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A CIDADE 1

Luis André Bruneto Oliveira2

A Espacialidade da Missão Urbana de Paulo: sua Dimensão Geográfica

Onde fazer Missão?

Já por razões de convicção e estratégias, Paulo não plantou igrejas por todo canto que passou.
Aparentemente, Paulo parecia não querer perder tempo com cidades menos importantes. Ele escolhia
cuidadosamente as cidades e planejava como seria a proclamação da mensagem de salvação.

Além de evangelizar essas cidades, Paulo não parou por aí. Ele centralizou suas atividades em
importantes centros urbanos, considerado por ele estratégicos. Segundo Nicodemus Lopes3, a cidade de
Tessalônica tornou-se a base missionária R ã10‘N“ó”Dak1NóNNDsqã’‘N“ó”Daq9‘NT0““D qã10‘rqã“‘9”’ó1Diqó‘’N“1óD
Consideramos importantes as cidades fazer um levantamento de todas as cidades que ele
evangelizou, mas já existem boas pesquisas a esse respeito. O que existe da nossa parte é uma preocupação
em apresentar elementos do ambiente urbano que mostram como Paulo via e abordava essas cidades.
Diferentes abordagens feitas por ele acabaram determinando diferentes ações.

Para tanto analisaremos três perspectivas que revelam o olhar Paulo sobre a cidade. Obviamente
não pretendermos ser os donos da verdade afirmando que era só essa ou aquela visão paulina a respeito da
cidade, mas optamos pelo que consideramos um caminho muito mais interessante, ou seja, o conceito de
espacialidade de Paulo. Na primeira subdivisão, vamos descobrir este conceito; na segunda, os elementos
formativos desse conceito e no terceiro como ele o utilizava.

1. Conceito de Espacialidade de Paulo

Ricardo Mello5, analisando a obra do artista Hélio Custódio Fervenza, sintetiza espacialidade como
sendo conceitos que abordam as diversas maneiras como as pessoas percebem o espaço à sua volta, e sob
quais pontos de vista.

De maneira mais explícita, a geógrafa Maria Encarn


Esse tipo de análise de uma realidade através das imagens ‘prenhes’ de história7 dá-se o nome de
fisiognomia.

Em nossa análise histórica dos documentos neo-testementários escritos por Lucas descobrimos
que Paulo também era um fisignomista, ou seja, fazia uso das imagens para ler a história das cidades por
onde passou.

Guardadas as proporções entre Atenas do século I e Paris do século XIX 8, podemos descobrir
elementos presentes em Paulo que o faziam ler a cidade através das imagens.

O referencial teórico que encontramos essa espécie de especulação das imagens é Walter
Benjamim (1892-1940), pensador, escritor e crítico da cultura. Os escritos de Benjamim são analisados como
instrumentos de historiografia. W. Benjamim oferece uma visão aguda acerca das forças históricas atuantes,
a consciência das classes sociais e as contradições da modernidade, especialmente a alemã, trazendo
relevantes aspectos sobre o fenômeno da metrópole moderna. Segundo Willi Bolle:

A imagem possibilita o acesso a um saber arcaico e a formas primitivas de


conhecimento, às quais a literatura sempre esteve ligada, em virtude de sua
qualidade mítica e mágica. Por meio de imagens – no limiar entre a consciência e o
inconsciente – é possível ler a mentalidade de uma época. É essa leitura que
propõe Benjamim enquanto historiógrafo. Partindo da superfície, da epiderme da
sua época, ele atribui a fisiognomia das cidades, à cultura do cotidiano, às imagens
do desejo e fantasmagóricas, aos resíduos e materiais aparentemente
insignificantes a mesma importância de “grandes idéias” e às obras de artes
consagradas. Decifrar todas aquelas imagens e expressá-las em imagens
“dialéticas” coincide, para ele, com a produção do conhecimento da história.

Na apreciação de W. Bolle sobre os escritos de W. Benjamim é possível notar como funcionava a


sua historiografia. Na Obra das Passagens, “construção do olhar sobre a cidade se dá através de imagens
dialéticas, fragmentos (...) e técnicas de montagem – configurando um ensaio ‘cinematográfico’, uma
‘radiografia’ da metrópole”9. Como um homem inteirado com a cultura, poderíamos afirmar que os
interesses de Paulo iriam movê-lo a estudar a cidade. Paulo montava um quebra-cabeça, juntando seus
conceitos obtidos em seus estudos, revelações e ensinamentos com a maneira como ele percebia as
imagens dialéticas e os fragmentos das cidades que estava evangelizando. Com esse quebra-cabeça de
conceitos pré-determinados mesclados com aqueles obtidos na sua análise fisiognomista, ele conseguia
fazer uma radiografia da cidade que estava para ser evangelizada e também ser eficaz nessa tarefa.

Além da construção do olhar através das imagens dialéticas somadas com fragmentos e técnicas
apuradas e montagem, Walter Benjamim usa outros métodos descritos no livro sobre o Barroco, em que
examinam-se “os pressupostos e antecedentes dessas técnicas: a representação da história por meio de

7
BOLLE, Willi. Fisiognomia da Metrópole Moderna. pp. 42
8
Uma das cidades pesquisadas por Walter Benjamim – “Paris, capital do século XIX” (1927-1940)
9
Idem. pp.19
imagens, a crítica alegórica da cultura, a passagem do palco pelo barroco, onde se encena a Melancolia, para
a cidade surrealista, onde o Flâneur contracena com a Mercadoria, o Progresso e a Multidão”10.

Para Paulo, entretanto, não importa que as imagens sejam positivas ou negativas. O que importa é
a verdade que ela está trazendo. A construção do olhar paulino sobre a urbe era feito também através de
imagens dialéticas somadas com fragmentos e técnicas adquiridas através da formação religiosa, acadêmica,
familiar e social de Paulo. Portanto, o que o fazia ver assim, a realidade “nua e crua” eram os conceitos
formativos de seu caráter, analisados no próximo tópico.

2. Elementos Formativos de Paulo

Esses elementos de Paulo foram formados no decorrer de sua própria vida, foram as fontes do
pensamento de Paulo. Essas fontes fizeram com que o apóstolo tivesse em seu papel evangelizador uma
visão crítica mas ao mesmo tempo misericordiosa e uma ação agressiva mas ao mesmo tempo complacente.

Durante sua vida esses elementos formativos o tornaram um homem decidido, firme, constante, fiel,
honrado, honesto, justo, verdadeiro, humilde, amoroso e tantos outros. Por isso, a colcha de retalhos (que
cada um de nós tem em seu caráter) de Paulo vamos tentar desvendar agora.

2.1. Cidadão de Tarso, Cidadão de Roma

Muitas pessoas constroem uma dualidade amor/ódio pela cidade durante a sua existência, fruto de
relacionamentos bem sucedidos (amor) e outros nem tanto (ódio). Por isso, podemos afirmar, sem sombra
de dúvida, que os sentimentos das pessoas em relação à cidade são variados. Não é difícil encontrar esses
sentimentos nas almas das pessoas. Basta caminharmos pelas ruas e encontraremos pessoas com saudade
de sua terra natal, amaldiçoando a cidade onde está. Atravessamos a rua e encontramos outro fazendo
justamente o contrário.

Ralph Emerson, durante a revolução industrial diz uma frase impactante: “Eu olho para as cidades
como grandes conspiradoras; eu sempre sinto alguma diminuição da fé quando entro em uma delas.” Esse
sentimento de repulsa de Emerson pela cidade não é novidade.

Olhando para a afirmação de Émerson e para as grandes megalópoles modernas surge em nossa
alma um sentimento de impotência, fraqueza, ineficácia. Será o evangelho tão poderoso capaz de
transformar uma cidade de dez, vinte milhões de pessoas?

Contudo, o apóstolo dos gentios parecia não temer as cidades. Ele se sentia em casa quando
estava em uma delas. Aliás, até escreve uma carta com o intuito de visitar e evangelizar a maior delas
naquele tempo, Roma.

10
Ibidem. pp 19.
Por isso, a cidade de Tarso, naturalidade de Paulo, tem aspectos fundamentais na formação de
seus conceitos sobre a urbe. Ele cria em sua alma um sentimento de amor pelas cidades, fruto de um bom
relacionamento com ela:

Quando Paulo afirmou ser “de cidade não insignificante” tinha claramente bons
motivos para descrever Tarso assim. Se suas palavras significam (como parece ser o
caso) que seu nome estava na lista de cidadãos de Tarso, isto indica que ele nasceu
numa família que possuía a cidadania. [...] Lucas diz que Paulo era um “fazedor de
tendas” (skenopois) do que podemos entender que ele estava envolvido na
fabricação dos produtos do cilicium local; contudo, ele parece ter feito parte de
uma família bem de vida. 11

Tarso era uma próspera cidade baseada principalmente na planície fértil em que se localizava.
Além disso, localizava-se aí uma famosa escola de retórica grega, uma escola da mais alta aprendizagem
reservada à elite intelectual e social12. Como Paulo era de uma próspera família judia, com certeza teve parte
de seu ensino nessa escola, o que explica sua retórica apurada e grande capacidade de persuasão.

De acordo com o geógrafo Estrabo, escrevendo nos primeiros anos do primeiro século AD, o povo
de Tarso era ávido em obter a cultura. Eles aplicavam a si mesmos ao estudo da filosofia, as artes liberais e
“completo desejo de aprender em geral” – a completa “enciclopédia”. 13 Tarso, em resumo, era o que nós
podemos chamar uma cidade universitária.

A vida de Paulo na cidade parece ter durado pelo menos até a sua mocidade, quando vai ser
educado aos pés de Gamaliel. Ao que parece, essa breve vivência na cidade foi mais que suficiente para que
Paulo tivesse uma profunda admiração por ela, e criando por outras cidades um sentimento de amor e até
mesmo dependência.

Além do fato de Paulo haver nascido em Tarso e se relacionado bem com ela, outra realidade a se
destacar era sua cidadania romana. Com certeza, essa foi uma das características que influenciaram a visão
paulina a respeito da cidade. Como? Simples. Paulo gozava de privilégios e benefícios por ser cidadão
romano. Podemos dizer que ele não sofria as agruras que a maioria dos cidadãos sofriam.

Hoje em dia ouvimos falar de pessoas globalizadas, que falam pelo menos três idiomas, viajam
internacionalmente pelo menos duas vezes ao ano e se relacionam culturalmente com várias ideologias.
Chamamos essas pessoas de cidadãos do mundo. Paulo com certeza era um cidadão do mundo, dizendo...
eu não sou cidadão romano, nem grego, nem...

2.2. O Judaísmo e Gamaliel

11
F.F. Bruce. Paulo, o apóstolo da graça, pp. 30
12
Bart D. EHRMAN, The New Testament, pp.247-8
13
F.F. BRUCE, Paul, apostle of the heart set free, pp. 34-35
Outro ingrediente formativo na visão urbana de Paulo veio de sua religião de berço. Antes de sua
conversão, Paulo era membro de um dos principais grupos religiosos dos judeus. Segundo as próprias
palavras do apóstolo ele era circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu
de hebreus; quanto à lei, fariseu (Fp 3:5). Além disso, garante que seus pais também eram fariseus (At 26:6).
Isso tudo fazia de Paulo um homem extremamente zeloso para com a sua religião e todos os aspectos que a
envolviam.

