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Wanju Duli
2013
Para os membros da Fagenar Vibri do 1º semestre de 2012
Sumário
Capítulo 7: Guerra__________________________________________203
Fábula da Pompa
Fábula da Eloquência______________________________________566
Fábula da Farsa
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Wanju Duli
Voltei a mim. Era a primeira vez que eu via Bilubelei elevar a voz. Então até
ela era capaz disso num momento de desespero.
Bilu era séria e reservada. Sua calma era invejável. Ela e seus livros, suas
cartas e seus animais.
Quando os animais também escaparam, seu coração conheceu o desespero.
– Não podem ser eles. Bilu... simplesmente não pode. Você sabe que não.
– Mova seus pés. Não há mais tempo. Precisamos correr para os abrigos.
– Se forem realmente eles, abrigos serão inúteis. Mas os destruidores não
existem. Então, por que correr?
– Nhanha, você está suando e tremendo de terror. Sabe muito bem quem
está vindo.
Eu nunca tinha sentido um ar pesado como aquele antes. E a terra
chachoalhava junto com minhas entranhas.
Desequilibrei–me e caí de joelhos no chão.
– Ficarei.
– Não seja louca. Não se mate. Não conhecemos a magia. Deixe os adultos
lutarem.
– Não há o que lutar! Vão esticar tanto nossas almas que elas se partirão ao
meio.
Éramos apenas crianças, então para nós tudo era brinquedo. Aquela guerra
não parecia real. No passado mascávamos nossas almas. Colocávamos na boca
ou soprávamos tudo aquilo como bolhas de sabão. Uma gelatina, um joguinho
tolo.
Mas aquilo era mortalmente sério. Tocar nossa alma era a única maneira de
nos destruir. E os destruidores conheciam muito bem esse segredo. Podiam nos
partir ao meio como palitos de dentes.
Eu tapei a boca com a mão e rezei. Era assim que rezávamos, pois era pela
boca que poderia escapar a alma.
– Nhanha, o príncipe! Precisamos protegê–lo...!
Senti um aperto terrível no coração. De repente, todas as formalidades
inúteis de nossa educação estavam desabando sobre minha cabeça.
Sempre prestando honras ao rei e bajulando o príncipe. Na verdade o
príncipe era um mimado metido. Eu o conhecia. Digamos que era um amigo,
embora não pegasse bem que ele brincasse junto com a plebe.
Eu não gostava dele. Mas se os destruidores realmente viessem, iriam
diretamente para o palácio. Matariam a família real em primeiro lugar, para
tomar o poder.
“Só pode ser uma mentira”.
Eu, uma maga fraca, protegendo o príncipe. Nós crianças mal conhecíamos
os princípios da magia. Era bobagem acreditar que poderíamos de fato proteger
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Fábula dos Gênios
alguém. Os destruidores não usariam força bruta para atacar. Bastava tirar a
alma do nosso corpo e se livrar dos cadáveres. Nem precisavam encostar em
nós.
Nossas almas eram chicletes. E nossos corpos papéis descartáveis que as
cobriam.
– Onde está Varra?
– Deve estar na Casa dos Gênios. Venha logo!
Bilubelei puxou–me pela mão e arrastou–me com ela. A Casa dos Gênios
era nosso templo central, no qual realizávamos oferendas aos nossos gênios
guardiões.
Cada habitante de nosso mundo possuía um gênio desde que nascia. Ele
ficava dentro de nosso corpo, enrolado na nossa alma. Alimentava–se dela. Por
isso tantos de nós mascávamos chicletes, para recuperar as energias. Havia
chicletes de muitas cores e sabores, mas não podíamos alimentar os gênios
diretamente com eles. Nós os mascávamos ou dávamos de oferenda nos
templos.
Aquele era um alimento caro, pois era reservatório de força mágica. Além do
mais, a magia com gênios era nossa maior fonte de poder. Não podíamos usá–la
levianamente.
– Achei Nhanha.
– Ainda bem. Você é tola. Quer morrer?
– Eu estava com medo.
Eu não gostava de Varra, pois ela era muito rigorosa e preocupada. Ela
também odiava o príncipe, mas por alguma razão naquele instante estávamos
prontas a morrer por ele. Porque era nosso dever. A razão de nossas vidas. E
ninguém questionava isso.
– A salvação de nosso país é mais importante que o peso de nossas vidas.
Eu defenderei o rei. Não me importa que eu seja criança. Não quero esperar os
adultos perecerem enquanto me escondo covardemente.
– Espero que o príncipe não faça nada estúpido como tentar atacar os
destruidores. Se ele se matar dessa forma, nossos esforços serão inúteis.
– A família real recebe educação mágica de primeira linha. Se alguma criança
nesse país sabe se proteger sozinha, essa criança é o príncipe.
Bilubelei e Varra não me fitaram com bons olhos.
– Está questionando seu dever? Essa é a única coisa que importa para nós.
Tudo que nos resta. O que pode nos unir.
– Não estou questionando. Mas não quero morrer.
– Ninguém quer morrer, Nhanha.
– Os destruidores desejam. Eles têm sede de sangue, morte, gênios e chiclete.
– Eles triunfarão, mas irão pagar.
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Wanju Duli
Não havia a mínima esperança de vitória. Iríamos apenas morrer com honra.
– Podemos fugir.
Aquelas duas me fitavam com cada vez mais desagrado.
– Devia se envergonhar de suas palavras.
– Vi alguns adultos correndo. O terror os dominou, enlouqueceram.
– Não haverá desertores. Os destruidores os perseguirão até os confins
dessa terra.
Resolvi me calar. As duas garotas me odiavam. Viam o medo em mim e não
gostavam daquilo.
Eu não era forte como elas. Não conseguiria me mexer quando os
destruidores chegassem.
– Essa Casa de Gênios é segura?
– De que está falando? É nossa Casa mais forte.
– Vocês planejam usar seus gênios...?
Ninguém queria responder aquilo. A pergunta mais poderosa.
Ver o gênio de outra pessoa era expressamente proibido. Dentro dele
guardávamos todos os nosso segredos. Nosso gênio conhecia em profundidade
nossa alma e nosso coração.
E, acima de tudo: nele estava a revelação de nossa ligação.
A ligação era a magia mais potente do mundo. Aquilo poderia ser nosso
escudo. Os adultos iriam usar. Nós éramos crianças e não tínhamos permissão.
– Eu não queria usá–lo agora. Não queria...
Bilubelei colocou a mão sobre a boca e fechou os olhos. A mão dela tremeu.
– Vocês querem tentar encontrar suas ligações para salvar suas vidas? Isso é
estupidez. Jamais farei esse absurdo.
– Não me importo. Não tenho ligação.
– O que disse...?
E lá estava eu, vergonhosamente revelando meu mais espetacular defeito.
– Eu sou um dos raríssimos casos que nascem sem uma ligação. Isso
significa que eu morreria jovem de qualquer forma. Então, pensando bem, tanto
faz morrer aqui e agora.
Bilubelei apoiou sua mão sobre a minha.
– Sinto muito.
– Não sinta. Todas estamos condenadas.
– Pelos gênios malignos que estamos! Vou contatar Cromo.
Varra tirou do bolso seu computador portátil e enviou uma mensagem para
outro amigo nosso.
– Ele está ajudando na defesa cibernética. É nossa última chance. A
tecnologia dos destruidores é terrível.
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
Os destruidores eram quase uma lenda. Habitavam uma terra muito distante,
esquecida. Eram muito pobres, pois onde viviam os solos eram inférteis e nem
os animais conseguiam sobreviver naquelas condições. Então eles tiveram que
sobreviver com a magia.
Como estavam à beira da morte, criaram estratagemas revolucionários.
Deram a sua vida por aquela magia e por isso tornaram–se os maiores magos de
todos os tempos.
Ninguém podia vencer os destruidores. Nenhum povo os ajudava.
Deixaram–nos para morrer. E agora eles não aceitavam barganhar, nem se lhes
fossem dadas terras, comida ou até mesmo metais preciosos.
Segundo a lenda, a magia dos destruidores estava contida num livro muito
poderoso chamado Grimório dos Gênios Malignos. Mas era uma magia tão
maldita que até a alma dos destruidores estava começando a se rasgar sob o
peso daquele sistema.
Por isso, queimaram o livro. Dizem que algumas páginas restaram e estão
entre os tesouros mais valiosos de diferentes povos, ou sob a posse de
colecionadores.
O grimório de nosso povo era o Grimório dos Gênios. Embora não fosse
uma magia tão mortífera, era fabulosa. Um grimório repleto de selos, fórmulas
mágicas, feitiços e uma riqueza filosófica invejável.
Só teríamos acesso àquele grimório quando crescêssemos e fôssemos
admitidos numa das muitas escolas de magia do nosso reinado. Algo que não
seria mais possível de acontecer, porque nosso mundo seria destruído.
– Pelos gênios das estrelas! Que está fazendo aqui, Nhanha? Não devia estar
nos abrigos ou numa Casa de Gênios?
Eu olhei para trás. Espantei–me.
– Wakwa...! Não pode ser. Você está bem?
– Vivo ainda. Pergunto–me por quanto tempo.
– Você precisa se esconder!
– Os destruidores vão me procurar no palácio. Não posso ficar lá e muito
menos nos abrigos, para me matarem junto com todo mundo.
– Então que pretende fazer?
Eu estava cada vez mais confusa com toda aquela situação.
– Ficarei aqui fora aguardando a morte.
– Eles vão morrer por você! Não pode entregar a sua vida assim.
– Não quero que ninguém morra por mim. Isso é ridículo. Esse não é um
espetáculo para satisfazer o desejo de auto sacrifício de todos os construtores.
Eu já ia xingá–lo, mas pensei melhor. Ele era esse tipo de pessoa: orgulhoso.
Aquilo não era coragem. Ele era só um idiota, mas eu não podia chamá–lo assim
porque ele era o príncipe. Aquilo me irritava muito.
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Fábula dos Gênios
– Já que todos nos tornaremos iguais na morte, posso ser franca com você
antes do fim?
– Vá em frente.
– Se você vai fazer algo tão imbecil como entregar a sua vida para salvar os
outros, como o perfeito babaca que você sempre foi, permita–me pelo menos
cumprir meu dever, senhor.
Ajoelhei–me diante dele e retirei uma das presilhas do cabelo. Entreguei a
ele.
– Minha vida é sua agora. Irei defendê–lo.
Ele ficou bastante surpreso diante de minha atitude.
– Isso não significa nada para mim. Sua magia é fraca. Sua presilha tem
menos poder que uma lagartixa. Se formos nos esconder juntos, no final serei eu
quem a defenderei. É isso que deseja?
– Eu quero provar que você está errado. Dê–me essa oportunidade.
Ele fitou–me atentamente. Viu a determinação no meu olhar.
– Muito bem. Acompanhe–me até o cemitério.
E até lá caminhamos. Centenas de lápides coloridas estavam ao nosso redor.
– A morte não é má. Nós, da linhagem dos reis, aprendemos a encarar a
morte somente como uma passagem, como nos contavam os antigos.
– Esse não é somente um conhecimento de reis.
– Sei bem disso. Mas eu tive que encarar essa verdade desde que eu era bem
novo, por causa da minha doença.
– Que doença?
– Eu teria no máximo mais alguns anos de vida. Se eu quisesse buscar um
meio de me salvar, precisava aprender a magia. Desde que adquiri consciência
de minha existência eu me entrego a práticas árduas. Por isso eu nunca tinha
tempo de brincar com vocês.
– Pensei que você só queria ser o mais forte para ser o melhor...
– Eu fiz isso porque precisava. Assim como os destruidores desvendaram
uma magia mortal e desesperadora para vencer a fome. Nesse sentido, eu e eles
somos iguais.
– Não diga isso...! Os destruidores não têm coração. Ou nem mesmo uma
alma...!
Wakwa pegou um punhado de terra com a mão.
– Eu acho que compreendo o coração dos destruidores e sinto simpatia por
eles. Pode parecer estranho sentir–me assim em relação aos assassinos dos
nossos avós. Mas depois de conviver com essa doença, eu te digo, Nhanha: os
destruidores possuem uma alma mais poderosa do que qualquer um de nós
pode sonhar. Através da dor, eles resgataram a essência da vida. Por isso
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obtiveram uma magia desse porte. Algo que se encontra além da nossa
imaginação.
Fitei nossos túmulos coloridos. Nós buscávamos ser otimistas e felizes.
Quando alguém morria, celebrávamos a passagem. Fazíamos uma grande festa e
dávamos oferendas aos gênios.
Mas é fácil ser otimista quando tudo está bem. Quando se tem uma vida
com comida e conforto. Assim fica fácil morrer. Foi uma vida digna.
Mas os destruidores morriam sem ter vivido. O que eles possuíam? Pensar
naquilo me fez sentir mal.
– Pare, por favor. Está dizendo que nós somos os vilões e merecemos
morrer pelas mãos deles?
– Eu digo que os gênios são sábios. Eles se enrolam na nossa alma e se
alimentam dela. Quando já possuímos alegria suficiente nas nossas vidas, eles
não precisam crescer muito. Eles só se manifestam quando passamos por
grandes dificuldades. Quando estamos bem ficam lá, quietinhos, aconchegados
dentro do nosso corpo. Produzem calor suficiente para nos manter aquecidos
no inverno. Um frescor no verão. E isso é tudo.
– Então o seu gênio ficou tão poderoso por causa de sua doença?
– Sim. Ele precisava lutar a cada dia para me manter vivo. Então ele cresceu,
ficou mais forte. Tinha cada vez mais fome. Minha família possuía riqueza
suficiente para que eu realizasse todas as oferendas. Assim, eu e ele
estabelecemos uma conexão fantástica.
Tudo aquilo era fascinante. Eu estava encantada. Mas aquele preço era alto
demais.
– Você entregou a sua alma em troca da força do gênio, numa espécie de
simbiose macabra. Então você por acaso não estaria praticando a magia dos
gênios malignos?
– Sim, mas num nível bastante moderado. Você vê, os gênios malignos não
são maus. Eles são apenas extraordinariamente inteligentes. Enquanto você
comanda seu gênio, o operante da MGM é controlado pelo gênio maligno. Até
o ponto em que esse gênio se alimenta de toda a sua alma e toma o lugar dela.
Nesse momento, chega–se ao poder máximo.
– Não me diga que fez isso...?
– Não. Eu faria se pudesse. Uma vez tentei, mas quase morri de dor e
desespero. Não... existe algum segredo nesse processo. Algo que me falta. Uma
filosofia ou fórmula especial que só pode ser encontrada no Grimório dos
Gênios Malignos.
Ele fitou–me diretamente.
– Nhanha, eu preciso desse grimório. Eu dou minha vida por ele,
literalmente. Pois se eu não obtê–lo, morrerei.
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Fábula dos Gênios
– Por isso você está aqui fora. Para negociar com os destruidores.
– Não sei porque estou aqui fora. Talvez porque eu quero ver um deles.
Enxergar um deses seres lendários que substituíram a alma pela mais poderosa
categoria de gênios.
– Então eu estava certa. Eles não têm alma. E quanto ao coração?
– Depois de tomar a alma, os gênios malignos devoram os magistas por
dentro. O coração deve ir primeiro. Quando os gênios malignos se apossam do
cérebro e dos outros sistemas, os destruidores não precisam mais comer ou
dormir. E possuem um cérebro com a sabedoria dos gênios. Ou seja: eles
possuem os mais altos conhecimentos espirituais.
Aquela informação era sublime. Estávamos lidando com monstros. Ou
deuses.
– Então foi bom que os outros povos tenham deixado os destruidores
morrerem de fome. Foi por causa da dor que eles se tornaram tão fortes.
– Não diga isso. Meu pai foi um tolo em ignorá–los. Ele disse que nosso
povo tinha prioridade. Mas os construtores não sofrem como eles. Não somos
todos seres de carne? Não merecemos todos uma chance?
– Agora você falou como um príncipe. Mas ninguém te escuta, pois você é
só uma criança. Teria dado um ótimo rei. Uma pena.
– Meus pais e os conselheiros dizem que eu não entendo política. E eu
realmente não entendo. Mas eu tenho sentimentos. Isso não conta para nossas
decisões ou elas precisam sempre se apoiar na razão?
– Wawa, diga–me... os destruidores não estão cavando a própria cova com
esse ataque? Pois se houver algum sobrevivente, essa pessoa pode se tornar o
maior mago do mundo. Porque terá visto seu povo ser derrubado e seus entes
queridos morrrerem. Carregará o maior sofrimento possível. Esse ser não seria
o maior magista dos gênios malignos que o mundo já conheceu?
– Somente se ele encontrar o grimório deles. Na escola nos dizem que o
grimório foi destruído, mas que algumas páginas ainda estão por aí. O que não
contam na escola é que nosso reino possui uma das páginas.
– Não acredito...!
– Está com minha família. Na arca de tesouro. E nesse instante eu a tenho
comigo. Foi essa porção de magia que impediu minha doença de me matar. Mas
eu preciso das outras páginas.
Wakwa tocou o próprio peito, indicando o interior do casaco.
Eu queria ver aquela maravilha. Tocar com minhas mãos uma das páginas
do Grimório dos Gênios Malignos.
– Você não pode ver. O conteúdo é de queimar os olhos. Além do mais,
você precisa estudar o Grimório dos Gênios antes. Se passar direto para a magia
avançada, seu estado psicológico pode não suportar a pressão.
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Wanju Duli
– Eu vou morrer, você vai morrer. Que diferença faz? Se eu usar essa magia
agora, posso ter mais chances de me salvar.
– Mas se você se salvar, será que a vida que te restar nesse corpo valerá a
pena ser vivida? Pense bem: essa página ensina o início do processo de
putrefação do corpo. É uma necromancia severa. Você quer que o seu gênio te
devore?
– Eu tenho escolha?
– Se existirem outras vidas, sua alma precisa estar intacta.
– Os destruidores farão algo pior com ela quando nos flagrarem aqui.
– É por isso que vários construtores arrancarão a própria vida hoje. É isso
que farão nos abrigos: matarão todos.
Eu levei um susto enorme.
– Então Bilubelei, Varra, Cromo, Tchei...
– Não sei. Será dada a eles uma escolha: eles podem morrer com dignidade
nos abrigos ou podem aguardar a morte nas Casas dos Gênios e tentar resgatar
um pedaço da alma antes do fim.
– Eles não conhecem magia suficiente para esse feito.
Escondi o rosto nas mãos. Não teríamos uma morte tranquila e feliz, como
aqueles enterrados sob as lápides coloridas. Não haveria flores, fitas e comidas
sobre nós. Com sorte, restaria algum cadáver depois do ataque.
– Escutou isso?
Meu coração quase parou. Eu escutei, bem de longe, um som que nunca
tinha ouvido. Meu corpo tremeu da cabeça aos pés.
– Wawa...!
Eu não completei a frase. Eu tinha jurado protegê–lo, mas tudo o que eu
queria naquele instante era correr dali. Desaparecer para sempre.
Minha voz ficou trêmula.
– Nem adianta nos escondermos. Eles sentem as almas e cheiro da carne. E,
sobretudo: farejam os gênios.
– Diga–me o que sabe sobre os gênios! Qualquer coisa que possa nos
salvar...!
– Existem diferentes categorias de gênios. Elas se encaixam como peças de
um quebra–cabeça. E tem uma imagem nesse quebra–cabeça. Sabe qual é?
– Como vou saber?
– É isso que os destruidores querem descobrir. Eles desejam recuperar a
página do grimório deles que está comigo. E precisam roubar o nosso grimório
também. Existem muitos grimórios para diferentes categorias dos gênios. E o
quebra–cabeça só estará completo com todos.
– Mas o GGM foi destruído!
– Dizem que há sábios que conhecem de cor as páginas destruídas.
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Fábula dos Gênios
– Wakwa, isso não me interessa agora! Eles estão vindo nos matar. Dê–me
alguma informação diretamente útil. Um feitiço, um escudo mágico mental ou
físico.
– Antes, tenho uma pergunta, Nhanha: pretende usar seu gênio para atacar?
– Somente se eu estiver para morrer. Parece que esse é o caso.
Wakwa respirou fundo.
– Eu também vou usar o meu. Mas eu gostaria de te pedir um favor: não o
olhe.
– Eu sei.
– É sério. Se houver a mínima possibilidade de sairmos vivos dessa, se olhar
para meu gênio você pode descobrir minha ligação. E isso é um segredo.
– Bem, eu não tenho ligação. Mesmo assim, não quero que olhe o meu.
– Oh? Então você é daqueles raros magistas que nascem sem par? E que
morrem cedo? Ainda assim, tem sorte. Minha doença me mataria antes.
– Essa é uma competição para ver quem tem uma vida mais desgraçada?
– Sim. Pois quanto maior a desgraça, mais poderoso o gênio.
– Espere. Há um furo nessa teoria. Pessoas reagem de formas diferentes ao
sofrimento. Então um pessimista que sofre pouco teria um gênio mais poderoso
do que um otimista que sofre muito. Em suma: o real sofrimento aconteceria na
mente e não no corpo.
– Errado. Ele acontece na alma. E você sabe que magia atinge somente a
alma. Os efeitos na mente e no corpo são apenas colaterais. São barquinhos para
alcançar a alma. E eu sugiro que hoje reme seu barco bem longe, porque seu
gênio precisa escutar teu chamado.
Ouvi gritos horríveis. Estavam perto.
Eu e Wakwa nos abaixamos. Colocamos as mãos sobre a boca e rezamos.
Meu coração batia forte como uma bomba prestes a explodir. Se ele não
parasse de fazer barulho, eu sentia que poderia ser encontrada pelo som daquele
tambor pulsante em meu peito.
Foram longos minutos de agonia. Até que o barulho parou.
– Pronto, Wawa. Eles foram embora por enquanto. Podemos respirar
agora...
No segundo seguinte, minha respiração parou. Eu tentei inspirar o ar, mas a
expiração não se completou. Meu corpo inteiro gelou.
Abaixado exatamente diante de nós estava um magista com o rosto coberto
por um capuz. O manto dele era completamente remendado com pedaços de
couro marrom e algo que se parecia com grama verde: as lendárias vestes verdes
e marrons dos maiores inimigos do reinado.
Só não gritei porque minha boca estava tapada por minhas próprias mãos.
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Eu estava encostada numa árvore. Tentei recuar, mas não consegui. Eu não
estava pensando direito. Suava frio. O suor pingava. Meu coração explodiria a
qualquer momento.
Nunca senti tanto medo em toda a minha vida.
A criatura nos farejou. Eu não sabia o que tinha por baixo daquele capuz,
mas devia ser uma forma de animal. Quando ele colocou a mão para fora da
longa manga, eu quase desmaiei: era carne podre, despedaçada. Havia coisas
crescendo nela; talvez larvas ou musgos.
Eu já estava me preparando para sentir o pior cheiro possível. Mas o cheiro
daquele monstro era algo que nunca senti antes. Eu não podia classificar o odor
em bom ou ruim.
Se o medo tivesse cheiro, se pareceria com aquilo.
Aquele era o medo encarnado.
O monstro tocou meu cabelo com seus dedinhos pegajosos. Eu quase
vomitei.
Mas ele não estava interessado em mim. Provavelmente reconheceu Wakwa.
Colocou as mãos no casaco dele, como se estivesse procurando algo.
Ele sentia o cheiro da página do seu grimório...!
– Tire as mãos de mim!
Wakwa tirou um dos tênis. Pensei que haveria um selo gravado nele e seria
utilizado como receptáculo. Mas ele apenas lançou–o na cabeça do monstro.
Aproveitou o breve instante e retirou uma caneta de dentro da meia. Traçou
formas no chão.
– Mera!
Aquela era uma fórmula muito simples. Aprendíamos isso na escola com
uns sete anos. Combinação do alfabeto com aritmética básica. Reuníamos
quatro letras, duas vogais e duas consoantes. Traçávamos as letras e
embaralhávamos para chamar uma das energias. Brincadeira de criança.
Provavelmente os destruidores não tinham escolas para brincar com aquilo.
Nem deviam saber como se divertir, tamanha desgraça devia ser suas existências,
mergulhados num pântano sujo.
Por isso, somente eles para cair num truque tão simples. Apenas em anos
mais avançados que teríamos contato com alfabetos complexos aplicados à
geomtria; os chamados selos dimensionais, que trabalhavam com as dimensões
do espaço–tempo. Os magos adultos combinavam essa técnica com magia dos
gênios. Se houvesse ligações ali no meio, eles se tornavam quase invencíveis.
Mas isso foi antes da ascensão dos destruidores. Wakwa queria só ganhar
tempo. Ele era um tolo.
– Nhanha, vamos correr! Esse sujeito é MUITO forte...!
Eu não notei isso. Como ele sabia? O que ele fez?
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– Teria sido muito fácil para que os destruidores acabassem com sua terra
somente matando metade de vocês. A outra metade pereceria de qualquer forma
sem a ligação.
– Teríamos tempo de nos vingar antes da morte. Eu quero aprender a magia
deles e vingar meu povo antes que se passem os dez anos.
– E o que você sabe de magia? Vai sair por aí procurando as partes desse
grimório achando que os donos vão te entregar de graça? Há folhas que estão na
posse de alguns dos maiores magos desse planeta. No mínimo eles vão querer te
testar em batalha ou conhecimentos mágicos antes de te deixar espiar o
conteúdo. E no máximo vão te torturar até a morte, rasgar sua alma e trucidar
seu gênio.
– Eu não tinha pensado nesse detalhe. Meu sonho sempre foi me matricular
numa das escolas de magia do meu país e estudar o Grimório dos Gênios. Mas
agora está fora de cogitação eu entrar em qualquer escola de algum mundo. Não
quero perder meu tempo. Preciso do GGM o quanto antes!
– Qual é a pressa? Não é como se você fosse cair morta amanhã ou depois
de amanhã. Isso vai acontecer só se você viajar por aí nessa jornada insana de
mãos vazias.
– Está bem. Mas não sei se estou interessada nas escolas do seu mundo.
Essa magia de vocês me parece bastante fraca.
– É tão fraca que enquanto os construtores morriam como porcos nas mãos
dos destruidores usando a Magia dos Gênios, eu atravessei o seu país intacta e
até te trouxe de volta comigo.
– E não é que você está certa outra vez? Mas você deve ter décadas de
experiência com magia, então saberia utilizar com maestria qualquer sistema que
tivesse estudado por tanto tempo.
– Garota tola... não fale do que não entende. Conheça algo antes de criticar.
Quem sabe você queira descer para conhecer a cidade e nossas escolas antes de
tirar conclusões precipitadas?
– O que quer dizer com “descer?” Onde estamos?
– Em cima de uma montanha.
– Isso significa que terei que subir e descer a montanha todo dia com cadeira
de rodas sempre que eu for à aula? Esse é algum tipo de teste de resistência
maluco? E você é uma velha maga louca e anti–social que mora aqui para se
isolar dessa humanidade desprezível e dessa juventude fedorenta?
– Olha o respeito, fedelha. Segure a língua. Somente suas últimas palavras
procedem. Não simpatizo com crianças, então ter a senhorita morando comigo
está completamente fora de cogitação. Em mais alguns dias você se recuperará.
Assim que isso acontecer, te jogo numa dessas escolas de magia de turno
integral e você poderá se divertir por lá para depois realizar sua doce vingança
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– Ó, que simples! Basta eu ter um destruidor como meu mestre, como não
pensei nisso antes? Tão óbvio...
Eu disse isso em tom de zombaria, mas a maga levou a sério.
– Realmente seria mais rápido ir até lá do que viajar tanto. Mas um
destruidor jamais aceitaria treinar um construtor. A não ser que você se
disfarçasse de destruidora, o que não será difícil depois que você obtiver
algumas das páginas nos outros mundos e começar a praticar o sistema.
– Hã... eu não consigo ficar diante de um destruidor sem tremer. Só vi uma
criança destruidora na minha vida e já foi assustador o suficiente. Nem quero
pensar como são os adultos.
Se eu recuperasse aquelas páginas logo, quem sabe eu até arrumasse um jeito
de burlar minha morte inevitável dali dez anos? Eu achava improvável, mas não
custava ter uma esperança idiota.
Resolvi desistir de ter a maga louca como mestra e também estava
completamente fora de questão contatar um dos malditos destruidores para isso.
Eu queria matá–los e não que me treinassem. O pensamento de ter um deles
como tutor me soava doentio.
– Eu quero estudar na melhor escola de magia do país.
– A melhor custa caro. Não pense que vou te pagar.
– Se me pagar, eu juro que além do GGM te consigo qualquer outro
grimório que queira para sua amável coleção.
Ela reconsiderou o pedido.
– Você está vendendo todos os seus próximos míseros anos de vida. Vamos
descer a montanha e visitar as escolas, enquanto tenho paciência para isso.
Pesquisaremos preços e verificaremos o que cada instituição oferece.
– Eu quero estudar na escola que você frequentava.
– Pensarei no seu caso.
Eu fiquei simplesmente encantada com as escolas. Devo confessar que
como eu não sabia quase nada de magia, me baseei mais no ambiente para
escolher. Enquanto algumas eram pequenas e pareciam escolinhas de fundo de
quintal, outras tinham largos corredores, colunas e decoração sublime.
– Já visitamos dez escolas. Essa será a última, que foi a que eu estudei.
Depois dessa visita, terá que se decidir.
– Eu já decidi. Quero aquela cara, com colunas.
– Ela é o triplo do preço das escolas comuns. Afinal, você quer estudar
magia ou apreciar a droga da decoração?
Eu torcia para que a antiga escola dela me despertasse mais paixão que
aquela que tinha colunas, mas ia ser difícil.
Era uma instituição de tamanho médio. As pessoas daquele país definiam a
qualidade das escolas pela biblioteca e a de lá possuía um acervo considerável.
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Eu queria sentir meu coração acelerar. Nem que fosse servindo de alimento
para um gênio maligno.
– Que selos criativos! Como você é habilidosa no desenho!
E aquele garoto já estava me enchendo o saco além da conta. Aposto que só
queria se gabar que estava fazendo amizade “com a estrangeira”.
Até que eu resolvi realizar um ato de revolta: fugi da escola. Saí de fininho
pelo portão central e pulei o muro. Digamos que aquilo foi quase impossível de
fazer com uma cadeira de rodas. Então dobrei a cadeira e com o auxílio do meu
gênio realizei meu intento.
Foi terrível. Levei um tombo enorme. E agora, como eu iria subir a
montanha novamente para comunicar–me com a maga louca?
“Quer saber? Vou pegar um barco e remar até o outro continente”.
E lá fui eu, tendo no bolso somente um joguinho de cartas dos livreiros, que
fui jogando com meu gênio durante a viagem. Também roubei algumas frutas
da escola. Eu esperava que aquilo fosse o suficiente para me manter durante um
dia inteiro de viagem.
– Ah, ótimo, minha bússola está estragada. E mesmo se eu ainda tivesse meu
celular comigo, duvido muito que teria sinal aqui no meio do oceano. Aliás, para
quem eu ligaria?
– Por que você não tenta ligar para seus amigos construtores para ver se um
deles responde?
– Não brinque com isso, Bapsi. Estou perdida e desesperada aqui.
– Mas foi a decisão mais acertada sair daquele lugar. Aqueles alunos são tão
certinhos que me deu vontade de aparecer de repente para assustá–los.
– Eles não achariam graça em te ver saindo da minha boca. Se já me
tratavam como alien só porque sou estrangeira e estou numa cadeira de rodas,
imagine se eu passeasse por aí com um fantasminha azul me seguindo.
– Era tabu que alguém me visse no nosso antigo mundo, mas qual o
problema se eu surgir em terras que mal conhecem as leis dos construtores?
– Eu prefiro que você continue aqui dentro, bem enroladinho na minha
alma. Eu sou tão egoísta que mesmo se eu tivesse uma ligação, não ia permitir
que ele visse meu gênio.
– Mas você permitiu que o destruidor visse.
– Era isso ou a morte. Eu precisava me defender. Que achou do gênio dele?
– A pele dela tem um tom azul meio estranho. Eu sou mais bonito.
– Como sabe que o gênio era fêmea?
– Eu simplesmente sei dessas coisas, porque eu sou um gênio!
– Devo buscar um duplo sentido nessa frase?
– Quando se trata de Magia dos Gênios, sempre há um duplo sentido. Por
isso é tão divertido. Eu diria que não é o sistema mais indicado para modestos.
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ignorância. Já os senhores dos símbolos dão mais valor à beleza. Eles acham que
suas letrinhas são mais bonitas que a caligrafia de mortais comuns e que isso os
torna seres humanos melhores.
– Quem sabe os torne mesmo?
– Claro que não!
– Experimente antes de criticar. Não foi você que ficou fascinada com os
selos bizarros do pirralhinho destruidor?
– Cara... ele parou o tempo!
– E eu sei fazer ovos mexidos.
– Sabe nada. Ainda precisa de muito treino até ter alguma habilidade na
sublime arte da culinária. Se um dia visitarmos algum país de alquimia ou poções
mágicas, vai engolir o que disse.
– Calma, só estou implicando por prazer.
– Como sempre...
– É tão agradável ler pensamentos! Perto disso, parar o tempo é simples.
– Fico imaginando como será o dia em que eu adquirir meu gênio maligno.
Terei dois gênios telepatas chatos zunindo no meu ouvido.
– Isso significa que sou o gênio bonzinho?
– Nada a ver. Acho que nem o gênio maligno mais potente superaria sua
chatice.
– Vai lá namorar suas pilastras em vez de me xingar, que você ganha mais.
CRAQUE!
Acertei uma coluna com um soco.
– Direto de esquerda! Essa foi boa.
– Quem é você, senhor?
– Sou professor nessa escola.
– Hã... perdão. Eu acho que rachei um pouquinho a coluna.
– Não faz mal. Será a escola quem vai pagar e não eu.
E ele sorriu. Por alguma razão, eu simpatizei com ele.
– Eu gostaria de estudar nessa escola, mas não tenho dinheiro. Tem jeito de
eu entrar?
– Claro. Essa é uma escola pública.
– Com essas colunas e tudo o mais? Nossa!
Fui tentar me matricular. Mas eles também já tinham iniciado o ano letivo.
Disseram para eu tentar vaga no próximo ano.
– Na verdade eu sou a princesa dos construtores! Fui a única sobrevivente
da guerra. Eu matei tudo. Sou forte! Olhe só meu anel real! Tem certeza que não
tem uma vaga pra mim?
– Ai, que sujeira. Você roubou o anel do seu amigo.
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– Aí está o palhaço. Ei, babaca! Ele tem cara de quem te entregaria a página
do grimório para soprar o nariz. Vá em frente e simplesmente peça. Aposto que
ele te dá na hora.
– Professor, eu ouvi falar que o senhor tem a página 8 do Grimório dos
Gênios Malignos.
– Isso é uma verdade.
– Poderia me dar?
– Não.
– Há, se deu mal! BEM FEITO!
– Cale–se! Ah, desculpe professor, não falei isso para o senhor. Foi para o
meu gênio.
– Que surpresa. Então a senhorita é realmente uma construtora? Pensei que
fosse uma mentira, assim como mentiu sobre ser uma princesa.
– Esse sujeito é ótimo! Estou começando a gostar dele.
Mas ele falava tudo isso sorrindo. Eu estava começando a desconfiar dele
ainda mais.
– Por acaso pretende usar a página um dia?
– Sim. Já testei algumas vezes.
– Mas... o senhor não tem gênio. Então como poderia?
– Mesmo pessoas sem gênios inatos podem utilizar esse sistema. Basta
aguardar que um construtor ou destruidor abandone seu gênio. E posso
aproveitar a oportunidade para me apropriar dele.
– Nem pense nisso, Bapsi! Professor, por favor, não pegue meu gênio, sim?
Não duvido do seu poder e que seja capaz disso. Eu já vi um cara mexer com
selos de maneira assustadora. Então...
– Um destruidor, certo?
– Exato.
– Eu gostaria de ver um ao vivo.
– Não queira. Pode ser a última coisa que verá.
Ele se divertia cada vez mais com nossa conversa.
– Mesmo? Eu tenho alguma confiança na minha habilidade. Por que acha
que um destruidor me mataria?
– Porque uma criança quase me matou com um único selo multidimensional.
E ela teria conseguido me matar se quisesse. Em vez disso, ela só me aleijou.
– A história de sua vida deve ser incrível. Se impotaria de me contar?
– Só se me der essa página.
– Eu dou se você me passar o Grimório dos Gênios.
– Excelente, estamos andando em círculos de novo. Nhanha, desiste desse
cara. Ele é esperto demais. Não está à sua altura.
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MOMO: Que lixo, Nhanha. Quanto por cento de magia tem nessa porcaria?
NHANHA: Diz na etiqueta de rolagem 0,075%.
MOMO: Não me diga! Eu tenho cara de palhaço? Eu estou tendo uma
doença de risadas aqui e logo vou passar para um estado terminal.
NHANHA: Estava em promoção. Não pensei que fosse tão mau.
MOMO: Não consigo impedir nem uma lesma rastejante de invadir o meu
sistema com menos de 1%. Se duvidar, até você quebrava minha parede de aço,
que agora se reduziu a uma parede de gosma.
NHANHA: Vou te enviar o arquivo.
MOMO: Não ouse! Minha máquina é muito nobre para comportar qualquer
coisa abaixo de 50%.
NHANHA: Já enviei.
MOMO: Maldita! Sabe quando vai conseguir falar com o Yym? Na sua cova,
no outro mundo.
NHANHA: Quer saber? Vá se ferrar.
MOMO: Você me ferrou primeiro, não reclame. Quero um classe B 55%
para compensar.
NHANHA: Beije meu gênio, engraçadinho. Filho de mera.
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– Se fizer isso, eu vou continuar vivo por muito tempo ainda. E eu não
suportaria isso, sem você. Isso seria cruel comigo. Então me prometa que fará o
seu desejo final quando estiver para morrer.
– Está bem. Eu prometo.
As lágrimas escorriam dos meus olhos.
– Nhanha, para com isso. Você é novinha ainda. Não pense na morte.
– Eu não tenho ligação! Morrerei aos 21 anos.
– Vou te contar um segredo: não importa que idade você tenha, 10 anos ou
100 anos, não precisa se preocupar com a morte. Viva o seu dia com alegria,
sem temer se terá pesadelos à noite. Não importa quanta dor sentirá nos
pesadelos, sempre há um céu claro após a tempestade. Quem sabe até um arco–
íris?
Dei um beijinho na bochecha de Bapsi.
– Sabe de uma coisa? Você é queridinho demais! Agora me diz, não estou
um arraso com esse meu cabelo todo cor–de–rosa?
– Tá uma rainha!
– Não vejo a hora de mostrar para o Yym. Devo ser uma das únicas
corajosas de nossa geração a usar essa magia além dele! Aposto que ele virá falar
comigo quando olhar.
– Mas não fique triste se ele não te notar. Não dê tanta importância...
– Eu sei que ele é muito ocupado e importante, mas vou tentar.
Eu estava tão emocionada e ansiosa depois daquele acontecimento
importante, esse marco na minha vida, que nem consegui concluir os deveres de
casa naquele dia.
Acordei atrasada para ir à aula no dia seguinte. Coloquei o uniforme tão
rapidamente que até pus meias de cores diferentes. A meia do meu uniforme era
cinza e vesti uma cinza e uma marrom.
Corri. O pessoal do meu colégio me fitava com surpresa enquanto eu
atravessava os corredores com meus novos cabelos.
Quando eu abri a porta da minha sala, todos voltaram os olhos para mim
com espanto. Nem a professora me criticou pelo atraso, tamanho seu choque.
Eu sentia–me orgulhosa. Desfilei lá na frente e sentei–me no meu lugar.
– Não tinha uma forma menos extravagante de chamar a atenção? Você
praticamente estampou na sua cara que já usou um dos desejos! Além disso, a
técnica de fios? Que tinha na cabeça para fazer isso?
– Varra, fique quieta. Eu estou muito feliz. Não estrague.
– Bilubelei está atrasada. Estou com um mal pressentimento. Se ela fez
alguma besteira pior que você, será terrível.
Eu também fiquei preocupada. Ela só chegou no intervalo.
– Bilu...!
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Ela virou–se. Quando a fitei, vi seus olhos vermelhos. Assim que notei isso,
eu abracei–a.
Ela entendeu meu abraço. Porque ambas tínhamos passado por um
processo difícil. Consumir o primeiro de seus desejos também deve tê–la
recordado de que um dia chegaria o instante de realizar o último deles. Então
era um tipo de felicidade triste; ou tristeza feliz.
– Nha... por que usou essa magia?
– Não sei! Sinto que vou precisar dela um dia.
– Essa magia também é chamada “capricho enrolado” ou “enrolação de
caprichos”. Isso porque somente pessoas realmente caprichosas as utilizam.
Como Yym... ele sabe o preço a pagar. E você também.
– Preciso vê–lo. Irei até a Gins no final da aula.
E assim eu fiz. Bilu e Varra me acompanharam. Aguardamos até que Yym
saísse.
Ele se destacava na multidão de estudantes com seus impressionantes
cabelos azuis. E ele percebeu minha presença.
É evidente que meus cabelos cor–de–rosa chamaram sua atenção.
Curiosamente, ele não pareceu surpreso. Simplesmente caminhou até minha
direção.
– Menina esperta. Técnica de fios. Boa escolha.
Eu senti–me orgulhosa com essas palavras. Não queria admitir, mas uma
parte de mim havia escolhido essa magia apenas para impressioná–lo.
Em poucas palavras, sacrifiquei um de meus preciosos três desejos por ele.
– Obrigada!
E ele já ia se afastar. Antes disso, eu perguntei:
– Conhece mais alguém como nós?
Ele fez que não. E isso foi tudo. Mas... por que ele não se impressionava? Se
éramos os únicos a utilizar nosso primeiro desejo dessa forma, por que ele não
tinha mais interesse em falar comigo?
Não pude mais impedi–lo de ir embora. Ele caminhou junto com mais três
colegas e eles se retiraram.
Escola de Magia de Gins; uma das instituições de magia mais difíceis de ser
admitido. Naquela época, Yym era quase um adulto para mim. Um sujeito
respeitável. Eu tinha 9 anos. Ele tinha 14. Vivíamos em universos diferentes.
Pensando bem, por que ele teria conversado por mais tempo comigo? Aos
olhos dele, eu era apenas uma criancinha impertinente. Metida, no mínimo, por
me atrever a usar a mesma técnica que ele. Yym queria ser exclusivo e eu
estraguei tudo ao copiá–lo.
– Um dia entrarei para Gins. Vocês vão ver.
– Você não pode.
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admitida numa dessas dez instituições. No fundo, havia somente cinco chances,
pois eram cinco escolas masculinas e cinco femininas.
Quando voltei para casa, minha cabeça estava nas nuvens.
– Uau, quero tanto entrar para Ginas que eu seria capaz de utilizar meu
segundo desejo para isso.
– Você está brincando, certo? Não quero perder outro pedaço daqui a três
anos e meio.
– Está bem, vou guardar esse desejo para a ocasião de meu ingresso na
universidade. Mas, espere... eu já vou ter morrido. Então acho que vale a pena
mesmo eu usar esse desejo para entrar em Ginas.
– Não pense que conhece o futuro. Vivemos num mundo repleto de magia.
Tudo pode acontecer. Então utilize seu segundo desejo sabiamente. Espere mais,
tenha paciência.
– Algumas vezes eu desconfio que você esconde coisas de mim.
– Eu não escondo! Não me acuse.
– Me diz uma coisa, Bapsi. Que acontece se eu morrer antes de ter realizado
meu segundo desejo?
– Você sabe o que acontece. Vou ficar solto por aí, com saudades. Eu quero
que você realize todos os seus desejos, Nhanha. Só quero que pense com
cuidado, para ter seu desejo sobrando quando realmente precisar.
– Ba... o Yym falou de mim na internet.
Debrucei–me no computador. A felicidade que eu sentia instantaneamente
reduziu–se a nada.
– Ele escreveu no site dele: “Hoje encontrei uma menininha de cabelo rosa
na saída da escola. Quase senti pena. Tenho tantos fãs que a de hoje foi tão
longe a ponto de plagiar meu primeiro desejo. Sabe, eu encontrei essa técnica
num grimório muito antigo e foi por minha causa que ela se popularizou, sendo
até incluída na última edição do GG. Mas eu não ligo para essa menina, é só
uma pirralhinha que não sabe o que faz”.
– Que absurdo! Ele tinha sua idade quando utilizou a técnica. É muita
hipocrisia dele dizer isso.
Achei que eu ia chorar ao ler aquilo. Mas eu fiquei subitamente séria.
– Ele morreu para mim. Eu odeio o Yym. Destruí meu primeiro desejo. Não
acredito.
Parei de acompanhar o site dele. Antes eu era uma fã e lia todas as novas
magias ou passagens de grimórios que ele comentava, bem como suas
realizações mágicas. De repente, perdi o interesse. Não me importava mais que
ele fosse um gênio se era assim tão imbecil.
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– Tinha ouvido falar que você usou a técnica de fios, mas é muito mais forte
ver isso pessoalmente. Parabéns pela coragem.
– Não é? Mas, como vê, estou fazendo meus deveres. Podemos conversar
pela internet.
– Tenho algo a dizer.
Sentei–me para escutá–lo.
– Fiz meu primeiro desejo.
– Pelo que vejo, não foi nem a técnica de fios e nem a MEP.
– Existem muitas outras possibilidades. Não é algo facilmente perceptível.
Mas eu me arrependi. Estou pensando em utilizar meu segundo desejo para
desfazer.
– Assim terá queimado dois desejos. Você é retardado?
– Hm... talvez.
Eu estava ficando impaciente.
– Eu realmente preciso terminar meus deveres. Não vou poder te ajudar se
você não me contar o que desejou. Então, quando falar com Momo, presenteie–
o com um código de classe B e diga que foi uma compensação.
– Por favor, me ajude. Prometo que não tomarei mais de quinze minutos de
seu tempo. Preciso de um conselho.
Eu passei as mãos pelo rosto.
– Tchei, por favor digo eu. Não percebe que estamos numa situação de
quebra aqui?
– Não estou quebrando a lei. Apenas tendo uma conversa breve com minha
amiga. Que há de errado?
– Porque... é ilegal! Não podemos simplesmente sentar aqui e conversar. Se
alguém pegar a gente, estamos ferrados.
– Se alguém delatar, falamos com o Wawa e ele libera a barra para a gente.
– Não envolva Wakwa nisso. Ele tem os próprios problemas dele. E nem
somos assim tão próximos da família real para ficar exigindo esses privilégios.
– Eu me considero meio próximo dele.
– Bom para você! Então vá lá falar com ele enquanto termino isso.
– Está sendo má comigo. Não faça isso. Fico triste.
Eu levantei–me.
– Vou para casa. Conte–me seu problema pela internet.
– Espere...!
Ele me segurou pelo braço. Eu me assustei.
– Desculpa.
Fiquei braba.
– Você tem o seu gênio para consultar. Não precisa de mim.
E fui embora. Quando cheguei em casa, meu coração estava disparado.
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Eu ri. Bapsi ficou sério. Eu não entendi essa atitude naquele momento. Mas
poucas semanas depois eu parei de rir.
Os destruidores chegaram. E eu engoli meus pensamentos e minha língua.
– Eu não acredito que isso realmente está acontecendo.
– Vocês todos foram avisados. E não há como fugir. Eles nos sentem
também.
– Por que está tão calmo...?
– Porque eu já sabia que eles viriam.
– Pare de repetir isso, pois assim eu piro! Me diz o que devo fazer!
– Morrer com dignidade. Eu te peço que use seu segundo desejo. Em
seguida, virá o terceiro. Só assim morreremos juntos.
– Eu não posso usar meu segundo desejo para nos salvar?
– Não posso realizar algo que esteja além das minhas forças. Os gênios
malignos têm mais poder que nós. A não ser que... seja usada a Magia da
Potência. O significado do nome é duplo: a potência dessa magia é gigantesca. E
ela também eleva a probabilidade comum de uma magia ocorrer a uma potência
elevada. Digamos, elevado ao cubo ou ao quadrado. É uma magia com dados.
– E como posso fazer isso?
– Ela existe no GG. Mas há uma versão aperfeiçoada dela no GGM. É a
Magia da Potência Destruidora. Eleva as chances de uma magia ocorrer num
expoente absurdamente alto.
– É completamente inútil utilizarmos magias do GG para nos defendermos
se os destruidores sempre parecem ter desenvolvido versões refinadas de todas
as nossas magias no GGM! Droga!
Dei um soco no chão com minha mão trêmula.
Bilu encontrou–me pouco depois. Levou–me à Casa dos Gênios. Mas
mesmo estando com minhas duas amigas, senti–me solitária.
– Nhanha, acalme–se.
Aquele era um pedido impossível. Eu seria assassinada!
Eu não podia contar com os métodos de defesa de Cromo ou dos outros
cyber hackers do rei. Dessa vez nem a MEP, o escudo mágico queridinho dos
construtores, iria salvá–los. Essa magia foi desenvolvida para se defenderem dos
destruidores do passado e não dos monstros que nos atacavam.
– O MEP deles será convertido em MAP num piscar de olhos, com o
perdão do trocadilho. A cegueira inclusive aumenta o poder de alguns
destruidores. Há os que cegam os olhos propositalmente para aguçar os outros
sentidos. Eles são insanos!
– Para onde está indo?
– Não sei! Cara...
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Fábula dos Gênios
Meu encontro com Wakwa foi surpreendente para mim. Pelo menos assim
eu daria um sentido maior à minha morte: protegendo o príncipe.
– Isso é muito nobre, mas que magia você sabe para protegê–lo? Ziro, Kassa,
Mera...?
Eu nem respondi. Senão ficaria maluca. A situação já estava ruim o
suficiente sem aquele cara sussurrando no meu ouvido.
Eu sentia como se estivesse numa realidade paralela. Não era mais eu. Eu
podia sentir o odor da minha morte chegando.
Aquele odor que não era bom e nem ruim. O cheiro do manto remendado
de um destruidor.
As dimensões estavam se cruzando. Eu quase podia tocar o futuro; encostar
no meu cadáver apodrecido.
Eu finalmente aceitei essa realidade. E decidi não mais fugir dela.
Por um instante, eu fitei os olhos daquele destruidor. Foi somente um breve
momento, mas eu sabia que iria se manter para sempre na minha memória.
Talvez fosse minha última imagem antes da morte.
Aquele sujeito me aterrorizou. Seu porte, sua voz, seu ser inteiro era o temor
do mundo.
Meu coração agonizava. Eu mal conseguia escutar as súplicas de Bapsi.
– Nhahia, faça esse desejo! Eu te imploro, ELE VAI TE MATAR! Você não
vê? Não SENTE...?
Bapsi podia morrer comigo. Eu podia fazer a ele esse favor; esse último ato
de misericórdia. Mas eu não consegui.
Bapsi chorou por minha covardia. Ele seria arrancado de mim. Ou pior: o
destruidor iria torturá–lo, enquanto despedaçava minha alma.
Eu não tinha poder para salvar meu gênio, meu corpo ou minha alma. Então,
de que eu servia? O que eu poderia ser capaz de realizar?
Aqueles selos, aquele gênio maligno, aquele monstro, aquele poder! Era
forte demais. Ultrapassava qualquer limite do meu entendimento da verdade.
Eles desafiavam as leis da natureza. Para eles, as leis da física ou qualquer
outra ciência que regesse esse mundo eram brincadeiras de criança. Eles riam
para elas e as superavam. Manipulavam a realidade como se brincassem de
matar.
Porque eles não conheciam brincadeiras. Então isso era tudo que tinham. E
a única diversão possível era ganhar aquele jogo de guerra.
Bapsi viu o gênio dele. E agiu de forma estranha, pois era o primeiro gênio
que fitava.
Ele não pronunciou uma palavra enquanto sentia a magnífica presença
daquele gênio maligno.
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Ele se emocionou. Nós sabíamos que íamos morrer, mas toda aquela
situação era muito extraordinária. Simplesmente não podíamos evitar esse
sentimento. A fascinação perante o forte. Nossa inevitável vulnerabilidade.
O destruidor não me atacou com seu gênio. Por algum motivo, ele não o fez.
Utilizou sua segunda cartada mais poderosa: selos multidimensionais. E isso foi
indescritível. Era mais que uma combinação da manipulação de geometria
espaço–temporal com poderes psíquicos. Havia códigos e formas lá dentro;
letras, números. Eu estava assustada demais para entender. Eu apenas senti o
peso insuperável.
Eu não sabia se ele tocava minha carne ou minha alma. Minhas pernas
foram separadas do meu corpo como quem desencaixa os membros de uma
boneca.
Enquanto eu estava abandonada no fundo daquela cova, perdi a noção do
tempo. Eu só entreouvia os murmúrios de Bapsi para mim.
– Você está machucado...?
– Não. Nhanha, você deve aceitar que vai sangrar até a morte. Ninguém vai
vir te salvar. Estão todos mortos. Eu chequei nos arredores, não há mais nada.
Peça com seu segundo desejo uma passagem sem dor. E, por fim, te concederei
o mistério do desejo final e partiremos juntos.
Eu dei um leve sorriso.
– Nem parece você, Bapsi. Aquele que sempre me disse para não desistir,
para ser otimista. Que eu poderia não morrer aos 21. Se eu não morrerei daqui a
10 anos, não posso morrer agora, certo?
– Eu não sei o que dizer.
– Então fique quieto e observe. Eu vou desvendar a Magia da Potência nos
próximos minutos. E utilizarei alguma magia aleatória da roleta dimensional
para erguer–me daqui e caminhar sobre duas pernas imaginárias.
Eu não acreditava realmente que eu poderia me salvar. Também não
consegui pensar em nenhum segundo desejo interessante. Bapsi não conseguiria
me curar ou chamar ajuda. Então ele apenas enrolou–se em mim para me dar
conforto. E eu não me senti sozinha.
– Posso pedir uma bala como meu segundo desejo? Então posso ter uma
morte docinha e, de quebra, morremos juntos. Que tal?
–Perfeito! Deseja isso agora?
Provavelmente desmaiei pouco depois disso. Quando acordei, estava na
cama da maga da montanha.
O mundo dos livreiros era nobre e antigo. As construções eram imponentes
e tinham um cheiro de bolor característico. Havia relógios e centenas de livrarias
e bibliotecas. Era uma terra com muitos idosos sábios. Era raro se ver crianças
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Fábula dos Gênios
por lá e por isso havia pouquíssimos escolas. As poucas existentes eram bem
tradicionais e monótonas.
Isso porque aquela era uma terra de pessoas maduras. Lá ninguém queria
saber de agitação, barulho ou bagunça. As maiores emoções estavam nos livros
e era no interior deles que os habitantes viviam, assim como suas magias.
Os jovens não entendiam isso. Eu achei os colégios deles chatos e a magia
sem graça. Será que eu concluí isso por ser jovem e inexperiente? Quem sabe
um dia quando eu fosse mais velha, eu retornasse ao mundo dos livreiros e
finalmente o compreendesse.
Ora, eu desejava emoções que estimulassem múltiplos sentidos: músicas
poderosas, impressões visuais fantásticas. Por isso para mim a magia cheia de
cerimônias, danças, performances teatrais, acelerava mais meu coração. Ao ler
um livro meu cérebro precisava trabalhar mais para imaginar e fazer a magia
acontecer. Eu era muito preguiçosa, então para mim era muito mais fácil já ter
tudo prontinho lá fora.
Então eu parti daquele país e cheguei à terra dos símbolos. Os simbologistas,
embora ainda fossem meio caretas com seus desenhos elaborados cheios de
letras e riscos esquisitos, já tinham uma arte visual mais rica. Diferente de um
livro sem imagens, em que eu precisava elaborar as figuras mentalmente.
Em compensação, tive que lidar com aquele negócio repleto de abstrações
chamado matemática.
Eu logo notei que estava apenas fugindo das dificuldades. Quando algo
desafiador aparecia, eu saía correndo. Assustei–me com aqueles livros grossos
cheios de palavras difíceis e fugi da terra dos livreiros. E no país da simbologia
eu temi os números.
Mas aos poucos eu começava a perceber o aspecto emocionante nas coisas
difíceis. Gerava uma emoção adicional dominá–las. E aquilo me dava poder, em
todos os sentidos.
Portanto, quando eu me deparasse com algo que meu cérebro precisasse
realizar um esforço adicional para compreender, eu perceberia que era aí que
residia a verdadeira diversão e poder. E mais que isso: possivelmente o próprio
sentido da vida, que não era o torpor e sim o movimento, a vibração, as
engrenagens que giravam na maquinaria do cérebro humano e faziam rodar o
universo.
Isso se dá através do pensamento.
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Wanju Duli
– Não, por favor, professor! Foi apenas uma licença poética da minha parte.
Não precisa interpretar literalmente...
– Bem que estranhei que esse discurso estava esquisito e pomposo demais
para sua indolência, sua lerda.
– Maldito boca–suja! Perdão professor, não foi com o senhor...
– Devo dizer que houve um ponto de sua história que me intrigou. Você
não me esclareceu sobre a magia das ligações. Não sei a respeito, já que isso
parece ser algo exclusivo do povo dos construtores. Poderia me explicar?
Eu baixei os olhos por um momento. Levantei–os a seguir.
– Pensei que iria entender. Esse assunto é tabu. Não posso falar.
– Eu entendi que é tabu que os construtores enxerguem os gênios um do
outro por causa das ligações. Mas ainda não entendi perfeitamente do que se
trata, embora eu desconfie vagamente.
– O que você desconfia?
– Para confirmar minha tese, tenho uma pergunta: que seria pior, um
construtor ver o outro nu ou enxergar o gênio do outro?
– Com certeza é pior ver o gênio, pois isso tem relação com morte.
– Para ter relação com morte, deve ter a ver com sexo.
– E agora me diga como o senhor chegou a essa relação maluca entre sexo e
morte.
– Você disse que por não ter ligação morrerá aos 21 anos. Então aqueles que
possuem ligação devem realizar certo ato até essa idade para assim salvarem suas
vidas. Eu imagino que esse ato seja a reprodução.
– Ou esse cara é um gênio ou você deixou isso explícito demais na sua
explicação, Nhanha. Ele encaixou as peças rapidamente.
– Você está certo. Cada construtor já nasce com sua alma ligada a de outro.
O gênio também possui outra metade. Tradicionalmente é aos 20 anos, com o
término da escola, que os magos realizam uma cerimônia para encontrar onde
estão as almas gêmeas e os gênios gêmeos. O par deve ter um filho, que nascerá
nove meses depois. É somente com o nascimento do filho que o casal se salva.
O filho deverá nascer antes que ambos completem 21 anos, pois somente com o
despertar do terceiro gênio o ciclo da vida se completa.
– Que romântico e trágico. E se a moça perder o bebê por algum motivo?
– Para evitar isso, eles incentivam que a ligação já se inicie na adolescência.
Ou melhor, isso não é proibido. Só que é difícil encontrar sua ligação sem o
auxílio dos magos e a maioria tem vergonha de procurar isso muito cedo. Isso
porque os rapazes e as moças vivem meio distantes antes dos 21. Não temos
escolas mistas, exatamente para evitar paixões acidentais que não sejam com a
ligação.
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destruidores, embora eu não nutra nenhum rancor pessoal contra eles. Apenas
simpatizei com sua causa.
– Obrigada.
Poucos meses depois, completei 12 anos. E nesse dia me recordei que se
não fossem os malditos destruidores, em mais um ano eu seria admitida numa
das maravilhosas escolas do meu país, para estudar o Grimório dos Gênios.
Afinal, seria complicadíssimo de usar essa magia sem nenhuma orientação.
Somente o acesso ao livro poderia não bastar.
Eu ainda não tinha feito amizades consistentes. Somente cumprimentava
meus colegas. Meu professor havia me recomendado fazer amizades com os
melhores da turma para formarmos um time forte no futuro. Então resolvi
começar por aí.
Procurei na lista de notas e observei o 1º e o 2º lugar da minha classe. Com
desagrado, descobri que a garota em 1º era uma das mais insuportáveis da minha
turma: sempre cheia de si e depreciando os outros. Por isso, resolvi falar com a
mocinha número 2: Miide, que era bastante simpática.
Eu não ligava para quem tirava a nota mais alta, já que minhas próprias
notas estavam entre as mais baixas da turma, mesmo com as aulas particulares.
Eu só tinha aquelas aulas para agradar aquele professor e também só faria
amizade com Miide para agradá–lo. Tudo pelos grimórios.
– Miide, estará ocupada hoje à tarde? Será que podia me ajudar com o
trabalho de selos aplicados à divinação?
– Não estarei ocupada. Posso ajudá–la, é claro.
Não foi difícil fazer amizade com ela, já que ela era educada e prestativa com
todos. Logo ela me apresentou a mais duas amigas: Racan e Gelei.
Durante o ano que se seguiu, foi com elas que mais conversei.
– Eu já ouvi falar dos construtores, mas sei pouco a respeito. Os livros
dizem que a magia de seu povo é extraordinária.
– A cor do seu cabelo é linda. Que tipo de magia usou para torná–lo assim?
Racan era muito bonita e graciosa. Notei que minhas sobrancelhas também
se tornaram cor–de–rosa. Aquilo era um sinal de que a cor já estava em mim.
Eu me perguntava por quanto tempo ainda duraria.
– Não vejo a hora de ter seios como as garotas mais velhas. Vocês já ficaram
menstruadas?
Gelei era muito divertida e meio atrevida. Eu gostava da ousadia dela. Não
era tão bonita e ia muito mal nos estudos, mas sua magia tinha um atrativo
especial: era sincera, espontânea, cheia de vida.
Era incrível como era possível captar a personalidade do operante através de
suas práticas mágicas. Miide traçava seus selos com todo o cuidado, com folha
quadriculada, esquadro e compasso. Realizava cálculos precisos e tudo saía
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Fábula dos Gênios
milimetricamente perfeito. O resultado era uma magia lenta, mas com resultados
exatos, até previsíveis. Ela gostava que fosse assim.
Os selos de Racan também eram caprichados, mas mais cheios de fru–frus.
Ela adicionava mais criatividade e beleza neles. Enquanto Miide preocupava–se
mais com o resultado prático, Racan queria montar um quadro lindo com seu
selo, preocupando–se mais com a questão estética do que com a precisão.
Embora os selos de Gelei não fossem nem bonitos e nem precisos, eles
tinham um elemento surpresa: de acordo com o estado emocional dela, geravam
resultados diferentes e isso era muito divertido. Nem Miide que era tão aplicada
era capaz de fazer com que suas emoções tivessem aquele grau de influência.
Mas na verdade ela não desejava que isso ocorresse, já que lhe agradava manter
as coisas sob seu controle.
Ora, eu adoraria que meus selos fossem precisos, belos ou tivessem
elementos surpresa de acordo com meus sentimentos. Mas não era assim que
acontecia.
Para começar, a cadeira de rodas atrapalhava tudo. Em batalhas mágicas, as
garotas se moviam agilmente, traçando um selo de proteção no chão ao redor de
si e diversos outros selos no ar para ataque. Eu tinha dificuldade em me mover
como elas, principalmente para definir um selo ao meu redor. Dessa forma, eu
me tornava um alvo fácil para ataques e não podia me concentrar nas outras
magias.
Já que eu não era capaz de dominar o selo 2D no chão, concluí que minha
única opção seria me fortalecer nos selos em 3D. Era minha única escolha, já
que aquela escola não ensinava nada sobre selos a partir de 4D. Esse
conhecimento eu só poderia alcançar no GG e principalmente no GGM.
Eu ainda não entendia ao certo como era a minha magia. Eu conseguia
enxergar com clareza a forma com que os selos das garotas se adequavam
perfeitamente às suas personalidades, mas não conseguia notar isso em mim
mesma.
Qual era minha personalidade? Eu possuía algo assim? Desde o começo, por
não ter ligação, eu me sentia diferente dos outros. E confinada a uma cadeira,
até meus selos saíam tortos e imprecisos. Isso afetava meu aspecto emocional e
enchia meu coração de insegurança, o que gerava consequentes erros no meu
trabalho.
– Seus selos são bonitinhos.
– Criativos.
Era mais ou menos isso o que elas diziam quando eu perguntava a respeito.
As respostas me desapontavam um pouco, pois soavam como uma tentativa
educada de me dizer que meus selos não tinham muitos atrativos que os
destacassem.
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Derramei lágrimas de fúria. Soquei a pia repetidas vezes, até minhas mãos
ficarem vermelhas. Apertei os dedos contra a cabeça. Eu estava pirando.
Aquele maldito...! Ele tinha arrancado minhas pernas. Onde ele estava
naquele momento? Que se ralassem todas as páginas de qualquer grimório. Eu
precisava matá–lo imediatamente. Compraria uma arma potente, qualquer coisa
de alta tecnologia serviria, já que a tecnologia deles era absurdamente atrasada.
Mas... ao pensar naquilo, meu coração gelou, preenchendo–se de medo.
Aquele cara estava morto, certo? Eram poucos destruidores crianças que
sobreviviam, pois a vida deles era um campo de guerra uns contra os outros,
matando–se, devorando–se. É claro que o sujeito que arrancou minhas pernas
tinha morrido. A possibilidade de ele ainda estar vivo era extremamente baixa.
Mas pensando bem, aquele maldito era forte demais para uma criança. Ele
devia ter quase o poder de um adulto. Provavelmente tinha matado outras
crianças até se tornar muito bom nisso. E milagrosamente sobreviveu.
– Bapsi!!
– Sim?!
Ele se assustou com meu chamado súbito.
– Aquele desgraçado miserável ainda tá vivo?!
– Como vou saber?!
– Você sabe, Bapsi. Você é um gênio. Não me desaponte!
– Eu não posso te responder essa pergunta, Nhanha, me desculpe.
Eu o agarrei pelo pescoço.
– Responda agora!
– Eu... não... sei!
Larguei o pescoço dele.
– Mentiroso. Você pode ler meu coração e isso significa que também tenho
acesso a uma parte de você. E, de alguma forma, eu SEI que você sabe. Mas eu
não tenho acesso à resposta se você não me disser!
– Por que ficou com raiva dele de repente? Exclusivamente dele? Você
sempre odiou os destruidores como um todo e não o cara que te ferrou.
– Não me interessa. Eu simplesmente percebi que quero matá–lo de
qualquer jeito. E para eu matá–lo, ele precisa estar vivo...!
– Você não pode voltar para lá! Dessa vez vai morrer imediatamente, assim
que pisar naquela terra. Não vai nem mesmo encontrar o sujeitinho.
– “Sujeitinho”, hã...? Ele devia ter praticamente a minha idade na época.
Agora ele é um adolescente, quase um adulto. Um adulto maldito que está
matando! Não vou permitir.
E no fundo eu sabia que meu ódio era inútil. Passei seis anos naquela escola
para quê...? Aprender a desenhar selos inúteis, comendo doces? Enquanto isso,
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o destruidor estava treinando num campo de batalha. Não estava sentado numa
cadeira assistindo teoria; a teoria interminável sem nenhuma droga de aplicação!
O destruidor provavelmente não sabia porcaria nenhuma de matemática ou
de qualquer outro idioma cheio de firulas que não fosse seus grunhidos. E
mesmo assim, era o melhor de todos.
O povo dele era pobre, feio, acabado, bestial, selvagem, um lixo imundo.
Ainda assim, eram os magos mais famosos e poderosos de todos os tempos. E
escreveram o grimório mais destruidor que existia; se é que sabiam escrever!
Mas havia qualquer coisa naquelas páginas que era possível decifrar, nem que
fossem riscos, manchas, baba, fezes! E eu queria acesso àquela desgraça mais
que tudo no mundo. Porque eu desejava ferrá–los brutalmente.
Não. Eu precisava ser realista. Era IMPOSSÍVEL destruir os destruidores.
Mas eu queria acreditar que eu conseguiria acabar com um. E tinha que ser
aquele. Não podia ser outro. Era questão de honra.
– Então aí está você, sua perua vulgar.
Quem entrou no banheiro foi uma moça poderosa: Djam, a sempre eterna
primeira da turma, que além de continuar a ser o 1º lugar em conhecimento,
permanecia no topo da rudeza e arrogância.
Ela traçou um selo para escudo e outro de ataque. Derrubou–me da cadeira
de rodas e agarrou–me pelos cabelos.
– Jamais grite novamente daquela forma, lindinha. Você não tem o mínimo
de classe?
Ela tinha me surpreendido num mau momento. Ela pensava que era
poderosa? Eu era uma construtora. Tinha a magia dos gênios nas veias. Ela ia se
arrepender amargamente se continuasse a me maltratar.
– Sabe, eu sou muito inteligente e estudiosa. Encontrei um livro sobre
construtores e descobri facilmente seu ponto fraco. Se um homem aleatório te
beijar você morre, certo?
Ela me jogou no chão e saiu do banheiro por um momento. Voltou
segurando um aluno pela camisa e jogou–o no chão ao meu lado.
– Beije–a, seu verme! E faça com vontade.
– Quê...? Quem é você? Que é isso?
Eu quase ri diante do absurdo da situação. E teria rido se não estivesse tão
irritada. Coitado do rapaz, que não tinha nada a ver com o assunto. Ela
provavelmente tinha segurado o primeiro que passou no corredor naquele
instante.
– Ela é louca.
Resolvi dar alguma explicação para ele. Djam desistiu da isca e chutou o
aluno para fora do banheiro outra vez.
– Sabe por que estou com raiva de você?
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– Eu adoraria saber!
– Porque você é uma construtora. Os alunos daqui pensam que você é forte
só porque tem um gênio. Mas eu provarei que essa é sua maior fraqueza quando
te humilhar aqui e agora. E a escola inteira conhecerá o espetáculo. Alguns até
dizem que você é uma princesa! Essa é a maior bobagem que já ouvi.
É claro que eu não estava com medo dela. Nem me importei. Ela agia assim
com todo mundo: era um anjinho diante dos professores e pelas costas
importunava os alunos que se destacavam na menor das coisas, até pegar o
título para si.
Mas o teatrinho não durou muito. O aluno aleatório assustado devia ter
avisado alguém, pois logo o meu professor particular entrou no banheiro e a
Djam voltou a vestir sua máscara de boa aluna.
– Professor, Nhahia caiu da cadeira, tentei ajudá–la, mas ela agiu de forma
violenta!
– Eu sei, essa garota não tem jeito. Senhorita Djam, pode sair, terei uma
conversa com essa daqui.
Ela se retirou com um grande sorriso no rosto, achando que saiu triunfante
daquela. Mas quando ela já estava lá fora, o professor sorriu para mim.
– Hoje ela leva uma advertência. E você vem pra minha sala, menina gritona.
Ele parecia estar se divertindo com a situação. Se eu não o conhecesse bem,
teria ficado intrigada, mas ele provavelmente tinha tudo sob controle.
Eu já sabia qual seria o assunto: eu estava quase me formando, então a busca
pelos grimórios ia começar.
Ou não...?
– Professor, eu não quero mais saber desses grimórios. Eu quero matá–lo.
Eu estava tremendo. Ele aguardou que eu me acalmasse. Segurou no meu
ombro.
– Nhahia... quem você quer matar? Me diga.
– O destruidor que me aleijou.
– Você sabe que não poderá lidar com ele ainda. Precisa de mais poder.
– Mas... eu vou morrer em menos de quatro anos! Meu tempo está se
esgotando. Cansei de brincar de fazer magia nessas instituições burocráticas que
pensam que magia pode ser aprendida dessa maneira lenta e formal.
Ele manteve silêncio por um momento.
– Se é isso o que quer, não vou te impedir. Mas eu não posso te acompanhar
assim de mãos vazias. Eu só iria com você se tivéssemos os grimórios e um time
forte de magos.
Todos estavam me desapontando. O professor em quem confiei me deixou
na mão. Minhas três amigas só falavam besteira.
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– Vossa Alteza Real, perdão pela rudeza, mas não vim até aqui procurando
pelo senhor.
– Bem sei. A senhorita buscava o GG, como muitos outros antes, que
falharam nessa empreitada. Talvez você pense que a magia se encontra nos
livros, mas eu te digo: ela se encontra no coração das pessoas. Acalme um
pouco essa sua sede pelas páginas de papel buscando a sabedoria no contato
com os seres humanos. Não importa o quanto leia, não encontrará o que
procura enquanto mantiver–se vagando pelas florestas.
– V.A.R, nada mais procuro. Mas enquanto essas pernas continuarem a
caminhar e esse coração permanecer em meu peito a bombear meu sangue,
devo fazer algo de valor com essa existência.
– Pois faça um favor a si mesma e não pule etapas de sua vida. Aos 13
receberá permissão especial de acesso a uma de nossas cópias do GG, em uma
de nossas escolas. Por que a pressa?
– E se os destruidores nos matarem antes disso?
– Apenas sinta–se grata por ter sido assassinada pelos magistas mais
poderosos que esse mundo já conheceu.
– Vossa Alteza, isso não é correto de ser dito pelo príncipe.
– Sei bem que tenho como dever proteger nosso povo. Mas, antes de
sermos os construtores, somos seres humanos. E cada ser humano tem tanto
direito a respirar como eu.
E, ao retrucar as palavras do guarda, o príncipe retirou–se. Eu fui conduzida
pelo guarda até a saída.
– Satisfeita?
– Bem pouco.
Mas aquele discurso do príncipe sobre contatos com outros seres humanos
fez–me tomar uma decisão.
No fim da aula do dia seguinte, comuniquei a ela.
– Nhahia. Desejo que torne–se minha contraparte.
Ela fitou–me completamente surpresa quando requisitei isso.
– Essa é uma magia antiga e importante. Significa que estamos destinadas a
sermos a melhor amiga da outra pelo resto de nossas existências! Por que você,
que sempre manteve–se afastada dos seres humanos, escolheu a mim?
– Porque você foi a primeira a ousar se aproximar.
Realizamos a cerimônia no bosque, no local em que nos conhecemos.
Primeiramente, permanecemos uma diante da outra fitando–nos firmemente.
Isso porque era pelo olhar que podíamos enxergar a alma. Não era correto uma
pessoa encarar a outra por tempo demasiado devido a esse motivo.
A seguir, afastamos os lábios e aproximamos as bocas. Não era um beijo.
Isso era feito para que os gênios pudessem contemplar–se ligeiramente. Embora
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um beijo entre pessoas do mesmo sexo não fosse nos matar, nos deixaria
ligeiramente tontas. Então não era recomendado que houvesse o beijo. Até
porque, pela tradição, só era preciso uma troca de olhares rápida entre gênios.
Não era para que se enrolassem ou nada parecido.
Depois que nos separamos e eu estava só novamente, senti–me estranha.
– Fico feliz que tenha escolhido uma contraparte. Assim não permanecerá
tão sozinha.
– Senti apenas uma energia. Para você deve ter sido uma experiência mais
intensa. Viu o gênio dela?
– Não exatamente. Talvez fosse azul, mas não tenho certeza. Mesmo assim,
a contraparte está completa. Não poderá escolher outra melhor amiga pelo resto
da vida.
– Por que podemos escolher uma contraparte e a ligação já é definida ao
nascer?
– Porque a ligação é um processo mais sério, que define com quem
compartilhará os genes. Ao nascer sua alma já possui um potencial que se
encaixa perfeitamente com outra.
– Quem é minha ligação, Iopera?
– Já disse que não sei.
– Bem, eu não ligo. Definitivamente não me importo.
– Então por que perguntou?
– Porque sempre fui curiosa por obter novos conhecimentos.
Aquela resposta não era completamente verdadeira. Incomodava–me um
pouco o fato de eu possuir uma ligação. E perturbava–me ainda mais eu não
saber quem era essa pessoa.
Sempre prezei minha liberdade. Eu amava permanecer sozinha com a
natureza e com meus livros. Ter um estranho privando–me de meu espaço era
desconfortável.
– Você pensa assim porque ainda é uma criança. Quando crescer, terá uma
nova visão da vida. Não é você que sempre fala sobre ser conectada com o resto
do mundo? Então a sua ligação também não conterá uma parte sua, que
proporcionará sua comunhão com o todo?
– Algo assim. Tem razão, a idade me fará amadurecer. Então não preciso me
preocupar com a questão de minha ligação. Quando chegar a hora, estarei
preparada para recebê–la. Também é natural que os jovens tenham inquietação
com a questão da morte. Ora, essa inquietação é inútil. É provável que quando
envelhecermos possamos obter a sabedoria natural para lidarmos com ela. Mas...
por alguma razão eu sinto que isso não me incomoda desde agora. Por que,
Iopera?
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Algumas vezes era estressante ter que lidar com Cromo. Mas ele também
podia ser muito útil.
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TCHEI: Você é mesmo a Sábia dos Lábios Selados? Está falando demais
para ser ela!
BILU: Quais são as magias contidas nesse grimório tão secreto do qual nem
eu, que sei tudo de livros, sabia sobre a existência?
TCHEI: Não te direi uma palavra sobre o AVB.
BILU: A sua ingenuidade é tão doce que me encanta, Tchei. Por acaso é
nesse volume que se encontra a famosa magia da Inversão?
TCHEI: Raios! Vou te colocar em contato com o Wakwa, antes que eu fale
o que não devo. Conseguiu o que queria!
BILU: Oba!
Mais fácil que tirar doce de criança. Mais gracioso que usar um par de meias
de cores diferentes.
WAWA: Fui informado em tempo real que você está perturbando Deus e o
mundo atrás do GG, Bilubelei. Diga logo o que pretende.
BILU: Então o cyberdeus Momo já te atualizou com as recentes fofocas, hã?
Só digo isso: vocês são um trio de mexeriqueiros!
WAWA: Isso lá é jeito de se dirigir ao seu príncipe? Informe de uma vez a
sua questão, pois tenho outros negócios a tratar. Tipo, coisas da realeza e tal.
BILU: É claro. Em poucas palavras: eu tenho capacidade suficiente para
utilizar o Grimório dos Gênios com sabedoria antes de possuir a idade mínima
para isso. Se eu puder fazê–lo, irei ajudá–los a salvar nosso país da invasão dos
destruidores.
WAWA: É muita pretensão sua pensar que sozinha terá o poder para tanto.
BILU: Então não pretende ceder–me sequer uma página... Vossa Alteza?
WAWA: Jamais. Não pense que terá tratamento especial por causa de suas
notas ou porque tem certa fama por aí. Eu me nego a fornecer esse tipo de
favoritismo. Se quer mesmo saber, eu mesmo NÃO TENHO ACESSO ao GG.
Creio que isso encerra o assunto.
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Ela estava me atacando com o gênio de Tchei. Não haveria forma mais cruel
de me matar.
Mas aquilo que aconteceu... eu não esperava.
A princesa enrolou seu gênio junto com a própria alma. Wakwa fez o
mesmo.
– Aven!
O príncipe sabia usar magia dos destruidores. Meu queixo caiu.
Também fiquei surpresa ao ver que a princesa ainda tinha um pedaço de
alma para ser enrolado. Então seu gênio maligno ainda não tomara todo seu ser.
Os dois estavam apertando o peito quando usaram essa magia. Aquilo
consumia uma parte do coração.
E aquela princesa era tão poderosa que enquanto se concentrava numa
batalha de vida ou morte ainda teve força o suficiente para me atacar com o
gênio de Tchei.
– Dada! Adad!
Iopera foi partido ao meio.
– Nããão! DROGA!
Cobri o rosto com as mãos. Eu não queria ver.
– Eu não morri, Bilubelei! Mas eu estou morrendo... preciso da sua alma.
Iopera retornou para dentro de mim para enrolar–se em minha alma e
restabelecer suas forças. Contudo, aquele foi um golpe certeiro: a cauda de
Iopera foi cortada; através disso, eu havia perdido meu segundo desejo.
Mas eu ainda possuía minha vida. E meu desejo final no momento da morte.
Eu não permitiria que a princesa dos destruidores arrancasse isso de mim.
Ela tinha matado meu amigo, cortado sua alma e roubado seu gênio. Havia
perfurado os olhos do príncipe.
Estava na hora de fazê–la pagar.
Segurei uma enorme tora de madeira e com ela golpeei a cabeça da princesa.
Permanecia a golpear repetidas vezes o seu corpo magro. Se minha magia não
podia vencê–la, eu iria jogar sujo. Tão sujo quanto eu fosse capaz, pois salvar a
vida de Wakwa e vingar Tchei estava acima do valor da minha vida e da minha
honra.
Mas a princesa não era assim tão fraca. Ela desenrolou a alma do seu gênio e
inspirou–a. Soprou a alma para fora e com ela traçou no ar um selo
tridimensional.
Com três quadrados entrelaçados envoltos por uma frase de poder no
idioma dos destruidores, ela decepou o meu braço direito que erguia a tora.
Berrei até arranhar minha garganta.
Aquele seria meu fim. E também o final de Wakwa. Os construtores
estavam condenados.
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– E assim ele morreu, mas não como quem morre aos poucos, desejando
manter seus pedaços. Ele perdeu essa vida como aquele que se livrou dela com
gosto, com paixão e, sobretudo, com misericórdia por todos aqueles que ainda
viviam e não sabiam como se falece com o orgulho do fim.
A cada palavra que eu pronunciava, uma parte do selo de proteção era
traçado. O selo de ataque ia se desenhando, até que o efeito era gerado. Assim
que a última sílaba era pronunciada, certo efeito ocorria. Aquela passagem
gerava um aperto no coração da vítima que poderia ser fatal, dependendo da
intensidade.
– Essa passagem é sobre suicídio?
– Não. É sobre um paciente com doença terminal. Ele aprendeu a morrer e
sentiu–se orgulhoso por sua vida. Amava tanto a vida como a morte, portanto,
teve uma existência completa.
A passagem recitada tinha muito mais poder quando se havia lido o livro na
íntegra. Assim, a força do trecho gerava as lembranças de toda a história.
– Eu aprendi uma técnica genial na aula de prosa mágica III. Acrescente no
final da recitação o nome da obra, seguida pelo nome do autor. A força da
eficácia mágica aumenta imensamente. Experimente!
Elina era de uma série mais avançada que a minha, então sempre me dava
ótimas dicas. Resolvi experimentar.
– “A força de um desejo? Não. Antes, o poder de uma vontade já saciada.
As velas de aniversário são sopradas e o bolo consumido. Uma vida foi vivida e
o túmulo não mais tem cheiro de flores e lágrimas, mas do chocolate do último
bolo cujas velas jamais foram apagadas”. Vontade Invertida, Verino Mahapatch.
Eu senti uma sensação muito mais poderosa. O efeito mágico de fato se
estendeu.
– Mas tente usar uma passagem mais emocionante!
– A lembrança dessa passagem gera efeito em mim. Não é isso que importa?
– Sim, mas é bom que também intimide o adversário, como um grito de
guerra. Deve gerar impressão forte em ambos!
Eu simplesmente amava aquele sistema de magia dos livreiros.
Tentei algo mais efetivo.
– “Repudio as nojentas verdades! Eu amo as mentiras, principalmente
aquelas que salvam minha vida por dentro, enquanto morro por fora. Pois de
nada adianta um corpo sem espírito. Que essa carne fraca apodreça, pois busco
somente o espírito invencível!” Carne de Rei, Meli Reah!
Aquela passagem foi tão impactante que rachei o chão com ela. Foi incrível.
Eu estava realizando recitações no corredor do colégio e fiz isso bem alto. Fui
até aplaudida, enquanto alguns ainda riam com o susto.
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– Bilubelei, hã? Vou me lembrar desse nome. Agora só falta escrever o seu
próprio grimório, para que eu rache o chão com um trecho dele!
As pessoas me diziam coisas assim. Eu ainda estava em dúvida se ia me
especializar em leitura ou escrita. Para mim, ler compulsivamente e admirar o
trabalho dos autores famosos sempre foi tão natural que jamais cogitei a
segunda opção.
– Você sabe que se for a autora do grimório e ler um trecho seu isso gera
ainda mais poder, certo?
– Mas isso retira a possibilidade de tornar–me especialista em trechos de
múltiplos autores. Essa alternativa aumenta as emoções geradas e áreas da magia
utilizadas.
– É verdade que se você só recita coisas suas irá explorar somente um estilo
de magia. A vantagem será que o conhecerá a fundo. Em compensação, se não
funcionar estará com a guarda aberta.
– Se bem que... também existe aquela magia maluca de escrever um trecho
para recitação na ocasião de batalha. Isso é semelhante à disputa de poemas,
mas é mais como narrar a batalha no próprio momento em que ela ocorre!
Como um fotógrafo indiscreto retratando a morte em campo de guerra. É
fascinante, e, ao mesmo tempo, que ousadia!
Um bardo cantando com seu alaúde. Aquele pensamento me soava tão
petulante e, ao mesmo tempo, tão mágico: escrever a magia no instante da
batalha!
Eu já tinha assistido a alguns duelos desse tipo. Era engraçado demais. Mas
era perturbador pensar em utilizar aquele tipo de atrevimento contra os
destruidores. Se entendessem minha língua iam pensar que eu estava zombando
deles. Podiam ficar irados!
Mas se eu realmente pretendia me vingar deles, possivelmente não haveria
melhor método.
Por isso, resolvi aprender um pouco de cada. Eu queria carregar comigo
alguns livros para recitações. E, ao mesmo tempo, eu carregaria livros em
branco para escrever algo no instante em que a batalha me inspirasse. De quebra,
ia deixar alguns livros meus prontos para uso.
Conforme os anos se passavam, fui reunindo material dos meus autores
favoritos. Muitos livros da biblioteca estavam repletos de riscos, páginas
marcadas e trechos circulados, já que se tratavam dos trechos mágicos
selecionados por alunos. Meus próprios livros estavam completamente
rabiscados.
Alguns de meus “grimórios literários” estavam inclusive autografados pelos
autores. E eu fazia questão de pedir o autógrafo exatamente ao lado do meu
trecho preferido. Era assim que funcionava no mundo dos livreiros: nada de
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Eu baixei os olhos.
– Nhanha... eles capturaram Wakwa.
– E por que ainda não foi salvá–lo...? Pensei que ele estava morto, como
todos os outros!
– Eu não era forte o suficiente para resgatá–lo. E agora os destruidores estão
ainda mais poderosos. Não sei dizer se foi melhor ou pior esperar.
– Estou cansada de pessoas me dizendo o que devo fazer. Não me importo
de jogar minha vida fora. O pensamento de não fazer nada me faz pirar.
Eu entendia perfeitamente aquele sentimento.
– Vá lá matar–se com sua contraparte. Pelo menos não o fará só. Terei que
encontrar outro magista para me trazer os grimórios.
– Eu não temo os destruidores. Tudo o que você deseja são grimórios com
textos poderosos, escritos a suor e sangue, para que suas recitações literárias
gerem efeitos assombrosos. Eu não quero ser forte. Apenas preciso matá–lo.
– Quem você quer matar, Nhanha?
– O desgraçado que arrancou minhas pernas.
– Eu fui atacada pela princesa dos destruidores. Quero a cabeça dela.
Relatei a ela a história completa. Nhanha ficou chocada.
– Ela tem o gênio de Tchei! Ele era um admirável mago. Sempre pensei que
se alguém fosse escapar vivo dessa seria ele e o príncipe. A situação atual é
inacreditável. E que aconteceu aos outros?
Balancei a cabeça, indicando que eu nada sabia. Nhanha suspirou.
– Não me importo mais com o GG ou GGM. Nós aprendemos técnicas que
eles desconhecem. Possuem outras bases. O imbecil que me atacou se assustou
até com o “Mera”. Eles estão tão acostumados em utilizar magias
poderosíssimas que se confundem perto de algo fraco. Essa será nossa maior
arma.
– Minha magia não é fraca.
Eu concordei em fazer aquela viagem. Não importava mais quem estava
vivo ou morto. Algumas vezes eu preferia estar morta para não recordar daquele
horror.
A maga da montanha não nos impediu. Viajamos de navio. Sabíamos que
haveria outros passageiros esquisitos naquela viagem, mas não fomos lá para
fazer turismo. Na verdade, os poucos que souberam que pretendíamos
desembarcar na terra dos destruidores ficaram bem assustados. Poucos se
aproximavam de nós.
– A raiz do seu cabelo está ficando negra. Então a tinta está realmente
saindo.
– Isso significa que estarei em minha melhor forma para combater os
destruidores.
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Eu ainda tinha meu MEP, mas eu já sabia que não seria de muita valia.
Os passageiros nos olhavam com ainda mais estranheza porque alguns
foram informados que éramos construtoras. Talvez o motivo de irmos para
aquela terra tenha se tornado subitamente óbvio?
Meus trajes eram relativamente normais, da terra dos livreiros. Roupas
discretas, como os senhores respeitáveis de lá gostavam de usar. As roupas de
Nhanha eram ligeiramente mais extravagantes, assim como seus cabelos naquela
cor berrante. Afinal, os habitantes da terra dos símbolos apreciavam ousar de
uma forma mais explícita.
Portanto, éramos uma mistura meio exótica de origens e objetivos. Sabíamos
bem que havia terras lendárias e distantes com outros tipos de concepções.
Contudo, eu nunca tinha ouvido falar de algo mais extremo que o caminho dos
destruidores.
– Tentei roubar a página do GGM do meu professor. Não fui bem sucedida.
– Eu gostaria de solucionar o grande quebra–cabeça dos grimórios. Parece
que eles se encaixam. Isso inclui o GG, GGM e mais alguns volumes.
Era mágico nos lembrarmos de tantos mistérios enquanto fitávamos a
imensidão do azul do mar. Logo, o mar tornou–se negro quando caiu a noite.
O frio preencheu nossas entranhas. Quando o navio se aproximou daquela
terra senti que até o ar havia mudado.
Os passageiros ficaram com muito medo quando chegamos àquele porto.
Queriam que o navio partisse de uma vez. Nós duas desembarcamos.
Somente nós. Deviam pensar que éramos loucas.
– Os destruidores não viajam de navio, certo?
– Nenhum deles teria dinheiro para isso. Além do mais, eles têm suas
próprias embarcações macabras que usaram para chegar até aqui. Eles são muito
unidos como povo e têm muito orgulho do que conquistaram. Não desejam se
misturar. Provavelmente jamais deixarão essa terra.
Não havia luz em nenhum lugar. Se planejávamos encontrar algum hotel
para passar a noite, estávamos enganadas. Eles tinham derrubado quase todas as
nossas habitações. Não gostavam de casas. Dormir ao relento os deixava mais
fortes; às vezes dormiam até sentados ou de pé.
Era desconfortável estar no escuro, sabendo que os destruidores poderiam
sentir nossos gênios a qualquer momento.
Decidimos sentar ali mesmo ao redor do porto e dormir. Precisávamos
enxergar alguma coisa, então restava aguardar o dia.
– Foi uma estupidez vir a esse lugar durante a noite. Nunca imaginei que os
destruidores fossem tão pobres que não possuíssem uma única fonte de luz.
Eles não sabem nem fazer fogo? E de tão burros devem ter destruído todas as
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Fábula dos Gênios
nossas luzes e fontes de luz, junto com todo o resto. Se duvidar, jogaram fora
até nossa comida.
– Eles não são burros, Nhanha. Eles ganharam a guerra. Aprenderam a viver
com o mínimo necessário e desejam permanecer desse jeito, já que essa seria a
fonte de suas forças.
De certa forma, era como se eles soubessem exatamente o que estavam
fazendo. Aos nossos olhos, tudo aquilo soava como uma péssima escolha. Mas
eles tinham uma forma única de ver o mundo. Funcionava para eles; e muito
bem, já que colocavam tanto valor na busca do poder.
– Algumas vezes eu desejava mostrar a eles que a vida é mais do que ficar
mais forte e ser o melhor. Eles só se reproduzem para que seu povo não
desapareça. Ainda assim, não se importam de matar uns aos outros em duelos,
para que sobrevivam somente os fortes. Eles jogam as crianças em meio aos
animais nas florestas, para que arrumem sozinhas suas fontes de sobrevivência.
Isso é tão insano!
– Mas não viemos aqui para dar sorvetes a eles. Viemos matá–los. Eles não
temem a morte porque a vida deles já é ruim o suficiente. Não vão perder nada
morrendo, pois nunca tiveram nada. Se for esse o raciocínio que usam, eles são
invencíveis.
