Sei sulla pagina 1di 100

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

Reitoria: Ubaldo Cesar Balthazar


UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Reitoria: Marcus Tomasi

COORDENAÇÃO GERAL
Adriano Luiz Duarte
Mariana Brasil Ramos
Tereza Mara Franzoni

COMISSÃO ORGANIZADORA
Carlos André dos Santos
Cassiana dos Reis Lopes
Crystiane Leandro Peres
João Gabriel da Costa
Luciana Brito
Peterson Roberto da Silva
Rafael Lemos
Rodrigo Rosa da Silva
Sumário

Educação, Anarquismo e Ciência (Sessão 1) ............................................................................................ 4


Educação, Anarquismo e Ciência (Sessão 2) .......................................................................................... 18
História Global do Anarquismo: Movimentos e Militantes (Sessão 1) ................................................ 31
História Global do Anarquismo: Movimentos e Militantes (Sessão 2) ................................................ 43
Arte e Anarquismo (Sessão 1).................................................................................................................. 54
Arte e Anarquismo (Sessão 2).................................................................................................................. 66
Anarquismo: Teoria e Prática (Sessão 1) ............................................................................................... 76
Anarquismo: Teoria e Prática (Sessão 2) ............................................................................................... 90
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 4

Educação, Anarquismo e Ciência

Sessão 1
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 5

ENTRE A MEMÓRIA E O ESQUECIMENTO: UM PERCURSO


PEDAGÓGICO SOBRE O MOVIMENTO ANARQUISTA NO RIO DE
JANEIRO
Henrique Sá Amaral

O presente trabalho tem como objetivo propor uma utilização pedagógica dos locais de
memória ligados ao acumulo de experiências do movimento anarquista carioca, que se
estabeleceu na cidade na virada do século XIX para o XX. Pela relação complementar
entre esquecimento e memória, pretendo identificar alguns processos de seleção e
narração, sendo eles educacionais ou de políticas públicas de preservação e
conservação, que reforçaram o apagamento das contribuições do movimento anarquista
para a formação da classe trabalhadora, sua mobilização através do sindicalismo
revolucionário e as diferentes manifestações políticas e culturais que daí floresceram.
Proponho uma valorização dos locais de sociabilização e mobilização que se
estabeleceram em endereços nos bairros do centro do Rio de Janeiro através de um
percurso pedagógico aplicável ao público escolar, mas também a todos que possam
contribuir e se interessar pela militância do anarquismo. Desse desafio evoco a análise
Assmann acerca dos locais de memória, a recordação de experiências e temporalidades
passadas e sua relação com o legado que:

Mesmo quando os locais não têm em si uma memória imanente, ainda assim
fazem parte da construção de espaços culturais da recordação muito
significativos. E não apenas solidificam e validam a recordação, na medida
em que a ancoram no chão, mas também por corporificarem uma
continuidade da duração que supera a recordação relativamente breve de
indivíduos, épocas e também culturas, que está concretizada em artefatos.
(ASSMANN, 2013, p.318)

Podemos refletir como tais locais evidenciam na paisagem urbana as rupturas e


continuidades de processos históricos e os agentes sociais que dele fizeram parte através
de monumentos, totens e marcos chancelados pelo Estado. É possível analisar a função
pedagógica desses locais de memória, já que podem instrumentalizar professores a
deslocar seus alunos de suas respetivas temporalidades e pela “experimentação de
outros tempos, possam retornar a seus tempos transformados.” (ALBUQUERQUE JR,
2016, p.27). Dentre esses locais de congregação, sociabilidade, circulação de ideias
ressalto a importância do antigo Centro Galego, localizado entre os números 30 e 32 da
Rua da Constituição, antiga Rua dos Ciganos, palco de diferentes manifestações
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 6

culturais da militância anarquista, marco da adoção das teses do sindicalismo


revolucionário pelos trabalhadores organizados e da hegemonia do anarquismo na
militância operária. Samis afirma:
Estiveram presentes ao encontro 43 delegados de várias partes do Brasil,
representando 28 associações, a maioria ligadas a ramos industriais, e outras
como estivadores, ferroviários, trabalhadores em trapiches e café, integrantes
do setor de serviços. Acompanhando a tendência dos anos anteriores, a
despeito da presença de reformistas “trabalhistas” nos debates, o Congresso
aprovou a filiação de suas teses ao sindicalismo revolucionário francês.
Assim, a neutralidade sindical, o federalismo, a descentralização, o
antimilitarismo, o antinacionalismo, a ação direta, a greve geral, etc.
passaram a fazer parte dos princípios dos sindicatos signatários das propostas
do “Primeiro Congresso Operário Brasileiro. (SAMIS, 2013, p. 7)

O Centro Galego torna-se referência para os de locais de memória que podem ser
resgatados através de um percurso pedagógico, abordando o ensino do movimento
anarquista e suas manifestações políticas e culturais. Dessa confederação os anarquistas
cultivavam a pluralidade de ideias e de correntes políticas dentro das agremiações,
sindicatos e federações operárias, incentivando a troca de ideias, a fundação de
universidades e escolas populares, de teatros, de textos e artigos libertários, poéticos,
literários, através de periódicos independentes (LAMELA, 2018, p. 5). Assim toda a
manifestação política e cultural anarquista se transforma em arma de revolução social.
Cabe ao professor de história valorizar a memória e o acumulo daqueles que semearam
uma sociedade igualitária.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 7

EDUCAÇÃO INTEGRAL TRANSFORMADORA


Franceline Ribeiro
Willie Anne Martins da Silva Provin

Essa é uma luta desigual, pois os odientos


controlam a educação, a religião, a lei, os
exércitos, e as vis prisões. Somente um
punhado de educadores luta para conseguir
que o que existe de bom em todas as
crianças cresça em liberdade. A vasta
maioria das crianças está sendo moldada
pelos partidários da antivida, com seu
odioso sistema de punições.
Alexander Neill, 1976

A visão pessimista de diversxs educadorxs, a respeito da função desempenhada pela


escola na sociedade, não é recente. Infelizmente, podemos constatar que essa escola que
temos é uma das principais reprodutoras da ideologia de mercado, que coloca xs
educandxs nos lugares reservados pelas relações que se dão no âmbito da estrutura
econômica, portanto, se o desejo é que a escola seja transformadora, então é necessário
transformar a escola que hoje está aí. Ela deve atender ao seu objetivo maior que é
humanizar (LIMONTA, 2013, p.62), deve atender à transformação integral dx
educandx, por meio de um currículo que tenha como base, além dos conteúdos
acumulados historicamente, suas experiências e necessidades e que isso passe a ser
ponto de referência na configuração dos projetos educativos. É certo que esta
transformação não partirá dos grupos dominantes, pois, enquanto grupos formados por
pessoas que compreendem a educação pelo viés mercadológico apenas, não lhes
interessa a modificação do estado atual das coisas, uma vez que se beneficiam
diretamente dele, restando à classe trabalhadora reagir e pressionar tal mudança. O
início desta transformação deve ocorrer dentro da própria escola e um dos primeiros
pontos a ser revisto é o currículo escolar. Por ser pautada pela existência de relações
hierárquicas estabelecidas por meio da distribuição do trabalho em seu meio, a escola
deixa de ser transformadora para ser reprodutora dos paradigmas econômicos. Uma das
possibilidades de transformação da escola é desenvolver um currículo que atenda às
necessidades destxs educandxs, que respeite as especificidades regionais de onde vivem
e que seja, também, construído por elxs. Esta prática transformadora poderá se
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 8

concretizar quando as práticas atuais conservadoras, existentes nas escolas, forem


reconhecidas e modificadas por meio da pedagogia de ação direta. A reflexão sobre o
que deve ser estudado terá que partir dxs seus/suas maiores interessadxs, precisará fazer
parte da construção não só do currículo escolar, mas de uma comunidade que saiba qual
é o poder ideológico do currículo e que atente para a importância de defini-lo enquanto
constituinte de sua verdadeira autonomia. Somente com a escola construída pela sua
comunidade, por meio de um ato consciente mediado pela reflexão permanente, será
possível transformá-la, pressionando os órgãos reguladores. Assim será possível traçar
os objetivos necessários a uma educação integral, com base na pedagogia libertária. É
imprescindível questionar se a escola está, realmente, aberta e considera os anseios de
sua comunidade e, se assim o faz, é também importante questionar qual o motivo de
estar afastada da mesma, entre muros. Como firmar a participação da comunidade,
visando a sua autonomia nos encaminhamentos desejados? A relevância desta pesquisa
existe visto que a ampliação da jornada escolar, prevista da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDBEN n.º 9.394/1996) e no Plano Nacional de Educação (PNE 2014-
2024), tem sido implantada no país, ignorando a participação dos principais sujeitos
deste processo. É preciso ter em mente que a concepção de educação integral presente
nos documentos oficiais é referente apenas ao aumento da ampliação da jornada escolar
para além de quatro horas diárias, ignorando a formação integral dx educandx, cuja
perspectiva libertária busca o seu pleno desenvolvimento, reconhecendo que isso só é
possível quando se observam diferentes dimensões: física, afetiva, cognitiva, ética,
estética e política, em uma proposta multidimensional e integrada. Mas afinal, quem
pode definir os rumos da própria escola para que de fato ela se torne emancipadora e
transformadora? Essa inquietação surgiu da minha vivência na escola pública,
principalmente enquanto diretora da escola. Durante este período, constatei a
necessidade de uma mudança radical na função da escola pública. Minhas inquietações
estão presentes nesta pesquisa.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 9

EDUCAÇÃO: DA LIBERTÁRIA À LIVRE E POPULAR


Rogério de Oliveira Silva

Este estudo apresenta considerações acerca da atual situação da educação libertária, nele
apresento a pesquisa na temporalidade do século XXI, Perpasso pela história da
educação libertária, analisando os pontos cruciais que destinaram a livre educação
integral a ser marginalizada e retraída em pequenas iniciativas, fato este prorrogado pela
educação do Estado, para tanto toda manifestação educacional livre do preceito estatal e
da doutrina religiosa é considerada nesta pesquisa. A mesma se propõe a trazer à tona os
elementos essências para uma educação que visa acompanhar revoluções que objetivam
alcançar a liberdade humana.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 10

REVOLUÇÃO E PEDAGOGIA LIBERTÁRIA


Daniel Scheren da Cruz

Neste trabalho aborda-se como tema central a ideia de revolução dentro da contribuição
teórica, e/ou prática, de alguns pensadores libertários na área da educação. Ou seja, em
outras palavras, buscou-se entender a relação entre revolução e educação a partir da
ótica da pedagogia libertária. Contudo, antes do aprofundamento do tema, destinou-se
uma parte do trabalho para apresentar brevemente a ampla tradição anarquista. Todas as
discussões e levantamentos tiveram como base a pesquisa bibliográfica. Tal pesquisa
apontou diversos pontos que são tratados, de maneira quase unânime, pela pedagogia
libertária. São eles: a constituição de uma nova sociedade a partir de um novo ser; a
escola como um espaço de dominação e libertação; a formação coletivista sem
desconsiderar a autonomia de cada um; a importância da instrução integral; e a vivência
como uma prática educadora. Todos os tópicos referentes a esta discussão foram
extraídos de pensadores como: Fernand Pelloutier; William Godwin; Mikhail Bakunin;
e Piotr Kropotkin. Além deles, também foi revisitado a experiência do Coletivo da
Paideia e sua conexão com a pedagogia de cunho libertário. Ao final, apresenta-se
algumas aproximações entre a teoria relatada com alguns acontecimentos da conjuntura
recente de nossa história como: os Zapatistas; os Curdos sírios; as ocupações escolares;
dentre outros. Estes, em algum grau, são passiveis de analisar pelas reflexões da
pedagogia libertária.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 11

O FALSO PRINCÍPIO DE NOSSA EDUCAÇÃO E O FUTURO DE NOSSOS


ESTABELECIMENTOS DE ENSINO: DIÁLOGO ENTRE STIRNER E
NIETZSCHE
Leonardo Podolano Garin

Ao aproximar as críticas de Stirner e Nietzsche podemos observar muito mais que


autores revoltados e niilistas, mas sonhadores que buscavam uma nova possibilidade de
existência para seres em formação. A proposta do trabalho é que através de uma
aproximação dos dois autores, recheados de polêmicas e contradições, tenha início uma
interpretação de crítica que dê lugar a formação de personalidades dentro do ambiente
escolar. A escola é defendida como espaço conceito de transmissão de cultura e assim,
essencial para a sociedade. Entretanto, a escola aqui será vista como elemento histórico
e, por isso, capaz de se transformar em sua totalidade e, quem sabe, abandonar sua
própria existência. O trabalho procura alcançar com Stirner e Nietzsche uma proposta
de liberdade dentro do ambiente escolar que proporcione uma chave de interpretação
capaz de modificar as relações de poder e de vontade. Um caminhar libertário que
permita “ser aquilo que se é”, como diz Nietzsche, ou “descobrir-se a si mesmo”, como
defende Stirner.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 12

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ANARQUISMO: REFLEXÕES ENTRE


LIBERDADE E NATUREZA NA REVISTA ESTUDIOS (1928-1937)
Nabylla Fiori de Lima

Neste trabalho apresentarei algumas reflexões advindas do processo de construção da


minha tese de doutorado, onde analiso artigos da revista espanhola Estudios (1928-
1937) visando identificar elementos para a constituição de uma filosofia da natureza
com base no romantismo libertário. De viés anarco-individualista, a revista veiculava
temáticas como o amor livre, o neomalthusianismo, o naturismo, a plasmogenia, bem
como textos de divulgação científica e tecnológica. Para o movimento anarquista, a
imprensa era um dos instrumentos privilegiados para a edificação de uma nova cultura e
a difusão de uma intelectualidade própria, alternativa e revolucionária. Considero as
revistas, portanto, elementos culturais e políticos, constitutivos e constituintes de uma
história social de classes e, simultaneamente, da produção e reprodução de
conhecimento científico pelos/as anarquistas. Parto da compreensão de que ciência e
tecnologia são processos sociais, e assim também o são os conceitos científicos. No
período de emergência do movimento anarquista, as ideias evolucionistas em voga
influenciavam a criminologia e a Psiquiatria. Articuladas, essas disciplinas situaram a
discussão sobre a degeneração da espécie no centro do debate cultural e científico do
período. Diversos pensadores, médicos e criminologistas compreendiam que a evolução
social poderia também carregar aspectos degenerativos. Essa discussão beneficiou o
fortalecimento dos Estados modernos e das técnicas disciplinares que os asseguravam,
privilegiando setores dominantes da sociedade capitalista. Resistindo cotidianamente às
tecnologias políticas do Estado moderno, os/as anarquistas redirecionaram as
concepções das classes dominantes, contrapondo-se ao discurso do darwinismo social e
convertendo a reflexão sobre a degeneração da espécie em um instrumento de denúncia
da sociedade burguesa. Piotr Kropotkin e Élisée Reclus, anarquistas de grande
influência no período, apontaram o apoio mútuo e a solidariedade como principais
fatores evolutivos e acusaram a noção de “luta pela existência” como justificativa para a
necessidade do Estado e sua coerção. Em suas reflexões, os/as anarquistas
aproximavam-se da visão romântica de mundo, criticando o desencantamento, a
quantificação e a mecanização do mundo, a abstração racionalista e também a
dissolução dos vínculos sociais, características próprias do romantismo de acordo com
Michael Lowy e Robert Sayre. A revolta romântica à sociedade capitalista levaria a
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 13

diversas concepções de natureza - considerando-a como portadora de uma história e


modificável pela tecnologia humana - e, decorrente desta, visões próprias de evolução.
Ao olhar romanticamente para o passado, os/as libertários/as visavam recuperar
aspectos perdidos a fim de edificar a utopia do futuro, retomando valores humanos
sufocados pela modernidade. Iniciaram, assim, um movimento popular visando a uma
nova cultura da natureza como base para a sociedade anarquista. Interessava às/aos
anarquistas a relação entre evolução e revolução: assim como a natureza encontra-se em
constante movimento, do mesmo modo devem ser as instituições humanas. O
movimento anarquista construiu reflexões sobre diversas questões das vidas dos
indivíduos, percebendo, assim, a relação entre técnicas de dominação da natureza e
técnicas de dominação das pessoas. Deste modo, os/as anarquistas individualistas
buscaram unir a ética da autodeterminação individual à compreensão da
interdependência entre sociedade e natureza, valorizando o respeito mútuo entre seres
humanos e não-humanos, ideal que John Tresch chamou de freedom-in-connection –
constituindo, assim, uma filosofia da natureza libertária marcada por uma inversão da
lógica das tecnologias biopolíticas hegemônicas no período. Viso, assim, compreender
as reflexões anarquistas sobre liberdade e natureza e, com isto, as bases de um
pensamento crítico libertário em ciência e tecnologia.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 14

A INFLUÊNCIA ANARQUISTA NA CONSTRUÇÃO DA GEOGRAFIA


MODERNA BRASILEIRA
João Victor Moré Ramos
José Messias Bastos

Sem desconsiderar os trabalhos de grande envergadura produzidos ao longo do século


XX pela geografia brasileira, até mesmo aqueles que não se aproximaram ou flertaram
com o marxismo, é possível dizer, sem dúvida alguma, que no inicio do século XX, o
Brasil pode desfrutar de uma frutífera aproximação do anarquismo com a geografia
introduzida pela tese de doutorado de Delgado de Carvalho, “Le Brésil Meridional”
(1910). Nela, como se sabe, há uma nítida aproximação das teses de Elisée Reclus
(1983) em sua obra “Estados Unidos do Brasil”, cujo destaque se dá pela importância da
escala regional nos estudos geográficos. Partindo do conceito de região natural
introduzido por Reclus em sua Geografia Universal, que utilizava da área de
abrangência da bacia hidrográfica do Paraná para definir a região dos Estados
Paranaenses como (Paraná, Santa Catarina e São Paulo), Delgado de Carvalho irá
propor a inclusão do Estado do Rio Grande do Sul como justificativa da geomorfologia
local, posto que o Brasil Meridional é “formado pelo fragmento de planalto que se
estende do Nordeste ao Sudoeste, entre a costa atlântica e o curso do Paraná, paralelo a
costa” (CARVALHO, 2016, p.28). Por outro lado, ao destacar essa nova composição
das zonas geográficas em torno da região do café (São Paulo), da região do mate
(Paraná e Santa Catarina), e da região da pecuária (Rio Grande do Sul) como “principal
centro das atividades” em torno do qual gravitou toda a “vida econômica e financeira do
Estado” (Idem, p.29), é possível compreender o papel dos imigrantes como motor da
gênese e do desenvolvimento capitalista no Brasil. Além disso, vale lembrar que foi a
partir dos estudos de E. Reclus (1983) e Delgado de Caravalho (1910) que se constituiu
a primeira divisão regional brasileira institucionalizada pelo Conselho Nacional de
Geografia (CNG) em 1941. Nesse sentido, procurando estabelecer relações com outras
ciências sociais, esse artigo buscará compreender junto à literatura de Zelia Gattai,
“Anarquistas, Graças a Deus” (1979), e outras contribuições bibliográficas, algumas
expressões regionais marcadas, sobretudo pelos efeitos da colonização, e suas
diferenciações sociais no primeiro quartel do século XX, demarcando as fronteiras na
abordagem do processo de industrialização do Brasil Meridional e a formação da classe
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 15

operária brasileira à luz da geografia moderna proposta inicialmente por Delgado de


Carvalho.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 16

AS ORIGENS DA AUTOGESTÃO ESPANHOLA (1936-1939)


