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Gustavo Binenbojm

Professor Adjunto de Direito Administrativo da Faculdade de


Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ;
Doutor e Mestre em Direito Público pela UERJ; Master of Laws
(LL.M.) pela Yale Law School (EUA); Procurador do Estado,
advogado e parecerista no Rio de Janeiro

,..,

A NOVA JURISDIÇAO
CONSTITUCIONAL
BRASILEIRA
Legitimidade democrática e
instrumentos de realização

4ª Edição
Revista, ampliada e atualizada

RENOVAR
Rio de Janeiro
2014
Todos os direitos reservados à
LIVRARIA E EDITORA RENOVAR L TOA.
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Gustavo Binenbojm
Gustavo Tepedino
Lauro Gama
Luís Roberto Barroso
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Capa: Sheila Neves

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CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Binenbojm, Gustavo
B427n A nova jurisdição constitucional- Legitimidade democrática e instru-
mentos de realização. - 4' ed. revista, ampliada e atualizada - Rio de
Janeiro: Renovar, 2014.
319.; 2lcm.

ISBN 978-85-7147-86 l-9


Inclui bibliografia.

l. Direito constitucional - Brasil. 1. Título.

CDD-346.81052

Proibida a reprodução (Lei 9.610/98)


Impresso no Brasil
Printed in Brazil
NOTA À 4ª EDIÇÃO

A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira chega à


4ª edição em virtude, sobretudo, da generosidade dos
operadores e estudiosos do direito que investiram seu
tempo na leitura de uma obra de objetivos modestos,
escrita ainda nos albores da minha vida acadêmica.
Sou grato a todos quantos leram e puderam extrair
algum proveito do livro; à Editora Renovar, na pessoa do
querido Osmundo Lima, pela coragem de ter lançado, há
quase três lustros, a 1 ªedição deste trabalho; e, por último,
mas não menos importante, aos jovens e brilhantes advo­
gados Francisco Defanti e Renato Toledo, cuja devoção
ao trabalho de pesquisa tornou possível a atualização
legislativa, doutrinária e jurisprudencial do texto.

ltaipava (RJ), primavera de 20 13.

Gustavo Binenbojm
NOTA À 3ª EDIÇÃO

A presente edição oferece ao leitor uma ampla atuali­


zação jurisprudencial e legislativa da jurisdição constitu­
cional no Brasil. De parte a atenção especial conferida à
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua
evidente relevância, deu-se ênfase às inovações decorren­
tes da promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de
30. 1 2.2004 (a chamada Emenda da Reforma do Judiciá­
rio), e da Lei federal nº 1 2.063, de 27 . 1 0.2009, que
acrescentou à Lei federal nº 9.868, de 1 0. 1 1 . 1 999, o
Capítulo II-A, disciplinando a processualística da ação
direta de inconstitucionalidade por omissão.
Registro a ajuda prestimosa, no trabalho de atualização
para esta edição, do jovem e talentoso Rodrigo Naumann,
ex-aluno brilhante e jurista precoce, a quem agradeço o
empenho e dedicação.
Dedico esta edição às mulheres da minha vida, em
ordem de chegada: Maria (ín memoriam) , Heronice, Le­
ticia, Laura e Beatriz. A vida, afinal, é bela.

Gustavo Binenbojm
Prefácio

Prof. D r. Luís Roberto Barroso

No esporte, mais comumente que na vida acadêmica,


há pessoas que ficam consagradas pelo descobrimento de
um grande talento, um virtuose. Em um lance de inspira­
ção, uma intuição especial, identificam no meio da mul­
tidão de aspirantes aquele que tem brilho próprio, que é
fora de série, que percorrerá novos caminhos. A glória
desse papel costuma ser abalada por duas vicissitudes. A
primeira, muito freqüente, é a ingratidão do dono do
talento revelado, especialmente quando celebra a união
traiçoeira com o sucesso. A segunda, a proliferação de
técnicos que reivindicam a primazia da descoberta ou, no
mínimo, o conselho decisivo, que projetou o pupilo para
o mundo.
Pois antes que apareça algum aventureiro, deixo con­
signada a minha precedência: percebi a vocação de jurista
de Gustavo Binenbojm logo no início da década de 90,
quando aluno brilhante n o curso de graduação. Desde
então, foi meu monitor na Faculdade, assistente de pes­
quisa, estagiário e, por fim, meu colega de vida acadêmica
e profissional. Acompanhei de perto todo o processo de
evolução intelectual que se materializou nesse estudo, que
tive o prazer de orientar e tenho a honra de apresentar.
Feito o registro1 devo dizer que tampouco sofri a dor
- sequer o risco - da ingratidão. Bom caráter e generoso1
Gustavo atribui-me1 tanto na introdução deste livro como
na vida real1 mais crédito do que verdadeiramente me
cabe. É verdade que no convívio intenso e afetuoso1
partilhei com ele princípios1 idéias1 valores e angústias
intelectuais. Mas Gustavo potencializou o que pude lhe
dar1 agregando as virtudes do seu temperamento1 o espí­
rito vivo e a ambição construtiva que move a ciência.
O autor foi ousado no assunto que escolheu: A nova
jurisdição constitucional brasileira: legitimidade democrá­
tica e instrumentos de realização. O tema do controle de
constitucionalidade constitui um caminho já percorrido1 e
com proficiência1 por expoentes das gerações precedentes.
Sem embargo, o livro segue um roteiro preciso1 revisita
com originalidade conceitos tradicionais e explora aspec­
tos menos corriqueiros da matéria. Tudo isso em um texto
elaborado com apuro técnico e profundidade teórica1 mas
escrito com a linguagem dos bons romances.
Na linha de nossas afinidades ideológicas1 Gustavo
deixa assentado1 logo de início1 que democracia e consti­
tucionalismo são pontos de partida - e não de chegada
- para uma sociedade fundada no pluralismo1 no respeito
aos direitos humanos e na justiça social. O Estado demo­
crático de direito não é apenas aquele em que há o
predomínio da maioria, mas também o que assegura os
direitos fundamentais1 respeita os princípios civilizatórios
e promove a causa da humanidade. Ao sintetizar as idéias
centrais de seu estudo1 Gustavo concluiu com maestria:

"O Estado Democrático de Direito é a síntese histórica


de duas idéias originariamente antagônicas: democra­
cia e constitucionalismo. Com efeito, enquanto a idéia
de democracia se funda na soberania popular, o cons-
titucionalismo tem sua origem ligada à noção de limi­
tação do poder.
(. . .) A supremacia da Constituição e a jurisdição
constitucional são mecanismos pelos quais determina­
dos princípios e direitos, considerados inalienáveis pelo
poder constituinte originário, são subtraídos da esfera
decisória ordinária dos agentes políticos eleitos pelo
povo, ficando protegidos pelos instrumentos de controle
11•
de constitucionalidade das leis e atos do poder público

O trabalho desenvolve, também, uma discussão valiosa


e rara no direito constitucional brasileiro - a despeito de
tratar-se de tema clássico na doutrina americana e euro­
péia - a propósito da legitimidade democrática da juris­
dição constitucional, assentando com propriedade:

"A jurisdição constitucional é, portanto, uma instância


de poder contramajoritário, no sentido de que sua
função é mesmo a de anular determinados atos votados
e aprovados, majoritariamente, por representantes elei­
tos. Nada obstante, entende-se, hodiernamente, que os
princípios e direitos fundamentais, constitucionalmente
assegurados, são, em verdade, condições estruturantes
e essenciais ao bom funcionamento do próprio regime
democrático; assim, quando a justiça constitucional
anula leis ofensivas a tais princípios ou direitos, sua
intervenção se dá a favor, e não contra a democracia.
Esta a fonte maior de legitimidade da jurisdição cons­
11•
titucional

O texto discorre ainda acerca dos novos diplomas


legais afetos ao controle de constitucionalidade - a lei
que disciplina a ação direta e a que tem por objeto a
argüição de descumprimento de preceito fundamental -
e enfrenta dois temas significativos e pouco versados: (i)
a sindicabilidade de veto do Poder Executivo a projeto de
lei, quando fundado em inconstitucionalidade, e (ii) a
possibilidade de o Poder Executivo negar aplicação à lei
reputada inconstitucional. Não é o caso de prosseguir na
antecipação do conteúdo da obra, privando o leitor do
prazer da leitura de primeira mão.
Antes de encerrar, acrescento, em cumprimento do
protocolo, uma breve reflexão sobre o tema do livro. A
jurisdição constitucional no Brasil vive um momento de
virtuosa ascensão, fruto de uma conjugação de fatores: a
restauração democrática de 1 988, o revigoramento da
cidadania e, sobretudo, a ampliação dos legitimados para
a propositura da ação direta de inconstitucionalidade. O
Judiciário - e o próprio Supremo Tribunal Federal -1
com as prerrogativas recuperadas, voltou a ser um Poder
efetivo, cuja vontade condiciona e influencia o processo
político e institucional.
Algumas vicissitudes ainda dificultam a elevação do
Supremo Tribunal Federal ao papel de Corte Constitucio­
nal, que por direito lhe cabe. Em primeiro lugar, a vastidão
de suas competências, que impõe o exame de dezenas de
milhares de processos, banalizando a jurisdição constitu­
cional no varejo das miudezas. E também o papel desin­
teressado que tem desempenhado o Senado Federal, ao
longo de toda a República, na sua participação no processo
de escolha dos integrantes do Tribunal, limitando-se a
chancelar, acríticamente, o ungido do Presidente da Re­
pública. Ora bem: de um potencial Ministro da mais alta
corte, é legítimo e desejável que o Senado e o povo
brasileiro queiram saber, antes de sua nomeação: de onde
vem; que experiência tem; que posições doutrinárias sus­
tenta; o que pensa sobre questões institucionais importan­
tes. Pessoalmente, creio até que, no geral, temos tido
sorte. Mas uma instituição que deve ser o árbitro dos
conflitos entre os Poderes ou entre estes e os cidadãos,
precisa ter seus membros expostos ao debate prévio de
idéias, inclusive para assegurar lastro de representativi­
dade e autoridade política às suas decisões.
Devo concluir, antes de sucumbir à tentação que vez
por outra derrota os autores de prefácios, que é a de
apresentar a sua própria dissertação sobre o tema, pegando
carona indevida no espaço alheio. Este livro que o leitor
terá o prazer de desfrutar, a seguir, é expressão autêntica
do melhor ideário constitucional: perspectiva crítica, mas
sem desprezo à boa dogmática jurídica, compromisso com
a efetividade das normas constitucionais e, especialmente,
com a realização dos direitos humanos.
Só uma última palavra: Gustavo Binenbojm integra
uma geração de juristas jovens e brilhantes que têm sua
formação ligada à Faculdade de Direito da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) 1 onde cursou a
graduação e a pós-graduação. Faz parte do grupo de filhos
espirituais que a vida acadêmica me proporcionou. Seu
sucesso se deve à dedicação ao estudo, à seriedade cien­
tífica e às suas virtudes pessoais. Desfruto-o, no entanto,
com felicidade e orgulho, como se fosse meu próprio.
Rio de Janeiro, 1 0 de março de 200 1

Luís Roberto Barroso


Ministro do Supremo Tribunal Federal
e Professor Titular da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro
Apresentação

Prof. D r. Clemerson Merlin Cleve

A doutrina constitucional brasileira passa por um mo­


mento singular. Deveras1 nesse campo do saber1 a pesquisa
jurídica avança para o fim de rever velhos conceitos1 ou
explorar novos caminhos. Experimenta-se, hoje1 no país1
desde o ponto de vista teórico1 uma espécie de redesco­
berta do direito constitucional. Toma-se como certo1 fi­
nalmente1 que1 pelo menos no universo doutrinário1 a
Constituição conta1 a Constituição importa1 substancia
norma1 cuja realização integral deve ser assumida como
desafio a ser vencido pelos juristas de bem. É nesse
contexto que aparece A Nova Jurisdição Constitucional
Brasileira. Com a obra1 Gustavo Binenbojm conquistou o
título de Mestre em Direito Público pelo Programa de
Pós-Graduação em Direito da festejada Universidade do
Estado do Rio de Janeiro1 de cuja banca examinadora tive
a honra de participar.
O texto1 denso1 honra as melhores tradições da Escola
de Direito Constitucional da UERJ. Põe à mostra o com­
promisso com a normatividade constitucional e com os
postulados do Estado Democrático de Direito. Tratando
da evolução da jurisdição constitucional brasileira1 explora
o inquietante problema das tensões entre a democracia e
o constitucionalismo que, como se sabe, desemboca na
questão da legitimidade democrática da justiça constitu­
cional. Nem por isso, entretanto, deixa de radiografar o
ecletismo do sistema brasileiro de controle de constitu­
cionalidade, refletindo, ainda, sobre a supramacia da
Constituição nas sedes administrativa e legislativa. Aqui,
tomará posição acerca da (i) sindicabilidade do veto por
inconstitucionalidade e da (ii) possibilidade de o Poder
Executivo negar aplicação à lei reputada inconstitucional.
O livro, ademais, trata das inovações trazidas pelas Leis
9.868/99 e 9.882/99. A primeira, como se sabe, disciplina
a ação direta de inconstitucionalidade e a ação direta de
constitucionalidade. A segunda, dispõe sobre a argüição
de descumprimento de preceito fundamental.
Gustavo Binenbojm, com a presenta obra, inscreve o
seu nome entre os constitucionalistas preocupados em
erigir uma dogmática constitucional emancipatória e trans­
formadora, em tudo distinta da dogmática constitucional
do status quo e da razão de Estado. As idéias contempladas
no texto, a seriedade da abordagem, o rigor de análise,
tudo está a recomendar a leitura do livro. Mas, como não
recomendar um trabalho elaborado por um jovem que
ostenta a trajetória profissional e acadêmica de Gustavo
Binenbojm?
Com efeito, não tendo chegado, ainda, à casa dos trinta
anos, Gustavo é já profissional respeitado no campo do
Direito. Procurador do Estado do Rio de Janeiro, em cujo
concurso foi aprovado em primeiro lugar, e professor
contratado da Faculdade de Direito da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, integrou, por cerca de cinco
anos, o conceituado Escritório Luís Roberto Barroso &
Associados. Pesquisador disciplinado, vem contribuindo
de modo importante para o enriquecimento da doutrina
jurídica brasileira, especialmente a voltada para o Direito
Público. Tem artigos publicados na Revista de Direito
Administrativo, na Revista da Escola da Magistratura do
Estado do Rio de Janeiro, na Revista Forense e na Revista
da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, entre
outras. Como se vê, os predicados profissionais e acadê­
micos de Gustavo Binenbojm estão, em tudo, a reclamar
a leitura de sua obra.
É com satisfação, portanto, que vejo a Editora Renovar
publicando A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira.
A comunidade jurídica brasileira, ao tempo em que para­
beniza o Autor e a Casa Editorial, haverá de receber, com
absoluta simpatia, este trabalho de Gustavo Binenbojm
que, em muito, enriquecerá o Direito Constitucional Bra­
sileiro.

Prof. Dr. Clemerson Merlin Cleve


Titular de Direito Constitucional da UFPr.
Sumário

Nota à 4ª Edição . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . V
Nota à 3ª Edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VII
Prefácio Luís Roberto Barroso
- . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IX
Apresentação Clemerson Merlin Cleve
- . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XV

Capítulo 1 - Apresentação do tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1


1.1. Introdução: constitucionalismo, democracia e utopia ................ . ..... l
1.2. Plano de trabalho ............................................................................ 10

Capítulo II - Matrizes históricas e evolução da jurisdição


constitucional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
11. l. Primórdios do constitucionalismo liberal e da ideia de
jurisdição constitucional ................................................................ 15
11.2. Surgimento do judicial review of legislation nos Estados
Unidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........ .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
11.3. Invenção do controle concentrado da constitucionalidade na
Áustria e expansão dos Tribunais Constitucionais ao longo
do século XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35

Capítulo III Tensões entre democracia e constitucionalismo:


-

a legitimidade democrática da jurisdição constitucional . .47 . . . . . . . .

III.1. Dimensionamento do problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . . . . . . . ....... 47


III.2. As justificativas do constitucionalismo clássico ........................... 55
111.3. A jurisdição constitucional como instrumento de defesa dos
direitos fundamentais ...... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ........ . . . . .. . . . . . . . . . ....... . ....... 74
Ill.4. A jurisdição constitucional como instrumento de defesa do
procedimento democrático............................................................ 93

Capítulo IV - A velha e a nova jurisdição constitucional


brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 21
IV. l . Escorço histórico do controle judicial da
constitucionalidade no Brasil . . .... . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . 121
. . .

IV.2. A nova jurisdição constitucional brasileira: o sistema


eclético em vigor e suas tensões .. . . . . .. . ... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

Capítulo V - O novo estatuto da jurisdição constitucional


brasileira: inovações e aspectos polêmicos das Leis nºs
9.868/99 e 9.882/99 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139
V. l. A disciplina da ação direta de inconstitucionalidade e da
ação declaratória de constitucionalidade na Lei nº 9.868/99 ...... 139
V.2. A disciplina processual da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão . . . . . . . . . . . . .. . .. . . . . . . . 23 5 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

V.3. A regulamentação da arguição de descumprimento de


preceito fundamental pela Lei nº 9.882/99: ação
constitucional do cidadão ou avocatória? . . . . . . . . . . 241 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Capítulo VI - A supremacia da Constituição nas sedes


legislativa e administrativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261
VI . l . Considerações preliminares sobre o tema . . . . . . . . . . . . . 261 . . . . . . . ..... . . . . . . ...

VI.2. A defesa da supremacia da Constituição em sede legislativa:


a sindicabilidade do veto por inconstitucionalidade . . . . . . . . . . . . 263 . . . . . . . .

VI.3. A defesa da supremacia da Constituição em sede


administrativa: a possibilidade de o Poder Executivo negar
aplicação à lei reputada inconstitucional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 270
. . .

Capítulo VII - Síntese conclusiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 1

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 287

Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 299


Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 314
Abreviaturas

ADIN - Ação direta de inconstitucionalidade


ADC - Ação declaratória de constitucionalidade
ADIN-MC- Ação direta de inconstitucionalidade com pedido
de cautelar
ADPF - Arguição de descumprimento de preceito fundamental
CDCP - Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política
DJU - Diário de Justiça da União
DOU - Diário Oficial da União
MS - Mandado de segurança
PGR - Procuradoria-Geral da República
QO - Questão de ordem
Rcl - Reclamação
RDA - Revista de Direito Administrativo
RE - Recurso Extraordinário
RF - Revista Forense
RT - Revista dos Tribunais
RDP - Revista de Direito Público
RTDP - Revista Trimestral de Direito Público
RTJ - Revista Trimestral de Jurisprudência
STF - Supremo Tribunal Federal
STJ - Superior Tribunal de Justiça
Capítulo I

Apresentação do tema

I.1. Introdução. I.2. Plano de Trabalho.

1.1. Introdução: constitucionalismo, democracia e uto­


pia.

Na era em que se proclama a morte das utopias,


pode-se dizer que a utopia constitucionalista subsiste
de pé.1 Com efeito, o final do século XX foi marcado,
no cenário político, pela derrocada dos regimes socia­
listas de viés totalitário e pela formação de um consenso
em torno da democracia constitucional como o regime
de governo ideal.

1. Sobre as intrincadas relações entre constitucionalismo e utopia, v. a erudita


tese de doutoramento de Paulo Ferreira da Cunha na Faculdade de Direito da
U niversidade de Coimbra, Constituição, Direito e Utopia - Do Jurídico-Cons­
titucional nas Utopias Políticas, Coimbra Editora, 1 996.
Não se trata, evidentemente, de um fim da história,
como vaticinado, de forma açodada, pelo norte-ameri­
cano Francis Fukuyama, 2 mas de uma constatação his­
tórica de que a democracia e o constitucionalismo são
o ponto de partida - não o ponto de chegada - para
a organização de uma sociedade que promova o plura­
lismo, o respeito pelos direitos humanos e a justiça
social. 3
As democracias constitucionais vivem, entretanto,
sob o influxo de uma tensão permanente e visceral,
gerada pela lógica de suas próprias regras básicas de
funcionamento. 4 É que assim como o ideal democrático
se funda na noção de soberania popular, fonte última
do poder político, 5 a ideia essencial que permeia o
constitucionalismo é a de limitação do poder. 6 Com a
argúcia de praxe, o saudoso José Guilherme Merquior
assim expressou essa evidência:

2. Francis Fukuyama, O Fim da História e o Último Homem, Editora Rocco,


1 992.
3 . Neste sentido, proclamando "o constitucionalismo como única alternativa
democrática", v. Luís Roberto Barroso, Dez anos da Constituição de 1988 (Foi
bom pra você também?) , Revista de Direito Administrativo nº 2 1 4, out./dez.
1 998, p. 1 9/20.
4. Amy Gutmann, A Desarmonia da Democracia, Lua Nova, nº 36, 1 995,
p. 1 1 .
5. V. J. J . Rousseau, Contrato Social, Editora Presença, 1 966, pp. 4 7/48.
Vale destacar que o ideal democrático, embora embrionariamente manifestado
na Grécia antiga, só se consolida em termos teóricos na ambiência intelectual
do Iluminismo, com a obra de Rousseau, e só com o advento da Revolução
Francesa adquire o status de credo militante universal.
6. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
Editora Almedina, 1 997, p. 1 276: "Através da subordinação ao direito dos
titulares do poder, pre tende-se realizar o fim permanente de qualquer lei
fundamental - a limitação do poder" (grifo do original) .

