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V - UMA TEOLOGIA RELEVANTE

Se a teologia se interessa somente pela natureza de Deus, possivelmente poderia desentender-se


das ciências sociais. Mas se a teologia relaciona-se com a vida e com a proclamação da Igreja, a
qual deve ser feita no contexto em que a Igreja está, as ciências sociais e humanas são
imprescindíveis.

Na Bíblia, por exemplo, ordena-se repetidas vezes ao povo de Deus que se ocupe das
pessoas desamparadas tais como as viúvas, os órfãos, os estrangeiros e os pobres. Isto não é
unicamente uma questão de ética, mas também um reflexo do caráter do próprio Deus, que se
ocupa dos desamparados.

Tudo isso tem profundas implicações. Os teólogos não podem mais viver como espíritos
desencarnados, que estão alienados da sua realidade. Uma teologia contextualizada é tudo que
uma sociedade precisa. A igreja tem a sua proclamação, mas muitas vezes não considera as
circunstâncias sociais à sua volta. Cremos que a teologia deve andar de mãos dadas com outras
ciências. Um teólogo deve saber relacionar seus conhecimentos com a antropologia, a sociologia,
a pedagogia e outras ciências sociais. Não podemos desenvolver uma teologia fechada em si
mesma. É necessário ter um diálogo crítico com as outras ciências. Os teólogos não devem
desconsiderar os diversos métodos de leitura da realidade humana.

A teologia tem como uma das suas funções explicar a realidade. Ela afirma que tudo que
existe é criação de Deus. Mas, para muitos, como estas coisas funcionam é assunto da
incumbência de outras disciplinas, e não da teologia. Percebemos que é uma obrigação da Igreja
e dos teólogos responderem, dentro do possível, às questões da realidade, tentando esclarecer
tudo aquilo que a humanidade anseia conhecer.

Temos que produzir uma teologia ou uma forma de se pensar que realmente transforme
a humanidade. De que vale tantos momentos de reflexões, tantos debates e tantas discussões se
nada muda, se a igreja não se torna relevante? Não introduzimos na nossa teologia a justiça divina,
algo que realmente expresse o quanto esta humanidade, que é criação de Deus, tem de valor e
precisa de cuidados. Carecemos de uma teologia prática e de impacto.

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O grande reformador João Calvino, que era teólogo e um homem da igreja, elaborou uma
teologia que teve grande impacto na vida social. O seu senso de responsabilidade para com o
próximo refletia a compreensão que o reformador tinha acerca da criação. Para Calvino, a razão
de todo caos estava na queda do homem – no Jardim do Éden.

Calvino se levantou como uma voz profética e denunciadora de toda sorte de maldade
que se instalava em Genebra. Foi quando ele deu inicio a todo desenvolvimento teológico da sua
carreira, principalmente na área social. Calvino cumpriu à risca o que diz Provérbios 31. 8-9:
“Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz
e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados”. Calvino defendia os direitos de
todos os que sofriam por causa da falta de equidade na aplicação da justiça e na distribuição de
alimentos, em função do monopólio financeiro das elites.

Calvino chegou a uma conclusão formidável. Ele disse que a obra de restauração realizada
por Cristo não se limita apenas à nova vida dada ao indivíduo, mas abrange a restauração de todo
o universo – o que inclui a ordem social e econômica. Para Calvino, a questão do indivíduo não
era meramente espiritual. Se Cristo era o Senhor de toda a existência humana, era dever da igreja
dar atenção às questões sociais e políticas. Percebe-se que o reformador já tinha uma reflexão
sobre o que hoje é muito discutido, isto é, sobre a “missão integral”, que é cuidar do homem
como um todo; é ter a consciência de que ninguém é simplesmente espiritual e que existem outras
carências que devem ser preenchidas. A igreja, juntamente com a sua teologia fundamentada em
toda criação de Deus, deve preencher essas carências.

Pensamos que, se o país for governado somente por cristãos verdadeiros, tudo mudará.
Infelizmente, quando fazemos uma retrospectiva e analisamos os atos daqueles que se diziam
cristãos e que estavam no poder exercendo fortes influências na câmara e no senado, vemos que
as suas trajetórias foram marcadas por corrupções e escândalos. É muito difícil chegarmos a um
estado semelhante ao do século XVI em Genebra, quando Calvino e Guilherme Farel tornaram
o poder político submisso aos valores e princípios cristãos, sendo que todo o controle político-
social foi exercido por líderes protestantes. Assim a corrupção, a desigualdade e os escândalos aos
poucos foram sumindo do cenário político, econômico e social de Genebra. O interessante é que
esta cidade passou por um grande despertamento e um profundo avivamento espiritual.
Praticamente todo o país tornou-se protestante e isso diminuiu sensivelmente os problemas

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sociais. No Brasil, infelizmente, parece que o aumento do número de cristãos não tem diminuído
a quantidade dos nossos problemas.

