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Escrita Dossiê

da História
http://dx.doi.org/10.20396/resgate.v25i1.8648112

O Brasil em tempos da
Constituinte de 1823:
uma interpretação
Marisa Saenz Leme
Universidade Estadual Paulista (Unesp/
Brazil in times of 1823 Constituent
Franca) Assembly: an interpretation

Resumo Abstract
Em 1823, ano em que se reuniu a Assembleia In 1823, a year in which the Constituent and
Geral Constituinte e Legislativa do Império Legislative General Assembly of the Empire
do Brasil, Jozé Bernardino Baptista Pereira of Brazil was held, Jozé Bernardino Baptista
D´Almeida, futuro ministro interino, sucessi- Pereira D´Almeida, future Interim Minister
vamente, da Fazenda e da Justiça, do gover- for Finance and Justice, successively, during
no de D. Pedro I no crítico ano de 1828 – em D. Pedro I administration in the critical year
que se desenvolvia um ensaio de governo of 1828 – where a test of a parliament-based
com base parlamentar – publicou um peque- government was developed – published a
no livro sintomaticamente intitulado Refle- small book symptomatically named Historical
xões historico-politicas. Nesse trabalho, após and Political Considerations. In this work, after
uma breve reflexão sobre a colonização e a a brief comment on colonization and the arrival
chegada da corte portuguesa ao Rio de Janei- of the Portuguese Court in Rio de Janeiro, the
ro, o autor se dedicou à análise dos aconteci- author considered the events after the Liberal
mentos sequenciais à Revolução do Porto, de Revolution of 1820, with particular emphasis on
agosto de 1820, com especial ênfase à Cons- the Constituent Assembly and the proposals of
tituinte e às propostas de organização socio- political, social and economic organization for
econômica e política para o novo país. Tendo the new country. As the author and his work
autor e obra permanecido esquecidos na me- have been forgotten by the social memory
mória social e na historiografia, objetiva-se, and historiography, this article intends to
no presente artigo, avaliar a visão histórica e investigate the historical overview and the
os projetos políticos desse personagem, num political projects of this character, at a crucial
momento crucial para a institucionalização moment for the institutionalization of the state
do Estado naquele país em formação. in that developing country.
Palavras-chave: História; Virtudes; Congres- Keywords: History; Virtues; Congress;
so; Ilustração; Liberalismo. Illustration; Liberalism.

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I n t r o d u ç ã o
O autor na sua época: parlamentar formado a 20 de novembro de 1827,
e ministro quando D. Pedro I reformulou de modo
inédito a constituição do seu Ministério,

J
chamando membros da Câmara dos
osé Bernardino Baptista Pereira Deputados para nele ocuparem cargos-
D´Almeida nasceu em Campos -chave. Tratava-se de liberais que se
dos Goytacazes – que então per- opunham parcialmente ao seu gover-
tencia à capitania do Espírito Santo no: o pernambucano Pedro de Araujo
– em 20 de maio de 1783. Formou-se Lima, futuro Marquês de Olinda, foi in-
em direito pela Universidade de Coim- dicado Ministro dos Negócios do Impé-
bra, exercendo posteriormente a ma- rio; o baiano Miguel Calmon du Pin e
gistratura1. Eleito pela Província do Es- Almeida, futuro Marquês de Abrantes,
pírito Santo para a 1ª e 2ª Legislaturas ocupou como titular a pasta da Fazen-
(1826-29 e 1830-33) da Assembleia da, e o magistrado mineiro Lúcio Soares
Geral Legislativa do Império do Brasil, Teixeira de Gouveia a da Justiça.
foi ministro interino da Fazenda de 18
de junho a 25 de setembro de 1828, e Em meio a uma série de dificuldades
interino da Justiça, de 25 de setembro de governo, em que avultava a ques-
a 22 de novembro de 1828 (CÂMARA tão da Guerra da Cisplatina, D. Pedro
DOS DEPUTADOS, 1889). I perdera a aura usufruída no período
da Independência junto às elites que
Participou, dessa maneira, do gabinete
advogavam a causa brasileira, e que no
1 Como indicado por Blake (1898, p. 340), em 1822 momento da indicação desse gabine-
havia ele exercido a magistratura por um “curto espa-
ço de seis anos, que mal ocupei o honroso ofício de te, estavam grandemente representa-
julgar”. Por sua vez, é de magistrado a profissão regis-
trada quando eleito deputado em 1826. De acordo das pela câmara baixa do Parlamento.
com Sacramento Blake, serviu ele na magistratura
nos cargos de juiz de fora em Santo Antonio de Sá e
Buscando delas se reaproximar, optou
na vila de Magé, de provedor da fazenda dos defuntos
e ausentes, e de capela e resíduos.
por um redesenho institucional, com o

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fortalecimento dessa instância legisla- dos” (ALVES, 2013, p. 15) esse gabinete
tiva junto ao Executivo. teve duração de dois anos, findando em
quatro de dezembro de 1829.
Ao procurar transformar a esfera mi-
nisterial – continuamente alvo de acer- Os deputados que o compuseram eram
bas críticas oposicionistas – em um todos formados em direito pela Univer-
instrumento mais maleável de gover- sidade de Coimbra; além de José Bernar-
no, contava o Imperador com a possi- dino (ATAS, 1973)3, também Clemente
bilidade de reinar de modo mais har- Pereira e Teixeira de Gouveia exerceram
mônico. Conforme João Victor Caetano a magistratura. No plano da represen-
Alves (2013), reproduziu-se naquele tação política, Araújo Lima e Teixeira
momento, de acordo com as condições de Gouveia haviam sido anteriormente
brasileiras, o arranjo institucional do eleitos para as Cortes Constituintes de
King-in-Parliament, que, bem-sucedido Lisboa e, posteriormente, para a Assem-
na Inglaterra, era alvo de grande ad- bleia Constituinte do Brasil.
miração por parte de importantes seg-
Pelas características do surgimento,
mentos das elites políticas brasileiras2.
da evolução e dos apoios recebidos, o
O gabinete assim formado contou com ministério de 20 de novembro de 1827

o apoio da imprensa liberal moderada, afinava-se com os posicionamentos


que se reconheceram como liberal-mo-
representada, sobretudo, pelo periódico
derados. É, portanto, nessa dimensão
Aurora Fluminense, dirigido pelo influen-
que se pode inferir o alinhamento po-
te político e publicista Evaristo da Veiga.
lítico do autor ora estudado.
Em 15 de junho de 1828, Araújo Lima foi
substituído pelo antigo liberal-radical, de Sem ter-se sobressaído na memória da
nacionalidade portuguesa, José Clemen- história político-administrativa do país
te Pereira, havendo também alterações como outros contemporâneos seus,
nos ministérios não parlamentares, o da constata-se, contudo, ter José Bernardi-
Guerra e o da Marinha. Com essas modi- 3 Enquanto membro do Ministério, José Bernardino
compareceu a cinco sessões do Conselho de Estado,
ficações, que “não alteraram seu caráter quatro como Ministro da Fazenda (7ª, 8ª, 9ª e 16ª ses-
principal de um ministério de deputa- sões) e uma na qualidade de Ministro da Justiça (17ª
sessão). De acordo com Sacramento Blake (1898, p.
2 Para esse tipo de institucionalização dos poderes de 340), José Bernardino foi dignitário da Ordem da
governo, ver Pocock (2003a). Rosa e comendador da de Cristo.

