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CAMINHOS DE TRANSFORMAÇÃO
FIGURA
Aurino Ferreira
APRESENTAÇÃO
Foi numa manhã de final do mês de março, bem na fase da lua cheia, que me chegou às
mãos a versão deste livro ainda na gênese. Lembro-me que fiquei muito feliz e honrada pelo
privilégio de conhecer o fruto de tão lindo trabalho de Aurino, Eliége e Salete.
Sinto agora minha respiração bem presente, e convido aos que estão para iniciar esta
leitura a observar também a própria respiração e, sustentando-a, dela usufruir enquanto lhes
apresento o texto.
Bem, posso dizer que a leitura inicial fez-me fluir agradavelmente nessa bem elaborada
construção teórica, inclusive pela possibilidade de voltar à memória o meu próprio tempo de
aprendiz principiante, nas indagações que hoje seriam mais facilmente respondidas através dessa
leitura – os autores estão corajosamente se inserindo no processo de cura, no âmbito didático,
das eventuais lacunas na formação profissional daqueles que não tiveram a oportunidade de ter
como suporte de capacitação apoio literário nesse nível. O registro que aqui se descortina tem a
marca da simplicidade, objetividade e coerência sem dispensar o respeito à boa técnica.
Essa forma de perceber o livro consolidou-se quando no mês de agosto de 2005 veio o
convite para a apresentação que ora disponho-me a fazer.
Aceitei, não sem antes sentir e identificar a motivação para tanto, que tem contornos
relevantes na honra de ter os autores como companheiros de jornada, bem como na crença
sincera no trabalho transpessoal como viés psicoterapêutico que se firma cada vez mais como
lastro à capacitação de profissionais, os quais, aprendendo e exercitando um competente e
amoroso atendimento, situam-se à altura dos desafios que lhes estarão sendo propostos no
contexto da atualidade.
Serenamente reconheço que a vivência profissional de tantos anos consagra legitimidade
aos autores para registrar de forma objetiva a prática procedimental, ao tempo em que no
processo da leitura fica evidente uma certa reverência ao ato de saber fazer com atenção e
dedicação no aprendizado de tão precioso exercício, o que lhes confere respeito, dignidade.
Certamente a Psicologia Transpessoal ganha em muito com a inclusão deste livro no
universo didático e psicoterapêutico. E digo mais: ao longo dos anos de experiência como
psicoterapeuta clínica e consultora institucional, reconheço na prática como é essencial o
aprofundamento e a teorização de procedimentos que atendam às peculiaridades do ofício.
Com efeito, os autores, tal qual dedicados artesãos, demonstram habilidade didática ao
dar forma expressiva à matéria prima com que trabalham: a psicoterapia.
Observo seguramente que esse compêndio, na transparência de sua escrita, aponta para a
necessidade do confronto paradigmático de aporte tradicional mecanicista/darwiniano com a
referência holográfica/quântica mais progressista, perfilando um modelo holístico baseado na
percepção de homem a partir de sua integralidade na dimensão de Ser, mais amplificada.
Aqueles que puderem ler esse trabalho perceberão naturalmente que foi escrito com
amor, e que a conexão entre a ciência e a espiritualidade, com clareza solar, abriga-se ao longo
de suas páginas.
O percurso da leitura possibilita abrir-se para um universo multidisciplinar, aprendendo,
exercitando, desenvolvendo um caminho inclusivo para as mais recentes pesquisas, no que tange
à apreciação do estado atual da consciência humana, convergindo saudavelmente para uma
construção de conhecimento que, aliada à geração de sustentabilidade emocional, alcança saúde
e cura psíquica, aprendendo sim, crescendo, e produzindo introvisões que paralelamente revelam
a natureza da realidade ao tempo em que dão alicerce ao “edifício transpessoal”, ousando com
firmeza e segurança.
Resta, agora, manter-me atenta ao meu próprio respirar enquanto, mais uma vez, convido
aqueles que lêem a fazer o mesmo para deixar que a expressão “este livro eu recomendo”,
confortavelmente, encontre eco em cada um e se confirme, criando novas formas de fazer o
saber se transformar e assim seguir trocando, compartilhando profissionalmente, amorosamente
... E assim será!
Nakeida L. de Lima
Psicoterapeuta Transpessoal
ATMAN-Centro de Desenvolvimento Transpessoal
PREFÁCIO
O livro de Salete, Eliége e Aurino é um presente há muito esperado por nós seus
colegas, alunos e ex-alunos. Trata-se de um registro histórico importante, justamente
porque ao passo em que pontua um momento importante da Transpessoal no Brasil,
eterniza a trajetória da Transpessoal no Nordeste a partir de um fazer que em Pernambuco
encontra guarida na trajetória dos três. Um fazer que é ricamente inventivo e arrojado, pois
bebe em fontes muito diversas e encontra nessa diversidade um blending muito original.
Podemos pensar o três como um movimento de síntese. Da unidade à fragmentação
(representado pelo número dois), temos o número três como expressão do “terceiro
incluído” ou uma “unidade complexa” como costuma chamar Edgar Morin. Um olhar que
opera análise, sem disjunção, atento ao que une, ao que ata; abarcando Logos e Pathos,
sensibilidade e racionalidadade, sagrado e profano, objetividade e subjetividade,
espiritualidade e materialidade.
Em uma de suas obras célebres, “O Pensamento Selvagem” Claude Lévi-Strauss
descreve o que vem a ser uma “ciência do concreto”: trata-se de trabalhar a partir do
sensível, do cotidiano, de operar “bricolagens”: juntar e rejuntar dando vida nova,
estabelecendo uma nova simetria, buscando uma harmonia que se concretiza no dia-a-dia
de um pensamento que não se poda em esquemas apriorísticos. Para mostrar os resquícios
desta ciência do concreto entre nós ‘civilizados’, Lévi-Strauss lembra-nos da existência do
bricoleur, que “é o que executa um trabalho usando meios e expedientes que denunciam a
ausência de um plano pré-concebido e se afastam dos processos e normas adotados pela
técnica. Caracteriza-o especialmente o fato de operar com materiais fragmentários já
elaborados, ao contrário, por exemplo, do engenheiro que, para dar execução ao seu
trabalho, necessita de matéria-prima”. Em conclusão, Lévi-Strauss pode comparar os dois
tipos de conhecimento, o do engenheiro, (metáfora do modo de operação da ciência
moderna) e o do bricoler (metáfora do modo de operação do pensamento mítico da ciência
do concreto): “Tanto quanto o bricoler, posto em presença de uma dada tarefa, ele [o
cientista, o engenheiro], [...] ele também deverá começar inventariando um conjunto
predeterminado de conhecimentos teóricos e práticos e de meios técnicos que limitam as
soluções possíveis”. Para o autor, a diferença entre os dois tipos de conhecimento “não é
tão absoluta quanto seríamos tentados a imaginar”, as limitações de cada um “resumem um
estado de civilização” diferenciado: “o engenheiro sempre procura abrir uma passagem e
situar-se além, ao passo que o bricoler, de bom ou mau-grado, permanece aquém, o que é
uma outra forma de dizer que o primeiro opera através de conceitos e, o segundo, através de
signos” (p.35). Enquanto o conceito “se pretende integralmente transparente em relação à
realidade” [pretensão da ciência moderna], o signo “aceita, exige mesmo, que uma certa
densidade de humanidade seja incorporada ao real”(p.35). Podemos deduzir daí que a
ciência moderna, buscando a objetividade do conhecimento (por diferentes vias
metodológicas/abordagens teóricas) pretendeu expulsar a subjetividade de suas investidas
ao conhecimento da realidade, enquanto na ciência do concreto a subjetividade é parte
integrante da relação de conhecimento da realidade, como fica bem claro nesta passagem: o
bricolage “não se limita a cumprir ou executar, ele não ‘fala’ apenas com as coisas [...] mas
também através das coisas: narrando, através das escolhas que faz entre possíveis limitados,
o caráter e a vida de seu autor. [...]. Sem jamais completar seu projeto, o bricoler sempre
coloca nele alguma coisa de si” (p.37).
Bebendo em fontes diversas da Filosofia Perene que no Oriente passam pelas
milenares tradições do Yoga, do Budismo, do Tantra e outros, e no Ocidente trilham pelas
escolas terapêuticas e seus legados preciosos (seja na abordagem ao trauma, na
compreensão do dinamismo psíquico, etc..), os autores desembocam em Pernambuco a se
fazerem foz, fonte, afluente e nascente. A medida da bricolagem não é uma empiria, um
aprender pelo fazer aleatório. É preciso se fazer justiça no esforço criterioso de análise e
crítica com que a tríade tem se debruçado tanto pelos modernos sistemas da psicologia
ocidental quanto pelas tradições sapienciais do Oriente. Eles escapam ao ecletismo das
colchas de retalho, de um holismo ingênuo e romântico. Há crítica, humor e até um
ceticismo saudável nesse fazer. Há um pensamento que não mimetiza simplesmente o
legado dessas tradições, mas que busca uma identidade muito própria. Talvez, essa seja
uma das razões de tanta admiração por parte de seus alunos, entre eles eu próprio.
A marca do pioneirismo é carregada no primeiro instante pelo signo da
incompreensão, do olhar que não comporta a alteridade. Sustentar essa posição não é fácil.
Por essa razão, o nascimento desta obra tem um sabor muito especial também para nós. É o
índice do campo simbólico da Transpessoal que vem em busca de seu reconhecimento. Mas
para buscarmos o reconhecimento do outro é necessário que possamos igualmente olhar a
nós mesmos. Identificarmos nossa própria história, sermos capazes de contá-la. Nesse
olhar, encontramo-nos através de nossas narrativas e definimos o nosso próprio lugar. E
assim é possível ir ao encontro do outro.
É imperioso informar que o livro em suas mãos é uma expressão de um movimento
engajado de afirmação de um espaço sócio-político no âmbito da psicologia brasileira.
Cumpre plenamente o caráter de divulgação da assim chamada “quarta força” convidando o
leitor a empreender uma viagem segura pela sua epistemologia e também pelas suas
técnicas. Tenhamos tranqüilidade perante nossos guias. Ao longo do caminho,
perceberemos o coro de muitas vozes que os ajudaram nesse empreendimento titânico.
Esta obra começou a ser escrita há mais de uma década e se hoje vem a lume é que
este é um momento histórico em que suas formulações encontrarão guarida nas
consciências (e corações) de quantos se dispuserem a lê-la despojadas de pré-concepções
(como já aconselhava Èmile Durkheim acerca das regras que deveriam pautar o fazer do
pesquisador em ciências humanas).
Conheci os autores deste livro em 1999. Naquele ano, este livro já estava sendo
escrito. Sinto-me parte desta construção, pois estudei com eles durante aquele ano e na
virada do milênio, vi-os coordenando esforços para a construção do ATMAN como espaço
de referência da Transpessoal em Pernambuco. Vejo-os como uma família que comporta
divergências, que demanda estilos próprios, mas que encontra sua força justamente nesse
movimento. Guardo profunda admiração pela amorosidade de Salete, pela espirituosidade
de Eliége e pela intelectualidade “astuciosa” de Aurino. Pressinto nesta obra um novo
momento de expansão, agora ancorado no acúmulo de experiências que fornece a
sustentação para novos empreendimentos solo ou em novas parcerias. E torna fecundo o
solo para que muitos outros autores possam fazer germinar seus trabalhos.
Finalizando, este não é um livro de auto-ajuda, mas espero que possa inspirar você a
refletir-se, cuidando mais de si, atento à presença dos outros em sua vida, e preocupando-se
com a Terra que é nossa pátria-mãe.
AGRADECIMENTOS .............................................................................................
APRESENTAÇÃO .................................................................................................
PREFÁCIO ............................................................................................................
INTRODUÇÃO .......................................................................................................
CAPÍTULO I: O QUE É PSICOLOGIA TRANSPESSOAL? ..................................
1.1. Origens históricas da Psicologia Transpessoal .........................
1.1.1. Raízes históricas no contexto internacional ............................
1.1.2. Raízes históricas no Brasil .....................................................
1.2. Objeto de Estudo ................................................................
1.3. Conceitos básicos em Psicologia Transpessoal ....
1.3.1. Visão de mundo/realidade ................................
1.3.2. Visão de homem ........................................................
1.3.3. Cartografias da consciência .................................
1.3.3.1. Stanislav Grof – O modelo holotrópico da consciência ...............
1.3.3.2. Ken Wilber – O espectro da consciência .................................
1.3.3.3. Roger Woolger – A cartografia da Flor de Lótus .........................
1.4. A/cientificidade da Psicologia Transpessoal ...........................
Há uma lenda milenar que por um movimento sincrônico veio parar em nossas mãos. Ela
estava escrita em um pedaço de jornal que alguém apressado, por causa da chuva torrencial que
caía sobre a cidade, acabou deixando preso ao teto de um veículo. Esta lenda falava de um rei
frígio chamado Górdio que lançara um desafio aos habitantes de sua cidade: desatar o nó que
ligava a direção de seu veículo. Muitas foram as tentativas para desatá-lo, tendo diversos
homens perdido a honra por não haver conseguido.
No entanto, certo dia, apareceu um jovem chamado Alexandre, conhecido mais tarde na
História como “Alexandre, o Grande”, que, com sua espada, cortou o nó ao meio. Da platéia
surpresa, ouviu-se dizer que aquela forma não era válida, já que o nó não tinha sido desatado e
sim cortado. Ao que Alexandre sabiamente respondera: - Para desafios novos temos que usar
novas soluções.
Assim, também surgiu a Psicologia Transpessoal: uma nova solução para um novo
desafio que eclodiu nos Estados Unidos com os movimentos da “Nova Era” expressos no
mergulho no mundo dos alucinógenos - amplificadores e alargadores dos estados de consciência
- nas amplas perspectivas terapêuticas alcançadas com o uso de práticas orientais, bem como na
busca de sentido para uma gama de fenômenos que até então estiveram fora do âmbito do
estudo da psicologia ou foram catalogados como patológicos.
Em termos mais amplos, a Psicologia Transpessoal aparece como a espada de
Alexandre2, ajudando a abrir um imenso flanco na cultura newtoniana-cartesiana, rompendo
com os modelos dominantes em psicologia, no que diz respeito à redefinição do homem e sua
relação com o meio, implementando assim as sementes da integralidade, no qual as divisões são
substituídas por uma visão integrada da realidade e o homem compreendido numa rede
ecológica que em suas últimas conseqüências ampliar-se-ia até o Kosmos3.
Em diversos pontos e em várias áreas do saber humano “a espada” continuou a desfazer
“os nós górdios”, criando uma verdadeira “conspiração aquariana”, conforme está descrito por
Ferguson (1981).
Avaliando as profundas mudanças que ocorreram a partir da virada do século XIX, mais
pronunciadamente dos anos 50 em diante, percebemos, no contexto social, político e em todos
1
Citado em Perry, W. (1981).
2
A “espada de Alexandre” é usada aqui para simbolizar “um clarão de gênio”, conforme indica Chevalier e
Gheebrant (1989).
3
Kosmos com “K” é utilizado para indicar Totalidade conforme aponta Wilber (2002).
os campos da atuação humana, que se iniciou uma corrida louca para assegurar o direito de ser
feliz e saudável. A Sociedade Ocidental, conforme destaca Vasconcelos (1992), gradativamente
redefiniu a saúde mental como uma necessidade social global e imediata, e não uma conquista
particular de um indivíduo ou de possíveis ganhos imaginários apoiados em sonhos futuros. A
necessidade de presentificar a saúde mental em estratégias concretas no nível de políticas
públicas tornou-se pauta de discussões.
Como podemos perceber, iniciou-se de forma ampla e dinâmica um repensar da
concepção de cidadania: organizaram-se movimentos políticos sociais em defesa das classes
consideradas oprimidas expressos em defesa da mulher, do homo-erotismo, dos negros, e
outros.
As camadas populares, sempre excluídas pela classe dominante do processo de
construção social, organizam-se em comissões de bairros e conselhos de moradores numa
tentativa de emergirem da alienação e passarem a participantes do processo sócio-político.
Ergueram-se escolas com uma política de resgate da identidade popular e de valorização do
indivíduo, sendo posta abaixo a tese da evasão escolar, ficando demonstrado que as crianças
não se evadiam e sim eram expulsas por não se adaptarem à ideologia dominante que as
preparava para servidão.
Em meio a esses profundos vieses transformadores, tivemos no Brasil a regularização da
Psicologia como profissão em 1962, copiando os padrões hegemônicos europeus e norte-
americanos, privilegiando o modelo do profissional liberal clássico. Modelo este que no
presente momento se encontra em crise devido à mobilização das camadas sociais provocada,
por sua vez, pelas mudanças econômicas e políticas que repercutem no contexto sócio-
relacional, suscitando mudanças e exercendo, de certa forma, uma pressão sobre os poderes
públicos no sentido de redefinir o atendimento das necessidades coletivas no âmbito das
políticas sócio-administrativas, principalmente no que se refere à saúde numa visão mais ampla,
à educação e a outras áreas essenciais para qualificar as condições de vida a nível físico e
mental.
Como podemos perceber, é dentro destas profundas transformações globais, talvez
estimuladas por elas, que a Psicologia Transpessoal desponta. E por sincronicidade de
movimento isto ocorreu no momento em que a psicologia no Brasil surgia como profissão.
Sendo assim, de um lado, vemos o nascimento de uma “nova era” com o paradigma
transpessoal e do outro, a busca da afirmação de um espaço sócio-político, manifesto na
consolidação da psicologia como profissão. Neste sentido, o presente livro busca circunscrever
o espaço da Psicologia Transpessoal, seja definindo-a, historiando-a ou levantando pontos
centrais no seu já extenso corpo teórico, ao mesmo tempo em que busca consolidá-la no espaço
sócio-político da psicologia brasileira.
Com estes objetivos, o primeiro capítulo busca responder o que é a Psicologia
Transpessoal, situando suas origens históricas no contexto internacional e nacional, o seu objeto
de estudo, apontando ainda os conceitos básicos e discutindo sua cientificidade.
O campo de abrangência da psicologia transpessoal encontra-se delineado no segundo
capítulo.
No terceiro capítulo, explicitamos alguns sistemas psicoterapêuticos transpessoais e seus
pressupostos básicos e no quarto capítulo abordamos o tripé formador: teoria, trabalho
transpessoal e supervisão experiencial na formação profissional e o papel do psicoterapeuta
transpessoal.
O quinto capítulo trata das técnicas psicoterapêuticas, sendo apresentadas aquelas mais
utilizadas pelos autores.
Por fim, este trabalho propõe-se à introdução no mundo regulamentar da Psicologia
Transpessoal, esclarecendo o que lhe pertence e rompendo com suas distorções. É a
materialização de sonhos pelos frutos concretos de anos de experiência profissional: clínica,
hospitalar, ambulatorial, comunitária, e de ensino desta especialidade; também de contínua
vivência terapêutica no papel de cliente e permanente aprendiz da abordagem transpessoal
como norte existencial. Supõe-se ter havido uma "conspiração cósmica" na concretização deste
trabalho, haja vista que a sua proposta parece atender à semeadura de uma nova civilização, em
um tempo de mudanças. A revolução interior em busca do Ser Integral tem na Psicologia e
Psicoterapia Transpessoal um veículo acionador, e urge divulgá-la e esclarecê-la para que mais
pessoas venham a se beneficiar desta abordagem nos novos tempos.
CAPÍTULO I
Ao Mestre Interior
Oh, Ser alado de luz!
Minha alma sedenta
Eterno viajante
Te busca por eons sem fim
Entre miríades de galáxias
Perambulando por espaços estelares
E por caminhos diversos
Andei te procurando
Agora, não te ocultes mais de mim.
Não viverei sem tua presença
Estou renascendo das cinzas de tantas mortes
remanescentes da luta inglória
Recebe agora meu corpo frágil
Como um cálice aberto
A ti me entrego apenas para servir
Derrama o néctar sagrado
Do teu infinito amor
Invade sem demora as entranhas do meu ser
Não me deixes perder nesta noite escura
Deixa-me alçar o vôo celeste
Nas asas luminosas das tuas vestes
Para o espaço vazio do meu Ser - eterna e imortal
chama Divina.
( Eliége Brandão )
O interesse do homem por conhecer-se vem das mais remotas eras. Desde as culturas
pré-históricas, passando pela Grécia antiga até os dias atuais, trilhando os mais diversos
caminhos e usando das mais variadas formas, o ser humano busca compreender a si mesmo e
resgatar sua origem, perseguindo o estado de plenitude.
Como na escalada de uma montanha, o indivíduo veio subindo passo a passo, buscando
atingir sua completude. Embora a cada passo vislumbrasse uma parte do enigma, não consegue
desvendar o "Todo". Como na metáfora dos cegos que buscam definir o que é um elefante a
partir do contato limitado com apenas uma de suas partes, cada aspecto percebido configura-se
como verdadeiro, mas não revela a totalidade.
Procurando a cura para seus males, o homem dividido, sentindo-se distanciado da sua
essência, tentou juntar seus “pedaços” dispersos nos entremeios da visão dualista, newtoniano-
cartesiana, e, então, nas igrejas, nos templos, nas sinagogas, nos mosteiros e nos terreiros
tentava reencontrar sua fatia divina (transcendente) através de ritos considerados sagrados.
Cônscio de que não é apenas a conseqüência de instintos e pulsões (Freud) nem somente
o resultado dos condicionamentos (Skinner) tampouco manietado pelas satisfações meramente
sociais (Adler), seus anseios se aprimoraram da direção horizontal à vertical para daí ampliar a
consciência na abrangência de todos os sentidos e dimensões, como tão bem definiram os
estudiosos Freud, Skinner e Adler, cada um a seu tempo, enquanto expoentes da ciência.
Investigando e estudando cientificamente os variados estados de consciência, os teóricos
da Psicologia Transpessoal a colocam como uma das áreas mais novas da ciência do
comportamento, embora e de certa forma já fosse praticada há mais de 5.000 anos pelos antigos
egípcios, pelas civilizações pré-colombianas na América, também na Índia e no Tibete.
O pragmatismo desses povos antigos, porém, não conferia condição de ciência às
práticas denominadas hoje transpessoais. Coube, então, a psicologia como ciência decodificar,
experimentar, observar, catalogar e tratar dentro do aprouch científico para novamente codificar
a partir do contexto da ciência do comportamento, e sistematizar aquelas técnicas que
interferem no estado mental das pessoas, ampliando e transformando suas consciências no
sentido de proporcionar equilíbrio mental, saúde, bem estar, senso de plenitude e, sobretudo,
uma nova percepção de si próprio, do mundo e da realidade no âmbito das percepções
holográficas ou integrais.
É inegável a grande influência que as disciplinas e práticas orientais como o yoga, a
meditação e as práticas budistas trouxeram para a Psicologia Transpessoal, desde os anos
sessenta, quando a cultura ocidental foi, beneficamente, contagiada pelas filosofias asiáticas.
Nesse período, também as técnicas corporais em psicoterapia foram grandemente enfatizadas,
validando-se, sobremaneira, a liberação do prazer sensorial, sem incluir, no entanto, a dimensão
espiritual do indivíduo. E, quanto mais reforço se imprimiu à personalidade, à persona, mais
identificação com o ego e a auto-imagem; mais apego e mais sofrimento pelo medo da perda, da
morte, da finitude do ser biológico, quando se lhe exclui a capacidade de transcendência.
Na visão dualista corpo versus mente, a dimensão espiritual continuava alijada do
contexto humano. E as terapias psicológicas ainda seguiam a dicotomia espírito versus matéria
como dois departamentos isolados entre si; esquecidos, como enfatiza Ram Dass4, de que não
somos um corpo que tem um espírito, mas sim, um espírito que temporariamente possui um
corpo.
A Psicologia Transpessoal nada exclui, pelo contrário, inclui todas as dimensões do ser
humano, propiciando-lhe, enquanto abordagem psicoterápica, meios para enfrentar o sofrimento
e transcender sua identidade egóica, fonte permanente desse sofrimento. Admitimos que a
dificuldade existente ainda hoje das universidades brasileiras adotarem a Psicologia
Transpessoal em seus currículos, nos cursos de formação de psicólogos, resulta não apenas da
desinformação nos meios acadêmicos, mas, principalmente, da mudança de paradigma, no que
se refere ao conhecimento da dinâmica psíquica, e da visão de mundo propostas pelas visões
não-duais.
4
Richard Alpert, mais conhecido no meio transpessoal como Ram Dass, comunicação no Congresso de
Manaus-AM.
Não obstante essa resistência, é notório que a atual vigência do novo paradigma
científico, com o advento da Física Quântica, vem respaldar a visão integral da Psicologia
Transpessoal, conferindo-lhe o escopo de credibilidade nos meios científicos mais adiantados.
Como antes já referido, o interesse do homem pelo mundo mental sempre esteve
presente ao longo da história da humanidade; as manifestações mais antigas da presença
humana sobre a terra expressam a busca pela compreensão desta área desconhecida e fascinante
da vida.
O mito grego de Eros e Psique5 talvez traduza uma das metáforas mais bem trabalhadas
pela cultura ocidental para simbolizar a mente humana. Interpretemo-lo, sucintamente, sob a
ótica transpessoal, mais especificamente a partir da cartografia wilberiana (ver item 1.3.3. deste
livro), de forma a percebermos que os constructos téoricos que sustentam as “psicologias”,
através de suas visões de mundo e dos sentidos atribuídos ao ser humano e, conseqüentemente,
ao seu funcionamento mental, refletem as possibilidades de expressão oferecidas pelos aparatos
simbólicos, bem como pelo nível de consciência possível dentro de uma rede cultural de
relações que privilegia determinados aspectos como foco de estudo em detrimento de outros.
De início, é importante salientar que este mito traduz um percurso da dualidade (divisão
Eros x Psique) para unidade (casamento Eros x Psique), expressando o percurso de tomada de
consciência ou jornada rumo a níveis de funcionamento psíquico mais harmonioso. Vejamo-lo:
“A beleza de Psiqué fez com que se esquecesse Afrodite. Seus templos foram
fechados e abandonados e de todas as partes acudiam forasteiros para ver e
reverenciar não mais a mãe do Amor, mas uma mera princesa.
Irritada com a competição e com o desleixo de seu culto, a deusa pediu a seu filho
Eros para vingá-la e destruir a jovem beldade, fazendo-a casar-se com o mais
repulsivo dos homens.”
5
Os trechos do mito “Eros e Psiqué” citados no texto encontram-se em Brandão, 1992, pp. 220 - 221.
Em obediência ao oráculo, os pais abandonaram a jovem às núpcias da morte
com o monstro, mas surpreendentemente Psiqué é levada pelo vento Zéfiro para um
palácio encantado, onde passa a desfrutar uma vida paradisíaca com Eros, seu
amante invisível.
As irmãs mais velhas, corroídas de ciúme e inveja, resolvem destruir o idílio da
caçula. Não obstante as contínuas advertências do marido, ela decide, a conselho
das irmãs, surpreender o monstro dormindo e matá-lo.
A passagem de nível de ego para o existencial, no mito, dá-se quando Psiqué levada a
um casamento com sua sombra, vivencia uma experiência de morte e renascimento psicológico
(Rapto de Zéfiro), consolidando o princípio do surgimento de uma visão de organismo total
(encontro com Eros). No entanto este “encontro” não propicia um casamento (quebra da
dualidade), ao contrário solidifica um sentimento persistente e irredutível de que existe uma
consciência separada de suas experiências, Psique apesar de estar junto a Eros não consegue
percebê-lo. O nível existencial não exclui as manifestações egóicas anteriores que continuam a
existir (aqui representadas pelas irmãs mais velhas de Psique) e buscam apontar a dualidade
ainda presente em Psique que não consegue perceber seu amante invisível.
Executado o plano diabólico, Psiqué vê a seu lado o próprio Eros, por quem se
apaixona loucamente. Uma gota de azeite fervente, porém, lhe cai no ombro.
O deus desperta e, sem dizer palavra, abandona a amante. Segue-se a busca de
Psiqué, sua luta contra a crescente ira de Afrodite e a execução das quatro tarefas
que a deusa lhe impõe. Abrindo a caixinha que lhe entregara Perséfone, a esposa do
filho de Afrodite mergulha num sono letárgico. Eros a salva, e, imortalizada por
Zeus, é festejada no Olimpo como esposa eterna do eterno Amor.”
Psiqué na busca pela integração e conhecimento do que já estava com ela (Eros) entra
em um longo processo de transformação, de enfrentamentos, até que a morte psicológica do ego
(sono letárgico) a conduz ao nível transpessoal da mente, ou seja, identificação com o Kosmos,
aqui representado pelo casamento com Eros e os festejos no Olimpo.
Assim, este mito pode ser visto como a forma de dar sentido a um mundo de crenças e
desejos do povo grego ao mesmo tempo em que o ajudou a construí-lo como tal. Ao longo da
história, diversas formas de compreender a mente humana foram elaboradas, e estas sempre
estiveram atreladas a uma forma de conceber o mundo. Sendo assim, pode-se dizer que “as
psicologias”, nas suas já clássicas divisões, surgiram atreladas a uma determinada visão de
mundo. Mundo este que precisa de sentidos para existir enquanto construção cultural.
Analisando como a cultura ocidental tem organizado sua concepção de mundo, Matos
(1992) destaca:
Esta visão não dualista da relação sujeito x objeto, destacada pela Física Moderna,
rompe com as construções cartesiano-newtonianas que deram base à atual sustentação de
mundo da cultura ocidental, assim como serviram de alicerce para elaboração das diversas
“psicologias”. Os trabalhos da Física Moderna possibilitaram o surgimento de novas questões,
até então não levantadas dentro da perspectiva dualista, tais como: qual o impacto da quebra da
divisão sujeito x objeto sobre a mente humana? E em que tal impacto alteraria a construção de
mundo? Que concepções de subjetividade emergem de uma visão de mundo não dual?
A primeira reflexão que surgiu destas questões indicou a impossibilidade de
compreender a “unidade dinâmica”, apontada pelo modelo da Física Moderna, a partir do nível
de consciência ordinário (construído dentro do modelo dualista). Neste sentido, surgiram as
pesquisas (Grof, 2000 e Wilber, 1996) sobre os diferentes níveis de consciência, apontando que
a superação dos limites impostos pela nossa personalidade - construída de identificações
imaginárias, portanto fruto de divisões - a partir de tecnologias alteradoras da consciência,
possibilitavam o acesso a níveis de relações mais holísticas com o mundo e consigo mesmo,
propiciando, com isso, níveis de saúde mental mais satisfatórios.
Beneficiando-se das descobertas da nova Física e buscando analisar seu impacto na
mente humana - principalmente no que diz respeito aos diferentes níveis de consciência
produzidos pela presença de determinada forma de ver o mundo (cartesiana-newtoniana x
“unidade dinâmica” da Física Moderna), bem como às tecnologias alteradoras de consciência e
suas repercussões na construção de um novo sentido para o mundo - organizou-se a Psicologia
Transpessoal, como um ramo da Psicologia especializado no estudo dos estados de consciência,
mais especificamente da “consciência cósmica”, ou estados ditos “superiores”, “ampliados” ou
"transpessoais" da consciência que podem ser compreendidos como:
“... entrada numa dimensão fora do espaço-tempo tal como costuma ser
percebida pelos nossos cinco sentidos. É uma ampliação da consciência comum
com visão direta de uma realidade que se aproxima muito dos conceitos da física
moderna” (Weil, 1990a, p.9)
Para sintetizar a definição dada por Sutich, Matos (1992) assim se expressa:
O termo transpessoal6, cuja origem é atribuída a Carl Jung e Roberto Assagioli, foi
adotado depois de uma considerável deliberação em torno dos relatos de praticantes de várias
disciplinas da consciência que falavam de experiência de uma extensão da identidade para além
da individualidade e da personalidade.
Sendo assim, a Psicologia Transpessoal é, antes, um instrumento de pesquisa da natureza
essencial do ser, e
“... não é um ramo da Psicologia que lida com o misticismo, cristais, florais, tarô e
outras práticas. É um desdobramento histórico-científico das três escolas
(Behaviorismo, Psicanálise e Humanismo) que a precederam.” (Gonçalves Filho,
1995 p. 9)
No que diz respeito à psicoterapia transpessoal, os autores citados por último concluem
que ela:
6
Para maiores detalhes sobre a história da evolução do termo Transpessoal, ver Cap.I, item 1.1.
“...essas experiências envolvem uma expansão da consciência para além das
fronteiras costumeiras do ego e para além das limitações comuns de tempo e de
espaço. Em suas pesquisas com a psicoterapia do LSD, Grof observou que todos os
sujeitos terminavam por transcender o nível psicodinâmico e penetravam nos
domínios transpessoais. Esse potencial também pode ser alcançado sem produtos
químicos, seja espontaneamente, pela prática de várias disciplinas da consciência -
por exemplo, meditação e ioga -, ou na psicoterapia avançada” (pp.18 e 19)
E isto nos possibilita o rompimento com as dicotomias que põem sagrado e científico em
pólos opostos, de forma que o primeiro fica a cargo dos religiosos e o segundo dos homens de
ciência.
Neste sentido, considerando-se o sagrado como “elemento na estrutura da consciência”,
surgiu a Psicologia Transpessoal com um corpo teórico que busca dar conta de uma imensa
gama de fenômenos, até então não valorizados pelas teorias que lhe antecederam. Estes
fenômenos encontram-se catalogados em inúmeros estudos, e seus discursos encontram
ressonância nos conceitos apresentados pela Física Moderna (Weber, 1989; Capra, 1983).
Sem cair nos reducionismos ou mesmo no corporativismo que marcam a maioria das
tendências em psicologia, a Psicologia Transpessoal busca fazer uma síntese das diversas
contribuições das tendências terapêuticas. Seguindo esse curso, ela abriga no seu bojo os
diferentes ramos do saber psicológico donde se destacam aspectos da psicologia no âmbito
experimental, fisiológica, patológica, clínica, evolutiva, behaviorista, gestaltista, psicanalítica,
existencial e humanística. Esta integração propõe uma conexão, na qual os recursos destas
disciplinas com suas respectivas tecnologias são agregados sem esfacelamentos. Desse modo,
foge-se do ecletismo, que poderia ser identificado como o uso isolado de técnicas e recursos de
diversas disciplinas sem fins de conectividade.
Na Psicologia Transpessoal, por reconhecer-se a amplitude do mundo psíquico com uma
cartografia que abrange desde o nível perinatal ao nível transpessoal, busca-se romper com uma
visão fragmentada de mundo, herança do pensamento newtoniano-cartesiano que gera
onipotência e isolacionismos entre os diversos ramos do saber. No que diz respeito a seu
modelo adotado, se pode entender que:
Dessa visão emerge uma proposição holística de mundo, de tal forma que a colaboração
entre escolas tradicionalmente oponentes incorpora-se no cenário transpessoal.
No trabalho transpessoal, quanto mais ampla e integrada for a visão do terapeuta acerca
das possibilidades disponíveis nos diversos ramos do saber, mais ampla será sua possibilidade
de atuação. Uma marca do terapeuta transpessoal deve ser a flexibilidade e a capacidade de
abertura para o novo, mesmo que este desafie suas idéias correntes.
Tendo ressonância num paradigma emergente, a Psicologia Transpessoal não se propõe a
ser um sistema fechado, nem um substituto para o velho, isto é, não tem como objetivo fechar-
se ou dominar frente a uma visão de mundo que sustente uma verdade única. O auto-
enriquecimento, através da autocrítica, marca seu modo de produzir o saber, de forma que a
expansão de novas tecnologias no estudo do homem são requeridas e experienciadas.
Por esse caminho, mesmo as construções cartográficas já estabelecidas, como as de Grof
(1988), Assagioli (1992), Wilber (1996) são vistas como norteadoras de processos, e não como
verdades a serem seguidas rigidamente. Elas apresentam seus valores a partir do momento em
que ampliam as perspectivas de trabalho e sistematizam uma gama imensa de fenômenos. Mas,
por serem elaboradas em determinado nível de consciência, atendem a uma faixa de
experiência, não se propondo a dar conta de todo o fenômeno humano.
Em síntese, a Psicologia Transpessoal surgiu como um desdobramento histórico das
psicologias anteriores, mais especificamente da Psicologia Humanística, de onde saiu a maioria
de seus fundadores. Propondo-se ao estudo dos estados de consciência, com ênfase nos estados
de consciência transpessoal, este novo ramo da psicologia, também denominado “Quarta Força
em Psicologia”, estabelece uma conexão entre existencialismo, fenomenologia, humanismo e as
mais recentes descobertas nos diversos campos do saber humano.
Quanto às pesquisas desenvolvidas, estas buscam resgatar o ser humano em sua
dimensão de totalidade (ser bio-psico-social, cósmico e espiritual). Para tanto, adota uma larga
faixa de possibilidades de aplicação, incluindo as áreas tradicionais da psicologia (industrial,
clínica, escolar, social), nas quais abre novos leques com estudos nas áreas comunitária,
hospitalar, ambulatorial, tanatológica, ecológica, além da educação para a paz.
A breve análise histórica das origens da Psicologia Transpessoal será feita com a ajuda
do mito de Psiqué, anteriormente relatado, de forma que a passagem de uma época para outra
será marcada por um subtítulo que tenta expressar o percurso do nascimento até o casamento de
Psiqué. A metáfora deste casamento será utilizada, aqui, para expressar o surgimento da
Psicologia Transpessoal.
“Homenagem a ti, (2) ó Rá, quando te levantas. ...És adorado [por mim quando]
tua pulcritude está diante dos meus olhos e [quando teus] (3) raios [caem] sobre o
[meu] corpo. ...Ó tu que és belo de manhã e à tarde, ó tu que vives e estás instalado,
ó meu senhor!
Homenagem a ti, ó tu que és Rá quando te levantas, e (7) Tem quando te pões
magnífico. Levantas-te e brilhas nas costas de tua mãe [Nut], ó tu que foste coroado
rei (8) dos deuses! ...Brilha com teus raios de luz sobre o meu corpo dia após dia
(15)...” (Budge, 1985, pp. 160, 161)
Vem da Índia antiga o cenário onde Psiqué surge, sendo o Tantrismo Shivaista um berço
fecundo para seu desenvolvimento, inclusive do modelo de consciência a partir da noção de
Chakras, vórtices energéticos de natureza psicofísica responsáveis pelos processos mentais,
emocionais e sutis. A sofisticação destes modelos de consciência tem sido resgatada pelas
pesquisas transpessoais, na atualidade, numa tentativa impar de romper com o silêncio
etnocêntrico em relação a outros modelos de mente diferentes dos ocidentais.
Na cidade de Bodhigaia, sob o sol brilhante da manhã indiana, o jovem príncipe Sidharta
senta-se debaixo de uma árvore da espécie Bodhi e faz a motivação de só levantar depois de ter
compreendido o funcionamento de Psiqué. Ele que tinha experienciado os extremos, do
hedonismo à negação completa dos sentidos, tem sua noite povoada de encontros com os
conteúdos de sua mente, até que ao alvorecer toca na estrutura produtora de Psiqué, apontando
o caráter ilusório desta.
O jovem “desperta”, daí ter recebido o nome de Buda, o desperto, ou seja, aquele que vê
além das construções ilusórias, além de maya (a dimensão ilusória). Quando o Buda se levanta,
passa a dedicar-se ao ensinamento sobre a origem, a causa e a cessação do sofrimento,
apontando ao final um caminho de oito passos para sua superação. Desta experiência, brota uma
das mais sofisticadas formas de compreensão da mente humana e talvez um dos primeiros
tratados sobre a mente com uma compreensão transpessoal: O Abhidharma.
Já no Abhidharma, Psiqué é representada em seus processos de construção e
desconstrução denominados “Os doze elos da originação interdependente”. Nele os níveis
transpessoais de desenvolvimento da consciência são delineados, oferecendo uma visão das
emoções destrutivas e o percurso da formação da noção de identidade.
Uma longa tradição de filósofos orientais debruçou-se sobre a mente, produzindo uma
longa literatura que só agora começa a chegar ao ocidente através dos teóricos transpessoais. Os
trabalhos de Wilber (2002), Varela, F.J. & Thompson, E. e Rosch, E. (2003), Goleman (1999a,
1999b) e Epstein (2001, 2003) são exemplos da riqueza teórica oferecidas pelas tradições
budistas no contato com a cultura ocidental.
No Ocidente, contudo, o etnocentrismo, aliado à dificuldade de acesso à literatura
oriental, tem nos conduzido a uma visão de que Psiqué teve seu nascimento junto com a
filosofia grega. No entanto, os modelos de desenvolvimento e as teorias da mente produzidas
nos meios transpessoais apontam para riqueza das teorias orientais, que precisam ser revistas de
forma autêntica e livre de preconceitos.
É na Grécia que nasce a idéia de Psiqué, alma, através do contato com as experiências de
morte e nascimento, sonhos e sono, contato com os antepassados, consultas a oráculos etc. Aqui
ainda prevalece a atitude animista de atribuir um poder mágico às forças da natureza. Contudo,
a idéia reducionista de que estes pensamentos são simplórios desvaloriza o poder criador destas
culturas nascentes.
A partir do século VII, a cultura grega vai assumir uma distinção muito particular em
relação a outras culturas. Se lembrarmos das culturas antigas que habitavam o mar Egeu, vemos
que elas tinham uma ligação muito grande com o pensamento oriental. Na verdade, a maneira
deles abordarem a natureza era muito semelhante. Não havia uma distinção, por exemplo, entre
a idéia de Psiqué (idéia de subjetividade, de ser) e a natureza. Havia uma ligação intrínseca
entre esses dois conceitos – psiqué e natureza.
De certa forma tinha-se um pensamento místico, mágico, porém de aproximação, de não
distinção, entre o psiqué e o cosmos. Tanto que os primeiros filósofos, os pré-socráticos, tinham
como ponto inicial de reflexão a natureza. E é somente a partir dos séculos V e VI, quando
começa a filosofia clássica, que ocorre uma reflexão sobre o ser humano dissociada da reflexão
sobre o cosmos, sobre o mundo natural.
Quando os gregos começam a filosofar, eles fazem isso em busca de um princípio
unificador para a existência do mundo e a perspectiva de que Psiqué já estava inserido dentro
desse cosmos. A partir do século V começa a haver uma separação. Ao mesmo tempo em que
se assiste no Oriente, mais especificamente com a iluminação do Buda, a um florescimento
dessa tentativa de pensar a existência humana dentro da sua lógica mais ampla, mais cósmica,
no Ocidente vai-se fazer o caminho inverso.
No século V, encontramos um conjunto de filósofos que ao invés de perguntarem sobre a
questão da origem do princípio unificador da natureza, do cosmos de um modo geral, estão
demarcando o pensamento filosófico em áreas e apontando para uma reflexão mais voltada para
a interioridade, mas não a interioridade em busca da integração que seria a marca do
pensamento oriental (você interioriza para integrar, e não para promover um afastamento do
mundo, da natureza).