– Errado. Se você não tiver algo de valor que te dê vontade de viver, como
pessoas especiais e outras coisas importantes, não dará o máximo de si numa
luta. A força deles também é a maior fraqueza que possuem. Eles fazem guerra
porque isso é somente um jogo divertido. Se você não possui uma motivação
mais poderosa, qualquer hora será derrotado. E a hora dos destruidores chegou.
Porque nós, construtores, temos algo de valor a construir em nossas vidas; não
somente destruir pelo prazer do fim.
O mundo sem luzes. Aquilo era aterrador. Fazia meu coração bater mais
forte.
Era ingenuidade nossa pensar que seríamos capazes de matar um destruidor.
Nem mesmo com a magia da ligação, que era nossa mais poderosa arma, seria
possível. Se conseguíssemos resgatar o príncipe e sair de lá em segurança, já
seria um feito extraordinário.
Derramar uma gota de sangue de um destruidor? Mesmo se tivessem sangue
a correr nas veias, as crianças que nos atacaram naquele dia já eram adultas.
Provavelmente substituíram suas almas e corações pelo gênio maligno.
Transformaram–se numa muralha de diamante.
“Que estou fazendo aqui...?”
– Nhanha, quando acordarmos iremos até o palácio real. A princesa deve
estar lá. Wakwa deve estar mantido prisioneiro nas masmorras.
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Wanju Duli
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Fábula dos Gênios
Numa das peças estava escrito “GG”; na seguinte, “GGM”; havia uma
terceira em que “AVB” eram as iniciais. E depois...
Meu coração pulou. Escutei um movimento e saltei os degraus da escada em
disparada.
Atingi o calabouço. No interior dos cárceres havia alguns esqueletos e um
cheiro bem desagradável.
Até que eu o encontrei: talvez o único ser com um resto de vida naquele
ambiente de morte. Wakwa, com os braços acorrentados, sujo, magro, com
roupas rasgadas. Mais se parecia com um destruidor.
Aqueles olhos amarelos brilhavam, muito vívidos. Então ele não estava mais
cego...? Os destruidores seriam capazes de reverter certos processos mágicos
realizados por eles mesmos.
Mas não importava mais se ele era capaz de ver ou não. Seu corpo tinha
traços evidentes de tortura. Muitos machucados na face, alguns dentes faltando.
Ele mal me reconheceu.
Agarrei as grades e chamei o nome dele.
Wakwa voltou os olhos na minha direção. Ele não sabia quem eu era. Talvez
pensasse que seria torturado novamente e não ousou se mexer.
– Eu duvidaria que esse é mesmo o príncipe se eu não sentisse tão
fortemente a presença de seu gênio.
– Então eles não o forçaram a usar a magia dos gênios malignos?
– Ele ainda tem um resto de alma. O processo não está completo, mas
parece–me que algumas experiências cruéis foram realizadas.
– Eu devia ter vindo resgatá–lo sete anos atrás. Os destruidores não estão
protegendo esse palácio! Eles pensam que ninguém ousará se aproximar dessa
terra, por medo. Mas aqui estou eu! Vim salvá–lo, Wakwa. Vou quebrar essa
grade.
Recitei a magia de um dos meus grimórios. Rompi a tranca facilmente.
Aquilo significava duas coisas: os destruidores não se preocuparam em lançar
uma magia forte para proteger aquela tranca e o meu poder havia aumentado
muito após sete anos.
Fui até Wakwa e tentei comunicar–me com ele. Wakwa apenas fitava meu
rosto com dificuldade. Embora pudesse enxergar, parecia que sua visão estava
seriamente prejudicada.
– Esqueça, ele não vai reconhecê–la. Pegue–o e dê o fora daqui antes que te
encontrem.
– Mas...
– Esqueça os grimórios e sua vingança. O mais importante é tirá–lo daqui
em segurança.
– O gênio de Tchei...
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Wanju Duli
– Não ouviu o que eu disse? Primeiro leve o príncipe para fora desse país.
Outra hora você retorna para brigar com a princesa e salvar o gênio.
Tentei segurar Wakwa, mas ele tremia e se afastava. Por fim, ele não teve
mais forças para resistir. Segurei–o nas costas e surpreendi–me ao ver como
estava leve. Estava quase pele e osso. Vestia uns farrapos velhos de roupas dos
destruidores.
Era provável que tivesse alguém no palácio, pois eu escutei um movimento.
Será que minha presença era tão insignificante que não exigia atenção? Uma
barata caminhando pelas masmorras, talvez?
“Será que os destruidores são burros mesmos?” Provavelmente aquilo era
excesso de confiança. Se em sete anos não apareceu ninguém para salvar o
príncipe, eles não iam perder o precioso tempo de treinamento mágico louco
deles protegendo um construtor que mal era capaz de se mover, muito menos
de usar magia.
Eles não se preocupavam em comer, em dormir, em acender luzes, em
proteger o país... focavam–se apenas numa única coisa: a busca desesperada por
mais poder.
Por isso, eu consegui retornar ao porto com Wakwa nas costas, embora meu
coração batesse loucamente enquanto eu caminhava em passos apressados. Eu
sabia que a qualquer momento algum destruidor poderia aparecer.
– Maldição, Nhanha! Onde se meteu?
Ela ainda estava lutando com o destruidor? Resolvi fazer uma coisa bem
idiota: liguei para ela pelo celular.
E não é que ela atendeu?
– Já resgatei Wakwa! Venha rápido até o porto. Só tem um barco e
precisamos ir embora logo antes que os destruidores nos encontrem.
– Eu sei que está no porto. Sentimos os gênios de vocês desde que pisaram
aqui. Permitimos que brincassem. Pode levar embora esse príncipe fraco. Não
precisamos mais dele.
Quando escutei aquela voz, meu coração gelou.
Aquelas não eram palavras de um adolescente. Soava como a fala de um
homem com mais de quarenta anos.
Eu já tinha ouvido falar que havia destruidores que conheciam nossa língua.
Ele devia ser uma dessas raras pessoas, pois a maior parte dos destruidores mal
sabia ler e escrever em seu próprio idioma.
Pensei que minha voz não fosse mais voltar. Quando retornou, saiu trêmula.
Eu temia a resposta daquela pergunta.
– Onde está Nhahia?
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Fábula dos Gênios
– Ela não está morta, pois essa seria uma boa notícia. Fizemos a ela algo pior
que a morte. Sugiro que se retire daqui antes que prove na alma o peso da magia
dos gênios malignos.
A ligação foi subitamente interrompida.
Eu voltaria para tentar salvar Nhahia somente para matar a mim e a Wakwa
ou eu aceitaria a misericórdia dos destruidores?
Tremendo de medo, pulei no barco, trazendo Wakwa comigo.
– Desculpe, Nhanha.
E remei, sem olhar para trás.
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– Você foi longe demais na sua técnica de importunar pessoas. Isso porque
você também é uma idiota.
– Eu vou te vender para um banco de dados, ouviu bem? Não acredito que
nem meu próprio gênio me respeita. Logo eu que sou tão maravilhosa.
Tchei ficou todo assustado e me obedeceu. Era uma situação irregular, mas
sabíamos que éramos a ligação um do outro. Eu fiquei furiosa quando descobri
que meu gênio estava ligado com o daquele panaca. Por isso, desde então
tenho–o maltratado muito, para me aproveitar dele.
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– Eu não posso me salvar com essa magia, pois para fazê–la eu preciso ter
uma ligação. Ora, já cansei de ouvi–la. Vou–me embora. Desperdicei uma gota
de sangue, tão cara para mim agora que estou faminta e fraca. Adeus!
Mas eu não tinha para onde ir. Vaguei pela floresta por muito tempo ainda.
Não encontrei mais frutos. Eu senti que não aguentaria continuar viva,
principalmente porque não tinha mais nenhuma esperança.
– Se desejar, posso te dar uma carta.
– Você de novo?
– Pegue, esta é sua.
E ela me entregou aquela carta assustadora que eu havia retirado outrora.
Uma péssima companhia para a viagem.
Decidi encostar–me sob uma árvore. Quando se passa fome, o ideal é
permanecer sem se mover, para gastar menos energia.
Até que a carta começou a mexer comigo. Eu me senti diferente ao carregá–
la. Havia uma energia estranha nela.
Quando despertei no dia seguinte, havia um naco de pão sobre as minhas
vestes. Olhei para os lados e não vi ninguém. Comi com gosto, mas ainda não
sabia de onde vinha.
No próximo dia, havia a fatia de algo que parecia um bolinho. E assim
seguiu–se nos próximos dias. A comida sempre surgia perto da carta.
– Que acha disso, Papaza?
– Está vindo a partir da carta. Eu vi quando aconteceu.
Mas eu não encontrei mais a adivinha para perguntar a ela sobre isso.
Resolvi caminhar até a cidade, pois pãezinhos e bolinhos não iriam me
sustentar. Descobri que eu estava na terra da divinação. Consegui um emprego
como faxineira. Eu não teria nenhuma chance de frequentar uma escola de
magia, já que eu era estrangeira e não tinha um tostão. O salário que recebi só
daria para comer e mais nada.
– A carta continua trazendo comida. Ontem foi um abacate e hoje um
ovinho.
– Eu me pergunto se os destruidores conhecem uma magia como essa.
Conforme os meses passavam, eu juntava alguns centavos do meu salário.
Até que, após um ano, consegui comprar um livro.
Era um grimório ensinando algumas magias simples dos adivinhos. Aquele
volume explicava um pouco sobre diferentes baralhos e outros métodos
divinatórios, como magia com espelhos.
Eu o estudei com afinco. Não encontrei nada sobre a minha carta. Mesmo
assim, eu testava algumas magias e era estimulante. Sempre que eu via meu
reflexo em algum lugar, tentava aplicar a técnica.
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Meu coração bateu mais forte quando digitei aquilo. Mas ele demorou
bastante para me responder. Até cheguei a desconfiar que fosse outra pessoa na
conta dele.
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MOMO: Eu não vou permitir. Parece que alguns construtores mais velhos
também escaparam. Isto é, os que tinham quase 21 e ainda não tinham realizado
sua ligação já morerram. Mas aqueles maiores de 21 ou com um ou dois anos a
mais que nós ainda vivem. E vão nos ajudar nessa batalha.
ARARA: Quantos somos ao todo?
MOMO: Não mais que vinte, ao que parece. Muitos cometeram suicídio nos
abrigos, o que foi uma desgraça. Mas esse suicídio que realizaremos em breve ao
atacá–los ficará na história.
ARARA: Não quero entrar para a história.
MOMO: Você não quer nada, apenas fugir. Agora, com licença, estou
perdendo meu tempo conversando com uma traidora. Continue aí escondida e
tenha uma morte tranquila numa cama, como deseja, enquanto nós nos
lançaremos para a morte, tendo o corpo destroçado e a alma despedaçada. Mas
morreremos com orgulho no coração.
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– Espere, mestra. Eu conheço essa voz. Ela está diferente, mas.... não pode
ser.
A porta se abriu. Vi Bilubelei diante de mim, com seus longos cabelos, seus
olhos vermelhos e sem um braço.
– Pelos gênios... Varra!
Fiquei sem saber como agir. Achei que um abraço seria inapropriado, então
apenas aceitei o convite para entrar.
– Há mais alguém comigo.
– Quem? Nhanha?
– Não.
Ela me mostrou quem estava deitado na cama de um dos quartos.
– Não me diga que é Wakwa? Está quase irreconhecível!
– Ele foi mantido como prisioneiro pelos destruidores durante todos esses
anos.
– Isso é insano...! Não me diga que foi até lá para salvá–lo?
– Exato. Fomos há quatro meses. Nhahia foi capturada. Preciso voltar para
buscá–la, mas... Wakwa precisa se recuperar antes, pois ele quer ir comigo.
– Isso é suicídio!
– Não é. Teremos um filho antes de ir, pois se um de nós morrer, o outro
poderá continuar a viver.
Pensei não ter ouvido direito. Mas ela falou com muita clareza para ser um
engano. Eu me surpreendi.
– Wakwa é sua ligação.
– Iremos demorar mais de um ano antes de salvarmos Nhahia. Levarei nove
meses para ter o bebê e Wakwa não tem condições de me engravidar agora, pois
ele ainda está se recuperando do choque físico e psicológico do contato com os
destruidores.
– Você acha mesmo que Nhanha vai sobreviver em meio àquele povo
desgraçado por mais um ano? Capaz de já ter morrido a essa altura. E se
pretendem salvá–la quando ela tiver 19 ou 20 anos, ela só terá mais um ou dois
anos de vida. Assim como eu.
– Mesmo que ela fosse viver por apenas mais um dia, eu voltaria para salvá–
la. Para dar a ela um último dia ao nosso lado, que somos os amigos dela. Para
que possamos nos divertir juntos no final.
– Isso não se parece muito com o discurso da contraparte que a abandonou
num covil de leões para ser devorada.
– Eu não poderia colocar Wakwa em risco. E o que me diz de você, Varra?
Quantos destruidores matou para sair ilesa? Você deve ser muito poderosa.
Eu senti a ironia evidente na voz dela.
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– Talvez você sentisse o mesmo por ela? Então seu masoquismo está
confirmado. Ouviu isso, Bilu? Ele estava gostando de ser torturado pela
princesa dos destruidores. Você devia ter deixado Wakwa lá.
– Os sentimentos e as fantasias de Wakwa não dizem respeito a mim. Eu
não o amo. Ele é minha ligação porque assim foi determinado no nascimento.
Terei esse bebê para salvar a nós dois. E irei matar os destruidores para vingar
nosso povo. Irei vingar Wakwa pela amizade que temos. Isso é tudo. Se sairmos
vivos dessa, cada um seguirá o seu caminho.
– Esse é o caso, Varra. Eu e Bilubelei somos somente amigos e respeitamos
um ao outro. Eu tenho interesse em magia de meditação e irei partir para uma
terra distante um dia. Bilubelei estudará a magia dos livreiros ou o que ela
desejar. Quanto ao filho, ele também será levado ao país que possua a magia
com a qual se identifique. Não é assim que nós, construtores, costumamos agir?
Aquilo era verdade. A maioria de nós vivíamos sozinhos desde a infância,
pois nossos pais não viviam juntos. Geralmente viajavam, também moravam sós
ou com amigos e companheiros do mesmo sexo. Era raríssimo um caso em que
a ligação se apaixonasse. Eu sinceramente não tinha ouvido falar de nenhum
caso assim, mas nossa história registrou alguns. Uma história tão fantasiosa que
mais parecia um filme.
Eu, por exemplo, sempre odiei Tchei. Wakwa e Bilubelei não sentiam
atração um pelo outro além da amizade e respeito. E aquilo terminava assim,
certo?
Wakwa queria matar os destruidores. Mesmo que sentisse alguma atração
por um deles, seu desejo de vingança e sua honra superavam. Além do mais, era
suicídio apaixonar–se por alguém de sexo oposto que não fosse sua ligação. Por
isso a maior parte escolhia um companheiro do mesmo sexo para viver junto.
Geralmente a contraparte.
– Bem, eu só espero que Nhahia sobreviva, embora isso seja improvável.
– O destruidor me informou que fez a ela algo pior que a morte. Se ele
tomou a alma ou o gênio, não sei se ainda será possível salvá–la. A princesa ou o
rei estão com o gênio de Tchei. Então quando voltarmos lá, espero que
possamos ao menos salvar os gênios...
Uma esperança tola. Ainda assim, era uma esperança. Algo que eu havia
perdido há muito tempo. Somente os tolos acreditavam nisso.
É por isso que algumas vezes vale a pena ser um tolo. Transformar o
impossível em possível sempre foi coisa de contos de fadas... certo?
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Fábula dos Gênios
Foi desse jeito que a luta terminou. Não que eu esperasse um resultado
diferente: uma construtora numa cadeira de rodas usando um sistema mágico de
uma terra distante contra um destruidor adulto que dominava completamente a
magia dos gênios malignos.
Mesmo assim, me deu gosto ser parte daquela batalha. Certo, ele não era um
adulto. Era um adolescente, como eu. Mas... ele era um destruidor, cara! Até
como criança ele já tinha me ferrrado. Caramba...
Quando eu o avistei, mesmo de longe, tive certeza de que era ele. Ele usava
um daqueles mantos verdes com remendos marrons, assim como todos os
outros destruidores. Para se camuflar nas florestas, hã? Não importava o motivo.
Aquele manto velho e remendado agora era símbolo de poder e terror. A
pobreza deles era suprema.
“Eu admiro os destruidores ou quero matá–los, afinal?”.
No fundo a resposta para isso era muito simples: os construtores não os
ajudaram quando precisavam, então por esse motivo eu sentia simpatia por eles.
Mas o fato de terem destruído meu povo era imperdoável. Então o desejo de
matá–los era muito mais poderoso.
Por isso, nem esperei que o destruidor se virasse e ataquei. Mas ele já sabia
que eu estava por perto, pois me sentiu.
Tracei os meus selos de ataque, repletos de cálculos. Aquele destruidor
certamente não sabia nada de matemática e seria incapaz de romper os meus
selos. Foi o que pensei...
Eu era tola. Ingênua. Burra! Ele rasgava dimensões como quem brinca de
respirar. Ele seria capaz de parar qualquer feitiço que eu lançasse. Para ele as
barreiras do tempo e espaço eram um joguinho divertido.
Mas digamos que eu o impressionei ligeiramente por utilizar um selo
tridimensional. Da primeira vez que batalhamos, eu mal sabia traçar um selo
direito.
Aquela batalha poderia ter sido muito mais longa e emocionante. Mas eu
estraguei tudo com minha fraqueza.
Pensei que o veria traçar um selo completamente maluco com algumas
dezenas ou centenas de dimensões, mas não... bastou um selo bem simples pra
me derrubar da cadeira de rodas.
Eu não me importei. Mesmo caída no chão, continuei a lançar todos os selos
que sabia, com todas as formas geométricas que estudei e pude combinar.
Realizei os cálculos mais loucos que minha mente conseguiu conceber naquele
momento de nervosismo.
Ele percebeu meu medo. Deve ter sentido pena. Por um momento notei que
ele apenas assistiu o que eu fazia com curiosidade, sem impedir.
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Wanju Duli
Então eu não era apenas um inseto incômodo a ser esmagado com o pé. Até
um destruidor estava curioso para ver o que eu faria com aquele monte de
desenhos simplórios que eu traçava no ar, hã?
Se eu tivesse usado aquela técnica quando enfrentei o destruidor criança, era
bastante provável que isso tivesse trazido problemas a ele. Eu acho...
Já o destruidor adolescente me fitava como quem acha gracioso uma criança
que desenha rabiscos tortos num pedaço de papel. Com a diferença de que ele
não me fitava com simpatia e sim com uma seriedade severa. E talvez com um
pouco de indiferença. Estava apenas levemente intrigado.
Mas ele permitiu que eu fizesse aquilo apenas por breves segundos.
– Arem.
Quando ele pronunciou aquilo, houve um corte fundo no meu rosto, que
também atingiu uma parte do pescoço e do ombro. O sangue pingou no chão.
O susto que eu levei foi imenso. Ele lembrava daquela magia! Wakwa tinha
usado nele. Ele... usou o nosso “Mera” ao contrário!
“Miserável...!”
Aquilo era o bastante. Com isso ele provou que não importava o sistema que
usasse, o poder estava nele. Era impossível vencê–lo.
Eu sempre esperei por aquele duelo. Sonhei com ele. Na minha mente,
duelávamos ferozmente, eu lançando meu selo, ele quebrando o meu e
devolvendo com outro, eu rebatendo. Mas aquilo era só uma fantasia estúpida
da minha cabeça.
“Ou ele é um dos mais poderosos destruidores, ou os destruidores são
monstros”.
Um prodígio?
Um gênio.
O destruidor chamou seu gênio. Mas dessa vez ele não grunhiu.
– Basza.
Na verdade ele parecia muito calmo. Nem conseguia sentir o fervor da
batalha, que já estava ganha.
O gênio dele havia se tornado gigantesco e imponente. Enquanto o meu
continuava pequenino e comum, como sempre.
– Bapsi!
Quando eu chamava Bapsi, sentia um fervor no coração. Meus batimentos e
minha respiração se alteravam. Aquilo, junto à adrenalina da batalha, era
extraordinário.
Eu também sentia uma pressão forte nos olhos. É claro: Bapsi desenrolava–
se de minha alma e ela ficava vulnerável nesse momento. Por isso eu sentia dor
nos olhos. Mas aquilo somente aumentava meu ardor.
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Fábula dos Gênios
– Bapsi, você vai morrer agora. Você sabe, certo? Viu o tamanho e
magnificência desse gênio.
– Eu sei!
Bapsi não parecia a fim de papo. Também era emocionante para ele poder
lutar contra um gênio tão forte. E também era meio nostálgico. Tanto para mim
quanto para Bapsi. Pensando bem, talvez o fosse para nós quatro. Eu não sabia
como pensavam os destruidores ou os gênios malignos.
Da primeira vez, o destruidor teve dificuldade para controlar seu gênio.
Achei que aquilo tinha acontecido por ele ser uma criança. Eu não esperava que
fosse ocorrer uma segunda vez.
Embora possuísse maestria sobre os selos multidimensionais, o destruidor
pareceu meio confuso ao não conseguir mandar o seu gênio atacar o meu.
Dessa vez ele grunhiu alguma coisa para seu gênio. Era em seu idioma. Eu
não entendi. Era a primeira vez que eu via aquele destruidor falar frases
completas.
Ele estava meio zangado. Sugou o gênio de volta. Aquilo era bem
impressionante, pois ele parecia uma pessoa bastante séria e contida.
A voz dele estava bem mais grave do que eu me lembrava. Eu estava tão
envolvida observando os detalhes que nem me lembrei de atacá–lo enquanto ele
estivesse distraído.
Mas minhas magias simplesmente não davam certo! Por isso, embora eu não
pudesse caminhar, arrastei–me no chão com os braços.
– Bapsi, ataque–o! Mate o gênio dele!!
– Eu não posso, Nhanha!
– Eu sei que você não pode, mas ao menos tente, covarde!
Resolvi não contar com Bapsi. Aproximei–me do destruidor e segurei–o
pelo tornozelo. Hora de apelar para a força bruta. Mesmo estando mais alto, ele
ainda continuava fraco e magrelo. Azar o dele!
Puxei–o pela perna e derrubei–o no chão. Dei alguns socos nele. Ele tentava
se defender com os braços, mas logo se cansou de brincar. Ia usar magia.
Foi naquele exato instante que me dei conta de uma coisa completamente
maluca.
Os destruidores possuíam versões reversas de nossas magias, certo? Então
era óbvio que possuiriam uma versão refinada da nossa magia mais poderosa.
“Os destruidores também têm ligações”.
Por isso eles só nos atacavam de longe. Mas o sistema deles devia ser
diferente. Eu desejei testar o quanto éramos diferentes.
Aquilo poderia me matar, mas eu morreria de qualquer forma. Então eu iria
levá–lo junto!
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Era terrível quando ele torturava meu corpo com magia, mas a dor na alma
era muito mais intensa. Simplesmente inexplicável: não era bem dor, era uma
agonia psicológica sufocante.
Mas ele nunca tocava em Bapsi. No começo eu pensei que era porque
gênios eram valiosos e ele pretendia roubar o meu.
Nunca me passou pela cabeça que ele não machucava Bapsi simplesmente
porque não conseguia.
Ele tentou. Chamou seu gênio algumas vezes, mas cada vez que ele o usava,
falhava. Notei que ele não ficava tranquilo em expor suas falhas na minha frente.
Por isso, ele nunca me torturava diretamente com seu gênio. Isso significava que
ele não seria capaz de usar em mim as magias mais poderosas do GGM. Afinal,
havia algumas que combinavam evocação de gênios com selos
multidimensionais. Isso seria muito efetivo.
Bastaram alguns dias para que eu apagasse da minha mente o desejo de ter
um destruidor como mestre. Eles eram animais sádicos. Ele não se cansava de
usar aquelas magias malditas. Esticava minha alma, feria meu corpo. Tudo isso
sem encostar um dedo em mim. Tudo com a mente.
Por um lado, era fascinante. Eu finalmente estava conhecendo algumas
possibilidades fantásticas do grimório secreto. Por outro lado, aquilo me fez
odiar o GGM. Ele significava dor extrema. E de que adiantava se eu não sabia
como aquilo era feito?
Quando o tradutor aparecia eu ficava contente, pois significava que a
comida estava chegando. A comida deles era ruim demais: uma papa com um
monte de coisas de gosto horrível misturadas. Devia haver carne, alho, manteiga,
leite, eu nem sabia identificar que gosto maldito era aquele. Os destruidores
eram péssimos cozinheiros.
Mesmo assim, sempre que a carne mergulhada no leite chegava, era o único
momento feliz do meu dia. Embora aquele destruidor fosse mais ranzinza, ele
trazia nas mãos alegria. Enquanto o destruidor mais calmo e sério trazia apenas
sofrimento.
Eu gostava de aproveitar a presença do tradutor para tentar puxar papo,
embora ele desse pouca atenção ao que eu dizia.
– Essa carne é de quê?
– Carne de destruidores mortos em batalha. Leite de morcego.
Fiquei sem fala diante dessa resposta. Tive vontade de vomitar a comida,
mas eu não tinha escolha.
– Eu queria uns vegetais.
No dia seguinte, ele me trouxe vegetais estranhos e amarelos com gosto
ainda pior que o da carne. Eu sabia que não conseguiria me manter somente
com vegetais crus. Eu precisava, sobretudo, de algo cozido.
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– Bapsi, eu juro que não vou ficar em paz enquanto não matar aquele cara.
Nem que eu me mate junto com ele.
Eu não me importava mais com o GGM. Até a ideia de usar técnicas de
destruidores me parecia nojenta, detestável. Eu não queria mais ter nada a ver
com eles. Queria escapar para sempre daque mundo odioso.
Mas não sem o cadáver do infeliz.
– Sua mente está cheia de ódio.
– Minha mente está cheia de coisas terríveis.
Eu fui estúpida em retornar àquele mundo somente para morrer. Desde o
começo eu já sabia que não seria capaz de fazer nada para punir os destruidores.
Eu apenas dava a eles satisfação, entregando minha alma para ser despedaçada.
Aquele destruidor estava me punindo devagar, como quem saboreia um doce
com gosto.
Eu não queria mais dar a ele esse prazer.
Recebi uma visita incomum. Era um destruidor adulto. A presença dele me
fez estremecer.
Ele não entrou na cela. Observava–me atentamente do lado de fora.
– Qual é o seu nome?
Ele parecia falar meu idioma com bastante exatidão. O sotaque dele era
mínimo.
Resolvi responder, porque aquele destruidor tinha um porte respeitável e
assustador. Ele não seria descuidado como os adolescentes.
– Nhahia.
– Você é uma construtora ou uma destruidora?
Achei essa pergunta muito estranha.
– Sou uma construtora.
– Qual é a sua idade?
– Dezoito.
– A mesma idade do meu filho. Eu soube que vocês batalharam na guerra.
Por que retornou?
Ele era o pai do destruidor que eu queria matar.
– Para matá–lo.
– Parece aceitável.
“Oh, é claro, qualquer coisa a ver com assassinato deve parecer muito
razoável para os destruidores”.
– Meu nome é Vlebre Cazka.
– Você é...!
– Sou o autor do Grimório dos Gênios Malignos.
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Pensei que o autor do GGM já estava morto há muito tempo! Eu não podia
acreditar que estava conversando com o autor em pessoa. Se eu não odiasse
mortalmente os destruidores, iria pedir um autógrafo.
– Nhanha, eu me impressiono cada vez mais ao ver o quanto seus
pensamentos são contraditórios...
Então era por isso que aquele destruidor era tão poderoso. Se o pai dele era
o autor do GGM, tinha lhe ensinado como realizar as magias com perfeição.
Por esse motivo ele era invencível.
Subitamente, todas as minhas esperanças de matar aquele destruidor
sumiram. Eu não teria a menor chance.
– Onde está sua ligação?
– Eu nasci sem uma ligação. Daqui a três anos morrerei.
– É o mesmo caso do meu filho. Ele não tem ligação.
– Eu nem mesmo sabia que os destruidores eram ligados entre si.
– Mantemos isso em segredo para que os nossos inimigos não explorem essa
nossa fraqueza, que também é nossa maior força. Você sabia que, muito tempo
atrás, os construtores e os destruidores eram um mesmo povo, chamado
mantenedores?
– Nunca ouvi falar disso!
– Os construtores retiraram deliberadamente essa informação de seus livros,
para que não se ensine isso nas escolas, tendo em vista reforçar o ódio entre
povos. Antigamente os mantenedores dividiam igualmente as posses entre seus
habitantes. Eles eram nômades e somente obtinham aquilo que era necessário
para a sobrevivência. Quando eles começaram a plantar e se estabelecer em
aldeias, surgiram os excedentes. Pequenos grupos se apropriaram de mais
vegetais e carne do que seus semelhantes. Você sabe como eles se
autodenominaram?
– Não.
– Construtores. Nosso povo então estava dividido: os ricos eram os
construtores e os pobres eram os destruidores. Vocês nos escravizaram.
Dominaram a magia da terra e do céu. Queriam que o firmamento e as estrelas
fossem posses suas. E assim se fez. Para que a magia dos construtores fosse
aperfeiçoada e o Grimório dos Gênios fosse escrito, vocês realizaram testes
desumanos nos destruidores. Fomos reduzidos a nada, nossos gênios se
tornaram espectros, estávamos sujos, feios, pobres. Vocês se envergonharam
tanto de nossa existência que nos jogaram num pântano para morrer: nosso
antigo mundo. E teríamos morrido. Eu era um dos únicos que conhecia o
idioma do seu povo e tive acesso ao Grimório dos Gênios. Conhecimento se
torna poder quando se domina a alquimia da mente e da alma.
122
Fábula dos Gênios
– Se o que o senhor diz é verdade, então por que estão fazendo conosco a
mesma coisa que fizemos em vocês?
– A guerra terminou. Não nutro mais ódio contra os construtores, pois já
fomos vingados. E você era apenas uma criança na época. Mas uma criança que
se tornaria um novo monstro, com base na lavagem cerebral que os adultos
realizavam em vocês nas suas escolas. Portanto, tínhamos que matá–los também.
– Se não nutre mais ódio contra mim, você vai me soltar? Já entendi que não
posso matar seu filho, que é muito poderoso. E agora que você me contou tudo
isso, irei respeitar os destruidores.
– Eu não quero seu respeito. Prefiro seu ódio. Dizimamos o seu povo.
– Tem razão. Não importam seus motivos, o que fizeram foi imperdoável.
Então apenas matem–me. Tive uma vida feliz e vocês não tiveram. Não sou
digna da morte?
– Suas palavras são confusas. Você parece confusa. Eu não vim até aqui para
te contar essa história. Eu apenas queria explicar que por sermos unidos no
passado, os construtores e os destruidores também possuíam ligações. Isso foi
cortado pelos construtores, através de manipulação mágica. Afinal, os ricos não
desejavam ter ligação com pobres. O resultado foi que hoje em dia construtores
são ligados apenas com construtores. E destruidores com destruidores. Correto?
– Correto.
– Errado. Eles não foram perfeitos em cortar as ligações. Até hoje ainda
existem casos raros de construtores e destruidores sem ligação. Mas essa é
apenas uma explicação falsa que os construtores usam para esconder a verdade
inevitável: significa que uma criança construtora que nasce sem ligação está
ligada com um destruidor.
Eu senti um frio na espinha.
– Meu filho não foi atraído até você naquela batalha por acaso. O gênio dele
sentiu a presença do seu. É por isso que ele não consegue atacá–la com a magia
dos gênios malignos. A sua magia de gênios também seria ineficaz contra ele.
Meu coração estava saltando em meu peito. As palavras travaram na minha
boca.
– Recentemente ele descobriu a verdade e enfureceu–se. Ele odeia os
construtores e odeia você. Ele é meu único filho e não permitirei que morra.
Também quero que ele gere um descendente. Ele negou–se e disse que preferia
morrer a se unir a uma construtora. Portanto, eu o espanquei e deixei–o de
castigo.
Inacreditável...
– Felizmente, ainda temos dois anos para forçá–lo a isso. Mas se deixarmos
para a última hora e você perder o bebê por algum acidente infeliz, tudo terá
sido em vão. Nós não temos alimentos suficientes para dar às nossas grávidas,
123
Wanju Duli
portanto abortos espontâneos são comuns. Sendo assim, irei trazê–lo aqui agora
para que vocês já comecem a tentar fazer filhos até que um deles nasça.
– Espere! Você não perguntou o que acho disso. Eu também não quero ter
filhos com ele. Eu entendo completamente o quanto ele me odeia e é contra
essa absurdo. Eu o odeio tanto quanto e não há a menor possibilidade de...
– Você é nossa prisioneira. Não tem direito de opinar. Assim que gerar o
bebê, iremos expulsá–la de nosso país, já que não terá mais utilidade alguma.
Ainda temos nosso orgulho. Não desejamos nenhum construtor aqui dentro.
Ao dizer isso, ele saiu.
– Bapsi, você sabia de tudo desde o começo, não é mesmo, seu maldito?!
– Sim. Eu sabia que ele era a sua ligação desde a primeira vez que enxerguei
aquele gênio. Mas eu não podia contar, senão você iria odiá–lo ainda mais.
Pensei que o mais adequado seria que morresse sem saber disso.
– Pois eu preferia mesmo ter morrido sem saber dessa desgraça!!
Dei socos no chão. Mas logo o pai já estava de volta, arrastando o filho pelo
braço. Ele me pegou pelo outro braço e me levou até outra cela que não
estivesse destruída.
Jogou–me lá dentro. Em seguida, jogou o filho também e nos trancou.
– Eu selei o poder dele. Construtora, não tema que ele lance magias, pois
isso não acontecerá. Quando eu retornar amanhã, é bom que já tenham se unido,
ou serão severamente punidos.
“É isso mesmo, não precisa selar meus poderes, já que sou um verme”.
O destruidor adulto retirou–se. O filho dele encostou–se num dos cantos da
cela e ficou lá, sem olhar para mim. Estava bastante irritado e com razão.
– Mas que droga... Bapsi, essa é a ocasião perfeita para matá–lo. Ele não
pode lançar magias!
– Você acha que há alguma honra em matá–lo quando os poderes dele estão
selados?
– Eu não me importo com honra! Ele também não teve honra nenhuma
quando me torturou com o GGM.
Notei que o rosto dele estava bem machucado. O pai dele devia tê–lo
espancado mesmo, como disse.
– Eu não tenho pena dele, porque ele também não teve pena de mim.
E nas horas seguintes eu fiquei me perguntando se devia lançar uma de
minhas magias para matá–lo com muita dor. No final, tive que concordar com
Bapsi: seria covardia lançar um feitiço enquanto ele não podia se defender.
Logo, a manhã chegou. Quando o pai do destruidor retornou, viu que
estávamos exatamente na mesma posição que ele havia nos colocado.
124
Fábula dos Gênios
Ele destrancou a cela, segurou o filho pelo manto e deu murros nele.
Continuou a esmurrá–lo nos minutos seguintes. O sangue pingava no chão e o
pai dele berrava algumas coisas naquele idioma estranho.
– Vocês dois são crianças, por acaso?!
Dessa vez ele gritou para mim. Ele chamou a adolescente destruidora da
outra vez e falou alguma coisa a ela.
A destruidora arrancou as minhas roupas. Todas. Não consegui evitar. Até
tentei, mas ela me deu um tapa na cara quando fiz isso.
Ela me largou no chão. Depois disso, o pai do destruidor arrancou o manto
do filho. Ele reagiu muito mais que eu. O destruidor adolescente estava falando
algo, como se suplicasse.
Quando retirou todas as roupas do filho, o pai trancou a cela novamente e
saiu.
O destruidor adolescente começou a chorar muito forte, abraçando o corpo.
Ele estava completamente desesperado.
– Bapsi... acho que agora eu estou com pena dele.
Ele não parava de chorar. Até que começou a soluçar. Ele estava se
engasgando com o próprio choro e mal conseguia respirar direito. Aquilo era
surreal demais para ser verdade.
Não precisávamos entender a língua um do outro para compreender a
situação. Ele demorou para conseguir parar de chorar. Ele se encolheu num
canto e não olhou na minha direção em nenhum momento.
– O pai dele é insano. Ele acha que vocês vão sentir atração um pelo outro
nessa cela gelada e fedorenta, com vocês dois repletos de hematomas, lágrimas e
sangue?
– Em breve ele vai entender que não pode forçar uma situação como essa.
Eu não estava chorando e não sentia medo. Provavelmente o que o
destruidor mais sentia era ódio, em ser humilhado pelo pai daquela forma na
minha frente. Se ele já parecia se sentir humilhado em não conseguir utilizar seu
gênio contra mim, eu não podia nem imaginar o que ele estava sentindo naquele
momento, orgulhoso como parecia ser.
Quando o pai retornou no dia seguinte e nos viu novamente na mesma
posição, ele não fez nenhum comentário. Abriu a cela e retirou o filho de lá.
– Se é isso o que desejam, então morram.
Ele devolveu–me meu manto, mas não minhas roupas. O manto era o
suficiente para cobrir meu corpo inteiro, mas ele era bem desconfortável de usar.
Como se aquilo importasse...
No lugar em que o destruidor tinha se encostado, havia uma poça de urina.
– Bapsi... eu quero sair desse lugar. Não aguento mais. Meu segundo desejo...
125
Wanju Duli
Por que eu não tinha coragem de usar meu segundo desejo? Porque eu tinha
medo de gastá–lo! Sempre temi que pudesse surgir uma situação na minha vida
em que eu precisasse daquele desejo mais que tudo. E se eu não o possuísse,
tudo estaria perdido.
– Ele parece odiar–me mais do que eu o odeio. Por quê? Foi ele que me
mutilou, que me torturou. O povo dele dizimou o meu!
– Os construtores fizeram algo muito pior aos destruidores antes disso. Os
destruidores devem crescer ouvindo essa história e para eles vocês são inimigos
mortais. No caso dos construtores, vocês nunca possuíram razões realmente
consistentes para odiá–los antes dessa guerra, com exceção de rumores de
batalhas do passado.
Mais tarde, aquele destruidor e o tradutor apareceram. Dessa vez o
destruidor adolescente já estava vestido e parecia de muito mau humor, embora
estivesse sério. Ele evitava meu olhar.
– Construtora, o jovem Cazka ser seriamente ameaçado por senhor Cazka.
Construtora dever cooperar.
– Eu não vou cooperar. Eu não me importo se o pai dele está furioso e quer
puni–lo. Eu quero sair desse país. Nunca mais voltarei aqui! Vocês são malucos!
E invencíveis. Desisto de me vingar. Apenas libertem–me e não irei mais
perturbá–los.
– Se construtora cooperar, nós destruidores libertar construtora. Contudo,
não poder sair do país até ter filho.
– Eu não aceito essas condições.
– Se aceitar, destruidores ensinar magia dos gênios malignos.
Tentador ao extremo.
– Eu não vou... transar com esse infeliz só para ter acesso ao GGM! Eu me
ofendo com essa proposta!
– Hã... Nhanha, ele está traduzindo para sua ligação tudo o que você disse.
Quando ele terminou de traduzir, o destruidor também falou alguma coisa.
– O jovem Cazka diz que você não dever entender errado a situação. Ele
não concordar em união e devolver os xingamentos da senhorita com bastante
cortesia.
– Sabe onde ele deve enfiar essa cortesia?
– Nhanha, cuidado, controle essa língua... não se esqueça que está falando
com destruidores.
E lá foi ele traduzir. A resposta do destruidor foi bastante enérgica.
– Eu não conseguir traduzir o que ser dito. Série de xingamentos sem
tradução para sua língua.
– Há! Agora essa conversa está ficando interessante. Eu quero saber qual é
teu primeiro nome, cara!
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
– E eu pensando que o gênio era eu. Algo me diz que você é a candidata
ideal para utilizar a magia dos gênios malignos com perfeição. Especialmente
essa magia de ligação reversa.
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Fábula dos Gênios
MOMO: Não, meu! Eu disse dois códigos classe A! Não esse lixo que você
me trouxe.
YYM: Tudo que vem de mim é bom. Até o lixo que ofereço.
MOMO: Isso nós ainda veremos. Não tente bancar o espertinho para cima
de mim, Yym. Você pode ser bom no seu trampo, mas eu ainda sou o melhor
no que faço.
YYM: Se você não fosse o melhor, essa conversa nem mesmo teria sido
iniciada. Peço que considere meus termos. Meu tempo é precioso. E pago bem.
129
Wanju Duli
WAWA: Momo, existe esse boato estranho que meu pai me contou. Há
grimórios poderosos de magia eletrônica protegidos por fortes barreiras mágicas
e virtuais em Tecraxei. Eles captaram uma invasão vinda de nossa terra, mas não
souberam precisar de onde vem. Eu me pergunto que habitante de nosso país
teria habilidade suficiente para uma ação tão grandiosa e estúpida, conseguindo,
além disso, apagar sua presença.
MOMO: Uma ação estúpida, de fato. Vossa Alteza, pode estar certo de que
utilizarei de todos os meus conhecimentos para rastrear esse infeliz.
WAWA: Assim que esse maldito for capturado, irá para a forca. Ele está
atravessando a tênue linha que determina a paz entre os povos. Esse ato fere
nossa lei e ordem. Pode ocasionar uma guerra. E não queremos os magistas
eletrônicos como inimigos, certo?
MOMO: De forma alguma, Vossa Alteza. Até onde sei, somente os
destruidores e os deuses os superam em poder.
WAWA: Saber disso não te dá vontade de colocar os olhos num desses
grimórios, Cromo?
MOMO: Eu perderia os olhos em seguida se ousasse ir tão longe.
WAWA: Excelente saber que você conhece nossa lei. Existe outro boato
curioso de que um hacker construtor incitou os destruidores a atacar nosso país,
por ter arrumado um jeito de roubar o GGM. Só consigo pensar que isso foi
feito por uma criança atrevida, já que os operadores adultos de nossas máquinas
não são tão idiotas para um feito tão descuidado, mesmo que fossem capazes
dele.
MOMO: Não acredito que isso realmente tenha sido feito.
WAWA: Por que o diz?
MOMO: A tecnologia dos destruidores é tão pobre que o GGM não
poderia ser roubado por meios eletrônicos. Os destruidores memorizaram seus
livros e só existem versões escritas do GGM no idioma deles, que é
desconhecido por nós.
WAWA: É mesmo? Pois eu ouvi falar numa magia eletrônica que alcança a
frequência das ondas cerebrais humanas.
MOMO: Parece extraordinário. Um desafio digno.
WAWA: Conheço uma pessoa apaixonada por desafios. Certo, senhor
Cromo?
MOMO: Meu dever é servi–lo, Vossa Alteza. E ao meu reino. Essa sempre
foi minha prioridade.
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Fábula dos Gênios
Eu queria que ele olhasse para mim. Então fortaleci o máximo que pude
meu escudo, para que ao menos ele levasse dois segundos para quebrá–lo em
vez de apenas um.
Amanheceu. Eu respirava rápido, com o corpo suado e cansado. Estava
exausto e ao mesmo tempo o fogo queimava em meu peito.
Eu e os outros cientistas das máquinas estávamos no laboratório principal,
que se localizava num esconderijo subterrâneo da cidade. Aquilo era inútil, pois
os destruidores poderiam sentir nossos gênios.
O abrigo estava logo na entrada da cidade, mas embaixo. Quando os
destruidores chegaram, não conseguiram passar. E os construtores idiotas já
comemoravam, enquanto meu coração pulsava e eu via minha vida por um fio.
135
Wanju Duli
um dos poucos com pouca poeira nos olhos nesse mundo de cegos. Por que
precisa de olhos se pode ver com seu espírito?
MOMO: Você pode destruir meu corpo, rasgar minha alma e assasinar meu
gênio. Use a magia eletrônica, a magia dos gênios malignos e sua amada
sabedoria; no meu espírito jamais encostará.
XYZ089: A vontade, a vontade! Na fronteira da verdade se esconde essa
verdade que você criou. Achou–se tão esperto...! Você não buscou a verdade
porque pensou que podia criá–la. Esse foi o seu maior erro. Porque você
esqueceu de destruir o monstro que sempre espreita todas as suas criações.
MOMO: Que é esse monstro?
XYZ089: Sua ignorância, Cromo. Seu espírito apaixonado está repleto de
ardor, mas é abraçado por essa quimera. Beije–a, ame–a, transe com ela! Eu juro,
por esse coração, que irei tomar de ti teu espírito invencível...!
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Fábula dos Gênios
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– Eu não sou homem o bastante para te conceder uma morte limpa pela
espada. Irei te matar lentamente e com muito sofrimento, com o vinho
envenenado das minhas veias.
Ele cortou o pulso e derramou as gotas nos meus lábios. Depois disso,
colocou a minha mão em seu peito e sussurrou no meu ouvido esquerdo:
– ... porque eu sou uma mulher. Você perdeu. Seu gênio é meu. E também a
sua vida.
Ela retirou o capuz, para que eu pudesse ver seu rosto.
XYZ089 não tinha cabelos. Era completamente careca e seus olhos escuros
brilhavam.
Ela não roubou meu gênio, mas colocou alguma coisa eletrônica dentro dele.
Ela aproximou o rosto novamente. Eu antevi a minha morte e tremi. Mas
ela apenas deu–me um leve beijo no rosto.
– Tenha doces sonhos, Cromo.
Pensei que eu fosse desmaiar quando ela saiu, mas eu estava
desconfortavelmente consciente.
Eu senti como se estivesse no interior de uma bolha de sabão. Não sabia
bem o que se passava.
Quando voltei a mim, estava numa cama ligado a diversos aparelhos. Uma
máscara respiratória cobria minha boca e meu nariz.
– Owmaq, eu estou sonhando...? A destruidora...
– Eu sou propriedade dela agora. Mas ela não tem interesse em mim.
Apenas me usará para observar tudo o que se passa.
Uma mulher sem cabelos que vestia o manto dos destruidores e conhecia
magia eletrônica. Não vi o gênio dela. Eu não conhecia sua verdadeira
identidade.
– Ela não está satisfeita em apenas controlar meus passos enquanto estou
conectado na rede. Deseja saber o que se passa comigo em todos os momentos.
Por quê?
– Porque ela quer te mostrar que pode. E é capaz de fazer tudo o que deseja.
Eu sentia uma forte dor de cabeça e enjoo. Mal conseguia pensar direito.
Fui informado que estava no país da magia eletrônica. Aparentemente, a
destruidora havia me enviado propositalmente para lá.
– Ela desejou que eu vivesse para que ficasse mais forte. Ela percebeu que
eu era diferente dos outros construtores. Que eu era superior a todos eles.
– Ela é uma mulher adulta. Deve ter ficado impressionada com o seu poder
como criança. Acredita que será capaz de enfrentá–la um dia e aguarda
ansiosamente por isso.
138
Fábula dos Gênios
– Ela tirou tudo de mim. Como posso aprender magia eletrônica sem meus
dispositivos? Perdi um olho, mal posso respirar. Eu me pergunto se consiguirei
me mover dessa cama um dia ou usar um computador outra vez.
– Enquanto você tiver vida e estiver consciente disso, será capaz de fazer
qualquer coisa que deseja. Nem que seja na imaginação. Arranjará um jeito de
tornar sua existência tão real quanto um sonho.
Descobri que a partir dali minha existência estaria confinada a uma cama. Eu
precisaria da ajuda dos aparelhos para respirar e não poderia levantar.
Era como se eu estivesse tetraplégico. Meus membros eram inúteis. Mas
como eu estava no país da computação, meu cérebro foi ligado a computadores.
Eu também tinha dificuldade de falar desde que o sangue dela tocou meus
lábios. Portanto, eu seria capaz de comunicar–me apenas com meu gênio ou
através das máquinas.
– Owmaq, eu estou feliz. Eu conheci a mulher mais poderosa do mundo. Eu
não duvido que ela seja a maga mais extraordinária de todos os seres viventes.
Certamente é a número um entre os destruidores.
– Como pode ter certeza?
– Eu sei de tudo, lembra? Mas não mais que ela. Apenas no que diz respeito
a ela, minha sabedoria se cala. Nunca ouvi ninguém falar sobre essa maga.
Sequer um boato. Certamente é a arma secreta dos destruidores, a qual não
querem revelar provavelmente nem mesmo entre eles mesmos.
– Ainda assim, ela mostrou–se a você.
– Quero acreditar que ela fez isso porque considerou–me especial. Mas só
irei aparecer diante dela novamente quando eu for um adulto. E um mago muito
forte. Reunirei todos os sobreviventes para vingar o nosso povo. Pela internet
serei capaz disso. Não importa onde estejam, haverá algum vestígio de dados
que minha máquina será capaz de rastrear.
Era exatamente por isso que os destruidores eram tão difíceis de serem lidos
por mim: devido à tecnologia atrasada deles. Ironicamente, tinham a magista
eletrônica mais poderosa como aliada.
Perguntei sobre ela aos outros magos eletrônicos, mas nenhum deles a
conhecia. Aquilo era o mais estranho. Bem, eles não eram muito envolvidos
com os destruidores. Afinal, que interesse teriam naqueles selvagens com baixa
tecnologia? Apesar de saber que eles eram poderosos, era assim que os
habitantes de Tecraxei os viam.
Busquei muitos grimórios naquela terra para estudá–los. Eu li muito, mas
nunca encontrava o que buscava.
– Ela disse que o conhecimento da magia eltrônica não estava nos livros. Eu
sei, ele está na própria rede. Mas... sinto que ela quis dizer muito mais.
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Wanju Duli
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Fábula dos Gênios
Quem disse isso foi um velhinho que caminhava pela cidade, enquanto eu
passeava por lá em minha cadeira de rodas e envolto em fios e máquinas.
Eu não conseguia falar. Ainda assim, ele foi capaz de captar a vibração
daquela conversa.
– Para eles, seus corpos de carne eram como uma prisão. A alma estava
lutando para sair de dentro deles, que não conseguiam morrer. Eles ouviram
falar de uma terra de mortais, em que as pessoas viviam apenas em torno de 80
ou 100 anos e depois faleciam. Ficaram encantados e no começo pensaram que
era mentira. Mas, em busca desse sonho, aceitaram partir numa aventura em
busca dessa terra secreta.
Essa história agradou–me bastante. Aguardei para que o velho mago
revelasse o resto dela. Mas ele não fez isso.
– Eles cumpriram seus objetivos?
Eu digitei isso no meu computador. O velhinho escutou minha voz através
da máquina.
– Oh, sim. Se eu te disser que essa é uma história real, você acredita?
– Eu duvido de pouca coisa nesse mundo.
– Nós somos descendentes dos imortais. Hoje em dia as pessoas desejam a
imortalidade. Parece que os seres humanos nunca estão satisfeito. Quando
conseguem o que querem, logo não querem mais.
– Eu não me importo em morrer. Somente quero cumprir meu objetivo antes disso.
– Ah, o objetivo... mas você sabe que não há uma coisa assim, certo?
– Eu não posso criar meu objetivo?
– Você também pode criar uma pipa com papel para brincar. Deseja viver
eternamente num universo de brincadeiras ou encarar a vida real?
– Não há algo assim como vida real e brincadeiras. Crianças levam muito a sério seus
brinquedos. Como adultos, apenas escolhemos brinquedos diferentes.
– Você está certo, mas também está errado. Tudo isso é somente ilusão,
então você está certo. Contudo, existe algo real o suficiente nessa vida.
– O amor? A amizade?
– Não: o caminho que nos leva ao fim das ilusões.
– É errado viver de ilusões?
– Não. E também não é errado morrer por elas. A não ser que você queira
tornar–se um Deus.
– E quando alguém se torna um Deus?
– Quando se abandona a ideia de que existe algo certo e algo errado.
– Isso não torna seu discurso extremamente contraditório?
– Sim, mas somente porque a lógica humana e as palavras humanas geram
contradições. Meu discurso deveria ser perfeito, mas não é possível pronunciá–
lo através de seu idioma. Somente pelo alfabeto dos deuses.
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Wanju Duli
MOMO: Vocês foram tolas. Como ousaram voltar à nossa terra sozinhas?
Nhahia jamais enganará os destruidores. Se ela sair viva de lá, já será um milagre.
BILU: Que é um milagre, Momo? Se Nhanha for capaz de sair daquela terra
com vida, será por seu próprio mérito e não por algo incerto como um milagre.
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Fábula dos Gênios
Nós dois nos sentávamos sobre o chão da praça nessas ocasiões e ele abria o
grimório. Eu odiava a simplicidade dos destruidores, pois eu queria pelo menos
um banco ou cadeira para sentar, uma cama macia para dormir ou um alimento
que tivesse pelo menos um gosto ligeiramente bom.
Eu não via a hora de sair daquele lugar horrível, pois eu estaria vivendo
melhor como mendigo em qualquer país.
– Você reclamar demais, construtora. Isso despertar meu ódio. Estar
destruidores a fazer favor em poupar sua vida.
– Vocês são os maiores mentirosos que já conheci! É claro que nunca
tiveram intenção de me ajudar ao me deixar viva. Primeiro aquele sujeitinho me
usou para testar magias bizarras em mim. Agora mantém–me viva apenas para
que eu dê um descendente ao autor do GGM. E mais: disseram que eu poderia
circular à vontade pelo país, mas me vigiam o tempo todo.
– Respeitar a família Cazka. Ela ser influente.
– Por que não posso ser treinada pelo próprio Vlebre Cazka?
– Ele ser pessoa ocupada. Ter mais o que fazer do que treinar uma iniciante.
– Ele só treina destruidores avançados, então? Não me diga que o “Cazka
junior” também é avançado demais para me treinar?
– Ao comparar destruidores a você, todos nós ser avançados.
– Mas vocês certamente possuem diferença de poder entre si.
– Isso não ser perceptível a alguém como você. Além de não conhecer seu
idioma, o jovem Cazka detesta construtora mortalmente e não desejar se
aproximar.
– Eu também o detesto, mas se a intenção do pai dele é que tenhamos um
filho daqui a dois anos, não seria melhor colocá–lo logo como meu mestre para
que eu e ele conheçamos o mínimo um do outro antes de partirmos para um ato
tão pessoal?
– Isso não fazer menor diferença. Você se unir, não casar. Portanto, ser
irrelevante se conhecer ou não.
– Os construtores eram proibidos de permanecer sozinhos com alguém do
sexo oposto, mas parece que os destruidores não possuem essa proibição.
– Nós usar mantos longos e pesados que cobrir quase todo corpo e rosto,
então não despertar desejo pelo outro.
Eu mesma só podia sair na rua com um daqueles mantos, embora o meu
não fosse como os deles. Os mantos dos magos eram aqueles com verde e
marrom. O meu era apenas verde sem as costuras em marrom. Parecia que o
número ou padrão das costuras tinham relação com o poder do mago ou algo
assim.
– Qual é o seu nome?
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Wanju Duli
– Eu estar aqui para te ensinar magia dos gênios malignos e não para falar de
mim.
– Eu me chamo Nhahia e tenho 18 anos. E você?
– Eu ser Nhede e ter 18 também.
– Oh, nossos nomes são até parecidos! Poderia tirar o capuz para que eu
veja melhor seu rosto? Nem consigo ver seus olhos direito, você está sempre de
cabeça baixa.
– Senhorita Nhahia, parar com esse jogo agora. Você desejar fazer amizade
comigo para descobrir fraqueza dos destruidores e derrotar a nós. Sinto
informar que destruidores não ter fraquezas. Além do mais, eu não baixar capuz
para sexo oposto.
– Você já se uniu com sua ligação?
– Essa ser pergunta muito pessoal. Eu recusar responder.
– Você já a beijou pelo menos? Sabe quem ela é?
– Nós destruidores conhecer ligação desde pequenos.
– Pode me apresentar a ela algum dia?
– Você já a conhecer. Ser senhorita presente na sua captura.
– Ah, aquela que arrancou minhas roupas...
– Eu não saber disso.
Contei a ele o que Vlebre Cazka havia feito a mim e ao filho.
– Senhor Cazka ser sábio e saber o que ser melhor para filho. Para os
destruidores, filhos ser propriedade dos pais, que poder fazer o que quiser com
eles. Senhor Cazka ser rigoroso.
– Você é algo como um empregado dele?
– Minha família ser ligada a dele. Eu e jovem Cazka primos. Ser também
contraparte.
– Então você é a contraparte da minha ligação! Você e ele se amam?
Eu já estava achando tudo aquilo muito romântico, mas Nhede acabou com
minha imaginação.
– Eu e ele amigos, isso ser tudo. Mas jovem Cazka sempre ser solitário,
então eu não me aproximar muito para não perturbar. Ele não ter outros amigos,
ser pessoa difícil de lidar. Eu o respeitar como pessoa e como mago.
Saber de tudo aquilo era extraordinário. Provavelmente por ser o filho do
autor do Grimório dos Gênios Malignos, ele devia se achar melhor que os
outros e era convencido. Então não desejava se envolver nem mesmo com os
outros destruidores.
– Eu também queria saber mais sobre a princesa dos destruidores. Qual é o
nome dela?
– Construtora Nhahia, focar–se em seu treinamento! Não desejar conhecer
nossa magia?
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
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Fábula dos Gênios
Bapsi tinha razão. Após aqueles seis meses, eu sentia que Nhede já tinha
certa confiança em mim. Portanto, já estava na hora de traí–lo.
Em nosso próximo encontro, ele nem mesmo levou o GGM. Carregava
apenas uma espécie de caderno e um material para escrever, para me explicar
um pouco mais sobre a gramática do dezkazil.
Depois de alguns minutos de aula, eu o interrompi.
– Você me prometeu que me ensinaria a magia dos gênios malignos, certo?
– Sim. Quando desejar, começamos.
– Por que aceitaram ceder a mim o maior segredo de vocês assim tão
facilmente?
– O GGM não é nosso grimório mais forte. Assim como os construtores
ensinam o GG apenas aos adolescentes, ocorre o mesmo conosco. Então não é
como se vocês fossem dominar completamente a nossa magia se tivessem
acesso a ele.
– Mesmo assim, aposto que há coisas de valor aí dentro. Os destruidores
crianças nos atacaram pra valer, mesmo só conhecendo o GG.
– Por isso fui proibido de te deixar tocar no grimório. Eu apenas devo lhe
ensinar alguns conceitos básicos.
– Podemos começar nossas aulas amanhã? De repente fiquei interessada.
Ele concordou. No dia seguinte trouxe–me o GGM.
– Eu não posso tocar, mas posso dar uma espiada?
– Não, Nhanha, me desculpe. Eu sequer tinha permissão para te ensinar
nosso idioma, então é melhor não irmos longe demais.
– Então o GGM é uma versão reversa do GG, certo?
– Algo assim, mas a filosofia que embasa o GGM é fundamentalmente
diferente. São outros conceitos, outra mentalidade. O ideal seria que esquecesse
tudo que aprendeu no GG.
– Eu nunca tive acesso ao GG.
– OK, agora estou surpreso. De onde vem sua magia, então?
– Eles só liberam o nosso acesso ao GG nas escolas quando completamos
13 anos. Como vocês destruíram nosso país quando eu tinha 11, tudo o que sei
sobre selos estudei em Sinabil.
– A terra dos símbolos, hã? Já ouvi falar de lá.
– Eles são fãs dos selos multidimensionais de vocês. E como amam idiomas,
adorariam conhecer mais sobre o dezkazil, mas ninguém conhece um livro que
ensine, já que vocês passam o conhecimento desse idioma apenas oralmente.
Quando vocês me libertarem, quero voltar para lá e deixar todos os
simbologistas com inveja, por ter um destruidor como mestre. Ei, não quer
viajar comigo para lá depois?
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despedida e depois te chutam do país. Muito amável, não acha? Espero que no
meio desse horror você não perca uma parte do corpo, da alma ou de mim!
Fiquei quieta por um bom tempo depois disso. Claro que eu tinha medo do
Nhede. Droga... o que eu estava fazendo?
Eu ainda me atrevi a aproximar–me um pouco mais dele para tentar espiar o
GGM. Mas fiz isso com muito cuidado para não encostar nele por acidente.
De longe, vi umas imagens estranhas de selos multidimensionais. Não dava
tempo de ver mais, pois ele passava as páginas muito rápido.
– Então, em Samerre eles se tornam deuses não por conquistarem o corpo e
sim a mente?
– Exato. Eles não têm gênios e não brincam tanto com a alma quanto nós.
Quanto aos magistas da tecnologia, a intenção deles é boa. A filosofia deles é
bem forte e as possibilidades da magia bem impressionantes. Eles apenas não
sabem explorar a própria potencialidade.
– Eu tive um amigo construtor muito bom em magia tecnológica. Se ele
percebeu a potencialidade dessa magia, significa que é muito inteligente, hã? Ele
uniu magia dos gênios com essa técnica.
– Não me diga! Então foi esse o mago que nos trouxe problemas com
aquele maldito escudo. Felizmente já está bem morto.
Eu não gostei de ouvir isso. Subitamente, senti raiva de Nhede. Afinal, por
que eu estava tentando fazer amizade com o cara que havia matado gente do
meu povo? E trouxe a eles a morte final, rasgando a alma e destruindo os gênios.
– Então o que acontece com quem une magia dos gênios malignos com
magia dos deuses?
– Talvez se torne o mago mais poderoso do mundo. Ou mais
provavelmente fique tão sábio e poderoso que perca completamente o interesse
na magia.
– Uia! Como assim?
– Você utiliza umas interjeições bem esquisitas. Os próprios deuses são
exemplo vivo disso. Quando se fica muito sábio, o mago perde interesse em
brincar de dominar o mundo. Ele passa a desejar dominar a si mesmo.
– Mas não é dominando a si mesmo que se pode dominar o mundo?
– A maior parte dos magos tenta dominar a si com o objetivo de dominar o
mundo. Quando se deseja o domínio de si por si mesmo, o poder gerado é
muito mais intenso. Ou seja: o mago que possuiria o maior potencial para
dominar o mundo seria exatamente aquele que não o deseja. E isso não tem
nada a ver com bondade. É sabedoria; capacidade de enxegar as coisas tais
como são.
– E como as coisas são?
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– É a ligação de Nhede.
Eu espiava de longe. Quando se encontraram, os dois tiraram o capuz e se
beijaram.
– Que lindo, Bapsi! Você viu aquilo? Você viu?
– Vi si. Tão bonitinho.
Eu fiquei simplesmente encantada! Os destruidores também amavam!
Os dois recolocaram o capuz e seguiram juntos até o local do evento. No
caminho, conversavam no idioma dos destruidores. Eles falavam tão rápido que
entendi pouca coisa.
Eu nunca vi tantos destruidores reunidos. Nem na ocasião da guerra, já que
eu havia me afastado.
Eles faziam muito barulho! Gritavam animados coisas que não entendi.
Aquilo estava a maior bagunça.
– Bapsi, minha ligação está aí.
– Eu sei, também o sinto. Mas não o vejo nessa multidão.
O primeiro duelo iniciou–se muito depressa: assim, do nada! E foi tão veloz
que meus olhos mal acompanhavam.
Eles não tinham problemas em ver o gênio um do outro, já que conheciam
suas ligações desde pequenos. E foi com gênios e selos que se enfrentaram.
Gênios gigantescos! E formas geométricas que cortavam o ar e voavam. A
platéia urrava!
Meu coração estava acelerado. O cara que morresse não teria apenas seu
corpo destroçado, mas a alma rasgada.
– Bapsi, e se minha ligação morrer...?
– Até parece que aquele cara vai morrer. Mas se isso acontecesse, você
roubava um GGM e se mandava daqui com a máxima velocidade das rodas de
sua cadeira!
Finalmente um dos destruidores foi derrubado. O outro arrancou a alma
dele pela boca. O gênio ainda enrolado a ela, tentando salvá–la.
– Bapsi...!
Eu comecei a chorar. Aquilo era horrível demais: ver o gênio dele
desesperado.
Eu não consegui olhar o resto. Só ouvia os gritos da multidão. E quando
terminou, todos comemoraram.
Quando olhei de novo, havia poças de sangue e alguns membros do corpo
do destruidor, que ainda não tinham sido recolhidos.
– Então é assim que os destruidores se divertem, hã? Quando conversei com
Nhede por todos esses meses, ele me pareceu um cara tão normal...
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Eu estava num lugar mais afastado e ninguém mais viu o que se passou.
Aquele cara me segurou pelo manto e me ergueu da cadeira de rodas. Colocou–
me contra um muro.
– Desculpe!
Eu falei isso no idioma dele. Ele me fitou com estranheza.
– Você sabe falar meu idioma? Onde aprendeu?
– Num livro, na universidade.
– Mentirosa! Nhede lhe ensinou, não foi? Aquele maldito!
Ele me jogou no chão.
– Não saia daí!
Em pouco tempo, ele retornou acompanhado de Nhede.
– Você não tinha autorização para ensinar a ela o nosso idioma, seu
retardado!
– Mas...
– “Mas”, nada, seu filho da puta. Vai te foder!
– Eu não entendi. Que significa “puta” e “foder”?
Nhede abafou o riso, embora a situação fosse crítica. Sablerie apenas me
fitava com desconfiança.
– Vejo que você não ensinou a ela as nossas palavras mais importantes.
Construtora, esses são xingamentos. Puta é uma mulher que faz sexo por
dinheiro. No caso dos destruidores, mulheres só vendem o corpo a outras
mulheres e homens para homens, por causa das ligações. E “foder” significa
realizar o ato sexual. Vocês construtores não xingam?
– Nós usamos palavras difusas...
– Hã?
– “Difrentis”, “diferentes”.
Ele resolveu acabar com aquela conversa.
– Nhede, seu trabalho termina aqui. A partir de agora, eu me encarregarei de
treinar a construtora.
Aquilo provavelmente seria ruim. Bem ruim.
No dia seguinte, encontrei–me com Sablerie na mesma praça na qual antes
eu me encontrava com Nhede.
– O que ele já te ensinou de nossa magia? Em qual página do GGM vocês
pararam?
– Ele quer ir direto ao assunto, Nhahia. Esse cara não parece muito a fim de
bater papo furado. Provavelmente será um mestre muito chato e rigoroso.
Prepare–se.
– Eu ainda não sei nada. Nem abrimos o grimório. Ele apenas me ensinou
dezkazil e me contou um pouco sobre a história dos destruidores e outras
curiosidades.
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– Então, que seja. Te ensino nossa magia, embora você esteja fadada a ser
somente uma maga medíocre. Não sei porque perde seu tempo estudando algo
em que claramente não possui o mínimo talento.
– Não existe “talento”. Existe paixão e dedicação.
– Então mostre pra mim que possui interesse genuíno em nossa magia. Se
não quer mais me matar, qual será a sua motivação?
– Será te mostrar que até uma construtora é capaz de dominar o
brinquedinho de vocês.
– Você é atrevida. O lado bom disso tudo será que meu pai ficará feliz por
eu ter aceitado me unir a você e não encherá mais meu saco.
– Posso te perguntar uma coisa?
– Cuidado com a pergunta. E não prometo que responderei.
– Por que você chorou naquele dia?
Ele ficou quieto por alguns segundos. Não olhou na minha direção.
– Você sabe o motivo. Meu pai me humilhou na sua frente. Você é uma
construtora, então é inadmissível que testemunhe nossas fraquezas. Desejamos
que nos vejam como um povo forte e nos temam.
– A te humilhar você se refere a ele ter batido em você na minha frente e
arrancado suas roupas, mas... não foi isso o que eu perguntei.
– Eu sei que piorei a situação com minha reação. Eu estava com raiva e não
pude me conter. Mas você quer que eu confesse que eu estava constrangido e
com medo de você, certo?
– Exato. Confesse.
Ele deu um leve sorriso.
– Você é uma criatura vil e nojenta. Eu não queria me aproximar. O
pensamento me repudiou. Então, por nojo, eu me afastei. Satisfeita?
– Que mentira. Você se sentiu tentado por mim. Por isso não me olhou.
– Essa conversa termina aqui. Somos animais, criança. Como você mesma
sabe, o prazer pelo sexo está em nossa natureza para nos induzir a reproduzir a
espécie. Sendo assim, parece–me que é você, de nós dois, que mais se assombra
com isso.
– Nhanha, desista. Ele é bom na magia e bom em argumentação. Você
perdeu.
– Eu estou farto dessa conversa e da sua presença. Amanhã continuamos.
Prepare–se para um treinamento pesado.
E ele foi embora, dando–me as costas.
– Que cara complicado.
– Pretende mesmo se unir a ele?
– Acha mesmo que não tenho chance de matá–lo?
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– Na verdade você tem. No meio do sexo. Digamos que ele estará bastante
distraído.
– Preciso de garantias. Não irei tão longe por uma suposição.
– Você ouviu o que Nhede disse. Em breve ele atingirá a maioridade e o
gênio dele tomará completamente o lugar de sua alma. Então, para destruí–lo,
bastará matar o gênio. Posso fazer isso. No momento da união, eu e o gênio do
destruidor estaremos gerando um terceiro gênio. Nesse instante derradeiro, em
que estarei dentro dela, poderei parti–la ao meio.
– É uma morte bem cruel. Será perfeito. Mas ele não vai desconfiar?
– Para que ele confie totalmente em você nessa hora, precisa fazer com que
o destruidor se apaixone. Não era isso que pretendia? Se conseguir, ele
certamente baixará a guarda.
– Sim, mas... terei que disfaçar muito bem. Não posso simplesmente dizer
que o amo. Posso me fazer de difícil e... cara, eu não sei nada sobre romances de
destruidores. Eu acho que ele só vai se excitar comigo se eu for uma boa
matadora de destruidores. Para isso, preciso ser uma maga forte e violenta.
Aquilo estava cada vez mais complexo.
No dia seguinte, o destruidor apareceu com uns hematomas no rosto.
– Construtora, precisaremos deixar o estudo do GGM para outro dia.
Contei pro meu pai que ia começar a te treinar. Também disse que ambos
aceitamos o lance do bebê. Então ele disse que como já estamos quase com 19
anos, precisamos nos apressar.
Eu levei um susto! Sexo, já? Naquele dia?
Era muito súbito. Eu me perguntava se Bapsi já tinha poder suficiente para
atacar o gênio dele e enganá–lo. Assim eu não ia ter chance de fazê–lo se
apaixonar por mim, caramba! Estava dando tudo errado.
– Eu tenho nome. Me chame por ele.
– Nhahia.
– Sablerie.
Ele me fitou completamente surpreso.
– Foi o desgraçado do Nhede que te contou, não foi?
– Ele me contou tudo. Até os seus segredos.
– Se ele soubesse algum segredo meu, estou certo de que teria te contado.
Felizmente, ele não sabe.
“Droga, não funcionou”. Pensei que ele fosse cair nessa.
Ele lançou um livro para mim.
– Os detalhes estão aí. Leia. Tem figuras.
Folheei o livro. Quando descobri, pelas imagens, tudo o que teríamos que
fazer, eu devolvi a ele o livro com um sorriso.
– Pode esquecer. Isso está completamente fora de questão.
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– Eu achei mesmo que fosse dizer isso. Na verdade, teria estranhado se não
dissesse.
– Nhahia, o que deu em você? Vai estragar todo nosso planejamento!
Eu suspirei fundo, sentando–me novamente. Fitei o céu.
– Bem, Sablerie, você sabe que isso é complicado “pra caralho”, usando essa
expressão que você me ensinou. Nós não temos a menor intimidade um com o
outro. Então não seria mais fácil se nos tornássemos amigos primeiro ou algo
assim?
– Eu não tenho intenção de fazer amizade com uma construtora. Não sou
imbecil como Nhede. Para ser completamente sincero, prefiro fazer tudo o que
esse livro diz do que nutrir qualquer amizade pela senhorita.
– Woa! Ele tá zangado mesmo. E isso não é tudo: além disso, ele é esperto.
Ele sabe o que você planeja, Nhanha. Cuidado!
– Na verdade não precisamos ter amizade, só desejo. É isso o que o livro diz,
pelo menos.
– Eu fui criado para reprimir completamente meu desejo sexual. Isso porque,
como eu pensava não ter uma ligação, precisava me concentrar somente nas
lutas. Sendo assim, precisarei seguir as instruções desse livro a risca para as
coisas funcionarem.
– Aqui diz que somente beijos já estendem um pouco o tempo de vida.
– Eu não quero mendigar uns poucos meses a mais. Mas meu pai disse que
eu estou sendo estúpido e ridículo ao recusar algo tão banal. Por enquanto
podemos adiar o ato por pelo menos mais seis meses, então não se preocupe. Se
for necessário, adiamos por mais um ano, não importa. Mas meu pai sugere que
aconteça um beijo por semana. Então podemos marcar isso.
– Isso não é meio artificial, Nhanha? Vocês são robôs?
– Não me importo. Seu pai vai te espancar se você chegar em casa sem ter
me beijado, certo?
– Ele diz que mereço muita sova para deixar de ser fresco.
– Pois eu também te acho muito fresco, cara! Fazendo todo esse drama por
causa de beijo! E você ainda se diz um destruidor, idiota?
– Eu não ligo pra merda do beijo. Foda–se isso. Para ser sincero, já me irritei
com esse assunto. Vamos fazer o seguinte: manter a rotina de um beijo por
semana, todas as quintas às 14 horas. Estudo do GGM toda quarta às 14h.
– Espere, por que não podemos marcar os dois para o mesmo dia? O beijo
não é tão longo assim que dure um dia inteiro! Alguns segundos não é o
bastante?
– Eu sei, imbecil. Eu apenas não desejo conversar com você no mesmo dia.
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Wanju Duli
– Eu sei que você não sabe nada. Mas eu também me refiro às besteiras
sobre selos que você acha que aprendeu com os estúpidos simbologistas.
– Você não pode xingar a magia dos outros sem nem ao menos conhecê–la.
– Eu posso. Você usou essa técnica inútil contra mim. Quanto tempo
estudou na universidade deles? Um ano? Ou menos?
Preferi não contar que eu havia me formado lá. Ora, é claro que ele sabia. Só
estava me desafiando.
– Você não deve saber nada sobre matemática.
– Eu também certamente não sei nada sobre caçar borboletas. E daí?
Coloque todos os seus matemáticos diante de mim e mando todos para o caixão.
– Esse cara não é convencido, imagina! Ele apenas pensa que é o rei do
universo. Otário!
– Bapsi, apenas feche essa matraca por um segundo. Você sempre
interrompe minha linha de pensamento quando está no auge, com essas suas
besteiras. Não sei como você o suporta, Nhahia.
– Hã... quê? Você consegue me ouvir falando com Nhahia?!
– É óbvio. Pois ela é minha ligação.
– Mas como é que não escuto o seu gênio?
– Porque eu sou forte e você é fraca. Essa pergunta era mesmo necessária?
Também já sei tudo sobre o plano de vocês para tentar me assassinar. Acharam
mesmo que eu ia cair nessa? Imbecis.
Senti uma sensação horrível. Pensei que ele fosse me matar. Mas Sablerie
somente riu com meu medo.
– Apenas parem com esse teatro. É desagradável. Suas ações são óbvias. E
principalmente seus pensamentos. Vocês provavelmente desconhecem muitos
de meus poderes psíquicos. Um alto nível de telepatia está entre eles. Você não
pode esconder nada de mim, construtora. Quando me beijar, saberei se sentiu
nojo ou desejo.
– Pare. Por favor.
– O que foi?
– Isso é invasão de privacidade.
– E quem disse que eu ligo para a sua privacidade? Apenas dê–me esse filho
e suma. Você também devia ter interesse em ficar viva. Eu não precisava nem
estar te fazendo esse favor, seja de te ensinar o GGM ou ter o filho com você. A
senhorita devia ter me implorado para se unir a mim quando chegou aqui; para
dar prosseguimento à sua vida miserável.
– Eu tenho meu orgulho como construtora.
– E eu tenho meu orgulho como destruidor. É essa a origem de todos os
nossos problemas. É o que está dificultando algo que, de outra forma, seria
completamente natural. Eu não teria problema algum em me unir a alguma
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Fábula dos Gênios
destruidora que fosse minha ligação. Mas você, além de ser construtora, é uma
mentirosa, falsa, manipuladora.
– Sablerie, apenas passe minha lição de hoje sobre magia. Essa discussão não
levará a lugar algum.
– Algumas vezes você diz coisas inteligentes, Nhahia.
Ele acabou concordando que era perda de tempo estender o assunto.
– Somente uma última pergunta: como dominou tão rápido nosso idioma?
O seu sotaque é esquisitíssimo, mas você comete pouquíssimos erros. E o
dezkazil é difícil.
– Que inesperado um elogio vindo de você. Eu estudei na terra dos
simbologistas, lembra? Eles são os melhores com idiomas. Como aprendi
muitas línguas e técnicas para dominá–las, tornei–me boa nisso. Viu como há
coisas úteis lá fora?
Ele apenas resmungou alguma coisa sem muito interesse e voltou a falar
sobre o GGM.
– É uma obra difícil de entender. Sinceramente, eu não tenho muita
esperança que você entenda. A maioria dos outros idiotas apenas utiliza as
magias ao pé da letra sem se importar com a filosofia. Mas eu afirmo que os
fundamentos são a chave para plena compreensão dos sistemas. Sem uma base
segura, o castelo desaba.
– Falou o filho do autor. Então eu acredito. É isso que teu pai te diz?
– Ele me diz muito mais. Não pense que vou te revelar as melhores partes.
Existem algumas chaves e fechaduras ao redor da obra. É como um quebra–
cabeça. Você só descobre como as coisas se encaixam depois de utilizar as
técnicas. Algumas vezes o segredo para compreender uma magia está em outra.
Elas estão inter–relacionadas. Hoje vamos testar o princípio. Chame Bapsi.
– Aqui estou.
– A quem você é leal? Ele te chama e você simplesmente aparece?
– Se você não o obedecer, morre, então estou escolhendo a vida por você.
– Espero que também preze pela própria vida antes de pensar em explodir
meu gênio enquanto eu transo, engraçadinho. Agora, Nhahia, concentre–se em
aumentar o tamanho de seu gênio.
– Como faço isso?
– Com a respiração. Você realizará exercícios respiratórios simples
diariamente. Ele provavelmente não vai aumentar muito, mas já será útil para
realizar as primeiras técnicas. Antes disso, vai ser difícil começar.
– Eu pensei que para realizar a magia dos gênios malignos eu precisasse
arranjar um gênio maligno...
– Não. Você deve transformar seu gênio em um. Alterar seu gênio será o
primeiro passo.
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Wanju Duli
– Então será o Bapsi quem irá devorar minha alma e meu coração?!
– Você parece assustada. Se teme a dor e a morte, esqueça nosso sistema.
Escolha agora. O que você está disposta a sacrificar?
– Eu não preciso realizar sacrifícios para fazer magia. Também é possível
estudar de forma divertida.
– De fato. Mas eu aprecio um pouco de medo, para fazer acelerar o coração.
– Você ainda tem um coração, Sablerie?
– Suas perguntas são incômodas. E vocês, estrangeiros, são hilários. Passam
a vida toda desejando o GGM. Quando o leem, se assustam. Não estão
dispostos a ir tão longe. E voltam atrás. De repente, toda a coragem desaparece.
Você será como eles, Nhahia?
Eu não fui capaz de responder.
Quando eu voltei para casa, Bapsi conversou comigo:
– Ele é forte demais para que você o mate. Nosso plano de enganá–lo
falhou. A princesa é ainda mais forte que ele. Então o que está fazendo aqui
ainda, Nhahia? Apenas fuja!
– Se eu concordasse em permanecer apenas para estender a minha vida, isso
seria trair o meu povo. Afinal, já não estou tão animada para aprender a magia
dos gênios malignos. Há essa tal de magia dos deuses e a magia tecnológica.
Essas não parecem tão terríveis. Então...
– Decida–se logo: vai beijá–lo amanhã?
– Vou ter que ir, senão ele me mata. Ou o pai dele o mata... de qualquer
forma, estou um pouquinho curiosa para saber como vou me sentir. E não
tenho nada a perder. Vou até ganhar mais uns meses de vida nessa brincadeira.
Mas não seria tão fácil como imaginamos. Sentamos na terra, perto da grama,
e ficamos ali, um na frente do outro, sem dizer nada.
Resolvi não pensar em nada, para ele não ler minha mente. Bapsi também
recebeu instruções para ficar calado.
De repente, ele segurou no meu braço, puxando–me para perto de si. Meu
coração acelerou. Ele segurou nos meus ombros.
Ele fez um movimento para me beijar, aproximando o rosto, mas depois se
afastou. Ele tentou fazer isso mais duas vezes. E não deu certo.
“Esse cara não é um destruidor? Ele despedaça pessoas, arrancou minhas
pernas quando tinha 11 anos. Então por que ele está hesitando em fazer algo tão
simples?”
Ele provavelmente leu esse meu pensamento. Em vez de me beijar logo, ele
ficou ainda mais nervoso.
Por isso, eu tomei a iniciativa. Abracei–o e dei–lhe um beijo na boca. Um do
tipo longo, que durou o máximo que consegui.
164
Fábula dos Gênios
“O coração dele tá disparado. Então ele ainda tem coração”. Eu senti isso
no momento do abraço.
A sensação daquele beijo foi muito estranha. Eu não soube explicar. Eu
senti um pouco do gênio dele. Ele provavelmente sentiu Bapsi também. Afinal,
o gênio saía pela boca. Era essa a magia do beijo que estendia a vida dos
construtores e destruidores.
Sablerie ainda me fitou por mais alguns instantes, respirando rápido. Achei
que ele iria simplesmente levantar e ir embora...
– Ele vai levantar e ir embora, como se não tivesse acontecido nada.
E foi exatamente isso que aconteceu.
– Que merda, Bapsi! Cala a boca enquanto a gente tá junto, cacete! Senão ele
vai te escutar, seu jumento!
– Oh, então você queria que ele tivesse ficado? Quando sair desse lugar, vai
contar tudo o que aprendeu na terra dos destruidores: só novos palavrões.
Na próxima quarta, ele apenas me ensinou mais sobre o GGM, como se o
beijo nem tivesse acontecido. Mostrei a ele o resultado do meu treinamento.
– Seu gênio não aumentou sequer um milímetro! Mostre–me como está
respirando.
Eu fiz o que ele pediu.
– Sua postura está completamente errada! Endireite as costas.
E lá fui eu.
– Está fazendo tudo errado, menina! Seus ombros estão completamente
tortos!
Ele ajeitou os meus ombros. Ele acabou tocando no meu peito também,
para que eu colocasse as costas para trás. Eu não sei se ele fez de propósito ou
sem querer, mas eu dei um tapa na cara dele.
– NHAHIA!
Eu dei um tapa forte. Num primeiro momento, Sablerie ficou totalmente
sem reação. No segundo seguinte, ele segurou o GGM e lançou–o no chão,
diante de mim.
– Eu já devia ter te matado há muito tempo. Eu não confio em você. Eu
odeio você! Construtora miserável! Não vou mais te treinar. Vai te foder.
E ele foi embora.
– Bapsi, eu exagerei?
– Nhahia, cedo ou tarde vocês vão transar! Então por que você se ofendeu
só porque ele encostou em você?
– Eu ainda não decidi se me unirei a ele, Bapsi. Você viu como ele é
estúpido.
– Ele? Não foi você quem deu o tapa?
– Antes disso ele já tinha me torturado com o GGM.
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Wanju Duli
– Só com magia.
– “Só”? E você acha pouco? Ele destruiu meu povo. Eu não devo
absolutamente nada a ele!
Mas eu fui até a praça no dia seguinte. Sablerie já me aguardava sentado lá e
não disse nada quando cheguei.
Desci da cadeira de rodas e fiquei ao lado dele, na grama. Pensei que ele
estaria furioso comigo por causa da nossa briga no dia anterior. Mas ele
aproximou–se de mim e me beijou.
Dessa vez foi ele quem fez isso e não hesitou. Foi um beijo de língua, muito
mais longo do que o primeiro. Ele me abraçou e me levou para perto dele.
Parecia que não ia terminar.
Até que acabou.
– Ele vai levantar e ir embora. Quer ver?
Mas Sablerie puxou–me para perto de novo e me beijou mais.
– Nhanha, o que ele tá fazendo? Não era só um beijo que vocês
combinaram?
Eu também não entendi. Não o afastei para que ele não ficasse brabo, como
no dia anterior. Será que ele estava me testando?
Ele passou a mão nos meus seios. E continuou a me beijar com muita
intensidade.
“Ele quer ver se sinto desejo de verdade ou só estou fingindo...!”
– Não é isso. É ele quem está sentindo tanto desejo que não consegue
parar...
“Cala a boca Bapsi, cala a boca...!”
Sablerie deitou–se sobre o meu corpo, ali mesmo, na grama. Ele estava
respirando rápido. Eu senti o nervosismo dele. Sablerie nem tentou disfarçar.
– Não.
Ele não me escutou. Continuou avançando.
“Droga, não consigo mexer as pernas”.
– Sablerie!
Tirei a mão dele do meu peito e afastei–o. Ele saiu de cima.
– A gente já se beijou. Semana que vem nos beijamos de novo.
Ele não disse nada.
– Nhanha, isso foi meio rude...
“Por que está do lado dele, Bapsi? Não foi ele que inventou esse ritual
maluco?”
Eu não sabia se ele estava prestando atenção na minha conversa com o
Bapsi. Provavelmente não. Ele parecia distante.
– Por que você não sai logo daqui?
Eu subi novamente na minha cadeira de rodas.
166
Fábula dos Gênios
– Saia logo desse país. Eu não aguento mais... essa situação. Que eu morra,
que meu pai me bata. Foda–se, não ligo. Apenas desapareça.
– Está bem. Eu entendi. Se tenho sua permissão, vou me dirigir agora
mesmo para o porto. Adeus, Sablerie. Nunca mais nos veremos.
E eu segui decidida até lá, pois eu sabia o caminho. Não era longe.
– Tem certeza disso?
– Eu também não aguento mais, Bapsi. Eu sou uma construtora. Ele é um
destruidor. Quem nós estamos enganando com esse teatro? Nós nos odiamos e
sempre vamos nos odiar. Nós não precisamos sentir amor para transar. Apenas
desejo. E isso nós sentimos, porque somos humanos. E daí? Esse desejo é uma
estratégia da natureza em favor da vida. Mas eu posso escolher não ceder a esse
desejo. E eu escolho a morte.
– Por quê? Por seu orgulho? Ou não quer trair seu povo? Até o destruidor
estava deixando o orgulho pra trás!
– Eu também não confio nele. E por que só ele pode ser cruel? Eu não
posso ser?
– Você pode, Nhahia. E foi o que fez. Conseguiu exatamente o que queria:
fez com que ele se apaixonasse por você e depois saiu correndo. Está satisfeita?
– Sim. Minha vingança está completa. Eu não o matei, mas fiz algo pior. Ou,
eu deveria dizer: eu o matei; e a mim também.
Mostrei a Bapsi o GGM embaixo do meu manto.
– Missão concluída. E eu pensando que seria difícil... ralem–se minhas
pernas e minha vida. Aquele destruidor pode até ser um dos maiores magos do
mundo. De que isso adianta se eu tenho a felicidade e ele não?
E eu sorri. Mas não foi um sorriso gentil.
Aqueles eram os lábios de uma vencedora: uma construtora que derrotou
um destruidor.
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O Grimório dos Gênios estava na arca, mas eu não estava interessado nele.
Minha família possuía uma página do Grimório dos Gênios Malignos. Em
segredo consegui que um sábio traduzisse aquela página para mim. Eram
poucos os construtores com algum conhecimento do idioma dos destruidores.
E eu consegui o que queria.
A página nove ensinava o início do processo de fazer com que o gênio,
pouco a pouco, começasse a devorar a sua alma. Essa era a fonte primordial do
grande poder dos destruidores: não precisar do intermediário da mente para
atingir a alma, mas ter acesso aos poderes da alma diretamente.
– Você precisa pensar bem antes de realizar um ato tão grandioso e perigoso.
– Eu sei, Neva. Mas não existe a cura para minha doença no GG. No fundo
eu sei que é exatamente essa página do GGM que me ofertará uma segunda
chance.
Os médicos sempre diziam que eu morreria cedo. Eu não viveria o
suficiente para unir–me à minha ligação. Por alguma razão, eu nunca acreditei
nisso. Assim como eu não queria enxergar uma vantagem em ser príncipe, a
doença também não poderia ser uma desvantagem.
– Eu não me importo em morrer cedo.
– Esse mundo é belo e vasto. Não desejaria conhecê–lo mais?
– Em verdade, acredito que meu coração é mais vasto que o mundo.
Com aquele pensamento, decidi que eu queria viver para explorar em
profundidade a minha mente.
– Eu quero tentar, Neva. Você aceita esse desafio?
– Como Vossa Alteza desejar.
– Que são essas palavras? E essa reverência? Como você é boba.
Tchei não gostou muito da ideia.
– O GGM é tão perigoso que é como um suicídio. Eu jamais utilizaria uma
magia tão arriscada como essa. Não tenho nenhum interesse em técnicas de
destruidores!
– Eles não são maus. Desenvolveram uma magia para ressuscitar após a
morte do corpo. Então eu entendo que posso permitir que meu corpo morra.
Basta salvar minha alma e meu gênio através dessa técnica.
– O preço a pagar será muito alto. Por favor, permita que eu sofra os efeitos!
Quero lhe ser útil.
– Nem pense nisso. Eu sei que você tem um bom coração e morreria por
seus amigos, mas não vou permitir.
– Você é minha contraparte e meu príncipe!
– Tchei... finalize esse discurso agora mesmo. Aceito que diga que deseja me
ajudar por sermos contraparte, mas não gosto que os outros queiram dar a vida
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Wanju Duli
por mim por eu ser príncipe. Minha vida não vale mais do que a de ninguém.
São todas vidas e de igual valor.
– Até mesmo a vida dos destruidores tem valor igual à nossa?
– Sim. Eu não concordo com essa guerra. A culpa é dos construtores. Os
destruidores apenas desejam fazer justiça. Ainda assim, eu não entendo de
política. Eu posso imaginar o que é a honra, mas não desejo viver por nenhuma
dessas coisas. Quero apenas viver para realizar o que deve ser feito dentro de
mim. E... por meus amigos.
– Então você compreende meus sentimentos. Aceite minha ajuda, Wakwa.
Isso é importante.
Eu não permiti. Precisava carregar aquele fardo sozinho.
Eu sofri. Dia após dia a doença me consumia. Mas Neva era mais forte e
devorava meu desespero.
Eu queria fazer tudo o que a página dizia, mas eu não tinha coragem,
sabedoria e nem força. Neva cresceu. Estendi meu tempo de vida o máximo que
pude, mas no fundo eu sabia que meu corpo não ia aguentar mais tanta pressão.
– Neva, eu preciso do GGM. Devo contatar os destruidores ou será tarde
demais.
E, sem que eu pedisse por isso, eles vieram a mim.
A princesa dos destruidores apoderou–se da minha vida. Fui capturado e
trancado nas masmorras daquele que outrora foi o meu palácio.
Ela ia me visitar frequentemente, como uma criança curiosa. Sentava–se em
frente à cela e apenas me observava, com interesse. Por vezes entrava lá e me
analisava, como se desejasse machucar cada parte do meu corpo. E, de fato, ela
levava diferentes grimórios para brincar de testar os meus limites.
Apenas uma criança cruel. Ela sorria e ria bastante. Não... havia algo de
especial naquela criatura.
– Construtor, nossa princesa desejar dizer algo a você. Ela dizer que gostar
muito de construtor e que você ser seu brinquedo para sempre.
Um dos destruidores, também uma criança, costumava servir de tradutor
quando a princesa tinha alguma mensagem. Eu raramente tinha algo a dizer a ela.
Afinal, o que eu desejava já me havia sido fornecido.
Eu não sabia se tinha sido proposital, mas de tanto que a princesa me bateu
e me privou de comida e conforto, meu gênio cresceu. Afinal, era aquele o
princípio da magia dos gênios: aumentar o poder mágico através de privações.
Contudo, havia uma lei de ouro: o sofrimento não poderia ser causado
propositalmente, artificialmente.
O gênio somente crescia se havia uma urgência genuína de salvação. O
poder não poderia ser obtido através de um jogo, de uma brincadeira. Somente
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Fábula dos Gênios
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Eu e a princesa crescemos juntos. Meu gênio ficava mais forte, sem que eu
percebesse, enquanto meu corpo ficava mais fraco. Eu odiava minha existência
miserável. Os olhos brilhantes da princesa acompanhavam–me em meus
pesadelos.