2
"Se Aristóteles, em vez de Platão, fora o 'constitu­
cionalista ' da filosofia grega, foi porque ele com­
preendera que o regime da lei é superior ao governo
dos homens - mesmo quando filósofos-reis, como
na República. O problema era, portanto1 desde sem­
pre, como eliminar a arbitrariedade do poder. Na
época do absolutismo autocrático, era natural que
se chegasse à resposta de Rousseau: transferir a
soberania à nação. Mas foi preciso esperar pelo
primeiro liberalismo pós-revolucionário, com Benja­
min Constant (1767-1830), para que o constitucio­
nalismo aprendesse a separar a questão da fonte da
autoridade do problema1 não menos real, do seu
âmbito. Não bastava, segundo Constant, atinar com
a boa fonte do poder (o povoJ ; era também necessário
limitar-lhe a extensão." 7

Nada obstante a referência feita a Aristóteles como


o "constitucionalista da filosofia grega", a verdade é
que, até meados do século XVIII, o problema da limi­
tação do poder político não recebeu tratamento ade­
quado. S omente com o Iluminismo e o jusnaturalismo
racionalista é que surge o constitucionalismo moderno,
consagrando a ideia de separação dos poderes do Estado,
como forma de contê-los, e proteção de direitos indi­
viduais que precediam ao próprio Estado e deveriam
ser reconhecidos pela ordem jurídica. 8

7. José Guilherme Merquior, Liberalismo e Constituição, in O Avanço do


Retrocesso, Editora Rio Fundo, 1 990, p. 1 4.
8. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclama, em seu
art. XVI, que o Estado que não assegura os direitos individuais nem contempla
a separação dos poderes não possui, de fato, uma Consti tuição.

3
No plano político, o surgimento do constituciona­
lismo coincide com a era das revoluções burguesas. A
Constituição institucionaliza a conquista do Estado pela
burguesia emergente, dando feição jurídica ao libera­
lismo. O Direito Constitucional surge, assim, como
"técnica de proteção da liberdade e da propriedade,
limitando o poder monárquico, despersonalizando o
direito e regulando o processo representativo. "9 Em
uma palavra: o constitucionalismo representa a apro­
priação das relações e fenômenos políticos pelo Direito
- a sua juridicização. 1º
Consagram-se, nesse momento inicial, os chamados
direitos humanos de primeira geração, que representam,
em essência, limites à intervenção do Estado na esfera
individual. Tais direitos impõem ao Poder Público um
dever de abstenção, sendo por isso identificados como
liberdades negativas (liberdade de expressão, liberdade
religiosa, liberdade de associação, liberdade de locomo­
ção, livre iniciativa econômica) .
Também nesse período, como corolário da igualdade
formal proclamada pelo liberalismo, extinguem-se os
antigos privilégios do clero e da nobreza e surgem os
chamados direitos políticos. Estes, inicialmente restritos
às classes oligárquicas, vão gradativamente se universa­
lizando, na justa medida em que o ideal democrático
se consolida e se afirma como pedra-de-toque da cultura
política contemporânea .

9. Luís Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas


Normas. Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira, Editora Renovar,
2000, p. 70.
1 0 . V., sobre o tema da "juriclificación dei factor político " , a ampla análise
empreendida por Pablo Lucas Verdu, Curso de derecho político, Editora Ternos,
1 976, vol. I, p. 20 e segs.

4
No campo econômico1 o desenvolvimento desen­
freado do capitalismo a partir da primeira Revolução
Industrial gera a chamada questão social1 produzida pela
lógica da exploração da mão de obra assalariada pelo
capital. Como reação ao quadro de miséria e degradação
humana criado pelo capitalismo1 desenvolvem-se mo­
vimentos de contestação ao regime liberal burguês. Sob
o influxo do marxismo1 do socialismo utópico e da
doutrina social da Igrej a Católica1 o constitucionalismo
dá início1 então1 à tentativa de juridicização dos pro­
cessos econômico e sociat com as experiências pioneiras
da Constituição mexicana1 de 1 9 1 71 e da Constituição
de Weimar1 de 1 9 1 91 cujo exemplo se espraiaria para
praticamente todas as Constituições editadas a partir
da década de 1 93 0 . 1 1
Com a extensão do sufrágio a parcelas crescentes
da população1 crescem as demandas por mudanças no
status quo 1 o que resulta na consagração de novos di­
reitos - os direitos humanos de segunda geração. Sur­
gem1 assim1 os chamados direitos sociais (direitos tra­
balhistas 1 direito à saúde 1 à educação) 1 que passam a
exigir do Estado a realização de prestações positivas no
sentido de garantir o bem-estar dos cidadãos. No plano
da economia1 o dogma liberal do não-intervencionismo
e statal (laissez-faire1 laissez-passer, laissez-aller) é
substituído por uma vigorosa e crescente regulamenta­
ção das atividades empresariais e pela intervenção direta
do Poder Público como agente do processo econômico .
O constitucionalismo d e então formata juridicamen­
te a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, 1 2

1 1 . Foi o caso da Constituição brasileira de 1 934, que abriu capítulo próprio


para a ordem econômica e social.
1 2 . Sobre o tema, v. o l ivro clássico de Paulo Bonavides, Do Estado Liberal
ao Estado Social, Editora Malheiros, 1 996.

5
traçando, programaticamente, as políticas públicas a
serem implementadas e os objetivos socioeconômicos
a serem alcançados pela sociedade. A Constituição, a
par de seu papel de instância meramente limitativa do
poder (Constituição-garantia) , assume a feição de um
amplo programa de reformas econômicas e sociais a
serem compulsoriamente concretizadas pelas legislatu­
ras e pelos governos (Constituição-programa ou Cons­
tituição dirigente) .13
Ainda na linha de evolução cronológica acima deli­
neada, o último quartel do século XX assiste ao surgi­
mento de uma nova geração de direitos - os chamados
direitos de terceira geração - que se caracterizam pela
transindividualidade, cujos titulares se ligam por um
vínculo de solidariedade (direitos difusos) . Incluem-se
nesse grupo os direitos ao meio ambiente ecologica­
mente equilibrado e à preservação do patrimônio his­
tórico, artístico e cultural. 1 4
As últimas décadas do século marcam uma profunda
crise do Estado de bem-estar social (Welfare State) , de

1 3 . V., sobre o tema, a tese de doutoramento de J. J. Gomes Canotilho na


Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Constituição dirigente e
vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitu­
cionais programáticas, Coimbra Editora, 1 994. Vale observar que, em artigo
intitulado Rever ou Romper com a Constituição Dirigente7 Defesa de um
Constitucionalismo Moralmente Reflexivo, in Cadernos de Direito Constitucio­
nal e Ciência Política, vol. IS, p. 7/ 1 7 , o autor revê parcialmente a sua tese,
propondo a "substituição de um direito autoritariamente dirigente mas ineficaz
através de outras fórmulas que permitam completar o projeto da modernidade
- onde ele não se realizou - nas condições complexas da pós-modernidade . "
1 4. Registre-se que foi o Prof. Karel Vasak, ainda e m 1 979, quem primeiro
apontou o surgimento dos direitos de terceira geração, intitulando-os de direitos
da solidariedade, como informa Robert Pelloux, Vrais et faux droits de l'homme,
Revue du Droit Public et de la Science Politique en France et à l 'é tranger nº
1 , 1 98 1 , p. 5 8 .

6
inspiração keynesiana. A expansão desordenada do apa­
relho burocrático estatal revelou-se inapta para atender
às crescentes demandas sociais represadas ao longo de
gerações. O paradigma da inesgotabilidade dos recursos
públicos entrou em crise, reduzindo as promessas con­
tidas nas Constituições dirigentes a "um feixe bacha­
relesco de idealidades inviáveis, cruelmente desmenti­
das pela prática político-social" . 1 5
Some-se a tais fatores o advento da globalização
econômica, que contribui para o agravamento da crise
do Estado Providência, na medida em que põe em
xeque a soberania estatal e restringe seu poder de
subordinar os fatores econômicos e sociais nacionais. 1 6
A crise do Estado de bem-estar social é , também,
a crise do constitucionalismo contemporâneo, que co­
loca em risco todo um conjunto de valores e conquistas
da civilização. Propugna-se pelo esvaziamento axiológico
da Constituição, reduzida atavicamente a esquemas pro­
cedimentais supostamente neutros que se cifram a es­
truturar o Estado e a definir regras básicas para o
exercício do poder político, devolvendo-se aos corpos
legislativos uma ampla liberdade de conformação. 1 7

1 5. José G uilherme Merquior, ob . cit., p . 17.


1 6. V. Daniel Sarmento, Constituição e Globalização: a crise dos paradigmas
do Direito Constitucional, Revista de Direito Administrativo nº 2 1 5, jan./mar.
1 999, p. 23.
1 7 . V. G iovanni S artori, Engenharia Constitucional. Como mudam as
Constituições, Editora UnB, 1 996: "As Constituições são 'formas' que estrutu­
ram e disciplinam os processos decisórios do Estado. Elas estabelecem como as
normas devem ser criadas, mas não decidem, nem deveriam decidir, o que será
estabelecido pelas normas. Quer dizer: as Constituições são, antes de mais
nada, conjuntos de procedimentos tendo por objetivo assegurar o exercício do
poder sob controle. Portanto, são e devem ser neutras com relação ao seu
conteúdo. "

7
Chega-se, inclusive, a propalar uma crise de paradigmas
do próprio Direito Constitucional. 1 8
Nada obstante, e de modo até certo ponto paradoxal,
j amais se assistiu a tamanha expansão do movimento
constitucionalista como nas últimas décadas. 1 9 Basta
constatar o fenômeno na América Latina redemocrati­
zada, em diversos países africanos e nos antigos Estados
comunistas do Leste europeu.
No mesmo diapasão1 cresce constantemente o nú­
mero de países que adotam algum tipo de jurisdição
constitucional. Se o período entre guerras1 a fase ime­
diatamente posterior à Segunda G rande Guerra e a
década de setenta marcaram as três grandes "vagas" no
movimento de criação de Tribunais Constitucionais ao
longo do século, assiste-se hoje ao desenrolar de uma
quarta vaga nas novas democracias periféricas. 2 º Com
efeito, a existência de uma jurisdição constitucional
parece ter-se tornado hodiernamente, na observação de
Vital Moreira1 um requisito de legitimação e de credi­
bilidade política dos regimes constitucionais democrá­
ticos. 2 1

1 8 . V. Daniel Sarmento, ob. cit. Na mesma perspectiva, J . J . Gomes Canoti­


lho, Mal-Estar da Comtituição e Pessimismo Pós-Moderno, in Lusíada, Série
de Direito, 1991, p. 57/65.
1 9 . Neste sentido, v., por todos, Bruce Ackerman, The rise of world comtitu­
tionalism, Yale Law S chool Occasional Papers, Second Series, number 3, 1997.
2 0 . Vital Moreira, Princípio da Maioria e Princípio da Comtitucíonalidade:
Legítimidade e Limites da Justiça Comtítucíonal, ín Legitimidade e Legitimação
da Justiça Constitucional. Colóquio no 1 Oº Aniversário do Tribunal Constitu­
cional, Coimbra Editora, 1995, p. 178.
21 . Idem. O autor português afirma ainda, em abono da tese, o seguinte:
"Mesmo na França, o país mais tradicionalmente avesso ao controlo jurisdicional
da constitucionalidade das leis, o Conselho Constitucional originariamente
criado para impedir o parlamento de invadir a esfera de poder regulamentar
autónomo reconhecido ao Governo pela Constituição de 1958, parece evoluir

8
Por mais aguda que sej a a crise, a Constituição
continua sendo aquela tentativa - "talvez impossível,
talvez 'faustiana', mas profundamente humana", como
diria Cappelletti - "de transformar em direito escrito
os supremos valores, a tentativa de recolher, de 'definir',
em suma, em uma norma positiva o que, por sua na­
tureza, não se pode recolher, não se pode definir - o
Absoluto. A justiça constitucional é a garantia desta
'definição'; mas é também, ao mesmo tempo, o instru­
mento para torná-la aceitável, adaptando-a às concretas
exigências de um destino de perene mutabilidade" . 2 2
No moderno Estado Democrático de Direito, bus­
ca-se a compatibilização do ideal rousseauniano de um
"governo de leis" - expressão da vontade geral - com
a plataforma liberal, apropriada pelo constitucionalismo,
de limitação do poder político. Eis a configuração, em
certa medida até singela, mas inegavelmente utópica,
do projeto constitucionalis�a; srigir um governo que

seguramente no sentido de se transformar num verdadeiro Tribunal Constitu­


cional, ao mesmo tempo em que surgem propostas doutrinais de alargar aos
tribunais comuns esse poder (Na verdade, 'uma parte da doutrina declara-se
favorável ao controle da constitucionalidade das leis pelo juiz', cuja hipótese
se concretizou na reforma constitucional em julho de 2008, a qual entrou em
vigor a partir de março de 2010 - François Luchaire/Gérard Conac, La
Constitution de la République Française, Paris, 1987, p. 1112) . Também na
Suíça, onde o sistema de fiscalização da constitucionalidade exclui desde
sempre o controle das leis do parlamento federal, a comissão de peritos para
a revisão global da Constituição recomendou no seu relatório a introdução da
fiscalização concreta das leis federais (Benda/MaihoferNogel, Handbuch Ver­
fassungrechts, Berlim/Nova York, 1983, p. 1.260) . E até na Grã-Bretanha
deixou de ser heresia a ideia de criar uma carta de direitos fundamentais
constitucionalmente garantida contra o legislador (entrenched bíll of rightsJ e
de confiar a sua defesa aos tribunais (ver 'Institute for Public Policy Research',
A Written Constitution for the United Kingdom, Londres, 1993) ."
2 2 . Mauro Cappelletti, O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis
no Direito Comparado, Sergio Antonio Fabris Editor, 1992, p. 130.

9
respeite, a um só tempo, a soberania popular, expressa
pela regra da maioria, e os princípios consagrados na
Constituição.
À jurisdição constitucional compete realizar tal pro­
jeto, atuando como árbitro do jogo democrático e tendo
como objetivo assegurar, contra eventuais maiorias, a
pauta de direitos fundamentais e a sobrevivência das
minorias políticas. Embora a jurisdição constitucional
se apresente como uma instância de poder contrama­
joritário, situada no limite entre o jurídico e o político,
sua missão será a de intervir a favor e não contra a
democracia.

1.2 . Plano de Trabalho.

O presente estudo se propõe a perqmnr sobre o


papel a ser desempenhado, nas democracias contem­
porâneas, pela jurisdição constitucional, e sobre sua
justificação teórica à luz das principais vertentes de
pensamento jusfilosófico contemporâneo. Pretende-se,
também, proceder a uma avaliação crítica dos instru­
mentos de realização do controle da constitucionalidade
no Brasil a partir das premissas teóricas delineadas ao
longo do trabalho .
N o Capítulo I I alvitra-se reconstituir, e m linhas
gerais, o longo percurso histórico do constitucionalismo
e do controle de constitucionalidade das leis desde os
primórdios do liberalismo político nos séculos XVII e
XVIII. Dá-se especial ênfase à matriz norte-americana
- o já hoje quase bicentenário judicial review of legis­
lation - passando pelo advento do controle abstrato
Á
na ustria, em 1 920, e pela proliferação dos tribunais
constitucionais nos diversos países da Europa continen­
tal e do mundo ao longo do século XX .

10
O Capítulo I I I é dedicado ao estudo das tensões
entre democracia e constitucionalismo1 com especial
enfoque na questão da legitimidade democrática da
jurisdição constitucional e seus limites de atuação. Será
analisado se e em que medida um corpo de juízes
profissionais1 cuja investidura não advém do voto po­
pular1 está legitimado a anular leis elaboradas por re­
presentantes eleitos diretamente pelo povo. O trabalho
se volta1 nesse passo1 para a busca de respostas às
objeções tradicionalmente opostas à legitimidade da
fiscalização judicial da constitucionalidade1 como o prin­
cípio da separação dos poderes e o princípio da maioria1
expressão da soberania popular. Enfrenta-se1 aqui1 a
questão do risco democrático que representam os Tri­
bunais Constitucionais1 não apenas por seus juízes es­
tarem imunes aos mecanismos de aferição de legitimi­
dade peculiares aos agentes políticos (eleições periódi­
cas1 satisfação à opinião pública) , mas, sobretudo1 pelo
fato de que suas decisões são obrigatórias e definitivas
para as demais instituições políticas (governo 1 parla­
mento1 juízes1 sociedade civil) 1 não se sujeitando a
qualquer controle democrático posterior.
A partir do C apítulo IV se inicia o estudo da juris­
dição constitucional na experiência brasileira. Um es­
corço histórico do controle da constitucionalidade das
leis no país é traçado desde a adoção do método de
fiscalização concreta e difusa na Constituição republi­
cana de 1 89 1 , passando pela instituição do controle
abstrato e concentrado1 levada a efeito pela Emenda
Constitucional nº 1 6/651 e sua evolução até o sistema
eclético hoj e vigente1 substancialmente ampliado pela
Carta de 1 988 e complementado pela Emenda Cons­
titucional nº 03/9 3 . Com a recente edição da Lei nº
9 . 868, de 1 0 de novembro de 1 999 - que versa sobre
o processo e julgamento da ação direta de inconstitu-

11
cionalidade e da ação declaratória de constitucionali­
dade - e da Lei nº 9 . 8 8 2 1 de 03 de dezembro de 1 999
- que disciplina a arguição de descumprimento de
preceito fundamental -1 confirma-se a tendência ao
fortalecimento do sistema de controle concentrado e
abstrato1 mediante ampliação de seus instrumentos e
efeitos1 como tentativa de dar conta do fenômeno da
litigiosidade de massa1 que não tem encontrado resposta
adequada nas instâncias ordinárias do Poder Judiciário.
No C apítulo V realiza-se uma ampla exposição des­
critiva e crítica dos instrumentos de controle abstrato
da constitucionalidade contemplados no Direito brasi­
leiro1 sob a forma de comentários às principais inovações
introduzidas pela Lei nº 9 . 868/99. Dá-se aqui especial
relevo à análise da profícua jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal sobre a matéria e dos aspectos pro­
blemáticos do recente diploma legal1 como1 v.g. 1 aqueles
relativos à possibilidade de modulação dos efeitos tem­
porais das decisões1 cautelares e de mérito1 e seu caráter
necessariamente vinculante para os órgãos judiciários e
administrativos. Destacam-se também os dispositivos
em que a nova Lei sinaliza com uma maior abertura
no processo de interpretação constitucional - no sen­
tido que lhe empresta Peter H aberle - ao admitir
expressamente a manifestação de outros órgãos ou en­
tidades além das partes formais no processo de con­
1 1

trole abstrato1 de acordo com a sua representatividade


e a relevância da matéria em discussão1 bem como a
possibilidade de os juízes da Corte socorrerem-se1 para
a formação de sua convicção1 dos conhecimentos téc­
nicos de peritos e de depoimentos de pessoas com
experiência e autoridade no tema em debate1 mediante
realização de audiências públicas. Procede-se1 por fim1
a um exame1 ainda inevitavelmente perfunctório1 das
potencialidades do instituto da arguição de descumpri-

12
mento de preceito fundamental, previsto no art. 1 02 ,
§ 1 º , d a Constituição Federal e recentemente regula­
mentado com a edição da Lei nº 9 . 8 82/99.
No Capítulo V I são abordados dois problemas re­
lativos à fiscalização da constitucionalidade em ativida­
des intestinas dos Poderes Legislativo e Executivo e
que tangenciam a temática da jurisdição constitucional:
(i) a sindicabilidade do veto aposto sob o fundamento
de inconstitucionalidade do projeto de lei; e (ii) a
possibilidade de o Poder Executivo negar aplicação às
leis que reputar incompatíveis com a Constituição, in­
dependentemente de qualquer pronunciamento prévio
do Poder Judiciário.
Finalmente, no C apítulo VII se procede a uma
síntese conclusiva das ideias expostas ao longo da dis­
sertação, sob a forma de proposições objetivas.

