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Rafael Gonçalves Lima

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Sumário

Introdução - Aura de Asíris (por Irwind, general de Mahani) ................................. 5

Capítulo 1 – Yin ............................................................................................................. 8

Capítulo 2 – Os Invasores ........................................................................................... 12

Capítulo 3 – De Volta ao Orfanato de Mao-Ter ....................................................... 19

Capítulo 4 – A Decisão de Yin .................................................................................... 22

Capítulo 5 – A Técnica Surpresa de Hanai ............................................................... 26

Capítulo 6 – O Torneio de Artes Marciais ................................................................ 30

Capítulo 7 – A Missão de Irwind ................................................................................ 29

Capítulo 8 - Uma Longa Viagem ................................................................................ 42

Capítulo 9 – A Base de Dherates ................................................................................ 48

Capítulo 10 - O Céu de Asíris ..................................................................................... 55

Capítulo 11 – A Floresta de Noah .............................................................................. 59

Capítulo 12 – O Medo Oculto ..................................................................................... 61

Capítulo 13 – Os Limps ............................................................................................... 66

Capítulo 14 – O Ataque dos Kharkis ......................................................................... 71

Capítulo 15 - O Misterioso Laboratório .................................................................... 77

Capítulo 16 – Através da Cápsula Amarela .............................................................. 84

Capítulo 17 – Sara ....................................................................................................... 90

Capítulo 18 – S.O.S. Base Aérea ................................................................................. 96

Capítulo 19 - A Batalha de Marahana ..................................................................... 102

Capítulo 20 – Por Entre o Céu e o Deserto, a Última Redenção do Povo Banshee

...................................................................................................................................... 109

Capítulo 21 – De Volta à Archia ............................................................................... 114

Capítulo 22 - Os Marakis .......................................................................................... 117

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Capítulo 23 – A Visão de um Novo Inimigo Infernal ............................................. 122

Capítulo 24 – A Fuga de Archia ............................................................................... 128

Capítulo 25 – O Plano Furou .................................................................................... 133

Capítulo 26 – A Insubordinação de Gryn ............................................................... 138

Capítulo 27 – Escapando do Diamante Negro ........................................................ 145

Capítulo 28 – Para Wamboo ..................................................................................... 149

Capítulo 29 - Um Novo Plano ................................................................................... 152

Capítulo 30 - Uma Noite de Trégua ......................................................................... 160

Capítulo 31 - A Convicção de Nina .......................................................................... 163

Capítulo 32 - O Treinamento em Marahana ........................................................... 168

Capítulo 33 - Rumo ao Território Furou ................................................................. 181

Capítulo 34 - Os Prarkhis ......................................................................................... 191

Capítulo 35 – O Balanço dos Primeiros Ataques .................................................... 196

Capítulo 36 - O Cemitério de Gyron ....................................................................... 200

Capítulo 37 – A Ameaça Gigante ............................................................................. 204

Capítulo 38 - Novos Reforços ................................................................................... 209

Capítulo 39 – A Terrível Sociedade Furou .............................................................. 214

Capítulo 40 – O Lago Negro de Gyron .................................................................... 220

Capítulo 41 – Perdões e Revelações ......................................................................... 226

Capítulo 42 – Terror no Subterrâneo ...................................................................... 232

Capítulo 43 – O Fim da Esperança .......................................................................... 242

Capítulo 44 – A Abominação Suprema: O Encontro ............................................. 247

Capítulo 45 – A Passagem para o Inferno ............................................................... 250

Capítulo 46 – O Último Tiro ..................................................................................... 252

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Capítulo 47 - Mornkion: Este é Meu Nome. Tenho Uma História Para Lhes Contar

...................................................................................................................................... 259

Capítulo 48 – A Verdade por Trás do Caos ............................................................ 263

Capítulo 49 – O Duelo Final .................................................................................... 270

Capítulo 50 – Despedidas ......................................................................................... 274

Capítulo 51 – A Fúria do Novo Guerreiro Yin ...................................................... 278

Capítulo 52 – Tire Nina Daqui. Logo Tudo Estará Acabado ............................... 281

Capítulo 53 – O Limite da Aura: O Encontro de Dois Superpoderes ................. 285

Capítulo 54 – O Reencontro .................................................................................... 290

Capítulo 55 – O Julgamento de Nina ...................................................................... 295

Capítulo 56 – Um Grande Herói de Asíris ............................................................. 298

Capítulo 57 - Um Novo Horizonte ............................................................................ 301

Epílogo ........................................................................................................................ 304

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Introdução - Aura de Asíris (por Irwind, general de Mahani)

“Se aquietarmos nossos corações durante um tempo, se olharmos para o nosso


interior e conseguirmos ver a verdade, podemos então vê-la. Porque Ela é a verdade. Ela
está presente em todo e em qualquer lugar, desde o mais complexo até o mais simples
ser deste mundo. Ela nos une, nos nutre, nos faz viver. Ela, a energia divina que rege
esse mundo, a qual conhecemos como Aura. A Aura é simples, tudo o mais é complexo.
Ela é a essência de tudo, o início e o fim. Sem ela não existiríamos. A cada nascer do
sol, agradecemos aos Deuses de Asíris por essa benção, pedindo força e proteção para
continuarmos nossa jornada sobre essa terra tão cheia de vida, tão exuberante e rica,
mas ao mesmo tempo tão desgastada pelo ódio e pela desigualdade entre os seres que a
habitam. A eterna guerra entre nós, Banshees e os abomináveis Furous, as duas mais
poderosas raças deste mundo, há séculos é travada em infindáveis e sangrentas batalhas
ao norte de Asíris, mesma região onde se localiza a fronteira entre o nosso domínio e o
deles.
A Grande Guerra. Assim ela é conhecida por nós. Guerra essa que possui sua
causa desconhecida e sua origem remetendo a tempos longínquos. Por isso, é curioso
lembrar que mesmo depois de tanto tempo coexistindo no mesmo mundo, ainda não
encontramos uma forma de convivermos pacificamente. Às vezes, imaginamos se isso é
realmente possível, já que não conhecemos sequer uma forma de nos comunicarmos
com os Furous. Na verdade, na maior parte do tempo só o que fazemos é nos defender
de seus eventuais, porém brutais ataques, os quais só confirmam a essência demoníaca
desta terrível e desgraçada raça, que mata, saqueia e traz o medo e o caos por onde
passa.
Em resposta, portanto, logo que vislumbramos uma oportunidade para contra-
atacar nossos inimigos mortais e tentar conter a todo custo essa grande ameaça que
ronda e deprime nosso povo há muito tempo, enviamos também algumas de nossas
tropas para além do limite entre nossos territórios em direção ao combate. Contudo, tais
investidas se mostram sempre em vão, jamais trazendo resultados que possam alterar
significativamente o rumo desta guerra a nosso favor. Sendo assim, infelizmente, o que
temos após esses conflitos é somente mais dor e pesar. Dor que se reflete no desespero
das famílias dos soldados mortos nestas batalhas e que, consequentemente, permanece
estampada no semblante de todo o povo Banshee diante de mais uma derrota de seu
exército.
Dessa forma, exatamente por toda esta intolerância e violência que desde sempre
marcou nossas histórias nesse mundo e aparenta ser interminável, imagino talvez que
Banshees e Furous não merecessem possuir seu enorme poder, a divina Aura, até que
um dia possam ser capazes de usá-la de maneira mais sábia, trazendo a harmonia e a paz
definitivamente para Asíris.
No entanto, sabemos que esse dia pode estar muito longe ou que talvez nunca
chegue, como aconteceu com os humanos. Há muitos e muitos anos eles eram
soberanos sobre este mundo e pelo que consta nos restos de sua civilização - hoje nada
além de escassas ruínas - possuíam uma tecnologia extremamente avançada. No
entanto, se desapareceram, provavelmente, é porque não sabiam viver em harmonia com
seus semelhantes, tampouco usar seu vasto conhecimento para a disseminar a paz, sendo
exatamente o seu poder a provável causa imediata da sua destruição. Ninguém sabe ao
certo a data de seu desaparecimento nem o que realmente aconteceu com eles, mas de
qualquer forma tiveram o seu tempo sobre Asíris. Muito sobre os humanos, sua cultura
e tecnologia ainda está escondido, enterrado sob esta terra e a cada dia descobre-se algo
novo. Mas, pelo que sabemos, não eram muito diferentes de nós. Sua aparência física

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era idêntica, assim como praticamente todos os seus hábitos. No entanto, nós Banshees
possuímos a Aura circulando por nossos corpos de maneira muito mais intensa e tal
poder permite alguns de nós realizar coisas nunca imagináveis por nenhum humano,
como voar pelos céus.
Esses que possuem uma quantidade de Aura acima do normal são chamados
Koguns e parte desse grupo de Banshees privilegiados é desde cedo treinada para
aprender a controlá-la corretamente. Acabam por se tornar, assim, guerreiros
poderosíssimos, capazes de realizar uma série de técnicas fantásticas com sua Aura,
uma vez que desenvolvem também o poder de elevar tal energia de seus níveis mais
sutis e manifestá-la e manipulá-la também no mundo visível, das formas mais incríveis.
Contudo, a probabilidade de um determinado Banshee nascer Kogun é muito pequena,
cerca de uma em trezentos. Porém, ainda há uma chance de Banshees não nascidos
Koguns conseguirem se tornar mais tarde. Nesse caso, porém, na maior parte das vezes,
é necessário anos e anos de dedicação e muito esforço para poder desenvolver as
técnicas comuns aos Koguns de nascimento e, por isso, a maior parte daqueles que se
aventuram nesta empreitada desistem pelo caminho.
Para completar esse quadro, é importante ressaltar também outro dois casos. O
primeiro são daqueles que nascem Koguns e passam toda a vida sem serem treinados,
acabando por assim, não desenvolverem completamente seu potencial, existindo alguns
que até mesmo, em casos extremos, morrem sem sequer conhecer seu verdadeiro poder
interior. O segundo caso são de Banshees que, mesmo tendo consciência de tal poder,
preferem não desenvolvê-lo, escolhendo como ocupação para sua vida outros caminhos
além das práticas de luta. De qualquer forma, todo e qualquer Kogun têm como
principal característica possuir dentro de si a Aura de uma maneira muito concentrada,
cabendo a eles, portanto, ter junto a esse poder uma responsabilidade enorme para usá-
lo de maneira certa, para o bem de toda a sociedade Banshee. Porém, há uma outra raça
nesse mundo que também é muito poderosa. Grande parte dos Furous, por exemplo,
também possui uma quantidade de energia divina tão grande ou talvez até maior que a
nossa, mas usam-na de maneira irracional, fato proveniente de sua própria
personalidade animalesca.
Talvez, exatamente por essa diferença de autocontrole e autoconhecimento entre
nossa raça e a deles, ainda conseguimos conter bravamente o avanço das selvagens
tropas Furous vindas do norte. E, como foi dito, têm sido assim durantes muito, muito
tempo, sendo praticamente impossível contar quantas vidas já foram perdidas naquela
região, ao longo dos anos. Nas ocasiões em que as unidades inimigas conseguem
invadir nosso território, as inúmeras vilas e pequenas cidadelas próximas às cidades de
Maharana e Shandara, as maiores do deserto de Kayabashi, região localizada ao norte
do nosso domínio, são as primeiras a serem atacadas. Assim, a vida de seus habitantes,
na maior parte das vezes camponeses pobres com nenhum recurso para deter os
violentos ataques dos Furous, não são poupadas, nem mesmo mulheres ou crianças.
Os Furous, habitantes da parte norte de Asíris, apesar de possuírem uma
tecnologia considerável e em um patamar bem próximo ao nosso – principalmente no
que diz respeito a sofisticação militar - possuem uma organização social extremamente
simples, assim como capacidade limitada de raciocínio, solidariedade e compaixão, até
mesmo para com os seus semelhantes. Na verdade, sempre nos aparentaram ser em
todos os aspectos bestas infernais com um único propósito, exterminar a raça Banshee a
qualquer custo. A impressão que se tem de que esses seres terríveis representam de fato
a maior praga que há neste mundo é somente confirmada pela sua aparência,
monstruosa e diabólica. Os guerreiros Furous, por exemplo, possuem todo seus corpos
cobertos por uma pele áspera, esbranquiçada - repleta de pêlos negros bem ralos - e

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resistente como uma rocha, além de dentes afiados e serrilhados, garras ao invés de
dedos e olhos completamente negros e mortos como os de um zumbi. Além disso,
possuem também músculos extremamente fortes, cheiro fétido e repulsivo, bem como
um crânio levemente alongado para trás. Seus rostos, ainda que se assemelhem com os
dos Banshees em tamanho, são deformados e cheio de cicatrizes, tal como de bizarros
mortos-vivos. E tal como esses seres mitológicos, também não demonstram nenhum
tipo de dor quando atacados.
Os poucos que possuem algum discernimento e inteligência são os mais
poderosos entre os Furous – os Marakis, a ordem mais alta da hierarquia Furou. Esses
cruéis comandantes, ainda mais horrendos e brutais do que os guerreiros, guiam suas
tropas diretamente das montanhas de Tyron, mesma região onde se localiza o centro de
comando da sociedade Furou e raramente são vistos nos campos de batalha. Seus
poderes são absolutamente inacreditáveis, podendo ser comparados aos de nossos mais
fortes Koguns. O restante dos Furous pode ser divididos em dois grupos. Aqueles com
alguma capacidade de luta são promovidos ao já citados guerreiros, a linha de frente do
exército Furou e o segmento mais numeroso. Além da aparência sinistra também já
mencionada, possuem uma velocidade e força incríveis, bem maiores do que a de
nossos soldados médios, além de poderosos armamentos. O outro grupo são os
escravos, ou peões, a ordem mais baixa dos Furous. São servos sem nenhum poder de
luta que acumulam as tarefas mais pesadas e denegridoras de sua sociedade. Trabalham
incansavelmente na construção de novas bases e produção de armas, equipamentos e
unidades militares para os guerreiros. Cabe a eles também a busca de alimento para o
exército Furou, assim como outras tarefas bastante desagradáveis.
Dessa forma, o interminável conflito entre Banshees e Furous prossegue e,
talvez somente agora podemos ver nosso futuro com pouco mais de esperança.
Contudo, apesar de recentemente termos conseguido importantes avanços através do
território Furou, já alcançando até mesmo a perigosa região de Gyron, algo nos diz que
essa guerra ainda está muito longe de terminar. Enquanto isso, muitos refugiados
continuam procurando abrigo não só em nossas maiores cidades ao norte, mas também
em localidades mais ao oeste e ao sul, principalmente na cidade de Mahani, capital do
domínio Banshee e centro de decisões de toda a nossa sociedade.
Tal cidade abençoada é a mais antiga de nosso domínio e fica localizada na parte
central de Asíris, na planície de Tirisfall, lugar distante do norte e ainda intacto pelas
forças do mal. Lá vivemos em constante harmonia, prosperidade e paz. Paz somente
quebrada quando novas batalhas ocorrem ao norte, fazendo assim com que mais e mais
desabrigados cheguem a cidade, famintos, doentes e cansados. Não sabemos quando
nem como tudo isso terá um fim, mas temos a certeza de que grande parte da resposta
está em tudo que ainda há de ser revelado nas entranhas dessa terra. Afinal, há muitas
perguntas a serem respondidas sobre nossa origem e a origem dessa terrível rivalidade
contra os Furous. De qualquer forma, esperamos ansiosos pelo dia em que toda a
verdade apareça, para talvez, enfim, encontrarmos a paz neste mundo. Enquanto isso,
nós Banshees, continuaremos a duelar contra nossos inimigos mortais com nosso corpo
e alma, punhos, rifles e lâminas de guerreiros, sem descansar ou render, até o fim de
nossa existência.”

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Capítulo 1 – Yin

Yin ainda dormia quando ouviu do lado de fora, alguém lhe chamando. Era
Lwan, seu melhor amigo, que mesmo ainda muito cedo, não hesitou em acorda-lhe para
contar as novidades:
- Yin, acorda! Você não sabe da novidade. Marcaram o dia do novo Torneio de
Artes Marciais! Será daqui uma semana! Os outros meninos estão dizendo que esse será
o maior já feito!
Yin espreguiçou-se e sentou-se sobre a cama. Demorou um pouco para
compreender o que estava acontecendo, mas logo entendeu o que dizia o menino:
-Isso é verdade? – Falou, coçando os olhos e com a voz ainda um pouco
sonolenta.
-É, venha, vamos lá para fora! Já está tarde. Será que você só sabe dormir? Não
lembra do que o mestre nos ensinou sobre preguiça e coisa e tal? Vamos!
Após de pé e devidamente arrumado, Yin, acompanhado de Lwan encaminhou-
se para fora do dormitório do orfanato onde ambos moravam. Era um menino bastante
reservado, ainda que sempre sorridente e educado, de doze anos de idade, cabelos
castanhos e curtos e pele branca. Seus olhos cor-de-mel, levemente puxados, contudo,
nunca tiveram a oportunidade de conhecer seus pais, os quais foram mortos em uma das
muitas batalhas contra os Furous. As primeiras lembranças que tivera de sua vida era
daquele orfanato, chamado Mao-Ter, no qual sempre passou a vida, estudou e praticou
artes marciais. Também tinha um mestre chamado Hanai, o fundador e responsável pelo
orfanato, e um grande amigo chamado Lwan, um moreninho franzino e simpático, de
cabelos lisos e ajeitados, da mesma idade que ele.
O sol já tinha raiado há algum tempo e o céu estava azul, quase sem nuvens. Por
isso, podia-se ver agora claramente no alto, além das faces expostas das duas luas de
Asíris - Calisto e Giamate -, um dos fenômenos naturais mais bonitos daquele mundo.
Se tratava das correntes multicoloridas que cortavam o céu de Asíris desde seu extremo
sul até o fim do domínio Banshee, ao norte. Esse exuberante fenômeno era causado por
uma reação química proveniente da mistura de diversos gases existentes na atmosfera de
Asíris, o que fazia surgir uma espécie de arco-íris permanente, com tons
predominantemente lilás, verde claro e amarelo. Contudo, diferente de um arco-íris
comum, as Correntes de Ashmaran, como eram chamadas - devido ao nome do cientista
Banshee que havia descoberto por completo sua composição -, não possuíam uma forma
fixa, parecendo estar sempre dançando no céu, em um efeito semelhante a ondulação do
mar em calmaria. E tal movimento era, sem dúvida, de uma beleza inarrável.
A vista de onde Yin morava, por sua vez, dava para ver muito bem toda a cidade
de Mahani. Afinal, o orfanato Mao-Ter se localizava mais precisamente ao leste da
cidade e no alto de uma colina, esta cercada por uma pequena floresta. Mahani era uma
cidade muito grande, com a maior parte de sua extensão formada por inúmeras vilas de
casas amontoadas e outras pequenas construções residenciais, separadas por ruelas
bastante estreitas. Mais para o centro ficava o comércio da cidade e o Palácio Real. Era,
por fim, uma cidade que vivia uma época de prosperidade e crescimento, apesar da
guerra que assolava o norte de Asíris.
O orfanato de Mao-Ter, por sua vez, era composto por basicamente quatro
construções principais. A maior delas era o prédio principal, no qual se localizava a
escola, a enfermaria, o refeitório e as salas da direção. Do lado oposto, havia outras duas
construções menores, o depósito do orfanato e o dormitório. Completando o lugar, por
fim, havia a grande arena de luta, de cerca de duzentos metros quadrados e construída
em cima do extenso gramado que separava o prédio principal do dormitório e do

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depósito. O gramado, por sua vez, era cortado por vários e compridos roseirais, de flores
de diversas cores.
Mao-Ter tinha como alunos, em sua maioria, meninos órfãos que, assim como
Yin, haviam perdidos seus pais durante a Grande Guerra. Esses meninos tinham como
uma de suas principais características, portanto, cultivar certo rancor por todas as
histórias que seus professores e instrutores contavam sobre os Furous e a situação ao
norte. Ficavam, assim, a todo o momento fazendo promessas de vinganças aos seus
inimigos mortais e dizendo o que fariam se enfrentasse algum deles. Na verdade, não
tinham muita noção do que estava realmente acontecendo, pois nunca haviam visto um
Furou, sendo raras as vezes que sequer saíam de Mahani. Iam, no máximo, entre um dia
e outro, ao centro comprar os produtos necessários para a manutenção do orfanato.
Aproveitavam para ver as menininhas nas ruas e brincar com os bichos soltos pelas
praças e parques da cidade, pelo caminho.
Suas rotinas, porém, eram bastante duras. Pela manhã, estudavam
conhecimentos gerais na escola de Mao-Ter e, mais a tarde, começava enfim o
treinamento, realizado na arena de luta. O treinamento era o momento mais aguardado
por todos os garotos, no qual aprendiam, entre outras coisas, técnicas de luta, meditação
e controle sobre a quantidade de Aura que possuíam. A cada ano, tanto nos estudos
quanto nos treinos, os alunos capacitados subiam um nível, e assim por diante, até
terminarem seu ciclo em Mao-Ter, por volta dos dezesseis anos. E ao final de cada ano,
era realizado um tradicional campeonato, chamado Torneio de Artes Marciais. Os
melhores desse torneio, por sua vez, eram de imediato recrutados como soldados do
Exército Real, caso desejassem. Yin mesmo, por exemplo, era um dos que mais
sonhavam conseguir tal feito.
O menino de olhos cor-de-mel e Lwan então saíram do dormitório em direção
aonde estavam os outros meninos da mesma idade que eles, já reunidos perto da entrada
do prédio principal do orfanato, a mesma da escola. Logo que se aproximaram,
repararam que já não falavam de outra coisa a não ser o Torneio de Artes Marciais,
embora nunca tivessem participado da competição. Eram muito novos mas, no entanto,
não havia nenhuma regra restringindo a idade daqueles que desejassem participar,
tampouco a obrigação do participante de ser um Kogun. A maior parte deles, porém,
dizia que não teria a menor chance contra os mais velhos, por isso preferiam não
arriscar. Mas Yin era um dos poucos que pensava diferente, talvez pelo fato de saber
possuir muitos poderes especiais desde bem pequeno. Assim, depois de ouvir parte da
conversa de seus colegas, finalmente esqueceu o sono:
- Olha, na verdade, não me importa quanto mais velho ou mais forte sejam esses
meninos, dessa vez eu vou estar no torneio.
- Você? Você é maluco, isso sim! – falou um dos garotos, fazendo o restante cair
na gargalhada. O mesmo menino então continuou:
- Se você for participar, será o único! Ninguém aqui é louco de enfrentar
meninos tão mais fortes que nós. Sabemos que vamos perder!
Lwan, apesar de companheiro inseparável de Yin, concordava com o menino.
Também não queria participar do torneio. Sabia que ainda tinha muito que aprender e
com o tempo, com certeza ficaria mais forte, apesar de não poder ser considerado ainda
um Kogun, como o seu melhor amigo. E já havia também tentado fazer Yin mudar de
idéia outras vezes, mas de nada adiantou.
Naquele instante, passava ao lado deles, um grupo de alunos do último nível,
que já estavam há algum tempo parados perto dos meninos mais novos escutando toda a
conversa. Não resistindo, um dos mais velhos resolveu então provocá-los:

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-Ainda bem que sabem que são fracos, pirralhos. – falou ironicamente o menino,
de pele sardenta, cabelos castanhos e escovados que caíam na altura de seu ombro e
olhos bem negros, os quais demonstravam ter naquele momento um certo rancor,
aparentemente gratuito:
-Não somos não. - respondeu Yin, corajosamente.
O menino então abriu os olhos arrogantemente e virou-se para os outros que
estavam com ele.
-Vocês ouviram isso? Ele realmente acha que só porque é um Kogun tem
alguma chance! – e o grupo caiu na gargalhada. – Olha só garoto, espero que desista a
tempo dessa burrice, porque vai se arrepender muito depois.
-Não é burrice.
-É sim.
-Não é burrice. Burro é você!
O menino mais velho, não acreditando na ousadia de Yin, se aproximou então
imediatamente e segurou-o firme pelo seu casaco cinza de lã:
-O que você disse?
O garoto emudeceu.
-O que você disse? – Repetiu o menino sardento. Yin continuou imóvel.
-Olha pirralho, se quer participar do torneio tudo bem. Será um prazer lhe dar a
maior surra da sua vida! Mas eu posso começar agora mesmo...
De repente, uma voz forte veio ao longe:
-Chega!
O menino largou imediatamente o casaco de Yin. A voz era de Hanai.
-O que está acontecendo? Uma confusão dessas logo cedo? Não é possível! –
falou com um tom de voz extremamente nervoso.
-Foram eles mestre, esses pirralhos que...
-Cale-se Inhi, como se eu não conhecesse você. Agora chega. Vocês têm muito
que estudar. Yin e Lwan, eu tenho uma tarefa para vocês, para aprenderem a não se
meterem em confusão.
-Mas mestre... – Tentou retrucar Lwan.
-Silêncio, já falei! Vocês não irão a escola agora. Irão à cidade comprar algumas
coisas. E não treinarão de tarde.
-Mas...
-Agora vão! E todos vocês também.
Tanto o grupo dos meninos mais velhos quanto dos mais novos então se
dispersaram. Antes de ir, Inhi ainda virou-se para Yin.
-Te espero no torneio, pirralho. – Disse, com um tom ameaçador.
A frase logo entrou como uma flecha na cabeça de Yin, que já conhecia Inhi há
algum tempo e nunca gostou muito do seu jeito irônico e prepotente. Inhi, por sua vez,
sentia certo ciúme daquele menino de olhos cor-de-mel por causa de Hanai, mestre de
ambos, o qual sempre lhe dera uma atenção especial. Para ele, esse possível confronto
no torneio era mais do que bem vindo. Afinal, sabia que era o mais forte dos alunos de
Mao-Ter e de longe, o favorito para ser campeão do Torneio de Artes Marciais. A
ameaça que havia feito a Yin, portanto, não era por acaso. Mas Yin sabia que se
treinasse duro, teria chance. Também sabia da confiança que Hanai tinha por ele e isso
já era muito. Continuou pensando. Te espero no torneio pirralho. Igualmente. – pensava
Yin, naquele momento.
Interrompendo seus pensamentos, Lwan desabafou:

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- Não acredito! Tudo por causa daquele Inhi. Ele é um chato. Fica implicando o
tempo todo com gente só porque é mais forte. E a gente não teve nenhuma culpa dessa
vez. Isso não é justo!
Seu amigo permaneceu calado. Em seguida, junto com Lwan, andou então em
direção ao portão principal do orfanato, para cumprir o que Hanai havia lhes pedido.
Atravessaram-no e logo dobraram à esquerda, descendo a colina por uma rua asfaltada e
bastante estreita.

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Capítulo 2 – Os Invasores

O sol batia agora com força no rosto dos meninos. Estava realmente muito
quente naquele dia e, a medida que as horas passavam, o calor tornava-se ainda mais
insuportável. O centro não era muito longe do orfanato mas, mesmo assim, era
necessário um tempo razoável para se chegar lá, caso se estivesse a pé. Os meninos
então, logo após descerem à colina, chegaram enfim às ruas brancas de Mahani. E assim
que andaram mais e mais, logo notaram que a paisagem antes formada por pequenas
casas logo se transformava em prédios cada vez mais altos, separados por vias agora
bem mais largas e movimentadas, as quais formavam uma grande malha que
entrelaçava a cidade por todos os lados, além de estarem repletas de veículos
flutuadores que as cruzavam de um lado para o outro em altíssima velocidade. No
centro da cidade, por sua vez, havia uma grande feira que se vendia de tudo, frutas,
roupas, utensílios e equipamentos eletrônicos e, depois de uma longa caminhada, foram
lá que os meninos finalmente chegaram. Nas ruas ao redor da feira, por sua vez, havia o
restante do comércio da cidade, com uma variedade igualmente grande de produtos.
Àquela hora da manhã, as ruas estavam abarrotadas de gente e bastante barulhentas.
Afinal, o centro era aonde tudo acontecia em Mahani. Era o núcleo político, econômico
e de lazer da cidade. Assim, um tempo depois, logo após terem comprado algumas
frutas, no caminho de volta, Yin e Lwan passaram enfim em frente ao Palácio Real.
O Palácio Real de Mahani era uma obra majestosa, colossal, sem dúvida a
construção mais linda que os meninos já haviam conhecido. Era tão grande e imponente
– com uma altura de aproximadamente cento e cinqüenta metros - que podia ser visto de
qualquer ponto de Mahani. Mas a sensação de vê-lo mais de perto era, sem dúvida,
ainda mais avassaladora. Afinal, tal estrutura representava o símbolo máximo do poder
que os Banshees possuíam sobre Asíris. Fora construído há séculos e ainda era o centro
de todas as decisões políticas do domínio Banshee. Em seu interior, trabalhavam todos
os principais membros do governo, cuja cúpula era formada por um parlamento e pelo
Rei de Mahani, Serph.
O palácio tinha toda a sua fachada feita de mármore branco – sendo o restante
feito de concreto - e à sua frente, perto de onde os meninos estavam, havia o portão
principal, feito de ouro maciço, que, assim como as grades que cercavam todo o palácio,
reluzia de uma forma extraordinária àquela hora. Além do portão, havia um caminho
feito de pequenas pedras brancas, que se estendia até a uma escadaria também de
mármore que, por sua vez, terminava na entrada principal do palácio. Cortando o
caminho de pedras brancas na sua metade, contudo, havia um grande e belo chafariz e, a
sua volta, um extenso e esplendoroso gramado, cercado por um jardim repleto de rosas
amarelas, o qual se estendia também desde o portão até as escadas de mármore.
As ruelas ao redor do palácio, por sua vez, eram protegidas por um grande
número de soldados do Exército Real e, a frente da construção, esse número era ainda
maior. Afinal, só possuía autorização para entrar e sair do local soldados ou membros
do governo, além da Família Real, sendo esses últimos raramente vistos. Os próprios
meninos nunca os haviam visto pessoalmente, somente em telas de transmissão
espalhadas por Mahani, nas ocasiões em que o Rei Serph dirigia algumas palavras ao
seu povo.
-Yin, escuta, você nunca teve vontade de conhecer o Palácio Real? – perguntou
finalmente Lwan, após notar aquela construção majestosa passando bem perto deles.
Yin então virou-se e pôde também vê-lo melhor. E, sem tirar os olhos do
palácio, após alguns instantes, respondeu enfim à pergunta de seu amigo:
-Tenho, muita. Ele é realmente bonito. Por quê?

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-Nada. Só uma idéia que tive.
-Que idéia?
Lwan então parou suas passadas, logo seguido de Yin, e olhou com mais firmeza
para o palácio. Em seguida, virou-se para seu amigo:
-E se a gente resolvesse entrar aí?
-Entrar aí? Você está maluco?
-Não, é sério. Eu também sempre tive vontade de conhecer o Palácio Real. E
além do mais, nós temos tempo. O mestre disse que a gente não treinaria de tarde, então
não precisamos voltar agora.
-Mas não podemos entrar aí. E além do mais, olha quantos soldados esse lugar
tem. Não imagino o que aconteceria se fossemos pegos.
-Não vamos. É só a gente tomar cuidado.
-Lwan, você está maluco mesmo. Venha, vamos embora.
-Yin, por favor. Eu sei que a gente já se meteu em confusão hoje, mas essa é
uma que realmente vale a pena!
-Lwan, olha, eu também tenho muita vontade de conhecer o palácio mas...
-Então pronto! – seu amigo logo o interrompeu. - Você sabe que nunca teremos
chance de conhecer esse lugar, a não ser escondidos. E como a gente é novo, não vão
nos fazer mal se formos pegos.
Yin então parou, pensou e coçou a cabeça. Mesmo já estando um pouco longe
do portão principal do Palácio Real, pôde ver nitidamente os também reluzentes rifles
dos soldados que o guardavam. Decididamente não era uma boa idéia. Mas, logo em
seguida, olhou novamente o prédio por inteiro e a tentação começou a crescer dentro
dele. Algo dizia que ele deveria correr o risco, pois a recompensa seria gratificante.
-Como vamos entrar aí? Olha quantos soldados esse lugar tem.
-Eu sei como. – respondeu Lwan, sorrindo.
Alguns minutos depois, um pequeno veículo flutuador militar de carga chegava
a um dos portões laterais do palácio. Em seguida, diminuiu a velocidade e parou. Um
soldado então encaminhou-se à lateral do veículo e olhou pela janela do motorista:
-Senhor.
Então a passagem foi liberada. O veículo seguiu até chegar ao estacionamento
do palácio e, instantes depois, parou em uma das vagas livres. Em seguida, dele desceu
o motorista, que logo se encaminhou para uma das entradas menores do edifício. E, logo
após o homem se encontrar a alguns metros longe do veículo, o compartimento de carga
então se abriu. De dentro saíram Yin e Lwan.
-Conseguimos! – falou Lwan, respirando fundo e sentindo o ar voltar-lhe depois
de certo um tempo.
-E agora? – perguntou Yin – Como vamos entrar lá?
Lwan deu uma breve olhada por cima dos demais veículos estacionados e, em
seguida, abaixou-se novamente.
-Vamos, por aqui.
O estacionamento era enorme e ficava na ala oeste do Palácio Real, ainda em sua
parte externa. Mais ao sudeste, havia o jardim e o gramado que davam para a entrada
principal do edifício. No entanto, os meninos sabiam que não podiam seguir por aquele
caminho, pois era o acesso de mais movimento. Tinham que procurar outra entrada.
Felizmente, o Palácio Real era cheio delas, inclusive as menores. E nem todas elas eram
bem vigiadas.
Se escondendo pelos veículos, ambos chegaram então a uma entrada de serviço
na lateral do prédio. Assim que se aproximou, Lwan a abriu com cuidado, o suficiente
para permitir que ele e seu amigo entrassem. Em seguida, percorreram um longo

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corredor e chegaram a um quarto. Era um lugar escuro e, por isso, a visão dos meninos
demorou um pouco para se acostumar. Afinal, iluminando o local, havia somente
algumas luzes vermelhas no teto. Provavelmente, aquele quarto fazia parte do sistema
de força do edifício, pois só o que havia nele eram cabos e painéis eletrônicos presos na
parede. Enquanto passavam pelo quarto, porém, subitamente escutaram alguém abrindo
a porta pela qual tinham acabado de passar. Aproveitando a escuridão, Yin e Lwan
então se esconderam embaixo de uma mesa de aço, no canto da sala e não demoraram a
começar a suar frio. Um sujeito então parou bem diante da mesa e pegou algumas
ferramentas. Em seguida, se afastou um pouco e começou a consertar alguns fios na
parede, com a ajuda de uma lanterna. Logo depois saiu. Aliviados, os meninos enfim
saíram do esconderijo e se dirigiram a um corredor oposto àquele por onde haviam
passado. E, para a surpresa de ambos, chegaram a outro quarto semelhante ao anterior.
Em seguida, passaram por outro corredor e um outro quarto igual. E assim foi por mais
alguns quartos, todos idênticos. Ao final do último, porém, havia somente a parede.
-Não acredito! – reclamou Lwan. – Esse lugar não tem saída!
-O que a gente faz agora?
-Temos que voltar, não tem jeito.
Mas logo depois de Lwan dar seu palpite, os meninos escutaram outros passos
vindo em sua direção. Os meninos então logo procuraram algum outro esconderijo, mas,
dessa vez, não encontraram. Ficaram desesperados, olharam para todos os cantos e
nada, a medida que os passos se aproximavam depressa. O som de botas pisando com
força o chão parecia cada vez ameaçador. Foi então que Yin olhou para cima e viu um
pequeno buraco redondo, no teto. Estava selado por uma grade de metal, mas era a
única saída que encontrara. Os meninos então puxaram um caixote que estava no canto
do quarto e subiram. No entanto, não demoraram muito a perceber que a distância entre
eles e o buraco ainda era muito grande. Dessa forma, Yin, fazendo certo esforço para
equilibrar-se, subiu então nas mãos de Lwan e tentou puxar a grade com força, mas sem
sucesso. Notou então que a mesma estava presa por dois pinos nas extremidades.
Fazendo enorme esforço, desatarraxou por fim os pinos com as próprias mãos e retirou
a grade. Olhou para dentro do buraco e, espremendo os olhos, conseguiu ver uma
pequena escada seguindo na vertical, lá dentro. Tomou impulso e então saltou,
segurando-se em uma das hastes da escada. Em seguida, Lwan também saltou, sendo
segurado pelo braço por Yin. Com ele e seu amigo já dentro do buraco, portanto, Yin
recolocou então a grade na sua posição original e começou a subir, acompanhado de
Lwan, mesmo sem ter idéia de onde aquele pequeno túnel iria terminar. Neste instante,
os dois soldados finalmente chegaram ao quarto:
-Isso não estava aí quando passamos. – disse um deles, referindo-se ao caixote
movido pelos meninos.
-É realmente estranho. – respondeu o outro, apontando a lanterna para dentro do
buraco, onde não viu nada.
-Deve ser o pessoal da manutenção. Eles mexem nas coisas e não colocam no
lugar. É sempre assim. Vamos. – o soldado então colocou o caixote no lugar e se foi,
acompanhado do outro.
Dentro do buraco, a sensação dos meninos é que a passagem era menor do que
parecia. E quase não se enxergava nada. Já haviam subido muitos metros e o que havia
agora era somente um breu quase total. Antes que começassem a se arrependerem de
sua ousadia, enxergaram enfim um pequeno ponto de luz bem ao longe. Apressaram
então a subida e logo puderam ter um pouco de descanso. O ponto de luz era uma saída
de ar para o lado de fora do edifício. Olharam por entre o buraco e puderam ver a altura
em que já se encontravam. Nunca haviam visto a cidade de Mahani tão pequena daquele

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jeito. No entanto, não podiam perder tempo apreciando a paisagem. Tinham que se
apressar.
A única direção a seguir agora era por um outro túnel, desta vez na horizontal.
Acima o duto continuava, mas sem escada alguma. Seguiram então pelo túnel abaixados
e, mais alguns segundos de escuridão depois, puderam enxergaram outro ponto de luz
mais a frente. Logo concluíram que se tratava de outra saída de ar, dessa vez para a
parte interna do palácio. Olhando pelo pequeno buraco, puderam ver um corredor largo
e bem iluminado. Contudo, no mesmo instante, viram alguns soldados passando e
decidiram esperar. Quando o local pareceu se esvaziar, os meninos então saltaram em
direção ao corredor, cujo piso era feito de tábuas de madeira corrida e parecia maior e
mais bonito do que visto pelo pequeno buraco. Presos nas paredes, de cor amarelo claro,
haviam alguns quadros e esculturas feitas de mármore, todas praticamente bustos de
pessoas desconhecidas para os meninos. Ao longo do corredor, também haviam
algumas pilastras circulares também de mármore, as quais se estendiam desde chão até
o teto. E, ao lado de cada pilastra, havia um grande vaso de planta. E mais uma vez, sem
tempo para apreciar o lugar, foi atrás de um desses vasos que os meninos se esconderam
antes de seguir em frente.
Logo em seguida, mais alguns soldados por ali passaram, também sem notarem
a presença de Yin e Lwan. Logo que se foram, os meninos então finalmente
prosseguiram. Por um tempo, esqueceram que eram intrusos ali e apreciaram
encantados a beleza do lugar. Ao final do corredor de paredes amareladas, haviam
outros dois corredores idênticos, um para direita e outro para esquerda. Escolheram o da
direita. Ao seu final, porém, não havia nada, apenas uma pequena porta de aço com um
pequeno painel eletrônico ao seu lado. Resolveram então voltar, seguindo pela
passagem da esquerda. Dessa vez, ao final, havia uma imensa porta de madeira,
protegida por dois soldados. Antes que pudessem vê-los, os meninos então se
esconderam novamente, dessa vez atrás de uma das pilastras de mármore.
-Atrás dessa porta deve haver algo importante! Olha o tamanho dela! –
exclamou baixinho Lwan.
-O que vamos fazer? – Perguntou Yin.
-Não sei, só não podemos voltar.
-Mas não podemos ir por ali.
-Já sei! – Lwan teve uma idéia. Tirou então do bolso um pequeno saco marrom
feito de couro e amarrado por um barbante. Em seguida, arrastou-se pela parede e
voltou até o corredor principal, das pinturas e dos bustos. Então inclinou-se para ver se
vinha alguém. Agora certo de que a barra estava limpa, virou então seu braço e
arremessou com força o pequeno saco no chão do corredor. O impacto causou um
barulho enorme, semelhante a um estalo e, de repente, uma fumaça branca começou a
sair de dentro do objeto arremessado por Lwan. O menino voltou então depressa para
onde estava Yin e se escondeu novamente. Os soldados que protegiam a grande porta de
madeira logo correram para ver o que havia acontecido. Aproveitando que haviam
deixado agora a entrada desprotegida, Yin e Lwan seguiram em frente, exatamente
através dela. E, logo que passaram, fecharam-na com cuidado.
Chegaram então, dessa vez, a um saguão coberto, que mais parecia uma arena de
luta. Reparando melhor, os meninos finalmente constataram que o local era uma arena
de luta de fato e ficaram, ao mesmo tempo, surpresos e maravilhados. Afinal, apesar da
arena da escola de onde moravam ser bem maior que aquela, essa última era muito mais
bonita. Assim, depois de correrem os olhos por cada detalhe do salão, observaram, por
fim, os ramos de rosa gravados nos azulejos cor de cobre que compunham o chão
daquela arena, formando um belo mosaico. Em seguida, resolveram então seguir mais

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uma vez em frente, mas sem se arriscarem a passar pelo meio da arena, pois assim
ficariam muitos expostos. Contornaram-na lentamente até chegarem do outro lado, em
um outro corredor. Ao final do corredor, por sua vez, havia mais uma porta de madeira,
idêntica a outra, dessa vez sem ninguém tomando conta. Corajosamente, os meninos
resolveram então empurrá-la lentamente e, para a surpresa de ambos, estava também
destrancada.
Deram então de frente com uma pequena sala, que, felizmente, estava vazia. Ao
seu centro, havia uma mesa de madeira com um computador e, junto as paredes,
diversas estantes de madeira e mais algumas pinturas, dando a entender que o local era
algum tipo de escritório. Ao fundo, havia uma janela imensa que dava para a parte
externa do palácio, porém, para a direção norte, a oposta ao do portão de entrada feito
de ouro. Aproximaram-se então dela, pisoteando o carpete avermelhado no chão,
também de madeira, e o que viram foi absolutamente fantástico. Lá embaixo, havia mais
um imenso gramado, repleto de soldados enfileirados, fardados de branco e marchando
com seus rifles empunhados. A frente da tropa, havia um sujeito com uma espada
levantada, desta vez com uma vestimenta parda, parecendo dar algum tipo de ordem. Os
meninos nunca tinham visto tantos soldados reunidos e os olhos de Yin logo brilharam,
ao mesmo tempo em que seu sonho de fazer parte do Exército Real ficava mais
inabalável do que nunca. Dirigiu então o olhar novamente para o homem na frente da
tropa e arriscou um palpite:
-Acho que aquele é o general.
Mas antes que pudessem dizer mais alguma coisa, uma voz cortou
completamente a excitação geral:
-Não é.
Os meninos instintivamente congelaram de medo. A voz que viera atrás deles
era grossa e apavorante. Haviam sido descobertos. Assim que viraram-se lentamente
para poder ver quem falava, notaram então um sujeito alto, de cerca de 1,90m de altura
e forte, vestindo uma farda verde escuro, com um ramo de rosa prata costurado do lado
esquerdo do peito. O homem também usava uma capa, da mesma cor da farda, e botas
de couro pretas, além de uma enorme espada em sua cintura. A claridade que vinha da
janela permitiu os meninos verem também melhor suas feições, de cor bem morena,
semelhante a de Lwan e cabelos ralos e negros, da mesma cor de seus olhos.
-Ele não é o general. O general sou eu. Ele é apenas um capitão, por isso está
fardado de pardo.
Os meninos ficaram estarrecidos. Ficaram alguns segundos olhando mudos para
o sujeito, imaginando o que poderia acontecer com eles a seguir. Percebendo o medo no
olhar dos meninos, o homem resolveu então se apresentar:
-Meu nome é Irwind, general de Mahani. E vocês, pequenos invasores, quem
são?
Os meninos ainda permaneceram mudos por mais alguns segundos. Estavam
com os olhos arregalados e tremendo, apavorados o suficiente para não conseguirem
mexer qualquer músculo naquele momento.
-Vocês não vão falar?
Nesse momento, um capitão entrou pela sala, gritando.
-Senhor, algo aconteceu, essa área pode ter sido invadida e... – Logo parou de
falar – Meu Deus, quem são esses meninos?
-São os invasores – respondeu Irwind.
-Ora, mas são apenas meninos? Mais que arrogância! Como puderam ter tanta
ousadia?
E o homem de pardo se encaminhou em direção aos meninos para prendê-los.

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-Espere.
-Senhor?
-Você não irá prendê-los, pelo menos não até eu ordenar.
-Mas senhor, eles violaram as leis, devem ser punidos.
-Capitão, já dei minha ordem. Pior do que a atitude desses meninos foi a
incompetência de seus soldados em deixá-los entrar aqui.
-Mas senhor...
-Já disse. Agora espere lá fora.
-Sim senhor. – E o capitão se foi.
Voltando o olhar para os meninos, Irwind tentou retomar a conversa:
-Como é? Não vão falar? Estou esperando.
Depois de algum tempo, Yin finalmente resolveu quebrar o silêncio:
-Senhor, peço que nos desculpe. Só entramos aqui por curiosidade, nada mais.
Sei que o que fizemos é errado e queremos que não nos faça mal.
-Como é seu nome menino?
-Yin
-E o seu?
-Lwan.
Bom, meninos, o que fizeram é realmente inaceitável. Poucas pessoas estão
autorizadas a entrar nesse lugar, muito menos crianças. Por muito menos eu puniria
meus soldados severamente. Mas como vocês conseguiram chegar até aqui, eu vou lhes
dar um desconto.
-O senhor não vai nos fazer mal?
-Não, não vou. Mas espero que tenham entendido para que nunca mais entrem
no Palácio Real. Não serei tolerante novamente, entendido?
Os meninos balançaram a cabeça positivamente.
-Que bom. Mas me digam uma coisa, como conseguiram chegar até aqui?
Lwan então resolveu falar:
-Ah, não foi tão difícil, nós somos espertos.
-Sei.
Irwind realmente havia percebido o quanto Yin e Lwan eram espertos. Afinal,
conseguiram passar despercebidos, até com certa facilidade, pela segurança do lugar
mais bem protegido da cidade de Mahani. Mas havia algo além que chamava a atenção
de Irwind. Afinal, podia sentir que aquele menino de olhos cor-de-mel diante dele,
chamado Yin, possuía uma quantidade enorme de Aura dentro de seu corpo, se
comparado a outros meninos de sua idade. E Irwind tinha o dom, acima de todos os
outros, de perceber rapidamente a presença dessa energia, assim como sua
concentração. Logo imaginou, portanto, que aquele garoto pudesse ser um Kogun, e um
dos mais fortes, apesar da sua idade. Intrigado, resolveu então fazer mais algumas
perguntas:
- Em que lugar de Mahani vocês moram?
- Nós moramos num orfanato, um pouco longe daqui.
- E quem é o responsável por lá?
- É o senhor Hanai.
Irwind não se conteve e deixou escapar um leve sorriso. Hanai, você é realmente
esperto – pensava ele. Irwind conhecia Hanai há muito tempo, desde a época em que
serviram juntos no Exército Real e sempre o havia considerado o guerreiro mais
poderoso de toda Asíris. E uma pessoa muito sábia também. Naquele momento, notou
que seu grande amigo já havia percebido a força fora do normal de Yin e, talvez por
isso, o havia escolhido como um de seus alunos. E isso era realmente verdade, ainda

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que houvesse outros detalhes mais significativos. Afinal, Hanai estava presente na
batalha em que os pais de Yin foram assassinados e o salvou da morte diante de
centenas de Furous. A batalha fora perdida, mas a vida de Yin não. Logo notando o
quanto aquela criança em seus braços era especial e sentindo também de imediato o
grande poder daquele pequeno e frágil Kogun, resolveu então criar o menino tal como
um filho. Não muito depois, deixou definitivamente o exército para se dedicar apenas a
cuidar de meninos órfãos, iguais a Yin. Irwind, porém, continuou seguir carreira no
exército e chegou ao posto de general com quarenta e dois anos de idade, três a mais do
que Hanai. Percebendo o longo silêncio de Irwind, Yin finalmente perguntou:
-O senhor o conhece?
O general caminhou então em direção a grande janela do seu escritório. Toda a
tropa já se dispersava no imenso gramado. Depois de um tempo respondeu:
-Hanai é o Kogun mais poderoso que já conheci. Vocês têm sorte de tê-lo como
mestre.
Logo depois de terminar a frase, o capitão que aguardava do lado de fora bateu
na porta.
-Senhor?
-Já estamos saindo – Respondeu Irwind.
Os três então saíram da sala.
-Pode deixar capitão, eu mesmo levo esses dois para fora. Não se preocupe.

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Capítulo 3 – De Volta ao Orfanato de Mao-Ter

Irwind começou então a encaminhar Yin e Lwan finalmente para fora do Palácio
Real. No caminho de volta, passou novamente pela arena que se encontrava no caminho
para seu escritório. Neste momento, Yin não se conteve:
- É uma arena muito bonita, senhor.
- É o meu local de treinamento.
- Nós também temos uma arena. Lá onde moramos. Não é tão bonita quanto
essa, mas é bem grande.
Foi então a vez de Lwan falar:
- É, mas dentro de alguns dias vai estar tão bonita quanto essa, por causa do
Torneio de Artes Marciais.
- Torneio? – Irwind se mostrou curioso.
- É, o senhor não sabe? Em uma semana acontecerá um torneio em nosso
orfanato e os melhores serão escolhidos para fazerem parte do Exército Real. Pena que
não vamos participar, porque somos muito novos.
Irwind então se deu conta do que os meninos falavam. Lembrou do acordo que
ele pessoalmente tivera feito com os responsáveis pela maior parte das escolas e
orfanatos que ensinavam artes marciais em Asíris, acordo no qual estava previsto que os
jovens que mais se destacassem nesses lugares seriam treinados pelo governo. Em troca,
o próprio governo forneceria verbas para sustentar tais escolas e orfanatos. Era uma
medida que, acima de tudo, visava tirar jovens necessitados e de baixa condição social,
como Yin e Lwan, da ociosidade e, principalmente, da criminalidade, cujos índices
haviam recentemente aumentado muito em toda Asíris, principalmente nas cidades mais
ao norte, as mais pobres de todo domínio Banshee. Contudo, mesmo com essa medida,
muitos dos meninos do orfanato de Mao-Ter, após terem cumprido seu ciclo aos
dezesseis anos, não conseguiam um bom emprego e terminavam por se meter em
atividades ilegais e perigosas pelo mundo.
-Eu vou participar. – rebateu Yin – Não importa se eu sou novo. Eu quero
participar.
Saindo da arena pela entrada principal, os três então seguiram em frente e
chegaram a porta de aço com um painel ao seu lado, a qual Yin e Lwan já haviam visto
antes. Irwind então tomou a frente e apertou uma seqüência de botões no pequeno
painel, fazendo a porta se abrir. Os meninos então notaram que se tratava de um
elevador, com uma curiosa forma de cápsula. Depois que entraram, o general então
apertou o botão para o primeiro andar. Em seguida, falou:
-Você está certo em participar Yin. Só se lembre de uma coisa. Acredite na sua
Aura e tudo é possível.
-É só acreditar na Aura?
-Isso. Confesso que não tive dificuldades em perceber que você é um Kogun. E
um Kogun com um grande potencial. Por isso, o que deve fazer é só acreditar em si
mesmo.
O elevador descia e se aproximava do seu destino final. Quando alcançou enfim
o saguão principal do Palácio Real, o tubo por onde passava se tornou transparente,
fornecendo-lhes uma visão panorâmica e privilegiada daquele nível. Os meninos mais
uma vez ficaram encantados com a beleza e magnificência do lugar.
-Esse lugar é realmente bonito – Falou Lwan.
-Ainda há muitas coisas belas nesse palácio. Um dia mostrarei tudo para vocês.
-Você promete?
-Prometo.

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-Escutou Yin? Um dia voltaremos aqui e não precisaremos nos esconder! Mas
não sei, parece que tem ainda alguma coisa faltando...
-O que?
-Pena que não conhecemos o rei.
-Vocês deram sorte. Vou cuidar de tudo para que o rei não saiba que seu palácio
foi invadido por dois garotos abusados.
Lwan então calou-se e o elevador chegou enfim ao térreo. Yin, Lwan e Irwind se
encaminharam então para a entrada principal do saguão, cruzando lentamente toda sua
extensão. Antes que chegassem ao final, porém, observaram as esculturas feitas de
mármore dos antigos reis de Mahani, grandes e belíssimas, as quais formavam duas
fileiras que seguiam paralelamente até a entrada principal. Pelas feições amigáveis das
estátuas, Yin e Lwan imaginou que estivessem dando alguma benção para eles, talvez
até os perdoando – assim como Irwind - pela ousadia de terem invadido descaradamente
seu palácio. Chegaram, enfim, ao lado de fora e sentiram o sol voltar a bater em seus
rostos. Em seguida, desceram a escadaria de mármore, passaram por todo o caminho
feito de pedras brancas, pelo enorme chafariz e até alcançarem finalmente o portão
principal dourado. Irwind então lhes falou uma última palavra:
-Garotos, esperam que tenham entendido. Nunca mais entrem aqui, pelo menos
não sem minha autorização, entendidos?
-Entendidos.
-E digam para Hanai que em breve lhe farei uma visita. Irei à escola de vocês no
dia do torneio. Eu prometo. E espero ver você participando Yin.
-Sério? Será uma honra, senhor. Farei o meu melhor, pode ter certeza.
-Muito bem. Agora vão.
Já fazia tempo que Irwind não via Hanai, pois seu cargo o consumia bastante
tempo. Diante daquela situação, entendeu-a como um chamado para reencontrar um
velho amigo. Mas, naquele momento, não podia pensar nisso. Tinha que voltar a sua
obrigação. Durante o caminho de volta, encontrou Asteron, um dos capitães do Exército
Real em Mahani e um dos que lhe aspirava maior confiança. O capitão, de altura
semelhante a de Irwind e de longos cabelos aloirados e presos, porém, já estava aflito
por não achar seu superior em lugar algum.
-Senhor, onde estava? Lhe procurei por toda parte.
-Fale Asteron.
-É sobre Gyron.
-Alguma novidade?
-Notícias terríveis senhor.
-Venha, vamos até a minha sala. Chame os outros capitães.
Já era de tarde quando os meninos chegaram de volta ao orfanato. Todos os
outros já treinavam na arena. Hanai, notando a volta dos meninos, desabafou:
-Como demoraram! O que andaram fazendo? Por acaso cumpriram o que eu
mandei?
Os meninos entregaram então o saco com frutas.
-Muito bem. Mas me digam, porque demoraram tanto?
-Senhor, antes de contarmos tudo, queremos lhe dar um recado do senhor
Irwind.
-Irwind? – Hanai exclamou, sem entender nada.
-É, ele disse que em breve fará uma visita ao senhor. Ele virá aqui no dia do
Torneio de Artes Marciais.
-Isso é verdade?
-É. Ele pediu pessoalmente para que falássemos com o senhor.

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-Entendo. Mas como diabos vocês conheceram Irwind? – Não me digam que...
Era decididamente uma longa história.
De volta ao Palácio Real, uma reunião estava sendo realizada naquele exato
momento no escritório de Irwind. Nela, estavam todos os membros mais importantes do
Exército Real presentes em Mahani:
-Não é possível! – O grito pode ser escutado de muito longe. – Como isso foi
acontecer? Estávamos avançando rapidamente!
-Também não sabemos senhor, o fato é que todos nossos esforços em direção as
montanhas de Tyron foram em vão. Como disse, todas as nossas tropas que já
ocupavam parte do território Furou, na região de Gyron, foram completamente
aniquiladas. – Falou um dos capitães, jogando em cima da mesa do general várias
imagens que representavam a mais recente varredura daquela parte do território Furou,
feita pelos radares Banshees ao norte.
-Aniquiladas como?
-Também não sabemos senhor. Algo de muito estranho aconteceu naquela
região. Como você pode ver, comparando essas duas imagens...- O capitão então
mostrou uma das imagens a Irwind, a qual havia sido gerada pouco antes da súbita
derrota das tropas Banshees. Em seguida, mostrou a mais atual, já sem os pontos azuis
simbolizando as unidades amigas. A diferença de tempo entre a geração dessas duas
imagens era absurdamente curta, cerca de uma hora somente. Então concluiu. – ...parece
que tudo aconteceu muito rápido.
Interrompendo, um dos capitães presentes falou:
-Foram os Furous senhor. Segundo as últimas transmissões que recebemos de
lá, fomos informados que eles se tornaram inexplicavelmente mais poderosos e
resistentes.
-Mas como isso é possível?
-Não sabemos senhor.
-Pelos Deuses! – Irwind então parou um pouco, respirou e voltou o olhar a
Asteron, que estava ao seu lado. - Há, Por acaso, alguma chance de retomarmos o que
havíamos conseguido em Gyron?
-Não creio senhor. Afinal, segundo nossas últimas leituras, ainda mais recentes
do que estas, algumas tropas Furous passaram também a se organizar de tal forma que
parecem estar com a intenção de avançar em direção a cidade de Marahana, em
Kayabashi e, consequentemente, para a nossa base aérea, agora sem nenhum obstáculo
poderoso a sua frente. E Infelizmente, como todos sabem, a atmosfera pesada que cerca
o domínio Furou impede que nossos radares, até mesmo os mais fortes, realizem uma
análise mais apurada e detalhada do território do inimigo, bem como todas as suas ações
por lá. Por isso, essas informações são as únicas que temos.
A Base Aérea de Marahana, nosso Diamante Negro. Devemos agora concentrar
nossos esforços para protegê-la. – Foi a primeira atitude a ser pensada por Irwind. Em
seguida, concluiu:
- Convoquem todos os outros do conselho. Vamos nos reunir com o rei e com o
parlamento para explicarmos nossa situação. Temos que tomar alguma atitude.
- Sim senhor.
Mais poderosos e resistentes? Como pode ser? Como tudo isso foi acontecer? –
Se perguntava Irwind. A única coisa que sabia é que, de uma hora para outra, passou a
ter um mau pressentimento sobre o futuro.

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Capítulo 4 – A Decisão de Yin

Depois dos meninos explicarem tudo para Hanai, o mestre de Yin e Lwan
parecia não acreditar no que tinha acabado de ouvir. Porém, resolveu não punir os
garotos, já que Irwind não o havia feito. Entendeu que sua decisão tinha sido justa. No
entanto, não podia deixar de mostrar sua autoridade:
-Meninos, o que vocês fizeram foi muito errado! Vocês deram sorte de encontrar
Irwind, que teve piedade de vocês. Podiam ter saído machucados ou.... – Parou um
pouco e continuou – Muito bem. Acho que aprenderam a lição. O castigo de vocês será
mantido, não treinarão hoje e agora ainda ajudarão a limpar a escola até a noite, por
causa desse último feito.
Os meninos abaixaram a cabeça, descontentes.
-Agora vão. – Falou Hanai.
Yin e Lwan foram então em direção ao depósito, ao lado da arena, para pegarem
o material de limpeza. Lwan então falou:
-O mestre até que foi legal com a gente. O chato vai ser ficar limpando a escola
até de noite.
Yin não estava se importando muito com aquilo. A única coisa que não saía de
sua cabeça era todas as belezas que havia visto no Palácio Real. Contudo, uma visão em
específico chamou-lhe mais atenção do que tudo. Todos aqueles homens, fardados de
brancos, empunhando seus rifles. Quantas aventuras aqueles soldados iriam viver ou
que já haviam vivido em sua carreira? Lembrou de Irwind falando que servira junto com
Hanai alguns anos atrás. Quantas batalhas os dois já haviam lutado juntos? Quantos
lugares fantásticos já haviam conhecido? Asíris era muito grande e tudo que Yin
conhecia era somente aquele orfanato e parte de Mahani. Por isso, há algum tempo já
sentia-se preso, angustiado. Sabia que dentro de alguns anos teria enfim sua liberdade,
mas algo dentro dele dizia que não podia esperar mais. Por isso decidira participar do
torneio. E agora que Irwind, ninguém menos do que o general de Mahani, havia lhe
confessado sua presença, tinha que se esforçar ao máximo, mesmo sabendo que era
muito novo para fazer parte do Exército Real. Mas tinha de tentar, chamar-lhe a atenção
de alguma forma. Afinal, o mundo o chamava lá fora, e ele não podia negar tal
chamado. Outra razão para sua decisão era, conforme dito, o fato de saber que era
consideravelmente diferente dos outros meninos. Durante o treinamento, não perdia
uma luta sequer contra um outro Kogun da sua idade, qualquer que fosse, sempre se
demonstrando mais rápido, forte e inteligente e, por isso, achava que tinha chance
também contra os meninos mais velhos. Os outros alunos também nunca entenderam o
porquê dessa diferença de Aura e, por isso, tinham certa inveja de seus poderes.
Lembrou do que Irwind havia dito: Acredite em sua Aura e tudo é possível – Pensava.
Hanai já havia lhe dito a mesma frase inúmeras vezes. Lembrou também de outro desejo
de Irwind. Espero ver você participando Yin. Será um prazer. – pensou, abrindo um
leve sorriso, enquanto já esfregava com força um pano úmido no chão de um dos
corredores da escola do orfanato, dentro do prédio principal.
A tarde passara rápido e a noite começava a dar as caras em Mahani. O Palácio
Real já estava todo iluminado, realçando mais ainda seu brilho alvo no véu agora negro
do céu. Em umas das partes mais altas do edifício, uma reunião importante estava
prestes a começar. O Salão Dourado, que levava este nome exatamente pela cor
predominante em seu interior, era o local onde aconteciam as reuniões do governo,
sendo talvez, o maior e mais belo de todo palácio. Irwind, Asteron e os outros capitães
aguardavam pacientemente a chegada do Rei Serph para divulgar o que havia ocorrido
em Gyron e lhe comunicar um novo plano estratégico. Pontualmente, o rei, junto com

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sua família e os membros mais altos do parlamento, adentraram então pela grande porta
de madeira de lei a frente do salão. Em seguida, percorreram todo ele e dirigiram-se a
bancada localizada na parte superior daquele recinto, que se assemelhava a um grande
auditório. O rei então sentou-se ao meio, junto com os outros membros do parlamento,
enquanto a Rainha Arisha e seu filho, o príncipe Serphin se acomodaram mais ao canto.
O rei Serph era bastante conservado para os seus cinqüenta anos e oito de idade, e tal
joveidade se refletia em seu cabelo e barba, com ainda pouquíssimos fios brancos. A
rainha, por sua vez, era de fato nova, vinte anos mais nova que seu marido. Era uma
mulher belíssima, de cabelos loiros e olhos azuis. Serphin era muito parecido com a
mãe e tinha nove anos de idade.
Logo após todos se acomodarem e o silêncio imperar no salão, Serph começou o
discurso, dispensando o auxílio do microfone em cima da bancada, com o tom de voz
firme como de costume:
-Senhores, está começando nesse momento a reunião a qual fui convocado às
pressas pelos membros do conselho militar de Mahani. General Irwind, devo lhe
confessar que tal urgência não me deixa com bons pressentimentos. Na última vez que
nos reunimos, recebi boas notícias suas, espero que elas se repitam.
Irwind então se levantou:
-Majestade, lamento informar que dessa vez não lhe trarei boas notícias.
-O que há?
-Fui informado que nossos avanços em direção as montanhas de Tyron foram
em vão. Nossas tropas, que já estavam presentes em território inimigo há um bom
tempo, foram inexplicavelmente aniquiladas pelas forças Furous, quando estávamos em
vantagem.
-Aniquiladas?
-Exatamente Majestade.
-Não compreendo o que me diz general. Da última vez o senhor me disse que
estávamos progredindo, e que em poucos meses chegaríamos ao extremo norte do
domínio inimigo. Era a campanha mais bem-sucedida de nossa história, segundo suas
próprias palavras.
-Me recordo de ter dito isso Majestade, mas agora a situação infelizmente se
inverteu. Com essa perda, a Base Aérea de Marahana, em Kayabashi, a mais próxima da
fronteira entre nosso domínio e o domínio dos Furous se encontra desprotegida.
-Nossa primeira e mais poderosa proteção contra os Furous.
-Exatamente. E, além disso, também fui informado que um certo contingente
Furou está começando a se articular com o objetivo de se deslocar para lá, talvez muito
em breve. E numa proporção bem maior do que estamos acostumados a enfrentar.
-Mas ainda não sei se consigo compreender. O senhor me disse que a causa da
derrota ainda é desconhecida. O senhor não faz nenhuma idéia?
-Não Majestade. Infelizmente não houve nenhum sobrevivente sequer. Nenhuma
unidade que tenha retornado, nem terrestre, nem aérea. As comunicações por rádio
também foram interrompidas pouco antes dessa misteriosa derrota e parece que tudo
ocorreu muito rápido. Só o que temos são algumas gravações, nas quais um capitão,
pouco antes de ser morto na batalha, afirma que os Furous haviam se tornado
inexplicavelmente mais fortes e difíceis de abater.
-Aqueles demônios...Há alguma explicação para isso?
-Se há, não tenho conhecimento Majestade. Mas logo pretendo descobrir.
-O que pretende fazer a respeito então general?
-A princípio, enviarei tropas de Shandara em direção a cidade de Marahana, por
precaução, caso haja realmente um ataque maciço dos Furous por lá. Mas também tenho

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outro plano. Pretendo eu mesmo me dirigir a Kayabashi para poder organizar melhor
esta possível resistência. Receio que este suposto ataque possa ser sim um dos maiores
que já lançados contra nós e, querendo ou não, nossos homens não estão
suficientemente preparados para uma ameaça neste grau. Como o senhor sabe, as
investidas Furous ocorrem sempre pontualmente e não em larga escala.
-Mas o senhor não pode correr riscos e não deve deixar seu posto em Mahani.
-Desculpe Majestade mas se me permite dizer, estou com um mau
pressentimento sobre tudo isso. Nunca uma tropa nossa havia sido tão facilmente
derrotada. Seja o que for que estiver acontecendo parece muito grave, e diz respeito a
toda soberania Banshee sobre Asíris.
-Está certo do que diz general?
-Sim Majestade.
-Então continue me contando sobre os seus planos.
-Após tal solicitação de deslocamento de tropas, conforme disse, partirei dentro
de uma semana em uma missão especial, rumo a Base Aérea de Marahana. De lá,
articularei melhor nossas tropas para termos uma resistência sólida contra este possível
ataque inimigo e, em seguida, tentarmos retomar o que havíamos conseguido, a todo
custo.
-Essa é sua última palavra general?
-Sim, é.
-Então, o que nós do governo podemos lhe dar é boa sorte em sua missão. Que
os Deuses de Asíris estejam com você nessa difícil jornada. Confiamos em sua intuição,
general Irwind, e que suas tropas consigam a vitória, e nada além da vitória.
-Obrigado Majestade.
A reunião então se encerrou. Irwind foi o último a sair do salão, acompanhado
de Asteron. Enquanto se dirigiam ao elevador, o general falou:
-Asteron, quando eu partir, quero que você assuma meu posto de comandante
aqui em Mahani.
-Tem certeza senhor?
-Sim. Você é meu suplente imediato em ocasiões como esta e o mais capacitado
para essa tarefa. Essa cidade precisará muito de você enquanto eu estiver longe.
-Obrigado pela confiança senhor.
Após a chegada do elevador, os dois se separaram. Irwind apertou o botão do
elevador, que rapidamente começou a descer, chegando ao andar de seu escritório. Em
seguida, adentrou em seus aposentos, que ficava bem ao lado. Tirou então a pesada
farda verde que vestia, sua capa e sua bota. Tomou um banho, vestiu uma camiseta
confortável e uma calça de algodão. Logo em seguida, retornou pelo caminho que havia
percorrido, chegando à arena a frente de seu escritório. Acendeu algumas velas no
canto, próximo a uma espécie de altar, o qual possuía uma mandala – símbolo maior de
adoração dos Banshees aos seus Deuses – presa bem acima. Depois se dirigiu ao centro
da arena, onde sentou-se, cruzou as pernas, e começou a meditar. Refletiu sobre tudo o
que ocorrera naquele dia, desde a “visita” de Yin e Lwan, a informação que tivera sobre
a nova situação ao norte, até a reunião que acabara de acontecer. Lembrou então
novamente de Yin e da sensação que teve quando estava diante dele. Aquele menino,
aquele poder oculto - Pensou. Será que...? - Preferiu não continuar. Fechou os olhos,
procurou esvaziar a mente e logo atingiu um outro estado de consciência, esquecendo da
viagem que iria fazer. Só não imaginava o quão longa e difícil essa jornada seria.
Já era bem tarde e, no dormitório do orfanato de Mao-Ter, todos os meninos
começavam a se remexer nos colchões. Lwan também já estava deitado, na cama abaixo
de Yin, e desejou-lhe boa noite, retribuído pelo menino. O menino, contudo, preferiu

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permanecer sentado e, olhando por uma das clarabóias daquele dormitório escuro, pôde
ver o imenso céu estrelado daquela noite. Pensava agora somente no torneio e aquilo
começava a incomodar-lhe. Porém, sem demora, a quietude do céu logo interiorizou-se
dentro de si, fazendo-o logo depois, deitar-se e adormecer finalmente.

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Capítulo 5 – A Técnica Surpresa de Hanai

Quando Lwan abriu seus olhos já não viu mais seu companheiro no dormitório.
Imaginou que já era tarde, mas logo notou que todos os outros meninos ainda estavam
dormindo. Pôs-se de pé, ainda com muito sono, para saber onde raios estava Yin.
Saindo do dormitório, viu que o dia não havia sequer terminado de raiar. Os poucos
raios de sol permitiram, contudo, que pudesse ver alguém ao longe, no centro da arena
do orfanato. Espremeu os olhos e percebeu que era seu amigo que, naquele momento,
dava socos e chutes no ar. Que diabos ele está fazendo de pé essa hora? – pensou.
Passou pelo gramado em direção a arena e percebeu que todo o orfanato ainda estava
deserto. Caminhou então mais alguns passos, subiu na arena e chegou perto de seu
amigo:
-Yin, venha, vamos dormir, ainda é muito cedo.
O menino pareceu não ouvir. Alongou-se e, em seguida, recomeçou a seqüência
de socos no ar.
-Yin, vamos, por favor, depois você continua – Insistiu Lwan.
Novamente em vão. Lwan então desistiu, afinal, a teimosia de seu melhor amigo
já lhe era bastante conhecida. Bocejou, coçou a cabeça e sentou-se no chão. - Você é
maluco. – murmurou baixinho.
-Pronto, terminei – exclamou Yin, demonstrando-se exausto.
-Yin, escuta, você não acha uma besteira treinar dessa forma logo tão cedo?
-Não, não acho.
-Yin.
-Lwan, se eu pretendo ganhar esse torneio... – parou um pouco com falta de ar -
...tenho que começar a treinar o mais cedo possível. Eu só tenho uma semana.
-Eu sei, mas desse jeito, eu não sei. Porque você não fala com o mestre? Ele
pode te ajudar.
-Ele não me entenderia. Eu sei. Agora vamos, o sol já raiou e precisamos nos
arrumar para a aula.
Na saída da aula, à tarde, como não podia ser diferente, Yin estava
completamente acabado. Havia cochilado diversas vezes durante a aula, o que havia lhe
rendido broncas severas de seu professor. Mas não podia pensar em descanso, já que
havia ainda tinha o treino da tarde. Na hora do almoço, no refeitório da escola, sentou-se
ao lado de Lwan:
-Lwan, vou precisar de sua ajuda esses dias.
-Minha ajuda? Para que?
-Quero que me ajude no treinamento. Você tem razão, sozinho vai ser muito
mais difícil.
-Yin, não sei, não estou tão disposto quanto você. Lembre-se que você é que irá
participar do torneio, não eu. E que o Kogun da história também é você.
-Lwan, por favor. Só essa semana.
-Yin, não sei.
-Lwan.
-Tá bom, eu ajudo.
-Obrigado! Você é o melhor amigo do mundo.
-Mas me diga, você quer que eu te ajude como?
-Hoje quero ficar até mais tarde treinando, para depois do treino da tarde. Se
você pudesse ficar comigo ia ser legal.
E assim foi. A cada dia, Yin voltava a acordar cedo, vestia sua roupa branca de
treino e se esforçava mais e mais. À tarde ficava além do tempo, treinando com Lwan.

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No final do terceiro dia, Hanai, vendo o esforço anormal de Yin, chamou-o para uma
conversa:
- Yin, estive reparando você estes dias. Tenho reparado que está se esforçando
mais do que o normal.
- Quero ficar forte para o Torneio de Artes Marciais – respondeu Yin.
Hanai abriu um leve sorriso e respondeu:
- Você achar que pode ganhar?
- Mas é claro que posso!
- Você não acha que é muito novo? Você ainda pode esperar alguns anos.
- Não posso esperar. Sei que tenho muitas chances de ganhar. – Parou um pouco
e meio sem jeito, continuou - Por isso quero pedir algo para o senhor.
- Fale.
- O senhor pode me ajudar com o meu treinamento? Só essa semana, até a
chegada do Torneio.
- Você está certo do que está me pedindo?
-Estou.
-Escute Yin, você ainda é muito novo. Eu sei que você é um menino muito forte,
mas mesmo assim eu não consigo compreender essa sua pressa. Além do que, o
treinamento que lhes dou já é o suficiente.
- Por favor, mestre.
Hanai pensou um tempo, suspirou e então disse, sentindo-se vencido:
- Se essa é a sua vontade, que assim seja.
A partir daí, nos dias restantes antes do torneio, Yin procurou se esforçar ainda
mais, sempre se superando. Com Lwan ao seu lado o tempo todo e Hanai guiando-o,
seu treinamento extra tornou-se ainda mais proveitoso e sentia que a cada dia ficava
mais forte e mais veloz, aprendendo, acima de tudo, a controlar mais ainda o grande
poder que tinha. Ao final do penúltimo dia antes do torneio, Hanai enfim virou-se para o
menino e revelou:
-Yin, parabéns pelos seus esforços. Acho que já está preparado para algo mais.
-Algo mais? – Yin ficou curioso.
-Amanhã lhe mostrarei.
Na hora de dormir, Yin ficou imaginando que “algo mais” seria aquele que
Hanai se referia. Afinal, seu mestre era um sujeito muito forte, que conhecia muitas
técnicas, e Yin tentava adivinhar agora qual delas ele iria ensinar no dia seguinte.
Assim, depois de mais um dia de aula, Yin se dirigiu para a arena, muito feliz
pela sua evolução e os recentes elogios de seu mestre. Estava ansioso e ao mesmo
tempo muito contente, pois faltava apenas um dia para o torneio. Ao seu lado, como
sempre estava Lwan, que nos últimos dias também havia aprendido muito, mesmo sem
perceber. Os dois foram os primeiros a chegar para o treino da tarde, logo seguidos por
Inhi e seu grupo. O menino mais velho também havia reparado no esforço extra de Yin
e não perdeu a chance de provocá-lo mais um vez:
-Olha só quem está aqui! – Disse, subindo na arena. - É o pirralho que acha que
vai ganhar o torneio. E o amiguinho inseparável dele. – Falou num tom de deboche. E
todos começaram a rir. Yin se segurava para permanecer calado, mas não resistiu:
-Você pode se achar muito forte, mas eu também venho treinado muito esses
dias. E não vou perder tão fácil.
-Ah, mas isso eu já tinha reparado – respondeu o garoto – Fica aí, treinando o
dia todo, como se isso fosse resolver alguma coisa! Também tenho reparado que Hanai
tem te ajudado muito. Deve estar com pena de você, um pirralho tão fracote! – Mais
risadas então se seguiram.

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-Não é. Eu não sou fracote. E eu vou te mostrar!
-Mostra aí então. – Inhi então fechou a cara.
Yin também mudou a expressão e encarou Inhi. Nesse exato momento, subindo
na arena, Hanai resolveu por um fim na discussão:
-Vocês dois, basta!
Inhi porém, continuou:
-Então, como é pirralho? Estou esperando.
-Amanhã eu te mostro. – Sussurrou Yin.
-Eu disse basta! – Hanai dessa vez falou com um tom bem mais alto, chamando
a atenção dos outros meninos que chegavam para o treino. Logo todos se reuniram em
volta dos três.
– Yin e Inhi, de uma vez por todas, se quiserem resolver o problema de vocês,
esperem até amanhã. Até lá não quero ver mais brigas, entendido?
Depois de alguns segundos de silêncio, Inhi não agüentou e desabafou:
-Mestre, não entendo porque aceita a idéia desse pirralho participar do torneio.
Ele é só um fracote sem chances de ganhar. E o senhor vem ajudando ele há dias,
esquecendo de todos os outros. Isso não é justo!
-Inhi, não lhe devo satisfações sobre minhas decisões, mas mesmo assim vou lhe
responder. É direito de todos aqui participar do torneio. Não importa quanto novos são.
Essas são as regras. E só estou treinando Yin por um pedido dele. Ninguém mais me
pediu tal coisa, senão treinaria a todos da mesma form... – E foi interrompido por Inhi
novamente:
-É mentira! O senhor quer que ele ganhe o torneio. Eu sei.
-O que disse?
Inhi ficou em silêncio
-O que disse? – Repetiu Hanai, mais alto.
O menino permaneceu em silêncio. Depois de algum tempo, deu as costas o seu
mestre, caminhando rápido para a fora da arena e passando como um trator pela roda
formada pelos outros alunos. Hanai chamou-lhe a atenção uma última vez:
-Inhi, volte aqui, não terminei de falar com você.
O jovem pareceu não escutar e Hanai, sentindo sua autoridade ser violada, foi
atrás dele. Alcançou-o então já há alguns metros da arena. O menino então parou e
virou-se de frente:
-Inhi, como se atreve a virar as costas para mim? E porque está agindo dessa
forma tão infantil? Eu devia lhe dar uma punição para aprender a se comportar.
O jovem permaneceu quieto, olhando em direção ao chão. Ao longe, todos os
meninos prestavam atenção na cena.
-Mestre, o senhor trata esse pirralho diferente de todos os outros. Todos os
outros meninos acham a mesma coisa. Só não conseguem compreender.
-Cale-se! Como pode ser tão injusto? Não trato ninguém diferente aqui. E ponto.
E se tem tanta certeza que pode derrotar Yin, prove isso amanhã. Agora vá e esfrie sua
cabeça. Na próxima vez que me desrespeitar, não serei tolerante entendido?
-Sim senhor. – Falou baixo, e se foi. Um dos amigos de Inhi foi atrás dele,
conseguindo alcançá-lo. Inhi então fez sua ameaça final a Yin:
-Esse pirralho vai sofrer. Vou provar para o mestre e para todos quem é o mais
forte.
No final do treino, ao mesmo dia, depois de todos os meninos irem embora,
restava na arena apenas Hanai, Yin e Lwan. O sol já estava morrendo e o céu começava
a tomar uma coloração avermelhada. Havia chegado a hora de Yin aprender a técnica
secreta de Hanai:

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-Muito bem Yin, hoje você vai aprender a voar.
-Voar? – Exclamou o garoto maravilhado.
-Isso. Já percebi que está preparado. Aliás, preciso lhe confessar uma coisa. – E
Hanai abriu um sorriso. - Com esses novos avanços que você teve nesses últimos dias,
mesmo sem saber, está na verdade tão próximo de conseguir esse feito que, se esperasse
somente mais alguns dias, poderia aprender esta técnica por contra própria:
- Sério? – Falou surpreso Yin.
- Sim. Alguns Koguns possuem um talento tão grande que não necessitam, como
direi... – Hanai então parou, coçou o queixo fino e pensou um pouco. - ...de seus
mestres para aprenderem alguma técnica nova, digamos assim. Isso é muito difícil, mas
acontece. Você verá como não terá dificuldade alguma para realizar esta técnica. Porém,
só terá hoje para aprendê-la a utilizá-la corretamente. Por isso preste muita atenção.
O menino balançou a cabeça positivamente, apreensivo.
-Lembre-se primeiro que para voar é necessário que torne seu corpo o mais leve
que puder. Tão leve como a menor partícula de sua Aura. Porém, para tornar seu corpo
mais leve deve tornar seu espírito mais leve. Os dois sempre estão ligados. Deve livrar-
se de qualquer preocupação e sentir sua energia percorrendo todo seu corpo e, e seguida,
tudo que está a sua volta.
Yin prestava muita atenção.
-Depois feche seus olhos, soltando o ar bem devagar. Então espere o tempo
certo, impulsione seu corpo e o alongue em direção ao ar.
Hanai resolveu fazer uma breve demonstração e logo começou a flutuar. Os
meninos ficaram maravilhados e surpresos, já que Hanai raramente demonstrava suas
técnicas aos alunos, principalmente a de voar. Subiu alguns metros e depois desceu
suavemente.
-Agora tente você.
Yin fechou os olhos e tentou focar-se no fluxo de Aura pelo seu corpo e tudo
mais. Soltou o ar, ficou na ponta dos pés e nada. Tentou novamente e nada.
-No inicio é sempre difícil assim, depois tudo se torna simples.
Tentou mais umas cinco vezes sem nenhum resultado e começou a ficar
impaciente. Em breve eu iria aprender esta técnica por conta própria? – Imaginou se
seu mestre não havia se precipitado ao lhe falar aquilo. Olhou então para o céu, onde o
avermelhado estava mais deslumbrante do que antes. Aquilo lhe deu certa inspiração e o
fez limpar novamente todo seu pensamento. Sinta a Aura e tudo é possível – lembrou,
por fim. Esvaziou então a mente de vez e relaxou o corpo. Segundos depois, sem que
fizesse grande esforço, a profecia de Hanai enfim se concretizou. Afinal, quando se deu
conta, já estava a pairando alguns metros do chão, naturalmente.
Hanai então deu um leve sorriso, lembrando do quanto estava certo em dizer que
Yin iria aprender a técnica do vôo sem dificuldades. Havia chegado a essa conclusão,
antes de tudo, por conhecer Yin desde seu nascimento. Por isso, em um cálculo rápido
concluiu que, por causa de seu enorme poder - este reunido e aperfeiçoado ao longo dos
seus doze anos - seu discípulo já havia sim criado condições ideais para esse
aprendizado específico, mesmo que muito jovem. Em contrapartida, havia outros
Koguns que demoravam até mesmo décadas para aprender a arte do vôo. Mesmo assim,
aquele feito precoce e maravilhoso não deixou de lhe parecer impressionante.
-Estou voando, estou voando! – Repetia o menino, agora eufórico. Lwan, a sua
frente, também ria timidamente.

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Capítulo 6 – O Torneio de Artes Marciais

Havia chegado, enfim, o grande dia. Mao-Ter estava impecável, todo ele limpo e
enfeitado para o torneio. Centenas de bandeirolas multicoloridas, suspensas por cordas,
cortavam a grande varanda em frente a entrada do prédio principal. O piso de azulejos
brancos da arena, por sua vez, haviam acabados de serem lavados pelos funcionários do
orfanato e estavam brilhando, assim como os pilares de mármore em cada um dos
cantos da arena. Como não haveria aula naquele dia, haviam sido os próprios alunos que
ficaram encarregados de ornamentá-la, tarefa que Hanai não abria mão de forma
alguma. O sol brilhava, o céu estava azul e a temperatura estava amena. Era um dia
perfeito para uma competição daquela importância.
Era também começo de tarde e faltavam somente alguns minutos para começar a
cerimônia de abertura. Neste momento, Yin já estava em uma tenda amarelada armada
especialmente para o torneio, ao lado da arena, se concentrando junto aos outros
lutadores participantes. No local, também estava Lwan, lhe fazendo companhia. O
menino estava um pouco nervoso, mas confiante.
-Muito bem, agora que você levou essa loucura a frente, espero que ganhe,
cabeçudo. – Falou Lwan.
-Não sei se vou ganhar, mas vou fazer o melhor que puder.
-Não, você tem que ganhar. Ou pelo menos dar uma surra em um desses
meninos metidos, ia ser legal.
Yin sorriu.
-E agora você pode voar. E nem todos eles podem, lembre-se disso.
-Eu sei. Mas não pretendo usar essa técnica tão cedo. Vou guardar para quando
precisar.
Yin então desviou um pouco o olhar de Lwan e olhou em volta. Não encontrou o
que procurava. Lwan então virou-se e respondeu:
-Você está procurando Inhi?
Yin ficou calado:
-Tomara que você não pegue ele no início.
-Você acha que eu vou perder para ele?
-Não. Porque o melhor poderia ficar pro final.
Yin sorriu novamente.
Do lado de fora da tenda, Hanai dava instruções para alguns instrutores do
orfanato, os quais começariam o sorteio que decidiria a ordem das lutas e seriam os
juízes do torneio. Em seguida, através de um alto falante, todos os meninos foram então
chamados para o lado de fora da tenda. A partir daí, Yin e Lwan tiveram que se separar,
já que só os participantes poderiam seguir em frente. Lwan então despediu-se de seu
amigo:
-Yin, você treinou bastante. Lembre-se de tudo que Hanai te ensinou. Você pode
ganhar.
-Eu sei.
-Boa sorte.
-Obrigado. – Agradeceu, para logo em seguida juntar-se a fila de meninos que já
havia se formado.
Um grande palco coberto, de cor cinza e todo feito em madeira maciça, havia
também sido montado especialmente para o torneio, bem a frente da arena e,
conseqüentemente, ao lado da tenda onde estava Yin. Acima do palco, havia uma
espécie de bancada, na qual já estavam presentes os instrutores de Mao-Ter que seriam
os juízes das lutas. Atrás dos instrutores, por sua vez, e um pouco mais acima, preso ao

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fundo do palco, havia um imenso telão, onde os nomes dos meninos participantes
apareceriam e seriam distribuídos aleatoriamente para a primeira rodada de duelos. A
partir daí, todas eles seriam eliminatórios até sobrarem apenas dois lutadores. No
Torneio de Artes Marciais de Mao-Ter havia apenas três regras para se chegar à vitória.
Derrotar o adversário de forma que ele não tivesse mais condições de lutar, levá-lo a
cair fora da arena ou ganhar o sorteio que seria realizado caso o prazo de cinco minutos
para o término da luta se extinguisse, sem que ainda houvesse um ganhador. De acordo
com o número de participantes, o campeão precisaria vencer cinco lutas no total, ou
seja, aquele torneio iria estender-se até muito, talvez até o final da tarde. Por isso,
aquele que vencesse, antes de qualquer coisa, precisaria de muita resistência.
-E agora, vamos começar o sorteio da primeira luta que dará início ao Torneio de
Artes Marciais da escola Mao-Ter. Desejamos boa sorte a todos os participantes. – A
voz de um dos juízes na bancada anunciou, logo após chamar os jovens participantes
para fora da tenda.
Nesse exato momento, Inhi juntou-se finalmente a fila de meninos. Logo quando
chegou, encarou fixo nos olhos de Yin, que estava no final dela. O menino, porém,
mesmo percebendo tal gesto, não deixou intimidá-lo. Os juízes começaram então o
sorteio. Após o nome de Inhi ser citado, o nome de Yin enfim, apareceu.
- E a quinta luta será entre Yin e Amondri!
Yin não conseguia acreditar no azar que acabara de ter. Amondri era aluno do
sexto e último período, assim como Inhi, e também era um dos favoritos a ganhar o
torneio. Mas logo preferiu esquecer de tal fato, lembrando-se de mais um conselho de
seu mestre. Mesmo que o adversário for forte, não fique pensando quão forte ele é,
apenas concentre-se em si mesmo, e assim poderá fazer uma boa luta.
Esperou então pacientemente até sua hora chegar. Assim que a primeira luta do
torneio começou, Yin logo se impressionou com a força dos meninos que lutavam.
Todos estavam dando o máximo de si desde o início, afinal, ninguém desejaria que o
campeão fosse escolhido por acaso e, por isso, partiam com tudo de uma vez só. No
entanto, Yin estava achando estranho o fato de, quanto mais o tempo ia passando, mas
se acalmava, ao invés de ficar ainda mais ansioso por causa de seu confronto iminente.
E assim, depois de um tempo, o nome de Inhi foi enfim chamado.
-A próxima luta é entre Inhi e Sedrif!
O jovem sardento e de cabelos grandes então se encaminhou até a arena, bem a
sua frente. No caminho, contudo, olhou nos olhos de Yin novamente e deixou escapar
um leve sorriso. Em seguida, virou-se novamente para se concentrar. Chegou então ao
centro da arena, junto do seu adversário e ambos se cumprimentaram. Um dos juízes da
bancada, enfim falou:
- Comecem a luta!
Sedrif logo partiu para cima de Inhi tentando acerta-lhe dois socos, facilmente
desviados por Inhi. Logo depois, tentou acerta-lhe um chute, mas Inhi o segurou e
acertou um forte soco no rosto de Sedrif com a mão esquerda e, em seguida, um chute
que o fez parar a vários metros de distância. Quando Sedrif se levantou, percebeu que já
estava bem perto da borda da arena. Inhi então preparou o golpe final e com outro chute
jogou-o para fora. Aquela havia sido a luta mais rápida até então. Todos os meninos
ficaram instantaneamente apavorados com a força de Inhi e, por um momento,
imaginaram que não haveria ninguém capaz de vencê-lo. Todos menos Yin.
A luta seguinte, coincidentemente era de Yin contra Amondri. Logo após
anunciada, ambos também se encaminharam ao local de combate. Enquanto ia passando
no corredor formado pelo restante dos jovens participantes, Yin pôde ouvir todas as
provocações do mundo. Muitos deles riam de sua cara e chamavam-no de fraco.

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Resolveu fechar os olhos para silenciar sua mente. Lwan, na arquibancada torcia
confiantemente.
Alguns segundos de silêncio se passaram, até que o grito de início fosse dado.
Os meninos cerraram os olhos e partiram velozmente em direção ao outro, começando a
trocar golpes e defesas. Após um ataque de Yin, Amondri rodou no ar, e quando chegou
ao chão, tomou impulso e acertou o rosto de Yin com um forte soco. O menino caiu no
chão e custou-se a levantar. Amondri sorriu, imaginando que aquela luta seria
extremamente fácil. Mas Yin bravamente se levantou, coçando sua boca para tirar o
bocado de sangue que escorria nela. Em seguida, voltou para a posição de combate.
Sem demora, Amondri partiu novamente a toda velocidade em sua direção, conseguindo
acertar-lhe mais um soco, dessa vez na barriga e um chute, fazendo com que Yin
novamente fosse ao chão. Não pode ser! O que está acontecendo? – pensava,
desnorteado.
Ainda no chão, parou um pouco e respirou. Os golpes que havia sofrido tinham
sido realmente dolorosos. Tentou por um tempo esquecê-los mas não conseguiu.
Levantou-se mesmo assim. A partir daí, incrivelmente, a luta começou ficar de igual
para igual. Os meninos mais velhos não acreditavam como aquele menino tão pequeno
podia lutar tão bem. Inhi, no entanto, não se mostrava surpreso.
A luta seguia e Yin começava a levar vantagem. Mas Amondri era um dos
poucos Koguns do orfanato que também sabia voar. Assim, em um determinado
momento, deu um impulso em direção ao ar e, em seguida, direcionou um chute em
Yin. O menino, contudo, rolou pelo chão e desviou do chute, que acertou em cheio o
chão da arena, fazendo com que alguns azulejos brancos se soltassem. Em seguida, Yin
rapidamente levantou-se e, aproveitando que seu adversário encontrava-se agora de
costas deu-lhe um chute na altura da nuca. Amondri cambaleou alguns metros para a
frente, tentando equilibrar-se, mas quando virou foi atingido por uma série de golpes do
menino mais novo, poderosos demais para ele reagir. Como última tentativa concentrou
todo seu poder em um só golpe, mas seu pequeno oponente o segurou com facilidade. É
agora! – Pensou Yin. Com o outro braço, acertou então Amondri com força, fazendo-o
desequilibrar e cair no gramado. Por alguns segundos, todos os alunos ficaram mudos.
Pareciam não acreditar no que estavam vendo. Depois de um certo tempo, resolveram
então, prestigiar o novo ídolo:
-Yin, Yin, Yin. – Gritavam. Lwan aplaudia de pé, também gritando o nome de
seu amigo. Dentre os meninos mais velhos, parte deles aplaudia sorridente, enquanto os
outros permaneceram calados. Yin, no centro da arena, parecia perdido e não sabia em
que direção olhar. No entanto tinha certeza de uma coisa. Era o momento mais feliz de
sua vida.
Ao longe, em um dos terraços do prédio principal do orfanato, onde a visão da
arena era privilegiada, Hanai observava tudo com um leve sorriso:
-Esse menino é realmente especial não é? – Falou, aparentemente ao vento.
-É mesmo. – Uma voz respondeu-lhe, bem atrás dele – Hanai manteve o sorriso.
A voz então continuou. - Você não mudou nada esses anos Hanai. Continua sábio e com
uma intuição única.
O homem então encaminhou-se ao lado do mestre de Yin.
-Não tanto quanto você, meu amigo.
Os dois então finalmente se entreolharam. Irwind e Hanai haviam finalmente se
encontrado após tantos anos.
-E, pelo que vejo, agora se tornou um excelente mestre também.
-Obrigado, mas você deve saber que a única coisa que faço sempre é seguir o
irrecusável chamado da Aura.

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-E percebo que ela levou-o a esse menino.
-Isso. E a todos esses outros também.
-Quando recebi ele e seu amigo no Palácio Real, também pude perceber seu
poder. Quando ele me disse que tinha um mestre chamado Hanai, encaixei as coisas.
Sabia que a última pessoa que tal poder iria passar despercebido seria você.
-Achei que tal dom sempre coube melhor a você do que a mim.
-Deixe de elogios.
Hanai sorriu levemente. Em seguida, confessou:
- Bom, sendo sincero, quando salvei Yin da morte e decidi adotá-lo, não tinha
idéia do quanto poderoso ele poderia se tornar.
- Sei. Você acha que o encontro entre vocês dois foi coincidência então.
Hanai ficou então algum tempo em silêncio, meio que sem entender o tom um
tanto irônico com o qual Irwind havia falado suas últimas palavras. O general então
continuou:
-Meu caro amigo, me desculpe, mas você sabe o quanto supersticioso eu sou. De
qualquer forma, todo esse talento e energia que esse menino tem pode lhe deixar feliz.
Contudo, eu vejo tal fenômeno de um outra forma.
Alguns segundos passaram até que Hanai finalmente compreendesse o que
Irwind queria lhe dizer. Depois então respondeu, tirando seu olhar do general e virando-
se novamente para a arena ao longe, agora com um leve sorriso no rosto:
-Irwind, esse mundo é muito complicado para tentarmos entender seu
funcionamento. Não se precipite em suas conclusões.
-Não estou, só imagino que tanto poder em uma só pessoa pode apenas significar
uma coisa.
-Irwind, esse menino é talentoso, apenas isso. O que você está tentando me dizer
é apenas uma antiga história.
- Hanai, sei que enquanto esteve no exército, vários motivos o fizeram a se
tornar descrente perante certas coisas, principalmente histórias e mitos. Porém, a Velha
Lenda é algo que devemos respeitar, uma vez que conta também o que pode acontecer
conosco não?
-Irwind, você sabe. Eu não acredito nem nunca acreditarei na Velha Lenda. De
qualquer forma, se ela é realmente verdadeira, onde está a batalha final entre os
Banshees e os Furous que ela menciona, por exemplo?
-Receio que esteja começando agora.
-Como assim? – Tal notícia pegou Hanai desprevenido.
-Eu lhe explicarei tudo. Mas antes me conte o que andou fazendo durante esses
anos.
Nesse exato momento, Yin se dirigia com uma felicidade enorme até o local de
concentração, dentro da tenda ao lado da arena, onde esperaria a próxima luta. Não
acredito! Venci! Venci! – Pensava. Lá, passando despercebido pelos instrutores
presentes no gramado, já estava Lwan, esperando-o contente.
-Yin! Você conseguiu! Derrotou Amondri, que é bem mais velho que você! Ele
era considerado um dos favoritos. Todo mundo está impressionado! Parabéns!
Yin não sabia o que falar e apenas sorriu. Afinal, a partir daquele momento, só o
que queria era o máximo de descanso até o próxima combate.
E assim, as lutas seguiram-se. Inhi demonstrando o porquê de seu favoritismo,
derrotou um a um, com certa facilidade, enquanto Yin continuava surpreendendo a
todos com seu poder. O final do torneio também já se aproximava e Inhi, como já se
esperava, garantiu seu lugar na final. E Yin não deixou barato. Após seu último golpe,
fazendo seu adversário cair mais uma vez no gramado, foi aclamado com mais uma

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grande salva de palmas, dessa vez mais fervorosa do que as outras. Depois dessa última
vitória, o menino então parou e pensou. Estava ofegante e com um olhar perdido.
Parecia não acreditar no incrível feito que acabara de conseguir. Afinal, ninguém tão
novo quanto ele havia chegado a uma final daquele torneio. Só mais uma – Pensava. Só
mais uma luta para eu provar que eles estão errados. Porém, não era só mais uma luta.
Era aquela que todos aguardavam, a mais prometida. Yin contra Inhi.
Todos os meninos, por sua vez, já não sabiam mais o que pensar. Yin havia
entrado naquele torneio como uma piada. Ninguém acreditava que ele pudesse chegar
tão longe. Agora estava na final, podendo fazer algo que ninguém da idade dele havia
jamais feito. Por isso, uma parte dos garotos começou finalmente a apoiá-lo de vez
enquanto a outra, formada principalmente pelos meninos mais velhos, estava com Inhi.
Trinta minutos de descanso separavam os dois de seu conflito final. O jovem
mais velho estava muitíssimo satisfeito com o destino por o mesmo ter colocado Yin em
sua frente. E satisfeito também por outro motivo. Ao mesmo tempo, provaria para todos
quem é que realmente mandava naquele orfanato e provaria, para uma pessoa em
especial, quem que ela realmente deveria confiar.
Ao longe, Hanai e Irwind observavam tudo.
-Vai ser uma luta e tanto. – Falou Irwind. - Pena que você já saiba o resultado,
não é?
Hanai calou e consentiu. Afinal, conhecia os dois meninos como ninguém e, por
isso sabia quais as verdadeiras possibilidades de cada um. Esse conhecimento, somada a
sua quase infalível intuição, o levava a crer quem seria o vencedor.
-Você também sabe Irwind. Essa luta pode ser boa, mas não é tão imprevisível
assim. Quem tem os sentidos apurados aqui é você, não pense que me engane.
Passado os trinta minutos, Lwan então deu os últimos conselhos e palavra de
confiança para seu amigo.
-Yin, você consegue. Você já chegou muito longe, não desanime agora, por
favor. Você pode vencê-lo como fez com os outros... – Nisso uma voz interrompeu-o.
Era um dos instrutores que havia notado a presença proibida de Lwan.
-Garoto! Você não pode ficar aqui!
Sem dar muita atenção, Lwan continuou falando, agora com os olhos bem
abertos:
-Você consegue!
-Garoto! – Nisso o homem já puxava Lwan de perto de Yin.
-Boa sorte! – Gritou, por fim.
-Obrigado Lwan. – Falou Yin, dessa vez olhando para seu colega.
E o menino se foi com o instrutor.
Poucos segundos depois, o mesmo instrutor retornou ao local de concentração,
ainda resmungando com a atitude de Lwan:
-Esses meninos! Não respeitam mais as regras e mais ninguém! – Parou e voltou
o olhar a Yin, que agora se encontrava sentado e com um olhar perdido, aparentando
estar em um outro nível de consciência. Ao mesmo tempo, sentindo-se aliviado pela
Aura retornar com mais força ao seu corpo após tantas lutas. Estava também
concentrando-a para poder dar tudo de si no combate mais importante da sua vida.
-Menino. – Falou o instrutor finalmente.
Yin então virou-se para o homem.
-Chegou a hora.
Yin caminhou então lentamente em direção à arena e logo percebeu que Inhi já
estava em seu centro. O público gritava, mas o menino não entendia direito o que. Não
importava. Naquele instante só havia ele e seu adversário. Chegou enfim ao centro e

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cumprimentou Inhi, com a expressão séria. Em seguia, entrou na posição de combate. O
som suave do vento passou por entre eles. Quando se foi, veio a voz. Comecem a luta!
Por alguns segundos, parecia que os dois não haviam escutado o grito do
instrutor. Ficaram completamente imóveis. Logo depois, porém, o que se viu foi
absolutamente fantástico. Os meninos finalmente partiram e começaram a trocar golpes
tão rápidos que nenhum dos outros alunos que assistiam à luta conseguia vê-los. De
repente, em um forte golpe de Inhi, o rosto de Yin foi deslocado para o lado. Sem
demora, Yin retribui a gentileza. Depois, mais um golpe do menino mais velho e mais
uma retribuição de Yin. Inhi pareceu então cansar-se daquela atitude e saltou para o
alto. Chegou a vários metros do chão e ficou por um tempo pairando no ar, com Yin
observando-o. Logo depois, deu um vôo rasante em direção a seu adversário, utilizando
toda a sua velocidade. É agora – Pensou Yin. Então também saltou, exatamente na
direção de Inhi, o qual arregalou os olhos imediatamente, sem acreditar no que estava
vendo. Em seguida, sentiu ser acertado em cheio pelo punho de seu adversário, naquele
que foi o golpe mais forte que havia sofrido naquele torneio. Em seguida, foi então ao
chão. Esse pirralho também pode voar! – Pensou. Diante dos novos fatos, teria que
repensar sua estratégia. Estava difícil, pois sua cabeça agora doía bastante e ainda estava
caído. Depois do salto, Yin ficou parado no ar, com todos agora observando-o,
estarrecidos. Todos menos Lwan, que logo gritou com vontade. Isso!
Inhi se levantou com dificuldade, cerrou os dentes e partiu em direção à Yin no
alto. Os dois permaneceram, por um longo tempo, trocando golpes em pleno ar. Inhi
começava a levar vantagem, por ser ligeiramente mais veloz e, sem demora, acertou um
forte chute em Yin, para, em seguida, juntar as mãos e acertar as costas de seu
adversário com extrema força. O menino então despencou em altíssima velocidade e
atingiu o chão da arena com tanta força, que alguns ladrilhos se soltaram e rodopiaram
pelo ar. Inhi desceu e, sem a intenção de dar trégua a Yin, o levantou pela vestimenta de
luta. Mesmo com o menino agora quase inconsciente, deu-lhe um soco no estômago,
fazendo Yin cuspir um punhado de sangue. Porém, quando ia dar-lhe outro golpe,
subitamente, viu seu oponente direcionar-lhe um olhar fulminante e, logo em seguida,
retirar o braço que o segurava pela gola. Dessa forma, o menino pôde então sentir seus
pés tocando no chão da arena novamente. Então foi a sua vez de acertar Inhi no
estômago. O garoto devolveu o golpe com outro mais forte, fazendo Yin parar a vários
metros de distância. Assim, por alguns segundos, o duelo foi então interrompido. Inhi
havia sentido o forte golpe no estômago e Yin estava agora caído no chão. Os dois
precisavam se recuperar, pois sentiam que o final da luta se aproximava.
Levanta Yin, por favor! – Pensava Lwan, no meio da multidão. Seu pedido foi
prontamente atendido pelo seu já heróico amigo. Após de pé, Yin olhou então por
alguns instantes para o reflexo do sol nos azulejos da arena. Fechou os olhos, virou a
cabeça para cima e respirou suavemente, relaxando assim, todo seu corpo. Procurou
esquecer das dores. Inhi, ao contrário estava ofegante e com uma evidente expressão de
raiva. Aquilo para Yin era uma enorme vantagem. Lembrava sempre do que Hanai
falava. Aquele que luta com leveza, sem guardar mágoas, sempre leva vantagem em
cima daquele que carrega certo rancor.
Voltou então à posição de combate, juntamente com Inhi, que parecia agora
estar mais concentrado do que em toda luta. Em seguida, tomou a iniciativa partindo
num vôo rasante em direção à seu adversário. Porém algo estranho o chamou atenção no
ato. Um brilho azulado começou a sair da palma das mãos de Inhi, fazendo com que
arregalasse os olhos imediatamente, sem acreditar no que estava vendo. Não é possível!
Neste instante, Inhi então juntou as mãos e apontou suas palmas em direção a Yin.

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- Essa luta acabou garoto! – Exclamou, ao mesmo tempo em que disparava uma
esfera de energia em Yin. Sem tempo para desviar, a esfera então acertou o menino em
cheio, causando uma enorme explosão.
Todos na arquibancada ao redor da arena então levantaram-se e emudeceram. A
nuvem de poeira que se formou não permitia ver o que havia acontecido com Yin. Inhi,
por sua vez, saiu de sua posição curvada e também ficou observando. Alguns segundos
depois, se pôde ver enfim a silhueta de Yin, caída ao chão. O menino não estava
inconsciente, mas sentia como se todos os seus ossos estivessem quebrados. Seu traje de
luta, por sua vez, estava em parte rasgado e sua pele queimada. Não tinha nem forças
sequer para conseguir abrir seus olhos. A luta havia chegado ao fim. Inhi havia vencido.
Lwan abriu os olhos mais do que nunca, sem acreditar no acabara presenciar.
Mas o que aconteceu? – Pensava, assim como todos, permanecendo mudo por bom um
tempo. A Shinya-Hashiki era uma técnica que todos sabiam que existia, porém,
imaginavam que apenas os grandes mestres tinham capacidade de usá-la. Inhi provou
que não. Aquele poderoso Kogun havia guardado sua melhor cartada para o final,
surpreendendo Yin e se sagrado campeão do torneio.
Após a poeira ter se dissipado completamente, foi também o primeiro a se
aproximar de Yin. Ficou de joelhos e, percebendo que seu adversário tinha dificuldades
até mesmo para respirar, falou perto de seu ouvido:
- Desculpa menino, não queria usar essa técnica em você, mas foi preciso. De
qualquer forma parabéns, você lutou muito bem.
Mesmo com toda fraqueza que sentia e com seus sentidos funcionando
precariamente, Yin escutou a frase. Porém, não acreditou. É Inhi? É Inhi que está
falando comigo?
-Não se preocupe, você ficará bem. - Logo depôs que terminou, virou a atenção
aos instrutores na beira da arena e, com um gesto de mãos, pareceu pedir que fossem
socorrer Yin. Logo dois instrutores subiram na arena com uma maca flutuante e se
aproximaram do garoto ferido. Em seguida, colocaram Yin cuidadosamente em cima da
maca e retiraram-no do local. Assim, logo após sumirem no gramado em direção à
enfermaria no prédio principal, o locutor anunciou fervorosamente:
-E o Torneio de Artes Marciais de Mao-Ter terminou! Inhi é o novo campeão!
Muitos aplausos lhe foram dados. Na multidão presente, Lwan já não se
encontrava mais. Havia descido às pressas a arquibancada para ver como Yin estava. Ao
longe, Hanai e Irwind ainda observavam toda a cena.
-Hanai, você não foi justo com esse menino. – Falou Irwind com uma expressão
séria.
-Tudo tem seu tempo meu amigo. Ensinei a ele tudo o que ele podia aprender
neste momento. Agora vamos.
-Hanai, se você quiser... – E Irwind logo foi interrompido pelo amigo.
-Não será necessário usar seus poderes para curá-lo, Irwind. É melhor deixar as
coisas como estão.
Lwan, sem demora, logo alcançou seu colega que estava sendo levado na maca
flutuante. Em seguida, adentrou depressa pelos corredores da escola, já ao lado dos
instrutores que levavam seu amigo. Em seguida, todos logo chegaram à enfermaria. Yin
foi então retirado da maca e posto em um dos leitos. Apesar de tudo, ainda estava
consciente. Lwan então começou a lhe falar algumas palavras, a mesmo tempo em que
os médicos do local começavam a tratar de seus ferimentos.
-Yin, aquele garoto não vale nada! Você lutou muito bem! Agora seja forte!
Daqui a pouco o mestre virá te ver. Agüente!

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Yin escutou e sentia sua respiração voltar ao normal. Porém seus olhos já
entreabertos, foram fechando lentamente. Pouco tempo depois já estava dormindo.
Neste instante, Hanai e Irwind já estavam no gramado se dirigindo ao local do
torneio quando Irwind parou a certa distância, bem atrás do palco montado. Hanai,
porém, continuou em frente. Afinal, cabia a ele entregar o troféu destinado ao vencedor
do torneio e parabenizá-lo. Era o chefe máximo do lugar e por isso não havia honra
maior entre os participantes do que receber os cumprimentos do grande mestre.
A noite já havia caído e os refletores em volta da arena já estavam acesos. Perto
da bancada dos juízes no palco, havia uma pequena plataforma e era lá que Inhi se
encontrava, esperando ser recompensado.
Alguns instantes depois, Hanai então finalmente chegou à plataforma e todos
ficaram quietos. Logo após se aproximar de Inhi, o menino pareceu querer-lhe falar
algo:
-Mestre, eu...
-Tudo bem Inhi. Você não fez nada de mais. Não foi desonesto, apenas usou as
técnicas que tinha.
O menino então abaixou a cabeça, parecendo ainda apreensivo.
-E eu te desculpo por tudo, pode ficar tranqüilo. Agora parabéns! Você mereceu!
Inhi então sorriu. Hanai retribuiu o sorriso com um outro e um afago na cabeça
do jovem. Virou-se então para um dos instrutores que segurava uma pequena Harpia
feita de cristal – o símbolo daquele orfanato. - e pegou-o com cuidado. Em seguida deu-
lhe a Inhi. O menino ficou durante um tempo olhando para a estatueta e, por alguns
segundos, esqueceu de toda mágoa que sentia. Mantendo o sorriso no rosto, resolveu
levantar então a Harpia reluzente para que todos pudessem ver sua conquista, sendo
logo aplaudido de pé. Antes que pudesse ter uma sensação ainda melhor, uma legião de
amigos logo correram para saudá-lo. Hanai observou a cena por alguns instantes e
depois virou seu olhar à Irwind, que agora estava bem ao lado do palco, escondido na
penumbra formada pela sombra da estrutura no gramado. Logo depois, estava ao lado
de Hanai novamente.
-Vamos. – Falou o mestre de Yin.
Lwan estava sentado em um banco ao lado do leito de Yin, olhando
perdidamente para o chão. Estava cansado. Embora não tivesse participado do torneio,
havia se dedicado muito ao amigo naqueles últimos dias. No entanto, logo após
reconhecer Hanai e Irwind adentrando pela enfermaria, esqueceu seu cansaço. Seu
mestre aproximou-se então do leito, olhou por alguns instantes para o menino dormindo
e perguntou-lhe:
-Como ele está?
-Ele vai ficar bem mestre. Pelo menos foi o que os médicos disseram. Está com
muitas queimaduras e com alguns ossos quebrados.
-Muito bem Lwan. Estou orgulhoso de você também.
-De mim?
-É. Durante todo esse tempo não deixou Yin uma vez sequer. Apoiou-o quando
foi preciso e lhe deu conselhos importantes.
-Como se ele me ouvisse mestre. Yin é muito teimoso.
-Ele ouve Lwan. Você não imagina o quão importante você é para ele. A
amizade de vocês é algo realmente especial. Agora vou lhe pedir mais um favor.
O menino calou-se, esperando as ordens de seu mestre.
-Fique vigiando Yin por mais algum tempo. Eu e Irwind precisamos conversar
agora, tudo bem?
O menino balançou a cabeça, consentindo.

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Logo em seguida, os dois então saíram em direção à sala de Hanai, no último
andar do prédio principal do orfanato. Assim que Hanai trancou as portas, Irwind em
um tom bastante sério falou:
-É melhor nos sentarmos, tenho uma longa história para lhe contar.

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Capítulo 7 – A Missão de Irwind

- Deixa ver se entendi meu amigo. Nossas tropas ao norte poderão ter agora
problemas para conter os Furous? Pensei que estavam progredindo.
-Estávamos, mas algo de muito estranho ocorreu. Como disse, os Furous se
tornaram mais fortes, velozes e resistentes. Não esperávamos por isso.
-Como isso é possível?
-Não sei. Mas agora que conheci este menino e o poder fantástico que ele tem,
estou tentando associar as duas coisas.
-O que Yin tem a ver com a história?
-Como estava tentando-lhe falar antes, acredito que esse fato meu amigo,
somado a esse aumento inexplicável do poder dos Furous, podem de ser indícios de que
a Velha Lenda está sim prestes a se confirmar. Como você sabe, a lenda diz que os
Banshees e Furous continuariam guerreando por séculos e séculos até que...
- ...até que a Aura presentes em seus corpos não conseguisse mais suportar uma
a outra neste mundo. Sim, eu sei. – Completou Hanai, ao mesmo tempo em que Irwind
balançava positivamente a cabeça. O general então continuou:
- Exatamente. E, quando isso acontecesse, tal poder divino se organizaria de uma
forma que permitiria que ambas as raças se enfrentassem finalmente em uma última
batalha, e de igual para igual. E, no final desta mesma batalha, restaria somente uma
única raça poderosa sobre Asíris. Pois bem, seguindo esse racio...
- Me diga uma coisa. Você realmente acredita nisso Irwind? – Hanai
interrompeu novamente, dessa vez em um tom irônico. Irwind então parou e encarou
fixo os olhos castanhos escuros de Hanai, com a expressão bastante séria. Em seguida,
continuou, como se nada tivesse acontecido:
- Seguindo esse raciocínio, creio que o inesperado aumento da Aura dos Furous
que mencionei, no final das contas, pode sim permitir que esses miseráveis lutem
finalmente no mesmo patamar que nós, após tantos anos, o que confirmaria exatamente
a lenda. Afinal, e isso você também concorda meu amigo, no dia em que isso acontecer,
no dia em que os Furous tiverem o mesmo poder de guerra que nós, não haverá outro
jeito a não ser travarmos contra eles uma batalha sem precedentes, que só terminará
quando somente uma das duas raças permaneça sobre Asíris.
Foi então a vez de Hanai ficar um tempo olhando nos olhos de Irwind, um tanto
quanto incrédulo. Segundos depois respondeu:
- Irwind, sinceramente, ainda não acredito que realmente confie nessa lenda.
Não sei, você não acha que tudo isso que está me contanto não simplifica toda nossa
situação com os Furous e todo o destino de nossa sociedade de um jeito tão infantil e
precipitado?
Irwind então suspirou, já demonstrando certa impaciência e virou-se para o lado.
Hanai não se intimidou e continuou:
- Olhe meu amigo, eu entendo que você continue bastante supersticioso, até
mesmo religioso mas...
- Isso nada tem a ver com religião Hanai, você não percebe? – Interrompeu o
general, virando-se imediatamente para seu amigo. - Essa lenda, como você sabe, é
proveniente de escritos reais, datados desde a época dos humanos!
- E onde estão tais registros? Me diga. – Provocou Hanai.
Devido a hesitação da resposta de seu amigo, Hanai então sorriu novamente.
Afinal, sabia que tais registros também faziam parte de uma outra lenda, já que jamais
foram encontrados. Foi a vez, contudo, do general não se sentir intimidado e continuar a
expor sua opinião, apesar de tudo.

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- Escute, de qualquer forma, a Velha Lenda diz também que quando essa batalha
final se iniciasse, apareceria um Banshee cujo poder seria capaz de acabar com todo o
mal, com todos os Furous de Asíris. É aí que entra Yin. Agora veja, você não acha
muita coincidência os dois fenômenos, o surgimento do grande poder de Yin e o
aumento súbito da força dos Furous, acontecerem exatamente ao mesmo tempo?
Dessa vez, foi Hanai que não soube o que responder. Irwind então continuou:
- Hanai, escute. Nossa campanha havia chegado onde ninguém havia chegado
antes. Estávamos quase alcançando as montanhas de Tyron. Se conseguíssemos, era
questão de tempo até acabarmos com todos aqueles demônios de Asíris. Mas agora
temos que pensar em algo diferente. Esse ataque foi muito violento, em uma proporção
que jamais sofremos antes. Tão forte que agora nossa Base Aérea de Marahana, assim
como a própria cidade sob sua proteção, ficou inteiramente vulnerável a futuros ataques
Furous. Você não percebe que algo realmente terrível e inédito está para acontecer?
Hanai permaneceu ainda alguns segundos em silêncio. Então falou, querendo
mudar um pouco de assunto:
- Tudo bem, não importa. De qualquer forma, não precisa me dizer que tem um
plano de emergência para aquela região. Você pensou alto demais. Lembre-se que isso é
um erro fatal contra um mestre treinado.
Irwind deu um rápido sorriso e continuou:
- Sim, tenho. Já desloquei algumas unidades para a região. Mas pretendo ir eu
mesmo para lá, guiar as tropas necessárias a resistência de uma possível ofensiva
inimiga. E, logo depois, com isso acontecendo ou não, desejo retornar a território
inimigo e ocupar novamente aquilo havíamos conseguido anteriormente. Para isso,
quero sua ajuda. Quero que vá comigo.
Hanai dessa vez mostrou-se surpreso e por um tempo refletiu. Deu um suspiro e
respondeu:
-Irwind, você sabe que eu abandonei o exército algum tempo. Minha vida agora
é cuidar desses meninos. Não posso deixá-los sozinhos.
-Eu entendo meu amigo. Sua mudança foi algo que eu admiro muito. Escolheu
dar esperança aos outros do que acabar com a sua própria. Não precisa ir se não quiser.
Mas quero que saiba que não te chamaria se houvesse uma urgência tão grande.
- Bom, e quão grande você acha que é realmente essa urgência?
-Minha intuição me diz, como lhe falei, que estamos prestes a entrar agora em
uma época singular em toda história Banshee e em sua guerra secular contra os Furous.
Afinal, esses malditos nunca representaram uma ameaça tão grande à nós, já que sempre
mantivemos seus ataques sob certo controle. Mas parece que tudo está começando a
ficar um tanto quanto diferente não acha? Acredito, de fato, estarmos na iminência de
um duelo que nunca presenciamos, um confronto mais terrível do que todos que já
tivemos com eles.
- Você tem mesmo certeza de tudo o que está me falando Irwind? – Insistiu
Hanai.
- Absoluta. E, se formos recorrer novamente a Velha Lenda, precisamos vencer
esta possível última batalha de qualquer forma. Afinal, a última coisa que a lenda diz é
que, enquanto esta derradeira batalha entre os Furous e Banshees não terminasse, algo
mais terrível aconteceria com nosso mundo. Ou seja, o equilíbrio da Aura em Asíris iria
se desfazer, até se perder por completo. Então entraríamos em um caos absoluto e
eterno.
Hanai mais uma vez ficou alguns instantes em silêncio, refletindo agora sobre as
últimas palavras de seu amigo. Em seguida, fez uma última tentativa de convencê-lo a
esquecer aquela lenda de uma vez por todas. Suspirou e então começou:

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- Irwind, escute. Desculpe a insistência mas...Você realmente não acha que essa
Velha Lenda não passa de uma crendice sem sentido? – Neste instante, o general
novamente olhou para lado, nervoso. Hanai então foi em frente. – Tome cuidado meu
amigo, pois acreditando cegamente nesta história você pode precipitar suas decisões. Aí,
pode ser tarde demais.
Foi a vez então de Irwind suspirar, se acalmar e falar em seguida, em um tom
ainda mais sério do que antes. Porém, bem mais pausado:
- Hanai, ouça. Você precisa confiar em mim. Por tudo o que lhe falei, por tudo
que os fatos vem nos mostrando e por toda minha experiência militar. Bom, talvez isso
tudo seja sim um castigo dos Deuses por, mesmo depois de tanto tempo, não termos
conseguido entrar em paz com os Furous. Bom, também só os Deuses sabem se isso é
de fato possível. De qualquer forma, é como se eles nos tivessem dado um prazo, o qual
falhamos. Agora temos que decidir, sem opção, qual das raças permanecerá neste
mundo. É exatamente nisso que eu acredito e, por isso, será baseado nesta opinião que
articularei minhas decisões daqui para frente, de um jeito ou de outro. Afinal, creio que
devemos estar sim preparados mais do que nunca daqui em diante.
-E por que eu, Irwind? Há tantos capitães que você deve ter conhecido durante
todo esse tempo. Soldados corajosos e de muita competência. – Perguntou Hanai, já
completamente vencido pela obstinação de seu companheiro.
-É verdade meu amigo, e contarei também com todos eles uma vez ao norte.
Mas eu precisava também do melhor. E o melhor é você.
Alguns minutos de silêncio passaram-se na sala de Hanai. O mestre de Yin então
tirou seu olhar de Irwind e o virou para o chão. Em seguida, curiosamente, olhou para
sua esquerda. Junto a parede havia um altar e, acima dele, uma mandala idêntica a do
altar na arena particular de Irwind, no Palácio Real. Entre o altar e a mandala, por sua
vez, havia um compartimento embutido na parede, protegido por um vidro fosco.
Através do vidro, podia-se notar uma silhueta de um objeto comprido, afinando-se em
uma das extremidades.
Irwind cortou então o pensamento de Hanai, assim que notou a direção do olhar
de seu companheiro:
-Há muito tempo que você não a usa, não é verdade?
Hanai pareceu não ter ouvido. Afinal, não conseguia tirar os olhos de sua espada
- de uma categoria chamada Asor – a qual não usava desde que saíra do Exército Real.
A partir desse dia, portanto, havia decidido nunca mais usá-la em um combate
novamente. Porém, diante de um pedido quase desesperado de alguém a que ele devia
inúmeros favores, estava agora balançado. E pela história contada por Irwind, previu
que iria precisar dela mais do que nunca.
-Quando você irá partir? – Perguntou finalmente.
-Partiremos amanhã pela manhã.

