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Artigo original

A concepção da ética no ensino de filosofia em Moçambique: Dos


fundamentos filosóficos às contradições de um discurso pós-
socialista
António Cipriano Parafino Gonçalves
Universidade São Tomás de Moçambique, Moçambique

RESUMO: O artigo tem como objectivo compreender a concepção da Ética adoptada no ensino de
Filosofia no nível médio moçambicano para “colmatar” o que o discurso oficial designa por défice
moral, que vigora entre os estudantes egressos do ensino médio. Como metodologia, primeiro, é feita
uma discussão teórico-bibliográfica sobre as modalidades de inclusão da Ética na educação escolar –
como tema transversal e/ou como tópico de ensino de Filosofia; segundo, é explicitado o lugar
pedagógico da Ética no Ensino da Filosofia em Moçambique, com base nos documentos e
informações oficiais e na informação dos entrevistados que participaram do processo de reintrodução
da Filosofia no ensino médio moçambicano. Os resultados da reflexão-pesquisa indicam que: a
concepção de Ética adoptada, fundamentada no personalismo, visando superar o “défice” moral, é
difusa; e há uma contradição interna entre os conteúdos, as metodologias de ensino propostas para a
abordagem da Ética no ensino da Filosofia e a informação dos intelectuais entrevistados, pois as
orientações metodológicas sinalizam para uma Ética prescritiva e disciplinadora. Assim, de uma Ética
afirmada como reflexão filosófica sobre a moral, a concepção da Ética presente no programa de ensino
de Filosofia para o nível médio, inclina-se mais a uma educação moral.
Palavras-chave: Educação escolar, Ética, ensino de Filosofia

The conception of ethics in the teaching of philosophy in Mozambique:


Philosophical foundations to the contradictions of the post-socialist
discourse
ABSTRACT: The aim of this paper is to examine and understand the concept of ethics as adopted in
the teaching of philosophy in high schools in Mozambique in order to "address" what is officially
termed as moral deficit, prevailing among students at the said level of education. The methodology
revolves around a discussion of the literature review on different modalities of inclusion of ethics in
school education - as a crosscutting issue as well as a topic for of the study of Philosophy. Further, the
place of Ethics in the teaching of philosophy in Mozambique is explained based on official documents
and speeches and on respondents who were interviewed and sounded about the reintroduction of
Philosophy into the Mozambican High Schools. The results showed that the conception of Ethics that
was adopted based on a person and in persuit to overcome the “moral deficit" is diffuse. Furthermore,
it became evident that there is an internal contradiction between the content, the proposed teaching
methodologies for the approach towards the teaching of Ethics and Philosophy and what is said by the
interviewed intellectuals, given that the methodological orientations point to a prescriptive and
disciplinary Ethics. Thus, from an Ethics affirmed as the means through which a philosophical
reflection on morality is carried out, the current conception of ethics in the newer training program of
philosophy in high schools leans more towards the provision of a moral education.
Keywords: School education, Ethics, teaching of Philosophy
_________________
Correspondência para: (correspondence to:) ciprix2006@gmail.com
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INTRODUÇÃO uma das preocupações de Platão, isto é, a


educação dos futuros guardiões da Polis.
A Ética, como assinala Do Valle (2001, Desse modo, a pergunta socrática
p.175), tornou-se num dos temas reformula-se nos seguintes termos: como
privilegiados das iniciativas oficias sobre a devemos viver e educar os futuros
educação, “mesmo que as razões para esse guardiões da Polis num contexto
privilegiamento da Ética estejam por ideologicamente plural, sem consenso em
explicitar”. Apesar desse aparente torno das normas que devem orientar o
ceticismo manifestado pela autora em agir humano? É a busca de respostas para
relação aos motivos que estão subjacentes essa indagação que se demanda a inclusão
ao interesse pela Ética nas iniciativas da Ética na educação escolar, sendo uma
oficias sobre a educação, o ressurgimento das principais explicações para o privilégio
da Ética como tema privilegiado da que se empresta à Ética nos discursos e
educação não constitui um modismo da iniciativas oficiais sobre a educação.
época. O que está em causa nesse “surto” Porquê a educação e porquê a escola? O
ético é a busca da resposta para a que podem a educação e a escola em face
indagação socrática que não perdeu a da crise ética contemporânea inscrita no
actualidade: como devemos viver – num “enigma da modernidade2”(LIMA VAZ,
mundo em que as certezas da tradição e da 1997)? Como a Ética é inserida na
modernidade ruíram? Dito de outro modo, educação escolar?
por detrás das iniciativas oficiais a favor da
Ética na educação escolar, está a crise A escolha da escola como um dos locais
espiritual com que se defronta a civilização privilegiados para, pretensamente, se
ocidental e outras civilizações buscar a resposta e/ou solução da crise
influenciadas pelo modo de vida ocidental. ética deve-se ao facto, como afirma
Gramsci (2004), de a escola ser o espaço
Em relação à crise ética, Georgen (2005) que movimenta um maior número de
sustenta que a mesma tem sua origem em pessoas. Neste espaço, procede-se à
dois factores, a saber: (a) a desestabilização dos formação e socialização de intelectuais -
critérios tradicionais que orientavam o agir no sentido gramsciano do termo - através
e o viver humano; e (b) a ameaça da difusão de um modo homogêneo de
representada pelo uso da tecnologia com pensar
poder de destruição do homem e da
natureza. Já na última década do Século Porém, as respostas e as possibilidades da
XX, Lima Vaz (1997) sublinhou que a educação escolar face à crise ética
crise ética contemporânea era contemporânea estão condicionadas, às
conseqüência do “terceiro ciclo da concepcões de Ética que orientam o
modernidade” ocidental1: uma época pensamento dos formuladores das políticas
histórica caracterizada pela tentativa do educacionais, de acordo com os seus
Homem assumir, na sua absoluta posicionamentos teóricos e ideológicos.
liberdade, a fundamentação das normas,
dos valores e dos costumes: o ethos. Dessa Autores como Lima Vaz (1999) e La Taille
tentativa, sublinhou ainda Lima Vaz (2006), por exemplo, defendem a
(1997), resultaram o niilismo e o sinonímia entre a Ética e a Moral.
relativismo ético – “filhos legitimos” da Considerando que: (a) a educação é o
modernidade ocidental.. processo de formação e socialização do
indíviduo; (b) o ethos, na sua dimensão
Assim, na esteira da crise ética, à social, é o cojunto das normas e valores
indagação socrática deve-se acrescentar que orientam o agir do indíviduo, cuja