13
Capítulo I I

Matrizes históricas e evolução


da jurisdição constitucional

II.1. Primórdios do constitucionalismo li­


beral e da ideia de jurisdição constitu­
cional; II. 2. Surgimento do judicial re­
view of legislation nos Estados Unidos;
II. 3 . Invenção do controle concentrado da
constitucionalidade na Áustria e expan­
são dos Tribunais Constitucionais ao lon­
go do século XX.

1 1 .1 . Primórdios do constitucionalismo liberal e da


ideia de jurisdição constitucional.

O surgimento do constitucionalismo - afirmam-no


os compêndios - coincide com as revoluções burguesas
dos séculos XVII e XVIII e o consequente advento do
Estado Liberal. É nesse período, quando as monarquias
absolutistas entram em colapso, que toma força a ideia

15
de submissão da ação estatal a uma norma positiva que
deve vincular a existência mesma dos poderes e garantir
a incolumidade das liberdades individuais frente ao
Estado. A Constituição surge, assim, como exigência
burguesa de limitação e racionalização do poder real,
até então absoluto, que passa a curvar-se aos interesses
da nova classe dominante.
Todavia, não seria equivocado dizer que as origens
remotas do constitucionalismo são anteriores ao libera­
lismo. Como anota Nelson Saldanha, as concepções
medievais já contemplavam uma certa noção de limi­
tação do poder, sempre compartilhado, naquele perío­
do1 entre imperador e papa, entre reis e senhores1 e
controlado aqui e ali por cortes e parlamentos. 23 Há
autores que enxergam no movimento conciliarista e nas
contestações ao absolutismo pontifício as raízes ances­
trais do moderno constitucionalismo. 24 "É esta limitação
que autoriza os historiadores a falar de um constitucio­
nalismo medieval (Mac Ilwain e Kern, por exemplo) e
mesmo a enxergar nas experiências medievais os germes
do liberalismo moderno e da teoria constitucional. " 2 5
Não obstante, as concepções do período medievo
se encontravam vinculadas a uma visão de mundo ainda
marcada pela filosofia escolástica, de viés pré-moderno.
Só aos poucos a secularização da temática se impõe,
instaurando-se com Maquiavel, ainda sob o antigo re-

23 . Nelson Saldanha, Formação da Teoria Constitucional, Editora Renovar,


2000, p. 36.
2 4 . José Guilherme Merquior, ob. cit., p. 13: "Estudos recentes, em especial
os de Brian Tierney, conduziram com perícia a arqueologia do constituciona­
lismo, revelando suas origens medievais no movimento conciliarista. O desafio
ao absolutismo pontifício precedeu de muito a contestação do absolutismo
real. "
2 5 . Nelson Saldanha, ob. cit., p. 36.

16
gime, a laicização do pensamento político. 26 A influência
das formulações teológicas medievais, entretanto, ainda
se faria sentir em diversos pensadores modernos. 27
No final do século XVII, com a chamada Revolução
Gloriosa ( 1 688) e a obra de John Locke, é que se inicia
propriamente o liberalismo político, e um Estado cons­
titucional se erige subordinado ao controle parlamentar
e comprometido com o respeito aos novos direitos
individuais . Locke - considerado o "pai do liberalismo"
- lança as bases do ideal de governo limitado nutrido
pelo jusnaturalismo racionalista, que afirma a existência
de direitos inerentes à natureza humana e preexistentes
ao Estado. Segundo sua conhecida formulação, a legi­
timidade do exercício do poder político decorre do
respeito às liberdades inatas e inalienáveis, os direitos
naturais. 2 8
As cartas e declarações de direitos, tão caros ao
constitucionalismo inglês desde a Magna Carta Liber­
tatum, de 1 2 1 5, simbolizam o reconhecimento de tais
direitos e estabelecem os limites da liberdade individual
que não poderiam ser invadidos pelo poder político. 29
Tais documentos se apresentam como contratos entre
o povo e os governantes, e acabam por se convolar em

26 Idem, p. 39.
27 . No pensamento de Locke, por exemplo, são comuns as alusões a textos
bíblicos. Também em Morus, Bacon e Erasmo a linguagem política ainda
continua, sob certos aspectos, semimedieval, dada a persistência da termino­
logia escolástica. V. , neste sentido, Nelson Saldanha, ob . cit., p. 39.
2 8 . John Locke, Segundo tratado sobre o governo: ensaio relativo à verdadeira
origem, extensão e objetivo do governo civil, ín Os Pensadores, Editora Abril
Cultural, 1 973, p. 3 7/ 1 3 8 .
29. Citem-se, exemplificativamente, a Petition o f Rights ( 1 627J, o Habeas
Corpus Act ( 1 679J e o Bill of Rights ( 1 688J, dentre outros.

17
verdadeiros instrumentos de governo. 3 0 Esta tradição,
de "ordenação sistemática e racional da comunidade
política através de um documento escrito", 3 1 viria a se
constituir, a partir da Constituição norte-americana,
promulgada em 1 7 8 7, na ideia-síntese do Estado cons­
titucional contemporâneo .
Todavia, como se sabe, a experiência constitucional
inglesa não consagrou a supremacia de uma Constituição
escrita, mas antes do Parlamento. 32 Na dicção sempre
inspirada de Ruy Barbosa, o Parlamento inglês seria "a
constituição viva do país, a constituinte nacional em
permanência, a vontade legislativa soberana. " 33
Por via de consequência, sendo ilimitado o poder
do Parlamento, expressão da vontade majoritária, não
haveria lugar, no Reino Unido, para a instituição de um
mecanismo de fiscalização de constitucionalidade . 3 4
Nada obstante, ainda na primeira metade do século
XVII, na Inglaterra e em suas colônias foi praticada
espécie de controle judicial da constitucionalidade.
Com efeito, era corrente na tradição jurídica inglesa
a concepção da lei não como ato de vontade, mas como

3 0. Para alguns autores, como Karl Loewenstein, Hermann Heller e Carl


Sch.mitt, o Instrument of Government, editado por Oliver Cromwell ainda em
1 653, representa a primeira Constituição escrita do Estado moderno. V., por
todos, Karl Loewenstein, Teoría de la Constitución, Editora Ariel, 1 986, p.
1 58. No mesmo sentido, na doutrina nacional, v. Oswaldo Aranha Bandeira de
Mello, A Teoria das Constituições Rígidas, Editor José Bushatsky, 1 980, p. 35.
3 1 . J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
Editora Almedina, 1 997, p. 10 1 .
32 . Mauro Cappelletti, O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis
no Direito Comparado, Sergio Antonio Fabris Editor, 1992, p. 53.
33 . Ruy Barbosa, O Estado de Sítio, 1 892, p. 203, apud Oswaldo Aranha
Bandeira de Mello, ob. cit., p. 53.
3 4 . Clemerson Merlin Cleve, A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade
no Direito Brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 58.

18
mero ato declaratório do direito consuetudinário. Em
suma1 a common law tinha prevalência sobre a lei escrita
(statutory law) ; aquela poderia até ser completada1 mas
jamais contrariada por essa. 35 Fundado em tal tradição,
desenvolveu-se e ganhou expressão a teoria de Edward
Coke1 que propugnava pela atuação dos juízes como
mediadores entre rei e nação e como guardiões da
supremacia da common law sobre a autoridade do Par­
lamento e do próprio soberano. 36 Após praticada por
algumas décadas do século XVII? 7 a doutrina de Sir
Coke - considerada por alguns o ponto de partida da
ideia de jurisdição constitucional 38 - acabou abando­
nada com o advento da Revolução Gloriosa e a afirmação
da ainda hoje vigente supremacia do Parlamento. Seus
frutos1 entretanto1 germinariam no solo das colônias
inglesas da América1 como adiante se verá.
Do iluminismo inglês, cumpre passar a um breve
exame da influência que alguns pensadores franceses
do período da Ilustração - e da fase imediatamente
posterior à Revolução Francesa - exerceram sobre a
formação da moderna teoria constitucional e1 mais es­
pecificamente1 da ideia de controle da constitucionali­
dade das leis.
A obra de Rousseau representa1 apesar de todos os
senões que se lhe opõem1 um dos marcos mais impor­
tantes para a delimitação ética e técnica do poder
político na modernidade: a retomada e a vulgarização

35 . Mauro Cappelletti, ob. cit., p. 58.


36 . Clemerson Merlin Cleve, ob. cit., p. 59.
37 . No caso Bonham, j ulgado em 1 6 1 0, Coke afirmou a tese da competência
judicial para deixar de aplicar leis votadas pelo Parlamento que se afigurassem
contrárias à common law. V. Nelson S aldanha, ob. cit., p. 1 4 1 .
38 . Nelson Saldanha, ob. cit., p . 5 8 .
19
do ideal democrático . A influência de seu pensamento
concorreu decisivamente para a Revolução Francesa e,
de modo particular, para o movimento que culminou
com a edição da Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão.
Partindo da visão da liberdade enquanto autonomia,
Rousseau concebe que os homens seriam livres apenas
e na medida em que obedeçam somente à sua própria
consciência. Projetando tal concepção para o plano co­
munitário, diante da evidência de que a liberdade in­
dividual irrestrita levaria à luta de todos contra todos,
chega ele à ideia de um contrato social, fórmula asso­
ciativa pela qual cada cidadão abriria mão de parcela
de sua liberdade natural em prol de uma nova forma
de liberdade - a liberdade convencional. 39 Esta fór­
mula, no entanto, só será eficaz caso haj a coincidência
entre as pessoas dos súditos e a do soberano, o que
ocorre apenas quando os destinatários das leis são tam­
bém os seus autores. Rousseau transpõe, assim, a liber­
dade enquanto autonomia, do plano individual, para a
concepção, no plano comunitário, de liberdade como
soberania popular. Se a lei é o produto da vontade geral
- manifestada pelos próprios cidadãos - então, quem
obedece à lei estaria, em última análise, obedecendo à
sua própria vontade . 40
O exagerado apego rousseauniano à vontade da maio­
ria, elevada à condição de fonte última e incontrastável
do poder político, tem sido o foco principal de seus
críticos. Com efeito, levando-se ao limite o pensamento

39. J. J. Rousseau, Do contrato social, in Os Pensadores, Editora Abril Cultural,


1 978, p . 36.
40 . Idem, p . 3 7 .
20
de Rousseau, toda lei, qualquer que seja o seu conteúdo,
deve ser considerada legítima, eis que decorrente da
vontade geral. Tal concepção é apontada por diversos
autores como subsidiária de regimes totalitários.
Este o caso, por exemplo, de Benj amin Constant,
pensador pós-revolucionário, marcado pelos chamados
"excessos da Revolução Francesa", que empreende uma
ácida crítica às teses de Rousseau. Constant propõe
uma distinção entre a liberdade dos antigos, identificada
com autonomia em termos rousseaunianos, e a liberdade
dos modernos, que corresponderia ao conceito de li­
berdade negativa, como esfera individual protegida da
interferência externa. Segundo o autor, a tentativa de
resgatar a liberdade dos antigos, empreendida por Rous­
seau, teria provocado a supressão da liberdade dos
modernos. 4 1
Vinculando-se a o jusnaturalismo, Constant sustenta
que os cidadãos possuem direitos inatos, independentes
do reconhecimento estatal, os quais, à moda de Locke,
constituem o referencial para a aferição da legitimidade
do exercício do poder político. O autor desenvolve,
assim, seu argumento no sentido do desenvolvimento
de mecanismos de limitação do princípio majoritário:
" o s cidadãos p o s suem direitos individuais inde­
pendentes de toda autoridade social ou política, e qual­
quer violação pela autoridade é ilegítima ( . . . ) Nenhuma .

autoridade pode atentar contra estes direitos sem violar


o seu próprio título. Não sendo ilimitada a soberania
do povo e não sendo a sua vontade suficiente para
legitimar sobre tudo o que deseja, a autoridade da lei

41 . Benjamin Constant, Da liberdade dos antigos à dos modernos, in Filosofia


Política, Editora L&PM, s.d., p. 1 6 .

21
não é mais que a expressão verdadeira ou suposta dessa
vontade, consequentemente não é ilimitada. " 42
Não bastaria, segundo o autor, a limitação mera­
mente abstrata da soberania popular, senão que deveria
ela ser promovida por instituições políticas, 43 como o
sistema representativo, o voto censitário, o bicamera­
lismo, a separação de poderes e o poder moderador.
Constant atribui grande relevância ao que chama poder
real, moderador ou neutro, a ser exercido pelo monarca
constitucional, cuja função seria a de equilibrar e har­
monizar a atuação dos demais poderes. 44 S ituando-se
em um patamar superior ao dos debates e paixões
políticas, com a prerrogativa, inclusive, de dissolver o
Parlamento, o rei desempenha um papel claramente
contramajoritário, cuja justificativa seria a de garantir
as liberdades individuais e o exercício do poder com
moderação. 45
A função do poder moderador nas monarquias cons­
titucionais, tal como concebido por Benjamin Constant,
tem sido associada à da jurisdição constitucional nas

42 . Benjamin Constant, Princípios Políticos Constitucionais: princípios políticos


aplicáveis a todos os governos representativos e particularmente à Constituição
atual da França (1 8 1 4) , Editora Liber Juris, 1 989, p. 68. Em outra passagem
eloquente, assevera o autor: "A anuência do povo não legitima o que é ilegítimo,
posto que um povo não pode delegar a ninguém uma autoridade que não tem . "
(ob. cit., p. 70) .
43 . Idem, p. 70.
44 . Idem, p. 75: "Se a ação do poder executivo torna-se perigosa, o rei destitui
os ministros. Se a Câmara dos Lords torna-se inconveniente, o rei lhe dá um
novo rumo mediante à instituição de novos pares. Se a Câmara dos Comuns
se mostra ameaçadora, o rei usa seu veto ou dissolve essa Câmara. Enfim, se
a própria atividade do Poder Judiciário é perniciosa aplicando a atos individuais
penas gerais demasiadamente severas, o rei modera mediante o exercício de
seu direito de graça. "
45 . Idem, p. 7 7 e segs.
22
democracias modernas . 46 A centralização excessiva de
poderes nas mãos do monarca acaba1 todavia1 por gerar
um modelo de governo tendencialmente conservador e
autoritário - como verificado na experiência política
brasileira sob a égide da Constituição Imperial de 1 824
-1 incompatível com o ideário democrático.
O mesmo não ocorre na obra do padre Emmanuel
Joseph Sieyes1 produzida nos albores do processo re­
volucionário1 e que busca compatibilizar o projeto liberal
de governo moderado - limitado por uma lei superior
- com o ideal rousseauniano de soberania popular.
Para tanto1 o autor propõe1 pioneiramente1 um modelo
de democracia dual em que se distinguem1 em um
primeiro nível1 o poder constituinte1 e1 em um segundo
nível1 o poder constituído. O povo1 através de repre­
sentantes eleitos1 exerceria seu poder soberano ao ela­
borar a Constituição. Tal poder (constituinte) 1 que não
sofre qualquer restrição jurídica1 exceto do direito na­
tural1 estabelece os limites que pautarão o exercício da
legislatura ordinária (o poder constituído) . 47 Erguia-se1
assim1 um dos pilares do pensamento constitucional
que é o princípio da supremacia da Constituição: o
poder político só é legítimo quando exercido dentro
dos lindes travejados na Lei Fundamental.
Com isso1 Sieyes promove uma convergência entre
as perspectivas de Locke e Rousseau1 possibilitando a
limitação do poder popular1 expresso pela regra da
maioria1 através de um instrumento jurídico elaborado

46 . O próprio Hans Kelsen vislumbra semelhanças que aproximam as ideias


de jurisdição constitucional e monarquia constitucional. V., sobre o tema,
Teoria Geral do Direito e do Estado, Editora Martins Fontes, 1 998, p. 40 1 .
47 . Emmanuel Joseph Sieyes, A Constituinte burguesa. O que é o terceiro
estado?, Editora Liber Juris, 1 988, p. 1 1 3 e segs.

23
pelo próprio povo. 48 Aliás, como argutamente observado
por John Rawls, o hoje decano do liberalismo norte­
americano, serão as obras de Locke e Rousseau que,
em conjunto, constituirão o cerne da moderna demo­
cracia constitucional. 49
Deve-se ainda a Sieyes a formulação da ideia - já
antes concebida por Edward Coke e que ganharia corpo
nos Estados Unidos - da jurisdição constitucional como
instituição política essencial à garantia da supremacia
da Constituição. Em célebre pronunciamento na Con­
venção Nacional do 1 8 do Termidor do ano III da
República, 50 o autor sustenta que a obediência à Cons­
tituição não poderia ficar na dependência da "boa von­
tade" do Poder Legislativo, propugnando pela institui­
ção de um Tribunal Constitucional encarregado de ex­
cluir do ordenamento jurídico as leis inconstitucionais .
A este tribunal caberia conter os excessos cometidos
por maiorias legislativas irresponsáveis, cuja vontade
não se poderia sobrepor à vontade superior do povo
expressa na Constituição. 51
Como se vê, antecipou Sieyes a consequência, no
campo das instituições jurídico-políticas, advinda da

48 . A pertinente observação se encontra na brilhante Dissertação de Mestrado


de Cláudio Pereira de Souza Neto, Jurisdição Constitucional, Racionalidade
Prática e Democracia, PUC/RJ, 2000, p. 23.
4 9. John Rawls, Justiça como Equidade: uma concepção política, não metafísica,
Lua Nova, nº 25, 1 992, p. 30. Não se pode olvidar, evidentemente, a decisiva
contribuição da obra de Montesquieu, cuja alma mater - a teoria da separação
dos poderes - consagrada em quase todas as Constituições do mundo, repre­
senta a mais importante estrutura institucional das democracias modernas.
50. Emmanuel Joseph Sieyes, Opinion de Sieyes sobre las atribuciones y
organización del tribunal constitucional. Pronunciado en la Convención nacional
el 1 8 de Thermidor, afio III de la República, in De la revolución, Centro de
Estudios Constitucionales, s.d., p. 276 e segs.
5 1 . Idem, p. 290/291

24
teoria da supremacia constitucional, por ele mesmo
formulada, e que a história viria a confirmar: o surgi­
mento do controle da constitucionalidade das leis.

11.2 . Surgimento d o "judicial review o f legislation"


nos E stados Unidos .

O controle jurisdicional da constitucionalidade das


leis é considerado, ao lado da forma federativa de
Estado, a mais importante contribuição do constitucio­
nalismo norte-americano às democracias ocidentais. 5 2
Admite-se, usualmente, a Constituição dos Estados
Unidos da América, promulgada em 1 78 7, como a
primeira Constituição escrita do mundo, no sentido
contemporâneo do termo. 5 3 Sem embargo, foi o já hoje
quase bicentenário judicial review of legislation a mais
significativa inovação americana em relação à tradição
inglesa. Representou ele, na prática, a superação do
princípio da supremacia do Parlamento - elevado à
condição de dogma no Reino Unido desde a Revolução
Gloriosa, e lá ainda vigente - pela supremacia norma­
tiva da Constituição. Ao Judiciário caberia exercer a
guarda de tal supremacia, ainda que isso importasse na
invalidação de atos do Legislativo.
Com efeito, no modelo norte-americano, juízes e
tribunais detêm competência para, no curso de qualquer
demanda, declarar nulos e írritos os atos e leis contrários

5 2 . V., neste sentido, Eduardo G arcía de Enterría, La Constitucion como


Norma y el Tribunal Constitucional, Editorial Civitas, 1 984, p. 50/5 1 ; James
A. C. Grant, El Control Jurisdiccional de la Constitucionalidad de las Leyes.
Una Contribución de las Américas a la Ciencia Política, Publicación de la
Revista de la Facultad de Derecho de México, 1 963, apud Mauro Cappelletti,
ob. cit. , p. 46.
5 3 . V., por todos, Nelson Saldanha, ob. cit., p. 64.

