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Domingo, 19 de Abril de 2020 ESTE SUPLEMENTO É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL PÚBLICO N.º 10.

10.952 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

GABRIEL SOUSA
Diplomacia
das máscaras,
o novo negócio
da China
P4 a 11
2 • Público • Domingo, 19 de Abril de 2020

4 12 14
Diplomacia das máscaras, o novo negócio Pré-publicação Série Ciências
Índice da China 8 Um mundo suspira por
máscaras e outro respira dentro delas
Paolo Giordano “Não
quero perder aquilo que
Sociais em
Público (III)
10 Agora, “todo o gato-sapato tenta a epidemia nos está a 1975: A eleição de
entrar no negócio” das máscaras revelar sobre nós mesmos” todos os portugueses

Agora ou nunca: um Desalinho


Cristina Sampaio
25 de Abril na Europa

O que é meu é teu


Vítor Belanciano

N
estes dias, ouve-se mui- bém. Deve ter sido inolvidável essa
ta gente dizer que, no vontade transformadora. Noutro ce-
contexto actual de iso- nário, para mim, e outros que ainda
lamento social, era eram miúdos em 1974, o seu 25 de
preferível nem cele- Abril é a União Europeia.
brar o 25 de Abril. Ninguém disse que as utopias eram
Nada mais errado. Noutras alturas, fáceis. A da UE não o é. Este é um
entendiam-se algumas críticas que momento fulcral. Ou a UE se reduz
apontavam para uma necessidade de a um papel insigniÆcante, para rego-
reinventar as comemorações. Havia zijo de Trump ou Putin, ou se aÆrma
um contexto que parecia esvaziar os como um laboratório político, capaz
rituais habituais. de reaÆrmar valores perenes, como
Agora não. O momento é excep- reÇexo de sociedades solidárias, jus-
cional. Os valores da democracia e tas e livres, e projectar-se como farol
da liberdade, seja para gerir a actual alternativo para o mundo. E para isso
crise sanitária ou a socioeconómica acontecer, como Macron vincou em
que está à porta, têm de ser reaÆr- entrevista ao Financial Times, é im-
mados. Não é apenas por Portugal. perativo ter consciência de que um
É pelo mundo. Cada vez mais, de for- modelo de globalização e de capita-
ma nítida em alguns casos, ou velada lismo — assente nas desigualdades e
noutros, aquilo a que se assiste é ao no minar da democracia — chegaram
seu atropelo. Houve uma altura em ao Æm de um ciclo, sendo preciso
que se pensava que existia uma cor- erguer uma nova realidade, onde a
relação entre dinamismo económico UE seja acima de tudo projecto polí-
e democracia. tico e não só mercado económico.
Agora aí está a China a mostrar que Que seja alguém como Macron a
não precisa dela para nada, enquan- dizê-lo pode gerar reservas, mas as
to as lideranças e as elites políticas e suas palavras vão na direcção certa.
económicas dos EUA, da Rússia ou Resta ver a acção. Muito mais terá de
do Brasil, a olham como um empe- ser feito, para além das palmas e dos A seguir
cilho na expansão dos seus privilé- planos avançados na última reunião
gios. A ironia do nosso tempo é essa. do Eurogrupo. De contrário, o resul- 25 de Abril sem desfiles
Assistimos à instauração de uma tado desta epidemia será a prevalên-
nova ordem que vai alastrando pelo cia de um novo tipo de totalitarismo,
globo feita dessa mescla de modo de que sacriÆca os frágeis, impõe assi- Pela primeira vez desde a dia à janela pelas 15h00 cantar a
produção hipercapitalista, Estado metrias e prescinde da democracia. Revolução, as comemorações do Grândola, Vila Morena, apelo a
autoritário e nacionalismo. A médio Por tudo isso, celebre-se o 25 de 25 de Abril não vão assumir que se juntaram o
prazo, o que poderá acontecer é o Abril. Faça-se uma sessão solene res- festejos de proximidade, como secretário-geral do PCP e o PAN.
desaparecimento gradual da demo- tringida, mas não nos Æquemos por tradicionalmente acontece Este partido foi, aliás, um dos
cracia. Se não queremos ir por aí, aí. Use-se a imaginação, essa ferra- nesta data. A liberdade que se manifestaram contra a
esta é a altura de a União Europeia, menta da emancipação. Não se pode conquistada em 1974 terá de ser realização do protocolo habitual
e de Portugal, o demonstrar. descer a Av. da Liberdade, mas quem celebrada de forma mais na Assembleia da República,
É em momentos de fragilidade que sabe se uma única pessoa fazê-lo não individual ou com o que neste ano de excepção vai
se pode regressar lá atrás e pensar, terá mais ressonância simbólica, distanciamento social que as manter discursos e demais
de forma simples, nos fundamentos como o Papa Francisco ainda há pou- recomendações da DGS celebrações perante cerca de
dos problemas, como olhávamos co tempo demonstrou na Praça de aconselham, para tentar travar 130 deputados e convidados. O
para eles no início e o que nos movia São Pedro? EnÆm, invente-se. Não a evolução do surto de covid-19, Presidente Marcelo Rebelo de
para os resolver, não para reiterar o podemos ir em grupo para a rua, mas que desde o início de Março Sousa foi uma das figuras do
passado, mas para idealizar outra utilize-se as janelas e o estarmos com atingiu também Portugal. Foi Estado que defenderam que o
linguagem e novas políticas. Tenho jovens e crianças, e façamos-lhes ver justamente no final de Março 25 de Abril “tem de ser
uma inveja saudável de quem viveu
o 25 de Abril, de quem projectou de-
que estamos a viver uma ocasião de-
cisiva do presente que já é futuro.
Comemorar que a Associação 25 de Abril
cancelou o desfile na Av. da
comemorado”, porque nem o
país nem a democracia estão
sígnios e que os conÆrmou ou teve
oportunidade de se desiludir tam- Jornalista
Abril Liberdade, em Lisboa, e pediu
aos portugueses para irem nesse
suspensos, apesar do estado de
emergência em vigor.
Público • Domingo, 19 de Abril de 2020 • 3

Ficha técnica

16 22 23 24
Portfólio Estar bem Crónica Opinião
Se todos “Estamos no meio Ler ou não Quem matou Director Manuel Carvalho
Directora de Arte Sónia Matos
fôssemos de uma pandemia ler, eis a Laura Palmer Editor Sérgio B. Gomes
pássaros e não sei nada questão Designers Marco Ferreira e Sandra
do meu Älho” Silva Email sgomes@publico.pt

Purificação

T
anta gente quer vigor por longos anos. No mesmo controlar os cidadãos, combater os história e a mitologia estão cheias
aproveitar a pandemia ímpeto, os estatutos dos
Grande angular excessos de defesa da privacidade, desses momentos de redenção. O
para ajustar contas! Os estrangeiros, as autorizações de António Barreto registar os movimentos de cada mais famoso talvez seja o Dilúvio,
argumentos parecem residência, as portas abertas aos um, vigiar as redes sociais, gravar inundação planetária contada nos
suspiros. Uns dizem pedidos de refúgio e uma atitude conversas e seguir os passos de livros do Génesis ou nos Puranas
com ar compenetrado tolerante relativamente à todos: só assim se conseguirá evitar hindus. As Pragas do Egipto,
“nada Æcará como dantes!”, após o imigração devem entrar mais contágio e novas epidemias. É contadas no Êxodo, são outra
que os optimistas mostram como imediatamente em vigor. urgente, dizem, aproveitar esta forma de castigo. A peste, Negra
se deve aproveitar para mudar a Outras espécies de cidadãos oportunidade. ou Bubónica, faz parte do mesmo
sociedade e corrigir defeitos, julgam ter bem percebido a origem Os pensadores mais abstractos e rol. Muitas outras catástrofes,
enquanto os cépticos, além do da pandemia. É evidentemente do seguramente mais ameaçadores inundações, fomes, terramotos,
desemprego, antecipam perda de estrangeiro que vem, foi na China elevam o tom do debate e vulcões e grandes incêndios
direitos, regresso da censura, que tudo começou e é através das consideram, todos os dias nas marcaram, ao longo dos séculos, a
aumento da exploração, explosão migrações que o contágio se páginas dos jornais e nos ecrãs de história dos povos. Muitas atingem
da dívida e crescimento da processa. Não restam dúvidas: televisão, que é urgente mudar o números inimagináveis de
desigualdade. Os mais políticos travão a fundo na imigração e modelo de sociedade, substituir os dezenas de milhões de mortos!
garantem que “é necessário proibição de residência a asiáticos valores vigentes e alterar os Sem falar noutras desgraças,
corrigir políticas a Æm de evitar e africanos. Há mesmo quem padrões de consumo. Para esses como a varíola, a tuberculose, a
outras crises”. inclua judeus e muçulmanos nesta visionários, só nos salva um novo sida e o sarampo cuja acção fatal
Assim é que não faltam os que lista de perigos. Segundo estes paradigma de relações sociais e de se prolonga por vários anos ou
querem aproveitar a oportunidade. preclaros defensores da hábitos! É este o momento! décadas.
Uns consideram que é a altura portugalidade, a nação e a Europa Infelizmente, em muitos Como é sabido, grandes pragas
ideal para acabar com o estão em perigo. Salvar uma e aspectos, as condições ou desastres podem
capitalismo. Dado que o Estado outra implica fechar portas e excepcionais da pandemia em transformar-se depois em
tem obrigatoriamente de intervir, impedir mestiçagens. nada alteraram os debates pretextos para esclarecer o poder.
depois de resolvidos os problemas, Depois há os que querem acabar tradicionais. Os simpatizantes da O nosso Marquês de Pombal é um
Æca por lá e nacionaliza empresas: com a União Europeia. A falta de esquerda apoiam tudo o que for exemplo, real ou mitológico, de
a TAP, por exemplo, a EDP, a Galp, solidariedade entre europeus, a aumento do Estado e eliminação como é possível aproveitar um
os bancos e outras. Não se admite, ausência de um poder democrático do que seja privado. Os desastre para estabelecer um
dizem, que o Estado tome conta e eÆciente, o império da Alemanha simpatizantes da direita… ditador.
quando há problemas e saia e das grandes empresas privadas, a vice-versa! É um confronto de Tal como os que desejam
quando estes estão resolvidos. inÇuência das maçonarias e os posições adquiridas, não é um aproveitar as catástrofes, também
Como a economia não é tudo, a novos costumes fazem com que o debate político. É um confronto os belicistas defensores do
mesma decisão de centralização “projecto europeu” se tenha que serve para contar partidários, apuramento da humanidade
assegura o exclusivo do Estado na transformado num mau serviço não para elaborar ideias. repetem a ideia de que é
saúde e a educação. Hospitais e prestado aos cidadãos. necessária uma guerra para

É
escolas devem ser nacionalizados o verdade que da puriÆcar. Porque há gente a mais.

N
mais rapidamente possível, só ão escondendo um situação actual Porque há fome. Porque há
assim se põe termo à evidente
desigualdade de tratamento
oportunismo de
gigantescas
Infelizmente, podem resultar
perigos e ameaças.
declínio das sociedades com
costumes degradados. Perante
durante a epidemia.
Por via do comércio de produtos
proporções, os
planeadores e os
em muitos Direitos dos cidadãos
ameaçados.
estes desenvolvimentos, uma nova
guerra poderia fazer jeito.
farmacêuticos, de desinfectante,
de máscaras, de luvas e de viseiras,
engenheiros de
almas e de sociedades não
aspectos, Privacidade violada. Trabalho sem
protecção. Despotismo dos
Reduziria as bocas e diminuiria a
pressão dos estrangeiros.
esta crise revelou a necessidade
absoluta de reexaminar o
disfarçam as suas ambições de
melhorar radicalmente o mundo
as condições poderosos no Estado ou na
empresa. E mais… Mas não
A ideia central destas reÇexões é
a de que uma guerra puriÆca.
funcionamento da economia
desses sectores: muitos defendem
em que vivemos. Assim, aproveitar
a crise e a emergência para excepcionais tenhamos dúvida de que grandes
perigos vêm dos que querem
Partindo do princípio de que
morrem os maus e Æcam os bons.
com convicção a necessidade
imperiosa de os nacionalizar
reforçar o poder do Estado, acabar
com a desordem urbana, liquidar da pandemia salvar a humanidade, mudar
paradigmas e substituir modelos
Com a pandemia actual, não
andamos muito longe desses
imediatamente.
Outros aÆrmam que é o
os excessos de consumo e de
lucros são condições para um em nada de sociedade. São esses
engenheiros, por ninguém
devaneios. É impressionante o
número de pessoas que esperam
momento adequado para acabar
com o racismo. Durante a
futuro melhor.
Os partidários de uma alteraram mandatados, intelectuais de
boulevard ou da favela, que
que uma catástrofe seja a
oportunidade para resolver
pandemia, todos têm de ser racionalidade bem diferente, inventam sociedades e problemas. Eles não sabem o que
tratados por igual, o que faz com
que os dispositivos de
amigos declarados da autoridade e
defensores de uma cuidadosa
os debates transformam a crise em alavanca.
Para eles, a miséria é puriÆcadora
dizem…

discriminação positiva Æquem em vigilância, consideram urgente tradicionais e precede o renascimento. A Sociólogo
4 • Público • Domingo, 19 de Abril de 2020

Com a “diplomacia
das máscaras”, China
aƊrma-se como
salvadora do mundo
As doações são actos de generosidade espontânea ou parte de uma
política concertada de Pequim? Diplomatas que conhecem a política
e a história chinesas não hesitam: a China quer ser vista como “salvadora
do mundo”, um país generoso e altruísta, para fazer negócios
Por Bárbara Reis

Q
ue se saiba, o Presidente Xi estava aberta”. O mundo parece estar a sentir Emmanuel Macron anunciou uma injecção de ropeus continuam a comprar à China e a rece-
Jinping não fez nenhum apelo pela primeira vez na pele, sublinham os diplo- quatro mil milhões de euros no orçamento da ber as suas doações. Só para Portugal houve
público para que as empresas matas ouvidos, que “a China é mesmo a fábrica Saúde para tornar a França “auto-suÆciente” mais de 20: o município de Shenyang fez uma
da China ofereçam materiais do mundo”. na produção de máscaras faciais (“devemos doação à Câmara Municipal de Braga; a empre-
para travar a pandemia da co- Ao mesmo tempo que compra milhões de reconstruir a nossa soberania nacional e euro- sária Ming Chu Hsu (da empresa Reformosa
vid-19, mas chovem notícias euros de material à China, a Europa discute a peia”), e esta semana houve indicações não — Imobiliário) fez uma doação à Câmara Muni-
diárias sobre doações para os urgência de pôr Æm à dependência dos produ- oÆciais de que o Governo de Berlim vai comprar cipal de Lisboa; a Fósun doou para o Sistema
quatro cantos do mundo: más- tos “made in China”. Muitos parecem antecipar a companhia aérea alemã Condor. Nacional de Saúde (SNS); a Universidade de
caras chinesas, ventiladores chineses, testes mudanças. “Um dos efeitos desta crise é que, A tendência não nasceu com a pandemia. Medicina de Cantão para o ISCTE; a Qingdao
chineses, fatos chineses, óculos chineses, luvas provavelmente, as cadeias de valor vão reapro- Em 2018, num gesto raro, a inÇuente Federação Bofu Medical School para a Câmara Municipal
chinesas e até médicos chineses são enviados ximar-se dos centros de consumo”, disse esta das Indústrias Alemãs (BDI) pediu às empresas de Cascais; a State Grid, através da REN, para
para ajudar a combater o novo coronavírus. semana o ministro da Economia português, da Alemanha para “reavaliarem” a sua presen- o Hospital de Santa Maria, Lisboa; a China
As doações são actos de generosidade es- Pedro Siza Vieira, numa entrevista ao Jornal de ça na China (“apesar da atractividade do mer- Three Gorges, com a EDP, para o SNS; a Tencent
pontânea ou parte de uma política concertada Negócios, acrescentando que “esse é um efeito cado chinês, será cada vez mais importante escolheu o mesmo destinatário; o empresário
de Pequim? Dez diplomatas ouvidos pelo PÚ- que pode beneÆciar Portugal”. São múltiplos que as empresas examinem atentamente os Zhu Qi também; a empresa CNYT e o empre-
BLICO, no activo e reformados, mas todos co- os sinais desta vontade de “relocalizar as in- riscos de seu envolvimento na China e mini- sário Michael Lee doaram para a Câmara Mu-
nhecedores da política e história chinesas, não dústrias” e tirá-las da China. mizem a sua dependência, diversiÆcando ca- nicipal do Porto; tal como o empresário Lin
hesitam: a China quer ser vista como “salva- Há dias, Margrethe Vestager, vice-presidente deias de fornecedores, locais de produção e Rui Da; a Zhejiang TV doou à RTP; a empresá-
dora do mundo”, um país generoso e altruísta, da União Europeia e comissária para a Concor- mercados de vendas”). E a Comissão Europeia ria Lu, proprietária da Quinta da Marmeleira,
que ajuda os outros quando eles mais preci- rência, disse que os Estados-membros devem acaba de publicar Uma Nova Estratégia Indus- doou à Câmara Municipal do Porto e ao SNS; a
sam, e nada está a acontecer por acaso. comprar participações das empresas dos seus trial para a Europa — prevista no programa dos Shanghai Jiaotong University doou à Universi-
Em poucas semanas o léxico da geoestraté- países para evitar o avanço das rivais chinesas primeiros 100 dias da presidente Ursula von dade de Lisboa; a University of Electronic Scien-
gia ganhou duas expressões novas: “diploma- (“é muito importante estar ciente de que há um der Leyen — cujo objectivo é “reforçar a auto- ce fez o mesmo; o empresário John Zha fez uma
cia das máscaras” e “viruspolitik”. Pragmáticos, risco real de que as empresas vulneráveis pos- nomia estratégica da Europa”. Estes são os doação para Viseu; a Chinese Academy of Social
é à China que todos os países vão comprar equi- sam ser objecto de uma aquisição” hostil da planos para o futuro. Sciences para a Universidade de Coimbra; a
pamentos de combate à covid-19 porque, como China). Em Fevereiro, o ministro das Finanças Huwaei para o SNS; a empresária Rachel Siu
disse ao PÚBLICO um assessor político do Go- francês, Bruno Le Maire, disse que o seu gover- Doações para Portugal também; e a embaixada da China em Portugal
verno regional dos Açores envolvido na compra no “faria tudo” para proteger as suas grandes doou para a Câmara Municipal de São João da
recente de 9,3 milhões de euros de material empresas dos efeitos causados pela pandemia Para já, com as populações fechadas em casa Madeira. A lista é parcial, frisa ao PÚBLICO um
médico chinês, “a China era a única porta que — “até nacionalização”; a seguir, o Presidente e as economias em ponto morto, os países eu- diplomata que acompanha o dossier, c
Público • Domingo, 19 de Abril de 2020 • 5

