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EM BUSCA DA CIVILIZAÇÃO

DO EQUILÍBRIO

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Projeto gráfico:
Andréa Esteves

Impressão:
Gráfica e Editora O Lutador

FICHA CATALOGRÁFICA

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EM BUSCA DA CIVILIZAÇÃO
DO EQUILÍBRIO

Moacir Nunes de Sousa

Belo Horizonte - MG
2017

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“Em vão se atribuirá ao fanatismo a decadência
da atual civilização. Quando tudo tiver passado pelo
crisol das mudanças que se devem operar no acon-
tecer evolutivo da humanidade, ver-se-á, com inequí-
voca lucidez, quais foram e são os responsáveis, e por
quê. O que agora importa é salvar as reservas morais
e espirituais do gênero humano; mais claramente, as
que ainda não foram lesadas pelos extremismos ide-
ológicos ou sectários, incompatíveis com a evolução
ativa e consciente a que o homem tem direito e que é
prerrogativa de toda a humanidade.”
González Pecotche

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INTRODUÇÃO

Lendo o livro de Mário Vargas Llosa – A Civilização do


Espetáculo, editora Objetiva, edição 2013 , com um conteúdo
atrativo para o leitor e abordagem clara e convincente sobre
os principais tópicos que explicam os cenários da decadência
da Civilização Ocidental, com características socioculturais
que se assemelham, também, com a decadência da Civilização
Oriental, ambas tragadas pela volumosa corrente dos pensa-
mentos-massa que assolam o mundo inteiro, em decorrência
da força da globalização, veio-me a ideia de fazer alguns co-
mentários sobre a obra desse ilustre autor contemporâneo,
contemplado com o prêmio Nobel de Literatura.
Em primeiro lugar, deve-se salientar o papel dessa glo-
balização que, embalada pelo progresso material nas diversas
atividades humanas, desencadeou a eliminação de fronteiras
econômicas, sociais e linguísticas, trazendo para os povos de
todos os continentes um ensaio de padronização de costumes
jamais visto na história. Todos esses resultados do progresso
material que estamos presenciando poderão alterar, em curto
prazo, os padrões culturais que ainda diferenciavam as duas
civilizações. E tudo isso se torna importante para se conhecer
melhor o porquê das mudanças que estão sendo registradas
no dia a dia das populações do mundo.
As questões trazidas pela globalização, envolvendo os
padrões culturais de todos os povos dos continentes do pla-
neta Terra, levam a supor que Vargas Llosa esteja consideran-

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do ou, no mínimo, vislumbrando que a população do nosso
planeta já está sendo dominada por uma única civilização – A
Civilização do Espetáculo, pois justifica, por meio de fatos con-
cretos, vivenciados nos dias atuais, por que, principalmente, a
civilização ocidental, está assim identificada.
Por outro lado, é necessário que se deixe claro que a
apreciação da obra do autor em tela não será feita em forma
de contestação, mas sim como complementação, buscando
descrever o que o autor desse comentário compreende como
sendo uma importante alternativa que poderá anular a Civili-
zação do Espetáculo, uma vez que essa alternativa está repre-
sentada por uma nova concepção de vida caracterizada como
a CIVILIZAÇÃO DO EQUILÍBRIO – patamar essencial para se
alcançar a CIVILIZAÇÃO DO ESPÍRITO OU DA ESPIRITUALI-
DADE.
A possibilidade de se instituir a Civilização do Equilí-
brio oferece uma singular oportunidade de mudança, por ser
ela portadora de uma nova e poderosa mensagem para a hu-
manidade, com uma força que poderá reverter as tendências
humanas em aceitar os espetáculos como uma ociosa maneira
de viver, não por uma questão racional e consciente, mas pre-
cisamente pela carência de valores morais e espirituais que
harmonizem a necessidade de se divertir sem se desvirtuar.
A Civilização do Equilíbrio poderá transformar a vida
humana em uma ampla e formidável oportunidade de cada
ser humano prestar uma homenagem ao Criador de tudo que
existe, uma vez que o fundamento maior dessa nova civiliza-
ção é a afirmação de que a mente humana é um fragmento da
Mente Universal, que é o próprio Deus. E que Deus, como a Su-
prema Ciência ou Inteligência Universal, se manifesta a todos
os seres humanos por meio de Suas Leis, também Supremas

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ou Leis Universais, e que tem como lei maior, na compreen-
são do autor desse comentário, a Lei de Equilíbrio. A Lei de
Equilíbrio, assim como as demais leis universais (Evolução,
Movimento, Tempo, Causa e Efeito, Lógica, Conhecimento,
Caridade, Correspondência, Herança, Relatividade, Atração,
Gravidade etc.), atestam, de forma clara e perceptível, a lin-
guagem que esse Saber Supremo passa aos seres humanos,
tanto ao dar o amparo a todos os que se pautarem dentro dos
seus supremos e superiores mandatos, como ao advertir ou
corrigir, de uma maneira natural, os que agirem de forma con-
trária, em todas as partes do Universo.
Para que se demonstre a lógica existente nas proposi-
ções mencionadas, principalmente sobre a Lei de Equilíbrio,
basta atentarmos para dois fatos que são facilmente observa-
dos. O primeiro fato é o equilíbrio e harmonia existentes no
movimento dos astros ao descreverem suas órbitas. É o que
se nota no sistema solar como a grande família de astros que
se movimentam em torno do Sol, obedecendo a Lei de Gravi-
dade, da mesma forma como acontece com milhões de corpos
celestes que, em outras galáxias, se acomodam no imenso es-
paço em perfeita harmonia. Em toda essa imensidão do es-
paço, afirma o pensador González Pecotche – que assume a
paternidade das ideias ora tratadas, em seu livro Mecanismo
da Vida Consciente –, a

“Vontade Cósmica se articula com absoluto equilíbrio


e harmonia, em todos os movimentos que realizam
em sua incessante atividade. Esses movimentos são
um constante convite, feito à Inteligência do homem, a
que descubra neles os segredos e o porquê da própria
evolução rumo a seu altíssimo reino. Na contempla-
ção, observação, meditação e estudo de cada uma das

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maravilhas dessa Criação, podemos assimilar a parte
de essência que corresponde à nossa vida psíquica, ou
seja, à vida de nosso espírito”.

A segunda prova desse admirável equilíbrio está na


própria Natureza, onde todos os processos da Criação se de-
senvolvem com o mesmo equilíbrio e harmonia encontrados
nos processos cósmicos, coordenados pela força de uma inte-
ligência incomparável em sabedoria e que tem permitido ao
próprio homem, mesmo de forma inconsciente, extrair lições
em proveito de sua própria ciência.
A Civilização do Equilíbrio tem por base os fundamen-
tos de uma concepção universal e eterna, e como pressupos-
tos o cultivo de valores de uma moral laica, sem ser ateia, e
altamente elevada, pressupostos estes que serão identifica-
dos nas análises sobre os temas enfocados por Vargas Llosa.
Essa civilização – ao ser posta em prática –poderá, certamen-
te, preencher todas as lacunas provocadas pela Civilização do
Espetáculo.
A Civilização do Equilíbrio traz em seu bojo todas as
perspectivas de sensatez, de verdade e de tantos outros valo-
res eternos, capazes de abrir os entendimentos humanos para
uma compreensão ampla sobre a vida e o destino dos homens
na Terra. Traduz o ensejo de criar uma civilização que ensina
o cultivo de autênticos valores morais e espirituais sem ne-
nhuma espécie de temor; que canaliza os esforços individuais
para o encontro do próprio indivíduo, conhecendo o mundo
mental “que o rodeia, interpenetra e influi poderosamente em
sua vida”; “que ensina ao homem a compreender, amar e res-
peitar o Autor da Criação, descobrindo sua vontade através de
suas Leis e das múltiplas manifestações de Seu Espírito Uni-
versal”, que potencializa a família como pilar de sustentação

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dos verdadeiros valores morais e espirituais; que valoriza os
esforços individuais na prática da verdadeira caridade; que
faz predominar a sensibilidade sobre o sentimentalismo; que
estimula a prática da religião do conhecimento, que aproxima o
homem de Deus e não a religião das crenças infundadas, que fe-
cha a mente dos homens para a investigação e a busca das gran-
des verdades; que faz da educação e da ciência os caminhos
do equilíbrio humano entre o materialismo e o metafísico;
que permite o reinado do espírito que dá essência, estrutura
e funcionamento à individualidade; que faz prevalecer a força
do direito,e não o direito da força; enfim, de tantos outros re-
quisitos imprescindíveis para a vida de todo ser humano e tão
ausentes no mundo contemporâneo.
Em síntese, pode-se afirmar que a Civilização do Equi-
líbrio está sustentada por uma nova concepção humanista e

“começa esse novo humanismo por exaltar no ser a


parte humana de Deus, a centelha divina, latente nele
até a chegada do homem a seu mundo interno, fato
que o leva a alcançar a plenitude de seu aperfeiçoa-
mento psíquico, moral e espiritual. Com esse objeti-
vo a sabedoria logosófica o prepara , ensinando-lhe
passo a passo, e processo após processo, os múltiplos
aspectos que devem condicionar sua vida. Guia-o para
o conhecimento do humanismo nas profundidades
do seu ser e, a partir daí, o conduz a desenvolver as
aptidões e qualidades até consolidar nele a essência
humana, pondo-o em condições de contribuir para a
consolidação dessa essência no coração da humani-
dade”.

Essa concepção se completa com a afirmação de que


o humanismo é o ser racional e consciente, que realiza em si
mesmo as excelências de sua condição de humano e de seu

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conteúdo espiritual, sobre a base de uma incessante supera-
ção.
Como o presente texto quer comparar as duas civiliza-
ções (Civilização do Espetáculo x Civilização do Equilíbrio),
surge a seguinte pergunta: O que Vargas Llosa considera “Ci-
vilização do Espetáculo”? Para ele, “é a civilização de um mun-
do onde o primeiro lugar na tabela de valores vigentes é ocu-
pado pelo entretenimento, onde divertir-se, escapar do tédio,
é a paixão universal”. Considera que

“este ideal de vida é perfeitamente legítimo, sem dú-


vida. Só um puritano fanático poderia reprovar os
membros de uma sociedade que quisessem dar des-
contração, relaxamento, humor e diversão a vidas
geralmente enquadradas em rotinas deprimentes e
às vezes imbecilizantes. Mas transformar em valor
supremo essa propensão natural a divertir-se tem
consequências inesperadas: a banalização da cultura,
generalização da frivolidade e, no campo da informa-
ção, a proliferação do jornalismo irresponsável da bis-
bilhotice e do escândalo”.

Em outro parágrafo, Vargas Llosa pergunta: o que fez


o Ocidente ir resvalando para uma civilização desse tipo? Sua
resposta é:

“O bem-estar que se seguiu aos anos de privações


da Segunda Guerra Mundial e à escassez dos primei-
ros anos pós-guerra. Depois dessa etapa duríssima,
seguiu-se um período de extraordinário desenvolvi-
mento econômico. Em todas as sociedades democrá-
ticas e liberais da Europa e da América do Norte as
classe médias cresceram como bola de neve, a mo-
bilidade social se intensificou e, ao mesmo tempo,

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ocorreu notável abertura dos parâmetros morais, a
começar pela vida sexual, tradicionalmente refreada
pelas igrejas e pelo laicismo pudico das organizações
políticas, tanto de direita como de esquerda. O bem-
-estar, a liberdade de costumes e o espaço crescente
ocupado pelo ócio no mundo desenvolvido constituí-
ram notável estímulo para a multiplicação das indús-
trias de diversão, promovidas pela publicidade, mãe e
mestra do nosso tempo. Deste modo sistemático e ao
mesmo tempo insensível, não se entediar e evitar o
que perturba, preocupa e angustia passou a ser, para
setores sociais cada vez mais amplos do vértice à base
da pirâmide social, o preceito de toda uma geração,
aquilo que Ortega Y Gasset chamava de ‘espírito de
nosso tempo’, deus folgazão, amante do luxo e frívolo,
ao qual todos, sabendo ou não, rendemos tributo há
pelo menos meio século, e cada dia mais”.

Nota-se, de imediato, que as observações e avaliações


do autor são pertinentes, pois é fácil se comprovar essa rea-
lidade que surge em consequência de uma inversão de valo-
res que está evidenciada na vida de grande parte das grandes
cidades do mundo e, em determinados países, já se espalha
pelas cidades menores por força da expansão dos veículos de
comunicação, da grande facilidade de propagação das drogas
e por contar com um ambiente social despreparado para per-
ceber as armadilhas do progresso material, em completa de-
sarmonia com o progresso espiritual.
Todavia, essa posição de Vargas Llosa, apesar de sua
convincente lógica, é um tanto fatalista, pois não prevê
nenhuma alternativa que possa conter o avanço da tendên-
cia atual dos povos do mundo nessa corrida materialista que
terminará por levá-los a situações conflituosas e de difíceis
soluções. Daí a necessidade de se analisar e apresentar outras

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opções para todas as questões envolvidas, a começar com o
aspecto cultural, pois é a cultura que irá definir a trajetória
das ideias que cercam todo o arcabouço da globalização. E,
neste particular, apesar de terem sido apresentadas, pratica-
mente, todas as fontes dos problemas, não foram apresenta-
das, infelizmente, todas as alternativas que poderão trazer
os elementos culturais capazes de conter os conflitos e, con-
sequentemente, alterar ou substituir um ou mais dos instru-
mentos de expansão da cultura ocidental.

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A TRAJETÓRIA PERCORRIDA PELA
CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL

Para se ter uma ideia mais completa sobre a origem de


todos os nossos costumes e ao mesmo tempo analisar a cau-
sa de certos acontecimentos que presenciamos na atualidade
– principalmente aqueles que Vargas Llosa abordou em seu
trabalho –, torna-se oportuno apresentar, mesmo em forma de
síntese, a trajetória da Civilização Ocidental, ou seja: o conjun-
to de valores, hábitos, formas de produzir, pensar e sentir em
todas as atividades desenvolvidas pelos povos, principalmen-
te da Europa e do Continente Americano, nesse longo período
entre os séculos V e XXI. Para isso, é necessário saber como se
comportaram, em diversos momentos, os dois pilares de sus-
tentação da Civilização Ocidental, que são, ao mesmo tempo,
seus instrumentos de expansão, representados, de um lado,
pelo progresso material, e, do outro, pelo progresso espiritual.
Na visão do pesquisador e historiador americano Car-
roll Quigley, em seu livro A Evolução das Civilizações, a civili-
zação ocidental apresentou uma trajetória do progresso ma-
terial bastante racional, intensa, oportuna e lógica, mas não
aconteceu o mesmo com a trajetória espiritual, que permane-
ceu sem mudanças em sua estrutura e funcionamento. Para
que se tenha uma compreensão clara a respeito desse assun-
to será importante que se trace, em poucas linhas, cada uma
dessas trajetórias.

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Para o mencionado estudioso, a Civilização Ocidental
foi formada em seu todo pelos elementos culturais oriundos
da Civilização Clássica (que antecedeu a Civilização Ociden-
tal e era formada pelo conjunto de valores morais e espiritu-
ais aplicados nos campos material e espiritual pelos gregos
e romanos) acrescidos de traços das culturas semítica, bár-
bara e, posteriormente, muçulmana ou islâmica. Essa assi-
milação se deu durante o período de crise, decadência e fim
do Império Romano do Ocidente, que tinha como capital a
cidade de Roma. Dos destroços culturais do Império Roma-
no do Ocidente, em razão das invasões bárbaras ocorridas
nos séculos IV e V, surgiram novas comunidades na Europa,
com características culturais diferentes, mas tendo como de-
nominador comum o cristianismo, que foi se consolidando
como novo instrumento de expansão espiritual por toda a
Idade Média.
Seguindo a sua trajetória evolutiva, segundo Carroll
Quigley, O PRIMEIRO PERÍODO de expansão da Civilização
Ocidental durou cerca de três séculos (de 970 a 1270) e foi se
renovando, com o tempo, constituindo-se como um dos maio-
res de tais períodos na história humana. Seu instrumento de
expansão material surgiu com o sistema feudal, organizado
por uma pequena minoria de guerreiros e clérigos, e mantido
por uma grande maioria de camponeses... Mas logo começou
o investimento em atividades econômicas. Este apareceu na
agricultura e no estímulo do comércio a longa distância, na
busca de mercadorias de luxo. Com o tempo, a procura por
mercadoria de luxo foi reforçada e ampliada pela procura tan-
to de artigos de luxo como de outros de primeira necessida-
de pelos grupos comerciais prósperos. Essa estrutura feudal
evoluiu e foi institucionalizada com a criação da cavalaria.

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Com essa evolução, surgiu um fenômeno interessante
ressaltado por Quigley, mostrando os conflitos entre nobreza
e burguesia, assim configurado:

“Mesmo como grupo social, a nobreza feudal estava


sendo desafiada por pessoas de outras origens, tais
como os funcionários reais, os líderes clericais e a
burguesia rica. A nobreza não tinha desejo de con-
tinuar o processo de mudança que a colocara nesta
situação, mas não estava em condições de deter a con-
tínua evolução”.

Uma das principais consequências dessas mudanças


econômicas foi o advento de uma economia monetária.
Sem entrar em maiores detalhes, consta, pelo que a
história registrou, que essa economia monetária, com o tem-
po, trouxe sérios problemas sociais, provocando uma degra-
dação da vida material, social e espiritual da Europa nos sé-
culos XIII e XIV, com maiores desagrados e dificuldades para
a própria burguesia, que, por essas razões, procurou alterar
o instrumento de expansão material com a criação do capita-
lismo comercial ou mercantilismo estatal. Esse novo instru-
mento de expansão foi sendo ampliado e foi ele o responsável
pelas viagens marítimas que tiveram início ainda na primeira
metade do século XV, e que acarretaram como desdobramen-
tos os descobrimentos de novas terras e novas fontes de enri-
quecimento comercial. Foi esta a época do chamado RENASCI-
MENTO, uma renovação espantosa no campo social, político,
econômico e espiritual com a liberdade de pensamento que
culminou com descobertas científicas relevantes. Dentre os
tantos nomes que se destacaram, merecem ser citadas figuras
como Galileu, Nicolau Copérnico, Kepler, Leonardo Da Vinci e

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Newton. Cada um desses nomes representou um degrau de
evolução no campo material em seu tempo.
Dentro da linha de evolução do progresso material da
civilização ocidental, ficou comprovado o fato, também re-
gistrado pela história, de que, quando o instrumento de ex-
pansão de uma civilização se institucionaliza, a tendência é o
surgimento da estagnação e de conflitos. Esse novo período
de estagnação foi constatado na Civilização Ocidental por vol-
ta do fim do século XVII. As provas desse período de conflito
foram as guerras imperialistas, conflitos de classes, expansão
populacional crescente, de abrandamento de preços e de con-
fusões irracionais que se estenderam até 1815 (com o perío-
do napoleônico), exigindo um novo instrumento de expansão.
Esse novo instrumento de expansão, segundo Carroll
Quigley, foi representado, ainda, pelo capitalismo, mas com
algumas modificações provocadas pelos seguintes fatos: 1)
A Revolução Agrícola desde 1730; 2) A Revolução Industrial
desde 1770; 3) O Capitalismo Financeiro desde 1850; e 4) O
Capitalismo Monopolista desde 1900.
Evidentemente, esta última fase do capitalismo já so-
freu algumas alterações ao longo do século XX e começo do
XXI, mas apenas na forma, pois o seu conteúdo é o mesmo,
até os dias atuais, sendo recompostas a economia e todas as
atividades materiais de acordo com as necessidades da época.
Frente aos argumentos apresentados pelo historiador
Carroll Quigley ao tratar do mecanismo de defesa da Civili-
zação Ocidental para alterar o seu instrumento de expansão
material, à medida que as condições econômicas exigi-
ram, fica a seguinte pergunta: Por que não foi usado
um mecanismo correspondente para alterar ou ajus-
tar o instrumento de expansão espiritual? Que implicações

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trouxeram a institucionalização e a permanência desse único
instrumento de expansão para a Civilização Ocidental?
Como resposta para esses questionamentos, não é ne-
cessária a defesa de nenhuma tese, pois, positivamente, existe
uma incompatibilidade entre o progresso material e o espi-
ritual, entre a ciência e a religião, sendo bastante acentuada
antes e depois do Iluminismo e configurada na forma que as-
sinalou Édouard Schuré em seu livro Os Grandes Iniciados:

“Desde que a Igreja, não podendo mais provar seu


dogma primário, em face das objeções da ciência, nele
se encerrou como numa casa sem janela, opondo a fé
à razão como um mandamento absoluto e indiscutí-
vel; desde que a Ciência inebriada com suas desco-
bertas no mundo físico, abstraindo o mundo psíqui-
co e intelectual, tornou-se agnóstica em seu método,
materialista tanto em seus princípios como em seu
fim; desde que a Filosofia desorientada e impotente
entre as duas, de certa maneira abdicou de seus direi-
tos para cair num ceticismo transcendente, uma cisão
profunda se fez na alma da sociedade e na dos indiví-
duos. Este conflito, a princípio necessário e útil, pois
estabeleceu os direitos da Razão e da Ciência, acabou
por tornar-se uma causa da fraqueza e da insensibili-
dade. A religião responde às necessidades do coração,
daí sua eterna magia; a Ciência às necessidades do es-
pírito, daí sua força invencível. Entretanto, há muito
tempo estas potências não sabem mais se entender.
A religião sem prova e a Ciência sem esperança estão
em pé, uma em face da outra e se desafiam sem po-
der se vencerem. Daí uma contradição profunda, uma
guerra oculta, não somente entre o Estado e a Igre-
ja, mas ainda na própria Ciência, no seio de todas as
Igrejas e até na consciência de todos os indivíduos
pensantes. Pois, sejamos nós quem formos, pertença-
mos nós a qualquer escola filosófica, estética ou so-

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cial, trazemos em nós estes dois mundos inimigos, na
aparência irreconciliáveis, que nascem de duas neces-
sidades indestrutíveis do homem: a necessidade cien-
tífica e a necessidade religiosa. Esta situação que dura
há mais de um século tem, certamente, contribuído
pouco para o desenvolvimento das duas faculdades
humanas, dirigindo umas contra as outras. A Ciência
só se ocupa com o mundo físico e material; a Filosofia
Moral perdeu a direção das inteligências; a Religião
governa ainda, sob certa medida, as massas, mas não
reina mais sobre as elites sociais”.

