite atuar no mundo dentro de uma sociedade
específica, dando-lhe alguma segurança. Sem tal referencial, a pessoa se sente perdida, sem
limites, portanto sujeita a ameaças.
Entretanto, Léo Matos prossegue afirmando que quando a pessoa se apega a sua auto-
imagem, identificando-se com ela de forma exagerada, ela se torna uma prisão. Em vez de
guardiã, transforma-se num “guarda”, que a policia constantemente para que atue de acordo
com padrões pré-estabelecidos, tolhendo sua liberdade e espontaneidade. É como observou
Assagioli (apud Vaughan e Walsh, 1997): Somos dominados por tudo aquilo com que o nosso
eu se identifica.
Para Assagioli (1992), um dos precursores da Psicologia Transpessoal, criador da
Psicossíntese, a personalidade se constitui de subpersonalidades – estruturas subdinâmicas que
têm uma existência relativamente separada. A maioria das supersonalidades se relaciona com os
papéis que desempenhamos na vida como também com campos espirituais e elementos
coletivos da psique.
Na visão atomista da Psicossíntese, que enfatiza a importância funcional da vontade no
desenvolvimento da personalidade, o homem se encontra em constante processo de
crescimento, atualizando seu potencial intrínseco. A partir de uma conscientização dos vários
“eus”, ou seja, das subpersonalidades, passando por desidentificação dos mesmos (nas palavras
de Matos, da auto-imagem) e desenvolvendo capacidade para controlá-los, encontra o “Centro
Psicológico Unificador”, culminando o processo de auto-realização e integração dos vários
“eus”.
Uma das distinções desse sistema em relação à Psicologia Transpessoal é que a
Psicossíntese focaliza a linguagem simbólica da psique negligenciando aquelas experiências
transpessoais que na opinião de Grof (1988) poderiam ser interpretadas como “reflexos de
matrizes de encarnações anteriores, genuinamente ancestrais, filogenéticas e raciais, ou com
experiências autênticas da consciência de outra pessoa, de animais ou de outros aspectos do
mundo fenomenal” (p.143). Assagioli compreende que estas experiências parecem pertencer às
estruturas psíquicas abstratas e por elas são absolvidas.
Bertolucci (1991) afirma que sob o véu do nível de consciência ordinário, do contexto
dualístico de separatividade, o indivíduo experiencia o sentimento de incompletude e o medo da
perda do que supõe ser ou possuir, repercutindo em medo da aniquilação do ego. Em um nível
de consciência mais profundo, tal incompletude não faz mais sentido por se perceber integrado
a todo o Universo, experienciando a falta de lógica em deixar de ser ou possuir aquilo que já é
ou já possui em si mesmo.
No contexto de realidade absoluta (Capra, 1983) a ameaça inexiste, é incongruente, e
Bertulucci enfatiza a importância de se trabalhar o ser humano para contatar com a ampliação
de sua consciência: do nível egóico-dualístico-restrito ao nível transpessoal-holístico-ampliado.
O nível de identidade egóico repercute, segundo Bertulucci, em sentimentos de
inadaptação, insegurança, solidão, agressividade, competição, angústia, frustração, ansiedade,
ao enrijecer as defesas egóicas do indivíduo. À medida que ele evolui para níveis cada vez mais
superiores, integradores, unificadores, flexibiliza-as, permitindo-se estar na vida mais
livremente, cada vez com menos ansiedade, independente de preconceitos, fluindo com mais
tranqüilidade, autonomia, segurança, sentimento de capacidade e cooperação com o outro e com
todo o universo (que é ele mesmo), de certo que em ultrapassando essa interdição provocada
pelos limites da consciência ordinária, o ser alcança estados tais que caracterizados pela
holografia lhe permitem incluir-se no todo do universo ao tempo em que nele se percebe Uno.
Para viabilizar tal processo evolutivo de ampliação da consciência, Bertulucci aponta o
objetivo de toda psicoterapia transpessoal: o que ela denomina de “Psicodinâmica da
transformação”. Este se estabelece através do processo morte-renascimento psicológico do ego
possibilitando assim ao indivíduo que alcance além da consciência do conflito e da catarse e
que promova a desidentificação egóica (no nível dos apegos, das ilusões, das armadilhas do
ego) contatar e expressar cada vez mais sua identidade transcendente: o self.

A Identidade Transpessoal

Quando não nos conhecemos o suficiente, quando não temos consciência do que de fato
somos, é fácil deixarmo-nos escravizar, aprisionando-nos pela ilusão da auto-imagem, porque
acreditamos que somos ela mesma, e não percebemos a diferença entre ela e a “Identidade
Verdadeira” que transcende o ego, a pessoa e a imagem.
Bertolucci (1991) refere que a identidade além do ego inclui um amplo espectro de
experiências que variam de pessoa para pessoa. O exercício das funções transcendentes
favorece a ampliação do ego e o processo que a desencadeia é chamado de “desidentificação”
(do sentido de identidade restrito, dos apegos).
O Self, centro psíquico ou consciência suprema experienciado a princípio por breves
segundos, constitui um caminho para a espiritualidade. Ambas, a psicoterapia e a perspectiva
transpessoal, objetivam facilitar a saída das prisões das rígidas identificações, como a da
dependência em relação ao mundo, para que assim possa expandir sua identidade e chegar a
Realização Plena, que está além do equilíbrio provisório das conquistas egóicas. Bertolucci
salienta que essa satisfação psíquica e espiritual só é capaz de ocorrer quando nós mesmos
somos fontes dessa satisfação, contatando, ao menos em parte nossa verdadeira natureza.
O centro psíquico é uma condição consciente e participativa de um Todo, em harmonia
com a natureza que existe em cada ser. Promove um sentimento de completude.
Há, contudo, obstáculos para contatá-lo: o ego apresenta as defesas, manifestando vários
conflitos conscientes ou inconscientes, deixando-se dominar pelos impulsos, pulsões, por seu
automatismo e compulsividade, conforme aponta Wilber (1996).
Bertolucci se refere à visão psicanalítica do ego, comparando-a com a visão que tem a
perspectiva transpessoal, salientando convergências e divergências, numa análise interessante
que possibilita uma maior compreensão da relação entre as duas visões.
Seguindo o curso desse entendimento ela reconhece valorosa a contribuição da
psicanálise freudiana na descrição dos conflitos que representam o ego, apesar de Freud conferir
primazia à dinâmica dos conflitos sobre toda experiência humana. Tal autora pontua que esta
contribuição psicanalítica é útil na medida em que salienta a importância do conflito para a
psique e explicita sua dinâmica.
Para a psicanálise, na segunda tópica freudiana sobre as relações entre pulsões de vida e
pulsões de morte, os pólos do conflito ou se misturam ou se afastam (fusão e desfusão das
pulsões). A resolução do conflito psíquico dá-se a partir de uma formação de compromisso
(sintoma patológico) ou flexibilização dos mecanismos defensivos do ego visando à produção
de sintomas que possam ser compartilhados socialmente (não patológicos). Concordamos com
Bertolucci (1991) quando salienta que, apesar do trabalho em cima da diferenciação de cada um
dos pólos também seja realizado na psicoterapia transpessoal, objetivando-se a tomada de
consciência do conflito, ela não o soluciona. Mesmo que um dos pólos ceda ao outro sob
alguma condição, isso só leva à manutenção do conflito; longe da superação e transcendência, e
a serviço das defesas egóicas. “A transcendência só é possível através da dissolução do conflito,
das defesas e da transformação radical dos aspectos irreconciliáveis” (idem, p.35).
De fato, é necessário transformar as polaridades e, para tanto, o caminho é o mesmo da
ampliação da consciência. Segundo Bertolucci, a superação dos conflitos psíquicos só é
possível quando ocorre uma transformação radical da consciência. Tomando esta perspectiva, a
Psicologia Transpessoal busca possibilitar acesso a níveis além do ego através de estados
alterados de consciência e é isso que concorre para a transcendência dos pólos do conflito,
provocando solução do mesmo.
Num exemplo de conflito entre uma pulsão e uma exigência do superego, como no
desejo de matar alguém, Bertolucci considera as tentativas de harmonização do ego sujeitas a
fracassarem. Tal desejo só poderá definitivamente solucionar-se transformando-se em algo
novo, por exemplo: neutralidade, compaixão etc. Senão, a evolução não ocorrerá, pois implica
em que o homem dependerá de policiamento interno ou externo. Mesmo que algum
“compromisso” se estabeleça na dinâmica intrapsíquica, o conflito continua operando, num
equilíbrio provisório, energeticamente desgastante, pronto a emergir a qualquer tempo.
Entre outras distinções, a abordagem transpessoal difere da psicanalítica na medida em
que Freud opõe o organismo ao meio, sujeito ao objeto, o interior ao exterior, salientando a
separatividade, enquanto a primeira enfoca a integração, a não-dualidade.
Freud também aponta a consciência atrelada ao ego, com funções limitadas, e isso não
ocorre na transpessoal. Outra divergência é o conceito de “princípio de realidade” a que o ego
deve se submeter, subjugando-se, para não ser enquadrado em psicopatologia. Ao ego então é
negada toda criatividade/responsabilidade sobre a realidade, o que não ocorre na transpessoal.
Esta o vê criador desse mesmo principio, exercendo assim um papel ativo sobre o mesmo.
Freud enfim expõe o ego como lugar central de todas as psicodinâmicas geradas pelo
nível de consciência da visão separativista.
A contrário senso, a ampliação da consciência para níveis além do ego, à medida que
diminui as divisões internas e externas, é o caminho apontado pela transpessoal para a
flexibilização das defesas egóicas e integração harmoniosa das diversas partes em questão. Tal
conceito de psicodinâmica, ampliado em relação à perspectiva psicanalítica, é chamado de
“psicodinâmica da transformação”.
A Psicologia Transpessoal concorda com a Psicanálise e encontra abrigo nas tradições
orientais no que diz respeito à percepção dos dualismos provocados pelo ego. Daí, a
importância de se conhecer o funcionamento egóico para transcendê-lo através da dissolução
das idéias de solidez, existência e apego.
Nesse sentido, a transpessoal oferece uma leitura fenomenológica da realidade, indo
além dos condicionamentos sociais e história pessoal, atenta à potencialidade experiencial de
cada indivíduo, posto que acredita na transcendência do ego e estuda suas conseqüências
contextualizando-o tanto no aspecto consciencional ordinário, quanto numa perspectiva
transcendente; este é outro ponto divergente entre estas duas abordagens.

1.3.3. Cartografias da consciência

Acrescentando às dimensões orgânica, social e cultural uma extensão da dimensão


psicológica para incluir fenômenos envolvendo uma expansão da consciência mais além dos
limites usuais do ego e das limitações de tempo e espaço, a Psicologia Transpessoal construiu
cartografias da consciência, apoiando-se em diversas teorias. No entanto, Wilber destaca que as
mais proeminentes influências têm partido da teoria de sistemas, dos estudos dos estados
alterados (ou distintos) de consciência, do modelo holotrópico de Grof, das diversas formas de
psicologia junguiana e do espectro ou abordagem integral de Wilber.
Passamos então, a uma breve síntese de alguns dos modelos de cartografia da
consciência mais comuns em Psicologia Transpessoal.

1.3.3.1. Stanislav Grof – modelo holotrópico da consciência

Com formação psiquiátrica e psicanalítica, o tcheco Stanislav Grof dedicou-se nos


primórdios de seus trabalhos, à pesquisa com o uso do LSD como recurso para estudos com
alteração de consciência. Pela freqüente ocorrência da alteração respiratória no sujeito de
pesquisa, Grof passou a trabalhar com a possibilidade de promover aquelas alterações de
consciência tão somente com a exacerbação do processo respiratório, a que posteriormente veio
a sistematizar, nomeando todo o procedimento de trabalho como respiração holotrópica, o que
lhe favoreceu a construção de uma cartografia da consciência multinivelada e interdependente,
considerada no meio transpessoal como uma das mais completas e de uso mais difundido.
Abordando a mente em níveis, seus trabalhos têm ampliado a percepção das regiões do
inconsciente humano, de forma a incluir uma imensa gama de fenômenos até então fora do
âmbito de estudo das disciplinas psicológicas e psiquiátricas.
Didaticamente, Grof (1988,1994a, 1997a, 2000) propõe uma cartografia da mente em
quatro níveis: num primeiro nível de investigação do insconsciente nos deparamos com o
aspecto abstrato e estético, passando para o nível psicodinâmico, depois para o perinatal e por
fim o nível transpessoal, este ordenamento é meramente didático, uma vez que sua conexão não
obedece a um padrão hierárquico, seqüencial.
Estes níveis que podem ser encontrados na já extensa bibliografia produzida pelo autor
serão a seguir compactados:

a. Nível abstrato e estético.

Neste nível pode ocorrer uma alteração senso-perceptiva provocada pelos efeitos do
aumento do processo respiratório provocando a hiperventilação. Cores, pessoas, objetos e
formas geométricas ganham um realce nas imagens mentais com um aumento marcante da
emotividade, o que é reforçado pelo uso de músicas evocativas.
O exemplo a seguir foi colhido numa sessão terapêutica, a partir de uma entrada em um
estado alterado de consciência. O paciente bastante mobilizado afetivamente passou a respirar
de forma acelerada, descrevendo as seguintes sensações e percepções:

Sinto meu corpo eletrizado, como uma corrente elétrica a percorrê-lo. Desfila nos
meus olhos um mundo de formas geométricas. Todos os objetos a minha volta
ganham um aspecto indefinido: ora se transformam em círculos coloridos ora em
quadrados, ora em triângulos. As cores dos objetos ficam mais intensas, vibrando e
se transformando a cada instante, é um jogo vibrante de cores e formas. Há pequenas
explosões que provocam as mudanças de forma e de brilho. (arquivo dos autores)
b. Nível Psicodinâmico.

Abrangendo a área de estudo da psicanálise, este nível permite contato com memórias
infantis englobando uma ampla gama de fenômenos, sendo os mais importantes derivados das
relações primitivas da criança com seus pais, como por exemplo o complexo de Édipo e seus
inúmeros desdobramentos. Neste nível, temos as hipóteses psicanalíticas comprovadas e
ampliadas, pois muitas das imagens mentais que emergem neste estágio encontram suas raízes
em níveis mais primitivos da mente.
A conexão dos elementos dos diversos níveis de consciência é feita através de uma
complexa constelação denominada por Grof (1997a) de SECs (Sistemas de Experiência
Condensada) ou COEX que pode ser assim definida:
"Um SEC pode ser definido como uma constelação específica de lembranças que
consistem em experiências condensadas (e fantasias associadas) de diferentes
períodos da vida do indivíduo." (p.101)
Isto significa que quando lembramos do passado, diversas vivências encadeadas
geralmente são trazidas ao consciente como se pertencessem a um bloco. Grof chama esses
blocos de Sistemas de Experiência Condensadas (SECs), dividindo-os de acordo com sua carga
emocional básica em SECs positivos e SECs negativos. Os primeiros condensariam as
experiências emocionais agradáveis enquanto os segundos condensam experiências
emocionalmente desagradáveis.
O exemplo a seguir proporcionará uma melhor compreensão:
Sujeito vem a terapia movido por intensa ansiedade frente a novas situações;
apresentando sinais de pânico por diversas vezes. Ao longo do processo terapêutico
entra em contato com uma série de SECs negativas (perda da namorada recentemente,
mudança de emprego; morte de amigo da adolescência, mudança de colégio, morte de
animais de estimação na infância, etc.) onde o núcleo central girava em torno da
MUDANÇA/PERDA. Revivendo experiencialmente suas perdas, o sujeito pôde resgatar
uma memória muito primitiva da perda de sua "mãe de leite", devido a necessidade de
mudança dos seus pais para uma nova cidade, quando o mesmo ainda era muito
pequeno. Assim, em torno desta experiência nuclear de MUDANÇA/PERDA foi
formando-se uma cadeia de experiências, onde toda mudança passou a ser vista como
algo profundamente ameaçador, gerando assim ansiedade exacerbada.
Os casos clínicos dos teóricos psicanalíticos lacanianos (Dolto, 1988, 1992), que
consideram o inconsciente estruturado como linguagem e articulado numa rede de significantes,
cujo primeiro é o "significante mestre", são um bom exemplo dos conceitos expostos por Grof.
Teóricos como Dolto (1998) ressaltam a importância dos fenômenos ocorridos durante a
gravidez como importantes na constituição do sujeito.

c. Nível Perinatal ou Rankiano.

Nesse nível situam-se as experiências que envolvem problemas relacionados à morte e


ao nascimento, da agonia, do sofrimento, da doença e da decrepitude. As pesquisas de Grof
(1988) fizeram-no resgatar e ampliar os trabalhos pioneiros de Otto Rank acerca do trauma de
nascimento, daí o nome "rankiano" atribuído a este nível.
A constatação da similitude entre o estado que precede o nascimento e o estado que se
segue à morte é a maior conseqüência para a reflexão filosófica sobre as experiências perinatais.
Os elementos observados nas experiências perinatais foram organizados em quatro
Matrizes Perinatais Básicas (MPBs) correspondentes aos diferentes estágios do nascimento
biológico.
Grof (1998) descreve as Matrizes Perinatais Básicas como:
"... sistemas de regulação dinâmica hipotéticos que possuem uma função no nível
rankiano do inconsciente semelhante à função que têm os SECs no nível
psicodinâmico freudiano." (p.105)
Na seqüência a seguir, destacaremos brevemente os fenômenos observados em cada uma
das quatro matrizes, buscando exemplificá-los com fragmentos de casos clínicos colhidos pelos
autores deste livro.

Matriz Perinatal Básica I (MPB I)

Palavras Chave: união primordial com a mãe, êxtase oceânico ou apolíneo, totalidade e
o universo amniótico, paz no útero.
Segundo Grof (1997a, 2000) a base biológica desta matriz é a unidade simbiótica
original do feto com o organismo materno durante a existência intra-uterina pré-natal, neste
momento o feto não tem percepção de fronteiras e não diferencia entre o interno e o externo.
Quando a fase intra-uterina transcorre sem perturbações (de natureza física, química, biológica
ou psicológica) vivem-se tipicamente experiências de existência sem fronteiras ou limites,
podendo-se identificar com galáxias, com o espaço interestelar ou com todo o cosmo. A idéia
de “útero bom” apresenta-se na forma de diversos arquétipos: Mãe Natureza, imagens celestiais
e paraísos. Experiências relacionadas a identificações com animais aquáticos ou flutuando sobre
o oceano também são encontradas.
Por outro lado a evidência de perturbações intra-uterinas, memórias do “útero mal”
provocam sensações de ameaça obscura ou ominosa e freqüentemente percepções de
envenenamento. Situações tóxicas ou traumáticas neste período manifestam-se na forma de
identificações com imagens de águas poluídas, lixo tóxico; também podem aparecer, associadas
a estas imagens arquetípicas aterradoras, demoníacas ou uma sensação de mal insidioso e
difundido. Ameaças de aborto aparecem aqui na forma de visões sangüinárias, apocalípticas de
fim de mundo. Para Grof (2000) “isso reflete as íntimas interconexões entre eventos em nossa
história biológica e os arquétipos junguianos.” (p.51)
Em uma sessão de treinamento em Psicologia Transpessoal um terapeuta relata assim
seu momento positivo nesta matriz.
Sinto-me num imenso oceano, estou mergulhado nele, envolto por uma capa
transparente, feito antigos escafandros de mergulho. Sinto um bem estar imenso.
Este lugar me protege de tudo, quero desfrutar da paz deste ambiente.
Vejo-me crescendo e ocupando cada vez mais a extensão deste oceano, mas ainda
estou incompleto, sinto que ainda está faltando completar uma parte de meu corpo.
Quero ficar mais tempo aqui, desfrutar a amplitude deste momento, sinto-me em
paz, calmo, sem pressa. Aqui tudo é tranqüilo. (Arquivo dos autores)
Os movimentos corporais do paciente foram de profundo relaxamento, como se o
mesmo estivesse em um imenso sonho, onde se encontrava identificado com um feto.
Revivendo uma experiência de “útero mal” provocada pela ameaça de aborto devido à
prescrição médica errada, uma paciente relata assim sua experiência:
Um sufoco imenso. O navio que me transportava no oceano colide com um
petroleiro, o que era seguro agora tornou-se ameaçador. Um líquido escuro
derrama-se por todo oceano, não tenho para onde ir (choro). Agora todo mar está
escuro e começo a afundar, uma grande mangueira que trazia água límpida para o
barco agora é apenas um imenso esgoto. Sinto como se todo o mal estivesse
presente neste momento sufocando minha vida. (Arquivo dos autores)

Matriz Perinatal Básica II (MPB II)

Palavras Chaves: subjugação cósmica, ausência de saída, inferno, expulsão do paraíso e


antagonismo com a mãe (contração, agonia de morte).
Relacionado ao início do parto biológico e a seu primeiro estágio clínico, nesta matriz
temos uma combinação de elementos físicos (contrações mecânicas do útero, cérvix não
dilatada) e químicos (hormônios estimulantes das contrações) que provocam uma série de
desconfortos. O feto encontra-se em um sistema fechado, onde o suprimento de sangue, em
decorrência das contrações, fica reduzido ao mesmo tempo em que se sente “expulso do
paraíso”.
A subjugação cósmica e a experiência de ausência de saída ou inferno são
correspondentes simbólicos das memórias deste primeiro estágio do parto. A identificação com
temas mitológicos que envolvem situações esmagadoras e perigo eminente emerge em
indivíduos presos a esta matriz. Máquinas destruidoras, prisões, animais que mantêm o
individuo prisioneiro, cenas de campos de concentração, torturas, manifestam-se
fenomenologicamente.
O mundo visto pela ótica desta matriz parece sem vida, sentimentos de desamparo,
desesperança, inferioridade, inadequação, desespero existencial e culpa fazem parte do estado
de consciência despertado nesta matriz. COEXs envolvendo situações de vítimas passivas
subjugadas por forças destrutivas são ativadas, podendo conduzir a conexões com situações
transpessoais inacabadas.
Grof (2000) destaca que “uma tríade experiencial típica desse estado é uma sensação de
morte, ficar louco e nunca mais voltar” (p.54), conforme pode ser visto no exemplo a seguir.
Uma falta de ar domina meu corpo, contrações e espasmos parecem colocar-me
dentro de um rolo compressor. De repente vejo-me presa dentro de um buraco
escuro e sem saída. Grito, bato, chuto, mas tudo em vão. Parece um lugar de
prisioneiros, pois estou presa por uma forte corda, que me pressiona e faz com que
haja falta de ar. Sinto-me presa por monstros da escuridão; um pavor domina todo
meu corpo, tudo dói, sinto que vou enlouquecer. Sei que vou morrer, esta tortura
nunca terminará (choro). (arquivo dos autores)
Matriz Perinatal Básica III (MPB III)

Palavras Chave: a luta de morte-renascimento, êxtase vulcânico ou dionisíaco,


sinergismo com a mãe (caminhada pelo túnel em direção à vida/morte)
Esta matriz está relacionada com o segundo estágio do parto, onde as contrações
continuam, sendo que agora temos uma abertura na cérvix, o que permite ao feto seguir no
canal de parto. Nesta etapa os riscos são imensos, a pressão exercida pelo canal do parto pode
conduzir a estados de sufocamento extremo, além do que ao final do parto o feto pode entrar em
contado íntimo com o material biológico materno (sangue, muco, urina e fezes).
Fenomenologicamente esta matriz toma a forma de uma “luta determinada de morte e
renascimento”; temas como luta titânica, experiências sadomasoquistas, intensa excitação
sexual, episódios demoníacos, vivências escatológicas e encontro com fogo são geralmente
evocados em sessões experienciais.
Segundo Grof (1997) pressão exercida pelas “contrações uterinas que oscilam entre 22,5
e 45 kg” (p.40) são responsáveis pelo caráter titânico desta experiência. Identificações com
elementos violentos da natureza emergem assim como explosões de bombas atômicas, tanques,
foguetes, usinas nucleares. Temas arquetípicos e mitológicos como imagens do juízo final,
purgatório, batalhas entre luz e sombra ou deuses e titãs estão correlacionados a esta matriz.
Em sessões experiencias os aspectos agressivos e sadomasoquistas desta matriz se
manifestam em temas como: cenas violentas de assassinato e suicídio, mutilação e
automutilação, tortura, execução, rituais sangrentos, práticas sadomasoquistas e estupro. Os
elementos demoníacos emergem na forma de temas como o Sabá das Feiticeiras, orgias
satânicas e rituais de missa negra, tentação por forças maléficas. A dimensão escatológica, que
tem suas raízes no contato com o material biológico durante o parto, aparece em cenas como
rastejar em carne deteriorada, em excrementos ou em sistema de esgoto, beber sangue, urina.
Por fim o elemento fogo surge em cenas de identificação com vítimas de imolação ou na forma
arquetípica de fogo purificador.
A distinção desta matriz para a anterior, no que diz respeito aos elementos destrutivos
que aparecem, está no fato de que na matriz dois há uma sensação de não ter saída, enquanto
nesta o sujeito tem esperança e não se encontra desamparado. O exemplo a seguir apresenta
elementos da matriz III.
Sinto uma pequena abertura no lugar onde estou presa; procuro sair, mas é
muito apertado. Os monstros seguram-me com seus tentáculos. Tenho que lutar,
mas todo meu corpo se comprime numa luta feroz. Um calor abrasador me domina
e os monstros passam a possuir o meu corpo com sofreguidão. Tenho um misto de
prazer e vergonha, e isto faz com que meu corpo se contraia ainda mais. Sinto que
vou explodir. Surgem imagens de cruzes e espadas, como se eu fosse uma virgem
pura dominada pelas forças do mal. As espadas rasgam-me ao meio, como se minha
vagina fosse transpassada com força, enquanto eu beijo suavemente uma cruz.
Deslizo, num misto de dor e sofreguidão, muito semelhante ás minhas primeiras
experiências sexuais. (arquivos dos autores)
Matriz Perinatal Básica IV (MPB IV)

Palavras Chave: a experiência de morte-renascimento, separação da mãe.


Com o nascimento real da criança temos o fim do processo de luta agonizante pelo
nascimento. As pressões sofridas nas etapas anteriores chegam ao ápice, seguido por um súbito
relaxamento. O contato com a luz, ar e o corte do cordão umbilical marcam novas adaptações.
A nível simbólico, este momento é visto como uma experiência de morte e renascimento
que irá se reatualizar ao longo da vida, aparecendo nas sessões experienciais como morte do
ego. Quando devidamente trabalhada esta experiência, apesar do caráter aterrador, possibilita-se
uma maior integração com o presente, levando o indivíduo a uma maior liberdade interior.
O contato em um nível mais profundo com está matriz conduz a uma sensação de
profunda liberação, sendo comum relatos de visões de luz, lugares tranqüilos. Arquetipicamente
estas experiências evocam imagens do inconsciente coletivo como deuses destrutivos de
diversas culturas (Shiva, Moloch, Káli) ou identificações com mártires (Cristo, Osíris). É
comum ainda a presença de luzes simbolizando Deus ou encontro com Grandes Deusas Mães
(Virgem Maria, Ísis, Parvati, Hera). Um exemplo expressa esta matriz:
Todas as imagens de dor desaparecem, agora estou no ápice da tensão; uma
explosão me conduz pelo túnel estreito e me lança num lugar suave e macio. Ouço
cantos sacros, expressando a vitória do bem contra o mal. Uma luz imensa envolve
o meu corpo, que está totalmente eletrizado por uma calma profunda. Rapidamente
vejo a imagem da Pietà de Michelangelo, vejo-me sendo cuidada por Maria, mãe de
Jesus. Todo sofrimento teve fim. Meu corpo está se transfigurando em luz. (choro)
Tudo é paz. (arquivo dos autores)
O nível perinatal é geralmente considerado uma abertura para as dimensões espirituais, é
a zona de transição entre o “pessoal” e o “transpessoal”.

d. Nível Transpessoal

Após muitos anos de observação e estudos dos estados de consciência, Grof concluiu
que as experiências transpessoais, originadas em outras regiões do inconsciente, não são
reconhecidas nem explicáveis em termos freudianos, embora estejam contempladas no modelo
da psique desenvolvido por Jung.
Estas experiências transpessoais não se limitam aos estados psicodélicos, mas podem
ocorrer em sessões de psicoterapia profunda, maratonas, workshops, práticas místicas,
encontros profundos etc.
Grof (1997) classificou, de acordo com o conteúdo, em três categorias principais esse
tipo de experiência: 1) extensão experiencial dentro da realidade e do espaço-tempo; 2)
extensão experiencial além da realidade e do espaço-tempo consensuais e 3) experiências
transpessoais de natureza paranormal.
A primeira categoria pode ser dividida em fenômenos de transcendência dos limites
espaciais, como por exemplo: experiência da unidade dual, identificação com outras pessoas,
unidade com a vida e com toda a criação, consciência planetária, etc e também aborda a
transcendência dos limites do tempo linear, como por exemplo: as experiência embrionárias e
fetais, experiências ancestrais, filogenéticas, vidas passadas, etc.
A segunda categoria trata de fenômenos que se apresentam além da realidade e do tempo
consensuais, envolvendo experiências espíritas e mediúnicas, fenômenos energéticos do corpo
sutil, encontro com guias, experiências de arquétipos universais, experiência da consciência
cósmica, o vazio supracósmico e metacósmico, compreensão intuitiva de símbolos universais,
etc.
Envolvendo experiências transpessoais que ocorrem na interface entre o mundo material
e a consciência, ou entre o mundo interior e a realidade externa, encontra-se a ampla gama de
fenômenos classificados por Grof de experiências transpessoais de natureza paranormal. E
ainda aponta os vínculos sincrônicos entre consciência e matéria, acontecimentos paranormais
espontâneos e psicocinese intencional como subdivisões desta categoria.
Em um treinamento de Terapia Regressiva Integral, ministrado pelo Dr. Roger Woolger,
na cidade de Recife - PE, fez-se exemplo cabível, nesse contexto, uma experiência de
transcendência dos limites do tempo linear da primeira categoria. O terapeuta em treinamento
queixava-se de fortes dores nas costas, associada a uma falta de ar insuportável. No quinto dia
do treinamento emergiu uma cena que estava associada a um nível transpessoal caracterizado
pela expansão, ou extensão da consciência além do conceito comum de tempo e espaço. Senão
vejamos:
Vejo a cena de uma mulher parada no alto de uma escada. Em uma fração de
segundo perco o referencial de meu ego atual, incorporando dramaticamente
aquela personagem. Por mais que queira controlar as cenas, elas desenrolam-se,
como se meu corpo soltasse um script que estava congelado. Encontro-me no alto
de uma escada, paralizada pelo medo. Alguém batera à porta. Sinto uma lâmina
fina ultrapassar minhas costas, uma dor terrível impulsiona-me de escada abaixo,
sinto meus ossos rasgarem a carne. Um homem, ah! É meu marido, ele está louco
por causa da revolução.Ele bate minha cabeça contra o piso, enquanto a minha
consciência distancia-se do corpo. Acordo...estou no porão de minha casa, as dores
são terríveis. Não consigo mexer os braços, nem as pernas. Oh! Meu Deus, os ratos
estão comendo meu corpo, minha cabeça...dói. (choro profundo e prolongado).
(arquivo dos autores)
Pela sua comprovada contribuição para a construção do arcabouço teórico da Psicologia
Transpessoal, as pesquisas de Grof o colocam como um expoente da psicologia transpessoal,
sendo seu trabalho clínico uma fonte inestimável de estudo e referência para os terapeutas
transpessoais.

1.3.3.2. Ken Wilber – O espectro da consciência

Ken Wilber é reconhecidamente um dos principais representantes da Psicologia


Transpessoal, seu modelo do “espectro da consciência”, produzido aos 23 anos de idade, é uma
das cartografias mais completas da consciência humana e visa integrar os conhecimentos das
diversas escolas psicológicas convencionais com as principais abordagens dadas à consciência
nas culturas ocidental e oriental.
Sua produção teórica tem influenciado diretamente uma ampla geração de terapeutas
transpessoais, e tem contribuído largamente na estruturação do corpo teórico da Psicologia
Transpessoal.
Tendo desenvolvido uma metodologia integrativa, e não eclética, no estudo da
consciência humana, Wilber (1991, 1996, 1999b, 2001b) conseguiu integrar em uma cartografia
harmônica as principais contribuições dos teóricos de diversas áreas do saber humano; sendo
dado destaque a sua incrível capacidade de integrar as visões espirituais (orientais e ocidentais)
no estudo do ser humano.
O seu modelo integrativo (2001a, 2002) propõe que para compreensão do fenômeno
humano é fundamental uma visão interdependente das quatro áreas do Kosmos: as áreas do
intencional e cultural com características de serem hermenêuticas e abordarem a consciência,
formando o bloco do interior, e as áreas comportamental e social marcando o exterior e tornado-
se reconhecidas por serem monológicas, empíricas, positivistas e formais. No modelo do
espectro da consciência humana, esta se apresenta como multinivelada manifestação de uma
consciência ímpar: a Mente Universal. Seu modelo cartográfico pode ser dividido basicamente
em três níveis: o nível do ego, o nível existencial e o nível da mente.

a) Nível do Ego, incluindo as faixas da sombra e da persona.

O nível do ego é a faixa da consciência presente quando nos sentimos presos a um papel
específico, seja ele o de pai, mãe, irmão, vítima, algoz, etc. A imagem que temos de nós
mesmos, consciente ou inconsciente, juntamente com a natureza analítica e discriminativa do
intelecto são as marcas predominantes neste nível.

b) Nível Existencial, incluindo as faixas biossociais.

O Nível Existencial implica a percepção de um organismo total e a convicção íntima de


que existimos como um sujeito separado de todas as nossas experiências.

c) Nível da Mente, incluindo as faixas transpessoais.

O nível da Mente geralmente aparece na literatura associado à consciência cósmica, e


inclui a sensação de que nos identificamos fundamentalmente com o universo.
Estes níveis podem ser percebidos no quadro abaixo:

Espectro da Consciência

Sombra ________ _______


persona sombra
faixas filosóficas
Ego ________ ______
ego corpo
faixas biossociais
Biossocial
Existencial _________ ________
organismo ambiente

Transpessoal faixas transpessoais

Mente ____________________________
UNIVERSO

A seguir descreveremos brevemente cada um dos níveis do espectro da consciência.

Nível de Sombra
Quando aspectos indesejáveis são postos à parte da estrutura egóica. Quando temos uma
divisão dentro do ego, devido a dificuldade de integrar aspectos indesejáveis, a parte, mesmo
empobrecida mas dominante, torna-se a persona, enquanto as tendências psíquicas rejeitadas
passa por um processo de repressão da consciência, vindo formar a sombra.
A sombra pode ser vista como as tendências psíquicas consideradas ameaçadoras e
rejeitadas dentro do ego em favor de uma identificação limitada com aspectos parciais do ego: a
persona.
No nível da sombra, o ego encontra-se fragmentado, incluindo aspectos bons ou maus
que são rejeitados pela persona. A auto-imagem apresenta-se desorganizada e não corresponde
à realidade.

Nível de Ego
Neste nível temos o homem identificado com uma representação mental de si mesmo
(auto-imagem) ao invés de estar conectado diretamente com o seu organismo psicossomático.
Nesta etapa, temos uma divisão do organismo total, que passa a ser percebido como
“psique” ou como “soma”; ambos vistos de forma independente, prevalecendo, contudo, uma
maior identificação com a “psique”, manifestado nos processos intelectuais e simbólicos e na
alienação do corpo.
Mesmo tendo distinguido a psique de seu soma, com a eliminação ou flexibilização da
sombra, temos um alargamento do campo da consciência.
As terapias para pessoas desse tipo devem na proporção do possível, tornar consciente o
inconsciente, fortalecer as forças saudáveis do ego contribuindo para o desenvolvimento de uma
auto-imagem mais precisa. As terapias indicadas são: psicanálise; Gestalt terapia; análise
transacional e Psicodrama.

Nível Existencial (ou do centauro)


O organismo psicofísico é visto de forma total, havendo uma maior clareza entre os
limites do eu e do outro, do organismo e do ambiente.
Neste ponto os processos de pensamentos racionais e a vontade pessoal desenvolvem-se
mais intensamente, como também há a eliminação da dicotomia psiqué-soma. O sentido de
identidade se amplia e apreende-se a totalidade do organismo de sua existência como ser no
mundo.
A bieonergia reichniana e neo reichniana abrange tanto o existencialismo noético, que
atua através da mente, como o existencialismo somático que atua através do corpo.
Terapias específicas para a mente são a Análise Existencial, a Logoterapia, as terapias
humanistas, entre outras. A Hatha Yoga, a Terapia das Polaridades, a Integração Estrutural e
outras seriam mais especificas para o soma.
Embora identificado com seu ser total, o centauro22 continua alienado do Self, mesmo
quando se dispõe a buscar as experiências mais profundas de contato com o ambiente e a
totalidade do Universo.

Nível Transpessoal
Inicia-se o processo de entrada nos níveis além do ego, além da identidade aprisionada
no organismo individual. Contudo, apesar de representar uma área além do individual, o ser
humano ainda não consegue vislumbrar a conexão de sua identidade com o Todo.
As principais características deste nível são: senso de expansão da identidade para além
da individualidade, rompimento das barreiras entre o organismo biológico e o Universo.
Fenômenos de experiências extra-sensórias podem ocorrer neste momento, sem, contudo, serem
necessários.
As terapias indicadas são a Análise Junguiana, visualizações derivadas das tradições
hindu e tibetana, Psicossíntese; etc.

Nível da Mente ( Unidade)


Wilber usa o termo Mente, com início maiúsculo, para distinguí-lo dos termos mente,
mais associado à idéia de ego.
Mente está relacionada com a consciência mais profunda do ser humano, “idêntica à
realidade última e absoluta do universo”. É, a consciência cósmica, estado real da mente. A
consciência passa a se confundir com a energia básica do Universo. Não temos neste nível
uma terapêutica adaptada ao Ocidente, sendo o budismo e o sufismo as disciplinas que
ajudam a manter a consciência nesse estado.

1.3.3.3. Roger Woolger – a cartografia da Flor de Lótus

“...importantíssima é a idéia de Jung de que toda


personalidade é essencialmente múltipla. Ter múltipla
personalidade é da natureza humana”.
- James Hillman (apud Woolger, 1988)

22
Advindo dos tempos helênicos, o centauro era simbolizado por uma criatura mítica, metade cavalo e
metade homem, que carregava flechas, sempre pronto a atirá-las em direção ao céu. Assim, a mitologia grega
personificava a luta entre a natureza humana e a natureza animal, simbolizando a dualidade proprioceptiva
fundamental do homem, qual seja, espiritualidade e materialidade, no sentido inverso, tem-se instinto e razão.
Reforçada ainda pelo terceiro atributo (arco e flecha), que diz respeito à unificação da escolha e execução de
um propósito para além de sua individualidade. Podemos dizer que uma metade do centauro é força instintiva
e a outra metade é aquela que usa esta força, que tem limites na mente consciente. Vale dizer que a “intenção
de unificação constitui-se para o centauro uma eterna busca, ainda sem o alcance almejado’’.
“Não nos iluminamos imaginado figuras de luz, mas
tomando consciência das trevas.”
- Jung (apud Woolger, 1988)

O Dr. Roger Woolger, Ph.D., inglês, radicado nos Estados Unidos da América, é um dos
pioneiros na área da Psicologia Transpessoal, enfatizando seu trabalho nos consteúdos
inconscientes ligados a vidas passadas dentro do enfoque fenomenológico.
Graduado em Psicologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra), dedicando-se
inicialmente ao behaviorismo e a psicanálise. Tem mestrado em Filosofia e Religiões
Comparadas pela Universidade de Londres. Analista Junguiano pelo Insituto Zurich (Suiça).
Doutor em Psicologia Transpessoal pela Universidade de Vermont (E.U.A), lecionou na África
Ocidental e nas Universidades de Montreal, Vermont e Vassar College.
A despeito de seu ceticismo cartesiano, começou praticando regressão com um grupo de
amigos de Vermont, estudando e experenciando as conexões entre o trauma de nascimento e
vidas passadas, como fez Stanislav Grof na Califórnia e Morris Netherton em Los Angeles.
Compartilha com estes as descobertas sobre as afinidades e rejeições dos seres humanos, em
relação a fatos, ocasiões, laços de relacionamento, etc. Os elos explicativos o atrairam cada vez
mais para pesquisar e atuar enfocando a regressão.
Woolger (1988) defende em seu livro "As Várias Vidas da Alma" que além de
arquétipos e conteúdos infantis esquecidos, o inconsciente também é depósito de memórias de
vidas passadas. Ele pontua que em geral a mente inconsciente só permite emergir à consciência
as memórias de vida pregressa que estamos preparados para integrar em nossa estrutura de
personalidade consciente. Isso se constata pelo fato das primeiras experiências tenderem a ser
menos traumáticas, com "eus" do passado que podem ser enfrentados mais facilmente. Ele cita
o arquétipo do "guardião do portal" que é uma imagem do nosso próprio medo, impedindo
como monstro "nossa entrada em reinos para os quais a psique não está preparada" (op.cit. p.
22).
Com o tempo, desenvolveu uma forma particular de trabalho, cunhada pela contribuição
de muitos mestres que de uma forma ou de outra estiveram no seu caminho. Em sua nova
cartografia e abordagem terapêutica, percebe-se principalmente a influência de Jung, da Gestalt,
do psicodrama de Moreno e da terapia reichiana. Vale salientar também a influência do
budismo tibetano (com ênfase no Livro Tibetano dos Mortos), do budismo theravada, e do
processo terapêutico de renascimento de Leonard Orr.
Hoje, revela claramente em seu trabalho sua afinidade espiritual e intelectual com a
Psicologia Transpessoal como movimento a favor da síntese entre as perspectivas psicológica e
espiritual, mas prefere designar seu trabalho como uma psicologia visionária, juntando as
cosmologias espirituais tradicionais.
Entrando, em dimensões terapêuticas inovadoras, Woolger formula uma revisão da
gênese das doenças mentais e da natureza da personalidade.
Para ele, a personaldade não é singular, é múltipla, não no sentido psicopatológico
vigente, e sim no entendimento de que existem vários níveis do eu. Carregamos remanescências
de vidas passadas como fragmentos de nossa alma, como também de outros eus, que estão
presentes no indivíduo, revelando a multiplicidade do inconsciente já citada por Jung.
Diferentemente de Jung que enfatiza a análise, a interpretação dos muitos eus nos sonhos,
Woolger aborda-os como histórias (de vidas passadas, ou arquetípicas, ou perinatais, ou
biográficas) para aprendermos a aceitá-los e integrá-los. "Na nossa consciência mais profunda e
abrangente somos seres múltiplos, que temos muitas personalidades dentro de nós" (op. cit p.
34).
Para ele, a personalidade atual ou ego “é apenas um fragmento emanescente do Eu
Superior” e está sujeita a leis misteriosas de dissolução e transformação. Ele prefere continuar
neutro em relação a teorias da reencarnação, e não abraçar os conceitos de evolução linear da
alma defendidos por Madame Blavatsky (uma notável médium e escritora carismática russa,
fundadora da Sociedade Teosófica no Séc. XIX), nem amparar a visão das ligas espirituais
superiores de Rudolf Steiner, criador da Antroposofia. (apud Woolger, op.cit, p.40)
As memórias de vida passada, segundo ele, implicam numa identificação profunda com
uma personalidade interior ou secundária, envolvendo a imaginação intensamente. As nossas
formações arquetípicas, formações antigas de caráter universal, são ativadas e projetadas em
subpersonalidades de forma detalhada do nascimento à morte.
As personalidade secundárias (também chamadas de subpesonalidades, personalidades
fragmentadas ou dissociadas) são, segundo Woolger, formações além do ego que possuem
existência autônoma na mente inconsciente, acessadas por nós em sonhos, no método junguiano
da imaginação ativa, fantasisa, imagens dirigidas ou hipnose.
A idéia das subpersonalidades explica a questão das afinidades e rejeições gratuitas nos
relacionamentos e experiências de déjà vu, pois, segundo a Física Moderna, e várias filosofias
orientais, a energia é uma só – somos todos UM.
A personalidade carrega a energia dos outros seres envolvidos nas experiências das
subpersonalidades, assim como os outros trazem os registros em suas subpersonalidades.
Quando existe um reencontro, essas freqüências vibratórias ressoam, inclusive em locais e
objetos. Além de explicar as antipatias ou simpatias gratuitas, explica as experiências de
familiaridade com objetos (como com os Tulkus tibetanos) e experiências do déjà vu. Ele
clarifica esse fenômeno com o seguinte quadro:

Alma de A Alma de C

Sp
pp
Ego
Sp Sp
Ego de C
pp pp
de A
Sp
pp Sp
Sp
pp Sp
pp Sp
AFINIDADE

REJEIÇÃO
Alma de B

Sp
pp Ego: personalidade da vida atual
Sp: subpersonalidade de uma
vida passada.
Sp Ego Sp
pp de B pp
Sp Sp
pp pp

Assim, de acordo com os registros energéticos da subpersonalidade da vida passada,


vamos observar experiências de atração e repulsão que não se justificam às vezes à luz da
experiência atual, e sim pela idéia de experiências positivas no pretérito (resultando em
afinidade, simpatia) ou negativas (resultando em rejeições, sentimentos inexplicáveis de medo,
antipatia, ou similares.)23
Woolger comenta que as visões de Freud e Jung tendem a julgar o fenômeno da
personalidade anterior ou secundária como fantasia, enquanto os hipnoterapeutas sugerem sua
veracidade. De acordo com a visão fenomenológica, estes fenômenos podem ser apenas produto
da imaginação do participante.
Pode-se dizer a respeito de Woolger, que ele busca o caminho do meio: o inconsciente
também pode usar a fantasia na tentativa de solucionar os conflitos num nível simbólico. Assim
sendo, ele defende que a utilização, pelo inconsciente, de fantasias e simbolismos pode ocorrer
a serviço da cura, ou seja, pode facilitar a emergência de conteúdos de outros níveis do eu à
procura de catarse e integração. Entretanto, está mais inclinado a crer na fidedignidade das
memórias – mesmo que possam ser mescladas de nuances arquetípicas ou simbólicas – pelo
realismo das vivências e sua relação clara com problemas e sintomas. Todavia, ressalta que o
mais importante é o processo de cura que emerge e se efetiva através dos procedimentos
pscioterapêuticos por ele propostos, baseados em sua cartografia da consciência.
O princípio de cura no trabalho de Woolger configura uma expansão em duas direções
arquétipicas para níveis mais elevados de consciência (luz) e para níveis menos elevados
(sombra), para cima e para baixo, em forma de espiral:

23
Dados colhidos durante as aulas ministradas por Roger Woolger na cidade de Recife.
LUZ

SOMBRA

Woolger segue a visão transpessoal de Jung, onde a individuação é um processo de


unificação dos opostos da psique. Assim, quanto mais conteúdos sombrios se acessa, mais
conteúdos da personalidade atual e de subpersonalidades ligados ao arquétipo da luz, ao Amor
Incondicional e à Sabedoria, por exempo são trazidos à tona para integração dos opostos. À
medida que acessa aos conteúdos, até então presos na obscuridade, possibilita a sua liberação e
conseqüente transformação.
Woolger concorda com Jung, e não com Wilber, sobre regressão. Ele refere em alguns
manuscritos24 que “Wilber vê a regressão como uma atividade em direção ao primitivo.”,
enquanto Jung “vê a regressão como uma viagem para restaurar ou salvar as partes perdidas da
alma” – sendo isto muito semelhante, segundo Woolger, às práticas antigas dos xamãs.
A cartografia da consciência (ibid, p.p. 74-76 e 80 –89), intitulada “Flor de Lótus”, é
apresentada sob a forma de uma flor de seis pétalas, onde se entrelaçam os aspectos
multidimensionais do complexo que rege as tendências da personalidade atual.
Segundo Jung, “os complexos são fragmentos psíquicos que se dissociaram devido a
influências traumáticas ou certas tendências incompatíveis” (Vol 8, CW, p.121). “Um complexo
pode tomar a forma de uma doença ou de um comportamento neurótico, de um sintoma físico
ou de uma personalidade onírica ou secundária. Woolger, entretano, ampliou esse conceito para
“complexo kármico” ou samskara, baseando-se no conceito que em sânscrito designa
“tendências de agir de acordo com certos padrões estabelecidos no passado” (Zimmer, 1951,
p.324), podendo estas tendências terem sido transmitidas de uma via para outra, argumento que
encontra abrigo nos princípios do yoga.
O modelo gráfico Flor de Lótus (ibid p.80) traz em seu centro o sentimento nuclear que
identifica o complexo em regra: emoções densas como culpa, vergonha, entre outras. Cada uma
das seis pétalas representa um dos planos do complexo kármico: 1) biográfico, referente a dados
históricos desta vida interligados ao complexo; 2) perinatal, a memórias intra-uterinas e do
parto; 3) existencial, referente a questões do momento atual; 4)arquetípico, referente a
compreensões do karma e missão para esa vida; 5) somático, referente a sintomas físicos
ligados ao complexo; e 6) vida passada, referente ao drama de vida passada ou episódio onde
ocorreu um evento físico ou psicológico (em caso de complexo negativo = trauma ou bloqueio).
Todos esses planos são interligados por ressonância simbólica, através da linguagem
verbal, emocional ou corporal do cliente. Ressonância simbólica são as associações no nível do

24
Notas pessoais de Woolger, por ocasião da produção deste livro, quando, por solicitação dos autores,
colaborou com sua leitura, fazendo revisão e anotações sobre o item 3.2.3.
simbolismo que o inconsciente usa para expressar o complexo, ou seja, são as “pistas” ou os
“gatilhos” que detonam sua revelação. (vide cap. III, item 3.2.3.).

(Inserir gráfico da flor de lótus)

Modelo de Flor de Lótus (op. cit, p. 80)

Inspirando-se no pensamento do Budismo Tibetano e do Yoga, Woolger refere a


importância de atentar para Klesas e Vedanas que são elementos do samskaras. Vedanas são os
resíduos mais sutis, como flashes de memória, ou lembranças vagas. Já Klesas trazem um
resíduo mais constante, tanto no nível físico (cicatrizes, defeitos físicos, disfunções) como no
emocional (angústia persistente, pânico, medo, etc.). Ambas constituem excelentes exemplos de
ressonância simbólica do complexo.
Uma vez utilizando as ressonâncias simbólicas e detonando os planos do complexo,
explicitando-o, favorece-se a expressão e liberação das emoções bloqueadas (catarse) e trabalha-
se seu sentimento nuclear para a liberação de padrões de bloqueio no nível do corpo mental,
corpo emocional e etérico-físico. Isso promove, conseqüentemente, a transformação destes
padrões oriundos de vida passada.
Desta forma, podemos realizar a integração das subpersonalidades à vida presente e ao
ego, dissolvendo a fragmentação da alma e favorecendo uma ampliação da consciência no
sentido vertical para baixo e para cima, nas duas direções da espiral, rumo a evolução espiritual.

1.4. A/cientificidade da Psicologia Transpessoal


A ciência sem a religião é coxa, a religião sem a ciência é cega.
- Albert Einstein

O escanchar do termo a/cientificidade no título desta seção marca uma visão que
tentaremos demonstrar ao longo desta argumentação: é difícil a inclusão das “psicologias”,
entre elas a Psicologia Transpessoal, dentro de um contexto de ciência tradicional (“ciência
normal”), em que os paradigmas se regem por regras que dificultam a legitimidade de seus
objetos de pesquisa - historicamente caracterizados pela presença de vieses humanos e sociais,
não sendo possível o afastamento entre sujeito e objeto do conhecimento, meta desejável
quando da obediência do método científico tradicional - dentro do campo de pesquisa padrão.
Cabendo, por isso, buscar-se, como critérios definidores de cientificidade, a discutibilidade e a
lógica da argumentação, aliada a uma “audiência especializada”, que compartilhem dos
resultados das pesquisas.
Mas antes de iniciar-se uma discussão acerca da cientificidade da Psicologia
Transpessoal, meta da presente seção, é importante situar-se de que ciência se está falando.
Neste sentido, temos por base as análises sócio-históricas de Kunh (1978, 1979) que situa as
fases da ciência dentro de uma dimensão de “ciência normal” e “ciência extraordinária”.
Segundo Kunh a “ciência normal” envolveria o trabalho cotidiano e estável da pesquisa
realizada por uma comunidade, onde haveria um certo consenso em torno do que seria relevante
pesquisar e dos métodos adequados para isto (o “paradigma”). A “ciência extraordinária” diria
respeito aos momentos de quebra da estabilidade da pesquisa “normal”, quando o conjunto de
crenças ao redor do qual o grupo estaria unido passaria a ser colocado em dúvida e teorias
concorrentes, incompatíveis com a teoria/paradigma em vigor, seriam criadas e consideradas
como possíveis caminhos para a superação da crise. (Tourinho & Neto, mimeo, p. 88).
A ciência normal estaria intrinsicamente relacionada à vigência de um “paradigma”,
definido por Kunh (1978) do seguinte modo:
“Considero ‘paradigmas’ as realizações científicas universalmente reconhecidas
que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma
comunidade de praticantes de uma ciência” (p.13)
A ciência normal seria, portanto, marcada pela existência de paradigmas, que, por sua
vez, alimentariam a pesquisa através do fornecimento de “quebra-cabeça” ou de “charadas” a
serem respondidas pelos cientistas. Um quebra-cabeças seria um conjunto de problemas
empírico-conceituais derivados e limitados pelo paradigma em vigor. Kunh (1979) descreve
assim a situação:
Quando está às voltas com um problema de pesquisa normal, o cientista deve
postular a teoria corrente como regra do seu jogo. Seu objetivo é resolver uma
charada, de preferência uma charada em que outros falharam, e a teoria corrente é
indispensável para defini-la e assegurar que, em havendo talento suficiente, a
charada poderá ser resolvida” (p.9)
Agora que já temos as preliminares acerca da noção de ciência, buscaremos situar a
posição da Psicologia Transpessoal frente à mesma.
A Psicologia Transpessoal é fruto da trajetória de consolidação de um paradigma
emergente – o holografismo – neste sentido ela própria se funde no paradigma holográfico,
transcendendo com a física quântica na construção de uma visão de mundo de mais qualidade e
unicidade. Ela tem fornecido explicações que se mostram paradigmáticas no sentido de que têm
uma existência articulada à pesquisa, à investigação e ao trato sistematizado de questões básicas
da natureza humana traduzindo-as na roupagem científica. Assim como as outras “psicologias”,
sua área de pesquisa se propõe a oferecer sólidos pressupostos para os pesquisadores, que não
precisam (re)construir o seu conhecimento do zero; pois nela encontram recursos que os orienta
acerca da compreensão do mundo, quais os fenômenos relevantes para uma investigação, onde
residiriam suas causas e como identificá-las na natureza e no Universo (ver Weil, 1978b, 1989,
1990a,1991b; Grof, 1988, 2000; Bertolucci, 1991; Matos, 1992; Tabone, 1995; Vaughan e
Walsh, 1995, 1997; Saldanha, 1997; Wilber, 2001c, 2002).
Como nas abordagens comportamentalistas, cognitivistas, humanísticas ou de inspiração
psicanalítica, a Psicologia Transpessoal formou comunidades que se constituíram enquanto tal,
não apenas a partir de um acordo sobre seu objeto de estudo e dos modos de produção e
validação de seu conhecimento, mas, também, sobre um modelo explicativo do que entendem
ser a manifestação do fenômeno psicológico que abriga em seu bojo a amplitude hipotética
geradora de caminhos investigatórios que avançam na composição de seu panorama científico
ao tempo em que, nele incluído consolida seu arcabouço teórico, mapeando assim esse tão
recente viés do saber, expresso tanto no âmbito de confirmações generalizadas, quanto na forma
de suscitar indagações possíveis de respostas que apontam matérias ainda alvo de estudos e
questionamentos.
Analisando o surgimento das novas tendências em psicologia, Grisi e Figueiredo (1993)
destacam:

“Em contraposição à posição psicanalítica clássica que inicia o estudo da


existência na concepção e a encerra com a morte, voltam-se à existência
considerando-a em uma extensão que antecede a concepção e prossegue após a
morte, ou considerando uma seqüência de nascimentos e mortes. O percurso desses
psicólogos tem como início a adesão a alguma teoria psicológica legitimada, a
busca de ultrapassar os parâmetros que as enquadram, a conseqüente modificação,
exclusão ou inclusão de conceitos, e a busca de articulação dos novos constructos
em um corpo teórico coerente, com o desenvolvimento de práticas específicas.
Buscam pontes entre seus pressupostos e práticas assim como interfaces com os
conhecimentos existentes, marcando as diferenças.
Conforme essas iniciativas vão se configurando passam a ser expostas aos
demais e chegam a ganhar um nome próprio, como aconteceu com a Psicologia
Transpessoal e Psicossíntese. Tais posições buscam agregar profissionais, ganhar
espaço institucional e desenvolver-se como escolas psicológicas, já intitulando-se ‘a
4a força em Psicologia’. Alguns autores que trabalham desse modo, hoje, têm
projeção internacional e várias dessas abordagens institucionalizaram-se
oferecendo centros de formação e de atendimento psicológico.” (mímeo, grifo
nosso)
Das palavras destes autores depreende-se que a Psicologia Transpessoal apresenta um
“corpo teórico coerente, com o desenvolvimento de práticas específicas”, que cumprem uma
função de alimentar o processo de investigação. E em torno delas constituiu-se uma extensa
comunidade científica, com centros de formação e de atendimento psicológico que se unem na
exploração das potencialidades de um mesmo paradigma, editam revistas especializadas e
realizam congressos periódicos, colocando sob controle dos pares as pretensões a
conhecimento.
Apresentando algumas diferenças metodológicas em relação a outras escolas
psicológicas, devido à própria diversidade dos aparatos teóricos, a Psicologia Transpessoal não
abandona o requisito de se mostrar sustentável diante da experiência e do raciocínio articulados,
fatores considerados primordiais na caracterização de cientificidade apresentada por Tourinho e
Neto (mimeo, p.102). Numa análise que parte de uma discussão da ciência, bastante diversa da
apresentada por Kunh, em que reconhece as dificuldades em demarcar a questão da
cientificidade nas ciências sociais, onde ilustram essa dimensão da ciência do seguinte modo:
O critério de cientificidade - em meio a esta polêmica interminável - que nos
parece mais aceitável é o da discutibilidade, entendido como característica formal e
política ao mesmo tempo. Somente pode ser científico o que for discutível (pp.. 96 e
97)
A Psicologia Transpessoal, como saber cientifico, justifica-se argumentativamente, e
legitima-se por mecanismos auto-reguladores (pesquisa empírico-teórico, autocrítica, revisão de
pressupostos, apresentação dos resultados à “audiência especializada”, etc.), prevenindo-se
“contra a imposição de um discurso pela renúncia à avaliação crítica por parte de quem o
acata e/ou através do apelo à autoridade de quem o profere.” ( Tourinhoe & Neto, mimeo p.
97), satisfazendo, assim, o critério de cientificidade proposto por Demo.
Quando se busca demonstrar a cientificidade da Psicologia Transpessoal, assim como de
qualquer ciência emergente, depara-se freqüentemente com o ‘fantasma da alternatividade’.
Passaram por esta etapa as escolas legitimadas atualmente no mundo psi, como é o caso da
Psicanálise, que, se analisarmos pela ótica da “ciência normal”, seria também enquadrada
dentro das “alternativas”25. Destarte é importante pontuar em que sentido está se utilizando esta
palavra, para não se incorrer no risco de estar-se oferecendo atributos valorativos (moralizantes
ou maniqueístas), ao invés de manifestar interesse em marcar formas distintas de construir e
regular o saber.
Neste sentido Amorim apud Tourinho e Neto (mimeo) define prática alternativa como:
“... uma denominação genérica para um conjunto bastante heterogêneo de
atividades, incluindo desde técnicas adivinhatórias e de descrição de personalidade
até técnicas de medicina alternativa baseadas em pressupostos místicos e religiosos.
Essas técnicas, via de regra, originam-se a partir de concepções tradicionais de
homem e de mundo e baseiam-se em conhecimentos pré-científicos ou embasados
no senso comum. Sua utilização é habitualmente interpretada como uma busca de
recursos mágicos para a solução de problemas cotidianos” (p.1)
Nas palavras de Amorim, a “alternatividade” destaca-se de uma prática dita psicológica
e é caracterizada pelo conteúdo místico, religioso ou supersticioso de suas explicações, sendo
seu indicador mais evidente o fato de que:

25
A posição da psicanálise frente à “ciência normal” pode ser encontrada no excelente livro “a-cientificade da
psicanálise” de Joël Dor (1993)
“... não se constituem em volta desses discursos comunidades voltadas para a
pesquisa, o que resulta do fato de não prescreverem quebra-cabeças a serem
solucionados” (op. cit., pp. 102 e 103)
Citando Soares (1994, p. 194) os autores do trecho acima apontam que para os discursos
alternativos:
...as vias prioritárias são os ensinamentos revelados e as experiências místicas,
nos casos mais expressamente religiosos, e a sensibilização receptiva da intuição
(op.cit., p. 103 e 104)
Diferentemente destas práticas, a Psicologia Transpessoal apresenta todos os requisitos
de cientificidade requeridos pela comunidade que reúne as ciências psicológicas, pois compõe e
decompõe “quebra-cabeças” a serem solucionados, na base da discutibilidade, propondo
soluções a partir de pesquisas, nas quais as metodologias são extremamente explicitadas.26
A crítica que se poderia fazer é a de que os “quebra-cabeças” apresentados pela
Psicologia Transpessoal estão fora das possibilidades de discutibilidade em relação às outras
“psicologias”, pois se tratam de temas que, buscando ampliar os referenciais de tempo e espaço,
acabam esbarrando na “dimensão espiritual humana”, que estaria supostamente a cargo dos
filósofos, místicos ou mais especificamente dos religiosos, por isso seu discurso poderia ser
considerado “alternativo”.
Em uma outra perspectiva estes temas estão para além das outras psicologias, tão
somente porque requerem um outro paradigma. Nesse sentido, a Psicologia Transpessoal não
surgiu para negar outras abordagens. Antes surgiu no sentido de transcender os parâmetros
estabelecidos pelas ciências exatas, confirmando-se num universo de maior atuação.
Compreendendo-se a ciência como campo argumentativo e não como detentora da
verdade absoluta, pode-se questionar se a delimitação do foco de pesquisa está sujeita aos
padrões dominantes em determinado período da construção da ciência, sendo, portanto, sujeita a
alterações e expansão, como é o caso do procedimento investigatório na área de Psicologia
Transpessoal, que teve seu objeto de pesquisa analisado ao longo da história das “psicologias”,
recebendo da Psicanálise um estatuto metapsicológico (Freud, 1976, SE., XXI, pp. 64-65;
ESB.,XXI, pp. 81-82) ao lado de conceitos consagrados nas tópicas freudianas.
Dentro da psicologia existencial, assim como em outras escolas, há uma tradição no
estudo do “sagrado”, podendo ser encontrada na Análise Existencial (como a de Ludwing
Binswanger), assim como em outros autores que construíram teorias de reconhecimento
internacional, referências a esta dimensão27.
Como se pode perceber, não é o objeto de pesquisa que define a cientificidade de uma
ciência. Nas palavras de Tourinho e Neto (mímeo) o que define as psicologias como científicas
“... é o modo como se dá em seu âmbito o processo de produção e validação do
conhecimento.” (p. 87)
Neste sentido, ampliando as pesquisas das escolas anteriores a partir de uma extensa
produção científica, nacional e internacional que, com uma ou outra variação, englobam e

26
Ver livros da Coleção de Psicologia Transpessoal, publicada pela Ed. Vozes, sob a coordenação de Pierre
Weil.
27
Ver Maslow ,1964; Viktor Frankl, 1971; Jung, 1979; Rogers, 1983; William James, 1991; Assagioli, 1992,
etc.
ampliam os preceitos de uma lógica empírico-racional na construção de seus aparatos teóricos
(ainda reconhecendo os limites dessa lógica), os quais subsistem após as avaliações e permitem
a demarcação de seu escopo, a Psicologia Transpessoal mostra a possibilidade da
discutibilidade de seu objeto de pesquisa. Acrescido a isto se destaca o fato, conforme foi dito
em parágrafos anteriores, de que seu objeto de estudo já se apresentará como foco de interesse
de algumas áreas do saber psi, sendo possível, portanto, a sua investigação, haja vista a extensa
bibliografia nacional e internacional produzida por sua comunidade científica.
Em síntese, considerando que a Psicologia Transpessoal possui uma estrutura produtora
de paradigmas, como também todo um aparato teórico-metodológico extensamente pesquisado
e colocado à disposição das “audiências especializadas”, bem como uma extensa comunidade
de pesquisadores que via argumentação promovem a construção de seu saber, o “fantasma da
alternatividade” é visto no meio transpessoal apenas como uma fase no processo de negociação
sócio-político e ético, por que passa todo saber. No entanto, postula e demonstra, via seu já
extenso corpo teórico, ter ultrapassado esta etapa, de forma que discutir a sua “alternatividade”
só tem sentido quando for em relação à “ciência normal”, da qual apresenta critérios de
cientificidade diferentes.
Diante disso, urge a necessidade do reconhecimento e da inclusão da Psicologia
Transpessoal nos meios acadêmicos e nos órgãos normativos da profissão, para não se correr o
risco de a Psicologia no Brasil ficar obsoleta, à mercê de preconceitos e posturas rígidas de
apego a antigos modelos e convicções partidárias, sem acompanhar a evolução científica do
momento planetário.
CAPÍTULO II

CAMPOS DE ABRANGÊNCIA

Se o viajante encontra
Companhia virtuosa e sábia,
Deixo-o acompanhá-la com alegria
E superar os perigos do caminho.
Mas se você não encontra amigo ou mestre que o acompanhe...
Viaje sozinho
Ao invés de ter a companhia de um tolo.
Buda28

Baseando-se no trabalho de Weil (1978b) aponta-se nesta seção a interconexão da


Psicologia Transpessoal e alguns ramos do saber psi, com o objetivo de propiciar, a estudiosos
de diversas áreas, acesso ao objeto de pesquisa da Psicologia Transpessoal: estados ampliados
de consciência, mais pronunciadamente os denominados transpessoais. A metodologia de
pesquisa pode ser assim ampliada, tornando-se sensível para um novo olhar sobre os fenômenos
investigados.
Dentre os campos conexos a serem delineados situam-se a Psicologia Comportamental,
Psicanálise, Psicologia e Terapia Existencial, Psicologia Evolutiva, Psicometria, Psicofisiologia,
Farmacopsicologia, Psicopatologia, Psicossociologia, Hipnologia, Tanatologia e Onirologia.
Conforme indica Weil (1978b) a apresentação destes ramos visa indicar possíveis
questões a serem investigadas. Neste sentido, será feita uma breve descrição da área de estudo,
destacando-se questões de relevância para a área Transpessoal, e indicação de algumas
pesquisas.

