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PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS NOS CURSOS DE MICHEL FOUCAULT

Collège de France – 1971-1984

Referência bibliográfica:
FOUCAULT. Michel. Segurança, território, população: curso no Collège de France (1977-1978). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.

Categoria
Aula Conceitos-chave Excerto (paginação ao final) Comentários
analítica
É um conjunto de procedimentos, e é assim e somente assim que se poderia
entender que a análise dos mecanismos de poder dá início a algo como uma teoria
11 I. Digressões do poder. (...) O poder não se funda em si mesmo e não se dá a partir de si mesmo.
Poder
jan. explícitas Se preferirem, simplificando, não haveria relações de produção mais - ao lado,
acima, vindo a posteriori modificá-las, perturba-las, tomá-las mais consistentes,
mais coerentes, mais estáveis - mecanismos de poder. (p.4)
Pois bem, na medida em que se trata disso, e não de sociologia, não de história nem
de economia, vocês veem que a análise dos mecanismos de poder, essa análise tem,
11 I. Digressões
Poder no meu entender, o papel de mostrar quais são os efeitos de saber que são
jan. explícitas
produzidos em nossa sociedade pelas lutas, os choques, os combates que nela se
desenrolam, e pelas táticas de poder que são os elementos dessa luta. (p.5)
Política de
Filosofia como política de verdade.
verdade
Por conseguinte, o imperativo que embasa a análise teórica que se procura fazer - já
que tem de haver um -, eu gostaria que fosse simplesmente um imperativo
condicional do gênero deste: se você quiser lutar, eis alguns pontos-chave, eis
algumas linhas de forca, eis algumas travas e alguns bloqueios. Em outras palavras,
11 I. Digressões
Poder gostaria que esses imperativos não fossem nada mais que indicadores táticos. Cabe
jan. explícitas
a mim saber, é claro, e aos que trabalham no mesmo sentido, cabe a nós, por
conseguinte saber que campos de forças reais tomar como referência para fazer uma
análise que seja eficaz em termos táticos. Mas, afinal de contas, é esse o círculo da
luta e da verdade, ou seja, justamente, da prática filosófica. (p.6)
Por que tomei esse exemplo tão infantil? Para logo ressaltar duas ou três coisas que
V.
11 gostaria que ficassem bem claras para vocês todos e, antes de mais nada, para miro,
Segurança Convocações
jan. é claro. Aparentemente, eu lhes ofereci aqui, por assim dizer, uma espécie de
pedagógicas
esquema histórico totalmente descarnado. (p.9)
É certo que a evolução contemporânea, não apenas da problemática, da maneira
IV. Conexões como se reflete sobre a penalidade, mas igualmente [da] maneira como se pratica a
11 entre o arquivo penalidade, é claro que por enquanto, faz anos, bem uns dez anos pelo menos, a
Segurança
jan. e o presente questão se coloca essencialmente em termos de segurança, no fundo, a economia e a
relação económica entre o custo da repressão e o custo da delinquência é a questão
fundamental. (p.12)
Então, o que eu gostaria de tentar lhes mostrar durante este ano é em que consiste
II. Escolha das essa tecnologia, algumas dessas tecnologias [de segurança], estando entendido que
11
Segurança fontes cada uma delas consiste em boa parte na reativação e na transformação das técnicas
jan.
jurídico-legais e das técnicas disciplinares de que lhes falei nos anos precedentes.
(p.13)
Então, e é essa a questão central do que eu gostaria de analisar, poderíamos dizer
que em nossas sociedades a economia geral de poder está se tomando da ordem da
segurança? Eu gostaria, portanto, de fazer aqui uma espécie de história das
11 I. Digressões tecnologias de segurança e tentar ver se podemos efetivamente falar de uma
Segurança
jan. explícitas sociedade de segurança. Em todo caso, sob o nome de sociedade de segurança eu
gostaria simplesmente de saber se há efetivamente uma economia geral de poder
que tenha a forma [de] ou que, em todo caso, seja dominada pela tecnologia de
segurança. (p.15)
Sobre esse ponto, remeto vocês a um estudo extraordinariamente completo e
perfeito, já que é feito por um historiador: é o estudo de Jean-Claude Perrot sobre a
III.
11 cidade de Caen no século XVIII", em que ele mostra que o problema da cidade era
Cidade Referências
jan. essencial e fundamentalmente um problema de circulação. Tomemos um texto de
teóricas
meados do século XVII, escrito por uma pessoa chamada Alexandre Le Maitre, com
o título de La Métropolitée". (p.17-18)
III. O meio é uma noção que, em biologia, só aparece como vocês sabem muito bem -
11
Meio Referências com Lamarck. É uma noção que, em compensação, já existe em física, que havia
jan.
teóricas sido utilizada por Newton e os newtonianos. (p.27)
Para terminar, remeterei simplesmente a um texto daquele que foi sem dúvida o
primeiro grande teórico do que poderíamos chamar de biopolítica, de biopoder. (...)
III.
11 [É a propósito dessa] ideia de um meio artificial e natural, em que o artificio age
Biopolítica Referências
jan. como uma natureza em relação a uma população que, embora tramada por relações
teóricas
sociais e políticas, também funciona como uma espécie, que encontramos nos
Estudos sobre a população de Moheau (...) (p.29)
Tínhamos começado a estudar um pouco o que poderíamos chamar de forma,
simplesmente de forma de alguns dos dispositivos importantes de segurança. Da
última vez, disse duas palavras a propósito das relações entre o território e o meio.
Procurei lhes mostrar através de alguns textos, de um lado, de alguns projetos e
também de algumas urbanizações reais de cidades no século XVIII, como o
18 I. Digressões
Segurança soberano do território tinha se tomado arquiteto do espaço disciplinado, mas
jan. explícitas
também, e quase ao mesmo tempo, regulador de um meio no qual não se trata tanto
de estabelecer os limites, as fronteiras, no qual não se trata tanto de determinar
localizações, mas, sobretudo, essencialmente de possibilitar, garantir, assegurar
circulações: circulação de pessoas, circulação de mercadorias, circulação do ar, etc.
(p.39)
Em outras palavras, vocês podem ler o principio da livre circulação dos cereais seja
II. Escolha das como a consequência de um campo teórico, seja como um episódio na mutação das
18 Dispositivo-
fontes tecnologias de poder e como um episódio na implantação dessa técnica dos
jan. Segurança
dispositivos de segurança que me parece característica, uma das características das
sociedades modernas. (p.45)
Portanto temos todo um pacote de textos, de projetos, de programas, de explicações.