Até que minha salvadora chegou. Eu não a reconheci. Nem me recordava
como viver.
Aquele tempo foi como um sonho. Não senti que foi desperdiçado. Ao
olhar para trás, recordei–me da minha vida de privação e tortura com saudade e
emoção.
– Você sente falta de estar como prisioneiro dos destruidores?
– Eu sinto, mas apenas porque é inevitável. Em qualquer lugar que te
coloquem, sempre resta um pedaço de você.
– A princesa era importante pra você.
– Eu nunca conversei com ela diretamente, mas eu sentia quem ela era: uma
garota muito caprichosa.
– Você quer retornar.
– Apenas para matá–la. Eis a sina dos construtores.
– Nós voltaremos, Wakwa. Cromo está reunindo os construtores. Muito em
breve, atacaremos.
– Pensei ter ouvido batidas na porta.
Bilubelei foi atender. Para minha completa surpresa, a visita era Nhahia.
Cerca de um ano já havia se passado. Orgulhosa, ela colocou o Grimório dos
Gênios Malignos diante de nós.
– Peço desculpas pelo atraso. Eis–me aqui! Agora temos a arma para vencê–
los.
– Você está bem, Nhanha?
– Estou. Por quê?
– Como assim, “por quê”? Você estava naquele lugar.
– É mesmo. Aparentemente eles se cansaram de mim.
– Não posso aceitar essa resposta. Que aconteceu durante esse tempo?
– Por que pergunta isso a mim? Conte–me sobre você, Wakwa! Eu e Bilu
fomos lá para te salvar. Você passou muito mais tempo que eu na companhia
dos destruidores. Certamente os conhece bem mais.
– Eu fui fraco. Como conseguiu sair sozinha de lá?
– Isso não importa mais. Precisamos salvar o gênio de Tchei. Os
destruidores são quase invencíveis, mas sei que se dominarmos a magia dos
gênios malignos teremos uma chance.
Nhahia devolveu o meu anel.
– Acredita mesmo nisso?
– Do fundo do meu coração.
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Fábula dos Gênios
– Nhanha, eu sei o que você está pensando quando dá esse sorriso. Tem
algum truque na manga.
– Pode apostar que tenho.
Eu havia lido o GGM durante a viagem. E aquilo que meus olhos viram me
assombrou e me fascinou.
– Bapsi, Sablerie é extraordinário. Como ele foi capaz de realizar tudo isso?
E estar entre os melhores. Deve ter se sacrificado tanto! Ele é um gênio.
– Então me parece que subitamente ficou interessada em conversar com ele.
Antes só estava fofocando com o outro destruidor e com preguiça de aprender
logo o sistema deles.
– Eu não estava fofocando!
Quando cheguei a Sinabil, dirigi–me imediatamente à minha velha escola.
Fui perguntar minhas dúvidas ao meu professor de matemática.
– Essa magia é sublime! Permita–me ficar com suas anotações por um
período, sim? Tenho muitas contemplações a fazer em cima desse material antes
de te dar uma resposta consistente.
– Contemplações, hã? OK, Nhanha, vamos sair daqui. Esse cara vai se
debruçar nesses selos pelos próximos meses ou no mínimo mandar fazer um
quadro com esse negócio. Enquanto isso, pretende fazer o quê?
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Fábula dos Gênios
– Como eles tiveram essa ideia tão boa? Você tem um batom verde aí?
– Siiiimm! Sabor mentaaahh!
Nós fomos juntas ao banheiro do shopping passar o batom e demos
gritinhos enquanto fazíamos isso. Ficamos mais de uma hora lá dentro
experimentando os estojos de maquiagem chiquérrimos que Racan trouxe de
Bruznia.
– Amigas, os magos de Bruznia são uns deuses saborosos de mel, leite e
talco! Os homens de lá são tudoooo!
– NÃO ME DIGA, EU ESTOU SOLTEIRA, ME APRESENTAAHH!!
– Nhanha, a sua amiga está gritando muito alto e a voz dela é muito aguda,
minha audição está captando um zunido estranho, diz pra ela BAIXAR A VOZ,
POR FAVOR!
– Eu terminei com meu namoradinho recentemente. Vamos todas juntas pra
Bruznia? Eu também queria um gatinho.
Eu me senti meio de fora da conversa. Elas perceberam e olharam pra mim
com um pouco de pena.
– Você não pode beijar, não é, Nhahia? Passou esse último ano sozinha? Eu
tive dois namorados.
– Eu tive três!
– Eu perdi a conta. Eram tantos homens maravilhosos de todas as cores,
formas e sabores, que não sabia qual escolher! Eu amo todos!
– Na verdade eu...
Subitamente, as três garotas gritaram. Lá dentro do banheiro feminino
surgiu uma pessoa com um manto verde de costuras marrons. Em qualquer
parte do mundo os habitantes reconheceriam a cor daquele manto e saberiam o
que significava.
Outras duas moças que estavam no banheiro naquele instante saíram
correndo ao ver a pessoa de manto.
Quem estava por baixo do manto não disse nada. Apenas me segurou pelo
braço e fez menção de sair do banheiro. Eu não permiti.
– Sablerie, me larga! É você, não é?
Claro que era ele. Eu disse isso no idioma dos destruidores. Minhas amigas
ficaram confusas.
– Você a conhece, Nhanha?
– Sim. É o destruidor que arrancou minhas pernas.
Elas gelaram quando eu disse isso. Naquele momento não fazia diferença
que tivesse um cara dentro do banheiro feminino. A fama dos destruidores era
tão ruim que provavelmente as pessoas pensavam que eles matariam qualquer
um que estivesse diante deles, tamanho o poder e a fúria que possuíam.
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– O que ele fez? Tentou atacar–me? Lançou alguma magia através daquele
aparelho?
– Ele só tirou uma foto, não se preocupe. É só um babaca.
– O que é uma foto?
– Eu não sei explicar isso! Os destruidores não fazem retratos uns dos
outros com tintas, como numa pintura?
– Raramente alguém se foca a sério nessa atividade. Estamos mais
preocupados com o presente e não com o passado.
– Aquele é um dispositivo que reproduz um retrato seu, com bastante
fidelidade. Ele provavelmente vai mostrar aquilo aos amigos para se gabar que
encontrou um destruidor no shopping.
– Você está me contando isso porque deseja que eu o mate por tal
atrevimento?
– Não!
– Bom, porque eu não estou interessado em nada disso. Vamos ao que
interessa. Nós destruidores fazemos sexo nas matas. Existe algum bosque
reservado para isso?
– Primeiro nós vamos conversar. Vamos até o hotel em que estou
hospedada. Se ficarmos num local público, daqui a pouco seremos interrogados
pela polícia.
– Por quê? Até onde sei, não infringi a Lei.
– Vocês, destruidores, são muito mais famosos do que pensam. Vocês são
uma lenda. Ninguém tem coragem de se aproximar de Consmam nos últimos
oito anos. E Desmei é um país aterrorizante há décadas. Poucos que viram um
destriudor pessoalmente sobreviveram para contar. Tem ideia do impacto que
sua presença está causando?
– Como eu disse, não estou interessado nas paranóias e preconceitos de
vocês. Apenas desejo ter o direito de caminhar tranquilamente nas ruas sem ser
olhado como se fosse um monstro. E usar outras vestimentas fere nossos
costumes e princípios, o que também está fora de questão.
Ele era teimoso, mas também tinha um pouco de razão. Fomos logo para o
hotel, a fim de evitar outras situações. Contudo, até a entrada dele no hotel foi
complicada. O sujeito da recepção não queria deixá–lo subir, pois ficou com
muito medo.
– Eu me responsabilizo por qualquer coisa que ocorrer.
Ele não acreditava que eu teria o poder para impedir algum acontecimento
grave. E nem eu acreditava, para ser sincera. Mas quando eu disse a ele que o
destruidor ficaria zangado se ele dificultasse as coisas, ele finalmente cedeu.
Subimos até o meu quarto e tranquei a porta.
– Pode se sentar, fique à vontade.
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– Não me faça rir. Não vim até aqui para perder meu precioso tempo.
Desejo retomar meu treinamento o quanto antes. Faremos isso essa noite e
retornarei ao meu país pela manhã.
– O que faremos durante a tarde?
– Estudar o livro para não haver erros.
Ele retirou do interior do manto aquele livro dos destruidores sobre sexo.
Ele abriu numa das páginas e indicou a imagem.
– Eu me deitarei sobre você. O livro recomenda que façamos isso sem
vestimentas, para nos excitarmos mais com o corpo um do outro. Eu não sou a
favor dessa prática, pois meu manto é como uma segunda pele. Contudo, não
quero correr o risco de falhar, então vamos seguir as instruções.
– O que acontece depois que você se deita?
– Eu passo meus genes para você. Há algumas sugestões de práticas para
facilitar o processo, mas como são apenas sugestões podemos pulá–las. Acredito
que isso é tudo. Os gênios devem se enrolar nesse instante e completar o
processo.
– Parece muito simples.
– Vamos marcar para realizar o processo em exatamente cinco horas. Se for
tão simples quanto parece, deve durar apenas uns cinco minutos. Enquanto isso,
quero visitar uma biblioteca de Sinabil.
– Por quê?
– Não te interessa o que quero ver lá. Apenas conduza–me ao local.
– Não é legal que você fique caminhando por aí. Ao menos coloque outro
manto por cima do seu.
Abri meu guarda–roupa e retirei de lá um manto amarelo com capuz.
Sablerie só concordou em vesti–lo porque não precisaria retirar o seu para isso.
Por fim, conseguimos caminhar em paz pela cidade. Estava muito quente e
Sablerie estava suando por baixo da roupa. Vi um pouco de suor pingando pelo
rosto dele.
– Você está bem?
– Esse país é muito mais quente que Desmei e até mais que Consman.
Contudo, eu fui treinado para me adaptar a diferentes situações. Esse calor é
força que dá mais poder ao meu gênio.
Ele ficou bem interessado naquela biblioteca. Retirou alguns livros e não
permitiu que eu os visse. Sentou–se numa mesa afastada e passou a folheá–los.
Dei de ombros, peguei um livro qualquer sobre selos e passei a analisá–lo.
Depois de alguns minutos, fui até a mesa de Sablerie.
– Tenho uma dúvida sobre esse selo aqui...
Contudo, ele reagiu com um susto quando cheguei perto e cobriu os títulos
de seus livros.
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– Qual deles?
– Esse, que tem somente formas geométricas. Significa que ele é mais
complexo que aqueles com letras e números?
– Algumas vezes a simplicidade traz maior força.
Alcancei compasso, esquadro e folha quadriculada para medir os ângulos.
Sablerie observava o que eu fazia sem comentar.
– Que tal? Achou interessante?
– E para que raios você vai usar essas medidas?
– Para conhecer mais as características do selo utilizado e, assim, adquirir
mais controle sobre a potencialidade desse poder.
– Mesmo? Mostre–me como.
– Tem relação com as correspondências! As cores, formas e ângulos
possuem certas equivalências e a influência dessas relações em nosso cérebro é
grandiosa.
– Apenas aplique isso, construtora. Pare com esse papo furado.
– As pessoas estabeleceram significados para os símbolos através dos
tempos. No momento do lançamento da magia existe uma influência
psicológica intensa. Portanto...
– Foda–se isso. Eu quero a coisa real. Essa merda quebra dimensões?
Dificilmente. Eu mexo com selos que destroem dimensões espaço–temporais.
Perto disso, seu brinquedo imaginário é uma grande piada.
– Os simbologistas usam esses selos há séculos e isso é ensinado nos livros.
Muitas experiências já foram feitas. Tem funcionado até hoje, então...
– ... então a força desse sistema ridículo reside apenas na fé da tradição? Não
me faça rir. Os simbologistas são eruditos monótonos e magos medíocres.
– Então por que você está lendo livros de outros sistemas? Magia dos deuses,
magia tecnológica, divinação, meditação...
Ele fechou os livros imediatamente.
– Você fez essa pergunta ridícula sobre esse selo somente para espiar os
títulos, hã? Os destruidores não carregam livros de outros sistemas por aí. No
máximo, debatem as diferentes linhas nas sociedades secretas, mas isso é só
entre magistas mais avançados.
– Os construtores também tinham sociedades secretas nas universidades!
– Nós não temos universidades de magia. Essa ideia me soa estúpida. O
aspecto empírico da magia é muito mais poderoso que o teórico. A teoria
somente serve para sustentar uma prática forte. As sociedades são conexões
poderosas entre indivíduos, não entre instituições de ensino. Grupos seletos de
sábios magos.
– Então é por isso que os destruidores não têm escolas e universidades?
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– Não é uma garota. É uma destruidora adulta. Ela já era adulta desde a
guerra. Atualmente deve ter em torno de quarenta anos. Você e suas amigas
simbologistas pensam que podem fazer jogos de sedução somente inventando
essas bizarrices estúpidas com a aparência. Mas vocês somente sabem seduzir
imbecis. Nós, destruidores, somos seduzidos pela força, pelo poder e ousadia.
Amamos mulheres selvagens.
– Eu já imaginava isso. Qual é o nome dessa mulher?
– Sassa Soma. Sugiro que grave esse nome a ferro e fogo em seu cérebro e
não o esqueça jamais.
– Você a ama.
– É claro que eu a amo. Assim como a maior parte dos destruidores. E
mesmo aqueles que não a amam, a admiram e respeitam enormemente. Ela é a
fundadora de nossa sociedade secreta mais forte.
– Quem é a ligação dela?
– O rei.
– Então a princesa é filha dessa maga poderosa?
– Sim. Esse é o mundo dos fortes, Nhahia. Um mundo que você jamais
penetrará.
Aquelas palavras mexeram comigo. De verdade. Por um momento, eu
desejei ser uma destruidora.
– Se eu estudar o Grimório dos Gênios Malignos, quem sabe um dia eu seja
admitida nessa sociedade secreta.
Sablerie gargalhou com vontade. Eu nunca tinha visto isso antes.
– Você precisaria de pelo menos mais algumas encarnações antes de ousar
colocar–se diante da venerável Soma.
– O seu sonho é entrar para a sociedade secreta dela. Por isso você vai
aceitar se unir a mim: para viver mais e ficar mais forte.
– Eles somente aceitam membros adultos que já se uniram a suas ligações. E
além disso, só os mais poderosos. Não tenho nem idade e nem poder suficiente
para ser parte disso.
– Peraí, você disse que não tem poder? Mesmo estando entre os mais fortes?
Quantos membros tem nessa sociedade?
– O número exato de membros é um segredo da sociedade. Mas não me
importa se sejam três ou quinze. Estimo que não passe disso, mas estou
meramente especulando. Eles são altamente seletivos.
– Ela é a rainha, então?
– Claro que não. Ela não estava interessada em poder político. Apenas se
uniu ao rei para viver. E eu sei que no fundo a princesa ficou mais forte que eu
por ter sido treinada por ela...
– Como ela pode ser mais forte que seu pai, que é o autor do GGM?
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– Já te contei que temos um grimório ainda mais forte que o GGM. Mas
agora chega de conversa. Não sonhe em fazer parte da SS. Eles jamais
aceitariam uma construtora como membro. Principalmente uma fraca que nem
você.
– Eu sei que sou fraca, mas... também sei que sou capaz de me dedicar a algo
que eu realmente ame.
– Você é ainda mais fraca do que pensei. Inicialmente tive esperanças de me
divertir um pouco na luta de nosso reencontro, mas você me desapontou
enormemente.
Eu ia dizer algo para me defender, mas ele me interrompeu.
– Por outro lado, estou certo de que você é mais forte do que pensa. Você
sempre disse que ia me matar, mas nunca acreditou que realmente fosse capaz
disso. Por quê? Já experimentou acreditar que pudesse me matar de verdade
para ver o que aconteceria?
Aquelas palavras me calaram.
Então, no fundo, o problema estava em mim. Sablerie acreditava de verdade
que eu podia ser forte. Aquilo só não aconteceu porque eu mesma não acreditei.
Mas aquilo poderia mudar. Eu tinha o poder de me tornar qualquer coisa
que eu desejasse. E isso não ocorreria somente na imaginação.
Ora, a imaginação em si já é poderosa. Algo que exista na imaginação e
também em outras dimensões poderia alcançar as estrelas.
As cinco estrelas: aquelas que tocavam nossos sentidos físicos e também o
nosso espírito invencível.
– Está na hora. Vamos acabar logo com isso.
Meu coração deu um pulo. Até já tinha esquecido. Eu não estava preparada!
O sangue tinha subido todo para o cérebro no momento daquelas conversas
espetaculares. Seria difícil fazê–lo descer outra vez.
– Prometa que não lerá meus pensamentos ou os pensamentos do meu
gênio durante nossa união. Eu vou me desconcentrar se isso acontecer.
– Não lerei. Concentre–se em pensar no que quiser, contanto que isso
facilite as coisas para nós.
Ambos começamos a tirar a roupa.
“E você também, Bapsi, fique quieto. Não incomode!”
– Não se preocupe, Nhanha, estarei ocupado o suficiente me enrolando no
gênio dele para prestar atenção no que vocês estão fazendo.
Quando ficamos completamente nus, nos deitamos e nos abraçamos.
Aparentemente, nenhum de nós sabia o que viria a seguir.
– Vamos tentar olhar o corpo um do outro.
Eu não tinha prestado atenção suficiente no corpo dele naquele dia que o
pai dele nos prendeu na cela. E quando o vi, eu entendi porque olhar excitava.
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sujeito do hotel ficou tão assustado ao me ver carregando uma cabeça nos
braços que não teve coragem que eu me aproximasse. Ele queria que eu saísse
do hotel o quanto antes. Foi o que fiz.
Eu fiquei deliciada em ser assim tão temida. Eu andando pelas ruas com o
manto dos destruidores e com uma cabeça na mão, que eu segurava pelos
cabelos.
Eles fugiam, gritavam. Ah, o poder...! Como aquilo era bom.
E eu não estava apenas encenando. Eu não era uma destruidora.
Provavelmente não era digna daquele manto. Mas aquela cabeça que eu
carregava, eu tinha orgulho de dizer que fui eu que arranquei.
Peguei um navio para Consmam. Que prazer! Nem precisei pagar a
passagem. Os passageiros fugiam de mim.
Eu me orgulhei de permanecer no convés a fitar o horizonte naqueles trajes.
Alguns me espiavam assustados e apontavam.
– Você gostou de matar. Sentiu essa adrenalina por ser o peso de uma vida.
Agora você entende como os destruidores se sentem.
– Completamente. Mas eu não brincarei como eles. Tenho negócios mais
sérios a tratar.
Quando pisei em Consmam, exigi a presença do autor do GGM. Eu
informava isso em todos os cantos. Meu capuz estava sobre os olhos e ninguém
sabia quem eu era. Mas a maioria conhecia Sablerie.
Ver–me carregando a cabeça dele aterrorizou a muitos.
“Eu estou assustando os próprios destruidores. Eles são humanos. Apenas
humanos...”
E Vlebre Cazka chegou a mim. Derrubei a cabeça de Sablerie no chão diante
dele.
– Roubei o sêmen de teu filho e guardo teu neto em meu ventre. Se deseja
conhecer teu descendente um dia, devolve–me o gênio de Tchei.
– Isso não será possível, construtora. Esse gênio já foi destruído há muito
tempo.
– Então dá–me a vida da princesa em troca.
– Precisará de mais que essa ameaça para tirar a vida da filha de Soma. O
poder dela supera o de Sablerie. Você venceu meu filho em combate, então não
tenho do que me vingar. Sablerie sempre soube que poderia perder a cabeça
numa luta eventualmente. Ele só não imaginava que aconteceria pelas mãos de
uma construtora. E isso somente ocorreu porque ele foi tolo o bastante para se
entregar às doces artimanhas do amor. Ele era tão vidrado em batalhas que
cometeu esse erro fatal.
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eu não desejei mais o poder e, subitamente, ele tomou meu corpo inteiro e meu
espírito.
– Nhahia, as pessoas desse país não dizem nada que faça sentido. Eles
querem destruir a lógica também ou construir uma nova lógica por intermédio
da alma, que a mente não alcança?
– Eu não quero poder para ser famosa. Eu quero ser especial sim, mas será
o suficiente que eu o seja somente para mim mesma. Desejo ter a força para
alcançar paz de espírito. O segredo da magia é a manipulação mental. Mas o
psicológico é como um turbilhão. Algumas vezes desejo colocar mais fogo nesse
mar ou deixá–lo com águas pacíficas.
Ela me deu uma chave.
– Abra um dos baús, mas somente um.
– Por que somente um? Que baús são esses? Que há neles?
Mas ela apenas sorriu. Saí de lá mais confusa do que quando entrei.
– Tem razão, Bapsi, eles são loucos. Acho melhor eu estudar magia em
outro lugar. Quem sabe em Crava para tentar adivinhar o que me aguarda no
futuro?
– Você sabe o que te aguarda: vingança. Você mesma plantou essa semente.
Não irá se livrar dela num golpe de vento. Não era isso o que queria? Mais
emoção na sua vida?
– O momento em que a emoção acontece é desagradável; um misto de
êxtase e terror. Gosto de aventuras somente para me lembrar delas depois e
contar a outros, com orgulho da minha força.
– Contar a outros é inútil. Isso porque os outros vivem suas próprias vidas e
não a sua. Então no fundo não fará diferença. Viva para construir suas emoções
e não para despertar inveja. Siga o exemplo dos destruidores que são unidos
como povo. Eles não se agarram na glória de um único indivíduo, mas vivem
uns pelos outros.
– Eles vivem uns pelos outros se matando? Bem, a natureza também é assim.
Os animais devoram uns aos outros e o ciclo da vida continua. Mas isso é tudo?
Não há mais que isso?
– A continuidade é desconfortável; o fim é desconfortável. Onde está o
conforto, Nhanha?
– Em ter o poder de manipular os nossos estados psicológicos em vez de
bagunçar o mundo lá fora. Não é ser o rei do mundo e sim o senhor da própria
mente.
Nove meses passaram voando. O ataque dos construtores estava prestes a
acontecer. Eles apenas aguardavam por mim.
Permaneci em Samerre naquele período, somente para ficar um tempo longe
de tudo. Eu precisava de um pouco de paz, de descanso, de férias do universo.
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Minha vida estava tão emocionante ultimamente que meu coração não estava
aguentando.
– Se for menino, essa criança se chamará Tchei, em homenagem ao nosso
amigo. Se for menina, será Sassa, o nome da musa de Sablerie.
– Espere, não foi essa mulher que ferrou o Cromo? Vai mesmo colocar o
nome dela se for menina?
– Acho que Sablerie iria gostar disso. Estou fazendo isso por ele e não por
mim. Afinal, mesmo que eu o odiasse, não tive o filho sozinha.
No entanto, algo deu errado.
O filho não saía. E quanto mais tentavam tirar, mais eu me machucava. Eu
sangrava.
– Isso é magia negra.
– Nhanha..! Mesmo com o poder selado, Sablerie teve direito ao seu desejo
final no instante da morte. E o desejo dele foi...
Uma lágrima cobriu a minha face.
– A semente que deu seu fruto. Sablerie, seu desgraçado. Eu te odeio. Mas
eu teria te amado, seu bastardo, se você não tivesse me matado. E você me
amaria se eu não tivesse feito isso primeiro.
– Pare de lamentar e faça logo seu desejo final. Seu tempo está se esgotando.
– Inversão.
– Quê...? Você não pode. Não tem o poder!
– Inversão! Porque, além do desejo final, ele tinha o segundo desejo. Agora
compreendo. E, por fim, a derrota.
Os seres humanos só podem viver da única forma que conseguem. Vivem
da maneira que aprenderam. Essa gaiola não é uma prisão?
Há os que usam as pernas para andar em círculos. E aqueles que as usam
para dançar.
Minhas pernas não andam e não dançam. Mas eu ensinei minha alma a
correr e depois a voar.
202
Fábula dos Gênios
Capítulo 7: Guerra
Desde pequeno eu sabia que não teria uma ligação. Isso me fez sentir
diferente. Quis me convencer de que era algo bom, pois eu era especial.
O que havia de bom em morrer? Bem, já que meu tempo seria curto, decidi
que iria vivê–lo intensamente. No fundo, não importava quanto tempo eu fosse
viver, contanto que eu cumprisse meu destino.
– Eu sou mais forte que você, filho de Cazka.
– Isso só poderá ser provado em batalha.
Eu derrotei a princesa Miabina facilmente. Ela tinha fama de ser boa, por ser
filha de Sassa, mas aparentemente ela não era tão habilidosa assim.
Ela ficou irada por ter perdido para mim. Claro, eu não era qualquer um: era
filho do autor do GGM. Mesmo assim, ela não aceitou. Passou a me perseguir.
Nos momentos mais improváveis ela me desafiava para uma disputa de
magia. Eu a derrotava todas as vezes. Ela não se cansava e continuava a me
atormentar. Parecia que quanto mais perdia mais ela se viciava em mim.
– Vamos batalhar novamente!
– Estou ocupado agora.
– Está com medo?
– Para com isso, Mia. Lutar é coisa de criança.
Todos nós estávamos cientes disso: batalhar era uma brincadeira somente
para crianças e adolescentes. Os destruidores mais velhos estavam mais
ocupados com a sabedoria do que com o poder.
Sabíamos que com o poder poderia vir a sabedoria. Mas em algum momento
da juventude e início da idade adulta, depois de batalharmos muito,
compreendíamos certas coisas. Então nos focávamos somente na obtenção do
conhecimento.
Era verdade que com a sabedoria também vinha o poder. E era evidente que
os adultos tinham mais poder que nós. Mas ficavam tão sábios que não
desejavam mais exibir esse poder. E se recolhiam aos seus estudos e práticas
fortes. Porque eles não estavam mais interessados em se divertir com nossos
brinquedos.
– Você sabia que Lekham foi para as montanhas?
– Quem? Aquela garota de 15 anos?
– Sim.
Era sempre surpreendente quando uma criança ou adolescente perdia
interesse pelo sangue das batalhas e êxtase das lutas. Diziam que era precoce.
203
Wanju Duli
Assim como crianças interessadas em política. Era raro uma pessoa que tivesse
uma noção maior da vida e da sociedade assim tão cedo.
Eu só poderia concluir que, apesar de eu possuir um poder mágico tão
esmagador, eu ainda não era assim tão sábio. Eu gostava de acumular mais tiras
marrons no meu manto: o couro do cadáver dos meus adversários.
Eu queria reconhecimento do meu poder. Era fantástico ser louvado. Eu
tinha muitos admiradores. Bastava eu pisar na arena que a multidão vinha
abaixo com gritos. Eles tremiam em êxtase perante minha força.
– Sablerie, por que você se importa com a multidão? Eles são só a multidão.
– Muita arrogância de sua parte dizer isso, Mia, principalmente sendo uma
princesa. Todos eles são magos. Alguns deles realmente poderosos. Lembre–se
que quando você assiste a uma luta minha, você faz parte da multidão.
– E daí? Ignore–os. Siga seu próprio caminho. Você quer ajudá–los ou
produzir um espetáculo para seus fãs?
– Eu só quero sentir meu coração acelerar.
Aprender magia era difícil. Aí estava a graça da batalha: ser bom em algo
difícil. Isso gerava reconhecimento.
Eu não me importava de verdade com a platéia. Queria apenas mostrar a
eles que eu era forte. Mas eu também buscava adversários poderosos para
enfrentar. Se somente eu fosse bom, a brincadeira finalmente terminaria.
Eu me perguntava se era nesse instante que os adultos iam para as
montanhas: quando ficavam bons demais e não tinha mais ninguém à altura
deles.
– Por que pensa tanto nas montanhas? Será que não quer ir para lá somente
para que te venerem por estar lá?
– Isso é uma mentira. Só queria saber o que fazem...
E, no meio de tudo isso, estava Sassa.
Normalmente ela vestia seu manto verde com tiras marrons. Mas quando
estava nos encontros de sua sociedade secreta, ela trajava o manto marrom puro.
Uma vez eu a vi: em toda sua imponência, caminhando pela terra de pés
descalços, junto com outros três destruidores encapuzados.
Isso fez meu coração pular. Ela raramente aparecia em público. Quando ela
passou, eu ajoelhei–me diante dela.
– Venerável Soma.
Ela sorriu bondosamente.
– Sablerie Cazka, deseja algo de mim?
– Se não for muita ousadia de minha parte, gostaria de ser membro da SS.
Ela não respondeu imediatamente.
– Chegará o seu momento, se você assim fortemente desejar.
204
Fábula dos Gênios
“O rei conheceu o seu corpo. Mas nem ele e nem ninguém mais é capaz de
sondar a sua mente inescrutável”.
Eu pensei isso. Ela sorriu de novo para mim depois desse pensamento. Eu
corei. Por um momento temi que ela tivesse lido o que se passava em mim.
– Eu conheci dois corpos. O corpo do rei, porque era meu dever como
ligação. E o corpo de uma mulher, para conhecer o amor.
Então era assim. A existência de Sassa era extremamente simbólica e
poderosa. Ela não amava o rei. Mas cumpriu seu destino. Finalmente, escolheu
abraçar o amor com alguém do mesmo sexo, para conhecer aquele sentimento
pelo menos uma vez.
Dizem que sua ligação é sua metade de carne. Mas a contraparte é sua
metade de espírito.
Portanto, unir–se a alguém de sexo diferente para procriar é meramente um
ritual. Raramente o amor nasce dessa união artificial, determinada pelo
nascimento.
O verdadeiro amor somente existiria quando se escolhe um amigo especial
do mesmo sexo para realizar o rito de contraparte.
Mas naquele tempo eu não estava interessado no amor. Para mim, Nhede,
minha contraparte, era apenas um amigo.
– O corpo é apenas um corpo. Um cadáver. Você consegue sentir seus
membros mortos? Mas, ah, o espírito! Esse sim sabe voar.
Sassa era capaz de usar a magia tecnológica apenas com a mente. Alterava o
estado de consciência para mexer nos computadores dos ricos. Enquanto isso,
os outros magos que mexiam com isso precisavam de máquinas, implantes de
metal...
– A alma é devorada pelo gênio. Ele devora também nossos órgãos. Então,
onde fica o espírito?
– Quando tiver essa resposta, jovem Sablerie, me procure. Nesse instante,
poderemos conversar outra vez.
E ela retirou–se. Depois disso, eu que fui perturbar Miabina, para que ela me
contasse.
– Sablerie, eu sei que seu pai é o senhor da sua vida e decide tudo o que você
deve fazer. Isso é necessário até nos tornarmos adultos, para fazermos nossas
escolhas. Mas, no caso da minha mãe, ela deixou–me aos cuidados do meu pai
desde o começo. Ela é ocupada demais com a sociedade secreta, com a magia
dela. E aceitará me treinar novamente só quando eu receber admissão na SS.
A princesa recebeu admissão na sociedade ainda adolescente. Isso não podia
ser favorecimento por ela ser filha de Sassa. Soma não era disso. Então, o que a
princesa tinha que me faltava?
205
Wanju Duli
206
Fábula dos Gênios
O sangue que escorria tinha gosto de mel. A dor que eu sentia era como o
manjar dos deuses.
Até que, finalmente, cheguei ao topo. E desabei no chão.
– Madame Soma...
Eu disse isso e desmaiei. Acordei alguns segundos depois.
– Tolo! Que faz aqui? O acesso a esse local é proibido!
Quem disse isso foi uma das discípulas de Soma. Ele trajava o manto
marrom da SS, tinha profundos olhos castanhos e mechas amarelas. Mas Soma
foi até lá para me ver.
– Sablerie, seu pai não vai gostar quando souber disso.
– Não me importo. Eu... queria saber sobre os deuses. Eles são mais
poderosos que nós?
– O que vai fazer se souber que eles são mais poderosos? Pretende viajar até
Samerre?
Eu não sabia o que eu faria com aquela informação. Mas eu precisava saber.
– Esqueça minha pergunta. Quem são os mais sábios? Nós ou eles?
– São diferentes caminhos para o mesmo objetivo. Não há melhor ou pior.
Aqui nós realizamos atividades mais fortes com o corpo para atingir a mente. Lá,
eles apenas deixam o corpo para trás.
– Eu não entendo. Que isso significa? Eu quero entender!
Senti lágrimas nos olhos. Eu ia morrer sem saber. Soma não ia liberar meu
acesso à sociedade. E se os deuses e os destruidores possuíam poder equivalente,
eu queria estar com meu povo.
Mas Soma era rigorosa apesar do seu sorriso. Ela não ia ceder. E, no fundo,
eu desejava que fosse assim. Senão, não seria um desafio.
Ela tinha um grimório na mão. Não era o GGM.
O grimório. Eu não consegui ver o nome.
Tive que partir. Eu não poderia participar de um encontro da sociedade.
Se houvesse outro caminho. Uma última alternativa.
E, como magia, ela chegou a mim: a construtora.
Desajeitada, fraca, mal educada. Era totalmente o oposto de Sassa.
Mas eu precisava dela. Do corpo dela. Eu iria usá–la e depois nunca mais
nos veríamos.
Eu descobri que os construtores eram criaturas escandalosas e superficiais.
Preocupavam–se demais em enfeitar o corpo e o cérebro permanecia vazio.
Além do mais, eu não via nenhum atrativo em todas aquelas roupas coloridas e
enfeites artificiais. Eu achava muito mais belo a lama cobrindo o manto, as
mãos e o rosto, prova de que o destruidor havia se entregado a práticas fortes.
Claro, também havia os destruidores idiotas que maltratavam o corpo
demais sem nenhum resultado e esses também eram grandes imbecis. Eles não
207
Wanju Duli
sabiam que o poder estava na mente e não no corpo. No fundo, não importa
tanto o que ocorre com o corpo lá fora, contanto que seja encontrado um meio
de tornar a emoção a ponte que conecta a mente e o espírito.
Adiantava explicar isso para a construtora? Ela parecia estúpida demais.
Sinceramente, eu tinha pena do gênio dela, que por causa da burrice da dona
tinha se tornado outra mula.
– Eu ainda não entendo pra que você precisa de tanto poder.
– Eu já te contei o motivo.
– Você é tão bobo...
Eu podia ser bobo por desejar lutas de crianças, mas ela era ainda pior que
eu por perder tempo numa universidade idiota fingindo que aprendia magia. Ela
só estava se enchendo de teoria inútil com pouquíssima possibilidade de
aplicação. Em suma, uma perda enorme de tempo. Aquilo não fazia pulsar o
coração. Não era o suficiente para se sentir vivo.
Os jovens destruidores apreciavam fazer o coração acelerar. Os destruidores
adultos desejavam diminuir o ritmo das batidas. Enquanto os tolos deixavam o
coração à deriva.
– Que papo é esse de coração? É seu gênio maligno que pulsa no seu peito?
– Eu mesmo pulso com meu corpo inteiro. Esse é o motor propulsor que
faz o espírito quebrar as dimensões.
Eu até tentei selar minha ligação com a construtora, mas ela era muito fresca
e não colaborou. Por isso, eu me irritei e desisti dessa palhaçada.
Quem não gostou muito foi meu pai.
– Vocês, jovens, adoram brincar com a vida. Amam fingir que não se
importam. Gostam das guerras, ou querem matar a si mesmos. Vocês se sentem
fortes fazendo isso. Porque são idiotas! Por isso é tão fácil manipulá–los. São
previsíveis, rasos como um pires. Não ligam para a vida ou para o mundo.
Como se estivessem sozinhos nele! Você tem família, infeliz! Eu sou seu pai, seu
grande imbecil. Eu te dei essa vida e não permito que se desfaça dela.
O que eu mais gosto no meu pai é que ele é bem direto. Sincero, diz as
coisas que deseja sem medir palavras. E ele tem um bom direto de direita. Ele
raramente usa magia para bater em mim. Segundo ele, usa o murro em quem
deseja punir e magia em quem quer matar. Poucos que viram meu pai usar
magia já escaparam vivos. Eu mesmo só vi uma vez. Ele inclusive matou minha
mãe com magia. Depois ele vem fazer esse discurso sobre família...
Como minha mãe já tinha morrido, ele não poderia ter outro filho. Então, se
ele me perdesse ficaria sem ninguém. Ele não tinha muitos amigos também. Era
uma pessoa complicada. Provavelmente puxei isso dele. Até deixei minha
ligação à beira da morte em nosso primeiro confronto.
E lá estava eu indo atrás de Nhahia outra vez.
208
Fábula dos Gênios
Quando ela me beijou pela primeira vez, senti algo diferente. Resolvi ignorar.
Mas em nossa primeira transa, se tornou muito claro para mim: eu gostava dela.
Ao mesmo tempo, eu sentia a necessidade de odiá–la somente porque ela
era uma construtora. Eu só precisava dela viva por mais nove meses. Depois
disso, daria a ela uma bela morte. Era somente questão de quem trairia o outro
primeiro.
Mas, pensando bem... os construtores eram tão ingênuos. Ela já parecia
apaixonada por mim. Ia confiar em mim. Não era inevitável?
Então, pensando assim, será que eu poderia confiar nela? Quem cederia
primeiro?
No segundo dia, resolvi começar a ceder.
– Sablerie, você quer ficar com ela?
– Eu não sei, Basza, estou confuso. Sinto que ela só iria atrapalhar meu
treinamento e me fazer perder tempo. Assim, eu não seria o mais forte.
Mas será que eu ainda precisava ser o mais forte? Eu não precisava apenas
ser feliz?
De repente, eu entendi o que o meu pai quis dizer. Ele provavelmente tinha
se arrependido de ter matado minha mãe. E não queria me perder.
Eu estava prestes a cometer o mesmo erro.
– Vou deixá–la viver. Talvez eu precise dela no futuro. Quando eu descobrir
que a felicidade não está no poder...
Mas ela errou antes. Matou–me antes.
Selou meu poder por um segundo. Mas eu era o senhor do tempo. Eu
comandava as dimensões.
O problema foi que ela usou uma técnica do GGM. Ela misturou tudo. Eu
estava pronto a me defender contra técnicas determinadas, não contra quimeras
de magias mal feitas. Foi isso que estragou tudo e não o poder dela. A magia de
Nhahia foi tão bizarra e combinada porcamente, que meu escudo não se
encaixou no ataque dela.
Mas eu ainda tinha poder sobre meu próprio gênio. Eu ERA meu gênio e
não meu corpo. Ela poderia destruir o meu corpo, mas no meu espírito ela não
tocaria.
Eu era somente um escudo de mim mesmo. Aquele corpo não era meu. Eu
era muito mais que isso.
“Meu desejo final será a maldição do GGM. Eu quero que essa vadia morra
no parto e o bebê vá junto com ela! Não quero nenhum vestígio do corpo da
construtora nesse universo”.
– Você ainda tem o seu segundo desejo.
– Inversão.
209
Wanju Duli
Não consegui mais segurar a dimensão do tempo. Que ela destruísse meu
corpo, se isso lhe dava prazer.
Ela era apenas uma estúpida, como imaginei. Uma maga medíocre. Que
desfrutasse de sua falsa vitória.
“Logo chegará a sua hora, construtora miserável...”
210
Fábula dos Gênios
– Dada, está chato, não quero mais. Vou usar meu segundo desejo para que
eu volte a ser como era.
– Por que você está brincando com algo tão sério?
– Mas eu não estou brincando. Eu só estou confuso.
Eu usei meu segundo desejo para voltar ao normal. Dada virou uma bolinha.
– Agora quero usar meu terceiro desejo para amarrar os cadarços dos tênis
sem usar as mãos. Eu nunca consigo amarrar meus cadarços direito.
– Tchei, você só pode usar seu último desejo no momento da morte. Você
não tem mais desejos.
– Então será que eu devo cometer suicídio agora para poder amarrar meus
tênis?
– NÃO!
Eu achava a vida muito confusa e difícil. Como a Varra era minha ligação e
eu confiava nela, contei para ela o que fiz com meus dois primeiros desejos.
– AHAHAHA, QUE MANÉ! Você queimou seus dois primeiros desejos
sendo um completo imbecil! Nossa, como você é retardado! Tchei, eu nunca
conheci alguém tão idiota como você. Que burro! Jumento, mulaaaa! I–DI–O–
TAAAA!
E ela continuou me xingando e rindo.
Eu... eu fiquei triste...
Quando ela finalmente se cansou de rir de mim e foi embora, eu conversei
com Dada.
– Eu gosto de Varra, ela é minha ligação e minha companheira. Mas ela riu
de mim...
– Ela não presta, Tchei, você não tá vendo? Você não precisa gostar dela só
porque vai ter que fazer um bebê com ela.
– Mas, mas...
– Essa sua autocomiseração é tão... entediante.
– Agora você falou exatamente como Varra. Ninguém gosta de mim. OK,
OK, já parei... A partir de agora serei um cara super confiante. Vou me
encontrar com Varra agora com um skate e um cigarro na mão.
– Você é uma criança, não pode fumar.
– Eu só vou fingir, Dada. Eu nem sei andar de skate também, que diferença
faz? Já sei! Vou enrolar um cigarro com capim dentro.
Fui me encontrar com Varra. Mas assim que a avistei, meu coração bateu
mais forte e levei um tombo do skate.
– O que você tá fazendo, seu ridículo? Está tentando parecer um palhaço
outra vez?
– Bom dia, Varra. Ou melhor, boa tarde. Ou... hmm... eu só vim te contar
que agora sou um novo homem.
211
Wanju Duli
212
Fábula dos Gênios
nunca vai passar de um tolo ingênuo. Será usado, pisado. Isso não é amor, cara!
Você está apenas tentando se proteger, por medo.
– Hmm... é mesmo? Mas agora a limonada ficou pronta e seria um
desperdício jogá–la fora. Vou levar para ela.
– Não faça isso. Dê para um mendigo na rua, não para Varra! Será um ato
muito mais bondoso.
Eu não a escutei. Levei a limonada para Varra. Mas, chegando lá, ela
derramou–a na minha cabeça.
– Isso vai dar um jeito no seu cabelo horroroso. Você não ia me abanar?
– Me desculpe, Varra, mas não irei mais obedecê–la.
– É isso aí!
– Por que não? Resolveu virar um grosso, um mal educado?
– Você está me maltratando e isso é errado. Então não vou incentivar isso.
– Certo e errado são pontos de vista, assim como o bem e o mal. Depende
da situação.
– Não posso concordar com o que você disse. Ou melhor, eu sei que há algo
de errado na sua afirmação, mas não consigo encontrar o erro...
– Se não pode me refutar, eu ganhei. Agora me abane.
– Eu descobri o erro. Não sei explicar racionalmente, mas eu sinto que isso
é errado. Meu coração me diz que nós devemos nos separar.
– Tchei, seu estúpido... nós nunca estivemos juntos. Quem está me
perturbando é você. Saia logo, assim ficarei feliz.
– Varra...
– Sim? Diga logo e suma.
– Eu não quero mais ser sua ligação.
– Ah, que alívio! Não vou precisar mais me unir a você. Mas, seu tolo, se um
dia eu mudar de ideia quem vai decidir sou eu.
– Varra, seus cadarços estão amarrados.
– Eu sei disso. Diferente de você, sei amarrar meus tênis.
– Olhe de novo.
Ela olhou para baixo. Os cadarços dos tênis dela estavam completamente
embaraçados um no outro e também enrolados no banco em que ela estava
sentada.
– Quem diria que você conseguiria fazer alguma magia, hein? Eu sei que
você treinou muito para conseguir fazer isso.
Mas Varra ficou irada. Ela me fitava como se quisesse me matar! Ainda bem
que não fiz nada nas preciosas trancinhas dela, senão no segundo seguinte eu
estaria morto.
Mesmo assim, ela me segurou pelo braço e tacou fogo nele.
– Não!!
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Wanju Duli
214
Fábula dos Gênios
– Onde estou?
Eu não entendia aquele idioma. Era tudo muito estranho.
– Esta ser princesa dos destruidores. Você ser prisioneiro.
– Eu quero meu gênio de volta. Preciso dele para viver...
– Seu gênio ser impressionante. Estar carregado de amor. Substância
estranha. Destruidores fazer testes. Mestra suprema estar interessada.
– Então meu gênio é poderoso?
– Você ser pessoa com mais potencial para usar seu gênio estranho. Nem
mestra suprema saber como usar. Ela dizer que você ser tão ingênuo que gênio
do construtor tornar–se inutilizável.
– Então meu gênio se tornou ao mesmo tempo forte e fraco por causa da
minha bondade?
– Algo assim. Gênio ter potencial de poder, mas enfraquecer muito por
causa de seu coração que ser grande, mas frágil como vidro. Você, com
treinamento, poder obter sabedoria para direcionar esse poder e fortalecer
coragem em seu coração.
– Ah, então vocês são os destruidores!
A princesa e o outro se entreolharam. Falaram alguma coisa e riram.
– Eu dizer isso em minha primeira frase, idiota! Não ver meu manto ou ser
cego?
– Não posso aceitar propostas de destruidores! Vocês são maus!
– Você não ser bom? Então nós ser mau?
– Oh, tem razão. Devo ser educado com todos. Perdão, senhor destruidor.
Eu sei que você matou toda minha família e meus amigos, mas eu amo vocês.
– Esse cara não girar bem de cabeça. Como pessoa como essa ter gênio
forte? Eu não entender. Mestra suprema estar interessada em construtor tolo.
Mas mestra suprema sábia, então ela certa.
Os dois saíram e logo retornaram com uma terceira pessoa mais alta. Essa
terceira não tinha capuz, era careca e usava um manto completamente marrom.
Eu fiquei a sós com ela. Conversaria comigo por trás das grades.
– Boa noite, construtor. Tenho a posse do seu gênio nesse instante e devo
dizer que ele chamou minha atenção. Gostaria de tê–lo de volta?
Aquela pessoa me meteu um pouco de medo. Senti que ela era diferente dos
outros dois.
– Você é uma destruidora também?
– Eu sou e não sou. Isso será complicado de entender agora. Por enquanto,
confirmo sua pergunta e aguardo a resposta da minha.
– Quero meu gênio mais que tudo. Dada é minha razão de viver. Está
sempre comigo e com ela nunca fico sozinho. Está sendo insuportável encarar a
solidão sem minha melhor amiga.
215
Wanju Duli
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Fábula dos Gênios
– Sete anos. Estamos com 18 anos, você e eu. Bilubelei já veio aqui resgatar
Wakwa. Nhahia também veio se vingar do cara que arrancou as pernas dela. Eu
já estava cansada de fugir como uma covarde, então como eu não estava
fazendo nada, resolvi dar uma passada por aqui. Estou surpresa de ver seu
corpo inteiro, embora meio recortado...
– Os destruidores fizeram a gentileza de reunir as partes do meu corpo de
novo.
– Depois de terem arrancado elas. Eles são muito gentis, Tchei. Vejo que
continua imbecil como sempre.
Ela se aproximou para retirar minhas correntes.
– Sete anos se passaram, então? Você mudou, Varra. E, ao mesmo tempo, é
a mesma. Está ainda mais bonita, se me permite dizer. Seu corpo está tão
diferente e... diferente.
Não deixei de reparar no peito dela. É claro que ela captou meu olhar, pois
eu fui indiscreto.
Ela me deu um tapa na cara.
– Nossa, me desculpe! Dessa vez eu mereci, fiz uma coisa muito errada. Eu
não sei nem como pedir perdão. Não vou mais olhar, eu prometo.
Mas dessa vez ela deu um sorriso malicioso.
– Então o Tchei não está mais tão bobinho como antes. Hmmm...!
– Eu fiz algo ruim. Sinto muito...
– Você não fez algo ruim. Eu adorei. E você também. Eu sei que você quer
pegar neles.
Varra segurou minha mão e passou–a nos seios dela. Meu coração quase
parou.
“Primeiro ela me deu um tapa na cara e agora isso... eu não entendo as
mulheres! E a Dada não está aqui para me ajudar numa hora dessas!”
– Nós somos ligação. Eu só vim aqui pegar seus genes. Não vou te salvar.
Vamos fazer isso rápido antes que os destruidores cheguem.
Ela colocou a mão por baixo do meu manto, tateando nas minhas pernas em
busca de alguma coisa. Eu logo entendi o que ela queria e fiz um movimento
involuntário me afastando dela.
– Não, espera, calma...! Eu não tô preparado.
Ela ficou furiosa.
– Eu vou te dar dois segundos! Respire fundo e faça tudo o que eu mandar,
OUVIU?!
– Masmasmas Varra! Vamos sair daqui primeiro!
Não deu tempo. A princesa chegou para arrancar Varra de lá. Ela parecia
muito zangada. Segurou Varra pelos cabelos e deu um tapa nela. Depois, usou
uma magia que a fez desmaiar.
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Wanju Duli
218
Fábula dos Gênios
– Não é nada importante. Só acho que deveríamos transar hoje, para dar
tempo de eu ganhar o bebê antes de participarmos da guerra do Cromo.
Wakwa se engasgou com o cereal.
– Mas assim, de repente?
– Como você queria que fosse?
– Tem razão, de repente é melhor.
Comecei a desabotoar a blusa.
– Ah... Bilubelei, posso terminar de comer antes?
– Claro, fique à vontade.
– De repente, eu perdi a fome. Vamos fazer isso, então.
Ele colocou a tigela na mesa de cabeceira. Segurou–me pela cintura e
sentou–me na cama. Sem que eu tirasse completamente a blusa, ele colocou a
mão dentro dela.
– Hm... isso está certo?
Ele tirou a mão.
– Me desculpe. Você quer fazer de outro jeito?
– Queria mexer em você também, se não se importar...
– Por favor, vá em frente. Podemos fazer os dois ao mesmo tempo.
Aquilo estava tão formal e artificial que eu não via meios de dar certo.
– Ou talvez devêssemos fazer apenas o estritamente necessário. Nem
precisamos olhar o corpo um do outro.
– Eu gostaria de ver o seu corpo.
– Não me entenda errado. Eu também tenho curiosidade para ver o seu. Eu
estava sugerindo isso em respeito a você...
– Wakwa, se não está a fim apenas diga.
– Eu não estou com vontade. Perdão.
– Não precisa se desculpar.
Eu me retirei do quarto. Não me senti ofendida. Talvez ele apenas precisasse
de um tempo.
Mas quando eu saí, percebi que eu estava com o cheiro dele em mim. Aquilo
me fez ter um desejo estranho, de uma forma que eu não pude compreender.
Eu fui até o jardim e deitei–me no meio das flores. Havia até borboletas.
Senti o cheiro da terra. Aquilo me cativava, me preenchia.
– Como se sente?
– Desaprendeu a ler meus pensamentos, Iopera?
– Eu consigo ler, mas queria ouvir de você. Continua misteriosa como
sempre, até mesmo para mim.
– Eu me sinto tranquila. Em paz. Só estou levemente preocupada com essa
minha missão com Wakwa. Mas quero acreditar que ele irá ceder.
219
Wanju Duli
Alguns dias se passaram. Wakwa não falou mais comigo sobre o assunto.
Decidi dar um tempo para ele.
Toda manhã eu me deitava no jardim das flores azuis e das borboletas
prateadas. E eu lia um livro. Para mim aquilo era o paraíso: poder desvendar
mundos fantásticos nas histórias lendo em meio à natureza! Era como estar num
belo mundo dentro de outro.
– É um livro de magia?
Wakwa sentou–se na grama ao meu lado.
– Sim, magia dos livreiros. É extraordinário. Recomendo que leia um dia.
Esse é o meu preferido. Já li umas vinte vezes.
– É mesmo? Leia–me uma passagem.
– “E o dia sorria, com seus dentes de nuvens e leite. Ainda era uma criança.
Não conhecia a vida, mas conhecia o céu. Não temia perder a manhã, pois sabia
que a mãe noite viria para pentear os seus cabelos, desembaraçando o vento dos
seus fios de desejo pela alvorada”.
– Bem poético e leve. Como você usa isso para a magia?
Uma flor azul como o firmamento brotou diante de nós.
– Assim. A força da passagem atinge uma emoção minha. Dessa vez foi a
ternura.
– Você é capaz de criar a vida com o poder das palavras. Você é uma mãe
nata, Bilubelei. E os seus cabelos são feitos de quê? De nuvens e estrelas?
Ele passou a mão nos meus cabelos, retirando algumas folhas que se
prenderam. E continuou a mexer nas minhas mechas negras.
Eu não senti vergonha quando ele passou as mãos nos meus seios naquele
dia. Mas confesso que, por uma razão desconhecida, senti embaraço quando ele
tocou nos meus cabelos, tão docemente.
– Assim, escuros, os seus cabelos se parecem com o céu da noite. Ou com o
universo. E as folhinhas presas a eles são os planetas. As flores são supernovas.
Ele colocou na minha mão a flor que encontrou nos meus cabelos
embaraçados. Eu aceitei e dei um leve sorriso.
– Eu raramente te vejo sorrir, Sábia dos Lábios Selados.
– Parece–me que você quebrou o selo dos meus lábios.
E trocamos um beijo. Foi algo muito delicado no começo. Depois, um
pouco mais intenso e apaixonado.
Sentei–me na grama. Ele desabotoou a minha blusa com cuidado. Abriu o
fecho do meu sutiã. Tirei a blusa dele também. Ele beijou–me no pescoço,
enquanto retirava minha saia.
E assim fomos tirando as peças de roupa um do outro, até não restar nada.
Foi algo tão natural como deveria ser. Até parecia que éramos namorados.
220
Fábula dos Gênios
MOMO: Vá até Samerre pegar Nhahia e deixe a covarde da Varra para trás.
221
Wanju Duli
Eu e Wakwa viajamos para o país das religiões. Não seria muito difícil
encontrar Nhahia, pois era um país pequeno.
O primeiro sacerdote para quem pedimos informações já sabia de seu
paradeiro. Nós a encontramos dentro de um templo. Porém, o que vi me
surpreendeu.
– Nhanha, você está grávida...?
Ela levantou–se, muito feliz em me ver, e abraçou–me.
– E você também está! Parabéns para os dois. Fez um bom trabalho, Wakwa.
– Nhahia, sem querer ser indelicado, mas o que significa isso? Sua ligação
não tinha morrido na guerra? Você descobriu que um dos construtores vivos era
sua ligação?
– A situação é ainda mais complicada do que você pensa, Wakwa. Ela
nasceu sem ligação.
– Ah, agora me lembro. Você me revelou isso no dia da guerra. Então...
você descobriu uma magia para quebrar essa condição? No GGM? Ou em
outro grimório?
– Isso não pode ser quebrado. Não com esse corpo.
Estávamos perplexos e somente Nhahia poderia esclarecer aquela grande
confusão.
– Eu desvendei o mistério dos construtores sem ligação.
– E qual é a solução desse mistério? Vocês podem colocar um filho em si
mesmos, como uma autofecundação?
Ela riu.
– Que ideia maluca é essa? Você acha que eu sou uma planta? A resposta é
mais simples do que você imagina. Os chamados “construtores sem ligação” na
verdade têm ligação com os destruidores.
Eu quase caí para trás com essa informação. Wakwa também abriu a boca e
não fechou mais.
– Não. Você não fez isso.
222
Fábula dos Gênios
223
Wanju Duli
224
Fábula dos Gênios
copiar o Yym. Daquela vez nós a defendemos, mas ela não esperava que
fôssemos lhe passar a mão na cabeça a cada besteira absurda que fizesse.
– Ah, o Yym estará conosco na guerra. Ele está vivo. Pena que você trocou
seu cavalheiro de cabelos azuis por um destruidor sujo e maltrapilho.
– Eu não escolhi isso! Você também não escolheu foder com Wakwa, mas
teve que comer o pau dele porque isso foi determinado por nascimento. Era seu
destino!
– Olha o respeito, Nhahia. Não me diga que aprendeu a xingar com os
destruidores?
– Sim, sou fluente em dezkazil agora.
– Vamos embora, Bilubelei. Essa daí trocou a criação pela destruição e não
tem mais volta.
Saímos de lá, antes de ouvirmos mais profanações. Eu não me importava de
ser preconceituosa em relação aos destruidores, porque eu não somente perdi
um braço por causa deles. Wakwa foi aprisionado por muitos anos; minha
ligação. E muitos morreram. Nhahia não queria enxergar isso. Ela queria brincar
com a seriedade do mundo.
“Isso não é um jogo, Nhanha. Jogue o quanto aguentar. No final, você vai
olhar para trás e contemplar a verdade que perdeu. E será tarde demais para
alcançá–la”.
Estava na hora de reunir os sobreviventes e deixar Nhahia para trás. No
meio disso tudo, até Varra já não parecia uma traidora assim tão grande. Por
isso, decidimos chamá–la.
225
Wanju Duli
Nós nos movemos para o país da divinação para buscar Varra. Ela pareceu
bem contente com nossa confiança.
– Vocês são irritantes, sabiam? Primeiro me acusam de covarde e traidora.
Agora pensam que irei acompanhá–los assim que precisam de ajuda? Ora,
podem ter certeza que vou!
– É esse o espírito, Varra. Vamos recuperar o gênio de Tchei.
– Eu fiz a viagem para Consmam há dois anos e vi Tchei. Ele está
aprisionado.
– Ele está vivo...?! Minha contraparte está viva?
– Calma, não se exalte ainda, Vossa Alteza. O corpo dele estava em pedaços.
Os destruidores o costuraram de qualquer jeito para suas experiências macabras.
Duvido que ele ainda esteja vivo. Suponho que tenham arrancado a alma do
corpo dele e colocado em outro lugar.
– Droga! Não podemos mais nos demorar. A partir de agora essa será uma
missão não somente para nos vingarmos, mas para resgatarmos Tchei e o gênio
dele.
A próxima parada seria em Tecraxei, para nos encontrarmos com Cromo,
Yym, a garota de Jinas e todos os outros construtores sobreviventes. O ponto
de encontro era esse. E, de lá, embarcaríamos direto para Consmam, com um
navio só nosso.
Cromo estava todo misterioso, com uma espécie de máscara. Não
conseguíamos ver bem o rosto dele.
– Pensei que você estava numa cadeira de rodas e só conseguia se comunicar
por aparelhos.
– Não mais. Aprendi algumas magias muito interessantes. Na batalha vocês
saberão.
A voz também estava estranha. Grave, mas num tom arrastado e esquisito.
Seria por falta de uso?
Yym tinha somente metade dos cabelos com tinta azul. A outra metade era
negra. Isso significava que ele já havia utilizado a primeira parte da magia na
nossa guerra. Dessa vez, iria finalmente utilizar a explosão. Aquilo certamente
mataria pelo menos um destruidor, se fosse usado no momento correto.
“Nhahia usou isso”. Era a conclusão mais óbvia. Mas ela não teria tanto
controle como Yym. Se ela matou um destruidor poderoso, certamente havia
algo mais por trás disso.
226
Fábula dos Gênios
Ao todo éramos trinta e nove. Mais gente do que o esperado. Eu não sabia
se Cromo havia localizado todos, mas eu confiava nele.
Viajamos somente dois meses depois, quando arrumamos todos os
preparativos e eu ganhei o bebê. Eu deixei meu filho com conhecidos de Cromo
em Tecraxei. Não importava onde fôssemos, Cromo tinha contatos e
informantes em todas as partes.
Foi muito emocionante nossa viagem de navio. Levaríamos um longo tempo
para chegar. Em vez de estarmos tensos, comemorávamos. Fazíamos festa!
Afinal, éramos sobreviventes! Estávamos indo para a morte, mas que importava?
Esse era só um detalhe, que adicionava mais emoção à aventura.
Cromo era o líder e coordenava a todos, realizando os planejamentos. Ele
tinha um mapa na mão e dizia muitas coisas complicadas sobre planos de
batalha. No fundo nem tínhamos um planejamento consistente, mas fazer
aquilo tornava a coisa toda muito mais importante.
– Garanto que ainda sou mais poderoso que você, Cromo. Treinei muito
por todos esses anos.
– Isso nós ainda veremos, senhor Yym...
E, finalmente, lá estava a moça de Jinas, ostentando seu uniforme e vestindo
as duas meias coloridas nos pés. No pé direito havia uma meia amarela e no pé
esquerdo uma verde.
– Senhoras e senhores, na universidade de Jinas e Jins temos uma sociedade
secreta muito famosa. Provavelmente a mais poderosa entre o nosso povo. E
digo isso no presente! Sim, meus amigos, pois enquanto um construtor membro
estiver vivo, essa sociedade sobreviverá! E agora eu passarei a vocês alguns
segredos, mas não todos. Afinal, ainda haverá vida depois da guerra!
– Vida depois da guerra!!!
Exclamávamos em uníssono em meio ao fervoroso discurso da moça que
permanecia em cima de uma plataforma clamando com ardor e paixão.
– Digo isso porque não tenho mais medo. A época de temer terminou! Na
primeira guerra, alguns de nós éramos crianças, adolescentes. Agora somos
adultos e aguentamos certas verdades sem mijar nas calças! Então, por que
meias de cores diferentes, vocês me perguntam? Não importa se caia a
tempestade ou o frio gele nossos dedos. Faremos nossa própria estrela de fogo
para aquecer nossos pés cansados. Pois é esse o peso de um andarilho da
verdade e da magia: temos nosso próprio caminho. Ele não é igual ao de
ninguém. Ele é somente nosso, costurado por nós. Mesmo com remendos mal
feitos, eu não temo! O caminho é meu e eu o amo!
Muitas palmas. A moça tirou um dos sapatos, mostrando, orgulhosa, como
havia costurado sua meia com poucas habilidades. Ainda assim, fez o melhor
possível.
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Wanju Duli
228
Fábula dos Gênios
– Papaza!
– Neva!
– Iopera!
– Kamul!
– Lerolil!
Foi fabuloso ter a oportunidade incrível de enxergar os gênios dos meus
amigos. Kamul, o gênio de Yym, era um impressionante espetáculo. E Lerolil, o
gênio da moça de Jinas, também era de deixar qualquer um boquiaberto.
Em pouco tempo, havia dezenas de gênios de construtores pelos ares. Mas
os gênios malignos dos poucos destruidores que ali nos aguardavam derrubaram
nossa confiança.
Eles eram imensos! Imponentes, simplesmente brilhantes...!
– Não se deixem enganar pela forma, construtores! Vocês podem derrubá–
los!
Eles queriam nos intimidar. E conseguiram, pois cinco construtores
morreram na hora, somente no momento em que um dos gênios malignos
cortou o céu, tocando nos gênios deles.
Então eu entendi com clareza: “vamos todos morrer”.
Havia somente cinco destruidores. Eles iriam nos trucidar antes que
realizássemos o primeiro movimento.
– “Eis que ri e gritei ao mesmo tempo: eu vivo, eu morro e ressuscito.
Somente eu. Tu ficarás no chão!”
Minha magia de livros era lenta demais. O destruidor desviou–se facilmente
da rachadura que fiz no chão. Nem mesmo amassou a capa dele.
As cartas de Varra também não tinham muito efeito e serviam mais para
defesa. Por isso, em vez de atacar, ela espalhou as cartas no chão e criou um
escudo para nos proteger.
Só que um dos destruidores simplesmente pisou nas cartas dela, destruindo
o escudo.
Wakwa, de pé, concentrou–se. Enquanto isso, Cromo digitava algo
rapidamente em seu computador. Fortificou a barreira criada por Varra e eles
não conseguiram mais passar pelos segundos seguintes.
Cromo era forte. Mas essa segunda barreira também foi quebrada. Ora, não
havíamos ido lá somente para brincar de esconde–esconde. Precisávamos...
morrer logo, pois seria complicadíssimo atacar.
Quando chegou um destruidor trajando marrom, a maioria dos construtores
gritou. Eles provavelmente sabiam o que aquilo significava.
Aquele destruidor fez as cartas de Varra virarem papel.
– SS...! Afastem–se todos! Deixem esse cara para mim e para Yym!
229
Wanju Duli
Era como se Cromo desejasse que certa pessoa estivesse por baixo daquele
manto. Atacou–o com vontade. Ele digitava rapidamente nos computadores
acoplados em seus braços.
Mas não era quem ele esperava. A pessoa por baixo daquela capa não era tão
habilidosa assim e demorou para quebrar a magia de Cromo. Ainda assim, era
impressionante.
Quando chegou um segundo destruidor de marrom, eu entendi com clareza
que não era mais questão de alguém conseguir escapar vivo de lá. Apenas
podíamos esperar a morte, mais ligeira ou mais lenta.
Esse segundo membro da SS que chegou depois, matou mais dez de nós.
Assim, de repente. E sem usar o gênio! Ele fez aquilo somente com selos
multidimensionais, que saíram rolando pelo ar. Os construtores gritavam.
Esse segundo destruidor baixou o capuz marrom. Era uma moça de cabelos
negros. Ela deu um empurrão no outro membro da SS. O capuz dela caiu. Era
uma moça loira de olhos castanhos. A moça morena parecia estar xingando a
outra por não estar pegando pesado na batalha. Embora eu não entendesse o
que elas diziam, ficou claro pela situação.
– Essas senhoritas estão escondendo algo tão sublime quanto eu. Mostrem–
se!
Ele também disse isso em dezkazil. E, logo depois, chamou seu gênio. Ele
clamou algo que me impressionou:
– Cromo!
Um gênio roxo repleto de aparatos tecnológicos foi evocado sob um
símbolo especial.
Cromo tirou a máscara. Não era mais ele ali embaixo: era uma garota! Muito
parecida com Cromo, com olhos e cabelos pretos, além dos óculos retangulares.
Decidiu não difarçar mais a voz:
– Meu nome é Owmaq, antigo gênio de Cromo. A líder da SS, madame
Sassa Soma, deixou o corpo do meu antigo mestre num estado à beira da morte.
Por isso, Cromo decidiu realizar a espetacular magia da Inversão, que possui sua
versão no GG e no GGM. Busco Sassa para matá–la. E também exigimos que
libertem nosso companheiro Tchei!
Quando ouviu isso, a moça de cabelos negros da SS desatou a rir. Ela falou
em nosso idioma:
– Você é muito engraçado, seu pseudo mago tecnológico! Ou maga, que seja!
Sassa é uma deusa, literalmente falando. E o amigo de vocês, chamado Tchei,
está mais perto de vocês do que imaginam...
Aquela destruidora evocou seu gênio, pronunciando um nome que não soou
estranho aos meus ouvidos:
– Sablerie!
230
Fábula dos Gênios
E um gigantesco gênio negro surgiu. Depois foi a vez da moça loira chamar
o seu:
– Tchei!
Um imponente gênio mostarda apareceu. Eu estava impressionada. Todos
estávamos.
– E os traidores estão por todos os lados! Primeiro Varra fugiu da batalha.
Depois Nhahia fez um filho com um destruidor. E agora chegamos à traição
máxima: Tchei nos atacando. O próximo construtor que surgir matará um de
nós, eu me pergunto?
Yym estava visivelmente irado, certamente perguntando–se em qual dos
desgraçados destruidores ele usaria a magia de fios. Naquele instante, Tchei
parecia um excelente candidato.
– Espere, Yym! Ainda não sabemos se Tchei foi forçado a isso.
– Sinto informar, senhorita Bilubelei, mas meu mestre Tchei aceitou ser
treinado pelos destruidores por sua livre vontade. Eu sou Dada, antigo gênio de
Tchei. Ele foi aprisionado durante todos esses anos e sofreu muito. Ninguém
veio salvá–lo, então ele achou um meio de viver. Aquele que pretende julgá–lo
ou condendá–lo, será meu adversário. Não ataquei a sério nenhum de vocês
ainda, mas eu posso fazê–lo se assim o desejarem.
Eu não sabia como responder a isso. Wakwa também demorou para ser
salvo, mas não passou para o lado dos destruidores. O que ele teria a dizer para
a moça de cabelos amarelos?
– Tchei... ou Dada. Essa explicação não é justificável. Mas, ao mesmo tempo,
perdi a vontade de te atacar. Decida logo se deseja ficar do lado deles ou do
nosso.
Antes que Dada dissesse qualquer coisa, a moça morena adiantou–se:
– Antes de mais nada, sinto que devo apresentar–me. Sou Basza, gênio de
Sablerie. Foi meu mestre quem teve um filho com a construtora Nhahia. Ele era
também o filho de Vlebre Cazka, autor do GGM. Senhor Yym, devo dizer que é
um desprazer conhecê–lo. Nhahia falou muito bem de você, o que despertou
minha antipatia imediata.
– Eu não tenho nenhuma relação com essa traidora.
– Oh? Excelente. Então tente usar seu gênio contra o meu. Veremos se
sobrevive pelo próximo segundo.
Quando os dois estavam prestes a se atacar, chegou um destruidor de
cabelos negros, trajando as vestes tradicionais verdes com tiras marrons,
interrompendo a briga.
Os destruidores presentes reconheceram imediatamente aquele manto.
Basza ficou irada:
– Você! Maldito seja...!
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Wanju Duli
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Fábula dos Gênios
contraparte. E Varra... ela ficou bem perdida, pensando no que fazer. Dada
tentou abraçá–la, mas Varra não gostou e afastou–a para longe.
Isso tudo me fez pensar que talvez eu tivessse sido dura demais com Nhahia.
– Nhahia, eu...
– Eu fico.
– Sinto muito pelo que eu disse antes. Eu te julguei, mas não entendo como
você sofreu. Por favor, retorne com a gente.
– Bilubelei, minha decisão já está feita. E a de Nhahia também.
Estávamos tão distraídos conversando, que eu não reparei quando Yym
partiu para cima de Basza. Segurou nas vestes dela e ativou a magia dos fios em
modo máximo.
Todos levamos um susto! Ele provavelmente entendeu que Basza era a
destruidora mais perigosa ali presente. Ele não aceitaria que partíssemos em paz
depois de termos perdido quinze dos nossos. Ele queria pelo menos matar um
destruidor.
Mas ele falhou na tentativa. Basza protegeu–se. E jogou Yym no chão
depois disso.
– Você acha mesmo que sou tola o suficiente para cair no mesmo truque
duas vezes? Depois da minha primeira morte do corpo, eu aprendi a me
defender desse brinquedinho dos construtores.
– E mesmo se eu te matasse, bastaria você usar a Inversão de novo, hã?
– Essa magia só pode ser usada uma única vez. Que tipo de imbecil você é
que não sabe disso?
– Basza, eu...
O destruidor chamado Nhede havia sido atingido pela explosão de Yym e
perdeu um braço.
– Parabéns, construtores, a viagem de vocês valeu a pena: arrancaram um
braço dos nossos. Podem levar o braço para fritar e comer. Esse será o troféu
de vocês. Enquanto isso, faremos um novo braço para Nhede mais facilmente
do que costuraríamos uma boneca de pano. Agora, saiam daqui! Não aguento
mais fitar os corpos nojentos de vocês, com essas meias... que raios é isso, afinal?
Basza lançou o braço na nossa direção.
– Estou certa de que uma pessoa inteligente como você já ouviu falar na
mais famosa sociedade secreta dos construtores.
– Ah, sim, a Fagenar Vibri. Vocês acham que eu levo isso a sério? Pois eu
declaro que nesse instante, sob testemunha de todos aqui presentes nessa
ocasião auspiciosa, fundo a nova sociedade secreta dos destruidores tendo a
mim como líder: Fagemal Armor. Fábula dos Gênios Malignos: Arcano da
Morte. Encarem isso como uma paródia. Não esqueçam de pegar o braço. E
bom churrasco!
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Wanju Duli
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Fábula dos Gênios
– Não estou preocupado com isso. Estou tentando lembrar de uma boa
magia para materializar vestimentas. É melhor lembrar de uma se não quiser que
eu abra seu caixão para roubar suas roupas!
– Nem pensar! Eu te proíbo de encostar no meu antigo eu.
– E aquelas magias estranhas do GGM para ressurreição? O seu corpo está
quase intacto, fora o fato de estar morta...
– É só um pequeno detalhe!
– Talvez eu possa te dar um beijo e te fazer acordar!
– Não estou achando graça nessas brincadeiras. Como eu ia existir sem um
gênio? Não consigo imaginar isso. Se eu acordasse, você não morreria?
– Seria divertido estarmos os dois juntos como humanos. Eu ia poder te
desafiar para um duelo mágico, veja só que fantástico!
– Pare de sonhar, arrume uma roupa e vá logo para a cidade, meu filho!
Consegui materializar roupas tão feias que eu mais parecia um mendigo. Lá
na cidade, retornamos ao templo que Nhahia frequentava. Ela havia deixado o
manto de Sablerie lá e eu o vesti.
– Eu me sinto muito estranho vestindo o manto daquele cara. Não posso
dizer que estou feliz.
– Você acha que ele também usou a Inversão, Bapsi?
– Bastante provável. Que tal viajarmos para Consmam para conferir? E, de
quebra, quem sabe até topemos com a guerra dos seus amigos.
Nhahia gostou da ideia. Então viajamos. Durante a viagem, Nhahia ficou
como gênio no barco. Ela também estava se divertindo com o novo corpo.
– Sinto–me tão livre e leve! É realmente maravilhoso!
– Também estou curtindo esse corpo pesado. É meio esquisito, mas sei que
vou me acostumar.
Quando desembarcamos em Consmam, até que a galera estava calma.
Construtores e destruidores conversando: aí estava algo novo.
– Aquele ali todo metido e discursando é o Sablerie, né? Ou melhor, o gênio
dele, Basza, que pelo visto é idêntico a ele. Vamos lá aumentar o barraco?
– Pode apostar.
Brincamos um pouco por lá. Eu me perguntava como Nhahia se sentia em
ver Yym de novo. Se Sassa era a musa de Sablerie, Yym era o sonho de Nhahia,
mesmo ele sendo um idiota.
– O Yym está atraente como sempre, mas não gostei do que ele falou de
mim. Se bem que o Sablerie já me disse coisas bem piores, então quem disse que
me importo?
Quando os construtores foram embora, fui conversar com Basza.
– Deixe–me adivinhar: você foi estúpido o suficiente para deixar o bebê
morrer.
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FIM
Epílogo
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Fábula dos Gênios
É melhor que se apliquem muito aos estudos, porque esta é uma oportunidade
de ouro. A menor falha resultará em expulsão imediata.
Aquele discurso era assustador. Em vez de ser pressionada por ameaças, eu
preferia encontrar motivação para estudar contemplando as estudantes
poderosas pelos corredores.
– Quantas de vocês vieram de Ginas?
Praticamente a turma toda levantou a mão. Era natural que as estudantes da
melhor universidade do país tivessem vindo do melhor colégio do país: um dos
cinco contemplados com uma cópia oficial do GG.
A seguir, ela perguntou por estudantes de cada uma dessas outras quatro
escolas e houve mais mãos levantadas.
– De que colégio você veio, querida?
– Rupa, ela tá falando com você.
Fiquei com vergonha de dizer na frente de toda a turma, mas eu precisava
responder à pergunta da professora.
– Paunim.
– Nunca ouvi falar. Em que bairro fica?
– Eu não sei, senhora.
– A senhorita leu o anuário?
– Sim, senhora.
– Então devia saber que só pode dirigir–se a mim por professora ou mestra.
– Sim, mestra.
– Paunim é aquele colégio com o uniforme vinho e cinza?
– Uniforme laranja.
– Aquele com calças?
– Isso.
– Onde já se viu uniformes femininos com calças? Calças são vestes para
homens. Seu colégio não respeita a tradição. Então não deve respeitar a magia
também. É melhor que você aprenda boas maneiras em nossa universidade.
Eu fiquei quieta. Estava começando a me sentir mal por estar naquele lugar.
Eu nunca fui discriminada em meu antigo colégio. As pessoas de lá eram gentis.
De repente, eu desejei estar na Universidade Paunim, e não em Jinas. De que
adiantava a instituição oferecer um conhecimento tão avançado em magia se
falhava nos valores mais fundamentais, de respeitar o outro?
Eu temi pelas minhas colegas. Se elas agissem como aquela professora, eu
provavelmente não teria nenhuma amiga. Principalmente agora que elas sabiam
de onde eu vinha.
– Falando em boas maneiras, fui informada de que temos uma famosa
estudante modelo presente em nossa turma esse ano: Piayo Samz. Acredito que
todas vocês sabem muito bem quem ela é.
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
No meu colégio antigo mal havia testes práticos e as provas eram uma piada.
Meu conhecimento de magia era terrível. Nos últimos três anos só estudei
especificamente os conteúdos que eram cobrados na prova de admissão de Jinas.
Optei por não perguntar o que eram fractais, ou minhas colegas certamente
ririam da minha cara. Resolvi ir sozinha até o refeitório.
Até mesmo lá tudo era bastante organizado. As moças de Jinas eram
realmente donzelas refinadas. Mas se alguém encostasse numa delas na fila, elas
já te lançavam um olhar mortal. Por isso, eu tomava o maior cuidado para não
tocar nelas sem querer.
Comprei o meu lanche: sanduíche de beterraba e suco de camélias. E eu
comi sozinha numa mesa, afastada de todas.
De longe eu contemplava aquele mundo fantástico do qual eu
provavelmente jamais seria parte. As moças sorridentes conversando, com suas
vozes leves. Aquela delicadeza linda.
Eu não era delicada. Era boba e desajeitada. Provavelmente por causa da
educação que eu tive. Mas... e daí? O mais importante era ter um bom coração,
certo?
– Vai dar trabalho moldar sua personalidade até que elas te aceitem. Não
basta comprar uma pulseira. Além de cuidar mais da aparência e do linguajar,
você vai ter que estudar feito uma condenada, fazer gestos delicados e tratar os
outros como lixo. Acha que consegue?
– Eu quero que elas me aceitem como eu sou. Irei me esforçar nos estudos,
pois isso é importante. Mas por que preciso ser como elas? Eu gosto da forma
com que se vestem e se ajeitam, mas detesto como agem.
Deu o sinal para o final do intervalo. Eu nem tinha comido metade do meu
lanche.
– Mas já? Que absurdo!
Tive que voltar correndo para a sala. O mais triste foi ter que jogar no lixo a
metade do lanche que não tive tempo de comer. Não ia caber na minha pasta e
eu não tinha nenhum plástico para guardar. Sequer dava tempo de ir atrás disso.
A terceira professora não era tão terrível quanto a primeira, mas também
não era flor que se cheirasse. Felizmente ela dava poucos discursos, mas
conseguia manter a sala quieta rapidamente. E ela passou o resto da manhã
apenas enchendo o quadro de exercícios, mandando para que copiássemos e
resolvêssemos.
Para completar, ela escrevia tudo em outro alfabeto, inclusive os números.
Eu nem sabia aquele alfabeto direito. Ele não era ensinado no GG e, pelo jeito,
também não estava no AVB. Era uma notação mágica usada especificamente
para geometria.
Geometria mágica na manhã inteira. Eu queria arrancar meus cabelos.
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Fábula dos Gênios
Logo eu soube que nas aulas da manhã sempre havia apenas disciplinas de
exatas, enquanto as tardes eram sempre reservadas para as humanas. Melhor
assim, pois nos livraríamos do pior primeiro e as tardes seriam mais tranquilas.
Ou foi assim que pensei a princípio.
Mas na hora do almoço eu não queria pensar. Finalmente eu teria tempo de
desfrutar de uma refeição calmamente. Comida quente. Bastante. E sobremesa.
Mesmo assim, no final da aula, antes de ir para o refeitório, retirei três
grimórios de geometria da biblioteca, para revisar o que aprendi nas aulas. Ou,
mais especificamente, aprender do início tudo o que não aprendi naquele dia.
Principalmente na primeira aula, que eu sequer assisti.
Assim que eu terminei de comer, abri um dos grimórios na mesa do
refeitório e comecei a ler.
– Estudante.
Eu levantei a cabeça para ver quem se dirigia a mim.
– Não pode ler os grimórios da biblioteca no refeitório. Leia–os na própria
biblioteca ou em seu dormitório, pois é mais apropriado. Aqui não é lugar para
isso.
– Me desculpe.
Aquela moça tinha cabelos pretos e curtos. Sua voz era melodiosa. Sua
postura rígida e respeitável. Ela era bem alta.
Ela segurava duas pastas na mão. Não entendi o significado da segunda.
Continha um símbolo misterioso. Mas em vez de prestar atenção no símbolo, eu
reparei no esmalte dela, que era cor de melancia. Como aquelas garotas
conseguiam ser tão estilosas? Parecia que tudo nelas caía bem! Ela também
usava uma presilha no cabelo, tão meiguinha!
Quando ela se afastou, comentei com Lorobol:
– Você viu aquelas unhas? Uma verde escura alternada por um tom
vermelho claro e fosco!
– Se eu fosse você, reparava nas meias de cores diferentes que ela está
usando.
– NÃO!
Eu me levantei. Olhei para a moça que já se afastava ao longe. E, de fato: a
cor da meia direita dela era diferente da esquerda. Eu senti um frio na espinha.
Não reparei o quanto falei alto com a minha surpresa. As outras estudantes
se afastavam com respeito para que a moça com unhas cor de melancia passasse.
Especialmente as calouras a fitavam boquiabertas. Eu era uma delas.
Quando eu me sentei de novo, caíram algumas lágrimas dos meus olhos.
– Loro, ela é...
– Sim, ela é.
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
– Ainda não.
– É a mesma professora de lógica. É a melhor professora da universidade!
Ela se chama Barrla. Em compensação, a pior é a professora de ontologia e
epistemologia, a Trezqa. Em breve você vai descobrir porquê. E por isso
mesmo estamos dando uma ajuda pro pessoal que está se ferrando em ontologia,
com nossa palestra.
Cara, aquela menina falava demais. Eu estava ficando agoniada. A conversa
estava interessante, mas eu precisava ir estudar logo. Acho que ela notou que eu
estava com pressa. Ela me entregou um folheto.
– Bem, se tiver interesse, estaremos no auditório daqui uma hora.
– Hmm... está certo. Obrigada.
Devia ser ótimo, mas eu não ia poder ir. E eu já ia me despedindo dela
quando vi as meias de arco–íris que ela usava.
Eu dei um grito de susto! Ela deu um grito também, se assustando com o
meu.
– Suas meias são de cores diferentes!
– Sim, elas são!
Ela riu muito com meu espanto. Para as veteranas não devia ser tão
incomum assim topar com um membro da Fagenar Vibri. Claro que elas eram
olhadas de forma diferente, mas para mim elas eram quase como Deusas
inacessíveis. Eu não podia acreditar que aquela garota espalhafatosa era membro.
Ela agia como uma caloura. Nem parecia uma veterana.
– Uau!
Eu não consegui dizer outra coisa. Não tinha coragem de perguntar se ela
era membro. Até pronunciar o nome da sociedade secreta parecia demais para
mim. E era óbvio que eu não ia perguntar se eu podia entrar. Eu era só uma
caloura.
Ela continuava achando graça na minha surpresa.
– Então, a gente se vê. Seja bem–vinda a Jinas. Vê se aparece lá.
– Pode apostar que estarei lá.
Eu iria assistir a uma palestra dada por membros da Fagenar Vibri. Eu não
perderia aquilo por nada. Se eu fosse expulsa da universidade já na primeira
semana, eu teria essa lembrança memorável para contar vantagem depois.
– Ah, meu nome é Tirupa.
– Sou Krazie.
– A Krazie do GG?! Não pode ser! Mas... caramba, você se parece mesmo
com ela!
Acho que ela estava começando a ficar sem graça com o jeito que eu a fitava,
como se ela fosse um alienígena. Ela acabou dizendo que precisava ir embora e
se afastou.
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Fábula dos Gênios
Por que não paravam de aparecer pessoas incríveis por todos os lados? Mas
bem no momento em que pensei nisso, surgiu uma menina de cabelos castanhos
com pontas vermelhas quase desmaiando ao meu lado. Eu fui ajudá–la.
– Você está bem?
– Não.
– Precisa de ajuda?
– Não.
E ela se afastou cambaleando e resmungando num idioma que eu nunca
tinha ouvido na vida. A expressão dela era a de alguém que não dormia há dias.
Então era assim que ficavam os estudantes depois de tanto tempo em Jinas?
Tornavam–se zumbis? E ainda era o primeiro dia!
Eu realmente queria perguntar para alguém onde andava a princesa. Ela
devia ser quase tão famosa por lá quanto Naridana. Mas como era início de
semestre, naquela noite havia várias alunas espalhando panfletos sobre clubes da
universidade, especialmente relacionados a esportes, música, literatura e
tecnologia. Tudo diretamente relacionado à Magia dos Gênios.
Eu ainda não sabia de quais atividades eu queria participar. Eu não me via
com tempo para fazer parte de nada. Eu só tinha a noite para fazer os deveres
de casa. No próximo fim de semana haveria um evento cultural e seria uma
correria.
E, para completar o quadro, eu soube que naquela noite haveria uma
cerimônia de abertura, da qual participariam tanto seniores quanto juniores, e
devíamos trajar as vestes de gala.
– Rupa!!
– Hã? Hein?
– Tô tentando falar com você há um tempão e você só me ignora!
– Desculpe, eu estava distraída.
– Eu disse que há uma aura estranha emanando daquelas duas garotas.
– Eu acho que há uma aura estranha emanando de cada uma das alunas
dessa universidade. Eu tenho até medo de ver os selos que elas fazem. E no dia
que eu enxergar o gênio de uma delas, acho que vou cair para trás.
– Certo, mas não foi isso o que eu quis dizer. Você não sentiu como aquelas
duas são fortes?
– A moça de cabelos curtos parece ser mais forte ainda. E Naridana... dá até
medo de chegar perto.
– Vou tentar colocar isso em outras palavras. A moça de chiquinhas pretas e
amarelas possui outra categoria de energia.
– Grata por ser tão observadora. Ela é da Vibri, seu tonto.
– Eu acho que uma delas usou magia do GGM.
Eu desatei a rir.
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Fábula dos Gênios
sociedade secreta, não vou aceitar. Vou aguardar os membros da Fagenar Vibri
me chamarem. Não é bem visto fazer parte de duas ao mesmo tempo.
Quando cheguei ao meu dormitório, separei as minhas vestes de gala
amarelas. O azul e o amarelo eram as cores símbolo dos construtores, assim
como o verde e o marrom eram as cores dos destruidores. Então Jinas pegar
para si o azul e o amarelo era uma grande honra.
– Droga, amanhã tem aula de astronomia e literatura. Quando é que vão
começar as partes quentes, como meditação e evocação? A gente já sabe
trabalhar com o esquema do eletrocardiograma, caramba!
Realmente, era um tédio ter apenas o meu gênio para conversar.
Vesti–me nos trajes de gala amarelos. Também mudei minhas fitas de cabelo
de azul para amarelo, para combinar.
E foi nesses trajes que me dirigi para o auditório. Outras estudantes também
assistiam à palestra já com as vestes de gala, pois de lá provavelmente já iríamos
diretamente para a cerimônia de abertura.
Sinceramente, eu não entendi nada naquela palestra. Primeiro, a palestrante
desenhou um esquema repleto de formas geométricas e planetas que
representava o universo. Realizou uns cálculos relacionando os planetas e
estrelas. E, a partir daí, chegou à análise do nosso mundo, da terra, dos oceanos,
das florestas. Foi falado sobre a fonte da magia. O objetivo de utilizar essas
energias e como trabalhar com elas. De que forma aquilo afetava o indivíduo e o
mundo.
Eu conseguia sentir o quanto aquilo era fantástico e grandioso. Mas eu não
era capaz de compreender os detalhes do que era dito. Eu apenas me sentia
muito importante por estar ali, naquele instante, escutando aquela pessoa sábia.
– Rupa, a palestrante não é aquela moça de cabelos curtos que disse para
você não ler no refeitório?
Era ela. Fazendo uma mistura maluca de geometria, astronomia, geografia e
ética. E chamando isso de ontologia...
Eu já estava apavorada para a aula de astronomia no dia seguinte. E pelo
jeito a aula de literatura seria mais parecida com uma aula de hermenêutica em
vez da leitura de histórias de fantasia sobre Magia dos Gênios.
No final da palestra, elas nos entregaram uma lista de exercícios. Depois
disso, conforme saíamos, recebíamos um carimbo no nosso boletim
suplementar. Aparentemente, se realizássemos certas atividades extracurriculares
aquilo iria servir de crédito adicional e podia até aumentar a nota final em certas
disciplinas. Ao saber disso, cheguei à conclusão de que talvez não fosse tão ruim
fazer parte de um clube. Quanto mais carimbinhos melhor. Mas eu também não
ia prejudicar minhas notas pelos carimbos, ou aquilo destruiria o objetivo da
coisa toda.
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Fábula dos Gênios
muito me espantou. Eu jurava que era ela a líder. Pelo jeito, ela era também a
antiga líder...
Por um instante, elas silenciaram, enquanto bebiam suco de maçã dos cálices.
– Mudando de assunto, o que acharam das calouras? Alguma que valha?
– Piayo sem dúvida seria o primeiro nome que eu apontaria. Mas antes disso,
ela precisa mostrar seu valor. Não adianta ter renome e um histórico respeitável.
É aqui dentro que começamos a escrever nossa história.
– Rupa, a sua musa rosa e azul é membro da Vibri.
Aquilo era tão estranho. Eu não havia reparado nas meias dela mais cedo.
Pelo que eu me lembrava, ela usava meias branquinhas pela manhã.
Será que nem sempre elas estavam de meias coloridas? Se fosse assim, eu já
podia ter topado com outros membros de sociedades secretas de Jinas sem
saber. Afinal, eu não conhecia os símbolos que identificavam as outras: apertos
de mão, anéis, pingentes...
Talvez algumas preferissem não ser identificadas como membros em
algumas ocasiões. E, ao mesmo tempo, elas faziam questão de mostrar isso ao
vivo. Um paradoxo? Não. Eu preferia pensar que elas eram apenas
completamente esquisitas.
– Caloura, você não é membro. Saia daqui.
Lá estava a menina zumbi, que também não estava usando as meias mais
cedo.
Elas olharam para mim. Eu queria sumir de lá. Todos aqueles rostos eram
terríveis. Elas eram tão sérias, tão imponentes. Tão diferentes de mim...
– Olá, você. Eu te vi na palestra. Obrigada por comparecer.
– Eu que agradeço pelo convite. Foi um admirável discurso.
– Ela certamente não entendeu nada.
– Ora, não seja rude, Derida.
– Por que você tem um olho roxo e o outro preto?
– Porque houve um erro na minha MEP.
– Ela é tão estúpida. Errar na MEP? Eu nunca tinha ouvido isso antes.
– O que vocês realizam nessa sociedade secreta?
– Não é óbvio que é segredo? Se deseja brincar, procure um clube. Ou
mesmo uma fraternidade. Não podemos divulgar as nossas atividades.
– Eu gostaria de ser membro.
Derida riu com gosto.
– De que colégio você veio, coração?
– Paunim...
Eu estava começando a me sentir humilhada cada vez que pronunciava
aquela palavra. Eu até tinha vergonha de dizê–la.
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– Esse colégio não existe. Você não é ninguém. Como fraudou a prova de
admissão?
Quando escutou isso, Krashkah abafou o riso. Outras garotas de meias
coloridas também riram. Werda não disse nada. Apenas me observava
seriamente, aguardando uma resposta.
– Eu estudei muito. Rodei na prova nos dois anos anteriores, mas não desisti.
– Vocês ouviram isso? Ela rodou duas vezes e ainda tem orgulho de sua
“perseverança”. Ou, eu deveria dizer, burrice?
– Derida, já basta.
– Você não me manda ficar quieta, vice. Eu só obedeço às ordens de Werda.
– Continuem. É uma conversa interessante. Você não é capaz de se
defender, caloura? Ou espera que outros o façam por você? Também é essa a
sua atitude em relação à magia?
Elas estavam me desafiando. Queriam ver até que ponto eu suportaria.
– Fui aprovada, é isso o que importa. Tenho o direito de estar aqui tanto
quanto vocês. Se riqueza fosse fator central, os destruidores não seriam tão
poderosos.
– Como ousa mencionar os destruidores debaixo desse teto? Você não tem
o mínimo de orgulho construtor, caloura?
– Meu nome é Tirupa. Apenas passe–me um teste e confira se sou capaz de
realizá–lo. Assim poderei provar que sou digna de ser membro. Se essa Ordem
for digna o suficiente, pois estou desapontada com a postura de vocês.
– Tirupa, não critique aquilo que não conhece com base nas aparências. E
não generalize suas críticas. Se mantiver essa posição, não poderei mais
defendê–la.