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no Baptista Pereira D´Almeida partici- do Reflexões historico-politicas. Tratou-se


pado com papéis importantes do qua- de uma “Nova Edicção mais correcta, e
dro das elites políticas do 1º Reinado. acrescentada”, impressa no Rio de Ja-
Como bem mostrou Pocock (2003a),
neiro, na Typographia de Silva Porto, &
para a reconstituição mais profunda do
C., cujo proprietário foi importante edi-
pensamento político de um determi-
nado período histórico, é fundamental tor e livreiro no Brasil da Independência
se recuperarem, no seu conjunto, as (IPANEMA & IPANEMA, 2007). Nessa
ideias, os textos, os autores e atores que edição, agregaram-se várias notas ex-
circulavam numa dada sociedade, para plicativas sobre as proposições do texto
além dos elementos que ficaram mais original, que, por sua vez, deve ter sido
destacados nos registros históricos – o
publicado em fins de 1822, pois nele há
que permite um contínuo questionar
referência à Proclamação de D. Pedro I,
desses mesmos registros e da memória
assim constituída. de 21 de outubro de 1822, reafirmando
a Independência do Brasil perante Por-
Com o objetivo de recuperar o pen- tugal. Poucos meses se passaram entre
samento político desse personagem,
ambas as edições: como referido no
analisa-se a seguir a visão histórica e os
texto analisado, a Constituinte “ia em
projetos de Brasil por ele apresentados
em livro publicado entre os anos de breve se reunir”, o que de fato se deu
1822 e 1823, em momento crucial para em três de maio daquele ano.
a institucionalização do estado naque-
le país em formação. Após uma breve reflexão sobre a co-
lonização e a chegada da corte portu-
guesa ao Rio de Janeiro (Caps. 1º e 2º),
o autor se dedicou à análise dos acon-
tecimentos sequenciais à Revolução do
A história entre virtudes e vícios
Porto, de agosto de 1820 (Cap. 3º), para
a seguir expor os seus pontos de vista
sobre como deveria ser uma Constitui-
Em 1823, ano em que se reuniu a As-
ção adequada à visão que tinha sobre
sembleia Geral Constituinte e Legislati-
va do Império do Brasil, José Bernardi- o Brasil da época, temática que ocupou
no, aos 40 anos de idade, publicou um a maior parte do trabalho, do Capítulo
pequeno livro, de 89 páginas, intitula- 4º ao 10º.

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Numa visão da história como resultado Manoel, que, “não menos possuído do
do embate entre virtudes e vícios, aos espirito de conquista, do que seus Pre-
moldes do pensamento que se apre- decessores, não afrouxa nos grandes
sentou no renascimento e assumiu for- projetos” (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823,
mas próprias no iluminismo (POCOCK, p. 4). Contudo, rapidamente, na coloni-
2003b; GAY, 1996; PORTER, 200l), de zação da América Portuguesa, as pos-
forte conotação moral, José Bernardino turas virtuosas teriam se transformado
considerou inicialmente ter sido fruto em seu inverso, com ações predatórias
do “Heroísmo” o encontro de parte das de todo o tipo, movidas pela “violência”,
terras que vieram a se chamar América “avareza”, “perversidade”, conforme as
– referido como a “descoberta do Bra- descrições do autor. Em síntese, na co-
sil” – por parte dos portugueses. Admi- lonização,
rando a constituição independente de Os aventureiros correm, e se disputam o
Portugal no século XII – quando “assu- campo; o fausto, o esplendor, a prepotên-

miu cheio de gloria a Dignidade Real” cia, e o ócio querem ter o seu assento um
dia; a ambição faz insuperáveis esforços,
– elogiou o espírito guerreiro do seu e nada lhe resiste. A justiça fugiu espavo-
povo e o movimento das conquistas ul- rida; a inocência manchou-se tímida; o

tramarinas, sob “D. Henrique Príncipe, orgulho pisou a fraqueza; o sangue imo-
lou-se às fúrias; e o despotismo sancio-
que ajuntava às virtudes de um Herói nou a férrea, e espinhosa coroa (PEREIRA
Patriota os conhecimentos de Filósofo” D´ALMEIDA, 1823, p. 6).

(PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 3). Ava-


A descoberta do Brasil, que teria redun-
liou ele que
dado da ação de um povo de força he-
o valor vence coisas, quase impossíveis roica, acabou resultando numa coloni-
n´aqueles tempos; terras incógnitas se
zação de fracos. Recorrendo às falas de
fazem planas, e Dias monta em 1486 o
Cabo Tormentório. É assim que uma Na- Ganganelli4, reafirmou o magistrado: “a
ção recente, estreitada nos seus limites, fraqueza foi o campo das Coroas, que
se levanta de chofre à maior grandeza,
fracos as semearão, e fortes as colhe-
e espanta o mundo com seu Heroísmo!
(PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 3).
4 Giovanni Vincenzo Antonio Ganganelli (1705-1774),
ordenado franciscano aos 18 anos, foi o Papa Cle-
mente XIV (1769-1774), que ordenou a extinção da
De modo semelhante teria agido D. Companhia de Jesus em 1773 (RANKE, 1993, p. 571).