Quem, então, eram os fariseus? Eles são mencionados, pela primeira vez com esse
nome, em meados do segundo século a.C. Em sua narrativa do governo de Jônatas
(160-143 a.C.), irmão e sucessor de Judas Macabeu , Josefo diz que nessa época
havia três escolas de pensamento entre os judeus: os fariseus, os saduceus e os
essênios [...]14

Eram chamados fariseus, que deriva da raiz hebraica e aramaica e significa separados. Esse nome era
uma clara referencia à separação que faziam de tudo que pudesse trazer contaminação moral ou cerimonial.
Eram extremamente zelosos em guardar a lei do sábado e as restrições de alimentos. Nos estudos da Lei
Mosaica, os fariseus prepararam um emaranhado de interpretações e explicações que, com o tempo,
ganharam uma validade igual à lei escrita – chamada de tradição dos anciãos.

Entre os próprios fariseus haviam duas escolas de interpretação das leis, chamadas de Shammai e
Hillel, nomes de seus respectivos fundadores. Shammai era uma escola mais rígida e Hillel mais flexível. Ao
que tudo indica, Paulo fazia parte dessa última, visto que seu instrutor, Gamaliel, era sucessor de Hillel e
líder de sua escola. Contudo, algumas tradições antigas falam de pessoas que pertenciam à escola de
Gamaliel, como se ele tivesse fundado a sua própria. 15

O que realmente importa é que Paulo fora instruído numa escola farisaica de caráter mais flexível,
aos pés de Gamaliel. Embora boa parte da formação religiosa de Paulo tenha vindo dele, esse homem teve
uma profunda influência na vida de Paulo.

Na maioria das questões, por exemplo na esperança da ressurreição e nos métodos


de exegese bíblica, Paulo provavelmente foi um aluno apto e um seguidor fiel do
seu professor. [...] Em um aspecto, porém, Paulo desviou-se de seu mestre: ele
repudiou a idéia de que uma política de contemporização era a mais adequada aos
discípulos de Jesus. Em sua cabeça, esse novo nascimento constituía uma ameaça
mais mortal a tudo o que ele aprendera a valorizar do que Gamaliel parecia capaz
de entender. Além disso, o temperamento de Paulo parece ter sido bem diferente
do que Gamaliel: em contraste com a paciência e tolerância de estadista de
Gamaliel, Paulo era caracterizado, em suas próprias palavras, por uma
superabundância de zelo – que, realmente, ele nunca perdeu de todo.16

14
F.F. Bruce, pp. 39
15
F.F. BRUCE, pp. 43-45
16
F.F. BRUCE, pp. 45
De fato, esse último foi um aspecto do caráter de Paulo transferido para seu ministério. Paulo era
extremamente zeloso em tudo o que fazia, desde sua análise urbana até o treinamento de liderança que o
substituiria depois de sua partida.

2.3. Revelação Divina: de perseguidor a perseguido, de Saulo para Paulo

Em Atos 20:18-24, lemos o relato de Lucas durante a fala de Paulo aos presbíteros da igreja de Éfeso,
mostrando as duas vocações na sua vida: uma vocação natural, enquanto ainda Saulo, que era a vocação do
intelectualismo, da excelência religiosa através do farisaísmo (At 20:20 – anunciar, ensinando); e outra, a
divina, agora já transformado em Paulo, quando na estrada de Damasco, além de conhecer Jesus (Eu sou
Jesus, a quem tu persegues! – At 9:5), recebe também do Senhor, o modo como ele iria realizar a sua missão,
mostrado de forma clara a Ananias: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu
nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; pois eu lhe mostrarei quanto lhe
importa sofrer pelo meu nome (At 9:15-16), ou seja, uma missão em meio a muitos sofrimentos.

O relato lucano mostra como Paulo foi esse instrumento para as cidades escolhido para levar o
nome de Jesus aos gentios e reis e o quanto ele sofreu para fazer isso, através de suas perseguições (At
13:50, 14:19, 16:22, 20:3, 23:14), torturas físicas (At 14:19, 16:22, At 21:32), prisões (At 16:23, 21:33),
difamações (At 13:45, 14:2, 16,20-21, 17:5, 17:18, 18:6a, 18:12, 19:9, 21:28, 24:2). Como instrumento da
revelação divina Paulo sofrerá as lutas e agruras do evangelho.

Não há como negarmos que Paulo teve em sua formação a respeito da cidade um caráter divino. No
tempo em que esteve na Arábia, Paulo passou por momentos extremamente íntimos com os Céus. Esses
momentos ele descreve de uma forma impressionante: conheço um homem em Cristo que, há catorze anos,
foi arrebatado até ao terceiro céu (se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o sabe) e sei que o tal homem
(se no corpo ou fora do corpo, não sei, Deus o sabe) foi arrebatado ao paraíso e ouviu palavras inefáveis, as
quais não é lícito ao homem referir. (2 Co 12:2-4).

Não só essa experiência singular, mas a da conversão também, foram de fundamental importância
na construção do olhar Paulino sobre a cidade.

2.4. Barnabé

Barnabé não foi só o primeiro companheiro de viagem de Paulo, mas alguém de fundamental
importância na construção de seu olhar sobre a urbe. Enquanto o aspecto religioso-teológico foi enfatizado
por Gamaliel, Barnabé ajudou Paulo a ver a cidade com olhos de misericórdia.

Barnabé, cujo nome significa filho de exortação (At 4:36s) ou aquele que dá coragem, era sobrenome
de José, um levita rico, natural da ilha de Chipre e convertido ao cristianismo. Esse homem tinha um campo,
vendeu e trouxe todo o dinheiro, depositando aos pés dos apóstolos, para que esses usassem de maneira
que bem entendessem.
O primeiro encontro dele com Paulo acontece em Atos 9:27, depois da espetacular fuga deste,
descendo em um cesto pela muralha de Damasco. Barnabé leva Paulo aos discípulos, narrando o que
acontecera no caminho e como Paulo anunciava ousadamente a Palavra de Deus em Damasco.

Temendo retaliações dos judeus, os discípulos enviam Paulo a Cesaréia e daí para Tarso, região
onde recebe as revelações que comentamos no tópico anterior. Depois de alguns anos, Barnabé é enviado
para cuidar da comunidade de Antioquia, que se formara dos que foram dispersos depois do martírio de
Estevão. Esses evangelizaram judeus em gregos, e muitos se converteram (At 11:19-22). Barnabé,
reconhecendo a difícil tarefa de cuidar da igreja emergente, sai a procura de Paulo (At 11:25), trazendo-o a
Antioquia, onde se reuniram por todo um ano. Aqui em Antioquia, os discípulos foram chamados de cristãos
pela primeira vez (At 11:26).

Com Barnabé, Paulo inicia sua primeira viagem missionária (At 13:2-4). Seu companheiro de
viagem continua com ele até a escolha da equipe para a segunda viagem (At 15:36ss). Houve uma separação
entre Paulo e Barnabé por questões de personalidade, ficando claro aqui o aspecto misericordioso de um e o
zelo pela obra de outro. Por causa de João Marcos, que havia abandonado a primeira expedição e voltado
para Jerusalém (At 13:13), os dois se desentendem. Enquanto Barnabé achava que Marcos merecia mais
uma chance, Paulo achava que não se podia agir daquele jeito na obra de Deus. Vai Paulo e Silas para um
lado (mais precisamente para a Síria e Cilícia), e Barnabé e Marcos para outro (Chipre).

Contudo, as lições que Paulo aprendeu com Barnabé a respeito da misericórdia ficaram imprimidas
em sua alma. Podemos ver isso em sua missão e em suas cartas.

Podemos concluir este segundo tópico dizendo que a construção do olhar Paulino sobre a cidade se
deu: no enfoque amor-cidadania – através de sua relação com sua cidade natal e outras que ele morou; no
enfoque religioso-teológico: com a sua religião de berço e seu professor Gamaliel; no aspecto divino: através
de suas experiências no caminho de Damasco e na Síria; e finalmente no aspecto da misericórdia: em seu
estreito relacionamento com Barnabé.

3. A Construção de um Olhar Sobre a Cidade – Como Paulo usava seus conceitos

Para se compreender a construção do olhar de Paulo sobre a cidade, utilizaremos duas abordagens:
seus personagens-tipo e os retratos/paisagens urbanos.

Já que vimos os aspectos que formavam a mente de Paulo sobre a cidade, precisamos analisar como
ele fazia uso desses conceitos e chegarmos a uma forma de uma atual utilização desses para a igreja de hoje.

Seguindo a linha de pensamento de Willi Bolle, na análise de Walter Benjamim sobre a metrópole
moderna podemos destacar alguns pontos em comum das formas construtivas do olhar Paulino sobre a
cidade.

3.1. Personagens-tipo urbanos


Walter Benjamim, em sua análise da metrópole moderna, constrói o seu flâneur, que é um
personagem urbano, um abreviado, um mítico caráter social, uma imagem dialética através do qual é
possível obter um conhecimento mais aprofundado do fenômeno da metrópole moderna. 17

Esse flâneur é construído com a finalidade de se dar uma idéia à forma, uma concepção da história
que se expressa por meio dramático, condensado em uma imagem alegórica: o personagem-tipo. Com
certeza, um personagem-tipo é formado em seu próprio ambiente urbano, que na realidade é uma colcha de
retalhos sem precedentes. Para tentar analisar os personagens-tipo de Paulo, teremos que recorrer ao texto
bíblico e às inferências sobre eles.

3.1.1. O Negociante

Dentro dos personagens- tipo que encontramos em Paulo o primeiro que destacamos é o
negociante. Não em ordem de escalas de valores, nem de importância, mas simplesmente por um fator de
classificação social. Dentro dessa estratificação social encontramos dois tipos de negociantes: o alto
negociante, que importa de longe sua mercadoria, estoca em grandes armazéns e faz parte da classe rica; e
o pequeno negociante, que explora sua atividade através de sua pequena loja num dos mercados da cidade.

Os altos negociantes importavam todo o tipo de material, desde madeira, vidros, até bálsamos,
perfumes, especiarias. Eles traziam grandes quantidades de produto que eram guardados em grandes
armazéns e distribuídos aos pequenos comerciantes, que colocavam seu preço e vendiam ao consumidor
final.

Lídia faz parte desse personagem-tipo de Paulo. Essa mulher, vendedora de tecidos de cor púrpura,
era natural de Tiatira, mas morava em Filipos, onde desenvolvia sua atividade comercial (At 16:14). A
púrpura era um tecido caro de cor vermelho-arroxeado e era usado como símbolo de riqueza e de alta
posição social18. Isso mostra que Lídia era pessoa de alto poder aquisitivo.

3.1.2. O Escravo

O próximo personagem-tipo urbano encontrado em Paulo e o escravo. Em suas viagens ele se


deparou com eles. Faziam parte da sociedade e muitos se converteram através do ministério do apóstolo.
Durante seu ministério entre algemas, Paulo ganha um escravo chamado Onésimo, que havia fugido da casa
de Filemôm onde servia. Filemôm era irmão em Cristo e agora Onésimo é enviado de volta por Paulo.