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Capítulo 8 - Uma Longa Viagem

Já era tarde da noite e Lwan continuava sua vigília à Yin. Afinal, sabia que um
pedido de Hanai era algo irrecusável, mas seu sono começava a comprometer sua
“missão”. Resolveu então levantar-se e dar uma volta. O orfanato já estava vazio, com
grande parte de sua iluminação interna desligada. Andou um pouco e chegou ao lado de
fora, na varanda do prédio principal. Ficou olhando um tempo para o gramado e os
jardins de rosas que o cortavam. Finalmente dirigiu seu olhar para a arena, com os parte
dos enfeites já rasgados e amassados, assim como o palco montado ao lado dela. Sentou
então na beira da varanda, apoiando seus pés no gramado e resmungou em voz baixa:
-Já vi que o trabalho de limpar tudo isso vai ficar com a gente. Todo o ano é a
mesma coisa. E a gente nem faz parte do torneio.
Interrompendo sua insatisfação, ouviu, neste instante, passos dentro da escola,
indo do saguão à porta principal. Ficou por um segundo intrigado, mas logo que ouviu
vozes lá de dentro, compreendeu que era Hanai e Irwind. Os dois saíram então pela
porta da frente e logo viraram à esquerda na varanda, sem notar Lwan, ainda que
estivesse bem perto deles. Um pouco depois ambos pararam e Irwind falou:
-Conto com você meu amigo. É só se lembrar dos velhos tempos, só isso.
-Irwind, durante um bom tempo, tentei me esquecer desses “velhos tempos”.
Lembre-se que passamos grande parte lutando também contra Banshees, talvez mais até
que contra os próprios Furous.
Irwind ficou imediatamente em silêncio, afinal compreendia o que Hanai lhe
falava. Durante anos, à serviço do mesmo rei Serph, ambos haviam não só lutado contra
os Furous ao norte, mas também sido enviados em missões para sufocar pequenas
rebeliões de grupos separatistas, principalmente nos arredores de Shandara e Wamboo,
regiões consideravelmente pobres do domínio Banshee. O discurso predominante era de
que havia de ter uma integração e solidariedade total entre todos os Banshees e que o
atual governo era a única saída para a liberdade e para um futuro melhor em Asíris. No
entanto, o que Hanai somente via era um governo demasiadamente corrupto e bastante
despreocupado com as condições dos mais pobres, não só ao norte, mas também ao
extremo sul do domínio Banshee. Esse fato, somado à todo o horror o que presenciara
nos campos de batalha foi o que levou-o, dentre outras coisas, a abandonar o Exército
Real, mesmo já sendo um dos capitães mais prestigiados.
Irwind então respondeu-o:
-Eu sei meu amigo. Mas lembre-se que dessa vez é diferente. Há muito mais em
jogo. E não há muito tempo para pensar. Te espero amanhã em Dherates. Agora preciso
ir, já está muito tarde. Foi um prazer revê-lo.
-Igualmente.
Assim, após cumprimentar Hanai colocando as mãos em seu ombro, Irwind
então virou-se e partiu voando. Ao longe, Lwan já tinha ouvido tudo, cada palavra. Mas
aquele vôo foi a primeira coisa que lhe fez abrir consideravelmente seus olhos cansados.
Nunca havia visto ninguém voar tão rápido e, logo concluiu que o general de Mahani
era também, assim como Hanai, um poderoso Kogun. Hanai virou-se então em direção a
porta e finalmente reparou na presença do menino:
-Lwan! O que está fazendo aí? Não lhe falei para tomar conta de Yin?
O menino logo se assustou, mas deu uma leve respirada e falou:
-Estava cansado mestre. Resolvi vim aqui para... – e Hanai interrompeu-o:
-Você escutou tudo o que eu e o Sr. Irwind estávamos falando não?
O menino ficou calado, com medo de ser sincero.

42
-Tudo bem – Hanai havia diminuído seu tom de voz – Não se preocupe Lwan,
amanhã contarei para todos os meninos a tarefa que tenho que fazer. Agora vá dormir,
Yin ficará bem sozinho.
Assim que Lwan se levantou do chão da varanda, Hanai logo deu-lhe as costas e
entrou na escola. O menino então se dirigiu ao dormitório, passando novamente pelo
gramado. O silêncio da madrugada naquele momento era apenas cortado pelo barulho
dos insetos e naquela noite, o frio estava insuportável. Contudo, o menino parecia pouco
importar-se. Quando passava perto dos caminhos com as rosas multicoloridas, começou
a refletir sobre o que havia escutado minutos antes. Uma tarefa do Sr. Irwind para o
mestre? O que será que está acontecendo? – Pensava. Eram muitas perguntas, sem
dúvida. Mas, diante da promessa de Hanai de explicar tudo pela manhã seguinte,
resolveu esquecer. Lembrou de Yin. Espero que ele fique bem – Desejou. Quando
notou, já estava em frente a porta de entrada do dormitório, feita de aço. Em seguida,
apertou um pequeno botão azulado à direita da porta e ela se abriu na vertical. Cerrou os
olhos para encontrar sua cama no meio de tantas outras e ter, enfim, seu merecido
descanso.
No dia seguinte, logo quando o sol começava a dar as caras, Lwan finalmente
acordou, ainda se sentindo cansado. Percebeu uma movimentação incomum no
dormitório e demorou algum tempo para compreender o que estava acontecendo.
-O mestre! Está falando alguma coisa lá no gramado! Vamos! – Escutou um dos
meninos gritar. Aí então entendeu, pulando da cama para se arrumar. Logo quando saiu,
pôde ver ao longe Hanai ao lado de um outro homem, em cima do mesmo palco de
madeira montado no dia anterior. A frente deles, já estava grande parte dos alunos, bem
como grande parte dos funcionários do orfanato, esperando o discurso de Hanai. Lwan,
sem demora reconheceu o homem ao lado de Hanai. Era Junke, um dos instrutores de
Mao-Ter. Saiu correndo então em direção ao prédio principal da escola, passando pela
multidão formada pelos garotos. Tenho que avisar a Yin! – Pensava. Acho que ele vai
gostar de ouvir o que o mestre tem pra falar!
Entrou como um raio pelos corredores da escola em direção a enfermaria.
Quando entrou não só avistou Yin como uma mulher em pé ao de seu leito, dando-lhe
alguma coisa para comer. Era a enfermeira Theria. Theria era sem dúvida a mulher mais
bonita entre as poucas que trabalhavam naquele orfanato. Os próprios meninos a haviam
concedido esse título, devido aos seus cabelos lisos e compridos, de cor castanho claro,
seus lindos olhos cor de esmeralda e seu corpo violão. Não tinham sido poucas as vezes
em que fingiam estar machucados para serem tratados por ela. Theria sabia de tudo, mas
não se importava. Além de sua beleza, era uma mulher extremamente carinhosa e
simpática, o que deixava os meninos ainda mais “perdidos”.
Lwan não deixou de notar sua beleza mais uma vez, mas precisava falar com
Yin. Aproximou dos dois exclamando:
- Yin!Yin!
- Lwan! E aí? Tudo bem?
Lwan notou na voz bem mais animada de seu amigo e gostou. Theria,
percebendo a afobação de Lwan, perguntou-lhe:
- O que houve Lwan? Porque essa pressa?
- Eu preciso falar com Yin, é importante.
- O que houve? – Falou Yin, com uma expressão já assustada.
- O mestre está falando com todo mundo lá no gramado. Você precisa vir.
Theria logo tratou de cortar a felicidade do menino:
- Lwan ele não pode ir. Yin se recuperou muito rápido, mas ainda vai precisar de
muito descanso.

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- Eu sei, mas é importante.
- O que é Lwan? – Falou Yin
- Venha e você vai ver – E já puxava o amigo pelo braço.
- Mas vocês dois...não podem... – Nisso Yin e Lwan já estavam correndo. Yin
ainda mancava um pouco.
Theria continuou:
- Se Hanai souber disso, ele não vai gostar!
Lwan, já no final do corredor fez seu último comentário:
- Ele não vai saber! Ele vai deixar o orfanato hoje!
- Ele o que? – Yin não entendeu nada.
Sem parar com a corrida, Lwan explicou-lhe.
- Escutei uma conversa ontem entre o mestre e o Sr. Irwind.
- Conversa?
- É. O mestre está explicando para todo mundo agora. Vamos!
Theria ao longe não se moveu, como se, de alguma forma, também já soubesse
da repentina partida de Hanai.
Logo Yin e Lwan chegaram ao gramado e se misturaram à multidão. Alguns
segundos depois, Hanai começou enfim seu discurso num tom firme.
- Meus alunos. Tenho uma má notícia para dar à vocês. Terei hoje que partir em
uma viagem a qual não esperava. Um velho amigo pediu-me um favor e não posso
negá-lo. Estarei de volta em uma semana, prometo.
Alguns permaneceram calados enquanto outros começaram a sussurrar uns com
os outros. A surpresa era perfeitamente compreensível. Afinal, Hanai nunca havia
deixado aquela escola por tanto tempo e, por isso, devia ser algo realmente sério. Era o
que todos pensavam. Hanai continuou:
- Durante esse tempo o Sr. Junke será o chefe maior desta escola e o mestre de
vocês. Inhi será o segundo no comando. Ele ajudará vocês em seus treinamentos.
Dessa vez foi a vez de Lwan se manifestar junto com todos os outros. Yin, por
sua vez, permaneceu calado.
- O que?! Logo Inhi? O mestre está brincando com a gente não é? – Olhou para
seu melhor amigo, indignado.
- E isso é tudo. Espero que se comportem na minha ausência e quando eu voltar
quero que tudo esteja como deixei. – Em seguida, desceu do palco e se foi.
- Não é possível! – Lwan continuava reclamando.
- Lwan escuta. – Interrompeu Yin - Você disse que escutou o mestre e o Sr.
Irwind conversando ontem. Que missão é essa que o mestre falou?
Lwan então virou-se para Yin. Tentou se acalmar e então falou:
- Eu não sei de tudo. Mas ouvi o Sr.Irwind falando que era algo importante.
- O que pode ser?
- Não faço idéia.
- Você acha que...
- O que?
- Bom, se o mestre e o Sr. Irwind já serviram juntos no exército então...
- O mestre pode estar partindo em uma missão do Exército Real junto com o Sr.
Irwind? – Concluiu Lwan
-Isso! E bem que poderíamos ir também.
-O que? Você ficou maluco?
-Lwan! Imagina só. Sempre quisemos sair pelo mundo. Agora é nossa chance.
-Eu sei. Mas queria esperar uma oportunidade em que não pudesse ser morto!

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-Lwan, escuta. – Yin se lembrou da aventura no Palácio Real. Agora os papéis
pareciam estar invertidos. - Semana passada, quando entramos no Palácio Real você
insistiu para eu ir com você. Agora é sua vez!
-Mas Yin! Agora é diferente. Não sabemos para onde vamos nem o que
passaremos!
-Lwan, lembre-se do que já conversamos sobre isso. Essa é nossa chance.
A maior parte dos meninos já se dispersava em direção à escola, onde as aulas
estavam prestes a começar. Lwan tirou seu olhar de Yin, olhou em direção ao prédio
principal, para o gramado e respirou. Falou então num tom mais baixo e triste:
-Desculpa Yin, dessa vez não posso, desculpa. – Abaixou então a cabeça e se
foi, juntando-se ao restante dos garotos. Quando subiu na varanda, olhou para o lado e
viu Inhi conversando com alguém. Respirou fundo e entrou na escola.
Yin ficou parado em pé no gramado, parecendo não acreditar na atitude de seu
amigo. Logo Lwan! –Pensou. Mas, antes que pudesse ficar mais desapontado com seu
colega, lembrou de Hanai. Se quisesse ir com ele, tinha que se apressar e segui-lo.
Correu então em direção ao dormitório para arrumar suas coisas. Depois pensaria em
como seguir Hanai sem ser visto. Torceu para não encontrar ninguém no seu caminho e
cruzou o gramado depressa. Logo quando entrou no dormitório, correu em direção a sua
cama. Ao lado dela havia um armário de metal, com um botão azul ao seu centro. Yin
então apertou o botão e as portas do armário recolheram-se para os lados. Apanhou
então algumas camisas, uma calça de algodão e seu traje de luta. Em seguida, colocou
tudo dentro de uma pequena mochila e se foi.
No último andar da escola, em sua sala, estava agora Hanai, já vestido com sua
antiga farda parda de capitão e diante do vidro que guardava sua espada. Naquele
instante, milhões de coisas começaram a passar pela sua cabeça. Aqueles gritos, aquela
chuva de sangue, aquelas pessoas mortas. Isso tudo iria se repetir? Resolveu esquecer,
pois já havia tomado sua decisão. Do lado do vidro havia um teclado com minúsculos
botões. Digitou uma senha e antes de apertar outro botão para confirmar, soltou o ar.
O vidro abriu-se, permitindo ver muito mais nitidamente sua espada, ainda
guardada dentro de sua bainha. Hanai retirou-a com cuidado e em seguida, a sacou e
segurou-a com força. Depois, por alguns instantes que mais lhe pareceram a eternidade,
ficou observando-a. Havia esquecido da quantidade de detalhes que aquela espada tinha
e quão bela ela era. Primeiro notou em seu cabo uma inscrição:

PARA A PAZ DE NOSSA TERRA, ASÍRIS

O cabo era feito de aço, pintado de preto e, lhe cobrindo em um tom prateado,
havia ramos de rosas talhados em alto relevo. As extremidades do cabo, por sua vez,
eram cobertas por um dourado escuro, enquanto em seu centro, um pouco acima da
inscrição, havia uma rosa - o símbolo da harmonia e da paz em Asíris - também em
prata. A lâmina que se seguia era feita de Diamante e Prima, os metais mais resistentes
de Asíris, um de origem natural e o outro artificial. Poucos centímetros após seu início,
contudo, a lâmina se dividia em dois seguimentos perfeitamente alinhados, separados
poucos centímetros um do outro. A ponta da lâmina de um dos seguimentos, no entanto,
terminava na metade da lâmina principal e tinha menor diâmetro. A outra lâmina, por
sua vez, só terminava bem mais além.
Hanai então correu os olhos pela lâmina maior e, ao final dela, sentiu o brilho do
sol que entrava pela janela da sua sala refletir em seu rosto e fazer-lhe fechar os olhos.
Assim que abriu, escutou alguém batendo em sua porta:
-Senhor, o veículo está a sua espera.

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Voltando a realidade, respondeu:
-Já estou indo. Obrigado – E guardou a espada.
Yin, carregando sua mochila nas costas, já corria em direção ao portão principal.
No entanto, logo notou que o portão estava agora protegido por dois soldados. Pôde
perceber também, observando por entre as grades, um veículo flutuador militar, cuja
textura possuía uma cor predominantemente areia, além de manchas amarelo escuro
espalhadas aleatoriamente. Tal textura era a mesma aplicada à maioria das unidades
militares Banshees – seja terrestre ou aérea - o que era perfeitamente explicável, uma
vez que, como praticamente todas as batalhas com os Furous era realizada em um
ambiente desértico – Kayabashi -, tal composição de tons conferia a essas unidades uma
camuflagem considerável em situação de conflito. Assim, logo após notar o veículo,
Yin reparou então em um terceiro soldado, bem ao lado do mesmo. Pensou então num
jeito de passar pelo portão e se aproximar do veículo sem ser notado. Em seguida, olhou
para o muro da frente do orfanato, lembrando que sempre o achara alto demais. Ficou
coçando a cabeça por um tempo, procurando uma solução.
Lembrou finalmente de um detalhe fundamental, que agora podia voar. Afastou-
se um pouco dos homens no portão para não ser visto e saltou pelo muro, pousando
levemente na calçada do lado de fora do orfanato. Em seguida, escondeu-se rapidamente
atrás de uma árvore na calçada da rua e aguardou os homens que guardavam o portão
lhe darem uma chance. Alguns segundos depois, os homens então viraram-se e entraram
orfanato adentro. Yin aproveitou a deixa e aproximou-se do veículo, abaixando-se perto
da parte de trás. O soldado que aguardava em pé, ao lado do flutuador, felizmente não o
viu, por estar de costas. Yin então abriu o compartimento de carga atrás do veículo e
tomou um susto:
-Lwan! – Exclamou baixo para não ser notado – Mas...
-Entra aí logo e fecha a porta.
Os dois agora se encontravam no escuro. Apenas um pequeno corte de luz, no
feche entre a porta do compartimento de carga e a carroceria do veículo, os iluminava.
Yin continuou falando baixinho:
-Mas você disse que não vinha.
-E ter que aturar aquele chato do Inhi? Ele sem dar ordem já é chato, dando
ordem então! Nunca. Prefiro fugir.
Yin sorriu de leve.
Logo em seguida, pôde-se ouvir vozes perto do veículo. Parecia ser do soldado
que estava perto do flutuador:
-Senhor, gostaria de lhe dizer que até a base de Dherates são aproximadamente
quatro horas de viagem, na velocidade máxima desse veículo.
-Tudo bem. Não tenho pressa. – A voz agora era de Hanai.
-Você ouviu Yin? Quatro horas de viagem! Vamos ficar espremidos aqui quatro
horas!
Yin então falou de um jeito irônico, que não era seu costume:
-Vai passar rápido. Fica tranqüilo – E sorriu.
O motor do veículo foi então ligado, emitindo um zumbido estranho, e os
garotos logo sentiram o carro se mover.
Poucos minutos depois, o flutuador saía finalmente da cidade de Mahani e
entrava pela Planície de Tirisfall. Quando chegou à uma estrada suspensa, aumentou
consideravelmente sua velocidade. No banco do carona, Hanai observava a paisagem,
com um olhar perdido. A rodovia erguia-se por muitos metros acima do solo e, lá
embaixo, a vista era de quilômetros e quilômetros de solo cultivado, imensas plantações
que separavam as cidades menores próximas de Mahani uma das outras. Suas casas e

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outras construções, por sua vez, passavam agora rapidamente pela janela do veículo,
bem embaixo da rodovia. Mesmo estendendo os olhos para o horizonte, só o que o
mestre de Yin e Lwan via era o mesmo verde com algumas ranhuras, belo e imenso,
porém. Ainda que uma floresta cortasse eventualmente a planície por alguns
quilômetros, a visão cor-de-esmeralda e plana logo não demorava para retornar.
No compartimento de carga, Yin e Lwan estavam completamente entediados e,
principalmente, com as pernas doendo. Mas sem dúvida, as de Yin atrapalhavam mais.
Não só as pernas como todo o corpo ainda estava doendo bastante. Lwan, reparando nas
constantes expressões de dor do amigo então comentou:
- Theria estava certa não é? Você ainda precisa de um tempo até se recuperar das
lutas de ontem.
Lwan então notou no corpo do amigo por inteiro. Estava completamente coberto
por faixas e esparadrapos.
-Eu...não podia...deixar de vir. – Yin respondeu com certa dificuldade, ajeitando
seu corpo em uma posição mais confortável, ou menos incômoda, naquele caso.
-E o pé? Reparei que você estava mancando.
-Está melhor. – Agora falando mais aliviado
-Você é doido mesmo. Não quero nem imaginar quando Hanai descobrir o que a
gente fez.
Yin permaneceu quieto.
-É melhor você dormir um pouco. Quando a gente chegar, eu te aviso.

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Capítulo 9 – A Base de Dherates

Assim que o flutuador desacelerou, a cabeça de Yin e Lwan foram contra a


frente do compartimento com uma força considerável. Ambos estavam dormindo e a
pancada serviu para que despertassem sem demora.
-Minha cabeça! – Reclamou Lwan
-Eu...acho...que chegamos – Arriscou Yin, ainda com expressão de dor e
também com a mão na cabeça.
-É melhor a gente esperar um pouco antes de sair.
Logo após sentirem o veículo parar, ouviram um barulho de porta se fechando e
resolveram esperar mais alguns minutos. Em seguida, abriram cuidadosamente a porta
do compartimento de carga onde estavam, fazendo com que a luz que vinha de fora
quase cegasse seus olhos, já acostumados a escuridão. Logo, portanto, perceberam que a
luz não era natural e que estavam, na verdade, dentro de um galpão enorme. Quando
puderam enxergar com mais clareza, olharam em volta e não viram ninguém. Então
saíram e, ajoelhados, fecharam a porta com cuidado.
-Yin! Que lugar é esse?
-É a tal base que eles estavam falando.
-Essa base deve ser enorme! Como vamos saber para onde foi o mestre?
-Temos que procurar.
-Você imagina quantos soldados esse lugar tem? Não conseguiremos ficar
escondidos por muito tempo.
-Primeiro temos que sair daqui. Se entramos por ali – Yin apontou para o imenso
portão semi-aberto do galpão por onde a luz do sol entrava – Então o único caminho é
por aquele outro portão ali.
Os meninos avistaram dessa vez, contudo, dois soldados guardando o portão, um
em cada ponta e empunhando um tipo de rifle bem maior do que aqueles que os
soldados de Mahani usavam.
-O único problema são os soldados.
Lwan não acreditou no que acabara de ouvir. Único problema?
-O que vamos fazer então?
Yin olhou então ao redor e notou algumas escadas de aço que levavam à uma
plataforma única, a qual contornava todo o lugar se estendendo há aproximadamente
dez metros de altura do chão. E encravados por toda a parede do galpão, um pouco
acima da plataforma, havia vários orifícios circulares.
-Vamos por ali.
-Por onde?
-Ali – E Yin apontou um dos orifícios com mais clareza à Lwan.
-Dutos denovo? Não acredito.
Em uma sala, bem perto dali, um soldado se aproximava de Hanai:
-Senhor Hanai. O senhor Irwind o espera na área de lançamento.
Sem demora, Yin e Lwan já haviam dado um jeito de subir as escadas e chegado
a plataforma sem serem vistos. Contudo, também já tinham chegado a conclusão de que
teriam que deixar suas provisões para trás, já que os dutos nos quais decidiram seguir
eram muito estreitos e caberiam somente seus pequenos corpos. Mais adiante, porém,
em um dos cantos da plataforma, notaram mais um soldado, esse mexendo em um
console que parecia ser o painel que abria o portão guardado pelos soldados com os
rifles. Antes que pudessem ser vistos por ele, entraram em dos dutos. Uma vez lá
dentro, Lwan comentou baixinho:
-Yin, não sabemos onde isso vai dar.

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-Contanto que não nos leve ao lado de fora, tudo bem. – Respondeu de imediato
o menino.
Engatinharam então alguns metros e logo avistaram inúmeros feixes vermelhos
de luz dentro do estreito túnel. Em seguida, aproximaram-se para ver do que se tratava.
-Não podemos continuar. – Falou Lwan.
-O que é isso?
-Lasers. Eles disparam um alarme quando são tocados. Não podemos seguir
pelos dutos, temos que procurar outro caminho.
Voltaram então um pouco atrás e viram, ainda no mesmo duto, uma abertura que
dava à uma sala bem menor e bem diferente do galpão em que haviam acabado de sair.
Estava bem iluminada e com o chão coberto por um carpete azul. Parecia uma espécie
de hall de espera ou algo parecido. Pela abertura, se podia também ver as duas duplas de
soldados que guardavam as duas únicas portas de acesso à sala. Por azar, os soldados
estavam virados uns contra os outros.
-Não podemos pular sem sermos vistos. – Falou Lwan.
-Você ainda tem algum saco daquele que sai fumaça?
-Tenho, mas não posso usá-lo senão disparariam o alarme. Temos que pensar em
outra... – Lwan então parou e começou a revirar seus bolsos. Achei!. - E continuou. –
Tem que parecer algo natural.
Os soldados estavam imóveis quando, subitamente, o alarme daquela ala
começou a soar. Segundo os sensores em seus capacetes, alguma coisa havia acionados
os lasers nos dutos bem perto dali. Por isso, prontamente apontaram seu rifles em
direção ao teto da sala onde estavam. De repente, um bicho saltou da abertura pela qual
Yin e Lwan estavam observando momentos antes. Contudo, os soldados não demoraram
muito para notar que se tratava de um simples rato.
Ala A2! O que está acontecendo aí? – Falou uma voz saindo pelo comunicador
de um dos soldados.
-É só um rato, central. Pode desligar o alarme. – Respondeu o soldado.
Neste instantes, dois “ratos” enormes já tinham acabado de sair do duto onde
estavam, indo parar em mais uma plataforma de um outro galpão, mais ao interior da
base.
-Lwan, você é um gênio! Agora nem me diga como esse rato foi parar no seu
bolso.
A surpresa de Yin não era para menos. Em um plano rápido, Lwan primeiro
havia encostado de propósito nos sensores e, em seguida retirado o animal do bolso e
jogado na passagem que dava para a sala onde estavam os soldados. Os meninos
aproveitaram a deixa para passar pelos lasers rapidamente até chegarem na outra
extremidade do duto. Logo quando saíram, coincidentemente, o alarme parou de tocar.
-Agora vamos. – Falou Lwan – Me agradeça depois.
Nesse novo galpão as coisas pareciam se complicar. Afinal, estava cheio de
soldados andando pra lá e pra cá e outros parados vigiando os portões de acesso, que
agora eram três. Os meninos então correram, desceram a plataforma por uma escada e
logo se esconderam atrás de um caixote bem ao lado dos últimos degraus. Olharam
então para as inscrições acima dos três portões de metal daquele galpão:

ALA A – ENTRADA PRINCIPAL

Era aí que estávamos antes. – Falou Lwan. Yin balançou a cabeça positivamente.
Olharam então à sua esquerda:

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ALA B – LABORATÓRIOS

E finalmente, a sua frente:

ALA C – DEPÓSITOS 1, 2 e 3

-Acho que é por ali – Opinou Yin.


-Como vamos entrar? Só se fossemos invisíveis para passar por todos esses
soldados sem sermos vistos.
-Não faço idéia – respondeu Lwan, observando que, de fato, o portão de entrada
para a ala c ficava do lado oposto de onde os meninos estavam.
Yin e Lwan ficaram então um bom tempo pensando. No entanto, sabiam que não
podiam ter calma. Foi então que Lwan se lembrou de algo.
-Yin, porque você não usa o que você aprendeu no treinamento com o mestre?
Escute, você pode usar seu poder para roubar um dos cartões que esses soldados usam
para irem de uma ala à outra. Aí teremos acesso liberado. Já é um começo.
Yin então entendeu que essa não era má idéia de todo. Olhou em volta e
encontrou um soldado descuidado com seu cartão amostra, saltando pelo bolso de sua
farda branca.
-Anda Yin, você consegue! – Lwan tentou incentivar o colega.
Yin então respirou profundamente e, em seguida, soltou o ar e fechou os olhos.
Em seguida, abriu-os lentamente, levantando seu braço direito. Começou a se
concentrar e fazer uma força enorme na palma de sua mão. O cartão dentro bolso do
casaco do soldado não demorou muito para começar a balançar.
-Isso! – Exclamou Lwan – Você consegue! Agora calma.
Yin começava a suar frio e seu braço começava a tremer bastante. O cartão então
finalmente caiu no chão e aos poucos, foi se aproximando de onde estavam os meninos.
Felizmente, ninguém no local notou o estranho fenômeno. Assim, alguns instantes
depois e o objeto já estava na palma da mão de Yin.
-Isso!
Yin estava com um pouco de falta de ar mas, mesmo assim, conseguiu dizer
algumas palavras:
-E...e...e agora? – Sussurrou com dificuldade.
-Agora temos que pensar.
-Não podemos pensar muito.
-Já sei! – Lwan tinha um outro plano.
-Olhe. Aquele soldado está levando esses caixotes em cima de alguns carrinhos e
empilhando-os até o outro lado, perto do portão da ala c. Talvez a gente possa se
esconder em um dos lados do carrinho e aproveitar a “carona” sem ser visto.
Yin olhou o soldado – que era o mais próximo deles – pensou, pensou e concluiu
que não tinha outra idéia. Contudo, sabia que esse era, sem dúvida, o plano mais
arriscado, para não dizer estúpido, que eles haviam elaborado até agora. Afinal, se o
soldado simplesmente resolvesse “contornar” o carrinho, estava tudo acabado. Mas não
tinha jeito, era a única solução.
Assim, antes que o soldado voltasse para pegar mais um carrinho com um
caixote, os meninos logo correram para um dos lados do carrinho. Sem demora, o
soldado então começou a empurrá-lo pelo lado oposto, sem notar Yin e Lwan que logo
tomaram cuidado para andarem na mesma proporção que ele. O barulho de botas
batendo no chão a pouco menos de um metro, como não podia ser diferente, começou a
deixá-los nervosos. De repente, o barulho parou, junto com o soldado e com o carrinho.

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-Irew, me traga algumas ferramentas aqui. Parece que essa coisa está com
problema em uma das rodas.
Os meninos congelaram. Naquele momento, tinham certeza que sua aventura
tinha chegado ao fim.
Nesse instante, o outro soldado chegou:
-Temos que tirar esse caixote para podermos consertá-la.
-Muito bem. Vamos! – E começaram a levantar o caixote com as próprias mãos.
Os meninos, instintivamente, começaram então a “acompanhar” o movimento do
caixote, que finalmente foi colocado ao chão. Conseguiram, como que em um milagre,
permanecerem sem serem vistos, agora de cócoras e quase sentados ao chão.
Agradeceram, por fim, por aquela caixa de papelão ser tão grande.
O guarda então se abaixou e começou tentar consertar a roda do carrinho com
algumas ferramentas trazidas. Em menos de um minuto já havia desistido.
-Me traga outra coisa dessa! Estou sem tempo.
Sem demora, o outro soldado então veio com um carrinho mais novo,
estacionando-o ao lado do primeiro, esse com o caixote bem a sua frente.
-Vamos! – E começaram a levantar o caixote novamente, dessa vez com a
intenção de transportá-lo para o outro carrinho ao lado. Obrigaram, assim, os meninos a
mais uma vez seguirem cuidadosamente sua trajetória.
Algum tempo depois e o novo carrinho com o caixote já estava parando perto da
entrada de acesso a ala c, bem ao lado do imenso portão para a mesmo local.
-Não acredito! Conseguimos! Vamos. – Falou Lwan.
E antes que o soldado retirasse novamente, enfim, o caixote do carrinho, Yin já
havia puxado o cartão do bolso e entrado pela porta junto com seu amigo.
Ambos então chegaram a um corredor, dessa vez, sem soldados. Foram até o seu
final e utilizaram o cartão novamente em outra porta, ao mesmo tempo em que oraram
para que não houvesse nenhum soldado guardando a entrada do outro lado.
Quando a porta se abriu, os meninos não acreditaram no que viram. Aquele novo
galpão superava com muita facilidade o tamanho dos outros dois. Dentro dele, haviam
inúmeras fileiras de tanques de assalto percorrendo todo o lugar. Eram tantos tanques
que os meninos nem ousavam em tentar adivinhar quantos. Pelo menos, havia muito
lugar aonde se esconder.
Do outro lado do galpão havia novamente algo escrito na parede. Contudo,
estava tão distante que só depois de percorrerem boa parte do galpão, escondendo-se por
entre alguns tanques, os meninos conseguiram ler:

DEPÓSITO 2

Viraram o olhar para a esquerda e então leram:

DEPÓSITO 3
ÁREA DE LANÇAMENTO

-Acho que é por ali. – Agora foi a vez de Lwan falar


Yin não se impressionou muito com o palpite de Lwan, afinal, o que ambos
menos queriam naquela hora era mais um labirinto de tanques.
Seguiram em direção ao portão que dava para a tal área de lançamento. Sem
ainda nenhum guarda por perto, Yin passou o cartão ao lado da porta. Chegaram a outro
corredor, também sem nenhum guarda. Está muito fácil! – Pensava Yin. Seguiram pelo
corredor e, dessa vez, chegaram à a porta de um elevador. Ao seu lado, havia outro

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painel com entrada para um cartão. No entanto, após Yin passar o objeto no painel, ao
invés da porta se abrir, uma luz vermelha acendeu e um apito grave e curto foi emitido.
-O que está acontecendo? – Perguntou Yin.
-Não sei, tenta denovo.
Yin tentou mais três vezes. A mesma luz e o mesmo apito.
-O que está acontecendo Lwan?
-Acho que o soldados que você roubou o cartão não tinha autorização para usar
esse elevador.
Yin passou o cartão mais três vezes. E nada.
-Pelo menos sabemos que tem algo de importante aí.
-Lwan, pare de brincar! O que vamos fazer agora? – Yin ficava impaciente.
-Não sei, só não podemos voltar e... – Um som fez os meninos tremerem. Passos
se aproximavam deles.
-Yin, pensa em alguma coisa rápido! Se nos encontrarem aqui vão nos matar e...
– Quando Lwan voltou o olhar a seu amigo, se surpreendeu. Afinal, Yin já estava com
as mãos enfiadas por entre a brecha das portas do elevador, tentando abri-las à força.
-Yin, o que está fazendo?
O menino parecia não escutar-lhe.
-Yin, você pirou? Essa porta é muito resistente para você abrir. Desiste! Não dá
pra você fazer isso!
Nesse momento o corpo de Yin tremia por inteiro, seus dentes estavam
absolutamente cerrados e sua respiração bastante ofegante. A força que Yin estava
fazendo era algo absolutamente anormal.
-Yin me esc... – Porém, antes que Lwan pudesse terminar a frase, percebeu que a
pesada porta de aço começava a se abrir lentamente.
-Vai... – Yin exclamou com extrema dificuldade.
-Mas tem um buraco! Se eu for, eu vou cair no buraco e...
-Pula... – Yin parecia não ter mais forças para falar uma terceira vez.
Lwan então confiou no seu amigo e pulou em direção ao poço escuro do
elevador. Yin pulou logo depois, largando em seguida a porta de aço, a qual logo se
fechou novamente com extrema violência, bem atrás dele.
Yin e Lwan estavam agora no escuro e caindo. Porém, o primeiro logo segurou o
corpo de seu amigo para poupar-lhe de uma queda fatal. A aterrissagem, não muito
confortável, foi feita logo depois no teto do elevador, que estava parado há alguns níveis
mais abaixo.
Logo que conseguiram se colocar de pé, tiveram que pular para uma brecha
entre a parede do poço e o elevador, que subitamente começou a subir e torceram para
não serem esmagados. Logo em seguida, pularam então no fim do poço, exatamente
onde o elevador estava segundos antes. A frente deles havia agora um degrau, com uma
porta de aço bem acima, semelhante a que Yin havia aberto com as próprias mãos há
pouco tempo. E, embaixo do degrau havia um duto de serviço, ainda menor do que
aquele no qual Yin e Lwan entraram logo que chegaram a base de Dherates. Contudo,
como estava sem sensores, os meninos não pensaram duas vezes antes de entrarem pela
nova e estreita passagem.
Rastejaram muitos metros até notarem, por diversas aberturas pequenas no duto,
bem abaixo deles, um outro depósito gigantesco repleto de tanques. Na medida em que
avançavam, iam percebendo a real magnitude daquela base chamada Dherates.
Diferente do depósito anterior, este também estava repleto de soldados e outros
funcionários. Continuaram pelo duto e chegaram a um outro galpão enorme, que dessa

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vez parecia um hangar, já que nele não haviam inúmeros tanques e sim aeronaves de
todos os tipos enfileiradas.
O hangar, assim como o depósito anterior, também tinha muitos soldados. Perto
de um cargueiro, os meninos notaram finalmente um rosto familiar. Era Hanai. E ao seu
lado, um sujeito alto, forte, de capa, carregando uma imensa espada. Não podia ser
ninguém a não ser Irwind. Ao lado de Irwind, por sua vez, havia outro sujeito, não
reconhecido pelos meninos. O homem possuía olhos bastante puxados, baixa estatura,
cabelos ralos e arrepiados e pele morena, além de estar também fardado de verde e não
reconhecido pelos meninos.
-É o mestre e o Sr. Irwind! Conseguimos!
Naquele instante, Hanai e Irwind olhavam fixos para a imensa nave bem ao lado
deles.
-É, vamos voar nisso aí meu amigo. Chegaremos em Marahana em quatro horas,
aproximadamente, segundo o comandante Nissu. Estou certo comandante? – Perguntou
Irwind.
- Exatamente. Esse é um dos modelos de cargueiros mais novos e velozes já
produzidos. Uma dezena deles chegou a Dherates não faz nem uma semana. Está
novinho em folha. – Respondeu o comandante, que era o homem junto a Hanai e Irwind
e responsável máximo por aquela base.
Há muitos metros de distância, Yin já se sentia angustiado por causa do limitado
diâmetro do duto. Em seguida, falou:
-Temos que descer. Parecem que já vão partir.
Os meninos resolveram então não esperar mais e empurraram a grade de uma
das pequenas aberturas no dutos que dava para o hangar. Em seguida saltaram,
chegando ao chão do galpão, e logo procuraram um novo esconderijo. A frente deles,
havia uma caixa cheia de armamentos, com a tampa aberta. Yin não esperou e logo
pulou para dentro da caixa. Em seguida, deitou-se de bruços para se acomodar.
-Lwan, vem! – Falou baixinho.
Lwan deu uma rápida analisada na caixa:
-Yin, não dá! Essa caixa só tem espaço pra um!
-Vem que dá!
-Yin, não dá! – O menino então olhou por cima da caixa e viu um soldado se
aproximando perigosamente.
-Yin, tem um soldado vindo, tenho que ir.
-Mas pra onde você vai?
-Não sei. Mas... – Parou um pouco e continuou. - Cuide-se.
-O que? Lwan, o que está falando?
-Não dá mais pra eu seguir em frente Yin. Adeus.
-Lwan?
Lwan então correu de volta em direção ao duto pelo qual tinha acabado de sair e
falou uma última frase à Yin:
-Boa sorte!
-Lwan!
Assim que o menino sumiu por dentro da passagem, Yin sentiu a caixa se
movendo e resolveu fechar a tampa por precaução. Demorou um tempo até entender que
estava sozinho de agora em diante. Ou pelo menos sem seu melhor amigo.
Um tempo depois e sentiu a caixa enfim parando de se mover. Alguns minutos
depois notou tudo tremendo e ouviu zumbido de motor, que logo tornou-se
ensurdecedor.

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Lwan observava tudo de dentro do duto. Não fazia a menor idéia de como sairia
daquela situação. Desejou novamente boa sorte à Yin, enquanto via o cargueiro com
Hanai, Irwind e seu amigo dentro passar pela enorme escotilha que tinha se aberto no
teto do hangar, rumo ao céu de Asíris.

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Capítulo 10 - O Céu de Asíris

Yin já se sentia sufocando quando resolveu abrir a caixa de armas, pouco


importando se alguém o veria dessa vez. Estava com a respiração tão dificultada que a
sensação do ar voltar-lhe aos pulmões era o mais importante naquele momento. Quando
abriu a caixa, porém, pôde ouvir vozes vindo bem perto dele. Colocou então os pés no
chão e logo sentiu seu pé direito voltar doer. Caminhou com dificuldade até uma pilha
de caixas e inclinou a cabeça de lado para ver por detrás delas.
A frente do compartimento de carga da nave havia uma dúzia de soldados
sentados, segurando seus rifles. Alguns estavam com a cabeça abaixada enquanto outros
conversavam. Aqueles homens faziam parte, na verdade, da comitiva militar que
acompanhava Irwind toda vez que o mesmo saía de Mahani, agindo como fiéis guarda-
costas do general. O local onde os soldados estavam reunidos, por sua vez, se
encontrava mais iluminado – devido a luz que vinha do nível superior - do que onde Yin
estava, junto as cargas, o que conferia ao menino um pouco mais de segurança. Por isso,
percebeu que deveria permanecer escondido por mais um tempo, apesar de saber que
uma hora teria que se revelar. Precisava, porém, antes de mais nada, pensar em algo a
dizer para Hanai. Apesar de em momento ter se sentido arrependido da decisão de
segui-lo, nem mesmo agora que estava sem a companhia de seu melhor amigo, a
simples explicação de que precisava ir atrás de seu mestre porque queria viver aventuras
pelo mundo parecia não ser suficiente para salvá-lo da maior repreensão e castigo que
iria ouvir e sentir na vida.
Alguns segundos depois, porém, seus pensamentos foram cortados por uma dor
terrível. E, quando virou para sentar-se em uma das caixas, forçou ainda mais seu pé
machucado e foi ao chão. O barulho do encostão que deu em uma das caixas na queda
logo chamou a atenção dos soldados perto dali. Prontamente, empunharam seus rifles e
apontaram-nos em direção aonde estava Yin. Porém, como estava escuro, foram
obrigados a caminhar mais alguns passos até aquela direção para ver o que havia
acontecido.
Quando o soldado da frente contornou a primeira pilha de caixas não acreditou
no que viu.
-Um garoto! Como isso é possível? – Exclamou.
Yin estava deitado no chão, com o corpo contorcido e com uma de suas mãos
segurando seu pé direito. Tentou olhar para o soldado e dizer-lhe alguma coisa, mas a
luz que vinha da lanterna de seu rifle, apontada diretamente para os seus olhos, quase o
cegava. Conseguiu apenas ver as sombras de dois outros soldados saindo por detrás do
soldado que apontava a arma para ele e, logo em seguida, sentir ser puxado com
bastante força.
-Levem-no para cima! – Disse o soldado do meio.
Na cabine de comando do cargueiro, Hanai olhava agora por uma pequena janela
na lateral. Vista de cima, Asíris era sem dúvida de uma beleza ainda mais indescritível.
Naquele momento, já haviam deixado para trás a Planície de Tirisfall e,
consequentemente, as inúmeras cidades presentes na região e estavam sobrevoando
agora a Floresta de Noah, a maior de toda Asíris. A floresta, apesar de ter a maior parte
de sua extensão tomando praticamente todo o leste do domínio Banshee, também
possuía um prolongamento que se localizava exatamente no meio da caminho entre a
Base de Dherates e o início do Deserto de Kayabashi.
O mestre de Yin parecia estar com um olhar perdido e observava agora as
ondulações das Correntes de Ashmaran cortando o céu azul. Não deixou de notar

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também, pois isso era impossível àquela altitude, a imponência e ostentação das luas
Calisto e Giamate na imensidão celeste.
Tais satélites naturais carregavam consigo o nome de dois antigos reis de
Mahani e não foram batizados assim de forma aleatória. Afinal, segundo a tradição
Banshee, esses dois reis, cujas existências foram separadas por cerca de cinco séculos,
haviam enfrentado, talvez, os maiores desafios que um governante real jamais poderia
enfrentar em Asíris. Afinal, encararam tempos de mudanças climáticas severas e tudo o
que tal fato poderia acarretar, como pestes em abundância e proliferação de doenças,
além de um ríspido racionamento de água e alimento por todo o domínio Banshee, que
durou por muitos anos. Como se não fosse o bastante, foi um tempo de pesadas
investidas militares da parte dos Furous, pelos mesmos saberem da fragilidade crescente
do seu inimigo.
Porém, com punhos firmes e, principalmente, oratórias afiadas, Calisto e
Giamate conseguiram superar as chagas surgidas durante seus governos, conseguindo
consolidar um forte sentimento de aliança perante todo o povo Banshee e provocar um
ímpeto em seus comandados militares em usar o fogo de suas armas com toda a vontade
que lhes era possível, afim de deter os crescentes ataques inimigos.
Sim, esta breve história pode ser mencionada tanto para narrar a passagem de
Calisto quanto a de Giamate por Asíris. Essas, contudo, eram somente as principais
coincidências ocorridas durante seus governos e muito tempo seria necessário até que
fossem numeradas todas elas. Porém, se o que o destino reservou para estes dois
grandes reis era de uma similaridade impressionante, não se pode dizer o mesmo da
Natureza. Afinal, as diferenças não só físicas, como psicológicas entre os dois reis era
mais que evidente, sendo exatamente tais diferenças o critério utilizado para a
(re)nomeação dos corpos celestes que orbitavam Asíris. Até mesmo Yin e Lwan, caso
fossem mais atentos à suas aulas de História, teriam reconhecido ambos e todas suas
divergências corporais esculpidas em mármore, quando eram conduzidos por Irwind
através da fileira de estátuas – dentre as quais estavam presentes as figuras de Calisto e
Giamate – no saguão principal do Palácio Real, após terem invadido o mesmo cerca de
uma semana atrás.
Em suma, enquanto Giamate era retratado como um homem alto, corpulento,
que esbanjava virilidade em suas ações e palavras, Calisto sempre fora lembrado como
um rei demasiadamente franzino, porém bastante elegante, astuto e perspicaz. Por isso,
à maior das luas foi dado o nome de Giamate, que possuía quase o dobro de diâmetro de
sua irmã. Calisto, em contrapartida, orbitava Asíris a uma distância menor. De qualquer
forma, e o mais importante a se dizer, é que os reis Calisto e Giamate viveram tempos
de muita luta, suor e sangue e, através de caminhos tortuosos, alcançaram a glória e
permaneceram marcados para sempre no coração do povo Banshee como os maiores
reis da história de seu mundo. E, somente por isso, tiveram seus nomes eternizados nos
corpos celestes que ajudavam tornar Asíris ainda mais bela.
Sabendo de tudo isso, Hanai imaginou se não estava bem perto a hora do rei
Serph enfrentar uma provação tão nefasta quanto à desses antigos reis. Pelo menos era o
que sua intuição lhe dizia. Lembrou, porém, que não havia um terceiro astro no céu de
Asíris para lhe servir de homenagem quando tudo tivesse um final feliz. Imaginou,
então, o quão irônico tal pensamento podia ser. Observou o incomum alinhamento –
quase perfeito – entre ambas as luas no céu e Asíris e expirou. Por fim, voltou seu olhar
finalmente para baixo e viu as copas das árvores da densa Floresta de Noah, muito
pequenas aquela altura. Irwind, logo após dar algumas ordens ao piloto da nave,
aproximou-se:
-Estamos quase na metade da viagem meu amigo, logo chegaremos à Marahana.

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Hanai, sem tirar os olhos da janela, balançou a cabeça, fazendo sinal de
afirmativo.
Irwind então reparou na quietude de Hanai e perguntou-lhe:
-Hanai, você permaneceu quieto a viagem toda. O que lhe preocupa?
Seu amigo permaneceu quieto alguns segundos e então respondeu:
-Estou pensando em suas palavras Irwind. Estou ao mesmo tempo excitado a
apreensivo com a idéia de uma possível batalha final entre Banshees e Furous. Espero,
de qualquer forma, que tudo tenha um fim logo. Não desejo que Asíris passe por um
sofrimento maior do que já há.
Irwind, com a expressão mais séria do que antes, respondeu-lhe:
-Tenho certeza que terá. A batalha contra os Furous realmente pode ser a mais
difícil que já enfrentamos. Mas tudo terá um fim rápido meu amigo, lhe garanto.
Antes que Irwind pudesse terminar seus pensamentos, um soldado entrava pela
porta da cabine de comando, acompanhado de outros dois, os quais seguravam Yin.
-General, encontramos esse garoto escondido no compartimento de cargas.
Quando Irwind percebeu de quem se tratava, não acreditou e exclamou:
-Não é possível!
Nesse instante, Hanai já olhava fixo para Yin. O menino reparou, mas mal podia
abrir os olhos devido a dor que ainda sentia. Seu mestre então se aproximou, segurou-o
pelo braço e disparou:
-Yin! O que você está fazendo aqui? Perdeu completamente o juízo?
-Mestre... – O menino tentou sussurrar algumas palavras.
-Não é possível! Como pode ser tão desobediente? – Parou um pouco e sem tirar
os olhos de Yin, virou-se para Irwind:
-Devemos voltar agora! Ele não pode seguir conosco!
-Não podemos voltar Hanai, desculpe.
-Mas devemos! Yin não pode ficar aqui!
-Se voltarmos, nos atrasaremos. E, como você sabe, essa missão é
demasiadamente importante e urgente para perdermos qualquer tempo.
Irwind então virou os olhos para Yin. Reparou na expressão de dor do menino e
pediu para que os soldados o soltassem. Assim que cumpriram a ordem, Yin desabou ao
chão. Irwind então, reparando na incapacidade de Yin de se mover, aproximou-se:
-O que houve garoto?
-Meu pé...
Antes que Yin pudesse falar mais alguma coisa, Irwind puxou a manga de sua
farda e aproximou sua mão direita do pé de Yin. Um brilho amarelado começou irradiar
de sua mão e, aos poucos, o menino começava a recuperar o movimento do pé
machucado. Os soldados precisaram se conter para não demonstrar sua surpresa, pois
nenhum deles sabia daquele poder especial de Irwind, apesar de todos terem a
consciência de que seu general era um poderoso Kogun. Quando terminou de curar o pé
de Yin, Irwind, reparando nos demais ferimentos do menino, percorreu então a mão por
todo o seu corpo. Em alguns instantes, o menino já se mostrava bem mais disposto:
-Obrigado, Sr. Irwind. – Disse, ainda confuso como o general conseguira fazer
aquilo.
-De nada garoto. Mas me diga. O que diabos está fazendo aqui?
Contudo, antes que Yin pudesse dizer mais alguma coisa, um alarme soou na
cabine de comando.
-General! Venha aqui rápido! – Exclamou o piloto do cargueiro, logo em
seguida.
Irwind então correu em direção ao lado do piloto:

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-O que foi?
-O radar. Está indicando algo.
-O que?
-Não sei, mas parece que partiu do meio da floresta e está vindo exatamente em
nossa direção!
- Mas o que? – Irwind parecia não acreditar.
O piloto então apontou para um pequeno radar no painel da nave. Um ponto
branco e brilhante dirigia-se ininterruptamente em direção ao cargueiro, representado no
centro do radar.
-Mas o que é isso?
-Pela velocidade parece um míssil senhor! – Confirmou o piloto.
-Um míssil? Não pode ser! Quem está nos atacando?
Irwind então olhou para o vidro a sua frente e não acreditou no que viu
despontando no horizonte. Em seguida, o piloto deu um breve aviso para que todos
segurassem firme. E, em uma fração de segundos, teve que usar todo seu reflexo para
desviar do objeto, que passou a poucos metros da asa esquerda do cargueiro, fazendo
uma linha de fumaça logo se formar bem perto da aeronave. Aquele tinha passado bem
perto. Assim que conseguiu estabilizar novamente o cargueiro, no entanto, um outro
feixe brilhante surgiu a frente. Por ser uma nave pesada, uma outra manobra daquela
seria impossível de ser executada em um espaço de tempo tão curto. Dessa vez,
portanto, não havia nada a fazer. Assim, segundos depois, um outro míssil atingiu em
cheio a asa direita da aeronave, fazendo-a logo despencar a uma velocidade incrível.
Todos, ainda confusos, seguraram-se como podiam e esperaram o pior. Afinal, sabiam
uma queda daquela altura e naquela velocidade seria o fim.

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Capítulo 11 – A Floresta de Noah

O piloto da nave, vendo a mesma se aproximando agora rapidamente das copas


das árvores da Floresta de Noah ainda em altíssima velocidade, tentou com todas as
suas forças estabilizá-la. Em seguida, porém, não pôde impedir que o veículo, agora
como um bola em chamas, passasse a arrastar violentamente os galhos da floresta que
começaram a ir contra sua direção. E, para complicar a situação, segundos depois, um
violento choque fez com que a parte traseira se partisse e se separasse do restante. Tal
fato, porém, não impediu que o cargueiro ainda percorresse muitos metros, até que sua
velocidade começasse a diminuir finalmente.
Assim, instantes depois, um imenso destroço – que correspondia a parte da
frente da nave, na qual todos se localizavam antes da queda - pairava sobre uma
clareira, na sombria floresta de Noah. O silêncio durou por muito tempo, até que alguns
gemidos pudessem finalmente ser ouvidos. De dentro dos destroços, o primeiro a se
colocar de pé foi Irwind, com a ajuda de sua espada. O general estava com muitos
ferimentos no rosto e sentia sua cabeça doer. Em seguida, caminhou alguns metros,
ainda tonto pela queda.
-Estão todos bem? – Gritou, com esforço.
Não houve resposta. Aproximou-se da cabine de comando destruída e viu o
corpo ensangüentado do piloto deitado sobre o painel. Olhou então a sua volta e viu
apenas os restos contorcidos da fuselagem do cargueiro e seus propulsores destruídos,
misturados com parte da carga, espalhada por todo o canto.
-Estão todos bem? – Perguntou novamente.
Finalmente viu um soldado surgir de dentro dos destroços, aproximando-se e
cambaleando.
-Senhor!
Irwind virou-se para ouvi-lo.
-Senhor, o que houve?
-Foram os Furous.
-Mas como?
-Não sei.
Nesse momento, saía de trás de um outro pedaço de fuselagem, Hanai,
aparentemente bem. Em seguida, Irwind também pôde ver outros dois soldados,
levantando um caixote. De baixo, saía agora Yin, com o corpo um pouco ferido.
Hanai, também tonto e com sua farda parda agora completamente encardida,
aproximou-se então de Irwind:
-O que aconteceu Irwind?
-Os Furous nos atacaram.
-Mas ainda estamos em território Banshee. Não há Furous por aqui.
-Pois é, não compreendo.
-O que vamos fazer agora?
Irwind então voltou para dentro dos destroços, afastou o corpo do piloto morto e
mexeu em alguns botões no painel.
-O rádio não funciona, nem o radar, tampouco o localizador. Estamos perdidos e
sem comunicação. Maldição!
-Já estávamos sobrevoando a floresta a algum tempo. Devemos exatamente estar
no meio dela. – Arriscou Hanai.
- Sendo assim, não podemos ficar aqui, senão nunca nos acharão. Temos que
partir. Vamos pegar o que nos resta, armas, suprimentos, equipamentos e procurar
algum lugar aonde possam nos resgatar.

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-E o que faremos com os feridos? – Perguntou um dos soldados, apontando para
os outros membros caídos ao chão e aparentando sentir bastante dor. Com aqueles
homens, o número exato de sobreviventes chegava a doze, sendo que de Dherates
haviam partidos exatamente vinte membros do Exército Real, além de Yin.
-Não os deixaremos aqui. Por mais que quisesse, não posso usar meus poderes
para curar todos de uma vez só. Afinal, também estou bastante debilitado. Por isso,
levaremos eles até um lugar onde possam receber um tratamento adequado.
Assim, logo depois, deu suas ordens em voz alta:
-Soldados! Temos que partir assim que pudermos. Essa floresta é de difícil
acesso, por isso, se ficarmos aqui nunca nos acharemos e morreremos. Pegaremos só o
necessário, aquilo que pudermos levar e partiremos. Ainda temos uma missão a
cumprir, não se esqueçam. Não será essa floresta que irá nos impedir!
Assim, o grupo, logo após se organizar e se recuperar da queda da aeronave,
partiu em direção a floresta de Noah, levando nas mochilas em suas costas apenas o
essencial pra sua sobrevivência. Contudo, como a maior parte das provisões havia sido
perdida na parte traseira que havia se desprendido do cargueiro na queda, seus recursos
eram muito escassos, fazendo Irwind logo calcular que não durariam mais do que uma
semana. Por isso, tinham que torcer para que chegassem logo ao fim da floresta ou
serem salvos sem demora.

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Capítulo 12 – O Medo Oculto

O grupo já havia caminhado algumas horas e o pouco do sol que entrava por
entre as folhas das árvores daquela escura e densa floresta já começava a sumir. Afinal,
a noite caía depressa. Irwind, com Hanai logo atrás, caminhava na frente, liderando o
grupo, quando ordenou para que todos parassem.
-Muito bem! Ficaremos aqui esta noite.
A notícia foi muito bem aceita pelos soldados, que estavam exaustos, com sede e
com fome. Logo depois dada a ordem, começaram então a montar suas barracas. Irwind
vigiava seus comandados quando um dos soldados, com os olhos entreabertos por causa
do cansaço e suando resolveu falar:
-Senhor!
-Sim?
-Senhor, essa floresta...
-O que tem?
-É perigosa, acho que o senhor sabe...
-Sim, também sei o que a torna perigosa.
-O que faremos senhor?
-Falarei para todos o que cada um deve fazer.
-Caso um daqueles seres apareçam? – perguntou aflito o soldado.
-Caso o grupo esteja em perigo.
Sentado em uma pedra perto dali, Yin finalmente pôde descansar. Seu corpo
todo doía, parte pela exaustão da caminhada recente e parte pela queda. De qualquer
forma, imaginou a grande sorte que tivera ao escapar vivo daquele terrível acidente.
Logo depois, aproximou-se Hanai, que, mesmo tentando concentrar suas energias para
sair daquela floresta o mais rápido possível, não poupou Yin de mais uma bronca.
Aproximou-se e disse em voz firme:
-Por isso que você fez Yin, de ter vindo até aqui sem minha permissão, ficará
sem treinar por meses quando voltarmos. Agora estamos perdidos aqui e você é mais
uma preocupação para todos nós!
-Mestre, eu só queria...
-Queria?
-Queria conhecer o mundo. Assim como o senhor quando esteve no exército.
-Conhecer o mundo? Você está louco? Quantas vezes tenho que te dizer Yin,
que tudo tem seu tempo. Quando tinha sua idade, também pensava igual a você, mas
esperei o momento certo. Se quiser seguir meus passos ouça o que eu tenho a dizer.
Yin então calou-se. Estava muito cansado e sem o que dizer para seu mestre, que
estava completamente certo.
Hanai então finalizou:
-Nunca mais me desobedeça. Quando chegar sua idade de sair do orfanato, você
estará livre para fazer o que quiser. Até lá, tenha paciência.
Nesse momento, Irwind aproximou-se dos dois, cortando a conversa claramente
unilateral:
-As barracas já estão montadas e daqui a pouco comeremos alguma coisa, antes
de dormir. Vim aqui para avisá-los. E Hanai, preciso falar com você.
Hanai então virou-se para Yin novamente:
-Yin, você escutou. Agora vá para perto dos soldados. E não se perca por aí.
Irwind então esperou o menino se for para começar a falar.
-Hanai. Você sabe o que falam sobre essa floresta.
-E dos seres que a habitam.

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-Exatamente.
-O que tem?
-Meus homens estão receosos. Eles são corajosos, mas já ouviram histórias
demais sobre esse lugar.
-Sobre os Kharkis, você quer dizer.
-Isso.
-É só tomarmos certas precauções, meu amigo.
-Eu sei. Já mandei desligarem todas as luzes no momento em que forem dormir e
não deixarem nenhum alimento destapado. Mas esses demônios. Você sabe como são.
Você lembra do incidente que tivemos alguns anos atrás, quando estávamos em uma
missão de treinamento perto de Noah não?
Hanai balançou a cabeça consentindo.
- Ninguém sobreviveu Hanai, ninguém daquela tropa.
-Eu sei meu amigo. De qualquer forma, é só não termos medo. Você pode
ordenar para que uma dupla fique de vigia essa noite. E ainda temos a cerca a laser
movida a baterias. Não precisa se preocupar.
-Na verdade não estou preocupado. A única coisa que me preocupa é a missão.
Temo que seja tarde quando chegarmos em Marahana. Temos que nos apressar.
Yin comia timidamente sentado um uma pedra e próximo a alguns soldados,
quando um deles perguntou curioso:
-Quer dizer amiguinho, que você conseguiu entrar em Dherates sozinho? Como
você conseguiu isso?
Yin permaneceu calado. Era uma história muito grande e nem sequer desejava
explicar que não estava sozinho. O soldado insistiu na conversa:
-Sorte o senhor Irwind te conhecer. Uma criança aqui, é muito abuso. Por mim
deixaríamos você aqui mesmo.
Um outro soldado ao lado riu.
Yin novamente não respondeu. Nesse instante, chegou no local Hanai e Irwind,
que ouvindo a conversa, logo ordenou:
- Jess e Kuji, já que estão com tanta energia assim, tenho uma tarefa para vocês.
Ficarão de vigia essa noite.
Jess, por um momento se arrependeu de ter provocado Yin que, naquele
momento, já havia se dirigido a um das barracas para dormir. Contudo, como seu
comandante havia dito, era realmente um dos mais bem dispostos naquele momento.
Por isso, considerou que tal tarefa pudesse ser cumprida sem problemas.
Após o último soldado dar boa noite a Jess e Kuji, os dois pegaram seus rifles e
os colocaram ao lado das pedras nas quais estavam sentados. A cerca a laser, que cobria
o perímetro onde o grupo havia armado aquele acampamento provisório já estava
ligada, emanando um brilho azulado, que iluminava as barracas e o rosto dos dois
soldados. Os dois então se viraram para a floresta, onde o breu agora era total. Jess
resolveu então puxar assunto:
-Aquele menino é bem diferente mesmo não acha? Para o senhor Irwind gostar
tanto dele.
-É mesmo. Deve ser um Kogun. - Respondeu Kuji. – Mas não estou preocupado
com esse menino para ser sincero.
-O que você quer dizer?
-Atrás dessa cerca.
-O que têm?
-Só os Deuses sabem o que têm.
-Você está falando daqueles monstros.

62
-Dizem que são piores que os Furous.
-Pior que os Furous. Acho difícil. Esses bichos não têm inteligência.
-Por isso mesmo.
-Acho que não. Além do que, estamos bem protegidos. Por isso, pare de se
preocupar.
Kuji então calou-se. Cerrou os olhos, mais concentrado do que nunca, em
direção a floresta, tentando enxergar algo. Nada. Só o que havia era mais breu e
silêncio. Aquela calmaria, no entanto, parecia mais ameaçadora do que qualquer outra
coisa no mundo.
Algumas horas se passaram sem que Jess percebesse. Seus olhos começaram a
fechar lentamente, enquanto o efeito do chá de ceifa, que havia tomado para se manter
em vigília, começava a perder o efeito. No entanto, embora sua concentração não
estivesse cem por cento, sabia que não cairia no sono como Kuji já havia feito. Afinal,
havia passado por aquela situação diversas vezes em treinamento e havia sido bem-
sucedido em todas elas. A noite nessa floresta parece que nunca termina. – era só o que
pensava.
Assim que resolveu acordar finalmente seu companheiro, no entanto, escutou
um barulho. Um sussurro seco e amedrontador, vindo detrás da cerca. Depois outro e
outro. Balançou Kuji com força, que, com o susto, segurou seu rifle assustado.
Demorou um tempo até entender o que estava acontecendo.
-São eles! – Murmurou Jess, baixinho. - Estão por todo lado. Ouça!
Os soldados então empunharam seus rifles e começaram a aponta-los para todas
as direções, enquanto a quantidade de sussurros ia aumentando, seguidos agora de
vultos correndo por todos os lados, os quais faziam remexer as folhas dos arbustos ao
redor do acampamento. De repente, um dos sussurros se transformou num pequeno
rugido, meio agudo, que fez com que os dois estremecessem.
Quando tentavam recuperar a calma, porém, viraram-se para uma parte da
floresta e o que viram foi assustador. Dois olhos vermelhos e brilhantes partiam do breu
em direção aos soldados. Era um olhar frio, como de uma besta do inferno. Por causa da
escuridão, os olhos da misteriosa criatura eram as únicas coisas que podiam ser vistos.
Os soldados, hipnotizados de medo, não sabiam o que fazer naquele momento. De
repente, um grande barulho vindo do outro lado do acampamento fez com finalmente
“despertassem”. Algo havia atingido em cheio a cerca. Jess e Kuji então se separaram e
rodearam todo o perímetro, na tentativa de ver algo. Em vão. Muitos outros barulhos
eletrificados foram ouvidos pelos soldados logo depois, que notaram que naquele
instante, as pancadas se tornavam mais intensas e barulhentas. E, assim que pensaram
em começar a disparar finalmente em seus rifles em direção ao nada, os barulhos
cessaram. Nesse instante, saiu de dentro de uma das tendas, Irwind.
-Mas o que está havendo aqui? – Perguntou o general.
-São os Kharkis, general. Estavam por toda parte antes do senhor chegar.
-Vocês têm certeza?
-Temos, general.
Irwind começou a andar pelo perímetro na tentativa de enxergar algo. Em
seguida, parou num ponto perto da cerca, abaixou-se e balançou a cabeça
negativamente:
-Más notícias.
-Jess e Kuji se aproximaram.
Irwind então apontou para um dos pilares que sustentavam a cerca. Estava
completamente danificado. Marcas profundas de garra haviam perfurado todo seu
circuito interno.

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-Esses bichos são mais fortes do que eu pensava! Essa cerca não suportará mais
um ataque. – Disse, finalmente.
O grupo levantou cedo na manhã seguinte e poucos tiveram conhecimento do
que havia ocorrido na noite anterior. Irwind havia contado tudo para Hanai e mais
ninguém, além de ter pedido a Jess e Kuji que também não comentassem nada com o
resto do grupo. Sua preocupação começara a aumentar toda vez que lembrava como iria
fazer para se proteger dos próximos ataques.
Depois de mais muitos quilômetros de caminhada, os pensamentos do general
foram, enfim, cortados pela visão de um belíssimo rio, de água cristalina, que aparecera
subitamente na frente de todos. Irwind então ordenou para que o grupo se refrescasse e
descansasse um pouco. Nesse momento, aproximou-se Hanai, que acabara de ter uma
idéia:
-Irwind, talvez eu possa sobrevoar por um tempo essas árvores para ver se avisto
uma saída desse lugar ou algum sinal de civilização.
Irwind olhou por um tempo para o rio, para o céu e finalmente para a copa das
imensas árvores da floresta. A luz do dia ainda estava brilhando forte. Apesar de estar
diante agora de um verdadeiro oásis, um mal pressentimento lhe afligia.
-Vá meu amigo, mas tome cuidado. Essa floresta parece ainda nos reservar
muitas surpresas.
Hanai fez então sinal de positivo. Em seguida, logo após segurar sua espada com
força na cintura, começou seu vôo. Parou há alguns metros do chão e só que conseguia
ver era mais e mais verde. Porém, olhou em direção ao norte e reparou, bem no
horizonte, a silhueta acinzentada de uma cadeia de montanhas que, provavelmente,
indicava o fim da planície de Tirisfall e o começo do Deserto de Kayabashi.
Consequentemente, a saída da floresta.
-Estamos longe meu amigo, mas estamos na direção certa. – Gritou, da altura de
onde estava.
-Isso é muito bom! – respondeu Irwind.
Contudo, assim que Hanai virou seu olhar novamente para o horizonte, sentiu de
repente, uma dor aguda em seu pescoço, como uma tivesse levado uma alfinetada. Na
hora, pensou em se tratar de um mosquito inconveniente, porém, segundos depois sentiu
a dor na região aumentar, até sua visão se tornar turva. Suas energias então começaram
a se esgotar rapidamente e, instantes depois, não possuía já nem mais forças para voar.
Assim, seu corpo então despencou em direção ao rio, que corria agora bem abaixo dele.
-Mestre! – Exclamou Yin, ao ver Hanai em queda.
Com o grito, Irwind e o resto dos soldados viraram-se no tempo exato em que o
corpo de Hanai colidia com a água.
-Hanai! Mas o que? – Foi a vez de Irwind exclamar.
O general, Yin e alguns soldados correram então para ajudar Hanai, que
imediatamente começou a ser levado pela correnteza. O restante dos soldados
rapidamente empunharam seus rifles, pensando estar diante de um ataque. Momentos
depois, no entanto, um dos soldados caiu ao chão repentinamente. Logo em seguida
outro, e mais outro. Irwind virou-se sem entender e viu cada um de seus homens
desmaiarem de forma inexplicável. Desembainhou então sua espada, esperando o pior.
Contudo, olhava para todas as direções e não conseguia ver qualquer inimigo que fosse.
Sua concentração estava maior do que nunca. Olhou para Yin, o único ainda de pé, bem
atrás dele e, em seguida, para os galhos das árvores.
-Quem está aí? – Perguntou, em voz alta.
Aquela altura, o corpo de Hanai se afastava de pressa, sendo levado pela força
do rio.

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Nesse momento, foi a vez de Yin sentir seu corpo amolecer e ir também ao chão.
E, antes que o general pudesse ficar ainda mais confuso, sentiu, assim como os outros,
uma picada em seu pescoço. Colocou a mão no lugar da dor e tirou do local uma
pequena agulha negra. Olhou para o objeto e para a floresta novamente. Ao longe, por
entre as árvores, do outro lado do rio, viu então sair um homem com trajes estranhos e
de aparência idosa. Logo em seguida, o homem se aproximou lentamente, cruzando o
rio, enquanto ao seu redor muitos outros homens de trajes semelhantes, porém mais
jovens, já o acompanhava. As tatuagens amareladas refletidas pelo brilho do sol, as
quais cobriam toda a pele do homem, desde suas pernas morenas e amolecidas, até seu
tórax esguio, foram as únicas coisas que Irwind pôde ver antes de perder a consciência
por completo e também desabar ao chão.

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Capítulo 13 – Os Limps

A missão... Tenho que completar a missão...Essa guerra deve ser ganha...Yin... -


A figura do homem de tatuagens amarelas ia e voltava na cabeça de Irwind, enquanto
seus pensamentos se misturavam. Devo...conseguir...
Após muito tempo, o general enfim acordou, sentindo suas mãos doendo
bastante. Percebeu que agora só estava com os trajes de baixo e que seus quatros
membros estavam amarrados por cordas que, por sua vez, prendiam-se na parede da
estranha moradia na qual ele estava agora. Ainda com a visão embaçada e com poucas
forças, olhou para o lado e viu Hanai, bem como todos os soldados na mesma situação,
embora ainda desacordados. Em seguida, olhou ao seu redor e concluiu que estava
dentro de uma casa de aparência primitiva, de cor marrom e pouca iluminação.
Imaginou que a casa, de forma circular, fosse feita de palhas e barro e, em seguida,
observou também algumas velas acesas ao redor dela. E, próximo as velas, pôde enfim
notar um amontoado de roupas e armas espalhadas num canto, essas bem próximo a ele,
junto com o restante dos pertences do grupo.
Ainda confuso, contudo, não percebeu a aproximação de um homem que, além
das já conhecidas tatuagens amarelas pelo corpo, usava brincos e tinha pele bem
morena, além de uma coroa de folhas na cabeça. O homem então se aproximou de
Irwind e começou a falar num dialeto estranho, rasgado que, a primeira vista, era
completamente desconhecido pelo general. O homem continuou falando em sua língua
estranha até arremessar sobre o corpo de Irwind um líquido transparente, que
imediatamente fez com que sua pele ardesse bastante. E depois se foi. Ainda
balbuciando gemidos contidos de dor, o general então ouviu então uma voz cansada,
vinda exatamente do seu lado direito. Era Hanai, que havia acabado de despertar.
-Parece...Que estão preparando você pra algum ritual...
Irwind, ainda com muita dificuldade na fala, perguntou:
-Quem...quem são eles?
-Não faço idéia.
-O que...estão fazendo?
-Não sei meu amigo, mas se nos prenderam desse jeito, não devem ter bons
planos para nós. Temos que sair daqui rápido.
Hanai, reparando no esforço de Irwind para romper as cordas que prendiam o
seu corpo, resolveu impedi-lo com um pedido.
-Irwind, não faça isso. Tenho uma idéia para quando aquele homem voltar.
De fato, o homem de tatuagens amarelas voltou e, dessa vez, aproximou-se de
Hanai. Quando se preparou para arremessar o mesmo líquido que atirara em Irwind, o
general soltou as cordas com facilidade e agarrou o homem pelas costas, que começou a
se debater desesperado. A frente do homem, Hanai também se soltou imediatamente e,
com um golpe no pescoço do sujeito, o fez desmaiar. Ambos então começaram a
desamarrar o restante dos soldados. Irwind, ao mesmo tempo, com um leve toque na
cabeça de cada um, fez com que despertassem.
-Senhor, onde estamos? – Perguntou o soldado Jess.
-Não sei, mas precisamos achar um jeito de sair desse lugar. Pelo menos nossas
armas estão ali. – E apontou para um canto.
-Senhor. – Falou um outro soldado.
-Sim?
- Acho que sei quem são eles e o que querem com a gente.
-Então fale.

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-Eles se chamam Limps. São seres antigos místicos que muita gente acredita já
estarem extintos. Afinal, segundo li alguma vez, os únicos vestígios encontrados até
hoje sobre esta raça foram ossadas datadas de mais de dois mil anos.
- Mas, infelizmente, parece que estão bem vivos. – Falou Irwind. – Me diga, o
que mais sabe sobre eles.
- Bom, segundo uma antiga lenda, os Limps aprisionam Banshees em sua tribo
somente para um propósito.
-Qual propósito? – Irwind já ficava impaciente.
-Roubar sua Aura. Até que venham a morrer.
Irwind pareceu não acreditar.
-E como eles fazem isso?
-Através de um ritual antigo e desconhecido. Eu li sobre isso em algum lugar.
Esse líquido que usaram no senhor faz parte dele. Serve para, supostamente, purificar a
vítima ou algo do tipo.
-Entendo. De qualquer forma, agora pouco importa o que realmente querem
conosco. O importante é que estão todos bem. Agora vamos ach....
Irwind fora logo interrompido por Hanai.
-Nem todos. Yin não está aqui.
Nesse exato momento, todos escutaram passos se aproximando da entrada.
-Vamos, por aqui, exclamou Irwind.
Com sua espada, cuja lâmina tinha de largura aproximadamente o dobro da Asor
de Hanai, Irwind cortou um pedaço da palha na parede e saiu pelos fundos da moradia,
junto com todo grupo. Logo que saíram, repararam que estavam diante de uma cidade
estranha, que mais parecia uma aldeia, porém com dimensões razoavelmente grandes.
Estava de noite. Em seguida, ouviram um grito rasgado vindo de dentro da moradia de
onde acabaram de sair e logo apressaram o passo em direção as ruelas de terra perto
dali, repletas não só de outras casas feitas de palha, mas também de outras construções
maiores, construída com grandes pedras sobrepostas. Na fuga, também repararam em
diversas mulheres e crianças nas ruelas, que os olhavam assustadas.
-Porque levaram justamente Yin? – Perguntou Irwind ao soldado que havia lhe
explicado sobre a lenda dos Limps, sem diminuir o passo.
-Os Limps devem considerar a energia de Yin mais limpa, por ele ser mais
jovem que todos nós.
-Não importa, temos que encontrá-lo de qualquer jeito. – Concluiu Hanai.
Quando chegaram em um beco, ao lado de uma das casas, Hanai pediu para que
todos parassem, pois havia tomado uma decisão.
-Irwind, eu procurarei Yin. Você tira todos daqui.
-Como nos encontraremos depois?
-Seguiremos em direção ao norte.
-Certo.
Hanai então tomou impulso e foi embora num vôo, com a intenção de encontrar
seu aluno.
-Boa sorte, meu amigo. – Desejou Irwind.
-Bom, para ser sincero, acho que não devemos nos preocupar – cortou um dos
soldados. Afinal, agora temos de volta nossos rifles, enquanto o que eles têm? Um
monte de agulhas e lanças?
Neste instante, há alguns metros de distância, já aproximavam-se dezenas de
Limps correndo em direção ao grupo por uma via um pouco mais larga que as anteriores
pelas quais o mesmo havia passado. Cada um dos sujeitos seguravam estranho um
bastão de metal, de metade de comprimento de seus corpos. De repente, uma rajada de

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laser, de cor avermelhada foi disparada contra o grupo, passando bem rente ao braço de
um dos soldados.
-Agulhas e lanças? – Disse outro.
O disparo fez com que todo o grupo próximo a Irwind imediatamente
empunhasse seus rifles e revidasse o tiro. A partir daí, se debandaram então em meio às
casas feitas de barro mais próximas para se proteger. Um outro Limp, ainda mais ao
longe, ainda disparou um míssil que explodiu ao colidir com uma casa, dessa vez bem
próximo a Jess.
-Armas a laser e lança-mísseis? – Gritou o soldado.
Um verdadeiro tiroteio então se seguiu. Irwind então desembainhou sua espada e
resolveu ir sozinho contra o grupo de inimigos que os atacava e se aproximava
perigosamente, para dar conta de alguns adversários por conta própria.
Voando rapidamente perto dali, Hanai imaginava onde podia estar Yin. Não era
para você estar aqui.. – Pensava. Ao longe, avistou então uma espécie de anfiteatro
feito de pedra e bem iluminado, ainda que por grandes tochas. Sobrevoando o lugar,
olhou para o seu centro e notou duas pessoas. Hanai não precisou fazer muito esforço
para identificar a primeira delas, já que se tratava de Yin, que estava amarrado em uma
estaca. A outra pessoa era um homem de aparência velha, o mesmo o qual Irwind havia
visto antes de apagar. Yin estava com os olhos esbranquiçados e revirados, enquanto o
velho encostava em sua testa com dois de seus dedos da mão. Assim, poucos instantes
depois, seu mestre finalmente pousou no centro da arena, feita de terra batida.
-Largue ele! – Ordenou.
O homem olhou com desdém para Hanai e, em seguida, virou-se novamente
para Yin, continuando naturalmente seu sinistro ritual.
-Largue ele! – Repetiu mais alto.
Nesse momento, Hanai então percebeu que não estava a sós com seu inimigo e
seu discípulo. Sua concentração havia se fixado tanto em Yin e no velho, ambos bem a
sua frente, que não reparou que estava, na verdade, no meio de uma importante
cerimônia, presenciada por muitos Limps, espalhados em torno do anfiteatro. E, antes
que pudesse fazer algo mais, estava completamente cercado por homens empunhando
bastões de metal. Em seguida, desembainhou então sua espada com cautela:
-Agüente firme Yin – Falou baixinho.
A pequena batalha entre o grupo de Irwind e os muitos Limps armados com
bastões a laser se seguia até que o general lançou uma Kentake - uma técnica que fazia
com que uma quantidade grande de ar se deslocasse violentamente em uma determinada
direção - em cima de um grupo de adversários. Dessa forma, agora com a passagem
aberta, ordenou para que o grupo o seguisse, finalmente em frente.
-Armas a laser general? Eles não passam de seres primitivos. Como isso é
possível? - perguntou um soldado.
-Podem ser dos Furous. – Respondeu um outro
-Não são.
Todos então viraram a atenção para Irwind.
-Todo o armamento Furou nos é conhecido. Essas armas não correspondem a
nenhuma já conhecida por nós.
-E como eles as têm senhor?
Irwind permaneceu algum tempo em silêncio, enquanto já corria com o grupo
para um lugar seguro.
-Não sei. – Respondeu finalmente. - Isso está me parecendo cada vez mais
estranho. Mas pelo menos sabemos agora quem foi o responsável por nós estarmos aqui.

68
Afinal, o que me parece é que foram esses malditos que derrubaram nossa nave com
suas armas, não os Furous. – Concluiu.
Em seguida, olhou para uma grande construção em formato redondo, a qual
surgia bem a frente do grupo.
-Hanai está ali, posso sentí-lo. E está em perigo. Vamos!
Naquele momento, Hanai lutava com todas as suas forças contra os Limps que o
cercavam na Arena, procurando usar sua espada somente para se defender das rajadas
de laser disparadas, enquanto com sua outra mão disparava Kentakes para derrubar os
inimigos sem danos fatais. No centro da Arena, o velho homem agora se encontrava em
total estado de transe, ainda com os dedos na testa de Yin e aparentando está perto de
drenar suas últimas energias. Ao mesmo tempo, também sussurrava rapidamente
algumas palavras no pé do ouvido do menino, em seu dialeto próprio. Nesse instante,
Hanai então aumentou sua Aura para se livrar de seus inimigos mais rapidamente. O
número de Limps, porém, se tornava cada vez maior e agora os ataques viam por todas
as direções. Assim que olhou para Yin mais uma vez, foi atingido violentamente no
braço e logo foi ao chão. Uma meia dúzia de Limps então aproximaram-se rapidamente,
com seus bastões apontados para seu rosto.
No momento em que iam disparar a rajada fatal, um corte fulminante atravessou
a ponta de todos os bastões apontados para Hanai. Era Irwind, que havia chegado como
um vento e impedido Hanai de ser assassinado. Em seguida, os Limps que tiveram seus
bastões cortados se entreolharam sem entender. O general então guardou sua espada,
fechou os olhos e cerrou os punhos. Em seguida levantou seu braço, fazendo com que
uma enorme quantidade de ar se deslocasse com violência por todas as direções. O
choque fez com que os Limps mais próximos e ao redor de Hanai, fossem arremessados
há muitos metros de distância. Quando enfim se recompuseram do ataque, ouviram tiros
sendo disparados para o alto. Era a cavalaria.
-Hanai, você está bem? – Perguntou finalmente o general.
-Estou...Yin...Preciso salvar Yin....- Balbuciou com cuidado, sentindo seu braço
atingido pelo laser das armas de seus inimigos arder como se estivesse em brasa.
-Então vá meu amigo, eu e os outros cuidamos do resto.
Hanai levantou-se com dificuldade e voou de volta até o centro da Arena,
enquanto Irwind o dava cobertura. Assim que chegou, exclamou mais uma vez ao
velho:
-Solte ele!
O velho homem pareceu não ouvir e, novamente, continuou seu ritual como se
nada estivesse acontecendo.
Hanai então se aproximou, agora com a ponta de sua Asor apontada para seu
inimigo. Na hora de deferir-lhe o golpe final, porém, o sujeito se virou com um olhar
fulminante e apontou-lhe uma de suas mãos, fazendo-o ficar paralisado completamente,
logo em seguida. Contudo, mesmo sendo pego desprevenido, Hanai começou a fazer
uma força descomunal para se livrar da estranha magia do velho que, por sua vez,
trincou ainda mais seus dentes, bastantes podres. Assim, depois de muito esforço, o
mestre de Yin conseguiu finalmente se libertar e, em seguida, acertou finalmente o
velho com um ataque fatal, perfurando sua barriga com a lâmina de sua espada. A
última promessa que havia feito depois de sair do Exército Real caía por terra naquele
momento, ao passo que a rosa prateada no cabo de sua espada estava novamente sendo
manchada de sangue. Com o golpe, o velho foi caindo lentamente aos pés de Hanai, o
qual olhava fixos para seus olhos, ao mesmo tempo em que retirava a lâmina de seu
abdômen.

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Nesse momento, todos os Limps que atacavam Irwind e seu grupo
imediatamente cessaram os disparos, olhando todos de uma só vez para o velho, agora
morto, no chão.
Hanai então virou sua atenção para Yin, que aquela altura já havia desmaiado.
Em seguida, se aproximou e cortou as cordas que o prendiam, logo segurando-o com
cuidado, para não ir ao chão. Olhou para o menino e por um momento, achou que o
havia perdido para sempre. No entanto, assim que voltou sua concentração para sua
Aura, percebeu que estava apenas desacordado. Neste instante, Irwind e os soldados se
aproximaram então dos dois, enquanto alguns Limps presentes já se aproximavam em
passos muito lentos em direção ao cadáver do velho no chão.
-Vamos embora daqui meu amigo. – Falou Irwind a Hanai.
O grupo, agora todo reunido novamente, saiu então pela outra entrada do
anfiteatro, oposta a principal pela qual Irwind e os outros haviam chegado
primeiramente. Andaram por mais algumas ruelas até chegarem finalmente ao limite da
cidade, delimitado por uma cerca feita com troncos de árvores na vertical, de muitos
metros de altura. O general então pediu para que todos se afastassem e disparou contra a
cerca uma Shinya - que nada mais era do que uma variação da técnica Shinya-Hashiki,
porém, muito menos poderosa. Afinal, enquanto que para se realizar esta última era
necessário uma grande concentração de Aura - para, em seguida, realizar um único e
poderoso disparo contra o inimigo - a Shinya se caracterizava apenas como uma
pequena esfera de energia, de diâmetro geralmente igual ao tamanho da mão de quem a
criava. Contudo, assim como sua versão mais poderosa, também explodia no impacto.
A técnica de Irwind foi suficiente para que um grande buraco se abrisse na cerca.
Assim, por entre a poeira e os pedaços de madeira ainda rodopiando pelo ar, saiu,
finalmente, todo grupo da misteriosa cidade dos Limps. Em seguida, continuaram
correndo por alguns metros por uma planície descampada até entrarem novamente na
Floresta de Noah. Neste instante, porém, Jess olhou para trás e não entendeu. A cerca
que envolvia a cidade havia desaparecido, assim como a cidade inteira. Mas que diabos
significa isso? - Pensou, sem em momento algum parar de correr.

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Capítulo 14 – O Ataque dos Kharkis

Logo após saírem em disparada da cidade, o grupo apressou o passo por algumas
horas e, somente com a aurora do dia, finalmente parou para descansar.
-Como está seu braço? – Perguntou Irwind a Hanai.
-Está bem, pode deixar.
-Me dê ele aqui para que eu possa curá-lo.
-Espere meu amigo, ele precisa de você mais urgente do que eu. – Hanai então
apontou para Yin, ainda desacordado em seus ombros.
Irwind então mais uma vez curou Yin, que acordou com um salto.
-Onde estou? – Perguntou o menino, confuso.
-Agora não importa. O importante é que está salvo. – Falou Hanai.
Logo em seguida, após Irwind curar o braço de Hanai, perguntou se mais alguém
precisava de cuidados. Jess então foi o primeiro a falar:
-Senhor, preciso lhe contar algo.
-Diga – Falou Irwind, reparando nos muitos ferimentos do soldado. Parecia, no
entanto, que o que Jess iria lhe contar parecia mais importante do que as suas feridas.
-Ontem a noite, quando estávamos fugindo da cidade daquela tribo estranha,
olhei para trás por um instante e não vi a cerca que a protegia, muito menos a cidade.
-Como assim?
-Foi isso mesmo senhor. Parece que toda cidade havia desaparecido, como se
tudo não tivesse passado de um sonho.
-Não seja bobo Jess. Cidades não somem assim. Você estava exausto, apenas
isso. – Irwind já passava sua mão sobre as feridas no tórax de Jess, que iam sumindo
uma por uma.
-Pode ser senhor. Mas como explicar aquelas armas que possuíam? Como o
senhor disse, não eram nossas, muito menos dos Furous!
-Isso também não entendo. Mas não importa. Estamos salvos agora, longe
daqueles seres estranhos. Agora vá descansar, junto com os outros. Ainda temos que
chegar a Marahana, não se esqueça.
Dessa forma, os soldados, exaustos por estarem naquela floresta já fazia três
dias, dormiram como nenéns por algumas horas. Yin também deitou-se mas, antes de
adormecer, tentou lembrar o que realmente havia acontecido com ele horas antes.
Lembrava apenas da queda de seu mestre no rio, ao passo que, o que havia acontecido
depois, Hanai preferira não lhe contar. Por isso, ficou então inquieto por um tempo. Um
outro sentimento, porém, tomou conta de sua cabeça e de seu coração. Começou,
finalmente, a sentir saudades do orfanato, de Lwan, dos outros meninos e da vida que
levava em Mahani. Mesmo que soubesse que sua presença ali era somente culpa sua e
que estava errado – Hanai não lhe deixava esquecer disso, dando lhe broncas o tempo
todo – começou a desejar que estivesse em casa. Não imaginava, contudo, a quantidade
de tempo que ainda iria ficar sem rever seus amigos. Reparou então no canto dos
pássaros, bem nítidos naquela manhã. Depois de um tempo finalmente adormeceu.
-Vamos, acordem! – Gritava Irwind, mostrando-se muito bem disposto – Temos
ainda uma longa caminhada pela frente. Vamos!
O grupo então seguiu novamente rumo ao norte, passando por belos vales e
campos verdes, os quais logo terminavam em mais uma porção de árvores enormes. Se
a floresta de Noah pudesse ser qualificada em apenas um adjetivo, seria ambígua. De
dia, Noah parecia um paraíso, com animais e vegetação exuberantes, a maior parte dela
ainda virgem. Além disso, ainda haviam seus rios cristalinos, os quais cortavam toda
sua extensão. A noite porém, Noah tinha algo além de sinistro, infernal talvez.

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Coincidência ou não, a luz das estrelas e das luas Giamate e Calisto pareciam nunca
passar das copas das árvores, transformando a relva num chão escuro, sombrio, logo
que o sol se punha.
Já no fim da tarde, enquanto subiam uma colina, Hanai, reparando na quietude
incomum de Irwind, resolveu instiga-lo:
-O que houve meu amigo? Conte-me sobre seus planos.
Irwind olhava para as folhas ao chão, enquanto parecia tramar algo.
-Estive pensando. – E parou por mais alguns segundos. – Nosso rumo após a
queda nos deixou muito longe de Marahana. Até agora estivemos sempre em direção ao
norte, sendo que Marahana fica ao noroeste de Asíris. Se mudarmos nossa trajetória
agora, podemos nos perder e nossos suprimentos só nos basta por mais dois dias.
-E? – Hanai continuava ouvindo.
-Só nos resta uma opção.- Irwind então apressou o passo a frente do grupo,
subindo em alguns rochedos altos, logo seguido de Hanai.
-Atrás daquelas montanhas. – E Irwind apontou para o horizonte.
-É Shandara – Conclui Hanai.
-Exatamente. Mais um dia de caminhada e podemos chegar lá sem problemas. A
base de Archia, em Shandara, não é uma das maiores, mas de lá podemos fazer contato
com Marahana e Mahani.
Hanai então concluiu também que essa era a melhor opção. Alguns segundos se
passaram até que fizesse mais um comentário. Suspirou então falou em um tom de voz
bastante diferente:
-Depois de tanto tempo não é Irwind?
O general calou-se, consentindo.
-Voltaremos a Shandara. – Completou Hanai.
-É verdade – disse o general, olhando para o horizonte com um olhar nostálgico.
O olhar de Irwind era perfeitamente explicável. Afinal, Shandara era a sua
cidade natal, localizada ao leste do deserto de Kayabashi. Era uma cidade, antes de tudo,
extremamente pobre. Irwind as vezes lembrava, com carinho porém, de sua infância
carente, de sua casa feita precariamente, onde morava junto com ele, seus pais e seus
sete irmãos. Irwind era o mais velho e por isso, sempre teve um senso de
responsabilidade enorme, junto aos seus irmãos. Quando completou dezesseis anos,
juntou-se ao Exército Real e mudou-se para Mahani. Depois disso, só voltou a cidade
anos mais tarde em uma missão junto com Hanai, quando pôde finalmente rever sua
família, depois de tantos anos.
Afinal, durante todo o tempo em que esteve longe, os combates contra os Furous
e contra os grupos separatistas Banshees lhe consumia tanto tempo, que tinha a
oportunidade de se comunicar com seus parentes somente através de cartas. Bem
recentemente, portanto, através de uma delas, ficou sabendo de uma vez só que sua mãe
havia morrido e que um de seus irmãos tinha se casado e se mudado para uma pequena
cidade chamada Wisthan, perto de Meritzen – essa última a maior cidade de Asíris, que
se localizava ao oeste. Também foi informado que seu pai e o restante de seus irmãos já
haviam também saído de Shandara, mas sem avisar exatamente para onde.
Assim, o general relembrou, por fim, da sensação que teve ao rever a cidade
onde nasceu, acompanhado de seu amigo. Uma sensação não muito boa, porém. Afinal,
parecia que o tempo não havia passado em Shandara, uma vez que a pobreza e a fome,
causada por poucos investimentos do governo continuavam imperando naquela cidade
razoavelmente grande, cercada de areia por todos os lados. Algo dizia que Irwind
novamente não teria muitas surpresas.
Resolveu então contar seus planos para todos.

72
-Escutem. Vamos mudar nosso rumo e partir em direção a Shandara. Mais dois
dias de caminhada até chegarmos lá.
A notícia foi muito bem recebida pelos soldados. Dois dias – pensou Jess. – é o
tempo que falta para acabar nosso suprimento. Continuou. - Duas noites. Tenho certeza
que serão as mais longas da minha vida.
O grupo então desceu a colina e se embrenhou novamente pelas árvores de
Noah. A luz do dia já se enfraquecia e as sombras das árvores já começavam novamente
a fazer desenhos macabros no solo da floresta. Kuji então resolveu aproximar-se de Jess
e falar-lhe algo:
-Dois dias, não acredito. – Desabafou. - Acho que não vou agüentar.
Jess parecia não lhe dar ouvidos.
-Sabe o que eu queria agora? Um bom banho e uma massagem da minha
namorada. Cara, aquilo que é uma massagem! E depois, ah...- suspirou.
Jess continuava calado.
-Aquela maldita tribo! – Kuji continuava. – Se não fosse eles, não estaríamos
aqui. E você Jess, se só tivesse um pedido, o que pediria nesse momento?
A reposta foi nula.
-Jess? O que houve? Parece que não está me ouvindo. Jess? – Insistiu Kuji.
No momento em que Kuji iria tocar no ombro de seu amigo para lhe pedir
atenção, Jess apressou o passo e aproximou-se de Irwind, na frente do grupo. Kuji no
momento não entendeu, mas o sussurro que ouvira logo depois o fez gelar o sangue.
-Senhor...
-Já sei Jess. Eu já sei.
-O que faremos?
-Nos prepararemos para o pior.
Esses monstros miseráveis! Estão nos seguindo a dias! – Pensava Irwind.
De repente, um outro sussurro mais forte pôde ser ouvido por todos.
-Irwind! – Exclamou Hanai.
-São eles Hanai! Se prepare para o pior e não se separe de Yin!
-Yin! Você ouviu Irwind. Haja o que houver fique sempre do meu lado!
O terceiro sussurro fez com que todos os soldados empunhassem seus rifles e os
apontassem em direção a mata fechada, que os cercava. O breu, no entanto, já dominava
o local e as luzes azuladas das lanternas dos rifles eram as únicas coisas que os
ajudavam naquele momento. Yin começou a sentir um calafrio, como nunca havia
sentido antes e não pensou em momento algum em desobedecer a última ordem de seu
mestre.
Sussurros, rugidos agudos e depois o ataque. Nessa ordem. – Lembrou Jess,
enquanto pensava em algo para lhe manter calmo.
De repente os sussurros pararam. A calmaria que se seguiu foi algo
aterrorizador.
Onde estão os r... – Segundos depois, um grito alto, agudo e agonizante concluiu
o raciocínio de Jess
-Todos em suas posições! – Gritou Irwind – São só um bando de bichos burros!
Não tenham medo!
Burros e com fome. – Pensou Jess.
Mais alguns segundos de silêncio se passaram até que o soldado olhasse para
Kuji, agora concentrado na mira de sua arma. Olhou então para a mata novamente.
Quando voltou seu olhar para Kuji, contudo, viu por detrás dele os mesmos olhos
vermelhos e terríveis que havia visto dias atrás. Logo em seguida, viu seu amigo ser
puxado por uma força violenta para dentro da folhagem baixa da floresta. Por isso, os

73
disparos de seu rifle foram os primeiros a serem ouvidos. Irwind e Hanai então sacaram
sua espada, enquanto todos os outros dispararam para a mesma direção de Jess.
- Kuji! – Gritou Jess.
- Vamos! – Dessa vez foi a vez de Irwind gritar para todo o grupo. Se ficarmos
parados aqui seremos um alvo fácil!
Logo em seguida, portanto, o grupo então começou a correr em direção a mata
escura.
-Não se separem! – Gritou Irwind.
Contudo, o soldado Blak, por causa de seu cansaço, foi o primeiro a ficar pelo
caminho. Em seguida, sua tentação de olhar pra trás foi maior do que tudo e a única
coisa que pôde ver foram dois olhos vermelhos “pulando” em sua direção, pouco antes
de sentir seu pulmão ser perfurado por garras enormes. Porém, mesmo caído ao chão e
agora inteiramente dominado pelo Kharki, pôde ver as dezenas de dentes afiados da
criatura que, naquele momento, se abriam a poucos centímetros do seu rosto. E, assim
que o terrível monstro terminou de abrir toda sua imensa boca, toda coberta por uma
secreção viscosa e transparente, Blak, que ainda segurava seu rifle, disparou sem parar
lá dentro, perfurando o crânio da criatura.
Com o clarão dos disparos, o soldado pôde ver finalmente a aparência daquela
besta infernal. Sua pele cinza e escamosa cobrindo seu corpo alongado, seus olhos
esbranquiçados e cabeça chata – em formato praticamente triangular -, além de sua
cauda imensa. Porém, sem hesitar e mesmo ferido, o Kharki ainda conseguiu estraçalhar
a mão de Blak com uma só mordida. No mesmo instante, um outro monstro aproximava
pelo lado oposto do soldado. Blak então só desejou que não sentisse dor antes de
morrer.
A medida que o grupo corria, o ataque se intensificava. Os soldados iam agora
sendo derrubados um por um e levados para dentro da mata escura sem dificuldades. Os
Kharkis que apareciam a frente do grupo, por sua vez, eram decapitados pelos golpes
certeiros de Hanai e Irwind. A fuga se seguiu até que o grupo se deparasse com um
rochedo, ao final de uma pequena clareira, indicando o fim do caminho.
-Não pode ser! – Gritou Irwind.
-O que faremos senhor? – Perguntou Jess, com uma voz já desalentadora.
-Não sei. Estou sem forças.
O grupo começou então virou-se e começou a andar para trás a passos curtos, na
medida que a legião de Kharkis se aproximava mais e mais, lentamente. Yin, ainda bem
perto de Hanai, acompanhava os passos de seu mestre. Depois de alguns segundos, os
monstros então partiram finalmente com tudo em direção a todos, para o ataque final.
Nesse momento, porém, Hanai criou imediatamente uma esfera luminosa com ambas as
mãos e, em seguida, lançou-a há pouco metros acima de sua cabeça. Então exclamou:
-Fechem os olhos! Agora!
O mestre de Yin, nesse instante, fechou enfim os punhos e fez sua Soran – uma
técnica a qual não possuía, na verdade, nenhum poder de dano direto ao adversário,
consistindo apenas em uma esfera de brilho geralmente azulado e intensidade e tamanho
variando de acordo com o desejo daquele que a criasse - explodir no ar. Um imenso
clarão então iluminou a floresta por muitos e muitos metros, tamanha sua força, ao
mesmo tempo em que dezenas de lampejos finos e azulados - fragmentos da técnica de
Hanai - cortaram imediatamente a negritude do alto em todas as direções, em um efeito
semelhante a uma grande explosão de fogos de artifício.
Antes que abrisse seus olhos, logo em seguida, Yin então sentiu seu braço ser
puxado com força pelo seu mestre em direção aos centenas de Kharkis bem a frente do

74
grupo. Os monstros, por sua vez, atordoados pelo forte clarão, ainda se recuperavam
enquanto Hanai já golpeava muito deles com sua espada, abrindo caminho.
-Vamos todos! Por aqui!
Assim, todos então entraram novamente pela floresta, passando agora também
pelas pequenas fagulhas brilhosas – os resquícios dos lampejos lançados no ar pela
explosão da Soran de Hanai – as quais já repousavam espalhadas na relva e iluminavam
a mata ao seu redor. Porém, a sensação de alívio por estarem livre do cerco dos Kharkis
não durou muito, afinal, a violenta perseguição dos monstros logo começou novamente.
-Não vamos conseguir! Estão muito perto agora! – Gritou Irwind.
Contudo, poucos metros depois, subitamente, o chão pareceu desaparecer
misteriosamente bem abaixo dos pés de todos. Como a escuridão era tudo que
enxergavam em sua fuga, o grupo não percebera o abismo que aparecera de repente bem
a sua frente. Além do que, devido a grande velocidade que estavam imprimindo, ainda
que o tivessem feito, não haveria sequer tempo para frear. Assim, em uma fração de
segundos, todos sentiram seus corpos caindo em direção ao nada, a uma escuridão quase
absoluta. Irwind e Hanai tentaram rapidamente se estabilizar no ar, a medida que os
soldados restantes seguravam-se como podiam em seus braços, pernas e costas. Yin, por
sua vez, vendo Jess despencar mais abaixo do que todos, também resolveu controlar seu
vôo, dessa vez em direção a ele.
Hanai, notando imediatamente a atitude de Yin, falou algumas palavras com
esforço:
-Yin...Não...
O corpo de Jess se aproximava rápido do chão e, certo de seu fim, o soldado só
pensou em fechar os olhos naquele momento. Em seguida, porém, sentiu ser puxado
para cima e depois colidir com o chão com uma força terrível. Após o choque, Yin e
Jess rolaram mais muitos metros por um barranco até que uma árvore os impedisse de
descer mais. Em seguidas, o restante do grupo também foi ao chão, em uma
aterrissagem igualmente dura, parando mais ou menos perto uns dos outros.
Yin então arrastou-se com dificuldade, ainda sentado, até apoiar suas costas na
árvore a qual havia acabado de se chocar. Ofegante, olhou para Jess que, por sua vez, já
tentava levantar-se. Hanai, a pouco metros de ambos, também levantou-se e olhou para
o menino, ficando alguns poucos segundos refletindo sobre seu ato de bravura. Parou
somente quando viu Irwind com dificuldades para se levantar.
-Hanai, ajude-me...-Falou o general, com dificuldade.
Depois que todos levantaram, sentiram-se finalmente aliviados ao perceber que a
perseguição a eles havia terminado. Irwind, agora também percebendo Jess encostado
na árvore mais próxima de Yin e com uma expressão de dor, aproximou-se:
-Que droga! Kuji...Kuji não merecia isso! Devíamos estar lutando contra os
Furous, não perdidos nessa maldita floresta! – Gritava o soldado, esquecendo um pouco
de suas dores.
Irwind então apoiou sua mão no ombro de Jess:
-Em breve estaremos. E Kuji estará conosco, tenho certeza. – Jess então virou
seu olhar para Irwind, sem saber o que falar.
Nesse instante, aproximou-se também dos dois Yin e Hanai.
-Obrigado garoto. – Disse Jess, virando seu olhar para o menino.
-General. O que faremos agora? – Questionou em seguida um dos soldados
sobreviventes.
Nesse momento, um sussurro foi ouvido ao longe.
-Continuaremos andando. Não podemos ficar parados muito tempo, pois esses
monstros estão por toda a parte.

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-Para onde general? – Estamos perdidos. E feridos.
Irwind então olhou para os soldados e pensou. Reparou o grupo era composto
agora por apenas seis membros, dos doze que haviam começado a jornada. Os dois
membros restantes, além dele, Hanai, Yin e Jess não tinha forças para sequer
continuarem em pé. Irwind, por sua vez, estava esgotado e, mais uma vez, nada podia
fazer para curá-los. Pensou então em uma outra solução. A noite já estava terminando, o
que era um bom sinal, pois os Kharkis não atacavam à luz do dia. Olhou para dentro da
mata escura. Apesar dos problemas os quais o grupo enfrentava, concluiu que não podia
esperar mais para chegar a Shandara e pensou então em uma única saída:
-Escutem! Irei até Shandara por conta própria. O resto do grupo fica aqui até eu
voltar com reforços. Não tentem avançar mais pela floresta senão se perderão. Na minha
ausência, o Sr. Hanai será o líder desta missão.
Hanai escutava com cuidado, com Yin ao seu lado.
-Não demorarei mais do que um dia, prometo. – Finalizou Irwind.
-Senhor! – Disse Jess.
-Sim?
-Boa sorte, senhor.
Irwind consentiu com a cabeça. Despediu-se também de Hanai e Yin. - Nos
veremos em breve! – Disse finalmente, antes de tomar impulso e começar seu vôo rente
a copa das árvores. Mal sabia ele o quanto que sua ajuda seria vital para o grupo
remanescente em Noah, há algum tempo a seguir.

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Capítulo 15 - O Misterioso Laboratório

Pouco tempo depois da partida de Irwind, Jess aproximou-se de Hanai e


perguntou-lhe:
-Sr. Hanai, o que faremos até o Sr. Irwind voltar?
Hanai olhou em volta e viu o estado de desolação dos soldados restantes, a
poeira em suas fardas e os ferimentos em seus rostos e em toda pele, bem como o
vermelho de cansaço em seus olhos. Deu uma respirada e respondeu:
-Primeiro oraremos para que Irwind chegue com segurança a Shandara e, em
seguida, faremos exatamente o que ele nos disse. Esperaremos aqui até que ele volte.
Afinal, não há muito o que fazer, já que todos precisamos de cuidados médicos para
seguir em frente. Utilizaremos todo o suprimento que nos resta.
-Entendo senhor. O problema é que não temos medicamentos suficientes para
todos. Nos falta gazes e anti-inflamatórios para cuidarmos das feridas.
-Sem problemas.
-Como assim senhor? – Jess pareceu não entender.
-Olhe a sua volta.
Jess parou, pensou por alguns segundos e enfim compreendeu. Estava tão
exausto e apreensivo com a situação do grupo que havia esquecido, completamente, dos
medicamentos naturais que aquela floresta poderia lhes oferecer.
-Aquela planta ali. – Apontou então Hanai para um pequeno ramo de cinco
folhas serrilhadas de coloração verde claro, ao pé de uma das árvores próximas à eles. –
Se chama Grinsa e é um forte remédio contra infecções e inflamações na pele, além de
fazer com que a cicatrização ocorra mais depressa e dores causadas por choques sejam
aliviadas.
Jess escutava atentamente. Em seguida, falou:
-Eu...não sabia.
Hanai então brincou:
- Hoje em dia não ensinam mais isso no exército não é?
Jess não soube o que responder, meio sem jeito. Imaginou, por fim, que talvez
não havia prestado toda a atenção devida aos seus treinamentos em selva.
- Estou brincando. Escute. Coloque apenas uma folha de Grinsa por debaixo das
gazes, uma em cada ferida, que o resultado será bem rápido. Aproveite que você foi o
único a já ser curado por Irwind e trate dos demais.
-Sim senhor. - Obedeceu prontamente Jess.
Nesse instante, Hanai virou-se para Yin e percebeu as feridas do menino. Colheu
também um pouco de Grinsa, tirou um pedaço do tecido de sua farda branca e
aproximou-se do menino, que estava sentado em cima de um tronco e olhando para
dentro da floresta. Nesse momento, os raios de sol já começavam a iluminar
parcialmente a copa das árvores.
-Yin, você está bem?
-Meu braço...Está doendo um pouco. – Respondeu baixo o menino.
-Deixe-me ver.
Hanai então puxou o braço de Yin - o qual havia sido forçado além do normal
pelo puxão que havia dado em Jess quando os dois estavam em queda - amarrou as
folhas de grinsa nos tecidos e enrolou ao seu redor.
-Me dê sua perna.
Repetiu então o procedimento na perna esquerda do garoto, que também estava
um pouco escoriada.

77
- É uma pena que não eu possua a capacidade de cura de Irwind. Ele bem que já
tentou me ensinar algumas vezes, mas em vão. Nunca entendi bem o porquê. –
Confessava ao mesmo tempo em que tratava dos ferimentos de Yin. - Pronto! Agora
você tem que descansar um pouco, até que a folha faça efeito sobre a ferida ouviu?
Yin ainda olhava para dentro da floresta, meio que hipnotizado pela claridade
cada vez mais crescente. Alguma coisa porém, naquele instante, lhe chamou mais
atenção. Cerrou os olhos mas não identificou o que era de imediato. Assim que Hanai
deu o último aperto na gaze que cobria a perna de Yin, olhou para o menino e, em
seguida, para a mesma direção de seu olhar. E, assim que mais um raio de sol penetrou
floresta adentro, a visão de ambos pôde ser mais clara.
Uma pequena construção de concreto surgia estranhamente ao longe, em uma
clareira bem perto do grupo.
- O que é isso? – Se questionou Hanai.
O mestre de Yin, logo depois, levantou e caminhou então em direção a
construção. Na medida que se aproximava, reparou que não se tratava de uma estrutura
nova, já que estava completamente coberta por raízes e folhas, ao passo que o concreto
que a compunha estava com rachaduras em todas as partes. Parou então bem a frente da
construção e observou um grande portão de metal, coberto por uma superfície
amarelada. Hanai não demorou muito para identificar que se tratava de Prima, o mesmo
metal que compunha parte de sua espada. Também havia encravado no portão, uma
escrita quase apagada e difícil de decifrar.
-Jess! – Gritou Hanai.
-Senhor! – O soldado logo chegou ao local. - Senhor! Mas o que é isso?
-Um portão. – Respondeu Hanai, com um sorriso irônico.
-Que estranho! Um portão? Aqui, no meio da floresta de Noah?
-É mesmo estranho. Mas seja o que tiver aí dentro, pode nos servir de abrigo e
ter algumas provisões.
Hanai então aproximou-se mais da entrada de metal. Ao lado, havia um painel
com uma alavanca, por isso, a primeira coisa que tentou fazer foi puxá-la para cima.
Contudo, ainda que não tivesse utilizado força alguma para manusear o objeto, o mesmo
logo se quebrou em suas mãos. Droga! – Pensou. Havia, contudo, mais alguns botões
ao lado. Hanai então apertou todos, mas de nada adiantou. O portão continuava imóvel.
Nesse instante, aproximou-se mancando dos dois, Yin.
Jess então abaixou-se e retirou uma tampa abaixo do um painel o qual Hanai
havia mexido. Se deparou então com uma rede de circuitos eletrônicos e fios, muito
empoeirados. Alguns fios estavam cortados e outros simplesmente desgastados pelo
tempo.
-Senhor! – Exclamou o soldado, virando-se para Hanai - Há alguns fios aqui
danificados, talvez por isso o mecanismo de abertura do portão não funciona. Não
temos aqui nenhum equipamento para consertarmos isso, por isso... – E virou-se
novamente para o circuito – ...Acho que é melhor...
Nesse momento um estrondo fez Jess estremecer. Quando virou-se, notou Hanai
parado há alguns metros de distância, com a mão esticada em direção ao portão, agora
em vários pedaços pelo chão.
- Pensarmos em outro jeito de entrar. – Concluiu Hanai, olhando sorridente para
Jess que, por sua vez, estava boquiaberto com façanha daquele homem, de pele morena
clara e longos cabelos negros e presos.
Os raios de sol, apesar de já bem fortes naquela hora do dia, não conseguiam
iluminar nem um metro além do portão destruído pela Shinya de Hanai. Assim, logo
todos ficaram extremamente receosos sobre o que realmente haveria dentro daquele

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breu. Afinal, lá dentro poderiam estar-lhes esperando mais um bando de Kharkis ou
coisa pior. As únicas lanternas que ainda restavam eram dos rifles dos soldados e, por
isso, os dois solados que ainda se encontravam ao longe foram imediatamente chamados
por Hanai. O bando se reuniu então em volta do portão e o primeiro a entrar foi
exatamente o mestre de Yin, com o caminho sendo iluminado pela luz do rifle de Jess.
Assim que desceram algumas escadas, se depararam com um túnel, também
feito de concreto e que se estendia por muitos metros. A cada novo passo que o grupo
dava, a luz do sol que iluminava a entrada ficava cada vez mais fraca. Assim, andaram
mais algum tempo até chegarem a um elevador enferrujado, semelhante a uma gaiola
amarelada.
-Isso é uma mina? – Perguntou Jess
-Não sei, mas só há um jeito de descobrir. - Respondeu Hanai.
Sem hesitar, o grupo então entrou no elevador. Em seguida, Hanai criou uma
Soran, de tamanho semelhante aquela que havia espantado os Kharkis, fazendo todo o
interior daquela gaiola de metal iluminar-se. Assim, pôde perceber então mais uma
alavanca, em sua lateral. Torceu então para que essa também não se quebrasse e puxou-
a para cima. A alavanca dessa vez resistiu, mas nada aconteceu.
-Nada! – Gritou Jess.
-Parece que a energia desse lugar foi embora há muito tempo – Conclui Hanai.
Segundos depois, contudo, um zumbido foi finalmente ouvido, vindo
exatamente de baixo. Em seguida, o zumbido aumentou ainda mais, deixando todos de
prontidão. Uma grade então fechou a entrada do elevador que, logo em seguida,
começou a descer rumo ao desconhecido.
O breu continuava quase total já que a Soran de Hanai já havia se apagado e as
luzes dos rifles não ajudavam muito. Neste instante, Hanai então sentiu a velocidade do
elevador aumentando e, em seguida ver uma luz amarela acendendo-se no teto do
mesmo. Mais alguns metros abaixo e outras luzes, dessa vez nas paredes do túnel pelo
qual descia o elevador começaram a se acender também. Alguns segundos depois, a
visão seguinte foi algo surpreendente. Hanai abriu os olhos com força, do mesmo jeito
que Yin, Jess e todos os outros. Foi quando o último desabafou:
-Não acredito, isso é impossível!
Naquele instante, o elevador saía do túnel cuja largura cabia somente sua
estrutura e começava agora a descer por uma galeria de proporções colossais. A
impressão de todos era de que estavam entrando em uma imensa cratera, escavada há
muito tempo por alguém, ou por algo. Acompanhando o trajeto do elevador, havia
também agora imensas turbinas, tubos e cabos, que desciam até o fim do abismo. A
iluminação da galeria, de cor amarelada, permitiu a Hanai ver finalmente do que se
tratava. Todo o lugar parecia uma espécie de base militar subterrânea ou algo do tipo,
com vários níveis e plataformas pelas quais o elevador passava sem parar, parecendo
determinado a ir até onde pudesse. Assim, depois de alguns segundos, o elevador
finalmente chegou ao solo e a porta se abriu.
-Meu Deus! – Exclamou Jess, olhando maravilhado para cima da cratera sem
conseguir ver sequer o teto. – Daqui até lá em cima deve ter uns duzentos metros, é
incrível! E olha essas turbinas! São imensas!
Hanai também olhava para cima, sem entender muito bem que lugar era aquele.
Sabia muito bem de todas as bases Banshees espalhadas por Asíris, até as mais secretas.
E aquele lugar era completamente diferente de tudo que havia visto. E o mais
impressionante é que parecia ter séculos de existência, tamanho o grau de abandono e
falta de conservação. Decidiu, portanto, ir ainda mais a fundo em sua exploração.
Aonde o grupo estava naquele momento, parecia uma espécie de pavilhão central, um

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imenso pátio com portões, corredores e cabines por todos os lados. Muito a frente deles,
especificamente, havia um outro portão de metal, bem maior que todos os outros. E foi
por lá que Hanai decidiu seguir.
Com a energia misteriosamente restabelecida, Hanai aproximou-se e puxou a
alavanca ao lado do portão, fazendo com que o mesmo começasse a se abrir lentamente
na vertical, causando um estrondo enorme, o qual ecoou por todo o lugar. A primeira
impressão era que toda galeria chacoalhava junto com o portão. Logo em seguida,
porém, o portão parou de se abrir, mas ou menos pela metade. Era o suficiente para que
o grupo passasse.
Chegaram então em um depósito enorme, com a iluminação um pouco mais
fraca e, assim que entraram, notaram o que aquele depósito guardava. Havia duas
imensas fileiras paralelas de um tipo de robô militar gigante, se estendendo por muitos
metros até o final do depósito, o qual terminava em mais um portão de metal, bem
menor do que o anterior. Cada um dos robôs, de cor grafite, tinha mais ou menos uns
quatro metros de altura, blindagem espessa e forma humanóide. Suas pernas, no
entanto, eram bastante largas, assim como os braços, os quais tinham acoplados em si
duas metralhadoras, uma em cada braço, de mais ou menos um metro de comprimento.
Nossa! – Exclamou Jess – Não temos um desses em Dherates!
O grupo continuou andando por entre as duas fileiras de robôs, em direção ao
final da galeria. Hanai, por sua vez, subiu em uma escada de metal que terminava em
uma passarela que contornava todo o galpão e ficava bem na altura da cabeça dos robôs.
Parou então e começou a examinar com cuidado um deles. A cabeça dos robô era chata
e oval, protegida por um vidro aparentemente blindado no topo. Hanai então olhou para
dentro do vidro e pôde ler algo.
M19

Em seguida, pôde ver também alguns circuitos. Sem cabine de comando, tudo
automático – Concluiu.
Passando pelas dezenas de robôs, o grupo chegou ao fim do depósito. Hanai
então desceu da plataforma e os alcançou mais a frente. Mais uma alavanca puxada e o
pequeno portão se abriu para o alto. O grupo por ali continuou então sua jornada. Assim
que passaram o portão se fechou automaticamente e as luzes da galeria apagaram-se.
Contudo, sem que ninguém percebesse, de repente, uma pequena luz vermelha acendeu-
se por entre os circuitos do robô que Hanai havia examinado momentos antes.
A caminhada então se seguiu por alguns metros através de um corredor até uma
outra porta, que estranhamente abriu-se sozinha. Desta vez Hanai teve um mal
pressentimento. Afinal, as coisas pareciam estar se facilitando para eles naquele
estranho lugar. E, assim que o grupo passou pela nova porta, a mesma se fechou bem
atrás deles. Todos então notaram que estavam em um novo corredor, dessa vez mais
estreito. Em seguida, perceberam também um feixe de luz vermelho surgindo do outro
lado da passagem e atravessando toda sua extensão, passando, assim, por entre os
corpos de todos no grupo. Logo depois sumiu.
-O que foi isso? – Falou Jess.
A má sensação de Hanai começava preocupar-lhe. Olhou para frente e viu que a
porta no final do corredor estava fechada e imaginou, por um segundo, que estivesse
agora preso naquela nova passagem. Então gritou, instintivamente:
-Fiquem todos pertos! E preparem-se para o pior!
Subitamente, logo após Hanai exclamar, abriram-se alguns orifícios por toda a
parede do corredor e de dentro deles, saíram dezenas de metralhadoras, apontadas
diretamente para o grupo.

