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O Brasil em tempos da
Constituinte de 1823:
uma interpretação
Marisa Saenz Leme
Universidade Estadual Paulista (Unesp/
Brazil in times of 1823 Constituent
Franca) Assembly: an interpretation
Resumo Abstract
Em 1823, ano em que se reuniu a Assembleia In 1823, a year in which the Constituent and
Geral Constituinte e Legislativa do Império Legislative General Assembly of the Empire
do Brasil, Jozé Bernardino Baptista Pereira of Brazil was held, Jozé Bernardino Baptista
D´Almeida, futuro ministro interino, sucessi- Pereira D´Almeida, future Interim Minister
vamente, da Fazenda e da Justiça, do gover- for Finance and Justice, successively, during
no de D. Pedro I no crítico ano de 1828 – em D. Pedro I administration in the critical year
que se desenvolvia um ensaio de governo of 1828 – where a test of a parliament-based
com base parlamentar – publicou um peque- government was developed – published a
no livro sintomaticamente intitulado Refle- small book symptomatically named Historical
xões historico-politicas. Nesse trabalho, após and Political Considerations. In this work, after
uma breve reflexão sobre a colonização e a a brief comment on colonization and the arrival
chegada da corte portuguesa ao Rio de Janei- of the Portuguese Court in Rio de Janeiro, the
ro, o autor se dedicou à análise dos aconteci- author considered the events after the Liberal
mentos sequenciais à Revolução do Porto, de Revolution of 1820, with particular emphasis on
agosto de 1820, com especial ênfase à Cons- the Constituent Assembly and the proposals of
tituinte e às propostas de organização socio- political, social and economic organization for
econômica e política para o novo país. Tendo the new country. As the author and his work
autor e obra permanecido esquecidos na me- have been forgotten by the social memory
mória social e na historiografia, objetiva-se, and historiography, this article intends to
no presente artigo, avaliar a visão histórica e investigate the historical overview and the
os projetos políticos desse personagem, num political projects of this character, at a crucial
momento crucial para a institucionalização moment for the institutionalization of the state
do Estado naquele país em formação. in that developing country.
Palavras-chave: História; Virtudes; Congres- Keywords: History; Virtues; Congress;
so; Ilustração; Liberalismo. Illustration; Liberalism.
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I n t r o d u ç ã o
O autor na sua época: parlamentar formado a 20 de novembro de 1827,
e ministro quando D. Pedro I reformulou de modo
inédito a constituição do seu Ministério,
J
chamando membros da Câmara dos
osé Bernardino Baptista Pereira Deputados para nele ocuparem cargos-
D´Almeida nasceu em Campos -chave. Tratava-se de liberais que se
dos Goytacazes – que então per- opunham parcialmente ao seu gover-
tencia à capitania do Espírito Santo no: o pernambucano Pedro de Araujo
– em 20 de maio de 1783. Formou-se Lima, futuro Marquês de Olinda, foi in-
em direito pela Universidade de Coim- dicado Ministro dos Negócios do Impé-
bra, exercendo posteriormente a ma- rio; o baiano Miguel Calmon du Pin e
gistratura1. Eleito pela Província do Es- Almeida, futuro Marquês de Abrantes,
pírito Santo para a 1ª e 2ª Legislaturas ocupou como titular a pasta da Fazen-
(1826-29 e 1830-33) da Assembleia da, e o magistrado mineiro Lúcio Soares
Geral Legislativa do Império do Brasil, Teixeira de Gouveia a da Justiça.
foi ministro interino da Fazenda de 18
de junho a 25 de setembro de 1828, e Em meio a uma série de dificuldades
interino da Justiça, de 25 de setembro de governo, em que avultava a ques-
a 22 de novembro de 1828 (CÂMARA tão da Guerra da Cisplatina, D. Pedro
DOS DEPUTADOS, 1889). I perdera a aura usufruída no período
da Independência junto às elites que
Participou, dessa maneira, do gabinete
advogavam a causa brasileira, e que no
1 Como indicado por Blake (1898, p. 340), em 1822 momento da indicação desse gabine-
havia ele exercido a magistratura por um “curto espa-
ço de seis anos, que mal ocupei o honroso ofício de te, estavam grandemente representa-
julgar”. Por sua vez, é de magistrado a profissão regis-
trada quando eleito deputado em 1826. De acordo das pela câmara baixa do Parlamento.
