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Educação Patrimonial Expandida
Autoria
Camila Azevedo de Moraes Wichers
camora21@yahoo.com.br
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Introdução
A configuração da Arqueologia como disciplina científica se deu no século XIX, no
bojo da construção das identidades nacionais europeias, fortemente imbricada com
colonialismos e imperialismos. Em uma perspectiva histórica, os vestígios materiais,
denominados como arqueológicos pela disciplina, compõem um processo bem mais
longo, estando associados ao colecionismo, aos gabinetes de curiosidades e à própria
gênese dos museus.
Cristina Bruno (2005) tem utilizado o conceito de Memórias Exiladas para compreender
a inserção dos vestígios arqueológicos na história social brasileira. Ao examinar o que a
autora denomina como “estratigrafia do abandono”, observei que quando considerados
na construção de uma identidade nacional, os vestígios arqueológicos são associados à
discursos que promovem a ‘antiguidade do Homem nas Américas’ – com a ênfase em
um masculino neutro, à existência de ‘sociedades complexas’ na Amazônia ou à
‘criação artística’ das sociedades ameríndias (MORAES WICHERS, 2010). A busca
por evidências que comprovem a existência de sociedades mais próximas a um ideal
moderno de civilização – masculino, branco e europeu - é marcadamente androcêntrica.
Dessa feita, se as narrativas arqueológicas ocupam um espaço marginal em nossa
história social, as representações das mulheres e das minorias têm sido ainda mais
exiladas e silenciadas.
Para Stuart Hall (2016), as representações são atos criativos que atuam na construção
social da realidade, cujos significados não podem ser fixados. As representações estão
relacionadas ao que as pessoas pensam sobre o mundo e sobre o que ‘são’ nesse mundo,
guardando uma dimensão política. Assim, “não ter voz ou não se ver representado pode
significar nada menos que opressão existencial” (ITUASSU, 2016, p.13). Quando
pesquisas arqueológicas e instituições museológicas constroem narrativas impregnadas
de silenciamentos e de estereótipos das mulheres e outras minorias, acabam sujeitando-
as a uma violência epistêmica.
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Faz-se necessário retroceder um pouco para traçarmos alguns pontos da trajetória dos
feminismos, os quais resultaram em críticas às interpretações sexistas da disciplina
arqueológica.
Ainda que conte com antecedentes que chegam a cinco séculos, a chamada primeira
onda do movimento feminista pode ser situada no século XVIII, caracterizada por
demandas de igualdade, emancipação e luta pelo direito ao voto. Essa onda feminista
não teve repercussão direta na produção arqueológica, mas algumas de suas premissas e,
inclusive, posturas colonialistas fazem eco na produção arqueológica contemporânea.
Segundo Azadeh Kian (2010), obras como a de Mary Wollstonecraft, “Reivindicação
dos direitos da mulher”
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Esses trabalhos ainda que não utilizassem o termo gênero, partiam da ideia de um “sexo
social” que influenciaria o feminismo de "segunda onda" — aquela que se inicia no
final da década de 1960. Além das preocupações sociais e políticas, o feminismo irá se
voltar para as construções propriamente teóricas. No âmbito do debate que a partir de
então se trava, entre estudiosas e militantes de um lado e seus críticos de outro, será
engendrado e problematizado o conceito de gênero. Destaca-se o texto de Gayle Rubin
“Tráfico de mulheres: notas sobre a ‘economia política’ do sexo” (RUBIN, 1975/ 1993),
texto seminal onde a autora propõe que a divisão entre os sexos e a subordinação das
mulheres são resultantes do sistema de sexo/ gênero.
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Para exemplificar a invisibilidade das mulheres nas narrativas textuais produzidas pela
Arqueologia, selecionei a questão da produção dos artefatos cerâmicos nas sociedades
indígenas associadas ao território que chamamos de Brasil
“as técnicas cerâmicas e os diferentes tipos de decoração aplicados a estas devem ser
vistos mais como um discurso ‘técnico’ das mulheres – muitas vezes alijadas dos
discursos sociais dominantes – dirigido ao seu próprio grupo ou como uma negociação
doméstica de poder entre homens e mulheres do que indícios de grupos locais distintos”
(FERNANDES, 1997, p.42)
“As mulheres são mostradas como criaturas frágeis, dóceis, fiéis e românticas, que
passam a maior parte das suas vidas dentro do lar (sejam cavernas, palácios ou casas).