Os escravos eram parte integrante da sociedade e se dividiam em classes de importância. Haviam


escravos de governadores, e logicamente esses tinham oportunidades diferentes de serviçais de pessoas
menos favorecidas. Sabe-se até de escravos que possuíam bens materiais. Entre os israelitas os escravos
eram normalmente bem tratados e até tinham a oportunidade de comprar a sua liberdade (Êx 21.5; Lv
25.47-55). Wayne N. Meeks resume bem como os escravos viviam naqueles dias:

17
W. BOLLE, pp. 365-366
18
Bíblia On line 3.0 – Verberte: Púrpura
A mudança de status mais fundamental pra alguém das classes mais baixas era a
passagem da escravidão para a liberdade – ou vice-versa. Isso não significa que
todos os livres vivessem melhor que todos os escravos; a realidade era bem
diferente. Havia escravos que possuíam escravos; que manipulavam grandes
quantias de dinheiro no que constituía, efetiva, porém não legalmente, seus
próprios negócios; que exerciam profissões altamente qualificadas. E havia
trabalhadores livres que morriam de fome. Não obstante, os escravos trabalhavam
duramente para obter a alforria e muitas vezes conseguiam. 19

Entre essa classe social haviam os libertos, que ocupavam uma camada social que era uma
transição entre escravos e livre. Esses conservavam obrigações com seus antigos senhores, eu agora eram
seus patronos ou protetor, debaixo de aspectos legais e informais.

Haviam também o que J. Jeremias chama de diaristas. Esses eram mais numerosos que os escravos.
É diarista aquele homem alugado por um rico hierosolimitano como cursos. Os diaristas ganhavam uma
média de 1 denário, com refeição. 20 Jesus menciona diaristas em sua parábola sobre o Reino de Deus, em
Mateus 20: 1-16:

Porque o reino dos céus é semelhante a um dono de casa que saiu de madrugada
para assalariar trabalhadores para a sua vinha. E, tendo ajustado com os
trabalhadores a um denário por dia, mandou-os para a vinha. Saindo pela terceira
hora, viu, na praça, outros que estavam desocupados e disse-lhes: Ide vós também
para a vinha, e vos darei o que for justo. Eles foram. Tendo saído outra vez, perto
da hora sexta e da nona, procedeu da mesma forma, e, saindo por volta da hora
undécima, encontrou outros que estavam desocupados e perguntou-lhes: Por que
estivestes aqui desocupados o dia todo? Responderam-lhe: Porque ninguém nos
contratou. Então, lhes disse ele: Ide também vós para a vinha. Ao cair da tarde,
disse o senhor da vinha ao seu administrador: Chama os trabalhadores e paga-lhes
o salário, começando pelos últimos, indo até aos primeiros. Vindo os da hora
undécima, recebeu cada um deles um denário. Ao chegarem os primeiros,
pensaram que receberiam mais; porém também estes receberam um denário cada
um. Mas, tendo-o recebido, murmuravam contra o dono da casa, dizendo: Estes
últimos trabalharam apenas uma hora; contudo, os igualaste a nós, que
suportamos a fadiga e o calor do dia. Mas o proprietário, respondendo, disse a um
deles: Amigo, não te faço injustiça; não combinaste comigo um denário? Toma o
que é teu e vai-te; pois quero dar a este último tanto quanto a ti. Porventura, não
me é lícito fazer o que quero do que é meu? Ou são maus os teus olhos porque eu
sou bom? Assim, os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos porque
muitos são chamados, mas poucos escolhidos.

19
W.N.Meeks, pp. 38
20
J. JEREMIAS, Jerusalém no tempo de Jesus, pp.159
No meio desses diaristas havia um sentimento catastrófico: o de não encontrar serviço. Daí a
entender essa particular revolta dos primeiros trabalhadores do dia.

Havia ainda um quadro particular de escravos e de libertos que constituíam a categoria de mais
mobilidade que se pode encontrar na sociedade romana...

... e entre os quais sabemos bem explicitamente que havia cristãos do círculo
Paulino. Eram os membros da familia caesaris, a “família de César”. Como os ricos
comuns transferiam boa parte das responsabilidades nos negócios a seus escravos
e libertos, também Augusto e seus sucessores empregavam suas familiae nos
negócios do império. Cláudio ampliou muitíssimo essa prática, que vigorou por
mais de um século até Domiciano; Trajano e Adriano procuraram reduzir o poder
dos homens líberos; a familia caesaris era virtualmente o serviço civil do império,
nas províncias não menos do que em Roma. 21

Esse tipo de escravos que mencionamos são os escravos sociais, presos em suas rotinas por alguma
associação com seu nascimento ou ação durante a vida. Entretanto, sabemos de outro tipo de escravo que
Paulo se deparou em seu ministério: escravos espirituais. Em pelo menos dois textos (At 13:8ss e At 16:17ss)
encontramos Paulo em batalha espiritual e no caso da moça em Filipos, vemos uma ação de misericórdia do
apóstolo que desencadeia em uma de suas primeiras prisões.

3.1.3. Os Senhores

Este é um grupo distinto, por constituir de diversos personagens-tipo que se caracterizam por sua
posição social de proeminência. São identificados como os membros do areópago22, os políticos e os
patrões. Os areopagitas assentavam-se como juízes e tratavam de leis, religião e educação. Estes homens
eram de poder aquisitivo relativamente alto para sociedade daquela época. Isso se demonstra pelo fato de
serem educados e tratarem de elementos que envolviam toda a cultura da sociedade ateniense. Eram
membros da mais nobre e venerável academia do saber de Atenas, capital cultural da época.

O outro personagem-tipo pertencente a essa categoria eram os políticos. Esses homens, também de
destaque financeiro, coordenavam toda a cidade. Especialmente em Atenas, esses homens faziam parte do
Senado.

Embora os dois personagens-tipo anteriores tivessem escravos, os patrões, terceiro personagem-


tipo desta categoria, dependiam desse subterfúgio para seus negócios. Muito embora boa parte desses
“micro-empresários” usassem de escravos, ainda existiam os empregados, homens e mulheres pagos para a
funções de processo e distribuição de alimentos, cosméticos, especiarias, animais etc.

21
W.N. MEEKS, pp. 40
22
Os membros do areópago entram aqui não como produtores de cultura, mas por causa de seu poder econômico e
político.
A vida do apóstolo e seu particular interesse mostra que ele se esmerou em alcançar esses senhores
em primeiro lugar. Em Gálatas 2:10, encontramos uma palavra que ele se esforçou também para lembrar
dos pobres em se evangelismo. O primeiro convertido na sua primeira viagem missionária demonstra isso.
Paulo e Barnabé são instigados a pregarem para um homem chamado Sérgio Paulo, procônsul (At 13:12).
Esse era um título atribuído a um governador de província, nomeado pelo senado romano, geralmente por
um ano.

A evangelização de Lídia em Filipos (At 16:14-15) é outro texto que comprova esta experiência.
Lídia era uma vendedora de púrpura, e por isso, muito rica. Paulo evangeliza essa mulher e esta oferece sua
casa como hospedaria para eles enquanto estivessem ali.

Em Atos 17:12 vemos Lucas mencionando que em Beréia muitos deles creram, mulheres gregas de
alta posição e não poucos homens. Em Atos 17:34, encontramos a conversão de Dâmaris e seu esposo
Dionísio, membro do areópago. Em Atos 18:8, vemos que Crispo, o principal da sinagoga abraçou o
evangelho.

Paulo tinha, portanto, um interesse especial nessas pessoas de classe média e alta, se podemos
classificar assim. Mas qual o motivo disso? Se observarmos que ele veio de uma cultura de classe média e
que essas pessoas eram formadoras de opinião vamos encontrar suas motivações. Podemos pensar assim: o
areopagita Dionísio, agora cristão, se tornara um porta-voz do Evangelho muito mais eficaz do que um
cristão de classe mais pobre. Pode soar até como preconceito, mas a realidade é que Paulo concentrou-se
nessas pessoas.

3.1.4. A Mulher

A mulher é o quarto personagem-tipo de Paulo. O apóstolo dava atenção e importância a esse


contingente tão valoroso na obra do reino. Em Filipos ele dirige-se, juntamente com Silas, até a beira do rio,
o ponto de encontro de mulheres de várias classes sociais, e falam a elas. Entre as que se convertem está
Lídia, vendedora de púrpura23, provavelmente uma das mulheres mais ricas de toda a região. Essa mulher,
encantada com a mensagem de Paulo se torna uma das financiadoras de seu ministério. W.N. Meeks afirma
que:

... os nomes gregos de Evódia e Síntique (Fl 4:2s) podem sugerir que elas se
achavam entre os grupos de comerciantes mestiços em Filipos. Além disso
devemos observar que eram mulheres com suficiente independência para terem
seus direitos reconhecidos como membros atuantes da missão paulina.

Entre muitas mulheres haviam as que se destacavam na vida pública, atuantes no comércio e no
artesanato, usando parte do seu dinheiro para obter reconhecimento em suas cidades, assim como os
homens. Cada vez mais, no mundo dirigido pelo império romano, e influenciado pelo pensamento grego, as

23
Púrpura: tecido vermelho-arroxeado, de alto valor comercial, usado principalmente por reis e nobres. O uso desse
tecido denotava alta posição social e ostentava riqueza.
mulheres surgem como litigantes independentes. Nesse contexto, as mulheres se reuniam em associações,
geralmente nas mesmas associações com os homens, o que já denota um grande avanço social, se
comparado com o mundo judeu, especialmente o de Jerusalém.

J. Jeremias afirma que a mulher, em Jerusalém, não participava da vida pública, e quando esta saía
de casa deveria ter o rosto coberto, com algo parecido com a burka, que ficou famosa depois da invasão do
Afeganistão pelos Estados Unidos.

Essa mulher, relatada por J. Jeremias,

...que saía de casa sem ter a cabeça coberta, quer dizer, sem o véu que ocultava o
rosto, faltava de tal modo aos bons costumes que o marido tinha o direito, até
mais, tinha o dever de despedi-la sem ser obrigado a pagar a quantia que, no caso
de divórcio pertencia à esposa, em virtude do contrato matrimonial. [...] As regras
do decoro proibia encontrar-se sozinho com uma mulher, olhar para uma mulher
casada, e até mesmo cumprimentá-la. Seria vergonhoso para um aluno de escriba
falar com uma mulher na rua. Aquela que conversasse com alguém na rua ou
ficasse do lado de fora de sua casa podia ser repudiada sem receber o pagamento
previsto no contrato de casamento.

Podemos observar, portanto, dois mundos distintos em que Paulo circulava. O primeiro era seu
mundo já globalizado (se podemos chamar assim) dominado politicamente por Roma e culturalmente pela
Grécia. Nesse mundo as mulheres gozavam de uma liberdade maior, podendo conversar, trabalhar e até
mesmo negociar com homens sem nenhum problema. No outro mundo a realidade era bem diferente: um
mundo dominado especialmente por homens, onde a mulher não ascendia socialmente a não ser que seu
marido assim a fizesse, um mundo onde as mulheres eram totalmente restringidas à vida doméstica, sem
contato demasiado com o mundo exterior.

3.1.5. O Trabalhador

Outro personagem-tipo de Paulo é o trabalhador. Essa figura presente no olhar paulino sobre a
cidade trabalha com duas vertentes. O primeiro é aquele que vê a pessoa que trabalha para alguém, que não
é independente, mas depende financeiramente de um patrão. Esse trabalhador eram

O outro é aquele que trabalha por conta própria tirando da terra e do comércio informal24 o seu sustento.
Entram aqui os carpinteiros, artesãos, pedreiros, pequenos agricultores, criadores de gado etc. Tanto um
como outro são da classe baixa da população. Não possuem recursos para esbanjar, senão somente para
sobreviver.