Esse texto de Schuré é bastante interessante e muito


profundo, pois apresenta aspectos que são os verdadeiros
“nós” culturais e barreiras fortes contra o equilíbrio entre o
progresso material e o espiritual, mas não são barreiras in-
transponíveis, embora sejam difíceis de serem transpostas.
Ele trata, também, de realidades indiscutíveis, como, por
exemplo, a ocupação do espaço mental cedido pela filosofia
à religião, principalmente depois da Revolução Francesa, com
os ataques ao Iluminismo, no campo das ideias, e a vitória das
forças conservadoras no campo político no final do Período
Moderno. Nesses conflitos, ficaram evidenciados o motivo da
separação entre Filosofia e Ciência e o avanço da Religião em-
purrado por interesses políticos em conter as massas. Isso a
História explica com muita clareza, levando, para a compre-
ensão de quem acompanha os fatos históricos, as explicações
necessárias sobre a oportunidade perdida pelo instrumento
de expansão espiritual da civilização ocidental para que fosse
reformulado e atendesse ao necessário equilíbrio.
Todavia, merecem destaque, sobre a compreensão de
Schuré, as seguintes afirmações: a Religião responde às ne-
cessidades do coração, daí sua eterna magia; a Ciência, às ne-

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cessidades do espírito, daí sua força invencível. Essas afirma-
ções trazem uma verdade transcendental – e não se sabe se o
autor teve consciência disso –, pois demonstram exatamente
a diferença grandiosa que existe entre a Ciência, com sua for-
ça invencível, pois representa uma necessidade do espírito,
isto é, necessidade metafísica e transcendente, e a Religião,
respondendo às necessidades do coração, órgão sensível, por
excelência, mas ligado, quase sempre, pela cultura ocidental,
aos movimentos e desejos físicos do ser humano, muitos de-
les influenciados por paixões e magias, quando deveriam es-
tar ligados apenas à sensibilidade.
Por outro lado, não se pode afirmar que a Ciência te-
nha empregado a sensibilidade em todos os seus ímpetos a
favor do progresso material. Têm-se visto muitos avanços
tecnológicos orientados pela ciência, mas nem todos trazem
o equilíbrio de um conhecimento emanado de fontes espiri-
tuais e dirigidos para o bem da humanidade, porque também
os cientistas carecem dessa consciência sobre as origens da
Ciência e o papel que desempenha o espírito na vida do ser
humano e, por consequência, na sociedade.
Para justificar esse ponto de vista, é necessário que se
saiba que o homem possui duas naturezas: uma, física, liga-
da à matéria e representada pelo corpo e alma, ambos
perecíveis; a outra é a parte espiritual ou metafísica, incor-
pórea e eterna, representada pela inteligência e consciência
individuais, em forma de conhecimentos. Isso leva-nos a refle-
tir sobre algo grandioso entre o homem e Deus, assunto este
que nem a ciência e nem as religiões souberam explicar. A ci-
ência, como dizia Schuré, por ter ficado inebriada com as des-
cobertas no campo físico, tornou-se agnóstica em seu método.
As religiões, por falta de conhecimentos que transcendam os

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comuns, no campo espiritual, transformaram essa questão
em mistérios.
Para se ter uma ideia mais clara sobre a possível liga-
ção entre a ciência e o espírito – ente imaterial que ainda é
tratado apenas pelas religiões e especialmente pelo espiri-
tismo – merecem respeito e reflexão os pronunciamentos da
Ciência Logosófica sobre o homem, o espírito, a ciência, o Uni-
verso e Deus, esclarecendo o que intuiu Schuré em sua obra
Os Grandes Iniciados.

“Para o Pensamento Logosófico, Deus é a imensidão, o


eterno; é a Suprema Ciência da Sabedoria, que a men-
te humana pode descobrir em cada um dos processos
do Universo estampados na natureza – processos exa-
tos, ciência pura, perfeita, na qual o homem se inspira
para criar a ‘sua’ ciência”.

Ainda, para o Conhecimento Logosófico,

“O conhecimento do mundo metafísico começa, im-


prescindivelmente, com o conhecimento de si mesmo,
por estarem ambos os mundos, o interno do ser e o
metafísico, indissoluvelmente ligados. Vem ao caso
destacar a função imponderável do espírito como
condutor para esse mundo das grandes ideias, onde
reina permanentemente o Pensamento de Deus. Daí
que a Logosofia tenha apontado o espírito como elo
que une o homem a seu Criador. Já se terá observa-
do que nos estamos internando nos segredos de um
enigma até hoje indecifrável para o entendimento hu-
mano, e que o fazemos com a mesma clareza com que
sempre expomos nosso pensamento”.

Levando esses aspectos levantados pela Logosofia para


uma reflexão mais profunda, chega-se a concluir, em virtude

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das duas naturezas do homem, sendo a espiritual considerada
como a parte divina do homem e a parte humana de Deus, o
quanto é benéfico e estimulante pensar nessas possibilidades
humanas, pois, afinal de contas, fomos contemplados entre
todas as espécies de seres vivos que habitam o Universo (em-
bora, até o momento, que se saiba, apenas o planeta Terra tem
esse privilégio), com a dádiva de possuirmos um espírito, e
essa prerrogativa, pela lei da lógica, não foi dada pelo Cria-
dor para ser ignorada. A prova disso é a capacidade de termos
consciência de que as grandes ações elevam o ser humano a
se revestir de um caráter divino, quando o feito aparece des-
pojado da vaidade e do egoísmo.
Dentro dessas saudáveis perspectivas, pode-se ter
uma ideia mais alentadora e mais consistente do ponto de vis-
ta do valor da religião do conhecimento para a vida dos povos,
considerando-se que as possibilidades apontadas poderão
trazer verdadeiros amparos moral, espiritual e material, pois
dar também à ciência um papel relevante na educação dos se-
res humanos é base essencial para a criação de uma cultura
efetiva e duradoura.

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A CIÊNCIA E A RELIGIÃO NA
CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL

Voltando o foco para as questões entre a religião e a ci-


ência – que constituem os dois pilares formados pelo progres-
so espiritual e pelo progresso material – e tendo em vista que,
na concepção de Vargas Llosa, a religião representa um valor
inquestionável, como amparo espiritual para os mais fracos
e mesmo como mediadora das questões sociais, constata-se,
no decorrer do tempo, que a ciência, sendo mais ligada ao pro-
gresso material, sempre sofreu restrições por parte da reli-
gião, por explorar o campo material sem o sentimentalismo
religioso. Mas, mesmo assim, a ciência realizou feitos notáveis
em favor da vida do ser humano: prevenção de doenças com
vacinas; a produção de remédios para a cura ou minimização
dos sofrimentos provocados pelas doenças; prevenção contra
fenômenos naturais, impedindo que as suas consequências
fossem ainda mais catastróficas; a criação de tecnologias ex-
cepcionais para trazer conforto para as pessoas em matéria
de transportes, comunicações, entretenimento, produção de
alimentos, a ampliação e a transparência sobre os limites do
universo com pesquisas; e até realização de viagens espaciais
etc. Isso tudo apenas para mostrar que esse campo do conhe-
cimento humano não parou de evoluir ao longo da história da
humanidade, embora tenha usado os conhecimentos também
de forma equivocada, provocando fatos deprimentes como as

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matanças de populações com o uso de armas de guerra cada
vez mais poderosas e perigosas, inclusive para o meio am-
biente, provocando o desequilíbrio ecológico, tão difundido
nos dias atuais.
Mas, apesar de tudo, a ciência tem usado o verbo “sal-
var” com mais coerência e mais frequência do que a religião.
A ciência tem se dedicado a trazer a felicidade para os seres
humanos em vida, enquanto a religião, que também já foi
acusada de perseguir e matar as pessoas que reagiam contra
seus dogmas, tem se preocupado apenas em salvar as almas
– ou, mais precisamente, os espíritos – do fogo do inferno, de-
pois da morte. Contudo, pela lei da lógica, depois da morte os
espíritos não vão precisar ser salvos desse fogo, porque são
incorpóreos e, portanto, incombustíveis. A alma, pelos fun-
damentos da Civilização do Equilíbrio, morrerá com o corpo,
pois representa apenas a parte psicológica do ser humano.
Se a alma, que animou o corpo físico durante a vida, houver
sido generosa, prudente e prestativa com as questões huma-
nas, o espírito, que terá registrado todas essas ações de bem,
dará continuidade, em outra existência, e criará, para o ente a
quem animou, uma eternidade gloriosa.
Diante dessa realidade, cabe a pergunta: as religiões
– como uma parte importante do instrumento de expansão
espiritual de uma civilização – não seriam mais úteis se pas-
sassem a se preocupar em educar a alma dos seres humanos
para a vida, usando a sua inteligência ou centelha divina para
se tornarem donos de sua vida e de seu destino, buscando a
felicidade com seus próprios esforços? Por que todas as reli-
giões, até hoje, não se despertaram para o lado da sensibili-
dade humana e o suporte científico, ensinando às populações
a educar suas mentes para os conhecimentos superiores ou

26
transcendentes (a começar pelo conhecimento de si mesmo,
caminho natural para o encontro do próprio espírito, que é a
parte divina do homem e a parte humana de Deus), ou seja,
religando o ser humano a Deus por meio do conhecimento ao
invés de crenças pouco racionais? Por que não se desperta-
ram a ensinar aos seres humanos a viverem livres e indepen-
dentes, guiados por uma conduta digna e meritória, ressaltan-
do que essa conduta baseada em princípios morais e éticos
superiores é a melhor e a mais digna oração?
Possivelmente, esses valores morais e éticos deveriam
ter sido usados na renovação do instrumento de expansão es-
piritual, tanto da civilização ocidental como da oriental, a fim
de que os seres humanos pudessem compreender, de forma
consciente, que eles fazem parte desse processo de evolução
da humanidade, processo este representado pela evolução
equilibrada dos dois mundos: o físico e o metafísico ou espiri-
tual.
Prosseguindo com o objetivo principal deste trabalho,
que é o de analisar as proposições apresentadas por Vargas
Llosa, pode-se afirmar que, nessa citação de fatos e de con-
siderações apresentadas em todo o contexto da trajetória da
civilização ocidental, principalmente nos três últimos séculos,
Vargas Llosa relacionou poucos fatos tidos como fundamen-
tais para a correção dos rumos da cultura vigente. Citou pou-
cos autores e movimentos sociais empenhados em superar as
distorções registradas.
Por essas e outras razões, pode-se afirmar que, den-
tre os nomes e circunstâncias que foram apresentadas por
Vargas Llosa para explicar essa avalanche de fatos que estão
destruindo as bases da civilização ocidental, poucos foram os
que estiveram comprometidos com ideias que possam rever-

27
ter esse quadro apresentado. Não foi mencionado, por exem-
plo, o nome de José Ingenieros (espanhol que viveu desde
criança na Argentina), o qual, mesmo não sendo considerado
uma celebridade, pode ser elencado como um dos herdeiros
do Iluminismo, ao abordar, por exemplo, no livro O Homem
Medíocre, suas preocupações com as indiferenças dos inte-
lectuais frente às deformidades da cultura corrente, deixan-
do, em suas páginas, a importância de se cultivar ideais. Dizia
ele:

“Sem ideais seria inconcebível o progresso. O culto do


‘homem prático’, limitado às contingências do presen-
te, importa uma renúncia a toda perfeição. O hábito
organiza a rotina e nada cria em direção ao porvir;
apenas dos imaginativos espera, a ciência, suas hipó-
teses; a arte, seu voo; a moral, seus exemplos; a histó-
ria, suas páginas luminosas. São a parte viva e dinâmi-
ca; os práticos não fizeram mais do que se aproveitar
do esforço do imaginativo, vegetando na sombra. Todo
porvir tem sido uma criação dos homens capazes de
pressenti-lo, concretando-o em infinita sucessão de
ideais. Mais fez a imaginação construindo sem trégua,
do que o cálculo destruindo sem descanso. A excessi-
va prudência dos medíocres pretende paralisar, sem-
pre, as iniciativas mais fecundas. Isto não quer dizer
que a imaginação não exclui a experiência: esta é útil,
mas aquela é estéril.
“Os idealistas aspiram conjugar em suas mentes a ins-
piração e a sabedoria; por isso, com frequência vivem
travados por seu espírito crítico quando os anima
uma emoção lírica e esta lhes turva a vista quando ob-
servam a realidade. Do equilíbrio entre a aspiração e
a sabedoria nasce o gênio. Nas grandes horas, de uma
nação ou de um homem, a inspiração é indispensável
para criar; esta chispa acende-se na imaginação e a

28
experiência converte-se em fogueira. Todo idealismo
é, por isso, um afã de cultura intensa: conta entre seus
inimigos mais audazes, com a ignorância, madrasta de
obstinadas rotinas.
“A humanidade não chega até onde querem os idea-
listas em cada perfeição particular, mas chega além
de onde haveria ido seu esforço. Um objetivo que foge
diante deles converte-se em estímulo para que se per-
sigam novas quimeras. O pouco que podem todos de-
pende do muito que muitos desejam. A humanidade
não possuiria seus bens presentes se alguns idealistas
não os estivessem conquistado, vivendo com a obses-
siva aspiração de outros bens melhores”.

Outro nome que se tornou uma celebridade e que foi


igualmente esquecido por Vargas Llosa foi o de Norberto Bo-
bbio, que, além da grande contribuição que deixou para a or-
dem jurídica do século XX, discorreu, com magistral síntese,
sobre o legado do Iluminismo, considerando-o como uma
oportunidade que a humanidade teve para a construção de
uma ética racional, separada definitivamente da teologia
e capaz, por si mesma, precisamente por ter sido fundamen-
tada numa análise e numa crítica racional dos fundamentos,
de garantir a universalidade dos princípios da conduta huma-
na. Esses princípios ficaram muito bem evidenciados nas pro-
postas apresentadas pelos iluministas, as quais estão ainda à
disposição da humanidade, pois não perderam a sua validade,
apesar de terem sido apresentadas para o mundo no século
XVIII. As palavras do professor Danilo Marcondes, em seu li-
vro Iniciação à História da Filosofia, confirmam essa hipótese
por meio dos parágrafos que se seguem:

“A própria noção de Iluminismo, Ilustração, ou ainda


Esclarecimento, como o termo por vezes é traduzido,

29
indica, através da metáfora da luz e da claridade, uma
oposição às trevas, ao obscurantismo, à ignorância, à
superstição, ou seja, à existência de algo oculto, enfa-
tizando, ao contrário, a necessidade de o real, em to-
dos os seus aspectos, tornar-se transparente à razão.
O grande instrumento do Iluminismo é a consciência
individual, autônoma em sua capacidade de conhecer
o real; suas armas são, portanto, o conhecimento, a ci-
ência, a educação. Neste sentido, o projeto enciclope-
dista de sintetizar em uma obra – a Enciclopédia, cuja
publicação se iniciou em 1751 – todo o saber da épo-
ca, tornando-o potencialmente acessível a todos os in-
divíduos, é bastante representativo dessa concepção,
uma vez que atribui precisamente ao conhecimento
a capacidade de libertar o homem dos grilhões que
lhe são impostos pela ignorância e pela superstição,
tornando-as facilmente domináveis”.

É interessante observar como o próprio progresso ma-


terial, com os recursos das comunicações, mais eficientes
do que a enciclopédia, tem uma nova chance para que essas
ideias possam ser praticadas. É pena que a estagnação espi-
ritual ainda não tenha conseguido vislumbrar o alcance das
ideias iluministas.
Continuando com as ideias iluministas, na interpreta-
ção do professor Danilo Marcondes, seguem outros aspectos
importantes:

“O pressuposto básico do Iluminismo afirma, portan-


to, que todos os homens são dotados de uma espécie
de luz natural, de uma racionalidade, uma capacidade
natural de aprender, capaz de permitir que conheçam
o real e ajam livre e adequadamente para a realização
de seus fins. A tarefa da filosofia, da ciência e da edu-
cação é permitir que essa luz natural possa ser posta

30
em prática, removendo os obstáculos que a impedem
e promovendo o seu desenvolvimento. O Iluminismo
possui assim um caráter pedagógico, enquanto proje-
to de formação do indivíduo, podendo ser visto tam-
bém como herdeiro do humanismo iniciado no Renas-
cimento.
“A noção de progresso racional da humanidade é, as-
sim, característica desse tipo de concepção. Em con-
trapartida, devem ser igualmente identificados os ele-
mentos que impedem tal progresso, que se opõem à
razão. Dentre esses elementos concentra-se a religião,
na medida em que subordina o homem a crenças irra-
cionais e a uma autoridade, a igreja, baseada na sub-
missão e nas superstições. O pensamento iluminista
é assim fortemente laico e secular e até mesmo, em
alguns casos, abertamente anticlerical. As obras de
Voltaire e Diderot são exemplo disso.
“O Iluminismo volta-se assim contra toda autoridade
que não esteja submetida à razão e à experiência, que
não possa justificar-se racionalmente, que recorre
ao medo, à superstição, à força, à submissão. O pen-
samento deve ser autônomo, não tutelado. Só assim
o homem poderá atingir o que Kant chama de sua
‘maioridade’, ou seja, a possibilidade de pensar por
si mesmo, de modo independente. Há, nesse sentido,
sempre um caráter ético e emancipador no projeto
iluminista”.

Diante de realidades como estas tratadas pelos ilumi-


nistas no século XVIII – e que estão bastante atualizadas – e da
advertência de Bobbio sobre a necessidade de uma conduta
ética universal, conclui-se, ao se aprofundar no conteúdo do
livro A Civilização do Espetáculo, que, na obra de Vargas Llo-
sa, faltou, no seu fechamento, a conclusão de que tudo isso
que ele comenta e que é uma verdade tem como causa única:

31
a falta dos elementos de juízo que possam amparar a mente
humana nessa fase de globalização volumosa no campo mate-
rial em todos os recantos do mundo, substituindo a pequenez
dos princípios morais e éticos das populações nos grandes e
pequenos espaços ocupados no globo terrestre. Em todos es-
ses espaços geográficos, quer seja no Ocidente ou no Oriente,
estão os seres humanos na orfandade desses valores morais e
éticos capazes de torná-los aptos para serem donos e senhores
de suas mentes e dos seus próprios destinos. Na falta desses
elementos de juízo, em vista de uma frágil educação, tornam-
-se apenas joguetes de pensamentos-massa e súditos desses
aspectos que formam a chamada Civilização do Espetáculo.
Considerando esse triste cenário mundial, Vargas Llo-
sa deixou de abordar um outro autor do século XX cujo lega-
do contempla a criação de uma outra oportunidade para que
os ideais iluministas sejam retomados, com outra roupagem,
pois apresenta elementos novos sobre a psicologia humana
que muito favorecerão o resgate dessa prerrogativa do ser
humano – a de redimir-se a si mesmo por meio de um pro-
cesso de evolução consciente que poderá levar esse mesmo
ser humano a bastar-se a si mesmo em todas ordens e, por
meio de defesas mentais, tornar-se imune às influências de
pensamentos que subjugam a vida humana, fazendo aparecer
esses tipos humanos que vivem atrás de espetáculos e deixam
de participar com seu esforço em atividades mais úteis e ne-
cessárias para a sociedade a que pertencem. Esse autor é o
filósofo argentino Carlos Bernardo González Pecotche, mais
conhecido como González Pecotche, que definiu, ao tratar das
realidades essenciais diante da situação crítica do momento,
as causas da decadência da Civilização Ocidental, justifican-
do-a com as seguintes afirmações:

32
1 – Não foi (civilização ocidental) e nem é capaz de en-
sinar ao homem a conhecer a si mesmo.
2 – Não lhe ensinou a conhecer o mundo mental que
o rodeia, penetra e influi poderosamente em sua
vida.
3 – Não lhe ensinou a compreender, amar e respeitar o
Autor da Criação, nem a descobrir a sua Vontade
através das leis e das múltiplas manifestações de
seu Espírito Universal.
Conclui o autor que

“o fato de não se ter ensinado ao homem a conhecer


sua vida interna, plena de recursos e energias para,
quem sabe, aproveitar tão imponderável riqueza, tem
sido a causa que o faz ceder, sem maior resistência,
à tentação de fundir-se na multidão anônima, consu-
mando-se a perda de sua individualidade”.

Está aí uma explicação lógica sobre a propensão hu-


mana de fundir-se na multidão anônima por meio dos espetá-
culos que viraram moda nos tempos modernos.
Dentre muitos pensadores que se destacaram no ce-
nário mundial com ideias capazes de movimentar a mente
dos leitores, nenhum, com exceção de González Pecotche, foi
capaz de vislumbrar com tanta clareza a grande lacuna exis-
tente na formação cultural dos povos do Ocidente. Em uma
conferência com o título de Policromia Psicológica, Pecotche
revela, em magistral síntese, a fórmula capaz de substituir as
ingênuas proposições religiosas. Eis o texto, pronunciado em
1939, no início de uma intrépida jornada que na atualidade é
continuada por seus seguidores em vários países:

33
“Falarei esta noite sobre a capacitação progressiva do
indivíduo, a influência do meio ambiente e o livre-ar-
bítrio, examinando este último objetivamente e como
faculdade inata do ser humano.
“Embora tenha delineado em três partes o tema que
vou tratar, o fiz somente com o efeito de que se res-
saltem esses aspectos no curso da conferência, já que
uns e outros se entrelaçam e, até certo ponto, se expli-
cam ou se complementam.
“Já disse e repeti invariavelmente, que não basta ao
homem graduar-se em uma universidade ou conquis-
tar uma posição econômica folgada, que lhe propor-
cione bem-estar, nem tampouco alcançar posições
que privilegia na indústria ou no comércio. Acima
de todos esses conhecimentos comuns, acima dessa
técnica corrente que faculta para atuar o mais sen-
satamente possível no desempenho de suas funções,
existe uma ilustração adicional: aquela que cada um
toma da experiência diária e de sua constante atenção
sobre tudo o que acontece no mundo; naturalmente,
apreciando com maior intensidade aqueles fatos ou
coisas que se afinam com suas inclinações ou prefe-
rências.
“Pois bem; a Logosofia leva a ciência a todos os pontos
e faz com que ela, sem comover os fundamentos de
sua posição racionalista, contemple cada um dos mo-
vimentos volitivo-mentais do ser em sua relação ínti-
ma ou, caso se queira, estreita, com os acontecimen-
tos ou as coisas que tomam contato com ele durante o
curso de sua vida. Ao dizer isto, quero significar que a
Logosofia encarna uma ciência que é auxiliar de todas
as demais, como é, também, de tudo quanto o enten-
dimento humano possa compreender.
“O homem requer uma capacitação técnica no cam-
po dos problemas transcendentes, que lhe facilite
o caminho de suas aspirações, que lhe previna dos
perigos do acaso ou da insuficiência de seus conhe-

34
cimentos pessoais, limitados ou circunscritos sempre
a determinada esfera de ação. É necessário conhecer
a fundo ou, pelo menos, a título de informação com
caráter preventivo, o complexo da psicologia humana,
tal como a Logosofia determinou, ao atribuir ao sis-
tema mental o papel mais importante de toda a sua
conformação psicofísica e espiritual.
“Começará, assim, como atuam e reagem os pensa-
mentos, e como deve prevenir-se e estabelecer as
defesas mentais, para preservar sua vida moral e am-
pliar suas possibilidades intelectuais.
“A capacitação logosófica é, indiscutivelmente, de
um valor incalculável, sob todos os pontos de vista,
já que temos confirmado como abre ao ser humano
prerrogativas ignoradas e como, por meio dela, pode
alcançar grandes objetivos, como, por exemplo, o de
controlar e estimular eficaz e conscientemente sua
própria evolução.
“Nunca será demais tudo o que se diga ou recomende
acerca dessa classe de conhecimentos que convergem
nas altas verdades expostas pela Logosofia, visto que
é indispensável ao homem valer-se desses conheci-
mentos, poderosos agentes auxiliares, para triunfar
na luta diária. Será mister que recorde aqui a conveni-
ência de repassar detidamente o que tenho publicado
até o presente sobre este importante ponto”.

Refletindo sobre as palavras do pensador González


Pecotche nessa contundente síntese, torna-se difícil deixar
de relacionar o conteúdo do seu texto com as lacunas dei-
xadas pela cultura corrente que se revela por meio de pro-
nunciamentos acadêmicos, recheados de palavras suntuosas,
mas vazios da essência que representa o verdadeiro suporte
de qualquer pedagogia que pensa em formar seres conscien-
tes e preparados para a vida. Para isso é necessária uma ilus-

35
tração adicional que transcenda à forma tradicional que se
baseia apenas na erudição: valorização de uma grande quan-
tidade de informações desconectadas com a vida de quem as
recebe.