com Sacramento Blake, serviu ele na magistratura
nos cargos de juiz de fora em Santo Antonio de Sá e
Buscando delas se reaproximar, optou
na vila de Magé, de provedor da fazenda dos defuntos
e ausentes, e de capela e resíduos.
por um redesenho institucional, com o
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fortalecimento dessa instância legisla- dos” (ALVES, 2013, p. 15) esse gabinete
tiva junto ao Executivo. teve duração de dois anos, findando em
quatro de dezembro de 1829.
Ao procurar transformar a esfera mi-
nisterial – continuamente alvo de acer- Os deputados que o compuseram eram
bas críticas oposicionistas – em um todos formados em direito pela Univer-
instrumento mais maleável de gover- sidade de Coimbra; além de José Bernar-
no, contava o Imperador com a possi- dino (ATAS, 1973)3, também Clemente
bilidade de reinar de modo mais har- Pereira e Teixeira de Gouveia exerceram
mônico. Conforme João Victor Caetano a magistratura. No plano da represen-
Alves (2013), reproduziu-se naquele tação política, Araújo Lima e Teixeira
momento, de acordo com as condições de Gouveia haviam sido anteriormente
brasileiras, o arranjo institucional do eleitos para as Cortes Constituintes de
King-in-Parliament, que, bem-sucedido Lisboa e, posteriormente, para a Assem-
na Inglaterra, era alvo de grande ad- bleia Constituinte do Brasil.
miração por parte de importantes seg-
Pelas características do surgimento,
mentos das elites políticas brasileiras2.
da evolução e dos apoios recebidos, o
O gabinete assim formado contou com ministério de 20 de novembro de 1827
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Numa visão da história como resultado Manoel, que, “não menos possuído do
do embate entre virtudes e vícios, aos espirito de conquista, do que seus Pre-
moldes do pensamento que se apre- decessores, não afrouxa nos grandes
sentou no renascimento e assumiu for- projetos” (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823,
mas próprias no iluminismo (POCOCK, p. 4). Contudo, rapidamente, na coloni-
2003b; GAY, 1996; PORTER, 200l), de zação da América Portuguesa, as pos-
forte conotação moral, José Bernardino turas virtuosas teriam se transformado
considerou inicialmente ter sido fruto em seu inverso, com ações predatórias
do “Heroísmo” o encontro de parte das de todo o tipo, movidas pela “violência”,
terras que vieram a se chamar América “avareza”, “perversidade”, conforme as
– referido como a “descoberta do Bra- descrições do autor. Em síntese, na co-
sil” – por parte dos portugueses. Admi- lonização,
rando a constituição independente de Os aventureiros correm, e se disputam o
Portugal no século XII – quando “assu- campo; o fausto, o esplendor, a prepotên-
miu cheio de gloria a Dignidade Real” cia, e o ócio querem ter o seu assento um
dia; a ambição faz insuperáveis esforços,
– elogiou o espírito guerreiro do seu e nada lhe resiste. A justiça fugiu espavo-
povo e o movimento das conquistas ul- rida; a inocência manchou-se tímida; o
tramarinas, sob “D. Henrique Príncipe, orgulho pisou a fraqueza; o sangue imo-
lou-se às fúrias; e o despotismo sancio-
que ajuntava às virtudes de um Herói nou a férrea, e espinhosa coroa (PEREIRA
Patriota os conhecimentos de Filósofo” D´ALMEIDA, 1823, p. 6).
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rão!” (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 4). REIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 24). Nes-
Observe-se que, de acordo com um dos se contexto, “o Brasil coberto de pejo, e
maiores expoentes do iluminismo, o dor foi abrindo os olhos, conhecendo o
escocês David Hume (1711-1776), a ta- funesto efeito da sua precipitada boa
refa do historiador seria a de observar a fé [...]” (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p.