No Ocidente, a busca de interiorização, que é uma busca filosófica de si, do
conhecimento de si, é de uma interiorização para marcar uma distância, para marcar uma
diferenciação, um espaçamento entre o ser humano e os demais seres que compõem o cosmos.
É uma tentativa de buscar o conhecimento interior, mas um conhecimento interior que vai
favorecer essa dinâmica do domínio, essa dinâmica da separatividade, do distanciamento. É
uma reflexividade muito diferente da reflexividade oriental, ou seja, você está se conhecendo
mais para se autonomizar, para se separar, você está refletindo sobre si, mas para demarcar uma
fronteira entre Eu e o Outro, Eu e o Mundo. No caso da Grécia, por exemplo: quem é grego e
quem não é; quem é civilizado e quem é bárbaro; quem é que domina os códigos de um
determinado padrão cultural e quem não domina.
Sócrates desloca o eixo reflexivo da natureza para o ser humano, dando surgimento a
uma virada antropológica. Ao contrário daqueles que lhe antecederam, ele move toda a
produção mental para os seus próprios mecanismos de pensamento, de fundamentação.
Interioriza a reflexão filosófica num desenho preliminar de subjetividade, ao mesmo tempo
antropologiza.
Desse modo, Sócrates coloca o homem como o eixo dessa reflexão mais ampla da
filosofia que é o que vai marcar todo pensamento ocidental, o que modernamente chamamos a
Filosofia do Sujeito, embora os gregos não tivessem essa idéia de sujeito. Na verdade a idéia de
subjetividade é uma idéia moderna. Mas essa percepção de que a compreensão do mundo, do
universo, passa por uma compreensão do sujeito, não seria tão complicada se não tivéssemos
antropologizando o pensamento filosófico. Esse filósofo contribuiu ainda delineando uma
dimensão que podemos chamar de holística, quer dizer, o ser humano ainda não está
completamente dissociado das demais esferas. Já em Platão, seu discípulo direto, isso não
ocorre como veremos mais à frente.
O Oráculo de Delfos é um dos maiores exemplos da riqueza do uso dos estados
ampliados de consciência dentro da cultura grega no período socrático, mantendo-se importante
desde o período do Helenismo até a época de Alexandre, o Grande, um dos seus mais assíduos
consultores. Os diálogos de Sócrates e seu daimon já se tornaram clássicos, sendo famoso o
diálogo com o discípulo Mnéias. Neste, Sócrates aconselha o discípulo a não ir à corrida de
bigas em Charmides, posto que fora informado da sua morte, por seu daimon. Mnéias despreza
os conselhos do filósofo, vindo a falecer, como que cumprindo o anunciado.
PSIQUÉ VAGUEIA DIVIDIDA NAS SOMBRAS DA CAVERNA
Em Platão temos uma demarcação de fronteiras que vai produzir um forte impacto na
cultura ocidental: seu idealismo muito acentuado. Como Sócrates, ele vai partir dessa reflexão
do ser humano, mas aí ele cinde o ser humano, coisa que Sócrates não fazia.
Platão vai produzir uma teoria da alma, da psique, que tem uma dupla face:
1. Por um lado, a alma, a psique, não seria acessível completamente ao
pensamento, porque estaria associada à idéia universal (a idéia do arquétipo);
logo não poderia ser alcançada diretamente. Ao mesmo tempo ele transfere o
domínio da alma para o domínio do inteligível onde não conseguimos acessá-
la diretamente, entretanto ele também afirma que, quando essa alma encarna,
fica sujeita às questões do mundo sensível, sobretudo às questões do corpo. E,
quando encarna, ela tende a se corromper em função desse contato com o
mundo corporal. É nesse mergulho da alma dentro do corpo e com todos os
desafios que essa encarnação acarreta é que ele vai produzir uma outra teoria
da alma.
2. A alma subdividida, em estando na esfera do sentido, ali fica e passa a assumir
como objeto um trabalho de auto-educação. Ele diz que a alma é dividida em
três camadas, três partes. Essa segunda teoria de alma platônica está situada
do ponto de vista morfológico:
- a alma instintiva, localizada na região do baixo ventre; está encarregada dos
apetites, do sexo e da alimentação;
- uma segunda alma, localizada na região cardíaca; responde pela
proteção, pela segurança, está associada às emoções: ira, dor, coragem, nessa
dimensão afetiva volitiva;
- alma racional, aquela que de fato faria a ponte, a ligação com a alma em si, a
psique; estaria ligada ao intelecto. O papel dessa alma racional seria
exatamente colocar esses dois extratos inferiores sob o controle da razão.
A alma, por fazer parte do mundo inteligível, também faz parte das estruturas racionais.
A alma é sinônima de razão. Em Platão temos então uma idéia de Psique ao mesmo tempo
racionalizada, ou seja, reduz-se à psique à dimensão racional, e uma psique cindida, dividida em
si mesmo, em função do contato com a dimensão sensível, com a dimensão corporal que na
filosofia platônica recebe uma valorização negativa, a menor.
A idéia do corpo como corrupção, como uma fração animal instintiva, devendo ser
necessariamente objeto de um controle, um domínio. Então na Grécia, lidar com a Psiqué
implica lidar, sobretudo com uma dimensão que não deixa de ser uma dimensão disciplinar, que
é a dimensão dessa alma tentando controlar a si mesma, dominar a si mesma, no momento em
que ela se percebe, em que ela tem uma consciência do contato dela com essa dimensão
material, essa dimensão da corrupção, essa dimensão sensível. Temos então um esforço que não
só vai marcar o pensamento grego, mas vai, de certa forma, inclusive em função do contato com
o cristianismo e com a tradição judaico-cristã, que também desvaloriza a dimensão sensível, a
dimensão do corpo, se repetindo e se consolidando numa abrangência máxima com Descartes,
na modernidade. Temos de fato, então, uma noção de alma completamente desvinculada, um
pensamento do sujeito em si mesmo descolado de qualquer esfera superior.
Os gregos tentam sair do ciclo de vida e morte, mas tentam fazer isso através de um
mecanismo de abstração, criando uma psique completamente abstrata que poderia em seu
próprio pensamento lidar com vida e morte. Esta é uma estratégia pouco suficiente porque tende
a reprimir uma série de outras dimensões da própria psique que ficam soterradas porque os
gregos não conseguiram fazer esse processo de integração plena. Ao invés de assumir a
dimensão trágica como parte de sua própria existência, eles preferiram fazer essas
hierarquizações, de forma que transcendência passa a ser transcender o mundo, transcender
aquilo que é.
Os gregos contam com uma rica tradição histórica e mitológica, sendo o culto a Dionísio
um dos mais disputados. Neste mito temos uma das primeiras tentativas de encarnar Psique, de
trazê-la ao mundo material. Ainda dentro do mundo mitológico pode-se destacar a figura de
Quíron, o centauro professor de Asclépio, o patrono dos curadores e o arquétipo orientador dos
terapeutas modernos.
Na Grécia antiga o processo de cura era sacerdotal, ou seja, comandado por um
sacerdote que estava a serviço de algum templo. Este processo foi rompido com o surgimento
de Hipócrates, pai da medicina, que estabeleceu o início do processo de cura fora do contexto
religioso. A atitude de Hipócrates é vista como uma tentativa de estabelecer uma idéia mais
próxima do que temos hoje como científico, ou seja, deve ser dissociado do espiritual, contudo
sua atitude não excluía o caráter espiritual envolvido no processo de cura.
Por mais que pese as críticas socráticas contra os sofistas, são inegáveis suas
contribuições para circunscrever o que hoje denominamos subjetividade humana. Pesquisadores
da história da Psicologia, como Mueller, indicam que é pouco provável que, antes deles, tenha
havido uma verdadeira compreensão da realidade subjetiva humana.
A Idade Média é marcada por um movimento de recuo histórico; ao invés das grandes
expansões, volta-se para o campo, criam-se muralhas e feudos na tentativa de lidar com os
problemas e a violência devastadora causados pelas invasões bárbaras no fim do império
Romano. Não se conseguindo deter as invasões, a violência aumenta em níveis fora do comum,
então a alternativa à violência foi a reclusão.
O catolicismo tem um grande peso nesse processo de reclusão, exatamente por favorecer
um discurso de decadência, de fim do mundo, de corrupção humana pelas forças demoníacas
em que a única possibilidade de saída é o isolamento, o distanciamento do mundo. Para
alcançar a salvação Psiqué precisa se distanciar do mundo.
O pensamento ocidental, sobretudo no início do século XX, criticava o Oriente ao dizer
que ele tinha uma visão passiva da presença do homem no mundo, em função do ideal ascético
– a idéia de ascetismo como reclusão do mundo. No entanto, podemos ver que o Ocidente
também tem isso de forma bem marcada. O período medieval é todo isso – essa tentativa de
fugir do mundo, como se você ao se afastar desse espaço mundano, o espírito pudesse então
plenificar-se, exercer-se com todas as suas potências. Então, em termos de Psiqué o que vamos
ter, talvez, seja uma dificuldade dessa psique em lidar com essas questões intramundanas, essa
dificuldade de conseguir uma relação harmônica com o mundo.
A metáfora que melhor define Psiqué na Idade Média é a de uma criadora de muralhas.
Ela cria muralhas em volta de si para se proteger dos ataques do mundo, do demônio. Uma
psique que faz um esforço impressionante, quer dizer, direciona todas as suas energias para um
processo de interiorização, mas que não é de harmonização, porém um processo de
interiorização para fugir, ou seja, recorrer à transcendência como fuga. Nega-se toda a dimensão
corporal e se trabalha sobre a alma, mas na perspectiva dela escapar do mundo que a persegue.
Ou seja, há uma criação de fronteiras, de barreiras.
A Igreja tem um peso no controle da produção do conhecimento, e a Idade Média é toda
marcada por este privilégio na construção e guarda do saber, excluindo as possibilidades de
críticas ou de novas elaborações. Na verdade, a partir da idéia cristã de revelação, de que tudo
que deveria ser conhecido já está dito na Bíblia, o livro central, não cabe mais se deter nesse
processo de especulação. É também uma diferenciação em relação à cultura grega. Perde-se o
movimento especulativo: a filosofia torna-se, nesse período, serva da teologia – o filósofo não
tem mais autonomia para produzir um pensamento, ou seja, as reflexões filosóficas precisam
estar ancoradas num norte já revelado – essa é que é a verdade primordial. Então, rompe-se com
o movimento especulativo da racionalidade, mas, ao mesmo tempo, isso não desencadeia
nenhum processo de integralidade porque o que vai ser feito em termos de psique é essa
reclusão e uma tentativa de parada ou de simplesmente adotar uma dimensão da verdade já
revelada. Entretanto, a aceitação de uma visão como verdade única constitui-se em uma
negação do que seria o impulso de desenvolvimento natural humano quando a consigna traz que
“eu preciso escapar, me proteger dessa dimensão mundana”.
Então, temos muito mais a Igreja como uma instituição que controla e que desvia os
saberes que circulam na sociedade para o bem ou para o mal. Foi essa função que permitiu a
preservação ao longo desse período de conflitos e turbulências no continente europeu de um
conjunto de conhecimentos que de outra forma a ele não teríamos acesso, porque a aristocracia
medieval não tinha nenhuma ligação com essa dimensão do saber. De certa forma, eles
retornam a uma concepção aristocrática antiga onde a virtude está baseada na idéia de força, na
idéia de sobrepujar o outro fisicamente através de violência e de poder. Na aristocracia
medieval era o Clero na verdade quem fazia essa intermediação, de saber, de conhecimento,
para a aristocracia. O saber não tinha muito peso.
A Idade Média com o seu “Malleus Maleficarem”, manual prático de caça às bruxas,
publicado em 1484, anuncia uma nova ordem no entendimento dos fenômenos de “consciência
cósmica” ou transpessoal; a demonologia passa a prevalecer, reduzindo toda e qualquer
manifestação para além do entendimento normal a uma obra do mal.
Se na atualidade os fenômenos transpessoais ainda são vistos com reservas ou
catalogados como patológicos, na Idade Média, todo fenômeno de expansão da consciência para
os níveis além do usual era imediatamente atribuído ao demônio e sujeito ao tratamento radical
da Inquisição: a fogueira.
Interessante perceber que as manifestações inquisitoriais ainda fazem parte do nosso
imaginário arquetípico e são muitas vezes reatualizadas no presente, não importando as
racionalizações utilizadas como justificativas para tais atos. Isto pode ser percebido no
movimento desencadeado pelo Conselho Federal de Psicologia, na tentativa de esclarecer a
sociedade acerca das “terapias alternativas”, e que passou a se chamar informalmente, no meio
psicológico, de ‘a caça às bruxas’ ou ‘a caça às terapias alternativas’, o que provocou uma
avalanche de críticas. No esforço de reverter tal postura temos as palavras de Hanns, L. A.
(2004) na revista Psicologia: Ciência e profissão, como se segue:
“Na realidade, é preciso que trabalhemos sem preconceitos, mas com
seriedade. Nesse sentido, se houver uma demarcação correta do que uma psicoterapia
calcada numa formação em psicologia clínica e em outras áreas afins, diferenciando
sua epistemologia dessas práticas alternativas, penso que é suficiente. Não é o caso de
fazermos uma caça às bruxas...” (grifo nosso, p.12)
7
Roda da vida é usada aqui para indicar idéias ilusórias, aparentes.
DESCARTES E A INSTRUMENTALIZAÇÃO DE PSIQUÉ
René Descartes entra como o pai, o fundador de uma nova forma de perceber Psiqué,
porque vai a partir da visão de instrumentalização descolar a idéia de subjetividade do corpo.
Ele trata o corpo como lei, como instrumento (Platão e o cristianismo também). O corpo passa a
ser instrumento de manifestação da subjetividade, manifestação da alma. Mas como
instrumento de manifestação ele precisa ser objetivado. Como se objetiva? Pensando a
racionalidade, a subjetividade em si mesma, sem nenhuma referência à integralidade. Descartes,
de fato, vai separar a racionalidade que pensa, que raciocina, dessa racionalidade encarnada.
Vai começar a pensar o sujeito a partir do próprio sujeito (esse é o movimento da modernidade
– de Descartes, de Bacon, de Newton); pensar um sujeito completamente abstraído de qualquer
tipo de vínculo.
Enquanto no Oriente temos a idéia da interdependência, no caso da modernidade, com
Descartes temos a idéia do sujeito completamente independente, ou seja, de um ego que pensa o
mundo, que pensa a si mesmo sem nenhum tipo de vinculação que não seja por seus próprios
mecanismos subjetivos – que é a filosofia do sujeito. Passa-se a pensar o ser, a partir do próprio
ser, sem nenhuma vinculação. Vai-se produzir toda uma filosofia, a filosofia do ego, desse ego
descarnado, do ego que não está corporizado (porque quando se corporifica ele já fica sujeito ao
eu). E isso tudo vai culminar com Kant, que ao estudar as estruturas transcendentais da
subjetividade humana permite ao sujeito conhecer para além dos condicionamentos postos pelo
mundo. Aí Kant vai ser o clímax da modernidade em termos filosóficos porque ele vai separar
os tipos de ciências e as formas de validar essas ciências.
As ciências empíricas – as que utilizam, como fez Galileu, instrumentos objetivos para
medir e quantificar a realidade, são validadas porque há como se fazer aferições. As ciências
que lidam com a subjetividade na sua inteireza existem, diz Kant, mas elas não têm validade,
porque não têm instrumento capaz de fazer aferições. Ou seja, uma mentalidade moderna em
relação a qualquer proposta holística, integral, qualquer proposta transcendente. Os modernos
não negam, “pode haver”, mas ao mesmo tempo não se permitem aprofundar pela ausência de
validade por ser um conhecimento advindo do próprio sujeito. Para o Ocidente não teríamos
uma tecnologia capaz de aferir o que se passa dentro da estrutura subjetiva.
Tomando como exemplo os estados alterados da consciência e sobre a própria
consciência, temos uma série de pesquisas científicas que admitem a compreensão e a dimensão
da consciência, mas não se tem um instrumental para averiguar; o instrumental é o próprio
sujeito avaliando sua experiência. Não há um instrumento externo neutro, um observador
imparcial, logo, pode-se admitir a existência desse tipo de fenômeno, mas não se tem como
validá-lo.
Assim, na esfera ocidental, considera-se uma consciência “pesada”, porque não se nega
essa dimensão, mas ao mesmo tempo não se lhe permite validade. Extrai-se qualquer
possibilidade de avanço nesta investigação da alma humana no que concerne a sua
integralidade. Assim, reduz-se a alma a uma de suas dimensões, uma de suas dimensões
empíricas, porque se não podemos fazer investigação da alma do ponto de vista experiencial,
tem-se a perda de sua validade para a ciência moderna.
Até porque Descartes e outros vão analisar essa estrutura da subjetividade descolada do
autonomismo. À estrutura subjetiva, autonomizada, só o próprio sujeito tem acesso. Daí o furor
que toda psicanálise vem a provocar. Freud vai mostrar como essa própria estrutura subjetiva,
mesmo autonomizada, não é regida por regras lógicas racionais, há outras funções interferindo.
Isso provoca um frenesi porque, a priori, quando Descartes pensa o sujeito, ele está pensando
um sujeito completamente lógico, uma estrutura lógica autoreferente que não faz vinculação
com nada a não ser ela mesma; nem com a dimensão corporal, nem com a dimensão cultural,
nem com a dimensão religiosa. É a lógica em si.
Psiqué é visto como um sujeito da lógica. Na seqüência, percebemos com Nietzsche e
com Freud que esse sujeito da lógica não é tão autoreferente como Descartes dizia, isso vai
provocar o deslocamento e a própria crise da modernidade. Contudo, este movimento de crítica
não é suficiente para deslocar porque, como na Grécia, os conflitos são tão grandes (final do
século XIX, início do século XX), são tantos os problemas objetivos para serem resolvidos que
as ciências se direcionam na busca de solução para essas patologias. Elas ficam cegas à
compreensão de que essas patologias podem estar refletindo exatamente a dissociação.
Percebe-se que na visão ocidental não há o que se possa identificar como uma reflexão
de base, ocorrendo, entretanto, o oposto no Oriente que tem os mesmos problemas sociais,
políticos, culturais na sociedade, mas, ao invés de direcionar todas as energias para as
problemáticas, tenta ver o que é que subjaz ao problema, aonde é que está a base focal o que
permite encontrar o caminho da associação ou de reassociação.
O Ocidente não consegue tornar esse movimento explícito, ele fica sempre subtendido,
marginalizado. Se formos ver as leituras que se fazia do budismo no início do século
XX, comparando com a crítica da modernidade hoje, criticava-se o budismo por
estimular o afastamento do mundo, - na verdade quem tem essa visão muito mais
idealista de afastamento, de negação, somos nós. Nós ocidentais, é que não
conseguimos de fato mergulhar e recompor o que é que nos incomoda, o que é que nos
aflige. Talvez o Oriente não tenha as respostas ainda como nós não temos, mas nós
vemos no Oriente um esforço para chegar num outro nível de compreensão dos
problemas. No Ocidente não conseguimos chegar neste patamar. A questão é resolver o
problema tal como ele emerge, mas nunca recompondo as bases da problemática.
Psiqué renasce com o resgate da metapsicologia, mesmo tendo sofrido mutilação com a
perda de seu contato estreito com a Filosofia, e tem nas mãos de Freud, um dos seus grandes
pais, um dos maiores apoiadores.
Em Paris, os efeitos terapêuticos da hipnose fizeram escola em Nancy, mas foi no
hospital da Salpêtrière, a “cidade dos loucos”, com seus quase oito mil pacientes, que a hipnose
ganhou destaque nas mãos hábeis do mestre Charcot.
8
Wilber (2002, p.8) analisa alguns aspectos dessa contradição.
Charcot fez escola, atraindo à “Meca psiquiátrica”, Paris, inúmeros estudiosos que, com
o objetivo de ampliarem seus conhecimentos, o buscaram. E foi assim que um dos discípulos de
Brücke, um jovem de 29 anos, pobre, cabelos e olhos negros, perdido na multidão que circulava
na Gare du Nord, no dia 13 de outubro de 1885, ganhou destaque. A história das ciências psi
mudaria a partir de suas contribuições, e seu nome, Sigmund Freud, passaria à história como o
pai da psicanálise e um dos maiores investigadores da mente humana.
Destacaremos a seguir alguns dos pioneiros do estudo do psiquismo e seus interesses por
alguns tópicos que estão na meta de pesquisa da Psicologia Transpessoal. Daremos um destaque
especial a Carl Jung por ser considerado um de seus precursores.
Sigmund Freud
Além de seu interesse por temas como “alma”, pode-se ressaltar estudos de Freud (1963)
sobre telepatia e parapsicologia, bem como seu vínculo com a Sociedade de Estudos Psíquicos,
instituição de pesquisa de temas parapsicológicos e “ocultos”. Sendo relevante pontuar o
conflito com Romain Rolland acerca do “sentimento oceânico”9 (consciência cósmica ou, mais
modernamente, transpessoal).
Epstein, M., apud Scotton, B.W.; Chinen, A.B. e Battista, J.R. (1996), identifica três
grandes contribuições do pensamento freudiano para a Psicologia Transpessoal:
a) a descrição do sentimento oceânico como a apoteose da experiência religiosa. Apesar
da interpretação limitada deste fenômeno como uma regressão à união fusional com a mãe ter
influenciado uma imensa gama de pesquisas reducionistas, Freud oferece-lhe um estatuto
metapsicológico, o que segundo Rodrigué (1995, vol.03, p.162), não é pouco para alguém que
não havia experimentado este fenômeno;
9
Para melhores detalhes ver item 1.3.2. neste trabalho.
b) suas experiências com manejo da atenção, primeiramente com a hipnose, depois com
a associação livre e por fim, com a atenção flutuante. A atenção flutuante se aproxima a estados
descritos a partir dos treinamentos em meditação propostos pela transpessoal;
c) a noção de além do princípio do prazer e a tentativa de rompimento do sofrimento
neurótico a partir da sublimação.
O desencontro de Freud com fenômenos que fugiam ao paradigma dominante à sua
época foi expresso no seu lapso de memória, assim apontado por Rodrigué (1995):
Sandor Ferenczi
“Certo dia, ele participou de uma reunião mediúnica organizada por um velho
amigo espírita. Na sessão, Ferenczi perguntou: “Em quem estou pensando neste
momento?”. A médium respondeu: “A pessoa na qual você está pensando, acaba de
levantar-se da cama para logo pedir um copo de água e cair morta”. Ferenczi, na
hora, lembrou que tinha marcado uma consulta médica. Foi às pressas à casa do
paciente onde pôde constatar a veracidade do que a médium dissera”. (Vol 02,
p.160)
No que diz respeito à telepatia, transferência de pensamento na linguagem freudiana,
Ferenczi procurou em Berlim a médium e clarividente famosa, Sra. Seidler. De posse de uma
carta de Freud, “entusiasma-se com revelações da médium sobre a pessoa do professor”.
Ferenczi em carta revela ao professor:
“Admitindo que ela possui capacidades realmente fora do comum, talvez elas se
devam a uma espécie de “leitura de pensamento”, isto é, leitura de meus
pensamentos. A auto-análise profunda que realizei depois da sessão, levou-me à
dita hipótese. A maioria das declarações a respeito do senhor correspondem a
processos mentais que eu realmente tive, mas também a processos mentais que
posso ter recalcado... Além da teoria da “indução psíquica”, podemos contemplar a
possibilidade de uma hiperestesia extática’ .
O discípulo, contudo, mostra-se cauteloso:
Quero assegurar-lhe que não há perigo de que eu sucumba ao ocultismo, devido
a esta experiência, ainda obscura.” (Rodrigué, 1995, vol.2, p.162)
Embora seja pouco provável que conforme pontua Rodrigué “o tema do oculto e das
ciências parapsicológicas, em geral, ocupasse pouco espaço nos encontros das quartas-feiras do
grupo freudiano, o assunto operava como contra-ponto. Nessa procura pelo parapsicológico,
Ferenczi estava à frente de Jung”, embora se mostrasse mais reticente.
Otto Rank
“Não sei se 66% ou 33% do livro é verdadeiro mas, em qualquer caso, é o mais
importante progresso desde a descoberta da psicanálise”. O que não é pouco na
boca de Freud” (Rodrigué,1995, p.88. vol.3)
10
Nota de rodapé da 2a. Edição
“...incomparavelmente mais interessante. O trauma do nascimento de Rank. Não
hesito em dizer que considero essa obra altamente significativa, que ela me deu
muito o que pensar e que ainda não cheguei a ter um juízo significativo sobre ela.
Há muito estamos familiarizados com fantasias relativas ao útero e reconhecemos
sua importância, mas devido ao realce que Rank lhes deu, elas alcançaram uma
significação muito maior e revelam de imediato o fundo biológico do Complexo de
Édipo. Repito em minha própria linguagem: o trauma de nascimento deve estar
associado a alguma pulsão que visa a felicidade, compreendendo-se aí que o
conceito de felicidade é usado, sobretudo, em sentido erótico. Rank, então, vai além
da psciopatologia e mostra como os homens alteram o mundo externo a serviço
desse instinto, ao passo que os neuróticos poupam-se desse problemas ao tomar o
caminho mais curto de fantasiar o retorno ao útero. Se à concepção de Rank
acrescentarmos a de Ferenczi - a de que o homem pode ser representado por seus
genitais - então pela primeira vez temos uma derivação do instinto sexual normal
em que se encaixa nossa concepção do mundo.
Naturalmente, bem mais poderia ser dito sobre isso e espero que os pensamentos
despertados por Rank tornem-se objeto de muitas discussões frutíferas. Deparamo-
nos aqui não com uma revolta, uma revolução, uma contradição de nosso
conhecimento assegurado, mas com um interessante acréscimo que nós e outros
analistas temos de reconhecer.” (vol.3, pp. 89-91).
As reações a esta circular foram exacerbadas, Erneste Jones afirma que Freud foi “por
demais tolerante”. O clima estava alterado e Freud nesta altura da vida reflete: “Meus discípulos
são mais ortodoxos do que eu” (ibid, p. 91). Poder-se-ia arriscar a hipótese de que ele estivesse
preste a continuar seu relacionamento com Rank, mas o movimento psicanalítico talvez pela
inércia inerente às instituições não lhe permitiu outra escolha senão o caminho da separação.
Ora, isso significa que Freud admite o mérito de Rank quanto a travessia traumática do
feto pelo canal estreito da bacia, referindo-se ao evento como protótipo de angústia primeva
para o indivíduo à medida que se constitui em inevitável situação de ameaça à vida e ao mesmo
tempo um caminho único a ser percorrido. Para além dessa situação inicial de perigo, frente a
outras fontes geradoras de traumas, somando um total de quatro situações de perda a serem
iniciadas pela chamada “perda do nirvana intra-uterino”, temos na seqüência (ameaça de): perda
da simbiose materna, perda do pênis e perda do amor do superego.
Desse modo, as contribuições de Rank acerca do trauma de nascimento o colocam entre
os precursores da Psicologia Transpessoal, talvez um dos primeiros a indicar uma amplitude da
consciência para além dos limites impostos pela teoria psicanalítica dominante. Sua teoria
indica-nos a possibilidade de mergulharmos em níveis mais profundos da psique.
Grof (1988) destaca o intenso trabalho de Rank, construindo a partir do mesmo um
arcabouço teórico para dar conta das experiências que envolvem a gravidez e o nascimento.
Este autor elabora a teoria das matrizes perinatais e, em homenagem a Rank, denomina de nível
rankiano do processo terapêutico a fase da terapia na qual emergem conteúdos perinatais de
forma mais condensada.
Carl Jung
Carl Gustav Jung, descendente do mítico Sigmund Jung, alquimista de Mainz11, nasceu
em 26 de julho de 1875 em Kesswil, pequeno povoado à beira do lago Constanza, no cantão de
Thurgovia. O interesse por fenômenos que estavam fora do âmbito de estudo da psiquiatria de
sua época, bem como suas ricas contribuições ao desenvolvimento de uma psicologia do
sagrado, põem este autor como um dos precursores da Psicologia Transpessoal.
A família de Jung parece ter estimulado amplamente seu mundo imaginário. Durante a
sua infância experiências transpessoais podem ser assinaladas, como por exemplo: sendo
solicitado a produzir um ensaio, Jung ficou bastante sobrecitado (estado alterado de
consciência). Neste estado produziu um excelente ensaio e foi acusado de plágio pelo professor.
Sem conseguir convencê-lo, e sofrendo por alguns dias, Jung escreveu acerca do contato com
um ‘ser invisível’ que o teria ajudado a fazer o texto.
Na escola Médica de Zurich, Jung escreveu sua tese sobre transe e estados dissociativos,
a partir das experiências com sua prima e médium Helene Preiswerk. Depois de sua graduação
trabalhou com Eugen Bleuler, um dos maiores mestres da psiquiatria, no Hospital de Burgholzh
em Zurique, o que lhe deu uma vasta experiência com psicóticos e colocou-o em contato com o
campo do simbolismo tendo-se, por exemplo um dos seus casos em que um paciente falou de
um sol fálico, figura posteriormente encontrada por Jung na cultura egípcia.
O encontro de Freud e Jung propiciou ao primeiro um suporte acerca da visão
psicanalítica do inconsciente. No entanto as divergências entre ambos não tardariam em
aparecer. Em Viena, Freud e Jung discutiram sobre fenômenos parapsicológicos, quando
ocorreu um barulho na estante de livros do escritório de Freud. Jung disse que tal fenômeno
refletia um dos tópicos que estavam discutindo e predisse um novo barulho. Freud discordou
desta possibilidade, mas um segundo barulho ocorreu. Freud depois escreveu para Jung dizendo
que após sua partida os barulhos continuaram, porém os considerava sem importância.
(Memórias, Sonhos e Reflexões).
Uma das possíveis causas para o rompimento entre Freud e Jung deveu-se ao fato de este
último insistir em destacar temas espirituais em seu foco de pesquisa.
Pode-se considerar as contribuições de Jung para Psicologia Transpessoal em quatro
pontos:
1. a noção que desenvolvimento psicológico poderia incluir o crescimento de altos
níveis de consciência e continuar ao longo da vida;
2. o conceito de transcendência é útil para cada indivíduo;
11
“Ancestral de Carl Gustav, ativo na primeira metade do século XVII, conhecedor de Paracelso.”
3. a prontidão para explorar visões de outras culturas multicentenárias bem como de
levantar insights dentro da cultura ocidental mostraram-se relevantes para o trabalho
clínico atual;
4. o reconhecimento de que cura e crescimento freqüentemente resulta de experiências
simbólicas ou de estados alterados de consciência, os quais não podem ser reduzidos
à racionalização.
Estas contribuições se expressam nos estudos junguianos acerca dos arquétipos e mitos,
inconsciente coletivo, sonhos, tipos psicológicos, da abordagem simbólica, da sincronicidade, e
das dimensões espirituais da psique, que serviram de base para a fundamentação da Psicologia
Transpessoal no Ocidente.
Jung também pode ser visto como um dos primeiros teóricos a estudar, numa perspectiva
psicológica, fenômenos como transes mediúnicos ou não, yoga, espiritualidade dos nativos
americanos, xamanismo africano, o I Ching, alquimia e gnosticismo.
As publicações que mais destacam o aspecto transpessoal na obra de Jung são: Sete
Sermões para um Morto; Uma Resposta a Jó; Memórias, Sonhos e Reflexões (2002). É possível
perceber a ousadia de Jung frente ao meio acadêmico a partir de sua declaração a BBC, quando
questionado acerca da existência de Deus: “Eu não penso que ele existe, eu sei que ele existe”,
contudo, sua ambivalência não permitiu o casamento entre Eros e Psique, mas lançou sementes
e abriu caminhos para esta união.
Carl Rogers
“A minha crença de que a morte é o fim foi modificada, no entanto, por coisas
que aprendi na década passada. Fiquei impressionado com os relatos de Raymond
Moody (1975) sobre as experiências com pessoas que estiveram próximas da morte
a ponto de serem declaradas mortas, mas que voltaram à vida. Impressionam-me
alguns relatos sobre reencarnação, embora eu considere uma bênção muito
duvidosa. Interesso-me pelos trabalhos de Elisabeth Kübler-Ross e por suas
conclusões sobre a vida após a morte.” (p.29)
Diante desse cenário, percebe-se que Rogers revela o contato com as produções
científicas da então nascente área de Psicologia Transpessoal, citando os trabalhos Grof, um de
seus expoentes, responsável por valorosa construção cartográfica da consciência nesta área.
Com o desenvolvimento de pesquisas que incluíam a dimensão espiritual da vida
humana, vários psicólogos humanistas passaram a se interessar por uma série de estudos até
então negligenciados pela Psicologia Humanista. Este interesse estava apoiado por inúmeras
pesquisas que surgiram nessa época, contudo é somente no pós-morte que Rogers revela seu
interesse no casamente entre Eros e Psiqué.
PIONEIROS SOLITÁRIOS E LOUCOS DE SABEDORIA: PSIQUÉ BUSCA CASAR-
SE ATRAVÉS DOS ALUCINÓGENOS
Um dos estudos marcantes do período de mais atenção para estados de consciência está
expresso em “As Portas da Percepção”, de Aldous Huxley (2002) que despertou o interesse
pelas drogas alucinógenas como fonte de pesquisa profunda da mente humana. Em 1963, ele
ministrou LSD à sua esposa, no leito de morte, escandalizando a sociedade da época.
Seguindo seus passos, Timothy Leary, doutor em Filosofia pela Havard, começou,
naquela década, a utilizar-se de cogumelos, mais tarde, de LSD. Leary foi pego em flagrante,
condenado a 30 anos de prisão, ainda que tenha sido indultado posteriormente. Na sentença
condenatória figurava que havia induzido seu filho e sua filha a usarem “sacerdotalmente” o
alucinógeno o que escandalizou o júri e a igreja (Wellesley, apud Pincherle, 1985).
Estes fatos marcaram o início de um imenso mergulho no mundo dos alucinógenos que
passaram a atrair cada vez mais interesse, gerando pesquisas que ampliaram a noção da
consciência. Foram descritas vivências que se aproximaram das alusões visionárias dos místicos
orientais, agora mais acessíveis à cultura ocidental. Dentro deste contexto, emergem os estudos
que convergiram para o nascimento da Psicologia Transpessoal.
Anthony J. Sutich, apud Weil (1978), traça um backgraund relativo a este surgimento,
começando por expor um esboço a respeito das definições e declarações de objetivos em
relação ao aparecimento histórico de novas forças na psicologia. Este autor compreende as
definições e declarações de objetivos como formulações sujeitas a transformações, na medida
em que elas forem exigidas pelo desenvolvimento das condições objetivas de vida, de suas
relações, das forças que possam representar.
Neste sentido, o trabalho de Sutich congrega dados preliminares de análise das
declarações, definições e objetivos que caracterizam o aparecimento de uma nova tendência
dentro da psicologia, bem como traça um forte paralelo entre a “Terceira Força”, Psicologia
Humanística, e o nascimento da “Quarta Força”. Sutich pode ser considerado um dos pioneiros
no campo transpessoal, sendo seus esforços de síntese e sistematização extremamente
enriquecedores para o desenvolvimento deste novo campo de conhecimento, de tal modo
valioso que o tomamos como norte para a exposição dos dados históricos seqüenciais da
Psicologia Transpessoal.
Neste período surgiu a “Ortopsicologia” como primeiro título para aquilo que
“... identificada com uma ampla concepção do método científico (...) Empenhada
fundamentalmente na psicologia como uma ciência... Interessada em tópicos que
ocupam pouco espaço nos sistemas existentes, tais como amor, criatividade,
espontaneidade, jogo, calor humano, transcendência do ego, autonomia,
responsabilidade, autenticidade, significado, experiência transcendental, coragem.”
(Idem, p.25)
1966 - Janeiro, vários membros do Conselho de Editores da RPH foram convidados a
participar de um seminário intitulado “Teologia Humanística” com o Padre McNamara, chefe
do Inter-Faith Spiritual Life Institute, de Sena, Arizona, que se realizou em Hot Springs, Big
Sur, Califórnia, e foi co-patrocinado pelo Esalen Institute, no qual o Dr. Maslow, que realizava
um seminário em Big Sur, foi persuadido a participar como palestrante. Nos meses seguintes,
foi sendo detectada uma força emergente em Psicologia que estava sendo confundida com a
Humanística.
Ainda naquele ano, surgiu no Canadá uma revista consagrada ao estudo da consciência
cósmica, sob a direção do psiquiatra, Raymond Prince.
1967 - Janeiro, o termo “trans-humanístico”, criado por Sir Julian Huxley em 1957,
tornou-se “palavra-chave para essa nova força” (idem, p.26). O “Trans” acrescido à palavra
humanístico revelava a necessidade da ampliação de estudos sobre uma gama de fenômenos
desenvolvidos pela força anterior. Tabone (1995) explica este momento da seguinte forma:
1968 – No início desse ano, durante uma discussão em que tomaram parte o Dr.
Abraham H. Maslow, o Dr. Viktor Frankl, o Dr. Stanislav Grof e o Dr. James Fadiman, sobre o
título da revista que expressaria as idéias da nova força, houve uma insatisfação com o termo
“trans-humanístico”, sendo então substituído por “Transpessoal”.
Sutich, apud Weil (1978) destaca esta substituição da seguinte forma:
“Entretanto, as diferenças eram tão significativas que levaram inevitavelmente à
conclusão de que uma área nova e de características próprias da pesquisa
psicológica estava se manifestando. Era uma área de pesquisa “pessoal”, mas que
ia além dos limites usuais da investigação científica. Além disso, a nova área diferia
de maneira significativa do trans-humanismo (Huxley, 1957) pelo fato de enfatizar
principalmente o indivíduo experienciador mais do que a raça humana como um
todo. Por isso foi bastante natural que... a nova área recebesse o título de
‘Psicologia Transpessoal’”. (p 29)
Grof (1988), na abertura de sua obra magistral “Além do cérebro: nascimento, morte e
transcendência em psicoterapia”, descreve-nos, assim, este momento:
“... conheci um pequeno grupo de profissionais, nos últimos anos da década de 60,
que incluía Abraham Maslow, Anthony Sutich e James Fadiman, que
compartilhavam minha crença de que o tempo estava maduro para lançar um novo
movimento em psicologia, que enfocasse o estudo da consciência e o
reconhecimento dos significados das dimensões espirituais da psique. Após vários
encontros para determinar a clarificação desses novos conceitos, decidimos chamar
essa nova orientação de “psicologia transpessoal”. Logo em seguida foi lançado o
Journal of Transpersonal Psychology e a Associação de Psicologia transpessoal.”
(p. XII)
Tabone (1995) com referência a este momento de mudança destaca que o termo
“transpessoal”, conforme descrito por Sutich (1969, apud Weil, 1978): “além do pessoal”, ou
“além da personalidade”, desloca o foco de atenção dado até então pelas psicologias anteriores
à personalidade; sendo portanto uma marca diferenciadora e definidora da Psicologia
Transpessoal. Citando Vaughan, a autora refere-se assim ao fato acima descrito:
No que diz respeito ao seu campo de estudo, esta nova força em psicologia distingue-se
de forma clara, como abaixo pode ser conferido:
A entrada da Psicologia Transpessoal no Brasil deu-se por três vias principais: a) Ação
individual ou via dos pioneiros b) Movimento Popular e comunidades terapêuticas ou via
alternativa e c) Oficial ou via acadêmica.
Na primeira via, tivemos psicólogos com formação acadêmica tradicional e que
mantinham suas atividades dentro deste enfoque, mas que em suas vidas privadas tiveram
experiências de estados ampliados de consciência ou mantinham algum contato com tradições
espirituais que usavam o transe como caminho de cura. Esta via era geralmente ambivalente e
dicotômica, pois os padrões de crenças, visões de homem e mundo da psicologia oficial
excluíam qualquer possibilidade de inclusão do sagrado, de forma que a repressão e a negação
eram os mecanismos mais comuns para lidar com estes fenômenos.
Em nossa experiência, como formadores, encontramos alunos e professores que na
academia mantinham o discurso de oposição da “psicologia oficial” frente aos estados
ampliados de consciência, mas que eram vistos em transe nos terreiros ou centros espíritas;
enquanto outros, por assumirem mais abertamente suas visões de mundo, sofriam pressões,
aberta ou subliminarmente, por parte dos colegas acadêmicos.
12
O trabalho de Moffat (1984) na Argentina foi pioneiro nesta área.
Contudo, pioneiros emergiram e começaram a introduzir lentamente os estudos dos
estados ampliados de consciência em seus trabalhos, bem como tentaram equilibrar suas visões
de mundo com os modelos de psicologia já presentes e reconhecidos em nossa cultura, vale
salientar aqui o contato com as teorias de Jung como tentativa de preservarem suas identidades
profissionais ou de manterem a comunicação aberta com a academia.
Esta via era marcada por um movimento individual e não sistematizado onde a marca do
sigilo profissional, também encobria valores, crenças e principalmente os princípios subjacentes
a atividade profissional. Não havia clareza quanto a necessidade de coletivar as experiências
vivenciadas no ambiente privado, pois estas colocavam em risco o paradigma dominante
criando uma tensão com os pares de profissão, colocando em risco a auto-imagem destes
psicólogos.
Neste caminho também tivemos os desbravadores ‘loucos de sabedoria’, aqueles que
aberta e deliberadamente se opunham aos modelos dominantes, resistindo bravamente às
tentativas de enquadramento institucional e lutando para implantarem seus pensamentos
inovadores.
Na segunda via, tivemos a influência dos trabalhos em grupo junto aos movimentos
populares e às comunidades terapêuticas, aqui houve marcadamente uma influência do encontro
com o humanismo rogeriano e os movimentos de contracultura emergentes da década de 60.
Psicólogos ligados aos movimentos populares seja através do engajamento político-
ideológico (psicologia e pedagogia do oprimido) ou por vínculos religiosos (teologia da
libertação, movimento espiritualista reencarnacionista), buscavam disponibilizar,
informalmente, recursos terapêuticos para favorecer o desenvolvimento dos grupos e com isso
criar um ambiente facilitador que estabelecesse um vínculo democrático entre os saberes da
psicologia e os das classes populares.
O ambiente comunitário, de abertura e expansão, possibilitava uma mescla de discussão
política-ideológica com as práticas religiosas próprias das comunidades. Era possível em um
encontro discutirem-se problemas de segurança pública e violência e vivenciar dinâmicas de
grupo que geravam confiança e ao final orar e cantar pedindo proteção a Deus ou aos Orixás.
Não havia tão intensamente a dicotomia da primeira via, pois no meio popular a divisão entre o
sagrado e o profano ainda não tinha se embasado e as experiências do sagrado não sofriam
exclusão e eram vistas como práticas naturais pelos psicólogos engajados nestes movimentos.