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particularidade corresponde ao hábito; (c) também a origem histórica dos problemas


na sua relação com o ethos, a educação éticos.
tem por tarefa assegurar a permanência do
ethos-hábito no tempo, na mesma Para formuladores de políticas educacionais
proporção que a tradição - tradere, que se orientam pela última corrente, a
traditio, em latim, que significa inclusão da Ética na educação escolar visa
transmissão – garante a “duração do ethos- a uma reflexão filosófica sobre ethos, de
costumes no tempo” (LIMA VAZ, 1999, modo a ajudar o aluno a ter critérios de
p.40); (d) é através da educação para o discernimento para melhor orientar o seu
ethos que a comunidade humana conserva agir num mundo conturbado e
e transmite a sua peculiaridade física e desestabilizado em termos de valores.
espiritual, em que “os adultos buscam
passar o seu sentir à nova geração” Assim, dependendo da concepção de Ética
(JAEGER, 1979, p.3), nessa sinonímia que norteia os formuladores das políticas
entre a Ética e a Moral está-se, portanto, educacionais, em cada contexto tem-se um
perante a educação ética ou simplesmente determinada concepção de Ética e um
a educação moral. determinado propósito em relação à
inclusão da Ética na educação escolar.
Assim, a inserção da Ética e de temas a ela
correlatas na educação escolar orientada Examinando algumas propostas educacionais
pela sinonímia entre Ética e Moral, pode contemporâneas para os níveis primários e
guardar o sentido de educação moral médios de ensino, pode-se observar que a
strictu sensu: inculcação de normas e inclusão da Ética na educação escolar tem
prescrição de regras de conduta e/ou sido feita como um tema transversal, capaz
comportamento. Parece, portanto, ser este de ser discutida em qualquer matéria
o sentido da inserção da Ética na educação pedagógica, independente do facto de o
escolar como tema transversal que, sob professor possuir uma sólida formação na
pretexto de uma crise de valores, procura- área de Ética e/ou Filosofia. Além dos
se simplesmente dizer aos estudantes como temas transversais, outras propostas
devem viver de acordo com os valores educacionais reservam um espaço, dentro
escolhidos como “necessários” para a da grade curricular, para a Ética como uma
formação da cidadania num mundo disciplina independente ou como um dos
mercadológico. capítulos de ensino de Filosofia.
Prioritariamente, são os professores de
Cortina e Martinez (2005), Vázquez Filosofia ou com formação em Ética os
(2005), entre outros autores, sustentam a responsáveis por ministrar estas
distinção entre a Ética e a moral. Para eles, disciplinas.
a Ética é uma disciplina do campo
filosófico que busca tematizar e Em Moçambique, no nível médio de
fundamentar a racionalidade do ethos. A ensino, a Ética foi incluida como um eixo
moral diz respeito ao conjunto de temático do programa e ensino da Filosofia
costumes, normas e regras de conduta que em 1998. O ensino de Filosofia, como
regem a vida de um determinado grupo sublinha Chambisse (2006), foi banido da
humano. A moral, para esses autores, é o educação escolar moçambicana aquando
ethos vivido e, a Ética, vem a ser, o ethos da independência do país em 1975, como
pensado. Neste caso, a Ética é considerada desdobramento da revolução político-
como um campo da Filosofia que tem por social, no âmbito da edificação do
tarefa tematizar e fundamentar a socialismo. Porém, vinte e três anos após a
razoabilidade do ethos, explicitando filosofia ter sido “expulsa”, é trazida de

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volta ao Sistema Nacional de Educação de o que o discurso oficial designou por défice
Moçambique, tendo a Ética como um dos moral que vigora entre os estudantes
eixois temáticos. Nestes termos, cabe egressos do ensino médio. Ao longo do
indagar: a que problemas colocados pela texto, são examinados os fundamentos
realidade moçambicana a Ética vinha filosófico-antropológicos em que se
responder através do ensino de Filosofia? sustenta a referida concepção da Ética.
Para o alcance do objectivo proposto,
A inclusão da Ética no ensino de Filosofia, respondendo às perguntas colocadas,
conforme documentos e discursos oficiais primeiro, é feita uma discussão teórico-
(UP, 1997a; 1997b e 1998a)3 tinha como bibliográfica sobre as modalidades de
propósito resolver o que se convencionou inclusão da Ética na educação escolar –
chamar de “défice moral”, que se como tema transversal e como tópico de
manifestava nos alunos egressos do ensino ensino de Filosofia. Depois, procede-se à
médio (UP, 1998b). O “défice”, de acordo explicitação do lugar pedagógico da Ética
com os documentos oficiais, seria o no Ensino da Filosofia em Moçambique,
resultado da ausência da Filosofia no nível com base nos documentos e nas falas
médio (UP, 1998b). Por isso, que a oficiais, resultantes das entrevistas com os
inclusão da Ética no Ensino da Filosofia intelectuais orgânicos (Gramsci), que
era para “colmatar” o “défice moral”,(UP, estiveram envolvidos no processo da
1997a, 1997b)4. reintrodução do ensino da Filosofia no
nível médio no país. Explicitado o lugar
A partir das explicação sobre as razões que pedagógico da Ética no programa de
levaram à inclusão da Ética no programa ensino da Filosofia, busca-se compreender
de ensino de Filosofia para o nível médio a concepção da Ética proposta, através do
do Sistema de Educação de Moçambique, exame das orientações metodológicas para
algumas questões podem ser levantadas, a abordagem da Ética e da fala dos
nos seguintes termos: de que modo se intelectuais envolvidos no processo de
manifestavam essas perplexidades, reintroduçao do ensino da Filosofia no
configurando um “défice moral” ? Como é país.
que a Etica, no ensino de Filosofia, poderia
resolver e/ou responder a essas Para tal, respondendo às questões acima
perplexidades, superando, assim, o “défice colocadas, primeiro, fazemos uma
moral”? Que concepção de Ética foi discussão teórica sobre a Ética e a
adoptada no ensino de Filosofia que Educação escolar, em que explicitamos o
melhor contribuiria para superar o “défice significado de cada um dos termos usados.
moral”? Em que se fundamenta essa Ainda no âmbito teórico bibliográfico,
concepção? A que tradição de pensamento também fazemos uma discussão sumária
pertence essa concepção de Ética: à sobre as modalidades de inclusão da Ética
africana ou à ocidental? na educação escolar, para depois,
examinarmos o lugar pedagógico da Ética
Essas foram algumas das questões que no Ensino da Filosofia em Moçambique,
orientaram a pesquisa de Doutoramento, com base nos documentos e falas oficiais.
em que parte dos resultados, que Estes documentos foram recolhidos,
respondem exclusivamente às questões respectivamente, na Direcção Nacional do
acima colocadas são apresentados no Ensino Geral do Ministério da Educação e
presente texto. O objectivo deste texto é o no Departamento de Filosofia na
de examinar e de compreender a concepção Universidade Pedagógica, em Maputo,
da Ética adoptada no ensino de Filosofia no aquando da nossa pesquisa de campo, na
nível médio moçambicano para “colmatar” cidade de Maputo, no ano de 2007.

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A concepção da ética no ensino de filosofia em Moçambique

