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ISSN: 1983-8379

O espaço da crítica literária: a academia e os rodapés

Sílvia Michelle de Avelar Bastos Barbosa1

RESUMO: Este trabalho busca observar aspectos relevantes sobre a crítica literária exercida
no Brasil tanto em seus fundamentos teóricos, cujas discussões se renovam de tempos em
tempos, quanto no atual exercício da crítica nos meios de comunicação.

Palavras-chave: Crítica; Literatura; Academia; Jornalismo.

Seria bem mais fácil aceitar a crítica enquanto um simples texto promocional e
impressionista, agradável de se ler na pressa cotidiana. E assim é feita e consumida a crítica
de literatura em nossa sociedade. No entanto, a pesquisa um pouco mais atenta nos dá a
dimensão do objeto analisado. Nomes como Antonio Candido, Sílvio Romero, Afrânio
Coutinho, Flora Sussekind e Daniel Piza trabalharam e/ou vêm trabalhando minuciosamente
em cima de conceitos que fazem da Crítica uma atividade cuidadosa e abrangente. E, acima
de tudo, um ofício que exige estudo, atualização e tempo.
As correntes antagonizam-se, convergem, tropeçam umas nas outras, mas fornecem
um material significativo pra os críticos em formação. As adequações à época e momento
fazem-se necessárias, mas essencialmente consegue-se extrair os caminhos que devem ser
seguidos para a construção um bom texto crítico.
A pergunta básica que norteia este estudo é: para quê serve a crítica? Antes de se
fazer qualquer análise sobre seu processo de construção, sobre seus teorizadores ou sobre
suas particularidades, há que se entender porque fazemos crítica.

1
Graduada em Comunicação Social pelo Centro Universitário Newton Paiva e atual Mestranda em Literaturas
de Língua Portuguesa pelo Programa de Pós-graduação em Letras da PUC/Minas. Bolsista do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).

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Uma boa resposta seria a de que ela prepara o terreno para um futuro e uma
sociedade melhores. A oferta de bons textos para o grande público aguça a leitura atenta,
posicionada e que exige uma busca por novas fontes de argumentação e reflexão. O viés
sociológico aparece aqui como uma parte importante da análise – desde que não recaia em
sociologia pura e história, como afirmaria com veemência Antonio Candido – capaz de
colocar a crítica em sua posição de registro fundamental da cultura de um povo.
Outra resposta palatável seria dizer que o texto crítico possibilita um mergulho
profundo na obra, desvendando alguns mistérios, colhendo reações, mediando e ampliando o
que ali está escrito com o que outros já escreveram. Sem a superficialidade dos “achismos”,
mas com uma conotação particularmente estética, na qual a obra é tratada como finalidade, e
não como meio: “a obra é o centro da preocupação crítica e a obra em sua característica
estético-literária”. (COUTINHO,1949, p.27). Recairia-se, então, na corrente liderada pelo
citado Afrânio Coutinho, um dos expoentes da crítica no Brasil, ao lado de Candido.
O assunto é delicado, uma vez que as diferenças e os problemas podem ser muito
sutis. E, também, por ser a crítica uma disciplina intitulada, pela maioria, independente e os
críticos, autodidatas. Entender sua função, seja ela formalista ou sociológica, talvez seja
mais simples do que fazer compreender que a crítica deve ter uma finalidade, em primeiro
lugar. O ranço de rejeição a qualquer esforço teórico faz com que as críticas veiculadas na
grande imprensa beirem ao release promocional e adquiram uma notória superficialidade.
No Brasil, faz-se muita crítica de artistas, ao invés de crítica de arte, não raro dotada
de um tom pessoal, permeada de elementos biográficos e adjetivação constante. E, também,
há aqueles textos usados como forma de projetar-se, uma crônica em que o assunto muitas
vezes deixa de ser objeto e passa a ser quem a escreve. A crítica não é gênero literário, já
afirmaria Coutinho:
A crítica literária tem por meta os gêneros, mas não é um deles. Ela os estuda, sem se
confundir com eles. Ela é uma atividade reflexiva, intelectual, da natureza da ciência,
adotando um método rigoroso, tanto quanto o das ciências, mas de acordo com sua própria
natureza, um método específico, para um objeto específico, o literário, a obra de arte da
palavra.Não é uma atividade imaginativa, embora consinta o auxílio da imaginação; é uma
atividade científica, sem usar os métodos das outras ciências (biológicas, físicas e naturais),
nem se valer das suas leis ou conclusões; não é filosofia, mas recorre ao raciocínio lógico-
formal, para refletir sobre os fenômenos da arte da palavra. ( COUTINHO, 1964, p.177)