O acompanhamento dos movimentos populares e as lutas contra as descriminações
possibilitavam aos psicólogos um engajamento ativo na vida comunitária e isto conduzia ao
contato com as práticas de cura popular, vistas como um acervo de riqueza ancestral
multicentenária e não como práticas “primitivas decorrentes do pensamento mágico”. A
tentativa de explicitar os processos de dominação e a luta de classes presentes nos modelos de
psicologia importados estavam expressas na valorização do saber popular.
Outro grande grupo, nesta via, era formado por psicólogos que tiveram oportunidade de
contactar in loco com as comunidades orientais ou que estavam bastante influenciados pela vida
em organização coletiva mais presentes na América do Norte e na Europa. O estilo de vida
oriental, com os seus modelos de integração mente e corpo, que incluíam práticas de yoga,
meditação, respiração conduzida, visualizações na busca por liberação de padrões negativos de
comportamento possibilitavam aos psicólogos uma primeira tentativa de integração de sua visão
de mundo, de forma que muitos se engajaram nestes movimentos.
As comunidades terapêuticas permitiam a expressão e exploração num ambiente
acolhedor dos potenciais humanos e das vivências dos metavalores propostos por Maslow.
Destas experiências surgiu um imenso número de técnicas de expansão da consciência.
Contudo, o caráter informal permanecia inerente. Havia uma preocupação maior em possibilitar
crescimento aos grupos e aos indivíduos do que compartilhar estas experiências nos meios
acadêmicos, geralmente vistos como limitados e limitantes ou como aparelhos de controle do
estado e da sociedade, portanto repressores dos processos de expansão da consciência.
A maturidade de uma teoria, como aponta Wilber, apud Scotton, Chinen e Batista
(1996), vem do intercâmbio com outras formas de paradigmas, de modo que a entrada na
academia, espaço de circulação paradigmático, torna-se uma necessidade para legitimação da
Psicologia Transpessoal, até porque os passos desse desenvolvimento ocorrem mesmo à revelia,
ainda que sob os “atentos olhos” da referência cartesiana de percepção do ser no mundo.
Pioneiros da psicologia brasileira, como Pierre Weil, lançaram as primeiras tentativas de
inclusão da transpessoal na academia, dando nascimento à terceira via.
Esta via vem sendo percorrida por um imenso número de psicólogos transpessoais que
buscam neste intercâmbio o reconhecimento sócio-político-ideológico necessário para um
diálogo não marginal com as outras abordagens, ao mesmo tempo em que abrem espaço para
pesquisa e formação dentro desta abordagem.
A maturidade teórica adquirida pela transpessoal, nas duas últimas décadas, tem
possibilitado o embasamento necessário para o contato com as diferenças de paradigmas,
enquanto as pesquisas na área dos estados ampliados de consciência têm crescido
aceleradamente e ganho respaldo, inclusive dos monitoramentos cada vez mais sofisticados do
cérebro, e isto tem favorecido um olhar de aceitação por parte do pensamento universitário.
Contudo, ainda que o caráter da “louca sabedoria”13 e da irreverência dos teóricos
transpessoais das primeiras gerações sofram restrições no contato com a academia, ‘a loucura
dos estados ampliados’ estará longe de ser limitada e continuará como marca da Psicologia
Transpessoal.
O contato com o arcabouço teórico veiculado nas escolas do Ocidente, principalmente,
nos conduz diretamente ao fantasma da institucionalização e de seus mecanismos de controle.
Contudo, a impermanência, um dos conceitos centrais da teoria transpessoal, coloca-se como
um mecanismo autoregulador de dissolução, ou seja, a expansão e a consolidação institucional
necessária a esta fase de implantação da Psicologia Transpessoal terão que se dissolver, dando
continuidade a novos processos de abertura e surgimento de novas formas de ser-no-mundo.
13
A expressão “louca sabedoria” é usada por Chögyam Trungpa (2004, mimeo) para indicar o uso de
estratégias de pensar pós-convencionais.
universidade14 em Brasília. O segundo é Léo Matos que influenciou intensamente a formação
das primeiras gerações de psicoterapeutas transpessoais, além de ter aberto, com seus cursos na
Índia, um canal de comunicação com as psicologias orientais.
O levantamento histórico da Psicologia Transpessoal no Brasil não se encontra
amplamente exposto, haja vista a imensa quantidade de eventos que vêm ocorrendo no país. A
seguir pontuaremos os principais fatos que se constituíram em marco para a divulgação e
consolidação da Psicologia Transpessoal.
1978 - Além de ser criado a ITA, durante o Quarto Congresso Internacional, na cidade
de Belo Horizonte, foi fundando em dezembro O GONPO - Instituto Brasileiro de Psicologia
Transpessoal, o qual promoveu “a divulgação, pesquisa científica, treinamento, vários cursos e
conferências” (Matos, 1992, p.13), encerrando suas atividades em agosto de 1984.
1985 - Foi fundada pelo brasileiro Dr. Léo Matos, a Associação Brasileira de Psicologia
Transpessoal (ABPT) que funciona em convênio com a Associação de Psicologia Transpessoal
da Finlândia, Suomen Transpersonaalisen Psykologian Seura, (STPS).
1992 - A ABPT, juntamente com a STPS, organizou o Congresso Internacional de
Psicologia Transpessoal (II.. Midnight Sun Internacional Psychology Transpersonal
Conference), realizado na Finlândia em junho de 1992.
1996 - Realizado pela ITA, na cidade de Manaus, a XV Conferência Transpessoal
Internacional, com ampla repercussão nacional e internacional.
Weil (mímeo15), historiando a Psicologia Transpessoal no Brasil, destaca a importância
da formação das sociedades transpessoais como recursos de formação dos profissionais e órgãos
de pesquisa, como pode ser visto a seguir:
14
Universidade Internacional Holística da Paz.
15
Palestra transcrita da conferência do IX Congresso Internacional de Psicologia Transpessoal do ITA em
Manaus, 1996.
16
Inclusão realizada pelos autores deste trabalho.
17
Criada após a realização da XV Conferência Transpessoal Internacional.
No movimento tanspessoal brasileiro vêm se destacando na realização de cursos de
formação em Psicologia e Psicoterapia Transpessoal: Gislaine D’Assumção (MG), Vera
Saldanha (SP), Roberto Crema (DF), Gerardo Campana (AL), Norma Oliveira (SE), Débora
Andrade e Marlos Bezerra (RN), Lika Queiroz, André Peixinhos, Mário Rodriguez Risso, Teda
Basso e Aidda Pustilnik (BA), Susan Andrews (SP).
Salientamos a dedicação de muitos outros profissionais que, juntamente com àqueles que
conferem cursos de formação, vêm colaborando com a divulgação do movimento transpessoal
no Brasil, através de registro e editoração do arcabouço teórico transpessoal, promovendo
palestras, worshops, como Miklos Burguer (BA); profissionais que lecionam nas universidades
introduzindo esta abordagem, como é o caso de Fátima Tavares (RN) que numa iniciativa
pioneira incluiu a Psicologia Tanspessoal como disciplina e em supervisão de estágio na área
clínica.
Da mesma forma mencionamos Márcia Tabonne e Eliana Bertolucci com seus trabalhos
pioneiros de inclusão da transpessoal no contexto universitário. No que diz respeito à conexão
da transpessoal com o mundo acadêmico destacamos, ainda, os seguintes centros formadores18:
18
Também aqui não destacamos os centros formadores não vinculados à Universidade, e que, como na
Psicanálise, compõem um grande contingente formador de profissionais.
No nordeste ainda salientamos os profissionais autores deste livro que vêm ministrando
cursos teórico-práticos de formação em Psicologia e Psicoterapia Transpessoal desde 1993.
Lembramos nesse cenário a participação da psicóloga Elny Banks que, através de seu curso de
formação em Psicologia da Gravidez, Parto e Puerpério, tem contribuído com a Transpessoal ao
introduzir as cartografias da consciência de Grof, explicitando a dinâmica perinatal.
No ano de 2000, um grupo de oito psicólogos transpessoais pernambucanos19, buscando
consolidar a Psicologia Transpessoal no nordeste reuniram-se formando o ATMAN – Centro de
Desenvolvimento Transpessoal, com finalidades terapêuticas, de estudos e de pesquisas.
19
A drade e Vânia Araújo, em 2003 este grupo foi acrescido pela entrada de Adriana Dornelas, Alcileide Oliveira,
Andreza Vieira, Ângela Dornelas, Fátima Raposo, Nazilda Coelho, Rúbia Tenório e Taciana Dornelas.
psicológico, a consciência só foi enfatizada mais detalhadamente por Willian James e C. G.
Jung. Acreditamos que isso foi conseqüência das divergências de concepção das filosofias
oriental e ocidental que estabelecem um hiato no entendimento e na apreensão da consciência
como fator de saúde, equilíbrio e evolução do ser humano.
Enquanto a psicologia ocidental supõe ser a consciência produto ou propriedade do
cérebro ou da mente do indivíduo, as tradições orientais a concebem como aspecto do absoluto
– Deus, O Vazio, Mente Universal; e desse ponto de vista, a consciência é intangível, portanto
ela vai além do pessoal, do mental, do tempo, do espaço, das qualidades, dos conceitos, das
categorias e de todos os limites. Sendo assim, ela é transpessoal, transmental e transcendente.
Admitindo-se que “para compreender a complexidade da consciência é preciso vê-la
como um sistema e compreender suas partes” (Tart, 1993, apud Walsh e Vaughan, 1993), a
consciência é considerada por muitos como uma função da psique individual, de onde são
inferidos os estados de consciência.
Na definição de Grof (1988), a consciência expressa e reflete uma inteligência cósmica
que permeia todo o universo e toda a existência. Na expressão de Sri Aurobindo – grande
expoente do yoga integral, educador e mestre indiano – toda consciência no ser humano que é o
mental encarnado na matéria viva tem que se elevar, a fim de encontrar a consciência mais alta;
a consciência mais alta também tem que descer para a mente, a vida, a matéria.
Tradicionalmente, no Ocidente, apenas três estados de consciência eram reconhecidos:
vigília, sono e intoxicações. Tais estados limitam-se apenas à consciência comum ou estados
ordinários de consciência, e os estados alterados ou ampliados eram considerados patológicos.
Estudando os estados de consciência, a Psicologia Transpessoal ressalta aqueles estados
que transcendem a personalidade e o conceito de ego. Esse enfoque último é o cerne da
psicologia Transpessoal, é o salto quântico da ciência da psique que até então se ocupava
apenas da persona - estância transitória do ser – omitindo os níveis superiores conectados com o
Self.
A importância dos estudos na área dos estados de consciência que transcendem o ego (ou
auto-imagem) deve-se ao fato de que a ampliação da estrutura egóica, a partir do ‘trans’, pode
favorecer à flexibilização dos mecanismos de defesa, dos comportamentos repetitivos, liberando
o indivíduo dos apegos e fixações, abrindo assim mais espaço para a saúde integral.
O grande risco das experiências de nível transpessoal mal orientadas é fomentar no
indivíduo que as vivencia uma fuga do nível psicodinâmico usando essas experiências a serviço
do ego. Assim, ao invés de integrar, ele pode fixar-se ainda mais no próprio estado e a
experiência servir à inflação egóica no contexto da “ego esclerose”, ou seja, enrijecimento das
defesas e dos comportamentos repetitivos.
Tendo por objeto de estudo a investigação dos estados de consciência, mais
particularmente da “consciência cósmica” ou mais modernamente consciência transpessoal, é
lógico definirmos operacionalmente tal termo, de forma a podermos compartilhar um campo
semântico aproximado.
Assim como o termo “inconsciente” foi estudado sob diversas óticas, desde o nível
substancialista dos psicanalistas das primeiras gerações, passando pelo inconsciente
“estruturado como linguagem” da teoria lacaniana (Garcia-Roza, 1983; Dor, 1992; Rappaport,
1992), até a visão pragmática (Costa, 1996) onde o mesmo é visto como uma rede de crenças e
desejos, o termo “consciência cósmica” sofreu os efeitos das interpretações dadas pelas diversas
culturas, bem como das tecnologias disponíveis para sua análise.
Conforme indica a literatura, a opção pelo termo “consciência cósmica” foi arbitrária e
deve-se ao fato de ser genérico buscando englobar o maior número de experiências descritas na
área, bem como por já trazer certa tradição, tendo sido empregado pelo psiquiatra canadense
Buccke (apud Weil, 1990a) para designar:
“Há cinco anos, eu tive uma experiência muito bela, a qual me colocou no
caminho que acabaria por resultar neste livro. Eu estava sentado na praia, em uma
tarde, já no fim do verão, e observava o movimento das ondas, sentindo ao mesmo
tempo o ritmo de minha própria respiração. Nesse momento, subitamente, apercebi-
me intensamente do ambiente que me cercava: este se me afigurava como se
participasse de uma gigantesca dança cósmica. Como físico, eu sabia que a areia,
as rochas, a água e o ar a meu redor eram feitos de moléculas e átomos em
vibração e que tais moléculas e átomos, por seu turno, consistiam em partículas que
interagiam entre si através da criação e da destruição de outras partículas. Sabia
igualmente, que a atmosfera da Terra era permanentemente bombardeada por
chuvas de “raios cósmicos”, partículas de alta energia e que sofriam múltiplas
colisões à medida que penetravam na atmosfera. Tudo isso me era familiar em
razão de minha pesquisa em Física de alta energia: até aquele momento, porém,
tudo isso me chegara apenas através de gráficos, diagramas e teorias matemáticas.
Sentado na praia, senti que minhas experiências anteriores adquiriam vida. Assim,
“vi” cascatas de energia cósmica provenientes do espaço exterior, cascatas nas
quais, em pulsações rítmicas, partículas eram criadas e destruídas. “Vi” os átomos
dos elementos - bem como aqueles pertencentes a meu corpo - participarem dessa
dança cósmica de energia. Senti o seu ritmo e “ouvi” o seu som.” (Capra, p. 13,
1983)
A experiência de Capra, acima descrita, pode ser entendida dentro do modelo de Grof
(1988) como uma experiência transpessoal, assim definida:
"O ritmo da minha respiração entrou em sintonia com o vento que soprava no
alto daquele pequeno monte. Tudo entrava em conexão, os sons dos pássaros
passaram a se confundir com os sons produzidos dentro do meu corpo. Passei a
fazer parte de um grande todo. Eu era aquelas montanhas, o rio, o céu, sentia-me
parte integrante do Universo, um sentimento de sagrado dominou-me. Passei a
compartilhar vida com tudo e a saber da minha ligação com todos os seres. Isto
trouxe-me um profundo sentimento de reverência. Algo na minha vida alterou-se, o
mundo a minha volta agora tem outra magia. (arquivo dos autores)
Ampliando esta perspectiva, Grof destaca que em outros casos o sujeito continua
experienciando sua própria identidade, mas em um tempo, lugar e contexto diferentes,
conforme se vê a seguir.
Trinta minutos após a ingestão do chá ‘‘ayuasca’’20, meu corpo pareceu fundir-
se com o chão, formas mandálicas passaram a desfilar em minha mente, enquanto
acompanhava um fluxo de sensações que explodiam em meu corpo.
Neste estado de consciência percebi-me dentro da minha corrente sanguínea,
acompanhando o percurso das substâncias do ‘‘ayuasca’’ dentro do meu corpo. No
meio daquela turbulência, que parecia mais larvas vulcânicas em movimento
ritmado, deparei-me com o destino final das substâncias. Uma célula, que me
parecia ser do sistema nervoso, destaca-se no meio da paisagem. Naquele momento
a mesma parecia dialogar comigo, o que minha mente racional classificava de
loucura, no entanto a célula parecia ter uma consciência própria e queixava-se do
bombardeio realizado por aquelas substâncias. A célula explodiu na minha frente,
enquanto no seu lugar ficava apenas uma energia azulada. Após esta explosão que
identificava como manifestações sinápticas, o fluxo sangüíneo pareceu aumentar,
enquanto as visões e sensações corporais ficaram mais intensas. (Arquivos dos
autores)
20
A experiência com o chá ‘‘ayuasca” foi colhida durante uma vivência realizada por terapeutas motivados
pelo estudo dos estados alterados de consciência.
trajando roupas nobres surge, agredindo-me ferozmente. Minha roupa é rasgada e
fico nua na rua (paciente expressa em seu corpo a cena narrada, tentando esconder
a vergonha da nudez). A vergonha impulsiona-me a correr e a minha frente surge
uma ponte, da qual pulo para dentro do rio. As águas invadem meus pulmões
enquanto tento em vão salvar-me. Enquanto aquele corpo morre, começo a retomar
meu senso de identidade atual, e a morte libera minha identificação com aquela
personagem. Enfim consigo uma explicação para meu medo de mergulhar. Sinto
que agora tudo terminou e aquele corpo diluiu-se nas águas, enquanto sinto-me
presente no aqui-e-agora. (Arquivos dos autores).
O termo “psicóide”, apontado por Grof, foi originalmente usado por Jung para falar dos
arquétipos do inconsciente coletivo, representando uma área crepuscular entre a consciência e a
matéria. No entanto este termo foi expandido por Grof, sendo dividido em três categorias,21 a
saber:
1) categoria dos fenômenos de sincronicidade, semelhantes aos descritos por Jung;
2) categoria em que eventos do mundo externo estão associados às experiências
internas;
3) categoria de fenômenos psicóides em que a atividade mental é usada para manipular
deliberadamente a realidade consensual.
Partindo dos estudos de desenvolvimento das escolas ocidentais e orientais, Wilber, K.;
Engler, J. e Brown, D. (1986) e Wilber (1999a) montaram um modelo de desenvolvimento onde
a estrutura da psique, enquanto objeto de estudo da psicologia transpessoal, aparece delineado.
Estes autores consideram a estrutura da psique dividida em dois tipos gerais: as estruturas
básicas e as estruturas transitórias.
1. AS ESTRUTURAS BÁSICAS – são as que, ao aflorar no desenvolvimento, tendem a
permanecer existindo como unidades ou subunidades relativamente autônomas no
decorrer do desenvolvimento subseqüente.
2. AS ESTRUTURAS DE TRANSIÇÃO – são as estruturas de fase específica e de fase
temporária que tendem a ser mais ou menos inteiramente substituídas pelas fases de
desenvolvimento subseqüentes. As estruturas de transição são as que não estão
incluídas ou pressupostas no desenvolvimento subseqüente, mas que tendem, ao
contrário, a ser negadas, dissolvidas ou substituídas pelo desenvolvimento
subseqüente.
A cada surgimento de uma estrutura básica específica, as estruturas de transição
tendem a ser negadas, dissolvidas ou substituídas por um desenvolvimento subseqüente.
Além destas duas estruturas, a psique apresenta o Self (ou sistema do Self) que é o ponto de
identificação, volição, defesa, organização e “metabolismo”.
21
Para maiores detalhes analisar o nível transpessoal da cartografia de Grof apresentada no item 1.3.3. deste
livro.
As estruturas básicas em si mesmas são como uma escada, cujos degraus são níveis da
Grande Corrente do Ser. O Self (ou o sistema do Self) é aquele que sobe a escada. A cada degrau
dessa subida, o Self tem uma visão ou perspectiva diferente da realidade, uma sensação diferente
de identidade sem perder àquelas já alcançadas, um tipo diferente de moralidade, um conjunto
diferente de necessidades, e assim por diante. Essas mudanças no sentido do Self e da sua
realidade que se alteram de nível para nível são consideradas estruturas de transição ou, mais
freqüentemente, estágios do SELF que compõem o todo dessa configuração.
Assim sendo, a característica mais notável de uma estrutura básica ou de um nível de
consciência básico é que, uma vez emerja no desenvolvimento humano, tende a permanecer
existindo na vida do indivíduo durante o desenvolvimento subseqüente. Apesar de finalmente
ser transcendido, pressuposto e subordinado pelo movimento ascendente do self em direção a
estruturas básicas superiores, ele ainda conserva uma relativa autonomia e uma
independência funcional.
No modelo de estudo apontado por Wilber (2002), as estruturas básicas da consciência
correspondem à grande cadeia do ser da filosofia perene. A imagem de uma escada espiralada
(figura abaixo), que se inicia no degrau zero (matrizes perinatais) e se desdobra até o degrau
10 (nível último), é a metáfora utilizada por este autor para apresentar a estrutura básica da
consciência.
A maioria dos sistemas em psicologia tem a personalidade como a questão que define a
identidade de uma pessoa; em outras palavras é a personalidade o que a identifica. A saúde
mental é neste contexto percebida dentro de um processo de estruturação e adaptabilidade.
Na perspectiva transpessoal esta importância é relativizada, considerando-se a
personalidade “como apenas um aspecto do ser com o qual o indivíduo pode, mas não é
obrigado a fazê-lo, identificar-se” (Vaughan e Walsh, 1995, p.63).
A saúde mental nesse contexto é vista como um processo de superação das
identificações exclusivas com a personalidade antes que uma modificação desta, pois alterar a
personalidade é permanecer preso aos jogos de identificações que a construíram, portanto
escravizado a uma auto-imagem; enquanto que se desidentificar possibilita uma abertura para
dimensões mais ricas da psique.
Wilber (1996), renomado teórico da psicologia do desenvolvimento dentro da
abordagem transpessoal, descreveu, nos primórdios de suas pesquisas, que a personalidade vai-
se estruturando a partir do nascimento, de estágios de total indiferenciação até o
estabelecimento de uma diferenciação em nível de ego, gradualmente evoluindo para uma
individualização cada vez mais sofisticada. Isto representa o nível egóico do processo que se
intitula evolução da consciência.
No nível egóico, o processo caracteriza-se pela passagem através dos estágios
pleromático, urobórico, tifônico, sócio-verbal, mental-egóico e centáurico, sendo este último o
mais diferenciado de todos deste nível, caracterizando a formação do ego. Essa evolução no
nível egóico é para ele uma forma transitória que se dirige aos campos transpessoais do ser.
Assim, em sua visão inicial, interpretada por muitos como linear, o indivíduo vai
ampliando sua identidade para uma integração com o Universo com níveis mais sutis da
realidade relacionados com a realidade que transcende o consensual, os cinco sentidos, ou seja,
em direção a uma “Identidade Transpessoal”, como nomeia Bertolucci (1991).
Grof (1988) discordou dessa percepção wilberiana de linearidade de tempo na
construção da identidade, pois acredita que a personalidade é multinivelada, ou seja, seus
diversos níveis se entrelaçam e interferem entre si, continuamente. Reporta-se aos níveis de
consciência perinatal (memórias intra-uterinas, referentes à concepção, gestação, momentos em
torno do parto, antes e depois); de consciência do psicodinâmico (período do nascimento até o
presente), e de consciência transpessoal (sobretudo que transcende os cinco sentidos: a
consciência além do ego, além do tempo e do espaço; inclusive abrindo a perspectiva para
experiências arquivadas no inconsciente coletivo, originadas filogeneticamente e/ou
ontogeneticamente, experiências interraciais, interculturais, como também para experiências de
vidas passadas).
Woolger (1988) demonstra concordância com Stanislav Grof, explicitando em sua
compreensão da personalidade, através do diagrama da Flor de Lótus (ver capítulo III deste
livro) como a consciência multinivelada busca a integração e a homeostase através da resolução
dos dramas da alma e do equilíbrio dos opostos. Tais dramas representam situações inacabadas,
traumas ou bloqueios, originados nesta ou em outras vidas, ou em estados intermediários –
como o bardo (espaço entre-vidas) e o perinatal – mesmo que vistos por ele também sob a ótica
fenomenológica, não descartando a possibilidade da produção imaginativa do inconsciente.
Assim, subpersonalidades do passado podem estar atuando na dinâmica da personalidade atual.
A identidade egóica (com i minúsculo) compõe-se daquilo que se constitui relativo ao
indivíduo: seu nome, sua história pessoal, suas ocupações, seus compromissos sociais, seus
afetos, sua profissão, papéis que exerce na vida. A imagem que constrói de si mesmo representa
seu ego.
A auto-imagem é necessária como um referencial dentro do contexto tanto individual
como social, servindo de “guardiã”, conforme destaca Matos (mimeo), pois ela “protege”
enquanto lhe confere uma identidade que lhe permite atuar no mundo dentro de uma sociedade
específica, dando-lhe alguma segurança. Sem tal referencial, a pessoa se sente perdida, sem
limites, portanto sujeita a ameaças.
Entretanto, Léo Matos prossegue afirmando que quando a pessoa se apega a sua auto-
imagem, identificando-se com ela de forma exagerada, ela se torna uma prisão. Em vez de
guardiã, transforma-se num “guarda”, que a policia constantemente para que atue de acordo
com padrões pré-estabelecidos, tolhendo sua liberdade e espontaneidade. É como observou
Assagioli (apud Vaughan e Walsh, 1997): Somos dominados por tudo aquilo com que o nosso
eu se identifica.
Para Assagioli (1992), um dos precursores da Psicologia Transpessoal, criador da
Psicossíntese, a personalidade se constitui de subpersonalidades – estruturas subdinâmicas que
têm uma existência relativamente separada. A maioria das supersonalidades se relaciona com os
papéis que desempenhamos na vida como também com campos espirituais e elementos
coletivos da psique.
Na visão atomista da Psicossíntese, que enfatiza a importância funcional da vontade no
desenvolvimento da personalidade, o homem se encontra em constante processo de
crescimento, atualizando seu potencial intrínseco. A partir de uma conscientização dos vários
“eus”, ou seja, das subpersonalidades, passando por desidentificação dos mesmos (nas palavras
de Matos, da auto-imagem) e desenvolvendo capacidade para controlá-los, encontra o “Centro
Psicológico Unificador”, culminando o processo de auto-realização e integração dos vários
“eus”.
Uma das distinções desse sistema em relação à Psicologia Transpessoal é que a
Psicossíntese focaliza a linguagem simbólica da psique negligenciando aquelas experiências
transpessoais que na opinião de Grof (1988) poderiam ser interpretadas como “reflexos de
matrizes de encarnações anteriores, genuinamente ancestrais, filogenéticas e raciais, ou com
experiências autênticas da consciência de outra pessoa, de animais ou de outros aspectos do
mundo fenomenal” (p.143). Assagioli compreende que estas experiências parecem pertencer às
estruturas psíquicas abstratas e por elas são absolvidas.
Bertolucci (1991) afirma que sob o véu do nível de consciência ordinário, do contexto
dualístico de separatividade, o indivíduo experiencia o sentimento de incompletude e o medo da
perda do que supõe ser ou possuir, repercutindo em medo da aniquilação do ego. Em um nível
de consciência mais profundo, tal incompletude não faz mais sentido por se perceber integrado
a todo o Universo, experienciando a falta de lógica em deixar de ser ou possuir aquilo que já é
ou já possui em si mesmo.
No contexto de realidade absoluta (Capra, 1983) a ameaça inexiste, é incongruente, e
Bertulucci enfatiza a importância de se trabalhar o ser humano para contatar com a ampliação
de sua consciência: do nível egóico-dualístico-restrito ao nível transpessoal-holístico-ampliado.
O nível de identidade egóico repercute, segundo Bertulucci, em sentimentos de
inadaptação, insegurança, solidão, agressividade, competição, angústia, frustração, ansiedade,
ao enrijecer as defesas egóicas do indivíduo. À medida que ele evolui para níveis cada vez mais
superiores, integradores, unificadores, flexibiliza-as, permitindo-se estar na vida mais
livremente, cada vez com menos ansiedade, independente de preconceitos, fluindo com mais
tranqüilidade, autonomia, segurança, sentimento de capacidade e cooperação com o outro e com
todo o universo (que é ele mesmo), de certo que em ultrapassando essa interdição provocada
pelos limites da consciência ordinária, o ser alcança estados tais que caracterizados pela
holografia lhe permitem incluir-se no todo do universo ao tempo em que nele se percebe Uno.
Para viabilizar tal processo evolutivo de ampliação da consciência, Bertulucci aponta o
objetivo de toda psicoterapia transpessoal: o que ela denomina de “Psicodinâmica da
transformação”. Este se estabelece através do processo morte-renascimento psicológico do ego
possibilitando assim ao indivíduo que alcance além da consciência do conflito e da catarse e
que promova a desidentificação egóica (no nível dos apegos, das ilusões, das armadilhas do
ego) contatar e expressar cada vez mais sua identidade transcendente: o self.
A Identidade Transpessoal
Quando não nos conhecemos o suficiente, quando não temos consciência do que de fato
somos, é fácil deixarmo-nos escravizar, aprisionando-nos pela ilusão da auto-imagem, porque
acreditamos que somos ela mesma, e não percebemos a diferença entre ela e a “Identidade
Verdadeira” que transcende o ego, a pessoa e a imagem.
Bertolucci (1991) refere que a identidade além do ego inclui um amplo espectro de
experiências que variam de pessoa para pessoa. O exercício das funções transcendentes
favorece a ampliação do ego e o processo que a desencadeia é chamado de “desidentificação”
(do sentido de identidade restrito, dos apegos).
O Self, centro psíquico ou consciência suprema experienciado a princípio por breves
segundos, constitui um caminho para a espiritualidade. Ambas, a psicoterapia e a perspectiva
transpessoal, objetivam facilitar a saída das prisões das rígidas identificações, como a da
dependência em relação ao mundo, para que assim possa expandir sua identidade e chegar a
Realização Plena, que está além do equilíbrio provisório das conquistas egóicas. Bertolucci
salienta que essa satisfação psíquica e espiritual só é capaz de ocorrer quando nós mesmos
somos fontes dessa satisfação, contatando, ao menos em parte nossa verdadeira natureza.
O centro psíquico é uma condição consciente e participativa de um Todo, em harmonia
com a natureza que existe em cada ser. Promove um sentimento de completude.
Há, contudo, obstáculos para contatá-lo: o ego apresenta as defesas, manifestando vários
conflitos conscientes ou inconscientes, deixando-se dominar pelos impulsos, pulsões, por seu
automatismo e compulsividade, conforme aponta Wilber (1996).
Bertolucci se refere à visão psicanalítica do ego, comparando-a com a visão que tem a
perspectiva transpessoal, salientando convergências e divergências, numa análise interessante
que possibilita uma maior compreensão da relação entre as duas visões.
Seguindo o curso desse entendimento ela reconhece valorosa a contribuição da
psicanálise freudiana na descrição dos conflitos que representam o ego, apesar de Freud conferir
primazia à dinâmica dos conflitos sobre toda experiência humana. Tal autora pontua que esta
contribuição psicanalítica é útil na medida em que salienta a importância do conflito para a
psique e explicita sua dinâmica.
Para a psicanálise, na segunda tópica freudiana sobre as relações entre pulsões de vida e
pulsões de morte, os pólos do conflito ou se misturam ou se afastam (fusão e desfusão das
pulsões). A resolução do conflito psíquico dá-se a partir de uma formação de compromisso
(sintoma patológico) ou flexibilização dos mecanismos defensivos do ego visando à produção
de sintomas que possam ser compartilhados socialmente (não patológicos). Concordamos com
Bertolucci (1991) quando salienta que, apesar do trabalho em cima da diferenciação de cada um
dos pólos também seja realizado na psicoterapia transpessoal, objetivando-se a tomada de
consciência do conflito, ela não o soluciona. Mesmo que um dos pólos ceda ao outro sob
alguma condição, isso só leva à manutenção do conflito; longe da superação e transcendência, e
a serviço das defesas egóicas. “A transcendência só é possível através da dissolução do conflito,
das defesas e da transformação radical dos aspectos irreconciliáveis” (idem, p.35).
De fato, é necessário transformar as polaridades e, para tanto, o caminho é o mesmo da
ampliação da consciência. Segundo Bertolucci, a superação dos conflitos psíquicos só é
possível quando ocorre uma transformação radical da consciência. Tomando esta perspectiva, a
Psicologia Transpessoal busca possibilitar acesso a níveis além do ego através de estados
alterados de consciência e é isso que concorre para a transcendência dos pólos do conflito,
provocando solução do mesmo.
Num exemplo de conflito entre uma pulsão e uma exigência do superego, como no
desejo de matar alguém, Bertolucci considera as tentativas de harmonização do ego sujeitas a
fracassarem. Tal desejo só poderá definitivamente solucionar-se transformando-se em algo
novo, por exemplo: neutralidade, compaixão etc. Senão, a evolução não ocorrerá, pois implica
em que o homem dependerá de policiamento interno ou externo. Mesmo que algum
“compromisso” se estabeleça na dinâmica intrapsíquica, o conflito continua operando, num
equilíbrio provisório, energeticamente desgastante, pronto a emergir a qualquer tempo.
Entre outras distinções, a abordagem transpessoal difere da psicanalítica na medida em
que Freud opõe o organismo ao meio, sujeito ao objeto, o interior ao exterior, salientando a
separatividade, enquanto a primeira enfoca a integração, a não-dualidade.
Freud também aponta a consciência atrelada ao ego, com funções limitadas, e isso não
ocorre na transpessoal. Outra divergência é o conceito de “princípio de realidade” a que o ego
deve se submeter, subjugando-se, para não ser enquadrado em psicopatologia. Ao ego então é
negada toda criatividade/responsabilidade sobre a realidade, o que não ocorre na transpessoal.
Esta o vê criador desse mesmo principio, exercendo assim um papel ativo sobre o mesmo.
Freud enfim expõe o ego como lugar central de todas as psicodinâmicas geradas pelo
nível de consciência da visão separativista.
A contrário senso, a ampliação da consciência para níveis além do ego, à medida que
diminui as divisões internas e externas, é o caminho apontado pela transpessoal para a
flexibilização das defesas egóicas e integração harmoniosa das diversas partes em questão. Tal
conceito de psicodinâmica, ampliado em relação à perspectiva psicanalítica, é chamado de
“psicodinâmica da transformação”.
A Psicologia Transpessoal concorda com a Psicanálise e encontra abrigo nas tradições
orientais no que diz respeito à percepção dos dualismos provocados pelo ego. Daí, a
importância de se conhecer o funcionamento egóico para transcendê-lo através da dissolução
das idéias de solidez, existência e apego.
Nesse sentido, a transpessoal oferece uma leitura fenomenológica da realidade, indo
além dos condicionamentos sociais e história pessoal, atenta à potencialidade experiencial de
cada indivíduo, posto que acredita na transcendência do ego e estuda suas conseqüências
contextualizando-o tanto no aspecto consciencional ordinário, quanto numa perspectiva
transcendente; este é outro ponto divergente entre estas duas abordagens.
Neste nível pode ocorrer uma alteração senso-perceptiva provocada pelos efeitos do
aumento do processo respiratório provocando a hiperventilação. Cores, pessoas, objetos e
formas geométricas ganham um realce nas imagens mentais com um aumento marcante da
emotividade, o que é reforçado pelo uso de músicas evocativas.
O exemplo a seguir foi colhido numa sessão terapêutica, a partir de uma entrada em um
estado alterado de consciência. O paciente bastante mobilizado afetivamente passou a respirar
de forma acelerada, descrevendo as seguintes sensações e percepções:
Sinto meu corpo eletrizado, como uma corrente elétrica a percorrê-lo. Desfila nos
meus olhos um mundo de formas geométricas. Todos os objetos a minha volta
ganham um aspecto indefinido: ora se transformam em círculos coloridos ora em
quadrados, ora em triângulos. As cores dos objetos ficam mais intensas, vibrando e
se transformando a cada instante, é um jogo vibrante de cores e formas. Há pequenas
explosões que provocam as mudanças de forma e de brilho. (arquivo dos autores)
b. Nível Psicodinâmico.
Abrangendo a área de estudo da psicanálise, este nível permite contato com memórias
infantis englobando uma ampla gama de fenômenos, sendo os mais importantes derivados das
relações primitivas da criança com seus pais, como por exemplo o complexo de Édipo e seus
inúmeros desdobramentos. Neste nível, temos as hipóteses psicanalíticas comprovadas e
ampliadas, pois muitas das imagens mentais que emergem neste estágio encontram suas raízes
em níveis mais primitivos da mente.
A conexão dos elementos dos diversos níveis de consciência é feita através de uma
complexa constelação denominada por Grof (1997a) de SECs (Sistemas de Experiência
Condensada) ou COEX que pode ser assim definida:
"Um SEC pode ser definido como uma constelação específica de lembranças que
consistem em experiências condensadas (e fantasias associadas) de diferentes
períodos da vida do indivíduo." (p.101)
Isto significa que quando lembramos do passado, diversas vivências encadeadas
geralmente são trazidas ao consciente como se pertencessem a um bloco. Grof chama esses
blocos de Sistemas de Experiência Condensadas (SECs), dividindo-os de acordo com sua carga
emocional básica em SECs positivos e SECs negativos. Os primeiros condensariam as
experiências emocionais agradáveis enquanto os segundos condensam experiências
emocionalmente desagradáveis.
O exemplo a seguir proporcionará uma melhor compreensão:
Sujeito vem a terapia movido por intensa ansiedade frente a novas situações;
apresentando sinais de pânico por diversas vezes. Ao longo do processo terapêutico
entra em contato com uma série de SECs negativas (perda da namorada recentemente,
mudança de emprego; morte de amigo da adolescência, mudança de colégio, morte de
animais de estimação na infância, etc.) onde o núcleo central girava em torno da
MUDANÇA/PERDA. Revivendo experiencialmente suas perdas, o sujeito pôde resgatar
uma memória muito primitiva da perda de sua "mãe de leite", devido a necessidade de
mudança dos seus pais para uma nova cidade, quando o mesmo ainda era muito
pequeno. Assim, em torno desta experiência nuclear de MUDANÇA/PERDA foi
formando-se uma cadeia de experiências, onde toda mudança passou a ser vista como
algo profundamente ameaçador, gerando assim ansiedade exacerbada.
Os casos clínicos dos teóricos psicanalíticos lacanianos (Dolto, 1988, 1992), que
consideram o inconsciente estruturado como linguagem e articulado numa rede de significantes,
cujo primeiro é o "significante mestre", são um bom exemplo dos conceitos expostos por Grof.
Teóricos como Dolto (1998) ressaltam a importância dos fenômenos ocorridos durante a
gravidez como importantes na constituição do sujeito.
Palavras Chave: união primordial com a mãe, êxtase oceânico ou apolíneo, totalidade e
o universo amniótico, paz no útero.
Segundo Grof (1997a, 2000) a base biológica desta matriz é a unidade simbiótica
original do feto com o organismo materno durante a existência intra-uterina pré-natal, neste
momento o feto não tem percepção de fronteiras e não diferencia entre o interno e o externo.
Quando a fase intra-uterina transcorre sem perturbações (de natureza física, química, biológica
ou psicológica) vivem-se tipicamente experiências de existência sem fronteiras ou limites,
podendo-se identificar com galáxias, com o espaço interestelar ou com todo o cosmo. A idéia
de “útero bom” apresenta-se na forma de diversos arquétipos: Mãe Natureza, imagens celestiais
e paraísos. Experiências relacionadas a identificações com animais aquáticos ou flutuando sobre
o oceano também são encontradas.
Por outro lado a evidência de perturbações intra-uterinas, memórias do “útero mal”
provocam sensações de ameaça obscura ou ominosa e freqüentemente percepções de
envenenamento. Situações tóxicas ou traumáticas neste período manifestam-se na forma de
identificações com imagens de águas poluídas, lixo tóxico; também podem aparecer, associadas
a estas imagens arquetípicas aterradoras, demoníacas ou uma sensação de mal insidioso e
difundido. Ameaças de aborto aparecem aqui na forma de visões sangüinárias, apocalípticas de
fim de mundo. Para Grof (2000) “isso reflete as íntimas interconexões entre eventos em nossa
história biológica e os arquétipos junguianos.” (p.51)
Em uma sessão de treinamento em Psicologia Transpessoal um terapeuta relata assim
seu momento positivo nesta matriz.
Sinto-me num imenso oceano, estou mergulhado nele, envolto por uma capa
transparente, feito antigos escafandros de mergulho. Sinto um bem estar imenso.
Este lugar me protege de tudo, quero desfrutar da paz deste ambiente.
Vejo-me crescendo e ocupando cada vez mais a extensão deste oceano, mas ainda
estou incompleto, sinto que ainda está faltando completar uma parte de meu corpo.
Quero ficar mais tempo aqui, desfrutar a amplitude deste momento, sinto-me em
paz, calmo, sem pressa. Aqui tudo é tranqüilo. (Arquivo dos autores)
Os movimentos corporais do paciente foram de profundo relaxamento, como se o
mesmo estivesse em um imenso sonho, onde se encontrava identificado com um feto.
Revivendo uma experiência de “útero mal” provocada pela ameaça de aborto devido à
prescrição médica errada, uma paciente relata assim sua experiência:
Um sufoco imenso. O navio que me transportava no oceano colide com um
petroleiro, o que era seguro agora tornou-se ameaçador. Um líquido escuro
derrama-se por todo oceano, não tenho para onde ir (choro). Agora todo mar está
escuro e começo a afundar, uma grande mangueira que trazia água límpida para o
barco agora é apenas um imenso esgoto. Sinto como se todo o mal estivesse
presente neste momento sufocando minha vida. (Arquivo dos autores)
d. Nível Transpessoal
Após muitos anos de observação e estudos dos estados de consciência, Grof concluiu
que as experiências transpessoais, originadas em outras regiões do inconsciente, não são
reconhecidas nem explicáveis em termos freudianos, embora estejam contempladas no modelo
da psique desenvolvido por Jung.
Estas experiências transpessoais não se limitam aos estados psicodélicos, mas podem
ocorrer em sessões de psicoterapia profunda, maratonas, workshops, práticas místicas,
encontros profundos etc.
Grof (1997) classificou, de acordo com o conteúdo, em três categorias principais esse
tipo de experiência: 1) extensão experiencial dentro da realidade e do espaço-tempo; 2)
extensão experiencial além da realidade e do espaço-tempo consensuais e 3) experiências
transpessoais de natureza paranormal.
A primeira categoria pode ser dividida em fenômenos de transcendência dos limites
espaciais, como por exemplo: experiência da unidade dual, identificação com outras pessoas,
unidade com a vida e com toda a criação, consciência planetária, etc e também aborda a
transcendência dos limites do tempo linear, como por exemplo: as experiência embrionárias e
fetais, experiências ancestrais, filogenéticas, vidas passadas, etc.
A segunda categoria trata de fenômenos que se apresentam além da realidade e do tempo
consensuais, envolvendo experiências espíritas e mediúnicas, fenômenos energéticos do corpo
sutil, encontro com guias, experiências de arquétipos universais, experiência da consciência
cósmica, o vazio supracósmico e metacósmico, compreensão intuitiva de símbolos universais,
etc.