Durante a pesquisa de campo, em vista à sintético, é afirmado que o lugar


complementação das informações pedagógico da Ética é o de fazer com que
constantes dos documentos oficiais, os alunos compreendam que a pessoa é um
também tivemos a ocasião de entrevistar os sujeito moral e que os mesmos alunos
intelectuais que estiveram envolvidos no também se reconheçam como tais. Além
processo da reintrodução do ensino da de assim se compreenderem, é também
Filosofia no nível médio no país. tarefa da Ética, em vista da superação do
défice moral, levar os alunos a verem a Paz
A ÉTICA NO ENSINO DA FILOSOFIA como um problema moral, agindo, por
EM MOÇAMBIQUE conseguinte, para a preservação da Paz.
Em Moçambique, como já foi afirmado, a A partir dos objectivos do eixo temático
Ética foi oficialmente incluida na educação que, por sua vez, expressam o lugar
escolar em 1998, como um dos eixos pedagógico da Ética no ensino da Filosofia
temáticos do programa de ensino de proposto, pergunta-se: que valores
Filosofia; banida da educação escolar expressaram a tradução desses objectivos?
aquando da independência do país e como De que valores morais e normas de
desdobramento da revolução político- convivência social se tratavam e que a
social, no âmbito do projecto de edificação Ética no ensino de Filosofia deveria levar
do socialismo. O processo de reintrodução os alunos a respeitá-los?
do ensino da Filosofia no nível médio
envolveu três atores: o Ministério da No programa final de ensino de Filosofia é
Educação, a Universidade Pedagógica, afirmado que, no domínio ético, também se
através do Departamento de Filosofia e o pretende oferecer referências teóricas aos
professor Severino Elias Ngoenha. alunos para a sua existência no plano
cívico e moral, em face da mudança na
De acordo com o memorandum de orientação de valores. Na fala dos
entendimento resultante do encontro de intelectuais entrevistados, em relação aos
consertação para a inserção da Filosofia, a valores, Samuel, por exemplo, sustentou
Ética deveria contribuir na resolução do que cabia ao professor, em cada contexto
défice moral, ajudando o “cidadão” a de sua prática docente, verificar quais os
participar do debate social moçambicano problemas morais que fazem parte desse
em torno do problema da valência moral. contexto e, uma vez encontrados, trazê-los
A resolução do “défice” moral, como é para a discussão em sala de aula. O
sublinhado no programa experimental de programa de ensino de Filosofia, sob ponto
ensino de Filosofia, consistiria em levar os de vista da Ética, contém, segundo Samuel,
alunos à respeitarem os valores morais e as “aspectos mais gerais, as problemáticas
regras de convivência social. No programa teóricas mais gerais, cuja abordagem mais
final de Ensino de Filosofia, é afirmado, prática, mais concreta, esta é na sala de
entretanto, que a Ética contribuiria para a aulas” (SAMUEL). Por isso, acrescentou
resolução do “défice moral”, oferecendo Samuel, “na nossa ótica, nós não
referências teóricas aos alunos, cuidando queríamos levar para o programa exemplos
para que os mesmos não deixassem de concretos, por que corríamos o risco de
respeitar “as fronteiras que as liberdades levarmos os professores a apenas
dos outros e os imperativos morais e direcionarem as suas aulas para aqueles
normativos-legais estabelecem” (MINED, exemplos concretos” (SAMUEL).
2000, p.1).
Mesmo incorrendo em risco de ser infeliz
Nas reformulações pelas quais o programa na escolha dos exemplos do “défice moral”, os
de ensino de Filosofia passou, de um modo
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mesmos intelectuais apresentaram o que, no respeito para com o outro, constituído em


entendimento deles, constituíam os dignidade, ainda conforme Samuel,
principais problemas morais que indicavam também se expressa pelos modos como um
haver défice moral no país. Para Ronaldo, indivíduo se apresenta diante do outro.
por exemplo, em Moçambique havia a Para ele, uma das manifestações do
“sensação geral de que a geração jovem desrespeito para com o outro, nas grandes
tinha perdido aquilo que são os valores cidades, estava nas formas de vestir
morais básicos de convivência social” ostentadas pelos estudantes de ambos os
(RONALDO). Ainda de acordo com sexos. As formas de vestir constituíam um
intelectual entrevistado, a “guerra” pela problema moral, porque “o respeito passa
qual passou Moçambique, é tomada como pelo modo como eu me apresento diante
um dos principais factores para a dos outros [ou seja] se eu me apresento
emergência do défice moral, cuja com uma calça debaixo das nádegas, eu me
expressão era aquela sensação acima respeito a mim mesmo, eu respeito aos
referida. A guerra levou à deterioração do outros”? (SAMUEL).
tecido social, que era o principal indicador
de perda dos valores morais básicos de Diante desses factos que, na óptica dos
convivência social. A deterioração do intelectuais entrevistados, eram evidências
tecido social era evidente, segundo esse da vigência do défice moral em
intelectual, no final da guerra, através de Moçambique, a Ética, no ensino de
dois factos: “a inversão da pirâmide da Filosofia, deveria fazer “com que a
estrutura do poder”. É conforme sublina sociedade efetivamente fosse moralizada5”
Ronaldo: “sabes que uma guerra dá mais (SAMUEL). Uma sociedade moralizada é,
poderes aos militares e a vivência de um de acomo com este entrevistado,
ambiente de não compreensão”
em que as pessoas sabem quais são os
(RONALDO). No país, ainda segundo este
valores, as pessoas saibam quais são as
entrevistado, em função da guerra, vivia-se normas e que as pessoas respeitam essas
um ambiente de não diálogo, de mútua normas a partir da compreensão da sua
intolerância e de desrespeito entre os justificabilidade e da compreensão da
moçambicanos. Os temas escolhidos para o sua fundamentabilidade (SAMUEL).
eixo da Ética, de acordo com Ronaldo,
visavam demonstrar o caráter desumano da Porém, a compreensão da justificabilidade
guerra e, dessa forma, promover o respeito e da fundamentabilidade das normas e dos
para com a dignidade humana, razão pela valores morais não garante o respeito das
qual afirma o intelectual: “aquele capítulo mesmas, embora seja um ponto de partida
que é chamado de pessoa como sujeito importante para que cada um(a) oriente o
moral, começa com a discussão dos seu agir. Mesmo que se defenda a
direitos humanos e termina com a paz relevância da escola numa sociedade
como problema moral”. caracterizada pela radical descrença em
relação às instituições e às normas
A dignidade humana como problema que universais, na qual afloram, pela força da
justificava a necessidade da Ética no mídia, comportamentos escusos que antes
ensino de Filosofia também foi permaneciam despercebidos, um outro
mencionada por Samuel. Embora não problema já levantado por Aristóteles,
relacionando directamente a dignidade ainda continua a desafiar a educação
humana à guerra, para este intelectual, a escolar e, por extensão, a defesa da
dignidade humana passa pelo mútuo moralização social que se espera da Ética
respeito que se manifesta na observância no ensino de Filosofia em Moçambique.
da cortesia ao cumprimentar o outro. O

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A concepção da ética no ensino de filosofia em Moçambique