Vou me referir simplesmente ao que é, ao mesmo tempo, o mais esquemático, o
mais claro e que teve, de resto, uma importância considerável. É um texto que data
de 1763, que se chama Carta de um negociante sobre a natureza do comércio dos
cereais. Foi escrito por um sujeito que se chamava Louis-Paul Abeille, importante
ao mesmo tempo pela influência que teve seu texto e pelo fato de que, discípulo de
II. Escolha das
18 Gournay, tinha em suma unificado a maioria das posições fisiocráticas. Ele
Economia-política fontes
jan. representa, portanto, uma [espécie] de ponto de articulação no pensamento
económico dessa época. (....) Mas não é assim que eu gostaria de retomar esse texto.
Não, portanto, como no interior de uma arqueologia do saber, mas na linha de uma
genealogia das tecnologias de poder. E então creio que poderíamos reconstituir o
funcionamento do texto, em função não das regras de formação desses conceitos,
mas dos objetivos, das estratégias a que ele obedece e das programações de ação
política que sugere. (p.47-48)
E, para assinalar simplesmente a coisa sobre a qual gostaria de tornar da próxima
II. Escolha das
18 Sistema- vez, por ser ela fundamental, eu gostaria - e encerrarei com esse texto de Abeille -
fontes
jan. população de lhes indicar que, nesse texto justamente, encontramos uma distinção
curiosíssima. (p.56)
Em todo caso, para terminar com isso, gostaria de mostrar a vocês que, se
quisermos entender melhor em que consiste um dispositivo de segurança como o
que os fisiocratas e, de maneira geral, os economistas do século XVIII pensaram
18 Dispositivo de I. Digressões
para a escassez alimentar, se quisermos caracterizar um dispositivo como esse, creio
jan. Segurança explícitas
que é necessário compará-lo com os mecanismos disciplinares que podemos
encontrar não apenas nas épocas precedentes, mas na mesma época em que eram
implantados esses mecanismos de segurança.
Nos anos precedentes eu tinha procurado mostrar um pouco o que havia de
específico, parece-me, nos mecanismos disciplinares em relação ao que podemos
chamar, em linhas gerais, de sistema da lei. Este ano meu projeto era mostrar, em
vez disso, o que pode haver de específico, de particular, de diferente nos
dispositivos de segurança, se comparados a esses mecanismos da disciplina que eu
havia procurado descobrir. Portanto é na oposição, na distinção em todo caso,
segurança/disciplina que eu queria insistir. E isso tendo por objetivo imediato, e
imediatamente sensível e visível, claro, pôr fim à invocação repetida do amo e,
25 I. Digressões igualmente, afirmação monótona do poder. Nem poder nem amo, nem o poder nem
Normalização
jan. explícitas o amo e nem um nem outro como Deus. Procurei, portanto, no primeiro curso,
mostrar como era possível apreender essa distinção entre disciplina e segurança a
propósito da maneira como uma e outra, a disciplina e a segurança, tratavam,
arranjavam as distribuições espaciais. Da última vez, procurei mostrar a vocês como
disciplina e segurança tratavam cada uma de uma maneira diferente o que podemos
chamar de acontecimento, e gostaria hoje - de uma maneira que será breve porque
gostaria de chegar logo ao âmago e, em certo sentido, ao fim do problema - de
tentar lhes mostrar como tanto uma como a outra tratam de maneira diferente aquilo
que podemos chamar de normalização. (p.73-74)
Diria até, ao contrario, que, se é verdade que a lei se refere a uma norma, a lei tem,
II. Escolha das portanto, por papel e função - é a própria operação da lei - codificar uma norma,
25
Normalização fontes efetuar em relação norma uma codificação, ao passo que o problema que procuro
jan.
identificar é mostrar como, a partir e abaixo, nas margens e talvez até mesmo na
contramão de um sistema da lei se desenvolvem técnicas de normalização. (p.74)
Tomei, há quinze dias, há oito dias e hoje, três exemplos: a cidade, a escassez
alimentar, a epidemia, ou, se preferirem, a rua, o cereal, o contágio. Esses três
fenômenos, vemos imediatamente que têm entre si um vinculo bem visível, muito
manifesto: todos eles estão ligados ao fenómeno da cidade. Todos eles se encaixam,
portanto no primeiro dos problemas que procurei esboçar, porque afinal de contas o
25 Mecanismos de I. Digressões
problema da escassez alimentar e do cereal é o problema da cidade-mercado, o
jan. segurança explícitas
problema do contágio e das doenças epidémicas, é o problema da cidade como foco
de doenças. A cidade como mercado também é a cidade como lugar de revolta; a
cidade, foco de doenças, é a cidade como lugar de miasmas e de morte. De qualquer
modo, o problema da cidade é que está, acredito, no amago desses diferentes
exemplos de mecanismos de segurança. (p.83)
(...) E é esse, afinal de contas, o problema de Maquiavel. O problema que
Maquiavel colocava era justamente o de saber como, num território dado, tenha ele
sido conquistado ou recebido em herança, seja o poder legítimo ou ilegítimo, pouco
importa, como fazer para que o poder do soberano não fosse ameaçado ou, em todo
II. Escolha das caso, pudesse, com toda certeza, afastar as ameaças que pesavam sobre ele.
25 Segurança do
fontes Segurança do príncipe: era esse o problema do príncipe, na realidade do seu poder
jan. território
territorial, era esse, a meu ver, o problema político da soberania. Mas, longe de
pensar que Maquiavel abre o caminho para a modernidade do pensamento político,
direi que ele assinala, ao contrário, o fim de uma era, em todo caso que ele culmina
num momento, assinala o ápice de um momento em que o problema era, de fato, o
da segurança do príncipe e do seu território. (p.85)
Gostaria, portanto, agora, de começar a analisar isso. Procurei simplesmente,
através dos exemplos da cidade, da escassez alimentar e da epidemia, apreender
mecanismos, a meu ver, novos nessa época. E através deles, vê-se que o que está em
V. questão é, de um lado, toda uma economia de poder bem diferente e, de outro lado -
25
População Convocações é sobre isso que eu gastaria de lhes dizer agora algumas palavras -, um personagem
jan.