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rão!” (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 4). REIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 24). Nes-
Observe-se que, de acordo com um dos se contexto, “o Brasil coberto de pejo, e
maiores expoentes do iluminismo, o dor foi abrindo os olhos, conhecendo o
escocês David Hume (1711-1776), a ta- funesto efeito da sua precipitada boa
refa do historiador seria a de observar a fé [...]” (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p.
ascensão, o progresso, a decadência e a 31). Mas com a Independência voltara
extinção final dos mais prósperos impé- a esperança. Registrando, na sua ava-
rios: as virtudes, que contribuíram para liação dos feitos históricos, não o sete
a sua grandeza, e os vícios que os leva- de setembro, mas a convocação da As-
ram à ruína“ (PORTER, 2000, p. 232)5. sembleia Geral Constituinte e Legislati-
va do Brasil e a aclamação de D. Pedro6,
Nesse caminho de alternâncias, na vi-
afirmou José Bernardino:
são do autor em análise, perdeu-se a
nova oportunidade de grandeza que a O decreto de 3 de Junho é hum dos maio-
res rasgos políticos, pelo tom enérgico,
“Providencia parecia ter marcado” para a
que veio dar aos negócios do Brasil, e
“Nação Portuguesa” com a vinda da Cor- o dia 12 de Outubro asselando a nossa
te para o Brasil. Dadas a incúria e ganân- gloria, impôs a todo o Cidadão Brasilei-
ro o honroso dever de conduzir-se com
cia do Ministério, “em nada, como expli-
o valor d´hum Agezilão imolado sobre o
ca Goddin, se reformou o gótico edifício altar do Sol. A nossa briosa divisa é = In-
elevado pelo tempo, e pela força, e com- dependência, ou Morte; = e por assim se
posto de peças juntas pelo acaso, as devem regular os que tentarem a ela. A
Proclamação de S.M.I. de 21 de Outubro
circunstâncias, os prejuízos” (PEREIRA
corrente é um monumento d´honra, e
D´ALMEIDA, 1823, p. 22). generosidade politica, aonde as gerações
futuras de Portugal estudarão os princí-
Igualmente, a “desordem, a força, a fal- pios da sua fortuna, ou desgraça, depen-
ta de consideração, e prudência, a igno- dentes da sua, ou não observação (PE-

rância” foram responsáveis pela perda 6 Como bem mostrou Maria de Lourdes Viana Lyra
(1995), os fatos ocorridos em São Paulo no dia 7 de
de esperança na regeneração prometida setembro de 1822 não tiveram na época ressonância
como marco da Independência. Tratou-se de uma
pela Revolução do Porto de 1820 (PE- memória construída a partir da abertura do Parla-
mento, em 1826, para glorificar a soberania do Im-
5 Tradução livre da autora do original em inglês: “to remark perador na constituição do estado monárquico brasi-
the rise, progress, declension, and final extinction of the leiro. Por sua vez, a convocação da Assembleia Geral
most flourishing empires: the virtues, which contributed Constituinte e Legislativa do Brasil se deu em 3 de
to their greatness, and the vices which drew on their ruin” junho de 1822 e a aclamação de D. Pedro I em 12 de
(PORTER, 2000, p. 232). outubro do mesmo ano.

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REIRA D´ALMEIDA, tiça e o desenvolvi-


1823, p. 33-34) . 7 O modo pelo qual o autor
mento de atividades
analisado considerava como
O modo pelo qual o econômicas que, ao
deveria ter-se dado a ação
autor analisado con- engrandecer o Brasil,
metropolitana no que se
siderava como deve- seriam altamente be-
refere ao Brasil também
ria ter-se dado a ação néficas para Portugal.
se pautava pela ênfase às
metropolitana no que Na dimensão socio-
virtudes enquanto guia
se refere ao Brasil tam- econômica, conde-
exemplar para a ação
bém se pautava pela nava historicamente
histórica. Inspirando-se no
ênfase às virtudes en- a escravidão – impu-
filósofo renascentista Francis tando a Portugal ter
quanto guia exemplar
Bacon, ponderou que “os “inventado o mais ne-
para a ação histórica.
Inspirando-se no fi-
meios de fazer prosperar, fando Comércio, o da
lósofo renascentista e segurar a posse d´hum Escravatura” – e tam-
Francis Bacon8, ponde- País novo, só habitado de bém a exploração do
rou que “os meios de inocentes ignorantes, seriam ouro em detrimento
fazer prosperar, e se- o emprego da docilidade, e da lavoura, por sua
gurar a posse d´hum virtude, mandar-lhes gente vez espoliada pela
País novo, só habitado proba” grande propriedade
de inocentes ignoran- improdutiva. Nesse
tes, seriam o emprego da docilidade, e sentido, aproximava-se dos preceitos
virtude, mandar-lhes gente proba” (PE- fisiocratas e da ilustração luso-brasi-
REIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 7). leira. Cabe lembrar, José Bonifácio de
Andrada e Silva também acusava Por-
Com base numa ocupação humana
tugal por ter inventado a escravidão, na
desse nível, seria possível, segundo
ele, a adequada administração da jus- sua famosa Representação à Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa do Império
7 O autor refere-se à possibilidade de guerra com Por-
tugal. do Brasil sobre a escravatura (DOLHNI-
8 O inglês Francis Bacon (1561-1626) atuou em diferentes
áreas do conhecimento. Sua obra filosófica mais importan- KOFF, 1998).
te é o Novum Organum, em que discute os princípios de in-
terpretação da natureza, com ênfase na experiência, ainda
que articulada à razão (CHALLAYE, 1970, p. 103). No que se refere ao mundo rural, as

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críticas e sugestões do magistrado práticas socioeconômicas de Pombal