A única alma gentil que eu havia encontrado naquela universidade
subitamente dava um passo para trás. Talvez a culpa tenha sido minha.
Ou eu me submetia aos termos delas ou me retirava. Aquela era a verdade.
Era melhor eu tomar cuidado com a língua. Eu precisava refletir sobre o que
realmente importava. Se eu não gostava delas, bastava não entrar na Fagenar
Vibri. Se eu não simpatizava com nenhuma aluna de Jinas ou com as
professoras, também bastava eu solicitar o meu desligamento e tentar uma vaga
na universidade Paunim.
Eu seguiria o caminho fácil? Ou o difícil? E, no meio daquele jogo de
poderes, o que eu realmente desejava? Permanecer lá só pelo status? Ou
procurar verdadeiras amizades num ambiente de menos competição?
– Esse lugar não é para você, Rupa. Apenas jogue suco de maçã na cara
delas, empacote suas coisas e saia dessa prisão. É início de semestre. Ainda dá
tempo conseguir transferência para Paunim.
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insanos. Uma é fanática por gramática, outra por beleza, uma por velocidade e a
outra por números.
– Ela é a líder do clube de matemática?
– Eu não me dou bem com aqueles jumentos. A líder desse clube é minha
arquiinimiga.
– Espero que role um duelo mortal um dia. Se as donzelas aceitarem o risco
de quebrar as unhas.
– E agora eu pergunto: quais são as suas qualidades, Tirupa? O que tem a
oferecer para a nossa sociedade secreta? Eu lhe asseguro que a Vibri tem muito
a oferecer. Ensinamentos além de sua imaginação. Mas o ensinamento só se
completa com o esforço e a sabedoria de todo o grupo. Se há um fruto podre na
cesta, vai apodrecer todos os outros. Nós evitaremos a todo custo colocar algo
podre aqui dentro.
– Eu sou boa em... costurar. Faço bolos gostosos, com limão e cereja.
– E você é capaz de conectar essas suas habilidades com magia? Envolver
selos e gênios com suas costuras e culinária?
– Nunca pensei nisso.
– Então é inútil. Minha pergunta se referia às suas habilidades que você é
capaz de utilizar para magia, através de uma fusão dimensional. Mesmo que seja
uma porcentagem ínfima, a Magia da Potência poderá multiplicar essa quimera.
– Me desculpe, mas não sei do que está falando.
– Espero que seu colégio ruim tenha ensinado pelo menos as técnicas do
Grimório dos Gênios.
– Um pouco.
– “Um pouco”? Me desculpe, mas saia da minha frente. Sua estupidez me
enoja.
– Nós precisamos de um membro que possa preparar o chá.
– Os chás que bebemos em nossas reuniões precisam possuir potencialidade
mágica. Ela não é capaz disso. Nesse quesito, Derida é insuperável.
– Por favor, dê–me mais uma chance!
Segurei na manga de Werda, pois ela parecia que iria retirar–se do salão.
Contudo, quando eu encostei nela, ela me deu um tapa na cara.
– Não ouse encostar em mim, sua caloura suja.
No segundo seguinte, alguém surgiu por trás de Werda e tocou em seu
ombro. Ela virou–se. Era Naridana.
Eu levei um susto! Não esperava que ela fosse aparecer de repente. E, pelo
jeito, os membros da Vibri também foram pegos de surpresa.
– Você continua maltratando as calouras. Permanece a abusar do poder. Eu
lhe confiei a liderança, mas vejo que foi uma atitude tola. Werda, eu retiro a
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daquele duelo. Algumas pegaram novas folhas quadriculadas para obter uma
cópia. No dia seguinte provavelmente iam espalhar para toda a universidade o
resultado daquele embate para definir a nova líder da Fagenar Vibri.
– Essa vaca maculou meu rosto perfeito! Fiiiiilha da putaaaaaa!!!
De repente, o rosto delicado da donzela rosa e azul converteu–se em fúria.
Já Werda parecia bastante paciente. Parecia ter se divertido com a batalha e deu
um risinho malicioso.
– Naridana, seu ódio por mim atinge apenas 96%? Pois meu ódio por você
chega aos 100. Ultrapassa o limite dos números, destrói gráficos e
eletrocardiógrafos. Somente o infinito da Magia dos Deuses. Essa sim é minha
régua exata.
– Werda, seja uma boa perdedora e apenas cale a boca.
Werda deixou a poética e a filosofia de lado e deu o dedo. E mais um sorriso
de graça.
Derida saiu de lá chutando tudo e xingando Naridana de todos os nomes. Já
Werda retirou–se com classe e rebolados, empinando o nariz.
– Sabe, estou começando a gostar desse lugar.
– Eu também. É da hora. Ei, Krazie, esse tipo de coisa é normal? O pessoal
agiu como se fosse.
– Quem frequenta somente as aulas, de vez em quando tem a oportunidade
de presenciar algo do tipo. Mas quem faz parte das fraternidades e sociedades
secretas está acostumado a ver mais fogo. A começar pelos testes iniciáticos... a
Fagenar Vibri é famosa nisso também.
– Eu quero ser membro. Estou decidida. Ainda mais agora que as duas
foram expulsas.
Meu coração acelerava de excitação. Se duvidasse, já estava na batida
excelente.
– Você disse que sabe costurar, certo?
– Eu sei.
– Eu adoro bonecas. E ursinhos. Por que não fundamos um clube de magia
com bonecas?
– Viu, só? NÃO TE FALEI?
AhAhAhaHAhAHahAhahahahahHhaHAHAHHH!!!
“Oh, você é um gênio. Agora fica quieto”.
!– AHAAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAEHAEHAEH!!!
OHOHOHOHO IKIKIKIKIKIKI!!
– CALABOCACACETE! Desculpa, Krazie, não foi com você...
– Eu sei, foi com seu gênio. Eles são sempre tão estúpidos, não é mesmo?
“Toma, Loro! Uhuhuhu!”
– Pff...
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não seria tão grave. Embora a Fagenar Vibri fosse uma sociedade secreta oficial
e um orgulho para a universidade, no fundo eu sabia que ela estava repleta de
atividades ilegais. Era só fitar aqueles babacas e isso era claro como a luz do dia.
Lembro que quando eu era calouro estava em busca de membros da Vibri,
mas era muito difícil identificá–los. Em Jinas as alunas usam vestidos curtos e
meias longas, mas em Jins os estudantes usam as meias por baixo das calças. Era
tarefa quase impossível localizá–los facilmente.
Foi só no verão e em ocasiões de eventos de esportes que alguns estudantes
de meias coloridas ficaram visíveis. Tive que prestar bastante atenção até
descobrir quem eram todos. Mas se alguém havia sido expulso ou se entraram
novos membros, eu não estava sabendo.
– Falando nisso, minha irmã me enviou por e–mail algo bem
impressionante: os gráficos dos selos que Naridana usou para uma batalha. Ela
obteve um Selo Bomba, abriu uma dimensão e gerou um poder hiperpsíquico.
– Como é? Mostre–me!
Hparral retirou uma folha de dentro da pasta e entregou para Sremino.
– Isso é admirável. Contra quem ela batalhou?
– Ela venceu Werda e Derida ao mesmo tempo. Eis a explicação para a
disposição estranha no padrão dos selos. Fez na cerimônia de abertura, diante
de todos. E, com isso, agora ela é a líder da Fagenar Vibri novamente.
– Por que essa notícia não chegou a mim antes?
– Desculpe. Eu me esqueci.
– Você “se esqueceu”? Na segunda semana de aula teremos uma cerimônia
de confraternização, para um encontro entre estudantes de Jins e Jinas. Será o
primeiro encontro do ano desse tipo. E eu terei que lidar com Naridana. Isso
será terrível.
– Você tem medo dela? Relaxa. Ela não é tão assustadora como parece.
– Você nem mesmo fala com ela. Naridana somente fez uso de você. E por
que raios Krashkah não deu a notícia diretamente a mim?
– Você sabe que ela não gosta de você.
– Sou poderoso e influente. Como ela não pode gostar? Sou o homem dos
sonhos de qualquer mulher.
– Eu sei exatamente porque ela não gosta.
– As estudantes de Jinas são fãs do Yol. Só porque ele é o presidente do
clube de poesia.
– Escrevo poesia ao estilo da magia dos livreiros. Para liberar poder mágico
quando recitada em batalha. Fórmulas mágicas literárias.
– Deixa de falar merda, Hparral. É óbvio que as veteranas de Jinas têm bom
gosto e respeitam os caras inteligentes. Mas você lembra bem por quem as
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calouras retardadas estavam babando no ano passado. E nesse ano não será
diferente.
– Eu sei. Elas curtiram o Qah, do terceiro ano. Aquele bostinha de cabelo
lambido.
– Ah, eu me lembro desse infeliz. Aquele que gosta de posar de solitário e
incompreendido e fica rastejando por aí com olhar de peixe morto.
– Pior que ele namora uma gostosa de Jinas. E olha que a mina dele é
inteligente. O “Qah–nalha” não consegue montar sequer uma frase que faça
sentido. “Eu sou o Q–q–q–qah, desculpe, eu sou g–g–g–gago”.
Hparral e Colmon desataram a rir com a imitação de Sremino. Dessa vez eu
não consegui ficar calado. Resolvi sair de onde estava e dirigir–me diretamente a
eles.
– Com licença, cavalheiros. Eu ouvi o que disseram. Qah é meu amigo. É
melhor que o respeitem. Ele certamente não fez nada a vocês para que mereça
esse tratamento.
– Entre amigos, falo o que quero. Não preciso dar satisfações.
– Eu não sabia que os membros da Fagenar Vibri apreciavam umas boas
fofocas.
– E você parece gostar de ouvi–las. Isso não te faz pior que eu? Falando
nisso, quem é você? O amante do Qah?
– Borrai, do terceiro ano.
– Ele é forte, Sremino. Venceu Nerrisso num duelo no ano passado.
Sremino fitou–me atentamente.
– Então, senhor Borrai. O que mais o incomoda? Deseja fazer uma lista com
suas reclamações ou será o suficiente enfrentar–me num duelo para resolver
nossas diferenças?
– Rai, esse cara é bem direto. E extremamente confiante.
– Não me importo em brigar.
Sremino largou a pasta na grama, levantou–se e retirou algumas cartas do
bolso.
– Putz, vão fazer isso a céu aberto? Ele não será punido, pois é da Vibri.
Mas você tá fodido, garanhão.
Eu não me importava. Estávamos no pátio e não havia professores ao redor.
Surpreendi–me que ele tivesse topado a batalha sem pestanejar. Então eu não
iria me acovardar depois de ter comprado a briga.
Retirei um velho grimório da pasta. Como eu era um apreciador da história
de Consman, eu iria utilizar técnicas antigas naquela batalha. Começando por
velhas fórmulas mágicas. Se ele pensava que poderia prever meus movimentos,
estava errado.
– Um para quatro, metade em uníssono da anunciação de dó!
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que me impressionou mais era que o gênio dele não tinha apenas a forma de um
fantasminha.
Ele tinha chifres! Patas. Era como um animal fantasmagórico. Como ele fez
isso...? Como foi capaz de alterar a aparência do gênio a esse ponto?
Utilizou uma carta com o Cubo da Vaidade e deixou o gênio gigantesco,
pesado e fedido. E o que ele fez a seguir, eu não sou capaz de descrever.
Retirou a própria alma da boca, como chiclete! Enrolou o gênio na alma e
com eles quebrou uma dimensão. Dela rolaram dois tetraedros repletos de
sangue, que explodiram como bombas, derramando números e aromas.
Sremino bufava como um animal. Ele retirou um punhal negro das vestes e
colocou suas batidas em...
– 97%...! Você superou Naridana!!
Espere. Aquilo não era possível.
Eu estava lutando contra um monstro. Tive que chamar meu gênio para me
defender. Não seria possível ficar só na magia de selos.
Batalha com gênios era algo sério. Nem Naridana e as moças de Jinas, na
disputa pelo título, chegaram a esse ponto.
– Ijea!
Meu gênio vermelho e verde colocou–se diante de mim para defender–me
daquele gênio–fera que trotava na minha direção como um dragão.
Quando o sangue daqueles tetraedros tocou em mim, eu senti uma sensação
psicológica horrível. Como se sentisse a morte. E do bafo do gênio dele vieram
ácidos. Aquilo queimou a pele da minha mão, que borbulhou.
Da boca do gênio dele saiu um osso. Eu já estava no chão. Não ia aguentar
mais. Como eu fazia para demonstrar que desisti da batalha?
Sremino percebeu. Ele aproximou–se de mim com um sorriso e passos
lentos. Cuspiu o chiclete em cima de mim, que caiu na minha mão, misturando
meus pedaços de pele soltos com aquela substância pegajosa.
Tranquilamente, ele acendeu outro cigarro. Soprou a fumaça no meu rosto.
A partir dela, surgiu um selo complexo com dois trapézios e um idioma
desconhecido por mim.
Com o isqueiro, ele transformou o selo em fogo, que quase atingiu meu
rosto, não fosse eu defender–me com minha mão de peles e chicletes, que já
estava toda ferrada.
– Acabou. Agora você e seu namorado Qah podem tomar no cu.
Chamei meu gênio de volta e desfiz os selos. Minha mão direita ainda estava
com um grande corte aberto, repleta de pedaços de carne, sangue e chiclete.
– Filho da puta...! Você usou magia dos destruidores! Você tem um maligno.
– Oh, você descobriu meu segredo! E agora, o que farei?
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Ele disse isso em tom de zombaria. Era óbvio que os três membros da Vibri
já sabiam disso, pois não expressaram nenhuma surpresa. Mas uma galera que
assistia à nossa batalha no pátio parecia não saber. Sremino não dava a mínima.
Ele apreciava ser temido por todos.
– É muito simples atingir batidas magníficas e intoleráveis usando magia de
destruidores. Naridana chegou a 96% sem um maligno. Isso sim é admirável.
– Nenhum franguinho dessa universidade possui colhões para oferecer o
corpo e a alma como alimento ao maligno. Nem mesmo a musa de Jinas.
– Você é incompreensível! Diz odiar os destruidores, mas usa a magia deles!
– Eu te garanto que a fúria que sinto pelos destruidores é incomparável. Mas
há momentos em que odeio ainda mais os estudantes covardes de Jins e Jinas.
Um bando de pau no cu que somente aprecia calcular o ritmo de decaimento da
própria merda.
– Você abriu uma dimensão de Desmei no campus. Aqueles tetraedros de
sangue vieram de lá. Se isso chega ao conhecimento do reitor, você será jogado
para fora de Jins de imediato.
– Eu respeito os professores de Jins. Eles são inteligentes. Nossos grimórios
são excelentes e temos muitas aulas admiráveis. Ainda não desejo deixar esse
lugar. Acima de tudo, aprecio a Fagenar Vibri. Aqui há magos muito mais
poderosos do que você pensa. O conhecimento que trocamos é incomparável.
– Vocês têm acesso ao GGM.
– E também ao AM. Mas possuímos somente algumas páginas. Tentarei
intimar o príncipe a entregar–me os volumes completos. Ouvi dizer que ele tem
uma cópia.
– Por que não viaja logo para Desmei e entra numa das sociedades secretas
deles?
– Porque eu desejo tudo: eu tenho um maligno. Mas eu também tenho um
gênio. Possuo meu orgulho de construtor e desejo dominar as duas versões da
magia.
Eu jamais pensei que algo assim fosse possível. Era verdade que os
construtores possuíam técnicas próprias que os destruidores não tinham.
Sremino também as desejava.
Eu sabia que os estudantes de Jins curtiam mexer com coisas proibidas. Mas
buscar magia de destruidores já era ir longe demais.
– Meu... eu não fui com tua cara. Você queimou minha mão e jogou um
chiclete nela. Meteu um selo de fogo e fumaça de cigarro na minha cara. Você é
um bostinha metido e mal comido que só sabe fofocar com suas amiguinhas
lavadeiras e brincar de bonecas com elas. Ou trocar suas cartinhas, que é
praticamente a mesma coisa. Chegou tão longe a ponto de me revelar seu gênio
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Fábula dos Gênios
e sua magia só porque ficou com invejinha do Qah? Você é uma menininha, seu
baitola?
– Você pensa que suas palavras me ofendem, mas está muito enganado.
Naridana, uma das maiores magas de todos os tempos, é uma mulher. E os dois
filhos da puta mais fodões dessa universidade, Yym e o príncipe, são viados.
Então, meu filho, tente usar termos mais fortes. Ainda não fiquei ofendido. No
mínimo, orgulhei–me com o que disse.
– Que o Sremino é mal comido é verdade. A ligação dele não quer foder
com ele de novo, por mais que ele implore...
– Colmon, sua ligação sequer lhe dirige a palavra, quanto mais a buceta.
Enfim! Isso é irrelevante nesse momento. O que mais você quer de mim,
Borrai? Já foi derrotado, então agora suma! Se quiser me delatar para o reitor, eu
vou arrancar a alma de sua boca e te enforcar com ela. Hei de foder seu fluxo de
karma pelas próximas mil gerações!
– Hã... relaxa, velho. Sabe, a sua magia me impressionou de verdade. Eu tô
puto contigo, mas minha vontade de entrar para a Fagenar Vibri agora é imensa.
Não ligo que você esteja nela. Eu irei simplesmente ignorá–lo. Apenas coloque–
me em contato com o mestre da Vibri em Jins. Quanto a você, não irei
obedecê–lo na menor palavra, seu cretino maldito. Eu somente darei satisfações
para o líder.
– Quer saber, putão? Eu vou te colocar em contato com o líder. Para a sua
informação, ele está entre nós.
– Qual de vocês? Saia da frente para eu poder vê–lo.
Somoyol, o bacana de black power, ergueu a mão.
– Eu sou o vice.
Dentre os quatro, Somoyol era o único que prestava. Estava muito claro que
era essa a razão de ser tão confiável para obter uma posição como essa.
– E quem é o líder? Yym?
– Yym sequer está na Ordem. Não venha falar merda, otário.
Eu dei o dedo pra ele.
– Talvez essa notícia seja meio chocante para você. Eu sou o líder da
Fagenar Vibri.
Eu baixei o dedo. Eu sorri, sem saber como reagir. Os outros riram da
minha cara.
– Hahahahahahahahhh! Se ferrou legal.
– Porra. Hã... foi mal, cara.
– Relaxa. Fui eu que fodi sua mão.
– Já era, perdeu a compostura. HAHAHAHAHAHA ESSA FOI ÓTIMA!
– Se quiser me punir, fique à vontade para ferrar meu gênio. Ela aguenta.
– NÃO, NÃO! OK, OK, parei.
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Wanju Duli
– Eu não vou te ferrar, meu. Você mesmo fez isso. Se quiser entrar para a
Vibri, vai ter que dar um pedaço do seu corpo para Ijea.
– Essa é a prova de entrada?
– A primeira. Ela vai ter que vomitar o seu pedaço na minha frente.
Eu coloquei Ijea para fora e estendi a mão.
– Coma um pedaço da carne da minha mão e retire esse chiclete. Já está toda
ferrada mesmo...
– Eu mereço...
Ijea mordeu a parte da minha mão que estava machucada. Senti uma dor
aguda, mas me livrei das peles soltas e do chiclete. Como Ijea mascou a carne
junto com o chiclete, não se sentiu assim tão tentada pelo meu gosto.
Os quatro me fitavam impressionados.
– A maioria recua diante dessa primeira prova. Ou pede pelo menos alguns
dias para pensar. Você fez de imediato. E ainda ofertou uma parte externa do
seu corpo. Bem impressionante.
– Qual é a segunda prova?
– Uma batalha séria com selos e gênios, com um de nós, para testar a sua
força. Isso nós já tivemos. E o nosso foi um duelo particularmente extremo.
Fico satisfeito que aceite lutas assim. E você aceita batalhas de imediato. Isso é
excelente. Você não recua. Mesmo caído no chão ensanguentado, você não
pediu para parar.
– Eu sou admirável, não é mesmo? O que devo fazer a seguir?
– O terceiro teste é desenhar uma carta do seu gênio, depositando nela uma
porção de sua alma. Com isso teremos poder sobre você.
Então era verdade. Eles tinham mesmo realizado o pacto de cartas e almas.
Com a junção das cartas de todos, seria gerada uma gigantesca egrégora, que
formaria o corpo de uma quimera a ser utilizada em batalha, que teria como
fonte de energia as partes das almas de todos. Magia do AVB.
Alcancei minha pasta. Rasguei uma folha de caderno e desenhei traços
toscos do meu gênio com canetinha. Abri a boca e, com um exercício
respiratório, transferi energia para lá. Uma parte muito pequenina de minha
alma impregnou no papel e uma gota de sangue escapou dos meus lábios para a
folha. Já era o suficiente.
Entreguei o pedaço de papel para Sremino. Ele me fitava com uma
expressão de surpresa.
– Cara... você é porreta. Está fazendo tudo o que digo de imediato. Que belo
cachorrinho você é.
– Tenho permissão de retrucar mesmo para o líder, certo?
– Sob sua conta e risco.
274
Fábula dos Gênios
– Eu não temo seus testes tolos e simples. Eu estava preparado para morrer
naquela luta. Você acha que um pedaço de carne ou uma gota de sangue iriam
me parar?
– Eu não quero idiotas fanáticos como membros. Isso é coisa de
destruidores. Você também necessita da razão e do equilíbrio. Precisa saber
quando parar, seu louco suicida.
– Então a minha determinação e coragem geraram minha reprovação no seu
teste?
– A sua última chance será na quarta prova: a final. Hoje à noite iremos nos
reunir na sala 28. O local de maior energia mágica do campus. Há muitas coisas
interessantes por lá. Você será vendado e deverá responder a uma série de
perguntas filosóficas, de caráter mágico. Prepare–se. Nos encontraremos lá à
meia–noite.
– Eu aceito.
Os quatro pegaram as suas coisas e se retiraram.
Tudo estava acontecendo muito depressa. Por que, depois de dois anos, eu
aceitei me envolver com a Vibri? Logo naquele dia? Ora, havia um motivo
maior para que eu tivesse feito isso.
Tive que passar no hospital para dar um jeito no machucado da minha mão.
Aquilo doeu pra caralho. Dei uma de durão durante a briga, mas aquela ferida
tinha sido o suficiente pra chorar.
Durante a aula de evocação, eu conversei com Qah. Contei a ele tudo que
aconteceu.
– Isso foi algo bem idiota.
– Para a sua informação, fiz isso para defendê–lo.
– Obrigado.
– Isso é tudo que tem a dizer?
– Sim.
Algumas vezes, Qah era bem evasivo. Ou talvez fosse verdade o que
Sremino falou: nem tudo o que Qah falava fazia realmente sentido. Ele era um
cara estranho. Ficava murmurando palavras incompreensíveis para si mesmo.
Tinha olhos e cabelos pretos. Os cabelos escorridos quase tocavam seus ombros.
Seu rosto parecia o de alguém muito doente. Tinha traços delicados. Sua voz era
meio fina e falhava em alguns momentos.
A aula de evocação passou voando. Eu estava tão distraído que tracei alguns
selos incorretamente.
Quando fomos para a aula de ética, o professor demorou muito a chegar.
– Aquele panaca do professor Borgie. Aposto que foi esmagado sob o peso
de todos os grimórios que carrega. E ficou esparramado em algum corredor.
Outra vez.
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Wanju Duli
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Wanju Duli
O mestre era como aquele aluno indomável que comanda outros alunos a se
rebelar contra o sistema. O cara que desafia todos a entrar na casa mal
assombrada e é o primeiro a provar que nada tem a temer nesse mundo ou no
outro. Quase como se precisasse provar algo para si. Exibir–se para ser
admirado.
Ele era um líder nato. Disso eu não tinha dúvidas. Fazia seus discursos com
muita segurança e convicção; e suas palavras fortes inflamavam corações.
Contudo, muitas vezes ele defendia ardentemente ideias absurdas e gostava
de dar uma de louco. Nesses momentos, eu costumava ficar na minha. Hparral
geralmente era o que dava corda para as teorias piradas de Sremino, como se
não tivesse opinião própria. Eu não me metia. Abria um livro e aguardava até
que os ânimos se acalmassem. Afinal, se eu inventasse de contradizê–lo,
Sremino iniciaria um novo discurso ainda mais chato. Bateria na mesma tecla até
ganhar. Os argumentos dele não eram ruins. Eram apenas insanos.
– Yym defendia que a fonte do poder mágico era mana. Um pensamento
heterodoxo que sequer encontra respaldo no Arcano Vida Brilhante. De fato,
temos muitas teorias metafísicas empolgantes acerca das energias formadoras e
transformadoras do espírito e da alma. Mas fica bastante claro que a Teoria do
Mana é antagônica à Teoria do Karma. Não podemos ter TM e TK
simultaneamente! As partículas de karma devem ser destruídas. Isso implica
também na destruição da energia vital, e não funciona.
– Mas se karma é matéria e mana também, para onde se dissolve após a
aniquilação?
– Energia também é matéria, mas num nível mais sutil. Tempo é matéria.
Mas não é fácil enxergar as partículas do tempo.
– Os destruidores são capazes de visualizar as partículas do tempo com os
olhos do maligno. Assim podem manipulá–lo.
– Não deu certo para mim. Eu me pergunto se é algo que está no sangue. A
constituição do corpo dos destruidores deve ser diferenciada. Destruidores
usando o GGM é diferente de construtores utilizando–o. Seria porque eles
despertam o maligno desde a infância?
– Enquanto isso, nós nos debruçamos em livros, inventando mil nomes para
definir algo que não sabemos fazer.
“É isso mesmo, Hparral, incentive–o”. Quando isso acontecia, Sremino se
empolgava ainda mais, e em pouco tempo estaria clamando tão alto que o salão
inteiro escutaria.
– Mas se Yym estiver certo e a chave da magia estiver em mana... isso
solucionaria uma série de enigmas. É como acrescentar uma variável coringa,
que se encaixa perfeitamente na equação.
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Fábula dos Gênios
– O mundo não é perfeito. Então é evidente que uma teoria que encaixa
todas as peças, como um quebra–cabeça, só pode estar incorreta. Os
construtores buscam os círculos. Os destruidores preferem os triângulos. Eis
nossa diferença.
– Então você defende que Valonde está incorreta com a Teoria do Quebra–
cabeça? E Cazka está correto, com a Teoria da Teia?
– Eu prefiro TT a TQC. Um universo caótico. Uma teia pode se esticar e se
distorcer. Gera uma equação mais maleável.
– Mas pode haver mana e karma ao mesmo tempo. Resta saber qual dos
dois é indestrutível. Partículas de karma ficariam impregnadas na alma, para
ocorrer a transmigração. E as partículas de mana estariam grudadas no gênio...
Sremino deu um soco forte na mesa de comes e bebes. Uma das taças virou.
– Não existe a porra do mana! Se duvidar, sequer existe alma! Ela pode ser
um resíduo de miasma enrolado no gênio! Agora você vai me dizer que a fonte
de mana está em Samerre, cacete?!
– Colmon, cala a boca. Você está deixando o mestre alterado. Depois vocês
discutem isso.
– Nem tente apartar essa briga, Yol! Ela já começou. E agora só terminará
com o cadáver de um de nós estendido no chão.
Para Sremino, qualquer coisa já era motivo para uma batalha de vida ou
morte. Até o mais trivial dos comentários. Eu não temia comprar briga com ele,
mas era muito estressante ver situações como aquela ocorrerem com frequência.
Provavelmente Cazka havia despertado o instinto de guerra no líder.
– Não precisamos ser tão dramáticos. Basta nos recordarmos do primeiro
trecho do Capítulo 2 do GG.
– “Dos conceitos que podem ser negociados”. Isso significa que considerar
a existência do mana ou desconsiderá–la, isso é irrelevante e os dois pontos de
vista podem ser conciliados. É a teoria, as palavras que podem ser moldadas
como possíveis interpretações imperfeitas da realidade.
– Dizem que cor não é propriedade da matéria, mas para mim cor e luz são
matérias, em si, enquanto existência perceptível aos sentidos. De forma análoga,
também o são as palavras. Elas são verdade enquanto mantivermos essa ilusão
da verdade, assim como a própria vida e o mundo. Então, eu tenho o direito de
tornar verdadeiras todas as minhas mentiras, à força!
– O GGM está fazendo sua cabeça, Mino. Vlebre Cazka fez uma bela
lavagem cerebral em você.
– Não queremos brigas. Preferimos a paz e a reconciliação dos variados
pontos de vista. Em nome disso, todo o resto pode ser negociado.
– Quem quer a paz? Você? Eu prefiro uma vida de emoção e adrenalina,
tendo minha vida por um fio, ao tédio da paz. Não desejo ser um covarde que
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anseia estender sua vida ao máximo somente para brincar, e por medo da morte.
Desejo desafiar minha vida constantemente, para que a morte tome meu corpo
prematuramente, pelas mãos de um inimigo forte e digno que me derrote. Eis a
única forma suprema de morrer.
– Eis a explicação para a sua relação de amor e ódio pelos destruidores.
Você ama a forma violenta com que eles veem o mundo. Ao mesmo tempo,
você deseja ter um inimigo para odiar. Você queria ter nascido destruidor?
– Eu não queria ser pobre. Preciso do meu fumo. Eu só queria ter aquele
sangue para fazer bom uso de um maligno. Mas, pode ter certeza: se eu visse
alguém com sangue de destruidor na minha frente, eu iria matar o bastardo. E
anunciaria ao mundo que derrotei um destruidor.
A linha de pensamento dele não era tão difícil de entender. Ele queria ser
forte e derrotar caras fortes. Morrer pelas mãos de um deles. E acabou. Ele
distorceria todo o resto para que as coisas fossem dessa maneira.
– Eu tenho meu orgulho como construtor. O que você diz é ofensivo. Não
concorda, Yol?
– Também tenho meu orgulho e não vou com a cara dos destruidores. Mas
não sou fanático. Eu não mataria um destruidor de graça, assim, por nada.
– Eu mataria, só de ver um na minha frente.
– Meu sangue ferveria e eu precisaria destruir o desgraçado a qualquer custo.
– Se conseguirem, certo?
Os dois olharam feio para o Hparral. Sremino virou mais uma taça de álcool
na garganta. Em vez de iniciar um novo discurso mostrando o quanto era forte
e inteligente, ele alterou a temática.
– A fonte da magia não é mana. A fonte é só uma: peitos!
– Agora exponha argumentos relevantes para sustentar a sua teoria.
– Não é uma teoria e sim uma lei. Os peitos guardam o leite que alimentam
o infante. Não somente um alimento da carne, mas da alma e do gênio.
– Como pode ser isso?
– O leite materno é mais agradável do que o chiclete para o gênio. Eu e meu
gênio estamos com saudades de reaver as memórias da infância: a suprema fonte
de magia que sustenta a ontologia dos universos da mente e das diretrizes
absolutas.
– Com base no que você falou, a fonte seria a buceta e não os peitos. Pois é
através dela que passa a porra e que desce o bebê.
– Excelente argumentação, mas existe uma interdependência entre a geração
do indivíduo e a manutenção dele. Sendo assim, os líquidos vaginais e o leite
seriam como o plasma do sangue e os elementos figurados.
– Hã?
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fortalecer o gênio, que sai pela boca. E colocarei meu pau no meio deles
também pra... consertar a variável ontológica.
Depois disso, acho que ele dormiu. Mandei Hparral levar Sremino de volta
ao dormitório dele, porque era uma sorte do caralho ele não ter comprado briga
com ninguém na cerimônia de início do ano. Precisávamos tirá–lo de lá antes
que aquilo acontecesse.
No final, ele havia rabiscado em vinte guardanapos. Num deles desenhou até
um mapa, que ninguém entendeu o que era ou qual a relevância daquilo para o
discurso que ele defendia.
– Eu acho que, no final das contas, o mestre está realmente certo.
– É claro. Tente sustentar essa teoria amanhã, com dez taças a menos de
álcool no cérebro.
Sremino acordou atrasado para a aula no dia seguinte e estava com uma
ressaca da porra. Passou o resto da segunda aula reclamando porque eles faziam
aquelas festas logo numa segunda–feira. Eu apenas concordava com a cabeça,
mesmo sem ouvir metade do que ele dizia.
– Você ouviu o rumor de que o príncipe montou uma sociedade secreta
religiosa? Ela foi denominada Armana. O “Arcano do Mana”, só para enaltecer
a teoria nojenta do Yym–becil.
– Ouvi. Mas você não vai comprar briga com o príncipe. É questão de
orgulho nacional. Nós temos o dever de defender e proteger o príncipe.
– Eu sou o único que não faço reverência quando o príncipe passa.
– Cara, se liga. Se você cometer desacato, será expulso.
– “Vossa Alteza” já recebe muito beijo na bunda. E agora deve estar ainda
mais cheio de si, por ser um líder religioso.
Eu achava o príncipe gente fina. Parecia interessante a proposta da Armana,
mas é claro que eu não disse isso na frente do Mino, ou ele provavelmente ia dar
outro de seus discursos intermináveis e irritantes, defendendo a supremacia e a
excelência da Vibri.
Sinceramente, eu me achava foda por estar na Vibri. Havia membros fortes
lá dentro e a maioria deles era suportável. Mas se o príncipe estivesse
organizando algo grande, com figuras poderosas, e com mais cérebro e gentileza
do que petulância, por que não? Resolvi que iria investigar mais.
Contudo, naquela madrugada haveria o teste final de Borrai. E, caso ele se
mostrasse digno, logo ocorreria sua iniciação formal. Estaríamos bem ocupados.
Nós o vendamos e o conduzimos a uma sala de alto potencial energético.
Ele permanecia sentado numa cadeira, enquanto Mino o circundava. Eu já havia
passado por isso no meu tempo de calouro e lembro que foi bem assustador ser
cercado por veteranos fortes, sem enxergar nada, sabendo que aqueles caras
dominavam um pedaço da minha alma numa carta.
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Fábula dos Gênios
Mas Borrai era forte e confiante. Eu desconfiava que ele fosse se sair bem.
– Primeira pergunta: o que é a magia?
– Nosso dever, honra e vontade.
– Qual é a fonte da magia?
– A mente.
– Onde reside a mente do mundo?
– Na potência do desejo.
Borrai estava se saindo bem. Dava respostas imediatas e sucintas. Mas Mino
estava sendo caridoso nas perguntas. Por enquanto.
Sremino segurou na cadeira e aproximou o rosto.
– Nós somos acadêmicos, ouviu, seu bostinha arrogante? Elabore as
respostas. Seja mais categórico.
– Se possuo o direito de réplica, devo salientar que ser claro e lacônico
constituem virtudes na empreitada dialética.
– Sob o risco de ser obtuso! E fugidio. Ou o senhor toma minhas nobres
perguntas por uma mera disputa de retórica, parvo? Retomemos, do princípio.
Que é a magia?
– Uma vontade natural. Uma honra ser a parte da energia do todo. O dever
de defender meu povo e minha condição de ser humano.
– Por quê? Isso não me parece forte. Mostre–me a força!
– Um sentido. A conexão que restabelece o princípio deferente da
desconexão.
– Pois ousa falar a mim de sentidos e conexões, condição esta que sugere a
defesa dos quebra–cabeças valondeanos!
– Meu... eu não posso adivinhar qual é a resposta que você quer ouvir. Para
mim, a magia confere sentido. Se é diferente para você, fica frio. A magia pode
ser aquilo que encaixa e também o que desencaixa. Necessitamos dos dois
princípios.
– Esse sujeito é espertinho, não acha, Somoyol?
– Peço o candidato emprestado por alguns instantes. Tentarei encaixar a sua
entrevista.
Apenas dar continuidade ao processo inventado por Mino, mas poupando o
novato dos gritos descontentes.
– Candidato. Pode realizar seus encaixes, se assim o satisfaz. Mas onde
procura a fonte de poder, quando a mente cansa, está esvaziada e sem vida?
– No outro.
– Quem é esse outro? Conta–me. Poderá ser qualquer um? O disponível?
– Não. É ela. A fonte do gênio.
– Como eu dizia. A TP está correta.
– E o que raios seria a TP?
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Ela conhece meu segredo. É a única que tem a arma para colocar–se contra
mim de maneira insuperável. É odioso estar nas mãos dela.
– Krashkah, preciso conversar com você. Em particular.
Ela queria falar sobre aquilo de novo. Eu gemi. Por que, de todas as pessoas,
tinha que ser logo ela a saber disso?
Sem escolha, eu a segui. Fomos para um canto afastado e nos sentamos em
bancos. Não poderíamos ser ouvidas.
– Você está com medo que eu vá revelar isso para outra pessoa?
– É óbvio.
– Eu não irei. Confie em mim. Mas você não acha que ao menos Sremino
devia saber disso?
– Ele deve saber. Apenas não falamos a respeito. Eu nunca converso com
ele sobre nada.
– Você parece estar sempre com medo que alguém descubra de repente.
Não tema. Sua existência terá um grande propósito.
– Eu não desejo ser um objeto para grandes propósitos. Só quero que me
deixem em paz. Por favor.
Naridana tocou no meu ombro e retirou–se.
Todas as moças daquela universidade eram frias. Eu não tinha nenhuma
amiga de verdade, e talvez não desejasse. Porque eu mesma era como gelo.
Incluindo meu coração.
– Sempre tão severa. Seu coração é como um universo impenetrável. Até
mesmo para mim.
– Eu não sou desse jeito. Sou apenas Kah, uma estudante modelo de Jinas e
membro da Fagenar Vibri. Pena que emoções não possam ser desvendadas com
cálculos. E quando chego perto, o cálculo nunca é exato. Coisas assim me
incomodam.
– Aquilo que não pode ser medido?
– Sim. Você pode ser medido, Ikri. Você não me incomoda. Para mim, você
é uma certeza num mundo de incertezas. E eu jamais o trocaria por um gênio
maligno. Tenho meu orgulho como construtora.
– O que é esse orgulho?
– Algo que não conheço, mas sinto.
Abracei meu corpo.
– Algumas vezes, tudo o que eu queria era um abraço.
Ikri enrolou–se em torno de mim e aqueceu meu coração. Quase deixei
lágrimas escaparem por meus olhos.
– Quando ninguém está por perto, você está comigo. E sempre me
completa. Estará comigo por toda a vida?
– Eu estarei.
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Fábula dos Gênios
– E na morte?
– Enxugando suas lágrimas e tentando abrir um sorriso em seu rosto. Você
sabe que a morte não é o fim.
– Eu vi que não é. Eu senti. Os outros mundos... eles não são fantásticos?
– Eles são.
– Estou ansiosa para conhecê–los. Ao mesmo tempo é assustador
desprender–me de meu corpo de carne. Nesse instante, eu serei a minha alma?
– A alma é apenas um pequeno pedacinho do espírito. Esse sim já
atravessou muitos mundos, em variadas formas. Mas na morte você entenderá
que você sou eu. E eu sou você.
– Dimensão. Então somos todos imortais?
– Tudo é matéria. E infinito. É como o tempo. Na verdade, a chave se
encontra na dimensão do tempo. Se o tempo é eterno, como o resto poderá
morrer? Tudo que está enrolado nele é impregnado de partículas de tempo e
eternidade.
– Meu querido Ikri... algumas vezes eu apenas temo pela minha consciência.
As memórias que construí. Destruir a existência da forma que eu a conheço
agora.
– A existência continua, isso é certo. Mas não da maneira que você a
conhece agora. Basta não temer a mudança. Será apenas um mundo novo.
– Os construtores falam muito na dimensão do cubo. Aquela em que
nascemos e morremos. E quando chega o fim, é como uma caixinha cheia de
surpresas. É por isso que faremos Tirupa experimentar esse começo–fim na
cerimônia de iniciação.
Fui designada a enfrentar Tirupa em batalha. Esse era o primeiro teste.
Eu a busquei pessoalmente no fim da aula dela. Tomei–lhe pela mão,
seriamente.
– Venha.
– Onde está me levando?
– Logo verá.
Entramos numa sala vazia de um depósito. Eu a tranquei a chave. Somente
nós duas estávamos lá.
Era melhor assim. Se ela desconfiasse de algo ao batalhar comigo, aquele
segredo não iria à tona.
– Ikri!
Chamei meu gênio vermelho e laranja. Tirupa levou um susto ao notar que
iríamos duelar diretamente com os gênios. Evocou o seu, chamado Lorobol.
Mas dessa vez quem se espantou fui eu.
– Amarelo e verde. O seu gênio possui a mesma coloração do gênio de
Naridana.
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E ela apenas retirou–se da sala, sem dizer uma palavra. Ainda enxugando as
lágrimas.
– Por que fez aquilo com a garota? Não se sente mal?
– Preciso manter o rigor dos testes. E ela sequer me pediu mais uma chance.
Foi ela mesma quem desistiu.
– Por isso mesmo você não faz amigas. Peça desculpas a ela.
Eu não tinha nada que pedir desculpas. Foi a própria fraqueza dela que a
derrotou.
Mas... eu também já não havia sido assim um dia? Eu já havia passado por
épocas de insegurança. Não era assim com todos nós?
Eu encontrei Tirupa no dia seguinte. Ela estava no refeitório comendo numa
mesa, completamente sozinha. Ela se assustou quando me viu.
– Posso me sentar?
Ela fez que sim.
– Você está triste?
Ela apenas indicou com a cabeça novamente.
– Há outras coisas na vida que você pode conquistar. Coisas que não
precisam da aprovação de um bando de idiotas. Mas para que você as conquiste,
deve adquirir a capacidade de aprovar a si mesma. Você pode temer a outros,
mas jamais tenha medo de si mesma. Se for capaz de seguir esse conselho,
poderá realizar tudo o que deseja.
Aquelas palavras seriam o bastante. Levantei–me e saí, sem nem me
despedir.
– Brilhante. Agora, que tal você seguir seu próprio conselho?
– Eu tento. A cada dia.
– Comece enfrentando Sremino. Você não precisa ser o fantoche dele.
O encontro entre Jins e Jinas seria naquele fim de semana. Havia sido
marcado para a semana seguinte, mas tiveram que adiantar, devido a
circunstâncias misteriosas.
Eu não gostava da ocasião daqueles encontros, pois era quando muitas
ligações se encontravam. Era comum que se sua ligação estudasse em Jins você
desejasse entrar para Jinas, e vice–versa. Havia um motivo muito importante
para que as coisas ocorressem dessa maneira.
Você só poderia manter relações sexuais com sua ligação. E estudando em
Jins ou Jinas você não teria qualquer contato com o mundo lá fora. Ou seja, se
sua ligação não estivesse lá também, para que vocês se encontrassem na ocasião
desses eventos, você passaria praticamente treze anos sem transar.
Claro que quem não tinha parceiro no campus dava um jeito de burlar
aquela regra. Mas eu não aceitaria fazer isso.
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Wanju Duli
Eu entrei para Jinas com a intenção de tornar as coisas mais difíceis. Sempre
fui muito aplicada aos estudos e ser membro da Fagenar Vibri era um sonho
antigo. Se eu fosse aprovada, não precisaria rever Sremino tão cedo.
Mas ele me surpreendeu. Também estudou muito para entrar em Jins. E
conseguiu. Além disso, tornou–se líder da Vibri. Somente para me impressionar,
aposto. Ele diz que não. Eu finjo que acredito.
Ele sempre afirmou não ter nenhum tipo de sentimento por mim. Ele só
entrou em Jins pelo sexo.
Eu raramente aceitava fazer sexo com ele. Desde o sexo que fizemos para
gerar o terceiro gênio e nos mantermos vivos, eu só aceitei o pedido dele umas
três ou quatro vezes.
Eu não tinha vontade de transar? Eu tinha. E sentia desejo por ele. Mas... eu
queria ser teimosa. Não queria que as coisas ocorressem como ele queria. Eu o
achava um chato.
E lá estavam os elegantes meninos de Jins, em suas jaquetas azuis.
Se eu pudesse escolher, eu transaria com o vice, Somoyol. Ele era quente.
Sremino adorava posar de polido na frente das moças. Que belo teatro. Na
minha frente ele não disfarçava tanto.
– Naridana. É um imenso prazer vê–la novamente como mestra da Vibri em
Jinas.
Que mentiroso. Ele nem gostava de Naridana. Por outro lado, ele não tirava
os olhos de Derida. Ele olhava para a bunda e para os peitos dela
descaradamente. Já no caso de Werda, ele preferia olhar o rosto.
– Você é o cristal mais brilhante dentre as jazidas de Jinas, senhorita Werda.
É uma vergonha que tenham lhe tirado a posição de líder.
Lá, lá, lá. Sinceramente, eu quase ria assistindo Sremino cumprimentar as
garotas. Parecia que nunca tinha visto uma mulher na vida. E, como não éramos
namorados nem nada, eu não ligava muito ao vê–lo dar em cima de várias. Ele
não ia conseguir beijar nenhuma mesmo. Se tentasse, correria risco de morrer,
pelo poder da ligação. Que magia desgraçada... principalmente para um cara
como ele, que certamente queria pegar todas.
Até que ele se recordou da minha existência e resolveu me cumprimentar
também.
– Eis a atração principal da festa! Como tem passado, senhorita Krashkah?
– Guarde sua atuação para as outras. Pode ser honesto comigo. Só veio aqui
para foder, né?
– Isso não é óbvio?
– É claro, senhor óbvio. Você é praticamente a única pessoa capaz de me
fazer rir com suas cantadas bregas para Werda.
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– Não aqui...
– Vamos para o seu dormitório?
– É, vamos lá.
Fiquei com pena dele daquela vez. Desconfiei que ele fosse ter um treco se
eu dissesse a ele que não tava a fim naquele dia.
Assim que chegamos no meu quarto, ele já foi me agarrando. Eu confesso
que sentia desejo ao sentir tanto desejo nele. Eu só me fazia de difícil para
aborrecê–lo. É claro que eu também estava com vontade.
E, por outro lado, eu me sentia meio vazia com aquela união artificial. Ele só
estava me usando, por prazer. Mas, no fundo, não estávamos usando um ao
outro?
– Você vai deixar ele fazer isso de novo, só para agradá–lo? Você nem está
tão a fim...
Eu não sabia se era amor ou amizade que faltava na minha vida. Mas ainda
havia uma parte incompleta.
– Certo, Sremino. Você já me abraçou e me beijou. Da próxima vez
avançamos mais um passo.
– Eu já desconfiava que você fosse dizer isso. Te conheço. Por isso, tenho
um truque na manga.
– O que será? Um desodorante?
– Eu te desafio para um duelo! O vencedor transa com o outro!
– Isso não faz o menor sentido. O resultado será o mesmo.
– Eu estava brincando. Se você ganhar, eu me retiro quietamente. Contudo,
se eu vencer, quero seu corpo.
– Interessante. Eu topo. Vamos lá.
Evoquei Ikri. Ele evocou Cikuta. Eu e ele montamos selos para escudo e
espada. E, a seguir, as trilhas de selos, construídas de acordo com as batidas do
coração.
Eu já estava em 92%. E ele em 8%. Eram batidas opostas. A coisa mais
divertida a fazer naquele momento era inverter as cores do espectro.
E a abelha tornou–se cobra. Tive que alterar completamente as formas dos
selos para seguir aquele ritmo.
Ele fez isso de novo. Estava alterando as cores do espectro muito
rapidamente. Aquilo era demais para meu coração aguentar.
Mas eu estava mantendo aquela batalha. Até que ele chamou um segundo
gênio.
– Filho da puta...! Você tem dois!!
– Eu vou te comer hoje, Krashkah. Darei a minha vida por essa batalha.
Então era assim que ele ia jogar. Muito bem.
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– Pode voltar! Você ainda não me fez sangrar o suficiente! É bom terminar
o que começou, OUVIU, meu homem?!
– Hmmm... que fantástica reviravolta. O que te deu tanto prazer? Foi a
ferida de baixo ou a de cima?
– Foi o seu cheiro, gostosão.
– Meu perfume? Pensei que não tinha notado. Eu caprichei, especialmente
para hoje.
– Que bom. Agora cale a boca e me coma bem forte.
Voltamos para o meu dormitório e tivemos aquela que talvez tenha sido
nossa melhor transa.
– Quer saber? Talvez um dia eu me apaixone por você. E você por mim.
– Pelos Deuses, que isso não aconteça jamais...
– Mas do meu pau você gosta, né?
– Ah, por ele eu já me apaixonei há muito tempo.
– Só quero ver se vocês dois vão continuar brincando no dia em que ele
descobrir o seu segredo. Krashkah, você está brincando com fogo.
***
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– Você sabe que só me matei estudando por sua causa! Perdi dois longos
anos estudando pra essa prova, só pra poder te ver de novo.
– Eu sei. Estou muito feliz que tenha conseguido. Parabéns. E, adivinhe só:
já que me enviou aquele e–mail avisando que havia sido convidada para a
Fagenar Vibri em Jinas, eu entrei para a FV de Jins. Agora poderemos nos ver
mais vezes ainda.
– Hã... eu não fui aprovada no teste de admissão.
– Sério? Bom, o teste costuma ser difícil mesmo. Mas eu passei no meu. Tá
vendo aquele sujeito lá de cabelos pretos? Ele é o mestre da Vibri em Jins.
– Nossa! Ele tem cara de ser bem respeitável e forte.
– Nem tão respeitável, mas, sim, ele é forte. O cara de black power é o vice.
– Incrível!
– O de boné é a ligação de Naridana.
– NÃO ACREDITO!
– Ei, ei, também não precisa se exaltar. A maior parte das garotas que você
conhece em Jinas deve ter ligação em Jins.
– É mesmo. A princesa me disse que a ligação dela também é estudante da
nossa universidade.
– Espera, você falou com a princesa Aibara?
– Eu sou membro da Ordem dela: Armana.
– Agora sou eu que estou surpreso! Essa sociedade secreta é nova, mas em
uma semana de aula já se tornou muito influente. Também, pudera: é a Ordem
da realeza. E parece que Yym também está diretamente envolvido nisso.
– Quê? Você conhece Yym?
– Ele é meu professor.
– Mas que extraordinário! Borrai, já vi que temos muito que conversar.
Vamos sentar ali, perto das flores. É mais romântico.
Nós dois nos afastamos um pouco das mesas do banquete ao ar livre.
Sentamos num canto mais distante, na grama. O dia estava tão pacífico e feliz!
– Recentemente ocorreu a cerimônia da minha iniciação. Foi muito massa.
Você já jogou JTG?
– Ainda não, mas estou ansiosa para tentar! Vou querer assistir ao
campeonato.
– Ah, deixa eu te apresentar o meu amigo.
Ele passou ali por perto e Borrai o chamou. Era um garoto de expressão
meio abatida, mas bonitinho.
– Esse é o Qah.
Ele estava de mãos dadas com uma garota que eu conhecia. Eu nem
acreditei quando vi quem era.
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Fábula dos Gênios
O encontro entre Jins e Jinas era praticamente uma cerimônia para os casais.
Não tanto para conversar, já que nos falávamos por cartas e e–mail. Era um
encontro para sexo. E eu não via a hora de aquela parte do encontro começar!
– Por que o vice da Vibri está sozinho?
– A situação dele é meio complicada. Ele e a ligação dele, que você também
deve conhecer, não estão se dando muito bem ultimamente. Isso tem ocorrido
desde uma situação delicada com Vrekan, o gênio de Somoyol.
– O que aconteceu?
– Somoyol matou o próprio gênio.
Foi chocante escutar aquilo. Eu já tinha ouvido histórias de gênios sendo
destruídos, mas o mestre matar seu próprio gênio?
– Por quê...?
– Porque o pessoal da Vibri de Jins é meio pirado. Eles mexem com magia
de destruidores. Somoyol tentou fazer um maligno e o gênio dele se rebelou. E
os dois tiveram que duelar. Agora você sabe o verdadeiro motivo de os
construtores e destruidores focarem tanto em dominar magia de selos.
– Eu sempre achei que era para possuir uma técnica mista para utilizar
juntamente com o gênio, potencializando o podre dele.
– Não, Rupa. A razão de estudarmos tão profundamente os selos
tridimensionais é possuirmos uma arma forte somente nossa para utilizar contra
o gênio, para matá–lo, caso um dia ele se rebele.
– Putz! Não vou mais te mandar estudar geometria, ouviu, Rupa?
Eu senti um frio na espinha. Aquela nova informação era terrível.
– Temos por tradição, por tempos imemoriais, o costume de utilizarmos
MG e selos conjuntamente. Ora, a Magia dos Gênios deveria bastar, não? Mas
até mesmo os destruidores, que detestam técnicas mistas, são mestres de selos.
E sabemos que os malignos se rebelam bem mais que os gênios comuns. Por
isso mesmo os destruidores se tornaram tão fodas na construção de selos. No
caso deles, como o maligno se alimenta do corpo do mago, pode chegar a hora
em que o maligno tenha muita fome e deseje devorá–lo por inteiro, destruindo
seu hospedeiro.
– Parece que você já aprendeu muitas informações surpreendentes em
apenas poucos dias como membro da FV. Mas você não está pensando em usar
magia de destruidores, está?
– Eu ainda não sou louco a esse ponto. Se os caras de lá começarem a forçar
a barra pra isso, será uma bela desculpa para me transferir para a Armana e
passar mais tempo com você.
Eu já estava muito excitada, só de ficar perto dele. Podíamos contar o resto
das novidades por e–mail, certo? Eu queria aproveitar aquele tempo junto de
Borrai para fazermos amor!
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– Sassa Soma.
– Puta que pariu! A autora do Arcano da Morte!
A galera identificou o nome novamente. Uma parcela ínfima dos estudantes
havia tido acesso ao AM. Talvez apenas alguns professores e membros de
sociedades secretas. Mas pelo menos o nome da autora quase todos conheciam.
Até eu.
Por isso, houve muitas exaltações, mas não tantas quanto na ocasião em que
o nome de Solovro foi anunciado.
Ela passou o microfone para o último destruidor. Quando ele revelou seu
nome, aquilo quase veio abaixo.
– Vlebre Cazka.
Agora sim, o pessoal berrou mais que nunca. Uma parcela um pouco maior
de estudantes teve acesso ao GGM do que ao AM. Mas até mesmo eu, que não
havia lido o GGM, conhecia a velha história de que Cazka havia xingado a
autora do GG até não poder mais. E que havia escrito o grimório inteiro como
uma paródia ao dela, parodiando até mesmo os respeitáveis aforismos de Yym.
– Olha só a cara do Yym!
Borrai, morrendo de rir, indicou o professor barbudo. Ele estava com
expressão de poucos amigos.
Para a minha surpresa, minha professora de Geometria 1 levantou–se e
subiu no palanque. A reitora entregou a ela um segundo microfone.
– É um grande prazer finalmente conhecê–lo pessoalmente, senhor Cazka.
Meu nome é Brisgrar Valonde.
– Caralho...!
– Porra!!
Eu não sabia disso, cacete!! E muita gente lá também não sabia. Quando ela
disse essas palavras, houve muitos gritos de empolgação. E uma salva de palmas.
Eu também bati palmas. No instante seguinte, todos gritavam o nome de
Cazka e Valonde, também exigindo um duelo entre os dois.
Quando Cazka pegou o microfone para falar novamente, todos
permaneceram num silêncio mortal para escutá–lo.
– O prazer é meu, madame Valonde. Se desejar um duelo, como seus alunos
propõem, eu aceito.
Ele disse isso em creemah, com um sotaque da porra. Houve mais uma salva
de palmas.
Mas antes que Valonde pudesse dar uma resposta, a reitora retirou o
microfone dela. E acabou retirando o microfone de Cazka também.
– Não haverá nenhum duelo no dia de hoje! A ameaça de guerra é real.
Estamos aqui para unir forças. E para selecionar um grupo especial de
construtores para acompanhar nossos quatro convidados para uma viagem até
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Samerre. Deixo claro que esse grupo não será escolhido imediatamente. Alguns
candidatos serão entrevistados nas próximas semanas por nossos professores,
convidados e membros da realeza de Consman e Desmei. E que os melhores
alcancem honra e glória.
Mais gritos. Então havia algum membro da realeza entre aqueles quatro
destruidores? Quem seria?
– Tirupa, é melhor você estudar bastante para conseguir se manter em Jinas
pelo menos pelas próximas semanas. Eu não vou querer perder esse espetáculo
por nada desse mundo.
E com quatro destruidores passeando pelo campus, algo me dizia que os
avisos constantes da reitora não seriam suficientes para evitar algumas brigas
entre construtores e destruidores.
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– Sim, eu sei que você é honesta... por isso te odeio ainda mais, sua maldita!
E ainda por cima é bonita.
– Você é mais bonita, Werda.
– Eu sei, mas... eu sou solitária. Apesar de eu ser líder e viver cercada de
garotas, não consigo fazer amizade com nenhuma delas. Acho que, no fundo, eu
queria.
– Se você não consegue se abrir com as outras meninas, posso ser sua amiga,
mestra.
Sem me conter, derramei algumas lágrimas.
– Que humilhante. Eu queria ser forte, mas sou tão fraca...
– Derramar lágrimas não é uma fraqueza, Werda. É sinal de força. Significa
que você está escutando seus desejos mais sinceros. Você não é tão má quanto
faz parecer. No fundo, você só quer fazer amigas, mas é muito orgulhosa para
isso. Não seja. Não tenha medo.
– Também estou com medo de me encontrar com Somoyol da próxima vez.
Eu fui muito rude com ele da última vez que nos encontramos. Eu sou
naturalmente rude com garotas, mas diante dos garotos sou mil vezes mais rude.
Porque faço questão de impor minha autoridade. Quero mostrar quem manda.
Eu jamais quero fraquejar diante de um homem.
– Que bobagem. Você não precisa erguer esse escudo tão grande, não
importa se esteja com homens ou mulheres. Confie em sua ligação. Ele é a
pessoa de quem você mais poderá se aproximar.
– Talvez o gênio maligno dele seja só uma desculpa. Estou insegura para
transarmos de novo porque acho meu corpo muito infantil. Meus seios são
pequenos e não tenho tantas curvas como as outras garotas.
– Werda, você é tão linda que só um grande imbecil não se sentiria atraído
por você.
Eu sorri.
– Obrigada. Vamos voltar. Tenho que me preparar para a palestra. Entregue
os folhetos, sim?
Foi um dia estranho. A palestra foi fantástica. E na festa de inauguração
daquela noite, Naridana expulsou a mim e a Derida da Fagenar Vibri.
Eu não mudei. Continuei maltratando as outras estudantes com minha má
educação. Eu estava ciente do que eu fazia. Era de propósito. Isso fazia com
que eu me sentisse poderosa.
– Você fala pouco comigo. Você se acha grandiosa demais para falar com
seu próprio gênio também?
– Você sabe que não é isso, Vrerto. Só evito falar com você quando estou
em público. Senão corro o risco de parecer uma idiota, como essas outras
garotas que parecem que falam sozinhas.
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– Não finja que não se importa, Werda. Você gosta de sexo tanto quanto eu.
Seria um desperdício jogarmos fora essa chance por mero orgulho. Eu não me
considero um cara orgulhoso. Só falta você ceder.
– Somente se você me possuir de olhos vendados.
– Se você tem esse fetiche, não sou contra. Quer me amarrar também? Você
parece o tipo de garota que curte S&M.
– Você tá me tirando, né?
– Você é uma menina má, que eu sei.
– Só por causa desse seu sorrisinho malicioso e ofensivo, eu vou querer a
coisa completa. Mas eu bato. Você só apanha.
– Ah, merda. Me ferrei.
Foi naquele instante que houve o anúncio pelo microfone, para reunir todos
os alunos. Quando os destruidores apareceram, eu senti ódio extremo. Eu fui
uma das que chamou o gênio, pronta para lutar.
– Calma, Werda. Vamos esperar.
– Esperar até que destruam tudo?!
– Ainda não é hora de atacar.
Quando eles disseram seus nomes, eu pirei. Não de empolgação, como os
outros cretinos. Eu queria arrancar aquelas cabeças imediatamente. Todas elas.
Principalmente a de Cazka.
Valonde era uma pessoa que eu admirava. Ela e Naridana eram amigas de
longa data. Mas Valonde eu respeitava. Era uma das poucas pessoas por quem
eu não nutria inveja e sim admiração genuína.
Eu queria ver Valonde partindo o corpo de Cazka ao meio. Arrancando cada
membro. Eu ansiava ver a cor do sangue dos destruidores. Aquele corpo de
órgãos carcomidos.
Meu coração estava palpitando. Muito mais do que quando vi Somoyol. Era
um sentimento completamente diferente.
É claro que eu estava nervosa pra caralho ao estar na presença de
destruidores. Apenas ao fitar aqueles quatro seres de capas eu já sentia um frio
na espinha. Todas as lendas sobre eles, o terror. E, ao mesmo tempo, eu me
sentia paralisada. Mesmo havendo a ordem para não atacá–los, eu
provavelmente estaria assustada demais para fazê–lo.
Quando desceram do palanque, os destruidores se reuniram aos professores
novamente. Nenhum aluno ia poder se aproximar por enquanto, com exceção
do príncipe e da princesa.
Não vi Valonde conversando com Cazka. Os dois estavam bem afastados.
Eu queria ver quando eles se dirigissem um ao outro de novo. Merda! Eu ia
perder o espetáculo.
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– Nome?
– Sremino Eopala.
– Por que ostenta um maligno, senhor Eopala?
Ele obviamente sentiu. O autor do GGM notaria qualquer coisa. Éramos
como livros abertos diante dele. Naquele instante, ele provavelmente já conhecia
a quantidade exata do poder de cada um de nós.
Ele notaria meu incrível poder?
– Porque eu desejava mais poder. E tenho coragem para tanto.
– Uma resposta bastante ingênua, e não diferente do que eu esperava. E por
que esse outro aqui não tem gênio?
– Eu matei o meu, senhor.
– Para fazer um maligno? Ou por sexo?
– Maligno.
– Cada um de vocês guarda um segredo. Esse construtor aqui possui um
poder fora do normal, mesmo sem usar MGM. Há uma razão para isso.
Ele sabia. Não perguntou. E nem revelou.
– E, finalmente, por que há um destruidor entre vocês? O que um
destruidor faz em Consman?
Aquela pergunta me pegou de surpresa. O que ele queria dizer com isso?
– Eu tenho um maligno, mas possuo sangue de construtor.
– Enquanto esta pessoa não tem um maligno, mas possui sangue de
destruidor.
Ele apontou para Hparral, que ficou pálido quando ele fez isso.
– Merda...
– Senhor, Yym, melhor seguirmos nosso caminho. Já causei demasiada
polêmica nesse instante, como se minha presença já não fosse distúrbio
suficiente.
– Posteriormente terei uma conversa séria com os quatro.
E os dois se retiraram. Depois disso, eu, Sremino e Somoyol fitamos
Hparral seriamente.
– Que grande absurdo é esse? Outra mentira?
Hparral ficou quieto.
– Cara... você é um destruidor?
– Não. Eu sou um construtor. Fui criado em Consman. Jamais usei MGM.
Nem mesmo recentemente, enquanto você e o Mino faziam testes com isso.
Minha magia é 100% MG.
– Onde você nasceu?
– Desmei... mas poucos meses depois me mudei para Consman e nunca
mais retornei para aquela terra. Portanto, como veem, minha conexão com
Desmei é quase nula.
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Ela colocou a mão no meu coração. Ele estava disparado. Em seguida, ela
abriu os primeiros botões da minha camisa, arrancando outros enquanto puxava
minha gola.
– Não!
Ela me fitou com uma expressão de fúria e nojo. A expressão mais
repugnante e assustadora que já vi nos olhos dela.
– Você é um homem. Eu te contei meus segredos. Chorei na sua frente. Seu
filho da puta...!
– Calma! Vamos conversar...
Ela me puxou pelos cabelos. E me arrastou para fora do banheiro. Tirupa,
Aibara e as outras garotas da Armana que estavam no chá, passaram pelo
corredor. Ficaram surpresas quando viram Werda me arrastando.
– Aqui está a delicada garota que tem tomado chá com a princesa. Acho que
ela se esqueceu de dizer que é um menino e está proibido em reuniões como
essa.
Ela me jogou no chão. Eu fechei a minha jaqueta, para tapar os botões
arrancados.
– Isso é verdade, Krazie?
Elas me fitavam com espanto. Era duro desapontá–las. Mas eu sabia que um
dia a verdade seria revelada. Eu baixei os olhos.
– Sinto muito.
Eu tinha medo de olhar para elas novamente.
– Você me enganou. Enganou a todas!
Agora Werda estava com um sorriso no rosto. Estava amando ver a minha
humilhação e desejou reunir uma platéia maior para assistir ao espetáculo.
Mandou chamar imediatamente Krashkah, Derida e até a própria Naridana.
Eu fiquei de pé novamente, mas não ousei encarar nenhuma delas.
– O quê...? Krazie, você é um...? Eu te pedi para me ajudar a fechar meu
sutiã uma vez. Que porra é essa, cacete?!
Derida estava completamente alterada, gritando. Parecia que ia me bater a
qualquer momento.
– Krazie, você está tão, mas tão ferrada agora...
Resolvi levantar os olhos e encará–las.
– Peço desculpas a todas. Minha intenção não era enganá–las. Eu apenas
desejava me formar em Jinas. Nunca vi graça em Jins. Gosto mais dos
uniformes daqui, das atividades, dos clubes, do ambiente. Eu não fiz nada de
errado. Eu apenas desejei ser parte disso tudo.
– Mentiroso!
Naridana fez um sinal para Derida, pedindo que ela se acalmasse. Voltou–se
na minha direção.
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– Krazie, você não somente está fazendo parte de duas sociedades secretas
ao mesmo tempo e escondeu isso de mim, como também quebrou uma regra
fundamental e feriu a honra da universidade. Você sabe que isso irá gerar sua
expulsão imediata, não é mesmo?
– Se vocês me delatarem.
– Que está acontecendo aqui? Que confusão é essa?
Era a professora Valonde. Werda parecia muito ansiosa em revelar para a
professora, pessoalmente, o motivo do barulho.
– Professora Valonde, essa pessoa aqui é a responsável pelo caos.
– Qual é o seu nome?
– Krazie Razeta.
– Senhorita Razeta, era exatamente quem eu procurava. A madame Soma
requisita sua presença imediata no departamento, para entrevista.
Ainda surpresa, acompanhei a professora. O espanto foi tanto que ninguém
deu um pio.
Mas eu vi Krashkah mexendo em seu celular. Eu já sabia para quem ela
estava enviando mensagem: Mino.
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Eu não via o rosto dele. O capuz cobria a maior parte da face. Mas eu vi a
mão que ele estendeu para pegar uma das revistas que havia na sala de espera.
Ele abriu a revista, com curiosidade.
Que cena excêntrica. Um destruidor lendo uma revista de moda na sala de
espera do hospital. Só havia revistas ridículas lá.
Na verdade, eu não tinha certeza se era uma revista de moda, de decoração,
de motos ou de informática. Quem sabe até tivesse uma revista de magia ali no
meio. Mas se tivesse, seria revista de magias completamente idiotas.
Tentei espiar a capa. Não consegui. Mas ele notou que eu estava olhando.
Ele levantou o rosto e me lançou um olhar de esguelha.
Ele tinha assustadores olhos cor de vinho. Então ele havia feito MAP.
Em meio ao meu nervosismo, tentei disfarçar. Como ele percebeu que eu
olhei, falei com ele.
– Você consegue entender o conteúdo da revista?
Ele apenas me fitava, intrigado.
Cacete. Ele sequer entendeu o que eu perguntei. Então ele não devia saber o
creemah.
O pior era que eu conhecia o mínimo de dezkazil. Ou eu ao menos achava
que conhecia. No GGM só havia o alfabeto. Mas eu já tinha pescado alguns
termos em livros antigos. Afinal, eu já havia lido praticamente todos os livros
que mencionavam os destruidores na biblioteca da universidade, em minha
busca infindável para aprender a magia deles.
Eu fiz a mesma pergunta, mas em dezkazil. Mas eu acho que acabei
misturando com outras línguas arcaicas, porque o destruidor me fitou com ainda
mais estranheza dessa vez.
– Eu não entender.
Ele disse isso em creemah, mas com uma pronúncia bem enrolada. Não sei
se ele entendeu minha pergunta, mas ele certamente só estava espiando as
imagens da revista.
– Você odeia Naridana?
Ele reconheceu o nome dela na minha pergunta, pela expressão que fez.
– Eu não entender.
Ainda assim, ele apenas repetiu essa frase. Será que ele só sabia dizer isso?
Mostrei as minhas meias coloridas.
– Fagenar Vibri.
– Eu sou o mestre da Vibri em Jins.
Era inútil tentar conversar com aquele cara. Ele colocou a revista de volta no
lugar.
Eu prestava atenção a cada movimento dele. Até que ele se aborreceu com
isso.
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Agora eu podia fitá–lo melhor. Tinha cabelos negros. E parecia bem jovem.
Até fiquei surpreso.
– Qual a tua idade, cara?
Eu não sabia se ele entendia gírias. Mas ele pareceu entender a pergunta.
– 26. Qual a tua idade, cara?
Ele apenas repetiu o que eu disse, provavelmente sem entender direito. Eu
achei engraçado.
– 31. Você é mais novo que eu. Jamais imaginei isso. Ow, meu, não quer vir
com a gente lá pra participar de uma reunião da Vibri?
Ele fez uma expressão de quem não entendeu. Eu apenas me levantei e fiz
um gesto para que ele me acompanhasse. Ele levantou–se também.
Mas quando eu meio que coloquei a mão nas costas dele, ele reagiu com
violência. Fez um movimento forte, saindo de perto, e me fitou com ódio.
– Calma! Foi mal. Não vou encostar em ti não, beleza?
Eu tinha me esquecido desse detalhe crucial. Os destruidores não gostavam
de toques de qualquer tipo. Nada de tapinhas nas costas ou apertos de mão. Era
melhor manter distância ou ele interpretaria qualquer gesto meu como uma
tentativa de atacá–lo.
Nós saímos de lá. Ainda havia alguns alunos na porta, que fizeram ainda
mais barulho ao ver o destruidor de novo. Felizmente, eles não fizeram mais
que isso.
O destruidor ainda continuava a me seguir. Ótimo. Eu só precisava levá–lo
até a sala da Fagenar Vibri antes que algum professor nos flagrasse.
Consegui fazer isso. Poucos alunos viram que eu estava com ele. A sala da
Vibri era grande. Tinha alguns sofás e mesas de jogos. Quadro negro e uma
estante de livros.
Havia uns seis membros da Vibri relaxando lá, estirados nos sofás. Alguns
lendo ou rabiscando algo em cadernos. Quando viram o destruidor, todos se
levantaram, num susto.
– Calma, pessoal. O Solovro só veio fazer uma visita. Podem ficar à vontade.
Indiquei um sofá para que Solovro se sentasse. É claro que ninguém ia ficar
à vontade com um destruidor lá dentro. O que eu disse quase soou como piada.
Somoyol veio me sussurrar alguma coisa.
– Não faz isso não. Tá malucão?
– Relaxa. Ele é gente boa.
– Sei.
Mostrei pro pessoal a revista em que eu e Solovro havíamos brincado de
guerra de selos no papel. Eles se impressionaram bastante com o que ele
desenhou.
– Ele fez isso em poucos segundos? Caralho...!
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Todo mundo se debruçou na revista para admirar a obra de arte que era
aquela batalha silenciosa. Já que não tínhamos autorização para brigar, brincar
de registrar selos funcionava.
– Solovro, você sabe jogar JTG?
Mais uma vez, ele não entendeu. Mostramos a ele o tabuleiro do jogo. Sendo
o JTG um jogo baseado no esquema de labirintos e teias dos destruidores,
bastava ensinar algumas regras simples e ele provavelmente já seria capaz de
jogar.
– Acho que consigo.
O pessoal comemorou quando Solovro concordou em jogar com a gente.
Nós nos apressamos em montar o tabuleiro. Estavam todos empolgados.
Aquilo seria fantástico!
– O Jogo de Tabuleiro dos Gênios deve ter entre dois e quatro jogadores.
Além de mim e do Solovro, eu convido Somoyol e Colmon. Os demais assistam
em silêncio. Só poderão gritar após os ataques.
Eu embaralhei as cartas e distribui–as. Coloquei o quebra–cabeça no centro.
Joguei os dados e girei a ampulheta.
– Vejo que serei eu a iniciar. Prometo demonstrar com capricho.
Colmon retirou a primeira carta. Alcançou a lousa e desenhou uma
sequência de selos enquanto a areia caía. Recitou uma fórmula mágica e
energizou–os. Ele concentrou–se. Acelerou as batidas e colocou o gênio na
ampulheta.
A areia da Ampulheta de Revelação mudou de cor. A ampulheta inteira
avermelhou–se e esquentou como fogo. Ela flutuava no centro do tabuleiro.
– Duas viradas. Três viradas. Quatro... porra!
– Uau.
A ampulheta caiu de volta no tabuleiro. Ele moveu sua peça. Houve uma
salva de palmas.
– Ei, isso foi bom, moleque. Que porra é essa de porra? Estréia com classe.
– Você é o próximo. Aposto que faz melhor, Yol.
Ele concentrou–se. Chegou a cinco viradas. A galera urrou.
– Canalha.
– Me come.
– Minha vez.
Também fiz quatro viradas. Que merda. Eu geralmente fazia cinco. Não
queria fazer feio na frente da visita.
Solovro ainda tentava compreender a lógica do jogo.
– Eu desenho os selos. E...
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– É simples. Veja só: você tira uma carta. Desenha o gráfico selado da magia
daquela carta na lousa. Depois transfere a energia para a ampulheta, com o
gênio.
– É quase a mesma lógica da brincadeira que você e o Mino estavam
fazendo na revista. A diferença é que você transfere a energia de verdade, como
se estivesse em batalha. A vantagem é que ninguém corre risco de morrer,
porque a ampulheta absorve o impacto. E você converte a vitória em pontos.
Sua peça avança nas casas do labirinto e um pedaço do quebra–cabeça é
montado.
– Quando somamos cinquenta viradas, trocamos os dados. A contagem final
dos pontos é um pouco mais complicada, mas nós anotamos pra você.
Ele retirou uma carta. Desenhou os selos na lousa numa velocidade
impressionante. Sinceramente, não sei como ele fez isso. O destruidor tirou uma
carta complicadíssima. E ele simplesmente fez os desenhos, como se estivesse
desenhando um sol e uma casinha; sem nem pensar. Apenas saiu, como se fosse
a coisa mais natural do mundo.
A areia mal tinha começado a cair e ele já estava energizando a ampulheta.
Ela ficou negra.
– Puta que pariu...!
Eu nunca tinha visto aquela merda ficar negra. Nem mesmo usando o meu
maligno. O que aquele cara tava fazendo?
A energia dele era muito forte. A ampulheta começou a derreter. Até que se
quebrou, num estouro. Os membros da Vibri gritaram, de espanto e euforia.
– Eu tenho outra AR! Já vou buscar.
Hparral procurou nas gavetas. Alcançou uma nova ampulheta.
– Desculpe por quebrar.
Eu ouvi bem? O destruidor estava pedindo desculpas?
– Não esquenta com isso. Tá tranquilo.
Retomamos o jogo, como se fosse um fabuloso campeonato. Logo, mais
cinco membros da Vibri chegaram para assistir.
E não parava de chegar gente. A sala era grande, mas logo já havia pelo
menos vinte membros da Fagenar Vibri lá dentro. O pessoal vibrava com as
jogadas. Cada vez que era a vez de Solovro, comemoravam.
Em poucas palavras, ele nos humilhou no JTG. Aprendeu as regras muito
rápido. Logo, ele já estava embaralhando as cartas, lançando dados, movendo as
peças. Como se já fosse um jogador calejado.
Eu vi que ele estava se divertindo. Em alguns momentos ele riu. Rimos
juntos. Aquilo foi o máximo. Muito foda. Quando o jogo acabou, ninguém
precisava questionar o vencedor. Mesmo assim, somamos os pontos, só para
conhecermos nossas diferenças.
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Resolvi oferecer uma lata de cerveja para Cazka. Era uma atitude meio
arriscada, depois do que ele disse. Mas eu não queria perder a oportunidade de
bater um papo com o autor do GGM.
– Eu não experimento essas bebidas estranhas de construtores.
– O que vocês têm comido enquanto estão em Consman?
– Eu aceito vegetais e carne, com o mínimo de modificações. Não aprecio
esses alimentos industrializados. Solovro já se aventura mais no paladar. Eu não
respondo por ele.
– Seria uma honra se você se reunisse a nós no jogo.
– Reitero que possuo pouco interesse nessas simulações da realidade. Sem
carne, sangue e ossos sobra pouca coisa para acelerar o coração. Minha
potencialidade mágica não atingiria o ponto máximo em jogos como esse. Eu
preciso da coisa real para abrir as melhores dimensões.
– Eu apreciaria uma batalha, senhor Cazka.
– Eu nego. De modo análogo, o que você chama de batalha mal passaria de
uma simulação. Não faz sentido algum brincar de lutar se precisarei segurar
minha força para não matar um de vocês sem querer.
Aquele cara era complicado. Eu queria pelo menos convencê–lo a sentar–se.
Ali de pé, ele me incomodava. Devia ter vindo só para levar Solovro embora.
Mas eu não iria permitir.
– Por favor, sente–se. Fique mais.
– O que eu ganho com isso?
Porra. Que cara chato. Mas eu não esperaria menos do autor do GGM. Uma
das únicas pessoas corajosas o suficiente para chamar Valonde de vadia. Só por
isso, ele já tinha meu respeito. Todo mundo odiava aquela mulher, que mais
parecia um general numa guerra de magos.
– Eu li o Grimório dos Gênios Malignos. Todo mundo que está nessa sala
leu seu livro. Você leu, Borrai?
– No mesmo dia que entrei para a Vibri.
– Todos aqui são seus fãs e odeiam Valonde. Então, se aceitar sentar–se
conosco, iremos agradá–lo bastante com refinados elogios.
– Eu não preciso do elogio de construtores. Eu escrevi aquela merda para
que ficassem ofendidos. Portanto, ofendam–se!
– Esse cara é engraçado. Gostei dele.
– O que você quer, seu falso destruidor? Eu não pedi para que gostasse de
mim. A alegria que sentem em minha presença me ofende.
Ah, merda. Aquele ali parecia curtir comprar uma boa briga. Mas ele não
queria lutar, para não nos matar por acidente. Também não queria jogar ou
beber conosco. Qual seria a alternativa?
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– Isso não faz a menor diferença. Para mim, ele não é ninguém. Todos
vocês são lixo. Se de fato batalharam contra Solovro com aquele joguinho de
tabuleiro estúpido de vocês, já devem ter concluído que o que digo é verdade.
Enquanto conversávamos, Solovro estava jogando um joguinho eletrônico
portátil que Hparral emprestou para ele. Quando viu isso, Cazka deu um suspiro
de desaprovação.
– Nós somos fortes, cara. Os membros da Vibri estão entre os mais
poderosos de Jins. Se nós vinte o enfrentássemos numa batalha ao mesmo
tempo, até mesmo você teria problemas.
– De fato, eu teria. Não me digam que vocês realmente se orgulham em
saber que precisam ter vinte de vocês para estar à altura de apenas um
destruidor?
A inteligência dele me incomodava. Ele dava respostas perspicazes e rápidas
para qualquer coisa que dizíamos.
– Você mantém sexo regular com sua mulher?
– Eu mantenho sexo regular com meu cérebro. Por isso ele funciona e o seu
não.
A galera riu. Tanto com a pergunta imbecil de Hparral quanto com a
excelente resposta de Cazka.
– O que você acha de Sassa Soma?
– Uma maga admirável.
– Ela é mais forte que você?
– Ela é.
O pessoal assobiou. Bom saber disso.
– Como vai o processo de seleção para a Missão dos Deuses? Já começaram
as entrevistas?
– Já começamos. Mas Jins está repleto de imprestáveis. Jinas também. Soma
e Jrass também não estão muito empolgadas com a tarefa.
– Algum membro da Fagenar Vibri será entrevistado?
– Veremos.
– Solovro, qual teu rolo com a Naridana?
Ele não escutou. Estava muito entretido no joguinho.
– Ei, Solovro. Te liga. Tão falando contigo.
Ele levantou os olhos, meio perdido.
– Sim?
Cazka explicou a situação em dezkazil e Solovro respondeu.
– Ele disse que isso não é da conta de vocês. A propósito, já fiquei tempo
demais aqui dentro. Vou embora. Se Solovro quiser ficar mais tempo, que fique.
Eu já enchi o saco.
Ele levantou–se.
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Nascer como destruidor é uma bênção e uma maldição. Você sabe que não
terá mais paz na vida. Por outro lado, a paz fica muito monótona depois de um
tempo. Entender isso faz com que ter sangue de destruidor transforme–se em
símbolo de status, poder e diversão extrema.
Tive esse mestre extraordinário que me contou muitos segredos. Até então,
uma porção esmagadora da MGM era passada oralmente. Ele me ferrou
bastante com duros treinamentos. Isso só fez com que o fogo dentro de mim
ardesse mais forte e queimasse até as dimensões do meu espírito.
Na magia existem muitos temas polêmicos, tópicos controversos e não há
apenas um jeito correto de fazer as coisas. Por isso, se alguém espera encontrar
algum livro com uma definição exata e absoluta do que é a magia, a alma ou
uma dimensão, está somente caminhando em círculos. É válido debater e é
válido fazer. Mas por mais que você fale ou faça, jamais alcançará a resposta
correta e definitiva.
Algumas vezes um ensinamento é a chave para a ocorrência de uma prática
extraordinária. O contrário também é verdadeiro. Pessoas brincam com palavras,
com a lógica, com o corpo, com a alma. Existem diversas maneiras de brincar.
Quem sabe tudo seja apenas uma grande enganação. Ou pode ser que até as
mais ingênuas brincadeiras sejam sérias, se geram sentimentos fortes.
O problema é quando se atribui valores. Essa é uma grande prisão. O
importante é funcionar: que a magia te traga felicidade, êxtase ou algum efeito
foda que, no fundo, não fará a mínima diferença para a ordem do universo.
Portanto, o verdadeiro significado de uma magia “funcionar” é ocorrer uma
mudança interna. O que acontece lá fora sempre foi irrelevante.
Tudo isso eu aprendi com meu mestre. Eu ficava frustrado quando não
conseguia traçar um selo que gerasse um corte no meu adversário, para que
escorresse o sangue. Então ele me perguntava:
– Por que você quer ver o sangue?
E eu respondia, impetuoso:
– Para que eu me sinta foda. Para que as pessoas vejam que minha magia de
fato funciona e me admirem.
– Então você não está preocupado se sua magia funciona ou não. Está
interessado no que os outros irão pensar de você. Mas você já parou para pensar
que aquilo que você supõe que os outros acham de você é apenas reflexo de seu
próprio pensamento? Nunca é o que elas pensam de fato. No final, toda a
existência que seus olhos veem é apenas uma suposição dentro de sua mente.
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Morte final. Eu engoli em seco. Eu ainda tinha muita vida dentro de mim,
como diziam os veteranos. Ainda temia demais a morte. Eu compreendi. Queria
fugir. Mas seria muita covardia.
– O que foi, Cazkinha? Por que está aí parado, tremendo? Está com medo
que eu arranque seu pau, como fiz com seus amigos?
Eu me senti ofendido.
– Não a temo, Baba. Eu sou o autor do GGM. Não há meios de me destruir.
Eu sou o discípulo do reverendo Ceah.
– Teu mestre está morto. Morreu de velhice, há dois meses.
– Bem sei. Mas seus ensinamentos vivem comigo. E seu poder.
– Tu ainda estás psicologicamente abalado com a morte de teu mestre. Não
lutarás com toda a tua força. E mesmo se lutasse, perderia. Ceah iria se
desapontar se soubesse que escreveste aquela merda de GGM, distorcendo os
ensinamentos dele.
Dessa vez eu me enfureci de verdade. Desejei matar aquela vaca.
– No meu grimório passo minhas visões de mundo e não as de Ceah. Não
sou uma cópia mal feita dele. Sentirás na pele o peso dessa verdade quando eu
arrancar as tuas tetas e mastigá–las, Baba!
– Tu estás morto, Cazka: 100%. Eu vejo o futuro da tua carne putrefata em
minha boca.
Avancei, como haveria de ser. Eu não iria deixar de graça.
Tracei dois trapézios e os projetei. Meu tetraedro riscou o chão, mas eu não
fui capaz de conceber uma trilha de selos.
Que estava acontecendo? Eu estava com medo de Babajali? Ela era uma
criança. Mas eu não conseguia lutar com todas as minhas forças.
– Vlebre, concentre–se. Eu posso acabar com o maligno dela. Mas você
deverá cuidar do corpo.
Meu maligno estava confiante. Era uma confiança que eu não sentia em mim.
Mas, se no fundo eu era ela, seria capaz de ser o vencedor daquele duelo
fascinante e macabro.
O suor descia. Adrenalina ao extremo. Meu coração já atingia 98%: batida
magnífica. Todos os meus selos tinham a cor negra.
O suor pingava...! A chuva dentro de mim. Maldição! A vaca forte mugia.
Ela ria do meu evidente nervosismo, que eu não era capaz de esconder.
A maga saltitava. Ela colocava a cabeça para os lados, agitando os cabelos
crespos e cheios, gargalhando. Como uma bruxa insana e traiçoeira. Só queria
matar e matar.
– Cheiro de morte dentro dela.
Tinha a pele negra. E que cheiro bom que emanava daquele corpo: sangue,
carne e coragem. Eu queria aquilo em mim.
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Fábula dos Gênios
– Geme mais, Vlebre Cazka. Seu corpo é meu e farei tudo o que eu quiser
com ele.
– Mulher burra! Você vai morrer se fizer isso comigo vivo. Não somos
ligação, cacete!
– Eu não me importo. A vida sempre foi um jogo. Eu vou diminuir cada vez
mais a sua porcentagem de vida. Dessa forma, posso brincar um pouco mais
antes de te conceder a bênção da morte.
Ela foi descuidada. Estava tão confiante, que não viu quando meu maligno
pulou numa dimensão e enrolou–se ao braço dela. Minha Peowril decepou o
braço da putinha. Aquele mesmo com que ela me masturbava.
– Merdaaaaaaaaaa!!
Ela gritou. Levantou–se e me chutou no rosto.
– Morra por isso, Cazka!
E ela teria me matado imediatamente. Mas alguém veio por trás dela.
Arrancou–lhe os seios e atravessou–lhe um selo fino pela barriga, empalando–a.
Baba caiu morta na hora, tendo seu maligno destroçado.
Era Sassa Soma. Ela fez isso em um breve instante. Como se não fosse nada.
Ela aproximou–se de mim. Sentou–se ao meu lado.
Que humilhação ser visto por Soma naquelas condições. Eu cuspia sangue,
de tão quebrado e acabado.
– Parece que te salvei. Não irá violentar o cadáver dela, como você faz com
todas as mocinhas que mata?
– Não estou a fim.
– Mentiroso. Não consegue sequer se levantar. Fica posando de poderoso,
mas hoje você perdeu.
– E você irá espalhar a notícia da minha derrota por todos os cantos de
Desmei, estou certo? E contará que me salvou, para ter a glória.
– Incorreto. Eu irei te matar também, para ter dois troféus.
Ela esfolou a barriga de Baba e costurou a pele no próprio manto. Era muito
habilidosa com linha e agulha. Larga experiência.
– Você é o próximo, Cazka. Prepare–se. Vou esfolá–lo vivo.
Ela arrancou um pedaço da pele da minha perna. Eu gritei. Puta merda! Era
a primeira vez que alguém levava uma porção do meu couro como troféu.
Humilhação extrema. Superava a dor.
– Que corte feio na perna. O que pretende fazer sobre isso?
– Não é da sua conta, Soma. Você ferrou a minha perna ainda mais. Mate–
me ou suma daqui.
– Você já fodeu com sua ligação, Cazka?
– Eu odeio minha ligação. Somente iremos trepar aos 20 e poucos anos para
gerar o terceiro gênio e irei matá–la em seguida.
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– Então você somente transou com cadáveres até hoje? Não conhece o
calor do corpo de uma mulher. Você é virgem de vida. Alguém já fez isso a
você?
Ela abaixou–se e chupou meu pau.
Eu não esperava isso de Soma. Eu sentia uma sensação estranha, que nunca
havia experimentado antes.
Confesso que eu tinha uma forte atração sexual por Sassa Soma. Mas eu
nunca a havia visto sem capuz antes. Ela baixou o capuz para fazer aquilo.
Ela tinha cabelos negros e lisos, ligeiramente embaraçados. Quando vi o
rosto dela e os cabelos, aquilo gerou em mim tanto prazer como se eu a tivesse
visto nua.
Mas eu não vi o corpo dela. Ela estava completamente coberta com seu
manto putrefato. Ela pensou que estava me torturando ao fazer aquilo. É
verdade que senti muita irritação quando Baba masturbou–me contra minha
vontade, pois eu repudiava aquela puta. Mas quando Soma fez aquele boquete,
eu não senti raiva. Era apenas prazer.
Mas ela logo interrompeu o que fazia. Largou–me. Ao beijar ou transar com
alguém que não era nossa ligação havia um risco elevado de morte. Mas mesmo
toques, principalmente toques intensos como aquele, enfraqueciam o mago.
Sexo oral não gerava tanto risco de morte, mas eu notei que Soma sentia–se tão
enfraquecida que já não conseguia levantar também.
Ela sentou–se ao meu lado de novo, respirando rápido. E olhou para mim.
Eu não consegui explicar o motivo, mas não aguentei o olhar dela. Eu jamais
imaginei que ela fosse fazer aquilo. E, mesmo agonizando, eu gostei pra
caramba.
– Soma, me mate desse jeito. Eu vou gostar.
– Não parecia estar gostando quando Baba te tocou.
Eu segurei Soma e abracei–a, tentando beijá–la. Mas ela não permitiu.
– Que agradecimento desgraçado depois de eu salvar a sua vida, Cazka.
Eu sentia minha parte animal me possuindo com violência. Mesmo
sangrando como uma besta ferida, eu tive uma ereção e naquele instante tudo o
que eu queria era possuir Soma. Mesmo que aquilo destruísse minha vida.
Eu cuspi meu gênio. Tracei selos negros, acelerando meu coração em batida
magnífica. Aquilo pegou Soma de surpresa.
Eu tentei feri–la. E consegui.
Coloquei meu corpo por cima do dela, mesmo com a perna empapada de
sangue. Agarrei–lhe com violência e tentei pegá–la por trás. Eu estava louco. Eu
precisava daquele corpo. Eu bufava como uma fera, antecipando o prazer
daquela foda.
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Quando tentei passar as mãos nos seios dela, por cima do manto, ela
simplesmente tirou a minha mão e disse, firmemente:
– Cazka, não seja infantil. Não estou a fim de me matar junto contigo.
E, com aquelas palavras, eu me senti apenas uma criança tola. O olhar que
ela me lançou era o de uma mulher séria e madura. Eu, por outro lado, era
apenas um menino bobo com vontade de foder, para seguir os meus instintos.
Ela era inteligente. Pensava bem, raciocinava com cautela. Diferente de mim,
que tentei agir por impulso, para ter prazer imediato.
Ela me desejava, mas não tinha qualquer sentimento por mim. Ao perceber
isso, eu corei, porque notei que ela podia interpretar meu ato como sentimentos.
Senti–me constrangido com a negação dela. Baixei os olhos e notei que eu
estava nervoso para me dirigir a Soma.
– Você gosta de mim, não é?
Quando ela perguntou isso, percebi que eu entreguei o jogo. Eu não queria
que aquela situação incômoda continuasse.
Ela tinha mais poder que eu. Escreveu um grimório melhor que o meu. Foi
como me derrotar em batalha, matando minha adversária. E, para coroar minha
condição infeliz, naquele instante eu percebi que eu não somente a desejava,
mas a admirava profundamente, de uma forma que excedia o mero respeito.
Antes eu pensei que a odiava. Que eu a invejasse. Mas isso não era verdade.
Ela não esperou minha resposta. Apenas deu um leve sorriso e levantou–se.
Foi embora.
Com aquele sorriso, ela mostrou que possuía poder completo sobre mim.
Não somente sobre meu corpo e meu gênio, mas também sobre meu coração.
E, para completar, notei que ela ficava linda quando sorria. Era a primeira
vez que eu contemplava o sorriso de Sassa Soma. Vê–la sorrir foi como prender
meu coração com correntes e cadeado. Esse meu coração que já estava
encarcerado.