Platão admitia que o alcance da virtude, dos conteúdos do eixto Ética no programa
um dos objetivos do ensino da ética, de ensino de Filosofia e as orientações
dependia do conhecimento. Aristóteles, no metodológicas para abordagem da Ética no
entanto, sustenta que certas virtudes, as respectivo programa de ensino, em que
morais, não resultam de um conhecimento. maior ênfase é dada aos resultados práticos
Essas virtudes, como a coragem, por que se esperam da Ética no ensino da
exemplo, são aprendidas pela imitação dos Filosofia6. Através da categoria pessoa,
modelos de pessoas corajosas, não espera-se que Ética no ensino da Filosofia
dependendo, portanto, de uma prévia faça com que o aluno não somente seja
instrução. O aprendizado da coragem, capaz de apreender “o conceito de pessoa,
defende Aristóteles, não garante que o bem como reconhecer-se como tal”
aprendiz venha a ser corajoso. Anterior a (MINED, 2000, p.5). Para se alcançar esse
esse debate, Protágoras sustentou que o objectivo prático, nos conteúdos
aprendizado de valores não resultava de programáticos, o aluno deve responder à
um ensino didáctico, mas do concurso de pergunta antropológica “quem sou eu?”
influências semelhantes, ou seja, através (idem, p.5).
de exemplos. Assim, a educação ética é
uma tarefa de toda a sociedade, em que Em termos metodológicos, é sugerido ao
cada cidadão seja dado como modelo ou professor que leve os alunos a lideram com
referência de valores éticos que, para o a “questão de como me vejo”, visando a
caso grego, era a virtude. Pode ser que os mesmos construam “uma imagem
infrutífero o ensino, na escola, dos temas própria através de entrevistas consigo
que visam à moralização social, se os mesmos ou de uma descrição da sua
exemplos da vida prática de vários pessoa para o anúncio no jornal”. Eu sou
“cidadãos” são contra-prova da moralidade uma pessoa dotada de moral: eis a resposta
que se ensina escola. Num mundo marcado que se espera do processo de indagação
pela corrupção, pelo individualismo, pela dos alunos sobre si mesmos (idem).
lei do mais forte em função do capitalismo
selvagem, não soa contraditório dizer aos Para o alcance dos objectivos do eixo
alunos que devem ser “bons cidadãos?” A temático de Ética no programa final de
vida, e não somente a escola, é também ensino de Filosofia, os conteúdos
um espaço de educação. programáticos foram organizados em duas
secções: aprimeira aborda o conceito de
Portanto, a compreensão das normas e dos pessoa, tendo como subseções os temas da
valores não garante a moralidade. Até que consciência e da idéia do Bem; e a segunda
ponto a Ética no ensino da Filosofia tem versa sobre a relação com outros e com o
levado os alunos a compreenderem a meio ambiente. Esta última secção, por sua
justificabilidade e a fundamentabilidade vez, contém três subsecções: a da Ética
dos valores? Que concepção da Ética está Individual, em que os conceitos que devem
sendo defendida por esses intelectuais? E, orientar a discussão são os sentimentos,
a partir da fala dos intelectuais e do “de amor, de amizade, de sofrimento, de
programa de ensino de Filosofia, qual a indiferença e de ódio” (MINED, 2000,
concepção de Ética se faz presente no p.5).
programa de ensino de Filosofia?
Na subsessão da ética individual, os
A CONCEPÇÃO DA ÉTICA referidos sentimentos, conforme o
programa de ensino, tem de ser reflectidos
A concepção de Ética proposta para o em vários âmbitos. O amor e a amizade
ensino de Filosofia foi inferida do exame têm de ser relacionados aos pais, aos

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amigos, aos parceiros(a)s e à Pátria. O com os outros. O desejo que deve ser
sofrimento tem de ser referenciado ao abordado é o de parceria, relacionado ao
“isolamento, à doença, e aos desejos não namorado/namorada em face ao problema
realizados” (idem, p.5). Ainda em relação da HIV-SIDA, perguntando-se pelo modo
aos sentimentos acima explicitados, os de agir perante esse desejo e as
alunos devem responder à três perguntas: implicações que possam advir do mesmo,
“porquê e como se reconhecem tais como é o caso da mencionada doença.
sentimentos e como devemos encará-los? Depois, a orientação metodológica é de
Sob o ponto de vista metodológico, para se fazer os alunos “compararem o amor na
alcançar os objectivos que se esperam da família e na escola” (Op. Cit., p.5).
Ética na abordagem dos conteúdos
propostos, orienta-se ao professor que leve Em relação ao sofrimento, ao ódio e à
os alunos a fazerem um exame de suas indiferença, considerados formas de
próprias consciências7. Com efeito, nas relação com outras pessoas, o professor é
orientações metodológicas, pede-se ao orientado metodologicamente a levar o
professor para fazer os alunos voltarem-se aluno a se perguntar: primeiro, pela
para si próprios, perguntando-se pelas “experiência de sofrimento, de ódio e de
situações em que tiveram “uma boa ou má indiferença” que ele possui; segundo, pelas
consciência” e pelos momentos que “conseqüências de tais sentimentos”;
tiveram “sentimentos de culpa” (MINED, terceiro, por o que ele pode “fazer para
2000, p.5). Visando a auxiliar os alunos a aliviar o sofrimento dos outros”; e, quarto,
se lembrarem desses momentos, nessa pelo modo através do qual o aluno deve
indagação sobre si próprios, o programa de “proceder cordialmente mesmo para quem
ensino propõe, como ponto de partida, os lhe é indiferente” (Ibidem, p.6).
temas de “roubo, experiência de violência
e experiência de guerra”, dentre outros Na segunda subsecção, da Ética Social, os
temas e experiências que o professor julgar conteúdos propostos são a liberdade, a
pertinentes. Após essa injunção, é responsabilidade e a justiça nas
recomendado ao professor que apresente a perspectivas personalista, marxista e
idéia do Bem, conforme essa idéia é existencialista, respectivamente, e os
defendida em Sócrates. Feita a conceitos de virtude, de mérito e de
apresentação da idéia do Bem em Sócrates, sanção. Em termos metodológicos, o
o professor é orientado a pedir aos alunos professor é orientado para promover os
para falarem dos seus sentimentos e debates entre os alunos sobre os temas
apresentarem os modos através dos quais mencionados. O primeiro tema de debate é
esses mesmos sentimentos se manifestam o da justiça/injustiça. A pergunta
ou se exprimem (MINED, 2000, p.5). orientadora do debate é: “como os alunos
Além dessa apresentação, também o reconhecem a prática da justiça/injustiça?”
professor é orientado a pedir aos alunos Durante os debates, o professor também é
para “confessarem” “se têm algum orientado a fazer com que os alunos não
sentimento que lhes custe manifestar” somente falem da justiça/injustiça no
(idem – grifos nossos) e explicarem as âmbito familiar, no espaço escolar e na
causas subjacentes a essa dificuldade. vida pública do país”, bem como tomem
“uma posição de modo a impedirem a
O desejo e o amor, são dois temas prática da injustiça”(Idem,p.6). Diante da
propostos para o desenvolvimento em sala injustiça, pede-se a cada aluno(a) para
de aula, visando a alcançar o objectivo de responder à pergunta: “que devo fazer?”
fazer com os alunos tenham consciência
sobre as diferentes formas de suas relações

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A concepção da ética no ensino de filosofia em Moçambique