em relação à atuação metropolitana para a colônia12.
equiparam-se aos posicionamentos
A questão fundiária, com um longo
do ilustrado Luís dos Santos Vilhena9,
percurso em Portugal e no Brasil no
expostos nas Notícias Soteropolitanas,
transcorrer do século XVIII, foi retoma-
escritas entre 1798 e 1802, visando às
da por José Bernardino como um ponto
reformas que poderiam consolidar a
crítico fundamental da espoliação me-
dominação metropolitana no quadro
tropolitana. Tomando como exemplo
de problemáticas do que posterior-
o seu município natal, afirmou:
mente se concebeu como a crise do
antigo sistema colonial10. Entre outros A Villa de Campos, um dos mais férteis
pontos de relevância – dos quais o texto torrões do Brasil, depois de pertencer a
muitos Donatários, sem que nenhum a
em avaliação se aproxima – nas Notícias
pudesse povoar, e cultivar, a necessidade,
se realizaram análises muito significa- a desesperação, e o interesse a dividiu; e
tivas, criticando a estrutura fundiária inda assim qual tem sido o resultado des-
ses grandes quinhões? Terrenos incultos,
no Brasil, que, por sua vez, estavam em
e perdidos, entregues às inundações, e
consonância com os pensamentos de de férteis campos tornados pantanosos
D. Luís da Cunha para Portugal e as
11 charcos; a confusão, e a incerteza dos do-
mínios, viveiro de litígios; o escandaloso
9 Luís dos Santos Vilhena (1744-1814) nasceu em Portugal e, feudalismo d’alguns d’esses proprietários
após ter alternado suas atividades profissionais entre o ser-
viço militar e o magistério, veio para Salvador em 1787, aos
(PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 9).
43 anos de idade, assumindo a cadeira de professor régio de
grego. As Notícias Soteropolitanas foram escritas em forma
de cartas. As primeiras vinte surgiram entre 1798 e 1799, No campo sociocultural, o autor conde-
dedicadas ao Príncipe Regente D. João e ao amigo fictício Fi-
lipono. A vigésima-primeira ficou sem dedicatória e as três
nou a Igreja por seu apoio à forma pela
últimas foram dedicadas a D. Rodrigo de Souza Coutinho e
a outro amigo fictício, Patrifilo. Vilhena sabia, contudo, que
qual Portugal procedeu em relação ao
não seriam elas publicadas. Tiveram forma impressa apenas
120 anos depois, em 1922, em Salvador, pela Imprensa Ofi-
Brasil, dando vestes santas à escravatura,
cial da Bahia, por iniciativa de Brás do Amaral. Embora tra- ao massacre dos indígenas, acobertan-
tassem grandemente da Bahia, parte das cartas estendeu-se
para outras capitanias da Colônia (JOBIM, 1983). do a ação daninha dos proprietários. De
10 A obra clássica para a caracterização da temática é a de
Novaes (1979). Ver também: Maxwell (1995). modo coerente com uma visão religio-
11 D. Luis da Cunha Zacaria de Aça (1662-1749), ma-
gistrado, político e diplomata português que serviu
como embaixador do seu país nas cortes de Londres, 12 José Sebastião de Carvalho e Melo (1669-1782) – futura-
Haia, Madri e Paris, escreveu um célebre testamento mente Conde de Oeiras e depois Marquês de Pombal – foi o
político, voltado para a análise da realidade portugue- célebre ministro de D. José I (1750-1777), que implementou as
sa, sob o enfoque da Ilustração (LEME, 2011). reformas ilustradas no Império português (MAXWELL, 1996).

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sa que se insere nas possibilidades ilu- fazer, e como nos havemos de regular, do
que a razão dos atos, e contratos antigos
ministas (CASSIRER, 1997, p. 189-266),
[...]. Temos outros costumes, outra Re-
defendeu outra forma de religiosidade, ligião, outro pensar, e outras urgências;
ainda que de obediência católica, en- tenham as nossas Leis em si mesmas as
suas fontes (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823,
fatizando a importância do ensino re-
p. 61).
ligioso como instrumento do seu con-
ceito civilizatório: “a mansidão, a paz, a De acordo com os princípios ilustrados,
caridade, e o ensino são os verdadeiros José Bernardino valorizou amplamen-
caracteres da religião...”. Não à toa, te a educação nas suas propostas para
recorreu com frequência a citações a reorganização do Brasil pós-indepen-
de Ganganelli, o pregador apostólico dência. Com várias referências a Rous-
franciscano que, tornando-se papa seau, a Bernardin de Saint-Pierre13 – e
em 1769, extinguiu posteriormente a também a Montaigne e Locke14 –, con-
Companhia de Jesus, em 1773. denava os castigos, considerando que a
“benignidade, afeição e boas maneiras”
Por sua vez, em consonância com deveriam orientar a conduta dos mes-
a crítica social da Ilustração, assim tres, num ensino de base laica, não su-
como um José Bonifácio ou um Hipó- bordinado à religião. Embora avaliasse
lito da Costa, o magistrado acoimou serem necessárias “muitas Academias”
quer a fidalguia tradicional quer a nova no Brasil, a ênfase das suas referências
aristocracia criada com D. João VI, con- nesse campo recaiu sobre as “aulas me-
trapondo-lhe o merecimento premia-
13 Bernardin de Saint-Pierre (1737-1814), escritor e
do como fator de distinção social. No botânico francês que se aproximou de Rousseau, de-
fendeu o casamento para os sacerdotes e elaborou
campo jurídico condenava o direito um Projeto para fazer a paz perpétua na Europa (REZA,
2015).
romano em defesa do direito natural 14 Como se sabe, Michel Eyquem de Montaigne (1533-1592),
filósofo e político francês, ficou especialmente conhecido pe-
e das gentes. Em avaliação crítica da los seus Ensaios, obra de grande alcance crítico e ético-moral.
Por sua vez, o inglês John Locke (1632-1704) e o franco-suíço
sua formação coimbrã, expressou ser Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) – ao lado das suas obras
fundantes nos campos, respectivamente, do liberalismo
tempo de perdermos a ideia de Coimbra, político e do que se considerou a radicalidade política do
iluminismo – dedicaram-se também a outras dimensões fi-
e do pomposo aparato, com que aí se en- losóficas. O primeiro analisou as formas de obtenção do co-
sina. Somos Portugueses, e não Roma- nhecimento, numa ênfase empirista, na sua obra Ensaio sobre
o entendimento humano; o segundo, entre outras referências,
nos; importa-nos mais o que devemos notabilizou-se pelo livro Emílio ou da educação.

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nores”, propondo ele a multiplicação do a produção desregrada – o que po-


de estabelecimentos públicos “princi- deria visar às monoculturas ao sabor do
palmente nas Villas e no campo”, onde mercado internacional, situação que a
“os seus habitantes, vivendo em distan- ilustração procurara reverter ao estimu-
lar a multiplicidade produtiva – o autor
cia, e sendo em geral pouco ilumina-
avaliado articulava produção diversifi-
dos, nem podem facilmente recorrer a
cada e circulação livre de mercadorias
particulares...” (PEREIRA D´ALMEIDA,
como base de uma economia saudável.
1823, p. 56).
Fazendo uso recorrente do por assim di-
zer pai do liberalismo econômico, Adam
Smith, considerava ele que

a essência real de toda a riqueza, e o que


Uma visão de Brasil na época da determina o seu valor é a maior, ou menor
Independência necessidade de consumo, coisas correla-
tivas entre si. Um País pouco habitado, e
sem Comércio é incapaz de riqueza; da
mesma sorte um produto excessivo sem
Como foi comum entre a geração da consumo não tem valor, nem se pode
Independência, em consonância com chamar riqueza (PEREIRA D´ALMEIDA,
a própria gênese europeia do mundo 1823, p. 15).