Envolvendo experiências transpessoais que ocorrem na interface entre o mundo material
e a consciência, ou entre o mundo interior e a realidade externa, encontra-se a ampla gama de
fenômenos classificados por Grof de experiências transpessoais de natureza paranormal. E
ainda aponta os vínculos sincrônicos entre consciência e matéria, acontecimentos paranormais
espontâneos e psicocinese intencional como subdivisões desta categoria.
Em um treinamento de Terapia Regressiva Integral, ministrado pelo Dr. Roger Woolger,
na cidade de Recife - PE, fez-se exemplo cabível, nesse contexto, uma experiência de
transcendência dos limites do tempo linear da primeira categoria. O terapeuta em treinamento
queixava-se de fortes dores nas costas, associada a uma falta de ar insuportável. No quinto dia
do treinamento emergiu uma cena que estava associada a um nível transpessoal caracterizado
pela expansão, ou extensão da consciência além do conceito comum de tempo e espaço. Senão
vejamos:
Vejo a cena de uma mulher parada no alto de uma escada. Em uma fração de
segundo perco o referencial de meu ego atual, incorporando dramaticamente
aquela personagem. Por mais que queira controlar as cenas, elas desenrolam-se,
como se meu corpo soltasse um script que estava congelado. Encontro-me no alto
de uma escada, paralizada pelo medo. Alguém batera à porta. Sinto uma lâmina
fina ultrapassar minhas costas, uma dor terrível impulsiona-me de escada abaixo,
sinto meus ossos rasgarem a carne. Um homem, ah! É meu marido, ele está louco
por causa da revolução.Ele bate minha cabeça contra o piso, enquanto a minha
consciência distancia-se do corpo. Acordo...estou no porão de minha casa, as dores
são terríveis. Não consigo mexer os braços, nem as pernas. Oh! Meu Deus, os ratos
estão comendo meu corpo, minha cabeça...dói. (choro profundo e prolongado).
(arquivo dos autores)
Pela sua comprovada contribuição para a construção do arcabouço teórico da Psicologia
Transpessoal, as pesquisas de Grof o colocam como um expoente da psicologia transpessoal,
sendo seu trabalho clínico uma fonte inestimável de estudo e referência para os terapeutas
transpessoais.
O nível do ego é a faixa da consciência presente quando nos sentimos presos a um papel
específico, seja ele o de pai, mãe, irmão, vítima, algoz, etc. A imagem que temos de nós
mesmos, consciente ou inconsciente, juntamente com a natureza analítica e discriminativa do
intelecto são as marcas predominantes neste nível.
Espectro da Consciência
Mente ____________________________
UNIVERSO
Nível de Sombra
Quando aspectos indesejáveis são postos à parte da estrutura egóica. Quando temos uma
divisão dentro do ego, devido a dificuldade de integrar aspectos indesejáveis, a parte, mesmo
empobrecida mas dominante, torna-se a persona, enquanto as tendências psíquicas rejeitadas
passa por um processo de repressão da consciência, vindo formar a sombra.
A sombra pode ser vista como as tendências psíquicas consideradas ameaçadoras e
rejeitadas dentro do ego em favor de uma identificação limitada com aspectos parciais do ego: a
persona.
No nível da sombra, o ego encontra-se fragmentado, incluindo aspectos bons ou maus
que são rejeitados pela persona. A auto-imagem apresenta-se desorganizada e não corresponde
à realidade.
Nível de Ego
Neste nível temos o homem identificado com uma representação mental de si mesmo
(auto-imagem) ao invés de estar conectado diretamente com o seu organismo psicossomático.
Nesta etapa, temos uma divisão do organismo total, que passa a ser percebido como
“psique” ou como “soma”; ambos vistos de forma independente, prevalecendo, contudo, uma
maior identificação com a “psique”, manifestado nos processos intelectuais e simbólicos e na
alienação do corpo.
Mesmo tendo distinguido a psique de seu soma, com a eliminação ou flexibilização da
sombra, temos um alargamento do campo da consciência.
As terapias para pessoas desse tipo devem na proporção do possível, tornar consciente o
inconsciente, fortalecer as forças saudáveis do ego contribuindo para o desenvolvimento de uma
auto-imagem mais precisa. As terapias indicadas são: psicanálise; Gestalt terapia; análise
transacional e Psicodrama.
Nível Transpessoal
Inicia-se o processo de entrada nos níveis além do ego, além da identidade aprisionada
no organismo individual. Contudo, apesar de representar uma área além do individual, o ser
humano ainda não consegue vislumbrar a conexão de sua identidade com o Todo.
As principais características deste nível são: senso de expansão da identidade para além
da individualidade, rompimento das barreiras entre o organismo biológico e o Universo.
Fenômenos de experiências extra-sensórias podem ocorrer neste momento, sem, contudo, serem
necessários.
As terapias indicadas são a Análise Junguiana, visualizações derivadas das tradições
hindu e tibetana, Psicossíntese; etc.
22
Advindo dos tempos helênicos, o centauro era simbolizado por uma criatura mítica, metade cavalo e
metade homem, que carregava flechas, sempre pronto a atirá-las em direção ao céu. Assim, a mitologia grega
personificava a luta entre a natureza humana e a natureza animal, simbolizando a dualidade proprioceptiva
fundamental do homem, qual seja, espiritualidade e materialidade, no sentido inverso, tem-se instinto e razão.
Reforçada ainda pelo terceiro atributo (arco e flecha), que diz respeito à unificação da escolha e execução de
um propósito para além de sua individualidade. Podemos dizer que uma metade do centauro é força instintiva
e a outra metade é aquela que usa esta força, que tem limites na mente consciente. Vale dizer que a “intenção
de unificação constitui-se para o centauro uma eterna busca, ainda sem o alcance almejado’’.
“Não nos iluminamos imaginado figuras de luz, mas
tomando consciência das trevas.”
- Jung (apud Woolger, 1988)
O Dr. Roger Woolger, Ph.D., inglês, radicado nos Estados Unidos da América, é um dos
pioneiros na área da Psicologia Transpessoal, enfatizando seu trabalho nos consteúdos
inconscientes ligados a vidas passadas dentro do enfoque fenomenológico.
Graduado em Psicologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra), dedicando-se
inicialmente ao behaviorismo e a psicanálise. Tem mestrado em Filosofia e Religiões
Comparadas pela Universidade de Londres. Analista Junguiano pelo Insituto Zurich (Suiça).
Doutor em Psicologia Transpessoal pela Universidade de Vermont (E.U.A), lecionou na África
Ocidental e nas Universidades de Montreal, Vermont e Vassar College.
A despeito de seu ceticismo cartesiano, começou praticando regressão com um grupo de
amigos de Vermont, estudando e experenciando as conexões entre o trauma de nascimento e
vidas passadas, como fez Stanislav Grof na Califórnia e Morris Netherton em Los Angeles.
Compartilha com estes as descobertas sobre as afinidades e rejeições dos seres humanos, em
relação a fatos, ocasiões, laços de relacionamento, etc. Os elos explicativos o atrairam cada vez
mais para pesquisar e atuar enfocando a regressão.
Woolger (1988) defende em seu livro "As Várias Vidas da Alma" que além de
arquétipos e conteúdos infantis esquecidos, o inconsciente também é depósito de memórias de
vidas passadas. Ele pontua que em geral a mente inconsciente só permite emergir à consciência
as memórias de vida pregressa que estamos preparados para integrar em nossa estrutura de
personalidade consciente. Isso se constata pelo fato das primeiras experiências tenderem a ser
menos traumáticas, com "eus" do passado que podem ser enfrentados mais facilmente. Ele cita
o arquétipo do "guardião do portal" que é uma imagem do nosso próprio medo, impedindo
como monstro "nossa entrada em reinos para os quais a psique não está preparada" (op.cit. p.
22).
Com o tempo, desenvolveu uma forma particular de trabalho, cunhada pela contribuição
de muitos mestres que de uma forma ou de outra estiveram no seu caminho. Em sua nova
cartografia e abordagem terapêutica, percebe-se principalmente a influência de Jung, da Gestalt,
do psicodrama de Moreno e da terapia reichiana. Vale salientar também a influência do
budismo tibetano (com ênfase no Livro Tibetano dos Mortos), do budismo theravada, e do
processo terapêutico de renascimento de Leonard Orr.
Hoje, revela claramente em seu trabalho sua afinidade espiritual e intelectual com a
Psicologia Transpessoal como movimento a favor da síntese entre as perspectivas psicológica e
espiritual, mas prefere designar seu trabalho como uma psicologia visionária, juntando as
cosmologias espirituais tradicionais.
Entrando, em dimensões terapêuticas inovadoras, Woolger formula uma revisão da
gênese das doenças mentais e da natureza da personalidade.
Para ele, a personaldade não é singular, é múltipla, não no sentido psicopatológico
vigente, e sim no entendimento de que existem vários níveis do eu. Carregamos remanescências
de vidas passadas como fragmentos de nossa alma, como também de outros eus, que estão
presentes no indivíduo, revelando a multiplicidade do inconsciente já citada por Jung.
Diferentemente de Jung que enfatiza a análise, a interpretação dos muitos eus nos sonhos,
Woolger aborda-os como histórias (de vidas passadas, ou arquetípicas, ou perinatais, ou
biográficas) para aprendermos a aceitá-los e integrá-los. "Na nossa consciência mais profunda e
abrangente somos seres múltiplos, que temos muitas personalidades dentro de nós" (op. cit p.
34).
Para ele, a personalidade atual ou ego “é apenas um fragmento emanescente do Eu
Superior” e está sujeita a leis misteriosas de dissolução e transformação. Ele prefere continuar
neutro em relação a teorias da reencarnação, e não abraçar os conceitos de evolução linear da
alma defendidos por Madame Blavatsky (uma notável médium e escritora carismática russa,
fundadora da Sociedade Teosófica no Séc. XIX), nem amparar a visão das ligas espirituais
superiores de Rudolf Steiner, criador da Antroposofia. (apud Woolger, op.cit, p.40)
As memórias de vida passada, segundo ele, implicam numa identificação profunda com
uma personalidade interior ou secundária, envolvendo a imaginação intensamente. As nossas
formações arquetípicas, formações antigas de caráter universal, são ativadas e projetadas em
subpersonalidades de forma detalhada do nascimento à morte.
As personalidade secundárias (também chamadas de subpesonalidades, personalidades
fragmentadas ou dissociadas) são, segundo Woolger, formações além do ego que possuem
existência autônoma na mente inconsciente, acessadas por nós em sonhos, no método junguiano
da imaginação ativa, fantasisa, imagens dirigidas ou hipnose.
A idéia das subpersonalidades explica a questão das afinidades e rejeições gratuitas nos
relacionamentos e experiências de déjà vu, pois, segundo a Física Moderna, e várias filosofias
orientais, a energia é uma só – somos todos UM.
A personalidade carrega a energia dos outros seres envolvidos nas experiências das
subpersonalidades, assim como os outros trazem os registros em suas subpersonalidades.
Quando existe um reencontro, essas freqüências vibratórias ressoam, inclusive em locais e
objetos. Além de explicar as antipatias ou simpatias gratuitas, explica as experiências de
familiaridade com objetos (como com os Tulkus tibetanos) e experiências do déjà vu. Ele
clarifica esse fenômeno com o seguinte quadro:
Alma de A Alma de C
Sp
pp
Ego
Sp Sp
Ego de C
pp pp
de A
Sp
pp Sp
Sp
pp Sp
pp Sp
AFINIDADE
REJEIÇÃO
Alma de B
Sp
pp Ego: personalidade da vida atual
Sp: subpersonalidade de uma
vida passada.
Sp Ego Sp
pp de B pp
Sp Sp
pp pp
23
Dados colhidos durante as aulas ministradas por Roger Woolger na cidade de Recife.
LUZ
SOMBRA
24
Notas pessoais de Woolger, por ocasião da produção deste livro, quando, por solicitação dos autores,
colaborou com sua leitura, fazendo revisão e anotações sobre o item 3.2.3.
simbolismo que o inconsciente usa para expressar o complexo, ou seja, são as “pistas” ou os
“gatilhos” que detonam sua revelação. (vide cap. III, item 3.2.3.).
O escanchar do termo a/cientificidade no título desta seção marca uma visão que
tentaremos demonstrar ao longo desta argumentação: é difícil a inclusão das “psicologias”,
entre elas a Psicologia Transpessoal, dentro de um contexto de ciência tradicional (“ciência
normal”), em que os paradigmas se regem por regras que dificultam a legitimidade de seus
objetos de pesquisa - historicamente caracterizados pela presença de vieses humanos e sociais,
não sendo possível o afastamento entre sujeito e objeto do conhecimento, meta desejável
quando da obediência do método científico tradicional - dentro do campo de pesquisa padrão.
Cabendo, por isso, buscar-se, como critérios definidores de cientificidade, a discutibilidade e a
lógica da argumentação, aliada a uma “audiência especializada”, que compartilhem dos
resultados das pesquisas.
Mas antes de iniciar-se uma discussão acerca da cientificidade da Psicologia
Transpessoal, meta da presente seção, é importante situar-se de que ciência se está falando.
Neste sentido, temos por base as análises sócio-históricas de Kunh (1978, 1979) que situa as
fases da ciência dentro de uma dimensão de “ciência normal” e “ciência extraordinária”.
Segundo Kunh a “ciência normal” envolveria o trabalho cotidiano e estável da pesquisa
realizada por uma comunidade, onde haveria um certo consenso em torno do que seria relevante
pesquisar e dos métodos adequados para isto (o “paradigma”). A “ciência extraordinária” diria
respeito aos momentos de quebra da estabilidade da pesquisa “normal”, quando o conjunto de
crenças ao redor do qual o grupo estaria unido passaria a ser colocado em dúvida e teorias
concorrentes, incompatíveis com a teoria/paradigma em vigor, seriam criadas e consideradas
como possíveis caminhos para a superação da crise. (Tourinho & Neto, mimeo, p. 88).
A ciência normal estaria intrinsicamente relacionada à vigência de um “paradigma”,
definido por Kunh (1978) do seguinte modo:
“Considero ‘paradigmas’ as realizações científicas universalmente reconhecidas
que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma
comunidade de praticantes de uma ciência” (p.13)
A ciência normal seria, portanto, marcada pela existência de paradigmas, que, por sua
vez, alimentariam a pesquisa através do fornecimento de “quebra-cabeça” ou de “charadas” a
serem respondidas pelos cientistas. Um quebra-cabeças seria um conjunto de problemas
empírico-conceituais derivados e limitados pelo paradigma em vigor. Kunh (1979) descreve
assim a situação:
Quando está às voltas com um problema de pesquisa normal, o cientista deve
postular a teoria corrente como regra do seu jogo. Seu objetivo é resolver uma
charada, de preferência uma charada em que outros falharam, e a teoria corrente é
indispensável para defini-la e assegurar que, em havendo talento suficiente, a
charada poderá ser resolvida” (p.9)
Agora que já temos as preliminares acerca da noção de ciência, buscaremos situar a
posição da Psicologia Transpessoal frente à mesma.
A Psicologia Transpessoal é fruto da trajetória de consolidação de um paradigma
emergente – o holografismo – neste sentido ela própria se funde no paradigma holográfico,
transcendendo com a física quântica na construção de uma visão de mundo de mais qualidade e
unicidade. Ela tem fornecido explicações que se mostram paradigmáticas no sentido de que têm
uma existência articulada à pesquisa, à investigação e ao trato sistematizado de questões básicas
da natureza humana traduzindo-as na roupagem científica. Assim como as outras “psicologias”,
sua área de pesquisa se propõe a oferecer sólidos pressupostos para os pesquisadores, que não
precisam (re)construir o seu conhecimento do zero; pois nela encontram recursos que os orienta
acerca da compreensão do mundo, quais os fenômenos relevantes para uma investigação, onde
residiriam suas causas e como identificá-las na natureza e no Universo (ver Weil, 1978b, 1989,
1990a,1991b; Grof, 1988, 2000; Bertolucci, 1991; Matos, 1992; Tabone, 1995; Vaughan e
Walsh, 1995, 1997; Saldanha, 1997; Wilber, 2001c, 2002).
Como nas abordagens comportamentalistas, cognitivistas, humanísticas ou de inspiração
psicanalítica, a Psicologia Transpessoal formou comunidades que se constituíram enquanto tal,
não apenas a partir de um acordo sobre seu objeto de estudo e dos modos de produção e
validação de seu conhecimento, mas, também, sobre um modelo explicativo do que entendem
ser a manifestação do fenômeno psicológico que abriga em seu bojo a amplitude hipotética
geradora de caminhos investigatórios que avançam na composição de seu panorama científico
ao tempo em que, nele incluído consolida seu arcabouço teórico, mapeando assim esse tão
recente viés do saber, expresso tanto no âmbito de confirmações generalizadas, quanto na forma
de suscitar indagações possíveis de respostas que apontam matérias ainda alvo de estudos e
questionamentos.
Analisando o surgimento das novas tendências em psicologia, Grisi e Figueiredo (1993)
destacam:
25
A posição da psicanálise frente à “ciência normal” pode ser encontrada no excelente livro “a-cientificade da
psicanálise” de Joël Dor (1993)
“... não se constituem em volta desses discursos comunidades voltadas para a
pesquisa, o que resulta do fato de não prescreverem quebra-cabeças a serem
solucionados” (op. cit., pp. 102 e 103)
Citando Soares (1994, p. 194) os autores do trecho acima apontam que para os discursos
alternativos:
...as vias prioritárias são os ensinamentos revelados e as experiências místicas,
nos casos mais expressamente religiosos, e a sensibilização receptiva da intuição
(op.cit., p. 103 e 104)
Diferentemente destas práticas, a Psicologia Transpessoal apresenta todos os requisitos
de cientificidade requeridos pela comunidade que reúne as ciências psicológicas, pois compõe e
decompõe “quebra-cabeças” a serem solucionados, na base da discutibilidade, propondo
soluções a partir de pesquisas, nas quais as metodologias são extremamente explicitadas.26
A crítica que se poderia fazer é a de que os “quebra-cabeças” apresentados pela
Psicologia Transpessoal estão fora das possibilidades de discutibilidade em relação às outras
“psicologias”, pois se tratam de temas que, buscando ampliar os referenciais de tempo e espaço,
acabam esbarrando na “dimensão espiritual humana”, que estaria supostamente a cargo dos
filósofos, místicos ou mais especificamente dos religiosos, por isso seu discurso poderia ser
considerado “alternativo”.
Em uma outra perspectiva estes temas estão para além das outras psicologias, tão
somente porque requerem um outro paradigma. Nesse sentido, a Psicologia Transpessoal não
surgiu para negar outras abordagens. Antes surgiu no sentido de transcender os parâmetros
estabelecidos pelas ciências exatas, confirmando-se num universo de maior atuação.
Compreendendo-se a ciência como campo argumentativo e não como detentora da
verdade absoluta, pode-se questionar se a delimitação do foco de pesquisa está sujeita aos
padrões dominantes em determinado período da construção da ciência, sendo, portanto, sujeita a
alterações e expansão, como é o caso do procedimento investigatório na área de Psicologia
Transpessoal, que teve seu objeto de pesquisa analisado ao longo da história das “psicologias”,
recebendo da Psicanálise um estatuto metapsicológico (Freud, 1976, SE., XXI, pp. 64-65;
ESB.,XXI, pp. 81-82) ao lado de conceitos consagrados nas tópicas freudianas.
Dentro da psicologia existencial, assim como em outras escolas, há uma tradição no
estudo do “sagrado”, podendo ser encontrada na Análise Existencial (como a de Ludwing
Binswanger), assim como em outros autores que construíram teorias de reconhecimento
internacional, referências a esta dimensão27.
Como se pode perceber, não é o objeto de pesquisa que define a cientificidade de uma
ciência. Nas palavras de Tourinho e Neto (mímeo) o que define as psicologias como científicas
“... é o modo como se dá em seu âmbito o processo de produção e validação do
conhecimento.” (p. 87)
Neste sentido, ampliando as pesquisas das escolas anteriores a partir de uma extensa
produção científica, nacional e internacional que, com uma ou outra variação, englobam e
26
Ver livros da Coleção de Psicologia Transpessoal, publicada pela Ed. Vozes, sob a coordenação de Pierre
Weil.
27
Ver Maslow ,1964; Viktor Frankl, 1971; Jung, 1979; Rogers, 1983; William James, 1991; Assagioli, 1992,
etc.
ampliam os preceitos de uma lógica empírico-racional na construção de seus aparatos teóricos
(ainda reconhecendo os limites dessa lógica), os quais subsistem após as avaliações e permitem
a demarcação de seu escopo, a Psicologia Transpessoal mostra a possibilidade da
discutibilidade de seu objeto de pesquisa. Acrescido a isto se destaca o fato, conforme foi dito
em parágrafos anteriores, de que seu objeto de estudo já se apresentará como foco de interesse
de algumas áreas do saber psi, sendo possível, portanto, a sua investigação, haja vista a extensa
bibliografia nacional e internacional produzida por sua comunidade científica.
Em síntese, considerando que a Psicologia Transpessoal possui uma estrutura produtora
de paradigmas, como também todo um aparato teórico-metodológico extensamente pesquisado
e colocado à disposição das “audiências especializadas”, bem como uma extensa comunidade
de pesquisadores que via argumentação promovem a construção de seu saber, o “fantasma da
alternatividade” é visto no meio transpessoal apenas como uma fase no processo de negociação
sócio-político e ético, por que passa todo saber. No entanto, postula e demonstra, via seu já
extenso corpo teórico, ter ultrapassado esta etapa, de forma que discutir a sua “alternatividade”
só tem sentido quando for em relação à “ciência normal”, da qual apresenta critérios de
cientificidade diferentes.
Diante disso, urge a necessidade do reconhecimento e da inclusão da Psicologia
Transpessoal nos meios acadêmicos e nos órgãos normativos da profissão, para não se correr o
risco de a Psicologia no Brasil ficar obsoleta, à mercê de preconceitos e posturas rígidas de
apego a antigos modelos e convicções partidárias, sem acompanhar a evolução científica do
momento planetário.
CAPÍTULO II
CAMPOS DE ABRANGÊNCIA
Se o viajante encontra
Companhia virtuosa e sábia,
Deixo-o acompanhá-la com alegria
E superar os perigos do caminho.
Mas se você não encontra amigo ou mestre que o acompanhe...
Viaje sozinho
Ao invés de ter a companhia de um tolo.
Buda28
28
Citado em Byron (1976).
“Será possível, a partir do biofeedback eletroencefalográfico, e do reforço de
certos comportamentos, provocar em laboratório estados de consciência cósmica?
Que tipos de comportamentos precisam ser modelados para tais fins? Que cadeias
complexas de comportamentos levam à experiência cósmica?” (p. 12)
2.2. Psicanálise
“Depois de ler “O futuro de uma ilusão”, Romain Rolland censura Freud por
não ter colocado na base do sentimento religioso aquilo que ele denomina
“sentimento oceânico”, termo tomado de empréstimo dos místicos hindus. Esse
sentimento é , para ele, “completamente independente de todo dogma, de todo
credo, de toda igreja constituída, de todo livro santo, de toda esperança de
sobrevida pessoal etc. Trata-se da sensação simples e direta do Eterno (...)”. Freud
não se sente à vontade nessa frente. Ele escreverá em “O mal-estar na cultura”:
“As opiniões expressas por um amigo muito admirado (...) causaram-me muita
dificuldades. Não consigo descobrir em mim esse sentimento ‘oceânico’. Não é fácil
lidar cientificamente com sentimentos” (...) Podemos considerar o primeiro capítulo
de “o mal-estar” uma carta aberta a seu amigo francês. Se ele não experimentou o
sentimento oceânico, “pode, pelo menos, outorgar-lhe, um estatuto
metapsicológico”. Trata-se do retorno ao estado de fusão do ego primitivo do bebê
a uma simbiose primordial com a mãe.” (Rodrigué, 1995, vol.03, p. 162)
29
Consciência cósmica ou mais modernamente consciência transpessoal.
Segundo Weil (1978b), várias são as perguntas que podemos fazer e que estão sendo
estudadas pela psicanálise.
Weil (1978b) chama a atenção para o fato de que a terapia e a psicologia existencial têm
focalizado já há muito tempo a importância da dimensão fenomenológica do “aqui e agora”
para emergência do “encontro existencial” e das suas relações com os valores superiores da
humanidade, tais como a beleza, a verdade e o amor. Para autores como Laing e Maslow, a
consciência cósmica constitui o meio e o objetivo final da terapia. Neste terreno também há
problemas a levantar e a solucionar.
A teoria de Wilber vem se desdobrando em seus escritos ao longo dos vários anos, sendo
“O Projeto Atman” um dos pontos iniciais no que diz respeito as suas reflexões acerca da teoria
do desenvolvimento humano. Mesmo que em escritos posteriores (Wilber, 2001a) este autor
classifique-o como uma produção do seu período “romântico”, aquele livro não perde seu valor
de apoio às idéias de desenvolvimento da crescente Psicologia Transpessoal.
No processo de evolução, apresentado por Wilber, a consciência se desdobra da
subconciência (unidade pré-pessoal) à superconciência (unidade transpessoal). Sendo o ciclo do
movimento da subconciência para a autoconsciência denominado O Arco para Fora ou Exterior,
e o movimento da autoconsciência para a superconciência O Arco para Dentro ou Interior.
Wilber compara a história do Arco Exterior como a história do herói, do ego, do
processo de emergência do inconsciente através da diferenciação, da separação, do possível
isolamento, do crescimento, da individuação e da emergência. Já o Arco para Dentro ou Interior
aponta para uma amplitude manifesta no contato com o nível transpessoal e não é geralmente
fonte de pesquisa por parte de investigadores ocidentais.
2.5. Psicometria
2.6. Psicofisiologia
As pesquisas de Harbans Lal Arora (1994) oferecem excelentes reflexões acerca das
questões acima levantadas, destacando-se os efeitos da meditação sobre controle e regulagem
dos processos psicofisiológicos, tais como:
Vaughan e Wash (1995) e Goleman (1996, 1999b, 2003) destacam que a facilidade das
comunicações entre o Oriente e Ocidente propiciou a realização de inúmeras pesquisas
psicofisiológicas, que colocaram em destaque modificações somáticas, mais particularmente
bioelétricas, de grandes místicos em estado de êxtase.
2.7. Farmacopsicologia
Os estudos mais famosos nesta área são encontrados em Grof (1988), que descreve o
início de suas pesquisas em Psicologia Transpessoal com uso de LSD, nos anos 60, na
Checoslováquia e, posteriomente, nos Estados Unidos. Outro trabalho significativo é a pesquisa
de Matos (1989) acerca da meditação como alternativa para o uso de drogas, no qual explicita o
efeito de várias drogas psicodélicas, em diversas culturas, citamos como exemplo o peyote e o
ayuasca.
No que diz respeito ao uso de alteradores da consciência, na área da saúde mental, Weil
(1990a) relata:
2.8. Psicopatologia
Em importante trabalho, Grof e Grof (1994, pp. 246 e 247) apresentam alguns critérios
que ajudam na elaboração de um diagnóstico diferencial entre “emergência espiritual”30 ou
fenômenos de consciência transpessoal e os transtornos psiquiátricos. Estes critérios31
diferenciais nos pareceram úteis na prática clínica diária, bem como expressam o fruto das
pesquisas em Psicologia Transpessoal no campo da psicopatologia.
30
O próprio termo emergência sugere necessidade imediata e ao mesmo tempo uma elevação; o que indica a
intenção de contato transcendente como atendimento ao chamado vazio existencial expresso em crises de
transformação.
31
Esses critérios na verdade resumem-se ao uso de estratégias que congregam várias abordagens no trato da
liberação plena das emoções, encarando todo o processo no seu aspecto psciopatológico e na dimensão
espiritual simultaneamente, como pilares integrados do processo terapêutico.
2.9. Psicossociologia
Questões acerca dos fatores sócio-culturais, assim como os diferentes aspectos das
relações interpessoais entre pessoas e os seus grupos, são aspectos importantes no estudo da
consciência cósmica. Weil (op. cit.) destaca algumas delas:
2.10. Hipnologia
2.11. Tanatologia
2.12. Onirologia
Os sonhos sempre exerceram fascínio nos seres humanos por causa do interesse do
homem pelos mistérios do seu mundo interior. Na tentativa de desvendar esses “mistérios” do
sonho e do sonhar, vários métodos e teorias foram desenvolvidos tanto no Oriente, quanto no
Ocidente.
Na Antiguidade, ainda na Grécia, os sonhos eram usados para diagnóstico e processo de
cura das doenças.
Asclépio (filho do deus Apolo com a mortal Corônis) executava o ritual de incubação de
sonhos através de um sonho especial. Esse ritual compreeendia uma experiência de morte e
renascimento onde o paciente era introduzido nos mistérios e obtinha a cura.
Para Aristóteles o sonho se origina dos movimentos sutis do corpo e da alma que resulta
da atividade dos órgãos dos sentidos durante a vigília. Afirmava que um médico experiente
poderia recorrer aos sonhos para prever as doenças ou sua cura. Enquanto Hipócrates, pai da
medicina científica, considerava que no estado de vígilia a alma está atada às funções corporais,
enquanto no sonho está livre, com todas as funções fisiológicas e psicológicas à sua disposição
e que o sonho pode apontar para as causas das doenças, através das imagens. Já no séc. IV, os
Sutras da Yoga de Patanjali recomendavam “o testemunho do processo onírico ou do sono sem
sonhos” (Walsh e Vaughan (1997, p. 80).
Segundo Freud, o sonho é para preservar o sono, representando a “satisfação” dos
desejos supostamente pertubadores em potencial, e ainda como uma expressão dos processos
primários para relaxamento das tensões. Entretanto, se para Freud o sonho preserva o sono, para
Lerner (1967 apud Matos, 1992) “em vez de sonharmos para poder dormir, pelo menos em
parte, dormimos para poder sonhar”. Através de observações, verificou-se que os efeitos
psicológicos da supressão dos sonhos causam altos níveis de tensão, ansiedade e irritabilidade
com falta de concentração, aumento do apetite com conseqüente aumento de peso, falta de
coordenação motora, distúrbio na percepção do tempo e da memória, intromissão dos processos
primários de pensamento no estado de mente alerta, sensaçào de vazio e despersonalização e
tendêcias alucinatórias.
O sonho é uma expressão do nosso inconsciente. É de grande importância examiná-lo
psicologicamente e tratá-lo de maneira intercultural, histórica e transpessoal. Cada cultura
desenvolve diferentes formas de lidar com os sonhos. Os nativos Senoi da Malásia utilizavam
os sonhos num contexto terapêutico e de integração social. A cada manhã, ficavam num círculo
e narravam os sonhos a toda comunidade buscando uma conclusão para eles e estudando sua
mensagem. Foi constatado que naquela tribo não ocorriam crimes brutais e nem doenças
mentais.
Os índios das Américas Central e do Sul e os chamados pele vermelha da América do
Norte costumavam abordar os sonhos não apenas com propósito terapêutico, mas ainda como
profecias, relacionando passado, presente e futuro.
A psicologia budista tibetana possui métodos especiais, não apenas de análise dos
sonhos, mas, sobretudo, para permitir a integração do material do inconsciente ao nível
consciente constituindo um modelo eficaz para o crescimento pessoal e espiritual. Para isso
utilizam exercícios preparatórios, tais como: técnicas de relaxamento físico, respiração, etc.,
com o intuito de se obter sonhos lúcidos.
Para os budistas tibetanos, não há nenhuma característica da experiência de vigília que a
distinga claramente da do sonho. Essas práticas da Yoga Onírica, prática de meditação yogue
enquanto ainda sonham, existem no Tibete há mais de 1.200 anos e objetivam manter a lucidez
da mente num estado de consciência contínuo: “o despertar”. Essa prática exige a compreensão
da natureza do estado onírico e é realizada em vários estágios:
1. Tornando-se um sonhador constante, segue o estágio seguinte que compreende a
transmutação do conteúdo onírico. Por exemplo, se o sonho for sobre fogo, pense:
“Quem terá medo do fogo que está num sonho?” Com este pensamento, pise sobre o
fogo. Da mesma forma, coloque debaixo dos seus pés o que sonhar. O próximo
estágio consiste em familiarizar-se com os seus sonhos, identificar o que eles têm de
onírico e reconhecer que são sonhos, enquanto estão acontecendo. A pretensão de
reconhecer que você está sonhando é suficiente para aumentar a frequência dos
sonhos lúcidos. Ordenar a si mesmo para que tenha um sonho lúcido é uma forma de
induzi-lo.
Um pré-requisito importante é a pessoa realmente pretender ter um sonho lúcido. Há
certos procedimentos indutores:
a) Quando acordar espontaneamente de um sonho durante a madrugada, relembre o
sonho várias vezes até tê-lo memorizado;
b) Em seguida, ainda deitado e antes de voltar a dormir, diga a si mesmo: da próxima
vez que estiver sonhando quero me lembrar de reconhecer que estou sonhando.
Stephen LaBerge (apud Walsh e Vaughan (1997, p.85) apresenta um “método infalível para
desenvolver a capacidade de lembrar dos sonhos”: trata-se de criar o hábito de perguntar sempre
ao acordar: “com que eu estava sonhando?”. Sugere ainda, manter-se um diário de sonhos à
cabeceira da cama para registrar, a cada vez que acordar, qualquer lembrança, mesmo mínima,
que tenha do sonho. Outra técnica que ele apresenta é: durante o momento da transição do
estado de vigília para o sono, deve-se repetir: “um”, estou sonhando; “dois”, estou sonhando...
etc, continuar, e mantendo um certo nível de vigilância até que a pessoa percebera que está
realmente sonhando. Ele afirma que é mais eficaz fazer esta prática pela madrugada
principalmente ao despertar de um sonho e não no início de seu ciclo de sono.
Na visão do Tantra, que mapeia a mente em várias camadas, o sonho é considerado
como:
“ um delírio interno. As imagens oníricas são janelas que se abrem na nossa mente
subconsciente que recebeu as influências das várias impressões sensoriais durante o
dia. Experiêncas essas inacabadas que se acumularam e são revividas durante o
sono” (Ácaria, 2000).
Entretanto, diz os ensinamentos do Tantra que quem pratica meditação profunda não tem
necessidade de sonhar, pois a própria meditação tem a função de catarse dos sonhos. No sistema
tântrico distingue-se dois tipos de sonhos:
a) o sonho comum: consequência de impressões desconexas registradas durante
o dia pela mente subcosnciente;
b) o sonho intituitivo: ocorre apenas quando as ondas vibratórias da camada
supramental atingem a mente subconsciente durante o sonho. Isto só acontece
quando a mente está fixada num assunto específico criando assim uma força
psíquica necessária para atingir o nível da superconsciência.
A Psicologia Transpessoal, que estuda cientificamente estados de consciência, aborda a
questão dos sonhos como uma das suas principais áreas de interesse. Considera o sonho na sua
concepção de sonho noturno, assim como num sentido mais amplo incluindo o sonho acordado,
a imaginação e várias fantasias, que são projeções do inconsciente experienciadas tanto por
pessoas normais como por aquelas com distúrbios mentais. Analisa seus aspectos psicológicos
de maneira intercultural, histórica e transpessoal (Matos, mímeo).
No seu enfoque psicoterapêutico, Léo Matos, baseado na gestalterapia, considera dois
tipos de sonhos:
a) sonhos acabados: aqueles que têm começo, meio e fim; geram satisfação e
plenitude.
b) sonhos inacabados: são incompletos; geram desconforto, mal-estar, deixam
uma lacuna aberta de insatisfação.
Para Matos, “o sonho não é somente uma mensagem do inconsciente. Quando você
sonha, está tentando fazer psicoterapia consigo mesmo, usando a linguagem onírica para tentar
fechar uma gestalt psicológica não concluída no estado de consciência desperta”. Várias
técnicas podem ser usadas para facilitar a pessoa a abrir as portas do inconsciente e permitir que
um maior conteúdo onírico possa emergir à consciência e ser integrado à experiência do
cotidiano proporcionando equilíbrio psicológico. Assim a Psicoterapia Transpessoal integra ao
contexto ocidental técnicas desenvolvidas por outras culturas estendendo os horizontes
psicoterapêuticos psicodinâmicos às memórias do pré-natal, perinatal e transpessoal.
Léo Matos (1992) desenvolveu dentro do contexto transpessoal, inspirado na técnica do
“Sonho Acordado” de Robert Desoille, uma técnica específica denominada “Catarse do sonho
acordado” ou “Sonho catártico diurno”, usando-a sobretudo com os sonhos inacabados no
intuito de favorecer ao cliente completar aquela situação inacabada que lhe causou desconforto
e insatisfação (Ver capítulo V). Além da oportunidade que o cliente tem de concluir o sonho
inacabado, memórias perinatias ou transpessoais, em forma de COEX, poderão ser tratadas no
sentido de lhe trazer equilíbrio e a reintegração do seu bem-estar psicológico.
Para Arnold Mindel32, a questão a ser revelada não está exatamente no sonho em si, mas
na forma como reconhecemos a experiência no momento mesmo em que a reconhecemos, ou
seja, o terapeuta não lida com o sonho propriamente, mas interessa-se pelo processo onírico que
acontece com o cliente que se materializa no corpo e na situação de presença que ele apresenta
no momento em que aborda os temas dos sonhos como a experiência que se efetivou no sonho.
Desse modo o sonho é visto com um paradigma processual, e não como um conceito. Esse
paradigma processual acolhe referentes das terapias corporais ocidentais, das psicologias
analíticas e das práticas orientais, de forma tal que, ao estudar a expressão consciente
(corporalmente consciente) os dados oníricos estabelecem uma conexão entre o conteúdo e o
“sentir corporal”, para a partir daí (talvez seja este o diferencial) compreender a forma como no
estado de vigília pode fazer escolhas de prática que promovam maior bem estar interior,
equilíbrio, em especial àquelas ligadas especificamente aos estados meditativos.
32
Arnald Mindel, psiquiatra que desenvolveu um trabalho terapêutico enfocando o universo onírico, apoiado
pela atitude teleológica de Jung, reunindo referentes da Gestalt, da meditação budista (com orientação do
renomado mestre indiano Muktananda), e da atitude fenomenológica da física moderna, estabelecendo uma
conexão entre os sonhos e sua correspondência na expressão corporal
CAPÍTULO III
AS PSICOTERAPIAS TRANSPESSOAIS
Partindo do trabalho de Bryan Wittine, apud Vaughan e Walsh (1997), e das reflexões de
Cortright (1997), situaremos neste momento alguns dos postulados centrais sobre os quais se
ergue o trabalho da Psicoterapia Transpessoal.
Sabemos que as crenças, a forma como o terapeuta observa e entende o mundo e as suas
noções acerca de qual é o seu papel, a função da psicoterapia e as teorias que sustentam a sua
organização, de forma consciente ou inconsciente determinam e influenciam fortemente a
natureza do processo que conduz. Isto levou-nos a definir aqui alguns dos principais
pressupostos que regem a atitude do terapeuta nesta abordagem.
Wittine apresenta a terapia transpessoal como:
..."uma abordagem de cura/crescimento que visa estabelecer uma ponte entre a tradição
psicológica ocidental, inclusive as perspectivas psicanalíticas e psicológico-existenciais,
e a filosofia perene universal. O que diferencia a terapia transpessoal de outras
orientações não é nem a técnica nem os problemas apresentados pelos pacientes, mas a
perspectiva espiritual do terapeuta" (op. cit. p. 160)
Um cliente chega ao consultório trazendo uma queixa de que todas as pessoas na rua
estão olhando para ele, acusando-o de homossexualismo. A análise do seu discurso
indica um alto nível de projeção no aspecto exterior, colocando-o no nível egóico do
espectro da consciência. Sendo realizado um trabalho de integração de sua sombra e
persona, tal paciente passou a reconhecer os elementos projetados no exterior como
fazendo parte de si mesmo. Enquanto vivia a cisão entre sombra e persona, este paciente
também apresentava conflitos próprios da dinâmica existencial, como por exemplo a
marcante luta entre os opostos: vida versus morte, amor versus ódio. A nível
transpessoal emergiram elementos característicos da dinâmica morte-renascimento do
ego (Arquivos do autor).
A análise do exemplo acima indica a necessidade do terapeuta transpessoal perceber que
há uma interconexão dos diversos níveis do espectro, mesmo que reconheça os trabalhos nos
níveis transpessoais como aqueles que oferecem maiores possibilidades de realização de
mudanças profundas no paciente. Isso porque o processo expande a noção de identidade para
além das fronteiras do ego, possibilitando um funcionamento psíquico mais amplo e saudável.
Cliente procurou terapia com quadro depressivo e idéias suícidas, uma investigação
inicial apontou que estes sintomas surgiram após a mesma ser acusada de desviar
dinheiro no seu emprego. Funcionária exemplar, com mais de 15 anos no banco, teve
sua auto-imagem abalada pelas acusações de um gerente recém lotado na sua agência.
As acusações realizadas por ele fragilizaram suas defesas egóicas que estavam
apoiadas numa auto-imagem de "boa funcionária", tendo a mesma perdido este
referencial de identidade egóico. Ela se considerava agora um nada, cuja única saída
seria a morte. Afirmava ainda que só não tinha concretizado o suicídio por velhas
crenças religiosas. Percebendo o Eu como um continuum em desenvolvimento o
terapeuta facilitou o processo de morte psicológica da auto-imagem antiga e o
renascimento de uma nova identidade. O uso dos exercícios facilitadores da
impermanência, inspirados nas tradições tibetanas, expandiu a percepção da cliente
para seus metavalores, restaurando e ampliando suas crenças espirituais, possibilitando
sua reorganização em um novo trabalho, que era um sonho antigo que fora sufocado
pela pressão de "ser perfeita" quando da entrada no banco. (arquivo dos autores)
Muitas terapias e diagnósticos tradicionais tendem a perceber o cliente como um
“outro”, mas a Psicologia Transpessoal (em acordo com os humanistas) vê o cliente, assim
como o terapeuta, como um ser em crescimento e companheiro de busca.
Campo Experencial
Corpo Mente
CONTEXTO
Quando um terapeuta comunica atitudes que facilitam a confiança, quando se sente
integrado com as experiêncais transpessoais, isto facilita ao paciente explorar sua própria
consciência. Porém, quando o terapeuta põe obstáculos às vivências transpessoais, não estando
disposto a lidar com a amplitude do espectro da consciência e com o caráter não usual dos
fenômenos, estabelece um contexto limitado, impossibilitando ao paciente a emersão do
material de nívies transpessoais ou perinatais.
A palavra contexto vem de duas raízes latinas: com, com ou junto, e textere, tecer (como
em tecido). Sob esta luz, o contexto não é um recipiente passivo para sua experiência, mas um
processo ativo. Quando você muda a maneira de tecer suas experiências, algum tipo de
transformação pode muito bem ocorrer. O contexto transpessoal pode ser definido pelo
conjunto de crenças, valores e intenções que regem a consciência do terapeuta. Em última
análise o contexto é a própria consciência do terapeuta, seus limites e abertura, bem como seus
obstáculos, pois sendo a consciência ao mesmo tempo objeto e instrumento de mudança, é ela
que possibilitará ou não a manifestação dos diversos níveis de consciência do paciente.