A leitura e discussão da Declaração Geral com essa guerra, e outras acções realizadas
dos Direitos Humanos, da Carta Africana “pela Paz em Moçambique” (ibidem, p.15).
dos Direitos Humanos e a reflexão sobre a
liberdade – o sentimento e os limites da O programa também apela para a
liberdade individual – completam as “necessidade da mudança de mentalidades
orientações metodológicas para a para a questão da paz e a criação de novas
abordagem dos conteúdos da Ética social8. atitudes” (idem). Para isso, no eixo
temático Ética, a paz deve ser vista como:
É em função do respeito para com o outro, consciência, convicção e acção (MINED,
visto como pessoa moral, que a Ética no 2000, p.15), discutindo-se as implicações
ensino de Filosofia também deve fazer do problema da paz para a educação. Nessa
com que o aluno compreenda “a efectiva necessidade de mudança de mentalidade e
necessidade da Paz em Moçambique e no criação de novas atitudes perante a paz, o
mundo para a plena realização dos direitos programa de Filosofia destaca a
do homem e para o seu desenvolvimento” pertinência da “valorização dos meios
(MINED, 2000, p.14). Além de fazer pacíficos para se encontrar a paz, da
compreender a necessidade da Paz, a Ética conversão da ciência e da técnica para fins
também tem de zelar para que o aluno pacíficos, da intercomunicação cultural e
conheça e tome “consciência das causas e étnica e a nova ordem de distribuição de
efeitos das guerras mundiais, coloniais, recursos” (idem).
civis e étnicas”. A necessidade dessa
tomada de consciência visa a justificar “a A orientação metodológica para a
imperiosidade da paz” (idem). abordagem do tema “paz como problema
moral” é a discussão dos episódios de
A Paz, concebida como valor moral, foi guerra em Moçambique e em outros
proposta como tema de discussão nas aulas países, através da realização de mesas
de Filosofia para o segundo ano do nível redondas, simpósios e debates” (MINED,
médio. Para se alcançarem os objectivos 2000,p.14). Nos debates, acrescenta o
do eixo, foi proposto como conteúdos de programa de Filosofia, devem ser
abordagem, o tema “sentido da paz”. Ao discutidas questões tais como os “factores
professor é pedido que relacione “a paz e a que perigam a paz em Moçambique e no
guerra; a paz e a liberdade; a paz e a mundo, medidas concretas a favor da Paz e
justiça; paz e trabalho; paz e tolerância; as conseqüências da guerra em
paz e soberania; paz e educação; paz e Moçambique” (idem).
ciência; paz e desenvolvimento; e paz e
cultura” (idem). Assim, visando a curar os males morais
advindos da guerra, foram propostos os
Discutido o sentido da Paz e estabelecidas dois temas para as aulas de Ética – “a
as relações acima mencionadas, é sugerido, pessoa como sujeito moral e a paz como
no programa de ensino, que se aborde o valor moral”. Os sentimentos de amor, de
processo de construção da paz em amizade e a justiça são os valores morais a
Moçambique, incidindo sobre os acordos serem difundidos pela Ética no ensino de
que possibilitaram essa paz: os acordos de Filosofia para curar a intolerância, o ódio e
Lusaka, em 1974, que puseram fim à a indiferença causados pela guerra. Para
guerra colonial; os acordos de N’komati, que essa “cura” se efective, os alunos
1984, que foram uma tentativa de pôr fim à devem, primeiro, reconhecer-se como
guerra de desestabilização; os acordos de pessoas morais, dotados de uma
Roma, 1992, que efetivamente acabaram consciência, condição para o
reconhecimento do valor da consciência do

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ACP Gonçalves

outro, e também, que ser vistos como personalismo, tendo proposto a centralidade da
pessoa moral. Seria com base nos conceitos pessoa humana com base no cristianismo,
e conteúdos de cada um dos temas e diferindo do personalismo americano,
subtemas propostos no eixo da Ética no vinculado à posições filosóficas idealistas.
ensino da Filosofia que o défice moral seria
superado. O personalismo proposto por Mounier
posicionava-se contra a “ditadura” do
OS FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS dinheiro, imposta pelo capitalismo no
início do século XX, que também era uma
Os programa de ensino de Filosofia ditadura contra a pessoa humana, neste
recomenda que se faça a discussão dos caso, reduzida à “objecto no plano da
temas e conteúdos propostos pela Ética nas existência económica (MOUNIER,
perspectivas personalista, marxista e 2004,p.121). Tornado um poder anônimo,
existencialista, respectivamente. Essas três o dinheiro e as benesses que dele resultam,
correntes de pensamento constituem, argumenta Mounier, “endurecem as classes
portanto, os fundamentos filosóficos em e alienam o homem real” (Idem). O
que se sustenta a Ética no ensino de homem europeu, alienado de si próprio
Filosofia. pelo dinheiro, o resultado foi a destruição
dos seus valores pela tirania da produção e
É importante ressaltar que tanto o do lucro e o deslocamento da sua condição
personalismo quanto o marxismo e o de pessoa humana pelo “delírio da
existencialismo não são correntes de especulação” (Ibidem, p.21).
pensamento unívocas. Encontram-se, no
interior de cada uma delas, orientações e O socialismo, conforme Mounier, era a
posições divergentes entre os autores que solução para os problemas pelos quais o
as sustentam. Homem do século XX passava: a alienação
da pessoa pelo dinheiro e pelas
Em relação ao personalismo, por exemplo organizações. Era um socialismo
– a corrente que predomina nos conteúdos caracterizado pela
da eixo temático da Ética - ele insere-se
dentro de uma longa tradição de abolição da condição proletária, substituição
pensamento9 que ganhou força e vigor no de uma economia anárquica, fundada no
século XX, no contexto das crises pelas lucro, por uma economia organizada em
quais a Europa passou: a depressão ordem às perspectivas totais das pessoas, a
econômica, as duas guerras mundiais e o socialização sem estatização, em fim [...] o
totalitarismo. Estes factos comportaram primado do trabalho da responsabilidade
pessoal sobre as estruturas anônimas
uma “crise espiritual” e revelavam ser vãs
(MOUNIER, 2004, p.122).
as pretensões do homem ocidental: a
aposta num futuro radioso, de progresso e O autor buscava mediações através das
de prosperidade com base na ciência e na quais se poderia passar da desordem
técnica. Os acontecimentos do século XX, “ética” à uma nova ordem, na qual a pessoa
descritos por autores como Bourg (1997), humana tivesse primazia, considerada na
mostravam uma Europa dilacerada e um sua inobjectibilidade, inviolabilidade,
homem ocidental também dilacerado, liberdade, criatividade e responsabilidade,
vivendo o pessimismo, o reino da absoluta com alma encarnada num corpo, situada na
permissividade e do não sentido. história e constitutivamente comunitária. A
defesa do socialismo personalista feita por
Foi neste contexto da crise ética da
Mounier, também constitui uma luta contra
modernidade europeia que Mounier (2004)
o socialismo real imposto na Europa pelo
apresentou as suas reflexões sobre o
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A concepção da ética no ensino de filosofia em Moçambique

regime stalinista, que mais despersonalizava o caminham na direcção de uma educação


ser humano que o promovia, oprimindo-o moral.
num totalitarismo materialista.
O programa de ensino também orienta ao
Para superar o “socialismo stalinista”, professor para que faça a discussão dos
Mounier propõe a justiça, a liberdade, a conteúdos da Ética na perspectiva
responsabilidade pela vida pessoal e amor marxista. Sob o nome de marxismo,
entre as pessoas como valores encontram-se agrupadas várias tendências
fundamentais de sociabilidade. Esses teóricas que sustentavam e continuam a
valores, em Mounier, nascem em uma sustentar uma sociedade do tipo socialista.
situação histórica concreta, fundam-se
numa transcendência imanente e devem ser A história das idéais, desde o início do
assumidos pelos sujeitos concretos. São século XX, assistiu à emergência de várias
subjectivos, apenas considerados na sua tendências ideológicas no interior do
relação com os sujeitos que agem em marxismo, tais como a ortodoxa, a
função dos mesmos. revisionista e a sindicalista revolucionária
(WALNDENBERG, 1982, p.224). Cada
Exposto em linhas gerais o personalismo, uma dessas tendências interpretou
conforme apresentado por Mounier, o que diversamente os princípios do marxismo,
nos dizem os fundamentos filosóficos da principalmente em relação às táticas e às
Ética no programa de Filosofia de estratégias para tomar o poder e consolidá-
Moçambique? lo. A diversidade de tendências e
interpretações sobre os princípios do
O eixo temático “Ética” do programa de marxismo está relacionada à concepção de
ensino de Filosofia é orientado pelo tema Estado e de sociedade do movimento
“a pessoa como sujeito moral”. socialista. Isto posto, é válido perguntar: a
Comparando as linhas mestras do que marxismo se referiam os elaboradores
pensamento de Mounier e parte do programa de Filosofia para orientar a
considerável dos conteúdos da Ética no discussão dos temas e conteúdos do eixo
ensino de Filosofia, parece haver uma “Ética”?
aproximação entre ambos.
Uma outra observação: no Manual de
Entretanto, ao se examinar o Manual de Filosofia para o ensino médio, é feita uma
Filosofia, constatou-se que o autor citado sumária referência ao socialismo. Nessa
para orientar a discussão personalista é referência, é sublinhado que o socialismo
Martin Buber. A referência a este autor, de foi um tipo de pensamento adoptado por
certo modo, não inválida afirmar que o certos países africanos e que depois o
personalismo é um dos fundamentos abandonaram. Porém, o Manual não
filosófico em que se sustenta a Ética informa que Moçambique foi um desses
proposta no ensino de Filosofia para o países africanos que também adoptou o
nível médio. Porém, através do socialismo, tendo-o abandonado em 1989.
personalismo mounieriano de inspiração Essa uma omissão parece respaldar as
cristã, no lugar de se proceder a uma observações de Buendia (1999) sobre a
discussão filosófica sobre o ethos, tentativa de se esquecer o passado em
explicitando a natureza dos problemas Moçambique. Para este autor, “o presente
éticos e discutindo a relevância da parece estar virando as costas, não estando
dignidade humana – embora tenha sido muito interessado em conhecê-lo e resgatá-
proposto o tema da pessoa como sujeito lo, existindo até fortes razões, para a
moral - as orientações metodológicas