ascensão, o progresso, a decadência e a 31). Mas com a Independência voltara
extinção final dos mais prósperos impé- a esperança. Registrando, na sua ava-
rios: as virtudes, que contribuíram para liação dos feitos históricos, não o sete
a sua grandeza, e os vícios que os leva- de setembro, mas a convocação da As-
ram à ruína“ (PORTER, 2000, p. 232)5. sembleia Geral Constituinte e Legislati-
va do Brasil e a aclamação de D. Pedro6,
Nesse caminho de alternâncias, na vi-
afirmou José Bernardino:
são do autor em análise, perdeu-se a
nova oportunidade de grandeza que a O decreto de 3 de Junho é hum dos maio-
res rasgos políticos, pelo tom enérgico,
“Providencia parecia ter marcado” para a
que veio dar aos negócios do Brasil, e
“Nação Portuguesa” com a vinda da Cor- o dia 12 de Outubro asselando a nossa
te para o Brasil. Dadas a incúria e ganân- gloria, impôs a todo o Cidadão Brasilei-
ro o honroso dever de conduzir-se com
cia do Ministério, “em nada, como expli-
o valor d´hum Agezilão imolado sobre o
ca Goddin, se reformou o gótico edifício altar do Sol. A nossa briosa divisa é = In-
elevado pelo tempo, e pela força, e com- dependência, ou Morte; = e por assim se
posto de peças juntas pelo acaso, as devem regular os que tentarem a ela. A
Proclamação de S.M.I. de 21 de Outubro
circunstâncias, os prejuízos” (PEREIRA
corrente é um monumento d´honra, e
D´ALMEIDA, 1823, p. 22). generosidade politica, aonde as gerações
futuras de Portugal estudarão os princí-
Igualmente, a “desordem, a força, a fal- pios da sua fortuna, ou desgraça, depen-
ta de consideração, e prudência, a igno- dentes da sua, ou não observação (PE-
rância” foram responsáveis pela perda 6 Como bem mostrou Maria de Lourdes Viana Lyra
(1995), os fatos ocorridos em São Paulo no dia 7 de
de esperança na regeneração prometida setembro de 1822 não tiveram na época ressonância
como marco da Independência. Tratou-se de uma
pela Revolução do Porto de 1820 (PE- memória construída a partir da abertura do Parla-
mento, em 1826, para glorificar a soberania do Im-
5 Tradução livre da autora do original em inglês: “to remark perador na constituição do estado monárquico brasi-
the rise, progress, declension, and final extinction of the leiro. Por sua vez, a convocação da Assembleia Geral
most flourishing empires: the virtues, which contributed Constituinte e Legislativa do Brasil se deu em 3 de
to their greatness, and the vices which drew on their ruin” junho de 1822 e a aclamação de D. Pedro I em 12 de
(PORTER, 2000, p. 232). outubro do mesmo ano.
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sa que se insere nas possibilidades ilu- fazer, e como nos havemos de regular, do
que a razão dos atos, e contratos antigos
ministas (CASSIRER, 1997, p. 189-266),
[...]. Temos outros costumes, outra Re-
defendeu outra forma de religiosidade, ligião, outro pensar, e outras urgências;
ainda que de obediência católica, en- tenham as nossas Leis em si mesmas as
suas fontes (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823,
fatizando a importância do ensino re-
p. 61).
ligioso como instrumento do seu con-
ceito civilizatório: “a mansidão, a paz, a De acordo com os princípios ilustrados,
caridade, e o ensino são os verdadeiros José Bernardino valorizou amplamen-
caracteres da religião...”. Não à toa, te a educação nas suas propostas para
recorreu com frequência a citações a reorganização do Brasil pós-indepen-
de Ganganelli, o pregador apostólico dência. Com várias referências a Rous-
franciscano que, tornando-se papa seau, a Bernardin de Saint-Pierre13 – e
em 1769, extinguiu posteriormente a também a Montaigne e Locke14 –, con-
Companhia de Jesus, em 1773. denava os castigos, considerando que a
“benignidade, afeição e boas maneiras”
Por sua vez, em consonância com deveriam orientar a conduta dos mes-
a crítica social da Ilustração, assim tres, num ensino de base laica, não su-
como um José Bonifácio ou um Hipó- bordinado à religião. Embora avaliasse
lito da Costa, o magistrado acoimou serem necessárias “muitas Academias”
quer a fidalguia tradicional quer a nova no Brasil, a ênfase das suas referências
aristocracia criada com D. João VI, con- nesse campo recaiu sobre as “aulas me-
trapondo-lhe o merecimento premia-
13 Bernardin de Saint-Pierre (1737-1814), escritor e
do como fator de distinção social. No botânico francês que se aproximou de Rousseau, de-
fendeu o casamento para os sacerdotes e elaborou
campo jurídico condenava o direito um Projeto para fazer a paz perpétua na Europa (REZA,
2015).