Hoje, quando olhamos para a América Latina e principalmente para o Brasil, notamos
que a maioria dos cristãos espalhados pelas várias classes sociais apenas reproduz a ideologia, os
interesses e os discursos das suas respectivas classes. Não percebem que o compromisso com o
reino de Deus – que condena tudo isso como sinais e manifestações do pecado – nos chama para
denunciar as injustiças, propor mudanças e promover ações efetivas.

Vamos analisar alguns detalhes do nosso Brasil. Existem corrupções morais e


governamentais em nosso sistema de governo. Temos um problema seriíssimo de má distribuição
de renda em nosso país. Existe uma dívida enorme que o Brasil tem com o exterior. Há uma
grande possibilidade de perdemos uma riqueza inigualável, que é a Amazonas. Os agricultores
não são assistidos como merecem. Ainda há minorias lutando por seus direitos. Há escravidão
em nosso país ainda. Existem várias crianças que são exploradas no trabalho. E o que dizer dos
atrasos na Reforma Tributária e na Reforma Agrária? A nossa justiça é lenta e injusta. Inocentes
são julgados como culpados e culpados são inocentados. Quem não tem dinheiro e escolaridade
é tratado injustamente pelo poder judiciário. Infelizmente a nossa justiça brasileira não expressa
nenhum indício da justiça divina. O problema do desemprego continua a existir. Calvino
desenvolveu um pensamento interessante sobre este tema. Para ele, privar um homem do seu
trabalho é pecado contra Deus, pois o trabalho é dom de Deus, é o dever que Ele ordenou ao
homem. É tirar-lhe a vida – pois os trabalhadores pobres dependem dia a dia do seu labor para o
pão com que sustentam a si mesmos e às suas famílias – ao contrário dos ricos, que tem
propriedades. Assim promover o desemprego, na opinião de Calvino, seria um atentado à vida
do pobre e, portanto, um pecado contra o mandamento de Deus: “Não matarás”. Deputados e
senadores almejam aumentos exorbitantes para os seus salários, enquanto o salário mínimo é
insuficiente para uma vida digna Onde está a igreja e a teologia nesta hora? Por isso, para fazer
teologia é preciso ter os valores de Deus impressos na alma. É necessária uma compreensão mais
profunda da criação e da restauração da humanidade por meio de Cristo. A verdadeira teologia
se faz no meio do povo, conhecendo as suas dores e labutas. Uma teologia que se fecha para a
realidade que a cerca não tem condições de produzir nada de relevante. Com o tempo será
esquecida, porque não marcou época e não transformou a sua geração que lia suas reflexões e
não via nada de útil para mudar a situação que se fazia presente.

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O que temos hoje é a presença das ONGs, que fazem um maravilhoso papel. Como disse
Bill Clinton: “O mundo é das ONGs”. Lembramos da passagem das Escrituras, quando Jesus
curou o leproso e disse: “vai mostrar-te ao sacerdote” (Mt 8.4), talvez estas serão as palavras que
as ONGs dirão as pessoas – para elas se apresentarem às igrejas.

Em geral, não são muitos os cristãos que se preocupam com os problemas ecológicos.
Deixamos para os outros uma responsabilidade que é primeiramente nossa, a de prover os
recursos para o bem-estar da criação como um todo.

Nossas reflexões teológicas devem se ocupar também dos problemas da vida prática. A
teologia torna-se relevante quando alimenta, cura, restaura e transforma vidas. A humanidade
espera uma resposta e cabe a nós, pensadores, teólogos e pastores tomarmos uma atitude e
refazermos a nossa teologia.

Todo este envolvimento social deve acontecer sem perder de vista que a missão primordial
da Igreja é promover a reforma (parcial e provisória) da sociedade através da proclamação do
evangelho de Jesus Cristo, aguardando os novos céus e a nova terra onde habita a justiça de Deus.