O próprio Paulo era um trabalhador da classe artesã. Ele se dedicou à fabricação de tendas
especialmente durante sua estada em Corinto, juntamente com Áquila e Priscila, também artesãos do

24
O comércio formal, se podemos chamar assim, é aquele comércio dentro das cidades, dos mercados. Chamamos de
comércio informal, aquele gerado nas vielas, de porta em porta, de boca em boca.
mesmo ofício (At 18:3). Paulo precisou recorrer a esse subterfúgio para sobreviver enquanto evangelizava
Corinto. Paulo se hospedava na casa deste casal e trabalhavam juntos. Sabemos que não foi somente aqui
que Paulo trabalhou para se sustentar, mas mesmo em Tessalônica (1 Ts 2:9, 2 Ts 3:8) e posteriormente em
Éfeso (At 18:18, 26, 20:34, 1 Co 16:19). 25

De acordo com sua prática regular, Paulo se sustentou em Corinto com seu próprio
trabalho, e encontrou emprego em uma empresa que fabricava barracas, cujos
donos eram um judeu originário do ponto, Áquila, e sua esposa, Priscila. O casal
morara até pouco tempo em Roma, cidade natal de Priscila, mas fora obrigado a
deixar a cidade, por causa do Edito de Cláudio, expulsando a colônia judaica de
Roma. Eles parecem ter sido um casal bem de vida, e sua fábrica de barracas pode
ter tido filiais em vários centros, com um gerente nos lugares em que eles não
residiam. Com isso, eles podiam locomover-se facilmente entre Roma, Corinto e
Éfeso. Depois de se encotrarem em Corinto, Paulo não teve amigos ou ajudantes
mais leais do que Priscila e Áquila, aos quais agradeço, diz ele alguns anos mais
tarde, e não somente eu, mas todas as igrejas dos gentios (Rm 16:4), os serviços
que eles prestaram à causa cristã evidentemente excediam em muito os serviços
prestados pessoalmente a Paulo.26

Isso certifica nossa posição do tópico acima, quando afirmamos que Paulo se concentrava nas
pessoas de classe média, média-alta para evangelizar e treinar.

Na realidade, não sabemos porque somente na segunda viagem missionária é que ele faz uso de
sua arte, mas ao que tudo indica foram a falta de envio de recursos das igrejas para o sustento missionário,
prática bem comum hoje em dia. A única igreja que se associou com o apóstolo durante sua estada em
Corinto foi Filipos (Fl 4:15-16), e mesmo assim não deve ter sido um grande sustento, pois precisou recorrer
ao seu ofício para manter o evangelismo.

3.1.6. Os Produtores da Cultura

O sexto personagem tipo de Paulo são produtores de cultura. Como dissemos anteriormente eram
esses os quais Paulo mais se identificava. Aqui entram os professores, filósofos, pensadores, pesquisadores,
legistas etc., enfim todos os que de alguma forma estão ligados à produção do saber. Os membros do
areópago aparecem novamente aqui, mas agora como um desses produtores.

Paulo se dava muito bem no meio dessas pessoas por também ser um produtor de cultura. Isto
está claro em Atos 17:22ss, precisamente no meio dos areopagitas, e na carta aos romanos, mais elaborada
e teológica de todas.

25
Imagines verbales em el Nuevo Testamento, pp. 308.
26
F.F. BRUCE. Paulo, o apóstolo da graça, pp. 243.
3.2. Os Retratos/Paisagens Urbanos

Walter Benjamim faz uso de uma técnica de montagem de imagens chamada superposição. Nesta
técnica ele tenta radiografar o imaginário coletivo. Em última instância, Benjamim faz uso desse método
para decifrar o espaço imagético político-social.27

Não sabemos, obviamente, se Paulo usou a técnica da superposição, mas o fato é que as imagens
eram construídas em sua mente, montando uma tessitura político-social capaz de revelar o imaginário
coletivo, imprescindível de ser analisado para sua obra de evangelização. A sua capacidade de fazer isso está
intimamente ligado a dois aspectos: sua educação e sua necessidade. Primeiramente, ele havia sido educado
para ser um pensador dentro de sua religião e depois a necessidade produz a busca.

Os lugares a seguir que vamos destacar possuem dois lados em Paulo. O primeiro é o efeito que
esse lugar produziu sobre ele, e depois o efeito que ele produziu no lugar. Importante notar que isso
acontece em todos esses lugares. Além de influenciar e serem influenciados, esses retratos/paisagens
urbanos mostram a realidade do espaço imagético que Paulo estava inserido.

3.2.1. A Sinagoga

As sinagogas eram as casas de oração dos judeus, que começaram a existir provavelmente durante
o cativeiro babilônico. Essas sinagogas se espalharam por toda a região conhecida naquela época, e eram
lugares em que os judeus adoravam a Deus, oravam e estudavam as Escrituras.

Uma das estratégias missionárias de Paulo era usar essas sinagogas como ponto de partida para a
pregação do evangelho nas cidades onde passava. Isso se dava por motivos claros. Primeiramente, que ele
era judeu,e todo que se prezasse deveria ir às sinagogas adorar no dia sétimo. Depois que ele era discípulo
de Gamaliel, um dos mais respeitados mestres daquela época e muito conhecido dos judeus. Por isso
mesmo, surge o terceiro motivo, que era que nas sinagogas, espaço para se estudar as Escrituras, ele tinha
essa oportunidade de falar aos seus, explicando tudo a respeito do Encontro em Damasco.

De acordo com G. Hawthorne e R. Martin:

O cristianismo entrou no mundo antigo por meio de leis de proteção


proporcionada ao Judaísmo muitos anos antes. A sinagoga providenciava a Paulo
uma plataforma imediata para sua mensagem e serviço de muitas maneiras, quase
que completa, como modelos para as igrejas emergentes. As igrejas primitivas
imitavam as sinagogas em suas Escrituras lidas e expostas, orações e comunhão e
se abstinham de sacrifícios que eram comuns em cultos pagãos.

Nesse pano-de-fundo religioso se confirma o ponto que afirmamos acima: que Paulo era
influenciado pelos lugares e os influenciava com sua presença.

27
W. BOLLE, pp. 98-101
3.2.2. A Rua e a Praça

A rua era um lugar comum para Paulo. Logo no início de sua primeira viagem missionária (At 14:8ss)
ele encontra assentado num lugar público um homem coxo de nascença e conhecido do povo de Listra, e o
cura. Desse milagre desencadeia uma série de eventos na rua dessa cidade, que culmina com o
apredejamento de Paulo.

Nas ruas da cidade de Filipos, Paulo juntamente com Silas se deparam com uma jovem possessa de
um espírito imundo, a qual os perseguiam por muitos dias. O fato indignou a Paulo, e este expulsa o espírito,
provoca uma sucessão de eventos nas ruas de Filipos que termina com a prisão do apóstolo e seu
companheiro.

Por um espaço de dois anos que Paulo permaneceu em Éfeso (At 19:10), outros eventos nas ruas
acontecem. Os filhos de Ceva, sumo sacerdote, fogem feridos e nus depois de um exorBR.ihI3ôQBQê.dhB3B4ôsmo
t mal-
casas acabaram se tornando líderes das igrejas que se reuniam debaixo de sue teto. Outra menção
importante é que a conversão de alguém com sua casa aparece várias vezes em Atos (11:14, 16:15, 16:34,
18:8).

A kat’oikon ekklesia é assim a ‘célula básica’ do movimento cristão, e seu núcleo


era muitas vezes uma casa existente […] a casa era muito mais ampla do que a
família nas sociedades ocidentais modernas, incluindo não só parentes próximos,
mas também escravos, libertos, trabalhadores contratados e, algumas vezes,
atendentes e parceiros nos comércio ou na profissão. No entanto, kat’oikon
ekklesia não era simplesmente a casa onde pessoas se reuniam para oração; ela
não correspondia rigorosamente aos limites da casa. Outras relações preexistentes,
como operações comerciais comuns, também são sugeridas nas fontes e,
certamente, novos convertidos deviam ter sido acrescentados às comunidades
existentes na casa. Além do mais, havia grupos formados nas casas dirigidas por
não-cristãos, como os quatro mencionados em Rm 16:10-11, 14-15, sem citar a
familia caesaris. Inversamente, nem sempre todos os membros de uma casa se
tornavam cristãos quando seu chefe se convertia ao cristianismo, como o caso de
Onésimo nos mostra. 29

Um aspecto importante a notar é que a reunião que acontecia nas casas de pessoas que se
converteram ao cristianismo tem seu pano de funda nas sinagogas. As reuniões em residências privadas
eram um expediente judeu muito usado, onde eram adaptadas para fins de culto.30 Os tipos de atividades
também eram semelhantes às sinagogas incluindo leitura das Escrituras e interpretação, orações, refeições
comunitárias, mas de modo algum havia sacrifícios como nos cultos pagãos.

A casa é, portanto, um lugar especial para Paulo. É na casa de Judas, em Damasco, que ele recebe a
oração de Ananias, recupera sua vista, recebe o Espírito Santo e é batizado. Essa casa mostra a importância
da questão espiritual.

Outra casa que merece nossa atenção especial é a casa de Cornélio, pois é nela que Pedro
converte-se culturalmente, abrindo a porta do evangelho aos gentios e preparando a estrada para Paulo.
Essa casa mostra o amor de Deus.

Outra casa especial é a de Lídia, vendedora de púrpura. Essa mulher converteu-se no ministério de
Paulo em Filipos e a sua casa se torna a base paulina para o evangelismo na cidade. Dessa casa, portanto, é
que surge a igreja de Cristo naquela cidade importante. Essa casa demonstra a hospitalidade.

A casa do carcereiro em Filipos também é importante. Logo depois da conversão deste homem na
prisão, Paulo e Silas são levados para essa casa, onde pregam o evangelho e todos se convertem. Depois
disso, os vergões dos açoites deles são tratados e todos os daquela casa são batizados. A mesa então é posta
e todos se alimentam. Essa casa demonstra a misericórdia de Deus, e podemos que tanto a fé de Paulo
quanto de Silas foram fortalecidas por eles.

29
Wayne A. MEEKS, pp 122.
30
Wayne A. MEEKS, pp 129.
Por último, a sua própria casa. No final de sua vida, em Atos 28:30, Lucas nos diz que e casa de
Paulo era palco para a missão. Ali Paulo recebia a todos que o procuravam (influência das casas de Lídia,
Tício e outros), e pregava o Reino de Deus sem impedimento algum (influência da casa de Judas e Lídia),
ensinando todas as coisas referentes a Jesus (influência da casa do carcereiro).

3.2.4. A Prisão

Quando lemos a vida de Paulo, parece que ele era um freqüentador assíduo desse lugar tão mal
quisto. Contudo, para Paulo, todo momento o evangelho deveria ser pregado, quer fosse oportuno, quer
não (2 Tm 4:2). A prisão para ele era mais um lugar onde o conhecimento de Cristo deveria ser manifesto.