2.1. Psicologia Comportamental (Behaviorista)

As escolas de Pavlov e Skinner dominaram durante muitos anos o cenário do mundo


psicológico, por atenderem ao ideal de ciência positivista e mecanicista da época. Ampliando os
trabalhos de Wundt, fundador da psicologia científica, que por sua vez, se baseava no modelo
da reflexologia de Pavlov, Skinner ficou reconhecido na história da psicologia pela introdução
do método de condicionamento. Enquanto teoria mecanicista, o behaviorismo concentrou-se no
estudo do comportamento, ignorando ou rejeitando a existência da mente.
Weil (1978b) destaca que, a partir do estudo do controle de funções orgânicas
involuntárias, tais como circulação sangüínea e ondas eletroencefalográficas, realizado em
iogues, surgiram questões que os estudos na área acima descrita podem esclarecer.

28
Citado em Byron (1976).
“Será possível, a partir do biofeedback eletroencefalográfico, e do reforço de
certos comportamentos, provocar em laboratório estados de consciência cósmica?
Que tipos de comportamentos precisam ser modelados para tais fins? Que cadeias
complexas de comportamentos levam à experiência cósmica?” (p. 12)

Na coleção de Psicologia Transpessoal, editada pela Vozes, destacam-se trabalhos nesta


área, sendo ressaltados os artigos de C. A. Tart com os níveis alterados de consciência.

2.2. Psicanálise

O mundo da Salpêtrière, na França, rendia-se ao rei das histéricas, Jean-Martin Charcot,


que com suas impressionantes demonstrações hipnóticas (meio clínicas, meio circenses)
liberava, por sugestão, os pacientes de seus sintomas. Este “rei” atraiu para a corte parisiense
outro grande pesquisador, Freud, que juntamente com Breuer, desenvolveu o “método
catártico”, a partir de exaustivo estudo sobre histeria. Freud veio a aperfeiçoá-lo, nascendo daí
“a livre associação”.
O método da “livre associação” permitiu a Freud a construção de sua metapsicologia,
com suas tópicas (1a. Tópica: consciente, pré-consciente, inconsciente; 2a. Tópica: id, ego e
superego), oferecendo assim uma teoria acerca do inconsciente e sua dinâmica, bem como do
papel da sexualidade na etiologia das neuroses.
Apesar de ter o dualismo como marca fundante (spaltung) e não ter dado a atenção
devida ao fenômeno de consciência cósmica, denominado na época de “sentimento oceânico” 29,
a psicanálise resguardou para si um estatuto metapsicológico.
Rodrigué (1995) destaca a relação entre Freud, “o animal humano” e seu “amigo
oceânico”, Romain Rolland - ideólogo, pacifista, ganhador do Prêmio Nobel da Paz e autor de
“Ghandi”- como uma das possíveis causas para “o sentimento oceânico” ter ganho um espaço
na teoria freudiana.

“Depois de ler “O futuro de uma ilusão”, Romain Rolland censura Freud por
não ter colocado na base do sentimento religioso aquilo que ele denomina
“sentimento oceânico”, termo tomado de empréstimo dos místicos hindus. Esse
sentimento é , para ele, “completamente independente de todo dogma, de todo
credo, de toda igreja constituída, de todo livro santo, de toda esperança de
sobrevida pessoal etc. Trata-se da sensação simples e direta do Eterno (...)”. Freud
não se sente à vontade nessa frente. Ele escreverá em “O mal-estar na cultura”:
“As opiniões expressas por um amigo muito admirado (...) causaram-me muita
dificuldades. Não consigo descobrir em mim esse sentimento ‘oceânico’. Não é fácil
lidar cientificamente com sentimentos” (...) Podemos considerar o primeiro capítulo
de “o mal-estar” uma carta aberta a seu amigo francês. Se ele não experimentou o
sentimento oceânico, “pode, pelo menos, outorgar-lhe, um estatuto
metapsicológico”. Trata-se do retorno ao estado de fusão do ego primitivo do bebê
a uma simbiose primordial com a mãe.” (Rodrigué, 1995, vol.03, p. 162)

29
Consciência cósmica ou mais modernamente consciência transpessoal.
Segundo Weil (1978b), várias são as perguntas que podemos fazer e que estão sendo
estudadas pela psicanálise.

“É a consciência cósmica o ponto terminal de uma regressão a serviço do ego? É


ela o resultado de uma regressão à unidade primordial com a mãe?
Onde se situa esta fusão primordial? No nível oral ou no nível intra-uterino? Ou
antes? Não existiriam estados regressivos fusionais em nível pré-uterino? Neste
caso a consciência cósmica seria uma regressão à unidade primordial da fonte da
energia. Isto implicaria numa continuidade da vida até este nível, passando pela
vida animal, vegetal, mineral e atômica; isto implicaria também numa memória
ancestral e filogenética.
Qual a influência da contratransferência na ativação ou inibição da consciência
cósmica? Quais os recursos técnicos para se chegar à consciência cósmica? (pp.
13,14)

Fazendo reflexões no campo psicanalítico a partir de uma orientação transpessoal,


destacamos os artigos de Mark Epstein, no Journal of Transpersonal Psychology e seus livros
“Pensamento sem Pensador”, em que faz uma conexão entre o pensamento psicanalítico e o
budismo, e “Partir-se sem quebrar”, onde tomando por base o trabalho de Winnicott aponta para
níveis além do ego.
Outro grande pioneiro nesta área é Washburn (1988, 1994) que traz contribuições
psicanalíticas para o estudo da clínica transpessoal. O trabalho de Norma Oliveira (2004),
psiquiatra transpessoal e psicanalista lacaniana, também pode ser incluído no rol dos trabalhos
pátrios que buscam articular a transpessoal e a psicanálise.

2.3. Psicologia Existencial e Humanista

Weil (1978b) chama a atenção para o fato de que a terapia e a psicologia existencial têm
focalizado já há muito tempo a importância da dimensão fenomenológica do “aqui e agora”
para emergência do “encontro existencial” e das suas relações com os valores superiores da
humanidade, tais como a beleza, a verdade e o amor. Para autores como Laing e Maslow, a
consciência cósmica constitui o meio e o objetivo final da terapia. Neste terreno também há
problemas a levantar e a solucionar.

“Existe uma necessidade pulsional de se chegar à consciência cósmica? Os


valores ligados a ela são ‘instintóides”?
Como chegar à consciência cósmica sem riscos de descompensação? Por que a
experiência cósmica tem o valor terapêutico que se lhe tem atribuído?
Quais as relações entre a realidade da experiência cósmica e a realidade da vida
quotidiana?”(pp. 14 e 15)

Os trabalhos pioneiros de Maslow (apud Walsh e Vaughan, 1995) marcaram o início


promissor das pesquisas nesta área. Sendo possível encontrar nas obras finais de Carl Rogers
(1983) indícios de sua abertura para os estudos transpessoais. Em “Tornar-se Transpessoal”
Boainain Jr. (1998), destaca que Carl Rogers, na década final de sua vida, teria passado por um
processo de transformação transpessoal e, ultrapassando os modelos tradicionais da psicologia
humanista, teria oferecido fundamentos para criação de uma “Abordagem Transpessoal
Rogeriana”. Este livro resgata o momento de passagem do humanismo para o transpessoal.

2.4. Psicologia Evolutiva

É próprio da psicologia evolutiva determinar estágios, fases na evolução de variáveis da


personalidade, tais como a inteligência ou o caráter. Sua experiência metodológica neste terreno
pode ser colocada à disposição da Psicologia Transpessoal, para resolver alguns “quebra-
cabeças” teóricos.

“Quais as fases que se encontram no desenvolvimento da consciência


cósmica?
Também será interessante confrontar os modelos evolutivos da psicologia
ocidental com os modelos orientais de evolução da consciência?”
(Weil, 1978b, pp. 15 e 16)

“O Projeto Atman” de Ken Wilber (1999b) apresenta um dos primeiros modelos


unificadores entre Oriente e Ocidente no que diz respeito a uma ampla visão do
desenvolvimento humano. Nele vemos incorporado um número bastante grande de teóricos e
mestres orientais; temos confrontado e pesquisado de Freud a Buda, de Gestalt a Shankara, de
Piaget a Yogachara, e de Kohlberg a Krishnamurti.
Segundo Wilber (2001a):

“O Projeto Atman baseou-se diretamente na evidência de mais de sessenta


pesquisadores de diversas abordagens, e ainda em centenas de outros de maneira
informal” (p.56).

O modelo de desenvolvimento da consciência apresentado por Wilber neste projeto


contempla desde a estruturação do “Eu pleromático” às esferas sutís e causais. Uma síntese
deste modelo de desenvolvimento pode ser encontrada em “Transformações da Consciência”
(1999a) e, de forma mais simples, em “Um Breve História do Universo” (2001b).

Uma Breve Visão Transpessoal do Desenvolvimento Humano

A teoria de Wilber vem se desdobrando em seus escritos ao longo dos vários anos, sendo
“O Projeto Atman” um dos pontos iniciais no que diz respeito as suas reflexões acerca da teoria
do desenvolvimento humano. Mesmo que em escritos posteriores (Wilber, 2001a) este autor
classifique-o como uma produção do seu período “romântico”, aquele livro não perde seu valor
de apoio às idéias de desenvolvimento da crescente Psicologia Transpessoal.
No processo de evolução, apresentado por Wilber, a consciência se desdobra da
subconciência (unidade pré-pessoal) à superconciência (unidade transpessoal). Sendo o ciclo do
movimento da subconciência para a autoconsciência denominado O Arco para Fora ou Exterior,
e o movimento da autoconsciência para a superconciência O Arco para Dentro ou Interior.
Wilber compara a história do Arco Exterior como a história do herói, do ego, do
processo de emergência do inconsciente através da diferenciação, da separação, do possível
isolamento, do crescimento, da individuação e da emergência. Já o Arco para Dentro ou Interior
aponta para uma amplitude manifesta no contato com o nível transpessoal e não é geralmente
fonte de pesquisa por parte de investigadores ocidentais.

Estágios do Arco Exterior

1. Estágio Pleromático: confusão do recém nascido, indiferenciação.


2. Estágio Urobórico: primeiras diferenciações – coincide com o período oral de
desenvolvimento libidinal.
3. Estágio Tifônico: primeira diferenciação completa que cria o eu orgânico, ou ego
corporal, dominado pelo princípio do prazer e descargas e necessidades instintivas.
Corresponde à fase anal e fálica. nome surgiu a partir do mito grego Tifão.
4. Estágio Sócio-verbal: aquisição da linguagem e das funções mentais e conceituais. O
eu diferencia-se do corpo, torna-se ser mental e verbal.
5. Estágio Mental-egóico: desenvolvimento do pensmento abstrato, conceitual e linear.
Autoconceito.
6. Estágio Centáurico: integração superior do ego, corpo, persona e sombra.

Níveis do Arco Interior: Campos Transpessoais

1. Nível Sutil Inferior: inclui o domínio psico-astral. Experiências fora do corpo,


precognição, telepatia, clarividência, psicocinese.
2. Nível Sutil Superior: intuição religiosa, visões simbólicas, percepções de luzes e sons
divinos, presença de entidades superiores e formas arquetípicas.
3. Nível Causal: suprema consciência divina, formas arquetípicas.
4. Nível Causal Superior: transcendência de todas as formas. Vácuo, unidade. Os
opostos são UM.
A cartografia de Wilber apesar de apresentar uma unidade básica que se mantém
inalterada, como pode ser visto no Espectro da Consciência, vem sofrendo acréscimos e
detalhamentos, de forma que a riqueza teórica e subsídios para prática apresentados por ele
continuarão a influenciar a construção da Psicologia Transpessoal.

2.5. Psicometria

A psicometria com o uso de testes, questionários, inventários de toda ordem, já tem um


precedente no domínio da consciência cósmica; os trabalhos de Rhine e Soal têm sido pioneiros
neste domínio, mas se restringem aos poderes parapsicológicos, conforme indica Weil (1978b).
A resolução de questões nesta área, a partir do uso da estatística e métodos em
psicometria, contribuiriam para melhor determinação das variáveis implicadas no estudo da
consciência transpessoal.
“Quais as variáveis que levam à experiência cósmica?
Qual, por exemplo, a influência da idade, do sexo, da prática da meditação, do
uso de incenso, de mantras, de restrições alimentares, de exercícios
respiratórios, de restrições de atividade sexual, da fé, do nível cultural, do
conhecimento prévio da existência da CC?
Quais as correlações entre a consciência cósmica de um lado e as variáveis da
personalidade e do comportamento de outro lado?
Existem tipos de pessoas mais propensas ao emergir da consciência cósmica?
(pp. 9 e 10)

O trabalho de Weil (1978a) acerca da “medida da consciência cósmica” é um bom


exemplo do uso da psicometria no estudo da Psicologia Transpessoal.
Shapiro e Walsh (1984) e Wilber, Engler e Brown (1986) partindo de estudos sobre a
percepção analisaram respostas dadas por praticantes budistas de meditação (desde iniciantes
até mestres iluminados) com o teste de Rorschach. As análises indicaram que os meditantes
iniciantes apresentaram padrões de respostas normais, enquanto sujeitos com maior capacidade
de concentração viram apenas padrões de luz e sombra nos cartões de Rorschach e não as
imagens normais de pessoas e animais. Isto pode indicar que eles não tinham a tendência de
interpretar desenhos como imagens organizadas, reforçando a idéia de que a concentração afina
a mente reduzindo o número de associações.
A análise das respostas dos mestres com bom nível de desenvolvimento (os que haviam
alcançado o primeiro estágio da iluminação) apontaram que vivem conflitos normais em relação
a questões como sexualidade, agressividade e dependência, semelhantes aos experimentados
pelos não praticantes, com a diferença que os mais desenvolvidos os integram melhor,
apresentando-se menos reativos e defensivos. Tudo indica que eles têm um bom nível de
compreensão de suas neuroses e não se deixam afetar por elas. Estes mestres também eram
capazes de ver as imagens como criações de suas próprias mentes, e tinham consciência das
etapas do processo pelas quais a consciência organizou estas imagens.
Mestres altamente realizados (terceiro estágio de iluminação) viram não só as imagens
como também a mancha de tinta em si como projeções de suas mentes, bem como suas
respostas indicam ausência de conflitos pulsionais, parecendo estar livres de conflitos
psicológicos. Um dos achados inpressionantes nesses mestres é que transformavam
sistematicamente suas respostas aos dez cartões em uma resposta integrada, discorrendo sobre
um único tema, que versava sobre a natureza do sofrimento humano e como aliviá-lo.

2.6. Psicofisiologia

A análise instrumental das interações da atividade fisiológica e psicológica ou


comportamental tem-se revelado ultimamente rica em ensinamentos no que se refere à
consciência (Weil, 1978b). A psicofisiologia remete ao estudo de muitas questões, algumas
delas merecem até maior interesse e dedicação por parte de estudiosos, como por exemplo:
“Estudo fisiológico da experiência meditativa. Qual a influência da meditação e
das diferentes espécies e variedades de meditação, sobre o ritmo cardíaco,
respiratório, circulatório, metabolismo, eletromiográfico, eletrocutâneo e eletro-
encefalográfico?
Neste último caso, quais as relações entre os ritmos Alfa, Beta, Delta e Teta e
diferentes estados de consciência cósmica? Quais os que são específicos desta
experiência? (pp. 10 e 11)

As pesquisas de Harbans Lal Arora (1994) oferecem excelentes reflexões acerca das
questões acima levantadas, destacando-se os efeitos da meditação sobre controle e regulagem
dos processos psicofisiológicos, tais como:

1. diminuição dos ritmos da respiração e do pulso;


2. redução da pressão sangüínea;
3. redução da produção de ácido láctico (relacionado com ansiedade, neuroses
etc.);
4. aumento da atividade do sistema nervoso parassimpático (equilíbrio,
tranqüilidade);
5. aumento de atividade cerebral alfa (estado de calma, tranqüilidade,
criatividade, intuição)”.(p. 74)

Vaughan e Wash (1995) e Goleman (1996, 1999b, 2003) destacam que a facilidade das
comunicações entre o Oriente e Ocidente propiciou a realização de inúmeras pesquisas
psicofisiológicas, que colocaram em destaque modificações somáticas, mais particularmente
bioelétricas, de grandes místicos em estado de êxtase.

2.7. Farmacopsicologia

O estudo da influência de certos produtos químicos ou de certas drogas sobre o


comportamento e os estados de consciência foi primordial no surgimento e desenvolvimento da
Psicologia Transpessoal, e é apontado por Weil (1978b) “como o ramo mais promissor no que
se refere à Psicologia Transpessoal.” (p.11). No entanto a ampliação dos estudos é necessária,
sendo as questões abaixo metas de pesquisa.

“Fazer estudo comparativo dos estados de consciência produzidos pelas


diferentes drogas existentes, por exemplo, entre marijuana, LSD e álcool.
Determinar o grau e espécie de periculosidade de cada produto, visando analisar
o fundamento das proibições legais existentes.
Estudo comparativo dos estados de consciência produzidos por drogas e os
obtidos por outros meios; saber se se trata de fenômenos idênticos ou diferentes.
Mais especialmente, comparar as descrições de experiências psicodélicas com
experiências místicas.” (op. cit., pp. 11 e 12)

Os estudos mais famosos nesta área são encontrados em Grof (1988), que descreve o
início de suas pesquisas em Psicologia Transpessoal com uso de LSD, nos anos 60, na
Checoslováquia e, posteriomente, nos Estados Unidos. Outro trabalho significativo é a pesquisa
de Matos (1989) acerca da meditação como alternativa para o uso de drogas, no qual explicita o
efeito de várias drogas psicodélicas, em diversas culturas, citamos como exemplo o peyote e o
ayuasca.
No que diz respeito ao uso de alteradores da consciência, na área da saúde mental, Weil
(1990a) relata:

“Em psiquiatria, o uso de drogas psicodélicas, mais particularmente o ácido


Lisérgico LSD, colocou em relevo a existência de uma entrada em outra dimensão e
de um alargamento do campo da consciência, provocando a chamada experiência
cósmica ou ASC (Altered State of Cousciousness).”(p.8)
Em palestras e artigos mais recentes Grof tem valorizado o uso da respiração e terapias
experenciais como uma alternativa ao uso dos indutores como LSD, haja vista as proibições
legais e os efeitos colaterais apresentados por esta substância, como também pelo alcance
induzido pela hiperventilação (respiração visceral) como processo interno de alteração
dispensando o uso de elementos externos.

2.8. Psicopatologia

Considerada até recentemente como uma alteração psicopatológica, a consciência


transpessoal se beneficiaria de estudos que delimitassem a frágil fronteira entre o “normal” e o
“patológico”, ao mesmo tempo em que seus resultados ofereceriam métodos de intervenção
adequados para estas situações. Portanto, é fundamental a resolução das seguintes questões :

“Quais as diferenças e semelhanças entre alucinação e experiência cósmica?


Como estabelecer um diagnóstico diferencial?
Quais as diferenças entre regressão patológica e regressão para consciência
cósmica, caso seja aceita a tese regressiva levantada pela psicanálise?
Quais os riscos de descompensação no caminho da experiência cósmica e por
que estes riscos?
Certas alucinações são reais?
Existiram pessoas internadas erroneamente por confusão entre experiência
cósmica e alucinação?( Weil, 1978b, pp. 12 e 13)

Em importante trabalho, Grof e Grof (1994, pp. 246 e 247) apresentam alguns critérios
que ajudam na elaboração de um diagnóstico diferencial entre “emergência espiritual”30 ou
fenômenos de consciência transpessoal e os transtornos psiquiátricos. Estes critérios31
diferenciais nos pareceram úteis na prática clínica diária, bem como expressam o fruto das
pesquisas em Psicologia Transpessoal no campo da psicopatologia.

30
O próprio termo emergência sugere necessidade imediata e ao mesmo tempo uma elevação; o que indica a
intenção de contato transcendente como atendimento ao chamado vazio existencial expresso em crises de
transformação.
31
Esses critérios na verdade resumem-se ao uso de estratégias que congregam várias abordagens no trato da
liberação plena das emoções, encarando todo o processo no seu aspecto psciopatológico e na dimensão
espiritual simultaneamente, como pilares integrados do processo terapêutico.
2.9. Psicossociologia

Questões acerca dos fatores sócio-culturais, assim como os diferentes aspectos das
relações interpessoais entre pessoas e os seus grupos, são aspectos importantes no estudo da
consciência cósmica. Weil (op. cit.) destaca algumas delas:

“Por que certas visões diferem nos místicos de diferentes culturas?


E correlativamente, por que há certas visões arquetípicas idênticas em todas as
culturas?
Qual a influência dos estereótipos e preconceitos na percepção da realidade na
experiência quotidiana e na experiência cósmica?
Qual a influência da sugestão nas relações entre mestres e gurus de um lado e
discípulos de outro lado? (p. 16)

Estudos em psicologia comunitária, uma das áreas da psicologia social, poderiam


fornecer elementos acerca da influência dos fenômenos transpessoais sobre a dinâmica
comunitária, levantando as estratégias através das quais são manejados pela comunidade, bem
como se detectando os modificadores de consciência utilizados no meio popular.
Estudando a atividade do psiquismo decorrente do modo de vida do lugar/comunidade,
bem como o sistema de relações e representações, identidade, níveis de consciência, de
indentificação e pertinência dos indivíduos ao lugar/comunidade e aos grupos comunitários
(Góis, 1993), a psicologia comunitária apresenta-se como campo promissor de pesquisas,
principalmente no que diz respeito à aplicação da Psicologia Transpessoal na melhoria das
condições de saúde da população.
Projetos nesta área estão em andamento por parte de um dos autores, Aurino Lima
Ferreira, na comunidade do Coque, em Recife, PE.

2.10. Hipnologia

A reabilitação recente da hipnose com os estudos acerca de seus efeitos terapêuticos


contribuíram para o desaparecimento quase total dos preconceitos difundidos nos meios
científicos, e permitiram a esta prática trazer uma importante contribuição à Psicologia
Transpessoal, conforme assinala Weil (op. cit.)

“É a experiência cósmica uma hetero ou auto-hipnose? Quais as relações entre


estados hipnóticos e a consciência cósmica?
É a consciência cósmica um estado de transe profundo? Caso positivo, como
conseguir este estado permanecendo em estado de consciência de vigília ou pelo
menos se lembrando disto?
Se a consciência cósmica for um estado regressivo pré-uterino, como usar os
métodos hipnóticos de regressão, para chegar a estes limites da cosmogênese e da
fonte única da energia? (pp. 16 e 17)

O uso de estados hipnóticos para o tratamento de transtornos psicológicos e investigação


da mente tem ganhado destaque nas últimas décadas, sendo pioneiros os trabalhos dos
psicólogos Fiore (1978), Wambach (1991) e dos médicos Moody Jr. e Perry (1995), Weis
(1996). Também não podemos deixar de citar a colaboração magistral de Milton Erickson como
sistematizador da hipnose natural usada para atendimentos terapêuticos.
O referencial teórico-prático ericksoniano é bastante compatível com o modelo
transpessoal de atendimento, sendo o terapeuta transpessoal bastante beneficiado com as
sistematizações desta abordagem. A definição de hipnose como um estado ampliado de
consciência põe estas abordagens como irmãs gêmeas no lidar com o psiquismo humano.
Gilligan (2001), um dos maiores expoentes da hipnoterapia ericksoniana, cita Ken
Wilber para respaldar as suas idéias, bem como traça um vínculo entre a hipnose e os métodos
orientais de expansão da consciência. Este autor cria um campo de contato entre a hipnose e
psicoterapia transpessoal, sendo seu livro “Coragem de Amar” eminentemente transpessoal.
Atualmente, no Brasil, o uso da hipnose está regulamentado pela resolução Nº. 013/2000
do Conselho Federal de Psicologia.

2.11. Tanatologia

Os fenômenos psicológicos que cercam a morte têm-se revelado um campo promissor de


investigações, não estando mais relegados a interpretações meramente religiosas. A comparação
de protocolos de sujeitos que vivenciaram uma experiência de consciência cósmica e
experiências de quase morte apresenta muitas semelhanças, portanto realçamos a importância
de seu aprofundamento com o objetivo de determinar os pontos coincidentes e as divergências
de tais fenômenos.

“Quais as semelhanças e quais as diferenças entre as descrições de experiências


interiores de pessoas que estiveram em estado de morte aparente, ou que foram
reanimadas depois de mortas, e as descrições de consciência cósmica?
Quais os efeitos da consciência cósmica sobre atitudes diante da morte? Qual a
influência da cultura, idade, formação místico-religiosa, sobre o aparecimento de
experiências interiores de pessoas em estado de morte aparente?
Estudo da correlação entre os fenômenos parapsicológicos e as experiências
interiores que precedem à morte. Investigação dos fenômenos interiores que
precedem à morte.” (Weil, 1991, pp.18 e 19)

Na área de tanatologia pode-se destacar os trabalhos de Kübler-Ross (2000), Matos


(1972, 1987, 1992, 1995 a,b,c), Weil (1990b, 1995).
Kübler-Ross traz uma importante contribuição para o entendimento dos processos da
morte e do morrer, introduzindo as fases pelas quais passa um doente terminal e os familiares
envolvidos. Constata primeiramente a negação, seguida da raiva; depois uma fase de barganha
(quando se tenta negociar com o staff hospitalar e/ou forças superiores para modificar o
desenrolar da doença), seguida de depressão e posterior aceitação.
Matos salienta o tabu da morte em várias culturas, com a finalidade de manutenção da
vida, como um mecanismo de defesa do ego. Anthony, Maurer e Nagy (apud. Matos, 1992d)
concluem que nas culturas em que se lida com a morte de forma mais natural, a vivência do
processo do morrer dentro da família e comunidade favorece às crianças um amadurecimento
psicológico mais rápido, propiciando a saúde mental.
Partindo das tradições tibetanas, a Psicologia Transpessoal tem desenvolvido uma série
de recursos técnicos para lidar com este tabu, trazendo a questão da transitoriedade. Isso
favorece a quebra das defesas neuróticas diante do medo da morte psicológica (que é o medo da
perda: de status, de papéis, de ganhos etc.), o queo propicia uma aceitação do momento e um
melhor aproveitamento da vida.
É preciso que o terapeuta transpessoal possibilite ao cliente a oportunidade de
discriminar o medo da morte física (aniquilação do corpo) do medo da morte psicológica
(processo de transformação da consciência, desidentificação e desapegos). A Psicologia
Transpessoal oferece um background eficaz nesta área para um trabalho de crescimento
psicoespiritual.
Destaca-se a contribuição eficiente deste suporte na compreensão da tentativa de suicídio
visto na Psicologia Transpessoal como desejo de transformação, ou seja, morte-e-renascimento
psicológico. A consumação do suicídio parece evidenciar que a pessoa sucumbiu a esse desejo
sem ter entendido a via de apoio de que efetivamente necessitava.
Matos (1992d) refere ainda que a Síndrome da Psicose Senil é uma conseqüência do
medo da morte, destacando pesquisas de Eissler, Christ e Gillespie.
O medo exacerbado da morte psicológica quando não devidamente transformado,
incrementará as defesas egóicas, gerando sintomas psicossomáticos. Caso essas defesas sejam
insuficientes, pode esse medo incorrer em tentativas suicidas ou até mesmo em graves sintomas
psicopatológicos. (Matos, apud. Menezes, 2001, 2004a).
Em Weil (1995) temos destacado um conjunto de hipóteses e metodologia de estudo de
fenômenos conhecidos como “vida após a vida”. Nele o autor destaca as três teses básicas com
relação à morte: a morte definitiva, a da sobrevivência parcial e a da sobrevida total. O autor
fundamenta cada uma dessas hipóteses com trabalhos científicos que visam confirmá-las.

2.12. Onirologia

No tratamento dado à dimensão onírica no âmbito da Psicologia Transpessoal, também


há certas questões que estão sendo estudadas e outras tantas que ainda merecem investigação.

“Qual a semelhança e a diferença entre um sonho e uma visão real em estado de


sono?
Pode o nível de sonho ser controlado pelo homem como fase para alcançar a
consciência cósmica?
Qual a semelhança e quais as diferenças dos símbolos oníricos e dos símbolos
em consciência cósmica?”(Weil, op.cit., p.19)

Os sonhos sempre exerceram fascínio nos seres humanos por causa do interesse do
homem pelos mistérios do seu mundo interior. Na tentativa de desvendar esses “mistérios” do
sonho e do sonhar, vários métodos e teorias foram desenvolvidos tanto no Oriente, quanto no
Ocidente.
Na Antiguidade, ainda na Grécia, os sonhos eram usados para diagnóstico e processo de
cura das doenças.
Asclépio (filho do deus Apolo com a mortal Corônis) executava o ritual de incubação de
sonhos através de um sonho especial. Esse ritual compreeendia uma experiência de morte e
renascimento onde o paciente era introduzido nos mistérios e obtinha a cura.
Para Aristóteles o sonho se origina dos movimentos sutis do corpo e da alma que resulta
da atividade dos órgãos dos sentidos durante a vigília. Afirmava que um médico experiente
poderia recorrer aos sonhos para prever as doenças ou sua cura. Enquanto Hipócrates, pai da
medicina científica, considerava que no estado de vígilia a alma está atada às funções corporais,
enquanto no sonho está livre, com todas as funções fisiológicas e psicológicas à sua disposição
e que o sonho pode apontar para as causas das doenças, através das imagens. Já no séc. IV, os
Sutras da Yoga de Patanjali recomendavam “o testemunho do processo onírico ou do sono sem
sonhos” (Walsh e Vaughan (1997, p. 80).
Segundo Freud, o sonho é para preservar o sono, representando a “satisfação” dos
desejos supostamente pertubadores em potencial, e ainda como uma expressão dos processos
primários para relaxamento das tensões. Entretanto, se para Freud o sonho preserva o sono, para
Lerner (1967 apud Matos, 1992) “em vez de sonharmos para poder dormir, pelo menos em
parte, dormimos para poder sonhar”. Através de observações, verificou-se que os efeitos
psicológicos da supressão dos sonhos causam altos níveis de tensão, ansiedade e irritabilidade
com falta de concentração, aumento do apetite com conseqüente aumento de peso, falta de
coordenação motora, distúrbio na percepção do tempo e da memória, intromissão dos processos
primários de pensamento no estado de mente alerta, sensaçào de vazio e despersonalização e
tendêcias alucinatórias.
O sonho é uma expressão do nosso inconsciente. É de grande importância examiná-lo
psicologicamente e tratá-lo de maneira intercultural, histórica e transpessoal. Cada cultura
desenvolve diferentes formas de lidar com os sonhos. Os nativos Senoi da Malásia utilizavam
os sonhos num contexto terapêutico e de integração social. A cada manhã, ficavam num círculo
e narravam os sonhos a toda comunidade buscando uma conclusão para eles e estudando sua
mensagem. Foi constatado que naquela tribo não ocorriam crimes brutais e nem doenças
mentais.
Os índios das Américas Central e do Sul e os chamados pele vermelha da América do
Norte costumavam abordar os sonhos não apenas com propósito terapêutico, mas ainda como
profecias, relacionando passado, presente e futuro.
A psicologia budista tibetana possui métodos especiais, não apenas de análise dos
sonhos, mas, sobretudo, para permitir a integração do material do inconsciente ao nível
consciente constituindo um modelo eficaz para o crescimento pessoal e espiritual. Para isso
utilizam exercícios preparatórios, tais como: técnicas de relaxamento físico, respiração, etc.,
com o intuito de se obter sonhos lúcidos.
Para os budistas tibetanos, não há nenhuma característica da experiência de vigília que a
distinga claramente da do sonho. Essas práticas da Yoga Onírica, prática de meditação yogue
enquanto ainda sonham, existem no Tibete há mais de 1.200 anos e objetivam manter a lucidez
da mente num estado de consciência contínuo: “o despertar”. Essa prática exige a compreensão
da natureza do estado onírico e é realizada em vários estágios:
1. Tornando-se um sonhador constante, segue o estágio seguinte que compreende a
transmutação do conteúdo onírico. Por exemplo, se o sonho for sobre fogo, pense:
“Quem terá medo do fogo que está num sonho?” Com este pensamento, pise sobre o
fogo. Da mesma forma, coloque debaixo dos seus pés o que sonhar. O próximo
estágio consiste em familiarizar-se com os seus sonhos, identificar o que eles têm de
onírico e reconhecer que são sonhos, enquanto estão acontecendo. A pretensão de
reconhecer que você está sonhando é suficiente para aumentar a frequência dos
sonhos lúcidos. Ordenar a si mesmo para que tenha um sonho lúcido é uma forma de
induzi-lo.
Um pré-requisito importante é a pessoa realmente pretender ter um sonho lúcido. Há
certos procedimentos indutores:
a) Quando acordar espontaneamente de um sonho durante a madrugada, relembre o
sonho várias vezes até tê-lo memorizado;
b) Em seguida, ainda deitado e antes de voltar a dormir, diga a si mesmo: da próxima
vez que estiver sonhando quero me lembrar de reconhecer que estou sonhando.
Stephen LaBerge (apud Walsh e Vaughan (1997, p.85) apresenta um “método infalível para
desenvolver a capacidade de lembrar dos sonhos”: trata-se de criar o hábito de perguntar sempre
ao acordar: “com que eu estava sonhando?”. Sugere ainda, manter-se um diário de sonhos à
cabeceira da cama para registrar, a cada vez que acordar, qualquer lembrança, mesmo mínima,
que tenha do sonho. Outra técnica que ele apresenta é: durante o momento da transição do
estado de vigília para o sono, deve-se repetir: “um”, estou sonhando; “dois”, estou sonhando...
etc, continuar, e mantendo um certo nível de vigilância até que a pessoa percebera que está
realmente sonhando. Ele afirma que é mais eficaz fazer esta prática pela madrugada
principalmente ao despertar de um sonho e não no início de seu ciclo de sono.
Na visão do Tantra, que mapeia a mente em várias camadas, o sonho é considerado
como:
“ um delírio interno. As imagens oníricas são janelas que se abrem na nossa mente
subconsciente que recebeu as influências das várias impressões sensoriais durante o
dia. Experiêncas essas inacabadas que se acumularam e são revividas durante o
sono” (Ácaria, 2000).
Entretanto, diz os ensinamentos do Tantra que quem pratica meditação profunda não tem
necessidade de sonhar, pois a própria meditação tem a função de catarse dos sonhos. No sistema
tântrico distingue-se dois tipos de sonhos:
a) o sonho comum: consequência de impressões desconexas registradas durante
o dia pela mente subcosnciente;
b) o sonho intituitivo: ocorre apenas quando as ondas vibratórias da camada
supramental atingem a mente subconsciente durante o sonho. Isto só acontece
quando a mente está fixada num assunto específico criando assim uma força
psíquica necessária para atingir o nível da superconsciência.
A Psicologia Transpessoal, que estuda cientificamente estados de consciência, aborda a
questão dos sonhos como uma das suas principais áreas de interesse. Considera o sonho na sua
concepção de sonho noturno, assim como num sentido mais amplo incluindo o sonho acordado,
a imaginação e várias fantasias, que são projeções do inconsciente experienciadas tanto por
pessoas normais como por aquelas com distúrbios mentais. Analisa seus aspectos psicológicos
de maneira intercultural, histórica e transpessoal (Matos, mímeo).
No seu enfoque psicoterapêutico, Léo Matos, baseado na gestalterapia, considera dois
tipos de sonhos:
a) sonhos acabados: aqueles que têm começo, meio e fim; geram satisfação e
plenitude.
b) sonhos inacabados: são incompletos; geram desconforto, mal-estar, deixam
uma lacuna aberta de insatisfação.
Para Matos, “o sonho não é somente uma mensagem do inconsciente. Quando você
sonha, está tentando fazer psicoterapia consigo mesmo, usando a linguagem onírica para tentar
fechar uma gestalt psicológica não concluída no estado de consciência desperta”. Várias
técnicas podem ser usadas para facilitar a pessoa a abrir as portas do inconsciente e permitir que
um maior conteúdo onírico possa emergir à consciência e ser integrado à experiência do
cotidiano proporcionando equilíbrio psicológico. Assim a Psicoterapia Transpessoal integra ao
contexto ocidental técnicas desenvolvidas por outras culturas estendendo os horizontes
psicoterapêuticos psicodinâmicos às memórias do pré-natal, perinatal e transpessoal.
Léo Matos (1992) desenvolveu dentro do contexto transpessoal, inspirado na técnica do
“Sonho Acordado” de Robert Desoille, uma técnica específica denominada “Catarse do sonho
acordado” ou “Sonho catártico diurno”, usando-a sobretudo com os sonhos inacabados no
intuito de favorecer ao cliente completar aquela situação inacabada que lhe causou desconforto
e insatisfação (Ver capítulo V). Além da oportunidade que o cliente tem de concluir o sonho
inacabado, memórias perinatias ou transpessoais, em forma de COEX, poderão ser tratadas no
sentido de lhe trazer equilíbrio e a reintegração do seu bem-estar psicológico.
Para Arnold Mindel32, a questão a ser revelada não está exatamente no sonho em si, mas
na forma como reconhecemos a experiência no momento mesmo em que a reconhecemos, ou
seja, o terapeuta não lida com o sonho propriamente, mas interessa-se pelo processo onírico que
acontece com o cliente que se materializa no corpo e na situação de presença que ele apresenta
no momento em que aborda os temas dos sonhos como a experiência que se efetivou no sonho.
Desse modo o sonho é visto com um paradigma processual, e não como um conceito. Esse
paradigma processual acolhe referentes das terapias corporais ocidentais, das psicologias
analíticas e das práticas orientais, de forma tal que, ao estudar a expressão consciente
(corporalmente consciente) os dados oníricos estabelecem uma conexão entre o conteúdo e o
“sentir corporal”, para a partir daí (talvez seja este o diferencial) compreender a forma como no
estado de vigília pode fazer escolhas de prática que promovam maior bem estar interior,
equilíbrio, em especial àquelas ligadas especificamente aos estados meditativos.

32
Arnald Mindel, psiquiatra que desenvolveu um trabalho terapêutico enfocando o universo onírico, apoiado
pela atitude teleológica de Jung, reunindo referentes da Gestalt, da meditação budista (com orientação do
renomado mestre indiano Muktananda), e da atitude fenomenológica da física moderna, estabelecendo uma
conexão entre os sonhos e sua correspondência na expressão corporal
CAPÍTULO III

AS PSICOTERAPIAS TRANSPESSOAIS

Somos o que pensamos.


Tudo o que somos vem dos nossos pensamentos.
Com os nossos pensamentos fazemos o mundo.
- O Buda

As psicoterapias transpessoais compartilham entre si a visão de que o ser humano


apresenta uma amplitude para além da personalidade, de forma que sua atuação envolve
dimensões que transcendem o nível psicodinâmico ou biográfico, que geralmente é considerado
pelas psicoterapias tradicionais como fonte originária dos conflitos e única dimensão possível
de ser abordada psicoterapeuticamente.
A inclusão do humano como uma teia complexa de relações, onde as categorias bio-
psico-sócio-culturais ganham o acréscimo da análise e compreensão da categoria espiritual,
estende as possibilidades de intervenção, favorecendo uma nova perspectiva para a dinâmica
psíquica e para a compreensão de uma ampla gama de fenômenos até então rotulados de
psicopatológicos ou marginalizados pelos estudos psicológicos.
A seguir, situaremos alguns dos postulados centrais da Psicoterapia Transpessoal, de
forma a termos norteadores básicos que nos guiem na compreensão dos fenômenos vivenciados
no contexto terapêutico.

3.1. Os Pressupostos Básicos da Psicoterapia Transpessoal

Tudo que alguém concede a outros concede a si próprio.


Se essa verdade for entendida, quem não concederá a outros?
- Ramana Maharshi

Partindo do trabalho de Bryan Wittine, apud Vaughan e Walsh (1997), e das reflexões de
Cortright (1997), situaremos neste momento alguns dos postulados centrais sobre os quais se
ergue o trabalho da Psicoterapia Transpessoal.
Sabemos que as crenças, a forma como o terapeuta observa e entende o mundo e as suas
noções acerca de qual é o seu papel, a função da psicoterapia e as teorias que sustentam a sua
organização, de forma consciente ou inconsciente determinam e influenciam fortemente a
natureza do processo que conduz. Isto levou-nos a definir aqui alguns dos principais
pressupostos que regem a atitude do terapeuta nesta abordagem.
Wittine apresenta a terapia transpessoal como:

..."uma abordagem de cura/crescimento que visa estabelecer uma ponte entre a tradição
psicológica ocidental, inclusive as perspectivas psicanalíticas e psicológico-existenciais,
e a filosofia perene universal. O que diferencia a terapia transpessoal de outras
orientações não é nem a técnica nem os problemas apresentados pelos pacientes, mas a
perspectiva espiritual do terapeuta" (op. cit. p. 160)

Aqui compreendemos a “perspectiva espiritual” do terapeuta como espaço onde ele se


insere considerando a natureza espiritual ou transcendente do ser-no-mundo como uma
categoria a ser vivenciada quando trabalha com os seus clientes. De modo que é importante o
processo de integração das dimensões transpessoais com a dimensão pessoal do ser.
Isso também significa a junção das tecnologias desenvolvidas pelas psicoterapias
ocidentais com as tradições da filosofia e da psicologia perenes, conforme pontua Wilber (1996,
2001).
Wittine fundamenta seus argumentos com cinco postulados centrais, a saber:
1. A necessidade de cura/crescimento em todos os níveis do espectro da identidade -
egóico, existencial e transpessoal;
2. A crescente percepção do Eu, ou centro profundo do Ser, por parte do terapeuta e sua
perspectiva espiritual da vida como essenciais ao processo terapêutico;
3. O processo de despertar de uma identidade inferior para uma identidade superior;
4. A natureza regeneradora e restauradora da intuição e da percepção interior;
5. O potencial transformador da relação terapêutica, não só para o paciente como
também para o terapeuta.
Acrecentamos mais três postulados aos destacados por este autor, por considerá-los
importantes para teoria e prática da Psicoterapia Transpessoal.
6. A compreensão do contexto, do conteúdo e do processo é fundamental na condução
da psicoterapia transpessoal.
7. A natureza humana essencial é espiritual.
8. A consciência é multinivelada.
A seguir, analisaremos cada um desses postulados procurando, na medida do possível,
exemplificar como eles se manifestam no contexto da psicoterapia transpessoal.

Postulado 1: A Psicoterapia Transpessoal é uma abordagem de transformação que


se dirige a todos os níveis do espectro da identidade - Egóico, Existencial e
Transpessoal

Partindo de um modelo de cartografia da consciência, como por exemplo as cartografias


de Wilber (1996, 2001), Grof (2000) e Woolger (1994), podemos destacar, de modo geral, três
grandes níveis no espectro da consciência: egóico, existencial e transpessoal ou, numa
linguagem wilberiana, pré-pessoal, pessoal e transpessoal. De forma que quando se realiza uma
psicoterapia transpessoal, estes níveis sejam considerados interdependentemente, mesmo
quando focados separadamente a partir de uma necessidade específica de trabalho.
Dentro da perspectiva transpessoal, o terapeuta considera que as problemáticas vividas
pelo paciente podem se encontrar em qualquer um desses três níveis, de forma que as respostas
de cunho essencialmente existencial, como: “quem sou eu?” “de onde venho?” “para onde
vou?”, tão centrais no campo da psicologia e também da filosofia, dependem do nível de
consciência ou da posição fenomenológica onde o indivíduo está no espectro da consciência.
Observando o trabalho de Ken Wilber percebemos que cada um desses níveis está
caracterizado por problemas específicos, cabendo ao terapeuta transpessoal favorecer o
indivíduo na passagem dos níveis egóicos para os níveis transpessoais. Contudo, assim como
outras psicoterapias ocidentais, a Psicoterapia Transpessoal, conforme pontua Wittine, visa
também "facilitar a formação e o desenvolvimento de uma identidade egóica estável e coerente
quando tal é necessário ao paciente" (op. cit., p. 161), isso possiblita o processo de
desenvolvimento de um Eu Existencial estável, capaz de suportar o grande processo de morte e
renascimento exigido para entrada nos níveis transpessoais.
Apontamos que o caráter “estável” da identidade egóica, citado acima, é cabível apenas
no contexto de equilíbrio, fortalecimento, e não no sentido de imutabilidade, haja vista que o
desdobramento das estruturas transpessoais permitirá a inclusão e a transcendência dessa
identidade.
Concordamos com Wittine quando ele pontua que não há uma hierarquia rígida de
localização dos indivíduos dentro do espectro da consciência, podendo ele apresentar vários
interesses que estejam ligados a características próprias de cada um desses níveis de
consciência. Contudo, conforme aponta Wilber (1999a), as estruturas de base oferecem
possibilidades e limites de manifestação do Self.
Em uma teoria de modelo hierárquico desenvolvimentista humano essa categorização
crescente não é rígida, podendo o indivíduo circular fenomenologicamente em todas elas. A
clínica tem demonstrado isso repetidamente, como por exemplo:

Um cliente chega ao consultório trazendo uma queixa de que todas as pessoas na rua
estão olhando para ele, acusando-o de homossexualismo. A análise do seu discurso
indica um alto nível de projeção no aspecto exterior, colocando-o no nível egóico do
espectro da consciência. Sendo realizado um trabalho de integração de sua sombra e
persona, tal paciente passou a reconhecer os elementos projetados no exterior como
fazendo parte de si mesmo. Enquanto vivia a cisão entre sombra e persona, este paciente
também apresentava conflitos próprios da dinâmica existencial, como por exemplo a
marcante luta entre os opostos: vida versus morte, amor versus ódio. A nível
transpessoal emergiram elementos característicos da dinâmica morte-renascimento do
ego (Arquivos do autor).
A análise do exemplo acima indica a necessidade do terapeuta transpessoal perceber que
há uma interconexão dos diversos níveis do espectro, mesmo que reconheça os trabalhos nos
níveis transpessoais como aqueles que oferecem maiores possibilidades de realização de
mudanças profundas no paciente. Isso porque o processo expande a noção de identidade para
além das fronteiras do ego, possibilitando um funcionamento psíquico mais amplo e saudável.

Postulado 2: A psicoterapia transpessoal reconhece que a percepção do terapeuta


sobre o Eu em desenvolvimento, bem como a visão espiritual de mundo desse Eu, são
essenciais ao processo de formulação da natureza e ao resultado da terapia.

A ampliação da visão por parte do terapeuta de que o paciente é um ser em


desenvolvimento, cujo processo central de transformação seria possiblitar-lhe uma ampliação
de sua consciência além do ego para níveis transpessoais, é fundamental para o sucesso da
terapia.
O trabalho terapêutico quando se centraliza no processo de transformação do Eu, ou dos
pequenos eus, com vistas à ampliação do nível egóico, facilita ao paciente o processo de
crescimento e transformação. Esta atuação do terapeuta pode facilitar ao paciente a ampliação
de seu senso de identidade, de forma que se perceba além de suas defesas e limitações.
A percepção do cliente como um continum, ou seja, como um Eu em processo de
desenvolvimento e transformação e não como algo fixo e intacto, conforme postulam as teorias
de personalidade, facilita ao terapeuta propor intervenções alteradoras da dinâmica psíquica do
cliente, possibilitando uma maior qualificação da sua vida.
A inclusão da dimensão espiritual, ou uma reflexão acerca dos aspectos transcendentes
do paciente, facilita-lhe a vivência da impermanência na dinâmica de sua vida. E essa noção de
impermanência favorece o rompimento com as fixações próprias da organização defensiva do
ego, de forma que o cliente pode tentar ampliar a sua dinâmica de crescimento, livrando-se das
identificações que construiram sua auto-imagem.
Este postulado pode ser observado no exemplo clínico a seguir:

Cliente procurou terapia com quadro depressivo e idéias suícidas, uma investigação
inicial apontou que estes sintomas surgiram após a mesma ser acusada de desviar
dinheiro no seu emprego. Funcionária exemplar, com mais de 15 anos no banco, teve
sua auto-imagem abalada pelas acusações de um gerente recém lotado na sua agência.
As acusações realizadas por ele fragilizaram suas defesas egóicas que estavam
apoiadas numa auto-imagem de "boa funcionária", tendo a mesma perdido este
referencial de identidade egóico. Ela se considerava agora um nada, cuja única saída
seria a morte. Afirmava ainda que só não tinha concretizado o suicídio por velhas
crenças religiosas. Percebendo o Eu como um continuum em desenvolvimento o
terapeuta facilitou o processo de morte psicológica da auto-imagem antiga e o
renascimento de uma nova identidade. O uso dos exercícios facilitadores da
impermanência, inspirados nas tradições tibetanas, expandiu a percepção da cliente
para seus metavalores, restaurando e ampliando suas crenças espirituais, possibilitando
sua reorganização em um novo trabalho, que era um sonho antigo que fora sufocado
pela pressão de "ser perfeita" quando da entrada no banco. (arquivo dos autores)
Muitas terapias e diagnósticos tradicionais tendem a perceber o cliente como um
“outro”, mas a Psicologia Transpessoal (em acordo com os humanistas) vê o cliente, assim
como o terapeuta, como um ser em crescimento e companheiro de busca.

Postulado 3: A psicoterapia transpessoal é o processo de despertar de uma identidade


inferior para uma identidade superior

De início, é importante esclarecer que os termos inferior e superior não apresentam


caráter valorativo, expressando apenas a complexidade do nível da consciência a que se refere.
Uma discussão mais detalhada acerca deste tópico pode ser encontrada em Wilber (2002).
A metáfora ou o mito ascencional de transformação da consciência de uma identidade
inferior para uma identidade superior é utilizada dentro do contexto transpessoal, de forma que
a passagem de níveis egóicos de funcionamento para níveis transpessoais de consciência são
buscados dentro da Psicoterapia Transpessoal sem, no entanto, haver uma perspectiva de
hierarquização rígida como vimos no postulado 1. Dentro da perspectiva de desenvolvimento
transpessoal as categorias inferiores estão incluídas nas superiores, como também as superiores
têm suas representações nas inferiores, com níveis diferenciados e com manifestações próprias.
Essa noção de pertencimento complementar se expressa de forma ascendente e integradora.
O processo de despertar uma identidade superior visaria facilitar ao indivíduo
reconectar-se com o nível de consciência superior que pudesse gerenciar os níveis inferiores de
consciência, ou seja, o indivíduo passaria gradualmente a ser direcionado pelo Self ou núcleo
superior da sua consciência. Essa regência não se confunde com controle, antes possibilita a
identidade inferior reconhecer-se em seu aspecto consciencial mais elevado, o Self.
Neste processo, segundo Wittine, o terapeuta não precisa empregar necessariamente
determinadas práticas a fim de ajudar o paciente a viver experiências transpessoais, pois a
função do terapeuta seria:
"Ajudar os pacientes - compassiva, embora persistentemente - a identificar e a libertar-
se das definições restritivas do eu e dos padrões de vida que impedem o aumento da
conscientização do eu e o surgimento de uma identidade superior."(op. cit., p.164)
Apesar da importância das técnicas, acreditamos que a relação cliente-terapeuta e o
próprio profissional, com uma abertura no trabalho pessoal e espiritual, são fundamentais para
os resultados terapêuticos. O fundamental é o nível de consciência do terapeuta e sua
capacidade de manter-se aberto para as inúmeras mudanças presentes na relação terapêutica
estabelecida.
A falta de reflexões mais aprofundadas pode conduzir alguns terapeutas a suporem que o
“transpessoal” significa abandono, exclusão ou “morte” da estrutura egóica (pessoal), contudo
tal processo não ocorre, temos sim, uma integração das características formadoras do ego numa
estrutura transpessoal, mais ampla. O ponto central é que a administração da consciência não
estará mais a cargo do administrador limitado que é o ego. Um Eu transpessoal mais amplo
passará a administrar os recursos adquiridos ao longo do desenvolvimento, permitindo à pessoa
ingressar em um nível pós-pessoal, sem repressões ou atitudes auto-sub-julgadoras.

Postulado 4: A psicoterapia transpessoal facilita o processo do despertar através do


enriquecimento da conscientização interior e da intuição

Baseando-se nos princípios da filosofia e psicologia perene, que aparecem em todas as


culturas e épocas com características muito semelhantes, a Psicoterapia Transpessoal coloca o
processo de crescimento a níveis mais saudáveis e profundos como decorrentes de uma
expansão contínua da consciência. Neste sentido, busca alargar as potencialidades do ser
dirigindo sua atenção para “o interior e para o eu, tornando-nos mais atentos a nossos reinos
interiores” (Wittine apud Vaughan e Walsh, 1997, p. 165), de forma a possibilitar uma visão
mais ampla da vida.
A mudança de foco de atenção para níveis internos é considerada por si mesma curativa,
abrindo espaço para o uso da intuição, bem como de outros recursos além dos cognitivos na
resolução de problemas. As fixações nos pólos opostos, corpo ou mente, são substituídas por
uma visão de campo experencial formado pela superação da ilusão de separação destes dois
pólos.

Campo Experencial
Corpo Mente

Uma relação terapêutica autêntica propicia o surgimento do campo experencial entre


terapeuta e cliente, fenômeno semelhante à relação inter-humana proposta por Martin Buber.
Para a Psicologia Transpessoal este tipo de relação é o fator primordial no processo de cura,
pois permite um contato profundo do Ser-no-mundo.
Citando Perls, para quem “a conscientização per si – em si e por si – pode ser curativa”,
Wittine destaca a importância da conscientização interior no processo de cura.
A retomada do subjetivo em sua mais profunda acepção é um grande desafio da
psicologia transpessoal, haja vista que as psicologias, na tentativa de tornarem-se científicas,
abandonaram categorias como “interior” e “intuição”, por não terem correlatos físicos diretos.
Sem dúvida, os avanços nas áreas da neurologia e psiquiatria biológica têm muito a contribuir
para o avanço da psicologia transpessoal e da psicologia como um todo. Contudo, reduzir todo
fenômeno humano a mera descarga neural é bastante limitado. Wilber (2002) denuncia este
processo redutivo como uma tentativa de transformar todo Eu e Nós em Istos ou todo interior
em exterior.
Em psicoterapia transpessoal propõe-se o “retorno do exílio”, ou seja, a volta para o
contato com o corpo, mente, emoções, alma e espírito, como uma unidade. O terapeuta não é
estimulado a considerar apenas o aspecto emocional ou mental, mas também incluir o social, o
cultural e todas as manifestações que apontem para além do individual, que apontem a
transcendência.

Postulado 5: Na psicoterapia transpessoal, a relação terapêutica é um veículo para o


processo de despertar tanto no caso do cliente quanto no do psicoterapeuta

Para a psicoterapia transpessoal, é no vínculo terapêutico, na condição de campo de


contato existencial, que estão as sementes para o processo de transformação interior. É neste
espaço vital e algo virtual que se estabelece um profundo contato entre os seres que ocupam o
lugar de cliente e terapeuta, é aí que emerge o potencial de cura direcionado ao cliente, mas que
reverbera também no próprio terapeuta.
Nas abordagens dualistas o cliente ocupa o lugar de quem será curado, enquanto o lugar
do curador pertence ao terapeuta. Contudo a Psicologia Transpessoal, partindo do mito grego de
QUÍRON, assume que todo terapeuta é um curador ferido. E enquanto realiza seu ofício suas
feridas estão sendo repassadas e convocadas a também encontrarem um lugar de cura. O
contato existencial com o paciente possibilita o desdobramento das marcas cármicas ou
“compulsões a repetição” presentes no inconsciente do terapeuta, sem que este perca o fio
condutor do processo.
Dentro desta perspectiva, todo encontro terapêutico só é efetivamente potencializador de
cura quando são superadas as barreiras e as defesas da dualidade. O não reconhecimento do
processo mútuo de cura operado no contexto terapêutico poderá conduzir ao fracasso da terapia,
pois a sombra não integrada do terapeuta poderá ser projetada no cliente. Sendo assim, a
tomada de consciência de seu centro de poder, ponto imaginário de equilíbrio, permite ao
terapeuta focar em um campo que é a síntese da interação mente/corpo, habilitando-o dessa
forma a interagir de forma menos dualista.
É importante ressaltar que não estamos propondo ao terapeuta utilizar o espaço do
cliente para realizar sua própria terapia, e sim buscar um espaço onde suas feridas possam
encontrar acolhimento e transformação. Em suma, propomos ao terapeuta desidentificar-se do
lugar de curador, assumindo suas próprias feridas. Afinal, parodiando Jakc Kornifeld, até os
melhores curadores (psicoterapeutas) têm velhas feridas a curar.