A criação de um contexto transpessoal só é possível a partir da ampliação da consciência
do terapeuta, da sua possibilidade em trabalhar com crenças abertas acerca do processo;
reconhecendo que todos os seus pensamentos, crenças e valores afetam diretamente o processo,
quer sejam conscientes ou inconscientes.
É perceptível que a abertura do terapeuta para temas como morte e espiritualidade, por
exemplo, facilita ao paciente trazer tais conteúdos para a terapia, enquanto o fechamento do
terapeuta inibe o trabalho com eles. Pacientes que têm suas vidas pautadas em princípios ético-
espirituais têm muitas vezes dificuldades em comunicar suas experiências, por temerem ser
rotulados. A situação fica mais difícil para os pacientes em início de processo terapêutico que,
por isso mesmo, não compreendem ainda o universo transcendente.
O processo de abertura deve reger o contexto transpessoal. A literatura indica que não
são as técnicas que definem uma psicoterapia como transpessoal, uma vez que a “disposição
para questionar as crenças e suposições acerca da nossa natureza essencial é fundamental para
expansão do nosso conhecimento”. (Vaughan e Walsh, 1995, p.208)
CONTEÚDO
A percepção da psicoterapia atuando em níveis multifacetados da consciência humana é
fundamental na compreensão do conteúdo, pois em terapia transpessoal, que aborda a
possibilidade de transcendência, podem emergir conteúdos dos diversos níveis e não apenas do
nível transpessoal.
Voughan e Walsh (1995) relatam com clareza que:
“no nível do ego, trata dos problemas relativos a lidar com a vida e a obter o que
se quer no mundo, enquanto no nível existencial preocupa-se, de modo quase
exclusivo, com questões de autenticidade, sentido e propósito” (p.208).
Podemos definir um conteúdo transpessoal pela manifestação de quaisquer experiências
que ampliem as limitações rígidas do ego e da personalidade, incluindo-se domínios míticos,
arquetípicos e simbólicos do inconsciente.
PROCESSO
O processo em psicoterapia transpessoal é determinado no contato existencial entre
terapeuta e cliente. Contudo, quanto mais amplo e flexível for o contexto oferecido pelo
terapeuta, mais amplas serão as possibilidades do cliente explorar sua consciência.
Embora a linearidade temporal não seja uma exigência para o encaminhamento do
processo terapêutico transpessoal, é possível, para fins didáticos, mapear este processo em três
estágios gerais, quais sejam:
1. Estágio da Identificação – opera no nível do ego, sendo o desenvolvimento
da força do ego, o aumento da auto-estima e o abandono de padrões
negativos de auto-anulação, os desafios centrais neste estágio. Aqui se busca
integrar sombra e persona, de forma a surgir um ego estável, capaz de
suportar os processos de desindentificação necessários ao crescimento
psicológico. O ponto central neste estágio é possibilitar a superação da
fragmentação pré-pessoal pela emergência de um eixo agregador mais
pessoal, mesmo que limitado pela convencionalidade dos papéis egóicos.
2. Estágio da Desindentificação – Com a emergência de um nível pessoal mais
estável, o ego antes desincorporado, passa a entrar em contato com o corpo,
visto anteriomente como fonte de dor, pois revela a transitoriedade. Neste
momento tem-se o início do despertar transpessoal a partir do trabalho no
nível existencial. Aqui o indivíduo enfrenta questões existenciais básicas,
como o sentido da vida. Também é dado início ao processo de
desidentificação dos papéis, atividades e relacionamentos, além de um
profundo processo de integração mente/corpo. As gratificações alcançadas no
primeiro estágio são então vistas como limitadas e limitantes. A resolução
deste estágio é vivenciada como um profundo processo de morte psicológica
do ego.
3. Estágio Transpessoal – neste estágio temos duas etapas: a) Estabelecimento
de um Eu Transpessoal que surge a partir da desidentificação do ego e do
processo de identificação com o observador não-participante dos nossos
próprios processos psicológicos. O Eu transpessoal precisa gradativamente ir
incorporando os elementos não integrados dos estágios anteriores de forma a
apoiar-se cada vez mais em um campo integrativo mente/corpo estável; b) A
autotranscendência emerge do reconhecimento do Eu Transpessoal como
contexto de toda experiência, podendo-se distinguir entre a consciência e os
objetos ou conteúdos da consciência. Neste ponto, todo melodrama pessoal
assume menos importância, não há a experiência de separatividade absoluta,
própria do ego, e sim um crescente sentimento de interdependência.
33
Espiritual está relacionado com a noção de Mente desenvolvida por Wilber (1996).
Em psicoterapia transpessoal também não descartamos as problemáticas que decorrem
do mau uso dos estados alterados, e de como eles podem se tornar um obstáculo ao crescimento,
principalmente quando temos fixações que estimulam uma “inflação do ego”, ou seja, o acesso
a níveis superiores de consciência é tomado pelo ego como uma defesa para as dificuldades do
viver, evitando o contato com a condição humana de fragilidade e impermanência.
A partir dos postulados citados, concluímos que para a condução do processo
psicoterapêutico transpessoal é importante:
a) atentar para necessidade de transformação nos níveis do espectro de identidade
(egóigo, existencial e transpessoal) assim como nos diversos níveis de
consciência, dentro das várias cartografias;
b) a percepção ampliada do terapeuta sobre o Eu em desenvolvimento e sua visão
espiritual desse Eu;
c) favorecer a ampliação da identidade egóica para níveis transcendentes, ou seja,
para níveis de complexidade além do ego;
d) estimular no cliente o processo de interiorização e o desenvolvimento da
intuição;
e) o estabelecimento de um bom rapport, com confiança e empatia, numa relação
frutífera terapeuta-cliente, onde ambos mantenham-se em aprendizado e
crescimento, decorrentes desta relação;
f) considerar na terapia a importância do contexto, conteúdo e processo, de forma
integrada a fim de facilitar o desenvolvimento do paciente;
g) atentar para a natureza humana, essencialmente espiritual, no sentido de
atendê-la em suas necessidades mais profundas, favorecendo sua total
realização;
h) atuar de forma a não desconsiderar outros nívies de consciência que possam
estar interligados no fenômeno, para não incorrer em reducionismo;
i) promover estados não-usuais de consciência e o acesso a experiências
transpessoais para favorecer cura e crescimento.
Por fim, concordamos com Vaughan e Walsh (1995) quando pontuam que o resultado
bem-sucedido da terapia transpessoal pode ser
“descrito como um senso ampliado de identidade, em que o eu é visto como o
contexto da experiência de vida, considerada, por sua vez, como conteúdo. Essa
mudança de identidade costuma ser associada com uma mudança de motivação – do
auto-aperfeiçoamento para o serviço -, implicando menos investimento na realização de
objetivos egóicos específicos e uma motivação predominante para participar do mundo
e servir nele”. (pp. 210 e 211).
Neste sentido, uma psicoterapia transpessoal eficaz é aquela que habilita a pessoa a
servir a vida, a participar ativamente nos processos de melhoria pessoal, social e cultural da
humanidade, permitindo-nos, assim, a maior de todas as descoberta: a coragem de amar que
se esconde em nossos corações.
3.2. Os Sistemas Psicoterapêuticos Transpessoais
B) Música
O uso de sons é uma das tecnologias mais antigas da humanidade para evocar estados
ampliados de consciência. Grof (1997a) cita inúmeros dados antropológicos em contribuição a
esta tese, ressaltando o uso sistemático da música em um programa ultramoderno utilizado no
Maryland Psychiatric Research Center para tratamento de seus pacientes.
Além de ajudar a acessar emoções reprimidas, a música pode facilitar a intensificação de
processos psicológicos já mobilizados, além de favorecer a flexibilização das defesas
psicológicas, o que permite a superação de obstáculos no acesso ao inconsciente.
Na terapia holotrópica a música é utilizada para evocar o máximo de emoções possíveis,
sendo o cliente aconselhado a entregar-se completamente ao ritmo dos sons, sem oferecer
nenhum tipo de resistência, abrindo-se para expressão de tremores, risos, choro ou qualquer
outra manifestação emocional, vocal ou motora.
C) Trabalho corporal
O homem que está surgindo nesse novo tempo não se contentará com aquele
conhecimento intelectual que seja inoperante dentro do objetivo prático de mudança da sua
vida. Ele anseia por transformações que proporcionem um sentido novo e mais elevado para sua
existência.
Esse anelo está sinteticamente explícito no poema "Prece do Yoguim" de professor de
yoga e escritor José Hermógenes de Andrade Filho34 (1984), nestas estrofes:
"... Eis-me aqui todos os Avatares, Rishis, Siddhas, Gurus, Mahatmas, Hierarcas,
Santos conhecidos e desconhecidos....
Quero aprender o Amor que liberta.
Aqui estou, Senhor Supremo, para que me ajude a vencer a frustadora ignorância; a
afastar-me dos opostos obsedantes; a retirar a venda de meus olhos... Já não me
satisfaz o vulgar conhecer intelectual.
Quero agora vivenciar a verdade que liberta..." (p.44).
Obviamente a metáfora a "verdade que liberta" não virá por via intelectual. O
conhecimento apenas intelectual (destituído de uma ação vivencial) transita em níveis
superficiais e não é suficiente para operar transformações genuínas e consistentes, conforme
sinalizam os trabalhos de Goleman (1999a, 1999b).
É necessário incursionar na profundidade que só a própria vivência permite. É preciso ir
às entranhas do nosso ser, camada após camada, para experenciar a verdade que liberta.
O trabalho psicoterapêutico do Dr. Léo Matos tem coerência com as assertivas
supracitadas. Doutor em psicologia pela Universidade de Copenhagem, onde foi professor e
pesquisador, é professor convidado da escola de medicina do México, estudioso da cultura
oriental e xamânica, estudioso da Psicologia Budista Tibetana, Léo Matos é um dos pioneiros
na introdução da Psicologia Transpessoal no Brasil, onde ministra cursos de formação em
Psicologia e Psicoterapia Transpessoal (São Paulo, Minas Gerais, Piauí, Rio Grande do Norte e
Pernambuco).
34
José Hermógenes de Andrade é um famoso professor de yoga brasileiro, autor de vários livros, dentre eles:
“Yoga para nervosos”, “Yoga, caminho para Deus”, “Mergulho na Paz”, etc.
Ele tem realizado pesquisas sobre sonhos, morte, meditação, estados alterados de
consciência, Psicologia Transpessoal e arte do mandala, com trabalhos publicados em revistas
científicas da Suiça, Suécia, França, Dinamarca, México, Índia, Finlândia e Brasil.
Com uma ampla experiência em psicoterapia, sua atuação tem sido inspirada na gestalt,
no budismo tibetano como filosofia e fonte de técnicas eficazes para a transcendência da auto-
imagem e a transformação da consciência, sendo sua visão psicoterapêutica influenciada pela
cartografia de Grof. Percebemos também em sua postura terapêutica uma certa tendência
xamânica em posicionamentos que se assemelham às proposições do D. Juan,35 de Castaneda.
Vem adaptando e criando técnicas terapêuticas capazes de ajudar a pessoa a se desvencilhar da
rede de "maya" que a mantém estagnada na percepção dualista da realidade, e levá-la a ampliar
sua consciência para outras realidades além de si mesma e do mundo, propiciando assim o seu
crescimento pessoal e desenvolvimento espiritual36.
Uma das funções básicas de qualquer psicoterapia é proporcionar à pessoa um estado
psicológico de bem-estar consigo própria, com os outros indivíduos e com o universo.
Na nossa experiência esse estado de bem-estar só é efetivo quando ocorre uma
ampliação da consciência no sentido da mudança na forma de apreender a realidade. Há níveis
diversos de realidade. No nível de realidade eu versus tu, sujeito versus objeto - realidade
dualista cartesiana - o estado de bem-estar conquistado tem efêmera duração, pois,
efetivamente, não transforma a consciência. E, dependendo das circunstâncias externas, a
pessoa tende a repetir os mesmos comportamentos responsáveis pelas contendas que lhe causam
mal-estar.
As psicoterapias que agem apenas para acomodação e adaptação da personalidade
atingem somente um aspecto do ser humano, no qual – caso haja identificação – ele fica
aprisionado numa rede de sofrimentos repetitivos. Sendo a personalidade apenas uma faceta do
verdadeiro Eu, é como se conseguíssemos vislumbrar somente a pontinha do iceberg.
Essas psicoterapias visam os aspectos físicos, emocionais e mentais, mas negligenciam a
dimensão espiritual, ou seja, aquilo que realmente somos em essência.
Marginalizada essa dimensão da consciência humana, a conseqüência é ficarmos num
círculo vicioso de padrões repetitivos, conformados, ou inconformadamente adaptados e
resignados como meros animais no circuito estímulo-resposta.
Conforme pontua Vaughan (1997), a Psicoterapia Transpessoal não se concentra
exclusivamente na resolução de problemas “per se”, mas se estende às áreas mais profundas do
indivíduo visando a integração dos aspectos físicos, emocionais, mentais e espirituais do seu
bem-estar.
35
D. Juan foi um famoso xamã mexicano que guiou os passos do antropólogo Carlos Castaneda
36
Vide a técnica do sonho catártico diurno e a técnica de morte-e-renascimento do ego, no Cap. V, neste
livro.
É característica peculiar do trabalho psicoterapêutico de Léo Matos o enfoque da
desidentificação da auto-imagem, favorecendo o desapego da mesma através da conscientização
da transitoriedade da vida. Sem a conscientização dessa realidade e do compromisso de integrá-
la ao Todo Indivisível, as técnicas que levam a estados elevados de consciência poderão atuar
apenas para inflar o ego ao invés de realmente transformar o indivíduo. Sabemos que as drogas
psicoativas também têm a propriedade de alterar a consciência, mas nem sempre elevam a
consciência num sentido da transformação.
Como afirma Bertolucci (1991), "o ego se envolve em mecanismos de toda espécie, para
disfarçar, encobrir, modificar a roupagem das emoções... Nada disso diz respeito, contudo, a
verdadeira transformação" (p.74).
Uma Psicoterapia Transpessoal legítima não se restringe apenas a identificação,
expressão e catarse das emoções, mas inclui, sobretudo, a conscientização da necessidade de
transcender as amarras egóicas e estimular o cliente a desenvolver sentimentos e atitudes de
caráter transpessoal e sentido universal. Pois quanto mais identificada estiver a pessoa com suas
emoções, com sua auto-imagem, mais se torna difícil transcender verdadeiramente sua
identidade egóica. Precisamos, portanto, terapeutas e clientes, estar alertas para as armadilhas
desse ego esperto e sorrateiramente astuto, se quisermos realmente atingir os mais profundos
objetivos da psicoterapia transpessoal. Sendo assim, a importância maior no contexto vivencial
dentro do processo psicoterápico transpessoal é a desidentificação dos conteúdos emocionais
que são produtos pertinentes à auto-imagem, às representações psíquicas e aos ideais do ego.
Léo Matos (1998) coloca que há várias modalidades de atuação dentro da Psicologia
Transpessoal, explicitando essa variedade em quatro níveis:
1. A Psicologia Transpessoal Acadêmica
Essa prática corresponde apenas ao nível intelectual, pois é efetuada através de leituras,
debates e produções intelectuais, e é comumente praticada nas Universidades.
2. A Psicologia Transpessoal de Aconselhamento
Segundo Léo Matos, esta também é exercida num nível intelectual através do apoio
verbal à escuta dos problemas e dificuldades da pessoa, aconselhando-a e orientando-a a agir de
determinadas maneiras, a buscar informações em leituras ou formas de meditação, etc.
3. A Psicologia Transpessoal de Exercício
Este é o nível em que o terapeuta aplica uma variedade de exercícios para o cliente,
como por exemplo: uma jornada de fantasia, desenho do mandala, um tipo de respiração, uma
meditação, etc., no sentido de favorecê-lo a atingir um estado de consciência alterado em
direção ao transpessoal. Neste nível também se utiliza aconselhamento e trabalha-se focando o
aspecto intelectual de organização metodológica.
4. A Psicologia Transpessoal Existencial
Este nível inclui os três níveis anteriores, mas vai além em direção a um estágio mais
profundo onde é incluído também o corpo e a mente numa totalidade do ser em todas as suas
dimensões. É qualificado por Matos "Terapia do Colchão", isto porque o paciente deita-se num
colchão na frente do terapeuta que lhe sugere fechar os olhos, relaxar e entrar em contato com
aquela sensação ou sentimento que o aflige e que o conduzirá aos conteúdos inconscientes de
gestalts abertas em quaisquer das suas dimensões. Neste contexto é usada a técnica do "Sonho
Catártico Diurno", sendo uma das práticas mais utilizadas por Matos (1993).
Em nossa experiência como clientes e também como terapeutas podemos ratificar a
eficácia deste quarto nível que permite o desbloqueio do inconsciente, facilitando o acesso às
suas camadas mais profundas que pertencem aos níveis psicodinâmico, perinatal (vida intra-
uterina) e transpessoal (memórias de vidas passadas ou experiências ancestrais que extrapolam
considerações espaço-temporais). O processo final é a mudança de percepção do cliente que o
leva a abandonar comportamentos beligerantes, conflitos consigo mesmo e com os outros,
passando a adquirir atitudes cooperativas e compassivas, valores novos e elevados numa total
transformação da sua consciência.
Outro veículo usualmente adotado no seu estilo psicoterápico é o desenho do mandala,
como um recurso terapêutico e autoterapêutico. A partir dos seus estudos com Joan Kellog 37 e
do seu contato com várias culturas, especialmente a cultura tibetana, Matos desenvolveu
pesquisas e criou uma interpretação própria do desenho do mandala. Como ele mesmo define:
"o mandala é um recurso terapêutico e autoterapêutico que permite a pessoa, não apenas fechar
suas gestalts abertas - nos níveis psicodinâmicos, perninatais e transpessoais - como também
indicar com precisão o estado de consciência em que ela se encontra." (Matos, 1998)
Sendo assim, o mandala funciona como uma eficiente bússola indicando a rota do
inconsciente para que tarapeuta e cliente possam se orientar com maior probabilidade de
encontrar o melhor caminho para ambos rumo ao processo de cura.
Matos (mimeo) distingue quatro diferentes estágios no processo terapêutico: clarificação,
desdramatização, responsabilização e trabalho. Cada um desses estágios será exemplificado
com um fragmento de caso clínico.
A seguir apresentaremos um pequeno texto elaborado por este paciente para ser
incluído neste livro.
Como todo psicoterapeuta que abraça a abordagem transpesssoal, Woolger trabalha com
estados incomuns de consciência, atingindo diversos níveis da psique, semelhantes aos
didaticamente apresentados por Grof em sua cartografia, porém ampliados num mapeamento
próprio. Esta expansão se deve a influência de sua formação junguiana anterior e aos seus
conhecimentos em religião comparada, principalmente do Vedanta e do Budismo Tibetano.
Objetiva também, claramente, a transformação da consciência, através da dissolução do
conflito e sua desidentificação, e o contato com o Centro Unificador (Self). Entretanto, sua
peculiaridade básica é que confere enfoque regressivo com ênfase no nível transpessoal, isto é,
focaliza os fenômenos do inconsciente que vão além da identidade desta realidade ordinária
(nome, papéis que desempenha na vida, idade, sexo, situação social, etc.) transcendendo tempo-
espaço-identidade egóica.
Como está explicitado no seu livro, além do plano de vidas passadas, seu trabalho se dá
nos planos: biográfico, existencial, perinatal (vivências relativas ao nascimento desta ou de
outras vidas), somático e arquetípico/espiritual. Roger Woolger inclui o conceito “espiritual”
junto com “arquetípico porque arquétipo perdeu seu sentido original na psicologia hoje,
segundo ele, sofrendo uma degeneração ou corrupção no sentido somente de “imagem
essencial” ou “mítica”.
Os fenômenos transpessoais largamente pesquisados38 incluem registros psíquicos como
as representações psicológicas de vidas pretéritas do cliente ou da história da humanidade, das
raças, da gênese do universo, ou mesmo da própria consciência criadora, "registro akáshico"
para as tradições orientais, mais popularmente conhecido como o Inconsciente Coletivo de
Jung, com toda gama de material arquetípico herdado. Sobre tais registros Woolger (1988)
recomenda o Livro Tibetano dos Mortos, o qual lhe serve de base para sua teoria e técnica,
concordando com o Lama Anagarika Govinda39 que estados de concentração podem levar à
memória subconsciente, depositária daquelas representações descritas acima. O criador do
modelo de psicoterapia exposto aqui ressalta, em seu livro e na sua prática profissional, a
meditação como meio eficaz para fornecer a este acesso.
Ele abraça a Psicologia Transpessoal como um dos princípios descobertos por Jung, por
esta lhe permitir maior liberdade, por abranger a sabedoria das tradições místicas antigas e as
sínteses das psicologias ocidentais.
A Terapia Regressiva Integral é como ele denomina sua abordagem, este nome também
indica a sua proposta de visão do todo no processo, ou seja, do homem como Ser integral,
atentando para o aspecto multinivelado da psique, que segundo Grof (1988), possui um padrão
holográfico.
O interesse de Woolger em seu trabalho não está em provar uma teoria reencarnacionista
ou propagar uma doutrina que a encerre. Ele salienta que informa a seus clientes que a crença
deles na reencarnação é indiferente para a eficácia de sua abordagem psicoterapêutica, que
enfoca vidas passadas. Entretanto, faz-se mister que acreditem no poder da mente inconsciente
em favor da cura (Woolger, op.cit., p. 61).
A busca para utilizar este potencial interior é vista na história de inúmeros profissionais e
abordagens.
38
Ver bibliografia indicada ao final deste livro.
39
O Lama Anagrika Govinda, estudioso alemão convertido ao budismo, fez o "Prefácio Introdutório"do
Livro Tibetano dos Mortos, em sua tradução para o Ocidente por W.Y. Evans-Wentz (1960). Este livro
também foi prefaciado por Jung, dado a sua importância para a sua psicologia.
Para a Psicologia Transpessoal foi marcante a criação por Jung do método da
imaginação ativa40 que proporciona uma interação com o inconsciente e que influenciou
psicoterapeutas como Léo Matos e Roger Woolger, que o modificaram em sua prática. O
objetivo do método junguiano é permitir que a imagem venha à tona com sua própria energia
psíquica autônoma, exercitando um ego neutro/observador semelhante ao ego onírico. Este, em
vigília, é encorajado a enfrentar a situação onírica da forma mais direta possível, a não fugir e a
permitir que emoções desagradáveis sejam expressas como num diálogo.
O trabalho de Woolger possibilita esse enfrentar em nível de grande catarse, como
também estimula o indivíduo a ter, através da fantasia, a oportunidade de fechar situações
inacabadas, inclusive realizando sonhos, ideais, vitórias, saídas de situações de perigo etc,
resgatando seu poder interior. Nesse aspecto, assemelha-se ao trabalho de Matos, porém
distingue-se por enfatizar a vivência de eventos passados ou imaginários através da consciência
corporal e da regressão psicodramática. Matos enfatiza o seguir adiante a partir do conteúdo
emergente na vivência, trabalhando também com as fantasias sobre o futuro para contatar a
morte das identificações egóicas e o conseqüente renascimento psicológico.
Woolger raramente utiliza técnica hipnótica tradicional específica de regressão na terapia
de vidas passadas, por crer ser viável levar os clientes a um transe tradicional moderado apenas
atentando para palavras, frases ou imagens internas que parecem significativas, de forte carga
energética, segundo as queixas e a sintomatologia. Ele percebe como sendo uma questão de
"estilo pessoal" a forma de acessar o inconsciente. Lembra Moreno, pai do psicodrama, que
também enfatizava o transe para a cura sem nunca ter usado nada que lembrasse hipnose
tradicional (op. cit, p. 67).
Woolger procura a "história por trás da história", principalmente quando percebe que o
sofrimento é desproporcional ao fato que aparentemente o ocasiona. A isto cabe bem o que Jung
observou: "o sofrimento neurótico é um sofrimento inautêntico" (Woolger, op.cit., p.70), na
medida em que esconde a verdadeira dor através de manifestações expressos em “jogos” nos
quais a pessoa parece mantê-la (moldes neuróticos).
Assim sendo, o objetivo de contatar a história de vida passada é tornar a conectar o
sofrimento neurótico às suas raízes psíquicas, favorecendo o cliente na desidentificação das
situações atuais às quais, na realidade, o sofrimento neurótico não pertence. Promove-se, assim,
a liberação do sofrimento e conseqüente cura da memória traumática.
Tomamos como exemplo o caso de Elizabeth, citado em Woolger (op.cit.,p.68), que
vivenciava uma profunda ansiedade relacionada a três gatos que ela cuidava em casa. Sentia-se
impossibilitada de deixá-los por muito tempo e isso atrapalhava sua vida no que se referia a
viagens, férias, enfim, a ausentar-se. Na sua história já havia registro de algumas perdas
desastrosas de animais, e ela configurava uma certeza em sua mente estruturando-se em padrões
de pensamento: "Não posso deixá-los, porque algo vai lhes acontecer" e mais, "É tudo culpa
minha, não me dedico a eles o bastante".
Seu inconsciente, ao ser estimulado, deu ao terapeuta, o próprio Woolger, a história de
uma mulher que morava, talvez no norte da Escócia, com seu marido e dois filhos pequenos de
três e quatro anos. Não queria ter filhos por não gostar de cuidar deles. Depois de umas brigas
40
Há vários métodos muito semelhantes a “imaginação ativa”, por exemplo: a “técnica do sonho desperto”
popular na Europa nos anos 20. Ver Mary Watkins”(1976) em “Waking Dream”.
por causa disso, deixa o marido lá fora em meio a uma tempestade com as crianças, pensando
"Não vou deixá-los entrar. Ele que cuide deles, já que o faz tão bem".
A tempestade piorou, e houve um tempo de silêncio. Depois voltaram a bater.
Reconhece que é seu menininho, mas mesmo assim não quer dar o braço a torcer. "Vou mostrar
a eles". A mulher parece não se dar conta das possíveis conseqüências a que seus atos de birra
podem levar.
Pela manhã, a tempestade havia cessado e pensa que devem ter passado a noite na
pousada. Percebe que a porta não quer abrir, lembra que podem ser as crianças bloqueando-a. A
menininha está morta e o menino inconsciente morre poucas horas depois. O marido, ela não
encontra em parte alguma, só depois sabe que ele havia colocado as crianças num carrinho-de-
mão para ir à hospedaria, mas teve um colapso e acabou morrendo de um ataque cardíaco. As
crianças tinham voltado para casa para contar à mãe e ela não lhes abrira a porta.
"É tudo culpa minha!" gritava, aos soluços, na vivência. Na vergonha e no remorso, a
mulher não dissera nada aos vizinhos, responsabilizando o marido pela tragédia.
A culpa a corroeu pela sua vida inteira e morreu com o pensamento: "Não confio em
mim para cuidar de ninguém".
Esta história estava então por trás do medo de deixar os gatos. A catarse e a
compreensão a libertaram, e ela conseguiu logo em seguida gozar duas semanas de férias,
deixando a alimentação de seus gatos aos cuidados de um amigo. Enviou um cartão ao terapeuta
onde referia ter conseguido aproveitar sua viagem e não ter pensado nos gatos nem uma vez.
Assim, percebemos a ansiedade (se deixasse os gatos algo terrível poderia lhes acontecer
= sofrimento inautêntico), que desaparece por fim ao liberar sua culpa e padrão de pensamento
de ser incapaz de tomar conta de alguém (sofrimento autêntico, vindo da subpersonalidade da
história de onde se originou).
O sofrimento autêntico ressoa simbolicamente mascarado, disfarçado numa condição
inautêntica de sofrimento, levando-a a uma vida limitada, com seu prazer atrapalhado
(autopunição).
Quando Woolger lhe facilitou a tomada de consciência do verdadeiro sofrimento que
havia por trás, como também lhe proporcionou a expressão psicodramática e catártica do
mesmo - através da catarse dos bloqueios nos níveis físico (tensão, choro), emocional
(ansiedade, culpa, vergonha, remorso) e mental (padrões de pensamentos ligados à cobrança de
sua responsabilidade), desconectaram-se os elos sintomáticos que uniam a história original de
vida passada, com seu sofrimento autêntico, à vida atual. Assim, o bloqueio oriundo do trauma
da subpersonalidade do passado, expresso nos impedimentos a uma vida presente mais saudável
e livre, chegou ao término após a desidentificação do ego de Elizabeth e conseqüente
transformação das suas atitudes, padrões de pensamentos e sentimentos através da ampliação de
sua consciência com esta abordagem.
Woolger utiliza-se de um trabalho psicodramático a partir da imaginação espontânea
e/ou dirigida (sobre impressões, sensações, imagens, sentimentos). Pretende com isto levar as
circunstâncias emergentes à sua consumação, fechando as situações inacabadas com a
finalidade de favorecer ao paciente completa liberação e depuração (catarse, que vem do grego
catarsis e significa purificação) do trauma (bloqueio de energia).
Estes desbloqueio e purificação incidem nos três níveis de energia: nível físico
(relacionado ao corpo etérico), nível emocional (ao corpo emocional) e nível mental (ao corpo
mais sutil de todos), isto é, nos diversos corpos energéticos sutis que existem além do corpo
físico, seguindo as tradições orientais e a teosofia41.
a) O corpo etérico: atingido através dos resíduos físicos da experiência, somatizações,
memória corporal;
b) O corpo emocional: através dos resíduos das emoções bloqueadas, congeladas;
c) O corpo mental: através dos resíduos de crenças, padrões de pensamentos, decisões
resultantes das vivências passadas que continuam atuando na vida presente.
Woolger acredita que apenas quando se atinge a expressão completa desses padrões de
pensamentos, emoções e sensações, é que se faz possível descongelar realmente a respectiva
energia (“crise curativa"). Neste empenho, aconselha não se ater ao trabalho com boas vidas,
contudo priorizar as difíceis por estarem mais carregadas de potencial curativo. Através da dor,
seja ela psíquica ou física, o todo organísmico manifesta seu desequilíbrio.
Ele discorda que evocar figuras arquetípicas, espirituais curadoras ou protetoras, seja
suficiente para curar a dor psicológica. "Às vezes, a morte do velho ego é exatamente o que se
precisa para que o outro possa nascer" (Woolger, op.cit., p. 64), ressalta justificando a ênfase da
sua técnica em investigar a dor reprimida.
Os sintomas físicos crônicos, principalmente os resistentes aos tratamentos
convencionais, como dores nas costas, asma, ejaculação precoce, frigidez... - escondem
histórias anteriores mais antigas. Descreve em seu livro como dores nas costas podem evocar
memórias de punhaladas, espancamento, desabamentos, fraturas e pesos de cargas; assim como
na asma pode emergir memórias de asfixia por envenenamento, afogamento ou enforcamento;
como em problemas de ejaculação precoce podem haver registros de humilhação pública com
os genitais, vergonha e tortura sexual; assim como os casos de frigidez podem estar conectados
a memórias de estupro e abusos em vidas passadas.
Baseando-se em sua cartografia multinivelada da consciência (vide cap.1, item 1.3.3.3.
neste trabalho), através do modelo da Flor de Lótus, busca atingir o complexo oculto por trás
dos sintomas. Lembramos que Woolger ampliou o conceito junguiano para complexo de vida
passada, ou complexo kármico, ou samskara, que melhor explicitam as tendências à ação
baseadas em influências de padrões estabelecidos no passado. Woolger se baseia nos conceitos
do Yoga que vislumbram que essa transmissão de padrões poder ser dada de uma vida para
outra.
Ele considera muito fácil chegar aos vários planos de um complexo (quer seja o plano
biográfico, o existencial, o somático, o perinatal, o arquetípico ou o de vidas passadas) e atingir
o sentimento nuclear que o identifica quando se consegue ouvir a ressonância simbólica da
linguagem verbal ou corporal do cliente. Conforme foi dito, entende-se por ressonância
simbólica as associações no nível do simbolismo ou metáfora (que o inconsciente apresenta em
pensamentos, imagens, sentimentos e sensações), constituidoras de um complexo, mais
simplesmente explicitadas nos cursos de formação que ele ministra, como "gatilhos" ou pistas
que conduzem a eventos passados.
A partir do que já se tem disponível na superfície da consciência, Woolger estimula o
uso de metáforas que passo a passo descortinam uma história nova. Na sensação de dor no
peito, por exemplo, o terapeuta indaga: "É como se...?" Esta pergunta é um estímulo para que a
41
O modelo de Woolger do corpo sutil e seus vários níveis se deriva do trabalho da teosofista Alice Bailey
sobre os Sutra da Yoga de Patanjali.
energia bloqueada possa emergir. Ele pode responder: "É como se um instrumento pontiagudo
penetrasse em meu tórax"... O terapeuta também pode fazer sugestões de possibilidades que
serão confirmadas ou não pelo cliente:
T (Terapeuta): É como se fosse o quê, lhe prendendo os pulsos: uma corda, uma
corrente, algemas....?
C (Cliente): Não... são as mãos firmes de um homem... Ah! Ele está me arrastando... vai
me jogar no abismo! Oh, não! Não consigo me desvencilhar! Ele é muito forte! Ele vai me
jogar!
Assim, vão surgindo as imagens, sensações, sentimentos, pensamentos, que vão trazendo
a história encoberta nos sintomas, não apenas para revivê-la, mas para permitir-lhe expressão
numa intensidade suportável, e por fim conduzi-la a um fechamento em termos de configuração
intrapsíquica (princípio da terapia Gestalt).
Woolger salienta tipos básicos de complexos oriundos de vidas passadas que
impulsionam o indivíduo a desenvolver sintomas e atrair eventos, os quais seguem os princípios
junguianos da sincronicidade. Aqui, basicamente simplificados para efeito didático, estão eles,
entre outros:
complexo de culpa (atos insanos, tiranos, brutais, crimes, etc.);
complexo de baixa auto-estima (erro ou fracasso);
complexo de vergonha (humilhações e rejeição social);
complexo de medo da violência (morte trágica ou violenta);
complexo de raiva e ódio;
complexo de abandono, perda ou separação dolorosa;
complexo de desespero silencioso e depressão (geralmente vidas de submissão, onde já
se perdeu a esperança de mudança);
complexo de sexo (compulsão ou rejeição)
complexo de medo do poder (poder tirano e submissão excessiva);
complexo de traição (foi traído);
complexo de tempo (“não vai dar tempo”, em que no passado não se conseguiu ter
tempo de fazer algo importante);
complexo de autodesagrado (rejeição do corpo);
complexo de abuso/choque/dissociação.
O princípio fundamental do “trabalho com os dramas da alma”, como o criador do
método costuma adjetivá-lo, é seguir a energia para onde quer que ela nos leve. Ex: regredir a
partir de queixas de momentos atuais para suas interligações a uma vida passada e de lá voltar a
eventos infantis desta vida presente; ou regredir partindo de traumas da infância para uma vida
passada e daí para eventos desta vida. As correlações se manifestam à medida que nós
movemos a energia emergente.
Woolger indica a estruturação de sua técnica regressiva através de um determinado
roteiro, fruto de longos anos de observação empírica. Após uma criteriosa entrevista ou
aplicação de alguns jogos que facilitam o acesso a imagens ou sensações corporais ou padrões
que pareçam “gatilhos” ao terapeuta, passa-se por diferentes estágios, os quais configuram a
essência de sua técnica. Solicita-se ao cliente que psicodramatize e se comunique no tempo
presente, aqui e agora.
A seguir, apresentaremos sinteticamente os estágios.
Estágio 1: Estimula-se a incorporação ao personagem (da vida passada ou desta vida mais para
trás), ancorando-o.
O “guia” usa frases como: “Olhe para os seus pés. Veja o que você está usando. Que tipo
de corpo você tem?”
Cliente: - Estou me vendo calçando os sapatos que ganhei no meu aniversário. Tenho 8
anos. É nesta vida mesmo.
Estágio 3: Desenvolve-se o enredo. Aqui o “guia” direciona o cliente para frente e para
trás no tempo, buscando os momentos-chave da vida daquele personagem, ou seja, momentos
de significativa carga emocional. Auxiliado pela ação do terapeuta, utilizando frases como
estas, o inconsciente os trará rapidamente:
- Vou contar até três e você vai para o próximo momento importante desta vida: um,
dois, três!... O que acontece?... O que você vê agora?
- Entre em contato com essa angústia, esse medo de ficar sozinha. Vá para quando
você sentiu isso mais forte, pela primeira vez. Um, dois, três!
- Volte para a aldeia a qual você pertence, de onde você veio, agora. O que está
acontecendo?
42
Este é usado aqui por Woolger, referindo-se ao estágio da regressão onde o personagem se vê no mundo
espiritual, após a morte. Corresponde ao espaço entre-vidas, intermediário entre a vida e a morte, segundo o
Budismo Tibetano.
W: Como você pode fazer isso agora? Use sua imaginação! (Aqui o terapeuta usa uma
firmeza confiante para favorecer o psicodrama e os efeitos curativos da imaginação, para
transformar os resíduos impressos no corpo sutil).
S: Imaginando que vem um índio, um pajé.
W: Então traga esse índio até você. E o que acontece?
S: Ele me faz cortes em ambas as pernas, próximo aos tornozelos, um pequeno corte na
parte inferior, na frente... e agora tchiii...(faz um som como de um líquido escoando).
W: Thiii... (o terapeuta reforça a onomatopéia, acompanhando, empaticamente).
S: Ah! (respiração de alívio).
W: Ótimo, muito bom. (Pausa, respirando aliviado). Como você se sente agora? Como
você está sentindo as suas pernas?
S: Livres. Saiu uma substância escura. Estão bem de novo. Sinto-me aliviada.
Num outro exemplo43, Salete Menezes relembra seu histórico de bronquite na infância
que se repetia na sua vida adulta em circunstâncias de grande ansiedade, embora de forma leve.
Na regressão, ela contata um personagem judeu que morreu na câmara de gás, preocupado por
não saber onde estavam as filhas pequenas e o que podia estar lhes acontecendo. Morreu
pensando que não iria conseguir escapar dali (sem saída) e não iria, por conseguinte, salvar as
suas filhas, onde quer que estivessem. Após a vivência da morte conservava uma respiração
muito difícil denotando a intensa contração diafragmática que protegia o judeu de inspirar
totalmente o gás venenoso.
T (terapeuta)44: - Homem judeu, acabou. Você não está naquele corpo na câmara de gás.
Está no mundo espiritual. Pulmões, tomem consciência de que já acabou. O seu corpo aqui já
pode respirar livremente. Pulmões, aqui no mundo espiritual o ar é puro. Expandam-se e
respirem livremente de novo.
Apontamos notadamente o poder curativo deste momento intermediário entre-vidas,
testemunhando a habilidade do terapeuta em oferecer caminhos ou sugestões de recursos para o
próprio cliente descobri-los, ou ainda em abrir-se para o imenso potencial criativo da mente do
cliente rumo à transformação, devendo estimulá-lo a entrar em contato e desenvolvê-lo.
Portanto, aqui se trabalhava para “limpar” os três maiores corpos sutis: corpo mental
(pensamentos inacabados), corpo emocional (sentimentos inacabados) e corpo etérico
(sensações inacabadas).
43
Ambos do arquivo das experiências pessoais de Menezes, colhidos durante os cursos de formação em
Terapia Regressiva Integral, com Roger Woolger.
44
O terapeuta, Aurino L. Ferreira, conduziu o episódio no bardo.
consciência rumo ao Centro Unificador ou Self, que possibilita ao cliente transcendência em
relação aos conflitos.
A resolução de gestalts também se dá pelo uso da imaginação criativa na busca de
harmonia e realização das necessidades. No exemplo da personagem judia, que morreu na
câmara de gás, possibilita-se o seu reencontro com seus filhos no bardo, através de psicodrama,
para finalmente solucionar sua ansiedade de reavê-los com a morte.
Aqui há a oportunidade de se promover o perdão entre vítimas e algozes e o reencontro
com entes queridos.
Nesta etapa em particular, sobressai a sensação de identificar pessoas daquela história
que participam da vida presente. Isto favorece preciosos insights sobre os relacionamentos
atuais e a desidentificação com padrões projetivos e conseqüente transformação egóica rumo à
transcendência
Sabe-se que em transpessoal, por envolver estados alterados de consciência, é necessária
uma formação teórico-experiencial. O trabalho de Woolger não foge à regra, principalmente por
envolver estados regressivos. Ele constata que a medicação psiquiátrica geralmente inibe as
reações e bloqueia o processo em sua técnica, interferindo nos resultados, preferindo trabalhar
com pessoas que não estejam dela fazendo uso. Por este motivo e também por considerar
necessário uma certa estruturação egóica, aconselha cautela com borderlines, com os quais
deverá ocorrer maior assistência terapêutica. No momento, não existem pesquisas com
pacientes psicóticos, e, por conseguinte, sua aplicação nessa área não adquiriu respaldo seguro,
não sendo ainda aconselhada para o trabalho de terapeutas iniciantes, cuja experiência não
fornece subsidio seguro para transitar nesse universo.
“As 50 principais propensões (vrttis) são dependentes dos vários chakras e são
expressadas interna e externamente através das expressões vibracionais dos
chakras. Estas vibrações são a causa dos hormônios serem secretados das
glândulas e a expressão natural e não natural das propensidades (vrttis) dependem
do grau normal e anormal da secreção desses hormônios”. (P.R. Sarkar, apud
Susan Andrews, mimeo)
Neste sentido, a Biopsicologia surge como um approach científico que busca integrar os
vários aspectos do ser humano, trabalhando o homem dentro de uma visão integral. Para isso
utiliza-se de práticas psicofísicas com o intuito de equilibrar as glândulas endócrinas e suas
secreções hormonais considerando-as como “pontos nodais onde a consciência conecta no
corpo físico”.
Esta abordagem amplia a visão dos mecanismos da mente, das emoções, dos sentimentos
e pensamentos, tendo como um dos referenciais teóricos as pesquisas realizadas por notáveis
neurofisologistas e ainda as extraordinárias descobertas no campo da influência dos
neurotransmissores no comportamento.
Propondo um mapa funcional do psiquismo que extrapola os velhos conceitos no campo
de estudo do comportamento humano, a Biopsicologia é uma teoria/prática que, indo além do
mapeamento, propõe uma ação direta e terapêutica no sentido de, por etapas sucessivas, o
indivíduo tornar suas propensões psíquicas ou vrttis cada vez mais sutis, realizando um
processo alquímico no seu corpo/mente para atingir sua essência espiritual num estado de bem-
aventurança (estado de unidade cósmica).