Geralmente, as mulheres são caracterizadas pelas obrigações domésticas, criação dos
filhos e satisfação dos seus maridos. Enquanto isso, os homens - fortes, ativos e
pragmáticos - aparecem ocupados com a subsistência do grupo, desenvolvendo diversas
atividades fora do lar” (ZARANKIN; SALERNO, 2010, p.119)
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insere-se nesse conjunto imagético. Nele o homem sai para a caçar depois de uma
discussão com a mulher. Aqui é a mulher que aparece como violenta, desequilibrada e
fora de controle. Enquanto a mulher fica na caverna, o homem sai para caçar, sem obter
êxito. Ao voltar para a caverna, encontra um animal pré-histórico ameaçando a mulher,
livrando-se do mesmo ao desferir um golpe em sua cabeça com uma pedra. Essa pedra
ao se romper revela um diamante em seu interior. Ao presentear a mulher com esse
diamante, o homem ganha sua aprovação. Nessa história o estereótipo da mulher
interessada nos bens a ser obtidos do parceiro é reiterado.
Figura 01: HQ
“Uma Pré-História do Amor”.
Fonte: http://www.cartunista.com.br
Nos museus, as exposições são veículos onde narrativas sexistas construídas a partir dos
vestígios arqueológicos são destacadas (PINTO, 2012). A inserção dos objetos
arqueológicos nos museus compõe um aparato ideológico que reforça a matriz
heterossexual, onde significados dicotômicos e essencialistas em pares de oposições têm
sido reforçados.
Nas exposições, a reconstrução da vida dos primeiros hominídeos, o “Man-the-Hunter
Model” seria o caso mais óbvio de androcentrismo, onde o homem seria responsável
pelas atividades mais importantes (caça e segurança do grupo) e a mulher estaria fadada
a atividades secundárias (gravidez e ao cuidado com as crianças). Dessa forma, machos
são fortes, ativos, agressivos e dominantes, enquanto fêmeas são apresentadas como
fracas, passivas e dependentes (CONKEY & SPECTOR, 1984, p.04).
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Figura 04:Aspecto da vitrine onde está exposto o esqueleto humano denominado de
“Homem do Rio das Almas” na exposição de longa-duração Lavras e Louvores no
Museu Antropológico e detalhe do painel da exposição temporária "Costela -
Notiomastodon platensis: um proboscídeo no Museu Antropológico/UFG”. Fonte:
imagens da autora
Em setembro de 2016, uma mostra temporária, elaborada por uma equipe de geólogos e
paleontólogos, intitulada "Costela - Notiomastodon platensis: um proboscídeo no
Museu Antropológico/UFG”, foi inaugurada no mesmo museu. A mostra em questão
reitera um discurso de inviabilização das mulheres ao inserir apenas homens em uma
cena que ilustra a retirada da costela de um proboscídeo, há 12 mil anos (Figura 05).
Cabe destacar as barreiras ainda existentes para as discussões aqui propostas, tendo em
vista a inserção dessa representação em um museu que tem incorporado recentemente à
crítica aos estereótipos de gênero, sobretudo, a partir do diálogo com pesquisas do
campo da Antropologia e da Museologia.
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Considerações Finais
As representações de gênero presentes nos trabalhos acadêmicos da Arqueologia, na
mídia em geral e nos museus são pautadas por invisibilidades ou por discursos que
reforçam estereótipos de gênero, estabelecendo características masculinas e femininas.
Nesse sentido, a construção do passado a partir dos vestígios arqueológicos está
marcada por um presentismo, onde ideais da sociedade moderna e ocidental são
postulados para as sociedades do passado, revelando o caráter colonizador das
interpretações arqueológicas.
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