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A crítica literária surgiu no Brasil em meados do século XVIII, junto com as


academias literárias. O tom adotado nos ensaios seguia os preceitos de Portugal: palavras
muito rebuscadas, retórica clássica e muita erudição. Eram praticamente exercícios de
julgamento e valoração, na maioria absoluta das vezes de cunho positivo; pouco havia de
argumentação e discordância2.
Como uma área independente da Literatura, a Crítica ganhou forma com o
surgimento do Romantismo. As análises das obras ficaram mais criteriosas e outros
subsídios que não as bajulações e gostos pessoais puderam ser observados. O aparecimento
de um maior número de jornais e revistas que abriam espaço para textos com este conteúdo
representou uma evolução, ainda que tímida e imperfeita, mas relevante.
Outra dificuldade enfrentada neste período foi a falta de condições estruturais para os
estudos críticos. De acordo com Lobo (2000), a universidade tomou corpo no Brasil no ano
de 1920 e, até 1940, não havia nenhuma faculdade de Letras no país. Coube a estudantes de
Direito e Engenharia a tarefa de escrever textos sobre Literatura, com resultados que
poderiam não ser ruins (em alguns casos), mas tendiam a ser muito parecidos e generalistas.
O modernismo chegou e trouxe novos ares ao processo da crítica. E novos embates e
conseqüentes novos problemas. Não há dúvida de que o pensamento não era o mesmo de
alguns anos atrás. As pessoas viam na contracultura, na arte e na nova literatura uma forma
de transgressão, ou mais, uma forma de criação. A tal intelectualidade brasileira e a
possibilidade de formação de um autêntico sistema de pensamento deixava entusiasmada
certa parcela da sociedade. Mas este entusiasmo não era geral. Antonio Candido foi um dos
grandes opositores de Oswald de Andrade, ícone dos modernistas. Via nele um certo
comodismo estético além de um personalismo excessivo(SUSSEKIND, 1993). E,
possivelmente, nos anos posteriores, esta tentativa apresentaria as mesmas falhas: críticos
impregnados pelo autodidatismo, uma negação da teoria e de influências externas e um
irracional desprezo por qualquer tema ou valor da cultura estrangeira.

2
História da Literatura Brasileira –13. Disponível em http://virtualbooks.terra.com.br/literatura_brasileira >
Acesso em 15 fev. 2006.

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Até a década de 40 predominavam no país as chamadas críticas de rodapés. Escritas,


