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INTRODUÇÃO
Ora, a produção capitalista, em sentido lato, alterou-se. Com o fim da era fordista e
início de uma nova forma de acumulação – a acumulação flexível –, como sentenciou
F. Jamenson [1], ficou cada vez mais dependente de uma regulação por meio da lógica
cultural. Nesse sentido, uma das mudanças mais interessantes foi a penetração cada
vez maior das chamadas novas tecnologias da informação e comunicação. Modernas
redes de comunicação e circulação possibilitaram que as diversas mídias, o marketing,
as indústrias de entretenimento e de serviços etc. tivessem grande importância na
diversificação e aumento do consumo e, enfim, na garantia do processo de reprodução
do capital [2].
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UMA NOVA TEORIA POLÍTICA PARA UM NOVO PODER MUNDIAL
HARDT & NEGRI (2001) surpreenderam o mundo acadêmico descrevendo uma nova
forma de domínio e soberania que estaria preste a predominar como a nova ordem
global vigente, e que seria o palco de conflitos políticos futuros. Intelectuais que
advogam um pensamento autônomo e oblíquo ao mundo acadêmico, Hardt & Negri
introduziram a ideia de uma nova lógica e estrutura de comando e supremacia global
como uma grande aposta conceitual para analisar o fim da ‘era imperialista’.
O que marca nas construções dos autores foram suas capacidades de acolher e
conjugar maneiras marxistas de pensar a sociedade, isto é, de fundo emancipatório,
com as propostas ditas pós-modernas que mudaram a forma de conceitualizar o
poder, o sujeito, o conhecer, a história etc.
o mercado globalizado adquire sua unidade política por intermédio de atributos que
sempre caracterizaram a soberania: o poder militar, monetário, comunicativo, cultural
e idiomático. O poder militar origina-se de um poder irrestrito de dispor sobre um
arsenal bélico abrangente, inclusive armas nucleares. O poder monetário se baseia
sobre a existência de uma moeda forte hegemônica, à qual o mundo financeiro, apesar
de sua diversidade, está completamente subordinado. O poder da comunicação se
mostra pelo triunfo de um único modelo cultural ou até de uma única língua universal.
Esse dispositivo de poder é supranacional, global e total: chamamo-lo de Império
(idem, p. 347).
Por ocasião das mudanças das categorias de produção e troca (dinheiro, tecnologia,
pessoas e bens), os autores argumentam que os comportamentos dessas categorias,
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“cada vez mais à vontade” e acima das fronteiras nacionais, dão base para a hipótese
primordial de um novo paradigma de mundo.
Eis, então, o que talvez seja a grande originalidade das teorizações de Hardt & Negri:
com base em um profundo conhecimento do pensamento político, eles destacam a
importância e os alcances das ideias de biopolítica para o contexto da produção
capitalista contemporânea[4]. A partir das leituras de Foucault e Deleuze, os autores
extraíram o conceito de biopoder. Para eles, o que a biopolítica vem a ser é:
Com DELEUZE (1992) Hardt & Negri aprenderam que nas ‘sociedades de controle’ os
mecanismos para o comando da vida são cada vez mais ampliados, ou melhor,
orgânicos e imanentes ao campo social. Com a tecnificação avançada das sociedades, e
a correspondente inovação que se tornou imanente à produção, têm-se um tecido
social e um ambiente cognitivo próprios. Deleuze foi uns dos primeiros a notar as
alterações na biopolítica após os diagnósticos de Foucault. Para ele, as novas formas
tecnológicas de controle bioquímico trouxeram um novo ‘modo de sujeição’ aos
corpos. A complexidade do mundo imagético, medicinal e virtual que criamos conduziu
a uma domesticação crescente dos desejos e sensações das sociedades. O controle
biopolítico tornou-se cada vez mais ao nível psicológico e químico. Deleuze pensou na
extrapolação da sociedade de poder disciplina diagnosticada por Foucault. Estamos na
sociedade de controle, lugar em que não é mais preciso os ‘confinamentos’ das
instituições criadas pelas sociedades disciplinares. Os novos controles aparecem como
“uma modulação, como uma moldagem auto-deformante” que mudam
constantemente, a cada instante, ou aparecem “como uma peneira cujas malhas
mudassem de um ponto a outro”.
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O novo poder biopolítico é, assim, um regime subjetivo de controle permanente, que
produz seus efeitos de poder diretamente na exploração das atividades dos “corpos,
cérebros e sentimentos” das sociedades democráticas de massa[5].
O regime de poder subjetivo que os autores pensam, não é sinônimo pois um termo
destituído de sentido. Vale lembrar que Negri & Hardt tem, por fundo, uma nova
interpretação de Marx, que retira o “objetivismo” posto nos escritos de “O Capital”,
assumindo o “subjetivismo” dos manuscritos de “Grundisse”[6]. Para os autores, o
trabalho, seja material ou imaterial (físico ou intelectual), produz e reproduz a vida
social, e somente durante o processo é explorado pelo capital (2001, p. 426). No
entanto, o que se impõe e desponta como um novo sentido ao nosso tempo é o
trabalho imaterial. É ele que integra os afazeres de comunicação, cooperação,
dedicação e reprodução de cuidados. Os autores distinguem, dessa forma, três tipos
de trabalho: o comunicativo; o interativo; e o trabalho de produção e manipulação de
afetos.