Desde esse dia, sempre que eu via Soma eu sentia essa sensação maravilhosa
e terrível. Eu preferia que ela tivesse me matado, fosse com sexo, com selos ou
com seu maligno.
Eu fantasiava como seria o corpo daquela poderosa mulher por baixo
daquele manto pesado. Mas eu jamais vi o sorriso dela de novo. Então, o meu
desejo mais sincero só podia ser que ela sorrisse novamente. Um desejo ingênuo.
Eu era um destruidor. Eu tinha orgulho disso. Mas eu não tinha orgulho de
amar, porque era algo que eu não compreendia.
Trepei com minha ligação pouco antes dos meus 21 e foi gerado o terceiro
gênio. Soma também transou com sua ligação: com o príncipe. Eu tive um filho
e ela uma filha. Eu invejei o príncipe. Queria que aquela filha fosse minha.
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E, como prometi, matei minha ligação logo após meu filho nascer. Por que
eu fiz aquilo? Eu não queria depender daquela mulher para aumentar o meu
poder. Não desejava batalhar ao lado dela, porque para mim ela não era nada.
Eu não queria depender de ninguém. Ia ficar cada vez mais forte por meu
próprio mérito.
Quando alguns de nós fomos selecionados para participar da Missão dos
Deuses, eu não fiquei satisfeito. Eles não queriam enviar os veteranos, pois
consideravam essa questão pequena, como sempre. Os sábios das montanhas
não ligavam para guerras. Nem se importavam. Já eram muito “sábios” para
considerar relevantes os acontecimentos do corpo de carne. Talvez fossem
mesmo.
Eu ainda curtia uma batalha e uma aventura. Topei participar, embora fosse
desagradável lidar com os construtores. Só queria que tudo aquilo terminasse
logo e eu pudesse retomar meu treinamento em Desmei. Eu já não via a menor
graça em me exibir para pessoas fracas.
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Quando fui para o próximo chá da Armana, senti que estava tudo muito
artificial. E Tirupa não estava presente, pois havia sido expulsa de Jinas. Para
completar, as garotas estavam espantadas ao descobrir que Qah era mulher e
que tanto Krashkah como Hparral eram destruidores.
Eu também me espantei ao saber que a Kah era destruidora. Se Werda ainda
fosse líder da Vibri, tenho certeza de que ela iria expulsar Krashkah
imediatamente por causa disso. Mas Naridana não o fez.
Derida subitamente apaixonou–se por Hparral ao saber que ele tinha sangue
de destruidor. Era difícil entender aquelas garotas.
No fundo eu estava contente por não estar mais perto das moças
apimentadas da FV. Estar com a princesa e com as amigas meigas dela era
muito mais tranquilo.
Mas havia momentos em que eu não achava isso. Werda dizia tudo o que
queria e me xingava quando desejava. Aibara, por outro lado, apenas me lançava
olhares misteriosos que eu não conseguia desvendar. Aquilo me fazia sentir
desconfortável. Eu não sabia o que se passava na cabeça dela.
– Mais chá de framboesa, Zie?
– Sim, por favor.
Elas estavam sorrindo pouco naquele dia. Elas não falaram mal de mim.
Não me trataram mal. Mas aquela atmosfera me perturbava.
Resolvi sair mais cedo da reunião. Eu sabia que elas falariam de mim nas
minhas costas depois que eu fosse embora.
Comprei uma caixinha de suco de gengibre no refeitório e fui até o pátio.
Sentei–me num banco e fiquei por lá, fitando o céu.
***
– Meu, essa história de a Kah ser uma destruidora ainda está me deixando
meio cabreiro. Terei uma conversa séria com ela sobre isso no próximo
encontro entre as universidades.
– Em vez de ficar intrigado com algo assim, acho que devíamos tentar
conversar com Solovro mais vezes. Para termos mais chances de participar da
missão...
– Ele realmente parece um cara bacana. Diferente do outro, o Cazka, que
tem um ego maior que o do Mino.
– Ao menos sou uma pessoa sociável.
– Deixem os destruidores em paz, galera... vocês sabem que é perigoso estar
com eles.
– Está com medo, cagão?
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– Sim. Para nós, é o cheiro de vocês que parece estranho. Muito artificial,
cheio de produtos químicos sintéticos.
Isso explicava porque eles aguentavam vestir aquele manto cheio de peles e
pedaços de cadáveres. O gás abafava um pouco o cheiro e o modificava.
Tudo neles funcionava de forma diferenciada. Eles percebiam o cheiro de
forma diferente de nós. O paladar também era alterado, para suportar carne
humana podre e vegetais velhos e cheios de terra. Eles escutavam sons que os
construtores não percebiam. A visão também abrangia uma extensão maior do
espectro de luz. E até mesmo o tato captava detalhes imperceptíveis para nós.
Tudo isso Solovro nos contou ou conseguimos perceber através de nossa
breve convivência. Era realmente fantástico ter um destruidor como amigo.
Aquilo estava expandindo minha visão do mundo e da magia.
– Isso explica como seu corpo e seu gênio conseguem alcançar dimensões
invisíveis para nós. Nossa mente não alcança algumas direções.
– Eu tenho um maligno, mas não sou capaz de despertar poderes psíquicos
fortes. Que merda. Somente raspo alguns deles de vez em quando.
– Você deve perder o medo de tornar–se uma dimensão.
Solovro às vezes era engraçado mesmo sem tentar ser. Da última vez ele
havia enchido a comida de pimenta. Esvaziou quase o vidro inteiro na comida e
não conseguia sentir. Ele fazia combinações estranhas de alimentos, como jogar
a bebida por cima da comida. E alguns alimentos que considerávamos deliciosos
ele achava horríveis.
– Tira teu capuz aí, meu.
– Não há razão para isso.
– E depois são os destruidores que criticam nossa racionalidade.
– Deixa de frescura, porra. Já te vi sem capuz lá no hospital, cacete.
Eu baixei o capuz dele, só pra zoar. A expressão com que ele me fitou...
pensei que ele fosse me matar a qualquer instante. Senti um frio horrível na
barriga. Merda, que sensação violenta de nervosismo.
Mas a sensação passou rápido quando percebi que ele não estava irritado e
sim sem jeito. Nossa, que surreal. Eu jamais esperaria isso de um destruidor,
mas eu já havia notado há algum tempo que Solovro ficava meio tímido ao estar
conosco. Ele apenas tentava disfarçar. Mas sem o capuz isso ficou evidente.
Dessa vez até Colmon riu e ficou mais tranquilo.
– Que é isso, velho. Relaxa.
Colmon passou um braço pelas costas dele. Depois embaraçou os cabelos
de Solovro, que tentou se desvencilhar de Colmon.
– Sai, pau no cu.
Mas ele falou isso sorrindo. Solovro era um companheiro da hora. Estava
até aprendendo nossos costumes.
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– Eu sou mais forte que ele. Contudo, Solovro ostenta o poder político. Ele
tem inclusive o poder de me banir de Desmei. Não desejo ficar longe de meu
povo. Não me ferre, Eopala. Senão eu te ferro, a ferro e fogo.
– Já entendi, meu! Pode me soltar?
Ele obedeceu. Lançou–me um olhar assassino antes de se retirar.
Mas eu já não pensava mais na ameaça. Assim como Cazka, eu estava
pensando mais com o cérebro de baixo do que com o de cima. Imediatamente,
desejei Soma. Era um prêmio perigoso. Talvez fosse divertido exatamente por
isso: tê–la iria despertar a ira de dois destruidores. Sem contar com a ira da
própria Soma, que, segundo Cazka, era ainda mais terrível.
– Senhorita Soma!
Consegui pará–la no corredor. Felizmente, o diálogo com ela prometia ser
frutífero, já que ela também entendia perfeitamente o creemah.
– O que você quer, construtor?
Ela era ríspida. A forma com que ela pronunciava o termo “construtor”
expressava profundo desagrado.
– Eu gostaria de convidar a senhorita para visitar a sede da Fagenar Vibri.
– Não tenho interesse.
– Precisamos debater um assunto de importância vital.
– Diga–o agora.
Droga. Que mulher astuta e irritante. De que adiantava ser bonita, poderosa
e inteligente se ela era insuportável? Tão metida. Tão cheia de si... precisava
mesmo de uma punição.
Os destruidores eram mesmo odiosos. Precisavam ser humilhados de vez
em quando para perder aquela pose. Para parar de nos fitar de cima...
– Há um grimório extremamente poderoso e antigo em nossa biblioteca.
Mas ele está muito velho, com as páginas despedaçando. Preciso te levar até a
sala da Vibri para que possa analisá–lo. Prefiro não movê–lo de lá para não
danificar o material.
– Pois guie–me até lá. E seja rápido.
Ela acreditou na história que inventei. Eu sabia que ela se sentiria
intelectualmente estimulada se eu mencionasse um grimório misterioso. Afinal,
ela era autora de um dos mais famosos grimórios. Seguir–me não era uma
escolha. Ela desejava ver aquilo. Aquele grimório que nem mesmo existia...
Borrai abriu a porta da sala da Vibri. Estranhou a visita.
– Madame Soma! Que honra!
Eu não sabia se o idiota estava sendo sincero ou irônico. A verdade era que
os construtores realmente admiravam os destruidores. Que palhaçada... até
mesmo eu, confesso. Mas eu os invejava mais. Eu não admitia que houvesse
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Fábula dos Gênios
seres tão mais fortes que eu. Precisavam ser pisados e eliminados. Mesmo que
fosse através de um truque sujo.
O pessoal se levantou quando Soma entrou, como se ela fosse uma rainha.
Está certo: no fundo ela era a rainha, por ser a esposa de Solovro. Imaginei que
fosse assim.
Mas a galera não tinha se erguido quando Solovro e Cazka nos visitaram.
Que era aquele respeito extremo? Eles achavam Soma tão incrível assim? Era
por ser a autora do AM? Ou porque Cazka afirmou que ela era mais forte que
ele?
Assim como Cazka, ela não queria se sentar. Aguardava de pé que eu
entregasse o tal grimório. Parecia mais impaciente que Cazka e não se sentiu
nem minimamente intimidada por estar numa sala cheia de construtores.
– Senhorita Soma, poderia autografar o meu Arcano da Morte?
Aproveitei a distração ridícula que Hparral gerou para preparar um grimório
fictício. Alcancei o livro mais acabado de uma pilha de grimórios sujos e
irrelevantes. Adicionei a ele um pó especial, que era uma mistura de canela e
outros condimentos que Solovro particularmente odiou. Com isso descobri que
destruidores eram sensíveis a eles.
– Você está brincando, certo? Não possui orgulho como construtor?
– Eis o grimório do qual lhe falei. Abra a primeira página com rapidez, pois
há um selo mágico nela.
Entreguei o livro para Soma. E ela caiu no meu truque como um patinho.
Mal dava para acreditar.
Quando ela abriu a primeira página, minha mistura de canela atingiu o seu
rosto. Assim que ela aspirou aquele ar diretamente, desmaiou de imediato.
– Opa! Nem mesmo eu poderia prever que o efeito seria tão maravilhoso!
Abaixei–me e segurei Soma. Coloquei–a deitada no sofá. Baixei o capuz dela,
para que os demais contemplassem.
– Muito gata, velho!
– Por que você a fez desmaiar, Mino? Não tem um pingo de honra?
– Eu não poderia vencê–la numa batalha de magos.
– É melhor acordá–la logo ou tirá–la daqui. Ela vai te matar quando
descobrir o que fez.
– Eu espirrei canela no rosto dela. E daí? Só queria sacaneá–la e mostrar que
sou um cara esperto.
– Ela não parece do tipo que aprecia piadas.
– Isso que você fez não foi nada esperto, mano. Se o Solovro descobre, a
gente tá fodido.
– Tem uma gatinha destruidora desmaiada na nossa frente e tudo o que
vocês sabem é criticar o meu feito glorioso de tê–la trazido aqui para nós?
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– Não me diga que pretende roubar o maligno dela. Você já tem um. Quer
possuir três gênios? Isso é possível?
– Eu não havia pensado nisso. Que excelente ideia!
Eu me debrucei no sofá para observá–la mais de perto. Eu precisava abrir os
lábios dela para tentar retirar o maligno.
– Meu, saca só essa elevação no manto dela. São os peitos! Que gostosinha.
Que comentário imbecil. Mas aquilo mexeu comigo. Bastou que ele
pronunciasse a palavra “peitos” que eu já senti meu caralho pulsando.
Eu também notei o volume que havia no manto verde e marrom dos
destruidores. Senti uma vontade louca de pegar nos seios de Soma. Mas... eu
tinha certeza de que eu não viveria se ousasse fazer aquela merda. Alguém ia
ficar sabendo. Havia uma platéia com boca grande para entregar o meu couro
para os destruidores.
– Você não disse que a fonte da magia são os peitos, mestre? Eis nossa
motivação filosófica, apoiada por um cálculo exato. Ela está desacordada.
Poderíamos tirar uma parte do manto dela, para ver os peitinhos. E quem sabe
brincar um pouco. Enfiar uma vara na buceta dela...
Quando Hparral tentou colocar a mão nela, Somoyol avançou e deu um
soco na cara dele.
– A tua mulher não te dá prazer suficiente, seu degenerado?
– Derida me odeia...
– Ah, agora vem se fazer de coitadinho. Mino é outro que vive reclamando
das frescuras de Krashkah. A gente tá quase em guerra, cacete! Pode estourar
uma guerra contra os Deuses. Vocês tão a fim de provocar outra porra de
guerra contra os destruidores pra nos ferrar ainda mais... por sexo?!
– Guerra e sexo são as melhores coisas que existem.
– Com todo o respeito, mestre, se gosta da morte, então apenas se mate. Eu
ainda pretendo ficar vivo por mais tempo, para estudar magia. Essa “mocinha
inocente” aí deitada tem o poder de reduzir nossa universidade inteira a pó em
um segundo. E você sabe disso.
– Se querem tentar roubar o maligno dela, apenas façam isso. Solovro nos
contou que eles somente possuem o corpo de outros destruidores após matá–
los em batalha. Ninguém aqui venceu Soma para ter o direito sobre o corpo dela.
Então não deem uma de idiotas. Não façam coisas desnecessárias.
Eu desisti de argumentar. Coloquei meus dedos na boca dela, para tentar
entreabrir os lábios.
– Eu sinto o maligno. Nossa, que bafo terrível que ela tem. Eu não toparia
comer essa mina não.
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– Sabe quem é que tava pegando tua mulher ontem de manhã, rapaz? O
Cazka! Ele mesmo! Teu amigo da onça!
A expressão que Solovro fez me disse tudo. Eu pensei, satisfeito: “agora o
pau vai quebrar”.
Ele foi atrás de Cazka imediatamente. Eu o segui e chamei a galera para
assistir, anunciando que teríamos uma briga muito boa pela frente.
Sinceramente, não entendi nada do que os dois disseram. Eles bateram boca
em dezkazil, mas ambos pareciam muito zangados.
Até que Solovro lançou um selo cinza na direção de Cazka. O pessoal soltou
exclamações impressionadas. Cazka não foi atingido, mas precisou se defender.
Os dois gritaram mais. Até que o pau quebrou pra valer, sob uma salva de
palmas.
Solovro usava selos cinza, para a batida intolerável. Cazka optou pelos selos
de cor negra, da batida magnífica. Um em 2% e o outro em 98%. Batidas
diametralmente opostas, espelhadas. Isso só podia significar uma coisa.
– Eles vão virar!
Sem cubo, sem nada. Mexeram diretamente na dimensão e a porcentagem
de um passou para o outro. O pessoal vibrou quando isso ocorreu.
Logo, estavam em 1% e 99%. A galera carregava eletrocardiógrafos e folhas
quadriculadas, registrando tudo. Quando chegaram em tal porcentagem, houve
mais gritos.
Os selos deles racharam o chão. Porra! Trilha de selos fantasmagórica e
fantástica. Fantasmagórica porque não conseguíamos enxergar os selos. Aquilo
era material secreto do AM: os selos fantasma eram aqueles que somente o
mago que os lançava via. Ou outros magos fodas que eram capazes de
interpretar os padrões de selos conforme a ressonância e os resíduos de miasma.
Aquilo era impossível para leigos, ou mesmo para a maioria esmagadora dos
construtores.
E a trilha era fantástica porque expressava fantasia: não era uma trilha real,
mas somente um reflexo dimensional. Somente se tornava real quando o mago
não era capaz de utilizar o Aforismo Reverso de Cazka: transformar a verdade
em mentira. Mas, porra, era o próprio Cazka quem estava lutando! O inventor
dos aforismos.
Aqueles merdinhas nem mesmo se dignaram a traçar selos de proteção. Já
saíram atacando, os bastardos! Quem não traçava selos de proteção eram
somente dois tipos de magos: ou os iniciantes burros ou caras que já estavam
tão avançados que nem se preocupavam mais com defesa, por se julgarem
invencíveis. Era muito simples definir qual era o caso ali.
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Ou seja: ninguém era capaz de captar a batalha real que ocorria nas outras
dimensões. Somente acompanhavam as batidas dos dois e imaginavam. O
próximo a rachar foi o teto.
– É melhor eles pararem. Essa bagunça imensa nas dimensões pode alterar
até as leis da física, sabia?
– Até parece, covarde...
No segundo seguinte, todos nós estávamos flutuando. Beleza! Mas logo
aquilo parou e todos nos espatifamos no chão.
Até que os dois se cansaram de brincar com selos. Ou a brincadeira estava se
tornando perigosa demais sem gênios. Os dois chamaram seus malignos.
Aqueles eram os gênios mais gigantescos que já fitei. Muito maiores que um
ser humano. E aquelas formas! O que era aquilo? Um adversário poderia morrer
de susto apenas ao fitar aquelas magníficas bestas da morte.
Minha percepção dos sentidos estava se alterando. Ouvi um urro que quase
me fez ficar surdo. Algumas formas ao meu redor se distorceram e fiquei tonto.
Até que Sassa Soma chegou para acabar com a festa. Deu sermão nos dois,
que interromperam a briga. Mas eles não interromperam somente porque ela
pediu. Soma lançou um selo fantasmagórico que deixou os dois paralisados. O
próprio Cazka ajoelhou–se e soltou sangue misturado com miasma pela boca. A
galera gritou mais quando isso aconteceu. Puta merda!
Eu não saberia descrever ao certo o que ocorreu naquela batalha. Somente
pude sentir que foi incrível.
– Os construtores estão fazendo vocês dois de idiotas. Eopala armou tudo
isso, para que vocês se confrontassem e se matassem.
– Então eu vou matá–lo agora, para que não nos cause mais problemas!
Cazka lançou um selo negro na minha direção. Eu só consegui enxergá–lo
quando já estava muito próximo. Eu seria partido ao meio. Foi tão rápido que
nem deu tempo de ficar nervoso. Ah, moleque!
E não é que eu fui salvo? Por uma mulher. Por que Jins ficou cheio de
mulheres de repente? Certamente alguém avisou a galera de Jinas sobre a briga.
Os dois campus ficavam muito próximos. Foi o tempo suficiente para que
minha salvadora chegasse: ninguém menos que Brisgrar Valonde. Aquela que
um dia julguei uma vadia, de repente se tornava minha heroína!
Sua aparência era inconfundível: blusa social branca e saia negra. Sapatos
vermelhos de salto alto. Cabelos presos num rabo de cavalo. Óculos de aros
pretos.
– Não se meta, Valonde. Essa briga é minha!
– Eu não permito que matem meus alunos, Cazka. Você prometeu se
comportar aqui dentro.
364
Fábula dos Gênios
– Você sabe tão bem quanto eu que só lancei esse selo para assustá–lo. No
máximo arrancar–lhe um braço. Mas o próximo selo será pra valer se você não
sair da minha frente!
– Pois ouse, menino! Vamos ver se tem tanta habilidade com as mãos como
tem com os insultos naquela sátira mal feita que chamou de grimório.
Cazka sorriu. Essa briga ele queria. E nem precisou comprar. Teve de graça.
Ele traçou sua trilha de selos invisível. Ele pensou que seria fácil lidar com
Valonde, mas enganou–se: ela usou técnicas só nossas.
Uma explosão! Valonde usou a Técnica de Fios. Mas os cabelos dela eram
completamente negros!
Eu entendi: ela utilizou a cor negra para colorir os cabelos, para ocultar a TF.
Um golpe de mestre.
Aquele começo de luta já intimidou Cazka o suficiente. Ele já estava com
energia limitada depois do ataque de Soma. Agora ele estava com um corte na
testa.
– Filha da puta...!
– Vlebre, fica frio! Já chega.
E foi o bastante. Cazka teve que parar, pois depois daquela estava sem
condições de duelar. Foi direto para o hospital.
Depois daquela merda que esse que vos fala causou, houve uma reunião de
urgência. Os professores constataram que era melhor anteciparem a data para a
realização da Missão dos Deuses, pois poucas semanas de convivência entre
construtores e destruidores já havia gerado um belo estrago.
No dia seguinte, entrevistaram muitas pessoas. Até eu fui entrevistado,
embora eu tenha sido xingado pra valer e visse com clareza que minha chance
de ser convocado era praticamente nula.
Mais dois dias depois, eles já tinham a lista definitiva dos membros para a
missão.
Pensei que o príncipe e a princesa dos construtores, assim como nossos
professores, especialmente Yym e Valonde, iriam junto. Mas isso não
aconteceria.
Além dos quatro destruidores, eles selecionaram quatro construtores: três
moças e um rapaz. Ou seriam duas moças e dois rapazes?
Krazie. Krashkah. Naridana. Somoyol.
Critérios de seleção? Boas notas, comportamento exemplar, elevado poder
mágico, alta sensibilidade energética.
Logo que os nomes foram anunciados, o pessoal das outras universidades
começou a reclamar por só terem selecionado estudantes de Jins e Jinas. Ora,
isso já era esperado. A busca em outras universidades não passou de mera
formalidade.
365
Wanju Duli
***
Não precisei empacotar muitas coisas. Pelo jeito aquela viagem não ia durar
muito. O que mais me intrigava é que ninguém falava sobre a volta. Resolvi
ignorar esse detalhe. Se aquela fosse mesmo uma missão suicida, parecia
bastante lógico salvar o príncipe e a princesa. De quebra, já iam se livrar do rei
dos destruidores, que era o que tanto queriam.
– Podem tentar se livrar de mim. Eu deixei uma filha em Desmei, que irá
gerar mais descendentes. Os construtores não irão destruir nossa linhagem
facilmente.
– Eu te matei naquele dia, cara. Você que é teimoso e não morre nunca,
Solovro.
– Fico feliz de saber que se eu morrer nessa missão, você vai junto, Naridana.
A propósito, Sassa, poderíamos fazer mais uns filhos para que diminuam as
chances de acabarem com nossa linhagem.
– Isso é desnecessário. A princesa será forte. Ela possui meu sangue.
– Eu sinceramente não entendo os destruidores. Vocês agem como pessoas
quase normais quando conversam. Mas quando lutam são selvagens. Por que
não apreciam o cálculo?
– Vocês inventaram os malditos números. Podem lidar com os problemas
que criaram com eles e se divertir com isso. Eu mato o primeiro que me desafiar
a resolver um desses cálculos estúpidos de aplicação filosófica fraca.
Acho que mentiram. Aquela viagem de navio seria beeem longa. Já não era
questão se sairíamos vivos de Samerre, mas se chegaríamos vivos lá.
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Fábula dos Gênios
Resolvi aproveitar que estávamos todos reunidos e abri uma garrafa de licor
para oferecer a todos e celebrarmos, enquanto contemplávamos as estrelas. Mas
Cazka negou a oferta.
– Além de jogar, os construtores só sabem fazer festa e se embebedar. Eu
aceito uma taça somente na volta. Como estão assim, despreocupados? Ou já
aceitaram a morte? Treinem, preguiçosos! Montem selos, realizem mergulhos
dimensionais, vadios!
– Estou treinando. Sempre.
Krashkah mostrou o caderno. Cazka desejou olhá–lo.
– Lápis.
Ele corrigiu rapidamente algumas imprecisões em selos daquela página e
devolveu o caderno para Krashkah.
– Senhor, você cometeu um erro.
Ela comparou o selo que Cazka desenhou com o gráfico que ela mesma
tinha construído. Cazka concordou e arrumou.
– Cazkinha cometeu um erro? Não acredito! Sendo corrigido por um
construtor? Que vergonha! HÁ, HÁ, HÁ!!
– Cale–se, Jrass. E não me chame dessa forma. Isso me traz lembranças
extremamente desagradáveis.
– Que lembranças? De quando a garota destruidora pegou no seu pau?
Cazka lançou um olhar mortal para Soma quando Mufita disse isso. Soma
tapou a boca com o capuz, de onde estava sentada. Parecia estar segurando o
riso.
Cazka ficou brabo e se trancou na cabine.
– Bando de putas fofoqueiras.
Foi o que ele disse antes de se trancar lá. Em creemah, para todos
entenderem.
– Que história é essa? Não estou sabendo.
– Melhor não saber, Vossa Majestade. A propósito, minha citação favorita
do GGM é: “Por que esse grimório é tão maravilhoso? Porque eu sou lorde
Cazka e madame Valonde é uma vadia”!
Ela gargalhou ao dizer isso. Levantou a taça de licor para o alto, abriu a boca
com a língua pra fora e derramou todo o conteúdo. Depois disso, ela lançou a
sua taça no chão do convés e quebrou–a. Solovro lançou a sua no mar.
Cara, ainda bem que eu não convivia com destruidores. Seria um pesadelo.
Se o próprio rei dos destruidores e os outros letrados faziam aqueles absurdos,
eu nem queria imaginar como o “povão” de Desmei se portaria.
– Chiclete?
Krazie ofereceu para nós chicletes de diferentes sabores. Eu recusei.
– É mesmo, você está sem seu gênio! Mas e aí, como vai batalhar?
371
Wanju Duli
– Fui escolhido para essa missão pela minha habilidade de enxergar a cor das
auras das plantas. Vocês terão que me proteger.
– Eu não vou te proteger. Vou te deixar morrer.
– Obrigado, senhorita Jrass. Já será de grande ajuda você não me matar.
Nós dormimos lá mesmo deitados no chão do convés, fitando o mar de
estrelas; ou o céu de peixes brilhantes. E, por um momento, pude compreender
as palavras de Solovro: como era conectar–se com a vida vivendo–a ao ar livre,
sem se esconder entre paredes de concreto.
Na manhã seguinte eu soube que iríamos fazer uma parada em Tecraxei, o
país da tecnologia, em busca de um artefato: um vaso de cerâmica no qual havia
um sensor eletrônico embutido. Precisaríamos dele para localizar certa planta na
floresta de Samerre, através da medição de águas.
– O nome do artefato é Vaso de Chuá. A planta que buscamos é a Orquídea
de Chuá.
Pelo jeito, só tinham confiado os detalhes da missão para Naridana, que era
a líder do grupo.
– Que porra é essa de Chuá?
– É o som da sabedoria e perfeição, quando o cristal do gelo se rompe e
surge a água para saciar a sede. Nesse caso, a sede pelo conhecimento.
– Devíamos pegar mais comida em Tecraxei. Eles são famosos pelos
docinhos de silício com merengue!
– Eu digo que precisamos de mais equipamentos mágicos para proteção e
ataque. Vamos nos foder na floresta de Samerre, com as mãos vazias.
– Pois eu digo que deveríamos pisar nessa merda de país de uma vez e em
seguida dar o fora.
– A floresta de Samerre é chamada “Rainha Verde Gelo”.
– Ninguém perguntou como se chama a floresta, construtora.
– Não seja rabugento, Cazka. Conhecimento é uma dádiva.
– Vê–la de boca fechada também é uma dádiva.
Eu estava cercado de estúpidos. Mas o pior de tudo foi entrar em Tecraxei
acompanhado de quatro destruidores. Quatro desgraçados vestidos com peles
humanas! Os famosos mantos dos destruidores eram conhecidos em qualquer
lugar do mundo. Eles entraram lá encapuzados, mas não ajudou muito.
As pessoas apontavam e se afastavam, temerosas. Até mesmo os magos. Em
Tecraxei os magos utilizavam implantes eletrônicos e chapéus cinzentos de
bruxos. E, realmente, as ruas tinham cheiro de merengue e silício, como Krazie
falou.
A propósito, Krazie já estava batendo boca com um vendedor de rua, que
não entendia creemah e tampouco aceitava nossa moeda. Tive que arrastá–la de
lá, embora ela estivesse ansiosa por um saquinho de doces de Tecraxei.
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
– Costurar os bonecos com a própria energia gera muito mais poder mágico,
sua ignorante.
Mufita deu de ombros. No final, compramos linha, agulha, tecido e algodão.
– Agora chega, né? Não viemos até aqui para fazer compras. Onde está o
artefato? Num museu?
– Sim. Teremos que roubar.
– Ah, é claro. Assim, além do risco de guerra contra Deuses e destruidores,
teremos os magos da tecnologia querendo nosso couro. Excelente!
– Eu roubo. Nós possuímos poderes hiperpsíquicos. Vou mergulhar numa
dimensão para ficar invisível. Ou, mais especificamente, enganar o campo de
visão daqueles imbecis.
– Não, Cazka. Eu faço. Não queremos que cometa erros.
Mufita morreu de rir quando Soma disse isso. E foi Soma quem se infiltrou
no museu para roubar o tal vaso de cerâmica. Fácil como tortinha.
E saímos logo do país antes que flagrassem nosso furto. Roubar artefatos
mágicos era barra pesada. Imaginei que os magos de Tecraxei fossem ficar putos
e sair ao nosso encalço.
– Vamos devolver depois, certo?
– Devíamos vender no mercado negro. Renderia uma boa grana.
– Para que você quer dinheiro, construtora? Sua magia não é nobre o
bastante para diverti–la plenamente?
– Dinheiro pode alimentar os pobres. O povo de vocês passou fome. Você
deveria entender isso.
– Duvido que você fosse usar o dinheiro para isso. Suas justificativas me
enojam. Os construtores são hipócritas.
No navio, começamos a costurar os bonecos. Garanti que meu boneco
tivesse uma expressão apresentável, pois eu passaria a ser ele caso viesse a
morrer. Pelo menos temporariamente, até reconstruírem meu corpo. Eu
duvidava que os destruidores fossem nos fazer aquela gentileza.
– Os magos da tecnologia reconheceram de imediato os mantos dos
destruidores, mas ninguém lá reconheceu os uniformes de Jins e Jinas! Nem as
meias coloridas da Fagenar Vibri ou meu medalhão da Armana.
– Vocês não metem medo em ninguém. Eu nunca me importei se os outros
temem meu manto. Eles devem temer o meu poder, e não roupas. E o poder de
um mago só pode ser colocado a prova em batalha.
Meu coração estava confuso. Eu já tinha ouvido falar muito sobre Samerre.
O lar dos Deuses. Que tipo de lugar seria? Diziam que era um país pacato e
pequeno. Pouquíssimos habitantes, mas extremamente poderosos. Seriam mais
fortes que os destruidores? Se fossem, ninguém ia querer briga com esses caras.
374
Fábula dos Gênios
– Naridana, já estamos quase chegando. Que tal nos dizer logo o que vamos
fazer lá?
– Eu sei que precisamos achar uma flor. O resto só saberemos quando
estivermos na floresta, sendo guiados pelas energias e criaturas mágicas.
– É pior do que eu pensava. Por isso pediram pessoas sensitivas. Haverá
seres mágicos escondidos nas dimensões, então?
– Exato. Por isso precisamos dos destruidores. Sem contar que também é do
interesse deles evitar essa guerra.
– Não é do meu interesse. Eu gosto de guerra. Estamos aqui pela aventura.
– Não ouça o que Cazka diz, Somoyol. Os destruidores se gabam de suas
vidas emocionantes e depois topam vir numa aventura porque estão entediados.
– Eu nunca disse que estava entediado. Amo minha rotina de sangue e
morte. Isso não significa que eu não tope quebrá–la se uma ocasião como essa
surge.
Estar naquele navio era uma beleza. Costurar bonecas, debater filosofia da
magia, discussões gratuitas, batalhas gratuitas, rabiscar em mapas, jogar cartas de
gênios, brincar de riscar selos no chão, pão e vinho. Relaxante.
Eu não estava muito preocupado. Não íamos lutar contra monstros ou algo
assim. Íamos até uma floresta buscar uma flor. Dar uma passadinha no
cemitério e se mandar, certo? Então por que raios estávamos costurando os
malditos bonecos? A flor ia nos matar? O próprio Cazka afirmou que não
haveria plantas venenosas na floresta. Ao menos não teria nenhum veneno que
nosso grupo não fosse capaz de curar.
– Quem são... os Deuses?
Achei que minha pergunta ficaria sem resposta. Alguém saberia?
– Você leu pouco, Yol. Os Deuses são seres humanos como nós. Mas são
muito sábios.
– Eu também sou muito sábia e poderosa. Então por que não sou uma
Deusa? O que nos separa? Não pode ser apenas o local de nascimento. As terras
de Samerre são apenas terras.
– Vocês estão fazendo confusão. Deuses têm sangue de Deuses, assim como
destruidores têm sangue de destruidores. Aquelas terras são mágicas, assim
como nossos pântanos são mágicos. Toda a terra na qual um mago toca os pés,
o ar que ele respira, os objetos que ele toca, adquirem propriedades mágicas.
Consman, Desmei, Samerre, Tecraxei e tantas outras terras, todas elas são
mágicas e únicas. Com energias diferentes umas das outras. Elas carregam o
poder de seus magos.
– Essa foi uma explicação simplista, Soma. Não é isso que eles querem saber.
A floresta de Samerre é particularmente mágica porque possui o poder dos
375
Wanju Duli
376
Fábula dos Gênios
azul. E delas respingava água, como um chuvisco constante sobre nós. Mas era
apenas o choro das árvores.
Além das altas árvores azuladas, eu não era capaz de avistar qualquer criatura
viva. Não sentia sequer uma aura animal.
Tão quieto. Uma floresta repleta de silêncio.
– Por acaso os Deuses reencarnam como árvores? Eu sinto uma energia
poderosíssima dessas existências ao nosso redor.
Eu não devia ter falado. Até o menor som ressoava.
– Tentem captar a presença de criaturas mágicas em outras dimensões.
Podemos pedir auxílio a elas.
Segui o conselho de Solovro e concentrei–me. Nada senti. O ar estava tão
pesado ao meu redor que meus sentidos espirituais pareciam surdos e apagados.
Caminhamos mais um pouco, em passos lentos. O único som era o do
farfalhar das majestosas árvores, numa leve brisa. A areia era vermelha.
– Essas cores, azul e vermelho, me fazem pensar que a areia e as árvores
respiram na porcentagem correspondente do espectro. Não conseguem sentir o
coração das árvores?
Krashkah abraçou uma das árvores e fechou os olhos. Sorriu.
– Essa está em 29%. Belíssimo...! Meu coração quase bate com ela.
Naridana encontrou a primeira poça d’água e abaixou–se. Encheu o vaso de
cerâmica com uma porção d’água. Aguardou para ver o resultado do aparelho
eletrônico.
– A flor está tão perto! As águas do Vaso de Chuá mudaram de cor. Tentem
sentir. Ligeiramente para o oeste... sudoeste.
Havia um campo de flores ali perto. Seria muito difícil encontrar logo a
orquídea que buscávamos em meio àquele paraíso perdido.
– Para encontrá–la, seu coração precisa bater na mesma porcentagem da flor.
Deve ser em torno de 18%.
– Como você sabe disso, Kah?
– Eu apenas sei.
– Então apenas encontre–a, OK? Eu estou ficando tonto nesse lugar. A
energia desse campo é forte pra caralho. Vou cair desmaiado a qualquer
momento.
Tive que ficar longe das flores. Sentei–me debaixo de uma árvore,
respirando rápido. Estava começando a me sentir mal de verdade.
– Isso está acontecendo porque você está sem gênio, idiota. Fraco assim,
não vai conseguir nem percorrer o resto do caminho, quanto mais ser útil em
batalha.
– Que batalha, Cazka, seu imbecil? Contra as flores assassinas?
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Wanju Duli
– Ria agora. Aproveite essa pequena dor que sente. Ela é boa, não é? Parece
que vai parar em algum momento.
Filho da puta.
Eu estava suando frio. Krazie sentou–se ao meu lado e passou para mim
uma pequena garrafinha azul com uma rolha.
– Comprei uma poção de cura, como a Kah sugeriu, mesmo com o otário
do Cazka nos dizendo para não comprar.
– Pensei que você tivesse saído naquela hora para comprar doces de silício.
Quando bebi um gole senti–me mais disposto, mas aquela poção não fazia
milagres. Eu precisava equilibrar meu estado psicológico, ou logo teria uma
recaída.
– Achei essa merda. Que coisa horrorosa. O que vamos fazer com essa
bosta?
– NÃO ARRANCA, CAZKA!
Krashkah correu até onde Cazka estava e protegeu a flor.
– Precisa ser feito, Kah. Desculpe.
Krashkah chorou sobre a flor. Quando ela fez isso, a flor desprendeu–se do
solo imediatamente e flutuou, com raiz e um punhado de terra.
Aquilo foi magnífico. Krashkah segurou a flor nas mãos e protegeu–a,
encostando–a contra o peito.
– Você será a guardiã da Orquídea de Chuá, Kah. Não permita que o puto
do Cazka toque nela.
– Vai falando, Naridana. Vai estar bem morta daqui a pouco.
Continuamos a andar. Era como uma eternidade. As belas árvores azuladas e
com odor paradisíaco não me encantavam mais.
– Há frutas lá. Vejam! Parecem gostosas!
– Devem ser horríveis.
– Seu paladar é esquisito, Mufita.
Por que elas não ficavam quietas? A voz delas estava aumentando minha dor
de cabeça. E a voz de Cazka particularmente fazia meu cérebro explodir.
Até que localizamos o cemitério. Um mar de lápides soturnas naquele
cenário pacífico. O contraste tinha beleza.
– Essa missão foi fácil. Vamos acabar logo com isso.
– Krashkah, deposite a flor nessa lápide grande. Você será a noiva–sacrifício.
– Você sabia desde o começo que eu morreria pela salvação da flor, não é,
Nari?
– Evidentemente.
– Puta.
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
– Eu jurei morrer pelo meu país. Mas eu me esqueci que estaria sem gênio.
Deixei passar esse detalhe crucial. Não terei meu desejo da morte e isso não é o
pior. Eu morrerei sozinho. Sem gênio. O maior medo que os seres humanos
possuem da morte é o medo da solidão. A Magia dos Gênios é fantástica porque
te concede uma companhia extraordinária no momento da morte. Mas eu
estarei completamente só.
Eu me ajoelhei, desolado. Abracei meu próprio corpo, tremendo. Naridana
abaixou–se, sentando ao meu lado. Colocou a mão no meu ombro.
– Yol, você nunca está só. Sente o calor da minha mão? Sente a presença de
todos nós? Essa grama ao seu redor. As árvores. O céu, o mar, o ar. Tudo
exalando vida, nesse ciclo de energia e matéria. Tudo isso estará ao teu lado na
morte, e vocês trocarão energias. Teu corpo volta para a terra. A tua alma toca
dimensões. Vira dimensões. Contata outras almas e mundos. Como isso pode
ser solidão, Yol? Quando estamos em nosso corpo de carne temos a impressão
de ser apenas um. A morte é quando enxergamos a verdade: somos vários. E
nunca estivemos sozinhos. Por isso, jamais houve razão para temer.
Eu toquei na mão dela.
– Obrigado. Por existir...
– Bem, eu nunca existi de verdade. Todos nós já estamos mortos e apenas
aparentamos vida. E quando morrermos, será apenas impressão. Na verdade
viveremos. Esse é o equilíbrio da porcentagem. Isso é matemática.
Eu finalmente consegui me concentrar. E não mais temi.
Coloquei meu coração na porcentagem exata. E ocorreu a virada. Meu
coração atingiu exatamente a porcentagem oposta.
Naridana forçou outra virada. Dez viradas seguidas. Meu coração já não
aguentava mais. Era muita pressão.
Até que tudo parou.
Ocorreu alguma dor e medo, mas por que aquilo importava? Em vida eu já
experimentei sensações muito mais terríveis. Perto disso, aquela sensação era
como um sonho ligeiramente incômodo, mas que promete um final feliz.
Quando minha consciência retornou, eu estava num mundo de formas
geométricas e fantasmas. Ou assim pensei a princípio. Quando consegui me
acostumar novamente a meus novos sentidos espirituais, reparei que aquilo tudo
era uma dimensão. Uma não. Dezenas. Centenas. Milhares.
Eu conseguia voar livremente entre elas. Tudo estava leve. Perfeito. A
melhor sensação do mundo. Nem minha memória me incomodava mais. Eu
também havia me libertado do grande peso dela.
Num primeiro momento, entendi que aquele prazer não se comparava a
nenhum outro prazer que experimentei em vida. Nem a sensação mais incrível
da meditação mais elevada. Se eu tivesse olhos, teria chorado. Eu arrancaria
380
Fábula dos Gênios
“O tolo que deseja conhecer os outros mundos sem viver o seu é como aquele que anseia
viajar para terras distantes sem antes conhecer sua própria terra”.
Eu não podia morrer ainda. Não por vontade própria. Somente quando a
vida me levasse, naturalmente. Somente então eu aceitaria. Mas antes disso, eu
não permaneceria semimorto, eternamente preso num mundo de fantasias e
sensações, deixando para trás todas as florestas, toda a matéria e os prazeres da
carne.
Eu só ficava entediado, como os destruidores diziam, porque meu mundo se
tornou algo comum para mim. Eu achava aquelas outras sensações psíquicas
fantásticas somente porque era algo incomum. Possuir poderes psíquicos
também se torna algo corriqueiro depois que se acostuma a eles.
Nós, magos, sabíamos disso melhor do que ninguém. Mergulhávamos em
dimensões e realizávamos feitos admiráveis. Ainda assim, curtíamos uma cerveja,
sexo, ríamos com bobagens. A magia não poderia ser suprema. Não poderia
haver uma dimensão ou um mundo superior e outro inferior.
Um dia escutei uma crença dos antigos que dizia que os Deuses estavam no
céu. Porque os antigos achavam que o céu era mais nobre que a terra. Mas eles
não sabiam que uma coisa jamais pode ser superior a outra. Todas as dimensões
são iguais. Os seres humanos são iguais aos Deuses. Ninguém é melhor ou pior.
Viver não é melhor do que morrer. Todas as coisas apenas são. E assim
viveremos em harmonia, aceitação e paz.
E foram essas energias mentais que enviei para as dimensões dos Deuses
mortos.
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“Eu não sou inferior a um humano. As coisas somente ocorrerão conforme a minha
vontade! Hei de quebrar a teia de teu raciocínio fraco!”
382
Fábula dos Gênios
”Cérebro limitado. Como espera bolar a teoria perfeita sobre a vida com ele?”
383
Wanju Duli
tempo. O melhor remédio para curtir mais essa dimensão seria, naturalmente,
alguns belos prazeres da carne. E a alegria de estar com os amigos.
De quebra, após experimentar todas aquelas sensações delirantes por estar
fora do corpo, eu já não temia tanto a morte como antes. Sabia que quando
viesse eu teria um presente fabuloso. E nunca mais me sentiria só.
Nós retornamos para o campo de flores e encontramos uma Krashkah
esparramada por lá, deitada sobre a grama, com um grande sorriso no rosto.
– Então não haverá mais guerra?
– Os Deuses da cidade de Samerre sempre consultam os Deuses mortos
dessa floresta em busca de conselhos, como adivinhos. Pois hoje nós oito nos
comunicamos com eles, enviando mensagens de paz. Tenho certeza de que tudo
ficará bem agora. Eles aceitaram nossas oferendas.
– Mas e as flores...?
Naridana plantou sete sementes na terra, que trouxe consigo.
– Essas são sementes da Fruta da Tecnologia, de Tecraxei. Não fomos até lá
somente para roubar o vaso. Essas plantas crescem depressa e enviam
mensagens positivas. Todos os Deuses estarão repletos de amor.
– Menos os magos de Tecraxei, depois de roubarmos o vaso do museu deles.
– Bora lá devolver, galera. Coitados dos caras. Sacanagem.
– Falando nisso, Cazka, espero que tenham enviado mensagens positivas
para os Deuses mortos.
– Mais ou menos. Só não compartilho desse sentimentalismo de vocês ao
deparar–se com a morte. Nós, destruidores, já estamos muito mais acostumados
a lidar naturalmente com ela.
– Cazkinha, não mente que eu vi o seu medo naquela hora.
– Você não sabe ficar quieta, Mufita?
Nós devolvemos o vaso, secretamente. Eles deram pela falta dele, é claro.
Mas depois que o viram de volta no lugar, ficaram calminhos. Beleza!
Sem rixas com Tecraxei. Tudo em paz com os Deuses mortos e com os
vivos. Tudo indicava que uma guerra não estouraria por um longo tempo. Afinal,
quem mais deveríamos temer?
Os destruidores. Tememos tanto a ira dos Deuses que nos esquecemos da
ira dos destruidores.
Pensamos que eles tinham se aliado a nós naquela missão para enviar
mensagens de paz aos Deuses porque também era do interesse deles evitar uma
guerra. Mas isso não era verdade. Eles apenas fingiram serem nossos amigos.
Foi duro aceitar isso, mas o peso daquela realidade desabou sobre nossas
cabeças oito anos depois.
384
Fábula dos Gênios
O que eles fizeram no cemitério dimensional de Tecraxei foi algo muito bem
planejado. Eles bagunçaram a ordem dimensional dos Deuses mortos. Eles
arrancaram uma enorme fonte de poder dos Deuses.
Ninguém seria capaz de fazer aquilo com os destruidores, porque eles não
enterravam seus mortos. Sequer tinham alma. Portanto, eles não teriam
fraquezas e só tendiam a ficar cada vez mais poderosos.
Pensamos que os Deuses não declararam guerra por causa de nossa
mensagem de amor. Balela. Eles não declararam por medo, depois de
contemplarem sua fonte de poder completamente reduzida.
Provavelmente no passado os Deuses foram mais fortes que os destruidores.
Mas aquilo acabou. Nos anos seguintes, os destruidores se fortaleceram cada vez
mais através da fonte de poder dos Deuses. Até que estourou a guerra.
Eles ainda queriam se vingar pela fome e pela humilhação que os
construtores os fizeram passar. Por não termos ajudado o povo deles quando
precisava. Queriam nos destruir por motivos múltiplos. Mas o principal era um
só: porque esta era sua natureza.
No dia da guerra, nós lutamos. Todos nós, orgulhosos estudantes de Jins e
Jinas, estávamos nas linhas da frente. E nos reencontramos com nossos quatro
velhos amigos destruidores. Ou aqueles que pensamos ser nossos amigos.
E, sem nenhum impedimento, finalmente realizamos aquilo que os dois
povos desejavam: uma luta.
Mas, lá no fundo, eu não queria. Talvez eles não quisessem também e só o
fizeram tomados pela ira do Deus do Orgulho; porque não foram realmente
capazes de apaziguá–lo.
Até mesmo os filhos deles atacaram nossos filhos, somente para provar a
supremacia absoluta dos destruidores. Mas, independente do poder mágico que
possuímos, no fundo não éramos iguais? Nós não os tratamos como iguais no
passado. Então eles não nos tratavam no presente. Aquilo era justo. Que é a
justiça?
Mas eu ainda me lembrava do sorriso de Solovro, o poderoso rei dos
destruidores, que julguei sincero, enquanto nos divertíamos juntos na
universidade. E será que os dizeres finais do GGM de Cazka não continham
uma verdade maior?
***
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FIM
Epílogo
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Fábula dos Gênios
387
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– Pensa bem: eu não sou uma destruidora. Então é óbvio que ele só pode
ser um construtor, ou ter sangue de construtor, pra ser minha ligação. Ele
apenas foi criado em Desmei.
– Você acha que ele sabe disso?
– Claro que não. Será uma revelação chocante. E quando ele souber, não vai
mais me odiar tanto, não acha?
– Eu acho que ele continuará a te odiar. Mas além disso, passará a odiar a si
mesmo. Quem é construtor, quem é destruidor. No fundo, isso faz mesmo
diferença?
Eu me deitei na terra do cemitério e fitei o céu. Por um instante, tive a
impressão de que alguém piscou para mim.
– Mana?
Talvez tenha sido a minha imaginação.
Mas imaginação... não é ela uma das coisas mais extraordinárias?
Magia pura.
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Fábula dos Gênios
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Fábula dos Gênios
– ...os Deuses podem me levar até lá por meditação, é isso? Pois eu acho que
nossa tecnologia irá estabelecer um contato muito mais efetivo e duradouro.
– Me passa a tua cópia do GA? Meu robô engoliu a minha.
– Eu não engoli merda nenhuma. Cale–se, idiota.
– Viu só como meu RP me respeita?
– Aí está o grimório. Arquivo C37. Anexo com lição de casa sobre selos
derivados de circuitos eletrônicos.
– Maldito aluno brilhante. Fez até a lição de casa, seu puto?
– Sabe, eu não estou nesse colégio de brincadeira. A vida é séria. Você devia
começar a pensar no seu futuro.
– O que pretende fazer?
– Assim que eu me formar, vou prestar concurso para aquela empresa, a
Magaut.
– Boa sorte. Eu vou para a Cirele.
– Qual é! Eles são uns perdedores.
– Minha decisão já está tomada. Não preciso de notas altas para pisar
naquele lugar. Então não me importo. Falando nisso, acho que vou cabular a
próxima aula. Tchau.
Afastei–me de Alburni e fui até a biblioteca. Lá era tudo eletrônico. Não
tínhamos livros de papel.
Até mesmo lá dentro, suposto local de silêncio, as pessoas já estavam
comentando sobre o jornal de Sovishka.
“Mataram os construtores. Que surreal!” era o que mais se ouvia. No
começo, aos murmúrios. Logo, até os professores estariam comentando.
Eu não queria saber desse monte de caras fortes matando ou morrendo. Já
havia me contentado em ser um mago medíocre.
Um dia eu já liguei para poder, dinheiro, fama, essas coisas. Quando criança,
cheguei a me esforçar para ser um mago forte, para ser admirado. Até que
descobri algo mais importante.
Eu não iria para Cirele porque queria. E nem havia matado aula por nada.
Havia um propósito maior.
De onde eu estava era o melhor ângulo para observar a conversa entre
aquelas três garotas. Vi quando entraram na biblioteca e resolvi segui–las.
– Você é uma desastrada, Lipsei. Derramou suco no seu uniforme de novo.
– Eu estava tentando montar meu robô, mas ele nunca me obedece...
– Francamente, você já devia ter montado esse robô aos 14 anos. Já está
com quase 16 e não entende algo assim tão simples?
– Perdoem–me, Crana e Zome. Eu não entendo nada de nada. Vou rodar de
novo...
391
Wanju Duli
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Fábula dos Gênios
Lipsei até que estudava bastante, mas nos dias das provas ela ficava nervosa
demais e errava quase tudo. Ela tinha pouco controle sobre suas emoções. Era
teimosa e chorava facilmente. Então por que eu gostava dela?
Por causa daquele sorriso. Quando ela estava feliz, ela iluminava o mundo.
Cantava, dançava, sorria, era muito brincalhona e divertida. Ela só se soltava na
frente das amigas. Na frente dos outros alunos e professores era sempre muito
tímida. Principalmente quando falava com um cara.
Eu não tinha coragem de falar com ela, pois eu sabia que ela ficaria sem jeito.
Eu não queria embaraçá–la. Imagine se eu a fizesse chorar! Lipsei chorava por
qualquer coisa, então se ela chorasse depois de falar comigo eu me sentiria mal...
E lá estava ela, sorrindo de novo: era só comer algum doce que ela já voltava
a ficar feliz. Parecia uma criança.
Eu queria abraçá–la e dizer que a protegeria. Que ela não precisava se
preocupar em passar de ano ou em conseguir um emprego na Cirele, como ela
queria. Eu poderia sustentá–la, dar tudo o que ela quisesse. Cara, trabalhar na
Cirele era uma piada. Qualquer um entrava, mas... Lipsei às vezes conseguia
zerar algumas provas, então talvez ela fosse uma das poucas pessoas com
dificuldade em realizar aquele feito simples.
Peguei o meu celular e tirei uma foto dela, escondido, no momento em que
ela estava sorrindo, lambuzada de chocolate. Aquele seria o meu tesouro.
Eu tinha outras fotos dela, mas essa foi a mais meiga que tirei. Senti orgulho
de mim mesmo. Aquela foto era digna de um quadro. Uma obra de arte da
natureza.
– Tirando mais fotos dessa menina? Isso é tão aborrecedor. Você não acha
mais emocionante fotografar carros ou helicópteros?
– Você é uma máquina, JJ03. Não entende nada de amor.
– Ainda bem, porque esse tal amor torna as pessoas estúpidas.
– Eis a natureza humana. É assim que os seres de carne funcionam. Amor é
uma droga mais potente que álcool. Mais embriagante que sexo.
– Pensei que álcool e sexo tivessem relação com amor. Eu vejo esses dois
termos ao lado do amor na maioria das minhas pesquisas.
– Você não está tão errado. Minha coleção de fotos dela funciona como um
gatilho no momento em que dou prazer a mim mesmo. A propósito, o que você
sabe sobre o robô dela?
– Aquele monte de sucata flutuante? Ele tem um nome imbecil: “Tchuu”; ou
T69.
– Ela o construiu 69 vezes até dar certo? Que determinação impressionante!
– E você ainda elogia a burrice dela? Veja só aquela aberração: não tem
pernas, tem apenas um braço, os olhos são de tamanhos diferentes e os botões
estão na cabeça.
393
Wanju Duli
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Fábula dos Gênios
– Não sei qual dos dois é mais burro, sinceramente. Vai lá e fotografa,
covarde! Você pode conseguir todos os ângulos que deseja! Ela é tão bobinha
que está agachada. Basta você se abaixar um pouco e vai enxergar a calcinha dela.
– Não, NÃO me tente! Olha, eu vou voltar para a aula. Isso é uma tortura
para mim. Se eu voltar agora ainda consigo assistir o próximo período.
E, como um bom menino, voltei para a sala. Foi difícil, mas eu consegui.
Uma parte de mim ainda tremia no corredor, com o nervosismo que senti.
Sentei–me e abri o computador. O professor falava, falava... e eu estava
distante. Ainda pensando naquela coxa cheia de carne.
– Eu tirei uma foto da calcinha dela sem sua permissão, como um presente.
Quer ver agora?
– Não. Que falta de respeito, JJ03. Apague isso.
– Está bem, vou apagar. Eu sei que você não perguntou, mas a calcinha dela
era azul clara, com triângulos amarelos.
– Eu não acredito que você me disse isso. Como eu poderei me livrar dessa
informação agora? Esse conhecimento irá me perseguir pela eternidade, maldito
seja!
– E tinha rendinhas.
– SEU TRAIDOR! INIMIGO DAS MULHERES!
E eu joguei JJ03 pela janela. Foi assim que nos separamos. E o espírito de
JJO3 foi para outra dimensão.
Digamos que meu ato chamou a atenção dos meus colegas e do meu
professor. Senti que eu devia uma explicação.
– Perdão, irei me dirigir até a diretoria para solicitar uma advertência pelo
meu comportamento inapropriado. Meu robô estava com defeito, se revoltando
contra seu mestre.
– Você está ciente de que quebrou um espírito? Matou uma existência?
– Eu usei magia fraca, professor. Foi uma eutanásia nobre. Trabalhoso será
realizar uma pescaria dimensional para obter outro espírito. Irei dirigir–me até o
Templo Tecnológico para expiar a minha falta, senhor.
E eu saí da sala. Fui até o TT do colégio. Depois de me confessar, eu teria
que obter novos materiais para construir o JJ04... cacete.
Peguei algumas placas de metal do depósito, uns parafusos e toda a
parafernália que consegui reunir. Selecionei um dos meus computadores e tentei
rastrear uma boa dimensão.
– Ótimo, tenho prova amanhã. Preciso finalizar esse maldito andróide até a
noite.
Infelizmente, eu precisaria de ajuda para fazer aquela merda. Resolvi
contatar a melhor aluna da classe, que tinha o grampo dourado: Niapam Oravoa.
– Você é tão estúpido que nem sabe montar um robô simples?
395
Wanju Duli
– Quebra meu galho, Nia. Tenho prova amanhã. Não dá tempo. Vou me
ferrar.
– E eu com isso?
– Pô, meu...
– Quero algo em troca. Odeio aquela metida da Crana. Ela tem dois
grampos e pensa que é a maioral. Acabe com ela!
– Hã... o que eu tenho que fazer exatamente?
– Sei lá. Destrua o material dela. Derrame sorvete em cima. Eu cuido do seu
robô e você resolve minha situação, combinado?
Resolvi aceitar.
Quando voltei para a aula e não tive nenhuma boa ideia, optei por seguir as
duas sugestões de Niapam ao mesmo tempo: quebrei dois computadores de
Crana e comprei um sorvete especialmente para derramar em cima do resto.
Ela tinha saído para ir ao banheiro e quando retornou viu o estrago.
– Professora, alguém quebrou todo o meu material escolar!
Era desagradável me envolver naquelas intrigas de meninas. Sozinhas elas já
matavam umas às outras facilmente.
Eu não fui pego. Ninguém jamais saberia que fui eu. Foi o que pensei.
Contudo, no final da aula, Lipsei veio falar comigo.
Quando vi aquela menina de vastos cabelos castanhos na minha frente achei
que fosse um sonho. Eu nunca a havia fitado tão de perto. Mas o sonho acabou
depressa.
Era a primeira vez que eu a via com uma expressão séria assim.
– Você é desprezível.
Ela disso isso para mim. Deu–me as costas e foi embora.
“Você é desprezível”.
Perdi um pedaço do coração naquele dia. As palavras dela foram como uma
facada. Senti uma sensação horrível.
Ela havia visto o que eu fiz. Somente ela. Eu fiz algo ruim à amiga dela. E
ela viu–se no direito de defendê–la, é claro. Era compreensível. Ela não estava
errada.
Mas eu não consegui dormir naquela noite. Na manhã seguinte, Niapam, a
mocinha de cabelos curtos e negros, entregou–me o meu novo RP prontinho.
– Por que tem um lacinho na cabeça dele?
– Porque é fofo.
– Vou arrancar.
– Não! O cérebro do robô está no lacinho.
– Você tá me tirando, né?
– Não. A propósito, ela é uma menina e se chama Pluft–plim. Ela só vai
atender por esse nome.
396
Fábula dos Gênios
– Que bom.
Ela me passou um arquivo com todos os novos dados do robô. Aquela
máquina era espetacular. Fora o vexame de ser visto por aí com um robô de
lacinho, ele superava em muito o meu velho JJ03.
O lacinho de PP01 (como eu passaria a chamá–la) era azul claro com
detalhes em amarelo. A mesma cor da calcinha de Lipsei. Será que a cor do sutiã
dela combinava com a calcinha?
Mas... não. Eu não podia pensar naquelas coisas. Principalmente depois de
Lipsei ter me tratado com tanto desprezo.
Consegui realizar minha prova com sucesso usando aquele robô de última
geração. Quando retornei para a sala com ele, em vez de ser zombado pelos
rapazes, eu fui cercado de garotas, que começaram a abraçar o meu robô,
dizendo o quanto ele era fofinho.
Um sorriso de triunfo formou–se em meu rosto. Eu era um campeão. Em
vez de ser visto como ridículo pelos caras da minha turma, eu estava sendo
invejado pela atenção que recebia das meninas. O lacinho foi realmente um
golpe de mestre.
Meus colegas do sexo masculino, que se achavam muito machos, adoravam
construir uns robôs grandes e fortes com cara de mau. E eles duelavam entre si
com aqueles monstros gigantescos, algumas vezes usando até mais a força bruta
dos robôs do que a própria magia. Arrancavam pernas e braços dos andróides e
estavam realizando reparos constantes.
Eu não me metia muito naqueles duelos, porque eu tinha mais o que fazer
do que ficar reposicionando membros soltos do meu RP. Mas quem sabe com a
capacidade imensa do meu novo PP01 eu me desse bem naquelas lutas?
Niapam era uma que vencia duelos facilmente, mas duelar também não era
sua praia. Ela chamava nossos colegas de selvagens e dizia que utilizava suas
máquinas para “propósitos mais nobres”.
– Para quê? Para arrumar seu cabelo?
Quando um colega meu perguntou isso, Niapam esmagou o robô dele
imediatamente, deixando–o em pedaços. Depois disso, ela enrolou uma mecha
dos cabelos com os dedos.
– Meu Fifu arruma meus cabelos sim. E minhas unhas.
Ela deu um sorrisinho ao dizer isso e saiu.
Desde então, ninguém nunca mais falou nem dos robôs e nem dos cabelos
de Niapam.
Mas com o tempo eu notei que aquela trapaça me traria consequências bem
mais graves.
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Wanju Duli
Ironicamente, Lipsei era uma das únicas pessoas que sabia de tudo. Ela
soube do meu acordo com Niapam. Sabia que aquele robô não era meu. Se um
dia ela já me respeitou, aquele respeito acabou.
No mês seguinte, pela segunda vez na vida eu conquistei dois grampos
prateados. Isso porque meu novo RP executava minhas magias
maravilhosamente. Enquanto isso, Lipsei tirou nota vermelha em todas as
disciplinas.
Eu via o esforço dela. Sempre lendo muitos livros de robótica mágica,
embora fosse incapaz de terminar qualquer um deles. Ela não aguentava a leitura
pesada e abandonava o livro, indo comprar mais doces para deter as lágrimas.
Eu concluí que ela estava certa: eu era desprezível. Enquanto Lipsei lutava
dia após dia para conseguir bons resultados com sua máquina, eu até estava
deixando de estudar muito ultimamente, já que PP01 fazia tudo por mim. Mal
precisava de manutenções periódicas como os outros, de tão avançado que era.
Enquanto quase todas as minhas colegas elogiavam meu robô, Lipsei era a
única garota que não fazia isso. Embora gostasse de bichinhos bonitinhos, ela
não se deixou encantar pelo lacinho de PP. Porque ela sabia que aquilo tudo era
falso.
De que adiantava ter os elogios dos professores, dos meus colegas e a
admiração de tantas meninas se a única pessoa que eu queria que olhasse para
mim me dava as costas?
Subitamente eu entendi o que era importante na vida. Eu não precisava de
fama, de grampos, de nenhuma daquelas coisas.
Quando você ama de verdade, existe somente você e a outra pessoa no
mundo. Não importa mais o que os outros pensem de você. Não me importava
ser visto como um mago fraco, ser pobre ou fazer qualquer outro sacrifício por
ela. Sem nem mesmo me importar se ela faria o mesmo por mim.
Mas eu não pensei nisso quando quebrei o material escolar da amiga de
Lipsei, apenas para atender aos caprichos da mocinha mais inteligente da turma,
que certamente desejava carregar o universo nas mãos.
Lipsei ficou triste tanto pela amiga como por constatar que eu era uma
pessoa assim. E ao descobrir o que eu havia comprado com aquele ato,
desapontou–se ainda mais.
Talvez ela visse minha farsa como uma tentativa de humilhá–la. Eu pedi que
outra pessoa fizesse um robô para mim. Niapam fez um robô magnífico em
apenas um dia, como se fosse a coisa mais fácil do mundo. E Lipsei... nunca
conseguiu montar um robô inteiro.
Eu não aguentava mais aquela situação. Dediquei–me a construir outro robô
para mim nos próximos dias: JJ04. Em uma semana ele ficou pronto e devolvi o
PP01 para Niapam.
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
Isso significava que cada mínimo avanço que Lipsei fazia em seu robô
defeituoso era um mérito mais complexo e espetacular do que se Niapam
construísse vinte robôs no mesmo período.
Cara, que complicado. Claro que eu também não sabia nada da vida de
Niapam para julgá–la. Ela era tão inteligente, mas tão invejosa e mal educada.
Mesmo sendo a primeira, por que ela não estava feliz? E por que raios ela
invejava até a pior aluna, mesmo sabendo que ela não era e nunca seria uma
ameaça?
Lipsei, mesmo com todas as derrotas, tentava ser gentil com todos. Por
outro lado, Niapam fez questão de construir robôs a pedido de muita gente nos
meses seguintes, apenas para aumentar seu prestígio.
O resultado não foi de acordo com seus planos. Dois meses depois, um
colega nosso chamado Suul Gaecer conquistou o grampo dourado, roubando
dela o primeiro lugar.
Suul já era o segundo lugar há muito tempo e se destacava cada vez mais em
competições de robótica mágica, as quais Niapam não participava por se achar
suprema demais para se envolver com as batalhas da “ralé”. Pois foi exatamente
essa experiência que fez com que Suul passasse dela. Além do ligeiro descuido
de Niapam com as notas, já que estava construindo tantos robôs ultimamente.
Niapam ficou irada! Eu ainda não sabia a que ponto poderia chegar a fúria
de alguém. Nos dias seguintes ela foi vista com mais quatro colegas nossas, que
também eram terríveis, bolando planos mirabolantes para tentar acabar com
Suul.
Suul era muito gente boa. Ele sempre ajudava a galera nas dúvidas. Em
alguns bimestres ele chegou a perder o 2º lugar e cair para 3º ou 4º apenas
porque ficava ajudando os alunos com dificuldades. Ele não se importava tanto
com grampos.
– O mais importante é ajudarmos o grupo. Um país só se desenvolve
quando há o foco no desenvolvimento coletivo e não na competição entre
indivíduos. Eu não sou superior a ninguém por causa de notas. Cada pessoa tem
seus pontos fortes e eu sempre aprendo muito cada vez que ensino. Ao mesmo
tempo, me sinto ajudado por todos e é muito gratificante.
Niapam detestava Suul cada vez mais, principalmente porque ele era
certinho e fazia esses discursos polidos. Além de ter consciência política e ser
tão prestativo, estava sempre sorrindo e, segundo ela, realizando “gestos
gratuitos de gentileza” somente para ser elogiado.
Ele era um cara popular. Todos gostavam dele. Ele tinha muitos amigos e
admiradoras. Muitas das meninas da nossa sala gostavam dele, dizendo que era
perfeito: bonito, inteligente e gentil.
400
Fábula dos Gênios
– Pessoas assim precisam morrer. Não me enrole, T. Eu sei que você gosta
daquela mula da Lipsei. E eu já vi o Suul dando sorrisinhos para ela. Então, vai
me ajudar a destruir o sujeito que está dando em cima da sua musa feia e burra?
– Ele é gentil com todo mundo. Não acho que ele esteja interessado na
Lipsei...
– E se ela estiver apaixonada por ele? E aí, vai permitir?
Aquilo era um perigo. Se tantas colegas nossas gostavam dele, era natural
concluir que provavelmente Lipsei sentisse o mesmo. E agora que ele tinha o
grampo dourado, seria disputado.
– Me desculpe, mas não vou me envolver mais nas suas sujeiras.
– Bundão.
Eu não imaginava que ela jogaria tão baixo.
Ela reuniu as suas quatro amigas imbecis para desafiar o Suul. Mas fez tudo
isso secretamente. Não foi uma disputa limpa. Exigiram que ele duelasse de
olhos vendados, mãos e pés amarrados. Naquele dia eu descobri que Suul
também era um pouco orgulhoso, pois ele aceitou esse desafio absurdo.
O improvável aconteceu: Suul venceu a batalha mesmo naquelas condições,
lutando contra cinco magas fortes. Ele tinha mais experiência em prática do que
em teoria, diferente de Niapam.
Mas em vez de soltar Suul depois de sua vitória, Niapam resolveu se vingar.
Amarrou Suul num poste e amordaçou–o. A batalha foi à noite. Ela tirou todas
as roupas dele e quebrou seu robô. Deixou–o assim por toda a madrugada,
naquele frio.
Na manhã seguinte, houve uma grande confusão. Niapam foi imediatamente
expulsa do colégio. As quatro meninas levaram suspensão, por compactuar com
aquele ato. E Suul, sentindo–se humilhado, saiu do colégio.
No meu ponto de vista, foi ele quem humilhou as cinco, vencendo uma
batalha difícil naquelas condições. Mas Suul me disse uma coisa muito estranha
quando tentei persuadi–lo a permanecer.
– Eu gostava da Niapam. Acho que só peguei o primeiro lugar para
impressioná–la. Eu acho que o mundo é todo errado. Ou a cabeça das pessoas.
Não posso continuar aqui.
– Mas... que porra!
O pessoal ficou assustado com o que aconteceu. Subitamente, o grampo
dourado virou símbolo de medo. Quem é que tinha coragem de se sair bem nos
estudos para depois ser destruído pelas mocinhas assassinas? Tinham mandado
uma delas para fora, mas é claro que havia mais discípulas da infeliz lá dentro
daquele colégio de loucos.
401
Wanju Duli
– Meu... as garotas são piradas! Elas não somente acabam umas com as
outras, mas ferram os caras que se metem no caminho delas também. Puta que
pariu.
– Eu não vou deixar de disputar o grampo dourado só por causa de uma
besteira como essa. Agora que os dois se mandaram, eu ou vocês temos alguma
chance.
– Essa notícia vai para o “Mexericos da Tec”, pois vai dar ibope.
Aquilo chegou aos ouvidos de Sovishka e seu bando. Teríamos muito a
pensar durante as férias.
No ano seguinte, quem estreou com o grampo dourado foi o próprio
Sovishka. Ele desafiou qualquer um a aplicar bullying nele.
Não sei se consegui deixar claro qual a importância desse cara. Sovishka é o
editor do jornal mais popular que circula no nosso colégio. E de repente ele
virou notícia. Todo mundo curtia o que ele escrevia. Improvável que tivesse
muitos inimigos. Ele era respeitado.
Naqueles tempos de confusão, conversei bastante com Alburni. Ele também
estava assustado com o rumo da situação.
– O cara que conquistou o grampo dourado no 12º grau também teve o
robô destruído. Está virando tradição agora. Antigamente você era admirado
quando tinha o grampo. Agora é odiado!
Construir um robô bem feito era barra pesada. Principalmente se houvesse
arquivos e magias importantes nele. E se você o tivesse desde a infância, repleto
de memórias, e chegasse um desgraçado para matá–lo só porque você conseguiu
o maldito grampo?
E eles não tinham honra. O 1º lugar não era desafiado por um só mago. Eles
chegavam em bando, quebrando tudo. Patético.
Aparentemente, Niapam só plantou a semente. Os nossos colegas babacas
se ocuparam de regá–la e fazê–la florescer. Aquele costume insano estava se
multiplicando como um vírus.
Os professores até tentaram intervir com ameaças e novas regras que não
serviam para nada. Quando existe um acordo entre os próprios estudantes é
algo difícil de ser quebrado pela autoridade. Principalmente pela força. Isso
somente os deixaria mais irados.
Lipsei foi reprovada. Não éramos mais colegas. Eu ouvi falar que na turma
dela a situação estava ainda mais espinhosa.
– Meninas, eu estou com medo. Na minha turma, além de maltratarem o
aluno do grampo dourado, eles também rebaixam os que não têm grampos.
– Que coisa mais idiota. Agora você tem que cuidar para não ser nem o
melhor e nem o pior. Isso é um incentivo para ser uma pessoa medíocre? Não
entendi qual é a deles.
402
Fábula dos Gênios
“Eu não chamo pelos covardes e sim pelos guerreiros da magia. Aquele que possui não
somente um autômato de metal, mas que também controlou o seu espírito para ser inviolável
diante da espada de ódio dos desgraçados”.
Mas eu não estava preocupado com o famoso editor do jornal. Ele sabia se
virar. Eu não conseguia parar de pensar no desespero que Lipsei sentiria se lhe
tirassem o pouco que ela possuía: aquele robô torto que sequer sabia falar ou se
equilibrar sozinho. Sinceramente, acho que eu mataria o cara que tirasse aquele
tesouro dela.
Muitas vezes eu a vi abraçando aquele robozinho, chorando com ele.
Dizendo o quanto o amava. Ele era especial para ela. O relacionamento dela
com o seu robô espírito era diferente dos outros magos, que substituíam seu
velho robô quando elaboravam um melhor. Para ela, o seu era único e melhor
que qualquer robô avançado. Porque foi feito por ela. E eles tinham uma
história juntos.
– Tchuu, eu te amo. Você é meu melhor amigo. Jamais iremos nos separar.
Por você eu entrego meu mundo e meu coração. Te dou até esse docinho, veja
só. Porque um dia você entenderá que, apesar de todas as injustiças, vale a pena
existir nesse lugar. Sempre lute por isso. Não se renda! Eu vou ser forte. E você
também.
– Bzzzttt.
Eu me comovia muito cada vez que via aqueles dois sozinhos, em segredo.
O robô dela apenas emitia uns ruídos esquisitos e parecia que se desmontaria a
qualquer momento. Era algo delicado. Assim como o coração da garota que eu
amava.
403
Wanju Duli
“Eu quero protegê–la”. Mas como, se eu nunca tive a coragem de dizer uma
palavra diante dela? Nesse sentido, até o robô dela estava acima de mim.
Quando eu a via, eu não era capaz de fazer o menor som, por covardia.
Lipsei não era fraca. Era a pessoa mais forte do mundo.
Alguns dias depois, a notícia do jornal “Mexericos de Tec” surpreendeu–me
enormemente:
“Chegou aos ouvidos deste que vos fala a espetacular notícia de que o famoso Cromo
D’aship colocou os pés em nossa terra há alguns meses. Ele está vivo! Eu e meus homens
iremos fazer–lhe uma visita no hospital e retornaremos com notícias”.
404
Fábula dos Gênios
– Nós não somos muito melhores que eles brigando por grampos.
A entrevista com Cromo vazou. Não somente em outros jornais de Tecraxei.
Ela chegou na internet e, de lá, em Samerre. Já em Desmei pouca coisa chegava.
A não ser que fosse pelas ondas cerebrais da destruidora monstro.
Eu nunca tinha visto um destruidor ou um Deus. Talvez eles nem existissem.
Para mim, os destruidores sempre tinham sido uns pobres mortos de fome do
outro lado do mundo, então era extraordinária a notícia de que de repente eles
tinham se tornado os magos mais poderosos!
Quanto aos Deuses, diziam que em Samerre só habitavam sacerdotes. Então
onde estavam os imortais? Aparentemente os destruidores mais poderosos não
saíam do topo das montanhas. Será que com os Deuses ocorria algo parecido?
Eles moravam num local secreto e quase inacessível?
Com toda aquela agitação, um assunto que há muito tempo não era debatido
voltou a entrar na pauta de discussões: quem era o maior mago do mundo
atualmente?
– O maior mago vivo ou morto? Pois isso faz diferença. Dizem que os
destruidores estão praticamente mortos, são como zumbis, com os malignos
devorando seus corações. Então eles entram na conta? E os Deuses são imortais,
então será que isso vale também? Acho que só faz sentido essa pergunta se
compararmos magos vivos que possuam a duração de uma vida humana normal,
sem truques.
– O truque a que você se refere se chama magia. Se o mago virou um
morto–vivo ou adquiriu imortalidade através de poderes mágicos é claro que
isso não é sujeira. É genuíno, obtido por meio de sabedoria e poder.
– Mas os Deuses já não nascem imortais? Não se esforçaram, então eles
estão fora do ranking.
– Construtores e destruidores já nascem com gênios. E aí? Vai deixar fora
todo mundo que teve algum benefício? Se for assim, nós possuímos implantes
eletrônicos no corpo. Estamos fora?
– Meninas, eu... não estou preocupada em saber quem é o melhor mago do
mundo. Eu já rodei duas vezes. Não posso rodar de novo ou serei expulsa do
colégio.
E, mais uma vez, não tive coragem de oferecer–me para ajudá–la.
Para completar, vazou a informação sobre o hospital em que Cromo estava.
Houve um grande tumulto na entrada, pois todos queriam vê–lo. Aquela tarde
foi turbulenta. Somente a noite a situação se acalmou.
Eu mesmo tinha ido lá, pois tinha vontade de falar com Cromo. Por isso, eu
aguardei quase até a madrugada. Só que o horário de visitas já tinha terminado.
Sentei–me num sofá da sala de espera, desapontado. Já estava pensando em
ir embora, quando avistei Lipsei.
405
Wanju Duli
Eu estava sozinho com ela na sala de espera. Será que ela também queria
falar com Cromo?
Ela ficou tímida quando me viu e começou a ler uma revista. Será que ela
não estava mais braba comigo?
Era a primeira vez que eu a via sem o uniforme do colégio. Ela estava com
uma fita no cabelo e um vestidinho. Mais encantadora do que nunca. E tímida
assim, toda encolhida, fazia meu coração pulsar.
Cara, eu queria conseguir falar alguma coisa, mas a voz travou. Como é que
eu ficava nervoso daquele jeito na frente daquela menina? Logo ela, que era toda
meiguinha. Bem, talvez fosse exatamente por isso. Eu tinha medo de dizer ou
fazer algo que a entristecesse. Eu sabia que Lipsei era muito sensível.
Peguei uma revista também, mais para me esconder. Eu ia fingir ler e daria
umas espiadas em Lipsei. Enquanto lia, ela mordia a ponta do dedo indicador,
toda concentrada. Que bonitinha!
Aqueles lábios deviam ser tão macios. Eu estava enlouquecendo vendo
aquela cena. Aquela boquinha me fez imaginar como seriam os lábios da vagina
dela. Mas quando eu pensei nisso levei um susto e comecei a suar. Meu coração
já estava disparado. Se eu não segurasse minha imaginação eu teria uma ereção.
E Lipsei não estava ajudando, estando de vestido, com aquelas meias longas e
pernas cruzadas.
No instante em que eu me movi no sofá, ela olhou na minha direção. Eu
quase morri, mas disfarcei.
“Fale agora! Diga alguma coisa!”
Não adiantava. Não ia sair.
Por quanto tempo esperamos em nossas vidas para fazer o que realmente
importa para nós?
Uma explosão. A parede foi pelos ares. Sinceramente, eu não sei o que me
assustou mais: o olhar de Lipsei ou aquela explosão que quase arrancou minha
vida.
Eu estava meio tonto. Havia um pequeno corte no meu braço e na minha
testa. Consegui me proteger.
Tirei o pó da roupa. Olhei para o lado. Como eu pude proteger a mim
mesmo e deixar Lipsei se defender sozinha? Eu somente cometi aquele erro
porque tudo tinha acontecido muito rápido.
Felizmente, ela não se feriu. Estava sentada no chão. Havia protegido o
corpo com os braços. Eu precisava apressar–me e perguntar se ela estava bem.
Mas antes disso, uma luz quase me cegou. Uma mulher alta, de longos
cabelos negros repartidos ao meio, entrava pela parede destruída.
406
Fábula dos Gênios
407
Wanju Duli
Eu estava tão apavorado que não era capaz de me mover. E ao ver a Deusa
assim tão furiosa, meu corpo congelou–se.
Aqueles brincos com o símbolo áureo do infinito brilharam. O símbolo
misterioso em sua testa também.
A Deusa ergueu sua mão direita, com suas longas unhas vermelhas. Tocou
os dedos no rubi de seu bracelete.
Surgiu no ar uma fórmula matemática dourada, harmoniosamente decorada
pela lemniscata.
Lipsei caiu no chão. Eu levei um susto enorme! Corri até ela e segurei–a em
meus braços.
– Ela ainda não está morta. Você pode salvá–la se liberar a minha passagem
e entregar–me em mãos o Grimório da Automação. Chegou ao meu
conhecimento que estudantes de sua faixa etária possuem acesso a ele.
– Salve minha amiga! O que pretende fazer com nosso grimório?
– Onde está Cromo? Eu não sinto a presença dele! Esse hospital possui
dezenas de quartos. Passe–me a informação e o grimório imediatamente ou a
mato!!
Ela estava ficando irada de novo. A vida de Lipsei estava em risco. Eu não
podia me demorar.
Liguei meu celular.
– Eu possuo o grimório eletrônico. Passe–me seu número de celular e eu
envio.
– Você está zombando de mim, infeliz? Dê–me esse aparelho!
Dei a ela o meu celular.
– Cromo está na sala 88.
Quando eu disse isso, a Deusa estendeu a mão, para que eu lhe entregasse o
corpo de Lipsei. Assim ela poderia curá–la.
Eu permiti que a Deusa a segurasse. Ela tocou na testa de Lipsei. No
instante seguinte, derrubou o corpo dela no chão.
– Agora sim, sua amiga está morta. E não há magia nesse mundo que a faça
voltar a vida.
E ela sorriu. Eu apressei–me em segurar Lipsei outra vez. Aquilo não
poderia ser verdade.
Não havia o menor sinal de vida no rosto dela. Ela não respirava mais.
– Agradeça por eu poupar sua vida.
A Deusa já ia sair da sala de espera quando eu me levantei e coloquei–me
diante da porta, impedindo–a.
– Saia. Ouço movimentos. Alguém certamente ouviu a explosão. Não me
faça perder mais tempo, criança.
Eu chamei o meu robô e ataquei–a com ele.
408
Fábula dos Gênios
JJ04, assim como todos os nossos robôs de batalha, era um autômato. Ele
não precisava de controle remoto ou comandos imediatos para executar suas
ações. Eu o havia programado previamente para agir em diferentes situações de
acordo com meu estado de espírito.
Isso significava que meus neurônios estavam conectados à rede neural dele.
Essa era a grande empatia que existia entre o robô e seu senhor.
JJ04 era um robô recente meu e não tínhamos uma conexão assim tão forte.
Mas a minha fúria era tamanha que imaginei que qualquer robô vagamente
conectado a mim alcançaria a frequência daqueles pensamentos e entraria num
modo violento.
Não era somente uma conexão de carne e metal. Os nossos espíritos
estavam relacionados. Isso permitia que minha magia atuasse em modo máximo.
O meu robô traçou no ar um selo feito de fios elétricos que soltava faíscas.
Tentou dar um choque na Deusa. A sua garra tornou–se gigantesca. Mas diante
dela meus conhecimentos de ciências eletrônicas eram inúteis.
Eu pensei que minha fúria pudesse destruí–la, mais que qualquer coisa. Mas
naquele tempo eu ainda não sabia o que era odiar.
A Deusa retirou o seu brinco do infinito, que agarrou o meu robô,
aprisionando–o. A lemniscata o espremeu e JJ04 foi destruído. O cadáver de
peças metálicas espalhou–se pela sala.
Ela me segurou pela blusa.
– Tolinho. Se não se afasta por mal, o fará por bem.
Ela me deu um beijo nos lábios.
A mulher que havia assassinado a garota que eu amava tinha me dado um
beijo na boca. Aquilo era quase imperdoável. Ela queria me torturar.
Fui embriagado pelo odor paradisíaco do perfume dela. O gosto daqueles
lábios era indescritível.
Mas ela logo me lançou no chão após o beijo, com um empurrão violento.
Eu desejei morrer. Eu chorei. Eu sentia um desejo louco por aquela mulher.
E, ao mesmo tempo, era a pessoa que mais despertava meu ódio. Aquela
confusão levou–me a lágrimas assim: de desespero, dor, desejo, paixão e morte.
Mas quando ela cruzou aquela porta, algo aconteceu. A Deusa do Infinito
gritou. Foi um grito genuíno de dor.
Tchuu, o robô de Lipsei, havia agarrado a Deusa pelas costas. Ele segurava
seu próprio coração metálico na garra, que possuía um revestimento pulsante de
músculos e sangue.
T69 atravessou aquela garra nas costas da Deusa, trespassando seu coração e
saindo pelo outro lado. As veias e artérias, misturadas aos fios elétricos,
fundiram–se ao coração dela.
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Wanju Duli
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Fábula dos Gênios
Eu também jurei que um dia eu o faria falar. Porque eu queria ouvir a voz de
um ser que conhecesse Lipsei melhor do que qualquer outro: todos os seus
sonhos, pesadelos, medos e desejos. Eu queria saber de tudo. Muitas memórias
dela estavam lá.
Logo, pessoas começaram a entrar na sala, perguntando o que havia
acontecido. Todos estavam assombrados. A parede estava caída e havia dois
cadáveres no chão: um robótico e um humano.
Solicitei que um dos médicos repassasse a mensagem para Cromo, pois eu
não estava em condições psicológicas para fazer qualquer outra coisa que não
fosse abraçar T69 fortemente.
Comuniquei a todos que Lipsei havia se sacrificado para proteger Cromo. E
que eu não fui capaz de protegê–la.
Quando eu disse isso, chorei de novo. Segurei na mão dela uma última vez
antes que retirassem o cadáver.
Ela estava mais bela do que eu jamais a vira. Não só as roupas, mas o rosto:
os lábios dela se entreabriam num quase sorriso. Ela sabia: ela morreu sabendo
que seu robô realizaria aquele ato último para vingá–la. Ela planejou tudo.
No final, eu descobri porque Lipsei tinha tanta dificuldade em aprender
magia: ela era tão inteligente no coração, que não era capaz de controlar sua
razão da forma que a escola ensinava. Ela possuía uma magia forte, mas era algo
totalmente seu. Algo que ela conquistou e fortificou através do seu imenso amor,
e não pela lógica.
Foi essa força que atravessou o coração da Deusa. Aquela que tinha poder
infinito. Lipsei só foi capaz de colocar–se contra ela devido ao seu amor infinito.
Eu precisava consertar Tchuu.
Eu não queria depor ou dar satisfações sobre o ocorrido. Só queria que me
deixassem em paz.
Faltei todas as aulas na semana seguinte. Permaneci trancado no meu
laboratório pessoal, curando T69. Eu iria realizar o mínimo de modificações
possível, pois queria que aquele robô continuasse a ser tão fiel com fora
originalmente. Eu iria apenas repará–lo, utilizando umas poucas peças minhas.
Ele tinha coração metade humano e metade robótico. Isso significava que
uma parte de Lipsei estava nele? Eu não sabia dizer. Eu não queria forçar o robô
a falar pelo método convencional, pois isso iria alterar a programação de Lipsei.
Por isso, decidi que seguiria o mesmo método dela: tentando ensinar o
robozinho aos poucos, como se fosse uma criança, resgatando memórias de
outra vida.
Em alguns momentos cheguei a pensar a apagar todas as fotos de Lipsei dos
meus computadores. Ou zerar toda a memória de Tchuu, pois seria doloroso
lembrar.
411
Wanju Duli
Mas, no fundo, eu não queria esquecer. Ainda era tudo muito recente.
Fiquei um pouco feliz pela primeira vez depois de tudo quando consegui
consertar Tchuu com bastante precisão. Fiquei orgulhoso de mim mesmo. Eu
nunca havia tomado tanto cuidado em reparar um robô antes. Isso porque eu
estava segurando uma preciosidade. O que os outros viam como um monte de
sucata, eu via como o tesouro mais valioso.
Fui ao enterro de Lipsei. Mas só fiquei à vontade para conversar com ela
quando nós dois ficamos a sós.
Sentei–me diante do túmulo. Tchuu flutuando ao meu lado. O cemitério
estava deserto. Apenas o barulho do vento.
– Lipsei, eu te amo.
Finalmente eu consegui dizer. Tive coragem, após quase quatro longos anos.
“Você é desprezível”. Essa foi a única frase que ela já disse para mim.
Aquilo doía, mas ao mesmo tempo eu ficava contente ao lembrar que ela já
tinha falado comigo um dia. Ela já soube da minha existência. Já olhou para
mim. Eu também fiz parte de um pedacinho das memórias dela e de sua vida.
Afinal, o que é a vida? Eu entendi que não havia nada para temer. Eu
precisava fazer tudo o que eu desejasse. Por medo, deixei de dizer a ela que eu a
amava e que queria protegê–la. Que ela não devia chorar, pois eu iria ajudá–la.
Ela poderia contar comigo.
– Eu juro que a partir de agora viverei intensamente e com sinceridade,
assim como você. Seguirei o meu coração, sem medo de sorrir ou chorar. Pular
ou dançar. Agora eu vejo como tudo pode ser lindo agora que estamos juntos. E,
ao mesmo tempo, nunca estivemos tão distantes. Mas... você me deixou um
presente.
Fitei T69 com ternura; aquele robô torto e esquisito que não parava de
piscar e chacoalhar. Ela dedicou–se tanto a ele. Eu sabia que ele não era para
mim, mas embora eu não tenha conseguido salvá–la, eu pude resgatar uma
porção do coração dela. E eu iria proteger aquele coração com todas as minhas
forças.
Mas para isso eu precisava me tornar forte.
Deuses, destruidores, guerra, poder... eu não era um grão de areia no meio
disso tudo?
Não, eu não era.
O tempo todo eu estava me comparando com as outras pessoas. Quem
tinha mais grampos na gravata? Quem era capaz de construir o robô com o
maior número de funções? Enquanto eu e todos os outros estudantes de
Tecraxei permanecíamos perdidos nesses jogos tolos, somente Lipsei sabia o
que realmente importava.
412
Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
Infinito. Um dia eu iria entregar a cabeça dela como oferenda para ela, naquele
mesmo túmulo.
Afinal, por que Cromo D’aship ficou tão famoso? Porque era um construtor
mexendo com magia tecnológica. Por que a destruidora Sassa Soma era vista
como quase invencível? Novamente, devido ao contato com nossa magia. E até
mesmo uma Deusa veio atrás de nosso grimório.
Havia algum grande segredo por trás daquilo tudo. Estavam escondendo
alguma coisa. A magia não rodava em torno de Samerre ou do mundo
escondido dos Deuses. O centro de tudo era Tecraxei.
Por quê? Eu somente descobriria se saísse de lá e explorasse outras terras:
Sinabil, o país da matemática; Narrara, a terra da literatura; Crava, o recanto dos
adivinhos; Bruznia, onde a beleza era a magia. E muitos outros locais de poder.
Ah, naquele tempo eu sequer sabia que a Deusa do Infinito não era a Deusa
mais forte. Havia outros Deuses muito mais assustadores e de poder
imensurável.
No instante em que fiz a promessa de tornar–me o mago mais forte, eu
jamais imaginei que poderia tornar aquilo realidade.
A verdade era que eu desconhecia minha própria capacidade. Um dia,
quando eu descobrisse até onde poderia chegar o meu poder, eu ficaria
assombrado.
Dez anos e quatro meses depois, aos meus 26 anos, eu me tornei o mago
mais poderoso do mundo. E essa é a extraordinária história de como isso
aconteceu. A história de como os adivinhos de Crava se apavoravam ao
enxergar o meu futuro. A minha jornada com um grupo de amigos de diferentes
países, todos eles cobiçando aquele título.
E como foi que eu o conquistei? Vencendo meu medo de fracassar. Quando
perdi Lipsei, eu prometi a mim mesmo que nunca mais deixaria de falar ou fazer
alguma coisa quando eu ardentemente o desejasse. Então eu decidi buscar a
meta mais difícil de todas. Eu queria provar a mim mesmo que era mais fácil se
tornar o mago mais poderoso do que me declarar para a garota que eu amava.
Eu não tinha mais nada a perder. Iria acreditar firmemente em mim.
Acreditaria ser capaz de realizar qualquer coisa que eu quisesse. Se eu fosse
capaz disso, eu tinha certeza: algo muito especial aconteceria em minha vida.
Algo que superasse qualquer título, fama ou glória.
Sabe o que é a magia? É realizar todos os seus desejos dentro de você, com
alegria genuína e sem arrependimentos, independente do que acontece lá fora. E
a minha maior magia não seria derrotar todos os magos fortes e superá–los em
sabedoria, e sim adquirir o poder de aceitar a morte.
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
pesados, assim como debates ontológicos severos, é muito árida e penosa. Sem
contar os treinos intensos, que exigem alto controle e disciplina do corpo e da
mente. As pessoas não querem algo assim. Preferem as coisas fáceis. Como
comida, que basta aguardar para que seu corpo possa digeri–la. Ser o cozinheiro
mágico é trabalhoso e cansativo.
“Por que Taha Vorta é o mago mais poderoso?” Os leigos não se
perguntavam isso. Apenas acreditavam nas notícias, nos rumores e no
julgamento de outros magos fortes. Era quase questão de fé. “Como ele chegou
lá?” Ninguém sabia tampouco.
O povão só queria um espetáculo para babar, não importava que fosse
incompreensível. Escutar explicações era difícil. Pensar nelas então era um
suplício.