Postulado 6: A compreensão do contexto, conteúdo e do processo são fundamentais na


condução da psicoterapia transpessoal

A psicoterapia transpessoal tem como meta a obtenção de níveis de saúde psicológica


mais ampliados, ou seja, que favoreçam a expansão da consciência para além das necessidades
básicas de sobrevivência (alimentação, abrigo e relacionamento), incluindo necessidades de
ordem superior, ligadas à auto-realização.
Segundo Vaughan e Walsh (1995), “em termos ideais, uma orientação psicoterapêutica
transpessoal sustenta uma integração balanceando os aspectos físicos, emocionais, mentais e
espirituais do bem-estar” (p.205). De forma que as noções de contexto, conteúdo e processo
podem facilitar a condução da terapia. Senão vejamos:

CONTEXTO
Quando um terapeuta comunica atitudes que facilitam a confiança, quando se sente
integrado com as experiêncais transpessoais, isto facilita ao paciente explorar sua própria
consciência. Porém, quando o terapeuta põe obstáculos às vivências transpessoais, não estando
disposto a lidar com a amplitude do espectro da consciência e com o caráter não usual dos
fenômenos, estabelece um contexto limitado, impossibilitando ao paciente a emersão do
material de nívies transpessoais ou perinatais.
A palavra contexto vem de duas raízes latinas: com, com ou junto, e textere, tecer (como
em tecido). Sob esta luz, o contexto não é um recipiente passivo para sua experiência, mas um
processo ativo. Quando você muda a maneira de tecer suas experiências, algum tipo de
transformação pode muito bem ocorrer. O contexto transpessoal pode ser definido pelo
conjunto de crenças, valores e intenções que regem a consciência do terapeuta. Em última
análise o contexto é a própria consciência do terapeuta, seus limites e abertura, bem como seus
obstáculos, pois sendo a consciência ao mesmo tempo objeto e instrumento de mudança, é ela
que possibilitará ou não a manifestação dos diversos níveis de consciência do paciente.
A criação de um contexto transpessoal só é possível a partir da ampliação da consciência
do terapeuta, da sua possibilidade em trabalhar com crenças abertas acerca do processo;
reconhecendo que todos os seus pensamentos, crenças e valores afetam diretamente o processo,
quer sejam conscientes ou inconscientes.
É perceptível que a abertura do terapeuta para temas como morte e espiritualidade, por
exemplo, facilita ao paciente trazer tais conteúdos para a terapia, enquanto o fechamento do
terapeuta inibe o trabalho com eles. Pacientes que têm suas vidas pautadas em princípios ético-
espirituais têm muitas vezes dificuldades em comunicar suas experiências, por temerem ser
rotulados. A situação fica mais difícil para os pacientes em início de processo terapêutico que,
por isso mesmo, não compreendem ainda o universo transcendente.
O processo de abertura deve reger o contexto transpessoal. A literatura indica que não
são as técnicas que definem uma psicoterapia como transpessoal, uma vez que a “disposição
para questionar as crenças e suposições acerca da nossa natureza essencial é fundamental para
expansão do nosso conhecimento”. (Vaughan e Walsh, 1995, p.208)

CONTEÚDO
A percepção da psicoterapia atuando em níveis multifacetados da consciência humana é
fundamental na compreensão do conteúdo, pois em terapia transpessoal, que aborda a
possibilidade de transcendência, podem emergir conteúdos dos diversos níveis e não apenas do
nível transpessoal.
Voughan e Walsh (1995) relatam com clareza que:
“no nível do ego, trata dos problemas relativos a lidar com a vida e a obter o que
se quer no mundo, enquanto no nível existencial preocupa-se, de modo quase
exclusivo, com questões de autenticidade, sentido e propósito” (p.208).
Podemos definir um conteúdo transpessoal pela manifestação de quaisquer experiências
que ampliem as limitações rígidas do ego e da personalidade, incluindo-se domínios míticos,
arquetípicos e simbólicos do inconsciente.

PROCESSO
O processo em psicoterapia transpessoal é determinado no contato existencial entre
terapeuta e cliente. Contudo, quanto mais amplo e flexível for o contexto oferecido pelo
terapeuta, mais amplas serão as possibilidades do cliente explorar sua consciência.
Embora a linearidade temporal não seja uma exigência para o encaminhamento do
processo terapêutico transpessoal, é possível, para fins didáticos, mapear este processo em três
estágios gerais, quais sejam:
1. Estágio da Identificação – opera no nível do ego, sendo o desenvolvimento
da força do ego, o aumento da auto-estima e o abandono de padrões
negativos de auto-anulação, os desafios centrais neste estágio. Aqui se busca
integrar sombra e persona, de forma a surgir um ego estável, capaz de
suportar os processos de desindentificação necessários ao crescimento
psicológico. O ponto central neste estágio é possibilitar a superação da
fragmentação pré-pessoal pela emergência de um eixo agregador mais
pessoal, mesmo que limitado pela convencionalidade dos papéis egóicos.
2. Estágio da Desindentificação – Com a emergência de um nível pessoal mais
estável, o ego antes desincorporado, passa a entrar em contato com o corpo,
visto anteriomente como fonte de dor, pois revela a transitoriedade. Neste
momento tem-se o início do despertar transpessoal a partir do trabalho no
nível existencial. Aqui o indivíduo enfrenta questões existenciais básicas,
como o sentido da vida. Também é dado início ao processo de
desidentificação dos papéis, atividades e relacionamentos, além de um
profundo processo de integração mente/corpo. As gratificações alcançadas no
primeiro estágio são então vistas como limitadas e limitantes. A resolução
deste estágio é vivenciada como um profundo processo de morte psicológica
do ego.
3. Estágio Transpessoal – neste estágio temos duas etapas: a) Estabelecimento
de um Eu Transpessoal que surge a partir da desidentificação do ego e do
processo de identificação com o observador não-participante dos nossos
próprios processos psicológicos. O Eu transpessoal precisa gradativamente ir
incorporando os elementos não integrados dos estágios anteriores de forma a
apoiar-se cada vez mais em um campo integrativo mente/corpo estável; b) A
autotranscendência emerge do reconhecimento do Eu Transpessoal como
contexto de toda experiência, podendo-se distinguir entre a consciência e os
objetos ou conteúdos da consciência. Neste ponto, todo melodrama pessoal
assume menos importância, não há a experiência de separatividade absoluta,
própria do ego, e sim um crescente sentimento de interdependência.

Postulado 7: A natureza essencial humana é espiritual

A Psicologia Transpessoal concorda que a natureza da identidade humana é


multifacetada, abrangendo um amplo espectro de categorias que vão do físico ao social,
contudo a visão da Psicologia Transpessoal coloca uma primazia na origem espiritual33, como
suporte e sustentação da estrutura psicológica do Self. A Mente, conforme aponta Wilber
(1996), é a realidade última da dimensão psíquica e apresenta-se de forma não-dual. Acessá-la
permitiria o rompimento com as estruturas limitantes do ego.
A saúde psicológica última estaria associada ao reconhecimento da natureza ilimitada
sempre presente em nós, bem como a sua expressão nas ações cotidianas.

Postulado 8: Estados ampliados de consciência são um caminho de acessar potenciais


curativos e de crescimento do Ser

A Psicoterapia Transpessoal foi pioneira na exploração e pesquisa de outros níveis e


estados de consciência; ampliando o campo de estudos da psicologia, que considerava estados
ampliados como patológicos (Ex: a União Mística foi vista como uma “esquizofrenia artificial”
ou como uma simples fantasia).
Pesquisas com psicodélicos provocaram uma mudança radical desta visão tradicional;
também o uso de técnicas como jornadas xamânicas, respiração focalizada, hipnose, meditação
e yoga apontaram novas facetas da consciência. Vivências espirituais de contato com uma
dimensão além do pessoal freqüentemente impulsionaram pessoas a uma expansão da sua
consciência para além da ordinária.
Scotton, Chinen e Battista (1996) destacam os efeitos curativos do uso dos estados
ampliados (não-usuais) de consciência no processo terapêutico. Citam que mais de mil e
quinhentas publicações têm demonstrado os valores psicológicos, fisiológicos e químicos destes
estados.

33
Espiritual está relacionado com a noção de Mente desenvolvida por Wilber (1996).
Em psicoterapia transpessoal também não descartamos as problemáticas que decorrem
do mau uso dos estados alterados, e de como eles podem se tornar um obstáculo ao crescimento,
principalmente quando temos fixações que estimulam uma “inflação do ego”, ou seja, o acesso
a níveis superiores de consciência é tomado pelo ego como uma defesa para as dificuldades do
viver, evitando o contato com a condição humana de fragilidade e impermanência.
A partir dos postulados citados, concluímos que para a condução do processo
psicoterapêutico transpessoal é importante:
a) atentar para necessidade de transformação nos níveis do espectro de identidade
(egóigo, existencial e transpessoal) assim como nos diversos níveis de
consciência, dentro das várias cartografias;
b) a percepção ampliada do terapeuta sobre o Eu em desenvolvimento e sua visão
espiritual desse Eu;
c) favorecer a ampliação da identidade egóica para níveis transcendentes, ou seja,
para níveis de complexidade além do ego;
d) estimular no cliente o processo de interiorização e o desenvolvimento da
intuição;
e) o estabelecimento de um bom rapport, com confiança e empatia, numa relação
frutífera terapeuta-cliente, onde ambos mantenham-se em aprendizado e
crescimento, decorrentes desta relação;
f) considerar na terapia a importância do contexto, conteúdo e processo, de forma
integrada a fim de facilitar o desenvolvimento do paciente;
g) atentar para a natureza humana, essencialmente espiritual, no sentido de
atendê-la em suas necessidades mais profundas, favorecendo sua total
realização;
h) atuar de forma a não desconsiderar outros nívies de consciência que possam
estar interligados no fenômeno, para não incorrer em reducionismo;
i) promover estados não-usuais de consciência e o acesso a experiências
transpessoais para favorecer cura e crescimento.

Por fim, concordamos com Vaughan e Walsh (1995) quando pontuam que o resultado
bem-sucedido da terapia transpessoal pode ser
“descrito como um senso ampliado de identidade, em que o eu é visto como o
contexto da experiência de vida, considerada, por sua vez, como conteúdo. Essa
mudança de identidade costuma ser associada com uma mudança de motivação – do
auto-aperfeiçoamento para o serviço -, implicando menos investimento na realização de
objetivos egóicos específicos e uma motivação predominante para participar do mundo
e servir nele”. (pp. 210 e 211).
Neste sentido, uma psicoterapia transpessoal eficaz é aquela que habilita a pessoa a
servir a vida, a participar ativamente nos processos de melhoria pessoal, social e cultural da
humanidade, permitindo-nos, assim, a maior de todas as descoberta: a coragem de amar que
se esconde em nossos corações.
3.2. Os Sistemas Psicoterapêuticos Transpessoais

3.2.1. Respiração Holotrópica - Stanislav Grof

A função do facilitador ou terapeuta... é, portanto, apoiar o


processo experIencial com plena confiança em sua natureza
curativa, sem tentar mudá-lo. (Grof, 1997a, p. 161)

Grof (1997a) destaca que o nome holotrópico “significa, literalmente, buscando a


totalidade ou movendo-se para o todo (do grego holos = todo e trepein = movendo-se em
direção a).” (p. 161). E pontua que esta terapia tem como pressuposto a idéia que a maioria dos
indivíduos, de nossa cultura, com níveis de desenvolvimento médio, subutilizam seus potenciais
devido ao aprisionamento rígido a uma identificação com o seu corpo físico e com o ego.
Dentro desta perspectiva os sintomas surgem como denunciadores dos limites auto-
impostos ao organismo, bem como tentativas de alcançar a realização de seu potencial. Sendo
assim, passam a ser vistos como uma tentativa de “cura espontânea do organismo”.
As técnicas de psicoterapia experiencial têm por objetivo principal “ativar o
inconsciente, desbloquear a energia presa nos sintomas emocionais e psicossomáticos e
converter o equilíbrio estático desta energia numa corrente de experiência” (idem, p.162),
favorecendo o desenvolvimento da consciência.
O uso destas técnicas requer um modelo interpretativo além do biográfico, haja vista
propiciar o aparecimento de uma imensa gama de fenômenos que rompem a barreira do pessoal,
incluindo os níveis perinatal e o transpessoal.

Princípios de Terapia Holotrópica

Segundo Grof um dos princípios centrais da terapia holotrópica está ligado ao


reconhecimento do caráter transformador dos estados ampliados de consciência, de forma que
busca, através de técnicas, promover estes estados, objetivando acessar os potenciais curativos
espontâneos do organismo.
Os sintomas neste processo, como já foi anteriormente explicitado, são utilizados como
potencializadores das mudanças, cabendo ao assistente da cura, o terapeuta, “apoiar o processo
experiencial com plena confiança em sua natureza curativa, sem tentar mudá-lo” (idem,
p.163).
A postura fenomenológica de acompanhar o processo terapêutico do paciente
sem expectativas e preconceitos é fundamental para o bom andamento do processo, haja vista
que experiências potencialmente transformadoras ocorrem muitas vezes destituídas de
conteúdos específicos. Grof aponta que isto ocorre, geralmente, nos momentos iniciais da
terapia, onde é comum a emergência de padrões de tensão física e emocional que, quando
liberados, promovem um profundo relaxamento. Só posteriormente passariam a surgir
seqüências vivenciais possíveis de serem associadas a conteúdos dos níveis psicodinâmicos,
perinatais e transpessoais.
Na terapia experiencial é comum ocorrerem transformações profundas e duradouras,
tanto em nível emocional como psicossomático, sem, contudo, apresentarem possibilidades de
interpretação causal, pois a vastidão do inconsciente desbravado pelo modelo transpessoal
indica que estamos ainda longe de termos mapeadas todas as regiões do psiquismo.
Mesmo reconhecendo que o uso de substâncias psicodélicas está entre os meios mais
poderosos e diretos de promover estados incomuns de consciência, Grof destaca os riscos de
seu uso, tanto por implicarem problemas legais, como por requerem uma ampla estrutura de
apoio para dar suporte aos efeitos colaterais produzidos por elas.
Grof (1997a) também reconhece que ao longo da história diversas culturas fizeram uso
de alteradores não químicos da consciência, como é o caso dos rituais xamânicos, cerimônias
indígenas de cura, danças em transe, uso de hipnose e práticas espirituais diversas, contudo
destaca que a expressão terapia holotrópica deve ser reservada “para nosso procedimento de
tratamento, que combina respiração controlada, música e outras formas de tecnologia sonora,
e trabalho corporal focalizado” (idem, pp. 164 e 165).
Na citação acima podemos descartar os três elementos básicos da terapia holotrópica: o
uso da respiração controlada (hiperventilação), música e trabalho corporal. Vamos analisá-los
brevemente, haja vista já terem sido exaustivamente apresentados por Grof em suas
publicações.

A) O uso da respiração controlada.

Grof tem aconselhado o uso da respiração como caminho de acesso ao inconsciente, em


especial em níveis perinatais e transpessoais. Atualmente, sua recomendação é que a respiração
deve ser feita de forma atenta, não sendo necessário um aumento drástico do ritmo respiratório.
Quando se lida com a respiração como caminho de cura, deve-se conhecer os efeitos
deste processo sobre a fisiologia do corpo. Dentre os mais destacados está a síndrome da
hiperventilação com seus famosos espasmos carpopedais, que deve ser adequadamente
manejada de forma a trazer benefícios para o crescimnto do paciente.
A respiração também afeta os processos psicofísicos favorecendo catarse ou ab-reação,
que consiste em tremores, contrações, movimentos corporais dramáticos, tosse, vômito, emissão
de sons vocálicos e outras manifestações, bem como favorece a emergência das tensões
profundas que encontram espaço de expressão através das contrações duradouras e espasmos
profundos. Em Grof (1997a) “ao manter esta tensão muscular contínua por longos períodos de
tempo, o organismo está consumindo uma enorme quantidade de energia contida e, ao
conseguir se livrar dessas tensões, estará simplificando seu funcionamento” (p.167).

B) Música

O uso de sons é uma das tecnologias mais antigas da humanidade para evocar estados
ampliados de consciência. Grof (1997a) cita inúmeros dados antropológicos em contribuição a
esta tese, ressaltando o uso sistemático da música em um programa ultramoderno utilizado no
Maryland Psychiatric Research Center para tratamento de seus pacientes.
Além de ajudar a acessar emoções reprimidas, a música pode facilitar a intensificação de
processos psicológicos já mobilizados, além de favorecer a flexibilização das defesas
psicológicas, o que permite a superação de obstáculos no acesso ao inconsciente.
Na terapia holotrópica a música é utilizada para evocar o máximo de emoções possíveis,
sendo o cliente aconselhado a entregar-se completamente ao ritmo dos sons, sem oferecer
nenhum tipo de resistência, abrindo-se para expressão de tremores, risos, choro ou qualquer
outra manifestação emocional, vocal ou motora.

C) Trabalho corporal

O trabalho corporal focalizado é usado geralmente para favorecer a complementação do


trabalho iniciado com a respiração e a música. A mobilização de uma grande carga emocional
durante a sessão pode, muitas vezes, deixar tensões residuais e emoções não resolvidas que
carecem de fluidez imediata e que foram difíceis de serem eliminadas ao longo do trabalho,
requerendo, portanto, uma atenção direta, de forma que elas possam ser completamente
expressas e então integradas.
No início das sessões o trabalho corporal é usado para favorecer a abertura de possíveis
tensões excessivas que possam estar presentes em alguma parte do corpo e que poderiam
impedir a continuação do processo, contudo seu uso é mais intenso no final das sessões com o
objetivo de integrar energias mobilizadas.

Um exemplo de procedimento da terapia holotrópica

Essa abordagem terapêutica tem pilares na possibilidade de mecanismos auto-


reguladores a que Grof chama de “auto-exploração”, no processo de cura através de insights
produzidos a partir de estados holotrópicos. Atualmente Grof a define como estratégia
holotrópica de psicoterapia, a qual congrega técnicas de várias abordagens de psicologia
profunda considerando também os estudos sobre as tradições antigas e aborígines que usavam
os estados alterados de consciência em procedimentos de cura, sobretudo valorizando o poder
restaurador de deferentes formas de respiração.
Grof propõe que a tarefa do facilitador ou terapeuta consista em se fazer presente
apoiando o processo experencial (continente de presença) com segurança e acreditando
inteiramente no potencial de cura inerente à pessoa do cliente que na exata medida da sua
necessidade (do cliente), fará emergir (como se exercesse a função de “radar interno”)
conteúdos inconscientes saturados de forte carga emocional e ao mesmo tempo prontos para
serem processados.
O diferencial parece concentrar-se na autonomia desse potencial de natureza curativa do
processo de auto-exploração que indica uma regência da “inteligência curativa” (inerente ao
ser) acessada pelo próprio cliente. Esse movimento interno daquele que experiencia a respiração
de orientação holotrópica é apoiado pelo terapeuta sem tentar modificá-lo ou direcioná-lo, até
porque o processo reverbera e, freqüentemente, a cura traumática e a transformação da
personalidade se consolidam, em resultados que escapam aos limites explicativos da
racionalidade e do imediatismo de uma sessão.
O trabalho com estratégia holotrópica de psicoterapia comporta além da revelação e
alinhamento das desordens emocionais e psicossomáticas, o toque curador nas instâncias
perinatais e transpessoais, operando assim nos níveis mais profundos da psique.
Um dado importante e essencial na indução do estado holotrópico diz respeito ao uso das
músicas evocativas que ao longo da sessão conduzem à suspensão da atividade intelectual do
cliente, ao tempo em que funcionam como um totalizador do processo de auto-exploração,
agindo como fundo acústico de relevância emocional gestáltica sustentando e focalizando a
introspecção.

A descrição do procedimento da terapia holotrópica será feita através de uma experiência


vivida com Stanislav Grof durante um workshop no Congresso de Psicologia Transpessoal.
O trabalho foi realizado em um dos maiores salões do congresso com uma
apresentação abrangente da cartografia ampliada da psique, objetivando reduzir as
resistências a partir de uma preparação cognitiva para o processo terapêutico. A seguir
foram dadas as orientações técnicas acerca do processo: fomos orientados a
permanecermos deitados de olhos fechados, com atenção focada na respiração e na
música durante todo processo. Fomos estimulados a confiar na sabedoria do
inconsciente evitando bloquear o desenrolar das experiências que pudessem ser
ativadas. Bem como a retirar qualquer objeto que pudesse atrapalhar o processo
(óculos, lentes de contato, pulseiras, relógios etc.).
Apesar da grande quantidade de terapeutas envolvidos no trabalho, todos os que
iam “respirar” estavam acomodados em colchonetes e contavam com um terapeuta
auxiliar, além da supervisão de Grof e de seus alunos graduados.

O trabalho foi iniciado com um relaxamento para favorecer a acomodação do corpo


no colchonete e liberar as tensões iniciais, após alguns minutos fomos convidados a
manter toda nossa atenção centrada no presente. Uma música intensa e vibrante
passou a dominar o ambiente, a música era extremamente vibrante e estava em uma
altura além do usual, de forma que nos sentíamos envolvidos por ela.
Fomos estimulados a permanecer acompanhando a música e o ritmo da
respiração. Depois de uma hora neste processo o corpo estava bastante eletrizado, e as
músicas variavam, contudo mantinham o mesmo ritmo eletrizante. Em muitos momentos
suspendíamos a respiração, sendo estimulados pelos terapeutas acompanhantes a
mantermos o ritmo, seguindo o fluxo da música.
A mente passava por alterações gritantes, inicialmente percebíamos pulsos de
contração e expansão em todo corpo, a sensação era de estarmos dentro de uma bolha
de sabão que sofria os efeitos da dilatação e que reagia contraindo-se. Os efeitos
carpopedais foram mínimos, contudo as sensações e percepções foram intensas. As
seqüências do nascimento foram ativadas, em especial o processo de contração e
expansão conduzia-nos a uma percepção de que estávamos em sintonia com o ritmo do
universo. A música chegava ao seu ápice e começou a diminuir o seu ritmo, entrando
músicas mais suaves. A sensação de expansão alcançou o seu ponto culminante e o
choro atrelado a um movimento espontâneo e suave da pelvis indicava um nascimento,
só que não era de um bebê e sim da terra. Os movimentos cessaram como uma dança
sensual, tipo as danças de acasalamento. Uma sensação de paz e bem estar tomou conta
do corpo/mente.
O terapeuta acompanhante interferiu muito pouco durante o processo, apenas
buscava manter a respiração no ritmo para garantir a continuidade da experiência.
Contudo, era extremamente confortador ter a sensação de proteção ao lado.
Gradativamente a música foi diminuindo e todos foram convidados a focarem o
aqui-e-agora. Grof explicou que era comum fazer-se mandalas ao término das
vivências, mas, como o tempo era escasso e precisávamos repetir a experiência com os
terapeutas acompanhantes, esta atividade não seria realizada. A seguir,
apresentaremos um seqüência de mandalas realizadas por pacientes que viveram
experiências com respiração holotrópica.

3.2.2. Terapia da Arte Transpessoal do Mandala - Léo Matos

Todo trabalho que se proponha a integrar O Ser Humano em


relação a si mesmo e ao mundo deve propiciar a realização do
indivíduo em direção a formas cada vez mais elevadas de
consciência.
- Eliane Bertolucci

O homem que está surgindo nesse novo tempo não se contentará com aquele
conhecimento intelectual que seja inoperante dentro do objetivo prático de mudança da sua
vida. Ele anseia por transformações que proporcionem um sentido novo e mais elevado para sua
existência.
Esse anelo está sinteticamente explícito no poema "Prece do Yoguim" de professor de
yoga e escritor José Hermógenes de Andrade Filho34 (1984), nestas estrofes:

"... Eis-me aqui todos os Avatares, Rishis, Siddhas, Gurus, Mahatmas, Hierarcas,
Santos conhecidos e desconhecidos....
Quero aprender o Amor que liberta.
Aqui estou, Senhor Supremo, para que me ajude a vencer a frustadora ignorância; a
afastar-me dos opostos obsedantes; a retirar a venda de meus olhos... Já não me
satisfaz o vulgar conhecer intelectual.
Quero agora vivenciar a verdade que liberta..." (p.44).

Obviamente a metáfora a "verdade que liberta" não virá por via intelectual. O
conhecimento apenas intelectual (destituído de uma ação vivencial) transita em níveis
superficiais e não é suficiente para operar transformações genuínas e consistentes, conforme
sinalizam os trabalhos de Goleman (1999a, 1999b).
É necessário incursionar na profundidade que só a própria vivência permite. É preciso ir
às entranhas do nosso ser, camada após camada, para experenciar a verdade que liberta.
O trabalho psicoterapêutico do Dr. Léo Matos tem coerência com as assertivas
supracitadas. Doutor em psicologia pela Universidade de Copenhagem, onde foi professor e
pesquisador, é professor convidado da escola de medicina do México, estudioso da cultura
oriental e xamânica, estudioso da Psicologia Budista Tibetana, Léo Matos é um dos pioneiros
na introdução da Psicologia Transpessoal no Brasil, onde ministra cursos de formação em
Psicologia e Psicoterapia Transpessoal (São Paulo, Minas Gerais, Piauí, Rio Grande do Norte e
Pernambuco).

34
José Hermógenes de Andrade é um famoso professor de yoga brasileiro, autor de vários livros, dentre eles:
“Yoga para nervosos”, “Yoga, caminho para Deus”, “Mergulho na Paz”, etc.
Ele tem realizado pesquisas sobre sonhos, morte, meditação, estados alterados de
consciência, Psicologia Transpessoal e arte do mandala, com trabalhos publicados em revistas
científicas da Suiça, Suécia, França, Dinamarca, México, Índia, Finlândia e Brasil.
Com uma ampla experiência em psicoterapia, sua atuação tem sido inspirada na gestalt,
no budismo tibetano como filosofia e fonte de técnicas eficazes para a transcendência da auto-
imagem e a transformação da consciência, sendo sua visão psicoterapêutica influenciada pela
cartografia de Grof. Percebemos também em sua postura terapêutica uma certa tendência
xamânica em posicionamentos que se assemelham às proposições do D. Juan,35 de Castaneda.
Vem adaptando e criando técnicas terapêuticas capazes de ajudar a pessoa a se desvencilhar da
rede de "maya" que a mantém estagnada na percepção dualista da realidade, e levá-la a ampliar
sua consciência para outras realidades além de si mesma e do mundo, propiciando assim o seu
crescimento pessoal e desenvolvimento espiritual36.
Uma das funções básicas de qualquer psicoterapia é proporcionar à pessoa um estado
psicológico de bem-estar consigo própria, com os outros indivíduos e com o universo.
Na nossa experiência esse estado de bem-estar só é efetivo quando ocorre uma
ampliação da consciência no sentido da mudança na forma de apreender a realidade. Há níveis
diversos de realidade. No nível de realidade eu versus tu, sujeito versus objeto - realidade
dualista cartesiana - o estado de bem-estar conquistado tem efêmera duração, pois,
efetivamente, não transforma a consciência. E, dependendo das circunstâncias externas, a
pessoa tende a repetir os mesmos comportamentos responsáveis pelas contendas que lhe causam
mal-estar.
As psicoterapias que agem apenas para acomodação e adaptação da personalidade
atingem somente um aspecto do ser humano, no qual – caso haja identificação – ele fica
aprisionado numa rede de sofrimentos repetitivos. Sendo a personalidade apenas uma faceta do
verdadeiro Eu, é como se conseguíssemos vislumbrar somente a pontinha do iceberg.
Essas psicoterapias visam os aspectos físicos, emocionais e mentais, mas negligenciam a
dimensão espiritual, ou seja, aquilo que realmente somos em essência.
Marginalizada essa dimensão da consciência humana, a conseqüência é ficarmos num
círculo vicioso de padrões repetitivos, conformados, ou inconformadamente adaptados e
resignados como meros animais no circuito estímulo-resposta.
Conforme pontua Vaughan (1997), a Psicoterapia Transpessoal não se concentra
exclusivamente na resolução de problemas “per se”, mas se estende às áreas mais profundas do
indivíduo visando a integração dos aspectos físicos, emocionais, mentais e espirituais do seu
bem-estar.

"Na terapia transpessoal, a consciência não só é o instrumento da mudança


como também é o seu objetivo. O trabalho destina-se tanto a mudança do
comportamento e do conteúdo da consciência quanto ao desenvolvimento da percepção
da própria consciência enquanto contexto da experiência". (ibid, p.156).

35
D. Juan foi um famoso xamã mexicano que guiou os passos do antropólogo Carlos Castaneda
36
Vide a técnica do sonho catártico diurno e a técnica de morte-e-renascimento do ego, no Cap. V, neste
livro.
É característica peculiar do trabalho psicoterapêutico de Léo Matos o enfoque da
desidentificação da auto-imagem, favorecendo o desapego da mesma através da conscientização
da transitoriedade da vida. Sem a conscientização dessa realidade e do compromisso de integrá-
la ao Todo Indivisível, as técnicas que levam a estados elevados de consciência poderão atuar
apenas para inflar o ego ao invés de realmente transformar o indivíduo. Sabemos que as drogas
psicoativas também têm a propriedade de alterar a consciência, mas nem sempre elevam a
consciência num sentido da transformação.
Como afirma Bertolucci (1991), "o ego se envolve em mecanismos de toda espécie, para
disfarçar, encobrir, modificar a roupagem das emoções... Nada disso diz respeito, contudo, a
verdadeira transformação" (p.74).
Uma Psicoterapia Transpessoal legítima não se restringe apenas a identificação,
expressão e catarse das emoções, mas inclui, sobretudo, a conscientização da necessidade de
transcender as amarras egóicas e estimular o cliente a desenvolver sentimentos e atitudes de
caráter transpessoal e sentido universal. Pois quanto mais identificada estiver a pessoa com suas
emoções, com sua auto-imagem, mais se torna difícil transcender verdadeiramente sua
identidade egóica. Precisamos, portanto, terapeutas e clientes, estar alertas para as armadilhas
desse ego esperto e sorrateiramente astuto, se quisermos realmente atingir os mais profundos
objetivos da psicoterapia transpessoal. Sendo assim, a importância maior no contexto vivencial
dentro do processo psicoterápico transpessoal é a desidentificação dos conteúdos emocionais
que são produtos pertinentes à auto-imagem, às representações psíquicas e aos ideais do ego.
Léo Matos (1998) coloca que há várias modalidades de atuação dentro da Psicologia
Transpessoal, explicitando essa variedade em quatro níveis:
1. A Psicologia Transpessoal Acadêmica
Essa prática corresponde apenas ao nível intelectual, pois é efetuada através de leituras,
debates e produções intelectuais, e é comumente praticada nas Universidades.
2. A Psicologia Transpessoal de Aconselhamento
Segundo Léo Matos, esta também é exercida num nível intelectual através do apoio
verbal à escuta dos problemas e dificuldades da pessoa, aconselhando-a e orientando-a a agir de
determinadas maneiras, a buscar informações em leituras ou formas de meditação, etc.
3. A Psicologia Transpessoal de Exercício
Este é o nível em que o terapeuta aplica uma variedade de exercícios para o cliente,
como por exemplo: uma jornada de fantasia, desenho do mandala, um tipo de respiração, uma
meditação, etc., no sentido de favorecê-lo a atingir um estado de consciência alterado em
direção ao transpessoal. Neste nível também se utiliza aconselhamento e trabalha-se focando o
aspecto intelectual de organização metodológica.
4. A Psicologia Transpessoal Existencial
Este nível inclui os três níveis anteriores, mas vai além em direção a um estágio mais
profundo onde é incluído também o corpo e a mente numa totalidade do ser em todas as suas
dimensões. É qualificado por Matos "Terapia do Colchão", isto porque o paciente deita-se num
colchão na frente do terapeuta que lhe sugere fechar os olhos, relaxar e entrar em contato com
aquela sensação ou sentimento que o aflige e que o conduzirá aos conteúdos inconscientes de
gestalts abertas em quaisquer das suas dimensões. Neste contexto é usada a técnica do "Sonho
Catártico Diurno", sendo uma das práticas mais utilizadas por Matos (1993).
Em nossa experiência como clientes e também como terapeutas podemos ratificar a
eficácia deste quarto nível que permite o desbloqueio do inconsciente, facilitando o acesso às
suas camadas mais profundas que pertencem aos níveis psicodinâmico, perinatal (vida intra-
uterina) e transpessoal (memórias de vidas passadas ou experiências ancestrais que extrapolam
considerações espaço-temporais). O processo final é a mudança de percepção do cliente que o
leva a abandonar comportamentos beligerantes, conflitos consigo mesmo e com os outros,
passando a adquirir atitudes cooperativas e compassivas, valores novos e elevados numa total
transformação da sua consciência.
Outro veículo usualmente adotado no seu estilo psicoterápico é o desenho do mandala,
como um recurso terapêutico e autoterapêutico. A partir dos seus estudos com Joan Kellog 37 e
do seu contato com várias culturas, especialmente a cultura tibetana, Matos desenvolveu
pesquisas e criou uma interpretação própria do desenho do mandala. Como ele mesmo define:
"o mandala é um recurso terapêutico e autoterapêutico que permite a pessoa, não apenas fechar
suas gestalts abertas - nos níveis psicodinâmicos, perninatais e transpessoais - como também
indicar com precisão o estado de consciência em que ela se encontra." (Matos, 1998)
Sendo assim, o mandala funciona como uma eficiente bússola indicando a rota do
inconsciente para que tarapeuta e cliente possam se orientar com maior probabilidade de
encontrar o melhor caminho para ambos rumo ao processo de cura.
Matos (mimeo) distingue quatro diferentes estágios no processo terapêutico: clarificação,
desdramatização, responsabilização e trabalho. Cada um desses estágios será exemplificado
com um fragmento de caso clínico.

A) Clarificação: neste estágio o problema do cliente será exposto e explicitado de forma


tal que se torne claro tanto para o próprio cliente como para o terapeuta.
Ex: Paciente chega à terapia com queixas diversas: problemas de relacionamento,
ansiedade intensa, compulsão ao álcool, sexo irresponsável, dificuldade de concentração,
limitações nas suas produções profissionais, dores de cabeça freqüentes, náuseas e
vômitos. No entanto, todo o discurso do paciente gira em torno da dificuldade em
concluir sua dissertação de mestrado. Este ponto revelou-se nevrálgico, já que grande
parte da sintomatologia estava associada a tal situação, sendo escolhido, portanto, como
foco inicial do trabalho explicitado a seguir.

B) Desdramatização: nesse estágio o terapeuta ajuda o cliente a desdramatizar os


problemas, ou seja, desmistificar o drama, tornando-o um melodrama. Essa atitude
do terapeuta contribui para que o cliente comece a desarmar suas defesas, facilitando
a etapa seguinte.
Ex: Quando começava a falar sobre os motivos que o impediam de concluir sua tese,
o paciente mostrava grande medo do fracasso, de ser ridicularizado, de não conseguir
fazer uma boa produção. Tais pensamentos e sentimentos estavam contraditórios com as
pré-avaliações realizadas pelos orientadores que consideravam a tese muito boa. Isto foi
clarificado para o cliente. O terapeuta aqui procurou tirar o peso do drama com atitude
enfática e lúdica na tentativa de quebrar a identificação do cliente com a auto-imagem
negativa de mestrando fracassado, levando-o a admitir outras possibilidades existenciais.
37
Joan Kellog é psicóloga e terapeuta artística americana, que na década de setenta usando terapia artística
com pacientes nos Estados Unidos descobriu que eles produziam mandalas espontaneamente. Após anos de
pesquisas ela desenvolveu o teste do mandala que se revelou de importante valor no tratamento de pacientes
psiquiátricos. Para maiores detalhes ver Cap. V, item 5.11. neste livro)
C) Responsabilização: nesse estágio o terapeuta age junto ao cliente no sentido de
auxiliá-lo a assumir responsabilidades pelo que lhe está acontecendo, ou seja,
responsabilizar-se pelos seus problemas atuais. Quando a pessoa não assume
responsabilidade por aquilo que está acontecendo, ela continua direta ou
indiretamente acusando os outros pelos seus conflitos e mal-estares. Assim, ela
prossegue com suas queixas, esperando que os outros e a situação mudem sem que
ela própria promova essa transformação esperada.
Ex: O terapeuta pode usar frases do tipo: O que você quer fazer a partir de agora?
Como você pretende agir para melhorar isso?

D) Trabalho Experiencial: aqui se focaliza o trabalho experiencial para resolver os


problemas ou o problema. Nesse estágio tem lugar o processo de resolução de
problemas através dos recursos técnicos utilizados no approach transpessoal,
principalmente o do trabalho experiencial profundo no colchão.
Ex: Técnica de Sonho Catártico Diurno, onde o paciente, partindo do imaginário
pode acessar uma cena deflagradora de sua impossibilidade de concluir o seu trabalho. A
imagem do ponto de partida ressaltava que, todas as vezes que o cliente tentava escrever,
começavam as náuseas e os vômitos, obrigando-o a parar. Esta cena o levou a memórias
traumáticas da infância, da vida intra-uterina e de vidas passadas, culminando num
processo de morte-e-renascimento psicológico do ego. A terapia, conduzida por Eliége
Brandão, no seu transcorrer, promoveu a cura dos sintomas que o bloqueavam e,
finalmente, a conclusão de sua dissertação com brilhantismo, libertando-o também da
autopiedade que o impulsionava a compulsão ao álcool e ao sexo irresponsável.

A seguir apresentaremos um pequeno texto elaborado por este paciente para ser
incluído neste livro.

“Tenho 40 anos, sou professor e Rupert é o "heterônimo" que escolho para


apresentar-me.
O motivo primordial, aquele que emerge em primeiro lugar, ao menos na ordem de
valores passados, foi a impossibilidade registrada por mim na conclusão de um
trabalho; trabalho este, ao qual tinha dedicado quase três anos de preparação.
Em síntese, a dificuldade de colocar no papel minhas idéias, de
concentrar-me e ordenar meus pensamentos: medo de escrever foi
fundamento da minha procura por uma terapia que me auxiliasse a
transformar essa paralisia que me atacava e me proporcionasse uma ponte
entre o exterior e minha interioridade.
Para um professor universitário em artes, o término de uma dissertação ou tese é
rito de passagem. Mais que um exercício de aprendizagem e procura de igualitária
respeitabilidade entre seus pares, o evento sinaliza outros significados, aponta
outras informações e conteúdos, onde angústias e ansiedades, paralisias e medo de
prosseguir são índices de outro tipo de conhecimento: revelação.
De fato, o encontro com a transpessoal aconteceu de maneira "casual".
Desconhecendo a Transpessoal e sua história, fui atraído a ela, pelo relato de uma
mãe de uma das minhas alunas da universidade; de repente no depoimento sobre a
atuação dessa terapia sobre sua pessoa estabeleceu-se em mim um interesse em
procurar experimentar essa abordagem. Confesso que eu compreendi, em certo
sentido o que pressenti neste relato "causal" foi a profunda diferença entre a
transpessoal e outras terapias; dessas terapias anteriores eu tinha saído "forte",
encouraçado, capaz de ler o caminho feito, sem no entanto abdicar de mim, de
entender-me como participante de uma totalidade. Saia delas, incapaz de perdoar-
me verdadeiramente. Não humanizava minha culpa, não estabelecia possibilidades
às possíveis máscaras e personagens que formavam minha vida interior. Penso hoje
que por trás de tudo existe o terrível medo do sofrimento e da dor e do perder. Creio
que eu procurava entender o rito de dissolução que se apresentava nesses estados.
Nossa cultura nos ensina que a felicidade e o bem-estar é correr para bem longe
dessas experiências, pois é assim que agora as enuncio. Sei hoje, que estar
pacificado é de fato achegar-se a essas experiências e não negá-las. Medo, dor,
perdas são produtos nossos, mas antes de sê-lo são ilusões que devem ser aceitas e
acarinhadas com toda nossa compaixão; somos nós negando a existência do
nebuloso e escuro da vida.
A revelação que vem através dessa aceitação: é que se sofre sim, sofremos todos,
mas, o sofrimento é diferente, sendo possível educarmo-nos no sentido de
integrarmos a dor e o sofrer como o outro lado do bem, uma outra maneira de
tocarmos a verdade. À medida que nos deixamos e aceitamos ISSO, já é um bom
começo, nele a solidão é companhia, pois que é intransferível este compreender. O
corpo se move com mais conforto e confiabilidade habilitado que foi pelas viagens e
vivências regressivas.
Há receios, sim... temores, vergonhas, desejos... aquilo que pertence a esfera do
humano, ao ciclo de nossa cultura. Porém o que é permanente é a certeza da
passagem, do não permanecer. Saber disso é estar pronto para reconhecer-se que
não se está.
Rupert, nome que desvelei de uma das minhas vidas passadas. Naquela vida
morri de uma maneira dolorosa e inconsciente, posto que não conseguia comunicar
meus sentimentos a outrem.
Creio ser este o sentido atual da minha vida, Comunicar e Amar: comunicar o
Amor". (arquivos dos autores)

3.2.3. Terapia Regressiva Integral - Roger Woolger

O importante para um terapeuta não é a verdade literal de


uma história, e sim, sua verdade psicológica.
- Woolger, 1988, p. 70

Como todo psicoterapeuta que abraça a abordagem transpesssoal, Woolger trabalha com
estados incomuns de consciência, atingindo diversos níveis da psique, semelhantes aos
didaticamente apresentados por Grof em sua cartografia, porém ampliados num mapeamento
próprio. Esta expansão se deve a influência de sua formação junguiana anterior e aos seus
conhecimentos em religião comparada, principalmente do Vedanta e do Budismo Tibetano.
Objetiva também, claramente, a transformação da consciência, através da dissolução do
conflito e sua desidentificação, e o contato com o Centro Unificador (Self). Entretanto, sua
peculiaridade básica é que confere enfoque regressivo com ênfase no nível transpessoal, isto é,
focaliza os fenômenos do inconsciente que vão além da identidade desta realidade ordinária
(nome, papéis que desempenha na vida, idade, sexo, situação social, etc.) transcendendo tempo-
espaço-identidade egóica.
Como está explicitado no seu livro, além do plano de vidas passadas, seu trabalho se dá
nos planos: biográfico, existencial, perinatal (vivências relativas ao nascimento desta ou de
outras vidas), somático e arquetípico/espiritual. Roger Woolger inclui o conceito “espiritual”
junto com “arquetípico porque arquétipo perdeu seu sentido original na psicologia hoje,
segundo ele, sofrendo uma degeneração ou corrupção no sentido somente de “imagem
essencial” ou “mítica”.
Os fenômenos transpessoais largamente pesquisados38 incluem registros psíquicos como
as representações psicológicas de vidas pretéritas do cliente ou da história da humanidade, das
raças, da gênese do universo, ou mesmo da própria consciência criadora, "registro akáshico"
para as tradições orientais, mais popularmente conhecido como o Inconsciente Coletivo de
Jung, com toda gama de material arquetípico herdado. Sobre tais registros Woolger (1988)
recomenda o Livro Tibetano dos Mortos, o qual lhe serve de base para sua teoria e técnica,
concordando com o Lama Anagarika Govinda39 que estados de concentração podem levar à
memória subconsciente, depositária daquelas representações descritas acima. O criador do
modelo de psicoterapia exposto aqui ressalta, em seu livro e na sua prática profissional, a
meditação como meio eficaz para fornecer a este acesso.
Ele abraça a Psicologia Transpessoal como um dos princípios descobertos por Jung, por
esta lhe permitir maior liberdade, por abranger a sabedoria das tradições místicas antigas e as
sínteses das psicologias ocidentais.
A Terapia Regressiva Integral é como ele denomina sua abordagem, este nome também
indica a sua proposta de visão do todo no processo, ou seja, do homem como Ser integral,
atentando para o aspecto multinivelado da psique, que segundo Grof (1988), possui um padrão
holográfico.
O interesse de Woolger em seu trabalho não está em provar uma teoria reencarnacionista
ou propagar uma doutrina que a encerre. Ele salienta que informa a seus clientes que a crença
deles na reencarnação é indiferente para a eficácia de sua abordagem psicoterapêutica, que
enfoca vidas passadas. Entretanto, faz-se mister que acreditem no poder da mente inconsciente
em favor da cura (Woolger, op.cit., p. 61).
A busca para utilizar este potencial interior é vista na história de inúmeros profissionais e
abordagens.

38
Ver bibliografia indicada ao final deste livro.
39
O Lama Anagrika Govinda, estudioso alemão convertido ao budismo, fez o "Prefácio Introdutório"do
Livro Tibetano dos Mortos, em sua tradução para o Ocidente por W.Y. Evans-Wentz (1960). Este livro
também foi prefaciado por Jung, dado a sua importância para a sua psicologia.
Para a Psicologia Transpessoal foi marcante a criação por Jung do método da
imaginação ativa40 que proporciona uma interação com o inconsciente e que influenciou
psicoterapeutas como Léo Matos e Roger Woolger, que o modificaram em sua prática. O
objetivo do método junguiano é permitir que a imagem venha à tona com sua própria energia
psíquica autônoma, exercitando um ego neutro/observador semelhante ao ego onírico. Este, em
vigília, é encorajado a enfrentar a situação onírica da forma mais direta possível, a não fugir e a
permitir que emoções desagradáveis sejam expressas como num diálogo.
O trabalho de Woolger possibilita esse enfrentar em nível de grande catarse, como
também estimula o indivíduo a ter, através da fantasia, a oportunidade de fechar situações
inacabadas, inclusive realizando sonhos, ideais, vitórias, saídas de situações de perigo etc,
resgatando seu poder interior. Nesse aspecto, assemelha-se ao trabalho de Matos, porém
distingue-se por enfatizar a vivência de eventos passados ou imaginários através da consciência
corporal e da regressão psicodramática. Matos enfatiza o seguir adiante a partir do conteúdo
emergente na vivência, trabalhando também com as fantasias sobre o futuro para contatar a
morte das identificações egóicas e o conseqüente renascimento psicológico.
Woolger raramente utiliza técnica hipnótica tradicional específica de regressão na terapia
de vidas passadas, por crer ser viável levar os clientes a um transe tradicional moderado apenas
atentando para palavras, frases ou imagens internas que parecem significativas, de forte carga
energética, segundo as queixas e a sintomatologia. Ele percebe como sendo uma questão de
"estilo pessoal" a forma de acessar o inconsciente. Lembra Moreno, pai do psicodrama, que
também enfatizava o transe para a cura sem nunca ter usado nada que lembrasse hipnose
tradicional (op. cit, p. 67).
Woolger procura a "história por trás da história", principalmente quando percebe que o
sofrimento é desproporcional ao fato que aparentemente o ocasiona. A isto cabe bem o que Jung
observou: "o sofrimento neurótico é um sofrimento inautêntico" (Woolger, op.cit., p.70), na
medida em que esconde a verdadeira dor através de manifestações expressos em “jogos” nos
quais a pessoa parece mantê-la (moldes neuróticos).
Assim sendo, o objetivo de contatar a história de vida passada é tornar a conectar o
sofrimento neurótico às suas raízes psíquicas, favorecendo o cliente na desidentificação das
situações atuais às quais, na realidade, o sofrimento neurótico não pertence. Promove-se, assim,
a liberação do sofrimento e conseqüente cura da memória traumática.
Tomamos como exemplo o caso de Elizabeth, citado em Woolger (op.cit.,p.68), que
vivenciava uma profunda ansiedade relacionada a três gatos que ela cuidava em casa. Sentia-se
impossibilitada de deixá-los por muito tempo e isso atrapalhava sua vida no que se referia a
viagens, férias, enfim, a ausentar-se. Na sua história já havia registro de algumas perdas
desastrosas de animais, e ela configurava uma certeza em sua mente estruturando-se em padrões
de pensamento: "Não posso deixá-los, porque algo vai lhes acontecer" e mais, "É tudo culpa
minha, não me dedico a eles o bastante".
Seu inconsciente, ao ser estimulado, deu ao terapeuta, o próprio Woolger, a história de
uma mulher que morava, talvez no norte da Escócia, com seu marido e dois filhos pequenos de
três e quatro anos. Não queria ter filhos por não gostar de cuidar deles. Depois de umas brigas

40
Há vários métodos muito semelhantes a “imaginação ativa”, por exemplo: a “técnica do sonho desperto”
popular na Europa nos anos 20. Ver Mary Watkins”(1976) em “Waking Dream”.
por causa disso, deixa o marido lá fora em meio a uma tempestade com as crianças, pensando
"Não vou deixá-los entrar. Ele que cuide deles, já que o faz tão bem".
A tempestade piorou, e houve um tempo de silêncio. Depois voltaram a bater.
Reconhece que é seu menininho, mas mesmo assim não quer dar o braço a torcer. "Vou mostrar
a eles". A mulher parece não se dar conta das possíveis conseqüências a que seus atos de birra
podem levar.
Pela manhã, a tempestade havia cessado e pensa que devem ter passado a noite na
pousada. Percebe que a porta não quer abrir, lembra que podem ser as crianças bloqueando-a. A
menininha está morta e o menino inconsciente morre poucas horas depois. O marido, ela não
encontra em parte alguma, só depois sabe que ele havia colocado as crianças num carrinho-de-
mão para ir à hospedaria, mas teve um colapso e acabou morrendo de um ataque cardíaco. As
crianças tinham voltado para casa para contar à mãe e ela não lhes abrira a porta.
"É tudo culpa minha!" gritava, aos soluços, na vivência. Na vergonha e no remorso, a
mulher não dissera nada aos vizinhos, responsabilizando o marido pela tragédia.
A culpa a corroeu pela sua vida inteira e morreu com o pensamento: "Não confio em
mim para cuidar de ninguém".
Esta história estava então por trás do medo de deixar os gatos. A catarse e a
compreensão a libertaram, e ela conseguiu logo em seguida gozar duas semanas de férias,
deixando a alimentação de seus gatos aos cuidados de um amigo. Enviou um cartão ao terapeuta
onde referia ter conseguido aproveitar sua viagem e não ter pensado nos gatos nem uma vez.
Assim, percebemos a ansiedade (se deixasse os gatos algo terrível poderia lhes acontecer
= sofrimento inautêntico), que desaparece por fim ao liberar sua culpa e padrão de pensamento
de ser incapaz de tomar conta de alguém (sofrimento autêntico, vindo da subpersonalidade da
história de onde se originou).
O sofrimento autêntico ressoa simbolicamente mascarado, disfarçado numa condição
inautêntica de sofrimento, levando-a a uma vida limitada, com seu prazer atrapalhado
(autopunição).
Quando Woolger lhe facilitou a tomada de consciência do verdadeiro sofrimento que
havia por trás, como também lhe proporcionou a expressão psicodramática e catártica do
mesmo - através da catarse dos bloqueios nos níveis físico (tensão, choro), emocional
(ansiedade, culpa, vergonha, remorso) e mental (padrões de pensamentos ligados à cobrança de
sua responsabilidade), desconectaram-se os elos sintomáticos que uniam a história original de
vida passada, com seu sofrimento autêntico, à vida atual. Assim, o bloqueio oriundo do trauma
da subpersonalidade do passado, expresso nos impedimentos a uma vida presente mais saudável
e livre, chegou ao término após a desidentificação do ego de Elizabeth e conseqüente
transformação das suas atitudes, padrões de pensamentos e sentimentos através da ampliação de
sua consciência com esta abordagem.
Woolger utiliza-se de um trabalho psicodramático a partir da imaginação espontânea
e/ou dirigida (sobre impressões, sensações, imagens, sentimentos). Pretende com isto levar as
circunstâncias emergentes à sua consumação, fechando as situações inacabadas com a
finalidade de favorecer ao paciente completa liberação e depuração (catarse, que vem do grego
catarsis e significa purificação) do trauma (bloqueio de energia).
Estes desbloqueio e purificação incidem nos três níveis de energia: nível físico
(relacionado ao corpo etérico), nível emocional (ao corpo emocional) e nível mental (ao corpo
mais sutil de todos), isto é, nos diversos corpos energéticos sutis que existem além do corpo
físico, seguindo as tradições orientais e a teosofia41.
a) O corpo etérico: atingido através dos resíduos físicos da experiência, somatizações,
memória corporal;
b) O corpo emocional: através dos resíduos das emoções bloqueadas, congeladas;
c) O corpo mental: através dos resíduos de crenças, padrões de pensamentos, decisões
resultantes das vivências passadas que continuam atuando na vida presente.
Woolger acredita que apenas quando se atinge a expressão completa desses padrões de
pensamentos, emoções e sensações, é que se faz possível descongelar realmente a respectiva
energia (“crise curativa"). Neste empenho, aconselha não se ater ao trabalho com boas vidas,
contudo priorizar as difíceis por estarem mais carregadas de potencial curativo. Através da dor,
seja ela psíquica ou física, o todo organísmico manifesta seu desequilíbrio.
Ele discorda que evocar figuras arquetípicas, espirituais curadoras ou protetoras, seja
suficiente para curar a dor psicológica. "Às vezes, a morte do velho ego é exatamente o que se
precisa para que o outro possa nascer" (Woolger, op.cit., p. 64), ressalta justificando a ênfase da
sua técnica em investigar a dor reprimida.
Os sintomas físicos crônicos, principalmente os resistentes aos tratamentos
convencionais, como dores nas costas, asma, ejaculação precoce, frigidez... - escondem
histórias anteriores mais antigas. Descreve em seu livro como dores nas costas podem evocar
memórias de punhaladas, espancamento, desabamentos, fraturas e pesos de cargas; assim como
na asma pode emergir memórias de asfixia por envenenamento, afogamento ou enforcamento;
como em problemas de ejaculação precoce podem haver registros de humilhação pública com
os genitais, vergonha e tortura sexual; assim como os casos de frigidez podem estar conectados
a memórias de estupro e abusos em vidas passadas.
Baseando-se em sua cartografia multinivelada da consciência (vide cap.1, item 1.3.3.3.
neste trabalho), através do modelo da Flor de Lótus, busca atingir o complexo oculto por trás
dos sintomas. Lembramos que Woolger ampliou o conceito junguiano para complexo de vida
passada, ou complexo kármico, ou samskara, que melhor explicitam as tendências à ação
baseadas em influências de padrões estabelecidos no passado. Woolger se baseia nos conceitos
do Yoga que vislumbram que essa transmissão de padrões poder ser dada de uma vida para
outra.
Ele considera muito fácil chegar aos vários planos de um complexo (quer seja o plano
biográfico, o existencial, o somático, o perinatal, o arquetípico ou o de vidas passadas) e atingir
o sentimento nuclear que o identifica quando se consegue ouvir a ressonância simbólica da
linguagem verbal ou corporal do cliente. Conforme foi dito, entende-se por ressonância
simbólica as associações no nível do simbolismo ou metáfora (que o inconsciente apresenta em
pensamentos, imagens, sentimentos e sensações), constituidoras de um complexo, mais
simplesmente explicitadas nos cursos de formação que ele ministra, como "gatilhos" ou pistas
que conduzem a eventos passados.
A partir do que já se tem disponível na superfície da consciência, Woolger estimula o
uso de metáforas que passo a passo descortinam uma história nova. Na sensação de dor no
peito, por exemplo, o terapeuta indaga: "É como se...?" Esta pergunta é um estímulo para que a

41
O modelo de Woolger do corpo sutil e seus vários níveis se deriva do trabalho da teosofista Alice Bailey
sobre os Sutra da Yoga de Patanjali.
energia bloqueada possa emergir. Ele pode responder: "É como se um instrumento pontiagudo
penetrasse em meu tórax"... O terapeuta também pode fazer sugestões de possibilidades que
serão confirmadas ou não pelo cliente:
T (Terapeuta): É como se fosse o quê, lhe prendendo os pulsos: uma corda, uma
corrente, algemas....?
C (Cliente): Não... são as mãos firmes de um homem... Ah! Ele está me arrastando... vai
me jogar no abismo! Oh, não! Não consigo me desvencilhar! Ele é muito forte! Ele vai me
jogar!
Assim, vão surgindo as imagens, sensações, sentimentos, pensamentos, que vão trazendo
a história encoberta nos sintomas, não apenas para revivê-la, mas para permitir-lhe expressão
numa intensidade suportável, e por fim conduzi-la a um fechamento em termos de configuração
intrapsíquica (princípio da terapia Gestalt).
Woolger salienta tipos básicos de complexos oriundos de vidas passadas que
impulsionam o indivíduo a desenvolver sintomas e atrair eventos, os quais seguem os princípios
junguianos da sincronicidade. Aqui, basicamente simplificados para efeito didático, estão eles,
entre outros:
complexo de culpa (atos insanos, tiranos, brutais, crimes, etc.);
complexo de baixa auto-estima (erro ou fracasso);
complexo de vergonha (humilhações e rejeição social);
complexo de medo da violência (morte trágica ou violenta);
complexo de raiva e ódio;
complexo de abandono, perda ou separação dolorosa;
complexo de desespero silencioso e depressão (geralmente vidas de submissão, onde já
se perdeu a esperança de mudança);
complexo de sexo (compulsão ou rejeição)
complexo de medo do poder (poder tirano e submissão excessiva);
complexo de traição (foi traído);
complexo de tempo (“não vai dar tempo”, em que no passado não se conseguiu ter
tempo de fazer algo importante);
complexo de autodesagrado (rejeição do corpo);
complexo de abuso/choque/dissociação.
O princípio fundamental do “trabalho com os dramas da alma”, como o criador do
método costuma adjetivá-lo, é seguir a energia para onde quer que ela nos leve. Ex: regredir a
partir de queixas de momentos atuais para suas interligações a uma vida passada e de lá voltar a
eventos infantis desta vida presente; ou regredir partindo de traumas da infância para uma vida
passada e daí para eventos desta vida. As correlações se manifestam à medida que nós
movemos a energia emergente.
Woolger indica a estruturação de sua técnica regressiva através de um determinado
roteiro, fruto de longos anos de observação empírica. Após uma criteriosa entrevista ou
aplicação de alguns jogos que facilitam o acesso a imagens ou sensações corporais ou padrões
que pareçam “gatilhos” ao terapeuta, passa-se por diferentes estágios, os quais configuram a
essência de sua técnica. Solicita-se ao cliente que psicodramatize e se comunique no tempo
presente, aqui e agora.
A seguir, apresentaremos sinteticamente os estágios.
Estágio 1: Estimula-se a incorporação ao personagem (da vida passada ou desta vida mais para
trás), ancorando-o.
O “guia” usa frases como: “Olhe para os seus pés. Veja o que você está usando. Que tipo
de corpo você tem?”
Cliente: - Estou me vendo calçando os sapatos que ganhei no meu aniversário. Tenho 8
anos. É nesta vida mesmo.

Estágio 2: Estabelece-se o cenário do drama, levando o cliente a olhar ao redor e se


conscientizar da situação acessada tanto quando possível.
Ex: “Onde você está?... O que acontece aqui?...Está ferido?... Veja se está sozinho ou se
tem mais gente por perto... O que parece que está para acontecer?”

Estágio 3: Desenvolve-se o enredo. Aqui o “guia” direciona o cliente para frente e para
trás no tempo, buscando os momentos-chave da vida daquele personagem, ou seja, momentos
de significativa carga emocional. Auxiliado pela ação do terapeuta, utilizando frases como
estas, o inconsciente os trará rapidamente:
- Vou contar até três e você vai para o próximo momento importante desta vida: um,
dois, três!... O que acontece?... O que você vê agora?
- Entre em contato com essa angústia, esse medo de ficar sozinha. Vá para quando
você sentiu isso mais forte, pela primeira vez. Um, dois, três!
- Volte para a aldeia a qual você pertence, de onde você veio, agora. O que está
acontecendo?