liberal (KOSELLECK, 2000), as propo-


Nesse diapasão, condenou toda forma
situras iluministas/ilustradas de José
de monopólio, do exclusivo comercial
Bernardino adiantaram-se para o libe-
ralismo. Observe-se que, embora num português às companhias pombalinas,
contexto político absolutista, as pro- como causas exemplares da opressão
postas do liberalismo econômico se di- colonial. Da mesma forma, condenou
vulgavam desde fins do século XVIII na as Cortes lisboetas, instituídas com a
colônia Brasil, adquirindo forte expres- Revolução Liberal do Porto, que no seu
são no início do século XIX com os tra- entender procuraram impor ao Bra-
balhos de José da Silva Lisboa – o futuro sil um “contrato de Escravidão”, com o
Visconde de Cairú – e as ações do gover- “monopólio dos seus gêneros” (PEREI-
no joanino. RA D´ALMEIDA, 1823, p. 24 e p. 28). Em
consonância com o espírito da época,
No plano econômico, embora critican- pregava a importância da economia

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politica, que deveria ser o fundamento duz-se uma citação de Cornélio Tácito
da ação cidadã, legislativa e executiva: (55-120), historiador romano muito
“até agora a economia politica era es- valorizado na renascença e no ilumi-
tudo de mero recreio particular; agora nismo: “Século feliz, onde se permite
deverá ser uma âncora da nossa sal- pensar, o que se quer, e dizer o que se
vação; todo Cidadão terá interesse na pensa”. Em relação ao estado, saudava
sua aplicação, máxime o Legista [...]. a quebra dos “anéis da pesada cadeia
D´outra sorte um Ministro de finanças” do despotismo” trazida pela Revolução
(PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 65). do Porto e a promessa de uma “Consti-
tuição liberal” (PEREIRA D´ALMEIDA,
Como aconteceu com a geração da
1823, p. 23).
Independência, para a qual, em face
das contradições joaninas e, ainda, em A partir dessas apropriações clássicas
sintonia com o que ocorria além-mar do campo liberal, importa, contudo,
(MOREL, 2005; SLEMIAN, 2006), liber- saber como delineava José Bernardino
dade econômica e política passaram a a formação do estado no Brasil de 1822
se coadunar mutuamente, também se e a efetiva concretização da liberdade
mostrava José Bernardino firme adep- cidadã. Como se sabe, o processo de
to dos princípios liberal-constitucio- independência do Brasil se deu no in-
nais. Não se tratava mais dos vassalos terior de um movimento constitucio-
de Vilhena, que seriam os agentes de nal desencadeado na metrópole, que
uma proposta de reforma para assegu- incluiu também as possessões ameri-
rar as estruturas absolutistas, mas dos canas. De acordo com os preceitos da
cidadãos, “os homens todos chamados Revolução Liberal do Porto, de 24 de
aos seus direitos, e obrigações, em fim agosto de 1820, elegeram-se repre-
à sua liberdade” (PEREIRA D´ALMEIDA, sentantes das antigas capitanias do
1823, p. 23). Aos moldes do liberalismo Brasil, transformadas em províncias,
clássico, enfatizava a necessidade de para participarem – em tese, em igual-
ser a “propriedade protegida, a segu- dade de condições com as províncias
rança pessoal respeitada”. Nos dizeres metropolitanas – das “Cortes Gerais e
que encabeçam o seu estudo repro- Constituintes Extraordinárias da Na-

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ção Portuguesa”, reunidas em Lisboa, cabe enfatizar, ainda pouco unidas en-
com a função de elaborar a constitui- tre si. Observe-se que a sua implemen-
ção que regeria o conjunto do Impé- tação requeria a adesão das províncias,
rio. Nesse contexto, os representantes não se impondo a elas.
das províncias brasileiras chegados à
Instalada a Assembleia em 3 de maio
metrópole tinham ainda muito pou-
de 1823, logo se formou comissão
co em comum, a ponto de um deles, o
específica para a elaboração de um
Padre Diogo Antônio Feijó, eleito por
projeto constitucional, colocado em
São Paulo, afirmar não representarem
plenário no dia 15 de setembro (RO-
eles o Brasil, mas sim suas diferentes
DRIGUES, 1974). Em meio às disputas
províncias (BERBEL, 1999; CARVALHO,
em torno da distribuição de poder en-
1979).
tre Legislativo e Executivo, do poder de
Foi nesse âmbito das Cortes lisboetas, veto do Imperador, da constituição da
à medida que se apresentavam as re- justiça e da existência de duas câma-
sistências portuguesas em relação à ras – num quadro em que a liberdade
autonomia da parte brasileira do Reino de imprensa recém-conquistada com
Unido, que surgiram os primeiros en- a Revolução do Porto achava-se ame-
tendimentos unitários entre as provín- açada – surgiram vários projetos (OLI-
cias. Por sua vez, a passagem dos pro- VEIRA, 1999) que se contrapunham
jetos de autonomia aos de separação no que tange ao estado a se institu-
teve um momento fulcral na convoca- cionalizar, debatidos na Constituinte e
ção, por parte de D. Predo I, da Assem- fortemente veiculados pela imprensa,
bleia Geral Constituinte e Legislativa muito ativa na época (LUSTOSA, 2000;
das Províncias do Brasil, em três de MOREL, 2001). Ter-se-iam constituído,
junho de 1822 (NEVES, 2003). Fórum nesse diapasão, diferentes posiciona-
esse em que se deveria estabelecer um mentos no que se refere à soberania
pacto político para a constituição do es- do estado, entre os poderes provinciais
tado brasileiro, entre os representantes – num extremo, absolutizados – e os
das províncias que sucederam às capi- do governo que se construía no Rio de
tanias gerais da América Portuguesa, Janeiro, noutro extremo, fortemente

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centralizado. Nesse leque de possibi- lhar as propostas do autor analisado,


lidades (LYNCH, 2014b) – em que se na busca de se recuperar a complexi-
forjaram denominações como liberais- dade dos projetos que envolveram a
-radicais, federalistas, liberais-moderados, formação do estado imperial no Brasil
áulicos – José Bernardino foi um consti- (BERBEL, 2012; LYNCH, 2014a; PEREI-
tucional claramente colocado no cam- RA, 2014; PEREIRA, 2010; RIBEIRO &
po chamado unitário, ou centralista, ou PEREIRA, 2009; OLIVEIRA, 2009; SLE-
seja, daqueles que propunham a uni- MIAN, 2009).
dade das províncias do Brasil em torno
da configuração de um centro de poder Após a reafirmação da Independência
soberano no Rio de Janeiro, comanda- na proclamação de D. Pedro I, de 21
do por D. Pedro I. de outubro de 1822 (PROCLAMAÇÃO,
1822) considerava José Bernardino o
O alinhamento na direção unitária quadro geral para a institucionaliza-
não significou, contudo, homogenei- ção do estado como aquele em que
dade de propostas entre os que assim adviriam
se posicionavam, mas, antes, a recusa
leis próprias acomodadas ás nossas cir-
aos entendimentos federalistas que sob
cunstâncias de localidade, e costumes,
essa denominação abrangiam então Comércio livre, a quem nos convier, ad-
projetos confederativos (COSER, 2008), ministração de Justiça pelos meios que
julgarmos adequados, hum Imperador
em que o estado é pensado como uma
Amigo, e Patrício, eis o que tem de cons-
união igualitária das suas partes com- tituir hum poder inteiramente substan-
ponentes, sem que haja um centro so- tivo (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 34-
35).
berano que a elas se imponha (LEVI,
1991, p. 218). No debate político da Preocupava-se ele com o equilíbrio de
época, adquiriu visibilidade a contra- poderes, temática que se tornou alvo
posição entre federalistas – também de grandes debates, com os chamados
alcunhados de liberais-radicais – e cen- liberais-radicais defendendo a sobera-
tralistas, permanecendo na penumbra nia do Legislativo sobre o Executivo,
importantes diferenças nesse último enquanto nas formulações unitárias,
campo. Dessa forma, importa deta- com matizes variados, enfatizava-se a