25
à Lei Fundamental. Embora tal competência se distribua
difusamente por todos os órgãos jurisdicionais, a Supre­
ma Corte - órgão de cúpula do Poder Judiciário -
desempenha função determinante no campo da inter­
pretação constitucional em virtude do princípio do stare
decisis, ou seja, da eficácia vinculante de suas decisões.
Assim, cabe à Suprema Corte dar a última e definitiva
palavra a respeito das questões constitucionais . 5 4
O Direito norte-americano recepcionou, desde os tem­
pos coloniais, as teses desenvolvidas durante o século
XVII, na Inglaterra, por Edward Coke, já anteriormente
expostas, segundo as quais os juízes deveriam controlar
a legitimidade das leis votadas pelo Parlamento, negando
aplicação àquelas contrárias à common law. 55 Transferindo
o raciocínio para a realidade colonial, os juízes muitas
vezes negavam aplicação a normas de direito local consi­
deradas incompatíveis com as "Cartas" outorgadas pela
Coroa a cada uma das colônias. 5 6 Assim, nas palavras de
Clemerson Merlin Cleve, "a doutrina da supremacia da
common law, repudiada na Inglaterra depois de 1 688,
mas incorporada à tradição jurídica americana e somada
à prática judicial experimentada antes da independência,
ofereceu o terreno apropriado para o desenvolvimento
da judicial review. " 57
É bem de ver que a ideia da jurisdição constitucional
como técnica de atuação da supremacia da Lei Funda-

54. Clemerson Merlin Cleve, ob. cit., p. 63.


55. Mauro Cappelletti, ob. cit., p . 60.
5 6 . V. Ronaldo Poletti, Controle da Constitucionalidade das Leis, Editora
Forense, 1 998, p. 25, em que o autor colaciona alguns precedentes coloniais
do que viria a ser o sistema norte-americano de controle da constitucionalidade.
No mesmo sentido, Afonso Arinos de Melo Franco, Curso de Direito Consti­
tucional Brasileiro, Editora Forense, 1 968, vol . 1, p. 60.
57 . Clemerson Merlin Cleve, ob. cit . , p. 64.
26
mental não proveio de previsão expressa da Constitui­
ção de 1 78 71 senão que decorreu de construção juris­
prudencial. 5 8 Com efeito1 o art. VI1 item 21 daquela
Carta1 conhecido como "cláusula de supremacia" (su­
premacy clause) 1 se limitava a proclamar a superioridade
hierárquica da Constituição1 das leis com ela compatí­
veis e dos tratados sobre as Constituições e leis dos
Estados-membros. 59
Não obstante a ausência de previsão explícita1 a
ideia do controle da constitucionalidade foi intensa­
mente debatida pelos delegados na Convenção de
1 78 7 . 6º Al e x a n d e r H a m i l t o n 1 n o Federalista nº
LXXVI II e, posteriormente, no nº LXXXI , 6 1 sustenta
a ideia de que a Constituição deve ser vista como lei
fundamental1 cabendo aos juízes proclamar a nulidade
das leis ordinárias a ela contrárias. Confira-se seu ra­
ciocínio, em passagem clássica, que prenunciava a afir­
mação da jurisdição constitucional:

5 8 . V. Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, Edi­


tora Saraiva, 1 996, p. 1 54 .
5 9 . O texto d o art. VI, 2 (um tanto confuso, diga-se d e passagem} é o seguinte:
" Esta Constituição e as leis dos Estados Unidos elaboradas de acordo com ela,
bem como os tratados celebrados ou por celebrar sob a autoridade dos Estados
Unidos, constituirão a suprema lei do país; os juízes de todos os Estados ficam
sujeitos a ela, não devendo prevalecer qualquer disposição em contrário na
Constituição de qualquer dos Estados ou nas suas leis . "
6 0 . Ronaldo Poletti, ob. cit., p. 2 4 .

61 . Como esclarece Luís Roberto Barroso, " O Federalista (no original, The
Federalist) reúne um conjunto de ensaios numerados, escritos por Alexander
Hamilton, James Madison e John Jay, publicados na imprensa de Nova York
durante os debates sobre a ratificação da Constituição aprovada em 1 787, pela
Convenção de Filadélfia. Tais textos explicavam o conteúdo da Constituição
e defendiam sua ratificação. A adesão do Estado de Nova York era decisiva, e
a ela se opunha o Governador do Estado, George Clinton (Interpretação e
Aplicação da Constituição, ed. cit., p. 1 5 5 , nota 3 1 } .

27
"Alguma perplexidade quanto ao poder dos tribunais
de pronunciar a nulidade de atos legislativos con­
trários à Constituição tem surgido, fundada na su­
posição de q ue tal doutrina implicaria na supe­
rioridade do Judiciário sobre o Legislativo. Afirma-se
que a autoridade que pode declarar os atos da outra
nulos deve ser necessariamente superior àquela cujos
atos podem ser declarados nulos (. . .)
Nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode
ser válido (. . .)
A presunção natural, à falta de norma expressa, não
pode ser a de que o próprio órgão legislativo seja o
juiz de seus poderes e que sua interpretação sobre
eles vincula os outros Poderes (. . .) É muito mais
racional supor que os tribunais é que têm a missão
de figurar como corpo intermediário entre o povo e
o Legislativo, dentre outras razões, para assegurar
que este último se contenha dentro dos poderes que
lhe foram deferidos. A interpretação das leis é o
campo próprio e peculiar dos tribunais. Aos juízes
cabe determinar o sentido da Constituição e das leis
emanadas do órgão legislativo.
Esta conclusão não importa, em nenhuma hipótese,
em superioridade do Judiciário sobre o Legislativo.
Significa, tão-somente, que o poder do povo é superior
a ambos; e que onde a vontade do Legislativo, de­
clarada nas leis que edita, situar-se em oposição à
vontade do povo, declarada na Constituição, os juízes
devem curvar-se à última, e não à primeira. " 6 2

62. Hamilton, Madison e Jay, The Federalist Papers, selecionados e editados


do original por Roy Fairfield, 1 9 8 1 , p. 226 e segs., apud Luís Roberto Barroso,
Interpretação e Aplicação da Constituição, ed. cit., p. 1 5 5/ 1 56.

28
Assim, embora o texto constitucional norte-ameri­
cano não contemplasse expressamente o controle judi­
cial da constitucionalidade das leis, pode-se afirmar
que, de certa forma, já o prenunciava. 63 Por isso, o
célebre aresto de John Marshall, proferido pela Supre­
ma Corte no caso William Marbury v. James Madison,
em 1 803, que entraria para a história como o marco
primeiro da jurisdição constitucional, não foi um gesto
de improvisação, mas o resultado de um longo amadu­
recimento doutrinário e jurisprudencial. 64 A partir dele,
entretanto, o controle judicial da constitucionalidade
das leis se incorporou definitivamente à experiência
constitucional dos Estados Unidos.
A conjuntura política e a solução estratégica encon­
trada por Marshall para assentar os princípios do judicial
review of legislation singularizam a sua decisão, que
chega a ser considerada por Luís Roberto Barroso "a
mais célebre decisão judicial de todos os tempos". 65
Marshall era Secretário de Estado do Presidente
Adams, ambos do Partido Federalista, derrotado por
Jefferson nas eleições presidenciais. No interregno entre
o resultado do pleito e a posse dos novos governantes,
Adams levou a efeito o seu "testamento político", no­
meando para o Judiciário seus correligionários políti­
cos. 66 Um dos beneficiários foi o próprio Marshall,
nomeado para Presidente da Suprema Corte (Chief
Justice) e empossado no cargo após a aprovação de seu

63 . Ronaldo Poletti, ob. cit., p. 29.


64 . Segundo Poletti, "Marshall foi original na lógica imbatível de sua decisão,
não porém quanto à substância da ideia" (ob. cit., p. 2 5 ) .
6 5 . Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, ed. cit.,
p . 1 56.
66 . Ronaldo Poletti, ob. cit., p. 3 2 .
29
nome pelo Senado, sem, contudo, abandonar o cargo
de Secretário de Estado até o término do governo
Adams . Marshall ficou incumbido de entregar os títulos
de nomeação aos demais beneficiários, embora não te­
nha conseguido completar sua missão . Um dos títulos
não entregues nomeava William Marbury para o cargo
de Juiz de Paz no Condado de Washington, Distrito
de Columbia. Empossado o novo governo, o Presidente
Jefferson determinou a James Madison, seu Secretário
de Estado, que não entregasse o título a Marbury, por
considerar que a nomeação só se perfazia1 justamente,
com a tradição do título ao nomeado.
Assim foi que Marbury1 após notificar Madison -
que permaneceu silente - para que este apresentasse
as razões pelas quais se negava a dar-lhe posse1 impetrou
um writ of mandamus perante a Suprema Corte pos­
tulando o reconhecimento de seu direito. Após dois
anos de demora para o julgamento do caso, debaixo de
pressões políticas fortíssimas e críticas contundentes da
imprensa1 o Tribunal proferiu seu veredito. Para com­
preender totalmente a decisão de Marshall, impõe-se
registrar que, naquela ambiência política, chegou-se a
alvitrar o impeachment dos juízes da Suprema Corte e
a propalar que a ordem, caso concedida, não seria
cumprida pelo Executivo. 67
O aresto de Marshall combinou, com extrema sa­
bedoria, prudência política e ousadia jurídica na medida
exata do que permitiam as circunstâncias. Passando ao
largo do que hoje seria uma hipótese evidente de par­
cialidade do juiz, 68 Marshall principiou o julgamento

67. Idem.
68. Lúcio Bittencourt, O Controle Jurisdicional da Constitucionalidade das
Leis, Editora Forense, 1 949, p. 1 7 .

30
pelo mérito, proclamando o direito de Marbury à posse
do cargo para o qual fora nomeado. Assim, ficava con­
signada perante a opinião pública a posição da Suprema
Corte acerca da ilegalidade da conduta do Presidente
Jefferson e seu Secretário de Estado. Nada obstante, a
ordem era denegada por força de uma preliminar de
incompetência da Corte, com o que se afastava o risco
de uma crise entre Poderes. Para o reconhecimento da
preliminar, entretanto, foi necessário declarar incons­
titucional a lei que atribuía competência à Suprema
Corte para julgar casos como aquele em exame. O
argumento utilizado foi o de que as competências da
Suprema Corte estavam taxativamente elencadas na
Constituição, sendo insuscetíveis de ampliação por lei.
Com essa especiosa estratégia, apesar de se curvar
ao Executivo no caso concreto, o Judiciário americano
lançou as bases, pioneiramente, para a sua afirmação
como verdadeiro Poder do Estado. 69 Também por essa
delicada conjuntura política que o envolveu - tão
corriqueira, de resto, nos afazeres cotidianos dos Tri­
bunais Constitucionais - e pela sabedoria com que se
houve a Suprema Corte, o caso Marbury v. Madison
tornou-se tão importante para o constitucionalismo uni­
versal. A lógica primorosa de Marshall, entretanto, ainda
hoje aludida nos compêndios, não pode ser desconsi­
derada. Merece transcrição, pela excelência do racio­
cínio jurídico, trecho de seu voto que se tornaria clás­
sico:

"A vontade originária e suprema organiza o governo


e assina aos diversos departamentos seus respectivos

69 . V., neste sentido, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Mutações do Direito


Administrativo, Editora Renovar, 2000, p. 9.

31
poderes. E pode contentar-se com isso ou fixar certos
limites para que não sejam ultrapassados por esses
departamentos.
Pertence à última classe o governo dos Estados Uni­
dos. Os poderes da legislatura são definidos e limi­
tados; e, para que esses limites não se possam tornar
confusos ou apagados, a Constituição é escrita. Para
que fins os poderes são limitados e com que intuito
se confia à escrita essa delimitação, se a todo tempo
esses limites podem ser ultrapassados por aqueles a
quem se quis refrear? A distinção entre um governo
de limitados ou de ilimitados poderes se extingue
desde que tais limites não confinem as pessoas contra
quem são postos e desde que atos proibidos e atos
permitidos sejam de igual obrigatoriedade. É uma
proposição por demais clara para ser contestada, que
a Constituição veta qualquer deliberação legislativa
incompatível com ela; ou que a legislatura possa
alterar a Constituição por meios ordinários.
Não há meio termo entre estas alternativas. A Cons­
tituição ou é uma lei superior e predominante, e lei
imutável pelas farmas ordinárias; ou está no mesmo
nível juntamente com as resoluções ordinárias da
legislatura e, como as outras resoluções, é mutável
quando a legislatura houver por bem modificá-la.
Se é verdadeira a primeira parte do dilema, então
não é lei a resolução legislativa incompatível com a
Constituição; se a segunda parte é verdadeira, então
as Constituições escritas são absurdas tentativas do
povo para delimitar um poder por sua natureza ili­
mitável.
Certamente, todos quantos fabricaram Constituições
escritas consideraram tais instrumentos como lei fun­
damental e predominante da nação e, conseguinte-

32
mente, a teoria de todo o governo, organizado por
uma Constituição escrita, deve ser que é nula toda
resolução legislativa com ela incompatível.
Se nula é a resolução da legislatura inconciliável
com a Constituição, deverá, a despeito de sua nuli­
dade, vincular os tribunais e obrigá-los a dar-lhe
efeitos?
Enfaticamente, é a província e o dever do Poder
Judiciário dizer o que é a lei. Aqueles que aplicam
a regra aos casos particulares devem necessariamente
expor e interpretar essa regra. Se duas leis colidem
uma com a outra, os tribunais devem julgar acerca
da eficácia de cada uma delas.
Assim, se uma lei está em oposição com a Consti­
tuição; se aplicadas ambas a um caso particular, o
tribunal se vê na contingência de decidir a questão
em conformidade da lei, desrespeitando a Constitui­
ção, ou consoante a Constituição, desrespeitando a
lei; o tribunal deverá determinar qual destas regras
em conflito regerá o caso. Esta é a verdadeira essência
do Poder Judiciário.
Se, pois, os tribunais têm por missão atender à Cons­
tituição e observá-la, e se a Constituição é superior
a qualquer resolução ordinária da legislatura, a
Constituição, e nunca essa resolução ordinária, go­
vernará o caso a que ambas se aplicam. " 7 º

Na rica passagem transcrita, estão sintetizados os


principais fundamentos teóricos do modelo norte-ame­
ricano de controle judicial da constitucionalidade. Em
primeiro lugar, a Constituição escrita é vista como lei

70 . John Marshall, Decisões Constitucionais, Imprensa Nacional, 1 908, p.


24/2 7.

33
fundamental, expressão da vontade originária do povo
(soberania popular) que institui e, ao mesmo tempo,
delimita os poderes do Estado (governo limitado) . Rea­
firma-se, assim, o princípio da supremacia constitucio­
nal, segundo o qual nenhum ato do governo ou da
legislatura pode subsistir validamente se incompatível
com a Constituição. 71
Em segundo lugar, reconhece-se a todo e qualquer
juiz ou tribunal, chamado a decidir uma demanda, a
possibilidade de deixar de aplicar uma norma da legis­
lação ordinária, pertinente ao caso, quando esta se re­
velar contrária ao texto constitucional. A harmonia do
sistema judicial é assegurada pela força vinculante dos
precedentes judiciais (stare decisis) , tão cara ao sistema
jurídico da common law. Deste modo, a decisão profe­
rida pela Suprema Corte no julgamento de um caso
concreto acabará por gerar um efeito regulador sobre
todos os demais órgãos do Poder Judiciário.
Em terceiro lugar, a lei inconstitucionaC porque
contrária a uma lei superior, é considerada nula, isto
é, inválida desde o seu nascedouro, cabendo ao Judi­
ciário, apenas, declarar tal nulidade . A decisão judicial
cinge-se a reconhecer uma situação preexistente, ope­
rando, portanto, efeitos retroativos (ex tunc) . Daí de­
corre, como corolário lógico, a invalidade de todos os
direitos e obrigações constituídos sob a égide da lei
incompatível com a Constituição, tradição que só viria
a ser contestada anos mais tarde pelo gênio de Hans
Kelsen.

71 . Revela-se aqui a opção americana pelo modelo de Constituição rígida (em


oposição ao de Constituição flexível) , que se traduz pela necessidade de um
processo especial para a reforma do texto constitucional, distinto e mais
dificultoso do que o necessário para a elaboração da legislação ordinária. Sobre
o tema, v., por todos, Oswaldo Aranha Bandeira de Melo, ob. cit., p. 35/63.

34
Não sem alguma resistência inicial, 7 2 a doutrina nor­
te-americana do judicial review of legislation se conso­
lidou nos Estados Unidos da América e se espraiou por
diversos países do mundo, como Canadá, Brasil, Argen­
tina, Japão, Portugal, Noruega, Dinamarca, Suécia, Ale­
manha (na época da Constituição de Weimar, 1 9 1 9) e
Itália (entre 1 94 8 e 1 95 6) . 73
A importação direta e acrítica do sistema difuso
para países ligados à tradição jurídica romano-germânica
se revelaria, no entanto, problemática (II . 3 , infra) . As­
sim, a despeito de sua notável expansão e da enorme
influência intelectual que exerceu, e ainda exerce, na
doutrina constitucional universal, o modelo americano
cedeu espaço ao longo do século XX , sobretudo na
Europa continental, para o sistema de controle concen­
trado, em que a fiscalização da constitucionalidade das
leis é confiada, com exclusividade, a um órgão jurisdi­
cional independente (o Tribunal Constitucional) , situa­
do na cúpula ou fora da estrutura do Poder Judiciário.
Seu surgimento não se daria senão no período entre
guerras, com a promulgação da Constituição austríaca
de 1 º de outubro de 1 920, redigida a partir de proj eto
elaborado, a pedido do governo, por Hans Kelsen.

11. 3 . I nvenção do controle concentrado da constitu­


cionalidade na Áustria e expansão dos Tribunais Cons­
titucionais ao longo do século XX.

O sistema de jurisdição constitucional concentrada

72 . Lúcio Bittencourt destaca três episódios passados ao longo do século XIX


em que a doutrina esteve a ponto de perder força eob. cit . , p. 1 4/ 1 7 ) .
73 . Mauro Cappelletti, ob. cit. , p . 68/72.
35
difere fundamentalmente do sistema denominado di­
fuso pela atribuição da fiscalização da constitucionali­
dade das leis1 em caráter exclusivo1 a um único órgão
jurisdicional - mas não necessariamente integrante da
estrutura do Poder Judiciário - criado especialmente
para tal fim. Mas1 além disso1 o sistema concentrado
obedece a postulados jurídicos diversos daqueles que
fundamentam o judicial review. 74
Na concepção de Kelsen1 com efeito1 a inconstitu­
cionalidade da lei não é algo que se possa reduzir ao
mero reconhecimento1 por qualquer juiz ou tribunal1 de
uma situação jurídica preexistente1 qual seja1 a nulidade
da lei incompatível com a Constituição. Ao revés1 a lei
inconstitucional é válida até a sua anulação pelo pro­
cesso próprio e pelo órgão competente (a Corte Cons­
titucional) 1 definidos na Constituição; a inconstitucio­
nalidade nada mais é1 assim1 que o pressuposto para a
aplicação de uma sanção1 que é a retirada da lei do
ordenamento jurídico. 7 5 Como desdobramento de tais
premissas1 no sistema "americano" a decisão que pro­
clama a inconstitucionalidade tem natureza declara­
tória 1 com efeitos retroativos (ex tunc) mas restritos às
partes da demanda (inter partes) 1 ao passo que 1 no
sistema "austríaco" 1 essa decisão é de conteúdo consti­
tutivo 1 com efeitos prospectivos (ex nunc) e extensíveis
a todos os casos a que a lei se refira (erga omnes) . 76
O controle de constitucionalidade1 na visão kelse­
niana1 não seria senão um processo especial para a
revogação da lei1 segundo requisitos específicos previs-

74. Clemerson Merlin Cleve, ob. cit. , p . 67.


75. Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, Editora Martins Fontes, 1 987, p.
2 9 0 e 293.
76. Idem, p. 290.