80
-Mas o que significa isso? – Disse Jess
-Que temos que correr! – Respondeu o mestre de Yin.
Logo em seguida, todas as dezenas de metralhadoras começaram a disparar ao
mesmo tempo contra todos. Hanai imediatamente, com sua Aura, criou uma espécie de
campo de força ao redor do grupo, evitando assim que os disparos ferissem alguém. Ao
mesmo tempo, corria com todos em direção a porta trancada. Quando se aproximou,
sacou então sua espada e partiu a porta em dois e, sem parar, arremessou as partes a
vários metros de distância, com uma Kentake. O grupo então passou desenfreadamente
pela entrada, chegando a um novo depósito. Todos ainda estavam ofegantes pelo que
havia acontecido.
-O que foi aquilo? – Disse Jess. – Parece que esse lugar não está tão abandonado
quanto parece!
-E parece que não nos quer aqui. - Completou Hanai.
O novo galpão o qual se encontravam mais parecia uma espécie de ferro-velho.
Havia peças espalhadas por todo o canto, pedaços de fuselagem e muitas fileiras de
caixas empoeiradas. Enormes vigas de ferro se estendiam até o teto e o local estava mal
iluminado.
-Sr. Hanai, acho que devemos voltar. Esse lugar está se tornando perigoso e não
há nada aqui além de poeira e equipamentos velhos.
Hanai respondeu sem olhar para Jess, ainda examinando o local de cima a baixo:
-Temos que continuar procurando. Talvez haja algo aqui que nos possa ser útil.
-Mas senhor, com todo respeito o Sr. Irwind nos prometeu que voltaria com
reforços. Devemos voltar para a superfície e não continuar nesse lugar que não passa de
uma ruína.
-Já disse. Prometo que nada acontecerá a ninguém.
Jess ouviu calado. Suspirou, examinou o lugar e refletiu um pouco. Esse lugar, o
que é isso? Não nos serve de nada e cada vez mais estamos nos afastando de nossa
missão. E está completamente vazio!
O soldado, porém, estava enganado. Naquele instante, uma luz vermelha
acendeu por entre os circuitos de um outro robô M19, esse parado num canto há alguns
metros de todos.
Jess ainda continuava pensando. Olhou o depósito mais uma vez e depois para
Yin que, como sempre, estava grudado a Hanai. O resto do grupo estava um pouco ao
lado. Resolveu então fazer mais uma pergunta:
-Sr. Hanai, o senhor tem algum palpite de que lugar seja esse?
Hanai pareceu não ouvir.
-Pelo que sei senhor, não possuímos nenhuma base nessa floresta certo?
Hanai continuou andando calado, como se estivesse procurando algo.
-Senhor? – Exclamou Jess.
Nesse momento, um som aterrorizou Hanai. Uma batida seca no solo fez todo o
lugar trepidar. Quando virou-se, só o que pôde ver foi uma estrutura metálica surgindo
por detrás de Jess. Apontou então sua mão para o soldado, o qual arregalou os olhos
sem entender, e o arremessou para o lado, com a sua Aura. Sua visão agora ficara mais
clara. A estrutura metálica era um imenso cano de metralhadora, que agora estava
apontada diretamente para ele.
Hanai só teve o tempo de saltar para o lado e sentir a rajada de balas passando
rente a sua cabeça. Todo o pelotão abriu os olhos, sem acreditar no que estavam vendo,
enquanto os projéteis seguiam Hanai para onde quer que ele fosse. Yin, por sua vez,
estava paralisado por completo, enquanto Jess, ainda no chão por causa do “golpe”
providencial de Hanai, desabafou:

81
-O que é isso agora?!
O robô M19 começou a perseguir Hanai por todo o depósito, enquanto o mesmo
se escondia pelos vãos das caixas lá empilhadas. Jess resolveu então sacar seu rifle e
disparar contra o gigante de aço, acompanhado pelo resto dos soldados. O monstro, no
entanto, parecia não dar muita atenção ao grupo, concentrando-se somente em Hanai.
Escondido atrás de uma pilha de caixas e vendo Yin imóvel, resolveu enfim
gritar:
-Yin, proteja-se! Rápido!
O grito fez com que o menino despertasse de seu estado de choque e corresse
finalmente para atrás de uma das vigas.
O robô então contornou as caixas atrás das quais Hanai se escondia, sem parecer
sofrer nenhum dano com os disparos dos soldados. Quando pareceu ter enfim uma mira
limpa sua, disparou dois pequenos mísseis em sua direção. Hanai deu um salto,
conseguindo fugir da explosão. O impacto porém, fez com que o lugar estremecesse e o
solo do depósito se abrisse, o que fez com que todos caíssem em um nível mais abaixo.
Neste instante, uma das vigas também desprendeu-se e atingiu Hanai em cheio, fazendo
com que também despencassse na imensa cratera recém-aberta.
Lá embaixo, o M19 demorou para colocar-se pé novamente. Por entre os
entulhos, Yin, Jess e os outros já não conseguiam se mover. Hanai, por sua vez, estava
caído um pouco mais adiante e também demorou a se levantar. Quando conseguiu, viu
uma enorme sombra aparecer por detrás dele e pulou para o lado, com rapidez. O
impacto do braço mecânico do M19 com o solo foi tão grande que um novo buraco se
abriu no chão. Hanai então sacou sua espada e com um só golpe decepou uma das
metralhadoras do robô. Em seguida, afastou-se novamente para fugir de sua linha de
tiro. Contornou a pilha de entulho que havia desabado após a explosão e então subiu por
ela. Esperou o momento certo e então pulou sobre a cabeça do robô, que logo começou
a se chacoalhar, jogando o intruso sobre sua estrutura de um lado para o outro.
Hanai segurou firme e olhou para o vidro e para a luz vermelha dentro dos
circuitos do robô. Lembrou da blindagem. Para uma Asor, qualquer blindagem é uma
ilusão. – Concluiu, antes de mirar a lâmina de sua espada para baixo e enfiá-la por
inteiro na cabeça do M19. O robô tremeu ainda com mais força, antes de apoiar-se em
seus joelhos e finalmente desabar ao chão.
O mestre de Yin ainda foi obrigado a rolar alguns metros com a queda do
monstro. Depois, se pôs de pé e logo foi ajudar seus companheiros. Tirou o peso dos
entulhos de cima de Jess e, em seguida, ajudou Yin se levantar. Jess, sentindo muitas
dores, ainda conseguiu se levantar e, com muito esforço falou:
-Senhor...Para mim, esses robôs... – Parou um pouco e cuspiu um pouco de
sangue no chão – ...Esses robôs, estavam desativados.
-É meu amigo, parece que esse lugar definitivamente não está tão morto assim.
-Porque estão tentando nos matar?
-Não sei direito.
-É estranho. – Jess então parou um pouco e lembrou novamente da tribo dos
Limps e toda a tecnologia que eles possuíam. Em seguida, arriscou:
-Senhor, se aquela tribo que enfrentamos possuía armamentos desconhecido para
nós.. - Jess então recordou não só não das armas a laser, mas também da capacidade dos
Limps de tornar sua cidade invisível. - ...Então imagino se tais selvagens não obtiveram
tais armas neste mesmo local, chegando nesta base subterrânea antes de nós não?
Porém, só me perguntou uma coisa. Se, por acaso, descobriram esse lugar antes de nós,
porque nada aconteceu a eles?

82
Hanai então se aproximou da carcaça do robô, caída ao chão, por onde saía um
pouco de fumaça.
-Parece que de alguma forma, esse robô estava programados para atacar
Banshees somente.
-Mas, ao que tudo indica, se foram os humanos que realmente os construíram,
porque os fariam assim?
-Não sei. Acho que esse lugar nos reserva muitas coisas ainda. No entanto,
existe algo... – Hanai então parou. Olhou por todo o novo depósito onde haviam caído.
-O que senhor?
-Que está me chamando mais atenção.
-Não entendi.
Hanai então começou a andar pelo novo galpão, dessa vez totalmente imerso na
penumbra.
-Desde que chegamos aqui, tenho sentido a presença de algo vivo, que se
esconde em algum lugar nessa base.
-Pode ser um de nós?
-Não é uma presença Banshee, tampouco Furou. Isso é o que mais me intriga.
Jess continuava ouvindo, agora encostado na pilha de entulhos.
-Por isso insisti em explorar esse lugar, confesso. Não sei o que é, mas preciso
descobrir que presença é essa.
-Senhor, mas já chegamos muito longe. – Jess olhou então os outros soldados,
que se chamavam Snide e William. – E, infelizmente, agora nenhum de nós tem
condições de seguir em frente.
-Farei isso sozinho. Jess, aproveite que você está em melhores condições e cuide
dos outros. E cuide de Yin também.
Hanai então virou-se para o menino, que também já estava de pé e abraçou-o,
coisa que não fazia há muito tempo.
-E você menino, fique quieto até eu voltar. Não me desobedeça.
Yin balançou a cabeça.
-De qualquer forma, procurarei uma saída daqui, já que agora será perigoso
retornar pelo mesmo caminho pelo qual chegamos. Se demorar muito para voltar,
esperem o Sr. Irwind. Ele provavelmente sentirá a presença de vocês mesmo com suas
forças esgotadas. Prometo.
Hanai então virou as costas e partiu, sem hesitar.

83
Capítulo 16 – Através da Cápsula Amarela

De imediato, seguiu na direção em que estava sentindo a tal presença estranha.


Mas que força é essa? A Aura está muito baixa, não pode ser um Banshee! – Pensava.
Percorreu algumas galerias e corredores até chegar em um outro elevador, com uma
placa escrita ao seu lado.

LABORATÓRIOS
NÍVEL DE SEGURANÇA MÁXIMO
ENTRADA SOMENTE DE PESSOAS AUTORIZADAS

Para eu ser uma dessas pessoas eu precisaria ter uns mil anos no mínimo. –
Pensou, antes de lançar uma Shinya na porta do elevador, explodindo-a em mil pedaços.
Assim que a poeira abaixou, olhou para o poço abaixo e viu somente a escuridão total.
Resolveu então criar uma Soran e lançá-la em direção ao fundo do poço, mas logo
espantou-se ao notar que a esfera descia continuamente sem chegar ao fundo. Criou
então uma outra esfera e, dessa vez, segurando-a nas mãos, desceu.
O escuro túnel parecia que nunca ia acabar. Aonde isso vai dar, no inferno? –
Palpitou. Mais cedo do que previra, porém, chegou ao fim. Correu sua mão pela parede
do túnel até encontrar uma porta, que estava entreaberta, bem a sua frente. Abriu-a
inteiramente com as mãos e passou, chegando a mais um corredor onde somente podia
ver alguns passos a frente. Andou alguns metros e chegou então a mais um portão de
aço, bem grande dessa vez, de tamanho igual ao do primeiro pelo qual havia passado
com o grupo, assim que chegou na base.
Com sua espada, cortou então um pedaço do portão e atravessou a passagem
recém-aberta. No entanto, o que encontrou foi mais um breu total. Tateou sua mão pela
parede ao lado do portão, na tentativa de encontrar algum interruptor e, nesse instante,
escutou um pequeno barulho na escuridão, bem distante dele porém. Não se importou
muito e continuou procurando algo pela parede, até sentir uma outra alavanca. Puxou-a
e as luzes do lugar começaram a se acender. Hanai então não acreditou no que viu a
seguir.
Um domo colossal, de dimensões iguais ao pavilhão central, aonde o grupo
chegara primeiro, surgia diante dele lentamente, enquanto as luzes começavam a se
acender pouco a pouco. Esse novo pavilhão tinha a forma redonda e em seu centro, um
enorme buraco. No centro do buraco, emergia uma espécie de pilar enorme com uma
plataforma em seu topo e, no centro da plataforma, por sua vez, havia um outro domo,
dessa vez menor, recoberto por um vidro amarelado. A impressão que se tinha era de
que essa última estrutura – o pilar mais o domo com o vidro amarelado - assemelhava-
se a um cogumelo. A cima de Hanai e ao redor da galeria havia também vários outros
níveis superiores.
A Aura está começando a ficar mais próxima! – Sentiu de imediato. Haja o que
houver, a sua fonte está dentro daquele domo menor. – Concluiu.
Encostados na pilha de entulhos, com muitas feridas e alguns ossos quebrados,
Jess, Yin e os soldados desejavam que uma ajuda viesse logo.
-É engraçado menino. – Falou finalmente Jess a Yin – O Sr. Hanai pediu para
que eu tomasse conta de você, mas você está bem menos injuriado do que nós. Você é
um menino muito resistente. É um Kogun certo? Bom, só pode ser, para ter me salvado
daquela queda fatal enquanto fugíamos dos Kharkis.
Yin permaneceu calado.

84
- Você sabe que eu sempre sonhei em ser um Kogun? É verdade. Contudo,
nunca tive muito talento para aprender técnicas especiais. Por isso, tenho um pouco de
inveja de quem possui esses poderes. É verdade!
Contudo, um impacto, seguido de um forte barulho vindo da sala bem acima
deles, cortou então a conversa dos dois. Jess então falou:
-Rápido menino! Aproveite que você está em melhor situação que nós e vá
encontrar o senhor Hanai. Precisamos sair daqui imediatamente.
-Mas o mestre disse...
-Ande logo! Se esses robôs nos encontrarem, nunca mais veremos seu mestre
novamente. E mais ninguém!
Um novo barulho foi ouvido.
-Ande!
Yin então saiu correndo em direção ao labirinto de corredores mal iluminados
pelos quais Hanai havia passado a algum tempo, com a intenção de encontrá-lo a todo
custo.
Após um curto vôo, Hanai chegou enfim a plataforma acima do pilar, com o
domo de cobertura amarela em seu centro. Procurou alguma porta para que pudesse
entrar no domo sem causar maiores estragos a estrutura. Apertou então um botão na
parede ao lado de uma porta, fazendo-a se abrir. No centro do domo menor,
curiosamente, havia dessa vez uma cápsula, também coberta por um vidro amarelado e
suspensa a alguns metros do chão. Ao seu redor, também haviam vários computadores,
painéis, fios e cabos. Hanai logo cerrou os olhos para ver o que havia através da
cápsula, de aproximadamente um metro e meio de comprimento. Não acredito! –
Pensou. Embora os reflexos das luzes do local incidindo na cápsula suspensa não
permitissem ver nitidamente o que havia dentro dela, aquela primeira imagem era com
certeza de um rosto. Um rosto delicado. Alguém está preso ali dentro! – Concluiu. Seus
pensamentos, porém, foram interrompidos por uma voz:
-Identifique-se!
Hanai então tirou seu olhar para baixo e viu um sujeito de altura média sair por
de trás dos computadores que rodeavam a cápsula.
-Identifique-se! – Repetiu o sujeito.
-Quem é você? E que lugar é esse?
-Eu que tenho que lhe perguntar. Segundo meus sensores, você é um Banshee.
Só sendo muito corajoso ou muito burro para um Banshee vir aqui.
-Quem é essa pessoa presa dentro desta cápsula? – Perguntou Hanai.
-Não devo-lhe responder. No entanto, posso me apresentar. Sou um andróide do
tipo X05, protetor desse lugar.
Como pode ser? - Pensou Hanai. Um andróide? Mas como? Parece tão real! - A
confusão na cabeça em sua cabeça agora era total. Todos os estudos sobre os humanos
apontavam que possuíam uma tecnologia fantástica, mas não a ponto de construir um
ser tão parecido com eles próprios.
-E que lugar é esse? – Finalmente perguntou.
-Já disse que não lhe devo satisfações. Somente lhe peço para deixar este lugar
ou serei obrigado a eliminá-lo.
-Não sairei enquanto você não disser.
-Este é meu último aviso.
Hanai ficou estático, esperando qualquer reação do andróide. Em seguida, olhou
novamente para aquele rosto dentro da cápsula com o vidro amarelado. Um rosto
feminino, suave, de perfil. Preciso saber quem é!

85
Sua desconcentração foi fatal. Sua visão delicada fora logo cortada
violentamente com uma pancada no rosto, que o fez voar para fora do domo e, após
muitos metros, bater violentamente contra a parede da galeria maior. Do buraco no
domo menor, ao centro da galeria, o qual se formou com o choque de Hanai contra a sua
parede, saiu o andróide, correndo em direção a Hanai.
O mestre de Yin então se posicionou para o combate. Logo em seguida, sacou
sua espada e se defendeu do andróide, que logo tentou acertar-lhe com uma série de
socos. Hanai logo ficou espantado com a velocidade do robô e decidiu se concentrar
completamente na luta.
O duelo entre os dos dois então começou a ficar espantoso. Hanai afastava-se do
andróide, lançando, ao mesmo tempo, uma séries de Shinyas que não atingiam seu alvo.
X05, por sua vez, perseguia-o por onde quer que fosse. Após alguns instantes, Hanai
finalmente, com um golpe certeiro com sua Asor, conseguiu perfurar o andróide na
altura do seu abdômen. Com uma de suas mãos, porém, o andróide retirou a espada e
golpeou Hanai diversas vezes, levando-o novamente ao chão. O andróide então deu um
salto em sua direção, mas Hanai conseguiu na hora, rolar pelo chão e desviar. Contudo,
logo foi atingido por mais um chute, que, dessa vez, o fez parar perto do buraco no
centro da galeria, por onde emergia o pilar com o domo menor em seu topo. O andróide
preparou então o golpe final, com seu oponente agora de costas para ele e de joelhos.
Porém, em mais uma reação providencial, Hanai virou-se e lançou uma Soran na
altura dos olhos do seu inimigo, fazendo com que o mesmo perdesse a visão por algum
tempo. Hanai estava ofegante e seu corpo todo agora doía pelos fortes golpes sofridos
do andróide. Com sua concentração agora bem mais baixa, sentiu dessa vez seu corpo
ser puxado por uma força enorme. XO5 então se preparou novamente para lhe dar o
derradeiro ataque.
Nesse instante, porém, Hanai viu o andróide começar misteriosamente a tremer
todo seu corpo, como se estivesse sendo eletrocutado. Pôde ver também duas pequenas
e finas mãos segurando o robô, na altura de seu pescoço. Eram as mãos de Yin.
-Mestre! – Gritou Yin. Não...estou....mais...agüentando!
-Afaste-se! Agora!
Aproveitando o andróide ainda atordoado com o golpe inesperado de Yin, Hanai
juntou as mãos e disparou uma Shinya-Hashiki que perfurou completamente o corpo do
andróide. Depois, com os pés, jogou-o no buraco no meio do domo, entre a plataforma
onde estava e o pilar central.
-Yin! O que faz aqui? – Disse, ainda com dificuldade de respirar.
-Mestre! Precisamos de ajuda. Vamos!
Hanai olhou então novamente para o domo central de cobertura amarela, agora
bem acima deles. Pensou naquela cápsula e naquele rosto que havia dentro dela.
Precisamos salvá-lo! – No entanto, vendo a afobação de Yin, que agora puxava-o com
força pela mão, pensou que poderia ficar um pouco para depois.
As batidas perto do grupo formado por Jess, Snide e William aumentavam cada
vez mais quando Hanai e Yin chegaram. O barulho então se intensificou e finalmente o
portão de metal do nível acima rompeu. As dezenas de M19 partiram então em
velocidade em direção ao grupo.
-Como vamos sair daqui? – Perguntou Jess.
Hanai, já colocando o soldado junto com Snide pendurado em suas costas,
perguntou:
-Yin, rápido! Acha que consegue segurá-lo? - Apontando para o soldado
restante, o qual parecia o mais debilitado entre todos, encostado na pilha de entulhos.
-Vou tentar. – Falou o menino.

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-Então vamos! Somente me siga e não me perca de vista!
William fez então um esforço enorme para se colocar nos ombros de Yin.
-Segurem-se todos!
Nesse exato momento, vários robôs M19 caíram pelo buraco aberto no teto do
local onde todos estavam, no mesmo instante em que Hanai e Yin começavam seu vôo
em direção aos túneis a frente, já em meio a uma rajada de balas. Depois de algum
tempo, porém, finalmente chegaram a nova galeria gigantesca encontrada por Hanai.
-Temos que sair daqui rápido! Logo esses robôs estarão aqui e esse portão não
irá agüentar!
Olhou então rapidamente todo o local e logo lembrou do indivíduo dentro da
cápsula que, por sua vez, se localizava dentro do domo menor, ao centro da galeria onde
estavam todos agora.
- Fiquem todos aqui, tenho algo a fazer!
Hanai então voou em direção a plataforma acima deles e entrou no domo
amarelado. Por entre os computadores ao redor da cápsula, havia um botão maior.
Apertou-o e a pilastra que sustentava a cápsula há alguns metros do chão começou então
a descer. Hanai então aproximou-se e pode ver com mais clareza quem era aquela
pessoa adormecida. Uma menina! Mas o que faz aqui?
Puxou sua espada e com um golpe tentou quebrar a redoma amarela que protegia
o corpo. Em vão.
-Você não irá conseguir! – Neste instante, ouviu uma voz atrás dele.
Virou-se e viu então o andróide X05, com seu tronco perfurado e caminhando
com dificuldade em direção à ele. Hanai então apontou a lâmina de sua espada para o
robô e a luta entre os dois recomeçou. Dessa vez, contudo, com pouca energia lhe
restando, o andróide não ofereceu muita resistência. Com um golpe certeiro, Hanai
partiu-o em dois, na horizontal.
Embora estivesse com sua força quase esgotada, o autômato pareceu ainda
querer-lhe falar algumas palavras:
-Você...Você não irá conseguir...
Hanai não deu muita atenção as palavras de seu inimigo ao chão e voltou sua
atenção a menina, no centro da sala.
-Dentro de mim...Há... – Continuou X05.
Hanai passava a mão por toda a redoma, procurando algum mecanismo que a
abrisse.
-Dentro de mim...há...há uma bomba...
Hanai então parou.
-Não...não posso deixar que se vá... – Continuou o robô.
-Como assim uma bomba?
-Essa menina...devo proteger...devo...
-Mas por quê? Quem é essa menina?
-Devo...
-Não irei machucá-la! Só quero saber quem ela é!
-Tarde demais...A bomba já está ativada...Precisam sair imediatamente...
Hanai começou a refletir sobre o que o robô havia dito. Uma bomba? Ele pode
estar mentindo! – Imaginou.
Nesse momento, chegou ao local Jess e Yin, que ficou espantado ao ver o corpo
de X05 caído no chão. Porém, logo acreditou que já estivesse morto. Jess por sua vez,
perguntou sem entender:
-Quem é esse?
-Alguém que disse que tem uma bomba. – Respondeu Hanai

87
-Uma bomba? Não é possível!
Yin também assustou-se com a notícia.
-Por via das dúvidas precisamos sair daqui rápido. – Respondeu Hanai, ainda
sem encontrar uma forma de abrir a redoma amarelada.
-E o que temos aí?
Jess e Yin então se aproximaram da redoma e ficaram estupefatos.
-Uma menina! Aqui? – Exclamou o soldado.
Yin, por sua vez, ficou mais envergonhado do que surpreso. Afinal, a menina
vestia somente suas roupas de baixo e parecia estar dormindo profundamente. Em
seguida, fitou seus cabelos, curtos e negros.
-Não sei, mas devemos tirá-la daqui. Ela pode ser a chave para muitas respostas.
Mas esse vidro, não sei que material é esse! Parece inquebrável!
-Prima. – Optou Jess.
-Muito provável, só que bem mais reforçada creio eu! Bom, temos que agir
depressa, de qualquer forma.
Hanai então sacou sua espada e cortou a base que prendia a cápsula ao pilar que
a sustentava. Em seguida, com muito esforçou, colocou toda ela em cima de suas costas.
-Vamos! – Falou, com muito esforço.
Os três então correram em direção a saída do domo. Antes de saírem pela porta,
contudo, ouviram um apito soar por detrás deles. Saía de dentro do corpo do robô caído
no chão.
-Esperem... – Disse com dificuldade o andróide – Prometam...que irão
cuidar...bem dessa menina....
Hanai fez sinal de positivo com a cabeça e se foi. O apito começou a soar mais
depressa.
-Ah! Isso é um mal sinal! – Concluiu Jess.
Voltando para outra plataforma onde estavam Snide e William, fora do domo
menor, Hanai logo tratou de pensar em uma maneira de sair dali. Sabia que não podia
voltar pelo mesmo lugar, já que muitos M19 estavam a espera de todos. Assim, como já
era esperado, seus pensamentos foram interrompidos por uma forte batida no portão,
perto de onde todos estavam.
-Já estão aqui! – Gritou Jess.
Hanai olhou novamente todo o domo. Deve haver alguma saída para a
superfície daqui! – Pensou.
As batida se intensificavam.
-O portão não aguentará mais!
Ar! Esse lugar precisa de ar! – Pensou Hanai. Temos que achar os dutos de
ventilação! Olhou para cima e viu então pequenas passagens no teto da galeria, há
muitos metros de distância.
-Sairemos por lá! – Apontou então para uma das pequenas entrada.
Novamente, com Jess e os outros nas costas, Yin e Hanai voaram em direção a
passagem. Era um túnel de fato apertado, porém a única saída para todos.
Nesse exato momento, o portão principal de acesso a galeria foi finalmente
rompido, permitindo passar dezenas de M19 até a plataforma onde o grupo estava
segundos antes. Um deles então se dirigiu até a plataforma onde se localizava o domo
central a procura deles. Encontrou somente os restos do X05 caído ao chão e ouviu um
apito que repetia-se freneticamente dentro do andróide. De repente, o apito cessou e um
aumento exponencial na temperatura foi a última coisa que os sensores do M19
conseguiram detectar.

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Dentro do minúsculo e escuro túnel, Yin e Hanai voavam agora em sua
velocidade máxima, quando sentiram tudo ao seu redor trepidar por causa da explosão
da bomba que estava dentro do corpo do andróide. Sentiram também a temperatura
aumentar depressa, o que significava que tinham que encontrar a saída o mais rápido
possível. Hanai, na frente, agora fazendo mais força do que nunca para levar a cápsula
com a menina em suas costas, ao mesmo tempo em que Yin carregava os três soldados,
finalmente viu a luz do dia no fim do túnel.
-Vamos Yin! – Gritou.
Os dois então utilizaram de suas últimas forças para chegar ao fim. Não vamos
conseguir! – Pensou Hanai. Nesse momento, porém, sentiu estranhamente uma espécie
de cabo batendo em seu corpo. Não pensou duas vezes antes de segurá-lo, logo seguido
de Yin.
Os dois então sentiram seus corpos subirem com uma velocidade muito maior do
que estavam voando, até chegarem finalmente a superfície, por onde saíram
acompanhados de muito fogo e uma enorme explosão bem atrás. Ainda com os olhos
sensíveis a luz do dia, olharam para baixo e viram todo a base ser “engolida” para baixo,
por uma força colossal. Com muito esforço, Hanai olhou então para cima e conseguiu
ver uma silhueta que não lhe era estranha.
- Ande! Para cima! – Gritava Irwind, de dentro da nave que pairava acima de
todo o grupo.
O piloto então ativou suas turbinas ao máximo, em direção ao céu. Depois de
algum tempo, sentiu-se livre para manobrar. Em seguida, Hanai, Yin e os outros foram
imediatamente puxados para cima. Estavam finalmente salvos.
Ainda se apoiando com dificuldades na porta de entrada da nave, Hanai, após
retirar a pesada cápsula de suas costas e colocá-la no chão do veículo, agradeceu:
-Meu amigo! Nunca fiquei tão feliz em vê-lo! Mas me diga, como descobriu que
estávamos justamente aqui?
Irwind abriu um enorme sorriso.
-Como você mesmo disse há alguns dias atrás, ninguém melhor do que eu para
sentir a Aura, mesmo que a longas distâncias e com precisão cirúrgica.
Hanai também abriu um sorriso.
-Mas estávamos procurando vocês por horas! – continuou o general - Mas agora
me diga, que lugar é esse onde vocês estavam? E quem é essa? – Perguntou, olhando
para a menina adormecida na redoma, perto deles.
-É uma longa história! Mas primeiro vamos cuidar de nossos ferimentos, todos
nós passamos por maus bocados.
Yin respirou aliviado como nunca em toda sua vida. Estava esgotado para sequer
pensar em alguma coisa, mas sabia que nenhuma brincadeira que já tivera na vida, com
ou sem Lwan, chegava perto do que havia vivido naqueles últimos dias. A saudade de
casa ainda estava forte, mas a felicidade de estar vivo superava tudo. Olhou para baixo e
viu a floresta de Noah ficar pequena novamente, como nunca deveria de deixar de ter
sido. Sentia, porém, que sua aventura estava apenas começando.

89
Capítulo 17 - Sara

A medida que a aeronave continuava sua viagem, o verde exuberante das árvores
na paisagem começava a dar lugar a uma visão mais árida, de um amarelo forte e
brilhoso, com o sol o iluminando fortemente naquele momento. O piloto aumentava a
velocidade, a medida que as árvores iam ficando cada vez mais escassas lá embaixo, até
as últimas desaparecerem por completo no início do Deserto de Kayabashi. Pouco
tempo depois, começavam a se misturar com o deserto, pequenas moradias, formando
um punhado de comunidades, indicando o início da periferia de Shandara.
- ...Então foi assim que encontramos essa menina. – Havia sido necessário
muitos minutos de viagem para que Hanai pudesse explicar com detalhes tudo o que
havia ocorrido.
- É meu amigo. É realmente difícil de acreditar. Robôs assassinos e tudo o
mais... – Respondeu Irwind.
Hanai então calou-se. Irwind ficou pensativo por mais alguns segundos e, em
seguida, olhou para o radar no painel da nave. Abriu então um sorriso de satisfação pelo
que viu e resolveu comunicar a todos:
- Escutem! Estamos quase chegando. – Falou. – Dentro de alguns instantes,
iremos pousar em Shandara.
As porções de barracos iam se intensificando lá embaixo, até formarem um
conglomerado cinza e disforme, deixando o amarelo do deserto já quase imperceptível.
Yin olhava pela janela da nave aquelas casas e, por mais que já havia visto em Mahani
lugares bastante necessitados, nunca havia visto tamanha pobreza concentrada.
A pequena nave de transporte continuou então sobrevoando Shandara, passando
pelo seu centro, onde a pobreza era apenas um pouco menor, uma vez que aparentava
construções um pouco maiores e imponentes, até chegar a um local um pouco mais
isolado. Assim, a aeronave foi então diminuindo sua altitude e a potência de seus
motores até pousar finalmente por entre dois galpões, na base de Archia. Assim, sem
demora, uma grande quantidade de pessoas, incluindo soldados, médicos e enfermeiros
vieram prestar socorros ao grupo, o mesmo que Irwind havia lhes informado que iria
resgatar na floresta de Noah, horas antes.
Yin saiu da nave cambaleando e, por isso, foi logo colocado em uma maca,
assim como Jess e os outros dois soldados sobreviventes, até entrar em um dos galpões
mais próximos a nave. Olhou para seu lado e viu que Hanai - também caminhando com
dificuldade – acompanhava as macas sendo levadas por dentro do galpão, junto de
Irwind. Ao lado desse, por sua vez, havia se formado uma outra equipe, levando com a
ajuda de um pequeno carro de carga, a cápsula com a menina de rosto delicado dentro.
Dessa forma, todos logo chegaram a uma das enfermarias da base, que ficava
localizada no edifício B de Archia, cuja entrada principal era o próprio do galpão pelo
qual todos já haviam percorrido. Yin, Jess e os outros soldados foram então levados a
um quarto, enquanto a equipe junto a Irwind e Hanai entraram pelo quarto ao lado com
a cápsula amarelada. Logo que o médico estacionou a maca flutuante de Yin, o menino
virou sua cabeça de lado e olhou pelo vidro transparente que separava os dois quartos.
Notou então a equipe médica que examinava a cápsula e reparou que todos já
procuravam uma maneira de abri-la, ao mesmo tempo em que Irwind a circulava, já
impaciente. Virou então seu olhar então para silhueta do rosto da menina, através do
vidro amarelo da cápsula, a qual já havia sido retirada do carro de carga e posta em cima
de uma maca. Durante um bom tempo ficou-a observando e achou-a bonita, por fim.
Um comentário do médico que o estava examinando, porém, cortou-lhe a atenção.

90
- Engraçado menino. Estes soldados parecem mais feridos do que você! Estão
com escoriações por todo corpo, alguns com fraturas e grande sinal de fadiga, enquanto
você está apenas com alguns ferimentos superficiais. Tudo certo com você mesmo
garoto?
Yin então virou-se para o médico e balançou a cabeça positivamente.
- Vou chamar a enfermeira Aljolie agora. Ela vai fazer os curativos necessários
em você. Espere um pouco.
Apesar de Irwind ter curado Yin dentro da nave a caminho de Shandara, o garoto
ainda sentia dores nos braços e nas pernas. Sem dúvida, a grande aventura em Noah
havia sido desgastante.
Logo depois do médico ter saído do quarto, chegou a enfermeira.
- Olá menino! – Disse, sorrindo gentilmente. Em seguida, observou-o
rapidamente. – É, realmente você parece muito bem. Bom, me diga, você está com
fome?
Neste exato momento, um estalo vindo do quarto ao lado assustou a todos. Yin
virou seu rosto rapidamente e só o que viu foi Irwind caindo ao chão sentado e
xingando furiosamente os fios que acabava de cortar na lateral da cápsula na qual estava
a menina. Gesto esse que havia lhe rendido um belo choque. Porém, logo em seguida, o
vidro amarelo finalmente começou a se abrir, lentamente. A medida que a redoma abria,
Yin podia ver cada vez melhor a face da menina desacordada. Parecia-lhe mais delicada
ainda, mais suave e a cor de sua pele mais viva, ainda que bem branca, sem o amarelado
em volta.
Assim que o vidro arredondado abriu-se por completo, Irwind enfim se levantou,
colocou a mão na testa da menina e notou que estava fria como o gelo. Em seguida,
exclamou:
- Tragam uma toalha, rápido!
Uma enfermeira então trouxe uma toalha e Irwind logo cobriu o corpo da
menina com ela. Ao seu lado, já estava Hanai. Em seguida, deitou-a novamente, com
cuidado. Os dois médicos que estavam em volta começaram então a examina-la, com
suas visões ainda um pouco atrapalhadas pelo estranho gás que havia saído da cápsula,
assim que a mesma fora aberta.
- E então? – Perguntou Irwind, depois de um tempo.
- Não há pulsação, nem batimentos cardíacos, no entanto, ainda há atividade
cerebral.
- Como é possível?
- Ela parece estar em um estado de animação suspensa. Parece que esse gás
manteve a vivacidade de seus órgãos durante o tempo em que essa menina esteve
desacordada.
- E este cabo? – Irwind apontou para um pequeno fio, que penetrava na pele da
menina, na altura de seu antebraço direito.
- Parece que ela vem sido alimentada através dele.
Irwind então arregalou os olhos e desabafou:
- Toda essa tecnologia. Parece que esses humanos possuem muito mais segredos
do que parece. – Disse, lembrando também dos fatos narrados por Hanai enquanto
esteve no laboratório humano. Em seguida, continuou. - O que podemos fazer para
acordá-la? Precisamos saber quem ela é.
Nesse instante, Yin sentou-se na maca onde estava. A enfermeira Aljolie,
notando a curiosidade do menino, perguntou se o mesmo não queria ir para o quarto ao
lado para ver o que estava acontecendo. Afinal, ela também estava curiosa e já havia
terminado de fazer os últimos curativos em Yin.

91
- Irei aplicá-la uma injeção. – Respondeu finalmente o médico ao lado da
menina, já pegando uma seringa com uma das duas enfermeiras também presentes no
quarto.
- Assim que o médico penetrou a agulha no antebraço esquerdo da menina,
contudo, ela abriu os olhos lentamente. No entanto, algo inesperado ocorreu. Num
sobressalto, a menina pôs-se sentada e, em seguida, segurou com uma das mãos o braço
do médico. E, com a outra, segurou o braço de Irwind, com bastante força. Em seguida,
começou a chacoalhar freneticamente seu corpo e olhar fixamente para cada um que
estava na sala, até parar, por fim, em Yin, que havia acabado de entrar no quarto. Pulou
então para fora da cápsula em direção ao chão do quarto, arrancando o cabo preso em
seu braço. Cambaleando, derrubou também vários equipamentos médicos a sua volta e
correu então para o canto da sala. Então abaixou-se, sentou-se e, em seguida, abraçou
todo seu corpo, que continuava tremendo sem parar.
- O que diabos você deu para ela? – Perguntou Irwind, assustado.
- Nada demais senhor. Apenas uma substância de reanimação que usamos
constantemente.
Irwind então virou-se para a menina novamente e começou a se aproximar, ao
mesmo tempo que tentou falar algumas palavras:
- Calma, nós não vamos...
A menina então começou a gritar bastante alto, fazendo com o que general
parasse imediatamente. Não demorou muito para que todos então ficassem
incomodados com aquele barulho.
- Mas o que?
- Deixa eu tentar. - Falou Hanai.
Hanai então começou a chegar perto da menina. Contudo, quanto mais perto ele
se aproximava, mais o grito se tornava estridente. Quando chegou perto o suficiente
para tocá-la, abaixou-se, olhou em seus olhos e abriu um leve sorriso. Pôde também
notar sua respiração ofegante.
- Calma, nós não vamos machuca-la.
O gritos foram ficando mais baixos, até cessarem por completo.
- Qual o seu nome?
A respiração da menina continuava ofegante, ao mesmo tempo em que ela corria
os olhos novamente por todos presentes na sala. O grupo olhava de volta para a menina,
curiosos. Hanai então reparou que havia um corte em sua mão direita, provavelmente
causado pelo esbarrão contra os bisturis que estavam ao lado da cápsula, durante sua
fuga para o canto da sala.
- Opa, parece que você se machucou aqui e... – Algo então chamou mais a
atenção de Hanai.
Já segurando a mão da menina e com o olhar da mesma voltado agora para ele
novamente, Hanai reparou que havia algo bem pequeno escrito nas costas da mão da
menina. Chegou seu olho mais perto e pôde ler com clareza.

505 – Sara

- Sara. Seu nome deve ser Sara não é? – Falou alto para que todos no quarto
pudessem ouvir.
A respiração da menina começava a ficar mais lenta.
- Sara – continuou. – nós não vamos machucá-la. Vamos apenas examinar você
para ver se você está bem. Você está me entendendo?

92
A tremedeira da menina começava a diminuir também. Hanai então fez sinal
para que os médicos chegassem perto.
- Aqui. – Apontou para a ferida da menina – Podemos aproveitar essa ferida para
recolher alguma amostra de sangue. Em seguida, cuidem dela.
Um dos médicos então aproximou um filete de vidro e o pressionou contra a
ferida. A menina hesitou um pouco, mas não impediu. Em seguida, o mesmo médico
dirigiu-se rapidamente a um microscópio no canto da sala. O outro acompanhou Hanai e
Sara de volta até a cápsula, já estancando o ferimento da menina com uma gaze. Em
seguida, o mestre de Yin pôs então a menina sentada novamente sobre a cápsula e
tentou continuar a conversa.
- Sara, você lembra quem você é? O que aconteceu? Porque você estava naquele
lugar?
A menina olhava nos olhos de Hanai, agora já bem mais calma, mas não lhe
respondia. Parecia não lhe entender.
- Porque ela não fala? – Resmungou Irwind.
Hanai continuou:
- Você pode nos dizer algo?
- Não acredito! – Neste instante, exclamou o médico que olhava o sangue de
Sara no microscópio.
- O que houve? – Perguntou Irwind.
- Essa amostra. Esse DNA. Essa menina, seja lá quem for, não é um Banshee.
A surpresa foi geral. Até Yin, que estava agora bem a frente da enfermeira
Aljolie próximo a porta do quarto, abriu os olhos.
- Se alguém tinha alguma dúvida senhores – continuou o médico – não há mais.
Essa menina é uma humana.
A surpresa foi então maior ainda. Uma humana? Como pode? – Pensaram todos,
a medida que muitas perguntas surgiram de imediato. Todo a agitação causada pela
revelação só foi cessada quando Sara pareceu querer enfim falar algo. Todos então
calaram-se novamente e viraram seu olhar para ela.
- Pa... Pa...
Todos escutaram calados.
- Pa...Papai. Papai – A menina repetiu, agora olhando fixo para o chão.
- Papai? – Pensou Hanai
- Papai, papai, papai. – A menina agora olhava novamente para todos na sala.
- Papai? Quem será o pai dessa menina? O que está acontecendo? – Perguntou
Irwind.
Os pensamentos do general e a atenção do resto do grupo com relação as
palavras de Sara só foram cortados, dessa vez, com a chegada de dois soldados, que
logo pararam na porta do quarto da enfermaria onde todos estavam.
- Senhor Hanai e general Irwind. Suas presenças são requisitadas imediatamente
no Centro de Operações. Por favor, nos acompanhem.
Hanai suspirou. Logo agora que estávamos progredindo! – Pensou.
- Vamos meu amigo. – Falou Irwind. – Afinal, temos que nos concentrar no real
motivo porque que estamos aqui, lembre-se. Ainda teremos muito tempo para conversar
com esta menina.
- Doutor, cuide bem da menina. Quando estiver tudo certo, peço para que dê um
banho nela e algumas roupas. Voltaremos dentro de algum tempo.
Hanai então levantou-se e dirigiu-se para perto de Yin:
- E você, comporte-se enquanto eu não voltar. Cuide bem dele também. – Falou,
dessa vez para a enfermeira que estava perto de Yin

93
- Pode deixar. – Respondeu Aljolie. – Esse menino é forte como um touro.
Hanai balançou a cabeça positivamente, enquanto se dirigia a porta do quarto.
Irwind, por sua vez, já havia saído, acompanhado dos dois soldados.
- Podemos saber do que se trata soldado? – Perguntou Irwind. Neste instante,
Hanai alcançava os três.
- O comandante Greyn quer vê-los.
Hanai continuou andando, como se aquele nome não lhe dissesse nada. Irwind,
estranhando a não reação de Hanai, abriu um sorriso e falou:
- Você não se lembra não é?
- Não entendi. – Respondeu Hanai
- Greyn, não lembra dele?
- Não lembro, servimos juntos?
Irwind suspirou:
- Talvez um certo “Cabeça-de-côco” o faça refrescar a memória.
- Esse Greyn, é o cabeça-de-côco”? O bom e velho cabeça-de-côco?
- O próprio.
Hanai então abriu uma gargalhada.
- Eu nunca soube o verdadeiro nome do cabeça-de-côco! Desajeitado e
grandalhão como ele só! Será um prazer revê-lo.
Irwind sorriu:
- É meu amigo, ele pode estar com a moral em baixa com você, mas a recíproca
não é verdadeira.
- Como assim? – Perguntou Hanai.
- Bom, quando cheguei aqui com a intenção de pedir ajuda para resgatar um
grupo de soldados perdidos na floresta de Noah, Greyn me recebeu afoito, pois nossa
chegada em Marahana estava prevista para três dias atrás. E, como ainda não havíamos
dado notícias, a Base Aérea de Marahana entrou em contato com Archia para saber se
estávamos aqui. Quando cheguei, portanto, Greyn ficou aliviado de me ver novamente.
Contudo, quando disse sobre o grupo desaparecido, ficou bastante preocupado
novamente. Havia contado para ele sobre nossa aventura com tribos hostis, criaturas
famintas, fome, sede e todos os perigos que havíamos enfrentado. Mas logo lhe falei
algo que o fez gargalhar sem parar e se sentir mais aliviado.
- O que? – Perguntou Hanai.
- Falei que Hanai estava lá. – E Irwind gargalhou novamente.
Hanai também abriu um sorriso. Depois de um tempo resolveu desabafar:
- É meu amigo. Mas não estamos todos aqui se não fosse por outra pessoa
também.
- Quem? – Irwind não compreendeu no ato.
- Yin. Ele salvou a todos em Noah, inclusive a mim em uma oportunidade. Sem
ele, estaríamos todos mortos.
- Compreendo.
- O mais estranho é que Yin não devia estar aqui conosco. Devia estar em
Mahani, a salvo.
- Mas ele está a salvo agora. Meu conselho meu amigo, é que você não se
preocupe tanto com esse garoto. Afinal, como você falou, ele é especial. E está sendo
um herói.
Hanai ouviu calado.
- Além do que, como você mesmo disse, se não fosse por ele, toda essa missão já
teria ido por água abaixo. Acredito que a presença dele conosco, no final das contas, foi
um presente dos Deuses.

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- Uma grande sorte nossa, isso sim! – Respondeu Hanai. E Yin e só um menino,
a guerra deve ficar longe dele, e ele, longe da guerra.
Irwind virou o rosto, com outro sorriso, parecendo discordar. Neste exato
momento, os dois chegaram a saída do galpão de acesso ao edifício B. Notaram que um
outro soldado os esperava, ao lado de um veículo flutuador.

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Capítulo 18 – S.O.S. Base Aérea

Sara havia tomado um longo e quente banho, o qual pareceu reanimar as células
mais profundas de seu corpo. A enfermeira Aljolie havia lhe conseguido também
algumas roupas, em um galpão o qual armazenava doações para as comunidades pobres
de Shandara. Doações vindas, basicamente de Mahani e Meritzen. Estava, naquele
momento, sentada em uma cadeira em um dos refeitórios de Archia, ainda no edifício B.
Na mesa a sua frente lhe faziam companhia Yin e Sara. A frente da menina, por sua vez,
havia um prato de comida, ainda praticamente cheio. Afinal, Sara havia dado somente
duas garfadas no prato e depois parado. O prato de Yin, no entanto, já estava vazio em
menos de dois minutos.
- Agora que você está bem, já posso me apresentar. – Falou para a menina. -
Meu nome é Aljolie, prazer.
- E eu sou Yin. Prazer também.
- Você se lembra de alguma coisa? Antes de parar naquela cápsula? – Perguntou
a enfermeira.
- Eu... estou confusa... – Sara, aquela altura, já havia finalmente começado a
falar algumas outras palavras, logo após Irwind e Hanai terem saído do quarto da
enfermaria.
- Isso é normal minha querida. Você esteve dormindo só os Deuses sabem por
quanto tempo. Talvez mais de mil anos.
A menina abriu os olhos, um tanto quanto espantada.
- Você não se lembra de nada? – Perguntou Yin, finalmente.
A menina então olhou para Yin e, em seguida, para Aljolie. Depois voltou-se
para o chão novamente.
- Lembro que estava brincando num lugar. – As primeiras imagens começavam a
voltar na lembrança de Sara. – Até que alguns homens vieram e me pegaram. Disseram
que eu tinha uma missão muito importante para cumprir. Então eu cheguei em uma sala,
com uma cápsula no centro.
- Ah, deve ter sido onde encontramos você! – Concluiu Yin.
A menina então continuou:
- O lugar estava cheio de gente. Cheio de gente com a roupa branca trabalhando.
Iam pra lá e pra cá.
Os dois ouviam pacientemente.
- Então meu pai.. – A menina então parou – Meu pai! – Falou mais alto dessa
vez.
- O que houve, o que houve? – Perguntou Aljolie.
Sara então começou a chorar.
- Meu pai chegou perto de mim e disse a mesma coisa. Que eu tinha uma missão
muito importante a cumprir. – O choro da menina então aumentou. Aljolie resolveu,
naquele instante, abraçar Sara para a confortar. A menina, mesmo já soluçando,
resolveu continuar a história.
- Eu disse que não queria ir! Que queria ficar com ele! – As imagens então
ficaram mais claras. As feições de seu pai, que também estava de branco, o laboratório e
a sensação que teve quando descobriu que teria que ficar presa naquela cápsula pelo
tempo que fosse necessário.
- Eu não queria! – Repetiu Sara.- Lembrando, por fim, do “eu te amo” que havia
ouvido de seu pai, antes de sentir finalmente uma picada em seu braço e cair no quase
eterno sono.
- Pai! Pai! – Balbuciava agora, quase sem fôlego.

96
Aljolie então abraçou a menina com mais força ainda. Sara já estava ofegante e
soluçando muito.
- Calma querida. – Falou docemente Aljolie – Calma. Está tudo bem agora.
Neste instante, aproximou-se então de Sara, Yin e Aljolie, um soldado.
- Enfermeira Aljolie – Precisamos de você.
Aljolie continuou abraçando Sara por mais alguns segundos. Em seguida, falou:
- Meninos, preciso ir. Yin, venha cá.
- Yin então levantou-se e ficou ao lado da enfermeira.
- Cuide bem dessa menina, ouviu? Até eu voltar.
- Sara continuava chorando e, por isso, Aljolie pediu que Yin a abraçasse, do
mesmo jeito que ela estava fazendo. Yin então sentou-se no seu lugar e cumpriu o
pedido.
- Já volto. – Falou por fim.
Estavam então agora Yin e Sara sentados lado a lado, sozinhos em uma das
mesas daquele imenso e vazio refeitório. Yin a abraçava meio com certa vergonha, mas
depois de um tempo acostumou-se. Afinal, a pele quente de Sara estava o confortando
também. As lágrimas da menina, por sua vez, molhavam os curativos de seu braço, até
que Yin o esticou e encostou sua mão na cabeça dela. Apesar de saber da dor que a
menina sentia naquele momento, de estar num mundo completamente desconhecido,
anos e anos no futuro e sem ninguém de sua família para ajudá-la, Yin estava feliz por
vê-la bem, por vê-la viva. E se sentia bem também em meio aquele longo abraço, que o
fazia sentir também mais amparado, mesmo com toda a fragilidade que Sara
demonstrava naquele momento. E assim o abraço durou durante um bom tempo. Eu
também não sei direito o que estou fazendo aqui! – Pensou ele finalmente.
Irwind e Hanai saíram então do elevador principal no último andar do Centro de
Operações da Base de Archia, o qual correspondia ao edifício A da base e se localizava
exatamente ao lado oposto do edifício B, ambos separados por uma distância de
aproximadamente trezentos metros. Era a mesma distância que separava os vinte
edifícios restantes de Archia, simetricamente, uns dos outros. Assim que a porta se
abriu, o comandante Greyn, um sujeito moreno, de ombros largos e de cabeça
inteiramente raspada - assemelhando-se realmente a um côco - já estava na porta para
recebê-los, escoltado por um punhado de soldados.
- Sejam bem-vindos meus caros! Hanai, é um prazer revê-lo depois de tanto
tempo!
Daquele andar, devido ao fato do mesmo ser rodeado por vidros transparentes,
podia-se ver a noite que já caía sobre o Deserto de Kayabashi. O céu estava
completamente limpo, sem nuvens, e apresentava uma cor degradê, começando com
pinceladas de um azul escuro no horizonte, passando pelo roxo, até chegar ao preto,
mais acima.
- Igualmente. – Respondeu então Hanai, ainda fazendo um certo esforço para
não chamar o comandante pelo seu antigo apelido.
- Antes de qualquer coisa, entrarei agora em contato com o rei. Afinal, ele ainda
não sabe do paradeiro de vocês. Não tive tempo de informá-lo, devido as minhas
atribuições. Venham comigo por favor.
Irwind e Hanai chegaram então a uma outra sala, com vários computadores
espalhados e um telão ao centro. Quando olharam para o telão, somente puderam ver a
figura imponente do rei de Mahani, Serph. Greyn então se aproximou do telão e apertou
um botão abaixo dele.
- Senhor, estou realizando esta transmissão com o senhor Irwind e o senhor
Hanai ao meu lado.

97
- Pelos Deuses! – Respondeu imediatamente o rei – Onde estavam? Todos aqui
em Mahani, inclusive eu, estávamos bastante preocupados!
Irwind e Hanai ficaram mudos por um tempo. Assim que o primeiro iria
começar as explicações, Serph continuou:
- Se não sabem, pouco tempo depois do sumiço de vocês, ordenei pessoalmente
o envio de uma grande busca, com várias aeronaves em direção a floresta de Noah, o
último local onde a posição de vocês havia sido rastreada. Mas nada acharam. Afinal, o
que houve? Digam!
Irwind então se aproximou do telão.
- Senhor, nossa aeronave foi abatida por membros de uma tribo misteriosa,
residentes de Noah. Tivemos algumas baixas, mas salvaram-se alguns. E ficamos este
período sem comunicação. De qualquer forma, agradeço a preocupação do senhor.
- Tribo? – Serph pareceu não entender. - Bom, enfim. O que pretende fazer
agora então general? Afinal, sua missão já está atrasada não?
- Continuarei com meus planos iniciais. Algumas tropas aqui de Shandara já
partiram em direção a Marahana e as que lá já estavam estão em total prontidão agora.
Além disso, já solicitei o envio de tropas de Dherates para também darem suporte as
nossas unidades ao norte. Os nossos diversos postos de combate, por sua vez,
espalhados por toda a fronteira entre nosso domínio e o domínio Furou também já estão
reforçados. Contudo, ainda precisamos recolher mais informações sobre o inimigo para
saber como agir mais precisamente daqui pra frente.
- Certo general. Desejo novamente boa sorte em seus planos e mantenha-me
informado. É um prazer saber que está bem.
- Obrigado senhor, entrarei em contato em breve – E desligou o telão.
- Na verdade Irwind, já temos tais informações e isso é outra coisa que ainda
não contei para o rei. – Disse Greyn.
- E porque ainda não fez isso?
- Porque pretendia dizer primeiro a você. Por isso, chamei vocês dois aqui com
urgência.
- Então diga sobre o que sabe.
- Nossos radares, em trabalho em conjunto com os radares em Marahana,
fizeram há bem pouco tempo, enquanto vocês estavam perdidos em Noah, uma extensa
leitura do norte de Asíris, percorrendo todo o deserto de Kayabashi, além do domínio
Banshee, passando pela região de Gyron até os pés da cordilheira de Tyron.
- E então?
- Nossos sensores indicaram uma intensa movimentação de tropas Furous em
toda região, bem como uma forte presença de materiais utilizados na produção de
equipamentos de guerra de origem Furou. A primeira impressão é que, como o senhor já
sabe, tais tropas parecem estar se deslocando em direção a Marahana.
- Então esses malditos de fato nos atacarão.
- Tenho noventa e nove por cento de certeza que sim.
- Continue.
- No entanto, há um certo ponto nas imagens o qual não se assemelha a nada o
que registramos até hoje. Tal como um colosso de metal escondido de nós durante um
bom tempo.
- Parece então que esses miseráveis estão se preparando para este grande ataque
já há bastante tempo. E souberam exatamente como esconder seus planos de nós.
- Só nos resta saber agora o porque de nossa campanha ao norte, outrora tão bem
sucedida, foi por água abaixo em tão pouco tempo. – Concluiu Greyn.
Hanai ouvia com atenção.

98
- Isso ainda é um mistério, você está certo Greyn. No entanto, precisamos nos
mexer logo para nos defendermos dos ataques que virão e isso é o mais importante. Por
isso, me diga, você está absolutamente certo que realmente ocorrerá um grande ataque
em breve?
- Tenho senhor. E pela velocidade que as tropas Furous passaram a se mover nas
últimas horas, creio que começarão dentro de um dia ou menos, talvez.
Irwind então se surpreendeu. Ainda que soubesse de antemão da possibilidade
iminente de um inédito ataque massivo pelos Furous e que seu contra-tempo em Noah
havia prejudicado seus planos para a resistência a este possível ataque, não imaginava
que a situação era de tanta urgência.
- Entendo. Agora só nos resta saber mais a respeito desta anomalia a qual você
se referiu, esta concentração anormal detectada de material utilizado matéria-prima nos
equipamentos de guerra Furou.
- Tenho um palpite senhor. É possível que seja uma arma a qual os Furous
possam utilizar contra nós, já neste ataque. – Falou Greyn.
- Já foram enviados unidades de inteligência e reconhecimento para além da
fronteira, para buscar mais informações a respeito?
- Sim senhor. Foram enviadas duas unidades aéreas de reconhecimento há
alguns dias da Base Aérea de Marahana e mais uma daqui mesmo de Shandara para esse
fim. Eram os melhores homens que tínhamos. No entanto, também desapareceram sem
nos deixar nenhum registro.
- Os Furous estão mais perto de nós do que imaginamos. – Concluiu Hanai.
- Exatamente. – Falou Greyn.
Irwind então ficou andando de um lado para o outro da sala, pensativo. Em
seguida, deu suas primeiras ordens.
- Farei o seguinte então. Conforme inicialmente planejado, partirei em direção a
Base Aérea de Marahana amanhã pela manhã e me encontrarei com Gryn, que, se não
me engano, é o atual comandante de lá. Já que os primeiros ataques provavelmente
ocorrerão exatamente naquela região, creio que será importante os homens de lá terem a
voz mais forte de todo o comando militar de Asíris bem ao seu lado.
Greyn consentiu.
- Por falar nisso, como está seu irmão?
O comandante então riu levemente:
- Gryn está ótimo, está no posto que sempre quis, afinal sempre teve um fascínio
pela aquela maravilhosa estação de batalha.
- Certo então. E Greyn, lhe peço mais um favor. – Irwind então olhou para o
soldado guardando a porta do saguão aonde todos estavam. – Deixe seus homens
imediatamente em estado de alerta máximo. Creio que o ataque possa ser tão grande que
as tropas Furous possam atingir Archia e Shandara também. Por isso, deixe toda a
cidade em estado de sítio. Precisamos proteger ao máximo seu povo de qualquer
ameaça. Afinal, como você sabe, eles já sofrem demais.
- Sim senhor! – Respondeu Greyn.
Irwind então se caminhou até o saguão principal da sala de comando e tomou o
elevador de volta, junto com Hanai.
- O que acha disso tudo? – Perguntou ao seu amigo.
- É uma situação bastante delicada. Creio que, para ser sincero, viveremos em
breve um momento para o qual sempre nos preparamos, mas que nunca achávamos que
iríamos presenciar.
- Não havia lhe falado Hanai? Parece que a esperada batalha final entre nós e os
Furous está em contagem regressiva para começar.

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- É verdade meu amigo, você estava certo. Sendo assim, precisamos preparar
nossos espíritos e de nossos soldados para as horas que virão. Afinal, uma vez em
Marahana, estaremos literalmente aguardando o inferno chegar.
Irwind sorriu.
- Mas ainda há algo que me preocupa mais. – Continuou Hanai.
- O que?
- Yin. Com certeza ele não irá conosco para a Base Aérea de Marahana,
pretendo deixar ele aqui. Contudo, se o ataque dos Furous se estender até Archia, o que
sinto que realmente acontecerá, ele estará correndo perigo.
- Você novamente preocupado com este menino! Hanai, escute. Foi Yin que
escolheu vir conosco, ninguém o obrigou a nada e, como dissemos ele está se saindo
muito bem até agora. Está provando o Kogun especial que ele é. Além do que, o
desfecho desta próxima batalha pode determinar o futuro da raça Banshee. Creio que,
assim que ela se iniciar, nenhum Banshee, nem mesmo em Mahani estará
completamente a salvo.
Hanai baixou a cabeça.
- Por isso que devemos nos concentrar somente na batalha iminente. E isto é
uma ordem de um general. – Finalizou Irwind.
Hanai continuou calado, enquanto se encaminhava junto com o general em
direção ao veículo flutuador esperando por eles na porta do elevador.
- É sério! Então nós descemos colina abaixo, naquele trenó de madeira todo
surrado. Só cabia um nele, mas meu amigo fez questão de vir também. Foi sensacional!
– Yin contava a Sara uma das muitas aventuras que já havia passado em Mao-Ter, junto
de Lwan.
- Mas...vocês podiam ter morrido. – Respondeu a menina, que agora estava com
o ânimo um pouco melhor.
- Que nada! Lwan é muito esperto, você precisa conhecê-lo!
Yin e Sara estavam na entrada do galpão de acesso para o edifício B, perto de
uns barris e sendo observados por um soldado, ao longe. Por isso, puderam ver Hanai e
Irwind chegando no flutuador. Assim que o mestre de Yin desceu, se aproximou dos
dois:
- Opa! Parece que você está mais calma agora! – Falou a Sara – Você é uma
menina muito linda sabia? – Continuou, agora mexendo no fino queixo da menina.
A garota sorriu.
- Vocês dois, vamos entrando, este lugar não é para crianças. E precisamos
descansar para manhã.
Já novamente dentro do edifício, nos dormitórios, Sara se encaminhou para um
dos quartos. Aljolie, sensibilizada com o desamparo da menina, resolveu dormir junto a
ela, com a intenção de lhe dar mais conforto. Quando Yin também ia se dirigindo para a
sua cama, Hanai lhe chamou para uma conversa, um pouco mais distante. Sentaram
então em uma mesa perto dos quartos.
- Yin, preciso lhe dizer algo. Mas, primeiro me diga, como estão esses
ferimentos?
- Estão melhor mestre. Acho que a conversa com a Sara me ajudou a esquecer
um pouco que estavam doendo. Ela é muito legal.
- Ótimo. Agora escute. Amanhã eu e Irwind iremos para a Base Aérea de
Marahana para cumprirmos nossa missão. O norte de Asíris em breve se tornará um
lugar muito perigoso para todos os Banshees. Afinal, toda a região perto daqui se
tornará verdadeiro um campo de batalha.

100
Yin então ficou assustado, afinal, pela primeira vez estava tendo conhecimento
sobre o que estava realmente acontecendo e do que se tratava realmente aquela missão,
na qual havia entrado como invasor.
- Por isso. - Continuou Hanai – Quero que você fique aqui e se cuide, já que é
muito provável que a base de Archia também seja atacada.
- Mas mestre! Não quero ir! Quero lutar junto com o senhor!
- Nada de lutar junto comigo Yin! A vontade que me deu desde que descobri
você infiltrado em nossa nave sempre foi de lhe dar uma surra!
Yin então ficou quieto.
- Contudo, agradeço por toda ajuda que você nos deu em Noah, você se mostrou
muito valente e todos reconheceram seu esforço.
- Então mestre, poderia ir com vocês, ajudar mais! Eu sei que poderia...
- Já falei Yin! Apesar de tudo o que você fez, não pode seguir conosco. Só não
lhe mando de volta agora para Mahani porque todos os homens e veículos em Shandara
e Marahana estarão mobilizados nas próximas horas. Quando tudo passar, você estará
novamente de volta ao orfanato, junto a Lwan e Inhi, de onde nunca deveria ter saído.
Assim que Hanai terminou de falar, as luzes de todo dormitório, que já estavam
baixas àquela hora, passaram-se de brancas a vermelhas, indicando o início do estado
de alerta máximo em toda base.
- Viu? – Espero que compreenda a situação extremamente perigosa a qual nos
encontramos e deixe de ser tão teimoso.
Yin agora estava novamente quieto.
- E isso é tudo. – Agora vá descansar. E esteja preparado para amanhã.
Yin então caminhou até a cama e deitou-se. Por um tempo ficou olhando para
aquela forte luz vermelha no teto que atrapalhava sua visão. Isso não é justo! Cheguei
tão longe para não poder participar de uma batalha de verdade contra os Furous? –
Pensou o menino, que ainda lembrou que pela primeira vez estaria sem a proteção de
Hanai, ou talvez de ninguém. Lembrou de Lwan e mais uma vez sentiu saudades de
Mao-Ter e de todos. Até um pouco de Inhi. Depois de um tempo, lembrou então de Sara
e tudo que havia sentido enquanto esteve com ela e, em seguida, da enfermeira Aljolie.
Pensou que em breve todos estariam na mesma situação que ele, sem saber ao certo
como agir e, talvez, em perigo. Pensou então que, de um dia para o outro, poderia deixar
de ser um mero protegido para talvez se tornar guardião, diante do suposto iminente
quadro de guerra o qual Hanai havia se referido. Lembrou então das últimas palavras de
seu mestre. ...agradeço por toda ajuda que você nos deu em Noah, você se mostrou
muito valente... A existência de seus poderes anormais de Kogun, naquele momento,
também contribuiu para que o menino começasse a pensar deste jeito. Talvez por isso,
tenha sido fácil de se conformar em ter que permanecer em Archia, em contraponto ao
impulso que sentia em seguir em frente com Hanai. Parecia, no final das contas, ter um
importante compromisso em breve e que não podia fugir dele.

101
Capítulo 19 - A Batalha de Marahana

Yin acordou com um barulho de sirenes insuportável, fazendo que ficasse logo
de pé e caminhasse para fora do dormitório. Avistou então Aljolie e Sara, perto da
enfermaria, que se localizava ao lado do dormitório e encaminhou-se em direção as
duas. A movimentação dos médicos no local já era bastante intensa naquela manhã.
Naquele momento, Jess, acompanhado de Snade e William, os outros dois soldados
restantes do grupo que se acidentara em Noah e que estavam em recuperação, também
se juntaram ao grupo.
- Que bom encontrar vocês novamente! – Falou Jess, com uma aparência boa. –
Acabamos de receber alta. E nossa! Que confusão está isto aqui hein?
- É verdade. – Respondeu Aljolie, olhando para a movimentação dos médicos. -
Estou há quatro anos aqui e nunca vi esta base em estado de alerta máximo.
- O problema é que nem o general nem o Sr.Hanai nos deu ordens específicas.
Não sabemos como agir agora. – Respondeu Jess, olhando para os outros dois oficiais
ao seu lado.
Yin e Sara escutavam quietos. Aljolie então recomendou:
- Creio que vocês devem ir até o comandante Greyn, no Centro de Operações,
que fica do lado oposto a esse prédio. Lá ele dará ordens específicas para vocês.
Jess então pensou, olhou para Yin e respondeu:
- Ok, faremos isso então. – Sacudiu então a cabeça. - Vamos! – O trio de
soldados então partiu para a entrada do galpão de acesso ao edifício B, também
acompanhado de Aljolie, Sara e Yin.
Quando todos chegaram na entrada, contudo, puderam ver ainda com mais
clareza a dimensão do que estava acontecendo naquela base. Centenas de tanques de
guerra, homens com rifles empunhados e aeronaves se movimentavam de um lado para
o outro, grande parte em direção a saída principal de Archia. Notava-se claramente o
fervor da base naquele momento e todos imaginaram que algo realmente grande estava
para acontecer. Neste momento, um apito agudo soou, indicando uma transmissão do
comandante Greyn. Segundos depois, sua voz então ecoou por toda a Base de Archia,
através dos alto-falantes espalhados por toda sua extensão.
- Soldados, médicos e todo o contingente de Archia. Vou dar minhas ordens
somente uma vez e, por isso, peço que escutem com atenção. Dentro de algumas horas
há uma enorme possibilidade de sermos atacados por tropas do exército Furou, no que
pode ser a maior investida deles contra nós de toda a nossa história. Tal ataque
provavelmente se iniciará na Base Aérea de Marahana...
É o lugar onde o senhor Hanai vai! – Pensou Yin.
- ....Mas provavelmente... – continuou Greyn – ...A batalha se estenderá até aqui
também. Por isso, quero que todos os homens e mulheres nesta base fiquem de
prontidão ao máximo e aguardem em seus respectivos postos até a minha segunda
ordem. A cidade de Shandara já se encontra sitiada e com tropas espalhadas por todo
seu perímetro. Isso é tudo.
E a transmissão se encerrou.
- Bom, temos que ir. Parece que precisamos de nós agora mais do que nunca. –
Falou Jess.
- Boa sorte. – disse Aljolie.
Jess sorriu e retribuiu. Em seguida, continuou:
- E você menino, cuide bem delas. Bem como fez conosco em Noah. – Falou a
Yin.
- Como assim? – Exclamou Aljolie. – Yin cuidou de vocês?

102
O menino sorriu.
- É uma longa história! Agora vamos! – Assim, Jess, Snade e William partiram
finalmente.
- Que história é essa? – Perguntou Aljolie a Yin, bem ao seu lado.
Neste momento Sara, que estava quieta, observando todo aqueles soldados e
veículos se deslocarem e fazerem assim, com que enormes nuvens de areia se
levantassem do solo, além de assustada com todo o barulho que aquela movimentação
causava, perguntou baixinho:
- O que está acontecendo?
Yin e Aljolie viraram então os olhos para ela.
- Bom, deixa eu tentar te explicar. – Falou Yin. – Há muito tempo, nós, os
Banshees, guerreamos contra uma raça de monstros que vive na parte norte de Asíris,
chamado Furous. Essa guerra já dura séculos mas, no entanto, nós já estávamos levando
vantagem há algum tempo. Pelo menos é o que dizia nosso rei, lá em Mahani, a cidade
onde moro. Aliás, lugar bem mais tranqüilo do que este. – Yin então parou e coçou seus
cabelos castanhos. – Mas, não sei, pelo visto, parece que a situação se inverteu. Pelo que
sei, os Furous sempre nos atacaram de vez em quando, e só em algumas cidades ao
norte. Nunca lançaram um grande ataque contra nós. É estranho. – Concluiu o menino.
- É verdade. - disse Aljolie – E talvez, por isso, nunca presenciei uma
mobilização tão grande como esta de hoje. Desde minha chegada aqui, só atendi alguns
feridos de guerra, trazidos dessas pequenas cidades atacadas pelos Furous, perto da
fronteira entre o nosso domínio e o deles.
Aljolie parou por um tempo e então reparou também na nuvem de areia
levantada pela movimentação das tropas por Archia.
- Mas, como Yin disse, eram somente saques... – Parou por alguns segundos e
então continuou – ...E isto realmente parece ser algo maior, um grande ataque como o
comandante Greyn falou.
Aljolie pensou então na quantidade de trabalho que poderia ter, na qualidade de
enfermeira, daqui há bem pouco tempo. Trabalho o qual estava razoavelmente
acostumada a realizar mas, como havia dito, geralmente em pequena escala. Pensou,
sobretudo, na quantidade vidas que poderiam ser deixada em suas mãos. Então olhou
para Yin e Sara e, pela primeira vez, ficou preocupada com sua segurança, concluindo
que definitivamente aquele não era o lugar ideal para eles. Esses dois mereciam estar
agora em um lugar seguro, talvez em Mahani, como Yin falou, livres de qualquer
perigo. O barulho crescente dos homens e máquinas de Archia, no entanto, tratou de
cortar seus pensamentos.
Do vidro frontal da cabine de comando de uma nave de transporte partida bem
cedo de Archia, Irwind e Hanai puderam notar, enfim, um pequeno ponto preto no céu
de Kayabashi há alguns quilômetros de distância. No entanto, por já saberem do que se
tratava, começaram a imaginar, logo em seguida, o quanto colossal sua visão poderia se
tornar dentro de alguns instantes. Aproximando-se mais da Base Aérea de Marahana,
puderam notar, portanto, sua imensa e negra estrutura flutuante. Primeiro, a parte de
cima em formato de concha e seu fundo mais conificado e, em seguida, os imensos
propulsores também localizados na parte inferior da base, os quais faziam com que
aquele gigantesco objeto de metal pudesse pairar no ar. Definitivamente, um dos
maiores milagres da tecnologia Banshee. Em seguida, olharam então para os enormes
canhões e metralhadoras que saltavam para fora da base, apontados em direção ao céu.
Daquela distância, porém, pareciam apenas centenas de pequenos espinhos em um
grande e negro ouriço do mar. Um pouco mais perto, puderam perceber os outros
detalhes da base, sua carapaça escura feita de Prima, construída para ser impenetrável e,

103
por fim, o pátio alongado de uma de suas duas docas externas – sendo que no interior da
base havia cerca de cinqüenta delas. E foi exatamente lá onde o piloto da nave que os
transportava se preparou para pousar. Assim que saíram, Irwind e Hanai foram
recebidos por um homem ofegante fardado de pardo, que precisou driblar os homens,
veículos e aeronaves em constante movimentação naquele pátio.
- Senhor...senhor – e baixou a cabeça para respirar.
- Acalme-se, falou Irwind. Respire e fale devagar.
O homem então parou um pouco e falou.
- Levarei vocês dois até o comandante Gryn. Por favor, venham comigo.
Olhando ao seu redor, Irwind e Hanai então puderam sentir com mais clareza, a
energia e o frisson que já havia tomado conta daquela base, afinal, assim como Archia, a
mesma também se encontrava em estado de alerta máximo. Haviam homens berrando,
conversando e alguns até já orando. Haviam também outros consertando aeronaves e
fazendo os últimos ajustes nos canhões, que pareciam agora bem maiores do que
outrora, expondo com imponência seus dez metros de comprimento cada um.
Os dois então passaram por um grande portão de metal aberto, que levava ao
interior da base. Há muitos metros adiante, após cruzar toda a parte coberta da doca
externa e passar por muitos saguões, o homem que os conduzia se aproximou de uma
pequena porta de metal. Tirou então um cartão do bolso de sua farda e passou-lhe ao
lado da porta, que se abriu imediatamente. Em seguida, Irwind, Hanai e o soldado então
entraram em uma pequena cápsula que, após se fechar, começou a imprimir uma
velocidade incrível, em direção ao núcleo da base. A cápsula era, na verdade, um
elevador que, através de um engenhoso mecanismo, movia-se por toda a estrutura do
lugar não só na vertical, mas também na horizontal.
Assim que a porta do elevador se abriu novamente, Irwind e Hanai puderam
notar que haviam chegado ao Centro de Operações da Base Aérea de Marahana, o qual
se caracterizava como um gigantesco salão, com inúmeros telões e painéis azulados
espalhados por todo ambiente. Ao redor do lugar, haviam dezenas de soldados operando
os painéis, dando coordenadas através de microfones e observando os telões. Ao redor
do saguão, por sua vez, havia a mesma blindagem feita de Prima, negra e brilhosa, bem
como em todo interior da base. Hanai então arregalou os olhos, maravilhado com tanta
tecnologia e enfim, compreendendo porque chamavam aquele lugar de Diamante Negro
de Asíris.
- Notando a surpresa de Hanai, Irwind comentou.
- Porque o espanto meu amigo? Parece que é a primeira vez que vem aqui.
Hanai então riu:
- Só não lembrava do quanto sofisticada esta base era.
- Isso porque você não vem aqui bastante tempo. A última vez que estive aqui,
há três meses, foi na ocasião em que estavam sendo trocados alguns equipamentos.
Estávamos lapidando nosso diamante.
- Talvez prevendo o que estava por vir.
- Agora é a minha vez de dizer que foi pura sorte nossa! – Concluiu Irwind.
Já estavam adentrando a sala de comando, localizada exatamente no meio do
salão, quando ouviram alguém esbravejar lá de dentro.
- Nosso escudo principal ainda não está funcionando cem por cento? Como
assim? Ajeite isso já!
- É, encontramos Gryn. – Conclui Hanai.
O comandante então virou-se e pareceu levar um susto ao ver Hanai e Irwind
olhando para eles. Em seguida, suspirou e falou:

104
- Senhores, sejam bem-vindos a Base Aérea de Marahana! – Gryn então apertou-
lhes a mão com força. - Como foram de viagem de Shandara até aqui?
- O desgaste não foi nada comparado a importância de nossa missão aqui. –
Respondeu Irwind.
- Ótimo. Desculpem pela minha exaltação. É que estamos sem tempo e nosso
escudo de força principal ainda não está funcionando com cem por cento de sua força.
E, como vocês sabem, ele é nossa principal defesa contra os primeiros ataques que
vierem, principalmente os de longo alcance.
- Já fez algum teste? – Respondeu Irwind.
- Doze nas últimas horas, para ser exato. Parece que está funcionando bem,
apesar de sua “idade”.
Quatrocentos anos. Essa era também a mesma idade da Base Aérea de
Marahana, construída durante o governo do rei Calisto. Havia ainda, além do escudo de
força principal que envelopava toda a base contra os longos e mais fortes ataques, os
escudos defletores, os quais protegiam exclusivamente os canhões e demais armamentos
exteriores de possíveis ataques. Tais escudos, eram, em teoria, impenetráveis, deixando
a base permanentemente imune a qualquer tipo de ataque, por mais violento que fosse.
Afinal, em toda história da luta entre Banshees e Furous, o escudo não fora rompido
uma única vez. Por isso, e por apresentar uma tecnologia ainda não superada, os antigos
escudos de proteção foram mantidos em atividade pelo exército Banshee. Contudo, há
alguns anos, começaram a ser constantemente submetidos a uma rotina de testes de
resistência, para seu mecanismo não atrofiar. De qualquer forma, estavam enfim prestes
a sofrerem sua maior provação.
- Entendo. Algum outro problema?
- Talvez uma certa demora na prontidão de nosso pilotos nas nossas docas
internas. Por isso preciso ser duro com meus homens.
- E as últimas informações sobre o avanço Furou?
- Isso é o mais importante. Deixe eu lhes mostrar.
Irwind, Gryn e Hanai então se dirigiram ao lado uma grande mesa, ao centro da
sala de comando, coberta por um mapa eletrônico que expunha toda a região norte de
Asíris, detalhadamente.
- Esses pontos verdes ao norte mostram as tropas terrestres Furous, agora se
aproximando da fronteira. Os pontos vermelhos mostram as unidades aéreas, agora um
pouco mais atrás. Contudo, tais unidades devem ultrapassar as outras e serem a primeira
a nos atingir.
Irwind então apontou para um grande círculo vermelho, ainda localizado na
parte Furou de Asíris.
- E isto aqui, o que é?
Hanai então completou.
- É possível que seja aquela arma que os Furous utilizarão contra nós, a qual
Greyn nos mostrou em Archia
- Mas parece maior agora! E está em movimento! – Exclamou o general.
- Para ser exato, a 80 km/h e vindo exatamente para cá. – Completou Gryn.
- E qual o tamanho real desta coisa?
- Segundo esta leitura, possui 1km de diâmetro. Duzentos metros a mais do que
a nossa base.
- E tem idéia do que seja?
- Bom, tenho um palpite. Pode, na verdade, devido a sua forma e tamanho, ser
uma estação de batalha semelhante a nossa, construída talvez durante anos sem o nosso
conhecimento.

105
- Aqueles Furous desgraçados! – Exclamou Irwind, se virando. – Arranjaram um
modo de escaparem de nossos radares, nos estudaram e construíram este monstro,
provavelmente nas entranhas de suas montanhas. Como sempre, não pensaram em nada
além de nos destruir!
Irwind então ficou andando ao redor da mesa com o mapa eletrônico. Tudo
começava a se encaixar em sua cabeça. Depois continuou:
- Além do que, prepararam todo este exército monstruoso sob os nossos narizes,
enquanto nós achávamos que estavam sendo facilmente derrotados!
Hanai observava a fúria de Irwind, que continuou disparando.
- Está agora claro para mim que nos enganaram, esperaram friamente o
momento certo para se organizarem, planejarem e nos atacarem. Aqueles malditos! E a
quantidade de inimigos comandante Gryn, tem alguma idéia do desafio que iremos
enfrentar? Números?
- Acredito que, por terra, cerca de trinta mil guerreiros Furous, junto a oito mil
unidades de guerra, aproximadamente. Por ar, mil naves de combate e quinhentos
bombardeiros, além de mil droppers, cada um com quinze guerreiros Furous em seu
interior.
Irwind então fez um rápido cálculo.
- E ainda estão vindo com mais da metade de todo seu exército. Desgraçados! –
Lembrou então novamente da suposta base aérea Furou que se aproximava. - Alguma
idéia do poder de fogo desta coisa? - E Irwind apontou para o círculo vermelho
novamente no mapa da mesa.
- Não senhor. Esses números desconsideram o poder de fogo desta arma. Não
sabemos a quantidade de Furous que essa coisa abriga, nem o perigo real que ela pode
nos oferecer.
- Maldição. E, nesta velocidade, em quanto tempo entrará na nossa linha de
alcance?
- Em cerca de uma hora senhor, provavelmente.
Irwind então parou e ficou um tempo olhando perdidamente para a mesa com o
mapa. Apesar de agora saber que estava mais certo do que nunca com relação a tudo o
que havia dito para Hanai ainda em Mahani, estava extremamente furioso por não estar
completamente preparado para aquela batalha, tal como todo exército Banshee. Batalha
essa que se mostrava realmente ser uma das maiores de toda a história. E também a
mais misteriosa.
Afinal, por algum motivo desconhecido, os Furous subitamente haviam cansado
de realizar ataques fracos aos seus inimigos e resolveram, ao que parecia, apostar todas
as suas fichas em uma só batalha. Faltavam, porém, ainda muitas informações precisas e
muitos pontos de interrogação pairavam sobre a cabeça de Irwind. Afinal, ainda não
havia sequer engolido o fato de suas tropas terem sidos massacradas há algumas
semanas pelos Furous, ainda mais o fato dos mesmos terem se tornado
inexplicavelmente mais fortes, se reerguerem e articularem um ataque dessa proporção
contra o todo povo Banshee tão rapidamente. Lembrou que sua ida até Marahana tinha
sido planejada, principalmente, para buscar informações sobre este evento específico,
não imaginando que iria estar logo diante de um quadro de conflito imediato. Além de
tudo, tinha agora somente uma hora para pensar como agir e repassar seus comandos a
todo o Exército Real espalhado pelo norte. Assim, como nunca em seu cargo de general,
estava confuso. Afinal, os Furous definitivamente haviam pego todos de surpresa, e de
uma maneira absolutamente terrível.
Seus pensamentos foram então cortados por Hanai, que estava observando um
telão, o qual permitia ver toda a paisagem do deserto de Kayabashi, bem como a bela e

106
imensa cidade, cuja parte norte estava localizada a aproximadamente três quilômetros
bem abaixo da base aérea.
- E Marahana? - Falou.
- Já está completamente evacuada. – Respondeu Gryn. - Há cerca de quarenta
mil homens, sete mil tanques e outras unidades de guerra terrestres lá embaixo, nas
redondezas da cidade. Toda sua população, por sua vez, já foi encaminhada para
Meritzen e para outras cidades mais ao sul.
- Somando com os homens de Archia e os de nossos postos nas cidades
fronteiriças ao domínio Banshee, nossos homens espalhados por Kayabashi totalizam
oitenta mil então. – Concluiu Irwind.
- Sim, por isso estamos em leve vantagem numérica.
Isso não quer dizer muita coisa. – Pensou o general, ao lembrar do fato dos
Furous estarem mais fortes e com sua resistência ampliada agora. Só não sabia o quanto
mais fortes estavam e qual seria a verdadeira diferença que tal fato poderia fazer no
calor da batalha. Assim, mais uma vez, ficou irritado pela falta de informação sobre seu
inimigo poucos momentos antes do início do confronto. Apertou então os olhos e falou,
dando um soco em cima da mesa com o mapa:
- Maldição! Temos somente uma hora! Se soubesse antes que tudo isso iria
acontecer, teria solicitado as unidades de Dherates bem antes!
Gryn então pensou.
- É verdade senhor. Creio que, infelizmente, agora não chegarão mais a tempo. –
Gryn então apontou para o contingente o qual Irwind acabara de se referir, representado
por pontos azuis em um mapa menor em cima da mesa, indicando que o mesmo não
havia sequer chegado a Wamboo, uma cidade localizada próxima a divisa entre a
Planície de Tirisfall e o Deserto de Kayabashi, há cerca de quinhentos quilômetros de
distância de Marahana.
- Greyn está certo Irwind. – Falou Hanai. - Enfim, quais são as suas ordens,
meus amigos?
Irwind parecia não escutar e, olhando ainda fixo para a mesa, falou:
- Faremos o seguinte. Ainda que as unidades de Dherates cheguem somente após
os primeiros ataques, serão de serventia no final de toda a batalha, que provavelmente
será extensa. Acredito que, somente assim, ficaremos em certo equilíbrio contra os
Furous, apesar de nossa vantagem numérica que, para ser sincero, creio não ser
suficiente para nos levarmos a uma vitória certa. Mas primeiro, precisamos organizar
nossos atos dentro desta base, que será nossa primeira e principal defesa contra os
Furous. Além disso, ainda enfrentaremos um inimigo completamente desconhecido para
nós, que também está vindo para cá. - disse Irwind, se referindo a estação de batalha
Furou voadora.
- Tenho uma sugestão - Disse Gryn - Esta base é dividida em três alas principais.
A ala norte, de onde virão os primeiros ataques, a ala sul e seu núcleo, onde todos
estamos agora. Creio que possamos nos dividir por entre essas três áreas. Assim, cada
uma ficará com uma voz de liderança, o que será bastante necessário neste quadro de
urgência.
- Faremos isso então. Gryn, você permanecerá aqui no "cérebro" da base, dando
as coordenadas principais para os seus homens, tanto aqui quanto os presentes na cidade
de Marahana. Hanai, você ficará na ala sul e eu na ala norte.
- Mas senhor. - Disse Gryn. - Ainda me preocupo.
- Com que? - Perguntou Irwind
- O senhor tem certeza que deseja permanecer aqui? Afinal, esta base se tornará
um lugar muito perigoso.

107
Irwind abriu então um sorriso, como há muito tempo não fazia e olhou para um
telão específico, ainda na sala de comando do Centro de Operações da Base Aérea de
Marahana, o qual que mostrava o topo dos prédios da cidade de Marahana, o céu azul
claro e o deserto, mais no horizonte.
- Este é o momento mais importante de nossas vidas Gryn. Fomos pegos de
surpresa por esses demônios e é exatamente por isso que meu dever é ficar aqui, não me
esconder, aguardando o pior. Eu confesso que tenho parte de culpa nisto tudo, já que
subestimei os verdadeiros poderes de nosso inimigo. Ainda que possamos estar em uma
situação completamente anormal em relação a toda nossa história de luta contra os
Furous, estava bastante satisfeito com nossos progressos em território inimigo. Por isso,
jamais ocorreu pela minha cabeça que os Furous pudessem se articular tão depressa e
contra-atacar de maneira tão monstruosa. Afinal, não era isso que os fatos nos mostrava.
O que parecia... – Irwind então parou e suspirou - ...É que a história iria seguir por um
outro caminho diferente desse.
- Entendo.
Irwind então olhou novamente para a mesa com o mapa eletrônico e falou:
- Então é isso. Avise também ao rei Serph e a base de Archia sobre nossa real
situação. Todos não só em Mahani, mas também em toda Asíris precisam saber o que
está acontecendo. Comunique também para o rei que todos homens de Archia e de
Marahana estão todos a postos para oferecer resistência ao ataque, e que o mesmo
ocorrerá muito em breve.
Assim, após algum tempo, as telas de transmissão espalhadas por Mahani já
transmitiam um pronunciamento do rei Serph, o qual anunciava, para a surpresa geral, a
batalha iminente. Pediu a todos para que fizessem suas orações aos Deuses, pedindo
proteção e sorte aos homens que em breve, iriam guerrear em Kayabashi. Em uma das
telas, no orfanato Mao-Ter, Lwan observava atentamente a cada palavra do rei, junto
aos outros meninos. Desejou, contudo, que Yin estivesse distante deste combate
próximo e, por algum tempo, sentiu-se feliz por não ter seguido nesta louca aventura
com seu amigo. Em seguida, sentiu medo e desejou que tudo acabasse bem.

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Capítulo 20 – Por Entre o Céu e o Deserto, a Última Redenção do Povo Banshee

O capitão Zerp estava suando e com sua adrenalina já em alta, sentado em frente
a um painel que se assemelhava a um cockpit - dentro de uma das salas de comando dos
canhões da ala norte da Base Aérea de Marahana. Olhava fixo para um monitor, quando
avistou então, ao horizonte, um objeto em franca queda, em direção a base. A princípio,
pensou se tratar de um míssil, mas sua velocidade era inferior. Em seguida, notou, já
com outros soldados ao seu lado, o objeto atravessar o escudo principal de força da base
facilmente e aterrissar com violência no pátio da doca externa daquela ala, indo parar
somente perto do portão principal que dava para o interior da mesma. Assim como
aquele portão, todos os outros que davam para algum acesso externo da base aérea já
estavam abaixados e trancados. Todas as aeronaves antes presentes nas docas externas,
por sua vez, já havia sido levadas para as docas interiores. Afinal, a estratégia inicial
pensada por Irwind e Gryn era de que todas as unidades da base ficassem somente em
seu interior, esperando pelo grande ataque iminente. A passagem para o pátio daquela
doca, no entanto, teve que ser aberta por alguns instantes.
Um grupo de soldados, liderado pelo capitão Zerp, foi então verificar o que era o
objeto e logo o identificou como uma aeronave de reconhecimento Banshee. No
entanto, quando abriu sua escotilha, o grupo se deparou com uma cena que os fez suar
frio.
- Precisamos levar isto ao comandante, rápido! – Disse o capitão, logo após
ajeitar a gola de sua farda.
Irwind, Hanai e Gryn ainda estavam na sala de comando do Centro de
Operações da Base Aérea de Marahana quando alguns soldados adentraram rapidamente
o local, trazendo três macas cobertas. Assim que Gryn levantou os lençóis para ver do
que se tratava, pôde somente notar alguns restos mutilados de soldados Banshees.
- São os homens de inteligência que enviamos dias atrás! Esses desgraçados! –
Falou Gryn.
Neste momento, interrompeu-o um dos soldados próximos a mesa com o mapa:
- Senhor, venha cá, rápido!
Gryn notou então que o mapa havia mudado sua coloração predominante azul
para uma mais avermelhada, ao mesmo instante em que mostrava múltiplos pontos
verdes e vermelhos inimigos se aproximando da Base Aérea de Marahana em enorme
velocidade, já tendo completamente cruzado a fronteira entre o domínio Banshee e
Furou.
- Estão querendo nos deixar com medo e estão muito próximos! – disse Irwind –
Precisamos nos mexer agora!
Alguns minutos depois, em um dos saguões da ala norte da Base Aérea de
Marahana, todos os soldados daquela ala estavam reunidos, olhando para um grande
telão no alto. Em uma plataforma de metal acima do nível onde estavam os soldados e
abaixo do telão, estava Irwind, sozinho, de frente para todos eles. A mesma cena se
repetia em um saguão idêntico, na ala sul, com Hanai. Naquele momento, a base já
estava completamente fechada, quase que hermeticamente, como uma concha. Nos
telões em ambas as alas, bem como em cada canto daquela imensa base, começava a
chegar a voz e a imagem de Gryn. Todos os soldados começaram então a prestar
bastante atenção:
- Soldados. Em breve estaremos no meio de uma das maiores batalhas de nossa
história. Os Furous finalmente resolveram sair de seu confinamento para realizar um
ataque direto e maciço contra nós. Sim, e por isso fomos pegos desprevenimos. E daí,
lhes pergunto? Afinal, esperamos tanto por este momento, de mandarmos esses

109
desgraçados, os quais sempre trouxeram sofrimento para nós e para nossas famílias,
para o inferno, de livramos Asíris dessa praga de uma vez por todas! Eles tentam nos
ameaçar, assassinando nossos companheiros e enviando seus restos de volta para nós –
por um momento a câmera então desviou o foco de Gryn para os corpos mutilados dos
soldados nas macas, bem atrás do comandante. Logo em seguida, retornou. – Quero que
saibam que toda essa ousadia pode-lhes, na verdade, custar seu fim, se formos bravos.
Afinal, estamos protegidos por esta fortaleza voadora, nosso diamante negro, que jamais
sucumbiu em toda gloriosa história Banshee. Nossa base é tão forte que, acreditem ou
não, aqueles malditos nos copiaram, fizeram uma idêntica a nossa. – Greyn aumentava o
tom de voz, no mesmo instante em que parte dos soldados deixavam escapar agora
alguns sorrisos irônicos, enquanto outros aparentavam surpresa por essa última
revelação. – E eles estão a trazendo direto para cá. Eles também nos superarão em força,
ainda que estejam em desvantagem numérica, até reforços do sul chegarem para nos
apoiar. Por isso, meus caros, peço somente que entreguem seus espíritos e suas Auras
nesta batalha e agüentem o máximo que puderem. Peço que resistam até o último
homem, assim como farão nossos companheiros em Marahana e Shandara. E senhores...
– Gryn então falou num tom mais alto ainda – ...Peço a vocês somente a vitória. O
futuro de Asíris depende de nós! A vitória!
- A vitória! – O grito ecoou por toda base.
- Vocês me entenderam?
- Sim, senhor! – Dessa vez o eco foi mais forte.
- A vitória!
- A vitória! – Aos gritos já somavam-se sentimentos de raiva por entre os
soldados.
- A vitória!
- A vitória!
- Senhores. Aos seus postos. Vamos fazer o show começar! – E Gryn terminou
seus discurso.
Em seguida, todos os soldados dirigiram-se rapidamente aos seus respectivos
postos de combate. Irwind, assim como Hanai, continuava quieto, mesmo após o
término do discurso de Gryn para seus soldados. Estavam compreendendo, enfim, que
aquele líder de jeito bravo e intolerante havia caído como uma luva naquele momento.
O general podia sentir agora que toda a tensão dos soldados da base, presente em peso
há alguns minutos atrás, havia se transformado em uma energia de raiva e determinação.
Isso, é claro, em parte, pelo fato dos soldados terem vistos alguns de seus companheiros
mortos, o que obviamente mexeu consideravelmente com o orgulho de todos e os fez
intensificar ainda mais seu sentimento de vingança. Além disso, o discurso de Gryn
havia sido de fato bastante acalorado e emocionante, principalmente no momento em
que o comandante afirmou que tal momento tinha grandes chances de ser um acerto de
contas final, entre aqueles soldados, representando a raça Banshee, e os Furous e que tal
momento já era esperado por todos há muito tempo. E isto era de fato verdade. Não só o
Exército Real, mas cada um dos Banshees em Asíris – Homens, crianças, mulheres,
velhos, de qualquer ocupação profissional, classe social ou região daquele mundo -
tinham como sonho maior, além daqueles de caráter individual, que todos os Furous
fossem exterminados, erradicados de sua terra de uma vez por todas. Acreditavam que,
sem dúvida, o mundo de Asíris era demasiadamente pequeno para ser dividido com
algozes tão cruéis e por tanto tempo. É certo também afirmar, no entanto, que parte dos
Banshees não se importavam muito com a guerra permanente ao norte, preferindo
cobrar de seu governo medidas contra a sua própria corrupção e a crescente miséria em
Asíris, principalmente nas cidades em Kayabashi.

110
Contudo, era maioria aqueles pressionavam o rei e o parlamento para, acima de
tudo, passarem a ter uma ação mais enérgica contra seus inimigos mortais, sempre
questionando o porquê das tropas Banshees jamais terem conseguido se infiltrar no
domínio Furou e expulsá-los de lá para sempre. Cobravam sempre o aumento das
verbas destinadas a aparelhagem do exército para esse fim e Irwind, como chefe
máximo do exército, era um dos que mais sofriam com essa cobrança. Porém, tal
recorrente insucesso era perfeitamente explicável. Além dos Furous viverem em uma
região absurdamente hostil, com condições de existência precárias a qualquer ser vivo
de Asíris – praticamente um “mundo dentro de outro mundo” - esses seres também
possuíam uma força militar poderosíssima, de sofisticação e número equivalente a dos
Banshees. Assim, apesar de sua população representar apenas metade do povo Banshees
– cerca de seis milhões de Furous – e seu território ocupar somente um terço de Asíris,
sua resistência em terra própria era maciça e praticamente intransponível. Contudo, o
povo Banshee, de uma forma geral, custava a aceitar tal fato, apesar estarem
recentemente um pouco mais satisfeitos com a campanha que se seguia vitoriosa ao
norte. Pelo menos, até bem pouco tempo. De qualquer forma, exatamente por isso, por
terem a oportunidade de finalmente selarem o fim da existência de seus inimigos,
Irwind via agora todos os soldados ali presentes na Base Aérea de Marahana inflamados
como há muito tempo o general não via em um grupo. Pouco tempo depois, contudo,
sua concentração foi interrompida por sirenes vermelhas, ecoando seu apito por toda a
base.
- Míssil chegando! – Falou um dos soldados em uma sala de comando, perto do
general, na ala norte.
Irwind então desceu a plataforma onde estava e correu até o vidro que fornecia
contato visual em direção a onde viriam os primeiros ataques. Olhou para o céu e pôde
ver somente um rastro branco passando como um raio, bem acima da base e, em
seguida, uma explosão causada pelo impacto entre o míssil e o escudo de força principal
da base. Após a explosão, porém, a primeira vista, o escudo pareceu não sofrer nenhum
dano. Contudo, quando Irwind virou seu olhar um pouco mais para o horizonte, logo em
seguida, pôde ver uma das poucas coisas que haviam realmente lhe assustado em toda
sua vida. Um enxame de naves Furous se aproximava da base a toda velocidade e, por
um momento, acreditou que o céu havia mudado de cor, de um azul claro para uma
espécie de degradê escuro. Seus pensamentos foram então novamente cortados por mais
um aviso de ataque:
- Mais mísseis vindo!
Dessa vez, uma série de violentos impactos puderam ser sentidos e ouvidos por
toda a base, que por alguns segundos, se tornou uma imensa bola de fogo no céu.
- Preparem os canhões e as metralhadoras! Mas não atirem até eu mandar! – O
comunicador de Irwind levava as ordens dadas a todos os outros soldados da ala, além
de poder serem ouvidas também por Hanai e Gryn.
Quando a nuvem de fumaça causada pelas explosões baixou, Irwind e os demais
soldados puderam ver enfim o enxame de naves passando exatamente por cima da base
e largando suas poderosas bombas contra ela. Mais uma série de impactos se seguiu,
dessa vez fazendo toda a base estremecer.
- Travar alvos! – Disse Irwind. A ordem era repetida agora por Hanai também
para todos na ala sul, de onde já se podia ver também as naves em contato visual.
Quando a fumaça cinza baixou novamente, no entanto, Irwind pôde notar que as
naves inimigas que haviam acabado de atacar a base não estavam fazendo manobra para
retorno e sim, seguindo em direção ao leste. Como eu pensei, aqueles malditos estão

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indo para Shandara! – Concluiu Irwind, não pensando duas vezes em logo chamar
Gryn.
- Gryn! Avise a base de Archia imediatamente que as naves Furous estão indo
em sua direção!
Sem hesitar, Gryn pegou então o transmissor da sala de comando para dar o
aviso. Dou outro lado da base aérea, mesmo apreensivo com a batalha que começara,
Hanai, após ouvir as ordens do general de Mahani, não deixou de pensar em Yin.
Cuide-se garoto. Você pode.
Assim que terminou de se comunicar com Gryn, Irwind observou então mais
uma séries de naves, desta vez um pouco maiores do que as anteriores, sobrevoando a
base e largando, dessa vez, diversas cápsulas pretas em cima dela, em direção aos pátios
das duas docas externas. Droppers! – Pensou – Agora que a verdadeira batalha irá
começar!
As cápsulas atravessaram facilmente o escudo de força principal, chocando-se
contra pátios, tanto o do norte, quanto o do sul, quase que sincronizado. E a cada
impacto, a base novamente estremecia. Nesta hora, o tempo pareceu parar por algum
tempo para todos. Afinal, a expectativa a respeito do que iria sair dali de dentro era
enorme.
- Apontem todas as metralhadoras para aquelas cápsulas! Mas não atirem ainda!
– Ordenou Irwind.
As portas das cápsulas negras então se abriram devagar, como cortinas prestes a
exibir um show de horrores. De dentro então, os guerreiros Furous altamente armados
saíram lentamente, como se aquecendo para uma verdadeira demonstração de
carnificina. Assim que pôde ver um deles da cabeça aos pés, Irwind reparou em cada
detalhe daquele monstro. Os olhos negros da criatura que observava então logo o
encararam, como que pudesse ver dentro de sua alma, ainda que por através da
blindagem espessa do Diamante Negro. Irwind tentou também adivinhar o que se
passava dentro daquele espírito perturbado, mas só que o que sentiu foi uma enorme
Aura, mais forte do que o normal. O Furou, talvez como resposta, grunhiu então
estridentemente. Foi a deixa para Irwind dar sua derradeira ordem:
- Fogo!
Os corpos dos guerreiros Furous começaram assim, a serem estilhaçados pelas
dezenas de metralhadoras apontadas para o pátio da doca externa da ala norte. Suas
armaduras negras, as quais eram compostas por coletes, calças e botas de proteção feitas
de fibra de Prima, mesmo material dos trajes militares Banshees – só que de aparência
semelhante a couro – se rasgavam agora violentamente com as rajadas disparadas sem
trégua. Muitos seres, porém, ainda tentaram com seus rifles, atingir o portão da doca
para abrir passagem para seu interior, mas sem sucesso. As centenas de Furous restantes
começaram então a correr para salvar suas vidas, protegendo-se atrás das cápsulas nas
quais haviam chegado.
- Fogo! – Desta vez foi a vez de Hanai falar na ala sul. A cena no pátio a sua
frente pareceu uma repetição do que estava ocorrendo do outro lado da base.
Assim que Gryn, no núcleo de base, finalizou enfim sua transmissão com
Shandara, um soldado veio dar as últimas informações:
-Senhor, temos grande parte dos alvos aéreos já em nossa mira!
Gryn então olhou para o radar. Os círculos amarelos sobre os alvos em vermelho
ao redor da base indicavam as naves travadas. Gryn então voltou se olhar para o soldado
e ordenou:
- Atirem com tudo!

112
Dessa forma, portanto, deu-se início a primeira fase da batalha no céu de
Marahana. O escudo de força principal continuava impenetrável contra tudo - mísseis e
bombas Furous - exceto pelas cápsulas lançadas aos montes contra a base pelos
droppers inimigos voadores. Inexplicavelmente, os Furous haviam desenvolvido uma
técnica que permitia que tais cápsulas penetrassem o escudo sem problemas. No
entanto, parecia que tal poder só se aplicava as unidades que não possuíssem riscos de
danos diretos a base ou carga explosiva, como aquela.
Acima da cúpula da base, agora com todos os armamentos sendo disparados
ininterruptamente, queimando o céu, as naves e droppers Furous iam sendo abatidos
uma por uma, algumas se espatifando contra o escudo da base.
Nos pátios das docas externas, por sua vez, as tentativas dos guerreiros Furous,
os quais continuavam chegando aos montes nas cápsulas negras, de atingirem alguns
dos armamentos da base, ainda se mostravam ineficazes, devido a resistência dos
escudos defletores. Os portões das docas também resistam bravamente. Em suma, a
concha planejada por Irwind e Gryn estava funcionando perfeitamente. No entanto,
ambos sabiam que a batalha estava apenas em sua introdução.

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Capítulo 21 – De Volta à Archia

Há alguns metros abaixo da base aérea, ao norte da cidade de Marahana, os


ataques terrestres e aéreos também já haviam começado. Diferente de Shandara, a base
de Marahana não possuía escudo de força principal para protegê-la. No entanto, como
toda a cidade já havia sido evacuada, havia sobrado somente tanques e soldados
espalhados pelas ruas e limites da cidade. Muitos dos Banshees refugiados haviam se
dirigido ao sul para Wamboo e até para Meritzen. Portanto, os Furous, sedentos de
sangue Banshee, encontraram, naquele instante, nada mais do que o calor das armas
Banshee a sua frente, bem como centenas de prédios, casas, viadutos, complexos
industriais e outras construções da cidade vazias, as quais agora serviam somente de
abrigo para as tropas Banshees.
Assim, logo que as unidades Furous se aproximaram do perímetro urbano de
Marahana, o comandante Gryn autorizou que as escotilhas das docas internas da base
aérea fossem então abertas, permitindo a decolagem de centenas de aeronaves, as quais
passaram a dividir seu campo de batalha entre o espaço aéreo nas redondezas da base
voadora e o céu da cidade de Marahana. Com início dos conflitos aéreos, portanto, os
Banshees começaram a ter suas primeiras baixas, no mesmo momento em que o
combate nos céus e na terra daquela importante cidade do domínio Banshee começava a
se intensificar.
Em Shandara, por sua vez, quase toda a população da cidade - essa com poucas
opções de fuga - já havia sido levada para dentro da base de Archia, pouco antes da
frota de naves Furous vinda do oeste começar a cruzar o céu da cidade. Alguns outros
cidadãos, no entanto, também já haviam partido as pressas, por conta própria, para
cidades mais ao sul. O comandante Greyn, porém, devido as circunstâncias, optou por
uma tática diferente da utilizada por Gryn na base aérea, não abrindo mão da defesa de
sua cidade – espalhando, assim, diversas tropas pelo seu perímetro - e concentrar suas
tropas e resistências somente dentro da base de Archia, apesar da mesma também
possuir um escudo protetor. Afinal, havia também o perigo do iminente ataque terrestre
pelos Furous, este possivelmente vindo de uma nova frente inimiga, do noroeste, a qual
já havia sido detectada pelos radares da base.
Dessa forma, Shandara, portanto, além de ter que encarar diariamente sua
própria miséria, estava agora prestes e entrar em um inferno completo, assim como sua
“irmã” - Marahana, esta um pouco mais rica - e correr o risco de desaparecer
totalmente. Assim que as aeronaves inimigas sobrevoaram então o centro da cidade e
largaram suas bombas sem hesitar, atingindo assim os últimos grupos militares que se
esforçavam para conduzir para dentro de Archia os refugiados restantes – estes os mais
resistentes ao fato de terem abandonar seus lares – o comandante Greyn deu ordem de
abrir fogo contra as tais unidades, além de ordenar para que suas próprias aeronaves
decolassem imediatamente, ainda que estivessem em desvantagem numérica.
Neste exato momento, em Archia, Yin, Sara e Aljolie já estavam estarrecidos
com as cenas que estavam presenciando. Afinal, ainda estavam do lado de fora do
galpão de acesso ao edifício B, vendo toda a correria causada pelos ataques recém-
realizados pelos Furous. Segundos depois, porém, notaram também o local logo ser
invadido por dezenas de veículos militares carregando vários corpos e feridos, os quais
se juntariam aos milhares de civis que já se encontravam dentro do perímetro de
segurança do escudo de força principal de Archia.
A base, portanto, já havia algum tempo sido tomada por uma multidão em
desespero, fugitivos de guerra, muitos já separados de seus parentes. Depois de um
tempo observando toda a cena, Sara então olhou para o céu e, por um momento, não

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acreditou no que viu. O azul no alto havia sido subitamente tomado por uma imensa
cortina de fogo e fumaça, causadas pelo impacto das bombas Furous contra o escudo de
força da base. Yin, por sua vez, também olhava atônito para todas aquelas cenas
grotescas, algo que seu olhar de criança jamais imaginaria presenciar. Lembrou, ainda
que confuso, das broncas de seu mestre a respeito daquela ousada aventura a qual se
submetera. Por um momento, achou que todas elas faziam sentido naquele momento e
sentiu muito medo de não poder voltar vivo para Mahani.
Aljolie também assistia aquela cena com certo temor, até que foi interrompida
pela chegada de alguns feridos em um punhado de veículos flutuadores que
estacionaram bem perto dos três. De dentro de um desses veículos saiu então um
médico, que imediatamente correu em direção a ela.
- Enfermeira, rápido! – Precisamos de sua ajuda com estes daqui! – E apontou
para os soldados e moradores feridos que haviam chegado nos veículos, alguns já sendo
retirados pelos médicos em macas, enquanto outros eram colocados nos ombros por
outros soldados. Havia também, um ou dois sendo arrastados até mesmo pelos pés e
pelas mãos.
Aljolie então olhou para alguns segundos para o rosto do médico, ainda meio
tonta por aquela terrível seqüência de cenas e enfim respondeu:
- Sim senhor. E crianças... – Neste momento, o grupo de médicos e soldados
passava com os feridos, alguns mutilados, em direção a entrada do galpão, bem ao lado
de Yin e Sara – ...fechem os olhos, por favor. Não quero que vocês vejam isso. - A
ordem fora obedecida prontamente pelos dois. - E escutem, quero que fiquem aqui até
eu voltar! – Neste instante, Yin então abriu um pouco um dos olhos. - Se protejam do
calor e não se percam, não demorarei. – Falou por fim e voltou então sua atenção ao
médico.
- Vamos! – Em seguida, adentrou ao galpão junto com o médico, sendo
observada por Yin e Sara.
- Vamos! – Foi então a vez de Yin falar, segundos depois. O menino então
segurou a mão de sua amiga e dirigiu-se a uma carcaça de um veículo de transporte
abandonada há poucos metros deles. Os dois então abaixaram-se e se esconderam por
entre a estrutura da carcaça.
Por entre uma de suas brechas, ambos logo puderam ver uma mulher sentada aos
prantos, provavelmente uma moradora de Shandara, segurando uma criança. A mulher,
que usava véu e cujas roupas mais pareciam farrapos, estava encostada na lateral do
galpão de acesso ao edifício B, com o rosto manchado de sangue. Seu choro, no entanto,
não podia ser ouvido por Sara e Yin, já que o barulho dos veículos de guerra que
continuavam saindo e entrando de Archia sem parar, somado ao barulho das explosões
de bombas que continuavam se chocando contra o escudo da base, estava ensurdecedor.
- Estou com medo. – Falou baixinho então a menina.
Yin então olhou para e Sara e se aproximou ainda mais.
- Não fique. Isso tudo é realmente muito confuso e assustador, mas não vou
deixar que nos machuquem.
- Você? – Perguntou um pouco incrédula a menina.
- Sim, eu.
- Mas como?
Yin então abriu um leve sorriso e virou seu olhar.
- Bom, digamos, eu tenho alguns poderes.
- Poderes?
- É, poderes que podem nos ajudar.
- Que tipo de poderes?

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Yin pensou um pouco e respondeu:
- Eu posso voar, por exemplo.
A menina ficou então um tempo olhando para Yin, meio que sem entender.
- O que foi? Você não acredita não é?
- Não, é que...
- Tudo bem. Vou lhe mostrar outra coisa então.
Yin então abriu a palma de sua mão e começou a se concentrar. De repente, um
brilho azulado começou a sair, refletindo nos olhos verdes de Sara, que logo se
arregalaram. Yin tremia seu corpo todo, mas conseguiu falar algumas palavras:
- Essa...Essa é um Shinya. É uma técnica que aprendi secretamente há poucos
dias, sem ajuda do meu mestre.
Sara continuava olhando para o brilho, cuja forma agora se assemelhava a uma
pequena esfera.
- Mas...mas...eu preciso... – e de repente a luz se apagou e Yin curvou seu corpo
cansado.
- Você está bem? – Interrompeu Sara, despertando de seu fascínio pela luz e
voltando seu olhar para Yin.
O menino fez que sim com a cabeça. Então continuou:
- Eu só preciso saber controlá-la melhor e eu sei que posso. Senão não
conseguirei nem fazer cócegas em uma formiga.
Sara então olhou para Yin, que agora respirava ofegante.
- Mas você consegue. – Falou finalmente a menina, subitamente sentindo-se
agora mais segura no meio daquele caos, além de se sentir ainda curiosa pela na história
de vida daquele menino, o qual lhe aspirava muita confiança, acima de tudo.
A quilômetros dali, na periferia de Shandara, onde os restos dos barracos já
destruídos pelas bombas Furous se misturavam a areia do imenso deserto de Kayabashi,
Jess se entrincheirava ao lado de uma imensa carreira de tanques, reunido com um
grupo de soldados e aguardando ordens diretas de Greyn. Foi quando um deles avistou
com um binóculos diversos pontos pretos no horizonte. Em seguida, um míssil atingiu
uma construção bem perto deles. Foi a deixa para que o soldado fizesse sinal então para
que um outro transmitisse as informações para Greyn. Jess então pegou emprestado o
binóculos do soldado que avistara primeiro as tropas Furous para ver do que se tratava.
Correu o olho no horizonte e viu aquelas milhares de unidades se aproximando com
velocidade em meio ao amarelado do deserto. No entanto, havia entre elas uma que lhe
chamou mais a atenção. Ajustou o foco e o aumento do binóculos para poder ver com
mais nitidez. Mas o que diabos é aquilo? – Se questionou aflito.
Greyn estava debruçado no radar da base, no centro de operações de Shandara,
distribuindo ordens e mais ordens em meio aquele apito agudo e luzes vermelhas,
quando ouviu um outro sinal, vindo das unidades terrestres ao oeste da base de Archia e,
em seguida, ouviu uma voz pelo rádio.
- Senhor, contato visual terrestre positivo.
Greyn então aproximou-se do microfone e fez a derradeira ordem.
- Disparar com toda força capitão!
- Positivo!
Chegou enfim o momento decisivo. Estes soldados precisam resistir o máximo
que puderem, seja o que forem encontrar. Não podemos deixar que os desgraçados do
Furous cheguem a nossa base e mate nosso povo! Que a Aura e os Deuses os proteja!
– Pensou, ao mesmo tempo em que tentava esquecer ao terrível mal-pressentimento que
estava tendo desde o início da batalha.

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Capítulo 22 - Os Marakis

A batalha então seguia enfurecidamente em três frentes: na Base Aérea de


Marahana, nas mediações desta mesma cidade e em Shandara. Os postos de combate na
fronteira entre os domínios Banshees e Furous já estavam, neste momento, praticamente
aniquilados pelas forças Furous, assim como as pequenas cidades nas quais eles se
localizavam. No primeiro cenário mencionado, a situação se encontrava a mesma após
alguns muitos minutos de batalha. Contudo, o confronto estava prestes a tomar outro
rumo. Na ala norte, Irwind observava os alvos Furous sendo abatidos, sentindo até um
certo alívio pela base estar até o momento intacta, quando foi chamado por um dos
capitães:
- Senhor, venha ver isto.
- Irwind então correu novamente para o vidro que dava para ver do lado de fora.
Reparou bem ao longe, no horizonte, um ponto preto, em uma visão semelhante a qual
ele e Hanai tiveram quando estavam se aproximando da Base Aérea. No entanto, agora
sentia um certo temor. Neste momento, ouviu Gryn lhe falar, pelo comunicador:
- General, parece que aquele “presente” dos Furous para nós já pode ser visto
em contato visual.
- Confirmado. – Respondeu Irwind.
Irwind olhou fixo o objeto, imaginando que tipo de armamentos aquela “coisa”
poderia trazer contra os soldados Banshee daquela base. Contudo, um enorme barulho
vindo do pátio da doca externa da ala norte, a qual estava sendo vigiada por ele, fez
todos os soldados ficarem imediatamente em estado de alerta. Irwind então correu em
direção a um outro vidro, que dava para o pátio, para ver o que havia acontecido. O que
viu então o fez suar frio. Três cápsulas enormes, muito maiores do que as que estavam
sendo lançadas anteriormente, havia caído naquele exato momento no pátio. Desta vez,
os disparos de metralhadoras contra estas novas e sinistras cápsulas pareciam ineficazes.
Eles já chegaram! Sabia que esses malditos viriam! – Pensou Irwind. Em
seguida, fez uma transmissão para Hanai:
- Hanai, temos companhia. Das boas!
- Já sei meu amigo. Já sei. – E Hanai olhava para as outras três imensas cápsulas
fincadas no chão do pátio da doca externa da ala sul.
Sem pensar duas vezes, Irwind resolveu então dar um recado importante aos
soldados da ala sob sua proteção:
- Senhores! Estamos muito bem até agora! Mas a batalha está apenas
começando! Agora entraremos na nossa segunda fase de extermínio destes desgraçados!
Estejam preparados!
Em seguida, o general aproximou-se de uma das cápsulas de comando dos
armamentos exteriores da ala norte e dirigiu-se a um dos capitães lá presente:
- Qual o seu nome?
- Zerp senhor! Capitão Zerp.
- Capitão, cancele os disparos. Deixe para disparar tudo o que têm contra o que
sairá de dentro daquelas cápsulas.
- Sim senhor!
Literalmente precisaremos de tudo o que temos. – Concluiu Irwind.
Neste momento, Gryn também observava pelo telão principal as imagens vinda
das docas. A ordem de cessar fogo de Irwind havia tornado os pátios das docas externas
um ambiente silencioso e assustador. Um clima de tensão entre todos então pesou no ar.
Irwind olhava atentamente para as cápsulas que, depois de muitos segundos de espera,

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enfim se abriram. De repente, saíram, um de cada cápsula, três seres de aparência
completamente abomináveis, mais sinistra do que a dos próprios Furous.
- Senhor! Quem são eles? – Perguntou Zerp.
- Os maiores inimigos que vocês enfrentarão na vida. – Respondeu Irwind, sem
tirar os olhos da janela.
Zerp então se lembrou de quem podia ser realmente aquelas criaturas. Havia
ouvido muito sobre eles em seu treinamento no Exército Real, mas nunca achou que
poderia confrontar com um deles pessoalmente.
Cada um daqueles monstros possuía três metros de altura e uma cabeça que
parecia ter sido remendada por tiras prateadas, que ficavam na altura dos seus crânios
deformados e compactos. Algum tipo de substância viscosa escapava por entre os
buracos não remendados pelas tiras e escorria sem parar pelo seu rosto enrugado,
passando pelo seu corpo absurdamente musculoso – coberto pela mesma armadura que
protegia os guerreiros Furous - e de pele esbranquiçada, até pingar ao chão do pátio,
fazendo-o corroer bizarramente. Seus olhos negros não escondiam sua descendência
Furou, no entanto, aqueles seres eram muito mais poderosos e temidos do que os
simples guerreiros. Eram os Marakis.
Apesar de sua aparência horripilante e cadavérica, Irwind podia sentir uma
concentração de Aura incrivelmente forte emanando daqueles corpos brutais. Só havia
confrontado com um desses somente uma vez e, a partir deste dia, desejou nunca cruzar
novamente com um. Afinal, lembrava claramente daquela ocasião, a qual teve de ser
ajudado por um grupo de sua tropa para escapar da morte. Foi preciso nada mais do que
cinqüenta homens, fortemente armados para derrubar o Maraki que estava prestes a lhe
dar o golpe final. Irwind escapou com vida, mas não sem sair da luta com uma grande
marca em seu punho esquerdo, causada pelo contato com a substância a qual esguichou
da cabeça do Maraki contra o qual estava duelando, naquela ocasião.
Contudo, não demorou muito a recordar novamente que os Marakis raramente
eram vistos em confrontos diretos contra os Banshees, escondendo-se na maior parte do
tempo nas entranhas do território Furou. Exatamente por isso, considerava aquele
momento mais como uma oportunidade de revanche do que uma lástima, além de ter
agora diante de seus olhos a derradeira confirmação da importância daquela batalha para
os Furous, uma vez que seus maiores comandantes estavam agora presentes em carne e
osso em campo de batalha, com a intenção de massacrar qualquer oponente seu e se
sagrarem vitoriosos. De qualquer forma, Irwind havia treinado muito nos últimos anos e
estava mais preparado do que nunca para enfrentar qualquer inimigo. Cerrou então os
olhos e esperou os monstros darem seus primeiros passos. Passos estes que dilaceraram
a carne dos corpos dos guerreiros Furous há algum tempo estraçalhados por todo pátio.
- Fogo!
A ordem foi repetida por Hanai, do outro lado da base.
Os soldados começaram então a disparar sem parar as metralhadoras exteriores
da base em direção aos monstros. Contudo, diferente dos primeiros inimigos, os
mesmos pareciam que sequer estavam sendo atingidos. Em seguida, um Maraki apontou
então a palma de sua mão para o portão da doca e disparou uma enorme bola esverdeada
de energia, fazendo-o explodir em mil pedaços.
- Todos para a entrada! Agora! – Esbravejou Irwind.
Centenas de soldados então se dirigiram para ao local, juntando-se aos que já se
encontravam lá e logo se depararam com a nuvem de poeira e destroços causada pela
recente explosão. Sem hesitar, apontaram então seus rifles então para a grande abertura
que havia se formado, com uma visão ainda nebulosa devido a fumaça que pairava bem
a sua frente. Alguns segundos de expectativa depois, porém, puderam enfim ver então

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as enormes sombras dos três seres gigantes adentrando a base. Assim que notaram suas
macabras silhuetas, começaram os disparos. No entanto, a cena que havia ocorrido no
pátio, momento antes, pareceu se repetir, uma vez que os monstros começaram a ser
atingidos pelas balas, mas sem sofrerem nenhum dano.
Os Marakis então, como que em reação, dispararam mais bolas de energia contra
os soldados na parte coberta da doca, os quais logo começaram a ser eliminados com
certa facilidade. Assim, Irwind finalmente desceu do nível aonde estava para ajudar no
combate. Sacou sua espada e atacou ferozmente um dos monstros, na altura do pescoço.
O Maraki, subitamente, sacou uma lâmina enorme da sua cintura – praticamente do
tamanho de Irwind. - e bloqueou seu ataque. Não pode ser! Eles também estão mais
fortes! – pensou, em uma fração de segundo. O Maraki então, com a outra mão, agarrou
a espada de Irwind e a sacudiu, fazendo o general soltar seu cabo e voar longe. Sua
arma, porém, continuou na mão do monstro. Estão mais fortes e querem ficar com a
minha espada? – Pensou ironicamente.
Irwind então, num salto, retirou a espada da mão da criatura e, com um golpe
logo em seguida, perfurou seu corpo por trás, na altura de seu pulmão. O monstro, sem
hesitar, retirou a espada de dentro de seu corpo e a arremessou longe, fazendo-a voar
por alguns metros pela doca externa até fincar sua ponta em uma das vigas do saguão.
Em seguida, bateu as palmas de suas mãos com força, entrelaçando seus dedos. Tal
gesto fez com que o ar próximo a Irwind imediatamente se deslocasse com violência,
devido a Aura liberada pelo Maraki, fazendo com que o general fosse novamente ao
chão. Irwind, observando sua espada ao longe já sendo lentamente corroída por um
punhado da mesma substância que escorria pelo corpo do Maraki e que havia
respingado nela, parou e refletiu. Será preciso muito mais esforço para chegarmos a
algum lugar! – Neste momento, contudo, observou o Maraki que o atacara lhe dando as
costas, após um urro e partindo para se juntar aos outros dois, mais a frente. Irwind
então ficou confuso.
Do outro lado da base, Hanai já aguardava a chegada dos Marakis vindos do
pátio junto com muitos outros soldados, bem próximo a entrada da parte coberta da
doca externa da ala sul. Sem demora, o portão foi então logo arremessado longe por um
deles, fazendo com que os soldados logo começassem a atirar. Em seguida, porém, os
monstros invadiram o local como uma avalanche, derrubando a tudo e a todos. Assim
que perceberam a presença de Hanai por perto, contudo, dois deles se viraram para o
lado e somente puderam ver o mestre de Yin com os braços esticados e as palmas das
mãos apontadas para eles.
Em seguida, sem hesitar, Hanai então disparou uma série de Shinyas que
atingiram em cheio seus alvos, fazendo todo o lugar estremecer. Os Marakis, por sua
vez, não demoraram a revidar com suas bolas esverdeadas, o que obrigou Hanai a correr
e se proteger. Logo depois, aproveitando a velocidade limitada dos monstros, devido ao
seu tamanho e massa muscular, Hanai então contornou um deles, sacou sua Asor e a
cravou na sua espinha. Subiu então a lâmina um pouco mais antes de retirar a espada
das costas da criatura. O Maraki, inacreditavelmente, então virou-se com sua enorme
lâmina – que era na verdade um grande e pesado arco de metal, que formava uma meia-
lua afiada e perigosa - com violência, atingindo de raspão o braço de Hanai. E, com sua
outra mão, em seguida, disparou mais uma esfera, o atingindo em cheio dessa vez.
Após rolar de costas pelo chão, Hanai ajoelhou. Havia sentido o golpe. Contudo,
logo que notou que o monstro vinha em sua direção para golpeá-lo novamente, deu um
salto para trás e escondeu-se atrás de uma das vigas para recuperar seu fôlego. Com a
mão no comunicador, entrou em contato com Irwind:
- Irwind, o que está acontecendo? Esses monstros se tornaram imortais?