Sua primeira experiência na prisão serviu de lições para as demais. Num ambiente desagradável, de
desesperança, de angústia, Paulo e Silas resolvem louvar a Deus. O profundo desejo de serem considerados
honrados por sofrer nome Dele talvez seja o motivo dessa atitude. A experiência filipense marcou o
apóstolo. Daquela prisão surge a conversão de toda uma família, e também serve de testemunho para todos
os homens que estavam presos com eles (At 16:25ss). E mais: podemos entender a prisão como um ensino
na vida de Paulo acerca o desprendimento das coisas humanas. Esse ensino ele mostra em Atos 21:13b - pois
estou pronto não só para ser preso, mas até para morrer em Jerusalém pelo nome do Senhor Jesus.

De fato, em Jerusalém acontece um motim no qual Paulo é recolhido na fortaleza, agora por motivos
de sua própria segurança. Depois de sua defesa perante Félix, este ordena a sua guarda e aos seus que o
servissem da melhor maneira possível. Neste tempo de reclusão, Paulo encontrou tempo para ensinar,
pregar e escrever cartas às igrejas que havia fundado.

3.2.5. A Casa da Cultura

Chamamos de casa da cultura os centros formadores de pensamento na época de Paulo. Entre eles
destacamos dois dos quais Paulo teve um contato mais detalhado nas Escrituras. Por ser um pensador, o
apóstolo se relacionava muito bem com essas pessoas, mostrando através de seu acurado conhecimento a
fé em Cristo Jesus.

O primeiro lugar a se destacar é o areópago. No meio desses juízes, legistas e filósofos do povo
grego, Paulo utiliza-se do grego (língua que dominava facilmente) para falar ace]rca do Deus desconhecido,
utilizando um elemento da cultura local para evangelizar (At 17:23). Quando Paulo falou sobre a ressurreição
do Senhor, os areopagitas decidiram que escutariam Paulo de novo em outra ocasião (At 17:32). Isso nos
mostra duas coisas: ficaram interessados e intrigados com o conhecimento de Paulo.

Outro lugar é a escola de Tirano. Por dois anos, Paulo ensinou diariamente nessa escola (At 19:9-
10). Este lugar se tornou um centro evangelístico, no qual habitantes de toda a Ásia concorriam pra lá ouvir
seus ensinamentos. Através desse ministério de ensino e evangelismo, milagres extraordinários
aconteceram (At 19:11-12).
3.2.6. O Tribunal

O tribunal era outro retrato/paisagem na vida de Paulo. Chamamos de tribunal os lugares em que
ele precisava se defender de seus acusadores, principalmente judeus. Isso se torna comum no seu ministério
(At 13:46, 16:37, 18:6, 18:12, 21:40, 23:1, 24:10ss, 25:8, 26:1ss, 28:17-20). Entre um tribunal e outro, Paulo
faz uso de seu título de cidadão romano para se livrar de coisa pior (At 16:37, 22:25, 25:11). Contudo, o
tribunal mostra a facilidade que o apóstolo tinha com a oratória e a produção teológica. Nos tribunais de sua
defesa, Paulo faz uso de seus conhecimentos com o objetivo de livrar-se até mesmo da morte. Um caso
muito interessante e até certo ponto cômico, acontece em Atos 23:6. Até o momento de sua palavra
perante o Sinédrio, os fariseus e saduceus estavam unidos. Quando Paulo fala que ele é julgado por causa da
esperança e da ressurreição dos mortos, a multidão se divide e há grande dissensão entre seus acusadores.
Isso mostra duas coisas: uma, que Paulo conhecia muito bem a doutrina de ambos, e duas, ele sabia que isso
despertaria uma batalha interna entre eles, esquecendo-se das acusações que pesavam sobre sua cabeça.
Prova disso é que muitos que estavam contra ele, como escribas e fariseus passam a defendê-lo (At 23:9).

3.2.7. A Estrada

Além de seus companheiros de ministério, Paulo tinha outra companhia: a estrada. Ela está presente
no início e durante boa parte do seu ministério. A estrada de Damasco é crucial em sua vida (At 9:3), pois
nela acontece seu encontro com o Senhor e a definição do que deveria fazer (At 22:10). O caráter de sua
missão é confirmada através da vida de Ananias, três dias depois do encontro na estrada: O Deus de nossos
pais, de antemão, te escolheu para conheceres a sua vontade, veres o Justo e ouvires uma voz da sua própria
boca, porque terás de ser sua testemunha diante de todos os homens, das coisas que tens visto e ouvido (At
22:14-15).

Durante suas viagens missionárias, fica claro que o apóstolo fazia uso das estradas para ir de uma
cidade à outra. Na primeira viagem, Paulo utiliza o mar para chegar a seu primeiro destino (At 13:4). Já na
segunda e terceira viagens ele utiliza o mar apenas para voltar para casa (At 15:41, 21:6, respectivamente).

Portanto, essas informações nos dizem que o apóstolo passava uma boa parte de seu tempo indo de
uma cidade para outra utilizando nas estradas. Deduzimos que faziam parte de seu ministério.

As estradas revelam um imaginário coletivo de Paulo e seus companheiros. Nas estradas acontecem
ensinamentos, estudos, orientações, orações, estratégias.

Conclusão

Onde a missão urbana deve ser realizada? O apóstolo dos gentios não plantou igrejas em todo lugar
que passou e se concentrou em evangelizar e treinar pessoas que seriam líderes das comunidades
emergentes.

Lendo-se Atos, tem-se a impressão de que Paulo era, quase que exclusivamente,
um pregador itinerante. Isso não está correto, vista do fato de que em alguns
lugares ele permaneceu por períodos mais longos (cerca de um ano em Corinto,
dois a três em éfeso). Por conseguinte, talvez seja mais apropriado dizer, [...], que
Paulo estava envolvido em Zentrumsmission, isto é, missão em certos centros
estratégicos. Ele freqüentemente diz que sua missão está dirigida a vários países e
áreas geográficas (Gl 1:17-21, Rm 15:19, 23, 26, 28, 2 Co 10:16). […]. Ele se
concentra nas capitais de distritos ou províncias, cada uma das quais representa
toda uma região : Filipos representa a Macedônia (Fp 4:15), Tessalônica, a
Macedônia e Acaia (1 Ts 1:7s), Corinto, a Acaia (1 Co 16:15, 2 Co 1:1), e Éfeso, a
Ásia (Rm 16:15, 1 Co 16:19, 2 Co 1:8). Essas metrópoles são os centros principais
em termos de comunicação, cultura, comércio, política e religião. Entretanto, dizer
que Paulo não pensava em termos de gentios como indivíduos e sim como nações
[…] é enganoso, na verdade, um anacronismo. Paulo pensa regionalmente, não
etnicamente; escolhe cidades que têm caráter representativo em cada uma delas,
ele coloca os fundamentos par uma comunidade cristã, claramente na esperança
de que, a partir desses centros estratégicos, o evangelho seja levado par as cidades
menores e o interior circunvizinho.31

Se Paulo vivesse nos nossos dias, certamente ele não escolheria uma cidade do interior para pregar e
nem gastaria tempo nas praças. Vejo Paulo pregando em cidades estratégicas, capitais e se dirigindo às
universidades, câmaras de vereadores, gabinetes de prefeitos e falando aos formadores de opinião a
respeito do Ressurreto.

Na verdade, Paulo se encontrou sabia circular muito bem, entre as classes baixa e alta. Notamos
isso evidente com o procônsul Sérgio Paulo (governador de todo o sul da atual Grécia) e Onésimo (um
escravo fugitivo evangelizado na prisão). Seus personagens-tipo, portanto, figuram entre pessoas de classe
alta e baixa, entre ricos e pobres. Suas retratos/paisagens urbanos também afirmam a posição de circular
bem no meio opulento e no meio desprovido.

CONCLUSÃO: COMO PAULO FAZIA MISSÃO URBANA?

A partir de Atos 13, quando acontece seu comissionamento pessoal e de Barnabé pela igreja de
Antioquia, Paulo realiza três viagens missionárias pregando em várias cidades importantes. O objetivo desse
tópico é analisar alguns princípios tocantes de suas estratégias de missão nas cidades. A estratégia
missionária de Paulo tinha como base a sua própria experiência de conversão e regeneração. Sua mensagem

31
D. BOSCH, pp. 167
era a de reconciliação com Deus por meio de Jesus Cristo. Suas pregações sempre tocavam no assunto de ser
uma nova criatura em Cristo.

As estratégias de Paulo ultrapassavam as paredes da igreja e iam de encontro a sociedade daquela


época: seus governos, instituições e religiões. Paulo penetrou no mundo romano altamente urbanizado com
estratégias em sua mente.

A primeira característica da missão de Paulo foi a pregação do Evangelho no poder do Espírito Santo.
Paulo estava disposto a levar o evangelho por onde quer que fosse em toda sua integridade, embora fosse
condenado e perseguido por isso. Em Éfeso, ele abre o coração para os presbíteros da igreja e revela as
perseguições provenientes de anunciar e ensinar o evangelho (At 20:17-38). Em Roma, quando estava preso
por causa da Nova Doutrina numa casa que alugara e esperando julgamento, não cessava de pregar e
ensinar (At 28:30-31).

Contudo, a base para Paulo fazer isso era o próprio Espírito Santo. O apóstolo estava cheio do
Espírito (At 13:9, 52; 19:2-6), e realizava toda obra no Seu poder. Foi o próprio Espírito que o vocacionou
para a tarefa missionária (At 13:2), o enviou (13:4), o capacitou (13:9), o sustentou (13:52). Deus, através de
seu Espírito, cuidava (At 20:23) e direcionava todo o ministério de Paulo, guiando-o a ponto de dizer onde
pregar ou não (At 16:6-7).

Paulo foi também um plantador de novas igrejas. Ele tinha a consciência de que a sociedade era o
local para a manifestação da graça de Deus e que a igreja era resposta de Deus para a cidade. Por isso, ele
via a plantação dessas igrejas como um importante ponto em sua estratégia missionária. De fato, era
necessário um lugar onde a fé fosse alimentada e plenamente vivenciada.

Contudo, Paulo não parou por aí. Além de fundar novas comunidades, ele não deseja abandoná-las.
Por isso ele trabalhava na formação de uma liderança que poderia substituí-lo quando fosse embora. Como
seu ministério era um constante movimento, ele achou melhor discipular pessoas escolhidas por ele mesmo
para serem os líderes dessas comunidades na sua ausência. À medida que Paulo pregava o evangelho e
discipulava novos líderes locais para a continuidade do trabalho, a comunidade local se fortalecia. Exemplos
assim são vistos com Priscila e Áquila, Timóteo, Silas, Barnabé e Tito, todos preparados por Paulo que
assumiram funções de dirigir diversas comunidades pela Ásia e Europa.

É de se notar que os seus discípulos seguiram os seus passos nessa formação de liderança. Priscila e
Áquila tomaram Apolo consigo e expuseram o caminho de Deus (At 18:23-26), que se tornou depois líder da
igreja de Corinto (1 Co 3:3-6).

O que Jorge H. Barro32 chama de flexibilidade missiológica, prefiro chamar de contextualização


missiológica, entendendo essa ser, numa situação de comunicação, características extralingüísticas que
determinam a produção lingüística, como, por exemplo, o grau de formalidade ou de intimidade entre os
falantes 33.