em sua maioria, por pessoas não-especializadas, oscilavam entre a crônica e o noticiário, de
leitura fácil e ligeira e adequada aos espaços reduzidos dos jornais e revistas. Por estarem
inseridos na rotina de um veículo de comunicação imediatista, os textos críticos não
possuíam um prazo que lhes permitisse maiores estudos e análises. Tampouco interessava a
grande parte dos editores, que tinham um mercado de livros sedentos por qualquer tipo de
promoção.
O texto típico deste período era a resenha. A postura do crítico era de um registro de
impressões pessoais e uma tendência a direcionar os gostos do público a quem se dirigia. A
crítica era entendida como um novo gênero de criação, e não raro seus criadores julgavam-se
mais importantes do que a arte que deveriam analisar.
A partir dos anos 50, uma discussão ganhou novos ares e a crítica apontou um novo
caminho. O advento das universidades teve um papel fundamental neste posicionamento,
uma vez que apareceu como um espaço privilegiado para a especialização e estudos dos
críticos. Os acadêmicos , scholars, passaram a olhar as críticas jornalísticas com certa
desconfiança. Para um trabalho competente, era necessário tempo, inexistente nas redações,
e os textos acadêmicos levavam meses ou até mesmo anos para serem finalizados. O meio
de divulgação não era do alcance de jornais e revistas populares, mas encontrava espaço nas
publicações universitárias. Uma importante mudança na forma de escrever deixou os textos
mais estruturados, teorizados e formativos, ao contrário do caráter eminentemente
informativo dos anteriores.
Na essência desta transição está a figura de Antonio Candido – que protagonizará ao
lado de Afrânio Coutinho duas correntes diferentes dentro da crítica acadêmica – defensor
da reflexão e teorização nos estudos críticos. Os modernistas, apregoadores da liberdade e
do personalismo, viam na crítica-scholar um empoeirado tratado, recheado de jargões
acadêmicos que pouco se faziam entender fora daquele espaço.
A crítica acadêmica sempre foi um assunto tratado em meio a discussões dentro do
campo literário brasileiro. Longe de ser uma ciência altamente valorizada, e ainda mais

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longe de alcançar uma condição sólida e produtiva, a crítica alimentou as mais diversas
teorias sobre suas funções, sua estrutura e seu formato.
Desde a resenha até o ensaio; desde os formalistas até os sociólogos; desde o jornal
até a cátedra. Escrever textos críticos não era a tarefa simples que apontava no breve
passado. As universidades de Letras recém-chegadas ao Brasil incumbiram-se de mostrar
um caminho e alertar para a importância de se rever a Literatura praticada no Brasil e em
diversas partes do mundo.
Afrânio Coutinho e Antonio Candido foram os dois estudiosos que se destacaram
nos idos dos anos 50 por seus estudos acerca da Crítica Literária. Ambos a enxergavam
como uma atividade reflexiva, a ser praticada no âmbito da Academia, no entanto
discordavam quanto ao enfoque. Enquanto Coutinho primava pela abordagem estética,
Candido propunha um viés sociológico - ou dialético, se formos mais exatos.
Coutinho, ensaísta e jornalista baiano nascido em Salvador, foi um dos introdutores
no Brasil do New Criticism norte-americano, movimento no qual a crítica literária era vista
como algo independente e não se vinculava a qualquer tipo de contexto histórico. Durante
alguns anos, o estudioso viveu nos Estados Unidos como editor da versão brasileira da
revista Reader’s digest e retornou influenciado pelo modo de ver a obra literária praticado
pelos americanos3. Dentro das Universidades, foi um professor aclamado e dedicado ao
exercício de fazer da crítica um braço forte da Literatura Nacional.
A Literatura no Brasil, obra-referência de Coutinho, trouxe uma contribuição
essencial não só pelo seu conteúdo, mas por sua forma de apresentação. Pela primeira, vez a
história da literatura brasileira vinha apresentada de acordo com regramentos estéticos –
dada a devida proporção do que o termo estético representa – sem a obrigatoriedade da
cronologia. "O conceito estético ou poético da literatura" pretendia se impor sobre "métodos
históricos e documentais, eruditos e positivistas, dominantes no século XIX". (COUTINHO
apud PORTELLA, 1958, p.50). Uma periodização estilística que conferia maior autonomia
à Crítica enquanto um sério campo de estudo.