Igor Pasquini Pomini

Aparecidos em julho de 1936, os comitês de empresa e os comitês de bairro eram os


grandes expoentes da autogestão que surgiu no território espanhol não controlado pelos
militares que se insurgiram contra o governo republicano. Seu papel, no caso dos
comitês de empresa, era bastante variado. Poderia ter o controle completo da empresa,
gerindo-a em nome dos trabalhadores e a eles submissos, já que poderia ser destituído a
qualquer momento por uma assembleia de trabalhadores. Neste caso, recebia o nome de
coletivização, e normalmente se formava pela fuga dos antigos donos das empresas –
que o faziam por medo ou por estarem implicados na tentativa de golpe militar – ou
então por uma expropriação sistemática, levada a cabo por grupos de operários armados,
muitas vezes terminando com um fim trágico para os patrões mais truculentos. Mas
também podia acontecer de um comitê de empresa ser formado sem a fuga do dono da
empresa, e neste caso recebia a alcunha de comitê de controle. Sua função era
“fiscalizar” o cumprimento das normas de trabalho, das condições de produção, das
reivindicações dos trabalhadores, etc., porém com a presença do dono da empresa em
seu posto. Os trabalhadores, via comitê de controle, faziam cumprir algumas – ou
muitas – de suas reivindicações, mas a empresa permanecia como uma propriedade
privada. O âmbito de atuação de tais comitês de controle era muito variado, podendo ir
de uma simples colaboração até um controle quase completo. Em muitos casos o comitê
de controle era uma fase prévia para a tomada definitiva da empresa, convertendo o
controle em autogestão. Também surgiram os comitês de bairro. Depois de os
trabalhadores vencerem os militares em diversas localidades na Espanha, dando início à
guerra civil, o poder republicano desmoronou em diversas partes da Espanha, com
destaque para a região da Catalunha. O poder, de fato, passou para os trabalhadores. Sua
principal expressão eram os comitês de bairros, que assumiram a gestão dos espaços
públicos. Na cidade de Barcelona foram estes comitês de bairro que organizou a
resistência. A grande maioria de seus membros eram formados por quadros dos
sindicatos anarquistas, embora também houvesse membros de outras correntes políticas,
refletindo de certo modo a composição política de seu local de atuação. Mas tanto os
comitês de empresa quanto os comitês de bairro possuíam uma origem em comum: os
comitês de defesa criados pela Confederação Nacional do Trabalho, que haviam sido
criados nos anos 1930 e tinham por função preparar um levante revolucionário que se
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 17

dirigisse contra o Estado e contra o capital. Estes, por sua vez, tiveram como
precursores os grupos de ação da era do pistoleirismo, durante os anos 1920. Assim,
este trabalho pretende demonstrar a linha de continuidade entre estas diversas táticas
utilizadas pelo movimento operário de cunho libertário e anarquista na Catalunha,
explicitando assim que a autogestão surgida em 1936 estava sendo gestada desde ao
menos os anos 1920 pelo movimento libertário espanhol.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 18

Educação, Anarquismo e Ciência

Sessão 2
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 19

OCUPAÇÕES DE ESCOLA NO BRASIL (2015-2016): AS PRÁTICAS


INSURGENTES E AS AUTONOMIAS CONTRA O ESTADO NAS LUTAS
ESTUDANTIS
Jessica Ellen da Rocha Silva
Francisco Raphael Cruz Mauricio

A partir do fenômeno das ocupações de escola no Brasil, refletimos sobre a


problemática da “autonomia no Estado” versus “autonomia contra o Estado”
(FERREIRA, 2016) nas lutas estudantis contemporâneas. Baseamos essa reflexão no
trabalho de campo realizado em 2016 na Escola Mariano Martins, localizada na cidade
de Fortaleza, capital do Ceará, e na literatura disponível sobre as ocupações estudantis
secundaristas no período 2015-2016 (CAMPOS et all, 2016). Na ocupação da referida
escola cearense houve o questionamento da hierarquia e do papel das/dos estudantes na
escola, assim como do lugar do estudante na sociedade, da função dos partidos e
entidades estudantis. Os/as ocupantes questionaram a organização da escolar, da
merenda à direção, e experimentaram formas de auto-organização daquele espaço e de
suas relações. Práticas semelhantes às dos estudantes cearenses ocorreram nas escolas
paulistas estudadas por Campos et all (2016). Objetivamos iniciar uma reflexão sobre as
ocupações secundaristas como envolvendo “práticas insurgentes” (FERREIRA, 2016)
na construção de processos de “autonomia contra o Estado”.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 20

“A RUA É NÓIZ”: O ENSINO DE BIOLOGIA DESDE AS LITERATURAS


PERIFÉRICAS
Ana Lara Schlindwein

Através da literatura, procuro por partes da memória da resistência dos povos


oprimidos, seguindo o exemplo palestino onde a poesia reúne “elementos dispersos do
seu drama nacional, com a finalidade de conseguir um projeto histórico completamente
renovado” (LAÂBI, sem data, p. 23). Isso apontou para a necessidade não só de pensar
a colonialidade impregnada em nosso saber do Sul, a periferia do mundo, mas também
de criar espaços para o reconhecimento dos sujeitos e da memória coletiva das periferias
da periferia do mundo, das quebradas. A valorização dos corpos periféricos pelas elites,
muitas vezes, “mantém certos de seus aspectos como periféricos, tal qual sua luta e
resistência” (DE JONG, 2008, p. 38). Em 2001 há um “gesto inaugural da literatura
marginal periférica” (OLIVEIRA, 2011) através de um manifesto, publicado na revista
Caros Amigos. O principal nome nesse momento é Ferréz, escritor e produtor cultural
da zona sul de São Paulo. Porém, além dele, há outros nomes importantes produzindo
naquele momento ou anos mais tarde. Vou ao encontro de poetas e busco na arte uma
poderosa ação pedagógica em prol da visibilidade e dignidade das oprimidas como
sujeitas sociais de nossa história (ACHINTE, 2013). O que eu chamo de periferia aqui
não é um conceito espacial ou geográfico, mas de origem sócio-política. Segundo
Rudolf de Jong (2008), o sul do mundo é periférico porque sofre relações coloniais e
imperialistas do centro, representado pelos Estados Unidos e Europa. Importante
destacar que mesmo que estejamos falando no singular, as periferias são pluriformes e
diferentes umas das outras, sendo cada uma um universo em si com identidade própria.
O que as une é sua relação com o centro, que é uma situação criada e resultado da
exploração sofrida. A uniformização das periferias é um objetivo do centro, em um
projeto que visa a imitação do seu modelo e um consequente apagamento da memória
desses povos periféricos. Quando esse modelo de supremacia do centro não é
respeitado, temos como resultado o violento genocídio dos grupos periféricos (DE
JONG, 2008, p. 61). Historicamente, as periferias possuem papel importante na luta
pela transformação social. Foram os grupos sociais periféricos oprimidos pelas
estruturas políticas e sócio-econômicas centrais que, dada a forte pressão e a ameaça a
sua existência, construíram importantes frentes de resistência no último século (DE
JONG, 2008). Pensar nas literaturas produzidas pelas periferias é importante para o
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 21

ensino de Biologia, a ciência da vida, de modo que acolha diferentes modos de existir.
Além disso, é preciso dar à Ciência o tom do povo, seus sons e seus sotaques, seus
dialetos, pois como produto do conhecimento humano, não pode permanecer no
domínio exclusivo das elites ou de um centro: “deve ser apropriada pela periferia”
(MARÍN, 2013, p. 84). O objetivo desse trabalho é pensar a importância de propor
elementos e estratégias que possam promover o reconhecimento dos estudantes
periféricos nas aulas de Biologia através de textos literários produzidos pela própria
periferia, a fim de colapsar o centro enquanto fortalecem o periférico. Para que assim
viva, como sua gente, a palavra latino-americana e periférica!
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 22

AÇÃO DIRETA, AUTOGESTÃO E AJUDA MÚTUA: O SIGNIFICADO DAS


OCUPAÇÕES ESCOLARES
Guilherme Xavier de Santana
Hamilton Santos

No ano de 2016 diversos motivos levaram educadores e educadoras do Estado do Rio


de Janeiro a decretar greve da categoria. Dentre eles podemos citar pautas históricas de
toda a classe trabalhadora ao longo da história, como questões salariais e condições de
trabalho. Mais especificamente na rede estadual do Rio de Janeiro, alguns direitos
trabalhistas estão sendo seriamente ameaçados nos últimos anos pela gestão do partido
MDB (Movimento Democrático Brasileiro), sigla partidária que governa o estado há
décadas. Tal greve foi considerada a maior de todos os tempos da categoria, em adesão
e duração, pois durou aproximadamente cinco meses. No entanto, o elemento que
mudou a correlação de forças nessa greve foi o forte apoio dos estudantes. Fato
surpreendente, pois o apoio discente nunca fora tão efetivo e forte politicamente nas
greves anteriores. No contexto da atuação estudantil ao longo desse período de 2016,
podemos citar diversos aspectos que nos chamaram atenção, no entanto o nosso foco de
análise será as 70 escolas ocupadas por estudantes do Ensino Médio em todo o Estado,
com seu consequente aspecto político. O presente trabalho tem como objetivo destacar
como se organizaram os estudantes das escolas ocupadas nessa greve histórica do ano
de 2016. Ação direta, autogestão e ajuda mútua serão os principais pontos que irão
balizar nossa análise e interpretar o significado político das ocupações escolares
enquanto tática para a luta reivindicatória diante da política educacional do Estado. Será
importante pontuar o debate sobre o caráter pedagógico que as ocupações tiveram e
ainda podem ter para os estudantes e demais participantes, no que tange à luta por
direitos de maneira geral. Buscaremos fazer um pequeno resgate histórico a partir de
2006, ano que aconteceram diversas ocupações escolares no Chile, protagonizadas por
estudantes do segundo segmento do ensino básico, ou Ensino Médio aqui no Brasil,
também chamados de secundaristas. Tal movimento foi muito significativo e ficou
conhecido como Rebelião dos Pinguins. Essa mobilização dos estudantes no Chile se
tornou uma importante referência que cumpriu o papel de paradigma organizacional
para movimentos de luta estudantil do ensino básico na Argentina, Uruguai e Paraguai.
No Brasil esse movimento teve um primeiro momento com destaque em todo estado de
São Paulo e depois com algumas escolas ocupadas em Goiás. Ambos locais a partir de
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 23

2015. Já as ocupações no Rio de Janeiro começaram posteriormente, mais exatamente


em 2016 e no mesmo período da greve da educação estadual. Percebemos que não só na
maioria das ocupações estudantis visitadas no Rio de Janeiro em 2016, mas em relatos
sobre ocupações em São Paulo, por exemplo, os estudantes organizados de maneira
autônoma, utilizando táticas políticas que se aproximam da interpretação política
anarquista em alguns aspectos. Portanto podemos dizer que ação direta, autogestão e
ajuda mútua serão os princípios teóricos e práticos que nos permitirão analisar o
movimento das ocupações escolares no Rio de Janeiro. Seu significado político e suas
aproximações com a prática libertária de se fazer e colocar politicamente vão permear
as páginas do futuro artigo.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 24

AUTOGESTÃO: O PROJETO SOCIOEDUCACIONAL OBLITERADO PELOS


ORGANISMOS INTERNACIONAIS COMO HETEROGESTORES – UMA
PERSPECTIVA ANARQUISTA
Luana Aparecida Moraes
Gilmar de Carvalho Cruz

O trabalho em questão é fruto de pesquisa que está sendo desenvolvida no programa do


Mestrado em Educação, na Unicentro (Paraná), de título homônimo. Tal pesquisa, de
caráter exploratório, objetiva abordar a autogestão como objeto de estudo composto por
duas frentes, mútuas: a pedagógica e a social. A escolha de aferição com a heterogestão,
representada aqui pelos organismos internacionais, tem o intuito de conferir uma
abordagem que fuja àquelas corriqueiras com as quais a autogestão normalmente é
tratada e a de dar ao estudo um aspecto mais atual. Também parte, ainda, da tentativa de
tornar o objeto mais facilmente compreensível, tendo em vista que a autogestão é um
projeto de tipo novo ainda não em curso – plenamente – na sociedade, diferentemente
da heterogestão. Desta maneira, fazer o cotejamento entre a heterogestão (realidade) e a
autogestão (projeção) auxilia no entendimento desta, já que ela “é totalmente o avesso
socialista” daquela (ORTELLADO, 2004, p.58). Tal estudo é sustentado pelo
anarquismo como aporte teórico-prático e suas categorias, pois para discutir a
autogestão genuína é necessário entender que ela é balizada por princípios como
liberdade (porque é autonomia plena), igualdade (não há hierarquia), solidariedade
(demanda altruísmo), antiautoritarismo (suprimi o poder), internacionalismo (objetiva o
alcance global), antiestadismo (prescinde do Estado) e anticapitalismo (porque rompe
com as suas premissas). Basicamente, a autogestão “trata-se de uma forma de
autodeterminação dos seres humanos como seres autônomos e conscientes [...] como
um processo que vise superar a alienação das capacidades humanas no contexto das
relações sociais” (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p.34). Enquanto a
heterogestão se define como “o controle da atividade de um indivíduo por outro”
(VIANA, 2008, p.2), modelo típico do modo de produção capitalista. A primeira busca
devolver ao sujeito o poder criativo que é justamente o que nos torna humanos,
enquanto a segunda retira essa capacidade: a própria humanidade. Em nossas relações
sociais transpassadas pela heteronomia, a educação é utilizada como ferramenta para
conservação dos interesses hegemônicos. Essa reprodução acaba sendo fabricada pelo
Estado e suas instituições e também pela economia através dos organismos
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 25

internacionais, com destaque ao Banco Mundial e a UNESCO, caracterizados como “os


mantenedores do instituído” (COLOMBO, 2001, p.21). Tais organismos partilham de
propósitos falaciosos e fortemente mercantilizados que perpetuam a coisificação do
homem e impedem a auto-organização, demonstrando a nocividade de deixar-se
conduzir de fora. Na educação, ditam diretrizes educacionais, rankings, prêmios e
castigos, avaliações arbitrárias e uma formação para o mercado, educando para um
idiotismo profissional e existencial, o que torna a autogestão um projeto mais distante.
A escola é o reflexo não apenas da hierarquia e burocracia típicas do imperativo
capitalista, mas da perda do sentido de educar, confiscado pelo mercado e esvaziado de
humanidade. Diante disso, partindo de uma práxis anarquizante e de uma pedagogia
contra-hegemônica, a defesa é por uma educação que se faça longe do Estado, que se
autossustente, sem cargos fixos, que eduque na e para a autogestão, que seja horizontal
e ensine a horizontalidade, que saiba deliberar; uma escola viva na ética libertária e na
consciência, na humildade e na empatia; por práticas que se ergam contra os “senhores
do mundo” para que sejamos senhores de nós mesmos, porque capazes de
discernimento. A luta é pela formação política na educação, pela autogestão, pela
emancipação e pela conquista de uma sociedade que auxilie o ser humano em seu
desenvolvimento pleno.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 26

A EDUCAÇÃO ANARQUISTA E O CAMPO DA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA E


TECNOLÓGICA
João Gabriel da Costa

As práticas de educação estimuladas pela militância anarquista estiveram presentes em


todas as grandes cidades do Brasil durante o período da Primeira República. A principal
estratégia de atuação durante esse período era o sindicalismo revolucionário, que aliava
as lutas reivindicativas da classe trabalhadora com ações de caráter educacional e
formativo, com vistas a uma ruptura revolucionária que pudesse superar o capitalismo.
Entre essas atividades educativas, estavam as escolas organizadas por sindicatos; as
palestras e debates; os grupos de teatro; e a produção e leitura de jornais operários
(Castro, 2014). Existiram mais de 500 publicações e mais de 20 escolas operárias
durante a Primeira República (Rodrigues, 1997; sem data). Muitas dessas iniciativas
envolviam a formação em temas de ciência e tecnologia, como já foi identificado no
estudo de jornais produzidos por anarquistas do período (Schmidt, 2001). Essa atenção
aos temas científicos era justificada, entre outras motivações, pela necessidade de
contrapor a influência católica na educação e na cultura popular, vista como uma força
conservadora e apassivadora. Muitas das escolas operárias desse período tinham
princípios como o racionalismo e a laicidade. Além disso, a apropriação do
conhecimento científico pelo proletariado era vista como fundamental para seu processo
de emancipação, um meio estratégico capaz de auxiliar a revolução e a realização de
uma sociedade sem classes sociais. A Educação Científica e Tecnológica é um campo
de conhecimento acadêmico que envolve 67 programas acadêmicos de pós-graduação
no Brasil, agrupados pela CAPES na área de Ensino. Esse campo inclui as pesquisas
que relacionam a educação com as áreas das Ciências da Natureza e Tecnologias,
principalmente a Física, Química, Biologia, Matemática e Engenharias. No último
período de quatro anos (2013-2016), a produção dessa área envolveu a publicação de
mais de 13 mil artigos em 2452 periódicos (CAPES, 2017). Este trabalho avalia o
impacto da educação anarquista no campo ECT e as potencialidades de seu estudo para
dialogar com algumas das principais perguntas de pesquisa na área. Um levantamento
bibliográfico em sete das principais revistas da área não identificou nenhum trabalho
com as expressões “imprensa operária”, “imprensa sindical”, “imprensa anarquista”,
“jornais operários”, “jornais sindicais” ou “jornais anarquistas”. Inferimos, a partir
disso, que a educação anarquista e as práticas de educação que ela estimulou
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 27

historicamente foram pouco ou nada estudadas nesse campo. O Encontro Nacional de


Pesquisa em Educação em Ciências (ENPEC), maior evento da área no país, teve os
trabalhos divididos na última edição (2017) entre 15 linhas temáticas, o que nos oferece
uma aproximação das principais perguntas de pesquisa e abordagens que existem
atualmente no campo (ENPEC, 2017). Uma avaliação preliminar sugere que cinco delas
poderiam se beneficiar particularmente com o olhar para a educação anarquista e suas
práticas, embora diversas outras linhas possam se relacionar de distintas formas com
esse objeto. Elas são Educação em espaços não-formais e divulgação científica, pela
existência de textos de divulgação e atividades formativas construídas pela militância
anarquista fora do espaço escolar; Alfabetização científica e tecnológica, abordagens
CTS/CTSA..., pela intencionalidade político-social atribuída pelo anarquismo ao ensino
de ciências; Currículos e Educação em Ciências, pelo interesse histórico na
conformação das disciplinas científicas; Diversidade, multiculturalismo..., pela
investigação sobre a ECT voltada a grupos sociais oprimidos; e Políticas
educacionais..., pela relação entre a educação científica independente realizada pelo
operariado e o início das políticas públicas de educação e produção científica no Brasil.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 28

A NATUREZA E A EDUCAÇÃO NO ANARQUISMO: CONTRIBUIÇÕES À


EDUCAÇÃO PARA A JUSTIÇA AMBIENTAL
Horacio Rodrigo Souza Rodrigues
Leonardo Leite da Cunha
Carlos Roberto da Silva Machado

A discussão da crise socioambiental que vivenciamos é um dos objetivos do programa


de pós-graduação em Educação Ambiental (PPGEA, 2011). Tal crise se constitui e
emerge da/na organização da sociedade, tendo no sistema de produção capitalista a sua
produção e sustentação, através da ideologia e práticas neoliberais (do capitalismo atual)
que produz e reproduz relações (Dardot e Laval, 2014) entre humanos e natureza,
sustentando tal cenário de desigualdade social e de crise ambiental local e planetária.
Através do mapeamento realizado a partir de 2011 pelo observatório dos conflitos
urbanos e socioambientais, afirmamos que a região do extremo sul do Brasil constitui
uma Zona de Sacrifício (Machado et al, 2013) da natureza e dos humanos que ali vivem,
pois nela vigora a desigualdade e a injustiça ambiental (Acselrad et al, 2009) sem fim,
decorrente do capitalismo e de sua (in)sustentabilidade. Nosso compromisso enquanto
educadores ambientais e pesquisadores críticos é de contribuir na/para a sua superação.
Neste sentido, a Educação Ambiental crítica, transformadora e emancipatória (Loureiro,
2012) se pretende como ferramenta para isso. Dela temos formado um entendimento de
que para além de uma educação para e com os grupos que sofrem a injustiça e a
desigualdade ambiental, devemos considerar uma educação que emerja desde /a partir/
por estes grupos (Santos et al, 2015; Machado e Machado, 2017). Chamamos
inicialmente de educação para a Justiça Ambiental (Acselrad, 2009) o que seria então
um processo educativo no qual os sujeitos sociais injustiçados e que vivenciam a
desigualdade produzam sua própria educação na luta contra a injustiça, a exploração e a
desigualdade social e ambiental de forma autogestionária, em um processo de acúmulo
de poder popular. Sendo assim, o pensamento anarquista, que emergiu no início do
século XIX, no seio das primeiras iniciativas de organização das/os trabalhadoras/es
(primeira internacional, comuna de Paris), bem como sua consolidação prática (Espanha
1936-1939, Ucrânia 1918-1921) (Woodcock, 2014) (Tragtenberg, 2007), mesmo que
interrompida, retoma seu potencial se comparada a iniciativas a partir de cima e através
do estado que não tiveram êxito e acabaram por produzir uma outra sociedade desigual.
Ainda mais quando levamos em conta a atual experiência federalista e autogestionária
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 29

do povo curdo em resistência (A Batalha da Várzea, 2015) como exemplo prático e


contemporâneo de uma sociedade federalista preconizada por Bakunin (2012).
Evidencia-se nelas também a cooperação e o engajamento social pela democracia direta,
o que aponta para a possibilidade de uma sociedade que construa outra relação com a
natureza. Cuevas Noa (2014) também identifica no anarquismo a visão da natureza
como solidária à sociedade, onde a degradação ambiental e social são frutos do sistema
de exploração e não naturais. Reflexão encontrada também Reclus (2012) ao afirmar
que o acesso a natureza só é negado ao povo pela situação de opressão, onde revolução
e evolução estão implicadas uma na outra. Outra característica do anarquismo é a
atenção dada à educação, onde encontramos propostas e iniciativas libertárias ao longo
da história (Cuevas Noa, 2014) as quais podemos discutir no campo da educação
ambiental. Tal educação deve levar em conta o conhecimento do povo e ser praticada
com o objetivo da emancipação do povo oprimido (Bakunin, 2015), considerando a
sociedade enquanto perpassada pela “luta de classes” e, disso deve ser capaz de em cada
sujeito despertar a “busca pelo equilíbrio” enquanto ser biológico e da sua “decisão
soberana” enquanto indivíduo (Reclus, 2011).
Esta reflexão é o início da construção de duas dissertações de mestrado a serem
produzidas no PPGEA.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 30