36
DESATANDO OS “NÓS” CULTURAIS

Frente a tais circunstâncias relacionadas à decadência


da cultura ocidental e voltando à análise do livro A Civilização
do Espetáculo, torna-se oportuno registrar a ideia de defender
uma tese ousada, mas de simples compreensão e de forma-
to, a qual vai destoar da praxe acadêmica de apresentar con-
teúdos complexos e confusos sobre realidades palpáveis. A
tese se configura no esforço de comprovar que todos os “nós”
identificados por Vargas Llosa – e que são as grandes barrei-
ras enfrentadas pela civilização ocidental – são produtos da
ignorância sobre conceitos lógicos e que poderão ser desata-
dos pelos conhecimentos adquiridos através de um processo
educativo sério, começando pelo conceito de cultura, que po-
deria ter sido considerado um dos instrumentos de expansão
espiritual da Civilização Ocidental, equivocadamente repre-
sentado, no seu todo, pela Religião Cristã.
Foi exatamente com o conceito de cultura que Vargas
Llosa deu início à sua tese que culminou com a ideia da civili-
zação do espetáculo. A História já testemunhou que todas as
civilizações anteriores às duas atuais passaram por processos
semelhantes: nascimento, crescimento, apogeu e decadência.
Testemunhou também que os aspectos culturais em decadên-
cia não desapareceram, apenas se transformaram, usando ou-
tras roupagens para formarem as bases de outra civilização
ou mesmo uma reformulação de aspectos que deixaram de
ser os dominantes. Isso significa que não há civilização sem

37
cultura, assim como foi anunciado por analistas citados por
Vargas Llosa. A civilização é o grau mais elevado de cultura
que um povo pode atingir, tendo por base o conhecimento e
o uso da escrita, que é o canal indispensável para a cultura se
desenvolver.
Sendo assim, pode-se inferir que uma civilização, para
ser tratada como tal, não perde seu status apenas por es-
tar vivendo uma fase de crise, carecendo de elementos cultu-
rais que a mantenham em um patamar de conhecimentos que
possam superar aqueles que entraram em decadência.
Considerando o estágio de conhecimentos a que che-
gou a civilização ocidental, pode-se concluir que, quanto às
características que marcam o momento atual, no campo ma-
terial principalmente, há indícios mais do que suficientes
para se afirmar que se trata de uma conquista irreversível,
uma vez que estão fundamentados em conhecimentos cientí-
ficos e tecnológicos avançados. Então, por que duvidar da sua
capacidade de superação? Será a decadência devida o fato de
essa mesma civilização paradoxalmente estar enfraquecida
na parte moral e ética, bem como devido aos seus alicerces
culturais não estarem dando suporte ao prolongamento des-
sas conquistas materiais? Tudo indica que sim, pois ainda não
se cogita fazer os ajustes que deverão acontecer para superar
a fase de decadência moral, consequência das tradições cultu-
rais desgastadas através dos séculos e que já não se apresen-
tam como sinais compatíveis com as necessidades da época.
Enquanto o progresso material se renova quase que
diariamente, o suporte espiritual que alimenta a cultura para
que esta dê sentido e direção aos conhecimentos científicos
continua com a mesma feição antiga e nada tem a oferecer
aos padrões do progresso atual. Isso porque o suporte básico

38
que sustenta a cultura ocidental teve sua origem predominan-
temente na religião cristã – totalmente desligada da realida-
de, mas intensamente vinculada aos setores produtivos das
sociedades, mesmo com as suas nuances primitivas e seus
fundamentos mitológicos, apelando para as crenças e supers-
tições que não mais se justificam nos tempos modernos.
Por outro lado, já existe e se encontra em pleno esfor-
ço de difusão a alternativa que poderá reverter esse quadro,
com os elementos culturais voltados para o campo espiritual
e que buscam enriquecer com valores éticos e morais as ações
humanas, procurando dar um sentido maior ao emprego das
diversas tecnologias em favor do equilíbrio do meio ambiente
e do bem-estar da humanidade. É essa a alternativa que Var-
gas Llosa deixou de apresentar em seu trabalho para justificar
o valor que tem a mente humana, capaz de superar todas as
adversidades.
Apesar de Vargas Llosa ser possuidor de uma mente
privilegiada, demonstrando uma verbosidade incontestável,
com suas argumentações sobre os fatos que, segundo ele, ca-
racterizam a chamada Civilização do Espetáculo, e, ao mesmo
tempo, ter enriquecido as páginas do seu livro com pensa-
mentos de outros autores, também celebrizados pelas obras
escritas e publicadas, justificando plenamente o título do livro
que está sendo analisado – A Civilização Espetáculo –, muitas
observações poderão ser acrescentadas no sentido de corrigir
os rumos equivocados da atual cultura.
Para suplantar esses aspectos culturais negativos e
predominantes do mundo atual, é preciso que se busque a
criação de uma nova cultura, dotando as Civilizações Ocidental
e Oriental de um novo instrumento de expansão espiritual, e
este não poderá mais ser baseado na religião tradicional, pois

39
esta já teve a oportunidade de apresentar seus pressupostos
por quase dois milênios e os resultados foram enormemente
distanciados da realidade e das necessidades humanas.
Quando se fala que as religiões não cumpriram um pa-
pel compatível com o progresso material, isso significa que
elas não conseguiram manter a espiritualidade no mesmo
patamar do materialismo, em níveis de importância para a
humanidade. Significa que, desde o início da civilização oci-
dental, ao invés de se amparar as mentes humanas, que são
fragmentos da Mente Universal, retirou-se do ser humano o
bem mais precioso que é o poder de pensar, de usar o livre-ar-
bítrio em favor do seu aperfeiçoamento e desenvolvimento da
inteligência para poder bastar-se a si mesmo. Ao invés dessa
orientação que já vinha sendo tentada pelos filósofos gregos,
foram criadas as mordaças mentais, a partir da Idade Média,
subjugando as mentes aos critérios de dogmas, fazendo dos
seus seguidores verdadeiros autômatos ao invés de seres li-
vres, capazes de descortinar o seu próprio destino.
A centelha divina dada por Deus a cada um dos seres
humanos, que deveria ser usada para o próprio bem de cada
indivíduo, teve essa função terceirizada, atribuindo aos inter-
mediários a prerrogativa de conduzi-los, em nome de Deus,
sob a promessa de, após a morte, ser o indivíduo contempla-
do com a salvação de sua alma ou espírito de um suposto so-
frimento eterno. Enquanto isso, nesta vida, o que as religiões
têm salvado? O que se tem visto é que, frente à fome, à miséria
moral, às injustiças, à insensatez, à irresponsabilidade e à ig-
norância, elas sempre foram impotentes e mesmo indiferen-
tes. O que se observa é a convivência das religiões com uma
série de carências humanas que vão surgindo e crescendo as-
sustadoramente com a falta desse conhecimento. O pior de

40
tudo isto é que algumas religiões ainda justificam a pobreza
como graça divina, como condição para se ganhar uma vida
eterna feliz, mesmo que demore os sofrimentos nesse chama-
do “vale de lágrimas” que é a própria vida, a qual é a única
que realmente conhecemos e que, portanto, precisamos me-
lhorar, sendo necessário, para isso, o conhecimento por meio
da ciência e da educação.

41
42
AS CONTRADIÇÕES NA ANÁLISE SOBRE
A CULTURA

No primeiro capítulo do livro A Civilização do Espetá-


culo, Vargas Llosa cita um ensaio denominado NOTAS PARA
UMA DEFINIÇÃO DE CULTURA, de T.S. Eliot, que vai expor, in-
voluntariamente, um pouco essa submissão da mente huma-
na.
Entre as considerações trazidas por Eliot, dentro dos
padrões tradicionais destacam-se alguns aspectos importan-
tes como, por exemplo, a tese de que a cultura se transmite
através da família, e, quando esta deixa de funcionar de ma-
neira adequada, o resultado é a “deterioração da cultura”. Isso
é uma verdade e as provas estão aí no nosso dia a dia.
Depois da família, a principal transmissora da cultura
ao longo das gerações foi a igreja, não a escola. Segundo Eliot,
não se deve confundir cultura com conhecimento: “Cul-
tura não é apenas a soma de diversas atividades, mas um esti-
lo de vida”. O conhecimento tem a ver com a evolução da téc-
nica e das ciências; a cultura é algo anterior ao conhecimento,
uma propensão do espírito, uma sensibilidade e um cultivo da
forma que dá sentido e orientação aos conhecimentos.
Dentro do enfoque trazido por Eliot, diferenciando cul-
tura de conhecimento, pode-se pensar no fato de que, antes
de tudo, cultura é a soma de diversas atividades orientadas
por conhecimentos – quer sejam empíricos ou científicos – o
que nos leva a concluir ou aceitar a existência de várias cul-

43
turas dentro de um todo. Quando Eliot fala que a religião foi a
segunda principal transmissora da cultura, isso não significa
que essa cultura abrangia tudo. Se pensava assim, cometeu
um equívoco, pois os próprios fatos comprovam que essa in-
fluência religiosa foi, essencialmente, no campo das suposi-
ções, das crenças de uma vida depois da morte, abrangendo,
por meio de pressões mentais, toda a formação psicológica
dos seres humanos.
Nisso, lamentavelmente a religião tomou o lugar da
filosofia, principalmente durante a Idade Média, e assim con-
tinua até hoje. Mas, mesmo na Idade Média, em situações de
fragilidade da religião, a cultura, como propensão do ver-
dadeiro ente espiritual, resistia ao se manifestar em outros
aspectos da vida: nas artes, nas ciências, na literatura, na ar-
quitetura, na economia etc., sendo mais desenvolvida a partir
do período moderno, quando os conhecimentos foram, aos
poucos, confrontando-se com as crenças. A cultura intelec-
tual já começava a desenhar uma nova linha de ação para os
seres humanos, embora, com exceção do período chamado
Iluminista, jamais tenha conseguido enriquecer a mente dos
próprios protagonistas dessa classe de intelectuais, a fim de
poderem, conscientemente, ultrapassar o cerco construído
pela religião, realizando assim uma ponte entre a cultura e os
conhecimentos para que outros seres os seguissem.
Outro aspecto interessante da análise de Eliot, citado
por Vargas Llosa, é a observação de que

“cultura e religião não são a mesma coisa, mas não são


separáveis, pois a cultura nasceu dentro da religião,
e, embora com a evolução histórica da humanidade
tenha ido se afastando parcialmente dela, sempre
estará unida a sua fonte nutridora por uma espécie

44
de cordão umbilical. A religião, enquanto dura e em
seu próprio campo, dá um sentido conveniente à vida,
proporciona o arcabouço para a cultura e protege a
massa da humanidade do tédio e do desespero”.

Para Vargas Llosa, quando Eliot se refere à religião,


está se limitando, fundamentalmente, ao cristianismo, que,
conforme diz, fez da Europa o que ela é:

“Nossas artes desenvolveram-se dentro do cristia-


nismo, as leis até há pouco enraizavam-se nele, e foi
sobre o pano de fundo do cristianismo que se desen-
volveu o pensamento europeu. Um europeu pode não
crer que a fé cristã seja verdadeira, mas, mesmo as-
sim, o que ele diz, aquilo que acredita e o que faz pro-
vêm da fonte do legado cristão, e seu sentido depende
dele. Só uma cultura cristã poderia ter produzido um
Voltaire ou Nietzsche. Não acredito que a cultura da
Europa sobrevivesse ao desaparecimento da fé cristã”.

Refletindo sobre as considerações de Eliot, mesmo sem


ter lido, na íntegra, o seu ensaio sobre o conceito de cultura,
pode-se perceber que esse autor, pelo menos nos trechos ci-
tados por Vargas Llosa, tem uma concepção de cultura contra-
ditória e incompreensível. É verdadeira a sua observação
quando enfoca a família bem constituída como fator funda-
mental na transmissão da cultura, assim como é verdadeiro
que, depois da família, foi a igreja e não a escola a principal
transmissora da cultura. Deixa nessa afirmação uma interro-
gação sobre a opção ideal. É sabido que a religião trata da fé,
enquanto a escola trata do conhecimento. Dá a entender que o
autor lamenta a realidade dos fatos. É louvável o seu conceito
quando distingue cultura de conhecimento, de modo tal que

45
a primeira precede ao segundo e a considera como uma pro-
pensão do espírito, uma sensibilidade e um cultivo da forma,
que dá sentido e orientação aos conhecimentos. No entanto, a
cultura como uma propensão do espírito teria que ser trans-
mitida pela escola, como a primeira fonte transmissora da cul-
tura, pois o espírito, visto de uma forma científica, representa
o conhecimento, a consciência individual em evolução, uma
sensibilidade ou ação promovida por sentimentos elevados. O
fato de a cultura dar sentido e orientação aos conhecimentos
só se justifica plenamente ou se torna verdadeiro se esta foi
emanada de uma fonte espiritual, que deve ser movida pela fé
consciente, e não pela fé cega. Mas tudo indica que o autor não
pensava exatamente assim.
A ambiguidade do autor está na afirmação de que um
europeu pode não crer que a fé cristã seja verdadeira, mas,
mesmo assim, o que ele diz, aquilo em que acredita e o que
faz provêm da fonte do legado cristão, e seu sentido depende
dele. Trata-se de ambiguidade por não deixar claro se apro-
va ou desaprova a colocação do europeu, pois essa conduta
é típica de uma pessoa que não tem consciência dos atos que
pratica. Então, por temor ou comodismo, torna-se um aliena-
do, segue fazendo algo que outro ou outros lhe inculcaram,
sem pensar nas consequências dos seus atos. Dizer que não
acredita que a cultura da Europa sobrevivesse com o desapa-
recimento da fé cristã, mesmo sabendo que esta possui vul-
nerabilidades, é desconhecer que existem outras opções para
preencher um possível vazio ou estimular uma atitude mais
digna. Os próprios fatos contradizem, atualmente, a compre-
ensão do autor. Segundo pesquisas recentes, a maioria dos ha-
bitantes da Europa é ateia. Aí fica a dúvida sobre a verdadeira
posição ideológica ou mental do autor.

46
Outro ponto controvertido de Eliot é sua afirmação de
que a religião “enquanto dura, e em seu próprio campo, dá um
sentido conveniente à vida, proporciona o arcabouço para a
cultura e protege a massa da humanidade do tédio e do deses-
pero”. Ora, como pode a religião, em seu próprio campo, fun-
damentada que é numa fé abstrata, sem prova de nada, sem
a necessidade de uma investigação, servir de arcabouço para
uma cultura que possa dar sentido e orientação aos conheci-
mentos? A religião, indubitavelmente, sempre transmitiu uma
cultura, mas essa cultura diz respeito apenas às crenças, às
tradições, não aos conhecimentos que exigem o uso da inteli-
gência, da razão e da sensibilidade.
Dizer que a religião protege a massa da humanidade do
tédio e do desespero é uma falácia em forma de engodo, pois,
para os que mais acreditam nisso, o desespero só acaba com
a morte, muitas vezes à míngua, e o fim do tédio só acontece
com a humilhante busca de esmolas, confundindo esse tédio
em malandragem e ociosidade. O que oferece aos seres huma-
nos é apenas uma ilusão, uma quimera, depois da morte, desde
que se submeta aos ditames das crenças. Nesses casos, seria
mais proveitoso e digno que lhes ensinasse a ganhar a vida
com o trabalho, com a luta para melhorar sua condição social.
Por outro lado, aquele que usa a liberdade de pensar,
a prática do livre arbítrio, ao contrário, poderá viver no céu
ou paraíso em vida, dependendo do esforço de bastar-se a si
mesmo em todas as atividades e buscando o equilíbrio em
tudo que faça. Esse tipo de céu poderá ser comprovado por
muitos, o que não se pode dizer o mesmo do céu religioso. São
dois tipos de cultura: o primeiro, da religião; e o segundo, que
é baseado na realidade da vida, poderia ter sido ou poderá ser
o da escola.

47
Quanto ao fato de que só uma cultura cristã poderia
ter produzido Voltaire ou Nietzsche, essa é uma afirmação in-
questionável, pois os dois encontraram fartos motivos para
atacar, de forma violenta, a cultura cristã e os seus represen-
tantes, tanto pelas suas inconformidades como pela condu-
ta degradante do clero em todos os períodos da História. Os
dois fizeram dessa crítica o motivo maior para escreverem as
obras que os notabilizaram.
Diante dos comentários de Eliot fica uma sensação
de incerteza e, ao mesmo tempo, decepção, de covardia em
saber que a humanidade se curvou, através dos tempos, aos
caprichos de uma cultura que a fez aceitar e fazer coisas com
que não concordava, mas que, por falta de outra opção ou por
temor de ser castigada, foi levando a vida dentro da tradicio-
nal subserviência aos dogmas religiosos. As palavras de um
Voltaire, de um Nietzsche e de tantos outros que até foram
penalizados com a perda da própria vida, buscando mostrar
que havia outro caminho, outra alternativa foram inúteis ou,
quem sabe, ainda soam no mundo mental, procurando mentes
capazes de formular essas alternativas com palavras e ações
mais convincentes; com generosidade, sem violência, a fim de
trazer uma nova luz para o encaminhamento da humanidade.
Buscando estas mentes capazes de formular alterna-
tivas sobre os aspectos culturais que poderão nortear o tra-
balho de educadores ou de qualquer ser humano que possua
inquietudes sobre a forma de como as religiões conduziram
a parte espiritual da cultura ocidental, desde o século V até
o século XXI, pode-se acrescentar outro aspecto trazido pelo
filósofo argentino Carlos Bernardo González Pecotche em seu
livro Curso de Iniciação Logosófica, sobre os grandes objetivos
que deve ter essa nova cultura:

48
1 – A evolução consciente do homem, mediante a orga-
nização de seus sistemas mental, sensível e ins-
tintivo.
2 – O conhecimento de si mesmo, que implica o domí-
nio pleno dos elementos que constituem o segre-
do da existência de cada um.
3 – A integração do espírito, para que o ser possa apro-
veitar os valores que lhe pertencem, originados
em sua própria herança.
4 – O conhecimento das leis universais, indispensável
para ajustar a vida a seus sábios princípios.
5 – O conhecimento do mundo mental, transcendente
ou metafísico, onde têm origem todas as ideias e
pensamentos que fecundam a vida humana.
6 – A edificação de uma nova vida e de um destino me-
lhor, superando ao máximo as prerrogativas co-
muns.
7 – O desenvolvimento e o domínio profundo das fun-
ções de estudar, de aprender, de ensinar, de pen-
sar e de realizar, com o que o método logosófi-
co se transubstancia em aptidões individuais de
incalculável significado para o porvir pedagógico
na educação da humanidade.
Pelas poucas linhas apresentadas, percebe-se que
González Pecotche está se manifestando sobre uma outra
cultura. Uma cultura que começa ensinando o homem a co-
nhecer tudo a respeito de si mesmo. Na verdade, o homem
das duas culturas (ocidental e oriental) conhece tudo sobre
as galáxias, sobre as distâncias entre os planetas, sobre os ani-
mais e vegetais, sobre os hábitos dos golfinhos, as dimensões
a respeito do corpo humano etc. etc., mas pouco sabe sobre a

49
sua conformação mental e psicológica, pois não aprendeu em
nenhuma das fontes formadoras da cultura (família, escola e
religião) sobre este outro mundo – o mundo mental –, que,
segundo Pecotche rodeia, penetra e influi poderosamente na
vida de qualquer ser humano e, pelo visto, em qualquer parte
do mundo físico.
González Pecotche fala, ainda, do Autor da Criação, isto
é, de Deus, independentemente de religião, a não ser que seja
a religião do conhecimento, pois ele era apenas um filósofo,
um pensador. Não fala em dogmas, em cultos, mas apenas que
o ser humano deve compreendê-Lo (Deus), amá-Lo e respei-
tá-Lo, descobrindo sua Vontade através das Leis e das múlti-
plas manifestações de seu Espírito Universal, e que nada dis-
so foi ensinado, tanto na cultura ocidental quanto na oriental.
Está justificando, ao mostrar todos esses aspectos, que a cau-
sa maior da decadência da cultura ocidental é o desequilíbrio
entre a informação e a formação, entre o progresso material e
o espiritual. Tudo isso é muito interessante e muito diferen-
te do que dizem os intérpretes da cultura corrente, os quais
divergem entre si, sem apresentarem ideias novas e nem coe-
rência no que afirmam.

50
A SEQUÊNCIA DAS CONTRADIÇÕES COM
GEORGE STEINER

O segundo autor que Vargas Llosa apresenta em seu


livro é George Steiner, que escreveu em 1971 o livro No Caste-
lo do Barba Azul: Algumas notas para a redefinição da cultura.
Nesse livro, segundo Vargas Llosa, Steiner se escandaliza com
o fato de T.S. Eliot ter podido escrever um tratado sobre a cul-
tura assim que terminou a Segunda Guerra Mundial, mas sem
fazer relação alguma entre esse tema (cultura) e as vertigino-
sas carnificinas dos dois conflitos mundiais e, sobretudo, dei-
xando de fazer uma reflexão sobre o Holocausto, o extermínio
de 6 milhões de judeus em que desembocou a longa tradição
antissemita da cultura ocidental. Steiner propõe-se a reme-
diar essa falha com uma análise da cultura que leve em conta,
predominantemente, sua associação com a violência político-
social.
Em determinado trecho desse capítulo, Vargas Llosa
apresenta um recorte da História Europeia nos séculos XVIII
e XIX, descrito por Steiner, no qual ficou desenhado que, de-
pois da Revolução Francesa, de Napoleão, das guerras napo-
leônicas, da Restauração (a volta das monarquias ao poder) e
do triunfo da burguesia na Europa, instala-se, no Velho Con-
tinente, o grande “tédio”, feito de frustração, fastio, melanco-
lia e secreto desejo de explosão, violência e cataclismo, cujo
testemunho se encontra na melhor literatura europeia e em
obras como O mal-estar na cultura de Freud. Os movimentos

51
dadaísta (movimento literário lançado em 1916 por Tristan
Tzara e cujo princípio essencial era, tal qual no super-realis-
mo que lhe sucedeu, o apelo ao subconsciente) e surrealis-
ta (desprezo às construções literárias refletidas e a ativação
do inconsciente e do irracional) seriam a ponta de lança e a
exacerbação máxima do fenômeno. E, ainda segundo Steiner,
a cultura europeia não só anuncia, como também deseja que
venha esse estouro sanguinário e purificador que serão as re-
voluções e as duas guerras mundiais. A cultura, ao invés de
impedir, provoca e celebra esses banhos de sangue.
Segundo Vargas Llosa, Steiner faz essa dura revelação
e, ao mesmo tempo, justifica o fato de Eliot não ter encarado “a
fenomenologia dos assassinatos produzidos na Europa, desde
o sul da Espanha até as fronteiras da Ásia russa entre 1936 e
1945”. Cita, assim, que o caso de Eliot, que atuou movido pelo
antissemitismo, não era infrequente, visto que houve “poucas
tentativas de relacionar o fenômeno dominante da barbárie
do século XX, com uma teoria geral da cultura”. E acrescenta
Steiner: “parece-me irresponsável toda e qualquer teoria da
cultura (...) que não tenha como eixo a consideração dos mo-
dos de terror que acarretam a morte por obra da guerra, da
fome e de matanças deliberadas de uns 70 milhões de seres
humanos na Europa e na Rússia entre o começo da Primeira
Guerra Mundial e o fim da Segunda”.
A explicação de todos esses horrores, segundo Steiner,
associa-se estreitamente à religião, que, a seu ver, está vincu-
lada à cultura, tal como afirmou Eliot, mas sem a estreita de-
pendência em relação à “disciplina cristã” que este defendeu,
o qual o primeiro considera “o mais vulnerável aspecto de sua
argumentação”. Em sua opinião, a vontade que torna possível
a grande arte e o pensamento profundo nasce de “uma aspi-

52
ração à transcendência, é uma aposta a transcender”. Steiner
conclui que é este o aspecto religioso de toda cultura.
Todavia, voltando sua análise para a cultura ociden-
tal, Steiner afirma que esta está carregada de antissemitis-
mo (movimentos contrários aos judeus) desde tempos ime-
moriais, e a razão disso é religiosa. Trata-se de uma resposta
vingativa da humanidade não judia ao povo que inventou o
monoteísmo, ou seja, a concepção de um Deus único, invi-
sível, inconcebível, onipotente e inalcançável para a
compreensão e mesmo para a imaginação humana. O Deus
mosaico veio substituir aquele politeísmo de deuses e deusas
acessíveis à multiplicidade humana, com os quais a diversida-
de existente de homens e mulheres podia acomodar-se e com-
binar. O cristianismo, com seus santos, o mistério da Trindade
e o culto mariano sempre foi “uma mistura híbrida de ideias
monoteístas e práticas politeístas” e, desse modo, conseguiu
resgatar algo daquela proliferação de divindades abolida pelo
monoteísmo fundado por Moisés.