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- É o que está parecendo meu amigo! – Irwind respondia agora ao mesmo tempo
em que se defendia e golpeava dezenas de guerreiros Furou, os quais haviam vindo de
mais cápsulas caídas no pátio da doca externa da ala norte e que haviam aproveitado a
abertura para seu interior feita pelos Marakis para finalmente entrar na base.
- Mas há outra coisa que não me parece bem. – Continuou falando.
- O que? – Hanai agora voltava a fugir dos ataques da dupla de Marakis.
- Esses monstros não estão fazendo muito esforço para me confrontar, mesmo
tendo a capacidade de saber da minha força. – Irwind então olhou por cima de toda a
troca de tiros recém-iniciada entre os soldados Banshees e os guerreiros Furous na doca
externa e viu os três Marakis já avançando em direção ao próximo galpão, no interior da
base.
- Desculpe meu amigo, mas não é o que está acontecendo aqui! – E Hanai se
esforçava ao máximo para não se atingido por uma das duas criaturas que o perseguia
ainda mais implacavelmente.
- É estranho! Escute, tenho que desligar! – Neste momento, mais guerreiros
Furous adentravam a base pelo pátio, sendo logo recebidos a tiros pelos soldados
restantes naquele nível e pela lâmina da espada de Irwind.
Na sala de comando, Gryn desviou seu olhar de algumas câmeras que
mostravam a situação nas ala norte e sul e olhou para um grande telão. Estava tão
preocupado com a invasão dos inimigos a sua base que não havia reparado na
aproximação da terrível base aérea Furou. Quando olhou para o telão, já pode ver
portanto a estação bem maior no horizonte, podendo perceber mais seus detalhes. De
fato, a poderosa arma era realmente muito parecida com sua base - formato,
armamentos. No entanto, conforme previsto, era realmente maior e possuía, em seu
centro, um enorme círculo negro, tal como uma gigantesca escotilha fechada. Olhou
então para as dezenas de mísseis que a estação Furou disparara naquele instante, junto
com outras dezenas de droppers, em direção a sua base aérea e ficou preocupado.
Os três Marakis da ala norte então seguiram para o imenso portão de aço que
dava para o próximo galpão. Um deles, com um golpe, fez o portão voar longe. Com o
barulho do impacto, todo o saguão anterior estremeceu, fazendo Irwind cair ao chão.
Neste próximo saguão havia, porém, centenas de soldados Banshees
empunhando metralhadoras, lança - mísseis e artilharia pesada, dispostos a dar um fim
naquelas criaturas de uma vez por toda. A ordem de disparar fogo foi dada por um
capitão assim que o primeiro dos Marakis adentrou no novo saguão e uma chuva de
fogo cortou todo o local, seguida de enormes explosões. Contudo, depois de um tempo,
de dentro da nova nuvem de fumaça que havia se formado, saíram os três seres,
aparentemente intactos e em sua trajetória original. Os Marakis então responderam com
diversos ataques nas plataformas mais acima, onde estavam os soldados com os
armamentos mais pesados, ao passo que os soldados no solo iam sendo golpeados pelas
suas imensas lâminas. As criaturas naquele momento pareciam definitivamente
imparáveis.
Diferente de Irwind, Hanai ainda continuava sua luta com a dupla de Marakis
que não lhe davam trégua. A cada desvio que fazia, avançava um pouco e golpeava-os
na altura da barriga, fazendo mais substância corrosiva sair de seus corpos. Os Marakis
no entanto, pareciam sentir nenhuma dor e seus golpes com as lâminas estavam
passando cada vez mais perto de Hanai. O mesmo então, portanto, já começava a ficar
cansado e resolveu pensar em alguma maneira de acabar com aqueles dois de uma vez.
Tenho que achar um ponto fraco! Esses dois parecem não se cansar nunca!
Na ala norte, Irwind, notando que os Marakis continuavam a se dirigir ao interior
da base cada vez mais e mais, destruindo tudo por onde passavam e sem encontrar

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resistência, resolveu então abandonar finalmente a doca externa para ir atrás deles.
Abrindo caminho com sua espada, dentre as dezenas de Furous que já haviam invadido
furiosamente a base de vez, chegou então ao terceiro e último saguão antes do corredor
principal da ala, o qual dava para as cápsulas de transporte que se dirigiam as seções
mais estratégicas e internas da base. Bem a frente, notou então, os três se dirigindo ao
início do corredor. Aproveitou que estavam de costas e disparou uma Shinya na nuca de
um deles. Sua imensa e dura cabeça no entanto, pareceu nem se mover com o ataque.
- Seus desgraçados! Aonde pensam que vão? – Gritou Irwind.
O Maraki que havia levado o ataque então se virou e fez uma expressão de raiva
que Irwind jamais havia visto em sua vida. O monstro então cerrou os dentes e partiu
para cima do general, como um trator.
Pode vir! – Irwind então olhou para sua marca no braço. – É hora de devolver
algumas cicatrizes...

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Capítulo 23 – A Visão de um Novo Inimigo Infernal

Amplamente desfavorecido no confronto, Hanai então teve uma idéia. Atraiu as


criaturas para o lado do saguão aonde a luta contra os Marakis se seguia e encostou-se
na parede. Os monstros então vieram com toda fúria para cima dele, que deu um salto
logo em seguida, passando por cima de ambos. Logo depois, voou alguns metros para
trás e fincou com força seus pés no chão. Começou então a concentrar toda sua Aura,
como há muito tempo não fazia e juntou ambas as mãos em direção aos Marakis, agora
bem a sua frente. Sei que a blindagem desta base é bastante forte, mas tenho que tentar.
– Pensou. Sem hesitar, disparou então sua técnica suprema, a Shinya-Hashik contra as
criaturas. O impacto da esfera de energia contra os monstros foi enorme, causando uma
grande explosão, que fez com que parte da fuselagem da base se rompesse e, com isso,
com que um dos monstros despencasse imediatamente abismo abaixo em direção ao
Deserto de Kayabashi.
O outro Maraki, porém, conseguiu segurar-se na beira do nível para que não
tivesse o mesmo destino. Logo em seguida, fez muita força para se levantar, ainda
atordoado pelo ataque e demorou um tempo até pôr-se de pé novamente. E, assim que
conseguiu, caminhou alguns passos em direção a nuvem de poeira que ainda pairava
pelo saguão devido a explosão, procurando por Hanai. Uma fração de segundos depois,
porém, o monstro nem pôde notar que havia acabado de escapar da morte para nada.
Como um raio, um corte fulminante atravessou a fumaça que cercava o Maraki, fazendo
com que sua horrenda cabeça fosse ao chão.
Inteligentemente, Hanai havia se agarrado na parte superior da abertura na
fuselagem da base aérea que havia sido feita pela sua técnica, do lado de dentro da
mesma e esperado o monstro se levantar. Então deu o golpe. Após ser decapitado, o
corpo do Maraki desabou então ao chão com extrema violência. Em seguida, Hanai
finalmente desgrudou-se da parede e rolou pelo chão. Por fim, levantou-se e começou a
rodear o corpo do monstro a passos lentos, que ainda sacolejava bizarramente. Depois,
sentou-se então num caixote de madeira próximo, sentindo-se muito cansado. Notou
também que perdia um bocado de sangue - devido ao corte no braço que um dos golpes
inimigos durante a luta havia lhe causado - e que sua respiração ainda estava ofegante.
O recente combate havia sido realmente muito duro. Se um já é difícil de ser derrotado,
dois então... – Pensava, enquanto observava, por fim, os braços do cadáver do Maraki
ainda sacudindo. Devido a exaustão que sentia naquele instante, porém, havia se
esquecido do terceiro Maraki que adentrara por aquela ala em direção ao interior da
base.
- Seu maldito! Vocês são uns malditos, isso que vocês são! – Falava Irwind com
o monstro contra o qual duelava, enquanto trocava alguns golpes com o mesmo. Em
seguida, subiu então nas passarelas de metal superiores do saguão e atacou o Maraki
com todas as suas forças.
- Vocês acham que vão nos derrotar? Seus covardes! – Neste instante, o monstro
partiu a passarela onde Irwind estava em duas com sua lâmina, fazendo com que o
general desse um salto para trás. O monstro então, em resposta, saltou para cima de
Irwind e tentou golpeá-lo novamente, mas o general rolou para trás imediatamente e só
teve o tempo de se proteger do ataque do Maraki. As lâminas dos dois oponentes então
se chocaram. Deitado ao chão e usando agora todas as suas forças para não ser dividido
ao meio, Irwind então olhou para o lado e viu um tanque de óleo no canto do galpão, o
qual se estendia até o teto e possuía uma mangueira de borracha conectada e pendurada
ao seu lado. Com um golpe, livrou-se então da lâmina inimiga e saltou para o lado do

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tanque. Em seguida, agarrou a mangueira e abriu o registro, fazendo com que o óleo
armazenado dentro dele esguichasse aos montes pelo chão do saguão.
Contudo, quando voltou sua atenção ao Maraki, só teve tempo de defender-se de
mais um ataque brutal. No entanto, como havia sido pego desprevenido, mais uma vez
sua espada parou longe com o novo golpe. O monstro então com a sua outra mão
segurou o pescoço de Irwind com força, suspendeu-o e começou a estrangulá-lo.
Percebendo que agora já havia praticamente perdido a luta, o general esperou então
somente a morte chegar. Porém, algo ainda mais aterrorizante para Irwind estava por vir
nos momentos seguintes.
No Centro de Operações da Base Aérea de Marahana, neste momento, Gryn via
a estação voadora Furou finalmente atracar ao lado de sua base e, segundos depois, sua
enorme escotilha negra se abrir. A visão seguinte do comandante era algo que estava
fora de seus planos ou adivinhações. Um sinistro canhão, de proporções colossais,
emergiu de dentro da escotilha e apontou sua mira diretamente para o seu glorioso
Diamante Negro. Em seguida, começou a emitir um zumbido. Pelos Deuses, o que será
isso?
Com a força do monstro, Irwind ia lentamente perdendo as forças e sua pele
ficando pálida. Subitamente, porém, pôde ainda perceber algo que lhe chamou a
atenção, algo que ele não imaginaria ouvir diante nem em suas piores premonições:
- Ele...Ele pode lhe ver...
Irwind imaginou estar sonhando.
- Ele...destruirá seu mundo...Ele...destruirá...todos vocês...Ele nos deu o poder...
O general ficava então cada vez mais fraco e com os dentes cerrados enquanto
ouvia agora, incrédulo e com os olhos saltando as órbitas, a voz grossa e infernal do
Maraki que o estrangulava.
- Ele pode lhe ver...Ele pode ver sua mente através dos meus olhos...
O monstro então grunhiu. Em seguida, os olhos de Irwind estranhamente então
se tornaram brancos e seu corpo começou a tremer quando, de repente, uma terrível
visão surgiu no canto mais profundo de sua mente. Uma mão cadavérica e
esbranquiçada, com unhas negras e rachadas repousava sobre um apoio de pedra. Em
seguida, viu um rosto, de aparência ao mesmo tempo misteriosa e bizarra, que lhe
conferia um caráter talvez ainda mais infernal do que a dos próprios Marakis. O
estranho e desconhecido ser estava com os olhos fechados e Irwind pôde notar agora sua
pele, cheia de ranhuras, como estivesse sido escaldada pelo fogo mais quente de Asíris.
No momento, contudo, o general imaginou estar realmente tendo alguma terrível
alucinação. Sua visão assustadora e inexplicável, porém, ficava cada vez mais clara.
As preces de Gryn pareceram ter ido em vão quando o mesmo percebeu que o
zumbido do imenso canhão apontado para seus olhos no telão havia ficado mais intenso.
Além disso, em seguida, o canhão começou a mudar a cor de sua estrutura, de um cinza
escuro para um verde que se tornava cada vez mais forte. E, assim que o zumbido ficou
insuportável e a cor do canhão um verde florescente, um grande disparo foi dado contra
a base, fazendo-a chacoalhar de uma forma inimaginável e, ao mesmo tempo, com que
todos dentro dela caíssem imediatamente ao chão, desnorteados. Aquele, sem dúvida,
havia sido o maior ataque que a Base Aérea de Marahana já sofrera em toda sua
existência. Sua iluminação começou então a sofrer falhas, assim como seus propulsores.
Assim que Gryn se pôs de pé, ouviu as últimas notícias de seu soldado:
- Senhor! A força do escudo principal!
- O que tem?
- Caiu para 90%. E nossos propulsores também começaram a apresentar falhas
com este ataque!

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Maldição! Não é possível! – Pensou, antes de dar a mais importante ordem a
todos os soldados da base até o momento, pelo microfone da sala de comando.
- Homens da Base Aérea de Marahana. Concentrem agora todo os seus disparos
naquele canhão! Vamos fazer esta arma Furou explodir em mil pedaços! – Ordenou
Gryn, enquanto ouvia preocupado o zumbido da terrível arma se iniciar novamente.
Na ala norte, o monstro apertava ainda mais o pescoço de Irwind. Seu grunhido,
por sua vez, também havia aumentando, após o disparo da estação inimiga.
- Você não vê, seu tolo... – Continuava falando o Maraki – Ele matará a
todos...através de nós...
Irwind fazia agora um enorme esforço para desviar seus pensamentos daquele
rosto medonho, que não saída de seus pensamentos. Em vão. Aquela imagem já parecia
ter até mesmo consumido todo o seu ser. Subitamente, porém, os olhos do monstro
desconhecido se abriram, junto com os de Irwind. Assim, naquele momento, o general
sentiu incrivelmente seu fôlego ficar um pouco mais forte e virou o olhar para o Maraki
novamente, que ainda grunhia, parecendo sorrir sarcasticamente. Irwind então
aproveitou o momento de distração do monstro e não deixou de ter um irônico
pensamento. Você é que vai ver coisas na sua cabeça agora, seu desgraçado! – Pensou,
antes de erguer com sua mão direita a mangueira com o óleo, a qual ainda segurava
bravamente, e usar todas suas últimas forças para cravá-la no crânio do Maraki, por
entre as brechas das tiras que circundavam a sua cabeça. Imediatamente, o monstro
então afrouxou o pescoço de Irwind que, sem pestanejar, derramou mais e mais óleo
dentro de seu corpo deformado. Segundos depois, após sacolejar-se por inteiro, a
criatura enfim desabou ao chão, derrotada, junto com o general. Irwind então colocou-se
de pé e tentou recuperar suas forças pelo recente e brutal ataque do monstro.
Contudo, as imagens que acabara de ver não lhe saíam da cabeça. Quem seria
aquela criatura tão medonha? Uma criatura de pele escaldada e feições cadavéricas a
qual até os Marakis reconheciam seu poder? Irwind não compreendeu. Afinal, pelo que
sabia sobre a sociedade Furou, os Marakis eram os seres mais poderosos que existiam,
não aceitando serem subordinados de forma alguma, mesmo quando capturados. Muitas
perguntas vieram imediatamente em sua cabeça. Estaria realmente esta criatura por trás
de todo esse maciço ataque que os Furous estavam lançando contra os Banshees, como
o próprio Maraki havia lhe dito? Além disso, seria ela talvez, também a responsável
pelo súbito aumento de poder de todos os Furous, fato esse que havia desencadeado
toda esta grande batalha? Os muitos questionamentos foram então tirados de cena por
barulhos de tiros intermináveis. Afinal, naquela altura, a Base Aérea de Marahana
estava agora toda tomada por centenas de Furous, obrigando os soldados Banshees a se
defenderem ainda com mais bravura. No entanto, Irwind lamentou por não poder ajudá-
los no momento. Lembrou, em seguida, dos outros dois Marakis que continuaram seu
caminho base adentro e resolveu seguí-los para os impedir.
Infelizmente, em Shandara, as tropas Banshees que ocupavam o perímetro e as
ruas da cidade não foram suficientes para conter a fúria das unidades terrestres Furous
vindas do noroeste. Jess, junto com um batalhão de soldados, corria agora por entre os
becos e construções destruídas em retirada, fazendo um esforço desesperador para
retornar vivo para a base de Archia - a única salvação que cabia a todos naquele
momento. Em sua perseguição, havia meia dúzia de unidades de guerra Furou os quais
os soldados Banshees não tinham conhecimento prévio e prontamente o apelidaram de
“escova”. Deram esse nome devido ao formato da nova unidade inimiga – que possuía
uma carapaça metálica na parte de cima semelhante a de um besouro, enquanto na parte
inferior, além de propulsores, possuía também braços mecânicos com garras, as quais
capturavam os soldados Banshees um a um antes de trucida-los sem piedade. A unidade

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toda parecia ter uns cinco metros de comprimento e voava agilmente sobre o solo em
uma altura de aproximadamente quatro metros.
A essa altura, o grupo já havia deixado a zona urbana de Shandara e se
aproximava de uma área mais descampada. Sem pestanejar, um punhado de soldados,
incluindo Jess, entrou então por uma passagem de esgotos cuja uma das saídas dava
diretamente em Archia. Na fuga, por entre os bueiros abertos que ligavam a superfície
aos túneis da galeria, as “escovas” lançavam seus braços sem hesitação, afim de
capturar mais Banshees. Também disparavam suas metralhadoras acopladas contra os
soldados, que corriam agora em meio a uma quase total escuridão, como ratos envoltos
por um odor podre, a alguns metros abaixo da cidade. Um soldado, próximo de Jess,
que ia na frente, logo após revidar com uma rajada de balas, não resistiu a sensação de
medo e desabafou:
- Essas coisas...Se movem muito depressa. Não parecem sentir nossos disparos!
– Falou ofegante por causa da fuga. - Acho que não vamos conseguir!
- Vamos sim! – Respondeu Jess. – Archia já está bem perto. Vamos, não parem
de correr!
Naquele instante, no Centro de Operações de Archia, Greyn recebia a notícia de
que as tropas Furous já estavam tomando conta de parte do centro de Shandara cidade.
As forças Banshees, por sua vez, por estarem exatamente concentradas em sua maioria
neste mesmo local - resistindo em uma batalha que agora se tornava cada vez mais
sangrenta - iam ficando cada vez mais escassas. Após receber essas informações,
suspirou e não pensou duas vezes em resolver recuar seu exército, pretendendo passar a
oferecer agora o máximo de resistência com ataques lançados diretamente da base de
Archia. Deu então a ordem para que seus homens na base esquecessem os alvos aéreos
inimigos, os quais continuavam bombardeando Archia sem sucesso, e que
concentrassem todas as forças na direção oeste, de onde chegariam as primeiras
unidades Furous terrestres.
Jess e o grupo então chegaram ao final da galeria de esgoto e viram uma luz em
seu fim. Quando saíram, chegaram então a uma floresta, a qual circundava uma região
de Shandara e se localizava bem perto de Archia. Logo em seguida, o grupo então notou
que as “escovas” que estava lhes perseguindo haviam misteriosamente sumido, junto
com seus ataques mortais. Assim todos então pararam e olharam para trás, por cima do
imenso cano pelo qual haviam acabado de sair. A impressão que se tinha era de que
haviam conseguido enfim despistar seus inimigos. O soldado que havia falado com Jess
poucos minutos antes, resolveu então falar:
- É, parece que consegui...
Neste momento, porém, um imenso estrondo foi ouvido por todos. Em seguida,
notaram uma dúzia de imensas árvores sendo arrancadas do solo e caindo ao chão com
violência, bem perto do cano.
- Corram! – Berrou Jess.
Os soldados então continuaram sua fuga a medida que as escovas iam passando
como um trator por cima das árvores daquela pequena floresta, arrancando brutalmente
suas raízes com seus braços mecânicos, tais como caçadores implacáveis na procura de
sua presa. O grupo então chegou a um grande barranco e começou a descê-lo depressa,
ao mesmo tempo em que tomavam cuidado para não serem atingidos pelos troncos das
árvores que começaram a cair e rolar em direção a eles. Um dos soldados, porém, foi
logo atingido por um dos troncos e, logo em seguida, mais outros dois foram puxados
violentamente pelas garras das escovas, que estavam cada vez mais perto.
- Não vamos conseguir! Essas coisas não param de nos perseguir!
- Cale a boca soldado e continue descendo. Depressa!

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Assim que puderam olhar melhor para o final do barranco puderam ver Archia,
um pouco mais a frente.
- Está vendo! Não lhe disse? Vamos! – Gritou Jess.
Neste momento, mais soldados foram puxados pelos terríveis braços mecânicos,
dessa vez bem perto de Jess e de seu companheiro de fuga. Ambos então, sendo agora
os últimos sobreviventes, apertaram ainda mais o passo. Chegaram finalmente então ao
final do barranco e notaram que somente mais alguns metros de deserto a sua frente os
separavam de Archia.
- Vamos! – Já posso ver a cerca da base, vamos!
Os dois então apressaram sua corrida de uma forma que nunca haviam feito
antes, talvez nem mesmo em suas brincadeiras de infância ou no duro treinamento do
Exército Real. A essa altura, algumas escovas haviam ficado para trás devido ao choque
de sua grande carcaça de metal contra as árvores, o que havia as atrasado um pouco. No
entanto, alguns metros adiante, o soldado que estava com Jess tropeçou em um grande
pedregulho e foi ao chão, torcendo o pé esquerdo. Jess então parou, olhou para trás e
voltou para resgatar o companheiro.
- Vá embora amigo! Salve-se! – Falou logo o soldado.
Jess então abaixou-se para levantá-lo.
- Não perca tempo comigo! Vá embora! – Insistiu.
- Cale a boca! Escute, já perdi um grande amigo nesta batalha e não pretendo
deixar mais ninguém para trás.
O soldado então ficou quieto. Observou Jess o puxando e o colocando nas
costas. Em seguida, Jess então, mesmo com poucas forças lhe restando, olhou para trás
e viu as escovas se aproximando novamente, agora a toda velocidade. Virou então
novamente seu olhar para a cerca de Archia e resolveu tentar chegar enfim ao seu
destino final.
- Vamos! Só mais alguns...só mais alguns metros! – O soldado tentava correr,
mas estava cambaleante, sendo prejudicado também pelos seus passos, que entravam na
areia fofa e o fazia perder toda a velocidade de sua fuga.
Subitamente então, todas as esperanças pareceram ter acabado. Foi a vez de Jess
tropeçar, dessa vez num tronco de árvore escondido no deserto e ir ao chão, junto com
seu colega. De bruços e com sua farda branca agora toda coberta de areia, olhou para
trás e viu, em seguida, uma imensa garra negra cobrir o sol que batia no seu rosto. Era o
fim.
Contudo, neste momento, viu também uma rajada de fogo pesado perfurar o
casco de metal da mortal unidade Furou, fazendo-a chacoalhar e ir ao chão poucos
segundos depois. Também notou, logo após, uma das escotilhas da “escova” se abrindo
e dois Furous saindo lá de dentro, rastejando e feridos, pois haviam sido atingidos
também pelas rajadas de bala salvadoras. Os monstros ainda se moveram por alguns
metros até finalmente morrerem.
- Esses miseráveis! – Falou o soldado no chão, ao lado de Jess, olhando para as
criaturas que, como todas as outras, haviam morrido com seus olhos negros abertos. Tal
gesto parecia, na verdade, um aviso de que todos os Furous não se renderiam nunca até
acabarem com todos os Banshees que se opusessem a sua maior e mais recente sede de
destruição.
Em seguida, os dois logo ouviram mais metralhadoras e explosões de mísseis
sendo lançados contra as demais escovas, que se aproximavam deles e da base.
- Vamos! – Disse finalmente Jess, se pondo de joelhos e colocando seu
companheiro novamente nas costas.

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Dessa vez, chegaram sem mais dificuldades a um dos portões de Archia.
Adentraram e foram logo recebidos por alguns médicos e soldados. Um dos médicos foi
ajudar ao soldado com o pé injuriado, enquanto um outro foi até Jess, que recusou a
ajuda por achar estar bem.
- Obrigado amigo! Se não fosse por você já estaria morto! – Disse o soldado que
estava nas costas de Jess momento antes, agora já apoiado em um médico e limpando
suas botas. - Mas sinto muito pelo seu amigo! Ele poderia estar aqui nos ajudando!
Jess também enxugava seu suor e não demorou em tratar de sentar em um
caixote para descansar, ao mesmo tempo em que pensava em algo para respondê-lo. Em
seguida, tirou o suor de sua testa e falou, olhando para o chão.
- É verdade. Ele morreu sem ter a oportunidade de lutar contra os Furous, por
isso, orgulhe-se. Afinal, nós temos a oportunidade de acabarmos com eles. – E virou
novamente seu olhar para o soldado.
- Me orgulho meu amigo! Também já perdi muitos entes nesta guerra, inclusive
aqui em Shandara. Com certeza esse mundo será melhor sem essas bestas!
Jess sorriu de lado.
Neste momento, os médicos iam finalmente levando o homem em uma maca
quando o mesmo se despediu:
- Boa sorte companheiro! E lembre-se. Esta batalha está apenas começando!
Jess cumprimentou, acenando com a mão direita.
Esta batalha está apenas começando - Pensou. Então suspirou e lembrou de
Kuji, o qual havia sido morto pelos Kharkis na Floresta de Noah. Em seguida, recordou
de tudo que havia visto na mais recente batalha de sua vida, nos arredores de Shandara.
Todas as atrocidades, todo o banho de sangue e o desespero dos soldados Banshees
sendo massacrados e praticamente sem poder de reação aos ataques furiosos dos
inimigos. Lembrou então da sua família, de sua ex-esposa e de sua filha pequena, os
quais moravam em Meritzen e ficou um pouco mais aliviado por saber que tal cidade
não estava sendo atacada. Mas esta batalha está apenas começando. – relembrou.
Assim, neste momento tomou então uma decisão. Por mais que não pudesse proteger a
todos aqueles por quem mais sentia carinho, devia fazer seu máximo, até que todo
aquele terrível confronto terminasse. Olhou novamente para o soldado que ia de maca
ao longe, o qual havia recentemente sido salvo por ele e lembrou que havia mais
pessoas próximas a serem protegidas. Os primeiros a virem na sua cabeça foi então Yin,
Sara e Aljolie. Preciso encontrá-los e tira-los daqui! – Concluiu. Em seguida, partiu
então como um raio a procura do três, acompanhado, antes de qualquer coisa, da
absoluta certeza que dentro de pouco tempo a base de Archia deixaria de ser um refúgio
seguro para se tornar um verdadeiro inferno em Asíris.

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Capítulo 24 – A Fuga de Archia

Irwind então percorreu todo o corredor que dava para as cápsulas de acesso ao
interior da base a procura dos dois Marakis que haviam sumido, mas só o que viu foi
mais marcas de destruição deixada por ambos. Chegando no final da passagem, desceu
então uma grande escadaria no final e percebeu que a porta de aço de uma das cápsulas
havia sido violentamente arrombada. Irwind então aproximou-se e pôde ver que a
própria cápsula havia sumido também. Olhou para o poço escuro e redondo e lançou
uma Soran para iluminá-lo. O que pôde ver bem abaixo, porém, foi um amontoado de
concreto bloqueando a passagem pelo poço.
- Hanai? Você está aí? – Levou a mão ao seu comunicador.
Algum tempo se passou até a resposta.
- Sim, estou. Diga.
- Que voz é essa meu amigo? Você está bem?
- Creio que agora sim. – Respondeu Hanai, olhando para a atadura que havia
acabado de enrolar em seu próprio braço, úmida de sangue.
- Escute, temos problemas. Conseguir me livrar de um dos Marakis que entraram
pela ala norte. Contudo, dois deles continuam avançando base adentro. Neste momento,
estão indo para o interior da base através dos dutos pelos quais passam as cápsulas de
transporte.
Neste instante, Hanai subitamente lembrou do terceiro Maraki que havia entrado
pela ala sul e ficou apreensivo. Até um pouco chateado consigo mesmo pela falha na
memória.
- Mas eu tenho um problema, meu amigo. – Continuou Irwind. - Os desgraçados
bloquearam a passagem pelos dutos! Devem ter explodido esta cápsula com tanta
violência que fizeram com que parte do concreto a sua volta desabasse. Por isso, creio
que você terá a tarefa de impedí-los.
A essa altura, Hanai já havia se colocado finalmente de pé. Concentrou-se para
esquecer da dor de seu braço e respirou fundo para sentir suas energias voltarem.
- Ok Irwind! Farei o meu melhor! – Falou mais animado. No entanto, também
tenho problemas. Apesar de dado conta de dois Marakis por aqui, acabei esquecendo do
terceiro e último, que só os Deuses sabem onde está agora.
- Entendo.
- Você tem alguma idéia de onde esse monstro possa estar indo?
- Bem, da ala sul de onde você está há conexões diretas por toda a base. Docas
internas, enfermaria, dormitórios, depósito de armamentos e... – Irwind então parou.
- E?
- Centro de Operações.
- Parece que temos o nosso palpite.
- Gryn! Você precisa salvar Gryn! – Falou Irwind, assustado.
- E os que você deixou escapar? Para onde estão indo? – Relembrou Hanai.
- Os que eu deixei escapar? – Irwind deu um leve sorriso irônico. - Deixe eu
lembrar...Não! Não é possível! Eles estão indo para...
Neste momento a comunicação entre Hanai e Irwind foi interrompida por
alguma causa desconhecida.
- Irwind?
Nenhuma resposta.
- Irwind!

128
Neste momento, Hanai chegou então a conclusão que tinha que descobrir
sozinho o paradeiro dos três Marakis restantes soltos pela Base Aérea de Marahana.
Partiu então num vôo a toda velocidade pelo interior da base.
Jess agora corria pela base de Archia se desviando dos tanques e soldados que
estavam cada vez mais apreensivos e acalorados. Naquele momento, a base havia se
inchado ainda mais, já que uma quantidade razoável de unidades e soldados Banshees
em fuga do centro e das cercanias de Shandara – assim como ele – já havia retornado a
Archia. E toda a mobilização, conforme havia ordenado o comandante Greyn, estava
sendo direcionada para o oeste da base, por onde as forças Furous estavam se
aproximando cada vez mais. Dentro da carcaça do veículo abandonado, perto do galpão
de acesso ao edifício B, ainda permaneciam Sara e Yin. O menino olhava para a
multidão e logo que reconheceu enfim um rosto familiar, colocou a cabeça para fora da
estrutura enferrujada e gritou:
- Jess!
O soldado então olhou para Yin e Sara e correu em direção a eles.
- Yin, Sara, vocês estão bem? – Perguntou, logo se abaixando e colocando a
mão na cabeça dos dois.
Os dois balançaram a cabeça positivamente:
- Estamos bem – Disse Sara – Yin estava até me mostr...
- Escutem vocês dois. Precisamos sair desta base. Imediatamente. Onde está a
enfermeira Aljolie?
Os dois permaneceram calados. A felicidade de ambos por rever Jess havia se
transformado em apreensão pela notícia do soldado, que estava agora com a cara
amarrada e preocupada.
- Precisamos mesmo? Aljolie nos disse para esperarmos aqui até ela voltar. –
Perguntou Yin, ainda confuso.
- Sim, precisamos. Só eu sei o que eu vi em Shandara. Há uma quantidade
enorme de tropas Furous bem perto daqui. Não demorarão muito até chegar e
transformar todo este lugar em pó. E, infelizmente, não poderemos oferecer muita
resistência.
Os meninos permaneceram calados.
- Agora me respondam. Onde está Aljolie?
- Ela entrou por este galpão a algum tempo. Deve estar na enfermaria, atendendo
os feridos que não param de chegar.
- Ok, entendi. Minhas ordens para vocês será a mesma de Aljolie. Eu irei atrás
dela e esperem nós chegarmos. Não saiam daqui.
Antes que Sara e Yin pudessem dizer algo, Jess já havia entrado como um
relâmpago por dentro do galpão. Não demorou muito até alcançar a enfermeira em dos
quartos da enfermaria do edifício B – a qual já estava abarrotada de feridos há algum
tempo - socorrendo um doente com uma grande hemorragia no tórax.
- Rápido enfermeira! – Precisamos de mais uma injeção aqui! Não vamos perder
mais um! – Dizia o médico que cuidava do mesmo paciente, ao lado de Aljolie.
Neste momento, Jess então entrou no quarto e aproximou-se da enfermeira:
- Precisamos ir embora daqui! – Falou em seu ouvido.
Aljolie então virou-se assustada, mas quando percebeu que era Jess, se acalmou.
- Ah, é você? Que susto! Que bom que voltou! Achei que ainda estivesse em
confronto com os Furous em Shandara.
- Eu estava, mas todas as tropas tiveram que bater em retirada. Em breve
milhares de Furous invadirão Archia e matarão a todos! Precisamos sair daqui!
Aljolie em um primeiro momento não entendeu a mensagem de Jess.

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- Como? Sair daqui? Você está louco? – Respondeu já com uma certa raiva, sem
se descuidar dos socorros que estava acabando de prestar.
- Não estou! Todo esse seu esforço não valerá de nada. – Jess aumentou o tom
de voz por causa da gritaria que aumentava na enfermaria. – Precisamos ir para um
lugar seguro. Já falei com Yin e Sara.
- Você está louco sim! Não posso sair daqui, este é o meu trabalho! E você devia
estar fazendo o mesmo, cumprindo seu papel de soldado e lutando contra os Furous! – E
Aljolie também aumentara o tom de voz.
- Me escute, por favor. Esta base não irá agüentar! Esta é uma informação
precisa! Não quero ver mais mortes!
- Então deixe fazer o meu trabalho em paz! – Foi então a vez de Aljolie gritar.
Jess, agora ciente de seu insucesso em convencer a enfermeira de ir embora e já
sendo entreolhado com desconfiança pelo médico ao lado dela, pensou em outra tática.
Desculpe, mas não temos tempo a perder. – Pensou, antes de aproximar lentamente uma
de suas mãos ao pescoço de Aljolie e pressionar firmemente seus dedos contra ele. Com
a técnica, Aljolie imediatamente foi ao chão, desacordada. Jess então a segurou nos
braços rapidamente, impedindo que se machucasse com a queda. O médico próximo
olhou então assustado para a cena. Por fim, o soldado colocou então a enfermeira no
colo e se retirou do quarto. Mas não sem antes dar explicações:
- Desculpe doutor! Ela está um pouco nervosa com todos esses feridos, todo esse
sangue, você sabe como é! Precisa tomar um ar! Já voltamos!
O médico ficou parado, olhando incrédulo, no mesmo instante em que Jess já
corria com Aljolie de volta em direção a Yin e Sara, alcançando-os sem demora.
- O que aconteceu com ela? – Perguntou Yin, ao ver a enfermeira estendida nos
braços de Jess.
- Ela está um pouco nervosa. É só um desmaio. Agora vamos, precisamos
arranjar um jeito de sairmos daqui.
- Mas para onde senhor? – Perguntou Sara. – Esse lugar está todo cercado por
esses tais Furous. Eles vão nos matar se sairmos.
- Não se sairmos como um deles. – Respondeu.
- Mas como? – Dessa vez foi a vez de Yin perguntar.
- Eu tenho uma idéia. Sigam-me.
Jess então aproximou-se de um pequeno e vazio veículo de transporte próximo e
colocou o corpo de Aljolie na parte de trás. Em seguida, pediu para que Yin e Sara
subissem. Ligou então o motor e partiu a toda velocidade para uma das entradas da
base, em direção ao lado leste. Quando aproximou-se do portão gradeado, um dos
soldados fez sinal para que diminuísse a velocidade. Jess ignorou a ordem e partiu com
tudo para cima, fazendo a entrada partir em dois. Continuou então guiando o flutuador
já pelo Deserto de Kayabashi até se afastar alguns poucos quilômetros de Archia. Em
seguida, parou e pediu para que Yin e Sara descessem.
- O que faremos agora senhor? – Perguntou a menina.
- Agora escolhemos uma dessas aí. – Disse Jess, apontando para as dezenas de
aeronaves Furous abatidas pela artilharia anti-área de Archia, repousando na areia
escaldante do deserto de Kayabashi, bem ao redor onde eles estavam.- E temos que
achar uma boa. – Continuou. Então olhou ao redor e finalmente apontou. – Aquela ali!
Ainda parece querer voar!
O soldado então correu alguns metros e aproximou-se da nave, no mesmo
instante em que empunhava seu rifle.
- Crianças, não se aproximem. Algum destes monstros ainda pode estar vivo.

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Sara então franziu a testa de medo. Yin também ficou apreensivo. Ao longe, só
puderam ver Jess abrindo a escotilha da aeronave Furou danificada e entrando por ela.
Alguns segundos depois, ouviram tiros sendo disparados, o que os fez dar um salto de
susto. Imediatamente, os dois então ficaram ainda mais preocupados. Contudo, logo
puderam ver Jess saindo de dentro da aeronave, puxando pelos braços um dos corpos
dos Furous mortos. Em seguida, largou-o na areia. Fez o mesmo com o segundo
cadáver.
- Podem vir agora crianças! – Acenou ao longe. - Esses tiros não foram nada.
Estava apenas conferindo!
Quando Yin se aproximou dos corpos dos Furous, sabia que aquela nova visão
iria os acompanhar pelo resto da vida, afinal, pela primeira vez havia visto uma criatura
daquela de perto. Não imaginava o quando horrendo aqueles monstros podiam ser,
mesmo tendo ouvido muitas histórias sobre eles e suas crueldades. Sara, por sua vez,
virou seu rosto para o lado e não se conteve. Vomitou um pouco na areia por causa do
cheiro fétido que aqueles corpos emanavam, mesmo em céu aberto. Jess então
aproximou-se:
- Vocês dois, é melhor entrarem. E tapem os narizes porque lá dentro não está
muito melhor. Você menina... – Se aproximou então de Sara e abriu o cantil que
guardava em sua cintura – ...Tome um pouco de água. Fará você se sentir melhor. Eu
juro.
Os dois então se encaminharam para dentro da nave. Jess voltou para o veículo
flutuador onde estava Aljolie e a colocou novamente no colo. Em seguida, olhou para
Archia, já um pouco ao longe. Que os Deuses tenham piedade de todos que ficarão lá!
– Desejou. Em seguida, entrou na nave Furou e colocou cuidadosamente o corpo da
enfermeira na parte de trás e então sentou-se no cockpit. Yin e Sara, por sua vez, já
estavam acomodados em um suporte na lateral daquele veículo negro e sombrio.
- Não se preocupem meninos, aonde vamos vocês verão outros desses, só que
vivinhos! – Brincou.
Yin e Sara permaneceram calados, meio que sem entender a brincadeira. A
menina estava um pouco melhor agora, com sua mão encobrindo seu nariz e boca.
- Vamos ver o que esta nave bizarra tem a nos oferecer. – Disse o soldado para
si, olhando para o estranho painel de controle a sua frente.
Jess então apertou um botão esverdeado coberto de gosma que fez com que a
nave sacudisse.
- É isso! Vamos tentar denovo.
Jess então puxou o botão mais uma vez, dessa vez sacolejando também o
manche da nave, ao mesmo tempo.
- Vamos lá! Uma última vez.
Logo após apertar pela terceira vez, a nave sacudiu com mais força e começou a
tremer, como se tivesse finalmente ligado sua força e seus propulsores. Em seguida, o
veículo se ergueu do chão por mais ou menos dois metros e começou a pairar no ar.
- Isso! Esta maldita nave pelo menos serviu para algo. Só nos resta levar para
onde queremos agora.
Jess então apertou vários outros botões no painel, os quais fizeram com que as
luzes do interior da nave – todas vermelhas e verdes – se acendessem.
- Parece que está pronta. Agora é só ajustar algumas coisas... – E Jess apertou
mais uma série de botões, parecendo de forma aleatória – ...Pronto! Consegui!
Neste instante, a nave começou a ganhar altura depressa e Jess imediatamente
tentou controla-la, ainda que meio sem jeito.
- Aonde estamos indo? – Perguntou finalmente Yin.

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- Estamos indo para a Base Aérea de Maharana, encontrar o senhor Irwind e o
senhor Hanai. Lá estaremos mais protegidos.
Yin recebeu a notícia com uma certa alegria. Afinal, iria reencontrar finalmente
seu mestre. Jess, por sua vez, da janela frontal daquela estranha nave Furou, pôde ver
bem de perto, segundos depois, a imensa frota aérea Furou que ainda sobrevoava e
atacava Shandara e Archia. E, algum tempo depois, estava passando exatamente em seu
meio. Acalme-se Jess, agora você é um deles! – Se esforçava para lembrar. Em seguida,
olhou para baixo e o que viu foi estarrecedor. A cidade de Shandara já estava toda
dominada pelas tropas negras Furou, que já começavam também a cercar a Base de
Archia em quase toda sua totalidade. O soldado sem dúvida estava certo. Daquela
altura, o local começava a assemelhar-se a um ilha cinza e amarelada no meio de um
mar de pontos negros e furiosos. Era, sem dúvida, questão tempo até ser tomada por
uma onda de sangue e terror sem precedentes. Archia, definitivamente, estava perdida.

132
Capítulo 25 – O Plano Furou

No centro de comando da Base Aérea de Marahana, Gryn olhava novamente


para o telão que mostrava a base aérea Furou atracada ao lado da sua e ouvia o apito de
seu imenso canhão aumentar novamente, o que ele já sabia que não era um bom sinal.
Estava profundamente irritado por seus ataques diretos não terem feito quase nenhum
dano àquela arma terrível e já começava a ficar consideravelmente preocupado. Neste
momento, ouviu um estrondo enorme vindo do saguão anterior da sala de comando
onde ele se encontrava e, em seguida tiros e mais tiros.
O que é agora? Esses monstros não podem já terem chegado aqui embaixo! –
Pensou, enquanto voltava para o saguão – o qual contornava toda a sala de comando -
para ver do que se tratava. Quando chegou viu algo que o fez suar frio. Um imenso
monstro estava eliminando sem dificuldades, naquele instante, os soldados do local um
por um, que continuavam a abrir fogo contra ele sem parar. Em vão. Após golpear um
soldado Banshee com sua lâmina, virou-se para Gryn e fez sua habitual expressão de
ódio. Em seguida, partiu para cima do comandante como uma avalanche. Gryn então
arregalou os olhos e, após ver aquela imensa criatura indo em sua direção com toda sua
força, pôde somente dar um tímido passo para trás e concluir que não havia muito mais
a fazer. Contudo, assim que o Maraki levantou sua lâmina para dar-lhe o golpe mortal,
foi atacado pelas costas por uma força desproporcional. A criatura passou então como
um trator por cima de Gryn, se chocando contra a parede da sala de comando e
atravessando-a por completo, indo somente parar novamente no saguão ao seu redor, do
outro lado. Assim que a concentração do comandante voltou, notou que o golpe
salvador havia sido de Hanai, que acabara de chegar no local.
- Muito obrigado Hanai! – Falou.
Hanai somente acenou com a cabeça e passou por Gryn, indo novamente em
direção ao monstro.
- Espere! – Disse Gryn – Deixe que meus homens tomem conta dele!
- Não será suficiente. – Respondeu Hanai.
Neste momento, um soldado foi arremessado em direção aos dois, que
abaixaram-se.
- Eu lhe falei.
Gryn então aquietou-se.
Hanai então passou pelo buraco feito na sala de comando e chegou ao saguão
onde o monstro cuidava do último soldado que lhe oferecia resistência. Tomou então
distância e resolveu aplicar novamente o violento chute que havia acabado de dar no
Maraki. No entanto, desta vez, o monstro virou-se e segurou sua perna. Em seguida,
rodopiou-lhe no ar e arremessou-lhe com uma força absurda em direção a porta de uma
das cápsulas de transporte existentes no Centro de Operações, que logo se espatifou
com o impacto. Assim que o corpo de Hanai se chocou violentamente contra a cápsula,
no interior da mesma, o veículo então se desprendeu e começou a despencar em direção
ao fundo do duto.
Sem hesitar e ainda consumido pela fúria, o Maraki então correu em direção a
abertura na parede do saguão que havia sido feita e pulou no duto atrás da cápsula, que
estava agora em queda livre. Neste instante, de dentro dela saiu então Hanai, que
começou a trocar golpes com o Maraki numa luta vertiginosa. Alguns segundos depois,
ambos os corpos, junto com a cápsula em destroços, colidiram violentamente com o
fundo do duto e, neste instante, Hanai deu um breve salto para trás. Reparou que
naquele novo local não se enxergava um palmo diante do nariz. A luta se seguiu,
portanto, com ambos tendo somente como referência a Aura de seu oponente, já que a

133
única iluminação proveniente era das faíscas que saíam da espada de Hanai quando a
mesma colidia com as laterais do duto - que agora seguia na horizontal - ou com a
lâmina do arco do Maraki. Alguns golpes depois e o que se ouviu foi um urro terrível do
monstro. Em seguida, Hanai então criou uma Soran para iluminar definitivamente o
local. Viu que a criatura já estava sem as duas pernas, decepadas por um golpe certeiro
seu. No entanto, o monstro ainda usava seus braços musculosos para rastejar e tentar
acertar Hanai com a sua lâmina afiada. Em vão. Em seguida, em um último ato
desesperado, disparou várias esferas de energia esverdeadas, também desviadas
facilmente pelo mestre de Yin. A luta havia terminado.
Hanai ainda olhava para o monstro agonizando no chão, escorregando suas mãos
na própria substância que saía pelo seu crânio e agora se espalhava pelo chão, quando
lembrou que restavam mais dois. Virou-se para o duto e, percebendo que a Aura dos
Marakis restantes via exatamente daquela mesma direção, resolveu segui-lo até o final.
Neste momento, pela porta principal da sala localizada ao final do duto - de
formato circular - a dupla de Marakis restantes entraram então com extrema violência,
assassinando, logo em seguida, todos os soldados e operadores que se encontravam no
local. No centro da sala havia, dessa vez, um orifício redondo no chão, por onde
emergia um totem cilíndrico, de diâmetro igual ao do orifício – aproximadamente dois
metros. O totem, por sua vez, emitia uma luz amarelada e era coberto por uma carapaça
de Prima transparente, além de possuir sua base somente cinco níveis abaixo daquela
sala. Seu topo, contudo, terminava praticamente no meio do caminho entre o chão e o
teto da mesma sala onde os Marakis estavam agora.
Assim que os monstros completaram a matança, Hanai chegou na sala pelo duto,
do outro lado de onde estavam os Marakis e logo escondeu-se atrás de uma caixa,
esperando pegá-los de surpresa. Os monstros, por sua vez, agora rodeavam a sala e
observavam o totem ao seu centro, como que planejando algo. Contudo, neste instante,
o comunicador de Hanai voltou a funcionar.
- Hanai...É Irwind! Não sei o que houve com nossa comunicação. Escute!
Aqueles monstros estão indo para sala onde se encontra o gerador do escudo de força
principal da base! Você tem que detê-los a qualquer custo! Agora tenho que ir! Estou
indo em direção a sala de comando me encontrar com Gryn! Há dezenas de Furous na
minha frente e nossos homens estão acabando!
- Certo. Já estamos todos aqui meu amigo. Desligo. – Respondeu Hanai,
procurando falar o mais baixo possível.
No entanto, Hanai decididamente não sabia se agradecia ou amaldiçoava seu
amigo daquela vez. Afinal, quando olhou novamente com mais atenção para a sala,
pôde ver os dois Marakis já parados bem a sua frente, atraídos pelo barulho da voz de
Irwind. O primeiro golpe inimigo passou tão perto de sua orelha esquerda que por
milímetros seu comunicador não se despedaçou. Hanai então saltou para frente e, em
seguida, se dirigiu para o outro lado daquele apertado ambiente, ficando agora bem
próximo ao totem. Uma nova luta de dois contra um havia começado.
O mestre de Yin sabia porém que, desta vez, esta luta não iria demorar. Afinal,
tinha um bom plano. Olhou então para a luz que vinha do totem e que iluminava toda
sala e, em seguida, reparou na placa grudada no objeto, na altura de sua cabeça.

GERADOR DO ESCUDO PRINCIPAL E DEFLETORES


GERADOR DOS PROPULSORES

Ao lado de onde estava escrito “Gerador dos Propulsores” havia uma seta,
indicando que tal gerador se encontrava em um nível mais abaixo de onde Hanai se

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encontrava. Neste instante, porém, sua concentração voltou-se novamente para os dois
monstros que partiam para cima dele. Começou então a trocar golpes com os Marakis,
ao mesmo tempo que esquivava-se sempre para trás e rodeava a sala simultaneamente.
Sem demora, contudo, logo sentiu seu braço ferido incomodar-lhe novamente. Olhou
então para as lâmpadas – essas avermelhadas - que também iluminavam o local e logo
pensou em preparar o terreno para o desfecho do combate. Não vou agüentar por muito
mais tempo.
Irwind corria em direção ao Centro de Operações da Base Aérea de Marahana
quando voltou a entrar em contato com Gryn.
- Gryn! Sou eu, Irwind! Como está a situação por aí?
- Complicada. - Respondeu o comandante do outro lado. - Assim que essa
maldita estação de batalha Furou chegou, disparou um tipo de canhão que fez com que a
energia de nossos escudos e propulsores descressem depressa. Você deve ter sentido o
impacto não?
- Sim, eu reparei.
- Agora parece que eles estão se preparando para nos atacar novamente. – Neste
instante, Gryn ouvia o zumbido do canhão Furou agora bem mais alto novamente.
- Já ordenou seus homens para que disparassem tudo contra esta arma?
- Sim, mas parece que não está adiantando muito. Apesar de não terem um
escudo de força como nós, a blindagem desses desgraçados é muito espessa.
- Entendo. De qualquer forma, escute. Hanai está neste momento na sala dos
geradores fazendo de tudo para que os monstros que invadiram a base não os
danifiquem.
Gryn então suou frio.
- O que? Então era isso que os Marakis queriam? Quer dizer, além de me matar?
- Exatamente.
- Mas isso é uma catástrofe! Se algo acontecer a esses geradores estamos
perdidos! Se já estamos sofrendo com os ataques Furous com nossa máxima proteção,
imagine sem ela!
- Hanai está fazendo o seu melhor. Ele sairá vitorioso. Fique calmo.
Gryn então lembrou o fato recente de Hanai ter-lhe salvo a vida e confiou nas
palavras do general.
- Escute! – Continuou Irwind. – Estou indo para aí! Te ajudarei em suas
decisões. Me espere. Desligo!
Espero que Hanai realmente consiga proteger aqueles geradores. Senão tudo
estará perdido! – Pensou Gryn.
Neste momento, Hanai fazia acrobacias para se livrar dos ataques inimigos
naquela sala, que parecia ainda menor com a presença dos dois gigantes. Ao mesmo
tempo, ia atingindo as lâmpadas avermelhadas ao redor do ambiente uma por uma, com
a intenção de deixar todo o local mais escuro. Assim, logo após atingir a última
lâmpada, a única visão que passou a ter dos seus inimigos foi as de suas enormes e
brutais silhuetas, as quais se moviam agora como vultos atordoados, somente
iluminados pelo fraco brilho amarelado do totem ao centro. Hanai então contornou o
ambiente mais uma vez, afastando-se das criaturas, e esperou somente o desfeche
daquela luta se aproximar. Sem hesitar, os Marakis mais uma vez então percorreram a
sala furiosamente atrás dele. Dessa vez, porém, contornaram o totem cada um por um
lado, já que as passagens entre o objeto no centro e a parede da sala eram muito estreitas
para que os dois seguissem paralelamente. Hanai, por sua vez, não tirou os pés do chão
até esperar o momento certo.

135
Assim que os monstros concentraram toda suas forças e atacaram-no ao mesmo
tempo, Hanai então deu um salto e agarrou-se em alguns canos presos no teto. Logo em
seguida, o silêncio que já imperava na sala, com exceção do pequeno zumbido emitido
pelo totem, somou-se ao silêncio que aquele combate havia se tornado. Um outro
barulho, porém, foi ouvido a seguir. Era dessa vez, na verdade, o som da corrosão da
substância que agora saía dos corpos dos Marakis ao montes entrando em contato com o
chão metálico da sala, bem aos pés das duas criaturas. Depois de alguns segundos, o
mestre de Yin enfim largou-se dos canos e saltou bem no meio das duas enormes
silhuetas, as quais pareciam não poder se mover mais. Em seguida, acendeu uma Soran
que iluminou toda a sala novamente e jogou-a no chão. Pôde ver claramente então, a
cena grotesca bem a sua frente.
Um dos Marakis estava com sua mão estendida para frente, ainda segurando sua
lâmina que, por sua vez, havia penetrado até o seu final o abdômen de seu
“companheiro”. O outro Maraki, com a mesma mão, também estava com sua arma
apontada para frente que, por sua vez, havia cortado profundamente o tronco do outro
Maraki na diagonal.
O plano de Hanai, portanto, havia dado certo. Sua intenção era tornar a sala mais
escura possível para que os Marakis, os quais o mestre de Yin já havia percebido em sua
luta anterior que não enxergavam bem na escuridão, ficassem confusos e o perseguisse
de forma atabalhoada. E com sua habitual fúria e impulsividade, os monstros sequer
perceberam que, ao contornar a sala atrás dele, estavam na verdade indo um de encontro
ao outro. Assim, ao atacarem com toda sua força quando chegaram do outro lado,
decretaram sua morte.
- Surpresa. – Falou Hanai ironicamente, assim que olhou, por fim, para os rostos
deformados dos Marakis, iluminados pela sua esfera azulada. Em seguida, saltou
novamente para dar seu golpe final, decepando com um só golpe as cabeças das duas
horrendas criaturas. Estava agora satisfeito com a contagem. Afinal, havia sido cinco
Marakis derrotados em um só dia. Voltou então a entrar em contato com Irwind para lhe
contar as novidades.
- Irwind! Está me ouvindo?
- Sim, estou! Como é bom ouvir novamente sua voz!
Hanai então sorriu.
- Estão todos eliminados! A sala de geradores está segura agora! – Neste
momento, Hanai começava a contornar o totem mais uma vez, se afastando dos corpos
das criaturas caídas no chão. Então continuou:
- Estou indo aí para cima agora. Encontrarei vocês em...
Neste momento, porém, uma cena o fez tirar lentamente a mão do seu
comunicador e arregalar os olhos.
- Hanai? O que houve? – Perguntou Irwind, sem entender a hesitação de Hanai.-
Me responda!
Seu amigo continuava em absoluto silêncio.
Afinal, do outro lado da sala, bem ao lado do totem, estava o monstro o qual
Hanai havia lhe cortado as pernas, enquanto ainda estava dentro do duto por onde
passavam as cápsulas de transporte da base. A criatura, de alguma forma, havia se
arrastado pelo túnel escuro a fim de cumprir sua missão a qualquer custo. Naquele
instante, o Maraki então grunhiu e ergueu sua lâmina com suas últimas forças.
- Não! – Gritou o mestre de Yin.
- Hanai? – Exclamou Irwind, do outro lado do sinal.
Neste momento, Hanai, ao longe, lançou sua espada em direção a cabeça do
monstro, numa tentativa de impedir que cumprisse seu objetivo. Em vão. Antes da

136
lâmina de sua Asor atingir a criatura bem em seu olho esquerdo e perfurar seu crânio, o
Maraki já havia enfiado sua lâmina por dentro do totem – o qual fazia parte, na verdade,
do gerador dos escudos principais e defletores da Base Aérea de Marahana - e, logo em
seguida, sacudir-se desenfreadamente, devido a descarga de energia que imediatamente
percorreu todo seu corpo. As luzes de toda base então piscaram. Na sala de comando do
Centro de Operações, Gryn, sem entender, olhou a sua volta, assustado. Em seguida,
virou-se mais uma vez para o telão que mostrava o canhão Furou apontado para sua
base. O zumbido que antes estava insuportável, naquele instante, havia parado
novamente.

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Capítulo 26 – A Insubordinação de Gryn

O segundo disparo do canhão Furou contra a base aérea de Marahana, agora sem
os escudos de proteção, fez os níveis superiores de sua estrutura imediatamente
explodirem em mil pedaços. Todos na base, incluindo os soldados Banshees, os
guerreiros Furous, Irwind, Hanai e Gryn, foram arremessados a longas distâncias com o
impacto. Todo o sistema, por sua vez, entrou imediatamente em pane, os armamentos
exteriores logo pararam de funcionar e a estrutura da base inclinou um pouco sobre seu
eixo. Jess, Yin, Sara e Aljolie, voando na aeronave Furou, se aproximavam da base bem
no momento do disparo e puderam também presenciar a explosão.
- Mas o que foi isso? Não acredito! – Disse Jess incrédulo, agora vendo um
gigantesco cogumelo de fumaça e fogo emergindo do topo da base, o qual havia
praticamente desaparecido.
Ainda olhando para aquela imensa nuvem cinza, o soldado procurou então enfim
um lugar para aterrissar. Olhou então para a parte baixa do cone – agora a única intacta
da Base Aérea de Marahana - e viu pequenos orifícios fechados. Aquelas devem ser as
escotilhas para as docas internas da base. – Palpitou. Logo em seguida, avisou:
- Muito bem crianças, preparem para aterrissar no inferno!
Neste instante, Yin e Sara correram para a frente da nave e se seguraram. Jess
então “mirou” o veículo em direção a um das escotilhas, rezando para que o simples
impacto da nave contra o orifício fosse suficiente para rompê-lo. Por fim, aumentou
então ainda mais a velocidade, desejando que todos pudessem aterrissar a salvo dentro
do Diamante Negro de Asíris.
- Vamos lá...
Yin e Sara então seguraram-se com mais força para não serem arremessados
para trás, depois do aumento da velocidade da nave. Neste mesmo instante, o menino
percebeu então o plano de Jess, mas a única sensação que teve foi de que decididamente
não iriam conseguir.
- Temos que conseguir! – Gritou o soldado.
Assim que a nave de origem Furou aproximou-se em alta velocidade da
escotilha fechada, Yin então resolveu intervir. Levantou sua mão direita contra o vidro
frontal da nave e baixou a cabeça. Em seguida, começou então a tremer seu corpo e suar
muito. Sara olhou para Yin assustada e, logo em seguida, novamente para a carapaça
preta que se aproximava. Jess, por sua vez, olhava somente para a frente, sem notar no
ato do menino, bem atrás dele.
- Vamos, vamos! – Repetia o soldado, cerrando os dentes.
Há poucos metros antes da nave se chocar contra a fuselagem espessa da base, a
escotilha subitamente se contorceu de uma forma inimaginável para, em seguida,
romper-se e sair voando pelo céu. Pelo buraco recém-aberto entrou então a nave a toda
potência em direção a uma das docas internas da base. Uma vez em seu interior, Jess
tentou então, com todas as forças, controlá-la com o intuito de fazê-la diminuir sua
velocidade, acertando assim, pelo caminho, muitos guerreiros Furous – os quais já
haviam recomeçado sua troca de tiros contra os soldados Banshees, após terem se
recuperado do grande e recente impacto. A nave percorreu então toda o saguão e só
parou quando encontrou a parede de concreto em seu final. Com o impacto, uma
passarela de metal que contornava toda a parte superior da doca interna se rompeu,
caindo bem em cima da aeronave recém-estacionada. Jess então abriu a escotilha da
nave e saltou meio zonzo para fora dela, acompanhado de Yin e Sara.
- É garoto...Parece que você salvou o dia...mais uma vez... – Falou, meio
cambaleante. Então olhou para a nave novamente.

138
- Mas...bom, acho que esta nave não nos servirá mais. Agora mais do que nunca,
preciso encontrar o senhor Irwind! – Pensou.
Virou então, dessa vez, seu olhar para Yin e Sara.
- Crianças, escutem. Vou procurar o senhor Irwind e o senhor Hanai e direi que
estamos aqui. Eu sei que eles estão bem apesar de tudo. E eles saberão exatamente o que
fazer. Por favor, entrem de volta na nave e fiquem lá dentro. Isto aqui está um campo de
batalha muito perigoso entenderam? – Esgoelava-se, enquanto projéteis passavam cada
vez mais perto do trio. Yin e Sara, contudo, não responderam.
- Não demorarei. Juro. E cuidem da enfermeira. É a vez dela de precisar de
vocês!
Yin e Sara permaneceram parados em frente a escotilha da nave.
- E não saiam dessa nave jamais! – Se despediu com um gesto e, logo em
seguida, correu em direção a linha de tiro entre Banshees e Furous, sacando o rifle de
suas costas.
Assim, passando quase desapercebido por entre as duas raças em luta, Jess já
pensava de que forma poderia encontrar o senhor Irwind naquela confusão toda. Ainda
que a base tivesse acabado de se reduzir a quase metade de seu tamanho original, ainda
era um lugar bastante grande. Lembrou então de certa técnica na qual seu general era
perito, a de localizar Auras a longas distâncias e calcular precisamente sua intensidade.
Técnica esta que o mesmo havia lhe passado adiante em uma certa oportunidade, há
bem pouco tempo, em uma outra viagem que Irwind havia feito na companhia de Jess e
de outros soldados. O soldado, como era já há algum tempo um dos atuais “guarda-
costas” do general, já tinha ganhado do mesmo sua confiança e até admiração. Por isso,
certa vez, como um prêmio por sua fidelidade e empenho, Irwind havia lhe tentado
ensinar tal técnica, ainda que sem maiores compromissos. Jess, contudo, naquela
ocasião, não se dedicou suficientemente, acabando por assim não desenvolvê-la por
completo. Naquele instante, portanto, sentiu-se bastante arrependido de não tê-lo feito.
De qualquer forma, já fora da doca interna e correndo em direção a um outro saguão da
base, fechou seus olhos e concentrou-se. Em seguida, mudou seu rumo. Por ali, eu sei
que é por ali. - Pensou, ao mesmo tempo em que agradecia Irwind por ser tão forte, o
que havia facilitado sua localização.
- Hanai, o que houve? Responda! O que aconteceu? – Insistia Irwind, já de pé,
apesar do forte impacto recém-sofrido pela base aérea. O general, contudo, ainda se
apoiando em uma das paredes perto dele por ver o chão ainda tremular devido a sua
tonteira. Hanai, por sua vez, ainda se levantava com dificuldade quando enfim
respondeu a chamada.
- Não consegui meu amigo! Eu falhei! – Neste instante, muitas já faíscas saíam
dos tubos presos no teto da sala circular – alguns agora também completamente
arrebentados - e do totem ao seu centro.
- Mas o que houve?
- Foram aqueles desgraçados! Temos que ter certeza que todos eles estão mesmo
mortos!
Irwind depois de um tempo respondeu.
- Ok. Tudo bem. Você fez o seu melhor. Agora saia daí e nos encontre na sala
principal de comando, rápido.
Logo que Irwind desligou, uma descarga de energia vinda do totem avariado
acertou o comunicador de Hanai, fazendo-o fritar imediatamente. Sentindo sua orelha
queimar rapidamente, o mestre de Yin então tirou o dispositivo e atirou-o com força no
chão, ainda bastante chateado pelo seu insucesso em parar os Marakis. O general
Irwind, por sua vez, continuou sua trajetória em direção ao Centro de Operações da

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Base Aérea de Marahana para se encontrar com Gryn. No entanto, as luzes da base
agora não paravam de piscar e toda ela estava agora uma grande bagunça, depois de ter
recebido o último ataque do canhão da estação voadora inimiga. Irwind então golpeou
mais alguns guerreiros Furous com a sua espada, mesmo fazendo certo esforço agora
para os identificar em meio a penumbra que havia se instalado por toda parte. Penumbra
essa só cortada pelas fracas luzes de emergência, que também acendiam e apagavam se
parar.
Talvez por isso, o general não percebeu em suas costas o monstro que, naquele
instante, preparava sua lâmina para lhe dar o golpe final. Assim que se virou, contudo,
viu o mesmo guerreiro Furou receber uma rajada de balas, também pelas costas. O viu
cair, por fim, bem aos seus pés. Irwind então olhou para o monstro caído e, em seguida
para a direção de onde os tiros salvadores haviam vindo. Nos momentos em que a luz
acendia, pôde reconhecer naquele instante um rosto familiar, vindo rapidamente em sua
direção. Contudo, mesmo tendo identificado a pessoa com facilidade, não acreditou de
imediato em seus olhos.
- Jess? O que faz aqui?
O soldado então se aproximou de Irwind enquanto guardava o rifle.
- Senhor, me desculpe. – Jess falava ofegante – Tive que deixar Shandara
senhor.
- O que houve?
- Não lhe avisaram daqui senhor?
- O que?
- General, Shandara está perdida! Foi tomada pelas tropas Furous.
Irwind virou seu rosto para o lado e desabafou.
- Deuses! Como deixaram isto acontecer? Greyn! Shandara não merecia. Não
Shandara!
- O que faremos senhor?
Irwind então pensou e sentiu-se mal por não estar a par de tudo o que estava
acontecendo na grande batalha de Kayabashi como um todo. Afinal, os atos para
defender a qualquer custo a Base Aérea de Marahana estava lhe consumindo muito
tempo e, principalmente força. Então respondeu:
- Siga-me. Estamos com muitos problemas aqui também.
Assim que chegaram na sala de comando, viram Gryn sentado sob o mapa
eletrônico em cima da mesa, ao centro da sala, cabisbaixo. Os poucos cabelos loiros que
o comandante possuía antes do início da batalha já haviam sido praticamente
arrancados, os botões de sua farda esverdeada já estavam quase todos abertos e seu
olhar parecia sem vida. Irwind e Jess então se aproximaram de Gryn.
- Gryn, você está bem?
- Está tudo perdido Irwind! Está tudo perdido! – Repetia Gryn sem tirar os olhos
do chão.
- Não pode estar, precisamos pensar em algum coisa.
- O que? Não há nada mais a fazer! Mais um disparo daquele maldito canhão e
toda a base irá pelos ares. Não tem como nós o destruirmos! É impossível! – Berrou
Gryn, no mesmo instante em que o zumbido voltava a incomodar.
- Comandante! Abaixe seu tom de voz! Claro que algo deve ser feito!
Neste momento, chegava finalmente a sala Hanai. Reparando na presença de
Jess, Hanai ficou um pouco confuso.
- Você! O que faz aqui?
- Tive que fugir de Shandara senhor. Ele está toda tomada.

140
- Shandara? – Hanai então lembrou-se imediatamente de Yin. Porém, antes que
pudesse ficar preocupado, as próximas palavras de Jess o tranqüilizaram.
- Sim. E vim trazendo Yin e aquela menina humana, junto com uma enfermeira
que nos tratou na base.
- Yin? Yin está aqui?
- Sim.
- Aonde? Diga-me logo!
- Em uma das docas internas da base.
- Irwind...
Ainda olhando para Gryn, Irwind respondeu:
- Sim, pode ir Hanai. Vá junto com Jess encontrar Yin e os outros. Eles precisam
de sua ajuda neste lugar tão perigoso. Eu penso em alguma solução para nós daqui.
- Certo! – Os dois então partiram para de volta para a doca interna, onde estava a
aeronave Furou com Yin, Sara e Aljolie dentro.
Irwind então virou-se para Gryn novamente:
- Como eu ia dizendo comandante, o senhor como líder não pode se entregar tão
fácil. Ou esqueceu de tudo o que disse para seus homens antes desta batalha começar?
Pense em algo, em alguma forma de contra-atacarmos, por exemplo!
Gryn então virou seu olhar fulminantemente para Irwind, já demonstrando um
certo rancor. Então falou ironicamente.
- Nossos armamentos principais pararam de funcionar, estamos sem nossos
escudos protetores, estamos seriamente avariados e nossos homens estão morrendo aos
poucos. O que quer que eu faça?
Irwind andou então um pouco pela sala de comando, olhou toda o caos e
destruição que nela estava presente. Havia caixas, papéis e fios espalhados por todo
lado, equipamentos avariados pelos ataques Furous, vidros estilhaçados pelo chão,
enfim, um ambiente que realmente não oferecia muita esperança.
- Nossos homens. Nossos homens lutaram como heróis. Entenderam que
havíamos sido pegos desprevenidos e lutaram com todas as suas forças. Infelizmente...
– Irwind então suspirou - ...Não foi suficiente. É verdade, estamos sem nossos
escudos, vulneráveis a qualquer ataque. Mas ainda há algo.
Gryn ouvia sem entender.
- Esta base. Ainda temos esta base. Ou parte dela.
- Não entendi general. – O comandante então sorriu com um certo deboche.
- Me diga comandante. Quanto tempo ainda temos até o próximo disparo do
canhão Furou?
- Os ataques estão ocorrendo a cada quinze minutos.
- Faz quanto tempo desde o último ataque?
- Cerca de dez minutos.
- Então ainda temos cinco minutos.
- Exatamente. Mas para que general? Me responda, para quê?
- Os controles de movimento da base aérea ficam nesta sala certo? – Perguntou
finalmente Irwind.
- Sim. Naquele painel. – E Gryn apontou para um painel ao lado direito de
Irwind. - Mas por quê? – Insistiu.
Gryn então pensou um pouco e, assim que compreendeu o plano que Irwind
tinha agora em mente, logo tentou intervir:
- Não general, desculpe. Não permitirei que faça isso!
- Desculpe Gryn. Mas é a nossa última chance de reverter esta situação.

141
- Não! Não permitirei que destrua esta estação secular simplesmente a
arremessando contra o nosso inimigo!
- Esta estação será destruída de qualquer forma Gryn! Você não percebe? Não
discuta comigo! Temos somente cinco minutos!
Irwind então se aproximou do painel o qual Gryn havia se referido e apertou
uma série de botões, fazendo um console com algumas alavancas emergir de dentro
dele. Olhou então para a estação de batalha Furou e seu imenso canhão em uma das
telas da sala. Em seguida, olhou a posição da Base Aérea de Marahana no radar, no
mesmo console que havia emergido de dentro do painel e, em seguida, para a estação
inimiga. Vejamos quais coordenadas preciso dar! – Pensou.
Porém, após apertar mais alguns botões num teclado numérico, no momento em
que iria subir a alavanca que faria com que os propulsores de movimento atingissem
finalmente sua potência máxima e deslocasse toda a base em direção a fortaleza Furou,
Irwind olhou para o lado. Gryn estava segurando uma arma e apontava-a diretamente
para ele.
- Desculpe general. Não deixarei que faça isso.
Na doca interna onde estavam Yin, Sara e Aljolie, um dos Furous, logo após ter
assassinado mais um soldado Banshee, notou enfim a presença de uma de suas naves no
final da doca e foi conferir. Yin e Sara estavam abaixados em um caixote ao lado da
nave e, quando viram a criatura se aproximando, correram para dentro e fecharam a
escotilha depressa. O monstro, felizmente não os viu naquele momento. Os dois então
se dirigiram para perto de Aljolie, que ainda permanecia deitada e inconsciente, e
ficaram olhando para o pequeno vidro da escotilha. O Furou contornou então a nave e
chegou bem a frente da entrada. Yin e Sara permaneceram imóveis, observando
angustiados o rosto da criatura por detrás do vidro. O monstro agora esforçava-se para
olhar para dentro da nave e encontrar algo, ao mesmo tempo em que seu bafo podre
deixava aquela pequena janela imediatamente embaçada. Neste momento, Aljolie
acordou.
- Aonde...aonde estou? – Perguntou, ainda zonza.
Yin e Sara logo pediram para que a enfermeira fizesse a silêncio, mas o barulho
de sua voz foi suficiente para o Furou notar que realmente havia algo estranho dentro do
seu veículo de guerra. A criatura então deu um grunhido e começou a tentar abrir a
escotilha trancada com todas as suas forças.
- Rápido! – Disse Yin a Sara.
O menino então começou a pegar todas os objetos pesados que encontrava ao
seu redor - barras de ferro, caixas - e, com a ajuda de Sara, começou a jogar tudo na
entrada da escotilha, em uma tentativa de obstruir a passagem do terrível ser.
- Vá embora! Vá embora! – Gritava Sara, assustada. Aljolie, nesta altura,
também já estava com muito medo.
Neste instante, chegaram Hanai e Jess a doca interna aonde ocorria toda a cena.
- Onde está a nave?
- Ali senhor! – Apontou Jess, por entre os diversos guerreiros Furous e soldados
Banshees que ainda corriam de um lado para o outro pelo local. Contudo, assim que o
soldado virou seu olhar para a nave, do outro lado da doca, viu o monstro do lado de
fora desejando entrar a todo custo. – Pelos Deuses! – Exclamou.
Hanai, agora também presenciando a cena, resolveu então avançar alguns passos
e levantar sua mão direita na direção do monstro. Apesar de estar ainda muito longe de
seu alvo, sabia que tinha que fazer algo urgentemente. Não posso errar! – Pensou,
enquanto cerrava os olhos para clarear sua mira.

142
O Furou ainda tentava com suas garras abrir a porta, que já começava a se
romper, enquanto Sara, do lado de dentro, já gritava e chorava de medo, segurando a
escotilha com suas frágeis mãos. Neste instante, Yin então deu um passo a trás e olhou
fixo para a entrada, como estivesse planejando algo. Uma luz azulada começou então a
sair de sua mão. Neste momento, o Furou irrompeu a nave, empurrando a escotilha com
violência e fazendo com que Sara fosse ao chão. Yin, por sua vez, assim que teve uma
visão limpa do monstro, disparou sua recém-formada Shinya contra a garganta da
criatura, perfurando-a. O monstro imediatamente largou seu rifle e levou sua mão ao
pescoço, ao mesmo tempo em que começou a grunhir sem parar, engasgado e com falta
de ar. Hanai, percebendo que algo diferente havia acontecido, desistiu de disparar sua
técnica e partiu correndo em direção a nave, junto de Jess.
O monstro continuou grunhindo, como alguém querendo expelir algo entalado
na garganta, com Yin olhando fixamente em seus olhos e, depois de alguns segundos,
despencou finalmente ao chão, para trás. Neste momento, chegaram seu mestre e Jess
no local. Observaram então o monstro caído ao chão, morto e, logo depois, olharam
Yin, que ainda estava dentro da nave e imóvel depois do ataque fatal que havia feito.
Hanai entrou então finalmente no veículo Furou, acompanhado de Jess. Chegou enfim
perto de Yin e o abraçou com força.
- Tudo bem Yin. Está tudo bem. Você fez o que devia ser feito.
O menino continuava ofegante e sem piscar, como em estado de choque. Mil
coisas passaram pela sua cabeça. Contudo, havia um sentimento mais forte, algo como
uma grande sensação de culpa. Afinal, acabava de ter assassinado seu primeiro Furou e
aquilo o deixou um tanto perturbado e perplexo. Aquele ser, por mais demoníaca que
sua aparência pudesse ser, era, para todos os efeitos, algo vivo para ele. Dessa forma,
naquele momento, os sentimentos de Yin, um garoto de apenas doze anos de idade, não
diferenciaram o monstro de um Banshee, por exemplo. O menino também agora tremia
de medo, o mesmo medo de morrer que estava sentindo poucos momentos atrás - o qual
nunca havia sentido - e que fora o verdadeiro responsável por ele cometer aquele ato.
- Está tudo bem... – Repetiu seu mestre, com uma voz suave.
Naquele momento, porém, Yin não conseguia pensar em nada, tampouco se
sentir mais confortável com as palavras de Hanai. Jess e Aljolie, por sua vez, agora
socorriam Sara, a qual, mesmo sentindo fortes dores, olhava para seu amigo com um
certo pesar.
- Por favor general. Afaste-se do painel. – Gryn repetiu a ordem mais um vez.
- Comandante, o seu ato é completamente condenável. Você será julgado por
isso e receberá uma punição severa.
Gryn continuava apontando sua arma para Irwind, sem hesitar.
- Contudo... – Continuou o general – ...Considerando que temos agora apenas
três minutos para nos salvar, tenho que pedir-lhe desculpa pelo que vou fazer.
Gryn franziu o rosto, sem entender. Então fez mais uma ameaça.
- Afaste-se do painel General! Não falar...
Neste exato momento, porém, a mão que segurava a arma apontada para Irwind
se contorceu inexplicavelmente por inteiro, fazendo sua arma logo ir ao chão. Em
seguida, o comandante também desabou de joelhos. Segurou então sua mão contorcida
com força, sentindo fortes dores e começou a gritar de dor.
- Por isso, comandante. Desculpe por isso. – E Irwind recomeçou a digitar mais
uma seqüência de botões no console a sua frente. Em seguida, ergueu enfim a alavanca
de força, fazendo com que a Base Aérea finalmente começasse a se mover. Neste exato
momento, Hanai, Yin e os outros sentiram o solavanco e perderam o equilíbrio. A Base

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Aérea de Marahana então inclinou um pouco sobre seu eixo e partiu a toda velocidade
em direção a estação de batalha Furou.

144
Capítulo 27 – Escapando do Diamante Negro

- Acho que isto já basta! – Falou Irwind. Em seguida, pegou o microfone e deu a
última ordem para os homens restantes que ainda lutavam naquele lugar condenado. Sua
voz ecoou por cada canto da Base Aérea de Marahana.
- Soldados! Ordeno que todos deixem esta base imediatamente! Dirijam-se as
docas internas da base e evacuem-na o mais rápido possível. Aqui quem fala é o próprio
general de Mahani, que também lhes deseja boa sorte! Desligo!
Logo após ouvirem a ordem de Irwind, muitos soldados começaram a correr
desesperados para salvar suas vidas. Os Furous, observando o que havia acontecido,
começaram a grunhir, como se estivessem sorrindo sarcasticamente, em comemoração a
uma suposta vitória. Um dos muitos soldados Banshees, porém, escondendo-se atrás de
uma pilha de entulhos, não se moveu. Ficou observando um dos monstros sorrindo ao
longe e franziu a testa, como simplesmente não estivesse achando graça nenhuma. Uma
companheira de luta sua que estava em pé bem ao seu lado – se preparando para correr e
deixar a base - vendo a reação do soldado, parou de imediato e perguntou-lhe:
- Você não vem? Você ouviu a ordem do general!
O soldado pareceu não ouvir. Mirou então seu rifle em direção a cabeça do
Furou que observava e puxou o gatilho, fazendo-a ser dilacerada.
- Ainda não terminei minha conta. Pode ir se quiser. – Brincou o soldado, agora
recarregando sua arma.
Sua companheira então pensou por alguns segundos até sorrir e responder
finalmente:
- E perder mais uma sessão de tiro ao alvo? Nem pensar! – Respondeu, já se
agachando atrás da mesma pilha de entulhos ao lado de seu companheiro e voltando a
disparar contra outros Furous.
Assim que enfim se colocou de pé, após o início da evolução da base aérea em
direção a sua inimiga semelhante, Hanai pôs a mão em seu ouvido com a intenção de
acionar o comunicador e entrar em contato com Irwind. Contudo, havia esquecido que o
aparelho já havia sido destruído.
- Maldição! - Esbravejou.
- O que foi?
- Não posso me comunicar com Irwind.
- O que faremos?
Hanai então colocou Yin no colo, devido ao fato do menino não ter ainda se
livrado inteiramente do seu estado de choque. Neste instante, Aljolie fazia o mesmo
com Sara, devido a impossibilidade da menina de sequer levar seus pés ao chão naquele
momento. Virou então seu olhar para Jess novamente e respondeu:
- Precisamos achar um meio de sair daqui. Precisamos procurar uma aeronave.
- E o senhor Irwind?
- Temos que confiar novamente em sua sensibilidade para nos acharmos. Agora
vamos!
Bom, isso não será difícil! Até eu consegui! - Pensou Jess, enquanto já tomava a
frente do grupo, acertando alguns inimigos por perto com seu rifle, para abrir caminho.
Neste momento, Irwind já colocava Gryn nas costas – o qual ainda se contorcia
de dor - e partia para o local onde estavam todos. Em uma das docas internas. –
Lembrava as palavras de Jess a Hanai enquanto os dois ainda estavam na sala de
comando principal, pouco antes de irem atrás de Yin e Sara. O desafio era saber
somente qual das docas Jess havia se referido. Contudo, não seria um desafio tão difícil

145
assim. Concentrou-se e, dessa vez, foi a vez de Irwind agradecer por Hanai ter tanta
força.
A passos largos, o grupo percorreu então um dos muitos corredores daquela doca
interna, o qual possuía em seu final agora, apenas uma aeronave estacionada. Estava
intacta porém, ao passo que todas as outras antes enfileiradas naquele corredor já
haviam decolado, com os soldados Banshees em fuga em seu interior.
- Esta aí deve servir. – Falou Hanai ironicamente, assim que o grupo se
aproximou daquele veículo cor de areia.
O mestre de Yin então abriu a escotilha para todos entrarem. Em seguida, Aljolie
pôs então Sara no chão e agachou-se para poder cuidar de seus ferimentos.
- Me dá um pedaço de seu uniforme! – Ordenou então para Jess, que estava ao
seu lado, esbravejando.
- Nossa! Tudo bem. Mas não precisa ficar tão nervosa!
- Escute, não pense que eu esqueci do que você fez! – Disse Aljolie, se referindo
ao fato de Jess a ter desmaiado em Shandara.
- Você devia me agradecer, isso sim! – Respondeu o soldado.
- Me agradecer? Todos lá em Archia precisavam de mim. Neste momento,
devem estar passando por dificuldades e, se eu estivesse lá para ajudar, seria em melhor.
Além do que, você trouxe essas crianças para cá. Lá elas estariam a salvo.
- Estariam mortas agora, você quer dizer.
- Como assim?
- Shandara toda agora, assim como Archia, deve estar inteiramente tomada pelas
tropas Furous.
- Tomada? Como assim?
- Era o que eu tentava lhe dizer enquanto ainda estávamos lá. Eu sabia que
aquela base não iria durar muito mais tempo. Soube disso após ter conhecimento do
tamanho e da força do exército que estava prestes a nos atacar. Por isso trouxe vocês
para cá, para lhes salvar.
Aljolie então parou um pouco de cuidar dos ferimentos de Sara e ficou olhando
para baixo, em direção ao chão da aeronave. Passou então a refletir sobre as últimas
palavras de Jess.
- Todas aquelas pessoas, aquelas famílias. Elas já eram pobres demais. Não pode
ser! – Murmurou baixinho finalmente.
- Talvez essa tenha sido a salvação delas, não sei. – O soldado então arriscou um
palpite, mesmo sem ter muita convicção em suas palavras.
Aljolie continuava olhando para baixo, ainda meio que sem compreender, com
uma expressão de desalento e profunda tristeza. Jess, por sua vez, olhava agora a
enfermeira.
Após ter acomodado Yin em um dos assentos da aeronave, Hanai então se
dirigiu novamente para o lado de fora. Voltou uma parte do corredor e, assim que correu
os olhos para toda doca novamente, viu Irwind surgir de um saguão do outro lado,
carregando Gryn nos ombros. Acenou então para que o general pudesse vê-lo. Assim,
mesmo ao longe, o general notou sua presença e voou em sua direção.
Neste instante, porém, os operadores Furous do imenso canhão de sua base aérea
se preparavam para disparar mais uma vez a arma mortal quando viram bem perto de
seus rostos abomináveis uma estrutura negra e enorme vindo exatamente em sua
direção. Desta vez, não sentiram vontade alguma de sorrir com a situação.
Com o imenso impacto entre a Base Aérea Banshee e a de origem Furou,
seguido de uma explosão de grandes proporções, o canhão desta última, junto com boa
parte de seu resto, foi imediatamente destroçado. A Base Aérea Banshee, por sua vez,

146
apesar dos danos recém sofridos, continuou “empurrando”, com a ajuda de seus
propulsores, a base inimiga pela parte debaixo de seu cone inferior, local exato onde
ocorrera o grande choque entre as duas estações de batalha voadoras. Dessa forma, sem
demora, toda aquela colossal estrutura Banshee começou então formar uma alavanca,
passando a fazer com que a estação Furou “trepasse” bem em cima dela, como num
último golpe desesperado em busca da vitória.
Dentro dela, por sua vez, a correria dos soldados Banshees em busca de uma
aeronave para salvar suas vidas aumentou imediatamente, ao passo que os guerreiros
Furous pouco faziam para preservar as suas, continuado grunhindo e disparando sem
parar contra seus inimigos. Pareciam enfim, satisfeitos por terem cumprido bem o seu
papel específico naquela investida. Não sabiam, contudo, que o resultado da batalha
começava a tomar outro rumo onde, provavelmente, não haveriam vencedores. Assim,
um dos dois soldados que estavam entrincheirados na pilha de entulhos, os quais ainda
ofereciam resistência, após sentir o novo e maior impacto desde então, resolveu enfim,
procurar uma forma de escapar daquele inferno em colapso.
- Vamos! Já estou satisfeito! – Disse o homem a sua companheira de batalha.
Na doca interna, bem perto dali, Hanai estava agora de joelhos e se segurando
em uma das paredes para não deslizar pelo chão, devido a inclinação ainda maior que a
base havia tomado naquele momento. Ao mesmo tempo, Irwind levantava vôo junto
com Gryn, do outro lado, exatamente em sua direção. Assim que o general deu um
rasante por cima de Hanai, agarrou-o com força, levando-o, em seguida, de volta para
perto da nave que serviria para a fuga de todos. Esta, por sua vez, só já não havia
deslizado também por estar presa em sua plataforma de lançamento. Jess saía dela neste
mesmo instante e ficou muito contente por rever Irwind.
- General! Que bom que o senhor está bem! – Olhou então para Gryn, agora
sendo deitado no chão por Irwind. – Comandante? O que houve com ele?
- É uma longa história! Agora quero que o prenda.
- O prenda? – Foi a vez de Hanai perguntar.
- Não entendi general. Quer que o prendemos? – Repetiu Jess.
- Exatamente.
- Mas Irwind... – No momento em que Hanai iria continuar, foi cortado pelo
general.
- Por favor, não discutam, somente façam o que estou dizendo! Agora todos já
para dentro! Precisamos sair deste lugar imediatamente.
Já dentro da nave, Hanai e Jess levaram Gryn para a parte de trás. Em seguida,
Hanai puxou alguns fios e os envolveu pelo corpo do comandante, prendendo seus
braços. Logo depois, contornou suas pernas, deixando agora seus pés imóveis. No
mesmo instante, Irwind já assumia o assento do piloto e dava a partida na nave. Assim
que os propulsores foram ligados, Hanai então correu então para fechar a escotilha.
Contudo, ao olhar para o lado de fora, ouviu gritos bem perto dele.
- Esperem! Por favor! Esperem! – Os gritos eram dos dois soldados antes
entrincheirados, os quais procuravam agora uma forma de sair dali.
- Esperem! – Repetiu a mulher, que vinha na frente.
- Vamos rápido! – Falou Hanai, assim que viu os dois fugitivos apontarem no
início do corredor.
Neste momento, porém, devido a mais um tremor ocorrido no interior da base,
parte do concreto do teto e da parede daquele corredor começou a desabar, passando
como um raspão por entre os corpos dos soldados. Além disso, bem atrás deles, surgia
agora um grupo de guerreiros Furous em sua perseguição. Os soldados correram então o
máximo que podiam até conseguirem chegar bem perto da nave. Contudo, a inclinação

147
do lugar aumentou ainda mais e ambos tiveram que se segurar nas paredes do corredor
para não deslizarem. O mesmo não aconteceu com parte dos Furous bem atrás, que
foram arrastados de volta, ao mesmo tempo em que iam sendo atingidos na cabeça pelos
grandes blocos de concreto que continuavam se desprendendo.
- Vamos, força! Segurem minha mão! – Gritou Hanai, que agora se encontrava a
poucos metros de ambos.
A soldado então deu um salto e segurou na mão de Hanai que, por sua vez,
estava com metade de seu corpo para fora da escotilha. Em seguida, seu companheiro
também saltou, agarrando-se em suas pernas.
- Podemos ir Irwind! – Gritou Hanai, virando seu rosto para dentro da nave, que
também já recebia uma chuva de concretos em sua fuselagem.
Contudo, assim que Hanai começou a puxá-los enfim para dentro, um dos
Furous esmagados pela pilha de concretos, um pouco mais ao longe, mirou seu rifle
para dar seu último disparo. A rajada acertou fatalmente as costas do soldado pendurado
nas pernas de sua companheira, fazendo-o logo perder suas forças, despencar e deslizar
chão abaixo.
- Nina... – Foi a última coisa que balbuciou.
- Não! – Gritou sua amiga em desespero.
Hanai então puxou somente a mulher para dentro, que ainda hesitou em entrar de
uma vez na nave, agarrando-se na lateral da escotilha, como se ainda pudesse fazer algo
por seu companheiro.
- Vamos! Não há mais nada a fazer! – Hanai então com um puxão mais forte,
trouxe a mulher para dentro da nave e fechou finalmente a escotilha.
- Vamos meu amigo! Vamos voar daqui! – Implorou para Irwind.
O general então disparou os armamentos da nave contra a escotilha da doca, que
estava fechada, fazendo-a explodir e aumentou a potência dos propulsores para decolar.
Neste exato momento, outros propulsores, o da Base Aérea de Marahana, não
agüentando o peso extra de milhares de toneladas da base aérea inimiga agora bem em
cima de si, desligaram-se por completo. Irwind então apertou o botão de lançamento e
partiu com a nave em direção aos céus de Marahana, finalmente. Às suas costas, o
Diamante Negro de Asíris despencava agora em destroços em direção ao Deserto de
Kayabashi, levando em suas “costas” a também já perdida estação de batalha Furou,
completamente danificada. A cena era de dois colossos metálicos e negros decaindo,
com todas as suas milhares de toneladas diretamente ao inferno, de onde nunca mais
iriam voltar.

148
Capítulo 28 – Para Wamboo

Naquele instante, enquanto comemoravam a heróica vitória na cidade de


Marahana no solo, alguns soldados Banshees puderam observar a queda das duas bases.
Muitos metros cima, dentro da nave pilotada por Irwind, a soldado que havia acabado
de perder seu amigo continuava chorando muito e soluçando. Hanai então aproximou-se
para consolar a mulher:
- Qual o seu nome?
- Nina. – Respondeu a mulher, ofegante.
- E qual era o nome do seu companheiro?
A moça pareceu sem forças para responder.
- Escute, está tudo bem agora, você conseguiu se salvar. E, com certeza, seu
amigo fez o máximo que podia, lutando nesta batalha com toda a coragem. Assim como
todos os Banshees que perderam suas vidas lá.
Dessa vez foi a vez de Aljolie se aproximar.
- É verdade. Escute, eu também perdi muitos amigos hoje nesta batalha.
Também estou muito triste por isso.
Neste momento, contudo, sem que ninguém notasse, Gryn puxava com esforço
uma faca do bolso de trás de sua calça e começava a cortar os cabos que o prendiam.
Primeiro cortou a parte de cima e, em seguida, escorregou seu corpo e rompeu as cordas
que prendiam seus pés. Ao mesmo tempo, preparava seu espírito para realizar o ato
mais insano de sua vida.
- Só quero que saiba... – continuava Aljolie – ...que pode contar comigo para o
que preci...
Neste momento, a enfermeira ouviu um barulho e olhou para trás. Em seguida,
deu um grito seco. Era Gryn que, naquele momento, havia se levantado e vinha
exatamente em sua direção com um touro desenfreado. Contudo, o comandante, cujo
olhar estava gora alucinado e perdido, passou por ela e rapidamente abriu a escotilha da
nave. Hanai então tirou os olhos de Nina e virou-se também, logo notando que Gryn
estava agora segurando na lateral da nave, observando a todos. Em seguida, tentou então
dizer umas poucas palavras para conter sua loucura.
- Gryn, não faça isso.
Em vão. O agora ex-comandante da Base Aérea de Marahana e da base da
cidade homônima afrouxou então suas mãos e atirou-se em direção ao céu. O mesmo
céu o qual havia protegido com muito afinco durante tanto tempo. Aljolie fechou
rapidamente os olhos de Yin, que ainda estava no assento ao lado de Irwind, e Sara,
para ambos não verem a cena. Irwind, notando a confusão, deixou enfim a nave em
piloto automático e levantou-se rapidamente, para conferir o que estava havendo.
Juntou-se então a Hanai perto da escotilha aberta e olhou na mesma direção de seu
amigo, lá para baixo, onde o corpo de Gryn já havia desaparecido por entre as nuvens.
- Vamos meu amigo. Esqueça isso. – Falou, dando um leve tapa nas costas de
Hanai.
- Para onde vamos agora? – Perguntou finalmente o mestre de Yin, enquanto
fechava a escotilha.
- Decidirei agora – E Irwind voltou para o assento da nave, agora cabisbaixo e
ainda tentando compreender a atitude de Gryn.
Sem dúvida, aquele dia havia sido muito triste para uma família Banshee em
especial. Afinal, dois irmãos haviam perdido suas vidas em um espaço de tempo muito
curto. Porém, em circunstâncias muito diferentes. Em seus últimos momentos em
Archia, Greyn havia resistido bravamente até o seu fim, mesmo sabendo do fracasso

149
certo e iminente de seus homens contra as unidades Furous que estavam prestes a
invadir e arrasar sua base sem piedade. Durante sua vida, por sua vez, também sempre
se demonstrou bravo e obstinado. Afinal, sempre teve que lutar mais do que o normal
para subir na carreira militar, por causa de seu jeito desengonçado e, principalmente, sua
falta de confiança em si mesmo. Contudo, sua força de vontade havia o feito chegar
enfim ao posto de comandante de Archia, ainda que tal posto não fosse diretamente
cobiçado pelos altos membros do Exército Real aspirantes a comandante.
Com Gryn, por sua vez, havia ocorrido o oposto. Apesar de ser mais novo que
Greyn, havia conseguido há poucos meses o que sempre quis, ou seja, se tornar o chefe
máximo da base mais imponente e bem armada de toda Asíris, a Base Aérea de
Marahana. Como conseqüência, se tornado também o comandante da própria base da
cidade de Marahana. Era sem dúvida, uma lástima que não tivesse vivido muito tempo
para aproveitar o prestígio de seu cargo, tampouco comemorar a recente vitória de suas
tropas no solo. Infelizmente, a enorme dor pela perda de seu “Diamante Negro” o fez
tomar sua última atitude, impulsiva e sem volta. Havia, naquele instante, apaziguado
seu sofrimento, mas também, acima de tudo, deixado as tropas de uma importante
cidade sem um líder.
Apesar disso, conforme dito, os homens na cidade de Marahana utilizaram de
toda sua força, Aura e inteligência – principalmente no que diz respeito ao grande
aproveitamento da zona de combate para levar vantagem sobre seu adversário - para
chegar a recente vitória. Mesmo com escassas ordens diretas de Gryn durante todo o
conflito, agüentaram firme os ataques lançados pelas unidades aéreas e terrestres
inimigas – as quais incluíam as novas unidades chamadas “escovas” - além daqueles
disparados diretamente da própria base Furou no céu, contra eles. No entanto, devido
exatamente ao fato de terem optado por utilizar as muitas construções de Marahana para
sua defesa propositalmente, a cidade agora estava bastante destruída, principalmente em
sua parte norte.
- General Irwind chamando a Base de Dherates. - Irwind falava agora pelo
comunicador no painel da nave.
Alguns segundos depois e um ruído foi ouvido.
General? Que bom saber que o senhor está vivo! – Era a voz de Kohan, o
comandante suplente de Dherates.
- Estou muito bem sim comandante. Agora me diga, qual a situação das tropas
que solicitei para nos ajudar?
As tropas estão chegando em Wamboo neste exato momento general.
- E quem está no comando?
O comandante Nissu. Ele resolveu acompanhar as tropas pessoalmente. Eu me
encarreguei de substituí-lo aqui em Dherates.
- Certo.
Mas me diga General! Qual nossa situação em Kayabashi? Estamos algum
tempo sem receber informações atualizadas por aí!
- A Base Aérea de Marahana está destruída.
Meu Deus!
- Contudo, vencemos a batalha por terra, em Marahana. Pelo o que parece, as
últimas tropas Furous estão sendo eliminadas neste momento nos céus e no deserto
próximo a região. – Respondeu Irwind olhando pela lateral do vidro frontal da nave em
direção ao deserto, lá embaixo.
Mas isso é maravilhoso! Parabéns general!
- Contudo, há mais notícias ruins. O comandante Gryn foi morto em batalha –
Irwind optara por não entrar em detalhes sobre a morte de Gryn, naquele momento. – E

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Shandara foi totalmente tomada pelas tropas Furous. Por isso, o comandante Greyn
também está morto.
Compreendo. Isso é realmente uma lástima! Mas qual será o próximo passo
daqui em diante? Estamos todos precisando de uma orientação diante desta grande
batalha.
- Faremos o seguinte. Avise sobre nossa nova situação para o rei e o parlamento.
Avise também para Nissu que estou indo em direção a Wamboo neste momento
encontrá-lo. Lá decidirei com ele o que fazer em seguir. E Kohan...
Sim senhor?
- Deixe as coisas organizadas por aí em Dherates sim? – Precisamos de toda a
concentração possível neste momento tão delicado.
Sim senhor! Com certeza! – Respondeu firme Kohan do outro lado.
- Desligo!
Hanai, ouvindo toda a conversa ao lado de Irwind comentou:
- Wamboo?
- Sim, é só seguirmos mais uma hora em direção ao sul. Lá, como disse, me
reunirei com o comandante Nissu e sua tropa para decidir o que fazer.
Porém, Irwind de fato já havia decidido o que fazer. Já tinha alguns planos na
cabeça e só que faria era contá-los ao comandante Nissu. Tinha visto muita coisa neste
última batalha - cuja primeira parte parecia finalmente ter acabado - e estava bastante
preocupado com o rumo das coisas. Sabia que precisava agir rapidamente.

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Capítulo 29 - Um Novo Plano

Exatamente como Irwind havia falado, uma hora depois e a nave levando Yin,
Hanai, Irwind, Jess, Aljolie, Sara e Nina se aproximava de Wamboo. Já era o fim de
uma longa tarde mas, mesmo com o horizonte já difícil de se ver a olho nu, devido a
noite que já caíra quase por completo, todos puderam notar ao longe os milhares de
homens, tanques de guerra e aeronaves Banshees que haviam acabado de se instalar na
cidade. E, a medida que a nave levando o grupo ia se aproximando, podiam notar com
mais clareza também, as luzes da cidade já acesas.
Wamboo, na verdade, era uma cidade bastante diferente de Marahana e
Shandara, assemelhando-se mais a um oásis no meio do Deserto de Kayabashi, perto da
fronteira com a planície de Tirisfall. Era também uma cidade bem pequena, com um
estilo rústico e singular, parecendo ter parado no tempo. Não possuía muitos prédios
altos, apenas muitas casas humildes, contudo, não tão miseráveis quanto as de
Shandara. Ao seu norte, porém, as casas iam ficando mais escassas, dando lugar a areia
do deserto. Por isso, havia sido exatamente lá que Nissu havia montado seu centro de
operações provisório. Mais alguns minutos depois e Irwind já havia pousado sua nave
neste mesmo local, após anunciar sua chegada pelo comunicador.
- Que bom vê-lo general! – Disse o capitão que o recebeu assim que saiu da
nave. – Chamarei o comandante Nissu!
Irwind então esperou pacientemente, com Hanai ao seu lado, o qual olhava
aqueles inúmeros soldados fardados de branco ao seu redor, se movimentando de um
lado para o outro e espalhando-se em meio as muitas tendas também alvas, armadas
temporariamente no local.
- É um belo contingente não? Nos será muito útil em uma provável segunda fase
desta batalha. – Falou a Irwind.
- Sim, mas ainda temo.
- Como assim?
- Hanai, aproveitarei este breve momento para lhe falar de algo.
- O que?
- Enquanto estive lutando com um dos Marakis na Base Aérea de Marahana,
houve um momento em que o desgraçado me segurou pelo pescoço e tentou me
estrangular. Aquele maldito! – Neste momento, Irwind virou-se para o chão e colocou
sua mão no pescoço, ainda dolorido. - Contudo, algo muito, muito mais estranho
aconteceu naquela ocasião.
- O que houve Irwind?
- Enquanto estava ali, sendo esmagado por aquela força brutal, tive uma visão.
- Visão?
- É, ao mesmo tempo em que o monstro falava comigo, num tom bastante
ameaçador.
- O Maraki? Falou com você? Mas como assim? Somos incapazes de nos
comunicamos com os Furous, você sabe disso! – Falou Hanai, bastante surpreso pela
revelação de seu amigo.
- Também não entendo, sei que isso é inexplicável. Mas algo me chamou ainda
mais atenção.
- O que?
- A visão a qual lhe falei. Foi algo demasiadamente assustador e preocupante.
- O que era Irwind? Diga logo!
- Eu vi uma criatura. Uma criatura diferente de todas as quais nós já vimos antes.
Uma criatura a qual até aquele Maraki parecia temer, apesar de suas falas.

152
- Uma criatura? Que criatura? Mas o que o Maraki lhe falou afinal?
- Que essa criatura estava me vendo através dos seus olhos, de alguma forma. E
que, através dos Furous, iria matar a todos nós e destruir o mundo dos Banshees, em
breve. – Irwind então olhou para o lado.
- Mas isso é impossível!
- Sim, meu amigo. Naquele instante foi realmente muito difícil de acreditar. Por
isso, a primeira impressão que tive era de que tudo não passava de um terrível pesadelo.
Mas agora tenho absoluta certeza de que não foi.
Hanai agora olhava para o chão e tentava compreender melhor o que Irwind
estava lhe dizendo.
- E de alguma forma... – continuou o general – ...senti como se essa suposta
criatura estivesse de fato por trás de tudo isso, de toda essa grande batalha que agora se
iniciou. Talvez até mesmo por trás desse aumento inexplicável da Aura dos Furous.
Afinal, o Maraki também mencionou “ele nos deu o poder”, ou algo do tipo.
- Mas como isso pode ser possível?
- Também não sei. Mas tudo isso me preocupou bastante. De qualquer forma,
pude notar Hanai, quanta força aquele misterioso ser possuía, quanta maldade havia
naqueles olhos! Por isso, creio também que o Maraki que me atacou falava a verdade,
apesar de tudo.
O mestre de Yin então suspirou e tentou refletir melhor sobre as revelações de
Irwind. Alguns segundos se passaram até que fizesse sua próxima pergunta:
- Bom, você falou que a viu. Como ela era?
- Não pude ver muita coisa. Mas, incrivelmente, não era muito parecida com os
Furous. Era bem mais baixa, tinha uma aparência cadavérica e uma grande cabeça, além
de um corpo cheio de ranhuras, como se o mesmo estivesse queimado, escaldado. Seus
olhos, no entanto, eram negros como os desses malditos que conhecemos. Só que
maiores.
Hanai voltou então seu olhar ao chão.
- E tive uma sensação de que, se não fizermos alguma coisa, este monstro, este
ser abominável que parece estar liderando agora todos os Furous, fará exatamente como
aquele Maraki profetizou!
Hanai então virou-se novamente para Irwind.
- Então todos os Banshees correm grande perigo. Quer dizer, mais um, além de
tudo isto que está acontecendo ao norte agora.
- Sim, talvez algo bem pior do que esta batalha nos ofereceu até agora! –
Respondeu Irwind com firmeza. – Mas há algo que ainda não entendo.
- O que?
- A Velha Lenda.
Hanai pareceu não acreditar. Falou então ironicamente.
- Você então ainda não esqueceu a lenda não é? Pelos Deuses...
- Ora Hanai. Como você sabe, ela nos alertou sobre toda esta grande batalha que
está ocorrendo agora. Isso você não pode negar. Contudo...
Hanai então suspirou e virou-se para o lado mais uma vez, agora impaciente.
- Ela nos diz que apareceria um Banshee que acabaria com todo o mal de Asíris.
Não menciona nenhuma poderosa criatura que estivesse a favor dos Furous. Isso é
estranho.
- Está vendo? Não lhe disse que essa lenda é uma mentira? Tudo o que está
acontecendo agora é mera coincidência, só isso.
Irwind então calou-se. Mais alguns segundos se passaram até que Hanai tentasse
mudar de assunto.

153
- De qualquer forma meu amigo, creio que você tem um novo plano para nós
agora não?
Irwind então tirou seu olhar de Hanai assim que um chamado ao longe cortou a
atenção dos dois.
- General! – Era Nissu, se aproximando deles.
- General. – Repetiu, apertando as mãos dos dois. Que bom que vocês estão
bem. Recebi o recado de Kohan. Quando partiram de Dherates, ninguém podia imaginar
que tudo isso iria acontecer certo? – Perguntou o comandante, demonstrando-se um
pouco eufórico.
- Com certeza não comandante. Fomos todos pegos desprevenidos.– Respondeu
Hanai.
- Sim, tivemos muitas surpresas. – Concluiu Irwind. - Agora escute, todos os
seus homens já estão aqui? – Perguntou, olhando para os lados.
- Quase todos senhor. As últimas tropas estão terminando de chegar. Assim,
contabilizaremos aqui cento e vinte mil homens.
- Ótimo! – Irwind então começou a contar sobre seus outros planos para Nissu e
Hanai. – Creio que este número será suficiente.
- O que pretende fazer general?
- Shandara comandante. Pretendo reconquistar Shandara.
- Sou só ouvidos.
- Pretendo lançar dentro de cinco dias talvez, um grande contra-ataque, em
basicamente duas frentes. Uma vinda do oeste, de Marahana, e outra partindo
diretamente daqui. A distância de Shandara para os dois lugares são praticamente
idênticas, o que facilitará nossa organização.
- Creio que cinco dias, contando a partir de amanhã... – Irwind continuou –
...será o ideal, uma vez que teremos tempo suficiente para nos reorganizar, estudar
melhor o adversário e nos prepararmos.
- Compreendo.
- Contudo, como Marahana está precisando de muito suporte neste momento,
pretendo antes disso, enviar uma parte do contingente aqui presente para lá, além de
suprimentos, armamentos e medicamentos.
- Entendo senhor. Realmente a situação por lá está um tanto nebulosa agora.
Perdemos até a comunicação com eles. Realmente precisam urgentemente de nossa
ajuda. Qual a quantidade pretende levar senhor?
- Creio que próximo a metade do que temos aqui. Acho que será suficiente
certo?
- Creio que sim senhor. – Respondeu Nissu. Irwind ainda olhou para Hanai que
balançou a cabeça positivamente.
- Está fechado então, sessenta mil homens, tanques, aeronaves e suprimentos.
- Certo general. Ordenarei para que minhas tropas partam para lá ainda nesta
noite.
- Não precisa se precipitar comandante.
Nissu franziu a testa de leve como se não tivesse entendido.
- Ainda falta-lhe explicar o seguinte. Eu comandarei as tropas de Marahana
pessoalmente no confronto que haverá em Shandara.
- Tem certeza general?
- Sim. Marahana está sem liderança alguma neste momento. E, no caráter de
urgência que nos encontramos, não consigo pensar em ninguém altamente qualificado
para assumir este posto agora.

154
- Entendo. A morte de Gryn foi realmente uma perda muito grande para nós.
Então quando deseja partir general?
- Amanhã pela manhã. Assim, poderei descansar também. Hoje foi um dia
bastante difícil.
- Imagino. Mas, apesar das perdas, foi um grande dia para nós também, creio eu.
Principalmente por termos conseguido manter a cidade de Marahana livre da ocupação
daqueles miseráveis.
Irwind consentiu com a cabeça.
- Irwind. Para onde os levaremos? – E Hanai apontou para o restante do grupo
que havia chegado com eles na nave em fuga da Base Aérea de Marahana, o qual
aguardava, naquele momento, na entrada do veículo.
- Eles podem ficar em alguma das casas aqui perto. No norte de Wamboo
mesmo. – Sugeriu Nissu.
- Em alguma casa? – Hanai pareceu não entender – Não seria melhor ficarem
por aqui mesmo? – Perguntou.
- Essas tendas e alojamentos improvisados são muito desconfortáveis. Além do
mais – E Nissu olhou para a entrada da nave. - Vejo que há mulheres e crianças com
vocês.
- Mas não há problemas em ficar em moradia comuns aqui de Wamboo? E seus
moradores?
- Desde que chegamos aqui, os moradores de Wamboo se mostraram muito
solícitos para nos receber e nos ajudar com que fosse necessário. É claro que é uma
cidade muito pequena, que não esperava da nossa chegada com antecedência. Além do
que, já havia recebido antes parte da população em fuga de Marahana, Shandara e de
outras cidades menores mais ao norte. Ainda assim, seus cidadãos ofereceram até os
seus lares para nos abrigar, sendo tal notícia logo muito bem recebida por nossos
soldados. O que parece é que o povo daqui já possui a plena consciência do momento
difícil e único que atravessamos e por isso estão dando todo o suporte preciso para nós.
Hanai e Irwind então se entreolharam e abriram um sorriso, como há muito
tempo não haviam feito.
- Agradeço muito comandante. - Disse gentilmente Irwind.
- Deve agradecer ao povo de Wamboo general.
Algum tempo depois e Hanai já estava terminando de contar ao grupo sobre as
boas novidades.
-...e lá então vocês poderão descansarem, tomar banho e se alimentarem.
Todos também receberam muito bem a notícia, com um tímido sorriso.
- E Aljolie, mais uma vez peço que cuide de Yin e Sara. Muito obrigado por
tudo o que você vem fazendo por eles.
- Não é nada. Já estou acostumada a cuidar das pessoas.
Hanai abriu outro sorriso.
- E Jess. Fique com eles esta noite. Amanhã cedo, contudo, esteja bem cedo aqui
de volta. Irwind tem novos planos para nossas tropas e precisaremos de todos os
homens necessários.
- Sim senhor! – Respondeu Jess. - Pode me falar quais planos são esses?
- Amanhã explicarei com mais detalhes. Mas posso lhe adiantar algumas coisas.
Vamos nos reorganizar para tentar reconquistar Shandara. Por isso, uma parte de todos
esses homens que você está vendo partirá amanhã pela manhã para Marahana. Você
provavelmente também virá.
- Será um prazer senhor! – O grupo todo ouvia também a conversa.

155
Neste momento, aproximou-se do grupo o soldado que os conduziria até uma
das moradias de Wamboo, há apenas alguns quilômetros dali.
- Podem ir agora. E descansem bastante para amanhã. – Terminou Hanai.
No momento em que todos se encaminhavam ao flutuador militar estacionado
perto deles, Yin pareceu finalmente querer falar algumas coisas para seu mestre.
- Mestre...
- Tudo bem Yin, nos vemos amanhã. Comporte-se. – Passou então a mão na
cabeça do menino.
Em seguida, a enfermeira Aljolie levou Yin para junto de todos. O soldado então
deu a partida no flutuador e se foi com o grupo. Depois de alguns segundos, porém, Yin
ainda olhava para trás, em direção a Hanai. Irwind, por sua vez, havia acabado de falar
suas últimas palavras para Nissu quando viu a cena e aproximou-se de seu amigo.
- Como ele está? – Perguntou.
- Parece que está melhor agora. Ficou contente de saber que passaria a noite em
um lugar confortável e seguro. Mas ainda noto certa apreensão em seu olhar.
- Também, pudera meu amigo. Hoje foi a primeira vez que ele matou um Furou.
Isso não é tão fácil quanto se parece. Mas depois de um tempo...
- Sabe de uma coisa? – Cortou Hanai. – Yin sempre quis fazer parte do Exército
Real. Sempre falou disso comigo e com os colegas. Contudo, ainda acho que isso não é
vida para ele. Ele é muito especial e ainda é uma criança. Tem apenas doze anos. Não
deveria estar passando por isso tudo. Nem ele, nem aquela menina humana, que parece
ter uma história muito triste também. E misteriosa. Pena não possamos conversar mais
calmamente com ela neste momento.
Irwind então virou seu rosto para o lado e cerrou os lábios, como se não tivesse
gostado muito de parte do que acabara de ouvir. Virou então seu olhar para Hanai
novamente, que por sua vez, ainda olhava em direção na qual o veículo com Yin havia
partido.
- Hanai, escute.
- Sim.
- Voltando aquele assunto sobre o que aconteceu na Base Aérea de Marahana.
- Sim?
- É verdade. Eu tenho um plano.
- Então me conte.
- Vamos nos sentar.
Os dois então sentaram sobre dois caixotes de madeira, ao lado da nave em que
haviam chegado junto com o grupo.
- Como disse, temo muito pelo futuro de Asíris, ainda mais depois que vi aquele
ser o qual lhe falei.
- Compreendo. O que pretende fazer então?
- Algo que nenhum Banshee que se tenha registro jamais fez.
- O que?
- Ou que pelo menos tenha voltado com vida.
- É o que estou pensando?
Irwind então olhou fixo nos olhos de Hanai.
- Pretendo enviar uma missão secreta para além da fronteira do mundo Banshee,
em direção ao centro do domínio dos Furous, nas montanhas de Tyron.
Hanai então ficou olhando para Irwind durante um tempo.
- Com qual o objetivo? – Perguntou finalmente.
- Quero assassinar a todo custo aquela criatura. E nada mais.

156
Neste momento, um vento gelado vindo dos confins do deserto soprou em
direção aos dois.
- Você tem certeza Irwind? Como você disse, ninguém jamais voltou das
montanhas de Tyron com vida. O máximo que já conseguimos, como você sabe, foi
avançar um pouco além da fronteira, até a região de Gyron. Era aonde nossas tropas
estavam pouco antes dessa batalha começar.
Irwind ouvia calado.
- É uma missão super arriscada, você sabe disso.
- Sim, eu sei. Mas creio que o risco valerá a pena.
- O que mais ainda tem em mente que não me contou?
Irwind então mordeu os lábios mais uma vez, disfarçadamente.
- Como lhe disse, creio que esta criatura pode estar sim por trás de toda essa
tragédia que vem ocorrendo, por trás desse ataque em massa repentino dos Furous e por
trás de todo o seu novo poder. Acredito, portanto que, com a morte desse ser, as forças
Furous enfim se enfraquecerão e ficarão desorientadas, o que nos permitiria tomar
Shandara com mais facilidade e ganhar de vez esta batalha. Somado a isso, e ao nosso
favor, ainda há o fato das tropas Furous não estarem acostumadas com ocupações. Isso
você sabe. Afinal, esta é a primeira vez que perdemos uma cidade inteira, e de grande
porte, para eles.
- Entendo. Bom, me parece loucura irmos até lá mas, se você está tão confiante
assim em suas idéias e intuições, creio que não custa tentar.
Irwind então se sentiu um pouco mais aliviado.
- Já pensou em quem chamar? – Irwind então logo voltou a morder os lábios,
desta vez com mais força.
- Eu pessoalmente não poderei ir, já que estarei comandando parte de nosso
exército em Marahana.
- Então?
- Creio que irei definir o grupo somente amanhã. E este irá partir comigo para
Marahana. Contudo, já pensei em duas pessoas.
- Quem?
- Você.
- Mais uma vez? – Perguntou Hanai, abrindo um leve sorriso. Em seguida,
continuou. – Bom, já esperava por isso. É uma escolha justa.
- E Yin.
Hanai então tratou de acabar com seu próprio sorriso e a expressão que logo
tomou conta dele naquele foi de absoluta fúria. Não demorou muito, portanto, para
Irwind perceber o quanto seu amigo havia ficado possesso. Contudo, já esperava essa
reação.
- Você enlouqueceu? Yin? – O mestre Yin esbravejou de imediato.
- Sim.
- Yin? Yin não vai a parte alguma agora a não ser para Mahani de volta!
- Mas Hanai...
- Nada de mais meu amigo. Me desculpe, mas Yin não pode ir. Por favor,
esqueça essa lenda de uma vez por todas, eu lhe peço!
- Escute, não tem a ver só com a lenda.
Hanai então virou-se já nervoso para o lado e começou a bater suas botas
rapidamente na areia, parecendo ainda não ter acreditado no que tinha ouvido.
- Escute. – Repetiu Irwind. – Sabe quantas crianças na idade de Yin em Asíris
não tem uma oportunidade dessas?

157
- Yin terá a oportunidade dele. Mas não aqui. Não agora, somente depois que as
coisas voltarem ao normal.
- E por isso... – Irwind continuou. – ...essas crianças acabam em um mundo
marginal, cometendo crimes e mais crimes. E eu vi isso acontecer com meus próprios
olhos, quando era jovem. E sabe porque, acima de tudo, isso acontece?
- Sim, eu sei.
Irwind então continuou novamente:
- Porque não têm uma figura decente para se espelhar, alguém que lhe dê uma
boa imagem e um exemplo a seguir. Só encontram exemplos ao contrário. Mas com Yin
é diferente. Ele tem você! Você irá nesta missão e não pode deixá-lo agora. Ele ficará
desapontado se não for com você, afinal, você é tudo o que ele sempre quis ser. E você
poderá nunca mais voltar, você sabe.
- E que oportunidade você quer que eu dê para ele Irwind? A oportunidade de
morrer aos doze anos? Como você mesmo disse, ele tem a mim. E eu dei a ele o que
muitas crianças em Asíris não têm, um lugar morar, segurança e educação. Ele não deve
ir a parte alguma, a não ser ficar em Mahani e estudar, até que sua hora chegue. Agora
ele não está preparado para enfrentar tudo isso.
- Creio que ele está mais bem preparado do que todos nós.
- Como?
- Ora Hanai, você sabe. Tudo bem, talvez ele realmente não tenha o poder de
acabar com todos os Furous de Asíris, tal como diz a Velha Lenda. Contudo, desde que
encontrei Yin pela primeira vez, quando ele invadiu o Palácio Real, pude notar o quanto
especial ele é. E depois de toda essa aventura que ele e nós todos passamos, só aumentei
minha certeza sobre suas capacidades. Discordo de você meu amigo, acredito que Yin
será, por tudo que mostrou até agora, um grande reforço para nós nessa missão.
- Mas pelos Deuses Irwind! Use o bom senso! Ele só tem doze anos!
Irwind então calou-se. Estava prevendo que sua argumentação, um tanto quanto
improvisada e desconexa, não levaria a nada afinal.
- Já disse. – Concluiu Hanai. - Como você mesmo falou, ele tem a mim! E eu,
como responsável e mestre dele, não permitirei que ele se vá!
Irwind permaneceu calado até que começasse a pronunciar as próximas palavras,
em um tom bem mais sóbrio e autoritário do que antes.
- Hanai, escute. Não me obrigue a fazer algo que eu não quero fazer.
- O que? – Hanai perguntou, logo tentando adivinhar o que viria a seguir. – Ah,
não! Não acredito que você seria capaz de fazer algo assim! Me fazer ameaças?
Irwind permaneceu calado, em uma expressão bastante fechada. Hanai então
continuou a demonstrar todo o seu descontentamento:
- Escute Irwind. Eu aceitei vir nesta missão não só por acreditar que a paz em
Asíris estava ameaçada, mas também por consideração a tudo o que passamos juntos. E
esse é o mesmo motivo pelo qual estou aceitando esta nova e quase suicida missão que
você está me propondo. Caso contrário, não teria saído do orfanato em hipótese alguma,
ainda estaria com aquelas crianças, as quais abandonei por um pedido seu! Ou seja, só
aceitei correr riscos e voltar a lutar novamente, coisa que nunca mais pretendia fazer,
porque você pediu! Agora você quer abusar de sua autoridade para levar um dos meus
alunos para morte? Que espécie de atitude é esta?
Irwind calou-se novamente. Provavelmente por saber que Hanai estava
inteiramente certo e, por um momento, se arrependeu de ter querido Yin na missão.
Contudo, estava também obstinado o suficiente para não desistir, além de não ser do
tipo que pedia desculpas facilmente.

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- Escute. Faremos o seguinte então. Se você acha que Yin não está preparado
para esta missão, lhe dê um treinamento enquanto tivermos em Marahana. Treine duro
com ele durante os cinco dias restantes que teremos antes de começarmos a ofensiva
contra Shandara. Prepare ele para o pior que encontrará em toda sua vida. Se ao final
deste novo treinamento ele lhe provar que pode fazer parte da equipe, ele irá na missão.
Caso contrário, ele voltará para Mahani. O resultado do treinamento ficará inteiramente
por sua conta.
Hanai continuava olhando para o lado.
- Fechado?
O mestre de Yin não falou uma palavra.
- Então assim será feito. – E Irwind levantou-se e deu um tapa nas costas de
Hanai, se dirigindo a uma das tendas.
- Só dê a ele uma oportunidade! – Falou, antes de entrar em uma delas.
Hanai continuava imóvel. Apesar de ter aceitado o acordo, tinha certeza de que
nada no mundo iria lhe convencer de que deveria deixar a pessoa a qual ele mais amava
em perigo de vida, por mais que nos últimos tempos isso tivesse acontecido com
bastante freqüência. Lembrou, contudo, que essa pessoa havia se saído bem em todas
essas situações, de uma forma que ele nunca imaginaria que fosse acontecer.