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ACP Gonçalves

conveniência nacional, para esse sobre a inclusão da Ética na educação


esquecimento” (BUENDIA, 1999, p. 406). escolar devem ser entendidos dentro desse
contexto. Um dos discursos que
A não explicitação do passado socialista no fundamenta a necessidade do ensino da
Manual de Filosofia, de modo que ele seja Filosofia refere que os três défices que se
interpretado e estudado criticamente, pode verificam nos estudantes egressos do
constituir uma retirada da memória e do ensino médio deve-se à ausência da
ponto de partida que possibilita a Filosofia no Sistema Nacional de
compreensão de como os problemas foram Educação.
gerados e chegaram ao estágio actual.
Tanto os argumentos apresentados no
Outro facto que deve ser destacado, é a não programa de reintrodução do ensino de
discussão dos valores na perspectiva dos Filosofia que têm na ausência da Filosofia
povos banthu de Moçambique. Ademais, no nível médio, durante o período da
em relação aos fundamentos filosóficos revolução socialista, quanto o argumento
que sustentam o eixo Ética, pode-se que responsabiliza a guerra civil como
observar também que nenhum filósofo causas do “défice” moral em Moçambique,
africano foi tomado como referência não alcançam o fulcro da questão, não
teórica. A unidade didática do programa ajudam o estudante a compreender os
experimental que se propunha discutir a principais factores subjacentes à crise ética
relação entre a moral e a cultura na em Moçambique.
perspectiva africana foi banida no
programa final de ensino de Filosofia, Entretanto, sustentamos nós contra um
tendo-se recorrido a fundamentos teóricos discurso académico legitimador que tem
ocidentais para resolver um problema sido levantado no país, que, no lugar de
moçambicano. Pode-se se sustentar que a “défice” moral, termo cujo sentido é
Filosofia Africana, proposta para a questionável, em Moçambique vive-se uma
discussão no eixo sobre a Política, supriu a crise ética que não resultou da ausência do
ausência de um pensador africano no eixo ensino da Filosofia na educação escolar.
da Ética. Em substituição do ensino da Filosofia,
aquando da independência do país e
Conforme o nosso entendimento, sob ponto visando à formação do Homem Novo, na
de vista dos fundamentos filosóficos, há educação escolar moçambicana foram
pequeno deslocamento do eixo Ética no introduzidos o marxismo-leninismo e a
programa de Filosofia. O eixo deveria educação política. Essas disciplinas
acompanhar a discussão que é feita no eixo continham valores que deveriam orientar o
Política, onde são apresentadas as reflexões processo de formação do Homem Novo.
de filósofos africanos sobre a viabilidade As raízes da crise ética, portanto, devem
de uma Filosofia na África. Esses autores, ser buscadas nos desencontros e nas
certamente, defendem proposições éticas rupturas provocadas pelos dois projectos de
fundadas numa concepção de mundo modernidade que foram implementados no
africana. país, na segunda tentativa de ocidentalizar
o país, depois do projecto de modernidade
CONTRADIÇÕES DE UM DISCURSO colonial.
PÓS-SOCIALISTA
O primeiro projecto foi a “inacabada”10
A Filosofia foi introduzida no nível médio
modernidade11 socialista revolucionária
moçambicano num contexto de uma nova
fundada nos princípios do “marxismo-
concepção de Estado: o Estado pós-
leninismo”, após a independência de
socialista, razão pela qual os discursos
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A concepção da ética no ensino de filosofia em Moçambique

Moçambique, para cuja implementação a “perplexidades”, o “desconforto”, a


mediação da educação escolar foi “perturbação”, em geral, a crise ética pela
fundamental. O segundo projecto de qual Moçambique passa. A referida crise
modernidade, designamo-lo de tem de ser vista como uma crise de
“capitalista” ou de “nova modernidade”, referências éticas, decorrente da
ainda em andamento, fundado nos fragilização do ethos tradicional pelo
princípios do neoliberalismo e que socialismo, quanto da fragilização e
apresenta valores facilmente aderidos pelos tentativas de completa destruição do ethos
jovens. socialista pelo capitalismo.

O primeiro projecto fragilizou as instâncias Provavelmente, através do ensino da


tradicionais que orientavam o agir do Filosofia, o Ministério da Educação, de
homem moçambican, quais sejam, a quem partiu a iniciativa da reintrodução do
religião e a sabedoria da vida. Destituiu, ensino de Filosofia, pretendia preencher
por conseguinte, os fundamentos e as um vácuo no currículo do ensino, gerado
referências éticas tradicionais. O segundo após a retirada da educação política e do
projecto apresentou novas referências marxismo-leninismo, ante o vazio de
éticas e novos valores de sociabilidade. sentido com que os alunos se defrontavam
no país, mergulhados no passado de uma
Grande parte da juventude moçambicana, ilusão socialista e arrastados pelos ventos
destituída dos valores e das referencias da modernidade capitalista selvagem: as
“tradicionais” por força de uma revolução duas modernidades invertaram as
modernizadora, e abandonada à sua sorte coordenadas mentais e simbólicas
com a reversão repentina do país ao metafísico-tradicionais.
capitalismo, parece ter mergulhado num
mar de incertezas. Nesse mar de incertezas, Não eram somente os alunos: boa parte dos
cada um busca o seu porto seguro, num moçambicanos também vivia submersa nos
mundo também marcado pelo fim das valores da nova modernidade capitalista
“metanarrativas”. selvagem. Diante do esfacelamento social,
os dirigentes sentiam a necessidade de
Uma vez fragilizado o ethos “tradicional” imposição de normas para o que Graça
abraça-se, com relativa facilidade, tudo o Machel denomina de uma “sociedade que
que é proposto como novo, nessa era de perdeu a noção de vergonha”, que vive “a
vazio e de sedução. Os proponentes da falta de noção de respeito mútuo, devido ao
Filosofia no ensino médio moçambicano capitalismo selvagem que invadiu
afirmam que os jovens possuíam “défice Moçambique, quase comparável ao tempo
moral” talvez por constatarem a facilidade da Revolução Industrial do século XVIII,
com que o pretendido Homem Novo na Inglaterra” (GRAÇA MACHEL12,
abraça os novos valores propostos pela 2003).
modernidade capitalista, em meio às
incertezas sobre as razões e os fins do No entanto, examinando as orientações
viver. metodológicas do eixo Ética, elas indicam
haver uma contradição entre as posições
Deve-se, por conseguinte, olhar para as defendidas pelos intelectuais que
modernidades moçambicanas examinando participaram do processo de reintrodução
os modos em que elas foram da Filosofia e a concepção de Ética que se
implementadas, tendo presente o que faz presente no programa de ensino de
Lopes (2004) designa de rupturas que elas Filosofia. Os intelectuais entrevistados
provocaram, caso queira se afrontar as justificam que a proposição das orientações