“O deus único e impensável dos judeus está fora da


razão humana – só é acessível à fé – e foi ele que caiu,
vítima dos filósofos do Iluminismo, convencidos de que
com uma cultura laica e secularizada, desapareceriam
a violência e as matanças trazidas pelo fanatismo reli-
gioso, pelas práticas inquisitoriais e pelas guerras de
religião. Mas a morte de deus não significou o advento
do paraíso na terra e sim do inferno, já descrito no pe-
sadelo dantesco da Divina Comédia. O mundo livre de
Deus, foi sendo aos poucos dominado pelo diabo, pelo
espírito do mal, pela crueldade e pela destruição, que
atingirá seu paradigma com as carnificinas das con-
flagrações mundiais, os fornos crematórios nazistas
e o Gulag soviético. Com esse cataclismo acabou-se a
cultura e começou a era da pós-cultura”.

53
Com essa conclusão de Steiner sobre a religião cristã,
derivada da religião dos judeus, povo semita, que, segundo
ele, provocou esse trauma na alma dos povos que formam o
mundo ocidental, sendo uma das fortes causas das duas gran-
des guerras mundiais, fica uma certa dúvida sobre o que afir-
mou ao dizer que “o mundo livre de Deus, foi sendo aos pou-
cos dominado pelo diabo, pelo espírito do mal, pela crueldade
e pela destruição ...”, o que fez acabar com a cultura e, assim,
iniciou-se a era da pós-cultura. A colocação de Steiner é duvi-
dosa porque não deixa claro de que lado ele está. Ele critica
o antissemitismo, mas, ao mesmo tempo, critica o semitismo
quando diz:

“A cultura ocidental está carregada de antissemitis-


mo... trata-se de uma resposta vingativa da humanida-
de não judia ao povo que inventou o monoteísmo, ou
seja, a concepção de um deus único, invisível, inconce-
bível, onipotente e inalcançável para a compreensão e
mesmo pela imaginação humana”.

Segue afirmando que “O deus único e impensável dos


judeus está fora da razão humana – e só é acessível pela fé – e
foi ele que caiu, vítima dos filósofos do Iluminismo ...”. No final,
conclui que, com esse cataclismo – As Duas Guerras Mundiais
–, acabou-se a cultura e teve início a era da pós-cultura.
Notam-se muitas contradições nas concepções de Stei-
ner. Se ele considera o monoteísmo judaico como algo inal-
cançável para a compreensão humana e afirma que isso está
fora da razão humana e só é acessível pela fé, deixa dois pon-
tos bem claros: o primeiro é não explicar o que diferencia a
religião mosaica do cristianismo com respeito ao conceito de
Deus. O segundo ponto é que ele está considerando cultura
apenas o aspecto religioso ou, primordialmente, sua associa-

54
ção com a violência político-social. Só assim poderia ter ex-
plicado a sua sentença de que o mundo livre de Deus, com as
intenções iluministas, “foi dominado pelo diabo, pelo espírito
do mal, pela destruição”. E, quando ele fala que acabou a cul-
tura, só se pode entender que ele quis dizer que acabou a reli-
gião, considerando que o Iluminismo matou o Deus hebraico.
Acontece que o Iluminismo não matou o Deus hebraico ou
o Deus cristão, apenas estremeceu as bases do cristianismo
(que tem seus fundamentos na religião hebraica) quando
tentou substituí-lo pelo Deísmo. O período de domínio das
ideias iluministas foi bastante curto, não dando tempo
para que essas ideias fossem consolidadas. A reação foi muito
forte contra elas. Para melhor entendimento do leitor, é im-
portante rever os principais pressupostos do Iluminismo e os
princípios que nortearam o Deísmo.
Outro aspecto que merece um comentário é o fato de
Steiner condenar Eliot por não ter envolvido em seu estudo o
antissemitismo. É evidente que quem busca explicar as causas
das duas grandes Guerras Mundiais tem que incluir no con-
texto os problemas culturais e, na Segunda Guerra Mundial, o
antissemitismo foi um ato de covardia, de cobiça e maldade
contra os descendentes de um povo sem pátria (judeus), mes-
mo reconhecendo que possuíam ambiciosas tendências finan-
ceiras, adotavam preceitos religiosos semelhantes aos dos ale-
mães e italianos. Mas dizer que a Segunda Guerra Mundial foi
uma resposta vingativa da humanidade não judia, no que dizia
respeito mais à religião, é ilógico e pouco aceitável. Primeiro
porque a perversidade contra os judeus partiu da Alemanha,
para atender conveniências políticas. Segundo porque a Itália,
que era aliada da Alemanha, era e é ainda o berço do cristia-
nismo e jamais se manifestou a favor do antissemitismo. O

55
Japão, outro aliado da Alemanha, está ligado ao budismo e es-
tava pouco interessado com aspectos religiosos dos europeus.
E, finalmente, se os europeus tinham ressentimentos contra o
monoteísmo judeu, esse aspecto era algo irrelevante e jamais
seria motivo de guerra. Se fosse algo mais sério, teriam ade-
rido ao laicismo pregado pelo movimento iluminista. Talvez
Steiner tenha esquecido que esse laicismo dos iluministas só
perdurou na fase revolucionária. Com a restauração política
na Europa, a religião cristã voltou a ter seus dias de glória e
até hoje continua como uma grande árvore sustentada pelas
raízes hebraicas, tanto no catolicismo como nas seitas que se
espalharam pelo mundo ocidental depois da Reforma Religio-
sa encabeçada por Martim Lutero no século XVII.
Por outro lado, se a aversão ao monoteísmo judeu era
tão forte ao ponto de fazer com que a humanidade não judia
não só anunciasse, mas também desejasse que viesse esse
“estouro sanguinário e purificador que serão as revoluções
e as duas guerras mundiais”, e que “a cultura, em vez de im-
pedir, provoca e celebra esse banho de sangue”, por que não
aceitaram as concepções iluministas que traziam em seu bojo
outras opções culturais e racionais, capazes de preencher o
vazio deixado pela abolição do monoteísmo judeu?
As explicações para esses fatos que envolveram a Eu-
ropa depois das revoluções liberais e guerras napoleônicas,
encontradas nos livros de História, configuram-se como pro-
vas mais claras e contundentes sobre o porquê de as forças
reacionárias, incluindo as religiosas, reagirem contra o ra-
cionalismo e, de forma direta, com as ideias iluministas. Essa
reação ao racionalismo iluminista se tornou mais veemente
por parte de uma corrente de escritores que, apoiados pelos
grupos conservadores e religiosos, tudo fizeram para resta-

56
belecer o status quo que antecedeu à Revolução Francesa.
Nessas contendas, os mais beneficiados foram a nobreza e o
clero, sendo os católicos, a voz mais potente no campo religio-
so, como herdeiros do monoteísmo hebraico, os mais privile-
giados.
Então, não se pode atribuir, nem de longe, o aspecto re-
ligioso como o agente causador mais forte da Segunda Guerra
Mundial. O que se pode estranhar, dentro do aspecto cultural,
é como países com a mesma formação religiosa como Alema-
nha, Itália, Inglaterra e França formassem grupos antagônicos
para resolverem, por meio de guerra, questões econômicas.
Por que, em nenhum momento, os princípios morais e éticos,
tão apregoados nos templos, conseguiram se impor em
defesa da paz e da coexistência pacífica europeia? Seria
até incoerente pensar-se que essa questão moral e ética, ema-
nada do monoteísmo hebraico e que deveria prevalecer entre
os países cristãos, pudesse fomentar o antissemitismo. Mas,
como afirmou Eliot, “um europeu pode não crer que a fé cristã
seja verdadeira, mas, mesmo assim, o que ele diz, aquilo em
que acredita e o que faz provêm da fonte do legado cristão, e
seu sentido depende dele”. E, como a guerra é uma irraciona-
lidade, tudo é possível, mas nunca poderá ser justificada pela
razão, pelo bom senso, pelo amor ao próximo impregnados
nos postulados de uma cultura que transcenda os limites do
que, tradicionalmente, a história registrou.
O autor do livro A Civilização do Espetáculo, Mário Var-
gas Llosa apresenta,dentro dos aspectos culturais, outras co-
locações de Steiner que podem ser consideradas inconsisten-
tes, vejamos algumas delas:
A primeira consiste em considerar a fase posterior à
Segunda Guerra Mundial como pós-cultura. Uma cultura não

57
desaparece de um povo e muito menos de continentes, pois
ela está representada pela soma das atividades dos grupos so-
ciais que formam as sociedades, as nações e, enquanto estes
existirem, os elementos culturais estarão presentes. Se houve
uma mudança no estilo de vida dos europeus – por exemplo,
adotando práticas diferentes daquelas usadas antes da guerra
–, isso não significa que eles perderam a sua cultura.
No caso dos europeus, que foram os mais afetados pela
guerra, eles apenas puderam constatar a vulnerabilidade de
sua cultura, principalmente no que diz respeito à parte reli-
giosa, que, tendo como maior fundamento o amor ao próximo,
assistiu, de forma passiva, à mais covarde agressão a um gru-
po étnico que, além de representar as origens religiosas que
fundamentaram a fé cristã da Europa, ajudaram a construir
o patrimônio econômico de que desfrutavam até o início da
guerra. Isso certamente gerou uma indignação generalizada
entre os seres que ainda mantiveram imunes suas reservas
morais, pois não havia respaldo psicológico e nem moral para
justificar tamanha crueldade, mesmo que fosse em reação à
vingança suscitada por Friedrich Nietzsche, abaixo descrita.

“Nada do que na terra se fez contra ‘os nobres’, ‘os po-


derosos’, ‘os senhores’, ‘os donos do poder’, é remota-
mente comparável ao que os judeus contra eles fize-
ram; os judeus, aquele povo de sacerdotes que soube
desforrar-se de seus inimigos e conquistadores, ape-
nas através de uma radical ‘tresvaloração’ dos valores
deles, ou seja, por um ato da mais espiritual vingança.
Assim convinha a um povo sacerdotal, o povo da mais
entranhada sede de vingança sacerdotal. Foram os ju-
deus que, com apavorante coerência, ousaram inver-
ter a equação de valores aristocrática (bom = nobre
= poderoso = belo = feliz = caro aos deuses) e, com

58
unhas e dentes (os dentes do ódio mais fundo, o ódio
impotente), se apegaram a esta inversão, a saber, ‘os
miseráveis somente são os bons, os sofredores, neces-
sitados, feios, doentes são os únicos beatos, os únicos
abençoados, unicamente para eles há bem-aventuran-
ça – mas vocês, nobres e poderosos, vocês serão por
toda a eternidade os maus, os cruéis, os lascivos, os
insaciáveis, os ímpios, serão também eternamente os
desventurados, malditos e danados!’ ...
“Sabe-se quem colheu a herança dessa tresvaloração
judaica...
“A propósito da tremenda, desmesuradamente fatídi-
ca iniciativa que ofereceram os judeus, com essa mais
radical das declarações de guerra, recordo a conclu-
são a que cheguei num outro momento (livro Além
do Bem e do Mal) – de que com os judeus principia
a revolta dos escravos na moral: aquela rebelião que
tem atrás de si dois mil anos de história, e que hoje
perdemos de vista, porque – foi vitoriosa...”

Na verdade, essa outra versão anunciada por Nietzs-


che, mais sucinta e mais esclarecedora dessa trama maquia-
vélica dos judeus, nunca foi registrada pela história como con-
fronto bélico com as classes mais poderosas, mesmo porque
eram minoria e também porque, para muitos, essa trama con-
tinua sendo vista, ingenuamente, como virtude. Os sacerdotes
judeus deixaram essa herança cultural que se transformou
numa tradição com a expansão do cristianismo na Europa e,
mais tarde, na América, mas em nenhum momento histórico
serviu como motivo de guerra. O isolamento do povo judeu, es-
palhado pelos continentes europeu e africano após a Diáspora
no século II, teve como causa a estreita ligação às suas origens
culturais, diferenciando-se dos costumes dos povos com os
quais conviviam, inclusive de muitos aspectos do cristianismo.

59
Todavia, Nietzsche teve razão ao registrar essa sutileza
como um aspecto profundo da moral ocidental, servindo de
entrave para que as pessoas possam descortinar uma visão
objetiva sobre o homem, o universo e Deus.
Entretanto, sem deixar de analisar com imparcialida-
de todas as controvérsias da história, seria altamente conve-
niente ressaltar nesta análise sobre a cultura o fato de que
ela representa o conjunto de todas as atividades humanas e,
fundamentalmente, o desenvolvimento das faculdades da in-
teligência, principalmente as de pensar e sentir, que, impres-
cindivelmente, orientarão na condução da vida humana.

60
OUTRAS FORMAS DE DETURPAR A CULTURA

Seguindo as citações de Vargas Llosa na introdução de seu


livro –A Metamorfose da cultura, é importante relembrar
o que disse Guy Debord, que publicou em 1967 o livro A
Sociedade do Espetáculo, destacando, em particular, algumas
semelhanças com o conteúdo do livro A Civilização do Espetá-
culo. Afirma Vargas Llosa:

“O livro de Debord contém achados e intuições que


coincidem com alguns temas ressaltados no meu en-
saio, tal como a ideia de que substituir a vivência pela
representação, fazer da vida uma espectadora de si
mesma, implica um empobrecimento do humano. O
mesmo se diga de sua afirmação de que, num meio em
que a vida deixou de ser vivenciada para ser apenas
representada, vive-se ‘por procuração’, como os ato-
res vivem a vida fingida que encarnam num cenário
ou numa tela”.

Estes aspectos apresentados por Debord e reconhe-


cidos por Vargas Llosa como verdadeiros e que são caracte-
rizados pelo processo de futilização que domina a sociedade
moderna, em decorrência das práticas publicitárias criadas
pelo próprio sistema capitalista, mais evidenciadas no século
XXI, são hoje realidades palpáveis, mas que ainda não encon-
traram vozes com elementos culturais capazes de preencher
esse vazio existencial da mesma sociedade que as pratica.

61
Pela forma como está plasmada a realidade do mundo
atual, é possível entender-se que as causas principais desse
desvio comportamental estão relacionadas com dois fatores:
o primeiro é o econômico, festejado em todos os cantos do
planeta como a explosão tecnológica, trazendo conforto, fa-
cilidade de comunicação, simplificação de tarefas físicas, en-
tretenimento, mas também agressão à natureza e a criação de
ociosidades, pois falta o equilíbrio entre o progresso material
e o espiritual. As civilizações ocidental e oriental sempre fo-
ram carentes dessa visão equilibrada, deixando prevalecer o
concubinato entre ciência e religião.
O segundo fator é o cultural: uma cultura que não é
capaz de ensinar aos seres humanos a bastarem a si mesmos
em todas as atividades, a serem protagonistas de sua própria
existência à medida que vão conhecendo as suas potenciali-
dades físicas e mentais, conhecendo os seus defeitos e as suas
virtudes, buscando, por seus próprios esforços, superando os
defeitos e fortalecendo as suas virtudes, preparando-os para
serem donos de suas vidas, dos pensamentos que ocupam
suas mentes e das possibilidades de traçarem o seu próprio
destino, é uma cultura que nunca poderá esperar mais do que
o que está acontecendo no mundo atual.
No entanto, mesmo que esses aspectos negativos se-
jam observados, como foi feito por Guy Debord e Vargas Llo-
sa, isso não é o suficiente, pois referidos autores deixam de
apresentar alternativas para uma possível correção de rumos
ou mesmo citar outros autores que tratam da possibilidade
de formação de uma nova cultura ou mesmo de uma reforma
da atual cultura, tendo por base uma pedagogia que estimule
o fortalecimento de valores morais e éticos consubstanciados
no conhecimento de si mesmo, no conhecimento das leis uni-

62
versais que regem todos os pilares da criação e que expres-
sam a existência de uma Inteligência Superior, que é o próprio
Deus.
Nesse contexto que poderia descortinar o nascimento
de uma nova cultura, numerosos trabalhos nos últimos anos,
como observou Vargas Llosa, procuraram definir as caracte-
rísticas distintivas da cultura de nosso tempo como conse-
quência da globalização, da mundialização do capitalismo e
dos mercados, bem como da extraordinária revolução tec-
nológica. Mas, pelo que se verá mais adiante, essas iniciati-
vas partiram de autores que pareciam querer, antes de tudo,
justificar os desvios de uma sociedade desorientada como
sendo consequências da globalização, e não da precariedade
dos seus pressupostos culturais. Desconheciam a realidade
de que, desde o enfraquecimento do racionalismo, a cultura
ocidental, especificamente, foi se debilitando pela falta de
estímulos no estudo das ciências e na formulação das práti-
cas educativas, como principais fomentadoras da preparação
do indivíduo para o exercício da cidadania e defesa dos seus
próprios direitos. Essa condição de fraqueza evidenciada pe-
las sociedades ocidentais abriu as portas para que os acenos
publicitários transformassem os indivíduos, sem lucidez,
sem livre-arbítrio, incapazes de julgarem por si mesmos, em
homens-massa, atraídos pelo modismo e pelo entretenimen-
to. Foi essa distorção forjada pelo aparato comercial que fez
aparecer esses hábitos nas classes sociais, com predominân-
cia nas classes mais baixas. Mas não se pode dizer que isso
se transformou em um novo tipo de cultura. Foi apenas um
fenômeno social que se espalhou com mais facilidade entre os
países subdesenvolvidos e atinge apenas uma parte da cultu-
ra relacionada ao consumismo e ao entretenimento.

63
Os grupos sociais não deixaram de praticar a sua re-
ligião, de estudar nas escolas, de exercer suas profissões e
outros aspectos tradicionais. A cultura do século XXI, em sua
essência, é a mesma que foi seguida nos séculos anteriores. O
que aconteceu é que o progresso material foi imensamente su-
perior ao progresso espiritual, deixando expostas as mazelas e
misérias provocadas por esse desequilíbrio, algo que a cultu-
ra, influenciada enormemente pelas religiões, não conseguiu
enxergar, mesmo com as advertências de muitos pensadores.
A verdade é que estamos vivendo numa época de grande pro-
gresso material beneficiando diversos setores da vida huma-
na, mas com uma estrutura psicológica medieval, freada pelos
rigores de crenças antigas, incapazes, portanto, de discernir o
que existe de bem e de mal nesse progresso material.
Essa é a razão para que ideias como as que serão apre-
sentadas agora ainda ganhem espaço na mídia e possuam
adeptos, confundindo cultura com folclore ou mesmo estilo de
vida. A cultura é e sempre será o conjunto de atividades de-
senvolvidas por um povo ou nação, tendo como finalidade a
interação – por meio da educação – entre os grupos sociais e
o meio ambiente. O que está acontecendo no mundo atual é
apenas o enfraquecimento desse objetivo causado pelas defici-
ências do processo educativo. É o pouco apreço dos governan-
tes pela elevação cultural das populações e a cegueira religiosa
que confunde a vinculação do ser humano com Deus pela fé
cega, ao invés de buscar o conhecimento, ou seja, a ampliação
de sua mente, de sua inteligência, tornando-se um ser inde-
pendente, capaz de dirigir com acerto a sua vida. Essa postura
psicológica e moral criou, ao contrário, essa indigência moral
de suplicar, de braços cruzados, por milagres sem que a pessoa
tenha feito nenhum esforço para merecer tal graça.

64
Alheios a essa realidade, alguns autores lançaram li-
vros destacando os aspectos negativos dessa cultura tradi-
cional, trazendo enredos de comportamentos sem tocar nas
verdadeiras causas dessas tendências das populações atuais,
causas estas que são exatamente a falta ou carência de ele-
mentos de juízo capazes de alterar essa postura inconsciente
em aceitar os fatos sem reflexão. Acerca disso, a velha cultura
jamais contribuirá com alguma coisa, pois não as tem. É preci-
so que novos valores morais e éticos sejam incorporados nas
mentes das pessoas – por meio de um amplo processo educa-
tivo –, de maneira que uma nova arquitetura psicológica seja
desenvolvida, começando por ensinar aos seres humanos, em
todas as partes do planeta Terra, a conhecerem a si mesmos,
para depois serem capazes de compreender o mundo que os
cerca e as leis naturais ou universais que sustentam tudo o
que existe, leis que representam a verdadeira linguagem do
Criador ou Deus, essa Inteligência Suprema que se manifesta
em tudo o que tem vida. Mas é importante que se conheçam
mais algumas ideias trazidas por Vargas Llosa em seu livro A
Civilização do Espetáculo.

65
66
A CULTURA DOS MARQUETEIROS

Para ilustrar o título acima, um dos trabalhos citados


é o de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy – A Cultura-mundo:
Resposta a uma Sociedade Desorientada. O trabalho defende
– segundo Vargas Llosa – a ideia de que em nossos dias há
um enaltecimento de uma cultura global – a cultura-mundo –,
que, apoiando-se no progressivo apagamento das fronteiras
operado pela ação dos mercados, da revolução científica e tec-
nológica, vem criando, pela primeira vez na história, alguns
denominadores culturais dos quais participam sociedades e
indivíduos dos cinco continentes, aproximando-os e igualan-
do-os apesar das diferentes tradições, crenças e línguas que
lhes são próprias. Essa cultura, diferentemente do que antes
possuía esse nome, deixou de ser elitista, erudita e excluden-
te, e transformou-se em genuína “cultura de massas”.
Concluem que,

“Em total oposição às vanguardas herméticas e elitis-


tas, a cultura de massas quer oferecer ao público mais
amplo possível novidades acessíveis que sirvam de
entretenimento à maior quantidade possível de con-
sumidores. Sua intenção é divertir e dar prazer, possi-
bilitar a evasão fácil e acessível para todos, sem neces-
sidade de formação alguma, sem referentes culturais
concretos e eruditos. O que as indústrias culturais
inventam nada mais é que uma cultura transformada
em artigos de consumo de massas”.