Meu sonho sempre foi ser um cara comum e medíocre ao lado da mulher
que eu amava. Eu teria abandonado a magia por ela. Mas quando ela se foi, eu
precisei desesperadamente de outro objetivo maior pelo qual eu pudesse
abandonar tudo. Para conseguir até mesmo esquecer a dura verdade de que ela
nunca esteve comigo, para começar.
Sempre quando eu critico “o povão”, no fundo eu o invejo. Eu invejo
pessoas que conseguem apenas curtir as coisas simples da vida, sem pensar
muito na dor. Eu não sou a favor da ignorância, mas sou menos a favor ainda
do sofrimento sem explicação. Para superá–lo, eu tive que explicá–lo. E isso só
seria possível investigando a fundo a essência da natureza, fosse nos grimórios
ou na própria magia.
Então, que é ser o melhor mago? E por que ser o melhor? A maioria quer
ser o melhor para ser admirado e pensa que isso se consegue vencendo uma ou
duas dúzias de batalhas mágicas. Não é bem assim. Os caras mais fortes e sábios
meditam nas montanhas por boas razões.
Uma delas é que eles simplesmente não aguentariam a idiotice dos ditos
magos e pseudo magos do mundo e do submundo. Algumas vezes parece que
eles estão participando de um concurso de moda, de dança ou de pirotecnia. Eu
também já fui um mago assim, cobiçando grampos, antes de conhecer a morte.
Ah, meu, eu nunca me incomodei na época em que eu mesmo era um
completo idiota. Muitos magos ficam fortes pela sede de novos desafios, porque
estão entediados. Outros porque necessitam, pois se sentem tristes e vazios. Eu
fiz parte dessa segunda categoria.
Quando Lipsei foi assassinada, eu mergulhei numa profunda depressão.
Eu interrompi meus estudos. Afinal, eu só permanecia a estudar na ECO
por causa dela. Meus planos de trabalhar na mesma empresa que ela queria
também foram por água abaixo. Subitamente, nada mais do que eu fazia tinha
sentido.
416
Fábula dos Gênios
Meus pais não eram magos e sempre foram contra que eu estudasse numa
escola de magia. Por isso, minha desistência não trouxe nenhum contratempo.
– Estudar magia não dá futuro. Tente conseguir um emprego de verdade.
– Eu gostaria de partir numa viagem.
– Não irei financiá–lo nisso. Se pretende viajar, vá por conta própria. Mas
não permaneça fora por mais de seis meses, ou os vizinhos começarão a
comentar que meu filho é um vagabundo.
Minha decisão já estava tomada, independente da opinião de meus pais. Eu
precisava daquele tempo longe de tudo.
Eu estava com tanta pressa que viajei com o uniforme do colégio: o chapéu
cinza, a capa bordô. Eu nunca imaginei que esse meu desleixo seria tão
significativo. Muitos anos depois, eu me tornaria conhecido pelos trajes da
Escola Cibernética da Ordem. Se eu soubesse disso, teria pedido para a escola
me pagar comissão, pela propaganda. Onze anos depois, aquela instituição
elevaria muito seu prestígio e seria reconhecida como a melhor escola de
Tecraxei. E tudo por minha causa: minha escolha trivial de vestir aquilo.
Se bem que aquela escolha teve seu mérito. Independente de quais trajes
fossem, eu sempre quis continuar a vestir algo que remetesse ao orgulho da
minha terra. E esse legado ficou incrustado no meu poder.
Viajei somente com minha roupa de corpo e com uma mochila de couro na
qual eu guardava alguns acessórios básicos de higiene e sobrevivência. A maior
parte da minha magia estava nos computadores portáteis que eu mantinha nos
bolsos da calça.
Levei só uns trocados comigo, porque meu pai não me deu muita coisa. Eu
usaria aquele dinheiro para comprar metal e diversos componentes elétricos e
eletrônicos para construir robôs. Decidi que viveria disso nos outros países, já
que a tecnologia lá fora era cara. Dava para fazer boa grana e sobreviver.
Eu não saí de Tecraxei com planos para voltar. Minha ideia era encontrar
outra terra na qual eu me sentisse à vontade e me estabelecer por lá. Mas eu só
faria isso se voltasse vivo.
Antes disso, minha primeira parada seria em Samerre. Chegando lá, eu me
informaria com os sacerdotes sobre o paradeiro da Deusa do Infinito. Eu sabia
que ainda não tinha poder para puni–la ou muito menos matá–la. Ainda assim,
eu desejava permanecer a par da situação para, a partir dali, tecer meu plano de
vida e treinamento mágico dos anos seguintes.
Mesmo que fosse uma visita inocente, havia o risco de eu me envolver em
batalha. Por isso eu fortifiquei T69 durante minha viagem de navio.
– Agora somos somente você e eu...
Tchuu ainda não sabia falar. Eu não estava com pressa. Por enquanto, seria
suficiente que ele soubesse lutar... sem desmontar.
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Fábula dos Gênios
A maga cheia de laços dirigiu–se a mim, no meu idioma. Ela devia ser
poucos anos mais velha que eu, mas isso não era motivo de chamar–me daquela
forma desrespeitosa.
– Eu sou.
– Pessoas dizem por aí que os Deuses invadiram sua terra. Isso procede?
– Apenas uma Deusa. Estou indo até Samerre para matá–la.
Ela deu um assobio, fingindo que estava impressionada. Eu interpretei o
gesto como zombaria.
– Também vou para Samerre. Vou matar o Deus da Mentira. Ele já me
importunou suficientemente com suas piadas de mau gosto.
Aquele era um universo que eu desconhecia até pouco tempo: magos tão
putos da vida que desejavam não somente dilacerar o corpo de um ser humano,
mas também destruir suas almas ou qualquer outro resquício de existência.
Infelizmente, eu sentia mais tristeza do que ódio. E, para ser honesto,
naquele momento eu não sentia nada. Meu corpo era como um cadáver e minha
mente não encontrava descanso.
Provavelmente foi essa a impressão que passei durante a viagem. Eu me
sentava sozinho num canto do chão do convés e cobria o rosto inteiro com o
chapéu, em desalento.
Alguns minutos depois, voltei a contemplar aquelas fotos. Por que uma
moça tão radiante e cheia de vida como Lipsei estava morta? E por que um cara
como eu, vagando como um cadáver, ainda vivia? Há momentos em que a
natureza não é somente misteriosa, mas também desesperadora.
– Ela é sua namorada? Onde ela está?
Desliguei o meu computador portátil quando notei que a maga de Bruznia
espiava. Levantei–me.
– Ela está morta.
– Sinto muito. Meu nome é Eian Puwi. E o seu?
– Eu não tenho nome.
– Você deseja revivê–la?
– Eu desejo reviver a mim mesmo.
– Agora você vai viver se lamentando pelos cantos só por causa dela?
– Foda–se. Você não tem nada a ver com isso.
Resolvi voltar para meu pequeno quarto no interior do navio. Eu não queria
ser mal educado com ela, mas... por que as pessoas se metiam tanto?
Agora que eu tinha privacidade, resolvi me masturbar olhando para as fotos
de Lipsei. Mas quando tentei fantasiar em minha mente como seriam os peitos
dela, recordei–me do buraco aberto no coração dela e do vestido cheio de
sangue.
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Wanju Duli
Eu não fiquei satisfeito. Talvez Eian tivesse razão. Viver no passado era uma
estupidez. Eu só estaria morto quando eu realmente desejasse. Vida ou morte
não dependem do corpo, e sim do espírito.
Seria esse o segredo da imortalidade? Se as dimensões eram mesmo
cadáveres astrais de seres humanos, então... eu somente precisava resolver um
grande enigma para alcançar um estado próximo de meu poder máximo.
Quando saí do meu quarto outra vez, a maga de Bruznia não se dirigiu mais
a mim. Provavelmente minha rudeza havia ultrapassado o limite. Senti–me meio
culpado.
– Posso ver o seu futuro no cubo de ônix negro?
Uma garota baixinha dirigiu–se a mim. Seus cabelos negros encaracolados
lhes tocavam os ombros. Ela me fitou intensamente com seus olhos pretos e
profundos.
– Por que você quer ver o meu futuro?
– Venho de Crava. Agrada–me espiar a dimensão do tempo.
– Ótimo, mas eu não sou exatamente interessante.
Os viajantes estavam repletos de passatempos intrigantes. A maga de Crava
encarou meu comentário como uma afirmativa e passou a embaralhar suas mãos
ágeis e morenas no ar em volta, como se através das correntes de ar pudesse
desanuviar a sua contemplação do ônix.
– Eu posso vê–lo matar uma pessoa.
– Dificilmente. Só há uma pessoa que desejo matar e duvido que um dia eu
seja capaz disso.
– Agora eu o vejo matar dezenas delas. Você destruiu uma cidade inteira
sozinho com sua magia.
Eu ri.
– O que é isso? Eu vou me tornar um mago negro?
– Você vai se tornar o mago mais forte do mundo.
– Um dia eu fiz essa promessa para alguém. Você consegue ler
pensamentos?
Dessa vez eu fiquei desconfiado. Era estranho que ela mencionasse minha
promessa. Mesmo que fosse uma promessa tola que realizei apenas para minha
vida ter um sentido. Como era algo praticamente impossível de atingir, aquilo
iria me impelir a continuar vivendo.
Mas... se minha meta fosse possível, eu não teria mais razão para viver.
Então eu obviamente não queria me tornar o cara mais poderoso. Aquela tinha
sido quase uma piada ruim.
– Ei, me desculpe, mas não desejo que leia mais nada. O que você diz me
incomoda, mesmo sendo mentira.
Era quase como se ela tirasse sarro da minha importante promessa.
420
Fábula dos Gênios
Contudo, ela não estava ouvindo mais o que eu dizia. Ela fitava seu cubo
mágico com grande fascínio. No começo com medo. A seguir, ela chorou de
emoção. Ajoelhou–se diante de mim.
– Por favor, não faça isso aqui na frente de todos...
Era embaraçoso. Aquela garota era louca? Era uma criança impertinente.
Devia ter uns treze anos e fazia coisas sem sentido.
– Poderia me dar um autógrafo, senhor?
Ela estendeu caneta e papel. Realmente, os passageiros daquele navio não
giravam bem da cabeça. Aquilo devia ser um brinquedo que ela usava para
perturbar os viajantes.
– Eu me recuso. Esse jogo já foi longe demais.
– Meu nome é Leassa Cazara. Sou uma maga prodígio.
Eu levantei as sobrancelhas, meio impressionado. Eu já tinha visto notícias
sobre uma criança capaz de levitar coisas e fazer previsões muito corretas antes
mesmo de aprender a ler e escrever.
– Já ouvi falar. Qual a sua idade?
– Onze anos e sete meses.
– Só isso? E já é muito forte. Logicamente, é você quem tem chances de se
tornar a maga mais forte e não eu. Sempre fui muito atrasado na magia. Minhas
notas no colégio nunca foram grande coisa. Eu seria imediatamente derrubado
num duelo contra você.
Era decepcionante admitir isso, mas era a verdade.
– Eu sei. Não estou me ajoelhando diante de seu eu do presente, e sim de
seu eu do futuro.
– Não há nada de interessante no meu passado e nem haverá no meu futuro,
principalmente no que diz respeito a conquistas mágicas. Pretendo me
estabelecer em qualquer cidade e vender robôs. Isso é tudo. Talvez eu até deixe
de ser mago.
– Então por que está indo para Samerre?
– Nada de especial. Eu perdi uma pessoa importante para mim e pretendo
me confortar com alguma religião. Depois de alguns dias de paz de espírito,
partirei outra vez.
Ela não acreditou em mim.
– Posso ver seu robô?
– Não...
Embora meu RP fosse valioso para mim, confesso que eu ficava meio
embaraçado de mostrar aquele robô mal feito de Lipsei para outras pessoas.
Leassa apenas sorriu bondosamente.
– Eu não estou mentindo. O senhor será grandioso no futuro. E eu poderei
contar a todos que falei com o mago mais forte!
421
Wanju Duli
E ela saiu de lá, toda saltitante e sorridente. Eu ainda estava meio aturdido.
Só para contrariá–la, eu tinha vontade de simplesmente chegar em Samerre e
sair logo depois. Eu não tinha que me envolver nas coisas dos Deuses.
Quando desembarcamos, eu senti um ar pacífico desde o porto. Aquela
cidade era extraordinária. Como uma grande cama felpuda e macia, para apenas
deitar e dormir... para sempre. Concluí que seria um bom lugar para morrer,
com muita tranquilidade e sossego.
Entrei num dos majestosos templos. Seria um tiro no escuro.
– Com licença, eu gostaria de saber do paradeiro da Deusa do Infinito.
O sacerdote fitou–me com curiosidade.
– Não há Deuses aqui.
– Para quem vocês rezam?
– Nós não rezamos. Apenas estudamos nossos grimórios e meditamos.
– Então vocês são os Deuses!
– Nós não somos imortais.
– Oh, vocês são os Deuses mais fortes, que se livraram da maldição da
imortalidade!
– Senhor, tem certeza de que não bateu a sua cabeça em algum lugar?
Temos pilastras bem grandes por aqui. Tome cuidado.
Eu tinha viajado tão longe para que o sacerdote de Samerre tirasse com a
minha cara. Não dava para acreditar.
– Então onde habitam os imortais?
– Eles não habitam, porque eles não têm corpos.
– Espere. Eu já vi uma Deusa de carne e osso.
– Aquele não era o corpo dela. Um mago de qualquer proveniência pode
incorporar o espírito de um Deus.
– Isso significa que os Deuses podem estar literalmente em qualquer parte?
Posso já ter cruzado com um Deus por aí e eu não sabia?
– Improvável. A presença deles é muito forte. Mas boa sorte em sua busca.
A Deusa do Infinito possui uma lemniscata no pulso. Você verá essa marca
facilmente, gravada a fogo.
Aquilo era o bastante. Desisti de procurá–la. Era melhor eu devotar minha
vida a proteger T69.
– Por que... Samerre é chamado de país dos Deuses se eles não estão aqui?
– Na verdade eles estão. Mas somente os Deuses mortos, no cemitério.
– Se eles não têm corpo, o que foi enterrado?
– O espírito. Fortemente lacrado com magia. Os espíritos dos Deuses
possuem uma categoria diferenciada. Isso porque são os únicos espíritos que
não se tornam uma dimensão quando morrem. Eles apenas vagam, o que define
a imortalidade. E eles sonham em se tornar uma dimensão. Dizem que os
422
Fábula dos Gênios
Deuses são espíritos defeituosos. Esse defeito trouxe poder. Isso acontece
frequentemente.
– Quase como fantasmas. Você acha que também posso transformar os
meus defeitos em força? Sou muito preguiçoso e ruim com magia. O que você
me sugere?
– Eu não sugiro nada, senhor. Lembre–se que um dia os Deuses já tiveram
um corpo, mas o perderam. Hoje em dia não existem mais Deuses de carne,
mas dizem que eles existiam no passado.
– Existe uma magia muito próxima da imortalidade do corpo. Os robôs não
precisam comer ou dormir. Eles podem ser consertados.
– Vejo que acabou de descobrir as respostas para suas perguntas. Tenha um
bom dia.
Que sujeito mal educado. Saí de lá. Verifiquei no meu computador qual seria
o horário do próximo navio. Eu cheguei lá aguardando uma batalha de vida ou
morte e tudo que encontrei foi uma pretensiosa disputa de lógica que teve
pouco sentido.
Pelo menos obtive algum direcionamento. Mas apenas para minha mente,
não para meu corpo. Qual deveria ser o meu destino?
Verifiquei o mapa. Resolvi que iria para Crava. Afinal, eu queria saber que
raios era aquela previsão esquisita sobre meu futuro.
E durante a viagem eu toparia com mais passageiros esquisitos...
– Você procura a Deusa do Infinito?
Quem perguntou isso para mim foi uma moça de óculos e aparelhos nos
dentes.
– Ela não está em Samerre.
– Muito prazer. Meu nome é Narda e sou uma simbologista. Qual é o seu
nome?
– Taha, de Tecraxei. O prazer é meu. Você tem notícias sobre a Deusa?
Ela me estendeu a mão e eu a apertei. Diferente de Eian e Leassa, Narda era
gentil.
– Ora, se ela domina o infinito, não está claro que ela pode estar enrolada
nos números?
– Nunca me interessei muito por numerologia.
– Se seu destino é Crava, quem sabe devesse procurar nessa direção.
Ela era uma moça divertida e até um pouco tímida. Sorria quando eu olhava
para ela, com seus dentes metálicos. Pensando bem, ela me lembrava um pouco
Lipsei, embora tivesse cabelos pretos.
Conversamos por um longo tempo. Aquilo tomou quase toda a viagem. Até
que um duelo estourou.
423
Wanju Duli
Um mago de Narrara estava brigando com um cara de... sei lá de onde era
aquele desgraçado. Ele usava um manto negro em farrapos que cobria seu corpo
inteiro. E ele era muito forte!
Ambos eram fortes, mas o mago de manto negro estava claramente
dominando a batalha. Ele usava selos geométricos, que me pareceu muito com
magia de Sinabil.
– Aquilo não é magia dos simbologistas. É magia dos gênios malignos.
– Tá louco...!
Eu não via o maligno dele. Seria um cara de outro povo usando magia de
destruidores? Aquilo era sequer possível?
O mago de Narrara declamava trechos de seu grimório. O mago de negro
utilizava figuras geométricas tridimensionais que se entrecruzavam e pareciam
nascer de outras dimensões do espaço, carregando energias extremamente
pesadas.
Até que meus olhos contemplaram uma cena macabra. Dentro do capuz
dele havia um rosto no qual a pele estava parcialmente destruída e era possível
fitar um esqueleto. Algumas partes do pescoço estavam ligadas somente por
teias, para compensar a falta da pele carcomida. As famosas teias de miasma...
então aquilo existia mesmo?
Ele não era somente um destruidor. Ele era um destruidor extremo, dos
quais só se ouvia falar nas lendas.
Segundo a tradição, em algum momento da juventude e do início da idade
adulta, a maioria dos destruidores fortes o suficiente para atingir os 20 ou 30
anos sem morrer, sobe para as montanhas, tendo como finalidade meditar e
comunicar–se com outras dimensões e Deuses.
Contudo, existe um número muito pequeno de destruidores que, ao atingir
essa faixa etária, decide entrar para uma sociedade secreta chamada “Derradeiros
da Exímia Providência”; a Derraexi–Pro.
Não é uma sociedade de batalhas. Dizem que lá eles guardam os espíritos de
seus mortos, já que não possuem cemitérios. Nesse círculo restrito eles
desenvolvem uma necromancia severa, como os guardiões de seus fabulosos
mortos. Por isso a aparência deles se torna horrível. O maligno os devora por
fora também e eles chegam a perder a carne, a pele ou até os ossos.
Portanto, eles também são conhecidos como os Guardiões, ou os Coveiros
dos destruidores. Mas, pelas últimas décadas, todos se referem a eles por um
título absoluto, que é o nome oficial dado a esses destruidores extremos: os
Derradeiros.
Eu jamais imaginaria viver para poder ver um cara daqueles. Eu não sabia se
eles estavam ou não entre os mais fortes dos destruidores, mas aquilo não
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Fábula dos Gênios
importava. Eles eram uma porra de uma lenda viva! Ou morta, ninguém sabe ao
certo... provavelmente uma lenda morta–viva.
Afinal, quem era o maluco do mago livreiro para comprar briga com um
monstro daqueles?
Um sujeito de cabelos pretos e pele negra. Usava um robe roxo
completamente repleto de fórmulas mágicas, que estavam mais para trechos de
livros de literatura. Eu não entendia a magia daqueles caras, sinceramente. Eram
uns fissurados por livros, por oratória, dialética e por toda a maldição das
recitações de trás para frente.
A batalha acabou quando o Derradeiro arrancou o olho do livreiro com um
selo em forma de losango cruzado. O livreiro deu um grito e, todo
ensanguentado, começou a xingar o Derradeiro numa língua estranha.
O Derradeiro respondeu na mesma língua, com uma voz poderosa e rouca.
E os dois partiram para as agressões verbais, ou assim pareceu. Eu não entendia
nada do que era dito e, aparentemente, ninguém mais.
Os passageiros começaram a gritar, exigindo que o navio atracasse em
qualquer porto ou acabariam todos mortos. Era sempre assim: quando tinha um
destruidor no meio todos sempre pensavam que morreriam instantaneamente,
principalmente após os rumores da guerra... ou massacre... ou holocausto.
– Você está bem?
Eu me dirigi ao livreiro.
– Acabo de perder um olho, mas eu me sinto ótimo!
– Se já se encontra em condições de fazer piadas, imagino que não esteja
assim tão mal. Precisa de ajuda?
– Não, pode deixar. Já estou acostumado. Eu e ele somos amigos. Ou
amantes. Quero dizer, estamos num rolo.
– Um rolo com o Derradeiro?
Era difícil de acreditar.
– É briga de amor. É a maneira dele de dizer que me ama. Ele vai alimentar
o maligno dele com meu olho. Isso significa que sou importante para ele.
– Ah... saquei.
Saquei merda nenhuma. Eles eram insanos. Ou eu simplesmente tinha azar
com os navios que eu pegava?
E mais: o que o Derradeiro estava fazendo em Samerre? Os destruidores
eram conhecidos por seus mantos verdes com tiras de couro marrom. Então
talvez usando um manto negro ele não fosse imediatamente reconhecido. Será
que ele foi até o cemitério?
Eu sabia o quanto destruidores e Deuses estavam se desentendendo nos
últimos tempos. Aquilo era ruim...
Felizmente, já estávamos perto do porto de Crava. E desembarcamos.
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Wanju Duli
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
Ela era muito velha. Devia ter uns 100 anos. Estava coberta de rugas e
roupas coloridas. Os dedos gordos cheios de anéis cintilantes. E no chapéu dela
havia um abutre... difícil dizer se estava vivo ou morto, mas aquilo me meteu um
pouco de medo.
– Eu receberei um de cada vez. Começaremos pelo Derradeiro, pois você
me desperta extremo interesse...
Dessa vez aguardamos na sala logo ao lado. Obviamente, o destruidor era o
mais empolgante de nós quatro: o mais forte e envolto em segredos.
Mas bastaram dez minutos e ele já estava de volta. Ele riu e falou alguma
coisa para nós em dezkazil.
– Mesmo sem ela saber dezkazil, os dois se comunicaram perfeitamente.
Zraba disse que achou Yavia assustadora.
Eu tava ferrado. Ela tinha intimidado até o destruidor.
– A moça pode entrar agora. Sinto uma energia forte emanando dela.
Quando ela entrou, voltei–me para Suaten:
– Então ela é mais forte que você, para chamar a atenção da adivinha?
– Talvez. Eu não duvido nada dos magos simbologistas.
Dessa vez houve uma demora de meia hora. Eu estava ficando nervoso.
Quando ela foi liberada, Yavia chamou o mago livreiro.
Quinze minutos de espera... até que chegou minha vez.
– O último pode vir.
Confesso que me senti um pouco ofendido pela falta de interesse dela. Ela
era tão sábia assim para perceber logo de cara que eu era o mais fraco de nós
quatro? Ela tinha feito essa suposição por eu ser o mais jovem? Aquilo não
tinha nada a ver...
Quando eu entrei, meu coração batia forte. Por que eu estava tão ansioso?
Aquela sala tinha um odor místico. Não somente o cheiro me metia medo,
mas também aquela aura de poder extremo em torno daquela mulher.
Ela deve ter notado meu nervosismo. Como eu era patético.
– Por favor, aproxime–se, jovem mago robótico.
Eu me sentei na cadeira diante dela, ainda decepcionado ao notar como eu
deixava minha timidez visível.
– Está chateado por ter sido o último a ser chamado, não é mesmo?
– Um pouco.
– Não fique. Foi proposital.
– Eu sei.
– Mas não pelo motivo que você imagina. É uma honra para mim conhecê–
lo, Taha Vorta, ainda em sua adolescência; ainda inseguro e inexperiente. Porque
em alguns anos você se tornará confiante e inatingível.
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reencontrar alguns de seus velhos colegas de escola. Mas isso somente daqui
certo tempo.
– Meu futuro parece ótimo. E sobre Narda? Ela não será mais nossa amiga?
– Melhor que isso: será a sua namorada.
– Oh!
Eu fiquei meio confuso com essa nova informação. Eu a havia conhecido
naquele mesmo dia. Era verdade que eu a achei bonita. Ela também tinha um
sorriso gracioso como o de Lipsei. Mas fazia menos de um mês que a garota que
eu amava tinha morrido. Então eu ainda não conseguia me ver namorando
outra pessoa.
Mas apesar dessa revelação repentina, eu não me senti mal com a previsão.
– Quando isso vai acontecer?
– Em breve.
– Então ela gosta mesmo de mim?
– Sim, rapaz.
– Nós vamos continuar juntos? Tipo, casar, ter filhos...
– Você irá matá–la acidentalmente após a primeira transa.
– Você tá brincando, né? Como eu poderia matá–la acidentalmente? Ela vai
ter um orgasmo tão bom que vai morrer do coração?
– Não direi mais nada.
– Quê...? Por acaso você revelou isso para ela também? Por isso demoraram
tanto?
– A conversa com ela teve outro nível. Não posso te contar mais do que isso,
pois esse será o acontecimento derradeiro que fará de você o mago mais
poderoso do mundo.
Eu a fitei com desagrado.
– Eu prefiro ser o mago mais fraco e evitar matá–la. Portanto, eu exijo que
me revele a verdade.
– Você entrou aqui nesta sala tão tímido, e agora já estão tão brabo! Prelúdio
daquilo que será no futuro.
– Eu vou me tornar um mago negro?
– Você será o melhor. Você acha que magos possuem cores de acordo com
o ritmo que bate o coração?
– Você entendeu o que eu quis dizer. Quando digo “mago negro” me refiro
a uma pessoa que mata ou fere outros, fisicamente ou psicologicamente, de
forma deliberada. E não para vingar ou defender alguém. Apenas pelo prazer de
ver o sofrimento.
Eu até senti certo prazer quando eu disse isso. Ser um mago negro me soava
bastante poderoso. Era tentador. Mas havia algo mais forte dentro de mim,
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
– Eu acho que perdemos tempo vindo até aqui. A propósito, não tenho
nada mais a fazer em Crava. Partirei para outro lugar.
– Eu e Zraba partiremos agora para Desmei. Deseja nos acompanhar?
Aquilo me pegou de surpresa.
– Woa! Os destruidores não se mudaram para Consmam?
– Os Derradeiros sempre permanecem nos pântanos, guardando seus
mortos. Zraba quer me mostrar algumas técnicas extremas com o GGS. Topa a
aventura?
– Na hora!
Eu não tinha ideia para onde ir. Não tinha planos imediatos. Independente
do que a adivinha tinha dito, eu apreciei a ideia de fazer amizade com aqueles
dois. E, de qualquer forma, se a profecia me beneficiaria, eu não via problemas
em facilitar as coisas para concretizá–la.
Porém...
– Estou de férias da universidade. Por isso estou viajando. Ainda tenho
tempo disponível. Sempre quis conhecer Desmei! Você sabe que nós
simbologistas amamos os selos geométricos tridimensionais e os idiomas. Tenho
fascínio por aprender dezkazil e principalmente em ver mais dos maravilhosos
selos multidimensionais!
– Você será mais do que bem–vinda para nos acompanhar.
Eu não consegui impedi–la depois de vê–la sorrir com tanto entusiasmo. Eu
não devia me importar tanto assim com aquela previsão besta. Eu não me
sentiria tentado por ela apenas porque Narda iria nos acompanhar na viagem.
Dessa vez optamos por algo mais emocionante: fomos de barco para
Desmei. Afinal, pouquíssimos navios paravam naquele “porto assombrado”.
Durante a viagem, eu senti como se já conhecesse aqueles três há muito
tempo. Aquele era um sentimento gratificante. E provavelmente a previsão da
adivinha nos uniu ainda mais e selou nossa amizade. Afinal, no dia em que nos
conhecemos soubemos que seríamos amigos pelos próximos dez anos, talvez
por toda a vida! Falamos a respeito disso durante a viagem.
– Aparentemente não são apenas as sociedades secretas que selam amizades,
mas também as previsões dos magos de Crava.
– Você faz parte de alguma fraternidade de Narrara, Suaten?
– O quê? As sociedades de literatura são as mais famosas! Possuímos uma
tradição gigantesca. É claro que estou numa.
– Eu ouvi falar de grupos assim na UD, mas ainda não fui convidada...
– Eu curto essas paradas. Será que Derradeiros aceitam membros de outros
povos na Derraexi–Pro?
– Cara... tu tá a fim de ofertar teu corpo em sacrifício pra ser devorado em
troca de poder?
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Fábula dos Gênios
– Ah, sei lá, bicho. Sinceramente, eu preferia usar magia do meu povo, mas
não desejo voltar para Tecraxei. Tenho alguns grimórios aqui no meu
computador portátil, então posso estudar quando quiser que tá suave.
– Só. Mas relaxa. Vamos viajando que de repente tu encontra algo do teu
interesse no caminho. Na vida também é assim, já reparou? Você descobre uma
conexão entre coisas que aparentemente não possuíam relação nenhuma. E de
repente você passa a gostar de algo que antes odiava.
Suaten era gente fina. Foi tranquilíssimo se dar bem com ele. Só era um
porre quando ele começava a falar dos autores que ele curtia e dava um discurso
sobre isso, citando passagens com grande paixão. Talvez eu sentisse raiva
porque também queria me viciar numa linha de magia tanto quanto ele. Eu
achava massa magia tecnológica, mas não tinha nenhuma predileção especial por
ela. Minha preferência permanecia aí por causa da minha base, e por ser magia
da minha terra. Eu queria me orgulhar das minhas raízes.
Tanto eu como Narda ainda tínhamos certo receio e medo de lidar com
Zraba. Mas se ele ia ser mesmo um amigo de longa data, era melhor irmos nos
acostumando. Mais de uma vez eu já levei um susto ao fitar uma parte do rosto
carcomido dele por baixo do capuz ou contemplar aquelas mãos quase em carne
viva. Ele ria com nosso susto. Maldito.
Então nem mesmo ou destruidores eram “magos negros”, no sentido
clássico do termo. Eles matavam, mas isso era algo, hã... cultural. Eles sabiam
reviver seus mortos, as duas partes concordavam em realizar uma batalha com
honra. Um mago realmente cruel torturaria suas vítimas contra a vontade. Acho
que eu não queria me tornar uma pessoa assim: um cara com uma fama pior que
os destruidores. Ser temido não era assim tão delicioso que valesse o sacrifício
do meu espírito.
Quando chegamos em Desmei, eu senti uma emoção estranha. Eu temi, mas
também foi fabuloso. Era um medo que dava prazer de sentir.
De qualquer forma, havia um Derradeiro conosco. Então não corríamos
perigo.
Nós caminhamos muito até atingir uma região erma.
Fogo–fátuo. Eu levei um susto! Estava tudo tão silencioso. O fogo começou
a nos perseguir, mas Zraba nos tranquilizou e mandou que parássemos de nos
mover.
Um segundo mago de manto negro surgiu. As mãos também estavam
carcomidas e não se via o rosto. Quando notei algum volume no peito, concluí
tratar–se de uma mulher. E, putz, até senti um pouco de desejo tentando
imaginar as curvas dela por baixo do manto. Até por uma moça morta–viva eu
sentia isso!
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Fábula dos Gênios
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Aquele lugar era assustador. Quase não consegui dormir, pois eu sentia que
dimensões mortas viriam me trazer pesadelos. Eu logo concluí que não
aguentaria permanecer por muito tempo naquela terra. Além de dormir ao
relento com mosquitos, sons noturnos macabros não me deixavam pegar no
sono.
Eu não consegui dormir na segunda noite. Na terceira eu só desabei por
sono extremo, mas em poucos dias eu já estava completamente esgotado.
Até então, os Derradeiros tinham nos mostrado algumas magias básicas de
destruidores. Sinceramente, eu não me sentia à vontade com aqueles caras sem
pele. E com as moças menos ainda, o que me remetia desejos estranhos.
O pior era que a cada noite eu espiava o corpo de Narda. O meu desejo
aumentava cada vez mais. Até que, duas semanas depois, eu não me segurei.
Em uma das noites ela mexeu as pernas de um jeito que eu vi a calcinha dela.
Eu queria tocá–la. Eu precisava tocá–la, mas eu não ousaria. Eu era um
cavalheiro.
Novamente, tive que satisfazer a mim mesmo sozinho. Mas eu não ia
aguentar por muito tempo aquela tortura. Eu precisava tocar numa mulher.
Eu não queria fazer nada sem a permissão dela. Por isso, tive que ser
indelicado: acordei Narda, sacudindo–a pelo ombro.
– Já está na hora de acordar?
– Não. Eu só queria te dizer para esquecer aquela história da profecia. É
bobagem aquilo. Narda, eu quero você.
Eu disse isso quase num desespero silencioso, aguardando a permissão dela
para avançar. Eu respirava rápido.
Ela me abraçou. Quando senti os peitos dela pressionando contra meu peito,
tive outra ereção. Mas, cacete, eu tinha acabado de gozar após bater uma! Como
aquilo era possível?
Eu beijei aqueles lábios. Ela permitiu, mas depois se afastou.
– Eu fiz algo errado? Me desculpe!
– Vamos namorar?
– É claro.
Tentei abraçá–la outra vez, mas ela apenas se esquivou. Eu me sentia um
imbecil me atirando em cima dela de pau duro só para ser empurrado. Até me
senti ofendido. Acho que isso ficou claro em minha expressão. Fiquei quase
irritado. Ela dizia que queria e depois agia como se não quisesse? Que merda era
aquela?
– Calma. Fica calmo, tá?
– Eu tô calmo...
– Você se atira assim em todas as meninas no primeiro dia de namoro?
– Eu sou virgem.
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Fábula dos Gênios
Ela me olhou com uma expressão tão espantada como se eu tivesse dito “eu
sou um alienígena”.
– Bom, eu não sou.
– Mas eu já fiquei com algumas meninas quando eu tinha onze anos.
Eu disse isso com muito orgulho, para mostrar a ela que eu era um cara
experiente. Mas ela me olhou com uma expressão de pena por eu estar na seca
há cinco anos.
– Você é uma criança. Não quero me aproveitar de você. Agora, vamos
dormir. Amanhã você estará pensando com mais calma.
– Mas a gente ainda tá namorando, né?
Ela fez que sim. E se virou para o lado, para dormir.
Voltei para meu canto. Senti lágrimas nos olhos. Além de eu estar com um
desejo desesperado ultimamente, estava muito sensível. Eu só conseguia chorar,
porra! Muitos fluídos deixando meu corpo naqueles dias. Mas é claro que
disfarcei. Seria vergonhoso que ela soubesse que, além de ser virgem, eu era uma
criança chorona.
Eu devia ter me livrado daquela merda de virgindade antes. Podia ter sido
com qualquer uma. Só para não ter que ser ridicularizado daquela forma.
Talvez eu estivesse esperando por Lipsei. Mas agora nada mais me prendia.
E, para completar, ainda tive uma ereção ao abraçá–la. Ela devia ter sentido.
Mas, em vez de se ofender, ela havia interpretado meu desejo desesperado como
um ato incontrolável de um adolescente babaca.
O que havia de interessante em mim? Eu não tinha grana. Eu era um mago
fraco com um robô que mal servia para batalha. Minha aparência não era ruim,
mas aquilo não seria o suficiente. Narda era belíssima, mais velha e experiente.
Além disso, uma maga poderosa e inteligente.
Então eu precisava impressioná–la de alguma forma. Por isso, virei a noite
construindo um cajado metálico. Coloquei um parafuso na ponta, que serviria
como uma espécie de controle remoto para comandar uma cabeça de robô que
flutuaria logo acima. Esse não seria um autômato. Sequer teria espírito. Era
somente a extensão da minha arma mágica.
Depois que terminei de montar a arma em estado bruto, testei algumas
conexões. O cajado soltava faíscas elétricas, mas eu ainda precisava repará–lo.
Quando Narda acordou, mostrei a ela meu utensílio de poder. Eu me sentia
muito orgulhoso de minha obra. E ela me elogiou.
Mas por que eu ainda me sentia inseguro daquela forma? Eu não queria
passar a minha vida toda apenas catando elogios, como um mendigo. Assim eu
sempre me acharia inferior a ela e sentiria que ela estava me fazendo um favor
ao estar comigo.
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Wanju Duli
Nem tive coragem de me aproximar muito dela naquele dia, por receio de
ser empurrado e rejeitado.
À noite, eu quis conversar com meu amigo livreiro. Pedir alguns conselhos.
Contei a ele que eu e Narda estávamos namorando e eu me sentia perdido.
– Cara, é assim mesmo. Zraba era um cara muito fechado quando eu o
conheci. Parecia ser invencível e sem sentimentos. Mas depois que eu o conheci
melhor, notei que, apesar da pose, ele era tão inseguro quanto eu. Ele só agia
assim para se proteger. Quando você confia mesmo numa pessoa, não precisa
ter medo de chorar ou sorrir na frente dela. Ou dizer o que tá pensando, saca?
– Mas com mulheres é diferente.
– Diferente no que, velho? Não somos todos seres humanos com
sentimentos e desejos?
– Sim, mas eu preciso provar minha masculinidade pra ela. Trazer a lua e as
estrelas como prova de amor, ou qualquer coisa romântica ou impossível.
– E tu acha que não somos machos, rapaz? É foda quando o Zraba dá uma
de orgulhoso. Nós batalhamos constantemente. Muitas vezes são embates
violentos. Ele curte, se excita com isso. Eu também. Só que ele precisa arrancar
pedaços. E aí eu já acho foda, mas deixo passar às vezes, pra agradá–lo.
– Imagino que por ele ser um destruidor seja ainda mais barra pesada esse
relacionamento de vocês. Mas no meu caso, eu sinto que ela espera certas
atitudes de minha parte por eu ser um cara. E muitas vezes os desejos dela são
extremamente contraditórios. Ela queria que eu tivesse muita experiência em
sexo. E, ao mesmo tempo, não queria que eu avançasse logo de cara.
– Ah, meu rei, demorou um pouco pra eu comer o meu parceiro. Ele se
esquivava. A gente costuma fazer tipo um ritual de batalha. Quem derrotar o
outro será o ativo. A gente fode forte. Ele gosta que sangre.
– Confie em mim, ela não vai gostar assim. Você acha que se eu desafiá–la
em batalha mágica e vencer ganho uma trepada?
– Sei lá, porra. De repente ela curte algo mais violento. Tá cheio de mina por
aí muito mais perigosas que caras. A mãe do Zraba, por exemplo, mete muito
medo nele. E você viu lá ele todo assustado com a adivinha. E, afinal, por que
precisa ser tudo do jeito que a Narda quer, meu? Ela também tem que fazer o
que tu gosta às vezes.
– Acho que nem eu e nem ela curtimos muito transar no chão. Facilitaria
bastante se encerrássemos nosso turismo por Desmei e fôssemos para uma
cidade com uma cama.
Contudo, não recebi boas notícias de Narda no dia seguinte. Ela avisou que
suas aulas da faculdade recomeçariam em três dias e ela teria que retornar para
Sinabil de qualquer forma.
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A casa de Eian era uma graça, toda colorida e enfeitada. Parecia uma casa de
bonecas. Eu me encantei particularmente com a estante de grimórios. Queria
dar uma olhada lá.
Mas ela não permitiu que eu tocasse nos livros enquanto não lavasse as mãos.
Por isso, fui logo tomar o banho enquanto ela aguardava na sala lendo um
grimório. Ela me deu para vestir um manto grande azul esverdeado, de seda.
– Então é esse tipo de roupa que vocês usam em casa?
Era nostálgico tocar em livros impressos em papel. O GGS era ainda mais
artesanal: escrito à mão. Mas lá naquela prateleira havia exemplares ainda mais
exóticos.
A maioria eram livros de magia estética. Mas também havia um ou outro
volume de magias de outras terras.
– Opa, esse é de robótica! Pode me emprestar?
– Claro. Durma aqui hoje. E agora conte–me sua história. Aceita um chá?
– Eu aceito. E se tiver comida para acompanhar, eu gostarei ainda mais.
Não foi fácil permanecer em Desmei por mais de um mês vivendo de restos
de vegetais.
Até que aquela garota rude e sincera era bastante hospitaleira. Ganhei um
banho quente, roupas novas, um grimório e agora receberia até comida e uma
cama. E, o melhor de tudo: uma boa conversa. Imaginei que ela também tivesse
uma história para contar.
Ela retornou com uma bandeja com um bule de chá, xícaras, torta de limão
e sanduíches de cenoura. Era tudo muito delicado, mas eu teria comido qualquer
coisa que ela colocasse na minha frente, tamanha era minha fome.
– Conseguiu matar o Deus da Mentira?
– Está complicado. Os Deuses são muito ariscos.
– De fato. Mas seria de pouca valia para mim encontrar a Deusa do Infinito.
Eu não possuo poder para enfrentá–la. Como posso adquirir poder, Eian? Viajei
por algumas terras nos últimos meses, inclusive lugares distantes. Mas pouco do
que vi mexeu comigo. No máximo, belas coisas a serem contempladas, mas
nada que eu desejasse que fosse meu. A não ser pessoas. Mas magia? Difícil.
– A vida é uma viagem para encontrar coisas e pessoas que amamos, para
depois perdê–las. O encanto disso tudo é que só as perdemos do lado de fora.
Aquilo que realmente amamos nunca é perdido de verdade. Ou esquecido.
Eu sabia daquilo muito bem. Um dia pensei que eu tinha perdido Lipsei,
mas no fundo ela sempre esteve comigo.
– Hã... estou viajando para estudar magia, mas sinto que ainda não melhorei
em nada.
– É aí que você se engana. Magia mexe com energias sutis. Apenas ao viajar
e conhecer pessoas, respirar novos ares, olhar muitos magos batalhando usando
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Eu já sabia. Quis viajar para me certificar de que não havia nada fabuloso
perdido por aí. Mas a verdade era que a mais poderosa magia sempre esteve
dentro de mim.
Eu também viajei para esquecer a mim mesmo. Mas eu não era uma concha
vazia. Eu tinha um passado. Tive uma educação. Aprendi algo de valor no meu
tempo de escola. Olhando para trás, parecia que aquilo tudo era inútil. Mas, indo
para a escola cada dia, mesmo achando um saco, pedacinhos de conhecimento
foram se colando dentro de mim. Assim como naquelas viagens.
Eu não notava como ocorria o processo. Somente mais tarde eu iria
entender porque as coisas eram dessa maneira. Poder mágico não era algo que
iria surgir dentro de mim de repente, como um dom. Era resultado de um longo
processo de pequenas conquistas.
Decidi que eu não iria sair por aí como um novato em busca do mestre
perfeito. Ou da escola perfeita. Aquilo simplesmente não existia. Independente
de onde eu estivesse, com quem estivesse e da magia que eu usasse, o que
sempre valeria mais seria quem eu era. E minha visão de mundo.
Eu poderia agregar pequenas porções de conhecimento aqui e ali. Mas havia
algo muito mais importante no meio daquilo tudo. Eu não iria apenas decorar o
que já foi criado, como um robô. Eu iria pensar, imaginar. E desenvolver a
minha magia.
“Como um robô...”
Quando me despedi de Eian e Jalima, depois de ter passado quase uma
semana lá, eu jamais poderia agradecê–las o suficiente.
– Devo partir agora para Sinabil. Minha namorada estuda lá e eu irei visitá–la.
– Que bonitinho! Boa sorte em sua jornada!
E foi com entusiasmo que peguei o navio para Sinabil. Pensando em Narda
durante o caminho. Eu já estava com saudades.
Era isso: eu iria construir minha nova vida, o meu futuro. Quem sabe eu
devesse deixar de ser teimoso e retornar logo para Tecraxei, para continuar os
estudos. Aquilo não era tudo, mas era importante. Para poder montar uma vida
com minha namorada. Ter uma família... e ser feliz.
Eu devia me esquecer da Deusa do Infinito e da maldita adivinha de Crava.
Elas foram acidentes infelizes da minha vida. E daí que eu tinha me apaixonado
por uma menina um dia e ela morreu? O jeito era seguir em frente. E daí que
Yavia tinha feito previsões completamente absurdas? Era melhor ignorá–la. Ela
já devia ter errado muitas vezes antes. Ela era humana e estava sujeita a falhas.
Enquanto eu estava no navio, fazia mais reparos em T69. Aquilo era apenas
uma diversão para mim. Eu não notava que aquelas pequenas magias diárias
estavam alimentando meu espírito.
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Assim que cheguei em Sinabil fui procurar minha querida Narda. Fui até a
universidade dela e abracei–a. Tentei beijá–la.
– Não na frente de todo mundo...
– Por que não? Nós não nos vemos há quase duas semanas.
Para mim era uma eternidade. Nós sentamos num banco para conversar.
Demos as mãos.
– Taha... estou no meio de uma semana de provas. Me desculpe, mas não
terei tempo para você agora.
– Eu... só vim fazer uma visita. Já estou de saída. Resolvi que voltarei para
Tecraxei e retomarei meus estudos. Também estarei bem ocupado.
– É mesmo? Isso é ótimo!
Só disse aquilo para mostrar que eu também tinha planos. Por que ela achou
ótimo saber que eu ficaria longe?
– Mas se quiser, eu posso estudar na mesma universidade que você.
– Você disse que ainda não se formou no colégio. Então não conseguirá
permissão de admissão antes disso.
– É mesmo. Então daqui a dois anos venho pra cá.
– Em dois anos já estarei saindo.
– Sendo assim, vou concluir meus estudos num colégio de Sinabil.
– Isso não é necessário. Gosto mais de você praticando magia robótica. É
mais exótica. Por aqui magia de símbolos e matemática é bem comum. Chega a
ser chato. Por isso vou fazer minha pós em qualquer outro país. Menos aqui.
– Então foi por isso que gostou de mim? Você me achou exótico?
– Sim, você tem esse sotaque e faz essas magias com tecnologia. É
estimulante.
– Isso significa que se você fosse estudar em Tecraxei se apaixonaria por
qualquer outro cara do meu povo, pelo mesmo motivo.
– Não é verdade. Você também é bonitinho e gentil.
Ela passou a mão no meu rosto. Meu coração batia mais forte quando ela
me tocava ou fazia gestos de carinho. Mas eu não ia me deixar enganar. Eu
sentia que eu era um mero jogo para ela. Um passatempo.
Baixei os olhos. Então era disso que a adivinha de Crava falava? Narda ia me
trair. De repente isso se tornava muito claro.
Senti lágrimas nos olhos, mas disfarcei. Eu estava tão apaixonado que
aceitava largar tudo por ela. Não me importava o que eu ia estudar ou no que eu
ia trabalhar. Nem mesmo onde. Contanto que eu estivesse com ela.
Mas para ela era mais importante que eu estudasse certo tipo de magia para
ter status, mesmo que isso me fizesse ficar longe. Ela provavelmente só queria
me exibir para os amigos.
– Você tá me traindo?
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– Vou adivinhar também: você ficou arrasado com a morte da sua musa, que
nunca olhou para a sua cara, e se mudou para longe para apagar as memórias.
No fundo, somos iguais.
– Você está enganada. Me mudei para cá porque minha namorada estuda
numa universidade daqui.
– Sua namorada dez anos mais velha, ou algo assim? O que ela ia querer
com uma criança? Se eu fosse da idade dela, namoraria um menino da sua idade
só para me aproveitar da ingenuidade dele. A propósito, essa sua namorada é
real ou imaginária?
– Essa pergunta era mesmo necessária? Ela é real.
– Dificilmente. Vindo do covarde que levou quatro anos para se declarar
para uma garota e não deve ter conseguido fazer isso nem com ela morta. Então,
me conte tudo! Em quantas décadas você terá coragem de dar nela o primeiro
beijo?
– Meu namoro não te interessa. Sugiro que não fale comigo. Eu não quero
ser visto conversando por aí com alguém como você. Isso estragaria minha
reputação.
Eu tava me fodendo para minha reputação. Só falei isso para provocá–la. E
funcionou. Ela deu um sorriso malévolo.
– Em breve você será destruído.
Cara, até parece que eu tinha medo daquela vaca. Mas eu temi por Tchuu. Se
ela arrumasse um meio de destruí–lo, eu entraria em desespero. Era minha
última lembrança quase viva de Lipsei.
Pelo menos eu sabia que com Niapam como colega meu tempo naquele
colégio não seria monótono.
Entrei atrasado e precisei recuperar meu tempo perdido com provas e
trabalhos extras. Logo eu soube de outra novata que havia entrado com atraso,
assim como eu.
– Você ouviu falar que tem uma nova aluna que é construtora? Ela tem uns
11 ou 12 anos. Ela escapou viva da guerra! Anda numa cadeira de rodas. E mais:
há quem diga que ela é a princesa. Parece que ela tem um anel.
Aquela sim era uma notícia bombástica. Uma vez eu vi a menina de cadeira
de rodas e chiquinhas cor–de–rosa no corredor. Eu não falei com ela, até
porque eu não teria o que falar. Ela provavelmente não gostaria de saber que eu
trocava mensagens de texto com meu amigo Derradeiro. Na verdade eu falava
com o Suaten e ele mandava meus cumprimentos para Zraba. Mas Suaten estava
ensinando o parceiro a usar um computador, embora ele não tivesse muito
entusiasmo para aprender outros idiomas.
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Fábula dos Gênios
– É aquela ali.
– Você nem tem coragem de chegar perto dela? Eu quero que você a beije
na minha frente. Somente assim eu ficarei convencida.
Eu tinha medo de perturbá–la. E não era sempre que Narda topava me
beijar em público. Se ela recusasse na frente de Niapam, seria mais humilhante
do que se eu tirasse nota zero em todas as disciplinas do colégio.
Mas, pensando bem, agora era eu que estava exibindo minha namorada para
os outros. Aquilo não era correto.
Contudo, algo muito pior aconteceu. Quando Narda olhou na minha
direção e notou minha presença, Niapam me deu um beijo na boca. Não
consegui impedir. Foi muito súbito.
Narda fitou–me incrédula. E, para meu horror, Niapam ainda armou um
barraco no meio da universidade.
– Quem é aquela vadia? Então você está namorando a nós duas ao mesmo
tempo? Eu não acredito! Seu cachorro!
Niapam me deu um tapa na cara e saiu de lá. Provavelmente ela estava
gargalhando com sua vitória logo depois.
Narda foi até onde eu estava e não foi capaz de pronunciar uma palavra.
– Espere! Eu posso explicar...
Mas ela não quis ouvir. E saiu. Lá fui eu correr atrás dela. De novo, e de
novo...
– Ela é minha colega. E não acreditava que eu tivesse namorada. Vim aqui
para te apresentar pra ela, e...
– Eu não quero saber. Apenas vá atrás dela. Quem sabe você ainda consiga
salvar uma de nós.
E ela me deu as costas.
Meu... desde a conversa com a adivinha, eu não me lembrava de ter ficado
assim tão furioso.
Sério, eu fiquei puto com Niapam. Quando eu a vi no dia seguinte, ela me
cumprimentou com uma expressão zombeteira.
– Você é tão sujo, T. Roubou um beijo meu na frente de sua namorada!
Você está assim tão apaixonado por mim?
– Por que fez aquilo? Você não consegue ver alguém feliz que já quer
estragar tudo?
– Do que está falando? Eu sou a melhor da classe. É natural que você me
deseje, mas jamais imaginei que estivesse assim desesperado...
– Vai tomar no cu.
– Recém tivemos nosso primeiro beijo e você já quer meu cu? Que menino
pervertido...
Eu saí daquele colégio. Só aguentei um semestre. E foi até demais.
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Fábula dos Gênios
Ela me beijou mais, lambendo meu rosto. Arrastava as mãos nos meus
braços e no meu peito, com aquelas unhas longas. Ela queria me rasgar. Eu
gostava disso. Principalmente quando ela gemia como uma cadela no cio.
Ela agarrou meu saco e massageou–me, enquanto enterrava mais a buceta
no meu cacete.
– Hun... nhawnnn... unnhh...
Eu estava pirando. Aquela mulher era muito gostosa! Gemendo assim, eu
não me segurava. Sentei–me e lambi os peitos dela. Agarrei aqueles cabelos
negros.
Eu fazia movimentos fortes para enterrar meu pênis bem fundo. Estava
quase gozando. E foi no auge do meu prazer, quando meti minha porra nela,
que enxerguei, em completo horror: ela tinha uma lemniscata no pulso.
Ela percebeu que eu olhei. E, antes que eu saísse de perto dela, ela apertou
meu saco com força.
– Você não vai para lugar algum, mago robótico.
Ela meteu as unhas. Eu gritei. Depois disso, eu a fitei com ódio extremo.
– Filha da puta...!
Tentei bater nela. Mas ela apenas segurou meu braço e aplicou–me uma
torção.
– Sugiro que fique bem quieto. Ou irei mastigar o seu caralho até decepá–lo,
menininho...
Eu estava nervoso. Confuso. Desesperado. Contudo, a fúria era muito mais
intensa.
Meu ódio foi tanto que caíram lágrimas.
– Por que fez isso? Por que me enganou? O que eu fiz a você, Deusa
miserável?!
– Eu teria matado Cromo naquela noite, enquanto ele estava doente. Agora
ele ficou mais forte. Seu robô me feriu. Eu exijo a cabeça dele.
– O que Cromo fez a você?
– Ele é o filho de Krashkah, a construtora que abriu o portal para a
dimensão dos Deuses mortos, o que gerou a supremacia dos destruidores.
– Ele é apenas uma criança. Eu tampouco sou uma ameaça.
– Cromo também tem sangue de destruidor. E, segundo a profecia, ele se
tornará o segundo mago mais forte do mundo.
– Fodam–se as profecias! Eu confiei em você. Isso foi muito pior que uma
traição. Eu perdi a virgindade com a assassina da garota que eu amava.
Doeu em mim pronunciar essas palavras. E eu chorei.
Foi tudo planejado. Ela atrasou o momento da transa somente para que eu
me apaixonasse cada vez mais perdidamente. Para depois revelar a sua
verdadeira identidade e me fazer sofrer, repleto de culpa e humilhação.
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verdadeira Narda ainda estava confusa sobre seus sentimentos. Não foi culpa
dela agir dessa maneira.
– Eu já conheci muitos magos tolos, que se deixavam levar pelas emoções.
Mas de todos os que já enganei, você, Taha Vorta, foi o mais ingênuo de todos.
Eu te desafio: tente me rastrear no próximo corpo que irei possuir. Se não
tomar cuidado, em breve pode acabar matando outra pessoa importante para
você. Eu vou rir de novo quando acontecer.
E a voz desapareceu. Assim como a majestosa presença.
Eu estava tremendo.
Não queria que a colega de Narda encontrasse o cadáver da amiga na cama.
Por isso, num ato impensado de desespero, toquei fogo naquele quarto.
Eu saí do país naquela mesma noite. Peguei um barco e coloquei–o à deriva.
O que eu mais desejava era seguir diretamente para Crava e matar a adivinha
pau no cu, como ela queria. Mas, segundo a própria previsão dela, aquilo ainda
demoraria alguns anos para acontecer. Quando eu fosse o mago mais forte do
mundo, talvez...
“Então Cromo será meu inimigo. O cara pelo qual a Lipsei deu a vida para
salvar”.
Quanto mais o tempo passava, mais eu acreditava que a profecia fosse
mesmo verdadeira. Mas quando eu fitava a mim mesmo, não entendia de onde
poderia vir todo aquele poder. Até então, eu era apenas um mago como
qualquer outro. Mas muito enfurecido.
Seria a fúria a chave que me concederia um poder tão grandioso?
“Não pense. Use sua intuição”.
Chamei T69, porque eu desejava abraçar alguém. Do jeito que Lipsei fazia
quando estava com medo. E o coração dele bateu junto com o meu.
Foi então que entendi: o coração metálico de Tchuu tinha uma parte de
carne, e aqueles músculos não eram somente do coração de Lipsei. Também
havia uma parte do coração de Narda ali dentro. Desde aquele dia em que T69
havia atravessado o peito da Deusa do Infinito.
Ele fez isso enquanto ela estava no corpo, como espírito. Isso significava
que, além da carne das duas, havia uma porção do espírito da Deusa naquele
coração. Essa seria a chave para derrotá–la.
Em sua vaidade, a Deusa preferiu me induzir a matar Narda para me fazer
sofrer, e deixar o rapto do meu robô para outra hora. Ela me achava tão
estúpido que pensou que eu não notaria a porção do espírito dela dentro
daquele robô.
Esse erro lhe custaria caro.
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Peguei a minha bússola e dirigi–me para Tecraxei. Com o dinheiro que ainda
me restava, comprei uma série de peças metálicas numa loja. Fui até a casa de
Alburni e bati na porta. Ele ficou surpreso ao me ver.
– Cara, por onde tem andado? Faz, tipo, um século que não te vejo.
– Um ano, para ser mais preciso. Não tenho coragem de ir para a casa dos
meus pais depois de sumir por tanto tempo. Me quebra esse galho?
– Claro, meu. Entra aí.
Eu só precisava de um local reservado para trabalhar. Liguei meus
computadores portáteis, reuni as peças e dei início à operação.
– Precisa de ajuda?
– Pode deixar, eu me viro aqui. Mas um copo d’água seria ótimo.
E pelo resto do mês seguinte dediquei–me à tarefa de compreender o
coração de Tchuu. Eu realizava muitas meditações, tentando me conectar a ele,
mas estava complicado.
– Por que você não tenta...
– Nem pensar. Não vou alterar a programação original dele. Antes, desejo
desvendá–la.
– Lipsei fez algo assim tão complexo?
– Tem tantos erros nisso que está quase impossível decifrar. Preciso ler
dígito por dígito. Trabalho braçal e mental extremo. Não entendo a lógica que
ela usou nessa passagem...
Eu estava abusando da hospitalidade do meu amigo. Fiquei mais alguns
meses lá dentro, pesquisando em dezenas de grimórios de magia eletrônica, sem
muito progresso.
– Estou no último ano do colégio. Me formo daqui a alguns meses e acho
que terei nota suficiente para ser contratado pela Magaut. A prova do concurso
vai ser tranquila com essas notas para subir minha média. E um professor vai
enviar carta de recomendação para mim.
– Isso é excelente! Parabéns. Seu futuro está garantido. Diferente de mim,
que abandonei os estudos formais e estou destruindo meu futuro dia após dia.
Mais algumas semanas depois, resolvi deixar Alburni em paz. Ele tinha os
estudos dele e minha presença iria atrapalhá–lo. Ele nunca dizia nada, para não
ser rude. Por isso eu mesmo optei por me despedir, anunciando que já tinha
feito um grande progresso no meu estudo de T69.
E tive que perturbá–lo ainda mais, pedindo dinheiro emprestado para minha
próxima viagem.
– Ah, meu, não vai rolar. Se eu já tivesse começado a trabalhar até te dava
meu primeiro salário, mas...
– Nossa, imagina. Nem esquenta com isso.
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base dele, já que a construção de robôs seguia certos padrões, o que não
acontecia na geração de malignos.
E eu estava tão viciado que escrevi o maldito grimório! Dediquei os
próximos dias a isso. Montei–o, testei–o, revisei–o. Obtive meus direitos
autorais e depois coloquei à venda na internet. Se eu conseguisse comprar uma
bala com as vendas daquele grimório já seria boa coisa.
Olhei no calendário e percebi que um mês já tinha passado. Era hora de
partir. Dali a pouco eu iria esgotar todas as frutas da floresta de Samerre...
Foi então que notei a origem da minha dificuldade em caminhar. Eu estava
muito magro, vivendo só de frutas e vegetais. Eu ficava a maior parte do tempo
parado, mas ainda assim era dureza. Meu cérebro trabalhava tanto fazendo
magia que exigia energia extra.
Finalmente peguei o barco. Eu dormi no caminho. Quando acordei, vi um
rosto bastante familiar.
– Mas se não é o futuro maior mago do mundo! Onde você estava não tinha
sinal, cara? Você ficou incomunicável. Sempre cheio de segredos.
– Porra, Suaten. Onde é que eu tô, velho?
– Narrara.
– Ah, droga. A terra dos livreiros. Me ferrei. Odeio ler.
Cobri a cara com o chapéu novamente, esperando que meu barco pudesse
me levar para qualquer lugar sem literatura. O meu Grimório de Corações
Eletrônicos tinha mais números e conceitos do que linguagem poética.
– Ah, vai te foder, Taha. Deixa de frescura e olha essa merda aqui.
Ele colocou um folheto na minha cara.
– Ahh... hãã? “Campeonato de magia”? Deixa disso, camarada. Essa bosta
aqui é pra criança. Por que eu entraria nessa palhaçada? Só deve ter adolescente
mal comido se achando bonzão.
– Por causa do prêmio em dinheiro.
– Opa. Por que não falou antes?
– Espero que tenha aprendido algo de valor nesse seu retiro espiritual. Eu
treinei pra caralho. Vou levar o Zraba junto para ele intimidar metade daqueles
bostinhas. Se um de nós três ganharmos dividimos o prêmio com os três,
combinado? Porque é uma bolada.
– Fechado. Essa besteira vai servir pra me aquecer.
A série de batalhas mágicas que aconteceria a seguir seria memorável. Eu
mesmo ficaria espantado com minha própria força. E completamente
embasbacado quando descobrisse do que meu RP era capaz.
– Depois vou precisar da ajuda dos livreiros para divulgar um grimório
muito especial.
Energizei o meu cajado. No dia seguinte eu não iria dormir de barriga vazia.
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Eu não sou uma boa pessoa. Para mim, todos os seres humanos são iguais.
Portanto, eu não me importava de usar seus corpos e de fazê–los sofrer, como
uma vingança. E aquilo continuaria infinitamente, até que eu obtivesse a cabeça
de Cromo D’aship.
Eu fiquei abismado.
Naquela noite, antes do dia do grande campeonato de Narrara, espiei o
coração da Deusa do Infinito, dentro de Tchuu. Nele havia pedaços de
memórias, que eu tive que resgatar do banco de dados.
Eu jamais imaginei que a Deusa do Infinito fosse uma garotinha com um
passado tão sombrio, que perdeu o corpo aos nove anos. Eu não olhei tudo,
porque não tive coragem. Havia regiões do coração com uma energia muito
mais amarga, o que indicava sombras ainda mais profundas em seu passado.
Isso não justificava nenhuma das atrocidades que ela fez. Por outro lado, a
mente dela era a de uma criança. Como julgar uma criança assassina?
Eu também queria espiar as memórias de Lipsei. Contudo, eu não desejava
invadir a privacidade dela. Mesmo ela estando morta, achei que isso fosse errado.
No próximo dia, surpreendi–me ao constatar como havia desafiantes para o
campeonato. A platéia também era grande. A maioria dos magos seria de
livreiros, mas também havia uns sujeitos de outras terras.
– E aí, quem vai ser teu primeiro adversário?
– E eu vou saber? Me passa a lista.
– Que lista?
– Esse cacete que tu tá segurando.
Suaten me passou a relação dos nomes. Eu conferi.
– Tá cheio de desgraçados que eu não conheço. Que merda, hein? Espero
que não me coloquem para lutar com um mago muito fodido. Opa! Como é que
tá, Z?
Nem tinha visto Zraba lá. Parecia um vulto negro.
– De boa. Onde estão os caras fortes? Não tem nenhum famoso?
Ele tinha aprendido o idioma dos livreiros naqueles quatro anos. Ele
provavelmente já estava pronunciando até melhor do que eu.
– Cara, nesse campeonato só vai dar um bando de punheteiros paga pau de
mariola. Saca só aquele jeca chupa rola.
Apontei para um mago aleatório que de tão bebum mal se mantinha em pé,
se apoiando num cajado de madeira podre.
Suaten teve que traduzir meus xingamentos para Zraba, que ainda não
entendia tudo. Bem, e eu não entendia metade dos xingamentos do Derradeiro.
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A primeira batalha foi entre dois adolescentes que mal sabiam montar
círculos de proteção. Eu estava bocejando.
– Me acordem quando acontecer algo interessante.
Eu me encostei na parede e baixei o chapéu. Pior que acabei dormindo
mesmo.
Acordei com muitos gritos. Era o duelo de Zraba, que evocou seu gênio de
sacrifício, assombrando a todos. Eu mesmo deixei meu chapéu cair com o que
vi.
Aquele gênio era ainda mais macabro que um maligno. Metade dele estava
sem pele e carne, com órgãos à mostra e um coração pulsante, pingando sangue.
Algumas vezes eu não me dava conta que meu amigo era um destruidor.
Forte pra caralho. Mas nas poucas batalhas que eu o vi lutar, ele só usou selos
multidimensionais. Eu nunca tinha visto o gênio do cara. Era a primeira vez.
Mas para ele ter usado aquele gênio só podia estar enfrentando alguém muito
poderoso.
Para a minha surpresa, era um mago robótico. O RP do sujeito era
gigantesco. O mago tinha olhos e cabelos pretos. Eu conhecia aquele rosto.
– Sovishka...!
O cara do grampo dourado. Ah, velho!
– Você conhece o mago eletrônico?
– Meu, o mundo dos magos é um cu. Todo mundo se conhece nessa porra!
– Quando você se torna forte, cedo ou tarde acaba topando com os sujeitos
mais poderosos.
– Ele é meu ex–colega. Sempre o admirei. Ele era popular desde o tempo de
colégio. É uma honra vê–lo lutar.
Os selos eletrônicos de Sovishka contra os selos geométricos
multidimensionais de Zraba. O confronto entre as entidades também era de
deixar o queixo cair. A platéia não parava de fazer barulho. De minha parte, eu
estava silencioso e em transe, para não perder nenhum movimento.
Até que Sovishka pronunciou algo impressionante:
– Eu me rendo.
Porra! Bastaram alguns segundos de batalha para que ele captasse a
dimensão da força do Derradeiro. Ele viu que era barra pesada e ia acabar
perdendo seu RP. O autômato de um mago robótico é muito mais importante
que dinheiro ou glória.
Mas depois disso a galera soube que havia um destruidor participando do
campeonato. A maioria dos desafiantes desistiu. E a platéia aumentou
assustadoramente. Cada vez chegava mais gente, ansiosos para assistir ao
Derradeiro.
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– O que você poderia fazer contra isso? Ela lê o futuro. Sabe as magias que
serão escolhidas.
– Ela não tem honra.
Quando o nome da maga foi pronunciado, eu levei um susto.
– Leassa Cazara? Eu conheço esse nome! É a criança prodígio. Quando eu a
conheci, ela tinha só onze anos. Seis anos se passaram. Inacreditável!
Eu teria que lutar contra ela. Era minha vez de batalhar. Antes que eu
subisse na arena, Zraba me alertou.
– Cuidado para não vencer. Ou terá que lutar contra mim.
Pelo jeito, o Derradeiro estava a fim de ganhar o “campeonato dos caipiras”.
Eu tava ferrado.
Aquele campeonato já tinha se tornado uma palhaçada, com todo mundo
abandonando a luta depois de ver o Derradeiro. Pelo jeito só tinham sobrado os
caras fortes. O prêmio já estava ganho, contanto que aquela menina não
atrapalhasse. Não era possível que ela vencesse de Zraba também.
Leassa ficou maravilhada quando me viu. E o pior de tudo: eu estava com as
mesmas roupas de quando ela me conheceu. O que ela ia pensar de mim?
– Oizinho.
– E aí, faz tempo...
Até fiquei meio sem jeito de falar com ela, agora que ela era uma moça tão
atraente. Ela notou meu embaraço, mas apenas sorriu.
– Sugiro que lute para valer, Taha Vorta. Não se permita distrações.
– Se já sabe o resultado desse confronto, Leassa Cazara, por que não me
conta?
Mais um sorriso misterioso. Ela elevou seu cubo negro ao alto, que flutuou.
A platéia se manifestou. Aquele cubo devia significar algo como o gênio: ela ia
pegar pesado desde o começo. Ela não usou aquilo contra Suaten.
Tirei meu RP da dimensão na qual ele se escondia. Por enquanto eu o
deixaria como escudo, atacando somente com selos eletrônicos.
Mas não adiantava o que eu fizesse: aquele cubo refletia todas as minhas
magias, como um espelho. Como é que se vence de uma maga que é capaz de
ler seus pensamentos e adivinhar o ataque seguinte?
Bastava não pensar. Eu precisava realizar uma luta puramente intuitiva.
Aquilo seria complicadíssimo. A maior parte dos meus selos era construída com
base em esquemas de circuitos elétricos e eletrônicos. No meu último selo
elétrico houve um processo racional do controle sobre o cálculo de voltagem
das correntes contínuas ou alternadas. Era algo meio porreta fazer aquilo por
intuição. Mas não era o que os destruidores faziam?
Somente um selo altamente energético poderia derrubá–la. Mas até então ela
dominava completamente aquele embate.
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Ela sorria, mas era muito cuidadosa. Será que ela temia minha força? Ela via
o futuro. Tinha dito que eu me tornaria o maior mago do mundo. Então aquele
conhecimento a afetaria psicologicamente naquela batalha. Bastava eu
demonstrar confiança para intimidá–la.
– T69, destrua aquele cubo.
Tchuu avançou. A maga recuou imediatamente, protegendo–se. Agora quem
sorriu fui eu. Dificilmente Tchuu teria o poder de fazer o que mandei. Ela caiu
no meu blefe e ia alterar a técnica.
– Há um espírito no cristal?
– Há.
– Não vou tocá–lo.
– Não seja ingênuo.
Ela quebrou uma xícara no chão. Os pedaços desapareceram, bem como o
conteúdo, que foi se materializar em cima de Tchuu. Aquilo era ruim. O líquido
poderia estragá–lo.
Eu ia calculando a corrente. E ela podia prever o resultado de todos os meus
cálculos, por mais rápido que eu fosse.
Até que eu parei. Ali de pé, meditei. Minha mente penetrou em outra
dimensão. Uma que ela não poderia prever. No segundo seguinte, eu carregava
o cubo dela nas mãos. Leassa levou um grande susto.
– Eu me rendo.
Muitos gritos.
“A famosa Leassa Cazara se rendeu!”
“Quem é aquele cara de chapéu engraçado?”
“Mas que lutas monótonas, sem gritos e sangue. Todo mundo só se rende!”
Eu nem mesmo voltei para meu lugar. Seria a luta final, já que o último
imbecil que ainda tinha sobrado de outra luta também se acovardou.
Quando Leassa passou por mim para descer da arena, devolvi–lhe seu cubo
mágico.
– Obrigada.
– Podemos conversar mais depois?
Fiquei com receio que ela interpretasse minha pergunta como um desejo
meu de dar em cima dela. Mas ela respondeu muito naturalmente, com um
aceno afirmativo de cabeça.
Zraba entrou na arena. Eu estava suando. A expressão dele era mortalmente
séria. E aquele papo de dividir o dinheiro do prêmio entre nós três? Ah, até
parece que ele se importava com o prêmio. Ele só queria acabar comigo.
De repente, todas as lembranças das nossas conversas informais e aventuras
divertidas saíram da minha mente. Naquele instante ele era como um
desconhecido. Um adversário forte que não pegaria leve em nenhum momento.
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Só que já era tarde. Peguei o gênio dele como refém. Mas Zraba fez uma
ameaça.
– Se eu ordenar que meu gênio exploda, ele irá matar seu RP.
– A escolha é sua.
Ele não ia fazer isso. Se matasse o gênio, ele perderia quase todos os órgãos.
Era morte certa.
Mas ele não tinha nada a perder. Porque já estava morto.
O gênio de sacrifício dele explodiu, numa chuva de carne, sangue e ossos. O
gênio não tinha esse nome por acaso.
Tchuu foi quebrado. Os pedaços dele desabaram no chão, em meio a
músculos de carne e fios elétricos.
– Filho da puta!
Eu não podia acreditar que ele tinha feito aquela merda no campeonato dos
babacas! Só para impressionar os roceiros de Narrara! Ele mesmo não dava a
mínima para aquela gentalha e fazia aquele absurdo, só para proporcionar um
espetáculo.
E a platéia gritou. Zraba desabou. Estava ajoelhado, com sangue a escorrer
pela boca. Eu não via meios de aquele cara permanecer vivo.
Até que alguma coisa se mexeu no chão. Os pedaços metálicos se reuniram
de novo, absorvendo partes do gênio de Zraba. Meu RP usou a energia imensa
daquele gênio para recuperar sua existência.
Tchuu reergueu–se, fortalecido. Agora estava maior e mais imponente. Um
coração forte e pulsante, cujo brilho se via através do metal.
Graças a T69, Zraba não morreu. Mas ele perdeu seu gênio. E somente
continuaria a existir enquanto meu RP também vivesse. Estaríamos conectados.
Agora um pedaço do coração e do espírito do Derradeiro, que estava no gênio,
estaria em T69.
Zraba sofreu uma derrota completa. Os livreiros que assistiam foram à
loucura! Um Derradeiro derrotado por um mago robótico? Isso faria subir
muito a fama da magia de minha terra natal.
Estendi minha mão para que Zraba a segurasse, para ajudá–lo a se levantar.
Mas ele não aceitou. Ergueu–se sozinho.
– Cara... se você espiar minhas memórias dentro desse seu maldito robô,
juro que te mato.
– Fica frio. Não vou olhar nada. Não precisa me ameaçar, velho.
Ele estava agindo de forma esquisita. Era seu lado destruidor. Mas era
ilógico que ele sentisse raiva de mim, sendo que foi ele quem tentou matar meu
RP.
– Eu não começo uma luta para perder. E nunca me rendo. Eu precisava ir
às últimas consequências.
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Aquilo era mera especulação. Eu podia ser de qualquer parte, usando magia
de outras terras. As teorias mais malucas eram as que diziam que eu era um
construtor sobrevivente buscando vingança.
Mas a magia robótica foi a que mais se destacou. Teve gente que até
identificou a roupa que eu usava e descobriu de onde era.
“É uniforme de uma escola de Tecraxei. Será que isso significa que ele tem
17 anos ou menos? Que impressionante!”
Eu estava acompanhando todos os boatos pelo meu computador. Era
engraçado, mas às vezes irritante. Principalmente quando havia comentários
infelizes.
“Ele estava enfurecido. Matou o destruidor e depois que fez isso quase
matou alguns fãs. Ele é bem estúpido”.
Depois que li isso, parei de procurar essas coisas na internet. Fiquei muito
satisfeito por não ter dado minhas informações pessoais para aqueles imbecis.
E só por causa daquela confusão, eu perdi a oportunidade de conversar mais
com Leassa depois do campeonato. Eu devia ter deixado Zraba ganhar.
– Que grande ofensa. Você ia me deixar ganhar, criança? Veja só com quem
está falando. Eu admito minha derrota em nossa luta justa, mas não saia dizendo
essas coisas por aí.
– Você realmente se importa com sua reputação? Eu sinceramente me
importo mais em conquistar uma parceira para passar meus genes adiante.
– Esse é o jeito polido de Taha dizer que quer foder. Passou mesmo quatro
anos naquela floresta sem trepar? Que tortura.
– Isso só aconteceu porque há distorção temporal naquele lugar. Se eu não
encontrar Leassa novamente nas próximas semanas, vou pra um puteiro. Já
dizem por aí que sou mal educado e mercenário. Seria ótimo se também
dissessem que sou um depravado.
Mas logo suspeitei que aquelas medidas urgentes não seriam necessárias.
Felizmente consegui localizar Leassa pela internet. Nós combinamos algo para o
outro dia.
Ela ficou muito contente quando me viu. Aguardava–me na mesa de uma
confeitaria.
– Parabéns, campeão! Vou te contar um segredo: em breve seu poder
mágico irá adquirir uma proporção gigantesca. Se você já está surpreso com o
poder que tem agora, nem imagina o que vem pela frente.
– Então ainda estou fraco?
– Pra caramba!
– Pelo menos estou mais forte que você.
– Só um pouquinho...
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Acabei indo embora mais cedo do que pretendia. Assim que terminei meu
sorvete, eu me despedi. Era insuportável ficar segurando vela enquanto os dois
se abraçavam.
Lá fui eu bater na porta do Suaten.
– O que tu quer? Me contar que pegou a Leassa? Parabéns. Boa noite.
Ele já foi fechando a porta, mas eu coloquei o pé para impedi–lo.
– Ela já tem namorado.
– Que pena. Boa noite.
– Calma, porra. Tu tem o telefone de um bordel bom, aí? Agora eu tenho
grana. Posso gastar tudo em putas.
– Hã... por que não vai numa festa, que sai mais barato?
– E ser reconhecido lá como o cara que venceu o campeonato? Nem pensar.
– Você ia pegar várias.
– Não quero me incomodar. Prefiro ir num local sossegado que ninguém me
conheça. Por que eu preciso economizar dinheiro, afinal? O Zraba não aceitou
receber a parte dele. Só dividi o dinheiro contigo, ainda tenho um monte.
– Eu apliquei minha parte numa poupança.
– Que bundão. Depois a gente vence outro campeonato e ganha mais.
– É disso que você pretende viver?
– Não, mãe. Eu vou dar a bunda. Me arranja logo o telefone de qualquer
bordel. Eu sou muito tímido pra chegar nas meninas em festas. Prefiro pagar e
sair como eu quero.
– E eu pensando que você era romântico...
– Eu sou romântico pra caralho, isso eu garanto. Mas não quando a menina
que eu gosto tá namorando e eu tô há quatro anos sem trepar.
– “A menina que eu gosto”. Qual é! Você reencontrou ela, sei lá, anteontem?
Não vem fazer drama.
– Eu não tô fazendo drama. Só quero a merda do telefone.
– Por que não procura na internet?
– Ah, eu nem entendo direito essas letrinhas feias do idioma de vocês. Até
eu encontrar o que quero já amanheceu.
– Entra aí.
Não foi uma boa ideia. Assim que entrei, notei que Zraba estava lá, deitado
na cama. Ele cobria o corpo inteiro com um cobertor. Seu manto negro estava
numa cadeira. Ele ficou furioso quando me viu.
– Suaten, da próxima vez vamos trepar no cemitério. Pelo menos assim os
mortos não irão nos fazer visitas.
– Foi mal, cara. Não queria perturbar. Até quando você vai ficar puto
comigo?
– Até eu te matar.
473
Wanju Duli
– Hm, estou com ciúmes. Tá aqui um telefone, meu. Pega isso e dá o fora.
– Valeu.
Lá na porta, antes que eu saísse, Suaten me deu um alerta.
– Você sabe que os destruidores sentem atração por violência. Você tá
ficando forte e ferrou ele naquela briga. Ele tá muito irritado contigo, mas às
vezes essa é a maneira dele de sentir tesão. Então, cara, se você continuar nessa
rixa com ele, quem vai te matar sou eu.
– Calma, velho! Eu sou teu amigão. Não vou roubar teu amante. Eu tô
desesperado por sexo ultimamente, mas não tanto... Não se preocupe, não sinto
nenhuma atração pelo teu parceiro e nunca sentirei. Satisfeito?
– Bastante. Divirta–se com sua vadia.
E ele bateu a porta na minha cara. Excelente! Estavam todos fulos da vida
comigo ultimamente: meus amigos, os outros magos, os jornalistas...
Sem nenhum amigo por perto era vazio ter dinheiro. Eu tinha me afastado
da minha família e dos meus poucos amigos de Tecraxei. Minha vida não parava
de dar reviravoltas. Era meio assustador.
Minha magia estava se tornando muito forte. Tive meus primeiros
momentos de fama. Mas eu sentia que tudo aquilo só estava me afastando das
pessoas importantes pra mim.
Fui até um telefone público e liguei para o bordel. Uma voz muito sensual
atendeu.
– Oi, hã... tenho interesse nos serviços desse estabelecimento. Estou me
dirigindo para o local agora. Poderia ir preparando alguém para mim?
Eu me senti um idiota. Eu nem sabia o que dizer, ou como dizer. Era a
primeira vez que eu ligava pra um local do tipo.
– Normalmente você escolhe a moça quando já está aqui, dentre as que
estarão disponíveis. A não ser que já as conheça e requisite uma específica.
– Ah... entendi. E pode ser com duas? Ao mesmo tempo?
Eu senti vergonha de perguntar isso. Será que ela ia rir do meu pedido?
– Com quantas quiser, pelo tempo que quiser, contanto que possa pagar.
– Certo. Logo estarei aí. Obrigado.
Eu desliguei, me sentindo cada vez mais ridículo. Eu precisava dizer as
coisas com mais segurança.
No caminho, fui imaginando quem eu ia escolher. Se fossem duas, eu
pegaria uma branquinha de cabelos castanhos, como Lipsei. E a outra seria uma
negra de cabelos pretos e encaracolados, como Leassa. Mas, se fossem três, eu
acrescentaria uma alta gostosa e peituda, de cabelos longos e negros, como
Narda. Mas... três... será que era muita coisa? E se fosse só uma? Que dilema!
No caso de uma só, quem sabe eu escolhesse uma que fosse uma mistura das
características das três.
474
Fábula dos Gênios
475
Wanju Duli
nas redondezas também. Eu não queria problemas com o cara. Ele era gente
boa e um mago forte. E, acima de tudo, eu o respeitava, como jornalista e como
pessoa.
E, bom, Leassa era minha amiga. Eu a considerava assim. Uma velha amiga.
Eu também a respeitava pra caramba.
– Taha? Você está me escutando?
– Hã...?
Onde minha cabeça andava nos últimos minutos? Acho que eu fiquei
sentado no banco, olhando pro nada, pensando nas mocinhas imaginárias do
bordel. E a voz de Leassa era tão relaxante, que eu devia ter entrado num transe.
Mas num transe erótico.
Eu levei um grande susto quando vi o que tinha acontecido. Eu tava muito
excitado. Ali, sozinho, pensando merda. Ao lado da minha amiga.
Meu coração acelerou. Eu comecei a tremer. De repente, eu fiquei muito
nervoso! Meu corpo estava ficando louco. Eu estava respirando rápido e minhas
mãos estavam tremendo sozinhas.
– O que foi? Você tá bem?
– Tô, não se preocupe. Eu só preciso passar num hospital...
Até minha voz estava falhando. Eu simplesmente não entendia o que era
aquela sensação. Inicialmente pensei que era uma libido violenta se apoderando
do meu corpo, mas era mais que isso. Será que eu estava tendo, sei lá, um
derrame? Não, derrame não era assim. Síndrome de pânico? A verdade era
muito mais assustadora.
Eu perdi o controle de mim mesmo. Completamente. Logo, eu não me
recordaria de mais nada.
Quando acordei, eu estava deitado na grama da praça. A noite já tinha caído.
Eu sentia uma sensação muito boa no corpo. Como se tivesse gozado. Coloquei
a mão dentro da calça e percebi que tinha mesmo acontecido. Mas... aquilo não
fazia sentido.
Sentei–me, ainda sentindo o corpo trêmulo. Olhei para o lado. Levei um
susto quando vi que Leassa estava perto.
Tanto eu como ela estávamos completamente vestidos. Mas ela estava
sentada na grama com seu cubo de ônix negro nas mãos. Parecia ter realizado
uma magia muito forte, porque eu ainda sentia energia pesada ao redor.
– Finalmente voltou a si. Você se machucou?
– Não me machuquei. Estou bem. Aliás, muito bem. O que aconteceu? Por
que está com seu cubo?
– A Deusa do Infinito se apoderou do seu corpo. Precisei fazer um
exorcismo violento para tirá–la de você.
476
Fábula dos Gênios
– Não me diga que ela me fez fazer algo estranho na sua frente? Ela só sabe
me ferrar, cara! Sinto muito que tenha testemunhado essa cena vergonhosa. Na
verdade eu estava a caminho de um bordel. Eu estava com receio de te contar
para você não pensar algo estranho, mas acho que nesse caso é bom esclarecer
as coisas.
– Então foi isso. Ela se conectou ao seu estado de espírito e somente
potencializou–o. Qual o seu rolo com a Deusa? Por que ela está interessada em
você?
– Ela quer se vingar de um construtor chamado Cromo, que a matou. Eu
tive o azar de me meter no meio da vingança e desde então a diversão dela é
matar ou ferir as pessoas ao meu redor para me fazer sofrer. É pura frustração,
porque ela inveja os mortais.
– Cromo, o futuro segundo mago mais forte. E você será o primeiro. Isso
não foi azar. E nem é coincidência. Mesmo que ela ainda não saiba que você se
tornará o mais forte, algo a atrai até você. Só pode ser isso. Ela sente algo
misterioso em você e não sabe o que é.
– Ela não pode ser assim tão burra. Se bem que ela morreu quando criança,
então pode ser ingênua e precipitada em muitas coisas. Falando nisso, e suas
previsões? Você não soube que a Deusa ia tomar meu corpo? Por que não me
alertou?
– Taha, eu não sou perfeita. Tampouco realizo previsões o tempo todo. Já
disse que não fico espiando o interior das pessoas e invadindo a privacidade dos
outros se elas não me dão essa autorização. Eu até poderia, mas acho rude. Se
bem que, no dia em que nos conhecemos, quando eu tinha onze anos, eu vi uma
coisa...
– O que você viu?
– Eu vi que minha primeira vez seria com você. Mas como eu era criança, eu
nem entendi bem o que vi. Pensei que íamos nos casar, ou algo assim. E quando
nos reencontramos novamente há uns dias, eu já com 17 anos e namorado,
concluí que essa previsão certamente estava errada. Até porque eu e Sovishka
começaríamos a morar juntos daqui umas duas semanas e certamente faríamos
amor.
– Quê? Do que está falando? Eu não entendo.
Para meu horror, vi que, por baixo da saia, havia sangue nas coxas dela. Meu
corpo inteiro congelou.
– Você está menstruada? Sai tanto sangue assim da primeira vez?
Eu sabia que não era nenhuma daquelas coisas. Mas eu ainda tinha
esperanças de que eu pudesse estar enganado. Eu precisava estar.
Ela não respondeu. Assim eu entraria em desespero!
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Wanju Duli
– Leassa, você fez sexo comigo? Fez porque quis, né? Eu não te forcei nem
nada assim, certo?
– Apenas não pense nisso. Você não se lembra de nada.
– Você traiu seu namorado?
– Eu jamais o trairia.
Quando ela disse isso, eu senti lágrimas nos olhos.
– Você nunca vai me perdoar.
– Não. A Deusa só potencializa um desejo que já estava dentro de você. Mas
eu não irei acusá–lo. Sovishka não precisa saber disso, ou ele irá matá–lo. Mas
nós nunca mais nos veremos.
Notei que, além do sangue nas coxas, ela estava com alguns hematomas. Eu
a havia espancado? Puta que pariu!
Pensando bem, Leassa estava sendo extraordinariamente compreensível. Se
fosse outra garota na mesma situação, talvez estivesse me xingando e me
ameaçando de morte.
Ainda bem que as memórias não tinham ficado em mim, para me
atormentar. Eu nunca queria saber, ou aquilo permaneceria nos meus pesadelos.
Eu queria pedir desculpas a ela, mas porra. Seria muito cara–de–pau depois
de tudo. Eu era apenas um mago fraco incapaz de conter um desejo tão básico
como aquele. Era só um animal, servo dos meus instintos, que feria meus
pensamentos constantemente com imagens pecaminosas. Tudo o que a Deusa
fez foi apenas exteriorizar coisas que já existiam dentro de mim.
Então eu era um monstro? O monstro é aquele que pensa ou aquele que
age? Será que, no fundo, os pensamentos não são os combustíveis das ações,
que permanecem a assombrar o corpo, como um fantasma, até que um dia
explode?
Será que a Deusa do Infinito existia mesmo? Ou ela era apenas uma
invenção da minha cabeça? Um bode expiatório. Alguém para culpar pelos
meus erros. Da mesma forma que eu culpava meu robô, sendo que fui eu que o
programei. Eu sempre precisava culpar alguém pelas desgraças da minha
existência. Jamais era culpa minha. Não podia ser. Porque eu era um cara
bondoso. Um rapaz gentil. Não podia haver aquela monstruosidade dentro de
mim.
Eu queria que as coisas e pessoas fossem só minhas. Eu desejei Lipsei para
mim. Eu não podia tê–la. Será que, por esse motivo, eu a matei? Narda não me
dava a atenção que eu desejava, depois de eu fazer tudo por ela. Eu a destruí por
causa disso? E ao descobrir que Leassa tinha namorado e não podia ser minha,
eu a possuí à força?
A Deusa do Infinito só existia como projeção da minha mente? Eu dei
existência a ela? Eu era um esquizofrênico e inventei todo um mundo mágico
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Fábula dos Gênios
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precisava ser feito para adquirir tal título idiota. Eu ia viajar por aí para matar
todos os magos fortes e tirar o título deles? Ridículo. Eu não me prestaria a essa
enorme perda de tempo.
Pessoas fugiam de mim quando eu caminhava pelo convés. Eu sentia o
poder. Era bom. Eu quase desejava me tornar malvado e temido, somente para
gerar aquele tipo de impacto. Mas... para quê? Para ser evitado? Desprezado?
Grande merda. Minha vida já estava ruim. Eu não precisava torná–la pior.
Foi muito fácil localizar Cromo em Samerre. Ele conversava comigo através
de aparelhos. Nós nos encontrávamos pela primeira vez. Aparentemente, eu
estava cumprimentando meu futuro arquiinimigo. Mas que se fodessem as
malditas previsões. Por enquanto eu precisava da ajuda do cara.
– “Você se pergunta se a Deusa do Infinito é real ou imaginária? Bem, meu
amigo, ela me parecia bem real quando arranquei a vida dela. Para que algo
morra precisa estar vivo. Tenho muita confiança na minha magia”.
– Eu sugiro que você enfie no rabo a sua confiança e me revele logo onde
está o corpo da Deusa.
– “Obviamente, em Consmam. No subterrâneo, onde o deixei”.
– Agora você irá acompanhar–me até lá e usar essa magia, na qual você
muito confia, para enfiar aquele espírito sujo de volta naquele corpo torpe.
– “Assim será feito, senhor Vorta. Porque lhe devo uma. A você, sua amiga
e seu robô, por terem salvado minha vida”.
– Poupe as palavras bonitas. Sejamos pragmáticos. Você nem mesmo sabe
se terá poder para revivê–la. Está reunindo um exército de construtores para
invadir Consmam. Mas eu exijo que contenha seus instintos assassinos enquanto
me ajuda, pois esse cavalheiro de negro ao meu lado é um destruidor. Para ser
mais preciso, um Derradeiro. É um grande amigo meu e ele irá ajudar–nos não
somente a entrar em Consmam com segurança, mas também no processo de
ressurreição.
– “Eu não sei o que dizer”.
– Não precisa dizer nada. Você será arrastado até lá.
Até mesmo os meus dois amigos estavam impressionados com a autoridade
que eu tinha sobre Cromo. Pegamos um navio particular, diretamente para
Consmam. Chegando lá, Zraba nos abriu caminho. Ele comunicou que eram
assuntos sigilosos. Os destruidores respeitavam a presença dos Derradeiros, que
eram como seus sacerdotes. Por isso, não houve muitos questionamentos. Nem
mesmo protestos pela presença do construtor.
Cromo nos guiou até a câmara subterrânea. E lá estava o belo caixão de
vidro. Da mesma forma que vi nas memórias da Deusa.
– “O que acha, Derradeiro? Devemos levá–la até Desmei para que seus
amigos nos ajudem a colar o espírito de volta nesse corpo?”
482
Fábula dos Gênios
– Isso seria o mais indicado. O poder atual dessa criatura é tão grande que
poderia explodir esse seu laboratório e afundar metade de Consmam. Vamos
levá–la para os pântanos. Os espíritos dos destruidores mortos irão intimidá–la.
E assim foi feito. Uma próxima viagem, com o caixão de vidro.
Eu sentia que minha jornada estava perto de terminar. Por tantos anos vivi
com a assombração daquela Deusa. Finalmente lhe seria concedida a morte final.
E eu começaria a assumir a responsabilidade por meus atos.
Foi assustador pisar em Desmei com o cadáver da Deusa. Alguns
Derradeiros já aguardavam no porto. Devem ter sentido a energia.
As notícias não chegavam em Desmei, pela tecnologia fraca. Por isso, eles
eram alguns dos únicos àquela altura que não sabiam quem eu era.