REUTERS

A fábrica do
mundo
O Presidente
chinês Xi Jinping
durante uma
visita a um centro
de controlo e
prevenção do
novo coronavírus,
em Anhuali,
Pequim. O mundo
parece estar a
sentir na pele pela
primeira vez que
“a China é mesmo
a fábrica do
mundo”,
sublinham vários
diplomatas
6 • Público • Domingo, 19 de Abril de 2020

mas representa “vários aviões cheios de mate-


rial e vários milhões de euros de doações”.
Segundo a embaixada da China em Portugal,
em declarações ao PÚBLICO, as doações que
“já chegaram ou estão a chegar a Portugal”
incluem 942 mil máscaras cirúrgicas, 255 mil
máscaras N95, 603 mil pares de luvas médicas,
120 mil viseiras de protecção, 37.450 fatos de
protecção, 13.500 óculos, cinco mil kits de tes-
No contexto
te de ácido nucleico, mais de 100 ventiladores
e dez sistemas de vídeo.
actual, esta é
“Generosidade espontânea? Quando falamos
de chineses, há a generosidade entre as pes-
uma generosidade
soas: se um chinês vê o amigo em diÆculdade,
faz sacrifícios inimagináveis no Ocidente para calculada,
o ajudar”, diz ao PÚBLICO Pedro Catarino, Re-
presentante da República para a Região Autó- para não dizer
noma dos Açores, que foi embaixador de Por-
tugal em Pequim (1997-2002), chefe da parte interesseira.
portuguesa no Grupo de Ligação Conjunto Lu-
so-Chinês sobre o futuro de Macau (1989-1992)
e cônsul-geral em Hong Kong (1979-1982), ten-
O interesse da
do hoje como hobby enriquecer a sua bibliote-
ca sobre a China. “Mas no contexto actual, esta
China é sempre
é uma generosidade calculada, para não dizer
interesseira. O interesse da China é sempre
criar um ambiente
criar um ambiente favorável para os seus ne-
gócios. Agora e no futuro.”
favorável para
A estratégia política chinesa para a pandemia
da covid-19 “é uma questão absolutamente cru-
os seus negócios.
cial” para o regime do Presidente Xi, sublinha
Carlos Gaspar, investigador do IPRI e durante
Agora e no futuro
anos conselheiro político no Palácio de Belém.
Não só para “contrabalançar o impacto nega-
Pedro Catarino
tivo” do início da pandemia — a China começou
por esconder a crise e até castigou o médico
que fez os primeiros alertas —, mas também
para “conter as tendências muito fortes nos
Estados Unidos e na Europa de se cortar as
amarras às cadeias de produção chinesas”.
A 1 Fevereiro, a China produzia 20 milhões
de máscaras faciais por dia, metade da produ-
ção mundial, e a 1 de Março já produzia 110
milhões por dia, um aumento de 450%. São
várias as empresas que mudaram de ramo da
noite para o dia: os fabricantes de carros eléc-
tricos BYD, a SAIC-GM-Wuling (joint venture
com a General Motors), a Foxconn (que mon-
tava telemóveis da Apple) e a petrolífera Sino-
pec (China Petrochemical Corporation), a
maior reÆnaria do país, passaram a produzir na: três quartos dos princípios activos usados vam 10 cêntimos a unidade estão a ser vendidas satisfazer a procura da comunidade interna-
máscaras. Um diplomata chama a estas notí- na Índia são importados da China. A razão é por 50 cêntimos. “A especulação não é um va- cional”. O aumento dos preços é natural, diz
cias fait-divers e sublinha que são casos pon- simples: são 35% a 40% mais baratos do que lor muito confuciano”, diz o embaixador Ca- o diplomata chinês, “porque há um aumento
tuais. “Não vi uma viragem da indústria”, diz. os que são feitos na Índia. tarino. “E não revela um pensamento a longo de procura”. De qualquer modo, “na circulação
“A China não está sequer a ter capacidade de “A deslocalização levou a esta triste realida- prazo, que é a tradição chinesa: quais são os dos produtos relacionados com o combate à
resposta para todas as encomendas e não creio de: para o consumidor Ænal, os produtos são efeitos daqui a 100 ou 200 anos? Esta era uma pandemia, a parte chinesa é apenas um elo na
que esteja a acumular stocks.” mais baratos, mas agora constatamos que a oportunidade para a China mostrar a sua mag- cadeia global de produção e abastecimento”.
Fait-divers ou não, as máscaras são só em- China é mesmo a fábrica do mundo e não esta- nanimidade, fazer um gesto e não abusar da A China “espera que o preço dos produtos re-
blemáticas. A dependência mundial em relação mos a gostar de perceber isso”, diz um diplo- sua posição no mercado.” levantes possa ser controlado”, mas “a decisão
à China abrange muitos outros produtos, da mata que pediu para não ser identiÆcado. “Até Mesmo a palavra “doação” deve ser posta do preço não compete só à parte chinesa”. O
tecnologia à saúde em tempos normais. No a Suíça, onde estão as sedes dos grandes labo- em causa, propõe o empresário. “A China dá, diplomata dá a produção de ventiladores como
livro Fear: Trump in the White House, de Bob ratórios farmacêuticos, tem de comprar rea- mas não lhe custa nada: o que é doado tem na exemplo: “As peças cruciais utilizadas na Chi-
Woodward, é descrita uma conversa na qual gentes à China.” verdade custo zero, porque os fabricantes que na para produzir ventiladores vêm da Europa,
Gary Cohn, então conselheiro do Presidente A seguir à pandemia, antecipam vários diplo- doam estão a vender os mesmos produtos a em particular da Suécia. E os preços dessas
Donald Trump para os assuntos económicos, matas, o debate da “reindustrialização da Eu- preços cinco ou dez vezes mais altos.” O mes- peças também aumentaram.” Há anos que o
defende que os EUA não devem entrar em guer- ropa” e do “repatriamento da indústria” vai ter mo empresário não Æcaria surpreendido se mal-estar entre a China e a Suécia é sério e pú-
ra comercial com a China e um dos argumen- de ser feito. A deslocalização das indústrias da existissem instruções do Governo de Pequim blico. Gui Minhai, cidadão sueco nascido na
tos que usa é um estudo do Departamento do China pode ter vantagens, como a redução dos para as empresas porem de lado 5% ou 10% da China, foi um dos cinco editores e livreiros de
Comércio que diz que 97% dos antibióticos custos de transporte, tempo de distribuição, produção para ser oferecida como doação ao Hong Kong que desapareceram em 2015 depois
consumidos nos EUA vêm da China. “Se fores menos poluição produzida e os custos de arma- estrangeiro e reforçar o poder do soft power de terem publicado livros críticos do regime
a China e quiseres mesmo destruir-nos, bas- zenamento. “Mas é uma discussão difícil, por- chinês. “Não sei se isso existirá”, diz Catarino, chinês. Quando, em Novembro, a associação
ta não enviares antibióticos”, diz Cohn ao Pre- que os custos são altos”, diz um diplomata. “Há “mas não me admirava que houvesse algum de escritores PEN Suécia anunciou que ia atri-
sidente Trump. anos que preferimos comprar mais barato em tipo de indicação nesse sentido”. buir-lhe o Prémio Tucholsky, para escritores e
Na mesma linha, 65% dos princípios activos vez de alimentarmos os mercados internos.” O que diz Pequim? “Isso não tem fundamen- editores no exílio ou que vivem sob ameaça, a
usados em medicamentos na União Europeia to, porque não é verdade”, responde ao PÚ- China disse publicamente que o país iria “sofrer
são comprados à China e à Índia e, só em Fran- Especulação de preços BLICO o porta-voz da embaixada da China em consequências”.
ça, essa percentagem sobe para 60% a 80%. Portugal, num português Çuente. “Enfrenta- A especulação dos preços não perturba to-
Ao mesmo tempo, segundo o Council on Fo- As máscaras faciais deixaram de ser baratas. mos a mesma pressão de materiais médicos dos por igual. “Apesar de ser um pouco ma-
reign Relations, várias empresas indianas lide- Um empresário português que conhece a Chi- por causa da possibilidade de uma segunda cabro que ganhem à custa de uma epidemia
ram o mercado dos princípios activos farma- na há 40 anos contou ao PÚBLICO que másca- vaga da epidemia” e, mesmo assim, “a parte que surgiu na própria China”, diz um diplo-
cêuticos, mas também elas dependem da Chi- ras cirúrgicas que, antes da pandemia, custa- chinesa acelerou a produção dos materiais para mata português reformado, “isso é o que c
Público • Domingo, 19 de Abril de 2020 • 7

REUTERS NUNO FERREIRA SANTOS

funcionam bem ou as máscaras em Itália que to”, diz um alto quadro do Ministério dos Ne-
foram para o lixo, e há atrasos nas entregas de gócios Estrangeiros português. Essas ideias
equipamento comprado e pago à cabeça, gerais ou até vagas “vão sendo decantadas ao
como aconteceu com 500 ventiladores com- nível administrativo até chegarem aos comités
prados por Portugal. dos bairros”, diz outro diplomata, que descre-
Além disso, há desaÆos de outro nível, como ve o processo como “biunívoco” — as ordens
o que Macron colocou em cima da mesa ao saem de cima, vão sendo aplicadas e, perante
propor esta semana, antes de se reunir com o a sua concretização, são dadas novas ordens
G20, uma moratória da dívida dos países afri- de correcção, numa “peculiar desorganização
canos para lhes “dar oxigénio” para enfrentar organizada”.
a pandemia da covid-19. “Devemos absoluta- “As doações fazem parte de uma campanha
mente ajudar a África a sair disto. É um dever internacional para apresentar a China como
moral, humano, para África e para nós”, disse parte da solução”, diz o mesmo diplomata. A
o Presidente francês numa entrevista à RFI. doação que chegou nesta sexta-feira a Colom-
Remata um diplomata: “Se quiserem ser bon- bo foi noticiada pela agência de notícias oÆcial
zinhos, têm aqui uma boa oportunidade.” do Governo chinês, a Xinhua, deste modo: “Um
novo lote de assistência médica doada pela
É estratégia de Pequim? China chegou ao Aeroporto Internacional de
Bandaranaike, uma vez que o Governo da Chi-
Há quem ache tudo isto mero cinismo e subli- na e o seu povo estão Ærmemente ao lado do
nhe que a China faz como os outros: “Todos Sri Lanka na batalha contra a pandemia da co-
os países são sensíveis à sua imagem e querem vid-19.” O pacote inclui 20 mil kits de testes, 10
projectar uma ideia benévola. Por isso, os cro- mil máscaras N-95, 100 mil máscaras cirúrgicas,
nistas da História são sempre contratados pelo 10 fatos, mil óculos e 50 mil luvas, transporta-
rei e imperador, já era assim com os impera- das num voo da Chinese Eastern Airlines. A
SUSANA VERA/REUTERS
dores romanos. Não é uma originalidade da seguir, a notícia da Xinhua informa que “a em-
China”, diz um diplomata veterano. “A China baixada disse que o avião partiu de Xangai sem
luta permanentemente pela imagem. A pan- passageiros, mas cheio de materiais médicos,
demia não é um ponto de viragem.” além de amor e solidariedade da China para o
“Um problema com que o Ocidente se de- Sri Lanka”. E no Æm conclui: “O primeiro-mi-
para nos negócios com a China é o facto de nistro Mahinda Rajapaksa, em recente decla-
não haver uma separação nítida entre as acti- ração na sua conta no Twitter, agradeceu ao
vidades privadas e públicas, as fronteiras não Governo chinês pela assistência continuada na
são visíveis, há uma grande interpenetração”, batalha contra o coronavírus e também à Chi-
explica o embaixador Catarino. “A China tem nese Eastern Airlines por transportar os paco-
uma organização muito sui generis e não po- tes de socorro.”
demos esquecer que é uma sociedade hierar- Uma pesquisa no site da Xinhua revela que,
quizada, na qual as ordens vêm de cima e têm só nas últimas horas, chegaram donativos chi-
de ser obedecidas. Estas doações não serão neses à Cidade do Cabo, na África do Sul, ao
feitas por ordem directa do Presidente Xi, mas Brunei, à Eslováquia e ao Botswana. Aos Aço-
estão seguramente em consonância com a po- res chegou também, na sexta-feira, um segun-
sição oÆcial.” do carregamento com 272 metros cúbicos de
Quão sui generis? O empresário dá um exem- material médico vindo da China, mas com
plo: “O Código Comercial chinês estipula que uma diferença. “Foi tudo comprado”, disse
todas as empresas com mais de 50 funcioná- ao PÚBLICO o assessor para as relações exter-
rios têm de ter um delegado do Partido Comu- nas do Presidente da região autónoma, Vasco
nista Chinês. No Æm, é ele que manda na em- Cordeiro. O governo açoriano comprou o ma-
presa.” terial à Ars&Civitas, na China, através da me-
O professor e investigador Carlos Gaspar su- diação de Charles de Rosen, um consultor de
blinha que “não há nenhuma estratégia impor- Londres, e fez o investimento (9,3 milhões de
me incomoda menos”. É aliás apenas um dos Questão crucial tante do Estado chinês, em domínios internos euros em material e um milhão nos voos), de-
problemas da operação. Há relatos de que os No topo, fábrica em Nantong, ou internacionais, sem o selo de aprovação do pois de “ter batido às portas dos fornecedores
médicos chineses enviados para Itália causa- China; em cima, distribuição de Presidente Xi. Isso é indispensável. A China é habituais na Europa” e ter “percebido que só
ram choque por terem criticado de forma rude máscaras em Madrid. A estratégia um Estado hierárquico e centralizado numa a China é que era capaz de dar resposta”. Fi-
os métodos de trabalho italianos; há denúncias para a pandemia “é uma questão única pessoa”. Isso não signiÆca que Xi tenha cou satisfeito com os preços conseguidos: 12
de má qualidade de produtos vendidos, como crucial” para o Presidente Xi, diz dado instruções taxativas sobre doações, mas cêntimos por máscara cirúrgica, três euros
os testes comprados por Espanha, que não Carlos Gaspar (em cima, à direita) haverá “indicações gerais do que deve ser fei- por máscara FFP2 e 6,5 euros pelas FFP3.
8 • Público • Domingo, 19 de Abril de 2020

No início da semana, o PÚBLICO pediu ao


Governo português os valores totais (quanti-
dades e custo) das doações da China a Portugal
e das compras do Estado português à China de
material de combate à pandemia, mas não re-
cebeu os dados. Por escrito, Eurico Brilhante
Dias, o secretário de Estado da Internaciona-
lização que está a coordenar as operações das
compras e das doações, disse que, “até ao mo-
mento, o Ministério dos Negócios Estrangeiros
deu apoio a mais de 20 voos, com origens dis-
tintas na República Popular da China, fretados
pelo Estado ou por operadores privados, sem-
pre que transportem carga que se destine ao
SNS. Os cinco voos fretados pelo Estado são
aproximadamente de 800 metros cúbicos”,
mas nesses voos vêm aquisições da China e
doações, não apenas doações.
“Desde o início da pandemia que a preocu-
pação de Pequim foi assegurar a liderança
interna de Xi, altamente calibrada do ponto
de vista da aparição pública”, diz outro espe-
cialista. “Começou por ser ‘o sistema chinês
vai falhar’, deu-se uma tensão interna e Xi
passou por uma prova de fogo. Mas Xi agarrou
a situação externa e começou a ressuscitar
quando os poderes entram na narrativa típica
dos impérios em momentos de crise”, diz o
diplomata veterano. “Começa por estar na
mó de baixo, mas passa para a mó de cima e
o rival, os EUA, para a de baixo. A China per-
cebe que controla a situação e diz: ‘Nós somos
capazes’, ‘somos nós que salvamos’. É aí que
começa a doar e a vender por uma razão sim-
ples: tem os materiais e é capaz de os produ-
zir.” Para já, o regime abanou, resistiu e pa-
rece reforçado, concordam todos os especia-
listas ouvidos.

China vai sair vitoriosa?