GÊNERO, SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: DOIS CASOS DE RONDÔNIA SOB


CRÍTICA FOUCAULTIANA E ANARQUISTA
Levi Fernando Lopes Vieira Pinto

O presente artigo tem como objetivo provocar reflexões sobre a instituição escolar a
partir de dois acontecimentos noticiados em Rondônia no início de 2017. No cerne de
ambas as notícias está a sexualidade e seu estranhamento no espaço escolar. A
multiplicação de discursos repressores sobre o sexo nas escolas tem se alastrado nas
mais diversas formas no atual contexto brasileiro, como é o exemplo do projeto Escola
Sem Partido, que defende a neutralidade ideológica dentro da escola e, por isso, a
interdição dos discursos ligados a gênero. Nossa proposta é analisar criticamente ambos
os casos sob a perspectiva foucaultiana e na perspectiva libertária. Sem a pretensão de
afirmar que Foucault era anarquista, traçaremos relações entre ambos por suas críticas
se direcionarem as mais diversas situações de sujeição e poder, sobretudo na instituição
escolar. Foucault, em uma de suas críticas, parte sobre as formas de poder que se
relacionam a produção dos discursos, sobre aquilo que pode ou não ser dito. Dentro de
nossa análise, optamos partir por um olhar historiográfico – ou ainda, em termos
foucaltianos, arqueogenealógico –, e procuramos compreender os efeitos de tais
discursos e dessas interdições. A finalidade de trazer o pensamento anarquista para a
nossa discussão parte de três pontos: primeiro por se tratar de objeto primeiro de nossa
pesquisa; segundo pelo fato dos anarquistas do começo do século XX problematizarem
parte das relações de dominação e poder relacionadas a formação dos sujeitos e,
terceiro, e pelo motivo anterior, acreditamos que o pensamento libertário pode servir
como uma resposta contrária a esse movimento de interdição não somente da
sexualidade dentro das escolas, mas também de outros discursos marginalizados, como
a questão da família, política, etc, e que já se relacionam com às críticas de Foucault.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 31

História Global do Anarquismo:


Movimentos e Militantes

Sessão 1
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 32

SURGIMENTO E AFIRMAÇÃO DO ANARCO-COMUNISMO NA


ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL DOS TRABALHADORES (1871-1877)
Gualtiero Marini

A Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) teve um papel fundamental para o


movimento anarquista tanto na organização prática dos primeiros militantes e
trabalhadores internacionalistas, quanto do ponto de vista meramente teórico. Foi
justamente no contexto das atividades levadas adiante pela AIT durante a década de
1870 que foi reformulada, por seus expoentes mais ilustres, a base teórica em que
fundamentava-se a atuação da própria associação. A reformulação veio em boa parte
como resposta às ideias e às posições defendidas por Marx e Engels e pelo próprio
Conselho Geral da AIT, e também para responder às necessidades teóricas que estavam
gradualmente surgindo no seio das federações da Europa latina. De fato, o coletivismo
de matriz francesa tinha sido constantemente a bandeira sob a qual militavam os
defensores de uma certa ideia de organização do trabalho na sociedade atual e futura:
ideal e prática que chegaram a obter a maioria dos votos no Congresso de 1869 em
Basileia na Suíça, contrapostas às posições dos internacionalistas alemães e ingleses,
entre os quais prevaleciam as teses de Marx e Engels. Foi Mikhail Bakunin, graças à
uma intensa atividade de propaganda no território suíço, a inaugurar um trabalho teórico
que, criticando duramente o autoritarismo dos companheiros alemães, convenceu não só
a quase totalidade dos militantes helvéticos mas chegou a enraizar-se profundamente na
Itália, onde suas ideias encontraram um terreno fértil para se difundir. Federalismo,
antiestatismo, antiautoritarismo, revolução, conspiração, eram todas palavras de ordem
bem conhecidas por aquela geração de jovens militantes italianos que, crescidos no
ardor do Risorgimento, aderiram à AIT logo depois da terrível mas prometedora
experiência da Comuna de Paris. Entre eles haviam Errico Malatesta, Carlo Cafiero e
Andrea Costa, três jovens internacionalistas que desempenharam um papel decisivo não
só na difusão das teses antiautoritárias e coletivistas na Itália, mas também, graças à
intima relação com o próprio Bakunin e os companheiros suíços, na reformulação
teórica e prática acima citada. A propaganda e a militância levadas adiante nas seções,
nas assembleias, nos lugares de trabalho e nos congressos nacionais e internacionais da
AIT, levaram à elaboração de um ideal, um conjunto de teoria e ação, que foi adotado
pela Federação Italiana no Congresso de Florença em 1876 e que foi defendido poucos
dias depois pelo próprio Malatesta no Congresso internacional de Berna. O cerne de
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 33

todo o discurso, compartilhado em grande parte pelos internacionalistas suíços, dizia


respeito a dois elementos fundamentais, um de caráter mais teórico e o outro mais
prático. De um lado, assim como haviam enfatizados os debates no seio da Internacional
helvética, havia a questão da coerência entre meios e fins, a qual desembocava na tese
da propriedade coletiva dos meios de produção e dos produtos do trabalho, superando a
posição clássica do coletivismo internacionalista ao adotar lema “de cada um conforme
suas forças, a cada um conforme suas necessidades”. Do outro, havia o apelo à ação
imediata, à contestação constante da autoridade, atitudes estas que os próprios
internacionalistas italianos haviam experimentado nos motins de 1874, e que
culminaram na elaboração da chamada “propaganda pelo feito” e na tentativa
insurrecional de 1877 no sul da Itália. De qualquer forma, mesmo após a intensa
repressão do Estado contra a Internacional e os anos de prisão sofridos por esses
primeiros anarquistas, a reelaboração do pensamento bakuniano havia chegado a uma
conclusão que, embora provisória e parcial, teria ficado por muito tempo como
referência teórica imprescindível para o movimento anarquista internacional.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 34

OS ESPAÇOS DE SOCIABILIDADE E A CIRCULARIDADE DAS


IDEIAS LIBERTÁRIAS NO RIO DE JANEIRO DA PRIMEIRA REPÚBLICA
Eduardo Carracelas Lamela

Pretende-se discutir as formas de circulação, apropriação e ressignificação das ideias


libertárias no Rio de Janeiro, então capital da República, entre finais do século XIX e
início do XX, mais especificamente entre as décadas de 1880 e 1930, momento
considerado por grande parte da historiografia como de formação do mercado de
trabalho capitalista no Brasil, mas também como um período de sindicatos livres e
associações autônomas, ainda não tocadas pelas posteriores medidas centralizadoras e
hierárquicas do Estado. Neste período, foi presente a circulação de ideias anarquistas, o
que segundo muitos estudos que tratam sobre o tema seriam oriundas principalmente de
imigrantes estrangeiros, que teriam trazido consigo as experiências de luta e resistência
dos seus países de origem – não sendo portanto apenas aqueles clássicos opositores
políticos dos movimentos libertários, como a polícia e o empresariado, que as definiam
como “plantas exóticas”, ou “sementes importadas”, pesquisadores do movimento
operário brasileiro também o fizeram. É importante destacar que neste momento, dentro
de um contexto de pauperização e de degradação das condições sociais, características
estas inerentes ao modelo de transição para o capitalismo que marcou a formação do
mercado de trabalho no país, podemos repensar a circularidade das ideias anarquistas
entre os trabalhadores e intelectuais do período como um fenômeno relacionado às
péssimas condições de trabalho, onde a cultura associativa se tornava necessária,
manifestando-se em experiências aglutinadoras dos trabalhadores empobrecidos como
práticas de promoção de solidariedades horizontais e de resistência contra as injustiças
da exploração no trabalho. Não há dúvidas que, entre a última década do século XIX e
as duas primeiras décadas do século XX, o anarquismo foi aqui a principal corrente
organizatória entre os trabalhadores. Sendo assim, o que propomos é tensionar estas
interpretações sobre a circulação dos ideais libertários, que acreditamos envolver não
apenas sua “chegada”, mas também as diferentes reapropriações realizadas pelos
indivíduos na cidade, em outros termos, ideias estas que foram ressignificas pelos
cariocas que às utilizaram conforme as demandas específicas da região. Analisaremos,
portanto, a atuação dos militantes libertários em alguns locais de sociabilidade no Rio
de Janeiro, dentro da delimitação temporal proposta, onde verificamos referências às
ideias e práticas anarquistas. Espaços estes que, assim como os jornais operários da
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 35

época, também contribuíram para a divulgação/construção das ideias revolucionárias e


com isso para a mobilização para a luta. Se o cultural pode preparar o terreno para o
político, para entender o estabelecimento de variadas práticas libertárias na cidade é
fundamental conhecer também os diferentes espaços organizativos que tornaram
possível a construção, lenta e gradual, desta forma de atuação política na sociedade
carioca.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 36

A LÓGICA DA HISTÓRIA E O TRIUNFO FINAL DO PROLETARIADO: POR


UMA ESCOLA HISTORIOGRÁFICA BAKUNINISTA
Marcos Paulo de Assis

Bakunin pondera em sua obra "O Império Knuto-germânico e a revolução social" que
não é correto duvidar da justiça política para os trabalhadores e do triunfo final do
proletariado porque isso estaria em desacordo com a "lógica da história". O que na
aparência é uma simples afirmação da potência política do proletariado é na verdade o
termo de uma exposição sobre a natureza da história, quando não da vida em si. Para o
autor eslavo, o desenvolvimento das circunstâncias históricas teria por consequência
necessária a emancipação política e econômica das classes subalternas no mesmo
esquema lógico-filosófico segundo o qual o velho tem de morrer para dar lugar ao novo
no mundo natural. Apesar de expostas dessa maneira essas suas formulações darem
espaço para acusações de informarem um pensamento teleológico, não pretendemos
aqui apontar que segundo Bakunin a História seguiria um roteiro pré-estabelecido, mas
que existem tendências causais gerais no seu desenvolvimento que influenciam-na, e
que devem ser consideradas. Apesar disso, como bem sabemos, uma escola
historiográfica que seja qualificada apropriadamente como anarquista está ainda por ser
consumada. A sistematização tardia das obras de Bakunin pelo Instituto de História
Social de Amsterdã, mais de um século de falsificações no campo editorial
genericamente denominado anarquista e o desprezo de parte dos estudiosos que se
debruçaram sobre a história do pensamento socialista no século XIX mascararam as
contribuições reais desse autor e de Proudhon para o surgimento das ciências sociais. É
uma questão ignorada que, assim como Feuerbach e Marx, Bakunin buscou formular
uma concepção teórico-filosófica “materialista” que se opusesse, dentro da filosofia
europeia, ao idealismo hegeliano. Apesar da pouca sistematização, o pensador russo
partiu da leitura das categorias conceituais proudhonianas, como de “forças coletivas” e
“dialética serial”, e pretendeu – conseguiu, defendemos – desenvolver uma unidade
teórica no seu pensamento político e sociológico: lançando a pedra angular do hoje
denominado bakuninismo. Bakunin acreditava que os povos amparam-se nos
fenômenos sociais coletivos de sua história e conformam uma chamada “consciência
coletiva” – conceito emprestado de Proudhon –, mesmo e apesar das formulações
teóricas e acadêmicas dos historiadores e cientistas sociais, e que partindo desse saber
compartilhado, popular e amparado na vida histórica coletiva (experiência histórica, no
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 37

conceito original) é que os grupos sociais se mobilizavam enquanto sujeitos históricos


reais. Nesse sentido apontava que esses sujeitos históricos ensurdecer-se-iam para
qualquer apelo político-ideológico que não levasse em conta àqueles pressupostos que
houvessem herdado da vida, por mais amparados na teoria social. As leituras da
realidade social e histórica que ignorassem o papel da “experiência histórica coletiva”
no pensamento e na ação dos diversos grupos sociais seriam incapazes de qualificá-los
propriamente. Pelo exposto, acreditamos que no pensamento bakuninista exista material
para o esforço de constituição de uma escola historiográfica – que já se põe em
andamento. Além disso, esse esforço se depara com a tarefa de fornecer uma leitura
adequada sobre a História recente do Brasil e atribuir sentidos a fenômenos
aparentemente novos que embaraçam parte das concepções clássicas, como as
“Jornadas de junho”, a “crise de representatividade” e o fenômeno da "greve dos
caminhoneiros". Esses embaraços diversas vezes são consequência de uma veneração
anti-científica dos quadros explicativos das ciências sociais, de maneira mesmo
subaltenizar a própria realidade histórica em defesa de concepções teóricas que, não há
outro modo de dizê-lo, são teoricamente insuficientes para dar conta da realidade. É na
intenção de apresentar essas novas chaves de leitura à comunidade acadêmica que esta
proposta de comunicação é apresentada.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 38

ANARQUISMO E REVOLUÇÃO CUBANA: ELEMENTOS PARA UMA


PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO
Cassio Brancaleone

Em Cuba, como em boa parte do mundo, o anarquismo deita raízes entre o final do
século XIX e início do século XX. Sua história na ilha remonta à participação de
militantes anônimos e proeminentes nas lutas pela abolição da escravidão em 1886 e na
guerra de independência em 1895. Da formação de clubes culturais, grêmios,
associações de artesãos e sindicatos à confluência de muitos libertários na organização
do M-26 de Julho, que derrubou a ditadura de Fulgencio Batista no final dos anos 1950,
os anarquistas tiveram relevante papel na constituição do campo político popular do
país. A participação e existência política dos anarquistas cubanos se encerra com a
afirmação do regime socialista de tipo estatal-autoritário instaurado por Fidel Castro e
seus colaboradores mais próximos, culminando na eliminação física ou exílio de
militantes libertários no espectro dos chamados “dissidentes políticos e
contrarrevolucionários”. A presente investigação está ancorada em levantamento e
análise documental de fontes primárias sobreviventes e localizadas fora do país,
relativas aos grupos anarquistas organizados em Cuba entre as décadas de 1940 e 1950,
em especial os jornais Solidaridad Gastrónica (pertencente ao Sindicato Gastronómico)
e El Libertario (da Asociación Libertaria de Cuba). Com base nesse material, e em
diálogo com as atuais releituras sobre a gestação e consolidação do processo
insurrecional de 1959, pretende-se apresentar uma modesta reflexão sobre a
participação dos anarquistas no fenômeno histórico conhecido como Revolução
Cubana, assinalando o escopo e o espaço social de inserção destes militantes, bem como
as posições por eles assumidas frente a formação do regime político de intenção
socialista. Desse modo, espera-se contribuir com o esforço de recuperação da memória
histórica de outros lutadores sociais invisibilizados e que igualmente compuseram a
atmosfera revolucionária da época, permitindo visualizar a complexidade dos debates
político-ideológicos da esquerda no contexto da revolução cubana reconectando suas
linhagens não marxistas.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 39

A EXPULSÃO DE ESTRANGEIROS COMO MÉTODO DE REPRESSÃO


POLÍTICA AOS IMIGRANTES ANARQUISTAS NO BRASIL DURANTE A
PRIMEIRA REPÚBLICA
Diego Nunes

O presente trabalho tem como objetivo apresentar o processo de regulação jurídica da


expulsão de estrangeiros durante a Primeira República no Brasil de modo a demonstrar
que uma de suas razões fundamentais era servir de instrumento do governo para o
contraste do dissenso político provocado pela presença de imigrantes anarquistas. Bach
Jansen (2008, 2009) fala de um movimento internacional de circulação de ideias e
pessoas “nocivas” e “indesejadas” no começo do século XX. No caso dos anarquistas
em solo brasileiro, o uso da expulsão era uma modalidade de reforço à repressão do
dissenso político, vez que foi uma via para evitar a aplicação da lei penal. Esta, apesar
de mais severa, exige mais formalidades, o que pode dificultar a sua aplicação, diferente
do direito administrativo, que regula a expulsão, vez que passível de maior
flexibilidade. Os estudos sobre o tema à época levavam a crer que não haveria a
necessidade da ocorrência de crime (INSTITUT DE DROIT INTERNATIONAL,
1892). Esse controle exercido pessoalmente pelo Chefe de Estado era um ato
discricionário quanto a conveniência e oportunidade da medida, mas deveria ser feito de
acordo com os parâmetros legais (FRANCA, 1930, p. 44-45). Assim, entendendo que o
direito de expulsar os estrangeiros “encerra a mais importante distincção entre eles e os
nacionais” (OCTAVIO, 1909, p. 141), “um aparato legal contrário à carta de 1891 foi
sendo construído e paralelamente foi à ele sendo elaborado o discurso da sua
constitucionalização” (GUERRA, 2011, p. 53). No caso brasileiro, o Decreto n. 528, de
28/071890 pregava ampla liberdade de migrar. A Constituição republicana de 1891 não
mencionou a expulsão, que era entendida como prerrogativa inerente à defesa da
soberania: por isso, o direito de expulsar seria anterior e superior à constituição. Assim,
a “ordem pública” (PESSOA, 1911, p. 43) norteava o discurso jurídico sobre o tema:
“Não deve, pois, o paiz nosso ser receptaculo dos dectritos de outras nações […]
Extirpemos do nosso sólo os desordeiros, caftens, falsarios e anarchistas” (BASTOS,
1924, p. 46). O primeiro regulamento de destaque é o Decreto n. 1.609, de 15/12/1893.
Revoga o decreto n. 1566 de 13/10/1893, que corrobora a defesa da ordem pública
(BASTOS, 1924, p. 40; BENTO DE FARIA, 1929, p. 70). Já o Decreto n. 1.641, de
07/011907 inseriu a limitação de 2 anos de residência ou casamento/paternidade. Dali
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 40

em diante sucederam-se batalhas para a retomada de um critério menos severo, até que
o Decreto n. 2.741, de 08/01/1913 revogou essa disposição, “[…] com o intuito de
evitar que o Brasil fique constituído em refúgio de anarquistas e de malfeitores
profissionais!” (GORDO, 1913, s/p). Todavia, o Decreto nº 4.247, de 06/01/1921
retomou a limitação, agora para 5 anos. O aumento do tempo e as condições de prova
tinham duplo valor: para o governo, legitimação de ações pela ordem pública; para os
anarquistas, possibilidade de defesa, ainda que restrita, pela existência de um parâmetro
legal. Afinal, sobreveio a Emenda Constitucional de 03/09/1926 à Constituição Federal
de 1891”, que inseriu o § 33 ao Art. 72, permitindo a expulsão, numa espécie de
garantia às avessas. Dali em diante, houveram mais expulsos dali a 1930 do que em
todo o período antecedente. Isso demonstra um movimento de adaptação da constituição
à lei, quando deveria ter sido o contrário. Por isso, alguns juristas antes e depois dessas
modificações mantiveram-se contrários a partir do argumento constitucionalista de que
a lei não poderia prever algo mais grave do que a constituição, que era muito permissiva
com a circulação de pessoas (BEVILACQUA, 1911, p. 67-68; FRANCA, 1930, p. 11).
A jurisprudência do STF caminhou por uma via intermediária nesse período: de um lado
não conhecia o mérito dos habeas corpus impetrados (HC 8.555, 12/06/1922),
legitimando as expulsões do governo; por outro, concedia a ordem em caso de demora
na prisão (HC 3.803, 03/07/1915), de modo a evitar abusos contra pessoas sem culpa
formada.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 41