Para tanto, precisaremos de uma teologia, de uma pastoral e de uma práxis que são capazes
de se reciclarem, de se abrirem e concorrerem para a construção de uma nova etapa do
cristianismo.

Se o profeta é como o poeta, façamos nossas as palavras dos autores de Coração Civil:

...Se o poeta é o que sonha o que vai ser real


bom sonhar coisas boas que o homem faz e esperar pelos frutos...
...Assim dizendo a minha utopia eu vou levando a vida, eu vou viver bem
melhor
doido para ver o meu sonho teimoso um dia se realizar.2

Enfim, a Missão Integral flui de um evangelho integral e de um povo integrado. Há um


grande perigo de transformarmos a missão da Igreja em um conjunto de projetos e programas

2
Milton Nascimento e Fernando Brant in: CAVALCANTI, Robinson. A igreja, o país e o mundo; desafios
a uma fé engajada. Viçosa: Ultimato, 2000. p. 158.
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especiais, e, então, procurar por maneiras de coordená-los metodologicamente. Em vez disso, a
missão da Igreja está localizada na fidelidade e na suficiência do seu testemunho em Cristo.

Portanto, à luz desta fé e resolução em que não há desvios bíblicos e teológicos, há de se


firmar individualmente e coletivamente um pacto solene com Deus: orar, planejar e trabalhar
juntos pela evangelização e manutenção de todo ser humano, da criação e do mundo.

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VI - O PENSAMENTO CRISTÃO SOBRE A POLÍTICA

Em geral, as igrejas entendem que não têm nenhuma ligação com o Estado. Contudo, cremos
que a Igreja não pode estar em momento algum alienada das questões socioeconômicas do país.
Principalmente quando se trata do futuro da nação. As eleições devem ser uma oportunidade de
conscientização da população para os riscos de se escolher um tirano ou um alguém
incompetente.

O Estado está para beneficiar o povo. Numa compreensão teológica, o Estado é instituído
por Deus para governar a sociedade visando o seu bem-estar. Um governo que não atende às
necessidades básicas do povo, não pode ser considerado um governo eficiente.

O homem foi criado para a paz e para uma vida boa, mas o pecado maculou o maravilhoso
propósito de Deus. A ideia de um poder constituído é exatamente a de restaurar a ordem:

Pela ordem da criação não haveria na terra desigualdades sociais, exploração,


guerra, mas harmonia e justiça. Seria uma terra sem estratificação social e nem
fronteiras nacionais. A terra de Deus era uma terra para os homens, com todos
nela trabalhando e dela se beneficiando, sem egoísmos privativistas
(CAVALCANTI, 2002, p. 21).

A verdadeira teologia bíblica é bem clara sobre isto. Ela se opõe contra todo sistema
opressor. Não é o povo que deve servir aos governantes, ao contrário, o governo e toda a sua
política existem para servir ao povo. Um Estado que não é servo do povo não pode ser legitimado.
Um governante que perverte o direito do cidadão pode ser considerado um ditador,
representante de um governo diabólico.

Em geral, os cristãos de hoje não olham com atenção devida para os fatos sociais que os
nossos pais na fé olharam. Nesse sentido, Nietzsche estava certo em criticar os cristãos em função
do ideal de duplicação de mundos. Muitos cristãos hoje abrem mão deste mundo em busca de
um mundo superior. Isso nada mais é que uma inversão de valores. O modelo sociopolítico e
econômico da legislação mosaica nos aponta um dinamismo existencial, uma possibilidade

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concreta de, no aqui e agora, vivermos algo do reino e de seus valores. O povo de Deus deve
assumir a sua humanidade, criando instituições sociais adequadas.

Deve ficar bem claro para o cristão que ele não foi criado para o céu, mas para a terra. A
experiência do reino messiânico é para uma terra transformada, onde a vida possa ser vivida em
sua plenitude e integralidade.

A fé cristã nos move para a ação. Devemos lutar para que o Estado cumpra os seus deveres.
Ignorar estes assuntos é faltar com a nossa responsabilidade de exercer a cidadania.

1 – A Posição Cristã Diante do Governo Tirano

O cristão não pode se submeter a um governo que violou o seu propósito. Quando um
governante fere todos os princípios éticos e humanos, ele não pode ser levado a sério. Tendo em
vista que o governo está para o povo, quando ele quebra a aliança ele já não pertence mais ao
povo. Desta forma, o povo deve lutar pelos seus direitos e convocar a população para uma
restauração de todo sistema governamental. Não se trata de promover uma anarquia ou uma
revolução sangrenta. Todas as atitudes devem estar respaldadas na lei. A transformação social
deve ocorrer na santa paz.