Com o seu “sistema político autoritário”, que
combina autoritarismo político com inteligên-
cia artiÆcial e informática, a China criou um
“sistema de informação sanitária”, disse há dias
Jaime Gama, ex-ministro dos Negócios Estran-

Um mundo suspira
C
geiros, no programa Conversas à Quinta, no apa da Vogue Portugal, edição
Observador. Aplicou-o à detenção e geolocali- de Abril 2020: um casal beija-
zação dos infectados e ao controlo da popula- se, cada um deles com uma
ção e, “com toda a sua capacidade (adminis- máscara cirúrgica a tapar-lhe

por máscaras e outro


trativa, de intelligence e militar), montou uma parte da cara. É o beijo possí-
operação exemplar” que “primeiro tinha como vel em tempos de covid-19. O
destinatário o resto da população da China e título: Freedom on hold. No
depois o resto do mundo”. O que está em cau- mês em que Portugal a deve-

respira dentro delas


sa, diz Gama, “não é a forma como se enfrenta ria celebrar, a liberdade está suspensa. E a más-
a pandemia, mas uma tomada de posição a cara é o símbolo disso.
partir da forma como se enfrenta a pandemia Em menos de dois meses de pandemia e
para saber, numa nova partilha dos poderes isolamento social, as máscaras chegaram à
mundiais, quem é que vai Æcar o vencedor na capa das revistas de moda, enchem as páginas
corrida para a recuperação económica, para dos jornais, os ecrãs das televisões, são omni-
aÆrmar as capacidades cientíÆcas e tecnológi- presentes, desejadas, procuradas, guardadas,
cas e para ter o poder para reconÆgurar as or- açambarcadas. Quem não as tem sente-se des-
ganizações internacionais, uma corrida que protegido perante um vírus que nos ameaça
gera simpatizantes e adeptos. Esta pandemia Instalou-se um clima de “faroeste” global a todos.
é o palco das lideranças políticas para a sua O que dizem as máscaras que nos escondem
recolocação no futuro, porque uns sairão ven- no mercado das máscaras. Enquanto isso, os rostos? São apenas um pedaço de tecido,
cidos e outros vencedores. Quem vai chegar mais ou menos elaborado. E, no entanto, as
primeiro aos mercados, quem vai dar cartas na
descoberta da vacina, quem vai ter inÇuência
o mundo enche-se de rostos cobertos — máscaras têm um enorme poder simbólico.
Tão grande que o súbito protagonismo que
para reconÆgurar a OMS, a OMT, o FMI, a ONU?
Há uma corrida como há em todas as guerras.
uma imagem natural para os asiáticos, um ganharam perante a pandemia do novo coro-
navírus tornou mais evidente um fosso cultural
Não só uma corrida para vencer aquela guerra,
mas uma corrida de posicionamento para saber
pesadelo para os ocidentais. Num tempo entre o Ocidente e o Oriente — com o primeiro
a rejeitar a ideia de taparmos o rosto e o segun-
quem é o vencedor no pós-guerra”.
O empresário apostaria no vencedor de
pandémico em que só o distanciamento do a encará-la, desde há muito, com muito
maior naturalidade e até como um sinal de
olhos vendados: “A China é fria, calculista e
pragmática. Vai tirar proveito desta crise. Não
social nos pode salvar, o que é que cada respeito pelos outros.
Certo é que, face à actual ameaça, tanto ame-
tenho dúvida de que terá sucesso. Não há como
nos iludirmos.”
um de nós vê na máscara do outro? ricanos como europeus começam a utilizar
máscaras de uma forma cada vez mais gene-
ralizada. Como aconteceu com outras pande-
breis@publico.pt Por Alexandra Prado Coelho mias na História, a imagem de pessoas a andar
Público • Domingo, 19 de Abril de 2020 • 9

MIGUEL MANSO TOMOHIRO OHSUMI/GETTY IMAGES


sar encomendas diárias para 100 milhões ou
em alguns casos 200 milhões de máscaras.
Mas, apesar de muitas fábricas de tecidos,
de automóveis e outras terem, do dia para a
noite, adaptado as suas linhas de produção
para dar resposta à procura frenética por estes
produtos (para os quais é preciso ter o tipo de
tecidos apropriados, caso contrário as másca-
ras não são eÆcazes), nas primeiras semanas
revelou-se impossível colocá-los no mercado
à velocidade desejável. E, assim, o mundo as-
sistiu a cenas dignas de um Ælme de acção.
Uma delas, contada por responsáveis fran-
ceses, terá acontecido no aeroporto de Xangai.
Um avião carregado de máscaras produzidas
na China e que se destinavam a algumas das
regiões francesas mais atingidas pela pandemia
preparava-se para levantar voo quando ho-
mens descritos como “compradores norte-
americanos” apareceram na pista “acenando
com maços de dinheiro” e oferecendo o triplo
do que estava a ser pago pelos franceses.
Em França, passou a haver escolta policial
a todos os carregamentos de máscaras que
chegam aos aeroportos e as empresas que fa-
bricam máscaras passaram a funcionar 24 so-
do Centro de Controlo Ambiental, uma con- Respeito pelos outros bre 24 horas, guardadas por forças de seguran-
sultora ligada ao ambiente sediada em Tóquio, As máscaras têm um enorme poder ça. Também a Alemanha acusou os Estados
que explica que no Japão as máscaras torna- simbólico. Tão grande que o súbito Unidos de “pirataria moderna” por alegada-
ram-se de tal forma comuns que fazem com protagonismo que ganharam perante mente terem desviado um carregamento de
que as pessoas se sintam mais seguras na so- a pandemia do novo coronavírus máscaras destinadas à polícia alemã quando
ciedade: “Quando colocamos uma máscara, tornou mais evidente um fosso estavam a ser transferidas de um avião para
estamos a mostrar que seguimos as regras so- cultural entre o Ocidente e o Oriente outro na Tailândia.
ciais, e isso tranquiliza os outros.” — com o primeiro a rejeitar a ideia de E a China, um dos maiores fabricantes mun-
O artigo nota que na Europa foram países taparmos o rosto e o segundo a diais de máscaras (metade das máscaras res-
como a República Checa e a Eslováquia, ambos encará-la, desde há muito, com piratórias do mundo são produzidas em fábri-
culturalmente marcados pelo espírito colecti- muito maior naturalidade e até como cas chinesas) foi, no início da pandemia, acu-
vista do comunismo, dos primeiros a genera- um sinal de respeito pelos outros sada de estar acumular equipamento médico
lizar o uso de máscaras para proteger as pes- para responder às suas necessidades. Quando
soas da covid-19 — pivots de programas televi- surgiu o primeiro surto, em Janeiro, em apenas
sivos deram o exemplo, assim como a cinco semanas as autoridades chinesas tinham
Presidente Zuzana Caputova, que na tomada importado dois mil milhões de máscaras, ou
de posse do novo Governo usou uma máscara seja, “cerca de dois meses e meio da produção
vermelha a combinar com o vestido, mostran- global”, segundo o The New York Times.
do a naturalidade de o fazer. Mas, com a situação interna a acalmar, Pe-
Exemplo incontornável da rejeição do Oci- quim começou não só a vender, mas também
pelas ruas com as caras tapadas está, a cada dente à ideia de tapar o rosto é o Presidente diziam que, em paralelo com a frequente e a doar aos países que mais precisavam, numa
dia que passa, a tornar-se mais habitual. norte-americano. Donald Trump, recorda um metódica lavagem das mãos, a única arma à verdadeira operação de diplomacia das más-
Conta o The New York Times que até há pou- texto da The Atlantic, disse recentemente: nossa disposição para travar a doença eram as caras (ver texto nestas páginas). E aumentou
co tempo os turistas asiáticos eram as únicas “Queremos o nosso país de volta. Não vamos máscaras. Ao mesmo tempo o mundo aperce- em 12 vezes a sua já elevada capacidade de
pessoas com máscara nas ruas de Paris. A re- usar máscaras para sempre.” bia-se de que elas não existiam em quantidade produção de 10 milhões de máscaras por dia.
sistência dos franceses à ideia era enorme e Uri Friedman, que assina o artigo, faz preci- suÆciente para todos. No Ænal de Março, o Times descrevia um ce-
traduzia-se na desconÆança com que olhavam samente a mesma análise sobre a diferença de Por entre acusações de “pirataria” e de tác- nário global alucinante com governos, hospi-
quem as usava. atitude no Ocidente e no Oriente: “O Presiden- ticas do “faroeste”, os países tentavam deses- tais e empresários, uns mais honestos do que
Mas, depois de hesitações iniciais, o Gover- te parecia estar a dizer que um país com más- peradamente garantir que tinham as quanti- outros, a procurar por todo o mundo equipa-
no francês — como muitos outros na Europa, caras não podia ser o nosso país — que essa dades necessárias para suprir as necessidades mento médico. Havia negócios feitos à pressa,
entre os quais o português — recomendou às visão seria estranha e alarmante e por isso um do pessoal médico e da população. Um dos “milhões de dólares transferidos para desco-
pessoas que usassem máscara quando saíssem pesadelo de curta duração. É uma expressão maiores produtores no mundo é a 3M, que, nhecidos”, chamadas urgentes para pilotos de
de casa, aconselhando-as também a fazerem do estigma há muito ligado ao uso das másca- segundo a Bloomberg Businessweek, já tinha aviões privados, intermediários a tentar enri-
máscaras caseiras para não esgotarem os stocks ras no mundo ocidental, ao contrário de mui- aumentado a sua produção para responder ao quecer e, inevitavelmente, fraudes.
das cirúrgicas, necessárias para o pessoal hos- tos países asiáticos onde quem é estigmatizado aumento da procura devido aos fogos na Aus- Perante isto, claro, os preços dispararam.
pitalar e dos serviços mais expostos ao público. são os que não usam máscaras nas crises de trália e à erupção de um vulcão nas Filipinas. Máscaras respiratórias mais soÆsticadas, do
Entretanto, em alguns países, a recomendação saúde pública.” Aos primeiros sinais do aparecimento do modelo N95 (que Æltra 95% das partículas trans-
já se transformou em obrigatoriedade. Há, aparentemente, uma guerra cultural por novo coronavírus na China, a 3M (que faz tam- portadas pelo ar), indicadas para médicos,
trás das máscaras. Com a China a exibir ao bém produtos como os Post-its, entre muitos passaram a valer cinco vezes mais.
mundo uma situação já sob controlo ao mesmo outros) mobilizou funcionários e preparou-se Rapidamente, contudo, o mercado mundial
Tranquilizar os outros
tempo que a Administração norte-americana para o embate. Objectivo? Fazer mais de mil reorganizou-se para dar resposta. Muitos go-
A diferença de posição entre o Ocidente e o está a ser questionada pela demora na reacção milhões de máscaras N95 até ao Ænal do ano. vernos aconselharam a que as pessoas Æzes-
Oriente tem sido interpretada como a materia- à chegada da pandemia, as máscaras podem A empresa tinha aprendido alguma coisa com sem as suas em casa, a partir de t-shirts velhas
lização de uma cultura mais individualista face transformar-se num símbolo de outras coisas, a epidemia de SARS em 2002-2003 e prepara- ou outros pedaços de tecido. E, a par das más-
a outra mais preocupada com o colectivo. Ha- nomeadamente das diÆculdades de o Ociden- ra-se já para a eventualidade de uma nova caras destinadas aos médicos e aos doentes,
veria aqui uma diferença fundamental, expli- te se preparar a tempo e de forma coordenada emergência deste tipo. começaram a surgir outras de todas as formas
cada ao The New York Times pelo antropólogo para enfrentar este enorme desaÆo. A Prestige Ameritech, outro gigante norte- e feitios, desde as mais artesanais às mais lu-
francês Frédéric Keck, que tem estudado a americano do fabrico de máscaras, sediado no xuosas.
pandemia: “Há um vírus lá fora, por isso uso Corrida às máscaras Texas, aumentou a sua produção de 250 mil Entre as mais mediáticas, destacam-se as
máscara para me proteger [pensam os ociden- por dia para um milhão. Conta um artigo da Airnium (com preços entre os 50 e os 100 eu-
tais], enquanto o pensamento do colectivo nas Nas primeiras semanas da pandemia, foi o pâ- revista Wired que a empresa reactivou máqui- ros e cinco camadas de Æltro) muito populares
sociedades asiáticas traduz-se em ‘uso másca- nico. Por entre indicações contraditórias por nas que já estavam fora de serviço, aumentou entre Æguras públicas, actores e influencers —
ra para proteger os outros’.” E, se todos o Æze- parte da Organização Mundial de Saúde, ini- os horários de trabalho e começou a formar a actriz Gwyneth Paltrow deu que falar ao exi-
rem, todos estarão protegidos. ciou-se o debate sobre a utilidade ou inutilida- dezenas de novos operários. E mesmo assim, bir a sua em posts no Instagram. A empresa
A mesma ideia é conÆrmada por Yukiko Iida, de do uso das máscaras. Alguns especialistas confessaram os responsáveis, estavam a recu- que fabrica estas máscaras, neste mo- c
10 • Público • Domingo, 19 de Abril de 2020

RADOVAN STOKLASA/REUTERS

Agora, “todo
usar o véu islâmico que lhes cobre o rosto.
Os inúmeros debates sobre o véu que têm
acontecido em vários países ocidentais são re-
levadores desse desconforto cultural em rela-
ção ao cobrir do rosto — algo que supostamen-
te é feito apenas por quem tem alguma coisa a
esconder, sejam ladrões, terroristas ou revolu-
o gato-sapato
tenta
cionários que não querem ser identiÆcados
pela polícia (como aconteceu recentemente
nas manifestações em Hong Kong, com uma
estetização das máscaras faciais, que se torna-
ram símbolo de revolta contra o sistema, o Go-
verno e a China). E que, no caso das muçulma-
nas, é entendido pelo Ocidente como um sím-
entrar no
bolo da opressão da mulher.
O que é curioso, nota a socióloga Filomena
Silvano em conversa com o P2, é o facto de
haver “uma contradição” na forma como o
negócio” das
Ocidente olha para estas questões. Por um lado,
não tapar a cara (aqui entendido no sentido de
não ser obrigado a tapá-la) é visto como um
máscaras
princípio de liberdade individual. Por outro,
“considera-se que é também uma questão de
O exemplo A Presidente da Eslováquia Zuzana Caputova, ao centro, na tomada de posse responsabilidade cívica que ninguém possa
do novo Governo — a máscara fez parte do protocolo esconder a sua identidade”.
É este argumento da responsabilidade cívica
mento totalmente esgotadas — e que as anun-
cia, em estilo de distopia futurista, com a fra-
nos supermercados não anda ninguém sem
uma, e em muitos destes locais não nos deixam
que é usado contra as muçulmanas que dizem
ser por vontade própria que usam o véu. Assim,
Num momento de
se “acessórios de saúde para a próxima gera-
ção” —, foi criada por um sueco que se mudou
entrar sem nos medirem a temperatura.” Nem
poderia ser de outra forma, explica: “Se não
se no Oriente é a preocupação com o colectivo
que leva as pessoas a usar uma máscara em
escalada de procura
para a Índia e Æcou impressionado com os ní-
veis de poluição do ar.
tiveres máscara, as pessoas vão olhar-te com
desdém. Levam muito a mal se os outros não
tempo de pandemia, curiosamente, quando
no Ocidente se proíbe o esconder da cara, “isso
a nível internacional,
Æzerem esse sacrifício.”
E, sublinha, não está a falar de máscaras ca-
é também um princípio de controlo colectivo
sobre o indivíduo”, diz Filomena Silvano. Im-
Portugal vira-se para
Vergonha e salvação
seiras, de algodão, artesanais. “Aqui é tudo põe-se que o rosto Æque a descoberto, mesmo a produção nacional.
Quando os ricos e famosos começam a tornar proÆssional, máscara a sério” — geralmente, e que essa não seja a vontade do indivíduo.
as máscaras faciais uma moda, a vergonha de para quem não está doente, o modelo descar- A socióloga lembra que a “construção da O regresso ao dia-a-dia
as usar em público tende a desaparecer. Chris- tável mais básico que existe nas farmácias, mas identidade a partir da cara” é “um princípio
tos Lynteris, um médico antropólogo da Uni- que, mesmo assim, tem um Æltro, o que as tor- praticamente universal”. Cabe depois a cada vai ser acompanhado
versidade de St Andrews, na Escócia, interro- na mais eÆcazes do que uma simples t-shirt sociedade deÆnir, em cada momento histórico,
gava-se, em declarações à The Atlantic, sobre adaptada. quais as situações em que essa “identidade in- por milhões de
o que provocava esse desconforto: “Ouvi pes- Há circunstâncias especiais que ajudam a dividual tem de ser expressa pela cara” — ou
soas a dizer ‘levei uma máscara para o avião explicar este nível de cumprimento da medida seja, se neste momento as razões de protecção máscaras e a indústria
mas tive vergonha de a usar’. De onde vem
esta vergonha? É receio que os outros pensem
em Hong Kong. Para além de o trauma causado
pela SARS ainda estar presente na memória de
da saúde pública se sobrepuserem a outras, as
máscaras passarão a ser aceites como “eÆca- têxtil prepara-se para
que és um covarde? Ou que pensem que estás
doente?”
quase todos, é preciso não esquecer que a Chi-
na continental está mesmo ali ao lado e que,
zes” em países que até agora as viam como
uma ameaça.
massiÄcar a produção
Terá sido precisamente uma pandemia, a
pneumónica (ou gripe espanhola), a partir de
no início, entraram no território (com elevada
densidade populacional) pessoas vindas de
As questões da segurança e da protecção são
aqui centrais. Quando as muçulmanas argu-
de uma peça que
1918, que fez com que se generalizasse na Ásia,
sobretudo na China e no Japão, o uso das más-
Wuhan, o epicentro da pandemia, algumas
delas infectadas. Além disso, lembra ainda Re-
mentam que se sentem mais protegidas com
o véu, “têm todo o direito de o fazer”, mas, “ao
promete entrar na
caras cirúrgicas criadas nos Ænais do século
XIX para proteger os médicos durante as ope-
gina, as pessoas já têm o hábito de usar másca-
ra, nomeadamente quando os níveis de polui-
assumirem que se trata de uma protecção em
relação aos homens, estão a naturalizar a po-
paisagem do quotidiano
rações. Em países assolados pela pandemia, a ção sobem e se tornam uma ameaça à saúde. tencial agressividade masculina, a aceitá-la
máscara passava uma mensagem de moderni- Daí que quando, em Fevereiro, viajou para como um dado”. Por Camilo Soldado
dade e rigor cientíÆco. Era uma esperança de Portugal, a portuguesa tenha Æcado alarmada
salvação. E se na Europa e nos EUA, nessa al- com o que viu. “Cheguei ao mesmo tempo que
Uma barreira
tura, a prática também era comum, depois um voo que vinha de Milão, já com pessoas
disso desapareceu. Nos países asiáticos, con- infectadas, e Æquei horrorizada quando as vi A máscara “cria uma barreira entre nós e o
tudo, ela manteve-se e alargou-se recentemen- saírem do avião e começarem a tirar as más- mundo”, diz a designer francesa Marine Serre,
te quando, em 2002, rebentou a epidemia de caras e a cumprimentar outras pessoas.” Quan- que desenhou uma das máscaras agora comer-
SARS (a sigla para o nome em inglês da Sín- do chegou a casa, avisou o pai que tinha de cializadas pela Airinum. “Protege-nos, mas
drome respiratória aguda grave, também cau- usar máscara sempre que saísse. “No dia se- também signiÆca que não nos podemos apro-
sada por um coronavírus, tal como a covid-19), guinte ele foi ao café de máscara e todos fugi- ximar de ninguém.” Precisamente a mensagem
tornando-se um símbolo de civismo e respei- ram dele”, recorda. que os governos de todos os países atingidos
to pelos outros. Mas a percepção parece estar a alterar-se pela pandemia estão a tentar fazer passar: man-
A portuguesa Regina Carneiro ainda não vi- gradualmente — e os sinais começaram a surgir tenham-se distantes uns dos outros, cada ser
via em Hong Kong na altura da SARS, mas ga- mesmo antes de a pandemia ser declarada. Se, humano pode transportar a morte do outro.
rante que até hoje no território “sempre que há uns anos, Michael Jackson era considerado Só a distância nos pode salvar.
se fala no coronavírus as pessoas entram em um excêntrico por aparecer em público com No The New York Times, Vanessa Friedman
pânico”. Daí que 98% da população use más- uma máscara a tapar-lhe a cara, alegadamente descreve como nestes primeiros e assustadores
cara quando anda na rua. “Neste momento, por receio de apanhar doenças, em Janeiro, meses de 2020 “a máscara tornou-se o avatar
em Hong Kong, toda a gente anda de máscara”, na gala dos Grammys, a cantora Billie Eilish fez do vírus; representa o nosso medo iminente,
conta numa conversa por telefone com o P2. sucesso ao usar uma máscara Gucci, de um o desejo de nos escondermos, a incapacidade
“Por isso aqui a economia praticamente não tecido negro e leve, com o emblema da marca de nos protegermos e o desejo de fazer alguma
fechou, excepto nos 15 dias em que se tomaram em brilhantes. coisa — qualquer coisa — para parecer que es-
medidas mais drásticas.” A opção de Billie Eilish foi entendida como tamos a agir”. E assim, ao esconderem-nos os
As indicações do governo local são claras, uma mensagem que dizia “o meu corpo não rostos, as máscaras dizem mais sobre nós do
mas mesmo sem elas as pessoas usariam as é propriedade pública” — no fundo, não mui- que desejaríamos que os outros soubessem.
máscaras, acredita Regina. “Nas lojas e nos ca- to diferente do que dizem muitas das mulhe-
fés, não há ninguém a atender sem máscara, res muçulmanas que reivindicam o direito a apc@publico.pt
Público • Domingo, 19 de Abril de 2020 • 11