pedagógicas político absolutamente novo, creio eu, que nunca havia existido, que não havia sido
percebido, reconhecido, de certo modo, recortado até então, esse novo personagem
fez uma entrada notável, e logo notada aliás, no século XVIII- a população. (p.87-
88)
A partir do século XVIII, nesses anos que tomei até aqui como referência, parece-
me que as coisas vão mudar. Costuma-se dizer, que os fisiocratas, por oposição aos
mercantilistas do período precedente, eram antipopulacionistas. Ou seja, enquanto
II. Escolha das uns consideravam que a população, por ser fonte de riqueza e de poder, devia ser o
25
População fontes mais possível aumentada, pretende-se que os fisiocratas tinham posições muito mais
jan.
matizadas. Na verdade, acredito que não é tanto sobre o valor ou o não-valor da
extensão da população que se dá a diferença. Parece-me que os fisiocratas se
diferenciam dos mercantilistas ou dos cameralistas essencialmente porque têm outra
maneira de tratar a população. (p.91)
Temos aí, portanto a matriz de toda uma filosofia digamos utilitarista. E como creio
II. Escolha das que a Ideologia de Condillac, enfim, o que se chamou de sensualismo era o
25
População fontes instrumento teórico pelo qual se podia embasar a prática da disciplina, direi que a
jan.
filosofia utilitarista foi o instrumento teórico que embasou esta novidade que foi, na
época o governo das populações. (p.96)
Quanto mais eu falava da população, mais eu parava de dizer soberano. Fui levado a
designar ou a visar algo que, aqui também, creio eu, é relativamente novo, não na
palavra, não num certo nível de realidade, mas como técnica nova. Ou antes, o
IV.Conexões privilégio que o governo começa a exercer em relação as regras, a tal ponto que um
População entre o arquivo dia será possível dizer, para limitar o poder do rei, que "o rei reina, mas não
25
Governo e o presente governa"; essa inversão do governo em relação ao reino e o fato de o governo ser no
jan.
Segurança fundo muito mais que a soberania, muito mais que o reino, muito mais que o
imperium, o problema político moderno creio que está absolutamente ligado a
população. A série: mecanismos de segurança - população - governo e abertura do
campo do que se chama de política, tudo isso, creio eu, constituí uma série que seria
preciso analisar. (p.99)
V. Queria lhes pedir mais cinco minutos para acrescentar uma coisa, e vocês vão
25 compreender por que. Está um pouco a margem de tudo isso. (p.99)
População Convocações
jan.
pedagógicas
Agora, se pegarmos outra série de domínios, [a] do que poderíamos chamar de
II. Escolha das
25 saberes, perceberemos - e não é uma solução que lhes proponho, mas um problema
População fontes
jan. - que em toda uma série de saberes esse mesmo problema da população aparece.
(p.99)
Através da análise de alguns mecanismos de segurança, procurei ver como
apareciam os problemas específicos da população e, examinando mais de perto
População
01 I. Digressões esses problemas da população da ultima vez, vocês se lembram, fomos rapidamente
Governo
fev. explícitas remetidos ao problema do governo. Resumindo tratava-se da colocação, naquelas
Segurança
primeiras aulas, da série segurança-população-governo. Pois bem, agora é esse
problema do governo que eu gostaria de procurar inventariar. (p.117)
Em toda essa literatura sobre o governo que vai se estender até o fim do século
XVIII, com a mutação que procurei identificar daqui a pouco, em toda essa enorme
literatura sobre o governo que se inaugura ou, em todo caso, que eclode: que
explode no meado do século XVI, gostaria de isolar simplesmente alguns ponto
notáveis - porque é uma literatura imensa, é uma literatura monótona também,
gostaria simplesmente de identificar os pontos que dizem respeito própria definição
do que se entende por governo do Estado, o que chamaríamos, se quiserem, de
II. Escolha das governo sob sua forma política. Para tentar isolar alguns desses pontos notáveis
01
Governo fontes quanto à definição do governo do Estado, creio que o mais simples seria sem dúvida
fev.
opor essa massa de literatura sobre o governo a um texto que, do século XVI ao
século XVIII, não cessou de constituir, para essa literatura do governo, uma espécie
de ponto de repulsão, explícito ou implícito. Esse ponto de repulsão, em relação ao
qual, por oposição [ao qual] e [pela] rejeição do qual se situa a literatura do
governo, esse texto abominável é, evidentemente, O príncipe de Maquiavel. Texto
cuja história é interessante, ou antes, de que seria interessante reconstituir as
relações que teve, justamente, com todos os textos que o seguiram, criticaram,
rejeitaram. (p.119)
Mas há também toda uma literatura implícita que está em posição de demarcação e
de uma oposição surda a Maquiavel. É o caso, por exemplo, do livro inglês de
Thomas Elyot, que se chama The Governour, publicado em 1580, do livro de Paruta
sobre A perfeição da vida política e talvez um dos primeiros, sobre o qual me
deterei aliás, o livro de Guillaume de La Perrísre, O espelho político, publicado em
1555. Seja esse anti-Maquiavel manifesto ou sub-reptício, creio que o importante
II. Escolha das
01 aqui é que ele não tem apenas as funções negativas de obstrução, de censura, de
Governo fontes
fev. rejeição do inaceitável, e, qualquer que seja o gosto dos nossos contemporâneos por
esse gênero de análise - vocês sabem, um pensamento tão forte e tão subversivo tão
avançado, que todos os discursos cotidianos são obrigados a obstruí-lo por meio de
um mecanismo de repressão essencial -, creio que não é isso que é interessante na
literatura anti-Maquiavel. A literatura anti-Maquiavel é um gênero, e um gênero
positivo, que tem seu objeto, que tem seus conceitos e que tem sua estratégia, e é
como tal, nessa positividade, que eu gostaria de focalizá-la. (p.121)
Para tentar identificar as coisas em seu estado ainda grosseiro, vou pegar um dos
primeiros textos dessa grande literatura antimaquiaveliana, o de Guillaume de La
II. Escolha das
01 Ferriere que data, portanto de 1555 e que se chama O espelho político, contendo
Governo fontes
fev. diversas maneiras de governar. Nesse texto, mais uma vez decepcionante,
sobretudo quando comparado ao próprio Maquiavel, vemos, entretanto, delinear-se
um certo número de coisas que são, a meu ver, importantes. (p.123)
V. Leiam os dois textos de Rousseau - o primeiro, cronologicamente, o verbete
01
Governo Convocações "Economia política" da Enciclopédia -, e verão como Rousseau postula o problema
fev.