3
Biografia, Afrânio Coutinho. Disponível em http://www.algosobre.com.br/biografia . Acesso em 18 de
fevereiro de 2006.

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O conceito de estético aqui mencionado é dotado de uma complexidade que vai além
do senso comum e que não deve ser confundido com – sem julgamentos prévios – o
impressionismo puro e o subjetivismo. Em sua obra A Literatura no Brasil, Coutinho já
indicava o que acreditava ser o caminho mais adequado para o fazer crítico. A excessiva
influência de fatores externos, como os de cunho histórico, fazia com que a obra literária em
si mesma perdesse parte da força. O processo social e influências políticas não deveriam se
confundir com fatores intrínsecos ao texto literário ou os elementos estéticos. Para Coutinho,
citado por Sussekind (1993), “o processo social se apresenta como fator eminentemente
externo, moldura para o que se desenrola no campo da produção cultural”. (SUSSEKIND,
1993, p.22)
Entretanto, é essencial não relegar este tipo de crítica a um isolamento. Os critérios
estéticos nortearão a análise, mas o auxílio de todos os elementos diversos - históricos,
econômicos, políticos, psicológicos, sociais - são possíveis e bem vindos. Mas estes
elementos representarão, sempre, um auxílio secundário, somente úteis se servem à obra
enquanto atividade literária e “poética”.
(...) se pode afirmar a inexistência de qualquer relação mecânica necessária, obrigatório entre
autor e a obra, e de qualquer determinismo na influência do meio físico ou social. Isso leva
mais do que nunca à concepção da crítica com “poética”, análise e avaliação da obra em si
mesma, em sua qualidade intrínseca. E não do autor ou do meio, objetos da História, da
Sociologia, da Psicologia (...) e mesmo quando estuda outras disciplinas para usar o
conhecimento resultante no esclarecimento de seus problemas, ele o fará não como um
especialista nessas disciplinas, mas como crítico literário. (COUTINHO, 1949, p.28)

Um dos autores mais cultuados e utilizados por Coutinho em seus estudos foi
Machado de Assis. À parte a evidente qualidade da obra machadiana, pode ser considerado o
escritor de Dom Casmurro o precursor da crítica estética no Brasil (MIRANDA, 2001). Em
seus relatos críticos por volta de 1865, Machado de Assis já aponta para a importância de
uma análise profunda da obra dentro de seus aspectos mais particulares, sem se ater ao
registro de impressões ou a leitura superficial de um autor em questão. Era, sobretudo,
essencial aprofundar-se nas leis do belo (aristotélico).
Outra, entretanto, deve ser a marcha do crítico; longe de resumir em duas linhas, - cujas
frases já o tipógrafo as tem feitas, - o julgamento de uma obra, cumpre-lhe meditar
profundamente sobre ela, procurar-lhe o sentido íntimo, aplicar-lhe as leis poéticas, ver enfim

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até que ponto a imaginação e a verdade conferenciaram para aquela produção. (ASSIS apud
MIRANDA, 2001)4

As diferenças entre Coutinho e os defensores – formalistas – da crítica estética, e


Candido – e seus inúmeros entusiastas – ficam claras quando a forma de analisar o texto
literário entra em questão.
Candido (1985) afirmara, já na abertura de Literatura e Sociedade, que a necessidade
de analisar melhor a ligação entre a obra e o ambiente vinha da conclusão de que a
abordagem estética necessitava de considerações de outra ordem. E esta conclusão, ao
contrário do que poderia parecer, não tinha a intenção de esvaziar por completo o conceito
estético. A tentativa de Candido consistia em aliar a análise da obra em seus aspectos de
‘forma’, com aspectos até então considerados extrínsecos – seja sociais ou históricos, dentre
tantos.
Sendo Candido um sociólogo, lograram-lhe imediatamente a bandeira da sociologia
como fator fundamental para a análise literária. Mas em nenhum momento isto correspondeu
à realidade. A abordagem defendida por Coutinho não deveria ser abandonada, uma vez que
o objeto de estudo da crítica era a obra literária; à História e às Ciências Sociais caberiam
outros papéis. Era necessária uma articulação entre os dois campos; deixar de olhar o
contexto da obra como algo estranho, externo e supérfluo. O conceito de moldura difundido
por Coutinho deveria ser trocado pelo entendimento do fator externo com parte da estrutura
da obra, e, portanto, indispensável à sua leitura e interpretação. Nenhum dos aspectos
estéticos sairiam camuflados ou ofuscados por este, seria apenas mais um elemento
intrínseco a ser tomado no todo da obra. “Sabemos ainda que o externo (no caso, o social)
importa, não como causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha um
certo papel na estrutura, tornando-se, portanto, interno” (CANDIDO, 1985, p.4).
Trabalhando com o paradoxo, Candido citado por Sussekind (1993) declara de forma
definitiva que “o externo se torna interno e a crítica deixa de ser sociológica, para ser apenas
crítica” (SUSSEKIND, 1993, p.24).