O cristão deve agir de acordo com os propósitos de Deus para a sua nação. Quando algo
errado for transformado em lei em uma democracia, o cristão poderá tomar duas atitudes: a)
desobedecer, caso a lei atinja o ministério cristão ou a vida humana (campos de concentração,
genocídios etc.); b) obedecer, protestando e lutando por todos os meios para que a lei seja
revogada ou alterada. O manifesto cristão deve ser presente nos momentos em que a liberdade
do povo está em perigo. A submissão deve existir, mas ela tem um limite.

A comunidade cristã não pode silenciar a voz diante do caos. Quando um governo
ultrapassa o seu limite, ele precisa voltar atrás. A igreja deve ser porta-voz de justiça.

Os governantes de um Estado podem ser capazes de utilizar os meios mais deploráveis


possíveis para aumentar o seu poder. Sem se importar com os direitos humanos, podem
facilmente estabelecer uma verdadeira tirania.

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A cruz de Cristo pode gerar uma reviravolta em todo sistema. A cruz revela a suprema
autoridade de Cristo sobre todo trono e reinado e, ao mesmo tempo, mostra a submissão do

servo de Deus que se sujeitou à lei governamental de sua época, sendo que esta lei cumpria um
propósito divino. A história mostra governos que foram maus e perversos, mas esta situação fez
com que a igreja florescesse. Nada foge do plano arquitetônico de Deus em salvar a humanidade.
Cristo pode transformar tudo o que está aparentemente perdido, restaurando o pleno senhorio
de Deus na terra. Esta divisão do “já” e do “ainda não” é interessante. Vivemos o poder deste
reino entre nós. Já desfrutamos de suas conquistas e aguardamos a reordenação dos sistemas
dilacerados do cosmos.

2 – Democracia

Antes de tudo, para compreender a democracia é preciso entender que ela é um estatuto político
frágil, extremamente delicado. Não tem em si mesma qualquer garantia de sobrevivência. Mais
profundamente, o verme que a corrói aloja-se no coração dos seres humanos. O maior inimigo
da democracia é o próprio homem. Seu egoísmo o impele a abusar de sua liberdade para dispor
da liberdade alheia. O remédio para tal perversão está somente na libertação espiritual que Deus
oferece ao mundo.

Um dos problemas é a dicotomia que permeia o pensamento de muitos cristãos. Eles


acreditam que espiritualidade e engajamento social na luta pela liberdade são incompatíveis. O
remédio que Deus disponibiliza para a cura do mundo nada mais é do que a presença do seu
povo nele. A libertação ocorre quando este povo luta por uma sociedade que viva os princípios
éticos do evangelho. A dicotomia está presente quando o cristão não se sente parte da sociedade.
É como se duas forças operassem no mesmo nível: a fé cristã e a força de um governo desumano.
É como se uma não se opusesse à outra. O cristão espera, então, o final de tudo – o dia do juízo.

Não existe fragmentação da vida e da realidade. O plano redentor de Deus é a libertação


da sociedade de toda ação desigual. Quando o cristão entende que é parte desta sociedade e que
Deus quer a sua participação para ser um agente transformador, tudo muda. Não existem duas
forças atuando e nem dois mundos diferentes. Tudo é mundo de Deus. Por isso, não podemos

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simplesmente aguardar o dia final, com uma visão pessimista de que nada pode mudar. Devemos
lutar agora para que tudo seja diferente. Do ponto de vista bíblico, o homem é um ser
integral. Devemos evitar as dicotomias. Tudo faz parte da esfera sagrada, devemos aplicar a Palavra
de Deus a todas as áreas da vida. Toda a criação caiu com o pecado e está agora sob a ação
redentora de Cristo, que é o Senhor tanto da Igreja quanto da sociedade. Os cristãos devem lutar
hoje para manifestar a presença do reino de Deus, embora a sua plenitude somente se alcançará
com o retorno de Cristo.