67
O outro livro mencionado por Vargas Llosa tem o títu-
lo de Mainstream (cultura do grande público), do sociólogo
Frédéric Martel, publicado em 2010, na França. Esse livro, de
acordo com Vargas Llosa, é fascinante e aterrorizante em sua
descrição de “cultura do entretenimento”, a qual substituiu
quase universalmente aquilo que há apenas meio século se
entendia por cultura. O livro é formado por uma reportagem
feita em grande parte do mundo, com centenas de entrevistas,
sobre aquilo que, graças à globalização e à revolução audiovi-
sual, é hoje em dia um denominador comum entre os povos
dos cinco continentes, apesar das diferenças de línguas, reli-
giões e costumes. Na obra, não se fala de livros, nem de pintura
ou escultura, nem de música ou dança clássica, nem de filosofia
e de humanidades em geral, mas exclusivamente de filmes, pro-
gramas de televisão, videogames, mangás, shows de rock, pops
ou rap, vídeos e tablets, bem como das “indústrias criativas”
que os produzem, patrocinam e promovem, ou seja, das di-
versões do grande público que foram substituindo a cultura do
passado e acabarão por liquidá-la.
Analisando, por alto, as ideias concentradas nos dois
livros citados por Vargas Llosa, chega-se à conclusão de que
os autores, à semelhança dos “marqueteiros” contratados por
candidatos a cargos políticos, procuram construir o perfil do
político e sua plataforma de governo de forma que possam
agradar ao público, principalmente aos menos preparados
para questionar alguma coisa, pois toda a ficção que envolve o
candidato parece perfeita. Esses marqueteiros, dos livros cita-
dos, até parece que foram contratados pelas indústrias cultu-
rais – ou, como eles próprios chamam, “cultura transformada
em artigos de consumo de massas”. Tudo isso, sem nenhuma
dúvida, influencia o grande público e faz com que os produtos

68
dessa indústria cultural sejam consumidos, mas essas ques-
tões não têm nada a ver com a cultura no seu sentido socio-
lógico. A grande prova de que não é cultura é o fato de que
esse movimento se restringe apenas a um aspecto: o entrete-
nimento – aliás, não foi esta a primeira vez que isso aconteceu
na história, haja vista ao que aconteceu no Império Romano
do Ocidente no seu período de decadência, por volta do sé-
culo IV da Era Cristã, quando a preocupação maior dos impe-
radores era a de promover a diversão para o povo através do
circo e distribuir migalhas para sua alimentação, formando a
famosa prática do “pão e circo”. Apesar da grandiosidade e da
sofisticação dos espetáculos do mundo moderno, eles sempre
representarão uma imitação da realidade, sem raízes, sem re-
ferências culturais concretas. A cultura, no que diz respeito às
religiões, à filosofia, às humanidades em geral, aos livros, às
pinturas e às esculturas, estão aí para provar que as ativida-
des não desapareceram e estão onde sempre estiveram – não
só entre as classes sociais mais cultas, sem deixar de penetrar,
também, nas camadas sociais mais baixas.
Assim como a cultura greco-latina em nada se afetou
com a prática do “pão e circo” e deu início à cultura do mundo
ocidental, que ainda persiste nos séculos XX e XXI, essa mes-
ma cultura não foi e nem está sendo afetada por esta “cultura de
massas” que nada mais é do que um movimento superficial ou
um modismo que, a médio ou longo prazo se esgotará, pois o
ócio, sem uma base de sustentação econômica, sem a força do
trabalho, não tem futuro. O que poderá acontecer – e será al-
tamente positivo, com a expansão desse movimento de mas-
sas, no que tange aos movimentos religiosos, por exemplo,
que representam os maiores espetáculos da atualidade – será
a própria implosão das forças que os alimentam, no momento

69
em que os componentes, pela força dos conhecimentos cientí-
ficos, começarem a sentir o vazio dos seus argumentos. Serão
essas as condições que poderão favorecer o aparecimento de
uma nova civilização – a Civilização do Equilíbrio ou Civiliza-
ção do Espírito, e que poderá se estender do Ocidente para o
Oriente, de forma pacífica.
Nos capítulos seguintes serão apresentados outros as-
pectos do que Vargas Llosa chamou de Civilização do Espe-
táculo, conteúdo este que será analisado à luz de elementos
de juízo que fazem parte de uma nova cultura que se encon-
tra em fase embrionária e que poderá preencher, com grande
vantagem, as lacunas deixadas pelas civilizações atuais – oci-
dental e oriental.

70
O SIGNIFICADO MAIS COERENTE DE CULTURA

Mário Vargas Llosa inicia o capítulo 2 do seu livro A


Civilização do Espetáculo – Breve Discurso sobre a Cultura –
falando sobre o conceito de cultura e as várias interpretações
que foram dadas por analistas diversos, mostrando o grau de
confusão existente ao traçarem as linhas explicativas sobre o
que vem a ser cultura. Os textos mais confundem do que ex-
plicam, indo desde os aspectos que podem caracterizar uma
cultura até as conclusões de que ela não existe mais no mun-
do moderno. Muitas dessas manifestações não são nada mais
do que maneiras de preencher o tempo das pessoas, como fa-
zem a maior parte dos autores modernos. Muitas desprovidas
de lógica e de uma visão histórica, e, principalmente, de um
objetivo responsável, pensando em educar as pessoas de um
modo geral.
Nesses comentários, nota-se, de forma clara, o aban-
dono das origens históricas das culturas e os fatores maiores
que as unem numa mesma civilização, dando a elas um ca-
ráter duradouro e inconfundível. Por exemplo, o que carac-
teriza a base maior da cultura ocidental, ou seja, o que existe
em comum entre os povos que a formam? A primeira força
dessa cultura vem do cristianismo e seus desdobramentos. A
segunda força está representada pela influência das culturas
grega e latina (civilização clássica que antecedeu à ocidental).
Essas duas influências, acrescidas de outros elementos cultu-
rais (bárbaros, árabes etc.), fazem parte da essência da cultu-

71
ra ocidental, que, nesses quase dois milênios, acompanharam
os povos do ocidente, mesmo que existindo em cada um deles
um idioma diferente, o que nunca impediu a manutenção dos
elementos culturais comuns, presentes na organização social
e nos comportamentos psicológicos. Então, como falar em fim
de cultura, se esses elementos estão aí presentes no cotidiano
das pessoas. O que diferencia esses povos em matéria de ali-
mentação, indumentária, contato com a natureza são conse-
quências dos fatores climáticos, que formam um estilo de vida
e que muitos analistas consideram como cultura no sentido
amplo.
Em todas essas citações, vale enaltecer o conceito
apresentado pelos antropólogos, mostrando as característi-
cas da cultura que são atemporais em seu conteúdo, mudando
apenas nas formas, atendendo à lei de evolução: cultura é a
soma de crenças, conhecimentos, linguagens, costumes, indu-
mentária, usos, sistemas de parentescos; em resumo, tudo o
que um povo diz, faz, teme ou adora.
Mas não são apenas essas pequenas insinuações que
o autor de A Civilização do Espetáculo se preocupou em apre-
sentar no seu livro. Existem colocações importantes que me-
recem ser ressaltadas.
Falando sobre os autores que se dizem especialistas,
Vargas Llosa conclui que

“O especialista enxerga e vai longe em seu campo, mas


não sabe o que ocorre ao seu redor e não perde tem-
po averiguando os estragos que seus êxitos poderiam
causar em outros âmbitos da existência, alheios ao
seu. Esse ser unidimensional pode ser, ao mesmo tem-
po, um grande especialista e uma pessoa inculta, por-
que seus conhecimentos, em vez de conectá-lo com

72
os outros, o isolam numa especialidade que é apenas
uma célula diminuta do vasto campo do saber”.

Em outras palavras, pode-se opinar ou afirmar – sem


nenhum risco de incorrer em erros sobre o mérito das con-
clusões – que qualquer especialista, quando entra na seara
psicológica e moral tentando explicar questões dos seus se-
melhantes, tendo como parâmetro seus próprios conceitos,
desconhecendo as realidades do campo experimental do ou-
tro, está sujeito a equívocos.
Comentando sobre o conceito de cultura de Eliot, que
via nos valores da religião cristã a base do saber e da conduta
humana que ele chamava de cultura, assim se manifestou Var-
gas Llosa:

“Mas não creio que a fé religiosa seja o único sus-


tentáculo possível para que o conhecimento não se
torne errático e autodestrutivo como o que multipli-
ca os arsenais atômicos ou contamina com venenos
o ar, o solo e as águas que nos permitem viver. Uma
moral e uma filosofia laicas desde os séculos XVIII e
XIX, desempenharam essa função para um amplo se-
tor do mundo ocidental. Embora seja indubitável que,
para um número igual ou maior de seres humanos, a
transcendência é uma necessidade ou urgência vital
da qual não é possível desprender-se sem cair na ano-
mia (ausência de leis ou normas de organização) ou
no desespero”.

A opinião de Vargas Llosa neste parágrafo está, em


parte, correta, quando afirma que não só a fé cristã se preocu-
pou com os males provocados pelo mal uso dos conhecimen-
tos científicos ao afirmar que uma moral e uma filosofia laicas
já haviam se preocupado com esse aspecto do conhecimento

73
nos séculos XVIII e XIX, referindo-se ao legado deixado pelo
Iluminismo, apresentando essa preocupação de uma forma
bem ampla e plenamente justificada, inclusive atribuindo à
religião o papel de maior entrave para a obtenção do conheci-
mento e sua aplicação em favor do progresso da humanidade.
Para os iluministas, a religião trazia apenas a ignorância, com
suas crenças e não tem nenhuma base do saber, como dizia
Eliot.
No entanto, no mesmo parágrafo Vargas Llosa deixou
uma enorme incompreensão, ao afirmar que, para um núme-
ro maior ou igual de seres humanos, a transcendência– ou
seja, o conhecimento que ultrapassa a esfera comum do sa-
ber humano, que se refere ao campo metafísico –, apesar da
necessidade ou urgência vital, não é possível para o ser hu-
mano, diante da dificuldade deste desprender-se – o que dá
a entender que isso consiste em sair mentalmente do campo
físico ou do meio natural das pessoas – sem cair na anomia,
isto é, na ausência de leis ou normas de organização ou no
desespero, ou gerando o que Guy Debord comentou sobre a
forma de vida por procuração ou, em outras palavras, a tercei-
rização da vida, por meio dos intermediários religiosos. Deu a
entender, portanto, que é impossível ao ser humano transpor
a subjetividade sem se alienar, o que é o mesmo que aceitar
os dogmas religiosos que consideram o ser humano incapaz
de dominar a sua mente, o seu próprio destino sem a ajuda
de uma força sobrenatural, com a intermediação de terceiros.
Nesse aspecto, Vargas Llosa se coloca na mesma posição de
vários pensadores que, por falta de elementos de juízo trans-
cendentes, ainda não são capazes de sair do cerco construído
pelas religiões, embora relutem em permanecer dentro dele.
Assim, dificilmente, um ser sem uma dimensão intelectual

74
ampla, sem que a mente esteja livre de preconceitos e temo-
res, poderá consentir com ideias tão avançadas quanto as que
pronunciou a seguir sobre o verdadeiro significado de cultu-
ra:
“Hierarquias no amplo espectro dos saberes que for-
mam o conhecimento, uma moral o mais tolerante
possível que exija a liberdade e possibilite a expres-
são à grande diversidade dos seres humanos, mas
seja firme na rejeição a tudo o que avilte e degrade a
noção básica de humanidade e ameace a sobrevivên-
cia da espécie, uma elite não pautada pela razão de
nascimento nem pelo poder econômico ou político,
mas pelo esforço, pelo talento e pela obra realizada,
com autoridade moral para estabelecer, de maneira
flexível e renovável, uma ordem de prioridades e im-
portância de valores tanto no espaço próprio das ar-
tes quanto nas ciências e nas técnicas: isso foi cultura
nas circunstâncias e sociedades mais ilustradas que
a história conheceu, o que ela deveria voltar a ser se
não quisermos progredir sem rumo, às cegas, como
autômatos, em direção à nossa própria desintegração.
Só desse modo a vida iria sendo cada dia mais digna
de ser vivida para a maioria, na busca do sempre inal-
cançável anseio por um mundo feliz”.

Nesse parágrafo, o autor se eleva e, em parte, se redi-


me por condenar à anomia os seres que buscam transcender
os limites da cultura comum, quando apresenta, com sua pro-
lixa e desenvolta expressão ao se manifestar, o seu conceito
de uma moral superior e desejável para a humanidade, mas
não deixa indícios de como chegar a essa notável concepção
sem escapar do cipoal contraditório da chamada cultura pós-
-moderna, representada por nomes como Steiner ou pelo que
representa a parte religiosa da cultura ocidental.

75
Pode-se concluir, no entanto, que a cultura constitui-se
nas diversas formas de realizar, de pensar e de sentir a vida, e
representa, antes de tudo, a necessidade que o indivíduo sen-
te, em cada região do mundo, para adaptar-se ao meio geográ-
fico. A cultura é, portanto, o ponto de ligação entre o indivíduo
e a Natureza. Todos os indivíduos, em todas as partes do mun-
do, sentem essa necessidade natural e, instintivamente, vão
impulsionando a vontade e a inteligência para o atendimento
a essas necessidades.
Entretanto, com o passar do tempo, com o progresso
material se espalhando pelo mundo, esse ponto de ligação
com a Natureza foi, infelizmente, enfraquecendo, apresentan-
do essas necessidades com outras roupagens mais sofistica-
das e menos respeitosas para com o meio natural, revelando
maneiras de viver que vão do sóbrio ao extravagante, depen-
dendo do grau de educação de cada povo.
Todavia, para que tudo isso que foi falado se transfor-
me em realidade, é preciso que se estabeleça em todos os po-
vos um sistema de educação que possa pôr em prática, por
exemplo, o que disse o pensador argentino González Peco-
tche, ao tratar do conceito de moral, que representa um ele-
mento importantíssimo da cultura:

“Depois de se haver deixado o mal avançar tanto, não


basta assinalar uma ou outra vez o desvio, com atitu-
des sentenciosas desta ou daquela posição; a huma-
nidade necessita é que se lhe ensine e transfunda o
verdadeiro conhecimento de sua evolução. É neces-
sário dar ao homem os elementos que lhe falta para
orientar sua vida com segurança pelos caminhos do
mundo...”

76
Continuando, afirma o filósofo:

“A moral, porém – insistimos – edifica-se com o bom


exemplo, não com palavras. Nutre-se e afirma-se em
uma atitude que surge no interno como imperativo da
consciência. Essa atitude é o respeito; o respeito que
cada qual deve ter para consigo mesmo, a fim de não
lesar seu conceito com pensamentos, palavras ou atos
que o maculem; o respeito ao semelhante, que outor-
ga dos demais a mesma consideração; o respeito a
Deus, afastando da mente todo pensamento ou ideia
que não favoreça o acercamento a Ele, pelo caminho
do saber e da perfeição; finalmente, o que se deve a
tudo que, por sentimento natural, inspira respeito”.

A conclusão de Vargas Llosa no capítulo 2 de seu traba-


lho é a seguinte:

“A cultura pode ser experimentação e reflexão, pen-


samento e sonho, paixão e poesia, e uma revisão crí-
tica constante e profunda de todas as certezas, con-
vicções, teorias e crenças. Mas não pode afastar-se
da vida real, da vida verdadeira, da vida vivida, que
nunca é a dos lugares comuns, do artifício, do sofisma
e da brincadeira, sem risco de se desintegrar. Posso
parecer pessimista, mas minha impressão é de que,
com uma irresponsabilidade tão grande como a nossa
irreprimível vocação para a brincadeira e a diversão,
fizemos da cultura um daqueles castelos de areia, vis-
tosos, mas frágeis, que se desmancham com a primei-
ra ventania”.

Tudo isso parece perfeito, coerente e aplicável. Mas,


no fundo, todas essas considerações só poderão ser viáveis
com mudanças sobre a visão histórica, corrigindo as deficiên-
cias psicológicas individuais e enriquecendo os elementos de

77
juízo que consubstanciam as bases da cultura ocidental. Do
contrário, como fazer uma revisão crítica e profunda de to-
das as certezas, convicções, teorias e crenças, com os mesmos
princípios que fundamentam a compreensão sobre a vida, o
homem, o universo e Deus que caracterizam a cultura ociden-
tal?
Essas observações e questionamentos nos remetem,
novamente, ao pensamento do pensador argentino González
Pecotche, que assim se manifestou:

“Nunca, como nos tempos atuais, tem sido tão neces-


sário, útil e instrutivo o conhecimento das defesas
mentais que cada indivíduo pode instituir à vontade,
para preservar-se dos males que constantemente ame-
açam sua integridade física, moral e espiritual. Males
que, na maioria dos casos, terminam por submetê-lo
a vontades alheias, à influência de ambientes – sejam
políticos, religiosos, ideológicos ou de qualquer outra
índole. Mais ainda, esse desconhecimento que o im-
pede de estabelecer suas próprias defesas mentais,
torna o homem inseguro, temeroso e vacilante ante
cada situação das tantas que se promovem no curso
da vida”.

78
A HORA DOS CHARLATÕES

No capítulo intitulado “Os charlatões”, Vargas Llosa


chama a atenção para o embuste, para a distorção velada ou
involuntária em torno de questionamentos sobre o que é real
ou apenas ilusões tecidas com palavras recheadas de uma re-
tórica ou expressões que soam bem aos ouvidos de intelectu-
ais pedantes, mas desprovidas de conteúdo capaz de demons-
trar, por pouco que seja, um grau de utilidade necessária para
a mente humana aplicar à vida. Para esses autores, conforme
enfatiza Vargas Llosa,

“a realidade real já não existe, foi substituída pela re-


alidade virtual, criada pelas imagens da publicidade
e pelos grandes meios audiovisuais. Há algo que co-
nhecemos como rótulo de ‘informação’, mas trata-se
de um material que, na verdade, desempenha função
essencialmente oposta a de nos informar sobre o que
ocorre ao nosso redor. Ele suplanta e torna inútil o
mundo real dos fatos e as ações objetivas: são as ver-
sões clônicas destes, que chegam até nós através das
telas da televisão, selecionadas e temperadas pelos
comentários dos ilusionistas que são os profissio-
nais dos meios de comunicação, versão que em nossa
época ocupam o lugar daquilo que antes se conhecia
como realidade histórica, conhecimentos objetivos do
desenvolvimento da sociedade”.

Continua o autor com a seguinte afirmação:

79
“As ocorrências do mundo real já não podem ser ob-
jetivas: nascem minadas em sua verdade e consistên-
cia ontológica por esse vírus dissolvente que é sua
projeção nas imagens manipuladas e falsificadas da
realidade virtual, as únicas admissíveis e compreensí-
veis para uma humanidade domesticada pela fantasia
midiática dentro da qual nascemos, vivemos e mor-
remos (nem mais nem menos que os dinossauros de
Spielberg). Além de abolirem a história, as ‘notícias’
da televisão também aniquilam o tempo, pois matam
qualquer perspectiva crítica sobre o que ocorre: elas
são simultâneas aos acontecimentos sobre os quais
supostamente informam, e estes não duram mais que
o lapso fugaz em que são enunciados, antes de desa-
parecerem, varridos por outros que, por sua vez, ani-
quilarão os novos, num vertiginoso processo de des-
naturalização do existente que desembocou, pura e
simplesmente, em sua evaporação e substituição pela
verdade da ficção midiática, a única realidade real de
nossa era, a era – diz Baudrillard – ‘dos simulacros’”.

Essas observações de Vargas Llosa são representa-


tivas de uma visão tão clara e elucidativa que nada se tem a
acrescentar frente à contundência de suas palavras. Po-
de-se até arriscar a dizer que estamos diante de dois
pronunciamentos altamente positivos: o que Vargas
Llosa enfatizou sobre o vertiginoso processo de desna-
turalização do existente, ao fazer uma verdadeira radiogra-
fia do nosso tempo e de nossa cultura; e o de González Pe-
cotche, mostrando como neutralizar essa onda avassaladora
de “informações” por meio da mídia, com o conhecimento
das defesas mentais que o indivíduo pode instituir à vontade,
para preservar-se dos males que constantemente ameaçam
sua integridade física, moral e espiritual.

80
No capítulo denominado “Os charlatões”, Vargas Llosa
cita algumas compreensões um tanto esdrúxulas ou mesmo
incompreensíveis para alguns, mas que, para outros, repre-
sentam soberbos voos da mente humana. Afirmações como a
de Foucault de que “o homem não existe”, a de Roland Barthes
de que só conferia substância real ao estilo, inflexão que cada
vida animada é capaz de imprimir no rio de palavras em que
o ser aparece e desaparece como fogo-fátuo, ou a de Derrida
de que a verdadeira vida é a dos textos ou discursos, universo
de formas autossuficientes que se remetem e modificam mu-
tuamente, sem tocarem por nada a remota e pálida sombra do
verbo que é a prescindível experiência humana.
Essas concepções, embora de difícil compreensão, po-
dem parecer inofensivas para alguns, mas existem sutilezas
que, aos poucos, poderão ser travestidas de ideias totalmente
opostas aos verdadeiros objetivos das sociedades humanas,
principalmente quando são manipuladas por intelectuais que
maldosamente pretendem usá-las para fins ideológicos.
Analisando de forma mais completa as repercussões,
como fez Vargas Llosa ao comentar fatos ocorridos na França,
nas décadas de 1960/70, no setor educativo, evidencia-se o
quanto eles foram influenciados pelas ideias de Michel Fou-
cault, fatos estes que, ao contrário do que o autor afirmou, ex-
plicitam que o homem existe e que, levado por pensamentos
que invadem a sua mente, desprovida de defesas, pratica atos
que rondam a irracionalidade.
A descrição que Vargas Llosa fez sobre a França é ilus-
trativa das consequências de ideias confusas, provenientes de
mentes frustradas, tanto na Europa como em qualquer parte
do mundo. Esse episódio citado não foi diferente do que está
acontecendo no Brasil atual. A diferença é que, no Brasil, as

81
ideias de Foucault se associaram às de Antônio Gramsci, filó-
sofo italiano de formação comunista, as quais sutilmente fo-
ram infiltradas nos meios sociais por intelectuais de ocasião.
Segue o texto para análise.

“Naqueles dias, estava terminando de ler um dos ame-


nos e sofísticos ensaios de Michel Foucault em que,
com seu brilhantismo habitual, o filósofo francês afir-
mava que, assim como a sexualidade, a psiquiatria, a
religião, a justiça e a linguagem, o ensino sempre fora,
no mundo ocidental, uma das ‘estruturas de poder’
erigidas para reprimir e domesticar o corpo social,
instalando sutis, mas eficazes formas de sujeição e
alienação, a fim de garantir a perpetuação dos privi-
légios e o controle do poder dos grupos sociais domi-
nantes. Bom, pelo menos no campo do ensino, a partir
de 1968 a autoridade castradora dos instintos liber-
tários dos jovens havia ido para os ares. Mas, a julgar
por aquele documentário (trata-se do registro de fa-
tos deprimentes ocorridos em escolas da periferia de
Paris, onde professores foram agredidos por alunos)
que poderia ter sido filmado em muitos outros lugares
da França e de toda a Europa, a derrocada e o despres-
tígio da própria ideia de professor e de magistério – e,
em última instância, de qualquer forma de autorida-
de – não pareciam ter traído a libertação criativa do
espírito juvenil, mas ao contrário, transformado os
colégios assim liberados em instituições caóticas, no
melhor dos casos, e, no pior, em pequenas satrápias
de valentões e delinquentes precoces”.

Poder-se-á dizer que não são meras coincidências en-


tre os fatos narrados e a realidade da educação brasileira na
atualidade, mas reflexos de ideias de desconstrução de repu-
tações e estruturas sociais tão em moda na política.