36
tos na Constituição, e alternativo ao processo usual,
consistente na edição de outra lei por aplicação do
princípio lex posterior derogat priori . 77 No mesmo sen­
tido, como o juízo acerca da compatibilidade da lei com
a norma constitucional não envolve a solução de um
caso concreto, parece claro a Kelsen que a fiscalização
da constitucionalidade não é função própria do Poder
Judiciário, "mas uma função constitucional autônoma
que tendencialmente se pode caracterizar como função
de legislação negativa" . 7 8 Assim, no sistema de controle
concentrado, antes da decisão da Corte Constitucional,
aos juízes comuns falece competência para apreciar -
ainda que incidentalmente (incidenter tantum) e com
eficácia limitada ao caso concreto - a validade da lei
aplicável à espécie. 79
A Constituição da Áustria de 1 920, em sua formu­
lação originária, não apenas concentrou na Corte Cons­
titucional a competência para decidir as questões de
constitucionalidade, mas, além disso, subordinou tal
controle à existência de um pedido especial, isto é,
uma ação especial (que chamaríamos hoje ação direta) ,
passível de ser ajuizada por alguns órgãos políticos. 80
Portanto, o sistema austríaco, nos seus primórdios, era

77 . Idem.
78. J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
ed. cit., p. 792.
79 . Como adiante se verá, em grande parte dos países que adotam o sistema
de controle concentrado, o juiz tem o poder de suspender o processo que lhe
compete julgar e submeter ao Tribunal Constitucional a questão de constitu­
cionalidade surgida naquele caso concreto.
80 . Mauro Cappelletti, ob. cit., p. 1 04 . Na versão original da Constituição
austríaca de 1 920, o Governo Federal tinha legitimidade para postular o
controle da legitimidade constitucional das leis dos Lander, enquanto os Go­
vernos dos Lander tinham legitimidade para questionar a constitucionalidade
de leis federais.

37
inteiramente desvinculado dos casos concretos, uma
vez que os juízes e tribunais não apenas não tinham
competência para decidir, incidentalmente, as questões
de constitucionalidade surgidas nos processos de sua
alçada, como também não estavam legitimados a sub­
metê-las à Corte Constitucional para que esta exercesse
o controle que lhes era vedado. 8 1 Esta é a origem do
sistema de controle abstrato de constitucionalidade, em
que a compatibilidade da lei com a Constituição é
aferida em tese pelo Tribunal Constitucional, sem vin­
culação imediata a qualquer caso concreto.
Com a reforma constitucional de 1 92 9, o art. 1 40
da Constituição austríaca é alterado para ampliar o
elenco de legitimados para a deflagração do controle
perante a Corte Constitucional, nele incluindo os tri­
bunais de segunda instância (a Corte Suprema para
causas civis e penais e a Corte Suprema para causas
administrativas) . Tais órgãos jurisdicionais, no entanto,
não podem arguir a questão da constitucionalidade me­
diante ação direta - como os outros legitimados -
mas apenas em via incidental, isto é, no curso de um
processo que se esteja desenvolvendo e para cuja decisão
seja relevante o deslinde da controvérsia sobre a cons­
titucionalidade de lei federal ou estadual. A par do
controle abstrato, o sistema austríaco passava a admitir,
assim, o controle concreto da constitucionalidade, em­
bora em ambas as vias fique ele a cargo exclusivo da
Corte Constitucional.
Note-se, todavia, que aos juízes ordinários não se
reconhecia qualquer acesso àquela Corte, estando eles
jungidos à aplicação cega da lei, ainda quando pairasse

81 . Idem, p. 1 05 .

38
sobre ela fundada suspeita de ilegitimidade constitu­
cional. 82 Tal sistema viria a ser corrigido nos sistemas
italiano e alemão, onde, diferentemente da Áustria,
todos os juízes, mesmo os inferiores, encontrando-se
diante de uma lei que considerem contrária à Consti­
tuição, em vez de serem passivamente obrigados a apli­
cá-la, têm, ao contrário, o poder (e o dever) de submeter
a questão da constitucionalidade à Corte Constitucio­
nal, a fim de sej a decidida por esta, com eficácia vin­
culatória. 83
O modelo austríaco de jurisdição constitucional con­
centrada, embora tendo sido adotado na então Tche­
coslováquia ( 1 9 2 1 ) e na Espanha ( 1 9 3 1 ) , 8 4 só veio a
experimentar notável expansão a partir do segundo
pós-guerra, com sua assimilação por diversos países da
Europa continental como Alemanha ( 1 9 4 9) , Itália
( 1 9 56) 8 5 , Chipre ( 1 960) , Turquia ( 1 96 1 ) e na então
Iugoslávia ( 1 963) . As décadas de setenta e oitenta
assistem a um novo boom de Tribunais Constitucionais,
com sua instituição na Grécia ( 1 9 7 5 ) , Espanha ( 1 9 7 8) ,
Portugal ( 1 982) 86 e Bélgica ( 1 9 84) . Mais recentemente,
nas duas últimas décadas do século XX , foram implan­
tadas Cortes Constitucionais em antigos países da "cor-

82 . Clemerson Merlin Cleve, ob. cit., p . 68/69.


83 . Mauro Cappelletti, ob. cit., p. 1 09.
84 . Como observa Mauro Cappelletti, as Cortes Constitucionais desses países
não tiveram oportunidade de desenvolver regularmente as suas atividades em
razão de suas conturbadas conjunturas políticas no período (ob. cit., p. 72/73) .
8 5 . lnobstante prevista na Constituição de 1 948, a Corte Constitucional
italiana só foi instituída em 1 956.
86 . A Constituição de 1 976 criou a Comissão Constitucional, transformada
em Tribunal Constitucional em consequência da Primeira Revisão Constitu­
cional, de 1 982.

39
tina de ferro", no Leste Europeu, como Polônia, Repú­
blica Tcheca, Hungria, e em países africanos, como
Argélia e Moçambique. 87
Vale notar que o desenvolvimento de um sistema
de jurisdição constitucional europeu diverso do norte­
americano atendeu, simultaneamente, a razões de or­
dem sociopolítica e prática. De um lado, não se deve
olvidar que o constitucionalismo na Europa se desen­
volveu em sociedades divididas, com ideologias confli­
tantes, enquanto o constitucionalismo norte-americano
floresceu em ambiente social e ideológico mais homo­
gêneo. 88 Seria natural, portanto, a tendência à concen­
tração das decisões sobre matéria constitucional, por
sua relevância política, em um único órgão, composto
de membros nomeados pelas autoridades políticas le­
gitimadas pelo voto popular.
Por outro lado, do ponto de vista prático, a intro­
dução do sistema difuso em países ligados à tradição
romano-germânica - que de resto se deu em diversos
países -, que não conhecem o princípio do precedente
vinculativo (stare decisis) , típico dos sistemas de com­
mon law, se revelaria problemática do ponto de vista
da segurança jurídica.
De fato, uma determinada lei poderia não ser apli­
cada por alguns juízes, sob argumento de inconstitucio­
nalidade, enquanto outros juízes, de opinião contrária,
poderiam entendê-la aplicável. Ademais, é possível que
se formem verdadeiras tendências contrastantes entre
órgãos judiciários de diverso grau, como ocorre, v.g. ,

87 . V. , sobre o tema, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo


II, Coimbra Editora, 1 996, p. 383 e segs.
88 . V. José Afonso da Silva, Tribunais Constitucionais e Jurisdição Constitu­
cional, in Revista Brasileira de Estudos Políticos, 60/6 1 , 1 985, p. 497.

40
entre juízes de primeiro grau - geralmente mais jovens
e progressistas - e juízes de instâncias superiores -
mais ligados à tradição e invariavelmente mais conser­
vadores -} gerando "uma situação de grave conflito
entre órgãos e de incerteza do direito} situação perni­
ciosa quer para os indivíduos como para a coletividade
e o Estado. " 89 Por fim} aponta-se ainda como inconve­
niente a circunstância de a decisão de inconstituciona­
lidade no sistema difuso produzir efeitos apenas entre
as partes do litígio} o que obriga todo e qualquer inte­
ressado na mesma questão à propositura de ação idên­
tica} só que sem a garantia de obter igual solução. A
pletora de ações rigorosamente iguais (circunstância tão
frequente na realidade brasileira) sem uma solução
célere e homogênea} além de emperrar o funcionamento
da máquina judiciária} representa um foco recorrente
de conflitos sociais e descrédito das instituições do
Estado de Direito.
Tais razões podem explicar} em parte} a adoção da
jurisdição constitucional concentrada por diversos paí­
ses ligados à tradição jurídica romano-germânica} bem
assim o incremento e ampliação dos mecanismos de
controle concentrado em países} como Brasil e Portugal}
cada qual com as suas especificidades} que adotam
sistemas de controle ecléticos ou híbridos} nos quais
coexistem o método difuso} pelo sistema de exame
incidental (herdeiro do judicial review norte-america­
no) e o método concentrado} pelo sistema de exame
abstrato (inspirado na matriz austríaca) .
Tomando como fonte de inspiração o critério de
sistematização proposto por Clemerson Merlin Cleve J 9 0

89 . Mauro Cappelletti, ob. cit., p. 7 8 .


90. Clemerson Merlin Cleve, ob. cit., p . 5 7 e segs.

41
podem-se classificar os sistemas de controle de cons­
titucionalidade da seguinte forma:
a) o modelo inglês de ausência de fiscalização da
constitucionalidade1 no qual vigora a supremacia do
Parlamento1 e não a da Constituição; juízes e tribunais
são incompetentes para conhecer e decidir qualquer
questão de constitucionalidade;
bJ o modelo francês de controle político e preventivo
da constitucionalidade1 exercido pelo Conselho Cons­
titucional anteriormente à promulgação da lei; juízes e
tribunais são também incompetentes para conhecer e
decidir qualquer questão de constitucionalidade; 91
cJ o modelo de jurisdição constitucional difusa, de
origem norte-americana, no qual os juízes e tribunais
são competentes para conhecer e decidir a questão
constitucional, deixando de aplicar a lei ao caso sub­
metido a seu crivo1 quando considerada inconstitucio­
nal, com possibilidade de recurso para a superior ins­
tância1 inclusive para a Suprema Corte;
d] o modelo de jurisdição constitucional concentrada,
desenvolvido a partir da matriz austríaca1 no qual os

91 . Os limites do presente trabalho não comportam um exame acurado do


modelo francês de controle de constitucionalidade. Cabe observar, todavia, que
a fiscalização exercida pelo Conselho Constitucional (em certos casos de
provocação obrigatória, em outros de provocação facultativa) é meramente
preventivo, razão pela qual, uma vez promulgado o ato legislativo, caberá aos
juízes e às autoridades públicas não mais que cumpri-lo. V., sobre o assunto,
Clemerson Merlin Cleve, ob. cit., p. 59/62. Acrescente-se que, recentemente,
a Constituição francesa foi alterada, com a inclusão do art. 6 1 - 1 , reformando
substancialmente a sistemática do controle de constitucionalidade na França.
Com a mudança, regulamentada pela Lei Orgânica nº 2009- 1 52 3, de 1 0 de
dezembro de 2009, cabe atualmente ao Conselho Constitucional francês rea­
lizar um controle repressivo de constitucionalidade das leis, cuja incompatibili­
dade com a Carta Magna poderá ser suscitada por qualquer parte em processos
judiciais (na Corte de Casssação) ou administrativos (no Conselho de Estado) .

42
juízes e tribunais são competentes para conhecer, mas
incompetentes para decidir a questão de constitucio­
nalidade, cabendo exclusivamente ao Tribunal Consti­
tucional deliberar sobre a validade da lei em face da
Constituição.
Neste último caso, o Tribunal Constitucional poderá
ser chamado a pronunciar-se, em geral, por três vias
distintas:
(I) por meio de uma ação direta, intentada por
algum dos órgãos legitimados, na qual irá aferir a com­
patibilidade, em tese, da lei com a Constituição, sem
vinculação a qualquer caso concreto, pronunciando de­
cisão com efeitos gerais (erga omnes) ;
(II) por meio de exame incidental, suscitado por
algum juiz ou tribunal, no qual irá aferir a compatibi­
lidade de determinada lei com a Constituição, quando
tal questão for relevante (questão prejudicial) para a
solução de um determinado caso concreto;
(III) por meio de um pedido formulado diretamente
ao Tribunat existente em países como Alemanha e
Espanha, no qual irá aferir se determinada lei ou ato
do Poder Público acarreta lesão a direito fundamental
do requerente assegurado na Constituição.
Os sistemas português e brasileiro são dignos de
nota por incorporarem elementos do modelo norte­
americano e adicionarem outros, tributários da matriz
austríaca. Assim, em Portugal, os juízes e tribunais têm
competência para conhecer e decidir as questões cons­
titucionais nos casos concretos, com recurso voluntário
ou necessário, conforme o caso, para o Tribunal Cons­
titucional. 9 2 Existe, também, o controle exercido pelo
Tribunal por via de ação direta, na qual a Corte examina

92 . Clemerson Merlin Cleve, p. 70/7 1 .

43
a lei em tese, proferindo decisão com força obrigatória
geral. Cabe mencionar, ainda, a participação do Tribunal
Constitucional no controle prévio de constitucionalida­
de - de inspiração francesa - por solicitação do Pre­
sidente e dos Ministros da República; sendo pela in­
constitucionalidade o pronunciamento do Tribunal, re­
sultará ele em veto ao projeto de lei ou tratado. 93
O sistema eclético de controle da constitucionalidade
adotado no Brasil, por seu turno, será objeto de deta­
lhado exame nos Capítulos IV, V, e VI (infra) , desde
suas origens históricas, sua evolução ao longo da história
republicana, até o advento da Constituição de 1 988,
que marca a redemocratização do país após mais de
vinte anos de ditadura militar, e das recém-editadas
Leis nºs 9.868, de 1 O de novembro de 1 999 e 9 . 8 8 2 ,
de 03 d e dezembro d e 1 999, que consolidam e robus­
tecem entre nós os instrumentos da jurisdição consti­
tucional concentrada.
Como visto no decorrer do presente capítulo, a
jurisdição constitucional se afirmou, pelo mundo afora,
como o mais importante instrumento de contenção do
poder político nas democracias contemporâneas, che­
gando mesmo a ser considerado "elemento necessário
da próp ria definição do Estado de direito democráti­
co" . 94 E que, por intermédio da sua constitucionalização,
determinados princípios e direitos são subtraídos do
embate político cotidiano, ficando preservados contra
maiorias legislativas ocasionais. A rigidez constitucional,
pressuposto da supremacia da Lei Maior, e os meca­
nismos de controle da constitucionalidade representam,
assim, os limites institucionais do poder da maioria.

93 . Ronaldo Poletti, ob. cit., p . 6 7


94 . Vital Moreira, ob. cit., p . 1 78 .

44
Não obstante suas virtudes e sua reconhecida utili­
dade para o próprio funcionamento do regime demo­
crático, a jurisdição constitucional mantém com a de­
mocracia uma tensão permanente, uma relação de equi­
líbrio instável, 95 que coloca em xeque, de tempos em
tempos, a sua legitimidade para anular decisões tomadas
pelos representantes do povo. O cerne da questão é
assim delineado na síntese preciosa de Luís Roberto
Barroso:
(. .) tem-se travado, nos últimos anos, uma ampla
11 •

discussão sobre o controle de constitucionalidade pelo


Judiciário e seus limites. Sustenta-se que os agentes
do Executivo e do Legislativo, além de ungidos pela
vontade popular, sujeitam-se a um tipo de controle
e responsabilização política de que os juízes estão
isentos. Daí afirmar-se que o controle judicial da
atuação dos outros Poderes dá lugar ao que se de­
nominou de 'countermaj oritarian difficulty' (dificul­
dade contramajoritária) . Notadamente os segmentos
conservadores têm questionado o avanço dos tribu­
nais sobre espaços que, segundo crêem, deveriam
ficar reservados ao processo político. " 96

O capítulo seguinte é dedicado, precisamente, ao


estudo das tensões entre constitucionalismo e demo­
cracia, que confluem, nos dias de hoje, para o problema

95 . Dieter Grimm, Verfassungsgerichtsbarkeít - Funktion und Funktionsgren­


zen in demokratischem Staat, in Jus-Didaktik, Heft 4, Munique, 1 97 7, p. 83,
apud Gilmar Ferreira Mendes, Controle de Constitucionalidade: Hermenêutica
Constitucional e Revisão de Fatos e Prognoses Legislativos pelo Órgão Judicial,
in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, ed. cit., p. 464.
96 . Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, ed. cit.,
p . 1 5 7.

45
da legitimidade democrática dos órgãos incumbidos do
exercício da jurisdição constitucional, e dos limites de
sua atuação no âmbito do sistema de freios e contra­
pesos, que caracteriza, em termos atuais, a vetusta
teoria da separação dos poderes do Estado.

46
Capítulo I I I

Tensões entre democracia e constitucio­


nalismo: a legitimidade democrática da
jurisdição constitucional

III. 1 . Dimensionamento do problema;


III.2. As justificativas do constituciona­
lismo clássico; III. 3 . A jurisdição consti­
tucional como instrumento de defesa dos
direitos fundamentais; III. 4. A jurisdição
constitucional como instrumento de defesa
do procedimento democrático.

111.1. Dimensionamento do problema.

O Estado democrático de direito, proclamado logo


no art. 1 ° da Constituição brasileira de 1 988, representa
a síntese histórica de dois princípios conceitualmente
distintos e até certo ponto antagônicos. De fato, em
primeira guinada de visão, democracia equivale à sobe­
rania do povo ou à regra da maioria; Estado de direito,

47
a seu turno1 equivale à juridicização do poder e ao
respeito pelos direitos fundamentais. No limite, o ir­
restrito poder da maioria poderia subverter as regras
jurídicas que disciplinam o seu exercício e vulnerar o
conteúdo essencial daqueles direitos; por outro lado, a
cristalização de determinados princípios jurídicos, ele­
vados à condição de paradigmas do Direito1 poderia
acarretar uma indesej ável asfixia da vontade popular. 97
O papel do constitucionalismo é o de harmonizar esses
ideais até um "ponto ótimo" de equilíbrio institucional
e desenvolvimento da sociedade política, sendo tal pon­
to a medida do sucesso de uma Constituição .
Assim, embora consagrando a democracia e o prin­
cípio da soberania popular, as Constituições modernas
dispõem sobre a forma a ser observada para a manifes­
tação da vontade majoritária e sobre conteúdos mínimos
que devem ser respeitados pelos órgãos representativos
dessa vontade1 sem, no entanto, suprimi-la. Assumindo
a democracia como um jogo, a Constituição seria o
manual de regras e1 os jogçi dores, os agentes políticos
representantes do povo. A jurisdição constitucional,
nesse contexto, cumpre o papel de ser o árbitro do
jogo democrático.
O equilíbrio e a harmonização dos ideais do Estado
democrático de direito se buscam através da complexa
estrutura de funcionamento do sistema de divisão de
poderes entre órgãos políticos e jurisdicionais, adrede­
mente delineada na Constituição . Nos países que ado­
tam o sistema de controle judicial da constitucionali­
dade das leis, os eventuais conflitos políticos de índole

9 7. Jorge Miranda, Nos Dez Anos de Funcionamento do Tribunal Constitucio­


nal, in Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional. Colóquio no 1 0°
Aniversário do Tribunal Constitucional, Coimbra Editora, 1 995, p. 9 5 .