S
e o mercado das máscaras fosse O presidente da Associação Portuguesa de do Ministério da Educação refere que é pre- tecção individual, sem especiÆcar. De um ano
um gráÆco, era provável que es- Administradores Hospitalares (APAH), Alexan- maturo avançar com números, numa altura para o outro, não engordaram apenas os mi-
tivéssemos no início de uma cur- dre Lourenço, entende que, “por medida de em que ainda estão por deÆnir a data e os ter- lhões. Cresceu também a lista de entidades
va exponencial. Quando aconte- precaução, a utilização de máscaras poderia mos do regresso de alunos do 11.º e 12.º às sa- públicas a adquirir este tipo de produtos. Se
cer, o regresso à rua vai ser feito ter sido generalizada”. Apesar disso, “não faria las de aula. Mas não é expectável que o negócio em 2019 os compradores eram essencialmen-
de cara tapada e as recomenda- sentido que toda a população as utilizasse, das máscaras se Æque pelo curto prazo. “Não te hospitais, institutos de oncologia e miseri-
ções de generalização de utiliza- quando não havia máscaras suÆcientes para a é uma questão apenas de resolver o problema córdias, em 2020, juntaram-se à corrida mu-
ção pela Direcção-Geral de Saúde faixa de maior risco” — os proÆssionais de saú- da covid-19, mas é uma questão de mercado nicípios — com Lisboa e Cascais à cabeça — Pro-
(DGS) devem ajudar massiÆcar o uso. de e grupos vulneráveis. No entanto, “a comu- das próprias empresas”, diz o director do Ci- tecção Civil, comunidades intermunicipais,
Na sessão em que o Parlamento prolongou nicação podia ter sido mais transparente”. teve. “Já tivemos o contacto de uma grande empresas de águas, GNR, entre outros.
o estado de emergência, António Costa apon- Somando a indicação da DGS ao discurso do marca de venda a retalho, de fast-fashion, que E se há mais gente a comprar e em maiores
tou as máscaras sociais como um dos principais primeiro-ministro, não é difícil de prever uma pediu ajuda para integrar máscaras nas suas quantidades, há também mais gente a vender.
elementos para que o país comece a pensar nova vaga na corrida às máscaras num negócio colecções”, revela Braz dos Santos. Também E não apenas empresas ligadas ao sector da
em deixar o conÆnamento. “Reanimar a eco- que, até agora, é contado através de notícias já tiveram pedidos semelhantes de marcas de saúde, como a Enerre, empresa de brindes que
nomia sem deixar descontrolar a pandemia” de escassez, especulação de preços e anúncios luxo. É um sinal dos tempos e indicador do forneceu as câmaras de Lisboa e Cascais, ou
é o objectivo mas, para isso, será preciso de reforço de material em hospitais e centros que aí vem, numa indústria que “não será igual do Grupo 8, a quem o Centro Hospitalar e Uni-
“aprender a conviver” com um vírus para o de saúde. Mas também de voluntarismo da ao que foi”. Vai mudar, como vai mudar o com- versitário de Coimbra (CHUC) comprou 74 mil
qual não há vacina — nem deverá haver tão população e de generosidade de privados. portamento social das pessoas, prevê o mesmo euros em máscaras.
cedo. A corrida global ao material de protecção responsável. E isso leva a que “este conceito O presidente da APAH, que é também admi-
individual levou a situações de escassez e de de mistura de protecção individual com a moda nistrador no CHUC, explica que os hospitais
Novo normal
aumento generalizado de preços. O que signi- vá entrar nas cadeias, nos desÆles e as grandes foram forçados a produzir o próprio material
Æca que, para reabrir o país, será preciso mas- “As empresas viram nisto uma de oportunida- marcas terão as suas soluções.” O sector está de protecção, mas também a procurá-lo onde
siÆcar o fabrico de um produto que era maio- de de passar o ‘vale da morte’”, diz Braz da “extremamente interessado” nessa vertente, existe, desde que este cumpra os requisitos.
ritariamente importado. Costa. Ou seja, produzir alguma coisa num pela oportunidade de negócio que se abre. “Os hospitais tiveram de consultar o mercado,
O país tem capacidade para isso? O director- tempo em que as vendas ao público de outros ver intermediários e houve contactos de em-
geral do Citeve (Centro Tecnológico das Indús- materiais Æcaram congeladas. O Citeve já foi presas que, apesar de este não estar no seu core
Quanto vale o negócio?
trias Têxtil e do Vestuário de Portugal), António contactado por perto de 250 empresas do sec- business, estão a comercializar o material”, diz
Braz Costa, acredita que sim. Numa primeira tor têxtil, “a pedir ajuda para avançar com a É difícil de dizer. Pelo menos para já, quando Alexandre Lourenço.
fase, perante a insuÆciência de matéria-prima, produção”. Algumas delas, explica, têm uma há ainda muitas incertezas e a produção em “Como acontece sempre que há uma grande
o centro de investigação da indústria têxtil co- enorme capacidade de produção. E de que massa está a começar. Estando longe de com- escassez de um determinado artigo no merca-
meçou a procurar alternativas que poderiam números estamos a falar? “Uma empresa gran- por um retrato completo, uma ideia de con- do, e como consta que isto pode dar grandes
ser utilizadas na produção de equipamento de de pode produzir um milhão numa semana; texto pode ser dada pelos contratos de entida- lucros, vem todo o gato-sapato tentar entrar
protecção individual (EPI), este mais virado há muitas que podem produzir 500 mil e há des públicas disponíveis na plataforma base. no negócio.” Esta análise é feita ao P2 por uma
para consumo hospitalar. Depois passou à in- empresas mais pequenas que podem chegar gov. Procurando por “máscaras”, a soma dos fonte ligada a uma empresa de material orto-
vestigação para ajudar “à tipiÆcação da más- a 100 mil por semana.” Ou seja, “a capacidade contratos que incluem este termo (e excluindo pédico que preferiu não ser identiÆcada. Essa
cara ideal de utilização comunitária”, num potencial é gigantesca. A capacidade que se máscaras especializadas) ultrapassa os sete empresa fez agora uma incursão pelo negócio
trabalho que começou a ser desenvolvido em vai instalar depende da necessidade”. milhões de euros nos primeiros quatro meses de máscaras cirúrgicas e FFP2. “No meu caso,
meados de Março, numa altura em que ainda Sabe-se que a procura será grande, mas ain- de 2020. Grande parte das máscaras são cirúr- fui contactado por um fornecedor chinês com
não era clara a orientação do Governo. Ou me- da se desconhece a dimensão. O sector prepa- gicas ou do tipo FFP2. Utilizando os mesmos quem já trabalhava há algum tempo”, conta.
lhor, a indicação era para não generalizar o ra-se, tendo acelerado o processo a partir do critérios e olhando para o intervalo de Janeiro Mandou vir 20 mil unidades. Estão a sair bem?
uso, num discurso que foi recentemente inver- anúncio das especiÆcações técnicas pelo In- a Abril de 2019, o valor é pouco superior e meio “Com certeza.” Mas não vai fazer mais nenhu-
tido. farmed. “Tal como as coisas estão a correr, no milhão de euros. Ou seja, só no sector público, ma encomenda tão cedo. E explica: “Com esta
A 22 de Março, a directora-geral da Saúde, Ænal do mês, teremos muitos milhões de más- a cifra é multiplicada por 14. É também preci- onda de preços, com o custo do transporte e
Graça Freitas, dizia: “Usar máscara não vale a caras no mercado. Esse era o desaÆo, porque so explicar que estes valores são apenas indi- custos aduaneiros, tornou-se incomportável.
pena.” E acrescentava: “O distanciamento so- sabemos que qualquer diminuição da intensi- cativos: alguns destes contratos são relativos Os preços são disparatados. Já fui contactado
cial é mais importante.” A mesma responsável dade das medidas de conÆnamento vai ser apenas a máscaras, mas há outros que incluem por um produtor nacional para me vender a
dizia ainda que o uso levava a uma “falsa sen- acompanhado por exigência da utilização de outro equipamento de protecção individual. nove euros a unidade, quase o triplo do que eu
sação de segurança”. Já nesta semana, a 13 de máscaras”, antevê Braz da Costa. Por outro lado, há também contratos cuja des- estou a vender ao público. Ainda teria de acres-
Abril, a própria DGS revertia o sentido: lança- Haverá essencialmente três canais: compras crição refere a aquisição de material de pro- centar a minha margem (cerca de 30%). Não
va novas indicações e aconselhava o uso de públicas (o Ministério da Educação já se com- vou comprar rigorosamente nada a esse pre-
máscaras em espaços interiores fechados com prometeu em fornecer gratuitamente máscaras Resposta à procura ço.”
várias pessoas. Esta deve ser vista como uma aos alunos, por exemplo), grande distribuição À esquerda, máscaras da Raclac, É também neste ambiente que os hospitais
medida de protecção adicional ao distancia- (super e hipermercados) e empresas, que vão empresa de Famalicão; à direita, Grupo têm de encontrar EPI, nomeadamente másca-
mento social, à higiene das mãos e à etiqueta precisar deste material para que os trabalha- Fardias, Madeira, durante o processo ras, no mercado. “Já foi pior, mas mantém-se
respiratória, acrescenta a DGS. dores retomem a actividade. Ao P2, fonte oÆcial de fabrico de máscaras algumas diÆculdades” na aquisição, conÆrma
PAULO PIMENTA HOMEM DE GOUVEIA/LUSA
o representante dos administradores hospita-
lares. Alexandre Lourenço defende que estas
compras deveriam ser feitas de forma centra-
lizada, até porque a concorrência, ainda que
involuntária, entre hospitais, leva a um efeito
perverso: “O aumento de preços.”
Já na última sexta-feira, o Governo impôs um
limite máximo de 15% de lucro na comerciali-
zação de dispositivos médicos e equipamentos
de protecção. Isto depois de um mês em que
a ASAE recebeu perto de 4500 denúncias, gran-
de parte relacionadas com especulação de pro-
dutos como máscaras, álcool e álcool-gel.
Sobre as encomendas à China, onde são pro-
duzidas as maiores quantidades deste material,
esta fonte ligada a uma empresa de ortopedia
aconselha cautela. “É preciso não esquecer que
o que é comprado à China agora é pago de for-
ma adiantada e quem entrar no mercado nes-
te momento e não conhecer o fornecedor ar-
risca-se a ter um desgosto, nomeadamente com
o desvio das mercadorias. Imagine que eu tinha
pago, chegava lá um americano e levava a pro-
dução toda e a mercadoria ou chegava daqui
a três meses ou não chegava? Hoje, é preciso
muito cuidado com este tipo de negócios.”
12 • Público • Domingo, 19 de Abril de 2020

Paolo Giordano
“Não quero
perder aquilo que
a epidemia nos
está a revelar sobre
nós mesmos”
Pré-publicação Assim que viu a pandemia
a alastrar à sua volta, Paolo Giordano,
autor do best-seller A Solidão dos Números
Primos, decidiu que passaria os seus dias
de recolhimento a escrever. O resultado
está no livro Frente ao Contágio, que será
distribuído amanhã com o PÚBLICO
Por Paolo Giordano
LEONARDO CENDAMO/GETTY IMAGES

Manter os pés assentes na terra já são mais de oitenta e cinco mil, dos quais
quase oitenta mil só na China, enquanto o
número de mortos se aproxima de três mil.

A
epidemia do coronavírus é Há pelo menos um mês que esta estranha
candidata ao título de contabilidade é a música de fundo dos meus
emergência sanitária mais dias. Agora mesmo tenho aberto à minha
importante da nossa frente o mapa interactivo da Johns Hopkins
época. Não a primeira, University. As zonas de difusão são
não a última e talvez nem assinaladas por círculos vermelhos que se
sequer a mais horrível. É destacam sobre o fundo cinzento: cores de
provável que, quando alarme, que teriam podido ter sido
terminar, não tenha produzido mais vítimas escolhidas com mais acerto. Mas, como é
do que muitas outras, mas três meses sabido, os vírus são vermelhos, as
passados sobre o seu aparecimento obteve já emergências são vermelhas. A China e o
um primeiro lugar: o SARS-CoV-2 é o Sudeste asiático desapareceram sob uma
primeiro novo vírus a manifestar-se tão grande mancha única, mas todo o mundo
velozmente à escala global. Outros muito está coberto de picadas, e a erupção só pode
semelhantes, como o seu predecessor agravar-se.
SARS-CoV, foram rapidamente vencidos. A Itália, para surpresa de muitos, viu-se no
Outros ainda, como o VIH, avançaram a pódio desta competição ansiogénica. Mas é
coberto da sombra durante anos. O uma circunstância aleatória. Em poucos
SARS-CoV-2 foi mais audaz. E o seu desplante dias, até mesmo de um dia para o outro,
revela qualquer coisa que já antes sabíamos, outros países poderão Æcar numa situação
mas tínhamos diÆculdade em medir: a pior do que a nossa. Nesta crise, a expressão o disco vermelho sobre Itália, não posso interrupção do ritmo, como por vezes, em
multiplicidade dos níveis que nos ligam uns “em Itália” esbate-se, deixam de existir deixar, como toda a gente, de me sentir certas canções, a bateria desaparece e a
aos outros, assim como a complexidade do fronteiras, regiões, bairros. A crise que impressionado. Os meus compromissos dos música parece dilatar-se. Escolas fechadas,
mundo que habitamos, das suas lógicas estamos a atravessar tem um carácter próximos dias foram anulados pelas medidas poucos aviões no ar, passos solitários
sociais, políticas, económicas e também supraidentitário e supracultural. O contágio de contenção, outros cancelei-os eu mesmo. ecoando nos corredores dos museus, um
interpessoais e psíquicas. dá-nos a medida do grau em que o nosso Descobri-me no interior de um espaço vazio silêncio maior do que o normal em toda a
Estou a escrever num raro dia 29 do mês mundo se tornou global, interconectado, inesperado. É um presente partilhado por parte.
de Fevereiro, um sábado deste ano bissexto. inextrincável. muitos: estamos a atravessar um intervalo de Decidi ocupar este vazio escrevendo. Para
Os contágios conÆrmados em todo o mundo Estou consciente de tudo isto, mas, ao ver suspensão da quotidianidade, uma não ceder à inquietação, e para procurar
Público • Domingo, 19 de Abril de 2020 • 13