Estágio 4: Agora que o inconsciente trouxe o cliente a uma cena-chave, trabalha-se


explorando-a, pois não interessa ficar pulando curiosamente atrás de pedaços da história.
Woolger aconselha focalizar aqui em câmara mais lenta, delongando-se nas reações
psicológicas, nos sentimentos que despontam, nos pensamentos não-expressos.
Este estágio, segundo o criador da técnica, é o mais rico a respeito da formação do
complexo da origem da dissociação dos corpos energéticos em conseqüência do trauma. É
possível aqui se compreender a origem da repressão e de todas as reações dissociadas advindas
do trauma, inclusive o estado de choque, que pode levar ao que Woolger chama de “vida
colapsada”.
Aqui lidamos com a catarse propriamente dita, como reações de choro, pânico ou raiva.
Esta catarse deve ser estimulada através dos sentimentos e expressões corporais, com frases do
guia como:
- Entre em contato com os sentimentos. O que vem à tona? Coloque palavras para
expressá-lo.
- Deixe isso vir! Agora você pode gritar. Você pode dizer tudo que você guarda na
garganta. Diga tudo pra eles!
- Conscientize-se de como você congela, como você se agarra a esse medo. Onde você
o carrega no seu corpo?...Mergulhe nisso... Agora veja como você pode liberar isso.
Ponha palavras!...
- Tome consciência de como você se obriga a não sentir isso e a se fechar. Respire,
libere essa tensão.
A dissociação é o fenômeno de desconectar a consciência dos vários níveis
energéticos. Por exemplo: o nível físico não ter consciência do nível emocional, o
emocional não “saber” do padrão mental, etc... É também um dos temas de assuntos
inacabados mais importantes para serem revisados posteriormente no Bardo (ver
estágio 5 e 6 a seguir), a fim de constatar se realmente a dissociação foi desfeita
como resultado do processo terapêutico.
Estágio 5: Trabalha-se a experiência da morte e suas repercussões nos níveis mental,
emocional e físico no Bardo42, exemplos:
- Vá até o fim para o momento de sua morte. O que ocorre quando você está
morrendo?
- Atravesse a morte e me diga o que acontece; o que você vê?
- Vou contar até três e tudo vai ter acabado: um, dois, três! Acabou. Tome consciência
que você morreu.
- Tome consciência que você saiu daquele corpo (favorece a desidentificação.
Essencial se houve mutilação e violência).
É necessário realizar a conscientização de padrões para favorecer a transformação.
- Veja como você se culpa da morte deles e afirma para si mesmo que nunca mais quer
ter filhos.
Aqui se liberam resíduos emocionais e pensamentos negativos que não foram
devidamente expressos e purificados no estágio 4.
Segundo o Bardo Thödol do Budismo Tibetano (Evans-Wentz, 1989, Rinpoche Sogyal,
1992) é no momento da morte e saída do corpo que os modelos kármicos se instalam nos corpos
sutis. E é exatamente aqui para Woolger que, na regressão, o momento da cura se apresenta,
quando se pode introduzir, recorrendo à imaginação e à visualização criativa, o fechamento de
gestalts e conseqüentemente do ciclo repetitivo kármico do samskara.
O exemplo a seguir, refere-se a um episódio de regressão, onde Salete Menezes, uma das
autoras deste livro, se viu diante de uma sombra sua como uma rainha que levava à guilhotina
todos os homens que lhe serviam sexualmente, e foi morta envenenada, enquanto dormia, por
uma criada. Esta temia que ela tomasse um soldado, seu amor, por amante, e que o condenasse
à morte. A criada colocou a seus pés, enquanto dormia, um cesto aberto com serpentes
venenosas e estas a picaram. Ela morreu dormindo, porém seu corpo etérico presenciou tudo.
(Na vida atual, apresentava queixas freqüentes de dores nas pernas).
W (Roger Woolger): O que você ainda carrega daquela vida, agora que você já morreu e
se encontra no mundo espiritual?
S (Salete Menezes): O veneno... ainda está nas minhas pernas ( refere–se as pernas do
corpo etérico).
W : E o que você quer fazer agora?
S: Quero livrar-me dele. Elas estão dormentes.

42
Este é usado aqui por Woolger, referindo-se ao estágio da regressão onde o personagem se vê no mundo
espiritual, após a morte. Corresponde ao espaço entre-vidas, intermediário entre a vida e a morte, segundo o
Budismo Tibetano.
W: Como você pode fazer isso agora? Use sua imaginação! (Aqui o terapeuta usa uma
firmeza confiante para favorecer o psicodrama e os efeitos curativos da imaginação, para
transformar os resíduos impressos no corpo sutil).
S: Imaginando que vem um índio, um pajé.
W: Então traga esse índio até você. E o que acontece?
S: Ele me faz cortes em ambas as pernas, próximo aos tornozelos, um pequeno corte na
parte inferior, na frente... e agora tchiii...(faz um som como de um líquido escoando).
W: Thiii... (o terapeuta reforça a onomatopéia, acompanhando, empaticamente).
S: Ah! (respiração de alívio).
W: Ótimo, muito bom. (Pausa, respirando aliviado). Como você se sente agora? Como
você está sentindo as suas pernas?
S: Livres. Saiu uma substância escura. Estão bem de novo. Sinto-me aliviada.
Num outro exemplo43, Salete Menezes relembra seu histórico de bronquite na infância
que se repetia na sua vida adulta em circunstâncias de grande ansiedade, embora de forma leve.
Na regressão, ela contata um personagem judeu que morreu na câmara de gás, preocupado por
não saber onde estavam as filhas pequenas e o que podia estar lhes acontecendo. Morreu
pensando que não iria conseguir escapar dali (sem saída) e não iria, por conseguinte, salvar as
suas filhas, onde quer que estivessem. Após a vivência da morte conservava uma respiração
muito difícil denotando a intensa contração diafragmática que protegia o judeu de inspirar
totalmente o gás venenoso.
T (terapeuta)44: - Homem judeu, acabou. Você não está naquele corpo na câmara de gás.
Está no mundo espiritual. Pulmões, tomem consciência de que já acabou. O seu corpo aqui já
pode respirar livremente. Pulmões, aqui no mundo espiritual o ar é puro. Expandam-se e
respirem livremente de novo.
Apontamos notadamente o poder curativo deste momento intermediário entre-vidas,
testemunhando a habilidade do terapeuta em oferecer caminhos ou sugestões de recursos para o
próprio cliente descobri-los, ou ainda em abrir-se para o imenso potencial criativo da mente do
cliente rumo à transformação, devendo estimulá-lo a entrar em contato e desenvolvê-lo.
Portanto, aqui se trabalhava para “limpar” os três maiores corpos sutis: corpo mental
(pensamentos inacabados), corpo emocional (sentimentos inacabados) e corpo etérico
(sensações inacabadas).

Estágio 6: Trabalha-se no Bardo a reconciliação com personagens dos quais se mantinha


gestalts inacabadas até então (mágoa, raiva). Faz-se a revisão da vida passada para contatar
lições, ou melhor, o sentido dela, o que ficou como aprendizado, e a integração com a vida
atual. Quando se percebe a repercussão do trauma de vida passada na presente, são descobertos
seus efeitos danosos e a sincronicidade na repetição destes em circunstâncias atuais através de
sentimentos de culpa, raiva, mágoa, vinculados aos protagonistas do passado.
Neste estágio, felizmente, há espaço para a verbalização de diálogos imaginários no
mundo espiritual que objetivam o fechamento dos negócios inacabados, ressaltando que todos
eles agora já se encontram na posição de espíritos. Isto favorece a elevação do nível da

43
Ambos do arquivo das experiências pessoais de Menezes, colhidos durante os cursos de formação em
Terapia Regressiva Integral, com Roger Woolger.
44
O terapeuta, Aurino L. Ferreira, conduziu o episódio no bardo.
consciência rumo ao Centro Unificador ou Self, que possibilita ao cliente transcendência em
relação aos conflitos.
A resolução de gestalts também se dá pelo uso da imaginação criativa na busca de
harmonia e realização das necessidades. No exemplo da personagem judia, que morreu na
câmara de gás, possibilita-se o seu reencontro com seus filhos no bardo, através de psicodrama,
para finalmente solucionar sua ansiedade de reavê-los com a morte.
Aqui há a oportunidade de se promover o perdão entre vítimas e algozes e o reencontro
com entes queridos.
Nesta etapa em particular, sobressai a sensação de identificar pessoas daquela história
que participam da vida presente. Isto favorece preciosos insights sobre os relacionamentos
atuais e a desidentificação com padrões projetivos e conseqüente transformação egóica rumo à
transcendência
Sabe-se que em transpessoal, por envolver estados alterados de consciência, é necessária
uma formação teórico-experiencial. O trabalho de Woolger não foge à regra, principalmente por
envolver estados regressivos. Ele constata que a medicação psiquiátrica geralmente inibe as
reações e bloqueia o processo em sua técnica, interferindo nos resultados, preferindo trabalhar
com pessoas que não estejam dela fazendo uso. Por este motivo e também por considerar
necessário uma certa estruturação egóica, aconselha cautela com borderlines, com os quais
deverá ocorrer maior assistência terapêutica. No momento, não existem pesquisas com
pacientes psicóticos, e, por conseguinte, sua aplicação nessa área não adquiriu respaldo seguro,
não sendo ainda aconselhada para o trabalho de terapeutas iniciantes, cuja experiência não
fornece subsidio seguro para transitar nesse universo.

3.2.4. Biopsicologia - transcendendo rumo à espiritualidade - Prabhat Rainjan


Sarkar e Susan Andrews.

A espiritualidade fornece à humanidade a força extraordinária


e sutil com a qual nenhuma outra força pode ser comparada.
Portanto, com a espiritualidade como base, uma filosofia
racional deve ser desenvolvida para lidar com os problemas
físicos, psicológicos e sócio-filosóficos diários”
- Shrii Shrii Anandamurti

Novas abordagens transpessoais continuam surgindo no atual cenário da Psicologia


ocidental. Estamos nos referindo a mais recente – a BIOPSICOLOGIA. Desenvolvida no Brasil
pela norte-americana Susan Andrews, antropóloga pela Universidade de Harvard (U.S.A),
mestra em Psicologia e Sociologia pela Universidade de Ateneo (Filipinas), doutora em
Psicologia Transpessoal pela Universidade de Greenwich (Austrália).
Susan Andrews, discípula do criador da Biopsicologia, o mestre tantra indiano Prabhat
Rainjan Sarkar, é autora de vários livros traduzidos para dez idiomas sobre temas como
educação, psicologia, saúde, yoga, nutrição e ecologia; é, ainda, fundadora e coordenadora do
Parque Ecológico Visão Futuro em Porangaba, São Paulo. Ministra cursos de formação em
Biopsicologia, no qual o aluno não recebe apenas ensinamentos teóricos dentro desse enfoque,
mas é, sobretudo, conduzido a um trabalho vivencial profundo através de técnicas orientais do
sistema tântrico e ocidentais com o enfoque transpessoal, tais como: psicodrama, visualização,
dinâmicas grupais, arteterapia, etc., numa síntese coerente, visando o equilíbrio harmônico das
várias dimensões humanas e a elevação da consciência em direção a um estado de unidade
consigo mesmo, com a natureza, com o outro e com o Todo.
A Biopsicologia integra, portanto, a sabedoria oriental com as terapias corpo/mente
ocidentais, alicerçada na mais antiga tradição de sabedoria do Tantra. De acordo com a
psicologia do Tantra, grandes sábios orientais, desde sete mil anos atrás, pesquisando
intrapsiquicamente, constataram a existência de 50 (cinqüenta) possibilidades de expressões
mentais que se pode denominar de emoções, sentimentos, atitudes, instintos, etc. Segundo esta
sabedoria milenar, a fonte das emoções são os Vrttis, vórtices de energia sutil que vibram no
nosso campo mental, conforme podemos perceber a seguir:

“As 50 principais propensões (vrttis) são dependentes dos vários chakras e são
expressadas interna e externamente através das expressões vibracionais dos
chakras. Estas vibrações são a causa dos hormônios serem secretados das
glândulas e a expressão natural e não natural das propensidades (vrttis) dependem
do grau normal e anormal da secreção desses hormônios”. (P.R. Sarkar, apud
Susan Andrews, mimeo)

Neste sentido, a Biopsicologia surge como um approach científico que busca integrar os
vários aspectos do ser humano, trabalhando o homem dentro de uma visão integral. Para isso
utiliza-se de práticas psicofísicas com o intuito de equilibrar as glândulas endócrinas e suas
secreções hormonais considerando-as como “pontos nodais onde a consciência conecta no
corpo físico”.
Esta abordagem amplia a visão dos mecanismos da mente, das emoções, dos sentimentos
e pensamentos, tendo como um dos referenciais teóricos as pesquisas realizadas por notáveis
neurofisologistas e ainda as extraordinárias descobertas no campo da influência dos
neurotransmissores no comportamento.
Propondo um mapa funcional do psiquismo que extrapola os velhos conceitos no campo
de estudo do comportamento humano, a Biopsicologia é uma teoria/prática que, indo além do
mapeamento, propõe uma ação direta e terapêutica no sentido de, por etapas sucessivas, o
indivíduo tornar suas propensões psíquicas ou vrttis cada vez mais sutis, realizando um
processo alquímico no seu corpo/mente para atingir sua essência espiritual num estado de bem-
aventurança (estado de unidade cósmica).
Partindo do pressuposto básico compreendido na anatomia psíquica sutil, temos os sete
chakras como transformadores de energia e de consciência que decompõem a energia dos
nossos corpos mais sutis para os mais densos. Sendo que freqüências vibracionais mais sutis
entram em nosso Ser pelo chakra mais elevado, no topo da nossa cabeça, e são
progressivamente transmitidas, num efeito cascata, através dos chakras básicos para suprir os
planos mais baixos da consciência até que elas atinjam nosso sistema celular no corpo físico.
Os subcentros dos chakras, ou vórtices energéticos, vão ativar as glândulas endócrinas
(A’caria, 2000a, p. 9) estimulando ou inibindo a produção dos seus respectivos hormônios. A
freqüência vibracional desses subcentros provoca um padrão específico de energia psíquica, ou
seja, um vórtice de pensamento denominado Vrtti (em sânscrito) que altera o campo mental
como um todo, causando um estado emocional específico. Para melhor visualizar esta ação,
vejamos o quadro45 a seguir:

Vórtice Psíquico ou Vrtti

Agitação do Campo Mental

Super ou Subestimulação das Glândulas Endócrinas

Super ou Sub-secreção dos Hormônios

Expressão Emocional/Comportamental

Este complexo sistema, funcionando em cadeia, conclui a Biopsicologia, determina


nossos sentimentos, emoções, ações, reações, atitudes, etc. Nesse contexto, embora a Psicologia
Transpessoal em seu referencial teórico já tenha feito citações sobre os sistemas dos chakras nas
obras de Pierre Weil, Stanislav Grof, Léo Matos e Eliana Bertolucci entre outros, o que
podemos constatar é que nenhuma corrente ocidental das psicologias atuais ou anteriores havia,
até o momento, pesquisado e considerado explicitamente essa estreita relação entre o
funcionamento das glândulas endócrinas, a fisiologia sutil dos chakras (a mesma que
fundamenta a acupuntura) e o comportamento humano. Temos, portanto, mais uma nova
contribuição dentro do paradigma emergente, ou seja, uma nova ótica pela qual podemos
compreender melhor a complexidade do ser humano e desenvolver novos modelos de cura.
Lançando mão de informações recebidas pessoalmente nos cursos de Biopsicologia da
Dra Susan Andrews, no Parque Visão Futuro em São Paulo, e também utilizando mímeo por ela
organizado para estes cursos, tentamos referendar, para melhor elucidação, os Vrttis ou
propensões psíquicas relacionados aos chakras:

1o . CHAKRA – Múládhára
1. Desejo Físico
4 Vrttis: 2. Desejo Psíquico (expressão mental)
3. Desejo Psíquico Espiritual
45
Quadro retirado, com autorização, do mimeo do curso de biopsicologia da Drª Susan Andrews.
4. Desejo Espiritual

2o . CHAKRA – Svadisthana
1. Indiferença – desdém
2. Falta de auto-confiança - submissão
6 Vrttis: 3. Impiedade
4. Estupor psíquico
5. Auto-indulgência
6. Autodestrutividade

3o CHAKRA - Manipura
1. Crueldade
2. Irritabilidade
3. Sede de desejos
4. Apego
10 Vrttis: 5. Medo
6. Ódio
7. Timidez
8. Ciúme
9. Letargia
10. Melancolia

4o CHAKRA - Anahata
1. Esperança
2. Desespero
3. Auto-estima - Ego
4. Preocupação
5. Ganância
12 Vrttis: 6. Esforço
7. Afeição
8. Hipocrisia
9. Arrogância
10. Tagarelice
11. Arrependimento
12. Consciência

5o CHAKRA – Vishuda
1. Altruísmo (expresso no plano físico)
2. Altruísmo (expresso no plano sutil)
16 Vrttis: 3. Sentimento de Universalidade
4. Entrega do ego individual a um poder espiritual mais elevado
5. Vocalização repulsiva
6. Vocalização atraente
As outras dez propensões são na realidade raízes acústicas, formas de
energia psíquica mais sutis, sem expressão emocional alguma.

6o CHAKRA – AJNA

2 vrttis: 1. Pensamento mundano (que direciona a mente ao plano material)


2. Transcendência (que direciona a mente ao plano espiritual).

7o CHAKRA – Sahasrara
Não apresenta Vrttis.

Para melhor esclarecer o leitor como funciona este modelo terapêutico integral, faremos
um breve relato de um caso clínico, conduzido por Eliége Brandão:

Uma jovem com 27 anos chega ao nosso consultório acompanhada pela genitora
(pois não conseguia sair de casa sozinha) com queixas de crises de pânico que a
estavam impedindo de ir à Faculdade, ao trabalho, bem como a outros lugares.
Além dos acessos de pânico, a referida cliente queixava-se de tristeza, ciúme, apego
excessivo. A análise inicial do discurso da paciente indicava uma alteração nos
Vritts do 30 Chakra.
Iniciamos as sessões de psicoterapia transpessoal e paralelamente lhe sugerimos
conjugar com exercícios psicofísicos fundamentados no sistema tântrico de práticas
da Biopsicologia (asanas e meditação) indicadas para equilibrar o terceiro chakra,
que tem os Vritts (propensão psíquica) do medo, ciúme, melancolia, etc.
Após um período com esse tratamento sistemático, ela nos revela que já não tem
as crises de pânico; expressa alegria, boa disposição, desprendimento e coragem
para enfrentar seus problemas cotidianos. (arquivos dos autores).

Assim, em seu arcabouço teórico, Susan Andrews parte do princípio de que a


humanidade está vivendo um momento de grande caos, defendendo que o império da violência
desenfreada nos amedronta deixando-nos intimidados diante do mundo onde estamos.
Paralelamente, um grande anseio de espiritualidade invade a alma do homem. Uma necessidade
de superação e de transcendência o impele para o escape através das drogas e outros desvios, ou
para as religiões. As primeiras frustram essa busca e deixam um saldo negativo na saúde, e a
segunda escapatória muitas vezes não atende aos anelos mais profundos. As aspirações mais
íntimas de conexão com a verdadeira essência: o Ser espiritual – emanação divina que jaz
sepultada em sua dimensão física-material ansiando por desabrochar e curar as dores da alma.
Essas aspirações não são atendidas a contento pelas instituições religiosas.
Segundo a Biopsicologia, é necessário transformar o arcabouço psico-emocional do
indivíduo, exercitar seu campo emocional, remanejar suas energias, equilibrar sua fisiologia
sutil para que ele possa desbloquear sua energia amorosa, transmutar seus sentimentos –
harmonizando o 40 chakra – “abrindo seu coração”, pois é o AMOR a única via direta de acesso
a nossa dimensão espiritual.
Eliana Bertolucci (1991), doutora pela Sorbonne, psicóloga transpessoal, falando acerca
da abertura do chakra cardíaco, comenta no seu notável livro “Psicologia do Sagrado”:

“O Trabalho com o chakra cardíaco tem especial importância, pois nele está a
base, o suporte para que as emoções e sentimentos possam mudar suas qualidades,
aumentando as ligações positivas do indivíduo com o mundo, encorajando a sua
saída dos limites egóicos” (p.152)

Esse enfoque com os chakras, baseia-se no Tantra Yoga (A’caria, 2000b), seguindo os
ensinamentos do iogue Shrii Shrii Anandamúrti que enfatizam, sobretudo, o “Chakra do
coração”como um dos pontos chaves na Biopsicologia desenvolvida por ele e ensinada por
Susan Andrews. Esse chakra se destaca como a alavanca que dinamiza a metamorfose humana.
Na construção do seu trabalho sistematizando a Biopsicologia, ela desenvolve uma
interconexão grupal em que as pessoas são treinadas no aprimoramento da relação interpessoal
visando a transcendência de seus impulsos primários. Essa visão de ação grupal deve-se ao fato
de não estarmos mais em tempos de investir apenas na individualidade do sujeito, na
espiritualização pessoal, mas sim, atingir toda uma coletividade, favorecendo o
desenvolvimento da consciência global conectada com o coração global, promovendo mudança
da humanidade no processo de socialização espiritualizada. Esta é uma forma
predominantemente usada por Susan Andrews.
CAPÍTULO IV

O PSICOTERAPEUTA TRANSPESSOAL

Mostra-me tua luminosa face


Desce deste antigo pedestal
Onde estás incólume!
Tua distância avernal
Onde o de baixo não atinge
Oculta tua fragilidade inatingível
Afastando-te da dor e do mal
Como chegarás ao Supremo sem me levar contigo?
Esqueces que o pequeno almeja o GRANDE!
E para chegar a ELE tu és a ponte
Como atingi-lo se a ponte é distante?
Estende-me tua mão, sem medo
Ampara-me na senda eivada de dor!
Jamais vou macular tua face SAGRADA
E sempre terás contigo o meu AMOR
Segura minha mão e conduz-me
como a uma criança perdida no deserto
Leva-me de volta à casa do PAI
Sozinha nesta vereda escura vou perder-me por caminhos
percorridos
Se me reconheces de tantos tempos idos
Não me abandones em tamanha solidão
Quando, por ti, eu chegar a ELE
Escutarás o SOM do meu alado coração!
Eliége Brandão

Este capítulo abordará num primeiro momento o tripé formador de um terapeuta


transpessoal, sendo dado destaque à teoria, a supervisão e ao trabalho transpessoal. A seguir, o
“papel” do terapeuta será delineado com o objetivo de favorecer uma melhor compreensão de
sua atuação e de suas repercussões éticas.

4.1. O tripé formador: teoria, supervisão experiencial e trabalho transpessoal.46

46
Os fragmentos de casos apresentados nesta seção foram colhidos durante os grupos de Especialização em
Psicologia Transpessoal, Recife, PE, sendo as adaptações, com vistas a preservar a identidade dos
participantes, da inteira responsabilidade dos autores.
No que diz respeito à análise do tripé formador citado, a Psicologia Transpessoal sugere
que o aprendente experiencie, vivencie o fenômeno em si mesmo, enquanto sujeito aprendente,
de forma que o vivenciando possa elaborar um saber que vai além do cognitivo, não
descartando, é claro, a sistematização do conhecimento, conforme exige a metodologia
científica.
No processo formativo, a integração dos três elementos é buscada constantemente de
forma a não se estimular divisões, tão presentes nos meios formativos, que ora oscilam em um
nível eminentemente teórico, ora tornam-se “práticos”, ou melhor, destituídos de reflexões, ou
um simples “puro fazer”.
A simples construção de um saber em relação à construção de um saber fazer na
Psicologia Transpessoal passa pela modificação da consciência do aprendiz, a partir do
desenvolvimento ou sensibilização das estruturas do nível transpessoal. Sem o aparecimento de
formas de pensar, sentir e agir transpessoais, a formação não pode ser considerada efetiva, pois
a acumulação de conteúdos não garante o SER, nem sustenta um fazer coerente nesta
abordagem.
Em última instância, a formação de um terapeuta transpessoal é vista como um contínuo
processo de desdobramento das estruturas de desenvolvimento da consciência, de forma que
mesmo tendo a teoria, a supervisão e o trabalho transpessoal autorizado o terapeuta a dar início
a sua função de CUIDADOR, o processo formativo continua requerendo do terapeuta um
compromisso direto e permanente com a ampliação de sua própria consciência.
O compromisso ético do terapeuta transpessoal demanda uma busca constante da
essência do SER, um questionamento permanente, instigante e desafiante de suas construções
identitárias, de forma a impulsioná-lo rumo a níveis mais ampliados de consciência.

4.1.1. A teoria transpessoal

Em Psicoterapia Transpessoal, solicita-se que o terapeuta-apredente vivencie estados de


“consciência transpessoal”, com o objetivo de facilitar a transcendência do ego, ao mesmo
tempo em que se busca sensibilizá-lo para as percepções de uma imensa gama de possibilidades
além do nível pessoal. Esta sensibilização visa romper com a ilustração intelectual
(racionalização), que reforça as defesas do ego e incute na mente do terapeuta-apredente uma
série de preconceitos.
O pressuposto de construção do saber a partir do trabalho transpessoal é fundamental na
elaboração do corpo teórico transpessoal, de forma que cada terapeuta-aprendente é visto como
um pesquisador em potencial, sendo sua experiência fundamental na elaboração de novas
formas de pensar. A teoria só tem sentido quando encarna experencialmente no terapeuta-
aprendente fazendo parte ativa de sua estrutura de consciência.
Neste ponto, temos uma inversão no tripé formador que, na cultura ocidental, se detém
mais nos aspectos teóricos com a ilusão de que é o acúmulo de conteúdos o fator responsável
pela aprendizagem. A teoria em Psicologia Transpessoal ultrapassa o aspecto do conteúdo,
buscando atingir as estruturas que o organizam. Propiciar o acesso crescente a novas formas de
construção do saber é o desafio maior no processo de formação em Psicologia Transpessoal.
Uma aprendizagem “experiencial”, apesar do “caráter noético” assinalado por Tart, apud
Weil (1990, p.17), tem a vantagem de permitir ao aprendiz a construção ativa de seu
conhecimento de forma que ele se torna responsável, sujeito do seu saber.
A ação formadora faz uso da psicoterapia (trabalho transpessoal) como elemento
fornecedor de elementos que serão percebidos e integrados, simultaneamente, de forma a se
poder construir um corpo de conhecimento; corpo este não estático e que traz a marca do sujeito
construtor. Não se concebe o corpo teórico transpessoal sem o seu construtor, eles são
interdependentes.
Há uma imensa gama de constructos teóricos em Psicologia Transpessoal que ajudam na
formação teórica de um terapeuta, segundo Wilber (2001a) existem pelo menos cinco
abordagens principais especialmente influentes: teoria de sistemas, estados alterados (ampliados
ou distintos) de consciência, o modelo holotrópico de Grof, diversas formas de psicologia
junguiana e o espectro ou abordagem integral. Acrescente-se a estas, a influência trazida por
terapeutas com formação psicanalítica e humanística diversas.
Contudo, apesar de Wilber (2001a) afirmar que seu “modelo integral incorpora os
aspectos essenciais dos outros modelos, mas também que ele inclui muitas áreas significativas
ignoradas pelos outros – e, assim, pode responder por uma quantidade consideravelmente
maior de pesquisa e evidência” (p. 124), no nosso entender, quanto mais amplo for o acesso
dos terapeutas-aprendentes às diversas teorias, mais abrangentes serão suas possibilidades de
intervenção; e quanto maior for a visão, maiores chances teremos de nos tornarmos humildes,
de percebermos o quanto temos a aprender.
Não negamos que uma visão ampla dos quatro quadrantes do Kosmos, conforme descrita
por Wilber (2001b), poderia oferecer um modelo de visão integrativa da teoria transpessoal,
favorecendo o rompimento do ecletismo e dando base à montagem de um modelo teórico
coerente; contudo, o caráter de abertura da Psicologia Transpessoal coloca a necessidade de não
nos fixarmos, de não transformarmos teorias-mapas em modelos-caminhos rígidos a serem
seguidos.
Analisando a organização da teoria transpessoal, Saldanha (1997) propõe que ela estaria
dividida em dois aspectos básicos: os estruturais e os dinâmicos.
1. O aspecto estrutural é considerado o eixo norteador da teoria, sendo formado
pelo conjunto de cinco elementos fundamentais para caracterizar um pensar
transpessoal. Os conceitos de unidade, vida, ego, estados de consciência e
cartografia da consciência são desdobrados pela autora como pontos
fundamentais para formação do terapeuta.
2. Os aspectos dinâmicos subdividem-se em dois eixos: experiencial e evolutivo
e permitem a movimentação da teoria, ou seja, lhe dão vida.
Outra forma de compreendermos a teoria transpessoal seria apresentando-a com a
metáfora de um prédio holográfico ou mandálico, onde suas partes estariam
interdependentemente conectadas. A visão holográfica ou mandálica do edifício transpessoal
inclui no aprendente um plus além do ensinado, são, pois, como núcleos interconectados que
necessitam inicialmente de um ponto para o começo, mas que se interconectam de modo que
um núcleo (parte ou andar) alimenta e ajudará o outro ao tempo em que inclui a geração de um
mesmo campo, ampliando conexões de um e de outro núcleo próximo.
Essa imagem se propaga como uma pedra atirada num lago de águas paradas, os círculos
interligados nunca são proporcionalmente iguais para os aprendizes, há sempre um plus que
torna cada construção peculiar mesmo se tratando dos fundamentos ou metodologias ou
técnicas iguais, porque se expressam diferentemente em cada agente de formação – o objeto só
o é como tal a medida que o sujeito que o vê assim o reconhece.
A imagem do edifício holográfico ou mandálico rompe com a visão estática de um
edifício que atende a um paradigma de estruturação, pois sua natureza dinâmica indica
movimento de constante inclusão, atendendo a um paradigma de construção. Para a idéia de um
edifício convencional há um percurso a ser percorrido da base ao topo. Para a idéia do edifício
holográfico, a construção se faz pelas conexões estabelecidas infinitamente (não se esgota no
telhado ou na base). A reconstrução do edifício convencional se faz pelo desmoronamento ou
destruição; a reconstrução do edifício mandálico se faz pela reorganização (sistêmica,
holográfica) num movimento que lembra um caleidoscópio – pura conexão. Uma imagem
aproximada do edifício holográfico ou mandálico pode ser percebida no desenho seguinte:

1. Alteradoras ou transcendentes.
TÉCNICAS 2. Suportativas ou imanentes.
3. Integrativas ou mistas.
Descritiva, experimental, experiencial, clínica,
METODOLOGIAS especulativa.
CARTOGRAFIAS DA O espectro da consciência de Wilber; o modelo
CONSCIÊNCIA OU TEORIAS DA holotrópico de Grof e a flor de lótus de Woolger.
“PERSONALIDADE”
TEORIAS DO O projeto atman e transformações da consciênia
DESENVOLVIMENTO de Wilber.
FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E Filosofia Perene; Fenomenologia, Holismo e
PRESSUPOSTOS o Humanismo.

Na base do edifício holográfico temos os fundamentos filosóficos e os pressupostos que


sustentam a abordagem e dão respaldo para as construções das visões de homem, mundo e vida.
Neste ponto a Filosofia Perene (Wilber, 2001a) aparece como norteadora central, resgatando as
principais contribuições do pensamento oriental e ocidental em um abraço integral. Ainda no
alicerce do edifício holográfico transpesssoal, podemos encontrar o apoio da Fenomenologia,
de Husserl (1965, 1967, 1986, 1970) e Merleau-Ponty (1971, 1973), bem como uma ampla
influência do humanismo (Maslow, 1964) e do holismo.
O corpo do edifício holográfico transpessoal encontra-se dividido em três partes: teorias
do desenvolvimento, cartografias da consciência ou teorias da “personalidade” e as
metodologias, e oferecem subsídios para compreensão do funcionamento psíquico, bem como
apontam caminhos para investigá-lo.
a) Teorias do desenvolvimento: um dos principais modelos de desenvolvimento
transpessoal foi apresentado inicialmente com o “Projeto Atman” por Wilber (1999b, 2002), e
encontra-se resumido no item 1.3.3.2. neste livro. Este autor desdobra posteriormente suas
reflexões sobre o desenvolvimento humano em seu livro Trasformações da Consciência.
b) As cartografias da consciência ou teorias da “personalidade”: as cartografias mais
influentes podem ser encontradas em Wilber (1999a, 1999b, 2001a, 2002), Grof (1989, 1994,
1997, 2000), Assagioli (1992), Woolger (1994). Elas encontram-se brevemente resumidas no
item 1.3.3 deste trabalho.
c) As metodologias: conforme aponta Weil (1995), do ponto de vista metodológico a
Psicologia Transpessoal é holística, ou seja, procura integrar não apenas os conhecimentos
relacionadas a psicologia propriamente dita, mas abre um leque de contato com as outras
ciências, filosofias e tradições; de forma que pode assumir métodos descritivos, experimentais,
experenciais, clínicos e especulativos em suas pesquisas.
Dentro da perspectiva de Wilber (2001a, 2001c) pode-se dizer que as pesquisas em
psicologia transpessoal podem abarcar métodos monológicos, dialógicos e translógicos.
Este autor associa o método monológico ao “olho da carne e aos dados fornecidos pelos
sentidos humanos ou suas extensões instrumentais” (2001c, p.35). Aqui há um monólogo, ou
seja, o cientista escolhe um objeto de pesquisa com o qual não é necessário conversar, como por
exemplo, a análise das sinapses cerebrais e dos neurotransmissores envolvidos nos estados
alterados de consciência a partir de medidas neuroquímicas e aparelhos de monitoramento
cerebral. Logo, sujeito e objeto encontram-se em polaridades distintas.
Os métodos dialógicos ou a metáfora do “olho da mente” envolvem a necessidade de
diálogo e isto só é possível pela introdução da percepção do outro como sujeito, de forma que,
para o avanço da pesquisa, são requeridos a hermenêutica, no sentido amplo e restrito, os
significados simbólicos e o entendimento mútuo. Nesse sentido, sujeito e objeto se comunicam
por via definida e específica.
Os métodos translógicos ou não duais vão além dos “olhos da carne” (e de seu
empirismo monológico) estuda-se também além dos “olhos da mente” (e sua interpretação
dialógica), abrindo-se para os níveis transpessoais e requerendo uma abordagem contemplativa.
O que equivale dizer que sujeito e objeto interagem reciprocamente em associações
multifacetadas.
As técnicas ou intervenções em psicologia transpessoal dividem-se em três níveis e
ocupam o teto do edifício holográfico transpessoal, ou seja, decorrem de um processo de
intercâmbio dinâmico e interdependente das partes anteriores do prédio de forma que, utilizá-las
sem esta perspectiva, seria mutilar sua visão holística e integrativa.

a) As técnicas alteradoras ou transcendentes da consciência: a metáfora nesta técnica é


levar a pessoa ao topo da montanha, permitindo um acesso rápido e direto com a visão
ilimitada do alto, daí ser também denominada de transcendente. As técnicas neste nível
podem ser consideradas sob dois pontos básicos: de um lado àquelas em que a própria
pessoa se coloca como sujeito de ativação de um estado diferenciado da consciência,
citamos como exemplo a hiperventilação, a concentração hiperfocalizada, a repetição de
sons (com ou sem movimento), os jogos com formas e cores; de outro lado, temos as
técnicas que necessitam da intervenção de um agente de ativação para além do sujeito
que experimenta o estado de consciência alterado, são exemplos, as técnicas que se
baseiam na hipnose clássica, na privação do sono, nos diálogos de ativação mental, na
repetição espelhada de movimentos, nas pesquisas laboratoriais. A alteração de
consciência ocorre aparentemente para o sujeito que a experimenta num mesmo nível de
intensidade, entretanto, segundo as pesquisas consernentes à configuração do circuito
energético, há uma diferenciação do pulso energético de uma e de outra forma. Essa
variação consta em diferentes estudos como defende Stanley Kripner em suas pesquisas
sobre transcomunicação psíquica, cujos registros introdutórios podemos encontrar no
livro em que divide sua autoria com Pierre Weil (2003). A meta é favorecer uma
suspensão das defesas do ego, de forma que este fique impossibilitado de controlar as
experiências de expansão favorecendo assim a subida ao topo da montanha.

b) As técnicas suportativas ou imanentes: a metáfora é o oposto da subida ao pico da


montanha, a idéia é trazer de volta para o aqui-e-agora experencial, colocando a pessoa
em contato intenso com o chão, daí também ser denominada de imanente. As técnicas
mais utilizadas são as intervenções de apoio e fisiológicas, técnicas de construção de
estrutura, de revelação, de análise de scrip cognitivo, de introspecção e terapia
existencial. Elas visam a construção, reconstrução ou o apoio do ego.

c) As técnicas integrativas ou mistas: a metáfora é operar com o caminho do meio, o


caminho do coração; não se deslumbrando com as jornadas ao topo da montanha e nem
se prendendo rigidamente a planície. As principais técnicas utilizadas são a respiração
holotrópica, morte e renascimento do ego, sonho catártico diurno, técnicas oriundas das
experiências contemplativas, hipnose ericksoniana, as jornadas de fantasia, e visam
ampliar a consciência para o acesso a níveis superiores e integrá-los com os níveis
básicos.
Estas técnicas compartilham entre si a idéia de que a ampliação da consciência é o eixo
central do processo de transformação, seja propiciando experiências de “pico” (alteradoras),
seja via processos gradativos de identificações, desidentificações e novas identificações e
desidentificações (suportativas), ou mesclando estes dois processos em um movimento espiral
contínuo (integrativas).
Como construções histórico-temporais, as teorias estão sujeitas a inúmeras
transformações, cabendo ao terapeuta, partindo de uma visão da filosofia perene, escolher
aquele modelo que melhor expresse seu estilo e percepção da exata medida da necessidade do
cliente, reconhecendo os limites e buscando ampliá-los através da transformação de sua
consciência. Neste ponto, o estágio de aprendizagem junto a terapeutas mais experientes pode
alargar sua visão, como veremos a seguir.

4.1.2. A Supervisão Experiencial

A supervisão de uma forma geral constitui necessidade indispensável na formação de


qualquer psicoterapeuta, pois favorece o processo de aprendizagem de novas habilidades,
necessárias ao exercício da profissão, bem como oferece um espaço de trocas e de expansão da
consciência.
Nesse sentido, a ação acompanha a formação profissional em psicoterapia transpessoal.
Segundo o modelo de Léo Matos47, adaptado pelos autores, “é vista como a capacidade de visão
panoramicamente abrangente e clara de um certo processo. Em terapia é, então, a ação que
revisa e facilita ao terapeuta acelerar e desbloquear o processo terapêutico para mais
rapidamente ajudar o paciente a se liberar de seu sofrimento”.
Denominada de SUPERVISÃO EXPERIENCIAL, pelos autores, estimula o terapeuta-
aprendente a mergulhar nos pontos que impedem ou entravam sua relação com o paciente,

47
Matos, Léo. (mímeo) “Supervisão” e “O guerreiro, o poder e a paz”.
fenômeno este conhecido por resistência48. Neste sentido, o supervisor, usando do método
experiencial, circula num lugar que também é o do terapeuta, ao mesmo tempo em que auxilia o
aprendente a des/construção de um intuir/sentir/olhar/escutar/falar em relação ao paciente, à luz
da abordagem transpessoal.
Neste modelo de supervisão, a construção do conhecimento facilitado pelo supervisor
junto ao terapeuta-aprendente dá-se dentro de um contexto experencial, ou seja o terapeuta-
aprendente é convidado não apenas a relatar verbalmente o caso e sua dificuldade com o cliente,
mas a vivenciá-lo, de forma que possa clarificar qual o problema que está impedindo o
andamento do processo. Aqui o supervisor faz uso dos recursos técnicos da transpessoal sem,
contudo, perder de vista o caráter pedagógico da experiência.
As experiências em supervisão visam clarificar o problema do terapeuta-aprendente na
relação com os clientes. No entanto, esta experiência é transformada, buscando alargar a visão
do aprendiz, sem ser descartado os efeitos terapêuticos dessas experiências, pois a resistência é
percebida como uma fixação em alguma área restrita e contraída do ego do terapeuta. De forma
que a ampliação da consciência é apontada como recurso curativo neste processo.
A seguir, apresentaremos um exemplo de como se processa uma supervisão experiencial.
Um terapeuta-aprendente traz para o espaço da supervisão a dificuldade que está
sentindo em relação a um paciente. O supervisor-aprendente solicita que o mesmo assuma o
papel deste paciente, colocando ‘suas dificuldades’, enquanto este assumirá o papel do
terapeuta.
(Supervisor-Aprendente) - Qual o seu problema? O que você deseja de mim?
(Terapeuta-Aprendente1) - Eu estou atendendo uma paciente que é obsessiva
compulsiva. Ela é muito rígida e eu não sei o que fazer?
(S-A) - Como é ser obsessiva-compulsiva?!
(T-A1) - É assim: ela tem rituais extremamente rígidos. Nada que eu faço dá certo.
(S-A) - Então você poderia fazer o papel desta paciente, com essa coisa obssessiva-
compulsiva e eu faço o papel do terapeuta. Você quer fazer isto ou não?
(T-A1) - Quero.
(S-A) - Então, você agora dá um nome para esta paciente e assume o seu papel.
(T-A1) - Meu nome é Maria. E eu estou fazendo este tratamento porque a psiquiatra
mandou.
(S-A) – É, Maria, deve ser muito chato vir para cá porque os outros mandaram.
(T-A1) - É, incomoda-me isto. Mas você é toda certinha. Nunca erra. E você sempre
pede para eu fazer estas coisas. Agora eu não quero fazer nenhuma técnica mais,
não.
(S-A) - Não tem problema, nós não faremos mais nenhuma técnica.

48
Tradicionalmente o conceito de resistência refere-se às possíveis projeções de questões pessoais (aspectos
reprimidos e apresentados como forma de defesa na relação terapêutica). De uma forma genérica, a resistência
no cliente diz respeito a resultante de forças internas que se opõem ao terapeuta ou aos aspectos
metodológicos inerentes ao processo terapêutico. Por outro lado, no terapeuta a resistência também pode
manifestar-se através de um estado algo confuso que coloca o profissional no lugar de rejeição em relação ao
cliente. Considerada como obstáculo à excelência do processo terapêutico, a resistência à luz da teoria
freudiana, desde os tempos pioneiros, é cnsiderada como impedimento terapêutico e indica uma espécie de
armadura do ego, que chega a interferir no caráter à medida que silencia as possíveis recordações que
necessitam da atividade de livre associação e da verbalização do cliente.
(T-A1) - Mas se eu não fizer, eu vou ficar doida, veja como eu sou nervosa. Eu abro
e fecho a porta umas dez vezes. Você quer que eu fique doente?
(S-A) - Você quer ficar doente?!
(T-A1) - Nãooo!!
(S-A) - E o que você faz para não ficar doente?
(T-A1) - Eu começo a mexer-me, a fazer outras coisas que não só pensar na doença.
(S-A) - E como você se sente, não pensando mais só na doença?!
(T-A) - Eu me sinto bem.

Após alguns minutos de vivência da técnica “Hot Sit Transpessoal” (ver cap. V, neste
livro) pode-se trocar os papéis, de forma que o terapeuta-apredente desapegue-se do local
assumido por ele nas relações com o paciente. Durante a encenação, o supervisor identifica-se
com o papel do terapeuta-aprendente, e isto lhe permitirá avaliar melhor a situação, ao mesmo
tempo em que, não se fixando, estimula o terapeuta-aprendente ao desapego e à
desidentificação.
O fato de reviver o conflito sob outros ângulos permite ao terapeuta-aprendente localizar
em si a fonte do conflito (resistência) que está impedindo ou dificultando o desenrolar da
terapia. No caso do exemplo acima, o que estava em foco era o apego da terapeuta à “doença”
da paciente, bem como seu apego à crença de que os recursos técnicos a protegeriam da
“doença” ou preservariam a paciente de um estado doentio.
Quando o terapeuta-aprendente identifica a fonte do conflito, juntamente com o
supervisor, é oferecida a oportunidade de trabalhar o conflito naquele espaço. Isto lhe
possibilita aprender com a experiência do supervisor, ao mesmo tempo em que elabora e integra
seus próprios conflitos. Aqui temos uma marca distintiva da Supervisão Experiencial em
Psicoterapia Transpessoal no modelo adotado pelos autores deste livro com lastro nos princípios
adotados por Léo Matos, pois o oferecer a oportunidade de trabalhar o conflito põe o supervisor
no "lugar de terapeuta", sem, no entanto, excluir a necessidade de um terapeuta como agente de
orientação para dar continuidade à exploração com vistas à cura do conflito abordado.
O espaço da supervisão amplia a leitura do conflito, abrindo novos ângulos e oferecendo
novas possibilidades de compreensão. Porém, por ter um aspecto didático e centrado mais no
foco dos conflitos da relação terapeuta-paciente, a supervisão não esgota os conflitos, cabendo
ao terapeuta-aprendiz buscar um espaço para trabalhá-los, no viés da formação profissional no
que tange aos seus desafios pessoais.
A nível fenomenológico, apesar de considerar-se os aspectos transferenciais tradicionais
possíveis de emergirem na relação terapeuta-aprendiz e supervisor, não lhe são dado ênfase,
sendo estes manejados como uma projeção egóica originada das inúmeras divisões ao longo do
desenvolvimento.
Cabe ao supervisor estar atento para estes “efeitos colaterais” do processo de superação
das divisões, devendo ser capaz de reconhecer, acolher, trabalhar e devolvê-las, de forma que o
terapeuta-aprendente consiga conviver, digerir ou transformar os frutos de suas próprias
divisões.
Neste sentido, o trabalho de supervisão experiencial requer do supervisor uma longa
jornada de transformação da sua dinâmica pessoal e transpessoal, de forma a não manipular o
processo de crescimento do terapeuta-aprendente. Aqui se busca uma relação onde o supervisor
não tenta conformar o profissional-aprendente ao seu modelo de atuação mas, antes, esforça-se
na criação de um ambiente de acolhimento, de confiança e de criação construtiva de uma prática
terapêutica reveladora da aquisição dos fundamentos teórico-metodológicos num contexto
pedagógico-vivencial, ou seja, o aprendizado da abordagem transpessoal do ponto de vista da
intervenção e execução terapêutica se dá através de uma ação supervisionada que se propõe a
ser eminentemente transpessoal, possibilitando àquele que se exercita, sentir-se apoiado na
construção de seu próprio caminho. O supervisor tem a função de possibilitar a abertura de
novos horizontes, mas jamais deverá determinar o caminho a ser percorrido pelo aprendente.
O fragmento de trabalho com um terapeuta-aprendente ilustrará como se processa a
dinâmica de uma supervisão experiencial.
(Supervisor-aprendente) - Qual é o seu problema!? O que você deseja de mim!?
(Terapeuta-Apredente2) - Eu estou com dificuldade em lidar com um paciente
novato, sempre que imagino utilizar algum exercício com ele, penso que ele poderá
enlouquecer, e que serei o responsável por isto. E que o melhor é parar de atendê-
lo.
(S-A) - Quando isto aconteceu pela última vez?
(T-A2) - Foi há quinze dias atrás, quando ele queixou-se de que vinha sentindo
dores no estômago, uma dor que acumulava força na altura do “chakra solar”. Eu
iniciei o trabalho com uma “jornada de fantasia”, pedindo que o mesmo
mergulhasse nesta dor e me dissesse no presente o que estava acontecendo. Neste
mergulho, ele voltou para um lugar escuro, onde estava sendo pressionado por
todos os lados. Iniciou também toda uma mundança corporal, demonstrando
encontrar-se na forma de feto. Sentia muito frio e queixava-se da pressão sobre seu
corpo. Havendo completado o processo de nascimento, o mesmo passou para uma
dimensão transpessoal, descrevendo uma igreja antiga com uma praça a sua frente.
Nesta praça, um ancião o esperava. O mesmo dizia que iria conduzí-lo para a
origem da sua angústia (o paciente havia procurado a terapia por apresentar crises
de angústia ao levantar pela manhã).
Eles começaram a caminhar pela rua próxima à igreja dirigindo-se para um
local mais afastado. O paciente descreve com detalhes as ruas, que cada vez vão
ficando mais pobres a medida em que eles se distanciam do início da caminhada. O
paciente muda a postura corporal, assumindo uma rigidez corporal e emite gritos.
Ele agora se vê transformado, com botas pretas e brilhantes e com roupas que
destacam sua alta posição social. O mesmo passa a viver a vida daquele
personagem, que explorava as mulheres de um bordel, pois seu grito foi por ter
reconhecido este antigo lugar. Lugar com o qual já tinha sonhado anteriormente.
Desenrola-se um drama que culmina com a morte do personagem de um possível
câncer de estômago, ou de uma úlcera; o mesmo descreve-se no leito de morte,
envelhecido, sozinho e com imensas dores no estômago. Chora profundamente neste
momento, repassando a exploração das mulheres do bordel, bem como se angustia
com o não poder dormir, pois tem medo de morrer. Solicito-lhe que vá para o
momento exato da morte e diga-me o que acontece. Fala de suas dores lancinantes,
chora, contorce-se sobre o colchão e morre na fantasia. Relaxa profundamente,
sendo incentivado a procurar uma luz branca ou amarela. Encaminha-se para a luz,
identifica-se com a mesma, sentindo um imenso bem-estar. Volta na forma de luz
para o corpo e faz a fantasia que está preenchendo-o de luz. Peço que o mesmo faça
a fantasia de que vai começar a iluminar sua vida desde o nascimento. Ele volta
para o momento do nascimento usando a força da luz para nascer, continua
utilizando-a no processo de crescimento, sempre iluminando os momentos mais
difíceis de sua vida, desbloqueando as possíveis fixações deste passado, real ou
imaginário. Chega aos dias de hoje sentindo a força desta luz. Peço que busque
associações com seu momento de vida atual. Localize pontos de tensão e repetição
do passado; solicito que avance para o futuro e veja-se daqui a um ano como se
encontra em relação a angústia. Fala que não sente mais angústia, está tranqüilo
frente às situações da vida que evocavam a mesma. Ele segue adiante até o
momento de sua morte, e vê-se tranquilo. Morre em paz e volta para a fonte de luz,
onde se reabastece e se torna todo luz. Peço que, na forma de luz, volte para o aqui
e agora; luz que entra pelo centro da sua cabeça e preenche todo o seu corpo.
Pergunto como se sente agora. Ele sente-se relaxado e tranqüilo, não manifestando
tensão corporal. Ele fala que o ancião lhe recomendou tranqüilidade e paz em sua
vida e que ele deveria desviar o pensamento das fixações de doenças, sugerindo
exercícios de meditação.
(S) - Então, qual é o seu problema?
(T-A2) - Durante a vivência tive medo que o paciente enlouquecesse. Senti uma
pressão na altura do estômago (chakra solar).
(S-A) - Em que momento você sentiu isto? Fale pra mim, no presente, deste
momento.
(T-A2) – Quando o paciente está gritando e se contorcendo. E meu estômago
começa a doer.
(S-A) - Quero que você deite-se agora no colchão e concentre-se nesta dor e
diga-me o que acontece.
(T -A2) - A dor aumenta e sobe para minha cabeça. Neste momento vêm
lembranças do meu primeiro estágio na área de psiquiatria. Eu me sinto paralizado
pelo olhar dos pacientes. Tenho medo de enlouquecer. Vêm lembranças da minha
infância, aonde tenho medo de uma louca. Tenho medo que ela possa me pegar. A
dor na cabeça está aumentando ainda mais, sinto como se esta fosse estourar.
(S-A) - Eu vou colocar as mãos na sua cabeça e você me diz o que acontece.
O Supervisor-aprendente faz um pouco de pressão sobre a cabeça com a ajuda
das mãos.
(T-A2) - Sinto-me girando, girando, como caindo num redemoinho.
(S-A) -Você continua nesta fantasia girando, girandooo... Caindo num
redemoinho! E...?
(T-A2) - Escuto sons bem distante e muita ansiedade, tem algo apertando o meu
corpo, tenho medo de morrer. Tenho medo... medo...medo de perder a cabeça. De
enlouquecerrrr!!!.
(S-A) - O tempo passa, a pressão aumenta e você me diz o que acontece.
(T-A2) - Vejo uma luz e escorrego. Sinto frio!
O Supervisor-aprendente põe uma manta sobre o terapeuta-paciente que se
apresenta profundamente relaxado. Inicia-se o processo de integração ao aqui e
agora que culmina com a expressão do terapeuta-aprendente acerca de sua
vivência, e de como se sentiu em relação à sensação de “ficar louco” despertada na
relação com aquele paciente. O supervisor recomenda a realização de mandala,
com o objetivo de integrar a experiência.
Ao final da vivência terapêutica o supervisor estimula o terapeuta-aprendente a
reconstruir sua vivência, seja de forma oral ou escrita. Isto permitirá a possibilidade de serem
feitas conexões do que foi vivenciado com a teoria, ao mesmo tempo em que ajuda a
sistematização do conhecimento, conforme os cânones da ciência oficial. É também estimulada
a análise do caso pelo restante do grupo de supervisão. Neste momento são discutidas as
técnicas utilizadas, sendo explicitada a fundamentação das mesmas, e, com a autorização de
quem viveu a experiência, são feitas considerações acerca da dinâmica do processo.
No trabalho de liberação do conflito do aprendente podem ser usados os diversos
recursos técnicos apresentados na literatura (Grof,1988; Matos, 1992; Assagioli, 1995; Tabone,
1995, Saldanha, 1997 e os sugeridos no capítulo V deste livro.).
O uso acima do termo aprendente poderia ser estendido para o supervisor, de forma que
teríamos um supervisor-aprendente, isto poderia romper com uma tradição em psicoterapia que
é de se colocar o supervisor no lugar do saber. O termo aprendente busca remeter a
“super/visão” a um espaço de construção de saber; espaço que poderia bem se inspirar nas
palavras de Chaui (1980), bastando apenas substituirmos os termos professor por supervisor e
alunos, por terapeutas:
“Ao professor não cabe dizer: ‘faça como eu’, mas: ‘faça comigo’. O professor de
natação não pode ensinar o aluno a nadar na areia fazendo-o imitar seus gestos,
mas leva-o a lançar-se n’água em sua companhia para que aprenda a nadar
lutando contra as ondas, fazendo seu corpo coexistir com o corpo ondulante que o
acolhe e repele, revelando que o diálogo do aluno não se trava com seu professor
de natação, mas com a água. O diálogo do aluno é com o pensamento, com a
cultura corporificada nas obras e nas práticas sociais e transmitidas pela
linguagem e pelos gestos do professor, simples mediador.”(Chaui, 1980)
O excerto citado de Marilena Chaui é uma referência direta à tendência que se verifica
entre professores, - e também entre os alunos - de apelo à autoridade. Por isso mesmo é que em
seguida Chaui nos alerta:
“Uma pedagogia crítica deveria interrogar esse risco cotidiano: de onde vem e por
que vem a sedução de tornar-se guru? De onde vem e por vem em nós e nos alunos
o desejo de que haja um Mestre, o apelo à figura da autoridade?”
Como podemos destacar, em Psicoterapia Transpessoal o lugar do mestre deve ficar
vazio, sendo por isso necessário um constante desejo de transformação por parte do terapeuta.
Só há terapia transpessoal quando o terapeuta é capaz de aprender com a experiência do
paciente, quando a mesma o impulsiona no processo de crescimento interior. Quando isto não
esta acontecendo é importante rever-se, retomar um processo psicoterapêutico com um outro
profissional, abrindo mão do suposto saber e recolocando-se na posição de “eterno aprendiz”.
Muitos alegam a não procura de uma psicoterapia por já fazerem autoterapia. Ao nosso
entender a autoterapia, ou seja o uso de recursos de crescimento psico-espiritual, deveria fazer
parte do cotidiano do terapeuta, mas o encontro com um outro sempre nos possibilita o nosso
próprio reencontro, ao mesmo tempo que nos põe em movimento, deslocando-nos dos apegos
(do lugar de terapeuta) e do medo de se expor, no reconhecimento das próprias limitações.
O argumento acima visa valorizar o lugar da psicoterapia, diferenciando-o do espaço de
supervisão, mas não os dividindo, pois o processo de crescimento está presente em ambos. A
diferença expressa no caráter mais pedagógico da experiência de supervisão49 é a de que ela
visa trabalhar o foco da dificuldade que está entravando o relacionamento com o cliente;
enquanto a psicoterapia objetivaria uma dinâmica mais ampla, a partir de experiências de
desapego que conduzissem a uma desidentificação com possibilidades de ampliação da
consciência para além dos níveis pessoais.
Concluindo, na supervisão o foco é a relação terapeuta-aprendente e os seus pacientes,
enquanto na terapia o foco é mais amplo, abarcando a dinâmica do processo de transformação
do terapeuta, que sem dúvida nenhuma influenciará suas relações com seus pacientes.

4.1.3. O Trabalho Transpessoal

No contexto da Psicologia Transpessoal compreende-se Trabalho Transpessoal como a


busca de integração dos níveis pré-pessoais e pessoais com os níveis superiores de
desenvolvimento da consciência, os níveis transpessoais. Assim, o trabalho transpessoal divide-
se em vivenciar uma psicoterapia transpessoal e fazer uso de recursos terapêuticos, como forma
de autoterapia. Dentre estes recursos a maioria dos autores transpessoais são unânimes no que
diz respeito ao cultivo de alguma prática ampliadora da consciência (ex: meditação).
A vivência de uma psicoterapia é fundamental na formação de um terapeuta, pois
possibilita uma expansão da consciência a partir do desenvolvimento e integração das estruturas
da consciência, ao mesmo tempo em que lhe permite vivenciar em si os recursos da abordagem
que escolheu. Faz parte da ética transpessoal oferecer apenas as técnicas que foram já
vivenciadas e integradas pelo terapeuta.
De forma geral, podemos vislumbrar o desenvolvimento da psicoterapia transpessoal em
três estágios gerais: a) estágio da identificação, b) estágio da desidentificação e o c) estágio
transpessoal50.
No primeiro estágio temos o ego/self como foco de trabalho, de forma que as suas
características básicas: identificação, organização, vontade, defesa, metabolismo e navegação,
são revistas e integradas visando o aumento da auto-estima e o abandono de padrões negativos
de auto-anulação. As sombras são visitadas numa tentativa de integrá-las ao fluxo de
desenvolvimento da consciência e com o objetivo de termos um eu mais integrado e harmônico.
No segundo estágio, tem início o despertar transpessoal com o trabalho no nível
existencial. O ego estando agora mais integrado e sintônico é capaz de suportar as pressões do
processo terapêutico de desidentificação. Aqui o indivíduo enfrenta questões existenciais
básicas, como o sentido da vida, sendo dado início ao processo de desidentificação dos pápeis,
atividades e relacionamentos. As gratificações alcançadas no primeiro estágio são aqui vistas
como limitadas e limitantes. A resolução deste estágio é vivenciada como um processo de morte

49
Este modelo de supervisão não é o único em Psicologia Transpessoal, refletindo a tentativa dos autores, a
partir das suas experiências com outros terapeutas transpessoais, de sistematizarem uma forma de transmissão
de conhecimentos nesta área do saber.
50
“A Clínica Transpessoal: do divã aos estados ampliados de consciência e a experiência de formação de um
terapeuta transpessoal, artigo da lavra de Aurino L. Ferreira, in Psicologia e Psicoterapia Transpessoal:
ampliando as fronteiras da consciência, 2004.
psicológica do ego. Ego que reencontrou seu lugar junto ao corpo numa unidade dinâmica. A
metáfora do centauro marca este momento terapêutico.
O Estágio Transpessoal marca o terceiro patamar de uma psicoterapia e é dividido em
duas etapas: a) Establecimento de um Eu Transpessoal, que surge a partir da desidentificação do
ego e do processo de identificação com o observador não-participante dos próprios processos
psicológicos. b) A autotranscendência, que emerge do reconhecimento do Eu Transpessoal
como contexto de toda experiência, podendo-se distinguir entre a consciência e os objetos ou
conteúdos da consciência. Aqui todo melodrama pessoal assume menos importância, não há a
experiência de separatividade absoluta, própria do ego, e sim um crescente sentimento de
interdependência.
Estes estágios devem ser percebidos dentro de uma perspectiva de espiral, e não de uma
maneira linear, onde há um encadeamento causal. A seguir apresentaremos um exemplo de um
pequeno caso clínico que mostra o trabalho transpessoal.
O terapeuta-aprendente dois (T-A2) após a vivência de supervisão, conscientizou-se da
necessidade de trabalhar o tema loucura/morte em sua terapia, pois estes estavam na raiz de
suas dificuldades em acompanhar clientes que apresentassem a necessidade de trabalhar esse
aspecto.
Terapeuta-Apredente 2 (T-A2) - No grupo de supervisão eu tive uma vivência que
me chamou atenção, e que acredito estar relacionada com muitas das situações que
venho aqui trabalhando. Eu gostaria de rever a situação de loucura e morte
experienciada na supervisão.
Terapeuta-Transpessoal (T-T)51 - Então como você gostaria de fazer isto?
(T-A2) - Revivendo aquela situação e explorando-a com maiores detalhes.
(T-T) - Você então pode deitar-se aqui no colchão, respirando calmamente,
deixando sua mente livre. Agora, você imagina o momento que você quer explorar
com “maiores detalhes”. E conta-o no presente, como se você estivesse revivendo-o
agora. Lembre-se que isto é uma fantasia, não havendo a necessidade de apegar-se
a nenhuma das situações.
(T-A2) - Sinto dores na cabeça, como se ela estivesse sendo partida em partes.
(T-T) - Acompanhe esta dor. (pausa) Diga-me o que está acontecendo.
(T-A2) - Eu estou no estágio de psiquiatria, e tenho que demonstrar que não estou
com medo, mas a loucura apavora-me.
(T-T) - O que você acha que acontece se você demonstrar medo aí no seu estágio?
(T-A2) - As pessoas não vão gostar de mim, e eu perderei o lugar de bom aluno.
Tenho também medo de enlouquecer aqui.
(T-T) - O que acontece se você enlouquecer?
(T-A2) - Eu me perco, deixo de ser bom.
(T-T) - O que acontece se você se perde e deixa de ser bom?
(T-A2) - As pessoas não vão mais gostar de mim e eu fico só. Eu não quero ficar
sozinho!!!
(T-T) - E o que você faz para não ficar sozinho?!
(T-A2) - Eu uso essa máscara de não ter medo, de ser invencível.

