The institutional turn in Hegel’s Philosophy of Right: towards a
conception of freedom beyond individualism and collectivism. Hegel Bulletin, n. 36, v. 1, 2015, p. 80-104.
I. Myths, Interpretations and Reception
A interpretação usual de PR é que Hegel favorece um coletivismo que subestime a importância do indivíduo dentro de um corpo político constitucionalmente organizado. Autores como Popper e Tugendhat falam que a metafísica da liberdade de Hegel limita a autonomia individual a ponto de permitir uma sociedade totalitária. O pano de fundo dessas críticas é uma filosofia da Ilustração, desde Locke e Kant, que prioriza os direitos individuais sobre o bem comum. O mérito da modernidade seria alcançar um individualismo normativo e controle democrático do poder através da proteção universalmente reconhecida de direitos fundamentais. Essa oposição entre coletivismo e individualismo, que caracteriza a filosofia moral e do direito contemporâneas, nos impede de compreender adequadamente a filosofia de Hegel, especialmente suas ideias sobre autonomia individual, razão coletiva e reconhecimento legal. – 80 – Em Hegel, o indivíduo é sim uma pessoa autônoma, uma entidade legal e moral indispensável. A diferença com o individualismo normativo é que essa figura é pensada como resultado de uma institucionalização bem-sucedida, garantida através de procedimentos. Não é um coletivismo, no sentido usual da palavra, para uma forma de relação entre pessoas e práticas sociais. Tampouco se apagam interesses individuais, pois práticas sociais são forma de cooperação coletiva e entendimento intersubjetivo. Através das instituições, agem os cidadãos de um corpo político e garanta-se sua liberdade. Já no tempo de Hegel, não havia nada de novo na ideia de institucionalização. A diferença é que Hegel une liberdade e instituição como uma forma de vida e ação. O entendimento do direito passa por uma construção sobre a ideia de legitimação sob uma perspectiva “sociological, histórico-genetic and cultural-theoretical”. - 81
II. The Idea of the institution and ‘post-metaphysical’ modernity [vazio]
(…)
III. The order of spirit and the meaning of institutions
“Hegel’s argument for an order of spirit is based on a holistic theory of freedom that intends to capture the political and social reality as a network of highly differentiated concepts, which not only develops and reflects our collective action and judging, our thinking and willing, but also articulates and makes explicit the having-become [Gewordensein] of a complex ‘culture of self-consciousness’.” [nota 27: Para Hegel, é importante diferenciar Realität de Wirklichkeit. O segundo termo é a unidade de Realität com Aktualität – onde a liberdade se encarna e se revela. Isso também significa que há outras formas de ação e julgamento que são, em relação a essa dimensão, contingentes. Essa diferenciação é especialmente importante quando temos que distinguir entre conceitos como direito natural [Naturrecht], direito costumeiro [Gewohnheitsrecht] e direito positivo [positives Recht]. - 95] Uma primeira consequência disso é que Hegel quer que expliquemos/entendamos nosso “universo prático” através de relações horizontais e verticais de dependência, ou seja, relações de direitos e deveres e relações entre indivíduos e coletividades. Mas isso adquire outra dimensão com a afirmativa de Hegel de que o direito é a realização ou a realidade da vontade livre [Dasein des Freien Willens] (PR29). Essa ontologia social de Hegel se opõe a um atomismo teórico e uma concepção indiferenciado do bem comum. Hegel adota uma variação da visão aristotélica da ordem existem como, ao mesmo tempo, convenção, lugar do costume [Sitte] e forma de vida. - 84 “Besides these normative and ontological presuppositions, Hegel’s concept of institution, of the objective spirit as a liberal order relies on methodological presuppositions which must explicated in order to appreciate the concept’s potential and attraction. The starting point is the ‘basic principle of the will’ as it is introduced in §§5-7.” O conceito da vontade é a “autoexplicação” do espírito, que se dá através de três momentos: universalidade (abstrata); particularidade; e individualidade (como universalidade concreta). No primeiro momento, temos a consciência individual, a referência em primeira pessoa – “freedom of the void”. Aprisionar-se se momento leva ao fanatismo religioso ou político. A particularidade permite à consciência individual ver-se como sujeito que exibe uma liberdade de escolha. Na escolha, o ato de vontade faz com que o conteúdo da vontade pertença à vontade, daí temos a ideia de responsabilidade (PR6). – 85 – Por