82
Lamentando esses fatos deprimentes narrados por
Vargas Llosa, o autor destas linhas, ao contrário, teve a felici-
dade de testemunhar, a partir de 1966, quando ingressou no
magistério em Belo Horizonte, cenas altamente estimulantes
para a vida de qualquer professor, ao entrar na sala de aula e
ser recebido pelos alunos de pé. Na época, era um hábito co-
mum em algumas escolas públicas.
Voltando às questões enumeradas e comentadas por
Vargas Llosa para justificar o título de sua obra – A Civiliza-
ção do Espetáculo –, pode-se considerar que todas elas são
produtos da ausência de defesas mentais da grande maioria
das pessoas que formam esse grande contingente que repre-
senta a civilização ocidental, cuja cultura foi e continua sendo
apenas um espelhismo ou miragem de ações que deveriam
pautar os comportamentos individual e coletivo, com ideias
claras e objetivas, tendo como origem a própria ciência, como
via de acesso ao conhecimento, a educação e, como suporte
psicológico, o desenvolvimento da mente, a fim de que todo
potencial humano possa vir à tona, sem que haja empecilhos
para que a liberdade individual possa prosperar.
Ao se tratar desse recurso psicológico chamado de
defesas mentais pelo pensador argentino González Pecotche,
criador da nova ciência – A Logosofia – atualmente estudada
em muitas sedes culturais espalhadas nos Continentes Ame-
ricano e Europeu, torna-se necessário que se conheçam os
fundamentos de tais recursos, para que se possa constatar o
grau de veracidade que existe neles, bem como a sua validade
para enfrentar todas as situações preocupantes e que estão
comprometendo o futuro da Civilização Ocidental, conforme
constatou Vargas Llosa em A Civilização do Espetáculo.

83
Frente a todas as circunstâncias observadas e registra-
das por Vargas Llosa e recentemente publicadas, mostrando
o panorama psicológico mundial, cujas características cons-
piram contra o estado de segurança e bem-estar de todos os
indivíduos do planeta Terra, principalmente no que tange aos
direitos que todos possuem em conquistar a sua própria feli-
cidade, não se pode ficar indiferente. Por isso, para combater
qualquer circunstância que afete o equilíbrio das possibilida-
des de que cada um realize tudo aquilo que tem em perspec-
tiva, torna-se importante que se utilize dos recursos que pos-
sam se contrapor aos obstáculos existentes.
Sendo assim, quando, em 1963, o pensador argentino
escreveu o livro Curso de Iniciação Logosófica, já estava pen-
sando em todas essas circunstâncias, as quais se desdobraram
nas últimas décadas, e hoje representam um grande problema
para a humanidade, pois estão fugindo dos objetivos maiores
reservados aos seres humanos – evoluir rumo à perfeição e se
tornar um servidor da humanidade. Pelos sinais apresenta-
dos como negação humana, no campo espiritual, existe o risco
de provocarem um retrocesso tão acentuado que é capaz de
transformar o ser humano em um androide ou em um ente
sem sentimentos, que usa a inteligência para fins indiferentes
ao bem-estar dos seus semelhantes.
Ressaltando-se que essas últimas compreensões são
do autor deste trabalho, em forma de comentários, é impor-
tante que se conheça o que escreveu González Pecotche sobre
as defesas mentais no artigo, escrito em 1963, intitulado Pro-
nunciamento logosófico Sobre as Defesas Mentais do Homem.

“Nunca, como nos tempos atuais, foi tão necessário,


útil e instrutivo o conhecimento das defesas mentais
que cada um pode instituir à vontade, para preservar-

84
-se dos males que constantemente ameaçam sua inte-
gridade física, moral e espiritual. Males que, na maio-
ria dos casos, terminam por submetê-lo a vontades
alheias, a influências de ambientes, sejam políticos,
religiosos, ideológicos ou de qualquer outra índole.
Mais ainda, esse desconhecimento, que o impede de
estabelecer suas próprias defesas mentais, torna-o
inseguro, temeroso e vacilante ante cada situação das
tantas que se promovem no curso da vida.
“O quadro que estamos apresentando mostra, com
clara e acentuada frequência, que um ser nessas con-
dições carece de recursos mentais para enfrentar com
decisão, segurança e valentia cada ato, problema ou
situação que lhe exija soluções ou resoluções imedia-
tas. Como pode desenvolver-se a vida de um homem
em semelhantes condições? Que autoridade possui
sua opinião ou sua palavra, se ele a tem alienada ou
subordinada a outras opiniões? Acaso não é esse o fa-
tor decisivo, a causa real de uma enorme quantidade
de seres se entregarem indefesos e ficarem absorvi-
dos pela ‘massa’, essa massa que aglutina em ideolo-
gias exóticas ou na dialética fascinante da demagogia?
Duvidar disso seria cair numa temerária ingenuidade,
ou dar as costas a um fato repetido, que haverá de gol-
pear duramente o destino do indiferente.
“Antes de dar a conhecer o pronunciamento logosófi-
co sobre defesas mentais, queremos estabelecer, para
que não haja dúvidas, as causas determinantes des-
sa falta de estabilidade psicológica, ou seja, como já
dissemos, desse estado de desamparo mental em que
muitíssimos seres humanos se encontram.
“O desamparo mental começa a ser experimentado na
infância, segue na juventude e continua na fase adul-
ta. Nunca houve na educação primária, no ciclo mé-
dio nem nas universidades, ensinamento algum que
instruísse o homem, desde tenra idade, sobre a forma
de resguardar sua integridade psicológica, mental e

85
moral. Não lhe foi ensinado a buscar e encontrar os
recursos imponderáveis que sua mente contém, e,
de modo especial, a conhecer o uso de suas defesas
mentais. Caso essa preparação tivesse sido instituída
no ensino comum, a humanidade não teria chegado à
encruzilhada lamentável e perigosa em que hoje se en-
contra. Existiu sempre, não resta dúvida, uma injus-
tificável indiferença por parte dos responsáveis pela
condução docente, ou então um desconhecimento ab-
soluto das possibilidades humanas a respeito de suas
próprias defesas mentais.
“Além do que acabamos de assinalar, há algo que ne-
cessariamente deve ser analisado à luz de reflexões e
observações feitas com amplo critério humanitário e
racional. Estamos nos referindo ao tratamento que se
costuma dar à infância em certos setores da comuni-
dade humana, especialmente os religiosos. Com efei-
to, há séculos se vem inculcando nas crianças crenças
contrárias à razão, com vistas a submeter a mente in-
fantil a um molde, a uma espécie de marca de fábrica
impressa na alma, que dificilmente elas podem apagar
depois, ao crescerem em idade. Uns lhes inculcam o
temor a Deus, mas fazendo-as crer, naturalmente, que
professar seu culto assegura a salvação. Outros lhes
dizem que, se elas se afastarem das tradições, ritos e
práticas, serão perseguidas eternamente, sofrerão um
cruel destino. Em termos mais ou menos parecidos,
sempre pronunciaram e continuam se pronunciando
muitas seitas e correntes pseudo-espiritualistas.
“Coincidem no método – ainda que pareça um para-
doxo – as comunidades que obedecem ao rigor de ide-
ologias, porque, como as religiões eles transgridem a
Lei Suprema, que concede ao homem a mais ampla
liberdade de pensar, de sentir, de mover-se e atuar
conforme determina o pronunciamento universal que
o criou livre e soberano de sua vida.

86
“O certo é que nunca se examinou essa questão com a
devida seriedade e consciência de sua vital importân-
cia. De nossa parte, julgamos um dever justificar, de
certo modo, esse descuido por parte de educadores e
pais de família, porquanto eles mesmos, em número
considerável, foram submetidos em sua época a pro-
cedimentos similares. Portanto, como descobrir nos
filhos ou alunos essa particularidade incrustada pre-
viamente em suas próprias vidas? É lógico que, para
poder observar com liberdade de juízo a anomalia
que assinalamos, se deva eliminar antes a trava que
o impede, coisa bastante difícil naqueles que nem se-
quer suspeitam da existência, em si mesmos, de se-
melhante impedimento.
“A Logosofia, que penetra com singular profundida-
de nas causas, até mesmo nas mais ocultas, e que,
extraindo-as das negruras do abismo, as revela à inte-
ligência humana, declara que é precisamente na men-
te das crianças onde se produz psiquiálise, ou seja, a
paralisação de uma zona mental que altera a facul-
dade de entender, que é, justamente, a que o homem
deve usar para discernir a respeito do delicadíssimo
problema de sua emancipação espiritual. Nossa longa
experiência nesse gênero de investigação já nos per-
mitiu comprovar o seguinte:
1) Sem o auxílio dos conhecimentos logosóficos, as men-
tes com psiquiálise, por efeito da pressão moral exer-
cida durante a infância, são incapazes de reagir e de
libertar-se dessa prostração espiritual.
2) Os que se auxiliam com o conhecimento logosófico
conseguem emancipar-se dessa escravidão mental,
após valente e empenhada luta contra o vírus dogmá-
tico que lhes foi inculcado na infância.
3) Tal é a alegria e a felicidade daqueles que se libertam
da psiquiálise, que não encontram palavras para ex-
pressá-las. Ninguém pode, com efeito, imaginar a sen-
sação de alívio que experimentam a criança, o jovem

87
ou o adulto quando recuperam a livre determinação
de suas faculdades mentais e de seus pensamentos.
“Queremos deixar perfeitamente esclarecido o huma-
nitário propósito que guia: modificar um estado de
coisas que afeta profundamente a alma humana, por
ser essa a origem dos muitos males de que ela padece.
Sempre foi inculcado no homem, desde a sua infância,
uma fé abstrata, à custa da fé em si mesmo. A Logo-
sofia, com insuperável método restitui ao homem sua
fé, a verdadeira, a que sempre surge de sua própria
consciência, livre de toda pressão moral, psicológica
ou espiritual. Este simples fato adquire um valor sem
precedentes na história da psicologia humana.
“A Logosofia restitui essa fé através de uma realização
na qual se baseia a confiança em si mesmo, ou seja,
leva o homem ao domínio consciente de suas possi-
bilidades, de seus recursos internos e de seus pensa-
mentos, à organização de seus sistemas mental, sen-
sível e instintivo, etc. Instituiu, para isso, como única
forma de alcançar tão imponderável desiderato, o
processo de evolução consciente, concretizado num
cultivo racional, amadurecido e sistemático de condi-
ções que definem a vida superior.
“Vamos destacar, como um de seus resultados, o que
distinguimos muito especialmente com o nome de
‘defesas mentais’.
“Vimos, através do exposto, que o indivíduo carece de
defesas mentais porque não tem uma noção de sua
capacidade defensiva (estamos nos referindo sempre
à mental). Carece de tais defesas porque ignora como
criá-las e como servir-se delas com eficácia.
“Assinalamos, também, como uma das causas princi-
palíssimas que atentam contra as defesas mentais dos
seres humanos, as crenças – qualquer que seja sua
origem e natureza –, porque invalidam as faculdades
de raciocinar, de pensar e de entender. Quando essas

88
faculdades atuam sem travas, suas funções mobilizam
a vontade e permitem ao homem julgar e resolver por
conta própria.
“O erro de muitos é crer que sabem defender-se de
agentes externos à sua pessoa, de ameaças, intrigas,
tentações e tantas outras tramas a que se veem expos-
tos pela malícia alheia. A Logosofia ensina o indivíduo
a organizar suas defesas mentais, e o faz, principian-
do por estabelecê-las no mundo interno de cada um.
É necessário conhecer, antes de tudo, uma realidade
que haverá de servir para modificar substancialmen-
te toda apreciação que antes se tenha feito a respeito.
Estamos nos referindo aos pensamentos, deficiências,
etc. Quem permaneça alheio a essa realidade, não se
vinculando a ela por meio do conhecimento logosófi-
co, deixará de aproveitar a oportunidade de criar suas
defesas mentais a curto prazo e, portanto, continuará
exposto às contingências da adversidade, dessa ad-
versidade que a sua própria ignorância continuamen-
te atrai. Não negamos que existam pessoas capazes
de criar essas defesas sem a assistência da Logosofia,
porém à custa de quantas experiências, às vezes dolo-
rosas, e quando sua vida já entrou quase que em de-
clínio. O que interessa, o que dever interessar firme-
mente, é que não sejam poucos , e sim muitos, os que
se beneficiem com estes conhecimentos.
“Quando o homem aprende a conhecer seus próprios
pensamentos, quando os localiza em sua mente e os
seleciona para servir-se dos melhores; e quando sabe
que pode criar pensamentos próprios em vez de usar
os alheios, e exercita sua faculdade de pensar, já está
de posse de uma chave para dominar seu campo men-
tal e estabelecer suas defesas mentais. Mas ainda de-
verá conhecer a fundo suas deficiências psicológicas e
lutar contra elas, a fim de vencê-las e eliminá-las, para
não oferecer pontos vulneráveis em sua pessoa física,
moral e espiritual.

89
“Pode-se pensar que o domínio de uma ciência, pro-
fissão ou arte seja suficiente para resguardar-se de to-
das as contingências adversas da vida, porque haverá
sempre um recurso à mão para a própria defesa. Con-
tudo, não se pode dizer que isso baste. Provam-no,
com farta eloquência os reiterados fracassos daqueles
que, apesar de sua capacitação, não sabem enfrentar
devidamente as situações difíceis que lhes são cria-
das. É que, além dos conhecimentos comuns, faz-se
necessário equipar a mente com certos recursos de
efeitos positivos e instantâneos, e adestrar-se no ma-
nejo dos mesmos. Essas são, precisamente, as defesas
mentais que a Logosofia ensina a criar. É uma espécie
de esgrima mental, que requer um treinamento diá-
rio para manter a mente ágil. A experiência constitui,
pois, o meio natural onde cada um haverá de compro-
var a eficácia de nosso método neste importante as-
pecto de sua aplicação”.

Ao se conhecer o pronunciamento do criador desta


nova ciência – a Logosofia –, manifestado em 1963, podemos
concluir que a Civilização do Espetáculo que Vargas Llosa re-
vela no século XXI não tem nada de novidade para quem
já vem analisando a derrocada da Civilização Ocidental.
Ela apenas se constitui em mais uma evidente prova das pre-
cariedades de uma cultura sufocada por pressupostos morais,
psicológicos e espirituais afastados da realidade ou das ne-
cessidades de renovação em cada época.
Possivelmente surjam na mente de muitos leitores al-
guns interrogantes, como, por exemplo: Será que as tais de-
fesas mentais podem fortalecer o grau de compreensão das
pessoas a ponto de protegê-las contra ideologias exóticas,
crenças irracionais, o modismo ocasional e mesmo contra as
ideias consumistas e tantas outras ideias ou costumes que

90
caracterizaram a chamada “Civilização do Espetáculo”? Será
que faltaram nos intelectuais mencionados por Vargas Llosa
essas noções sobre a própria psicologia e foram eles, também,
vítimas da chamada “Psiquiálise”? Pelo que o autor inferiu,
cada uma dessas posições mencionadas e outras semelhantes
estão acompanhadas de pensamentos que nem sempre são
próprios das pessoas que os seguem. São aquelas questões
que muitos põem em uso apenas por ouvirem dizer: “isto está
na moda”, “fulano falou...”, “em muitos países esses costumes
estão em voga” etc. etc.
Nesse contexto ou em situações semelhantes, a posi-
ção do autor é a de que as pessoas precisam ter conhecimen-
tos para agir por vontade própria e não serem levadas pelos
outros. Para isso, devem saber o que é um pensamento, de um
modo geral, e um pensamento-deficiência, de um modo par-
ticular. Em outras palavras, cada pessoa precisa saber o que
se passa no seu mundo interno (na sua própria psicologia)
se quiser se conduzir na vida como um ser verdadeiramente
independente.
Frente a tudo isso, será necessário que cada pessoa sai-
ba o que é um pensamento para ver se ele realmente possui
essa força toda a ponto de dominá-la e fazer dela uma “maria-
-vai-com-as-outras”, na linguagem popular e que, na visão de
Vargas Llosa, formam os contingentes fanatizados pelos es-
petáculos, quer sejam eles grandes ou pequenos, e da índole
que forem, mas todos alimentados por agentes alheios à sua
vontade e ali presentes de forma inconsciente, apenas para
passar o tempo e preencher um vazio, incompreensível e tor-
turante para muitos seres humanos.
Essa interpretação final sobre as causas que levam as
pessoas a agirem impulsionadas por pensamentos de várias

91
índoles não é de Vargas Llosa, mas, positivamente, explica es-
ses comportamentos coletivos comuns do mundo moderno
que ele mencionou, os quais não podem ser observados com
indiferença, principalmente quando existem recursos perfei-
tamente aplicáveis em processos educativos e permanentes.
Por estas e outras razões, torna-se oportuno salien-
tar o que González Pecotche caracterizou como conceito de
pensamento e pensamento-deficiência, por serem os pontos
centrais do que ele chamou de defesas mentais e altamente
importantes para que cada um conheça a sua própria psicolo-
gia.
Afirma González Pecotche, em seu livro Logosofia, Ci-
ência e Método,que, apesar de filósofos e sábios, tanto da Anti-
guidade como da Idade Moderna e Contemporânea, haverem
exercido a faculdade de pensar, nenhum deles jamais atribuiu
vida própria aos pensamentos, nem declarou que pudessem
reproduzir-se nem ter atividades dependentes e independen-
tes da vontade do homem.
Ensina, ainda, serem os pensamentos entidades psico-
lógicas que se geram na mente humana, na qual se desenvol-
vem e ainda alcançam vida própria. Para ele, os pensamentos,
apesar de sua imaterialidade, são tão visíveis e tangíveis como
se fossem de natureza corpórea, já que, se é possível ver com
os olhos e palpar com as mãos físicas um ser ou objeto desta
última manifestação, os pensamentos podem ser vis-
tos com os olhos da inteligência e palpados com as mãos do
entendimento, capazes de comprovar plenamente sua reali-
dade subjetiva. Ensina, finalmente, que podemos conhecê-los,
identificá-los, selecioná-los e utilizá-los com lucidez e acerto.
No livro intitulado Deficiências e Propensões do Ser
Humano, Pecotche classifica como deficiência psicológica o

92
pensamento negativo que, enquistado na mente, exerce forte
pressão sobre a vontade do indivíduo, induzindo-o de modo
contínuo a satisfazer seu insaciável apetite psíquico. É o pen-
samento tipicamente dominante ou obsessivo que, ao mesmo
tempo em que cumpre uma função totalmente prejudicial,
tem tanta influência na vida do ser humano e se evidencia de
tal maneira que este é apelidado por seus semelhantes com o
nome de pensamento-deficiência que o caracteriza. Por isso
mesmo é que, em alguns casos, o indivíduo é chamado de vai-
doso, rancoroso, egoísta, teimoso, intolerante e, em outros, de
presunçoso, hipócrita, fátuo, intrometido, obstinado, néscio
etc.
Considerando os aspectos apresentados pelo huma-
nista González Pecotche sobre os pensamentos, de uma ma-
neira tão clara e simples, chega-se à conclusão de que o ser
humano pode ser o seu próprio analista psicológico, o pró-
prio redentor dos seus erros, desde que se assegure do mé-
todo que vai levá-lo ao encontro de suas próprias origens e,
ao mesmo tempo, resgatar o seu poder de pensar, de sentir e
de todas as possibilidades que lhe foram retiradas ao ter sua
mente bloqueada por temores e ameaças de falsos mentores.
Nesse contexto representado por uma rede de tramas
contrárias à formação da individualidade, vive o ser humano
preso e sufocado por uma cultura que não deixa seu espírito
(suas faculdades mentais e o seu potencial inteligente) res-
pirar a liberdade, porque não aprendeu a pensar e descobrir
toda a riqueza mental que lhe foi dada pelo Criador. O cami-
nho único para o alcance dessa meta é a realização do proces-
so de evolução consciente, representado por uma decisão sé-
ria de buscar respostas para inquietudes que o acompanham
e o incomodam. É um processo tanto de construção como de

93
reforma da vida, o que se nota ao serem avaliados os valores e
conceitos que até então têm conduzido a vida, a fim de sair do
cerco psicológico e cultural imposto pela tradição. Esse cerco
cultural é o ponto mais forte e mais prejudicial, pois a forma-
ção da consciência individual, por via da cultura corrente, faz
com que a realidade seja vista de forma distorcida, ofuscada
pelo efeito das crenças, preconceitos e dos hábitos adquiri-
dos. Só por meio de um processo assim descrito será possível
ao ser humano transformar essa realidade.
Se levarmos em consideração as possibilidades que
deverão surgir para o ser humano que aprendeu a liberar
suas faculdades mentais e assumir o controle de seus pensa-
mentos, preenchendo sua vida com atividades que ele próprio
escolha, certamente deixarão de existir os tipos humanos que
são atraídos pelos espetáculos de que fala Vargas Llosa, es-
petáculos estes que o autor considera como refúgio de seres
humanos de mentes vazias e, por isso, arrastados por corren-
tes de pensamentos de várias índoles, transformando-os em
verdadeiros náufragos neste mar da vida.
Mais uma vez, fica evidenciada na obra de Vargas Llosa
a ausência da menção de uma via alternativa, como comple-
mento do processo educativo, já posta em prática em algum
lugar do planeta, onde já se tenha empenhado em demonstrar
o vasto alcance que a ciência e a educação poderão oferecer
em favor das possibilidades humanas ao propiciar, de forma
sistemática, o estudo da mente humana como disciplina nos
currículos escolares, a fim de que a formação da individuali-
dade seja colocada como elemento primordial na constituição
do cidadão e que os aspectos religiosos sejam colocados como
um ramo da história, a serem estudados no curso médio, quan-
do os educandos já estiverem com elementos de juízo capazes

94
de discernir entre a verdade e um dogma. Seria o caso de se
pensar em uma ilustração adicional, a fim de preparar o ser
humano para a melhor solução de seus problemas transcen-
dentais, pois, para os problemas comuns, existem as soluções
comuns. Para a solução de problemas transcendentais, terá
o homem que recorrer a uma ciência capaz de transformar
com seu método original a sua vida, dando-lhe um conteúdo,
uma amplitude e possibilidades jamais desfrutados até hoje
no seio da família humana. Pelo que se conhece, a ciência que
possui tais características é a Logosofia, a qual, pela sua
concepção do homem e do Universo, e por sua profundida-
de, lógica e alcance, se converte, de fato, em Ciência da Sabe-
doria, específica no campo transcendente ou metafísico.
Levando-se em consideração essas preliminares, po-
de-se pensar em uma educação para a vida, onde o educando
conheça os diversos aspectos do progresso material alavanca-
dos pela ciência e, ao mesmo tempo, reconheça a necessidade
da aplicação de princípios humanos que equilibrem a ação da
ciência em favor da paz e do bem-estar da humanidade. Se-
gundo a Logosofia, para que haja essa compreensão, é preciso
que se aprenda que todos os problemas e soluções se radicam
na mente, e é nela que se devem buscar as orientações para
se assegurar uma decisão acertada. É na mente – por meio
dos pensamentos e sentimentos – que se encontra o jogo
entre a razão e a sensibilidade. Em qualquer grande decisão, o
agente se apoiará em um desses polos, e o mais sensato é que
haja uma conciliação. A razão nunca deve predominar sem o
apoio da sensibilidade, sob pena de incorrer em desequilíbrio.
A ocorrência de fatos para explicar a quebra desse
princípio do equilíbrio, que tem como causa principal a au-
sência de valores morais e éticos como parte de uma educa-

95
ção integral para o cidadão, está presente tanto no passado,
registrado pela história, como no presente, ao serem divul-
gados pelas diversas mídias, abordando pequenos e grandes
fatos. São considerados exemplos disso: a intolerância
religiosa; as desigualdades sociais provenientes da falta de
oportunidade de se educar; a desumanidade das guerras; o
desrespeito pelos bens públicos; o lançamento de dejetos em
rios; o desmatamento de florestas; o lançamento de gases tó-
xicos na atmosfera; o lançamento de lixo não degradável na
superfície da Terra; a ganância de empresários degradando o
meio ambiente para auferir lucros; o desrespeito aos direitos
humanos, tanto em questões trabalhistas como na negação
de assistência médica; e tantas outras centenas de casos em
que, vez ou outra, por obra do acaso, a punição recai sobre os
autores de crimes dessa natureza, quando já deveriam exis-
tir esclarecimentos para se evitarem tais desmandos, além de
normas rígidas para se desenvolver o exercício de determina-
das atividades, com a aplicação de punições exemplares para
a violação das normas.
Não existe nenhuma dúvida de que os requisitos ne-
cessários para prover o ser humano de uma capacidade com-
patível com a vida moderna e que estão relacionados com a
educação, transformando a escola no centro irradiador de to-
dos os conhecimentos que preparem os seres humanos, antes
de tudo, para serem os protagonistas de sua própria história.
Ensinar aos educandos a serem independentes e capazes para
bastarem a si mesmos em todas as ordens; dignos e genero-
sos no trato com seus semelhantes, os quais devem merecer
o respeito e consideração para que as suas ações e aspirações
andem conjuntamente e de maneira convergente para o bem
comum; ávidos para alcançarem conhecimentos que extrapo-

96
lem as esferas comuns – por meio da ciência – e que levem o
homem para o mais elevado grau de evolução que está reser-
vado para a espécie, uma vez que é dotada de duas naturezas
– uma física e outra espiritual, de caráter divino e eterno.
Entrando nessa seara que se distancia das bases fun-
damentais da cultura corrente – pois se apoia na perspecti-
va de que o ser humano, de todas as partes do planeta Terra,
seja agraciado com a oportunidade de viver experiências que
transcendam as fronteiras de uma educação tradicional e in-
compatível com as suas possibilidades e aspirações –, torna-
-se necessário voltar para o comentário do livro A Civilização
do Espetáculo de Vargas Llosa, o qual apresenta outro capítulo
que trata mais especificamente das religiões e do seu intrin-
cado sistema de controle social e espiritual, e que, no final das
contas, acaba por revelar as verdadeiras causas da decadên-
cia da Civilização Ocidental e Oriental.