48
constitucional não se resolvem, em caráter definitivo,
pela decisão da maioria, mas, ao contrário, por uma
decisão do Tribunal Constitucional. Realmente, como
intérprete último da Constituição, compete-lhe ditar
aos demais poderes os limites de sua autoridade, velando
por que atuem pautados pelos procedimentos e dentro
dos limites substanciais constitucionalmente previstos .
Evita-se, com isso, que o poder da maioria se tiranize,
suprimindo os direitos das minorias e pondo em risco
o próprio funcionamento do regime democrático. 98
Pode-se dizer que à Corte Constitucional cabe pro­
nunciar a última palavra institucional no âmbito do
Estado democrático de direito, de vez que suas decisões
jurídicas não estão sujeitas a qualquer controle demo­
crático posterior. Portanto, sendo o juiz último da au­
toridade dos demais poderes, o Tribunal Constitucional
é o único juiz da sua própria autoridade. 99

98. John Elster, em livro clássico, traça uma interessante analogia das relações
entre democracia (autodeterminação popular) e constitucionalismo (autolimi­
tação popular) com a passagem do Livro XII da Odisseia, de Homero, na qual
Ulisses, advertido por Cirnê, determina que o amarrem ao mastro de sua
embarcação para que não sucumba ao canto irresistível e mortal das sereias.
Com os braços deliberadamente atados - e só assim - Ulisses consegue passar
ao largo dos rochedos, ouvir o canto das sereias, sem, no entanto, sucumbir à
sua sedução. V. John Elster, Ulysses and the Sirens, Cambridge University
Press, 1 979.
99. A frase é atribuída a Rui Barbosa por Inocêncio Mártires Coelho em artigo
intitulado As ideias de Peter Haberle e a Abertura da Interpretação Constitu­
cional no Direito Brasileiro, Revista de Direito Administrativo nº 2 1 1 , p. 1 3 1 .
V., também, Edgard Costa, Os Grandes Julgamentos do Supremo Tribunal
Federal, Editora Civilização Brasileira, 1 964, 1 ° vol., p. 22. Frase de mesmo
conteúdo foi proferida por Francisco Campos em discurso na solenidade de
reabertura dos trabalhos do STF, em 02.04. 1 94 1 , O Poder Judiciário na
Constituição de 1 93 7, in Direito Constitucional, Editora Forense, 1 942, p.
367: "Juiz das atribuições dos demais Poderes, sois o próprio juiz das vossas.
O domínio da vossa competência é a Constituição, isto é, o instrumento em

49
Situa-se aqui a questão da legitimidade democrática
das Cortes Constitucionais ou, de forma mais apropria­
da, o que Dieter Grimm denominou de "risco demo­
crático" proveniente da sua atuação. 1 00 Tal risco fora
captado na doutrina brasileira, ainda em 1 949, por
Carlos Alberto Lúcio Bittencourt que, comentando a
doutrina americana do judicial review of legislation,
assim se manifestou:

11Argúi-se, todavia, que a doutrina americana, acar­


retando a supremacia do Judiciário, opõe-se aos prin­
cípios democráticos, pois, enquanto em relação ao
Congresso, de eleição em eleição, o povo pode escolher
os seus representantes de acordo com a filosofia
política dominante, no caso do Judiciário a estabi­
lidade dos juízes impede que se reflita nos julgados
a variação da vontade popular. " l O J

O "risco democrático" é ensej ado, igualmente, pela


inexistência de qualquer controle de legitimidade a
posteriori das decisões da Corte Constitucional. Este
aspecto não escapou à fina sensibilidade de Gilmar
Ferreira Mendes:

11 (. .) as decisões da Corte Constitucional estão ine­


vitavelmente imunes a qualquer controle democráti­


co. Essas decisões podem anular, sob a invocação de

que se define e se especifica o Governo. No poder de interpretá-la está o de


traduzi-la nos vossos próprios conceitos. " Curiosamente, como adiante se fará
alusão, sob a ditadura do Estado Novo, várias decisões do STF que proclamavam
a inconstitucionalidade de atos normativos foram desautorizadas (anuladas)
pelo Presidente Getúlio Vargas .
1 00. Dieter Grimm, ob. cit., p. 463 .
1 0 1 . Lúcio Bittencourt, ob. cit., p. 2 1 .

50
um direito superior que, em parte, apenas é explici­
tado no processo decisório, a produção de um órgão
direta e democraticamente legitimado. Embora não
se negue que também as Cortes ordinárias são do­
tadas de um poder de conformação bastante amplo,
é certo que elas podem ter a sua atuação reprogra­
mada a partir de uma simples decisão do legislador
ordinário. Ao revés, eventual correção da jurispru­
dência de uma Corte Constitucional somente há de
se fazer, quando possível, mediante emenda. " 1 02

Caberia ainda acrescentar ao raciocínio do ilustre


autor que mesmo as emendas à Constituição se sujei­
tam, em tese, embora de forma mais limitada, 1 03 ao
controle do Tribunal Constitucional, o que só corrobora
seu argumento .
A questão da legitimidade democrática da jurisdição
constitucional poderia ser equacionada, assim, em dois
pontos básicos: (primeiro) a circunstância de as Cortes
Constitucionais serem compostas de juízes não eleitos
- embora nomeados, em regra, pelos agentes que
detêm mandato popular - que não se submetem aos
controles periódicos de aferição da legitimidade de sua
atuação, próprios da democracia representativa; (segun-

1 02. Gilmar Ferreira Mendes, Controle de Constitucionalidade: Hermenêutica


Constitucional e Revisão de Fatos e Prognoses Legislativos pelo Ó rgão Judicial,
in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, Celso Bastos
Editor, 1 998, p. 463. O autor dá o devido crédito, no trecho transcrito, a Dieter
Grimm, ob. cit., p. 83.
103 . No Brasil, de acordo com a sistemática adotada na Constituição de 1 988
e precedente do Supremo Tribunal Federal, as emendas à Constituição estão
sujeitas a controle de constitucionalidade, no que se refere à verificação da
observância dos lindes procedimentais, circunstanciais e materiais, explícitos e
implícitos, que circunscrevem o poder de reforma do texto constitucional.

51
do) a circunstância de as decisões das Cortes Consti­
tucionais não estarem submetidas1 em regra1 a qualquer
controle democrático1 salvo por meio de emendas que
venham a corrigir a jurisprudência do tribunal. Ainda
assim1 como se expôs1 tal solução é apenas parcialmente
satisfatória1 eis que também as emendas à Constituição
podem1 em tese1 ser obj eto de declaração de inconsti­
tucionalidade 1 04 .
A tais indagações diferentes respostas têm sido ofe­
recidas 1 refletindo a variedade de matizes do pensa­
mento jurídico moderno . Sem a pretensão de exaurir
o tema1 algumas dessas ideias serão expostas neste
capítulo.
Abordam-se1 inicialmente1 as justificativas teóricas
oferecidas pela doutrina constitucional clássica1 que
parte da afirmação dos direitos do homem1 cujo reco­
nhecimento independe de previsão legal e que deveriam
ser assegurados pela jurisdição constitucional em face
de maiorias legislativas ocasionais; da distinção entre
poder constituinte e poder constituído1 que subordina
a vontade dos governantes1 expressa nas leis1 à vontade
do povo1 expressa na Constituição; e da compreensão
da Constituição como norma jurídica superior1 situada
no vértice do ordenamento jurídico1 que condiciona a
validade de todo e qualquer ato produzido no âmbito
do Estado. Têm predomínio, nesse primeiro tópico1
argumentos tributários1 respectivamente1 do jusnatura­
lismo racionalista1 de pensadores como John Locke e
Emmanuel Sieyes1 e do positivismo jurídico1 especial­
mente do normativismo de Hans Kelsen1 cuja preocu-

1 04 . Sobre o tema, confira-se a recente obra de Rodrigo Brandão, Supremacia


Judicial versus Diálogos Constitucionais: a quem cabe a última palavra sobre
o sentido da Constituição7, Lumen Juris, 20 1 2 .

52
pação fundamental é a coerência e unidade sistémica
do Direito.
A seguir, e já acenando com o novo contexto jusfi­
losófico de superação do paradigma positivista, são apre­
sentados os argumentos de autores da vertente liberal
pós-positivista, como John Rawls e, especialmente, Ro­
nald Dworkin, que partem da fundamentação moral e
universal dos direitos fundamentais e veem no consti­
tucionalismo e no judicial review a garantia da sua
indisponibilidade em face de maiorias legislativas even­
tuais. Com a obra de Dworkin, o construtivismo inter­
pretativo que caracterizou a Suprema Corte norte-ame­
ricana sob a presidência de Earl Warren ( 1 9 5 3 - 1 969)
e Warren Burger ( 1 969- 1 986) ganha a sua expressão
teórica mais sofisticada e consistente. A leitura moral
da Constituição e a hermenêutica baseada em argu­
mentos de princípio, propostas pelo autor, constituem
um esforço doutrinário para legitimar o papel político
decisivo que o Supremo Tribunal dos Estados Unidos
cumpriu, entre as décadas de cinquenta e setenta, na
afirmação dos direitos individuais e na proteção das
mmonas .
Por fim, expõem-se algumas das ideias antagônicas
ao ativismo judicial. Para seus defensores, as constru­
ções jurídicas feitas pelo Judiciário para além da letra
expressa da Constituição implicam uma subversão do
sistema representativo, que pressupõe sejam as decisões
políticas fundamentais tomadas por agentes públicos
eleitos . Faz-se, de início, breve alusão à doutrina ori­
ginalista, que busca limitar o papel do intérprete da
Constituição à busca da intenção original (the original
intent) dos elaboradores da Carta. Embora antiga, tal
doutrina foi reavivada na década de oitenta na América,
chegando a alçar um de seus ideólogos - William

53
Rehnquist - à presidência da Suprema Corte . 1 05 Dá-se
ênfase, em seguida, à obra clássica de John Hart Ely,
Democracy and Distrust. A Theory of Judicial Review,
que representa a defesa mais articulada das posições
de autocontenção judicial (judicial self-restraint) . Se­
gundo sua teoria, a atuação da jurisdição constitucional
deve cingir-se à defesa da lisura do procedimento de­
mocrático, o que, na prática, limita seu âmbito à tutela
dos direitos de livre participação política e proteção
das minorias. 1 0 6
Essa postura em relação à jurisdição constitucional
encontra seu fundamento mais eloquente na justificativa
procedimentalista da democracia e dos direitos funda­
mentais, 1 º 7 desenvolvida pelo alemão Jürgen Habermas,
talvez o mais influente filósofo da atualidade. Conforme
a tese de Habermas, exposta ao final do capítulo, o
procedimento democrático tem como limite delibera­
tivo as suas próprias condições de existência, consubs­
tanciadas nos direitos fundamentais . Sua teoria pressu­
põe, assim, uma justificação procedimental - e não
metafísica - dos direitos fundamentais, que passam a
ser compreendidos como condições viabilizadoras da
participação dos cidadãos na formação do consenso
democrático . Atuando como guardião de direitos fun­
damentais assim compreendidos contra maiorias legis­
lativas ocasionais, o Tribunal Constitucional se erige,
simultaneamente, como guardião da própria demo­
cracia.

1 0 5 . Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, ed. cit.,


p. 1 08/ 1 09.
1 06 . John Hart Ely, Democracy and Distrust. A Theory of Judicial Review,
Harvard University Press, 1 2ª reimpressão, 1 998.
107. Jürgen Habermas, Direito e Democracia entre Facticidade e Validade,
Editora Tempo Brasileiro, 1 997, vol. I , especiahnente cap. VI, p . 297 e segs.

54
Embora tratados a seguir1 para fins didáticos1 em
seções distintas1 os argumentos acima colacionados en­
contram-se imbricados1 compondo um mosaico de ra­
zões que por vezes se superpõem. Como se verá a
seguir1 esse discurso de legitimação acaba por resultar
em uma reflexão sobre o âmbito e os limites da atuação
dos órgãos investidos da jurisdição constitucional.

111.2 . As j ustificativas do constitucionalismo clássico.

Na sua origem1 as modernas Constituições escritas


representam a consagração1 em uma norma de direito
positivo1 dos ideais do liberalismo político: governo
limitado e respeito aos direitos individuais .
Pode-se dizer1 assim1 que o constitucionalismo libe­
ral tem como nota característica o que Cappelletti
chamou de "positivação" dos direitos naturais1 1 º 8 ele­
vando-os à condição de direitos reconhecidos e assegu­
rados pelo ordenamento jurídico estatal.
Tais direitos1 enquanto inatos ao homem1 não exis­
tem em razão das leis1 produzidas pela vontade da
maioria; ao revés, sua existência decorre da própria
natureza humana, sendo por isso irrevogáveis pelo le­
gislador ordinário. Dessa forma1 a positivação dos di­
reitos individuais nos textos constitucionais contribuiu
decisivamente para que as Constituições modernas ad­
quirissem o caráter de "lei suprema" 1 situada em posição
hierárquica superior a todas as demais leis.
A jurisdição constitucional1 nesse contexto1 seria o
mecanismo de assegurar a supremacia dos direitos do

1 08 . Mauro Cappelletti, ob . cit., p. 56.

55
homem sobre as criações da vontade geral, 1 º 9 pela não
aplicação das leis contrastantes com os preceitos cons­
titucionais.
Na tradição democrática, à moda de Rousseau, não
haveria direitos e liberdades senão como expressão da
vontade geral. A Constituição seria, assim, o instrumen­
to pelo qual a vontade geral se autolimita, estabelecendo
uma subordinação do legislador ordinário ao legislador
constitucional. 1 1 º Tal concepção coincide com distinção
feita por Sieyes entre poder constituinte e poder cons­
tituído, já exposta anteriormente . Enquanto aquele seria
juridicamente ilimitado (salvo as limitações impostas
pelo direito natural) , este estaria subordinado às regras
impostas pelo primeiro, corporificadas na Constituição.
Embora profundamente influenciado pela doutrina
jusnaturalista em seus primórdios, o constitucionalismo
representa, de certo modo, a sua superação. De fato,
ao longo do século XIX e até a metade do século XX ,
o jusnaturalismo sofre um processo de arrefecimento
e cede espaço ao positivismo jurídico, cuja ideia central
é a de que não há outro direito senão o formalmente
editado pela autoridade estatal. 1 1 1
No plano do Direito Constitucional, o positivismo
jurídico contribui para o desenvolvimento de um con­
ceito formal de Constituição, em oposição a um con­
ceito material. A Constituição não se define pelo con-

1 09 . José de Souza e Brito, Jurisdição Constitucional e Princípio Democrático,


in Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional. Colóquio no 1 Oº
Aniversário do Tribunal Constitucional, Coimbra Editora, 1 99 5 , p. 39.
1 1 0 . José de Souza e Brito, Jurisdição Constitucional e Princípio Democrático,
in Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitucional. Colóquio no 1 0°
Aniversário do Tribunal Constitucional, Coimbra Editora, 1 995, p. 39.
1 1 1 . V. Norberto Bobbio, O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito.
Editora Ícone, 1 995, p. 26.

56
teúdo de suas normas - limitação do poder político e
proteção dos direitos individuais - mas pela sua su­
perioridade hierárquica em relação às leis. Tal supe­
rioridade está assentada no predicado da rigidez cons­
titucional, que pressupõe um conjunto de óbices e
procedimentos mais dificultosos para a alteração do
texto da Constituição que para a modificação da legis­
lação ordinária. 1 1 2
O positivismo postula, assim, uma equiparação on­
tológica entre lei e Constituição, sendo ambas normas
jurídicas, cuj a única diferença seria de grau hierárquico.
M ais que isto: essa equiparação chega a ser celebrada
como conquista do Estado de Direito e fundamento da
sua estabilidade . 1 1 3 Transpondo-a para o campo da her­
menêutica jurídica, a equiparação entre lei e Consti­
tuição trará como consequência a aplicação à interpre­
tação constitucional dos mesmos métodos e critérios
tradicionais utilizados na interpretação em geral. 1 14 Os
métodos clássicos de interpretação remontam ao ma­
gistério de S avigny, fundador da Escola Histórica do
Direito, e que, em seu Sistema, de 1 840, distinguiu,
em terminologia moderna, os métodos gramatical, sis-

1 1 2 . Para uma ampla análise do conceito formal de Constituição, v. Herman


Finer, The theory and practice of modem government, Methuen, 1 954. Em
contraposição às Constituições rígidas, as Constituições flexíveis são aquelas
suscetíveis de alteração pelo mesmo procedimento previsto para a modificação
da legislação ordinária.
1 13 . Ernst-Wolfgang Bõckenforde, Los métodos de la interpretación constitucio­
nal - inventário crítico, in Escritos sobre derechos fundamentales, Editora
Nomos, 1 993, p. 1 5 : " La translación de la Constitución a forma de Ley es una
conquista dei estado de derecho y fundamento de su evidencia y estabilidad. "
1 14 . Idem, p . 1 6; Friedrich Müller, Métodos de trabalho do direito constitucio­
nal, Editora Síntese, 1 999, p. 34.

57
temático e histórico, aos quais, posteriormente, se acres­
centaria a interpretação teleológica. 1 1 5
Concebe-se, destarte, a interpretação constitucional
como atividade meramente subsuntiva, desprovida de
qualquer participação criativa por parte do intérprete.
Faz-se aqui a distinção entre atos volitivos e atos cog­
nitivos, tão cara à hermenêutica positivista clássica: o
ato volitivo cabe ao legislador constituinte, que exaure,
desde logo, o comando normativo; o ato cognitivo cabe
ao aplicador da norma, que, através dos métodos clás­
sicos de interpretação, faz com que aquela vontade
pré-constituída atue no caso concreto. 1 1 6 O papel do
intérprete é, assim, o de revelar o conteúdo do preceito
constitucional, aplicando-o, pelo mecanismo da subsun­
ção, às diversas situações do cotidiano.
Em semelhante contexto, no qual a Constituição é
concebida como norma jurídica, 1 1 7 não há maiores di­
ficuldades em justificar, dentro do sistema de separação
de poderes, a atuação da jurisdição constitucional sob
o prisma da sua legitimidade . Esta, com efeito, a con­
clusão de García de Enterría em obra clássica:

"T�do el problema de la justicia constitucional en­


raíza en una cuestión de principio: si se conviene o
no reconocer a la Constitución el carácter de norma
jurídica. Si la respuesta es negativa, ello implica
una serie de consecuencias y, por de pronto, las
seguintes: una Constitución será concebida como un

1 1 5 . Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, ed.


cit.,
p. 1 1 7.
1 16 . Cláudio Pereira d e Souza Neto, ob. cit., p . 57.
1 1 7 . Luís Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a Efetividade de suas
Normas. Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira, ed. cit., p. 7 8 .

58
compromiso ocasional de grupos políticos, substituible
en cualquier momento en que el equilibrio de éstos
arroje un resultado diverso; lo cual se traduce en
una incitación positiva al cambio constitucional, por
la via del cual cada grupo intentará mejorar sus
posiciones y, si le resulta posible, eliminar a sus
competidores.
En cambio, si a la Constitución se le dota de los
caracteres de una norma jurídica que ha de presidir
el processo político y la vida colectiva de la comu­
nidad de que se trate, la perspectiva cambia esen­
cialmente. La Constitución será considerada no ya
como un simple mecanismo de articulación más o
menos ocasional de grupos políticos más o menos
relevantes y amenazados siempre de cambio o desa­
parición como tales grupos (. . .) sino como el estatuto
básico de la vida común, lo cual implica, por fuerza
como hemos notado en otro lugar, una necesidad
nueva, no presente en las Constituciones puramente
mecanicistas, la necesidad de definir limites al poder
por relación a los ciudadanos, o, en otros términos,
derechos de éstos, tanto a una vida provada exenta
del poder como a la dominación e instrumentación
de éste, como, en fin, a las actuaciones positivas del
Estado para promover la libertad efectiva y la igual­
dad. Resulta obvio que si esta definición de esferas
de actuación (como la paralela de los órganos polí­
ticos o de niveles territoriales del EstadoJ se la dota
deliberadamente de la condición de norma jurídica,
su eficacia debe ser assegurada jurisdiccionalmente.
Está probado que ésta fue, y no complicados y con­
vencionales tecnicismos, la concepción básica que
condujo a los constituyentes americanos a la creación
de una justicia constitucional; fue también el argu-

59
menta básico, y hasta hoy inconmovible, de le sen­
tencia Marbury v. Madison, de 1 803 , que es la
primeira aplicación histórica del sistema de judicial
review. " 1 1 8

O raciocínio silogístico é perfeito: (a) a Constituição


é uma norma jurídica, superior a todas as demais; (b)
ao Judiciário1 no Estado de Direito, cabe aplicar as
normas jurídicas1 velando pela imperatividade de seus
efeitos; (c) ao Judiciário cabe, assim, aplicar diretamen­
te as normas constitucionais, velando pela prevalência
de seus efeitos sobre todas as demais normas do orde­
namento jurídico.
Do ponto de vista dogmático, segundo uma visão
positivista estrita, a jurisdição constitucional não sofre
qualquer censura pelo princípio da separação de pode­
res: é a própria Constituição, como norma jurídica
superior, quem institui o Estado e organiza o sistema
de freios e contrapesos, conferindo aos juízes constitu­
cionais competência para anular ou deixar de aplicar,
conforme o caso, as leis inconstitucionais.
No que se refere à compatibilidade da jurisdição
constitucional com o princípio democrático, o positi­
vismo jurídico oferece a seguinte resposta: ao realizar
o controle de constitucionalidade das leis, o juiz cons­
titucional atua de forma rigorosamente neutra, sobre­
pondo a vontade do legislador constituinte1 expressa
no texto da Constituição, à vontade do legislador or­
dinário . A ideia é a de que a vontade da maioria
governante de cada momento não pode prevalecer sobre

1 1 8 . Eduardo García de Enterría, ob. cit., p. 1 75/1 76. No mesmo sentido,


German J. Bidart Campos, La interpretación y el contrai constitucionales em la
jurisdiccion constitucional, EDIAR, 1 987, p. 226.