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Capítulo 30 - Uma Noite de Trégua

A casa de cor marfim onde Yin, Sara, Jess, Aljolie e Nina ficaram hospedados já
estava cheia de soldados, apesar de ser um tanto quanto pequena e humilde. O local era
somente habitado por um casal de idosos que, logo que perceberam e necessidade de
ajuda do exército Banshee vindo do sul, abriu suas portas sem hesitar. Da mesma forma
hospitaleira, a senhora recebeu então o novo grupo, demonstrando grande felicidade e
simpatia. Logo depois, todos trataram de cuidar de suas feridas, tomarem banho e
comerem algo. Naquele momento, Yin e Sara estavam no quintal do lado de fora da
casa, o qual era cortado de ponta a ponta por alguns fios elétricos e por um varal com
algumas peças de roupas, além de cercado por quinquilharias de todo o tipo – móveis
velhos, peças de veículos, tábuas de madeira, canos, etc. Aonde ambos estavam, podia-
se ver também a cerca de arame farpado que contornava a casa e, mais além, a rua –
cuja maior parte de seu asfalto estava coberto de areia -, repleta de casas iguais aquela e
de alguns veículos militares. Yin e Sara estavam sentados lado a lado na areia que
também cobria o quintal, conversando perto de uma fogueira acesa especialmente para
os dois pelos donos da casa.
- Você acha que irá voltar para onde viemos? – Perguntou Sara naquele
momento, se referindo ao que Hanai havia dito, sobre uma parte das tropas em Wamboo
se dirigir para Marahana, no dia seguinte àquele, pela manhã.
- Não sei, queria muito. Mas acho que meu mestre não deixaria. Ele quer que eu
volte para o orfanato.
- Você irá sim, eu sei.
- Como sabe?
- Você é muito forte, todos precisam de você. Você vai sim.
- Tomara.
A menina então olhou para a fogueira, que iluminava e esquentava o rosto e as
suas mãos, eventualmente cortadas por sopros gelados de vento vindos do deserto.
Contudo, estava bem agasalhada, assim como Yin, devido a algumas roupas que o casal
de idosos lhes deram logo após chegarem na casa. Em seguida, Sara então falou:
- Seu mestre falou que iria partir amanhã de manhã certo?
- Sim.
- Bom, antes de você partir, gostaria de agradecer por tudo o que você fez por
nós. E por mim.
Então foi a vez de Yin parar e olhar para a fogueira.
- É estranho. Fiz coisas que nunca imaginava fazer. – E Yin então relembrou do
Furou o qual havia matado. - As vezes sentia como se não fosse eu. E, além disso, eu
não sei se vou...
Nesse momento, Sara interrompeu.
- Mas mesmo assim, obrigado! – Então levantou-se e deu um beijo na bochecha
do menino, o deixando envergonhado.
Alguns segundos depois, Sara olhou então para o céu limpo e resplandecente e
começou a reparar nas estrelas. O intenso brilho alvo que emanava de Giamate e Calisto
contudo, deixando suas crateras e demais acidentes geográficos ainda mais visíveis
naquela noite iluminada, ofuscou momentaneamente sua visão. Assim que se
acostumou, porém, apontou para uma das estrelas na imensidão negra e perguntou:
- Você acha que nos viemos de lá?
Yin, ainda sem graça pelo beijo, depois de um tempo respondeu:
- Lá aonde?
- Lá, das estrelas.

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- Acho que, se viemos, os primeiros a chegar deviam ser um bando de velhinhos.
- Porque?
- Não sei. As estrelas parecem tão longe. Deviam ter demorado séculos para
chegar.
Sara então caiu na gargalhada.
Yin então abriu um sorriso e olhou para sua amiga.
- Engraçado.
- O que? – Perguntou a menina, ainda se recuperando da falta de ar causada
pelos risos.
- Uma vez um menino lá no orfanato olhou para o céu e fez a mesma pergunta.
Aí eu fiz essa mesma piada.
- E?
- E daí que ninguém riu. A contrário, me deram um monte de cascudos, para eu
deixar de ser sem graça.
Sara então voltou a rir.
- Eu achei engraçado. – Respondeu, sorrindo. Yin então olhou para ela, também
sorrindo. É, decididamente há uma grande diferença entre os cascudos dos meninos lá
do orfanato e o sorriso dessa menina. – Pensava, ainda sorrindo.
Neste instante, Jess estava sentado só em uma mesa que ficava em uma sala
perto do quintal da casa, nos fundos da mesma, tomando uma xícara de chá de ceifa. De
um dos quartos próximos a sala saiu então Aljolie, carregando um leve sorriso.
- É, ainda bem que ela dormiu. – Disse, se referindo a Nina.
Sentou-se então na cadeira a frente de Jess. Em seguida, pegou o bule com o chá
e preencheu uma xícara.
- Ela ainda estava muito sentida pela morte de seu amigo. Ainda bem que pegou
no sono depressa. Vai ajudar a aliviar um pouco a dor.
Jess ouvia calado, enquanto bebia seu chá.
- Escute, quero te pedir desculpas.
O soldado então virou seus olhos para a enfermeira, no momento em que levava
a xícara para sua boca.
- Olhe, lá em Marahana, quando estávamos fugindo, fui injusta com você. Por
isso, quero te pedir desculpas.
- Não precisa. Esquece. – Disse Jess, dando um rápido sorriso e, em seguida,
fechando a cara novamente.
- Não, sério. Me desculpe. Não sabia o que havia acontecido com Shandara.
Obrigado por nos ter salvo de lá. Se não fosse por você, estaria morta agora.
- Tudo bem. Não foi nada. Fiz isso por mim também.
Aljolie então olhou pela janela. Viu Yin e Sara gargalhando no quintal da casa,
ao passo que a fogueira a frente deles já estava mais baixa àquela altura.
- Escute. – Continuou. – Você não se importa de ir nesta missão? A que Hanai te
chamou? Voltar a Marahana para lutar?
- Não me importo. Tenho que cumprir as ordens, não tem jeito.
- Mas você já se esforçou bastante. Já esteve na batalha de Shandara. Isso deve
tê-lo desgastado muito.
- Sim. Mas nada que uma noite bem dormida não cure. – E Jess abriu um sorriso.
- E sua família? Bom, você deve ter uma família não é?
- Estão em Merizten.. Minha ex-esposa e meu filho.
- Ah, então você tem filhos.
- Ah sim. Meu filho é uma criança linda. Tem três anos e puxou a mãe. Ainda
bem! – Revelou, dessa vez deixando escapar uma leve gargalhada.

161
Foi a vez então de Aljolie sorrir.
- Você não tem medo de nunca mais vê-los? Ver novamente quem você ama?
- Tenho, muito. Muito mesmo. Tenho mais medo disso do que de morrer. Mas,
como falei, tenho que cumprir as ordens. Além do que, desde que entrei para o Exército
Real sabia que seria assim, o tempo todo essa tensão contra os Furous. Talvez tenha
dado um pouco de azar de ter pego este momento tão difícil. Mas é só isso. Tenho que
cumprir ordens. Você deve saber como é.
Aljolie realmente sabia como era. A enfermeira, ainda sorrindo, continuava
observando Jess, sua pele morena clara e seus olhos verdes.
- E você? – Perguntou o soldado.
- Eu? – A pergunta pareceu despertar Aljolie de algum tipo de inércia.
- É. Têm filhos, namorado, algo do tipo?
Aljolie então riu de leve.
- Não, não. Moro com meus pais em Mahani, sou de lá também. Estudei
enfermagem em uma escola de lá mesmo.
Jess então se mostrou surpreso.
- E como foi parar em Shandara?
- Assim que terminei meus estudos, fui para Dherates. Isso foi assim que entrei
para o exército. Fiquei lá por dois anos. Em seguida, fui chamada para ir para Shandara,
pois estavam precisando de gente por lá. Afinal, era uma cidade que, como sempre,
estava passando por dificuldades, tanto por causa de sua pobreza quanto pelos ataques
dos Furous. Havia muito o que fazer. Contudo - Aljolie então suspirou e apoiou sua
cabeça com uma das mãos. - Parece que agora não há mais nada a fazer lá.
- Bem, pelo menos você pode agora ver seus pais.
- É verdade. – Respondeu com um tom de desânimo. - Isso se eu não tiver a
mesma sorte de você! – Brincou.
Jess riu e, em seguida, tomou seu último gole de chá de ceifa. Foi a vez então de
Aljolie tomar um gole e observar por mais um tempo o soldado.
Há muitos quilômetros dali, todos no orfanato de Mao-Ter, apesar da hora, ainda
comemoravam a notícia da vitória das tropas Banshees em Marahana dada pelo Rei
Serph, assim como todo o povo de Mahani. A enfermeira Theria, contudo, após saber de
outra noticia, a da eminente batalha de reconquista de Shandara, se dirigiu para a
enfermaria. Lwan, que estava no meio dos meninos, notando a atitude estranha da
enfermeira, resolveu afastar-se e ir atrás dela. Quando chegou, pôde ver Theria sentada
em uma das macas, choramingando baixo. O menino então aproximou-se:
- Enfermeira. O que houve?
Theria então virou-se assustada:
- Nada Lwan. – Respondeu soluçando, ao mesmo tempo em disfarçava limpando
as lágrimas de seu rosto e endireitava a voz.
- Como nada? – Insistiu o menino.
- Nada, já disse. – Respondeu a enfermeira, levantando sua cabeça em direção ao
céu, o qual se podia ver através de uma das muitas janelas da enfermaria. – Você é
muito novo para entender certas coisas. – Theria então virou seu olhar para Lwan. –
Agora vá! Por favor. Me deixe só. Vá ficar com seus amigos. Eles devem estar sentindo
falta de você.
Theria então voltou seu olhar novamente para o céu, que pareceu-lhe mais
escuro do que nunca. Lwan não se moveu. Ficou parado, a observando choramingar.

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Capítulo 31 - A Convicção de Nina

Era muito cedo, mas o sol já brilhava forte em Wamboo. Apesar da hora, todos
aqueles que haviam passado a noite na casa dos idosos já tinham se dirigido mais para o
norte da cidade, retornando para o centro de operações provisório que se instalara na
cidade pelo comandante Nissu. Estavam, mais especificamente, agora bem no meio dos
sessenta mil soldados que se preparavam para partir em direção a Marahana. Neste
momento, chegaram aonde o grupo aguardava Irwind, Nissu e Hanai, esse último ainda
com a expressão um pouco fechada.
- Que bom que chegaram cedo! Descansaram bastante? – Perguntou o general.
- Sim senhor. – Respondeu Jess. – Ainda gostaria de agradecer o comandante
Nissu por nos arranjar aquela casa tão cômoda.
Nissu então abriu um sorriso e acenou positivamente com a cabeça.
- Que bom que estão todos dispostos. Jess por favor, venha comigo. Você
também Yin.
O menino pareceu não entender direito o chamado. Olhou para os lados e, em
seguida, para Aljolie e para Sara com a expressão um tanto confusa, como se não fosse
com ele. Em seguida, olhou para Hanai, que ainda permanecia com a expressão séria e
observava o horizonte amarelado.
Logo depois, Yin então afastou-se um pouco dali, junto com seu mestre, Jess e
Irwind. Alguns minutos depois, caminhando por entre as fileiras de tanques de guerra e
naves de combate um pouco mais afastadas do conjunto de tendas brancas, chegaram
enfim perto de outros dois homens. Irwind não demorou a começar a contar a todos
sobre a missão secreta que planejara em direção ao norte.
- Que bom que gostaram de suas estadias. O dia de ontem foi realmente muito
difícil para todos nós. – Falou o comandante Nissu a Sara, Aljolie e Nina.
- Sim senhor, tivemos uma excelente noite. – Respondeu a enfermeira.
Nesta exato momento, Nina pediu licença e afastou-se um pouco. O grupo não
entendeu direito, mas mesmo assim Nissu continuou.
- Escute. Você é enfermeira do Exército Real certo? – Perguntou a Aljolie.
- Sim senhor. Sou.
- Qual o seu nome?
- Aljolie.
- Ótimo. Escute, você já deve saber de nossos planos para a reconquista de
Shandara.
- Sim. O senhor Hanai nos falou ontem a noite.
- Exatamente. Este grupo que você está vendo será o primeiro a partir, em
direção a Marahana. De lá, sairá uma das frentes para o combate.
Aljolie escutava pacientemente.
- A outra frente partirá daqui mesmo, de Wamboo, dentro de cinco dias,
simultaneamente com a qual eu acabei de mencionar.
- Compreendo. Estarei disposta no que puder ajudar.
- Isso é muito bom. E é exatamente sobre isso que gostaria de lhe falar. Com a
partida desses homens de hoje, perdemos parte não só de nosso contingente de fogo,
mas parte de nossa equipe médica também. Marahana neste momento precisa de todo o
suporte que pudermos dar, para estar preparada para a nova etapa desse grande
confronto que se aproxima. Você deve compreender.
- Sim compreendo. Quer que eu auxilie na parte médica na frente de Wamboo
então?
- Exatamente. Precisaremos de toda ajuda por aqui também. Algum problema?

163
- Não senhor. Decididamente tive mesma sorte de Jess. – Pensou, naquele
momento.
Também neste instante, um pouco longe dali, Nina encontrou finalmente o grupo
formado por Irwind e os outros. Sabia que havia algo estranho naquela situação, aquela
misteriosa e apressada convocação de Irwind a Jess e Yin e o jeito sério com o qual o
fez. Por isso, resolveu seguí-los, ainda que só por mera curiosidade. Notando que bem
próximo do grupo havia alguns galões de óleo, abaixou-se e escondeu-se por detrás de
uma fileira deles, podendo assim, ouvir quase toda a conversa.
- ...e somente Nissu, além de nós, sabe desta missão. Hanai será o líder e lhes
explicará tudo sobre ela com mais detalhes dentro de alguns dias. Por agora, creio tudo
o que lhes falei é suficiente. – Terminava Irwind, minutos depois, de explicar bem por
alto a perigosa jornada que aquele novo grupo reunido havia sido designado a fazer.
Aquela altura, Yin já estava com um grande sorriso aberto e seus olhos brilhavam de
tanta alegria. As dores que a última noite não conseguiram curar pareciam bem distantes
da percepção do menino. Jess, por sua vez, também estava feliz por ser escolhido para
fazer parte de algo tão importante, segundo as recentes palavras de seu general.
O primeiro dos dois outros homens presentes era o capitão Trent, um homem de
baixa estatura, olhos verdes e bem finos, aparência magra e cabelos loiros, escovados
inteiramente para trás. Seu estilo um tanto franzino e esguio, por sua vez, escondia o
fato de ser um dos membros mais condecorados das Forças Especiais do Exército Real.
O outro era o capitão Sahad, também das Forças Especiais, esse bastante moreno e bem
mais forte e alto do que o outro. A camiseta branca e apertada que vestia naquele
momento permitia a todos verem também, com nitidez, a tatuagem em seu braço direito.
Ambos, porém, possuíam quase a mesma idade, por volta dos seus trinta anos.
- Alguma pergun...?
Neste momento, Nina saiu de repente de trás dos galões:
- General! – Gritou.
Irwind virou-se e assustou-se quando viu a soldado já correndo em sua direção.
- General, por favor! Peço para que faça parte desta missão!
Irwind reagiu como se houvesse levado o segundo susto em menos de um
segundo.
- Como? – Perguntou, ainda confuso.
- É isso senhor! Peço para que possa fazer parte de tal missão secreta!
- Você estava ouvindo toda a nossa conversa?
Nina então parou para respirar um pouco, olhou para todos e respondeu:
- Não foi intencional senhor. Só estava passando e pude ouvir sobre o que se
tratava.
- Você ouviu tudo?
Nina calou-se consentindo.
- Não acredito! – Exclamou Irwind virando-se para o lado. Ficou um tempo
então olhando para o chão, furioso. - Não acredito! – Repetiu.
Mais alguns segundos passaram-se até que falasse mais alguma coisa e, neste
momento, todos já o olhavam. Irwind então virou-se novamente para Nina e apontou-
lhe o dedo.
- Escute soldado. O que você fez foi muito errado. Eu poderia lhe punir
severamente por isso.
- Mas senhor... – Nina então ficou apreensiva.
- Nada de mais. – E parou um pouco. – Escute. Está certa do que está me
pedindo?

164
- Sim senhor, estou. – E os olhos de Nina voltaram a brilhar – Eu desejo uma
oportunidade.
- Oportunidade?
- Sim. Uma oportunidade para me vingar. Me vingar da morte de meu amigo em
Marahana. Ele não merecia isso. Por isso, eu quero dar o troco nesses malditos a
qualquer custo!
Neste momento, Sahad virou-se para o lado e falou baixo, bem perto do ouvido
de Trent:
- Agora essa. Primeiro uma criança, agora uma mulher para participar desta
missão. Que início promissor...
- Por favor senhor, eu suplico. – Continuou a soldado.
Foi então a vez de Trent falar cuidadosamente no ouvido do capitão:
- É mas ela quer se vingar. Você sabe o que uma mulher é capaz de fazer para se
vingar.
Os dois então sorriram ironicamente.
Irwind finalmente então resolveu tomar uma posição.
- Escute. Você não pode fazer parte desta missão somente por vingança. Como
você deve ter ouvido, há muito mais em jogo como, por exemplo, o destino de toda
Asíris!
- Eu sei senhor. Também espero nesta oportunidade defender esta terra, a qual
tanto amo. Em Marahana, tive muito pesar não só pela morte de meu companheiro de
luta, mas também por não poder impedir a destruição daquela base, na qual já servia há
muito tempo.
Irwind então parou e pensou. Por algum motivo encontrou uma rara sinceridade
em suas palavras. E sempre confiou muito na sua intuição com relação a isso.
Principalmente no que dizia a respeito de se julgar as pessoas e suas intenções.
Perguntou então por fim:
- E quais são suas qualificações soldado?
- Já servi em Shandara, participando diretamente de inúmeros confrontos com os
Furous naquela região, já servi em Marahana também e em Dherates. Um tempo depois
fiz parte da escola das Forças Especiais do Exército Real em Meritzen e terminei meu
treinamento. Em seguida, fui enviada para a Base Aérea de Marahana, onde já servia há
dois anos.
Neste momento, Trent e Sahad não acreditavam no que estavam ouvindo.
Aquela mulher também fazia parte das Forças Especiais, a verdadeira elite do exército
Banshee! E havia concluído seu treinamento um ano antes deles.
Irwind também ouvia sem entender:
- Como alguém com toda essa experiência nunca foi promovido a capitão? –
Perguntou incrédulo.
Nina então hesitou um pouco a responder. Quando resolveu falar, Sahad
resolveu interromper.
- Mas senhor?
- Sim? – Respondeu Irwind olhando de rabo de olho para o capitão e com um
tom de voz autoritário, como não tivesse gostado de ser interrompido.
- Nada senhor. – Sahad então, havendo notado imediatamente a expressão de
inconformismo de seu general, resolveu não demonstrar sua indignação pela
possibilidade de haver uma mulher nesta missão.
- Irwind, confie nela, dê a ela uma oportunidade. – Falou finalmente Hanai,
rompendo seu silêncio de muito tempo. Em seguida, abriu um leve e irônico sorriso
pelas situações entre ele e seu amigo parecerem estar invertidas agora.

165
Irwind então fixou seu olhar na mulher.
- Escute, notei que tudo o que você me disse é verdadeiro. Por isso, vou confiar
em você, inclusive sobre sua experiência militar.
Nina começava a abrir um grande sorriso.
- Sendo assim, você irá nesta missão.
Nina então, sentindo-se muito feliz, quase emocionada, resolveu agradecer ao
general.
- Muito obrigado senhor!
- Só não me desaponte! Quero que seja do jeito que você falou, muitos Furous
mortos certo?
- Sim senhor! Não desapontarei. Acabarei com centenas deles, milhares!
Irwind então abriu um sorriso. Em seguida, fechou sua expressão novamente.
Neste momento, os ouvidos de todos foram atacados por um imenso barulho que
vinha dos propulsores de uma nave cargueira que decolava bem perto deles.
- Agora vamos! Parece que já está quase tudo pronto para nossa partida!
Logo após falar, virou-se para Hanai, que ainda continuava sorrindo
ironicamente, com Yin ao seu lado. Contudo, Irwind tinha um motivo maior para ter
colocado Nina nesta missão, além da súplicas da soldado e do pedido de seu amigo.
Afinal, Nina havia escutado toda a conversa anterior entre ele e o grupo que
originalmente partiria em direção ao território Furou e sabia de todos os detalhes
daquela missão, que supostamente era para ser altamente secreta. O general, por sua
vez, estava sem disposição e principalmente tempo para dar uma punição a soldado e
fazer abafar novamente a coisa toda.
Em seguida, o grupo todo então voltou ao local aonde Sara, Aljolie e Nissu
estavam, com Nina na frente, para começar as despedidas.
- Comandante. Já estamos prontos.- Falou Irwind.
- Ótimo. Estava acertando aqui os últimos detalhes sobre a estadia da enfermeira
Aljolie por mais alguns dias conosco.
Assim que ouviu as últimas palavras de Nissu, Jess fechou um pouco o rosto.
Aljolie então olhou para ele e sorriu, dando de ombros, como querendo tranqüilizá-lo.
- Compreendo. – Continuou Irwind. - Sem dúvida, será de muita serventia aqui
em Wamboo comandante, tenho certeza. – São ordens! Tenho que cumpri-las! – Aljolie
apenas mexeu seus finos lábios para que Jess a entendesse. Assim que pegou a
mensagem, o soldado virou o seu rosto, como se não tivesse concordado.
- E Sara? – Perguntou Hanai finalmente, olhando para a menina.
- Também conversamos sobre isso. – Continuou Nissu. – A enfermeira Aljolie
me pediu para que essa menina voltasse para Mahani e ficasse longe de toda essa
guerra, se possível, hospedada no Palácio Real.
- No palácio? – Respondeu Irwind.
- Sim. Disse que só teria que conversar com o senhor a respeito, pois o senhor
conhece toda família real e é muito próximo ao rei.
- Compreendo.
Era outra decisão difícil a ser tomada pelo general. Contudo, por saber o quanto
aquela menina era especial, principalmente por guardar as últimas memórias da raça que
um dia dominou toda Asíris, Irwind achou que Sara merecia sim um tratamento
especial. Também lembrou de todas as mazelas pela qual ela havia passado desde que
fora achada em seu sono profundo e concluiu que aquela pequena e franzina menina de
olhos verdes e cabelos negros precisava do máximo de conforto e atenção para se sentir
segura depois de tudo.

166
- Bom, para mim não há problemas. – Respondeu finalmente – Só pedirei para
você comandante, que fale diretamente com Asteron, meu substituto em Mahani, sobre
minha decisão. Peça para que alguém a receba em Dherates e, de lá, a leve para o
Palácio Real e a reserve um dos seus melhores aposentos.
- Sim senhor, direi.
- Enfermeira Aljolie, boa sorte. – Concluiu finalmente.
- Igualmente general.
Perto deles, havia uma outra nave cargueira, essa com seu compartimento
traseiro aberto, esperando receber o grupo. Grande parte do contingente do Exército
Real em Wamboo, por sua vez, conforme planejado, já havia partido rumo ao norte de
Kayabashi. Assim, sem demora, Irwind, Hanai, Yin, Jess, Nina, Sahad e Trent entraram
então na nave de cor de areia rumo a cidade de Maharana. Aljolie então acenou para
Jess, que logo respondeu, obrigando-a realizar outra leitura labial. Cuide-se! – Falou o
soldado. Você também! – Respondeu a enfermeira. Foi a vez então de Sara despedir-se
de Yin, que retribuiu dando-lhe adeus com as mãos e sorrindo. Embora Sara
desconhecesse o real motivo da misteriosa alegria que havia tomado conta de Yin
naquele momento, acreditando que a mesma se devesse ao fato de Yin ter sido
escolhido para lutar em Marahana, sorria de volta para ele por ver-lhe bem, acima de
qualquer coisa. Jess então deu o último adeus a Aljolie e virou-se. A porta da nave
começou então a se fechar.
- Os homens as vezes são assim. Vão embora da sua vida do mesmo jeito que
entram, ou seja, sem olhar para trás.
- Como? – Respondeu a menina sem entender.
- Nada querida, nada.
As duas passaram um tempo lado a lado, ainda olhando para a nave, que
começava a ganhar altura.
- Eu só não concordei... – Continuou ela – ...com o fato de Yin seguir em frente
nesta batalha. Ele é apenas uma criança! Isso é um absurdo! Não compreendo.
Sara então sorriu feliz, ainda olhando para a nave de um jeito sereno e tranqüilo,
como se soubesse de algo mais. Yin é mais do que isso, pensou. Ele ainda ajudará
muito todos nós. Eu confio nele. E ele ficará bem, eu sei. – Pensou.

167
Capítulo 32 - O Treinamento em Marahana

A nave que transportava o grupo selecionado por Irwind para fazer parte da
missão mais importante de toda a história do exército Banshee avançava pelo Deserto
de Kayabashi rumo a cidade de Marahana, junto a outras dezenas que voavam bem ao
lado dela. Lá embaixo, milhares de tanques e veículos militares acompanhavam as
aeronaves, como numa grandiosa marcha salvadora. Assim que o imenso contingente
aproximou-se das redondezas da cidade, exatamente uma hora depois, Irwind já pôde
ver do alto as inúmeras marcas deixadas pela recente e terrível batalha contra os Furous.
Um grande número de carcaças de tanques e aeronaves Banshees e Furous abatidas
repousavam em um grande cemitério árido e desolado. Mais a frente, aproximando do
perímetro urbano da cidade, havia centenas de prédios, casas e rodovias também em
ruínas pelos ataques inimigos. A última resistência Banshee havia se concentrado no
centro da cidade e, por isso, as construções ao seu redor estavam mais conservadas. E
foi exatamente lá, mais precisamente em uma das vias mais largas e extensas daquela
grande e cinza metrópole, onde o cargueiro onde estavam todos pousou, ao mesmo
tempo em que a grande cavalaria blindada começava a penetrar e se espalhar pelas
demais ruas da cidade. Contudo, assim que o grupo encaminhou-se para fora da nave
teve uma visão um tanto quanto incômoda. Havia espalhados por todos os lados alguns
soldados Banshees mortos e outros muito feridos, bem como um ou dois Furous sendo
executados naquele mesmo instante, ao chão.
- Morram desgraçados! Morram! – Desabafava um dos soldados - cuja farda
outrora branca estava completamente encardida, bem como a de todos os seus outros
companheiros por perto - enquanto atirava com seu rifle na cabeça de um dos monstros,
agonizando.
Yin assistiu a cena estupefato. Irwind também a viu, mas preferiu não comentar
nada. Andou mais um pouco, mas estranhamente ninguém parecia fazer muita questão
de recebê-lo. Depois de um tempo, apareceu então por entre a nuvem de poeira que
ainda pairava sobre aquela avenida destruída - fazendo-a parecer um purgatório cinza e
sombrio - finalmente um homem vestindo pardo.
- General. Chegou rápido. Que bom!
- Qual o responsável no comando agora?
- Sou eu mesmo senhor! Capitão Markeen.
- Capitão, qual a situação atual de Marahana?
- Tivemos muitas vidas perdidas senhor. Mas acabamos com aqueles malditos!
- Entendo. Bom, antes de tudo gostaria de parabenizá-lo e a todos os seus
homens pelo que fizeram. Lutaram como verdadeiros guerreiros Banshees e chegaram a
vitória bravamente.
- Obrigado senhor!
- Mas me diga. Qual nossa real situação?
- Senhor, dos quarenta mil homens que possuíamos inicialmente, restaram
apenas dois mil. Desse número, metade se encontra gravemente ferida e incapaz de lutar
no momento. – O capitão Markeen então riu. – E temos, atendendo estes homens,
apenas quinze médicos. É muito pouco.
- Compreendo. E o que de fato ocorreu aqui? – Disse Irwind, olhando em volta
novamente para aquele cenário de destruição e compreendendo finalmente que a recente
batalha na cidade havia sido de fato muito dura, tão difícil quanto o combate
presenciado por ele próprio na Base Aérea de Marahana.
- Bom senhor, assim que tomamos conhecimento de nossa conquista, vendo as
últimas tropas Furous batendo em retirada, voltamos a nos reagrupar e nos organizar.

168
Parte de nós decidiu então retornar finalmente a base de Marahana, a qual tivemos que
abandonar totalmente logo após os primeiros ataques inimigos. Contudo, assim que
íamos entrar em contato com o comandante Gryn na base aérea, vimos incrédulos a
mesma despencar dos céus, junto com a outra de origem Furou vinda do norte.
Tentamos, por isso, nos comunicar com Shandara e Dherates, mas também não
obtivemos sucesso, já que todos os aparelhos de transmissão de nossa base estavam
bastante danificados e sem funcionamento. Estávamos, portanto, completamente
ilhados.
Irwind ouvia tudo pacientemente. O capitão Markeen continuou:
- Então retornamos para cá, para o centro da cidade, onde a maior parte dos
soldados estavam, e passamos a aguardar o apoio vindo do sul. Muito obrigado por vir
nos ajudar senhor.
- Entendido capitão. Bom, explicarei tudo para você o que aconteceu nesta
batalha. Mas primeiro escute. O comandante Gryn não poderá mais nos ajudar. Ele foi
morto em batalha.
- Morto? Pelos Deuses!
- Exatamente. Agora vamos para um lugar mais arejado. – A poeira começava a
atrapalhar a visão de Irwind. – Como lhe disse, explicarei com detalhes tudo o que
aconteceu e tudo o que acontecerá de agora em diante.
Naquele momento, Jess, Nina, Trent e Sahad se juntaram a Irwind e Markeen.
Hanai, por sua vez, se afastou um pouco, levando Yin em sua companhia. Começaram
então a andar por entre os soldados heróis de Marahana, que os observavam meio que
sem entender o porquê de suas presenças ali, naquele momento, principalmente Yin, por
se tratar de uma criança. Contudo, estavam tão exaustos e debilitados que não
sustentavam muito seus olhares aos dois. E no meio de toda aquela poeira, que mais
parecia uma sinistra neblina, Yin e Hanai então adentraram por uma outra longa avenida
que, assim como a anterior, estava coberta por todos os lados de sangue, blocos de
concreto, vidros estilhaçados, cápsulas de balas, metais e vergalhões retorcidos, além de
dezenas de carcaças de veículos flutuadores de passeio e militares – tanto Banshees
quanto Furous - destruídos. Passaram então por mais alguns corpos de monstros
mutilados e Banshees feridos, a maioria sendo atendida precariamente ali mesmo no
asfalto da via e nas calçadas, e ouviam, misturados ao barulho de alguns veículos
militares cruzando a avenida, muitos gemidos de dor. Os soldados que conseguiam se
manter de pé, por sua vez, estavam com seus olhos vermelhos e o rosto coberto de
fuligem, além de uma aparência que beirava a insanidade. Sem parar de andar junto de
Yin, Hanai então falou suas primeiras palavras ao menino.
- Yin, está vendo tudo isto? Todo esse horror? Aonde nós iremos você
encontrará coisas muito piores.
Yin ouviu calado, ainda observando atentamente a cena ao seu redor, como
querendo acostumar-se de vez com aquilo, principalmente com aqueles homens, os
quais mais pareciam almas penadas vagando sem destino naquele lugar fantasmagórico.
Depois de alguns passos, resolveu falar também:
- Mestre, queria agradecer ao senhor por me dar a oportunidade de vir com o
senhor. Agradeço muito por confiar em mim.
Hanai então olhou para o longe, suspirou e respondeu:
- Yin, escute. Vou ser sincero com você. O único motivo por você ter vindo
conosco foi por um pedido do senhor Irwind.
Yin pareceu não ter entendido direito.
- Do...do senhor Irwind?

169
- Sim, é a ele que você tem que agradecer. Ele que fez questão que você viesse,
não eu. Por mim, você teria voltado para Mahani, junto com sua amiga humana. Mas ele
insistiu e não houve nada que eu pudesse fazer.
Aquilo havia pego Yin desprevenido. Ficou um tempo olhando para o chão,
como quisesse compreender.
- Contudo, nós fizemos um acordo.
Yin então virou seu olhar para Hanai.
- Como eu relutei muito para que você viesse, nós fizemos um trato. – Nisso, os
dois já haviam se afastado muito de onde estavam Irwind e os outros. – Você treinará
comigo durante os cinco dias restantes antes de partirmos para o norte. E sua ida
dependerá somente de seu rendimento neste treinamento entendeu?
- Mestre, então quer dizer...
- Quer dizer que ainda não é garantido que você vá conosco. Precisa se sair bem
neste teste. Gostaria que tivéssemos mais tempo. Contudo, devido ao estado de
emergência o qual nos encontramos, não há nada além disso que possa ser feito.
Yin então voltou seu olhar ao chão. A felicidade que sentia com a certeza de que
iria com o resto do grupo nesta missão secreta, havia dado espaço a uma enorme
apreensão.
- Mas mestre, eu achei que eu iria com certeza.
- Escute Yin. Isto já foi decidido. Você ainda precisa me mostrar e mostrar para
todos que você é capaz de seguir conosco. Caso contrário, você será mandando de volta
para Mahani, como lhe falei.
Yin então olhou para baixo, como se não tivesse acreditando. Ainda tenho que
provar mais do que já provei até agora? – Pensava. Estava decididamente chateado
com aquela notícia. Contudo, soltou o ar e decidiu seguir as regras do jogo. Após alguns
segundos, finalmente falou:
- E quando começa o treinamento?
- Agora. – Respondeu Hanai.
Os dois então aproximaram-se de um grande edifício comercial no centro de
Marahana, parcialmente em ruínas. Contudo, as escadas que davam até o terraço
estavam preservadas, bem como seus alicerces. Os dois entraram então pelo prédio e
começaram a subir a escadaria, passando pelos muitos níveis daquela grande
construção. Muitos e muitos degraus depois, chegaram enfim ao seu topo. Em seguida,
Hanai então mandou que Yin se dirigisse para bem perto da sua sacada, sendo
prontamente obedecido. Então aproximou-se do menino lentamente por trás. Daquela
altura, os dois puderam notar que já haviam fugido um pouco da atmosfera sufocante de
antes, já que a nuvem de poeira que cobria toda a cidade se encontrava agora há muitos
metros abaixo. E, mais precisamente onde eles estavam, os raios de sol batiam com toda
força, fazendo seus olhos ficarem um tanto quanto miúdos.
- Escute Yin. Como o senhor Irwind nos disse lá em Wamboo, esta missão é,
acima de tudo, para nós defendermos a todo custo o que mais devemos amar neste
mundo, ou seja, tudo isso que você está vendo aqui de cima, nossa própria Asíris.
Yin ouvia calado olhando para o horizonte.
- Por mais que o que viermos a defender seja somente ruínas e entulhos como
você está vendo, mesmo assim, devemos lutar com todas as nossas forças até que a
última esperança seja derrotada. Isso faz parte do juramento assim que alguém ingressa
como soldado no Exército Real. Se realmente deseja fazer parte dele um dia, é melhor
lembrar desde essas palavras desde agora.
Yin não movia um dedo e sequer piscava.

170
- Você tem que lembrar que lutamos somente pela paz de Asíris, por isso nossa
rosa costurada em nossas fardas e presente em todo e qualquer canto. Também devemos
lutar pela Aura e com a Aura ao nosso lado.
Yin lembrava dessas últimas palavras, as quais Hanai fazia questão de repetir
muitas vezes para seus alunos, em Mao-Ter.
- Eu sei que você passou por muitas situações perigosas dede que partirmos de
Mahani e se safou muito bem delas, utilizando muito bem o seu poder. Contudo, para
onde vamos, como falei, é um lugar diferente de tudo o que você e eu já vimos até hoje.
Um lugar onde você pode ter encontrado somente em seus piores pesadelos.
Neste momento, Hanai começou a andar por detrás de Yin de um lado para o
outro. O menino, por sua vez, não parecia sentir-se intimidado com as palavras de seu
mestre. Havia fechado agora os seus punhos e continuava olhando para o horizonte.
Aquela altura, já percebia que o treinamento já havia começado. Hanai então continuou:
- Lá encontraremos criaturas abomináveis, perigos infinitos e, principalmente –
Hanai continuava a andar de um lado para o outro atrás de Yin. – uma atmosfera podre,
composta da mais pura Aura malígna, que fará de tudo para acabar conosco. E se, uma
vez nesse território macabro, cometermos algum deslize e formos de surpresa por um
algum Furou, você sabe o que farão conosco? Dar um fim em nós será a última coisa.
Nos torturará de uma maneira sem igual, nos farão espirrar sangue e suplicar para que
parem. Aí eles só irão piorar as coisas. Nos deixarão ainda pior, principalmente quando
souberem que matamos muitos semelhantes seus. Exatamente como você fez Yin! E
sabe quem virá nos ajudar quando isso acontecer? Ninguém! – Gritou, por fim.
O menino então deu um pequeno salto de susto. Em seguida, fechou sua
expressão, como se tivesse sentido as últimas palavras de Hanai bem fundo em seu
coração.
- E diante dessa situação... – continuou seu mestre. - ...só nos resta uma coisa.
Algo difícil de ser compreendido e alcançado por muitos. Perder o medo da morte.
Esta última palavra Hanai fez questão de pronunciar bem perto do ouvido de
Yin, que amarrou ainda mais sua cara e prensou os lábios, parecendo que iria chorar.
Nunca havia visto seu mestre falar de uma forma tão ameaçadora.
- Mas eu sei Yin, que isso é muito difícil de ser alcançado, talvez impossível.
Por isso, quero somente uma coisa sua nestes cinco dias.
Yin então tratou de respirar melhor e segurar seu choro. Se acalmou para ouvir
as próximas ordens de seu mestre.
- Primeiro quero que me responda algo. Olhando lá para baixo, você sente algum
medo?
- Não.. – Murmurou o menino.
- Não ouvi. Fale mais alto!
- Não! – Gritou Yin.
- Ótimo. Pelo menos parece que você não sente medo de grandes alturas. Agora
eu quero que faça o seguinte. Jogue-se até lá embaixo, controle seu vôo e pouse
suavemente no asfalto sim?
Yin então olhou para Hanai e, em seguida, olhou lá para baixo.
- Como é? Estou esperando.
Yin então virou-se novamente para Hanai e, em seguida para o abismo. Então
saltou. Logo após o salto, contudo, Hanai deu alguns passos atrás, estendeu sua mão
direita e, com sua Aura, fez vários blocos pesados de concreto soltarem-se da borda do
edifício e caírem velozmente em direção a Yin. O menino, sem olhar para trás, chegou
até o solo e então pousou lentamente, conforme o pedido de seu mestre. Contudo, ao
olhar para trás, viu uma chuva de pedras despencando bem acima dele. Naquele

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momento, portanto, sentiu uma sensação terrível e não pôde fazer nada a não ser tentar-
se proteger com seus braços e fechar seus olhos, em um reflexo involuntário.
Contudo, os enormes blocos de concreto subitamente pararam sua queda antes
de acertar sua cabeça em cheio, pairando por alguns centímetros sobre ela. Em seguida,
um orifício circular formou-se por entre os pedaços flutuantes, com uma dimensão exata
do corpo de Yin. Em seguida, os pedaços enfim caíram e se chocaram ao chão,
causando um enorme estrondo, mas sem acertar o garoto. Logo em seguida, quando Yin
finalmente abriu seus olhos, viu que Hanai já estava há alguns metros a frente dele,
abaixando sua mão.
Porém, não notou que ainda havia um último e pequeno bloco de concreto
pairando no ar, exatamente sobre sua cabeça. E, assim que Hanai fechou sua mão, o
último bloco caiu enfim na cabeça do menino, fazendo ficar zonzo e ir ao chão. Logo
depois, Hanai começou a caminhar em sua direção.
- Yin, me diga, você sabe por que você foi derrotado naquela luta contra Inhi?
O menino ainda estava com uma expressão de dor e fazia agora grande força
para se levantar, ao mesmo tempo em que Hanai aproximou-se e apoiou uma de suas
pernas em um dos blocos de concreto que haviam caído de cima do edifício.
- Por dois motivos: Primeiro porque era mais fraco e segundo porque subestimou
a força de seu inimigo.
- Eu...não... – Yin começou a falar novamente, já conseguindo apoiar seus
cotovelos no chão.
- Sim, você o subestimou. Estava muito contente e confiante com o treinamento
que eu havia lhe dado, porque havia aprendido a voar e se tornado mais forte e ágil.
Sendo assim, você não previu o que estava por vir, não analisou a situação por todos os
lados, tal como aconteceu exatamente agora! Você precisa estar sempre atento a tudo, a
tudo o que tiver a sua volta, a tudo o que for imprevisível! Quantas vezes eu preciso
repetir?
Neste momento, Yin finalmente se colocou de pé e coçou sua cabeça. Porém,
logo foi jogado ao chão novamente por uma Kentake de Hanai, que continuou.
- Minha segunda ordem para você neste teste, portanto, é que esteja preparado
para tudo. Este novo treinamento não terá comparação com o que eu lhe dei para a luta
contra Inhi entendeu?
Yin agora olhava quieto para Hanai, como se estivesse consentindo.
- Ok, agora se levante daí. E me ataque.
Neste momento, Yin achou que tivesse sonhando. Nunca o seu mestre havia lhe
pedido para que lhe atacasse. Aliás, lembrava que nunca havia pedido isso a nenhum de
seus alunos. Não sabia, portanto, se Hanai naquele instante estava lhe depositando um
grande voto de confiança ou se havia simplesmente perdido o juízo. Não fez questão de
escolher. Levantou-se, limpou sua roupa e entrou em posição de combate. Hanai,
porém, não se moveu.
- Como é? Quero saber como você está em um combate corpo a corpo!
Yin então jogou seu pé direito ligeiramente para trás e partiu em direção a Hanai
a toda velocidade. Tentou-lhe acertar uma série de socos, facilmente desviados pelo seu
mestre. Hanai então, ao mesmo tempo em que se esquivava, moveu um pouco a palma
de sua mão direita para frente, sem que Yin notasse e fez um outro pequeno bloco de
pedra vir por trás do menino, que também não percebeu, por estar concentrado em
acertar um único golpe em Hanai. A pedra então parou novamente sobre sua cabeça e,
logo em seguida, o acertou em cheio, fazendo-o ir pela terceira vez ao chão.

172
- Você não ouviu nada do que eu disse certo? Cometeu o mesmo erro de antes!
Cometeu o mesmo erro contra Inhi! Não prestou atenção ao seu redor e foi atingido
novamente! E ainda achou que podia me ganhar!
- Mas o senhor pediu! – Exclamou Yin, já irritado.
- Pedi que estivesse preparado para tudo! Você pode ganhar seu adversário de
várias formas, mesmo sendo mais fraco que ele. Sendo assim, já vou lhe avisando, não
tenha medo de fugir quando necessário. Quando estivermos em território inimigo,
estaremos próximos de milhares, talvez milhões de Furous! O que faremos? Serão seis
lutando diretamente contra todos eles? Não. Teremos que procurar meios de nos
esconder até chegarmos ao nosso destino final, nas montanhas de Tyron. Entende
agora?
Yin estava agora bastante incomodado com as palavras e atitudes de Hanai.
- Contudo, haverá uma hora que não há mais como fugir. Tenho certeza. Por
isso, também precisamos enfrentar a hora da verdade com todas as forças que
possuímos. E nesta hora temos que estar preparados como nunca, dispostos a entregar
tudo o que temos. Nesta hora, só os mais fortes terão espaço. Não os fracos, como você
está me parecendo agora.
Essas últimas palavras haviam então irritado mais ainda Yin.
- Eu...- O menino ainda falava com dificuldade por causa do último golpe
sofrido. – Eu..eu..
Hanai observava Yin levantando-se mais uma vez. O menino então deu um grito
e, em um acesso de fúria, partiu com todas suas forças em direção a Hanai, que, naquele
momento, abriu um sorriso. Afinal, estava agora um passo mais perto de concluir seu
treinamento com Yin.
Há muitos metros dali, em baixo do toldo de um edifício, Irwind e Jess
conversavam com Markeen sobre outros detalhes do ataque que seriam realizados
dentro de cinco dias. Perto deles, Sahad, Trent e Nina, por sua vez, já estavam sentados
em algumas caixas, conversando e rindo já durante um bom tempo.
- Olhe, toda aquele currículo que você mencionou em Wamboo é verdadeiro? –
Perguntou Sahad a Nina.
- Sim, é. Porquê?
Sahad abriu um sorriso.
- Não, não nos leve a mal. É porque no momento nós não acreditamos. – e virou
seu olhar para Trent.
- Acham que sou mentirosa?
- Não é nada disso.
- Acham que não posso fazer parte desta missão só porque sou mulher?
- Não, também não é isso, não nos leve a mal.
- Escute. Seu nome é Sahad certo? Quer saber o que eu acho?
Sahad então calou-se:
- Eu creio que em uma missão onde devemos infiltrar o território inimigo até o
final sem sermos vistos, como provavelmente será esta, alguém com um pouco mais de
cérebro e habilidade é mais imprescindível do que um amontoado de músculos sem
inteligência não?
Neste momento Trent riu de lado.
- Por isso, se tiver que sair alguém deste grupo antes de partirmos ao norte, com
certeza não será eu.
- Olhe aqui mocinha, deixa eu te falar uma coisa...
Neste instante Trent, reparando que as coisas começavam a esquentar, resolveu
comentar algo:

173
- Ei! Por acaso vocês sabem onde estão aqueles dois?
- Quem? – Responderam os dois ao mesmo tempo.
- O Sr. Hanai e a crian...
Neste momento, uma enorme explosão fez levantar uma enorme nuvem de
poeira a alguns metros deles e chacoalhar todo o lugar. Irwind, Jess e Markeen também
notaram e partiram para fora do toldo onde estavam para ver o que havia ocorrido,
acompanhados de Nina, Trent e Sahad. Todos então ficaram estarrecidos. Todos menos
Irwind.
Yin e Hanai trocavam golpes absurdamente rápidos a uns vinte metros de altura
e, neste momento, o general sorriu. Isso Hanai! Não facilite as coisas para ele. E
garoto, faça o seu máximo, eu confio em você!
No alto, Hanai continuava suas provocações a Yin:
- Porque toda essa fúria? Não gosta de ser chamado de fraco?
Yin somente respondia com mais socos e chutes.
- Mas é isso que você é. Conseguiu derrotar aquele Furou por sorte. Porque ele,
assim como você, era um desprevenido. Mas eu ainda acredito em você.
Yin então aumentava sua velocidade, a medida que Hanai só se defendia.
- Aliás, você matou aquele Furou usando uma Shinya certo? Meus parabéns!
Aprendeu sozinho! Agora porque não tenta utilizar essa sua nova técnica em mim?
Yin então voou par trás, abriu as palmas de suas mãos e apontou-as para Hanai,
fazendo com que um brilho azulado saísse delas. Contudo, no mesmo instante em que ia
disparar suas Shinyas em direção ao seu mestre, o mesmo fechou uma de suas mãos,
fazendo com que a técnica de Yin explodisse na altura do seu rosto. A luta então se
interrompeu brevemente e Hanai caiu na gargalhada. Yin cerrou seus olhos e trincou
seus dentes com uma raiva que há muito tempo não sentia. Agora explodindo de fúria,
partiu novamente em direção a Hanai e, em um ato desesperado, tentou-lhe acertar de
todas as formas possíveis. Em vão. Logo começou a cansar-se. A essa altura, Hanai já
havia parado de gargalhar e somente sorria de leve e se defendia, sem dificuldade
alguma, dos golpes.
- Vamos Yin! É o máximo que pode fazer? Vamos!
Os golpes do menino já começavam a ficar mais lentos.
- Assim você não terá a oportunidade de acabar nem com um mísero Furou!
Naquele instante, a respiração de Yin começou então a ficar ofegante e,
reparando que o mesmo já dava socos no ar sem direção, Hanai segurou seus pulsos
com as mãos. Yin então parou finalmente e os dois desceram em direção ao solo. Hanai
então teve que apoiar o corpo do menino no seu para que o mesmo não caísse de
cansaço. Aproximou-se então do seu ouvido, logo em seguida.
- Muito bom. Muito bom. Escute Yin. Estas minhas primeiras palavras são
somente conselhos, uma das muitas dicas que eu te darei neste treinamento. Como disse
para você antes, eu só quero uma coisa de você neste treinamento e tenho certeza que
conseguirei.
O menino, ainda respirando com dificuldade, virou então o olhar para seu
mestre. Hanai então sorriu para ele.
- Eu quero somente que você libere todo seu poder interior. Nada mais. Quero
que coloque toda sua fúria para fora. Será sua única chance nesta missão. Somente isso.
Não se esqueça.
O menino então olhou para o chão como quisesse compreender as palavras de
Hanai e ficou algum tempo assim, com seu mestre o observando. Em seguida, Hanai
olhou então para os lados e pôde ver os restante das unidades terrestres e aéreas vindas
de Wamboo finalmente penetrando as ruas e avançando pelo meio dos prédios do centro

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de Marahana respectivamente, bem próximo a eles. O barulho então ao seu redor ficou
insuportável.
- Vamos. Vamos descansar. – E colocou a mão no ombro de Yin, quase
abraçando-o. Em breve te ensinarei algumas técnicas novas. Sabe aquela técnica que
Inhi usou contra você no torneio?
Yin, agora um pouco menos exausto, olhou para Hanai e balançou a cabeça
positivamente.
- Se chama Shinya-Hashiki. E está na hora de você aprendê-la. Ela será sua
salvação em muitas ocasiões, isso eu tenho certeza. Por isso, preste bastante atenção
quando eu te ensinar.
Em Wamboo, Sara e Aljolie aguardavam a volta de Nissu, que havia tentado
entrar em contato com Mahani. Algum tempo depois, retornou trazendo boas notícias:
- Escutem, falei com o comandante suplente Asteron em Mahani. Ele disse que
não há problemas de Sara ficar hospedada no Palácio Real, uma vez que foi o próprio
general que deu tal ordem, até que a batalha termine.
- Mas isso é ótimo! – Comemorou Aljolie, olhando para Sara.
Nissu então chamou um de seus soldados e ordenou para que providenciasse um
vôo para Dherates imediatamente. Neste instante, Aljolie já se abaixava para conversar
com Sara, que estava agora, contudo, com uma expressão de extrema angústia.
- O que foi querida?
- Eu...eu não quero ir.
- Mas é claro que você vai! Aqui você não estará segura.
- Mas, eu não conheço ninguém lá!
- Escute, você terá o prazer de conhecer a família real e ficar hospedada no
Palácio Real, coisa que poucos Banshee já conseguiram.
- Mas eu não quero. – A menina retrucava, agora quase choramingando.
- Escute, sei o que você está pensando. Quero que entenda que não vai acontecer
nada de mal para nós. Eu te prometo que, depois que tudo isso passar, voltarei para
Mahani para ficar com você o tempo que você quiser.
- Jura?
- Juro.
- Mas e se...
- Não acontecerá nada, prometo.
Neste instante, um flutuador parou perto das duas.
- Agora vá. Não deixarão que você fique aqui por mais tempo.
As duas então deram um longo abraço e Aljolie deu-lhe um beijo na testa de
despedida. O soldado que conduzia o flutuador parou então perto das duas.
- Cuide-se querida. Em breve você verá novamente nós todos! E aproveite todo
aquele luxo sim?
Assim, sem tirar os olhos da enfermeira que, desde que a conhecera havia lhe
dado tanto carinho, Sara foi levada pelas mãos pelo soldado, em direção ao veículo de
transporte. Neste instante, retornou finalmente ao local o comandante Nissu:
- Enfermeira. Se você tiver com meus soldados a mesma afeição com que tem a
esta menina, esta guerra já está vencida!
Aljolie então deu um leve sorriso e, ainda olhando para o flutuador, que já havia
desaparecido no meio das inúmeras barracas, deixou também escapar algumas lágrimas
de seus belos olhos castanhos.
O veículo transportando Sara chegou então a uma pequena nave de transporte. A
menina então entrou e logo tomou um assento perto de uma das janelas. Curiosamente,
aquela nave parecia bem mais confortável das que havia viajado até então. Contudo, sua

175
cabeça estava longe. E confusa. Primeiro por tudo que havia passado até então. Afinal,
desde que havia acordado de seu sono milenar, naquela maca de uma das enfermarias de
Archia, havia somente passado por situações de perigo, fugas, batalhas e explosões.
Contudo, havia encontrado também nesta aventura pessoas com as quais ela entendeu
que poderia confiar como Jess, Aljolie e Yin.
Porém, em pouco tempo já estava deixando-as, sem saber se as veria novamente,
exatamente como havia acontecido com seu pai, em suas vagas lembranças antes de
adormecer. Sentiu medo da possibilidade de ficar sozinha novamente, desta vez neste
novo mundo, nesta nova vida que apareceu para ela de uma forma tão repentina. Dessa
forma, permaneceria solitária e carregaria um segredo muito grande consigo, o fato de
ser humana. Afinal, no final das contas, poucas pessoas acabaram por saber de seu
segredo, apenas Yin, Hanai, Irwind, Aljolie, Jess e os médicos que cuidaram dela em
Archia, sendo que esses últimos provavelmente já estavam mortos. Isso fez ela sentir-se
naquele momento mais só ainda. Iria ter que, por fim, se adaptar a viver com pessoas de
uma raça diferente da ela, estando condenada a ser única até o fim, pois já sabia que
naquele mundo não viviam mais humanos. Lembrou então de seu passado misterioso, a
terceira preocupação que estava tendo. Tinha entendido que o local onde ela tinha sido
encontrada estava destruído, impossibilitando qualquer busca para se estudar sua
origem. Tudo isso parecia ser um fardo muito grande para uma menina de apenas doze
anos.
No entanto, olhou lá para baixo e viu algo que o deixou um pouco menos
apreensiva. Reparou que a paisagem mudava gradativamente enquanto a nave avançava.
O amarelado do deserto passava a se tornar agora um verde esmeralda, um verde de
esperança, indicando que a nave acabara de entrar na Planície de Tirisfall. Dessa forma,
por fim, lembrou de Aljolie e sua promessa de retorno. Lembrou também de Yin e do
que havia pensado sobre ele enquanto se despedia do menino. Ele ainda ajudará todos
nós. E ficará bem, eu sei. Assim, enfim, deixou escapar um tímido sorriso.
Três horas depois e a nave de transporte aterrissava na Base de Dherates.
Lembrou do que Yin havia dito sobre aquela base, a qual havia sido invadida por ele e
pelo seu amigo chamado Lwan. Sentiu-se, portanto, um pouco mais próximo dele. Em
seguida, foi levada para fora da área de pousos e decolagens e reparou o quanto em
polvorosa aquele lugar estava. Algum tempo depois, foi levada então a um outro
flutuador, que rapidamente deixou Dherates e chegou nas rodovias suspensas que
ligavam a base a cidade de Mahani. No flutuador, por sua vez, só havia ela e o
motorista. Sara teve então uma idéia:
- Moço!
O motorista não respondeu de imediato, parecia que estava em uma espécie de
piloto automático.
- Moço! – Gritou a menina mais forte.
- Sim?
- Você conhece em Mahani um orfanato chamado Mao-Ter?
- Sim, conheço. – O motorista então deu uma risada. – É o maior orfanato da
cidade de Mahani. Por quê?
- O senhor pode me levar até lá?
- Menina. Minhas ordens são de conduzi-la até o Palácio Real.
- Por favor. Não irá demorar. Só preciso falar com uma pessoa.
- Ok,ok. Só prometa que não irá demorar certo?
- Prometo!
Já estava de noite quando o flutuador adentrou a cidade natal de Yin. Sara nem
se importou com as longas quatro horas de viagem, devido a expectativa de poder

176
conversar com Lwan. Quando o veículo adentrou a cidade, porém, a menina parecia
maravilhada. Aquele ambiente fantástico, aqueles prédios iluminados, aquelas ruas
brancas abarrotadas de gente não se parecia em nada com aquela miséria que havia visto
em Shandara e com os perigos que havia enfrentado em Kayabashi. Logo depois, o
veículo passou em frente ao Palácio Real, fazendo com que a menina arregalasse ainda
mais os olhos. Aquele jardim extenso e belo, aquela construção imponente, branca, seus
portões feitos de ouro e reluzentes. Não acreditou que tudo aquilo aguardava por ela.
Um pouco tempo depois, porém, o veículo se afastou um pouco do centro e subiu uma
colina. Em pouco tempo estava na porta do orfanato de Mao-Ter.
Assim que viu o veículo parando em frente ao portão do orfanato, o porteiro, um
velhinho de óculos e barbas grisalhas, já com a coluna já em forma de arco pela idade,
foi ver sobre o que se tratava. Passando por uma entrada somente destinada a pessoas,
aproximou-se ao lado do vidro do veículo.
- Esta menina quer falar com uma pessoa. – Falou o motorista.
- Com uma pessoa? – O velho então olhou para o banco detrás e viu Sara, que,
naquele instante, olhava para o outro lado.
- Sim.
- Chamarei o chefe daqui. Por favor, pode estacionar aqui na frente mesmo.
- Obrigado. – Respondeu o motorista.
Pouco tempo depois, Sara e o motorista já aguardavam do lado de dentro do
orfanato, quando chegou Junke, acompanhado de Inhi, que não havia desgrudado dele
um minuto sequer desde que Hanai havia partido.
- Pois não? Em que posso ajudar? – Perguntou o instrutor chefe a Sara e ao
motorista.
- Esta menina veio ver uma pessoa.
- Pessoa?
- Sim. O senhor pode chamar o aluno Lwan para mim?
- Lwan?
- Sim. Por favor, preciso dar-lhe alguns recados.
- Desculpe, mas já é um pouco tarde e os meninos já estão no dormitório.
- Desculpe. Mas mesmo assim insisto, é muito urgente.
Mesmo achando estranho aquela situação, Junke cedeu.
- Tudo bem então. Inhi, por favor, veja se Lwan está acordado sim? E mande-o
vir para cá.
Lwan estava sentado em sua cama, ainda lembrando do que havia ocorrido com
Theria. Os outros meninos estavam fazendo uma grande algazarra, berrando, rindo e
atirando travesseiros um nos outros como era de costume naquele horário. Sendo assim,
ainda que estivesse distante de Kayabashi, aquele dormitório mais parecia uma praça de
guerra do que qualquer outra coisa. Neste instante, porém, Inhi adentrou no local e, com
o susto, todos os meninos pararam de imediato. O jovem ainda pode ver o fim da
confusão e, por um tempo, ficou olhando com a expressão séria para todos. Todos, da
mesma forma, olhavam para ele sem entender. Em seguida, resolveu perguntar por
Lwan.
- Lwan? Onde você está?
O chamado pelo seu nome fez o menino despertar de seu estado pensativo. Em
seguida, franziu a testa e não entendeu. O que que eu fiz agora? – Se perguntou. Se
levantou da cama e se dirigiu então em direção a Inhi.
- O que foi? – Perguntou, com uma cara de desdém.
- Tem alguém na entrada do orfanato querendo falar com você.
Os meninos ouviam atentamente a conversa.

177
- Alguém quer falar comigo?
- Sim, é uma menina. Só não sei o nome dela.
Neste momento, todos os meninos começaram a rir, caçoando de Lwan, que
ficou um tanto quanto avergonhado. Em seguida, pediu para que todos ficassem em
silêncio.
- Bom, então vamos! – Disse, antes de virar as costas para todos e fazer um
expressão de quem estava bem por cima com aquela notícia. Os meninos riram
novamente.
Inhi e Lwan logo chegaram então na porta do orfanato.
- Bom, aí está ele. – Disse Junke - Agora eu me vou. Tenho algumas últimas
coisas a tratar ainda hoje. E, por favor, não demorem muito nesta conversa. Já está bem
tarde. Inhi, venha.
Assim, os dois se encaminharam em direção ao prédio principal do orfanato.
- Oi. – Disse Lwan.
- Olá, tudo bem? – Respondeu Sara, sorrindo.
Os dois ficaram se olhando durante um tempo. Em seguida, a menina resolveu
falar.
- Precisava ter uma conversa sozinha com você.
O motorista que estava ao lado então protestou:
- Mas você não disse que não iria demorar? Que era somente um recado?
Foi então a vez do porteiro de barbas grisalhas, que estava também ao lado
deles, ouvindo toda a conversa, resolver interferir.
- Ora! – Disse ao motorista – Deixe-os dois a sós um pouco. Não custa nada.
- Mas é que...
- Vocês vieram de onde? – Perguntou o velho, curioso.
- De Dherates.
- Nossa, é muito longe. Veja, você deve estar cansado. Venha, vamos beber e
comer alguma coisa. – A esta altura, o porteiro quase empurrava o motorista.
- Não vá demorar hein? – Disse então o soldado suas últimas palavras a Sara.
Assim que os dois se afastaram um pouco, a menina então começou finalmente a
conversa.
- Escute. Você não me conhece. Mas trago notícias de alguém muito especial
para você.
Como Lwan estava ainda sem acreditar naquela situação, custou a entender a
quem ela se referia.
- Quem?
- Yin.
- Yin? – Lwan exclamou bem alto, depois imediatamente reprimiu a si próprio
com um dedo nos lábios, como tivesse se arrependido de falar alto. Em seguida, repetiu
baixinho:
- Yin?
- Sim.
- Mas como? Olhe, desculpe por eu ter que falar baixo, é porque Yin fugiu deste
orfanato faz alguns dias e estão todos furiosos com ele. E comigo também, por eu ter
ajuda-lo a fugir.
- Sim, eu sei.
- Sabe?
- Sim, eu sei de tudo, tudo.
- Mas...Quem é você?
- Meu nome é Sara. E o seu deve ser Lwan.

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- Sim. Mas como você conhece Yin?
- Estive com ele nesses últimos dias.
- Jura? E como ele está? Diga! – Perguntava o menino, agora eufórico.
- Ele está bem, fique tranqüilo.
Aquela notícia havia realmente aliviado Lwan.
- Mas...ainda não entendo. Como você conheceu Yin? Aonde ele está agora?
A menina então olhou um pouco para o lado e viu um banco, bem perto de uma
das roseiras do orfanato.
- Eu vou te contar, mas primeiro vamos nos sentar porque é muita coisa.
Após alguns minutos de conversa, Lwan já estava com os olhos arregalados, não
acreditando no que estava ouvindo.
- Você, você é uma humana?
Dessa vez foi a vez de Sara pedir para que Lwan fizesse silêncio.
- Desculpe. Quer dizer também que Yin matou um Furou? Mas isso é incrível!
- É verdade. – Disse Sara, com uma expressão séria depois de lembrar de como o
menino se sentiu depois de cometer tal ato. Reparando no rosto fechado da menina,
Lwan resolveu perguntar:
- O que foi?
- Nada.
- Diga.
- É que...é que depois de algum tempo juntos tivemos que nos separar.
- O que houve? Porque Yin não voltou para cá com você?
- Ele teve que seguir em frente. Voltou para Marahana. E eu fui obrigada a vir
para cá.
- Mas porque ele teve que seguir?
- Não sei. Todos confiam nele, o Sr. Irwind, o Sr. Hanai, por isso devem tê-lo
levado. Mas...
- O que?
- Não tenho certeza, mas acho que Yin não foi chamado para lutar na próxima
batalha que haverá em breve. Parece que há outra coisa...
- O que? Você faz idéia?
A menina balançou a cabeça negativamente.
- Será...- Palpitou Lwan – ...Será uma missão secreta?
- Não sei, talvez.
- Aquele sortudo! – Exclamou. O maldito do Yin ganhou a confiança do Sr.
Hanai e do Sr. Irwind, viveu um monte de aventuras nesses últimos dias e ainda
participará de uma missão secreta! Além de conhecer sem querer esta menina, que é
bem bonitinha! – Pensou.
- O que foi? – Perguntou Sara.
- Nada. É que eu e Yin sempre sonhamos em participar de uma missão secreta
sabe? Daquelas com um monte de aventuras, perigos...
Assim, com Sara sentada ao seu lado e ouvindo pacientemente, foi a vez de
Lwan contar todas as aventuras pelas quais havia passado com Yin. Contudo, essa
suposta missão secreta a qual Yin participaria ainda era um mistério para ambos.
Missão esta que Yin, do outro lado de Asíris esperava ansiosamente pelo seu início. Sua
participação dependeria do resultado do treinamento com Hanai, é claro. Mas estava
confiante. Imaginou quantos perigos iria enfrentar, quantas aventura iria passar. Claro
que lembrava também das coisas que Hanai não cansava de falar sobre o território
Furou, os perigos e tudo o mais. Contudo, conseguiu preservar um pensamento um tanto
quanto romântico, quase inocente sobre tudo isso. Imaginou lutando lado a lado com

179
seu mestre, em uma terra ainda desconhecida até por ele, enfrentando monstros terríveis
e lugares sombrios. Sim, Yin enfim teria esta oportunidade, mas mal sabia ele que
também passaria por outras situações diversas, situações que mudariam sua vida para
sempre.

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Capítulo 33 - Rumo ao Território Furou

Cinco dias então se passaram. Havia chegado enfim a hora da verdade para as
tropas Banshees que se encontravam ao norte de Asíris. Afinal, segundo o próprio
discurso de Irwind para seus comandados nos últimos dias, era a reconquista de
Shandara ou a morte. Havia chegado também, o dia da partida do grupo reunido pelo
general em direção ao sinistro território Furou. Hanai, o qual já havia sido escolhido por
Irwind como líder da missão, porém, ainda não havia falado para Yin sobre o resultado
de seu treinamento. O menino, que por conta disso estava bastante ansioso, estava agora
sentado em uma cadeira dentro de uma pequena sala, assim como todo o grupo que
participaria da missão secreta ao norte. O ambiente aonde o menino e todos os outros
estavam era na verdade o hall de entrada de uma das muitas construções comerciais em
ruínas no centro de Marahana, parcialmente destruído. Havia restado somente uma parte
do balcão da recepção e uma pequena mesa no canto da sala, com alguns papéis
espalhados em cima, além de dois ou três vasos de plantas, cujas folhas estavam
cobertas pela mesma fuligem cinza que ainda cobria toda a cidade. Nos últimos dias,
porém, o lugar havia servido como parte do centro de operações improvisado pelo
capitão Markeen, logo após as tropas Banshees terem vencido a batalha na cidade de
Marahana. Hanai estava a frente do grupo, em pé e virado de frente para todos e, preso
na parede ao seu lado – uma das quais não haviam sido demolidas no hall - havia um
telão mostrando o mapa do território Furou. O mestre de Yin estava prestes a iniciar as
mais detalhadas explicações sobre a perigosa empreitada a qual a todos em breve iriam
participar.
- Senhores. – Começou, num tom de voz firme e eloqüente. - Espero de coração
que estejam preparados para o dia de hoje. Pois tenho certeza de que hoje, sem dúvida, é
o dia mais importante não só de suas vidas, mas também de todos os soldados de nosso
glorioso Exército Real, o qual em breve lutará novamente em Kayabashi. Mas para nós,
hoje é um dia ainda mais especial. Dentro de alguns instantes estaremos sozinhos e
incomunicáveis no território inimigo com um objetivo específico a cumprir. E todo o
resultado do contra-ataque que se iniciará no dia de hoje contra os malditos Furous
poderá depender exatamente do resultado de nossa missão. Talvez até mesmo o futuro
de toda Asíris poderá depender de nossas ações!
Jess, Yin, Nina, Sahad e Trent ouviam atentamente as palavras de Hanai.
- Por esta missão ser tão especial, talvez a mais importante de todos os tempos,
explicarei para vocês passo a passo o que exatamente deve ser feito. E explicarei
somen... – Neste instante, Sahad interrompeu:
- Senhor, você disse que ficaremos incomunicáveis, uma vez dentro da região
inimiga. Posso saber por que?
- Bom, a princípio eu e o general Irwind imaginamos que essa missão poderia ter
um objetivo secundário, que seria a busca de informações preciosas de dentro do
território Furou, ou seja, deslocamento de tropas inimigas, posições, etc. Depois, essas
mesmas informações seriam enviadas para nossas tropas durante a batalha de
reconquista de Shandara, o que seria muito útil. Pensamos nesta solução porque, como
estamos fartos de saber, a leitura do mundo Furou pelos radares em nosso próprio
território é sempre muito limitada e imprecisa, devido a presença de alguns
componentes da atmosfera a qual os Furous têm sobre suas cabeças horrendas.
Sahad, com a aparência séria, balançava a cabeça positivamente. Hanai então
continuou:
- De qualquer forma, para enviarmos tais informações para os nossos centros de
operações, seria necessário nos comunicarmos via rádio, o que seria muito perigoso, já

181
que os Furous poderiam facilmente nos interceptar e descobrir nossa localização em seu
território. Afinal, todos também sabemos exatamente a sofisticação tecnológica que eles
possuem para esse fim. Sendo assim, concluímos que seria arriscado até mesmo
transmitir qualquer coordenada que fosse.
- Entendi senhor, obrigado. – Respondeu Sahad, logo lembrando de outros
exemplos da milagrosa tecnologia militar Furou. Contudo, recordou também de um
outro problema específico, talvez o problema mais sério o qual o exército Banshee
sempre teve de enfrentar durante toda sua história de guerra contra os Furous. Problema
esse causado também por uma particularidade de caráter natural que sempre atormentou
os maiores engenheiros militares Banshees, os quais jamais encontraram uma solução
para ele.
O problema era o eterno insucesso dos ataques de longa distância lançados
diretamente das bases Banshees em Kayabashi contra as colônias e unidades inimigas
presentes em território Furou. As razões de tal fracasso, contudo, sempre foi muito clara
para todos os membros do Exército Real. Afinal, todos, rigorosamente todos os mísseis
e bombas teleguiadas já lançados até hoje em direção ao território inimigo tiveram
sempre seu sistema entrado em pane e sua carga explodida - ainda que possuíssem sua
fuselagem reforçada, geralmente por Prima - logo após penetrarem o bizarro nevoeiro o
qual, por milênios, sempre dividiu o mundo dos Banshees dos Furous. Aqueles malditos
além de poderosos, são muito sortudos. Se pudéssemos lançar estes ataques, não
precisaríamos sequer realizar esta missão. E, a essa altura, todos eles já estariam
mortos. – Pensou finalmente o capitão.
Sahad esqueceu-se, porém, de que os Furous sempre enfrentaram o mesmo
problema com suas armas de longo alcance. Por isso, eram também obrigados, assim
como os Banshees, a cruzar totalmente a tal sinistra e misteriosa barreira natural toda
vez que desejassem atacar seus inimigos. E, toda vez que quisessem assim faze-lo,
assim como seus oponentes, deviam fazer sendo transportados por unidades equipadas
com fuselagens também reforçadas, o que impedia que a mesma não fossem corroída.
Afinal, era impossível, devido a composição ácida do nevoeiro, que soldados Banshees
ou guerreiros Furous atravessarem tal barreira a pé, uma vez que seus corpos eram
imediatamente “liquefeitos” após alguns metros dentro da mesma.
- Como eu estava falando... – Continuou finalmente. – ...este aqui...
- E quanto tempo levará esta missão? – Foi a vez de Nina cortar. Hanai
novamente pareceu não se incomodar.
- Se tudo ocorrer bem, creio que dentro de uma semana já teremos alcançado a
cordilheira de Tyron. Bom... – continuou Hanai, suspirando – ...este aqui é o mapa do
norte de Asíris. Praticamente todos vocês já devem ter visto este mapa. Talvez até este
seja o mapa mais visto em toda vida de vocês. Contudo, este aqui em específico é o
mais detalhado que conseguimos até hoje.
Todos então observaram o diagrama eletrônico. Hanai, depois de um tempo,
resolveu continuar:
- Aqui, bem ao norte de Marahana é aonde iremos começar a nossa campanha...
– Hanai então apontou para um segmento da linha que delimitava o território Banshee
do Furou. - ...cruzando o nevoeiro que separa nosso mundo dos Furous através de uma
nave de transporte com sua estrutura reforçada. Em seguida, seguiremos já a pé até a
primeira colônia Furou, que se localiza próxima a divisa entre o deserto de Kayabashi e
a região de Gyron. Esta região, também como todos já devem ter sido informados
alguma vez, é composta por uma escassa vegetação rasteira, de troncos retorcidos.
- É uma região muita fria. - Completou Nina.

182
- Exatamente. Por isso, desde o início da nossa jornada, usaremos trajes
especiais para nos protegermos do frio e de outras adversidades. Vale ressaltar que serão
os mesmos trajes que nossas tropas usavam antes de serem derrotadas em Gyron, há
algum tempo atrás. E muitos especialistas de nosso exército atribuíam exatamente o
sucesso de tal campanha a qualidade e resistência do traje, um modelo criado muito
recentemente com que há de mais moderno na tecnologia militar Banshee para regiões
extremas.
- Mas mesmo com todo esse frio, nada se compara ao que encontraremos quando
estivermos nas montanhas de Tyron. – Disse Sahad baixo a Trent. Yin, um pouco mais
atrás, também ouviu o comentário, mas permaneceu quieto.
Hanai então continuou:
- Em seguida, rumaremos para a segunda colônia Furou, mais ao nordeste. Esta
colônia fica localizada as margens do Lago Negro de Gyron, junto a muitas outras. O
lago, por sua vez, se estende desde os pés das montanhas de Tyron e até as partes mais
ao leste de Asíris.
Neste momento, Hanai apertou um botão abaixo do telão e uma linha vermelha
surgiu em cima do mapa, antecipando toda a rota que o grupo iria seguir até o final da
missão.
- Logo depois, contornaremos o lago em direção as montanhas de Tyron. Como
vocês podem reparar, toda nossa trajetória se concentra um pouco afastado do extremo
leste de Asíris, alguém sabe dizer porque?
Yin pensou em uma resposta, mas ficou com vergonha de dizer.
- Acredito... – respondeu Trent. – ...que seja pelo fato dos Furous estarem com
sua concentração voltada para o leste, para Shandara.
- Exatamente. – A resposta de Trent foi a mesma pensada por Yin – Infelizmente
aqueles malditos, segundo fui informado, nestes cinco dias já estão enviando sem parar
reforços para a região, se prevenindo que tomemos a cidade de volta. Isso pode ser um
fato negativo para todo nosso exército mas, para nós é algo que nos ajudará em nossa
penetração em território inimigo. Bom, assim que contornarmos o lago, que é bem
extenso... - Hanai continuou explicando, virando-se constantemente para o mapa e para
o grupo, porém, sem uma única vez olhar diretamente para Yin – ...chegaremos, como
falei, enfim aos pés da cordilheira de Tyron. E será aí senhores, que nossa missão
entrará no seu ponto crítico, provavelmente em seu último dia. Estaremos aonde
nenhum Banshee jamais foi e teremos que nos esforçar ao máximo para subirmos
aquela região montanhosa. A essa altura, estaremos nas imediações, dessa vez, de um
conjunto de colônias Furou ainda maior do que o próximo ao Lago Negro de Gyron. Por
isso, aqui temos que tomar mais cuidado do que nunca para não sermos capturados,
senão tudo estará perdido. Tudo entendido até aqui?
O grupo calou-se, consentindo.
- Alguma pergunta?
Quando Hanai iria continuar, Nina resolveu interromper:
- Senhor.
- Sim?
- Tenho uma dúvida. Como, durante toda esta missão conseguiremos passar
despercebidos em meio a milhares, talvez milhões de Furous presentes em seu domínio?
- Acima de tudo, teremos que contar com nossa destreza e com um punhado de
sorte.
Muita sorte! – Pensou Sahad neste instante.
- Além disso – Continuou Hanai. -, como mencionei antes, toda a concentração
Furou estará voltada para o leste, pois a batalha que se segue também será a mais

183
importante da história daqueles desgraçados. Por isso, creio que as regiões pelas quais
passaremos estarão praticamente vazias. Talvez com alguns peões Furous, mas pouco
guerreiros e Marakis. Entendido?
- Sim, senhor.
- Ok. Mais alguma pergunta?
O grupo balançou a cabeça negativamente. Hanai então abriu um leve sorriso.
- Preparados para o ato final?
O grupo então remexeu-se nas cadeiras nas quais estavam sentados,
demonstrando uma certa apreensão.
- Após atravessarmos algumas montanhas de Tyron e chegarmos bem próximos
ao topo da cordilheira, encontraremos finalmente nosso alvo.
Irwind havia comentado brevemente sobre o que seria a missão em Wamboo,
quando reuniu o grupo pela primeira vez. Contudo, não havia entrado em muitos
detalhes, principalmente sobre quem ou o quê eles deveriam exterminar. Jess então,
rompeu seu silêncio e resolveu comentar:
- É uma espécie de líder deles certo?
Assim que o soldado falou, logo Sahad e Trent protestaram. O último então
tomou a frente:
- Mas pelo que sabemos, os Furous não possuem um único líder certo? Os mais
altos na hierarquia Furou são os Marakis não?
- Sim, ele está certo. – complementou Sahad. – Quem é afinal esse desgraçado?
De onde ele veio?
Neste instante, Sahad, Jess e Trent começaram a debater a respeito. Nina, ao
lado, fez então outra pergunta:
- E senhor, como saberemos a localização exata deste ser? Não sabermos nem
como ele é. Quais as informações que temos dele? Desculpe, mas é minha maior dúvida
sobre esta missão, que vem me incomodando desde que o general Irwind nos passou as
primeiras informações em Marahana. Ele não entrou em detalhes sobre o nosso alvo, até
onde ouvi, pelo menos.
- Calma. Primeiro responderei as questões de Jess, Sahad e Trent. – Neste
momento, os três então cessaram a conversa paralela. Yin, por sua vez, continuava
quieto, ao fundo. – Primeiro quero dizer que muita coisa ainda é um mistério para nós.
Creio que grande parte de nossas dúvidas será somente explicada uma vez que
estivermos cumprindo nossa jornada. Sim, é verdade que os Furous nunca possuíram
um único líder em toda sua história, mas... – Hanai então foi cortado por Sahad.
- O general nos disse que teve uma visão sobre esta criatura, enquanto lutava
com um Maraki na Base Aérea de Marahana. Ele não poderia somente ter tido uma
alucinação, pelo cansaço da batalha não sei? Será que esta criatura realmente existe? – E
a conversa paralela reiniciou.
Hanai aguardou alguns segundos para que todos se calassem. Em vão. Resolveu
então interferir:
- Escutem! – Gritou.
A conversa então cessou novamente.
- Escutem. – Falou então em um tom de voz mais ameno. - O general me
afirmou que não era alucinação. Além disso, o Maraki que lutava contra ele também lhe
falou algumas palavras sobre este suposto ser. Sim, sei que é difícil de acreditar.
Contudo, devemos confiar em suas palavras e em suas idéias. Com relação a localização
desta criatura, creio que, se ele é realmente o responsável pelo desencadeamento de toda
esta grande batalha e o grande líder dos Furous neste momento, provavelmente estará
escondido no local mais bem protegido de todo território inimigo, onde os Marakis mais

184
poderosos sempre tomaram as principais decisões sobre a sociedade Furou, durante
séculos e séculos. E este local fica exatamente na região onde se encontram os picos
mais altos da cordilheira de Tyron, o final de nossa jornada.
- Senhor Hanai, não seria mais fácil o senhor utilizar seu dom de percepção de
Aura para sabermos exatamente onde se encontra esta criatura, já que, como disse o Sr.
Irwind, ela é tão forte? Mais forte até que os próprios Marakis? Aliás, isso foi tudo que
ele falou sobre ela, na verdade. – Perguntou Jess.
- O que o ocorre é que até agora não consegui sentir uma presença diferente de
todos os Furous que sempre habitaram aquela região.
- E o senhor Irwind? Ele tem uma facilidade enorme para esse tipo de coisa.
- Tampouco.
A discussão na sala então recomeçou. Se nem o Sr. Irwind consegue sentir a
Aura desta criatura, então é bem capaz que ela nem exista mesmo! – Pensou Jess. Com
certeza, após as últimas palavras de Hanai, este era o pensamento dominante também de
todos naquela sala. Hanai então tratou de interromper a conversa paralela mais uma vez.
- Escutem! Vocês estão certos. Vou lhes falar a verdade. – Hanai já havia
mudado o tom de voz para um mais firme e alto. - Não sabemos com cem por cento de
certeza se esta criatura é a verdadeira responsável por toda essa situação terrível a qual
nos encontramos ou se sua morte irá nos ajudar de imediato na luta contra os Furous em
Shandara. Tampouco sabemos se ela realmente existe. Contudo, tenho certeza de uma
coisa. Devemos confiar na intuição do nosso general, que tanto já nos conduziu
brilhantemente em momentos de tensão contra os nossos inimigos. Assim, se ele nos
afirmou que o extermínio deste ser pode significar uma situação altamente favorável a
nós, é nisso que devemos acreditar também. E na situação de urgência que nos
encontramos, não custa nada nos arriscarmos em uma missão destas. Foi a essa
conclusão que chegamos, ele e eu. Afinal, o que são algumas vidas em risco diante da
possibilidade de triunfo e a paz definitiva para todo o povo Banshee?
Todos então escutavam atentamente. Hanai então continuou, ainda mais
incisivo:
- Sendo assim, temos duas opções senhores. Podemos nos acovardar e cancelar
esta missão, já que possuímos muitas dúvidas sobre ela e nos arriscaremos bastante,
talvez para nada. – O mestre de Yin já andava de um lado para o outro no hall em
ruínas. – Podemos ver o desenrolar desta nova etapa da batalha que se aproxima de
braços cruzados. Talvez vençamos, talvez não. O fato é que Asíris nunca mais será a
mesma depois do dia de hoje. Afinal, podemos ver nosso mundo começar a decair de
uma forma inédita diante desses malditos Furous se perdermos. Talvez um caminho sem
volta. E, sendo sincero senhores, essa é a sensação que tenho se não fizermos nada. A
outra opção é seguirmos em frente e tentar fazer algo que nenhum Banshee jamais fez.
Podemos ter a oportunidade de, acabando com esta maldita criatura, ajudar nossos
exércitos a derrotarem os Furous em Shandara para talvez, em seguida, até mesmo
dominá-los totalmente em seu domínio. Dessa forma, com todos esses malditos
derrotados e banidos desta terra, conseguiremos instaurar um estado de paz o qual o
povo Banshee sempre sonhou!
Neste momento, Sahad coçou a cabeça, Nina olhou para o chão e Jess ficou sem
saber o que pensar. Yin, por sua vez, continuava olhava para Hanai, ainda mais
apreensivo. Novamente seu mestre não lhe dava a mínima atenção.
- É uma decisão difícil, eu sei. No entanto, por sempre ter confiado cegamente
nas ordens do Sr. Irwind e sempre desejar o melhor para Asíris, fico com a segunda
opção. E acredito que conseguiremos cumprir esta missão. Afinal, vocês são os

185
melhores. Os melhores do glorioso Exército Real Banshee que pudemos reunir, neste
momento.
É definitivamente uma missão incomum. – Pensou Jess – E uma decisão difícil
mesmo.
Alguns segundos de silêncio até que Trent resolvesse falar algo.
- Creio que não seja isso senhor. É que... – Parou alguns segundos e então
concluiu. – Bom, por mim tudo bem. Frio, montanhas perigosas, milhares de Furous a
nossa frente. E uma criatura maligna e poderosa a ser assassinada, além de
supostamente super protegida e que nem sabemos sequer se existe. Tudo bem.
-É. – Foi a vez de Sahad falar. – Já estamos todos aqui mesmo. Vamos
exterminar este desgraçado. Vai ser legal.
Todos então riram. Foi então a vez de Nina completar:
- Por mim, tudo isso já vai servir se eu conseguir matar um bom número desses
desgraçados. Mas se quiserem me dar o prazer também de dar o último disparo contra
este ser tão poderoso, eu aceitarei.
Sahad, Trent e Nina então riram novamente. Hanai também abriu um leve
sorriso e olhou para Jess, que desviou seu olhar para os outros e virou-se para Hanai,
fazendo sinal de positivo, também sorrindo.
Yin, por sua vez, continuava quieto, ainda tentando entender porque seu mestre
não lhe dirigia um olhar sequer, agindo como se ele não existisse. Sahad continuava
rindo quando então, de brincadeira, deu um leve tapa nas costas do menino, fazendo
abrir um sorriso e esquecer um pouco da ansiedade sobre como havia se saído no
treinamento realizado nos últimos dias.
- Bom senhores. Sendo assim, fico muitíssimo feliz em poder contar com todos
vocês. Juro. Agora, para finalizar, explicarei o papel de cada um nesta missão.
- Senhor! Pode nos dizer primeiro como é esta criatura? – Perguntou Nina.
- Claro. Segundo o general me disse, é uma criatura um tanto quanto diferente
dos Furous, o que pode facilitar nossa busca por ela. De acordo com a visão que teve
enquanto lutava com o Maraki na Base Aérea de Marahana, este suposto ser é bem mais
baixo e esguio do que um Furou, ainda mais mirrado do que um peão e tem a pele como
se fosse escaldada, além dos habituais olhos negros dos Furou, maiores porém. Esses
são os dados principais.
- É, é feio. – Falou ironicamente Sahad.
– Sim, mas pode ficar ainda mais depois que lhe encontrarmos não? É o que eu
acho... – Completou Nina.
Todos então riram novamente. Após dar uma leve risada, Hanai continuou:
- Ok então. Bom, senhores, como disse, explicarei a função de cada um de nossa
equipe para esta nossa missão ser bem-sucedida. Gostaria de lembrar antes que, apesar
de todos terem uma função bem definida, não significa que não possam realizar durante
a missão algo que seu companheiro esteja designado a fazer. Pelo contrário, devemos
nos ajudar todo o tempo. Entendidos?
O grupo ouvia calado.
- Bom... - continuou Hanai – ...como o Sr. Irwind disse para vocês, eu serei o
líder de nossa viagem. Sendo assim, todas as ordens deverão partir primeiramente de
mim e de mais ninguém, assim como todo pedido de alteração de planos deverá ser
contado primeiramente a mim certo? Ok. O segundo no comando, caso aconteça algo
comigo ou esteja impossibilitado de exercer a função de liderança, será o soldado Jess. –
Neste momento, Jess olhou para Hanai e deu um leve aceno com a cabeça. - Ele deverá
repassar todas as ordens que eu der para o grupo quando for necessário, verificar se toda

186
nossa tática está sendo seguida perfeitamente e relatar para mim possíveis problemas na
missão de caráter geral. Sahad...
- Senhor.
- Você será nosso homem forte, nossa muralha, nosso guarda costas, por assim
dizer. Além disso, você levará nossos armamentos e suprimentos mais pesados.
Acredito que podemos aproveitar toda sua força nesta missão.
- Com certeza senhor.- Respondeu Sahad rindo, tendo gostado mais da última
parte, tirando os “suprimentos”.
- O que foi? – Perguntou Hanai, curioso ao ver o sorriso do capitão.
- Nada senhor, é que considerando a força real de cada um de nós, acredito que
outra pessoa deverá ocupar este cargo enquanto estivermos lá.
- Quem?
- O senhor.
- Ora. – Respondeu Hanai, sorrindo. Não está satisfeito capitão Sahad? Quer que
o coloque como isca para os Furous quando precisarmos? – Brincou, rindo
acompanhado de todos.
- Seria uma grande isca! Um iscão! – completou Trent.
- Bom, soldado Nina. Devido a sua ampla experiência militar, sua passagem pela
Escola da Forças Especiais em Meritzen e seu biótipo...
- Que não é um dos piores. – Disse baixinho Sahad, fazendo a soldado de
cabelos loiros e olhos azuis se virar para ele com uma expressão de desdém.
- ...você será nossa unidade de infiltração nesta missão. Quando não tivermos
conhecimento sobre o que nos encontra à frente, principalmente em situações delicadas
e diante de lugares de difícil acesso, você deve ser a primeira a estudar o local seguinte,
nos passando as informações mais relevantes.
- Sim senhor.
- E Trent... – Nisso Hanai apanhava uma folha, que estava em cima da mesa ao
canto da sala.
- Senhor.
- Você terá talvez a função mais gloriosa da missão. Observei sua ficha desde
que entrou no exército e, primeiramente, gostaria de lhe dar os parabéns.
- Obrigado senhor.
- As melhores porcentagens de acerto e pontuação em torneios de tiro desde
muito tempo. Muitos recordes batidos, é impressionante. É um grande atirador creio eu.
E a nível de toda Asíris. – Falou Hanai, enquanto lia a folha.
Trent ria, sentindo-se novamente um tanto quanto orgulhoso de si por aqueles
feitos.
- Muito bem. Como disse, você terá a função mais gloriosa, mas também talvez
a mais simples de todas.
Trent ouvia calado, afinal, já tinha quase certeza do que se tratava.
- Se tudo correr bem nesta missão, sua participação deverá ser bem breve, tão
breve que você somente deverá entrar em cena uma única vez.
- Para dar o tiro final senhor?
- Exatamente.
- Entendido senhor.
Logo em seguida, Hanai então cessou suas palavras e ficou observando o olhar
de cada um daquela sala. Contudo, continuava ignorando Yin completamente. Alguns
poucos segundos de silêncio então se passaram até que terminasse suas explicações:
- Por fim senhores, gostaria de dizer algumas palavras. Não pretendo me
estender mais. Nenhuma função dentre todas aqui é mais importante do que outra.

187
Lembrem-se que não deveremos ser vistos uma única vez pelos Furous em seu
território, até alcançarmos a cordilheira de Tyron. Por isso, a função de Nina é tão
importante, pois deverá nos fornecer segurança neste sentido. Contudo, se algo ocorrer
de errado devemos ter Sahad para nos proteger e nos ajudar com o que for necessário.
Enfim, devemos todos proteger nosso homem crucial, aquele que despachará este ser
para o inferno de uma vez por todas, Trent. Entendidos?
- Sim. Bom, isso se... – Falou Trent.
- Se?
- Se ela não puxar o rifle da minha mão e resolver ela mesma dar um fim no tal
bicho... – Apontou então para Nina e todos riram, inclusive a soldado. Todos menos
Yin. Observava a todos e, naquele momento, mais do que nunca se sentiu invisível.
Esperava as ordens específicas de Hanai para ele mas, por algum motivo, tinha a
sensação de que não receberia alguma. Olhou então para seu mestre novamente que,
pela primeira vez, deu um rápido olhar em sua direção.
Neste momento, entrou no hall Irwind, acompanhado de Markeen:
- Estão todos prontos? – Perguntou
- Sim, estamos. - respondeu Hanai.
- Ótimo! Todos os equipamentos, suprimentos e armamentos já estão dentro da
aeronave que os aguarda. Só falta carregarmos mais algumas coisas.
- Certo então. Pessoal, reunião concluída! Esperam que não tenham mais
nenhuma dúvida. Está na hora de partir!
Todos então dirigiram-se ao lado de fora e caminharam em direção a pequena
nave de transporte, que estava pousada bem perto do local, já com os motores ligados.
Yin seguia a todos em passos rápidos, quando aproximou-se de Hanai.
- Mestre...
Seu mestre continuou andando em direção a nave, sem dar muita atenção a ele.
- Mestre! – Falou mais alto e mais uma vez em vão.
Hanai então aproximou-se da nave e começou a apanhar algumas caixas que um
soldado arremessava para ele, perto do compartimento traseiro, que estava aberto. Em
seguida, arremessava a caixa a um outro que estava no interior do veículo. Sahad fazia o
mesmo, ao lado, acompanhado de Trent, e Nina já havia entrado. Yin então parou ao
lado de seu mestre e ficou lhe observando. Hanai então, ao receber uma das últimas
caixas restantes, suspirou, colocou-a ao chão e, enfim, virou-se para Yin. Abaixou-se
então para ficar na altura do menino.
- Escute Yin, não tenho muito o que lhe falar. Espero que compreenda.
O menino fitou seu mestre com uma expressão que começava a se tornar de total
aflição.
- Ouça. Você lembra o que eu lhe pedi no primeiro dia de seu treinamento não
lembra? Aliás, a única coisa que lhe pedi que fizesse.
- Sim, lembro. O senhor pediu para que eu liberasse todo o meu poder interno,
custe o que custasse.
- Pois é Yin. Gostaria que soubesse que falhou. E, por isso, não virá conosco.
Aquela notícia fez algo dentro do menino parecer desmanchar-se
instantaneamente e logo Yin sentiu um vazio absoluto dentro de si, acompanhado de
uma mistura de sentimentos de raiva, decepção e pura tristeza. Seus olhos então
começaram a encher-se de lágrimas lentamente.
- Mas...
- Você...- Hanai parou um pouco e olhou para o lado. Em seguida, virou-se
novamente para Yin. – Você não cumpriu o que eu pedi no treinamento, me desculpe. O
trato era esse. Não consegui adquirir a confiança suficiente para que pudesse lhe levar

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junto. Não percebi algo... – Hanai então parou novamente. – Bom, é isso, espero...-
Neste momento, os propulsores da nave aumentaram sua força e Hanai concluiu que a
mesma estava pronta para decolar. Aumentou então um pouco sua voz então para que
Yin pudesse ouvir suas últimas palavras antes de partir – Espero que entenda Yin. Hoje
mesmo você voltará para Dherates e, em seguida para o orfanato em Mahani. Quero... –
e Hanai parou novamente – ...Quero que fique bem.
Neste momento, os olhos de Yin já estavam vermelhos e o menino já estava
soluçando por causa do choro. Hanai olhou então para o chão, sem saber o que falar e,
em seguida, pôs-se de pé novamente. Passou então a mão carinhosamente na cabeça do
menino e caminhou sem olhar para trás, em direção ao interior da nave.
- Mas...mas...não... – Repetia Yin – Já com seu mestre adentrando pelo
compartimento de carga.
Neste momento, a porção de raiva dentro de Yin pareceu sobressair em relação
as demais. Tirou então seu olhar em direção a Hanai e virou seu rosto para o lado,
olhando fixamente para um ponto qualquer no meio daquele monte de soldados, que
andavam para lá e para cá naquela grande avenida de Marahana, a qual havia servido de
local de pouso e decolagens para diversas aeronaves Banshees. Sua respiração começou
então a ficar extremamente ofegante, embora já tivesse parado de chorar. Em seguida,
Yin trincou os dentes, enrijeceu os músculos e fechou seus punhos como nunca havia
feito antes. Seu corpo então, misteriosamente, começou a chacoalhar.
Logo em seguida, um pequeno tremor pôde ser percebido por todos que estavam
a sua volta, logo fazendo com que alguns soldados realizassem um certo esforço para se
manterem de pé. Em seguida, o tremor aumentou e um círculo de poeira levantou-se do
chão, contornando Yin. Círculo este que logo se tornou um grande redemoinho
cercando o menino da cabeça aos pés. Naquele instante, todos perceberam a fonte
daquele estranho fenômeno e viraram-se para Yin, inclusive Hanai. O tremor então
aumentou absurdamente sua intensidade, acompanhado de rajadas de ar que partiam
violentamente do redemoinho em volta do menino e atingiam agora a todos
violentamente, obrigando-os a segurar-se em algo para não perderem o equilíbrio.
- Não...eu quero...não... – Continuava balbuciando o menino, com todos os
músculos de seu corpo ainda mais rígidos e seus joelhos flexionados. - Não...
Yin então apertou mais ainda seus punhos e seus músculos, fazendo o tremor e
as rajadas de vento aumentarem ainda mais. Dessa forma, devido ao seu grande poder, a
nave onde o grupo iria partir começou incrivelmente então a levantar sua parte traseira.
A essa altura, todos já estavam de olhos arregalados, atônitos pela força daquele
pequeno Kogun e tendo a sensação de que aquilo não estava acontecendo de fato.
Contudo, havia ainda uma pessoa que parecia não estar impressionada. Irwind que,
neste momento, olhou para Hanai com um leve sorriso. Seu amigo, por sua vez, olhava
para o chão, como sem saber o que pensar ou agir.
Há muitos quilômetros dali, naquele instante, Sara estava debruçada em uma das
janelas de um dos aposentos do Palácio Real. Era um imenso quarto, bastante decorado
e luxuoso, com uma cama que poderiam dormir dez meninas do tamanho dela. Estava
observando a cidade de Mahani, aproveitando a vista privilegiada do palácio, quando
sentiu uma sensação diferente. Era uma sensação estranha, porém algo que
inexplicavelmente a deixou feliz e confortou sua solidão. A única coisa que sabia,
porém, é que aquilo era por causa de Yin. Abriu então um leve sorriso, de orgulho e
felicidade por saber que ele estava tão bem.
O menino estava agora mais concentrado do que nunca e já havia surgido, no
lugar do redemoinho, uma grande esfera de energia que parecia o embrulhar. E, a
medida que seu corpo aumentava a tremedeira, o tremor aumentava mais e mais.

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Segundos depois, misteriosamente, os olhos de Yin começaram então e se revirarem e a
ficar brancos e, nesse instante, a nave perto dele já flutuava sozinha a alguns metros do
asfalto da avenida, como que amparada por uma estranha força. Neste instante, porém, o
fenômeno parou subitamente. A nave então se chocou violentamente contra o solo, ao
passo que Yin, esgotado, ajoelhou-se e levou suas mãos ao chão, tentando recuperar seu
fôlego normal
- Retiro o que eu disse... – Disse Sahad logo em seguida, também tentando
recuperar seu fôlego após tudo o que havia ocorrido. – Pensando melhor, acho que este
menino seria nosso melhor guarda costas!
- Alguém...Alguém...achava que ele não iria conosco? – Respondeu Trent
ironicamente, também sem ar.
Hanai e Irwind então aproximaram-se de Yin. O primeiro então abaixou
novamente para ficar na altura do menino. Olhou para Irwind e, em seguida, para Yin
mais uma vez e disse, sorrindo:
- Parabéns. Você completou seu treinamento. – Em seguida, levantou-se e
fechou novamente a cara.
- Parabéns Yin. – Disse Irwind também, enquanto encostava a mão na cabeça do
menino e fazia o já famoso brilho amarelado sair de suas mãos, fazendo com que as
forças do menino voltassem ao normal lentamente. Em seguida, com Yin ainda de
quatro no chão, virou-se para um soldado e ordenou:
- Soldado, venha aqui. Providencie uma farda para ele. Esse menino tem uma
missão urgente a cumprir. Traga a menor que tiver!
- Sim, senhor!
Porém, Yin, apesar de ter acabado de receber enfim do seu mestre a notícia que
aguardava mais ansiosamente nos últimos tempos, curiosamente não comemorou de
imediato. Pareceu, durante um tempo, não entender o que havia realmente havia
ocorrido com ele e sentiu sua mente também bastante exausta e confusa com o fato.
Contudo, começava a enfim compreender o que seu mestre queria dizer com “Eu quero
somente que você libere todo seu poder interior. Toda sua fúria. Será sua única chance
nesta missão”. Achou por fim, que sua Aura poderia ir sim muito além de tudo o que
havia conseguido até então, após seu treinamento com Hanai nos últimos cinco dias.

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Capítulo 34 - Os Prarkhis

Pouco tempo depois da nave levando o grupo em direção ao território Furou ter
levantado vôo, o capitão Markeen já conversava com Irwind dentro da mesma sala a
qual Hanai havia apresentado o roteiro da missão em território Furou alguns minutos
antes. No telão da sala, mostrava agora para o general as mais recentes leituras da região
de Shandara.
- Senhor, essas leituras foram das últimas vinte e quatro horas. Como pode ver, a
quantidade de unidades inimigas aumentou consideravelmente neste período na região,
ainda mais do que nos últimos dias. Na verdade, não param de chegar reforços do norte
em direção a Shandara..
- Desgraçados! – Respondeu Irwind. Em seguida, parou um pouco e se acalmou.
Bom, se já sabem que iremos atacar em breve, não vamos desapontá-los. Em seguida,
deu sua última ordem a Markeen:
- Capitão, ordene o avanço de nossas unidades de mísseis de longa distância. E
avise a Nissu que vamos começar o nosso show.
- Sim senhor!
A nave de transporte já estava sobrevoando o deserto de Kayabashi, ao norte de
Marahana a quase uma hora em uma altitude muito baixa, quase rente ao solo, para
evitar qualquer perigo de detecção pelas forças Furous. Sahad estava sentado em uma
das duas fileiras de bancos encostadas nas laterais da nave e, em um de seus lados,
estava Trent, enquanto do outro, havia Yin. Resolveu então puxar conversa com o
menino.
- Escute menino. Foi realmente impressionante o que você fez. Bizarro mesmo.
Acho que ninguém imaginava que você fosse tão forte. Meus parabéns, acho que nos
será realmente útil nesta missão, apesar de ser tão novo.
Yin olhava agora para o capitão, mas permanecia quieto.
- Para falar a verdade, quando eu tinha sua idade, eu...
Neste instante, Hanai - que estava no assento ao lado do piloto - avistou no
horizonte o imenso nevoeiro a sua frente e correu para avisar a todos para que se
preparassem:
- Estamos prestes a entrar em território Furou. Fiquem espertos!
Jess e Nina, esses sentados na outra fileira de bancos, bem em frente a Sahad,
Trent e Yin, então olharam por uma das janelas laterais da nave. O soldado então olhou
para o céu, bastante azulado naquela manhã e pôde ver a corrente de gases multicolorida
que cortava todo o céu de Asíris se dissipando no meio daquela imensa e sinistra névoa
bem a frente, nevoeiro este que parecia, de fato, bem diferente das outras. Afinal, se
estendia por quilômetros em direção ao céu e era tão denso que se assemelhava a uma
parede de concreto cinza. Assim, por um instante, Jess pensou se a nave poderia ser
realmente capaz de ultrapassá-la, ainda que estivesse com sua estrutura reforçada por
Prima.
- Só uma singela entrada para o inferno. - Disse Nina, ironicamente.
Assim que a nave penetrou no nevoeiro, Sahad, Trent e Yin dirigiram-se então
para as janelas do outro lado da nave, tentando ver algo. Misteriosos vultos negros então
começaram a surgir rapidamente e circundar a nave, ao mesmo tempo em que emitiam
um sussurro rasgado, parecido com os grunhidos dos Furous.
- Não deixem essas coisas intimidar vocês. São apenas resquícios de Aura de
Furous há muito tempo mortos. – Falou Hanai.
- Não parecem tão mortos. – Respondeu Sahad, enquanto olhava os vultos se
multiplicarem.

191
Yin então se aproximou mais ainda da janela para poder ver melhor os vultos.
Quando estava quase encostando seu rosto no vidro da nave, que agora chacoalhava-se
bastante, um deles aproximou-se rapidamente e soltou um grito, fazendo o menino se
assustar e saltar um pouco para trás. No segundo em que pôde ver o vulto afumaçado,
no entanto, reparou um rosto se formando e se decompondo muito rápido, um rosto tão
abominável que jamais ele se esqueceria. Com certeza, já havia visto aquele rosto uma
outra vez e se tratava de um Furou, sem dúvida, Um bastante zangado. Da mesma forma
repentina com que veio, porém, o vulto negro com rosto de Furou foi logo deixado para
trás, com a velocidade que a nave passava a imprimir, naquele momento. Afinal, parte
de sua estrutura já começava a se corroer e o piloto preferiu não contar com a sorte,
desejando chegar ao território inimigo o quanto antes. Segundos depois, portanto, Yin
reparou o nevoeiro ficar mais fraco. Em seguida, virou-se e viu todos os seus
companheiros correndo em direção a frente da nave. Todos então olharam pela janela da
frente e o que viram os deixaram estupefatos.
O mundo Furou, naquele momento, se revelava em toda sua amplitude e
escuridão. Todos ali presentes, inclusive Hanai, o único que já estivera naquele
território, ainda que umas poucas oportunidades, ficaram assustados com a abrupta e
assustadora mudança de ambiente. A atmosfera azulada e límpida de antes havia dado
lugar a um céu negro, cujas nuvens espessas não permitiam os raios de sol serem vistos,
muito menos as faces de Calisto e Giamate. O céu também era cortado por raios e
trovões, além de nevoeiros semelhantes à aquele pelo qual a nave havia acabado de
passar. Esses, porém, se estendiam até onde o horizonte e ondulavam no alto em um
efeito semelhante às correntes multicoloridas do território Banshee. O ar daquela região,
por sua vez, dava a impressão de ser bem mais denso do que antes e ventava bastante.
Na verdade, a aridez do Deserto de Kayabashi bem abaixo deles era a única coisa que se
mantinha igual na paisagem.
- Estamos nos aproximando do local de desembarque senhor! – Falou o piloto a
Hanai.
- Muito bem! Pessoal, vistam seus trajes de proteção! Vamos nos preparar para
saltar!
Todos então voltaram ao interior da nave e começaram a colocar seus trajes
especiais e mochilas com suprimentos nas costas, conforme Hanai havia ordenado. Jess
ainda observava todo o ambiente ao redor da nave pela janela da frente, quando viu algo
estranho ao longe, se movendo no solo, como uma silhueta de uma pessoa
engatinhando. Cerrou os olhos para poder ver melhor, mas logo foi cortado por Hanai:
- Vamos Jess! Não ouviu?
- Desculpe senhor! – O soldado então juntou-se aos outros para colocar seu traje.
Yin foi o último a colocar a máscara de proteção, ajudado por Sahad, máscara essa que
deixaria o grupo imune aos efeitos nocivos dos gases presentes na atmosfera inimiga,
além de preservar o rosto de todos do frio, o qual poderia chegar até quarenta graus
negativos, ao fim da jornada.
- Pronto menino! Não se preocupe se ficar um pouco folgada. Afinal, ela não foi
feita para você! Nem este traje! – Falou o capitão a Yin.
- Segurem-se! – Gritou Hanai, logo em seguida.
Neste momento, o piloto reduziu drasticamente a velocidade da nave e, em
segundos, o cargueiro já pairava há poucos metros do solo, fazendo a areia do deserto
revirar-se e se espalhasse pelo ar. Nesse instante, o compartimento de carga traseiro foi
então aberto, permitindo assim que, um por um, os integrantes da missão Banshee mais
importante dos últimos tempos saltassem e começassem finalmente sua aventura rumo a
região mais hostil que eles podiam conhecer um dia. Sem demora, as rajadas de vento

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logo balançaram a nave perigosamente e, por isso, assim que teve uma oportunidade, o
piloto manobrou, ganhou altitude e partiu de volta. Mas não sem antes fazer um gesto
de positivo com a cabeça para Hanai, da janela frontal do cargueiro. Gesto retribuído
pelo mestre de Yin.
- E então? Como se sentem? – Perguntou o líder da missão, já com a voz um
pouco alterada, meio rouca, devido a máscara que cobria seu rosto.
- Um pouco sozinhos. – Respondeu Sahad, olhando para o céu negro, que ainda
possuía umas pinceladas azul escuro – a única indicação de que ainda estava de dia - e
continuava relampejando. Esses dois fenômenos também eram os únicos que impediam
com que toda a região não fosse tomada por um breu total.
- É verdade! – Nina respondeu, olhando a aeronave já sumindo no horizonte.
- Olha, sem querer estragar a surpresa, mas eu acho que não estamos tão
sozinhos assim. – Falou Trent, finalmente.
Há alguns metros do grupo, logo começaram a surgir silhuetas macabras no
meio do nevoeiro de areia que os cercava, nevoeiro esse causado pelas rajadas de vento
ininterruptas. Os contornos ameaçadores, por sua vez, se assemelhavam a pessoas
engatinhando lentamente em direção a eles. Neste momento portanto, sem hesitar, todo
o grupo então empunhou seus rifles, direcionando as lanternas dos mesmos a quase total
escuridão que imperava ao redor.
- O que é isso? – Pensou Jess, se lembrando da visão que teve ainda da aeronave.
Yin era o único que não carregava um rifle e, por isso, foi logo chamado por
Hanai:
- Yin, fique perto de mim!
O menino então correu em direção a seu mestre.
Contudo, assim que as silhuetas chegaram mais perto do grupo e Hanai pôde ver
do que se tratava, abaixou seu rifle.
- Não se preocupe, não nos farão mal.
Os seres eram realmente macabros e a impressão de silhuetas de pessoas
engatinhando se confirmou assim que todos puderam ter uma visão clara. As criaturas
realmente se pareciam pessoas, só que com patas ao invés de mãos e pés, além de
possuírem seus rostos e corpos completamente deformados. No entanto, pareciam não
ter olhos, somente uma enorme boca que tomava a maior parte de suas cabeças, repleta
de dentes afiados e grandes. Os seres estranhos também a todo o tempo mexiam a parte
logo acima de sua mandíbula, como se estivessem farejando algo.
- Quem são eles senhor? – Perguntou Jess.
- São os Prarkhis, uma espécie de parentes dos Kharkis.
- Tem certeza que não nos farão mal? – Nisso o grupo já era cercado por uma
dezena deles.
- Não, tenho certeza. Diferente dos Kharkis, estes seres não atacam. São como
urubus. Só se alimentam de carne morta e são extremamente covardes. O máximo que
farão é nos seguir durante toda a viagem, já que o território Furou é inteiramente
tomado por essas criaturas. Agora vamos. Não temos tempo a perder. Em outro local
seria uma ótima oportunidade para praticar tiro ao alvo. – Logo pensou Trent.
Hanai então seguiu pelo deserto a frente de todos, já com um pequeno
dispositivo em mãos, o qual indicava a exata localização deles naquela região tão hostil,
bem como a trajetória que eles deveriam seguir. Tomou então o rumo em direção a
nordeste, onde em breve encontrariam a primeira colônia Furou. O grupo então seguiu
atrás, acompanhando e suportando com bravura a enorme força do vento que colidia
contra os seus corpos. Contudo, a máscara que usavam, assim como o respirador que ela
possuía, estava funcionando corretamente, lhes fornecendo ar limpo em meio aquela

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atmosfera tão sufocante e inóspita e aliviando um pouco a situação. O grupo de Prarkhis
que os havia cercado, por sua vez, os continuavam seguindo, porém, agora de uma certa
distância. Depois de alguns minutos de caminhada, Hanai avistou então um monte e
pediu para que todos parassem.
- Estejam atentos, atrás daquele monte encontra-se nosso primeiro ponto guia.
Assim que o grupo recomeçou a caminhada, porém, um terremoto sacudiu todo
o local, fazendo todos perderem um pouco o equilíbrio.
- Frio, monstros que nos seguem e agora terremotos! – Parece que este lugar não
gosta mesmo de nós! – Exclamou Nina.
Contudo, poucos segundos depois, o terremoto passou, possibilitando o grupo de
continuar sua jornada. Depois de algum tempo, subiram enfim o monte e puderam
avistar do outro lado finalmente a primeira colônia Furou. Neste instante, Hanai então
fez sinal para que todos se deitassem. Yin, assim como em Noah, não saía de perto de
seu mestre e também se abaixou. Nina então abriu um dos bolsos de sua mochila e
retirou um binóculos eletrônico altamente sofisticado. Ficou observando então a colônia
durante um bom tempo.
- O que vê? – Perguntou Hanai.
- Exatamente como o senhor falou. Está praticamente vazia, apesar de ser muito
grande. Além da colônia, contudo, não dá para ver coisa alguma.
- Além é a região de Gyron. – completou Hanai.
Jess também observava do alto atentamente o local. Notou quase que
maravilhado a imensa redoma esverdeada e transparente que cobria toda a colônia.
Dentro dela, contudo, conseguia ver os topos das altas e bizarras construções Furous,
também assimétricas e retorcidas, feitas de um misturado de rochas e metal.
Provavelmente, os mesmos locais que serviam de moradia para os terríveis inimigos dos
Banshees. Ao redor desta grande redoma, por sua vez, haviam quatro outras menores,
cujo alinhamento com a principal se dava em formato de cruz. Todo o complexo se
caracterizava como a organização padrão que os Furous possuíam ao longo de todo seu
território. Afinal, ao contrário do que grande parte dos Banshees imagina, os Furous não
eram nômades, tendo construído suas primeiras cidades neste mesmo formato há
séculos, com o objetivo de se melhor organizar socialmente e se proteger das
adversidades de seu próprio território, hostil até mesmo para eles. Além disso, tais
cidades-colônias eram também verdadeiras fortalezas contra as investidas do exército
Banshee e, por isso, todas elas costumavam ser fortemente protegidas. Porém, como
Nina havia dito, aquela em específico parecia estar naquele momento esvaziada de
Furous que, provavelmente, haviam de fato se dirigido ao leste. Jess reparou também
que no interior das redomas menores havia, ao invés das construções retorcidas e
sinistras, uma espécie de conjunto de maquinários gigantes em atividade, para extração
de minerais.
- Estou notando também... – continuou Nina – ...que a redoma da esquerda
parece estar ainda mais escassa de movimentação.
Hanai então olhou para os outros montes rochosos que se conectavam com
aquele que o grupo estava bem no topo. Felizmente, a direção que a pequena cordilheira
seguia passava exatamente ao leste da colônia. Bem rente a ela, porém.
- Certo. Seguiremos por este grupo de montes – Falou Hanai, apontando. – Mas
não chamem muita atenção, senão poderemos ser avistados.
O grupo então avançou em direção aos outros montes a esquerda. Contudo,
quando chegaram bem perto do perímetro da colônia, notaram algo estranho, que os fez
parar de imediato e olhar novamente para ela. Na extremidade da redoma menor mais
próxima deles, a da esquerda, havia uma espécie de estrutura metálica vertical e imensa,

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que se estendia por muitos metros a partir do solo. Naquele momento, uma esfera
azulada surgia no topo da estrutura e todos observaram sem entender. Em seguida, a
mesma decaiu rapidamente, percorrendo toda sua extensão e chocando-se violentamente
contra o solo. Com o impacto, um tremor se seguiu e vários lampejos de energia
azulados percorreram o chão arenoso do deserto por vários metros, até se esvaírem e
desaparecerem.
- O que estão fazendo senhor? – Perguntou Jess, curioso.
- Não tenho certeza. – Respondeu Hanai.
- Parece uma espécie de pulso eletromagnético. – Arriscou Nina
- Pulso eletromagnético?
- Sim, e com a força deste impacto, parece que seu alcance se estende por muitos
metros abaixo da superfície.
- Mas porque estão fazendo isso?
- Talvez utilizem esta técnica para mineração – Palpitou Sahad.
- Talvez, não sei ao certo – Falou Hanai. Mas isso não interessa. Vamos. Não
temos tempo a perder.
Felizmente, o grupo seguiu pelo terreno altamente acidentado sem ser notado
por nenhum Furou presente na colônia.
Em Marahana, Irwind e Markeen estavam de volta a sala com o telão.
- Quando quiser senhor. – Falou o capitão, com um comunicador na mão.
Irwind então olhou para o telão, o qual mostrava agora todo o Deserto de
Kayabashi. Observou então a mancha azulada no mapa, a qual representava a cidade de
Marahana e, em seguida para os inúmeros pontos verdes e vermelhos que cobriam toda
a região que antes era Shandara. Entre uma cidade e outra, havia, contudo, um grande
cordão de pontos azulados, que representavam as unidades amigas que iniciariam os
ataques de longa distância aos Furous, em Shandara, as mesmas que Irwind havia
ordenado partir há algumas horas. Um pouco mais ao sul, por sua vez, havia um outro
cordão, esses formados pelas unidades vindas de Wamboo, comandadas por Nissu.
Observou o alinhamentos das unidades, suas coordenadas e então suspirou. Em seguida
falou:
- Atirem os mísseis.
A ordem de Irwind foi passada a frente por Markeen através de seu comunicador
e logo chegou, simultaneamente, aos ouvidos dos capitães que estavam tanto na frente
de combate vinda de Shandara quanto de Wamboo. Assim, foi a vez desses mesmos
capitães repetirem a ordem, sincronizadamente, aos operadores dos veículos Banshees
que carregavam os mísseis. Os mesmos foram então disparados.
Assim, uma chuva acinzentada cobriu o céu de Kayabashi em uma cena inédita e
assustadora, todos com um alvo específico: Shandara, que estava localizada a cerca de
cem quilômetros dessas unidades. Segundos depois, Irwind deu então uma nova ordem:
- Agora mandem decolar as aeronaves.
Markeen novamente repetiu as ordens de seu general e, minutos depois, dezenas
de bombardeiros Banshees - os quais estavam em prontidão no solo na mesma zona das
unidades de mísseis de longa distância - já ganhavam altitude e começavam seu vôo
também em direção a cidade natal de Irwind.
Agora é nossa vez de atacar seus miseráveis! Quero ver vocês suportarem toda
a fúria de nossas armas! – Pensou Irwind. Eu quero Shandara!
A batalha de Kayabashi, dessa forma, sem dúvida, havia acabado de recomeçar
após curtos cinco dias de trégua.