último, temos a fusão de ambas as dimensões. “This individuality is concerned for its part with a reflected particularity that leads back to concreto universality (§7).” Apenas esse último é o ser racional, através de uma relação holística e interna. No mesmo sentido, temos o direito abstrato, moralidade e vida ética como um sistema de diferenciação da vontade no mundo humano. As instituições são aquilo que permite o tratamento recíproco como pessoas e sujeitos, pois formam os padrões epistêmicos, ontológicos e normativos de inclusão mútua que devem ser realizados. “Institutions are, then, both práxis forms and legal forms”. Sob o primeiro ponto de vista, as instituições mantêm a ideia de direito no mundo externo de sujeitos atualizados (PR33), justificando a base normativa interna. Nos sujeitos, isso significa o surgimento de uma disposição política [Gesinnung], próxima ao que pensamos como cidadania hoje, que é tanto a “the will which has become a custom” (PR268), como “a speculative – 86 – choreography of the will”. Essa disposição, em razão do caráter recíproca da construção, vem acompanhada de um entendimento da consciência refletida a que Hegel dá o nome de integridade [Rechtschaffenheit] (PR150). Há uma identificação entre o sujeito e o mundo social na medida em que aprova a legitimidade das forças éticas (PR147). “Institutions understood as praxis forms are thus cultures of inter-subjective recognition, which make the standards of collective reason and justice visible and viable.” Como formas legais, as instituições fornecem oportunidade de socialidade. Aqui Hegel fala genericamente em leis, família, comunidade cívica e instituições do Estado político. A forma legal da instituição é essencial na garantia da liberdade. Os papeis desempenhadas nessas instituições (família, sociedade civil, etc.) não se resume a demandas morais recíprocas. São também os meios através dos quais se formalizam publicamente os direitos e obrigações, assim como sua implementação (inclusive forçada). – 87 - Isso acaba por sempre deixar aberta a possiblidade do direito subjetivo do indivíduo se posicionar negativamente em relação ao universal. A garantia da liberdade do direito positivo tem dois sentidos. No primeiro, as estruturais sociais institucionalizadas trazem um “external ought”, expresso na disposição (“willingness”) do agente de fazer valer as regras normativas quando alguém as descumpre ou desconsidera. No segundo, temos as instituições de aplicação/garantia do direito, principalmente através da administração da justiça, como na justiça criminal. No direito abstrato, Hegel se limita à dimensão formal da vontade (universal) – 88 -, logo a liberdade legal apenas se realiza como acidente e pode sempre se tornar vingança. Não há uma teoria penal no direito abstrato, mas apenas os potenciais e limites de uma teoria da limitação. Com a moralidade, entre em jogo a motivação e responsabilidade da uma vontade particular, tornando visível o direito moral. Porém, no final das contas, o sentido e as consequências de uma violação da liberdade apenas estão disponíveis na vida ética, por isso que as instituições da administração da justiça estão implícitas na discussão dos dois outros momentos. Apenas nesse contexto é possível falar em sanção e punições (justas) (PR218, 220). Nesse cenário expandido, não estamos mais limitados à vontade particular do agente. O agente é lembrado que ele faz parte de uma estrutura básica da vontade geral (práticas de reconhecimento da liberdade social) (PR100). Além disso, através desse procedimento, “the authorization and legitimation of the institution of the administration of justice qualify, in Hegel’s words, as a formation of ethical forces.” (EM543)- 89
IV. Over-institutionalization and alienation?
“What Hegel would like to draw attention to, however, is the limited horizon of individual convictions. Critique and dissent, whether towards the institutions or other practices of the body politic, is therefore to be understood as proposals for change, which must themselves be re-evaluated and questioned with regard to their normative content (§268). (…) Hegel thus situates in the (legal) subject a tension between subjective right and the objectivity of the ethical, which only the individual can overcome, but precisely in the form of self-reflexive inclusion.” – 91 “Institutions are for Hegel without doubt actualizations of freedom. But what distinguishes his thought from emphatic theories of autonomy and recognition, from exaggerated demands and stylizations of the authentic is that for Hegel the forms of freedom must be grasped and guaranteed specifically in their ambiguity.” - 92