A estratégia missionária paulina era determinada pela necessidade e pelo contexto local que o
apóstolo se encontrava. Paulo precisava se contextualizar com seus três públicos-alvo: judaico, romano e
32
Jorge Henrique BARRO, Op. Cit.. p. 146
33
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. “Contexto”. In: Novo Dicionário Aurélio – Séc XXI. 3. ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1999.
grego. É interessante notar que enquanto estava na cidade, ele analisava o novo ambiente, procurando
descobrir elementos-chave que criariam pontes para a evangelização local. Podemos notar isso em
Antioquia da Pisídia, quando ele foi num sábado à sinagoga, pressupondo-se que já estava observando a
cidade há algum tempo (At 13:14); em Filipos, quando permaneceu alguns dias inserido no contexto local
antes de ir num sábado à sinagoga para pregar (At 16:12-13); em Atenas, enquanto esperava seus
companheiros, investigava toda a cidade e se revoltava com a idolatria, motivo que o impelia a pregar na
sinagoga e na praça (At 17:16). Depois essa investigação se tornou preciosa quando pregava no Aerópago (At
17:22-23).

Paulo estabelecia também um contato conveniente com as sinagogas das cidades onde passava.
Era conhecido pelo povo judeu por ser um provável ex-membro do Sinédrio e aluno do mestre Gamaliel, e
como a base do cristianismo é o judaísmo, Paulo utilizava desses recursos para pregar a Palavra de Deus nas
sinagogas dessas cidades, persuadindo judeus e constituindo assim um elo entre a antiga e a nova religião.

Paulo fixava essas pontes como uma forma de abrir as portas dos demais segmentos da sociedade
em que pregava, estabelecendo nas sinagogas contatos com os líderes religiosos locais e também com
pessoas de grande influência na sociedade que ele estava inserido.

Entretanto, Paulo não ficava somente nas sinagogas. Como seu desejo ardente era levar o evangelho
a todas as pessoas possíveis, ele se dirigia a grandes concentrações de pessoas para poder realizar sua obra.
As estratégias de Paulo ultrapassavam as paredes da sinagoga e iam de encontro à sociedade daquela época.

Paulo pregou a mensagem de conversão e regeneração baseadas em sua própria experiência nos
lugares onde via necessidade e onde era convidado. Em Antioquia da Pisídia, pregou primeiro na sinagoga
dois sábados seguidos e depois pregou fora dela para a multidão que afluía para ouvi-lo (At 13:14,44,49). Em
Icônio, entrou na sinagoga e pregou ali durante muito tempo (At 14:1,3). Em Listra e Derbe anunciavam o
evangelho, provavelmente nas ruas e nas casas daqueles que criam (At 14:6-8).

Já na segunda viagem missionária, quando chegam em Filipos, isso se confirma, e Paulo vai num
sábado a um lugar de oração perto de um rio, onde haviam mulheres (At 16:13). Em Tessalônica pregou por
três sábados na sinagoga (At 17:1-4). Em Beréia, pregou na sinagoga também (At 17:10). Já em Atenas, Paulo
prega primeiro no Aerópago (At 17: 18ss.). Em Corinto pregava na sinagoga todos os sábados (At 18:4).

Na terceira viagem missionária ele prega durante três meses na sinagoga de Éfeso (At 19:8).

Por último, entendemos que a retaguarda da igreja de Antioquia era uma estratégia missionária de
Paulo.

Antioquia da Síria é a mais importante cidade da história primitiva do cristianismo, depois de


Jerusalém. Nessa cidade foi estabelecida a primeira igreja gentílica (At 11:20-21), e foi ali também, que pela
primeira vez, se chamaram cristãos os discípulos de Jesus Cristo (At 11:26). A igreja foi fundada por cristãos
que tiveram que sair de Jerusalém após a morte de Estevão. Os apóstolos, vendo que o trabalho prosperava
naquele lugar, enviaram Barnabé para ajudá-los (At 11:22).

Paulo, depois da fuga cinematográfica de Damasco (At 9:25), é enviado para Jerusalém, Cesaréia de
depois para Tarso. Barnabé, um dos primeiros de Jerusalém a crer na conversão de Paulo, vai buscá-lo em
Tarso e leva-o para Antioquia para auxiliá-lo na tarefa de ensinar a igreja (At 11:25-26). Em Atos 13, há o
comissionamento dos dois pela igreja para obra missionária.

Depois da primeira e segunda viagens missionárias, Paulo retorna à igreja que o havia enviado pra
relatar tudo o que tinha feito no tempo que ficou fora (At 14:26-27; 18:22-23). Já na terceira viagem
missionária, Paulo é preso em Jerusalém, mas podemos entender que assim como aconteceu com as duas
primeiras, seu desejo era de relatar aos irmãos o que havia acontecido nessa viagem. Paulo considerava isso
importante estratégia em seu ministério.

Sua ligação com a igreja de Antioquia era grande. A sua “casa” oferecia apoio espiritual e moral (At
13:3). A questão financeira, muito embora não apareça explicita dessa forma, provavelmente existia, pois o
apóstolo viajava com o aval da referida comunidade.

1. Os Ritmos temporais da Pós-Modernidade

A pós-modernidade é um furacão que ainda estamos dentro e ninguém sabe direito o que ver
quando tudo está rodando. A sociedade pós-moderna caracteriza-se principalmente pelo consumismo em
suas mais variadas formas: social, econômico, político, espiritual, sexual etc.; pela relativização de valores, o
que torna toda questão relativa ao tempo, espaço e pessoa; e finalmente por um egocentrismo acelerado e
descomprometido com a sociedade que cerca o indivíduo.

Meu objetivo é destacar pontos chaves para a compreensão do contexto que estamos vivendo,
principalmente na América Latina e traçar um paralelo com o século I, quando Paulo desempenhou seu
ministério.

1.1. Perspectivas Religiosas

Nesse item compararemos a religião presente na sociedade grego-romana do primeiro século com a
nossa sociedade pós moderna.

Quando na modernidade seus precursores apareceram gritando que restava curta vida à religião, o
mundo se assustou. De fato, todos os segmentos religiosos, e principalmente o de vanguarda, no caso a
cristandade, se alertaram para o fato de que a religião nunca havia sido tão duramente atacada quanto no
pensamento moderno. Na modernidade a religião morreu.

No borbulhar de um novo pensamento, pensadores e críticos atinaram para o fato de que se na


modernidade a religião havia morrido, só restava na pós-modernidade cacos do que havia sido a religião.
Contudo o ardor religioso ressuscitou. E ganhou força. A religiosidade se tornou parte novamente da vida da
sociedade pós-moderna.
Há uma verdadeira explosão do que é religioso, e um pluralismo religioso notável
vem se impondo. Ao lado das igrejas cristãs proliferam os culto afro-caribenhos, o
espiritismo brasileiro, os cultos de origem asiática – como o Mahiraki, a religião
Bahai – e assim por diante. No umbral de um novo século, a religiosidade está
presente sob novas formas, mas explícitas como nunca antes. A persistência da
religião não se deu unicamente no ‘terceiro mundo’, com sua vasta cultura e
pobreza, mas nas sociedades avançadas onde a vida é racionalizada pelos
computadores e programadores. Como diz Gonzalez Carvajal: ‘O frio programador
de computador se faz místico nas horas livres.’ Já no Chile de Allende, até 1971,
tive que dialogar nas universidades com seguidores de Silo, figura messiânica que
atraía jovens na Argentina e no Chile. Hoje nas classes estudantis encontra-se uma
profusão de espíritas, macumbeiros, hare krishnas, e seguidores da “Nova
Acrópole”. 34

Principalmente na América Latina, nosso alvo de pesquisa, o protestantismo popular cresceu


bastante principalmente na última década do século passado. Houve uma explosão significativa no número
de evangélicos sobretudo no meio penteconstal e neo-pentecostal.

Contudo, mesmo com significativo crescimento a América Latina não foi impactada por mudanças
sociais como aconteceram em avivamentos passados. Aumentaram-se o fluxo de pessoas nas igrejas e
número no rol de membros, mas a realidade é que a sociedade ainda não sentiu esse impacto.

Como podemos notar o interesse pelo místico aumentou surpreendentemente. Existe uma nova
cara hoje na sociedade pós-moderna: a cara mística. A procura pelo sagrado hoje se tornou importante na
vida da pessoa pós-moderna. Não ter um deus para adorar ou mesmo para reverenciar é ser um elemento
estranho.

Até a juventude hoje despertou para essa busca pelo sagrado. Nas universidades a religiosidade
mostra sua cara num emaranhado de crenças e forte misticismo, misturado com asceticismo e ateísmo. É
comum ver hoje um jovem com uma fita do Senhor do Bomfim amarrada no braço ou um colar com a cara
de um santo. Não deixa de ser verdade também as reuniões de universitários evangélicos no intervalo das
aulas. Um jovem hoje não tem mais vergonha de demonstrar sua crença, algo que não acontecia na
modernidade.

1.1.1. Elementos de Comparação

Tanto na sociedade grego-romana do primeiro século como na pós-moderna do século XXI a religião
se faz presente com elementos muito semelhantes. As estruturas internas das duas sociedades mostram a
religiosidade presente em todos os aspectos da vida de seus membros. Contudo, nossa pesquisa e
comparações se limitarão à sociedade grego-romana e a latino-americana.

34
Daniel SALINAS & Samuel ESCOBAR, Pós-Modernidade: novos desafios à fé cristã, p. 74
Na estrutura das duas sociedades encontramos a busca pelo sagrado. Essa ânsia, que sempre
habitou no coração da raça humana, está presente hoje da mesma forma que no século I, com poucas
variáveis. A principal é que busca no passado era algo mecânico feito porque os descendentes faziam, ou
seja, a prática religiosa era familiar. Hoje em dia, a busca pelo sagrado é opcional e a religião da família tem
pouca ou nenhuma importância quando está em jogo o preenchimento do vazio metafísico da alma.

Outro elemento de destaque é pluralismo religioso das duas sociedades. Esse pluralismo se deve
principalmente pelo contato com culturas diversas. No primeiro século isso acontecia por meio de
relacionamentos interpessoais e necessidades específicas, ou seja, um indivíduo conhecia uma prática
religiosa porque se relacionava com alguém de uma crença diferente e as necessidades pessoais faziam essa
ponte. No século XXI o contato com diversas culturas e crenças diferentes se dá através da mídia. Rádio,
televisão e Internet fazem o papel divulgador da crença.

Outro fator de convergência nas duas sociedades está relacionado com o anterior: sincretismo
religioso. Como se tem muitas crenças o sincretismo é esperado. Elementos de culto, crença e valores
religiosos se misturam de uma forma muito rápida. É possível que uma pessoa participe de uma mesa branca
de espiritismo e freqüente uma igreja evangélica sem se incomodar com isso, associando elementos das
duas crenças de uma forma muito natural.

Ligado à anterior está o ecletismo, sistema filosófico que aproveita o que há de melhor em dois ou
mais sistemas35. Na sociedade do primeiro século essa era uma forma prática de tratar as divindades, que
podiam ser-lhes favoráveis. Um indivíduo pertencia a um rito, mas usava outro deus conforme precisasse.
Cada divindade tinha sua função específica e o devoto escolhia a melhor para sua necessidade e oferecia o
sacrifício requerido. No século XXI, não acontece da mesma forma, porque o que está em jogo não é o que a
divindade pode dar nem a divindade em si, mas o que a pessoa sente e necessita, procurando elementos em
cada crença que torne possível a sua bênção.