Partindo do pressuposto básico compreendido na anatomia psíquica sutil, temos os sete
chakras como transformadores de energia e de consciência que decompõem a energia dos
nossos corpos mais sutis para os mais densos. Sendo que freqüências vibracionais mais sutis
entram em nosso Ser pelo chakra mais elevado, no topo da nossa cabeça, e são
progressivamente transmitidas, num efeito cascata, através dos chakras básicos para suprir os
planos mais baixos da consciência até que elas atinjam nosso sistema celular no corpo físico.
Os subcentros dos chakras, ou vórtices energéticos, vão ativar as glândulas endócrinas
(A’caria, 2000a, p. 9) estimulando ou inibindo a produção dos seus respectivos hormônios. A
freqüência vibracional desses subcentros provoca um padrão específico de energia psíquica, ou
seja, um vórtice de pensamento denominado Vrtti (em sânscrito) que altera o campo mental
como um todo, causando um estado emocional específico. Para melhor visualizar esta ação,
vejamos o quadro45 a seguir:
Expressão Emocional/Comportamental
1o . CHAKRA – Múládhára
1. Desejo Físico
4 Vrttis: 2. Desejo Psíquico (expressão mental)
3. Desejo Psíquico Espiritual
45
Quadro retirado, com autorização, do mimeo do curso de biopsicologia da Drª Susan Andrews.
4. Desejo Espiritual
2o . CHAKRA – Svadisthana
1. Indiferença – desdém
2. Falta de auto-confiança - submissão
6 Vrttis: 3. Impiedade
4. Estupor psíquico
5. Auto-indulgência
6. Autodestrutividade
3o CHAKRA - Manipura
1. Crueldade
2. Irritabilidade
3. Sede de desejos
4. Apego
10 Vrttis: 5. Medo
6. Ódio
7. Timidez
8. Ciúme
9. Letargia
10. Melancolia
4o CHAKRA - Anahata
1. Esperança
2. Desespero
3. Auto-estima - Ego
4. Preocupação
5. Ganância
12 Vrttis: 6. Esforço
7. Afeição
8. Hipocrisia
9. Arrogância
10. Tagarelice
11. Arrependimento
12. Consciência
5o CHAKRA – Vishuda
1. Altruísmo (expresso no plano físico)
2. Altruísmo (expresso no plano sutil)
16 Vrttis: 3. Sentimento de Universalidade
4. Entrega do ego individual a um poder espiritual mais elevado
5. Vocalização repulsiva
6. Vocalização atraente
As outras dez propensões são na realidade raízes acústicas, formas de
energia psíquica mais sutis, sem expressão emocional alguma.
6o CHAKRA – AJNA
7o CHAKRA – Sahasrara
Não apresenta Vrttis.
Para melhor esclarecer o leitor como funciona este modelo terapêutico integral, faremos
um breve relato de um caso clínico, conduzido por Eliége Brandão:
Uma jovem com 27 anos chega ao nosso consultório acompanhada pela genitora
(pois não conseguia sair de casa sozinha) com queixas de crises de pânico que a
estavam impedindo de ir à Faculdade, ao trabalho, bem como a outros lugares.
Além dos acessos de pânico, a referida cliente queixava-se de tristeza, ciúme, apego
excessivo. A análise inicial do discurso da paciente indicava uma alteração nos
Vritts do 30 Chakra.
Iniciamos as sessões de psicoterapia transpessoal e paralelamente lhe sugerimos
conjugar com exercícios psicofísicos fundamentados no sistema tântrico de práticas
da Biopsicologia (asanas e meditação) indicadas para equilibrar o terceiro chakra,
que tem os Vritts (propensão psíquica) do medo, ciúme, melancolia, etc.
Após um período com esse tratamento sistemático, ela nos revela que já não tem
as crises de pânico; expressa alegria, boa disposição, desprendimento e coragem
para enfrentar seus problemas cotidianos. (arquivos dos autores).
“O Trabalho com o chakra cardíaco tem especial importância, pois nele está a
base, o suporte para que as emoções e sentimentos possam mudar suas qualidades,
aumentando as ligações positivas do indivíduo com o mundo, encorajando a sua
saída dos limites egóicos” (p.152)
Esse enfoque com os chakras, baseia-se no Tantra Yoga (A’caria, 2000b), seguindo os
ensinamentos do iogue Shrii Shrii Anandamúrti que enfatizam, sobretudo, o “Chakra do
coração”como um dos pontos chaves na Biopsicologia desenvolvida por ele e ensinada por
Susan Andrews. Esse chakra se destaca como a alavanca que dinamiza a metamorfose humana.
Na construção do seu trabalho sistematizando a Biopsicologia, ela desenvolve uma
interconexão grupal em que as pessoas são treinadas no aprimoramento da relação interpessoal
visando a transcendência de seus impulsos primários. Essa visão de ação grupal deve-se ao fato
de não estarmos mais em tempos de investir apenas na individualidade do sujeito, na
espiritualização pessoal, mas sim, atingir toda uma coletividade, favorecendo o
desenvolvimento da consciência global conectada com o coração global, promovendo mudança
da humanidade no processo de socialização espiritualizada. Esta é uma forma
predominantemente usada por Susan Andrews.
CAPÍTULO IV
O PSICOTERAPEUTA TRANSPESSOAL
46
Os fragmentos de casos apresentados nesta seção foram colhidos durante os grupos de Especialização em
Psicologia Transpessoal, Recife, PE, sendo as adaptações, com vistas a preservar a identidade dos
participantes, da inteira responsabilidade dos autores.
No que diz respeito à análise do tripé formador citado, a Psicologia Transpessoal sugere
que o aprendente experiencie, vivencie o fenômeno em si mesmo, enquanto sujeito aprendente,
de forma que o vivenciando possa elaborar um saber que vai além do cognitivo, não
descartando, é claro, a sistematização do conhecimento, conforme exige a metodologia
científica.
No processo formativo, a integração dos três elementos é buscada constantemente de
forma a não se estimular divisões, tão presentes nos meios formativos, que ora oscilam em um
nível eminentemente teórico, ora tornam-se “práticos”, ou melhor, destituídos de reflexões, ou
um simples “puro fazer”.
A simples construção de um saber em relação à construção de um saber fazer na
Psicologia Transpessoal passa pela modificação da consciência do aprendiz, a partir do
desenvolvimento ou sensibilização das estruturas do nível transpessoal. Sem o aparecimento de
formas de pensar, sentir e agir transpessoais, a formação não pode ser considerada efetiva, pois
a acumulação de conteúdos não garante o SER, nem sustenta um fazer coerente nesta
abordagem.
Em última instância, a formação de um terapeuta transpessoal é vista como um contínuo
processo de desdobramento das estruturas de desenvolvimento da consciência, de forma que
mesmo tendo a teoria, a supervisão e o trabalho transpessoal autorizado o terapeuta a dar início
a sua função de CUIDADOR, o processo formativo continua requerendo do terapeuta um
compromisso direto e permanente com a ampliação de sua própria consciência.
O compromisso ético do terapeuta transpessoal demanda uma busca constante da
essência do SER, um questionamento permanente, instigante e desafiante de suas construções
identitárias, de forma a impulsioná-lo rumo a níveis mais ampliados de consciência.
1. Alteradoras ou transcendentes.
TÉCNICAS 2. Suportativas ou imanentes.
3. Integrativas ou mistas.
Descritiva, experimental, experiencial, clínica,
METODOLOGIAS especulativa.
CARTOGRAFIAS DA O espectro da consciência de Wilber; o modelo
CONSCIÊNCIA OU TEORIAS DA holotrópico de Grof e a flor de lótus de Woolger.
“PERSONALIDADE”
TEORIAS DO O projeto atman e transformações da consciênia
DESENVOLVIMENTO de Wilber.
FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS E Filosofia Perene; Fenomenologia, Holismo e
PRESSUPOSTOS o Humanismo.
47
Matos, Léo. (mímeo) “Supervisão” e “O guerreiro, o poder e a paz”.
fenômeno este conhecido por resistência48. Neste sentido, o supervisor, usando do método
experiencial, circula num lugar que também é o do terapeuta, ao mesmo tempo em que auxilia o
aprendente a des/construção de um intuir/sentir/olhar/escutar/falar em relação ao paciente, à luz
da abordagem transpessoal.
Neste modelo de supervisão, a construção do conhecimento facilitado pelo supervisor
junto ao terapeuta-aprendente dá-se dentro de um contexto experencial, ou seja o terapeuta-
aprendente é convidado não apenas a relatar verbalmente o caso e sua dificuldade com o cliente,
mas a vivenciá-lo, de forma que possa clarificar qual o problema que está impedindo o
andamento do processo. Aqui o supervisor faz uso dos recursos técnicos da transpessoal sem,
contudo, perder de vista o caráter pedagógico da experiência.
As experiências em supervisão visam clarificar o problema do terapeuta-aprendente na
relação com os clientes. No entanto, esta experiência é transformada, buscando alargar a visão
do aprendiz, sem ser descartado os efeitos terapêuticos dessas experiências, pois a resistência é
percebida como uma fixação em alguma área restrita e contraída do ego do terapeuta. De forma
que a ampliação da consciência é apontada como recurso curativo neste processo.
A seguir, apresentaremos um exemplo de como se processa uma supervisão experiencial.
Um terapeuta-aprendente traz para o espaço da supervisão a dificuldade que está
sentindo em relação a um paciente. O supervisor-aprendente solicita que o mesmo assuma o
papel deste paciente, colocando ‘suas dificuldades’, enquanto este assumirá o papel do
terapeuta.
(Supervisor-Aprendente) - Qual o seu problema? O que você deseja de mim?
(Terapeuta-Aprendente1) - Eu estou atendendo uma paciente que é obsessiva
compulsiva. Ela é muito rígida e eu não sei o que fazer?
(S-A) - Como é ser obsessiva-compulsiva?!
(T-A1) - É assim: ela tem rituais extremamente rígidos. Nada que eu faço dá certo.
(S-A) - Então você poderia fazer o papel desta paciente, com essa coisa obssessiva-
compulsiva e eu faço o papel do terapeuta. Você quer fazer isto ou não?
(T-A1) - Quero.
(S-A) - Então, você agora dá um nome para esta paciente e assume o seu papel.
(T-A1) - Meu nome é Maria. E eu estou fazendo este tratamento porque a psiquiatra
mandou.
(S-A) – É, Maria, deve ser muito chato vir para cá porque os outros mandaram.
(T-A1) - É, incomoda-me isto. Mas você é toda certinha. Nunca erra. E você sempre
pede para eu fazer estas coisas. Agora eu não quero fazer nenhuma técnica mais,
não.
(S-A) - Não tem problema, nós não faremos mais nenhuma técnica.
48
Tradicionalmente o conceito de resistência refere-se às possíveis projeções de questões pessoais (aspectos
reprimidos e apresentados como forma de defesa na relação terapêutica). De uma forma genérica, a resistência
no cliente diz respeito a resultante de forças internas que se opõem ao terapeuta ou aos aspectos
metodológicos inerentes ao processo terapêutico. Por outro lado, no terapeuta a resistência também pode
manifestar-se através de um estado algo confuso que coloca o profissional no lugar de rejeição em relação ao
cliente. Considerada como obstáculo à excelência do processo terapêutico, a resistência à luz da teoria
freudiana, desde os tempos pioneiros, é cnsiderada como impedimento terapêutico e indica uma espécie de
armadura do ego, que chega a interferir no caráter à medida que silencia as possíveis recordações que
necessitam da atividade de livre associação e da verbalização do cliente.
(T-A1) - Mas se eu não fizer, eu vou ficar doida, veja como eu sou nervosa. Eu abro
e fecho a porta umas dez vezes. Você quer que eu fique doente?
(S-A) - Você quer ficar doente?!
(T-A1) - Nãooo!!
(S-A) - E o que você faz para não ficar doente?
(T-A1) - Eu começo a mexer-me, a fazer outras coisas que não só pensar na doença.
(S-A) - E como você se sente, não pensando mais só na doença?!
(T-A) - Eu me sinto bem.
Após alguns minutos de vivência da técnica “Hot Sit Transpessoal” (ver cap. V, neste
livro) pode-se trocar os papéis, de forma que o terapeuta-apredente desapegue-se do local
assumido por ele nas relações com o paciente. Durante a encenação, o supervisor identifica-se
com o papel do terapeuta-aprendente, e isto lhe permitirá avaliar melhor a situação, ao mesmo
tempo em que, não se fixando, estimula o terapeuta-aprendente ao desapego e à
desidentificação.
O fato de reviver o conflito sob outros ângulos permite ao terapeuta-aprendente localizar
em si a fonte do conflito (resistência) que está impedindo ou dificultando o desenrolar da
terapia. No caso do exemplo acima, o que estava em foco era o apego da terapeuta à “doença”
da paciente, bem como seu apego à crença de que os recursos técnicos a protegeriam da
“doença” ou preservariam a paciente de um estado doentio.
Quando o terapeuta-aprendente identifica a fonte do conflito, juntamente com o
supervisor, é oferecida a oportunidade de trabalhar o conflito naquele espaço. Isto lhe
possibilita aprender com a experiência do supervisor, ao mesmo tempo em que elabora e integra
seus próprios conflitos. Aqui temos uma marca distintiva da Supervisão Experiencial em
Psicoterapia Transpessoal no modelo adotado pelos autores deste livro com lastro nos princípios
adotados por Léo Matos, pois o oferecer a oportunidade de trabalhar o conflito põe o supervisor
no "lugar de terapeuta", sem, no entanto, excluir a necessidade de um terapeuta como agente de
orientação para dar continuidade à exploração com vistas à cura do conflito abordado.
O espaço da supervisão amplia a leitura do conflito, abrindo novos ângulos e oferecendo
novas possibilidades de compreensão. Porém, por ter um aspecto didático e centrado mais no
foco dos conflitos da relação terapeuta-paciente, a supervisão não esgota os conflitos, cabendo
ao terapeuta-aprendiz buscar um espaço para trabalhá-los, no viés da formação profissional no
que tange aos seus desafios pessoais.
A nível fenomenológico, apesar de considerar-se os aspectos transferenciais tradicionais
possíveis de emergirem na relação terapeuta-aprendiz e supervisor, não lhe são dado ênfase,
sendo estes manejados como uma projeção egóica originada das inúmeras divisões ao longo do
desenvolvimento.
Cabe ao supervisor estar atento para estes “efeitos colaterais” do processo de superação
das divisões, devendo ser capaz de reconhecer, acolher, trabalhar e devolvê-las, de forma que o
terapeuta-aprendente consiga conviver, digerir ou transformar os frutos de suas próprias
divisões.
Neste sentido, o trabalho de supervisão experiencial requer do supervisor uma longa
jornada de transformação da sua dinâmica pessoal e transpessoal, de forma a não manipular o
processo de crescimento do terapeuta-aprendente. Aqui se busca uma relação onde o supervisor
não tenta conformar o profissional-aprendente ao seu modelo de atuação mas, antes, esforça-se
na criação de um ambiente de acolhimento, de confiança e de criação construtiva de uma prática
terapêutica reveladora da aquisição dos fundamentos teórico-metodológicos num contexto
pedagógico-vivencial, ou seja, o aprendizado da abordagem transpessoal do ponto de vista da
intervenção e execução terapêutica se dá através de uma ação supervisionada que se propõe a
ser eminentemente transpessoal, possibilitando àquele que se exercita, sentir-se apoiado na
construção de seu próprio caminho. O supervisor tem a função de possibilitar a abertura de
novos horizontes, mas jamais deverá determinar o caminho a ser percorrido pelo aprendente.
O fragmento de trabalho com um terapeuta-aprendente ilustrará como se processa a
dinâmica de uma supervisão experiencial.
(Supervisor-aprendente) - Qual é o seu problema!? O que você deseja de mim!?
(Terapeuta-Apredente2) - Eu estou com dificuldade em lidar com um paciente
novato, sempre que imagino utilizar algum exercício com ele, penso que ele poderá
enlouquecer, e que serei o responsável por isto. E que o melhor é parar de atendê-
lo.
(S-A) - Quando isto aconteceu pela última vez?
(T-A2) - Foi há quinze dias atrás, quando ele queixou-se de que vinha sentindo
dores no estômago, uma dor que acumulava força na altura do “chakra solar”. Eu
iniciei o trabalho com uma “jornada de fantasia”, pedindo que o mesmo
mergulhasse nesta dor e me dissesse no presente o que estava acontecendo. Neste
mergulho, ele voltou para um lugar escuro, onde estava sendo pressionado por
todos os lados. Iniciou também toda uma mundança corporal, demonstrando
encontrar-se na forma de feto. Sentia muito frio e queixava-se da pressão sobre seu
corpo. Havendo completado o processo de nascimento, o mesmo passou para uma
dimensão transpessoal, descrevendo uma igreja antiga com uma praça a sua frente.
Nesta praça, um ancião o esperava. O mesmo dizia que iria conduzí-lo para a
origem da sua angústia (o paciente havia procurado a terapia por apresentar crises
de angústia ao levantar pela manhã).
Eles começaram a caminhar pela rua próxima à igreja dirigindo-se para um
local mais afastado. O paciente descreve com detalhes as ruas, que cada vez vão
ficando mais pobres a medida em que eles se distanciam do início da caminhada. O
paciente muda a postura corporal, assumindo uma rigidez corporal e emite gritos.
Ele agora se vê transformado, com botas pretas e brilhantes e com roupas que
destacam sua alta posição social. O mesmo passa a viver a vida daquele
personagem, que explorava as mulheres de um bordel, pois seu grito foi por ter
reconhecido este antigo lugar. Lugar com o qual já tinha sonhado anteriormente.
Desenrola-se um drama que culmina com a morte do personagem de um possível
câncer de estômago, ou de uma úlcera; o mesmo descreve-se no leito de morte,
envelhecido, sozinho e com imensas dores no estômago. Chora profundamente neste
momento, repassando a exploração das mulheres do bordel, bem como se angustia
com o não poder dormir, pois tem medo de morrer. Solicito-lhe que vá para o
momento exato da morte e diga-me o que acontece. Fala de suas dores lancinantes,
chora, contorce-se sobre o colchão e morre na fantasia. Relaxa profundamente,
sendo incentivado a procurar uma luz branca ou amarela. Encaminha-se para a luz,
identifica-se com a mesma, sentindo um imenso bem-estar. Volta na forma de luz
para o corpo e faz a fantasia que está preenchendo-o de luz. Peço que o mesmo faça
a fantasia de que vai começar a iluminar sua vida desde o nascimento. Ele volta
para o momento do nascimento usando a força da luz para nascer, continua
utilizando-a no processo de crescimento, sempre iluminando os momentos mais
difíceis de sua vida, desbloqueando as possíveis fixações deste passado, real ou
imaginário. Chega aos dias de hoje sentindo a força desta luz. Peço que busque
associações com seu momento de vida atual. Localize pontos de tensão e repetição
do passado; solicito que avance para o futuro e veja-se daqui a um ano como se
encontra em relação a angústia. Fala que não sente mais angústia, está tranqüilo
frente às situações da vida que evocavam a mesma. Ele segue adiante até o
momento de sua morte, e vê-se tranquilo. Morre em paz e volta para a fonte de luz,
onde se reabastece e se torna todo luz. Peço que, na forma de luz, volte para o aqui
e agora; luz que entra pelo centro da sua cabeça e preenche todo o seu corpo.
Pergunto como se sente agora. Ele sente-se relaxado e tranqüilo, não manifestando
tensão corporal. Ele fala que o ancião lhe recomendou tranqüilidade e paz em sua
vida e que ele deveria desviar o pensamento das fixações de doenças, sugerindo
exercícios de meditação.
(S) - Então, qual é o seu problema?
(T-A2) - Durante a vivência tive medo que o paciente enlouquecesse. Senti uma
pressão na altura do estômago (chakra solar).
(S-A) - Em que momento você sentiu isto? Fale pra mim, no presente, deste
momento.
(T-A2) – Quando o paciente está gritando e se contorcendo. E meu estômago
começa a doer.
(S-A) - Quero que você deite-se agora no colchão e concentre-se nesta dor e
diga-me o que acontece.
(T -A2) - A dor aumenta e sobe para minha cabeça. Neste momento vêm
lembranças do meu primeiro estágio na área de psiquiatria. Eu me sinto paralizado
pelo olhar dos pacientes. Tenho medo de enlouquecer. Vêm lembranças da minha
infância, aonde tenho medo de uma louca. Tenho medo que ela possa me pegar. A
dor na cabeça está aumentando ainda mais, sinto como se esta fosse estourar.
(S-A) - Eu vou colocar as mãos na sua cabeça e você me diz o que acontece.
O Supervisor-aprendente faz um pouco de pressão sobre a cabeça com a ajuda
das mãos.
(T-A2) - Sinto-me girando, girando, como caindo num redemoinho.
(S-A) -Você continua nesta fantasia girando, girandooo... Caindo num
redemoinho! E...?
(T-A2) - Escuto sons bem distante e muita ansiedade, tem algo apertando o meu
corpo, tenho medo de morrer. Tenho medo... medo...medo de perder a cabeça. De
enlouquecerrrr!!!.
(S-A) - O tempo passa, a pressão aumenta e você me diz o que acontece.
(T-A2) - Vejo uma luz e escorrego. Sinto frio!
O Supervisor-aprendente põe uma manta sobre o terapeuta-paciente que se
apresenta profundamente relaxado. Inicia-se o processo de integração ao aqui e
agora que culmina com a expressão do terapeuta-aprendente acerca de sua
vivência, e de como se sentiu em relação à sensação de “ficar louco” despertada na
relação com aquele paciente. O supervisor recomenda a realização de mandala,
com o objetivo de integrar a experiência.
Ao final da vivência terapêutica o supervisor estimula o terapeuta-aprendente a
reconstruir sua vivência, seja de forma oral ou escrita. Isto permitirá a possibilidade de serem
feitas conexões do que foi vivenciado com a teoria, ao mesmo tempo em que ajuda a
sistematização do conhecimento, conforme os cânones da ciência oficial. É também estimulada
a análise do caso pelo restante do grupo de supervisão. Neste momento são discutidas as
técnicas utilizadas, sendo explicitada a fundamentação das mesmas, e, com a autorização de
quem viveu a experiência, são feitas considerações acerca da dinâmica do processo.
No trabalho de liberação do conflito do aprendente podem ser usados os diversos
recursos técnicos apresentados na literatura (Grof,1988; Matos, 1992; Assagioli, 1995; Tabone,
1995, Saldanha, 1997 e os sugeridos no capítulo V deste livro.).
O uso acima do termo aprendente poderia ser estendido para o supervisor, de forma que
teríamos um supervisor-aprendente, isto poderia romper com uma tradição em psicoterapia que
é de se colocar o supervisor no lugar do saber. O termo aprendente busca remeter a
“super/visão” a um espaço de construção de saber; espaço que poderia bem se inspirar nas
palavras de Chaui (1980), bastando apenas substituirmos os termos professor por supervisor e
alunos, por terapeutas:
“Ao professor não cabe dizer: ‘faça como eu’, mas: ‘faça comigo’. O professor de
natação não pode ensinar o aluno a nadar na areia fazendo-o imitar seus gestos,
mas leva-o a lançar-se n’água em sua companhia para que aprenda a nadar
lutando contra as ondas, fazendo seu corpo coexistir com o corpo ondulante que o
acolhe e repele, revelando que o diálogo do aluno não se trava com seu professor
de natação, mas com a água. O diálogo do aluno é com o pensamento, com a
cultura corporificada nas obras e nas práticas sociais e transmitidas pela
linguagem e pelos gestos do professor, simples mediador.”(Chaui, 1980)
O excerto citado de Marilena Chaui é uma referência direta à tendência que se verifica
entre professores, - e também entre os alunos - de apelo à autoridade. Por isso mesmo é que em
seguida Chaui nos alerta:
“Uma pedagogia crítica deveria interrogar esse risco cotidiano: de onde vem e por
que vem a sedução de tornar-se guru? De onde vem e por vem em nós e nos alunos
o desejo de que haja um Mestre, o apelo à figura da autoridade?”
Como podemos destacar, em Psicoterapia Transpessoal o lugar do mestre deve ficar
vazio, sendo por isso necessário um constante desejo de transformação por parte do terapeuta.
Só há terapia transpessoal quando o terapeuta é capaz de aprender com a experiência do
paciente, quando a mesma o impulsiona no processo de crescimento interior. Quando isto não
esta acontecendo é importante rever-se, retomar um processo psicoterapêutico com um outro
profissional, abrindo mão do suposto saber e recolocando-se na posição de “eterno aprendiz”.
Muitos alegam a não procura de uma psicoterapia por já fazerem autoterapia. Ao nosso
entender a autoterapia, ou seja o uso de recursos de crescimento psico-espiritual, deveria fazer
parte do cotidiano do terapeuta, mas o encontro com um outro sempre nos possibilita o nosso
próprio reencontro, ao mesmo tempo que nos põe em movimento, deslocando-nos dos apegos
(do lugar de terapeuta) e do medo de se expor, no reconhecimento das próprias limitações.
O argumento acima visa valorizar o lugar da psicoterapia, diferenciando-o do espaço de
supervisão, mas não os dividindo, pois o processo de crescimento está presente em ambos. A
diferença expressa no caráter mais pedagógico da experiência de supervisão49 é a de que ela
visa trabalhar o foco da dificuldade que está entravando o relacionamento com o cliente;
enquanto a psicoterapia objetivaria uma dinâmica mais ampla, a partir de experiências de
desapego que conduzissem a uma desidentificação com possibilidades de ampliação da
consciência para além dos níveis pessoais.
Concluindo, na supervisão o foco é a relação terapeuta-aprendente e os seus pacientes,
enquanto na terapia o foco é mais amplo, abarcando a dinâmica do processo de transformação
do terapeuta, que sem dúvida nenhuma influenciará suas relações com seus pacientes.
49
Este modelo de supervisão não é o único em Psicologia Transpessoal, refletindo a tentativa dos autores, a
partir das suas experiências com outros terapeutas transpessoais, de sistematizarem uma forma de transmissão
de conhecimentos nesta área do saber.
50
“A Clínica Transpessoal: do divã aos estados ampliados de consciência e a experiência de formação de um
terapeuta transpessoal, artigo da lavra de Aurino L. Ferreira, in Psicologia e Psicoterapia Transpessoal:
ampliando as fronteiras da consciência, 2004.
psicológica do ego. Ego que reencontrou seu lugar junto ao corpo numa unidade dinâmica. A
metáfora do centauro marca este momento terapêutico.
O Estágio Transpessoal marca o terceiro patamar de uma psicoterapia e é dividido em
duas etapas: a) Establecimento de um Eu Transpessoal, que surge a partir da desidentificação do
ego e do processo de identificação com o observador não-participante dos próprios processos
psicológicos. b) A autotranscendência, que emerge do reconhecimento do Eu Transpessoal
como contexto de toda experiência, podendo-se distinguir entre a consciência e os objetos ou
conteúdos da consciência. Aqui todo melodrama pessoal assume menos importância, não há a
experiência de separatividade absoluta, própria do ego, e sim um crescente sentimento de
interdependência.
Estes estágios devem ser percebidos dentro de uma perspectiva de espiral, e não de uma
maneira linear, onde há um encadeamento causal. A seguir apresentaremos um exemplo de um
pequeno caso clínico que mostra o trabalho transpessoal.
O terapeuta-aprendente dois (T-A2) após a vivência de supervisão, conscientizou-se da
necessidade de trabalhar o tema loucura/morte em sua terapia, pois estes estavam na raiz de
suas dificuldades em acompanhar clientes que apresentassem a necessidade de trabalhar esse
aspecto.
Terapeuta-Apredente 2 (T-A2) - No grupo de supervisão eu tive uma vivência que
me chamou atenção, e que acredito estar relacionada com muitas das situações que
venho aqui trabalhando. Eu gostaria de rever a situação de loucura e morte
experienciada na supervisão.
Terapeuta-Transpessoal (T-T)51 - Então como você gostaria de fazer isto?
(T-A2) - Revivendo aquela situação e explorando-a com maiores detalhes.
(T-T) - Você então pode deitar-se aqui no colchão, respirando calmamente,
deixando sua mente livre. Agora, você imagina o momento que você quer explorar
com “maiores detalhes”. E conta-o no presente, como se você estivesse revivendo-o
agora. Lembre-se que isto é uma fantasia, não havendo a necessidade de apegar-se
a nenhuma das situações.
(T-A2) - Sinto dores na cabeça, como se ela estivesse sendo partida em partes.
(T-T) - Acompanhe esta dor. (pausa) Diga-me o que está acontecendo.
(T-A2) - Eu estou no estágio de psiquiatria, e tenho que demonstrar que não estou
com medo, mas a loucura apavora-me.
(T-T) - O que você acha que acontece se você demonstrar medo aí no seu estágio?
(T-A2) - As pessoas não vão gostar de mim, e eu perderei o lugar de bom aluno.
Tenho também medo de enlouquecer aqui.
(T-T) - O que acontece se você enlouquecer?
(T-A2) - Eu me perco, deixo de ser bom.
(T-T) - O que acontece se você se perde e deixa de ser bom?
(T-A2) - As pessoas não vão mais gostar de mim e eu fico só. Eu não quero ficar
sozinho!!!
(T-T) - E o que você faz para não ficar sozinho?!
(T-A2) - Eu uso essa máscara de não ter medo, de ser invencível.
51
Usaremos (T-T) para representar o terapeuta transpessoal e (T-A2) significando o terapeuta-aprendente
dois, agora na condição de cliente.
(T-T) - E como você se sente com esta máscara?!
(T-A2) - Mal, muito mal. Eu sinto uma pressão bem forte na minha cabeça.
(T-T) - O que você qure fazer, já que se sente mal com esta máscara.
(T-A2) - Eu quero estar livre, mas tenho medo de enlouquecer!! Sinto um bolo
subindo dentro da minha coluna. É como se houvesse um cristal dentro da mesma,
mas está preso no inicio da minha coluna. (Paciente mostra vários sinais corporais
de entrada em estado ampliado de consciência).
(T-T) - Concentre-se nessa sensação; um bolo subindo dentro da coluna e diga-me o
que acontece.
(T-A2) - Tem uma cobra com um diamante na boca e ela faz força para subir.
(T-T) - E como você se sente quando isto está acontecendo?!
(T-A2) - Todo o meu corpo vibra quando esta cobra sobe, e o diamante fica mais
brilhante. Ele sobe e ilumina todo o meu corpo. Ele continua subindo, mas fica
preso na cabeça. O centro da minha cabeça está aberto e o diamante está preso.
(T-T) - O que você quer fazer agora, quando o diamante está preso e a cobra não
consegue subir?
(T-A2) - Eu tenho medo que a minha cabeça se rompa. E que eu..., eu possa
enlouquecer.
(T-T) - Como você se sente quando não deixa a cabeça se romper para sair esse
diamante?!
(T-A2) - Mal, muito mal. Há uma pressão imensa sobre minha cabeça. Toda a
minha energia sobe, pressionando de baixo para cima.
(T-T) - E você quer continuar se sentindo mal ou não?!
(T-A2) - Não.
(T-T) - Então, você me diz o que você faz para resolver esta situação.
(T-A2) - Eu estou agora de pé, pairando sobre o planeta Terra. A cobra desce a
Terra para busca energia e volta com muita força entrando na minha coluna e
subindo com muito poder. Ela bate no diamante que sai pela abertura da minha
cabeça. O diamante transforma-se em luz que sobe e desce dentro do meu corpo
liberando todos os bloqueios. Minhas roupas são rasgadas e vejo-me preso a uma
imensa cruz que paira sobre a Terra. Agonizo nesta cruz e o corpo cai sobre a
Terra que o absorve. O diamante paira agora sobre este meu outro corpo. A cobra
vem e o devora, transformado-se num arco de luz. É um portal belíssimo, que se
abre como uma janela azul no céu. Sinto-me atraído pelo mesmo.
(T-T) - Como você se sente quando se percebe atraído por este portal!?
(T-A2) - Bem, um sentimento de paz domina o meu ser.
(T-T) - Então o que você deseja fazer agora?
(T-A2) - Entrar neste portal.
(T-T) - Experimente isto.
(T-A2) - Eu entro. Há um silêncio imenso. Uma profunda paz. É um lugar vazio de
coisas, mas ao mesmo tempo profundamente cheio. Aqui não tenho mais máscaras,
não preciso de nada. Tudo é silêncio e paz. Há um Deus com um fogo na mão e um
livro em outra; ele é imenso, mas profundamente manso. Ele conhece todo o meu
ser. Eu pouso na mão que tem o livro. É o livro de todas as minhas vidas. Ele passa
rapidamente as páginas, iluminado-as.
(T-T) - Como você se sente quando isto acontece?
(T-A2) - Sinto-me sendo liberado de todo um passado escuro. Agora ele fecha o
livro e eu pouso na sua mão esquerda, onde existe o fogo. O fogo é estranho, ele
não queima como o fogo comum. Ele começa a desfazer minhas formas, ao mesmo
tempo em que o deus vai também se transformando em luz. Ele desaparece e minhas
formas também. Sinto-me espalhando, misturando-me com ele e com todo aquele
vazio.
(T-T) - Como você se sente quando isto acontece?
(T-A2) - Em pazzz!!!
(T-T) - Então desfrute esta paz.(Tempo em silêncio). Agora eu quero que cheio de
paz, você retorne para o aqui e agora, trazendo com você o calor deste fogo
diferente. Entre pelo centro de sua cabeça e preencha todo o seu corpo de luz.
Imaginando isto como um bom sonho, um sonho transformador.
O terapeuta transpessoal ajuda o paciente a integrar-se no aqui e agora. Pedindo
que o mesmo faça um mandala, que foi depois analisado juntamente com o paciente.
A análise da vivência acima permite-nos localizar o espaço da psicoterapia para além da
supervisão, que num primeiro momento explorou os elementos que estavam dificultando a
relação do terapeuta com o cliente. Já na sessão de psicoterapia temos um aprofundamento dos
temas destacados, partindo do universo individuado do cliente.
A nível psicodinâmico tivemos um aprofundamento das questões referentes à auto-
imagem (necessidade de reconhecimento, revivência das relações parentais primitivas ou
dinâmicas edípicas) expressas nos conflitos apresentados no estágio de psiquiatria. Tivemos
contemplado aqui o trabalho com os elementos que compõem o primeiro estágio da terapia.
Após isto, o cliente ingressou numa vivência de morte-renascimento, com características
metafóricas dos conflitos do nível existencial, bem como passsou a apresentar fenômenos
próprios da passagem das matrizes perinatais III e IV (ver capítulo III, item 3.2):
“Minhas roupas são rasgadas e vejo-me preso a uma imensa cruz que paira
sobre a Terra. Agonizo nesta cruz e o corpo cai sobre a Terra que o absorve. Uma
cobra vem e o devora, transformando-se num arco de luz. É um portal belíssimo, que se
abre como uma janela azul no céu”.
Paralela a vivência existencial/perinatal, acima destacada, o paciente viveu uma
experiência de contato com o processo de subida da “Kundaline”, definido por Grof (2001)
como:
“Energia cósmica geradora , de natureza feminina, responsável pela criação do
cosmo. Em sua forma latente, ela reside na base da coluna vertebral humana no corpo
sutil ou energético, que é um campo que atravessa e permeia bem como envolve o corpo
físico... conforme ascende, ela elima impressões traumáticas antigas e abre os centros
de energia psíquica, denominados chakras.”
Esta vivência permitiu ao cliente movimentar-se num nível transpessoal, onde elementos
míticos simbolizavam o estado de transformação, culminando com autotranscendência, o último
estágio da psicoterapia transpessoal, manifesto na vivência de “vacuidade”.
Deste trabalho destaca-se a interconecção dos diversos níveis de consciência, bem como,
a possibilidade de acesso a outros níveis, possibilitando o afrouxamento das defesas do ego,
permitindo assim que o sujeito desfrute uma maior gama de seus recursos interiores.
4.2. O papel do terapeuta transpessoal
52
Alfred Korzybski, apud Capra, 1995, p. 30.
53
Maiores informações ver Cap. V, neste livro.
haverá interferências prejudiciais ao processo de cada um. Para tanto, algumas variáveis
precisam ser consideradas:
1. o terapeuta precisa se auto-avaliar constantemente para não ser manipulado nem
manipular os envolvidos tomando partido de um em detrimento do outro.
2. é necessário manter-se alerta no sentido de neutralizar as interferências
(transferências) que possam surgir de um e do outro.
O psicoterapeuta transpessoal lida com a transferência e contra-transferência
diferentemente do psicanalista, pois a psicanálise tem na transferência seu eixo de cura e por
isso a estimula. Em Psicoterapia Transpessoal, reconhecem-se e se clarificam os fenômenos
transferenciais tanto os da parte do paciente quanto os do terapeuta, principalmente quando se
está trabalhando no nível biográfico da consciência.
A transferência aqui é vista como projeção do ego, neste sentido, também considerada
resistência à transformação, como na psicanálise. Entretanto, a Transpessoal postula que
enquanto o cliente se mantiver no nível egóico ele não atingirá a quebra das projeções
transferênciais, sendo mantido o conflito, embora alternando os sintomas. Concluimos que a
estimulação da transferência constitui-se na terapia transpesssoal um obstáculo à transcendência
do ego, dificultando ao indivíduo o transpor a sua dimensão pessoal (egóica).
Identificada a transferência, o terapeuta possibilita ao cliente reconhecê-la e contatá-la
vivencialmente, favorecendo a desidentificação da auto-imagem trazida no processo
transferencial.
3. É muito importante estabelecer um significativo rapport obtendo do paciente a
confiança no sigilo e na neutralidade referida no primeiro tópico, acima,
esclarecendo-o quanto à neutralidade e tranqüilizando-o quanto a intervenções
inadequadas já experienciadas por este.
Luz e Sombra
O véu de brumas descerrando...
Facho de luz cintilante descendo
Minhas sombras desvelando
Muito além de espaço-e-tempo.
Lá fora, o vento cortante
e o frio intenso
este corpo mortal, gelando
Mas, dentro, aqui em meu peito
arde um fogo crepitante
antigos samskaras queimando...
Agora, há a claridade
iluminando as sombras.
Desistir não quero
acolho a verdade, vou tentando
Como posso abandonar-me?
Se ainda nem sei quem sou?
Mas, nem isto agora me importa
O sentido de tudo mudou
Em reverência a ti, oh Supremo!
Entrego-me a grandeza deste AMOR.
Eliége Brandão
54
Por fala incorporada queremos nos referir a não dissociação entre mente e corpo presente durante a relação
terapêutica.
55
Por campo experencial queremos nos referir ao processo que se estabelece na relação entre a totalidade
terapeuta transpessoal e a totalidade paciente, de forma a possibilitar o aparecimento de uma experiência não-
dual, entramos neste momento na dimensão de um único inconsciente, esta forma de comuicação assemelha-
se à comuicação dialógica proposta por Buber.
a transcendência deste conflito, auxiliando o cliente a se permitir maior liberdade de escolha e
aceitação de novas opções quando se exemplifica a relatividade de conceitos e valores como
certo e errado em diferentes culturas (ampliação da consciência no espaço de âmbito histórico e
geo-político) e em diversas épocas (ampliação da consciência no tempo).
Uma conduta efetiva, em geral, consiste em valorizar aspectos do campo cultural. Por
exemplo, para os esquimós é ponto de honra oferecer ao visitante ou hóspede a sua própria
esposa para deitar-se com ele a fim de que lhe sirva sexualmente. E consitui grave ofensa
rejeitar esta oferta, configurando-se motivo de briga de sérias proporções, representando um ato
de desacato ao anfitrião, que agiu, segundo esta cultura, de forma gentil e “correta” com o
hóspede.
Reflete-se experiencialmente, então, com o cliente, como o ato de oferecer a esposa. Em
outras culturas, outros espaços geográficos, isto pode ser visto como um absurdo, fruto de
loucura ou perversão, sendo o fato julgado moralmente condenável, inclusive passível de
separação conjugal, ou outras penalidades, como a marginalização social do marido concedente.
Outro exemplo se dá em relação ao homossexualismo. Na Indonésia, o homossexual
travesti é considerado um privilégio numa família. Os “marus”, como são chamados, são
altamente respeitados e considerados pessoas abençoadas. São feitos líderes comunitários,
conselheiros, e responsáveis pela educação das crianças nas aldeias. A família que não tem um
maru, muitas vezes escolhe um filho para que este se vista de mulher e transforme-se em um, a
fim de se sentir honrada, agraciada. Este fato ainda se dá nos dias atuais.
Um outro fato pode ser tomado como exemplo, sabe-se que em épocas remotas era
comum, no Tibete, que as mulheres possuíssem mais de um marido, geralmente irmãos, para
que ficassem no mesmo clã. Isto se dava pelo fato do marido ter de sair para longas viagens e
pela necessidade de garantir que a mulher não ficasse sozinha para cuidar dos bens da família.
Atualmente, este costume está bastante esquecido, configurando-se monogâmico o matrimônio.
Semelhantes considerações também são cabíveis, antes ou depois de alguma vivência,
para ajudar o cliente a aceitar outras perspectivas de realidade e sua liberdade essencial de ser,
favorecendo sua desidentificação com a rigidez de valores, de conceitos e a identificação com
um ego rígido, amplificando sua consciência para além do consensual. Isso favorece a
psicodinâmica da transformação proposta por Eliana Bertolucci (1995).
Temos ainda as pontuações do psicoterapeuta quanto ao nível de consciência em que se
encontra conectado o cliente no que tange às cartografias transpessoais. Favorecer essa
compreensão pela dinâmica do processo é bastante estimulante no que diz respeito ao princípio
de aceitação e entrega do cliente. Este princípio está bem explicitado no curso do livro de
Bertolucci citado acima.
De forma geral, as técnicas dos referidos psicoterapeutas podem ser aplicadas a partir da
vivência de um Sonho Inacabado ou de uma determinada situação relatada pelo cliente que
manifeste sintoma de ansiedade a respeito de algo projetado para o futuro, ou a angústia de um
fato passado.
Léo Matos (1977, 1994 e 1995) indica ao terapeuta que instrua o cliente para que ele
permita total liberdade na continuação do Sonho Inacabado ou situação problema, como se
estivesse acontecendo “aqui-e-agora”, induzindo-o a entrar em contato com seus sentimentos e
incentivando-o a imaginar que realmente aconteça aquilo que ele mais teme . Assim, o terapeuta
estará permitindo que o cliente esgote os conteúdos que emergem do seu inconsciente, na busca
de transformação, fechando gestalts com o uso da imaginação.
Woolger (supervisão) denomina esta etapa do trabalho regressivo de “entrar pelo
sintoma”, intensificando-o através da imaginação, buscando pela ressonância simbólica a
promoção da catarse e a clarificação dos planos do complexo.