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O texto referido foi lido através da internet. Por esse motivo, nesta citação não será encontrada a referência
quanto ao número da página. Quanto ao domínio do site, está disponibilizado na bibliografia.

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Quando o fator externo é tratado como algo, de fato, externo, sai-se do âmbito da
Crítica e faz-se Sociologia pura. O fator estético é norteador da crítica, portanto fundamental
na sua execução. A dialética de Candido encontra aí sua síntese.
É preciso entender que a forma literária precede o processo social. A obra de arte
expõe um objeto de estudo e guia o homem na descoberta desta nova realidade. Todo um
conhecimento teórico é produzido acerca da realidade criada, e os estudos e análises críticas
serão feitos a partir deste ponto.

O paradoxo do externo como interno leva ao entendimento da crítica dialética como


um processo linear de ocorrência dos fatos. Da oposição entre dois contrários, vai surgir um
novo momento, uma nova verdade positiva que sintetize as anteriores. Mas Candido observa
mais à frente que este processo pode abrigar algumas contradições que perturbem esta
linearidade. E esta contradição apareceria como parte estrutural da análise, uma base de
organização do pensamento. O discurso crítico dialético, neste momento, acolhe elementos
antagônicos e produz esclarecimento, numa definição que abrangia a “metodologia dos
contrários” de Candido e sintetizava a crítica defendida pelo sociólogo (SUSSEKIND, 1993,
p.25).

Os textos e ensaios de Candido conjugam fatores de maneira a produzir um novo


conhecimento. A realidade nova, produto de uma soma de elementos recém-descobertos
numa obra, é o resultado esperado de uma boa crítica. Poucos conseguem atingir este nível.
Pode-se identificar uma nova linha teórica ao se analisar dialeticamente um livro. Segundo
Roberto Schwarz, crítico brasileiro contemporâneo, “um bom romance é um acontecimento
para a teoria” (SCHWARZ apud MITROVITH, 2004). Assim o fez Candido em sua
Dialética da Malandragem, em que analisa a obra Memórias de um sargento de milícias, de
Manuel Antônio de Almeida. Há a conjugação da abordagem estética, com a análise dos
recursos de linguagem, a adequação ao estilo e à academia literária, e também uma
abordagem social que desnuda o malandro brasileiro, a ordem e a desordem dentro do país.
A observação formal ou experiência estética deve guiar os aspectos descobertos dentro da
obra. A dialética da malandragem, como ficou conhecida, apontou uma importante linha

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teórica na Literatura brasileira, povoada de estudos acerca desta característica essencial de


nosso povo.

Uma crítica que se queira integral deixará de ser unilateralmente sociológica, psicológica ou
lingüística, para utilizar livremente os elementos capazes de conduzirem a uma interpretação
coerente. Mas nada impede que cada crítico ressalte o elemento de sua preferência, desde que
o utilize como componente da estruturação da obra. E nós verificamos que o que a crítica
moderna superou não foi a orientação sociológica, sempre possível e legítima, mas o
sociologismo crítico, a tendência devoradora de tudo explicar por meio dos fatores sociais.
(CANDIDO, 1985, p.7)

Candido aponta, ainda, para os riscos de se simplificar a obra a um registro


documentário, podando-lhe as liberdades e ocupando o espaço que caberia à fantasia. A
orientação puramente externa, ou direcionada unicamente por estes elementos, tende a não
compreender a abstração do mundo real a que um texto recorre para atingir uma maior
expressão. Assim, com a licença poética e literária, pode-se moldar a realidade de forma a
deixa-la mais ou menos verdadeira para quem a lê.