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Capítulo 35 – O Balanço dos Primeiros Ataques

Alguns quilômetros depois de subidas e descidas, o grupo estava descendo o


último monte rochoso e puderam reparar em uma nova mudança repentina na paisagem.
Naquele local, o Deserto de Kayabashi terminava, dando lugar a um solo recoberto
inteiramente de neve. A medida que andavam mais e mais, podiam já notar o
aparecimento de alguma vegetação, ainda que sombria, espalhada por aquela nova
região, igualmente fantasmagórica. Era composta basicamente por troncos retorcidos de
cor negra, recobertos por insetos peçonhentos e fungos. Os fungos, por sua vez, também
se estendiam por grande parte do solo gélido e Nina, por um momento, pôde jurar que
viu uma parte deles se movendo.
- Bem vindos a região de Gyron. Teremos que nos acostumar com ela, já que nos
depararemos com essa mesma vista durante muitos e muitos quilômetros daqui para
frente. – Falou Hanai. – Afinal, ela só terminará quando chegarmos aos pés da
cordilheira de Tyron. E não esqueçam de ligar o auto regulador de temperatura de seus
trajes, porque agora o frio vai aumentar!
Um inferno gelado, que ironia! – Pensou Trent, enquanto apertava um botão
vermelho em seu traje especial, de cor branca e cortado por algumas listras negras.
Característica essa que fazia com que o mesmo agora se camuflasse ainda com mais
eficácia no novo ambiente. Assim que apertou o botão, um pequeno zumbido soou.
- Agora vamos! Temos ainda um vasto território a percorrer.
Muitas horas depois, o grupo já havia andando por dezenas de quilômetros
quando a noite já começava a cair. Apesar da sensação daquele local viver uma noite
eterna, ainda haviam as pinceladas de azul escuro no céu, mas elas já começavam
lentamente a desaparecer, dando lugar finalmente a inevitável escuridão. Contudo,
Hanai, observando o fenômeno, pôde notar que o nevoeiro cinza com os milhares de
vultos negros no céu permanecia visível, há muitos quilômetros acima. Trent, por sua
vez, estava observando alguns Prarkhis ao longe, ainda desejando acertar um deles só
por diversão quando Hanai deu mais uma ordem a todos:
- Muito bem pessoal! Devem estar todos cansados! Nossa caminhada por hoje
chegou ao fim. Vamos passar a noite aqui.
Bem a frente deles havia agora um grande rochedo cuja base apresentava um
formato de concha, uma espécie de vão no qual todos poderiam armar suas barracas e
descansar. Não era o lugar mais confortável do mundo, mas pelo menos teriam um teto
e não precisariam dormir direto na superfície gelada.
- Ufa! Ainda bem! Já estava exausta! – Desabafou Nina.
- Isso não é nada. Estas minhas botas estão acabando com meus pés!
Coitadinhos deles, poxa! Vocês não merecem isso, eu sei! – Falou Sahad, olhando para
seus imensos pés. Neste instante todos olharam de lado para ele.
- O que foi? – Perguntou o capitão.
O grupo então descarregou as provisões necessárias, armaram tendas e, em
seguida, comeram algo. Na hora de dormir, todos também já haviam se livrado dos
pesados rifles que carregavam, menos Trent, que costumava dormir abraçado com o seu
próprio, customizado. Hanai observou a cena, deu uma risada mas não preferiu
comentar nada. Muitos minutos depois, noite adentro, o capitão de cabelos loiros e
corpo esguio ainda tentava pegar no sono quando sentiu um vento quente em seu rosto,
semelhante a uma baforada. Porém, estava tão cansado que não abriu seus olhos.
Contudo, a segunda baforada fez Trent finalmente despertar e, quando abriu os olhos,
teve que se conter para não dar um salto de susto. Afinal, um Prarkhi estava bem diante
dele, farejando-o e sacudindo a cabeça lentamente. Levou então alguns segundos para

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entender perfeitamente que estava acontecendo e, depois de algum tempo, balbuciou
para si algumas palavras, baixinho:
- Não vão nos fazer nada, sei. Esses desgraçados estão só esperando estarmos
sem força para nos devorarmos. E olha que mal começamos a missão.
O bicho parecia não ter se assustado com o despertar de Trent e continuava no
mesmo local e agindo da mesma forma.
- O fato meu amigo – continuou Trent. – É que não vou conseguir dormir com
você me fazendo companhia deste jeito. – Ainda deitado, passou a mão no seu rifle e
ergueu-o com cuidado na altura da sua cabeça. Em seguida, apontou-o, mesmo com
seus braços recolhidos, na direção da cabeça do monstro.
- Se você fosse uma mulher bonita, quem sabe? Mas...– Trent então com a mão
direita destravou o rifle e colocou o dedo no gatilho. O monstro continuava não se
intimidando, mesmo agora com o um longo cano a centímetros de sua cabeça.
- ...não é o caso. – Após então mais uma baforada do monstro, Trent disparou o
silencioso tiro contra sua testa, fazendo a cabeça do monstro se deslocar para trás. Em
seguida, o monstro caiu na neve e começou a se contorcer, ao mesmo tempo em que
começava a urrar de dor desesperadamente, em um som rasgado e amedrontador.
Alguns outros Prarkhis que observavam a cena um pouco de longe, se afastaram logo
em seguida.
- Mas que diabos? – Trent exclamou, surpreso pelo fato da criatura não ter
morrido com o tiro em sua testa. Nisso, o capitão já se colocava de pé
Os gritos incessantes da criatura acordaram então o resto do grupo. Primeiro foi
Hanai, seguido dos outros e por último Yin. Há mais ou menos um quilômetro dali, uma
dupla de guerreiros Furous em um veículo flutuador, contudo, também pôde ouvir a
agonia do Prarkhi. Mudaram então sua direção e resolveram se encaminhar para onde
estavam vindo os gritos.
Hanai, já de pé, então aproximou-se de Trent e da criatura ao chão, já com sua
Asor na cintura:
- Mas o que diabos aconteceu?
Neste instante, Trent deu um segundo tiro na criatura, fazendo-a se calar de vez.
- Este bicho senhor, estava nos farejando. – Falou Trent apontando o cano de seu
rifle para o ser, agora morto.
- Ele te atacou?
- Não, mas estava certo de que iria.
- Como eu disse, estes seres não atacam. – Hanai já aumentava o seu tom de voz.
– Só se alimentam de carne morta.
- Mas senhor...
- Escute capitão. Minhas ordens foram muito claras. – Nisso o grupo já estava
sentado no vão do rochedo, observando a cena. – Nenhum tiro deve ser disparado sem a
minha ordem.
- Mas senhor, tenho certeza que este ser iria aproveitar que estávamos dormindo
e nos matar.
Assim que Hanai ia responder, ouviu passos brutos aproximando-se do grupo
por cima do rochedo onde todos estavam dormindo momentos antes. Olhou de lado e só
teve tempo de pular em direção a Trent e agarrá-lo com força. Em seguida, uma rajada
de balas foi disparada em sua direção. As rajadas, porém, logo se chocaram com o
escudo protetor que Hanai fizera rapidamente com sua Aura e que protegeu os dois da
morte certa. Jess, Sahad e Nina, por sua vez, notando o perigo, logo pegaram suas armas
e se protegeram no vão do rochedo. Assim que Hanai notou os disparos cessarem,
entendeu que o Furou estava recarregando sua arma. Aproveitou então o espaço de

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tempo e sacou sua espada para, em seguida, saltar em direção ao monstro, que nada
pôde fazer antes de levar o golpe fatal. O mestre Yin, agora em cima da pedra, logo em
seguida olhou para o lado e notou que havia um outro Furou, e que este corria em
direção ao seu veículo flutuador, provavelmente com a intenção de avisar da presença
do grupo a outros. Assim que o monstro apertou alguns botões no veículo, porém,
virou-se para trás e viu somente um vulto cortando o ar em sua direção. Uma fração de
segundos depois e a lâmina da espada de Hanai já estava atravessada na altura do tórax
do monstro, abatendo-o por completo. Logo em seguida, o grupo então subiu no
rochedo chegou no local, no mesmo instante em que Hanai retirava sua espada do corpo
do Furou, ao lado do flutuador. Todos então pararam imediatamente perto do líder da
missão, com Trent tomando a frente. Hanai então guardou finalmente sua espada na
bainha e disparou:
- Vocês estão vendo? Estão vendo porque precisamos tomar cuidado? Porque
temos que ser os mais singelos possíveis?
Trent então coçou a cabeça e olhou para o chão.
- E isto capitão. – Nisso Hanai virou-se e olhou nos olhos de Trent. – Isso não
foi nada singelo. Quase colocou toda nossa missão em risco. Quantas vezes tenho que
dizer que enquanto estivermos aqui temos que atirar somente em caso de extrema
necessidade?
- Desculpe. – Respondeu o capitão.
Hanai então virou-se novamente para o flutuador Furou e apoiou suas mãos em
sua lateral, visivelmente irritado.
Alguns segundos de silêncio e constrangimento se passaram até que alguém
pronunciasse as próximas palavras:
- Bom... – Falou finalmente Sahad. – Pelo menos temos um meio de transporte
agora. – E apontou para o veículo.
Em Shandara, os ataques aéreos e de longa distância das tropas Banshees
prosseguiam, com um intervalo de tempo bem curto entre um e outro. Contudo, os
Furous continuavam aproveitando muito bem o escudo protetor da antiga base de
Archia para preservar suas principais unidades. Além disso, nesses cinco dias, haviam
aproveitado os sistemas de esgoto do perímetro urbano da cidade de Shandara para
ampliá-los, conseguindo assim também se esconder muito bem abaixo das ruínas da
cidade em novos e gigantescos túneis. Por isso, apesar dos primeiros ataques Banshees
já terem rendido o dia inteiro, muitas poucas baixas de seu inimigo haviam sido
registradas.
Já era noite em Marahana, quando Irwind recebeu uma transmissão de Nissu,
com Markeen ao seu lado.
- General, eles estão resistindo muito bem aos nossos ataques. Tanto os da nossa
frente quanto das unidades que partiram daí.
Irwind escutava concentradamente. Nissu, que diferentemente de Irwind havia
seguido com as unidades de mísseis de longa distância, observava a cidade de Shandara
ao longe, através de um visor eletrônico instalado dentro da unidade terrestre em que ele
estava. Em seguida, olhou um pequeno mapa ao seu lado.
- Parece que estão fechados dentro de uma concha e perfeitamente defendidos!
O que faremos general?
Irwind então olhou para Markeen e, em seguida aproximou-se do microfone:
- Mande recuar parte de suas unidades aéreas, já que não estão fazendo muito
efeito e, em breve, estaremos com pouca munição. Eu ordenarei que parte das vindas da
frente de Marahana recuem também. Mas não cesse os mísseis de longa distância, para
eles não pensarem que desistimos. Esses deverão continuar durante toda a noite.

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- Entendido!
- E comandante.
- Sim?
- Tenha paciência, bastante paciência. Iremos precisar.
- Sim senhor!
Irwind então finalizou a transmissão. Em seguida, virou-se para Markeen.
- Capitão, repasse essas ordens que acabei de dar para nossa frente, próxima a
Shandara. Em seguida, pode descansar. Você merece.
- Mas senhor...
- Sim?
- Obrigado.
Irwind então sorriu e afastou-se um pouco. Markeen prontamente fez uma nova
transmissão e falou novamente no microfone exatamente o que Irwind havia ordenado
segundos atrás. O general entrou então saiu do hall e se dirigiu a uma sala ao lado, com
uma mesa ao centro. Irwind então aproximou-se e apoiou seus braços sobre ela,
suspirando. Estava bastante cansado. Aqueles malditos Furous! Malditos, malditos! –
Pensou. Em seguida, lembrou do conselho que havia dado a Nissu e resolveu se
acalmar. Afinal, tinha a sensação que a batalha ainda iria durar muito mais do que o
planejado.

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Capítulo 36 - O Cemitério de Gyron

Era início da tarde do dia seguinte e o grupo já havia avançado por muito tempo
pela região de Gyron, ainda em direção ao nordeste, utilizando o veículo flutuador
Furou que haviam obtido na noite anterior. Contudo, devido ao fato ocorrido na noite
anterior, o clima entre todos não estava muito bom e, por isso, o silêncio prevalecia
entre todos na viagem. Sahad então, numa tentativa de melhorar o astral e o ânimo de
todos, resolveu quebrar o gelo e propor algo diferente. Olhou para Hanai que pilotava o
veículo, para Jess que estava ao lado dele e para Nina, que, por sua vez, estava com uma
expressão séria ao seu lado. Então observou Yin, por fim, e finalmente Trent, bem atrás.
- Pessoal, estava pensando. Nós fomos reunidos para essa missão muito
repentinamente certo?
Todos continuavam imóveis e com a mesma expressão de antes.
- Acho melhor contarmos um pouco de nós, de nossa vida, o que gostamos de
fazer, não sei. O que vocês acham? Acho que serviria para entrosar a equipe, certo?
Novamente silêncio.
- Ok então, vou começar por m...
- Eu gosto de estrelas, mas prefiro as menores. – Falou Nina.
- E por quê?
- Bom, não sei. Parecem que precisam de mais atenção do que as outras. -
Respondeu a soldado um tanto aleatoriamente, sem desviar seu olhar da direção
original.
- Boa! O problema é que aqui não há estrelas para se olhar. Só este nevoeiro
horrível bem acima de nós. Ok, e o resto?
Mais alguns segundos de silêncio se seguiram.
- Vamos lá, não é difícil! – Insistiu Sahad.
Depois de um tempo foi a vez de Jess responder:
- Eu gosto de...chá de ceifa. Está bom?
- Ok, é uma resposta. O problema é que não há chá de ceifa em nossas provisões,
então creio que você terá que esperar até voltarmos para casa meu amigo.
Neste instante, Hanai resolveu intervir:
- Capitão, você está querendo animar o grupo ou piorar a situação? – Disse, com
um sorriso irônico.
- Não senhor. Estava só...
- Estou brincando capitão. Não leve a sério.
Sahad então olhou para o lado e resolveu perguntar:
- Então nos diga grande líder. Do que o senhor gosta? Vamos, é a sua vez.
- Como por exemplo?
- Não sei, qualquer coisa, algo que o faça sentir bem.
Hanai então pensou um tempo, com os olhos fixos no horizonte gelado a sua
frente e respondeu.
- Ainda que todos os espíritos que um dia deixaram esta terra possam sentir um
pouco de inveja dos que ainda a habitam, os mais sábios que ainda a habitam podem
sentir talvez ainda mais inveja de tais espíritos. – Falou.
Todos então no veículo arregalaram um pouco os olhos sem saber o que pensar,
depois da enigmática resposta de Hanai.
- Ok. Isto também foi uma resposta. Você gosta de poesia então.
- Liberdade meu amigo. Liberdade.
Sahad então balançou a cabeça positivamente e olhou para baixo. Em seguida,
virou-se para o lado e viu Yin.

200
- E você rapaz? – Perguntou, dando uma leve sacudida no menino.
- Este aí é fácil. Gosta de confusão, de não obedecer os outros. – Respondeu
Hanai.
Yin então virou seu rosto para a paisagem, fingindo não ter ouvido. Sahad riu de
leve.
- É verdade. E tem que ser muito corajoso mesmo. Para querer ter vindo conosco
nesta missão. Mas diga, o que gosta mesmo de fazer?
Yin não estava com muita disposição para responder e, ainda que estivesse
fazendo força para lembrar de algo, nada vinha em sua cabeça.
- Vamos, o que há?
O menino novamente não falou nada.
- E você? – Perguntou Nina.
- Eu?
- É, o que gosta de fazer? Estou curiosa de saber também.
- Eu..bem...não sei. Estou só perguntando, quem tem que me dizer são vocês. –
Respondeu Sahad rindo.
- Também só estou perguntando.
Sahad então ficou um tempo quieto e, em seguida, resolveu tentar algo:
- Bem...eu...
Nina o observava atentamente.
- Bem...Sabe quando você está de serviço a semana inteira, treinando duro,
pegando pesado, obedecendo ordens e passando por diversas situações de risco que
exigem muita responsabilidade de um capitão? Bom, aí no fim da semana você volta
para casa e reencontra enfim sua namorada.
- E?
- Pois é. Aí ela diz que está morrendo de saudades, prepara alguma coisa bem
gostosa para você comer a noite e tenta te agradar de todas as formas possíveis. Bom, aí
vem o depois. Ah, o depois...
- E? – Perguntou novamente Nina, já com um leve sorriso no rosto.
- Bom, tem o depois não é? O depois. É isso que eu gosto de fazer.
E o grupo todo caiu na gargalhada. Nina sorriu de leve e sacudiu a cabeça.
- Sua namorada então. Você gosta da sua namorada. – Perguntou Hanai.
- Salvação líder, sabe como é. Salvação.
E todos gargalharam novamente.
- Eu nem tenho namorada... – Concluiu Sahad.
Após alguns segundos de descontração, Sahad finalmente virou-se para trás.
Trent estava encostado na lateral do pequeno compartimento de carga do veículo, sério
e olhando ao longe. Como sempre, estava também abraçado com seu rifle de longo
alcance. Sahad então virou-se, debruçou-se no encosto e perguntou:
- E você? Só falta você falar do que gosta.
- Gosto de silêncio. É bom as vezes. – Respondeu secamente.
Sahad então abriu os olhos e virou-se para todos no veículo. O grupo todo
olhava agora para ele, menos Hanai, que mantinha seus olhos fixos na superfície gélida.
- Bom, aí você está dificultando as coisas. Vamos lá. Nos fale sobre você Trent.
Tem namorada, família, algo do tipo?
O capitão permaneceu quieto. Sahad então percebeu, mesmo com o veículo
sacolejando bastante, uma pequena fotografia colada no cano do rifle do capitão, perto
de onde estava a sua mão.
- O que é isso? – Perguntou, já puxando a fotografia colada no rifle.
- Ei!

201
Sahad então aproximou-se a pequena foto de seus olhos para poder vê-la melhor.
- É uma linda mulher. E uma linda menininha também. Quem são?
- Deixa eu ver? – Perguntou Nina.
Trent então virou-se novamente para o lado.
- São minha esposa e minha filha.
- Nossa. Ela é tão lindinha. Onde elas moram? – Falou Nina.
- Em Meritzen. Nós somos de lá.
- Agora eu sei por que você dorme com seu rifle. Bom, é uma coisa legal. Você
deve estar sentindo um bocado de saudade delas agora não? – Perguntou Sahad, já
devolvendo a foto a Trent.
- Sim, com certeza. Mas...
- Mas o que? – Perguntou Sahad.
- Isso não quer dizer que quando estou com elas as coisas são mil maravilhas,
digamos assim.
- Como assim?
- Bom...não sei explicar ao certo.
Sahad então continuou olhando para Trent.
- Bom..é que...elas reclamam que eu sou uma pessoa ausente, ou algo assim.
- Ausente em que sentido?
- Bom, elas dizem que mesmo quando estou com elas meus pensamentos estão
sempre longe, não sei ao certo. Que não lhes dou muita atenção. – Trent confessava
olhando para o longe, para a paisagem de troncos retorcidos que passava rapidamente. -
Dizem que nunca me importo com o que elas pensam ou falam.
- Sei como é. Bom, minha mãe também reclama as vezes. Diz que eu passo
muito tempo longe, de serviço, e que quando tenho a oportunidade de ficar com ela,
prefiro sair e me divertir. Mas já estou acostumado com isso. Isso é normal, elas sempre
reclamam.
Trent então balançou a cabeça, consentindo. Então continuou:
- Bom, mas sabe de uma coisa? As vezes acho que elas estão certas sabia? Não
sei porque, mas as vezes fico olhando para o nada. E fico assim durante muito e muito
tempo. Não sei, é uma antiga mania. Como se estivesse procurando por algo. Algo que
me faça muito bem, como você mesmo estava perguntando. – Trent então sorriu.
- Um último tiro? – Perguntou de surpresa Hanai lá na frente, alguns segundos
depois.
Trent então sorriu ainda mais.
- É, talvez. É um bom palpite.
- Você terá sua oportunidade capitão. E não demorará muito, prometo. – Falou
Hanai, dando uma breve olhada para trás com um sorriso.
Contudo, logo quando virou sua atenção novamente para frente, observou algo
estranho no horizonte, há alguns metros a frente, em meio aquele cerrado branco e
hostil. E, assim que o veículo se aproximou um pouco mais, Hanai pôde entender do
que se tratava. Pelos Deuses! – Pensou, enquanto já parava o veículo. Agora percebendo
também a situação, o restante do grupo então olhou para frente e também ficou
estarrecido com a visão que teve. Nina foi a primeira a saltar do flutuador Furou e levar
as mãos a boca, de apreensão.
Bem diante deles, havia agora centenas, talvez milhares de Prarkhis se
alimentando de algo. Todos já haviam percebido que se tratava de milhares de corpos de
soldados Banshees espalhados por aquele solo árido, os mesmos soldados que haviam
perdido misteriosamente a batalha contra os Furous naquela região há cerca de um mês.
Por entre os corpos, haviam também algumas carcaças de tanques, aeronaves e

202
toneladas de metais retorcidos. A visão que o grupo estava tendo naquele momento,
com certeza, era próximo a do inferno. Era bem provável que, durante toda a vida,
ninguém ali presente tivesse vivenciado uma carnificina naquelas proporções. Yin então
saltou ao lado de Jess, que logo o aconselhou:
- Yin, se você quiser você não precisa ver isto certo? – Disse, apoiando sua mão
direita nas costas do garoto.
O menino, contudo, pareceu não dar muita atenção para as palavras de Jess,
parecendo hipnotizado com a terrível cena. Contudo, alguns segundos depois, preferiu
enfim olhar para o chão. Hanai estava a frente do grupo, ainda olhando aquela
devastação, quando Sahad aproximou-se do seu lado:
- Eles são...
- Sim. As tropas que perdemos misteriosamente há algumas semanas.
- Mas como? Como os Furous puderam nos derrotar assim tão fácil? Estávamos
em ampla vantagem não? Esses malditos!
- Isso ainda não sabemos. Espero que isto seja uma das coisas que possamos
desvendar nesta jornada.
Sahad então observou os Prarkhis mais próximos se esbaldando com a farta
disposição de alimento.
- O que faremos senhor?
- Não podemos parar agora, temos que seguir.
Sahad então virou-se para Hanai:
- Mas como?
- Só temos que tomar muito cuidado com os corpos. Afinal, esses homens
merecem todo o descanso, depois de tudo o que passaram.
Hanai então virou-se em direção ao flutuador. Sahad, por sua vez, virou os olhos
para os homens mortos novamente e desabafou:
- Pelo menos estão livres agora.
Hanai, já de costas, então completou:
- E salvos também.
O grupo então entrou novamente no flutuador e seguiu viagem, com Hanai agora
tomando bastante cuidado para não atropelar nenhum dos corpos no chão, nem colidir
com nenhuma carcaça de tanque no caminho. Jess, por sua vez, observava todo o
cenário a sua volta calado. Algum tempo depois, o flutuador enfim terminou de
atravessar completamente aquela área terrível e voltado finalmente a cruzar a superfície
gélida, coberta pela mesma vegetação sinistra de antes. A essa altura, a noite já estava
caindo novamente na região de Gyron. Alguns segundos depois, Jess, ainda ao lado de
Hanai, resolveu falar:
- Senhor?
- Sim?
- Estava reparando naquele ex-campo de batalha, o qual acabamos de atravessar
e percebi que não há corpos de Furous mortos, somente Banshees e mais Banshees.
- Sim, eu também reparei.
- Como isso é possível? Digo, por mais que os Furous tenham ficado mais fortes
ou coisa parecida, deveria ter alguma baixa deles não?
Hanai então ficou parado um tempo.
- É o que eu estava falando há pouco tempo para Sahad. Parece que essa jornada
nossa servirá também para a solução de muitos mistérios. Mas, como um palpite apenas,
pode ser que, o que quer que seja que tenha assassinado esses homens, podem não ser
simples guerreiros Furous em si, mas algo mais, ou alguém.

203
Capítulo 37 – A Ameaça Gigante

Neste momento, com as palavras de Hanai, todo grupo lembrou ao mesmo


tempo do objetivo principal da missão e, mais precisamente, de seu alvo, a criatura
maligna que se dispuseram a caçar. Além disso, naquele instante, todos perceberam
também que o palpite de Hanai fazia todo o sentido e a dúvida sobre a existência ou não
deste ser que, de certa forma, ainda incomodava na cabeça de todos, começava a se
dissipar. Contudo, terá sido realmente esta criatura sozinha, capaz de derrotar tantos e
tantos Banshee? Um súbito medo então tomou conta dos integrantes da missão. Foi
quando Nina resolveu questionar algo:
- Se esta criatura é tão poderosa assim, porque então se esconde como um rato
amedrontado? Porque não dá as caras de uma vez?
Sahad, que ainda olhava para a paisagem do lado de fora, respondeu, sentindo
agora uma fúria enorme dentro de si.
- Você pode perguntar para ele quando o encontrarmos. E, em seguida, trucida-
lo, como você quer tanto fazer.
Nina então sorriu. Estes malditos Furous, este lugar abominável, esta criatura
que se acovarda. Tudo isto está me deixando bastante nervoso! – Pensou o capitão das
Forças Especiais. Algum tempo depois, Hanai resolveu informar enfim as últimas
novidades ao grupo:
- Segundo o localizador, estamos bem perto do nosso segundo ponto guia da
viagem. E estejam mais avisados do que nunca, já que, se não se lembram, não teremos
que passar somente por uma colônia Furou dessa vez, e sim por uma região cheia delas.
Ah, ok. E me dê a boa notícia. – Pensou Nina.
- A boa notícia é que não seguiremos para lá ainda hoje. Já está ficando bastante
escuro. Por isso daqui a pouco vamos parar e descansar. – Respondeu coincidentemente
Hanai, dando uma olhada para trás.
Nina novamente ficou bastante satisfeita com a notícia. Contudo, enquanto
olhava sorrindo para todos, pôde notar a extrema exaustão já presente no rosto de cada
um. Logo em seguida, porém, pôde sentir algo que cortou completamente seus
pensamentos. Um grande tremor de terra, de intensidade semelhante ao que haviam
sentido no início da jornada, antes de chegarem a primeira colônia Furou, sacudiu
violentamente todo o veículo. Imediatamente todos então se entreolharam, ao mesmo
tempo curiosos e apreensivos.
- Ok, pessoal. Vamos ficar espertos. Parece que este lugar está reclamando de
algo. – Falou Hanai ao grupo.
- De nós! Como sempre! – Respondeu prontamente Sahad.
Hanai então sorriu. Logo em seguida, porém, viu algo no horizonte que não
acreditou. Como já estava escuro e os faróis do veículo Furou não iluminavam muito
mais do que poucos metros a sua frente, cerrou os olhos para ver o que era. Reparou
então boquiaberto uma grande “onda” de neve se dirigindo exatamente contra ao
veículo. Assim que o flutuador aproximou-se da onda, o líder da missão pôde então
reparar a imensa parede branca crescendo ainda mais e mais e aproximando-se em uma
velocidade incrível. Neste momento, resolveu então alertar a todos:
- Segurem-se! Agora!
Sahad então olhou para frente, acompanhado de todos e imaginou estar
sonhando.
- Mas o que?
Contudo, aquela altura já era tarde para qualquer reação. Uma fração de segundo
depois, todos puderam somente sentir a massa branca colidindo contra o veículo,

204
fazendo-o dar uma espécie de looping sobre o seu eixo e chocar seu teto contra o solo
gélido. O flutuador Furou ainda girou mais umas duas vezes de lado, devido ao impacto,
até parar por completo. Alguns segundos de silêncio depois, dentro do veículo, agora de
ponta-cabeça, finalmente surgiu uma voz:
- Estou todos bem? – Era de Hanai.
- Sim, acho que sim – Respondeu Jess.
Neste momento, Nina e Trent também saíram sem maiores ferimentos de baixo
do veículo e Sahad já puxava Yin para o lado de fora.
- Muito bem. O que foi isso agora? – Perguntou o capitão.
- Seja lá o que for, estamos a partir de agora sem um meio de transporte. –
Concluiu Nina, apontando para o flutuador, bastante avariado com o acidente.
- Quem sabe se eu puder virá-lo... – Sahad então juntou as mãos por baixo do
veículo e tentou fazer uma alavanca para coloca-lo do lado “certo” novamente.
Contudo, mais uma surpresa desagradável fez o capitão soltar o flutuador e deixa-lo
colidir novamente ao chão. Um novo tremor foi sentido e, dessa vez, algo mais
aterrorizante aconteceu a seguir.
Quando todos viraram-se para trás, notaram que uma espécie de cratera se abria
repentinamente no solo e, sem demora, logo começaram a correr desesperadamente para
não serem engolidos por ela. Apressaram então o passo cada vez mais, a medida que o
chão ia abrindo, agora quase sob os seus pés. Logo em seguida, porém, sentiram mais
uma onda de neve, colidirem contra seus corpos por trás e foram todos ao chão. Hanai
então, tentando se colocar de pé novamente, olhou para o alto e ficou estarrecido com o
que viu. O restante do grupo, por sua vez, sentiu um súbito medo, como jamais haviam
sentindo em suas vidas. Sahad então desabafou:
- Que os Deuses protejam todos nós!
Uma criatura gigante, parecida com uma lagarta, só que de proporções colossais
e com uma imensa boca repleta de dentes afiados, surgiu de dentro da cratera que havia
se aberto e estendeu todo o seu corpo em direção ao céu. Ao total , o ser devia ter uns
vinte metros de comprimento, além de uma pele amarelada e escamosa e alguns
espinhos espalhados por ela. O grupo ainda olhava atônito para o bicho, quando o
mesmo fez questão de abrir sua enorme mandíbula e rugir de uma forma assustadora.
- Ok, vamos correr! – Disse Hanai, já de pé e ajudando Jess se levantar. Yin
prontamente correu em direção ao seu mestre enquanto todos os outros já sacavam seus
rifles de suas costas, e medida que também se afastavam da criatura.
O monstro então, mesmo pesando inúmeras toneladas saltou em direção ao céu e
saiu definitivamente de seu buraco. Em seguida, “aterrissou” no deserto gélido de
Gyron, causando um enorme impacto. O grupo então dirigiu-se a um rochedo bem
próximo, o qual poderia lhes servir de abrigo. A esta altura Jess, Nina, Sahad e Trent já
disparavam sem hesitar suas armas contra o monstro, o qual não demonstrava sentir
efeito algum. Sem demora, começou então a rastejar e os perseguir. O grupo então se
apressou e contornou o rochedo, ao mesmo tempo em que Hanai já subia no seu topo e
sacava sua Asor.
Percebendo que, pela diferença de tamanho entre a criatura e os outros, o grupo
seria uma presa fácil, o mestre de Yin voou em direção a lagarta para chamar atenção.
Quando ficou cara a cara, deferiu então um golpe certeiro na altura de sua imensa boca,
impedindo que o monstro o abocanhasse. Uma substância viscosa começou então sair
do corte que Hanai acabara de fazer na criatura que, neste instante, notando que os
disparos vindos do outro lado não cessavam, virou-se então e avançou dessa vez contra
o rochedo onde se escondia o grupo.

205
Jess, Nina, Sahad, Trent e Yin, logo percebendo a fúria do ser vindo agora em
sua direção, trataram de se afastar logo dali. A lagarta então explodiu o rochedo em mil
pedaços com sua força e, com o impacto, todos foram ao chão. Em seguida, resolveu
avançar ainda mais contra o grupo. Porém, neste instante, foi surpreendida por uma
série de Shinyas lançadas por Hanai contra suas costas. Quando se virou, o mesmo
aproveitou a deixa e lançou uma Shinya-Hashiki contra seu olho direito, ferindo-o
gravemente. A criatura então rugiu e sacolejou de dor. Contudo, assim que o mestre de
Yin se preparava-se para lançar uma outra técnica no segundo olho da criatura, a
mesma, já aparentando desespero, saltou em sua direção e atingiu-o em cheio com sua
imensa cabeça – a qual era protegida por uma dura carapaça.
Com o forte golpe, Hanai despencou da altura de onde se encontrava em direção
a neve. O bicho, ainda sentindo muitas dores e percebendo os danos de Hanai, resolveu
então avançar agora contra o seu pequeno inimigo. Sahad então levantou-se
rapidamente, com a intenção de ajudá-lo.
- Espere! – Disse Nina, segurando-o pelo braço.
Sahad então olhou para a soldado e, em seguida, retirou seu braço das mãos de
Nina. Em seguida, enquanto virava-se, falou-lhe algumas palavras:
- Pode deixar. Não acontecerá nada comigo.
Já estava correndo e afundando seus imensos pés na neve quando fez um último
pedido:
- Só me ajudem nessa, por favor!
Jess então obedeceu, sacando seu rifle e disparando contra a criatura. Trent, com
sua arma especial, procurou acertar em pontos estratégicos do bicho, como na altura do
pescoço e na cabeça. Nina então olhou para ambos, levantou-se e também sacou seu
rifle. Em seguida, também disparou para ajudar. Yin, por sua vez, ainda estava no chão,
somente desejando que nada de mal acontecesse com seu mestre.
Com os disparos, a lagarta gigante mais uma vez desviou sua atenção de Hanai e
olhou para o grupo. Não notou, porém, que Sahad já estava bem embaixo dela,
aproveitando os espinhos em suas costas para começar a escalá-la. Contudo, logo em
seguida o monstro finalmente o sentiu e passou a ficar dividido entre a presença do
capitão em seu corpo e os disparos que lhe eram lançados. Resolveu então chacoalhar-se
todo, com a intenção de se livrar da primeira das ameaças. Contudo, Sahad aproveitou
sua força e segurou firme para não cair. Algum tempo depois, alcançou finalmente a
cabeça da criatura e teve que se equilibrar para tentar dar prosseguimento ao plano que
tinha em mente. Contudo, com um novo sacolejo do bicho, o capitão perdeu o equilíbrio
e teve que se segurar nos orifícios nasais do ser para não despencar. Por alguns
segundos ficou então pendurado e tendo bem a sua frente agora a imensa boca da
criatura aberta, deixando amostra seus inúmeros dentes - cada um aproximadamente do
seu tamanho.
- Você...- Balbuciava Sahad, enquanto fazia um enorme esforço para se apoiar e
subir na cabeça da lagarta amarelada novamente. Já com o equilíbrio retomado,
aproximou-se então do olho do ser que não estava ferido. A medida que o bicho se
mexia mais e mais, a substância que saía do outro olho – este ferido por Hanai. -
espirrava em todas as direções pelo ar. Em um dos esguichos, a substância cobriu todo o
corpo do capitão.
- É, você mesmo! – Disse Sahad, agachando-se agora perto das pálpebras da
criatura.
- Você fede! – Disse finalmente, ao mesmo tempo em que sacava uma granada
da sua cintura e a enterrava no olho ainda são do bicho. Em seguida, saltou.

206
Hanai, ainda no chão, pôde ver então a grande explosão que fez cegar a criatura
por completo, bem como Sahad despencando em direção ao solo. Sabendo que uma
queda daquela altura - ainda que em direção a um solo coberto de neve - podia ser fatal,
tratou de recobrar as forças, levantar-se e voar para salvar o capitão em queda livre.
Durante o curto vôo, aproveitou também para sacar sua espada e deixá-la na sua mão
esquerda. Assim que deu um rasante por debaixo do bicho, que agora rugia como nunca
e se contorcia em seus últimos lampejos de vida, num só lance praticou dois atos: com a
sua mão livre, agarrou Sahad, evitando sua colisão com o chão e, ao mesmo tempo, com
sua espada, deferiu um golpe profundo e fatal na criatura, na altura do seu pescoço.
Litros e litros de substância viscosa começaram a sair então rapidamente do bicho após
o ataque. Em seguida, o mestre de Yin voou de volta em direção ao grupo e, assim que
aterrissou, deixando o capitão a salvo no chão, virou-se e observou a lagarta.
O ser, naquele instante, esticava todo o seu corpo, até despencar violentamente
contra o solo. Agora inteiramente abatida, a criatura ainda deu uns pequenos rugidos e,
em seguida, parou de se mover por completo. Estava morta. Hanai então soltou o ar
aliviado e virou-se para Sahad, que estava ajoelhado no chão, ainda recuperando seu
fôlego.
- Capitão, meus parabéns. E obrigado.
- É... – Sahad ainda fazia esforço para responder – É guarda-costas, certo? –
Disse ainda ofegante. Todos então a sua volta começaram a rir, inclusive Yin, também
por estar agradecido por seu mestre estar a salvo. Depois de alguns segundos, foi a vez
de Jess perguntar:
- O que faremos agora senhor?
Neste momento um novo terremoto na região pôde ser sentido.
- Bom, se não quisermos deixar estes bichos com o estômago forrado, é melhor
nos apressarmos! – Disse firmemente.
O grupo então apressou o passo em direção ao nordeste, conforme apontava o
localizador de Hanai.
Há muitos quilômetros dali, Irwind estava fazendo o balanço dos ataques
noturnos e reparou que a situação se mantinha igual ao dos realizados durante o dia.
Muitos ataques aéreos e de longo alcance e poucos resultados. Já pensava em lançar, no
dia seguinte, um ataque direto de seus homens contra as imediações de Shandara,
quando adentrou no local onde Irwind estava, novamente Markeen, trazendo-o as
últimas novidades:
- General!
- Sim?
- Trouxe algumas novas leituras sobre o que está ocorrendo em Shandara. –
Markeen então atirou alguns papéis contra a mesa, a frente de Irwind. Olhe senhor, aqui
podemos notar as tropas Furous, que estranhamente estão conseguindo anular nossos
ataques. E veja! – Markeen então apontou para os diversos pontos vermelhos e verdes
reunidos no raio de alcance do escudo protetor da Base de Archia e no perímetro urbano
de Shandara.
- Ok capitão, que estamos os atacando sem parar e sem sucesso isso eu já sei.
Agora me conte as novidades.
- Sim, senhor. Contudo, nesta outra leitura mais atualizada. – Markeen então
apontou para um outro papel – A concentração de tropas Furous está muito mais intensa
e se podemos observar mais ao norte podemos notar a causa disso...
Irwind então olhou para onde Markeen apontou e, ao mesmo tempo, deu um
passo atrás e mordeu os lábios de apreensão. Não estava acreditando no que estava

207
vendo. Um enxame ainda maior de tropas Furous se aproximava das imediações de
Shandara.
- E não é só isso, se compararmos as duas imagens, podemos ver que as tropas
Furous estão se comportando, após a chegada de mais reforços, de outra forma, como se
quisessem...
- Nos atacar. – Concluiu Irwind.
Irwind então ficou alguns segundos em silêncio, olhando em direção ao nada.
Markeen ficou o observando por algum tempo para, em seguida, perguntar-lhe:
- Senhor, quais são as próximas ordens?
Irwind então passou algum tempo calado, como se não estivesse escutado. Em
seguida, respondeu:
- Mantenha, como sempre, o comandante Nissu informado. Diga-o também que
manteremos nossa tática.
- Sim senhor! – Markeen então dirigiu-se para fora da sala.
Irwind então ficou ainda um tempo olhando para aquelas imagens, as quais
indicavam uma nova e grande ameaça para todos. Em sua cabeça, começou a
amaldiçoar novamente os Furous de todas as formas possíveis pelo novo rumo que a
batalha poderia seguir em breve. Ainda achava impossível porém, que os inimigos em
Shandara - por estarem sob constante ataque como naquele momento - pudessem se
fortalecer, se organizarem e, a partir do mesmo ponto no território Banshee, o qual
haviam conquistado, lançarem um grande ataque contra o exército Banshee que os
atacava ao leste e ao sul. Contudo, lembrou do misterioso fato ocorrido recentemente
em Gyron e logo imaginou que tudo poderia se repetir. Estão esperando pacientemente
nós nos enfraquecermos. – Pensou. Em seguida, lembrou então de Hanai. É, meu amigo,
onde quer que você esteja, precisamos de você agora mais do que nunca.

208
Capítulo 38 - Novos Reforços

A noite já havia caído completamente na região de Gyron, contudo, descansar


era agora a última coisa que todos pensavam naquele momento. Os terremotos se
sucediam e todos agora sabiam muito bem o perigo que eles representavam. Depois de
algum tempo de caminhada, alcançaram então uma passagem entre dois imensos
rochedos. Ao seu final, havia um outro rochedo menor, coberto de neve e foi por lá que
o grupo passou para seguir seu caminho. Contudo, logo após alcançarem o topo da
pedra, puderam avistar dezenas de redomas verdes e brilhantes no horizonte e neste
instante Hanai pediu para que todos parassem e se abaixassem. Com mais calma, o
grupo então pôde ver realmente do que se tratava. A sua frente estava o conjunto de
colônias Furous que Hanai havia lhes falado, as quais beiravam o Lago Negro de
Gyron. Contudo, algo mais chamou a atenção do grupo e fez Hanai ficar apreensivo.
Sobrevoando as colônias, havia centenas de aeronaves Furous em direção ao sul,
provavelmente seguindo para a região de Shandara, bem como centenas de unidades
terrestres cruzando a região bem perto onde eles estavam, com o mesmo destino. A esta
altura, Nina já olhava pelo binóculos eletrônico:
- Senhor, este lugar está infestado, não podemos passar despercebidos! Creio que
temos que esperar todas as tropas se retirarem da região. – Falou, já guardando o
equipamento e olhando para Hanai que, por sua vez, ficou pensativo. Afinal, também
notara que a quantidade de colônias Furous naquela região eram maiores do que
imaginava, mais um fator que poderia prejudicar o plano original de contornar o lago.
Pela primeira vez na missão, portanto, pensou em alterá-lo. E já tinha algo em mente.
Depois de alguns segundos, voltou a falar:
- Senhores, desculpem, sei que estão cansados, mas preciso lhes dar um má
notícia.
- O que foi? – Perguntou Jess
- Vamos ter mudar nossos planos originais. Não podemos contornar o Lago
Negro.
- Como assim senhor? O que faremos então?
- Bom, se querem saber a verdade, teremos que cruzá-lo. E teremos que fazer
isso o quanto antes.
Todos imediatamente receberam a notícia com espanto. Se entreolharam por um
tempo, sem entender direito o que Hanai havia acabado de lhes dizer.
- Mas senhor, se me recordo, o senhor disse que este lago possui quilômetros de
extensão e estamos sem equipamentos, tampouco veículo algum para atravessá-lo. Além
do que, como esta região está repleta de Furous, como chegaremos pelo menos até sua
margem? – Perguntou Nina.
- Não há outra solução? – Foi a vez de Sahad questionar.
- Senhor Hanai, que mal lhe pergunte, porque teremos que fazer isto o quanto
antes? Não compreendo. –Trent então falou, rompendo seu silêncio de muito tempo.
Hanai então buscou fôlego para explicar seus novos planos para o grupo. Sabia
que de início não seria aceito plenamente, mas tinha a obrigação de tentar:
- Certo, escutem. Não estava nos planos toda essa movimentação de tropas
Furous nesta região e, para ser sincero não esperava que encontrasse tantas colônias
inimigas assim reunidas, beirando o lago. Com certeza, foram construídas a
pouquíssimo tempo e, provavelmente por isso, nossos radares ainda não as haviam
detectado nitidamente.
Todos ouviam atentamente.

209
- Primeiro, não podemos arranjar um outro caminho que, com certeza, seria mais
longo, tampouco esperar as tropas Furous se dissiparem. Assim, atrasaremos muito a
missão e pode ser tarde para todos, inclusive para o nosso exército, que sinto que agora
depende urgentemente da nossa ajuda. Além disso, ainda há estas lagartas que podem
nos atacar novamente a qualquer momento. Por isso, não podemos ficar simplesmente
de braços cruzados, devemos agir extremamente rápido.
- Sim. O que o senhor sugere então? – Perguntou Nina.
- Nós vamos fazer melhor. Vamos seguir um caminho ainda mais rápido do que
o traçado originalmente. Nos aproximaremos da colônia mais próxima, a margem do
Lago Negro, nos infiltraremos e, de lá, utilizaremos algum veículo aquático Furou para
atravessarmos em direção ao norte.
Nina arregalou os olhos não acreditando no que acabara de ouvir. Logo Hanai,
que até então havia se mostrado completamente sensato em suas decisões, estava
falando uma loucura daquelas.
- O senhor diz que entraremos na colônia Furou e cruzaremos ela por inteira sem
sermos vistos? E ainda teremos que roubar um veículo para seguir viagem?
- Exatamente.
Nina então soltou o ar, balançando a cabeça negativamente e olhando para o
lado.
- Isto é loucura. - Falou baixinho.
Sahad então procurou manter a calma e resolver intervir:
- Senhor, com todo respeito, mas eu acho que se trata de uma dúvida que
provavelmente todos estão no momento. Como o senhor mesmo falou, além das
colônias Furous que nos separam da margem deste tal Lago Negro, ainda há estas
centenas de unidades Furous cruzando o céu e a terra bem perto de nós. Como, pelos
Deuses, conseguiremos cruzar esses obstáculos sem sermos vistos? Pelo que eu saiba,
não podemos ficar invisíveis e somos apenas seis, enquanto eles são milhares!
- Você está certo na primeira afirmativa e errado na segunda, capitão.
- Como?
Hanai então levantou-se e desceu finalmente o pequeno rochedo coberto de
neve. Então parou e observou a redoma verde mais brilhante, pertencente a colônia mais
próxima deles. Calculou então que estivesse a mais ou menos uns dez quilômetros de
distância e pediu que Nina retirasse seu binóculos da mochila e passasse de mão em
mão.
- Como vocês podem observar... – Neste instante, todo o grupo já estava bem ao
lado dele novamente. - ...aquela colônia mais próxima também possui uma estrutura em
sua extremidade semelhante a que nós vimos na primeira colônia. E se vocês
observarem com mais atenção ainda, poderão reparar que todas as outras também
possuem esta estrutura metálica.
De fato, Jess podia observar pelo binóculos a mesma esfera azulada de energia
surgindo do alto da estrutura e chocando-se contra o chão, na colônia mais perto. O
procedimento se repetia em todas as outras colônias também.
- Confesso que desde que entramos no território inimigo reparei em certas coisas
estranhas até para mim, se comparado a última vez em que estive aqui. Uma das coisas
são essas estruturas.
- São construções também recentes então. – Concluiu Jess.
- Exatamente. Contudo, quando fomos atacados por aquele imenso bicho, o qual
também não tinha conhecimento de sua existência, já que conhecia apenas espécies
semelhantes da região, porém bem menores, comecei a associar as coisas.
Jess parecia já entender o que Hanai estava tentando dizer e se antecipou:

210
- Quer dizer então que estas estruturas construídas recentemente pelos Furous
em suas colônias não são para mineração, são para...
- Manter afastado esses seres imensos das suas cidades. Isso. Tendo
conhecimento do aumento súbito e recente de tamanho de tais criaturas, os Furous
rapidamente perceberam a necessidade de elaborar uma ferramenta poderosa para evitar
a destruição de suas cidades por esses seres que, devido seu tamanho e força, poderiam
juntos dar conta do recado sem problemas. – Concluiu Hanai.
Desta vez foi Nina que, ouvindo todo o papo, animou-se um pouco mais, como
prevendo os planos de Hanai. Contudo, foi a vez de Sahad se antecipar:
- Então, espera aí...Acho que estou entendendo agora quando o senhor disse que
não estamos sozinhos. O senhor quer...
Hanai então sorriu e virou-se, consentindo. Em seguida, olhou novamente em
direção das colônias no horizonte:
- Quero levar o inferno para estes malditos.
- Mas, como vamos chamar a atenção deles? Digo, destes monstros gigantes?
Como vamos fazer eles seguirem em direção aonde queremos?
- Eu já sei como. Confiem em mim. Vamos!
Sem dúvida, todos agora estavam um pouco mais confiantes. Todos menos
Trent, que ainda achava aquela idéia um tanto louca e precipitada demais para aquela
missão tão importante. Contudo, quando pensou em contestar algo, Hanai logo pediu
para que todos parassem novamente. Já haviam caminhado por muitos minutos e
estavam agora muito mais próximo da colônia Furou e das tropas que continuavam
avançando pelo deserto gelado e pelo céu de Gyron, cortado por violentas rajadas de
vento.
- Ok, creio que aqui está bom. Preparados para o show?
- Sim, senhor – Respondeu Sahad, mas...
- Tudo bem capitão, dará tudo certo, observe.
Hanai então parou por alguns segundos como estivesse se preparando para um
grande espetáculo. Fechou então os olhos, puxou o ar através do respirador da máscara
e, em seguida, a abriu. Fincou então seus pés no chão e estendeu ambas as mãos, com
suas palmas voltadas para frente. Em seguida, curvou um pouco seu corpo e olhou as
duas estruturas metálicas da colônia, as quais estavam voltadas em direção ao grupo.
Alguns segundos depois, dois brilhos azulados começaram então a sair das palmas de
suas mãos para, em seguida, se transformarem em esferas de Aura que aumentavam
mais e mais. Naquele instante, todos então se afastaram um pouco, ao mesmo tempo
fascinados e assustados. Quando as esferas já estavam quase do tamanho do próprio
corpo de Hanai - que já começava a chacoalhar as pernas na tentativa de controlar
tamanha energia - o mesmo olhou novamente, desta vez fixo para as estruturas ao longe.
Só posso dar um disparo, não posso errar. Não terei forças suficientes par fazer isso
novamente! – pensou.
Assim, quando o seu pé fez um leve movimento para trás, escorregando um
pouco no gelo, Hanai fez então o derradeiro ataque. Logo em seguida, caiu de joelhos,
na tentativa de recuperar a energia e o fôlego recém perdidos. As esferas cruzaram então
o deserto gelado como um raio, por alguns poucos quilômetros, cada uma com seu
próprio destino, até colidirem com grande violência contra seus alvos. O impacto fez
com que as carapaças das duas imensas estruturas metálicas explodissem em mil
pedaços, quase simultaneamente. Seus esqueletos de metal, por sua vez, não demoraram
muito para irem também ao chão e, com o ataque, alguns Furous também voaram pelos
ares. Os restantes que estavam por perto, surpreendidos pela explosão, pareciam não
saber direito o que fazer naquele momento. Começaram então a correr de um lado para

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o outro na passagem que ficava no topo do muro de concreto gigante, de
aproximadamente quarenta metros de altura, o qual contornava toda a colônia e aonde
as estruturas metálicas estavam conectadas. Tal muro, por fim, ficava bem abaixo da
cúpula esverdeada que cobria a cidade também por inteiro. Logo em seguida, dessa
forma, nos muitos postos de vigilância que ficavam nestas passagens no topo do muro,
os Furous então apontaram rapidamente suas armas e luzes em direção ao deserto
gelado, na tentativa de encontrar o autor do violento incidente.
Neste instante, Sahad aproximou-se para ajudar Hanai a se levantar, mas o
mesmo recusou de imediato:
- Ainda...Ainda há a segunda parte.
Hanai então levantou-se e logo fincou novamente seus pés no chão e curvou seu
corpo, exatamente como havia feito anteriormente. Dessa vez, porém, também
flexionou os joelhos e cerrou seus punhos e dentes. Concentrou então o montante de
Aura que ainda lhe restava e fez com que todo o lugar começasse a tremer - do mesmo
jeito que Yin havia feito em Marahana -, contudo, com muito mais intensidade. Os
olhos de Hanai reviravam-se enquanto ele aumentava mais a sua força e, por
conseqüência, os tremores. Assim, não demorou muito até que todos caíssem ao chão
mais uma vez. O sentimento coletivo era um misto de espanto, por aquelas breves
demonstrações de poder e superação do líder da missão e apreensão, pois todos sabiam
a necessidade de sucesso daquele plano um tanto não convencional. Assim, depois que
o tremor atingiu seu ápice, Hanai decidiu parar. Novamente se pôs de joelhos e, em
seguida, novamente em pé, agora com a ajuda de Sahad. Assim que tentava se
equilibrar, um novo tremor, porém, pôde ser sentido por todos. Desta vez, sem a
influência de Hanai.
- Está.,.está na hora de nos escondermos. Vamos! – Falou, ainda ofegante. O
grupo então escondeu-se por detrás de um outro rochedo próximo e aguardou. O novo
tremor então aumentou ainda mais sua força, como estivesse sendo somado por outros
da mesma proporção. Em seguida, porém, uma estranha calmaria se instaurou em todo o
deserto branco.
- Aonde estão estes bichos? Porque não apare.... – Sahad não teve nem tempo de
terminar. Hanai então deu um leve sorriso.
Neste exato momento, começaram a emergir em vários pontos do solo da região
na qual o grupo se encontrava, dezenas, talvez centenas de lagartas semelhantes àquela
que o grupo havia enfrentado pouco tempo antes. O piloto Furou de uma das naves que
atravessavam o céu naquele momento, não demorou muito a avistar, da altura onde
estava, uma imensa área da superfície gélida já sendo tomada pelos seres gigantes, que
urravam sem parar. Para o grupo, escondido no rochedo bem próximo das criaturas,
porém, a força dos rugidos somados era ensurdecedor e, por isso, todos trataram logo de
tapar os ouvidos. Algum tempo depois, Hanai teve que fazer um esforço considerável
para realizar, enfim, o terceiro e último ato de seu plano.
Se apoiando na beirada do rochedo com uma das mãos, ergueu a outra em
direção ao alto. Apontou então em direção a colônia cujas estruturas haviam sido
destruídas por ele e disparou uma gigantesca Soran em direção a ela. Assim, depois de
alguns segundos, a esfera chocou-se contra a redoma esverdeada da colônia,
desencadeando um brilho alvo, tão forte e intenso que fez com que todo o céu da região
se iluminasse. Alguns Furous, não só os guerreiros presentes na passagem no topo da
cerca da colônia, mas alguns até mesmo dentro das construções dentro dela, ficaram
instantaneamente cegos. Hanai, sem dúvida, havia dado o seu máximo naquelas três
investidas e, por isso, estava agora completamente sem forças. De qualquer forma,
conforme planejado, o brilho que veio da direção da colônia imediatamente chamou a

212
atenção das lagartas amareladas, que logo começaram a rastejar pela superfície gelada
em direção a ela. Sahad, observando que o plano de Hanai havia milagrosamente dado
certo, gargalhou, acompanhado de todos os outros, inclusive de Trent. Yin, por sua vez,
aproximou-se de Hanai para ver como o seu mestre estava.
- Isso! – Comemorou o capitão. – Lá vocês terão bastante comida, seus
fedorentos!
Hanai, exausto, também sorriu e resolveu dar a próxima ordem ao grupo:
- Agora...Agora esperaremos um pouco até avançarmos. Enquanto isso,
podemos presenciar o show.

213
Capítulo 39 – A Terrível Sociedade Furou

As criaturas em pouco tempo chegaram a frente do imenso portão feito de Prima


na entrada da colônia, passagem esta destinada principalmente as unidades militares
Furous. Os monstros, por sua vez, ainda um tanto atordoados pelos ataques recentes que
haviam sofrido de Hanai e agora sem os choques eletromagnéticos no solo para lhes
protegerem das lagartas gigantes, correram desesperadamente para tomarem seus
lugares nos postos de vigilâncias espalhados no alto do muro, perto de onde as criaturas
se dirigiam. Em seguida, começaram a descarregar sem hesitar suas enormes
metralhadoras e canhões de alto calibre nelas, além de dezenas de mísseis. A força das
lagartas, contudo, se mostrou superior e logo os seres começaram a se chocar contra o
portão principal, fazendo-o chacoalhar. Notando que a principal barreira de defesa de
sua cidade estava prestes a ser destruída, algumas aeronaves Furous que se dirigiam ao
sul, bem como algumas unidades terrestres, mudaram então seu rumo e começaram a
disparar seus armamentos também contra as criaturas. Assim, em questão de tempo, um
número considerável de lagartas começou a ser abatido rapidamente. Pouco depois,
porém, algumas dessas unidades, principalmente as terrestres, começaram a ser
severamente atacadas. Nina observava tudo pelo binóculos e, assim que notou o
desenrolar de toda a situação, falou a Hanai:
- Senhor, acho que agora é a melhor hora de irmos.
O grupo então finalmente abandonou o rochedo no qual estava escondido e
avançou pelo deserto gelado. Passou por alguns troncos retorcidos até chegar, logo em
seguida, exatamente no meio de um grupo de lagartas que, por estarem com toda a
atenção voltada para a batalha que se seguia na entrada da colônia Furou, não notaram
bem abaixo de seus imensos corpos aqueles pequenos seres correndo sem parar. A essa
altura, o portão feito de Prima da colônia já começava a ruir quando uma das criaturas
mais próximas a estrutura foi atingida por um míssil em sua cabeça. Com o ataque, o ser
gigante então logo perdeu o equilíbrio e despencou bem em cima da entrada. O choque
de seu enorme peso contra o portão fez o retorcer ainda mais, romper-se e, em seguida,
desabar finalmente, para o lado de dentro da colônia. Neste instante, o grupo já se
localizava bem na linha de tiro entre as unidades Furous e as lagartas, do lado de fora da
colônia. Poucos segundos depois, contudo, tiveram que apressar ainda mais seu passo
para que uma outra lagarta recém-abatida, bem perto deles, não despencasse contra seus
corpos e os esmagasse. Logo em seguida, contudo, com o impacto da criatura contra o
solo, Trent foi ao chão, acompanhado de seu rifle. Sahad então recuou um pouco,
segurou seu companheiro pelo braço e levantou-o rapidamente.
- Vamos!
A entrada agora já vulnerável da colônia Furou mais parecia um cemitério de
lagartas, amontoadas uma em cima das outras. Por mais força que os seres tivessem, os
Furous aparentemente estavam conseguindo, pelo seu poder de fogo, impedi-las que
invadissem completamente sua cidade. Contudo, assim que o grupo contornou as
lagartas abatidas na entrada e conseguiu finalmente infiltrar-se na colônia sem serem
vistos, puderam ver um dos bichos conseguindo invadir finalmente com toda sua força o
local e devorar alguns dos Furous que aguardavam com seus rifles do lado de dentro. E
toda a cena acontecia a poucos metros de Hanai, Yin, Nina, Sahad, Jess e Trent, os
quais já estavam encostados do lado de dentro do muro de concreto gigante que cercava
a cidade dos Furous.
- Para onde vamos agora senhor? – Perguntou Nina a Hanai, em meio a uma
chuva de explosões, pedaços de metais voando e grunhidos Furous.

214
O mestre de Yin então observou o local. Viu que a partir da entrada do portão,
havia uma longa via descampada em direção ao centro da colônia. Observou também as
inúmeras e imensas construções retorcidas e sombrias que seguiam paralelamente a via.
Tentou forçar sua visão para enxergar mais a frente, mas e só o que viu foi prédios e
mais prédios negros e assimétricos, além de outras vias, menores do que a principal.
Imaginou então o quanto seria complicado e inviável atravessar inteiramente a colônia a
pé, pelo tamanho que a mesma demonstrava ter. Quando olhou bem para o alto,
portanto, notou algo que renovou suas esperanças. Observou que cruzando o topo das
construções Furous, se estendia uma espécie de trilho aéreo, que as interligavam e
parecia também dirigir-se para o interior da colônia. E, percorrendo os trilhos, viu por
fim alguns teleféricos, que se moviam rapidamente.
Neste instante, porém, Trent teve uma outra visão, bem mais ameaçadora, ao
observar um guerreiro Furou no alto da construção mais próxima do grupo. O monstro
também estava atirando de uma espécie de sacada contra as lagartas quando,
subitamente, notou a presença do grupo encostado no imenso muro, há muitos metros
abaixo. Trent então sacou seu rifle e apontou para o monstro, o qual repetiu a mesma
ação quase simultaneamente. Contudo, a velocidade de Trent, somada a sua precisão e
visão privilegiadas, o fizeram ganhar aquele curto duelo. Assim que disparou, acertando
em cheio a cabeça do Furou, resolveu responder finalmente a pergunta de Nina:
- Só não podemos ficar aqui, senão esses monstros logo nos acharão! .
- Vamos! – Hanai então tomou a frente do grupo e dirigiu-se a entrada da
construção em cujo topo jazia agora o Furou abatido por Trent. Alguns metros e muitas
explosões depois, se depararam então com uma sinistra escadaria rochosa. Os degraus
estavam cobertos por uma substância negra, parecida com a que circulava pelos corpos
dos Furous. Contudo, não tinham outra alternativa a não ser subir. A essa altura, Hanai
já havia sacado sua espada e o restante do grupo, novamente seus rifles. Assim que
contornaram o primeiro lance de degraus e se depararam com uma grande escuridão,
porém, deram de cara com um grupo de Furous que descia as escadas rapidamente,
provavelmente para ajudar seus companheiros na luta contra as lagartas perto da entrada
principal.
Assim, uma fração de segundos depois, uma mini batalha então se iniciou. Hanai
logo golpeou alguns dos Furous com a lâmina de sua Asor, enquanto o restante do
grupo deu conta do outros inimigos disparando seus rifles. Mais algumas escadas acima,
e todos se depararam, dessa vez, com um grande corredor, ainda mais escuro do que a
escadaria. E perto de alcançarem seu final, mais um grupo de Furous apontou bem a
frente. Desta vez, todos foram obrigados a se abrigar rapidamente nos orifícios nas
paredes laterais do corredor para se protegerem.
Uma pequena troca de tiros então começou, até que um dos monstros lançasse
em direção ao grupo uma espécie de granada em formato de esfera. Assim que a
granada rolou pelo chão e parou perto de todos, o apito que ela emitia ficou ainda mais
acelerado do que antes. Ao mesmo tempo, saía da parte de baixo dela, três “grampos”
metálicos, que a fizeram fincar no chão. Sem pensar duas vezes, Hanai utilizou então
seus poderes para “devolver” a granada ao grupo de Furous, no final do corredor. O
artefato então, com a velocidade que imprimiu durante o vôo de volta, fincou seus
grampos na altura do peito de uma das criaturas e, em seguida explodiu, fazendo com
que os demais Furous fossem também aniquilados. O grupo de Hanai então aproveitou a
oportunidade para sair enfim dos orifícios e avançar ainda mais pelo corredor. Notaram
que, com a recém explosão, um buraco havia se formado na lateral do edifício e,
enquanto passavam bem rente a ele, puderam já ver algumas outras lagartas invadindo a
cidade, pela via principal lá embaixo, a qual se tornara uma verdadeira praça de guerra.

215
Logo em seguida, subiram então mais um lance de escadas e se depararam com mais um
corredor repleto de Furous. Hanai, agora com suas forças um pouco mais restabelecidas,
disparou uma poderosa Shinya-Hashiki contra seus inimigos, fazendo-os voar pelos
ares.
- Ele não estava cansado? – Perguntou Sahad a Trent ao seu lado, novamente
espantado pela força de Hanai.
Muitos degraus e inimigos depois e o grupo finalmente atingiu o último patamar
do prédio Furou, que se assemelhava a um grande pavilhão, com sua cobertura
rebaixada. Logo correram e se espreitaram atrás de um amontoado de entulho de metais,
notando, logo em seguida, do outro lado do pavilhão, o final de uma carreira de trilhos.
Alguns segundos depois, um teleférico aportou então na lateral do edifício e abriu suas
portas, permitindo o desembarque de mais um grupo de Furous fortemente armados
para dentro do prédio. Sem pensar duas vezes, Hanai logo concentrou sua força com a
intenção de preparar mais uma Shinya-Hashiki. Contudo, Trent imediatamente fez sinal
para que Hanai não disparasse sua poderosa esfera e pediu para que todos fizessem
silêncio. O capitão então apoiou o cano de seu rifle em meio ao amontoado de entulhos
e mirou para o primeiro Furou da fila que desembarcara. O disparo foi novamente
certeiro e, antes que as demais criaturas pudessem dar conta do que estava realmente
acontecendo, Trent foi abatendo um por um, rapidamente. Assim que o último do grupo
foi ao chão, o capitão guardou seu rifle nas costas e, em seguida, virou-se para Hanai:
- Guarde suas energias para mais tarde.
Hanai então balançou a cabeça positivamente e dirigiu-se, acompanhado do
grupo, finalmente até entrada do teleférico, que ainda estava com suas portas abertas.
Em seguida, esperou até que todos entrassem no veículo. Contudo, um Furou
supostamente abatido por Trent, perto da sacada do prédio, levantou-se, sacou sua
lâmina pelas costas de Hanai e preparou-se para dar-lhe o golpe final. Contudo, Sahad
estava próximo e não havia entrado ainda no teleférico. Sem pensar duas vezes, o
capitão avançou então rapidamente pelo lado do monstro e, com o corpo de seu rifle,
acertou-o em cheio e com violência. O monstro perdeu o equilíbrio e despencou muitos
metros abaixo. Uma das lagartas que estava bem próximo ao prédio, sendo atacada por
uma legião de Furous, notou a queda do monstro e nem esperou o mesmo colidir com o
solo, abocanhando-o em pleno ar. Sahad observou a cena lá de cima e ao, seu lado,
Hanai já olhava para ele:
- Obrigado. Novamente.
- Não foi nada. Agora vamos.
Hanai então entrou finalmente no teleférico, acompanhado por Sahad. Em
seguida, dirigiu-se a frente do veículo suspenso, cujo teto prendia-se nos trilhos por
algumas engrenagens. Observou então o painel de controle e notou um botão maior,
esverdeado. Resolveu então apertá-lo, já que era igual ao mesmo botão que havia
pressionado para que o veículo, tomado dos dois Furous que haviam atacado o grupo no
dia anterior, começasse a andar. As portas do teleférico então fecharam-se com força,
fazendo-o balançar um pouco. Logo em seguida, o veículo começou enfim a percorrer
os trilhos, se afastando lentamente da lateral do prédio. Jess e Nina então olharam para
baixo e notaram todo o estrago que as lagartas já haviam feito nas construções mais
próximas a entrada principal da colônia e repararam que boa parte delas já haviam
tomado também, suas as vias transversais. Neste momento, contudo, o teleférico chegou
a um seguimento dos trilhos que decaia por alguns metros. O veículo então deu um
tranco e aumentou consideravelmente sua velocidade, parecendo determinado a cruzar
rapidamente toda colônia.

216
Assim, alguns poucos minutos de viagem depois, o cenário barulhento,
explosivo e perigoso de outrora já havia ficado para trás, dando lugar a uma estranha
quietude, percebida por todos. O teleférico continuava sua viagem sem diminuir seu
ritmo pela colônia, a medida que passava agora bem rente as suas enormes construções.
Nina então olhou para dentro de uns dos edifícios negros e assimétricos e foi a primeira
a tomar conhecimento de parte da rotina dos maiores inimigos Banshees. Chamou então
Jess com as mãos para que também pudesse ver, contudo, o soldado não se moveu de
imediato. Continuava olhando para a imensa redoma esverdeada bem acima deles, a
qual parecia ser tão grande que Jess imaginou estar sob um imenso e verdadeiro céu de
esmeralda. Porém, depois de seguidos toques de Nina, virou seu olhar finalmente para
baixo e passou a observar a mesma cena que ela.
Em um dos pavilhões de uns dos edifícios, havia uma grande fileira de Furous
deitados sobre uma espécie de maca e, ao lado deles, outras criaturas menores. Nina e
Jess notaram que quase todos os Furous deitados estavam mutilados, ao passo que os
menores apertavam uma série de botões em uma espécie de braço mecânico, ao lado das
macas. Em uma determinada situação, um dos braços mecânico pareceu “encaixar” em
um dos membros mutilados de um Furous que estava deitado, uma espécie de outro
braço, este meio orgânico e meio mecânico, menor porém. E, assim que a operação
pareceu finalizada, contudo, o braço mecânico começou então a disparar feixes
vermelhos de laser contra o Furou, como se estivesse soldando a nova parte do corpo ao
seu novo dono. Mais adiante, porém, os soldados, puderam ter também outra visão
igualmente assustadora. Um outro Furou, que também havia acabado de passar por uma
cirurgia semelhante, estava recebendo várias aplicações de injeções de um menor. Este
por sua vez, logo em seguida, começou a passar um tipo de spray na região do corpo do
Furou que havia acabado se ser operada. A substância que saía do spray cobria o novo
membro artificial do Furou, conferindo-o uma espécie de “pele”, semelhante a natural e
fazendo aparentar como se nada houvesse ocorrido com a criatura.
Do outro lado do teleférico, Sahad olhava lá para baixo e pôde notar outra cena
cruel e incômoda. Havia três fileiras, com cerca de dez peões Furous cada, marchando
em uma das vias. Atrás deles, havia dois outros, do tipo guerreiro. O capitão então
cerrou os olhos e notou que, cercando o pescoço dos peões, havia uma espécie de
“coleira” esverdeada e grande, aparentando pesar muitos quilos. Continuou a observar a
cena e notou que, depois de uma certa quantidade de passos, um dos Furous que seguia
atrás apertava um aparelho em suas mãos, o qual desencadeava um tipo de reação na
coleira que fazia com que os peões contorcessem seus pescoço de uma forma abrupta e
perdessem o equilíbrio. Em seguida, o Furou com o aparelho soltava seu punho e os
peões voltavam a sua formação e trajetória originais. Depois de mais uma sessão de
tortura, porém, um dos peões da fileira não agüentou sua dor e foi direto ao chão, logo
sendo pisoteado por todos os outros que viam atrás. Assim que um dos Furous
guerreiros alcançou enfim o peão aos seus pés, sacou sua lâmina afiada e, sem
pestanejar, cravou-a em seu peito, matando-o. Em seguida, guardou sua arma, virou-se
para seu companheiro ao lado e soltou um grunhido. A marcha então seguiu exatamente
como antes.
Por último, contudo, talvez a visão mais perturbadora tenha passado diante dos
olhos de Hanai, que estava a frente do veículo suspenso. Em um outro prédio, havia um
imenso galpão, sombrio e coberto por uma substância viscosa pelo chão. O local parecia
com uma espécie de laboratório macabro ou algo do tipo. Alguns metros mais perto,
Hanai pôde enfim perceber do que se tratava. Havia uma fileira de Furous olhando
atentamente para uma das paredes do laboratório e, presa nesta mesma parede, havia
uma bolha grande, viscosa e prateada, que se sacudia a medida que alguns outros

217
Furous pressionavam um dos botões em um painel perto dela. Afinal, o gesto fazia com
que uma espécie de corrente elétrica percorresse toda a superfície da bolha. De repente,
após mais uma descarga elétrica, a bolha remexeu-se ainda mais e, logo em seguida,
subitamente, expeliu um Furou. O ser estava coberto com a já conhecida substância
gosmenta e, assim que foi ao chão, começou a grunhir sem parar. Hanai então prendeu a
respiração.
Afinal estava, pela primeira vez na sua vida, presenciando o nascimento de um
Furou. Cerrou os olhos então para prestar mais atenção na cena. Reparou então que logo
que a criatura foi ao chão, um dos Furous pressionou novamente o botão no painel,
fazendo a corrente passar desta vez, não só pela bolha mas também pelo Furou caído ao
chão, bem a sua frente. Com o choque, a criatura então aumentou o seu grunhido, como
estivesse agonizando de dor. Assim que o procedimento se repetiu mais uma vez,
seguida da mesma reação do Furou, cerca de três outros que estavam a frente da criatura
ao chão empunharam os seus rifles, apontaram para a recém-nascida criatura e
dispararam. Hanai, por um momento, não compreendeu direito o motivo daquela reação
mas, logo que viu outras inúmeras bolhas expelindo outros tantos Furous mais a frente,
pôde entender melhor. Enquanto algumas criaturas, as quais não conseguiam parar de
grunhir de dor eram brutalmente assassinadas, as outras, que por algum motivo
conseguiam manter-se indiferente e imunes as correntes elétricas, eram retiradas do
chão, embrulhadas em uma espécie de saco e levadas do local.
Estes malditos só pensam em destruição, na mais pura maldade e crueldade.
Vivem só para aniquilar seus oponentes e aniquilar os mais fracos entre si.
Desgraçados sádicos que só sabem torturar e trazer o sofrimento por onde passam.
Tomara que desapareçam completamente um dia desse mundo e não retornem nunca
mais! Bestas infernais! – Refletiu.
Contudo, seus pensamentos foram logo cortados por um novo tranco do
teleférico, que subitamente mudou sua direção e dirigiu-se contra um dos edifícios. Por
um momento, Hanai pensou que o veículo iria se chocar diretamente contra ele. Porém,
percebeu que havia uma estreita passagem no prédio, por onde só podia passar o
teleférico. O veículo então, automaticamente aumentou ainda mais sua velocidade e
cortou literalmente todo o edifício, em seguida mais um e outro. Outras cenas terríveis
passavam agora bem mais perto do grupo e bem mais rápido, como que em um pesadelo
em ritmo frenético, repleto de cheiros, sons e imagens perturbadoras. Depois de passar
por um longo túnel cilíndrico, suspenso muitos metros acima do solo, porém, o grupo
deu de cara com uma outra visão, tão surpreendente quanto as anteriores.
Subitamente, a colônia inteira pareceu acabar bem abaixo e ao redor deles, ao
passo que a única coisa que continuava a frente eram os trilhos acima do veículo, que os
sustentavam. De qualquer forma, o estranho penhasco que surgira bem abaixo de seus
pés era uma coisa impossível de se acreditar naquele momento e seu fim, algo
impossível de se ver. Afinal, somente o que havia agora era uma atmosfera esverdeada
que os cercava em trezentos e sessenta graus. Alguns segundos depois, porém,
entenderam o que realmente ocorrera. Haviam, na verdade, chegado finalmente ao fim
de sua viagem, conduzidos por aquele teleférico fantasma que terminara, assim, de
cruzar toda a colônia. Todo o grupo estavam agora, do outro lado dela, perto do fim da
redoma verde.
O teleférico aproximou-se então de uma pequena escotilha e estacionou numa
plataforma bem a frente dela. O grupo então saltou na plataforma e a escotilha abriu-se
automaticamente a frente do grupo. Quando ultrapassaram-na, logo sentiram o vento
gelado da região de Gyron cortarem seus rostos mais uma vez, ainda que estivessem
protegidos com a máscara de proteção de seus trajes especiais. A escotilha, por sua vez,

218
fechou-se bem atrás deles, neste instante. Sahad então virou-se com o susto, mas logo
soltou seu ar, olhou para baixo e apoiou seus braços na grade proteção da nova
plataforma de metal onde todos se encontravam, agora do lado de fora da colônia.
Assim, depois de alguns segundos de reflexão, resolveu desabafar:
- Pelos Deuses... – Disse desanimadamente, se referindo a todas as visões que
tivera alguns momentos antes.
Nina então aproximou-se e também apoiou seus braços na grade.
- Não se preocupe, um dia tudo isso vai acabar. – Disse, olhando para o capitão.
- Bom, pelo menos conseguimos. – Concluiu Sahad, abrindo um leve sorriso e
apontando para o horizonte.
Bem a frente de todos havia agora uma grande superfície escura, que se estendia
desde muitos metros abaixo do grupo até o horizonte na total escuridão. Haviam
alcançado, finalmente, o próximo estágio de sua jornada, o Lago Negro de Gyron.

219
Capítulo 40 – O Lago Negro de Gyron

Hanai então olhou para baixo da nova plataforma na qual o grupo estava e viu,
bem na margem do lago, aonde suas pequenas marolas se encontravam com o muro que
cercava a colônia, algo que lhe chamou a atenção. Há muitos metros de distância, a sua
direita, havia alguns prolongamentos de concreto, os quais se estendiam por muitos
metros em direção ao lago. O líder da missão logo entendeu que se tratava de um
conjunto de docas, as quais estavam naquele instante repletas de transportadores
aquáticos Furous de todos os formatos e tamanhos. Haviam também, porém, muito seres
circulando pelo local. Hanai pensou então em alguma estratégia para seguir com seu
plano original, ou seja, roubar algum dos flutuadores aquáticos e seguir viagem. Assim,
logo em seguida, fez sinal para que todos descessem uma escadaria de metal que dava
para uma estreita passagem na horizontal entre o lago e o muro da colônia. A passagem,
por sua vez, seguia em direção a doca mais próxima deles.
Assim que chegou ao final da passagem, o grupo logo se escondeu atrás de uma
pilha de caixotes e abaixou-se para não ser visto. Hanai então pôde observar o lugar
agora com mais detalhes, por estar bem mais próximo. Aquela doca em específico se
subdividia em três píeres diferentes. No píer do meio, havia uma imensa embarcação
Furou, provavelmente um navio cargueiro que acabara de chegar do norte. Perto dele,
naquele momento, havia imensos guindastes e muitos Furous descarregando-o. O navio
era, na verdade, tão grande que impossibilitou Hanai ver o que havia por detrás dele, no
terceiro píer. Contudo, no primeiro píer – o mais próximo - havia uma pequena
embarcação ancorada, aparentemente sem nenhum inimigo por perto. Hanai agradeceu
aos Deuses pela sorte que estava tendo quando percebeu também que o local estava
muito mal iluminado. Assim que observou mais atentamente o veículo flutuando na
água, chamou Trent:
- Você acha que consegue acertá-lo? – Perguntou, apontando, sem esticar muito
o braço, para um Furou de costas que estava dentro da embarcação, mexendo em seu
painel de controle.
Trent então observou o monstro por uns dois segundos e, sem dizer uma palavra,
suspendeu seu rifle e apontou-o em sua direção
- Você pode vê-lo bem? Está muito esc..
Trent então disparou sem hesitar, abatendo em cheio o Furou há muitos metros e
fazendo-o cair na cabine de comando do barco.
Hanai olhou então para Trent e o capitão deu de ombros.
- Vamos, agora!
O grupo então seguiu abaixado, espreitando-se por entre as pilhas de caixotes e
galões de óleo no caminho até o barco. Sem maiores obstáculos, todos então entraram
no veículo, de cor negra e brilhosa, cuja forma se assemelhava a uma seta. Como era
bastante robusto, parecia possuir uma blindagem ou algo do tipo, além de aparentar ser
um veículo super equipado. Em suma, o transporte ideal para se chegar finalmente na
cordilheira de Tyron. Contudo, como naquele momento todos observavam Hanai já
tentando encontrar o famoso “botão verde” no painel principal da embarcação, não
repararam um outro Furou subindo uma série de escadas, a qual ligava o porão da
embarcação ao seu convés, onde todos estavam. Contudo, o Furou se dirigia para o lado
oposto, para fora do navio em direção ao píer. Sendo assim, seguiu de costas para o
grupo e também não notou sua presença dentro da embarcação.
- Não está achando? – Perguntou Sahad para Hanai.
As palavras do capitão foram suficientes para que o monstro parasse sua
trajetória e virasse rapidamente, já fora do barco. Assim que notou a presença dos

220
invasores, sacou rapidamente seu rifle. Contudo, Trent, como movido por um sentido
extra, virou seus olhos para o lado, no mesmo instante. Em seguida, sacou agilmente
seu rifle, virou seu corpo e mais uma vez deu um disparo certeiro, na cabeça do
monstro, antes que o mesmo pudesse atirar. Havia assim, mais uma vez, acabado de
ganhar um duelo e salvar a vida de todos. Contudo, sentiu-se ainda mais orgulhoso, por
acreditar estar em desvantagem, já que se encontrava de costas para seu inimigo antes
de dar o disparo. Assim que o grupo ouviu o tiro de Trent, logo tirou sua atenção do
painel – inclusive Hanai – e virou-se assustado. O capitão herói já guardava sua arma.
Sahad então olhou para o monstro caído no píer e, em seguida, virou seu olhar
novamente para Trent:
- Ei, o guarda costas aqui sou eu! Pelo que eu me lembre, você era somente para
dar um tiro não? – Brincou.
- Você é que precisa de um guarda costas, meu amigo. É o que parece.
Neste instante, Hanai voltou sua atenção novamente para o painel e correu a mão
por debaixo da bancada que lhe servia de suporte.
- Achei!
Alguns segundos depois, um outro Furou, o qual terminava de descarregar o
navio maior, olhou para o lado em direção a escuridão no final do primeiro píer e viu
seu companheiro recém abatido. Em seguida, olhou para o horizonte e pôde ver, dessa
vez, o pequeno barco levando Hanai, Yin, Jess, Nina, Trent e Sahad já ao longe,
avançando a toda velocidade lago adentro. Deu um grunhido e logo correu em direção a
um outro.
Dentro do barco, Sahad suspendia o primeiro Furou que Trent havia matado,
com a intenção de jogá-lo no lago.
- Como fede este bicho! Acabou de morrer e já está fedendo! E como pesa! –
Falou com dificuldade antes de lançar o cadáver finalmente para fora do barco.
Assim que terminou, porém, uma luz vermelha no painel, bem a frente de Nina,
começou a piscar e um zumbindo ininterrupto soou por todo barco.
Ao lado do navio cargueiro, naquele instante, o Furou que havia visto seu
companheiro morto e o barco com o grupo em fuga, já estava ao lado de um outro, este
com um pequeno aparelho na mão. O monstro com o aparelho então cerrou os dentes,
demonstrando estar tomado por uma enorme fúria, e preparou-se então para apertar o
botão maior do dispositivo em suas mãos.
No barco, Hanai subitamente sentiu uma sensação terrível e, assim que sentiu o
apito soar com mais intensidade, não pensou duas vezes:
- Todo mundo para fora, agora!
Sahad então pegou Yin e praticamente arremessou-o para fora da embarcação.
Logo depois pulou, seguido de todos os outros. Também no mesmo instante, há muitos
metros, o Furou ao lado do cargueiro com o aparelho em mãos apertou finalmente o
botão, vendo logo em seguida, bem no horizonte, uma pequena explosão surgir e cortar
a escuridão da superfície do lago. O monstro então suspirou, ainda cerrando os dentes,
como em uma expressão de dever cumprido.
Nina então começou a se debater sem parar e Jess nadou alguns metros até que
pudesse alcançá-la.
- Não se preocupe, é só água! – Falou.
Yin então nadou para o lado de Hanai e, alguns instantes depois, todos já
estavam mais próximos uns dos outros, batendo freneticamente os braços e as pernas e
observando os últimos destroços da embarcação na qual estavam segundos antes irem a
pique. Não, não pode ser! Era nossa única chance! – Pensou Hanai.

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Contudo, antes que todos começassem a ficar mais preocupados, tentando achar
uma maneira de se livrar daquela situação, olharam para as docas ao longe e puderam
notar uma série de pequenos barcos, menores do que aquele o qual estavam, se
aproximar rapidamente. O Furou responsável pela destruição do barco, sem dúvida,
havia preferido enviar reforços para confirmar a morte de seus inimigos, por precaução.
Notando o perigo eminente, Hanai então deu sua próxima ordem:
- Todos para o fundo, rápido!
- Mas senhor, e se nós...
Antes que Jess pudesse terminar, Hanai explicou:
- Esta máscara também nos fornecerá oxigênio enquanto tivermos lá embaixo,
não se preocupe!
Assim que ouviu o aviso, Sahad, que já havia tirado a sua para poder respirar
melhor, a recolocou e mergulhou, após todos os outros. Os barcos Furous chegaram
então no local do naufrágio, já disparando hesitar suas metralhadoras em direção a água.
Naquele momento, o grupo fazia bastante força para descer ainda mais e Hanai então
segurou a mão de Yin, com a intenção de acelerar o seu mergulho e impedir que o
menino ficasse para trás. Os disparos, ainda que quando se chocassem contra a água
reduzissem sua velocidade, apresentavam ainda bastante perigo, passando agora bem
rente aos corpos de todos. Alguns metros abaixo, Sahad então fez sinal para Nina, que
estava ao seu lado e parou de descer mais, dando a entender como se o perigo já
houvesse ficado para trás. Afinal, os disparos já haviam estranhamente cessado. A
moça, porém, fez então sinal com os dedos para que ele continuasse. O restante do
grupo, por sua vez, já estava mais ao fundo.
Na superfície do Lago Negro, porém, o mesmo Furou que havia ordenado o
cessar fogo – que também era mesma criatura que havia explodido o barco – sacou uma
espécie de granada da cintura, semelhante a que Hanai havia cravado no peito de um
Furou, enquanto ainda estava na colônia. Porém, esta era brilhante e um pouco maior.
Sem hesitar o monstro então a arremessou na água e o objeto logo começou a descer,
como chumbo.
Sahad, bem mais no fundo, ainda fazia sinal para que Nina parasse de nadar e a
soldado, já mais a frente, repetia os mesmos gestos de antes, em resposta. Subitamente,
contudo, bem atrás do capitão, ocorreu, neste instante, uma enorme explosão. O corpo
de Sahad foi cortado então por uma forte corrente de eletricidade e começou a
chacoalhar-se por inteiro. No entanto, o raio de alcance daquela terrível bomba de
eletrochoque terminara exatamente onde Sahad estava e, por isso, não atingiu Nina
também, a qual logo fez uma cara de espanto quando viu seu companheiro ser ferido. A
essa altura, Hanai, Jess, Yin e Trent já retornavam um pouco mais para cima para saber
o que estava acontecendo. Assim que Jess pegou Sahad, agora em uma espécie de
estado de transe por causa do choque, todos começaram a descida novamente,
percebendo que não havia outra solução, no final das contas.
Como á água do lago ficava cada vez mais escura a medida que o grupo descia
mais e mais, Hanai então começou a lançar algumas Sorans pelo caminho enquanto, ao
mesmo tempo, segurava uma outra esfera brilhosa com a sua outra mão. Yin, por sua
vez, se esforçava bastante agora para acompanhar a todos, pois estava agora sem a ajuda
de seu mestre. Alguns metros adiante, Trent, por sua vez, começou a achar estranho
naquele lugar não haverem peixes, algas, nem qualquer espécie de vida. Na verdade,
naquele momento, o que somente havia, era a mais completa escuridão, somente cortada
pelos brilhos azuis das técnicas de Hanai. Contudo, depois de mais alguns minutos de
descida, o mestre de Yin observou ao fundo alguns misteriosos reflexos esverdeados e

222
resolveu ir mais além, exatamente em sua direção. Porém, neste momento, algo
completamente inimaginável aconteceu.
Subitamente, neste instante, a água pareceu “acabar” abaixo de todos, como se o
grupo estivesse acabado de transpor uma espécie de “cortina” líquida, na horizontal. A
próxima sensação de todos foi, portanto, de serem atraídos violentamente pela lei da
gravidade e estarem completamente em queda livre, no meio de um breu quase total.
Hanai caía a frente, ainda sem entender o que havia ocorrido e, em seguida, olhou para
o lado e viu, acompanhando sua queda, um série de cristais verdes, muitos distantes,
parecendo flutuar na escuridão. Desviou, porém, sua atenção imediatamente dos cristais,
com o intuito de frear aquela queda de qualquer jeito. Com o ar batendo em seu rosto
violentamente, esforçou-se então para falar algumas palavras:
- Trent e Nina. Agarrem-se em Yin! – Gritou.
Os dois então, ainda atordoados pelo que estava acontecendo, pareceram não dar
nenhuma atenção a Hanai. Contudo, mais uma palavra do líder o fizeram despertar:
- Agora!
Dessa vez, os dois então direcionaram seu corpo com dificuldade e agarraram-se
em Yin, que despencava mais abaixo. Hanai, com seus longos cabelos castanhos
encaracolados ao vento, ainda que presos, olhou então para o menino, que balançou a
cabeça positivamente e logo começou a fazer uma força descomunal para manter-se
equilibrado no ar com os novos “passageiros” em suas costas, para assim, tentar frear e
impedir a queda. Logo depois, o mestre de Yin então desviou o olhar do menino para
Sahad e Jess, que estavam mais embaixo, também com seus corpos soltos no espaço.
Deu então um impulso e aumentou sua velocidade. Assim que conseguiu agarrar os
dois, porém, viu um vulto negro se aproximando bem abaixo e fez uma enorme força
para frear. E, assim que conseguiu, suspirou profundamente de alívio. Afinal, há menos
de um metro abaixo dele, estava o chão arenoso. A aterrissagem de Yin, contudo, não
foi tão suave mas, mesmo assim, Trent e Nina puderam também chegar ao solo sem
problemas.
- Alguém, por favor, me explique o que aconteceu! – Exclamou a soldado, já em
pé e olhando para todos os lados. Em vão. Não conseguia enxergar nem somente um
palmo diante do nariz, somente os inúmeros pontos verdes e brilhantes espalhados ao
redor do grupo. Neste instante, Hanai resolveu então lançar uma Soran em direção ao
alto, a qual subiu bastante, até penetrar a camada de água que pairava há muitos metros
agora bem acima deles e deixar visível todo aquele estranho fenômeno.
- Ah, ok. Bom, pelo menos nós saímos do lago, certo? - Falou Trent, notando a
cena com os olhos arregalados.
- Sim, só que do lado contrário! – Concluiu Jess.
Yin também olhava para o alto, perplexo, ainda acompanhando a trajetória da
esfera de Hanai que subia cada vez mais por dentro d’água. Seu mestre, por sua vez,
decidiu então acabar com todo aquele mistério de uma vez por todas, disparando em
inúmeras direções suas esferas luminosas. Em seguida, concentrou ainda mais a sua
Aura e disparou uma bem maior em direção ao alto, que explodiu antes de se colidir
com a cortina d’água, iluminando de uma vez por todas cada canto daquele novo e
sinistro lugar.
A visão que o grupo teve então foi algo fantástico. Estavam agora diante de um
vasto deserto arenoso, que nada mais era do que o fundo do próprio Lago Negro de
Gyron. Cercando eles, porém, havia várias cadeias de grandes rochedos, que pareciam
formar uma espécie de labirinto gigante por entre o imenso deserto. Os rochedos, por
sua vez, possuíam diversas aberturas em sua superfície, indicando que naquela região,
provavelmente, existia também um grande sistema de cavernas, que poderia se estender

223
também por toda a extensão do lago. Logo em seguida, olharam melhor os rochedos e
puderam notar com mais clareza os diversos cristais esverdeados, encravados por toda a
sua superfície e que, naquele momento, ainda refletiam a luz intensa das esferas
luminosas de Hanai. Por fim, havia o céu no alto, que era nada mais do que a água do
próprio fundo do lago. A essa altura, estavam tão atentos a incrível paisagem ao seu
redor, que mal puderam reparar nos destroços do barco onde estavam minutos antes, os
quais também havia despencado das alturas e agora jazia bem perto deles, naquele solo
árido. Era contudo, no final das contas, apenas uma cereja no bolo de uma visão digna
de um dos mais inacreditáveis sonhos.
- Senhor, tem idéia do que seja isso? – Perguntou Jess.
Hanai continuava observando atentamente cada detalhe daquele lugar e, devido a
fascinação que estava sentindo, não ouviu a pergunta de Jess.
- Como pode? – Disse Nina também olhando para o alto – Aquela água, bem lá
no alto parada, flutuando. Você sabia da existência desse lugar senhor Hanai?
Hanai continuava sem ouvir.
-Senhor Hanai? – Perguntou Nina mais alto, fazendo o líder da missão levar um
breve susto.
- Não, juro que não sabia. Não tenho a menor idéia do que signifique isso.
Hanai, naquele momento, então relembrou a frase que repetira para o seu grupo
durante a viagem. Decididamente, espero que ao final desta jornada apareçam
finalmente as respostas para todos essas dúvidas. – Concluiu.
Todos estavam tão abismados com o local que também não lembraram sequer de
Sahad que, naquele momento, se recuperava da tonteira causada pela bomba de
eletrochoque lançada pelo Furou na superfície e tentava-se colocar de pé.
- O que...o que aconteceu? – Se perguntava, ainda olhando coma visão
embaçada todo o local, bem como cada um do grupo, os quais pareciam agora andar
como almas penadas sem direção. Coçou os olhos, olhou então para os rochedos e seus
cristais. Em seguida, quando virou seu olhar para o alto, deu um salto, o qual o fez
despertar de uma vez por todas:
- Pelos Deuses!
Com o desabafo de Sahad, todos então notaram enfim sua presença e viraram-se
para ele. O capitão então virou-se para Trent e, ainda incrédulo, perguntou:
- Isto é..isto é um sonho?
Trent então balançou a cabeça negativamente
- Eu morri então?
Dessa vez foi a vez de Hanai responder:
- Não. Você está bem, estamos todos bem. Por isso, não podemos perder tempo
e devemos seguir a viagem. – Disse, olhando para os rochedos bem a frente deles.
- Mas como? – Questionou Nina – Este lugar, nem sabemos onde estamos! E
como atravessaremos este labirinto de pedras?
Hanai então tirou seu aparelho localizador do bolso que, apesar de todos os
contratempos, ainda estava funcionando bem. Observou-o por algum tempo e depois
respondeu.
- Creio que já rumamos demais em direção ao nordeste. Agora devemos seguir
somente em direção ao norte, que fica naquela direção. - E Hanai apontou
coincidentemente para sua frente.
- E como vamos seguir? – Perguntou novamente Nina.
Hanai então olhou para a entrada de uma das cavernas, próximo do grupo. Jess
logo entendeu qual seria o próximo plano de Hanai e resolveu se manifestar:

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- Senhor, tem certeza que devemos seguir por ali? Não acha que nos podemos
nos perder? E, ainda por cima, não sabemos o que esperar uma vez lá dentro. – Neste
exato momento, um vento gelado soprou nos rosto de todos, vindo exatamente bem da
entrada da caverna a qual Hanai olhava.
O mestre de Yin então respondeu sem tirar os olhos da passagem:
- Não temos outra solução, não podemos voltar agora. Sendo sincero, gostaria
que nossa missão não tivesse saído tanto do seu plano original, mas agora não há outra
alternativa. Temos que nos adaptar e atingir as montanhas de Tyron a qualquer custo.
- E enfrentar o que tivermos que enfrentar certo? – Completou Sahad.
- Sim. – Respondeu Hanai, virando-se para o capitão. – Mas não agora. Sei que
estamos confusos com relação ao espaço e tempo, ainda mais agora, depois de uma fuga
intensa e, digamos, uma viagem um tanto quanto estranha. Além do que, estamos
bastante exaustos. Precisamos descansar.
- Aonde? – Foi a vez de Trent perguntar. – Afinal, estes entulhos não nos
servirão de nada. – Respondeu, apontando para os destroços do barco repousando sobre
a areia.
O grupo então caminhou por alguns metros já por dentro da caverna. Lá dentro,
o silêncio era total, com exceção do som dos do grupo, agora um pouco mais relaxado,
apesar de tudo. Felizmente, os cristais esverdeados de outrora também estavam
presentes por toda a extensão daquele túnel, o que permitia que Hanai não precisasse
utilizar sua Aura, dessa vez, para lançar esferas brilhantes e iluminar o novo local. O
mestre de Yin, por sua vez, assim que notou um grande vão na lateral da passagem na
caverna, o qual se assemelhava a uma larga escadaria rochosa, pediu para que todos
parassem. Devido ao extremo cansaço, logo em seguida, o grupo então montou seu
mini-acampamento no vão em uma velocidade incrível. E, na mesma rapidez que
fizeram tal coisa, adormeceram. Todos menos Sahad e Nina.

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Capítulo 41 – Perdões e Revelações

O capitão estava agora deitado no seu saco de dormir, com os braços cruzados
por detrás de sua nuca e as mãos segurando sua cabeça. Já estava sem a máscara de
proteção, assim como todos, já que, estranhamente, dentro da caverna o frio estava bem
menor e a quantidade de oxigênio era maior. Olhava para o teto, de onde reluziam os
cristais verdes de brilho próprio. Nina, por sua vez, estava acomodada no “degrau” da
rocha logo acima de Sahad, cuja largura media cerca da metade do capitão. O restante
do grupo estava adormecido em patamares mais acima ainda. A soldado então, assim
que virou seu olhar para Sahad, notando que o mesmo ainda estava acordado,
perguntou, quase sussurrando:
- Você não vai dormir? Precisamos descansar para amanhã.
O capitão então tirou seu olhar do teto e virou-se para Nina.
- Estou sem sono. – Em seguida, olhou para cima novamente.
A soldado então pôs-se sentada no degrau onde antes estava deitada e virou-se,
fazendo com que seus pés ficassem soltos, quase batendo nos de Sahad, logo abaixo.
- Para falar a verdade, eu também. – Respondeu, balançando as pernas.
Sahad então deu um suspiro e, desta vez, foi a sua vez de virar-se e ficar sentado.
Logo em seguida, deu um pequeno impulso e se colocou de pé, alcançando o chão da
caverna. Andou então alguns passos até sua mochila, que estava encostada em uma
pedra, agachou-se e a abriu. Em seguida, começou a revirá-la. Nina então também
desceu os dois degraus até o chão e aproximou-se do capitão, de ombros largos, braços
e tronco bastante musculosos e barba por fazer:
- O que está procurando?
- Tenho certeza de que...Aqui, aqui está!
Sahad então tirou um envelope de dentro da sua mochila e, em seguida, virou-se.
Então o abriu e mostrou para Nina. Dentro dele, havia um punhado de folhas.
- Olhe, é ceifa. Havia dito para Jess logo no início da viagem que estávamos sem
nenhuma, mas tinha certeza que não havia esquecido de trazer.
- Ceifa? Mas você não disse que estava com sono? Isso só irá mantê-lo ainda
mais acordado.
Sahad então deu um leve sorriso.
- É meio contraditório, mas ceifa serve também para mim como calmante. É um
tanto incrível, mas comigo sempre foi assim.
- Você vai fazer um chá então?
- Sim. Acho que toda a tensão de hoje me deixou um pouco apreensivo. Acho
que por isso não consigo dormir. – Respondeu Sahad, já pegando também um cantil de
água de dentro da sua mochila, além de uma caneca e um pequeno dispositivo metálico,
em formato de cubo, cuja parte de cima possuía um orifício no centro.
Nina então ficou observando Sahad e resolveu então, logo em seguida, fazê-lo
companhia enquanto o mesmo preparava o chá. Alguns segundos depois, os dois já
estavam sentados novamente, desta vez no chão da caverna, enquanto o grupo, mais
acima, continuava dormindo profundamente. A frente de ambos, estava agora a garrafa,
a qual Sahad havia tirado de dentro da mochila e, mais ao lado, a caneca já com água
dentro e cheia de folhas de ceifa. O objeto, por sua vez, estava em cima do dispositivo
em formato de cubo, de cujo orifício saía agora uma energia alaranjada, que esquentava
a caneca. Assim, em alguns minutos, o chá estaria finalmente pronto.
- Escute. – Falou Sahad a Nina, olhando fixamente para o brilho alaranjado que
saía do dispositivo. Seu rosto, assim como o de Nina, estava parte iluminado pelos
cristais esverdeados na lateral da caverna, bem próximo a eles.

226
- Sim?
- O que você acha disso tudo?
- Tudo o que?
- De tudo o que passamos até agora, desse lugar, não sei.
- Eu não sei. – respondeu Nina, também olhando para o brilho alaranjado. – É
tudo muito estranho. Acho que este é um lugar aonde ninguém gostaria de morar ou
visitar. – Brincou, abrindo um sorriso.
Sahad então sorriu também.
- É verdade, eu sinceramente nunca estive em lugar tão bizarro para ser sincero.
Isso supera até o meu quarto, na casa de minha mãe. – Brincou. Em seguida, continuou.
- E agora entendo porque poucos soldados Banshees estiveram aqui em toda a
história. É realmente um lugar muito perigoso para as nossas tropas.
Nina balançou um pouco a cabeça positivamente. Em seguida, completou:
- Você sente como se houvesse maldade por todos os lados, não sei. Toda essa
Aura malígna, emanando pelas entranhas desse lugar. Está me incomodando desde que
chegamos. E muito. E cada lugar parece um pesadelo diferente.
Então foi a vez de Sahad balançar a cabeça. A soldado então continuou:
– Mas acho que, de uma forma ou de outra, estamos nos saindo muito bem.
Afinal, ainda temos chance de concluir a missão, certo? – E Nina abriu um sorriso.
Sahad então sorriu também. Em seguida, respondeu:
- E é muito provável que termine amanhã, quando provavelmente chegaremos
enfim nas montanha de Tyron. Pelo menos é o que está indicando o localizador do Sr.
Hanai. E lá então encontrarmos finalmente esta maldita criatura e terminaremos o
serviço. Mas não sei...
- O que? – Perguntou Nina, curiosa com a hesitação nas palavras de Sahad.
- Não sei mesmo mas.... – Sahad então finalmente pegou a caneca, já com o chá
de ceifa pronto e bebeu um gole. Assim que terminou, finalmente respondeu. – Estou
com um mal pressentimento sobre tudo.
- Que tipo de mal pressentimento?
- Não tenho certeza. – Sahad então olhou para o teto e para os cristais, deu um
suspiro. Em seguida, olhou para Nina e continuou. – Bom, acho melhor falar de outra
coisa certo? Senão aí mesmo que não conseguiremos dormir! – E Sahad deu uma leve
gargalhada, mas logo se conteve para não acordar a todos.
Nina continuava olhando para o capitão.
- Me diga – Sahad então deu outro gole – O que você acha do pessoal?
- Deles? – Respondeu Nina – Virando-se e observando o grupo dormindo nos
degraus da rocha.
- Sim.
- Bom, não sei. Parece que são todos um tanto diferentes um do outro.
- Diferentes como?
- Não sei. Quer ver? O menino fica calado o tempo todo, não nos ajudou muito
até agora. – Disse Nina, esquecendo-se de que Yin havia a salvado, assim como Trent,
de uma queda fatal há bem pouco tempo atrás. – Contudo...– continuou -...é um menino
estranhamente muito poderoso. Pudemos saber disto isto em Marahana, antes de virmos
para cá, lembra? Pode ainda nos ser útil.
Sahad ouvia atentamente.
- O senhor Hanai me parece bastante sério e determinado. Não sei porque, mas
confio nele. Está, pelo menos, conseguindo nos guiar corretamente por este território
maldito, apesar de todos os contra-tempos. E isso já é muito, se tratando deste lugar,
digamos assim.

227
Sahad então concordou com a cabeça. Em seguida, Nina pediu um pouco de chá
de ceifa. Assim que tomou um gole, continuou.
- Jess é mais na dele, quieto também. E a única coisa que sabemos de Trent foi o
que ele nos falou ontem, da mulher, da filha e coisa e tal. E que ele sabe atirar. E bem.
Mas os dois são bem tranqüilos, não sei. Bom, é isso. Quer que eu fale de você também
garotão? – Brincou.
Sahad então tirou seus olhos de Nina, olhou para o lado e baixou a cabeça,
sorrindo, como se tivesse sido pego de surpresa.
- Se não quiser, não precisa. – Respondeu finalmente.
- Eu acho você...deixa eu ver...
Sahad então virou-se novamente para Nina.
- Muito legal! Aí está. O que você tem de tamanho você tem de simpatia! – E
bebeu mais um gole de chá.
Sahad então sorriu. Depois de alguns segundos, contudo, amarrou um pouco o
rosto novamente. Em seguida, desabafou:
- Não sei, eles me parecem...misteriosos.
- Misteriosos? – Perguntou Nina, sem entender.
- É, não sei. É só uma impressão.
- Misteriosos? – E Nina riu um pouco – Ah, isso é só uma paranóia sua. Para
mim, eles são bem tranqüilos, apesar de tudo o que vem acontecendo.
- É, pode ser. – Disse Sahad, pegando a caneca da mão de Nina e tomando mais
um gole de chá.
- E quem você acha que é o mais misterioso? – Perguntou a soldado, agora
curiosa com a opinião de Sahad.
- Bom, deixa eu ver...- Sahad então olhou um por um do grupo dormindo e, em
seguida, olhou para Nina – Bom, pode ser você? Acho você bastante misteriosa. –
Sahad então riu. Desta vez tinha sido Nina a pega de surpresa.
- Eu? Porque você acha isso? – Perguntou a moça, meio sem graça.
- Não sei, seu rosto. Para ser sincero, você parece o mistério em pessoa. É sério.
– Sahad então gargalhou por alguns segundos. Nina, por sua vez, sorriu de leve. Assim
que o capitão parou, continuou:
- Não, agora falando sério. Não ache que eu me esqueci daquela história, logo
que nos conhecemos, ainda em Wamboo.
- Que história? – Nina reagiu com o rosto já um pouco amarrado, como se já
estivesse prevendo como aquela conversa ia terminar.
- Você sabe. A sua grande experiência no Exército Real que você diz ter, coisa e
tal. O fato de você ainda não ter sida promovida a capitã apesar de ter um vasto
currículo. E a sua insistência em entrar na missão. São muitos mistérios.
Nina ouvia as palavras de Sahad, agora aparentando estar um pouco mais
apreensiva do que antes.
- Bom, tudo bem, eu sei. Você deu os seus motivos. Mas me diga, você não
entrou nessa só por aquilo certo? Não é só uma questão de vingar o seu amigo. Tem
algo mais não?
Nina então baixou a cabeça, já com a expressão bastante séria e olhou para o
lado, demonstrando também certo nervosismo.
- Eu sei. Desde o primeiro dia da missão. Ou então vai me dizer que você
mentiu? Você nunca foi da Escola de Forças Especiais certo? – Continuou Sahad.
- Não menti! Eu juro. Foi tudo verdade! – Gritou Nina, virando-se rapidamente
para Sahad, que logo colocou os dedos na boca e pediu para que ela fizesse silêncio.
Felizmente, o grupo estava exausto demais e não acordou.

228
- Ok, tudo bem. Eu acredito, não precisa ficar nervosa. – Neste momento, a
soldado já olhava novamente para o lado e para baixo, visivelmente incomodada com os
questionamentos de Sahad. Este então repetiu, sem se intimidar:
- Eu acredito, juro. Então porque não abre o jogo? Porque não me diz o que há?
- Escute, não quero falar sobre isso. Acho que agora é melhor nós dormirmos
certo? Amanhã será um dia difícil. Como todos esses que passamos até agora.
Sahad então passou longos segundos olhando para Nina, sem mover um dedo. A
soldado então olhou para o lado novamente e, em seguida, mexeu nos cabelos e dobrou
e juntou seus joelhos, a frente de seu corpo. Então os abraçou e enfiou sua cabeça entre
as pernas, escondendo-a. Um amontoado de lembranças e imagens começaram
imediatamente a correr pela sua cabeça novamente. Conforme Sahad havia adivinhado,
Nina guardava sim um grande segredo e logo lembrou a quanto tempo não havia
dividido ele com ninguém. Contudo, passou subitamente em seus pensamentos que
talvez fosse hora de dividir esse pesado fardo novamente com alguém, alguém que ela
pudesse confiar. E desde o início da missão, sem dúvida, Nina havia achado Sahad
perfeitamente confiável, talvez o mais confiável do grupo para ela.
Lembrou então dos elogios que havia feito a ele instantes atrás. O que você tem
de tamanho você tem de simpatia. Agora seu novo e grande amigo, literalmente, o qual
lembrava um outro antigo – Leed, seu companheiro morto na Base Aérea de Marahana
– estava ali, bem diante dela, esperando para ouvi-la pacientemente e, quem sabe,
confortá-la, logo em seguida, o que não seria nada mal. Respirou fundo e decidiu então
seguir em frente nas suas confissões.
Assim que levantou sua cabeça, reparou que Sahad continuava na mesma
posição de antes, ainda a observando. Algumas poucas lágrimas já saíam de seus olhos
azuis. Respirou então profundamente e começou.
- Escute. Isto tudo também é por vingança sim. Eu amava meu amigo, o qual foi
morto sem piedade por estes miseráveis. Por isso resolvi ajudar. Quero vê-los todo
ardendo no inferno!
Sahad continuava fitando Nina com uma expressão de grande compreensão. A
soldado, porém, novamente virou-se para o lado, como que em uma tentativa de se
resguardar das suas próprias próximas palavras:
- Mas você tem razão. Há algo mais. E Leed era o único que sabia sobre o que
vou lhe contar agora. Peço que, assim como ele fez, não conte isto a mais ninguém,
certo?
Sahad então balançou a cabeça. A voz de Nina então saiu ao mesmo tempo firme
e melancólica.
- Há dois anos atrás, estava em uma missão em Shandara. Os Furous haviam
invadido um povoado ao norte da cidade, causando uma série de mortes. Por ainda
insistirem em ocupar o local depois de um longo tempo, fomos chamados para dar conta
da situação. Porém, eu não estava apreensiva naquele dia. Pelo contrário, estava
radiante, por aquela ser a primeira missão que comandava, logo depois de ter sido
promovida a capitã das Forças Especiais do Exército Real.
Sahad então abriu um pouco os olhos, mas tentou-se manter-se firme para não
demonstrar qualquer surpresa. Estava disposto a ouvir até o final da história, antes que
dissesse qualquer coisa.
- Assim que desembarcamos em umas poucas aeronaves, nos entrincheiramos e
começamos a trocar tiros com os Furous. Logo reparamos que a intenção deles era, na
verdade, avançar ainda mais no povoado, em direção a zona em que ainda não haviam
conquistado. Tentamos então, a todo custo, impedi-los de conseguir isso.

229
Sahad então começou a fazer um certo esforço em sua mente para visualizar a
cena descrita por Nina.
- Contudo, ainda havia muitos moradores presentes no povoado, principalmente
atrás da linha de tiro, bem próximos a nós. Alguns segundos depois, portanto, o
inevitável aconteceu. Uma rajada de balas passou bem próximo ao meu grupo e, assim
que me virei, pude ver uma senhora do lado de dentro de um barraco, próximo a porta,
já com seu corpo repleto de marcas de tiros e caindo ao chão. Porém, quando cerrei os
olhos, pude notar algo mais. A senhora carregava em seus braços um neném. Reparei
também que, assim que os dois foram ao chão, a criança milagrosamente não havia sido
atingida pelas balas. E foi neste momento, que cometi o maior erro da minha vida. O
pior de todos. - Nina então suspirou. As lágrimas continuavam a correr por seus olhos,
dessa vez com mais intensidade. Sahad então cerrou os olhos, agora prestando mais
atenção do que nunca em suas palavras.
- O que deveria fazer era no máximo ordenar para que alguém fosse até a criança
e salvá-la, mas não foi o que eu fiz. Deixei o grupo e parti por conta própria para dentro
da moradia. Ainda ouvi as ordens de meu supervisor para que não fosse, mas não dei
atenção. Quando cheguei, vi que a senhora ainda estava viva, tentando balbuciar
algumas palavras, com a criança chorando bastante em suas mãos. No mesmo instante,
contudo, pude notar que o nosso grupo havia sido obrigado a recuar, por causa do
ataque Furou que se intensificava. Naquele momento, sem dúvida, não sabia como
reagir.
Nina então começou a gesticular, apreensiva, enquanto continuava:
- Não pensava em deixar a senhora com a criança ali, a mercê das crueldades dos
Furous. Por outro lado, não podia agir sozinha, senão seria morta também. Uma enorme
confusão veio então em minha cabeça. Não sei, estava muito quente, minhas mãos
estavam suando e os barulhos de tiros e explosões pareciam cada vez mais perto de
mim. E ainda havia o som do choro da criança e a imagem da grande mancha de sangue
espalhada pelo corpo da senhora bem a minha frente. Tudo isso atrapalhava bastante
meu raciocínio. Àquela altura, minha adrenalina também já estava maior do que nunca e
já estava abalada emocionalmente. Por isso, fiquei sem reação, esperando pelo pior.
Porém, algo então mais terrível aconteceu.
As próximas imagens vieram então fulminantes na cabeça de Nina, com um
nível de detalhe altíssimo.
- Sem que eu estivesse esperando, um soldado amigo apareceu na porta da
moradia. Provavelmente, por ordens do meu supervisor, havia voltado alguns metros
para contornar a casa e me buscar. Então...
Neste momento, contudo Nina parou de falar e desabou. Mordeu os lábios e
escondeu novamente sua cabeça entre as pernas. Em seguida, começou então a
choramingar e soluçar forte. Depois de alguns segundos, Sahad então concluiu:
- Você acabou o confundindo com um Furou.
Nina não respondeu. Sahad reparou então que se choro aumentava mais e mais.
Em seguida, resolveu aproximar-se e abraça-la.
- Tudo bem. Olhe, você não teve culpa, só estava se defendendo. E estava muito
confusa. – Tentou consolá-la.
Logo em seguida, porém, Nina começou a fazer um enorme esforço para segurar
suas lágrimas e continuar sua história. Voltou a falar, agora com bem mais dificuldade:
- Os tiros não o mataram. Porém, meu supervisor, notando a demora de nós dois,
voltou com alguns outros soldados. E, assim que me viu ajoelhada no chão, atônita,
ainda com a fumaça saindo do cano do meu rifle e o corpo do soldado ao chão, juntou
as coisas.

230
Sahad agora afrouxava um pouco o seu abraço e começava a fazer um afago nos
cabelos loiros de Nina, que seguiu:
- Nós saímos da batalha vitoriosos, apesar de tudo. – Abriu então um sorriso
irônico - Contudo, sem hesitar, assim que voltamos para Archia, meu supervisor pediu
não só a perda de meu posto como a minha prisão imediata. Completamente destruída
pelo meu erro e imaginando que não suportaria jamais aquela situação de culpa, fiz o
que qualquer criatura do mundo faria em minha situação. Fugi.
Sahad então finalmente começava a sentir a dimensão exata da dor daquela
mulher.
- Tive que deixar o exército, minha família, meus amigos e trocar de identidade.
Passei então um bom tempo vagando por Asíris, tentando me perdoar pelo meu erro e
tentando encontrar uma solução para sair desta situação. E isso durou um ano. Logo que
a depressão passou, contudo, pude finalmente pensar em algo. Não era uma solução
definitiva, porém era muito arriscada e somente o que eu pensava fazer no momento.
Voltar a servir.
Sahad continuava os afagos em Nina.
- Recomecei do zero, Sahad. Assim que terminei meus primeiros treinamentos,
já usando este outro nome fui logo enviada para a Base Aérea de Marahana. A partir
desse dia, decidi então que não faria nada além da minha vida a não ser salvar a maior
quantidade de vidas que pudesse. Isto seria minha meta suprema, digamos assim,
entende? E assim foi até alguns dias atrás, após ser salva pelo Sr. Hanai e os outros em
Marahana. Porém, depois que fiquei sabendo desta tal missão secreta, percebi que era
mais uma chance de me redimir, não sei. Minha chance de fazer algo grande e provar
para todos que estavam errados com relação a mim, de uma vez por todas.
- Foi por isso que você entrou nesta missão então. – Falou finalmente Sahad.
- Sim.
Alguns segundos de reflexão de Sahad até que respondesse:
- É. Juro que esperava uma outra explicação. – Brincou. – Uma explicação um
pouco menos...pesada, digamos assim... – Falou sorrindo. Nina também abriu um tímido
sorriso e concluiu:
- Entrei nesta missão por perdão. E nada mais.
O capitão então continuou alisando os cabelos loiros daquela bela e sofrida
mulher, em uma tentativa de alivia-la um pouco da triste história a qual havia acabado
de narrar. Nina, por sua vez, olhava agora fixo para o dispositivo que servira para
esquentar o chá de ceifa de Sahad, o qual ainda estava ligado. Neste instante, o capitão
desligou então o aparelho:
- E você terá. É só ter paciência.
- Será? – Perguntou Nina, voltando os olhos para Sahad e tentando abrir mais o
seu sorriso.
- Sim. E o melhor, como disse, é que tudo pode terminar amanhã mesmo. –
Sahad então se levantou – E, por falar nisso, agora realmente precisamos dormir. Vê se
relaxa, certo?
O capitão então fez um último carinho na soldado. Em seguida, guardou a
caneca, a garrafa e o dispositivo de aquecimento de volta em sua mochila. Os dois então
voltaram para seus respectivos degraus no vão da caverna. Os segredos novamente
revelados por Nina ainda a fizeram ficar acordada por mais um tempo, contudo, naquele
momento, tocar naquele assunto não lhe pareceu incomodar mais. Era como se tudo
estivesse realmente bem próximo de um fim.

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Capítulo 42 – Terror no Subterrâneo

O sol já voltava a brilhar forte no deserto de Kayabashi. O vapor que saía da


areia escaldante dava a impressão de que, embaixo do solo, havia fornalhas vindas do
próprio inferno, ligadas em sua máxima potência. Irwind, que não havia dormido um
minuto sequer na noite anterior ainda tentava imaginar todas as razões do quase total
fracasso de seus mísseis e bombardeios que se repetia, contra Shandara. E, neste
instante, estava ainda mais furioso por ter sabido, recentemente, que as baterias
responsáveis pelos lançamentos dos mísseis, localizadas nas proximidades de Shandara,
já haviam sido inteiramente destruídas pelos Furous, assim como grande parte dos
últimos bombardeiros que estavam investindo nos céus na cidade. As baterias vindas de
Wamboo, por sua vez, também não foram poupadas pelos ataques de longa distância e
preciso dos Furous. O comandante Nissu, porém, havia conseguido retirar-se da região
antes que fosse tarde e retornou a salvo para Wamboo. De qualquer forma, aquela
altura, Irwind não havia ainda pensado em uma estratégia alternativa.
- O que você acha que farão a seguir? – Perguntou, olhando para o telão com o
mapa da região de Shandara no hall destruído, para o capitão Markeen,.
- Não faço idéia senhor. Talvez aproveitem seus recentes e bem sucedidos
ataques as nossas unidades para nos contra-atacar em breve. A confirmação disso,
porém, somente dependerá de nossas próximas leituras, que estão cada vez mais
dificultadas devido ao grande número de radares já perdidos ao norte. Contudo, só o que
posso lhe afirmar é que o restante dos bombardeiros que haviam lançado a ofensiva
aérea contra Shandara, estão agora retornando para Marahana para reabastecer.
Irwind então refletiu mais uma vez. Estava tendo o mesmo palpite de Markeen,
já que agora, sem as baterias de mísseis perto de Shandara, as tropas nas cidades de
Marahana e Wamboo estavam agora bem mais vulneráveis. Preciso pensar em algo. E
rápido! – Concluiu.
Nas profundezas de Gyron, o grupo já havia percorrido dezenas de quilômetros
de túneis escuros e sinuosos, que agora pareciam muito mais estreitos. Os cristais
esverdeados incrustados nas paredes, porém, continuavam iluminando o caminho de
Hanai - que continuava guiando a todos com seu localizador - Yin, Jess, Sahad, Nina e
Trent e intensificavam misteriosamente seu brilho a medida que a caminhada
prosseguia.
- Escute. – Falou Sahad a Nina.
- O que?
Os dois caminhavam um pouco atrás dos demais.
- Nossa conversa ontem me deixou com uma dúvida.
- Dúvida?
- Bem...depois de tudo o que aconteceu com você...
Nina continuava caminhando, agora olhando para Sahad.
- Fale a verdade. Qual o seu nome verdadeiro?
Nina sorriu, voltou a olhar para a frente e respondeu baixo.
- Não conte isto a ninguém certo? Você prometeu.
- Certo.
- Bem...não é um nome muito bonito.
- Pelos Deuses! Diga.
- Maraya. Esse é o meu nome.
Sahad então sorriu.
- Eu disse que era estranho.
- Não, não é por isso que estou rindo. Mas me diga, porque Nina?