60
a vontade da maioria constituinte incorporada na Lei
Fundamental. 1 19
No paradigma positivista, a neutralidade dos juízes
é assegurada pela crença de que estes se limitariam a
uma aferição formal e asséptica da compatibilidade
entre lei e Constituição. Não havia espaço para a cons­
trução judicial, que demanda necessariamente uma ati­
vidade criativa por parte do magistrado. Deste modo,
a decisão que proclama a inconstitucionalidade de uma
lei seria, em termos ideais, a expressão da vontade do
legislador constituinte, e não a da Corte Constitucional
que a proferiu.
A questão da legitimidade democrática da justiça
constitucional ficaria, assim, superada pelos mitos da
neutralidade do juiz e do formalismo hermenêutico que
caracterizam o positivismo jurídico.
Como é trivialmente sabido, as diversas vertentes
positivistas foram alvo de intensas críticas, provenientes
das mais diversas matrizes teóricas. Especialmente no
campo da metodologia constitucional, questiona-se que
os ideais de completude e coerência sistêmica do or­
denamento jurídico soam como uma bela figura de
retórica. E porque assim é, toda atividade judicial,
sobretudo em matéria constitucional, tem uma dimen­
são essencialmente criativa, de forma a adaptar o frio
relato normativo às circunstâncias específicas de cada
caso.
As normas constitucionais singularizam-se por um
conjunto de peculiaridades que influenciam decisiva­
mente o trabalho de seus intérpretes . Luís Roberto
Barroso aponta quatro dessas peculiaridades como prin­
cipais: a) a superioridade hierárquica; b) a natureza da

1 19 . Vital Moreira, ob. cit., p . 1 79 .

61
linguagem; c) o conteúdo específico; d) o caráter po­
lítico. 1 2 º Lecionando acerca de tais características, o
autor demonstra como as Constituições tendem à vei­
culação de normas principiológicas e esquemáticas, de
textura aberta 1 2 1 e maior grau de abstração, conferindo
ao intérprete um significativo espaço de conformação. 1 22
A jurisdição constitucional, assim, embora desem­
penhando uma tarefa jurídica, e não política, 1 23 exerce
sempre um papel construtivo e concretizador da vontade
constitucional. Por mais fiel que seja aos cânones de
racionalidade, objetividade e motivação, exigíveis de
qualquer decisão judicial, a justiça constitucional jamais
neutraliza inteiramente a influência dos fatores políticos
no desempenho do seu mister. 1 2 4
Curiosamente, esta circunstância foi argutamente
captada na obra de Hans Kelsen, cujo principal esforço
teórico foi o de conferir à dogmática jurídica um esta-

1 20 . Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, ed. cit.,


p. 101. Sobre o mesmo tema, v. Jorge Miranda, ob. cit., p. 223 e segs.; Celso
Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, Editora Saraiva, 1990, p. 103
e segs.; Raúl Canosa Usera, Interpretación constitucional y fórmula política,
Centro de Estúdios Constitucionales, 1 988, p. 59 e segs.
1 2 1 . Herbert Hart, O Conceito de Direito, Editora Calouste Gulbenkian, 1996,
p. 137 e segs.
1 22 . J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
ed. cit., p. l .025: "O caráter aberto e a estrutura de muitas normas da
constituição obrigam à mediação criativa e concretizadora dos 'intérpretes da
constituição', começando pelo legislador (primado da competência concretiza­
dora do legislador} e pelos juízes ( . . . } A constituição é uma lei como as outras,
mas é, também já o dissemos, uma lei-quadro. Isto explica a assinalável
liberdade de conformação dos órgãos político-legislativos " (grifos do ori­
ginal} .
1 23 . Raúl Canosa Usera, ob. cit., p. 12 1.
1 24 . Mauro Cappelletti, ob. cit., p. 1 l 4; Luís Roberto Barroso, Interpretação e
Aplicação da Constituição, ed. cit., p. 105/106.

62
tuto científico. 1 25 O normativismo jurídico1 por ele de­
senvolvido1 representou a radicalização do positivismo
e1 simultaneamente1 o seu esgotamento. 1 2 6
Em sua conhecida formulação sobre a estrutura do
ordenamento jurídico1 Kelsen o concebe como um sis­
tema escalonado e hierarquizado1 em que a norma de
escalão inferior tem seu fundamento de validade na
norma de escalão superior. S eguindo uma direção as­
cendente1 da base rumo ao topo da pirâmide normativa1
a sentença judicial (norma para o caso concreto) teria
fundamento de validade na lei (norma geral) 1 enquanto
a lei encontraria seu fundamento de validade na Cons­
tituição (norma superior que representa o escalão de
direito positivo mais elevado) .
Como fundamento de validade último do ordena­
mento jurídico1 situada no vértice da pirâmide1 Kelsen
concebe uma norma fundamental1 que não é posta en­
quanto norma de direito positivo1 mas pressuposta . 1 2 7
Para distingui-la da Constituição em sentido jurídico­
positivo1 o autor a designa como " Constituição em
sentido lógico-jurídico"1 1 28 cujo preceito seria o seguin-

1 25 . Tercio Sampaio Ferraz Junior, Introdução ao Estudo do Direito - Técnica,


Decisão, Dominação, Editora Atlas, 1 994, p. 26 1 .
1 26 . V. Guido Fassó, Storia della Filosofia del Diritto, Ottocento e Novecento,
vol. III, Societá Editrice il Mulino, 1 970, p. 345. No mesmo sentido, Cláudio
Pereira de Souza eto, ob. cit., p. 59.
1 2 7 . Somente com a versão revista e ampliada da Teoria Pura do Direito ( 1 960),
Kelsen deixará de procurar num fato empírico o fundamento de validade da
Constituição como norma fundamental da ordem jurídica, passando a afirmar
que essa norma fundamental deverá ser pressuposta, visto não poder ser posta
por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma mais
elevada, em uma regressão infinita. V. António Braz Teixeira, Sentido e Valor
do Direito - Introdução à Filosofia Jurídica, Imprensa Nacional - Casa da
Moeda, 1 990, p. 80.
1 28 . Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, ed. cit., p. 2 1 1 .
63
te: as normas elaboradas de acordo com a Constituição
devem ser cumpridas. 1 29
A questão da norma fundamental abre caminho para
uma discussão que o normativismo kelseniano não se
considera habilitado a enfrentar, por entendê-la externa
à Ciência do Direito: a da justificação moral ou da
legitimidade do ordenamento jurídico . A validade da
norma independeria da qualidade intrínseca do seu
conteúdo, mas da forma como foi criada. Por isso, em
palavras do próprio Kelsen, "todo e qualquer conteúdo
pode ser Direito. Não há qualquer conduta humana
que, como tal, por força do seu conteúdo, estej a ex­
cluída de ser conteúdo de uma norma jurídica. " 1 3 º
Cumpre examinar, a partir de agora, como a doutrina
de Kelsen repercutiu no plano da hermenêutica e da
jurisdição constitucional. Partindo-se de uma guinada
de visão da pirâmide normativa de cima para baixo,
inversa àquela até aqui empreendida, pode-se dizer que
a norma superior regula a farma de produção da norma
inferior . 1 3 1 A Constituição estabelece, assim, o processo

1 29 . Norberto Bobbio assim sintetiza a ideia de norma fundamental: "Dado o


poder constituinte como poder último, devemos pressupor, portanto, uma
norma que atribua ao poder constituinte a faculdade de produzir normas
jurídicas: essa norma é a norma fundamental ( . . . ) O fato de essa norma não
ser expressa não significa que não exista: a ela nos referimos como o funda­
mento subentendido da legitimidade de todo o sistema" (Teoria do Ordena­
mento Jurídico, Editora UnB, 1 997, p. 5 8/60) . O exame aprofundado dos
múltiplos e possíveis significados da norma fundamental na obra de Kelsen
transcende ao objeto do presente estudo.
1 3 0. Idem, p. 2 1 0 . Esta seja talvez a mais eloquente expressão da teoria pura,
enquanto tentativa de purificação científica do fenômeno jurídico. As conse­
quências nefandas de sua apropriação pelos regimes totalitários ao longo do
século XX, notadamente pelos governos nazi-facistas, são por demais conheci­
das. O próprio Kelsen, judeu austríaco, pagaria um elevado preço por isso,
compelido ao exílio nos Estados Unidos.
1 3 1 . Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, ed. cit., p. 240 e segs.

64
como as leis serão produzidas e, eventualmente, o con­
teúdo que haverão de ostentar. O mesmo fenômeno
acontece entre as leis e as sentenças judiciais, numa
relação de determinação ou vinculação .
Essa relação de determinação, entretanto, nunca é
completa - quem o afirma é o próprio Kelsen l 3 2 -
,
pois a norma de escalão superior não pode vincular em
todas as direções e sob todos os aspectos o ato através
do qual é aplicada, seja ele uma lei ou uma decisão
judicial. Existe, assim, uma relativa e inevitável inde­
terminação permeando os sucessivos atos de realização
do Direito. E tal indeterminação pode decorrer de uma
deliberação intencional do órgão que editou a norma a
aplicar (imagine-se a norma penal que confere ao juiz
o poder de fixar a pena dentro de certos limites) ou
de uma circunstância não-intencional, como a plurivo­
cidade de palavras e expressões normativas, que ofere­
cem ao intérprete várias significações possíveis. Deste
modo, segundo Kelsen, "o Direito a aplicar forma, em
todas estas hipóteses, uma moldura dentro da qual
existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é
conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro
deste quadro ou moldura, que preencha esta moldura
em qualquer sentido possível. " l 33
Aqui se encontra uma distinção fundamental do
normativismo kelseniano em relação às demais escolas
positivistas: sua crítica ao que Kelsen denomina, gene­
ricamente, "teoria usual da interpretação" . Pela sua
pertinência ao ponto em estudo, vale conferir o racio­
cínio textual do autor vienense :

1 3 2. Idem, p . 364.
1 33 Idem, p . 366.
65
"A teoria usual da interpretação quer fazer crer que
a lei, aplicada ao caso concreto, poderia fornecer,
em todas as hipóteses, apenas uma única solução
correta (ajustadaJ , e que a 'justeza ' (correçãoJ ju­
rídico-positiva desta decisão é fundada na própria
lei. Configura o processo desta interpretação como
se se tratasse tão somente de um ato intelectual de
clarificação e de compreensão, como se o órgão apli­
cador do Direito apenas tivesse que pôr em ação o
seu entendimento (razão) , mas não a sua vontade,
e como se, através de uma pura atividade de inte­
lecção, pudesse realizar-se, entre as possibilidades
que se apresentam, uma escolha que correspondesse
ao Direito positivo, uma escolha correta (justa) no
sentido do Direito positivo. " 1 34

Deste modo, tanto o legislador como o J UIZ criam


o Direito, embora o primeiro disponha de maior margem
de conformação que o segundo . A atividade jurisdicional
não se reduz, portanto, à mera aplicação de uma vontade
preexistente do legislador. É ela constituída, simulta­
neamente, por um ato cognitivo (de definição das pos­
sibilidades abertas pela moldura da norma) e por um
ato volitivo (de escolha de uma dessas possibilidades) .
"A questão de saber qual é, entre as possibilidades que
se apresentam nos quadros do Direito a aplicar, a 'cor­
reta', não é sequer - segundo o próprio pressuposto
de que se parte - uma questão de conhecimento

1 3 4 . Idem, p . 366/367. Como anota Paulo Bonavides, só com a edição revista


e ampliada da Teoria Pura do Direito de 1 960 é que Kelsen se mostra osten­
sivamente disposto a ministrar uma teoria da interpretação, marcando sua
posição originalíssima no debate sobre a hermenêutica jurídica (Curso de
Direito Constitucional, Malheiros Editores, 1 993, p . 365/366) .

66
dirigido ao Direito pos1t1vo1 não é um problema de
teoria do Direito1 mas um problema de política do
Direito ( . . . ) Assim como da Constituição1 através de
interpretação1 não podemos extrair as únicas leis cor­
retas1 tampouco podemos1 a partir da lei1 por interpre­
tação1 obter as únicas sentenças corretas. " 1 35 Ao fim e
ao cabo1 a definição do sentido de uma norma pelo
órgão jurisdicional é produto de um ato de vontade1
balizado pelos lindes que os métodos de interpretação
extraem do enunciado normativo . Trata-se1 em última
análise1 de um "eu quero"1 e não de um "eu sei" -
como dito por Tercio S ampaio Ferraz Junior 1 36 - cuja
força vinculante advém da competência atribuída ao
órgão por outra norma de superior hierarquia.
No que se refere à jurisdição constitucional1 vimos
no capítulo anterior que Kelsen é o precursor da ideia
de um Tribunal1 independente dos Poderes Executivo1
Legislativo e Judiciário1 e especialmente designado para
a guarda da Lei Fundamental. Seu argumento está ba­
seado na velha máxima de que ninguém pode ser bom
juiz de si mesmo. Confira-se-lhe o raciocínio:

"Dado que precisamente en los casos más importantes


de violación de la Constitución, Parlamento y Go­
bierno son partes en causa, se aconseja llamar para
decidir sobre la controversia a una tercera instancia
que esté fuera de esa oposición y que bajo ningún
aspecto sea partícipe del ejercício del poder que la
Constitución distribuye en lo esencial entre Parla­
mento y Gobierno. Que esa misma instancia reciba
por ello un cierto poder es inevitable. Pero hay una

1 3 5 . Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, ed. cit . , p. 368.


1 36 . Tercio Sampaio Ferraz Junior, ob. cit., p . 26 1 .
67
gran diferencia entre configurar a un órgano ningún
outro poder que sea la función de control de la
Constitución y reforzar el poder de uno de los por­
tadores del supremo poder mediante la atribución
ulterior del control de la Constitución. Ésta sigue
siendo la ventaja fundamental de un Tribunal cons­
titucional, porque desde el principio no toma parte
en el ejercicio del poder ni entra necesariamente en
oposición con el Parlamento ni con el Gobierno. " 1 3 7

A Corte Constitucional seria, destarte1 a maneira


mais eficaz de proteger a normatividade da Constitui­
ção1 eis que Governo e Parlamento tenderiam sempre
a interpretá-la de forma parcial e consentânea com seus
interesses. Somente um órgão isento da disputa política1
composto de membros independentes1 poderia exercer
tão relevante função1 mantendo o equilíbrio entre os
Poderes.
O problema é que a Corte Constitucional não apenas
aplica a Constituição1 em sentido unívoco1 mas a rees­
creve ao interpretá-la de certa forma. Em consonância
com a teoria da interpretação apresentada por Kelsen,
também a interpretação do texto constitucional apenas
revela sentidos possíveis1 cabendo ao Tribunal optar
(ato de vontade) pelo que lhe pareça mais adequado.
Tal circunstância se torna ainda mais aguda quando se
sabe que as Constituições são compostas1 em sua grande
parte1 de princípios e não de regras1 1 3 8 cuja densificação1

137 . Hans Kelsen, Quién debe ser el defensor de la Constitución?, Editora


Tecnos, 1 93 1 , p. 54.
138 . Adota-se aqui a distinção entre princípios e regras proposta nas obras de
Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, Centro de Estudios
Constitucionales, 1 993, p. 87 /89; Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously,

68
concretização e ponderação ensej a sempre uma larga
margem de participação criativa do intérprete. Por isso
mesmo, o próprio Kelsen reconhece que a função do
Tribunal Constitucional mais se assemelha à de um
legislador negativo, equiparando a atividade de controle
da constitucionalidade a uma modalidade especial de
revogação da lei . 1 3 9
Mas em que medida tem o Tribunal Constitucional
legitimidade para imiscuir-se nos assuntos políticos e
fazer prevalecer suas deliberações sobre aquelas toma­
das por representantes eleitos diretamente pelo povo?
Se na jurisdição constitucional tem lugar uma atividade
volitiva, e não meramente cognitiva, estar-se-ia, então,
diante de uma contradição inconciliável com a demo­
cracia. Essa questão deu origem à famosa polêmica
travada, durante o primeiro pós-guerra, entre Carl
S chmitt e H ans Kelsen acerca de quem deveria ser o
"defensor da Constituição" .
O cenário político em que se instaura a querela é
decisivo para a sua compreensão: a crise do Estado
Liberal do final dos anos vinte e a ascensão dos Estados
totalitários durante a década de trinta. No modelo
adotado na Constituição austríaca de 1 920, Kelsen acei­
ta como um dado prévio e indiscutível a legitimidade
do regime democrático e dos valores subj acentes ao
constitucionalismo moderno. Sua proposta inovadora
seria a defesa de tais valores políticos, admitidos como
evidentes, por meios e mecanismos jurídicos, isto é,

Harvard University Press, 1 998, p. 24/27; J. J . Gomes Canotilho, Direito


Constitucional e Teoria da Constituição, ed. cit., p. 1 .087 e segs .; Inocêncio
Mártires Coelho, Interpretação Constitucional, Sergio Antonio Fabris Editor,
1 997, p. 79/87. Adiante se retornará à temática da distinção entre princípios
e regras constitucionais.
1 3 9 . Hans Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, ed. cit., p. 226 e 389.
69
pelo Tribunal Constitucional. Será contra esse ousado
intento kelseniano, de racionalização do Estado de Di­
reito, que Carl S chmitt lançará sua crítica mordaz,
revelando os problemas e contradições que o mesmo
encerrava. 1 40
Segundo Carl Schmitt, o controle de constituciona­
lidade exibe sempre uma feição política, e não jurisdi­
cional, eis que importa em uma avaliação necessaria­
mente discricionária do conteúdo das leis . Citando Ei­
senmann, sustenta que o Tribunal Constitucional, em
realidade, determina o que é a Constituição, mais do
que simplesmente a aplica: "ele não diz o direito, ele
o faz. " 141 Assim, o autor alemão chega a duvidar da
possibilidade mesma de uma verdadeira justiça consti­
tucional, que considera uma contradição em termos.
Segundo sua conhecida formulação, a expansão desen­
freada da jurisdição constitucional tem como conse­
quência não a juridicização da política, mas a indesejável
politização da Justiça . 1 42 E lembrando frase de Guizot
acerca da justiça política (quando a expressão ainda era
utilizada para designar os tribunais de repressão políti­
ca) , afirma que a política não tem nada a ganhar e a
Justiça tudo a perder. 1 43
A conclusão de Schmitt é a de que o guardião
supremo da Constituição de Weimar é o Presidente do
Reich, segundo a interpretação por ele extraída do seu
art. 4 8 . Eleito diretamente pelo povo, o Presidente da

140 . Pedro de Vega G arcía, Prologo ao livro de Carl Schmitt, La Defensa de la


Constitución, Editora Ternos, 1 998, p . 1 8.
141 . Eisenmann, La Justice Constitutíonnelle et la Haute Cour Constitutíonnelle
d'Autriche, Paris, 1 926, p. 2 1 6, apud Eduardo García de Enterría, ob. cit., p .
161.
1 42 . Carl Schmitt, La Defensa de la Constitucíón, Editora Ternos, 1 998, p . 5 7 .
143 . Carl Schmitt, ob. cit., p . 7 5 .
70
nação alemã estaria situado numa pos1çao central e
neutra em relação ao sistema político-partidário, de­
sempenhando uma espécie de função moderadora,
como aquela desempenhada pelo monarca na concepção
de Benjamin Constant. 1 44
Kelsen1 em primorosa obra intitulada Quien debe
ser el defensor de la Constitución?1 teve a oportunidade
de refutar cada um dos argumentos expendidos por
Carl Schmitt1 tornando claro que suas teses continham
um inconfessável - porém evidente - viés casuístico,
que era o de evitar a criação, na República de Weimar,
de uma Corte Constitucional nos moldes da Constitui­
ção austríaca de 1 92 0 . Interessava-lhe mais concentrar
o poder de fiscalizar a constitucionalidade das leis nas
mãos do Chefe do Reich. 1 45
A ascensão do nacional-socialismo na Alemanha, em
1 9331 e os lamentáveis acontecimentos que se seguiram
naquele país até a deflagração da Segunda Grande Guer­
ra abalaram definitivamente o prestígio da doutrina de
Carl Schmitt. A lição do arbítrio institucionalizado
durante o regime nazista contribuiria para o fortaleci­
mento e difusão da jurisdição constitucional como va­
lioso instrumento institucional de defesa dos direitos
do homem e da democracia. Aliás, o próprio Kelsen
antecipara, ainda na década de vinte, em célebre con­
ferência proferida perante a Associação dos professores
de Direito Público alemães, o papel central que a justiça
constitucional haveria de desempenhar no sistema de­
mocrático moderno, especialmente na defesa das mi-

1 44 . Schmitt faz alusão expressa às teses de Benjamin Constant (ob. cit., p.


2 1 4 e segs.), expostas no capítulo anterior.
145 . André Ramos Tavares, Tribunal e Jurisdição Constitucional, Celso Bastos
Editor, 1 998, p. 30.