“O CAMARADA KRISHNAMURTI”: A IMPRENSA ANARQUISTA


BRASILEIRA E A VIAGEM DE KRISHNAMURTI AO BRASIL EM 1935
Gilson Leandro Queluz

Este trabalho pretende analisar quais foram as repercussões na imprensa anarquista


brasileira da viagem de Jiddu Krishnamurti ao Brasil em 1935. Entre abril e junho de
1935, Krishnamurti ministrou um total de 7 palestras nas cidades de São Paulo, Rio de
Janeiro e Niterói, com temas como 'A busca de Segurança e Felicidade', 'Indivíduo',
'Moral', 'Ação Verdadeira' e 'Sobre Viver Integralmente'. Suas atividades foram
amplamente noticiadas na imprensa nacional, inclusive na libertária. Por exemplo, a
tradicional revista anarquista “ A Plebe”, publicou vários artigos sobre Krishnamurti no
ano de 1935, dentre os quais um artigo de apresentação geral de suas ideias denominado
“O Camarada Krishnamurti”, um comentário sobre uma palestra de G. Soler que
procurava estabelecer aproximações entre o pensamento do filósofo indiano e o de
Bakunin e outro texto escrito por Martins Garcia, que analisava o potencial
emancipatório do ponto de vista defendido por Krishnamurti de que o espírito e a
matéria são uma só substância universal. Procuraremos evidenciar que a interpretação
anarquista do pensamento de Krishnamurti, nos artigos referidos, ou naqueles
anteriormente publicados, como o de José Oiticica em 1928, enfatizava temáticas
libertárias por excelência, como a denúncia dos privilégios de classe e casta, o combate
aos preconceitos patrióticos, a exaltação do livre pensamento e a crítica às estruturas
hierárquicas da sociedade, como a família e as religiões institucionalizadas. É com
simpatia que estes anarco-comunistas assimilavam os ataques de Krishnamurti às
religiões, sua visão não conformista, sua crítica contundente aos grilhões trazidos pelas
noções de autoridade e a sua negação do enquadramento do espírito por discursos e
determinações sacerdotais. Contudo, em alguns momentos também expressam críticas,
como o incômodo demonstrado por Martins Garcia, sobre o fato de que em
Krishnamurti, a “liberdade volitiva” assumiria um “caráter de absoluta rigidez”, se
aproximando de um individualismo de caráter espiritualista, que se afastaria do anarco-
comunismo. Consideramos que a recepção de Krishnamurti, como refletida no
periódico anarquista brasileiro A Plebe, apresenta um interessante exemplo do
internacionalismo libertário e de uma franca e aberta disposição de construção de
alianças imaginárias ou efetivas, com pensadores não-conformistas de diversos vieses,
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 42

inclusive espiritualistas, objetivando desenvolver novos instrumentos de ação,


persuasão e atração pública para a luta de emancipação social.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 43

História Global do Anarquismo:


Movimentos e Militantes

Sessão 2
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 44

ANARQUISMO, ANTIFASCISMO E EXÍLIO: LUCE FABBRI E A REVISTA


“STUDI SOCIALLI” (1935-1946)
Elena Schembri

A revista “Studi Sociali, Rivista di Libero Esame”, editada em Montevidéu em língua


italiana a partir de 1930 até o 1946 foi redigida pelo anarquista italiano Luigi Fabbri,
enquanto após o 1935 e a morte do mesmo fundador, passou a ser dirigido pela filha,
Luce. A família Fabbri, constrangida a fugir da Itália pelas persecuções políticas após a
instauração do regime fascista, chegou em Uruguai em 1929. São anos difíceis nos
quais a Europa sofre a imposição do regime fascista de Mussolini, o nazismo ganha o
poder na Alemanha e a guerra de Espanha envolve muitos antifascistas na luta em duas
frentes, contra a ditadura de Franco e contra o autoritarismo das fracções stalinistas. A
revista enfrenta temas ligados àquela atualidade, com artigos que discutem de casos
particulares, graças à correspondência fértil com os combatentes e resistentes, europeus
e latino-americanos, e refugiados em diferentes cantos do mundo, mas também propõe-
se como meio de informação pedagógico dedicando muitos parágrafos à teoria
anarquista e revolucionária. Militantes ativos e pensadores proeminentes do movimento
anarquista internacional contribuíram desde o início para valorizar esta publicação,
entre os quais os italianos Luigi Bertoni e Camillo Berneri, o espanhol Diego Abad de
Santillán, diretor da revista argentina “La Protesta”, Max Nettlau, Rudolf Rocker e
Gaston Leval. Muitos dos autores que haviam contribuído de forma substancial aos
números da primeira série, por diferentes razões, entre as quais as expulsões do Uruguai
ou da Argentina, a participação à Revolução Espanhola na qual alguns colaboradores
perderam a vida, não compareceram na segunda e terceira série. Os editoriais, que
focalizavam problemas urgentes e atuais, foram sempre de responsabilidade dos
diretores, Luigi e em seguida Luce. A segunda série da revista, direta por Luce,
começou no ano VI, com o primeiro número em data 20 de Novembro de 1935, o qual
dedicou a maioria dos artigos ao defunto Luigi. “Studi Sociali”, desde sua fundação,
não pretendia se tornar um jornal com grande difusão. Ele era enviado para os
assinantes, pelas maiorias militantes do movimento anarquista internacional. Após a
morte de Luigi Fabbri, a revista começou a sair com menor frequência e passou de ser
quinzenal a ser publicada ocasionalmente. Se a primeira série (1930-35), dirigida por
Luigi, contou quarenta números, a segunda série (1935-41) contou dezesseis
publicações enquanto a terceira apenas cinco (1941-46). Com certeza teve um papel
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 45

importante em discutir as questões fundamentais do pensamento anarquista, como por


exemplo o tema da organização sindical e da luta revolucionária, além de oferecer
aprofundadas análises sobre fatos de atualidade que se impuseram à atenção de seus
redatores. No período 1935-1946, aparecem quatro assuntos principais que são
discutidos na revista: os acontecimentos políticos e sociais da Espanha revolucionária
particularmente entre 1936-1939; o fascismo, não apenas italiano; a guerra, tanto aquela
espanhola, quanto a Segunda Guerra Mundial e a guerra fascista na África; e a teoria
anarquista da revolução. As quatro temáticas são particularmente importantes pelo fato
de trazer uma perspectiva diferente daquela dominante na época e na atualidade,
desconstruindo os discursos predominantes, e ao mesmo tempo pelo fato de narrar
histórias que ficaram sufocadas e caíram no oblívio como as experiências
autogestionárias e de coletivização na Espanha. A revista continuou saindo até o 1946,
quando na Itália com a instauração da “democracia” tinha acabado a repressão da
prensa. Com o fim da guerra fechou-se a experiência da terceira série de “Studi Sociali”,
que por causa do conflito tinha mudado o formato e diminuído suas aparições.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 46

BENJAMIM MOTA: UMA TRAJETÓRIA ANARQUISTA E ANTICLERICAL


(1899-1904)
Antonio Cleber Rudy

No início do século 20, o anticlericalismo que se fez germinar no Brasil, tinha como um
dos seus inveterados propagadores, o anarquista Benjamim Mota, que estava à frente do
combativo jornal A Lanterna. Surgida em março de 1901, essa folha apresentava-se
como órgão da Liga Anticlerical de São Paulo. Assim, desde 1899, junto com outros
correligionários, Benjamim Mota lançou os primeiros pilares da Liga Anticlerical,
visando, com isso, fazer barreira ao jesuitismo que, escorraçado da Europa tentava
novamente implantar-se no Brasil. Mas quem era esse intrépido jornalista que dava voz
ao anticlericalismo em São Paulo? Seu nome completo era Benjamim Franklin Silveira
da Mota (1870-1940), brasileiro, advogado, jornalista, anarquista e maçom – membro
da Loja Sete de Setembro (São Paulo), assim como redator-chefe d’A Lanterna. Em um
primeiro momento de sua trajetória política mostrou-se defensor da causa abolicionista
e do ideal republicano. Porém, com sua ida para Paris, onde morou de 1891 a 1893,
retornou ao Brasil cheio de prestígio literário, boêmio e anarquista. Logo em 1894, ao
lado de Lucien Grillot, publicou, em São Paulo, o periódico O Progresso, redigido em
português e francês e que, em suas páginas, já deixava transparecer críticas de tons
anticlericais. Dotado de grande inteligência e apreciável cultura, seu engajamento no
jornalismo não parou por aí: foi redator – entre os anos de 1897 e 1898, do jornal O
Rebate (São Paulo) – semanário republicano independente; assim como, em 1898,
publicou a revista O Libertário (São Paulo) e colaborou na redação do Il Risveglio (São
Paulo) – publicação anarquista redigida em italiano e português. Nessa mesma época,
lançou o livro Rebeldias – primeira obra de propaganda anarquista escrita no Brasil. No
ofício de advogado atuou em prol de diversas sociedades operárias e na defesa de
militantes socialistas, anarquistas, e por essa lida jurídica junto ao movimento operário,
recebeu a pecha de tribuno da plebe. Além disso, Benjamim Mota foi diretor de O
Rebelde (1898) e, em 1899, colaborou em El Grito del Pueblo (São Paulo).
Posteriormente, em 1903, passou a colaborar no jornal La Nuova Gente – publicado
pelo grupo anarquista La Propaganda, de São Paulo. No ano de 1906, dirigiu o Jornal do
Povo (São Paulo), e na sequência, em 1908, fundou A Vanguarda, publicado em Santos.
Ademais, Benjamim Mota, ateu declarado e confesso, manteve-se em forte conexão
com a maçonaria luso-brasileira de São Paulo. Logo, defendeu um livre-pensamento de
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 47

expressão ateia, que ganharia tônica na publicação do folheto Ni Dios, Ni Patria (1899),
bem como do livro A Razão contra a Fé (1900). Para tanto, afirmou: “as religiões só são
úteis aos parasitas, aos que vivem do suor das classes trabalhadoras. É preciso que o
povo se convença desta verdade”. Deste modo, por sua intrépida conduta, foi vigiado e
preso, assim como, em certa ocasião, quando andava pelo centro de São Paulo, foi
atacado com golpes de bengala. Evidentemente, Benjamim Mota desempenhou um
papel crucial nas primeiras manifestações ideológicas e práticas do anticlericalismo e do
anarquismo no Brasil.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 48

ÉTICA E HISTÓRIA NOS ESCRITOS DE MARIA LACERDA DE MOURA


Daniel Santos da Silva

A intenção deste trabalho é a tentativa de delinear um diálogo conceitual entre ética e


história, partindo do material escrito pela filósofa anarquista Maria Lacerda de Moura.
O eixo argumentativo que nos leva à ética, nesse caso, passa justamente pelo uso que a
escritora faz da história - como no caso das recorrências às Escrituras, que servem para
nos mostrar a violência da moral judaico-cristã e sua influência na atualidade (na sua e,
a partir deste texto, da nossa). Nesse sentido, delineamos a ética de Maria Lacerda de
Moura como um desvelamento da moral judaico-cristã patriarcal - presente inclusive em
feminismos - ao mesmo tempo em que firma a ideia de autodeterminação do indivíduo.
Assim, como ética, a emancipação deve ser humana, não somente da mulher - porém, na
medida em que a moral patriarcal domina, pode-se pensar em uma crítica "feminista" da
autora, uma ética feminista. Alguns contatos com a filosofia de Espinosa serão notados,
não como linha principal da argumentação, mas como possibilidade de aprofundar
filosoficamente o alcance da crítica histórica de Maria Lacerda de Moura.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 49

O ‘SONHO LIBERTÁRIO’ DE ISABEL CERRUTI (1886-1970)


Rodrigo Rosa da Silva

As informações biográficas sobre Isabel Cerruti são poucas. A partir de uma pesquisa
sobre a repressão política à imprensa anarquista nos anos 1930 em São Paulo (SILVA,
2005), pudemos colher alguns dados nos prontuários do DEOPS e obras de Edgar
Rodrigues (1994). Apontamentos iniciais sobre a vida e pensamento de Isabel Cerruti
foram produzidos em 2010 como um capítulo do livro Mulheres Subversivas,
organizado por Maria Luiza Tucci Carneiro, e que segue inédito. Gratas exceções são as
recentes pesquisas de historiadoras como Samanta Colhado Mendes (2010), Ana
Cláudia Ribas (2015) e Daniela Fernanda de Almeida (2018). Também está em
processo de edição uma antologia de textos a ser editada pela Biblioteca Terra Livre.
Porém, ainda há lacunas referentes à vida e à obra dessa anarquista brasileira.
Pretendemos, com o presente trabalho, colaborar para que seu nome torne-se mais
conhecido, apresentando o resultado parcial de pesquisas bibliográficas e documentais.
Isabel Bertolucci Cerruti nasceu em 19 de agosto de 1886, na cidade de São Paulo. É
filha de Luigi Bertolucci (italiano) e Maria Emília Ferreira da Silva (brasileira). Em um
artigo sobre a Revolução de 1932, em São Paulo, Isabel cita que seu avô, Joaquim
Ferreira da Silva, pai de Maria Emília, teria lutado na Guerra do Paraguai. Quanto à sua
profissão, Edgar Rodrigues afirma que era “dona de casa”. Já Maria Luiza Tucci
Carneiro (2002) aponta que era professora e fundadora do Centro Feminino de
Educação. Samanta Colhado Mendes ressalta que, ao contrário de Maria Lacerda de
Moura, “Isabel Cerruti nasceu em uma família de operários” e “trabalhou como tecelã
em São Paulo” (MENDES, 2008, p. 08). Parentes apontam que ela ter sido, também,
professora de piano. Casou-se com Américo Cerruti em 1908 (de quem adotou o
segundo sobrenome), que foi seu companheiro por toda a vida e veio a falecer em
novembro de 1954. Américo era químico e perfumista, Era também músico, assim
como a esposa e suas irmãs. Tocava violino e era “um virtuoso”, segundo consta em
anotação encontrada no álbum de fotografias que pertenceu à Isabel. Isabel nasceu e
cresceu no Brás, bairro operário paulistano onde residiu por muitos anos. Em um artigo
de 1933 afirmou que morava no centro da cidade, porém passou os últimos anos de sua
vida num sobrado no bairro do Ibirapuera onde veio a falecer em 01 de maio de 1970,
com 83 anos de idade. Segundo familiares, encontra-se sepultada no cemitério da Vila
Mariana em São Paulo. Segundo Edgar Rodrigues, Cerruti “jovem ainda conheceu a
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 50

literatura anarquista”, tendo estudado a doutrina e adquirido vasta cultura geral e


sociológica. Em suma: era uma “anarquista convicta!” (RODRIGUES, 1995, p. 143).
Seu processo pessoal de transformação intelectual está estampado, de maneira
transparente e sincera, num artigo assinado com o pseudônimo de Isa Ruti em 1934:
“(...) acabei adotando o anarquismo, que me satisfez plenamente quanto aos meus
sentimentos e desejo de felicidade para mim e para os meus semelhantes”. Acrescentou
em outro artigo: “sou uma anarquista positiva”. Isabel acreditava um dia “firmar a
vitória e celebrar o triunfo da Anarquia”. Nota-se sua vinculação com as ideias
anarquistas e seus conhecimentos acerca das teorias dos maiores expoentes do
socialismo libertário nas citações que utilizava em seus textos. No artigo intitulado
“Contrastes sociais” Isa Ruti cita um grande trecho de um livro do geógrafo e anarquista
Elisée Reclus. Escreveu ainda ser adepta do “sonho libertário” e que estava de acordo
com escritos do “inesquecível companheiro e mestre Errico Malatesta”. A influência do
anarquista russo Piotr Kropotkin é nítida em diversas passagens de seus artigos, quando
utiliza expressão como “conquistar o pão” ou citava máxima propugnada por ele: “de
cada um conforme suas possibilidades, a cada um conforme suas necessidades”.
Podemos ainda compreender melhor suas ideias ao analisar seus escritos sobre
diferentes temas – militarismo, amor livre, abolição da escravidão, etc. - em que, mesmo
tratando de fatos cotidianos ou históricos importantes, manifesta sempre sua adesão ao
ideal anarquista. Em seus textos afirmava que “a natureza nos fez iguais; todos temos
direito à vida!”, afinal “nem só de pão vive o homem”. Por isso, conclamava aos leitores
para que “ensinai-vos aos vossos filhos” essa máxima: “Pão e Amor para todos!”. Essas
são “as finalidades soberbas do ideal anarquista”. Diante de tais declarações buscamos
afirmar a adesão de Isabel Cerruti ao ideal anarquista e destacar sua militância e
produção textual em periódicos libertários por mais de 50 anos, encerrando-se somente
com sua morte em 1970.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 51

HIJAS DEL PUEBLO: BREVE ANÁLISE DO PERFIL EDITORIAL DO


PERIÓDICO LA VOZ DE LA MUJER (BUENOS AIRES, 1896-1897)
Ingrid Souza Ladeira de Souza

Esta comunicação é parte da pesquisa de mestrado que vem sendo desenvolvida no


âmbito do Programa de Pós-Graduação em História da UNIRIO e tem como proposta
traçar um perfil do periódico La Voz de la Mujer, que circulou em Buenos Aires, capital
da República Argentina, entre os anos de 1896 e 1897. A pesquisa, como um todo,
procura dar voz ao periódico há muito esquecido, colocando em foco as redatoras do
jornal, suas formas de organização, as ideias que defenderam, as lutas políticas que
empreenderam e as mobilizações socioculturais que implementaram. Existia na
imprensa anarquista em circulação na cidade de Buenos Aires diferentes periódicos com
propostas que iam desde da propaganda pelo fato até o antimilitarismo, passando pela
emancipação universal e pela reivindicação dos direitos das trabalhadoras e
trabalhadores. Alguns desses jornais discutiam, em suas páginas, a situação social da
mulher na época, entretanto, isso não era uma prioridade. A publicação de panfletos
como La Mujer e Propaganda Anarquista entre las Mujeres foram os primeiros impulsos
para a divulgação de outros textos que centram sua dimensão política e social
inteiramente nas mulheres. Essas publicações chamaram a atenção da classe
trabalhadora como um todo para o “problema da mulher”, aumentando a reflexão das
próprias mulheres em torno das questões de opressão dos homens, da união imposta, da
exploração sexual nas fábricas, da prostituição, entre outros temas. O periódico tratava
questões de opressão vivenciadas pelas mulheres em diversas dimensões, como a
matrimonial, sob a máxima de que as mulheres tinham que se unir ao homem que
desejassem, por motivos próprios e não por interesse econômico, aliança comercial ou
acordo familiar. Outras questões que ficam claras no periódico são as condições de
trabalho e a luta por melhores salários, evidenciando a opressão e exploração dos
patrões. Nesta proposta de comunicação, pretendemos analisar esse veículo como um
representante do início da luta pelo espaço da mulher na sociedade e no interior do
movimento anarquista. Pretende-se demonstrar que sua linha político-ideológica
ultrapassa as dimensões de denúncia e tenta alcançar um caráter mais revolucionário em
busca da emancipação da mulher e mesmo da humanidade.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 52

“LA VOZ DE LA MUJER”: GRITOS QUE AINDA PRECISAM SER OUVIDOS


Dominyque Domingos de Oliveira

O termo anarcofeminismo é, mesmo entre as pessoas que estudam o anarquismo, um


conceito muito polêmico e que deve ser mais bem aprofundado. A própria definição do
termo nos indica que este se refere a uma abordagem feminista realizada sob os
princípios políticos-ideológicos do anarquismo. Contudo, esta definição embasada
somente em critérios etimológicos da palavra pode levar-nos a incorrer em
simplificações conduzidas por erros de leitura histórica. Salvos alguns trabalhos, são
comuns produções que conceituam anarcofeminismo como uma “tendência” ou
“corrente” – única – do anarquismo que luta especificamente pelas questões das
mulheres. Sob esta análise, um rico debate permeado por divergências programáticas
existentes entre as próprias mulheres do movimento anarquista que construíam
movimentos que pautavam a revolução social, é reduzido a uma única estratégia que,
aparece como utilizada por todas as mulheres anarquistas na luta pela emancipação das
mulheres. Embora tenha o termo anarcofeminismo tenha surgido somente em 1960,
episódios e ações das anarquistas anteriores a esse período, como fim do séc. XIX e
início do XX, por exemplo, são comumente atribuídos como de vertente
anarcofeminista. Tais abordagens, apesar de pretenderem recuperar a historiografia das
mulheres marginalizadas nas lutas revolucionárias, acabam por pautar uma estrutura de
“homens X mulheres” que junta todas elas em um “blocão homogêneo” das mulheres
anarquistas. Deste modo, estas aparecem como participantes do movimento anarquista
que lutavam especificamente pela questão da mulher e que, por meio destas, se
interligavam as discussões “mais gerais” do movimento, sem, no entanto, aparecerem
como militantes ativas que disputavam concepções teóricas e ações práticas no interior
deste. Historicamente a atuação mulheres anarquistas nas lutas – fossem elas pelas
demandas específicas da mulher ou de questões outras necessárias à revolução social,
foram intensamente ativas. A presença de mulheres anarquistas nos espaços
revolucionários é um elemento histórico marcante. Portanto, para realizarmos uma
análise mais detida e que não incorra em erros reducionistas, é necessário que
analisemos a história destas mulheres inseridas no contexto político-social ao qual
faziam parte, sem desloca-las dos movimentos revolucionários em quais estavam
inseridas. Desta forma, os estudos devem focar na organização das mulheres anarquistas
que estavam inseridas nos processos de organização revolucionária. O que elas
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 53

propunham para a emancipação das mulheres e superação da sociedade de classes. Para


tanto, muito pode contribuir o jornal “La Voz de la Mujer”. Escrito para e por mulheres,
este foi um jornal que circulou na Buenos Aires de 1896-1897 e que tinha por objetivo
conscientizar as mulheres pobres sobre suas condições de trabalhadoras e proclamar a
necessidade da revolução social para alcance da sociedade anarco-comunista. A análise
realizada baseia-se no livro publicado na Colômbia e de mesmo título do jornal, que foi
editado pelo grupo Un Gato Negro Editores, e objetiva evidenciar o contexto histórico
no qual elas se inseriam. Falamos, portanto, do movimento anarquista atuante sobretudo
nos sindicados que estavam se formando na Argentina. Buscaremos apontar o que essas
mulheres falaram sobre a organização dos anarquistas no sindicato e como as mulheres
viam sua própria organização nesses espaços.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 54

