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A primeira que se pôs a lavar foi a Leandra, por alcunha a “Machona”, portuguesa feroz,
berradora, pulsos cabeludos e grossos, anca de animal do campo. Tinha duas filhas, uma
casada e separada do marido, Ana das Dores, a quem só chamavam a “das Dores” e outra
donzela ainda, a Nenen, e mais um filho, o Agostinho, menino levado dos diabos, que gritava
tanto ou melhor que a mãe. A das Dores morava em sua casinha à parte, mas toda a família
habitava no cortiço. Ninguém ali sabia ao certo se a Machona era viúva ou desquitada; os
filhos não se pareciam uns com os outros. (P. 19)
O sujeito que a acompanhara fazia fosquinhas a Nenen, protegido no seu namoro por toda a
roda, desde a respeitável Machona até ao endemoninhado Agostinho, que não ficava quieto
um instante, nem deixava sossegar a mãe, gritando um contra o outro como dois possessos.
(p. 41)
Um tipão, o velho Libório! Ocupava o pior canto do cortiço e andava sempre a fariscar os
sobejos alheios, filando aqui, filando ali, pedindo a um e a outro, como um mendigo, chorando
misérias eternamente, apanhando pontas de cigarro para fumar no cachimbo, cachimbo que o
sumítico roubara de um pobre cego decrépito. Na estalagem diziam todavia que Libório tinha
dinheiro aferrolhado, contra o que ele protestava ressentido, jurando a sua extrema penaria. E
era tão feroz o demônio naquela fome de cão sem dono, que as mães recomendavam às suas
crianças todo o cuidado com ele, porque o diabo do velho, quando via algum pequeno
desacompanhado, punha-se logo a rondá-lo, a cercá-lo de festas e a fazer-lhe ratices para o
engabelar, até conseguir furtar-lhe o doce ou o vintenzinho que o pobrezito trazia fechado na
mão. (p. 43)
Marciana foi até o portão, como uma doida e, compreendendo que a filha a abandonava,
desatou por sua vez a soluçar, de braços abertos, olhando para o espaço. As lágrimas
saltavam-lhe pelas rugas da cara. E logo, sem transição, disparou da cólera, que a
convulsionava desde a manhã da véspera, para cair numa dor humilde enternecida de mãe
que perdeu o filho. — Para onde iria ela, meu pai do céu? — Pois você desd’ontem que bate na
rapariga!... disse-lhe a Rita. Fugiu-lhe, é bem feito! Que diabo! ela é de carne, não é de ferro!
— Minha filha! — É bem feito! Agora chore na cama que é lugar quente! — Minha filha! Minha
filha! Minha filha! (p. 74)
Pombinha, entretanto, nessa manhã acordara abatida e nervosa, sem animo de sair dos
lençóis. Pediu café à mãe, bebeu, e tornou a abraçar-se nos travesseiros, escondendo o rosto.
— Não te sentes melhor hoje, minha filha?... perguntou-lhe Dona Isabel, apalpando-lhe a
testa. Febre não tens. — Ainda sinto o corpo mole... mas não é nada... isto passa!... — Foi de
tanto gelo, que tomaste em casa de madama!... Não te dizia?... Agora, o melhor é dar-te um
escalda-pés!... — Não, não, por amor de Deus! Daqui a pouco estou em pé! (p. 88)
E a partir desse dia Dona Isabel mudou completamente. As suas rugas alegraram-se; ouviam-
na cantarolar pela manhã, enquanto varria a casa e espanava os móveis (p. 94)
Zulmira riu-se, mas disfarçou logo a sua hilaridade pondo-se a conversar com a mãe em voz
baixa. Agora, refeita nos seus dezessete anos, não parecia tão anêmica e deslavada; vieram-lhe
os seios e engrossara-lhe o quadril. Estava melhor assim. Dona Estela, coitada! é que se
precipitava, a passos de granadeiro, para a velhice, a despeito da resistência com que se
rendia; tinha já dois dentes postiços, pintava o cabelo, e dos cantos da boca duas rugas
serpenteavam-lhe pelo queixo abaixo, desfazendo-lhe a primitiva graça maliciosa dos lábios;
ainda assim, porém, conservava o pescoço branco, liso e grosso, e os seus braços não
desmereciam dos antigos créditos (p. 104)
Agora, que o marido já não estava ali para impedir que a filha pusesse os pés no cortiço, e