ANTONIO PARRINELLO/REUTERS

sob a forma de letras, funções, vectores, do século passado foi de cerca de 2,1, o que
pontos e superfícies. O contágio é uma não a impediu de matar dezenas de milhões
infecção da nossa rede de relações. de pessoas. O que nos interessa agora é que
as coisas só vão de facto bem se o R0 for
inferior a um, se cada Infectado contagiar
A matemática do contágio
menos do que uma outra pessoa. Nesse caso,
Era visível no horizonte como que um a difusão detém-se por si só, a doença é um
adensar-se de nuvens, mas a China Æca fogo de palha. Se, pelo contrário, o R0 for de
longe, e já se sabe… Quando o contágio se mais do que um, ainda que de pouco mais,
fez sentir em força entre nós, deixou-nos estará a iniciar-se uma epidemia.
aturdidos. A boa notícia é que o R0 pode mudar. Em
Para dissipar a incredulidade, pensei em certo sentido, isso depende nós. Se
recorrer à matemática, a partir do modelo diminuirmos a probabilidade do contágio, se
SIR, a estrutura transparente de todas as corrigirmos os nossos comportamentos para
epidemias. tornar mais difícil ao vírus passar de uma
Uma distinção importante: SARS-CoV-2 é o pessoa para outra, o R0 diminui e o contágio
vírus, covid-19 a doença. São nomes difíceis, abranda. É por isso que já não vamos ao
impessoais, talvez assim escolhidos para cinema. Se tivermos a Ærmeza de resistir o
limitar o impacto emocional, mas também tempo necessário, o R0 acabará por descer
mais precisos do que o mais popular para baixo do valor crítico de um e a
“coronavírus”. Por isso, servir-me-ei deles. epidemia começará a deter-se. Fazer descer
Para simpliÆcar, e para evitar confusões com o R0 é o sentido matemático das nossas
o contágio de 2003, abreviarei daqui em renúncias.
diante SARS-CoV-2 para CoV-2.
O CoV-2 é a forma de vida mais elementar
Neste louco mundo não linear
que conhecemos. Para compreendermos
como age, temos de nos mergulhar na sua À tarde Æco à espera do boletim da Protecção
inteligência estúpida, de nos ver como ele Civil. Agora nada mais me interessa. Outras
nos vê. E de recordar que o CoV-2 não se coisas continuam a acontecer no mundo, são
interessa por quase nada de nós, não se factos importantes e as notícias até se
interessa pela nossa idade, nem pelo nosso referem a eles, mas não lhes presto a mais
sexo, nem pela nossa nacionalidade, nem pequena atenção.
pelas nossas preferências. A humanidade A 24 de Fevereiro, os Infectados
inteira divide-se, para o vírus, em somente comprovados no nosso país eram 231. No dia
três grupos: os Susceptíveis, isto é, todos seguinte, o seu número subiu para 322;
aqueles que poderia ainda contagiar; os passado mais um dia, para 470; nos dias
Infectados, isto é, aqueles que já contagiou; seguintes, para 655, 888, 1128. Hoje, num
e os Recuperados/Removidos, isto é, aqueles primeiro dia de Março chuvoso, para 1694.
que já não pode contagiar. Não era isto que queríamos. E não é sequer o
Segundo o mapa do contágio que pulsa no que esperamos. Em termos matemáticos,
meu monitor, os Infectados são, neste esperamos sempre uma sucessão linear. É
instante, em todo o mundo, cerca de mais forte do que nós.
quarenta mil; os Recuperados/Removidos, Para nos servirmos de números mais
entre vítimas e curados, um pouco mais manejáveis, suponhamos que ontem os
numerosos. casos de contágio foram dez e hoje vinte. O
Susceptíveis, Infectados, Recuperados/ nosso instinto sugere-nos que amanhã a
Removidos: SIR. Protecção Civil comunicará trinta casos de
Mas o grupo que merece mais atenção é contágio. A seguir, mais dez; depois, mais
aquele cujo número o mapa do contágio não dez ainda. Quando alguma coisa cresce,
uma melhor maneira de pensar tudo isto. Saúde e matemática mostra. Os Susceptíveis ao CoV-2, os seres tendemos a pensar que o seu crescimento
Por vezes a escrita pode ser um lastro que “As epidemias, antes ainda de humanos que o vírus poderia ainda infectar, será igual de dia para dia. Em termos
permite manter os pés assentes na terra. Mas emergências médicas, são emergências são pouco menos de sete mil milhões e meio. matemáticos, esperamos sempre uma
há também outro motivo: não quero perder matemáticas”, diz Paolo Giordano (ao lado) progressão linear. É mais forte do que nós.
aquilo que a epidemia nos está a revelar Mas o aumento do número de casos é,
R0
sobre nós mesmos. Ultrapassado o medo, a pelo contrário, cada vez maior. Parece fora
consciência volátil desvanecer-se-á por tardes de paz. Bolhas de ordem numa idade Imaginemos que somos sete mil milhões e de controlo. Aqui, eu poderia acrescentar:
completo no mesmo instante — é o que em que todas as coisas dentro e fora de mim meio de berlindes. Estamos susceptíveis e trata-se de mais um modo que o vírus
sucede sempre com as doenças. — sobretudo dentro — pareciam a caminho parados, quando de súbito um berlinde descobriu para nos Æntar, mas seria uma
Quando estas páginas forem lidas, a do caos. infectado avança sobre nós a toda a concessão excessiva à sua inteligência
situação terá mudado. Os números serão Muito antes da escrita, a matemática era o velocidade. Este berlinde infectado é o limitada. Na realidade, é a própria natureza
diferentes, a epidemia ter-se-á difundido truque de que me servia para refrear a paciente zero e tem tempo para atingir dois que não se estrutura de maneira linear. A
mais, terá chegado a todos os cantos angústia. Acontece-me ainda, de manhã, outros berlindes antes de parar. Estes natureza prefere os crescimentos
civilizados do mundo, ou terá sido dominada assim que acordo, improvisar cálculos e últimos ressaltam e atingem outros dois na vertiginosos ou decididamente mais
— mas não tem importância. Certas reÇexões sequências numéricas, o que habitualmente cabeça. Uma e outra vez. Uma e outra vez. mórbidos, os expoentes e os logaritmos. A
que o contágio suscita agora continuarão a é sintoma de que alguma coisa não vai bem. Uma e outra vez. natureza é por natureza não linear.
ser válidas. Porque tudo o que está a Suponho que tudo isto faça de mim um nerd. O contágio inicia assim como que uma As epidemias não são excepção. Mas um
acontecer não é um acidente casual nem um Aceito-o. E assumo, por assim dizer, o reacção em cadeia. Na primeira fase cresce comportamento que não surpreende os
Çagelo. E não é realmente novo: já aconteceu correspondente embaraço. Mas sucede, de um modo a que os matemáticos chamam cientistas pode deixar aterrados todos os
e tornará a acontecer. neste momento, que a matemática não é só “exponencial”: cada vez mais pessoas são outros. O aumento do número de casos
um passatempo para nerds, mas antes um contagiadas cada vez mais rapidamente. A torna-se assim “uma explosão” e, nos títulos
instrumento indispensável para velocidade depende de um número, que é o dos jornais, anuncia-se como
Tardes de nerd
compreendermos o que está a acontecer e coração oculto de qualquer epidemia. É “preocupante”, “dramático”, quando foi
Recordo-me de certas tardes, nos dois anos não nos deixarmos dominar pelas indicado pelo símbolo R0, que se lê r-zero, e apenas previsível. É esta distorção daquilo
do secundário, passadas a simpliÆcar impressões. cada doença tem o seu. No exemplo dos que é normal que gera medo. Os casos de
expressões. Copiar uma sequência muito As epidemias, antes ainda de emergências berlindes, o R0 era exactamente de dois: covid 19 não estão a aumentar de modo
comprida de símbolos do livro para, depois, médicas, são emergências matemáticas. cada Infectado contagiava em média dois constante em Itália nem noutros lugares;
passo a passo, a reduzir a um resultado Porque a matemática não é de facto a ciência Susceptíveis. Para a covid 19, o R0 é de cerca nesta fase, aumentam muito mais
conciso e compreensível: 0, –1/2, a2. Do lado dos números, é a ciência das relações: de dois e meio. rapidamente, e isso nada, absolutamente
de fora da janela começava a escurecer e a descreve as ligações e as trocas entre seres Alto ou baixo, é difícil dizer. Nem tem nada, tem de misterioso.
paisagem cedia o seu lugar ao reÇexo do diferentes, procurando esquecer de que são muito sentido. O R0 do sarampo é mais ou
meu rosto iluminado pela lâmpada. Eram feitos esses seres, tornando os abstractos menos de 15, enquanto o da gripe espanhola Escritor
14 • Público • Domingo, 19 de Abril de 2020

O Instituto de Ciências Sociais (ICS) é uma escola da Universidade de Lisboa


e um Laboratório Associado do Sistema Científico Nacional dedicado à
investigação, aos estudos pós-graduados e à divulgação de ciência nas áreas
de Antropologia, Ciência Política, Economia, Geografia, História, Psicologia
Social e Sociologia (www.ics.ulisboa.pt). Durante um ano, todos os domingos,
investigadoras e investigadores com diferentes formações, idades e
percursos académicos partilham o seu trabalho com os leitores do P2.

Ciências Sociais em Público (III) Comentário Quando se assinalam


45 anos da eleição para a Assembleia Constituinte, recorda-se o
momento em que os portugueses votaram pela primeira vez em
eleições democráticas, livres e justas. Com uma participação de
91,7%, foi a eleição mais concorrida da democracia portuguesa
Por Joana Rebelo Morais

1975
A eleição
de todos os
portugueses

U
m ano depois de o As regras do jogo democrático forte agitação política. Entre abril de 1974 e
vermelho dos cravos se abril de 1975 tomaram posse quatro
ter tornado símbolo de Breves dias após a tomada de posse, a 15 de governos provisórios, várias vezes
liberdade, os maio de 1974, o I Governo Provisório deu os reorganizados, e dois presidentes da
portugueses rumaram primeiros passos para honrar o República. Houve várias entradas e saídas
às urnas para, pela compromisso da realização de eleições livres do Conselho de Estado, que não sobreviveu
primeira vez, exercer e nomeou uma comissão para preparar uma até à data da eleição. Esta agitação não só
um direito cuja força proposta de lei eleitoral. A cargo desta marcou o período de discussão da lei
não conheciam na sua plenitude: o direito comissão Æcaram decisões fundamentais eleitoral, como colocou em risco a
ao voto. A 25 de abril de 1975, a participação relativas à capacidade eleitoral, ao sistema realização das próprias eleições.
foi esmagadora: 91,7% dos 6,2 milhões de eleitoral e ao recenseamento. Integraram a O primeiro momento de risco Æcou
eleitores recenseados elegeram os comissão sete juristas ligados às principais conhecido como “a crise Palma Carlos”. Em
deputados que prepararam e aprovaram a forças políticas, num esforço para assegurar julho de 1974, o então primeiro-ministro,
nova Constituição. Fica para a história o pluralismo: José Magalhães Godinho, do Adelino da Palma Carlos, o Presidente da
como o valor mais elevado de participação Partido Socialista (PS); Jorge Miranda, do República, general António de Spínola, e
em eleições democráticas em Portugal, Partido Popular Democrático (PPD); António parte do Governo apresentaram um
muito longe do contexto atual de abstenção Barbosa de Melo (PPD); Lino Lima, do projecto de lei para a realização de eleições
crescente. Partido Comunista Português (PCP); José presidenciais em outubro de 1974 e, na
A realização de eleições foi uma das Manuel Galvão Teles, do Movimento de mesma data, um referendo a uma
prioridades estabelecidas pelo Movimento Esquerda Socialista (MES); Ângelo de Constituição provisória. A proposta
das Forças Armadas (MFA). A marcação da Almeida Ribeiro, próximo do PS; Manuel empurrava as eleições para a Assembleia
eleição para a Assembleia Constituinte no João da Palma Carlos, próximo do Constituinte para Ænais de 1976,
prazo máximo de 12 meses — por sufrágio Movimento Democrático Português (MDP). desrespeitando o prazo de 12 meses
universal, directo e secreto — estava O trabalho da comissão era essencialmente estipulado pelo MFA. Militares, partidos de
consagrada no conjunto de medidas de técnico e nem partidos nem militares foram esquerda e alguns membros do governo e
aplicação imediata do programa divulgado ouvidos nesta fase. A 12 de agosto, a do Conselho de Estado rejeitaram o
pelos militares na madrugada de 26 de abril proposta de lei eleitoral foi entregue ao II projecto de lei, que acabou por cair.
de 1974. Governo Provisório. A discussão alternou As eleições foram marcadas para 12 de
Recorda-se aqui a história da eleição entre o Conselho de Ministros e o Conselho abril, mas as tensões geradas pela tentativa
fundadora da democracia portuguesa, do de Estado, que Ænalmente a aprovou, em de golpe de 11 de março levaram a que
seu planeamento nos gabinetes e nas ruas, novembro de 1974, cumprindo o prazo de fossem adiadas para o dia 25 de abril, data de
com os principais atores a forçar um seis meses imposto pela lei constitucional. acrescido valor simbólico. A 11 de março, o
rompimento claro com um passado de ex-presidente Spínola e seus apoiantes
instrumentalização e manipulação dos atos desencadearam uma operação militar que
Quando as eleições estiveram
eleitorais. Uma eleição cujos alicerces visava reconduzir o general à presidência e
perduram até hoje, inalterados, sempre que em risco afastar os actores políticos de esquerda do
os portugueses vão às urnas eleger os seus O período que antecedeu a realização das controlo do processo revolucionário. O golpe
representantes. primeiras eleições Æcou marcado por uma fracassado teve importantes consequências
Público • Domingo, 19 de Abril de 2020 • 15

GIORGIO PIREDDA/GETTY IMAGES


políticas: a Junta de Salvação Nacional e o mas também fortalecer as forças políticas,
Conselho de Estado foram extintos e reforçando a sua visibilidade.
substituídos pelo Conselho da Revolução, A campanha eleitoral começou a 2 de
que institucionalizou o MFA. O malogrado abril e contou com uma forte mobilização
golpe coincidiu com o momento em que de cidadãos e partidos, com grande adesão
algumas fações de militares e partidos de aos comícios, manifestações e sessões de
extrema-esquerda questionaram esclarecimento, os principais meios de
abertamente a realização das eleições. A campanha. Havia dois posicionamentos
suspensão do ato eleitoral chegou a ser distintos. Mais à esquerda (PCP, MES, MDP
debatida na célebre “assembleia selvagem” e UDP, por exemplo) questionava-se a
do MFA, mas foi rejeitada pela maioria. legitimidade das eleições, consideradas um
Outra questão levantada tanto por militares mero instrumento complementar à
como por partidos de esquerda foi o apelo ao Revolução; os mais moderados (PS, PPD e
voto em branco, dirigido a eleitores CDS), pelo contrário, apostaram na
potencialmente inseguros. conquista de votos como reforço da sua
legitimidade. Esta dualidade foi também
consequência do 11 de Março, que tornou
Aprender a funcionar
mais difícil a cooperação entre os partidos
em democracia mais moderados que tinham representação
Cedo se tornou claro que, para a realização nos governos provisórios, e a
de um ato eleitoral verdadeiramente livre, extrema-esquerda, que acabou por se unir.
seria necessário começar do zero: a
organização, estrutura e metodologia
Uma participação histórica
herdadas do Estado Novo, arcaicas e
insuÆcientes, não serviam o propósito destas A 25 de abril de 1975, votaram para a
eleições. Foram postos em curso todos os Assembleia Constituinte mais de 5,7 milhões
procedimentos necessários. Criaram-se os de portugueses. Um valor histórico que
organismos fundamentais à condução do constituiu uma clara demonstração de apoio
processo eleitoral, como o Secretariado da população ao regime democrático que se
Técnico para os Assuntos Políticos (STAP) e, consolidava. Dos 14 partidos concorrentes,
mais tarde, a Comissão Nacional de Eleições apenas sete obtiveram representação
(CNE). Mas o grande desaÆo foi fazer o parlamentar. A grande surpresa — numa
primeiro recenseamento em democracia. eleição em que não foram permitidas
Os cadernos eleitorais herdados do Estado sondagens durante a campanha — foi o fraco
Novo não mereciam qualquer conÆança: nas resultado do PCP, que se Æcou pelos 12,5% e
últimas eleições realizadas em ditadura, em foi apenas a terceira força mais votada,
1973, havia apenas 1,8 milhões de votantes contra todas as expectativas em torno da sua
inscritos. A expectativa era que o novo capacidade de mobilização superior e
levantamento chegasse aos 5,5 milhões. Mas militância mais consolidada. À frente Æcaram
o tempo para planear e executar o o PS, com 37,9%, e o PPD, com 26,4%. Em
recenseamento mais inclusivo da história quarto lugar, o CDS, ausente dos governos
portuguesa escasseava. No preâmbulo na lei provisórios, mas com 7,6% dos votos. Na
eleitoral foi lançado o apelo: a elaboração do primeira eleição em que as mulheres
recenseamento em tão curto prazo só seria votaram sem restrições, foram eleitos 230
viável se se transformasse, sob o impulso dos homens e 20 mulheres. Os resultados
partidos, “numa jornada cívica à escala traduziram-se numa assembleia mais
nacional”. Teve início a 9 de dezembro de moderada, com o triunfo da legitimidade
1974 e terminou a 8 de janeiro de 1975, dias eleitoral sobre a legitimidade revolucionária.
depois do previsto. No Æm deste período Passados 45 anos, há ainda várias
registavam-se, acima das expectativas, mais questões por responder sobre as eleições
de 6,2 milhões de eleitores. Cidadãos, fundadoras da democracia portuguesa. Em
partidos e serviços estatais participaram breve, algumas terão resposta. A minha tese
activamente neste processo. de doutoramento, Ænanciada pela
Fundação para a Ciência e a Tecnologia,
trata as eleições de 1975 e assenta em três
Os protagonistas da eleição
pilares. Primeiro, a escolha do sistema
Concorreram à Assembleia Constituinte 14 eleitoral. Pouco se sabe sobre as posições
partidos, mas nenhum conseguiu dos diferentes atores políticos neste
apresentar listas em todos os círculos processo e sobre a argumentação que
eleitorais, em parte devido à fraca sustentou a escolha das normas que ainda
implantação territorial das forças políticas. hoje regem as eleições em Portugal.
O PCP, fundado em 1921, era o único a Segundo, os que foram excluídos do ato
dispor de estrutura organizativa e eleitoral como forma de rompimento com o
ideológica, mas nunca tinha ido a votos. O legado autoritário. Não se conhece o
ambiente era de incerteza, partilhada por processo de implementação das chamadas
partidos e eleitorado, relativamente ao peso “incapacidades cívicas”, enquanto medida
eleitoral das forças políticas. A lei eleitoral de saneamento, nem a forma como
permitiu, contudo, que os partidos se impactaram, ou não, os partidos políticos.
aÆrmassem e assumissem um papel central Terceiro, as Campanhas de Dinamização
na transição. Desde logo pelo facto de Cultural e Acção Cívica levadas a cabo pelos
apenas os partidos poderem apresentar militares do MFA junto das populações. O
candidaturas, mas também pela escolha do objetivo era levar a todo o país informação
sistema eleitoral — o princípio da cultural e política, estabelecendo um
representação proporcional pretendia diálogo entre os militares e a população,
favorecer o pluralismo e a com especial incidência nas zonas rurais
representatividade das diferentes correntes das regiões norte e centro. Os potenciais
políticas na composição da assembleia. O efeitos destas campanhas nos resultados
sistema de listas fechadas e bloqueadas e a eleitorais são ainda desconhecidos.
apresentação, no boletim de voto, das
designações, siglas e símbolos dos partidos Doutoranda em Política Comparada,
pretendiam facilitar o processo de voto, ICS-ULisboa
16 • Público • Domingo, 19 de Abril de 2020