(...)Tal paradoxo está no cerne do trabalho literário e garante a sua eficácia como
representação do mundo. Achar, pois, que basta aferir a obra com a realidade exterior para
entende-la é correr o risco de uma perigosa simplificação causal. (CANDIDO, 1985, p.13)

Quando o assunto é a crítica que se produz no Brasil nos dias atuais, muitas
perguntas são feitas, mas pouquíssimas respostas são encontradas. Há sempre uma
conotação negativista de que “a crítica morreu’? ou “onde está crítica”? E não se pode dizer
que seja infundada. A produção nacional é tímida no sentido de lançar textos relevantes. A
universidade segue em sua posição isolada, e agora ainda mais fechada a discussões do que
em outros tempos, e os jornais pouco acrescentam a esta realidade.
Seria uma injustiça pegar qualquer um dos meios como bode expiatório; a
conjugação de vários elementos resulta no marasmo da crítica contemporânea.
Aos jornais sempre recaiu o papel de vilão; simplificador e superficialista, limitava
possíveis bons textos a meros registros de impressões e considerações com intuitos
comerciais. Não há como se isentar completamente esta culpa, mas há um exagero evidente.
A linguagem jornalística tem como preceito a objetividade, a clareza e a coerência. Uma
análise literária feita dentro desta metodologia não deveria significar um prejuízo à obra.
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Desde que respeitada a inteligência do leitor e desde que feita por pessoas capazes e
envolvidas, o formato jornalístico pode – ou poderia – ter funcionado e bem servido à
crítica.
No entanto, à parte as resistências conceituais ao veículo, as resenhas revelaram-se
em grande parte pobres de conteúdo e forma. Talvez nem tanto por culpa da meio, mas do
resenhista: a este pode faltar o conhecimento profundo de quem se dedica a estudar a
literatura. Ou uma conjugação dos fatores; o tempo numa redação é acelerado, nem sempre
há espaço suficiente para uma análise satisfatória.
A universidade, por sua vez, não tem o frescor da renovação. E, além de tudo, é hoje
um espaço muito menos aberto à discussão e contestação. Não que valha incorrer
demasiadamente em saudosismo, mas a contradição e a argumentação é que produzem o
novo, em qualquer tempo e a qualquer hora.
Aos ensaístas, se por vezes sobra conhecimento teórico e reflexão, falta coragem de
abordar temas que sejam, de fato, relevantes e atuais. Além do malfadado jargão, já citado
neste trabalho outras vezes, os ensaístas restringem-se a falar a um só público, apoiados em
autores do passado e sem se arriscarem em discutir a produção atual. Nada de polêmicas,
nada de revelações, nada de repercussões. “O debate cultural, que deve ser a função
primordial do crítico, não encontra lugar” (GRAIEB, 2000).5
As universidades têm dificuldade de lidar com os objetos contemporâneos. Os
jornais, por sua vez, também a têm, embora de outro teor. Enquanto a primeira abstém-se de
comentar, o segundo o faz sem critério. O pensamento crítico sem o debate e o
questionamento perde seu valor – e morre.
Como bem destaca o professor Paulo Franchetti6 (2004), importante debatedor da
crítica moderna, as obras do presente parecem estar sempre envoltas em dúvidas, sujeitas a
uma confirmação que se busca nos autores e nos postulados do passado. O que é feito no

5
O texto referido foi lido através da internet. Por esse motivo, nesta citação não será encontrada a referência
quanto ao número da página. Quanto ao domínio do site, está disponibilizado na bibliografia.
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Professor de literatura na UNICAMP. Autor de estudos sobre Literatura Brasileira e Portuguesa dos séc. XIX
e XX. Além de ter publicado livros de ensaios, haicais e contos, é crítico e colaborador de revistas e periódicos
científicos. Desde 2003 dirige a editora UNICAMP.

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presente é visto com um distanciamento conivente, como se para conservar alguma espécie
de ‘aura’ ou glamour, fosse necessário suspender o peso dos julgamentos.