Arte e Anarquismo

Sessão 1
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 55

‘A VIBRAÇÃO VITAL E SENSUAL DA CARNE’: REFLEXÕES SOBRE


LIBERDADE E SEXUALIDADE NO CONTO DIA DE AMOR DO ESCRITOR
LIBERTÁRIO DOMINGOS RIBEIRO FILHO (1906-1907)
Angela Maria Roberti Martins

Essa comunicação decorre de uma investigação, ainda em andamento, sobre a trajetória


política e intelectual do escritor libertário Domingos Ribeiro Filho (1875-1942) e sua
contribuição tanto para a vida literária no país quanto para o movimento anarquista que
se desenvolveu na cidade do Rio de Janeiro, seu lócus de atuação, no alvorecer do
século XX. Nesse sentido, o trabalho converge com uma tendência que se verifica nos
últimos tempos, na qual há uma aproximação cada vez maior entre História e Literatura,
com uma profusão de pesquisas utilizando textos literários como documento para o
estudo do processo histórico. Assim fazendo, pretende-se, entre outros, perscrutar a
militância anarquista a partir de textos de ficção, para refletir sobre a posição ocupada
pelo autor e sua produção literária no cenário literário brasileiro. Nessa época, na cidade
do Rio de Janeiro, diversos militantes anarquistas marcaram presença privilegiada nas
atividades socioculturais implementadas, incluindo os mais intelectualizados, que
produziram certos “textos de compromisso” com os princípios libertários. Nesse
conjunto de intelectuais que aderiram ou simpatizaram com o ideário, encontra-se
Domingos Ribeiro Filho um romancista, jornalista, contista, cronista e funcionário
público que transformou seus livros em “romances de combate”, abrindo-os a algumas
concepções libertárias e se servindo delas para analisar e criticar os valores da
sociedade, bem como projetar uma “nova moral”, orientada por formas mais livres de
viver. O escritor valeu-se da literatura como forma de reflexão social, alimentando o
debate e a difusão do projeto de transformação social, moral e sexual dos libertários nos
primeiros anos de vida republicana. Considerando a abordagem feita na obra de Ribeiro
Filho, é possível pensá-la a partir de um sentido social e político, como verdadeiro lugar
de embates de ideias, de crítica social e mesmo de denúncia. Mas, também, como
possibilidade de resistência pela transgressão, na medida em que o autor ficcionaliza
situações e relações que propõem a destruição de regras coercitivas em benefício de
uma ética libertária, firmada em bases mais solidárias, livres e criativas. Nesta
comunicação, iremos nos ater na perspectiva do autor frente aos dramas morais de sua
época e na enunciação que faz de determinadas ideias e práticas inovadoras para as
relações entre homens e mulheres, como se pode verificar no conto Dia de Amor (1906-
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 56

1907). Repleta de opiniões e posições, a visão literária do autor encontra-se permeada


de valores, constituindo um campo de tensão no qual se percebem variadas referências
ao tema da sexualidade, destas serão privilegiadas as que tratam do amor livre, do corpo
e do prazer. Pretende-se, assim, captar o sentido e a função da obra, identificando não só
o que o autor abordou, mas, sobretudo, como abordou determinados temas e situações,
como criou certas personagens e cenas.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 57

SABOTAGEM: PROCEDIMENTO NO TEATRO DE CONTRA ATAQUE AO


TERRORISMO DE ESTADO
Cassiana dos Reis Lopes

Nesse resumo expandido aproprio-me da prática de sabotagem exposta por Emile


Pouget (2011), utilizada no movimento sindical e inaugurada no Congresso Confederal
de Toulouse na França, em 1897, para discutir uma tática possível em que o teatro
problematize, denuncie e exponha o terrorismo de Estado. Como exemplo dessa prática,
cito a Cia Marginal, do Rio de Janeiro, com a peça Eles não usam tênis naique.
Primeiramente, se faz importante uma breve explicação do significado do termo
“terrorismo de Estado”: o Estado, regido sob estado de exceção, com intervenção militar
ou não, cria um suposto inimigo interno, subterfúgio para sua extrema violência,
concretizando o terrorismo de Estado para mantenimento de seu poder. Ao aprofundar o
tema de terrorismo de Estado, é possível alçar um problema anterior ao terrorismo, o
próprio Estado. De acordo com Mikhail Bakunin (2003) o Estado está fundado na
supremacia, no domínio e na violência. Nesse sentido, o terrorismo que vem do Estado,
a violência extrema direcionada para certos grupos sociais é constituinte da própria ideia
de Estado. Voltando-se a ideia de sabotagem, essa é uma tática contra a exploração
capitalista, utilizada nas fábricas, em que os trabalhadores, por estarem dentro dos
meios de produção, têm um conhecimento detalhado de seu funcionamento e sabem
como convulsionar o sistema produtivo para assim, saírem vitoriosos em suas
demandas. De acordo Pouget (2011) a sabotagem pode ter diferentes formatos: colocar
peças em determinadas engrenagens que paralisem a produção; aumentar o ritmo de
produção até ela colapsar; denunciar a exploração aos consumidores, o que ele
denomina de “sabotagem da boca aberta”. Entendo que a utilização dessa tática tem um
contexto específico e não diz respeito a arte, porém, me aproprio de certos argumentos e
modos de fazer. Como proposta de contraposição a violência proferida por parte do
Estado, ouso sugerir o procedimento: “Sabotagem ao Estado pelo teatro”. A maneira
como leio essa sabotagem é por meio da utilização de financiamento de projetos
artísticos que criticam o Estado com dinheiro do próprio Estado e assim, difundir e
denunciar, ou, como nas palavras de Pouget, praticar uma “sabotagem da boca aberta”.
É importante lembrar que a verba supostamente do Estado, advém de impostos
recolhidos dos trabalhadores e cidadãos que produzem e pagam parcela do dinheiro ao
Estado. Portanto tem-se que essa verba é pública. Coloco aqui, apesar da crítica ao
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 58

Estado, a importância do financiamento estatal, ou melhor dizendo, financiamento


público, da arte no contexto em que vivemos, para que essa função não seja delegada ao
mercado ou empresas que têm como fim uma política liberal. Esse é um direito, que no
caso do Brasil, é garantido na Constituição Federal de 1988 (CF/1988). A sabotagem ao
Estado pela arte, nesse sentido, se ampara na jurisdição do Estado para tentar “implodir”
seus mecanismos. Uma possibilidade de leitura dessa sabotagem é a que exponho com o
exemplo da Cia Marginal, grupo surgido na Favela da Maré, em 2006, com moradores
dessa comunidade, que já ganhou vários editais públicos com obras políticas. A peça
Eles não usam tênis naique trata de pai e filha e suas ligações com o tráfico de drogas
na favela. Em um momento da peça a atriz Geandra Nobre diz: “o bandido sabe quem é
o inimigo dele. Agora, a PM? Qualquer morador aqui é inimigo deles. A polícia,
quando consegue se instalar na porra da favela, implanta a operação. Sobe no morro, dá
tiro e sai matando tudo”. Mas não é só no conteúdo de denúncia da peça que a
sabotagem ao Estado acontece, também na própria constituição do grupo, que nasce de
uma favela do Rio de Janeiro, Favela da Maré, que vivencia o terrorismo de Estado em
seu cotidiano, que presencia a intervenção militar decretada pelo Presidente Michel
Temer desde o dia 16 de fevereiro de 2018 e não tem medo, sabota o destino cruel que o
Estado lhes quer impor.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 59

EXPRESSÕES DA MULHER NA DRAMATURGIA DO TEATRO OPERÁRIO


ANARQUISTA
Rosimeire da Silva

O presente artigo analisa, a partir das questões do anarquismo referente às mulheres,


três peças dramatúrgicas do livro Antologia do Teatro Anarquista, de Maria Thereza
Vargas: O Semeador de Avelino Fóscolo, A Bandeira Proletária de Marino Spagnolo e
Uma Mulher Diferente de Pedro Catallo. Inicialmente apresentam-se algumas ideias do
movimento anarquista e da vertente chamada anarfofeminismo, da virada do século XIX
para o XX, mostrando a luta e a importância da mulher no mesmo. Em seguida, a
análise dos textos demonstra a expressão dos ideais anarquistas apresentados, assim
como a percepção que as peças nos mostram sobre a realidade da época. Esses traços
aparecem ora explícitos, ora implícitos nas características das personagens, no enredo,
nos diálogos, nas rubricas e demais aspectos estruturais das peças. A importância que a
expressão desses ideias tem nessas peças atesta o fatos já conhecido de que o teatro era
um dos principais meios para despertar a consciência social, o veículo de uma educação
popular para a conscientização libertária.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 60

O TEATRO COMO POTENCIALIZADOR DA EDUCAÇÃO LIBERTÁRIA


Giulia Louise Martins Broetto

Assume-se como fundamental uma reflexão sobre a realidade escolar, especialmente da


educação pública brasileira, contexto o qual esta pesquisadora vivenciou por meio de
sua participação como bolsista no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à
Docência – PIBID. A abordagem defendida no presente trabalho são os jogos teatrais,
sendo ressaltado o argumento do Teatro do Oprimido de Augusto Boal, por
compreender o vínculo entre este e a pedagogia libertária como essenciais para
evidenciar a urgência de propostas educacionais transformadoras e pautadas na
democracia. Diante do entendimento de que as crianças são submetidas a uma
instituição escolar que frequentemente negligencia a individualidade das mesmas,
recorreu-se aos jogos teatrais em função do seu caráter transformador. De acordo com
Augusto Boal (2013), o teatro é um espaço fértil para o desenvolvimento da autonomia
e do pensamento crítico e reflexivo, processo este compreendido como fundamental em
propostas que visam a desestabilização de variadas formas de opressão vivenciadas por
segmentos historicamente ausentes do circuito de direitos. Entende-se que a educação se
refere a um veículo da ação direta, pois permite que as pessoas compreendam “os
processos e as condições sociais, para que a atitude revolucionária seja desenvolvida
consciente autonomamente (…)” (GALLO, 2006, p. 37). Augusto Boal propõe a
aplicabilidade do teatro como elemento de libertação, pois, segundo ele, este gênero
artístico pode servir ao propósito de desconstrução das estruturas opressoras, através de
técnicas que se moldam às necessidades de cada situação. Por outro lado, Boal afirma
que a Estética do Oprimido não pretende ater sua percepção de mundo apenas ao teatro,
mas a todas as expressões artísticas. O Teatro do Oprimido tem como proposta a
transformação do mundo, para que este se direcione para uma sociedade sem opressão,
definida pelo autor como um “conjunto de ideias e convicções que, conscientemente,
dirigem ações de um indivíduo ou de um grupo social” (BOAL, 2013, p.24), sociedade
esta desvinculada de especificações de partido político ou de religião. Esta proposta
teatral se caracteriza como um teatro de luta que auxilia “todos aqueles a quem se impõe
o silêncio e de quem se retira o direito à existência plena” (Ibid, 2013, p.26). Neste
sentido, o Teatro do Oprimido é combativo na medida em que se opõe a todas as formas
de opressão. O embasamento teórico referente ao anarquismo e pedagogia libertária em
diálogo com o Teatro do Oprimido apresenta relevantes possibilidades educacionais,
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 61

especialmente quando aplicadas em salas de aula da escola pública conservadora. A


pesquisa realizada evidenciou que, ao ser tratado como igual e compreendido como
indivíduo capaz de discernir e refletir, o estudante desenvolve uma maior
responsabilidade consigo e com seu grupo em um processo de socialização. É preciso
negar a educação que visa à massificação de indivíduos inseridos em uma sociedade
marcada por relações de poder que sustentam processos de desigualdades sociais. A
proposta não é a de uma inversão de classes, mas a de uma sociedade na qual as pessoas
sejam valorizadas e respeitadas em suas singularidades e habilidades, o que requer o
exercício do pensamento pautado em termos de pluralidade e de diversidade. Por outro
lado, as opressões devem ser primeiramente identificadas para que então seja possível
discorrer sobre alternativas para a desconstrução de relações sociais que contrariam os
princípios democráticos. Metodologias comprometidas com o desenvolvimento das
capacidades criativas, críticas e reflexivas do estudante são efetivas em todas as
propostas pedagógicas, focadas em uma educação questionadora dos modelos
opressores que afetam diretamente a Educação brasileira. Sendo assim, cabe à escola o
olhar atento à reformulação de suas propostas para melhor atender as demandas
presentes no âmbito sociocultural.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 62

LEMBRAR, ESQUECER, ESCREVER: IMAGENS DO ANARQUISMO


TERRORISTA NAS CRÔNICAS DE NENO VASCO
Thiago Lemos Silva

No início de 1912, Neno Vasco parecia bastante satisfeito com os resultados assumidos
pelo trabalho desenvolvido pelos anarquistas junto ao movimento operário.
Contrariando entretanto suas previsões, o engajamento dos anarquistas com o
sindicalismo revolucionário em quase todas as partes do globo, não ocasionou o
apagamento imediato dos anarquistas terroristas, tal como atesta o assalto do grupo
liderado por Julles Bonnot ao banco francês da rua Odonner no ano de 1911. Tal fato
retoma e reatualiza a espinhosa problemática da relação historicamente presente no
imaginário – entendido como um conjunto de imagens, símbolos e afetos que
configuram a realidade ( LE GOFF, 1995) – entre anarquismo e terrorismo para Neno
Vasco. Em uma época na qual os assassinatos, explosões de bombas, roubos e outras
formas de “propaganda pelo fato” pareciam ser táticas superadas pela consolidação do
sindicalismo revolucionário, o cronista se vê obrigado a (re)visitar a história do
anarquismo entre os séculos XIX e XX na Europa. Em uma época na qual os
assassinatos, explosões de bombas, roubos e outras formas de “propaganda pelo fato”
pareciam ser táticas superadas pela consolidação do sindicalismo revolucionário, o
cronista se vê obrigado a (re)visitar a história do anarquismo entre os séculos XIX e
XX. Ao (re) escrever sobre o lugar ocupado pelo terrorismo naquele contexto, nota-se
fortemente como memória e esquecimento se inserem e se articulam na escrita
cronistica do nosso biografado, formando um umbral de impossível indistinção (
SEIXAS, 2003). Com o intuito de interrogar as imagens da memória e do esquecimento
em Neno Vasco envolvendo o imaginário do anarquismo terrorista, perscruto neste
trabalho as crônicas de sua autoria que foram publicadas na imprensa anarquista e
operária do Brasil e de Portugal, durante a década de 1910, sendo que parte destas
foram republicadas no livro Da Porta da Europa ( VASCO,1913).A escolha de suas
crônicas enquanto fonte privilegiada para essa pesquisa impôs pela importância que esse
gênero literário assumiu frente aos demais nos periódicos militantes.(PRADO;
HARDMAN,2001,p.16). Ao experimentar a narrativa curta, o cronista consegue
perceber o flagrante no momento da sua consecução. Desse modo, o assunto da sua
escrita, pode surgir de forma ocasional, e ir preenchendo a pauta do jornal a partir das
demandas que, segundo ele, sejam importantes para a militância. Embora essa escrita
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 63

fosse prioritariamente uma narrativa, utilizada para informar e debater com os leitores
brasileiros e portugueses sobre este importante período do anarquismo, ela também
possibilitou ao nosso biografado uma forma de escrita de si (CASTRO, 2004, p. 14-15).
Isso permitiu, por sua vez, a este biógrafo encontrar uma chave para abrir não apenas a
porta da história do movimento anarquista e operário no continente europeu, mas
também, e, sobretudo, a porta da sua história de vida, ajudando a melhor compreender
os motivos que levaram Neno Vasco, assim como muitos outros, a esquecer o capítulo
envolvendo o terrorismo na história do anarquismo.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 64

TRADUÇÃO COMO EXPROPRIAÇÃO – TRADUZINDO UMA PEÇA DE


MAURICIO KARTUN
Paulo Pappen

A ideia dessa comunicação é apresentar meu projeto de doutorado nos Estudos da


Tradução (PGET/UFSC), cujo tema é a tradução como uma estratégia de expropriação.
Meu objeto de estudo é a peça Terrenal – pequeño misterio ácrata (2014), do escritor
argentino Mauricio Kartun (1946), um autor que muitas vezes inclui a temática
anárquica em suas obras, como por exemplo em Sacco y Vanzetti (1992) e em Ala de
criados (2009). Terrenal reinterpreta o mito de Caim e Abel, ressaltando aspectos
sociopolíticos passíveis de serem lidos no mito bíblico: a disputa entre uma abordagem
proprietária e privatizadora da natureza (Caim) versus uma abordagem integrada e
libertária (Abel). Uma possibilidade seria traduzir essa obra sem buscar localizá-la em
um contexto brasileiro. Essa opção, no entanto, me parece um desperdício,
considerando os aspectos sociopolíticos do texto de Kartun (não é em vão o adjetivo
“ácrata” no subtítulo, esse sinônimo de “anárquico, anarquista”). Isso tem a ver com
algumas das características próprias ao gênero dramatúrgico, sobretudo a dramaturgia
em tradução, considerada como algo que instiga “a capacidade da espectadora e do
espectador aqui e agora, a capacidade de públicos contemporâneos de reativar as
estratégias e finalidades políticas, éticas e sociais da peça.” (JOHNSTON, 2007: 12).
Portanto eu pretendo fazer uma tradução localizante, que permita a criação de um texto
capaz de ser representado no Brasil atual com referências brasileiras, justamente
buscando reativar finalidades políticas, éticas e sociais. Com base em leituras teóricas
(KROPOTKIN, s/d; DI GIOVANNI, 1933; NOVATORE, 1994) e observações práticas,
entendo o conceito de expropriação da seguinte maneira: expropriar é tornar comum,
coletivizar, socializar o que antes era propriedade privada. A literatura, no capitalismo, é
também um produto e, portanto, está sujeita a leis tácitas e/ou oficiais de propriedade
privada, com suas punições em caso de transgressão. Estando sujeita a leis de mercado,
a literatura em geral fica restrita a um número pequeno de pessoas que conseguem
comprar os produtos e, se não se pode esperar nada do Estado, se pode esperar menos
ainda que ele disponibilize certa literatura em suas parcas bibliotecas públicas. O
mercado literário e editorial, na dinâmica capitalista, repete os efeitos de exclusão e de
doutrinação fetichista das obras publicizadas. Expropriar uma obra literária, então,
significa em primeiro lugar ampliar o número de pessoas que podem ter acesso a ela e,
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 65

em segundo lugar, significa romper com a lógica mercadológica que determina o que
pode ser lido. Uma obra literária teatral como Terrenal, por exemplo, sofre com pelo
menos duas barreiras antes de chegar ao público brasileiro: 1) a barreira editorial, que
não vende nem publiciza a obra fora da Argentina; 2) a barreira linguística, já que o
texto foi escrito em espanhol. É nesse sentido que a tradução pode funcionar como uma
estratégia de expropriação: traduzindo uma obra literária, podemos ampliar
potencialmente suas chances de ser lida e apreciada (e gerar outros efeitos críticos) por
um público além daquele que entende a língua original. Mas não basta traduzir para
expropriar: é preciso traduzir fora do mercado editorial capitalista. Traduzir e publicar
gratuitamente, por exemplo. No caso específico do meu projeto de doutorado, me valho
da brecha existente nas leis de direito autoral, o que me permite a publicação integral de
textos traduzidos dentro de trabalhos acadêmicos: ou seja, vou usar minha tese de
doutorado para disponibilizar gratuitamente a tradução da obra de Mauricio Kartun em
língua portuguesa, o que está perfeitamente de acordo com o conteúdo do texto escrito
por ele e ao qual eu tive acesso por meio da pirataria, essa outra forma de expropriação
graças à qual tanta pesquisa acadêmica de qualidade acaba sendo desenvolvida no
Brasil.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 66