51
Usaremos (T-T) para representar o terapeuta transpessoal e (T-A2) significando o terapeuta-aprendente
dois, agora na condição de cliente.
(T-T) - E como você se sente com esta máscara?!
(T-A2) - Mal, muito mal. Eu sinto uma pressão bem forte na minha cabeça.
(T-T) - O que você qure fazer, já que se sente mal com esta máscara.
(T-A2) - Eu quero estar livre, mas tenho medo de enlouquecer!! Sinto um bolo
subindo dentro da minha coluna. É como se houvesse um cristal dentro da mesma,
mas está preso no inicio da minha coluna. (Paciente mostra vários sinais corporais
de entrada em estado ampliado de consciência).
(T-T) - Concentre-se nessa sensação; um bolo subindo dentro da coluna e diga-me o
que acontece.
(T-A2) - Tem uma cobra com um diamante na boca e ela faz força para subir.
(T-T) - E como você se sente quando isto está acontecendo?!
(T-A2) - Todo o meu corpo vibra quando esta cobra sobe, e o diamante fica mais
brilhante. Ele sobe e ilumina todo o meu corpo. Ele continua subindo, mas fica
preso na cabeça. O centro da minha cabeça está aberto e o diamante está preso.
(T-T) - O que você quer fazer agora, quando o diamante está preso e a cobra não
consegue subir?
(T-A2) - Eu tenho medo que a minha cabeça se rompa. E que eu..., eu possa
enlouquecer.
(T-T) - Como você se sente quando não deixa a cabeça se romper para sair esse
diamante?!
(T-A2) - Mal, muito mal. Há uma pressão imensa sobre minha cabeça. Toda a
minha energia sobe, pressionando de baixo para cima.
(T-T) - E você quer continuar se sentindo mal ou não?!
(T-A2) - Não.
(T-T) - Então, você me diz o que você faz para resolver esta situação.
(T-A2) - Eu estou agora de pé, pairando sobre o planeta Terra. A cobra desce a
Terra para busca energia e volta com muita força entrando na minha coluna e
subindo com muito poder. Ela bate no diamante que sai pela abertura da minha
cabeça. O diamante transforma-se em luz que sobe e desce dentro do meu corpo
liberando todos os bloqueios. Minhas roupas são rasgadas e vejo-me preso a uma
imensa cruz que paira sobre a Terra. Agonizo nesta cruz e o corpo cai sobre a
Terra que o absorve. O diamante paira agora sobre este meu outro corpo. A cobra
vem e o devora, transformado-se num arco de luz. É um portal belíssimo, que se
abre como uma janela azul no céu. Sinto-me atraído pelo mesmo.
(T-T) - Como você se sente quando se percebe atraído por este portal!?
(T-A2) - Bem, um sentimento de paz domina o meu ser.
(T-T) - Então o que você deseja fazer agora?
(T-A2) - Entrar neste portal.
(T-T) - Experimente isto.
(T-A2) - Eu entro. Há um silêncio imenso. Uma profunda paz. É um lugar vazio de
coisas, mas ao mesmo tempo profundamente cheio. Aqui não tenho mais máscaras,
não preciso de nada. Tudo é silêncio e paz. Há um Deus com um fogo na mão e um
livro em outra; ele é imenso, mas profundamente manso. Ele conhece todo o meu
ser. Eu pouso na mão que tem o livro. É o livro de todas as minhas vidas. Ele passa
rapidamente as páginas, iluminado-as.
(T-T) - Como você se sente quando isto acontece?
(T-A2) - Sinto-me sendo liberado de todo um passado escuro. Agora ele fecha o
livro e eu pouso na sua mão esquerda, onde existe o fogo. O fogo é estranho, ele
não queima como o fogo comum. Ele começa a desfazer minhas formas, ao mesmo
tempo em que o deus vai também se transformando em luz. Ele desaparece e minhas
formas também. Sinto-me espalhando, misturando-me com ele e com todo aquele
vazio.
(T-T) - Como você se sente quando isto acontece?
(T-A2) - Em pazzz!!!
(T-T) - Então desfrute esta paz.(Tempo em silêncio). Agora eu quero que cheio de
paz, você retorne para o aqui e agora, trazendo com você o calor deste fogo
diferente. Entre pelo centro de sua cabeça e preencha todo o seu corpo de luz.
Imaginando isto como um bom sonho, um sonho transformador.
O terapeuta transpessoal ajuda o paciente a integrar-se no aqui e agora. Pedindo
que o mesmo faça um mandala, que foi depois analisado juntamente com o paciente.
A análise da vivência acima permite-nos localizar o espaço da psicoterapia para além da
supervisão, que num primeiro momento explorou os elementos que estavam dificultando a
relação do terapeuta com o cliente. Já na sessão de psicoterapia temos um aprofundamento dos
temas destacados, partindo do universo individuado do cliente.
A nível psicodinâmico tivemos um aprofundamento das questões referentes à auto-
imagem (necessidade de reconhecimento, revivência das relações parentais primitivas ou
dinâmicas edípicas) expressas nos conflitos apresentados no estágio de psiquiatria. Tivemos
contemplado aqui o trabalho com os elementos que compõem o primeiro estágio da terapia.
Após isto, o cliente ingressou numa vivência de morte-renascimento, com características
metafóricas dos conflitos do nível existencial, bem como passsou a apresentar fenômenos
próprios da passagem das matrizes perinatais III e IV (ver capítulo III, item 3.2):
“Minhas roupas são rasgadas e vejo-me preso a uma imensa cruz que paira
sobre a Terra. Agonizo nesta cruz e o corpo cai sobre a Terra que o absorve. Uma
cobra vem e o devora, transformando-se num arco de luz. É um portal belíssimo, que se
abre como uma janela azul no céu”.
Paralela a vivência existencial/perinatal, acima destacada, o paciente viveu uma
experiência de contato com o processo de subida da “Kundaline”, definido por Grof (2001)
como:
“Energia cósmica geradora , de natureza feminina, responsável pela criação do
cosmo. Em sua forma latente, ela reside na base da coluna vertebral humana no corpo
sutil ou energético, que é um campo que atravessa e permeia bem como envolve o corpo
físico... conforme ascende, ela elima impressões traumáticas antigas e abre os centros
de energia psíquica, denominados chakras.”
Esta vivência permitiu ao cliente movimentar-se num nível transpessoal, onde elementos
míticos simbolizavam o estado de transformação, culminando com autotranscendência, o último
estágio da psicoterapia transpessoal, manifesto na vivência de “vacuidade”.
Deste trabalho destaca-se a interconecção dos diversos níveis de consciência, bem como,
a possibilidade de acesso a outros níveis, possibilitando o afrouxamento das defesas do ego,
permitindo assim que o sujeito desfrute uma maior gama de seus recursos interiores.
4.2. O papel do terapeuta transpessoal

Somos visitantes neste planeta. Estamos aqui por noventa, cem


anos no máximo. Nesse período devemos tentar fazer algo de
bom, algo de útil com nossas vidas. Tentar ficar em paz com
nós memos e ajudar terceiros a partilhar dessa paz. Se você
contribuir para a felicidade de terceiros, encontrará o objetivo
verdadeiro, o significado da vida.
- O XIV Dalai Lama

Conforme pontua Bertolucci (1991), ao atuarmos como terapeutas estaremos agindo de


forma direta com a nossa própria psique mais do que propriamente com alguma técnica ou
teoria, uma vez que antes de qualquer outro tipo de comunicação existe uma intercomunicação
de consciências.
O terapeuta transpessoal é um ser humano comum em processo de crescimento pessoal e
desenvolvimento espiritual. Ele não é um "mago" nem um "mágico" que promete curas
milagrosas através da expansão da consciência, entretanto pelo seu métier e dada às
características próprias da abordagem transpessoal, espera-se que ele seja um ser humano
vivenciador ou buscador de valores elevados, ética, consciência ampliada e conhecedor da
capacidade de transcendência da dimensão humana.
Faz-se necessário que o terapeuta transpessoal não negligencie seu próprio trabalho
interior, buscando aliar o conhecimento de práticas espirituais e o cultivo daquelas com as quais
melhor se identifica com um profundo resgate e integração de suas sombras.
Dentro desse contexto percebemos uma diferença fundamental entre aquele psicólogo
que concorda com a abordagem transpesssoal e com ela sintoniza, e o psicoterapeuta
transpessoal.
O Psicólogo Transpessoal possui o conhecimento teórico autodidata ou adquirido em
congressos, simpósios, leituras, workshosps ou mini-cursos informativos que não conferem uma
formação completa e não o habilitam à atividade psicoterapêutica.
Quanto ao segundo, isto é, o Psicoterapeuta Transpessoal, além da formação
convencional em Psicologia ou Psiquiatria é indispensável que ele também possua uma
formação teórica-vivencial em psicologia e psicoterapia transpessoal incluindo certos requisitos
mais exigentes do que em outras abordagens, como por exemplo, o seu próprio trabalho
experimental e experiencial em psicoterapia e outras disciplinas transpessoais. E ainda, dada a
amplitude no modo holístico de enfocar o ser humano, é importante também que ele tenha o
conhecimento das questões espirituais, procurando não seguir dogmatismos, mas ficando aberto
a grande variedade dessas questões dentro do âmbito das diversas religiões, tradições
multicentenárias e filosofias.
Entretanto, o fato da psicologia transpessoal lidar com a dimensão espiritual do
indivíduo, não deve ser confundido com a vinculação do terapeuta a qualquer credo religioso ou
dogmático. Ao contrário, o terapeuta deve estar aberto a todas as manifestações religiosas e
enfocar sua atuação num contexto antropológico e fenomenológico, sem, no entanto, induzir o
cliente às suas crenças particulares, mantendo o máximo cuidado com esse aspecto ético para
não vincular a psicologia transpessoal a qualquer corrente religiosa específica sob o risco de
adulterar seus pressupostos de abertura integral e de pluralidade.
Mesmo considerando os enfoques atuais que não fazem distinção entre ciência e religião,
salientamos a importância do terapeuta transpessoal colocar-se com visão ampla para todos os
caminhos espirituais, buscando pautar-se no respeito incondicional às idéias do outro.
As técnicas inspiradas no xamanismo e nas filosofias e tradições orientais passam por
um processo de adaptação aos modelos científicos ocidentais. O uso dessas técnicas tem
respaldo em pesquisas que salientam a importância desses recursos para se atingir os objetivos
terapêuticos. Ao utilizá-las, faz-se mister que o terapeuta tenha conhecimento da interferência
que elas podem causar na dinâmica psíquica mediante suas correlações bio-psi-socio-
espirituais. Salienta-se que elas não devem ser usadas aleatoriamente; o terapeuta deve ter o
domínio da sua aplicabilidade e utilizá-las com consciência.
Consideramos que os cursos teórico-práticos de formação, habitualmente realizados em
grupos, oferecem condições adequadas para que o profissional vivencie sua dinâmica
intrapsíquica em vários níveis de consciência, tendo ainda a oportunidade de observar a conduta
terapêutica frente aos mais diversos casos, obtendo com isso uma experiência diversificada.
Assim, o mesmo terá maiores condições de construir uma ponte teórica tendo como ponto de
partida o vivenciado e observado junto a si próprio e ao grupo.
Obviamente, o conhecimento teórico não dispensa o trabalho vivencial nem este invalida
aquele. Supõe-se que o terapeuta transpessoal pretenda facilitar ao seu cliente ir além do ego. É
indispensável, portanto, que ele próprio esteja no investimento pessoal de transcender seu
próprio ego, pois acreditamos não ser possível guiar alguém num caminho que não trilhamos,
ainda mesmo conhecendo o mapa, pois "O mapa não é o território"52.
Parafraseando um conhecido provérbio de origem budista, para consertar o que é torto, é
preciso antes fazer algo mais difícil: consertar a nós mesmos. Se dentro do contexto da terapia
surge a necessidade do toque físico53, o terapeuta transpessoal pode fazê-lo, explicitando a
importância do seu gesto, mas respeitando a individualidade e os limites do cliente. Nesse
sentido é indispensável evitar manipulações por parte do terapeuta, como provocações sensuais
e atitudes sedutoras, mesmo considerando quaisquer conotações que tais atitudes tenham, como,
por exemplo, beijar os pés ou as mãos do cliente... e outros absurdos a pretexto de "quebrar
resistências", "desbloquear sexualidade" ou de "expressar afetividade" ou atitudes semelhantes.
O psicoterapeuta transpessoal, que recebeu uma formação sistemática em cursos com
credenciais que confiram credibilidade dentro do verdadeiro sentido e real objetivo da
psicoterapia transpessoal, deve estar ciente dos padrões éticos que norteiam a atuação no
trabalho transpessoal.
No que diz respeito às possibilidades de atendimento, não há contra-indicação para o
terapeuta transpessoal atender pessoas próximas, desde que essa proximidade não o impeça de
exercer o seu papel com assertividade, amorosidade e firmeza, e desde que os vínculos egóicos
estejam bem claros no trabalho, evitando assim as distorções das manisfestações transferênciais.
Se a única motivação do terapeuta é ajudar o cliente, ele poderá fazê-lo baseando sua atitude na
verdade e na sinceridade, sem a tendência de querer agradar o seu “amigo-cliente”, pois a sua
função não é a de ser o "bonzinho", e sim beneficiá-lo no processo de crescimento.
Teoricamente, não existem impedimentos ao terapeuta transpessoal para atender pessoas
de uma mesma família desde que as próprias se permitam e o terapeuta esteja seguro de que não

52
Alfred Korzybski, apud Capra, 1995, p. 30.
53
Maiores informações ver Cap. V, neste livro.
haverá interferências prejudiciais ao processo de cada um. Para tanto, algumas variáveis
precisam ser consideradas:
1. o terapeuta precisa se auto-avaliar constantemente para não ser manipulado nem
manipular os envolvidos tomando partido de um em detrimento do outro.
2. é necessário manter-se alerta no sentido de neutralizar as interferências
(transferências) que possam surgir de um e do outro.
O psicoterapeuta transpessoal lida com a transferência e contra-transferência
diferentemente do psicanalista, pois a psicanálise tem na transferência seu eixo de cura e por
isso a estimula. Em Psicoterapia Transpessoal, reconhecem-se e se clarificam os fenômenos
transferenciais tanto os da parte do paciente quanto os do terapeuta, principalmente quando se
está trabalhando no nível biográfico da consciência.
A transferência aqui é vista como projeção do ego, neste sentido, também considerada
resistência à transformação, como na psicanálise. Entretanto, a Transpessoal postula que
enquanto o cliente se mantiver no nível egóico ele não atingirá a quebra das projeções
transferênciais, sendo mantido o conflito, embora alternando os sintomas. Concluimos que a
estimulação da transferência constitui-se na terapia transpesssoal um obstáculo à transcendência
do ego, dificultando ao indivíduo o transpor a sua dimensão pessoal (egóica).
Identificada a transferência, o terapeuta possibilita ao cliente reconhecê-la e contatá-la
vivencialmente, favorecendo a desidentificação da auto-imagem trazida no processo
transferencial.
3. É muito importante estabelecer um significativo rapport obtendo do paciente a
confiança no sigilo e na neutralidade referida no primeiro tópico, acima,
esclarecendo-o quanto à neutralidade e tranqüilizando-o quanto a intervenções
inadequadas já experienciadas por este.

A título de esclarecimento e para evitar dúvidas, informamos que o uso de "cristais",


"florais", "pêndulos", "tarô", "reiki", "alinhamento dos chacras", "massagem”, "do-in",
"shiatsu", entre outros, não se traduz por Psicoterapia Transpessoal e por isto mesmo estas não
compõem o conjunto de técnicas pesquisadas, aplicadas e validadas nesta abordagem científica.
No entanto, a Psicologia Transpessoal não invalida a utilização destes recursos como
facilitadores do equilíbrio bio-psico-espiritual, na medida em que eles mobilizam mudanças
através da manipulação do campo energético, largamente pesquisado em outros modelos de
saúde (ex: acupuntura). Contudo, para aqueles profissionais que queiram fazer uso das técnicas
alternativas ou complementares referidas, faz-se mister distinguí-las do seu campo de recursos
psicoterapêuticos transpessoais, sendo necessário esclarecer ao cliente que não fazem parte
dessa abordagem psicoterapêutica. Isto se dá em concordância com a orientação do Conselho
Federal de Psicologia no Brasil, órgão regimentador e fiscalizador da profissão neste país. Vale
salientar que no parecer de número 000777, de 14 de julho de 1993, documento que estuda as
Práticas Alternativas, assinado pela Profª Dª Marília Ancora Lopez e Grisi (UNIP – USP/SP) e
pelo Prof. Dr. Luis Cláudio Mendonça Figueiredo (USP – PUC/SP – UNIP), os mesmos
ressaltam:
“... convém ainda lembrar que uma série de práticas instituídas nas últimas décadas
surgiram inicialmente como “alternativas”, como por exemplo as práticas da
antipsiquiatria. Mais radicalmente, podemos lembrar que qualquer prática profissional
inicia-se como “alternativa” legitimando-se à medida em que conquista o espaço e a
aceitação social. A criação da psicanálise por Freud poderia nos servir de exemplo.”
(p. 3).
O enfoque transpessoal, por lidar com conceito diferenciado da referência de tempo
cartesiano, funciona com flexibilidade em relação a tempo, horário e duração das sessões, sem
invalidar a necessidade de estabelecer horários regulares, sistematizando-os dentro do critério
pessoal do terapeuta e do cliente.
Diante de tantos requisitos importantes já expostos e mediante as condições
explicitadas, o psicoterapeuta transpessoal precisa, antes de tudo, ter amor e respeito por aquele
Ser que circunstancialmente surge diante dele no papel de cliente, estando ambos pactuados por
ocasião do estabelecimento do contrato terapêutico.
CAPÍTULO V

AS TÉCNICAS TERAPÊUTICAS TRANSPESSOAIS

Luz e Sombra
O véu de brumas descerrando...
Facho de luz cintilante descendo
Minhas sombras desvelando
Muito além de espaço-e-tempo.
Lá fora, o vento cortante
e o frio intenso
este corpo mortal, gelando
Mas, dentro, aqui em meu peito
arde um fogo crepitante
antigos samskaras queimando...
Agora, há a claridade
iluminando as sombras.
Desistir não quero
acolho a verdade, vou tentando
Como posso abandonar-me?
Se ainda nem sei quem sou?
Mas, nem isto agora me importa
O sentido de tudo mudou
Em reverência a ti, oh Supremo!
Entrego-me a grandeza deste AMOR.
Eliége Brandão

As técnicas terapêuticas transpessoais caracterizam-se pela adoção de uma visão


holística da realidade, sendo em última instância um reflexo do nível de consciência do
terapeuta, ou seja, elas não são um objeto instrumental neutro e dissociado da pessoa que a usa.
De forma que sua utilização deverá manter-se atrelada a uma compreensão global do paradigma
transpessoal, onde os vários aspectos do Kosmos apresentam-se integrados.
A grande parte das técnicas mencionadas nesta seção utiliza, de maneira direta
(sugerida) ou indireta (não sugerida) o conteúdo de imagens. Isto se justifica pelo
reconhecimento, há milênios, do uso da função imaginativa para a cura em várias culturas no
mundo inteiro, como no Tibete, na India, na África, entre os esquimós e índios americanos,
conforme aponta Epstein (1989), ainda pelos benefícios encontrados na atualidade com as
pesquisas que mostram a riqueza criativa do hemisferio cerebral direito (Robles, 2001a, 2001b).
Reportando-nos a épocas mais remotas na Grécia Antiga, lembramos o uso da faculdade
imaginativa na terapêutica de Esculápio, (Asclépio – deus grego da medicina) através da
nooterapia (cura pela mente) que purifica e reforma o homem fisica e psiquicamente. Então, já
naquela época, em Epidauro só havia cura total se ocorresse a metanóia (transformação dos
sentimentos). Assim, a metanóia, objetivo dos rituais de incubação de Esculápio, dava-se
através do trabalho com a mente – imaginação, visualização, mentalização.
Segundo Gawin (1978), “imaginação é a capacidade de criar uma idéia ou representação
em sua mente” (p.16). De forma que todas as manifestações humanas são originadas no
recôndito da mente, e o arcabouço do nosso mundo interno é constituido de imagens. As
técnicas transpessoais, buscando construir uma ponte entre o inconsciente e o consciente,
realizam a exploração do nosso mundo interno através da criação orientada, ou não, de imagens
que facilitem a cura. Segundo Epstain (1989), as imagens mentais são produtos da mente que
podem ser usadas para favorecer o contato com a realidade subjetiva interna constituindo-se
assim como uma linguagem do inconsciente.
Dentro desse referencial, as técnicas terapêuticas transpessoais acionam os conteúdos do
inconsciente através da vivência das imagens acolhendo sua verdade como fenômeno,
oferecendo assim condições para que eles sejam revividos, atualizados, reorganizados e
resignificados na psique, de forma tal, que a percepção dos fatos seja transformada em direção
ao bem estar e equilíbrio psicológico da pessoa.
Entretanto, é importante lembrar que apesar da fundamental importância da técnica, não
é apenas a técnica que torna o processo psicoterapêutico transpessoal efetivo. Dentro desse
ponto de vista alertamos que é conveniente ter bastante habilidade na aplicação dessas técnicas
para não correr o risco de desvirtuar seus objetivos, tornando-os inócuos em relação à
transformação da percepção e dos sentimentos do cliente, o que indica uma quebra na conexão
referida no item 4.1.1. do cap. IV deste livro.
O resultado satisfatório da técnica em relação ao objetivo alcançado vai depender do
nível ampliado de consciência do terapeuta, bem como da forma de aplicá-la, das palavras
usadas, do tom de voz, de tudo aquilo que pode ser comunicado pelo corpo, dos pensamentos,
de todo o contexto energético que está presente na expressão humana explícita ou
implicitamente, ou seja, toda uma metacomunicação. Este resultado também é afetado pelo
contexto em que a técnica é aplicada, sob o risco de prejudicar os objetivos a que elas se
propõem, dificultando o processo psicoterapêutico. Enfim, as técnicas só são efetivas quando
traduzem a ampliação da consciência do terapeuta na busca de oportunizar um contexto e um
processo capaz de desencadear uma experiência de caminho de cura para o paciente.
Queremos, aqui, reportarmo-nos aos nossos alunos, que há longo tempo nos vêm
solicitando para que façamos um manual de técnicas, esclarecendo-lhes que foi exatamente
pelos motivos supracitados que resistimos em atendê-los até agora. E ainda é com grande
cautela que nestas páginas estamos tentando satisfazê-los, recomendando aos leigos, além do
que já explicitamos, uma especial atenção, quanto ao atendimento aos mais elementares ditames
éticos no que se refere ao respeito aos requisitos de formação e disponibilidade para a dedicação
preliminar ao percurso traçado para o exercício da atividade psicoterapeutica transpessoal,
evitando, assim, conduzir alguém para experimentar aquilo que eles próprios não se prepararam
ainda para vivenciar, seja como cliente, seja como terapeuta.
Anote-se que o que caracteriza as técnicas terapêuticas como transpessoais é o seu poder
de transformar as percepções, os sentimentos, emoções e atitudes do indivíduo, ou seja, o poder
que elas têm de conduzir e integrar a pessoa em níveis de consciência mais elevados dentro do
espectro da consciência. O que as distingue das demais, dentro de todo um imenso arsenal de
recursos psicoterapêuticos, é que elas objetivam a uma verdadeira transformação da consciência
pela superação da dualidade imposta pelo domínio do ego. Por exemplo, num contexto de raiva,
a pessoa não é estimulada apenas a fazer arqueologia da origem desta emoção para poder
expressá-la, ela é também conduzida a transcendê-lo, experienciando a transitoriedade dos
fatos, descobrindo a impermanência de tudo, chegando a um estágio de resignificação dos
eventos geradores de traumas ou, até mesmo, alcançando o sentimento de amor, a depender da
profundidade da experiência.
Diversas culturas e filosofias antigas, tanto no Oriente quanto no Ocidente, já praticavam
variadas técnicas que ampliavam a consciência. Com o advento da Psicologia Transpessoal está
havendo um resgate dessas práticas, tanto em seus conteúdos originais como adaptadas para a
exploração dos diversos níveis de consciência. Verifica-se, dessa forma, a importância que é
conferida por esta abordagem ao estudo da Antropologia, da Filosofia, da Mitologia Universal e
das tradições multicentenárias orientais e ocidentais.
Catalogamos aqui alguns dos recursos mais utilizados em nossa clínica transpessoal,
conscientes de que não esgotamos e nem contemplamos todas as categorias de técnicas já
desenvolvidas no meio transpessoal, contudo tentamos organizá-las, distribuindo-as da seguinte
forma:
1. clarificação e leitura do processo terapêutico dentro das cartografias transpessoais:
elaboração verbal;
2. técnicas envolvendo morte-e-renacimento psicológico do ego;
3. meditação;
4. exercícios psicofísicos;
5. sonhos inacabados;
6. jornadas de fantasia;
7. técnicas regressivas;
8. técnicas envolvendo práticas respiratórias;
9. desenho do mandala;
10. exercícios de desidentificação da auto-imagem.

A motivação de apresentá-las está ligada à necessidade, cada vez mais emergente, de


meios propiciadores de expansão da consciência e de abertura do coração, de forma a termos
uma sociedade mais integrada e solidária, contribuindo para a formação da cidadania e a
configuração de uma civilização planetária saudável. A seguir descreveremos detalhadamente
estas categorais, procurando situar seus objetivos, o nível de consciência que se pretende atingir
e as instruções necessárias à sua aplicação.
Reiteramos que as técnicas são um caminho de expressão da consciência e se encontram
indissociadas do nível de consciência de quem as utiliza, de forma que elas só se tornam
transpessoais quando o terapeuta que as utiliza está operando com uma mente/coração
transpessoal, ou seja, quando está pautado pela ética e por um profundo desejo de
transformação, do tornar-se MAIS PESSOA.

5.1. CLARIFICAÇÃO E LEITURA DO PROCESSO TERAPÊUTICO DENTRO DAS


CARTOGRAFIAS TRANSPESSOAIS: ELABORAÇÃO VERBAL

Como em toda terapia, o contato verbal é um dos momentos mais importantes do


trabalho terapêutico, pois possibilita o presentificar das experiências vivenciadas no fluxo
ordinário da consciência. Na psicoterapia transpessoal o contato verbal é feito de forma
incorporada, ou seja, o terapeuta comunica o vivido e percebido com a unidade mente/corpo,
seu campo experiencial, de forma que o verbal adquire corporalidade, torna-se experiência e
não apenas uma abstração.
O vivido pelo cliente é processado no campo do terapeuta que procura sensibilizar-se,
manter-se aberto, enquanto o seu observador transpessoal organiza uma fala incorporada para
devolver ao cliente. Vejamos o exemplo a seguir:
Paciente de 29 anos chega à terapia queixando-se da dificuldade de assumir sua
saida de casa, relata a tensão com sua mãe. Eles brigam pelas coisas mais
simples. Enquanto escuta o que está sendo verbalizado, o terapeuta deixa-se
tocar pelas palavras, ações, gestos, olhares, tons agudos ou graves da voz,
tensões, contrações daquele encontro. Sente, naquele momento, com sua criança
interior o desamparo da criança do cliente que em outros encontros relatará a
ausência de sua mãe durante os primeiros anos de sua vida por motivos de
trabalho. E com sua mãe interior, o terapeuta abre-se para perceber a
reativação da dor da mãe por perder o seu filho, por mais uma vez deixá-lo. Esta
abertura possibilita ao terapeuta formar uma imagem antes presente no sintoma
das brigas. Agora com uma imagem encarnada nas suas próprias vivências, na
sua sensibilidade visceral, o terapeuta pode então comunicá-la ao cliente.
– Enquanto você falava, sentia como é difícil para as crianças verem seus pais
partirem, bem como deve ser muito doloroso para uma mãe ter que deixar seu
filho em casa (isto é expresso em uma linguagem extremamente afetiva e
sentida, ela é direcionada para a criança interior do cliente, equivale a dizer:
eu compreendo). E conclui:
– Dói perder! (o cliente desarma-se, chora e fala do quanto está sendo difícil
perder e crescer).
Uma fala incorporada54 só é possível em um estado intencional de ampliação da
consciência, em um nível além do ego, onde há uma abertura para o “desmonte” da ilusão
separativa entre mente e corpo e a consequente emergência do campo experiencial55.
A elaboração verbal transpessoal também objetiva a clarificação e leitura do processo
terapêutico, incluindo o vivencial, sob o enfoque das cartografias transpessoais. Aqui o
psicoterapeuta faz uso de seus conhecimentos filosófico-antropológicos, de suas visões do novo
paradigma quântico-relativista e dos argumentos teórico-vivenciais transpessoais da natureza da
realidade para promover a ampliação da consciência em seu cliente. São informações deste
porte que o psicoterapeuta traz em sua bagagem, e que transmite na relação existencial ao
cliente quando considera tais reflexões aplicáveis à dinâmica do processo com o intuito de
favorecê-lo.
Para se entender melhor a aplicabilidade dessa conduta, exemplificamos os casos de
rigidez egóica referente à excessiva preocupação com a auto-imagem, de se estar em conflito
entre a polaridade que se expressa como o certo e o errado. Tais considerações podem favorecer

54
Por fala incorporada queremos nos referir a não dissociação entre mente e corpo presente durante a relação
terapêutica.
55
Por campo experencial queremos nos referir ao processo que se estabelece na relação entre a totalidade
terapeuta transpessoal e a totalidade paciente, de forma a possibilitar o aparecimento de uma experiência não-
dual, entramos neste momento na dimensão de um único inconsciente, esta forma de comuicação assemelha-
se à comuicação dialógica proposta por Buber.
a transcendência deste conflito, auxiliando o cliente a se permitir maior liberdade de escolha e
aceitação de novas opções quando se exemplifica a relatividade de conceitos e valores como
certo e errado em diferentes culturas (ampliação da consciência no espaço de âmbito histórico e
geo-político) e em diversas épocas (ampliação da consciência no tempo).
Uma conduta efetiva, em geral, consiste em valorizar aspectos do campo cultural. Por
exemplo, para os esquimós é ponto de honra oferecer ao visitante ou hóspede a sua própria
esposa para deitar-se com ele a fim de que lhe sirva sexualmente. E consitui grave ofensa
rejeitar esta oferta, configurando-se motivo de briga de sérias proporções, representando um ato
de desacato ao anfitrião, que agiu, segundo esta cultura, de forma gentil e “correta” com o
hóspede.
Reflete-se experiencialmente, então, com o cliente, como o ato de oferecer a esposa. Em
outras culturas, outros espaços geográficos, isto pode ser visto como um absurdo, fruto de
loucura ou perversão, sendo o fato julgado moralmente condenável, inclusive passível de
separação conjugal, ou outras penalidades, como a marginalização social do marido concedente.
Outro exemplo se dá em relação ao homossexualismo. Na Indonésia, o homossexual
travesti é considerado um privilégio numa família. Os “marus”, como são chamados, são
altamente respeitados e considerados pessoas abençoadas. São feitos líderes comunitários,
conselheiros, e responsáveis pela educação das crianças nas aldeias. A família que não tem um
maru, muitas vezes escolhe um filho para que este se vista de mulher e transforme-se em um, a
fim de se sentir honrada, agraciada. Este fato ainda se dá nos dias atuais.
Um outro fato pode ser tomado como exemplo, sabe-se que em épocas remotas era
comum, no Tibete, que as mulheres possuíssem mais de um marido, geralmente irmãos, para
que ficassem no mesmo clã. Isto se dava pelo fato do marido ter de sair para longas viagens e
pela necessidade de garantir que a mulher não ficasse sozinha para cuidar dos bens da família.
Atualmente, este costume está bastante esquecido, configurando-se monogâmico o matrimônio.
Semelhantes considerações também são cabíveis, antes ou depois de alguma vivência,
para ajudar o cliente a aceitar outras perspectivas de realidade e sua liberdade essencial de ser,
favorecendo sua desidentificação com a rigidez de valores, de conceitos e a identificação com
um ego rígido, amplificando sua consciência para além do consensual. Isso favorece a
psicodinâmica da transformação proposta por Eliana Bertolucci (1995).
Temos ainda as pontuações do psicoterapeuta quanto ao nível de consciência em que se
encontra conectado o cliente no que tange às cartografias transpessoais. Favorecer essa
compreensão pela dinâmica do processo é bastante estimulante no que diz respeito ao princípio
de aceitação e entrega do cliente. Este princípio está bem explicitado no curso do livro de
Bertolucci citado acima.

5.2. TÉCNICAS ENVOLVENDO MORTE-E-RENASCIMENTO PSICOLÓGICO DO


EGO

As técnicas que envolvem morte-e-renascimento psicológico do ego trabalham com a


idéia de que o ego é um conglomerado de múltiplas identificações que ganha uma aparente
solidez e permanência quando do contato com o mundo exterior, mas que de fato está sujeito ao
movimento constante da dinâmica de transformação do Ser, promovida pela impermanência. O
ser-no-mundo surge incessantemente inseparável do aparecimento do objeto, de forma que a
cada surgimento (renascimento) emerge uma série de formas de pensar e agir diferenciados,
uma nova auto-imagem específica. Este ser também sofre mudanças constantes que alteram a
sua dinâmica de vida, possibilitando o contato com uma verdadeira morte psicológica, pois
alteram a percepção da sua auto-imagem e a sua presença no mundo.
Esta visão dinâmica da consciência permite ao terapeuta transpessoal criar um espaço
acolhedor para favorecer a morte psicológica de uma auto-imagem específica. Assim,
possibilita a alteração de padrões de crenças, pensamentos e atitudes; bem como ajuda o
renascimento do ser-no-mundo.
As técnicas de morte-e-renascimento psicológico do ego remontam aos antigos ritos de
passagem presentes em diversas culturas ancestrais. Neles, os momentos críticos do
desenvolvimento humano (nascimento, entrada na comunidade, casamento, envelhecimento,
morte etc.) eram marcados por eventos coletivos que favoreciam a elaboração dos conflitos
psíquicos. Com o advento da revolução industrial, estes eventos marcantes foram rejeitados
como frutos de primitivismo, sendo retirado da pessoa um apoio para ressignificação dos
momentos de transição e de conflitos, dificultando, assim, os processos de construção e
desconstrução das auto-imagens.
Dentre as principais técnicas utilizadas nesta categoria temos a “respiração holotrópica”
de Grof (2000, 1999a), descrita sucintamente no Cap. III deste livro. Ela apresenta um potencial
transformador extremamente intenso, tendo sido amplamente pesquisada por este autor e
divulgada no meio transpessoal. A idéia central desta técnica é a de que através da respiração
focada, com o auxílio de música evocativa e apoio terapêutico ao aspecto auto-realizador do ser,
a pessoa possa acessar níveis mais profundos de sua psique. O uso da respiração combinado
com a música amplia a consciência, conduzindo a uma suspensão temporária das defesas do
ego, favorecendo o acesso ao inconsciente e o desencadeamento de diversas transformações.
Matos (1975, 1995a), realizando estudos com o processo de morte em diversas culturas,
desenvolveu a técnica “morte-e-renascimento psicológico do ego”, dando uma grande
contribuição para esta categoria de técnicas. Dado o impacto transformador que é causado no
ego com o uso de sua técnica, Matos orienta a sua utilização apenas por terapeutas habilitados e
sob supervisão.
As técnicas da Terapia Regressiva Integral de Woolger (1988, e mímeos diversos) são
extremamente eficazes para promover processos de morte-e-renascimento psicológicos,
principalmente quando se trata de fixações em níveis transpessoais (identificação com
subpersonalidades atribuídas a vidas passadas e ao plano arquetípico). (apud Menezes, 2004 a)
A seguir, explicitaremos algumas técnicas de morte-e-renascimento do ego
desenvolvidas pelos três psicoterapeutas acima citados. Embasados na nossa experiência com
estas técnicas, exercitamos em nossa prática clínica uma síntese que reúne aspectos das três
abordagens aliadas à Psicologia Budista Tibetana e aos estudos sobre a morte e o morrer junto a
diversas tradições milenares. Aurino Ferreira acrescenta ao seu trabalho conhecimentos da
Hipnoterapia Ericksoniana.

5.2.1. Morrer e renascer

De forma geral, as técnicas dos referidos psicoterapeutas podem ser aplicadas a partir da
vivência de um Sonho Inacabado ou de uma determinada situação relatada pelo cliente que
manifeste sintoma de ansiedade a respeito de algo projetado para o futuro, ou a angústia de um
fato passado.
Léo Matos (1977, 1994 e 1995) indica ao terapeuta que instrua o cliente para que ele
permita total liberdade na continuação do Sonho Inacabado ou situação problema, como se
estivesse acontecendo “aqui-e-agora”, induzindo-o a entrar em contato com seus sentimentos e
incentivando-o a imaginar que realmente aconteça aquilo que ele mais teme . Assim, o terapeuta
estará permitindo que o cliente esgote os conteúdos que emergem do seu inconsciente, na busca
de transformação, fechando gestalts com o uso da imaginação.
Woolger (supervisão) denomina esta etapa do trabalho regressivo de “entrar pelo
sintoma”, intensificando-o através da imaginação, buscando pela ressonância simbólica a
promoção da catarse e a clarificação dos planos do complexo.
Sendo as técnicas de morte-e-renascimento eminentemente experienciais e
fenomenológicas, a apresentação de caso visa facilitar a visualização da dinâmica envolvida
neste processo. De forma que cada etapa desta técnica será seguida por um exemplo clínico de
uma mulher de 35 anos com queixa de dificuldade no relacionamento profissional e que nas
primeiras sessões destaca assim seu conflito: “tudo me toca no trabalho, as relações estão
chegando ao máximo de tensão. Cheguei a fazer uma plástica na tentativa de mudar quem eu
sou para ser aceita” (sic).

20ª Sessão: Cliente chega extremamente ansiosa, relata de forma intensa o


fragmento de um sonho, onde estava em um lugar isolado, sozinha e tudo ficava escuro
rapidamente. Não conseguia fazer qualquer relação com acontecimentos anteriores,
sentia apenas grande ansiedade e “medo do mal que pode aparecer no escuro”;
enquanto falava do sonho, ela ia fazendo um recuo de encolhimento com o corpo, e
então quando fala do “mal que pode aparecer no escuro” bruscamente movimenta as
mãos em direção a área genital e pede para ir ao banheiro.
Terapeuta (T) - Sentada confortavelmente, entrando em contato com o seu
corpo... com a sua respiração... você feche seus olhos e vai entrando no mundo dos
sonhos... de forma protegida e segura você pode relatar para mim o seu sonho, o
importante é você imaginar como se ele estivesse acontecendo agora.
Cliente (C) – Eu estava em um lugar isolado...
(T) – Lembre-se: ele está, na sua imaginação, acontecendo agora. Então fale no
presente “eu estou em um lugar isolado...”
(C) – Eu estou em um lugar isolado. Não tem ninguém comigo e de repente tudo
ficou...fica escuro. Pronto, terminou.
(T) – Usando sua imaginação você pode completar o seu sonho, incluindo o que
acontece com o “mal que pode aparecer no escuro”.
(C) – Tudo fica escuro... escuro... Não vejo nada, sinto apenas um pressão no
meu corpo. (Expressa tensão no rosto e movimentos no corpo)
(T) – Isto, vá adiante! A pressão vai aumentando cada vez mais e o que
acontece? Cliente volta a repetir o movimento de recuo no corpo, encolhendo
lentamente as pernas, tirando os pés do chão.
(C) – Há uma forte pressão na minha barriga.
(T) – Respire rápido neste lugar, ponha toda sua atenção neste lugar. (A
respiração foi usada para intensificar o sintoma).
(C) - Tem algo aterrador próximo de mim, estou em perigo. (apresenta grande
tensão corporal, contraiu as pernas para junto do corpo, segurando-as firmemente).
(T) – Isto vá adiante, o que acontece, vá até o final!
(C) - Sai de perto de mim! Tem um monstro perto de mim. (movimenta o corpo
numa atitude de luta).

Léo Matos (1992c, supervisão) alerta que é importante que o terapeuta use o feeling para
permitir que o cliente possa recorrer a seus mecanismos de defesa, dos quais ainda não está
pronto para abrir mão ou flexibilizá-los. Algumas vezes, ao incentivar que o cliente enfrente
seus medos imaginando que se tornam reais, ele prefere fugir com soluções muitas vezes
fantásticas. Entretanto, está tudo bem, dentro dos pressupostos da imaginação ativa de Jung,
respeitando as defesas do inconsciente. Muitas vezes, o terapeuta assim o permite nos
momentos iniciais do processo, nas primeiras sessões, para que tão logo sinta o cliente
preparado, o instigue a não realizar soluções mágicas ou possíveis, mas sim enfrentar o seu
medo da morte psicológica, imaginando que realmente o pior acontece (Matos, 1995c,p. 19-23).
Favorece, então, que o cliente seja levado a imaginar sua própria morte, mesmo que seja através
da fantasia da velhice e morte natural.
(T) – O que acontece com você agora que o monstro aparece!?
(C) – Ele vai me devorar. Socorro!! (Chora)
(T) – Vá adiante! O que acontece?
(C) – Tudo termina (expressão facial de alívio), fui devorada, acabou.
Após o desfecho da morte imaginária, na técnica de Léo Matos, o terapeuta pode
conduzir para que o cliente saia do corpo como consciência/espírito/energia que testemunha o
fato, e veja do lado ou do alto toda aquela cena. Sempre indagando como o cliente se sente, o
terapeuta vai conduzindo-o para atravessar as paredes ou, se for o caso, atravessar o teto do
local onde morreu, e ir flutuando cada vez mais alto, observando o que existe lá, e, de certa
forma, trazendo a perspectiva da transitoriedade quando sinaliza: “E o tempo está passando...
Como você se sente agora?”
(T) – Agora que tudo terminou. Faça a fantasia que se distancia lentamente do
corpo, procure observar a cena de fora. O que está sentindo agora?
(C) – O monstro parece que não é tão aterrorizador. Tudo terminou.
(T) – Isto! Muito bom. Tudo terminou, faz parte do passado, o que TE TOCOU
(ênfase amorosa na voz) terminou. Você vai subindo cada vez mais (coloca-se música
suave). E o tempo está passando... Como você se sente agora?
(C) – Bem, meu corpo leve. (Relaxa na cadeira, soltando o corpo).
(T) – Isto! Muito bom, soltando tudo que precisa ser solto, transformando tudo
que te tocou, continue subindo cada vez mais e diga-me o que você está percebendo?.
Woolger (supervisão) destaca a importância de reforçar para o cliente, diante de uma
morte na vida passada, que aquela subpersonalidade se conscientize de que já morreu, e se
integre à personalidade atual. Ele incentiva o cliente a descrever suas percepções imaginárias; e
quando este refere algum arquétipo que indique ampliação da consciência (luz intensa, espaço
sideral, presença de deuses, Deus, espíritos superiores ou ancestrais) solicita-lhe que desfrute
dele, deixando que a luz ou alguma qualidade positiva do percebido envolva todo o seu ser.
Grof faz uso das músicas evocativas suaves para induzir respostas de expansão a níveis
elevados de consciência, interferindo apenas se houver necessidade de ajuda no momento final
de integração. Léo Matos (supervisão), no momento do fechamento da experiência de morte-e-
renascimento psicológico, sugere a fusão com arquétipo de luz, como uma estrela de cor
brilhante (1992c,p.20-22).
Na nossa clínica fazemos o uso da imaginação de alguma forma (estrela, sol) ou
qualidade (quente, brinlhante) de luz, pois este parece ser um arquétipo presente na maioria das
culturas para representar positivamente a morte e os níveis superiores de consciência, bem
como pesquisas envolvendo a morte e o morrer e as descrições de pessoas que viveram
experiências de quase morte indicam o encontro com luz (Kübler-Ross, 2000).
(C) – Estrelas... o céu está cheio de estrelas.
(T) – Escolha a estrela mais brilhante e se aproxime dela (cliente apresenta
expressão facial de bem estar)... aproxime-se dela e desfrute protegidamente... Deixe
que sua luz tome conta de você e que todo o seu ser transforma-se em luz. E quando
você estiver cheia de luz, diga: sim.
(C) – Sim.
Na etapa final da técnica, o terapeuta dá um breve tempo para que o cliente desfrute,
sempre lembrando que basta ter a intenção de que isto está acontecendo agora. Pergunta como o
cliente se sente e procura conduzir uma jornada de retorno à consciência usual. Pede que ele se
conscientize de seus sentimentos e sensações presentes agora. O terapeuta pede que volte a esse
momento da sessão, abrindo os olhos outra vez.
Integrando a experiência à vida do cliente, pede que ele diga como sente a situação que
gerou a vivência agora, nesse momento. Com isso, o cliente poderá depois, internamente, fazer
várias elaborações, e essa comparação também é importante para o próprio terapeuta perceber
se a gestalt realmente parece fechada ou não. É importante evitar racionalizações nesta etapa,
dando mais ênfase à consciência emocional sentida na totalidade mente/corpo.
No momento de término da vivência, Woolger (supervisão) sugere um pequeno diálogo
com as qualidades vivenciadas neste momento, buscando ativá-las no renascimento psicológico
da nova auto-imagem. Já Matos faz uso do potencial curativo da visualização, pedindo que o
cliente faça a fantasia que como luz retorna à terra e entra em seu corpo, evitando introduzir
diálogos. Em nossa clínica quando surge a presença de soluções fantásticas para a morte da
auto-imagem, fazemos a integração como Léo Matos sugere, contudo, quando as defesas do ego
permitem uma aproximação maior do conflito e a morte é expressa como se fosse a própria
morte psicológica da auto-imagem, o uso do diálogo com a participação do ego, como sugere
Woolger, favorece uma maior integração dos conteúdos da projetados da sombra.
A seguir apresentaremos o final da 20ª sessão e o desfecho da 22ª sessão, onde surgiu a
morte psicológica da auto-imagem negativa.
Final da 20ª Sessão (aqui o terapeuta Aurino Ferreira mesclou a técnica de
morte-e-renascimento, com abordagem da hipnoterapia ericksoniana).

(T) – Como você se sente cheia de luz?


(C) – Bem, muito bem.
(T) - Agora quero que como luz você volte para o aqui-e-agora, renascendo...
enchendo este corpo de luz. Transformando tudo com a luz, tudo que precise ser
transformado para que você tenha uma nova vida. (cliente faz movimentos leves com o
corpo, como se estive enchendo-se de luz) Isto! Muito bom, voltando neste novo corpo,
nesta nova vida, expandindo e deixando sua mente sábia continuar trabalhando para
seu crescimento. Isto! Abrindo os olhos confortavelmente... olhando para mim... muito
bom!
22ª Sessão
Na sessão anterior, a cliente trouxe como foco a abertura para olhar as pessoas do
trabalho de forma menos defensiva. Disse ter ficado impressionada com o monstro e que na
infância tinha medo de escuro. Aurino Ferreira deslocou o diálogo através da técnica de
regressão baseada em associação, e ela retornou à infância, falando do seu medo do escuro. Ele
sugeriu, então, à cliente que a sua mente sábia poderia ao longo da semana ajudá-la a encontrar,
através do sonho, a origem do medo.
Paciente chega a 22ª sessão dizendo que não parou de pensar no monstro e que
as coisas do trabalho não a estão “tocando mais” como antes. Diz não ter sonhando
com nada, mas quando acordou pela manhã pensou como seria uma nova luta com o
monstro.
(T) – Você parece estar me dizendo que o monstro não é mais tão poderoso e que
a menina, de quem você falou na sessão anterior, sente-se mais segura porque a sua
parte adulta pode protegê-la (me vem à imagem de seus filhos, a quem ela dedica um
grande amor), assim como protege a seus filhos (uso essa fala como uma forma de
ativação da auto-imagem de proteção do adulto da cliente), não deixando ninguém
tocar nela sem permissão (busca de criar empatia a partir do campo experencial, pois
internamente sinto uma inquietação, como se algo estivesse para acontecer).
(C) – É verdade.
(T) – Então você pode novamente fazer a fantasia que volta àquele sonho e que a
menina que tinha medo do escuro enfrenta o monstro com a ajuda da sua parte adulta.
É só fechar os olhos, relaxar e ir imaginando... protegidamente imaginando.
(C) – Estranho, vejo a casa da fazenda do meu tio.
(T) – Estranho! Vá adiante, siga protegidamente.
(C) – Eu nunca estive lá quando criança. E quando passei no concurso para meu
emprego tirei uns dias de férias lá, tive falta de ar, raiva e medo, principalmente à noite.
(começa a encolher o corpo e a apertar as mãos ansiosamente).
(T) – Imagine que você encontra o monstro ai, neste lugar.
(C) – Não sinto monstro nenhum, mas uma grande mão me apertando na parede,
ela me toca. Tá escuro (fala em tom infantil). Tenho medo! (contrai todo corpo, se
debate na cadeira, chora intensamente).
(T) – Vá adiante, o que está acontecendo com você criança (ativação do
personagem criança).
(C) – A mão me esmaga na parede, ela me toca. Ele abusa de mim. Não agüento,
prefiro morrer. (chora profundamente)
(T) – Criança tocada como você morre?
(C) – Sou esmagada na parede, tudo fica escuro, morri. Terminou.
(T) – Isto! Terminou, menina, ninguém mais vai abusar de você. Ninguém vai
tocar em você sem sua permissão. Sai deste corpo (morte da auto-imagem). O que
acontece com você agora?
(C) – Saie deste lugar, a lua está muito bonita, sua luz me acalma.
(T) – Isto, encha-se de luz, deixe que a força da mãe lua cuide profundamente de
você. Cure profundamente seu SER. Quando você estiver cheia desta luz diga-me: sim.
(Coloco a música Deep Peace)
(C) – (Lágrimas e expressão de felicidade) Sim.
(T) – No inicio da sessão você me falou que o monstro não é tão poderoso e
agora que está cheia desta luz, você pode retornar para dentro da casa e ajudar aquela
menina.
(C) – Entro na casa, no quarto...
(T) – Isto, use sua força, sua luz...
(C) – A menina está esmagada na parede e o homem está apertando-a.
(T) – O que você quer fazer para ajudar a menina? (trabalho com os estaods de
ego da hipnoterapia ericksoniana).56
(C) – Solte-a, tire suas mãos dela (adquire uma postura corporal de indignação).
(T) – Isto! Fale para ele, vá adiante.
(C) – Você é um covarde! Você está tocando em uma criança. Ela não sabe o que
você está fazendo, você está traindo sua confiança.
(T) – O que ele está dizendo neste momento.
(C) – Que ela queria ser tocada, que ela é safada e que vai dizer para mãe dela
toda maldade (chora).
(T) – Fala com a criança, diga o que você como adulta cheia de luz sabe sobre
isto. Vá adiante, você pode falar.
(C) – Você é livre garotinha, ninguém deve fazer isto com uma criança... não
existe criança safada, nós vamos sim, dizer a mamãe, pois isto não se faz com uma
criança.
(T) – Isto! Vá adiante.
(C) – Eu tinha medo de você, medo que minha mãe sofresse com tudo, por isso eu
esqueci, mas agora terminou. Eu pego a criança e coloco nos meus braços (faz um gesto
de aconchego com os braços). Saia da minha vida (fala direcionada ao abusador)!Você
foi um monstro... (chora).
(T) – Muito bom! Diga-lhe: “eu estou livre de você. Você não é digno de me
acompanhar, você está livre para encontrar o seu próprio destino”.
(C) – Eu estou livre de você... o teto do quarto abriu e a luz da lua entrou... e
sinto muito por você ter traído minha confiança, você não é digno de me acompanhar.
Eu abro a porta... você está livre para seguir... Ele foi embora.
(T) – Converse com a menina... você pode cuidar dela agora. Diga-lhe que sente
muito por tudo que aconteceu, mas que agora você pode cuidar dela. Ela se sacrificou
pelos pais, para não trazer sofrimento a família, mas agora tudo passou, terminou.
(C) – Terminou garotinha... sinto muito, sinto por não ter falado, mas eu fiz tudo
por amor. Agora eu vou cuidar de você (faz gesto de abraço e chora copiosamente).
(T) – Deixe as lágrimas lavarem tudo que precisa ainda ser lavado, cuide
profundamente desta criança, sinta o que ela deseja mais profundamente.
56
Roger Woolger sugere que mesmo no bardo (período após a morte do personagem) o personagem retome à
cena fortalecido por algum recurso. Por exemplo: auxílio de animal de poder para lutar contra o abusador e
vencê-lo, ou evocação de arquétipos ancestrais, protetores, familiares etc. Já Léo Matos conduz o
personagem, após a sua morte, diretamente para o arquétipo do renascimento através da luz.
(C) – Ela agora esta correndo livre, solta...
(T) – Traga esta alegria para seu corpo agora, deixe esta liberdade fluir no seu
corpo agora. Sinta-se integrada com esta criança.
(C) – Sinto meu corpo livre, como se tivesse nascido agora.
(T) – Vá mexendo lentamente o seu corpo, integrando a liberdade... nascendo
para um nova vida... Quando você quiser, abra os olhos, consciente para esta nova vida.

Léo Matos (supervisão) pede que no momento em que o cliente abra os olhos, olhe para
o terapeuta e, fixando o olhar, diga conscientemente como se sente em relação ao tema
abordado na vivência ou àquela questão inicialmente tratada.Nakeida de Lima (comunicação
pessoal), além desse procedimento, pede que o cliente feche os olhos novamente e “mantendo
esse estado, autorize seu inconsciente a continuar esse trabalho curando o que precisa ser
curado, transformando o que precisa ser transformado, de um modo protegido e seguro” na
exata medida da necessidade do cliente. Logo após, o cliente poderá abrir os olhos, mas terá
uma consigna consciente de continuidade no processo de desidentificação e integração interna
dos aspectos luz e sombra.
Importa ainda acrescentar que a experiência de morte e renascimento tem um diferencial
à medida que possibilita o reconhecimento do poder interno de confronto e superação sem
exclusão da “sombra”.

5.2.2. Psicodrama do nascimento

NÍVEL: perinatal e transpessoal


TIPO DE APLICAÇÃO: grupal
OBJETIVO: favorecer o renascimento psicológico
INSTRUÇÃO
O cliente entra vendado na sala em penumbra, onde tudo já está preparado (colchões no
chão) rumo a um final onde existe uma lanterna encoberta por lençóis brancos, fazendo um foco
de luz difusa, inicialmente apagada. O terapeuta-parteiro psicológico instrui o cliente passo a
passo, sussurando-lhe, marcando as etapas das matrizes sem nomeá-las; induzindo o cliente a
vivenciar cada matriz através de músicas evocativas específicas.
O terapeuta sussura aos ouvidos do cliente: Você vai ter uma experiência de
transformação interior, o que nas culturas antigas era conhecida como processo de
morte e renascimento psicológico... Agora, protegidamente, você vai se deitar em
posição fetal no colchão que esta a sua frente... procurando fechar os olhos sob a
venda. (após se deitar o cliente é coberto com um lençol). Tranqüilamente e
protegidamente você se entrega a esta experiência... eu vou tocar em você (coloca a
mão sobre os ombros do cliente, afagando-o cuidadosamente). Isto, muito bom... sinta-
se tranqüilo (coloca-se uma música suave, como sons de água, sons de baleia,
golfinhos ou música instrumental com temas de ninar)... Deixando a música envolver o
seu corpo... você vai procurando sentir as sensações do seu corpo enquanto ouve a
música (começa a embalar calmamente o cliente num movimento de ninar, objetivando
favorecer a regressão).
Matriz I (manter música suave)
Agora você está sendo nutrido, cuidado, recebendo tudo o que você precisa para sentir-se
bem... (ao final da pausa longa, parar a música).

Matriz II (suspensão da música)


O tempo vai passando... passando... E agora este lugar tornou-se difícil, apertado... apertado (o
terapeuta com a ajuda do seu corpo e de almofadas pressiona fortemente o corpo do cliente), não
é possível continuar aí, mas você ainda não vê nenhuma saída... (silêncio, pausa)
Está ficando cada vez mais apertado, mais difícil de continuar aí... (ainda silêncio).
Matriz III (Música de ação, instrumental, sugerindo tensão)
Agora você vê um túnel... um túnel muito apertado... Há uma claridade no final do
túnel... é a única saída, e você usa todo o seu corpo para sair daí, através desse túnel (Acende a
lanterna nessa hora, e estimula seguir em direção à luz). Você começa a perceber uma luz no
fim do túnel e usa todo o seu corpo para sair daí... em direção à luz... siga, vá adiante (o
facilitador-parteiro permite liberação da cabeça e vai liberando o resto do corpo, favorecendo
que o cliente se encaminhe para luz da lanterna)... Vá em frente! Lute! Você é capaz! Você
pode! Você pode chegar a luz! (O terapeuta deve favorecer a saída completa do cliente da
situação de pressão; no momento final da saída introduzir música apoteótica)
Matriz IV (Música apoteótica, que sugira vitória, liberdade, sucesso, alívio depois de
grande esforço)
Agora você respira aliviado, começa a abrir totalmente os olhos e encontra a luz. A luz
de sua vida... (O cliente vai chegando próximo à luz). Vitória! Você conseguiu! Assuma a sua
luz, a sua vida! Use o seu corpo para expressar o seu sentimento... Como você se sente agora
quando você chega vitorioso ao fim dessa grande jornada do seu nascimento. Esse momento é
todo seu. Desfrute, profundamente...(Pausa).

Cuidados necessários: Durante esta técnica pode ocorrer sensação de sufocação,


desespero, choro, palpitação etc., que geralmente se repete na vida em ocasiões de
enfrentamento de desafios, sugerindo sintomas perinatais. Caso o clinete sinta sufocação e
desespero na Matriz II, o terapeuta pode estimulá-lo com palavras de apoio e proteção,
chamando-o pelo nome, lembrando-lhe que é uma vivência de fantasia, que é livre para
continuar ou não, porém que sabe que ele é capaz de ir até o fim e que será bom para ele.
Também, nestes casos difíceis, o terapeuta deve aliviar a pressão, afrouxar as almofadas
e levantar um pouco o cobertor do rosto para que ele respire melhor, e apenas continue
fantasiando que está num local fechado sem saída.
Esta técnica nunca deve ser aplicada sem a presença de um terapeuta experiente em
estados ampliados de consciência.