Se todos
D
a minha janela, não vejo a
mudança da cidade lá fora.
Não sinto a angústia das ruas
vazias, do silêncio onde an-
tes havia barulho de gente a
viver a vida normal. Da mi-

fôssemos
nha janela, vejo o pedaço de
rua que é só acesso às mes-
mas casas de sempre. Aqui não passa o trânsi-
to da cidade, só chegam e partem os que cá
vivem. E aí não noto diferenças em relação ao
que éramos antes de um estado de emergência

pássaros
no moldar dos dias.
A perspectiva que tenho não é, por isso, a
mesma daqueles que sentem na pele o silêncio
dos carros que já não passam, das lojas que não
abrem portas, das pessoas que já não calcor-
reiam as ruas a caminho de algum lugar. Daqui,
tudo parece normal. Mas não está, claro. Nada
está normal. O sentimento de ausência de li-
berdade que se entranhou na pele, porque nos
Portfólio Aqui só faltamos nós, as dizem para não sairmos (e não saímos), porque
não podemos tocar, apertar, consolar, beijar,
nossas pegadas, os nossos corpos. abraçar, “amassar”, arrancar o fôlego a quem
Embora, haja sinais de que o queríamos (e não o fazemos), diz-nos todos os
dias que nada, por enquanto, é normal.
trabalho não parou, a geometria Por causa disso, por estes dias, só os pássa-
ros me parecem livres. Ninguém lhes decretou
dos espaços permanece um qualquer conÆnamento e nenhum pedaço
dos céus que atravessam ou das árvores em
que pousam lhes foi vedado. E quando olho
Por Patrícia Carvalho texto estas imagens, que são o mais próximo que
podemos ter do que é a visão de um pássaro,
e Nelson Garrido fotografia pergunto-me se o mundo para eles parecerá
Público • Domingo, 19 de Abril de 2020 • 17

velhos hábitos que vivemos há-de acabar.


Se todos fôssemos pássaros e pudéssemos
olhar assim, à distância, lá de cima, o chão,
poderíamos estranhar a quietude, mas,
no quadro geral, faria assim tanta diferença
que as ruas não estivessem cheias? Olharíamos
mais para a forma da estrada ou para
o facto de não haver gente e viaturas a ocupar
passeios e asfalto? As formas dos veículos que
se amontoam, à espera, sem ter para onde ir,
seriam substituídas por quê? E aquele areal
vazio, quão estranhos nos pareceria, compa-
rado com um dia em que o sol pudesse enchê-
lo de gente, apetrechada de guarda-ventos e
guarda-sóis coloridos?
Olho e volto a olhar. E, sim, penso que, se
todos nós pudéssemos ser pássaros por umas
horas e ver o mundo com esta distância, não
Æcaríamos certamente apenas presos às linhas
e curvas da paisagem construída. Sentiríamos
a nossa falta, dos pequenos pontos coloridos
que atrapalham a quietude. As cidades não nos
pareceriam as mesmas. E as cidades podem
ser melhoradas, muito melhoradas, mais ver-
O (quase) vazio assim tão anormal. Se a nossa ausência na pai- des, menos agressivas e caóticas, mas não são
Em cima, à direita, parque sagem fará assim tanta falta. Aqui só faltamos cidades sem gente. Se todos fôssemos pássaros
de estacioamento do Mar nós. A geometria dos espaços continua igual. por um dia, a perspectiva aérea não nos liber-
Shopping, em Matosinhos; Faltam os nossos corpos nos campos de golfe, taria da angústia que tantos sentem por esta-
à direita, entrada de faltam os carros que conduzimos nas estradas. rem encerrados atrás de paredes. Só a mostra-
camiões no Porto de E nem sempre, como se vê. Há locais onde o ria de outra perspectiva. E Æcaríamos, na mes-
Leixões. Ao lado, praia de trabalho não parou nem se fechou em casa, ma, à espera de que esta anormalidade que
Matosinhos; em cima, porque não pode, e as Ælas de camiões que hoje vivemos passe depressa.
Complexo Desportivo de também aqui estão são o sinal de que nem tudo
Monte Aventino, no Porto mudou, de que esta espécie de suspensão de patricia.carvalho@publico.pt
18 • Público • Domingo, 19 de Abril de 2020
Público • Domingo, 19 de Abril de 2020 • 19

Jogos

CRUZADAS 10.952 FARMÁCIAS TEMPO PARA HOJE


HORIZONTAIS: 1. Plano (...), a Porto - Serviço Permanente
“grande estratégia” americana De Campanhã (Campanhã) - Rua da Estação, 100 - Tel.
para a reconstrução da Europa. Campus S. João - Rua Dr. Plácido da Costa 410,
Símbolo do rad (Física). 2. Frio Campus S. João, Lojas.103/104 - Tel. 220994290
Vila Nova de Gaia - Serviço Permanente Viana do Bragança
intenso (inform.). Sobressalto,
choque. 3. Serra Leoa (código
Canidelo - Rua José Maria Aves, 303 (Canidelo) - Tel. Castelo 5º 17º
227810096 Paes Moreira (Canelas) - R. da Rechousa,
Internet). Abreviatura de Terabyte 10º 17º
623 (Canelas) - Tel. 227110204 Braga
(Informática). 4. Programa de Matosinhos - Serviço Permanente
Estabilidade e Crescimento (sigla). Moderna - R. de Brito Capelo, 808 - Tel. 229398220
8º 19º Vila Real
Capital da região autónoma da Coimbra - Serviço Permanente 7º 18º
Andaluzia, no sul da Espanha. 5. S. José - Alameda de Calouste Gulbenkian, Lote 5 R/C 15º Porto
Inerente. 6. Alojamento Local. (CC Primavera - Celas) - Tel. 239484497 Moço - Av. 9º 17º
Diligência policial para prender Fernando Namora, nº 252 (Casa Branca) - Tel.
239792231 Viseu
certa casta de indivíduos.
Parlamento Europeu. 7. Ora. (...) Braga - Serviço Permanente 1-1,5m 6º 16º Guarda
Alvim (Sé) - Campo das Hortas, 37 - Tel. 253262682 Aveiro
Múmia, fotojornalista que saiu de 6º 14º
Outras Localidades - Serviço Permanente 12º 17º
uma tribo isolada na Amazónia Águeda - Ala Aguiar da Beira - Dornelas , Portugal Penha
para encontrar um mundo inteiro Albergaria-a-Velha - Ferreira Janeiro Alfandega da Fé - Douradas
em isolamento. 8. Espiar. Imposto Trigo Alijó - de Favaios (Favaios) , Espirito Santo Ldª Coimbra 3º 11º
sobre o rendimento das pessoas (Sanfins do Douro), Nova Vilar de Maçada (Vilar de
singulares. 9. Mercado oriental. Maçada) Almeida - Cunha , Moderna (Vilar Formoso)
10º 17º
Castelo
Lado do horizonte onde o Sol Amarante - Costa Amares - Marques Rego (Ferreiros)
Branco
desaparece. 10. Além disso. Um Anadia - Central (Ancas/Paredes do Bairro) Arcos de
Valdevez - Torres Arganil - Moderna Armamar - Batista Leiria 9º 20º
certo. 11. Combinado. Prosseguira
Ramalho , Lúcio Arouca - Santo António (Stª Eulália - 12º 17º
após interrupção.
Arouca) Aveiro - Capão Filipe (Esgueira) Baião -
VERTICAIS: 1. Símbolo do milibar. Queirós Cunha (Campelo) , Rocha Barros (Eiriz)
Queixar-se (gíria). Bário (s.q.). 2. Barcelos - Central Boticas - S. Cristovão Bragança -
Atmosfera. Com enlevo. 3. Elimina. Santarém
Margarida Machado Cabeceiras de Basto - Moutinho Portalegre
Slavoj (...), autor do livro Caminha - Beirão Rendeiro , Brito (Vila Praia de Âncora) 9º 19º
“Pandemic” (OR Books), cujos 7º 18º
Cantanhede - Cruz Carrazeda de Ansiães - Rainha
direitos de autor serão doados aos Carregal do Sal - Ramos (Cabanas de Viriato) Castelo Lisboa
Médicos sem Fronteiras. 4. “O (...) e de Paiva - Adriano Moreira , Pinho Lopes (Oliveira do
11º 19º
o sabão”, título de uma crónica de Arda), Marques Lopes (Santa Maria de Sardoura)
Miguel Esteve Cardoso, no Castro Daire - Gastão Fonseca Celorico da Beira -
Barreiros Celorico de Basto - Alves Dias Chaves - Nova Setúbal
Público. Devoram. 5. Hectolitro
(abrev.). Tenho a natureza de. da Madalena Condeixa-a-Nova - S. Tomé Espinho - 10º 20º Évora
Paiva Esposende - Gomes Estarreja - Campos Fafe -
Irritar. 6. No caso de. Sociedade 9º 20º
Portuguesa de Autores (sigla).
Fernandes de Castro Felgueiras - J. Reis Figueira da
Foz - Soares Figueira de Castelo Rodrigo - Bordalo
AMANHÃ
Internet Explorer. 7. Símbolo de Fornos de Algodres - Central Freixo de Espada à Cinta
libra (unidade de massa). Prisão - Guerra Góis - Coroa , Santiago, Frota Carvalho (Vila
(gíria). 8. Elemento de formação de Solução do problema anterior: Nova do Ceira) Gondomar - Central (Rio Tinto) Gouveia 16º Beja
HORIZONTAIS: 1. Nacional. AL. 2. Adem. Aliado. 3. Privar. 4. Czar. Rim. SA. 5. Sines
palavras que exprime a ideia de - Patrício , Central (Melo - Gouveia), Albuquerque 9º 19º
largo. Ouro (s.q.). 9. Decifrei. Cinemateca. 6. Raso. Ant. 7. Ca. Me. Ido. 8. Ascoma. Crer. 9. Drogba. Rn. 10. Da. (Moimenta da Serra), Martins (Vila Nova de Tazem) 12º 18º
Ementa. 10. Isabel (...), As. Ilusa. 11. Avesso. AM. Guarda - Paes Fernandes Guimarães - Paula Martins
protagonista do filme “Os Verdes VERTICAIS: 1. Na. CC. Cauda. 2. Aduziras. Av. 3. CE. Ana. CD. 4. Impressoras. 5. (Azurém) Ílhavo - Santos Lamego - Parente Lousã -
Mo. Moss. 6. Naira. MAG. 7. Alvitre. Bi. 8. Liame. Cala. 9. Ar. Cair. Um. 10. AD. Torres Padilha (Serpins) Lousada - Ribeiro S.A Macedo 1,5m
Anos”, de Paulo Rocha. Levar. 11.
Sanders. 11. Loja. Tornar. de Cavaleiros - Diogo Maia - Portas da Maia (Vermoim)
Discussão. Assento acolchoado Mangualde - Avenida , Beirão (Chãs de Tavares)
onde o cavaleiro se senta. Sagres
Manteigas - Bráulio Monteiro Marco de Canavezes - Faro
do Marco Mealhada - Miranda, Suc. Meda - Pereira 13º 19º
Melgaço - Durães Mesão Frio - Ferreira Mira - Pisco 12º 23º

SUDOKU Miranda do Corvo - Lima Natário , Borges (Semide -


Miranda do Corvo) Miranda do Douro - Miranda
(Mirando do Douro) Mirandela - Da Ponte Mogadouro
17º
1-1,5m

Solução do problema 9677


- Nova Moimenta da Beira - Ferreira , César (Leomil)
Monção - Codeço Sucr. Mondim de Basto - Oliveira Açores
Montalegre - Canedo Montemor-o-Velho - Natário Corvo
(Verride) Mortágua - Abreu Murça - Saúde Murtosa - Graciosa
Portugal Nelas - Da Misericórdia (Santar) Oliveira de Terceira
Azemeis - Santos Oliveira de Frades - Oliveirense Flores
Oliveira do Bairro - Tavares de Castro Oliveira do S. Jorge 13º 17º
12º 17º
Hospital - Santos (Seixo da Beira) Ovar - Lamy Paços
de Ferreira - Antero Chaves Pampilhosa da Serra - do
17º 18º
Zêzere (Dornelas do Zêzere) , Central Paredes - Ferreira Pico
de Vales (Rebordosa) Paredes de Coura - Da Calçada 1,5-3,5m
Penacova - Alves Coimbra Penafiel - Oliveira Penalva Faial
do Castelo - Silveira Penedono - Rua Penela - Penela 13º 18º
Peso da Régua - Castro Pinhel - Nova de Pinhel , Da 2,5-4,5m S. Miguel
Misericórdia (Alverca da Beira), Moderna (Pínzio) Ponte
da Barca - Saúde Ponte de Lima - Dona Teresa Póvoa 13º 19º
de Lanhoso - Matos Vieira Póvoa de Varzim - Faria Ponta
Resende - Avenida Ribeira de Pena - De Cerva (Cerva) , 17º Delgada
Borges de Figueiredo Sabrosa - Macedo Morais , Vieira
1,5-4m
Barata Sabugal - Aldeia Velha (Aldeia Velha) , De S.
Miguel (Cerdeira do Coa), Higiene (Souto) Santa
Madeira Sta Maria
Problema 9679 Comba Dão - Carrilho , Sales Mano (S.João de Areias)
Dificuldade: Muito difícil Santa Maria da Feira - Araújo Santa Marta de
Penaguião - Santa Eulália (Cumieira) , Douro (Santa
Porto Santo
Marta Penaguião) Santo Tirso - Central São João da 15º 20º
Madeira - Lamar São João da Pesqueira - Tavares São 19º
Pedro do Sul - Dias Sátão - Santo André (Lamas) ,
Andrade Seia - Manaia , Popular (Loriga), Paranhense
(Paranhos da Beira), Neves Rodrigues (Pinhanços), do Funchal
Alva (Sandomil), De São Romão (São Romão) 0,5m
1m 14º 21º
Problema 9678 Sernancelhe - Confiança , Mota (Vila da Ponte) Sever 19º
do Vouga - Terra (Couto de Esteves) Soure - Soure
Dificuldade: Fácil Tábua - Quaresma (Mouronho) Tabuaço - D’Ouro
Tarouca - Augusta (Salzedas) , Moderna Terras de Lua Nova
Sol
Bouro - Alvim Barroso (Covas) Tondela - Molelos (Pedra
da Vista) Torre de Moncorvo - Avenida Trancoso - Nascente 6h54
Macedo de Crespo , Pereira (Vila Franca das Naves)
Solução do problema 9676 Poente 20h18 23 Abr. 03h26
Trofa - Barreto Vagos - Tavares Vale de Cambra -
Matos Valença - Central Valongo - Central Valpaços -
Almeida Sousa Viana do Castelo - São Domingos
Vieira do Minho - Freitas Vila do Conde - Vital Vila Flor
- Do Hospital Vila Nova de Cerveira - Cerqueira, Suc. ,
Marés
Nova de Cerveira Vila Nova de Famalicão - Central Vila
Nova de Foz Côa - Moderna Vila Nova de Paiva - Leixões Cascais Faro
Galénica Vila Nova de Poiares - Martins Pedro (S.
Miguel de Poiares) , Santo André Vila Pouca de Aguiar -
Figueiredo Vila Real - Galeno Vila Verde - Fátima Preia-mar 14h16 2,9 13h51 3,0 13h46 2,9
Marques Vimioso - Barreira , Ferreira (Argozelo) 02h24* 3,1 02h00* 3,1 02h00* 3,1
Vinhais - Albuquerque , de Rebordelo (Rebordelo)
Viseu - Vaz Vizela - Campante (Caldas de Vizela) Baixa-mar 08h03
Vouzela - da Torre (Alcofra) , Ana Rodrigues Castro 1,0 07h39 1,1 07h31 1,0
(Campia), Teixeira Cinfães - Nova de Cinfães Vagos - 20h15 1,0 19h49 1,2 19h42 1,1
Viva Vouzela - Vieira
© Alastair Chisholm 2008 and www.indigopuzzles.com Fonte: www.AccuWeather.com *de amanhã
20 • Público • Domingo, 19 de Abril de 2020