Este conceito foi levantado num período em que o cidadão não tinha direito a nada. No
século XVI, quando isso começou a ser debatido, foi um alvoroço. Num período em que os reis
mandavam e desmandavam, essa foi a pior arma que estes tiranos enfrentaram – a democracia na
perspectiva cristã. Isso era o fim daquele sistema opressor. A fé cristã foi a precursora desta
alavancada. Os teólogos e pastores da época, baseados numa cosmovisão bíblica, entendiam que
Deus não era um tirano. Sendo o poder constituído por Deus, não poderia existir uma tirania
em relação ao povo. Nesta perspectiva, o olhar era voltado para a maneira amorosa e dedicada de
Deus cuidar e sustentar a criação. Os teólogos entendiam que Deus quer o melhor para o ser
humano.

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VII - O VALOR DO SER HUMANO

A história da humanidade mostra o quanto o homem, em geral, desconsidera o seu próximo. O


ser humano tem a capacidade de ver no outro um inimigo. Não entende que é parte com ele em
tudo na criação. Falta esta compreensão da humanidade como um organismo vivo, no qual todos
estão interligados.

Para muitos, o valor da vida humana se assemelha ao de uma moeda de um centavo. Por
meio de uma simples ordem, vidas são tiradas. Em nome de uma suposta paz, vidas são
dilaceradas. Em nome dos direitos de alguns, pessoas são injustiçadas. O pecado sucateou a vida
humana.

Assim, esta imagem destrói outra imagem. Quando um ser humano fere os direitos do
outro, em qualquer aspecto, ele está diretamente afrontando o próprio Deus.

Ser descartável é a marca do homem atual. Se um ser humano não corresponde às


expectativas de outro, ele é jogado para a lata do lixo. Todas as suas virtudes e potencialidades
são desprezadas. O relacionamento entre um ser humano e outro é pautado pela troca: “Se ele
não tem nada para oferecer eu não preciso dele”. Esta cultura está para destruir a preciosidade da
criação. A humanidade não foi feita para ser descartada. O valor que Deus confere ao homem
por ser sua criação não admite que ele seja visto como uma ameaça, um inimigo, uma coisa.
Nosso olhar deve ser na perspectiva de que todos são da mesma matéria. Todos participam da
mesma graça da vida. Todos têm o mesmo fim – a morte.

A queda (pecado original) esfriou o amor entre as pessoas. Em geral, a indiferença é


predominante no coração do homem pós-moderno. Existe uma imensa dificuldade de sintonia
entre os corações. O grau de calor nos relacionamentos já beirou o negativo. O casamento, o
amor e a amizade, que eram tão valorizados num passado distante, para muitos hoje não passam
de ilusão. O que rege hoje a humanidade é uma apatia que endurece o coração e cauteriza a
mente para raciocinar. O pecado roubou o brilho da vida.

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Muitos teólogos e pastores do passado interpretavam a vida social com base nos padrões
bíblicos. Todo tipo de engajamento visava cumprir o mandamento divino – zelar, cuidar, honrar
e respeitar a vida humana e tudo o que implica o bem-estar do homem.

A Reforma Protestante ocorrida no século XVI não foi somente um movimento espiritual
e eclesiástico. Teve também aspectos e dimensões políticas e sociais. Existia uma preocupação
com as questões sociais e com o valor da vida humana. A tônica da mensagem era promover uma
vida melhor em todos os níveis da sociedade. Pregavam contra a opressão religiosa, as guerras, as
heresias, o desemprego, a desigualdade e a miséria. Exemplo disto, é a figura de Zwínglio, que
abriu um asilo para todos os indigentes enfermos. Aconteceu uma reforma social na qual o alvo
era melhorar a vida humana. Em 1520, um decreto do Conselho Zuriquense reorganizou a
assistência. Os donativos e contribuições foram centralizados e distribuídos por funcionários
juramentados. Após uma supressão dos conventos, em 1525, os bens destes foram destinados ao
atendimento dos pobres em suas necessidades. A mendicância foi proibida e o asilo recebeu, além
de pessoas enfermas, os indigentes, a quem se distribuíram recursos em dinheiro e em espécie.
Instalou-se uma rouparia e todos os dias, às primeiras horas da manhã, um caldeirão já estava à
disposição de quantos desejassem um prato de sopa. Em cada bairro havia um eclesiástico e um
leigo para obter as informações necessárias e coletar os donativos. Sopas populares foram
distribuídas para os estudantes necessitados. As igrejas e paróquias rurais assumiam o cuidado de
seus indigentes para que eles não tivessem que buscar auxílio em outros lugares. Deve ser
destacado, para a memória de Zwínglio, que ele foi o responsável pela abolição da servidão nos
campos, no tempo da guerra dos camponeses, e pela destinação dos dízimos aos indigentes e aos
enfermos. No dia 10 de agosto de 1535 o Conselho decidiu fazer um inventário dos bens
eclesiásticos. No dia 29 de novembro decretou a fundação de um Hospital Geral, que foi
instalado no antigo convento de Santa Clara. Esta instituição de assistência foi dotada dos
rendimentos dos sete hospitais e asilos antigos, de todas as igrejas, capelanias, paróquias,
mosteiros e confrarias.