O efeito imediato do convívio com os textos de crítica literária brasileira contemporânea é o


tédio. O tédio e a constatação da sua dificuldade em tratar e avaliar o que é coevo por
parâmetros que não sejam a continuação do consagrado no passado, ou a promessa de
consagração futura. Ambas as atitudes pressupõem que a distância histórica é o filtro
necessário para que haja uma correta apreciação estética. Mas como o próprio ideário da
modernidade inclui a postulação de que as linhas de continuidade nem sempre triunfam e que
o sentido vivo se produz pela ruptura, para a maior parte da crítica acadêmica, como também
para os agentes de mercado, os produtos do presente são beneficiados pela dúvida, como se
trouxessem sempre fresca uma marca de nascença, onde se lê algo como “sujeito a
confirmação (...)E a paixão histórica da crítica, que debate calorosamente os erros e acertos
do passado, erguendo e derrubando anátemas, quando se derrama sobre o presente apenas
opera um reconhecimento do familiar, antes de mergulhar num ceticismo frio e algo
desdenhoso. (FRANCHETTI, 2004, p.6)

Sendo assim, o que o crítico faz hoje é senão – e tão somente – um apanhado de
notas e comentários extraídos de trabalhos anteriores. Não há inovação e uma tentativa de se
ater a teorias incansavelmente utilizadas. A erudição é emprestada e tampouco é honrada.
O que se espera não é que a crítica deixe de vez o jornal e volte a se concentrar nas
academias. Talvez o processo inverso pudesse ser um caminho melhor, se feito dentro de
todos os parâmetros já apontados. O problema é que, nas próprias universidades, a crítica
perdeu seu espaço. E quando se abre a porta para que estes ensaístas especializados levem
suas análises para um veículo de projeção – os jornais de grande circulação – não são
capazes de encontrar um formato de texto que seja informativo e profundo ao mesmo tempo.
Recaem sobre uma crítica mal posicionada, que pouco acrescenta em termos de impressões,
informações e análise.
A crítica brasileira sofre de uma outra dificuldade, a incapacidade de criar e sustentar
um modelo nacional de produção e análise, Durante muito tempo foi cômodo apoiar-se nas
diversas escolas e teorias – o estruturalismo, o desconstrucionismo, o marxismo – e parece
impossível adequar nossos escritos a algo que seja tradicionalmente, e fundamentalmente,
fruto de nosso próprio esforço intelectual. Os métodos, os objetivos, a forma são os
primeiros elementos a serem levados em consideração, em detrimento da própria obra – se
ela não se enquadra ao que o crítico gostaria de estudar, não serve.

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Apontar restrições em uma obra e ressaltar falhas, nos dias atuais, soa como uma
ofensa pessoal ao criador. Este se sente no direito de revides, mobilizações, censuras, por
não poder conviver com argumentações mais complexas acerca do que publicou. O sentido
de crítica como crisis, ou a crise que busca a ruptura e a conseqüente renovação, ficou há
muito pra trás. Os textos se repetem, vazios, à espera de pequenos lampejos de talento e
lucidez.
Na falta de debates e leituras mais amplas, o público direciona-se por selos de
garantia, indicações dos jornais ou prêmios que um livro recebe. E tantas vezes os interesses
editoriais ditam estas regras, fazendo-nos consumir obras inferiores como arte em sua mais
alta representação.
Mas não só. Esta é a maneira mais leve de encarar a questão, que lhe reserva inclusive certo
glamour kitsch: a crítica como colunismo social.Mas, por conta da substituição do gesto
crítico pela simples ocupação do espaço, a crítica contemporânea é mais propriamente
descrita como modalidade do marketing, sendo as páginas de cultura dos jornais, revistas e
suplementos de grande circulação objeto do mesmo tratamento profissional que recebem hoje
as gôndolas das redes nacionais de supermercados. (FRANCHETTI, 2005, p.6)