232
- Bom, como não gostava do meu nome mesmo e Nina era o nome que eu
sempre quis ter...
- A confusão toda serviu para algo enfim.
Nina sorriu:
- É verdade. Mas me diga. Porque você riu quando disse o meu nome
verdadeiro?
- Bem é que... – Sahad então coçou a cabeça.
- O que foi?
- É porque eu já tive uma história com uma certa Maraya.
- Jura? E como foi?
- Bem...longa...
Sahad então continuou seu papo com Nina, que cada vez mais ia esquecendo da
conversa da noite anterior. Mais a frente, Jess, o qual havia notado há pouco tempo algo
diferente no ambiente ao seu redor, resolveu enfim se manifestar.
- Senhor, tem idéia do que seja isto? – Perguntou o soldado a Hanai, apontando
com a lanterna de seu rifle para um punhado de gosma negra e viscosa, a qual havia
misteriosamente surgido espalhada pelas paredes das cavernas. Jess, porém, tinha a
certeza de que somente após muitos quilômetros de caminhada a estranha substância
havia aparecido pela primeira vez.
- Não faço idéia. – Respondeu Hanai, olhando a gosma escorrer por cima de um
dos cristais.
O soldado então se aproximou do material viscoso e, com os dedos, o encostou
levemente. O contato, porém, logo fez com que Jess retirasse sua mão, pois a mesma
havia sido imediatamente queimada pela substância, que também corroeu sua luva.
Ainda sacudindo as mãos para aliviar a dor, desabafou:
- Pelos Deuses, o que é isto? - Olhou então com mais atenção para a substância
na parede, ainda com uma expressão de dor.
- É estranho. Lembra sangue. Sangue Furou. – Respondeu Hanai. - Mas não de
qualquer um, só o dos mais fortes. – Concluiu, logo imaginando que poderia se tratar da
mesma substância corrosiva que percorria o corpo dos Marakis e com a qual ele próprio
teve de tomar muito cuidado em sua luta na Base Aérea de Marahana. Por isso, assim
como Jess, estava intrigado. Afinal, sabia que os Marakis eram os únicos seres do
mundo que possuíam tal substância circulando pelos seus corpos, ao passo que nem
mesmo os guerreiros Furous ou peões a possuíam, tampouco algum animal de Asíris -
ainda que o mesmo se caracterizasse como original do território Furou. Perguntou para
si, por fim, o que aquele líquido negro estava fazendo presente ali, no final das contas.
- Esta maldita gosma! Está por toda parte agora! – Jess então apontou a
iluminação de seu rifle para ao redor do grupo. Foi então a vez de Trent falar.
- Na verdade, isto está presente neste lugar desde que chegamos.
- Como?
- Sim. Desde que caímos aqui. Já havia notado um pouco dela espalhada pelas
rochas.
- E como não percebemos?
- Estávamos com a atenção voltada para os cristais. E essa gosma parece se
fundir com a pedra de alguma forma, se camuflar não sei. Por isso, não nos chamou
atenção. Mas agora que está por todo canto, pudemos percebê-la.
Hanai deu mais uma olhada na substância e então resolveu seguir em frente.
Contudo, mais alguns metros adiante, foi impedido de prosseguir junto com o grupo.
Barrando a passagem, havia agora um grande rochedo bem a frente, também coberto

233
pela gosma ácida. Neste instante, Sahad ainda conversava com Nina quando virou-se.
Assim que notou o rochedo, parou repentinamente:
- Opa, isto é muito, muito ruim. – Desabafou.
Hanai então olhou de cima a baixo o rochedo. Maldição! Muito ruim mesmo! –
Pensou. Sabia, porém, que não podia retornar, pois todos já estavam a horas
percorrendo aquele mesmo túnel, o qual os guiava diretamente ao seu destino correto,
para o norte, segundo o seu localizador. Retornar e seguir outro rumo com certeza iria
consumir-lhes muito tempo, coisa que decididamente Hanai sabia que o grupo não
tinha. Não posso nem usar meus poderes, senão este lugar pode desmoronar! Não
sabemos onde estamos! – recordou também. Continuava olhando perplexo para o
rochedo, pensando em alguma forma de superar aquele obstáculo, quando Jess notou
algo interessante:
- Senhor, olhe! Há uma passagem mais acima!
Hanai então se dirigiu a lateral do rochedo e olhou para onde a lanterna do rifle
de Jess apontava, podendo então notar um vão livre entre o grande pedregulho e a
parede do túnel. Notou também, porém, que o diâmetro da passagem era muito pequeno
para que todos passassem por ela. Quase todos.
- Acho que o menino pode passar por ali e ver o que há do outro lado – Sahad foi
o primeiro a palpitar, apontando para Yin.
Hanai então virou-se para o menino.
- Yin, você acha que consegue nos ajudar, passando por ali?
O menino então balançou a cabeça positivamente.
- Acho que sim. – Respondeu.
Porém, quando Yin já iniciava sua escalada na pedra para chegar na passagem,
Nina interveio.
- Não precisa ir. Pode deixar que eu vou.
- Tem certeza? – Perguntou Hanai.
- Sim. Pelo que eu me lembre, eu sou a especialista nisto certo?
Hanai então consentiu e Nina logo começou a escalar o rochedo, com uma certa
facilidade até. Em seguida, deitou-se de bruços e começou a rastejar para dentro da
passagem.
- Tome cuidado! – Falou Sahad.
- Com as gosmas também! Elas machucam! – Alertou Jess.
Dentro do claustrofóbico túnel, devido a ausência de cristais, só havia a lanterna
de Nina iluminando o local. A soldado logo notou também que o minúsculo túnel
também estava repleto da mesma gosma de antes e, por isso, teve que se espremer ainda
mais contra as paredes para que não fosse queimada. Contudo, quando apontou sua
lanterna para frente, sentiu-se mais aliviada. Afinal, havia notado que a passagem não
era muito extensa e pôde ver seu fim.
- Enfim, um lugar espaçoso e agradável para se descansar! – Disse a si mesma
ironicamente, enquanto continuava rastejando.
Já perto do fim do túnel, porém, escutou algo estranho, como um barulho de uma
cachoeira. E, assim que chegou do outro lado e colocou seus pés no chão novamente,
pôde sentir também que estava em um lugar no mínimo diferente de tudo o que haviam
percorrido até então. Bem a sua frente agora, havia milhares, talvez milhões de cristais,
que mais pareciam minúsculos pontos brilhantes, muito ao longe. Por um segundo, Nina
imaginou que estivesse, na verdade, no centro de uma constelação de estrelas verdes,
muito distantes dela e quase inalcançáveis, como qualquer estrela. Contudo, como o
breu imperava a seu redor, a soldado resolveu tirar de seu bolso um sinalizador, o mais

234
forte que tinha. Acendeu-o e, em seguida, arremessou-o o mais longe que podia. Sua
visão seguinte a deixou então ainda mais boquiaberta do que antes.
Bem a sua frente, surgiu então, logo em seguida, uma galeria de proporções
absurdamente grande. Havia grandes quedas d’água por todos os lados, esguichando por
inúmeros túneis no alto da galeria rochosa e mergulhando em um grande lago muito
abaixo da plataforma onde Nina estava. O lago, por sua vez, talvez até de certa forma
bela, refletia o brilho dos inúmeros cristais espalhados pelas paredes da galeria,
formando lampejos esverdeados que oscilavam na superfície das pedras do local.
Porém, enquanto olhava para baixo, precisamente para a plataforma onde seu
sinalizador havia caído, viu algo que a fez prender a respiração por total. Um vulto
negro e aparentemente grande e viscoso, subitamente sumiu por dentro de um dos túneis
da nova galeria, lá embaixo. Em seguida, viu mais duas ou três cenas semelhantes bem
próximas uma das outras. Como tais passagens, em particular, não recebiam brilho
algum, nem dos cristais, nem do reflexo do lago, Nina não pôde ver claramente do que
se tratava. Uma voz, contudo, logo cortou sua apreensão. Era Hanai:
- Achou alguma coisa? – Berrou do outro lado. A voz para a soldado, contudo,
parecia ter vindo de quilômetros de distância. Nina então voltou, ficou na ponta dos pés
e colocou seu rosto na entrada do pequeno túnel pelo qual havia acabado de passar.
- Está tudo limpo, vocês não vão acreditar no que tem aqui! E pode usar seus
truques sem problemas senhor Hanai!
Hanai compreendeu o recado:
- Afaste-se daí então!
Repetiu então o mesmo pedido para o resto do grupo, ao seu lado. Em seguida, o
mestre de Yin afastou-se um pouco do rochedo, juntou ambas das mãos e logo começou
a formar uma Shinya-Hashiki.
Do outro lado, Nina correu para se proteger. Segundos depois, nada viu ou ouviu
a não ser a grande explosão do rochedo pela técnica de Hanai, que também fez com que
os inúmeros fragmentos da pedra rolassem pela plataforma onde a soldado estava até
caírem, com violência, no lago bem mais abaixo. Assim, pouco tempo depois, por entre
a nuvem de poeira que se formou, surgiu enfim o grupo.
- Nossa! – Exclamou Sahad assim que adentrou a galeria, a qual ainda estava
iluminada pelo sinalizador de Nina.
É impressionante mesmo! – Concluiu Hanai, olhando para as cachoeiras. – Só
ainda está um pouco mal iluminada.
Hanai então andou alguns passou em direção a beira da plataforma rochosa, que
terminava em um perigoso abismo. Em seguida, ergueu a palma de sua mão e formou
mais uma Soran. Em seguida, arremessou-a ao longe. Seu brilho então superou e muito
o do sinalizador de Nina, fazendo com que todos pudessem enfim, ver melhor cada
parte daquele exuberante lugar. O detalhe mais rapidamente percebido, porém, era de
que aquela galeria era ainda mais gigantesca do que parecia. Em seguida, Hanai virou-
se para o grupo, que permanecia mais atrás.
- Bom, parece que agora podemos seguir em frente! – Falou, abrindo um sorriso
de alívio.
O grupo então fez seu próprio caminho, descendo inicialmente pela direita da
plataforma onde estava, com o intuito de chegar ao fundo da galeria e seguir pelo túnel
que estivesse localizado mais ao norte.
- Isto, isto é...muito perigoso... – Disse Jess, apoiando suas mãos e pés com
cuidado nas rochas, bem abaixo e nos vãos ao seu lado, a medida que ia descendo, para
não despencar no precipício.

235
- Isto é porque vocês não viram... – Respondeu Nina, encontrando-se na mesma
situação que Jess. – ...Vocês não viram o que eu vi.
- E o que você viu?
- Bom, é difícil de acreditar.
- Você pode tentar. Afinal, já vimos muitas coisas difíceis de acreditar desde que
chegamos aqui... - Insistiu o soldado, agora tomando cuidado também para não colocar
as mãos na gosma corrosiva bem ao seu lado, que naquele momento parecia cobrir toda
a superfície da parede.
- Bom...é que...Pelos Deuses!
Neste exato momento, Trent, que estava mais abaixo, sem querer escorregou em
uma das pedras e despencou. Hanai, logo percebendo o que havia ocorrido, saltou e
voou em direção ao capitão em queda. Felizmente, conseguiu agarrá-lo antes que se
chocasse com alguma rocha e, em seguida, levou-o em segurança até o fundo da galeria.
- Obrigado. – Falou Trent
- De nada. Só tome mais cuidado capitão.
Trent consentiu com a cabeça. Hanai então teve uma idéia.
- Escutem! – Falou, olhando para todos, ainda há muito metros acima – Será
muito mais seguro se eu e Yin levarmos vocês todos direto ao chão. Yin, você pode me
ajudar?
O menino então olhou para cima e viu Sahad e todo seu imenso tamanho. Não
precisou nem de uma fração de segundo para saber que não era boa idéia.
- Não se preocupe menino, pode levá-la. Eu vou com o Sr. Hanai. – Falou o
capitão, apontando para Nina que estava bem abaixo de Yin.
Alguns segundos depois e todos já estavam todos a salvo no fundo daquela
grande caverna. Hanai então deu mais uma conferida no seu localizador e decidiu a
direção para onde o grupo deveria ir.
- Vamos, por aqui!
Contudo, assim que todos deram o primeiro passo, um tremor fez com que
parassem.
- Ah não! Denovo não! – Desabafou Sahad.
Hanai então só esperou o tremor passar para que desse sua próxima ordem:
- Vamos, não temos tempo a perder!
O grupo então apressou o passo em direção ao norte da galeria. Assim que
chegaram a beira do lago, porém, Trent não se conteve e decidiu escapar um comentário
irônico:
- Isto é interessante. Um lago dentro de outro lago.
Jess então se recordou que de fato, todos ainda estavam na verdade dentro de um
imenso lago. Mais precisamente, nas profundezas do Lago Negro de Gyron.
- Foi o que eu disse. Acho que não há mais coisas difíceis de se acreditar por
aqui. – Respondeu. Em seguida, lembrou de outra coisa. – Por falar nisso, você havia
dito que tinha visto algo. O que era? – Perguntou a Nina, que seguia bem a sua frente.
- Bem, foi uma espécie de vulto, não sei.
- Vulto?
- Sim, vi alguns vultos negros assim que cheguei nesta galeria. Mas eles estavam
distantes e sumiram por estas passagens, bem perto de onde nós estamos agora. – E
Nina olhou para a entrada de um dos obscuros túneis da galeria, bem ao lado de onde
todos estavam passando naquele momento. Jess também olhou e reparou, antes de
qualquer coisa, na completa escuridão que o impedia de ver o que havia um metro
adiante dentro daquela sombria passagem. Por um momento, perguntou o porquê de não
haver cristais naquele túnel, mas logo concluiu que seu raciocínio estava errado. De

236
fato, reparando melhor, havia sim pedras esverdeadas encravadas dentro do túnel, mas
estavam todas cobertas pela mesma substância negra e gosmenta de sempre, o que os
impedia de irradiar seu brilho. Jess reparou também que a largura e altura daquele túnel,
assim como todos os outros naquele nível era enorme, bem maior do que os corredores
estreitos de antes. Um mal pressentimento tomou conta então do soldado.
- E como eram os vultos? – Perguntou.
- Bem, pareciam gosmentos. E grandes.
Ainda observando a passagem, resolveu dar um palpite acerca da visão de Nina.
- Será que o que você viu não era uma daquelas malditas lagartas?
- Não, não era.
- Tem certeza?
- Sim, tenho. Como disse, eram negros e não amarelados, como as lagartas. E,
além disso, apesar de serem grandes, não se comparavam com o tamanho dos bichos
que enfrentamos.
Jess olhou mais uma vez para a imensa entrada do túnel sombrio e insistiu.
- Pois eu acho que você viu uma daquelas lagartas.
- Ah é? E porque você acha isso? – Respondeu Nina, já um tanto impaciente
com a insistência de Jess.
- Escute, repare nestes túneis. São tão largos que poderiam muito bem servir de
passagem para essas criaturas.
Sahad ouvia a conversa e era o último da fila.
- Além do que... – continuou – ...estamos não imagino quantos metros abaixo da
superfície, ou seja, provavelmente no habitat natural destes seres. Eles podem estar em
qualquer lugar por aí.
Nina suspirou, como se tivesse perdendo a paciência de vez com Jess.
- Escute. Apesar de estar escuro, tenho certeza do que vi. Quero que acredite em
mim.
Sahad então resolveu intervir. A essa altura, o grupo já havia contornado todo o
lago no fundo da galeria e aonde parte das cachoeiras do local desaguavam, e o deixado
para trás. Estavam caminhando agora num terreno bastante rochoso e acidentado.
- Nina, escute. Jess pode estar certo. Além do que...
Neste instante, um novo tremor quase fez com que todos fossem ao chão. Sahad
então riu.
- Bom, esses tremores, você sabe o que significa.
Nina suspirou novamente.
- Olha vocês dois. Tudo bem. Não importa o que seja aquilo que eu vi. De
qualquer forma, me assustou bastante e espero que não veja esta coisa novamente. Nem
lagartas, nem nada.
- Isso eu concordo – Falou Jess.
Trent estava mais a frente, bem atrás de Hanai e Yin. Naquele momento, olhava
com mais cautela os rochedos pelos quais o grupo estava passando bem rente e, assim
que notou algo estranho, subitamente parou. Reparou que aquelas pedras, além de
estarem completamente cobertas pela gosma ácida, estavam com uma coloração
diferente, mais rosados do que todo o ambiente que havia cercado o grupo até então.
Afinal, a cor da rocha que havia predominado até o momento era um vermelho escuro,
um cobre quase preto. Em seguida, portanto, cerrou os olhos e resolveu, com sua mão,
empurrar a superfície de uma delas, tomando cuidado para não se queimar com a
perigosa gosma que o cobria. Para sua surpresa, sentiu, ao invés de uma superfície
rígida, uma superfície mole, que afundou assim que Trent empurrou seus dedos para,
em seguida voltar para o lugar original assim que o capitão os soltou. Trent então ficou

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espantado com aquele estranho fenômeno. Logo depois, repetiu o gesto mais uma vez, e
mais outra. Olhou então para os demais rochedos que cercava o grupo e constatou que
eram todos iguais aquele a sua frente. Neste instante, Sahad falou algo.
- Rochas e mais rochas. É só que o que vemos. Isso parece um maldito labirinto!
- Não são rochas.
- O que?
- Não são rochas. Não sei o que são, mas não são rochas. – Revelou Trent.
Neste instante, um terceiro tremor, dessa vez bem mais forte, fez com que todos
fossem ao chão. Sahad, agora sentado, virou-se para o lago e mais uma vez não
acreditou em seus olhos.
Uma imensa e familiar carapaça amarelada e espinhosa emergia lentamente de
dentro do lago o qual o grupo havia contornado. Assim que notou do que se tratava, o
capitão desabafou:
- Não...denovo não...
A cena de fato parecia uma repetição do encontro do grupo com a primeira das
lagartas gigantes. O monstro então estendeu seu pesado corpo em direção ao alto e
soltou um imenso rugido. A água que caía de uma das cachoeiras que desaguava no lago
escorria pelos bizarros espinhos de sua pele e, assim que a criatura notou a presença do
grupo, logo tratou de rastejar em sua direção. Todos então correram por entre o labirinto
de rochedos até chegar a entrada de um dos túneis escuros, bem perto dali. Entraram
como um raio por ele mas, assim que andaram mais alguns passos, notaram que não
havia saída, apenas mais uma parede gosmenta a frente.
- Eu lhe falei não? – Disse Jess a Nina.
- Mas... Mas... O que eu vi... Não...
Neste instante, a lagarta enfiou sua cabeça violentamente por entre a entrada do
túnel onde o grupo estava escondido e abriu sua enorme boca repleta de dentes.
Contudo, como aquela passagem era mais curta do que seu corpo, por mais que se
esforçasse, não conseguia alcançar o grupo. Ficou então por muitos instantes rugindo e
forçando sua cabeça para dentro do buraco, com o intuito de conseguir sua comida a
qualquer custo, mas sem sucesso. Todos então sacaram seus rifles e se prepararam para
atirar. Hanai, por sua vez, já estava na posição de luta e juntava as mãos para lançar uma
Shinya no monstro quando algo estranho aconteceu.
Subitamente, a lagarta começou a ser arrastada para trás por um força
desconhecida e esmagadora, ao mesmo tempo em que continuava a fazer um esforço
enorme para estender sua cabeça em direção ao buraco. Em um momento, porém, sofreu
um puxão mais forte e foi arrastada por completo para fora. Todos ficaram
imediatamente estupefatos, sem entender o que havia de fato acontecido. Lentamente,
foram então dando alguns passos em direção a entrada do túnel, a medida que ouviam
rugidos e mais rugidos do ser, do lado de fora. Quando chegaram enfim na boca do
túnel, não acreditaram na cena em que viram.
A lagarta continuava a ser puxada para trás e, naquele momento, todos puderam
notar por quem, ou pelo que, no caso. Acima de seu rabo, havia uma espécie de
inúmeros seres negros e amórficos, os quais pareciam ser inteiramente formados pela
substância gosmenta espalhada por todo o local. Os seres pulavam aos bandos por cima
do corpo da lagarta, que agora fazia de tudo para se livrar de seus novos inimigos.
Naquele momento, uma das estranhas criaturas, bem ao lado da lagarta e mais próximo
ao grupo, notou sua presença na entrada do túnel e abriu uma enorme bocarra.
Surpreendentemente, sua mandíbula também era repleta de dentes afiados. Soltou,
enfim, um rugido rasgado, mais esganiçado do que o rugido das lagartas.
- Dentes! Tudo parece que tem dentes aqui! – Gritou Sahad.

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- Era isso! Eram essas coisas que eu havia visto! – Falou Nina.
- Como se não bastasse essas lagartas! Gosmas, gosmas com dentes! Pelos
Deuses! – Concluiu Jess.
Assim que o novo e perigoso inimigo correu enfim para o ataque, porém, o
grupo bateu em retirada. Contudo, a velocidade da gosma se demonstrou muito
superior. Hanai então sacou sua Asor e esperou que todos passassem por ele. O bicho
negro então saltou em sua direção, logo sendo atacado por uma série de Shinyas.
Contudo, devido a estrutura corporal da criatura ser completamente insólita, as Shinyas
simplesmente atravessaram seu corpo sem causá-lo nenhum dano. O monstro então
abriu sua mandíbula mais uma vez e avançou contra Hanai, que desviou do novo ataque
rolando pelo chão. Dessa vez, foi então a vez de Hanai avançar contra o ser e deferir
alguns golpes com sua espada. Novamente em vão. Afinal, sua lâmina também
atravessava o corpo do bicho sem nenhum efeito. Além disso, assim que Hanai olhou
sua Asor, reparou que, apesar da mesma ser formada por Prima e Diamante, estava
sendo lentamente corroída pela substância que formava o corpo da criatura, que era de
fato a mesma que circulava pelos corpos dos Marakis. Sem hesitar, o bicho logo partiu
para seu terceiro ataque a Hanai que, agora bastante irritado, dessa vez saltou para o alto
e para trás e decidiu pôr um fim logo naquela luta. Certo, vamos tentar algo mais
agressivo então.
Após o salto, Hanai passou a flutuar no ar durante alguns segundos e tentou
manter-se fora do alcance da criatura, que continuava olhando para ele e rugindo com
sua imensa boca escancarada. O grupo, a essa altura, já havia parado de fugir e
observava a luta a alguns metros de distância. Hanai então concentrou-se, juntou as
mãos e disparou uma poderosa Shynia-Hashiki contra a criatura, que imediatamente
explodiu em mil pedaços. A gosma de seu corpo, por sua vez, voou em todas as
direções, bem como os fragmentos de seus dentes afiados, a única parte realmente
sólida do ser. Um desses fragmentos passou então bem rente a Jess e fincou-se como
uma lâmina na rocha, a alguns centímetros de seu rosto, fazendo com que o soldado
arregalasse os olhos e prendesse a respiração. Hanai então voltou ao solo e juntou-se
novamente ao grupo.
- Senhor, que bichos são esses? – Perguntou Jess, bastante assustado.
- Não tenho a mínima idéia. Mesmo. – Respondeu, olhando para uma das poças
de substância negra ao chão. Na verdade, uma parte do que havia sobrado do ser
gosmento.
- Podemos não saber o que são, mas sabemos agora exatamente onde estamos –
Disse Trent.
- Aonde? – Perguntaram todos ao mesmo tempo.
- Exatamente no meio do ninho destes bichos.
Trent então olhou novamente para toda a galeria, acompanhado de todos. A cena
então pareceu ainda mais inacreditável.
Na galeria, já estavam presentes também mais umas cinco ou seis lagartas, cada
uma, assim como a primeira, já sendo atacada ferozmente por centenas de seres
gosmentos e sedentos por carne fresca. O quadro se caracterizava como uma verdadeira
e bizarra guerra, onde as duas espécies se digladiavam por toda a extensão daquela
imensa caverna, inclusive bem perto dos rochedos rosados próximo ao grupo. Rochedos
esses que, por sua vez, não passavam de esqueletos e carcaças de lagartas mortas, os
quais pareciam jazer naquela grande cratera – lar dos seres gosmentos – há muito
tempo. Assim, logo após uma breve observação de todo aquele grotesco espetáculo, o
grupo então percebeu que as lagartas novamente pareciam estar levando desvantagem
na batalha.

239
- Isso quer dizer... – Sahad tentou então completar a revelação de Trent.
- Sim, exatamente. Vamos! – Ordenou Hanai ao grupo, que partiu rapidamente,
dessa vez beirando as paredes laterais da galeria, com o intuito de se afastar o máximo
dos confrontos que ocorriam sem parar naquela área tão perigosa. Logo nos primeiros
passos da corrida, porém, uma lagarta surgiu cruzando o caminho do grupo. Rastejava
desesperadamente e rugia de dor, além de se debater por inteira para se livrar dos
muitos seres negros, que já quase cobriam todo o seu imenso corpo. Estes, por sua vez,
mordiam violentamente sem parar seu inimigo maior, conseguindo até arrancar-lhe
alguns pedaços de sua pele espessa. O grupo então esperou a lagarta se afastar um
pouco para continuar em frente. Mais a frente, porém, uma cena semelhante impediu de
vez que o grupo seguisse. Uma outra lagarta sendo atacada bloqueava a entrada do túnel
pelo qual Hanai havia enfim decidido seguir. A criatura estendia todo o seu corpo, de
frente para todos, que repararam também que os inúmeros seres gosmentos já subiam
por cima dela, através de seu rabo.
- Droga! Por aqui não dá! – Exclamou Sahad.
O grupo então se virou e, por um segundo, as esperanças pareciam ter se
acabado por completo. A esta altura, já estavam todos cercados por umas dezenas de
seres gosmentos, que os encurralavam entre a lagarta sendo atacada e a parede da
galeria. Parecendo não haver saída daquela situação, todos então somente davam passos
curtos para trás, esperando pelo pior, a medida que os seres iam avançando lentamente.
Neste instante, porém, Hanai teve uma idéia, um tanto quanto louca. Olhou para a
lagarta agonizando bem próximo e correu então em direção a ela. Em seguida, segurou
um dos espinhos do monstro com uma das mãos. Porém, olhou para trás e reparou que o
grupo não havia lhe seguido. Nem sequer Yin.
- Vamos! Por aqui! – Gritou.
O chamado então pareceu acordar o grupo, que logo se aproximou também da
lagarta e de Hanai. Jess então olhou para o ser, que agora se debatia mais do que nunca
e, em seguida, olhou para a mão de Hanai segurando um dos espinhos da criatura:
- O que está fazendo senhor? – Perguntou, sem entender.
Hanai então olhou nos olhos de cada um, abriu um sorriso irônico e respondeu:
- Segurem-se todos. Esta será uma viagem um tanto perigosa!
- Viagem? Mas o que? – Desabafou Sahad.
- Não discuta, só faça o que ele está mandando certo? – Respondeu Nina.
Assim, Nina, Sahad, Yin, Jess e Trent então repetiram o gesto de Hanai,
segurando com ambas as mãos os espinhos da criatura e se posicionando de tal forma
que todos pareciam a abraçar.
- Ok! Segurem firme!
Logo em seguida, Hanai olhou para os seres gosmentos, que agora estavam a
poucos metros de todos e aproximando-se perigosamente. Contudo, continuava
sorrindo. Ok. Me desculpa por isso senhorita, mas temos que nos mexer! – Pensou
ironicamente, consigo mesmo.
Dessa forma, logo em seguida, o líder da missão sacou sua espada com a mão
direita – aquela que não segurava o espinho da criatura – e cravou sua lâmina no corpo
da lagarta. Em seguida, fez surgir um brilho azulado de sua mesma mão. Brilho esse
que rapidamente percorreu a lâmina de sua Asor e atingiu a pele do monstro. Assim que
o fez, repentinamente, uma grande de onda de energia percorreu todo o corpo da lagarta,
fazendo-a rugir estrondosamente e esticar ainda mais sua estrutura para o alto. Além
disso, a onda ainda serviu para expulsar algumas criaturas negras em cima de seu corpo,
já muito ferido.
- Agora! Segurem-se!

240
Com o ataque de Hanai, pareceu a vez da lagarta “acordar” e reagir aos ataques
dos seres gosmentos, tomando uma atitude inesperada para todo o grupo. Menos para
Hanai. O monstro então virou seu corpo bruscamente e pôs-se de bruços, movimento
esse que fez com que todos fossem arremessados exatamente para cima de seu dorso.
Em seguida, com a entrada do gigantesco túnel agora bem a sua frente – o mesmo túnel
o qual ela bloqueava antes - não pensou duas vezes antes de se mandar velozmente pela
passagem, deixando todas as ameaças gosmentas, bem como a imensa e infernal galeria
finalmente para trás.

241
Capítulo 43 – O Fim da Esperança

A viagem que se seguiu pareceu uma espécie de montanha-russa. Os cristais


esverdeados nas paredes do túnel passavam agora tão rapidamente pelo grupo que mais
pareciam lampejos em meio a escuridão total. A pressão que todos sofriam, por sua vez,
somada ao vento batendo contra seus rostos era algo absurdo. Porém, de uma certa
forma, um alívio tomou conta de todos, por terem conseguindo se safar de vez da
situação tão desesperadora na qual estavam antes. Hanai, por sua vez, ainda teve forças
para pegar seu localizador e constatar que, felizmente, apesar de todos os contratempos,
aquele ser estava lhes conduzindo para o norte, ou seja, ainda para a direção certa. No
entanto, assim que a lagarta saltou por um abismo e seguiu por um outro túnel, o
sacolejo fez com que o dispositivo caísse de suas mãos. O mestre de Yin ainda se
esforçou para olhar para trás e ver o aparelho se espatifando em mil pedaços na rocha, a
medida que a lagarta aumentava mais e mais sua velocidade, em direção a mais alguns
quilômetros de túneis escuros.
Neste instante, em Marahana Irwind olhava para o telão com o mapa do norte de
Asíris, o qual somente confirmava suas piores expectativas. Uma frota de dezenas de
aeronaves Furous havia já a algum tempo deixado a região de Shandara e se dirigido
agora a toda potência em direção a Marahana e Wamboo. Calculando rapidamente a
velocidade das naves, Irwind concluiu que demorariam um pouco mais de uma hora até
que chegassem finalmente as duas cidades e começasse seus ataques. Além disso, a
mesma leitura a frente de Irwind, indicava também que algumas outras unidades, essas
terrestres, também já rumavam para aquelas duas cidades do Deserto de Kayabashi.
Porém, Irwind já tinha um plano em mente. Um plano improvisado, em uma nova
tentativa de se organizar e deter o novo e repentino avanço dos Furous.
Assim, depois de quase uma hora de viagem, a lagarta gigante, ainda sem notar
os intrusos em suas costas, se deparou então com um túnel sem saída e resolveu parar.
A freada então fez com que todos fossem arremessados violentamente para frente e
rolassem pelo corpo rígido do monstro, até pararem ao chão, bem perto de sua
mandíbula. Assim que a criatura notou enfim a presença de todos, pareceu querer voltar
a seguir a risca seus instintos mais primitivos e atacá-los. Contudo, antes que pudesse
oferecer novamente qualquer perigo, um grande tremor fez sacudir todo o lugar onde a
criatura e o grupo estavam. Toneladas de pedras então desabaram violentamente do teto
bem em cima do monstro, logo o soterrando por completo. Felizmente, o
desmoronamento não atingiu ninguém do grupo. Contudo, assim que novas pedras
começaram a cair, todos então partiram em fuga, para ainda mais perto do fim da
caverna.
As pedras então continuaram a cair aos montes bem atrás deles e logo todos se
viram espremidos lado a lado, encostados na parede ao final. A esta altura, não havia
mais nenhum cristal ao redor e todo ambiente se resumia a uma forte penumbra. Como
se não bastasse, logo em seguida, um novo tremor fez com que mais rochas caíssem,
desta vez em direção ao único vão livre que restara no túnel, exatamente onde todos
estavam. Imediatamente, o grupo então se abaixou e tentou proteger suas cabeças com
os seus braços e mãos, em puro reflexo e aguardaram o pior. Contudo, algo diferente
aconteceu. Segundos depois, todos perceberam que milagrosamente não havia sido
atingidos. E logo em seguida, assim que Hanai então resolveu criar enfim uma Soran
para iluminar o local, o grupo olhou enfim para cima e notou que as pedras haviam
parado a menos de um metro de suas cabeças.
- É mais um truque seu, senhor Hanai? – Perguntou Nina, espantada.

242
- Não, não é. Tivemos sorte dessa vez. – Respondeu, suspirando e olhando o
amontoado de rochas que agora os cercava por inteiro. Concluiu que o grupo parecia
estar agora em uma cela sólida e instransponível. Vivos, porém, completamente
soterrados.
- Ok, sem pânico. O que faremos agora? – Perguntou finalmente Sahad.
Neste instante, uma apreensão e um medo súbito e profundo tomou rapidamente
conta de todos. Afinal, era sem dúvida a situação mais difícil pela qual haviam passado
até o momento.
Em Marahana, Markeen aproximava-se correndo de Irwind. A hora da verdade
havia finalmente chegado.
- Senhor, por favor, vamos. Está na hora.
O general então finalmente saiu do hall no qual estava desde que seu contra-
ataque em Shandara havia se iniciado e então entrou, junto com Markeen, em um
flutuador. Em seguida, alcançou, muitos quilômetros depois, junto com o capitão, um
grande galpão em meio a muitas outras construções, um pouco mais afastado do centro
da cidade de Marahana. Antes porém, no caminho, enquanto passava pelos arranha-céus
já destruídos daquela enorme cidade fantasma, olhou-os com pesar e concluiu que mais
um vez, muito bem em breve, toda aquela metrópole iria sofrer novamente com o calor
das armas inimigas. Se perguntou, por fim, se a mesma conseguiria conseguir resistir
dessa vez.
A instalação na qual haviam chegado, na verdade, fazia parte da base militar da
cidade, cuja maior parte dos edifícios havia sido destruída pelos primeiros ataques
Furous, a mais de uma semana. Por esse motivo, Irwind não pensou muito até decidir
que não a aproveitaria de nenhuma forma na batalha que se aproximava naquela
ocasião, logo assim que chegou em Marahana vindo de Wamboo. Contudo, notando o
recente avanço das aeronaves Furous em direção a maior cidade do Deserto de
Kayabashi, a primeira ordem foi para que grande parte do contingente presente nela
fosse imediatamente para a parte subterrânea de sua base, a qual estava menos avariada
do que o restante das estruturas.
Além disso, nos últimos dias, o general havia ordenado também a vários
técnicos do Exército Real presentes em Marahana para que fizessem diversos reparos
nesta seção da base, principalmente nos equipamentos de comunicação, os quais
estavam inteiramente destruídos. Dessa forma, imaginou que as tropas sob o seu
comando conseguiriam se manter de certa forma a salvo dos iminentes ataques
inimigos, principalmente os aéreos. Na superfície da cidade, por sua vez, espalhadas
pelas avenidas, casas, prédios e parques do perímetro urbano de Marahana, o general
havia deixado somente as unidades aéreas, as baterias antiaéreas e os tanques de guerra,
os quais deveriam oferecer a primeira resistência.
Assim, algum tempo depois, o general e o capitão Markeen entraram enfim pelo
galpão. Em seguida, saltaram do flutuador e começaram descer por um grande elevador.
- Já estão todos e tudo lá embaixo senhor. – Ouviu de Markeen.
Irwind consentiu com a cabeça. Logo que chegou ao vão principal daquela seção
subterrânea da Base de Marahana, a qual se interligava as outras através de túneis
imensos, notou que o lugar já se encontrava abarrotado de soldados e dirigiu-se então a
sala de comando. Em seguida, apertou alguns botões num grande painel e iniciou uma
transmissão com o rei Serph. Logo que conseguiu um sinal, começou-lhe contar a atual
situação.
Algum tempo depois, as telas de transmissão espalhadas por Asíris logo
indicaram mais um novo pronunciamento do rei. Todo o povo Banshee ao centro e ao
sul de Asíris começou então a prestar bastante atenção, em seus lares, ambientes de

243
trabalho e ruas. A primeira imagem que surgiu da autoridade máxima Banshee, contudo,
foi de uma expressão de profunda infelicidade. Porém, em seu papel de liderança
máxima, Serph logo procurou manter-se firme nas suas expressões e tranqüilo em suas
próximas palavras.
- Cidadãos de Asíris. Tenho um comunicado muito importante para lhes fazer.
No orfanato de Mao-Ter, Lwan e os meninos já se amontoavam e observavam
atentamente o telão no refeitório da escola. No lugar, também estavam presentes
diversos funcionários, além de Junke, Inhi e Theria.
- Primeiro gostaria de dizer que desejaria de todo o meu coração que viesse a
vocês para lhes dar uma boa notícia a respeito de nossa guerra com os Furous ao norte.
Mas, infelizmente, não é isso que teremos.
A apreensão imediatamente então tomou conta de todos.
- Recentemente, fui informado de que nossos ataques visando a reconquista de
Shandara foram em vão. Os Furous descobriram alguma forma, um meio de se
manterem imunes a nossa investida de longo alcance e bombardeiros, os quais partiam
incessantemente há três dias, em direção a cidade tomada pelos nossos inimigos.
Theria, naquele momento, se concentrava na notícia mais do que nunca, como se
algo mais estivesse em jogo além da sua própria vida. Serph então continuou:
- E não é só isso. Aqueles demônios estão agora dirigindo sua frota aérea
exatamente para Marahana e Wamboo, em um terrível contra-ataque. E agora não há
nada que os possa impedir pelo caminho.
A sala onde o Rei Serph transmitia seu pronunciamento, num dos andares mais
altos do Palácio Real, estava abarrotada de gente. Mais ao canto da sala, longe do
alcance das câmeras, estava Sara, ao lado da rainha Arisha e seu filho Serphin, ouvindo
tudo. Com a revelação, a rainha levou então a mão a boca, demonstrando angústia e
surpresa, já que seu marido não havia lhe contado nada até então. Sara, por sua vez,
fechou os olhos. Logo um sentimento de medo e desesperança tomou conta da menina.
Naquele momento, não pensava em ninguém a não ser novamente em Yin.
- Agora nossas tropas presentes nessas duas cidades deverão resistir com toda
sua força ao ataque, pois serão nossas últimas grandes defesas antes que o inimigo
alcance... – O rei então parou e respirou – Antes que alcance Mahani e o resto de todo
nosso território.
A falação no refeitório de Mao-Ter então começou. Serph então encerrou seu
discurso:
- Sim, é verdade que estamos no momento mais difícil de toda nossa história.
Por isso, só peço para que todos continuem orando aos Deuses. E que consigamos a
vitória. Boa sorte para todos.
Theria, logo em seguida, abaixou a cabeça e começou a chorar. Já havia ouvido
demais. Muito medo passou então pelo seu frágil coração e, naquele momento, sentiu-se
mais desprotegida do que em toda sua vida. Um gesto seu fez então com que Lwan, já a
observando ao longe, entendesse finalmente tudo. Theria olhou para seu ventre e
começou a alisá-lo levemente, com o rosto já cheio de lágrimas. Milhões de
pensamentos e sensações tomaram conta da enfermeira, mas nenhum que pudesse
consolá-la. Estava triste, profundamente triste. E Lwan podia notar esta tristeza sem
dificuldade. Podia perceber também que, apesar de sua pouca idade – e apesar da
própria Theria ter-lhe dito o contrário – entendia muito bem o que aquela cena
representava, bem como a gravidade de toda aquela situação na qual estava diante.
Em Maharana, as primeiras unidades aéreas inimigas começaram então a serem
detectadas no radar, já bem próximo ao perímetro urbano da cidade, fazendo com que as
aeronaves de combate Banshees levantassem vôo imediatamente, para oferecer

244
resistência. Em Wamboo, cuja maior parte dos moradores já haviam fugido para
Mahani, a mesma cena se repetia e Aljolie logo tratou de procurar abrigo, ao mesmo
tempo em que desejava que todos estivessem bem naquele momento. Alguns tempo se
passou então até que os inimigos começassem a finalmente tomar o céu daquela rústica
e singular cidade e despejar suas primeiras bombas contra ela. O mesmo ato, quase que
sincronizado, se repetia na cidade mais ao norte.
Neste instante, há muitos metros abaixo da superfície de Marahana, Irwind já
podia sentir todo o lugar estremecer a cada explosão e olhava para o telão da sala de
controle, no qual estava projetado o espaço aéreo da cidade. Não demorou muito,
portanto, para que o equipamento começasse a apresentar defeitos, devido aos
impactos. Porém, o telão ainda conseguia expor, naquele momento, o enxame de
aeronaves Furous que se moviam rapidamente por entre a frota Banshee, essa já quase
inteiramente no ar e representada por pontos azuis escuros. A sensação do general,
naquele momento, assim como de praticamente todos em Asíris, era de temor, somada a
um terrível mal-pressentimento. Hanai, onde é que você está? – Pensou novamente.
Nas profundezas de Gyron, ainda soterrados por toneladas de rocha e a
incalculáveis metros de distância da superfície, permanecia o grupo formado por Yin,
Sahad, Trent, Nina, Jess e Hanai. Este último estava agora, como há algum tempo,
tateando com as mãos cada pedra do local, como procurando alguma brecha ou algo
parecido. Nina não conteve sua apreensão, já de muitos minutos, e perguntou:
- Sr. Hanai, nos diga. O senhor tem um plano para nos tirar desta não?
- Não, não tenho. – Disse secamente Hanai, sem tirar os olhos dos pedregulhos
que cercavam a todos.
- Como não tem? O senhor é inteligente, nos levou até aqui bravamente e pode,
sim, nos tirar desta. Além do que, é incrivelmente forte!
- Não tenho, já disse.
- Mas isto é impossível! – Berrou Nina, já demonstrando angústia e impaciência.
– Porque o senhor não usa um dos seus truques? Porque não? Me diga! Nos tire daqui,
por favor!
Hanai então virou-se para a soldado.
- Escute. Não posso usar meus poderes, senão mataria a todos agora mesmo.
Além do que, nem se tivesse dez vezes a minha força, conseguiria nos livrar das
incontáveis toneladas de rocha que estão bem acima de nós. Por isso, acalme-se.
Nina então levou a mão a boca e começou a choramingar um pouco, como se
estivesse começando a ficar realmente desesperada, após tanto tempo presa debaixo
daquelas pedras enormes. Trent então, sem intenção, resolveu acrescentar algumas
palavras ao seu desespero. Yin, por sua vez, ouvia a tudo assustado, sentado no chão e
abraçando suas pernas.
- É melhor você se acostumar. Afinal, morreremos todos aqui embaixo. – Falou
o capitão.
- Não, não morreremos. – Retrucou Nina.
- Sim, morreremos. – Respondeu Trent. – Você não vê? Estamos presos aqui,
neste buraco, com toneladas de rocha sobre nossas costas. Daqui a muito em breve,
começará a nos faltar o ar, antes de qualquer coisa. Nunca sairemos daqui. Este lugar...
– E Trent olhou para todo ambiente a sua volta – Este lugar será o nosso túmulo.
Suas palavras bateram fundo na alma de Nina, que logo aumentou ainda mais o
seu choro. Sahad, que ouvia a conversa, depois de um tempo resolveu enfim expor sua
opinião.
- Se morreremos aqui ou não isto não importa. Agora se nos perguntarmos o
motivo de estarmos aqui, isto é outro assunto. – Então virou-se para Hanai e olhou

245
fixamente para seus olhos. Então continuou. – Enfrentamos inimigos perigosos,
passamos por muitas dificuldade e acabamos enfiados aqui. Para quê? Para matarmos
uma criatura que não sabemos nem mesmo se existe! E mesmo que existisse, para quê
faríamos isso? O que isso nos adiantaria agora? Eu, sinceramente, não concordo com
nada disso. – Desabafou finalmente algo que ainda continuava a incomodar-lhe há
muito tempo, aumentando consideravelmente seu tom de voz. – Agora você, senhor
Hanai, diz que não pode nos ajudar?
- Capitão, tente se acalm...
Sahad então ignorou o pedido de Hanai e continuou, dessa vez como uma
metralhadora.
- Sabe que eu acho? Sabe o que eu acho?
Hanai permaneceu calado.
- Eu acho que o senhor é um louco.
- Como disse?
- É isto mesmo. Eu acho que o senhor é um louco. – Repetiu, já encostando o
dedo indicador no peito do líder da missão, em um gesto de intimidação. - Acreditou
tanto nas “premonições” de nosso general, que enlouqueceu. Assim como ele.
- Como disse? – Repetiu Hanai.
- É isso mesmo. Será que você não percebe? Não há criatura alguma por trás dos
Furous e de seus novos poderes! Não há nem mesmo salvação para nós agora!
Ficaremos todos aqui presos, para sempre. E o culpado por isso tudo será o senhor! – E
Sahad empurrou então o dedo contra o peito de Hanai que, desta vez, revidou,
empurrando o capitão para longe. Quando Sahad então resolveu partir para briga de vez,
contudo, foi a vez de Jess se colocar no meio de ambos e intervir.
- Parem com isso, pelos Deuses! Isto não nos adiantará de nada!
Hanai então soltou o ar e virou-se, numa tentativa de acalmar-se e não perder a
cabeça de vez. Sahad, por sua vez, continuava olhando para Hanai, bufando de raiva. A
esta altura, Nina já estava também sentada e abraçando suas pernas, bem ao lado de Yin.
Chorava agora mais do que nunca.
- Não há salvação. Ninguém pode nos salvar. Vamos todos morrer... – Dizia para
si mesma, baixinho.
Yin, por sua vez, olhava para seu rosto completamente desesperado e sentia o
clima de total desesperança que pairava no ar. Ar pesado, o qual logo também tomou
conta do seu ser e fez com que o menino passasse a concordar com todos os agouros
que ouvia daquela mulher ao seu lado. Imaginou, por fim, que aquilo seria sim, o fim de
tudo, de todas as esperanças.

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Capítulo 44 – A Abominação Suprema: O Encontro

O bizarro nevoeiro acinzentado no céu Furou de outrora, repleto de partes de


almas Furous torturadas e sem esperança, parecia agora bem mais perto da cabeça de
todos naquele derradeiro momento. O sussurro das almas, por sua vez, também
pareciam soar agora incomodamente e direto nos tímpanos de todos, como em uma
tentativa de intimidação. Todos então imaginaram que, naquele momento, haviam
chegado finalmente no topo do mundo, ou no topo do fim do mundo mais precisamente.
Ou talvez, no limite do maior teste físico e psicológico que alguém poderia enfrentar na
vida. Além disso, também fazia frio, muito frio. Tanto frio que o grupo logo começou
acreditar também que, dessa vez, estavam realmente no inferno, e que este inferno era
gelado. Aquela altura, também ventava e nevava intensamente e o vento e a neve, por
sua vez, pareciam ser mais do que simples ar frio e água congelada, respectivamente.
Pareciam ácidos, na verdade, já que começavam agora a corroer lentamente todo o traje
especial usado pelo grupo, logo assim que entravam em contato com a vestimenta
reforçada.
As doze pernas, porém, estavam agora livres e continuavam sua caminhada
rumo ao último ponto de sua jornada, seguindo finalmente pela perigosa cordilheira de
Tyron. Mais atrás do grupo estava Yin, que sentia seus pés doerem como nunca em sua
vida e que, em cada um deles, parecia haver todo o peso de seu corpo. Imaginou então
que, naquele instante, não pudesse seguir mais, afinal, seus olhos quase fechavam de
cansaço e sua cabeça explodia de tanta dor. Contudo, sua mente estava lúcida o
suficiente para relembrar mais uma vez de todos os difíceis momentos pelos quais todo
o grupo haviam passado, como haviam se livrado das toneladas de rocha que os
soterravam, bem como cada cena que havia se sucedido após esse ocorrido.
Lembrou novamente do desespero total em que todos estavam, presos nas
profundezas de Gyron, inválidos para qualquer tipo de reação, quando um novo e
salvador tremor fez todo o lugar sacudir. Dessa vez, porém, o que desmoronou foi parte
da parede atrás de todos, a qual pressionava o grupo contra os pedregulhos que haviam
caído no último terremoto. Assim que parte da rocha na parede cedeu, portanto, deixou
inesperadamente a mostra uma brilhosa superfície de metal. Tal cena logo deixou todos
estupefatos e, ao mesmo tempo, aliviados por estarem, talvez, diante de uma nova
esperança de salvação. Hanai então com seus poderes, não demorou em abrir uma fenda
na superfície de metal, que não era demasiadamente espessa. O novo local no qual
chegaram, logo após passarem enfim pela fenda recém aberta, não demorou muito a ser
identificado por todos.
Como que em uma caprichosa e infeliz peça do destino, Hanai, Yin e os outros
haviam dado de cara com uma gigantesca base Furou subterrânea. Talvez, a primeira
vista, a maior base a qual eles haviam conhecido. Assim, o alívio de antes logo se
tornou apreensão, que aumentou ainda mais assim que o grupo notou que naquela
instalação havia centenas, talvez milhares de inimigos espalhados por todo o canto. E se
intensificou quando todos começaram a quebrar a cabeça para achar uma forma
milagrosa de passar por todo o local sem serem vistos.
Contudo, uma nova visão fez toda a esperança voltar novamente. Assim que
deram mais alguns passos adiante, entricheirando-se por algumas grades de metal para
não serem vistos, olharam para o alto da base Furou e uma súbita felicidade tomou
conta de suas almas. Repararam que todo o local parecia, na verdade, estar encravado
em uma imensa cratera, cujo topo terminava na superfície de algum ponto do território
Furou, o qual eles não faziam a menor idéia de onde se localizava.

247
Tal cena foi então o suficiente para que o grupo recobrasse toda suas forças,
esquecesse de vez todos os atritos de alguns momentos atrás e começasse a fazer seu
próprio caminho até lá em cima, utilizando também de todas suas habilidades e,
principalmente, sorte. E, no final das contas, conseguiram bravamente, sem serem vistos
por um Furou sequer. Logo que alcançaram a superfície novamente, esta ainda coberta
de neve, começaram então a escalar rapidamente algumas rochas, as quais surgiram de
imediato a frente de todos.
Por fim, assim que perceberam que o perigo havia finalmente ficado para trás,
enfim se viraram e resolveram observar melhor toda a nova paisagem, da altura de onde
já estavam. O grande calafrio que sentiram com tudo aquilo que estava bem a frente
deles naquele momento, contudo, indicou que todo o pesadelo não havia ainda acabado.
Afinal, se estendendo até onde os seus olhos podiam ver e cobrindo a superfície
branca de Gyron até o seu horizonte, havia centenas de imensas colônias e bases Furous,
bem maiores do que qualquer uma que o grupo havia visto até então. Estavam tão
próximas umas as outras que pareciam formar uma maior, tal como um conglomerado
bizarro e assustador. Contudo, a visão mais apavorante estava com certeza mais acima.
Cruzando o céu negro e hostil, havia milhares e milhares de aeronaves Furous de toda a
sorte, bombardeiros, naves de combate e droppers. E havia também, inacreditavelmente,
mais ao longe, três bases aéreas colossais e aparentemente super equipadas, exatamente
iguais àquela que havia atacado e destruído a Base Aérea Banshee, em Marahana. E tais
bases suspensas estavam, assim como toda a frota Furou, se dirigindo ao sul,
provavelmente com o objetivo de intensificar ainda mais o ataque em Kayabashi.
Por ser o mais consciente de toda a situação, Hanai foi aquele que ficou mais
apreensivo. Analisando brevemente toda aquela cena e aquele monstruoso exército,
rapidamente concluiu que não houvesse força Banshee suficiente para deter a destruição
que aquele contingente demoníaco pudesse causar. Imaginou que, naquele momento,
realmente não houvesse nada mais a ser feito, nem mesmo por aquele grupo que o havia
acompanhado até agora, tão heroicamente. Contudo, quando pensou que não pudesse
ser surpreendido com mais nenhuma terrível imagem, uma única e singela visão, logo a
seguir, fez com que Hanai sentisse o maior medo de toda sua vida.
Uma rajada de vento cortou o seu rosto, ainda protegido pela máscara de
proteção, parecendo ter a cruel intenção de dilacerá-lo. Logo em seguida, o tempo então
pareceu parar, logo assim que Hanai sentiu uma presença se aproximando do grupo
depressa. Um presença que, devido a sua força, era impossível de não ser percebida por
ele. Neste instante, todos então viraram-se para onde Hanai já olhava a algum tempo,
um pouco mais para a direita e para o alto. Em seguida, cerraram os olhos e, alguns
segundos depois, puderam ver claramente aquilo almejavam encontrar desde que a
missão havia se iniciado. Afinal, há algumas dezenas de metros de distância deles e a
muitos metros do chão, pairava agora o monstro demoníaco e supremo, o qual Irwind
havia visto na luta contra o Maraki na Base Aérea de Marahana.
Tal como o general descrevera, o estranho ser de pele escaldada e cheia de
ranhuras, estatura baixa e cabeça grande, flutuava agora bem ali, perto de todos, na
divisa entre a região de Gyron e o início da cordilheira de Tyron. Olhava fixo para o
horizonte, quase que hipnotizado, com seus grandes olhos mortos e negros, para as
imensas cidades Furous e as milhares de aeronaves em movimento pelo ar. Hanai
sentiu, por algum motivo, como se a criatura estivesse também com um certo ar de
orgulho, talvez confirmando assim, como o próprio Irwind sugerira, estar por trás de
toda aquela massa destrutiva e imparável.
Momentos depois, assim que alguns guerreiros e peões Furous, que se
enfileiravam há muitos metros abaixo do ser, aos pés da montanha, notaram sua

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presença, pararam e olharam para o céu em sua direção. Em seguida, viraram-se todos
imediatamente de frente, como que em sinal de respeito a um grande líder. Logo em
seguida, o monstro então estendeu suavemente sua mão em direção ao solo, a uma área
descampada bem atrás da fileira de monstros que o saudavam, a qual incrivelmente
ainda não estava coberta pela civilização Furou. Um forte brilho esverdeado então saiu
de suas finas mãos e, em questão de segundos, uma grande esfera se formou bem a sua
frente. Hanai acompanhava a tudo, sem acreditar naquele imenso poder.
Assim que a esfera esverdeada estava quase três vezes do seu tamanho, a
criatura então a disparou contra a área descampada. O impacto causou uma enorme
explosão e, logo que a poeira abaixou, todo o grupo pôde ver o que havia acontecido.
No lugar da superfície branca da neve, havia agora um buraco, uma gigantesca cratera,
de diâmetro tão grande quanto aquela na qual se localizava a base Furou pela qual o
grupo havia acabado sair. Hanai então concluiu que dentro desta nova cratera, em algum
tempo, não haveria nada somente uma nova base inimiga, que provavelmente produziria
novos equipamentos, armas, veículos e todo o tipo de coisa que, por sua vez, serviriam
somente para aniquilar mais e mais Banshees. Esse miserável! Irwind estava certo!
Inteiramente certo! – Pensou.
Jess, neste instante, também lembrou de outro fato curioso. Imaginou se, no final
das contas, uma outra explosão causada por aquele ser há bem pouco tempo atrás não
seria talvez a responsável pelo tremor que fez com que todos ficassem aprisionados,
enquanto ainda estavam no sub-solo do mundo Furou. Foi além e palpitou se uma outra
não havia sido a responsável também por sua salvação, quando todas as esperanças do
grupo já pareciam estar perdidas. Imaginou, por fim, o quanto irônica essa última
possibilidade seria.
De qualquer forma, logo em seguida, da mesma forma súbita com que veio, o
misterioso monstro se foi, se dirigindo novamente ao norte, para as montanhas mais
altas de Tyron. Sabendo que o último lampejo de esperança da raça Banshee poderia
estar agora de fato, no extermínio daquele ser, Hanai resolveu enfim segui-lo. E naquele
momento, concluiu que um localizador eletrônico não era mais necessário, já que havia,
sem problemas, “travado” a presença do ser de alguma forma logo após sua aparição e
demonstração de força. Todos, agora sem mais dúvida alguma com relação a existência
da misteriosa criatura e, como conseqüência, da importância da missão na qual estavam,
tanto em suas mentes, quanto em seus corações, sabiam que tinham agora pela frente
apenas mais uma longa e última caminhada, antes que tudo tivesse um fim. E, pelo que
tudo indicava, seria a mais difícil até então.
Yin então voltou sua concentração para a frente e notou, no mesmo instante que
todos, uma imensa fenda na montanha mais próxima, adiante deles. Notou também que
o nevoeiro no céu parecia decair no cume da mesma montanha, como uma pista
indicando o destino final de todos. Mesmo dali daquela distância, podia-se perceber
primeiramente que, o que quer que houvesse dentro do interior da fenda, emitia um
brilho avermelhado. Hanai observou também que, em um rápido cálculo, a abertura
aparentava ter dezenas de metros de altura e outras dezenas de largura. Porém, apesar
dos números intimidantes do assustador portal, sabia que não tinha outra alternativa.
Parou repentinamente, acompanhado de todos, para dar o mais novo recado.
- Estamos perto. O que quer que estejamos procurando, está lá dentro.

249
Capítulo 45 – A Passagem para o Inferno

Assim que se aproximaram mais da fenda, puderam notar sua real magnitude.
Contudo, quando a atravessaram é que tiveram o maior dos espantos. Bem a frente de
todos agora, do lado de dentro da montanha, o qual possuía uma coloração avermelhada
estampada por toda sua superfície, havia uma espécie de caminho rochoso. O caminho
era, na verdade, uma grande ponte feita de pedras, suspensa por muitos metros acima de
um precipício. Porém, sem precisar dar um único passo em direção ao início do
caminho, já se podia notar claramente o que havia em seu final, do outro lado.
Uma única e grande construção negra, assemelhando-se aos prédios assimétricos
das cidades Furous, porém bem maior do que qualquer um deles, repousava muito ao
longe, bem acima de um enorme pilar rochoso em formato de taça que também emergia
do fundo do precipício e se conectava com a ponte feita de pedras. Yin não demorou
muito para perceber que tal estrutura assemelhava-se em tamanho e forma com o
Palácio Real de Mahani. O restante do grupo, por sua vez, logo que andou mais uns
passos em direção ao início da ponte, logo descobriu também o porquê do vermelho
estampado na superfície interior da montanha.
Tal fenômeno nada mais era do que o reflexo de um verdadeiro oceano de lava,
o qual cobria o fundo do abismo por muitos quilômetros há dezenas de metros abaixo.
Da superfície do oceano, por sua vez, subia um vapor muito quente, o qual entrava
agora pelas narinas de Sahad, Trent, Nina e Jess, além de deixar os visores de suas
máscaras de proteção embaçados e os fazerem suar bastante.
Contudo, mesmo com todo o ambiente hostil e intimidador que aquele novo
lugar parecia ser a primeira vista, o grupo não hesitou em seguir em frente, logo em
seguida. Hanai, que continuava guiando a todos já um pouco mais a frente, olhou então
para trás com a expressão firme e balançou a cabeça de leve, insinuando que a hora final
havia enfim chegado. Algum tempo depois, porém, quando o grupo já havia percorrido
a ponte de pedra por muitos metros, já estando exatamente no meio do caminho entre o
seu início e a construção negra ao seu final, algo inesperado ocorreu.
Jess olhou para alguns metros ao longe, em direção ao final da ponte e,
simplesmente, a viu explodindo pouco a pouco. Cerrou os olhos e notou que as
explosões não paravam de se suceder e começavam a ficar cada vez mais próximas do
grupo. E, assim que se virou, notou que a ponte também explodia pelo lado oposto, por
onde todos haviam acabado de passar.
- Fiquem todos pertos! - Hanai deu então sua próxima ordem, sem hesitar.
- Bem que eu estava achando muito fácil! – Falou Sahad.
Assim, as misteriosas explosões continuaram sem trégua, cada uma fazendo um
seguimento da ponte ruir em mil pedaços. Como previsto, a última explosão se deu bem
perto onde o grupo estava, fazendo com que todos despencassem imediatamente ao
fundo do abismo, em direção ao mar de lava.
Agora novamente em queda livre e usando toda a sua força, Hanai então
prontamente criou uma espécie de bolha com sua Aura, a qual envolveu todo o grupo
antes que o mesmo pudesse se dispersar no ar. Porém, antes que conseguisse controlar
sua Aura para fazer com que a bolha parasse de cair de uma vez por todas, uma sinistra
onda de lava emergiu do fundo do abismo, como um imenso esguicho de chafariz, e
logo cobriu toda a bolha. Hanai então teve que se esforçar ainda mais para aumentar a
resistência de sua técnica, impedindo assim, que a mesma fosse corroída pela lava, o
que faria com que todos morressem imediatamente. Porém, com o decair do
inexplicável esguicho vermelho, a bolha foi totalmente arrastada para baixo, em direção

250
ao mar de lava, por onde afundou e desapareceu completamente, logo em seguida.

251
Capítulo 46 – O Último Tiro

Agora bem no meio daquele infernal oceano borbulhante, Hanai continuava


fazendo um esforço enorme para manter a bolha impenetrável, apesar da altíssima
temperatura a qual a mesma estava sendo submetida naquele momento. De repente,
porém, a grande esfera com o grupo em seu interior atravessou estranhamente a camada
de lava e despencou rumo a uma escuridão. Assim, quando o mestre de Yin tentou
novamente fazer com que a bolha parasse de despencar, segundos depois, a mesma
atingiu o solo, desta vez duro e pedregoso. Com o brusco impacto, a bolha feita de Aura
então enfim se desfez e todos logo fizeram uma grande força para se levantarem. Sahad
foi o primeiro a ficar em pé, olhar para cima e não acreditar no que via. Afinal, o mar de
lava estava agora lá em cima, em um fenômeno igual ao ocorrido dentro do Lago Negro
de Gyron. Assim que se levantou, contudo, foi Jess o primeiro a falar.
- Mas o que aconteceu? Estão todos bem? – Perguntou.
Sahad continuava olhando para cima, em direção a superfície avermelhada.
Todos então fizeram a mesma coisa. O capitão então não se conteve:
- Eu não acredito! Denovo?
Nina também comentou:
- Bom, e o que teremos agora? Mais monstros gosmentos e lagartas gigantes?
- Não. – Respondeu secamente Hanai, tirando seu olhar de cima e tentando se
concentrar no novo ambiente onde todos estavam agora. O lugar era sombrio, quente e
extremamente escuro, além de emanar um forte cheiro de enxofre. Porém, havia algo
mais assustador que chamava a atenção de Hanai naquele instante. Afinal, havia sentido
duas presenças fortíssimas, mais fortes que as próprias lagartas, os seres gosmentos e
até mesmo do que os próprios Marakis. Segundos seus sentidos, as presenças pareciam
estar agora lado a lado com o grupo. Este, por sua vez, já observava Hanai quando o
mesmo decidiu dar sua próxima ordem.
- Ok. Todos bem quietos agora.
O grupo então notando a grande apreensão que havia tomado conta dos olhos de
Hanai subitamente, obedeceram prontamente e prenderam a respiração. Hanai então
criou uma Soran para iluminar o local. Contudo, assim que estendeu seu braço para
arremessá-la ao longe, o primeiro brilho azulado de sua técnica, permitiu-lhes uma visão
periférica a qual deixou todos congelados de medo e seus corações acelerarem.
O brilho da esfera, ao alto da mão do líder da missão, iluminava agora dois
grandes olhos de aparência demoníaca, que fitavam o grupo bem a sua frente. Eram dois
olhos enormes e negros, envoltos por uma camada avermelhada que, devido a escuridão
que ainda imperava, pareciam flutuar no ar há alguns metros acima. Um segundo depois
e foi ouvido alguns passos bem atrás, os quais fizeram todo chão estremecer, indicando
que alguma coisa absurdamente grande estivesse se aproximando. Assim que o grupo se
virou então, mais uma vez se assustaram. Afinal, mais um par de olhos sinistros surgia
em meio ao breu e também encarava ao grupo. Parecia que todos estavam agora sob a
supervisão do inferno.
Ok, isto não se parece nem um pouco com as lagartas, muito menos com
aquelas gosmas. – Foi a primeira coisa que veio no pensamento de Nina. Hanai
continuava com o braço levantado e com sua esfera azul feita de Aura pairando na
palma de sua mão, iluminando o ambiente e os olhos assustadores – que pareciam não
se mover mais - num raio de poucos metros.
- Pelos D.... – Porém, antes que Sahad pudesse terminar, uma baforada vinda
bem abaixo dos primeiros olhos avistados o fez calar.

252
- Ok. Mais uma vez...É hora de correr! – Assim que Hanai terminou sua frase,
um rugido estrondoso quase ensurdeceu o grupo, que logo bateu em retirada. Com a
fuga, Hanai então largou sua esfera ali mesmo no solo, onde o grupo estava antes e
também partiu. Contudo, assim que olhou para trás, viu imediatamente o vulto de uma
enorme lâmina cortando o ar e chocando-se contra o chão com uma força brutal,
fazendo levantar alguns pedregulhos.
O grupo então continuou correndo durante mais alguns metros em direção ao
breu total, sentindo, ao mesmo tempo, o chão voltar a estremecer por causa dos passos
daquelas coisas que agora os estavam seguindo. Hanai então se virou novamente e
decidiu acabar com o mistério de uma vez por todas. Criou então outra Soran, dessa vez
muito mais forte que a anterior e arremessou-a então em direção ao alto. Em seguida, a
fez explodir, conseguindo finalmente iluminar todo o local e permitindo uma visão bem
mais completa das misteriosas bestas que os perseguiam. Porém, a imagem que o grupo
viu foi tão abominável que de imediato deixou todos em completo estado de choque.
As duas bestas, sem dúvida, eram de longe as criaturas mais horrendas e
pavorosas que todos haviam visto desde o início da jornada. A característica que
chamou atenção a primeira vista, contudo, foi o tamanho dos monstros, verdadeiros
gigantes. Em seguida, todos puderam notar que os seres possuíam na verdade duas
cabeças, sendo exatamente a maior aquela que possuía os grandes olhos negros envoltos
por uma fina camada avermelhada. Hanai então reparou no resto dos detalhes, ainda
encarando o rosto das criaturas. A essa altura, uma delas – a que havia atacado o grupo
inicialmente - já arrancava sua lâmina do chão e virava-se em sua direção. São cabeças
de Marakis? – Pensou o mestre de Yin.
Reparou também que os monstros possuíam parte de seus imensos corpos feitos
de metal como, por exemplo, ambas as suas pernas, as quais refletiam agora a luz
azulada da técnica de Hanai. Além disso, tinham uma estrutura corporal bem
assimétrica e disforme, com seus troncos – o qual era coberto por um colete negro com
uma abertura que partia desde seu tórax até seu abdômen – pendendo para o mesmo
lado no qual se localizava seu braço mais comprido. Com a mão desse mesmo braço,
por fim, os monstros seguravam sua arma, de formato igual aos arcos de metal afiados
dos guerreiros Furous e dos Marakis, porém, em tamanho muito maior.
Contudo, uma outra percepção de Hanai o fez ficar ainda mais perplexo e
aterrorizado. Coincidentemente, foi o mesmo detalhe o qual todos repararam no
momento.
- Pelos Deuses...Mas o que é isso? – Balbuciou Sahad.
Na altura do tórax da criatura e se estendendo até o abdômen, parecia haver um
outro ser, como que fundida no corpo do monstro maior. Hanai não teve dificuldade em
identificar que dessa vez se tratava sim de um Maraki. Naquele instante, a criatura
menor então estendeu seu pescoço para frente e deixou sua cabeça a mostra. Em
seguida, soltou um rugido rasgado, o qual pareceu fazer a criatura maior, na qual estava
hospedada, finalmente acordar e começar a partir novamente em direção ao todos. Logo
em seguida, a segunda criatura repetiu a mesma ação.
Assim, todos foram finalmente obrigados a enfim saírem de seus respectivos
estados de choque e voltarem a correr. Batendo o olho no novo local onde estavam, o
grupo logo pôde concluir que, dessa vez, não se tratava de um lugar tão grande.
Estavam, na verdade, em uma galeria circular, com o solo coberto pelos já conhecidos
pedregulhos e repleta de altos rochedos em formato de pilar espalhados simetricamente
pelas laterais, os quais lhes poderiam de servir de abrigo. Todo o ambiente, na verdade,
mais parecia uma arena de luta, dando a impressão de ter sido preparada especialmente
para aquela ocasião. Portanto, desejando não fazer logo parte do lado derrotado do

253
confronto, Sahad, Nina, Trent e Jess logo empunharam seus rifles e começaram a
disparar contra as criaturas gigantes, que se aproximavam a passos lentos e pesados,
devido ao seu tamanho. O soldado então, apertando o gatilho sem parar, finalmente
perguntou:
- Senhor, tem idéia o que seja essas aberrações? Ou este lugar? – Falou,
enquanto se esforçava para acertar a cabeça de um dos monstros.
Nina então respondeu na frente:
- Bom, o lugar eu não sei, mas para esses monstros, por incrível que pareça, acho
que tenho uma explicação. – Revelou. – Ou por acaso você não se lembra?
O soldado, assim como o restante do grupo, porém, não entendeu de imediato a
pergunta de Nina. Logo em seguida, todos então chegaram ao rochedo em formato de
pilar mais próximo e se dividiram em dois sub-grupos. De um lado da pedra, estava
agora o grupo com os rifles, gastando toda sua munição contra apenas uma das criaturas
em específico, enquanto do outro estava Hanai, que já começara a disparar suas Shinyas
contra o ser restante, junto de Yin.
- Mirem na cabeça do meio! – Gritou para todos.
Contudo, assim que as Shinyas e as balas começaram a atingir o corpo das
criaturas que se localizavam dentro das maiores, os seres subitamente recolheram-se
para dentro dos troncos dessas últimas. Protegida agora pela pele dura dos gigantes
abomináveis que os abrigavam, pareceram então se tornarem imunes aos ataques.
- Malditos! – Exclamou Nina.
Logo em seguida, sentindo a curta distância que os gigantes já se encontravam,
todos então foram obrigados a abandonar de vez o primeiro dos rochedos. O monstro o
qual havia sido o primeiro a atacar o grupo com sua lâmina, sacou então novamente sua
arma e golpeou o rochedo na horizontal segundos depois, cortando-o ao meio. Nesse
mesmo instante, o grupo já partia em velocidade para o próximo abrigo, conseguindo
mais uma vez alcançarem seu objetivo sem dificuldade. As lentas criatura, novamente,
partiram então em sua perseguição.
Assim, atrás do novo rochedo, o grupo novamente repetiu a ação anterior, com
Hanai se concentrando em um só monstro, enquanto o outro era fuzilado pelo restante
do grupo. Contudo, as novas investidas se mostravam mais uma vez em vão. Afinal, a
criatura menor continuava se recolhendo toda vez que era atacada, ao passo que toda a
superfície do corpo da criatura maior, por sua vez, demonstrava-se ser realmente
invulnerável, uma vez que não sofria qualquer dano com nenhum dos ataques.
Seres desgraçados! – Pensou Nina, agora lembrando claramente da cena a qual
havia visto junto com Jess enquanto ainda estava dentro da colônia Furou, a dos braços
mecânicos sendo implantado em alguns guerreiros Furous. A soldado imaginou então
até que ponto a insanidade dos maiores inimigos Banshees poderia chegar, com o
objetivo de se obter somente mais e mais destruição. Então eles estavam se esforçando
tanto para criarem isto? Um amontoado de Furous em um só? Esses demônios
precisam ser impedidos a qualquer custo! – Concluiu.
Neste instante, Hanai reparou em mais um detalhe nas criaturas que o fez, enfim,
mudar de tática. Ordenou então para que todos parassem os disparos, sendo
prontamente obedecido.
- Ok, todo mundo em silêncio agora.
Com o cessar dos disparos, as criaturas pareceram então desorientadas, sem
saberem ao acerto como agir ou aonde ir.
Eu sabia! – Pensou. Hanai havia reparado que, enquanto as criaturas se
aproximavam do grupo, sacudiam suas duas cabeças sem parar, como que em uma

254
tentativa de ouvir de onde estavam vindo os disparos ou poder farejar seus inimigos
para saber sua localização.
- Elas...elas são cegas? – Concluiu Nina, baixinho.
- Silêncio, já disse!
Neste instante, um dos monstros então tomou a frente da outro e finalmente
alcançou o grupo, parando bem a sua frente. Esse, por sua vez, fazia, naquele instante,
um enorme esforço para conter seus impulsos defensivos e não mover um dedo sequer,
o que poderia decretar seu fim. O monstro então abaixou suas duas cabeças bizarras e
começou a farejar a todos, cuja adrenalina estava agora nas alturas. Logo em seguida, a
criatura menor surgiu então novamente de dentro do tórax da maior e começou a fazer a
mesma coisa. Foi a deixa para Hanai.
O líder da missão sacou então suavemente sua Asor da bainha e a empunhou.
Logo depois, ergueu-se lentamente do chão, com a intenção de ficar no mesmo nível da
criatura menor, ao mesmo tempo em que fazia um gesto com sua outra mão para que
todos se afastassem dali, bem devagar. Esperou alguns segundos e então concentrou
toda sua força em um só golpe, o qual perfurou o corpo da criatura que estava no
interior do tórax da maior, bem a sua frente, fazendo-a soltar o mesmo rugido rasgado
de antes, desta vez em uma grande agonia de dor.
O rugido, por sua vez, logo fez com que a criatura maior que a protegia
“despertasse” novamente para a batalha. Contudo, antes que pudesse oferecer algum
perigo a Hanai, o mesmo deferiu mais um violento golpe e decepou uma de suas pernas
metálicas, fazendo a criatura gigante desabar imediatamente ao chão. Porém, o descuido
com o segundo monstro foi fatal. O outro gigante, que já estava bem perto dele,
aproveitou a situação e acertou-lhe um violento golpe com sua mão, o qual atingiu
Hanai em cheio e o fez parar a vários metros de distância, quase no centro da arena. Em
seguida, o monstro partiu então atrás dele, com o objetivo de aniquilá-lo por completo.
Porém, neste mesmo instante, Jess se virou e, assim que viu Hanai agora em
extremo perigo, começou a disparar contra a criatura que ia em sua direção. Todos os
outros então fizeram o mesmo, logo em seguida. A criatura então virou-se contra o
grupo e estendeu um de seus braços, aquele que não segurava sua lâmina, em sua
direção. Em seguida, um imenso brilho esverdeado começou a sair da palma da mão da
criatura, formando, em seguida, uma imensa esfera. Sahad, Trent, Nina e Jess
resolveram então cessar os tiros e afastar-se o máximo possível de onde estavam,
dividindo-se em dois grupos, cada um partindo em uma direção diferente. Uma fração
de segundos depois e o monstro disparou finalmente a esfera contra todos, fazendo um
outro rochedo, esse agora bem atrás deles, explodir em mil pedaços.
O deslocamento de ar causado pela explosão, por sua vez, fez com que todos
rolassem pelo chão e ficassem temporariamente cobertos por pequenas pedras. Com
seus inimigos aparentemente agora inválidos para o combate, o monstro voltou-se então
novamente para Hanai. O mesmo ainda estava ao chão, sentado e esforçando-se
bravamente agora para se arrastar alguns poucos metros para trás, num ato de defesa.
Afinal, já havia percebido que alguns ossos de suas duas pernas estavam fraturados,
devido ao ataque recém sofrido pelo gigante deformado e de olhos negros.
Impossibilitado de se levantar, portanto, resolveu esquecer a dor que sentia para
começar a disparar então uma série de Shinyas em direção ao corpo horrendo de seu
inimigo, assim que notou sua maior aproximação. Esqueceu-se, porém, de que seu
esforço novamente seria em vão, já que a criatura menor estava ainda dentro de seu
esconderijo. Começou então a pensar em outra solução. Ou é isto, ou é a morte! –
Pensou, assim que visualizou uma solução.

255
Assim, ainda sentado, juntou ambas as mãos e toda a sua Aura para formar uma
Shinya-Hashiki. Criou a maior esfera que lhe era possível naquele momento e, em
seguida, disparou contra o ser na altura de seu tórax, exatamente onde se localizava o
esconderijo do menor, de feições iguais a dos Marakis. Contudo, a esfera não explodiu
com o contato. Afinal, Hanai havia feito com que sua técnica permanecesse literalmente
presa no corpo da criatura, emanando seu forte brilho na região onde Hanai lhe havia
acertado. Porém, tal tática não fez sequer com que a criatura hesitasse em parar sua
trajetória ameaçadora. Saia daí, por favor, saia já daí!. – Pensou.
Novamente em vão. O monstro menor, o qual parecia ser, na verdade, o real
controlador de todo o gigante, não mostrou as caras como pretendia Hanai. Agora,
portanto, sem forças para tentar algo mais, esperou somente o grande ser aproximar-se
ainda mais e levantar sua lâmina em forma de arco para dar-lhe o golpe final.
Porém, neste mesmo instante, ouviu uma rajada de tiros vinda por detrás da
criatura, a qual logo se virou ao ser atingida. O monstro então pôde ver Nina e Sahad já
de pé, disparando seus rifles contra eles. Yin, por sua vez, estavam bem atrás dos dois.
O gigante então pareceu irritar-se de vez, esquecendo Hanai novamente e
partindo, agora com um pouco mais de velocidade, para cima de ambos. O restante do
grupo, formado por Trent e Jess, neste momento, logo correu em direção a Hanai para
ajudá-lo. Assim que chegaram, Trent resolveu pedir algo para Jess:
- Por favor, leve ele para longe e veja se está tudo bem.
- Ok. – Respondeu Jess, já colocando Hanai em suas nas costas. Em seguida,
Trent então deitou-se de bruços e apontou seu rifle de longo alcance para o monstro que
partia para cima de Sahad, Nina e Yin. O monstro pareceu nem sequer sentir o impacto
das balas do capitão que agora o atingia nas costas e, por isso, Trent foi logo obrigado a
parar seus disparos. A criatura, por sua vez, aproveitando agora o momento em que
Sahad e Nina recarregavam seus rifles, lançou contra eles uma espécie de Kentake,
fazendo-os voar a vários metros de distância, para trás. Em seguida, aproximou-se de
Yin, que agora se encontrava solitário.
O menino, completamente intimidado pelos tremores causados pelas passadas da
besta infernal resolveu, mais por instinto do que por qualquer coisa, formar pequenas
Shinyas e disparar contra ela, as quais não lhe causaram o mínimo arranhão sequer. Yin
então, sem mais opções restantes, começou a andar em volta da criatura, que logo
passou a acompanhá-lo na mesma proporção de seus pequenos passos.
Alguns segundos depois, portanto, o monstro estava agora bem de frente para
Hanai, Jess e Trent, contudo, com sua atenção ainda voltada para Yin. A criatura então
finalmente resolveu dar alguns passos em direção ao menino, o qual por pouco não
ficou cego naquele instante, devido ao forte brilho da Shinya-Hashiki de Hanai, a qual
ainda estava grudada na altura do tórax do monstro.
Contudo, ainda pôde cerrar os olhos e ver saindo de dentro da luz azulada, a
cabeça da criatura menor, a qual já estava há muito tempo escondida. Em seguida, pôde
notar também que o monstro gigante já erguia sua lâmina brutal para lhe dar o
derradeiro golpe. Naquele instante, ao longe, vendo toda a vida de Yin passar diante de
seus olhos, Hanai, sem pensar duas vezes, deu então uma última ordem a Trent, que
ainda estava com seu rifle apontado para a abominável criatura:
- Acerte na luz! No centro da luz! – Gritou.
Os segundos seguintes pareceram então uma eternidade.
Assim que Hanai deu a ordem, porém, notou que o outro imenso e horrendo ser,
o qual havia tido uma de suas pernas decepadas exatamente por ele, surgia subitamente
por detrás de Trent, rastejando. O capitão, por sua vez, olhava agora fixo pela lente de
aumento de seu rifle para disparar seu tiro final, o qual sabia que não podia falhar, já

256
que tinha somente uns poucos segundos antes que a criatura, na sua mira, descesse sua
arma mortal e assassinasse Yin.
Contudo, Trent não demorou a perceber também o outro monstro que surgia
perigosamente nas suas costas. Porém, pareceu não se importar. Somente olhou de lado
para, em seguida, observar uma última vez a foto de sua esposa e filha no cano de seu
rifle e colocar enfim a criatura a sua frente de volta na sua mira. Sem hesitar, deu então
o derradeiro e salvador disparo, o qual gerou uma reação na Shinya-Hashiki de Hanai
adormecida no tórax da criatura gigante que instantaneamente a fez explodir, junto com
o monstro menor encasulado em seu interior. No mesmo instante, porém, a lâmina da
outra abominável criatura, essa bem atrás de Trent, terminava sua descida mortal, bem a
suas costas. O capitão somente fechou os olhos.
Notando a terrível cena, Hanai arregalou os olhos e soltou um grito como nunca
havia feito. Fazendo um esforço praticamente impossível até para ele, conseguiu
milagrosamente se colocar de pé. Em seguida, em um acesso total de fúria, dirigiu-se
cambaleante até a criatura com a lâmina agora cravada no corpo de Trent e, com sua
Asor, perfurou então o corpo do monstro pela suas costas. A lâmina atravessou todo o
corpo do gigante, que estava de bruços, até perfurar o crânio da criatura menor, do lado
oposto. As duas imensas abominações estavam agora, finalmente mortas. Porém,
através de um alto preço. Naquele instante, todo o local foi então tomada por um súbito
silêncio.
Diante do ocorrido, Sahad e Nina finalmente se levantaram do outro lado da
arena e correram em direção a Hanai, Jess e Trent. Passaram como um raio por Yin, o
qual ainda olhava atônito para a criatura, antes bem a sua frente, agora destroçada ao
chão. Parecia ainda tentar compreender exatamente o que havia ocorrido, qual milagre
que havia o salvo da morte certa. Contudo, uns poucos segundos depois, virou-se e
também partiu em direção aonde todos se reuniam.
Sahad, logo que chegou, virou então o corpo de Trent para cima e, assim que
constatou que o capitão estava de fato morto, ajoelhou-se e colocou as mãos no rosto.
Uma grande tristeza caiu então visivelmente sobre o espírito de todo o grupo, agora
também completamente mudo. Em seguida, longos segundos de reflexão e pesar pela
morte de Trent se seguiram até que Hanai quebrasse enfim o silêncio, com uma voz
bastante séria:
- Ele pelo menos sacrificou sua vida para salvar um de nós. – Disse, agora
também ajoelhado e apoiando-se em sua espada, para não ir ao chão novamente com a
dor que voltara a sentir em suas pernas.
A expressão nos rostos de todos, porém, não se alterou com as palavras de
Hanai. Contudo, sabendo que seu mestre havia se referido a ele, Yin virou-se para
Hanai que, por sua vez, continuava observando o cadáver de Trent, com um olhar
bastante perdido. Em seguida, olhou também para o corpo de seu salvador, sentindo
agora uma certa angústia, por não ter mais como agradecê-lo pelo seu ato heróico.
- De qualquer forma, acho que precisamos continuar. – Concluiu finalmente o
líder da missão.
- Mas como? – Perguntou imediatamente Nina. – Como conseguiremos
completar a missão agora? Com o senhor neste estado? E como sairemos daqui? –
Disse, olhando agora para a superfície de lava, que ainda pairava sobre a cabeça de
todos.
- E deixaremos o corpo dele aqui? – Foi a vez de Sahad questionar, se referindo
a Trent.
Neste instante, Hanai olhou para todos, espremeu os lábios e sacudiu a cabeça
positivamente. Em seguida, com a ajuda de sua Asor, começou então a fazer um enorme

257
esforço para conseguir-se colocar de pé novamente. Com as pernas bastante debilitadas,
concentrava agora toda a sua força em seus braços, ato esse que fazia seu corpo tremer
por inteiro e suar bastante. Algumas gotas se sangue também já caíam de um corte na
sobrancelha em direção ao solo repleto de pedras. Todos então desviaram finalmente
sua atenção de Trent e passaram a observá-lo, mais uma vez impressionados por toda a
bravura e determinação que aquele poderoso Kogun e, acima de tudo líder, possuía em
seu espírito. Aquela altura, Hanai também já trincava os dentes e seus olhos saltavam as
órbitas, numa tentativa quase sobre-humana de erguer-se por inteiro.
Assim que finalmente conseguiu, sentiu sua respiração voltar a ficar menos
ofegante. Logo em seguida, porém, teve uma sensação tão estranha que o fez abrir os
olhos com força novamente. Subitamente, sentiu-se como se agora não pudesse mexer
sequer um único músculo, como se estivesse entrado misteriosamente em uma prisão
invisível. Naquele instante, o restante do grupo continuava olhando para ele, agora,
contudo, sem entender o que estava acontecendo. Segundos depois, porém, todos
tiveram a mesma sensação de aprisionamento que já havia consumido Hanai por
completo.
- O que é is... – Foi a última coisa que Jess tentou pronunciar, antes que olhasse
para sua mão e notasse que também agora não era capaz de mexê-la. Mais algum tempo
depois e todos pareciam agora verdadeiras estátuas reunidas, ao mesmo tempo em que
se entreolhavam sem saber o que fazer ou o que pensar. Totalmente incapazes para
esboçar qualquer tipo de reação, tampouco imaginavam que a situação pudesse piorar
ainda mais.
Neste instante, um tremor então sacudiu todo o lugar. Sahad, contudo, antes que
pudesse ficar ainda mais agoniado com tudo o que estava acontecendo naquele
momento, conseguiu, de alguma forma, virar seu pescoço para cima e ver algo terrível.
Algo que o fez perder completamente as esperanças. Lá em cima, o mar de lava
começava a decair rapidamente em direção a todos, como se do nada, houvesse
começado a enfim ser atraído pela lei da gravidade. Fechou somente os olhos e pôde
ver, dessa vez, somente um breu total, localizado na parte mais profunda de sua mente.

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Capítulo 47 - Mornkion: Este é Meu Nome. Tenho Uma História Para Lhes Contar

Da mesma forma repentina na qual todos os acontecimentos recentes haviam se


seguido, Sahad despertou. Estava deitado de bruços, em cima do mesmo solo coberto de
pedregulhos de antes e já sem sua máscara de proteção. Sem demora, porém, virou-se
de barriga para cima e pôde ver o restante do grupo, também ao chão e sem o
equipamento em seus rostos. Reparou também que estavam todos se remexendo, como
se também estivessem acordando naquele mesmo instante. Em seguida, olhou então a
sua volta e encontrou Hanai, este já se apoiando com as mãos no chão em uma tentativa
de se levantar. Notou, por fim, que o corpo de Trent já não estava mais entre todos.
Contudo, antes que pudesse pensar em algo, antes que pudesse raciocinar
calmamente sobre o que havia de fato ocorrido ou onde estava agora, antes mesmo que
passasse pela sua cabeça a possibilidade de estar morto ou algo próximo disso, viu uma
figura, a poucos metros do grupo, a qual fez gelar as mais profundas entranhas de seu
bravo espírito.
Ali, há poucos metros de todos, em pé e observando o grupo com seus grandes
olhos negros, estava a terrível criatura a qual todos haviam visto anteriormente aos pés
da cordilheira de Tyron. O ser esbranquiçado estava completamente imóvel, como já se
estivesse esperando pelo despertar de todos há muito tempo. Neste instante, Hanai já
conseguia finalmente se colocar de pé. Logo em seguida, sem sequer notar que seus
ferimentos haviam misteriosamente desaparecido, assim que identificou o ser, começou
a andar em sua direção e fazer-lhe uma série de ameaças.
- Você...sua hora chegou seu desgraçado...você vai morrer... – Desabafou, ainda
um pouco zonzo e cambaleante.
Com as palavras de Hanai, a criatura enfim virou-se para ele, lentamente. A essa
altura, Sahad já estava de joelhos, observando toda a cena. O mestre de Yin então
continuou:
- Você pagará por tudo...Eu te derrotarei... – Falava, já tomado pela fúria, a
medida que se aproximava mais e mais do monstro. Este, por sua vez, ainda imóvel,
esperou Hanai terminar de falar suas últimas palavras para virar-se para Sahad e, em
seguida, observar novamente todo grupo. Jess, Nina e Yin, ainda confusos, também já
estavam quase de pé.
- Lutarei...com todas as minhas forças... – Neste momento, Hanai já sacava
também sorrateiramente a espada de sua bainha. O ser, porém, assim que notou tal
gesto, virou-se para o mestre de Yin e esticou a mão em sua direção, fazendo-o ficar
completamente paralisado. Em seguida, virou sua outra mão para o restante do grupo,
causando-o o mesmo efeito. Moveu então seus braços para o lado e para cima, fazendo
com que os corpos de todos agora aparentemente sob seu domínio se deslocassem
imediatamente pelo ar, na mesma direção em que seus membros apontavam, como
marionetes presas por um fio invisível. E assim que direcionou, enfim, ambos os braços
para uma única direção, fechou finalmente as palmas das mãos. Tal gesto fez com que
todos voassem para trás em uma velocidade alucinante, até se chocarem violentamente
suas costas contra uma parede rochosa e negra, ao final daquele imenso e novo local
onde estavam. A primeira vista, o mais estranho e intimidador até então.
Em seguida, todos, agora lado a lado e totalmente presos na parede há alguns
metros acima do solo - além de estarem com cada um de seus movimentos novamente
privados - puderam notar a criatura de pele escaldada se aproximando mais uma vez, a
passos lentos. Assim, quando estava há poucos metros de todos, o misterioso ser então
levantou vôo e, segundos depois, já pairava no ar bem na altura onde o grupo se

259
encontrava. Correu então lentamente seus olhos pelo rosto de Jess, Yin, Sahad, Nina e
Hanai, mantendo sua misteriosa e enigmática, porém fria expressão
A essa altura, Hanai, por sua vez, já se esforçava mais do que nunca para se
livrar de suas terríveis amarras invisíveis. Ao mesmo tempo, disparou então mais
algumas palavras ao monstro:
- Seu desgraçado...Eu vou...
- Sim, pode até ser. – Interrompeu inesperadamente a criatura. - Mas antes
preciso falar algo a todos vocês. Algo que quero que prestem toda a atenção. Afinal, foi
por isso que curei todos vocês. – Revelou inacreditavelmente o monstro, com uma voz
bastante rouca e esganiçada, quase infantil e, ao mesmo tempo, quase impossível de se
compreender.
Hanai de imediato não acreditou que havia ouvido aquele ser se comunicar e
imaginou que tudo aquilo não fizesse parte, na verdade, de um terrível e interminável
pesadelo. Com o espanto, sua mão então afrouxou o cabo de sua espada, a qual ele já
fazia enorme esforço para sacar de sua cintura há algum tempo.
- Eu me chamo Mornkion. – Continuou o ser, com sua voz rouca. - E tenho uma
história para lhes contar. Tudo que quero agora é ser ouvido. E acho que serei, já que
vocês desejam muitas respostas, creio eu.
O sentimento em todos ali presos era agora um misto de raiva e confusão total.
Assim, sem hesitar, o ser começou sua história:
- Segundo o seu calendário, há exatamente doze anos atrás, quando nasci, posso
antes de tudo dizer que foi um momento de muita, muita sorte para todos os Furous.
Porém, por causa da bestialidade e ignorância que eles possuem e sempre irão possuir,
infelizmente não perceberam, naquele mesmo instante, todo o milagre que estava
ocorrendo bem diante de seus olhos mortos. Mas eu os perdôo, sim, eu já os perdoei. –
Falou a criatura, sacudindo a cabeça positivamente, dando um leve sorriso e virando-se
para o lado. Em seguida, olhou novamente para o grupo e continuou. - Digo isso
porque, assim que nasci, alguns deles tentaram me matar. Vendo este corpo
aparentemente frágil, tão inapto para guerrear, um corpo tão esmirrado e deformado,
concluíram que eu não serviria nem para ser um mero escravo. Por isso, não pensaram
duas vezes antes de puxarem o gatilho de seus rifles contra mim, logo após minha
concepção. Afinal, deviam eliminar o mais fraco, o imprestável, aquele que jamais
poderia pertencer ao brutal exército Furou.
Neste momento, todos então pareceram deixar sua raiva um pouco de lado para
prestarem atenção a cada detalhe do relato do monstro de aparência deformada e
cadavérica.
- Contudo, assim que abaixaram suas armas, os Furous repararam que meus
grunhidos por ter acabado de entrar em um mundo totalmente novo continuava
incrivelmente na mesma intensidade de antes. Me observaram então ao chão curiosos,
ao mesmo tempo em que eu continuava me remoendo mais e mais de dor. Intacto,
porém. Sem entender, os Furous então dispararam novamente contra mim e, mais uma
vez, não conseguiram cumprir seu objetivo. Idiotas. – O monstro então sorriu
novamente e continuou. - Dispararam então até que sua munição acabasse por inteiro.
Em seguida, resolveram enfim se renderem àquele estranho fenômeno e começarem a
pensar em outra forma de me assassinar. Afinal, teriam que fazê-lo de qualquer forma,
pois fazia parte de seu procedimento natural, parte de uma rotina cumprida
instintivamente durante séculos e séculos.
Neste instante, Hanai então lembrou da cena que havia visto na colônia Furou,
algo bem semelhante ao que aquela criatura chamada Mornkion estava narrando.

260
Porém, o monstro deformado daquela ocasião não havia conseguido resistir a rajada de
tiros Furou. Em seguida, aquele sobrevivente a sua frente seguiu sua trágica narração:
- Assim, depois de mencionarem uma lista de crueldade uns aos outros,
resolveram então me atirar em um poço de lava, cuja temperatura seria mais do que
suficiente para derreter o mais forte dos metais existentes nesse mundo. Por isso,
concluíram que o mesmo aconteceria com minha pele e com meu corpo, sem mais
problemas. É curioso porque... – Nisso o monstro começou a tossir. – Digo, é claro que
não me lembro dessa história. Afinal, era muito novo. Foi preciso alguém revelar tudo
isso para mim. Revelação essa que passo adiante somente agora, para vocês. E em breve
vocês entenderão porque.
Todos então tentavam agora compreender melhor aquele impressionante relato.
O monstro, por sua vez, seguiu em frente, continuando a pronunciar com sua voz rouca
as palavras na língua Banshee de maneira perfeita, inexplicavelmente:
- E assim foi. Sem poder oferecer qualquer reação, os monstros me levaram e me
atiraram no poço ardente, que por sinal, vocês todos já conhecem. Afinal, eu mesmo
levei vocês todos para lá não lembram? – Neste momento, Mornkion abriu um sorriso e
Hanai lembrou, dessa vez, das explosões na ponte de pedras e da sua bolha de Aura com
o grupo dentro ser arrastada para o mar de lava. – De qualquer forma, ao cair no fundo
do poço e começar a ser consumido pela chama, novamente, por um milagre, não
sucumbi.
- É...uma...pena... – Jess foi o primeiro a tentar responder as palavras do
monstro, ainda que com bastante dificuldade. Mornkion, por sua vez, fingiu que não o
ouviu e seguiu mais uma vez:
- Comecei a grunhir mais do que nunca, sentindo uma dor muito, mas muito
mais intensa do que quando as primeiras balas me atingiram. E vocês não sabem o que é
ter o corpo todo queimado, lentamente. – Neste instante, a criatura de aparência
cadavérica olhou fixo nos olhos de todos e balançou a cabeça negativamente. - É como
sentir o inferno batendo em sua pele, lhe consumindo, querendo entrar e lhe possuir de
qualquer forma. Aliás, só não sabem porque lhes poupei de tal dor. Ou vocês também
não se recordam? De qualquer forma, como disse, não sucumbi. Me debatia nas ondas
de lava, somente esperando minha morte. O que milagrosamente jamais aconteceu.
Com as novas revelações, foi a vez de Sahad tirar seus olhos da criatura e olhar
para baixo, como quisesse se acalmar e entender. Lembrou então de quando o mar de
lava subitamente decaiu em direção a cabeça de todos, os quais neste mesmo instante,
imediatamente apagaram, misteriosamente. Foi então sua vez de começar a encaixar
algumas coisas. Contudo, começava a perceber também que, por muitos motivos, aquele
monstro bem diante dele não parecia, no final das contas, com os velhos e conhecidos
Furous, contra os quais o Exército Real estava cansado de guerrear. Parecia, de alguma
forma, muito mais com um Banshee qualquer, só que com a aparência física e a voz
bem diferente. Sem hesitar, Mornkion então continuou:
- Bom, assim que os Furous notaram mais uma vez seu insucesso, ordenaram
para que outros Furous me tirassem da lava. Fui levado então para cima novamente
vivo, mas dessa vez sem conseguir me livrar dessa marca, a qual carrego até hoje. – E o
monstro olhou para a pele escaldada de seus braços e pernas. – Porém, – continuou
neste instante, um dos Furous mais velhos presentes no local disse para o restante que
ele próprio se encarregaria de me eliminar. Os restante dos assassinos então
concordaram e se retiraram. O velho Furou, contudo, ao invés de me matar, me enrolou
em pedaço de tecido e me levou embora, para bem longe.
A essa altura, Hanai voltava a trincar os dentes e fazer força para se libertar.
Afinal, já começava a ficar cansado daquela história, que para ele não passava de

261
simples relatos gratuitos de auto-piedade que, aparentemente, não levariam a lugar
algum. Porém, contrariando seu desejo, Mornkion acrescentou mais detalhes a ela:
- O velho Furou me levou então para a parte mais distante desta cordilheira, a
qual vocês chamam de Tyron. De qualquer forma, estava, na verdade, me levando para
um lugar seguro, onde o restante dos Furous não poderiam jamais me achar. Queria,
portanto, me livrar da morte. Assim, fiquei aos cuidados do tal Furou durante muito
tempo. Nesse período, o velho revezou sua presença por onde havia me escondido e
aqui mesmo, onde se localizava o centro de decisões sobre o destino da sociedade
Furou, naquela época. Sim, aqui mesmo, bem debaixo deste palácio, aonde todos nós
estamos agora.
O grupo então olhou ao seu redor. Repararam que o tal palácio se resumia a nada
mais do que um único e gigantesco ambiente rochoso e disforme, um casulo de cerca de
cem metros de altura por cem de diâmetro e paredes cobertas pela mesma gosma negra
presente nos subterrâneos de Gyron. Haviam também espalhados ao redor, além dos já
famosos cristais esverdeados de brilho próprio, alguns túneis escuros, porém muito
pequenos.
- O velho Furou... – continuou então Mornkion. - assim que cresci, começou a
dizer que eu era especial, que tinha poderes que iam além de qualquer outro e que, um
dia, eu devia retornar para tomar o poder de todo o domínio Furou. Essas foram minhas
primeiras lembranças e uma das poucas coisas que o velho sempre fazia questão de
repetir. Assim, durante esses anos, recebi um duro treinamento seu, aprendendo a
guerrear, matar, controlar minha grande Aura e a resistir a tudo. Sentia assim que a cada
dia ficava cada vez mais forte e invulnerável, veloz e poderoso, na mesma proporção em
que o meu ódio por todas as coisas se tornava cada vez maior, insaciável e
incontrolável.

262
Capítulo 48 – A Verdade por Trás do Caos

Hanai permanecia impaciente e sem interesse na história que aquele ser – o qual
continuava lhe provocando um grande ódio e repugnação - contava, ao mesmo tempo
em que aumentava sua força ainda mais para tentar novamente sacar sua espada. Estava
surpreso, porém, com toda a racionalidade, frieza e inteligência que aquela criatura
misteriosamente aparentava ter. Algo que ia muito mais além do que tudo o que os
Furous, até mesmo os Marakis haviam demonstrado até então. A voz rouca e esganiçada
então continuou a ser ouvida por ele e por todos do grupo:
- Então, há bem pouco tempo, eu e o velho sentimos que o dia o qual ele sempre
profetizou havia enfim chegado. Assim, deixei então finalmente meu exílio e retornei
para o leste, para cá. Sem hesitar, comecei então a matar um a um, massacrar todos
aqueles que um dia tentaram me eliminar e todos aqueles que naquele momento
tentavam inutilmente se opor a mim. Aproveitando que os havia pego de surpresa,
derrotei todos os líderes Furous mais importantes e mais fortes, sem dificuldade alguma.
E assim, logo acabada toda a maior resistência, o restante dos Furous não puderam fazer
nada a não ser curvar-se de imediato diante de mim e do velho que me cuidou.
Em seguida, o monstro virou enfim, pela primeira vez, de costas e observou
novamente todo o interior de seu palácio, com um ar de fascinação e orgulho. Tal gesto
deixou a entender a todos como se realmente aquele havia sido o verdadeiro palco da
matança a qual ele havia acabado de mencionar. Alguns segundos depois, porém,
Mornkion tossiu novamente e, neste instante, Hanai sentiu finalmente suas mãos um
pouco mais livres. Ainda de costas, a criatura então continuou:
- Mas então algo aconteceu. Algo que me deixou bastante, bastante chateado. O
velho guerreiro Furou que havia me criado começou, sem explicação, a tentar me
convencer de que eu devia, naquele momento, repassar o comando total do domínio
Furou para ele. Dizia que eu era muito novo e teria muito mais serventia como uma
arma de repreensão a todos aqueles que ainda pudessem se opor a nós. Eu relutei e nós
brigamos terrivelmente. Durante a luta, o velho começou então a falar que sem ele eu já
estaria morto e que não permitiria que eu estragasse os seus planos. Aquilo me
enfureceu ainda mais e eu então o matei também. Afinal, não gostei de saber nenhum
um pouco que fazia parte de um simples plano, organizado por anos e anos. É algo
realmente difícil de se aceitar e acreditar.
Neste momento, Mornkion, que já havia descido também ao chão, pegou então
uma pequena pedra e fechou os punhos com força, esmigalhando-a. Logo após o gesto,
assim como Hanai momentos antes, todos o grupo pôde ter então uma maior sensação
de liberdade. Parecia que a criatura havia perdido, nos últimos momentos, um pouco de
sua concentração na técnica que os mantinha presos contra a parede. Momentos depois,
contudo, o ser virou-se novamente e voou em direção ao grupo. Falou então mais
algumas palavras, agora com a voz mais rouca e incompreensível do que antes – dando
a impressão de que suas cordas vocais realmente não haviam sido feitas para a conversa
na língua Banshee - além de possuir agora também um leve sorriso estampado em seu
rosto deformado. Sorriso este que indicava, acima de tudo, que suas próximas palavras
seriam as mais dignas de seu orgulho e felicidade até então. Para Hanai e os outros, por
sua vez, as mais impressionantes e reveladoras de todas
- Bom, aquilo foi realmente uma lástima. De qualquer forma, agora é que vem,
sem dúvida, a melhor parte de toda essa história. – Mornkion então suspirou
profundamente antes de continuar, como estivesse se preparando para um grande
momento de glória. - Agora absoluto no controle de todas as tropas Furous, comecei
inexplicavelmente a ter sensações que jamais poderia imaginar. Quando sentia que meu

263
poder havia extrapolado tudo que pudesse existir nesse mundo, que havia se tornado tão
grande, mas tão grande, algo fantástico aconteceu. Algo que mudou meus pensamentos
e minha existência por completo, de uma forma maravilhosa e incomparável. Sem que
eu sequer soubesse que isso pudesse ocorrer, minha grande energia começou a ser
compartilhada involuntariamente com todos os Furous existentes, através de um
processo muito natural, digamos assim. Sim, é verdade. Era como se a Aura presente
em mim, talvez sentindo-se muito grande para pertencer a um só corpo, a um só ser,
quisesse agora se expandir a qualquer custo, até onde pudesse. Contudo, ainda que no
início ela se esvaísse sem que eu desejasse, algum tempo depois eu consegui finalmente
controlar inteiramente todo aquele misterioso e milagroso processo, fazendo com que o
mesmo ocorresse somente de acordo com minha vontade. Dessa forma, todos,
literalmente todos aqueles que eu havia passado a comandar há bem pouco tempo, desde
os mais singelos peões até os mais brutais Marakis, puderam absorver e aproveitar um
pouco de minha força. Bom, e lhes digo que isso foi o início. O início de tudo.
Hanai, que já havia voltado sua total atenção para o monstro, estava neste
instante de olhos arregalados, não acreditando no que acabara de ouvir. Apesar daquele
ser estar apenas confirmando suas grandes suspeitas e de Irwind, o mestre de Yin não
imaginava, porém, que tudo havia ocorrido desta forma tão surpreendente. Expansão da
Aura para todos os Furous? Mas isso é impossível! Até onde vai o poder deste
monstro? – Se perguntou, ao mesmo tempo assustado e perplexo. Mornkion então
continuou suas revelações mais surpreendentes:
- Tal irradiação não se deu, porém, incrivelmente, somente aos indivíduos que
estavam sob a minha liderança. Na verdade, em cada canto de nosso território meus
poderes pareciam alcançar. Desde os céus, cavernas, até as profundezas, passando pelo
deserto mais ao sul, pela planície gelada e as montanhas de Tyron. Cada canto recebia
agora minhas dádivas e logo senti como se estivesse conectado de mente e espírito a
cada entranha do domínio dos Furous, agora todo ele, desde uma simples pedra até toda
sua fauna, imerso numa maravilhosa onda de poder sem igual em toda sua história.
Tudo então finalmente começava a se encaixar na cabeça do mestre de Yin, o
qual até mesmo não deixou de lembrar, por fim, das passagens da Velha Lenda
mencionadas pelo seu grande amigo. Contudo, assim que recordou também da terrível
cena a qual havia visto aos pés da cordilheira de Tyron - momentos antes de se deparar
pela primeira vez com Mornkion – imaginou que os Furous não só possuíam, naquele
momento, a capacidade de guerrear de igual para igual contra os Banshees, como
também um poder militar já superior. Concluiu então, por fim, que aquele ser, bem a
sua frente, nada mais era do que um simples meio, para que as terríveis profecias da
Velha Lenda se confirmassem no final das contas. Dessa forma, por um segundo, se
arrependeu de não ter acreditado em Irwind desde o início.
O restante do grupo, por sua vez, também começou a compreender uma série de
fatos, como o surgimento das lagartas gigantes e o fenômeno no Lago Negro de Gyron.
A essa altura, todos sentiam-se também quase inteiramente libertos da técnica de
Mornkion, o qual seguiu em frente em suas confissões:
- Algum tempo depois, portanto, com todos os Furous agora me apoiando
inteiramente e me venerando, com os seus corpos e mente agora mais fortes a qualquer
adversidade e sedentos por mais e mais poder, concluí que havia chegado a hora de dar
um passo além. Como disse no início, já havia os perdoado por tudo e entendi, naquele
momento, que mereciam bem mais do que já possuíam. Por isso, sabendo que jamais
poderia livrá-los eles de sua enorme ignorância e animalidade, dei-os então a
oportunidade a qual todos sempre esperaram, mas que nunca tiveram poder nem

264
inteligência suficiente para tê-la, em toda sua história. Invadir o mundo o qual vocês
chamam de Asíris e possuí-lo por inteiro.
Neste momento, infelizmente, o alívio que havia tomado conta de todos
momentos antes se cessou repentinamente. Logo que terminou suas últimas palavras,
Mornkion fechou novamente seus punhos com força, fazendo com que as correntes
invisíveis que aprisionava o grupo se tornasse ainda mais rígidas do que antes. A
sensação era agora de que sequer podiam respirar direito. O monstro então continuou
sua história, já com contornos épicos, em um tom ainda mais ameaçador.
- Assim, transferi então o máximo de poder que ainda me restava para os Furous,
os quais passaram a construir, agora mais velozes, poderosos e incansáveis, novas
bases, armamentos e equipamentos, se preparando para o derradeiro momento da
batalha final contra os Banshees. Os malditos Banshees. – Mornkion então sorriu
novamente. - Confesso que, como vocês todos já obviamente perceberam, neste
período, procurei também aprender mais sobre sua cultura e sociedade, principalmente
sua língua, ainda que por conta por conta própria. Afinal, sabia que um dia ela me seria
útil, como está sendo agora. Além disso, também tomei a liberdade de experimentar
novas armas, testar novas formas através das quais nosso exército pudesse ficar ainda
mais poderoso e invencível. É certo que muitas dessas experiências foram mal-
sucedidas. Contudo, tivemos alguns bons resultados, como as nossas próprias bases
voadoras, adaptadas e melhoradas a partir da sua original, além de outros, como aqueles
que vocês tiveram a sorte de eliminar e conhecer antes de seu povo.
Bons resultados? Imagine então os maus! – Jess pensou ironicamente, assim que
percebeu que Mornkion se referia aos dois seres abomináveis enfrentados pelo grupo há
pouco tempo atrás, os mesmos responsáveis pela morte de Trent.
- Por falar nisso. – Continuou então o monstro de olhos negros e pele escaldada.
- Aproveito a oportunidade para parabenizá-los. Afinal, nunca achei que iriam sair todos
vivos daquele combate contra minhas criaturas gigantes. Ou melhor, quase todos. De
qualquer forma, tive toda a preocupação de realizar essas pesquisas as quais me referi,
assim como todo nosso grande rearmamento, bem escondido de seu exército medíocre.
E, felizmente, tudo seguiu conforme planejado. Tudo conspirava, no final das contas, a
meu favor e dos Furous.
Medíocre? Você vai ver seu desgraçado! – Foi a vez então de Sahad pensar,
lembrando-se também de Trent. Ao mesmo tempo, sentia que seu peito fosse estourar
muito em breve, tamanha a pressão que estava sendo exercida pela técnica de Mornkion
contra ele. O monstro então mais uma vez seguiu em frente:
- Agora com um exército mais bem preparado, poderoso e em maior número do
que nunca, conclui que havia chegado finalmente a hora da vingança, a hora de acabar
com toda a grande injustiça que os Banshees sempre exerceram sobre os Furous. Digo
injustiça por vocês sempre tê-los impedido de tomarem o que lhes sempre foi por
direito, ou seja, essa terra. De terem mantidos os Furous, durantes séculos e séculos,
encurralados na parte mais sombria e desolada deste mundo, em uma região muito
menor, muito mais pobre e bem mais hostil do que onde vocês sempre viveram. Sim,
como disse, os Furous sempre desejaram Asíris por completo. Sempre desejaram
consumí-la, devorá-la e dominá-la de todas as formas possíveis. E agora não haverá
nada o que os possa impedir de conseguir. – Mornkion então suspirou. Em seguida,
sorriu novamente e continuou. – Bom, quero que saibam também que neste momento, já
havia notado que algumas tropas suas já se localizavam em nosso domínio, certos de
que estavam fazendo um grande feito. Porém, logo que soube disso, decidi não destruí-
las de imediato. Resolvi esperar pacientemente, deixando que avançassem mais e mais,
até alçarem Gyron. Então decidi agir. Neste instante, rumei então mais ao sul e

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massacrei-as por completo, com as minhas próprias mãos. E devo confessar que foi
esplêndido. Todos aqueles Banshees correndo, clamando por suas vidas. Afinal, nunca
imaginava que era tão fantástico assassinar um de sua raça. É bem melhor que um
simples Furou, já que os mesmos parecem nunca sentir dor quando atacados. Ao
contrário dos Banshees. Esses sim, sentiram muita dor naquele dia.
Neste momento, Sahad amaldiçoou novamente ar a criatura de todas as formas
possíveis, com mais aquele mistério dissolvido. Aquela altura, porém, já sentia também
muitas dores, principalmente em seus braços e cabeça, além de sua respiração estar bem
mais dificultada. O mesmo efeito colateral, contudo, ocorria também com todo o grupo.
- Mas apesar de ter sempre estado ao lado dos Furous, eu não sou um Furou. E
isso vocês já devem ter percebido. – Revelou enfim Mornkion. - Sou mais do que isso,
sou único. Na verdade, sou o verdadeiro salvador de todos eles. Exatamente isso.
Afinal, a partir do momento em que tive plena consciência do tamanho de meu poder e
até onde todo esse poder poderia levar a raça Furou, essa passou a ser minha missão
suprema. Libertá-los de todo o seu mundo podre, de sua vida denegridora e de toda a
ameaça dos Banshees. E assim sempre será, até que meu objetivo seja cumprido.
Hanai foi então o primeiro a simplesmente não acreditar mais uma vez no que
tinha ouvido. Salvador dos Furous? Foi para nos dizer isso que nos prendeu aqui? O
que tem de poderoso, esse monstro tem de louco! – Pensou. Assim, alguns segundos de
silêncio então se passaram, com os incômodos já começando a tomar toda a
concentração do mestre de Yin, Jess, Nina, Sahad e Yin. Porém, sem notar que todos já
prestavam pouca ou nenhuma atenção em suas palavras, Mornkion resolveu então
seguir em frente:
- Bom, o resto vocês da história já sabem. Quando a batalha final enfim se
iniciou, já em seu território, tive finalmente a oportunidade de entrar em contato com
um de seu líderes. Na verdade, desejaria ali mesmo contar toda esta história. Porém, não
foi possível. Aliás, devo parabenizar seu general pela atitude corajosa de sacrificar sua
própria base aérea para nos impedir de conseguirmos massacrar vocês por completo, já
naquela ocasião. Contudo, não foi suficiente. Na verdade, nada do que vocês fizerem a
partir de agora será suficiente para deter a mim e os Furous sob meu comando.
- Você...você está errado... – Conseguiu balbuciar finalmente Sahad, precisando
utilizar muito mais força do que quando Jess falou pela primeira vez ao monstro. Força
essa que permitia o capitão falar somente com seus grossos lábios se movendo
entreabertos e seus dentes cerrados.
- Como errado? – Respondeu o monstro de imediato. - Vocês mesmos viram
tudo o que se encaminha em direção ao seu território. A partir de agora, será questão de
tempo até suas forças serem eliminadas uma por uma. Até que todo exército Furou
aniquile todos que cruzarem seu caminho e transforme sua patética civilização em
cinzas, exatamente como aconteceu com os fracos humanos! E assim, quando esse dia
chegar, será então erguido um verdadeiro e soberano império Furou, que durará por toda
a eternidade! E somente neste dia, no dia em que todos os Banshees estiverem extintos
deste mundo, descansarei e terei minha missão finalmente cumprida.
Sahad então resolveu não se esforçar para falar mais nenhuma palavra sequer.
Somente ficou observando aquele terrível ser, o qual tinha acabado de se virar e olhar
seu “palácio” mais uma vez, após fazer suas últimas e assustadoras profecias. O capitão
reparou então novamente na sua grande cabeça, dessa vez, mais precisamente em
algumas tiras prateadas encravadas na sua nuca, as quais assemelhavam-se as tiras de
metal presentes também no crânio dos Marakis. Imaginou que, talvez, aqueles objetos
pudessem, na verdade, fazer parte de alguma experiência bizarra, a qual o próprio
Mornkion havia se submetido. Afinal, pelas suas afirmações, aquele monstro insano

266
parecia ser capaz de tudo para conseguir cumprir seus planos mais assustadores. Olhou
então para seu tronco esguio, tão pálido e cadavérico que permitia até mesmo ver a
substância que corria por dentro de seu corpo pulsando em suas veias, sem parar. Por
fim, percorreu os olhos pelo seu braço direito, o qual possuía a mesma aparência, até
notar as unhas negras e rachadas na extremidade de seus dedos. Pensou consigo se, na
verdade, aquela criatura não poderia pertencer a um outro mundo, tamanha sua
esquisitice e maldade. Contudo, assim que virou seu olhar novamente para o crânio do
monstro, o mesmo se virou rapidamente, cortando seus pensamentos. Mornkion
resolveu então, enfim, finalizar suas palavras:
- Bom, é só por isso que vocês estão aqui agora. Para me ouvir. Caso contrário,
já estariam todos mortos há muito tempo, antes mesmo de chegarem a este palácio.
Afinal, assim que notei a presença de vocês pela primeira vez, aos pés das montanhas de
Tyron, resolvi não interferir em sua viagem até aqui. Havia decidido dar-lhes uma
chance de me encontrarem e mostrarem que estavam aptos para ouvir estas revelações.
E vocês passaram no teste. Agora serão os únicos Banshees malditos que saberão, com
detalhes, sobre a história da destruição de seu povo, através daquele que será o
verdadeiro responsável por este ato.
Yin, como não podia ser diferente, estava agora mais assustado do que nunca em
sua vida. Afinal, jamais poderia imaginar que se depararia com alguém tão vil, poderoso
e assustador como aquele monstro horrível, ainda que Hanai tivesse-o alertado de todas
as formas sobre os verdadeiros perigos daquela aventura durante seu treinamento em
Marahana. Pensou, porém, se seu próprio mestre pudesse tê-lo feito uma única vez,
durante todo o momento em que esteve obstinado a encontrar aquele ser a qualquer
custo.
- Mas não achem, por favor, não achem que perdoarei tal arrogância. Porque, na
verdade, vieram aqui atrás de mim? Para me matar? São uns idiotas. Muito bem, agora
que sabem finalmente de toda a história por trás desse caos o qual seu mundo se
transformou, é chegada a hora de também serem os primeiros a terem o mesmo destino
do resto de seu povo. É chegada a hora da morte.
O monstro então suspirou e ficou alguns poucos segundos olhando para o grupo,
agora completamente em silêncio e ainda enfileirado lado a lado, na mesma posição a
qual haviam sido presos contra aquela superfície. Olhou fixo nos olhos agora de dor e
angústia de cada um até finalmente parar nos olhos azuis de Nina, que estava bem ao
lado de Hanai. A soldado, por ter o corpo mais frágil dentre todos aqueles que estavam
ali, era a que sofria as conseqüências da técnica de aprisionamento de Mornkion com
mais intensidade. Por isso, durante todo o discurso do monstro, havia sido também
aquela que tinha prestado menos atenção em suas palavras, muito debilitada e fraca para
refletir sobre qualquer uma que fosse. O monstro então, em seguida, logo após fitá-la,
estendeu a mão em sua direção, com uma expressão severa ameaçadora. A soldado
então franziu a testa e logo entrou em desespero, como prevendo alguma atitude cruel
sua. Subitamente, porém, sentiu seu corpo se desprendendo da parede e indo parar bem
a frente de Hanai, logo em seguida. A criatura, que agora lhe manipulava novamente,
deu então suas próximas sentenças:
- Porém, não serei eu que começarei. Deixarei tal tarefa para aquele que, na
verdade, será o real responsável pela morte de todos, no final das contas. Aquele que
trouxe vocês até aqui, neste ato tão estúpido.
O monstro então estendeu sua outra mão em direção a Hanai. Este de início, não
compreendeu exatamente as últimas palavras da criatura mas, em seguida, logo passou a
ter uma sensação que o deixou completamente angustiado. Afinal, o monstro começava
a fazer com que seu braço direito torcesse e virasse para frente, além de controlar ao

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mesmo tempo a palma de sua mão para que a mesma começasse a se abrir lentamente,
exatamente em direção ao abdômen de Nina, que agora se encontrava a poucos
centímetros a sua frente.
- Assim que notei todos pela primeira vez, pude também perceber que você era
de longe, o mais poderoso do grupo, o líder, aquele que guiava a todos para me
eliminar. Estou errado? – A essa altura, Hanai já tremia todo seu corpo, com a intenção
de fazer parar o movimento involuntário de seu braço. – Contudo... – Continuou
Mornkion. - ...será outra pessoa que irá morrer neste momento, não você.
Neste instante, inacreditavelmente, uma luz azulada começou a emanar da palma
da mão de Hanai. Assim que notou o fenômeno, Nina tentou se esforçar para sacudir
sua cabeça negativamente, como que implorando para que o mestre de Yin não lhe
matasse. Contudo, Hanai nada podia fazer. Afinal, seu corpo não respondia a nenhum
comando seu, estando sob total domínio de Mornkion. O restante do grupo, na mesma
situação, presenciava tudo bastante receoso e sem acreditar. Afinal, ninguém imaginava
que alguém com a força de Hanai pudesse ser controlado de uma forma tão assustadora.
Começaram todos então a perceber também o quanto maligna aquela criatura podia
realmente ser, no final das contas.
Naqueles instante, Sahad começou então a resgatar os mais profundos resquícios
de Aura de seu espírito, para poder enfim se soltar e impedir a tragédia iminente. A fúria
agora nele era mais forte do que em toda sua vida.
Alguns segundos depois, contudo, Hanai pôde sentir, estranhamente, seu braço
um pouco mais aliviado, o que lhe fez imaginar que finalmente pudesse se livrar de sua
prisão. Logo em seguida, portanto, começou a movê-lo bem lentamente e logo se
concentrou para tentar dissolver o brilho azulado que já havia dado forma a uma
pequena esfera em sua mão. Em vão. Neste exato momento, Mornkion cerrou
terrivelmente os punhos com firmeza, fazendo com que a esfera fosse disparada em
direção a Nina. Neste instante, Sahad então arregalou os olhos, ao mesmo tempo em que
sentia uma espécie de besta enjaulada sair aos poucos de seu interior e suas veias
saltarem a sua pele morena.
Com o gesto mortal do monstro, Hanai, por sua vez, ficou imediatamente
perplexo e desesperado. Via a sua frente agora, os olhos de Nina se fechando
lentamente, devido ao seu ataque involuntário, como se toda a vida da soldado estivesse
se escoando naquele momento, suas últimas forças estivessem se esvaindo. Logo em
seguida, contudo, Mornkion pareceu abrir finalmente mão do controle que exercia sobre
Nina, abaixando o braço que apontava para ela. O gesto fez com que a soldado
imediatamente despencasse em direção ao chão e, sem qualquer tipo de reação, se
chocasse violentamente contra o solo cheio de pequenas pedras.
Neste instante, Sahad, agora acompanhado de todo o ódio que podia sentir,
conseguiu inacreditavelmente libertar-se dos poderes de Mornkion e também despencou
até o chão. Correu então em direção a Nina e a olhou, com uma profunda expressão de
tristeza. Em seguida, em mais um acesso de fúria, sacou seu rifle e começou a disparar,
como um fera insana, contra o ser maligno, que estava mais alto. Estava tão possesso
que nem sequer ouviu as baixas palavras de sua companheira, a qual se encontrava de
bruços naquele momento e com seu rosto fino virado para ele.
- Sahad...não....Sahad... – Balbuciava, com dificuldade.
Sem que qualquer disparo do capitão pudesse causar-lhe um simples arranhão, a
criatura então estendeu seu braço direito em sua direção. Em seguida, em meio a chuva
de balas, apontou seu dedo indicador em direção ao tórax de Sahad, o qual continuava
apertando o gatilho, sem imaginar o que estava por vir. Neste instante, Hanai então
olhou para Mornkion com o braço levantado e, em seguida, rapidamente para o capitão

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mais embaixo, que ainda continuava disparando sem parar e agora berrava como um
louco.
- Não! – O grito de aviso do mestre de Yin saiu seco e desesperado, perdendo-se
por entre o barulho dos tiros de Sahad.
Assim, antes que todos pudessem ficar mais desolados com que havia ocorrido
com Nina, um outro fato ainda mais terrível então aconteceu. O maligno e insaciável
Mornkion disparou então um raio fatal, assemelhando-se a uma flecha reluzente e
esverdeada, o qual cruzou o ar e atingiu Sahad, uma fração de segundos depois,
perfurando-o exatamente do lado esquerdo do seu peito.
- Sahad...Sahad...não.... – Nina então tentou aumentar um pouco mais seu tom de
voz, ao mesmo tempo em que via o capitão perder subitamente todas as suas forças,
cessar os disparos e levar a mão ao peito. Em seguida, deixar seu rifle cair, fechar os
olhos lentamente, pôr-se então de joelhos e, finalmente, ir direto ao chão.
Neste instante, Nina, ainda que sentindo também os últimos lampejos de Aura
deixando seu corpo, foi apunhalada por uma tristeza profunda e começou a chorar sem
parar. Yin e Jess, por sua vez, olhavam tudo bem acima, completamente atônitos.
Afinal, já estavam inteiramente sem forças para continuar tentando se soltar. Contudo,
enraivecido com o ocorrido, numa explosão de fúria, Hanai conseguiu também se
libertar finalmente da terrível técnica de Mornkion para, logo em seguida, disparar uma
Kentake contra ele, jogando-o muitos metros para trás. O ataque fez com que a força
invisível, a qual ainda prendiam Yin e Jess, se esvaísse de imediato, permitindo que
ambos também fossem ao chão.
Assim que se colocaram de pé, ambos aproximaram-se então do corpo de Sahad.
Jess levou a mão em seu pescoço e concluiu que mais nada podia fazer. Em seguida,
aproximou-se de Nina, a qual ainda estava com o rosto virado para o cadáver de Sahad,
este bem ao seu lado. A soldado permanecia chorando e pronunciando o nome de seu
amigo.
- Jess, cuide dela. E leve Yin para longe também. Por favor cuide de todos. –
Ouviu Hanai falar-lhe, flutuando bem acima. Reparou também que o mestre de Yin
estava com a respiração mais normalizada e procurava se manter mais calmo, como que
se estivesse se concentrando de seu melhor jeito para a derradeira luta de vida ou morte
que viria a seguir.