5.2.3. Visualização do próprio esqueleto

NÍVEL: perinatal e transpessoal


TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal
OBJETIVO: favorecer a morte-e-renascimento psicológico do ego a partir do contato
com a imagem da transitoriedade do corpo; ativação da imaginação criativa para reconstruir
uma auto-imagem positiva. Jornada inspirada nas práticas de Chöd da Psicologia Budista
Tibetana.
INSTRUÇÃO
1º Tempo -Relaxamento inicial
Sentado ou deitado você pode calmamente e protegidamente ir encontrando um caminho
para relaxar o seu corpo... no seu ritmo deixe que a respiração flua livremente dentro dos seus
pulmões, abrindo espaço para as transformações necessárias a sua vida... Siga o ritmo da sua
respiração... procurando tranquilamente encontrar um estado de atenção plena... ficando no
presente... na respiração, enquanto o oxigênio vai fluindo livremente ao longo do seu corpo.
Expirando, solte as tensões... solte o gás carbônico e inspirando deixe que o oxigênio flua
livremente em seu corpo.
2º Tempo – Introdução da transitoriedade ou mudança
Assim como o ar precisa ser trocado em seu corpo... toda natureza está sujeita a
mudança, a transitoriedade está presente em tudo... o ar entra e sai continuadamente...
mudando... transformando... Ajudando a renovar e promover as mudanças. Os ciclos de
transformações são necessários ao nosso crescimento. Enquanto você respira neste momento as
células do seu corpo estão em transformação... ajudando a compor os órgãos que estão
trabalhando protegidamente para o seu bem-estar. As células se transformam em moléculas...
que se transformam em átomos... tudo está em constante mudança.
3º Tempo – Visualização do esqueleto
O corpo um dia também irá mudar completamente... As células irão passar por um
profundo ciclo de mudança, deixando aparecer o esqueleto. Imagine um esqueleto diante de
você. Ele é o resultado de uma profunda transformação da natureza... Calmamente, veja como
você se sente diante dele... De forma protegida tome consciência que é assim que o seu corpo
vai ficar um dia... (pausa maior). Agora imagine que este é o seu esqueleto... e tranqüilamente
fantasie que você se transforma neste esqueleto agora. Aproveitando para soltar tudo que
precisa ser solto e liberar todas as fontes de tensão que estão no seu corpo. Solte, simplesmente
solte o corpo, deixe as células se transformarem em moléculas... e estas se transformarem em
átomos... tudo se transforma...Respire e solte!... protegidamente, solte!... solte o corpo, respire e
solte!....
4º Tempo – Reconstrução da auto-imagem
E agora que você está livre, solto... faça a fantasia que este esqueleto está se renovando...
enchendo-se de vida ao ritmo da sua respiração. Procurando imaginar as células formando os
órgãos sadios... tranqüilamente você pode ir recompondo o seu corpo... mudando aquilo que
precisa ser mudado, de forma a que você possa desfrutar a vida plenamente. Recompondo seus
pés e pernas... sentindo-os firmes para caminhar. Recompondo o seu quadril... enchendo de vida
a sua sexualidade. Recompondo o tórax e todos os seus órgãos... respirando vida... o coração
batendo vida... Recompondo suas mãos e braços... respirando vida, desfrutando sua nova vida...
Recompondo seus ombros e nuca... sua cabeça... respirando vida. Recompondo toda sua pele,
deixando-a cheia de vida. Desfrutando sua nova vida... Como você sente agora quando está
cheio de vida?... E agora cheio de vida traga movimento ao seu novo corpo. Sentindo-o
integrado e cheio de vida... Respirando calmamente e profundamente três vezes... no seu tempo
você pode abrir os olhos para esta nova vida.
5.3. MEDITAÇÃO

Na terminologia yogue o termo meditação é Dhyana que literalmente significa “fluir da


mente”. É um estado de concentração/atenção no presente, que permite à mente fluir livremente
em direção a níveis mais ampliados de consciência.
Na prática clínica transpessoal a meditação é incluída geralmente como um recurso
complementar da psicoterapia, visando a flexibilização da mente e facilitando estados de
consciência mais claros e profundos. Contudo, o ponto central da meditação em Psicoterapia
Transpessoal é permitir a pessoa permanecer no presente, incorporada em mente/corpo e aberta
para o fluxo de todas as manifestações possívies de contato.
Wilber (1999b) aponta que a meditação, em psicoterapia, “não é um meio de escavar as
estruturas inferiores e reprimidas do inconsciente” (p.123), para isso as técnicas de construção
de estrutura, as técnicas de revelação, de anáslise de scrip e a técnica do diálogo socrático,
desenvolvidas pela psicologia ocidental, são bastante rápidas e eficazes. A meditação seria
então “uma forma de facilitar a emergência, o crescimento e o desenvolvimento de estruturas
superiores da consciência” (idem, p.123). Este autor aponta que a confusão entre estes
objetivos reduz a meditação, no mínimo, a uma “regressão a serviço do ego”, quando na
realidade sua verdadeira meta é favorecer uma “progressão a serviço da transcendência do
ego” (idem, p.124).
Atualmente, no mundo ocidental, ocorre uma invasão das práticas meditativas orientais,
tanto com objetivos terapêuticos quanto com propósitos exclusivamente espirituais. Já são do
conhecimento público os efeitos fisiológicos e psicológicos da prática meditativa: baixa a
pressão sanguínea através da estimulação do hipotálamo, diminui a atividade do sistema
nervoso simpático, aumenta a oxigenação, reduz a produção e o acúmulo do ácido lático nos
músculos, reduz a pulsação cardíaca, aumenta a percepção auditiva e o reflexo da coordenação
motora, e amplia a percepção corporal.
No âmbito psicológico favorece o aumento da percepção diminuindo as distorções
perceptuais, reduz o diálogo interno predispondo à serenidade mental e à tranqüilidade
emocional, desenvolve a sensibilidade perceptiva e introspectiva, contribui para o
autoconhecimeno, afasta emoções inadequadas e incômodas como medo, raiva, e outras,
favorecendo o despertar do discernimento, da alegria e do amor universal.
As pesquisas revelam que, no aspecto terapêutico, a meditação é eficaz em casos de
ansiedade, fobias, tensão muscular, insônia, estresse e dependências de drogas levando a
acentuada mudança no comportamento, mas a prática é contra-indicada para esquizóides porque
podem piorar a apreensão da realidade; para os obsessivos compulsivos por estarem fechados
demais a novas experiências ou por exacerbar a obsessão nos esforços; também na depressão
profunda porque acentua o estado de apatia e inação nesses casos.
Wilber (1999b) aponta que a meditação de um modo geral parece contra-indicada nas
patologias mais primitivas do nível pré-pessoal (F-1 e F-2) porque, nesses níveis, ainda não
temos um Self suficientemente estabilizado para suportar as experiências mobilizadas pela
meditação. Jack Engler, destacado por Wilber, indica, contudo, o fascínio exercido pela
meditação budista para os indivíduos limítrofes (F-2), que podem passar a usá-la como uma
defesa para as vivências de estados de “não-ego”.
A maioria das patologias do nível pessoal (F-4, F-5, F-6) se beneficia da meditação,
“tanto por causa de seus próprios méritos e benefícios intrínsecos como por
causa de sua tendência a “descontrair a psique e a facilitar a desrepressão nos
níveis inferiores, contribuindo, assim, de uma forma auxiliar, com os
procedimentos terapêuticos nesses níveis” (Wilber, 1999b, pp. 126, 127).
No meio psicológico, a psicanálise parece ser uma das escolas que mais veementemente
se opõe ao uso da meditação atrelada à terapia, sendo clássica a afirmação de Franz Alexander
que a meditação seria uma regressão narcisista. Wilber (1999b) se opõe a esta visão afirmando:
“...os teóricos que reinvindicam que a meditação é narcisista imaginam que os
meditadores estão indo para dentro da mente; mas eles estão, na verdade indo
até o seu interior e, portanto, transcendendo-a: menos narcisistas, menos
subjetivas, menos egocêntricos, mais universais, mais abrangentes e, assim, em
última análise, mais compassivos” (p.129).
Diferentes tradições espirituais colocam objetivos os mais variados e profundos na
meditação, apresentando diversas formas, desde as mais comuns às mais complexas
dependendo dos propósitos auferidos. Não obstante, certas particularidades alguns elementos
comuns estão presentes em toda orientação prática, nos seguintes requisitos:
1. postura corporal: sentar com pernas cruzadas na posição oriental, quando possível,
coluna ereta, peito aberto, ombros sem tensão, corpo imóvel, relaxado e confortável.
Olhos fechados, abertos ou semi-abertos, dependendo da tradição. Também de
acordo com a abordagem, a língua fica voltada para a abóbada palatina, evitando o
excesso de salivação;
2. postura da fala: fala aqui tem o sentido de energia sutil, prana, bioenergia,
semelhante à manejada pela acumputura. Em psicologia poderíamos associar com o
orgônio de Reich ou a pulsão freudiana.
O controle da energia é feito a partir da respiração calma e abdominal, apenas seguir
o ritmo natural da respiração é a recomendação básica.
3. postura de mente: aqui se pode realizar reflexões analíticas, como por exemplo
analisar um tema específico, buscando compreendê-lo nos mínimos detalhes. No
oriente esta prática é conhecida como Vipassana. Outro caminho de colocar a mente
em meditação é deixando-a em uma atitude aberta, observando o fluxo dos
pensamentos sem criar nenhum vínculo com eles. É uma atitude semelhante a do
observador transpessoal.

A seguir, apresentaremos uma seqüência de meditações que pode ser usada na clínica
transpessoal. Elas são, na sua maioria, meditações guiadas, contudo o terapeuta deve estimular
o paciente a executá-las sozinho.

5.3.1. O Tigre
Esta técnica foi construída a partir dos ensinamentos sobre psicologia budista orientadas
pelo Lama Padma Santem, mestre erudito do budismo tibetano, e contempla um amplo trabalho
com todo o espectro da consciência. Divide-se em 5 etapas, podendo ser aplicadas
seqüencialmente ou de acordo com o nível de consciência que se pretende atingir. É
recomendável o acompanhamento de cada etapa através de mandalas e das expressões verbais o
que promove uma maior integração das experiências.

a) Convidando o tigre a entrar na caverna


NÍVEL: psicodinâmico
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal
OBJETIVO: reconhecimento da agitação e intranqüilidade da mente; percepção acerca
das possibilidades e limites da existência humana com vistas ao desenvolvimento de uma
motivação para tranqüilizar e pacificar a mente.
INSTRUÇÃO
Sentado confortavelmente, com as costas eretas, ou deitado, calmamente você começa a
respirar conscientemente... usando a respiração como uma forma de tranqüilizar o seu corpo e
pacificar a sua mente. Calmamente... você se imagina como um tigre, um tigre que representa
os aspectos impulsivos, instintivos de sua mente. O tigre aqui representa as suas energias frizen,
as suas energias pulsionais e impulsivas, as suas energias ligadas ao “self somático”, ao seu
corpo físico.
E, neste momento, calmamente... você respira para desenvolver a motivação de convidar
esse tigre a entrar na caverna. A caverna é o seu mundo interior. A caverna é o lugar seguro, o
lugar onde você pode desenvolver, protegidamente e calmamente, a segurança necessária ante
os impulsos de atacar, de fugir ou de ficar imóvel frente àquilo que surge em sua mente, em
suas emoções e em seus sentimentos.
Nós vamos estar chamando esses impulsos que surgem como pensamentos, emoções e
sentimentos, de “os outros animais”, os animais a quem o tigre ataca, a quem o tigre se apega
ou a quem o tigre se mantém indiferente. Então, calmamente, nessa posição de conforto, você
procura expandir a sua respiração, relaxando os pés, as pernas, usando a respiração como um
caminho de pacificação, como um caminho de desenvolvimento para a tranqüilidade e a paz
interior.
Acalmando o corpo, respirando tranqüilamente... você começa a pensar o quanto a sua
vida é incrivelmente preciosa (pausa). Neste momento, você pode tomar consciência da sua
vida humana preciosa. Você pode se dar conta de que, neste momento, você pode escutar a
minha voz, você pode se dar conta de que, neste momento, você está buscando tranqüilizar a
sua mente enquanto milhares e milhares de pessoas encontram-se em guerra, em violência.
Você está aqui, agora, presente inteiramente no seu corpo, desfrutando amorosamente da sua
respiração e percebendo o quanto estas coisas simples são incrivelmente preciosas (pausa).
Nas tradições orientais fala-se que a vida humana é tão preciosa quanto encontrar uma
pequena bóia no meio do oceano. Eles criaram uma metáfora mostrando que a vida humana é
semelhante a uma tartaruga cega que de cem em cem anos sobe para respirar e, no momento em
que ela sobe para respirar, uma pequena bóia jogada ao mar encontra lugar em torno de sua
cabeça. A chance de renascermos ou a chance de termos uma vida humana, é a chance de essa
bóia estar no momento exato, naquele ponto exato, onde a tartaruga levanta sua cabeça do mar.
Por isso, você pode neste momento, tranqüilamente... desfrutar da sua vida humana preciosa.
Você pode continuar sentindo o seu corpo, atentamente... profundamente atento ao movimento
da respiração, aos batimentos do seu coração. Você se dá conta de que essa vida humana
preciosa pode ser utilizada para favorecer o seu crescimento, para você entrar cada vez mais na
caverna, desenvolvendo mais e mais a motivação de tranqüilizar-se, de profundamente,
encontrar o seu lugar de calma, de repouso.
Enquanto você respira, você também pode pensar o quanto a vida é curta e o quanto a
morte é certa. Todos nós, organismos vivos, temos um ciclo de transformação, que se inicia no
nascer e termina com a dissolução da forma, isso que chamamos de morte. Você se dá conta de
que, em sendo a sua vida curta, o quanto você pode desfrutar de cada momento ao invés de estar
desperdiçando sua energia, seguindo animais, lutando, fugindo ou, simplesmente,
desenvolvendo a indiferença. Você pode, como um tigre, entrar protegidamente na caverna e
aproveitar a sua vida, essa vida preciosa, para desenvolver ainda mais os seus potenciais,
porque a impermanência é um fenômeno presente em todos os recantos da vida. Tudo se
transforma. A respiração tranqüilamente transforma tudo o que precisa ser transformado. É
natural a transformação e você pode, na segurança da caverna, transformar para construir uma
mente tranqüila e em paz.
A vida contém dificuldades inevitáveis. Os seres estão sujeitos a adoecer, a envelhecer,
estão sujeitos aos desafios da vida, mas você pode, aproveitando a sua vida humana preciosa,
aproveitando sua percepção de que a vida é curta, você pode observar essas dificuldades como
um convite, um convite para entrar na caverna e desenvolver uma mente mais tranqüila, mais
pacífica. As dificuldades não estão contra você, elas são sinais que apontam a necessidade de
crescimento, que apontam os seus limites, e, ainda, o quanto você pode buscar, e tranqüilamente
ir superando, vencendo e estendendo os seus limite... calmamente.
Nossas escolhas éticas moldam as nossas vidas. Nas tradições orientais e nas tradições
espiritualistas, de uma forma geral, isso é conhecido como causa e efeito, ou ação e reação.
Numa linguagem psicológica, poderíamos dizer que escolhas éticas possibilitam formas de ser e
de agir éticos, e você toma consciência de que há uma cadeia de interações em sua vida, uma
cadeia que influencia cada passo dado por você. Escolhas que você fez no passado repercutem
hoje no seu presente, assim como escolhas do presente influenciarão o seu futuro. Consciente
disto, você se motiva a entrar na caverna, a fazer esse mergulho interior de reconhecimento de
que sua vida humana é incrivelmente preciosa, e você merece vivê-la plenamente...desfrutando
a escolha de ser FELIZ e não sofrer. Você reconhece que essa vida é curta, assim, você pode
aproveitar cada momento, desfrutando os seus potenciais, ampliando-os para benefício de você
mesmo e do próximo. A escolha que você fez de ser feliz e não sofrer conduzirá você para o
crescimento e para a transformação.
Então, neste momento, calmamente, você se motiva, se dispõe a entrar na caverna, no
seu mundo interior, sentindo-se plenamente inteiro e inteiramente pleno. Caso você deseje
continuar o exercício e levar o tigre a entrar na caverna, você pode continuar. Caso você apenas
pretenda desenvolver mais motivação para mergulhar profundamente e protegidamente no seu
mundo interior, você pode continuar desfrutando da percepção da sua vida humana preciosa,
procurando exemplos na sua vida, procurando ver nas suas ações a presença ativa dessa área
sábia que há em você, dessa área que deseja profundamente ser feliz e não sofrer.

b) O tigre entra na caverna;


NÍVEL: psicodinâmico
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal
OBJETIVO: pacificação da mente, desenvolvimento da tranqüilidade e não reatividade e
investigação de emoções perturbadoras.
INSTRUÇÃO
Nas culturas multicentenárias é comum o uso de animais como referências de poder para
metaforizar o processo de crescimento da consciência, de forma que agora, dando continuidade
ao processo de ampliação da sua consciência, o tigre, que inicialmente reconheceu a sua vida
preciosa e, por isso, motivou-se a entrar na caverna, pode calmamente ir entrando na caverna.
(pausa). Respirando... entrando e encontrando um lugar tranqüilo, um lugar nesta caverna onde
você possa repousar calmamente...
O objetivo agora, com a entrada na caverna, é você ir aprendendo a ampliar seu tempo
de reação, evitando responder automaticamente e impulsivamente às provocações dos animais.
Até você aprender que você pode não responder de forma impulsiva aos seus pensamentos, às
suas emoções e aos seus sentimentos. Então agora, calmamente, você que já encontrou um lugar
confortável dentro da sua caverna interior, respire... tranqüilamente, neste local. Neste
momento, o mais importante é que você possa estar profundamente atento a todos os impulsos,
pensamentos, sentimentos e emoções que surgem.
Inclusive, se eles surgirem, você vai procurar se acalmar ainda mais, procurando
tranqüilizar-se mais e mais, procurando usar a respiração para dissolver a imagem desses
animais. E, enquanto você faz isso, o seu tigre vai entrando mais fundo na caverna, procurando
um lugar ainda mais tranqüilo. Você pode ir tranqüilizando-se ainda mais, consciente de tudo o
que surge em sua mente, em seu corpo e deixando tudo passar. Você, simplesmente e
calmamente observa esses impulsos, nomeando-os sem se apegar a nenhum deles. Você pode
agora estar sentindo alguma sensação no seu corpo. Enquanto você sente essa sensação, na sua
mente você vai apenas nomear, sentindo..., sentindo.... Caso surjam pensamentos, você vai
deixá-los passar. Você apenas vai observá-los e nomeá-los, pensando..., pensando...(pausa)
E inspirando, você acalma o corpo, (pequena pausa)
e expirando, você acalma a mente.
Inspirando, você acalma o corpo, (pequena pausa)
e expirando, você acalma a mente.
Podem vir pensamentos, emoções, sentimentos que há muito tempo você não lembra.
Pode ser que, neste momento, surjam pensamentos desagradáveis, problemas que você tenha a
resolver, dificuldades que impedem o seu crescimento. Não importa qual animal surja, você
apenas vai nomeá-lo, pensando..., pensando..., sentindo.... nomeando-os calmamente... e
protegidamente...
Respirando calmamente... o tigre vai entrando cada vez mais fundo na caverna. O
objetivo é você relaxar mais e mais, é você usar a caverna como refúgio de proteção,
seguramente protegido em relação aos animais... acalmando. E sempre que surgir qualquer
tensão você pode aprofundar ainda mais a respiração, e quando você faz isso, o tigre vai cada
vez mais para o centro da caverna, para o local mais tranqüilo e protetor desta caverna,
procurando repousar conscientemente e tranqüilamente.
Cada animal que surja, você pode nomeá-lo, pensando, sentindo e relaxando. Inspirando,
você continua acalmando o corpo, e expirando, você continua acalmando a mente. O objetivo é
esse tigre ficar profundamente tranqüilo, tranqüilamente aprofundando essa visão de que não
precisa reagir às emoções perturbadoras, aos pensamentos e aos sentimentos. Você pode acolhê-
los nesse lugar tranqüilo e protegido da caverna, transformando-os, nomeando-os.
Este é um exercício que você pode ir desenvolvendo calmamente, repetindo diversas
vezes, até que você se sinta profundamente capaz de ampliar seu tempo de reação ao convite
dos animais para perseguí-los, capaz de não reagir se defendendo, fugindo do que surge em sua
mente, porque você pode repousar nesse espaço amplo e protegido da caverna.
Quando você se sentir capaz de ampliar seu tempo de reação, capaz de usar a
tranqüilidade como um caminho de cura para tudo o que surge em sua mente, então você está
preparado para passar para a terceira etapa do caminho, que é o tigre sair da caverna, ele vai
para a abertura de passagem da caverna e sai. Mas, neste momento, você sabe que se você
precisar, você pode usar o tempo que for necessário para desenvolver essa habilidade de
permanecer tranqüilamente na caverna, desfrutando.

c) O tigre sai da caverna


NÍVEL: psicodinâmico e transpessoal
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal
OBJETIVO: pacificação da mente, desenvolvimento da tranqüilidade, construção de um
observador transpessoal a partir da transformação dos impulsos repetitivos.
INSTRUÇÃO:
Sente-se confortavelmente, ampliando a flexibilidade, deixando o seu corpo firmemente
plantado na terra, as mãos repousando confortavelmente sobre as pernas ou uma sobre a outra,
ou ao longo do corpo. O coração tranqüilo, os olhos suavemente fechados ou ligeiramente
abertos, num ângulo de aproximadamente 45 graus, olhando à sua frente, sentindo o seu corpo...
presente em seu corpo. Então, conscientemente, você passa a suavizar qualquer tensão,
procurando desobstrui-las, desapegando-se dos seus pensamentos habituais.
Você, que agora está dentro da caverna, tranqüilamente... passa a relaxar. E ainda mais, à
medida que sente conscientemente a sua respiração, relaxa... relaxando a cada respiração,
soltando as tensões. E à medida que sente conscientemente cada respiração o tigre pode ir se
tranqüilizando... Encontrando seu lugar de proteção.
Agora que seu tigre está profundamente tranqüilo na caverna, agora que simplesmente
encontrou a respiração como ponto de estabilidade para não reagir aos impulsos que surgem,
agora que ele começa a desenvolver uma paz, uma felicidade nessa permanência segura e
protegida da caverna, ele está pronto, preparado para sair. Neste momento, você se imagina
saindo pela porta da caverna, mantendo seus olhos mais abertos, mantendo a percepção da
respiração, a percepção consciente do seu corpo, com os olhos amorosamente abertos.
Mantendo a respiração atenta você fica plenamente alerta e consciente de tudo o que
entra em contato com os seus sentidos. Neste momento, você observa, calmamente e
protegidamente, tudo o que entra no seu campo visual, sem apegar-se, sem rejeitar. Você
simplesmente permite-se essa percepção ampla de tudo o que passa no seu campo visual.
Respirando... tomando consciência que, observando, você é mais do que aquilo que você
observa. E você deixa passar, não se prende, permanece livre, observando, calmamente
observando. Deixando a respiração fluir livremente.
O importante nesta etapa é você permaneça estável, é tomar consciência de que, mesmo
sendo tocado pelos impulsos, pelos pensamentos, pelas emoções e sentimentos, você não
precisa dar seqüência às histórias que surgem com esses impulsos. Você simplesmente e
calmamente os observa, e amorosamente, desenvolve um coração compassivo, capaz de acolhê-
los, capaz de olhá-los como expressões de sua própria mente, ampliando seu tempo de reação,
pacificamente tranqüilo. Respirando livremente...suavemente.
Você agora, tranqüilamente, observa todos os sons que chegam até os seus ouvidos.
Talvez você possa observar os sons mais agudos, talvez os mais suaves, os mais próximos
como a respiração ou o batimento cardíaco, os mais distantes (pausa), procurando focar toda
sua atenção e consciência na percepção dos sons. O tigre permanece alerta, respirando
conscientemente, mantendo a percepção e a consciência de que não precisa se aprisionar a
nenhum desses sons. Caso você siga algum desses sons, você volta, amorosamente, para sua
respiração, para o seu corpo, para a percepção consciente e estável da porta da caverna.
Você observa agora as sensações que você tem na sua pele, tudo o que toca a sua pele e,
calmamente, toma consciência de cada sensação. Você observa também os cheiros do ambiente,
tomando consciência deles, livremente, calmamente. Você também pode ir tomando
consciência dos gostos que passam pela sua boca, totalmente presente, consciente e lucidamente
presente à percepção de que você pode dispensar esses impulsos. Você é mais do que escuta,
mais do que vê, mais do que sente, mais do que percebe nos gostos, no olfato. Mas,
principalmente, você é mais do que o que você pensa. Respirando conscientemente você
desfruta desta percepção de liberdade.
Nas tradições orientais, a mente é considerada como um sentido, o sexto sentido. Então,
tudo o que surgir em sua mente, neste momento, você também pode observar da abertura de
passagem da caverna, repirando livermente... sem se deter. Respirando calmamente, deixando ir
e vir livremente os pensamentos, as emoções os sentimentos, dando continuidade a esse
processo de percepção profunda.
Pode ser que você precise exercitar isso várias vezes. O importante é que você pode ir

desenvolvendo essa capacidade de permanecer estável na abertura de passagem de sua

caverna, com tranqüilidade, ampliando seu tempo de reação, consciente de que os

animais que surgem, as emoções, os pensamentos, os sentimentos ou qualquer outro

impulso, são expressões de sua mente interior.

d) O tigre vai para o meio da floresta


NÍVEL: psicodinâmico e transpessoal
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal
OBJETIVO: fortalecimento do observador transpessoal capaz de perceber que todos os
fenômenos são construções vazias de solidez inerente. Uso da respiração associada à
visualização criativa do mantra OM, AH, HUM para dissolver pensamentos, emoções e
sentimentos perturbadores. Desenvolver a capacidade de percepção da luminosidade ou da
capacidade construtiva e positiva da sua mente.
INSTRUÇÃO
Respirando protegidamente... Você retorna para a estabilidade da abertura de
passagem da caverna, sentindo o seu corpo estável e seguro. Você pode ir respirando
conscientemente, enquanto o tigre pode ir se preparando agora para ir para o meio da
floresta. No meio da floresta talvez ele reencontre os animais, pensamentos, emoções,
sentimentos e impulsos. Para preparar-se para esse contato com os animais, o tigre vai usar a
respiração com as sílabas OM, AH, HUM.
No OM, inspira;
no AH, retém um pouco o ar;
e, no HUM, solta o ar.
Essa meditação de ir para o meio da floresta tem por objetivo desenvolver a
percepção de que todos os fenômenos são construções, que não apresentam solidez em si
mesmos. Portanto, são vazios de solidez inerente. Você pode usar a respiração com as sílabas
OM, AH, HUM para dissolver os animais que surgem, transformando-os, tirando-lhes a
solidez, ao mesmo tempo reconhecendo que eles continuam surgindo à sua frente, através da
luminosidade, da capacidade construtiva e positiva da sua mente.
Inspirando, OM... Retendo, AH e... expirando, HUM... Inspirando, OM... Retendo,
AH e... expirando, HUM... e novamente inspirando, OM... Retendo, AH e... expirando,
HUM... mantendo este ritmo respiratório OM... AH... HUM...você imagina o tigre indo
protegidamente para o meio da floresta. O meio da floresta significa voltar para a vida
cotidiana, as situações do dia-a-dia e os seus desafios.
Permanecendo consciente da sua respiração e usando o OM (inspirando), AH
(retendo), HUM (expirando) como forma de dissolver qualquer pensamento, sentimento,
emoção e impulso que surja. Mantendo o ritmo da respiração você pode ir entrando mais e
mais fundo na floresta. Pode ser que neste momento surjam memórias de desafios recentes
que você está vivendo (pausa), talvez surjam memórias de sua adolescência (pausa), talvez
apareçam memórias de sua infância. Tudo que surgir é dissolvido e transformado
protegidamente e amorosamente com o ritmo poderoso da energia do OM (inspirando), AH
(retendo), HUM (expirando). E antes onde havia animais, AGORA há o ritmo da energia
poderosa e transformadora do OM (inspirando), AH (retendo), HUM (expirando).
Agora que você sabe que tudo que surge como animal na sua percepção é uma
construção, sem solidez em si mesma, você pode dissolvê-las, transformá-los ainda mais
utilizando o OM, AH, HUM. Pode ser que você queira escolher alguma dessas situações para
transformar e assim desfrutar melhor da liberdade.
Você pode usar a respiração no ritmo do OM (inspirando), AH (retendo), HUM
(expirando) para dissolver essa situação. Então, enquanto você imagina esta situação, ela
surge sólida com o OM, permanece momentaneamente presente no AH e se dissolve e
transforma com o HUM.
Respirando calmamente você pode ir construindo no OM, retendo no AH e
dissolvendo e transformando no HUM.
Construindo no OM, retendo no AH e dissolvendo e transformando no HUM
Construindo no OM, retendo no AH e dissolvendo e transformando no HUM
Construindo no OM, retendo no AH e dissolvendo e transformando no HUM...
transformando amorosamente todos os animais que surgem em sua mente. Desfrutando da
liberdade presente na respiração. E antes onde havia animais (pensamentos, sentimentos,
emoções e impulsos) AGORA há liberdade.
Assim, o tigre vai aprendendo a caminhar no meio da floresta, desfrutando da sua
vida, calmamente desfrutando desse início de liberdade; desfrutando a liberdade que surge
dessa capacidade de entrar em contato com os seus animais interiores e não precisar atacar,
se defender ou permanecer indiferente. Assim você pode ir treinando, desenvolvendo mais e
mais essa habilidade de circular na floresta protegidamente acompanhado pelo OM, AH,
HUM.
E quando você sentir que os animais são acolhidos amorosamente então o tigre está
pronto para a próxima etapa, quando houver diminuído o impulso de apego, aversão e
indiferença. Você pode usar o tempo que for necessário apredendo a dissolver e transformar
a solidez dos seus animais interiores. Desfrutando a liberdade deste momento. Ou você pode
continuar este exercício ralizando a quinta etapa.

e) O tigre fica livre


NÍVEL: transpessoal
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal
OBJETIVO: expansão da consciência para além do ego, desidentificação do observador
transpessoal.
INSTRUÇÃO
Procurando, tranqüilamente... encontrar o seu lugar de refúgio, de equilíbrio,
estabilizando a mente. Procurando permanecer aberta; receptiva a todos os fenômenos que
surgem. Você pode ir se permitindo caminhar livremente no meio da floresta, sem reagir
impulsivamente contra o que quer que surja em seu corpo, em sua mente. Você imagina que
esse tigre, por vidas incontáveis, manifesta-se como tigre, ora procurando animais, ora
defendendo-se, ora atacando, ora permanecendo indiferente.
Respirando calmamente e amorosamente... agora você pode escolher um lugar seguro,
protegidamente seguro para repousar o tigre (pausa). Você permanece tranqüila, plenamente
consciente da sua respiração, acalmando... plenamente consciente de tudo o que surge em seu
corpo, em sua mente. E, amorosamente, abra-se para esses fenômenos. Você percebe que o
mundo surge porque há algo a ser defendido; o ataque surge porque há algo a ser defendido.
O que pode ser atingido é impermanente. O tigre é impermanente. E sempre que ele surge
como tigre, naturalmente surgem os animais; mas o tigre é impermanente. Já a natureza
ilimitada não pode ser destruída; ela é aquilo que está além do tigre.
Neste momento, o tigre toma consciência de que os animais surgem inseparadamente
dele. Se ele deixa de ser tigre, os animais deixam de surgir à sua frente. Respirando
calmamente, ele percebe que quando tudo falta e se desfaz, quando não há segurança e não
temos para onde ir, o abraço compassivo, qualidade de presença, se faz presente. Você, neste
momento, começa a se abrir para esse abraço compassivo. Na sua imaginação, esse abraço
engloba a cor azul, azul como o céu acolhedor. O tigre acolhe tudo o que surge, como o céu
acolhe tudo o que surge. Ora acolhe nuvens escuras, ora acolhe raios e ora acolhe o brilho
radiante da luz do sol. Acolhendo, ele passa a perceber a cor amarela da generosidade, do
sustentar, do dar ao outro, do reconhecimento do outro.
Respirando no coração, brota a sua compaixão e a sua amorosidade. Permita-se
também fazer brotar a certeza da cor vermelha, a certeza de que ele está no caminho que
conduz à liberação, pois à medida que respira, o tigre se dissolve ancorando no coração.
Dissolver a identidade de tigre, dissolver a identidade de quem vive atacando, fugindo ou
indiferente produz liberação. Permita agora o uso da cor verde, o verde que protege, que
amorosamente limita a propagação das ações negativas. E, sentado calmamente, você pode
permitir-se agora desfrutar da tranqüilidade de serenizar as ações negativas, porque você é
livre. E antes onde havia ações negativas, AGORA há o verde protetor.
O tigre também percebe que ele é luz, luz... é luz... Neste momento, usando sua mente
criativa, você pode ir se transformando em luz. E enquanto você expande essa luz
compassiva do seu coração, você se transforma em luz (pausa), em luz acolhedora, generosa,
segura, protetora e livre, livre... livre... sou liberdade! Liberdade... E livre como a luz você
pode ir expandindo-se compassivamente e protegidamente para todo este ambiente, talvez
para toda esta cidade, talvez para este país (pausa). Você pode ir se expandindo livremente...
até que essa luz envolva o planeta Terra em um abraço compassivo, um abraço que engloba
todos os seres, compassivamente... amorosamente presente, livremente... desfrutando da
liberdade, da amplitude, da natureza ilimitada. Abra-se nessa imensidão, desfrute dessa
imensidão (pausa). E antes onde havia o tigre, AGORA há liberdade (pausa). E
conscientemente livre você volta a perceber o seu corpo, aqui-e-agora, oferecendo-lhe
liberdade e luz. Liberdade para os seus pés, e eles podem se mover lentamente. Liberdade
para suas pernas, movendo-as lentamente; liberdade para os seus quadriz e tronco, liberdade
e luz para os seus braços e mãos. Mova conscientemente as mãos; liberdade para sua cabeça;
liberdade e luz para tudo que precise ser livre. Conscientemente presente, respirando no seu
corpo. Você abre os olhos livremente e toma conciência de que é livre. Você é livre!

5.3.2. O uso da meditação com mantras em terapia

O uso do som como caminho de ampliação da consciência é uma das tecnologias mais
antigas usadas pelo homem. Desde as épocas mais remotas ele aparece como um auxiliar no
desenvolvimento da consciência. Culturas multicentenárias desenvolveram tecnologias capazes
de induzir estados de consciência alfa57 e que só agora começam a ganhar espaço nos estudos
ocidentais.
Na terapia transpessoal os mantras são utilizados como centradores cognitivos, ou seja,
são utilizadas para manterem um foco de atenção, facilitando a entrada em estados ampliados
de consciência, bem como são excelentes substitutos para pensamentos obsessivos e
autodestrutivos.
No trabalho com grupo eles ajudam a criar um campo de acolhimento coletivo a partir da
tentativa de se encontrar um ponto de convergência: um som harmonioso. Cada participante do
grupo mobiliza suas energias e atenção procurando expandir os limites de seu ego para incluir a
presença do outro, o som que é emitido pelo outro. A união dos sons é uma excelente metáfora
57
O estado de consciência alfa diz respeito ao nível de relaxamento percebido nas ondas cerebrais.
para simbolizar os estados além do ego, pois o resultado harmonioso do conjunto só é possível
pelo ceder do ego.
Diferentemente dos sistemas de cura ocidental, a psicologia budista inclui o uso de sons
harmonizantes nos processos de tratamento. Para eles, o uso de sons específicos, aliados a
visualizações e respirações, promove alterações emocionais e cognitivas capazes de
desenvolver e fortalecer a saúde. Os dois mantras mais famosos da psicologia tibetana são o
mantra de Padmasambhava, chamado Mantra de vajra Guru, OM AH HUM VAJRA GURU
PADMA SIDDHI HUM, e o mantra de Avalokteshvara, o Buda da Compaixão, OM MANI
PEME HUM. Como a maioria dos mantras, eles são em sânscrito, a antiga língua sagrada da
Índia.

O MANTRA DE VAJRA GURU

O mantra de Vajra Guru é pronunciado pelos tibetanos como: “OM AH HUNG BENZA
GURU PEMA SIDDHI HUNG”. Esta investigação do seu significado é baseada nas
explicações de Dudjom Rinpoche e Dilgo Khyentse Rinpoche, apresentadas por Sogyal
Rinpoche (1999); seu uso na clínica tem uma inspiração nos ensinamentos acerca da psicologia
budista ministrados pelo Lama Padma Santem.

OM AH HUM

As sílabas OM AH HUM têm significados externos, internos e secretos. Em cada um


desses níveis, no entanto, OM refere-se ao corpo, AH refere-se à fala ou energia e HUM diz
respeito à mente. Eles representam as forças transformadoras do corpo, fala e mente de todos os
que estão buscando transformação.
Externamente, a recitação do OM purifica as ações negativas cometidas através do seu
corpo, AH através da sua fala e HUM através da sua mente. Pela purificação ou transmutação
do seu corpo, fala e mente, OM AH HUM assegura a pacificação e a redução das tensões do
corpo, da fala e da mente.
O OM também é essência da forma, AH a essência da fala e HUM a essência da mente.
Recitando esse mantra você também impele sua mente a transformar o ambiente, a você mesmo
e a todos os seres. Cada um purifica, respectivamente, todas as percepções, todos os sons e a
mente, com seus pensamentos e emoções.
Internamente, OM transforma os canais sutis presentes na acupuntura, o AH, a energia
que circula no organismo, e o HUM, a essência criativa, abrindo a mente para processos
construtivos positivos.
Num nível mais profundo, OM AH HUM representam os três Kayas da família Lótus
dos Budas: OM é o Dharmakaya – O Buda Amitabha, o Buda da Luz Ilimitada; AH é o
Sambhogakaya – Avalokiteshvara, o Buda da Compaixão, e o HUM é o Nirmanakaya –
Padmasambhava. Isso significa, no caso deste mantra, que os três Kayas são corporificados na
pessoa de Padmasambhava.
No meio transpessoal este mantra está associado à transformação direta das emoções
perturbadoras, sendo estimulado o seu uso frente a momentos de perda de estabilidade
emocional.

INSTRUÇÃO
Frente a uma situação perturbadora ou de perda de estabilidade emocional, visualize-se
envolvido por um círculo de fogo transformador. E ao recitar o mantra este fogo irá consumindo
tudo que precisa ser consumido para que você possa encontrar estabilidade. A força das
emoções perturbadoras alimenta o fogo, daí quanto maior for a perturbação, também maior será
a proteção. E a força do fogo cria um grande círculo de luz protetora em sua volta. Uma luz que
ao som do mantra vai pacificando por inteiro o seu ser.

O MANTRA DA COMPAIXÃO

O mantra da Compaixão, OM MANI PADME HUM, é prununciado pelos tibetanos


“Om Mani Peme Hung”. Ele evoca e encarna todas as ações compassivas, sendo usado para
ativar arquétipos relacionados à compaixão e à abertura do coração.
Segundo o Lama Santem cada sílaba do mantra está associada a transformação de uma
emoção perturbadora específica a ao desenvolvimento de ações além do ego, como podemos
ver no quadro abaixo.

SÍLABA EMOÇÃO PERTUBADORA AÇÕES ALÉM DO EGO


OM Orgulho Generosidade
MA Inveja Conduta harmoniosa
NI Desejo, apego Perseverança
PE Ignorância Alegria
ME Aquisitividade Concentração
HUM Medo, raiva, ódio Visão interior

INSTRUÇÃO
Sentado em uma postura confortável, de prefência com a coluna ereta, busque conectar-se
com a respiração. E a medida em que você sente o ritmo da respiração se acalmando, procure
recitar o mantra da compaixão. Imagine-se sendo compassivo, imagine-se de coração aberto.
Como seria sua vida sem orgulho, inveja, apego, ignorância, aquisitividade e medo. Você seria
mais tranqüilo, mais amoroso? Visualize-se realizando ações compassivas. Com o Om você
torna-se generoso, com o Ma mantém uma conduta harmoniosa, com o Ni exerce a
perseverança, com o Pe sente alegria, com o Me aumenta sua concentração e com o Hum sua
visão interior, sábia e profunda aparece, clareando tudo que o precisa ser clareado. Mantenha o
ritmo respiratório, usando o mantra da compaixão para transformar tudo o que precisa ser
transformado, para que você possa desfrutar da sua natureza ilimitada.
5.3.3. Redução da ansiedade, redirecionamento motivacional e contato com a sombra.

As meditações dirigidas que se seguem são bastante úteis para reduzirem ansiedade
através do desenvolvimento da percepção e compreeensão desta experiência.

5.3.3.1. Os obstáculos-pedra como feedback para o crescimento

INSTRUÇÀO
Mantendo a coluna ereta, esteja sentando no chão ou na cadeira, procure distencionar o
corpo usando a respiração... A cada inspiração procure tomar consciência clara do que sente no
seu corpo e a cada expiração solte as tensões. Mantenha sua mente consciente atenta à
respiração, enquanto sua mente sábia - seu observador compassivo e amoroso -, vai entrando
em ação, trabalhando sua ansiedade, liberando-a, flexibilizando-a, soltando-a, calmamente.
Os nossos padrões mentais fixos e rígidos nos conduzem a percepções distorcidas da
realidade. Na maioria das vezes encaramos os obstáculos como problemas que nos impedem de
alcançar os nossos objetivos. Mas, enquanto você respira conscientemente...sua mente sábia
pode ir entendendo a idéia de que todo obstáculo é como um sinalizador ou um indicador de
que precisamos flexibilizar, soltar. Precisamos voltar a apreender com as experiências do
caminho.
Você pode pensar o obstáculo como uma pedra no caminho, mas sua mente profunda
sabe que as grandes construções foram erguidas sobre pedras. As pedras, quando bem utilizadas,
são excelentes alicerces. Então, protegidamente, quando encontrar um obstáculo-pedra você
pode utilizá-lo positivamente nos alicerces de suas construções. Você talvez esteja pensando que
existem pedras muito grandes, talvez você tenha sido orientado a quando encontrar uma pedra
insistir em bater nela para afastá-la do caminho, mesmo a custa de se machucar. Contudo, você
pode ir aprendendo que as pedras do caminho são um excelente feedback para nossas fixações e
apego. Calmamente, você pode ir percebendo que as pedras no caminho indicam uma
necessidade de flexibilizar e soltar. O reconhecimento deste processo poderá acelerar o seu
crescimento de uma forma segura e protegida.
Talvez agora, sabendo que as pedras ajudam a crescer, pois indicam flexibilidade e
necessidade de soltar, você possa escolher um obstáculo-pedra. Ela pode ser grande ou pequena,
talvez redonda, ou pontiaguda. Talvez tome todo caminho, talvez seja apenas um ponto. O
importante é que você pode utilizá-la para crescer. Enquanto você respira conscientemente, sua
mente sábia já escolheu uma pedra com a qual você pode trabalhar confortavelmente. E diante
desta pedra você pergunta: o que preciso aprender com este obstáculo-pedra? Como esta pedra-
alicerce pode fortalecer positivamente o meu caminho? Que qualidades e valores esta pedra-
alicerce quer que eu desenvolva?
Deixe sua mente inconsciente processar amorosamente estas perguntas, enquanto sua
mente consciente continua aprendendo a acompanhar a respiração, soltando...
flexibilizando...Procurando visualizar as respostas como alicerces, você pode ir percebendo as
mudanças em seu caminho. Você vai construindo o caminho aonde se sinta livre, solto e
flexível. Deixe este caminho seguro ganhar espaço em sua vida. Enquanto sua mente sábia vai
desfrutando e aprendendo a cada respiração a transformar pedras em alicerces, mantendo este
estado e sentindo-se consciente dos seus pés você pode ir ganhando mais segurança e
flexibilidade à medida que vai voltando a este ambiente, mexendo o seu corpo, flexibilizando
cada parte. Retornado a este espaço de segurança.

5.3.3.2. Tocando e liberando amorosamente a experiência de ansiedade.

A ampliação do foco perceptivo, através do desenvolvimento ativo de voltar a atenção


para o momento presente, é fundamental no processo de cura.
Instrução: Procure calmamente trazer sua atenção para a respiração. Use-a para explorar
atentamente cada área do seu corpo. Permita-se desfrutar do cuidado propiciado pela atenção
curativa, transformando com a respiração cada tensão que surja. E quando perceber uma
ansiedade surgindo procure examiná-la, tocando-a amorosamente...
Pocure identificar que emoções, sensações, pensamentos, sentimentos e tensões estão
atrás da ansiedade. O exame atencioso da ansiedade é um passo fudamental no caminho de
transformação.
Talvez você possa perceber medos, talvez culpas ou tensões (pausa). Use a atenção
consciente para liberá-los. Soltando calmamente e protegidamente. AGORA você pode
imaginar-se completamente livre da ansiedade. Respirando livremente, calmamente. Perceba
como sua respiração fica livre. Que outras vantagens você percebe quando não há ansiedade?
(pausa) Procure sentí-las em seu corpo, desfrutando da liberdade. E onde antes havia ansiedade
perceba AGORA a liberdade.

5.3.3.3. Amplie o contato com o corpo.


Exercícios simples como observar conscientemente o corpo podem favorecer a
integração da consciência, pois os processos de divisão levam a maioria das pessoas a não
terem a mínima consciência corporal. Quando o cliente se perde em seus relatos verbais
desencorporados, o terapeuta lhe solicita que observe onde a sua fala está repercutindo no
seu corpo.
INSTRUÇAO
Comece focando a atenção no topo de sua cabeça e, calmamente, você vai descendo
o foco de sua atenção ao longo do corpo. É importante dedicar alguns minutos para tomar
consciência de cada parte de seu corpo. Deixe-se envolver tranqüilamente pela respiração,
enquanto vai observando o seu corpo (pausa). Usando a respiração para acompanhar cada
passo, vá descendo, desfrutando o contato com o seu corpo, desfrutando sua presença.
Quando sentir que alguma parte de seu corpo está dolorida ou tensa, você pode respirar
mais demoradamente, três ou quatro vezes, mantendo sua atenção naquela área. Isto
possibilita, por um momento, trazer sua consciência de volta ao estar exatamente aqui.
Quando chegar aos pés procure mexe-los suavemente, sentindo-os ancorados firmemente no
chão.
5.3.3.4. Exercício de ampliação da percepção

Esses exercícios buscam a expansão da consciência usual que nos permite acessar
dimensões da realidade transcendente através da sintonia holográfica com os campos de energia
universal materializados nos reinos da natureza (mineral, vegetal, animal, humano, angelical) e
nos seus elementos básicos (terra, água, fogo, madeira, metal), espelhados no contexto imediato
a nossa volta. Este contexto poderá ser contatado na posição de testemunha fenomenológica,
desidentificada, e, ao mesmo tempo perceptiva em relação aos cenários dos eventos percebidos.
INSTRUÇAO
Em silêncio, buscando criar através da respiração um campo de consciência entre corpo e
mente, caminhe pela sala ou pelo jardim. Abra-se para o contato... Use todos os sentidos, esteja
presente com a respiração. Caminhe o tempo que for necessário, reduza o ritmo, ponha-se
amorosamente no ritmo da sua respiração. Você pode caminhar tranqüilamente, entrando em
contato com todo o ambiente e ao se deparar com um objeto interessante, pare diante dele.
Sinta o objeto, toque-o, escute-o, veja-o. Abra-se completamente para este contato.
Esteja atento ao sentimento que ele lhe traz. Observe-o. Procure conhecê-lo, percebê-lo... Você
tem um bom tempo para realizar esta experiência (em torno de 10 minutos). E quando tocarmos
o sino uma vez, você saberá que estamos nos aproximado da conclusão do exercício. Para
concluir tocaremos o sino várias vezes. Depois, volte para a sala e sente-se em silêncio.
Compartilhe com o grupo.
Este exercício ajuda na compreensão dos objetos como fenômenos, ou seja, eles são
inseparáveis do objeto “dentro de si”. A realidade é mais do que o sujeito pode perceber com os
sentidos – “aparência”.

5.4. EXERCÍCIOS PSICOFÍSICOS

Os exercícios psicofísicos visam integrar a dualidade mente/corpo geralmente presente


na maioria das pessoas que buscam os serviços psicológicos com o objetivo de conduzi-las ao
Nível do Centauro (ver cartografia de Wilber neste livro). Além de favorecer a integração,
também são usados para dar apoio ou possibilitar o desbloqueio dos nós emocionais
concentrados no corpo.

5.4.1. Asanas

Grande parte dos exercícios psicofísicos realizados na clínica transpessoal foi adaptada
do yoga milenar, onde são denominados asanas, e podem ser usados para facilitar o processo
psicoterapêutico do cliente como indica o trabalho de Keane e Cope (1996). Ao focar a atenção
nos processos do corpo, a pessoa estará migrando do racional (self cognitivo) para o nível
físico-sensório (self somático) onde está o inesgotável manancial de verdades ocultadas do
estado consciente. O Curso de Biopsicologia, ministrado pela Drª Susan Andrews oferece
excelentes modelos de adaptação destes exercícios para o contexto terapêutico.
Estes exercícios possuem a propriedade de ampliar o senso-percepção focando a atenção
nos processos corporais, favorecendo, assim, um contato maior com as emoções bloqueadas.
Esta prática é feita concomitantemente com a respiração e atua em todo o organismo
promovendo o equilíbrio das secreções hormonais do sistema-glandular. Como sabemos, tanto a
respiração quanto o sistema endócrino têm uma relação intrínseca com nossas emoções. (Vê
cap. III, item 3.2.4. neste livro).
A proporção em que vamos sensibilizando o cliente para um contato mais profundo e
integrado às suas variadas dimensões, ele vai ampliando a consciência e interagindo em níveis
mais sutis, descobrindo as inúmeras possibilidades que possue de conquistar o equilíbrio e viver
harmoniosamente, obtendo autonomia no estar no mundo (apesar das adversidades) responsável
por si próprio.
O psicoterapeuta transpessoal que possui uma experiência pessoal e uma formação
específica na prática desses exercícios poderá trabalhá-los com o cliente; caso contrário, deverá
encaminhá-lo a um terapeuta capacitado. A meta aqui não é substituir as aulas de Yoga, ou
mesmo fazer Yoga com o cliente, mas sim usar seus recursos integrativos milenares que
fundamentam a Biopsicologia, para integrar as diversas dimensões do Ser.
O aspecto físico da prática do Yoga que envolve distensões e posturas é chamado Hatha
Yoga e tem muito bons resultados no equilíbrio dos grupos de músculos; se você distende a
parte anterior, por exemplo, também distenderá a parte posterior, favorecendo um desbloqueio
das tensões psicofísicas.

5.4.2. Toques de apoio

Os toques de apoio também chamados de “continente” (Grof) visam propiciar a


integração nos momentos de retorno ou de grande tensão dos estados ampliados de consciência.
São intervenções suaves que indicam uma presença que ampara o cliente na superação do
desafio: a colocação da mão sobre o ombro, geralmente o ombro direito, sobre a cabeça ou um
leve toque na mão do paciente. Todas estas manobras devem apenas ser usadas quando trazem
real benefício ao paciente, portanto, antes de usá-las, elas devem ser avaliadas, contextualizadas
e comunicadas ao paciente. Tipo: “vou tocar sua mão para que você tome consciência de...”.
O apadrinhamento das experiências traumáticas de forma positiva também é uma das
aplicações do toque de apoio. A entrada em estados ampliados de consciência pode conduzir a
revivências traumáticas onde a pessoa não consegue sentir apoio em si mesma para romper com
padrões negativos. Por exemplo, uma pessoa revivendo uma cena de abuso e tendo seu ego
adulto fragilizado, se ainda não estiver em condições de oferecer apoio si mesma, como
personagem criança, poderá carecer de apoio físico para enfrentar o abusador. Isto pode ser
feito colocando-se a mão no ombro do paciente, dizendo-lhe que estamos juntos nesta
experiência.
Momentos traumáticos de nascimento quando revividos podem requerer uma
“experiência emocional corretiva”, de forma que o terapeuta serve de ‘mãe/parteira boa’
oferecendo cobertor, apoio físico e palavras tranqüilizadoras. Léo Matos (supervisão)
dá mamadeira para pacientes que revivem nascimentos traumáticos e que
desenvolveram dificuldades de se vincular positivamente com a figura materna. Ele
oferece ao personagem “bebê” que emergiu na experiência uma resignificação vivencial
positiva.
5.4.3. Manobras de desbloqueio

As manobras de desbloqueio constam de pressões com o uso das mãos ou de almofadas


sobre áreas de tensão psicofísica. Aqui o terapeuta deve ter bom senso e conhecimento de
anatomia para não pressionar áreas sensíveis a lesões. Às vezes, um leve toque, associado à
respiração com focalização intensa na área de tensão, pode ter o mesmo resultado. O objetivo é
intensificar o sintoma de forma que o conteúdo escondido apareça permitindo, assim, trabalhá-
lo.
Manobras de desbloqueio mais intensas, como as oriundas da ayurveda ou da
bioenergética, devem ser aplicadas apenas por terapeutas experientes, pois a alta liberação de
energia presente nos nós corporais conduz a experiências extremamente intensas, devendo o
terapeuta ser capaz de ajudar na integração destas energias. Às vezes a simples observação do
tônus muscular mais enrijecido ou mais “largadamente abandonado” na cadeira ou no colchão
já indica ao terapeuta uma desconexão inconsciente do cliente em relação a algumas partes do
seu corpo. Nesses casos, o terapeuta poderá pontuar: “como você está sentindo seus pés agora?
Eu vou tocar os seus pés e você me diz o que acontece com essa sensação intensificada.” Em
algumas situações a manobra do terapeuta pode não ser diretamente avisada, como numa
revivência de fuga necessária; por exemplo: ao fugir de um animal selvagem. Neste caso, o
terapeuta exerce pressão sob os pés do cliente que se debate como se estivesse correndo, esta
intervenção pode ser acompanhada de palavras estimuladoras, tipo: “corra, corra, vá até o fim
nisso...”.

5.5. SONHOS INACABADOS

O trabalho com sonhos inacabados, inspirado na tradição junguiana é comum a


diversos enfoques transpessoais como o de Woolger (supervisão), o de Assagioli (1992), o de
Léo Matos no seu Sonho Catártico Diurno (1994) e no Yoga Tibetano dos Sonhos. As
técnicas visam favorecer a transcendência da auto-imagem e da realidade consensual,
abrindo espaço para os processos auto-reguladores de cura promovidos pela totalidade
organismica. Ela pode ser aplicada de forma individual ou em grupo.
Apesar do nome “sonhos inacabados” sugerir que estas técnicas lidam apenas com
fragmentos de sonhos, elas podem ser produzidas a partir de um sentimento, de um
pensamento repetitivo, de uma sensação, de um mandala executado pelo próprio cliente, ou
de outra situação que indique necessidade de completar uma cadeia de coexs mobilizada.

INSTRUÇÃO
O cliente é convidado a deitar-se sobre um colchonete ou a permanecer
confortavelmente sentado, a fechar os olhos, a observar por alguns instantes a própria
respiração e, em seguida, estando relativamente relaxado, é informando pelo terapeuta
que ele se encontra seguro e protegido. Neste momento lhe é solicitado que entre em
contato com o seu sentimento/sensação/pensamento, permitindo que este se
intensifique, e que vá expressando-o em palavras, possibilitando o contato com os
conteúdos que emerjam sem julgá-las, como se estivesse vivendo um sonho (ou o
sonho), narrando-o simultaneamente, no tempo presente. A idéia é estimular o fluxo
da associação livre, favorecendo a resolução de conflito via uso da imaginação
criativa.
O ponto central desta técnica é a possibilidade de acessar conflitos dos níveis
perinatais e transpessoais, permitindo ao cliente outras vias para expressar seu sofrimento
psíquico.
No caso de um sonho inacabado, solicita-se ao cliente que continue o sonho de onde
ele foi interrompido ao acordar-se (ou de onde se lembra, quando sente que esqueceu uma
parte) e que procure completá-lo, até que tenha percebido a resolução do conflito, ou tensão,
trazido no sonho.
Exemplo: Cliente mulher, 46 anos, queixando-se de depressão, sonha com
uma caixa caindo das nuvens, acorda angustiada. Não consegue fazer nenhuma
associação com o sonho.
Terapeuta (T) – Agora, protegidamente, você pode fechar os seus olhos e
imaginar que está tendo este sonho agora. Procure sentir o sonho... respire
calmamente... observe as sensações do seu corpo... Isto, respirando, entrando
seguramente no mundo dos sonhos... observando seus pensamentos... sonhando.
Cliente (C) – O céu está claro, não tem nuvens. Estou olhando para o alto,
perdida no tempo... Uma nuvem de chuva surge no céu e dela cai uma caixa...
(T) – Isto, vá adiante, o que acontece? A caixa cai da nuvem e...
(C) – A caixa é de madeira... curioso, agora vejo que a caixa é grande, do
tamanho de um homem. Ela cai no chão e abre um buraco na terra. Abro a caixa e
ela está vazia, coloco terra dentro dela e planto flores. As flores crescem e agora
ocupam grande parte da terra. A caixa envelheceu, cumpriu sua tarefa e agora se
tornou adubo para as plantas. O céu ficou azul novamente.
(T) – O céu ficou azul novamente...
(C) – É, tudo ficou claro. Curioso, enquanto eu imaginava o sonho lembrei
que hoje é o aniversário de morte do meu marido.
(T) – É, eu lembro quando você falou da tempestade que foi, na sua vida, a sua
morte.
(C) – Agora, estou saindo para cantar, meus filhos estão bem mais felizes.
(T) – “A caixa envelheceu, cumpriu sua tarefa e agora se tornou adubo para
as plantas”.
(C) – Meu marido fez o que pôde, ninguém é culpado sua pela morte, hoje eu
sei... (Chora)
(T) – Quando a chuva cai dos nossos olhos o suficiente, o céu fica azul
novamente. E as flores/filhos voltam a florir. Todo passado torna-se adubo.

Em todos os casos, o terapeuta favorece ao cliente o permitir que as imagens


referentes às projeções de um futuro negativo se realizem na fantasia, mesmo que se
originem de fatos reais do passado que não foram “resolvidos” (gestalts abertas),
conduzindo-o à consumação de seus temores, confrontando-o com o medo até o ponto
máximo. O cliente é convidado a vivenciar a transformação da situação original (ou pela
resolução do conflito com soluções que antes estavam apenas no nível intelectual, ou pela
experiência culminante de morte-e-renascimento). Em ambos os casos, existe uma
experiência de transcendência através da quebra das identificações egóicas.
A seguir, apresentaremos um fragmento de caso com o objetivo de exemplificar o uso
desta técnica: O exemplo de D. H., uma jovem de 18 anos, que tinha “horror” a lugares altos,
pois sempre lhe acontecia ter pensamentos “esquisitos”, como “atirar-se pela janela ou coisa
parecida” (sic).
Terapeuta (T) – Deite-se... feche os olhos... observe sua respiração... o ar
entrando e saindo... enquanto você se sente cada vez mais relaxada... consciente
de que você está aqui e agora, segura e protegidamente... Pense na última vez
que este pensamento lhe ocorreu, ou em alguma outra vez em que ele tenha
surgido bem forte... Fale-me desse momento, no tempo presente, como se
estivesse acontecendo agora.
Cliente (C) – “Estou na varanda do apartamento de uma amiga, somos um grupo
de 4 ou 5 colegas... Estamos discutindo sobre o que poderemos fazer, para onde
poderemos ir para aproveitar o final da tarde... Me sinto impaciente, não queria
estar aqui, mas eu também não sei para onde ir. Me sinto irritada, embora não
tenha motivo. Olho a rua lá em baixo, penso em atirar-me no espaço vazio... Esse
pensamento me angustia, quase não presto mais atenção no que eles estão
falando, não quero ficar aqui, continuo pensando que poderia me atirar ... Tenho
medo desse pensamento, mas continuo pensando... Não quero pensar, tenho
medo de acabar me atirando mesmo, porque não consigo parar de pensar nisso”.
(T) – O que acontece, como isso termina?
(C) – Eu vou embora, deixo-os...
(T) – Então volte para aquele momento em que você ainda está na varanda,
pensando em se “atirar no espaço vazio”, imagine que você faz isso.
(C) – ... Então eu me jogo... Caio... Meu corpo está horrível. Não consigo me
afastar daqui, ouço as pessoas comentando enquanto olham meu corpo. Eu não
queria ter feito isso, estou angustiada, perdida... Ninguém pode me ajudar,
ninguém me ouve, ninguém me vê. É horrível... Não quero ir a lugar nenhum (...)
Estou no nada... escuro, me sinto solta no escuro.
(T) –Faça a fantasia que tudo começa a ficar apertado... cada vez mais
apertado... Agora olhe para baixo e desça por esta abertura (sonho guiado).
(C) – Está apertado, difícil de passar. Não tenho saída... falta ar (hiperventila-se
espontaneamente).
(T) –Duas mãos de luz pegam a sua cabeça e começam a puxá-lá para fora
(sonho guiado e apoio do ego auxiliar imaginário.)
(C) – As mãos me puxam para fora do nada. Agora estou num lugar lindo, uma
floresta com rio, animais, sol...
(T) – Abra o centro do seu peito e imagine que a beleza deste ambiente toca você
profundamente.. Isto, respire, expanda o seu corpo. E uma pequena pérola
brinhante entra em seu coração e começa a expandir luz a partir das suas
batidas... do ritmo do seu coração... para todo o seu corpo, comunicando a cada
célula esta experiência de paz e beleza (Ioga Tibetana dos Sonhos).
Ao termino da vivência a paciente foi estimulada a realizar um mandala,
objetivando integrar a experiência.
O ponto central de diferenciação entre esta adaptação e o trabalho dos autores acima
citados é a mesclagem das múltiplas contribuições de forma que, quando necessário, guiamos o
sonho como Assagioli, introduzimos personagens ego-auxiliares para apoiarem o desfecho
positivo do sonho ou favorecerem as experiências de morte-renascimento desencadeadas, como
o faz Woolger, ou seguimos o sonho imaginário até a sua catarse como Léo Matos.
O uso de visualizações criativas ao final da vivência, como a presença de uma
clara luz ou ativação de áreas do corpo a partir da imaginação, é uma contribuição do Yoga
Tibetano dos Sonhos e ajuda no processo de integração das experiências mobilizadas durante as
sessões.

5.6. JORNADAS DE FANTASIA

Esta categoria engloba técnicas dirigidas com a utilização de símbolos e arquétipos para
mobilizar conteúdos inconscientes com o fim de ampliar estados de consciência e favorecer o
processo de autoconhecimento, desidentificação e conseqüente transformação. Exemplificando
isto, o uso da fogueira como símbolo do fogo, numa vivência de liberação de sentimentos
desagradáveis, promove a ativação no inconsciente do arquétipo de transformação; assim, no
âmbito do imaginário, possibilita-se a transcendência da situação conflituosa naquele momento,
que poderá se estender ao cotidiano do individuo.
O terapeuta poderá também criar outras técnicas de jornadas dirigidas, conhecendo quais
arquétipos dispõe para favorecer determinados objetivos. Complementando o exemplo acima
referido, o fogo da fogueira pode ser usado para absorver, na imaginação, raiva, mágoa,
angústia ou culpa, dissolvendo-a em fumaça. Em seguida, o terapeuta pode utilizar a Terra, que
engloba o arquétipo feminino da Grande Mãe, como símbolo da natureza, para que transforme
as cinzas em elemento de fertilização com a finalidade de promover renovação e vida, enfim um
estado de consciência de renascimento psicológico.
Em que pese o extenso arcabouço simbólico e arquetípico, apresentamos uma
classificação da correspondência de alguns referentes, no sentido de possibilitar com o seu uso a
ativação dos arquétipos, a partir da provocação simbólica (que poderá surgir de forma
espontânea pelo cliente ou ser induzida pela invocação do terapeuta).

SÍMBOLO ARQUÉTIPO
1. Símbolo do Tao: união dos opostos De complementariedade/unidade/totalidade.
2. Montanha: símbolo de elevação, De ascensão, de elevação da consciência.
lugar elevado; desafio.
3. Árvore: símbolo de amadurecimento De crescimento, individuação, “lugar no
do ego. mundo”.
4. Flores: símbolo de beleza, de De crescimento, conexão espiritual à dádiva da
primavera e/ou prenúncio de fruto beleza em essência.
5. Fruto: símbolo de amadurecimento; De crescimento maior que o das flores, e de
colheita do que se vem investindo; vida. Bem aventurança, o que é nutrido.
geração de vida; alimento.
6. Fumaça: símbolo de dissolução. Clara, indica transformação.
Escura, labirinto.
7. Vela: símbolo da luz. De busca espiritual/espiritualização.
8. Estrela: símbolo de energia cósmica. De renascimento, vida. Na geometria sagrada:
conexão espiritual
9. Templo, igreja, mosteiro: símbolo de De espiritualização.
religiossidade, de encontro com o De propósito de vida integrando mente, corpo e
self/Deus. alma.
10. Velho sábio, ermitão: símbolo do De sabedoria.
self/Eu Superior De linhagem ancestral a história
11. Rio, curso de águas passando. De transitoriedade, impermanência.
12. Cachoeira: símbolo da força da De purificação e energização.
natureza e de limpeza.
13. Luz dourada. De transformação, revitalização e proteção
divina.
14. Luz branca. De paz, harmonização, autoproteção
15. Labirinto: símbolo de estado De obstaculização.
confuso, de não saber a saída, de se Aquele que busca confronto com as sombras
encontrar em dificuldade. internas
16. Vegetação, campos verdes, jardim. De crescimento, de vida, liberdade
17. Sol: símbolo masculino de energia De pai, Grande Pai, de vida.
yang. Proteção seres assistentes
18. Lua: símbolo feminino de energia Do feminino, da Grande Mãe, mulher.
yin. Aspectos ainda inconscientes, velados
19. Mar. Do feminino, maternagem
20. Terra e planeta Terra. Da Grande Mãe, certeza da proteção natural da
existência.
21. Dia Do masculino (animus), o que virá.
22. Noite Do feminino (anima), o que passou.
23. Peixe: símbolo do cristianismo De renascimento
24. Suástica: símbolo presente em De poder, equilíbrio dos opostos.
várias culturas orientais, representando
o masculino e o feminino em equilíbrio
em movimento.
25. Suástica de Hitler (invertida): De poder autocentrado.
símbolo do holocausto De poder que exorbita.
26. Armas, bombas: símbolos de De destruição.
guerra. De hostilidade e violência.
27. Túnel: símbolo de passagem, muito De transição de um nível de consciência para
usado para estimular vivências outro.
perinatais e iniciáticas. De empoderamento das forças saudáveis
28. Ponte: símbolo de ligaçào, De transição, de conexão.
ultrapassagem.
29. Morte como um fenômeno: De transição, transformação.
símbolo de fechamento de uma etapa.
30. Caveira, caixão, elementos De transformação, abandono, morbidez (apego e
mórbidos. Símbolos de deterioração. aprisionamento).
31. Cinzas: símbolo dos resíduos da De transformação, de fertilização.
ação do fogo.
32. Ar. De fluidez, construção mental.