Em resumo, a nova teoria política, que une as ideias de um capitalismo cognitivo com a
de biopolítica, propõe que a existência de um sujeito soberano único no globo,
abrangendo dentro de sua lógica todas as formas de governo clássicas: o sistema
monárquico (regendo as questões globais), o aristocrático (distribuindo privilégios a
Estados limitados) e o democrático (que compõe o discurso ilusório de fundo). Uma
das realidades concretas que dá afirmação às ideias do livro é por ocasião da formação
de um ‘direito universal’. Como escrevem: “o ponto de partida de nosso estudo do
Império é a noção de direito, ou melhor, um novo registro de autoridade e um projeto
original de produção e normas e de instrumentos legais de coerção que fazem valer
contratos e resolver conflitos” (idem, p. 27).
No entanto, uma nova forma de resistência (ou revolta) a este domínio global é
metamorfoseada. Para os autores, é possível dizer que, a partir da radical modificação
do modo de produção, através da hegemonia das forças de trabalho de subsistência
cooperativa, uma subversão aos parâmetros do ‘bom governo’ é criada. Isto porque ao
mudar a situação da ‘massa pobre’ do mundo de meros proletariados para a
condecorada categoria de trabalhadores imateriais, uma maior substância de vida
possibilita a transformações em novos atores: a multidão (que difere do conceito
moderno de povo)[7]. Como escrevem Hardt & Negri, no texto “Globalização e
Democracia”:
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A multidão com que estamos lidando hoje é, pelo contrário, uma multiplicidade de
corpos, cada um com seus entrecruzamentos de poderes intelectuais e materiais de
razão e comoção; são corpos ciborgues que se movimentam livremente, sem
considerações às antigas fronteiras que separavam os humanos do instrumental (2002,
p. 30).
É preciso rejeitar toda a nostalgia diante das estruturas de poder que o procederam e
se opor a todas as estratégias políticas que se resuma e retorna ao arranjo antigo, por
exemplo, tentar fortalecer novamente o Estado Nacional como proteção contra o
capital globalizado. Portanto, o Império é melhor no mesmo sentido com que Marx
insistiu que o capitalismo é melhor do que as formações sociais e as formas de
produção que o procederam (…) (2001, p. 377).
As propostas de Hardt & Negri receberam, nos anos após a publicação da obra, ampla
exposições na mídia jornalística. Estas propostas, no mais das vezes, banalizaram as
discussões e, seja como for, não estabeleceram contribuições. Obviamente, o debate
em que a obra emerge e suscita encontrou consistências na escrita de intelectuais e de
especialistas sobre o tema.
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apreciação e aderência fácil. De longe, sua recepção não ficou ‘neutra’. Na verdade, foi
acompanhada de grandes acolhimentos e repulsas.
BORON (2001), por exemplo, inicia sua crítica apontando para as insuficiências das
discussões de Hardt & Negri. Para ele, a proposta que quer dar uma nova etapa e luz
ao capitalismo, não consegue ou esquece as formulações e problemas de obras
clássicas para o debate como as de Rosa Luxemburgo, Lênin, Bukarin e Kaustsky
(Boron, 2001, p. 17). Boron demonstra, portanto, uma repulsa pela falta de
‘academicismo’ da obra e, por fim, pensa que as ideias de Império seguem uma leitura
e visão parcial, unilateral e incapacitada para perceber a totalidade do sistema.
Para Boron, não há procedência no objetivo reivindicado pelos autores: contribuir com
a criação de uma estrutura teórica geral que constitua uma caixa de ferramentas
conceituais que permita assim teorizar e atuar contra o Império. Critica-se e
desacredita-se em sua base em termos jurídicos que forma o “novo Leviatã” (ou seja, a
ordem política do Império). Ora, pensa Boron, esquecem que a “ordem mundial” é
uma conjugação de organizações de mercados, de Estados nacionais e classes
dominantes (em que todos esses agentes criam políticas…), não sendo somente
resultantes de um órgão público soberano, como as Nações Unidas. Assim, a supressão
do sistema imperialista por um direito internacional que daria “princípios éticos
supremos” não é convincente, muito menos palco para afirmar o decreto de fim da
dependência econômica e tecnológica dos Estados pobres.
Nos termos críticos de um autor como Boron, entende-se que Negri & Hardt apenas
conseguiram aludir sobre questões latentes hoje: a substituição social do trabalho, a
formação de um capitalismo cognitivo de trabalhadores imateriais e o surgimento de
uma “sociedade-informacional”. A ‘lógica antropológica’ do trabalho, que diz que o
“cérebro vence o músculo”, não representaria uma consumação real. A suposta
preponderância do trabalho imaterial constitui, na realidade, uma parcela
insignificativa no mundo, mesmo em países ricos. A análise recai, pois, em uma ideia
fetichista a respeito das novas tecnologias da informação e comunicação e uma
mistificação do trabalho imaterial na “Nova Economia”.