romano em defesa do direito natural 14 Como se sabe, Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592),
filósofo e político francês, ficou especialmente conhecido pe-
e das gentes. Em avaliação crítica da los seus Ensaios, obra de grande alcance crítico e ético-moral.
Por sua vez, o inglês John Locke (1632-1704) e o franco-suíço
sua formação coimbrã, expressou ser Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) – ao lado das suas obras
fundantes nos campos, respectivamente, do liberalismo
tempo de perdermos a ideia de Coimbra, político e do que se considerou a radicalidade política do
iluminismo – dedicaram-se também a outras dimensões fi-
e do pomposo aparato, com que aí se en- losóficas. O primeiro analisou as formas de obtenção do co-
sina. Somos Portugueses, e não Roma- nhecimento, numa ênfase empirista, na sua obra Ensaio sobre
o entendimento humano; o segundo, entre outras referências,
nos; importa-nos mais o que devemos notabilizou-se pelo livro Emílio ou da educação.
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politica, que deveria ser o fundamento duz-se uma citação de Cornélio Tácito
da ação cidadã, legislativa e executiva: (55-120), historiador romano muito
“até agora a economia politica era es- valorizado na renascença e no ilumi-
tudo de mero recreio particular; agora nismo: “Século feliz, onde se permite
deverá ser uma âncora da nossa sal- pensar, o que se quer, e dizer o que se
vação; todo Cidadão terá interesse na pensa”. Em relação ao estado, saudava
sua aplicação, máxime o Legista [...]. a quebra dos “anéis da pesada cadeia
D´outra sorte um Ministro de finanças” do despotismo” trazida pela Revolução
(PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 65). do Porto e a promessa de uma “Consti-
tuição liberal” (PEREIRA D´ALMEIDA,
Como aconteceu com a geração da
1823, p. 23).
Independência, para a qual, em face
das contradições joaninas e, ainda, em A partir dessas apropriações clássicas
sintonia com o que ocorria além-mar do campo liberal, importa, contudo,
(MOREL, 2005; SLEMIAN, 2006), liber- saber como delineava José Bernardino
dade econômica e política passaram a a formação do estado no Brasil de 1822
se coadunar mutuamente, também se e a efetiva concretização da liberdade
mostrava José Bernardino firme adep- cidadã. Como se sabe, o processo de
to dos princípios liberal-constitucio- independência do Brasil se deu no in-
nais. Não se tratava mais dos vassalos terior de um movimento constitucio-
de Vilhena, que seriam os agentes de nal desencadeado na metrópole, que
uma proposta de reforma para assegu- incluiu também as possessões ameri-
rar as estruturas absolutistas, mas dos canas. De acordo com os preceitos da
cidadãos, “os homens todos chamados Revolução Liberal do Porto, de 24 de
aos seus direitos, e obrigações, em fim agosto de 1820, elegeram-se repre-
à sua liberdade” (PEREIRA D´ALMEIDA, sentantes das antigas capitanias do
1823, p. 23). Aos moldes do liberalismo Brasil, transformadas em províncias,
clássico, enfatizava a necessidade de para participarem – em tese, em igual-
ser a “propriedade protegida, a segu- dade de condições com as províncias
rança pessoal respeitada”. Nos dizeres metropolitanas – das “Cortes Gerais e
que encabeçam o seu estudo repro- Constituintes Extraordinárias da Na-
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ção Portuguesa”, reunidas em Lisboa, cabe enfatizar, ainda pouco unidas en-
com a função de elaborar a constitui- tre si. Observe-se que a sua implemen-
ção que regeria o conjunto do Impé- tação requeria a adesão das províncias,
rio. Nesse contexto, os representantes não se impondo a elas.