Calvino se espelhou na obra realizada em Zurique e fez o mesmo em Genebra. Em 1535,


foi fundado o Hospital Geral, destinado a dar assistência aos enfermos, aos pobres, aos órfãos e
aos idosos.

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Dois fatos são suficientes para impressionar vocês com a veracidade disto.
Durante a terrível peste bubônica que certa vez devastou Milão, o amor heróico
do Cardeal Borromeo distinguiu-se brilhantemente na coragem que ele
manifestou em suas ministrações aos moribundos; mas durante a peste
bubônica, que no século XVI atormentou Genebra, Calvino agiu melhor e mais
sabiamente, pois não apenas cuidou incessantemente das necessidades
espirituais dos doentes, mas ao mesmo tempo introduziu medidas higiênicas
até então incomparáveis, pelas quais as ruínas da praga foram interrompidas
(KUYPER, 2003, p. 38).

Depois, considerando a penúria de víveres, a pobreza de uma parte da população e a


avareza de outra, medidas de ordem econômica foram tomadas imediatamente contra o
monopólio e a especulação, visando colocar os produtos básicos de alimentação ao alcance de
todas as pessoas.

Calvino desenvolveu a sua teologia dentro de um ambiente contaminado pelo caos.


Genebra e quase toda Suíça viviam uma crise de todas as (des)ordens possíveis. A sua teologia era
prática e se voltava para o povo. Calvino faz uma leitura da realidade e tentou criar um sistema
ou um ambiente de vida em que todos podiam mudar para melhor. A situação de Genebra era
lamentável. Havia muita pobreza. Os impostos agravados e pesados. Os trabalhadores eram
oprimidos por baixos salários e jornadas extensas de trabalho. O número de analfabetos era
altíssimo. A população carecia de assistência social em toda parte. Os bêbados dominavam as
ruas. A prostituição era uma forte marca da cidade. Essa era basicamente a situação em que
Genebra se encontrava antes da Reforma.

Para Calvino, a raiz dos males sociais era a rebeldia do homem. O pecado havia
introduzido perturbações profundas na sociedade humana. Para ele, o caos econômico era
causado pela ganância e incredulidade dos homens.

Calvino denuncia neste contexto pecados sociais como: estocagem de alimentos


(trigo), monopólios e a especulação financeira, como tendo origem no egoísmo
e na avareza do homem. Ele denunciava aqueles que preferiam deixar que o
trigo se deteriorasse em seus celeiros, para que ali fosse devorado por bichos, e
apodrecesse, ao invés de ser vendido, quando a necessidade do povo se fazia
sentir (NICODEMOS, 1997. pp. 8-9).

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A missão integral deve estar em harmonia com a teologia da tradição que entende que o
homem deve viver do suor do seu trabalho. Trata-se de uma posição bíblica. Portanto, o trabalho
é algo eminentemente digno, pois é a realização da vontade de Deus para o homem. Assim, o ser
humano não se realiza plenamente, senão no trabalho, visto que foi para isso que foi criado e
vocacionado. Por isso, existia uma pregação veemente contra o desemprego. Privar o homem do
seu trabalho é pecado contra Deus – pois o trabalho é dom de Deus, e o dever que ordenou ao
homem. Fechar uma porta de emprego para uma pessoa é o mesmo que tirar a vida dela, pois
todo o homem depende dia a dia do seu labor para obter o seu pão. Ele precisa sustentar a sua
família. Assim, promover o desemprego seria um atentado à vida humana, e, portanto, um pecado
contra o próprio Deus, que ordenou: “Não matarás” (Idem, pp. 12-14). Calvino destacou que,
por mais que a pessoa estivesse necessitada de um emprego, o patrão nunca poderia inferiorizá-
la. Calvino aplicou os princípios da Epístola de Tiago ao relacionamento entre patrão e
empregado. Ambos devem entender que servem ao mesmo Senhor, o qual é justo em todas as
suas ações. Sendo assim, ninguém deve defraudar o outro. O empregado deve se dedicar ao
trabalho e o patrão deve pagar dignamente o seu empregado pelo trabalho exercido.