pedagógicas do governo e da arte de governar (...) (p.141)
No fundo, se eu quisesse ter dado ao curso que iniciei este ano um título mais exato,
01 Governamentalida I. Digressões certamente não teria escolhido “segurança, território, população". O que eu queria
fev. de explícitas fazer agora, se quisesse mesmo, seria uma coisa que eu chamaria de história da
"governamentalidade". (p.143)
Aí estão, se quiserem, algumas considerações sobre a instauração desse fenómeno, a
meu ver importante, da governamentalidade. Procurarei agora lhes mostrar como
essa governamentalidade nasceu, [em primeiro lugar] a partir de um modelo
arcaico, o da pastoral cristã; em segundo lugar, apoiando-se num modelo, ou antes,
numa técnica diplomático-militar; e, enfim, em terceiro lugar, como essa
01 Governamentalida I. Digressões governamentalidade só pôde adquirir as dimensões que tem graças a uma série de
fev. de explícitas instrumentos bem particulares, cuja formação é contemporânea precisamente da arte
de governar e que chamamos, no antigo sentido do termo, o sentido dos séculos
XVII e XVIll, de "polícia". A pastoral, a nova técnica diplomático-militar e, enfim,
a polícia - creio que foram esses os três grandes pontos de apoio a partir dos quais
pode se produzir esse fenómeno fundamental na histona do ocidente, a
governamentalização do Estado. (p.146)
Primeira questão: por que querer estudar esse domínio, no fim das contas
inconsistente, nebuloso, cingido por uma noção tão problemática e artificial quanto
a de “governamentalidade”? Minha resposta, é claro, será imediatamente a seguinte:
para abordar o problema do Estado e a população todo o mundo sabe o que são, em
todo caso imagina saber o que são. A noção de Estado e a noção de população têm
sua definição, sua história. O domínio a que essas noções se referem é, grosso
II. Escolha das modo, mais ou menos conhecido, ou, se tem uma parte imersa e obscura, tem uma
08 Governo outra visível. Por conseguinte, como se trata de estudar esse domínio, na melhor –
fontes
fev. População ou na pior – das hipóteses semi-obscuro do Estado e da população, porque querer
abordá-lo através de uma noção que é plena e inteiramente obscura, a de
“governamentalidade”? Por que atacar o forte e o denso com o fraco, o difuso e o
lacunar? (p.156)
Mas podemos - e aqui eu me refiro muito especificamente à obra evidentemente
fundamental, essencial, que tem de ser lida obrigatoriamente, de Robert Castel
sobre A ordem psiquiátrica - podemos proceder do exterior (...). Um método como
esse consiste em passar por trás da instituição a fim de tentar encontrar, detrás dela
II. Escolha das e mais globalmente que ela, o que podemos chamar grosso modo de tecnologia de
08 Governo
fontes poder. Assim, essa análise permite substituir a análise genética segundo a filiação
fev. População
por uma análise genealógica (não confundir a gênese e a filiação com a genealogia),
uma análise genealógica que reconstitui toda uma rede de alianças, de comunicação,
de pontos de apoio. Logo, primeiro princípio metodológico: passar por fora da
instituição para substituí-la pelo ponto de vista global da tecnologia de poder.
(p.157)
E com isso se percebe que a historia real da prisão sem dúvida não é comandada
II. Escolha das pelos sucessos e fracassos da sua funcionalidade, mas que ela se inscreve na
08 Prisão
fontes verdade em estratégias e táticas que se apoiam até mesmo nos próprios déficits
fev. Instituição
funcionais. Portanto: substituir o ponto de vista interno da função pelo ponto de
vista externo das estratégias e táticas.
[Nota-asterisco] Nota com asterisco
Sem dúvida em razão do cansaço invocado anteriormente, M. Foucault desiste neste
ponto de expor todo um desenvolvimento (p.8-12 do manuscrito). Boa parte das notas de asterisco,
contendo aquilo que Foucault
[...] Um método deve ser feito para nos livrarmos dele. Mas trata-se menos de um excluía de sua fala na sala de
método do que de um ponto de vista, de um acomodamento do olhar, uma maneira aula/conferência, fazem parte de
de fazer o [suporte(?)] das coisas girar pelo deslocamento de quem as observa. fragmentos metodológicos ou
(p.160-161) acontecimentos teóricos que
Foucault, ao longo dos cursos,
insere em meio a narrativa tramada
pelas fontes. Geralmente, os
organizadores dos cursos fazem
menção às breves intervenções
relatando seu estado de espírito ou
de saúde para justificar a não
comunicação dessas partes.
Foucault talvez quisesse preservar
08 I. Digressões
Método a fluidez de suas histórias,
fev. explícitas
envolvendo seus ouvintes pelas
conexões insuspeitas e pelas
peripécias dos próprios problemas
que encontra? Ou acharia que tais
reflexões, de certa maneira,
laterais, desinteressantes, talvez,
principalmente para aqueles que
não estão pensando os processos de
produção de investigação e
conhecimento, ou seja, não são
especialistas no assunto ou na
prática ali em questão, e que por
isso mesmo, poderiam ficar
escondidas, como notas póstumas,
uma vez que, no limite, teorias e
métodos são sempre objetos
descartáveis.
Então o objeto do curso que eu gostaria de dar este ano seria, em suma, o seguinte.