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soberania, ou, ao menos, a importân- O magistrado referiu-se positivamen-


cia significativa do executivo, vide, do te à legislação pombalina de julho de
Imperador. José Bernardino deu priori- 1763, restringindo o poder dos juízes
dade ao tema, numa definição clássica ao que se entendia por aplicação neu-
de princípios: para ele, “o primeiro cui- tra da lei. Na sua avaliação, “os Juízes
dado” do Congresso “a instalar-se” devem cingir-se à letra da Lei [...] só
ao poder Legislativo deve competir
será sem duvida a Constituição, e nela
marcar as raias dos poderes, de sorte que quanto for concernente a este objeto”
hum não se possa atribuir as funções de (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 46).
outro, e que marchando todos em jus-
to equilíbrio sem conflitos de jurisdição, Por sua vez, ao apreciar o papel do Mi-
sempre danosos, todos concorram para
nistério, mostrou temor quanto a uma
a salvação da Nau Política (PEREIRA
D´ALMEIDA, 1823, p. 38-39).
possível exacerbação do poder execu-
tivo em detrimento do legislativo:
Colocando-se de modo aparentemen-
Nada porém me parece tão espinhoso
te neutro em relação à primazia dos
como o Ministério... Que cuidados, que
poderes legislativo ou executivo, seu prudência, que sabedoria precisa hum
posicionamento clarificava-se, contu- Monarca, para não ser fascinado por ele,
e não atropelar os mais sagrados direitos?
do, na ênfase sobre as atribuições do
O Ministério será sempre o medianeiro
Legislativo e do Judiciário, em prol do das graças, sempre junto ao trono por
primeiro. Advogava que as leis deve- necessidade; este cargo sempre revesti-

riam ser pormenorizadas, pois, quan- do de grandes atributos, que perigos?...


Da responsabilidade, pois, do ministé-
to mais breves, maior o campo para
rio persuado-me dependerá a felicida-
as “interpretações, e mais arbitrário o de permanente, ou desgraça do Brasil...
Juiz, e então a sua vontade dirigida já Leis sem execução é um esqueleto, que
só mete medo às crianças... (PEREIRA
pela maldade, já pela indulgência, ora
D´ALMEIDA, 1823, p. 39-40).
pela ignorância, e ora pelo interesse
formará a lei, e nesse caso desaparece Estendendo-se sobre as demais pau-
a segurança pessoal, a propriedade e tas políticas, os posicionamentos de
a Constituição” (PEREIRA D´ALMEIDA, José Bernardino oscilavam em fun-
1823, p. 46-47). ção das ambiguidades inerentes à

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própria gênese liberal. Dessa forma, guagem é abater o talento e sufocar a


simultaneamente à ênfase dada à emulação” (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823,
“segurança pessoal” e à “propriedade”, p. 41).
referia-se a “uma bem entendida li-
O significado desse posicionamento
berdade”, como
em relação à censura pode ser ava-
pontos de grande embaraço, e em que liado ao se considerar que, a partir de
são tantas as considerações, tão perigo-
fins de 1822, logo após a Independên-
sas as restrições, tão abusivas as ampli-
tudes, que é consideravelmente difícil cia, a imprensa no Rio de Janeiro foi
segurar qualquer decisão, e podemos arduamente reprimida. O autor em
afoitamente dizer que nos países Consti-
análise se mostrou, contudo, simpáti-
tucionais ainda a este respeito, lis sub ju-
dice est15 (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. co, senão partidário, do Ministério di-
41-2). rigido por José Bonifácio, responsável
por essa perseguição, ao expressar ser
Como agir constitucionalmente em
o Ministério “atual”, “sábio, prudente, e
relação à liberdade? Inspirando-se em
inteiro” (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823,
Benjamin Constant, defendia ele a liber-
p. 40). O que pode ter sido um recurso
dade de expressão do pensamento – o
para evitar represálias.
“direito de declarar os seus sentimentos
em tudo” em relação à coisa pública – Com base nos princípios expostos nos
como fundamental para o “tipo do ca- primeiros capítulos do texto, José Ber-
ráter constitucional”. Simultaneamente, nardino destacava como “outro obje-
temia o que poderia configurar um ex- to do nosso Congresso” a elaboração
cesso de liberdade, “quando falta a boa de “um Código civil, e criminal, Leis
moral”, reputando que “sem depurados agrárias; comerciais, de administra-
costumes uma tal liberdade é mais que ção de Fazenda, e Militares” (PEREIRA
perigosa; ela só servirá de açular a male- D´ALMEIDA, 1823, p. 42). Congresso
dicência [...]”. Mas optava pela liberdade esse em que a “sabedoria” e a “prudên-
de expressão: “com tudo não me decido cia” seriam as virtudes mestras a guiar
pela censura; escravizar a pena e a lin- os passos dos constituintes, no en-
frentamento das “tormentas” que pu-
15 Locução latina que significa “a questão está pendente do
juiz”, empregada para situações controversas. dessem surgir. Expôs ele, nos capítu-

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los seguintes, seus posicionamentos param da questão fundiária17. Mas


sobre parte desses temas. José Bernardino estendeu-se ainda
sobre a necessidade de se protegerem
Em primeiro lugar destacou a “lavoira”, e desenvolverem em diversos níveis as
que, de modo coerente com sua crítica populações rurais – os trabalhadores –
colonial, seria, junto com o “trabalho”, quer se tratasse da educação, da saú-
“a mola real da nossa riqueza”. Invocan- de, ou das condições materiais:
do o filósofo natural Joseph Priestley16,
considerou que Por entre mil dificuldades apenas alguns
lavradores aprendiam a escrever o seu
Depois de governo livre, e leis sabias, a nome; nas suas enfermidades curava-