97
98
OS SUPOSTOS ATRIBUTOS DAS RELIGIÕES

Para justificar o grau de importância que ainda têm as


religiões no mundo atual, Vargas Llosa mostra com toda cla-
reza o que já manifestou a história no decorrer dos tempos,
apresentando as circunstâncias que produziram os fatos. No
presente, com outras roupagens, novos fatos se assemelham,
em objetivos, com os que aconteceram no passado, com as
mesmas causas, isto é, a luta pelo poder e o pouco zelo ou
ausência de ações concretas em defesa da integridade física e
moral dos seres humanos.
No entanto, o que mais chama a atenção nas observa-
ções de Vargas Llosa sobre as religiões é o momento em que
ele considera que as religiões, mesmo com as suas mazelas,
ainda representam o sustentáculo espiritual indispensável
para a vida das pessoas, e como são a única fonte de valores
capaz de nutrir a esperança da existência de outra vida, onde
possam conseguir a felicidade que não conseguiram aqui nes-
te mundo. Procura justificar a existência de tais crenças, ain-
da, pelas ações de bem ou insinuações de que elas poderão
desviar determinados pensamentos com tendência ao vicio.

Essa maneira de acreditar nesse tipo de esperança se-


ria aceitável, sem restrição, se os adeptos desta ou daquela
crença levassem uma vida de luta, de esforço para vencer to-
das as adversidades da vida, tanto as pequenas como as gran-
des, mostrando uma disposição de melhorar suas condições,

99
aproveitando todas as oportunidades de aperfeiçoamento e
superação. Mas isso não acontece e não é porque a pessoa
se negue a tentar reverter suas condições de vida, mas por-
que as próprias crenças lhe tiram essa oportunidade, uma vez
que tudo fazem para que os seus adeptos aceitem a condição
de servos de supostas entidades sobrenaturais e se curvem
diante dos seus rituais para conseguirem, também, as supos-
tas graças e benefícios, com relação aos quais jamais houve
prova de alguém ter conseguido em outra vida. Ao contrário,
tudo se poderia esperar, com mais certeza e naturalidade, se
as pessoas fossem mentalmente preparadas para confiarem
em si mesmas, de acordo com as possibilidades avaliadas por
elas próprias na aspiração desta ou daquela conquista nesta
vida. Para isso, temos muitas provas.
Visto dessa forma, deduz-se que as crenças têm sido
aceitas não por uma aspiração consciente, mas por pres-
sões de muitas índoles e, na maioria dos casos, por herança
de hábitos que, por serem tradicionais, vão se incorporando
inconscientemente na mente das pessoas, as quais, por aco-
modação, não fazem nenhum esforço em procurar saber das
suas origens e vão seguindo os costumes adotados por seus
antecessores.
A princípio, parece ser uma questão sem muitas con-
sequências sociais ou políticas. Mas os fatos demonstram que
as coisas não deveriam ser assim, pois geralmente essas con-
dições estão associadas à pobreza material, à falta de perspec-
tiva de evoluir e de ser partícipe de tudo que possa trazer pro-
gressos material e espiritual para toda a comunidade. Nesses
casos, as crenças não têm contribuído para fazer despertar
nessas populações a necessidade de atuar de forma produtiva
para a satisfação de suas próprias necessidades e, ao mesmo

100
tempo, se prepararem para assumir os destinos da comuni-
dade. Isso nenhuma comunidade faz. Apenas esperam que as
coisas caiam do céu e que aconteçam milagres ou ações de
milagreiros para que as melhorias ocorram. É preciso traba-
lho inteligente, dedicação, responsabilidade e bom senso em
todas as ações. Essa deveria ser a grande oração pregada por
todas as religiões. Em o fazendo, já estariam ajudando para
que seus adeptos se aproximassem mais de Deus, pois esta-
riam justificando a parte divina dos seres humanos – o espíri-
to como potencial de inteligência – para honrar a espécie.
Sendo assim, quando Vargas Llosa diz que os seres hu-
manos não podem viver sem a religião, ele está subestimando
a capacidade da espécie humana, pois, se esses mesmos seres
fossem orientados por uma cultura pautada em valores que
visassem aos objetivos acima mencionados, as próprias co-
munidades encontrariam meios para se reunir, tanto para seu
entretenimento, como para tratar de questões concernentes
ao seu futuro, analisando ou planejando ações que pudessem
melhorar sempre as condições de vida em favor do bem co-
mum. Isso poderia ou poderá ser coordenado pelos próprios
religiosos, aproveitando seus templos para aglutinar as forças
necessárias ao atendimento das necessidades dessa vida. A
outra vida, se existir – e poderá existir, pois o espírito huma-
no é eterno –, será contemplada de acordo com as realizações
que cada um for capaz de empreender aqui na Terra, nesse
lugar chamado erroneamente de “vale de lágrimas”.

101
102
A IMPORTÂNCIA DOS ATEUS NA CULTURA

As observações de Vargas Llosa não abrangem apenas


as religiões tradicionais. O autor trata também dos ateus, e o
faz de uma forma interessante e sugestiva, pois os ateus re-
presentam uma grande parcela da população mundial que diz
não acreditar em Deus. Não acreditam na existência de um
Deus da forma que as religiões tradicionais tem tratado e, por
falta de outra concepção sobre o conceito de Deus, preferem
duvidar. Não querem crer simplesmente, mas não conseguem
enxergar ou não conseguem vislumbrar uma outra saída para
encontrar o saber, que é a verdadeira posição racional que
deve ser assumida por qualquer ser humano. É uma posição
filosófica intermediária provocada por inquietudes que o em-
purram inquestionavelmente para a busca de uma explicação
mais lógica e mais sensata.
Percebe-se, ao analisar com profundidade a posição do
ateu, que essa é uma postura coerente e, ao mesmo tem-
po, corajosa, pois não quer se submeter a uma crença
apenas porque uma grande parte das pessoas com quem
convive a adota, por tradição, por conveniência, por temor,
por ingenuidade ou por comodidade. Ele não quer assumir
nenhuma dessas atitudes e passa a ser visto como pessoa di-
ferente ou irreverente, e torna-se um renegado ao manifestar
abertamente o que pensa e, principalmente, se não justificar
com inteireza e propriedade as razões que o levam a pensar
assim. Em outros tempos, muitas pessoas foram condenadas

103
à morte na fogueira por pensarem diferente dos costumes
religiosos, mesmo justificando o que lhes parecia um direito
inalienável do ser humano.
Atualmente, felizmente, com raras exceções, ninguém é
condenado por pensar diferente sobre questões espirituais, e,
por isso, já são muitos os que assumiram essa condição
de ateus. Pelas estatísticas divulgadas, a grande maioria
das populações da Europa – continente mais evoluído intelec-
tualmente e berço do Cristianismo – é considerada ateia, e
não há nenhuma restrição aos direitos individuais por essa
razão. Dir-se-ia que as populações europeias estão amadureci-
das para assimilar outra concepção espiritual para substituir
ou preencher esse vazio existencial que certamente existe nas
mentes dos seres humanos que buscam um amparo espiritual
compatível com o grau de progresso material que alcançaram.
As religiões tradicionais já não atendem a essas aspirações e
tampouco o fazem as várias formas de entretenimentos que
oferecem as “indústrias do ócio” e que hoje estão caracteriza-
das como os tentáculos da Civilização do Espetáculo.
Pensando-se, em termos elevados, sobre soluções vi-
áveis para o equacionamento dessas questões complexas,
pode-se arriscar a dizer que os ateus representam uma formi-
dável massa humana capacitada para assumir uma nova con-
cepção sobre o homem, o universo e Deus baseada numa éti-
ca superior e universal, separada da teologia, como supunha
Ernesto Bobbio. A ciência e a educação possuem ferramentas
para comprovar cientificamente a existência de um Deus que
parece ser, em síntese, a existência de tudo quanto existe,
cuja onipotência, onisciência e onipresença estão claramen-
te estampadas na Criação por meio dos processos cósmicos
que a Natureza, como manifestação mais próxima, apresenta

104
em todas as partes do mundo, e a mente humana, como um
fragmento da Mente universal ou de Deus, capta por meio da
inteligência com criações semelhantes.
Por essas e outras afirmações mais fundamentadas,
não aventadas por Vargas Llosa, pode-se afirmar que o ho-
mem não precisa deixar de ter uma religião e nem deixar de
acreditar em outra vida após a morte. Basta apenas substituir
o crer pelo saber, isto é, a religião formada por crenças irra-
cionais pela religião do conhecimento e a crença de um céu,
em vida, deixando uma herança espiritual digna para a sua
posteridade. Tudo pode ser conquistado em vida, desde que a
cultura proporcione uma maneira de pensar e sentir de acor-
do com as formidáveis prerrogativas dadas por este Deus –
representado pela Inteligência Universal ou Ciência Suprema
– a todos os seres humanos. Essas prerrogativas estão repre-
sentadas pelo fato de o homem possuir um espírito e por ele
se constituir em um mundo interno próprio ou microcosmo
com a mesma natureza do macrocosmo ou mundo metafísico.
Frente a esse mundo de possibilidades proposto pela
nova cultura, ainda pouco divulgada, torna-se evidente a au-
sência de uma linguagem nova e mais promissora nas entre-
linhas apresentadas por Vargas Llosa, embora não se deva
deixar de valorizar o estilo verboso, elegante, agradável e
abrangente da forma como usa as palavras para descrever
os fatos que comprovam o grau de decadência da Civilização
Ocidental. Mas tudo isso não justifica a ausência dessa con-
fiança que todo humanista deve depositar nas possibilidades
humanas e que, mesmo em forma de ideal, devem ser estimu-
ladas para que as ideias enriqueçam o mundo mental e pos-
sam aflorar com iniciativas generosas nas diversas partes do
globo onde a ciência e a educação encontrem guarida.

105
106
A RELIGIÃO COMO O ÓPIO DO POVO

Depois de uma superficial abordagem sobre o que Var-


gas Llosa tratou sobre as religiões e os ateus, merecem desta-
que as considerações contidas no capítulo “O Ópio do Povo”,
tanto pelo fato de conter uma síntese bastante abrangente
sobre o tema, quanto por ser um assunto que suscita outras
observações que poderão trazer um acréscimo nas compre-
ensões dos leitores que já fizeram algum tipo de investigação
nesse sentido. É evidente que não se pretende esgotar uma
questão tão complexa e envolvente como essa, englobando as-
pectos de natureza metafísica ou transcendental. Mas é sem-
pre importante que se coloque a mente para trabalhar, com
generosidade e desprendimento, buscando encontrar uma
nova luz que ilumine o entendimento com razões mais próxi-
mas de uma possível verdade.
O texto que será transcrito a seguir oferece uma gran-
de oportunidade para se refletir e apresentar alternativas
para novas compreensões. Mesmo que não ele não consiga
convencer, poderá aclarar alguns pontos e, o mais importante,
demonstrar que não podemos parar de investigar e nem nos
colocarmos indiferentes a questões tão relevantes. Nesse as-
pecto, Vargas Llosa já prestou uma grande contribuição para
a humanidade quando aborda a existência ou inexistência de
Deus. Os comentários serão feitos por parágrafos, para facili-
tar o acompanhamento do leitor.

107
“Essa não é uma polêmica que se possa vencer ou per-
der por meio de razões, porque são sempre antecedi-
das por um parti pris: um ato de fé. Não há maneira
de demonstrar racionalmente que Deus existe ou não
existe. Qualquer raciocínio a favor de uma tese tem
seu equivalente na tese contrária, de modo que em
torno desse assunto qualquer análise ou discussão
que queira restringir-se ao campo das ideias e razões
deve começar por excluir a premissa metafísica e teo-
lógica – existência ou inexistência de Deus – e concen-
trar-se nos resultados e nas consequências derivados
daquela: a função de igrejas e religiões no desenvolvi-
mento histórico e na vida cultural dos povos, assunto
que está dentro do verificável pela razão humana”.

Em primeiro lugar, é importante que se troque a pa-


lavra “polêmica” por “compreensão” para tratar de assunto
de tamanha relevância, pois não é uma questão de perder ou
ganhar, como se fosse uma disputa, e sim de acrescentar algo
na consciência. Igualmente, não é aconselhável excluir as pre-
missas metafísica e teológica, mas aprofundar-se no conteúdo
de cada uma delas, tentando buscar a real compreensão sobre
a existência de Deus. Os resultados obtidos pela teologia, ao
longo da história, não espelham a dimensão do conceito de
Deus da forma que fundamenta a metafísica. A teologia tem
alimentado o mito, engrandecendo um deus pessoal, criado
pelo homem para apequenar o ser humano, enquanto a meta-
física, como o âmbito do pensamento de Deus – como Inteli-
gência Suprema que equilibra o macrocosmo –, vê o homem,
com seu potencial inteligente, como sendo um microcosmo,
apto para assumir as rédeas de sua vida e, portanto, é a cul-
tura que deve criar os meios para que ele alcance tal
desiderato. Sendo assim, o ser humano, à medida que for se

108
aperfeiçoando, poderá compreender que é na metafísica que
poderá encontrar respostas para comprovar a existência de
um Deus real, e que, mesmo sem a teologia, poderá ter uma
religião – a religião do conhecimento. Mas, analisemos o que
diz o autor em outro parágrafo.

“Um dado fundamental que deve ser levado em conta


é que a crença num ser superior, criador do que existe
e em outra vida que acontece e sucede à vida terrena,
é parte de todas as culturas e civilizações conhecidas.
Não há exceções a essa regra. Todas têm seu deus ou
seus deuses e todas confiam em outra vida depois da
morte, embora as características dessa transcendên-
cia variem infinitamente, segundo o tempo e o lugar.
Qual o motivo de os seres humanos de todas as épocas
e geografia terem adotado essa crença? Os ateus res-
pondem de imediato: a ignorância e o medo da morte.
Homens e mulheres, seja qual for seu grau de infor-
mação ou cultura, do mais primitivo ao mais refinado,
não se resignam com a ideia da extinção definitiva, de
que sua existência seja um fato passageiro e aciden-
tal, e, por isso, precisam da existência de outra vida e
de um ser supremo que a presida. A força da religião
é tanto maior quanto maior for a ignorância de uma
comunidade. Quando o conhecimento científico vai
limpando as crostas e as superstições da mente hu-
mana e substituindo-as por verdades objetivas, toda
a construção artificial dos cultos e crenças, com que
o primitivo tenta explicar o mundo, a natureza e o
mundo oculto, começa a fender-se. Esse é o princípio
do fim para essa interpretação mágica e irracional da
vida e da morte, o que, ao fim e ao cabo, fará a religião
fenecer e evaporar”.

Para explicar os aspectos trazidos neste parágrafo,


podemos nos arriscar a dizer que o ateu está com a razão. É

109
verdade que todos os povos de todas as épocas e geografia
adotaram essa crença por ignorância e medo da morte, pois
não tinham os conhecimentos que explicassem todos os fenô-
menos que observavam. Portanto, por isso criaram as cren-
ças, as superstições, os mitos e as religiões como defesas
psicológicas. Dessa forma, repetindo as palavras dos ateus,
tudo tende a desaparecer quando o conhecimento científico
for limpando as crostas e as superstições da mente humana.
O que eles não afirmaram, todavia, é que, para que es-
sas verdades objetivas substituam toda a construção artificial
dos cultos é necessário que as escolas e as famílias assumam
a difusão dessas ideias nas comunidades, propiciando um am-
biente social que substitua, também, o habitual encontro das
pessoas nas igrejas. É esse convívio social que deve ser man-
tido, agora com outra conotação mais real e mais promissora.
Mas Vargas Llosa não aceita, de todo, essa condição e afirma:

“Essa é a teoria. Na prática, essas coisas não ocor-


reram nem dão sinal de vir a ocorrer. O desenvolvi-
mento do conhecimento científico e tecnológico foi
prodigioso (nem sempre benéfico) desde à época das
cavernas e permitiu que o ser humano conhecesse
profundamente a natureza, o espaço estelar, seu pró-
prio corpo, investigasse seu passado, travasse bata-
lhas decisivas contra doenças e elevasse as condições
de vida dos povos de maneira inimaginável para nos-
sos ancestrais. Mas, salvo em relação a minorias re-
lativamente pequenas, não conseguiu arrancar Deus
do coração dos homens nem extinguir as religiões. O
argumento dos ateus é que se trata de um processo
ainda em marcha, que o avanço da ciência não se de-
teve, continua progredindo e, cedo ou tarde, chegará
ao final desse combate atávico em que Deus e a reli-
gião desaparecerão, expulsos da vida dos povos pelas

110
verdades científicas. É difícil aceitar esse artigo de fé
dos liberais e progressistas à moda antiga quando o
cotejamos com o mundo de hoje, que o desmente em
todos os lugares. Deus nos cerca pelos quatro cantos
e, mascaradas com disfarces políticos, as guerras re-
ligiosas continuam causando à humanidade tantos
estragos quantos causaram na Idade Média. Isso não
demonstra que Deus existe efetivamente, mas que
uma grande maioria de seres humanos, entre os quais
muitos técnicos e cientistas de destaque, não se con-
forma em renunciar a essa divindade que lhe garante
alguma forma de sobrevivência depois da morte”.

Neste parágrafo, o autor considera que os avanços tec-


nológicos e as verdades objetivas não conseguirão arrancar
Deus do coração dos homens e nem extinguir as religiões.
Isso é verdade, e não é preciso que isso aconteça, pois, se as
verdades forem realmente objetivas, não trarão essa inten-
ção, e, ao contrário, deverão reafirmar não a crença,
mas a convicção de que, onde existir o bem, a verdade e o
amor, estará patente a presença de Deus, pois esses valores já
trazem essa essência divina. E nem deixarão de se preocupar
com outra vida, porque o verdadeiro conceito de Deus – o da
religião do conhecimento – implica a continuidade da vida es-
piritual, com outras características, evidentemente.
Vargas Llosa continua com as suas observações:

“Além do mais, não foi só a ideia da morte, da extin-


ção física, que manteve viva a transcendência ao lon-
go da história. Há também a crença complementar de
que, para tornar essa vida suportável, é necessário,
indispensável uma instância superior à terrena, onde
se recompense o bem e se castigue o mal, onde haja
distinção entre boas e más ações, sejam reparadas

111
as injustiças e crueldades de que somos vítimas e se-
jam punidos os que as infringem. A realidade é que,
apesar de todos os avanços da sociedade desde os
tempos antigos em matéria de justiça, não há comu-
nidade humana na qual o grosso da população tenha
o sentimento e a convicção absoluta de que a justiça
total não é deste mundo. Todos creem que, por mais
equitativa que seja a lei, por mais respeitável que seja
o corpo de magistrados encarregados de administrar
a justiça, ou por mais honrados e dignos os governos,
a justiça nunca chega a ser uma realidade tangível e
ao alcance de todos, que defenda o indivíduo comum,
o cidadão anônimo, de abusos, desrespeito, discrimi-
nação por parte dos poderosos. Por isso não é de es-
tranhar que a religião e as práticas religiosas estejam
mais arraigadas nas classes e nos setores mais desfa-
vorecidos da sociedade...”

Esta compreensão reconstitui, com pequenas altera-


ções, o pensamento agostiniano que pautou o cristianismo na
Idade Média e que, ainda hoje, é seguido tanto pelos católicos
como por protestantes. De acordo com o depoimento de his-
toriadores, ele (Agostinho) presumia a existência de um Deus
onipotente, que descortina todo drama do Universo num sim-
ples relancear de olhos. Sendo a natureza humana irremedia-
velmente depravada, é tão impossível ao homem realizar boas
ações quanto a um cardo produzir figos. O homem depende
inteiramente de Deus, não só quanto à graça capaz de preser-
vá-lo do pecado, mas também quanto ao seu destino depois
da morte. Somente poderão salvar-se aqueles mortais a quem
Deus, por razões Suas, predestinou para ganhar a vida eterna.
Era, para alguns historiadores, uma teologia muito
acomodada à época de caos que se seguiu à desintegração
do mundo clássico com as invasões dos bárbaros (a partir do

112
século V). Os homens de então inclinavam-se ao fatalismo e
aos interesses extraterrenos, pois pareciam estar à mercê de
forças que não podiam controlar. Não seriam essas forças que
os homens não podiam controlar os pensamentos-massa, já
naquela época?
Depreende-se de compreensões como estas que qual-
quer cultura que não seja capaz de reconhecer no ser humano
uma centelha divina representada pela sua consciência, inteli-
gência e livre-arbítrio, e que não deposite nele toda a confian-
ça que o seu potencial inteligente exige está fatalmente fada-
da ao fracasso. Segue outro parágrafo do autor da Civilização
do Espetáculo:

“Outra razão pela qual os seres humanos se aferram


à ideia de um deus todo-poderoso e de uma vida ul-
traterrena é que quase todos desconfiam (uns mais e
outros menos) que, caso essa ideia desaparecesse e se
instalasse como verdade científica inequívoca de que
Deus não existe e que a religião nada mais é do que
um embuste desprovido de substância e realidade,
no curto ou longo prazo sobreviriam a barbarização
generalizada da vida social, a regressão selvagem à
lei do mais forte e a conquista do espaço social pe-
las tendências mais destrutivas e cruéis que se ani-
nham no homem e, em última instância, são freadas
e atenuadas não pelas leis humanas nem pela moral
preconizada pela racionalidade governantes, e sim
pela religião. Em outras palavras, se há algo que ainda
possa ser chamado de moral, um corpo de normas de
conduta que propiciem o bem, a coexistência na di-
versidade, a generosidade, o altruísmo, a compaixão
e o respeito ao próximo, que rechacem a violência, o
abuso, o roubo, a exploração, esse algo é a religião, a
lei divina, e não as leis humanas”.