Privar o próximo daquilo que Deus lhe pretendia conferir é o mesmo que confiscar os
seus bens e isto ofende a Deus:

O protestantismo de tradição reformada alfabetizou o homem da sua época,


dando-lhe acesso a um mínimo de instrução. Libertou-o de uma série de vícios
danosos à sua saúde, nocivos à sua capacidade de trabalho, e o conduziu às
virtudes de uma vida sóbria. Integrou o homem em uma comunidade, que é
também um grupo de ajuda mútua. Ensinou que o homem deve buscar seu
papel social como uma vocação, um chamado de Deus. Entendeu que a
atividade econômica e financeira deve ser um direito de todos, sem privilégio
ou exclusividade por parte do Estado ou da Igreja (CAVALCANTI, 2002, p.
138).

A Teologia da Missão Integral entende que não é o suficiente proporcionar aos pobres
ajuda material. Desta mesma forma procederam muitos pastores e teólogos do passado. Impõe-
se, também, dar aos necessitados os meios de, por si mesmos, saírem dessa situação. As pessoas
pobres e doentes devem ter acesso aos serviços de saúde e educação para que vivam nas mesmas
condições que as demais. Esta foi a contribuição da reforma protestante:

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O teólogo anglicano Lancelot Andrews observou em 1588 que as igrejas
calvinistas de refugiados em Londres foram capazes de fazer tanto em que
nenhum de seus pobres é visto nas ruas a pedir, e ele lamentou que, a
cidade, a abrigadora e mantenedora deles, não seja capaz de fazer o mesmo bem
(RYKEN, 1992, p. 187).

O honorável pregador puritano Richard Baxter expressou uma máxima que resume muito
bem a missão do cristão: “Cuidado para não perder aquele amor comum que deves a humanidade”
(Idem, p. 190). E desta forma viviam os puritanos reformados. Deve ser destacado que a ação da
teologia reformada não se prende somente à esfera da assistência social. O pensamento reformado
visa o homem como um todo – espiritual e material. Os reformadores estavam constantemente
preocupados com a formação profissional da população e principalmente da juventude. Eles
criaram indústrias e escolas profissionalizantes para que os jovens tivessem ocupação e crescessem
intelectualmente.

Os pais da reforma protestante lutavam contra todo sistema desigual. Havia desvios e
sonegação. Não pagavam os funcionários corretamente, a mulher sofria preconceitos e tinha o
salário menor do que o homem. RYKEN (1992, p. 215) também afirma:

O trabalho dos homens e mulheres de nosso tempo perdeu sua dignidade. Essa
dignidade é a que Deus lhe confere fazendo-o uma vocação pessoal, da qual
cada indivíduo é responsável perante ele. Essa vocação é fundamental da
responsabilidade inalienável de todo trabalhador e de toda trabalhadora, seja
qual for sua ocupação (e desde que evidentemente esse trabalho seja
moralmente honroso e socialmente tolerável).

Abusar do trabalho de outra pessoa é algo que a Bíblia claramente condena. A função da
Igreja é anunciar o Evangelho e denunciar as injustiças. A Igreja tem de denunciar todas as
estruturas pecaminosas que oprimem e escravizam os seres humanos. Algumas vezes, a voz da
Igreja pode ser a única que tenha condições de falar abertamente. Ela tem o dever de anunciar a
vinda do reino de Deus, as possibilidades de uma ordem mais justa, mais humana e mais segura.

John Wesley foi um homem que entendeu que o avivamento de Deus deveria atingir
todas as esferas da vida humana. Durante todo o seu ministério, John Wesley se preocupou com

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a situação dos pobres, desde a luta por trabalho para os desempregados e remédios para os doentes
até a criação de escolas. John Howard, o evangélico delegado de polícia de Bedford, se tornou o
paladino da reforma do sistema penitenciário inglês, procurando humanizá-lo. Wilberforce lutou
contra a escravidão. Durante vários anos os deputados evangélicos apresentaram projetos ao
parlamento visando, primeiramente, a abolição do tráfico negreiro. Conseguiram a aprovação de
uma lei em 1807. Em 1833 a escravidão foi abolida nos domínios britânicos. A alfabetização e a
educação das crianças pobres foi o que motivou Robert Raikes a criar as escolas dominicais,
inicialmente em bairros periféricos. Combateu-se o emprego de menores como mão de obra
barata. Orfanatos, asilos para idosos e hospitais foram organizados em grande número.