Agricultura, é a mais estável muralha de -os a natureza, desconcertados arbítrios


lhes faziam gemer todos os dias ao lado
todos os melhoramentos da vida social.
da opressão, e da miséria; e até parecia
Um país com extraordinária capacidade
que o sustento lhes era desnecessário à
de aumentar em população, de que tanto
vista dos destinos extravagantes, e forço-
precisamos, deve fazer os maiores esfor-
sos, a que eram rigorosamente obrigados
ços para empregar toda a sua aplicação fora de suas Casas, e lavoiras, e em tem-
na providente arte de tirar da terra todas pos já de planta, já de colheita (PEREIRA
as produções, de que ela for suscetível D´ALMEIDA, 1823, p. 50-51)18.
(PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 51).
Observe-se que o autor tratava de uma
Para o fortalecimento da lavoura ur- “lavoira” dependente de mão de obra li-
gia, contudo, a elaboração de uma lei vre e não escrava, o que se coadunava
fundiária, “fazendo rotear Sesmarias com o entendimento de expansão po-
tiradas a imensos anos sem cultura” pulacional, diversificação da produção
(PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 48). e tamanho das propriedades, pensa-
Nesse diapasão, o autor se aproxima-
va de outros elementos da geração da 17 O texto mais conhecido é o de José Bonifácio de Andrade
e Silva, Apontamentos sobre as sesmarias do Brasil. (DOLHNIKO-
Independência, que também se ocu- FF, 1998). Mas existiram mais projetos, como o apresentado
pelo padre Antônio Diogo Feijó, quando membro do Conse-

16 Joseph Priestley (1733-1804), ministro protestante in- lho Geral da Província de São Paulo (LEME, 2011); ainda de
glês dissidente, foi notável pelas suas experiências científi- muito interesse, são as análises de Antônio José Gonçalves
cas e atividades como educador. Passou os últimos dez anos Chaves, português radicado no Rio Grande do Sul, ao tratar
da sua vida nos Estados Unidos, onde se tornou próximo de da “distribuição das terras incultas”, em suas Memórias ecôno-
Thomas Jefferson. Escreveu várias obras de filosofia natu-
mo-políticas sobre a administração pública do Brasil.
ral, teologia e ciências. De acordo com Peter Gay (1996, p.
144), foi um cientista inventivo e filósofo materialista (“an 18 A última referência da citação diz respeito à utilização
iventive scientist and philosophical materialist”). dos lavradores para ações militares.

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do para o desenvolvi- foi o caso do próprio


A sistematização, em livro,
mento do Brasil. Nas José Bonifácio.
nas perspectivas próprias ao
suas propostas ao
autor, dos princípios liberais/ A sistematização, em
Congresso, silenciou
ilustrados que marcaram a livro, nas perspecti-
sobre a escravidão,
geração da Independência vas próprias ao autor,
mas, ao condenar his-
e os posicionamentos dos princípios libe-
toricamente a inven-
constitucionais do rais/ilustrados que
ção da escravatura por
segmento unitário, logo marcaram a geração
Portugal, apresentou,
após a consecução da da Independência e
em nota, o seu posi-
Independência, já constitui os posicionamentos
cionamento para as
em si um marco para se constitucionais do
circunstâncias do mo-
avaliar a iniciativa política segmento unitário,
mento em que escre-
de José Bernardino, visando logo após a consecu-
via. Considerando ser
à institucionalização da ção da Independên-
impossível a imediata
vida pública brasileira. cia, já constitui em
extinção do cativeiro
Por sua vez, inovou ele si um marco para se
– dada a impossibili-
ao destacar, em capítulos
dade de uma rápida avaliar a iniciativa po-
específicos, duas questões
substituição da mão lítica de José Bernar-
básicas para a formação do
de obra – aconselhava dino, visando à ins-
estado soberano: o modo
José Bernardino ape- titucionalização da
de se unirem as partes que o
nas “um melhor trata- vida pública brasilei-
compunham (Cap. 9º, “União
mento dos Escravos, já ra. Por sua vez, inovou
das Províncias”) e a questão
no seu sustento, e ves- ele ao destacar, em
dos impostos (Cap. 10º,
tuário, já no seu curati- capítulos específicos,
“Taxas”)
vo, castigos, e serviços” duas questões bási-
(PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 11). No cas para a formação do estado sobera-
que foi semelhante à grande maioria no: o modo de se unirem as partes que
dos seus contemporâneos antiescravis- o compunham (Cap. 9º, “União das
tas, que, com nuances variadas, em li- Províncias”) e a questão dos impostos
nhas gerais assim se colocavam, como (Cap. 10º, “Taxas”).

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O isolamento, as diferenças e contra- em “razão da sua grande extensão” (PE-


posições – bem como a possibilidade REIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 69), que
de união das diferentes partes que for- impediria a devida execução do poder
maram a América Portuguesa – consti- legalmente instituído. Mostrou, ao
tuíram objeto de inquietação entre as contrário, a sua viabilidade, argumen-
elites liberais brasileiras. Como referido, tando com a impraticabilidade tam-
manifestada já entre os representantes bém dos “governos pequenos, quando
provinciais nas Cortes lisboetas, a ques- o executivo não tem o vigor devido”, vi-
tão se reapresentou ao se consumar a gor esse que se articularia com a “ener-
Independência, sob a forma da autono- gia” da lei, “pois é quem pode tornar
mia provincial a ser obtida em relação mais vigorosa a circulação do poder”
ao centro de poder em constituição no (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 70).
novo país. Para os federalistas, ela deveria
Considerou o magistrado que as “Pro-
ser absoluta (COSER, 2008; BERNAR-
víncias interessam nas suas comodi-
DES, 1997). E para os centralistas? Indi-
ca-se a existência entre eles de enten- dades, e gozos, e isto só lhe pode provir

dimentos variados quanto ao nível de da união, e esta, ou a sua falta consti-


autonomia que as províncias poderiam tuirá a sua situação mais, ou menos fe-
obter, uma vez assegurada a soberania liz, e vantajosa” (PEREIRA D´ALMEIDA,
do poder central. 1823, p. 71). Elencou vários “meios” de
“interessar as Províncias, e a nação em
Das 89 páginas do seu livro, José Bernar- geral” (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p.
dino dedicou 16 para tratar da questão, 72) nesse movimento centrífugo em
adiantando formulações específicas ao relação ao Estado, numa combinação
campo unitário, ao pensar o “modo re- de preceitos morais com atitudes prá-
gulamentar de conservar as Províncias, ticas de organização político-adminis-
e faze-las prosperar livres do despo-
trativa, que poderiam “conquistar” a
tismo...” (PEREIRA D´ALMEIDA, 1823,
almejada união.
p. 67). Em primeiro lugar, rebateu as
alegações, de teor absolutista, de um A “Constituição moral” – “um outro meio
governo liberal não se adequar ao Brasil de segurar as Províncias” – garantiria a