Independente disso, eles se deram conta da grandiosidade da missão.
E eles não gostavam dos Deuses tampouco. Embora houvesse as clássicas
comunicações nas montanhas e dissessem que nem os Deuses e nem os
destruidores adultos ligavam para poder, havia algo mal contado naquela história.
Talvez os Deuses jovens também fossem inconsequentes. Exatamente como eu,
que ainda desejava brincar de matar.
Uma roda foi feita. Nós quatro e mais seis Derradeiros. Dez de nós para
segurar a fera.
Os Derradeiros urraram. Era algo como uma canção, mas meio violenta.
Estavam chamando o espírito da Deusa do Infinito. Ela provavelmente
atenderia ao chamado. Adorava ser desafiada.
Eu senti o espírito dela nos arredores. Era fácil chamar. Domá–la? Meu
maior desejo.
– Pois querem a mim? Terão o que desejam. Eu não recuso o convite de
destruidores. O prazer é meu.
E ela adentrou no círculo. Nós o lacramos. O espírito não sairia mais de lá.
Contudo, era preciso direcioná–lo para o interior do caixão de vidro.
Se eu era o futuro maior mago do mundo, eu deveria ter confiança o
suficiente para realizar aquele feito. Fui para o centro do círculo e cravei o meu
cajado no caixão.
– Vem, puta. Eu te quero aqui na minha vara.
A Deusa gargalhou.
– Eu já vi a tua vara muitas vezes, cão. Já fodi nela. Já a senti. Você jamais
foi uma ameaça. Fedendo a medo. Eu te repudio.
E ela voou ao redor, lançando magia. Sempre me provocando. Aquilo teria
um final.
Joguei um selo eletrônico. Um atrás do outro. Até que meu RP se enfezou e
agarrou aquele espírito com suas garras magníficas, desvendando a dimensão na
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Wanju Duli
qual ele se escondia. Socou o caixão de vidro e enfiou–o lá. Estilhaços cortaram
o ar.
Houve um grito cortante e fino. Até que o caixão de vidro explodiu.
De dentro dele saiu uma garotinha loira, nua e assustada. Ela encolheu–se e
abraçou o próprio corpo, fitando–me com ódio e susto.
– Por que me devolveu ao meu antigo corpo, cretino?
– Para te dar a morte final. Considere meu ato como misericórdia.
Finquei meu cajado metálico na terra, com força, bem próximo a ela. A
menina tremeu. Contudo, eu apenas tirei minha capa e atirei para ela.
– Eu sei quem você é. Cubra–se com isso.
Ela aceitou minha oferta e escondeu seu corpo miúdo na minha capa bordô.
– Essas palavras...! Cromo está aqui?
– Ele está tetraplégico. Bem perto de nós. Ele sente sua presença.
A Deusa do Infinito derramou algumas lágrimas. Eu... não podia me deixar
comover. A aparência inocente, no corpo de uma criança de nove anos, não me
enganava. Ela era a filha da puta que tinha matado Lipsei. Que me induziu a
matar Narda, brincando com meus sentimentos. E que me fez machucar Leassa
de uma forma doentia.
Ela merecia que eu fizesse tudo isso a ela, mil vezes. Que a torturasse e
matasse mil vezes. A Deusa do Infinito ainda não se recordava de como usar
poder mágico no seu antigo corpo. E havia muitos caras fortes lacrando o seu
poder. Eu precisava puni–la horrivelmente enquanto podia.
Eu me abaixei. Fitei a Deusa do Infinito firmemente, em seu corpo original,
de nascimento. Meus olhos verdes furiosos encararam aqueles olhos azuis
cheios de insegurança e medo. Como uma pessoa se transforma assim, de
repente? O que é o ser humano? Pelos Deuses, no dia que eu tiver essa resposta
desvendarei todos os segredos sob e sobre a terra. E mesmo acima dos céus não
restará mais nada a ser perscrutado.
– Caliderina... esse é seu nome, certo? O nome que seus pais te deram. E
será por ele que irei dirigir–me a ti. Conte–me, criança: você é real? Ou é apenas
um fantasma da minha mente inconsciente?
– Minha mãe se chama Libido. E meu pai se chama Desejo. Eu sou a Deusa
do Infinito, porque meu desejo e minha libido não têm fim. Em verdade, eu
surgi de tua luxúria. Quando tu tinhas cinco anos, me conheceste. E quando te
tocaste, eu surgi no mundo dos Deuses. E lá teria continuado, se não fosse essa
atração enorme que sempre senti por ti. Eu desejava destruir todas as minhas
inimigas. Não era justo que somente por serem mortais elas pudessem te possuir.
Eu também queria.
– Então tu és real. Mas foi criação minha.
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Fábula dos Gênios
Fábula da Pompa
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
Eu não queria ter filhos. Se um dia meu filho fizesse a mim o que fiz aos
meus pais, eu teria vontade de me matar ou de matá–lo. Matar–me por me julgar
uma idiota na tentativa vã de educar um ser humano que vem ao mundo assim,
todo estúpido, extremo ignorante. E matá–lo enquanto ainda era imbecil o
suficiente para entender que ele nunca soube o que é sofrimento.
Uma pessoa somente conhece o que é verdadeiro amor e sofrimento quando
tem um filho. Somente assim entende o que é entregar a vida por alguém,
cedendo um pedaço de sua existência e de seu coração. Somente para depois ser
renegado.
Isso é dor. Isso é amor. Isso é vida e morte.
Minha vida não era somente minha. Por que havia tantas pessoas incômodas
coladas no meu passado e no meu presente? O prelúdio do futuro era uma
melodia assustadora e cínica.
“Eu te odeio”.
Por quê? Por quê...?
Eu já nasci com uma dívida. E se eu decidir não pagá–la? E caso eu decida
endividar novos seres, o amor se tornará assim tão precioso que nem o
diamante mais brilhante poderá pagar.
Esse contrato foi assinado com sangue. Antes mesmo que eu tivesse
consciência da minha existência.
Eu devo algo a você. A minha vida. O meu amor?
E você não deve nada a mim. Eu não tenho poder sobre você. Mas vocês
sempre serão o senhor e a senhora da minha consciência.
– Flora, eu estava te procurando.
– Não me incomode agora, Crona. Não percebe que nesse instante estou me
debulhando em complexas amarguras ontológicas?
– Sabe o super gatinho da turma B? O cara por quem todas as meninas do
colégio estão a fim?
– Todas, vírgula. Acho Fuopaj nojento. Enfim, o que tem esse infeliz?
– Estou pensando em me declarar para ele hoje. O que você acha?
– Não perca seu tempo. O idiota deve receber no mínimo uma declaração
por dia e recusa todas. Ele se acha superior demais ou é gay.
– Talvez ele esteja procurando a menina certa.
– Sinto informar, mas essa pessoa não é você. Mesmo eu curtindo meninas,
não te pegava nem se me pagassem. Você é bonitinha, mas é retardada demais.
– Mas eu realmente o amo. Se ele não me quiser, eu me contentarei em
admirá–lo à distância.
– Fico feliz de saber que não sou a única masoquista. Agora saia daqui. Já
tenho minhas próprias lamúrias para ter que me ocupar com as dos outros.
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Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
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Fábula dos Gênios
Cara, eu sempre me considerei meio extrema. Mas mesmo uma pessoa como
eu não estava preparada para testemunhar o desenrolar dos eventos
extraordinários que ocorreriam naquela arena de fanáticos.
Você já assistiu alguma vez a uma batalha de magos estéticos? Pois prepare–
se: esse é um espetáculo inesquecível. É muito mais que uma disputa de retórica,
para provar quem possui os argumentos mais interessantes.
Essa é uma batalha em que você não luta somente com a mente, mas com
tudo o que te faz humano: com sua emoções mais profundas e secretas. Com
sua sanidade.
Brinque com o limite do belo e do feio. Mexa em suas concepções de certo e
errado. Quebre as barreiras do bem e do mal. Somente assim pode ser realizada
a dança mais impecável do mundo.
Sabe qual é o verdadeiro motivo de Edzgarran Fuopaj não se apaixonar por
ninguém? Porque ele é um mago estético tão poderoso que domina todos os
jogos de sedução e peripécias do amor. Ele não se deixa enganar por truques
como aparência física, conversas interessantes ou outros atrativos. Ele vê acima
disso para enxergar a beleza nas pessoas.
Ele é o senhor da beleza. Portanto, somente alguém com maior poder que
ele seria capaz de seduzi–lo. Esse não é um desafio formidável? Quem é capaz
de realizar um “banho de loja” em Fuopaj?
Talvez Crona e Ofruw não gostassem dele de verdade e fosse tudo uma
mera enganação. Talvez minha admiração pela poderosa Situa fosse apenas o
poder de manipulação de padrões estéticos dela sobre mim.
Quando ela passava, com seu penteado fenomenal e seu perfume, todos
caíam de amor. O jeito de caminhar, o tom de voz... tudo era cuidadosamente
calculado pelos melhores magos estéticos. Isso induzia o adversário ao delírio, e
o estético vencia a disputa.
Dominá–los utilizando uma magia de outro povo? Essa não era a maneira
de os estéticos fazerem as coisas. O desafio era ganhar da magia estética
utilizando outra estética mais refinada. Era compreender aquele mundo de
códigos intrincados. E penetrá–lo. Somente assim você poderia realizar um
inesquecível sexo selvagem, subjugando seu amado, e jamais saberia ao certo se
foi realmente amor ou ilusão.
Aquele não era somente um mundo de aparências. Era um universo de
mentiras e ilusões descaradas. Todos sabiam disso. Mas curtiam aquele delírio
falso de paixão e desejavam cada vez mais serem engolidos por ele.
Quanto a mim, eu não tinha nada a perder. Eu topava fazer parte daquela
guerra de beldades, desfilando sobre os saltos mais altos e exalando os mais
tentadores perfumes. Somente os sábios aceitavam participar desse fabuloso
495
Wanju Duli
desafio. Afinal, todo mago poderoso sabe que para ser bonito não precisa ter
sorte e sim sabedoria.
Há magos de outros povos que não entendem a magia de Bruznia, pensam
que é tudo tolice superficial e decidem procurar um jogo diferente. No final, não
são tudo jogos? Eles geram poder. O ganho? Cada qual tem seu preço. E seu
prêmio.
Taha Vorta é robótico, e é o mago mais forte do mundo. Ele conquistou
esse poder por mexer com aquilo que não é vida e nem morte: conferindo
inteligência à máquina, colocando–se acima da imortalidade. Assim ele venceu
até os deuses.
Por outro lado, os Destruidores são o povo que possui os magos mais fortes
de Marlaquina. Mas poucos sabem que um dos maiores segredos da fonte de
poder dos Destruidores é uma lavagem cerebral inconsciente, fruto da tradição,
que os fazem lutar e matar como desesperados, dominando a si e a tudo ao seu
redor, nesse e em outros mundos.
Eles somente não morrem, mesmo possuindo corpos mortos ou em
decomposição, porque eles ACREDITAM que estão vivos. Essa “crença” é a
magia de Bruznia. A religião daqui consiste numa alquimia da confiança.
Vorta teve contato com um Derradeiro. Sem saber, ele também entendeu
esse princípio.
Vorta é o mais forte como indivíduo. Os Destruidores são os mais fortes
como povo. Mas aos poucos eu começava a entender que, como magia, talvez a
estética fosse a mais espetacular. No dia em que os magos estéticos
descobrissem o potencial que possuíam, algo grande poderia ocorrer.
Eu, Floraze Rezei, estaria prestes a testemunhar essa reviravolta gigantesca,
que abalaria todos os sistemas mágicos do mundo. As filhas de Vorta estavam
em Pompa Prima. Aquele foi somente o primeiro sinal.
O segundo sinal me deu um frio na espinha.
– Flora...
Que menina pentelha. Eu nem a considerava uma amiga.
– Por que está me perturbando outra vez?
– Você soube o que aconteceu com a princesa Dilhieba?
– Os afazeres da princesa não me interessam.
– Ela foi torturada.
Crona estava tremendo quando me disse isso. Eu não levei muito a sério,
mas fiquei intrigada.
– As pessoas desse lugar usam a palavra “tortura” até quando um sapato
aperta no pé. Então a princesa quebrou as unhas?
– Quebrou, mas... foi um pouco mais que isso.
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Fábula dos Gênios
No dia seguinte, a princesa foi para a aula com os dedos cobertos de faixas.
Ela estava com um sorriso estranho no rosto.
Os rumores voavam. Diziam que ela havia dominado uma magia secreta.
Será que ela tinha acesso ao Grimório da Excelência? Ele estava na arca real.
– Há quem diga que ela descobriu o segredo da beleza. Em Bruznia isso é
mais importante que saber o sentido da vida. Pois, em última instância, a beleza
é o sentido. Ver a beleza na alegria e na dor, na vida e na morte, não é alcançar a
felicidade última? Não significa destruir as barreiras do limitado raciocínio
humano e as falhas de nosso aparelho cognitivo?
– Me diz logo o que ela fez, Crona. Estou ficando nervosa.
– As unhas dela foram arrancadas. Os magos estéticos tiveram dor de cabeça
por séculos estudando os melhores formatos de unhas, cores e padrões de
esmaltes. Mas agora... ela desafiou o mundo. Amanhã ela disse que vai remover
as ataduras. E ela garante que todos os alunos do colégio irão considerar seus
dedos sem unhas a beleza máxima. Ela afirma que até mesmo Edzgarran se
sentirá atraído. E se não for, ela o submeterá por duelo.
Meu coração acelerou. Aquela lógica era insana. Havia muito mais por trás
disso.
Eu não queria ver. Mas, sobretudo, eu não queria sentir. Assustava–me a
perspectiva de ver beleza nisso.
Contudo, eu sabia que ela ia conseguir. Pois, no cérebro humano, além da
fascinação pela construção e a vida, existe o deslumbre pela destruição e morte.
Ela iria se apropriar do segredo da paixão pelo macabro para gerar uma quimera
deturpada, fruto de sua genialidade tão bela quanto um pesadelo.
☆☆☆
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Wanju Duli
498
Fábula dos Gênios
me curei! Que mago poderoso!” Balela! Magos que são como vacas fedem.
Meros feiticeiros e ilusionistas medíocres.
Não deseje controlar o formato de cada uma de suas pegadas, e das pegadas
de cada um dos que atravessam o mundo. Seu corpo sempre esteve morto.
Quando você usa aqueles vestidos rendados e passa os esmaltes mais coloridos,
está apenas enfeitando um cadáver.
Um cadáver não fica doente e não morre. Porque ele nunca nasceu. Um
mago um pouco inteligente afirmaria que a única coisa realmente viva é a mente.
Contudo, até mesmo esta está sujeita a flutuações desagradáveis, que podem
gerar o logro.
Nós não somos apenas um. Somos o mundo. Então quando morremos
ainda vivemos. Porque permanecemos vivos naquilo que ainda é vida. Ou
mortos naquilo que sempre foi eternamente morte.
Disso infere–se que o mago camaleão não deseja tornar–se o alquimista do
segredo final. Ele é antes um artista de sua própria consciência. O cérebro é sua
tela. Suas emoções são as cores da paleta. Com as cores pinta a si e não o
mundo.
Os gênios são, em sua maioria, solitários e incompreendidos. O único
consolo que podem encontrar é em si mesmos. Os demais não são inteligentes o
bastante para dar–lhes conforto. Assim eles acostumam–se com a solidão.
Mas há exceções: o momento sublime em que dois gênios se encontram...
Assim como existem infinitos grandes e pequenos, há alguns gênios que são
menores e outros maiores. Mas até isso é uma questão relativa. Eu sou um gênio
grande em relação à maioria dos seres humanos que conheço. Porém, eu me
sinto pequena fitando gigantes.
Não deixo de ser, contudo, menos gênio. Eu apenas preciso fitar o alto com
mais desenvoltura. Eu fico na ponta dos pés. Os coelhinhos medrosos ao meu
redor pulam para enxergar e aplaudir o espetáculo, mesmo que não o
compreendam.
O meu maior deslumbre e orgulho foi saber que aqueles gênios liam meu
blog. Cara, ser citada por Gizwa Situa ou por Edzgarran Fuopaj é a coisa mais
absolutamente surreal que pode acontecer no período de uma existência.
Eu escrevia todas aquelas coisas estúpidas sobre coelhos, porcos e todo o
zoológico. Eu fazia aquilo nos momentos em que eu me sentia particularmente
puta com a vida, com o mundo, ou até comigo mesma. Mesmo os comportados
davam um sorriso de canto lendo minhas manifestações efusivas de ódio.
Porque no fundo eles concordavam. Só eram muito certinhos e covardes para
admitir.
“Eu quero ser um bom menino, para ser respeitado e elogiado”. Meu,
raramente gênios são bonzinhos. Principalmente na hora de fazer arte. Na vida
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Mas Situa não era rude com as gêmeas. Meu, ninguém naquele colégio era
rude com elas. Questão de sobrevivência.
Venfaus: Ventura Fausta. Eis a denominação da mais famosa sociedade
secreta de Pompa Prima. Gizwa Situa era a líder.
Ela possuía uma ambiciosa vontade: convidar Fuopaj para membro. Ousadia
extrema, já que ele tinha mais poder que ela.
Gizwa Situa decidiu fazer o convite na mesma manhã em que a princesa
Dilhieba mostraria seus dedos sem unhas para Fuopaj. Aquilo teria platéia.
Muitos alunos seguiram a princesa de mãos enfaixadas e a beldade de
penteado extravagante, líder da Venfaus, rumando até a biblioteca. Aquelas duas
iriam fazer história.
Lá dentro, um garoto de cabelos pretos e óculos lia atentamente um
grimório. Típico rato de biblioteca, Edzgarran Fuopaj não se distraiu nem
mesmo quando aquela multidão adentrou o recinto, tamanha era sua
concentração. Ao lado dele, na mesma mesa, estava um garoto de pele negra
que também lia alguma coisa.
Situa deu alguns passos adiante. Faria o pedido ali mesmo, na frente de
todos. Ela era corajosa. Estava imponente como sempre naquelas vestes cor–
de–rosa cheias de babados. Ela usava os trajes de gala mesmo quando não era
solicitado, para deixar sua imagem ainda mais radiante.
– Fuopaj, eu o solicito como membro de minha Ordem Venfaus.
Ele levantou os olhos. Fitou Situa, sem muito interesse. Logo depois, baixou
os olhos para seu grimório outra vez.
– Não estou interessado.
Houve muitas exclamações impressionadas. Pelo jeito, aquilo tudo
terminaria da maneira que a platéia queria: em batalha.
Situa estava claramente furiosa.
– Eu o exijo como membro imediatamente.
– Para ser explorado como suas outras escravas? Eu nego.
– Você será tratado com muita cortesia.
– Eu vejo sua cortesia ao me ordenar ser membro contra minha vontade.
– Irei agraciá–lo com a posição de vice.
– Irá agraciar–me ainda mais interrompendo sua insistência incômoda e
retirando–se da biblioteca, senhorita Situa.
Uau! Aquela discussão estava um espetáculo. Dessa vez houve assobios.
Evidentemente, Situa não aceitaria a humilhação.
Mas antes que Situa se manifestasse, a princesa foi até lá.
– Vossa Alteza Real.
Ele curvou a cabeça ligeiramente. Depois disso, ela retirou as ataduras.
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intimidavam diante de minhas palavras de fúria, sem nem mesmo saber quem eu
era. Eu conseguia esse efeito e minha intenção era direcioná–lo de forma a criar
uma situação interessante.
Naquele mesmo dia eu digitei um texto enorme desencorajando os estéticos
a odiar os Destruidores.
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– Não seja descuidada. Não é belo que uma dama corra assim... Floraze
Rezei.
A princesa leu meu nome no caderno antes de devolver–me. Fitou–me
atentamente com seus profundos olhos castanhos delineados de negro.
Eu curvei–me ligeiramente diante dela.
– Vossa Alteza Real... isso não vai se repetir.
– Fico imensamente satisfeita.
Quando ela foi embora, senti meus joelhos tremendo. Eu senti que ela me
olhou como se soubesse minha verdadeira identidade.
Mas eu não precisava ter medo de nenhum deles. Nem mesmo de Fuopaj.
Ou das gêmeas malditas.
Dirigi–me até o laboratório de alquimia. Vesti meu jaleco rosa.
Cumprimentei meu amigo Ofruw, mas fui breve. Eu não estava a fim de
explicar meu atraso.
Infelizmente, a pobre apaixonada Crona dividiu a bancada comigo naquele
dia.
– Florinha, o Edz estava tão gostosão no truelo, não achou? Eu acho que ele
fica ainda mais sensual com aquela máscara respiratória e aquelas cadeiras de
rodas. Os óculos então dão um ar todo intelectual. É impressionante pensar que,
mesmo com todos esses problemas de saúde, ele seja assim tão supremo na
magia! Eu o admiro ainda mais por isso.
– Problemas de saúde não têm nada a ver com poder mágico, sua ignorante.
Um mago foda simplesmente é foda porque essa é sua natureza, independente
de qualquer outra coisa: país de origem, condição física ou mesmo mental. É
algo que vem do espírito. Quebra os limites da alma, da emoção e da razão.
– Mas ele tava lindo de morrer!!
– Arg. Você não ouviu nada do que eu disse, né?
Aquela aula foi muito longa. Minha energia mágica ficou completamente
esgotada e eu não consegui produzir nenhuma substância aromática relevante.
Eu estava viciada em escrever no meu blog “Alta Costura Nigromante”.
Logo após o fim da aula, peguei meu celular e escrevi mais um parágrafo.
“Sabe, eu descobri uma fórmula maravilhosa de reviver os mortos. Não por capricho. Eu
me satisfaço pensando na possibilidade de matar um dos estudantes bem vestidos de Pompa
Prima e testar meu método para verificar se funciona. Caso falhe, não há nada a perder.
Afinal, nossos uniformes são produzidos em larga escala e sempre haverá seres de ossos e carne
para cobrir com eles seus vergonhosos corpos, escondendo o vazio repugnante de suas almas de
brinquedo”.
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honra, Situa? Devolva–lhe a máscara e deixe que ele lute. Ou você teme a
derrota nessas condições?
Situa aproximou–se de mim. Acariciou meu rosto. Colocou–me contra a
parede e arrastou o salto fino pela minha perna. Fez isso tão intensamente que
um filete de sangue escapou. Eu quase senti o espírito que habitava o interior do
salto penetrando na minha carne e produzindo uma dor aguda.
Ela aproximou o rosto do meu, sussurrando em meu ouvido.
– Eu realmente amo a linguagem doce e furiosa dos mexericos que colocas
na ACN. Mas tu defendeste os Destruidores. Isso me deixou zangada. Tu
conheces magia de ressurreição. Isso me fez questionar teu sangue.
Ela abaixou–se e lambeu o sangue da minha perna. Depois disso, ela me deu
um tapa na cara.
– Destruidora miserável! Nós vamos matar o teu povo e pilhar Consmam.
Destruiremos as preciosas árvores daqueles putos pobres. Faremos quantos
perfumes desejarmos. Eu já te seduzi. Logo seduzirei o mundo.
– Caiu em nossa armadilha como um ratinho na ratoeira... hi, hi, hi.
Então Fuopaj foi somente a isca? Um pretexto? Eles não me chamaram lá
para me entregar o cadáver dele ou de qualquer outro aluno. Era o meu cadáver
que queriam.
– Mas, espere... primeiro vou punir esse daqui. Você, Doçuras, tem um
poder mágico tão baixo que sequer me dará trabalho. Será até chato.
Fuopaj mal conseguia respirar. Iam acabar matando o cara sem querer. Mas
ele ainda poderia chamar seu espírito. O aparelho estava próximo: nas mãos dela.
Situa jogou o aparelho respiratório no chão e pisou em cima com seu salto
gigantesco, destroçando–o.
☆☆☆
Algumas pessoas são más perdedoras. Elas não conseguem lidar com isso.
Por que eu tenho que vencer, se a platéia só é composta de porcos?
O princípio de colégios como aquele não era ensinar magia. Você reúne
seres humanos sob um pretexto qualquer, para que aprendam a suportar
conviver com outros. Eles não podem se esquecer que o ser humano é um
animal social.
Ironicamente, numa escola que deveria te ensinar como ser um humano, eles
somente te mostram como ser um animal.
Competição, competição, competição. Matar ou morrer, na vergonhosa
selva da sapiência.
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Eu quero meu lugar nesse mundo. Ainda assim, eu não preferia outro
mundo?
“Todos os mundos são iguais. Não importa onde eu esteja ou com quem;
algo só vai começar a se transformar quando eu decidir mudar algo dentro de
mim”.
E por que aquelas mulas estúpidas insistiam em alterar o lado de fora? Os
magos de araque, desejando moldar a vida e a morte nas mãos sem serem sequer
capazes de fitar o próprio cérebro no espelho. Arrancar o coração do peito, fitá–
lo e contemplar qual será a emoção infinita, a escolhida e estupenda?
– Ah, filha da puta. Me diz logo o que você quer.
– Euzinha? Nada. Por que eu haveria de querer algo? Eu somente me
encanto com a pele que se descola. Não a morte rápida e indolor, mas a artística
e estupefata.
– O encanto com a morte é uma reversão mágica, vadia. Uma subversão da
ordem.
– Tu saberás o que é a ordem quando meu salto esmagar o teu escroto,
queridinho...
Situa tomou a tesoura do bolso de Fuopaj. Com ela, recortou a camisa
branca que ele vestia. Jogou os picotes longe.
Ela encostou a lâmina de metal da tesoura no peito dele.
– Tudo o que eu queria agora era abrir teu peito e comer teus órgãos.
Lambuzar–me com cada bocado. Mas bem sei que tens a sobremesa: casquinha
de sorvete com duas bolas. Laelia e Leilen, assustem bastante o menininho
enquanto Blargra e Chuchuza se fartam.
Uma gota de sangue na lâmina. Situa provou e não gostou. Fez cara de nojo.
– Sangue é para covardes. Eu só mastigo corações.
Situa sentou–se por perto, ajeitando o vestido. Iria assistir e ordenar, como
uma rainha. Não desejava encostar nele.
As gêmeas recortaram a calça de Fuopaj. Depois foi a vez da cueca. Ele
reagiu. Jogou uma magia tão poderosa e repentina, que quase decepou o braço
de Leilen.
A garota deu um grito horrível enquanto um espírito se enrolava na pele e
no osso, tentando rebentá–los. Com a raiva, Leilen enfiou a ponta da tesoura no
olho esquerdo de Fuopaj, arrancando o globo ocular e cegando–o.
– Ah, esses gritos másculos. Isso é música para meus ouvidos.
Enquanto Leilen se curava e Fuopaj agonizava, Laelia segurou um alicate
para começar a arrancar os dentes dele. Contudo, Situa não permitiu.
– Primeiro brinquem com o pinto dele. Só depois deformem o rosto.
– Ai, que chato, Sisi. Detesto carne de homem. O cheiro é repulsivo.
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Mas antes que mais alguém se aproximasse, Situa deu um puxão no barbante
e pisou no saco de Fuopaj com seu salto quase mortal. Ele gritou muito alto.
Mas os estudantes ao redor gritaram mais.
O corpo inteiro de Fuopaj tremia. Ele fazia muito barulho com a respiração,
tentando captar cada porção de ar, como se estivesse no limite.
E as lágrimas... o choro desesperado daquele garoto, todo banguela e fodido,
era o que mais chocava. Era de arrancar o coração.
– Eu adoraria matá–lo agora diante de todos, desmembrando–o e
devorando–o, mas não sou tão piedosa. Ele deve viver, para sofrer essa
humilhação. Caminhará pelos corredores todos os dias de cabeça baixa, caolho e
com uma quimera entre as pernas. Aqui está tua máscara, infeliz. Ajoelha–te
diante de mim e te entregarei!
Mas Fuopaj mal se mexia. Irritada, Situa chutou–o novamente e jogou a
máscara dele no chão.
– Vai lá, pega isso e respira, verme! Pode te arrastar agora e sumir da minha
frente! A cada vez que fitar minha presença magnífica a partir daqui, irás tremer!
Ele estava imóvel. Devia ter desmaiado.
– Chuchuza, coloca a merda da máscara nele.
Mubeba fez isso. Tentou encontrar algum sinal de vida em Fuopaj, mas não
conseguiu.
– Ele está morto.
Quando Mubeba anunciou essa notícia, houve mais gritos ainda. Situa mal
podia acreditar. Pela primeira vez, o sorriso sumiu de seu rosto e ela ficou
perturbada.
– Isso não pode ser. Não sou leiga em tortura mágica. Minhas ordens foram
suficientes somente para deixá–lo à beira da morte. Ele é assim tão fraco? Eu
não quebrei o aparelho completamente. O espírito dele ainda devia estar...
– O espírito dele não habita uma tesoura ou uma máscara, como você
pensava. Ele é um construtor. O que feriu o gênio e matou–o foi a vagina
daquela criatura.
O aluno que chegou apontou para Blargra. Situa fitou–o intrigada.
– Deixe de falar merda. Quem é você afinal, recém–chegado? E como ousa
utilizar as vestes de gala num dia de aula comum? Somente eu tenho o direito de
realizar tamanha ousadia, em nome da beleza!
– Sua beleza está corrompida, maga covarde. O que você chama de tortura
mágica não passa de uma tortura baixa e desprezível, que leva pouquíssimo em
conta as capacidades mágicas do adversário. Você tomou a respiração dele.
Amarrou–o e atacou em bando. Como, pela terra e pelos céus, isso pode ser
chamado de batalha mágica justa?
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Quem era aquele aluno que chegava de repente, desafiando a grandiosa líder
da Venfaus?
Ele trajava pomposas vestes em tom púrpura. Era um uniforme diferenciado
do padrão masculino. Só era permitido usar mantos como aquele em festas
oficiais da instituição e outras ocasiões formais.
Foi então que recordei daquele rosto: um aluno de pele negra, cabelos
negros e crespos. Ele estava sentado na mesma mesa de Fuopaj na ocasião do
truelo.
Ele deu alguns passos a frente.
– Não ouse tocar este cadáver. Ele me pertence!
O rapaz não ligou. Abaixou–se e segurou o corpo de Fuopaj, tentando
encontrar algum sinal de vida nele. Levantou–se em seguida, confirmando o
pior.
– O nome dele era Anahel Mizah. Construtor de nascimento, meu
namorado e mais fiel amigo. Forte como poucos. Ele quis usar essa força para
me proteger, já que tenho um nome de peso. Desejou passar–se por mim e
pagou o preço. Eu não imaginava que isso chegaria tão longe.
– Então Edzgarran Fuopaj é você?
– Isso está correto, madame Situa. Saiba que na maior parte do tempo sou
um homem respeitável e contido. Mas não perdoo aqueles que machucam meus
amigos, seja o corpo ou a alma. Felizmente criaturas como você, que pouco
entendem da real essência da magia, jamais são capazes de tocar o espírito. O
corpo de Anahel não poderá ser recuperado, mas o gênio dele, que ainda possui
um desejo, mergulhou numa dimensão. Você não foi capaz de tocá–lo ou
sequer de percebê–lo. Tem certeza de que ganhou essa batalha, Gizwa?
– Do que está falando, idiota? Eu não temo suas palavras. Ao contrário, fico
imensamente satisfeita em saber que matei apenas um aluno dispensável. Agora
que sei que o verdadeiro Fuopaj ainda vive, convido–o a ser membro de nossa
Ordem.
– Você só pode estar drogada para proferir tamanha asneira. A senhorita
não viverá mais na próxima hora. Eu sinto a energia daquelas que tiveram
participação direta na tortura e no assassinato de Anahel. Nenhuma será
poupada.
Situa gargalhou.
– Se o sangue dele está contido na lista dos Magos Acima da Lei, isso
significa que ele era descendente do Rank Dois, Cromo D’aship? Ora, D’aship
não deixou descendentes. Todos sabem que a ligação dele morreu na guerra.
– Menina, é o meu sangue que está contido nessa lista. Eu sou descendente
do Rank 7. Essa informação lhe será de pouca valia. Mesmo depois do que
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fizeste, te darei uma batalha mágica justa. Em troca disso, terei o direito de fazer
o que quiser com os cinco cadáveres.
– Cinco? Você sabe quem é o pai de Laelia e Leilen?
– Perfeitamente. Elas não serão favorecidas pelo sangue. Vou pendurar os
cadáveres lá fora. Então sigam–me, por gentileza. Não quero correr o risco de
macular o corpo de Anahel aqui dentro.
O verdadeiro Fuopaj foi até o pátio. Todos o seguiram. A platéia aumentou
ainda mais. Ele era confiante ao extremo. Em breve eu descobriria que aquela
confiança era bastante justificada.
Situa ainda estava com um grande sorriso no rosto.
– Não se importe tanto com o cadáver daquele lixo. Em breve ele será
entregue para os experimentos da Veladora.
Situa apontou para mim. Quando o rapaz me fitou com aqueles seus olhos
intensos e assustadores, eu senti um frio na espinha. Eu já sentia um pouco de
medo do tal Anahel Mizah, mas estava muito claro que aquele cara na minha
frente era muito mais perigoso.
– Sugiro que não se mexa, Destruidora. Finalizarei essa batalha num instante.
Assim que eu terminar, me ocupo de você.
– Se você me subestima assim, eu vou ficar puta.
Um imponente espírito saiu do interior do selo inscrito no tamanco cor–de–
rosa de Situa. Ela tirou o enorme laço rosa da blusa e com ele traçou uma série
de novos selos no ar.
Fuopaj duplicou o seu cajado, cuja ponta era afiada como uma estaca. Dali
emanava um cheiro muito forte. Era um perfume perdidamente sensual. Quase
um ímã.
Quando Situa pulou, pretendia atingir Fuopaj com o espírito de seu tamanco.
Mas até mesmo eu gritei quando vi aquele horror: ela pulou diretamente para a
estaca.
Como...? Situa era uma exímia bailarina. Ela dançava, tinha pleno controle
sobre os movimentos do corpo. Fuopaj usou uma magia muito mais poderosa.
A estaca penetrou diretamente a vagina de Situa, rasgando a calcinha. E
adentrava nela cada vez mais.
– Como... você...?
– Eu sei que você não gosta de homens, Gizwa Situa. Não se sentiria atraído
pelo cheiro de um. Mas aqui demonstro a dimensão do meu poder: a magia que
utilizo contra donzelas que desejo punir de forma especialmente cruel. Esse
cajado tem o cheiro do meu pênis, multiplicado por uma potência elevada. Eu
utilizei a Magia da Potência, que Anahel me ensinou. Essa é uma magia sexual
extrema. Funciona até mesmo numa lésbica convicta como você... quem diria.
Sua vagina pulou diretamente para minha presa.
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– Filho da puta!!
Situa adentrava cada vez mais na estaca, tendo seus órgãos perfurados.
Gemia de dor. Em meio à tortura, parecia estar delirando de prazer pelo cheiro.
Odiando a si mesma pela sua condição. Pelo pecado de sua sede de matar e
morrer.
– Sua magia é tão sublime...!
A outra ponta da estaca saiu pela boca dela. Fuopaj fincou a enorme estaca
no chão e deixou–a lá agonizando por longos minutos antes de morrer.
Ele duplicou seu cajado de símbolos arcanos numa segunda estaca,
dirigindo–se para Blargra Tubivii, que estava visivelmente apavorada.
– Aqui está o meu espírito.
Tubivii abriu a blusa, tirou o sutiã e entregou a ele.
– Eu não tenho interesse no espírito de cadelas.
E Fuopaj empalou–a, deixando–a sofrer ao lado da estaca da líder de
Venfaus.
A terceira estaca foi para Chuchuza Mubeba, a ratinha estúpida que chorou e
ajoelhou–se.
– Por favor, poupe–me, senhor! Eu só fiz isso porque mestra Situa me
ordenou...
– A sua lealdade é infeliz. De nada adianta haver amor se não há a sabedoria
para direcioná–lo. Assim, seu suposto amor não somente converteu–se em ódio,
mas também em morte.
E a vagina dela também foi atravessada. Mubeba gritava e esperneava, mas
era tarde demais para qualquer coisa. Ninguém ali teria poder para deter o
monstro ou ter piedade daquela pobre desgraçada burra.
Quando Fuopaj triplicou o seu cajado, houve mais gritos de desespero. Uma
parte de mim já estava morrendo.
– Ele vai matar as gêmeas!
Alguém gritou isso e houve pânico geral. Todos queriam detê–lo. Se aquelas
duas morressem, Fuopaj também morreria pouco depois. Taha Vorta ficaria tão
enfurecido que não somente lhe daria uma morte muito mais cruel como
também poderia arrastar a cidade inteira consigo em sua fúria implacável.
Quando um dos estudantes tentou puxar o poderoso Fuopaj pela capa,
levou uma cotovelada tão grande que caiu no chão sangrando. Depois disso,
ninguém mais teve coragem de se aproximar dele.
Em passos lentos, ele avançava até onde Laelia e Leilen estavam. As duas se
abraçavam e choravam. Era horror geral. Quanto mais gritos, maior o desespero
e a sensação incômoda que eu sentia por dentro.
– Não ouse! O meu pai...
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Quando ouviu aquilo, Fuopaj demonstrou ira pela primeira vez. O rosto
dele converteu–se numa expressão de raiva e ele elevou a voz:
– Que Taha Vorta venha arrancar a minha vida! Que ele venha defender
suas duas putas que pariu!
Ele cruzou as duas lanças. A que entrou pela vagina de uma saiu pela boca
da outra.
O horror não terminava. Elas não morriam. Continuavam gemendo nas
estacas, escorregando por elas.
O rapaz continuou assistindo. Ele não sorria. Aguardou mais meia hora, de
braços cruzados, até que todas estivessem mortas.
Ele não permitiu que removessem as estacas. Ordenou que permanecessem
pelas próximas 24 horas, para inspirar o temor.
Ele não tinha medo que Taha contemplasse. Ele não fugiria. Eu não
duvidava que ele fosse se sentar para aguardá–lo.
Os professores, os magos fortes de Bruznia. Ninguém tinha autoridade para
repreender as ações de Fuopaj. Afinal, ele era parente de um dos magos do
ranking dos dez.
Mas Vorta, ou qualquer um dos números de dois a seis, poderiam se
manifestar. Os outros nem precisariam se incomodar. As notícias corriam
rápido. Ninguém duvidava que Vorta chegasse lá em no máximo algumas horas.
Como as filhas dele estudavam em Pompa Prima, sempre houve rumores de que
ele estivesse morando em algum lugar da cidade, escondido.
Eu não tinha certeza de que teria coragem para assistir àquilo. Nem as
batalhas dos Destruidores eram tão cruéis. Resolvi dirigir–me até o banheiro
para vomitar.
– Não tão rápido, Veladora. Preciso conversar com você. Uma conversa
privada.
Ele notou que eu tentei me retirar. Ele estava de olho em mim o tempo todo.
Merda.
– Siga–me.
Entramos novamente no colégio e nos dirigimos até uma sala vazia. Quando
Fuopaj passava, os alunos corriam com medo. Ninguém tinha coragem de ficar
perto dele.
Assim que entramos, eu não me segurei e vomitei no chão.
– Quem diria. Uma Destruidora assim tão sensível a cenas como essa.
Bruznia amoleceu você?
Aqueles olhos castanhos intensos com um brilho de fogo me intimidavam
pra cacete. Mas eu me ofendi com o que ele disse. Limpei a boca com a manga
da camisa e o fitei com seriedade.
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– Cuidado, Fuopaj. Você pode estar sob a proteção da MAL, mas meu pai é
sacerdote em Desmei.
– Oh? Daí que vem seu conhecimento de ressurreição. Eu preciso dele.
Reviva Anahel.
– Cara... foi mal, mas não vai rolar. Isso não é simples como parece. Eu
roubei alguns segredos do meu pai. Ele ficou puto comigo, porque não sou
membro da Derraexi–Pro. Nem mesmo os Derradeiros possuem habilidade de
reviver assim, como se fosse apenas uma cagada. Não com tanta frequência.
Ele bateu a mão na parede, me encurralando. Eu levei um susto!
– Você fala demais. Não vê que meu tempo é curto, droga? Se duvidar, em
alguns minutos Vorta já vai chegar pra arrancar o meu couro e assoar o nariz
com ele. Então NÃO ME INTERESSA suas explicações. Apenas me diga se há
alguma chance de revivê–lo.
– Surpreende–me que você não me pergunte a respeito de sua própria
ressurreição.
– Foda–se a minha vida.
– Saquei. Eu vou tentar preservar o corpo dele. Você disse que o gênio
escapou pra outra dimensão? Vou precisar de um profissional pra laçá–lo.
– Ah, come meu cu. Nem vem com essa que seu pai é um Destruidor.
– Beleza, mas a maioria dessas magias só faz efeito depois de alguns anos.
– Isso não faz sentido. Pensei que quanto mais recente a morte fosse, mais
fácil seria revivê–lo. Poderia anular possibilidade de reencarnação.
– Você não saca esses lances de karma. É muito mais complexo. O tempo lá
e aqui não passam da mesma forma, cara.
– Quanto tempo vai levar pra ele voltar? Uma década? Ou mais?
– Sei lá. Eu não vou reviver ninguém de graça. O que eu ganho com isso?
– Em primeiro lugar, eu gostaria de dizer que todo o conteúdo do seu blog é
uma grande merda. Você só fala bosta, menina. “Vamos classificar os seres
humanos em categorias. Dentro desses grupinhos de falsos magos há muitos
porcos e vacas”. Que porra é essa? Quem você pensa que é para julgar as
pessoas? Então você sabe reconhecer se alguém é sábio e poderoso com base
em critérios completamente arbitrários e preconceituosos como os que você
criou?
– Então você realmente lê meu blog.
– Não aguentei por muito tempo. Você é muito metida e gosta de dar
discursos imbecis sobre assuntos que sequer domina. Você dividiu os magos em
dois grupos: os gênios imaginativos e os burros sem criatividade. Poderia me
fazer o favor de informar em qual categoria você se encontra?
– Eu me considero muito criativa.
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melhores que fossem minhas intenções? Menina, um ser humano pode até
tentar ser bom, mas no meio do caminho irá se deparar com contradições como
essas. Foi por isso que os deuses perderam muita força: eles não possuíam mais
existência absoluta e dependiam da imaginação e dos conceitos diferenciados
das pessoas. Vorta é mais parecido comigo do que você pensa. Diz a lenda que
ele também perdeu uma pessoa importante no começo de sua jornada mágica.
– E agora perdeu mais duas... por mais desgraçadas que fossem, elas eram
filhas dele. Vocês dois estão repletos de tristeza e ódio. E vão se enfrentar com
esses sentimentos.
– Essa é uma grande bobagem. Não haverá sentimento algum. Eu, um
adolescente de 17 anos, serei instantaneamente eliminado antes de sequer sentir.
Houve um grande estrondo. O chão tremeu.
– Ele chegou.
Eu senti meu coração subindo na boca. Não apreciei o gosto. Quando
chegamos lá fora, a platéia era mínima. As pessoas não estavam somente
evacuando o colégio, mas também a cidade. Vorta devia ter matado algumas
pessoas que se colocaram no caminho. Se eu não me cuidasse, seria varrida
também.
– Ofruw! Que raios você tá fazendo aqui ainda? É perigoso!
Eu levei um susto quando notei meu amigo lá. Ele não era forte o suficiente
para aguentar aquilo. Eu ainda era uma Destruidora, então segurava a barra. Eu
precisava protegê–lo.
– Eu estava te procurando, Flora! Soube que você se envolveu com a
confusão.
– Sim, eu sou a autora do maldito blog que causou tudo isso.
– O quê? Você é a Veladora?
– Ai, ai, você foi o último a saber disso, meu. Você viu o namorado do
Fuopaj morrer? Viu o cara matar aquelas cinco magas fortes? E sabe quem está
vindo até aqui para vingar as gêmeas?
– Por acaso eu acompanhei toda essa merda. Vamos sair logo daqui antes
que Vorta nos mate.
– Não adianta mais. Fuopaj disse que ele já está aqui.
– Onde?
O que eu vi a seguir me fez sentir extremamente tonta.
A cidade, lá longe no horizonte, estava desaparecendo. Como se uma onda
fosse derrubando tudo no caminho. Um tornado.
Ao mesmo tempo, meu coração acelerava, com o peso enorme da energia
daquele mago. Eu tapei a boca com a mão e senti lágrimas nos olhos. Ofruw
também estava chorando ao meu lado.
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Por quê? Não era somente o medo da morte iminente e inevitável. Era a
emoção pura perante o magnífico.
A cidade sendo engolida. O tufão se aproximando. Um tufão humano,
fundido com a natureza.
Era como se ele fosse uno com o mundo. Ele e o mundo não eram coisas
diferentes. Quando ele respirava era capaz de alterar a ordem do universo.
Até mesmo Fuopaj, que estava próximo, tremia. O mago mais forte do
mundo tinha derrubado metade da cidade atrás do cadáver dele.
Quando aquela pessoa colocou os dois pés no chão, distando poucos metros
de nós, eu gritei. Ofruw também, assim como pouco mais de uma dúzia de
alunos que tinha corajosamente escolhido permanecer por lá para contemplar o
espetáculo daquela batalha.
As lágrimas escorriam de meus olhos como água. Eu soluçava. A energia
emanada por aquele mago era tão poderosa que afetava todas as minhas
emoções. Uma fonte de magia alterando a ordem do meu cérebro e do meu
coração.
Eu já não sabia o que eu sentia: se era horror, deslumbre ou vontade de
morrer. Mas de uma coisa eu tinha certeza: depois de ter a honra de sentir
aquela sensação, minha vida já poderia ser arrancada.
Ele era o sentido da vida encarnado. Havia tanta energia reunida que os
seres humanos que estavam perto ficavam quase loucos. Eu sentia vontade de
me ajoelhar diante dele e adorá–lo como um deus.
Era isso: aquela pessoa emanava uma aura ainda mais poderosa que os
deuses. Mais forte que um Destruidor. Ele seria a justiça? Uma esperança na
vida ou na morte? O sagrado julgador? Ele teria todas as respostas, acima da
razão? Para ter tamanho poder, a sua sabedoria só podia ser suprema.
Quando ousei levantar os olhos, vi um par de botas marrons,
completamente desgastadas. Longas meias brancas. Calça cinzenta e capa bordô.
Um grande chapéu cinza.
As roupas dele estavam com vários rasgos e pareciam bem antigas. Ele devia
ter entre 40 e 50 anos. Tinha cabelos castanhos e segurava um cajado metálico
com um parafuso e uma cabeça robótica.
Tinha aparência completamente humana. Mas a dimensão de seu espírito
não poderia ser mensurada.
Eu sentei–me no chão, pois não era capaz de ficar em pé. Minhas pernas
tremiam tanto que não eram capazes de me sustentar.
Fuopaj foi o único que aguentou aquela presença. Aguardava–o de pé, com
o cajado em mãos e seriedade no rosto. Estava claro que havia muito medo nele,
mas ele havia decidido enfrentar as consequências de seus atos desde que
pronunciou aquelas palavras desmedidas e assassinou friamente as irmãs Vorta.
524
Fábula dos Gênios
Eu o via. Eu fitava Taha Vorta em pessoa! Aquilo era surreal demais para ser
verdade.
Vorta viu as estacas. Enxergou quem estava nelas.
A seguir, ele olhou para Fuopaj, que era o único de pé exatamente diante
dele.
Eles não trocaram uma palavra. Ambos compreendiam a situação
completamente.
Fuopaj evocou seu espírito com o cajado. Ele iria usar máximo poder
naquela batalha. Todos, incluindo ele mesmo, já sabiam que Fuopaj estaria
morto em breve. Mesmo assim, ele aceitou lutar por aquilo que acreditava.
O cajado de Fuopaj adquiriu vida própria e flutuou logo acima. Ele colocou
toda sua energia nele até a exaustão. Eu me impressionei com o poder daquele
rapaz. Era uma pena que fosse morrer tão cedo. Mas afinal, quem era eu para
pensar algo assim? Os Destruidores matavam uns aos outros ainda crianças e só
restavam os fortes.
Um mago não se importa com a idade da morte. Uma vida é uma vida.
Digna e maravilhosa. Não interessa se o mago viver uma década ou dez. A
morte virá cedo ou tarde. E se for em batalha, repleta de adrenalina e magia,
como poderia haver um final melhor?
Em respeito à potência de poder de Fuopaj, Vorta chamou seu robô mestre.
De fato, foi um gesto de respeito. Vorta sequer precisaria do espírito para
matá–lo. Ele o fez para honrá–lo. Vorta honrou o cara que matou as filhas dele.
Da mesma forma que Fuopaj tinha honrado as cinco estudantes de Pompa
Prima com uma batalha digna. Diferente delas, que realizaram um ato covarde.
O erro nasceu daí.
A emanação mágica do robô era tão grandiosa que uma rajada de vento
surgiu. Fuopaj tentou se proteger, traçando um selo mágico de escudo, mas não
adiantou. Apenas aquela “brisa” já arrancou pedaços de sua pele. Ele protegeu o
rosto com as mãos. Quando fitou novamente as mãos, elas estavam sangrando e
em carne viva. Em algumas partes quase se via o osso.
Tremendo, ele vestiu luvas de couro que havia no bolso do manto. Sentiu
dor ao colocá–las, o que ficou evidente em sua expressão. Mas a dor era melhor
do que perder as mãos.
Ele não conseguia se concentrar para lutar normalmente porque estava
diante de Taha Vorta? É claro que Vorta entendeu isso, ou não teria aguardado
que ele colocasse as luvas. Aliás, ele já podia ter arrancado a cabeça de Fuopaj há
muito tempo. Ele queria ver do que o cara que matou suas filhas era capaz.
Fuopaj finalmente conseguiu se concentrar. Pronunciou fórmulas de poder e
traçou selos mágicos altamente fodas. Por fim, montou uma trilha de selos,
como faziam os construtores. Tudo bem calculado. Mas aquele truque de magia
525
Wanju Duli
matemática não funcionaria contra Vorta, que era mestre em magia robótica e
simbólica, e poderia quebrar todos os cálculos.
E não é que Vorta entrou no jogo? Também usou uma trilha de selos para
atacá–lo. Ele devia conhecer todas as merdas das linhas de magia. Não
importava o que Fuopaj jogasse contra ele: Vorta poderia rebater com a mesma
técnica, melhorada.
Só que a potência daquela magia foi tão forte que quando as trilhas se
chocaram e os cálculos se cruzaram, o impacto decepou o pé esquerdo de
Fuopaj.
Ele caiu no chão, coberto de dor e sangue. E continuou atacando!
O que ele fez a seguir fez meu queixo cair: Fuopaj abriu uma dimensão. Dela
saiu um gênio. Só podia ser o gênio de Mizah. Fuopaj alimentou o gênio com
seu próprio pé, numa tentativa poderosa de convertê–lo num maligno.
Taha Vorta assistia a isso com interesse. Se Fuopaj tomasse o gênio para si,
ele seria capaz de se apropriar do último desejo dele?
Mas Fuopaj estava muito fraco. Mesmo assim, ele pegou seu cajado,
transformando–o numa lâmina, e com ele decepou a própria mão esquerda,
serrando a carne e o osso. Ofertou–a para o gênio, que se enrolou em seu corpo.
Possivelmente em sua alma.
A seguir, Fuopaj traçou um labirinto de selos. Técnica de Destruidores. Algo
que eu sabia fazer. Você constrói uma trilha extremamente confusa, que não
possui somente cálculos complexos, mas conectados uns aos outros. Caso se
perca no meio do caminho, o adversário se torna um prisioneiro do labirinto e
será submetido pelo senhor do maligno.
Vorta ficou intrigado com a coragem de Fuopaj, mas resolveu o enigma
facilmente. Eu senti que Vorta o respeitou pela ousadia de abrir uma dimensão e
ofertar partes de seu corpo. De lutar até suas últimas forças. Mas ele já estava se
cansando de jogos.
Na segunda ventania que produziu com seu robô, Vorta arrancou ainda mais
pedaços de Fuopaj. O suficiente para que ele permanecesse vivo.
Aquele vento forte, embora não viesse na minha direção, já estava
começando a me ferir. Senti pequenos machucados na minha pele, que estava
ficando seca e rachada. Se aquela batalha continuasse por mais alguns minutos,
eu, Ofruw e todos os alunos ao redor certamente morreríamos.
Vorta caminhou até Fuopaj, que estava no chão, em suas tentativas vãs de se
recompor.
Fuopaj devolveu o gênio para a dimensão da qual o retirara, para protegê–lo.
Ele olhou na minha direção rapidamente quando fez isso, me indicando qual
dimensão seria. Eu entendi.
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Fábula dos Gênios
Vorta ficou imensamente intrigado quando ele me olhou. Ele fitou a minha
direção também. Ele era muito perspicaz, então eu não duvidei que fosse capaz
de desvendar a nossa comunicação.
Aquilo o irritou. Vorta segurou Fuopaj pelas vestes e, com as mãos, abriu a
barriga dele, como se fosse um brinquedo.
Ele arrancou os órgãos internos de Fuopaj, com ele ainda vivo. Vorta fez
questão de mantê–lo extremamente consciente enquanto o torturava, e o seu
robô ajudou nisso.
Em pouco tempo, Fuopaj estava com os olhos revirados e babando
enquanto Vorta esmagava seus órgãos internos com os dedos, atirando alguns
para a grama.
Taha Vorta não teve piedade. Ele foi arrancando órgãos e pedaços de
Fuopaj um por um, mantendo–o vivo e consciente da dor pelo maior tempo
que conseguiu.
Até que o libertou daquele sofrimento. No final, Fuopaj era somente uma
sopa de pedaços de carne e vísceras. Vorta segurava o cérebro de Fuopaj com
curiosidade, como se fosse capaz de analisá–lo apenas com esse toque e esse
olhar.
O robô de Vorta selecionou alguns dos ossos de Fuopaj, separando–os da
carne, e guardou num compartimento. Como se costuma dizer: quando se mata
um mago em batalha, o corpo dele lhe pertence, para que você faça com ele o
que desejar. Os Destruidores conheciam muito bem essa regra.
Até que Vorta levantou–se, limpando os dedos de sangue num lenço branco
que retirou do bolso da calça. E ele fez isso com tanta calma e indiferença como
se tivesse apenas terminado de comer uma coxa de galinha com as mãos e
limpasse os dedos da gordura.
O seu ato seguinte foi fazer descer duas das estacas, recuperando os corpos
das gêmeas. Enquanto o robô analisava os cadáveres friamente e calculava
alguma coisa, Vorta fez um gesto bem mais humano: fechou os olhos e
abraçou–as. Permaneceu assim por alguns segundos.
Ele deixou que o gigantesco robô se ocupasse dos corpos delas. Enquanto
isso, para meu espanto, ele caminhou na minha direção.
– Ofruw... ele tá vindo pra cá...!
Eu sussurrei para ele, com voz trêmula. Mas quando olhei para o lado, vi o
pescoço de Ofruw partido. Uma rajada de vento o atingira em cheio e ele caiu
morto. Quando percebi, tive que tapar os olhos.
Nos segundos seguintes, continuei com as duas mãos sobre o rosto. Eu não
mais desejava desvendar aquele mundo estranho que havia numa realidade
assombrosa. Quando consegui retirar as mãos, senti lágrimas. Fitei minhas
palmas e vi cortes vermelhos.
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Wanju Duli
Meu coração quase parou quando avistei Vorta tão perto de mim.
– Você é neta de Zraba.
Como é que ele sabia daquilo? Eu já tinha ouvido falar que meu avô tinha
sido amigo de Vorta no passado. Nunca soube se era verdade. E mesmo se
fosse, eu jamais imaginei que aquela amizade fosse assim tão grande para o
próprio Vorta lembrar–se disso.
– Zraba é Derradeiro, assim como o filho dele, seu pai. O filho obteve um
conhecimento revolucionário no campo da ressurreição mágica, que nunca
aceitou compartilhar comigo, por se tratar de um segredo de sua Ordem.
Mesmo eu tendo o poder de ameaçá–lo e de matá–lo, não o fiz, em respeito ao
meu amigo. Por acaso você dominou parte desse conhecimento?
Ele estava me fazendo uma pergunta. Era melhor que eu respondesse rápido
para não morrer.
– Sim, talvez eu seja capaz de reviver uma pessoa, mas não qualquer uma.
Somente algumas pessoas, sob circunstâncias muito específicas. Também há
possibilidade de ocorrer erros.
– Não importa. Erros são parte fundamental do aperfeiçoamento mágico.
Eu preciso que você reviva uma pessoa para mim. Você pode fazer isso?
Pelo jeito, a ressurreição de Mizah teria que esperar. De qualquer forma,
como a morte dele tinha sido muito recente, eu não seria capaz de operar nesse
grau de necromancia.
Pensando bem, eu queria reviver meu amigo Ofruw antes de Mizah! Ah,
cara, tantas pessoas importantes estavam morrendo ao meu redor seguidamente
que eu não seria capaz de levar aquilo adiante.
Eu ainda era fraca em técnicas de Derradeiros. Eu sequer fazia parte da
Ordem e ainda não tinha certeza se eu desejava me juntar a eles. Se eu o fizesse,
ainda demoraria pelo menos cinco anos até que me revelassem o resto que eu
precisava saber.
– Não entre para a Ordem ainda, ou você será proibida de fazer esse serviço
para mim. A pessoa que desejo que você reviva morreu há muito tempo. Para
ser exato, ela morreu há cerca de trinta anos.
Ele sabia ler meus pensamentos. Porra, que medo! Se eu pensasse merda
sobre ele, eu tava ferrada.
– Trinta anos... então tem alta possibilidade de minha magia funcionar. Você
sabe onde está o corpo?
– Enterrado num cemitério de Tecraxei.
– Acho que isso pode ser feito. Mas não lhe darei garantias. E os erros que
podem decorrer de uma operação complexa como essa... está disposto a correr?
– Sim. Cometi tantos erros ao longo de minha existência que já não temo
falhas.
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Fábula dos Gênios
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Fábula dos Gênios
A verdade é que não existe um único meio, melhor e mais forte, de fazer
magia. Uma prova era que o melhor mago do mundo vinha de um país
completamente aleatório: Tecraxei. E o rank 1 anterior era de um local ainda
mais heterodoxo: Minimatza, a ilha da magia musical.
Há muito tempo os simbologistas e os filarmônicos eram inimigos. Os
simbologistas defendiam a supremacia da matemática e afirmavam que a magia
filarmônica não passava de uma perversão barata da magia dos números.
Em geral, os Destruidores troçavam de toda a magia que não fosse a dos
gênios malignos. Ridicularizavam a magia dos gênios e a magia simbólica, que
tornavam a necessidade do cálculo algo metódico e controlado, quando para nós
era muito mais intuitivo. Antigamente comunicavam–se com os deuses nas
montanhas, mas desde aquela briga na Floresta Rainha Verde Gelo a relação
entre eles nunca mais foi a mesma. Nunca ouvi falar de muita rixa com os
divininos, que também alcançavam poderes paranormais puros, sem o
intermédio de uma sistematização excessiva. Mas é óbvio que os livreiros eram
vistos como idiotas que enfiavam suas cabeças em livros. A essência da magia
dos Destruidores raramente estava em grimórios.
Havia algum respeito por Taha Vorta, principalmente por causa da lenda do
meu avô Zraba, pois diziam que o gênio de sacrifício dele estava no coração
metálico do RP de Vorta. Mas como magia tecnológica não tinha nada a ver
com o método dos Destruidores, com exceção do poder de madame Soma, era
difícil pagar pau pra eles sem trair nossos princípios.
Mas... magia estética? Talvez Floraze estivesse exagerando. Ironicamente, os
fundamentos da magia estética eram quase como uma filosofia reversa da magia
dos Destruidores. E, por ser completamente oposta, quase se encaixava a ela.
Eu sabia de todas essas coisas só de ouvir falar. Nunca fui um mago forte e
quando fui expulso de minha terra natal eu não sabia bem para onde ir.
Eu queria procurar por um mestre. Era assim que os Destruidores recebiam
educação mágica. Já na maior parte dos outros países, especialmente nas capitais,
a tradição era receber a educação formal em colégios e universidades. Inclusive,
boa parte das sociedades secretas deles se encontrava nessas instituições.
Eu também acreditava firmemente que a magia dos gênios malignos não era
o único caminho. Eu não queria me envolver em batalhas de vida ou morte com
as outras crianças e adolescentes de Consmam. Era errado eu querer viver? Eu
tinha medo de morrer. Isso também era errado?
Eu queria pelo menos chegar até minha vida adulta. Não achava um bom
negócio jogar minha vida fora por capricho, sem nem antes conhecer uma
magia que eu valorizasse de verdade, e que tivesse mais a ver comigo.
Também era possível aprender magia de uma forma saudável e alegre, que
não fosse suicida. Aqueles loucos curtiam matar uns aos outros e se achavam
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Wanju Duli
muito foda fazendo isso. Eram respeitados em outras terras por essa insanidade,
que eles chamavam de “tradição cultural”.
– O Echnhas tá sempre se mijando de medo. Um cara que só foge, sem
sequer uma tira de couro no manto. Onde já se viu tamanha vergonha?
Eu era sempre alvo de piadas. Nunca tive um amigo Destruidor, pois todas
as outras crianças tiravam com a minha cara. Até mesmo minha ligação.
– Ai, que nojo, eu prefiro morrer a transar com esse menino fraco. Eu só
sinto tesão por assassinos.
Aparentemente eu não era o homem dos sonhos de Maquizarda. Para ser
honesto, as mocinhas Destruidoras me metiam muito mais medo que os rapazes.
Eles apenas me tiravam descaradamente. Já elas, me faziam sentir
completamente mal, com seus risinhos zombeteiros e suas palavras venenosas,
tratando–me como se eu fosse um verme.
Eu gostava de ser gentil com as pessoas, até mesmo com quem me tratava
mal. Eu me considerava um pouco tímido. Só possuía atributos inaceitáveis para
um Destruidor. Sendo assim, fui rejeitado como um deles.
Os estrangeiros dizem que é raríssimo encontrar Destruidores fora de
Consmam ou Desmei. Mas isso porque eles consideram que um cara só é
Destruidor se veste um dos mantos de nosso povo. Se um Destruidor está
disfarçado com outras vestimentas, pode passar despercebido.
Mas aí reside um enigma: todos sabem que um Destruidor jamais tira seu
manto, que é sua honra. Um Destruidor sem manto é um Destruidor sem honra,
então não é respeitado. Por isso, seguir por outra linha da magia significaria
manchar minha reputação para o resto da vida. Mas que escolha eu tinha se fui
banido e se nunca gostei da magia de meu país?
Eu somente era covarde segundo os padrões no qual fui educado. Eu era
corajoso para atos talvez mais complexos. Bastava que eu seguisse uma via que
despertasse minhas reais potencialidades.
Eu estava em dúvida entre estudar em Crava ou Narrara. Logo notei que
seria uma grande desvantagem ir para Narrara, já que eu mal sabia ler o idioma
de meu próprio povo. Eu achava bonita a ideia de ler um livro e dele ser capaz
de evocar os cenários e monstros das histórias, conforme a intensidade da
emoção gerada e do nível de concentração para alteração de consciência. Mas...
eu não lia livros, não tinha muita imaginação. Eu sofreria preconceito num lugar
assim.
Crava seria uma alternativa muito mais natural para mim. Como Destruidor,
eu possuía um bom acesso a muitas dimensões, por intermédio de meu maligno.
Despertar poderes psíquicos num nível divinatório seria dar apenas um segundo
passo.
532
Fábula dos Gênios
Com esse pensamento, fui de barco para Crava. Aquela viagem foi exaustiva.
Meu senso de direção não era bom fora do ambiente de minha terra natal.
Aquele era um continente escondido, que precisava ser encontrado por força
mágica.
Eu não conhecia o idioma local. Nem sei como fui capaz de chegar até a
capital. Eu tampouco tinha intenção de revelar minha origem. Preferia dizer que
eu era habitante de alguma ilha desconhecida, para evitar maiores perguntas.
Através da mímica e de desenhos, consegui informar aos habitantes que eu
desejava entrar para alguma escola de magia local. Para a minha surpresa, eu
soube que as instituições recepcionavam bem os estrangeiros, pois era do
interesse deles que os gringos falassem bem da educação de Crava lá fora.
Fui aceito num colégio chamado Diafaneidade Múltipla, que se centrava na
divinação com poliedros cristalinos e no estudo da geologia mágica, em especial
da mineralogia. Lá era muito popular a utilização de policristais místicos, pela
aleatoriedade dimensional que possuíam, o que era útil para capturar as
dimensões do tempo nas prisões de espaço dos cristalitos.
Entender os padrões geométricos seria uma vantagem para mim. Contudo,
as aulas de laboratório em que ocorria a análise de grãos pelo microscópio era
algo no qual eu enfrentaria muita dificuldade. Em especial, as distorções dos
padrões dos grãos geravam imenso poder mágico, como nas regiões de vazio.
Esse truque serviria para enganar o adversário, que calcularia os padrões sem
prever as deslocações.
E eu pensando que tinha ido para Crava somente para meditar e despertar as
capacidades psíquicas meramente por intermédio da mente. Eles realizavam
muito mais que isso.
Aos poucos eu aprendia o idioma local, mas continuava a ser visto como um
esquisito. Os professores eram gentis comigo, mas os estudantes eram meio
secos.
– De onde você veio mesmo, forasteiro?
– Ilha de Fuxia.
– Credo, onde fica isso?
– Trerda.
– O continente dos Derradeiros? Tá de brincadeira. Eu pensava que aquelas
ilhas eram desabitadas.
– Bem, eu sou de lá.
– Qual a técnica mágica de vocês?
– Magia com... lama.
– Quê?
Por que aquele pessoal fazia tantas perguntas? De vez em quando eu dava
respostas diferentes para cada pessoa, o que os deixava ainda mais intrigados.
533
Wanju Duli
Alguns diziam que eu era pirado. Como ninguém nunca tinha ouvido meu
sotaque na vida antes, tinha quem acreditasse na minha história.
Um sujeito estranho vindo do fim do mundo que nem sabia dar nó em
gravata. Até que minha reputação não estava ruim. Embora eu me saísse
péssimo nas aulas de laboratório e outras coisas mais técnicas, eu tinha
facilidade nas aulas práticas.
Os uniformes de Diamul eram vermelho–sangue. Os rapazes usavam calças
e gravatas vermelhas, camisa social branca e sapatos pretos. Coletes e jaquetas
em algumas ocasiões. Já no caso das mocinhas, o uniforme era simplesmente
deslumbrante e parecia um vestido de baile: tratava–se de um longo vestido
rodado em tom rubro. Elas também usavam laços de fita vermelhos nos cabelos.
Os estudantes andavam de lá para cá pelos corredores carregando grandes
cristais geométricos flutuantes. Energizavam os espíritos e faziam previsões. Os
mais habilidosos guardavam todo o material escolar embutido no interior do
cristal. E os mais habilidosos ainda dispensavam boa parte dos grimórios e
cadernos, pois decoravam tudo. Havia até quem cravejasse todas as informações
no próprio cristal, com uma letra quase microscópica.
Uma batalha entre dois divininos era algo notável. Era questão de quem
seria capaz de ler o outro primeiro. Portanto, as batalhas ocorriam no futuro; ou
no passado, não sei bem. Talvez elas jamais ocorressem e aquela impressão de
luta fosse apenas uma ilusão.
Eu gostava de combinar a magia de policristais com a de gênios malignos.
Eu alimentava meu cristal com partes internas do meu corpo, o que fazia com
que meu poliedro emanasse uma energia particularmente macabra e pesada.
Não demorou muito para que muitos estudantes notassem uma aura negra
ao meu redor. Eu estava cercado por adivinhos. Como eu pretendia manter
minha mentira por muito tempo?
– Meu, você viu como os estéticos andam putos com os Destruidores? Acha
que vão invadir Consmam?
– Estão putos uma ova. Eles só querem um pretexto para roubar matéria–
prima pra perfume. São uns bostinhas.
Aqueles rumores me preocupavam enormemente, já que minha irmã estava
em Bruznia. Ela curtia uma boa briga e se rolasse a guerra eu não saberia dizer
do lado de quem ela ficaria.
Quanto a mim, eu estava desejando algo ainda mais misterioso: ser membro
de uma famosa sociedade secreta de Diamul, chamada Polivaz. O “poli” era
uma referência tanto a policristais como poliedros. O “vaz” aludia aos padrões
alterados dos grãos.
Também era chamada “Sociedade das Máscaras”. Em muitas Ordens de
magia os membros deixam evidente suas identidades, seja através de meias
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– É do interesse dos A² que ocorram guerras entre nós. Nós somos como
peças no tabuleiro deles. Eles se divertem em assistir.
Eu havia tocado num tabu. Não era recomendável criticar os marlaquinos
naquelas reuniões.
– Não podemos fazer nada, Vorta. Eis a verdade. Nossa magia no máximo
nos permite manipular os limites da nossa própria vida e morte. Nos A² não
podemos tocar.
– Por que você acha que não há divininos como membros da MAL?
– Porque eles são fracos.
– Errado. Porque eles poderiam prever a derrota dos A². Eu tenho uma
amiga divinina muito poderosa que fez previsões extremamente corretas. É
assustador.
– Aquela que você decapitou? Ou a criança que eu violentei?
Quando Caliderina dizia coisas assim, eu tinha vontade de matá–la. Mas eu
me contive.
– Eu reencontrei Leassa há alguns anos. Ela disse que eu certamente iria
morrer pelas mãos dos marlaquinos.
– Ela só disse isso por raiva do que eu fiz a ela. Se me lembro bem, ela
também disse que você destruiria uma cidade. Isso jamais aconteceu.
– Essa previsão sempre me assombrou. Ela me assombra até hoje, até mais
do que a previsão óbvia da minha morte. Essa outra é muito mais misteriosa.
– Cheguei, queridoooooos! Trouxe os biscoitos!
– Espero que sejam biscoitos com poucas calorias. Estou de dieta.
– Minaz, fale mais baixo, por gentileza. Estamos no meio da reunião...
Ela repousou os biscoitos na mesa, fazendo uma careta. Sentou–se e
aquietou–se.
– Sabe o que mais tem me incomodado ultimamente? A Fagemal Armor,
Ordem fundada por Basza Cazka. Caso não saiba, Buur é membro.
– Eles realmente possuem filosofias heterodoxas por lá. Acredito que ele
não virá mais para nossas reuniões e aguardará que você o mate. Ele deseja isso.
– Owmaq, eu ouvi falar que você está reerguendo a Fagenar Vibri com os
construtores sobreviventes. Espero que as filosofias de sua Ordem também não
interfiram na sua vinda mensal para a sede da MAL.
– Nesse caso, você não me executaria. Ocorreria uma batalha.
– Novamente, é do interesse dos A² que essa luta ocorra. Se eles desejam me
ver morto em breve, facilitaria muito que minha morte ocorresse por um
acidente como esse.
– Então você chamaria minha vitória de acidente, Vorta? Bem, você já
estaria morto e isso o impediria de espalhar por aí uma mentira como essa.
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– Ser rank 1 é uma merda. Não deseje isso. Eu nem imagino que tipo de
tortura os alienígenas conheçam para executar na ocasião de minha eliminação...
Eu interrompi minha fala subitamente. Senti uma sensação horrível.
Estava com falta de ar. Tive que levantar da cadeira.
– Amor...? O que você tem?
Eu caí de joelhos, tremendo. Abracei meu próprio corpo. Alguns também se
levantaram, assustados.
– Isso, morra logo e libere o rank 1, Vorta.
– Cale–se, Weskada. Você não sente isso, Cali? Esse horror...?
– São os marlaquinos? Eles irão matá–lo... agora?
Todos pensaram que eu estava morrendo. Pelas mãos invisíveis dos A². Mas
eu sabia que eles não eram disso. Se um dia os marlaquinos fossem mesmo me
matar, apareceriam pessoalmente na minha frente e me executariam, deixando
muito claro suas intenções antes de fazê–lo.
– Cali... Laelia e Leilen... elas morreram. Nesse exato instante.
Caliderina ficou imediatamente irada.
– Quem foi a puta? Irei matar essa galinha estética!
Eu me levantei. Coloquei a mão no ombro dela.
– Dessa vez eu faço.
– Você parece calmo demais.
– Acredite, não estou.
Eu estava chocado. As duas morreram assim, do nada! Eu as deixei
protegidas na melhor escola de Bruznia, que era onde elas fizeram questão de
estudar.
Quem eram os filhos da puta dos professores que permitiram que aquilo
acontecesse? Nenhum dos habitantes se levantou para protegê–las, em meu
nome?
Um grande ódio tomou conta de mim. Eu não estava odiando somente
todos os alunos e professores de Pompa Prima, como também a todos os
malditos estéticos. Então eles não se sensibilizaram para proteger duas crianças?
Não importava o que tivessem feito. Para mim, minhas filhas ainda eram
crianças inocentes, como a própria Cali, que havia cometido atos condenáveis,
sem possuir total consciência deles.
Eu ia morrer em breve. Caliderina também morreria um dia, mesmo sendo
tecnicamente imortal. Minhas duas filhas seriam tudo o que restaria de mim no
mundo. A única porção minha que permaneceria viva.
Matá–las era como matar uma parte de mim. Aquilo doía. E doía muito mais
do que ter minha própria vida arrancada.
Quem quer que tivesse feito aquilo, iria pagar.
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– Eu era somente uma tola por odiá–lo. Nós odiávamos um ao outro. Será
que é por isso que existe a morte, Vorta? Não para separar as pessoas, mas para
uni–las de novo.
– As coisas não precisam de uma razão para existir. Elas apenas estão aí,
independente dos caprichos humanos de atribuir–lhes valores. Pode ser até que
elas não estejam aqui de verdade e sejam apenas ilusões.
– Então nós vivemos de ilusões? Morremos por elas?
– Sim. É tudo o que podemos fazer. E o maior de nossos caprichos e ilusões
sempre será o amor. Algo assim ultrapassa até mesmo o limite da nossa razão.
– Mas se é algo assim tão forte, não pode ser ilusório. Algo que aniquila até a
razão humana não é poderoso o suficiente para possuir uma existência real?
– Eu gostaria de descobrir isso. Agora que cumpri minha parte do acordo,
eu gostaria que você revivesse uma pessoa. Acha que pode?
– É uma promessa. Mas somente farei essa ressurreição. Se eu exagerar, logo
morrerei. Meu pai reviveu muitas pessoas. Essa é a única explicação para que
tenha ficado assim, nesse estado. Então será que, apesar da rudeza, ele desejava
ajudar as pessoas?
– O coração humano é inescrutável. Você pode acreditar nisso. O ser
humano é feito de um amontoado de crenças conectadas. Nós somos
preenchidos por religiões. Somos religiões.
Meu abutre alimentou–se dos restos do corpo do pai dela. Logo após, eu dei
uma carona para a Destruidora nas costas dele.
– Por que você viaja sobre uma criatura tão terrível?
– Para recordar–me da morte. Para ver beleza nela.
– Eu o entendo completamente. Fiquei muito chocada ao ver tantas mortes
hoje. Mas por que, lá no fundo, eu consigo me fascinar e compreender que as
coisas são perfeitas exatamente da forma que são?
– Porque elas realmente são perfeitas.
Quando aterrissamos no cemitério de Tecraxei, eu me emocionei.
Por que eu precisava trazê–la de volta se a morte era assim tão bela e
completa? Eu já havia aceitado. Ela teve uma morte rápida. Aquilo não era
somente um capricho meu?
De alguma forma, eu ainda me sentia responsável. Eu devia tê–la protegido.
Não consegui. Agora eu tinha o poder para fazê–lo.
A Destruidora abaixou–se diante da lápide. Pediu que eu não olhasse para o
corpo, pois ver o cadáver em decomposição avançada podia ser chocante para
mim.
– Eu já vi coisas muito mais terríveis.
Eu não estava me gabando. O que eu fiz nas décadas anteriores assombraria
qualquer um. Eu não tinha me tornado somente poderoso, mas cruel.
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Wanju Duli
Mas por que ali, diante dela, eu sentia que voltava no tempo?
– Perguntarei pela última vez: tem certeza de que quer revivê–la? Não
poderá voltar atrás. – Acredite, é tudo o que eu quero. Nunca tive certeza de
nada na minha vida. Mas disso eu jamais duvidaria.
Não era uma questão racional. Era emoção pura. Um mistério da vida
animal.
Eu compreendia racionalmente que o amor apaixonado era apenas uma
estratégia da natureza para perpetuar a espécie. Mas por que um jogo era falso
por ser apenas um jogo, se gerava uma emoção real?
Revivê–la não seria contrariar a natureza. Afinal, mesmo na morte jamais
morríamos de verdade. Havia mais, sempre mais, em nossa ânsia de
continuidade. Pois, desde o começo, jamais houve um nascimento. Éramos
eternos.
Eu somente precisava de um pouco de amor e morte na minha existência.
– Vorta, venha.
Aquela garota linda abriu os olhos.
A Destruidora havia restaurado completamente o corpo. Ela estava
igualzinha ao que eu me lembrava.
Eu fui a primeira pessoa que Lipsei fitou quando acordou.
– Taha...?
Ela me reconheceu! Era inacreditável.
Eu podia ouvir novamente a voz dela. Fitar aqueles olhos castanhos
brilhantes.
Senti lágrimas nos meus olhos. As lágrimas caíram sem que eu percebesse.
– Você não é Taha. Me desculpe! Você é o pai dele? Taha está bem? Uma
moça estranha nos atacou...
Subitamente, Lipsei deu uma exclamação de susto. Ela reparou na própria
nudez. Cobriu os seios com as mãozinhas, envergonhada. Logo após, cobriu o
peito com a mão esquerda e colocou a direita sobre a vagina. Ela estava tão
confusa que nem sabia como faria para cobrir seu corpo inteiro.
A forma com que ela se envergonhou foi tão meiga, mas... eu me senti muito
mal. Por que a maldita Destruidora não havia colocado alguma roupa para
cobri–la? Ela por acaso pensou que nós dois éramos namorados ou algo assim?
Ela provavelmente não tinha previsto isso.
Eu já ia me virar para chamá–la, quando notei que a Destruidora já tinha
partido. Ela queria nos deixar a sós, hã? Mas... Lipsei precisava de outra garota
perto, para se sentir segura. Ela ia ficar assustada com um cara lá.
Lipsei era uma menina doce e sensível. Por mim, eu teria tirado toda a
minha roupa imediatamente e dado tudo a ela, mas isso somente a assustaria
mais.
550
Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
Abri uma dimensão e do interior dela saiu um imponente robô com mais de
três metros, coberto de acessórios, espíritos, botões e poderes mágicos.
Ela contemplou o robô com assombro. Mas ela entendeu imediatamente
quem era, apesar de estar tão diferente.
– Esse é meu robozinho! Está tão mudado! Você está bem, Tchuu?
T69 piscou de uma forma estranha. Eu nunca o vi daquele jeito. Ele também
entendeu imediatamente quem era ela.
Lipsei abraçou–o. Ela não se sentiu intimidada por aquele monstro
gigantesco. Tchuu abraçou–a de volta. Eu nunca o vi tão feliz. É claro que ele
estava com saudades. Ele a conhecia muito mais que eu mesmo.
Toda a base do poder de T69 se encontrava na programação original dela.
Mas Lipsei era tão ingênua que nem foi capaz de sentir que aquela máquina
havia sido responsável pela morte de centenas de pessoas.
Tudo o que eu queria era proteger o robô de Lipsei, que era minha última
lembrança dela. Mas acabei maculando–o.
– Sinto a energia de Taha aqui também. Senhor... quem é você?
Eu me senti meio estranho quando ela me chamou de “senhor”. De repente
eu me senti muito distante dela. Será que eu estava assim tão velho? Eu mesmo
não me considerava velho. Ao contrário, aos quase 50 eu me achava na flor da
idade, sendo que eu conhecia muitos magos com mais de 80 ou 90, que me
consideravam quase uma criança pelos seus padrões.
Mas para aquela garota, eu tinha idade pra ser o pai dela. Eu inclusive tive
duas filhas quase da idade de Lipsei.
Eu tomei coragem. Ia conversar com ela. Eu era capaz disso. Até porque ela
me fez uma pergunta. Eu jamais seria rude com a menina que eu amava.
– Lipsei, não se assuste, mas eu acabei de te reviver. Já se passaram trinta
anos.
Eu era um idiota por contar algo importante assim de repente. É claro que
Lipsei ficou chocada. Mas eu tampouco poderia esconder aquela informação
dela por muito tempo.
– Então eu realmente morri. Aquela moça bonita me matou. Uma Deusa...
eu nunca tinha visto uma garota tão bonita assim antes, e você?
Quê? Ela queria mesmo que eu respondesse aquilo?
Eu não tinha coragem de contar para Lipsei que eu havia namorado aquela
“moça bonita”. Transado com ela e depois tirado sua vida.
– Ela te matou. Como pode dizer isso?
– Perdão... eu sou muito boba.
– Não precisa se desculpar.
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Fábula dos Gênios
– Você é mesmo o Taha. Está tão diferente, mas ao mesmo tempo... hã... o
que eu estava dizendo mesmo? Ah, eu me perco no meio das frases, eu fico
nervosa. Eu não costumo conversar muito com garotos...
Então de repente eu havia me tornado um garoto de novo? Eu achava a
coisa mais encantadora do mundo quando Lipsei se atrapalhava para falar. Eu
fui o stalker profissional dela na época de colégio, então eu já a conhecia muito
bem.
– Não se preocupe. Pode ficar à vontade. Temos todo o tempo do mundo.
– Obrigada por me reviver. Como você fez isso?
– Longa história. Em poucas palavras, é magia de Derradeiros.
– Eh? Mas...! Tinha um Destruidor aqui? Eu morro de medo de
Destruidores! Eles são assustadores! Mas envie meus agradecimentos...
Ela estava se atrapalhando de novo. Baixou os olhos. A timidez dela me
fascinava cada vez mais.
– Pode deixar, eu envio.
– Taha, eu estou preocupada. Se trinta anos já se passaram, onde estão meus
pais? E minhas amigas?
Como eu contaria algo assim?
– Sinto muito, mas a sua mãe... ela ficou doente quando soube da sua morte.
Infelizmente, ela faleceu logo depois. E eu soube que seu pai também já morreu.
Lipsei começou a chorar. Bem, isso era esperado. Eu não sabia como
consolá–la.
– Mas aquelas duas meninas que andavam no colégio com você estão vivas.
Deseja revê–las?
– Eu não sei... mamãe morreu. Ela era tudo pra mim. Eu a amava tanto.
Ela estava se acabando de chorar. Começou a soluçar e se encolheu.
Eu queria abraçá–la, mas não tinha coragem. Ainda mais que ela estava
vestindo apenas a minha capa.
Eu não previ isso. Eu revivi Lipsei para que ela pudesse sorrir de novo e ter
uma vida feliz. Será que não tinha sido uma boa ideia? Ela teria uma vida triste
ao saber da morte das pessoas que ela amava?
Mas ela logo fez força para conter as lágrimas.
– Me perdoe. Você gentilmente me reviveu e eu estou sendo rude e mal
agradecida.
– Como eu disse antes, não precisa se desculpar. Sei que você irá superar
isso.
– Sou chorona e mimada. Sou tão cheia de defeitos! Mas... eu estou
aborrecendo você com minhas reclamações. Estou feliz por estar viva. Juro que
estou feliz...
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Wanju Duli
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Fábula dos Gênios
Eu não devia ter comprado vestido. É claro que ela iria precisar de uma
calcinha. Além do mais, comprei um vestido pequeno demais. Eu sempre
pensava em Lipsei como uma menina pequeninha, então comprei o menor
vestido que havia. Mas aquele modelo devia ser para uma criança.
Aquele vestido mostrava muito das coxas dela. E parecia apertado no peito.
O resultado foi um decote que me fez enrubescer quando vi.
Resolvi sair de lá logo para não olhar demais.
Quando retornei para a loja de roupas meu coração estava disparado. Eu
não comprei um vestido assim de propósito.
Escolher lingerie foi muito difícil. Eu não queria comprar algo minúsculo,
para não parecer um pervertido. E também não podia escolher algo enorme,
para não cair.
Afinal, por que eu estava nervoso daquele jeito? Eu já tinha visto mulheres
nuas. Eu inclusive tinha uma esposa muito gostosa e comia aquela carne macia
todas as noites.
Mas Cali tinha mais carne. Eu já havia presenteado Caliderina com lingeries
sensuais, mas imaginei que os tamanhos das duas seriam completamente
diferentes.
Resolvi não pensar demais. Acabei comprando uma calcinha amarela com
detalhes azuis claros.
Quando retornei, Lipsei ficou muito surpresa.
– Eu tenho uma muito parecida com essa. Como você sabe?
– Eu não sabia. Foi coincidência.
Eu era um imbecil ou o quê?
Depois daquilo, Lipsei se sentiu desencorajada com minha gentileza.
– Eu posso me virar agora. Vou visitar minhas amigas. Muito obrigada por
tudo.
– Espere! Posso te comprar sapatos também. Quer ir comigo na loja? Dessa
vez você escolhe.
– Tá...
Ela escolheu um par de sandálias muito baratas. Pegou um sutiã bem barato
também. Nossa, como eu era desatento. Eu esqueci completamente que garotas
também precisam de sutiã.
Quando fui pagar, dessa vez a atendente me reconheceu.
– Por acaso você seria Taha Vorta?
– Sim, eu sou.
Como eu poderia negar, se Lipsei estava do meu lado?
A atendente ficou fascinada.
– É uma honra conhecê–lo pessoalmente, senhor.
Quando saímos da loja, Lipsei ficou muito intrigada.
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Wanju Duli
– Eu costumava visitar essa loja quando criança. Meu pai era muito
respeitado por aqui...
Acho que minha história não colou. Mas Lipsei não perguntou mais sobre
isso.
– Você ainda deve estar com frio. Quer um casaco ou minha capa?
– Não quero abusar de sua generosidade. Eu realmente devo ir...
– Para onde? Sabe onde moram suas ex–colegas? Nem mesmo eu sei onde
elas moram atualmente. Por acaso tem algum parente? Outra pessoa que
conheça?
– Não... parece que tudo mudou.
– Por favor, entenda que não é problema algum ajudá–la. Quer ficar na
minha casa por enquanto? Há muitos quartos vazios. Você pode ficar à vontade
lá...
– Senhor... existe algo que você deseje de mim em troca de toda essa
generosidade? Porque se assim for, sinto muito. Não posso lhe retribuir.
Quando ela disse isso, eu me senti muito mal.
Eu a revivi porque eu desejei revê–la outra vez. Nunca parei para pensar no
que eu faria depois disso.
Ouvir isso dela doeu. Depois que eu comprei aquele vestido curto e a
calcinha daquelas cores, percebi que ela estava me tratando mais friamente e
com certa distância.
E, para completar, ela estava me chamando de senhor outra vez.
– Lipsei, nós fomos colegas. Eu me senti responsável quando você morreu,
pois não pude protegê–la. Vivi com essa culpa ao longo de todos esses anos.
Finalmente, depois de muito tentar, arranjei um meio de revivê–la. Eu
sinceramente desejo ajudá–la. Você nunca vai precisar me pagar. Tenho uma
dívida com você. Aliás, por todo esse tempo tenho usado seu robô. Ele me
trouxe muito poder. Obrigado.
Essas palavras foram o bastante. Ela se sentiu melhor. Mas não aceitou o
convite de ir para minha casa.
– Vou achar outro lugar. Prometo que ficarei bem.
– Não pensa em retomar os estudos?
– Tem razão! Vou voltar para nossa antiga escola.
– O exame de admissão está muito difícil agora. O preço da mensalidade
também subiu muito.
– Ah... e vou ter que fazer um robô novo. Acho que você não vai me
devolver o Tchuu.
– Ele é seu. Se o quiser de volta, você o terá.
– Vou querer visitá–lo de vez em quando, se não se importar. Mas sinto que
eu não saberia comandá–lo, por isso não pedirei de volta. Você o modificou de
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Fábula dos Gênios
uma forma muito complicada. Não entendo muito disso, mas ele parece bem
forte.
Qualquer mago de poder médio seria capaz de captar o imenso poder que
emanava de mim e do robô. Lipsei era inocente a esse ponto: sequer era capaz
de entender que eu não estava somente “bem forte”. Eu estava perto de atingir
um nível de poder próximo ao de um marlaquino. Algo que só tinha ocorrido
duas vezes em toda a história.
Mas aquilo não importava. Eu torcia para que ela não descobrisse aquilo tão
cedo. Eu não desejava que mais uma barreira nos separasse.
– Se você não quiser ter todo o trabalho de montar um novo RP, ainda pode
estudar em escolas de outros países.
– É mesmo! Sempre admirei Narrara. A magia dos livreiros é tão bonita!
– Então é para lá que nós vamos. Eu te dou uma carona.
Chamei meu enorme abutre. Lipsei ficou com muito medo quando o viu.
– Ele é mágico e muito dócil. Ele me obedece completamente. Pode fazer
carinho.
Lipsei acariciou a cabeça dele. Logo, ela estava sorrindo muito.
– Ele é tão fofinho!
Eu seria o cara mais feliz do mundo se um dia Lipsei dissesse aquilo
enquanto massageasse meu pau.
Mas... ahhhh! No que eu estava pensando? Eu tinha uma esposa. Claro que
era uma esposa desgraçada que tinha matado a menina que eu gostava e que
ficava dando em cima de outro cara.
Será que eu já era muito velho para Lipsei? Mas mulheres curtem caras mais
velhos. Além do mais, eu tinha grana e poder.
Pensando bem, eu era um excelente partido. Diversas mulheres tinham dado
em cima de mim desde que me tornei o melhor do mundo. Muito mais do que o
dinheiro, o poder as fascinava enormemente.
Eu poderia oferecer a ela proteção mágica e segurança financeira. Mas eu
ainda não tinha coragem de me declarar. Era melhor eu ir com calma.
Lipsei segurou na minha cintura enquanto voávamos em Kraezunassei.
Aquilo me deixou nas nuvens. Eu devia aproveitar o sonho enquanto durava.
Nós visitamos juntos o melhor colégio de Narrara. Ofereci–me a pagar toda
a mensalidade, até ela terminar os dois anos de colégio que faltavam. Como era
um internato, era mais caro ainda, mas eu não me importei. Assim ela já teria
um lugar para ficar.
– Não posso aceitar. Isso seria muito...
– Por favor, permita–me. Esse dinheiro não é muito para mim. As coisas
deram certo nos negócios e me tornei muito rico. Então não se preocupe.
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Fábula dos Gênios
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– Isso é injusto. Por que só você pode fazer coisas por mim? Queria poder
fazer algo por você também.
– Fique viva. Seja feliz. É tudo o que eu peço. Nada mais. Seu sorriso
radiante espalha alegria para o mundo. É disso que esse lugar precisa, e não de
novos assassinos.
– Há momentos em que assassinos só levam a sério outros assassinos. E se
alguns deles sorrirem sinceramente, do fundo do coração, aí sim algo pode
finalmente começar a se transformar.
Eu não entendi o que ela quis dizer. Eu não via lógica naquelas palavras, mas
eu sentia alguma força ali no meio.
Naquele meio tempo, algumas coisas desagradáveis aconteceram na MAL.
Logo na reunião do mês seguinte, depois que minhas filhas morreram, eu
descobri que o assassino delas era filho de Segrene. Nunca me dei bem com ele,
mas isso agravou ainda mais nossa inimizade. Ele passou a nutrir um ódio sem
tamanho por mim, mas não poderia fazer nada.
Era difícil falar em justiça. Ele afirmava que seu filho era digno.
– Certamente foram suas filhas quem fizeram merda. Se elas forem igual à
mãe, não tenho nenhuma dúvida disso.
– Não ouse depreciar a minha família.
– Você devia olhar mais por aqueles que lhe são caros, Vorta. Você jogou
suas duas filhas num colégio interno para se livrar delas e sequer ia visitá–las.
No caso do meu filho, ele apenas realizava um intercâmbio de dois anos e eu ia
visitá–lo frequentemente.
Pensando bem, eu não costumava prestar muita atenção no que acontecia na
minha casa. Eu era sempre muito ocupado com os assuntos grandes dos magos.