Dia de Äcar

CINEMA Os mais vistos da TV RTP1 11,7%


% DOCUMENTÁRIO
Sexta-feira, 17
Gravidade
AXN, 21h55 Nazaré
% Aud. Share
SIC 16,6 26,9
RTP2 1,5 Paus — Madeira
RTP2, 23h02
Numa importante missão espacial
a bordo da nave Explorer, a
Jornal da Noite SIC 15,5 26,0 SIC 19,8 Os Paus, que tiveram a ousadia de
dispensar um frontman e puxar
TVI
Terra Brava SIC 14,2 25,9
inexperiente Dr.ª Ryan Stone e o
veterano Matt Kowalski são
Televisão Quer O Destino TVI 11,7 19,2 13,9 (com sucesso) as atenções para
uma bateria siamesa, lançaram,
Cabo
Primeiro Jornal SIC 11,2 27,7
surpreendidos com uma explosão
lazer@publico.pt
FONTE: CAEM
36,8 em 2018, um disco nascido de
que os lança no espaço. No vazio, uma residência artística na ilha da
sem conseguirem contacto com a Madeira e totalmente inÇuenciado
sua equipa de controlo em RTP 1 TVCINE TOP FOX por ela. Este Ælme, realizado por
Houston, os dois vão lutar pela 6.16 Cuidado com a Língua! 6.30 10.05 Ralph Vs Internet (VP) 12.00 11.30 Agentes Secundários 13.25 Maze Ernesto Bacalhau, documenta
sobrevivência. Ao mesmo tempo Espaço Zig Zag 8.00 Bom Dia Portugal Tolkien 13.55 A-X-L: Uma Amizade Runner - Correr Ou Morrer 15.20 Jason esse processo de trabalho em
que lidam com traumas que Fim de Semana 10.30 Eucaristia Extraordinária 15.35 Shazam! 17.50 Bourne 17.25 Liga da Justiça 19.30 O Madeira.
marcaram as suas vidas, Dominical 11.32 Expedição Oceano MIB: Homens de Negro - Força Último Caçador de Bruxas 21.20 A

ENTRETENIMENTO
procuram reinventar-se num Azul - Um Novo Caminho para o Futuro Internacional 19.50 Backtrace - Rasto Branca de Neve e o Caçador 23.30 O
cenário que deixa pouco lugar à 12.05 O Artesão 13.00 Jornal da Tarde de Violência 21.30 Anna - Assassina Caçador e a Rainha do Gelo 1.20 A
esperança. George Clooney e 14.37 Chefs de Casa 15.07 Faz Faísca Profissional 23.35 Brightburn - O Filho Salvação 2.55 Chicago P.D.
Sandra Bullock dão vida às duas 15.50 A Canção de Lisboa - O Musical do Mal 1.10 O Professor e o Louco 3.20 O Artesão
personagens — as únicas ao longo 18.14 Jogo de Todos os Jogos 19.59 Na Praia de Chesil 5.15 Se Esta Rua RTP1, 12h05
de todo o Ælme. Com realização Telejornal 21.45 I Love Portugal 23.38 Falasse FOX LIFE Um cutileiro, um escoveiro, um
do mexicano Alfonso Cuaron e Jogo da Alta-Roda 1.56 Web Therapy 9.19 Chicago Med 13.06 Fascínio construtor de instrumentos
banda sonora de Steven Price, 2.52 David Attenborough Dentro da Mortal 14.46 Killing Your Daughter musicais, uma cesteira e fazedora
este intenso thriller psicológico de Selva 3.43 Televendas FOX MOVIES 16.42 Pretty Little Stalker 18.39 À de acessórios e um oleiro. Cinco
Æcção cientíÆca abriu, fora de 9.56 McLintock, o Magnífico 11.57 A Segunda Não Me Escapas 20.20 mestres especializados em ofícios
competição, a edição de 2013 do Última Jornada 13.32 Julgava-te Morto, Mulheres Procuram-se Para Ir a tradicionais. Ao longo de dez
Festival de Veneza. E conquistou RTP 2 Mr. Jake 15.16 El Dorado 17.17 Os Quatro Casamento 22.20 Os episódios (o de hoje é o primeiro),
sete Óscares. 7.00 Euronews 8.00 Espaço Zig Zag Filhos de Katie Elder 19.14 A Velha Fura-Casamentos 0.35 Espera Aí... Que vão conhecer, treinar e escolher
13.09 A Ilha dos Desafios 14.15 Os Raposa 21.15 Um Indomável Rebelde Já Casamos 2.35 Lei & Ordem: Unidade aprendizes para entrarem nas
Money Monster Daltons 14.32 Chovem Almôndegas 3.10 Barreira de Fogo 0.59 Especial 5.21 Anatomia de Grey suas oÆcinas e arregaçarem as
Hollywood, 22h 14.54 Folha de Sala 15.00 O Yurusarezaru Mono 3.14 Ichimei mangas, em nome da passagem
Lee Gates é a estrela de um Comissário Montalbano 16.51 A de testemunho, para novas
programa televisivo sobre Grande Travessia: Viajando pelos DISNEY gerações, destas artes seculares.
investimentos Ænanceiros. Kyle Andes de Balão 17.20 Caminhos 17.48 CANAL HOLLYWOOD 15.45 Gabby Duran Alien Total 16.10
Budwell é um investidor que segue 70x7 18.16 Chegou a Felicidade 19.09 9.30 Happy Feet (VP) 11.15 Zootrópolis Miraculous - As Aventuras de Ladybug Saber Sabe Bem
os seus conselhos e acaba por Saber Sabe Bem: Star Wars com Simon (VP) 13.00 Oh Não! Outra vez Tu? 16.35 Sadie Sparks 17.00 Gravity Falls RTP2, 19h09
perder todo o dinheiro em acções Troufa Real 19.37 Europa Minha 19.57 14.50 Uma Semana a Três 16.15 17.50 Star Contra as Forças do Mal Estreia. É simultaneamente uma
de uma empresa de tecnologia Corrida Ecológica 20.21 Cuidado com Velocidade Furiosa 6 18.25 The 18.40 Os Green na Cidade Grande entrevista e um concurso. Inês
que, contra todas as expectativas, a Língua! 20.37 A Estagiária 21.30 Monuments Men - Os Caçadores de 19.25 Miraculous - As Aventuras de Serra Lopes conversa com um
abre falência. Desesperado, Jornal 2 22.04 Folha de Sala 22.10 Tesouros 20.20 Os Mercenários 2 Ladybug 19.47 Sadie Sparks 20.10 convidado que, por paixão ou
irrompe pelo estúdio e apresenta Tribunal de Família 23.02 Paus - 22.00 Money Monster 23.45 Projecto Gravity Falls 21.00 Gabby Duran Alien dedicação pessoal, se tornou
a sua história, ao mesmo tempo Madeira 23.48 O Lodo, as Estrelas e os X: Fora de Controlo 1.15 A Fúria da Total 21.22 A Raven Voltou especialista numa dada área — ou
que ameaça fazer explodir o Sábios 0.49 A Dança das Máscaras Razão 3.05 A Primeira Vitória que assim se considera. Os seus
edifício. Durante várias horas e 2.00 Euronews conhecimentos são então
com milhões de pessoas a assistir DISCOVERY “testados” com desaÆos sobre o
à emissão em tempo real, Gates e AXN 17.45 Desmontar a História 19.20 tema. O primeiro episódio
a sua equipa terão de encontrar SIC 13.47 Gangs de Nova Iorque 16.39 Como Fazem Isso? 21.00 A Febre do convoca Simon Troufa Real, fã da
um modo se manterem vivos. Com 6.35 Malucos do Riso 7.00 Marvels Ex-Mulher Procura-se 18.36 O Senhor Ouro: Águas Bravas 3.00 Segredos do saga Guerra das Estrelas desde os
realização de Jodie Foster, um Spider Man 7.25 O11ze 7.45 Uma dos Anéis - O Regresso do Rei 21.55 Universo com Morgan Freeman seis anos.
thriller com George Clooney, Julia Aventura 9.05 Olhó Baião 12.10 Vida Gravidade 23.30 Mystic River 1.53

INFANTIL
Roberts, Jack O’Connell, Dominic Selvagem: Animal Babies - First Year on Sherlock Holmes 3.57 Fúria
West e Caitriona Balfe. Earth 13.00 Primeiro Jornal 14.20 Fama HISTÓRIA
Show 14.45 Investigação Criminal: Los 17.00 Mistérios por Resolver 18.33 O
Jogo da Alta-Roda Angeles 15.40 Ligação de Alto Risco AXN MOVIES Livro Egípcio dos Mortos 20.01 A O Panda do Kung Fu 2 (V. Port.)
RTP1, 23h38 17.25 A Grande Muralha 19.10 Não Há 14.00 Era uma Vez na América 17.45 Pirâmide Perdida 21.33 A Maldição de Fox, 10h
No início dos anos 2000, Molly Crise 19.57 Jornal da Noite 21.30 Isto É Jumanji 19.25 O Livro de Eli 21.15 Push - Oak Island 22.57 Alienígenas 0.21 Po (voz de Marco Horácio na
Bloom gere, entre Los Angeles e Gozar Com Quem Trabalha 0.05 Terra Os Poderosos 23.07 Whiplash - Nos Alienígenas, Edição Especial 1.04 Ovni: versão portuguesa), o mais
Nova Iorque, um importante jogo Nossa 1.20 Indomável Limites 0.54 Traffic - Ninguém Sai Ileso Encontros Perigosos 2.22 À Caça de adorado panda do Vale da Paz,
de póquer com apostas altas, em 3.17 Cody Banks - Agente de Palmo e Hitler 3.48 Os Líderes do Nazismo está de volta mais conÆante e com
que participa um grupo altamente Meio 4.52 Duas Semanas os Cinco Sensacionais como seus
exclusivo de celebridades de TVI grandes amigos e aliados. Agora,
Hollywood, do mundo do 6.15 Todos Iguais 6.50 Campeões e ODISSEIA no cargo de Guerreiro do Dragão,
desporto, dos negócios e até da Detectives 8.12 O Bando dos Quatro AXN WHITE 18.26 Animais Bebés do Mundo 19.15 vai deparar-se com um novo e
máÆa russa. Quase dez anos 9.33 Detective Maravilhas 11.12 Missa 13.11 Inesquecível 13.56 Natal a Quanto Borboletas 20.08 América do Norte perigoso inimigo: Lord Shen, um
depois, é apanhada pelo FBI e 12.35 Mesa Nacional 13.00 Jornal da Obrigas 15.25 Segmentos de Loucura Vista do Céu: Cidades 24H 21.00 A pavão de ar terríÆco com uma
tenta defender-se. Dirigido por Uma 14.10 Nunca Desistir 18.20 16.55 A Princesa e o Fuzileiro 18.25 História dos Emirados 22.00 Avião arma secreta e um exército de
Aaron Sorkin (que escreveu Uma Pesadelo na Cozinha 19.57 Jornal das 8 Warren Jeffs: Profeta Fora da Lei 19.55 Supersónico: A Grande Aventura lobos famintos, que tenciona
Questão de Honra, A Rede Social ou 22.00 Mental Samurai 23.25 A Vida Lá 19ª Esposa 21.25 Ladrões de Milhões 22.53 Voo Interestelar 23.42 Sex destruir o kung fu e conquistar
a série Os Homens do Presidente), Fora 0.07 Querido, Mudei a Casa! 1.00 22.55 Sobrenatural 23.40 Mundi, a Aventura do Sexo 0.31 toda a China. Pela segunda vez na
na sua estreia como realizador, 1000 à Hora 2.07 Chicago Fire 2.53 Sobrenatural 0.25 Crime Sangrento Huang’s World 1.16 A História dos sua vida, Po acabará por
um biopic interpretado por Jessica Mar de Paixão 3.48 Saber Amar 4.15 TV 2.00 The Halcyon 2.50 Diggstown Emirados 2.16 Avião Supersónico: A descobrir que as suas fragilidades
Chastain, Idris Elba, Kevin Shop 5.45 Batanetes 3.35 A Teoria do Big Bang Grande Aventura 3.15 Voo Interestelar sempre foram as suas maiores
Costner e Michael Cera. forças.
Público • Domingo, 19 de Abril de 2020 • 21

Ficar (em casa)

EM DESTAQUE

Família O casal luso-francês, amante do ar de Instagram que desde sempre dos desaÆos de badminton, dos
livre, cria cenários todos os dias existiu para guardar as memórias passeios e da comida do mundo.
Em casa, Rodrigo nas divisões do apartamento para
viajarem com Pablo (três anos) e
das aventuras em família passou a
servir para guardar as memórias
Salomé e Pablo têm escola de
manhã, ginástica no YouTube
e Mathilde viajam com Salomé (seis). “Viajamos,
fazemo-los sonhar. Uma das
das aventuras em família... dentro
de casa. Há fotograÆas dos
“para os cansar” e uma saída de
uma hora por dia autorizada pelo
os filhos todos os dias primeiras coisas que nos
perguntam mal acordam é: ‘Onde
acampamentos selvagens, das
lições de esqui, dos mergulhos e
Governo francês. A “foto do dia” é
normalmente realizada da parte da
é que vamos hoje’?” No dia do snorkeling, das peripécias do tarde. “O Æo condutor é um
seguinte a ter sido decretado o canyoning e dos trilhos de destino diferente para cada dia”,
conÆnamento em França, a conta cicloturismo, das aulas de ioga, diz Rodrigo. Luís Octávio Costa

Vinhos entre os 90 e os 225 euros, incluem livros, José António Borges, Abril, em vários horários. Os
também um voucher para uma presidente da junta, apresenta um internautas vão ainda poder ouvir
Symington com visita e prova para duas pessoas
nas caves, assim que estas reabram
vídeo com as sete obras literárias
de referência na sua vida. C.A.M.
Carlos do Carmo e Camané, duas
das vozes que marcaram presença
lançamentos, as portas. Fugas
Artes
no Fado no Castelo. A transmissão
será nos dias 19, às 16h, e 26, às
provas e visitas Literatura Lisboa
21h. O quiz temático e diário sobre
a Revolução dos Cravos, os
virtuais Conversas celebra mês da
concertos da Orquestra Orbis nas
tardes de quarta-feira, as imagens
Um dos maiores produtores do captadas pelo fotojornalista Bruno
Douro, a Symington Family Estates
está a tentar fazer a melhor
Confinadas liberdade com Portela integradas na exposição
Você Não Está Aqui, a playlist com
vindima possível destes tempos em
que tudo, inclusive o mundo dos
tudo em casa músicas de intervenção,
portuguesas e estrangeiras, os
vinhos, se mudou para a Internet. “Abril em Lisboa é sinónimo de Ælmes e uma minibiblioteca de
Com a Primavera também chegou celebração na rua, mas este ano livros revolucionários são outras
a hora de realizar os blends para os alteramos o convite: festejar em das sugestões. PÚBLICO/Lusa no Æm de 2019, foi agraciada com
vinhos do Porto e o grupo decidiu casa, com música, humor, o troféu Ícone da Moda nos
revolucionar o tradicional fotograÆa, videomapping e muito Moda conceituados Prémios de Moda
lançamento dos vinhos e dos seus mais.” As palavras são da EGEAC - Britânicos. Campbell tem no ar, há
Vintage para o ambiente virtual. A
apresentação será transmitida em
Empresa de Gestão de
Equipamentos e Animação
Naomi uma semana, uma série de
entrevistas “sem Æltro” — No Filter
directo, a 14 de Maio, e necessita
de registo prévio. Já para aqueles
Na semana em que se comemora o
Dia Mundial do Livro (celebrado a
Cultural que, devido à pandemia
da covid-19, se propõe a levar a rua
Campbell à é o nome da série em que recorre
ao FaceTime para se pôr à
que planeavam fazer uma visita
turística às caves do grupo, agora
23 de Abril), a Junta de Freguesia
de Alvalade põe a fama do bairro,
para dentro de casa para celebrar
a Revolução de 25 de Abril de 1974.
conversa com conversa com estrelas de uma
indústria que deixou o glamour de
há uma solução digital. Os três
centros de recepção inauguraram
casa de escritores e poetas, ao
serviço da comunidade. Desta vez,
Até ao Ænal do mês, com a
colaboração de parceiros e
ícones da moda parte para acudir à luta contra a
pandemia. A primeira convidada
o serviço de tours virtuais, onde o a prosa passa pelo Facebook e artistas, a programação do Abril Enquanto as linhas de produção foi Cindy Crawford, supermodelo
cliente pode agendar uma hora e Instagram da autarquia, numa em Lisboa #emcasa passa nas redes de várias marcas se dedicam a sua contemporânea, com quem
receber os vinhos em casa para série de Conversas ConÆnadas, sociais Facebook e Instagram. produzir máscaras e outro material esteve cerca de 50 minutos a
provar na companhia do guia da para dar voz às letras e quebrar o Destaca-se o de protecção,
p há recordar momentos das suas
Symington. Os pacotes, que variam isolamento social. São seis as espectáculo de m
muito para carreiras. Entretanto, já passaram
sessões, transmitidas entre 19 e 24 videomapping desbravar no pelo seu canal de YouTube os
de Abril, pelas 21h30. Carlos Vaz evocativo dos mundo da moda estilistas Marc Jacobs, Nicole Richie
Marques é o anÆtrião destes 45 anos do 25 sem sair de casa e Pierpaolo Piccioli; as modelos
encontros, por onde irão passar, de Abril, e tendo como Ashley Graham, Christy Turlington
respectivamente ao ritmo de um realizado pelo guia Naomi e Adut Akech; e o realizador e
por dia, Gonçalo M. Tavares, Ana atelier criativo Campbell, uma produtor Lee Daniels. Todos falam
Margarida Carvalho, Adriana OCUBO, que das maiores sobre as suas vidas e expõem um
Lisboa, Bruno Vieira Amaral, José pode ser visto e supermodelos pouco mais do seu quotidiano que
Luís Peixoto e Lídia Jorge. Ainda revisto entre os de todos os o costume — diariamente e em
no âmbito da semana dedicada aos dias 23 e 26 de tempos que, directo.
22 • Público • Domingo, 19 de Abril de 2020