Assim como, para examinar as relações entre razão e loucura no Ocidente moderno,
II. Escolha das procuramos interrogar os procedimentos gerais de internamento e segregação,
08 Estado
fontes passando assim por trás do asilo, do hospital, das terapias e das classificações, assim
fev. Governo
como no caso da prisão procuramos passar por trás das instituições penitenciárias
propriamente ditas, para tentarmos descobrir a economia geral de poder, será que,
no caso do Estado, é possível dar a mesma virada? (p.161-162)
Não creio, portanto, que a ideia de que pode haver um governo dos homens e de que
os homens podem ser governados seja uma ideia grega. Tornarei, seja no fim desta
aula, se tiver tempo e coragem, seja da próxima vez, sobre esse problema,
II. Escolha das essencialmente em torno de Platão e do Político. Mas, de uma maneira geral, creio
08 Governo dos
fontes que se pode dizer que a ideia de um governo dos homens é uma ideia cuja origem
fev. homens
deve ser busca no Oriente, num Oriente pré-cristão primeiro, e no Oriente cristão
depois. E isso sob duas formas: primeiramente, sob a forma da ideia e da
organização de um poder de tipo pastoral, depois sob a forma da direção de
consciência, da direção das almas. (p.166)
Nessa exploração do tema da governamentalidade, eu havia iniciado um vaguíssimo
esboço, não da história, mas de algumas referências que permitem fixar um pouco o
que creio ter sido tão importante no Ocidente e que se pode chamar, que é
efetivamente chamado de pastorado. Tudo isso, essas reflexões sobre a
15 Governamentalida I. Digressões
governamentalidade, esse vago esboço do pastorado, não deve ser lido como ponto
fev. de explícitas
pacífico é claro. Não é um trabalho acabado, não é nem mesmo um trabalho feito, é
um trabalho em andamento, com tudo o que isso pode comportar de imprecisões, de
hipóteses - enfim, são pistas possíveis, para vocês, se quiserem, para mim, talvez.
(p.181)
Parece-me inclusive que a relação pastor-rebanho não é para os gregos um bom
modelo político. Creio que se pode fazer um certo número de objeções a isso, e da
ultima vez, aliás, alguém veio me dizer que não estava de acordo sobre esse tema e
II. Escolha das sobre esse ponto. Então, se me permitem, gostaria de tentar por uns dez minutos
15
Política fontes delinear um pouco esse problema da relação pastor-rebanho na literatura e no
fev.
pensamento grego. Parece-me de fato que podemos dizer que o tema pastor-
rebanho, para designar a relação do soberano ou do responsável político com seus
súditos ou concidadãos, está presente nos gregos, e apoiar essa afirmação em três
grupos possíveis de referências. (p.182)
Gostaria hoje de terminar com essas histórias de pastor e de pastoral, que devem
lhes parecer um pouco compridas demais e da próxima vez voltar ao problema do
governo; da arte de governar, da governamentalidade a partir dos séculos XVII-
XVIII. Vamos liquidar com a pastoral. (...). Quis simplesmente mostrar que o
pensamento grego não teria recorrido ao modelo do pastor para analisar o poder
22 Poder político I. Digressões político e que, se esse tema do pastor, que é tão frequentemente utilizado, tão
fev. Pastoral explícitas altamente valorizado no Oriente, havia sido utilizado na Grécia, foi seja nos textos
arcaicos, a titulo de designação ritual, seja também nos testos clássicos para
caracterizar certas formas na verdade locais e bem delimitadas de poder exercido,
não pelos magistrados no âmbito de toda a cidade, mas por certos indivíduos sobre
comunidades religiosas, em relação pedagógicas, nos cuidados com o corpo, etc.
(p.217-218)
Em suma, o pastorado não coincide nem com uma política, nem com uma
pedagogia, nem com uma retórica. É uma coisa inteiramente diferente. É uma arte
II. Escolha das
22 Governo dos de governar os homens, e é por aí, creio, que devemos procurar a origem, o ponto
fontes
fev. homens de formação, de cristalização, o ponto embrionário dessa governamentalidade cuja
entrada na política assinala, em fins do século XVI, séculos XVII-XVIII, o limiar
do Estado moderno. (p.219)
Hoje eu simplesmente gostaria, não, é claro, de estudar como essa pastoral cristã se
formou, como se institucionalizou, como, desenvolvendo-se, não se confundiu,
muito pelo contrário, com um poder político, apesar de toda uma série de
V. interferências e de interligações. Portanto não é propriamente a história da pastoral,
22
Pastoral cristã Convocações do poder pastoral cristão que quero fazer (seria ridículo querer fazê-lo. [Dado] por
fev.
pedagógicas um lado o meu nível de competência e, por outro, o tempo de que disponho).
Gostaria simplesmente de assinalar alguns dos traços que foram desenhados, desde
o inicio, na prática e na reflexão que sempre acompanhou a prática pastoral e que,
creio, nunca se apagaram. (p.220)
(...). Para fazer esse esboço vago, rudimentar, elementar, vou recorrer a alguns
textos antigos. Textos que datam grosso modo do século III ao século VI e que
redefinem o pastorado, seja nas comunidades de fiéis, nas igrejas - já que a igreja,
no fundo, só veio a existir relativamente tarde -, certo número de textos
essencialmente ocidentais, ou textos orientais que tiveram grande importância,
grande influencia no Ocidente, como por exemplo o De sacerdotio de são João
Crisóstomo. Tomarei as Cartas de são Cipriano, o capital tratado de santo
III.
Ambrósio intitulado De officiis ministrorum (os encargos, os ofícios dos ministros)
Referências
22 e o texto de Gregório, o Grande, Liber pastoralis, que será utilizado em seguida até
Pastoral cristã teóricas outras
fev. o fim do século XVII como o texto, o livro básico da pastoral cristã. Tomarei
incidentais
também alguns textos que se referem precisamente a uma forma de certo modo mais
densa, mais intensa de pastoral, a que é aplicada no interior, não das igrejas ou das
comunidades de fiéis, mas das comunidades monásticas, o texto de [João] Cassiano,
que, no fundo, transmitiu ao Ocidente as primeiras experiências de vida comunitária
nos monastérios orientais, ou seja, as Conferências de Cassiano, as Instituições
cenobíticas depois as Cartas de são Jerônimo e, enfim, é claro a Regra de são
Bento, ou as Regras são Bento que são o grande texto fundador do monasticismo
ocidental. (p.220-221)
Parece-me que o pastorado esboça, constitui o prelúdio do que chamei de
governamentalidade, tal como esta vai se desenvolver a partir do século XVI. Ele
preludia a governamentalidade de duas maneiras. Pelos procedimentos próprios do
22 Governamentalida I. Digressões
pastorado, por essa maneira, no fundo, de não fazer agir pura e simplesmente o
fev. de explícitas
principio da salvação, o principio da lei e o principio da verdade, por todas as
espécies de diagonais que instauram sob a lei, sob a salvação, sob a verdade, outros
tipos de relações. É por aí, portanto que o pastorado preludia a governamentalidade.