Encontramos também nas estruturas das duas sociedades o privilégio da liberdade de culto. Tanto
no império do século I como na América Latina do século XXI é possível a pessoa reverenciar sua divindade
sem problemas e com privilégios assegurados por lei. Vale ressaltar que essa é uma liberdade ritualística e
não liberdade de propaganda da crença. Tanto uma quanto a outra é permitida em quase toda a América
Latina.

Continuam ligados até hoje a religião e a política, talvez pelo fato que não dê para separar o
indivíduo que presta culto em um rito e exerce uma função pública. Atualmente está no papel a separação
entre religião e estado, mas na prática isso não acontece. E esse é o ponto de contato entre as sociedades
estudadas.

As duas funções da religião que vimos anteriormente, domesticadora e compensatória, continuam


presentes na sociedade do século XXI. Se naquela época a função domesticadora ganhou a relevância de
abafar motins e controlar os anseios do povo, vinte séculos depois essa função consegue manter a
identidade de um povo, tornando-o capaz de suportar situações de pressão individual e coletiva. O indivíduo
ligado a uma crença desenvolve-se melhor em termos pessoais, familiares e profissionais por causa dessa
válvula de escape chamada religião. A outra função compensatória mostra uma contra-imagem realidade

35
Francisco da SILVEIRA BUENO, “Ecletismo”. In: Minidicionário da Língua Portuguesa, p. 225
social. Isso se faz importante hoje, apresentando para o indivíduo que ele pode se dar bem aqui, agora ou no
futuro próximo, recebendo a recompensa pela sua fé.

1.2. Perspectivas Políticas e Econômicas

A América Latina está vivendo um momento de expansão. Dois fatores se aplicam nisso e
mostram essa realidade: países emergentes tomaram corpo no continente e a superação de regimes
militares se tornou-se notório a partir do final do século anterior.

Na América Latina de hoje não se engole mais passivamente a política exclusivista norte-americana
e européia. Ganhou peso na mídia internacional a luta entre Brasil e Estados Unidos na arena da
Organização Mundial do Comércio, quando o primeiro se sentiu prejudicado com a questão dos subsídios
americanos a uma determinada empresa canadense.

Os regimes militares ditatoriais latino-americanos, que foram maioria no do século passado


perderam sua força através de ações organizadas da sociedade civil e ruíram diante da crise que provocaram
em suas nações. Contudo, novas ameaças à democracia tem surgido hoje na América Latina denotados pela
ambigüidade da política exercida pelos governantes eleitos, muitas vezes envolvidos em casos de corrupção.
São os resquícios de muitos anos debaixo da repressão do regime militar.

A década de 1980 deu lugar a uma grande explosão de pobrezas e desigualdades na América Latina
e também o mundo capitalista impulsionou a implementação progressiva de um modelo de economia
capitalista de livre mercado. A política econômica despejada pelo G7 36 na década de 80 é desmascarada
pela exclusão social que agora se revela.

A política latino-americana deva passar por ajustes estruturais urgentes. O Banco Mundial
reconheceu que a década de 80 foi catastrófica para a América latina. Em termos de aumento e intensidade
de pobreza é a região mais afetada do mundo, junto com a África subsahariana.

A CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe, ONU) sustenta que os
anos 80 foram ‘a década perdida’ para a área. Na realidade, se tratou da década do
ajuste. E os chamados ajustes estruturais foram (e são) a política econômica que
veicula e direciona a prática ao paradigma neoliberal. O que significa ‘ajuste
estrutural’ ou ‘neoliberalismo’ nos atos? Qual é a proposta mais importante e
permanente? Se trata de uma estratégia que aponta o endereço de mercados
abertos (como a melhor maneira de organizar eficazmente a produção e
distribuição de bens e serviços) e o desenho de economias orientadas para o
exterior (a exportação ao mercado mundial) o que assinala o crescimento da
produtividade (como motor do crescimento) – e que implica uma objeção central
ao papel do Estado como regulador da economia. Por isso os ‘ajustes’ não se
limitam a uma busca de estabilidade macroeconômica (por exemplo, redução da

36
Bloco que congrega desde 1975 os sete países mais industrializados do planeta: Alemanha, Canadá, Estados Unidos,
França, Grã-Bretanha, Itália, Japão.
inflação, controle do déficit fiscal), mas, além disso, suponham reformas
‘estruturais’. 37

A política latino-americana está mais ligada à economia do que qualquer outro fator. Não há como
dissociar um do outro. Na realidade no mundo globalizado e pós-moderno não existe possibilidade de
desvencilhar a economia da política.

A economia forte torna-se instrumento da ação de política em benefícios sociais. Pelo menos
deveria ser assim. Entretanto, “o poder econômico, organizado em empresas mais poderosas que muitos
Estados nacionais, esvazia o poder político nacional ou o instrumentaliza em favor do interesse de poucos”.38
O fator econômico pesa porque fascina os políticos e os corrompe, levando o povo à descrença na estrutura
governamental. Para o povo, não existe diferença entre executivo, legislativo e judiciário: estão
corrompidos.

A população latino-americana, às voltas com notícias de corrupção e maus tratos aos seus,
manifesta seu desagravo principalmente nas eleições. A bem da verdade, a democracia tem passado longe
dos corredores políticos dos palácios governamentais. A democracia Não sou partidário dessa idéia, mas não
vejo a questão da venda de votos numa eleição como troca de favores, mas como uma pública manifestação
de desagravo da população com o que acontece dentro das paredes do governo.

A sociedade civil cansou-se de esperar ações de seus governantes e começou a procurar soluções
para seus problemas. Uma das respostas da sociedade à isso são as ONGs (organizações não
governamentais) sem fins lucrativos, que desempenham um papel de auxílio à sociedade.

É interessante notar que:

Na maioria dos Países americanos aumentou a concentração da renda, que já era


grande, e surgiu uma ‘nova pobreza’. À origem desses fatos está também a
mentalidade economicista predominante, que coloca acima de tudo o mercado,
açulado pela maximização dos lucros. (...) As nações mais poderosas não hesitam
em recorrer - contra suas próprias doutrinas ditas "neoliberais" - ao protecionismo
e ao boicote econômico, para subjugar as nações menos poderosas. (...) As
desigualdades entre os Países estimulam a migração de mão-de-obra, em
condições precárias, em busca de sobrevivência ou emprego. As desigualdades
internacionais reforçam as desigualdades internas, que também são gritantes e
talvez mais graves e prejudiciais à maioria da população. O Continente mais rico do
mundo ainda não consegue nutrir dignamente todos os seus filhos e crianças
pequenas e desnutridas já lutam para ganhar o pão de cada dia, em trabalhos

37
Ana María EZCURRA, “ Liberalismo y exclusión social en A.L.” http://www.sjsocial.org/relat/96.htm
38
Alberto ANTONIAZZI, “As mudanças na sociedade como desafios pastorais”.
http://www.cnbb.org.br/estudos/sinamjo3.html
pesados e mal remunerados, sem receber a educação e a assistência médica que
são direitos fundamentais de toda pessoa humana. 39

Esses são alguns aspectos da política e da economia latino-americana. Um enfoque preciso nessas
áreas se tornam ferramentas para a realização da missão urbana na América Latina.

1.2.1. Elementos de comparação

Da mesma forma que o governante romano não morava em Jerusalém para evitar os problemas com
os judeus, os governantes atuais praticam também a exclusão social. De modo geral essa atitude exclusivista
está presente em toda a América Latina, denotando o caráter dos governantes. Outro tipo de
exclusão é a econômica. Há pouco tempo foi criado no Brasil uma linha de crédito para pessoas de baixa
renda. Analistas do Banco Central acharam perigoso esse tipo de crédito, pois criam que as pessoas de baixa
renda não teriam condições de honrar seus compromissos. Contudo, quem até hoje mais deu prejuízo ao
país? Foram as pessoas de baixa renda ou políticos fascinados pelo dinheiro público?

Na estrutura político-econômica das sociedades grego-romana e pós-moderna estão presentes


também as trocas de interesses e favores entre os governantes: o chamado tráfico de influência.

Uma dessas são as excessivas cargas de impostos e os cobradores desonestos. Na sociedade grego-
romana, o publicano recolhia o imposto exigido e mais uma querela pra ele. Hoje o fisco recolhe através da
máquina administrativa e quem opera a máquina fica com um pouquinho também. E assim como todo o
imposto arrecadado pelo império romano ia para o fiscus e que fim levava ninguém sabia, assim também é
hoje.

Mais uma questão de comparação são os desempregados. No término da construção do Templo de


Jerusalém dezoito mil homens ficaram desempregados. Os sem-emprego eram muitos na época de Paulo, e
se viravam como podiam. Uns dedicavam-se ao trabalho no campo, outros se tornavam escravos por causa
de dívidas, tendo que vender a família e a si mesmos para saldá-las; outros mendigavam... Em pleno século
XXI um dos mais graves problemas sociais da América Latina é o desemprego. Em todos os países que fazem
parte desse continente, encontramos no desemprego uma das causas sociais de maior agravamento.

Uma questão é a educação. Nas duas sociedades, mesmo com vinte séculos de diferença, podemos
perceber o mesmo princípio: educação só para a elite. Muito embora hoje em dia haja uma popularização da
educação em toda a América Latina, continuamos com um percentual muito baixo de pessoas que podem
freqüentar um ensino superior. No Brasil a porcentagem de jovens que freqüenta uma universidade é de 9%.
Isso é alarmante: 91% dos jovens da sociedade brasileira não tem acesso a uma educação de nível superior.

39
Alberto ANTONIAZZI, As mudanças na sociedade como desafios pastorais,
http://www.cnbb.org.br/estudos/sinamjo3.html
Entretanto, a questão não são vagas nas universidades, pois somando as particulares e públicas
existem mais de cinqüenta mil disponíveis. A questão é econômica.

Na concepção das duas sociedades existe mais dois fatores importante e ligados: a má distribuição
da renda e as classes sociais. Tanto na América Latina quanto no império romano, a distribuição da renda é
muito mal feita. Não existe um plano para equiparar as rendas. O principal fator, entretanto não é uma
política justa ou falta de vontade de realizá-la, mas novamente a economia.

A pirâmide social continua a mesma: uma grande base que abriga um contingente imenso de
desempregados, trabalhadores em condições sub-humanas (os escravos da pós-modernidade), pobres,
mendigos etc. Um pouco acima encontra-se o pessoal que não cai porque tem um emprego fixo e não sobe
porque é impossível com um salário daqueles. São estacionários e cada vez mais achatados, são os que mais
pagam impostos e taxas. No topo, encontram-se os famosos 5% que são a aristocracia pós-moderna, que
continua monopolizando o resto da sociedade e o governo.

1.3 Perspectivas Culturais

Quando falamos sobre cultura, falamos sobre o indivíduo. A pessoa só cria identidade dentro da
sua cultura. Não existe um ser a-cultural. Todos os seres humanos são o que são porque são culturais.
Dentro de cada nação, porém pode existir muitas culturas locais.

As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre ‘a nação’, sentidos com os quais


podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas
estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente
com seu passado e imagens que dela são construídas. 40

Procurar caracterizar a cultura é o mesmo que caracterizar o indivíduo. O ser humano pós-moderno
quebra com todos seus laços de cultura e tradição, sujeitando-se ao consumismo desenfreado. O sujeito da
pós-modernidade não tem referências do seu passado e busca a construção do seu futuro, mesmo que ele
seja uma utopia. Contudo, ele busca nas origens de suas tradições os passos que indicarão seu futuro.