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ACP Gonçalves

metodológicas foi baseada no método orientação metodológica para a abordagem


socrático – o da indagação13. Samuel, por desses temas, observa-se que eles se
exemplo, sustentou que se pretendia evitar, aproximam a um exame de consciência.
na abordagem do eixo Ética, que a sala de Numa linguagem menos religiosa, os
aula se tornasse numa catequese, por isso, conteúdos e as orientações metodológicas
foi necessário ateizar os candidatatos a para a abordagem da Ética individual
professores de Filosofia que provieram do indicam haver uma proximidade com uma
Seminário. secção de terapia psicológica, ao se buscar
explorar o mundo interior do aluno,
Os primeiros candidatos a professores de pedindo-lhe para que se lembre dos
Filosofia eram, na sua maioria, ex- momentos de boa ou má consciência; dos
religiosos e ex-seminaristas15e, este facto, sentimentos de culpa e também para
levando em consideração as afirmações de analisar se possui algum sentimento que
Samuel, constituía um “dilema” para os lhes custa expressar.
objectivos que se pretendiam com a Ética
no ensino da Filosofia. De acordo com a Assim, embora a Ética não tenha sido
fala de Samuel, as concepções religiosas incluída como tema transversal e sim como
que aqueles candidatos a professores campo da Filosofia, de uma concepção
traziam de sua formação deveriam ser Filosófica, defendida no discurso dos
abaladas: “a nossa primeira questão era intelectuais, o programa de ensino de
precisamente a de abalar as concepções Filosofia no nível médio de Moçambique
religiosas que traziam do seminário. apresenta uma versão um pouco mais
Abalar no sentido de eles procurarem elaborada da educação cívica e moral. É
outros fundamentos das teorias que uma educação moral recheada de
trouxessem do seminário” (SAMUEL). psicologismo, provavelmente, para atender
ao pedido do Ministério da Educação
Os outros fundamentos da Ética para o aquando dos encontros de consertação, em
professor de Filosofia, conforme Samuel, que o Ministério sugeriu que os programas
não deveriam basear-se “na bíblia, na de Filosofia incluíssem alguns elementos
epístola de São Paulo, no Evangelho de de psicologia.
São Mateus” [idem, ibdem]. Por isso,
acrescentou Samuel, era necessário A tentativa de se proceder a uma educação
“encharcar um conjunto de autores que na moral dos alunos através da Ética no
altura estavam a surgir na praça, como ensino da Filosofia, faz com que a Ética, de
Lyotard, etc, etc” (SAMUEL). O uma proposta que visava à reflexão
encharque visava a que os futuros filosófica sobre o ethos, oferecendo
professores compreendessem que os referências teóricas para o agir dos alunos,
substratos teóricos da igreja por eles se torne uma prescrição sobre o que se
trazidos, embora válidos, deveriam ser deve fazer, sem discutir o ethos, a sua
confrontados “com estes outros razoabilidade e sem oferecer referências
secularizados, laicizados ou mesmo para a compreensão da natureza da crise
ateizados” (idem). Através desse ética pelo qual passa o país.
confronto, concluiu Samuel, poderia se
evitar que “os nossos professores fossem A oscilação entre uma concepção filosófica
catequistas na sala de aulas”. da Ética, defendida, em parte, no discurso
dos intelectuais que participaram do
Uma análise dos temas sobre os quais se processo de reintrodução da Filosofia, por
procede à indagação, principalmente na um lado, e, por outro, a proposição, no
subsecção da Ética individual e na da programa de ensino, de uma Ética que mais

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A concepção da ética no ensino de filosofia em Moçambique

se aproxima à educação moral de de Moçambique. Este pode ter feito uma


orientação psicológica - mas justificada pressão, mesmo que silenciosa, para que a
com base no método socrático – a educação moral se fizesse presente em todo
indagação pode ter duas explicações: Sistema Nacional de Educação,
primeiro, é a expressão da tensão entre a especificamente, no ensino da Filosofia em
Filosofia e a Educação, com uma natureza nome da Ética. Ao Ministério da Educação,
crítico-questionadora, reflectindo sobre os interessava-lhe que o programa de
fins da cultura; e, segundo, situada no Filosofia respondesse às expectativas
campo da cultura, tem por tarefa a sociais: a resolução do “défice moral”. A
formação e a socialização dos indivíduos, voz dos professores de Filosofia fez-se
através da difusão do ethos, garantindo, ouvir através da Filosofia Política:
assim, a permanência do ethos no tempo. introduziram o tema sobre a Filosofia
Nem sempre tem sido fácil conciliar as Africana no programa de ensino.
duas posições; segundo, ela é expressão da
correlação de forças e dos interesses Ademais, sob ponto de vista dos
envolvidos na reintrodução da Filosofia no conteúdos, pode-se observar que não existe
país, no contexto do Estado ampliado nenhuma reflexão sobre o ethos dos povos
(GRAMSCI, 2004): o Ministério da banthu de Moçambique: são referidos
Educação, os professores do Departamento valores de carácter universal sem, no
de Filosofia e Organizações da Sociedade entanto, proceder-se a uma fundamentação
Civil, bem como a Igreja Católica. da concepção desses valores no universo
cultural banthu moçambicano, de modo a
Por um lado, possivelmente, estavam os se compreender e distinguí-los de outras
intelectuais da Universidade Pedagógica, tradições culturais.
defendendo a Ética filosófica, em função
de sua formação em Filosofia: pretendiam CONSIDERAÇÕES FINAIS
que a Filosofia se fizesse presente na
educação escolar moçambicana. Por outro, Não constitui o propósito deste texto
o Ministério da Educação, quando se esgotar o problema em torno da Ética no
interessou efectivamente pela reintrodução ensino de Filosofia em Moçambique. Nesta
da Filosofia no país visava preencher o pequena excursão, de uma forma resumida
vazio de “formação humana” em todo o tentou-se apresentar o resultado do
currículo do Sistema Nacional de trabalho hermenêutico sobre o lugar
Educação. Para isso, não mediu esforços pedagógico reservado à Ética no ensino de
para que esta idéia fosse uma realidade. Filosofia, e a concepção da Ética proposta
Uma terceira força, provavelmente, a partir desse lugar.
também esteve presente, qual seja, a Igreja
Uma modesta contribuição ao debate sobre
Católica, que passou a ter um maior espaço
a Ética e Educação, em que pontua-se que
de atuação no país, após ter sido expurgada
a elucidação da natureza dos problemas
da “praça pública” pela modernidade
éticos e a fundamentação de um ethos
socialista.
partilhado por todos, no diálogo
A condução, com sucesso, do processo de comunicativo, podem ser as maiores
pacificação de Moçambique e a actuação contribuições da Ética no ensino da
da Comunidade de Santo Egídio, para que Filosofia. Ao fazer com que o aluno
a Paz fosse uma realidade em compreenda a historicidade dos problemas
Moçambique, provavelmente, fortificaram éticos, a Ética no ensino da Filosofia
a posição da Igreja Católica e também de poderá fazer uma reforma intelectual que,
outras igrejas reunidas no Conselho Cristão necessariamente, terá implicações para o

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ACP Gonçalves

domínio prático, qual seja, o agir moral do político e económicas, com implicações
indivíduo. sócio-culturais.