Esperamos que a descrição das jornadas possa esclarecer melhor o uso desses símbolos e
arquétipos. Utilizamos o termo símbolo para indicar uma maior ligação às especificidades
culturais, étnicas e o termo arquétipo para falar da generalização que está encarnado ou
materializado no símbolo.
Na seqüência temos alguns exemplos de jornadas de fantasias:

5.6.1. Técnica da Fogueira (vivenciada nos cursos de Léo Matos, adaptada pelos autores)
NÍVEL: psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: grupo ou individual
OBJETIVO: favorecer a transcendência de sentimentos negativos como raiva, mágoas,
medo ou angústia. Muito usada para raiva, trabalho com desindentificação e fortalecimento da
auto-imagem.
DURAÇÃO: instrução – 15 minutos; vivência - aproximadamente 1 hora.
INSTRUÇÀO
Deite-se, relaxe, fique consciente da sua respiração. Lembre-se de uma pessoa ou
situação em que você sentiu muita raiva (ou ressentimento), uma situação onde você percebe
que ainda não conseguiu superar o sentimento negativo por essa pessoa ou fato. Algo que ainda
repercute em você quando você lembra. Não importa o tempo desse sentimento, pode ser algo
recente ou mais antigo. (pausa de aproximadamente 2 minutos).
Entre em contato com sua respiração e sinta o ar entrando e saindo. Localize esse
sentimento de raiva em seu corpo. (pausa de aproximandamente 1 minuto).
Faça a fantasia de que à medida que você respira, ao exalar, você solta, libera pelos seus
poros, por suas células, pela sua respiração a raiva como se fosse fumaça. Uma fumaça escura
saindo de você, concentrando-se no centro do seu peito, na região do 4º. chakra, o chakra
cardíaco, e que ao exalar você libera e projeta essa fumaça para frente.
Imagine que você está descalço, com os pés na terra, e que diante de você está uma
grande fogueira. Observe-a. (1 minuto). Você continua respirando e agora, ao expirar, joga
intencionalmente a fumaça escura que sai de você para a fogueira, para que o fogo a absorva e a
misture com sua própria fumaça, e a encaminhe de volta para o Universo. Você pode ouvir o
estalar da madeira, sentir o cheiro... as labaredas... o crepitar... Entregue esse sentimento
desagradável à fogueira, intencionalmente, para que ela o destrua. (2minutos).
Continue exalando, soltando a fumaça escura e projetando-a para frente, na direção da
fogueira, sobre a fogueira. (pausa breve). Muito bem! Você está indo muito bem!
A fogueira está queimando e transformando tudo em cinzas. E a fogueira vai
diminuindo, diminuindo... e você respirando, entregando a fumaça que sai de você para ela... E
o tempo vai passando...
A fogueira agora é só brasa no chão. Continue exalando e vá liberando os últimos
resíduos de sua raíva. (1 minuto).
Você então observa agora as cinzas no chão sobre a terra que você está pisando, a
Grande Mãe Terra. Observe como você está se sentindo ao observar as cinzas. (pausa).
Você pede à Grande Mãe Terra que transforme as cinzas em coisas boas para a Terra,
que as transmute, e que sirvam de fertilizante para que o solo floresça e frutifique.
Sinta que o tempo está passando e que você está testemunhando isso tudo acontecendo
agora. Observe o que está acontecendo à terra que recebeu as cinzas, à medida que o tempo
passa. Meses. Anos. (2 minutos).
Tome consciência de como você está se sentindo agora, se alguma coisa mudou ou não
em você em relação a como você estava no início da experiência. (2 minutos). Como você se
sente agora em relação à raiva?
Faça a fantasia de que você volta a este momento aqui e agora, consciente do seu
sentimento neste momento. Abra os olhos com calma, olhe em volta. Em silêncio, faça um
mandala.
Obs: Se não for possível, pode-se dispensar o mandala.
SUGESTÕES: compartilhar o mandala no caso de trabalho em grupo, em dupla ou
grupos menores. Depois abrir para compartilhar com o grande grupo.

5.6.2. Técnica Isto é Real x Isto é Fantasia (vivenciada, através de Léo Matos, em seus
cursos).

NÍVEL: transpessoal/psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: mais eficaz em grupo.
OBJETIVO: propiciar a percepção da realidade ordinária e da realidade transpessoal,
enfocando a relatividade, o fenômeno, a percepção da mente observadora criadora da realidade.
Flexibilizar a definição do que é real e do que é sonho/fantasia. Ampliar a consciência para
realidades que estão além da dualidade conhecida. Flexibilizar assim as defesas egóicas.
DURAÇÃO: instrução – relaxamento: 5 minutos. Vivência: 20 minutos, em contato com
espaço aberto na natureza. Realização de mandala, compartilhar com explicações sobre o tema:
aproximadamente 1hora e 30 minutos.
MÉTODO: esta técnica conta com seis etapas; são elas relaxamento, instrução, vivência,
mandala (dispensável, em último caso), compartilhar a experiência em grupo menor,
compartilhar a experiência com todos. Nesta última etapa, os facilitadores interferirão
ocasionalmente para explicitar como a Fenomenologia e a Transpessoal possuem semelhanças:
a “realidade” é aquilo que apreendemos e que está impregnada de nossos conceitos, valores, etc;
a “realidade” transcende o objeto; a consciênica do observador é fundamental para determiná-
la, pois é parte integrante da mesma. Essas considerações podem ser mais simplificadas e
adaptadas à realidade do grupo e aos objetivos do trabalho no qual serão incluídas, visando a
aplicabilidade cotidiana da ampliação da consciência para as realidades que transcendem aquela
usualmente determinada.
1ª Etapa - Relaxamento: deitado, com respiração consciente (2 minutos); olhos fechados.
2ª Etapa – Instruções: (ainda de olhos fechados, aproximadamente 2 minutos). Este
exercício nos ajudará a sentir/refletir sobre o que é sonho (ilusão,fantasia) e o que é real, o que é
realidade.
O terapeuta então determina:
- Quando eu der o sinal com o sino, você vai se erguer e caminhar devagar, sentindo sua
respiração e observando tudo à sua volta, atentamente, procurando não criar expectativas e
tentando ficar no presente, no aqui-e-agora, à medida que estiver experienciando o exercício.
Enquanto você caminha, experimente sentir a planta dos pés tocando o chão, os
movimentos do seu corpo.
Caminhe lá fora, na natureza, observando os estímulos à sua volta: auditivos, olfativos,
visuais, táteis e as sensações de um modo geral (calor, luminosidade).
A cada momento, ao se deparar com algo que lhe chame a atenção, aproxime-se,
concentre-se nesse estímulo e afirme para si mesmo: “Isto é real”. Observe como você se sente,
como essa afirmação lhe faz sentir.
Logo depois para o mesmo objeto perceptual afirme: “Isto é fantasia”. (É importante que
seja nesta ordem: primeiro você afirma que é real e depois você afirma que é fantasia). Observe
que sentimentos esta afirmação lhe proporciona. Fique um tempo (alguns minutos) com este
percepto, depois mude.
Execute várias vezes estas afirmações, diante de várias situações: “Isto é real”, “Isto é
fantasia”.
Ao soar o sino pela segunda vez, retorne em silêncio e faça um mandala. Podem abrir os
olhos e começar. (Toca-se o sino para iniciar. Aguardam-se uns 20 minutos para dar o segundo
toque, indicando o término da vivência).
Seguem-se as outras etapas. Aproximadamente 30 a 40 minutos são dados para que todo
o grupo conclua os mandalas, e uns 30 minutos para compartilhar.

5.6.3. Técnica do Túnel.


NÍVEL: perinatal.
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupo.
OBJETIVO: favorecer a emergência de gestalts abertas em nível intra-uterino,
possibilitando seu fechamento nesta técnica ou em trabalho de aprofundamento psicoterapêutico
posterior.
DURAÇÃO: instrução, aproximandamente 15 minutos. Mandala: de 30 a 40 minutos.
INSTRUÇÃO
Sentado... respirando... relaxado.
Faça a fantasia que você está num local escuro, totalmente escuro (1 minuto).
Observe como você se sente aí. Quais as sensações no seu corpo à medida que o tempo
passa e você continua nesse local totalmente escuro? (pausa breve; se possível, introduza aqui,
suavemente, bem baixinho, a gravação de sons com ritmo cardíaco, aqueles que sugem os
batimentos cardíacos de um bebê). Como você está experienciando esse local? (pausa).
O tempo está passando... passando... aos poucos, começa a surgir num ponto, uma tênue
claridade. Como você se sente?
Essa claridade está aumentando... e você percebe que existe diante de você um longo
túnel apertado, apontando na direção da luminosidade. Como você se sente quando você
percebe esse longo túnel apertado entre você e a claridade? (pausa).
O que você quer fazer agora quando você percebe a claridade no fim do túnel? Tome
consciência do que você está sentindo no seu corpo enquanto você contata o que quer fazer
agora. (pausa).
Se então você decide sair daí em busca da claridade, tome consciência de que é
necessário passar por esse longo túnel apertado. Como você se sente com isso?
Se você decide que é isso que você quer, faça a fantasia de como você faz isso agora, de
como você atravessa esse túnel até a claridade. Use a sua imaginação. Veja agora se você sai ou
não desse lugar escuro. (pausa longa. A música com o ritmo cardíaco vai desaparecendo,
sumindo, e vai surgindo uma música ao longe com sons que sugerem abertura, algo se abrindo.
Indicamos sons de harpa).
O que acontece agora? (pausa).
Veja onde você se encontra agora... observe, sinta esse novo lugar. Como você se sente?
Desfrute desse momento agora. (pausa longa).
Faça a fantasia de que você está novamente aqui nesta sala, neste chão, sentindo seu
corpo aqui e agora. Respire profundamente, e, levantando em silêncio, no seu rítmo, faça um
mandala, consciente dos seus sentimentos neste momento.
Obs: Em caso de mal-estar, no final, ou sensação de não completar, ou ainda de ter
ficado preso no escuro, o terapeuta, após concluir o exercício, poderá fazer a revivência da
jornada com o Sonho Catártico Acordado, a ser trabalhado individualmente. Quando chegar no
momento final, prosseguir a fantasia, sugerindo uma espécie de psicodrama com os olhos
fechados, onde a pessoa será estimulda a completar a vivência. Mergulhando no medo, nos
bloqueios e nos sintomas, seu inconsciente poderá levá-lo a outras situações sem-saída que
também o remetam a conteúdos perinatais.
Esta técnica só deverá ser feita por profissionais psicoterapeutas que trabalham com
estes conteúdos e a tenham passado por terapia experiencial de níveis perinatais.

5.6.4. Vivência da Semente no Seio da Terra.

NÍVEL: perinatal.
TIPO DE APLICAÇÃO: individual e grupal.
OBJETIVO: fechamento de gestalts do nível perinatal. Favorecer sentimento de transformação,
crescimento e percepção da transitoriedade.
DURAÇÃO: Mais ou menos 15 minutos, à parte o mandala.
INSTRUÇÃO
Para o relaxamento, deite-se confortavelmente sobre o colchão e entre em contato com seu
corpo, agora. Sinta o peso do seu corpo sobre o colchão, sinta o espaço que seu corpo ocupa,
sinta a temperatura do seu corpo... observe sua respiração, sinta o fluxo do ar entrando e saindo
por suas narinas...
Agora você vai fazer uma jornada de fantasia. Você decide se você quer ou não, você é
livre para escolher. Se você escolher experimentar, mantenha sua atenção na instrução:
Imagine uma semente minúscula. Sinta que você é esta semente. (pausa).
Agora, sendo essa semente, você está no seio da terra, acolhido, protegido, e nutrido pela
Mãe Terra, nesse espaço escuro. (pausa). Sinta o calor morno que lhe envolve ai no seio da
Terra... Veja como você se sente nesse espaço acolhedor. (pausa longa).
O tempo vai passando e a semente começa a crescer, criando formas. Você vai
empurrando o espaço aí dentro e você continua crescendo, crescendo... Como você se sente?
(pausa).
Este lugar está bastante apertado, bastante pequeno para você agora. De alguma forma
você sabe que está se aproximando o momento de sair daí... Tudo está sendo preparado. Como
você está se sentindo? E o tempo vai passando...
Você começa a se movimentar para sua saída, neste lugar apertado, mas ainda está
escuro. (pausa). Então, começa a se abrir uma fenda por onde entra a luz. Você, então, se
movimenta mais intensamente em direção a ela... em direção à luz. (pausa).
Como você se sente saindo desse lugar escuro no seio da terra?
Imagine que finalmente você sai. Como você se sente agora nesse espaço claro, amplo,
onde você pode crescer livremente? (pausa longa).
Observe o que está acontecendo com você neste momento (pausa).
Agora, você faz a fantasia de que você volta a esta sala, sinta novamente este seu corpo
aqui e agora, sinta sua respiração e o peso do seu corpo e este espaço que lê ocupa agora sobre o
colchão. (pausa).
E, no seu tempo, no seu ritmo, você vai levantar em silêncio e fazer um mandala. (uma
outra opção é compartilhar em duplas e depois no grande grupo ou com o terapeuta,
individualmente).

5.6.5. Vivência da Programação da Própria Morte (vivenciada, através de Léo Matos,


nos seus cursos).

NÍVEL: psicodinâmico / transpessoal.


TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal.
OBJETIVO: favorecer desidentificação e desapegos, crescimento psico-espiritual, consciência
de responsabilidade pela própria vida e pelo poder de transformá-la.
DURAÇÃO: aproximadamente 30 minutos, incluindo a vivência anterior.
INSTRUÇÕES
Antes do início da vivência propriamente dita, fazer um breve relaxamento e a conscientização
do corpo no aqui-agora seguidos de algumas reflexões sobre a morte na vida, ressaltando que
todos vamos certamente morrer um dia, e de como a morte está presente nos processos
fisiológicos. Pedir para a pessoa lembrar que isso que faremos é uma jornada no reino da
imaginação, e que ela se permita imaginar o que se pede.
Faça a fantasia de que de alguma forma você sabe agora que vai morrer, que só lhe resta algum
tempo de vida. Você recebe a notícia de que você só tem alguns anos de vida. Você determina:
três, cinco... Como você se sente?
Passado o susto, você faz uma reavaliação de como você está vivendo, dos sonhos que deixou
para trás, de atividades que você está realizando que você gosta ou não... Diante da perspectiva
de sua morte, que coisas você quer mudar, quer deixar de lado, ou quer ir buscar? (pausa)
Imagine que o tempo vai passando. Veja o que você quer fazer neste tempo que lhe resta.
O que você quer realizar? Você, então, decide se você quer ou não empreender essas atividades:
uma viagem, a concretização de um sonho, a mudança de emprego, a tomada de atitudes nos
relacionamentos... Veja como você utiliza esse tempo que ainda lhe resta (pausa). Como você se
sente à medida que o tempo passa? (pausa longa).
Agora só lhe restam alguns meses. Sinta o que ainda é importante para você realizar
antes de morrer. O que você quer fazer neste tempo.
Observe seus relacionamentos. Se existe algo, a dizer a alguém, que você ainda não disse
e que é importante dizer antes da sua morte. Despeça-se das pessoas. Imagine-se fazendo isso
agora. (pausa).
Observe se ainda há algo mais que você queira mudar/empreender/refazer antes de você
deixar este mundo.
Agora só lhe resta uma semana. Como você se sente?
Enfim, de alguma forma você sabe que hoje é o dia da sua morte. Lembre-se que isso é
uma fantasia. Imagine como você morre: na sua casa, num hospital, numa praia, no campo... É
dia ou é noite agora? Como você está se sentindo por você mesmo, pela sua vida, por tudo que
você fez neste tempo que você soube que ia morrer? (pausa longa).
Finalmente, agora, você dá o seu último suspiro e você morre. Você, então, começa a
sair desse corpo e a olhar toda essa cena de outro ângulo agora: do lado, ou do alto, no seu
corpo espiritual. (pausa). Como você está se sentindo agora?
Agora você se permite dar asas à imaginação e flutuar e subir cada vez mais alto
(atravessando o teto deste lugar onde você está, se for o caso). E agora você está mais alto, ao ar
livre, olhando a paisagem lá embaixo. Como você se sente? (aqui, em grupo, a pessoa continua
em silêncio, mas, individualmente, o terapeuta pede que fale, que interaja com ele).
E o tempo vai passando. Você atravessa a camada da atmosfera terrestre... (aqui, o
terapeuta dá segmento à técnica de morte-renascimento do ego, levando-o para o Cosmos e
favorecendo a integração com o Self, sugerindo que a pessoa/grupo imagine um astro luminoso
(estrela, sol) e se lance no seu núcleo, misturando-se a ele, transformando-se em luz. Depois de
desfrutar um pouco, pede-se que, como um raio de luz, ela/ele volte ao planeta Terra e entre no
seu próprio corpo pelo topo da cabeça (chakra coronário) e vá preenchendo este corpo agora).
Solicita-se, em seguida, que a pessoa ou grupo tome consciência de como está se
sentindo aqui-e-agora no seu corpo. Deve-se pontuar os sentimentos que devem ser observados.
Sentimentos, não pensamentos. Finaliza-se, pedindo para todos se levantem e façam um
mandala.
Compartilhar verbalmente em duplas/ grande grupo.

5.6.6. A IMPERMANÊNCIA E INTERDEPENDÊNCIA


NÍVEL: psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: em grupo ou individual.
OBJETIVO: favorecer a percepção da transitoriedade de todas as coisas, e
conseqüentemente a mudança de paradigma e o desapego.
INSTRUÇÕES
Falar pausadamente durante a indução: sente-se com a coluna ereta, olhos fechados.
Atente para sua respiração. Conscientize-se de que você está aqui e agora no seu corpo. (pausa
breve).
Reconheça que todas as coisas existentes no universo seguem um movimento
permanente e às vezes imperceptível, como por exemplo, a sua respiração que recebe o ar que
entra (pausa) transforma e expira deixando o ar sair. Esse movimento de transformação
permanente também ocorre sinalizando a impermanência... Há impermanência em relação ao
espaço, aos lugares... O local em que você está agora não existia há séculos atrás...e não será
mais o mesmo no minuto seguinte... nem daqui há anos, ou séculos ... ou milênios... (pausa de
2min).
Planetas e galáxias também desaparecem...até as estrelas morrem... e outras nascem...
Há impermanência no tempo... O minuto passado já passou e o futuro ainda virá a
existir... O minuto presente também não existe: o que existe é o segundo que passou ou o que
virá... Assim, as coisas só existem num contexto de interdependência em relação a uma
dimensão de tempo e espaço, de relatividade... (pausa de 2 min.)
Agora você fica em silêncio, desfrutando seus sentimentos em relação à impermanência.
(alguns segundos). Após esse tempo, erga-se e caminhe lá fora, dando continuidade a esta
meditação sobre a impermanência. Observe a impermanência na natureza e em você.
A pessoa é instruída a fazer este exercício lá fora, ao ar livre, por uns 15 minutos, em
silêncio, sem interferir na vivência dos colegas; após, deverá retornar ao grupo e refletir sentado
em silêncio: que benefícios essa análise pode trazer para sua prática, sua vida cotidiana? Que
repercussão tem esse aprendizado. (pausa de 5 minutos).
Agora, você faz um mandala de sua experiência (opcional).
Discussão em grupo após o mandala, ou mesmo sem ele.

5.6.7. A mensagem do mito

NÍVEL: psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal.
OBJETIVO: favorecer o acesso a conteúdos inconscientes através dos processos de
identificações com figuras mitológicas visando a ampliação do autoconhecimento.

INSTRUÇÕES
Deite-se tranqüilamente, tomando consciência do seu corpo... sentindo sua respiração,
procurando encontrar uma posição confortável, relaxando cada vez que você solta o ar...
Quando o seu corpo estiver protegidamente... relaxado, procure aquietar a sua mente,
enquanto observa o fluxo do ar entrando e saindo por suas narinas. (pausa). Agora você pode
fazer uma viagem de retorno no tempo, voltando... há muitos séculos na era cristã... (pausa).
Faça então a fantasia que você está na Grécia Antiga, ao redor do monte Olimpo, vislumbrando
este monte que é a morada dos deuses... (pausa longa, para a imaginação).
Neste momento você está encontrando seres mitológicos. Fique atento e calmamente...
tranqüilamente... veja qual deles atrai mais sua atenção (pausa). Você PODE... ter se sentido
atraído por um, por dois ou mais mitos. Mas agora você PODE escolher aquele que mais está
lhe atraindo. Entrando em contato com este mito, procurando SENTIR a mensagem que ele está
trazendo...tranqüilamente... para você, para a sua vida agora. Respirando... suavemente,
procurando expandir ainda mais a sua capacidade imaginativa. Você PODE... ir sentindo quais
os aspectos deste mito que motiva seu processo de vida. Se ele está aí agora... não é por acaso.
Ele está trazendo uma referência... iluminando algum aspecto da sua vida que pode SER
amorosamente... transformado... e seguramente desenvolvido.
Continuando sua jornada imaginativa, respirando... Você pode ir sentindo o que existe de
mais favorável neste mito que possa lhe servir de modelo... modelando sua atitude diante da
própria existência. (pausa longa).
Agora que você entrou em contato com este mito, procurando aprender como

ele enriquece sua vida. Sua mente sábia e profunda continuará processando

esta experiência... digerindo amorosamente tudo que possa ajudar no seu

crescimento e transformado tudo que não tenha utilidade neste momento.


Enquanto você, tranqüilamente...retorna, mantendo sua atenção presente nos

sentimentos e estado de consciência. Abrindo os olhos, lucidamente... cheio de

energia, você se levanta em silêncio e pode fazer o desenho do mandala.

Momento final com o grupo compartilhando a experiência (reconhecendo mitos) e


estabelecendo uma relação entre o mito e o aprendizado no seu momento de vida atual.

5.6.8. O templo interior

NÍVEL: psicodinâmico e transpessoal.


TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou em grupo.
OBJETIVO: transcendência de auto-imagem; favorecer a conexão com o Self.
INSTRUÇÃO
Deitando confortavelmente, coloque o seu corpo em uma posição agradável, procurando
relaxar. Respirando naturalmente... esvaziando os pulmões. Relaxando suavemente cada parte
de seu corpo (pausa). Respirando... ficando atento as sensações que você está experimentando
neste momento... você pode ir sentindo as mensagens que o seu corpo está dando agora (pausa).
Você pode ir entrando em contato... amorosamente...e cuidadosamente... com os seus
anseios, suas necessidades, seus projetos, seus desejos e suas expectativas... (longa pausa).
Agora, você também pode ir entrando em contato com as suas conquistas, com os fracassos,
com perdas, com os seus potenciais e as suas limitações (longa pausa).
Respirando confortavelmente... esvaziando os pulmões. Você pode sentir como
experimenta estas circunstâncias na sua vida; que estado de consciência você está vivenciando
agora... (introduzir música instrumental suave com leves toques de sino).
Agora, escutando estes sons e conduzido por esta nova vibração... você pode ir
imaginando que está diante de um templo sagrado. Respirando... desfrutando dos sons e das
imagens. Este é o seu templo interior (pausa). No seu templo, nessa dimensão mais profunda de
si mesmo, você entra em contato com o seu EU SUPERIOR (pausa). Você pode ir Desfrutando
deste estado de consciência, respirando... respirando... calmamente...protegidamente... (reduzir
gradativamente o som da música a cada sugestão). Agora você pode ir sentindo a mensagem
que vem desse espaço interno... do seu templo interior... para você. Veja a importância desta
mensagem para esse momento da sua vida (pequena pausa). Veja como você se sente com esta
comunicação (pausa longa).
Suavemente... protegidamente... você continua soltando, liberando, sua respiração,
enquanto você vai percebendo uma luz muito suave entrando lentamente neste templo... a luz
entra pela porta... pelas janelas, e, aos poucos, vai inundando todo o ambiente de luz, chegando
até você... suavemente, atraindo você cada vez mais. Até que você se funde totalmente nesta luz
(pausa longa). Percebendo este novo estado de consciência que está vivendo... desfrutando...
Agora tome consciência, aprendendo gradativamente a reconhecê-lo. Deixando esta luz
expandir cada vez mais até chegar aqui neste local. Esta luz vai entrando em seu corpo,
preenchendo amorosamente... sua cabeça... seu pescoço... preenchendo suavemente seus
braços... seu peito... o seu ventre... correndo livremente para suas pernas e pés, até que todo o
seu corpo esteja pleno de luz. E com esta luz você pode ir retornando ao aqui e agora,
consciente de seu corpo, abrindo os olhos com a energia presente.
Uma variação desta técnica pode comportar ainda: mantendo este estado, autorize seu
inconsciente a continuar este trabalho de conexão com o seu espaço interno sagrado. Você,
sentindo-se seguro/segura, de uma forma protegida, atraindo, a partir de agora, essa conexão
com o seu templo interno e desfrutando dessa sintonia, promovendo, protegidamente e
continuamente, esse contato cada vez mais consciente com o seu Eu Superior, mantendo-se na
luz e reconhecendo essa conexão no seu cotidiano e nas diferentes dimensões de sua vida.

5.6.9. Desidentificação dos corpos ou centramento no eu superior

NÍVEL: psicodinâmico e transpessoal.


TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal
OBJETIVO: favorecer os processos de desidentificação e desapego da auto-imagem
objetivando a ampliação e a elevação do estado de consciência.
Acessar a testemunha transpessoal (Eu Superior). Segundo Wilber (1991), a descoberta
desse centro testemunhal assemelha-se ao mergulho em agitadas ondas de um oceano
tormentoso, para gradativamente atingir-se as profundezas calmas e seguras da sua alma,
distanciando-o do tumulto que sempre o manteve paralizado.
INSTRUÇÃO
Deitando-se calmamente... e entrando em contato com o corpo, você vai procurando
contrair o seu corpo progressivamente dos pés até a cabeça. Contraindo, contraindo um pouco
mais os pés e, agora, solta! Soltando, suavemente, todas as tensões. Agora, contraindo as pernas
e as coxas, contraindo, contraindo... e solta! Soltando, protegidamente. Contraindo os glúteos,
contraindo... contraindo e solta! soltando... liberando, deixando a energia circular nesta área.
Contraindo o ventre, contraindo... e solta!... soltando... deixando o ventre livre, e livremente,
você pode ir contraindo o peito e as costas, contraindo... e solta! soltando...soltando, deixando o
ar circular livremente... suavemente. Contraindo as mãos e os braços, contraindo... contraindo e
solta! soltando...deixando as suas mãos soltas, livres... Você pode ir contraindo a nuca e os
ombros, contraindo... contraindo... e agora, solta! soltando... soltando tudo: a pressão, toda a
opressão, soltando... soltando...calmamente, você vai contraindo os músculos do rosto (boca,
pálpebras, testa), couro cabeludo, pressionando a língua no céu da boca, contraindo,
contraindo... e solta! soltando toda cabeça, protegidamente soltando... você pode ir entrando
cada vez mais em contato com cada parte do corpo... vivenciando por dentro e por fora toda a
liberdade da energia fluindo livremente através da sua pele. Sentindo suavemente...o contato da
roupa na pele, as sensações de calor ou frio, desfrutando... desfrutando os sons, os sons internos,
os sons próximos e os distantes. Procurando também sentir o gosto, o sabor que circula na sua
boca, aprendendo a experenciar todos os sentidos... aprendendo que você pode continuar ainda
mais relaxado, mesmo de olhos abertos, relaxado. Relaxando... relaxando profundamente,
protegidamente... você pode ir abrindo levemente os olhos, enquanto seu corpo relaxa ainda
mais e você pode ir desfrutando as imagens que existem neste ambiente... Calmamente você
volta a fechar os olhos. Com esta consciência, você gradativamente percebe: eu tenho um
corpo, mas não sou só o meu corpo. Posso ver e sentir o meu corpo, mas aquilo que pode ser
visto e sentido não é o verdadeiro observador. Meu corpo pode estar cansado ou excitado,
doente ou são, pesado ou leve, mas isso nada tem a ver com meu eu interior. Eu tenho um
corpo, mas não sou apenas o meu corpo.
Você pode agora começar a entrar em contato com as emoções que você está
experenciando neste momento. Aprendendo a reconhecê-las, nomeá-las, calmamente...
aceitando-as positivamente... Elas vêm e vão como as águas de um rio. Você pode ir
observando os seus sentimentos neste momento. Aprendendo a reconhecê-los, nomeá-los,
calmamente... aceitando-os positivamente... Eles vêm e vão como as águas de um rio. Você
pode ir entrando também em contato com os pensamentos que circulam em sua mente agora.
Aprendendo a reconhecê-los, nomeá-los, calmamente... aceitando-os positivamente... Eles vêm
e vão como as ágaus de um rio. E com esta consciência, você gradativamente percebe: eu tenho
sensações, emoções sentimentos e pensamentos; posso conhecê-los... E o que pode ser
conhecido não é o verdadeiro CONHECEDOR. Sensações, emoções, sentimentos e
pensamentos vêm e vão, flutuando através da minha consciência como as águas de um rio, sem
afetar meu EU INTERIOR, pois, EU SOU mais do que um corpo físico e suas sensações, suas
emoções, seus sentimentos e pensamentos.
E agora em sua mente você pode estar pensando: Então o que EU SOU? E sua mente
inconsciente sábia e profunda pode responder: EU SOU AQUILO QUE PERMANECE... UM
PURO CENTRO DE CONSCIÊNCIA... UMA TESTEMUNHA AMOROSAMENTE
SERENA... SERENAMENTE AMOROSA... de todas as sensações, emoções, sentimentos e
pensamentos. Todos passam como as águas de um rio.
Sempre que você desejar acessar o EU SUPERIOR, você pode repetir este exercício. E
sua mente inconsciente e sábia irá aprendendo cada vez mais...e o discernimento nele contido se
avivará e você pode... observar mudanças fundamentais em seu sentido do EU. Você pode
começar a intuir uma profunda sensação interior de liberdade, leveza e estabilidade. E, enquanto
você respira, seu EU SUPERIOR, serenamente... pode ajudá-lo a se manter tranqüilo e lúcido
mesmo nas ondas mais agitadas e tumultuadas da vida.
Amorosamente você vai respirando... deixando seu Eu Superior curar o que ainda
precisa ser curado, de forma que você possa retornar, calmamente... amorosamente e
suavemente (pausa). A seu tempo você pode sentir o seu corpo...movendo-o com energia e vida,
e pode abrir os seus olhos. Plenamente consciente, e sentindo-se bem e presente no seu corpo e
na sua vida.

5.6.10. Jornada de fantasia para além do jardim

NÍVEL: perinatal e transpessoal.


TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal.
OBJETIVO: Possibilitar o acesso a níveis superiores de consciência, explorando
símbolos e arquétipos de morte e renascimento.
Esta técnica é uma ampliação da jornada de fantasia ao museu.
O uso desta técnica pode favorecer o contato com núcleos da cadeia de COEXs
vinculadas ao nível transpessoal, sendo, como o sonho catártico diurno, uma possibilidade para
o paciente expressar conflitos vividos em níveis mais profundos de seu psiquismo.
INSTRUÇÃO
Respirando calmamente... Você pode seguir caminhando, entrando em contato com um
espaço interno que você identifica como um jardim interior, assim, se permita explorar o seu
jardim interior, enquanto vai se sentindo cada vez mais confortavelmente protegido... Você
observa tranquilamente a sua respiração, e sua mente sábia e profunda pode observar o fluxo do
elemento água circulando em seu corpo. Boa parte de seu corpo é formada por água. A água é a
manifestação da VIDA, é onde a vida começou. Calmamente você pode ir procurando um lago
de águas claras e profundas (pausa). E, enquanto respira, conscientemente e suavemente,
procurando o lago, sua mente sábia, inconsciente, clara e profunda começa a localizar as
emoções, sentimentos e pensamentos que você precisa liberar para que a VIDA flua livremente
em você.
Você pode ter encontrado um lago grande ou um lago pequeno. Ele pode ter plantas por
perto... talvez, árvores frondosas, protetoras e tranqüilas. O importante é que você pode ir
observando as águas claras e profundas do lago, enquanto sua mente sábia e profunda se
prepara para mergulhar protegidamente. Respire calmamente... contemplando a superfície do
lago, lentamente você vai entrando nas suas águas, sentindo sua suavidade, sentindo a VIDA
presente. E, protegidamente... você vai entrando... entrando cada vez mais... mergulhando
profundamente. Um silêncio profundo pode ir tomando conta de você, uma sensação de bem
estar vai relaxando ainda mais o seu corpo. E você flutua livremente nas águas profundas do
lago. (pausa).
Você vai mergulhando cada vez mais...mergulhando...mergulhando em busca do fundo
do lago. (pausa). E lentamente enquanto a água começa a pressionar o seu corpo, o fundo do
lago vai ficando cada vez mais escuro, uma imensa escuridão (pausa). Talvez a pressão se torne
muito grande, talvez você encontre seres estranhos no fundo do lago e pense que não consiguirá
subir para superfície, mas sua mente sábia, inconsciente e profunda sabe que você vai
conseguir, protegidamente e calmamente retornar cheio de vida para a superfície, enquanto sua
mente inconsciente vai trabalhando para liberá-lo das tensões e bloqueios profundos, a pressão
vai aumentando... aumentando... E você vai fazendo um imenso esforço para subir para
superfície (pausa). Subindo... subindo em busca de luz e ar... subindo... subindo em busca de
liberdade... subindo... enquanto as águas vão ficando claras...subindo em busca de mais VIDA
(pausa). Lentamente, você pode ir vendo os raios de luz que entram no lago formando um túnel.
Vá para a luz... siga no túnel... siga rapidamente para a luz. Siga... siga... enquanto a luz vai
ficando cada vez mais próxima, siga... e, enquanto a luz fica mais próxima, você se prepara para
respirar livremente e abertamente. Siga... expanda o peito e... respire... respire. Solte o
ar...respire profundamente e protegidamente, respire a VIDA. (pausa). Sinta os raios de sol
tocando sua face, sinta a liberdade fluindo em seu corpo. Desfrutando amorosamente da luz que
o aquece, você pode ir deixando os raios de sol entrarem em seu corpo, aquecendo-o...
amorosamente. Tornando-o luz... LUZ... Relaxe na luz (pausa). E na forma de luz retorne para o
aqui-e-agora preenchendo o seu corpo com luz. Preenchendo sua cabeça, seus braços, seu tórax
com LUZ. Preenchendo seu quadril, suas pernas e pés.
Enquanto você vai acomodando conscientemente a luz... sua mente inconsciente, sábia e
profunda vai sentindo-se plenamente livre, esquecendo o que precise ser esquecido e lembrando
o que for necessário para sua VIDA. Vida que pulsa no seu corpo e, nesse movimento, você
mexe os pés, as mãos... sentindo-se presente aqui-e-agora no seu corpo, abrindo os olhos, cheio
de vida.
5.6.11. Curando e ampliando os vínculos familiares

NÍVEL: psicodinâmico e transpessoal.


TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal
OBJETIVO: trabalhar COEXs envolvendo os vínculos com familiares, amigos e
desafetos, identificar padrões de repetições familiares. Desenvolvimento do observador
compassivo.
INSTRUÇÃO
Usando sua mente criativa você pode ir, tranqüilamente, encontrando um lugar de
segurança para repousar... Desfrutando da liberdade propiciada pelo contato consciente com sua
respiração. Inspirando, você acalma o corpo e, expirando, você acalma a mente... inspirando
acalma o corpo e expirando acalma a mente... Mantendo este ritmo você pode ir,
gradativamente, encontrando uma posição para o corpo, sentado ou deitado, que lhe permita
entrar em contato protegidamente com níveis mais profundos da sua mente.
Mantendo o ritmo da respiração (inspirando acalma o corpo e expirando acalma a mente)
você pode ir imaginando que está no centro de um círculo de cura, talvez você possa imaginar
um mandala oriental ou talvez uma roda de cura xamânica ou, quem sabe, apenas o centro de
um espaço aberto e protegido. (pausa). Enquanto sua respiração consciente o ajuda a localizar-
se neste centro de equilíbrio, você pode imaginar que do lado esquerdo do seu corpo começam a
se aproximar todas as mulheres da linhagem familiar de sua mãe, o viés feminino da sua família
de origem, a começar por suas irmãs, se você tiver irmãs consangüíneas; após as suas irmãs,
vem a sua mãe, após a sua mãe, vêm as irmãs da sua mãe, após as irmãs da sua mãe, vem a sua
avó, após a sua avó, vêm as irmãs da sua avó, após as irmãs da sua avó vem a sua bisavó, e,
mesmo que você não conheça ou não se lembre das fisionomias, você pode conectar-se com a
energia dessas pessoas, sintonizando-se com o lugar de honra de cada membro da família.
Assim, você pode imaginar que todas essas mulheres da sua família, alinham-se atrás de você,
do seu lado esquerdo, uma após a outra, organizadas em fila tipo indiana. Mantendo a
respiração consciente, você vai olhando calmamente para todas elas: o que elas têm em
comum? que lições de vida trazem para você? qual a força dessas mulheres? Permita que estas
questões ressoem em seu ser. Busque escutar as respostas com o coração. Deixe que elas tomem
espaço em você, livremente, abertamente...
Mantendo a consciência do ritmo da respiração (inspirando acalma o corpo e expirando
acalma a mente) você pode ir agora imaginando que do seu lado direito começa a se aproximar
todos os homens da linhagem familiar do seu pai, o viés masculino de sua família de origem, a
começar por seus irmãos, se você tiver irmãos consaguíneos; após os seus irmãos vem o seu pai,
após o seu pai, vêm os irmãos do seu pai, após os irmãos do seu pai, vem o seu avô, após o seu
avô, vêm os irmãos do seu avô, após os irmãos do seu avô, vem o seu bisavô e assim por diante.
Você já sabe que poderá conectar-se com a energia dessas pessoas, sintonizando-se com o lugar
de honra de cada membro da família. Assim, você pode imaginar que como as mulheres, esses
homens se alinham atrás de você, do seu lado direito, um após o outro, organizados em fila
indiana. Olhando amorosamente para eles você pode perguntar-se: o que elas têm em comum?
que lições de vida trazem para você? qual a força desses homens? Permita que estas questões
ressoem em seu Ser. Busque escutar as respostas com o coração. Deixe que elas tomem espaço
em você, livremente, abertamente...
Mantendo a consciência do ritmo da respiração (inspirando acalma o corpo e expirando
acalma a mente) você pode voltar seu olhar para as mulheres da família. Talvez você tenha
percebido alguma dificuldade? Tome consciência dela, procurando materializá-la na forma de
uma fumaça escura que está sobre as suas cabeças. E do centro de cura e equilíbrio em que você
se encontra, você pode ir abrindo o seu coração, transformando-o em uma usina de força com
poder de transmutar, de mudar tudo que precisa ser mudado para que você possa encontrar mais
liberdade e paz. Com o seu coração aberto e trasnformado, você vai protegidamente inspirando
a fumaça escura que está sobre a cabeça das mulheres de sua família, trazendo-a para a usina do
seu coração, transformando-a em luz. E, expirando, você libera luz sobre as mulheres da sua
família. Inspirando a fumaça, transformando em luz, expirando luz. Observe como
gradativamente todas começam a se beneficiar da luz. Mantenha esta respiração até que todas
elas estejam envolvidas pela luz.
Amorosamente, você volta seu olhar para os homens de sua família. Talvez você tenha
percebido alguma dificuldade. Tome consciência dela/delas, procurando materializá-la na forma
de uma fumaça escura que está sobre as suas cabeças. E do centro de cura e equilíbrio em que
você se encontra, você pode continuar abrindo seu coração, transformando-o ainda mais em
uma usina de força com poder de transmutar, de mudar tudo que precisa ser mudado para que
você possa encontrar mais liberdade e paz. Com o seu coração aberto e transformado, você vai
protegidamente inspirando a fumaça escura que está sobre a cabeça dos homens de sua família,
trazendo-a para a usina do seu coração, transformando-a em luz... e, expirando, você libera luz
sobre os homens da sua família. Inspirando a fumaça... transformando-a em luz... expirando luz.
Observe como gradativamente todos começam a se beneficiar da luz. Mantenha esta respiração
até que todos estejam envolvidos pela luz. (pausa longa).
Agora que todos estão envolvidos em luz você volta seu olhar para as mulheres da sua
família e repete: eu honro e respeito vocês. Eu aceito vocês. Eu reconheço vocês na minha
linhagem familiar. Imagine que essas mulheres lhe dizem que também honram e repeitam você
e que lhe dizem que aceitam e reconhecem você na linhagem familiar. Observe os efeitos desse
reconhecimento e inclusão familiar, o quanto isso pode ser libertador! Agora, você volta seu
olhar para os homens da sua família e repete: eu aceito vocês. Eu reconheço vocês na minha
linhagem familiar. Imagine que esses homens lhe dizem que também honram e repeitam você e
que lhe dizem que aceitam e reconhecem você na linhagem familiar. Observe os efeitos desse
reconhecimento e inclusão familiar, o quanto isso pode ser libertador!
Amorosamente, permita-se ir transformando tudo que precisa ser transformado em luz.
Sinta-se luz. Neste centro de cura você pode expandir-se ainda mais: apoiando-se, acolhendo-se
e abençoando-se; desfrutando a liberdade e a energia de cura dos homens e das mulhres de sua
família; recebendo suas bênçãos e aceitação.
Gradativamente você pode ir integrando estas experiências, percebendo o seu corpo no
aqui-e-agora cheio de luz.
Você pode expandir esta experiência para incluir os inimigos a sua frente e os amigos
atrás de você. Repetindo os mesmos passos feitos com os homens e as mulhres da sua família,
sentindo-se protegido e seguro.
5.6.12. Identificando recursos

NÍVEL: psicodinâmico e transpessoal.


TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal.
OBJETIVO: acionar o potencial transformador e intencional da psique.
INSTRUÇÃO
Calmamente, você pode ir encontrando a sua forma de relaxar. Talvez você sinta
vontade de deitar, talvez você prefira ficar sentado. O importante é encontrar uma forma
confortável para relaxar o corpo e soltar a sua mente criativa, sábia e profunda. Deixe-se levar
pela respiração... mantenha a atenção no ritmo da respiração e, protegidamente, vá soltando as
áreas do seu corpo que precisam relaxar. Eu não sei se são suas pernas que precisam ficar mais
soltas, eu não sei se são suas costas... braços...mãos ou cabeça. Eu só sei que você pode relaxar
o que precisa ser relaxado, usando sua respiração tranquilamente... E, enquanto você respira
suavemente... sua mente sábia e profunda está sendo acionada para trabalhar pelo seu
crescimento interior. Ela está fazendo tudo o que precisa ser feito para que você possa desfrutar
desta experiência de crescimento, protegidamente... amorosamente...
Assim, protegidamente e amorosamente, você começa a realizar uma retrospectiva de
sua vida. Sua mente sábia e profunda já escolheu aquelas situações difíceis que foram
SUPERADAS e que você precisa lembrar protegidamente neste momento. Então, vá
observando os momentos difíceis... os momentos de crise... os momentos de perda ou de
qualquer outra dificuldade. Permita-se lembrar aquilo que sua mente sábia selecionou para
favorecer protegidamente o seu crescimento. Mantenha a mente consciente observando a
respiração, enquanto sua mente sábia e profunda favorece esta retrospectiva, calmamente...
protegidamente...
Agora que você acessou essas lembranças, procure ir observando calmamente a forma
como você conseguiu transformar estas situações...Respire o ar, deixe-o circular livremente em
seu corpo... que recursos você utilizou para transformar estas situações. Respire livremente,
solte o ar. Tome consciência do seu poder transformador. Respire o ar protegidamente e observe
que onde antes havia tensão agora há tranqüilidade, procure observar com a ajuda da respiração.
Tome consciência do seu poder interior. Entre em contato com os sentimentos que surgem com
a percepção desta capacidade de transformar. Respire, sinta seu corpo livre, respire o ar
transformador. Veja que você pode usar estes mesmos recursos para resolver o que for preciso
ser resolvido agora em sua vida. Enquanto você respira conscientemente, sua mente sábia e
profunda já está fazendo este trabalho para você.
A seu tempo, procure mexer o seu corpo, abrindo os olhos suavemente, plenamente
consciente de seu poder transformador.
Sugere-se realizar o desenho de mandala e compartilhar a experiência com o grupo.

5.6.13. Exercitando o desapego do ego.

NÍVEL: psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal.
OBJETIVO: facilitar desapego, mudança de padrões e desidentificações. Usada como
um facilitador de identificação de experiências de apegos que podem ser trabalhadas com a
Técnica de Morte e Renascimento.
RECURSO TÉCNICO: Música Adágio nº 5 de Samuel Barber ou similar.
ÍNSTRUÇÒES
Procure, no seu ritmo, encontrar sua forma de relaxar. Talvez você prefira ir soltando
cada parte do seu corpo com a ajuda da respiração. Soltando os pés... Soltando as pernas,
respirando e soltando os quadriz... soltando as costas e todo o tórax. Respirando calmamente... e
soltando os braços, as mãos... soltando livremente a nuca... respirando e soltando a cabeça e os
músculos da face...
Talvez você prefira imaginar-se dentro de um círculo de luz protetor...um círculo de luz
com a cor de sua preferência. Luz e cor que vão entrando em seu corpo com a ajuda de sua
respiração...e soltando, relaxando ainda mais. Sentindo-se protegido(a) e seguro(a).
Talvez você possa aumentar seu relaxamento escutando esta música... observando sua
respiração. Escutando conscientemente a música, você sintoniza com o seu momento de vida
atual. Observe sua profissão, sua família, seus colegas e amigos... Procure observar tudo que for
possível nestas situações. O que lhe dá mais prazer? Procure estabelecer uma ordem de valor,
colocando em primeiro lugar aquilo que lhe dá mais prazer e assim por diante.
Enquanto você continua observando, protegidamente, sua mente sábia e profunda o está
preparando para transformar tudo o que for preciso ser transformado para auxiliar no seu
crescimento. Agora, calmamente e protegidamente, você começa a imaginar-se perdendo as
coisas que lhe dão prazer, deixando por último aquela que você escolheu como a mais
prazerosa. Na sua imaginação observe como fica a sua vida ao perder cada uma dessas coisas...
Como você se sente? Quais são suas reações frente a essas perdas?
Calmamente, você respira e toma consciência da importância do desapego em sua vida e
da certeza da impermanência inerente a todas as coisas da existência. Neste momento, pode-se
introduzir a técnica de morte-e-renascimento do ego, de Léo Matos (vide itens 2.11 e 5.2.1.) ou
reconduzir a pessoa ao aqui-e-agora, sugerindo a realização de mandala e o compartilhar da
experiência com o grupo.

5.6.14. Focalizando uma área a ser trabalhada I e II.

NÍVEL: psicodinâmico e transpessoal.


TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal.
Na aplicação individual, aproveita-se a mobilização do conflito para trabalhá-lo com
outras técnicas. Em grupo, compatilhe em dupla escolhendo o parceiro que tenha o mandala
mais parecido com o seu; depois compartilhe com o grande grupo. Convide voluntários para
trabalhar no colchão com outras técnicas. Os voluntários são os porta-vozes do grupo e ajudam
na clarificação dos conflitos vivenciados por outros que ainda não estão dispostos a se exporem
no coletivo.
OBJETIVO: favorecer a delimitação de um foco a ser trabalhado na sessão de
psicoterapia.

Focalizando I
INSTRUÇÃO
Sentado ou deitado, entre em contato com sua respiração... procurando sentir cada parte
de seu corpo... sinta, agora, seu corpo como um todo... Como você está no seu corpo agora?...
Lembre-se de algo que intencionou trabalhar nesta sessão... alguma coisa que está lhe
incomodando e precisa ser trabalhada... sinta essa situação no seu corpo. Agora, em silêncio
faça um mandala.

Focalizando II
INSTRUÇÃO
Entrando em contato com a respiração... deixando que ela entre em cada parte do seu
corpo, soltando o que precisa ser solto e trabalhando o que precisa ser trabalhado... procurando
presentificar o seu ser... sentindo-se aqui-e-agora... Sinta como você está aqui-e-agora no seu
corpo. Tem alguma tensão?... O que isso lhe diz?... Pense em seus conflitos atuais e observe que
conflito está lhe incomodando mais neste momento... destaque esse conflito... visualize-se ou
imagine-se vivendo essa situação de conflito agora. Sinta-o no seu corpo... perceba as sensações
que ele lhe proporciona agora... Tome consciência dos sentimentos, pensamentos e percepções
que este conflito lhe desperta... Agora, em silêncio, faça um mandala; um mandala do seu
conflito.

5.6.15. Trabalhando a culpa

NÍVEL: atinge inicialmente o psicodinâmico, podendo ir além para o perinatal e o


transpessoal.
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal.
OBJETIVO: levantar gestalts abertas acerca de situações envolvendo culpa ou
arrependimento.
INSTRUÇÃO
Deitado, olhos fechados, você vai entrando em contato com a sua respiração... buscando,
calmamente, entrar em contato com este momento presente... inteiramente presente no seu
corpo... respirando... ampliando sua mente... abrindo seu coração... respirando, calmamente,
faça uma retrospectiva de sua vida, como se fosse um filme... vá observando situações em que
você se sentiu culpado ou arrependido por ter feito ou falado alguma coisa, ou por ter deixado
de fazer ou falar alguma coisa desde sua infância... passando pela adolescência... até a fase
adulta.
Observe onde esse sentimento se reflete no seu corpo... como ele se reflete em sua vida
hoje... Procure trazer para a consciência tudo que possa ajudar em seu processo de crescimento.
A seu tempo, levante e faça quantos mandalas você necessitar.
Procurar trabalhar com outras técnicas de acordo com o que foi mobilizado pela
experiência.

5.6.16. Vivência de perda de uma situação

NÍVEL: psicodinâmico
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal
OBJETIVO: favorecer a elaboração de situações envolvendo perdas.
INSTRUÇÃO
Sentado, ou deitado, você pode ir relaxando o seu corpo, soltando tudo que precise ser
solto, enquanto sua respiração vai tranqüilamente se acalmando. Repirando, soltando cada parte
do seu corpo... pés... pernas... tórax... soltando braços e mãos... respirando, soltando os
ombros... a nuca. Soltando a cabeça... respirando e relaxando você pode ir entrando em contato
com sua vida hoje... observando sua vida profissional... afetiva... social... familiar... espiritual...
procurando observar ao máximo possível todos estes aspectos.
Dentro dessas áreas, escolha uma situação pela qual você sente uma forte ligação... uma
situação que lhe traz grande satisfação e felicidade... Traga esta experiência de felicidade para o
seu corpo... Algo de muita importância para você. Procurando sentir agora esta satisfação
presente em seu corpo... Desfrutando essa sensação de bem-estar...
O tempo passa, tudo passa... e, mantendo a respiração tranqüila, faça a fantasia que agora
você está perdendo a situação de bem-estar... Isto desaparece de sua vida. Você não tem mais
esta situação para desfrutar. Respirando... expirando, tudo isso acaba... Como você está se
sentindo agora sem isso? Como fica a sua vida?
Imagine o tempo passando... O que você está fazendo para lidar com essas mudanças na
sua vida?... O que você quer fazer da sua vida agora?... O tempo continua passando, veja se
você faz ou não o que planejou... O que você está sentindo por você agora?
No trabalho em grupo solicita-se que a seu tempo cada pessoa levante e faça um
mandala para compartilhar com o grupo, logo após trabalha-se as situações incabadas.
Quando o atendimento for individual, conduza a pessoa ao fechamento das gestalts ou
COEXs abertas com as vivências. Utilizam-se principalmente os exercícios de morte-e-
renascimento do ego.

5.6.17. Trabalhando bloqueios, gestalts ou COEXs abertas

NÍVEL: todos os níveis.


TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal
OBJETIVO: desbloqueio e intensificação energética da consciência.
INSTRUÇÃO
Sentado ou deitado, você pode ir entrando em contato consigo mesmo. Respirando
livremente... tomando consciência de como está o seu corpo aqui e agora... relaxando...
ampliando sua consciência protegidamente...
Calmamente, você vai tomando consciência em qual aspecto da sua vida você se sente
mais travado, bloqueado ou impedido, quer seja no nível físico, emocional, afetivo, espiritual ou
profissional...
Tome consciência da dimensão desse bloqueio na sua vida... Veja se ele tem
repercussões físicas, emocionais ou mentais. Tome consciência das crenças, pensamentos e
sentimentos que acompanham esse bloqueio...
Quais são seus sentimentos agora ao contatar com esse bloqueio?
Com essa consciência, levante-se e, em silêncio, faça um mandala ou quantos quiser.
No trabalho em grupo, solicita-se que a seu tempo cada pessoa se levante e faça um
mandala para compartilhar com o grupo; logo após, trabalham-se as situações inacabadas. É
importante, para reduzir as resistências, destacar que todos temos bloqueios, todos temos
frustrações e aspectos mal resolvidos.
Quando for individual, conduz-se a pessoa ao fechamento das gestalts ou COEXs
abertas, com a vivência da jornada. Utilizam-se principalmente os exercícios de morte e
renascimento do ego.
5.7. TÉCNICAS REGRESSIVAS

O uso das técnicas regressivas como instrumento terapêutico já está consagrado no meio
psicológico. Contudo, a sua utilização para acessar camadas mais profundas do psiquismo,
como os níveis perinatais, memórias arquetípicas e de “vidas passadas”, passou a ser uma das
marcas identificadoras da Psicologia Transpessoal. Durante um certo período de tempo
associou-se a Psicoterapia Transpessoal com a possibilidade de entrar em contato, via regressão,
com memórias difíceis de serem acessadas pelas terapias convencionais.
No meio transpessoal, três grandes posições surgem no que diz respeito ao uso da
regressão.
a) A regressão é uma necessidade para evolução da consciência - esta posição é
defendida por Grof quando aponta o nível perinatal como porta para acessarmos os níveis
transpessoais. Ela é duramente criticada por Wilber (2001, p.144-159) que aponta as
dificuldades teóricas para sustentá-la. Para este autor, as experiências perinatais são
manifestações dualistas próprias do fim da involução do psíquico/alma, ou seja, do fim da
permanência no bardo e retorno ao corpo físico. Contudo, é inegável que a respiração
holotrópica é uma poderosa ferramenta desenvolvida por Grof para acessar o material
inconsciente.
Outro grande terapeuta que sustenta uma postura próxima a de Grof é Roger Woolger,
sendo suas técnicas extremamente eficientes para favorecer estados regressivos aos níveis mais
sutis (ver item 3.2.3. neste livro).

b) A regressão não é uma necessidade para evolução da consciência – esta posição é


defendida por Wilber (2001) que aponta:
“Aquilo com que se entra em contato nessas terapias de regressão não é
essencialmente a batalha do nascimento biológico, mas a consciência psíquico/alma
presente naquela batalha. E, o que é mais importante, pode-se entrar em contato
com essa consciência psíquico/alma com igual facilidade sem a necessidade da
regressão...”(grifo nosso, p.158)
Wilber destaca que as experiências acessados nos níveis perinatais retornam após a
resolução da crise existencial vivida no estágio 6 (nível existencial) e que a consciência
acessada nestes níveis iniciais tende a ser substituída pelos estados não-duais dos níveis
transpessoais. Esta postura reconhece a regressão e a utiliza para favororecer o desbloqueio dos
enredamentos que estejam impedindo a expansão da consciência rumo aos níveis mais amplos,
contudo a meta é sempre ativar o nível de consciência seguinte e não regredir.
c) A regressão pode favorever a evolução da consciência – Esta posição é defendida
por Léo Matos. Este autor trabalha com a perspectiva de que, se o fenômeno regressivo ocorrer,
deve ser facilitado, Para isso, ele criou técnicas que favorecem os estados regressivos, sem,
contudo, induzí-los diretamente, como fazem Grof e Woolger. Quando surgem os estados
regressivos, ele trabalha dentro da perspectiva progressiva, ou seja, procura estimular a
resolução do conflito presente na regressão e conduz a consciência para os níveis seguintes.
Nesse trabalho não é feito nenhum esforço de retorno para antes da experiência regressiva
acessada, recurso geralmente utilizado por Roger Woolger em seu trabalho.
O conhecimento e a vivência destas três posições favorecem o terapeuta em seu trabalho,
pois, quanto mais amplas forem suas possibilidades de acesso ao inconsciente, mais amplas
serão, também, suas possibilidades de trabalho. Recomendamos aos leitores interessados em
aprofundar a temática da regressão os trabalhos dos teóricos Roger Woolger, Leo Matos
Teodora Guimarães e Moody Jr., dentre outros indicados na bibliografia. Aqui, apontaremos
apenas algumas técnicas básicas.
Destacamos que na literatura transpessoal especializada em regressão, todos os autores
são unânimes na importância da qualificação do terapeuta no manejo das técnicas regressivas,
de forma que este tenha condições de conduzir um bom dignóstico e fazer as indicações
específicas da regressão. Alertamos ainda que o uso inadequado de técnicas que objetivam a
suspensão temporária das defesas do ego, como é o caso da regressão, quando utilizadas em
pacientes psicóticos provocam uma grande desestruturação.
Quanto ao conteúdo dos fenômenos acessados via regressão, a maioria dos autores
indica que eles devem ser tratados dentro de uma perspectiva fenomenológica e não como
verdades factuais. A hipótese paligenética subjacente às regressões a níveis transpessoais,
envolvendo memórias de “vivências passadas”, é vista como mais uma das possíveis hipóteses
para explicar este fenômeno, somando-se a outras explicações, como: as memórias biológicas,
arquetípicas ou mesmo a mera sugestão. Cabe ainda uma referência ao trabalho do Grof que
dispensa a verbalização expressa antes, durante e após as vivências regressivas, ou seja, no
trabalho de respiração holotrópica a regressão passa a ser tratada na dimensão inconsciente,
onde as imagens, associações e demais elementos não cognitivos (dispensando diálogos,
indução objetiva direta, defesa de princípios morais, nomeações lógicas ou ainda escolhas
conscientes de referentes resolutivos ante a emergência dos fenômenos fáticos vivenciados).
Nesse sentido, é o imaginário que se reveste de poder de cura e encontra expressão na situação
regressiva de âmbito particular do cliente. Liberado nessa dimensão imaginária, seja norteado
pelos limites da história pessoal (e aí se inclui o aspecto antropológico da linhagem familiar),
seja através do universo inconsciente coletivo, o cliente se permite elaborações dispensando,
como já referido, a identificação consciente, do ponto de vista seqüencial e lógico dos eventos,
o que lhe permite prosseguir atendendo à exata medida de sua necessidade de equilíbrio da
psique.

5.7.1. Regressão baseada em associações

Um dos princípios básicos da Hipnoterapia Ericksoniana compartilhada e usada no meio


transpessoal indica que, quando você desejar que o cliente relembre acontecimentos acerca de
um uma temática específica, procure falar sobre temas relacionados; como por exemplo, falar
de temas envolvendo a infância, ou falar da infância do terapeuta ou trazer um personagem
fictício para ajudar o cliente a acessar suas próprias lembranças infantis.
Exemplo:
Cliente (C): Sinto dificuldades de lembrar dos acontecimentos envolvendo minha
infância.
Terapeuta (T): Eu sei de uma pessoa que apresentava a mesma dificuldade. Quando ele
era pequeno, aconteceram coisas difíceis, coisas que ele não conseguia recordar, mas
ele conseguia lembrar da sua escolinha, dos lápis de cor, às vezes tinha lembrança de
algum brinquedo.
(C): Lembrar isto é fácil.
(T): Sim. Com ele, começou assim, de forma fácil e segura, depois ele foi lembrando
mais e mais, lembrando seguramente.
(C): Lembro de que na escola tinha garotos maiores que eu e que me batiam. (a partir
desta associação o cliente resgatou as memórias de agressão sofridas na sua infância).