Arte e Anarquismo

Sessão 2
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 67

IMPROVISAÇÕES MUSICAIS LIVRES: INVENÇÃO DE ESPAÇOS OUTROS


E ÉTICAS ANARQUIZANTES
Stênio Biazon

Evitando definir o que é a prática conhecida como improvisação livre, tomo


abertamente de Foucault (2005b [1982]) algumas sugestões metodológicas. Tenho
indicado então como se dão estas práticas musicais. No que concerne ao que se passa
durante estas performances musicais, sumariamente, se fala no uso de todo e qualquer
som, e não somente do proveniente de linguagens musicais consolidadas; na associação
das performances coletivas com conversas propriamente ditas, com suas inúmeras
contingências; na imprevisibilidade do desdobramento temporal da música; etc.. (Costa,
2016; Falleiros, 2012). A questão que predomina neste artigo, todavia, diz respeito a
como se dão as relações, entre improvisadores, que circundam as performances. Acerca
de ambos os sentidos do como se dão tem me interessado indagar de que maneira estas
práticas podem ser entendidas como anarquizantes – isto é, se dissolvem radicalmente
as hierarquias (Passetti, 2003, 2003a). Ver-se-á, então, que as improvisações livres já
são associadas à anarquia na bibliografia específica e isto requer ainda atenção ao
espaço físico, o lugar no qual elas se realizam. Costa (2016) tomará a difundida noção
de taz de Hakim Bey (2011), indicando que os lugares de realização das improvisações
livres se colocam à margem das institucionalizações e sacralizações da música, além de
incitar situações de conversação entre os envolvidos, o avesso da Música de Concerto,
por exemplo. Já Bell (2011, 2014), improvisador e geógrafo, dirá que estas práticas
tornam iminente tanto os riscos quanto as potências da anarquia: dispensam as relações
de poder, possibilitam a experimentação de éticas não-universais e a resolução de
conflitos pela mutualidade (no sentido proudhoniano); todavia podem se tornar uma
espécie de guerra de todos contra todos hobbesiana (Bell, 2011, 2014). Associará ainda
tais práticas às utopias nômades, lugares que colapsam a oposição entre indivíduo e
coletivo e a acepção privativa de liberdade (idem). A improvisadora Chefa Alonso
(2008), por sua vez, refere-se à improvisação livre como um pequeno mundo no qual se
experimentam relações não-hierárquicas voltadas ao desfrute das diferenças. Tais
considerações foram ainda discutidas, também em minha dissertação, em associação
com a pesquisa de campo realizada com a Orquestra Errante (grupo da USP). Dito
sucintamente, se evidenciou a imprescindibilidade das conversações que antecedem e
sucedem às performances, como autoproblematização por parte dos improvisadores. Foi
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 68

ainda importante denotar a distinção entre as performances de improvisação livre


propriamente ditas e os jogos/exercícios de improvisação, apontando tanto para o
mergulho radical nas experimentações isentas de garantias, quanto para estudos
específicos que alimentam a prática livre. Duas considerações, tendo em vista o tema do
colóquio e a atualidade, seriam pertinentes frente ao predito. De um lado, dos autores
mencionados se pode depreender que as experimentações em questão não se restringem
a pessoas declaradas anarquistas, denotando que não somente a estes interessa
anarquizar práticas e situações da vida. De outro, no entanto, tendo em vista as
apropriações que o neoliberalismo vem operando diante das proposições anarquistas
(Bell, 2014; Passetti, 2013), será necessário, na comunicação, tratar da recém-iniciada
investigação mais específica acerca dos lugares historicamente associados às
improvisações livres – praças, espaços ligados a movimentos sociais, centros culturais,
etc. Com este estudo, tema de meu doutorado em curso, possivelmente se precisará
ainda mais os distanciamentos entre improvisações e anarquismos.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 69

O MURALISMO E A ARTE SOCIAL COMO FERRAMENTAS DE LUTA DOS


DESPOSSUÍDOS
Michele M. S. de Freitas

O presente ensaio pretende resgatar o conceito de Arte Social anarquista e associá-lo a


prática do Muralismo Militante. Assumindo o desafio de se pensar a inseparabilidade
entre teoria e prática que deem ênfase à função social da arte enquanto ferramenta nas
lutas populares. Delineia-se assim, a intenção de mobilizar questionamentos sobre a
natureza política da cultura e sua possibilidade na produção de significação, que para
além de sua instrumentalização enquanto meio de propaganda e agitação política,
encontra possibilidades de criar espaços pedagógicos na construção de identidades
coletivas e de consciência de classe. Ao tratar a Arte Social como um conceito a partir
do periódico anarquista L’Art Social (1891-1896) - que teve entre seus principais
representantes sindicalistas revolucionários, como Fernand Pelloutier, Jean Grave,
Charles-Albert e Paul Delesalle - o grupo tinha como proposta traçar uma ligação entre
a criação artística e a esfera social na constituição de uma cultura proletária autônoma
(REZLER, 2008). Tomando como ponto de partida o debate teórico proposto, serão
realizadas observações a partir de um processo de inserção e pesquisa-participante com
o muralismo militante (LONGONI, 2014), a fim de encontrar consonância entre a teoria
política anarquista sobre arte e a prática militante com muralismo. Dessa forma, tal
pesquisa busca investigar: como a estética e a prática do muralismo militante atua
impulsionando as lutas sociais num caráter classista? E de que forma esse muralismo
busca construir uma identidade e consciência de classe conforme buscado com a L’arte
social? Nessa perspectiva busco evidenciar a arte como centelha que também versa
sobre as facetas do combate social. Pois entendo a esfera cultural não como mero
apêndice, mas forma específica da consciência social (LITVAK, 1988), inerente não
apenas aos elementos sociais na reprodução dos valores exploratórios e de dominação,
mas também como instrumento combativo na constituição de outras sociabilidades e
imaginários coletivos.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 70

DA COLÔNIA CECÍLIA AO FILME LA CECÍLIA: JEAN-LOIS COMOLLI E


GIOVANNI ROSSI ENTRE A TEORIA E A PRÁXIS DO PENSAR CINEMA E
DA REVOLUÇÃO SOCIAL
Lucas de Godoy Chicarelli

Essa apresentação imagina um encontro possível entre o anarquista Giovanni Rossi e o


cineasta francês Jean-Louis Comolli por meio de uma discussão entre teoria e práxis.
Essa relação foi estabelecida a partir da metodologia de análise fílmica que Jean-Claude
Bernardet denominou de semantização progressiva, por meio da qual as obras de arte
são continuamente questionadas em um processo sem fim que pode gerar novos
conceitos e significados que não estavam a princípio implícitos no filme analisado.
(BERNARDET, 2003). O anarquista e defensor do amor livre Giovanni Rossi foi o
principal propositor da Colônia Cecília que resistiu no Paraná entre 1890 e 1894,
acreditava que a formação de núcleos socialistas experimentais seria uma forma positiva
de propaganda que contribuiria para a revolução social. (MUELLER, 1999, p. 130-166).
Jean-Louis Comolli, por sua vez, propõe um cinema como forma de pensamento, que
questione o status quo, não seja apenas representação e reforço ideologia dominante;
embalado pelos ventos revolucionários de 1968, lança em 1975 o filme La Cecília que
narra essa experiência anarquista no Paraná. (SMITH, 1991, p. 17-20). Dentro dos
contextos que viveram, ambos produziram suas teorias e também mergulharam na
práxis. Práxis entendida com o auxílio de Bakhtin como a coexistência de dois mundos,
o da cultura, dos discursos, do mundo representado e o da vida, do sentir, do
experimentar uma situação vivida. (MENDES, 2010). As limitações e potências desse
estudo encontram-se na observação da biografia e dos textos de ambos os autores que
precederam essas experiências relacionadas a Colônia Cecília, a partir dessa relação,
efetuou-se uma análise de suas práxis por meio de revisão bibliográfica das narrativas
sobre a Colônia Cecília e da análise fílmica da produção franco-italiana La Cecília. Na
inquietude da presença da individualidade no social em suas múltiplas relações, Rossi e
Comolli sonharam e viveram, projetaram rupturas em textos, discursos, experiências,
nuvens e brechas. Nesse sentido, hoje poderia se dizer que suas ações não foram tão
revolucionárias como pensaram a princípio. Rossi encontrou no Brasil um contexto
hegemonicamente machista e patriarcal. Não chegou a testemunhar a revolução social e,
nas relações amorosas, embora tenha defendido a libertação das mulheres e o amor
livre, num sentido cada vez mais de afetos múltiplos, descreveu-as como musas ou
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 71

desempenhando os papéis tradicionais em sua época de esposa, professora, amante,


responsável por cuidar dos filhos, papeis recorrentes na imprensa operária. Além disso,
segundo os relatos do próprio Rossi, apenas uma experiência prática de amor livre teria
ocorrido na Colônia Cecília. (DEL PRIORE, p. 2012, p. 107-262; MARTINS,
2005/2007, p. 62-69; MUELLER, 1999, p.157-163; ROSSI, 2000, p. 93-111). Ao
observar as relações sociais e econômicas, de poder e domínio sobre imigrantes
provenientes da Itália que chegavam ao Brasil, a estrutura familiar é também apontada
por historiadores que estudam o período como parte da luta para sair da condição de
miséria em que se encontraram. (PETRONE, 1987, p.115; RIBEIRO, 1979, p. 54-55).
Comolli por sua vez utiliza uma linguagem predominantemente narrativa, que se
aproxima ao discurso clássico, mas seja por meio de espaços e brechas na construção
dos personagens, seja pela metodologia de livre improvisação utilizada pelos atores
durante as filmagens, constrói mas também questiona os heróis, tenta reduzir sua
presença, traduzir o sentimento coletivo de comunidade anarquista por meio das
canções. Propõe um olhar especial para o papel da mulher, ao mesmo tempo que a
representa de forma semelhante ao utilizado por Rossi, como musa socialista e que
ocupa os mesmos papéis tradicionais. (SMITH, 1991, p. 17-136). Por fim, observamos
que as propostas teóricas de Rossi e Comolli são importantes, dialogam com os
contextos dominantes da época em que viveram, propõe rupturas e novas formas de
ação. Na práxis, encontraram uma infinidade de relações e desafios que apontam
questões que estão além de suas próprias individualidades e movimentos. Mas, longe de
deixarem suas ideias à deriva, suas narrativas e experiências nos fazem hoje também
sonhar, pensar e sentir. Como lembra a dramaturga Renata Pallottini, outras colônias
virão, outras terras, cidades, mundos. (PALLOTTINI, 2001).
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 72

IDEIAS ANARQUISTAS NA CABEÇA E A CÂMARA NA MÃO


Juliano Gonçalves da Silva

Existe um cinema anarquista? O que é filme anarquista? Onde estão os primeiros filmes
anarquistas? Quem os definiu assim? Quais seus personagens e enredos? Quem os
produziu? Com que objetivo? Onde circulam? O que define um audiovisual anarquista e
um festival de filmes anarquistas? Onde e quando ocorrem ou aconteceram? Quem os
promove e divulga? Com que finalidade?
Buscando responder essas perguntas, pretendo no artigo redimensionar o seu
entendimento, criando uma possível cartografia, que ofereça um panorama mais amplo
deste objeto. Existem algumas obras sobre o tema como o livro de Richard Porton
(2001) que faz um estudo pormenorizado da relação entre a historia do anarquismo –
baseado em fatos históricos e obras de diferentes autores- e as diferentes representações
cinematográficas que teve acesso. Nele se amplia a definição de cinema anarquista, não
somente mencionando filmes produzidos por anarquistas, mas também obras
cinematográficas que tenham reproduzido em algum de seus fragmentos ações
vinculadas ao anarquismo. Para Isabelle Marione (2009) o que possivelmente ligava
Georges Méliès, Émile Cohl, Man Ray, Hans Richter, Jean Vigo era exatamente o
anarquismo. A autora mapeou as influências anarquistas no imaginário e na produção de
cineastas de idos de 1895 até 1935 na França. Ela esclarece uma rede imbricada de
relações, que contribuem para um novo olhar do cinema francês. O ponto inicial é a
concepção artística do movimento libertário de Pierre-Joseph Proudhon, que defendia a
utilização do anarquismo na arte como forma de manutenção de todas as liberdades e
para fazer desaparecer o princípio da autoridade ou das instituições. A partir daí, o livro
mapeia as ligações entre os ecos deste pensamento com os estilos cinematográficos ou
com os trabalhos pioneiros de cineastas. Ela observa uma vontade de ruptura quando o
ideário anarquista se misturou com o cinema. Ruptura pela forma, pelo conteúdo, ou
pelos dois ao mesmo tempo. Não se trata de afirmar que Méliès ou Hans Richter eram
anarquistas, mas de entender, o uso das representações do ideal libertário nos meios
artísticos cinematográficos. Dessa maneira, a perspectiva microscópica e macroscópica
liga a teoria sobre a arte como forma de incidir sobre a política. Ela divide os cineastas
em dois grandes grupos. Um composto por militantes anarquistas engajados ou por
descendentes de militantes, como Armand Guerra, Gustave Cauvin, Jean Vigo. Outro,
contendo intelectuais com tendências libertárias, tais como Luis Buñuel, Émile Cohl,
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 73

Man Ray e Georges Méliès. Numa narrativa fragmentada dada à recorrência e


intercâmbio de temas e histórias, temos informações sobre anarquistas ligados ao
cinema, bem como também uma possibilidade de renovar o papel do imaginário
libertário no cinema. Em nenhum momento, a autora afirma categoricamente a
influência em determinado plano de um filme dos ideais libertários, mas apresenta,
num grau de complexidade muito maior, os pontos de contato do movimento anarquista
com os cineastas a partir de uma nova perspectiva que relaciona política e arte libertária
cinematográfica. Ao possibilitar o conhecimento do fazer cinema do movimento
libertário, sugerindo a relação entre alguns importantes avanços do cinema com as
influências e pontos de contato do ideário anarquista. A partir da necessidade de
liberdade suprema do movimento libertário, a autora demonstra a tentativa dos
anarquistas da arte de romper com todas as barreiras, romper com a linguagem e com a
forma. Daí a originalidade do seu estudo e a relevância do movimento libertário nas
artes, que possibilitou formas de engajamento, que por sua vez permitiram diversos
avanços no cinema, que partiram de um movimento político, que fez a opção pelos
trabalhadores.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 74

TIPOGRAFIA PARA A CULTURA LIBERTÁRIA


Eduardo Cazon

Segundo Hugues Lenoir (2014) as “experiências educativas, mais conhecidas do que as


coletivizações agrículas ou industriais, marcaram mais duravelmente a sociedade do que
qualquer outra prática inspirada pela teoria anarquista, exceto, talvez, a ação direta em
matéria sindical [grifo meu]”, dessa forma ele caracteriza o campo educacional como
terreno onde o anarquismo gerou transformações mais duradouras. A forma de
organização anárquica ocorre em mais espaços e envolve mais agentes, conforme o
entendimento de seu funcionamento é mais difundido, e para que isso aconteça a
educação libertária e a difusão do pensamento anarquista tem papel fundamental. Se
pensamos um modelo de organização social diferente do hegemônico e sem autoridade,
devemos pensar um processo de difusão das ideias libertárias, realizando na prática a
não imposição de ideias e a construção de um poder popular sólido e duradouro. A
cultura é o conjunto de ideias, narrativas, práticas e discursos que produz indivíduos e é
por eles mantida e alterada. Superar a ordem capitalista é apresentar e repensar durante
sua execução, um outro conjunto de ideias, narrativas, práticas e discursos que virá a ser
corroborada pelas pessoas, e por elas mantidas. Dentro do processo de transmissão de
cultura, a linguagem escrita pode ser utilizada para registro, organização do pensamento
e ferramenta de expressão de uma proposição, um ideia e em todos os momentos que for
transmitida informações através de linguagem escrita mecânica (escrita não feita à mão:
computador, máquina de escrever, carimbo, stencil etc.) será utilizada uma tipografia.
“A tipografia é a cara da linguagem” (LUPTON, 2015), é através da tipografia que
apresentamos os símbolos que constroem nossos textos, muito além da função prática -
leitura - a escolha da tipografia para um texto tem como objetivo selecionar
características formais condizentes com a personalidade do texto. Enquanto designer
gráfico, o campo de atuação profissional se concentra em questões técnicas e
produtivas: produção de livros, identidade visual, material de divulgação, projetos de
sinalização, de interfaces digitais, entre outras atividades, mas todas têm em comum o
uso da comunicação verbal. Vinculando o pensamento anarquista com a prática do
trabalho de designer, podemos identificar algumas necessidades práticas para a difusão
do pensamento anarquista através da linguagem escrita, principalmente para livros, por
serem textos que apresentam de forma mais volumosa e densa a cultura libertária. “A
tipografia carrega a personalidade de quem a criou” (UNGER, 2016), então para
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 75

publicações anarquistas é interessante que a fonte selecionada tenha sido projetada


pensando a construção da anarquia nos tempos atuais. Normalmente as fontes utilizadas
são pirateadas e recorrer a pirataria é resultado da nossa dependência tecnológica às
grandes corporações internacionais de software, como Adobe Systems, por não termos
tantas fontes de boa qualidade técnica, estética e funcional (HENESTROSA,
MESEGUER, SCAGLIONE, 2014) próximas ao pensamento libertário. O Brasil não
tem grande produção de tipografias de texto, por que são projetos longos, caros e por a
profissão de typedesigner (profissão de quem produz fontes) ser pouco reconhecida no
mercado de trabalho nacional. É extremamente raro os designers brasileiros se
dedicarem a essa atividade por causa da dificuldade econômica que eles enfrentam,
poucos designers compram fonte e a prática da pirataria é amplamente realiazada.
Disponibilizar uma fonte com as liberdades fundamentais de um software livre - a fonte
pode ser (0) usada, (1) aberta para ser estudada e modificada, (2) redistribuída cópias
exatas do original e (3) redistribuída cópias com alterações - proporciona à difusão dos
textos libertários qualidade técnica, qualidade funcional e proposta de aparência
estética.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 76

Anarquismo: Teoria e Prática

Sessão 1
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 77

PENSANDO O CONCEITO DE AÇÃO DIRETA


Peterson Silva

O conceito de ação direta apareceu por escrito pela primeira vez no Congresso de
Amiens, já tendo sido usado pelo sindicalismo francês. Com o tempo, veio a significar
uma ação política com um objetivo específico, executada diretamente por um indivíduo
ou grupo de pessoas, sem apelar por legitimidade para uma autoridade maior. O
objetivo no caso deve ser um resultado concreto e não apenas publicidade para seu
agente. Mais tecnicamente, portanto, implica agir sem referência a, à revelia de,
instâncias de autoridade que seriam teoricamente responsáveis por permitir e/ou
executar o ato. A ação direta não necessariamente depõe sobre as ideias políticas
daqueles que executam a ação. Há uma tensão entre a definição do conceito,
relativamente agnóstica de valores, e o contexto anarquista em que ela se desenvolveu.
O problema decorre do fato de que não há outra tradição de pensamento político que
valorize publicamente, em termos simultaneamente teóricos e práticos, o conceito de
ação direta. Ao presumir certos valores, anarquistas defendem uma ação direta que já os
presume. Não obstante, é no contexto do anarquismo que vamos encontrar definições
mais produtivas de ação direta, pois o debate sobre o termo no campo de estudos da
tipologia de ações políticas é bastante pobre. Uma “ação direta autoritária” passa pela
questão de que, se a ação direta tem como fim a resolução de um problema, é de suma
importância a definição de quem é afetado pelo problema, o que por sua vez está
relacionado ao que é percebido como um problema ou objetivo em primeiro lugar. A
ação direta não-anarquista costuma ser associada a outros conceitos, a depender de
certas subtipos: arrogância, condescendência e paternalismo; imoralidade e sociopatia;
autoritarismo e imperialismo. Toda ação direta pode ser mal vista se interpretada como
um desrespeito às “regras do jogo” do sistema sociopolítico. Uma “ação direta
autoritária” não tem outro objetivo se não a formação de um, ou integração com um,
Estado, enquanto monopólio do uso da força. A legitimidade pode ser vista como um
recurso estratégico à medida que o não-conflito leva à estabilidade de um sistema; para
que se possa proteger quaisquer avanços que tenha conseguido construir, partidários da
ação direta precisam legitimá-la. A linguagem da autoridade e do Estado, isto é, um
modelo de legitimidade estatista, é utilizado no caso da ação direta autoritária. Mas em
nenhuma outra tradição teórica além dos anarquistas a ação direta impõe-se como fim, e
para evitar que suas ações diretas sejam tão mal vistas como as versões autoritárias,
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 78

anarquistas também precisam legitimá-las, ainda que dotando-lhe de uma legitimidade


diferente. Essa legitimidade específica capaz de estabilizar a ação direta ácrata como
instituição político-cultural de um grupo também é capaz de diferenciá-la
produtivamente dos conceitos de propaganda pela ação e de desobediência civil.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 79