agora que Piedade precisava de consolo, a pequena ia passar os domingos com ela. Saíra uma
criança forte e bonita; puxara do pai o vigor físico e da mãe a expressão bondosa da
fisionomia. Já tinha nove anos. Eram esses agora os únicos bons momentos da pobre mulher,
esses que ela passava ao lado da filha. Os antigos moradores da estalagem principiavam a
distinguir a menina com a mesma predileção com que amavam Pombinha, porque em toda
aquela gente havia uma necessidade moral de eleger para mimoso da sua ternura um
entezinho delicado e superior, a que eles privilegiavam respeitosamente, como súditos a um
príncipe. Crismaram-na logo com o cognome de "Senhorinha". Piedade, apesar do
procedimento do marido, ainda no intimo se impressionava com a idéia de que não devia
contrariá-lo nas suas disposições de pai. "Mas que mal tinha que a pequena fosse ali? Era uma
esmola que fazia à mãe! Lá pelo risco de perder-se... Ora adeus, só se perdia quem mesmo já
nascera para a perdição! A outra não se conservara sã e pura? não achara noivo? não casara e
não vivia dignamente com o seu marido? Então?!" E Senhorinha continuou a ir à estalagem, a
principio nos domingos pela manhã, para voltar à tarde, depois já de véspera, nos sábados,
para só tornar ao colégio na segunda-feira. Jerônimo ao saber disto, por intermédio da
professora, revoltou-se no primeiro ímpeto, mas, pensando bem no caso, achou que era justo
deixar à mulher aquele consolo. "Coitada! devia viver bem aborrecida da sorte!" Tinha ainda
por ela um sentimento compassivo, em que a melhor parte nascera com o remorso. "Era justo,
era! que a pequena aos domingos e dias santos lhe fizesse companhia!" E então, para ver a
filha, tinha que ir ao colégio nos dias de semana. Quase sempre levava-lhe presentes de doce,
frutas, e perguntava-lhe se precisava de roupa ou de calçado. Mas, um belo dia, apresentou-se
tão ébrio, que a diretora lhe negou a entrada. Desde essa ocasião, Jerônimo teve vergonha de
lá voltar, e as suas visitas à filha tornaram-se muito raras. (p. 137)
um! — Ah! então com que não pagas?! — Não! Com um milhão de raios! — É que és muito
pior do que eu supunha! — Sim, hein?! Pois então deixe-me cá com toda a minha ruindade e
despache o beco! Despache-o, antes que eu faça alguma asneira! — Minha pobre filha! Quem
olhará por ela, Senhor dos Aflitos?! — A pequena já não precisa de colégio! deixe-a cá comigo,
que nada lhe faltará! — Separar-me de minha filha? a única pessoa que me resta?! — Ó
mulher! você não está separada dela a semana inteira?... Pois a pequena, em vez de ficar no
colégio, fica aqui, e aos domingos irá vê-la. Ora aí tem! — Eu quero antes ficar com minha
mãe!... balbuciou a menina, abraçando-se a Piedade. — Ah! também tu, ingrata, já me fazes
guerra?! Pois vão com todos os diabos! e não me tornem cá para me ferver o sangue, que já
tenho de sobra com que arreliar-me! (p. 140)
Albino, que lavava ao lado da Machona, teve uma síncope; Nenen ficou que nem doida,
porque ela queria muito àquele irmão; a das Dores imprecou contra os trabalhadores, que
deixavam um filho alheio matar-se daquele modo em presença deles; a mãe, essa apenas
soltou um bramido de monstro apunhalado no coração e caiu mesquinha junto do cadáver, a
beijá-lo, vagindo como uma criança. Não parecia a mesma! (p.150)
Pombinha desapareceu da casa da mãe. Dona Isabel quase morre de desgosto. Para onde teria
ido a filha?... "Onde está? onde não está? Procura daqui! procura daí!" Só a descobriu semanas
depois; estava morando num hotel com Léonie. A serpente vencia afinal: Pombinha foi, pelo
seu próprio pé, atraída, meter-se-lhe na www.nead.unama.br 157 boca. A pobre mãe chorou a
filha como morta; mas, visto que os desgostos não lhe tiraram a vida por uma vez e, como a
desgraçada não tinha com que matar a fome, nem forças para trabalhar, aceitou de cabeça
baixa o primeiro dinheiro que Pombinha lhe mandou. P. 156-157