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constituinte” traria essa ontologia inata do ser (quase tautológica). Hardt & Negri
estariam argumentando que a reestruturação capitalista não foi fruto da busca
competitiva por mais-valia, mas veio do fato de que os trabalhadores estariam
‘fatigados’ do keynesianismo e fordismo.
Para salientar os termos críticos acima, podemos citar aqui o clássico trabalho de
análise da “revolução informacional” realizado pelo neomarxista Jean LOJKINE (1995).
Ele obviamente é contra qualquer teoria que dê margem a se pensar na ideia de
‘sociedade pós-industrial’ que apregoe uma fantasiástica e ideológica interpretação de
que o mundo caminha por uma profunda crise da indústria tradicional e as formas de
exploração do trabalho estariam surgindo ou formariam um ‘potencial
revolucionário’[8]. Neste âmbito, para ele, o que pode se afirmar hoje é uma revisão
da tese de um Estado-Nação como compartimento primordial da realização do lucro
máximo capitalista. O argumento para isto está em analisar que há a preponderância
do mercado financeiro mundial na reprodução capitalista, sendo que assim a escala
nacional não é mais o locus do lucro máximo. É a mais-valia global a extensão maior do
domínio econômico.
Lojkine concluía com a célebre frase medieval que se perpetua ainda hoje: “Uns rezam
(orant), outros combatem (pugnant) e outros ainda, trabalham (laborant) – expressão
universal da divisão de classes em todas as sociedades de classe, dos Estados
sumerianos até o sistema capitalista” (1995, p. 269). A frase ainda seria lógica suprema
vigente do capitalismo. Entretanto, Lojkine (1995, p. 272) ponderava que:
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expediente de uma formação de redes independentes que se instauram entre
pequenos colectivos informacionais de ‘autovalorização’”.
afirmar que a nova classe trabalhadora surgida da Terceira Revolução Industrial seja
mais consciente ou potencialmente revolucionária que antecessora do século XX (…),
tampouco se pode afirmar o contrário. Isto porque aquele caráter informático,
comunicacional e extremamente socializado do trabalho intelectual aponta
efetivamente para uma possibilidade concreta de formas alternativas e possivelmente
mais adequadas de organização da luta contra-hegemônica do que aquelas do velho
movimento operário europeu e asiático que levaram às revoluções proletárias do
século XX.
Para Bolaño, enfim, uma posição mais conveniente – do que a simples negação das
teorizações que Hardt & Negri estabelecem diante da reestruturação capitalista – seria
o estabelecimento de diretrizes científicas para se pensar como o ‘homem comum’
reage aos assujeitamentos biopolíticos, uma vez que parece estar bastante claro que
hoje não procede mais uma análise limitada em categorias de entendimento da
‘exploração entre classes’ ou da ‘dominação entre Estados-nação’.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Hardt & Negri parecem estar preocupados em responder aos problemas e teorias
dispostos hoje (e a tentar encontrar ‘novas saídas’) e suas resoluções sobre o
problema da hegemonia recupera raízes de um pensar gramsciano[9]. Não à toa, a
derradeira tese deles pensa como a questão da hegemonia não se pode limitar a
controlar a produção econômica, mas deve abranger uma direção político-cultural. A
nova hegemonia (ou a contra-hegemonia) não se estende sem uma ‘reforma
intelectual e moral’. E parece criterioso dizer que nos termos do capitalismo cognitivo
e do apoderamento biopolítico estas questões, enfim, estão cada vez mais práticas e
presente.
Mas, afinal, é possível afirmar uma ‘insurreição’ da multidão em meio a uma sociedade
de controle que parece cada vez mais submeter os desejos (os inconscientes) e
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determinar o flagelo da individuação e posição política dos indivíduos? A questão, sem
dúvida, recai na análise crítica da cultura de nossa época. Podemos lembrar que, se
tempos atrás Herbert Marcuse foi apontado como bastante descomedido ao prever
saídas de emancipação no seu diagnóstico da revolução cultural, hoje, no entanto, é
certo que não fora totalmente errado, uma vez que os grandes estandartes dos
outsiders foram que protagonizaram das maiores transformações na sociedade
ocidentais como um todo.
As inovações tecnológicas ditam hoje novos contextos para a relação entre capital e
vida. A decisão, no entanto, é política (e não tecnológica). Ao repensar a política e a
subjetividade que dinamizam e têm seus efeitos no plano mundial, Hardt & Negri não
podem ser apontados dentro da pecha de determinismo tecnológico. No momento em
que o fortalecimento da política mundial significou uma significativa perda da base dos
Estados-Nação, a nova ordem mundial simboliza o duelo entre o horizonte de duas
biopotências contrárias: a do Império e a da Multidão.
Sem dúvida, as construções críticas não-tradicionais de Hardt & Negri são um grande
mérito dos intelectuais – o livro é também um grande manifesto (e há todas as
características nesse sentido). Um manifesto esperançoso, tácito e muito vivo deste
momento histórico. Indiscutivelmente emblemático, corajoso e inovador. Atinge-se
uma profunda análise deste novo fermento histórico e a iminência de novas
interpretações da realidade.