5.7.2. Regressão a partir de sintomas físicos e psíquicos

Os sintomas falam das histórias, das memórias, dos desafios, enfim da dor do cliente em
existir. Woolger (1998) e Matos (supervisão) apontam que intensificar o sintoma conduz ao
aparecimento da sua história. Para isto, pode-se utilizar a focalização da atenção com o auxílio
da respiração ou uma leve pressão sobre o corpo; aqui, todos os cuidados éticos devem ser
tomados, evitando situações que retraumatizem o cliente ou possam ser mal interpretados.
Para os psicoterapeutas supracitados, os conteúdos que emergem, a partir da
intensificação dos sintomas, devem ser trabalhados para favorecer a catarse, o fechamento de
gestalts e a desidentificação do eu, tanto através da TRI (Woolger, op.cit.) como do Sonho
Catártico Diurno e da técnica de Morte-Renascimento Psicológico. (Matos, 1972, 1994). Estas
técnicas necessitam de uma estrutura egóica mais fortalecida para o confronto com a dor
psíquica, e de um bom rapport
Eliége Brandão e Salete Menezes seguem, principalmente, as abordagens de

Matos e Woolger.

Aurino Ferreira traz o exemplo, a seguir, onde introduz procedimentos da Hipnoterapia


Ericksoniana para que o cliente possa fazer aquele confronto de forma mais protegida e suave,
recorrendo ao Eu Adulto como suporte para a criança fragilizada.
O paciente queixa-se de uma profunda opressão no peito. Esta opressão o acompanha
há bastante tempo e está associada a momentos onde ele tem medo de perder o
controle. Ele não admite que ninguém o toque nesta área, falando que sua esposa
sente-se rejeitada quando tenta tocá-lo e ele não permite, apesar disso deixá-lo
bastante angustiado ele não consegue alterar a situação.
Solicitado a focalizar a atenção nesta área do corpo o cliente sente aumentar sua
tensão, sendo estimulado a ir imaginando a intensificação da pressão cada vez mais.
Cliente (C): Sinto meu peito tenso. Como se fosse explodir.
Terapeuta (T): Seguramente você vai experimentando e permitindo essa
intensificação, você vai fazendo a fantasia que esta pressão vai aumentando mais e
mais.
C: A pressão aumenta muito (começa a respirar acelerado, dando sinais de entrada
em estado ampliado de consciência).
T: Siga, isto...muito bem, você está indo bem, continue. Siga e vá me falando o que
está se passando com você aí.
C: As imagens ficam confusas em minha mente.
T: Tudo bem. Evite qualquer julgamento, apenas siga livremente tudo o que for
surgindo.
C: Tem uma pressão, meu peito vai estourar. (há lágrimas escorrendo no rosto
contraído de medo, respiração acelerada).
T: Você pode...protegidamente, observar o que está acontecendo. Sinta esse peso
sobre você aumentando mais e mais. O que está acontencendo quando ele está
aumetando.
C: Tem alguém sobre mim (recua o corpo, apresentando uma postura e fala infantis).
T: Criança, você pode com a ajuda do seu eu adulto falar o que está acontecendo
agora.
C: A moça que cuida de mim está tirando a roupa e deitando sobre mim. Eu vou
sufocar. (contrai o corpo ainda mais, revivendo a cena de abuso, respira de forma
rápida).
T: Criança, com a ajuda de seu Eu Adulto você pode reagir. Você pode!.(terapeuta
coloca psicodramaticamente uma almofada sobre o peito do cliente, falando que ela
simboliza o abusador).
C: Saia de cima de mim, eu sou uma criança. Isto não se faz (há uma movimentação
corporal de reação, de resistência). Eu não quero você em cima de mim (com as mãos
a altura do peito procura retirar a almofada). Saia...
T: Isto, diga: sai de cima de mim...
C: Saia... (movimentos de força). Saia...Saia (respira fundo e empurra a almofada). E
repete: saia (chora compulsivamente, apresenta a face e o corpo relaxados).
O terapeuta faz um trabalho de reprogramação da cena traumática, incluindo a idéia
de que é seguro ser amado. Inclui o Eu Adulto como cuidador do eu criança.
T: Agora você está seguro. Imagine que seu Eu adulto se aproxima e cuida desta
criança. O que você quer que ele faça para que você se sinta mais seguro?!
C: Que me ponha no colo, segurando o meu peito. (põe o corpo em uma posição que
abraça uma almofada).
T: Isto! Muito bom. Você pode agora escolher com quem você quer se relacionar. É
seguro... Você sabe que pode se proteger agora. Ninguém vai lhe fazer mal.
Seguramente você pode escolher quem vai se aproximar de seu corpo...É seguro. Você
amar e ser amado.

5.8. TÉCNICAS ENVOLVENDO PRÁTICAS RESPIRATÓRIAS

Respirar constitui-se em uma função básica para os seres humanos, e sua simplicidade é
uma das principais fontes onde estão ancorados os potenciais de cura dos exercícios
transpessoais. Habitualmente, não estamos conscientes das 17.000 mil vezes que, em regra,
respiramos por dia. E como a respiração é uma via de mão dupla do sistema emocional,
influenciando e sendo influenciada pelas emoções, tornamo-nos cada vez mais alienados de nós
mesmos.
Nossos hábitos respiratórios errôneos e restritos causam um acúmulo de ar viciado nos
nossos pulmões, provocando toxidade semelhante a águas estagnadas nos pântanos. A tradição
yogue enfatiza a respiração como alimento não só do corpo, mas também do espírito. Nossas
dimensões sutis são nutridas pela energia vital denominada prana58, em sânscrito. Quando
respiramos, além do oxigênio (que vai nutrir as células do corpo físico, como o alimento que
ingerimos) absorvemos também o referido prana que é energia vital presente em tudo que está
vivo. Aprender a respirar corretamente não somente desintoxica o organismo como também
pode manipular o poder interior, o controle da mente e das emoções.
Na tradição oriental, existem várias técnicas com diversos objetivos, inclusive algumas
complexas e que só podem ser ensinadas por um mestre experiente, que esteja em processo
iniciático, para o domínio dos poderes psíquicos. Entretanto, o terapeuta ou praticante da
psicoterapia transpessoal utiliza técnicas simples como as supracitadas, no sentido de
tranqüilizar ou energizar o cliente. Em nossa prática, comprovamos ser a respiração consciente
uma via direta de acesso ao mundo interior do indivíduo tornando-o presente em si mesmo,
mobilizando conteúdos do seu inconsciente profundo e ampliando a consciência para outras
realidades. Além de ampliar o foco, há técnicas respiratórias que reequilibram energeticamente
a pessoa após seu contato com experiências traumáticas, fazendo-a recobrar o poder sobre si
mesma.
É importante, entretanto, que não se faça uso de técnica de respiração quando se tem
uma ou as duas narinas obstruídas porque pode causar ou acentuar o desequilíbrio energético.
Utilizada para acalmar, apoiar e reduzir ansiedade, bem como para ativar, intensificar e
desbloquear sintomas, seu potencial encontra-se amplamente estudado nas escolas psicológicas
orientais e vem ganhando cada vez mais espaço na cultura ocidental. Aqui, observamos os dois
pólos centrais onde a respiração é utilizada: a) acalmar a energia, objetivando reduzir ansiedade
e estresse; b) ativar a energia, propiciando o desbloqueio dos nós psicofísicos.

5.8.1. Técnicas respiratórias redutoras de ansiedade e estresse


Tem-se por princípio acalmar uma energia já ativada, buscando integrá-la no fluxo
ordinário da consciência.

5.8.1.1. Dissolver tensões, dores, desconforto ou incômodos localizados.


Deitar-se em colchonete ou sentar-se em poltrona confortável.
Relaxar o corpo todo de forma progressiva a partir dos membros inferiores até a cabeça.
Usar a respiração diafragmática prolongando a exalação para aprofundar o relaxamento.
Focalizar a atenção na área dolorida ou desconfortável.
Durante algum tempo, o desconforto pode aumentar. Escute o que seu corpo está falando
através desse incômodo – linguagem que expressa necessidade de atenção ou protesto.
Prolongue a expiração, sentindo como se o ar expelido fosse o próprio incômodo
diluindo-se.
Prossiga o exercício até desaparecer o incômodo.

58
Segundo a tradição taoista, prana é a energia vital, o impulso e a força que promove a manutenção da vida
no universo. É o princípio que rege o movimento de permanente troca energética, entre a dimensão física e os
corpos sutis. No ser humano, constitui-se no substrato vital energético naturalmente ativado através da
respiração espontânea e intencionalmente potencializado quando dos processos de respiração consciente.
Dentre tantas outras formas de absorção de Prana (tais como através dos alimentos, do sol e da água), a
respiração é a forma mais suil e, talvez, a mais substancial pela qual se extrai o Prana que por sua vez ao ser
contactado, armazena-se nos chackras e por eles é distribuído por todo o corpo promovendo revitalização.
5.8.1.2. Adote expirações regulares

As pessoas ansiosas estão presas a padrões compulsivos de pensamentos que as enredam


em um círculo vicioso. O uso de paradas estratégicas para expirar durante o dia pode ser útil
para trazer a pessoa de volta ao presente. Reintegrando-a ao fluxo da respiração, quebra-se por
alguns minutos o padrão compulsivo. Simultaneamente, promove-se o realianhamento dos
pensamentos associando-se expiração a alívio de tensão, o que oferece uma liberação da
ansiedade.
Recomenda-se ao paciente expirar, pondo para fora as tensões, durante x vezes ao dia. A
quantidade de vezes deve ser de acordo com as possibilidades do paciente em cumprir a tarefa,
contudo é preferível iniciar com três vezes ao dia, como um remédio.

5.8.1.3. Três respirações calmantes

Tranqüilamente, foque a sua atenção na respiração. Calmamente, respire três vezes. Procure
respirar lentamente e demoradamente. Crie um ritmo: inspirando lentamente e profundamente,
segure o ar por alguns segundos, e, depois, expire relaxando, deixando o ar sair livremente,
transformando o seu corpo e a sua mente.
O Lama Padma Santem59, um grande mestre budista, ensina que este ritmo pode ser
acompanhado por palavras:

“Inspirando, acalmo o corpo e tenho paz.


Expirando, desfruto a beleza deste momento.
Inspirando, acalmo a mente.
Expirando, desfruto a paz deste momento.”

5.8.1.4. Concentração sustentada na respiração.

Volte a atenção para o corpo e a postura. Sente-se com as costas e a cabeça eretas. Caso
esteja sentado em uma cadeira, procure acomodar-se confortavelmente usando almofadas na
parte baixa das costas, isto aliviará a tensão sobre os músculos e manterá o corpo reto. Com as
costas eretas, volte a atenção para o resto do corpo. Simplesmente relaxe o máximo que puder.
Respire devagar umas poucas vezes para ajudar no processo de relaxamento. Enquanto
respira, note que, quando inalamos o ar, o fazamos ativamente; o ar é puxado para dentro.
Contudo, para expirar e liberar o ar, só se precisa relaxar. A cada respiração se libera a tensão e
se relaxa cada vez mais.
Agora, volte a atenção para a própria experiência da respiração. Note que as duas mais
proeminentes sensações estão provavelmente nas narinas, por onde entra e sai o ar, e no
estômago, onde se pode sentir o movimento de sobe e desce do abdômen. Escolha umas dessas
áreas e dedique-lhe atenção completa. Siga as sensações da respiração, em suas mudanças e
alterações na entrada e saída do ar, e o repouso na breve pausa antes do início do ciclo seguinte.

59
Mestre da tradição budista, especialista em psicologia oriental.
Cedo ou tarde você despertará de súbito, ligeiramente ofegante pela surpresa, ao
compreender que estivera perdido em pensamentos ou fantasias, ou até que estivera meditando.
Esse é um processo natural, apenas lembra que nossa mente, em treino, se afasta da realidade. O
processo é simples. Retorne à sua atenção, com suavidade e carinho, volte às sensações da
respiração. As fantasias aparecerão uma centena de vezes. O objetivo é permanecer consciente
no momento da respiração.
A mente vagueia inconscientemente e regressa conscientemente. Não se julgue nem
julgue a sua mente por suas tendências errantes. Ao invés disso, trate-a e a você mesmo com
amor suave e respeito, e continue com a atenção voltada para a respiração.
Isso é tudo que se precisa. Não se tem que batalhar ou lutar com a mente; não é
necessário se preocupar com a qualidade do que se está fazendo. Simplemente relaxe, permita
que a atenção repouse nas sensações da respiração e, quando ela fugir, traga-a de volta.
Ao final da sessão, abra os olhos devagar e olhe à sua volta. Talvez note que sua visão
parece algo mais clara, as cores, algo mais brilhantes. Levantando-se devagar, veja se pode
levar a claridade e a calma, porventura cultivadas, para as suas atividades e relações.

5.8.1.5. Primeira respiração, última respiração.

Após adquirir estabilidade na prática da concentração sustentada na respiração, ela pode


ser usada como base para explorar estados de consciência diversos.
Aqui vamos utilizá-la para trabalhar a ansiedade gerada pela experiência de perda e morte.
Calmamente, imagine-se como uma criança que acaba de chegar ao mundo. Sentindo-se
liberado das pressões do útero, você vai respirar pela primeira vez. Desfrute desta primeira
respiração. Cada respiração é uma experiência nova, profundamente estimulante.
Protegidamente você respira e calmamente desfruta esta experiência ao máximo. Procurando
sentir esta primeira respiração repercutindo positivamente em sua vida, abrindo novos
horizontes, expandindo sua mente e seu corpo.
Agora, imagine que o tempo passa e que você está no final da vida. Você completou seu
ciclo vital e agora está morrendo, e, na sua imaginação, esta respiração de agora, pode ser a
última. Dedique amorosamente sua total atenção a este momento, permita-se observar os
padrões de medo, ansiedade e tensão acumulados na sua mente e no seu corpo. Use este
momento para relaxar, pois não há mais com o que se precupar. Expirando, você pode ir
libertando-se do temor, do apego ou da preocupação. A cada respiração, simplesmente liberte-
se e perceba que tudo faz parte de um movimento cíclico de curta ou de longa duração.
Sinta os efeitos dessa entrega, para além da possibilidade de respirar e perceba que a
vida tem um movimento constante, onde sempre é possível desfrutarmos do primeiro ou do
último momento de cada ciclo.

5.8.2. Técnicas respiratórias ativadoras de energia

O princípio destas técnicas é que elas ativam e pressionam, buscando abrir espaço na
rigidez dos nós psicofísicos, para depois acalmar e integrar as energias mobilizadas. Grof
(2000) destaca que:
“a respiração é uma função autônoma, mas também pode ser influenciada pela
vontade. O aumento deliberado do compasso da respiração, tipicamente relaxa
as defesas psicológicas e leva à liberação e à emergência de materiais
inconscientes (e supercosncientes).” (p.182)
A seguir, apresentaremos uma sequência de exercícios que ativam profundamente as
energias psicofísicas, devendo, por isso, serem utilizadas por profissionais que já se
submeteram a estas técnicas e que conheçam as especificidades de suas dinâmicas.

5.8.2.1. Respiração de poder


Indicada para momentos onde o cliente necessite experienciar um aumento de energia no
corpo, principalmente após vivências regressivas ou de morte-e-renascimento do ego, que são
muito intensas.
Instrução: inspirar rapidamente pelas narinas provocando um ruído semelhante ao de
uma abelha. Não reter o ar. Continuar inspirando desta forma por alguns instantes e, então,
inspirar mais uma vez, rapidamente, pelas narinas provocando um zumbindo semelhante ao
provocado na inspiração inicial. Repetir esta respiração por três vezes. Ao terminar, inspirar
lentamente, reter o ar por algum tempo e expirar lentamente pelas narinas.
Esta respiração é indicada para aumentar o calor do corpo através do aumento da
circulação sanguínea. Propicia uma intensa ativação energética. Pode ser sucedida por um
tempo de serenização da mente e do corpo, pois provoca a liberação de tensões.

5.8.2.2. Respiração para soltar e ativar tensões

Indicada para ajudar nos processos de integração do cliente no aqui-e-agora, ajudando a


liberar tensões residuais das vivências em estados ampliados.
Instrução: De pé com as pernas ligeiramente afastadas inspirar elevando os braços para
frente e para cima. Reter o ar por alguns segundos. Expirar abaixando rapidamente os braços e
tronco para frente. Expulsar o ar energicamente pela boca emitindo a sílaba “ha” alto e forte.
Esta respiração é contra-indicada para hipertensos, pois aumenta a circulação sanguínea
e possibilita a liberação de uma grande descarga emocional.

5.8.2.3. Hiperventilação

Consiste no aumento deliberado do ritmo respiratório. Geralmente, este tipo de


respiração é potencializado quando executado pela boca e pelo nariz conjuntamente. E tem um
efeito dramático sobre a ampliação da consciência. Os efeitos psicofísicos deste processo,
geralmente denominado “síndrome de hiperventilação” é visto no meio transpessoal como
propiciador de um profundo processo de cura, pois ativa o potencial auto-realizante do
organismo.
Grof (2000) acrescenta, ainda, que a ciência ocidental tem analisado este fenômeno
unilateralmente, reduzindo-o a uma mera expressão fisiológica, patologizando suas
manifestações físicas e psicológicas. Em situações de emergências psiquiátricas as síndromes de
hiperventilação, tidas como patológicas, recebem tranqüilizantes ou são oferecidos sacos de
papel para o paciente respirar dentro, aumentando assim a concentração de CO2 e redução da
alcalose provocada pelo aumento do ritmo da respiração. Contudo, perde-se o potencial curativo
desta experiência.
Grof (2002) destaca que, após muitos anos de experiência, chegou a conclusão que:
“é suficiente respirar mais rápido e mais eficientemente do que o normal e com
total concentração no processo interno. Ao invés de enfatizar uma técnica
específica de respiração, seguimos, mesmo nessa área, a estratégia geral do
trabalho holotrópico: confiar na sabedoria intrínseca do corpo e acompanhar as
pistas internas.” (p.182)
Assim na hiperventilação o principio é aumentar deliberadamente e de forma focada a
respiração.

5.9. DESENHO DO MANDALA COMO RECURSO NA PSICOTERAPIA


TRANSPESSOAL

Segundo Léo Matos60, de forma ampla a palavra mandala está associada às diversas
manifestações das “formas circulares” presentes na natureza ou produzidas pelo homem.
Etimologicamente esta palavra masculina remonta ao sânscrito, antiga língua indiana, onde o
Man quer dizer círculo e Dala, essência, ou melhor, essência de si mesmo.
Em suas reflexões, Matos (1998) traça um paralelo entre a Física Quântica e o ser
humano para entender melhor o que representa o desenho do mandala. Ele aponta que, como
para a Física Moderna tudo está interligado num contexto de unidade, e não de separatividade
como vê a Física Clássica newtoniana-cartesiana, o indivíduo é, em realidade, UM com todo o
Universo. E como o Universo é infinito, a essência do ser humano é a infinitude, representada
no mandala pelo círculo.
Salete Menezes (1999, 2004) assinala que o desenho do mandala emana a natureza
transcendente humana. Entenda-se aqui como natureza transcendente o potencial inerente à
essência humana de ir além da visão de realidade ordinária de separatividade. Ou seja, a
essência humana possui uma natureza transcendente, de modo que o mandala ao emanar tal
natureza é um recurso para contatarmos o Centro, o Self, conforme apontam Dahlke e Matos.
Qual a origem do mandala no universo? Poder-se-ia dizer que a origem do mandala
encontra-se para além do tempo-espaço. Na Cosmogonia de várias culturas, encontramos o
mandala simbolizando o princípio de toda criação (Dahlke, 1995). Assim, desde tempos
imemoriais, o mandala se apresenta no universo de diferentes modos, manifestando em si o
paradoxo da unidade na diversidade, infinitude na finitude, e assim vê-se outras tantas
referências associando o mandala como centro posto a refletir o todo. Deste modo, o seu
simbolismo evoca o centro que está em nós, evoca a Unidade, conectando o microcosmo e o
macrocosmo ao tempo em que reflete a ambos enquanto registro expressivo.
Segundo Rüdiger Dahlke (1995), estudioso alemão, para onde quer que nos
transportemos, o centro estará sempre representado dentro de nós, não importando a época ou as
diferenças culturais. Podemos até nos desconectar conscientemente, entretanto, este arquétipo
está no nosso inconsciente e seguirá conosco onde estivermos ou para onde seguirmos.

60
“Terapia da Arte Transpessoal do Mandala”, artigo não-publicado.
Temos por exemplo, na Bíblia, que é considerado um dos registros religiosos mais
antigos, essa idéia anotada numa abordagem algo imperativa: “No início tudo era verbo, então,
fez-se luz”. Uma outra referência, mais anterior ainda, pode ser encontrada nos antigos textos
hindus, nos quais a origem do universo deu-se a partir do som, donde se infere que por trás das
palavras está implícito um som e por trás deste, um mandala, uma vez que ondas sonoras se
expandem em forma de esfera, a partir de um Centro. Vê-se que surge daí a mesma imagem de
quando se lança uma pedra na água, seguindo essa analogia, o som se lança no espaço e no
tempo, manifestando sua energia.
Mesmo os cientistas radicalmente materialistas, que apontam a Teoria da explosão do
Big Bang para explicar o início do universo, concordam que a explosão produz formas
reconhecidas como mandálicas. O universo é, pois, um mandala composto de incontáveis outros
mandalas das mais diversas dimensões. Na esteira desse entendimento, temos subjacente o
princípio holográfico no qual repousa a hipótese de que cada mandala que compõe esse todo
igualmente mandálico, como fragmento que é da Unidade, reflete o Todo, e não só reflete como
traz em si e no seu cerne, a possibilidade de reproduzi-lo integralmente. Nesse diapasão, cada
mandala comporta o Universo, ou o Verbo, ou o Todo, ou a Unidade. Logo, cada mandala
também comporta a multidimensionalidade, ou a diversidade. Da Unidade nasce a
multiplicidade, por trás de toda multiplicidade está a Unidade, tudo está interligado.
Um outro ponto levantado por Dahlke que merece destaque ao considerarmos o mandala
diz respeito à idéia de movimento permanente, ou seja, o fluxo de energia imanente à própria
forma mandálica. Temos, inclusive no sistema solar, o reconhecimento de um movimento
constante entre seus astros, que se dispõem numa rede de interrelações energéticas. Ele nos
transporta às galáxias, às nebulosas, ao sistema solar e finalmente à Terra, que também nos
remete à mesma referência geométrica: o mandala.
Nosso planeta está repleto de oceanos que incluem gotas d’água (mandalas). Das
planícies às montanhas temos estruturas sólidas compostas de minerais que possuem seus
elementos estruturais (cristais), cujas moléculas podem ser igualmente representadas por
mandalas.
Em complementação a essas considerações, recordamos a famosa figura humana na qual
Da Vinci desenhou o homem com seus braços e pernas abertos, em seus estudos de anatomia.
Imagem semelhante é referendada por Dahlke (op cit, p.34-35) para ilustrar o homem, diga-se
brilhantemente, com centros mandálicos energéticos, os chakras ( p. 184), relembrando o
caráter energético do mandala e sua interligação com todo o Universo. Assim, salienta a relação
mandálica de conexão do homem com a natureza transcendente. Talvez, Da Vinci já tivesse a
percepção ampla da profundidade daquela manifestação artística, e até podemos nos arriscar a
dizer que aquela obra de arte pode ter sido produzida num momento seu de captação
holográfica da conexão homem/universo.
Prosseguindo com as analogias, lembremos que o ser vivo é composto de células
(mandalas). Nos homens e animais temos o núcleo que é mandálico.
Enfim, tudo no Universo, incluindo as células, é composto de átomos. Cada átomo
também se dispõe em formas mandálicas. A Física Subatômica pesquisa as partículas quânticas,
menores que o átomo, e que remetem também às mesmas formas.
Ora, “o verdadeiro centro de um círculo é o ponto”, que “não tem dimensão nem lugar”.
(Dahlke, op cit, p.5). Para algumas culturas, o ponto representa Deus, o Absoluto, o Todo e
contém tudo em potencial e dele nascem o círculo e a esfera que são as formas manifestas. O
autor reforça, então, que todo mandala traz um ponto central visível ou invisível, isto é
arquetípico e simboliza a Unidade, a Totalidade, a Perfeição.
O referido autor salienta que a presença de mandalas em estruturas arquitetônicas como
as rosáceas góticas parecem indicar tentativas de cura, mobilizadas pelo inconsciente coletivo
em momentos difíceis da humanidade. Encontramos explicação desse fenômeno em Jung (apud
Silveira,1981), quando ele sugere que as imagens espontâneas mandálicas surgem
particularmente em situações de crise interior e têm um potencial terapêutico, como bem
fundamentado nas pesquisas da Psicologia Transpessoal
Para alcançarmos saúde integral, automaticamente nos lançamos em busca do nosso
centro de equilíbrio. O retorno do enorme interesse pelos mandalas no momento atual e seu uso
cada vez mais freqüente no domínio das artes e da meditação parece se dar por nos
encontrarmos num momento de transição, onde os arquétipos do inconsciente coletivo são
acionados e nos movimentamos em busca de alternativas para qualificação e promoção da
saúde.
Dahlke nos remete a povos primitivos integrados à natureza (p.245-246), onde a
presença do mandala reflete-se na cultura, estando presente nas suas lendas e no cotidiano das
tribos. É assim que em regra eles costumam expressar os fenômenos da natureza. Eles fazem
mandalas na areia, representando a Criação na harmonia das polaridades. Tudo para eles remete
a mandalas: quatro elementos, quatro pontos cardeias, quatro fases da vida, quatro raças
humanas, dentre outros. Reverenciam a natureza através dos mandalas. Observam-se mandalas
que representam o nascimento, outras a morte. É dessa forma que as comunidades,
principalmente antes do advento da indústria, evocam a transcendência.
Na tradição oriental, o mandala é um veículo para concentrar a mente de modo a permitir
que se alcance além de seus limites costumeiros (transcendência).
Os tibetanos utilizam símbolos pré-determinados na meditação, para contemplar sua
verdadeira essência. Utilizam os mandalas de areias coloridas em ocasiões especiais, e
costumam desfazê-los ritualmente para exercitar o desapego e a impermanência. Os hindus,
segundo Dahlke (p.242), também evocam mandalas específicos para obter estados elevados de
consciência, meditando com Yantras (mandalas intencionalmente feitos com símbolos
específicos), como para a Deusa Kali, que remetem a aspectos sombrios, à polaridade destrutiva
da criação, que também nos conduz ao centro unificador, o qual está em tudo.
Para povos considerados tão diferentes como são os tibetanos, os indianos, os astecas e
os maias, a meditação com mandalas aparece com o mesmo sentido: elevar o estado de
consciência para atingir a transcendência, para ir além do mundo dos opostos, das aparências.
Os seres humanos gostam de dançar ou de se movimentar muitas vezes em torno de um
centro, um eixo agregador que propicia a vivência de integração. A alegria da criação brota
deste eixo e se expande ao seu redor.
A observação de crianças e adultos brincando confirma a hipótese desse eixo agregador,
estendendo-o aos jogos. Pode-se dizer que eles partem de seu Centro Interior, projetando-o no
ambiente. Este centro virtual liga os elementos do grupo que passam a extrair energia desta
conexão. Nosso inconsciente, ao buscar os jogos para se expressar, parece transmitir nossa
inseparatividade.
Quer seja na valsa ou nos rituais de povos ancestrais, como danças circulares ou o giro
em torno de um centro, está presente o modelo arquetípico da nossa vida, de forma que a vida é
associada a uma dança mandálica. Assim, desde as mais remotas eras, utilizamos a dança
mandálica como um recurso para atingir experiências de ampliação da consciência. Nosso
inconsciente está evocando continuadamente a transcendência, seja através dos jogos, da dança
ou da realização de um mandala ( Dahlke, p.77-78).
No Brasil, a médica alagoana Nise da Silveira (1981) que dirigiu a seção de terapêutica
ocupacional no Centro Psiquiátrico Pedro II (1946 – 1974), deparou-se com a importância da
arte para a expressão das emoções e o tratamento mais humanitário a pacientes psiquiátricos,
particularmente esquizofrênicos, no Atelier de Pintura daquele setor. Começou a estudar o
fenômeno da produção espontânea de mandalas, a partir de 1957, baseando-se nos trabalhos de
Jung, que conheceu pessoalmente quando do II Congresso Internacional de Psiquiatria em
Zurique, 1957, onde teve a honra de expor várias obras de pacientes brasileiros.
Daí em diante, as variações nos mandalas de esquizofrênicos, suas funções ordenadoras
e curativas, foram o centro de seu interessse. Silveira observa na prática o que Jung aponta
sobre os mandalas terem estrutura matemática, ressaltando o fato dos números serem primitivos
elementos de ordem na mente humana.
“Os números, mais que qualquer outra coisa, ajudam a estabelecer ordem no caos das
aparências. São instrumentos para criar ordem ou apreender um arranjo regular ou
ordenação já existente mas ainda desconhecido.” (op. cit., p.55)
Nise da Silveira continua apontando a importância do mandala no processo de
organização psíquica, e o faz destacando Jung:
“...o fato de que as imagens da totalidade espontaneamente produzidas pelo
inconsciente, os símbolos do self sob forma de mandala, também têm estrutura
matemática. Em regra são quaternidades ou seus múltiplos. Essas estruturas não só
exprimem ordem, elas também criam ordem.” (Jung, apud Silveira, op.cit., p.55).
Essa empreendedora mulher fundou em 1952, o Museu de Imagens do Inconsciente, com
os trabalhos do Atelier de Pintura. Acrescenta-se ainda que, em 1956, ela montou com amigos a
Casa das Palmeiras, uma clínica destinada ao tratamento de egressos de instituições
psiquiátricas, em regime de externato, onde se realizam livremente atividades expressivas. A
realização destas atividades a coloca como pioneira no processo de reforma psiquiátrica no
Brasil.
Silveira testemunhou em sua prática:

“As imagens circulares ou próximas ao círculo dão forma aos movimentos instintivos
de defesa da psique... desde que o doente tenha oportunidade de desenhar e pintar num
ambiente acolhedor. Isso não indicará que, desde logo, a ordem psíquica seja restabelecida. As
imagens circulares exprimem tentativas, esboços, projetos de renovação”. (op. cit., p.55).
A importância dos mandalas no processo terapêutico tomou lugar mais
significativamente, na década de 70, com a divulgação nos E.U.A. das pesquisas da psicóloga e
arteterapeuta de Baltimore, Joan Kellog (Grof, 1988, p.282 e Matos, 1998, p.2), com base em
seu trabalho com grandes grupos de pacientes psiquiátricos. Entretanto, Grof ressalta que esse
trabalho pode ser usado “para facilitar a interação e a partilha de experiências de pequenos
grupos” (op. cit. p.282).
Kellog desenvolveu critérios para uma análise formal desses desenhos, a partir de
conhecimentos junguianos sobre arquétipos, símbolos, cores e formas (Matos, op.cit, 8-9).
Grof vem utilizando esse recurso desde suas pesquisas com psicodélicos. Matos, durante
seus atendimentos e cursos, vem imprimindo-lhe um cunho pessoal de interpretação resultante
de suas experiências em diversas culturas e países. Apesar do uso corrente desta técnica, Grof
não reconhece inteiramente seu valor ilimitado como instrumento terapêutico independente.
Matos, por outro lado, ainda que salientando seu espetacular auxílio aliado a outros recursos no
processo terapêutico (op. cit., pp.11-12) – como jornadas de fantasia e especialmente o Sonho
Catártico Diurno – garante que ele pode ser muito rico experiencialmente como recurso
autoterapêutico, sendo útil ainda que o cliente não entenda nada sobre mandala e nem venha a
ter seus conteúdos interpretados por um terapeuta, para posterior elaboração consciente .
Grof ( op. cit., p. 282) refere que essa técnica consiste no sujeito receber um papel com
um círculo esboçado no centro, devendo desenhar livremente sobre o papel da maneira que lhe
aprouver, com crayons ou canetas hidrográficas. Pode ser qualquer tipo de desenho. Leo Matos,
no entanto, utiliza apenas giz pastel, de preferência a óleo, e o papel de tamanho A-2 liso ou de
tamanho A-3, como material mais indicado para realizá-lo (op. cit., p. 9). Partindo de sua
experiência clínica com os mandalas, ele utiliza este recurso como um caminho para dar
indicações de qual nível de consciência está interferindo mais fortemente na psique do
indivíduo no momento do desenho, sendo por isto um excelente facilitador acerca da dinâmica
inconsciente do cliente. Ele recomenda o papel A-2 como melhor que o papel de tamanho A-3
(apesar de que este também pode ser usado), porque no A-2 é possível cortar um pedaço e
deixá-lo em formato quadrangular, mais poderoso para se obter os efeitos terapêuticos, segundo
ele, de facilitação da transcendência do nível conceitual( op. cit., p. 12).

5.9.1. A técnica do desenho do mandala no contexto da psicoterapia transpessoal

NÍVEL: psicodinâmico, perinatal e transpessoal.


TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal
OBJETIVO: acessar material dos diversos níveis de consciência; favorecer integração de
conteúdos mobilizados durante estados ampliados de consciência e auxiliar o trabalho de
autoterapia.
MATERIAL: papel A3 ou A2, onde se faz, no seu centro, uma circunferência em grafite
com aproximadamente 25 cm de diâmetro. Giz pastel a óleo, preferência de 36 cores ou
mais.
INSTRUÇÃO
Dispor os materiais para confecção do mandala a sua frente. Olhando alguns momentos
para este material, procurando fazer contato, sentindo-os com as pontas dos dedos, comece
calmamente focando o centro do círculo e escolhendo a cor, ou cores, que melhor expresse os
seus sentimentos, pensamentos e emoções neste momento, procure criar livremente uma figura.
O que vier expresse livremente no papel.
Entre em contato com esta figura inicial, procurando sentí-la. No seu ritmo procure
continuar o desenho do mandala a partir da figura inicial. Você pode parar na linha do círculo ou
ir além dela, o importante é realizar o desenho do centro para as extremidades. Este desenho não
requer habilidades artísticas ou qualquer capacidade para desenhar, apenas expresse livremente
no papel, utilizando cores, tudo o que sente, pensa ou imagina com ou sem formas específicas.
Se você sentir necessidade de fazer mais de um mandala, faça-o. A única regra é parar
somente quando sentir que o trabalho está completo. Quando tiver terminado, coloque no verso
uma seta indicando o sentido do desenho, seu nome, a data e, em caso de fazer vários mandalas,
é importante numerá-los no verso, colocando-os em ordenação de execução.
Por fim, sinta-se livre para seguir ou não estas instruções61.

5.10. EXERCÍCIOS DE DESIDENTIFICAÇÃO DA AUTO-IMAGEM

Os três exercícios a seguir foram desenvolvidos para flexibilizar a nossa auto-imagem a


partir do uso de estratégias de desidentificação.

5.10.1. Exercício da berlinda

NÍVEL: psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: grupal
OBJETIVO: trabalhar auto-imagem, autenticidade e transparência.
RECURSOS TÉCNICOS: música animada para dançar a dois, chapéu.
INSTRUÇÃO
Inicia-se com as pessoas do grupo escolhendo aleatoriamente um par. O ideal é que o
quantitativo do grupo seja em número ímpar, para que alguém possa começar com o chapéu na
mão e, após um tempo como portador do chapéu em meio aos pares que já devem estar
dançando ao som da música, colocar o chapéu na cabeça de um daqueles que estiver dançando e
passar, então, a assumir o seu lugar.O novo portador do chapéu repete o procedimento,
dançando com outra pessoa que se solta do seu par e vai com aquele que chegou. E assim os
dançantes seguem, até que o terapeuta, que deve estar de costas para o grupo, faz a música
parar, quando, então, aquele que ficou com o chapéu vai para a berlinda.
1ª rodada – O facilitador informa que agora cada elemento do grupo vai escrever em
uma palavra ou frase o que lhe agrada ou uma virtude de quem está na berlinda. Escreve em
silêncio. Agora, cada pessoa vai falando, e o que estiver na berlinda (com lápis e papel na mão)
não pode dar nenhum feedback, nem oralmente, nem com expressões faciais/corporais, de
concordância ou discordância do que está sendo dito.
Após todos se manifestarem, o facilitador poderá sugerir um pouco de silêncio (tipo 1
minuto) e, então, informa que quem está na berlinda poderá dar feedback de como se sentiu, se
concorda ou não, se se vê com aquela imagem que o outro tem dele, ou não.
O facilitador aproveita para dizer que muitas das coisas que vemos no outro, muitas
vezes estão em nós mesmos, e o outro não se vê nem se sente assim. Mas, se um número
significativo de pessoas nos percebe de uma maneira que não atinávamos antes, é bom refletir
sobre isso, pois esses aspectos podem estar na dimensão da nossa sombra pessoal.

61
Esta última colocação objetiva centrar o paciente na realização do mandala, deslocando possíveis fixações
na instrução.
2ª rodada – O facilitador informa que agora cada um do grupo vai escever algo de que
não gosta no outro, ou atitudes inadequadas, ou expressõee que considera desagradável. (tempo:
aproximadamente 2 minutos em silêncio).
O facilitador indica para que uma a uma das pessoas vão se manifestando em relação ao
aspecto desagradável ou que consideram negativo no outro. O facilitador chama a atenção para
a importância da sinceridade, autenticidade e interesse construtivo neste momento. Atenta para
que, novamente, quem está na berlinda escute sem feedback de nenhuma espécie e vá anotando
suas observações num papel, da mesma forma da 1ª rodada.
Ao término, o facilitador estimula o processo de compartilhar os sentimentos e opiniões,
entre quem está na berlinda e quem está no grupo, evocando reflexões sobre as nossas projeções
e a importância de cada um ver o que disse sobre o outro em relação a si mesmo, e de quem está
na berlinda também refletir sobre a imagem que está passando para os outros.
Uma variação dessa técnica, surgida da própria prática, vem a ser, ao final, uma reflexão
em silêncio com sugestão do terapeuta convidando o grupo para repetir mentalmente: eu tenho
parte de você (pausa) você tem parte de mim (pausa) repetindo por três vezes (só o terapeuta
fala). Após a última pausa, todos repetem em voz alta, porém, em tom suave, a mesma
seqüência por três vezes, incluindo as pausas,que podem ser marcada por um leve toque de sino,
tipo: eu tenho parte de você (pausa)... toque do sino, você tem parte de mim (pausa)... toque de
sino.

5.10.2. Exercício de projeção dos cinco papéis (vivenciado através de Léo Matos, em
seus cursos, com adaptação dos autores).

NÍVEL: psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: individual (variação) ou grupal
Variação: aplicada individualmente, pede-se que a pessoa traga à sua frente, na
imaginação, uma pessoa neutra, a qual não se conhece de perto. E procede-se como se ela
estivesse ali. A segunda etapa não é feita.
OBJETIVO: chamar a atenção para o uso constante da projeção em nossa vida e para a
formação das imagens que temos dos outros, através desse mecanismo. Levar à consciência a
forma como a pessoa está se projetando na sua própria percepção das outras pessoas.
INSTRUÇÃO
OBS: Não informar o nome da técnica antes do término, para não interferir no processo.
1ª Etapa:
Caminhem olhando nos olhos uns dos outros, e escolham um parceiro. Escolham alguém
com quem vocês ainda não tenham tido muito contato e formem duplas.
Sentem-se em frente ao parceiro escolhido. Respirem. Relaxem, mantenham a postura
ereta. Olhem-se nos olhos, em silêncio.
O que você sente por esta pessoa que se encontra diante de você? Como ela lhe parece?
Imagine cinco papéis que você fantasia que ela desempenha no seu dia-a-dia (mãe, pai,
profissional, mulher, homem, estudante, dona de casa, marido, esposa, etc.) Imagine essa pessoa
desempenhando esses papéis, em sua vida diária, do mais importante ao menos importante (5
minutos).
Sinta, imagine, como o seu parceiro se sente em relação a esses papéis.
Agora, você faz a fantasia de que essa pessoa deixou de exercer um a um, aqueles cinco
papéis, do menos importante ao mais importante. Perceba o sentimento do seu parceiro à
medida que eles vão sendo retirados. Visualize, passo a passo, como fica o cotidiano dele sem
esses cinco papéis que você lhe atribuiu.
2ª Etapa:
Por alguns segundos, abram os olhos e olhem diretamente nos olhos de seu parceiro.
Repitam mentalmente várias vezes: EU SOU. EU SOU...
Fechem os lhos novamente. Qual o aprendizado que você traz de tudo isso? O que você
percebe agora? Como você se sente por essa pessoa diante de você agora?
3ª Etapa:
Agora, em silêncio, vocês vão abrir os olhos e desenhar nesta folha de papel, o que vocês
sentirem vontade. (de preferência fazer um mandala).
4ª Etapa:
Agora que todos terminaram o desenho, compartilhem com seu parceiro ou grupo a sua
experiência; aqui, o outro vai confirmar ou não as suas impressões. (15 minutos).

5.10.3. Desidentificação de personagens internalizados ou subpersonalidades

Léo Matos (1977, 1994, 1995a), inspirado na técnica da hot seat da terapia Gestalt,
desenvolveu uma técnica para trabalhar com auto-imagem e nível psicodinâmico, através de
imagens internalizadas.
Sabemos que ao longo do processo de desenvolvimento psicológico, identificamo-nos
com diversos personagens e seus opostos, de forma que estes passam muitas vezes a ocupar um
lugar de destaque nas nossas interações psíquicas. Personagens como a criança ferida, o
adolescente rebelde, o difícil, o feio, o bonzinho etc., povoam o inconsciente, drenando a
energia criativa e o poder de crescimento da pessoa. Visando trabalhar com estes personagens
internalizados sugerimos ao cliente um diálogo, objetivando trabalhar principalmente o nível
psicodinâmico nas problemáticas que envolvem a auto-imagem e os relacionamentos, podendo
com isso também acessar COEXs relacionadas a níveis perinatais e transpessoais.
Dentro da perspectiva da técnica hot seat, adaptada para a psicoterapia transpessoal por
Léo Matos, além da catarse e expressão dos sentimentos da técnica da Gestalt há a permuta de
lugar que possibilita ao cliente, através de uma espécie de psicodrama, uma vivência mais
intensa dos sentimentos; o psicoterapeuta também interfere oferecendo novas possibilidades
para a resolução do conflito. Isto parece favorecer o sucesso desta técnica reformulada, pois,
facilita ao cliente contactar seu próprio Self ou Centro unificador e promover mais facilmente a
transcendência dos conflitos ou fechamento das gestalts. Pode-se trabalhar no diálogo com
pessoas do momento atual do cliente: esposa diante do marido, mãe e filho etc. ou com figuras
introjetadas de um passado mais distante: seu aspecto criança com a figura de sua mãe na época
em que tinha seis anos, o aluno adolescente com o professor etc.
Na versão de Léo Matos, chamada por ele de “hot seat transpessoal”(1976),

essencialmente utilizada para o contexto dos conflitos da própria auto-imagem (1995a,

1995b), sugere-se que se fantasie um diálogo com os dois pólos do conflito. Por
exemplo: o bom filho versus o mau filho que estão guerreando dentro dele; ou a pessoa

que se sente capaz versus o seu aspecto incapaz e inseguro etc. O princípio básico desta

técnica de desidentificação é estimular o diálogo com os pólos do conflito, sejam

aspectos do próprio eu do cliente ou sua relação com pessoas vivas ou mortas. (Matos

1995a).

O psicoterapeuta transpessoal atua, assim, segundo este modelo, para promover a

cessação da luta interna, o acordo interno, ao final do que os dois aspectos

irreconciliáveis finalmente se unem em um só Ser, dissolvendo a dissociação e

prevenindo a fragmentação da personalidade, que poderia advir de intensas situações

conflitivas internas.

Ampliamos esta técnica para o diálogo com arquétipos, favorecendo ao cliente que
perceba os grandes padrões de repetição de sua vida, bem como para servir de suporte para
ativar os potenciais criativos do ser. Como por exemplo, o diálogo com o arquétipo do ‘Sábio
interior’ ajuda a fortalecer a autoconfiança nas suas próprias idéias, a entrar em contato com os
aspectos sábios da mente inconsciente, enquanto que o contato com o arquétipo do ‘Guerreiro’
ativa o potencial de luta, de capacidade para reagir às adversidades.

INSTRUÇÃO
Propõe-se um diálogo com o que chamamos aqui de personagens internos, mesmo nos
referindo a aspectos da auto-imagem do cliente. O diálogo pode ser realizado ao estilo da
‘cadeira vazia’ da gestalt, com o cliente revezando o lugar com o seu personagem, ou no estilo
de psicodrama interno, fazendo a troca sem mudar de lugar, trocando apenas internamente, na
imaginação. Essas duas maneiras são aprovadas por Léo Matos na sua técnica, repassada aos
seus alunos nos seus cursos de formação na abordagem transpessoal. Aurino Ferreira adota
também, na sua prática clínica, a forma do terapeuta assumindo o papel ora do personagem, ora
do cliente, inspirada na terapia sistêmica de Bert Hellinger. Ele alerta que este último modo
requer uma grande experiência do terapeuta para desidentificar-se das projeções, bem como
uma boa percepção da dinâmica do caso, para que o terapeuta não venha a oferecer suas
próprias respostas. Por esta razão, ele recomenda conhecer mais sobre o personagem e qual sua
função no sistema de ganhos do cliente.
Exemplo: Pedro, 22 anos, queixando-se de dificuldade de relacionamento com seu pai.
O “filho perfeito” emergiu como personagem central do conflito interno. Ele surgiu
para atender a um pai exigente e agressivo e protege o cliente do medo de abandono.
Terapeuta (T) – Você imagina que o personagem “Pedro, o filho perfeito” está
sentado agora a sua frente. O que você gostaria de lhe dizer agora?
Cliente (C) – É estranho me imaginar assim... Você é todo certinho. Sua vida é só
para provar a seu pai que você é bom, mas isto me cansa, porque eu não tenho espaço
para errar. Estou cansado.
(T) – Agora se sente neste outro lugar (indica cadeira à frente do cliente) e
imagine que você se torna “o filho perfeito” e que acaba de escutar estas palavras do
Pedro.
(C) – Eu gosto de ser certinho, você não tem nada com isso, a vida é minha,
cuide da sua, não se meta.
(T) – Troque de lugar e volte para o lugar de Pedro. Pedro o que você sente
quando “o filho perfeito” lhe diz isto?
(C) – Raiva... Você quer sempre ganhar, mas acaba errando e perdendo tudo, na
busca da perfeição você fica com nada. (até aqui o terapeuta usa da técnica como
“cadeira vazia”).
(T) –Eu agora farei o seu papel do “filho perfeito”. (aproveitando a energia
mobilizada pela raiva, o terapeuta começa a assumir um dos papéis alternadamente). –
Eu gosto de ser certinho, fique na sua, você não tem nada com isso, a vida é minha, não
se meta.
(C) – Mas você acaba perdendo com esta rigidez e fica infeliz, nada na sua vida
dá certo. Você não consegue se relacionar com ninguém, acaba sempre só.
(T) – A vida é minha, eu sou desse jeito e pronto.
(C) – Mas você fica sempre só. (tristeza na voz, olhos embaçados).
(T) – Você agora se torna o “filho perfeito” e eu serei você. Você não percebe
que com está rigidez você acaba sempre só.
(C) – É só da minha conta. Sozinho eu não sofro.
(T) – Mas dói ser só.
(C) – É triste ser só, não ser amado (chora)
(T) – Você não precisa ser perfeito para ser amado. Você quer minha
companhia?
(C) – Sim, eu cansei de ser perfeito.
(T) – Agora vocês voltam a ser um só. Você fecha os olhos e se imagina
encontrando o seu pai (psicodrama interno). O que você gostaria de lhe dizer? (tem
inicio um diálogo com a figura paterna exigente introjetada).
(C) –Cansei de ser perfeito, quero apenas ser amado.
(T) – O que ele lhe responde? Ele quer amar você ou não?
(C) – Ele quer amar sim, mas ele tem o jeito dele. Ele também não foi amado,
não aprendeu a expressar afeto. Seu pai era um comerciante do interior, muito rigoroso
e queria que todos os filhos dessem um bom exemplo na vida.
(T) – Como ele quer lhe amar?
(C) – Pagando meus estudos, estando presente.
(T) – E como você pode demonstrar seu amor por ele?
(C) – Eu posso chegar junto, aceitar que ele também não é perfeito. Aceitar o
jeito como ele pode me dar amor agora.
(T) – Imagine-se fazendo isso. Chegando junto... aceitando o jeito dele... Dando e
recebendo amor... use a imaginação para curar tudo que precise ser curado nesta
relação. E quando isto acontecer, você me avisa...
(C) – Sim.
(T)- Como você se sente agora?
(C) – Bem.
Matos (1994, 1995a) desenvolveu a técnica “Hot Seat Transpessoal” que é um excelente
instrumento para favorecer a desidentificação de personagens no nível transpessoal, quando
existem gestalts abertas com pessoas já mortas. A diferença é que ele não coloca o cliente
“ocupando” o lugar do personagem da pessoa morta, ou espírito, pois é importante que ele se
aperceba que de fato o outro já morreu e se desapegue. Não ocupar o espaço do outro, neste
caso, é fundamental para ocorrer a sua desidentificação com a situação de conflito ou de apego
causadora de sofrimentos. Aurino Ferreira, usando a técnica de Léo Matos ao longo dos anos,
introduziu,62 além do diálogo com o personagem do morto, a possibilidade do terapeuta assumir
psicodramaticamente o lugar do personagem morto, conduzindo o diálogo como uma
“experiência emocional corretiva” que permita fechar gestalts.
No arquivo dos autores existem vários relatos de quão profundamente eficaz é esta
técnica para todas as situações que se propõem. Vejamos o exemplo a seguir:
Uma jovem cliente vivia, há muitos anos, apegada à preocupação de como
estaria sua mãe morta, pois haviam sido muito amigas. Inconformada, com a existência
da morte, não podia se lembrar do assunto sem chorar.
Convidada a imaginar o “espírito” ou a figura projetada de sua mãe morta, no
mundo espiritual, à sua frente, teve enfim a oportunidade de dizer-lhe o quanto a
amava, o quanto sentia saudades, de chorar bastante, e de poder então “ouvir” a mãe
tranqüilizá-la, dizendo-lhe que estava bem e que sossegasse. A mãe confirmou que
continuava a amá-la e que estava ocupada e feliz com a vida que tinha agora, só não
gostava de saber dela daquela forma, pois isso a entristecia. Isto a fez “soltar” sua
mente e libertar-se desta velha angústia. Então, pode finalmente dedicar-se à sua
própria felicidade, pois, compreendeu experiencialmente que tudo estava seguindo seu
rumo natural e passou a encarar essa morte com aceitação e paz, num verdadeiro
contexto de libertação do sofrimento ao qual se aprisionara por anos, apesar de suas
crenças espíritas na reencarnação. Depois desta experiência, falar no assunto não lhe
traz mais o choro compulsivo. (arquivo dos autores).
Para finalizar, lembramos que devemos antes de aplicar esta técnica conhecer os
pensamentos do cliente frente à morte de forma a utilizarmos uma linguagem adequada aos
padrões de crenças que ele expresse. Do ponto de vista existencial-fenomenológico não importa
que se trate de espírito ou simplesmente de projeção da mente do cliente. Importante é que os
conteúdos do seu inconsciente estão sendo trabalhados e seus conflitos solucionados. O que
importa é o resultado psicoterapêutico.
No nível transpessoal esta técnica ainda ajuda no diálogo com arquétipos, permitindo ao
cliente perceber os grandes padrões de repetição de sua vida, bem como serve de suporte para
ativar os potenciais criativos do ser.

62
Esta variação surgiu do contato com o trabalho da Teoria Sistêmica de Bert Hellingerele.
CAPÍTULO VI

CONCLUSÃO

Iniciamos este livro colocando a Psicologia Transpessoal como uma resposta às


incongruências vividas dentro do paradigma newtoniano-cartesiano, destacando seu esforço por
romper com a ilusão que fez surgir a noção de dualidade, bem como a sua veemente oposição à
tese mestra da separação mente e corpo, base para a maioria das teorias psicológicas. Sua
proposta integral e holística aparece como resposta a esta tese, indicando a não-dualidade e a
busca pela integralidade como condições fundamentais para uma vida humana mais saudável.
Uma definição corrente nos meios leigos acerca da transpessoal põe o termo “trans”
como um “além de” no sentido pejorativo de desconexão com a realidade ordinária, numa visão
distorcida, por ausência de informações adequadas. Entretanto, em consonância com o novo
paradigma quântico-relativista da ciência, o termo “trans” indica um “além de” no sentido da
transcendência do ego de sua visão separatista, apontando para a vivência e plena realização
do potencial humano. Assim, a Psicologia Transpessoal inscreve-se dentro da
história psicológica como uma das grandes tentativas de integrar o hiato
mente/corpo/espírito, no âmbito das tradições do Oriente e do Ocidente e de todos
os dualismos existentes, favorecendo a emergência de uma forma de pensar mais
inclusiva e compassiva no que se refere à relação do homem com o holo-universo.
Resgatando a história da Psicologia Transpessoal, oferecemos um breve percurso através
do tempo, destacando a metáfora do casamento de Eros e Psiqué para simbolizar o nascimento
deste novo ramo do saber psicológico. Também tentamos situar o elo desta nova abordagem
com o humanismo, a terceira onda ou força do movimento psicológico. O berço oriental foi
reconhecido e legitimado, assim como foram apresentadas as três vias de entrada da Psicologia
Transpessoal no Brasil. Foi destacado que a via acadêmica ou oficial reflete o momento
histórico atual de inserção da transpessoal no tecido político-social da psicologia brasileira, seja
através dos movimentos de legitimação dos cursos de formação, convênios com universidades,
ou com o aumento de dissertações e teses com a temática transpessoal. Contudo, continua sendo
necessária a estratégia de mobilização através das “redes transpessoais” como caminho para
impulsionar esta inserção e legitimação.
Este trabalho teve ainda como escopo apontar os conceitos teóricos em Psicologia
Transpessoal que estão de acordo com a filosofia perene e as mais modernas descobertas da
pesquisa científica. Essa nova abordagem defende a visão de mundo da Física Moderna, que
transcende a Clássica, introduzindo o paradigma holográfico na psicologia, no qual a
participação do observador interfere no fenômeno observado e nesse se inclui. Deste modo,
reforçando as teorias oriundas dessas fontes, a Transpessoal revoluciona a ciência psicológica,
embasada nas teorias sobre diferentes níveis de realidade além da realidade consensual.
Modifica, assim, a noção de saúde e as perspectivas diagnósticas e terapêuticas.
Em sua visão de homem, a abordagem Transpessoal questiona as noções anteriores de
identidade baseadas na proposta da construção da personalidade enquadrada em padrões pré-
estabelecidos para ser considerada saudável. Na direção desse entendimento, este livro busca
transmitir como a Psicologia Transpessoal flexibiliza esses valores, relativizando-os. Fica
patente a visão de personalidade como um aspecto do ser com o qual o indivíduo pode ou não
se identificar.
Dentro desse contexto, propõe-se que a saúde mental é um processo de superação das
identificações oriundas da personalidade, ou seja, da auto-imagem, em vez do inverso, como
fora propagado por algumas escolas psicológicas anteriores. Essa superação se dá num contexto
de flexibilização, pois, a desidentificação possibilita liberação e abertura para novas e mais ricas
dimensões da psique. Essa expansão da identidade para além do ego, rumo à expressão da
Identidade Transpessoal, conectada ao Self, ou Centro Psíquico, revela-se de forma saudável e
segura, promovendo e intensificando o equilíbrio psicológico.
Ressaltando o registro de que os mapas não são o território, a perspectiva transpessoal
constrói modelos para investigar os diversos níveis de consciência, pois, usando da atitude
fenomenológica, ela aponta as cartografias como indicadores e não como caminhos a serem
seguidos a priori. Estes indicadores são utilizados pelos terapeutas para navegarem na
amplitude da consciência, com o intuito de mantê-los abertos para a jornada. Os modelos
cartográficos de Grof, Wilber e Woolger foram apresentados como mapas que buscam dar conta
da ampla gama de fenômenos psíquicos, sem, contudo, esgotá-los.
Nestes tempos em que a noção do que é científico vem sendo questionada, a Psicologia
Transpessoal desponta indicando possibilidades de integração, colocando a base científica como
uma das vias do conhecimento humano que por questões históricas alcançou o status
dominante, mas que de forma alguma esgota as outras formas de saber, como a filosofia,
religião e arte. Declarando a impossibilidade de se tornar restrita pelo modelo de ciência
dominante (newtoniana-cartesiana), a Psicologia Transpessoal assume o caráter de singular
cientificidade frente a este, indicando o paradigma holográfico como estratégia para romper
com os dualismos.
Os campos de abrangência do paradigma transpessoal expandiram-se nos últimos anos,
principalmente no que diz respeito ao processo de ampliação favorecido pelo saber transpessoal
em áreas já estabelecidas, como em algumas contribuições das escolas psicológicas anteriores
(Behaviorismo, Psicanálise e Humanismo/Existencialismo). É inconteste que a leitura
transpessoal dos fenômenos estudados por essas escolas tem enriquecido os debates e ampliado
a perspectiva de saúde, bem como oferecido uma ampla gama de estratégias terapêuticas. A
área da tanatologia e o estudo sistemático dos estados ampliados de consciência, sem dúvida,
têm recebido grande contribuição dos estudos transpessoais, principalmente com o apoio do
Bhardo Thödol (tratado de tanatologia budista) e dos novos métodos de investigação da
consciência.
As psicoterapias transpessoais têm em comum a perspectiva de que o acesso a níveis
mais amplos de consciência possibilita saúde e cura. Os sistemas psicoterapêuticos dessa
abordagem buscam por diversos caminhos favorecer o desenvolvimento da consciência,
levando-a do pré-pessoal ao transpessoal. A marca central destes sistemas integrais é a inclusão
da dimensão espiritual como favorecedora de transformações e possibilitadora do resgate dos
aspectos pré-pessoais, pessoais e transpessoais.
O psicoterapeuta transpessoal foi posto neste livro como um ser humano em contínuo
processo de expansão, instado para uma abertura da sua capacidade de amar e de continuar
explorando as suas mais profundas sombras, assim como aberto para o seu potencial de luz. Um
aprendiz incansável que usa a teoria, supervisão e trabalho transpessoal como instrumentos de
ampliação de sua consciência. Nesse sentido, o terapeuta transpessoal se permite aprender no
processo, fluindo em constante aprendizado, onde o ‘não saber’ lhe é posto como experiência
existencial.
Por último, apontamos as técnicas terapêuticas transpessoais como o teto do edifício
holográfico transpessoal e ressaltamos a necessidade da visão sistêmica na sua aplicação, uma
vez que, não considerar o edifício em sua totalidade, resulta em uma distorção, favorecendo
ainda mais os processos separatistas. As técnicas encarnam e refletem a consciência de quem as
utiliza, pois não há separação entre sujeito e objeto. Enfim, destacamos o nível de consciência
do terapeuta como instrumento primordial de cura.
De maneira ampla, nosso objetivo ao escrever este livro foi contribuir, através da nossa
experiência, para a divulgação do conhecimento da prática psicoterapêutica transpessoal, na
tentativa de facilitar o caminho daqueles que estão chegando. Quanto à gênese, sistematização e
correlações da Psicologia e da Psicoterapia Transpessoal, constitui-se um resgistro de prática
que toca o ponto nodal do reconhecimento e legitimação da abordagem transpessoal como
possibilidade de cura no universo psicoterapêutico com aporte científico. Em que pese à efetiva
colaboração do presente trabalho no sentido de nortear a estruturação da Transpessoal, não
tivemos a pretensão de esgotar as temáticas abordadas; nosso intuito foi abrir espaço para
reflexões e apresentar de forma breve algumas pesquisas nesta área, desejosos de que os
novos/velhos terapeutas se sintam encorajados a compartilhar suas experiências.
A velocidade com que as informações circulam no mundo atual é tão assustadora que
nos deixa a sensação de que, ao término, apenas iniciamos a jornada. As propostas terapêuticas
transpessoais têm alcançado avanços notáveis, contudo, refletimos que ainda estamos distantes
de possibilitar um caminho direto, via régia, sem rodeios e sem atalhos, que conduza o homem
à liberação total na mais plena união com a sua Essência Divina, Eu Superior ou Natureza
Ilimitada. O nome não importa, o fundamental seria conseguirmos romper com as inúmeras
dores que nos assolam e abrir espaço para o Amor e a Felicidade como leis comuns a todos os
seres do Universo.
O poeta Antonio Machado diz “Caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao
caminhar’’. Entretanto, para fazer seu caminho é imprescindível que você saiba quem realmente
você é, e o que na verdade você quer. Aqui lembramos o que pontuou Ram Dass 63: “Todos
somos buscadores ocupadíssimos. Talvez já esteja na hora de deixarmos de ser buscadores e
passarmos a Ser Encontradores”. Como seres humanos, profissionais e terapeutas estamos
todos incessantemente buscando a cura para a nossa alma que, divorciada da sua origem divina,
sente-se desconectada do Poder Supremo.
Como uma minúscula partícula do mandala cósmico, sentimo-nos felizes por ter
concluído este trabalho. Esta é a nossa contribuição para um mundo mais solidário e
compassivo, um mundo menos dividido; um mundo onde a “divisão” esteja a serviço da

63
Comunicação durante o XV Congresso Internacional de Transpessoal, em Manaus, Brasil,1996.
multiplicação de ações generosas. É a nossa contribuição para que as pessoas encontrem um
caminho de transformação rumo à construção de um mundo onde nossos filhos e netos possam
aprender a honrar a Mãe Terra e o Universo, com todos os seres sencientes, como enfatizam os
ensinamentos de grandes curadores da humanidade.

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