Eu só via minha mulher à noite para trepar com ela. Eu nem via o que ela fazia
no resto do dia. Caliderina criou as gêmeas praticamente sozinha, enquanto eu
permanecia a viajar.
– Eu vivo dizendo que você precisa colocar rédeas naquela sua esposinha e
você não me escuta. Por acaso sabe onde ela anda agora?
– Provavelmente ela está fazendo compras com Minaz, por isso as duas se
atrasaram.
– Estranho que o deus pelado não tenha aparecido mais na nossa janela.
Será que ele anda muito ocupado desde que você o matou?
As reuniões dos magos mais fortes de Marlaquina pareciam um encontro de
fofocas entre velhas lavadeiras.
Já fazia muito tempo que eu recebia insinuações do tipo. Eu costumava
ignorar o que Weskada dizia, porque eu o achava um grande imbecil.
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Fábula dos Gênios
e poderosa ao meu lado. De repente, a morte já não parecia tão solitária. Era
cheia de magia.
– Para a sua alegria, Mioae foi rebaixado de novo para rank 11 e saiu da
Ordem. Por ficar menos de um mês, ele nem chegou a receber a tatuagem. Uma
divinina chamada Leassa Cazara tomou o lugar dele.
– Isso é maravilhoso.
– Na próxima reunião, Mioae provavelmente estará pendurado na janela
outra vez.
– Eu realmente não queria que essa fosse minha última imagem antes da
minha morte...
– Pode deixar que eu o mato de novo. Na MAL sob meu comando não
haverá casais nas escadas, biscoitos ou risadas. Só trataremos de temas
filosóficos e profundos.
Eu havia acostumado mal as crianças da MAL. Soma colocaria ordem na
casa rapidinho. Quem sabe, pela primeira vez ocorresse uma reunião da MAL
que finalmente falasse de magia!
– Tenha uma morte gloriosa.
Senti um arrepio quando uma criatura multicolorida se materializou na
minha frente.
– Olá, Vorta. Meu nome é Tecraxei, muito prazer!!
Aquilo foi bem assustador. Era uma mocinha com um chapéu de bobo da
corte e um sorriso de orelha a orelha.
– O prazer é meu.
– Tipo, vou te matar, OK?
– Por quê?
– Tô a fim.
– Beleza.
Eu já sabia por quê. Todo mundo sabia. Perder tempo com explicações
sobre isso não tinha sentido.
– Pode me mostrar o seu mundo antes de tirar a minha vida?
– Todos os mundos são iguais. O que muda é o que está dentro de sua
mente. Com o sono eterno, eu te ofertarei o melhor sonho.
E eu realmente sonhei.
Sonhei com um universo de amor. Sonhei com um universo de ódio.
Havia guerra. Havia paz. E, em meio ao caos, poderia haver um refúgio
seguro? Eu realmente queria estar seguro?
Não havia mais perguntas. Não havia mais respostas.
Eu não precisava ser lembrado. Eu era o grão de areia que completaria a
fumaça cósmica que voava naquela festa eterna e faiscante.
Tudo o que eu precisava. Era tudo o que eu queria.
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Fábula da Eloquência
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Fábula dos Gênios
– Por que ele teria todo esse trabalho apenas por mim?
– Boa pergunta. Por alguma razão, eu acho que ele faria qualquer coisa por
você. Afinal, não foi ele quem te reviveu?
Eu ri. Mas foi um riso de simpatia. Era engraçado pensar que um homem
importante como Taha Vorta ligava tanto para uma ninguém como eu.
Eu não sabia por que ele tinha me revivido, me ajudado nos estudos e até
mesmo deu seu RP para mim.
Por um lado, o RP era originalmente meu. Ele disse que tentou me salvar
naquele dia e não conseguiu. Ele sentia que estava em dívida comigo.
Mas as peças do quebra–cabeça ainda não se encaixavam.
– Talvez eu seja alguém importante como uma princesa? Ou tenho
ancestrais de renome?
– Eu não contaria com isso. No meu caso, minha origem só me atrapalha.
Eu preferia poder viver sem esse peso. Ainda bem que terei apenas mais dois ou
três anos de vida.
– Como pode ficar tão calmo?
Ele deu de ombros.
– Lipsei tem razão, Echnhas. Você é um imbecil. Se eu tivesse só mais dois
anos de vida, não estaria estudando e sim viajando, procurando tesouros, tendo
altas aventuras! Por que vai desperdiçar seu tempo enfiado em livros?
Quem disse isso foi Morvia, uma garota da nossa classe.
– Eu consigo viajar para qualquer lugar nos livros. E eu tenho amigos aqui.
– Só a Lipsei. E você nem tem namorada. Afinal, quem iria namorar um
construtor?
Em Narrara todos pensavam que Echnhas era um construtor sobrevivente.
Ele preferia que pensassem isso, para que não o temessem. Em compensação, as
garotas costumavam perturbá–lo mais que o normal, ao saberem que, caso ele
desse um beijo na boca de uma moça, poderia morrer.
Mas antes que ele respondesse, Morvia acrescentou:
– Bem, na verdade eu ouvi dizer que a Braca, do terceiro semestre, está a fim
de ti...
– Está mesmo?
– É aquela ali. Mas ela só vai ficar contigo se você beijá–la.
Morvia apontou para um banco.
– Mas...
Echnhas foi até lá mesmo assim. Eu e Morvia assistimos de longe, enquanto
ele se aproximou da moça de rabo de cavalo e sentou–se ao lado dela.
– Se me beijar, prometo que te amo pra sempre. Faria isso por mim?
– Você sabe que corro risco de morrer se eu tentar isso.
– Por favor, sacrifique sua vida por mim...
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Wanju Duli
Echnhas era muito romântico e ingênuo. Sem nem conhecê–la, ele fechou
os olhos, aproximou–se dela e aguardou pelo beijo.
Quando ele fez isso, Braca levantou–se do banco e juntou–se a outras três
amigas. As quatro começaram a rir.
Echnhas abriu os olhos.
– Você costuma sacrificar a sua vida só por uma foda? Babaca!
E as quatro saíram desfilando em seus impecáveis vestidos verdes.
Morvia riu dele também.
– Você é uma gracinha, sabia, Ech? Pena que é tão idiota...
E ela retirou–se também.
Echnhas ainda fitava o nada, sem saber como reagir. Resolvi sentar–me ao
lado dele. E inicialmente eu não disse nada.
– Por quê?
– Caso esteja se perguntando, é verdade o rumor de que dou em cima de
muitas estudantes. Mas eu sempre faço isso com respeito.
– Não foi isso que perguntei. Por que arriscar a vida por uma pessoa que
nem conhece?
– Vou morrer de qualquer forma. Queria ao menos ter alguém especial
comigo antes do fim.
– Tem uma coisa que não entendo. Você nunca deu em cima de mim, em
todos esses anos. Nem um pouquinho...
– Ah, mas você é uma protegida do Vorta. Eu não ousaria. Ele me mataria.
– Hm.
Retirei quatro grimórios grossos de dentro da minha mochila.
– Você escreveu todos esses?
– Basicamente sim. Por isso vim para essa universidade. Desejo escrever
muito mais. Histórias cada vez mais mágicas, cheias de vida e morte, amor e
ódio.
– Por que não escreve grimórios em vez de escrever histórias?
– Porque um grimório é como um manual de magia. Uma história é a magia
acontecendo. Sendo vivida, respirada. Sentimos todas as emoções, como se
realmente fosse real. E, na verdade, é... mas num outro plano de realidade. Ora,
vamos lá! Aprendemos tudo isso nas aulas.
– Eu sei. Mas eu tenho um passado de Destruidor. Os Destruidores pegam
pesado na carne. É uma magia dolorida. Não somente na imaginação.
– Sei por quê. Eles realizam um tipo de mortificação para que a dor no
corpo gere fervor na mente. Mas se o objetivo é sempre a mente, não
precisamos necessariamente realizar uma alteração física do lado de fora, certo?
Espadas, cartas, velas... nada disso é preciso. Aqueles que possuem uma mente
poderosa acessam o gatilho da magia apenas com a imaginação.
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Fábula dos Gênios
– Mas isso é difícil. Inventar um mundo a ponto de torná–lo tão real quanto
esse que conhecemos.
– Se a emoção que experimentamos em relação a ele é igualmente real, qual
é a diferença?
– Você não pode morrer no outro mundo. Mas pode morrer nesse.
– Então se torna mais útil ainda construir diferentes mundos paralelos e
materializá–los com magia. Assim, quando morrermos, em vez de visitarmos
outros planos e dimensões, podemos mergulhar no mundo que criamos.
– Isso funciona quase como uma casa para gênios. Sabe, algo que os
construtores fazem...
– Vocês, Destruidores, preparam algo parecido?
– Hã... os Derradeiros têm túmulos para gênios e não casas. E o princípio é
bastante similar.
– Fascinante! Eu adoro quando você me conta histórias da sua terra. É
incrível poder conversar com um Destruidor. É uma honra, na verdade. Eu teria
muito medo de me aproximar de um deles, mas com você posso dialogar
normalmente. Adoro ser sua amiga!
Ele ficou meio sem jeito com os elogios.
– Obrigado, Lipsei. Também adoro ser seu amigo. Mas, sem querer ser rude,
não gosto quando as pessoas têm interesse em mim apenas por causa do meu
sangue. Sou muito mais que meu sangue, e eu gostaria que as pessoas se
interessassem pelas outras partes também.
– Mas é claro que eu me interesso! Você é muito gentil. Adoro sua
personalidade singular.
– E meu corpo não parece interessante, certo?
– O seu maligno já...?
– Não muito. Meu corpo está quase inteiro. Ele já comeu umas poucas
partes por dentro. Mas como estive utilizando a magia de Crava e Narrara, não
vou precisar alimentar meu maligno com meu corpo com tanta frequência.
– Entendi.
– Meus genitais estão funcionando normalmente. Estão inteiros.
– Ech, você realmente não precisa me contar isso. Eu já entendi que seu
corpo inteiro está funcionando bem...
– Não por dentro. Meu coração bate num ritmo estranho. Enfim, é melhor
eu calar a boca antes que eu fale mais besteiras, como sempre, e faça com que
até você me odeie.
– O coração dos Destruidores sempre bate de maneira diferente. Por isso
vocês conseguem usar a magia da porcentagem. Eu não vou te julgar. Eu sei que
suas emoções também não são iguais.
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Fábula dos Gênios
– Acho que você se esqueceu que passei os primeiros 17 anos da minha vida
algumas décadas atrás. Essas propagandas também chegam em Desmei e
Consmam?
– Eu soube dela em Crava.
– Então não é um anúncio de xampus?
– Estão promovendo Bruznia. O país tem passado por dificuldades para
atrair turistas desde a destruição de Alprez. Os estéticos andam mais loucos que
nunca. Estão fazendo maratonas de desfiles de moda e batalhas mágicas, o que
por lá é praticamente a mesma coisa, só que com muita morte. Andam se
matando mais que os próprios Destruidores.
– Posso ver a sua chave, senhorita?
Quem se dirigiu a mim foi Einaro, que era meu sênior. “Posso ver a sua
chave?” era uma cantada comum em Narrara, já que todos os livreiros
carregavam as chaves de seus grimórios de nascimento num colar.
– Um cavalheiro deve mostrar a sua antes.
Einaro fitou–me com desconfiança quando eu disse isso. Mas cedeu,
colocando a mão dentro da gola da camisa e revelando o pingente prateado.
Eu toquei o pingente dele, sem saber se eu teria permissão para isso. Ele
fitava–me atentamente. Lambeu os lábios quando eu toquei as reentrâncias da
parte inferior da chave.
– Que lhe parece? Eu a agrado?
Eu não sabia interpretar chaves. Os livreiros aprendiam isso no ensino
secundário do colégio. Os homens geralmente possuíam chaves com
reentrâncias para fora, e as mulheres para dentro.
Um mago imensamente habilidoso seria capaz de ler a chave com poucos
toques e, através disso, produzir uma réplica para abrir o grimório de
nascimento de um livreiro e matá–lo. Por isso, eu entendi a expressão séria e
ligeiramente zangada quando ele notou que eu estava me demorando
demasiadamente em analisar a chave.
– Não sei ler chaves.
– Mas... como não?
– Eu sou uma robótica.
Ele me fitou com bastante surpresa.
– Ora, isso é quente. Então mostre–me seu RP.
Eu não podia fazer isso. Meu RP era o antigo robô de Vorta. Mundialmente
famoso. Ninguém podia saber da minha relação com Taha, ou eu correria
perigo. Ele possuía muitos inimigos que sentiriam verdadeiro prazer em me
matar, ao saberem que eu era uma de suas protegidas.
– Perdão. Não posso.
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Wanju Duli
saltou na direção de Einaro, que teve que recitar um “verso escudo” breve para
defender–se.
– “Nada atinge minha face perfeita com fragrância de papoula!”
Ele recitou isso tão depressa que eu ri. Mas conseguiu defender–se a tempo.
– Papoula fede. Não conseguiu se lembrar de um verso melhor, Ein?
– Não quando tem fogo voando na minha direção!
– Eu não acredito que VOCÊ citou Cameze Fola. Você detesta esse autor!
– Pelo menos estou vivo. Não graças a você!
– Quem começou essa briga mesmo, amorzinho? Você devia beijar meus
pés por eu salvar a sua pele. “O machado de Linerro era tão mortal e afiado
quanto seu cacete de aço!”
– Ei! Agora foi você quem citou Fola! Beije meu traseiro, desgraçada!
A citação fez com que o espírito de luz e gelo agarrasse um gigantesco
machado materializado no ar.
– Espere... é o mesmo personagem que tem face com fragrância de papoula
e cacete de aço?
– Sim. Esse autor é doente.
– É sensacional.
– Ele escreve livros para o público feminino... cada palavra me dá nojo.
– Ele quer vender, pois sabe que mulheres leem mais que homens.
– Que mentirosa! Há um livreiro na MAL e, adivinhe: ele é um homem!
– Mais mulheres de outros países fazem intercâmbio para cá. Vocês, se
pudessem, iam todos para Consmam comer fezes como os Destruidores, e
matar uns aos outros como eles.
– Como se um monte de mulheres não fossem para Bruznia se maquiar...
Enquanto os dois batiam boca, Echnhas tentava se defender
desesperadamente das investidas furiosas do espírito com o machado.
– Ech, chame logo seu gênio, ou você vai...!
Tarde demais. Echnhas, em sua teimosia, não revelou seu maligno, apenas
para que não soubessem sua identidade. E perdeu um braço.
O machado do espírito decepou seu braço direito numa só investida. O
braço atingiu o chão, repleto de sangue, com osso e carne saltados para fora.
Echnhas ajoelhou–se e deu um grito. Ele pingava sangue e tremia, prestes a
desmaiar.
– Puta merda...! Não precisava arrancar o braço desse bostinha. Vamos levar
suspensão, só porque ele é estrangeiro! A reitora imbecil vai dizer que estamos
“promovendo a desarmonia entre os povos”.
– Pois eu acho que estamos ficando mais amigos com esse duelo. Levante–
se, seu fresco. Você só perdeu um braço. Se não levantar, o próximo a voar será
seu pau!
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– Esse cheiro estranho que emana do seu corpo. É como dizem os livros.
Você não é um construtor. Seu filho da puta...!
Muitos estudantes ao redor gritaram e fugiram. Morvia, Braca e as amigas
foram as primeiras a dar no pé.
Einaro quis se fazer de durão e não correu. Mas deu um passo para trás. Ele
suava frio. Ele queria vingar a amiga, mas não tinha coragem.
A mais corajosa foi a reitora. Ela foi na direção de Echnhas e, sem medo
algum, pronunciou:
– Venha até minha sala. Agora mesmo. Vocês dois deverão acompanhá–lo.
Com o braço na mão, Echnhas obedeceu–a. Os estudantes abriram caminho
quando ele passou.
Tivemos que relatar toda a história, desde o começo. Houve mais discussão
na sala da reitora até sermos liberados.
Einaro levou advertência e Echnhas uma semana de suspensão. Quando já
estávamos fora da sala, houve mais reclamações.
– Estão nos tratando como crianças. Isso não é uma escolinha. Assassinos
devem ir para a cadeia.
– Pensei que você tivesse dito que já matou duas garotas.
– Eu estava brincando.
– Mas a sua amiga tentou nos matar.
– Arrancar um braço está bem longe de arrancar uma vida.
– Eu não pretendia matá–la. Só quis defender minha amiga.
– Mas você se esqueceu que é um Destruidor, otário. Um sopro seu pode
arrancar a pele de uma pessoa.
– Não exagere. Sou um dos mais fracos do meu povo. Por isso fui exilado.
– Se estivesse entre os mais fortes, eu teria morrido junto, só com o peido
do seu maligno.
Era difícil dizer se Einaro estava zangado, frustrado ou com medo. Depois
do discurso, ele resolveu se afastar, antes que dissesse algo que irritasse Echnhas.
Era a primeira vez que eu tinha visto Ech irritado. E eu não queria vê–lo
assim de novo.
– Obrigada por me proteger.
– Você tentou me proteger primeiro. Você sempre me defende. Pelo menos
uma vez eu queria fazer isso por ti.
– Por favor, nunca mais chame seu maligno outra vez.
– Lili... eu sou o meu maligno. Aquele é o meu verdadeiro corpo. Isso que
você vê aqui fora é só uma casca. Minha mente e minha alma estão nele.
Eu me assustei ao ouvir isso. Só de ficar perto de Echnhas eu já sentia medo,
depois do que presenciei. Pensar que ele era na verdade aquele monstro com
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face distorcida e dentes afiados que consumia carne humana crua... me dava
náuseas.
Ele baixou os olhos.
– Você não quer mais ser minha amiga, certo? Vou ficar sozinho de novo...
Senti vontade de abraçá–lo, mas não tive coragem. Não enquanto ele
carregasse aquele braço na mão.
– Sempre vou ser sua amiga, Ech. Prometo.
No final, nem fomos à biblioteca. Até Echnhas se esqueceu o que ia me
mostrar lá.
Ao longo daquela semana, recebi todo tipo de pergunta estranha. Echnhas
sempre havia sido ignorado ou zombado por todos, devido à sua excessiva
gentileza e busca incessante por uma namorada. Subitamente, estavam todos
curiosos a respeito dele e, como não teriam coragem de perguntar diretamente a
ele, perguntavam para mim.
– Então ele come carne humana?
– Esse cara não tem alma? Ou ele está completamente morto?
– Quantos magos ele já assassinou?
Eu não sabia responder a maioria das perguntas, embora eu fosse a melhor
amiga de Ech. Eu não costumava falar desses assuntos com ele.
E as perguntas das meninas eram ainda mais difíceis.
– Ele também morre se uma menina fizer oral nele?
– O cacete dele é gelado como um cadáver, como dizem as lendas?
– Eu não o conheço tão bem assim...
– Ora, mas vocês são tão próximos! Aposto que você já colocou a mão lá
acidentalmente para checar a temperatura.
Felizmente eu me livrei de todas as perguntas uma semana depois, quando
Echnhas retornou. Eu pensava que iriam enchê–lo de questionamentos assim
que ele pisou na sala de aula, mas não foi bem assim.
A galera queria distância. Não paravam de cochichar.
Echnhas sentia–se mais sozinho do que nunca. Antes o pessoal ainda
conversava, para tirar sarro com a cara dele. Isso também acabou.
Ech era desastrado e frequentemente tropeçava nos próprios pés ou na capa
longa. Naquele fim de aula ele tropeçou e quase caiu. Não houve um único riso.
Ele derrubou alguns livros. Ninguém o ajudou a recolher tampouco. Somente
eu.
– Você está bem?
– Não se preocupe.
– Eu ouvi falar que ele já transou, mas nunca beijou...
Uma de nossas colegas sussurrou isso para a amiga. Mas nós dois ouvimos.
Echnhas virou–se para fitá–la. Ela se calou no mesmo instante.
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– Ei, adivinha só. Maninda me avisou que o pessoal vai se reunir no Barcas
hoje à noite. Estão decidindo a parada das sociedades. Muita gente vai.
– Será que os Capistas vão voltar à ativa?
– Eu diria que tudo pode acontecer. Muitos vão trajados nas vestes de gala,
para causar impacto. Parece importante.
O Bar das Capas era um dos bares universitários mais conhecidos da cidade
de Libila. Calouros e veteranos se reuniriam lá para planejar algo grande. Eu não
iria perder.
Os Capistas era uma das antigas sociedades secretas da nossa universidade.
Estavam parados há dez anos, desde bem antes do fechamento das sociedades.
Eu me perguntava onde andavam os líderes e membros dessa e das outras
famosas fraternidades.
Estava tão frio naquela noite que eu soltava uma baforada de fumaça ao
respirar. Coloquei o capuz para caminhar pelas ruas escuras e geladas,
iluminadas por uns poucos lampiões. Eu também levava na mão o meu copo
térmico com o emblema do Barcas, porque eu sabia que todos os participantes
do evento rachariam um barril de chocolate quente para a mesa inteira, embora
sempre houvesse aguardente disponível.
No caminho para o bar, encontrei Einaro, que usava um casaco com capuz,
com o nome da universidade, e um boné com o brasão. Ele também levava seu
copo térmico na mão e parecia entusiasmado.
– Essa noite será longa e épica. Varreremos a madrugada.
– Você acha que os Capistas voltam?
– Há muitas Ordens mais relevantes que os Capistas nos dias de hoje,
caloura. Não confie tanto nas informações dos livros oficiais. Há outros boatos
na internet e principalmente rumores que rolam só aqui dentro. Ah! Benzo! Não
acredito...
Ele apontou para um sujeito de calça de moletom e touca de lã no outro
lado da rua, que também parecia estar se dirigindo ao bar.
– Ele é alumnus de Libila. Antigo líder da “Pena de Rubi”. Parece que o
mestre do “Tinteiro e Cartas” também mostrará a face hoje. Os alumni virão em
peso. Excelente!
Tão excelente que minhas pernas estavam bambas de ansiedade. Sociedades
universitárias costumavam ser muito mais sérias, poderosas e duradouras do que
os clubes que organizávamos no colégio.
Ser membro de uma dessas sociedades era exatamente o tipo de ritual que eu
buscava para ser formalmente iniciada como aluna daquela instituição de
renome, reconhecida não por formar poetas e trovadores, mas sim magníficos
magos literatos, que realizavam grandiosas magias simplesmente lendo e
escrevendo, com toda a força de seus corações.
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planos e costurá–los em dimensões por aí, para utilizar em batalha quando fosse
necessário: florestas, mares, vulcões, etc.
Ela tinha pele bronzeada e cabelos castanhos muito longos e lisos, com luzes.
Confesso que ninguém notou quando eu cheguei. Eu não conhecia muita
gente. Einaro conhecia bastante e cumprimentou vários, com entusiasmo. Eu
apenas enchi meu copo térmico com chocolate quente e sentei–me num
cantinho, sentindo–me completamente deslocada no meio de tantos veteranos.
Por outro lado, era poderoso estar naquele lugar, tendo a incrível oportunidade
de presenciar um momento histórico: o retorno das fraternidades à
Universidade de Libila.
O que eles pretendiam fazer? Iam retomar os grupos antigos? Criar novos?
Unir antigas sociedades numa só? Meu coração pulava de ansiedade. Será que eu
seria aceita num desses grupos? O que seria preciso conquistar para tornar–se
um membro?
Tirei uma nota de dez recicles da bolsa e comprei um rolinho de caramelo,
muito popular na cidade. E o tempo todo eu me perguntava onde andava Ech
que não chegava...
Em vez de música, havia um estudante metido a menestrel, recitando
trechos de uma batalha épica, de algum autor famoso de Narrara. Havia trechos
particularmente famosos que vários estudantes recitavam em conjunto. Ao
terminarem, eles ficavam cheios de fervor e emoção; e enchiam mais um copo.
Era inacreditável pensar que ele havia decorado tudo aquilo. Ele já estava
recitando há mais de uma hora...
– Vamos começar logo isso antes que eu fique bêbado demais para falar.
Silêncio!
O pessoal se calou na hora. Até o menestrel. Esse cara parecia ser
importante.
– Minha ideia é simples. E simultaneamente complexa. Proponho reunirmos
as sociedades numa só, chamada Grimório da Valência. Seremos os grimoireare
e as grimoireara. Como nos velhos tempos...
Houve muitas expressões de surpresa e louvores de aclamação. Essa
sociedade tinha existido há quase cem anos. Foi uma das primeiras a serem
criadas na Universidade de Libila. Era muito ambicioso.
– E eu serei o mestre.
Nesse momento o pessoal não concordou.
– O líder deve ser decidido em batalha. Ou em disputa dialética; como
queira. Não bastam boas notas. Você deve provar seu valor. E eu serei a
primeira a desafiá–lo.
– Lá fora. Não quero destruir esse lugar.
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nesse plano era um golpe forte para Echnhas. Ele teve que usar o maligno outra
vez, ou seria rapidamente derrubado.
O maligno rapidamente quebrou e devorou o cenário. Arramara ficou
maravilhada. Ela usou uma chave para destrancar um grimório ainda mais
poderoso.
– “Minha fúria não é medida. Ela é sentida. Meu coração não é feito de
matéria, mas de espírito”.
Um coração espectral pingando sangue saltou do grimório, como uma
assombração. O coração do maligno estava pulsando junto com ele. Echnhas
ajoelhou–se no chão, cheio de dor.
– “Não é o bastante? Jamais será suficiente para mim, criatura de caprichos e
vingança, suprema senhora da maquinaria do mundo”.
Eu senti uma sensação horrível. Algo me dizia que o maligno de Echnhas
iria ser partido naquele exato instante. E ele morreria.
Por isso, num ato de desespero, envolvi–me na batalha, de uma forma que
eu jamais poderia prever.
Eu não seria capaz de detê–la com meu poder vindo dos livreiros. Por isso,
utilizei o meu espírito guardião.
Uma dimensão abriu–se no meio do nada, interpondo–se entre o coração
espectral e o maligno de Ech. Dela saiu um robô majestoso, de alguns metros.
Houve muitos gritos. A maioria correu para longe. Era óbvio que qualquer
criatura viva naquele mundo conhecia o robô de Taha Vorta.
– Vorta retornou dos mortos...!!!
– Puta merda! Ele não morreu!!
– Ele irá destruir Libila! Como fez a Alprez!
Ninguém era capaz de se perguntar porque o RP de Vorta havia surgido
exatamente ali, e naquele instante. Eles não pensavam. Apenas sentiam o terror,
e tudo o que queriam era escapar de qualquer maneira.
Mas eu não mandei Tchuu atacar. A presença dele já foi mais do que
suficiente para parar a luta.
– Por favor, não tenham medo! T69 não vai atacá–los!
– Como sabe?
– Ele é meu.
– O quê?!
Era uma longa história.
– Taha deixou–o comigo antes de morrer. Éramos amigos.
– Amiga de Vorta? É verdade! Você é robótica!
De repente, todos ficaram muito interessados em mim. Voltamos para
dentro do Barcas. Eles queriam ouvir a história completa antes de decidir os
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– Taha... será que você está em algum lugar do espaço, com os marlaquinos?
Em outro planeta? Como serão as magias daí? Você deve estar mais forte do
que nunca.
Ter um marlaquino como mestre. Aquilo me soava surreal demais. Será que
eles tinham inventado a MAL para reunir discípulos? Somente os mais fortes de
nosso mundo seriam dignos para serem treinados por eles.
Ou talvez ele estivesse apenas morto. Ele se tornou uma dimensão,
completamente inacessível. Seria uma jornada e tanto reunir um grupo de magos
fortes para tentar conhecer a dimensão que formou o corpo astral de Vorta.
Devia haver muitos feitiços e segredos escondidos nela.
Uma semana depois, conforme prometido, a Grimório da Valência começou
a agir. Foram encontrados dezenas de papéis afixados nos quadros de avisos
convidados todos a uma caça ao tesouro.
Elas tinham escondido alguns feitiços fortes em grimórios lacrados, que
foram espalhados pelo campus da universidade. O nosso campus era imenso.
Sorte não contava nessa busca. Era preciso reunir grande poder mágico para
sentir as energias.
Mas isso não era o bastante. Depois de localizar o grimório, era necessário
ter poder para destrancá–lo. E aquele capaz de destrancá–lo ainda deveria
vencer o feitiço trancado no livro, que poderia ser qualquer coisa: um monstro
para matar, uma charada, um quebra–cabeça.
Somente após realizar a trinca de tarefas, o grimório se transformaria num
convite com permissão para realizar a entrevista de admissão. E supostamente
essa entrevista seria muito mais assustadora que todo o resto. Afinal, estávamos
falando de verdadeiros especialistas em magia de retórica e dialética.
Duas semanas se passaram sem que nenhum dos grimórios misteriosos
fossem encontrados. Quanto mais tempo passava sem ninguém achar nada,
mais todos se empolgavam.
E foi exatamente depois de duas semanas que recebemos uma visita
completamente inesperada.
Uma pessoa de capa verde com tiras de couro marrom adentrou nos portões
de nossa universidade, sem nenhuma dificuldade. O escudo mágico dos portões
não pareceu ter nenhum efeito na visita.
Bastou enxergar o vulto de capa verde e marrom para que todos se
retirassem do caminho.
A visita misteriosa adentrou na nossa biblioteca central, sem cerimônia. Eu
lia um livro lá, juntamente com outros estudantes. E, sem pedir licença, levantou
Echnhas pelo colarinho.
– Eu só vim até aqui buscar o meu homem. Vocês já podem retornar aos
seus brinquedos.
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O Destruidor por baixo da capa era uma garota. Por alguma razão, eu
sempre desconfiei que eu presenciaria aquela cena um dia: o momento em que a
ligação de Echnhas voltaria para levá–lo de volta. Mas aquilo não estava sendo
tão romântico quanto na minha imaginação...
– Maquizarda...? Mas... você sempre me odiou. Por que voltou de repente?
– Adivinha, retardado? Em mais dois anos vou morrer se não trepar com
você. Por mais que me desagrade essa situação, eu não quero morrer. Então
você vem comigo. Será rápido. Em alguns minutos já te devolvo e você poderá
fazer o que bem entender do resto de sua vida miserável.
– Você só levará o meu namorado daqui por cima do meu cadáver!
E não é que Echnhas tinha arranjado uma namorada leal e corajosa? Ela
estava encarando a Destruidora sem medo algum. E estava preparada para
morrer por ele.
– O que essa menina está dizendo?
– Ela disse que não vai deixar.
– Então ela deseja morrer? Que assim seja.
E as duas lutaram. Mas não foi uma batalha qualquer.
Malhana, a namorada de Ech, era forte pra caramba. Ela sabia que a luta
seria de vida e morte. Por isso, ela utilizou diretamente a chave do pescoço, para
usar magias de seu grimório de nascimento. Era a primeira vez que eu
presenciava um livreiro lutar com sua própria chave e grimório. Aquilo era
perigosíssimo, pois qualquer deslize poderia ser fatal. Mas também era a magia
mais poderosa que um livreiro seria capaz de utilizar em toda a sua existência.
Malhana transformou as estantes da biblioteca em árvores que agarraram as
pernas, braços e o pescoço de Maquizarda.
A Destruidora foi surpreendida pela magia repentina, mas conseguiu escapar
dos galhos arrebatadores. No entanto, ela não escapou ilesa.
Maquizarda serrou a própria perna, sem pensar duas vezes. Afinal, era isso
ou a vida.
– Putinha, filha de uma cadela...! Vou te matar com dor.
E a Destruidora chamou o gênio maligno. Um monstro com metade do
corpo repleto de ossos e tripas para fora. Ela também devia ter antepassados
Derradeiros.
Ela prendeu Malhana no interior de um selo tridimensional. E seu maligno
soltou uma gosma nojenta de miasma incandescente, que caía por cima do
corpo da livreira, lentamente.
Malhana gritou enquanto seu corpo era derretido, até restarem somente os
ossos.
Echnhas deu um grito, tentando salvá–la, mas era tarde demais. Ele caiu
num choro desesperado. Maquizarda sorriu.
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– Você não poderia trepar com ela, de qualquer forma. Deixa de frescura e
vem logo meter em mim. Eu preciso desse bebê nojento pra continuar viva.
Matando mais. Somente essa vida vale a pena ser vivida.
– Eu prefiro morrer a transar contigo.
Echnhas atacou–a. Os dois malignos se enfrentaram. Mas aquela não foi
uma boa ideia, já que o maligno de Maquizarda tentou trepar com o gênio de
Ech. Ele notou e, com medo, absorveu–a novamente. Não era exatamente
possível lutar contra sua ligação usando o gênio.
Maquizarda deu um leve sorriso.
Ech lançou um selo tridimensional nela. Maquizarda ligou uma série de
círculos herméticos com teias de aranha e quebrou as formas geométricas de
Echnhas facilmente.
– Que tal me mostrar a sua magia inútil com livros? Estou ansiosa para vê–
la...
– “E a traidora foi encarcerada na teia de suas próprias farsas. Lá apodreceu
e morreu a morte mais desonrosa possível a um ser humano”.
Assim que Echnhas citou essa passagem, Maquizarda foi aprisionada em sua
própria teia de miasma. E seu gênio voltou–se contra ela para tentar devorá–la.
Mas em vez de se apavorar, Maquizarda gargalhou com gosto.
– Então é assim que funciona o joguinho de vocês? Excelentíssimo. Acho
que vou pegar um livro emprestado nesses restos de prateleira.
Ela alcançou um deles e rompeu o lacre. Não sabia ler o que havia ali, mas
conseguiu obrigar a magia contida nele a revelar–se.
Aquela era a história sobre um alfaiate. Do livro saiu uma tesoura, linhas e
agulhas. Maquizarda usou a tesoura para cortar a sua teia de miasma e libertar–
se. Assim que o feitiço terminou, a tesoura transformou–se num envelope.
– Que merda é essa?
Aparentemente a Destruidora havia encontrado o convite para ser membro
da nossa sociedade secreta. Foi a primeira a encontrar um dos magníficos
grimórios secretos. Aquilo não foi coincidência. Era evidente que Maquizarda
sentiu a imensa energia emanada do livro e por essa razão escolheu exatamente
aquele.
Ela picotou o convite, sem interesse. Dirigiu–se até onde estava Echnhas e
jogou–o no chão, abaixando as calças dele. Sentou–se em cima dele e
imobilizou–lhe os braços.
Os outros presentes da biblioteca correram rapidinho de lá, pois não
queriam morrer pelas mãos da Destruidora que picotou o poderoso convite da
sociedade secreta como se fosse um papel de assoar o nariz.
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continuar vivo daqui a dois anos. Não estou mais marcado para morrer. Isso é
assustador. E, Lipsei...
– Sim?
– Você sabe muito bem que a qualquer momento pode aparecer um inimigo
de Vorta pra te matar. Se eu fosse você, começaria a tentar treinar seu RP em
vez de continuar a usar a magia dos livreiros. Porque, como você já deve ter
notado, eu não sirvo nem para defender a mim mesmo. Nós vivemos num
mundo cheio de guerras e vinganças. Você não pode continuar a ser a “doce
Lipsei” para sempre. Se você mesma não lutar para mudar essa ingenuidade, isso
será arrancado de você um dia.
– Eu não sou ingênua. Eu conheço o mundo.
– Não, você não conhece. Você só foi para três cidades em sua vida:
Blokvkulh, onde você nasceu e viveu até seus 17, num colégio forte e seguro.
Nqui, onde estudou até os 19, em outro colégio muito bom. E Libila, onde está
agora, numa universidade respeitável. Você sempre esteve cercada por riqueza e
segurança. Assustou–se um pouco nas últimas semanas ao presenciar os alunos
brincando de matar. Mas você sabe muito bem que as mortes daqui não são
como as mortes lá de fora. Aqui você tem professores pra te proteger. Lá fora,
há muitas terras onde a lei não toca. Você pode gritar e não será atendida. Vorta
não virá para salvá–la. Entenda isso de uma vez por todas. Não espere mais por
ele. Você só pode contar consigo mesma.
– Você vai embora?
Ele baixou os olhos.
– Ei sei porque Vorta me trouxe aqui. Para te proteger. E eu fiz isso até
agora, ou pelo menos tentei. Mas Lipsei, você só me vê como amigo. Não posso
mais continuar com isso, me desculpe.
– Por favor, não vá!
– Eu serei expulso depois dessa confusão que aconteceu por minha causa.
Pela segurança da universidade, eles não podem mais manter um Destruidor
aqui dentro. E se você continuar perto de mim, também correrá perigo. Você já
corre perigo suficiente por ter o RP de Vorta com você.
O temor de Echnhas se concretizou. E ele foi expulso.
Ele não era louco de ir para Bruznia, já que os estéticos estavam prestes a
declarar guerra contra os Destruidores. Ele estava ficando com falta de opções.
Talvez ele se transferisse para Sinabil ou para alguma ilha.
Pensei em ir com ele. Mas por que eu iria sair da universidade a qual me
esforcei tanto para entrar? Não era fácil passar na prova. E uma vez que eu
saísse de lá, jamais poderia retornar.
Sendo assim, resolvi permanecer em Libila. Sem Echnhas.
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Era estranho estar sem ele, depois de tanto tempo. Aquilo me deixou
bastante deprimida. Mas ele tinha seus próprios problemas para resolver. Ele
provavelmente queria descobrir uma magia que lhe desse poder suficiente para
um dia matar sua ligação.
E eu, o que eu queria? É óbvio que eu não seria capaz de enfrentar o
marlaquino que matou Taha.
Tecraxei, hã? Se eu dedicasse minha vida a uma vingança como essa, talvez
eu a desperdiçasse. Eu não devia ter mesmo chances de entrar para a Ordem
dos Magos Acima da Lei, e muito menos para encontrar um marlaquino.
Como diria Ech, era melhor eu me concentrar em me formar. Somente
depois disso eu poderia pensar em vinganças ou em tentar ser membro das
Ordens mais famosas do mundo. E todos sabiam que as Ordens mais fortes não
eram meras organizações estudantis de colégios ou universidades...
A MAL era a mais poderosa de todas. Depois dela vinha a AIM, a
Associação Internacional de Marlos. E em terceiro lugar vinha a SS: Sociedade
da Soma.
Sim, era extraordinário: a sociedade dos Destruidores de manto marrom
estava no Rank 3. E o mais incrível de tudo: Soma era líder das três sociedades
secretas simultaneamente.
– Parece que a Fagemal Armor anda dando muito trabalho para a Soma. A
líder dessa Ordem já está na AIM. Dizem que é questão de tempo até ela ir para
a MAL.
– Quem?
– Basza Cakza. E isso não é o pior. Parece que os construtores
sobreviventes não são tão poucos assim. Há quem diga que chegam a cinquenta.
Havia muitas ligações entre os sobreviventes e eles já fizeram filhos. E os filhos
deles já estão nascendo com ligações de filhos de outros construtores, acredita?
– Que malditos. Mas nós não temos nada a ver com construtores e
Destruidores. Não me importo mais se eles vivem ou morrem.
– Ah, é? Você nunca ouviu falar na Fagenar Vibri?
– Ela tinha fama na época da ascensão dos construtores.
– Eu sugiro que você pense de novo.
Desde que a Destruidora picotou o convite super secreto da Grimório da
Valência, acho que até os livreiros estavam um pouquinho interessados em
magia com gênios.
– É possível roubar um gênio de alguma dimensão, não é, Lipsei? Ou
roubá–lo de um construtor ou Destruidor, ao derrotá–lo?
– Eu não sei.
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Fábula da Farsa
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d’água do cinto. Colocou gotas d’água nas mãos e soprou nelas um ar congelado.
Em poucos segundos, moldou uma nuvem e sentou–se nela.
Sobre a nuvem, pairou poucos metros acima de mim e começou a dançar e
cantar.
Sua dança era tão veloz que acelerou a intensidade do vento. A voz era tão
impetuosa que escureceu o céu e provocou um trovão.
Sua voz era o trovão. Sua dança era o vento. E de sua nuvem surgiu um raio,
que atingiu a mim em cheio. Subiu aos céus e retornou de volta a terra.
Completamente aterrorizado, impedi que o raio me matasse
instantaneamente com a força mágica do meu cajado e dos orbes de luz que me
envolviam.
Alguns segundos depois, o céu voltou a ficar claro. Tecraxei apenas deitou–
se preguiçosamente em sua nuvem.
– Há, há! Eu só tava de zoeira. Nem tô lutando a sério.
– Puta que pariu! Que susto do cacete! Se quer me matar, me mate logo,
Tecraxei! Antes que eu cague nas calças. Isso seria deselegante. Prefiro morrer
com classe.
– Não há classe na morte, Vorta. E nem na vida. Carregue esse cajado de
prata e esses trajes de gala enquanto pode. Finja enquanto lhe apraz.
E lá estava Soma com seu sorriso no rosto. Para ela era divertidíssimo, já
que a treta não era com ela. Por isso, fui até lá e segurei–a pelo manto.
– É melhor calar o bico, madame Soma. Senão te arrasto junto pra minha
cova.
– Minha vida como Destruidora sempre foi uma cova muito maior do que
aquela que vai abraçar o teu corpo.
– Me avisem quando terminarem.
Tecraxei desceu de sua nuvem e deitou–se sob a sombra de uma árvore.
Acendeu um cachimbo com um isqueiro muito estranho de fogo azul. O
cachimbo soltava fumaça de nuvens cor–de–rosa.
Ela devia ter compromissos mais importantes do que matar marlos. Ainda
assim, aguardava nossa briguinha com paciência e devia até achar graça.
Soltei Soma. Dessa vez, segurei Tecraxei pela gola de suas vestes
escandalosas de arlequim.
– Mate–me! Faça logo o que veio fazer!
Ela abriu os olhos. Eu a fitava de muito perto e pude ver sua íris
multicolorida.
Tecraxei segurou nos meus pulsos. Baixou minhas mãos e fez com que eu
tocasse nos seios dela, por cima de sua blusa luminosa. O coração dela batia
num ritmo diferente do meu; calmo e pacífico, como a música das estrelas.
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Ela lia cada uma das minhas emoções e pensamentos. Eu não pude me
conter nesse momento. Aquilo era, de fato, apenas como um jogo pra ela.
Ela sussurrou no meu ouvido:
– Você quer viver ou morrer, Taha Vorta?
– Morrer.
Essa era a resposta esperada de um mago sábio. Quando chega a hora de
morrer, apenas morra. Não lute contra o vento ou será um tolo. Não tente
arrebentar a rocha com a língua. Fale enquanto viva. E cale na morte.
Eu conhecia divinação o bastante para prever que minha morte ocorreria
nos próximos segundos. Meu coração era como uma bomba–relógio. Tecraxei
apenas me fitava com simpatia. O pobre marlo que, mesmo como o mais forte
do mundo, era incapaz de conter suas emoções em seu momento final.
“Ela quer me ver por dentro”.
Num gesto veloz, Tecraxei atravessou o braço no meu peito e puxou meu
coração. Ele batia com intensidade em sua mão, envolto por pedaços metálicos
e faíscas elétricas.
Meu corpo pendeu para frente, por cima dela. Tecraxei beijou meus lábios
ternamente. Agarrou minha cabeça com tamanha força que a arrancou.
Meu corpo tombou para trás, no chão. Minha cabeça em suas mãos, fitando
aqueles olhos intensos e multicoloridos.
Mas Tecraxei não estava mais interessada na minha cabeça ou no meu
coração. Nem mesmo no meu cajado, nas minhas vestes ou em quaisquer tipos
de utensílios cerimoniais. Ela sabia onde residia minha verdadeira força.
Abraçou meu espírito com paixão.
Tecraxei mandou que Soma enterrasse o meu corpo no cemitério da MAL,
que ficava exatamente na floresta sombria da cidade dos deuses. Ela deteria meu
espírito, que seria impedido de mergulhar nas dimensões ou tornar–se uma delas.
Então seria esse o meu destino? O meu prêmio por tornar–me tão forte? Eu
não seria livre e sim um prisioneiro.
Tecraxei subiu numa estrela vermelha e cruzou o universo. Somente nesse
instante que perdi completamente a consciência.
Meus olhos se abriram. Aqueles eram olhos diferentes dos meus. Notar isso
me trouxe muita emoção.
Arrastei–me pela grama macia. O céu não era céu. Tudo era novo. Até que
achei um lago de leite. Contemplei minha face no lago e levei um grande susto.
Eu era uma criança. Mas não uma criança qualquer. Nos meus olhos tinham
muitas cores. Talvez todas as cores embaralhadas.
599
Wanju Duli
A consistência da minha pele era diferente. Eu quase senti medo. Não sabia
como caminhar com aquele corpo. E muito menos como usar magia. Senti–me
completamente desprotegido.
– Bom dia, Taha Vorta. Ou, eu deveria dizer, Viarrusque?
– É esse o meu novo nome? Quem é você? Onde estou?
Muitas perguntas a serem feitas. Por alguma razão, eu compreendia o idioma
estranho que eles falavam e era capaz de reproduzi–lo com exatidão.
Quem se dirigiu a mim foi uma moça muito atraente com um vestido
multicolorido e chapéu de bobo–da–corte.
– Meu nome é Xii. Sou responsável por guardar uma pequena ilha de
Marlaquina. Podemos dizer que sou sua guardiã.
– Você é... uma marlaquina? Isso significa que estamos no planeta dos...?
Era impressionante demais para ser verdade. Eu estava no planeta dos
marlaquinos. Devia haver dezenas ou talvez centenas de caras super poderosos
ao meu redor. Engoli em seco. Aquilo era aterrorizante.
Ela apenas me estendeu um pedaço de papel enrolado. Puxei a fita vermelha
e desdobrei–o, repleto de curiosidade.
Era minha certidão de nascimento. Eu havia nascido há exatamente dez
anos, minha idade atual. Mas por que eu só havia adquirido consciência dez
anos após meu nascimento?
– Levou um bom tempo para que conseguíssemos acordá–lo e devolver–lhe
suas memórias. Você é um marlaquino agora, sabia? Por favor, não se assuste.
Ela riu da minha expressão de choque. Eu estava utilizando uma daquelas
vestes tradicionais de marlaquinos.
– Quanto tempo se passou em Marlaquina? Lipsei está viva? Ela está bem?
Xii tirou um computador portátil da bolsa e checou os dados. Mostrou–me a
foto de uma mulher muito bonita de longos cabelos castanhos.
– Lipsei está com 27 anos agora, fazendo doutorado na Universidade Libila,
em Narrara.
– Uau! Isso é fantástico!
– Ela também é a vice–líder de uma sociedade secreta dessa universidade,
chamada Vaidade e Graça.
– Posso vê–la ao vivo? Eu gostaria muito de falar com ela.
Xii deu um longo suspiro.
– Nós não te devolvemos as suas memórias para que resolva os negócios
pendentes de sua vida anterior, e sim para que se lembre da sua antiga técnica
mágica. A partir de agora, você viverá somente em nosso planeta: Mirimarla.
Então eu realmente estava preso. Era uma grande tortura saber que toda a
galera continuava viva em Marlaquina e eu não podia voltar.
600
Fábula dos Gênios
Pensando bem, que se fodessem todos os outros. Eles não fariam falta. Eu
apenas queria ver Lipsei outra vez. Conversar com ela. Mesmo que ela já tivesse
um namorado ou marido, pelo menos eu ficaria feliz de checar como andavam
as coisas. Ser um amigo para ela. Por alguma razão, eu ainda me interessava pela
vida dela.
Quero dizer... todo marlo daria qualquer coisa para estar no planeta dos
marlaquinos. Entregariam sua vida para ser um deles, como eu era. Eu devia ser
o único cara que, mesmo estando na minha situação, desejava reaver sua antiga
vida.
Os marlaquinos não saíam de Mirimarla. Os nomes de alguns deles
representavam nossos continentes e cidades, mas eles estavam se fodendo pra
esses lugares. Os marlos eram formigas. Não estavam interessados neles.
Somente uma vez por ano um marlaquino ia bater um papo com o Rank 1 da
MAL para checar se o cara tinha ficado forte demais e representava uma ameaça.
Fora isso, não davam a mínima.
Meu prêmio por ter ficado tão forte foi ser arrancado do meu mundo. Eu
não via isso como um prêmio. Preferia ter virado uma dimensão, a qual Lipsei
poderia visitar um dia. Eu daria a ela mais poder mágico. E ficaria feliz ao saber
que eu estava por perto e que ela estava feliz.
Estranho. Por toda a minha vida eu estive interessado nos marlaquinos e no
mistério que eles representavam. De repente, ao conseguir o que eu queria,
aquilo já não significava mais nada pra mim.
Mirimarla era um planeta fantástico, com muita beleza, regido por força
mágica intensa. Confesso: era um lugar incomparavelmente mais bonito do que
Marlaquina. Mas não demorou muito para que eu me entediasse nesse novo
ambiente.
Eu era um privilegiado. Por ter sido Rank 1 da MAL, eu teria acesso aos
melhores colégios e universidades de Mirimarla. Leria os grimórios mais fodas
do universo, teria como mestres os melhores magos do mundo. E, para
completar, eu seria membro das mais poderosas sociedades secretas existentes.
Eu estava satisfeito? Nem perto disso. Simplesmente porque eu não me
importava com nada daquilo.
Desde meu tempo de colégio, eu não estava nem aí para notas e grampos de
gravata. Quando entrei para a MAL, eu mal sabia o que era essa sociedade e
nem estava interessado nela. Para mim, status e merda eram sinônimos. Eu só
me importava com as pessoas que estavam ao meu redor. Contanto que eu
estivesse com amigos importantes, eu não me importava de ter o emprego mais
chato do mundo ou ganhar uma bosta de salário. Minha vida teria sentido
porque eu estaria ao redor daqueles que amo.
601
Wanju Duli
Desde que perdi Lipsei, vaguei pela minha vida como um fantasma. Fama,
glória, dinheiro... nada daquilo tinha sentido. Eu buscava o poder como
distração. Para que eu tivesse um objetivo e só assim não me sentisse tentado a
arrancar minha vida na primeira oportunidade. Porque eu estava sem ela.
Lipsei estava viva. Ela era tudo pra mim. Então por que eu ficaria em
Mirimarla ganhando ainda mais poder do que eu já tinha se Lipsei estava em
Marlaquina?
Xii era minha guardiã. Era como uma mãe que eu tinha em Mirimarla. Ela
me proibiu de ir para Marlaquina e me matriculou num colégio muito forte
daquele planeta, que me mantivesse distraído por tempo suficiente para que eu
não sentisse mais vontade de rever Lipsei outra vez.
“Ensino Fundamental para Garotos de Mirimarla”, ou EFGM, era o melhor
colégio da capital. Era uma instituição masculina. Nossos uniformes eram
longas capas multicoloridas com capuz. Tínhamos aula em período integral.
Os grimórios dos marlaquinos eram simplesmente fantásticos. Eu os
devorava um após o outro, completamente fascinado. Estava me saindo muito
bem nas provas no começo. Após alguns meses, diminuí meu ritmo de estudos.
Comecei a pesquisar nas bibliotecas qual seria a magia mais efetiva para escapar
daquele planeta para sempre e retornar para Marlaquina.
– Por que você quer voltar para aquele planeta de fracos e pobres,
Viarrusque? Eles são uns fracassados.
É óbvio que os marlos eram inferiores a nós em poder mágico. Uma criança
marlaquina já seria capaz de esmagar o Rank 1 da MAL enquanto mastigava um
chocolate. E os marlaquinos também tinham muito mais riqueza, sobretudo pela
força mágica que possuíam. Ainda assim, achei absurdo que, mesmo sendo tão
esclarecidos e inteligentes, ainda zombassem dos habitantes do meu povo de
origem.
– Cale–se, Benirrino. Você nunca esteve em Marlaquina, então não ouse
julgar. Meu planeta é lindo.
– Cheio de ignorantes que fazem guerra por causa de perfumes. Você acha
isso lindo?
– Por aqui também há muitos ignorantes, assim como você, que xinga o que
não conhece.
– Ora, meninos, parem de brigar. Eu divido meu lanche com vocês. Querem
um pedaço?
Laldau nos ofereceu nacos de biscoitos de pão. Eu e Beni aceitamos. Lal era
um cara bacana. Mas eu já estava de saco cheio daquele colégio de riquinhos
metidos.
602
Fábula dos Gênios
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Wanju Duli
Tornar–me forte o bastante para ser capaz de viajar ao lado dos magos mais
poderosos do universo... seria um objetivo que valeria a pena perseguir?
Não. Decidi não fazer o jogo deles. Os marlaquinos queriam que eu me
esquecesse das minhas origens. Eles mantinham os marlos como escravos.
Eram eles que fomentavam nossas guerras, para brincar. Eu não queria me
tornar outro dos caras que vigiavam a MAL, sempre pronto a matar o primeiro
marlo que adquirisse poder demais.
Os marlos não odiavam os marlaquinos. Eles os admiravam, queriam ser
como eles. Aquilo era errado. Devíamos nos unir, ter orgulho de nosso povo e
lutarmos juntos contra essa opressão.
Mesmo eu, estando na pele de um marlaquino agora, não queria esquecer
minhas origens. Eu me orgulhava de quem fui. Eu não queria ter como objetivo
de vida casar–me com uma marlaquina e morar em Mirimarla. Eu iria retornar
para Marlaquina, viver lá e casar–me com alguém do meu povo, mesmo que não
fosse com Lipsei.
Com isso em mente, decidi que iria apenas obter o meu ovo mágico e me
mandar daquele lugar.
Quando chegou o grande dia, havia alunos tanto do colégio feminino como
do masculino na entrada do bosque. Notei que as meninas do colégio irmão do
nosso EFGM eram muito bonitinhas e usavam vestidos coloridos, além dos
mais variados cortes e cores de cabelo. Eu dei um longo suspiro. Eu queria
realmente sair daquele planeta lindo? Sim, porque eu tinha um objetivo maior.
Cobri meu rosto com o capuz, porque notei que algumas das garotas
estavam apontando na minha direção. Eu era meio conhecido em Mirimarla,
porque era extremamente raro um marlo renascer como marlaquino. Essa honra
só era concedida a um Rank 1 da MAL que havia excedido o limite de poder de
um marlo comum.
Por um lado, isso me trazia fama. Por outro, eu era visto como o roceiro de
um planeta inferior. Era irritante ser olhado dessa forma. Era mais nobre ter
sido uma ameba de Mirimarla na outra vida do que ter sido o mago mais forte
de Marlaquina. Afinal, não éramos todos espíritos e iguais? Por que essa
diferença? Isso me frustrava. Não desejei mais estar entre eles, sempre tão
cheios de preconceitos e julgando aqueles que não conheciam.
Finalmente, obtivemos permissão para entrar no bosque. O escudo dos
marlaquinos foi retirado. E quando penetrei em seu interior, era como se
estivesse num lugar completamente diferente.
Eu mal conseguia respirar. O ar era pesado e estranho, como se eu estivesse
no interior da terra ou embaixo d’água. Minha visão também se anuviou. Decidi
não confiar mais em meus sentidos físicos e seguir minha intuição.
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Fábula dos Gênios
Como eu estava num bosque, decidi procurar por árvores. Busquei tudo
aquilo que possuía um tom verde intenso e que me trazia paz. Caminhei às cegas,
sempre tateando ao redor. Eu sentia uma pressão no peito, como se fosse
desmaiar a qualquer momento.
Fomos alertados para não permanecer por mais que alguns minutos no
interior do bosque, pois aquilo poderia nos sobrecarregar. Éramos crianças.
Nossa mente e nosso corpo não estavam preparados para tamanho poder
mágico.
Eu enxergava apenas borrões. Os odores eram confusos. Meu cérebro não
era capaz de processar todas aquelas informações e dimensões. Por isso, eu
queria fugir dali o quanto antes.
“Vou ficar sem ovo”, eu me dei conta, tristemente. Havia histórias de
algumas crianças que não conseguiam ovos. Elas eram discriminadas e
precisavam buscar sua fonte mágica em outros lugares. Mas como eu já era
discriminado por ter sido um marlo em minha vida anterior, ter um ovo não
importava mais.
Foi então que eu entendi: se um marlo fosse levado para Mirimarla ele
morreria instantaneamente. O espírito dos marlos não era forte o bastante para
suportar aquele ambiente com tamanha carga de dimensões e poder mágico. Por
isso eles mantinham algumas regiões do país fechadas e protegidas; para que
crianças ou marlaquinos mais fracos não entrassem lá por acidente e morressem.
Em Marlaquina eu me achava muito poderoso por ser o cara mais forte do
planeta. Mas assim que eu entrei naquele bosque pude entender o quão fraco eu
era: completamente incapaz de realizar uma tarefa simples para crianças.
Subitamente, eu desisti. Ajoelhei–me. Eu não pertencia àquele lugar. Não era
forte como eles. Eu demorei dez anos apenas para conseguir adquirir
consciência após meu nascimento, já que meu espírito rejeitou fortemente meu
corpo novo, que era tão forte.
Eu não era digno de um ovo. Eu estava sem Lipsei. Encontrava–me num
planeta estranho, sem pessoas que falassem minha língua natal. Era doloroso.
Nem mesmo fora de Tecraxei eu me sentia assim tão solitário.
Eu não via mais as cinco estrelas brilhantes. Eu não via nada...
Senti lágrimas nos olhos pela solidão. Talvez fosse melhor eu morrer
naquele lugar. Desaparecer. Assim, quem sabe meu espírito reencarnasse em
Marlaquina outra vez. Eu perderia minhas memórias, mas talvez eu desejasse
perdê–las, para não sofrer tanto.
E foi em meio ao desespero que minhas mãos sentiram uma forma oval. Eu
abracei–a com todas as forças.
Ela parecia grudada em algum lugar. Puxei. Como eu iria soltar o ovo? Não
adiantava quanta força eu usasse; o ovo permanecia imóvel.
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Fábula dos Gênios
Bem, agora eu tinha. Fui lá, com a cara e a coragem, com minhas vestes
coloridas procurar por Lipsei. Nenhum deles já havia visto um marlaquino na
vida. Bastava eu dizer que eu era um estrangeiro de uma ilha desconhecida.
Talvez só estranhassem o fato de eu ser uma criança.
De fato, os estudantes ao redor me olhavam de forma estranha por causa
das minhas vestes. Eles usavam capas em um tom verde meio azulado. E agora,
onde eu procuraria por Lipsei?
Perguntei na secretaria pelas estudantes do doutorado. Meu sinabil estava
muito enferrujado e fiz essa pergunta com um sotaque forte da porra. Mas a
moça entendeu. O problema foi que eu não consegui entender a resposta dela.
– Poderia falar mais devagar, por favor?
Procurei em muitos lugares, mas nada de Lipsei. Até que alguém me disse
que o pessoal de sociedades costumava se encontrar em bares. Segui a dica e
resolvi passear pelos arredores.
E foi num lugar chamado “Bar das Capas” que a vi.
Lipsei estava mais linda do que nunca aos 28 anos. Eu me recordava de uma
menininha inocente e ingênua, com rosto de criança. Sempre tímida e retraída.
Ela estava mudada e confesso que a mudança agradou–me enormemente.
Lipsei usava maquiagem. Eu nunca a havia visto de maquiagem antes.
Estava com batom vermelho e esmalte vermelho. E tinha muito mais carne.
Pernas e ombros grossos. Como estava gostosa! E onde estava a timidez dela?
Lipsei discursava para todos, com muita confiança. E aquele sotaque de Narrara
caí–lhe perfeitamente.
Sentei–me numa mesa ali perto e prestei atenção ao que era dito.
– Nós, como Ordem com princípios éticos, não podemos manter os braços
cruzados enquanto uma guerra está prestes a estourar. Se os Destruidores e os
estéticos batalharem, isso pode significar a aniquilação dos dois povos. Eu sou
robótica e a maior parte de vocês são livreiros. Isso não significa que devemos
ignorar esse absurdo que está acontecendo com os outros povos.
– Mas Lipsei, o que você quer que a gente faça?
– Eu já sou bastante ativa em fóruns da internet, posiciono–me sobre o
assunto e participo de movimentos. Eu estou propondo que nossa sociedade se
envolva mais diretamente.
– Eu não acho que essa seja uma boa ideia. Que tal nos preocuparmos
apenas com os problemas de Narrara? E para ser sincero, acho ainda mais
indicado deixar a política para os políticos. Se for para se ocupar desse tipo de
questão, sugiro solicitarmos à reitora que libere a sala que era nossa antiga sede
da sociedade. Isso é mais urgente pra nós do que algo que está acontecendo do
outro lado do mundo.
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Fábula dos Gênios
– Uma criatura vai nascer desse ovo, provavelmente daqui uns dois ou três
anos. Eu gostaria que você o protegesse para mim até o dia do meu retorno.
– Mas por que eu?
– Porque só você tem a energia que eu gostaria que esse ovo recebesse. O
lugar do qual venho é perigoso. Meu ovo adquiriu essas manchas marrons assim
que cheguei aqui. Mas eu tenho certeza de que se ele sentir as batidas do seu
coração vai se curar.
– Do meu coração...?
– Faria isso por mim?
Ela demorou a responder.
– Eu corro perigo?
– Você? Duvido muito. Essa criatura vai te proteger.
– Está bem, tomarei conta dela. Mas quando você volta?
– Não sei. Quando eu estiver pronto.
Passei a ela o ovo por baixo da mesa. Ela o escondeu no interior da própria
capa.
– Obrigado. Por favor, fique bem.
E eu saí correndo de lá, pois senti que iria chorar se continuasse a olhar para
ela.
Eu dava a ela todas as minhas coisas. Principalmente o que eu possuía de
mais poderoso. Primeiro meu RP. Depois meu ovo. Minhas duas criaturas
mágicas de poder; as mais fortes que já consegui.
Por que eu fazia isso? Talvez porque considerasse a vida dela mais preciosa
que a minha. Eu não poderia levá–la para Mirimarla comigo. Então minha única
escolha era protegê–la de longe.
Voltei para o local que inicialmente aterrissei naquele mundo. Construí o
círculo arcano e, com alguma tristeza e saudade, retornei para Mirimarla.
Lá estava eu no meu dormitório, com uma dor no coração. Eu queria
envelhecer depressa. Eu queria me tornar muito forte e belo para que Lipsei me
amasse.
Bem, forte eu já era. A partir dali, seria só questão de tempo para que meu
corpo se desenvolvesse mais. E eu não ficaria exatamente de braços cruzados
durante esse período.
No próximo dia meus colegas já estavam batalhando com seus ovinhos. Eles
eram apressados. Os professores mandaram que os deixássemos em repouso,
num local quente e quieto. Eles desobedeciam, pois estavam ansiosos para lutar.
Na verdade era revoltante. Por todos os lados havia ovinhos voadores ou
saltitantes, berrando e cantando. Alguns costuraram chapéus para os ovinhos,
ou roupinhas. Nós só víamos as meninas do colégio feminino em ocasiões de
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eventos escolares, mas ouvimos dizer que elas estavam fazendo a festa nos
ovinhos, pintando, dando balões, colares e roupinhas felpudas.
– Elas pensam que os ovos são bonecas. Minha namorada estuda lá e ela deu
um balão de presente para meu ovo. Acredita nisso? Ela nunca me dá presentes,
mas deu um balão para meu ovo!!
– Você já transou com ela?
– O quê? Eu não! Estou usando toda a minha energia ultimamente pra
fortalecer meu ovo. Não quero desperdiçar meu poder tentando levantar meu
pau. Quando as nossas criaturas nascerem, a primeira coisa que vou fazer será
trepar com ela. Nós já combinamos isso. E no futuro nossas duas criaturas iram
trepar também, para que nosso filho tenha um ovo desde o nascimento.
– Não é proibido fazer isso? Todos os ovos não são propriedade do estado?
– Que se foda o estado. Cala a tua boca, Lal! Fica aí todo cheio de si só
porque tem um ovo de classe alta. Isso não é nada. Eu tenho uma na–mo–ra–
da! E você não tem.
Dois anos depois, Lal arranjou uma namorada também e Beni calou a boca.
Ele passou a pegar no meu pé.
– Minha namorada está em Marlaquina.
– Até parece...
Roniza estava adquirindo uma fama enorme nos últimos tempos. Sua
criatura já havia nascido: uma espécie elegante de pássaro cor–de–rosa com
escamas. Sua diversão era destruir ovos de criaturas ainda não nascidas. Estava
estourando uma verdadeira guerra no colégio feminino. E depois diziam que os
marlaquinos eram civilizados...
Eu não aguentava mais estudar lá. Morar naquele país. Decidi que retornaria
definitivamente para Marlaquina.
Realizei outra viagem dimensional. Dessa vez, aterrissei em Tecraxei. Eu
queria matar as saudades de minha terra natal.
A fama do meu antigo colégio estava nas alturas. Vi muitos estudantes com
os nossos uniformes: chapéus cinzentos e bordôs pela cidade. Eu vaguei por lá
por alguns dias, até que fiquei com fome. Eu não tinha mais dinheiro para pagar
hotel ou comida. Se eu acessasse minha fortuna nas minhas antigas contas
bancárias, pensariam que era outra pessoa tentando me roubar. Minha única
escolha era anunciar publicamente que Taha Vorta havia retornado.
Antes disso, resolvi meditar por um ano nas florestas azuis de Samerre. Da
mesma forma que fiz no passado. Entrei numa meditação profunda. Quando eu
me movia pouco precisava de menos comida. As águas dos lagos e as frutas das
árvores seriam o bastante para me sustentar por um período. Depois disso, eu
precisaria de comida cozida.
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Fábula dos Gênios
Como marlaquino, aguentei por muito mais tempo do que imaginei. Por
dois anos mantive uma vida regrada, realizando passeios dimensionais. Até que,
no dia do meu aniversário de quinze anos, despertei completamente. E decidi
dirigir–me até a sede da MAL.
Minha entrada foi um espetáculo. Aterrissei na mesa da torre, com um
chapéu de bobo–da–corte, típico dos marlaquinos, e minhas vestes coloridas e
reluzentes. Carregava um grimório de marlaquinos numa das mãos. Assim que
entrei, deixei–o cair pesadamente na mesa.
Os marlos se espantaram. Deixei os dez membros da MAL completamente
estupefatos e assustados. Aos meus quinze, eu já tinha altura e porte suficiente
para intimidá–los. Dei um sorrisinho.
– Uma boa noite para os senhores. Estou interrompendo a reunião mensal
de vocês?
Eu fiz de propósito, é claro. Já sabia que estariam todos reunidos ali, naquela
ocasião auspiciosa.
Até mesmo Sassa Soma ficou de queixo caído. Pelo jeito ela continuava
como líder absoluta. D’aship em segundo lugar. E fiquei imensamente satisfeito
ao reconhecer também Leassa.
Só não gostei quando vi o Deus pelado. Eu já tinha até me esquecido do
nome dele, mas desagradou–me enormemente vê–lo com a tatuagem da Ordem
na mão.
E lá estava também minha ex que me traiu. Pelo jeito, o velho grupinho não
tinha mudado tanto assim, mesmo depois de quinze anos.
– Acredito que nenhum de vocês me reconheceu, então permitam–me
apresentar–me. Meu nome é Viarrusque. Na minha vida anterior, eu era
conhecido pelo meu nome de batismo de Tecraxei, Taha Vorta. Só vim até aqui
comunicar Soma, que está como responsável por algumas de minhas contas
bancárias, que irei realizar um saque. Queria deixar claro que não é um roubo. E
como nenhum marlaquino liga para dinheiro de marlos, não creio que eu deva
confirmar minha história mais que isso.
Nesse instante, Soma não ficou mais surpresa.
– Muito bem, Vorta. Suas senhas são as mesmas. Divirta–se com seu
dinheiro. Ninguém irá pará–lo.
Soma fez pouco caso do meu retorno. Embora eu tenha deixado algumas de
minhas contas para Lipsei, deixei boa parte delas com Soma, pois eu sabia que
por ela ser uma Destruidora não teria o menor interesse em tocar no meu
dinheiro. E até mesmo naquele instante ela zombava do meu interesse por essas
“questões mundanas sem importância” como querer ter o que comer e um lugar
para dormir, já que ela mesma vivia de grama e carne humana, e dormia ao
relento.
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– Você envelheceu.
Resolvi dizer isso só para ver a reação dela. Ela devia estar com uns 81 anos.
Achei–a muito bem conservada para a idade, mas eu não estava a fim de elogiá–
la. Talvez ela nem considerasse isso como elogio...
– E você está com cara de criança. Se pensa em liderar alguma Ordem, trate
de envelhecer uns trinta anos primeiro. Não pense que esse seu chapéu colorido
impõe algum respeito.
– Woa, Soma! Não pretendia ofendê–la com esse comentário. Acho que
essas rugas te deixam bastante sexy.
– E eu acho que você está morto e não faz mais parte da MAL, então caia
fora imediatamente.
Ela me pegou pela gola e me lançou pela janela; exatamente da mesma
forma que eu fazia com o Deus pelado nos velhos tempos. É claro que ele
adorou ver isso. Acho que era a primeira vez que um marlo se atrevia a fazer
algo assim com um marlaquino.
Mas tudo bem. Era Soma. Ela podia.
E eu pensando que ia aterrorizar todo mundo como marlaquino. Que nada.
Bastou eu revelar minha velha identidade para que todos respirassem aliviados.
Nem tive tempo de dar um alô para Leassa; e eu nem tinha certeza se tinha
coragem de fazer isso.
Felizmente não me machuquei com a queda. Ser um marlaquino tinha suas
vantagens. Eu economizaria em transporte também. Construí outro círculo
arcano para me teleportar até a universidade de Lipsei.
Assim que cheguei lá, havia uma grande confusão. Um enorme ciclope
esverdeado estava destruindo tudo ao redor.
“É, eu acho que meu bichinho já nasceu...”
Não devia ter despertado há muito tempo. Eu provavelmente despertei da
minha meditação naquela época pois inconscientemente senti que era a hora.
Fui procurar por Lipsei imediatamente. Encontrei–a numa praça do campus,
perto do monstro, tentando controlá–lo. Ela me reconheceu quando viu minhas
roupas, embora eu já estivesse mais velho e bem mais alto do que da última vez.
A questão era que, após quatro anos longe do meu ovo, eu já não fazia a
menor ideia de como domá–lo. Ele não me reconheceu. E não obedecia Lipsei
tampouco.
A energia do meu ovo seria sentida de muito longe. Até em outros mundos.
Eu era capaz de esconder minha própria energia, mas aquele bebê monstro só
devia saber destruir tudo.
E quando eu pensei que já estava fodido, dois círculos arcanos surgiram ao
meu redor: eram dois adolescentes de roupas coloridas, que eu já não via há
mais de dois anos. Eles estavam completamente mudados.
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Senti um aperto no coração quando ela apontou para Lipsei. Roniza foi até
ela.
Nesse ponto, todos os estudantes da Universidade Libila que estavam nos
arredores nos fitavam assombrados. Nós não somente tínhamos olhos coloridos
e usávamos mantos estranhos. Nós também nos comunicávamos em idiomas
completamente desconhecidos por eles e usávamos magias que, até então,
ninguém ali imaginava ser possível.
Roniza segurou Lipsei pelo braço e atirou–a no chão. Tocou o cajado no
pescoço dela. Eu senti uma onda de irritação e medo.
– Se ela não existir mais, você não terá razões para permanecer nessa terra
pestilenta cheia de guerras e violência. A presença de um marlaquino por aqui
representa um problema. Não bastará andar de óculos escuros para esconder
seus olhos. Não poderá esconder seu poder quando entrar em batalha. E
mesmo que não queira, sua mera presença nesse lugar será como um ímã para
atrair a guerra até você. Não poderá se esconder nas florestas azuis para sempre.
No começo, os estudantes de Libila deviam estar considerando nossa
presença como positiva, já que o monstro havia sido mandado para longe. Mas
era diferente agora que Lipsei estava sendo ameaçada.
– Roniza, apenas saia. Está atrapalhando. Eu e Laldau assumiremos daqui
em diante e qualquer problema que resultar de nossas ações recairá sobre nós.
Roniza soltou Lipsei e deu de ombros.
– Vocês são amigos dele. Irão favorecê–lo.
– Isso não é da sua conta. Você nem foi chamada para essa missão. Só está
se metendo.
– Se continuar a me tratar assim, miserável, vai ficar sem sexo por uma
semana.
– Você me trata pior! Como se você aguentasse sequer um dia sem trepar.
– Eu comprei uma lingerie bordô com cheiro de vinho e outra verdinha com
cheiro de chiclete de menta. Caso se atrase, vai perder as duas.
Roniza deu uma rodadinha que levantou sua saia e depois sumiu num mar
de estrelas faiscantes.
– Sua namorada tem personalidade forte.
– Ela não é minha namorada! Ela apenas corre atrás de mim, mas eu nunca
quero nada com ela. Ela só me seduziu uma vez. Ou duas, três ou quatro, mas
fora isso me mantenho frio como gelo. Se bem que... a lingerie verde com
cheiro de chiclete é minha favorita. Melhor eu ir.
– Você vai me deixar aqui sozinho para lidar com o pepino?
– Sim. Basta cortar o pepino em rodelas e acrescentar um pouco de vinagre
para a salada.
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Lipsei me deixava sem defesas. Tinha total poder sobre mim. Ela estava
consciente disso? É claro que não. Ela sequer sabia que eu havia sido Taha
Vorta. Que fui um dos poucos a superar o poder permitido aos marlos e que,
por isso, tive que renascer em Mirimarla.
– Eu gostaria de te contar tudo. Mas não posso.
– Então como espera que eu confie em você?
A Lipsei adulta não era mais a garota dos meus sonhos.
Ela não era mais magrinha. Estava cheia de carne. Admito que isso a deixava
muito gostosa, talvez até mais do que quando era adolescente, principalmente
porque até seus seios ficaram maiores. Mas isso também me deixava confuso:
será que eu desejava uma Lipsei sedutora e adulta, ou uma menina meiga e
adolescente?
Eu queria tudo. Eu a queria de todas as formas. Eu desejava consumi–la por
inteiro.
Lipsei usava decote e maquiagem agora. Não era mais uma criança. Mas o
que mais me machucava era sua mudança interna: rigorosa, desconfiada, braba.
Acho que ela se cansou de ser machucada pelo mundo. Percebeu que se
continuasse doce para sempre, seu coração seria quebrado cedo ou tarde.
Por isso, eu desejei conservar seu coração puro no interior do meu robô. O
robô que agora estava com ela.
Eu não queria que ela mudasse. Que ela amadurecesse, crescesse e reagisse a
esse mundo cruel. Bastava que ela confiasse em mim para protegê–la. Ela não
precisava ficar mais forte ou mais dura. Eu faria tudo por ela.
Talvez ela não quisesse mais depender dos outros. Não desejasse ser mais
uma bonequinha frágil, um prêmio bonitinho e cobiçado.
Ela era um ser humano cheio de defeitos. Por que eu não aceitava isso?
Será que eu queria um brinquedo quebrado? Eu precisava de um brinquedo
perfeito.
Quando Lipsei morreu, será que no fundo eu desejei isso? Foi o ápice da
minha existência. Através disso, eu me tornei o mago mais forte do mundo,
vivendo sempre com a memória perfeita e inviolável da pura e doce Lipsei, que
jamais envelheceria, se irritaria comigo ou me decepcionaria.
Ela não me trairia, pois estava morta. Ela não gritaria comigo se eu fizesse
algo que a aborrecesse.
Eu apenas a ansiei como meu manequim. Eu tinha a foto dela para me
masturbar. Eu olhava para seu sorriso e isso me consolava em momentos de dor.
“Como espera que eu confie em você?”
Por que ela falava comigo desse jeito? Eu queria que ela dissesse somente as
coisas que eu queria ouvir.
“Eu estou aqui para você, Taha”.
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que devo sempre me ajoelhar? Eu acredito no amor, mas somente o amor não é
o bastante para conter a fúria do mundo.
Doía em mim ouvir Lipsei dizendo isso. Ela, que um dia já me disse que não
desejava usar magia para lutar ou matar...
Ela se levantou. Foi embora. Não consegui impedi–la.
– Merda...
Olhei ao redor e vi Laldau bêbado numa mesa, batendo canecas com alguns
estudantes da Universidade Libila. Eles estavam ensinando–o a falar alguns
palavrões na língua local e riam toda vez que Laldau os pronunciava com seu
sotaque carregado, sem entender porra nenhuma do que dizia.
Eu o levantei pelo cangote. Puxei sua capa e arrastei–o para fora.
– Hora de ir.
– Mas eles acabaram de me dizer algo tão engraçado...!
– Você nem consegue entender o que eles dizem, imbecil.
Como Laldau estava bêbado, eu fui capaz de enrolá–lo. Dei uma desculpa
qualquer, dizendo que eu ainda tinha negócios a resolver em Marlaquina e iria
retornar para Mirimarla assim que os concluísse.
Laldau traçou um círculo todo torto e, cambaleando, foi embora. Eu segurei
o meu cajado firmemente nas mãos e saí correndo pela cidade. Eu tinha uma
“pequena” tarefa pela frente: acabar com a porra daquela guerra antes que Lipsei
se envolvesse nela.
Lipsei tinha mencionado que iria batalhar do lado dos estéticos. Então tudo
o que eu precisava fazer era matar os Destruidores.
Voei imediatamente para Consmam. Abri uma dimensão especial e cheguei
lá com a velocidade de um raio. Contemplei a guerra que estourava, com
bastante sangue e ossos voando, círculos arcanos e magias fortes explodindo.
Agora que eu era um marlaquino, até a magia impressionante dos Destruidores
me parecia coisa de caipiras.
Sentei sobre o meu cajado, consultando um grimório acima das nuvens. Eu
não podia simplesmente soltar uma bomba lá embaixo, ou eu acabaria
explodindo os estéticos junto. Antes eu precisava realizar um cálculo para
provocar um dano mágico que atingira somente os Destruidores.
Tecnicamente, eles estavam quase mortos. Isso poderia ser usado ao meu
favor. Era complicado, pois eu precisava matar os gênios malignos, que tinham
devorado suas almas. Consultei certas páginas dos grimórios e realizei alguns
cálculos rápidos. Quinze minutos depois, eu já tinha o algoritmo que me
permitiria aniquilar todos eles.
Tranquilamente, tracei algumas figuras geométricas quadridimensionais no
ar e utilizei energia de outros planos. Lancei tudo lá embaixo e minha magia
explodiu espetacularmente, numa chuva de sangue e vísceras.
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Senti a raiva subindo. Decidi não conversar mais com o dono da loja de
uniformes antes que eu o matasse sem querer.
Saí de lá com uma sacolinha em mãos. Agora era hora de vestir meu
uniforme e rever minha amada Lipsei. Ela certamente pularia para meus braços
assim que contemplasse minha imponente figura.
Fui até o banheiro de um shopping para trocar de roupa. Tomei um banho
para tirar a terra do corpo, fiz a barba e penteei os cabelos antes de colocar meu
chapéu. Enquanto eu escovava os dentes, já completamente vestido, um cara
entrou no banheiro e deu um grito.
– É Vorta! Taha Vorta!! Escovando os dentes no banheiro do shopping!!!
E ele saiu de lá na mesma hora, morrendo de medo, enquanto eu fazia um
bochecho com antisséptico bucal. Passei um pouco de perfume e depois disso
senti–me pronto para rever minha querida Lipsei. Com um perfume tão
cheiroso, eu duvidava que ela notasse que eu era apenas um cadáver duas horas
atrás. Fitei–me no espelho, bastante satisfeito com o resultado.
– Eu sou mesmo um gato arrasador!
Caminhei pelo shopping calmamente, olhando as vitrines. Eu costumava
frequentar aquele local quando era adolescente, então resolvi conferir como
andavam as coisas. Fiquei indignado quando notei que tiraram minha máquina
favorita de balas.
Resolvi ir embora de lá logo para não chamar atenção demais para minha
maravilhosa figura. Algumas pessoas me apontavam e tiravam fotos. Oh, como
era difícil ser uma estrela... mas eu não seria por muito tempo se não recuperasse
meu antigo cargo na MAL. Portanto, decidi que era melhor resolver isso antes
de rever Lipsei.
Visitei a torre da ilha, sede da MAL, vazia naquele momento. Sentei–me
numa das cadeiras e tamborilei na mesa.
Tomado de surpresa, vi minha ex–mulher entrando pela porta. Para começo
de conversa, era algo raro algum mago da MAL entrar comportadamente pela
porta, já que a maioria preferia a janela, para não ter que subir o imenso lance de
escadas. Mas minha ex–mulher vivia fazendo dietas para emagrecer, então devia
ser por esse motivo que escolheu a escada.
– Caliderina.
– Taha...!
Ela ajoelhou–se diante de mim, apoiou a cabeça no meu colo e derramou
lágrimas. Eu sabia que ela era casada com o patife do mago pelado, mas que
importava? Mesmo que ela tivesse me traído e que nosso casamento tivesse sido
uma imensa merda do início ao fim, mesmo que ela tivesse matado Lipsei,
minha ex–namorada e torturado pessoas importantes para mim... não é que eu
ainda derramei lágrimas pela desgraçada?
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– O seu rapto foi uma encenação? Não acredito que você fez isso comigo,
Lipsei!
– Por favor, não seja dramático, Taha. Você já me enganou e mentiu para
mim muitas vezes antes. Fui informada de que recentemente você reencarnou
como marlaquino. Foi você que causou toda essa confusão.
– Por você! Porque eu te amo!
– Eu aprecio os seus sentimentos, Taha. De verdade. Agradeço toda a ajuda
que me deu. Mas agora é minha vez de ajudá–lo. Não me sinto bem em apenas
receber ajuda das pessoas, sem dar algo em troca. Agora, como Rank 1 da MAL,
se eu puder lhe ser útil de alguma forma, apenas me diga.
– Não quero que me dê nada em troca. Por favor, pegue esse saco de
moedas de volta.
– Não posso aceitar isso.
Eu fitei o chão, desapontado.
– Você não parece contente com meu progresso mágico. Por quê? É porque
fiquei mais forte que você? É porque você não será capaz de me proteger agora?
– Não é nada disso! Em primeiro lugar, se você não tivesse revivido com
minha ajuda, jamais teria se tornado a mais forte. E ainda não sabemos se você é
mais forte que eu. Não antes de lutarmos...
Mas será que eu queria mesmo lutar contra ela? Mesmo que não fosse uma
luta feroz de vida ou morte, eu não sabia se teria coragem de atacar Lipsei.
Foi então que me dei conta: no começo de tudo, foi Lipsei quem sacrificou a
sua vida por mim e por Cromo. Foi ela quem nos protegeu e não o contrário.
De repente, senti–me culpado. Lipsei teria se tornado forte de qualquer
forma, com o robô que ela criou e sem o meu dinheiro. Ela já estava
matriculada num ótimo colégio. A sua própria família iria ajudar a financiar seus
estudos. O seu destino sempre foi a MAL.
Será que eu mesmo só havia me tornado forte por utilizar o RP dela? Agora
tudo tinha mudado. No fundo não era eu que a ajudava. Era ela que sempre
tinha me ajudado o tempo todo. Ela sempre foi a minha razão de viver, desde o
começo. Minha motivação. A minha estrela.
Ela segurou a minha mão.
– Você só me amava porque me via como um ser frágil que precisava ser
protegido. Proteger–me era a sua razão de viver. Pois eu não preciso mais ser
protegida. Agora sou forte e corajosa. Sou independente. E agora, Taha? Ainda
me ama?
Ela estava me deixando sem defesas. Eu era uma pessoa assim tão ruim? Fiz
tudo aquilo por motivos egoístas? Para satisfazer a mim mesmo?
E o pior de tudo, o que mais doeu em mim, foi descobrir que eu já não sabia
se a amava depois de todas aquelas revelações!
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Eu a invejei por ela ser Rank 1. Não me senti orgulhoso dela, como teria
sido normal nessa situação. Desejei arrancar o título dela. Seu orgulho, seu
poder.
– Taha, você parou uma guerra por mim. Foi torturado e morreu por mim.
Sem nem saber se me ama? Sem nem mesmo ter coragem para dizer isso para
mim, e nem para si mesmo. Talvez porque não quisesse admitir que fosse
somente um pretexto. Uma mentira. Você nunca me amou de verdade.
– Pare... pare! PARE! CALE A BOCA, LIPSEI!!
Tomado pela fúria, tracei um círculo arcano. Eu a ataquei. Mas eu chorei
quando fiz isso. Havia lágrimas nos meus olhos quando segurei o seu pescoço.
Mas ela livrou–se de mim facilmente.
Lipsei usava uma magia equilibrada. Não uma emotiva e instável como a
minha. A dela era mais repleta de razão e segurança.
Ela pronunciou os dizeres de um grimório. Eu não sabia nada de magia de
livreiros. Poderia até superá–la em magia robótica, mas jamais em magia da
eloquência.
Quem sabe fosse exatamente pela sua maestria em magia da eloquência que
ela era capaz de esmagar o meu coração com poucas palavras. Ela havia
destruído o meu psicológico. Como eu poderia superá–la em poder daquela
forma?
Lipsei continuava a ser doce até quando era dura nas palavras. Isso era o que
mais me machucava. Queria que ela tivesse simplesmente me chutado, me
xingado, me desprezado, cuspido em mim.
Em vez disso, ela não me deu uma resposta direta. Deu–me um saco de
moedas e agradeceu–me, como se indicasse que eu não era mais necessário em
sua vida.
Eu estava tão puto que destruí a torre. Joguei selos eletrônicos para todos os
lados. Os magos que assistiam à batalha saíram de lá rapidinho para não serem
esmagados.
Eu e Lipsei continuamos a luta lá fora, sobre os escombros.
Coloquei mais círculos de proteção ao meu redor do que quando lutei com a
marlaquina. Isso porque eu estava com um puta medo de Lipsei. De verdade.
Estava aterrorizado! Ela era a pessoa de quem eu mais tinha medo. Jamais
imaginei que um dia fosse lutar contra ela.
Ela usava o RP que usei um dia. Isso significava que grande parte do poder e
técnicas que acumulei ao longo de minha vida como Taha Vorta poderiam ser
usados contra mim. Isso me deixava tão assustado que eu errei várias técnicas
mágicas simples.
Lipsei não se aproveitou dos meus erros. Ela esperava com paciência que eu
realizasse o próximo movimento. Ela era uma maga honrada. Isso não
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significava que ela iria me poupar. Poderia até poupar minha vida, mas jamais
me daria a vitória, se ela fosse digna de conquistá–la.
Eu não conseguia me concentrar na luta. Além do medo de machucá–la, eu
estava cheia de dúvidas, pensando em outras coisas. É claro que Lipsei devia ter
acessado a memória do RP. Ela devia saber que eu tinha olhado a calcinha dela
no colégio uma vez. E que eu me masturbava olhando para as fotos dela.
Eu não a culpava que ela se aborrecesse por isso. Mas eu tinha esperanças de
que ela já fosse madura o suficiente para entender a imbecilidade de um menino
adolescente e me perdoar. Ela mesma, como uma menina adolescente, tinha
passado por suas meigas imbecilidades, que para mim eram graciosas.
“Merda, merda!!” Se ao menos eu não fosse tão idiota. Se eu não
continuasse a ser idiota até mesmo naquele momento...!
Por que eu precisava do Rank 1? Sim! Eu não precisava. Por que eu não
ficava apenas feliz por Lipsei?
– Lipsei, vamos interromper essa luta inútil! Eu dou a vitória para você. Não
quero machucá–la!
Eu disse a coisa errada. Fui eu que comecei aquela luta. Eu mandei que ela
se calasse. Ataquei–a para valer. E depois, covardemente, ao notar que eu estava
perdendo e não era capaz de me concentrar lutando contra ela, vinha com
aquela história de “dar–lhe a vitória?”.
É claro que Lipsei não aceitou.
– Você não vai me dar nada, Vorta. Lute a sério! Lute para matar, se for
necessário para acessar seu poder máximo. Eu também farei isso. Estamos de
acordo?
Ela me chamou de Vorta. Resolvi deixar meus sentimentos de lado.
– Completamente.
Ambos iríamos lutar para matar. Não importava o desfecho. Que se fodesse!
Se Lipsei queria que eu lutasse para valer, eu iria honrar seu pedido. De coração.
Começamos de novo. Respirei fundo, controlei minhas emoções e
posicionei 89 círculos de proteção ao meu redor; 51 percorrendo meu corpo no
sentido horário, 22 no sentido anti–horário e 16 alternando sentido horário e
anti–horário. A velocidade dos círculos elétricos e eletrônicos era tão intensa
que os círculos mais pareciam borrões coloridos faiscando ao meu redor.
Lipsei protegeu–se com frases em línguas antigas. Eu nunca tinha visto
aquilo antes. Fórmulas mágicas em diferentes alfabetos rodavam ao seu redor.
Havia pelo menos cem. Ela pronunciou a primeira palavra ou letra de várias
delas e isso bastou para ativar um número imenso de magias. Era como uma
barreira impenetrável.
Eu nem enxerguei quando ela lançou o primeiro ataque. Bastou pronunciar
uma sílaba para que acontecesse.
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Foi uma sílaba aguda, que alterou a vibração do ar. Logo notei que minha
barreira não estava forte o suficiente. Quatro de meus círculos quase se
desfizeram com essa leve vibração. Foi apenas um aviso.
Lipsei deu um leve sorriso. Ela ficava linda quando sorria, com seus longos
cabelos a moldar–lhe a graciosa face. Mas ela logo voltou a ficar séria. Ela não
planejava usar nenhum truque sujo para me distrair. Eu fiquei sério também.
Lipsei traçou um gráfico de resistores no ar. Se ela pensava que poderia me
enganar com algo assim, precisava de mais treino.
Tracei no ar o gráfico de um circuito em estrela para confundi–la. Porém,
quem se confundiu fui eu. O robô de Lipsei traçou um segundo circuito que
quebrou o padrão do meu.
Senti um calorão no corpo inteiro. Eu estava suando. Não havia vento ao
redor. Eu o gerei, também pela eletricidade. Eu pretendia utilizar a energia
elétrica para resolver tudo, transformando–a em outros tipos de energia, mas
isso não alcançava todas as possibilidades de magia que eu queria.
Eu estava gastando energia à toa. Em vez de tirá–la de mim, eu deveria
extraí–la da natureza. Não havia vento, mas as estrelas solares queimavam
intensamente.
Improvisei uma célula solar com meu cajado de silício. Eu sabia que Lipsei
iria utilizar outro resistor mágico, por isso realizei um cálculo exato para prever
isso. Meu problema foi tentar prever demais.
Lipsei usou literatura. Ela leu um trecho em outro idioma. Se eu utilizasse a
porra da energia elétrica outra vez, corria o risco de levar um choque. Afinal, eu
não entendi o que ela disse.
Por segurança, empreguei a matemática pura. Sem física, sem elementos da
elétrica ou do caralho. Queimei oito partes da minha barreira de proteção por
isso.
Eu estava suando, mas dessa vez não de calor, e sim de nervosismo. Os
olhos castanhos de Lipsei eram profundos. Ela estava me atacando com tudo.
Eu senti isso.
Eu não estava mais pensando em “deixá–la ganhar”. Antes disso, eu
precisava salvar a minha pele, com todas as minhas forças.
Antes que eu notasse, o cajado dela encostou no meu. Estávamos ambos
face a face. Os círculos de proteção chocando–se uns com os outros. Resolvi
apelar para algo que ela não conheceria: magia de Destruidores.
Tracei no ar um tetraedro. Acelerei as batidas do meu coração. Eu não tinha
um gênio ou um maligno. Ainda assim, poderia obter um selo multidimensional
de Destruidores. Porém, Lipsei notou o que eu faria e traçou um cubo de
construtores. Eu fiquei pasmo.
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filhos dos nossos filhos, e que o ciclo da respiração se estendesse por mais
tempo.
As correntes do certo e do errado tinham deixado meu corpo. Eu conseguia
ser sincero comigo mesmo. Lipsei nunca fez parte da minha vida de verdade.
Era apenas um sonho distante de infância, quase apagado. No fundo, quem eu
havia realmente amado era uma pessoal cruel. Eu precisei deixá–la, precisei
matá–la; somente porque ela me enganou, me traiu, me fez sofrer.
Caliderina, eu te amo. E eu espero sinceramente que você, antes de Lipsei,
seja capaz de alcançar o mais famoso tesouro do mundo, que por acaso está
escondido na dimensão do meu coração.
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FIM
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