Estar bem
SYLVERARTS/GETTY IMAGES/ISTOCKPHOTO
ras antigas que estavam resolvi-
das pelo tribunal para voltar a
atacá-lo? Sentem que tudo parece
retornar ao início e que Æca em cau-
sa uma solução justa e equilibrada
conquistada ao Æm de muito tempo:
“Neste momento a nossa Ælha está
retida em casa do pai. Submeteu um
requerimento ao tribunal que assim
deve permanecer com ele em qua-
rentena proÆlática porque estava
doente (conÆrmei via telefone que
não tinha nada)! AÆrma que a mãe
não tem competências. Repetiu to-
dos os argumentos (já provados e
discutidos) de um processo que dura
há mais de um ano em que tínhamos
atingido a ‘guarda partilhada’”
(Sara).
Além dos pais/mães a quem é
subtraída a convivência com os Æ#
lhos, as principais vítimas desta
chocante situação são os Ælhos, usa-
dos como arma de arremesso. Sen-
do recomendável que, na circuns-
tância desta pandemia, se procure
uma redução das transições dos Æ#
lhos da casa da mãe para casa do
pai ou vice-versa, como forma de
diminuir a probabilidade de trans-
missão do vírus, não deve nunca,
em caso algum, um pai/mãe utilizar
esta crise assustadora para autori-
tariamente se apoderar dos Ælhos.
Este abuso acentua o desespero e o
sentimento de incapacidade de
acompanhamento das medidas de

“Estamos no meio de uma pandemia


saúde dos Ælhos.
É importante que os pais decidam
em sintonia e que os acordos extraor-
dinários sobre circunstanciais alte-

e não sei nada do meu filho” rações à regulação do exercício das


responsabilidades parentais sejam
assumidos e progressivamente ava-
liados, em função da alteração das
circunstâncias.
No seio de várias situações que o Governo regulou nesta crise, teve o cuidado de decidir No seio de várias situações que o
Governo regulou nesta crise, teve o
que os regimes de responsabilidades parentais são para manter cuidado de decidir que os regimes
de responsabilidades parentais são
Eva Delgado-Martins para manter, apelando assim à res-
ponsabilização e parceria entre os
No período difícil que atravessamos, como está regulado através do acor- magoa (...)”. O que se acentua com entregues à mãe, e as importantes a pais separados ou divorciados.
todos experimentamos a diÆculdade do das responsabilidades parentais: a incerteza de quando poderá voltar ambos, tendo eu direitos de visita Mas infelizmente, tal como alguns
do afastamento da nossa família e “Não fui informado de quaisquer a estar com a Ælha: “(...) Não sei quan- todas as quartas-feiras e de sexta-fei- mães/pais não Æcam em casa para
amigos. Estar com família é um bom precauções, tirando o isolamento do consigo vê-la.” Não obstante a ra a segunda-feira de 15 em 15 dias, garantir uma redução do contágio
apaziguador desta diÆculdade — mas social... Quanto às precauções, a mãe angústia criada, ainda há iniciativa disponibilizei-me a dividir o tempo por covid-19 e melhorar as condições
nem todos temos essa oportunidade. considera que impedi-lo de vir faz para alterar a situação, mas as tenta- com o nosso Ælho na sequência do de saúde física dos seus concidadãos,
Há pais e mães que estão impossibi- parte do isolamento social e disse-me tivas são frequentemente frustradas: fecho da escola, sendo que a mãe alguns pais/mães aproveitam a crise
litados, pelo outro pai ou mãe, de que era irresponsável eu ter sugerido “Desde que ele saiu, temos tentado respondeu com a suspensão unilate- para voltar ou ter comportamentos
acompanhar o dia a dia dos seus Æ# que se mantivesse o regime passando manter o contacto diário, mas os úni- ral das visitas, com base na ativação incorretos, alienadores, colocando
lhos. Hoje damos voz a estes cida- a alternância para 15 dias” ( João). cos contactos que conseguimos fo- do estado de emergência” (Miguel). em risco a saúde psicológica dos seus
dãos e comentamos a frustrante si- Quanto tempo pode, uma mãe/ ram mensagens de texto, que são, Pode também desaÆar a decisão do Ælhos, sobrepondo o seu autoritaris-
tuação que nos testemunham. pai, nestas situações não ver os em geral, mensagens de texto curtas tribunal, sem consequências imedia- mo arbitrário à autoridade reÇetida
Como se sente uma mãe/pai que filhos? No caso do João, esse tempo e sem informação sobre como ele tas, quando tiranamente altera o res- do Governo, da Direcção-Geral de
não sabe que medida de preven- está próximo de um mês, quando a está” ( João). petivo acórdão: “O que tínhamos Saúde, da Organização Mundial de
ção está o outro a tomar? São vá- sua expectativa e dos Ælhos era de 15 O que faz (e não deve) um pai/ acordado a mãe mudou sem o meu Saúde, e à soberania dos tribunais.
rias as reações que nos reportam. dias: “Não o vejo desde o último dia mãe decidindo sozinho, unilateral acordo” ( João), sequestrando literal- A saúde dos Ælhos é uma responsa-
Podem presumir, sem certezas: “Pre- de aulas, foi dia 13, sexta-feira, não o e prepotentemente, sobre a vida mente os Ælhos. “O meu Ælho está bilidade de todos os pais/mães, que
sumo que eles estejam em casa, mas vejo há 24 dias” ( João). dos filhos? Pode, por exemplo, fal- retido em casa da mãe com aviso dela devem unir-se para os ajudar a serem
não tenho informação sobre medidas O que pode significar para uma samente usar o pretexto da situação de que não sai, enquanto isto não mais felizes, porque, livres do con-
que estejam a tomar” (Miguel). Po- mãe/pai não ver os filhos e não de crise para retirar aos Ælhos a feli- acabar” ( João). tágio vírus, podem conviver ativa e
dem, para além do afastamento físi- poder comunicar ou comunicar cidade da companhia do outro pai/ O que sentem um pai/mãe em presencialmente com ambos.
co, serem culpabilizados por quere- parcamente com eles? Para a Sara mãe. “Ora, no meu caso, em que as que o outro utiliza esta pandemia
rem manter a residência alternada, “tem sido parca a comunicação e responsabilidades correntes estão como pretexto para voltar a guer- Psicóloga e terapeuta familiar
Público • Domingo, 19 de Abril de 2020 • 23

Crónica

Ler ou não ler, eis a questão

H
á uma razão nas decisões e nos Democrata norte-americano, em Presidente dos Estados Unidos,
lógica e comportamentos das pessoas e
Alexandre Martins Fevereiro. Num outro Donald Trump.
compreensível das instituições que mais lhes comentário à mesma notícia, “Venho por este meio pedir
para que o golo aquecem o coração. elogiava-se “um artigo que, ao invés de propagar um
do Maradona com É nesse momento que começa aparentemente imparcial sobre discurso perigoso, manipulador
a mão contra a a segunda fase da operação Por política americana”, algo de que e falso — conhecido vulgarmente
Inglaterra, no Mundial de 1986, Um Mundo só com Pessoas “o comité central do partido não como comunismo/socialismo —
seja o exemplo máximo da falta Burras: já que os jornalistas não vai gostar”. E, na mesma se informe antes de passar
de carácter de um drogado dizem aquilo que nós queremos semana, numa outra notícia vergonhas e enganar aqueles
batoteiro e narcisista, e que o que eles digam, vamos acusá-los sobre as eleições primárias do que, infelizmente, se deixam
golo do Vata com a mão contra o
Marselha, em 1990, seja
de estarem ao serviço de forças
externas. O problema é que são
Um jornalista Partido Democrata, o jornalista
que tinha sido denunciado por
levar por discursos
politicamente correctos por
recordado como um momento
de glória na história do BenÆca.
várias as situações em que os
mesmos jornalistas são acusados
não deve favorecer Bernie Sanders e
elogiado por ser imparcial, foi
medo de expor a sua opinião”,
dizia um leitor, na quinta-feira,
Como em quase tudo na vida, a
verdade depende do ponto de
de estarem ao serviço das forças
mais distintas.
sentir-se acusado de ser anti-Sanders e de
estar a mando dos “bilionários e
sobre a notícia de que o
Presidente Trump ameaçara
vista do observador; e, como
nos dizem os retrovisores, é
“O Público gosta do Sanders,
pronto!”, lia-se num dos limitado por da Goldman Sachs”.
Mas nada se compara aos
suspender a sessão do Senado
norte-americano.
sempre possível que a verdade
esteja mais perto do que nos
comentários a uma notícia sobre
as eleições primárias do Partido ninguém comentários e emails enviados
por causa de notícias sobre o
Questionado sobre se teria
lido a notícia em questão, a
parece. MIKE BLAKE/REUTERS
resposta chegou tão rápida
Essa tendência para olharmos quanto pouco surpreendente:
à nossa volta e só vermos aquilo “É óbvio que não ia perder o
que nos interessa é tão velha meu tempo a ler um artigo que
como a própria humanidade ou seja de um diário vulgar como o
pelo menos como aquele outro Público, que adora formatar
hábito profundamente errado de gentes comuns.”
se achar que os cereais vão para O diálogo entre jornalistas e
a taça depois do leite, e não o leitores nunca foi tão
contrário. importante como é hoje, e é por
Há vários exercícios que isso que não se deve correr o
podemos fazer para enganar risco de confundir caixas de
essa tendência natural para comentários emails ofensivos
acharmos que o mundo tem com tentativas de diálogo. Se
mesmo de ser assim como nós servirem apenas para repetir a
queremos e pronto. O primeiro, tendência natural dos
e mais importante, consiste em protagonistas da política para
olhar para o problema como se verem o mundo a preto e
fosse uma dependência — do branco, os comentários podem
jogo, das drogas, do álcool, de estar a contribuir para criar
fazer sinais de luzes na novas gerações de jornalistas
auto-estrada quando um carro que se autocensuram por receio
está a ultrapassar outro e o da reacção dos leitores.
condutor não pode desviar-se E um jornalista não deve
para a direita. sentir-se limitado por ninguém —
Houve um tempo em que era nem por políticos, nem por
mais fácil admitir que tínhamos gestores, nem por leitores. Só
um problema e que estávamos assim, e por mais paradoxal e
dependentes de torcer o braço à arrogante que possa parecer
vida para que ela dissesse só tanto a políticos e gestores como
aquilo que nós queremos ouvir. a leitores, se defende a liberdade
Mas depois apareceram as redes de imprensa e a própria de
sociais e as caixas de democracia.
comentários nas notícias. Que venham os comentários e
Chega a ser comovente, no emails ofensivos de todas as
sentido trágico do termo, assistir formas e sabores, foi para isso
a discussões em que pessoas que Deus criou o caixote do lixo.
informadas e esclarecidas não
conseguem ver uma única falha alexandre.martins@publico.pt
24 • Público • Domingo, 19 de Abril de 2020

Opinião

Quem matou Laura Palmer?

T
win Peaks foi uma série sobre se realmente quiseram ouvir algo sobre o
segredos. Saber quem matou O Tigre de Papel modelo económico do futuro. Ou se
Laura Palmer era o menor
deles. Hoje o planeta tem pela
Fernando Sobral tinham auscultadores nos ouvidos e
escutavam a canção ligeira do costume.
frente um abismo cheio de Ninguém espera um novo relatório Porter.
mistérios. Perguntamos e o Mas espera-se uma estratégia coerente
vento não responde. Como mataremos o com os previsíveis novos tempos. Uma das
causador da covid-19? Como sobreviveremos fragilidades de hoje da nossa economia é a
na sociedade pós-vírus? Da mesma forma aposta cega no turismo como locomotiva.
que, há 30 anos, Twin Peaks mudou a Qualquer acontecimento inesperado é um
história da televisão, a covid-19 poderá soco do sr. Mike Tyson em todas as
transformar a forma como olhamos para o certezas. Foi o que aconteceu. Quando a
mundo e para nós próprios. Ou não. Há sra. Ursula von der Leyen vem dizer que
coisas em comum. Twin Peaks era uma vila ninguém deve planear as suas férias de
industrial que se dedicava quase totalmente Verão, está a recomendar aos habitantes
à indústria da extracção de madeira. A sua do centro e do Norte da Europa que não se
vida económica, de um momento para o desloquem para o Sul. E nos próximos
outro, Æcou moribunda. E descobre-se Verões, como será, com mais fronteiras,
perdida, no meio de uma estranha luta entre muita desconÆança, companhias aéreas
o Bem e o Mal. falidas? Face a isso, o sr. António Costa já
O mundo será uma Twin Peaks global? E, veio dizer que o aeroporto do Montijo é
Portugal, com a doença da sua indústria de para manter, mesmo sabendo que o sector
extracção, o turismo, poderá Æcar da aviação está em choque traumático,
desorientado e frágil? O agente Dale Cooper como é evidente na TAP. É sensato esse
não nos poderá ajudar. Twin Peaks nunca foi atentado ao ambiente? É claro que, daqui a
um mistério para ser resolvido. Foi um uns meses, tudo poderá mudar. Lisboa
disfarce para que puséssemos os neurónios põe, mas, como no futebol, Berlim dispõe.
a funcionar, procurando respostas. Não Não haverá austeridade, como parece
basta saber quem matou Laura Palmer. É acreditar o Governo? Nesta página, uma
preciso saber que economia portuguesa ilustração de “O Zé”, de 1912, explica tudo.
Çorescerá depois da pandemia. E em que Se a isto juntarmos a incógnita de quais
sociedade viveremos. serão as consequências das necessidades
Não faltam charadas dentro de enigmas de Ænanciamento de Portugal nos
por responder. Muitos esperam as respostas próximos anos, tudo é um mistério. A UE
do sr. Pedro Siza Vieira, que, quando foi não deixou ainda de falar no controlo de
escolhido pelo sr. António Costa para custos na saúde. E as agências de rating,
ofuscar o sr. Mário Centeno, parecia o czar essas deusas da Hollywood Ænanceira,
de todos os portugais. A economia (e os como se comportarão perante mais um
“negócios”) substituiriam as Ænanças. montão de dívida para juntar à que já
Aguardava-se o milagre das rosas. Ou o temos? Dançarão connosco ou comprarão
maná vindo do céu. Nada disso. Caiu um O valor da vida uma guilhotina?
tijolo. No início da crise da covid-19, o sr. Em 1949, os norte-americanos viviam aterrados. Acreditavam que a É preciso uma válvula de escape. Rápida.
Siza Vieira anunciou um pacote de medidas União Soviética lançaria armas atómicas sobre os EUA. Em pânico, a Isso não invalida que a Europa esteja
económicas escanzeladas. Não Casa Branca pediu a especialistas da Rand Corporation que enferma. Há dias, o Ælósofo Alain Touraine,
convenceram. Esqueciam, sobretudo, as elaborassem uma estratégia de defesa. O plano era simples e idiota: numa entrevista ao El País, fazia as
necessidades especíÆcas de um país onde a o espaço aéreo americano deveria estar cheio de aviões pequenos comparações: “Talvez o mesmo sentimento
grande parte das empresas é PME e onde os no momento do ataque. Os mísseis soviéticos acertariam neles, existisse durante a crise de 1929. Eu nasci
trabalhadores foram empurrados para a produzindo menor dano do que se chegassem ao solo. Morreriam um pouco antes: tudo desaparecia e não
falácia de serem “empresários” a recibo milhares de pilotos para salvar milhões de habitantes. O pretenso Da havia ninguém, nem à esquerda nem nos
verde. Vinci dos nossos tempos, o sr. Donald Trump, decidiu agora governos. Mas é verdade que o vazio foi
Agora que essa entidade Ælantrópica que “castigar” a Organização Mundial de Saúde (independentemente rapidamente preenchido pelo senhor Hitler.
é o FMI já veio dizer que esta é a maior dos erros desta) com o corte de fundos. Para salvar a sua pele, O que mais me impressiona agora, como
crise desde a Grande Depressão e que a sacrifica milhões de seres humanos que recebem apoios de outros sociólogo e historiador do presente, é que
economia portuguesa cairá 8% este ano, programas da OMS. Para quem só há “vencedores” e “perdedores”, há muito tempo que eu não sentia esse
esperam-se estratégias e não tácticas. O sr. percebe-se o quanto vale uma vida. Em Portugal, também se vive um vazio.” É esse vazio, de líderes e ideias, que
Costa e o sr. Siza Vieira escutaram, nestes desvario. Alguns responsáveis só vislumbram a covid-19. É grave, será, após o debelar da crise, o mais
últimos dias, dezenas de opiniões, por sem dúvida. Mas continuam a existir outros doentes, muitos deles preocupante.
certo sensatas, sobre como retomar a com idêntica fragilidade. O valor de uma vida é igual. Não há uns
actividade económica. A grande dúvida é mais iguais do que os outros. Jornalista e escritor

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