113
A sombria perspectiva do autor de que a ausência da
religião propiciará a barbárie generalizada da vida social e
outros males decorrentes de uma fraca moral não apresenta
nenhuma garantia de eficiência das religiões, porquanto essa
característica social negativa e perversa já está sendo observa-
da nos tempos atuais, com os sintomas de degradação e cres-
cente anormalidade, tanto em mentes menos cultas como nos
setores mais avançados, como o dos internautas que formam
os contingentes de adeptos dos espetáculos, os quais já amea-
çam o futuro das civilizações atuais – ocidental e oriental.
Considerando esses aspectos como realidades do mo-
mento atual, quando as atividades religiosas se encontram em
plena expansão, deixam muitas dúvidas sobre a validade das
crenças para conter essa onda de violência e desordem provo-
cada por pensamentos-massa, uma vez que as próprias igre-
jas, no afã de conquistar mais seguidores ou defender e ex-
pandir seus fundamentos, fazem dos seus rituais verdadeiros
espetáculos, sendo alguns deles excessivamente comerciais.
Tudo indica que o problema está mais na fraqueza da cultura
que não ensina as pessoas a pensarem e nem a conhecerem
os pensamentos que lhes dominam, da forma que foi descrita
com a abordagem das defesas mentais.
Outro aspecto trabalhado no texto, sobre o qual se
deve refletir, é a afirmação de que a religião, como lei divi-
na, torna-se mais eficiente para rechaçar a violência do que
as leis humanas. Essa afirmação merece uma análise mais
profunda, principalmente sobre o caráter divino das religiões,
pois apenas a palavra “religião” foi criada para indicar a liga-
ção do homem com Deus, mas, historicamente, as raízes das
maiores religiões do mundo estão ligadas aos mitos criados
pelos homens e fogem totalmente do caráter metafísico que

114
lhes foi atribuído. Como, cientificamente, esses mitos não po-
dem ser comprovados, deixam uma sensação de incerteza na
maior parte das explicações oferecidas pelas religiões sobre a
existência de Deus.
Por outro lado, apenas como exemplo – que deve ser
analisado com critério –, a ciência Logosófica considera como
prova da existência de Deus – como Inteligência Suprema e Ci-
ência da Sabedoria – a existência de Leis Universais ou Cósmi-
cas que pautam tanto o movimento dos corpos celestes como
as ações humanas. É o caso das leis de evolução, equilíbrio,
causa e efeito, gravidade, movimento, relatividade, afeto, gra-
tidão, correspondência, caridade e tantas outras.
Para fundamentar essas considerações a respeito de
Deus, do homem e das Leis Universais, o criador da Logosofia
cita exemplos bastante ilustrativos acerca dos quais se pode
refletir, tanto pela coerência como pela lógica que existe nos
fatos, mas que não trazem nenhuma pretensão de afirmar ser
uma verdade absoluta. Vejamos o que diz o humanista Gonzá-
lez Pecotche em seu livro Introdução ao Conhecimento Logo-
sófico, numa conferência proferida em 1939:

“Tomemos como exemplo um ser bem constituído or-


gânica e fisiologicamente, em pleno gozo de sua saú-
de física. Um dia começa a beber e, repetindo o fato,
chega ao excesso. Seu organismo, que não foi criado
para encher-se de álcool nem de líquido nenhum, co-
meça a ressentir-se, isto é, a experimentar os primei-
ros efeitos do abuso. A palavra de Deus manifesta-se
automaticamente nele, na doença que deve sofrer,
para indicar à sua inteligência que tem que respeitar
as disposições de Sua Vontade, impressa em cada um
de seus órgãos, ao determinar-lhes uma função e uma
capacidade de resistência; em outras palavras, adver-

115
te-lhe que não deve passar da medida, que deve ser
circunspecto e entender que cada parte de seu corpo
requer aquilo que, na vida corrente, é determinado
pelas necessidades próprias da subsistência e por seu
uso moderado e inteligente. Os excessos prejudicam a
saúde e também a mente, sobrevindo depois os pade-
cimentos”.

Para uma outra circunstância, o mesmo autor apresen-


ta o seguinte exemplo:

“o ser humano tem um organismo físico e também um


psicológico e mental. Para o caso, tomemos um ser co-
mum, de inteligência mediana, que pretende abarcar
mais do que lhe permite sua capacidade mental, isto
é, que pretende preencher sua aspiração, sem cultivar
primeiramente suas faculdades, sem dar à sua mente
a flexibilidade indispensável para poder fazer frente
às suas necessidades que tal aspiração lhe cria. Em-
preende uma atividade e fracassa. A palavra de Deus
manifesta-se ali, advertindo-lhe de que não deve fazer
as coisas sem ter antes fixado profundamente, tanto
em sua mente como em sua consciência, o projeto
íntegro do que se tenha proposto realizar; na mente,
porque é a que vai plasmar no externo o que concebeu
e, na consciência, porque nela traçará, com toda exati-
dão, a dimensão da responsabilidade que lhe cabe na
empresa.”

A partir dos exemplos citados, não é difícil entender


que o ser humano que porventura viva experiências seme-
lhantes terá deixado de observar, no primeiro caso, as leis
de Conservação, de Equilíbrio, de Causa e Efeito, e da Lógica,
principalmente. No segundo caso, faltou-lhe a lei do Conheci-
mento, acima de tudo.

116
As leis universais que representam a linguagem de
Deus, que é, em si, a síntese da existência de tudo quanto
existe, de acordo com a versão da nova ciência, manifestam-
-se também, de forma clara e eloquente, através de todos os
processos da Natureza – o verdadeiro livro de Deus, do qual o
homem tem tirado lições inesgotáveis de conhecimentos para
amparar o progresso material e, ao mesmo tempo, orientar a
sua conduta com equilíbrio e generosidade.
Quanto às leis humanas, não há dúvida de que trazem
falhas e injustiças, mas todas elas estão condicionadas à cul-
tura do povo. É, como diz o famoso axioma: “cada povo tem o
governo que merece”, e, por extensão, a lei que merece. Por
outro lado, não se pode generalizar essa questão da lei, pois
existem muitos países onde a lei prepondera e as questões
sociais, se não forem totalmente resolvidas, pelo menos são
minimizadas.
Em respeito ao trabalho de pesquisa que realizou
Vargas Llosa para escrever o livro ora comentado e, princi-
palmente, sobre o conteúdo do capítulo “O Ópio do Povo”, é
importante ressaltar que muitos outros aspectos deixaram de
ser analisados, e, se não foram mencionados, isso se deu por-
que mantiveram bastante coerência na apresentação de fatos
que, por serem divulgados pelas mídias escritas e faladas, tor-
naram-se mais conhecidos; ademais é possível que muitos
dos leitores já tenham formado uma opinião sobre eles, tais
como: a importância do Estado Laico; a proliferação de seitas
religiosas e suas repercussões; a importância da vida espiri-
tual da sociedade; o paralelo entre religião, política e econo-
mia; e outros tópicos.
Para completar a análise sobre os demais temas do li-
vro de Vargas Llosa no que diz respeito à Civilização do Es-

117
petáculo, serão trazidos aspectos destacados pelo escritor, e,
dentro da visão do autor da presente análise, serão focaliza-
dos outros fatos com outras interpretações que possam acres-
centar algum fragmento de compreensão, se isso for possível,
pois estamos diante de um trabalho de grande valor, escrito
por um dos mais renomados pensadores contemporâneos.
Mas, como ele é também humano, está sujeito a cometer equí-
vocos, mesmo, com certeza, involuntariamente.

118
CULTURA, POLÍTICA E PODER

Vargas Llosa tratou da associação entre esses temas


de uma maneira ampla e prática, ao mesmo tempo. Para ele,
numa sociedade aberta,

“embora a cultura se mantenha independente da vida


oficial, é inevitável e necessário que haja relação e in-
tercâmbio entre cultura e política. Não só porque o
Estado, sem reduzir a liberdade de criação e crítica ,
deve apoiar e propiciar atividades culturais – na pre-
servação e promoção do patrimônio cultural , acima
de tudo –, como também porque a cultura deve exer-
cer influência sobre a vida política, submetendo-a a
uma contínua avaliação crítica e inculcando-lhe valo-
res e formas que a impeçam de degradar-se. Na civili-
zação do espetáculo, infelizmente, a influência exerci-
da pela cultura sobre a política, em vez de exigir que
esta mantenha certos padrões de excelência e integri-
dade, contribui para deteriorá-la moral e civicamen-
te, estimulando o que possa haver nela de pior, como
por exemplo a mera farsa. Já vimos que, no compasso
da cultura reinante, a política foi substituindo cada
vez mais ideias e ideais, debate intelectual e progra-
mas, por mera publicidade e aparências. Consequen-
temente, a publicidade e o sucesso são conquistados
não tanto pela inteligência e pela probidade quanto
pela demagogia e pelo talento histriônico (farsista).
Assim ocorre o curioso paradoxo de que, enquanto
nas sociedades autoritárias é a política que corrom-

119
pe e degrada a cultura, nas democracias modernas é
a cultura – ou aquilo que usurpa seu nome – que cor-
rompe e degrada a política e os políticos”.

A descrição de Vargas Llosa sobre a cultura e a política


é clara e completa em suas observações. Chama a atenção o
paradoxo que existe entre as sociedades autoritárias e as de-
mocracias modernas, e a forma como se desenvolvem as ativi-
dades políticas, com referido autor concluindo que ambas são
prejudiciais à cultura. Cita exemplos de fatos que comprovam
essa realidade.
A princípio, dá a entender que a questão cultural é
muito mais complexa do que se possa imaginar, por ser for-
mada por vários ingredientes e formas diversas, conforme já
foi mencionado ao se apresentarem as compreensões de vá-
rios autores citados por Vargas Llosa, ao longo dos comentá-
rios já referidos.
Todavia, é importante destacar uma forma ou origem
da cultura que pouco foi tratada pelos autores citados no livro
de Vargas Llosa. Trata-se de uma compreensão que enfatiza
o princípio, a fonte original da cultura como sendo, em parte
ou totalmente, o ponto de ligação entre o homem e a própria
Natureza – como o verdadeiro livro de Deus.
Assim considerando, a cultura deverá ser vista como o
conjunto de fatores que condicionam as ações humanas para
a preservação do meio ambiente, ajustando, por esse motivo,
todas as normas sociais e morais às peculiaridades do clima,
da vegetação e de outros fatores naturais. Nesse aspecto, será,
sem dúvida, a política a maior responsável pelo direciona-
mento de todas as ações que mantenham a integridade con-
ceitual da cultura, por meio do processo educativo.

120
De modo geral, os aspectos naturais, por um verdadei-
ro paradoxo, são mais respeitados nas sociedades mais pri-
mitivas do que nas civilizadas. É o que Jean-Jacques Rousseau
quis dizer ao afirmar que o homem que pensa é um animal
degenerado. Pensar, nesse caso, seria o resultado de uma eru-
dição vista apenas do ponto de vista racional, sem o uso da
sensibilidade. O ser humano que se considera evoluído e não
sente ou não tem um elevado sentimento e respeito pela força
da natureza, mesmo vivendo cercado por ela, pode agir, mui-
tas vezes, como um animal degenerado. Essa é uma das razões
que podem justificar o surgimento da civilização do espetácu-
lo, resultado de uma cultura artificial.
Levando em conta esses aspectos humanistas e na-
turais, pode-se avaliar o quanto é importante o equilíbrio
– como lei universal – na vida das sociedades. Se, nas socie-
dades autoritárias, não existe liberdade para as criações cul-
turais, e as democracias modernas pecam pelo excesso de li-
berdade, as duas situações apontam, de força inequívoca, o
grau de responsabilidade das ações políticas e os seus danos,
quando desconhecem a importância de associar a política
com a cultura do povo, considerando que essa cultura está re-
presentada por todas as formas de atividades desenvolvidas
nas comunidades que representam.
Diante dessa realidade, é necessário que haja, na polí-
tica – como a arte de governar –, uma preocupação constan-
te com a moral, com a educação e com a história do povo ou
nação, servindo de exemplo e preparação da população para
respeitar as leis que ela própria instituiu por meio de seus
representantes. Assim, a cultura certamente estará presente
para orientar as atividades físicas e espirituais na busca do
equilíbrio social, político e econômico.

121
Sendo assim, a cultura como o manual de orientação
do povo, quando bem constituída, torna-se impermeável para
a ação dos vícios políticos, porque é ou representa, de certa
forma, o corpo social, e só por meio de ações coletivas pode-
-se atribuir a influência da cultura. Quando ocorrem os delitos
contra as leis e os costumes, não é a cultura que está sendo
responsabilizada, mas alguns indivíduos indicados ou esco-
lhidos de forma acidental para determinados cargos públicos,
os quais fazem o uso indevido de suas funções, usurpando di-
reitos e descumprindo responsabilidades.
Para ilustrar tais circunstâncias com exemplos vividos
por nações como o Peru, quando, de acordo com as narrati-
vas de um dos seus cidadãos – no caso, o próprio Vargas Llosa
–, depois de um período ditatorial com muitas desordens e
abusos das leis, a situação de ordem e cumprimento das leis
foi restaurada em decorrência das ações de cidadãos honra-
dos que, pensando nos destinos da pátria, resolveram assu-
mir cargos políticos criando uma situação de paz e equilíbrio
jamais vista no país. Embora esse período de equilíbrio te-
nha durado pouco tempo no Peru, pois depois voltou a viver
em outro período ditatorial, o exemplo de patriotismo dado
pelos cidadãos ficou patenteado, tanto para mostrar que os
cidadãos bons não devem aceitar o domínio dos maus, como
para demonstrar que a cultura, embora padeça ou míngue,
nunca desaparece nesses momentos sombrios da história de
um país.
Depreende-se desses fatos que a cultura, no seu sen-
tido sociológico (conjunto das atividades materiais e espiri-
tuais de um povo), mesmo sem ter sido o agente causador da
desordem, não deixou de sofrer consequências pelas arbi-
trariedades, mas não deixou de existir na sua forma original,

122
e, no episódio acontecido no Peru, tanto no período ditato-
rial como no democrático, manteve as mesmas característi-
cas.
Dentro do plano histórico, observam-se fatos seme-
lhantes em outros países. No Brasil, durante a chamada Dita-
dura Militar ou Regime Militar, por exemplo, não obstante o
fato de terem sido suprimidas algumas liberdades políticas,
não se prejudicou tanto a cultura e a mesma até foi favorecida
em determinados setores. Pode-se mencionar, por exemplo, a
garantia da ordem pública, a liberdade de culto, a criação de
direitos trabalhistas e a sagrada distinção entre o patrimônio
público e o privado. Na seara da educação e como um gran-
de suporte para a cultura, pode-se reputar como de grande
relevância a criação da disciplina Educação Moral e Cívica. O
único senão a respeito dessa disciplina é que não existia nas
universidades um curso de formação de professores com li-
cenciatura plena para ministrá-la. Na falta desses professores,
o ensino foi orientado por professores de história, filosofia ou
por professores de quaisquer áreas, indicados pelos diretores
de escola. Em vista dessa precariedade, as aulas apresenta-
vam programas com conteúdos de ordem filosófica e moral
muito elevados para os professores disponíveis e muito can-
sativos para os alunos, principalmente sobre os conceitos de
moral, com as extensas teorias.
Por essas razões e na falta de uma adequação pedagó-
gica, mais tarde, por questões preconceituosas de professores,
considerando ter sido uma herança da ditadura, a disciplina,
ao invés de ter sido aperfeiçoada, foi rejeitada e abolida dos
atuais cursos, que são denominados de fundamental e médio.
Mas, certamente, se tivesse havido professores capacitados
para a disciplina, a nossa cultura cívica estaria em um plano

123
bem superior ao que se encontra hoje, quando o país está sen-
do governado por uma geração de políticos desprovidos de
bom senso, tanto moral como cívico.

124
CONCLUSÕES SOBRE A ANÁLISE DO LIVRO
CIVILIZAÇÃO DO ESPETÁCULO DO AUTOR
VARGAS LLOSA

Em primeiro lugar, é importante que se reitere a exce-


lente impressão que causaram no autor destas linhas todas
as observações sobre as quais Vargas Llosa discorreu no seu
livro, comprovando, de forma contextual e factual, todas as re-
alidades apresentadas no mundo moderno, sendo que muitas
delas não foram comentadas em toda sua extensão neste pe-
queno resumo, mas não poderão deixar de ser mencionados
alguns aspectos que formam o conteúdo de determinados tó-
picos, como os que seguem abaixo:
1 – O ópio do povo
2 – O véu islâmico
3 – O sinal da cruz
Foram tratados, portanto, apenas aqueles temas que,
na modesta compreensão deste autor, mereceram uma com-
plementação ou esclarecimentos que transcendessem a visão
de Vargas Llosa e a enriquecessem em benefício do bem e da
verdade.
Como comentário final, escolhi o tópico apresentado
por Vargas Llosa com o título de “Sinal da Cruz”, para prestar
minha homenagem ao grande pensador contemporâneo e ao
intelectual de ideias transparentes, coerentes, altivas e livres
de preconceitos da forma que bem sintetizou no artigo ora co-
mentado, demonstrando qual deve ser o papel da cultura no

125
seio dos povos que pretendem entrar na história sem receios,
sem temores e sem se acovardarem frente à verdade que se
descortina em fatos que exigem o seu pronunciamento.
O contexto que se apresenta com o tema Sinal da Cruz,
tem de religioso apenas o nome, mas o seu conteúdo está re-
vestido, em toda a sua extensão, pelo respeito ao caráter cul-
tural que se aflora nas questões sociais diante de um aspecto
que não deve ser considerado com indiferença nem pelos in-
divíduos e nem por um povo.
Vargas Llosa cita no artigo acima referido que um ca-
sal, morador de uma aldeia perdida da Baviera, na Alemanha,
moveu uma ação perante o Tribunal Constitucional da Repú-
blica, alegando que seus três filhinhos tinham ficado “trauma-
tizados” com a imagem de Cristo crucificado que eram obri-
gados a ver, diariamente, como ornamento das paredes da
escola pública em que estudam.
O fato se tornou amplamente comentado no país com
a decisão tomada pelo alto tribunal encarregado de velar pela
reta aplicação dos princípios constitucionais na vida política,
econômica e administrativa da Alemanha Federal. Com uma
de suas decisões que são inapeláveis, a corte judiciária acolheu
a queixa do casal, ordenando ao Estado da Baviera que reti-
rasse cruzes e crucifixos de todas as salas, pois “em matéria
religiosa, o Estado deve ser neutro”.
Vargas Llosa, face à repercussão que o fato provocou na
Alemanha, com pressões da Igreja Católica e de políticos contra
a decisão do tribunal, assim se manifestou:

“se o Estado não preservar seu caráter secular e laico,


e, cedendo a considerações quantitativas agora esgri-
midas pelos adversários do Tribunal Constitucional

126
alemão – porque não seria cristão o Estado se a gran-
de maioria dos cidadãos o é? –, identificar-se como
uma igreja, a democracia estaria perdida, no curto ou
médio prazo. Por uma razão muito simples: nenhuma
igreja é democrática. Todas elas postulam uma ver-
dade, que tem o avassalador álibi da transcendência
e o apadrinhamento espetacular de um ser divino,
contra os quais se estilhaçam e pulverizam todos os
argumentos da razão, e elas se renegariam – se sui-
cidariam – se fossem tolerantes e maleáveis e se esti-
vessem dispostas a aceitar os princípios elementares
da vida democrática como o pluralismo, o relativismo,
a coexistência de verdades contraditórias, as constan-
tes concessões recíprocas para a formação de consen-
sos sociais. Como sobreviveria o catolicismo caso se
submetesse ao voto dos fiéis, digamos, o dogma da
Imaculada Conceição?”

Após essas observações, Vargas Llosa conclui que os


juízes fizeram o que deveriam fazer, e sua sentença os honra.
Esse fato comprova a necessidade de que a religião e o
Estado devem ser separados. Assim como o Estado não pode
interferir na escolha de um indivíduo pela vida religiosa, isso
significa, também, que nenhum ritual religioso poderá fazer
com que o cidadão deixe de cumprir a lei. Aceitar essa reali-
dade implica que o cidadão, por meio da cultura, aprenda a
conhecer os seus direitos e as suas responsabilidades ou de-
veres. Esse é o papel primordial da cultura, que está acima das
religiões.
O episódio acima citado traz como lição a necessidade
de cada cidadão estar atento ao cumprimento de todas as nor-
mas morais, sociais, políticas e econômicas do seu país, prin-
cipalmente quando essas normas forem originadas de ações

127
democráticas e se constituírem em fundamentos da Lei Maior
do país. O desrespeito a essas normas, por ignorância ou indi-
ferença, é sinal de atraso cultural de um povo.

128
BIBLIOGRAFIA

GONZÁLEZ PECOTCHE, Carlos Bernardo. Curso de Iniciação


Logosófica.
______. Deficiências e Propensões do Ser Humano.
______. Mecanismo da Vida Consciente.
______. O Espírito.
______. Logosofia: Ciência e Método.
______. Introdução ao Conhecimento Logosófico.

INGENIEROS, José. O Homem Medíocre.


MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Editora
Jorge Zahar.
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da Moral. Editora Compa-
nhia de Bolso.
QUIGLEY, Carroll. A Evolução das Civilizações. Editora Fundo
de Cultura.
SCHURÉ, Édouard. Os Grandes Iniciados. IBRASA.
VARGAS LLOSA, Mário. A Civilização do Espetáculo. Editora
Objetiva.

129
130
ÍNDICE

INTRODUÇÃO...................................................................................................5

A TRAJETÓRIA PERCORRIDA PELA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL .....13

A CIÊNCIA E A RELIGIÃO NA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL .................23

DESATANDO OS “NÓS” CULTURAIS ..........................................................35

AS CONTRADIÇÕES NA ANÁLISE SOBRE A CULTURA .......................41

A SEQUÊNCIA DAS CONTRADIÇÕES COM GEORGE STEINER .........49

OUTRAS FORMAS DE DETURPAR A CULTURA .....................................59

A CULTURA DOS MARQUETEIROS ...........................................................65

O SIGNIFICADO MAIS COERENTE DE CULTURA ................................69

A HORA DOS CHARLATÕES .........................................................................77

OS SUPOSTOS ATRIBUTOS DAS RELIGIÕES ............................................97

A IMPORTÂNCIA DOS ATEUS NA CULTURA ..........................................101

A RELIGIÃO COMO O ÓPIO DO POVO .....................................................105

CULTURA, POLÍTICA E PODER ...................................................................117

CONCLUSÕES SOBRE A ANÁLISE DO LIVRO CIVILIZAÇÃO DO


ESPETÁCULO DO AUTOR VARGAS LLOSA ..............................................123

BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................127

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132

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