Bom, da última vez, falei um pouco do pastorado e da especificidade do pastorado.
Por que lhes falei disso e tão longamente. Digamos que por duas razões. A primeira
V. foi para procurar lhes mostrar - o que na certa não lhes passou despercebido - que
01 Procedimento de
Convocações não existe moral judaico-cristã; [a moral judaico-cristã] é uma unidade factícia. A Retomada do tema do Pastorado.
mar. aula
pedagógicas segunda é que, se de fato há nas sociedades ocidentais modernas uma relação entre
religião e politica, essa relação talvez não passe essencialmente pelo jogo entre
Igreja e Estado, mas sim entre o pastorado e o governo. (p.253)
Dito isso, gostaria agora de tentar mostrar um pouco como se abriu a crise do
pastorado e como o pastorado pode de certo modo explodir, dispersar-se e adquirir a
dimensão da governamentalidade, ou ainda, como o problema do governo, da
Pastorado governamentalidade pode se colocar a partir do pastorado. Claro, serão apenas
01 I. Digressões
Governamentalida algumas sinalizações, algumas sondagens muito descontinuas. Não se trata, em
mar. explícitas
de absoluto, de fazer a história do pastorado, e em particular vou deixar de lado tudo o
que se poderia chamar de grandes limitadores externos do pastorado católico e
cristão, esses grandes limitadores contra os quais ele se chocou ao longo de toda a
Idade Media e, por fim, no século XVI. (p.255)
Gostaria de tentar pesquisar alguns dos pontos de resistência, das formas de ataque
e de contra-ataque que puderam se produzir no próprio campo do pastorado. (...).
Em outras palavras, gostaria de saber se à singularidade histórica do pastorado não
01 Pastorado I. Digressões correspondeu a especificidade de recusas, de revoltas, de resistências ao poder na
mar. Resistência explícitas medida em que ele exerce uma soberania política, assim como houve outras formas
de resistência, igualmente desejadas, ou de recusa que se dirigem ao poder na
medida em que ele explora economicamente, não terá havido formas de resistência
ao poder como conduta? (p.256-257)
Gostaria agora, depois desse rápido sobrevoo do tema geral da contraconduta no
pastorado e na governamentalidade, de tentar identificar como as coisas
II. Escolha das aconteceram na Idade Média, em que medida essas contracondutas puderam, até
01
Contraconduta fontes certo ponto, pôr em questão, trabalhar, elaborar, erodir o poder pastoral de que lhes
mar.
falei da última vez, isto é, como uma crise interna do pastorado fora aberta na Idade
Media, desde havia muito tempo, pelo desenvolvimento de contracondutas. (p.266-
267)
V. Gostaria que vocês tivessem presente ao espirito certo numero de fatos bem
01
Contraconduta Convocações conhecidos, portanto peco-lhes desculpa por resumi-los dessa maneira puramente
mar.
pedagógicas livresca. (p.267)
Enfim, em terceiro lugar, queria insistir sobre isso para tentar lhes mostrar que, se
tomei esse ponto de vista do poder pastoral, foi, evidentemente, para tentar
encontrar o pano de fundo dessa governamentalidade que vai se desenvolver a partir
do século XVI. Foi para lhes mostrar também que o problema não é, de forma
alguma, fazer uma coisa como a história endógena do poder que se desenvolveu a
partir dele mesmo numa espécie de loucura paranoica e narcísica, mas [para] lhes
mostrar como o ponto de vista do poder é uma maneira de identificar relações
inteligíveis entre elementos exteriores uns aos outros. No fundo, o problema é saber
por que, por exemplo, problemas políticos ou económicos como os que surgiram na
Idade Média - por exemplo os movimentos de revolta urbana, os movimentos de
revolta camponesa, os conflitos entre feudalismo e burguesia mercantil -, como e
II. Escolha das
01 Governamentalida por que eles se traduziram num certo número de temas, de formas religiosas, de
fontes
mar. de preocupações religiosas que vão desembocar na explosão da Reforma, da grande
crise religiosa do século XVI. Penso que, se não tomamos o problema do pastorado,
do poder pastoral, das suas estruturas como sendo o ponto de articulação desses
diferentes elementos exteriores uns aos outros - as crises económicas, de um lado, e
os temas religiosos, do outro -, se não tomamos isso como campo de
inteligibilidade, como princípio de relacionamento, como intercambiador entre uns
e outros, acho que somos obrigados, nesse momento, a voltar as velhas concepções
da ideologia [e] a dizer que as aspirações de um grupo, de uma classe, etc., veem se
traduzir, se refletir, se exprimir em alguma coisa como uma crença religiosa. O
ponto de vista do poder pastoral, o ponto de vista de toda essa análise das estruturas
de poder permite, assim penso, retomar as coisas e analisá-las não mais na forma de
reflexo e transcrição, mas na forma de estratégias e táticas. (284-285)
Do que eu gostaria de lhes falar não é evidentemente de tudo isso, e sim desse ponto
particular que evoquei, a saber: em que medida quem exerce o poder soberano deve
encarregar-se agora de tarefas novas e específicas, que são as do governo dos
homens? Dois problemas de imediato: primeiro, de acordo com que racionalidade,
que cálculo, que tipo de pensamento será possível governar os homens no âmbito da
soberania? Problema do tipo de racionalidade, portanto. Em segundo lugar,
problema do domínio e dos objetos: o que, especificamente, deve ser objeto desse
08 Governo dos I. Digressões
governo dos homens, que não é o da Igreja, que não é o do pastorado religioso, que
mar. homens explícitas
não é de ordem privada, mas que é da incumbência e da alçada do soberano e do
soberano político? Pois bem, hoje eu gostaria de lhes falar da primeira questão, a
saber, do problema da racionalidade. Ou seja: de acordo com que racionalidade o
soberano deve governar? Bem, então, a razão governamental. Para tentar explicar
um pouquinho isso, gostaria de retomar um instante ao pensamento escolástico,
mais exatamente a são Tomás e ao texto em que ele explica o que é o poder real.