Sendo as técnicas de morte-e-renascimento eminentemente experienciais e
fenomenológicas, a apresentação de caso visa facilitar a visualização da dinâmica envolvida
neste processo. De forma que cada etapa desta técnica será seguida por um exemplo clínico de
uma mulher de 35 anos com queixa de dificuldade no relacionamento profissional e que nas
primeiras sessões destaca assim seu conflito: “tudo me toca no trabalho, as relações estão
chegando ao máximo de tensão. Cheguei a fazer uma plástica na tentativa de mudar quem eu
sou para ser aceita” (sic).
Léo Matos (1992c, supervisão) alerta que é importante que o terapeuta use o feeling para
permitir que o cliente possa recorrer a seus mecanismos de defesa, dos quais ainda não está
pronto para abrir mão ou flexibilizá-los. Algumas vezes, ao incentivar que o cliente enfrente
seus medos imaginando que se tornam reais, ele prefere fugir com soluções muitas vezes
fantásticas. Entretanto, está tudo bem, dentro dos pressupostos da imaginação ativa de Jung,
respeitando as defesas do inconsciente. Muitas vezes, o terapeuta assim o permite nos
momentos iniciais do processo, nas primeiras sessões, para que tão logo sinta o cliente
preparado, o instigue a não realizar soluções mágicas ou possíveis, mas sim enfrentar o seu
medo da morte psicológica, imaginando que realmente o pior acontece (Matos, 1995c,p. 19-23).
Favorece, então, que o cliente seja levado a imaginar sua própria morte, mesmo que seja através
da fantasia da velhice e morte natural.
(T) – O que acontece com você agora que o monstro aparece!?
(C) – Ele vai me devorar. Socorro!! (Chora)
(T) – Vá adiante! O que acontece?
(C) – Tudo termina (expressão facial de alívio), fui devorada, acabou.
Após o desfecho da morte imaginária, na técnica de Léo Matos, o terapeuta pode
conduzir para que o cliente saia do corpo como consciência/espírito/energia que testemunha o
fato, e veja do lado ou do alto toda aquela cena. Sempre indagando como o cliente se sente, o
terapeuta vai conduzindo-o para atravessar as paredes ou, se for o caso, atravessar o teto do
local onde morreu, e ir flutuando cada vez mais alto, observando o que existe lá, e, de certa
forma, trazendo a perspectiva da transitoriedade quando sinaliza: “E o tempo está passando...
Como você se sente agora?”
(T) – Agora que tudo terminou. Faça a fantasia que se distancia lentamente do
corpo, procure observar a cena de fora. O que está sentindo agora?
(C) – O monstro parece que não é tão aterrorizador. Tudo terminou.
(T) – Isto! Muito bom. Tudo terminou, faz parte do passado, o que TE TOCOU
(ênfase amorosa na voz) terminou. Você vai subindo cada vez mais (coloca-se música
suave). E o tempo está passando... Como você se sente agora?
(C) – Bem, meu corpo leve. (Relaxa na cadeira, soltando o corpo).
(T) – Isto! Muito bom, soltando tudo que precisa ser solto, transformando tudo
que te tocou, continue subindo cada vez mais e diga-me o que você está percebendo?.
Woolger (supervisão) destaca a importância de reforçar para o cliente, diante de uma
morte na vida passada, que aquela subpersonalidade se conscientize de que já morreu, e se
integre à personalidade atual. Ele incentiva o cliente a descrever suas percepções imaginárias; e
quando este refere algum arquétipo que indique ampliação da consciência (luz intensa, espaço
sideral, presença de deuses, Deus, espíritos superiores ou ancestrais) solicita-lhe que desfrute
dele, deixando que a luz ou alguma qualidade positiva do percebido envolva todo o seu ser.
Grof faz uso das músicas evocativas suaves para induzir respostas de expansão a níveis
elevados de consciência, interferindo apenas se houver necessidade de ajuda no momento final
de integração. Léo Matos (supervisão), no momento do fechamento da experiência de morte-e-
renascimento psicológico, sugere a fusão com arquétipo de luz, como uma estrela de cor
brilhante (1992c,p.20-22).
Na nossa clínica fazemos o uso da imaginação de alguma forma (estrela, sol) ou
qualidade (quente, brinlhante) de luz, pois este parece ser um arquétipo presente na maioria das
culturas para representar positivamente a morte e os níveis superiores de consciência, bem
como pesquisas envolvendo a morte e o morrer e as descrições de pessoas que viveram
experiências de quase morte indicam o encontro com luz (Kübler-Ross, 2000).
(C) – Estrelas... o céu está cheio de estrelas.
(T) – Escolha a estrela mais brilhante e se aproxime dela (cliente apresenta
expressão facial de bem estar)... aproxime-se dela e desfrute protegidamente... Deixe
que sua luz tome conta de você e que todo o seu ser transforma-se em luz. E quando
você estiver cheia de luz, diga: sim.
(C) – Sim.
Na etapa final da técnica, o terapeuta dá um breve tempo para que o cliente desfrute,
sempre lembrando que basta ter a intenção de que isto está acontecendo agora. Pergunta como o
cliente se sente e procura conduzir uma jornada de retorno à consciência usual. Pede que ele se
conscientize de seus sentimentos e sensações presentes agora. O terapeuta pede que volte a esse
momento da sessão, abrindo os olhos outra vez.
Integrando a experiência à vida do cliente, pede que ele diga como sente a situação que
gerou a vivência agora, nesse momento. Com isso, o cliente poderá depois, internamente, fazer
várias elaborações, e essa comparação também é importante para o próprio terapeuta perceber
se a gestalt realmente parece fechada ou não. É importante evitar racionalizações nesta etapa,
dando mais ênfase à consciência emocional sentida na totalidade mente/corpo.
No momento de término da vivência, Woolger (supervisão) sugere um pequeno diálogo
com as qualidades vivenciadas neste momento, buscando ativá-las no renascimento psicológico
da nova auto-imagem. Já Matos faz uso do potencial curativo da visualização, pedindo que o
cliente faça a fantasia que como luz retorna à terra e entra em seu corpo, evitando introduzir
diálogos. Em nossa clínica quando surge a presença de soluções fantásticas para a morte da
auto-imagem, fazemos a integração como Léo Matos sugere, contudo, quando as defesas do ego
permitem uma aproximação maior do conflito e a morte é expressa como se fosse a própria
morte psicológica da auto-imagem, o uso do diálogo com a participação do ego, como sugere
Woolger, favorece uma maior integração dos conteúdos da projetados da sombra.
A seguir apresentaremos o final da 20ª sessão e o desfecho da 22ª sessão, onde surgiu a
morte psicológica da auto-imagem negativa.
Final da 20ª Sessão (aqui o terapeuta Aurino Ferreira mesclou a técnica de
morte-e-renascimento, com abordagem da hipnoterapia ericksoniana).
Léo Matos (supervisão) pede que no momento em que o cliente abra os olhos, olhe para
o terapeuta e, fixando o olhar, diga conscientemente como se sente em relação ao tema
abordado na vivência ou àquela questão inicialmente tratada.Nakeida de Lima (comunicação
pessoal), além desse procedimento, pede que o cliente feche os olhos novamente e “mantendo
esse estado, autorize seu inconsciente a continuar esse trabalho curando o que precisa ser
curado, transformando o que precisa ser transformado, de um modo protegido e seguro” na
exata medida da necessidade do cliente. Logo após, o cliente poderá abrir os olhos, mas terá
uma consigna consciente de continuidade no processo de desidentificação e integração interna
dos aspectos luz e sombra.
Importa ainda acrescentar que a experiência de morte e renascimento tem um diferencial
à medida que possibilita o reconhecimento do poder interno de confronto e superação sem
exclusão da “sombra”.
A seguir, apresentaremos uma seqüência de meditações que pode ser usada na clínica
transpessoal. Elas são, na sua maioria, meditações guiadas, contudo o terapeuta deve estimular
o paciente a executá-las sozinho.
5.3.1. O Tigre
Esta técnica foi construída a partir dos ensinamentos sobre psicologia budista orientadas
pelo Lama Padma Santem, mestre erudito do budismo tibetano, e contempla um amplo trabalho
com todo o espectro da consciência. Divide-se em 5 etapas, podendo ser aplicadas
seqüencialmente ou de acordo com o nível de consciência que se pretende atingir. É
recomendável o acompanhamento de cada etapa através de mandalas e das expressões verbais o
que promove uma maior integração das experiências.
O uso do som como caminho de ampliação da consciência é uma das tecnologias mais
antigas usadas pelo homem. Desde as épocas mais remotas ele aparece como um auxiliar no
desenvolvimento da consciência. Culturas multicentenárias desenvolveram tecnologias capazes
de induzir estados de consciência alfa57 e que só agora começam a ganhar espaço nos estudos
ocidentais.
Na terapia transpessoal os mantras são utilizados como centradores cognitivos, ou seja,
são utilizadas para manterem um foco de atenção, facilitando a entrada em estados ampliados
de consciência, bem como são excelentes substitutos para pensamentos obsessivos e
autodestrutivos.
No trabalho com grupo eles ajudam a criar um campo de acolhimento coletivo a partir da
tentativa de se encontrar um ponto de convergência: um som harmonioso. Cada participante do
grupo mobiliza suas energias e atenção procurando expandir os limites de seu ego para incluir a
presença do outro, o som que é emitido pelo outro. A união dos sons é uma excelente metáfora
57
O estado de consciência alfa diz respeito ao nível de relaxamento percebido nas ondas cerebrais.
para simbolizar os estados além do ego, pois o resultado harmonioso do conjunto só é possível
pelo ceder do ego.
Diferentemente dos sistemas de cura ocidental, a psicologia budista inclui o uso de sons
harmonizantes nos processos de tratamento. Para eles, o uso de sons específicos, aliados a
visualizações e respirações, promove alterações emocionais e cognitivas capazes de
desenvolver e fortalecer a saúde. Os dois mantras mais famosos da psicologia tibetana são o
mantra de Padmasambhava, chamado Mantra de vajra Guru, OM AH HUM VAJRA GURU
PADMA SIDDHI HUM, e o mantra de Avalokteshvara, o Buda da Compaixão, OM MANI
PEME HUM. Como a maioria dos mantras, eles são em sânscrito, a antiga língua sagrada da
Índia.
O mantra de Vajra Guru é pronunciado pelos tibetanos como: “OM AH HUNG BENZA
GURU PEMA SIDDHI HUNG”. Esta investigação do seu significado é baseada nas
explicações de Dudjom Rinpoche e Dilgo Khyentse Rinpoche, apresentadas por Sogyal
Rinpoche (1999); seu uso na clínica tem uma inspiração nos ensinamentos acerca da psicologia
budista ministrados pelo Lama Padma Santem.
OM AH HUM
INSTRUÇÃO
Frente a uma situação perturbadora ou de perda de estabilidade emocional, visualize-se
envolvido por um círculo de fogo transformador. E ao recitar o mantra este fogo irá consumindo
tudo que precisa ser consumido para que você possa encontrar estabilidade. A força das
emoções perturbadoras alimenta o fogo, daí quanto maior for a perturbação, também maior será
a proteção. E a força do fogo cria um grande círculo de luz protetora em sua volta. Uma luz que
ao som do mantra vai pacificando por inteiro o seu ser.
O MANTRA DA COMPAIXÃO
INSTRUÇÃO
Sentado em uma postura confortável, de prefência com a coluna ereta, busque conectar-se
com a respiração. E a medida em que você sente o ritmo da respiração se acalmando, procure
recitar o mantra da compaixão. Imagine-se sendo compassivo, imagine-se de coração aberto.
Como seria sua vida sem orgulho, inveja, apego, ignorância, aquisitividade e medo. Você seria
mais tranqüilo, mais amoroso? Visualize-se realizando ações compassivas. Com o Om você
torna-se generoso, com o Ma mantém uma conduta harmoniosa, com o Ni exerce a
perseverança, com o Pe sente alegria, com o Me aumenta sua concentração e com o Hum sua
visão interior, sábia e profunda aparece, clareando tudo que o precisa ser clareado. Mantenha o
ritmo respiratório, usando o mantra da compaixão para transformar tudo o que precisa ser
transformado, para que você possa desfrutar da sua natureza ilimitada.
5.3.3. Redução da ansiedade, redirecionamento motivacional e contato com a sombra.
As meditações dirigidas que se seguem são bastante úteis para reduzirem ansiedade
através do desenvolvimento da percepção e compreeensão desta experiência.
INSTRUÇÀO
Mantendo a coluna ereta, esteja sentando no chão ou na cadeira, procure distencionar o
corpo usando a respiração... A cada inspiração procure tomar consciência clara do que sente no
seu corpo e a cada expiração solte as tensões. Mantenha sua mente consciente atenta à
respiração, enquanto sua mente sábia - seu observador compassivo e amoroso -, vai entrando
em ação, trabalhando sua ansiedade, liberando-a, flexibilizando-a, soltando-a, calmamente.
Os nossos padrões mentais fixos e rígidos nos conduzem a percepções distorcidas da
realidade. Na maioria das vezes encaramos os obstáculos como problemas que nos impedem de
alcançar os nossos objetivos. Mas, enquanto você respira conscientemente...sua mente sábia
pode ir entendendo a idéia de que todo obstáculo é como um sinalizador ou um indicador de
que precisamos flexibilizar, soltar. Precisamos voltar a apreender com as experiências do
caminho.
Você pode pensar o obstáculo como uma pedra no caminho, mas sua mente profunda
sabe que as grandes construções foram erguidas sobre pedras. As pedras, quando bem utilizadas,
são excelentes alicerces. Então, protegidamente, quando encontrar um obstáculo-pedra você
pode utilizá-lo positivamente nos alicerces de suas construções. Você talvez esteja pensando que
existem pedras muito grandes, talvez você tenha sido orientado a quando encontrar uma pedra
insistir em bater nela para afastá-la do caminho, mesmo a custa de se machucar. Contudo, você
pode ir aprendendo que as pedras do caminho são um excelente feedback para nossas fixações e
apego. Calmamente, você pode ir percebendo que as pedras no caminho indicam uma
necessidade de flexibilizar e soltar. O reconhecimento deste processo poderá acelerar o seu
crescimento de uma forma segura e protegida.
Talvez agora, sabendo que as pedras ajudam a crescer, pois indicam flexibilidade e
necessidade de soltar, você possa escolher um obstáculo-pedra. Ela pode ser grande ou pequena,
talvez redonda, ou pontiaguda. Talvez tome todo caminho, talvez seja apenas um ponto. O
importante é que você pode utilizá-la para crescer. Enquanto você respira conscientemente, sua
mente sábia já escolheu uma pedra com a qual você pode trabalhar confortavelmente. E diante
desta pedra você pergunta: o que preciso aprender com este obstáculo-pedra? Como esta pedra-
alicerce pode fortalecer positivamente o meu caminho? Que qualidades e valores esta pedra-
alicerce quer que eu desenvolva?
Deixe sua mente inconsciente processar amorosamente estas perguntas, enquanto sua
mente consciente continua aprendendo a acompanhar a respiração, soltando...
flexibilizando...Procurando visualizar as respostas como alicerces, você pode ir percebendo as
mudanças em seu caminho. Você vai construindo o caminho aonde se sinta livre, solto e
flexível. Deixe este caminho seguro ganhar espaço em sua vida. Enquanto sua mente sábia vai
desfrutando e aprendendo a cada respiração a transformar pedras em alicerces, mantendo este
estado e sentindo-se consciente dos seus pés você pode ir ganhando mais segurança e
flexibilidade à medida que vai voltando a este ambiente, mexendo o seu corpo, flexibilizando
cada parte. Retornado a este espaço de segurança.
Esses exercícios buscam a expansão da consciência usual que nos permite acessar
dimensões da realidade transcendente através da sintonia holográfica com os campos de energia
universal materializados nos reinos da natureza (mineral, vegetal, animal, humano, angelical) e
nos seus elementos básicos (terra, água, fogo, madeira, metal), espelhados no contexto imediato
a nossa volta. Este contexto poderá ser contatado na posição de testemunha fenomenológica,
desidentificada, e, ao mesmo tempo perceptiva em relação aos cenários dos eventos percebidos.
INSTRUÇAO
Em silêncio, buscando criar através da respiração um campo de consciência entre corpo e
mente, caminhe pela sala ou pelo jardim. Abra-se para o contato... Use todos os sentidos, esteja
presente com a respiração. Caminhe o tempo que for necessário, reduza o ritmo, ponha-se
amorosamente no ritmo da sua respiração. Você pode caminhar tranqüilamente, entrando em
contato com todo o ambiente e ao se deparar com um objeto interessante, pare diante dele.
Sinta o objeto, toque-o, escute-o, veja-o. Abra-se completamente para este contato.
Esteja atento ao sentimento que ele lhe traz. Observe-o. Procure conhecê-lo, percebê-lo... Você
tem um bom tempo para realizar esta experiência (em torno de 10 minutos). E quando tocarmos
o sino uma vez, você saberá que estamos nos aproximado da conclusão do exercício. Para
concluir tocaremos o sino várias vezes. Depois, volte para a sala e sente-se em silêncio.
Compartilhe com o grupo.
Este exercício ajuda na compreensão dos objetos como fenômenos, ou seja, eles são
inseparáveis do objeto “dentro de si”. A realidade é mais do que o sujeito pode perceber com os
sentidos – “aparência”.
5.4.1. Asanas
Grande parte dos exercícios psicofísicos realizados na clínica transpessoal foi adaptada
do yoga milenar, onde são denominados asanas, e podem ser usados para facilitar o processo
psicoterapêutico do cliente como indica o trabalho de Keane e Cope (1996). Ao focar a atenção
nos processos do corpo, a pessoa estará migrando do racional (self cognitivo) para o nível
físico-sensório (self somático) onde está o inesgotável manancial de verdades ocultadas do
estado consciente. O Curso de Biopsicologia, ministrado pela Drª Susan Andrews oferece
excelentes modelos de adaptação destes exercícios para o contexto terapêutico.
Estes exercícios possuem a propriedade de ampliar o senso-percepção focando a atenção
nos processos corporais, favorecendo, assim, um contato maior com as emoções bloqueadas.
Esta prática é feita concomitantemente com a respiração e atua em todo o organismo
promovendo o equilíbrio das secreções hormonais do sistema-glandular. Como sabemos, tanto a
respiração quanto o sistema endócrino têm uma relação intrínseca com nossas emoções. (Vê
cap. III, item 3.2.4. neste livro).
A proporção em que vamos sensibilizando o cliente para um contato mais profundo e
integrado às suas variadas dimensões, ele vai ampliando a consciência e interagindo em níveis
mais sutis, descobrindo as inúmeras possibilidades que possue de conquistar o equilíbrio e viver
harmoniosamente, obtendo autonomia no estar no mundo (apesar das adversidades) responsável
por si próprio.
O psicoterapeuta transpessoal que possui uma experiência pessoal e uma formação
específica na prática desses exercícios poderá trabalhá-los com o cliente; caso contrário, deverá
encaminhá-lo a um terapeuta capacitado. A meta aqui não é substituir as aulas de Yoga, ou
mesmo fazer Yoga com o cliente, mas sim usar seus recursos integrativos milenares que
fundamentam a Biopsicologia, para integrar as diversas dimensões do Ser.
O aspecto físico da prática do Yoga que envolve distensões e posturas é chamado Hatha
Yoga e tem muito bons resultados no equilíbrio dos grupos de músculos; se você distende a
parte anterior, por exemplo, também distenderá a parte posterior, favorecendo um desbloqueio
das tensões psicofísicas.
INSTRUÇÃO
O cliente é convidado a deitar-se sobre um colchonete ou a permanecer
confortavelmente sentado, a fechar os olhos, a observar por alguns instantes a própria
respiração e, em seguida, estando relativamente relaxado, é informando pelo terapeuta
que ele se encontra seguro e protegido. Neste momento lhe é solicitado que entre em
contato com o seu sentimento/sensação/pensamento, permitindo que este se
intensifique, e que vá expressando-o em palavras, possibilitando o contato com os
conteúdos que emerjam sem julgá-las, como se estivesse vivendo um sonho (ou o
sonho), narrando-o simultaneamente, no tempo presente. A idéia é estimular o fluxo
da associação livre, favorecendo a resolução de conflito via uso da imaginação
criativa.
O ponto central desta técnica é a possibilidade de acessar conflitos dos níveis
perinatais e transpessoais, permitindo ao cliente outras vias para expressar seu sofrimento
psíquico.
No caso de um sonho inacabado, solicita-se ao cliente que continue o sonho de onde
ele foi interrompido ao acordar-se (ou de onde se lembra, quando sente que esqueceu uma
parte) e que procure completá-lo, até que tenha percebido a resolução do conflito, ou tensão,
trazido no sonho.
Exemplo: Cliente mulher, 46 anos, queixando-se de depressão, sonha com
uma caixa caindo das nuvens, acorda angustiada. Não consegue fazer nenhuma
associação com o sonho.
Terapeuta (T) – Agora, protegidamente, você pode fechar os seus olhos e
imaginar que está tendo este sonho agora. Procure sentir o sonho... respire
calmamente... observe as sensações do seu corpo... Isto, respirando, entrando
seguramente no mundo dos sonhos... observando seus pensamentos... sonhando.
Cliente (C) – O céu está claro, não tem nuvens. Estou olhando para o alto,
perdida no tempo... Uma nuvem de chuva surge no céu e dela cai uma caixa...
(T) – Isto, vá adiante, o que acontece? A caixa cai da nuvem e...
(C) – A caixa é de madeira... curioso, agora vejo que a caixa é grande, do
tamanho de um homem. Ela cai no chão e abre um buraco na terra. Abro a caixa e
ela está vazia, coloco terra dentro dela e planto flores. As flores crescem e agora
ocupam grande parte da terra. A caixa envelheceu, cumpriu sua tarefa e agora se
tornou adubo para as plantas. O céu ficou azul novamente.
(T) – O céu ficou azul novamente...
(C) – É, tudo ficou claro. Curioso, enquanto eu imaginava o sonho lembrei
que hoje é o aniversário de morte do meu marido.
(T) – É, eu lembro quando você falou da tempestade que foi, na sua vida, a sua
morte.
(C) – Agora, estou saindo para cantar, meus filhos estão bem mais felizes.
(T) – “A caixa envelheceu, cumpriu sua tarefa e agora se tornou adubo para
as plantas”.
(C) – Meu marido fez o que pôde, ninguém é culpado sua pela morte, hoje eu
sei... (Chora)
(T) – Quando a chuva cai dos nossos olhos o suficiente, o céu fica azul
novamente. E as flores/filhos voltam a florir. Todo passado torna-se adubo.
Esta categoria engloba técnicas dirigidas com a utilização de símbolos e arquétipos para
mobilizar conteúdos inconscientes com o fim de ampliar estados de consciência e favorecer o
processo de autoconhecimento, desidentificação e conseqüente transformação. Exemplificando
isto, o uso da fogueira como símbolo do fogo, numa vivência de liberação de sentimentos
desagradáveis, promove a ativação no inconsciente do arquétipo de transformação; assim, no
âmbito do imaginário, possibilita-se a transcendência da situação conflituosa naquele momento,
que poderá se estender ao cotidiano do individuo.
O terapeuta poderá também criar outras técnicas de jornadas dirigidas, conhecendo quais
arquétipos dispõe para favorecer determinados objetivos. Complementando o exemplo acima
referido, o fogo da fogueira pode ser usado para absorver, na imaginação, raiva, mágoa,
angústia ou culpa, dissolvendo-a em fumaça. Em seguida, o terapeuta pode utilizar a Terra, que
engloba o arquétipo feminino da Grande Mãe, como símbolo da natureza, para que transforme
as cinzas em elemento de fertilização com a finalidade de promover renovação e vida, enfim um
estado de consciência de renascimento psicológico.
Em que pese o extenso arcabouço simbólico e arquetípico, apresentamos uma
classificação da correspondência de alguns referentes, no sentido de possibilitar com o seu uso a
ativação dos arquétipos, a partir da provocação simbólica (que poderá surgir de forma
espontânea pelo cliente ou ser induzida pela invocação do terapeuta).
SÍMBOLO ARQUÉTIPO
1. Símbolo do Tao: união dos opostos De complementariedade/unidade/totalidade.
2. Montanha: símbolo de elevação, De ascensão, de elevação da consciência.
lugar elevado; desafio.
3. Árvore: símbolo de amadurecimento De crescimento, individuação, “lugar no
do ego. mundo”.
4. Flores: símbolo de beleza, de De crescimento, conexão espiritual à dádiva da
primavera e/ou prenúncio de fruto beleza em essência.
5. Fruto: símbolo de amadurecimento; De crescimento maior que o das flores, e de
colheita do que se vem investindo; vida. Bem aventurança, o que é nutrido.
geração de vida; alimento.
6. Fumaça: símbolo de dissolução. Clara, indica transformação.
Escura, labirinto.
7. Vela: símbolo da luz. De busca espiritual/espiritualização.
8. Estrela: símbolo de energia cósmica. De renascimento, vida. Na geometria sagrada:
conexão espiritual
9. Templo, igreja, mosteiro: símbolo de De espiritualização.
religiossidade, de encontro com o De propósito de vida integrando mente, corpo e
self/Deus. alma.
10. Velho sábio, ermitão: símbolo do De sabedoria.
self/Eu Superior De linhagem ancestral a história
11. Rio, curso de águas passando. De transitoriedade, impermanência.
12. Cachoeira: símbolo da força da De purificação e energização.
natureza e de limpeza.
13. Luz dourada. De transformação, revitalização e proteção
divina.
14. Luz branca. De paz, harmonização, autoproteção
15. Labirinto: símbolo de estado De obstaculização.
confuso, de não saber a saída, de se Aquele que busca confronto com as sombras
encontrar em dificuldade. internas
16. Vegetação, campos verdes, jardim. De crescimento, de vida, liberdade
17. Sol: símbolo masculino de energia De pai, Grande Pai, de vida.
yang. Proteção seres assistentes
18. Lua: símbolo feminino de energia Do feminino, da Grande Mãe, mulher.
yin. Aspectos ainda inconscientes, velados
19. Mar. Do feminino, maternagem
20. Terra e planeta Terra. Da Grande Mãe, certeza da proteção natural da
existência.
21. Dia Do masculino (animus), o que virá.
22. Noite Do feminino (anima), o que passou.
23. Peixe: símbolo do cristianismo De renascimento
24. Suástica: símbolo presente em De poder, equilíbrio dos opostos.
várias culturas orientais, representando
o masculino e o feminino em equilíbrio
em movimento.
25. Suástica de Hitler (invertida): De poder autocentrado.
símbolo do holocausto De poder que exorbita.
26. Armas, bombas: símbolos de De destruição.
guerra. De hostilidade e violência.
27. Túnel: símbolo de passagem, muito De transição de um nível de consciência para
usado para estimular vivências outro.
perinatais e iniciáticas. De empoderamento das forças saudáveis
28. Ponte: símbolo de ligaçào, De transição, de conexão.
ultrapassagem.
29. Morte como um fenômeno: De transição, transformação.
símbolo de fechamento de uma etapa.
30. Caveira, caixão, elementos De transformação, abandono, morbidez (apego e
mórbidos. Símbolos de deterioração. aprisionamento).
31. Cinzas: símbolo dos resíduos da De transformação, de fertilização.
ação do fogo.
32. Ar. De fluidez, construção mental.
Esperamos que a descrição das jornadas possa esclarecer melhor o uso desses símbolos e
arquétipos. Utilizamos o termo símbolo para indicar uma maior ligação às especificidades
culturais, étnicas e o termo arquétipo para falar da generalização que está encarnado ou
materializado no símbolo.
Na seqüência temos alguns exemplos de jornadas de fantasias:
5.6.1. Técnica da Fogueira (vivenciada nos cursos de Léo Matos, adaptada pelos autores)
NÍVEL: psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: grupo ou individual
OBJETIVO: favorecer a transcendência de sentimentos negativos como raiva, mágoas,
medo ou angústia. Muito usada para raiva, trabalho com desindentificação e fortalecimento da
auto-imagem.
DURAÇÃO: instrução – 15 minutos; vivência - aproximadamente 1 hora.
INSTRUÇÀO
Deite-se, relaxe, fique consciente da sua respiração. Lembre-se de uma pessoa ou
situação em que você sentiu muita raiva (ou ressentimento), uma situação onde você percebe
que ainda não conseguiu superar o sentimento negativo por essa pessoa ou fato. Algo que ainda
repercute em você quando você lembra. Não importa o tempo desse sentimento, pode ser algo
recente ou mais antigo. (pausa de aproximadamente 2 minutos).
Entre em contato com sua respiração e sinta o ar entrando e saindo. Localize esse
sentimento de raiva em seu corpo. (pausa de aproximandamente 1 minuto).
Faça a fantasia de que à medida que você respira, ao exalar, você solta, libera pelos seus
poros, por suas células, pela sua respiração a raiva como se fosse fumaça. Uma fumaça escura
saindo de você, concentrando-se no centro do seu peito, na região do 4º. chakra, o chakra
cardíaco, e que ao exalar você libera e projeta essa fumaça para frente.
Imagine que você está descalço, com os pés na terra, e que diante de você está uma
grande fogueira. Observe-a. (1 minuto). Você continua respirando e agora, ao expirar, joga
intencionalmente a fumaça escura que sai de você para a fogueira, para que o fogo a absorva e a
misture com sua própria fumaça, e a encaminhe de volta para o Universo. Você pode ouvir o
estalar da madeira, sentir o cheiro... as labaredas... o crepitar... Entregue esse sentimento
desagradável à fogueira, intencionalmente, para que ela o destrua. (2minutos).
Continue exalando, soltando a fumaça escura e projetando-a para frente, na direção da
fogueira, sobre a fogueira. (pausa breve). Muito bem! Você está indo muito bem!
A fogueira está queimando e transformando tudo em cinzas. E a fogueira vai
diminuindo, diminuindo... e você respirando, entregando a fumaça que sai de você para ela... E
o tempo vai passando...
A fogueira agora é só brasa no chão. Continue exalando e vá liberando os últimos
resíduos de sua raíva. (1 minuto).
Você então observa agora as cinzas no chão sobre a terra que você está pisando, a
Grande Mãe Terra. Observe como você está se sentindo ao observar as cinzas. (pausa).
Você pede à Grande Mãe Terra que transforme as cinzas em coisas boas para a Terra,
que as transmute, e que sirvam de fertilizante para que o solo floresça e frutifique.
Sinta que o tempo está passando e que você está testemunhando isso tudo acontecendo
agora. Observe o que está acontecendo à terra que recebeu as cinzas, à medida que o tempo
passa. Meses. Anos. (2 minutos).
Tome consciência de como você está se sentindo agora, se alguma coisa mudou ou não
em você em relação a como você estava no início da experiência. (2 minutos). Como você se
sente agora em relação à raiva?
Faça a fantasia de que você volta a este momento aqui e agora, consciente do seu
sentimento neste momento. Abra os olhos com calma, olhe em volta. Em silêncio, faça um
mandala.
Obs: Se não for possível, pode-se dispensar o mandala.
SUGESTÕES: compartilhar o mandala no caso de trabalho em grupo, em dupla ou
grupos menores. Depois abrir para compartilhar com o grande grupo.
5.6.2. Técnica Isto é Real x Isto é Fantasia (vivenciada, através de Léo Matos, em seus
cursos).
NÍVEL: transpessoal/psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: mais eficaz em grupo.
OBJETIVO: propiciar a percepção da realidade ordinária e da realidade transpessoal,
enfocando a relatividade, o fenômeno, a percepção da mente observadora criadora da realidade.
Flexibilizar a definição do que é real e do que é sonho/fantasia. Ampliar a consciência para
realidades que estão além da dualidade conhecida. Flexibilizar assim as defesas egóicas.
DURAÇÃO: instrução – relaxamento: 5 minutos. Vivência: 20 minutos, em contato com
espaço aberto na natureza. Realização de mandala, compartilhar com explicações sobre o tema:
aproximadamente 1hora e 30 minutos.
MÉTODO: esta técnica conta com seis etapas; são elas relaxamento, instrução, vivência,
mandala (dispensável, em último caso), compartilhar a experiência em grupo menor,
compartilhar a experiência com todos. Nesta última etapa, os facilitadores interferirão
ocasionalmente para explicitar como a Fenomenologia e a Transpessoal possuem semelhanças:
a “realidade” é aquilo que apreendemos e que está impregnada de nossos conceitos, valores, etc;
a “realidade” transcende o objeto; a consciênica do observador é fundamental para determiná-
la, pois é parte integrante da mesma. Essas considerações podem ser mais simplificadas e
adaptadas à realidade do grupo e aos objetivos do trabalho no qual serão incluídas, visando a
aplicabilidade cotidiana da ampliação da consciência para as realidades que transcendem aquela
usualmente determinada.
1ª Etapa - Relaxamento: deitado, com respiração consciente (2 minutos); olhos fechados.
2ª Etapa – Instruções: (ainda de olhos fechados, aproximadamente 2 minutos). Este
exercício nos ajudará a sentir/refletir sobre o que é sonho (ilusão,fantasia) e o que é real, o que é
realidade.
O terapeuta então determina:
- Quando eu der o sinal com o sino, você vai se erguer e caminhar devagar, sentindo sua
respiração e observando tudo à sua volta, atentamente, procurando não criar expectativas e
tentando ficar no presente, no aqui-e-agora, à medida que estiver experienciando o exercício.
Enquanto você caminha, experimente sentir a planta dos pés tocando o chão, os
movimentos do seu corpo.
Caminhe lá fora, na natureza, observando os estímulos à sua volta: auditivos, olfativos,
visuais, táteis e as sensações de um modo geral (calor, luminosidade).
A cada momento, ao se deparar com algo que lhe chame a atenção, aproxime-se,
concentre-se nesse estímulo e afirme para si mesmo: “Isto é real”. Observe como você se sente,
como essa afirmação lhe faz sentir.
Logo depois para o mesmo objeto perceptual afirme: “Isto é fantasia”. (É importante que
seja nesta ordem: primeiro você afirma que é real e depois você afirma que é fantasia). Observe
que sentimentos esta afirmação lhe proporciona. Fique um tempo (alguns minutos) com este
percepto, depois mude.
Execute várias vezes estas afirmações, diante de várias situações: “Isto é real”, “Isto é
fantasia”.
Ao soar o sino pela segunda vez, retorne em silêncio e faça um mandala. Podem abrir os
olhos e começar. (Toca-se o sino para iniciar. Aguardam-se uns 20 minutos para dar o segundo
toque, indicando o término da vivência).
Seguem-se as outras etapas. Aproximadamente 30 a 40 minutos são dados para que todo
o grupo conclua os mandalas, e uns 30 minutos para compartilhar.
NÍVEL: perinatal.
TIPO DE APLICAÇÃO: individual e grupal.
OBJETIVO: fechamento de gestalts do nível perinatal. Favorecer sentimento de transformação,
crescimento e percepção da transitoriedade.
DURAÇÃO: Mais ou menos 15 minutos, à parte o mandala.
INSTRUÇÃO
Para o relaxamento, deite-se confortavelmente sobre o colchão e entre em contato com seu
corpo, agora. Sinta o peso do seu corpo sobre o colchão, sinta o espaço que seu corpo ocupa,
sinta a temperatura do seu corpo... observe sua respiração, sinta o fluxo do ar entrando e saindo
por suas narinas...
Agora você vai fazer uma jornada de fantasia. Você decide se você quer ou não, você é
livre para escolher. Se você escolher experimentar, mantenha sua atenção na instrução:
Imagine uma semente minúscula. Sinta que você é esta semente. (pausa).
Agora, sendo essa semente, você está no seio da terra, acolhido, protegido, e nutrido pela
Mãe Terra, nesse espaço escuro. (pausa). Sinta o calor morno que lhe envolve ai no seio da
Terra... Veja como você se sente nesse espaço acolhedor. (pausa longa).
O tempo vai passando e a semente começa a crescer, criando formas. Você vai
empurrando o espaço aí dentro e você continua crescendo, crescendo... Como você se sente?
(pausa).
Este lugar está bastante apertado, bastante pequeno para você agora. De alguma forma
você sabe que está se aproximando o momento de sair daí... Tudo está sendo preparado. Como
você está se sentindo? E o tempo vai passando...
Você começa a se movimentar para sua saída, neste lugar apertado, mas ainda está
escuro. (pausa). Então, começa a se abrir uma fenda por onde entra a luz. Você, então, se
movimenta mais intensamente em direção a ela... em direção à luz. (pausa).
Como você se sente saindo desse lugar escuro no seio da terra?
Imagine que finalmente você sai. Como você se sente agora nesse espaço claro, amplo,
onde você pode crescer livremente? (pausa longa).
Observe o que está acontecendo com você neste momento (pausa).
Agora, você faz a fantasia de que você volta a esta sala, sinta novamente este seu corpo
aqui e agora, sinta sua respiração e o peso do seu corpo e este espaço que lê ocupa agora sobre o
colchão. (pausa).
E, no seu tempo, no seu ritmo, você vai levantar em silêncio e fazer um mandala. (uma
outra opção é compartilhar em duplas e depois no grande grupo ou com o terapeuta,
individualmente).
NÍVEL: psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal.
OBJETIVO: favorecer o acesso a conteúdos inconscientes através dos processos de
identificações com figuras mitológicas visando a ampliação do autoconhecimento.
INSTRUÇÕES
Deite-se tranqüilamente, tomando consciência do seu corpo... sentindo sua respiração,
procurando encontrar uma posição confortável, relaxando cada vez que você solta o ar...
Quando o seu corpo estiver protegidamente... relaxado, procure aquietar a sua mente,
enquanto observa o fluxo do ar entrando e saindo por suas narinas. (pausa). Agora você pode
fazer uma viagem de retorno no tempo, voltando... há muitos séculos na era cristã... (pausa).
Faça então a fantasia que você está na Grécia Antiga, ao redor do monte Olimpo, vislumbrando
este monte que é a morada dos deuses... (pausa longa, para a imaginação).
Neste momento você está encontrando seres mitológicos. Fique atento e calmamente...
tranqüilamente... veja qual deles atrai mais sua atenção (pausa). Você PODE... ter se sentido
atraído por um, por dois ou mais mitos. Mas agora você PODE escolher aquele que mais está
lhe atraindo. Entrando em contato com este mito, procurando SENTIR a mensagem que ele está
trazendo...tranqüilamente... para você, para a sua vida agora. Respirando... suavemente,
procurando expandir ainda mais a sua capacidade imaginativa. Você PODE... ir sentindo quais
os aspectos deste mito que motiva seu processo de vida. Se ele está aí agora... não é por acaso.
Ele está trazendo uma referência... iluminando algum aspecto da sua vida que pode SER
amorosamente... transformado... e seguramente desenvolvido.
Continuando sua jornada imaginativa, respirando... Você pode ir sentindo o que existe de
mais favorável neste mito que possa lhe servir de modelo... modelando sua atitude diante da
própria existência. (pausa longa).
Agora que você entrou em contato com este mito, procurando aprender como
ele enriquece sua vida. Sua mente sábia e profunda continuará processando
NÍVEL: psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal.
OBJETIVO: facilitar desapego, mudança de padrões e desidentificações. Usada como
um facilitador de identificação de experiências de apegos que podem ser trabalhadas com a
Técnica de Morte e Renascimento.
RECURSO TÉCNICO: Música Adágio nº 5 de Samuel Barber ou similar.
ÍNSTRUÇÒES
Procure, no seu ritmo, encontrar sua forma de relaxar. Talvez você prefira ir soltando
cada parte do seu corpo com a ajuda da respiração. Soltando os pés... Soltando as pernas,
respirando e soltando os quadriz... soltando as costas e todo o tórax. Respirando calmamente... e
soltando os braços, as mãos... soltando livremente a nuca... respirando e soltando a cabeça e os
músculos da face...
Talvez você prefira imaginar-se dentro de um círculo de luz protetor...um círculo de luz
com a cor de sua preferência. Luz e cor que vão entrando em seu corpo com a ajuda de sua
respiração...e soltando, relaxando ainda mais. Sentindo-se protegido(a) e seguro(a).
Talvez você possa aumentar seu relaxamento escutando esta música... observando sua
respiração. Escutando conscientemente a música, você sintoniza com o seu momento de vida
atual. Observe sua profissão, sua família, seus colegas e amigos... Procure observar tudo que for
possível nestas situações. O que lhe dá mais prazer? Procure estabelecer uma ordem de valor,
colocando em primeiro lugar aquilo que lhe dá mais prazer e assim por diante.
Enquanto você continua observando, protegidamente, sua mente sábia e profunda o está
preparando para transformar tudo o que for preciso ser transformado para auxiliar no seu
crescimento. Agora, calmamente e protegidamente, você começa a imaginar-se perdendo as
coisas que lhe dão prazer, deixando por último aquela que você escolheu como a mais
prazerosa. Na sua imaginação observe como fica a sua vida ao perder cada uma dessas coisas...
Como você se sente? Quais são suas reações frente a essas perdas?
Calmamente, você respira e toma consciência da importância do desapego em sua vida e
da certeza da impermanência inerente a todas as coisas da existência. Neste momento, pode-se
introduzir a técnica de morte-e-renascimento do ego, de Léo Matos (vide itens 2.11 e 5.2.1.) ou
reconduzir a pessoa ao aqui-e-agora, sugerindo a realização de mandala e o compartilhar da
experiência com o grupo.
Focalizando I
INSTRUÇÃO
Sentado ou deitado, entre em contato com sua respiração... procurando sentir cada parte
de seu corpo... sinta, agora, seu corpo como um todo... Como você está no seu corpo agora?...
Lembre-se de algo que intencionou trabalhar nesta sessão... alguma coisa que está lhe
incomodando e precisa ser trabalhada... sinta essa situação no seu corpo. Agora, em silêncio
faça um mandala.
Focalizando II
INSTRUÇÃO
Entrando em contato com a respiração... deixando que ela entre em cada parte do seu
corpo, soltando o que precisa ser solto e trabalhando o que precisa ser trabalhado... procurando
presentificar o seu ser... sentindo-se aqui-e-agora... Sinta como você está aqui-e-agora no seu
corpo. Tem alguma tensão?... O que isso lhe diz?... Pense em seus conflitos atuais e observe que
conflito está lhe incomodando mais neste momento... destaque esse conflito... visualize-se ou
imagine-se vivendo essa situação de conflito agora. Sinta-o no seu corpo... perceba as sensações
que ele lhe proporciona agora... Tome consciência dos sentimentos, pensamentos e percepções
que este conflito lhe desperta... Agora, em silêncio, faça um mandala; um mandala do seu
conflito.
NÍVEL: psicodinâmico
TIPO DE APLICAÇÃO: individual ou grupal
OBJETIVO: favorecer a elaboração de situações envolvendo perdas.