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estabilidade política, sobrepondo-se aos Com base nessas formulações, poder-


corretivos administrativos ou ao uso da -se-ia assimilar o autor ao que Ivo Co-
força, que se torna necessária “à propor- ser denominou “federalismo mitigado”
ção que as ideias morais se enfraque- (COSER, 2011), tendência que estaria
cem... e estes recursos são sempre insu- representada nos posicionamentos do
ficientes, e as mais das vezes produzem deputado por São Paulo à Assembleia
efeito contrario” (PEREIRA D´ALMEIDA, Geral Constituinte e Legislativa do Im-
1823, p. 74). Para a concretização no Bra- pério do Brasil, Nicolau Pereira dos
sil do que para ele era a “certeza” de um Campos Vergueiro.

governo, talvez “o mais liberal conhecido


Quanto aos impostos, a tônica do perí-
até o presente”, “ o essencial está em que
odo da Independência, entre os diver-
esses Poderes [...] sejam bem formados, sos segmentos políticos atuantes nesse
e sabiamente dirigidos: e que os povos processo, foi a condenação dos abusos
conheçam os seus direitos e obrigações” absolutistas e coloniais; a questão fis-
(PEREIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 80). O cal, no que se refere à organização do
apelo moral se espraiava assim para to- estado a se constituir, ainda naque-
dos os níveis de governo. le momento não adquirira expressão
significativa. A temática surgirá na im-
No contexto do pensamento unitário,
prensa, embora ainda obnubilada por
José Bernardino incorporava um sig-
outros debates em cena, no ano de
nificativo nível de autonomia para as
1823, sobretudo devido à pena dos li-
províncias, em que “o poder adminis-
berais-radicais que recusavam ao Rio de
trativo” deveria se exercer
Janeiro uma regularidade na obtenção
o mais aproximadamente possível à von- de recursos financeiros mediante a co-
tade, e opinião recebida; sempre que es- leta de impostos (LEME, 2016).
tas não se encontrarem com a essência, e
natureza das instituições fundamentais, Antecipando-se ao aflorar dessa dis-
é rigorosa justiça condescender com os cussão, José Bernardino – que também
povos; o contrario é produzir desgostos,
clamava contra os impostos coloniais
partidos, comoções, e resultados tristes
de princípios, que em si nada valem (PE- – defendeu claramente a instituição
REIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 81). da soberania fiscal por parte do gover-

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no central, considerando que a “nação nos marcos fisiocratas que, se coinci-


quer, e é obrigada a concorrer para as dentes com tendências verificadas no
despesas públicas [...] devendo-se, interior do Iluminismo, deixaram de se
contudo, estabelecer o ‘modo’ adequa- coadunar com a sociedade burguesa
do para esse procedimento” (PEREIRA desenvolvida, no transcorrer do século
D´ALMEIDA, 1823, p. 84), posiciona- XIX, em partes da Europa e dos Estados
mento semelhante ao que elaborarão Unidos da América.
mais tarde os paulistas sobre a temáti-
Recorrendo ao historiador grego Xeno-
ca (LEME, 2015).
fonte (cerca de 430 a.C.- 355 a.C.), lou-
Com forte influência iluminista, com vou ele a agricultura como “esta susten-
uma visão humanista da história e da tadora do gênero humano, esta fonte
sociedade, baseada no embate entre da abundância, da saúde, dos prazeres
virtudes e vícios, complementada por inocentes, esta conservadora dos cos-
análises socioeconômicas e políticas tumes, escola de todas as virtudes” (PE-
pragmáticas, racionais, José Bernar- REIRA D´ALMEIDA, 1823, p. 49). Pelo
dino mostrou-se um forte adepto do que se apreende dessas formulações,
livre-câmbio e dos princípios políticos o reverenciar da agricultura não decor-
liberais. É recorrente no seu texto a re- reria apenas da situação concreta da
ferência a uma plêiade de autores, des- economia brasileira na época, mas de
de alguns mais conservadores do cam- uma visão de mundo em que se idea-
po iluminista/liberal, a outros mais lizava a ruralidade e se condenavam
radicais, como os já referidos Bernardin as “grandes riquezas” que “destroem o
de Saint-Pierre, o ministro inglês dissi- equilíbrio entre os Cidadãos” (PEREIRA
dente Joseph Priestley, Gabriel Mably19, D´ALMEIDA, 1823, p. 74).
além do próprio Rousseau.
Idealização essa que poderia decorrer
Contudo, pelo menos até a época em do apego às suas atividades econômi-
que escreveu o livro em análise, seus cas de origem. Com o encerramento da
ideais socioeconômicos se mantiveram 2ª. Legislatura, esse personagem, que
19 Gabriel Bonnot de Mably (1709-85), figura central em 1821 já abandonara a magistratu-
na história do pensamento republicano na era do Ilu-
minismo e da Revolução Francesa (WRIGHT, 1996). ra, ao que se indica afastou-se também

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da lide política e “dedicou-se á lavoura, cia do Espírito Santo. Em face da sua atu-
a que iniciou alguns melhoramentos e ação no cenário político do 1º Reinado,
deu-se também a estudos da medicina o seu desaparecimento da memória histó-
homeopática”. Segundo Blake (1898), rica/historiográfica coloca indagações a
no transcorrer da sua vida publicou os respeito das razões para esse silêncio.
seguintes trabalhos: Esboço sobre os obs-
taculos que se teem opposto à prosperidade Da mesma forma, indaga-se sobre as
da villa de Campos, oferecido aos habitantes razões para o esquecimento do seu livro
da mesma (1823); Dissertação analytica de 1823, tão claramente voltado para
sobre a legis lação e pratica orphanologica a apresentação de propostas à Assem-
(1824); Pratica homeopathica dedicada por bleia Constituinte, em que se articulava
um pai a seus filhos (1856-1857). uma importante visão socioeconômica
– com ênfase na extinção do latifúndio
José Bernardino faleceu em sua fazenda e sua reordenação produtiva – a um
da Boa Vista, no município de Niterói, projeto de ordenamento político-insti-
a 29 de janeiro de 1861, aos 77 anos de tucional, antecipando posicionamentos
idade. Foi o único personagem registra- mais tarde desenvolvidos na imprensa
do por Sacramento Blake para a provín- liberal-moderada.

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