(p.311)
É aí que está o quiasma, é aí que está o cruzamento, é aí que está o efeito global,
mas essa globalidade não passa: Justamente de um efeito e é nesse sentido da
composição desses efeitos maciços que se deveria aplicar a análise histórica. Não
preciso lhes dizer que, em tudo isso, tanto nessas poucas reflexões de método
Pastorado II. Escolha das apenas esboçadas quanto no problema geral do pastorado e da governamentalidade
08
Governamentalida fontes de que lhes falei até aqui, eu me inspirei e devo certo número de coisas aos
mar.
de trabalhos de Paul Veyne (de que vocês conhecem, em todo caso de que vocês têm
absolutamente de conhecer o livro sobre O pão e o circo), que fez sobre o fenômeno
do evergetismo no mundo antigo um estudo que é, para mim, atualmente, o modelo
em que me inspiro para tentar falar destes problemas: pastorado e
governamentalidade. (p.320)
Hoje eu gostaria de lhes falar rapidamente do que se entendia, em fins do século
XVI - inicio do século XVII, por razão de Estado, apoiando-me em certo número de
textos, seja italianos, como o de Palazzo, seja ingleses, como o texto de Bacon, seja
franceses, ou também o de Chemnitz, de que lhes falei da última vez e que me
parece singularmente importante. O que se entende por razão de Estado? Vou
II. Escolha das
15 Razão começar me referindo a duas ou três páginas do tratado de Palazzo, publicado em
fontes
mar. Estado italiano no finzinho do século XVI, ou talvez nos primeiros anos do século XVII.
Existe na [Bíblíotheque] Nationale uma edição datada de 1606, que talvez não seja
a primeira, em todo caso a edição francesa, a primeira tradução francesa pelo
menos, data de 1611. Esse tratado se chama Discurso do governo e da verdadeira
razão de Estado, e nas primeiras páginas Palazzo simplesmente formula a questão:
o que se deve entender por "razão" e o que se deve entender por "estado"? (p.341)
Dito isso, para situar um pouco o horizonte geral da razão de Estado, gostaria agora
de retomar alguns dos traços desse governo dos homens que, portanto, já não se
pratica sob o signo da arte pastoral, mas sob o da razão de Estado. Não é uma
análise exaustiva o que eu gostaria de fazer, mas sim fazer - eu ia dizendo algumas
sondagens, mas a palavra é infeliz - alguns cortes, a esmo, relacionando justamente
a razão de Estado a alguns dos temas importantes que havíamos encontrado na
análise do pastorado, ou seja, o problema da salvação, o problema da obediência e o
II. Escolha das problema da verdade. E, para estudar a maneira como a razão de Estado pensa,
15 reflete, analisa a salvação, tomarei um exemplo preciso, o da teoria do golpe de
Estado fontes
mar. Estado. O golpe de Estado: noção importantíssima nesse início de século XVII,
tanto que tratados inteiros [lhe] foram consagrados. Naudé, por exemplo escreve em
1639 Considerações políticas sobre os golpes de Estado. Alguns anos antes, houve
um texto mais polêmico, mais imediatamente ligado aos acontecimentos, de
Sirmond, que se chamava O golpe de Estado de Luís XlII mas não era, em absoluto,
um texto polêmico contra Luís XlII, [muito] pelo contrário. (p.348-349)

Porque, afinal de contas, uma parte do teatro histórico de Shakespeare é, sem


dúvida, o teatro do golpe de Estado. Peguem Corneille, peguem também Racine,
II. Escolha das nunca são mais que representações: bom, eu exagero dizendo isso, mas são com
15
Estado fontes muita frequência, são quase sempre representações de golpes de Estado. De
mar.
Andrômaca a Atália, são golpes de Estado. Mesmo Berenice é um golpe de Estado.
O teatro clássico, a meu ver, esta essencialmente organizado em tomo do golpe de
Estado. (p.354)
V. Não costumo lhes dar conselhos quanto ao trabalho universitário, mas: se alguns de
15
Convocações vocês quisessem estudar Bacon, creio que não perderiam seu tempo. (p.356)
mar.
pedagógicas
Dizendo tudo isso a vocês, está claro que não quis de modo algum fazer a
genealogia do Estado ou a história do Estado, quis simplesmente mostrar algumas
15 I. Digressões
Estado faces ou algumas arestas do que poderíamos chamar de prisma prático-reflexivo, ou
mar. explícitas
simplesmente prisma reflexo, em que apareceu no século XVI, fim do século XVI -
início do século XVII, o problema do Estado. (p.368)
No entanto, mais uma vez, gostaria que ficasse bem claro que aquilo de que falo,
aquilo que está em questão em tudo o que lhes digo aqui é o momento em que todos
esses fenômenos começam efetivamente a entrar num prisma reflexivo que permite
organiza-los em estratégias. O problema está em saber a partir de que momento
foram efetivamente percebidos na forma de concorrência entre Estados, de
concorrência num campo econômico e político aberto, num tempo indefinido, esses
fenômenos de enfrentamento, de rivalidade que se podiam constatar, evidentemente,
22 I. Digressões desde sempre. A partir de que momento organizaram-se um pensamento e uma
Estado
mar. explícitas estratégia da concorrência para codificar todos esses fenômenos? É o que eu
gostaria de tentar apreender, e parece-me que foi a partir dos séculos XVI-XVII que
as relações entre os Estados foram percebidas não mais sob a forma da rivalidade,
mas sob a forma da concorrência. E aqui - claro, posso apenas indicar o problema -,
creio que seria preciso procurar identificar a maneira como os enfrentamentos entre
os reinos eram percebidos, reconhecidos, falados e ao mesmo tempo, pensados e
calculados em forma de rivalidades, essencialmente de rivalidades dinásticas, e a
partir de que momento começou-se a pensá-los na forma da concorrência, (p.394)
A razão política, se a considerarmos, portanto, não mais nesses textos um tanto
teóricos, ainda um tanto essencialistas e platônicos de que lhes falava na última vez,
mas, se vocês a considerarem nas formulações de que foi objeto principalmente no
fim do século XVI, no inicio do século XVII, sobretudo em tomo da Guerra dos
II. Escolha das
22 Trinta Anos, e por pessoas que eram muito mais práticas do que teóricas da política,
Estado fontes
mar. pois bem, encontraremos um novo estrato teórico. Esse novo estrato teórico e
analítico, esse novo elemento da razão política é a forca, é a forca, a forca dos
Estados. Entramos agora numa política que vai ter por objetivo principal a
utilização e o cálculo das forcas. A política, a ciência política encontra o problema
da dinâmica. (p.396)
Sobre essa continuidade entre o direito e a guerra, sobre essa homogeneidade entre
a batalha e a vitória, e o julgamento de Deus, remeto-os ao livro de Duby sobre O
22 Direito domingo de Bouvines, em que vocês têm páginas esclarecedoras sobre o
III. funcionamento judicial da guerra. (p.403)
mar. Guerra
A ideia foi efetivamente formulada nesse momento. Vocês vão encontrá-la em
alguém que se chamava Crucé, que escreveu no início do século XVII uma espécie
III. de utopia que se chamava O novo Cineas; na qual ele projeta, por um lado, uma
Referências polícia (tornarei sobre esse ponto mais detalhadamente a próxima vez), por outro
22
Estado teóricas outras lado, ao mesmo tempo e numa correlação absolutamente essencial - e que explica
mar.