Todos os fatores apontados neste artigo convergem para um enfraquecimento da


crítica contemporânea brasileira. Mas não há com tomá-los de forma independente ou
separada. A crise das universidades, ou a redução do espaço de discussão dentro delas em
favor de determinada ideologia ou a absurda engrenagem de poder hierárquico, é fator
relevante, não se pode duvidar. Assim como o jogo de vaidades dos jornais, dos críticos, dos
editores, dos escritores; ou mesmo a incapacidade técnica, a falta de conteúdo e talento dos
articulistas e ensaístas atuais. Entretanto, seguindo o pensamento lógico de Franchetti
(2005), está no mercado do livro a principal causa da pobreza de nossa fortuna crítica atual.
Pouco se vê que, hoje, o livro já é uma mercadoria em ascensão. Nem tanto pelo
valor de muitas obras que o alçaram a este patamar, mas por um impulso na indústria de
entretenimento literário. Desta maneira, o mercado cresce, as vendas aumentam e as pessoas
perdem um pouco do medo de ler. Mas consomem com a facilidade do que é sorrateiramente
imposto, numa destas manipulações de consciência que a indústria cultural tão bem soube
construir. O enfraquecimento do meio intelectual e dos embates críticos em contraponto com

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o fortalecimento de uma indústria de livros – eventos, notícias e entretenimento literário, faz


surgir e se perpetuar o perfil da atual crítica brasileira.
As discussões em torno da Crítica, e mais especificamente da Crítica Literária, são
muitas, são longas e ainda procuram vozes consonantes dentro do Brasil. O caminho foi
apontado algumas vezes e as possibilidades estão postas na mesa. Ao jornalista, ao
acadêmico, ao especialista da Crítica cabe assumir o comando de um posicionamento frente
a um mercado editorial que observa um crescimento na venda dos livros, mas parece muito
pouco incomodado em saber como a leitura chega e afeta a vida das pessoas.
As bases teóricas do assunto deixam claro que, para um bom texto crítico, não são
necessários apenas o registro de impressões, ou um “gostar” ou “não gostar”. A bagagem
cultural e intelectual de quem escreve faz a diferença considerável no resultado do texto.
A eterna briga entre acadêmicos e jornalistas sobre a quem caberia a função de
escrever críticas não parece estar perto do fim. O fato é que em nenhuma das esferas esta
tarefa tem sido cumprida a contento. Nos jornais ou veículos de mídia impressa, como
apresentado neste trabalho, a crítica aparece de maneira muito tímida, uma vez que todo o
espaço dedicado à literatura tem como resultado imediato matérias e resenhas de cunho
jornalístico e informativo. Seja pela falta de espaço – que não é, sempre, verdadeira – seja
pela dinâmica apressada das redações, seja pela linguagem demasiadamente enxuta ou pelo
pensamento pragmático, o fato é que o jornalismo cultural ainda não encontrou a forma
exata de provocar reações reflexões através da crítica cotidiana – semanal ou mensal.
As universidades, por sua vez, perdem a cada dia sua aura de investigação. O que
antes era considerado um espaço privilegiado de discussão, hoje tem uma função didática
que mesmo competente, mostra-se pouco instigante. Os textos críticos produzidos no meio
universitário são rebuscados demais, e não ousam procurar novos caminhos. Os jargões
próprios são usados em profusão, e eles só se fazem entender por seus próprios pares, os
acadêmicos. Ao grande público, que tanto necessita receber a informação fundamentada,
pouco é acrescentado.
O espaço adequado para a veiculação da crítica pareceu ser, sempre, o problema-
chave das discussões. Os jornais sintetizam demais, as publicações acadêmicas alcançam

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poucas pessoas. Faz sentido, então, pensar-se na internet como um lugar privilegiado para a
crítica. As limitações de espaço não se configuram no virtual, tampouco há a pressão do
fechamento das redações. A rede atinge milhões de pessoas em todas as partes do mundo, o
público seria alcançado de forma mais do que satisfatória. Além de tudo isso, a internet é um
espaço pretensamente livre – aqui não cabe medir esta liberdade – de censuras por parte dos
mais diversos grupos: acadêmicos, políticos, editoriais, comerciais. Publicações virtuais já
são uma constante na vida moderna e, talvez, resida neste formato a melhor adequação para
o texto – e o debate – crítico.

ABSTRACT: This article intends to observe relevant aspects about Literary Criticism
produced and studied in Brazil using theories and analyzing the contemporary academic and
mass comunication prodution in this area.

Key-words: Criticism; Literature; Academia; Journalism.

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