DA DOMESTICAÇÃO AO ESPECISMO: A HIERARQUIZAÇÃO DAS


RELAÇÕES SOCIAIS A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA ANTIESPECISTA
Brian Augusto de Sousa

Este trabalho pretende traçar uma relação entre o desenvolvimento histórico das práticas
de domesticação e exploração animal com a ascensão do especismo, enquanto ideologia
proveniente do antropocentrismo moderno. Nosso trabalho apoia-se simultaneamente no
material produzido por militantes anarquistas na causa da libertação animal e, de igual
modo, nos teóricos que discutem a questão da relação entre o ser humano e o mundo
natural, a fim de situar o antiespecismo enquanto pauta concernente ao projeto de
revolução social. O que é o especismo? Em linhas gerais, trata-se de uma ideologia que
defende a distinção entre animais humanos e não-humanos, a partir de uma definição de
valores intrínsecos que os afasta. Isto é, a partir do ponto de vista especista há diferentes
pesos para julgar o significado do humano em relação aos demais animais. Tal
julgamento define-se, à primeira vista, por associar a seus diferentes modos de ser,
diferentes valores, consequentemente atribuindo direitos desiguais quanto à preservação
de sua existência e meios de sua subsistência. Essa ideia encontra suas raízes na
exacerbação dos valores humanistas cunhados pela filosofia de tradição ocidental,
configurando-se como uma fetichização do antropocentrismo. A natureza, os seres que
nela habitam e por ela têm suas formas particulares, servem aos propósitos da esfera
humana. Assim, retira-se qualquer caráter de “organismo”, de formas de vida que
igualmente compõem um mesmo ecossistema, para submetê-las a seu caráter de
utilidade relativa ao domínio humano sobre o mundo natural. Entretanto, como toda
ideologia, o especismo nasce de ações concretas que possibilitam seu desdobramento
em ideia e, posteriormente, sua mobilização social como forma de manutenção de
determinada sistemática de atos. Em sua forma prática, o especismo encontra suas raízes
na exploração animal ao longo da história humana corrente. Se preferirmos, podemos
afirmar que há traços de especismo que acompanham a história do dito mundo
primitivo, mas o advento do humanismo iluminista assevera a separação entre humano e
não-humano, enquanto base para as manifestações modernas do especismo. De igual
modo, essa ideologia é gradativamente incorporada como um dos pilares da exploração
capitalista sobre a natureza, seguindo o avanço da técnica sobre a mesma. Podemos
distinguir dois modos genéricos de especismo: Um deles, geral, e elementar, estabelece
as fronteiras entre animais, resultando no antropocentrismo. Nesta forma são
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 80

consideradas duas ideias abstratas em oposição: o que é ser humano, e o que não é ser
humano. Desconsiderando assim, toda a gama de espécies que se inclui no segundo
grupo. A segunda: hierarquiza entre os animais não-humanos em espécies que têm mais,
ou menos, direitos, que as outras. Por exemplo, nota-se esta segunda forma de
especismo nas distinções de tratamento entre animais domésticos e animais
culturalmente marcados para o abate. Há na ordem social presente uma relação de
interdependência que constitui sua base ideológica. Podemos afirmar, os mesmos
senhores beneficiam-se da exploração humana e não-humana, e suas práticas opressivas
pouco distinguem seus alvos. A marca utilitarista que subjuga todas as formas de vida
ao avanço do capital e à manutenção da ordem social estabelecida é, em primeira
instância impessoal. Porém, a partir dela há a ramificação em ideologias que
disseminam a separação entre o conjunto de seres oprimidos, baseada na particularidade
que concerne cada individuo em sua relação original com a materialidade que o cerca. O
especismo engendra uma posição moral a respeito dos animais não-humanos. Tal
posição se manifesta socialmente sob muitas formas, desde a prática da produção e
consumo de mercadorias obtidas através da exploração animal, até a manifestação
linguística consequente desses valores. Isto se realiza através da negação do estatuto
ontológico básico ao animal não-humano.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 81

A UTOPIA NÃO-UTÓPICA DE PROUDHON


Maurício Rasia Cossio

Neste trabalho procuro analisar o pensamento de Pierre-Joseph Proudhon, como um dos


momentos marcantes na evolução do conceito de utopia. Dentro de uma longa tradição
que podemos identificar como originária na República de Platão, mas claramente
definível como conceito a partir da Utopia de Thomas More, as ideias de Proudhon e
dos socialistas do século XIX marcam um momento de ruptura, pois a utopia literária se
transforma definitivamente em ciência social, com uma profunda análise dos campos
político e econômico. A partir de uma análise daquilo que Proudhon chama de método
cientifico, pretendo mostrar como ele pretende decompor o sistema abstrato de poderes
que predominam na sociedade do seu tempo e como este método pode contribuir para
nossa atual forma de trabalhar com os estudos sociais, políticos e econômicos, o que nos
ajuda a resgatar um sentido amplo para o conceito de utopia, mesmo que o próprio autor
prefira não vincular sua pesquisa a este termo (aliás, Proudhon usa muitas vezes a
palavra utopia para indicar as ideias daqueles que ele chama de “Comunistas”). Dessa
forma, também pretendo discutir a vinculação de Proudhon ao que Friederich Engels
veio a chamar de Socialismo Utópico, de forma a diferenciar do Socialismo Científico
produzido por ele e Karl Marx. Sob essa ótica, as ideias de Proudhon seriam
interpretadas como sonhos irrealizáveis, desconexos da realidade; o que é exatamente o
contrário do que o socialista francês buscou fazer durante toda sua produção teórica e
atividade prática. O foco da análise será a obra Sistema das Contradições Econômicas
ou Filosofia da Miséria (2007), pois acredito que ali está definido de forma exemplar o
método de estudo social desenvolvido por Proudhon, além de estarem contidos
conceitos fundamentais de análise do sistema capitalista utilizados até hoje.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 82

ECOLOGIA SOCIAL COMO CRÍTICA À TEORIA/PRÁXIS DO


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Arthur Dantas Rocha

Na obra do anarquista estadunidense Murray Bookchin (Nova Iorque, 14 de janeiro de


1921 — Burlington, Vermont, 30 de julho de 2006), a Ecologia Social é concebida
como sendo um espaço no qual se apresentam os problemas ecológicos profundamente
mergulhados no seio dos problemas sociais, possibilitando “a ampliação das
compreensões dos contextos sociais e ecológicos da atualidade e buscando respostas e
alternativas para os crescentes problemas ambientais do planeta e da humanidade”
(Bookchin, 1999). A pesquisa busca colocá-lo em perspectiva ao Desenvolvimento
Sustentável, “evocado pela primeira vez na ONU em Estocolmo (1972), e definido em
1987, pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Relatório
Brundtland), como o ‘desenvolvimento que responde às necessidades das gerações
atuais sem comprometer as das gerações futuras’. Assim definido, o desenvolvimento
sustentável é um conceito essencialmente macroeconômico. Ele reintroduz dois valores
ao desenvolvimento econômico: a visão de longo prazo (solidariedade intergeracional) e
a visão em escala planetária (solidariedade intrageracional)” (Veyret, 2007). A pesquisa
teve três objetivos: 1. Verificar como o Desenvolvimento Sustentável, tendo como
marco regulatório a Conferência de Estocolmo em 1972, é entendido no Brasil e no
mundo; 2. Apresentar as linhas gerais que definem a teoria/práxis da Ecologia Social,
tal como formulada por seu criador, o ecologista e ativista anarquista Murray Bookchin;
e postular a crítica possível advinda da observância das proposições básicas da Ecologia
Social em relação ao Desenvolvimento Sustentável. O trabalho foi estruturado de forma
que pontos fortes da Ecologia Social (crítica ao atual modelo tecnológico; a
impossibilidade em conciliar o capitalismo com uma sociedade ecologicamente
orientada; economia descentralizada e autogestionária; o holismo, e o antiestatismo)
pudessem revelar contradições inerentes ao desenvolvimento sustentável e, dessa forma,
contribuir para que seja possível estabelecer alternativas ao status quo ambiental. O
trabalho foi realizado por meio de uma pesquisa analítico-descritiva, devido ao caráter
bibliográfico, pautado no desenvolvimento sustentável aplicado nas políticas públicas
ambientais, sua ideologia, e a Ecologia Social como contraponto, partindo de fontes
primárias e de seus comentaristas. Por fim, será possível conhecer mais sobre o assunto,
e estar apto a construir hipóteses. (SANTOS, 2005)
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 83

PRESSUPOSTOS ANARQUISTAS PARA O ESTUDO DE ECOVILAS


Matheus Pellegrini

O trabalho a ser apresentado refere-se aos pressupostos teóricos anarquistas que


fomentam minha pesquisa de mestrado “Ecovilas e Permacultura: Uma etnografia da
Aldeia da Mata Atlântica” em fase de conclusão. Parto de uma breve conceituação de
autonomia, categoria chave para o anarquismo que remete às ideias de liberdade,
independência, emancipação, etc. (Oliveira, 2016; Castro, 2011) para enfocá-la em
referência às Zonas Autônomas Temporárias e Permanentes (ou relativamente duráveis)
descritas por Hakim Bey, o que nos convida a pensar fenômenos de territorialidades
autônomas, oásis de liberdade nas brechas das hegemonias políticas, econômicas e
culturais do capitalismo e do Estado, como por exemplo os Municípios Autônomos
Rebeldes Zapatistas, comunas, e, possivelmente, as ecovilas contemporâneas, também
conhecidas como comunidades intencionais, alternativas ou sustentáveis/ecológicas. No
entanto, tratando-se das premissas para o estudo destas últimas, que a priori me era um
tanto desconhecidas, as referências anteriores das quais parto são as comunas livres da
Idade Média descritas por Kropotkin (2000), grupos humanos unidos pela posse
comunal da terra, laços solidários de ajuda mútua, horizontalidade, e articuladas em
federações, enquanto o Estado ainda não as havia destruído. Os fenômenos descritos por
esses autores me sugerem que a experiência social anárquica não está necessariamente
projetada como utopia ou como projeto revolucionário de massas beligerante, mas já
existiu historicamente, de formas situadas, com micropolíticas e microeconomias, e
podem ainda existir (e existem) no aqui e agora, através da formação de “espaços
outros”, utopias efetivamente realizadas e localizáveis, as “Heterotopias” descritas por
Foucault (2013), ou das TAZ e PAZ de Bey. A partir dessas referências me lancei ao
estudo específico das ecovilas, descritas por Nunes e Silvestre como comunidades
alternativas em continuidades e descontinuidades com as experiências anárquicas
históricas das comunas, das comunidades hippies, etc. Para os autores as comunidades
alternativas têm no anarquismo um ponto de referência ideológico pela sua congruência
na proposição de construir organizações sociais de baixo para cima por livre associação
voluntária entre indivíduos e grupos, “do simples para o composto segundo as
necessidades e tendências”, como preconizou Kropotkin, prescindindo da mediação e da
representatividade indireta, bem como as TAZ e PAZ ou o municipalismo libertário e a
ecologia social de Murray Bookchin (2010), teorias que muitas vezes são acolhidas
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 84

nessas comunidades. Enfim, proponho apresentar ao colóquio de forma sucinta as


teorias desses autores anarquistas supracitados, meus pressupostos teóricos pré-
etnográficos, procurando evidenciar sua relação com a escolha de meu tema de
pesquisa, as ecovilas e a permacultura, fenômenos contemporâneos que em alguma
medida podem contribuir para as reflexões no campo libertário, notadamente no que se
poderia designar de um ecoanarquismo, na tentativa de construção efetiva de culturas
pós-capitalistas, visto que o Sistema atravessa uma profunda crise civilizatória que
poderá levar à sua e à nossa autodestruição, o eco-antropocídio da degradação
socioambiental planetária. Num tal cenário distópico de catástofre, a construção e
estudo das utopias e heterotopias libertárias e ecológicas (“ecotopias” [Lockyer; Veteto,
2013]), ressurge como algo pertinente para o presente.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 85

NOTAS PARA UN NUEVO ENFOQUE: ANARCODESCOLONIALIDAD


Hander Andrés Henao

Es necesario atreverse a pensar y actuar como un filósofo latino-americano, es decir, a


partir de la crítica epistémica y de la praxis de libertaria que subvierta todas las lógicas y
formas de vida imperantes. Arriesgarse a pensar así, desde el abismo de un locus de
enunciación latinoamericano, es arriesgarse a encarar toda la filosofía desde sus
comienzos, con el objetivo de que la filosofía se supere a sí misma y venza la
parcelación en la que se ha visto envuelta, pues, cuando la filosofía piensa situada y
críticamente la realidad de latinoamerica, deja de ser mera filosofía y se convierte en
historia, sociología, arqueología, antropología, etc., es decir, se trasciende a sí misma
para convertirse en una propuesta de realización ética y política. En ese orden de
ideas, un pensamiento y praxis anarquista no puede realizarse sin una lectura crítica
desde nuestro contexto, sin un proceso de descolonizar la propia ideología y praxis
anarquista (lectura de su tradición). De la misma forma, un verdadero proyecto ético
político de descolonización no puede servir de base para sostener la mera reforma de
las instituciones Estatales a fin de integrar en sus propias lógicas las cosmovisiones
originales de américa latina; por el contrario se trata de realizar un crítica tan radical a la
modernidad que su baluarte central de organización sociopolítica, el Estado, pierda toda
vigencia. Estamos hablando de proponer una anarquía descolonial y una descolonialidad
anárquica, o para ser más claros, proponemos la construcción de un pensamiento y
praxis política Anarcodescolonial. Tres son nuestros ejes, la anarquía, la
descolonialidad epistemica y las experiencias sociales amerindias, como bases iniciales
a un tal proyecto político que nos oriente a vincular un saber filosófico y sociológico en
la reflexión de las cosmovisiones de nuestros pueblos originarios en tanto modelo de
sociedades y proyectos políticos alternativos a la sociedad capitalista colonial y
patriarcal euro centrada.En concreto leeremos las dos tradiciones, la anarquista y la
descolonial, mediándolas con las formas societales de las comunidades guari e arwuako,
por medio de una experiencia etnográfica y etnohistórica.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 86

SUBALTERNXS QUE COSTUMAM TEORIZAR. UMA APROXIMAÇÃO AO


OLHAR CH’IXI DE SILVIA RIVERA CUSICANQUI
Gabriel Tolosa Chacón

Nesse ensaio, tentarei fazer uma aproximação as propostas de descolonização


intelectual feitas pela sochóloga (socióloga e chola) boliviana Silvia Rivera Cusicanqui,
a partir de suas experiencias de trabalho como intelectual ch’ixi. No seu trabalho, essa
autora faz uma série de proposições sobre as implicações do trabalho político-analítico.
Por uma parte, propõe uma prática descolonizadora tentando superar os intelectualismos
próprios de sociedades coloniais, nas quais a palavra que liberta é, na prática, uma
palavra que muitas vezes oprime, seja dita desde a esquerda o desde a direita. Por outra
parte, busca reconstruir as práticas analíticas e teóricas das populações subalternizadas
da Bolívia, reconstituindo os trabalhos intelectuais feitos por movimentos camponeses,
mineiros anarquistas e comunidades das periferias de El Alto e La Paz. A partir dessas
buscas, me proponho refletir sobre as formas nas que os setores subalternos
constituíram uma rica história de produções próprias, muitas vezes nas margens ou
mesmo fora dos muros dos centros intelectuais instituídos (universidades, academias,
partidos políticos). Esses exercícios de produção intelectual subalterna propõem formas
de compreender o mundo desde o seio das práticas, e não por fora das mesmas. Nunca
procuraram a pureza, nem olhares holísticos e universais, aliás, promoveram formas
ch’ixi de compreensão das formas corriqueiras de viver, onde a autonomia e a luta
sempre estão no centro do ato corporal de compreender. Assim, a reflexão sobre a
própria condição subalterna concede um corpus analítico potente, capaz de fomentar
resistências e autonomias nas nossas sociedades coloniais, ao ter seu fundamento nas
lógicas mais profundas das mesmas.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 87

ENSAIO UTILIZANDO O ENFOQUE SISTEMISTA SOBRE A TEORIA


ANARCO-COMUNISTA DE PIOTR KROPOTKIN
Leonardo Lima Günther

O ensaio aborda releitura da teoria anarco-comunista de Koprotkin utilizando enfoque


sistemista (BUNGE, 2003, 2005, 2010, 2012) cujo postulado é que “tudo é sistema ou
componente de um” e tem por base uma ontologia material emergentista e como
epistemologia o realismo científico. A obra de Kropotkin foi escolhida para esse ensaio
porque possui convergência com a ontologia proposta por Bunge. Contudo há apenas
convergência parcial no aspecto epistemológico porque Kropotkin advogava em prol do
método indutivo, tanto para as ciências naturais como para as humanas. Bunge propõe a
redução ao sistema. Ambas fortemente calcadas no empirismo. Foi adotado movimento
epistêmico de redução ao sistema que pode ser usado tanto nas ciências naturais,
sociais, como em sistemas abstratos como os matemáticos, teóricos, etc. Essa redução
ao sistema pode ser realizada a partir da elaboração de modelos teóricos e de objetos-
modelos. É proposta, a título de exercício, neste ensaio, a releitura do modelo teórico
anarco-comunista de Kropotkin e a elaboração objeto-modelo deste sistema teórico
utilizando-se o meta-modelo CESM, i.e., a forma mais simples de redução ao sistema,
usando quatro coordenadas: Components¸ Environment, Structure, Mecanism – CESM.
Foi realizada análise de texto da literatura kropotkiniana buscando identificar os
componentes de sua teoria (postulados científicos), bem como o ambiente teórico
existente à época, identificando sua estrutura (princípios) e seus mecanismos, no caso de
uma teoria aplicada. O ensaio demonstra que o monismo metodológico proposto por
Bunge e por Kropotkin “descansa sobre a tese ontológica de que todos os existentes
reais são materiais, ainda que nem todos sejam físicos, e sobre a tese epistemológica de
que todas as coisas concretas existem fora da mente do sujeito cognoscente” (BUNGE,
2003, p. 110). Exemplo de objeto modelo (reduzido) da teoria aplicada ao sistema social
sociedade (nível macro): Componentes: Epistemologia: Realismo científico.
Ontologia: materialismo emergentista ou sistemista. Método defendido por Kropotkin:
indutivo. Aplicado no ensaio para estudar a teoria anarco-comunista: Sistemismo.
Itens do ambiente: Postulados científicos em vigor à época: Teoria da gravidade de
Newton. Teoria da evolução de Darwin. Teorias Gerais do Estado (contratualistas,
liberalismo econômico, etc). Etc. Estrutura/ligações: Ajuda mútua, liberdade,
igualdade, atendimento prioritário as necessidades básicas. Estruturas abandonadas:
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 88

Sem propriedade privada (inclusive intelectual/patentes), sem estado, sem trabalho


assalariado. Mecanismo (para implementar nova estrutura): Revolução Social pelas
práticas libertárias. A teoria anarco-comunista contribui para compreensão da sociedade
e por isso compreende-la com profundidade auxilia na elaboração de convergência
teórica face ao sistemismo proposto por Bunge, que a acolhe em alguns aspectos, mas a
refuta em outros (Ex.: método indutivo e direito natural). Por fim, cabe apontar, que em
um sistema social as relações ocorrem por meio dos fluxos de informações. Deste
derivam os demais fluxos. Kropotkin ao compreender estruturas essências dos sistemas
humanos [vale salientar que o estudo do comportamento não esgota o estudo da
realidade (BUNGE, 2012)] consegue prospectar cenários ao alterar
variáveis/estruturas/ligações deste sistema, amplificando a intensidade de estruturas
libertárias já existentes, mas que definham sob a coerção do capital e do estado. Neste
ensaio esboça-se argumentação que busca demonstrar que Kropotkin adotava como
postulados científicos algumas leis da natureza dos sistemas que só foram comprovadas
no decorrer do século XX. Exemplo disso é a identificação de mecanismos como o
apoio mútuo que ocorre não apenas nos sistemas sociais. Estudos com o enfoque
proposto neste ensaio pode ser desenvolvidos sobre o trabalho de outros teóricas/os
anarquistas, bem como sobre o movimento anarquista, pois a abordagem se mostra
profícua.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 89