Os temas transversais são importantes, São essas questões de fundo que,


porém, apresentam limites, ao buscarem provavelmente, busca-se olvidar para as
apenas operar uma reforma moral, novas gerações educadas no âmbito da
afirmando como se deve viver e não Filosofia. Se o ensino da Filosofia foi
fundamentando as razões de assim viver. banido da educação escolar - aquando da
Eles podem ser propícios para alunos do independência do país, pela sua vinculação
ensino fundamental, que ainda não aos objectivos “alienantes” da educação
desenvolveram uma consciência crítica de colonial - a Filosofia, hoje, parece estar
si mesmos, e não para os alunos do nível numa esteira embaraçosa, porque nesses
médio. Neste nível de ensino, é necessária dez anos de trabalho com a Filosofia,
uma Ética Filosófica, fundamentada no multiplicaram-se os discursos sobre a crise
método hermenêutico-reflexivo. A Ética, de valores morais e sobre a necessidade de
no ensino de Filosofia, cumpriria esse recuperação dos valores morais em
papel. Portanto, em que pese o uso Moçambique. Ante a multiplicação desses
instrumental da Filosofia, no que diz discursos, há razões para suspeitar que a
respeito especificamente ao eixo Ética, Ética parece não ter conseguido avançar o
defende-se a pertinência de uma Ética ensino de Filosofia na direção proposta,
Filosófica e não a instrumental prescritiva por exemplo, por autores como Gadamer
que se faz hoje presente no programa de (1998), de assumir e comprometer-se com
Filosofia. A concepção da Ética que resulta a cidadania.
das orientações metodológicas impede o
brotar de uma atitude filosófica que REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
indague a moral da época, em vez de se
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assumir uma atitude naturalista. Uma Ética a idéia de progresso. Lisboa: Instituto Piaget,
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Filosofia: 11ª e 12ª Classes (2º ciclo do Ensino
Secundário Geral. Maputo, 2000.

Rev. Cient. UEM,Ser.: Ciências da Educação, Vol. 1, No 0, pp 42-59, 2012

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ACP Gonçalves

1 Etimologicamente, conforme observa Lima Vaz (1997), o termo modernidade proveio do advérbio latino modus que significa há pou co ou recentemente e
refere-se a uma estrutura na representação do tempo, em que se dá privilégio ao presente, desqualificando a primazia do antigo, “pondo em que stão a instância
normativa do passado” (p.226). Desse modo, a primeiro ciclo da modernidade no ocidente teve lugar na Grécia, o se gundo na idade média e o terceiro ciclo
quando da ilustração, que Perine (1992) designa por modernidade moderna.

2 Conforme Lima Vaz, o enigma da modernidade resulta da impossibilidade da Civilização Ocidental de criar um ethos adequado ao seu projecto e às suas
práticas de Civilização Universal (Lima Vaz, 1997, p.141). Esclarecimentos adicionais sobre o significado do termo enigma da modernidade, no sentido que
ele é usado por Lima Vaz podem ser consultados em Perine (2002, pp: 49-68).

3 Para a elaboração do trabalho, conforme será exposto na apresentação do roteiro metodológico, foram consultados documentos elaborados pelo Ministério da
Educação (MINED) sobre o processo de reintrodução da Filosofia, quanto os elaborados pelo Departamento de Filosofia da Universidade Pedagógica (UP), a
instituição que teve a responsabilidade de efetivar o projeto de reintrodução da Filosofia a pedido do Ministério da Educação.

4 De acordo com o documento pesquisado, os estudantes do nível médio apresentavam três déficits: o epistemológico, o moral e o político. Assim, o programa de
ensino de Filosofia estava organizado, em vista desses três déficits, em três eixos temáticos: a Lógica e a Epistemologia, a Ética e a Filosofia Política.

5 O conceito de moralizar, conforme o intelectual em referência, deve ser entendido no sentido de as pessoas “saberem quais são os valores, as pessoas saberem
quais são as normas e que as pessoas respeitem essas normas a partir da compreensão da sua justificabilidade, da compreensão da sua fundamentabilidade”
[idem, idem].

6 Pretendemos destacar que nos programas anteriores havia uma mistura de informação filosófica-antropológica, sem um compromisso educativo efetivo, no
sentido de ideal de homem que se pretende com a inclusão do eixo temático de Ética.

7 O programa final de ensino de Filosofia apresenta três colunas. Na primeira coluna são apresentados os objetivos de cada um d os eixos. Na segunda, a
distribuição dos conteúdos e, na terceira, as orientações metodológicas. A leitura do programa

8 Existe uma terceira subseção que discute os problemas da Ética ambiental e da Bióetica. Para os objetivos da pesquisa, nos circunscrevemos aos conteúdos da
Ética individual e da Ética individual. Tal opção não significa que aqueles problemas não sejam relevantes na formação do aluno. Interessava-nos compreender
os problemas sociais que a Ética no ensino de Filosofia vinha responder, de acordo com os contextos histórico, político e econômico por que Moçambique
passava e ainda passa.

9 Ver a propósito da longevidade do personalismo na obra de Mounier (2004, p.13)

10 Usamos o termo “inacabada modernidade”, pois, conforme será discutido, o projeto de modernidade socialista foi abandonado pelos principais defensores,
sem aviso prévio aos “destinatários” do mesmo, isto é, as maiorias sociais.

11 Sobre o significado do conceito de modernidad em uso neste texto ver Lima Vaz (2002)

12 Graça Machel, formou-se como Bacharel em Filologia da Língua Alemã pela Universidade de Lisboa. Foi Ministra da Educação e da Cultura no primeiro
governo moçambicano durante cerca de 12 anos ( 1976-1988). Criou uma organização sem fins lucrativos a Fundação para o Desenvolvimento da
Comunidade. Em 1990 foi nomeada pelo Secretário Geral da Organização das Nações Unidas para o Estudo do Impacto dos Conflitos Armados na Infância.
Como reconhecimento do seu trabalho, recebeu a "Medalha Nansen" das Nações Unidas em 1995.Entre as várias atividades que desempenha atualmente,
podem ser mencioadas a chancelaria da Universidade de Cape Town, uma das mais importantes Instituições de Ensino Superior da África do Sul.

13 Para Sócrates, o verdadeiro valor do homem reside no bem da alma, isto é, no cuidado do homem interior. Esse cuidado exige, antes de mais nada, o
conhecimento de si mesmo, que emana da célebre injunção: “conhece-te a ti mesmo”. Todo o ensinamento socrático admite ser condensado nestas duas
proposições: “conhece-te a ti mesmo” e “cuida de ti mesmo”. E o “si mesmo” significa a própria alma, o homem interior — não o próprio corpo.

15 Sobre esta temática ver em GONÇALVES, António Cioriano Parafino. “A reintrodução do ensino de Filosofia em Moçambique: atores, estratégias e
fundamentos. Cadernos de Educação. Universidade Federal de Pelotas. Maio-Agosto 2010, pp 237-271

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