das províncias brasileiras chegados à
Instalada a Assembleia em 3 de maio
metrópole tinham ainda muito pou-
de 1823, logo se formou comissão
co em comum, a ponto de um deles, o
específica para a elaboração de um
Padre Diogo Antônio Feijó, eleito por
projeto constitucional, colocado em
São Paulo, afirmar não representarem
plenário no dia 15 de setembro (RO-
eles o Brasil, mas sim suas diferentes
DRIGUES, 1974). Em meio às disputas
províncias (BERBEL, 1999; CARVALHO,
em torno da distribuição de poder en-
1979).
tre Legislativo e Executivo, do poder de
Foi nesse âmbito das Cortes lisboetas, veto do Imperador, da constituição da
à medida que se apresentavam as re- justiça e da existência de duas câma-
sistências portuguesas em relação à ras – num quadro em que a liberdade
autonomia da parte brasileira do Reino de imprensa recém-conquistada com
Unido, que surgiram os primeiros en- a Revolução do Porto achava-se ame-
tendimentos unitários entre as provín- açada – surgiram vários projetos (OLI-
cias. Por sua vez, a passagem dos pro- VEIRA, 1999) que se contrapunham
jetos de autonomia aos de separação no que tange ao estado a se institu-
teve um momento fulcral na convoca- cionalizar, debatidos na Constituinte e
ção, por parte de D. Predo I, da Assem- fortemente veiculados pela imprensa,
bleia Geral Constituinte e Legislativa muito ativa na época (LUSTOSA, 2000;
das Províncias do Brasil, em três de MOREL, 2001). Ter-se-iam constituído,
junho de 1822 (NEVES, 2003). Fórum nesse diapasão, diferentes posiciona-
esse em que se deveria estabelecer um mentos no que se refere à soberania
pacto político para a constituição do es- do estado, entre os poderes provinciais
tado brasileiro, entre os representantes – num extremo, absolutizados – e os
das províncias que sucederam às capi- do governo que se construía no Rio de
tanias gerais da América Portuguesa, Janeiro, noutro extremo, fortemente
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16 Joseph Priestley (1733-1804), ministro protestante in- lho Geral da Província de São Paulo (LEME, 2011); ainda de
glês dissidente, foi notável pelas suas experiências científi- muito interesse, são as análises de Antônio José Gonçalves
cas e atividades como educador. Passou os últimos dez anos Chaves, português radicado no Rio Grande do Sul, ao tratar
da sua vida nos Estados Unidos, onde se tornou próximo de da “distribuição das terras incultas”, em suas Memórias ecôno-
Thomas Jefferson. Escreveu várias obras de filosofia natu-
mo-políticas sobre a administração pública do Brasil.
ral, teologia e ciências. De acordo com Peter Gay (1996, p.
144), foi um cientista inventivo e filósofo materialista (“an 18 A última referência da citação diz respeito à utilização
iventive scientist and philosophical materialist”). dos lavradores para ações militares.
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da lide política e “dedicou-se á lavoura, cia do Espírito Santo. Em face da sua atu-
a que iniciou alguns melhoramentos e ação no cenário político do 1º Reinado,
deu-se também a estudos da medicina o seu desaparecimento da memória histó-
homeopática”. Segundo Blake (1898), rica/historiográfica coloca indagações a
no transcorrer da sua vida publicou os respeito das razões para esse silêncio.
seguintes trabalhos: Esboço sobre os obs-
taculos que se teem opposto à prosperidade Da mesma forma, indaga-se sobre as
da villa de Campos, oferecido aos habitantes razões para o esquecimento do seu livro
da mesma (1823); Dissertação analytica de 1823, tão claramente voltado para
sobre a legis lação e pratica orphanologica a apresentação de propostas à Assem-
(1824); Pratica homeopathica dedicada por bleia Constituinte, em que se articulava
um pai a seus filhos (1856-1857). uma importante visão socioeconômica
– com ênfase na extinção do latifúndio
José Bernardino faleceu em sua fazenda e sua reordenação produtiva – a um
da Boa Vista, no município de Niterói, projeto de ordenamento político-insti-
a 29 de janeiro de 1861, aos 77 anos de tucional, antecipando posicionamentos
idade. Foi o único personagem registra- mais tarde desenvolvidos na imprensa
do por Sacramento Blake para a provín- liberal-moderada.
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