INSTRUÇÃO
Sentado, ou deitado, você pode ir relaxando o seu corpo, soltando tudo que precise ser
solto, enquanto sua respiração vai tranqüilamente se acalmando. Repirando, soltando cada parte
do seu corpo... pés... pernas... tórax... soltando braços e mãos... respirando, soltando os
ombros... a nuca. Soltando a cabeça... respirando e relaxando você pode ir entrando em contato
com sua vida hoje... observando sua vida profissional... afetiva... social... familiar... espiritual...
procurando observar ao máximo possível todos estes aspectos.
Dentro dessas áreas, escolha uma situação pela qual você sente uma forte ligação... uma
situação que lhe traz grande satisfação e felicidade... Traga esta experiência de felicidade para o
seu corpo... Algo de muita importância para você. Procurando sentir agora esta satisfação
presente em seu corpo... Desfrutando essa sensação de bem-estar...
O tempo passa, tudo passa... e, mantendo a respiração tranqüila, faça a fantasia que agora
você está perdendo a situação de bem-estar... Isto desaparece de sua vida. Você não tem mais
esta situação para desfrutar. Respirando... expirando, tudo isso acaba... Como você está se
sentindo agora sem isso? Como fica a sua vida?
Imagine o tempo passando... O que você está fazendo para lidar com essas mudanças na
sua vida?... O que você quer fazer da sua vida agora?... O tempo continua passando, veja se
você faz ou não o que planejou... O que você está sentindo por você agora?
No trabalho em grupo solicita-se que a seu tempo cada pessoa levante e faça um
mandala para compartilhar com o grupo, logo após trabalha-se as situações incabadas.
Quando o atendimento for individual, conduza a pessoa ao fechamento das gestalts ou
COEXs abertas com as vivências. Utilizam-se principalmente os exercícios de morte-e-
renascimento do ego.
O uso das técnicas regressivas como instrumento terapêutico já está consagrado no meio
psicológico. Contudo, a sua utilização para acessar camadas mais profundas do psiquismo,
como os níveis perinatais, memórias arquetípicas e de “vidas passadas”, passou a ser uma das
marcas identificadoras da Psicologia Transpessoal. Durante um certo período de tempo
associou-se a Psicoterapia Transpessoal com a possibilidade de entrar em contato, via regressão,
com memórias difíceis de serem acessadas pelas terapias convencionais.
No meio transpessoal, três grandes posições surgem no que diz respeito ao uso da
regressão.
a) A regressão é uma necessidade para evolução da consciência - esta posição é
defendida por Grof quando aponta o nível perinatal como porta para acessarmos os níveis
transpessoais. Ela é duramente criticada por Wilber (2001, p.144-159) que aponta as
dificuldades teóricas para sustentá-la. Para este autor, as experiências perinatais são
manifestações dualistas próprias do fim da involução do psíquico/alma, ou seja, do fim da
permanência no bardo e retorno ao corpo físico. Contudo, é inegável que a respiração
holotrópica é uma poderosa ferramenta desenvolvida por Grof para acessar o material
inconsciente.
Outro grande terapeuta que sustenta uma postura próxima a de Grof é Roger Woolger,
sendo suas técnicas extremamente eficientes para favorecer estados regressivos aos níveis mais
sutis (ver item 3.2.3. neste livro).
Os sintomas falam das histórias, das memórias, dos desafios, enfim da dor do cliente em
existir. Woolger (1998) e Matos (supervisão) apontam que intensificar o sintoma conduz ao
aparecimento da sua história. Para isto, pode-se utilizar a focalização da atenção com o auxílio
da respiração ou uma leve pressão sobre o corpo; aqui, todos os cuidados éticos devem ser
tomados, evitando situações que retraumatizem o cliente ou possam ser mal interpretados.
Para os psicoterapeutas supracitados, os conteúdos que emergem, a partir da
intensificação dos sintomas, devem ser trabalhados para favorecer a catarse, o fechamento de
gestalts e a desidentificação do eu, tanto através da TRI (Woolger, op.cit.) como do Sonho
Catártico Diurno e da técnica de Morte-Renascimento Psicológico. (Matos, 1972, 1994). Estas
técnicas necessitam de uma estrutura egóica mais fortalecida para o confronto com a dor
psíquica, e de um bom rapport
Eliége Brandão e Salete Menezes seguem, principalmente, as abordagens de
Matos e Woolger.
Respirar constitui-se em uma função básica para os seres humanos, e sua simplicidade é
uma das principais fontes onde estão ancorados os potenciais de cura dos exercícios
transpessoais. Habitualmente, não estamos conscientes das 17.000 mil vezes que, em regra,
respiramos por dia. E como a respiração é uma via de mão dupla do sistema emocional,
influenciando e sendo influenciada pelas emoções, tornamo-nos cada vez mais alienados de nós
mesmos.
Nossos hábitos respiratórios errôneos e restritos causam um acúmulo de ar viciado nos
nossos pulmões, provocando toxidade semelhante a águas estagnadas nos pântanos. A tradição
yogue enfatiza a respiração como alimento não só do corpo, mas também do espírito. Nossas
dimensões sutis são nutridas pela energia vital denominada prana58, em sânscrito. Quando
respiramos, além do oxigênio (que vai nutrir as células do corpo físico, como o alimento que
ingerimos) absorvemos também o referido prana que é energia vital presente em tudo que está
vivo. Aprender a respirar corretamente não somente desintoxica o organismo como também
pode manipular o poder interior, o controle da mente e das emoções.
Na tradição oriental, existem várias técnicas com diversos objetivos, inclusive algumas
complexas e que só podem ser ensinadas por um mestre experiente, que esteja em processo
iniciático, para o domínio dos poderes psíquicos. Entretanto, o terapeuta ou praticante da
psicoterapia transpessoal utiliza técnicas simples como as supracitadas, no sentido de
tranqüilizar ou energizar o cliente. Em nossa prática, comprovamos ser a respiração consciente
uma via direta de acesso ao mundo interior do indivíduo tornando-o presente em si mesmo,
mobilizando conteúdos do seu inconsciente profundo e ampliando a consciência para outras
realidades. Além de ampliar o foco, há técnicas respiratórias que reequilibram energeticamente
a pessoa após seu contato com experiências traumáticas, fazendo-a recobrar o poder sobre si
mesma.
É importante, entretanto, que não se faça uso de técnica de respiração quando se tem
uma ou as duas narinas obstruídas porque pode causar ou acentuar o desequilíbrio energético.
Utilizada para acalmar, apoiar e reduzir ansiedade, bem como para ativar, intensificar e
desbloquear sintomas, seu potencial encontra-se amplamente estudado nas escolas psicológicas
orientais e vem ganhando cada vez mais espaço na cultura ocidental. Aqui, observamos os dois
pólos centrais onde a respiração é utilizada: a) acalmar a energia, objetivando reduzir ansiedade
e estresse; b) ativar a energia, propiciando o desbloqueio dos nós psicofísicos.
58
Segundo a tradição taoista, prana é a energia vital, o impulso e a força que promove a manutenção da vida
no universo. É o princípio que rege o movimento de permanente troca energética, entre a dimensão física e os
corpos sutis. No ser humano, constitui-se no substrato vital energético naturalmente ativado através da
respiração espontânea e intencionalmente potencializado quando dos processos de respiração consciente.
Dentre tantas outras formas de absorção de Prana (tais como através dos alimentos, do sol e da água), a
respiração é a forma mais suil e, talvez, a mais substancial pela qual se extrai o Prana que por sua vez ao ser
contactado, armazena-se nos chackras e por eles é distribuído por todo o corpo promovendo revitalização.
5.8.1.2. Adote expirações regulares
Tranqüilamente, foque a sua atenção na respiração. Calmamente, respire três vezes. Procure
respirar lentamente e demoradamente. Crie um ritmo: inspirando lentamente e profundamente,
segure o ar por alguns segundos, e, depois, expire relaxando, deixando o ar sair livremente,
transformando o seu corpo e a sua mente.
O Lama Padma Santem59, um grande mestre budista, ensina que este ritmo pode ser
acompanhado por palavras:
Volte a atenção para o corpo e a postura. Sente-se com as costas e a cabeça eretas. Caso
esteja sentado em uma cadeira, procure acomodar-se confortavelmente usando almofadas na
parte baixa das costas, isto aliviará a tensão sobre os músculos e manterá o corpo reto. Com as
costas eretas, volte a atenção para o resto do corpo. Simplesmente relaxe o máximo que puder.
Respire devagar umas poucas vezes para ajudar no processo de relaxamento. Enquanto
respira, note que, quando inalamos o ar, o fazamos ativamente; o ar é puxado para dentro.
Contudo, para expirar e liberar o ar, só se precisa relaxar. A cada respiração se libera a tensão e
se relaxa cada vez mais.
Agora, volte a atenção para a própria experiência da respiração. Note que as duas mais
proeminentes sensações estão provavelmente nas narinas, por onde entra e sai o ar, e no
estômago, onde se pode sentir o movimento de sobe e desce do abdômen. Escolha umas dessas
áreas e dedique-lhe atenção completa. Siga as sensações da respiração, em suas mudanças e
alterações na entrada e saída do ar, e o repouso na breve pausa antes do início do ciclo seguinte.
59
Mestre da tradição budista, especialista em psicologia oriental.
Cedo ou tarde você despertará de súbito, ligeiramente ofegante pela surpresa, ao
compreender que estivera perdido em pensamentos ou fantasias, ou até que estivera meditando.
Esse é um processo natural, apenas lembra que nossa mente, em treino, se afasta da realidade. O
processo é simples. Retorne à sua atenção, com suavidade e carinho, volte às sensações da
respiração. As fantasias aparecerão uma centena de vezes. O objetivo é permanecer consciente
no momento da respiração.
A mente vagueia inconscientemente e regressa conscientemente. Não se julgue nem
julgue a sua mente por suas tendências errantes. Ao invés disso, trate-a e a você mesmo com
amor suave e respeito, e continue com a atenção voltada para a respiração.
Isso é tudo que se precisa. Não se tem que batalhar ou lutar com a mente; não é
necessário se preocupar com a qualidade do que se está fazendo. Simplemente relaxe, permita
que a atenção repouse nas sensações da respiração e, quando ela fugir, traga-a de volta.
Ao final da sessão, abra os olhos devagar e olhe à sua volta. Talvez note que sua visão
parece algo mais clara, as cores, algo mais brilhantes. Levantando-se devagar, veja se pode
levar a claridade e a calma, porventura cultivadas, para as suas atividades e relações.
O princípio destas técnicas é que elas ativam e pressionam, buscando abrir espaço na
rigidez dos nós psicofísicos, para depois acalmar e integrar as energias mobilizadas. Grof
(2000) destaca que:
“a respiração é uma função autônoma, mas também pode ser influenciada pela
vontade. O aumento deliberado do compasso da respiração, tipicamente relaxa
as defesas psicológicas e leva à liberação e à emergência de materiais
inconscientes (e supercosncientes).” (p.182)
A seguir, apresentaremos uma sequência de exercícios que ativam profundamente as
energias psicofísicas, devendo, por isso, serem utilizadas por profissionais que já se
submeteram a estas técnicas e que conheçam as especificidades de suas dinâmicas.
5.8.2.3. Hiperventilação
Segundo Léo Matos60, de forma ampla a palavra mandala está associada às diversas
manifestações das “formas circulares” presentes na natureza ou produzidas pelo homem.
Etimologicamente esta palavra masculina remonta ao sânscrito, antiga língua indiana, onde o
Man quer dizer círculo e Dala, essência, ou melhor, essência de si mesmo.
Em suas reflexões, Matos (1998) traça um paralelo entre a Física Quântica e o ser
humano para entender melhor o que representa o desenho do mandala. Ele aponta que, como
para a Física Moderna tudo está interligado num contexto de unidade, e não de separatividade
como vê a Física Clássica newtoniana-cartesiana, o indivíduo é, em realidade, UM com todo o
Universo. E como o Universo é infinito, a essência do ser humano é a infinitude, representada
no mandala pelo círculo.
Salete Menezes (1999, 2004) assinala que o desenho do mandala emana a natureza
transcendente humana. Entenda-se aqui como natureza transcendente o potencial inerente à
essência humana de ir além da visão de realidade ordinária de separatividade. Ou seja, a
essência humana possui uma natureza transcendente, de modo que o mandala ao emanar tal
natureza é um recurso para contatarmos o Centro, o Self, conforme apontam Dahlke e Matos.
Qual a origem do mandala no universo? Poder-se-ia dizer que a origem do mandala
encontra-se para além do tempo-espaço. Na Cosmogonia de várias culturas, encontramos o
mandala simbolizando o princípio de toda criação (Dahlke, 1995). Assim, desde tempos
imemoriais, o mandala se apresenta no universo de diferentes modos, manifestando em si o
paradoxo da unidade na diversidade, infinitude na finitude, e assim vê-se outras tantas
referências associando o mandala como centro posto a refletir o todo. Deste modo, o seu
simbolismo evoca o centro que está em nós, evoca a Unidade, conectando o microcosmo e o
macrocosmo ao tempo em que reflete a ambos enquanto registro expressivo.
Segundo Rüdiger Dahlke (1995), estudioso alemão, para onde quer que nos
transportemos, o centro estará sempre representado dentro de nós, não importando a época ou as
diferenças culturais. Podemos até nos desconectar conscientemente, entretanto, este arquétipo
está no nosso inconsciente e seguirá conosco onde estivermos ou para onde seguirmos.
60
“Terapia da Arte Transpessoal do Mandala”, artigo não-publicado.
Temos por exemplo, na Bíblia, que é considerado um dos registros religiosos mais
antigos, essa idéia anotada numa abordagem algo imperativa: “No início tudo era verbo, então,
fez-se luz”. Uma outra referência, mais anterior ainda, pode ser encontrada nos antigos textos
hindus, nos quais a origem do universo deu-se a partir do som, donde se infere que por trás das
palavras está implícito um som e por trás deste, um mandala, uma vez que ondas sonoras se
expandem em forma de esfera, a partir de um Centro. Vê-se que surge daí a mesma imagem de
quando se lança uma pedra na água, seguindo essa analogia, o som se lança no espaço e no
tempo, manifestando sua energia.
Mesmo os cientistas radicalmente materialistas, que apontam a Teoria da explosão do
Big Bang para explicar o início do universo, concordam que a explosão produz formas
reconhecidas como mandálicas. O universo é, pois, um mandala composto de incontáveis outros
mandalas das mais diversas dimensões. Na esteira desse entendimento, temos subjacente o
princípio holográfico no qual repousa a hipótese de que cada mandala que compõe esse todo
igualmente mandálico, como fragmento que é da Unidade, reflete o Todo, e não só reflete como
traz em si e no seu cerne, a possibilidade de reproduzi-lo integralmente. Nesse diapasão, cada
mandala comporta o Universo, ou o Verbo, ou o Todo, ou a Unidade. Logo, cada mandala
também comporta a multidimensionalidade, ou a diversidade. Da Unidade nasce a
multiplicidade, por trás de toda multiplicidade está a Unidade, tudo está interligado.
Um outro ponto levantado por Dahlke que merece destaque ao considerarmos o mandala
diz respeito à idéia de movimento permanente, ou seja, o fluxo de energia imanente à própria
forma mandálica. Temos, inclusive no sistema solar, o reconhecimento de um movimento
constante entre seus astros, que se dispõem numa rede de interrelações energéticas. Ele nos
transporta às galáxias, às nebulosas, ao sistema solar e finalmente à Terra, que também nos
remete à mesma referência geométrica: o mandala.
Nosso planeta está repleto de oceanos que incluem gotas d’água (mandalas). Das
planícies às montanhas temos estruturas sólidas compostas de minerais que possuem seus
elementos estruturais (cristais), cujas moléculas podem ser igualmente representadas por
mandalas.
Em complementação a essas considerações, recordamos a famosa figura humana na qual
Da Vinci desenhou o homem com seus braços e pernas abertos, em seus estudos de anatomia.
Imagem semelhante é referendada por Dahlke (op cit, p.34-35) para ilustrar o homem, diga-se
brilhantemente, com centros mandálicos energéticos, os chakras ( p. 184), relembrando o
caráter energético do mandala e sua interligação com todo o Universo. Assim, salienta a relação
mandálica de conexão do homem com a natureza transcendente. Talvez, Da Vinci já tivesse a
percepção ampla da profundidade daquela manifestação artística, e até podemos nos arriscar a
dizer que aquela obra de arte pode ter sido produzida num momento seu de captação
holográfica da conexão homem/universo.
Prosseguindo com as analogias, lembremos que o ser vivo é composto de células
(mandalas). Nos homens e animais temos o núcleo que é mandálico.
Enfim, tudo no Universo, incluindo as células, é composto de átomos. Cada átomo
também se dispõe em formas mandálicas. A Física Subatômica pesquisa as partículas quânticas,
menores que o átomo, e que remetem também às mesmas formas.
Ora, “o verdadeiro centro de um círculo é o ponto”, que “não tem dimensão nem lugar”.
(Dahlke, op cit, p.5). Para algumas culturas, o ponto representa Deus, o Absoluto, o Todo e
contém tudo em potencial e dele nascem o círculo e a esfera que são as formas manifestas. O
autor reforça, então, que todo mandala traz um ponto central visível ou invisível, isto é
arquetípico e simboliza a Unidade, a Totalidade, a Perfeição.
O referido autor salienta que a presença de mandalas em estruturas arquitetônicas como
as rosáceas góticas parecem indicar tentativas de cura, mobilizadas pelo inconsciente coletivo
em momentos difíceis da humanidade. Encontramos explicação desse fenômeno em Jung (apud
Silveira,1981), quando ele sugere que as imagens espontâneas mandálicas surgem
particularmente em situações de crise interior e têm um potencial terapêutico, como bem
fundamentado nas pesquisas da Psicologia Transpessoal
Para alcançarmos saúde integral, automaticamente nos lançamos em busca do nosso
centro de equilíbrio. O retorno do enorme interesse pelos mandalas no momento atual e seu uso
cada vez mais freqüente no domínio das artes e da meditação parece se dar por nos
encontrarmos num momento de transição, onde os arquétipos do inconsciente coletivo são
acionados e nos movimentamos em busca de alternativas para qualificação e promoção da
saúde.
Dahlke nos remete a povos primitivos integrados à natureza (p.245-246), onde a
presença do mandala reflete-se na cultura, estando presente nas suas lendas e no cotidiano das
tribos. É assim que em regra eles costumam expressar os fenômenos da natureza. Eles fazem
mandalas na areia, representando a Criação na harmonia das polaridades. Tudo para eles remete
a mandalas: quatro elementos, quatro pontos cardeias, quatro fases da vida, quatro raças
humanas, dentre outros. Reverenciam a natureza através dos mandalas. Observam-se mandalas
que representam o nascimento, outras a morte. É dessa forma que as comunidades,
principalmente antes do advento da indústria, evocam a transcendência.
Na tradição oriental, o mandala é um veículo para concentrar a mente de modo a permitir
que se alcance além de seus limites costumeiros (transcendência).
Os tibetanos utilizam símbolos pré-determinados na meditação, para contemplar sua
verdadeira essência. Utilizam os mandalas de areias coloridas em ocasiões especiais, e
costumam desfazê-los ritualmente para exercitar o desapego e a impermanência. Os hindus,
segundo Dahlke (p.242), também evocam mandalas específicos para obter estados elevados de
consciência, meditando com Yantras (mandalas intencionalmente feitos com símbolos
específicos), como para a Deusa Kali, que remetem a aspectos sombrios, à polaridade destrutiva
da criação, que também nos conduz ao centro unificador, o qual está em tudo.
Para povos considerados tão diferentes como são os tibetanos, os indianos, os astecas e
os maias, a meditação com mandalas aparece com o mesmo sentido: elevar o estado de
consciência para atingir a transcendência, para ir além do mundo dos opostos, das aparências.
Os seres humanos gostam de dançar ou de se movimentar muitas vezes em torno de um
centro, um eixo agregador que propicia a vivência de integração. A alegria da criação brota
deste eixo e se expande ao seu redor.
A observação de crianças e adultos brincando confirma a hipótese desse eixo agregador,
estendendo-o aos jogos. Pode-se dizer que eles partem de seu Centro Interior, projetando-o no
ambiente. Este centro virtual liga os elementos do grupo que passam a extrair energia desta
conexão. Nosso inconsciente, ao buscar os jogos para se expressar, parece transmitir nossa
inseparatividade.
Quer seja na valsa ou nos rituais de povos ancestrais, como danças circulares ou o giro
em torno de um centro, está presente o modelo arquetípico da nossa vida, de forma que a vida é
associada a uma dança mandálica. Assim, desde as mais remotas eras, utilizamos a dança
mandálica como um recurso para atingir experiências de ampliação da consciência. Nosso
inconsciente está evocando continuadamente a transcendência, seja através dos jogos, da dança
ou da realização de um mandala ( Dahlke, p.77-78).
No Brasil, a médica alagoana Nise da Silveira (1981) que dirigiu a seção de terapêutica
ocupacional no Centro Psiquiátrico Pedro II (1946 – 1974), deparou-se com a importância da
arte para a expressão das emoções e o tratamento mais humanitário a pacientes psiquiátricos,
particularmente esquizofrênicos, no Atelier de Pintura daquele setor. Começou a estudar o
fenômeno da produção espontânea de mandalas, a partir de 1957, baseando-se nos trabalhos de
Jung, que conheceu pessoalmente quando do II Congresso Internacional de Psiquiatria em
Zurique, 1957, onde teve a honra de expor várias obras de pacientes brasileiros.
Daí em diante, as variações nos mandalas de esquizofrênicos, suas funções ordenadoras
e curativas, foram o centro de seu interessse. Silveira observa na prática o que Jung aponta
sobre os mandalas terem estrutura matemática, ressaltando o fato dos números serem primitivos
elementos de ordem na mente humana.
“Os números, mais que qualquer outra coisa, ajudam a estabelecer ordem no caos das
aparências. São instrumentos para criar ordem ou apreender um arranjo regular ou
ordenação já existente mas ainda desconhecido.” (op. cit., p.55)
Nise da Silveira continua apontando a importância do mandala no processo de
organização psíquica, e o faz destacando Jung:
“...o fato de que as imagens da totalidade espontaneamente produzidas pelo
inconsciente, os símbolos do self sob forma de mandala, também têm estrutura
matemática. Em regra são quaternidades ou seus múltiplos. Essas estruturas não só
exprimem ordem, elas também criam ordem.” (Jung, apud Silveira, op.cit., p.55).
Essa empreendedora mulher fundou em 1952, o Museu de Imagens do Inconsciente, com
os trabalhos do Atelier de Pintura. Acrescenta-se ainda que, em 1956, ela montou com amigos a
Casa das Palmeiras, uma clínica destinada ao tratamento de egressos de instituições
psiquiátricas, em regime de externato, onde se realizam livremente atividades expressivas. A
realização destas atividades a coloca como pioneira no processo de reforma psiquiátrica no
Brasil.
Silveira testemunhou em sua prática:
“As imagens circulares ou próximas ao círculo dão forma aos movimentos instintivos
de defesa da psique... desde que o doente tenha oportunidade de desenhar e pintar num
ambiente acolhedor. Isso não indicará que, desde logo, a ordem psíquica seja restabelecida. As
imagens circulares exprimem tentativas, esboços, projetos de renovação”. (op. cit., p.55).
A importância dos mandalas no processo terapêutico tomou lugar mais
significativamente, na década de 70, com a divulgação nos E.U.A. das pesquisas da psicóloga e
arteterapeuta de Baltimore, Joan Kellog (Grof, 1988, p.282 e Matos, 1998, p.2), com base em
seu trabalho com grandes grupos de pacientes psiquiátricos. Entretanto, Grof ressalta que esse
trabalho pode ser usado “para facilitar a interação e a partilha de experiências de pequenos
grupos” (op. cit. p.282).
Kellog desenvolveu critérios para uma análise formal desses desenhos, a partir de
conhecimentos junguianos sobre arquétipos, símbolos, cores e formas (Matos, op.cit, 8-9).
Grof vem utilizando esse recurso desde suas pesquisas com psicodélicos. Matos, durante
seus atendimentos e cursos, vem imprimindo-lhe um cunho pessoal de interpretação resultante
de suas experiências em diversas culturas e países. Apesar do uso corrente desta técnica, Grof
não reconhece inteiramente seu valor ilimitado como instrumento terapêutico independente.
Matos, por outro lado, ainda que salientando seu espetacular auxílio aliado a outros recursos no
processo terapêutico (op. cit., pp.11-12) – como jornadas de fantasia e especialmente o Sonho
Catártico Diurno – garante que ele pode ser muito rico experiencialmente como recurso
autoterapêutico, sendo útil ainda que o cliente não entenda nada sobre mandala e nem venha a
ter seus conteúdos interpretados por um terapeuta, para posterior elaboração consciente .
Grof ( op. cit., p. 282) refere que essa técnica consiste no sujeito receber um papel com
um círculo esboçado no centro, devendo desenhar livremente sobre o papel da maneira que lhe
aprouver, com crayons ou canetas hidrográficas. Pode ser qualquer tipo de desenho. Leo Matos,
no entanto, utiliza apenas giz pastel, de preferência a óleo, e o papel de tamanho A-2 liso ou de
tamanho A-3, como material mais indicado para realizá-lo (op. cit., p. 9). Partindo de sua
experiência clínica com os mandalas, ele utiliza este recurso como um caminho para dar
indicações de qual nível de consciência está interferindo mais fortemente na psique do
indivíduo no momento do desenho, sendo por isto um excelente facilitador acerca da dinâmica
inconsciente do cliente. Ele recomenda o papel A-2 como melhor que o papel de tamanho A-3
(apesar de que este também pode ser usado), porque no A-2 é possível cortar um pedaço e
deixá-lo em formato quadrangular, mais poderoso para se obter os efeitos terapêuticos, segundo
ele, de facilitação da transcendência do nível conceitual( op. cit., p. 12).
NÍVEL: psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: grupal
OBJETIVO: trabalhar auto-imagem, autenticidade e transparência.
RECURSOS TÉCNICOS: música animada para dançar a dois, chapéu.
INSTRUÇÃO
Inicia-se com as pessoas do grupo escolhendo aleatoriamente um par. O ideal é que o
quantitativo do grupo seja em número ímpar, para que alguém possa começar com o chapéu na
mão e, após um tempo como portador do chapéu em meio aos pares que já devem estar
dançando ao som da música, colocar o chapéu na cabeça de um daqueles que estiver dançando e
passar, então, a assumir o seu lugar.O novo portador do chapéu repete o procedimento,
dançando com outra pessoa que se solta do seu par e vai com aquele que chegou. E assim os
dançantes seguem, até que o terapeuta, que deve estar de costas para o grupo, faz a música
parar, quando, então, aquele que ficou com o chapéu vai para a berlinda.
1ª rodada – O facilitador informa que agora cada elemento do grupo vai escrever em
uma palavra ou frase o que lhe agrada ou uma virtude de quem está na berlinda. Escreve em
silêncio. Agora, cada pessoa vai falando, e o que estiver na berlinda (com lápis e papel na mão)
não pode dar nenhum feedback, nem oralmente, nem com expressões faciais/corporais, de
concordância ou discordância do que está sendo dito.
Após todos se manifestarem, o facilitador poderá sugerir um pouco de silêncio (tipo 1
minuto) e, então, informa que quem está na berlinda poderá dar feedback de como se sentiu, se
concorda ou não, se se vê com aquela imagem que o outro tem dele, ou não.
O facilitador aproveita para dizer que muitas das coisas que vemos no outro, muitas
vezes estão em nós mesmos, e o outro não se vê nem se sente assim. Mas, se um número
significativo de pessoas nos percebe de uma maneira que não atinávamos antes, é bom refletir
sobre isso, pois esses aspectos podem estar na dimensão da nossa sombra pessoal.
61
Esta última colocação objetiva centrar o paciente na realização do mandala, deslocando possíveis fixações
na instrução.
2ª rodada – O facilitador informa que agora cada um do grupo vai escever algo de que
não gosta no outro, ou atitudes inadequadas, ou expressõee que considera desagradável. (tempo:
aproximadamente 2 minutos em silêncio).
O facilitador indica para que uma a uma das pessoas vão se manifestando em relação ao
aspecto desagradável ou que consideram negativo no outro. O facilitador chama a atenção para
a importância da sinceridade, autenticidade e interesse construtivo neste momento. Atenta para
que, novamente, quem está na berlinda escute sem feedback de nenhuma espécie e vá anotando
suas observações num papel, da mesma forma da 1ª rodada.
Ao término, o facilitador estimula o processo de compartilhar os sentimentos e opiniões,
entre quem está na berlinda e quem está no grupo, evocando reflexões sobre as nossas projeções
e a importância de cada um ver o que disse sobre o outro em relação a si mesmo, e de quem está
na berlinda também refletir sobre a imagem que está passando para os outros.
Uma variação dessa técnica, surgida da própria prática, vem a ser, ao final, uma reflexão
em silêncio com sugestão do terapeuta convidando o grupo para repetir mentalmente: eu tenho
parte de você (pausa) você tem parte de mim (pausa) repetindo por três vezes (só o terapeuta
fala). Após a última pausa, todos repetem em voz alta, porém, em tom suave, a mesma
seqüência por três vezes, incluindo as pausas,que podem ser marcada por um leve toque de sino,
tipo: eu tenho parte de você (pausa)... toque do sino, você tem parte de mim (pausa)... toque de
sino.
5.10.2. Exercício de projeção dos cinco papéis (vivenciado através de Léo Matos, em
seus cursos, com adaptação dos autores).
NÍVEL: psicodinâmico.
TIPO DE APLICAÇÃO: individual (variação) ou grupal
Variação: aplicada individualmente, pede-se que a pessoa traga à sua frente, na
imaginação, uma pessoa neutra, a qual não se conhece de perto. E procede-se como se ela
estivesse ali. A segunda etapa não é feita.
OBJETIVO: chamar a atenção para o uso constante da projeção em nossa vida e para a
formação das imagens que temos dos outros, através desse mecanismo. Levar à consciência a
forma como a pessoa está se projetando na sua própria percepção das outras pessoas.
INSTRUÇÃO
OBS: Não informar o nome da técnica antes do término, para não interferir no processo.
1ª Etapa:
Caminhem olhando nos olhos uns dos outros, e escolham um parceiro. Escolham alguém
com quem vocês ainda não tenham tido muito contato e formem duplas.
Sentem-se em frente ao parceiro escolhido. Respirem. Relaxem, mantenham a postura
ereta. Olhem-se nos olhos, em silêncio.
O que você sente por esta pessoa que se encontra diante de você? Como ela lhe parece?
Imagine cinco papéis que você fantasia que ela desempenha no seu dia-a-dia (mãe, pai,
profissional, mulher, homem, estudante, dona de casa, marido, esposa, etc.) Imagine essa pessoa
desempenhando esses papéis, em sua vida diária, do mais importante ao menos importante (5
minutos).
Sinta, imagine, como o seu parceiro se sente em relação a esses papéis.
Agora, você faz a fantasia de que essa pessoa deixou de exercer um a um, aqueles cinco
papéis, do menos importante ao mais importante. Perceba o sentimento do seu parceiro à
medida que eles vão sendo retirados. Visualize, passo a passo, como fica o cotidiano dele sem
esses cinco papéis que você lhe atribuiu.
2ª Etapa:
Por alguns segundos, abram os olhos e olhem diretamente nos olhos de seu parceiro.
Repitam mentalmente várias vezes: EU SOU. EU SOU...
Fechem os lhos novamente. Qual o aprendizado que você traz de tudo isso? O que você
percebe agora? Como você se sente por essa pessoa diante de você agora?
3ª Etapa:
Agora, em silêncio, vocês vão abrir os olhos e desenhar nesta folha de papel, o que vocês
sentirem vontade. (de preferência fazer um mandala).
4ª Etapa:
Agora que todos terminaram o desenho, compartilhem com seu parceiro ou grupo a sua
experiência; aqui, o outro vai confirmar ou não as suas impressões. (15 minutos).
Léo Matos (1977, 1994, 1995a), inspirado na técnica da hot seat da terapia Gestalt,
desenvolveu uma técnica para trabalhar com auto-imagem e nível psicodinâmico, através de
imagens internalizadas.
Sabemos que ao longo do processo de desenvolvimento psicológico, identificamo-nos
com diversos personagens e seus opostos, de forma que estes passam muitas vezes a ocupar um
lugar de destaque nas nossas interações psíquicas. Personagens como a criança ferida, o
adolescente rebelde, o difícil, o feio, o bonzinho etc., povoam o inconsciente, drenando a
energia criativa e o poder de crescimento da pessoa. Visando trabalhar com estes personagens
internalizados sugerimos ao cliente um diálogo, objetivando trabalhar principalmente o nível
psicodinâmico nas problemáticas que envolvem a auto-imagem e os relacionamentos, podendo
com isso também acessar COEXs relacionadas a níveis perinatais e transpessoais.
Dentro da perspectiva da técnica hot seat, adaptada para a psicoterapia transpessoal por
Léo Matos, além da catarse e expressão dos sentimentos da técnica da Gestalt há a permuta de
lugar que possibilita ao cliente, através de uma espécie de psicodrama, uma vivência mais
intensa dos sentimentos; o psicoterapeuta também interfere oferecendo novas possibilidades
para a resolução do conflito. Isto parece favorecer o sucesso desta técnica reformulada, pois,
facilita ao cliente contactar seu próprio Self ou Centro unificador e promover mais facilmente a
transcendência dos conflitos ou fechamento das gestalts. Pode-se trabalhar no diálogo com
pessoas do momento atual do cliente: esposa diante do marido, mãe e filho etc. ou com figuras
introjetadas de um passado mais distante: seu aspecto criança com a figura de sua mãe na época
em que tinha seis anos, o aluno adolescente com o professor etc.
Na versão de Léo Matos, chamada por ele de “hot seat transpessoal”(1976),
1995b), sugere-se que se fantasie um diálogo com os dois pólos do conflito. Por
exemplo: o bom filho versus o mau filho que estão guerreando dentro dele; ou a pessoa
que se sente capaz versus o seu aspecto incapaz e inseguro etc. O princípio básico desta
aspectos do próprio eu do cliente ou sua relação com pessoas vivas ou mortas. (Matos
1995a).
conflitivas internas.
Ampliamos esta técnica para o diálogo com arquétipos, favorecendo ao cliente que
perceba os grandes padrões de repetição de sua vida, bem como para servir de suporte para
ativar os potenciais criativos do ser. Como por exemplo, o diálogo com o arquétipo do ‘Sábio
interior’ ajuda a fortalecer a autoconfiança nas suas próprias idéias, a entrar em contato com os
aspectos sábios da mente inconsciente, enquanto que o contato com o arquétipo do ‘Guerreiro’
ativa o potencial de luta, de capacidade para reagir às adversidades.
INSTRUÇÃO
Propõe-se um diálogo com o que chamamos aqui de personagens internos, mesmo nos
referindo a aspectos da auto-imagem do cliente. O diálogo pode ser realizado ao estilo da
‘cadeira vazia’ da gestalt, com o cliente revezando o lugar com o seu personagem, ou no estilo
de psicodrama interno, fazendo a troca sem mudar de lugar, trocando apenas internamente, na
imaginação. Essas duas maneiras são aprovadas por Léo Matos na sua técnica, repassada aos
seus alunos nos seus cursos de formação na abordagem transpessoal. Aurino Ferreira adota
também, na sua prática clínica, a forma do terapeuta assumindo o papel ora do personagem, ora
do cliente, inspirada na terapia sistêmica de Bert Hellinger. Ele alerta que este último modo
requer uma grande experiência do terapeuta para desidentificar-se das projeções, bem como
uma boa percepção da dinâmica do caso, para que o terapeuta não venha a oferecer suas
próprias respostas. Por esta razão, ele recomenda conhecer mais sobre o personagem e qual sua
função no sistema de ganhos do cliente.
Exemplo: Pedro, 22 anos, queixando-se de dificuldade de relacionamento com seu pai.
O “filho perfeito” emergiu como personagem central do conflito interno. Ele surgiu
para atender a um pai exigente e agressivo e protege o cliente do medo de abandono.
Terapeuta (T) – Você imagina que o personagem “Pedro, o filho perfeito” está
sentado agora a sua frente. O que você gostaria de lhe dizer agora?
Cliente (C) – É estranho me imaginar assim... Você é todo certinho. Sua vida é só
para provar a seu pai que você é bom, mas isto me cansa, porque eu não tenho espaço
para errar. Estou cansado.
(T) – Agora se sente neste outro lugar (indica cadeira à frente do cliente) e
imagine que você se torna “o filho perfeito” e que acaba de escutar estas palavras do
Pedro.
(C) – Eu gosto de ser certinho, você não tem nada com isso, a vida é minha,
cuide da sua, não se meta.
(T) – Troque de lugar e volte para o lugar de Pedro. Pedro o que você sente
quando “o filho perfeito” lhe diz isto?
(C) – Raiva... Você quer sempre ganhar, mas acaba errando e perdendo tudo, na
busca da perfeição você fica com nada. (até aqui o terapeuta usa da técnica como
“cadeira vazia”).
(T) –Eu agora farei o seu papel do “filho perfeito”. (aproveitando a energia
mobilizada pela raiva, o terapeuta começa a assumir um dos papéis alternadamente). –
Eu gosto de ser certinho, fique na sua, você não tem nada com isso, a vida é minha, não
se meta.
(C) – Mas você acaba perdendo com esta rigidez e fica infeliz, nada na sua vida
dá certo. Você não consegue se relacionar com ninguém, acaba sempre só.
(T) – A vida é minha, eu sou desse jeito e pronto.
(C) – Mas você fica sempre só. (tristeza na voz, olhos embaçados).
(T) – Você agora se torna o “filho perfeito” e eu serei você. Você não percebe
que com está rigidez você acaba sempre só.
(C) – É só da minha conta. Sozinho eu não sofro.
(T) – Mas dói ser só.
(C) – É triste ser só, não ser amado (chora)
(T) – Você não precisa ser perfeito para ser amado. Você quer minha
companhia?
(C) – Sim, eu cansei de ser perfeito.
(T) – Agora vocês voltam a ser um só. Você fecha os olhos e se imagina
encontrando o seu pai (psicodrama interno). O que você gostaria de lhe dizer? (tem
inicio um diálogo com a figura paterna exigente introjetada).
(C) –Cansei de ser perfeito, quero apenas ser amado.
(T) – O que ele lhe responde? Ele quer amar você ou não?
(C) – Ele quer amar sim, mas ele tem o jeito dele. Ele também não foi amado,
não aprendeu a expressar afeto. Seu pai era um comerciante do interior, muito rigoroso
e queria que todos os filhos dessem um bom exemplo na vida.
(T) – Como ele quer lhe amar?
(C) – Pagando meus estudos, estando presente.
(T) – E como você pode demonstrar seu amor por ele?
(C) – Eu posso chegar junto, aceitar que ele também não é perfeito. Aceitar o
jeito como ele pode me dar amor agora.
(T) – Imagine-se fazendo isso. Chegando junto... aceitando o jeito dele... Dando e
recebendo amor... use a imaginação para curar tudo que precise ser curado nesta
relação. E quando isto acontecer, você me avisa...
(C) – Sim.
(T)- Como você se sente agora?
(C) – Bem.
Matos (1994, 1995a) desenvolveu a técnica “Hot Seat Transpessoal” que é um excelente
instrumento para favorecer a desidentificação de personagens no nível transpessoal, quando
existem gestalts abertas com pessoas já mortas. A diferença é que ele não coloca o cliente
“ocupando” o lugar do personagem da pessoa morta, ou espírito, pois é importante que ele se
aperceba que de fato o outro já morreu e se desapegue. Não ocupar o espaço do outro, neste
caso, é fundamental para ocorrer a sua desidentificação com a situação de conflito ou de apego
causadora de sofrimentos. Aurino Ferreira, usando a técnica de Léo Matos ao longo dos anos,
introduziu,62 além do diálogo com o personagem do morto, a possibilidade do terapeuta assumir
psicodramaticamente o lugar do personagem morto, conduzindo o diálogo como uma
“experiência emocional corretiva” que permita fechar gestalts.
No arquivo dos autores existem vários relatos de quão profundamente eficaz é esta
técnica para todas as situações que se propõem. Vejamos o exemplo a seguir:
Uma jovem cliente vivia, há muitos anos, apegada à preocupação de como
estaria sua mãe morta, pois haviam sido muito amigas. Inconformada, com a existência
da morte, não podia se lembrar do assunto sem chorar.
Convidada a imaginar o “espírito” ou a figura projetada de sua mãe morta, no
mundo espiritual, à sua frente, teve enfim a oportunidade de dizer-lhe o quanto a
amava, o quanto sentia saudades, de chorar bastante, e de poder então “ouvir” a mãe
tranqüilizá-la, dizendo-lhe que estava bem e que sossegasse. A mãe confirmou que
continuava a amá-la e que estava ocupada e feliz com a vida que tinha agora, só não
gostava de saber dela daquela forma, pois isso a entristecia. Isto a fez “soltar” sua
mente e libertar-se desta velha angústia. Então, pode finalmente dedicar-se à sua
própria felicidade, pois, compreendeu experiencialmente que tudo estava seguindo seu
rumo natural e passou a encarar essa morte com aceitação e paz, num verdadeiro
contexto de libertação do sofrimento ao qual se aprisionara por anos, apesar de suas
crenças espíritas na reencarnação. Depois desta experiência, falar no assunto não lhe
traz mais o choro compulsivo. (arquivo dos autores).
Para finalizar, lembramos que devemos antes de aplicar esta técnica conhecer os
pensamentos do cliente frente à morte de forma a utilizarmos uma linguagem adequada aos
padrões de crenças que ele expresse. Do ponto de vista existencial-fenomenológico não importa
que se trate de espírito ou simplesmente de projeção da mente do cliente. Importante é que os
conteúdos do seu inconsciente estão sendo trabalhados e seus conflitos solucionados. O que
importa é o resultado psicoterapêutico.
No nível transpessoal esta técnica ainda ajuda no diálogo com arquétipos, permitindo ao
cliente perceber os grandes padrões de repetição de sua vida, bem como serve de suporte para
ativar os potenciais criativos do ser.
62
Esta variação surgiu do contato com o trabalho da Teoria Sistêmica de Bert Hellingerele.
CAPÍTULO VI
CONCLUSÃO
63
Comunicação durante o XV Congresso Internacional de Transpessoal, em Manaus, Brasil,1996.
multiplicação de ações generosas. É a nossa contribuição para que as pessoas encontrem um
caminho de transformação rumo à construção de um mundo onde nossos filhos e netos possam
aprender a honrar a Mãe Terra e o Universo, com todos os seres sencientes, como enfatizam os
ensinamentos de grandes curadores da humanidade.
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