269
Capítulo 49 – O Duelo Final

Logo depois, Jess tirou os olhos de Hanai e reparou que a terrível criatura já
voava de volta para onde estavam todos, lentamente.
- Você não meu ouviu? Vá agora! - Gritou finalmente Hanai.
Jess então balançou a cabeça positivamente e colocou Nina no colo. Em seguida,
bem ao longe, viu uma entrada, maior do que os outros túneis espalhados pelo local, a
qual provavelmente indicava a saída daquele lugar horrendo.
- Vamos menino, por ali! – E começou a correr em direção a passagem.
Contudo, Yin não se moveu. Continuava olhando Hanai, lá em cima. Seu mestre, por
sua vez, olhava agora fixo para a criatura, que agora se encontrava ainda mais perto.
- Vamos? Você não ouviu seu mestre? Vamos!
- Mas...mestre... – Balbuciou Yin, continuando sem mover um dedo.
- Vamos agora! – Jess então voltou um pouco e deu um puxão em Yin pelo
braço. O menino ainda relutou bastante, mas o soldado estava obstinado a cumprir as
ordens de Hanai. Agarrando-o ainda com mais força, arrastou-lhe finalmente em direção
a saída. Neste instante, a criatura então retornou e parou bem de frente para Hanai.
- Você. Você é um louco! Não merece perdão algum seu miserável! Por tudo o
que você fez, você será derrotado!
- Ouça. – Respondeu o monstro. - É realmente muito interessante que você tenha
se livrado da minha técnica, assim como seu amigo. São os primeiros a conseguirem tal
feito. Contudo, não pense que não terá o mesmo destino que ele.
- Você irá morrer!
- Não, não vou. O que faz pensar que conseguirá me matar? Se você não se
lembra, tanto o exército Furou quanto seu exército já tentaram e não conseguiram. E
como você acha, sendo somente um só, que conseguirá tal façanha?
- Você irá m...
- Não, não vou. – Cortou novamente o monstro.
Enfurecido, Hanai então logo disparou uma Shinya-Hashiki contra o ser, que
cruzou os braços na altura do rosto e se defendeu sem dificuldades. A criatura então
voou para cima de Hanai e os dois logo começaram a trocar golpes em pleno ar. Jess e
Yin, em fuga, tendo notado que o combate havia enfim se iniciado, pararam e olharam
para trás. Imaginaram então que estivessem em um sonho, assim que notaram a
velocidade dos ataques que cada um tentava acertar no outro. Jess então resolveu não
perder mais tempo.
- Vamos! Não podemos parar! – Em seguida, puxou Yin novamente pelo braço.
Após mais alguns segundos de luta franca, Hanai já havia conseguido acertar
alguns chutes e socos em Mornkion, e vice-versa. Recuou então um pouco e finalmente
sacou sua espada. Com sua outra mão, disparou então uma série de Shinyas as quais os
monstro fez explodir no ar antes que o atingisse. Aproveitando-se da nuvem de fumaça
que havia surgido, Hanai voou então contra o monstro e tentou deferir um golpe
violento com sua lâmina, o qual Mornkion desviou facilmente. Em seguida, tentou
acertar o monstro com mais dois golpes fulminantes com sua Asor, ainda por dentro da
nuvem de poeira que se dissipava. Todos, contudo, sendo anulados pelo monstro que,
logo em seguida, lançou-lhe uma espécie de Kentake poderosíssima, a qual o fez ser
deslocado para trás e sua espada cair de sua mão em direção ao solo. Agora, um pouco
mais afastado de seu inimigo, concluiu que aqueles poucos segundos de luta já tinham
sido suficientes para calcular o poder exato do monstro. Eu sei que posso! – Pensou.
A esta altura, Jess já havia chegado a entrada do palácio de Mornkion, junto com
Nina e Yin. Notou, assim que olhou para o lado de fora da construção, que estava diante

270
de um lugar familiar. Afinal, cercando novamente os três por todos os lados, estava
agora o já conhecido mar de lava de antes. E bem ao longe, do outro lado, estava a
fenda na montanha pela qual todos já haviam passado. Concluiu que estavam saindo, na
verdade, daquela grande estrutura negra a qual haviam avistados antes, mas que não
puderam alcançar devido a queda de todos em direção ao mar de lava. Portanto, como já
era de se esperar, a ponte que havia explodido naquela ocasião também não estava mais
ligando o palácio a fenda na montanha.
Neste instante, porém, o soldado voltou novamente sua atenção a Nina,
estendida em seus braços. Em seguida, abaixou-a com cuidado e colocou-a encostada
em uma das paredes, ainda do lado de dentro do palácio de Mornkion. Em seguida, tirou
rapidamente dos bolsos de seu casaco, um vidro com extrato de Grinsa, misturado a
outros componentes altamente cicatrizantes, e um rolo de atadura. Tirou então o
uniforme especial que cobria o corpo da soldado, o qual, apesar de bastante espesso,
estava com uma profundo rasgo, devido a Shinya que Hanai havia lhe lançado
involuntariamente. Pôde perceber então, dessa forma, uma grande mancha de sangue na
blusa de baixo de Nina, na altura de seu ventre. Em seguida, suspendeu um pouco então
a blusa, arrancou um pedaço de atadura e encharcou-lhe com o extrato de Grinsa para,
em seguida começar a enrolar a atadura por volta do corpo da soldado. Seu principal
objetivo era, a todo custo, estancar a grande hemorragia que havia se formado já há
algum tempo. Para esse ato, porém, pediu ajuda de Yin, que finalmente tirou um pouco
sua atenção da luta entre Hanai e Mornkion e passou a segurar com uma de suas mãos a
atadura.
Entre Hanai e Mornkion havia agora somente a espada do primeiro, fincada ao
chão, bem abaixo deles. Notando que a luta não poderia se estender por muito mais
tempo, já que estava usando muito de sua Aura naquela batalha e, por isso, logo ficaria
exausto, Hanai resolveu utilizar uma técnica a qual poucos sabiam de sua existência.
Uma técnica que nem mesmo Yin ou todos no orfanato Mao-Ter sabiam. Fechou então
os olhos lentamente, se concentrou e abaixou a cabeça em direção ao chão. Em seguida,
curvou um pouco seu corpo e cerrou os punhos fortemente, afastando também um
pouco as pernas. Por fim, flexionou os joelhos e lembrou a quanto tempo não realizava
aquela técnica maravilhosa e incomparável.
Imaginou que a última vez em que a tivesse usado havia sido enquanto ainda
estava no Exército Real, provavelmente em alguma luta na qual estava bem perto da
morte, contra muitos e muitos Furous. Tal técnica consistia, basicamente, num aumento
exponencial da Aura daquele que a realizava, assemelhando-se no modo de fazer as
inúmeras vezes em que Hanai em Gyron, por exemplo, teve que aumentar sua força para
chamar a atenção das lagartas gigantes. Porém, essa técnica ia muito mais além, pois
fazia também com que parte da Aura presente no lugar ao redor do indivíduo que a
realizasse fosse drenada para dentro de si, aumentando seu poder, além de buscar em
seu canto mais profundo, seu grande poder oculto. O ponto negativo desta técnica era de
que, enquanto o indivíduo a realizava, se consumia e desgastava mais rapidamente, por
estar carregando consigo uma quantidade de energia muito grande, impossível de se
sustentar durante muito tempo. Por esse motivo, Hanai tinha a certeza de que aproveitá-
la durante um derradeiro momento. E que tal momento havia enfim chegado. Essa
técnica chamava-se Zeratruth e era a única esperança para Hanai naquela luta, segundo
as próprias conclusões do mesmo após averiguar o real poder de Mornkion.
Logo que Hanai começou a ser bem-sucedido na tentativa de realizá-la, Jess e
Yin logo sentiram sua respiração ficar estranhamente mais ofegante. Contudo, o
primeiro estava tão empenhado em salvar a vida de Nina que não ligou muito para o

271
estranho fenômeno. Yin, por sua vez, já estava com sua atenção voltada para a luta, que
parecia entrar em uma outra fase.
Sem sair de sua posição inicial, o mestre de Yin fez surgir a sua volta então, um
imensa esfera de energia, que crescia mais e mais, ao mesmo tempo em que todo lugar
começava a estremecer brutalmente, em um fenômeno semelhante ao que Yin havia
realizado ainda em Marahana, logo antes de partir em direção ao território Furou.
Contudo, este novo era muito mais intenso. Pequenos pedaços de pedra, ambos cobertos
quase que por inteiro pela substância viscosa presente em abundância nas cavernas
subterrâneas do Lago Negro de Gyron, logo começaram então a se desprender do teto e
das paredes do palácio e irem em direção a Hanai. Em seguida, os pedaços iam em
direção a esfera de energia com o mestre de Yin no centro e começavam a circundá-la,
em uma evolução que lembrava a de planetas ao redor de uma estrela. A medida que o
tempo ia passando, mais pedaços se desprendiam, se juntavam aos outros e mais o
tremor aumentava. O poder de Hanai, por sua vez, se tornava cada vez mais colossal.
A criatura, porém, nada fazia para impedí-lo, parecendo somente esperar o
término de todo aquele acontecimento. Neste instante, um bloco de pedra se soltou e
espatifou-se bem ao lado de Jess, o qual já tendo terminado seus primeiros cuidados a
Nina, então virou-se com o impacto e olhou também para Hanai ao longe. Reparou que
o mesmo já chacoalhava todo seu corpo e parecia suar bastante. Num momento,
contudo, Hanai esticou todo os seus membros, ficando em uma posição semelhante a
uma estrela. Tal gesto permitiu que um forte brilho azulado saísse do seu interior e se
espalhasse por todas as direções. O brilho irradiado, por sua vez, pareceu deslocar
consigo uma quantidade considerável de ar, o qual fez dissipar a esfera de energia que
circundava Hanai e fazer os pedaços de pedra que giravam ao seu redor serem
arremessados a todas as direções.
Neste instante, portanto, Jess foi obrigado a levar as mãos aos olhos para não
ficar cego por causa do brilho e proteger seu rosto para não ser atingido pelas rochas.
Yin logo fez o mesmo. E, assim que reabriu seus olhos lentamente e observou
novamente Hanai, o soldado teve a sensação de que a esperança havia, enfim, voltado
para todos, depois de muito tempo.
O mestre de Yin estava agora com uma expressão mais serena, sentindo o
máximo de Aura que poderia conseguir correndo agora por todo o seu corpo, certo de
que poderia obter uma vitória. Tentou então controlar ainda mais sua respiração, para
evitar perdas desnecessárias de energia e, em seguida, tirou seu olhar de Mornkion e
olhou para sua espada. A criatura então fez o mesmo. Assim, no mesmo instante, ambos
os oponentes partiram em direção ao objeto preso ao chão. Contudo, a velocidade de
Hanai se mostrou imensa e, naquele instante, superior a de seu próprio inimigo. Com
sobras, pegou novamente sua Asor do chão e voou para longe. Pareceu então sentir seu
ar voltar com toda a força aos pulmões, agora cercado por uma energia que o revigorava
por inteiro. Ainda voando, olhou então para trás com a intenção de focar-se novamente
em seu inimigo mas, incrivelmente, não o viu e, assim que se virou novamente para a
frente, foi o brigado a dar uma parada brusca. Mornkion, inacreditavelmente, estava
agora bem diante dele, de braços cruzados.
Hanai então simplesmente não acreditou no que viu. Afinal, a criatura havia se
movido tão rápido que ele não havia notado. Estava agora, portanto, com os olhos
arregalados diante do ser e sentindo novamente a apreensão começar a tomar conta de
si. Logo em seguida, e também sem notar o movimento que havia desencadeado tal fato,
sentiu seu rosto ser atingido por um soco absurdamente violento, que o fez despencar
muitos metros abaixo e colidir com o chão, o que fez com que uma pequena se cratera
abrisse com o impacto. Ainda zonzo e envolto por uma fumaça marrom de poeira,

272
tentava entender como, mesmo após estar mais forte, a diferença de poder entre ele e
seu inimigo ainda podia ser tão grande. Afinal, aquele último golpe havia sido, sem
duvida, o mais forte que havia sofrido em toda sua vida. E também o mais rápido. É
impossível! Não pode estar acontecendo! – Foi a primeira coisa que pensou, antes de
tentar se colocar de pé novamente.

273
Capítulo 50 – Despedidas

Contudo, logo que conseguiu, sentiu seu corpo ser levantado com força para
cima, para além da nuvem de poeira. E, ainda com os olhos entreabertos, reparou que
seu adversário estava agora com sua mão direita levantada, novamente tendo o controle
sob os seus movimentos. Hanai então deu um grito e então estendeu seu corpo,
conseguindo livrar-se imediatamente das perigosas amarras invisíveis. Em seguida,
agora no ar novamente, começou a disparar loucamente uma seqüência de Shinyas em
direção ao seu inimigo, o qual pareceu não fazer esforço algum para se defender. O
mestre de Yin estava tão obcecado agora em conseguir acertá-lo de qualquer forma, que
não reparou que todo aquele esforço logo consumiu-lhe muito poder rapidamente, além
de não lhe dar qualquer vantagem sobre seu inimigo. Assim, as esferas então finalmente
cruzaram o ar e atingiram em cheio Mornkion, fazendo uma nova cortina de fumaça
surgir bem a frente do ser maligno. Hanai, por sua vez, continuou disparando mais e
mais Shinyas, agora sem poder ver sequer a silhueta de seu adversário através da
nuvem. Depois de alguns segundos, contudo, parou.
Sua respiração estava completamente ofegante e já começava a sentir os efeitos
negativos da Zeratruth, quando mais uma vez foi surpreendido. De dentro da cortina de
fumaça, saiu o monstro a toda velocidade, em sua direção. Mais uma vez, antes que
Hanai pudesse se proteger, foi acertado desta vez por um forte chute, que o fez voar
para trás por muitos metros, parando somente quando suas costas atingiram a parede do
palácio. Em seguida, despencou e logo já estava deitado no chão novamente, agora de
bruços.
A criatura então desceu e logo começou a caminhar ameaçadoramente em sua
direção. Contudo, antes que pudesse chegar mais perto, Hanai se levantou e, ainda
cambaleante, tentou afastar-se para trás.
- Você não percebe? Você nunca ficará poderoso o suficiente para me derrotar.
Você vai acabar morrendo, assim como aqueles outros três que fugiram daqui. Não há
escapatória. – Falou Mornkion em um tom irônico, a medida que tentava chegar mais
perto de Hanai, a passos lentos.
- Você...você matou Trent. – Respondeu o mestre de Yin com dificuldade, ainda
se afastando. – Você matou Sahad...E é...É uma ameaça para todos os Banshees. Você
não pode ficar vivo...
- Não, eu ficarei vivo. E se quer realmente me matar, porque está fugindo?
Neste instante, em um dos passos para trás, Hanai tropeçou em uma pedra e caiu
sentado ao chão. Em uma fração de segundos de distração, portanto, assim que se
levantou, não viu mais a criatura a sua frente.
- Você, nem nenhum Banshee pode escapar do inferno agora. – Ouviu uma voz
rouca agora bem atrás dele, bem perto de seu ouvido.
Assim que tentou se virar, porém, notou que o monstro novamente o havia
prendido. E, naquele momento, agora não encontrava mais forças para se libertar.
Afinal, o último golpe havia sido demasiadamente doloroso e, por mais que Hanai
tentasse se concentrar, não conseguia agora esquecer tal dor por nada. Com seu inimigo
completamente imobilizado, Mornkion, por sua vez, tinha agora a certeza de que
possuía a luta em suas mãos. Contudo, cruelmente, decidiu não finalizá-la naquele
momento. Contornou então Hanai e começou lhe torturar com uma série de socos e
chutes por todo o corpo. Neste instante, Yin quis partir para ajudar, mas fora logo
impedido por Jess. A cada golpe, Hanai sentia agora suas energias esvaziarem e sua
respiração ficar mais difícil. Não podia fazer mais nada, a não ser continuar como um
boneco naquele jogo sádico de Mornkion.

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- E você será...o primeiro...a sentir...a dor...que consumirá...a sua terra. – Falava
o monstro, entre o intervalo de um golpe e outro. Em seguida, lançou mais uma Kentake
que fez com que o mestre de Yin rolasse pelo chão mais uma vez. Hanai agora não tinha
forças sequer para se levantar.
- E já começou. Sim, já começou! – Esbravejou a criatura, fechando seus olhos
negros e virando sua cabeça para cima, ao mesmo tempo em que abria seus braços. – Eu
posso sentir. Por favor, me acompanhe. – Falou, no mesmo instante em que agarrava
Hanai pela gola de seu traje especial e o levava para cima. Em seguida, o monstro então
parou seu vôo há alguns metros de altura, agora bem no centro de seu palácio. Ainda
segurava Hanai, lhe impedindo de despencar de volta ao chão. O mestre de Yin, por sua
vez, já se encontrava agora com todo o seu corpo mole e sua visão turva, além de seu
rosto e completamente inchado.
- Você verá também! – Ouviu então as palavras do monstro, dessa vez muito,
muito ao longe. Contudo, logo em seguida, seus olhos começaram a se revirar e seu
corpo trepidar, num fenômeno semelhante ao que Irwind havia sentido na luta contra o
Maraki. Assim, em seguida, conforme o general, também teve uma terrível visão.
A grande frota aérea que havia visto assim que retornou a superfície em Gyron, a
qual incluía as novas bases aéreas Furous, já haviam cruzado o nevoeiro entre o
domínio Furou e o domínio Banshee e agora se encaminhava para uma grande cidade.
Mesmo quase inconsciente, Hanai pôde identificar que a cidade era Marahana e que a
mesma já começava ser atingida por uma chuva de mísseis e bombas.
- Está vendo? – Ouvia a voz de Mornkion ainda mais ao longe, ao mesmo tempo
impossibilitado de se livrar daquela visão angustiante. – Será o fim de sua civilização, o
início de um período de trevas para seu povo. Em breve todos vocês estarão
mergulhados num caos profundo. Estarão todos no inferno!
Hanai continuava a ver toda aquela monstruosidade dentro de sua mente, já
tendo se rendido àquele duelo e sentindo agora uma profunda dor em sua alma.
- E isso... – Neste momento, o mestre de Yin despertou e pôde ver novamente a
face da terrível criatura bem a sua frente. – Isso...é só o começo.
Neste instante então, como uma arma infernal, todo o braço direito da
abominável e cruel criatura – aquele que não segurava Hanai pelo seu traje -
transformou-se inacreditavelmente em uma lâmina pontiaguda e esbranquiçada. Logo
em seguida, sem hesitar, o ser então encravou-a na altura do abdômen do mestre de Yin,
perfurando-o violentamente.
- Não! – O grito de Yin pôde ser ouvido de muito longe.
- Pelos Deuses! – Exclamou também Jess. Nina, apesar de bastante debilitada,
também pôde ver ao longe, segundos depois, Mornkion retirando seu braço
transfigurado de dentro do corpo do mestre de Yin e deixando-o iniciar sua derradeira
queda, em direção ao solo.
Completamente atônito pelo ocorrido e imaginando que agora todas,
rigorosamente todas as esperanças, tanto para os ali presente, quanto para toda raça
Banshee estavam completamente perdidas, Jess mal fez questão de tentar segurar Yin
mais uma vez. O menino correu então desesperadamente em direção ao corpo de seu
mestre e, assim que chegou ao seu lado, ajoelhou-se. Porém, antes que o mesmo
pudesse pensar qualquer coisa, Hanai ainda encontrou forças para falar suas últimas
palavras a Yin. Assim, logo que notou que seu discípulo iria falar-lhe algo,
interrompeu-lhe de imediato.
- Yin...por favor...não fale nada...só me escute...
- Mas mestre... – Yin já falava com lágrimas em seus olhos.

275
- Por favor...me escute...eu sei...- Hanai então tossiu um pouco de sangue, que
voou em direção ao traje de Yin. O menino então olhou a mancha que havia se formado
em sua roupa e, em seguida novamente para o rosto de seu mestre, com uma expressão
de desolação total. - Eu sei...eu sei que você pode derrotá-lo...
- Não mestre eu...
- Lembre-se de nosso treinamento...tudo o que eu queria de você é que liberasse
todo o seu poder...então você...você seria invencível...foi o que eu lhe falei....
Yin então calou-se.
- Durante toda minha vida...eu tentei tirar de você...esse poder oculto...por pouco
consegui...mas sei..sei que você está preparado agora...
Yin então sacudiu a cabeça negativamente, já aos prantos.
- Sim...você pode...a Velha Lenda diz...e todos dependem de você agora...você é
a última esperança de todos os Banshees...Você deve impedi-lo de cumprir seus
planos...
- Não..eu não vou...
- Sim...você irá derrotá-lo..eu sei...acredite... – Hanai então sentia que não
possuía mais muito tempo com Yin. Tossiu mais um pouco e então esforçou-se para
abrir um leve sorriso e proferir suas últimas palavras.
- Quero que saiba também rapaz...que eu sempre te amei...assim como um pai
ama um filho...por isso sempre me preocupei tanto com você. Me desculpe se fui
exagerado...mas era o que qualquer um faria no meu lugar... Eu te amo...
Com essas últimas confissões, Yin aumentou ainda mais seu choro, na mesma
proporção de sua dor interior. Também já soluçava muito.
- E diga a Theria que eu também estarei sempre perto dela...e de nosso
filho...peça para que ela me perdoe...por tudo...
Mesmo sem entender, Yin balançou a cabeça positivamente.
- Estarei... – E Hanai então num último gesto, estendeu sua mão suavemente até
encostar no rosto pálido e molhado de lágrimas de Yin. – Estarei...perto...de todos
vocês...
Poucos segundos após falar, Hanai então começou a fechar seus olhos
lentamente, até sentir finalmente seu espírito ser levado de volta para a verdadeira fonte
de Aura, para o verdadeiro princípio e fim de toda Asíris. Viu, por fim, um enorme
brilho alvo e suave surgindo a sua frente, antes de partir.
Yin então, diante da dolorosa morte de seu mestre, subitamente sentiu como seu
coração estivesse partido em mil pedaços, como se um vazio infinito estivesse tomado
conta de seu jovem espírito. Abaixou-se e encostou então sua testa no peito de Hanai.
Em seguida, enrolou seus pequenos braços por entre seu corpo. – Não... – Sussurrou
baixinho.
Irwind, na seção subterrânea da base de Marahana, dava ordens e mais ordens
aos seus soldados, ao mesmo tempo em que começava a ficar extremamente preocupado
com o número de baixas causadas pelos recentes ataques das novas bases aéreas
inimigas - as quais já haviam atracado no perímetro da cidade. Portanto, devido ao
aparecimento inesperado dos novos e virtualmente indestrutíveis inimigos, já havia, há
algum tempo, ordenado a partida do restante das tropas presentes em Dherates e de
cidades ainda mais ao sul de Mahani para Kayabashi. Neste instante, porém, também
sentiu um vazio surgir dentro de si e imediatamente, soube do que se tratava. Olhou
então, por fim, para o radar a sua frente, o qual continuava mostrando mais e mais
pontos azulados sumirem em uma velocidade incrível. Abaixou então a cabeça, suspirou
e pensou somente em uma coisa: É o fim...
Em Tyron, Yin continuava abraçado ao corpo de seu mestre.

276
- Não...não...não...- repetira sem parar.
Contudo, subitamente, o menino abriu os olhos e sentiu como se o mais puro
ódio estivesse prestes a emergir de sua alma. Afinal, a raiva dentro de si naquele
instante era algo que ele nunca havia sentido na vida e seu rancor, ainda mais forte do
que quando presenciara a morte de Trent, seu salvador, ou a de Sahad, ou de toda
crueldade Furou até então.
- Não... – Falou mais uma vez, contudo, batendo agora com ambos os pulsos no
chão.
- Não.. – Bateu mais uma vez, dessa vez com mais força
- Não.. – Novamente, agora levantando sua cabeça em direção a Mornkion, que
ainda estava de olhos fechados e com seu pescoço virado para cima, parecendo ainda
estar em estado de transe com a visão de suas tropas brutais em combate em Kayabashi.
Mais um golpe e Yin notou que o monstro agora ria, agora quase em êxtase por
ver seu exército insano avançando por Asíris.
Assim, Yin continuou a bater seus pulsos no chão uma vez após a outra, com
mais e mais violência, até sentir algo diferente.
Afinal, a cada nova batida, tanto o seu corpo quanto todo o local começaram
então a tremer sem parar. E, a medida que continuava golpeando o solo, o tremor
aumentava mais e mais. Quando Mornkion abriu finalmente seus olhos, já pôde
perceber que parte do teto de seu palácio já começava a cair e, de imediato não entendeu
o que estava acontecendo. Uma série de lampejos de Aura então começaram a sair do
corpo de Yin, bem como mais uma esfera de energia, a qual imediatamente cercou todo
o menino.
Foi então a vez de Jess não acreditar no que estava acontecendo.
Yin continuava ajoelhado e a dar com seu punhos no chão, que agora parecia
estar sendo atingido por toneladas. Seus olhos então começaram a se revirar e seu corpo
chacoalhava mais do que nunca.
Num instante, porém, subitamente parou.
Antes que levasse mais uma vez sua mão ao chão de fúria, parou.
Em seguida, o menino então gritou estridentemente, esticou seu corpo em todas
as direções e um brilho foi visto.
Um brilho tão poderoso que saiu como um relâmpago pela fenda na montanha,
na qual se localizava o palácio de Mornkion e onde todos estavam, fazendo com que
parte do nevoeiro repleto de almas dos Furous, o qual cobria todo céu da região, se
dissolvesse inexplicavelmente. Um brilho que pôde ser avistado por quilômetros e
quilômetros, se estendendo por toda a terra gélida de Tyron, até poder ser notado ao
longe pelos Furous localizados mais ao sul, no início de Gyron.
Um brilho salvador e azul.

277
Capítulo 51 – A Fúria do Novo Guerreiro Yin

Jess teve que virar-se para não perder a visão com o intenso brilho azulado que
havia acabado de sair repentinamente do corpo de Yin – muito mais intenso do que
havia saído do corpo de Hanai enquanto o mesmo ainda lutava contra Mornkion - ao
mesmo tempo em que cobria os olhos de Nina e também a abraçava, com a intenção de
protegê-la. Assim que se virou, contudo, o misterioso brilho se desfez, bem como todo o
inexplicável e monstruoso tremor. Jess então pôde ver, abrindo os olhos lentamente, a
silhueta de um novo guerreiro e sentir, por algum motivo, a última de suas esperanças
ressurgir novamente.
Naquele instante, a respiração de Yin pareceu enfim voltar ao normal e seu
choro já havia cessado por completo. Contudo, o menino estava com a aparência
diferente. Seus olhos estavam agora brancos como a neve, depois de tanto se revirarem,
e um brilho azulado e fino, porém intenso, cercava todo o seu corpo.
Yin então olhou Hanai uma última vez e finalmente se levantou. Estava com
uma expressão ao mesmo tempo séria e incrivelmente calma naquele momento, a qual
parecia refletir exatamente o modo como todo o lugar estava agora, em total silêncio,
após o estranho e estrondoso fenômeno que havia ocorrido há somente poucos segundos
atrás. O menino então, lentamente, olhou para cima novamente em direção a Mornkion.
A criatura, por sua vez, já o estava observando há algum tempo, em uma tentativa de
entender o que havia, de fato, acontecido.
Após alguns segundos de troca de olhares, a maligna criatura finalmente
resolveu romper o silêncio que imperava:
- Menino. Tenho que confessar. Tudo isto foi realmente impressionante. Tudo
por causa da morte deste fraco ao seus pés?
Yin continuava olhando fixo para o monstro ao alto.
- Contudo, creio que será inútil para a situação em que nos encontramos agora,
você não concorda?
O menino continuava imóvel.
- Por isso, deixe eu acabar com você logo. E com o restante de vocês. – A
criatura então estendeu seu braço em direção a Yin. – Isto já está demorando demais.
Sem hesitar, Mornkion então disparou uma esfera esverdeada em direção a Yin,
que não fez sequer o menor esforço para bloquear ou desviar do ataque, mantendo-se
em sua posição original. Ao longe, Jess pôde ver então a grande explosão causada pelo
impacto da esfera contra o corpo do menino e, pensando estar diante de mais uma
morte, gritou:
- Yin, não!
Mornkion, logo em seguida, virou então seu olhar para o soldado ao longe, e já
tratava de avançar em sua direção quando viu surgir no solo, inacreditavelmente, por
entre a nuvem de poeira que havia se formado após a explosão causada por sua técnica,
uma sombra. Uma pequena sombra que o fez ficar paralisado. Assim que a nuvem se
dissipou ainda mais, sua visão ficou ainda mais clara. Era Yin, que ainda se mantinha
parado e olhava fixo para o monstro. Completamente intacto, porém.
Neste instante, tanto Jess quanto Mornkion ficaram absolutamente estarrecidos.
Nina, por sua vez, já havia caído no sono após ter recebido os sedativo de Jess. Porém, o
monstro pareceu ainda mais espantado. Virou-se então mais precisamente para o rosto
de Yin, o qual também reluzia o brilho azulado, e fez uma expressão como se estivesse
achando tudo aquilo impossível. Em seguida, porém, logo tratou de deixar sua
apreensão de lado e novamente estendeu sua mão em direção a Yin, para atacá-lo mais

278
uma vez. Porém, uma fração de segundos depois e Mornkion foi surpreendido por algo
que o fez ficar ainda mais aterrorizado.
Viu surgir Yin, repentinamente, bem diante dele, sem sequer notar sua
aproximação. Era como um fantasma que, sem explicação, havia se teleportado de um
lugar para o outro em uma velocidade absurda. Ainda que precipitada, foi a primeira e
única explicação que encontrou no momento. Antes, porém, que pudesse arregalar ainda
mais seus olhos negros e começasse a sentir um enorme calafrio em seu espírito cruel,
sentiu ser atingido por um golpe estupidamente forte, o mais violento que havia sido
atingido em toda sua vida, na altura de seu abdômen.
O ataque fez com que o monstro contorcesse seu corpo, levando suas mãos a
barriga e sentir uma dor a qual não havia sentido nem mesmo em suas vagas
lembranças, nem quando havia sido torturado pelas balas e pelas chamas, logo após o
seu nascimento. Contudo, logo que começou a sentir seu corpo ser destroçado em seu
interior por uma maneira sem igual e seus pensamentos ficarem confusos, foi atingido
em cheio por outro golpe ainda mais violento, dessa vez em seu rosto. O outro soco,
dessa vez, fez com que Mornkion fosse arremessado em uma velocidade incrível contra
a parede de seu palácio, há muitos e muitos metros de distância.
Também há muitos metros Jess observava tudo, literalmente boquiaberto. -
Não...não é possível...não é possível... – Tentava acreditar em seus olhos. Os mesmos
olhos que, assim como Mornkion, não haviam visto um movimento anterior sequer de
Yin, devido a velocidade exorbitante os quais haviam acabado de ser executados.
A criatura, por sua vez, logo após chocar-se contra a parede, despencou em
direção ao solo. Neste instante, portanto, as posições pareciam estar invertidas. O ser
agora estava jogado ao chão, de bruços e tentando aflitamente apoiar-se em seus braços
para se levantar, enquanto Yin observava a agonia da agora fragilizada criatura ao alto.
Dessa forma, foram precisos muitos segundos para que Mornkion finalmente se
colocasse de pé. Logo em seguida, com o corpo chacoalhando bastante, olhou fixo para
Yin. Dentro de si havia agora uma espécie de mistura entre uma raiva enorme, confusão
e até mesmo um inexplicável sentimento de medo, que começava a surgir subitamente.
Como simples um menino, outrora frágil e completamente inútil para um combate havia
se tornado tão poderoso em um espaço de tempo tão curto? Os pensamentos rodavam
dentro de sua mente, junto com toda a dor que sentia pelos dois golpes fulminantes de
Yin.
Assim, o monstro resolveu então caminhar alguns passos, ainda cambaleante e,
em seguida começou a flutuar alguns metros acima do chão, com dificuldade. Em
seguida, procurou se colocar no mesmo nível de Yin. Porém, em um novo movimento
absurdamente rápido, o menino mais uma vez estacionou a alguns metros de seu rosto.
O monstro então arregalou os olhos novamente mas, dessa vez, voou para trás em
defesa, ao mesmo tempo em que lançava contra o menino uma espécie de Kentake, ao
seu modo, fazendo-o ser deslocado imediatamente há alguns metros para trás. E, sem
hesitar, logo começou a disparar contra Yin uma série esferas esverdeadas de Aura com
ambas as mãos, em um ritmo alucinante. Antes que o monstro pudesse intensificar seu
ataque, porém, Yin surgiu como um meteoro de dentro da nova nuvem de fumaça que
havia se formado ao redor de seu corpo e acertou novamente Mornkion, dessa vez com
um poderoso chute.
O terceiro golpe fez com que o monstro novamente fosse arremessado contra a
parede e, em seguida, ir mais uma vez ao chão.
A nova tentativa de se pôr de pé, portanto, foi muito mais difícil do que a
anterior. A criatura sentia agora como se estivesse com metade de seus ossos quebrados,
além de parte do corpo dormente. Em suma, haviam sido necessários apenas três

279
simples golpes de Yin para que Mornkion se sentisse muito fraco. - Não é possível! -
Sua respiração estava ofegante e já sentia a substância negra e ácida que corria pelas
suas veias correndo pelo seu rosto escaldado, espirrando em uma ferida aberta acima do
seu olho esquerdo. Não consigo ver nem os seus movimentos! – Pensava, ainda tentando
recordar de tudo o que realmente havia ocorrido.
Lembrou, assim, que estava muito confiante e que tinha a certeza de que todos
do grupo eram mais fracos do que ele. E, após ter eliminado aquele poderia lhe oferecer
maior perigo, Hanai, sabia que a batalha estava ganha. Agora, inexplicavelmente, havia
surgido diante dele esse menino, o qual havia passado por uma misteriosa
transformação e, neste instante, possuía poderes que iam além de tudo o que havia visto
em sua existência. Aquilo tudo lhe era completamente impossível. De qualquer forma,
resolveu então limpar seus pensamentos e tirar o peso desnecessário da angústia sobre
si. Assim, enfim colocou-se de pé e então pôde analisar com mais calma o que estava
ocorrendo. Olhou para Yin acima e notou que o menino continuava parado, como se
estivesse esperando seu próximo movimento. Em seguida, fechou os olhos e começou a
recordar os aprendizados os quais lhe foram ensinados pelo velho Furou, o qual havia
lhe salvo da morte e, mais tarde, sido assassinado por ele próprio. Abriu então seus
braços em formato de cruz e fechou seus pulsos com uma força tremenda. Em seguida,
curvou seu pequeno e bizarro corpo.
Um fenômeno semelhante ao que havia ocorrido com Yin pouco tempo atrás
então ocorreu e, incrivelmente, na mesma proporção. Todo o lugar começou então a
tremer novamente como um imenso chocalho negro, fazendo mais e mais pedras se
soltarem dos tetos e das paredes. As pedras que se dirigiam a Mornkion, por sua vez,
eram agora freadas por um estranho campo de força invisível em torno de seu corpo.
Yin, por sua vez, observava tudo imóvel, com a mesma expressão séria e indiferente de
outrora, ao mesmo tempo em que Mornkion enrijecia ainda mais todos os seus
músculos, que pareceram inexplicavelmente ganhar mais massa. Em seguida, o monstro
começou então a grunhir de uma forma assustadora, semelhante aos Furous quando
extremamente enfurecidos.
Porém, assim como ocorrera com Yin, após alguns segundos, tudo subitamente
parou. O tremor, o grito e a queda das pedras. Mornkion então juntou novamente seus
braços ao lado de seu corpo e abriu lentamente seus olhos, que logo fitaram Yin, mais
concentrados do que nunca. Afinal, estava finalmente pronto para uma nova etapa no
duelo.

280
Capítulo 52 – Tire Nina Daqui. Logo Tudo Estará Acabado

O monstro então cerrou os olhos e partiu com uma velocidade bem maior do que
antes para cima do garoto, que conseguiu desviar do primeiro golpe, mas logo foi
atingido – pela primeira vez após sua transformação – por um soco certeiro de
Mornkion. Em seguida, retribuiu o soco com um outro. Porém, dessa vez, Mornkion
não pareceu sofrer um grande dano. Logo após se recompôs e voltou a trocar golpes
com o menino.
Jess, vendo a incrível reação de Mornkion contra Yin não sabia mais o que
esperar da luta. Havia considerado a transformação de Yin um milagre, mas agora
confirmava sua impressão de que aquela criatura também guardava muitos segredos e
que não seria derrotada facilmente. Sendo assim, só o que restava era torcer por um
trunfo de Yin. Afinal, sabia que a vida de todos em Asíris dependia exclusivamente
daquela batalha, entre aqueles dois seres super poderosos.
A luta se seguiu então equilibrada, agora com ambos os adversários conseguindo
acertar bons golpes. Contudo, Mornkion aparentava levar certa vantagem, conseguindo
um boa seqüência de golpes. Logo em seguida, portanto, abriu um sorriso. Afinal,
esperava somente uma oportunidade para dar um fim em tudo aquilo. Assim que
conseguiu, portanto, defender um outro golpe de Yin, decidiu dar-lhe então o golpe
final. Assim como fizera com Hanai, transformou um de seus braços em uma lâmina e
tentou acertar o menino na altura do peito. Contudo, dessa vez, Yin juntou a palma de
suas mãos e segurou a lâmina. Mornkion então, em resposta, transformou seu outro
braço e tentou acertar-lhe um outro golpe, dessa vez na diagonal. O menino então largou
as mãos que seguravam a primeira das lâminas e voou para trás, desviando do ataque. A
ponta da nova lâmina passou então há pouquíssimos centímetros de seu rosto.
Em seguida, Mornkion não deu trégua e partiu pra cima de Yin com tudo,
disposto a dar-lhe um fim o quanto antes. Atacava-o freneticamente, enquanto o menino
desviava agora com certa dificuldade dos golpes cortantes, que passavam cada vez mais
perto de seu rosto e zumbiam no seu ouvido. Assim que resolveu recuar um pouco mais,
Mornkion se antecipou e acertou um chute com as duas pernas na altura de seu peito,
fazendo-o cambalear um pouco no ar e perder a concentração. Aproveitando o bom
momento na luta, o monstro então avançou novamente, agora com ambas as lâminas
apontadas para o peito de Yin.
Porém, o menino conseguiu novamente segurar as lâminas, dessa vez, uma com
cada mão. Mornkion então começou a fazer um grande esforço para empurrá-las ainda
mais para a frente e encravá-las de vez no corpo de Yin que, a essa altura, as apertava já
com muita força, impedindo que fosse atingido. Alguns segundos depois, porém,
começou também a tremer todo o seu corpo, devido ao grande esforço que estava
fazendo. Assim, em um determinado instante, o brilho azulado do corpo de Yin ficou
ainda mais intenso e o menino começou a apertar as lâminas ainda com mais força, a
medida que seu corpo todo tremia agora alucinantemente e seus olhos já estavam
arregalados. Subitamente então, logo em seguida, após soltar mais um grito de fúria,
uma das lâminas não resistiu a pressão e se quebrou com seu extraordinário poder,
espatifando-se em mil pedaços. Agora livre, Yin então esticou seu corpo, fazendo com
que uma quantidade de ar se deslocasse ao seu redor e arremessasse Mornkion para
alguns metros atrás.
Assim que parou de rodopiar no ar, o monstro olhou então para seu braço
esquerdo, aquele que havia sido ferido por Yin. O membro, que havia acabado de
retornar a forma original, assim como o outro, estava com parte decepada, a qual
correspondia a toda sua mão e seu ante-braço. Mornkion então ficou observando a

281
substância negra esguichar de seu corpo, agora sem parar, e logo uma terrível dor
voltou, bem como um súbito desespero. Furioso, partiu então novamente como uma
avalanche para cima de Yin e abraçou-o na altura da cintura. Em seguida, segurou-o
firme e começou a levá-lo para cima. O menino sacudia-se todo para se livrar, mas a
criatura estava obstinada a seguir seu plano desesperado adiante. Os dois então
romperam o teto do palácio para, em seguida, atravessar violentamente a rocha sólida
do topo da montanha que o guardava, de dentro para fora.
Neste instante, portanto, a neve e o vento gelado voltaram a bater no rosto de
ambos. Sem hesitar, Mornkion continuava a subir mais e mais, ao passo que Yin já
tentava-lhe acertar-lhe algumas cabeçadas. Em vão. Chegaram então finalmente ao
terrível nevoeiro, há muitos e muitos metros mais acima. Mornkion então parou.
- Você acha que é forte? Acha que pode me derrotar? Acha que pode derrotar
todos nós? – Desabafou ameaçadoramente o monstro, enquanto as partes de almas
Furous giravam agora em torno de Yin, parecendo-lhe drenar suas forças e corroer sua
pele. Assim, sem demora, dentro daquele inferno vertiginoso os olhos do menino
começaram a se revirar novamente e toda a sua grande quantidade de Aura se esvair de
imediato.
Contudo, em mais um ato heróico, o menino conseguiu se libertar do abraço
maldito de Mornkion e, logo em seguida, deslocar tanto ar que fez com que o nevoeiro
em torno de si desaparecesse totalmente. Em seguida, deferiu mais um golpe no
monstro a sua frente, que fez com que seu pescoço fosse deslocado para o lado e seu
corpo se curvasse para baixo. Aproveitando agora a fragilidade de seu adversário,
juntou então as mãos e acertou-o em cheio suas costas, fazendo-o despencar
velozmente. Logo em seguida, a criatura tentou então, com muita dificuldade,
estabilizar-se no ar. Assim que conseguiu, porém, virou-se para cima e viu somente Yin
surgir como um raio e acertar-lhe mais um chute violento, o golpe mais poderoso da
luta até então, o qual o fez despencar ainda mais.
Mornkion então caiu em uma velocidade absurda, passando desenfreadamente
pela fenda recém aberta no topo da montanha e, em seguida, pela fenda feita no teto do
palácio, até chocar-se violentamente contra o solo de sua morada. Tal impacto, por sua
vez, fez com que um buraco fosse aberto no chão e a criatura só fosse parar muitos
metros abaixo dele. Só então Yin começou sua descida rumo a arena de batalha original.
Sem forças para se levantar, Mornkion olhou então para os lados e logo
reconheceu a galeria onde estava, por mais escuro que tivesse. Aqueles tronos
empoeirados, aquelas ornamentações medonhas e retorcidas, muito mais bizarras do que
seu palácio vazio e rochoso, as dezenas de esqueletos espalhados pelo local só poderiam
indicar um lugar. Um lugar que ele mesmo havia feito questão de soterrar, construindo
sua própria morada bem em cima. O mesmo local que, no passado, era o centro de
comando Furou, onde os maiores e mais poderosos Marakis se reuniam e decidiam o
futuro de sua brutal sociedade.
Eu acabei com todos eles! Todos sucumbiram aos meu pés! Eu não posso ser
derrotado! – Pensava agora.
Contudo, sem forças, imaginou por um instante que aquele poderia ser na
verdade, assim como para suas vítimas, seu túmulo. Resolveu então não desistir da
batalha e tentou se levantar. Porém, olhou para cima e só o que viu foi um ponto de luz
muito acima, iluminando todo aquele fantasmagórico local.
Não conseguia ver, portanto, que seu mais poderoso adversário já pairava sobre
a entrada no teto do seu palácio. Tampouco podia saber que Yin estava agora se
concentrando mais do que nunca na batalha, de olhos fechados.

282
Só temos cinco dias. Ou você aprende, ou está acabado. Entendeu? – Yin
lembrava agora das palavras de Hanai durante o treinamento em Marahana.
Incrivelmente, em seguida, lembrou de cada gesto, de cada detalhe, de cada palavra
daquela ocasião. É verdade que teve que fazer um certo esforço para esquecer a figura
de seu mestre, a qual passava na sua mente naquele momento, e concentrar-se somente
na luta contra Mornkion. A posição do corpo e das mãos, a respiração. E tudo tendo que
ser repetido várias e exaustivas vezes. Assim, chegou no último dia do treinamento e
recordou de seu triunfo máximo, assim como toda a alegria que sentiu ao alcançá-lo.
Assim, poucos segundos depois de fechar seus olhos, os abriu novamente e sentiu-se
convicto de que poderia sim realizar novamente, a técnica mais poderosa que havia
aprendido até então. A Shinya-Hashiki.
Curvou então seu corpo, jogou uma das pernas para trás e juntou as mãos, com
suas palmas viradas para frente e seus dedos levemente dobrados. Em seguida,
flexionou os joelhos, concentrou-se e começou a juntar a maior quantidade de Aura que
podia. Logo em seguida, lampejos de energia azulada começaram a sair de suas mãos e
contorná-las. Os lampejos logo começaram se intensificar e, sem demora, uma grande
esfera começou a tomar forma.
Mais abaixo, Jess tirou então os olhos do buraco no chão, pelo qual Mornkion
havia aberto em sua queda e olhou para cima, para Yin. Reparou que o ponto de luz
azulado aumentava mais e mais. Uma felicidade então tomo conta do soldado, que abriu
um grande sorriso depois de tanto tempo. Afinal, imaginou que a luta podia estar,
enfim, se encaminhando para um final feliz.
Há alguns metros abaixo, neste instante, Mornkion conseguiu finalmente
colocar-se de pé e olhar para cima com mais clareza. Dessa forma, pôde ver enfim a
Shinya-Hashiki de Yin tomando forma, agora já bastante grande.
Devido a preparação da técnica, todo o local começou a tremer mais uma vez e
os olhos brancos de Yin pareciam que agora iriam saltar de suas órbitas. A esfera
azulada, por sua vez, estava agora do tamanho de corpo do menino, o qual tremia e
suava mais do que nunca. Assim que Yin concluiu que não podia agüentar mais o poder,
correndo o risco de sua Shinya-Hashiki explodir antes mesmo de ser lançada, o mesmo
a disparou em direção ao buraco no chão do palácio, em direção ao seu terrível
adversário.
Lá embaixo, com poucas forças para reagir, o responsável por toda a recente
destruição que assolava Asíris somente viu o brilho azulado se aproximando depressa e
imaginou que seria atingido por um meteoro. Sendo assim, nem sequer se defendeu.
A gigantesca explosão fez com que a galeria onde Mornkion estava fosse
completamente destruída e uma imensa cratera fosse aberta no solo de seu palácio.
Assim, parte dele foi imediatamente engolida para baixo, enquanto muitos pedaços de
rochas voaram em todas as direções, obrigando Jess a se proteger novamente. Assim
que se virou, contudo, já pôde ver Yin aproximando-se dele.
- Garoto! Você foi fant...
- Vocês dois, precisam ir.
- Nós? Mas...
Antes que Jess pudesse falar algo mais, Yin já havia lhe pego, junto com Nina e
começado a se dirigir a fenda da montanha, pela qual o grupo passou pela primeira vez.
Sobrevoou então o mar de lava e deixou ambos em segurança, do outro lado. Jess então
ajoelhou-se e colocou Nina cuidadosamente bem a sua frente.
- Vão. Eu preciso ir agora.
- Como? Mas esta luta? Não terminou?

283
Assim que Jess terminou suas palavras, um novo tremor se iniciou, vindo da
direção do palácio negro de Mornkion, o que lhe fez ficar estarrecido.
- Mas não é possível! Esse maldito é imortal? – Desabafou, tirando os olhos da
construção ao longe e virando-os para Yin, novamente.
- Saiam daqui, agora.
- Mas...
- Agora! – Berrou Yin.
Neste instante, Jess notou também que o brilho azulado em torno do menino
estava mais intenso do que nunca. O soldado então concluiu, enfim, que Yin estava
agora disposto a tudo para vencer esta luta, a vingar a morte de seu mestre e salvar a
todos. Estava também agora com mais Aura concentrada do que em toda sua vida, como
que se preparando para o último ato daquele duelo mortal. Jess imaginou então que Yin,
assim como seu mestre, poderia agora dar a própria vida por tudo aquilo que estava em
jogo. Assim, finalmente balançou a cabeça e colocou Nina nos ombros. Em seguida,
virou-se e atravessou a passagem na montanha, indo parar novamente do lado de fora,
logo tendo como paisagem novamente, depois de um longo tempo, o restante das
montanhas da cordilheira de Tyron. Você consegue menino!

284
Capítulo 53 – O Limite da Aura: O Encontro de Dois Superpoderes

Logo que viu os dois atravessarem a fenda, Yin voou de volta para o palácio,
que agora se resumia a um punhado de escombros, com a intenção de acabar com
aquela luta de uma vez por todas. Pairou então na alto de suas ruínas e olhou para a
cratera escura que havia se formado no solo, após lançar sua Shinya-Hashiki. O tremor
aumentava mais e mais quando, subitamente, emergiu de dentro do buraco, uma
sombra, cercada de imensos blocos de rochas por todos os lados, os quais giravam sem
parar em torno dela. A sombra então subiu ainda mais e logo Yin pôde ver também os
lampejos verdes que saíam de sua direção.
Mornkion estava agora novamente com os braços estendidos em forma de cruz,
como que em um estado de puro transe. Yin pôde sentir que sua Aura malígna estava
agora ao extremo, como uma bomba prestes a explodir e recheada de todos os
sentimentos vis existentes no mundo. A criatura subia lentamente, agora também com
uma esfera esverdeada lhe cercando. Contudo, Yin pôde reparar nas várias partes já
dilaceradas de seu corpo. Sua concentração, porém, foi então interrompida quando o ser
falou, agora em uma voz bem mais bruta do que antes:
- Você não pode me derrotar! Eu matei a todos!
Yin se preparou então para o pior.
- Eu sou invencível! O mais poderoso! Você não pode me humilhar assim! Você
é um Banshee, é um verme! Você vai morrer! – Falou furioso o monstro, ao mesmo
tempo em que terminava seu vôo e aterrissava no solo do palácio, próximo a beira da
cratera.
- Seu miserável! Eu vou te matar! – Mornkion então esticou seu braço e apontou
o dedo indicador em direção a Yin. Em seguida, abriu o restante dos dedos de sua mão
não dilacerada - ao passo que de seu outro braço, este decepado, continuava escapando a
substância negra. Sem hesitar, começou então a emanar uma quantidade de Aura
esverdeada inacreditável, tencionando agora seu corpo mais do que nunca, o que logo
fez surgir uma grande esfera na palma de sua mão. Yin então respirou fundo.
A esfera aumentou então mais e mais e, quando estava quase duas vezes maior
do que Mornkion, o mesmo disparou com todas as suas forças em direção a Yin. Agora
sem tempo hábil para desviar, o menino então rapidamente juntou as suas mãos e lançou
uma Kentake, formando imediatamente uma barreira invisível entre ele e a técnica de
seu adversário. Logo em seguida, quando as duas técnicas se chocaram, praticamente no
meio do caminho entre os dois oponentes, uma quantidade violenta de ar foi deslocada,
fazendo com que o restante das grossas e enormes paredes do Palácio fosse
definitivamente pelos ares. Jess, já muito longe, também sentiu toda a terra sob seus pés
tremer e então parou. Em seguida, olhou de volta para a montanha e pensou tê-la vista
toda balançar. Pelos Deuses! São dois monstros! – Pensou. Contudo, notou também
que, devido aos tremores, parte da neve em seu topo começava a desmoronar,
provocando uma grande e perigosa avalanche. Neste instante, resolveu então correr com
Nina nos ombros e esconder-se no rochedo mais próximo a ele, o qual formava um
pequeno vão com o chão, o qual poderia lhe servir de abrigo.
Dentro da montanha, se iniciou então uma verdadeira disputa entre dois imensos
poderes, que continuavam a colidir um contra o outro frontalmente. Tanto Mornkion
quanto Yin resgatavam agora seus últimos resquícios de Aura no que, provavelmente,
seria a última investida de ambos.
O cenário da batalha, por sua vez, começou então a mudar drasticamente.
Aquela altura, não havia mais nenhum sinal sequer do palácio de Mornkion ao redor e
logo o imenso pilar que sempre o havia sustentado também começava a se desfazer, em

285
um efeito semelhante a areia sendo levada pelo vento. Ao mesmo tempo, começou a
emergir de muitos metros abaixo, grandes ondas do mar de lava, que agora estava mais
agitado do que nunca em sua existência. Ondas essas que cobriam os dois colossais
oponentes, mas não os atingiam devido ao forte campo de Aura que os circundava.
Naquele instante, gigantescos pedaços de rocha também começavam a se desprender do
interior montanha, a qual também parecia estar toda condenada, e logo passavam a girar
em círculos ao redor dois. O tremor, por fim, era algo inacreditável, superando a força
de qualquer terremoto já registrado naquela região. Sem dúvida, o cenário perfeito para
o maior duelo que Asíris já havia visto.
O combate entre os dois poderes então continuou por mais algum tempo, com
Yin agora levando uma leve vantagem. Afinal, estava conseguindo conter o poder do
monstro infernal bem perto dele, através de sua barreira estupidamente forte. Contudo,
logo ele e Mornkion sentiram suas forças esgotarem depressa, já que investiam tudo o
que podiam. Sendo assim, o vencedor desta batalha provavelmente seria não o mais
forte, mas o mais resistente, aquele que conseguisse deter mais bravamente o poder de
seu inimigo. Neste instante, a Aura pareceu chegar então ao seu limite, naquele
confronto monstruoso.
Neste instante, porém, um outro sentimento além de obstinação e fúria começou
a tomar forma dentro do coração de Yin. Algo incrivelmente brando se comparado a
situação na qual aquele menino de olhos cor de mel se encontrava agora, algo sereno e
até delicado. Sentiu, em meio ao suor que escorria do seu corpo, a todas as dores que
sentia e até as lágrimas que já começavam a cair, uma sensação de nostalgia, de
saudade. Então um novo tempo, com outras cores e sensações começou a tomar forma
dentro do espírito e da mente daquele jovem, porém bravo guerreiro. Tal pensamento
acabou por aliviar então, o peso da responsabilidade de ser a última esperança para toda
Asíris. Assim, o tempo parou. Por alguns poucos segundos, parou.
Yin então lembrou do orfanato, de todas as brincadeiras e risadas que um dia já
dera com seus amigos, de Lwan, enfim, de tudo o que vivera naquele lugar que era a seu
verdadeiro lar. Já não sabia mais a quanto tempo estava longe de casa e sentiu uma
súbita vontade de voltar, assim, sem mais nem menos. Avançou um pouco no tempo e
lembrou do último torneio que participara e de Inhi para, em seguida, lembrar da recente
aventura na qual havia entrado de cabeça.
Lembrou de tudo o que havia passado nesta dificílima jornada – a floresta de
Noah, Shandara, a batalha nos céus de Marahana -, de tudo o que havia aprendido com
ela e, principalmente, de todas as pessoas as quais havia conhecido, o senhor Irwind,
Jess, a enfermeira Aljolie e todo o grupo que havia partido rumo ao desconhecido
território Furou, já no final de toda essa história. As imagens que vieram no seu
pensamento pareceu-lhe poupar, porém, de todas crueldades que seus olhos inocentes
viram desde o início da derradeira batalha entre Banshees e Furous, ao norte de Asíris.
Além dessas imagens, havia incrivelmente outras, pelas quais nunca havia passado, mas
que lá estavam presentes todos aqueles que ele havia conhecido e se tornado
importantes para ele um dia. Milhões de sonhos ainda a serem realizados. Lembrou da
noite que havia passado com Sara em Wamboo e ainda podia sentir o calor da fogueira
bem a frente deles, bem como o calor das risadas de Sara naquela ocasião. Um oásis de
tranqüilidade em meio a uma terrível batalha que poderia custar a vida de todos. Yin,
naquele momento, porém, não dava a mínima. Sim, havia lembrado de Sara e tais
pensamentos ocuparam bastante sua cabeça. O menino então avançou ainda mais suas
recordações. Milhões de pessoas a serem salvas. Por fim, lembrou de Hanai e suas
palavras. Sim, você pode, todos dependem de você agora. Você é a última esperanças de
todos. Sim, sabia que havia, no final das contas, muita coisa a ser perdida e que não

286
podia deixar que algo terrível acontecesse. Milhões de pensamentos e sensações se
sucediam agora, não em uma linha reta na alma de Yin, mas como um emaranhado de
lembranças boas, que o parecia abraçar confortavelmente. Eu sempre te amei. Era o
suficiente.
Assim, aos poucos, o barulho ensurdecedor do tremor que o cercava começou a
retornar aos seus ouvidos, junto com a ardência que tomava conta de seus olhos ainda
inteiramente alvos, a sensação de calor que sentia pelos jatos de lava passando bem
rente ao seu corpo, a dor estúpida em seus músculos e, por fim, a visão terrível de
Mornkion, o responsável por todo o sofrimento que havia se desencadeado em Asíris e
em Yin, a sua frente.
Agora, portanto, já certo de seu destino, arriscou sua última aposta, sua
derradeira ação para vencer a luta. Neste instante, esticou ainda mais os seus braços
fadigados, fazendo com que a barreira invisível que havia criado com sua Kentake
estacionasse ainda mais perto do rosto de Mornkion. Com esse ato, o monstro
imediatamente arregalou os olhos, como prevendo também o seu fim. Em seguida,
quando sua técnica conseguiu finalmente encurralar a gigantesca energia liberada por
Mornkion até onde podia, o menino então fechou os punhos. Tal gesto desencadeou
uma espécie de implosão da técnica do monstro que, no final das contas, acabou por ser
derrotado pelo seu próprio e imenso poder.
Jess ainda permanecia escondido no vão do rochedo que lhe servia de abrigo,
ainda se protegendo das seguidas avalanches vindas da montanha, quando viu,
incrédulo, parte da mesma ir pelos ares. Em seguida, logo pôde notar vários blocos de
rocha imensos voando agora perigosamente em sua direção e obrigando-o a se espremer
ainda mais para dentro do buraco. Dando uma rápida olhada novamente para fora,
também pôde ver um perigoso rio de lava, que começava a escorrer através de uma
abertura recente na base do que havia sobrado da montanha. O rio vermelho, contudo,
traçou seu caminho há uma distância segura dele e de Nina.
Neste instante, Irwind ainda olhava para o radar que somente lhe confirmava o
óbvio quando notou, subitamente, outros pontos, dessa vez vermelhos e pretos
desaparecerem rapidamente. Reparou então no deslocamento das unidades terrestres e
aéreas sob seu comando e não entendeu. O que é isso? – Pensou, logo saindo de seu
total estado de desolação.
Neste mesmo instante, o incansável Markeen veio lhe dar as mais novas notícias,
as melhores depois de muito.
- Senhor, senhor! Você não vai acreditar! Algo aconteceu com os Furous!
- O que? – Perguntou Irwind, virando-se de imediato.
- Venha comigo senhor! Venha comigo! Venha ver com seus próprios olhos!
Irwind, acompanhado de Markeen, deixou finalmente então rapidamente as
instalações subterrâneas da base de Marahana e voltou a superfície. Em seguida, assim
que saiu do galpão de entrada para as instalações onde estava, olhou imediatamente para
o céu e ficou absolutamente estupefato.
As centenas de aeronaves Furous, as quais continuavam cortando o azul no alto
até onde os olhos pudessem ver, pareciam agora completamente desorientadas e eram
facilmente derrubadas pelas unidades Banshees. Algumas, porém, despencavam sem
serem sequer atingidas. As duas novas fortalezas voadoras Furous, as quais já podiam
ser avistadas acima dos prédios de Marahana, por sua vez, haviam misteriosamente
cessado os disparos da maioria de seus poderosos canhões. Neste instante, Irwind
também reparou que os barulhos dos ataques que as unidades terrestres inimigas
lançavam sem parar contra a cidade desde o início da nova ofensiva, eliminando os

287
últimos focos de resistência na superfície, estavam também, naquele momento bem
menores.
O general então ficou mais alguns segundos olhando para aquela inesperada e
inacreditável cena no céu e então falou:
- Vamos!
Imediatamente voltou então correndo para a sala de comando no subsolo da base
de Marahana. Em seguida, tomou um microfone e iniciou uma transmissão com Nissu,
em Wamboo.
- Comandante, aviso que...
Contudo, antes que pudesse terminar seu aviso sobre a súbita queda de poder de
fogo das unidades Furous, Nissu se antecipou do outro lado.
Não precisa me dizer nada general, está ocorrendo aqui também! – Falou com
um tom de voz incrivelmente animador. Não sei o que está acontecendo, mas é
maravilhoso! – Revelou Nissu, que embora estivesse lidando com uma quantidade
menor de inimigos nos céus e ao redor de sua cidade, se comparado ao contingente que
havia atacado Marahana, estava diante também da terceira e última nova base aérea
Furou, a qual já havia massacrado boa parte de suas tropas. É maravilhoso! – Repetiu.
Irwind então não respondeu. Somente ficou olhando para o nada, apoiado no
painel onde estava localizado o microfone.
- É um milagre general! É um milagre! – Foi então a vez de Markeen falar.
Yin, você conseguiu. Eu sabia! – Pensou então o general, abrindo um tímido
sorriso e agora finalmente aliviado.
Jess continuava observando o rio de lava e a neve, a qual continuava a descer
sem parar das partes mais altas da montanha, quando viu algo por dentro dela que o
chamou a atenção. Sendo arrastada violentamente junto com a enorme avalanche, havia
uma pequena silhueta acinzentada. Em seguida, há poucos metros do soldado, contudo,
o misterioso contorno se chocou então contra uma rocha de tamanho semelhante na qual
ele estava protegido, fazendo parar sua trajetória montanha abaixo. Será?Não pode ser!
– Pensou, imediatamente cerrando os olhos e sentindo uma enorme felicidade começar a
tomar conta de sua alma. Resolveu então deixar Nina temporariamente para trás e
começar a se segurar em algumas pedras - para não ser arrastado pela correnteza de
neve - em direção ao que seria, muito provavelmente, o corpo de Yin. Com muito
esforço, conseguiu se aproximar enfim do rochedo.
- Menino! Menino! Você conseguiu, você um herói! Obrigado! – Falou
emocionado, já com algumas lágrimas em seu rosto, o mesmo rosto que agora era
cortado mortalmente, assim como o de Yin, pelo frio do lugar, já que ambos estavam
agora sem suas máscaras de proteção. Jess, contudo, mesmo com todas as dificuldades,
logo que segurou cuidadosamente o corpo do menino - que estava desmaiado - notou
que sua aparência havia retornado finalmente ao seu estado natural. Ou seja, seus olhos
estavam novamente cor-de-mel e o brilho azulado que antes o contornava havia
desaparecido por completo.
Também com a certeza de que Yin estava milagrosamente vivo, apesar de
consumido completamente pelo cansaço, Jess então o levou de volta ao buraco aonde
havia deixado Nina. Em seguida, usou então em suas muitas feridas os mesmos
medicamentos que havia utilizado na soldado, além de estender um tecido no chão do
buraco para protegê-lo do frio da neve. Sem demora, começou também a retirar as
últimas provisões de dentro dos bolsos de seu traje, já que sua mochila havia se perdido.
Pouco tempo depois, passado a euforia pelo reencontro de Yin e a certeza da
batalha vencida contra Mornkion, Jess sabia agora que teria que ter bastante paciência e
principalmente sorte até que algum resgate pudesse localizá-los. Contudo, antes que

288
pudesse ficar ainda mais preocupado, minutos depois pôde ver o volume de neve do
lado de fora se intensificando e logo fazendo com que a entrada para o pequeno buraco
onde estava junto de Yin e Nina começasse a ser bloqueada totalmente devido a
avalanche que se intensificava do lado de fora. O soldado então imaginou que aquele
seria, dessa vez, seu túmulo e daqueles dois sobreviventes ao seu lado, embora ainda
estivesse muito feliz por ter completado finalmente a missão mais difícil de sua vida,
após tantos desafios mortais.
Assim, após uma semana de confinamento, tendo como respirador apenas uma
pequena entrada na qual passava o ar externo, Jess ouviu enfim o barulho de motor de
uma aeronave. O primeiro pensamento que veio em sua cabeça, contudo, foi de que se
tratava de alguma unidade inimiga sobrevoando a região. Caso estivesse certo, sabia
que, dessa vez, não havia nada a ser feito. Porém, quando viu o metal de várias pás bem
a sua frente e, em seguida, o rosto daqueles que estavam removendo bravamente a neve
que bloqueava a entrada do casulo onde havia ficado tanto tempo, junto com Yin e
Nina, respirou mais aliviado como nunca em sua vida. E, em seguida, ainda que em
meio a nevasca que se sucedia naquela região ainda inóspita para qualquer ser, viu ao
longe, na entrada de carga da aeronave que pairava mais perto dele, um rosto familiar,
abrindo um grande sorriso. Era Irwind, que logo em seguida ordenou para que os
soldados se apressassem, retirassem todos do buraco e os levassem em segurança para
dentro da nave. Era como o fim de um longo pesadelo e o início da esperada volta para
casa.

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Capítulo 54 – O Reencontro

Dias depois, Jess agora olhava para o horizonte, para a bela cidade de Mahani e
sentiu-se subitamente feliz por vê-la novamente daquele jeito, com suas ruas brancas,
prédios e casas completamente intactas. E então, mais nada podia fazer a não ser
agradecer novamente a Yin, uma das pessoas mais corajosas e bravas que ele havia
conhecido até então. Contudo, neste instante, sentiu alguém aproximar por suas costas
e, em seguida, parar ao seu lado. Assim que olhou de rabo de olho, pôde notar um longo
cabelo, preto e encaracolado. Em seguida, virou-se novamente para a paisagem, já
abrindo um leve sorriso.
- Como você está? – Perguntou Aljolie, também com um leve sorriso e olhando
para ele.
Jess olhou para o seu braço imobilizado, para as diversas ataduras naquele seu
membro, bem como nas pernas e cabeça, que ainda doíam bastante. Enfim respondeu,
ironicamente:
- É, estou bem. Aquilo tudo em domínio Furou não foi nada.
- Que bom, para quem passou uma semana praticamente sem comida nem água,
além de suportar um frio mortal, até que sua recuperação foi rápida.
- E Nina?
- Bom, ela está se recuperando. Já está consciente, mas ainda está sendo sedada e
sob cuidados médicos. Mas está dando sinais de melhora. Contudo, ela não poderá se
livrar da cicatriz em seu abdômen. E ainda terá que enfrentar muita pressão, agora que
finalmente souberam de sua verdadeira identidade e de tudo o que aconteceu com ela no
passado. Já marcaram até seu julgamento para daqui a uma semana. Nós tentamos adia-
lo o máximo, devido ao estado de saúde dela, mas não conseguimos.
- O que você acha que acontecerá?
- Acho que mesmo ainda não estando cem por cento, encarará tudo bem. Ela é
uma mulher muito forte.
- Isso é verdade.
- De qualquer forma, foi um verdadeiro milagre ela ter sobrevivido. Parece que
você cuidou muito bem dela. – Aljolie então tirou os olhos de Jess e foi sua vez de olhar
para o horizonte, sorrindo.
- Sei. E tenho certeza de que você nesse tempo não recebeu cuidados algum. –
Jess olhava agora para os cabelos da enfermeira, que sacudiam com o vento.
Aljolie continuava sorrindo:
- Você é um bobo. Quando fiquei sabendo que o general Irwind iria organizar
uma expedição para tentar encontrar vocês, torci muito para que fosse bem sucedido. Já
lhe falei isto certo?
Jess continuava com a expressão radiante, observando a enfermeira.
- Mas mesmo sabendo que o general estaria pessoalmente nesta expedição senti
um medo grande. Um medo... – Aljolie então amarrou um pouco a cara. – Achei que
você... – A enfermeira agora hesitava em suas palavras. Jess então aproximou-se e
começou a alisar os cabelos daquela bonita mulher. Em seguida, deu-lhe um suave beijo
na testa, e, em seguida, na boca. – Achei que você estivesse morto, não sei. –
Completou a moça, agora com o sorriso de volta ao seu rosto.
Jess continuou então alisando os cabelos de Aljolie e agora a abraçava. Alguns
segundos depois, comentou:
- Bom, não foi só da soldado que eu cuidei, você sabe. Como está Yin?
- Também está se recuperando bem, mas ele ainda está inconsciente. Foi
impressionante o estado em que ele se encontrava quando chegou aqui, na enfermaria

290
do Palácio Real. Sua fraqueza era impressionante, estava completamente debilitado,
com várias cortes profundos no corpo e diversos ossos quebrados, o que lhe renderá
algumas cicatrizes. Mas, felizmente, nenhuma seqüela séria. Por tudo o que ele resistiu,
esse garoto parece ser feito de aço. É impressionante.
- Isso também é verdade. – Respondeu Jess, lembrando de cada detalhe daquela
luta impressionante, um tanto quanto orgulhoso por ter sido o único a tê-la presenciado
de perto.
Olhou então de volta para a Aljolie e deu-lhe outro beijo. Nesse instante, juntou-
se aos dois, o conhecido homem de farda verde, botas grandes e dono de uma espada
ainda maior, Irwind.
- Bom, parece que você está muito bem soldado! – Disse alto, enquanto se
aproximava do casal.
- Estou sim senhor. – Respondeu Jess, meio sem graça.
- Não me admira que a enfermeira Aljolie tenha se oferecido de imediato para
cuidar pessoalmente de vocês três aqui em Mahani, logo que soube de seu resgate.
Afinal, ela tinha bons motivos!
Jess então ficou ainda mais sem graça.
- Estou de brincadeira! – Disse Irwind, sorrindo. Logo em seguida, amarrou a
cara, olhou nos olhos de Jess e continuou. – Para todos os efeitos soldado, meus
parabéns. Você foi muito corajoso. Foi tanto herói quanto Yin e Nina. Sua promoção a
capitão foi enormemente merecida.
- Eu que devo agradecer senhor. Por falar em Nina, se o senhor puder me
responder, o que será dela?
- Infelizmente, não posso falar sobre isso. A decisão sobre seu destino será
somente semana que vem.
Jess então resolveu mudar de assunto:
- Bom, então me diga. Quer dizer o senhor teve dificuldades para nos achar!
- Ora, nem me fale! – Respondeu Irwind sorrindo novamente, agora se
encaminhando para a sacada daquela que era, na verdade, uma das muitas varanda do
Palácio Real. – Apesar de que, logo que aqueles miseráveis se enfraqueceram de uma
hora para outra nós termos partido em direção ao seu território para aproveitar o
momento de sua fragilidade e começar a ocupação, aquela região, como você sabe, não
é agradável para ninguém. Passamos muitas dificuldades e, com a energia de Yin quase
se esvaindo, também foi difícil para sentir a presença de vocês, no final das contas.
- Entendo. Bom, de qualquer forma, o senhor tinha realmente razão. A energia
daquele ser malígno parecia realmente estar diretamente ligada com a de todos os
guerreiros Furous, de alguma maneira. Por isso, logo assim que Yin o matou, toda a
situação da batalha se alterou.
- Exatamente. E a mudança de força daqueles malditos foi brutal, inacreditável.
Em questões de segundos estavam tão ameaçadores quanto uma criança.
- Compreendo.
- Mas, como você disse, não há mesmo uma explicação racional para este
estranho fenômeno. Sabíamos que a Aura entre dois ou mais seres de Asíris tinha um
grande poder de conexão, mas não neste nível. Há várias perguntas sem resposta ao
final de tudo.
- Entendo. Mas me diga senhor. Como está nossa situação no norte agora?
- Bom, estamos indo bem. Mas, para ser sincero, estamos tendo mais
dificuldades com os desafios naturais daquele território bizarro do que contra os
próprios Furous. De qualquer forma, após a derrota do imenso contingente inimigo que
havia sido deslocado para Kayabashi com a intenção de realizar um ataque final contra

291
nós, as unidades Furous em território próprio ficaram escassas. No momento de nosso
contra-ataque, portanto, os Furous restantes não possuíam mais nada a fazer senão fugir
rumo ao extremo noroeste de Asíris. Mas, nos últimos dias, temos os encurralado mais e
mais e não iremos desistir até limparmos essa terra de vez, com a morte do último
desses malditos.
Alguns segundos de silêncio se passaram até que fosse a vez de Aljolie falar:
- Creio que daqui para frente será um novo tempo para todos nós então senhor.
Irwind olhou então para o horizonte e, em seguida, para os pássaros que voavam
naquele céu espetacular, no qual o sol já começava a se pôr.
- Sim, a partir de agora começará uma nova era para todos os Banshees. Uma era
na qual não precisaremos mais ter que carregar mais o peso de sermos ameaçados o
tempo todos por estas bestas infernais do norte. Afinal, todos em breve estarão extintos.
- Uma era na qual teremos que nos preocupar com nossos próprios problemas
certo? – Falou Jess.
- Sim. Uma era na qual esperaremos nada além de prosperidade. Essa guerra nos
deixou muitas marcas, principalmente ao norte. Muitas cidades foram destruídas, muitas
vidas perdidas. E a vida daqueles que restaram nunca mais será a mesma. Há muita
coisa a ser reconstruída.
- Como Shandara, por exemplo.
- Sim, assim como Shandara, haverá diversos outros lugares que teremos que
recomeçar do zero. Marahana também precisa ser reerguida, assim como Wamboo e
todas as cidades menores ao norte.
- Compreendo.
- O governo já está se movimentando para oferecer todo o suporte possível para
o retorno as famílias as sua cidades natais. E também com a intenção de convocar
pessoas para o repovoamento das cidades completamente devastadas, como Shandara.
- Mas tudo isso ainda demorará muito tempo pra acontecer, creio eu.
- Sim, é verdade. Há muito o que ser feito. E creio que os primeiros resultados só
serão notados daqui a dez anos, no mínimo. Porém, inúmeras marcas desta terrível
batalha ainda demorarão muito mais tempo para desaparecer, disso tenho certeza.
Contudo, agora livre das ameaças dos Furous ao norte, os cidadãos daquela região
poderão levar uma vida muito mais tranqüila e terão toda a calma para reconduzir uma
nova vida, quem sabe ainda melhor do que aquela que viviam antes. Precisamos
somente ser pacientes agora.
Jess então sorriu e então virou-se para Aljolie, que fazia o mesmo. Em seguida,
apareceu uma quarta pessoa na sacada, uma das enfermeiras que cuidavam do
tratamento de Yin.
- Senhor.
Com o chamado, todos os três se viraram.
- Parece que o menino está começando a responder os estímulos. A qualquer
momento pode acordar.
Irwind, Jess e Nina então se dirigiram para o interior do palácio, com a intenção
de presenciar o despertar do novo herói de Asíris.
Yin abriu os olhos e somente viu uma branquidão total. Em seguida, sua visão
começou a se tornar menos turva e logo começou a ver as formas daquele quarto de
hospital. Virou sua cabeça lentamente para o lado e notou alguns equipamentos médicos
apitando bem perto de seu ouvido e, sem seguida, um pequeno canudo que penetrava na
sua pele, mais precisamente nas costas de sua mão esquerda. Então olhou, enfim, para
frente. Sua visão começava a clarear mais e mais quando algo fez surgir uma alegria
fulminante dentro de seu coração.

292
Notou que, bem a sua frente, havia silhuetas de diversas pessoas. E assim que
enxergou tudo mais nítido, percebeu ao meio de diversos médicos, rostos bem
familiares. Pôde então notar a expressão corpulenta, porém serena de Irwind e o brilho
nos olhos verdes de Jess e nos olhos negros de Aljolie. Em seguida, virou seu pescoço
lentamente e reparou enfim, na presença de uma outra pessoa que, a bem pouco tempo,
tinha se tornado bastante especial para ele. Sara o observava, assim como todos, com
um belo sorriso no rosto, ao pés da cama onde o menino estava repousando. Neste
instante, Yin notou então mais uma presença, desta vez bem ao seu lado direito. Teve
que esforçar-se mais um pouco para perceber que, dessa vez, se tratava de Lwan. Ainda
sonolento, porém muitíssimo feliz, ouviu então as primeiras palavras após ficar
desacordado por durante quinze dias.
- Seu...
Yin parecia ouvir tudo muito ao longe ainda.
- Seu...Seu sortudo!
Reconheceu finalmente a voz de seu amigo de longo tempo.
- Seu sortudo! – Repetiu Lwan. Você conseguiu! Você conseguiu! Você é
demais!
Em seguida, sem se importar com a fragilidade da saúde de seu companheiro,
Lwan se debruçou e abraçou-o com força. Yin imediatamente franziu um pouco a testa
em expressão de dor, mas a felicidade que sentia por reencontrar todos superava tudo.
Não estava, porém, sequer com forças para falar qualquer palavra que fosse.
Lwan agora puxava as orelhas de Yin em brincadeira quando foi a vez de Sara se
aproximar ao lado de Yin. Lwan então afastou-se um pouco, permitindo que a menina
se debruçasse e desse um beijo na testa de seu amigo. O menino então sentiu mais uma
sensação maravilhosa, acentuada quando sua amiga começou-lhe a fazer alguns afagos
na cabeça.
- Parabéns, sabia que você iria conseguir. – Falou baixinho, perto de seu ouvido.
Por fim, foi a vez de Irwind se aproximar e também encostar de leve na cabeça
do menino que, notando a aproximação do general, virou seu olhar para ele.
- Escute menino, antes de qualquer coisa, gostaria de falar que só não posso
curá-lo neste momento porque você ainda está com feridas muito sérias, que vão além
de meus poderes.
- É verdade, você está muito mal! Está parecendo uma estátua! Ou uma múmia,
não sei! – Falou Lwan, gargalhando logo em seguida e observando todas as inúmeras
ataduras espalhadas pelo corpo do seu amigo, assim como todos os seus membros
imobilizados.
- No entanto... – Continuou Irwind. - ...eu gostaria muito que fosse capaz.
Porém, só que posso fazer agora é lhe agradecer em nome de todos aqui presentes e em
nome de todo povo de Asíris. Você foi muito corajoso menino. Hanai com certeza
ficaria orgulhoso de você. Você nos salvou.
Neste instante então todos presentes fizeram uma expressão mais séria. Alguns
segundos depois, Yin resolveu então pronunciar suas primeiras palavras.
- Eu...eu sei... – Falou com dificuldade, com uma expressão serena no rosto e
ainda olhando para Irwind. – Eu sei...
O general então sorriu para ele, assim como todos os outros na sala. Em seguida,
continuou:
- Quero que saiba também que, como estava dizendo para Jess e Aljolie, você é
o grande responsável pelo momento completamente diferente pelo qual estamos
vivendo agora. Responsável pelo início desta nova e gloriosa era que agora se inicia
para todos os Banshees.

293
Agora todos na sala prestavam atenção nas palavras de Irwind.
- Contudo, não posso deixar de lhe falar que ocorreram também alguns fatos
nesta jornada os quais ainda não temos uma explicação. A sua transformação, por
exemplo, bem como todo o poder que possuía aquela criatura, que nem sequer era um
dos Furous. Poder esse que podia interferir diretamente em todos os outros Furous e em
todo seu território. – Irwind então parou e coçou o queixo. – Isso só me dá a entender
que, sem dúvida, a Aura ainda possuí muitas propriedades as quais desconhecemos. Por
isso, a partir de agora, passaremos a estudar tais fenômenos ainda mais a fundo. E, ainda
há um outro detalhe. – Recordou Irwind - Jess, se não me engano você me disse que
aquele monstro, apesar de seus enormes poderes, disse possuir a mesma idade que Yin,
certo?
- Sim, senhor. – Respondeu o recém-promovido capitão do Exército Real.
- Enfim, pode ser só uma coincidência. Mas também pode ser mais um mistério
que precisa ser desvendado pela nossa ciência, o porquê de dois seres incrivelmente
super poderosos terem nascido no mesmo período de tempo.
Todos agora refletiam sobre as revelações de Irwind quando o mesmo seguiu em
frente:
- Bom, de qualquer forma garoto, você precisará ficar mais uma semana neste
hospital, segundo meus cálculos, até que eu possa fazer algo por você.
Yin então consentiu, balançando a cabeça de leve.
- Está vendo Yin, não disse? Você é um sortudo mesmo! Vai ficar mais uma
semana sem ter que ir a escola e aturar aquele chato do Inhi. Você não sabe o que eles
nos obrigou a fazer desde que você e o senhor Hanai partiram. – Desabafou Lwan.
- Sim, mas logo que sairá daqui você retornará ao orfanato, continuará com seus
estudos e com todas as atividades de antes certo? – Concluiu Irwind – Porém, terá que
se acostumar com todo o assédio que sofrerá de todo o povo Banshee. Afinal, a essa
altura todos já sabem o que de fato aconteceu nas montanhas de Tyron. Ou seja, do seu
grande triunfo. E sendo assim, já elegeram um novo herói para Asíris.
Yin então ficou um pouco apreensivo.
- He...herói? – Respondeu, sem entender.
- Sim, mas não se preocupe. Você ainda tem uma semana inteira para pensar a
respeito e se acostumar com a idéia. Até lá, você continuará tendo os cuidados de
enfermeira Aljolie e de todos os melhores médicos deste palácio. E ainda terá a
companhia de sua amiga Sara ao seu lado. – A menina então voltou fazer alguns
carinhos na cabeça de Yin.
- E eu também estarei com você aqui sempre Yin, não se preocupe. – Completou
Lwan.
Dessa vez Irwind interferiu:
- Lwan, você saber muito bem que saindo daqui você deve voltar ao orfanato. E
ainda hoje. Afinal, Junke já deve estar lhe aguardando há algum tempo. – Disse Irwind.
- Mas isso não é justo! Porque Yin e Sara podem ficar aqui e eu tenho que
voltar? Yin agora é herói, todos gostam dele, lhe dão atenção, e eu? Eu ainda o ajudei
nisso tudo quando fui com ele para a Base de Dherates...
Nesse momento todos na sala gargalharam de leve.
- Bom, é melhor esquecermos esse incidente certo? - Respondeu Irwind na hora,
com uma piscadela de lado para o menino.
É verdade – Pensou Lwan, abaixando imediatamente a cabeça. Afinal, não
queria mais punições por aquele ocorrido e entendeu que a situação estava boa demais
do jeito que estava.

294
Capítulo 55 – O Julgamento de Nina

Assim, mais sete dias então se passaram. Nina estava agora sentada em uma
cadeira em uma pequena sala de espera, localizada bem ao lado de um dos grandes
salões do Palácio Real de Mahani. Estava agora bem melhor de saúde, com apenas
alguns esparadrapos em sua testa, braços e pernas. Contudo, como havia profetizado
Aljolie, a cicatriz em seu abdômen, causada pelo ataque de Hanai quando este estava
sobre controle de Mornkion, não havia desaparecido, mesmo após todas as cirurgias de
correção de estética pelas quais havia sido submetida. Além disso, ainda sentia algumas
dores na região e em todo o seu corpo. Estava agora, por fim, com os cotovelos
apoiados nos joelhos e cabisbaixa, olhando para o chão, visivelmente preocupada com o
rumo que sua vida poderia ter dentro de alguns poucos instantes.
Neste instante, adentrou a sala um homem alto, forte, de pele morena e cabelos
lisos. Era Kimi, o soldado atingido por Nina no infeliz incidente ocorrido ao norte de
Shandara, há alguns anos atrás. Desde que soube há pouco tempo, através de boatos
corridos por todo o exército, do resgate da missão secreta a qual Nina havia acabado por
participar, Kimi fez questão de descobrir todos os detalhes sobre tal missão e saber qual
hospital Nina estava recebendo cuidados médicos. Sem hesitar, resolveu-lhe então fazer
uma visita ainda enquanto a soldada estava em seu leito. Assim, em um reencontro
emocionado, após tanto tempo, o soldado disse a ela que já a havia perdoado há muito
tempo pelo que havia acontecido, mesmo que aquele incidente o tenha deixado entre a
vida e a morte, naquela ocasião.
Kimi então puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da moça.
- Como você está?
Nina então abriu um sorriso e, com a voz ainda um pouco desanimada,
respondeu:
- Estou bem. Melhor agora. – Então levantou a cabeça e olhou para o soldado. –
E você?
- Estou bem também.
Kimi então ficou olhando para a aquela mulher de olhos azuis por algum tempo,
até falar suas próximas palavras.
- Escute. Como lhe falei, tenho certeza que tudo ficará bem. Já dei meu
depoimento para todos aqueles que irão lhe julgar. E tenho certeza que isso contará
muito no final de tudo, para uma sentença boa para você.
- Obrigada.
- Não foi nada. Aliás, como falei também para você dias atrás, logo depois
daquela tragédia ter ocorrido, já tinha perdoado você por tudo. Sabia que tudo havia
sido sem querer e, por isso, em momento algum guardei mágoas. O problema é que,
assim que pude sair do hospital, já haviam lhe condenado e você já tinha se mandado,
digamos assim. – Kimi então riu. Porém, logo em seguida, se conteve e continuou. - Me
senti muito mal por não ter tido a oportunidade de conversar com você. E fiquei todo
esse tempo esperando tal momento.
Nina passou um momento refletindo sobre as palavras do soldado, antes de
acrescentar um detalhe:
- De qualquer forma, eu acabei deixando uma marca em você não foi? – Nina
falou sorrindo, apontando em direção ao tórax de Kimi.
- É verdade! – Kimi então abriu sua camisa e observou mais uma vez a grande
cicatriz que começava em seu abdômen e terminava do lado direito de seu peito. – Mas,
pelo que sei, você também tem uma agora!
Nina então riu:

295
- É, é verdade...
- Estamos quites então. – Falou Kimi.
- Sim, estamos.
Neste instante, entrou na sala um soldado:
- Sra. Maraya. – Todos a aguardam agora.
Nina então deixou finalmente a pequena sala, com Kimi bem atrás, o qual ainda
lhe desejou boa sorte antes que a soldada adentrasse no imenso auditório repleto de
gente, no qual seria decidido o seu destino. Andou alguns passos e pôde ver bem a
frente do salão, em uma bancada que se localizava acima do nível principal, toda a
corte, composta em sua maioria pelos membros do conselho militar de Asíris. Quando
olhou para trás, contudo, pôde ter uma visão bem mais alentadora. Afinal, logo
percebeu sua mãe se aproximando e, em seguida, abraçando-a. A Sra. Adalia, assim
como Kimi, logo que soube onde Nina estava internada foi correndo vê-la. Aquele havia
sido mais um reencontro emocionante, já que Adalia jamais havia visto sua filha desde
sua fuga, ou seja, há dois anos.
- Tudo ficará bem querida, eu te amo viu? Não se esqueça! – Falou para Nina.
Logo em seguida, voltou ao seu assento de origem na primeira fila daqueles que
presenciavam o julgamento de sua filha.
Nina então olhou para todo aquele público e reconheceu também diversos outros
rostos conhecidos, Yin, Jess, Aljolie. Infelizmente, Irwind, como autoridade máxima do
exército Banshee, estava agora do outro lado, na frente, junto daqueles que iriam dar sua
sentença final. Contudo, reconheceu também mais dois rostos familiares no meio da
multidão, embora jamais estivesse os conhecido pessoalmente. Aquelas duas feições
femininas, mãe e filha, lado a lado. Lembrou da foto que Trent guardava presa em seu
rifle, a qual ela havia visto durante a missão em território Furou e não teve mais
dúvidas. Resolveu então desviar um pouco de sua trajetória inicial para aproximar-se e
falar algumas palavras às duas mulheres. Assim que parou diante das duas, porém,
algum tempo a mais foi necessário para que algo saísse:
- Senhora. Eu sinto muito pelo o que aconteceu com...
- Não diga nada querida. – Interrompeu inesperadamente a mulher, com um
simpático sorriso. – Meu marido encontrou o destino dele. Foi exatamente o que eu
disse para Yin, que veio a nós para agradecer e dizer que havia salvo por ele, pouco
antes de sua morte. Meu marido encontrou seu destino assim como você encontrará o
seu. E um merecido, tenho certeza.
Nina então sorriu, meio sem jeito.
- E nós estamos bem, fique tranqüila. Estamos nos recuperando, não é filha? – E
a mulher olhou então para a menininha ao seu lado, que olhou de volta para a mãe
sorrindo. Neste momento, Nina imaginou que a criança fosse ainda mais bonita do que
na foto que havia visto.
- Agora vá querida. E boa sorte.
- Obrigada. – Nina então sorriu agradecida e virou-se. Em seguida, caminhou-se
para frente do auditório, onde ficaria sentada em uma cadeira própria e um pouco
distante das outras, ao centro do salão, durante horas provavelmente, aguardando a
decisão mais importante de sua vida.
Assim, como já era esperado, foi necessário de fato quase um dia inteiro para
que a defesa de Nina expusesse seus argumentos e a corte chegasse a uma decisão.
Afinal, a noite já caía quando finalmente a ordem final foi dada. Chegada a hora, Irwind
levantou-se então ao centro da bancada a frente do auditório, acompanhado de todos os
outros do conselho militar. Em seguida, falou em voz alta.

296
- Senhores, admito que esta decisão não foi uma das mais difíceis. Por isso, sua
unanimidade foi absoluta, além de incontestável por todos aqueles aqui presentes ao
meu lado.
Agora não só Nina, como sua mãe e todos os outros estavam mais apreensivos
do que nunca.
- Primeiro gostaria de lhes falar que, devido as circunstâncias as quais o
incidente em questão ocorreu originalmente, concluímos que uma reavaliação de todo o
caso fosse necessária. Assim, permitimos há bem pouco tempo atrás que uma nova
investigação fosse realizada, para melhor averiguação dos fatos do caso em questão.
Assim, com os novos argumentos e, principalmente, os novos depoimentos nos
apresentados, decidimos que a primeira sentença feita a ex-capitã Maraya das Forças
Especiais do Exército Banshee, há exatamente dois anos atrás, a qual correspondia a sua
prisão e perda do cargo militar que ocupava, seja cancelada.
A euforia então imediatamente tomou conta de todo o lugar, que logo foi tomado
por gritos e mais gritos de alegria. Adalia não se conteve e deixou seu lugar para abraçar
a filha. A primeira pessoa a qual Nina olhou foi, contudo, Kimi, que estava sentado
solitariamente um pouco mais distante, no fundo do salão. O soldado então fez sinal de
positivo para ela. Irwind então continuou.
- Além disso, pela bravura demonstrada pela capitã Maraya enquanto esteve em
missão dentro de território inimigo há bem pouco tempo, e pelo seu passado limpo e
conduta sempre exemplar, decidimos também que a Sra. Maraya deve ser restabelecida
em suas plenas funções de capitã das Forças Especiais do Exército Banshee, cargo no
qual alcançou com todos os méritos. E isso é tudo.
A felicidade no auditório então aumentou ainda mais e, dessa vez, o barulho de
palmas tomou conta de todo o local. Ainda abraçada com a sua mãe, viu aproximar-se
dela todos os outros para lhe dar os parabéns. Todos aqueles os quais havia conhecido e
com os quais havia se envolvido emocionalmente na aventura a qual participou. Uma
alegria imensa tomou conta então de seu coração e sentiu como um fardo de muito
tempo tivesse, enfim, indo embora para sempre. Porém, lembrou de duas pessoas a mais
naquele momento. Recordou de Leed, assassinado pelos Furous na batalha de Marahana
e, em seguida de Sahad, o qual desejou que estivesse presente naquele momento para
compartilhar toda aquela grande alegria.

297
Capítulo 56 – Um Grande Herói de Asíris

No dia seguinte, o sol brilhava forte e iluminava a arena de luta do orfanato de


Mao-Ter. Há algum tempo, uma multidão de pessoas já havia se formado em torno dela,
espalhada pelo gramado bem próxima a sua arquibancada, sendo a maioria alunos,
instrutores, professores e todos aqueles que viviam o cotidiano daquele orfanato.
Contudo, havia também alguns soldados e membros do governo, já que o Rei Serph, sua
esposa e seu filho também estavam presentes no local, em caráter altamente
extraordinário. Dentro de alguns instantes, seria iniciada uma cerimônia em homenagem
a Hanai, culminando com a inauguração de uma estátua sua em tamanho natural, que
ficaria localizada bem ao lado da arena.
Também ao lado da arena, estava o palco – o mesmo que havia sido montado
para o Torneio de Artes Marciais há aproximadamente um mês - onde já estavam as
maiores autoridades do governo Banshee. Neste instante, Nina então contornou-o, com
a intenção de trocar algumas palavras com Irwind. Assim que o avistou, conversando
com um soldado bem atrás da estrutura, apressou o passo e se aproximou:
- Senhor.
- Sim capitã? – Respondeu Irwind. Neste instante, o soldado então deixou o
local.
- Gostaria de saber sobre a família de Sahad.
- O que gostaria de saber?
- Não sei. O senhor sabe como eles reagiram a sua morte?
- Bom, segundo o que me foi falado é que sua família, principalmente sua mãe e
seus irmãos reagiram muito mal. Ficaram muito abalados e nos atribuíram,
infelizmente, toda a culpa pela sua morte.
- É uma lástima.
- Sem dúvida. De qualquer forma, é uma família bastante necessitada, com
muitos problemas, se é que você entende. E só o que podemos fazer agora é lhes
fornecer a ajuda financeira prevista em nossa lei. Mas me diga, ele representava muito
para você não?
- Sem dúvida senhor. – Nina então olhou para a grama verde um pouco mais ao
longe, relembrando de todos os momentos bons pelos quais ela e Sahad haviam passado
na missão em território Furou, apesar das adversidades e do curto tempo em que tiveram
juntos. Em seguida continuou. – Ele, como posso dizer, foi o que mais me apoiou em
toda aquela missão, foi o que me deu mais forças para continuar lutando.
- Entendo. – Respondeu Irwind, com um leve sorriso.
- Acho que sem ele já teria desistido.
Irwind continuava sorrindo.
- Bom senhor, já estava me esquecendo. Muito obrigada por tudo.
- Não tem que me agradecer. Como falei, você mereceu.
Então foi a vez de Nina sorrir. Irwind então teve uma idéia:
- Escute, porque então não diz isso tudo sobre Sahad a família dele? Faça uma
visita a eles, com certeza gostarão de receber você. Se não me engano, moram em
Meritzen. Acho que suas palavras os confortarão um pouco.
- Sim, senhor. Talvez um dia passe por lá.
Irwind então consentiu com a cabeça.
- Agora, por favor, me dê licença.
Logo em seguida, Irwind então afastou-se um pouco do palco, com a intenção de
não ser notado e olhou para uma bonita moça, de cabelos castanhos lisos, que estava em
pé ao lado de um das pontas da arena, um pouco mais afastada da multidão. A moça

298
olhava para o vazio quando Irwind aproximou-se. O general, contudo, antes de lhe
dirigir alguma palavra, reparou em seu ventre. Em seguida, não se conteve.
- Escute, naquela outra ocasião não tive a oportunidade de lhe perguntar. Este
filho é de Hanai, não?
As palavras de Irwind pegaram Theria de surpresa, que logo se virou, um tanto
quanto assustada.
- É sim, porquê? – Perguntou, ainda sem entender.
- Bom, é que... – Irwind parecia meio confuso na intenção de lhe explicar algo. –
Bom, primeiro acho que você gostaria de saber como sei disso...
Theria então balançou a cabeça de leve, positivamente.
- Bom, quero primeiro que saiba que estou realmente muito emocionado...-
Irwind então parou um pouco e espremeu os lábios. – Estou muito emocionado de saber
que espera o filho de um homem tão distinto quanto Hanai foi. E também estou
emocionado por ter sentido, mesmo ao longe, a mesma energia que tive o prazer de ter
tido ao meu lado durante muitos anos, emanando de dentro de você. Quando vim nesta
escola há alguns dias atrás para comunicar a todos a morte do pai do seu filho, meu
tempo estava corrido e não pude falar a sós com você. Mas agora estou-lhe confessando.
Theria não sabia o que falar no momento.
- Por isso, quero que saiba que você terá todo o meu apoio, e o apoio de todos no
exército e no governo para a criação deste filho.
- Não será necessário general.
Foi a vez de Irwind não saber o que responder.
- Não quero ajuda alguma, obrigado. Nem mesmo financeira. Criarei meu filho
sozinha mesmo e ele crescerá aqui, neste mesmo orfanato. Sim, Hanai tinha muitos
defeitos, mas isso se tornou um de seus sonhos quando soube que seria pai pela primeira
vez. Por isso, pretendo realizá-lo.
- Entendo. Mas...
- Mas mesmo assim obrigado. – Completou Theria.
Irwind então calou-se.
Neste momento, Yin se separava de um grupo de meninos e, logo notando
Theria e Irwind, aproximou-se junto com Lwan, o qual estava saltitante de alegria.
Afinal, o melhor amigo de Yin tinha acabado de realizar um grande sonho, que era
conhecer pessoalmente o rei e sua família, embora não tivesse tido a oportunidade de
trocar uma palavra sequer com o governante máximo de Asíris. Assim que se
aproximaram, porém, Yin fechou um pouco a expressão. Em seguida, tomou então
coragem para fazer certas revelações, as quais já guardava há algum tempo.
- Enfermeira.
Theria então se virou para Yin e Lwan, que agora estavam bem ao lado dela.
- Sim.
- Tenho algo para lhe falar.
- O que?
- É do senhor Hanai.
Theria então não compreendeu.
- Como?
Yin então suspirou antes de começar.
- Meu mestre disse, pouco antes de morrer, algumas palavras a você.
- Palavras?
- Sim, disse que estaria sempre ao seu lado e de seu filho. Foi o que ele disse.

299
Theria havia sido novamente pega de surpresa e tais palavras logo a fizeram
olhar para o lado e deixar cair algumas lágrimas. Com dificuldades, depois de alguns
segundos, finalmente perguntou:
- Só isso que ele falou?
- Sim.
Assim, todos ficaram um tempo mudos, observando Aljolie, até que Irwind
resolvesse cortar finalmente o silêncio.
- Bom enfermeira, se esta é sua decisão, eu compreendo. Agora, infelizmente, eu
preciso ir.
- Que decisão? – Perguntou Lwan.
- O filho de Hanai será criado aqui mesmo, entre vocês.
Lwan então abriu um enorme sorriso e não segurou suas próximas palavras,
sentindo-se ainda mais feliz.
- Que legal! Isso é muito bom! – Exclamou. – Nós vamos ajudar a criar ele.
Vamos brincar com ele e ensiná-lo um monte de coisas, tudo o que a gente aprendeu,
não é Yin? Quero dizer, nem tudo...
Yin então sorriu meio sem graça, assim como Aljolie que, logo em seguida,
virou-se para Lwan ainda com os olhos molhados.
- Assim espero. – Concluiu Irwind. – Cuide muito bem dela então rapazes. Ela
precisará muito de vocês daqui para frente. Estarei sempre presente também para o que
vocês todos precisarem. Agora tenho que ir.
Lwan então abraçou Theria que, por sua vez, abraçou Yin. Irwind então se
encaminhou finalmente para cima do palco montado ao lado da arena, para iniciar seu
discurso.

300
Capítulo 57 - Um Novo Horizonte

O sol parecia queimar, de tão forte, as cabeças de todos presentes na cerimônia


que começava no orfanato de Mao-Ter. Contudo, após a recente ameaça que já havia se
dissipado sobre Asíris, o mesmo se encaixava naquele momento mais como um símbolo
de vitória da luz da vida sobre as trevas, outrora tão ameaçadoras. O brilho da estrela,
contudo, refletia também nos azulejos brancos da arena de luta do orfanato e
incomodava os olhos de Irwind, o qual estava agora no centro do palco armado para a
cerimônia, com um microfone bem a sua frente. Todos já aguardavam pacientemente
suas palavras, inclusive o Rei Serph e sua família.
Neste instante, Jess e Aljolie chegaram também ao gramado ao lado da arena,
acompanhados de Sara. O casal, há bem pouco tempo, depois de uma longa conversa
com a menina, havia decidido adotá-la oficialmente como filha. Assim que Irwind
soube de tal decisão, prometeu também, assim como havia feito toda a ajuda que
precisassem,. Não muito depois, Jess e Aljolie decidiram também colocarem Sara em
uma escola em Mahani, tendo o cuidado para que esta se localizasse bem perto do
orfanato de Mao-Ter, para que a menina jamais perdesse o contato com seus novos
amigos, Yin e Lwan. A nova família, portanto, assim que avistou os meninos juntos a
Theria, ao lado da arena, aproximou-se.
O general, por sua vez, sentia agora também um enorme calor devido a sua farda
pesada. Porém, uma brisa leve soprou, fazendo-o esquecer de todos os fatores naturais
que o incomodava. Irwind então suspirou e iniciou enfim, suas palavras.
- Senhoras e senhores. Serei breve em meu discurso. Afinal, estamos reunidos
aqui nesta bela tarde com um único propósito. Prestar nossa homenagem aquele que foi,
não somente um dos maiores membros do exército Banshee, mas um dos maiores
homens que esta terra já conheceu. E que, já posso dizer, ficará para sempre em nossas
memórias.
A primeira salva de aplausos foi dada.
- O Sr. Hanai entrou no Exército Real com um sonho. Não simplesmente caçar
Furous ou disparar tiros com seu rifle, mas de tornar este mundo um lugar melhor para
vivermos, custe o que custasse. E logo cedo, ainda muito jovem, já apresentava talentos
fora do comum para qualquer membro de nossas tropas. Se demonstrando um Kogun
muito poderoso, pôde subir rapidamente de cargo e, com seu carisma, ganhar a
confiança de todos os seus companheiros de luta. Posso dizer, portanto, com orgulho,
que tive a honra de acompanhar toda essa sua vitoriosa trajetória, podendo lutar muitas
vezes com esse homem lado a lado. Também confesso que, diversas vezes, procurei
espelhar minhas decisões, não só militares, mas como de vida, nas da dele, por
considerar sua sabedoria seu ponto mais forte, acima de todas as outras.
A multidão ficava em silêncio, esperando suas próximas palavras.
- Mas a vida de Hanai não só se resumiria a batalhas heróicas contra nossos
maiores inimigos. Ele não deixaria que isto acontecesse. Bem depois de se tornar
capitão e já possuir um enorme prestígio, Hanai decidiu abandonar nossas tropas. Mas
não por covardia ou fraqueza e sim, para se dedicar a um propósito ainda maior. Assim,
mais uma vez, me senti honrado, dessa vez por compartilhar das novas idéias que Hanai
passou a ter, as quais expunham claramente seu verdadeiro ideal, aquilo que ele havia
decidido para si como objetivo máximo até o resto de sua vida. Dessa forma, tive o
prazer de ser o primeiro o qual ele procurou para contar sobre seus planos pós-exército,
sendo o maior deles a construção desse orfanato no qual todos nós estamos presentes
hoje.

301
Yin ouvia as palavras de Irwind e, como não podia deixar de ser, começava a
sentir uma enorme saudade de seu mestre.
- Confesso que no início não apoiei completamente sua causa. Achei que era
loucura Hanai abandonar uma carreira tão promissora de um jeito tão repentino. Mas
estava errado. Assim que recebi seu convite para, enfim, ver seu sonho concretizado, me
senti emocionado. No dia de sua inauguração, percorri cada canto desta maravilhosa
escola junto ao seu idealizador e tive a certeza de que todo o esforço de Hanai para dar
formas ao seu sonho máximo havia valido a pena. Tive a certeza de que estas
instalações estavam, enfim, prontas para receber inúmeros jovens carentes e propiciar-
lhes oportunidades de vida as quais eles nunca teriam sem esta iniciativa.
Agora era a vez de Lwan refletir sobre aqueles comoventes dizeres.
- Desde a sua fundação, portanto, há exatamente doze anos atrás, o orfanato de
Mao-Ter pôde dar aos muitos e muitos jovens órfãos que por aqui passaram, bons
estudos, carinho e alimentação, além da oportunidade de aprenderem e aperfeiçoarem
suas técnicas de luta, nas quais Hanai era mestre e fazia questão de passar adiante.
Dessa forma, os alunos deste orfanato passaram a conseguir, no final das contas, obter
uma das coisas mais difíceis da vida. Dignidade.
Naquele instante, Inhi estava ao lado de Junke, ouvindo atentamente Irwind,
assim como todos.
- Contudo, é impossível descrever neste discurso tudo o que Hanai ensinou não
só aos seus alunos, mas a todos nós que o conhecemos. Sendo assim, temos muito o que
agradecer a ele. Por isso, em sua homenagem, foi feita uma imagem sua, que ficará bem
aqui ao lado desta arena, para que todos possamos lembrá-lo para sempre.
Neste momento, o pano que cobria a estátua – localizada no lado oposto da arena
no qual o palco estava montado - foi retirado por uma dupla de funcionários que
trabalhavam no orfanato. Todo o público então se virou-se e pôde ver, enfim, cada
detalhe daquela belíssima peça feita de mármore para, em seguida, aplaudir com fervor.
Irwind então decidiu falar suas últimas palavras.
- Peço somente senhores, para que reparem que esta estátua não retrata, na
verdade, o Hanai do Exército Real, com seu rifle, farda ou postura de guerreiro bravo e
destemido. Retrata, na verdade o Hanai o qual ele próprio gostaria de ser lembrado, e
isso ele confessou a mim diversas vezes. Um Hanai sereno e pacato, porém, com
grandes sonhos. Não podíamos deixar, contudo, de acrescentarmos à peça, a Harpia de
cristal, símbolo máximo deste orfanato. – Neste momento, todos olharam para um dos
braços da estátua, que estava estendido para frente, com a palma da mão virada para
cima. A Harpia era de fato feito de cristal, tal como o troféu entregue aos vencedores do
Torneio de Artes Marciais, ainda que menor, e estava pousado em cima dela. Irwind
então continuou. – Tampouco poderíamos de registrar em seu peito, outro símbolo o
qual Hanai sempre venerou, a rosa, o ícone da paz em Asíris.
De fato, na altura do peito de Hanai, dando a impressão de estar verdadeiramente
costurada em sua vestimenta, exatamente como nas fardas de todos os membros do
Exército Real, lá estava a rosa, em alto relevo. Irwind então esperou alguns segundos
para que todos terminassem de reparar na estátua e voltassem os olhos a ele. Em
seguida, suspirou e foi em frente:
- Para terminar senhores, gostaria de dizer o óbvio. O óbvio que deve está
passando nas cabeças de muitos agora. Gostaria, assim como todos nós, que Hanai
estivesse aqui e agora, nesta cerimônia conosco. De qualquer forma, tenho certeza de
que, de algum jeito, essa pessoa que sempre servirá de exemplo para nós está sim entre
todos neste momento. Afinal, Hanai sempre foi muito esperto e, sem dúvida, encontrou,
por entre os misteriosos caminhos da Aura pelo universo, o melhor deles, para continuar

302
sua eterna e gloriosa jornada. Por fim, gostaria de dar um até breve simbólico e dizer
que Hanai, como disse, estará sempre presente em nossas memórias e corações. Uma
salva de palmas e obrigado.
Irwind então foi prontamente atendido. Afinal, cada uma de suas palavras fazia
todo o sentido. O significado que Hanai sempre tivera para todos daquele orfanato, sem
exceção, desde os alunos até cada funcionário que lá trabalhava era algo inarrável.
Porém, para outros, Hanai havia deixado como legado mais do que uma simples
oportunidade de uma vida melhor. Neste momento, Theria sentiu finalmente como um
novo ciclo em sua vida estivesse prestes a começar. Apesar de que, durante o discurso
de Irwind, principalmente quando o mesmo falava sobre os ideais do homenageado do
dia, a enfermeira lembrasse que sempre foi exatamente tais ideais os principais fatores
que atrapalhavam constantemente seu relacionamento com o pai de seu filho. Afinal,
Hanai sempre havia deixado claro para ela que aquele orfanato e seus alunos sempre
estiveram em primeiro lugar e, por isso, teve certa dificuldade em assimilar aquela
gravidez não planejada. Theria, por sua vez, de certa forma entendia o lado de Hanai.
Porém, tudo o que desejava não era muito. Era, enfim, ter uma vida normal ao lado do
homem o qual já amava durante um bom tempo.
Assim, talvez exatamente por esse amor, Theria sempre procurou ser tão
compreensiva com Hanai. Ficava imaginando se não fosse somente necessário mais um
pouco de tempo até que ele passasse finalmente a compartilhar dos mesmos sonhos que
ela. Que, talvez, no final das contas, Hanai seria um bom pai. Talvez, agora jamais
saberia. Em um segundo, lembrou do dia em que Hanai conversou com ela e disse que
teria que partir em uma missão, a pedido de Irwind. A mesma missão que haveria lhe
custado a vida e a chance de ver seu filho crescer. Recordou então do aperto no coração
que sentiu no momento e a suplica, ainda que tímida, para que Hanai não fosse. Afinal,
como não podia ser diferente, estava com um mal pressentimento. Lembrou então, dessa
vez mais forte, da raiva que tinha passado a sentir de Irwind, logo após ficar sabendo da
morte de Hanai, pelo próprio general. Imaginava que se, no fundo, ele não teria sido o
verdadeiro culpado pela morte de seu grande amor, ao tê-lo chamado para tal missão.
No entanto, sabia que esse pensamento era errado e, por isso, sabia também que uma
hora ele iria passar. Olhou para o lado, viu Yin e lembrou de suas palavras. Meu mestre
disse, pouco antes de morrer, que estaria ao seu lado e de seu filho para sempre. Em
seguida, lembrou das de Lwan. Nós vamos ajudar a criar ele. Vamos brincar com ele e
ensiná-lo um monte de coisas, tudo o que a gente aprendeu... – Concluiu que, sem
dúvida, teria todo o apoio que precisasse desses dois que, para ela, eram dois dos
maiores exemplos de meninos que se espelhavam em Hanai para praticamente todas as
suas atitudes. Concluiu então que tal ajuda seria de muito mais importância do que
qualquer outra.
Por fim, olhou então para Jess, Aljolie e Sara, ainda visivelmente comovidos por
aquela homenagem a Hanai. Então olhou para toda a multidão, ainda presente no
gramado ao redor da arena. Pensou, por um segundo, ser tão pequena no meio daquilo
tudo, que chegou até se arrepender, por um curto espaço de tempo, de um dia ter sido
egoísta e ter querido o idealizador dos sonhos de todas aquelas pessoas só para si. Olhou
novamente para os dois meninos ao seu lado e sorriu para eles, que logo retribuíram da
mesma forma. Sentiu-se então, naquele momento, feliz.

303
Epílogo

Logo terminado o discurso, Irwind voltou ao Palácio Real, junto com a comitiva
que também levou o Rei e sua família de volta aos seus aposentos. Assim que pegou um
dos flutuadores, ouviu o estrondo de um trovão e imaginou que uma forte chuva se
aproximava repentinamente. De fato, logo que adentrou o palácio, o tempo virou
bruscamente e a água começou a cair de forma torrencial. Ainda no saguão principal, foi
então recebido por Asteron, que estava eufórico.
- Senhor, boas notícias vindas do norte! Tomamos mais uma colônia daqueles
miseráveis, bem aos pés das montanhas de Tyron. Fui informado que era uma das
maiores até então. As baixas deles foram impressionantes!
- Muito bem. – Respondeu Irwind serenamente.
- Mas há um porém.
- O que?
- Também foi comunicado que nossas tropas estão tendo sérios problemas não
só com o terreno de lá, cheio de abismos perigosos e outras hostilidades, principalmente
ao oeste, mas com uma nova espécie de lagartas gigantes.
Irwind então olhou para Asteron durante um tempo, como se seu pensamento
ainda estivesse longe e finalmente respondeu:
- Não se preocupe. Tenho certeza que nossos homens contornarão a situação e
continuarão obtendo vitórias.
- Sem dúvidas senhor. Alguma outra ordem?
- Não, desta vez não. Eles estão sendo bem conduzidos por lá. Apenas me
mantenha informado sim?
- Sim senhor.
Irwind então tomou o elevador panorâmico em forma de cápsula no saguão
principal do Palácio Real, em direção aos seus aposentos. Apesar da situação ainda estar
sob tensão ao norte de Asíris, sentia como se pudesse, após muito tempo, enfim
descansar um pouco. Saltou do elevador em um dos níveis intermediários do Palácio
Real e rumou em direção a seu escritório, passando, assim, por sua arena particular.
Assim que chegou, logo se dirigiu para perto do grande vidro da sala, exatamente aonde
conhecera Yin e Lwan pela primeira vez. A chuva agora desabava ainda com mais
força.
Irwind então imaginou que tal chuva pudesse ter um propósito especial, como se
estivesse varrendo de Asíris, junto com suas gotas, todo o sangue e dor derramado há
bem pouco tempo atrás, na maior batalha já travada entre Banshees e Furous da história.
Aproveitou a visão também das gotas batendo e escorrendo no vidro para limpar
também seus pensamentos de qualquer apreensão que aquele confronto o havia deixado.
Sim, os combates haviam sido de fato muito duros, deixando Irwind muitas vezes em
total estado de tensão. Mas, como mesmo ele falara, o mundo dos Banshees estava
entrando agora em uma nova era e, por isso, precisava de toda a força para conduzir
todo o exército e, principalmente, repensar seu papel e relevância neste novo mundo que
surgia.
Neste instante, no orfanato de Mao-Ter, Jess, Aljolie e Sara se despediam de Yin
e Lwan. Todos, a essa altura, já haviam corrido para debaixo do toldo que cobria o
palco montado para a cerimônia de homenagem a Hanai, para se protegerem da chuva.
Apesar do adeus emocionado, o trio havia prometido para os dois meninos que sempre
que pudessem, sairiam da casa de Jess em Mahani – onde os três passariam a morar – e
voltariam para visitá-los. O soldado também prometeu trazer sua outra filha, a qual
morava em Meritzen com a mãe para que Yin e Lwan pudessem conhecê-la, deixando-

304
os muito contentes. E, assim, após longos beijos e abraços, Jess, Sara e Aljolie
finalmente se foram. Os meninos, por sua vez, permaneceram imóveis, observando-os
se encaminharem ao longe, em direção ao portão de entrada do orfanato a passos
longos, por causa da chuva. Alguns segundos depois, contudo, Yin virou-se e começou
a andar na direção oposta, ao gramado próximo a arena. Lwan no momento, não
entendeu, mas, quando virou-se e notou para onde seu amigo estava realmente indo,
resolveu não chama-lo a atenção.
Naquele momento, já não havia quase ninguém por perto. Os poucos
funcionários do orfanato que ainda estavam no gramado perto da arena já haviam se
dirigido para dentro do prédio principal, ao passo que o restante dos convidados
também já haviam deixado o orfanato. Os alunos do lugar, por sua vez, já estavam
reunidos no dormitório, uma vez que todas as atividades escolares haviam sido
canceladas devido aquela cerimônia extraordinária. Havia somente, conversando ao
longe com um dos funcionários do orfanato, na varanda do prédio principal, Junke, que
agora seria o responsável por conduzir todo aquele lugar após a morte de Hanai.
Assim, Yin andou então mais alguns passos na chuva, cruzou inteiramente a
arena e parou diante da estátua de Hanai do outro lado. Ficou olhando para ela durante
um longo tempo. Reparou, primeiramente, que haviam talhado no rosto de seu mestre,
um leve sorriso e lembrou então de como era raro ver seu mestre sorrindo e de como era
bom quando isso acontecia. Olhou então seus olhos, estes serenos, como na maior parte
do tempo. E, durante algum tempo, a cena se repetiu. A cada detalhe da estátua, Yin
lembrava do detalhe correspondente a Hanai enquanto vivo até recordar também,
consequentemente, de vários momentos os quais havia passado com seu mestre. Eram
muitas palavras, gestos, carinhos, ordens e, principalmente conselhos rodando em sua
cabeça agora. Coisas que ele sabia que sentiria falta, e que já estava sentindo, na
verdade. Depois de um tempo, porém, o interior de Yin misteriosamente se aquietou e o
menino passou a observar aquele objeto de mármore cinza a sua frente com um olhar
mais profundo - como se estivesse prestes a meditar -, com o objetivo de talvez ouvir
novamente uma palavra que fosse de seu mestre. Assim, durante um longo tempo, duas
estátuas permaneceram então frente a frente, em total silêncio.
Lwan, ao longe, ainda embaixo do toldo, continuava observando seu amigo. Viu
Yin se molhando cada vez mais e mais, seus os cabelos já caindo no rosto, por causa do
peso da água da chuva e sua roupa ficar completamente encharcada. Novamente, não
teve reação alguma, tampouco palavras para o que via. Contudo, tinha apenas um
pensamento. De que, para Yin, esquecer seu mestre e enfrentar a vida de agora em
diante sem ele seria mais difícil do que qualquer outra batalha que o mesmo já havia
travado. Afinal, seu grande amigo também sempre tinha amado Hanai tal como um pai.
No Palácio Real, Irwind então continuava olhando as gotas que caíam sob o
vidro, agora completamente embaçado. A mesma sensação tinha dos seus pensamentos
agora. Em sua cabeça, começou a passar flashes de tudo o que vivera em sua última
grande jornada. Primeiro lembrou de Sara, que agora parecia que finalmente levaria
uma vida normal, junto à Jess e Aljolie. Contudo, lembrou também de seu segredo, que
teria que guardar para o resto da vida e de seu passado misterioso. Lembrou então do
laboratório no qual ela fora achada e pensou em enviar uma busca ao local para buscar
qualquer vestígio que fosse. Afinal, por tudo o que Hanai havia dito sobre o que
encontrara no local, os humanos pareciam que, mesmo tendo desaparecido há muito
tempo, possuíam uma tecnologia talvez até mais avançada do que dos próprios
Banshees. E Irwind sabia que esse era um fato que não se podia ignorar. Precisava
buscar respostas naquele que era o maior achado arqueológico de toda a história. Pensou

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então se, dentro de um tempo, não seria o momento certo de voltar a trocar algumas
palavras com aquela menina tão especial a respeito de suas origens e lembranças.
Em seguida, lembrou de Yin e o que aquele menino poderia fazer com tanto
poder daqui para frente. Imaginou se poderia passar mais uma vez pela mesma
transformação a qual lhe havia conferido poderes inacreditáveis e a chance de derrotar
Mornkion. O Kogun mais poderoso da história. O jovem e heróico guerreiro que,
mesmo não tendo eliminado todos os Furous de Asíris – tal como dizia a Velha Lenda.
– criou condições para que o exército Banshee tivesse grandes chances de conseguir tal
feito, num futuro bem próximo. Sim, a Velha Lenda estava certa. No final das contas,
após tantos anos, ela se cumpriu. Ou está bem próxima disso, pelo menos. – Pensou.
Contudo, questionando suas próprias afirmações, Irwind imaginou se Yin, na verdade,
não seria somente o Banshee mais poderoso o qual a história tinha registro. Afinal, por
tudo o que tinha acontecido nos últimos tempos, concluiu que não podia desconfiar de
mais nada. Lembrou então de Mornkion, um ser único em toda a história de Asíris,
original. Um monstro que não era Banshee e tampouco Furou. Uma criatura repleta de
ambições insanas, perturbações e ódio. Também o inimigo Banshee mais poderoso de
todos os tempos, capaz de alterar, através de suas forças, a Aura de uma população
inteira, deixando-a mais terrível e poderosa do que nunca, praticamente invencível.
Seria este o último grande adversário o qual os Banshees teriam que enfrentar? Ou em
tempos remotos teriam surgidos outros maiores, cujas existências haviam sido apagadas
pelo tempo? E a batalha de Kayabashi, recém-terminada? Teria sido a maior já
enfrentada ou haveria outras adversidades ainda mais difíceis por vir? A Velha Lenda
estava de fato próxima a se cumprir ou ainda existiriam muitos desafios contra os
Furous? Sendo assim, Irwind via o futuro de Asíris da mesma forma a qual enxergava
seu passado, como uma grande névoa. Mas o presente, ao que parecia naquele
momento, era motivo para animação. É verdade que naquele momento, com a ameaça
cada vez mais decrescente dos Furous ao norte, Asíris estava momentaneamente salva
das forças malígnas e com grande perspectiva de paz e prosperidade. Afinal, podia-se
notar claramente que, em cada canto daquele belo mundo, desde as montanhas geladas
ao extremo sul, passando pelos pequenos vilarejos da região, pelas cidade de Vermont e
Alon, além de outras menores, alcançando a Planície de Tirisfall e o Deserto de
Kayabashi e cobrindo enfim o grande oceano que cercava o continente único de Asíris,
as Correntes de Ashmaran que cortavam o céu do domínio Banshee estavam agora mais
brilhantes do que nunca.
Contudo, da mesma forma com que a animação chegou, se foi. Um último
pensamento então veio na mente do grande general de Mahani, como uma profecia
ainda não cumprida. Acredito que, em breve, nos confrontaremos com tudo aquilo que
não ainda sabemos sobre nós e nossa origem, sobre a Aura e sobre nosso mundo. Então
novos tempos difíceis surgirão e as dificuldades não pouparão ninguém. Neste dia,
teremos que estar preparados para sacrificarmos tudo em nome de nossa liberdade e
bem-estar, teremos que estar com nossos espíritos livres e lutar como nunca. Pois algo
me diz que a Grande Guerra está apenas começando.
Lá fora, a chuva continuava caindo, agora partindo de nuvens ainda mais densas
e distantes, sem dar uma trégua sequer.

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