Anos mais tarde, na Holanda, surgiu um despertamento entre os cristãos. A igreja


começou a se fazer presente na sociedade, transformando-a. A igreja entendia que era sua missão
promover o bem, a justiça e a igualdade para todos. Alguns destaques na área da música, da arte
e da literatura surgiram no ambiente cristão e mudaram a sociedade holandesa. A teologia bíblica
entende que o ser humano deve ter acesso à cultura e à educação. Por isso, muitos artistas de
igrejas mudaram a mentalidade europeia.

Viveu no século XIX um notável holandês chamado Abraham Kuyper. Ele foi pastor,
teólogo, professor, jornalista e estadista. Foi um dos maiores nomes da Igreja naquela época. As
suas mensagens causavam grande impacto na sociedade. Ele também atuou na política, tornando-
se primeiro ministro da Holanda. A sua política visava a extensão do voto, o reconhecimento do
Estado sobre o direito dos cristãos de conduzirem suas próprias escolas e uma legislação social
que ajudasse a proteger o povo trabalhador. Sua teoria social e política da soberania de Deus
sobre todas as esferas da vida humana foi uma tentativa de limitar o poder de um Estado
totalitário. Em seu pensamento, cada esfera da vida humana – família, igreja, Estado, trabalho,
economia – tem sua própria área de responsabilidade, que é dada diretamente por Deus. Para
ele, o cristianismo verdadeiro é mais do que um relacionamento com Jesus, que se expressa em
piedade pessoal, frequência à igreja, estudo da Bíblia e obras de caridade. É mais do que acreditar
num sistema de doutrinas. O cristianismo genuíno é uma maneira de ver e de compreender toda
a realidade. É um sistema de vida, uma cosmovisão. Baseada na Escritura, a cosmovisão cristã
pode ser resumida em quatro conceitos: a criação do universo e da vida; a queda como
consequência do pecado, arruinando a boa criação de Deus; a obra de Deus para a redenção de

TEOLOGIA BÍBLICA – TEOLOGIA SISTEMÁTICA – CRISTOLOGIA - SOTERIOLOGIA 39


pecadores e nosso chamado para aplicar esses princípios a todas as áreas da vida, criando uma
nova cultura, antecipando a restauração de toda a criação. A cosmovisão cristã provê uma maneira
coerente de viver no mundo, abarcando todas as esferas da criação: da política à educação,
passando pelo culto, vida em família, artes e ciência.

Por trás dessas interpretações, há pelo menos três pontos que devem ser sublinhados. Em
primeiro lugar, há uma relação entre a “imagem” e a “semelhança”. Isso tem consequências
importantes. Em segundo lugar, deve-se destacar que, não importa como se interprete a imagem
de Deus, a própria presença dessa imagem implica que todo ser humano com quem nos
relacionamos traz essa imagem. Assim, depreciar, oprimir ou destruir a um ser humano é
depreciar, oprimir ou destruir a imagem do próprio Deus. Em terceiro lugar, é importante notar
que tanto o homem quanto a mulher foram criados à imagem e semelhança de Deus, e que,
portanto, a dignidade da mulher é igual à do homem (GONZÁLEZ & PÉREZ, 2006, pp. 102-
103).

Mas qual é o modelo do pensamento de Calvino nesse ponto? Calvino gostava


de empregar a metáfora do espelho: ser um ser humano é refletir Deus. Mas em
que aspectos nós refletimos Deus? E quais são precisamente as exigências de
justiça e caridade baseadas neste ato de refletir? O pensamento de Calvino é o
de que, claramente, maltratar o espelho significa maltratar o que ele reflete –
maltratar o ser humano é maltratar a Deus (Idem, p. 274).

Rubem Alves (2010, pp. 129-130) faz uma intrigante afirmação:

Acho obscena a alegação de que temos de lutar pela justiça porque essa é a
vontade de Deus. Quem luta pelos pobres porque Deus manda não ama os
pobres. Tem é medo de Deus. Admiro aqueles que já trazem consigo esse
sentimento de compaixão sem ter tido necessidade de ler sobre ele nos textos
sagrados (visão kantiana, meu grifo). Certamente porque Deus já mora dentre
deles. Os outros, que precisam teologar primeiro, é porque Deus mora do lado
de fora.

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