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Os primeiros anos da transição desde o fim da Guerra Fria têm sido marcados
por crises sucessivas, onde a indefinição, a incerteza e a impotência
substituíram a simplicidade, a previsibilidade e a constância que caracterizaram
a competição entre Estados Unidos e a União Soviética depois da estabilização
da divisão bipolar.
As crises da teoria
Desde logo, não é evidente que uma potência hegemónica possa impor a
hierarquia no sistema de Estados, enquanto estes continuarem a ser entidades
autónomas, separadas e soberanas, avessas, por definição, a reconhecer a
autoridade superior de um dos seus pares. Por outro lado, também não é
evidente que se possa definir a natureza do sistema de uma forma instável,
como se existisse um continuum entre hierarquia e anarquia, em que a
hegemonia seria uma estação de passagem entre a concentração total do
poder e a sua completa descentralização. Para os realistas estruturalistas, o
sistema internacional é, por definição, uma anarquia – mais temperada ou
menos temperada - enquanto a hierarquia exige a formação de um centro
imperial – no sentido etimológico da capacidade para impor a lei - e não
apenas a hegemonia de uma grande potência, por maior que possa ser o seu
poder e o reconhecimento geral da sua preponderância[25]. (No mesmo
sentido, para a escola inglesa, ou para os institucionalistas liberais, o sistema
internacional é uma sociedade de grandes potências e a alternativa é um
sistema mundial comandado por um centro normativo clássico – um império
unificado – ou post-moderno – um império federativo ou uma instituição
multilateral[26]). Por último, por mais banalizada que possa ser a definição de
império[27], não é evidente que a preponderância internacional dos Estados
Unidos imponha a sua transformação num império, nem há sinais de uma
metamorfose autoritária da “república imperial”[28] que deveria acompanhar
essa mutação, e nada indica que a super-potência sobrante se tenha
constituído como um centro de autoridade comparável ao império romano ou
ao império chinês das primeiras décadas da era cristã, pese embora a força
persistente da sua vocação universalista na tradição wilsoniana.
As crises da estratégia
As crises de legitimidade
Em 1991, no Golfo Pérsico, os Estados Unidos travaram a “primeira guerra da
unipolaridade”[44], em nome de uma “nova ordem internacional”[45] cujos
princípios não só confirmavam a velha regra westphaliana, como reconheciam
as Nações Unidas como a principal instância de legitimação das intervenções
militares externas.
A invasão do Iraque também podia ter sido uma oportunidade para consolidar o
concerto das grandes potências na sua oposição aos rogue states, mas essa
possibilidade foi prejudicada pela forma como os Estados Unidos quiseram
intervir e pela ausência de vestígios das armas de destruição massiva.
[1] Christopher Layne (1993). “The unipolar illusion. Why new great powers will
rise”.International Security 17 (4) : 5-51.
[6] Michael Doyle (1999). A liberal view : expanding and preserving the liberal
pacific union inT.V.Paul, John Hall, editorees (1999). International order and
the future of world politics : 41-66. Cambridge : Cambridge University Press.
Ver também Michael Brown, Sean Lynn-Jones, Steven Miller, editores
(1996). Debating the Democratic Peace. Cambridge : MIT Press.
[10] Christopher Layne (2006). “The unipolar illusion revisited. The coming end
of the United States’ unipolar moment”. International Security 31 (2) :7-41.
[44] James Baker
[45] Foi nesses termos que o Presidente George Bush interpretou a sua vitória
no Golfo Pérsico em Março de 1991.
Carlos Gaspar
A sua mensagem está resumida numa frase, em que o Presidente diz que “Este é o momento
Sputnik da nossa geração”. A referência evoca uma crise dramática da Guerra Fria. Em 1957,
a União Soviética lançou o primeiro satélite (Sputnik, em russo) para o espaço e pôs em
causa a superioridade estratégica nuclear dos Estados Unidos. Aparentemente, os soviéticos
eram capazes de construir um missil balistico intercontinental mais avançado do que os
vectores equivalentes no arsenal norte-americano. A resposta ao “missile gap” foi lançada
pelo General Eisenhower - um Presidente republicano - que criou a NASA e abriu as portas a
um investimento público massiço em ciência e tecnologia indispensável para restaurar a
segurança nacional e a balança do poder.
O programa do Presidente é consistente com as prioridades que enunciou nos últimos meses,
desde a publicação da sua doutrina de segurança nacional. Tal como nesse documento,
Barack Obama voltou a insistir nas mudanças profundas na politica e na economia
internacional, que definem uma nova fase na transição unipolar. No seu discurso, o
Presidente democrata sublinhou que continua a não existir “nenhuma superpotência rival” : o
“momento Sputnik” não marca o fim do “momento unipolar”, mas reconhece a necessidade de
“construir coligações” para lá das clivagens regionais, raciais e religiosas : a continuidade da
preponderância norte-americana depende da qualidade das suas alianças e da sua
capacidade para re-construir as instituições multilaterais.
Os aliados europeus, que temem o retraimento estratégico dos Estados Unidos tanto como a
projecção da sua força, deviam reflectir sobre o discurso do Estado da União. Há nove anos,
o “Eixo do Mal” de George W. Bush dividiu os aliados e abriu a pior crise transatlântica de
sempre. O “momento Sputnik” e a nova estratégia norte-americana têm um lugar para as
democracias europeias, se estas se quiserem empenhar, com o seu principal aliado, na
reconstituição da ordem internacional. Se não conseguirem ultrapassar a sua paralisia,
correm o risco de se tornar irrelevantes, num momento crucial da politica internacional.