incidentais por que, tendo prometido a vocês falar da polícia, tenho a sensação de ser preciso
lhes falar antes das organizações diplomático-militares -, uma organização
permanente entre os Estados, uma organização de consulta, com embaixadores
reunidos em permanência numa cidade. p.(406)
III. E essa ideia de que os Estados são uma sociedade, vocês vão encontrá-la claramente
Referências formulada num texto do início do século XVIII, no maior teórico do direito das
22
Estado teóricas outras gentes, que se chama Burlamaqui - trata-se de Os princípios do direito da natureza
mar.
incidentais e das gentes. (p.406-407)

Em suma, é um dos elementos essenciais nessa concorrência entre os Estados, em


III.
que cada um procura, evidentemente, inverter a relação de forca a seu favor, mas
Referências
22 que todos querem manter em seu conjunto. Aqui também vemos como esse
Estado teóricas outras
mar. principio de Clausewitz, de que a guerra é a continuação da política, teve um
incidentais
suporte, um suporte institucional preciso que foi a institucionalização do militar.
(p.409)
Há uma palavra, aliás, que exprime em boa parte esse objeto, esse domínio, que
designa bem essa relação entre o crescimento das forças do Estado e sua boa,
III. ordem. Essa palavra algo estranha vocês vão encontrar varias vezes para
Referências caracterizar o objeto da polícia. Vão encontra-la no inicio do século XVII num texto
29
Estado teóricas outras sobre o qual terei a oportunidade de tomar várias vezes, um texto de Turquet de
mar.
incidentais Mayeme, que tem o curioso nome de A monarquia aristodemocrática, texto de
1611. Tornarão a encontrá-lo cento e cinquenta anos mais tarde, num texto alemão
de Hohenthal, em 1776. E essa palavra é simplesmente a palavra "esplendor".
(p.420-421)
Creio ter lhes explicado da última vez a ideia geral, mas, concretamente, um livro
consagrado à policia fala de que? Creio que devemos nos referir de qualquer modo
III. ao que foi durante todo o século XVIII a compilação fundamental, o texto básico da
Referências prática da policia, tanto na Alemanha como na Franca, aliás, apesar da compilação
05
Polícia teóricas outras ser em francês, mas é sempre a ela que os livros alemães se referiam quando se
abr.
incidentais tratava de saber de que se falava quando se falava da polícia. Essa compilação é a
de Delamare, é uma grossa compilação da legislação de polícia em três volumes,
publicada, não me lembro mais, em 1711, 1708..., enfim, que foi republicada várias
vezes no século XVIII. (p.449-450)
Vocês se lembram, aqueles textos que procurei analisar para vocês, pois bem, se
vocês quiserem, vamos pegar os mais precisos dentre eles, os que diziam respeito
justamente ao que era chamada de policia dos cereais e de problema da escassez
alimentar. Isso nos situa no meado, em todo caso [no] fim do primeiro terço do
III.
século e acredito - porque no fundo não fiz outra coisa nos ultimas meses senão
Referências
05 procurar comentar com vocês esses textos sobre os cereais e a escassez alimentar,
Polícia teóricas outras
abr. era sempre deles que se tratava através de certo número de desvios -, creio que
incidentais
podemos compreender melhor a importância do problema posta a propósito da
polícia dos cereais e da escassez alimentar, podemos compreender melhor a
importância do problema, o ardor das discussões, podemos compreender melhor
também o avanço teórico e a mutação que estava em gestação em tudo isso a partir
desse problema, dessas técnicas e desses objetos específicos à polícia. (p.459)
Podemos fazer a genealogia do Estado moderno e dos seus diferentes aparelhos a
05 I. Digressões partir de uma história da razão governamental. Sociedade, economia, população,
Estado
abr. explícitas segurança, liberdade: são os elementos da nova governamentalidade, cujas formas,
parece-me, ainda conhecemos em suas modificações contemporâneas. (p.476)
Eu tinha procurado lhes mostrar como, entre a arte pastoral de conduzir os homens e
05 I. Digressões as contracondutas que lhe eram absolutamente contemporâneas, vocês têm toda uma
Estado
abr. explícitas serie de intercâmbios, de apoios recíprocos, e era mais ou menos das mesmas coisas
que se tratava. (p.477)
Tudo o que eu queria fazer este ano era uma pequena experiência de método para
lhes mostrar que, a partir da análise relativamente local, relativamente microscópica
dessas formas de poder caracterizadas pelo pastorado, a partir daí, era perfeitamente
possível, creio que sem paradoxo nem contradição, chegar aos problemas gerais que
são os do Estado, contento, justamente, que [não enrijamos] o Estado [como] uma
realidade transcendente cuja história poderia ser feita a partir dela mesma. A
história do Estado deve poder ser feita a partir da própria prática dos homens, a
05 I. Digressões partir do que eles fazem e da maneira como pensam. O Estado como maneira de
Estado
abr. explícitas fazer; o Estado como maneira de pensar. Creio que essa não é [certamente], a única
possibilidade de análise que temos quando queremos fazer a história do Estado, mas
é uma das possibilidades, a meu ver, suficientemente fecunda, fecundidade essa
ligada, no meu entender, ao fato de que se vê que não há, entre o nível do
micropoder e o nível do macro poder algo como um corte, ao fato de que, quando se
fala num, [não] se excluí falar no outro. Na verdade, uma análise em termos de
mlcropoderes compatibiliza-se sem nenhuma dificuldade com a análise de
problemas como os do governo e do Estado. (p.481)

[fim]

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