O sujeito pós-moderno, conceptualizado não tem uma identidade fixa, essencial ou


permanente. A identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e
transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos
representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam.41

40
Stuart HALL, A identidade cultural na pós-modernidade, p.51
41
Ibid, p. 12
O principal fato que torna isso possível é a mescla de culturas que estão presentes principalmente
nas grandes cidades. Essa miscigenação teve origem com dois elementos fundamentais: a escravidão e a
imigração.

A escravidão trouxe pessoas oriundas principalmente da África. A opressão religiosa católico-


romana feita principalmente no Brasil pelos senhores de engenho aflorou nos escravos a necessidade de
camuflar seus deuses africanos atrás das imagens dos santos romanos. Nossa Senhora da Conceição se
tornou Oxum, Deus se tornou Oxalá, Santa Bárbara, Iansã e Nossa Senhora Aparecida, Iemanjá. É importante
notar que muitos outras entidades mudam de nome conforme a região, por exemplo: Ogum é São Sebastião
na Bahia e São Jorge e outros lugares.

Como na sociedade africana a cultura estava intimamente ligada à religião esse sincretismo não
deu-se somente nos elementos religiosos, mas deflagrou também nos elementos culturais.

A imigração é outra causa dessa miscigenação. Os povos oriundos de várias partes do mundo
trouxeram em sua bagagem elementos culturais diversos, mesclados também com seus ingredientes
religiosos. Muitos desses estabeleceram-se em lugares já determinados por suas necessidades de trabalho.
Por exemplo: italianos foram trabalhar nas lavouras de café no norte do Paraná, alemães foram para Santa
Catarina e Rio Grande do Sul, enquanto a cidade de São Paulo recebeu orientais formando a maior colônia
japonesa do mundo no bairro da Liberdade.

Portanto não há como falar de missão urbana sem se analisar o contexto para que isso seja feito,
sendo que esse contexto já vem recheado de elementos culturais e religiosos que devem ser levados em
conta.

4. Como realizar missão urbana no nosso contexto?

Por que será que a pregação atual não tem sido tão eficaz quanto nos dias da igreja primitiva? Sei
que existem várias respostas para essa pergunta, mas quero me deter na pregação, pois, como invocarão
aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram? e como ouvirão, se não há
quem pregue? (Rm 10:14).

Sem o poder do Espírito Santo é impossível sermos eficazes na pregação do Evangelho. Sem o
Espírito, o que falamos se torna ensaio moral, discurso político, desabafo de frustrações emocionais,
parlatório.

O Espírito é aquele que nutre, que dá vida à mensagem. Através do Espírito é que ela pode e
consegue transformar corações de pedra em corações de carne (Ez 36:26).

Na realidade, essa primeira estratégia missionária de Paulo, se podemos chamar assim, era fruto de
um íntimo relacionamento com Deus, demonstrado em sua vida, na sobriedade de suas cartas, na seriedade
de seu ministério e na autoridade que ele possuía. Paulo procurava sempre estar no centro da vontade de
Deus, revelada a ele através do Espírito Santo.
Precisamos ver os dois fatos lado a lado: Escrituras e poder de Deus. Quanto às Escrituras, somos
tendentes a substituí-la por qualquer outra sabedoria, pelas tradições. Mas, não podemos substituir a
palavra de Deus por nada. O poder da Palavra de Cristo deve nos dominar, sendo articulada pelo Espírito
Santo. O próprio Senhor Jesus a usou para validar sua autoridade de Filho de Deus (Lc 4:17-19). Quanto ao
poder de Deus nós o conhecemos nas pequenas e nas grandes coisas: na criação, na salvação, na vida. Deus
é poder. Em várias ocasiões da história, o ser humano quis mostrar que tinha mais poder que Deus: no Éden,
na Torre de Babel, no Titanic, no Zeppelin. Somos sustentados diariamente pelo poder de Deus. Conhecer as
Escrituras sem o poder de Deus nos torna doutores da lei. Conhecer o poder de Deus sem as Escrituras faze-
nos cristãos superficiais. Para pregarmos eficazmente o evangelho na atualidade é necessário haver este
equilíbrio: Escrituras e poder de Deus.

Paulo tinha consciência da importância dos neo-conversos estarem em lugares específicos para
comungarem sua fé. Por isso, os organizava em igrejas, em comunidades locais. O propósito de Paulo era
promover os meios pelos quais eles fossem edificados, instruídos, celebrassem a Ceia, cultuassem a Deus e se
envolvessem no próprio projeto de expansão do cristianismo. 42

Atualmente, a evangelização também é feita, mas é possível que o princípio de Paulo não seja
repetido. Não existe com tanto afinco a idéia de plantar novas igrejas. Corre um estranho pensamento que
uma igreja nova só é plantada com pesados subsídios e de líderes de igrejas maiores. Por isso, ao invés de
sair plantando igrejas novas em todo canto da cidade, é melhor investir nas reuniões nos lares, ou células.
Não há o pesado investimento como haveria no caso de plantar uma nova igreja; não precisa dos líderes, é
só treinar os crentes; o suposto problema da falta de comunhão entre os membros é resolvido.

Mas só quem viveu nos dois lados sabe que existe muita diferença entre uma igreja grande com
células e uma igreja pequena. Meu objetivo não é criticar o movimento de igrejas em células nem o
crescimento das igrejas. Creio que a primeira é uma boa idéia e a segunda é resultado da obediência ao
mandamento de Cristo.

O fato é que precisamos pensar em plantar novas igrejas como uma importante estratégia
missionária. Precisamos perder o medo de desmembrar grandes igrejas em pequenas comunidades onde é
possível viver com mais afinco a comunhão e o aprendizado da Palavra.

Uma das estratégias missionárias de Paulo era investir na formação de novas lideranças. Nas igrejas
que fundou Paulo procurou deixar uma liderança bem estruturada – presbíteros – a quem encarregava do
rebanho (At 14:21-23), e depois de algum tempo voltava para supervisioná-los (At 15:36; 16:4-5; 18:23). 43

Nas estratégias missionárias modernas isso tem sido praticado com resultados muito positivos.
Entendeu-se que é melhor investir na formação de novos líderes locais do que sustentar por anos um
missionário na mesma função. O que precisa, contudo, é olhar altruistamente essa nova liderança e
empreender mais em sua formação. De fato, não adianta somente suscitar a liderança, é preciso que ela seja
bem formada.

Paulo pensava nesse investimento na liderança, e por isso mesmo levava consigo, num discipulado
diário pessoas que seriam os líderes da igreja num futuro próximo. Uma das importantes estratégias

42
Augustus Nicodemus LOPES. Op. Cit. p.16
43
Augustus Nicodemus LOPES. Op. Cit. p.16
missionárias é investir na liderança, para que ela seja cada vez melhor preparada para propagar o Reino de
Deus na terra.

Em 1974, durante o Congresso sobre a Evangelização Mundial, ocorrido em Lausanne, Renné


Padilha foi duramente criticado

porque disse que o evangelho que alguns missionários europeus e norte-


americanos exportaram foi um “cristianismo cultural”, uma mensagem cristã
distorcida pela cultura materialista e consumista do Ocidente. Foi doloroso ouvi-lo
dizer isto, mas naturalmente ele estava totalmente certo. Todos nós precisamos
sujeitar o nosso evangelho a um escrutínio mais crítico e, numa situação
transcultural, evangelistas visitantes precisam humildemente buscar ajuda dos
cristãos locais para discernir as distorções culturais de sua mensagem. 44

Naturalmente, o apóstolo Paulo fazia isso. Ele tinha em mente quem seriam os receptores de sua
mensagem e sabia quais eram seus costumes culturais, e adaptou a linguagem do evangelho às necessidades
do povo a quem ele se dirigia.

Hoje em dia fica difícil falar de cultura de um país. Existem costumes que são comuns a todos os
habitantes de uma nação, mas a maioria deles pertence a uma outra subcultura, com suas características,
linguagem, usos e costumes próprios. Dentro de nosso país, por exemplo, as características culturais, os
fonemas, roupas, costumes mudam em 500 quilômetros. É necessário, portanto, haver uma
contextualização, ou seja, entender os principais aspectos de uma cultura que queremos alcançar e adaptar-
nos a ela, procurando levar assim a mensagem do evangelho.

O apóstolo dos gentios tinha a igreja de Antioquia como o seu suporte durante suas viagens
missionárias. Onde quer que Paulo fosse ele tinha o aval da igreja e com certeza suas orações. Quando Paulo
retornava para a igreja trazendo seu relatório da viagem, era ouvido com muita expectativa e isso alegrava
os irmãos de Antioquia (At 14:26-27; 18:22-23).

Mas existe outra irresponsabilidade ou loucura injustificável e pecaminosa que


nossas igrejas têm praticado. Enviam o missionário com a bênção da igreja, que se
orgulha em divulgar que sustenta “X” missionários. Mas, de repente, surge um
projeto de construção ou outra necessidade urgente que demanda toda a atenção.
Ora, o missionário é pessoa de fé. Deus cuida dele — e a igreja abandona seus
missionários no campo. Será que o pastor também não é homem de fé? Por que,
então, tal atitude inconseqüente? O missionário enfrenta dificuldades, às vezes
problemas de saúde, falta de recursos básicos, falta de explicações e comunicação,
dívidas. Como resultado, surge uma profunda crise. Às vezes trata-se de uma
pessoa que se adaptou bem ao campo, progrediu no estudo da língua nacional,
relacionou-se bem com os nacionais e acaba sendo derrotada por esse abandono!
Gostamos de falar em guerra espiritual, mas abandonamos nossa tropa de elite,

44
John R.W. STOTT. A Bíblia na evangelização do mundo. IN: WINTER, Ralph D. (org). Missões Transculturais: uma
perspectiva bíblica. São Paulo: Mundo Cristão, 1992. p.6
nossos comandos no campo de batalha, sem orientação, sem recursos, às vezes
feridos, sem qualquer cuidado! Nenhum exército humano faria isso. Outra
manifestação dessa inconsistência acontece no momento em que o missionário
põe os pés de volta no Brasil: Voltou do campo? Deixou de ser missionário. Acabou
o sustento! — um tremendo contraste com empresas e governos, que enviam
funcionários para servir em outras culturas ou situações de risco, e sempre
oferecem uma série de compensações. Mas, no caso dos nossos missionários, se o
sustento não acaba por completo, geralmente diminui consideravelmente, afinal
“o missionário é uma pessoa simples, chamada para sofrer”...
(...) Uma igreja com coração missionário recebe bem seu missionário que vem de
férias e o ajuda a conseguir moradia, cuidados de saúde, apoio pastoral, um lugar
para descansar. Muitas igrejas ainda não têm essa visão. Assim, muitos
missionários voltam ainda mais arrebentados para o campo. 45

É preciso, portanto que haja da igreja que envia seus missionários quer sejam num outro país ou
outra cultura, um apoio moral, financeiro, espiritual adequado para que os que são enviados possam ser
firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor (1 Co 15:58).

Bibliografia

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DANIEL –ROPS, Henri. A vida diária nos tempos de Jesus. São Paulo: Vida Nova, 1991.

45
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