DO CARRO DE SOM AO JOGRAL: UMA PERSPECTIVA ANARQUISTA


Flávio José de Moraes Junior

Neste artigo pretendemos debater comparativamente o uso de técnicas de comunicação


e suas formas empregadas por movimentos sociais 1) Institucionais e 2) Autônomos nos
anos de 2013 e 2014 no Estado do Rio de Janeiro. A escolha de uma forma de
comunicar discursos políticos em manifestações de rua é diretamente influenciada por
perspectivas ideológicas básicas de um determinado movimento social. Podemos
analisar que o uso de carros de som por parte de grandes sindicatos e partidos políticos é
fortemente atrelado à orientação política componente do sistema de representação do
Estado Democrático de Direto. Os potentes equipamentos de som na esmagadora
maioria dos casos são oriundos de movimentos cuja organicidade dá como natural o ato
de representar politicamente um grande grupo de indivíduos. São movimentos
internamente hierarquizados, que compõem a disputa pela gestão do Capitalismo de
Estado ou a representação direta de algum setor/classe de trabalho via sindicatos. O
levante de Junho de 2013 evidenciou um claro desgaste no sistema representativo, o
grito das ruas no levante de ''não me representa!'' e posteriormente a eleição do
governador Luiz Antônio Pezão em 2014, candidato este que obteve menos votos do
que a soma dos votos nulos, e principalmente a greve dos Garis, a dos profissionais da
Educação e dos rodoviários, cada um com seu aspecto particular, confirmou que
chamada “crise da representatividade” estava presente no Rio de Janeiro. Estas greves
tiveram um ponto em comum: a rejeição da base para com a direção sindical
institucionalizada. Os Garis, profissionais da educação e rodoviários permaneceram em
suas greves apesar de suas direções sindicais terem aceito acordos desvantajosos. A
comunicação interna do levante de 2013/2014 e estas greves acima mencionadas,
tiveram como marco a descentralização, com a presença de cartazes muitas vezes
individuais com grande diversidade de pautas, panfletos, o chamado microfone humano
e uma rejeição latente aos carros-de som e/ou ao próprio sistema representativo.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 90

Anarquismo: Teoria e Prática

Sessão 2
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 91

BLACK BLOC: TÁTICA DE AÇÃO POLÍTICA CONTRA TODAS AS


GOVERNANÇAS
Isabelle Ferreira Nogueira

O objetivo da pesquisa é apresentar, documentar e explicar o Black Bloc como tática de


ação contra todas as governanças. Para tanto, apresentaremos as pautas reivindicativas
do movimento, mostrando o quanto elas atentam para o fim de determinadas
governanças institucionais e sociais. Para situar o leitor, apresentaremos os significados
de governanças sociais e institucionais criadas por De Moraes (2018). Em seguida,
registraremos as ideias e práticas dos Black Blocs dentro das manifestações de rua,
pontuando seu surgimento e sua difusão, diferenciando-os das organizações partidárias
em particular, tendo como objeto de análise a Revolta dos Governados de 2013, na
cidade do Rio de Janeiro.Do ponto de vista teórico, nosso trabalho se baseará em três
obras fundamentais: O livro “Urgência das Ruas” (Ned Ludd Org.) (2001);“Black
Blocs”, de Francis Dupis-Déri (2013);“Governados Por Quem?”, de Wallace de Moraes
(2018), e, por fim, “Palavras de um Revoltado” de Kropotkin (1999). Somar-se-ão às
bases teóricas o estudo de propagandas de grupos veiculadas pelas redes sociais para
contextualizar as atividades do ano de 2013. Por isso o trabalho será perpassado pela
atividade da mídia no processo de consolidação da tática, sendo a institucionalizada
antagonista e a importância do mídialivrismo como propaganda da atividade política e a
utilização das redes sociais na organização, na convocação e na comunicação. Por fim,
esperamos preencher uma lacuna nas ciências sociais explicando o papel realizado pelos
blackblocs nas manifestações de 2013 sem a censura dos oligopólios de comunicação de
massa no Brasil e a crítica centralizadora dos partidos da esquerda oficial.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 92

DOS TERRITÓRIOS AUTÔNOMOS NO ALVOR DO XXI: EXPERIÊNCIAS


DE RESISTÊNCIA A MEGAPROJETOS NO MÉXICO E NO BRASIL
Samarone Carvalho Marinho
Ricardo Trujillo González

A experiência autônoma sobre a produção e uso efetivo do território é diversa ao longo


da vasta literatura científico-militante que a acompanha. Passando pelas experiências
latino-americanas (Zapatistas, Oaxaquenhas, Chiapanecas, Chapulines, quilombos,
povos ribeirinhos, territórios de povos indígenas, etc.) e indo até, direta e indiretamente,
aos preceitos anarquistas de autonomia (dentre eles os produzidos por Proudhon e
Kropotkin), o cariz anti-capitalista em sua gênese perscruta a busca pelo entendimento
da realidade dos território autônomos. Algumas situações específicas nos permitem
pensar, em termos de utopias concretas, a produção de territorialidades contra-
hegemônicas que atuam nas frinchas do status quo. Não são meros estudos de casos em
voga, mas expressões de uma alternativa à produção e uso hegemônico aos territórios
que, de certa maneira, vem sendo experienciadas como correntes alternativas para
movimentos e povos. A partir de nossas experiências vividas entre os anos de 2015-
2018, basicamente no trânsito investigativo de várias pesquisas no México (Estados de
Guerrero, Oaxaca e Chiapas) e no Brasil (especificamente no Estado do Maranhão),
verificamos que o emponderamento dos movimentos sociais e dos povos implicados na
luta pelo acesso aos territórios de suas vidas, passavam diretamente ao entendimento e
práxis efetiva da autonomia para a produção de outra territorialidade.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 93

RETOMADA ATY JOVEM: INSURREIÇÕES NAS MARGENS DO PORVIR


Felipe Mattos Johnson

O presente artigo irá debater a construção da Retomada Aty Jovem (RAJ), que figura
hoje enquanto grande conselho e assembleia da juventude Guarani e Kaiowá organizado
a partir de distintas áreas de retomadas de terra, aldeias e acampamentos de beira-de-
estrada do Mato Grosso do Sul, re-existindo no período relativo ao processo que
culminou nos levantes de junho de 2013 e que os procede, enquanto conjuntos de
“insurreições invisíveis” (FERREIRA, 2015), onde o mesmo povo produziu e
enfrentou suas próprias guerras, se constituindo em sua amplitude como movimento
étnico-social (PEREIRA, 2003). A assembleia, nascida em 2016 por meio da retomada
de Paraguassu, anuncia um protagonismo de base com efeitos reais nas trincheiras das
lutas pelo tekoha, e cujas contradições geradas em relação ao agronegócio
movimentaram transformações em territorialidades de potência autonômica onde novas
práticas políticas nascem através da ação. Assim, buscando dialogar com a etnografia
ainda em curso, que realizo desde 2016 nas áreas de retomada de terra Guarani e
Kaiowá no MS, tentaremos evidenciar a existência “da crise do Estado e do surgimento
de novas formas de luta e organização” (Moraes; Jourdan; Ferreira, 2015), ao passo que
emerge um novo segmento político entre os Guarani e Kaiowá, com suas próprias
reivindicações e campo de relações, abrindo novos caminhos na luta pela terra.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 94

O DISCURSO ZAPATISTA E OS SABERES ANARQUISTAS: UMA


EXPERIÊNCIA DE AUTOGOVERNO DE UM QUARTO DE SÉCULO
Maurício Beck

A proposta desta comunicação é apresentar gestos de análise sobre o discurso do


Exército Zapatista de Libertação Nacional do México (EZLN). Desde o levante armado
em 1994, o EZLN tem lançado uma série de comunicados, cartas e declarações nos
quais busca interlocução com a sociedade civil mexicana, com povos e governos do
mundo no intuito de divulgar as causas de sua revolta, se associar a outros movimentos
políticos e, assim, levar adiante sua luta. Os zapatistas, entretanto, não se consideram
uma vanguarda política e não se articulam em torno de uma ideologia política
específica, mas atualizam saberes heterogêneos (cosmogonia maia, ideários políticos
variados, heróis mexicanos). Em quase um quarto de século de insurreição os zapatistas
acumularam uma das experiências mais longevas de autogoverno coletivo da história
moderna. Na perspectiva da Análise de Discurso, iniciada pelo coletivo de intelectuais
em torno de Michel Pêcheux na França da década de 1960, meu objetivo é descrever e
interpretar a presença do posicionamentos anarquistas ou anárquicos no discurso
zapatista. Como os saberes mobilizados pelo discurso do EZLN se articulam para
produzir efeitos de sentido marcados pelo múltiplo, pelo não fechamento em um saber
(político) totalizador? Meu escopo é contribuir para a discussão acerca da
(re)emergência de discursividades autonomistas e anarquistas imbricadas à ideologias
antagônicas no continente latino americano. A descrição e a interpretação têm como
foco dois tópicos que retomo e atualizo de minha tese de doutorado (BECK, 2010) e
que caracterizam a heterodoxia do EZLN frente a outros posicionamentos da esquerda:
a posição-sujeito zapatista em franca recusa da individualização pelo Estado via uso de
codinomes e de máscaras (paliacates e pasamontañas); a dialética entre a palavra e o
silenciar (hablar callando) zapatista, este último enquanto prática (ou apraxia) de recusa
frente a obrigação de responder, a dadas interpelações e dentro de determinadas
condições, com os efeitos de sentidos e os efeitos políticos subversivos que acarretam.
Com base nestas análises, será possível refletir sobre a importância discurso zapatista
como forjador de laços sociais e políticos e, talvez, retomar a ideia de espectro do
irrealizado, a história como sujeita à transformação, em uma perspectiva anarquista.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 95

A IDEOLOGIA ANTIFASCISTA COMO CORTINA DE FUMAÇA PARA O


REFORMISMO
João Carlos Ramos do Nascimento Junior

Desde o surgimento do fascismo na primeira metade do século XX, muitos teóricos se


dedicaram a estudá-lo a níveis ideológicos teóricos e práticos, porém ainda existe uma
carência de estudos sobre os grupos políticos que se propõem a combater o fascismo
numa perspectiva classista. Tendo em vista a atual ascensão dos grupos de extrema
direita pelo mundo somado à crise migratória, conflitos étnico-raciais e de gênero na
atualidade se faz necessário compreender a importância e os problemas da luta
antifascista. O presente trabalho visa investigar o conjunto de ideias e as práticas destes
grupos antifascistas no período histórico do século XX e XXI. Este trabalho procura
utilizar como método o materialismo sociológico e a dialética da ação, possuindo como
foco o debate reforma versus revolução dentro da luta antifascista a partir de uma
análise histórica das posições dos grupos antifascistas frente aos períodos de ruptura
revolucionária e dentro do terreno da democracia burguesa. Jean Barrot, por exemplo,
aborda o antifascismo como o pior produto do fascismo, a nível ideológico, do ponto de
vista negativo da ideologia, ou seja, a ideologia antifascista como operação de
ocultamento da realidade cumprindo um papel contrarrevolucionário de intenção
reformista. Já durante a guerra civil espanhola o discurso antifascista abriu brechas tanto
para uma tentativa revolucionaria por parte dos anarquistas quanto para defesa da
democracia burguesa por parte dos stalinistas. Na atualidade o surgimento de ameaças
através de candidatura e/ou partidos “fascistas” acabam servindo como elemento
revitalizador da democracia representativa e impulsionando surgimento de grupos
“fascistas” e antifascistas. Esse trabalho procura explorar esse debate, reforma x
revolução no campo da luta antifascista, com objetivo de compreender os limites da luta
antifascista frente à construção revolucionária durante a história.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 96

O ANARQUISMO CATALÃO NO CONTEXTO INDEPENDENTISTA ONTEM


E HOJE: RUPTURAS, CONTINUIDADES E NOVAS PERSPECTIVAS
Evandro Coutinho
José Blanes Sala

O presente artigo fará uma análise comparativa entre as posturas e atitudes políticas da
CNT-FAI e da CUP, nos diferentes contextos de independência catalã de 1934 e de
2017. Desde os movimentos sociais surgidos como conseqüência da crise internacional
iniciada em 2008, o independentismo catalão voltou á cena política espanhola com
considerável vigor. Na esteira desses movimentos ganhou força a Candidatura d’Unitat
Popular, a CUP, organização assembleísta, descentralizada e municipalista,
freqüentemente tida como anarquista e comparada com os anarquistas da Confederación
Nacional del Trabajo e Federación Anarquista Ibérica, a CNT-FAI, anarcossindicalistas
das primeiras décadas do século XX que participaram, á sua maneira, dos debates sobre
a independência catalã durante a Segunda República Espanhola (1931-1936).
Pretendemos averiguar se há correspondência ideológica e/ou de princípios entre as
duas organizações e, também, se existe uma relação diacrônica entre elas, considerando
seus respectivos contextos.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 97

A ESTRATÉGIA DO ANARQUISMO ESPECIFISTA


Wellington Jean dos Santos Marques

O anarquismo especifista tem crescido, apesar de ainda timidamente, e acumulado força


durante os últimos anos no Brasil especificamente, e na América Latina de forma geral,
fator que aumenta a importância desta pesquisa sobre um tema ainda muito pouco
estudado na academia. Encontramos sua origem na Federação Anarquista Uruguaia
(FAU), fundada em 1956 e que se identifica como especifista a partir da década de
1960. Além da influência de autores clássicos do anarquismo, como Mikhail Bakunin e
Errico Malatesta, a FAU se inspirou também em figuras locais, tanto do próprio
Uruguai, quanto de outros países da América Latina, como os mexicanos Flores Magón
e Emiliano Zapata, que tiveram grande destaque durante a Revolução Mexicana de
1910, além, também, de formulações próprias dos militantes que fundavam esta nova
organização, com a preocupação de adaptar a Ideologia e as teorias anarquistas à
realidade latino-americana. Após um período de grande repressão e clandestinidade
durante a ditadura civil-militar no Uruguai, a FAU se rearticula e passa a exercer uma
considerável influência para a organização do movimento anarquista na América do Sul.
Mais do que retomar a história do anarquismo especifista no continente, o que já possui
sua grande importância, o propósito deste trabalho é analisar a estratégia desta corrente
política para alcançar o objetivo finalista de revolução social. Esta análise é orientada
metodologicamente pelo materialismo científico de Bakunin, que coloca a necessidade
de que interpretemos a sociedade a partir de seus fundamentos materiais, rejeitando em
absoluto o idealismo. Os métodos utilizados para coleta de dados são levantamento e
análise bibliográfica, bem como a pesquisa nos documentos públicos de organizações
especifistas em atividade. Para tratar da estratégia especifista, temos que articular uma
série de conceitos, como dualismo organizacional, minoria ativa e poder popular. O
especifismo está dentro de uma corrente histórica do anarquismo chamada de
organizacionista. Dentro desta vertente ampla do anarquismo, existem algumas
diferenciações. Existem anarquistas que defendem a organização apenas no nível social,
podemos observar, historicamente, esta posição no anarcossindicalismo, que defende a
organização dos anarquistas em sindicatos, mas não veem a necessidade de uma
organização anarquista no nível político, outros, pelo contrário, dizem ser necessária
uma organização dos anarquistas no nível político. O dualismo organizacional, um dos
princípios fundamentais do especifismo, preza pela organização dos militantes
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 98

anarquistas em dois níveis distintos e complementares: político e social. É


imprescindível que o militante anarquista esteja organizado em movimentos populares e
participando ativamente de sua luta, porém, também é de muita importância que este
militante não caia em um isolamento dentro do movimento em que está inserido, com
pouca possibilidade de influência, ou tornando-se uma espécie de “tarefeiro” de outras
organizações, por isso a necessidade da organização no nível político, na organização
específica anarquista. Os anarquistas inseridos no seio da luta do povo, devem ser
guiados por um princípio antiautoritário, por isso não devem assumir o papel de
vanguarda dos movimentos, exercendo, ao invés disso, uma função de minoria ativa,
logo, não devem estar a frente, na vanguarda, tampouco devem estar na retaguarda dos
movimentos, acatando passivamente tudo o que é colocado. A minoria ativa deve atuar
nos movimentos como um motor da luta, um agitador dos princípios democráticos,
libertários e revolucionários, um grupo que promove formação política, propaganda,
produções teóricas, que participa organicamente do movimento.
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 99

ANARQUISMO E HEGEMONIA
Carlos André dos Santos

A reflexão presente no artigo busca resgatar um diálogo entre anarquistas e marxistas


sobre a estratégia socialista, utilizando as contribuições de dois de seus maiores
expoentes internacionais, Antonio Gramsci e Camillo Berneri. O conceito de hegemonia
nessa exposição serve de pano de fundo para expor as similaridades e diferenças entre
os autores, e suas respectivas correntes político-ideológicas. O anarquismo e o
marxismo nasceram no século XIX e se constituíram aos longos de décadas como
expressões ideológicas socialistas nascidas das classes subalternas, evidentemente,
concorrentes entre si, mas, com similaridades e diferenças no que diz respeito à política
estratégica revolucionária. A ocorrência de definições de anarquismo como antítese do
marxismo são bastante comuns nos estudos sobre o anarquismo. Segundo Felipe Correa
Pedro essas definições apresentam o anarquismo como um fenômeno reduzido à luta a
dominação política, onde o classismo não faria parte do anarquismo, nessas definições
existe uma supervalorização das diferenças em detrimento assimilaridades. Os esforços
para analisar as diferenças e similaridades anarquistas e marxistas não podem abrir mão
da analise sistemática e histórica dos conflitos onde anarquistas e marxistas travaram
lutas fratricidas, ao mesmo tempo, não pode também menosprezar aquelas correlações
de força nas classes subalternas que produziram amplas convergências de cunho
antiimperialista, antifascista e anticapitalista. A defesa dessa premissa intelectual, não é
meramente um posicionamento que busca afastar-se da rançosa tentativa de apresentar o
anarquismo como uma alternativa ingênua, individualista e apolítica, mais do que isso, é
um posicionamento político-metodológico que refuta também aquelas definições de
anarquismo,produzidas por cientistas sociais ainda que simpáticos aos libertários, que
caem na mesma armadilha, ainda que de forma mais sofisticada. David Graeber (2011,
p. 14), por exemplo, ao diferenciar o anarquismo do marxismo, afirma o marxismo
como um tende a “discurso analítico e teórico sobre 1estratégia revolucionária” e o
anarquismo como um “discurso ético sobre prática revolucionária”, algo que nos parece
grosseiro por limitar o discurso anarquista a uma dimensão, a ética. A cisão entre
anarquistas e marxistas na I Internacional, em especial, os conflitos entre Marx e
Bakunin; as divergências entre Kropotkin e Lênin sobre as cooperativistas não-estatais,
nos primeiros anos da Revolução Russa e últimos anos da vida do anarquista; A
publicação na França, em 1926 da Plataforma Organizacional da União Geral dos
I Colóquio Pesquisa e Anarquismo - Caderno de Resumos 100

Anarquistas” na revista Dielo Truda, escrita por revolucionários russos que haviam
participado da Revolta de Kronstant e da Revolução Ucraniana em resposta as estruturas
Bolcheviques; as críticas de Camillo Berneri ao conceito de hegemonia de Gramsci e,
de Gramsci aos anarquistas e anarcosindicalistas, são discursos, ao mesmo tempo
analíticos, éticos, estratégicos, e não poderiam deixar de ser. Afinal, o que estava em
jogo era política revolucionária, e não (...) um debate acadêmico em que as vaidades se
matam umas às outras, nem um torneio literário onde só se derrama tinta, como diria
Bakunin. O conceito de hegemonia de Antônio Gramsci proveniente da sua filosofia da
práxis e as criticas do seu compatriota anarquista Camillo Berneri ao marxismo, são
extremamente viscerais e ricas para o debate sobre as estratégias socialistas, não só por
Berneri compartilhar com Gramsci a preocupação sobre questão do “domínio” e
“direção” de classe, ou por manter um diálogo coerente com quem considerou “um
valente intelectual e tenaz militante” e “nosso adversário ”, mas, em especial, por terem
ao longo de suas trajetórias, como intelectuais orgânicos das classes subalternas,
vivenciando um período glorioso de revoluções e lutas operárias, como também, as
desgraças da derrota do socialismo pelo fascismo na Itália e a burocratização e
capitalismo de Estado estalinista.

Potrebbero piacerti anche