71
norias . Em passagem memorável de seu discurso - que
soa hoje quase como um vaticínio - registrou o Mestre
de Viena:

"Contra as muitas censuras que se fazem ao sistema


democrático - muitas delas corretas e adequadas
-, não há melhor defesa senão a da instituição de
garantias que assegurem a plena legitimidade do
exercício das funções do Estado. Na medida em que
amplia o processo de democratização, deve-se desen­
volver também o sistema de controle. É dessa pers­
pectiva que se deve avaliar aqui a jurisdição cons­
titucional. Se a jurisdição constitucional assegura
um processo escorreito de elaboração legislativa, in­
clusive no que se refere ao conteúdo da lei, então
ela desempenha uma importante função na proteção
da minoria contra os avanços da maioria, cuja pre­
dominância somente há de ser aceita e tolerada
dentro do quadro de legalidade. A exigência de um
quorum qualificado para a mudança da Constituição
traduz a ideia de que determinadas questões funda­
mentais devem ser decididas com a participação da
minoria. A maioria simples não tem o direito de
impor a sua vontade - pelo menos em algumas
questões - à minoria. Nesse ponto, apenas mediante
a aprovação de uma lei inconstitucional poderia a
maioria afetar os interesses da minoria constitucio­
nalmente protegidos. Por isso, a minoria, qualquer
que seja a sua natureza - de classe, de nacionali­
dade ou de religião -, tem um interesse eminente
na constitucionalidade da lei.
Isto se aplica sobretudo em caso de mudança das
relações entre maioria e minoria, se uma eventual
maioria passa a ser minoria, mas ainda suficiente-

72
mente forte para obstar uma decisão qualificada
relativa à reforma constitucional. Se se considera
que a essência da democracia reside não no império
absoluto da maioria, mas exatamente no permanente
compromisso entre maioria e minoria dos grupos
populares representados no Parlamento, então repre­
senta a jurisdição constitucional um instrumento ade­
quado para a concretização dessa ideia. A simples
possibilidade de impugnação perante a Corte Cons­
titucional parece configurar instrumento adequado
para preservar os interesses da minoria contra lesões,
evitando a configuração de uma ditadura da maioria,
que1 tanto quanto a ditadura da minoria, se revela
perigosa para a paz social. " 1 4 6

Como afirma G arcía de Enterría1 a justiça consti­


tucional foi julgada pelo Tribunal da História e1 por
suas notórias virtudes1 restou aprovada como "una téc­
nica quintaesenciada de gobierno humano" . 1 4 7
Não obstante1 a constatação de Kelsen de que o
exercício da jurisdição (e ainda mais agudamente1 o
exercício da jurisdição constitucional) envolve uma ati­
vidade volitiva e não apenas cognitiva, como supunha
-

a hermenêutica tradicional - gera um problema teórico


cuja solução não é encontrada dentro do paradigma
positivista. Como compatibilizar a função dos Tribunais
Constitucionais1 que se traduz em uma jurisprudência

1 46. Hans Kelsen, La Garanzia giurisdizionale della Costituzione, in La Giustizia


Costituzionale, Milão, 1 980, p. 201 /203, apud Gilmar Ferreira Mendes, Con­
trole de Constitucionalidade: Hermenêutica Constitucional e Revisão de Fatos
e Prognoses Legislativos pelo Órgão Judicial, in Direitos Fundamentais e Con­
trole de Constitucionalidade, Celso Bastos Editor, 1 998, p. 460/46 1 .
1 47 . Eduardo García de Enterría, ob. cit., p . 1 75.
73
essencialmente criativa e construtiva1 com a produção
legislativa de órgãos políticos diretamente legitimados
pelo povo1 sem comprometimento quer da soberania
popular1 quer da supremacia da Constituição?
A tal questão a doutrina jurídica pós-positivista pro­
cura responder estabelecendo um âmbito próprio de
atuação para as Cortes Constitucionais e definindo li­
mites que possam1 com a objetividade possível1 148 apar­
tá-lo do campo a ser preenchido por programas políticos
escolhidos pela vontade majoritária dos cidadãos.

111.3 . A jurisdição constitucional como instrumento


de defesa dos direitos fundamentais.

Segundo Ronald Dworkin1 um dos mais influentes


filósofos do Direito da atualidade1 o controle judicial
da constitucionalidade das leis é1 simultaneamente1 o
orgulho e o enigma da doutrina jurídica norte-americana.
Orgulho de ser a matriz de um dos mais difundidos e
eficazes mecanismos de contenção do poder1 por meio
do qual determinados princípios e direitos1 considerados
supremos e inalienáveis1 são retirados do varejo do dia
a dia político e protegidos contra maiorias eleitorais
irresponsáveis. O enigma1 em palavras do próprio Dwor­
kin1 consiste no seguinte :

148 . Veja-se, neste sentido, a lição lapidar de Luís Roberto Barroso: "A impos­
sibilidade de chegar-se à objetividade plena não minimiza a necessidade de se
buscar a objetividade possível. A interpretação, não apenas do direito como em
outros domínios, j amais será uma atividade inteiramente discricionária ou
puramente mecânica. Ela será sempre o produto de uma interação entre o
intérprete e o texto, e seu produto final conterá elementos objetivos e subje­
tivos" (Interpretação e Aplicação da Constituição, ed. cit . , p. 256) .

74
"Todos concordam que a Constituição proíbe certas
formas de legislação ao Congresso e aos legislativos
estaduais. Mas nem juízes do Supremo Tribunal nem
especialistas em Direito constitucional nem cidadãos
comuns conseguem concordar quanto ao que ela proí­
be exatamente, e a discordância é mais grave quando
a legislação em questão é políticamente mais contro­
vertida e criadora de divergência. Portanto, parece
que esses juízes exercem um poder de veto sobre a
política da nação, proibindo as pessoas de chegar a
decisões que eles, um número ínfimo de nomeados
vitalícios, acham erradas. Como isso pode ser con­
ciliado com a democracía?" l 49

Em seu diálogo com o positivismo jurídico1 espe­


cialmente com Herbert H art1 do qual é combativo
crítico1 Dworkin se propõe a oferecer respostas ao
indigitado enigma. Para a superação do voluntarismo
hermenêutíco 1 5 º que caracteriza o normativismo1 será
necessário conceber o Direito como um sistema de
regras e príncípíos1 dotado de íntegrídade1 e não como
um mero sistema de normas1 inapto a abarcar toda a
variada e complexa realidade social. Seu esforço será
o de defender um ativismo judicial construtivo1 pautado
por argumentos racionais e controláveis1 que não des­
cambe para uma versão autoritária de governo de juízes.
A obra de Dworkin se insere1 na verdade1 em um
movimento de retorno e revalorização do pensamento
de Kant verificado nas últimas décadas do século X:X1

1 49 . Ronald Dworkin, Uma Questão de Princípio, Editora Martins Fontes,


2000, p. 4 1 .
1 5 0 . A expressão é utilizada, dentre outros, por Paulo Bonavides no seu Curso
de Direito Constitucional, ed. cit., p. 365/366.

75
não apenas na filosofia do Direito como na filosofia
política. A partir do que se convencionou chamar virada
kantiana, 1 5 1 dá-se uma reaproximação entre ética e
Direito, com a fundamentação moral dos direitos hu­
manos e o ressurgimento do debate sobre a teoria da
justiça fundado no imperativo categórico, que "deixa
de ser simplesmente ético para se apresentar também
como imperativo categórico jurídico" . 1 52 A ideia de
dignidade da pessoa humana, traduzida no postulado
kantiano de que cada homem é um fim em si mesmo,
eleva-se à condição de princípio jurídico, valor-fonte do
qual decorrem direitos fundamentais do homem que
não podem ser relativizados em prol de qualquer pro­
jeto coletivo de bem comum.
Na vertente dita liberal dessa nova fase do Direito
moderno, além de Dworkin, destaca-se a obra de John
Rawls, cujo livro Uma Teoria da Justiça, 1 5 3 lançado em
1 9 7 1 , é considerado o marco inicial do debate pós-po-

1 5 1 . Ricardo Lobo Torres, A Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos,


in Teoria dos Direitos Fundamentais (obra coletiva}, Editora Renovar, 1 999,
p. 248/249. No mesmo sentido, Maria da Assunção Esteves, Legitimação da
Justiça Constitucional e Princípio Majoritário, in Legitimidade e Legitimação
da Justiça Constitucional. Colóquio no 1 Oº Aniversário do Tribunal Constitu­
cional, Coimbra Editora, 1 995, p. 1 30; José de Souza e Brito, ob. cit., p. 40.
152 . Ricardo Lobo Torres, A Cidadania Multidimensional na Era dos Direitos,
in Teoria dos Direitos Fundamentais (obra coletiva), ed. cit., p. 249. Segundo
Kant, a razão prática conduz ao imperativo categórico, regra universal que
ordena ao homem agir de forma tal que sua conduta possa ser elevada à máxima
de comportamento universal. O fundamento ético do Direito (o Direito justo)
está, precisamente, nestes padrões universais de conduta, deduzidos pela razão,
e que permitem que a liberdade de um conviva com a liberdade dos demais
membros da coletividade, segundo uma lei universal. V. Immanuel Kant,
Fundamentos da Metafísica dos Costumes, Ediouro, p. 1 0 1 e segs.; Norberto
Bobbio, Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant, Editora UnB, 1 997,
p. 70 e segs.
1 5 3 . John Rawls, Uma Teoria da Justiça, Editora Martins Fontes, 1 99 7 .

76
sitivista no campo da filosofia política e do Direito.
Com o lançamento de O Liberalismo Político, 1 5 4 j á na
década de noventa, atualizam-se e esclarecem-se algu­
mas das ideias abordadas por Rawls em seu livro clássico.
Percorrer em detalhe e de forma exauriente as re­
flexões tanto de Rawls como de Dworkin é tarefa a
que não se propõe o presente estudo, nem tampouco
as dimensões para ele estabelecidas poderiam compor­
tá-la. Cumpre, pois, destacar aquilo que do pensamento
desses autores mais diretamente interessa à temática
da jurisdição constitucional.
Em Rawls, a noção kantiana de "uso público da
razão" - que pressupõe uma comunidade de sujeitos
livres e iguais - é utilizada para definir aquilo que
denomina "elementos constitucionais essenciais" (cons­
titutional essentials) . 1 55 Para Rawls tais elementos se­
riam de dois tipos:
(I) os princípios fundamentais que especificam a
estrutura geral do Estado e do processo político: as
competências do Legislativo, do Executivo e do Judi­
ciário; o alcance da regra da maioria;
(II) os direitos e liberdades fundamentais e iguais
de cidadania que as maiorias legislativas devem respei­
tar, tais como o direito ao voto e à participação na
política, a liberdade de consciência, a liberdade de
pensamento e de associação, assim como as garantias
do Estado de Direito. 1 56
Os direitos e liberdades fundamentais têm, no en­
tanto, segundo Rawls, caráter inalienável e um status
especial em relação aos demais valores políticos. Tais

1 54 . John Rawls, O Liberalismo Político, Editora Ática, 2000.


1 55 . Idem, p. 2 7 7 .
1 5 6. Idem, p . 2 7 7 .
77
liberdades devem ser ajustadas de modo a formar um
sistema coerente; a prioridade de tal sistema implica,
na prática, que uma liberdade fundamental só pode ser
limitada ou negada em favor de uma outra ou de outras
liberdades fundamentais, e nunca por razões de bem­
estar geral ou de valores perfeccionistas . 1 5 7
Na melhor tradição liberal e kantiana, os direitos
fundamentais são associados ao valor liberdade no sen­
tido de autodeterminação do indivíduo, imune de qual­
quer constrição estatal (liberdade negativa) . 1 58 Assegu­
radas de forma equânime a todos, as liberdades básicas
viabilizam o desenvolvimento das duas capacidades mo­
rais que, segundo Rawls, caracterizam o cidadão em
uma sociedade bem ordenada: a capacidade de ter a
sua própria concepção de bem e a capacidade de ter
uma concepção de justiça. 1 59 Esta a via pela qual Rawls
busca superar o ceticismo moral do positivismo jurídico
sem que isto importe um retorno, hoje indefensável,
ao jusnaturalismo clássico. Vale conferir, sobre o ponto,
a preciosa síntese de Oscar Vilhena Vieira:

11A Teoria da Justiça de John Rawls foi, certamente,


o esforço mais significativo da teoria política con­
temporânea para superar as inconsistências do di­
reito natural, com suas cargas valorativas de difícil
justificação numa sociedade pluralista e democráti­
ca, sem, no entanto, abrir mão da necessidade de

1 5 7 . Idem, p. 349.
1 58 . Ricardo Lobo Torres, Os Direitos Humanos e a Tributação. Imunidades e
Isonomia, Editora Renovar, 1 995, p. 55: ( . ) os direitos da liberdade conti­
" ..

nuam a apresentar fundamentalmente o status negativus, que significa o poder


de autodeterminação do indivíduo, a liberdade de ação ou de omissão sem
qualquer constrangimento por parte do Estado."
1 59 . John Rawls, O Liberalismo Político, ed. cit., p . 365/380.
78
se estabelecer princípios de justiça que informem a
organização e cooperação dos indivíduos em socie­
dade. Afasta-se, assim, tanto dos jusnaturalistas mo­
dernos, que desenvolvem suas teorias a partir de
valores preconcebidos, como dos relativistas, que ne­
gam a possibilidade do estabelecimento de preceitos
morais dotados de validade, assumindo uma postura
puramente decisionista. " 1 60

A constatação de que os proj etos de felicidade e de


bem são muitos - talvez tantos quantos forem os
homens - faz com que liberais, como Rawls, encarem
o pluralismo como um fato inevitável e até como um
elemento salutar das sociedades contemporâneas. Isto
não importa necessariamente um ceticismo quanto aos
valores e às finalidades últimas da vida. Sustenta-se,
apenas, que tais indagações não devem ser levadas para
a esfera pública, mas sim realizadas em privado, de
molde a permitir a convivência pacífica com a diferença.
Tais preocupações levam os liberais contemporâneos a
atribuírem um valor transcendente às liberdades fun­
damentais, posicionando-as ao abrigo de maiorias polí­
ticas que procurem restringi-los, por mais fortes e du­
ráveis que sejam.
O fato de que os cidadãos têm o direito de adotar
uma concepção individual acerca do bem não significa,
entretanto, que não sejam capazes de endossar uma
concepção política de justiça. Colocando em prática o
"uso público da razão", os membros de uma sociedade
liberal tornam-se capazes de compartilhar determinados

1 60. Oscar Vilhena Vieira, A Constituição e sua Reserva de Justiça. Um Ensaio


sobre os Limites Materiais ao Poder de Reforma, Editora Malheiros, 1 999, p .
204.

79
valores políticos básicos, implícitos na cultura política
democrática, em relação aos quais não há divergência
possível. 1 6 1 Daí tais valores serem inscritos na Consti­
tuição, situando-se acima das disputas políticas baseadas
no princípio majoritário.
Assim, as capacidades morais de cidadãos livres e
iguais estão na base da ideia de razão pública, que
permite a formulação, por sobre todas as diferenças,
de um consenso sobreposto ( overlapping consensus) acer­
ca dos princípios básicos de justiça e dos direitos e
liberdades fundamentais que serão constitucionalizados.
A Constituição assume, como nos albores do libe­
ralismo, a feição de uma Constituição-garantia, que
especifica um procedimento político justo e incorpora
as restrições pelas quais os direitos e liberdades funda­
mentais serão protegidos e terão assegurada a sua prio­
ridade. "O resto fica a cargo do estágio legislativo. Uma
Constituição desse tipo está em conformidade com a
ideia tradicional de governo democrático, ao mesmo
tempo em que abre um espaço para a revisão judicial. " 1 62
Rawls defende o judicial review e o papel da Corte
Constitucional como instituição exemplar da razão pú­
blica, 1 63 cumprindo-lhe evitar que a Lei Fundamental
seja corroída pela legislação de maiorias transitórias ou
"por interesses estreitos, organizados e bem posiciona­
dos, muito hábeis na obtenção do que querem . " 1 64
Embora contramaj oritário em relação à lei ordinária -
de vez que pode vir a anulá-la - o papel da Corte

1 6 1 . Gisele Cittadino, Pluralismo, Direito e Justiça Distributiva, Editora Lu­


men Juris, 1 999, p. 1 83/1 84.
1 62 . John Rawls, O Liberalismo Político, ed. cit., p . 396.
163 . Idem, p . 286.
1 64 . Idem, p . 284.
80
Constitucional não pode ter a pecha de antidemocrá­
tico. Isto porque sua autoridade lhe é conferida pela
vontade superior do povo, cristalizada nos princípios
insculpidos na Constituição.
Os juízes do Tribunal Constitucional, ao desempe­
nhar o seu mister de interpretar a Constituição, devem
ser permeáveis aos valores políticos que correspondem
aos ideais da razão pública, isto é, valores que se pode
esperar que todos os cidadãos razoáveis e racionais
endossem. Assim, "a Constituição não é o que a Su­
prema Corte diz que ela é, e sim o que o povo, agindo
constitucionalmente por meio dos outros poderes, per­
mitirá à Corte dizer que ela é. Uma interpretação
específica da Constituição pode ser imposta à Corte
por emendas, ou por uma maioria política ampla e
estável, como ocorreu no caso do New Deal" l 6 5 . As
emendas constitucionais, dentre outras funções, apre­
sentam-se como instrumentos democráticos de correção
das decisões da Corte Constitucional incompatíveis com
a razão pública. 1 66
De ordinário, no entanto, a Corte Constitucional
explicita o conteúdo da razão pública através de argu­
mentos racionais obrigatoriamente expostos em seus
julgados, desempenhando um papel educativo ou pe-

1 6 5 . Idem, p. 288.
1 66. V Eduardo García de Enterría, ob. cit., p. 20 1 : "En efecto, si en su función
interpretativa de la Constitución el pueblo, como titular dei poder constituyen­
te, entendiese que e! Tribunal había llegado a una conclusión inaceptable (. . . )
podrá poner en movirniento e! poder de revisión constitucional y definir la
nueva norma en e! sentido que e! constituyente decida, según su libertad
incondicionada. Este mecanismo ha funcionado en América justamente en estos
términos en cuatro ocasiones, en que se ha usado e! amending power, el poder
de enmienda o de revisión constitucional, para 'pasar por encima' (override)
de otras tantas sentencias dei Tribunal Supremo. "

81
dagógico para a cidadania ao situar os valores constitu­
cionais no centro do debate político . Confira-se o ra­
ciocínio em palavras do próprio Rawls:
11Muitas vezes seu papel obriga a discussão política
a adotar uma forma baseada em princípios, de modo
a tratar a questão constitucional de acordo com os
valores políticos da justiça e da razão pública. A
discussão pública transforma-se em algo mais que
uma disputa pelo poder e por cargos. Ao focalizar a
atenção em questões constitucionais básicas, isso edu­
ca os cidadãos para o uso da razão pública e seu
valor de justiça política. " l 6 7
A missão do Tribunal Constitucional se projeta,
assim, para além da mera função de legislador negativo,
guardião da coerência sistêmica do ordenamento jurí­
dico . S eu papel é o de articular o debate público em
torno dos princípios constitucionais, constrangendo os
agentes políticos a levá-los em conta no desenrolar do
processo democrático.
A obra de Ronald Dworkin, embora tendo inúmeros
pontos de convergência com as teses de John Rawls,
oferece um importante e original contributo no campo
da hermenêutica constitucional. E, como registra Enri­
que Alonso García, é crescente o reconhecimento de
que as discussões sobre a legitimidade e os limites do
judicial review gravitam hoje em torno dos métodos e
limites da interpretação da Constituição. 1 68 Todo o

1 6 7 . John Rawls, O Liberalismo Político, ed. cit., p. 290.


1 68 . Enrique Alonso G arcía, La interpretación de la Constitución, Centro de
Estudios Constitucionales, 1 984, p. 9. No mesmo sentido, Gilrnar Ferreira
Mendes, Controle de Constitucionalidade: Hermenêutica Constitucional e Re­
visão de Fatos e Prognoses Legislativos pelo Órgão Judicial, in Direitos Funda-

82
esforço de Dworkin será no sentido de justificar um
papel ativo e engaj ado da jurisdição constitucional me­
diante construções teóricas que enfatizam a especifici­
dade do seu objeto e o apartam do campo próprio das
escolhas políticas . Pretende ele, como isso, demonstrar
que uma comunidade verdadeiramente democrática não
apenas admite como pressupõe a salvaguarda de posições
contramajoritárias, cuja força obrigatória advém de prin­
cípios exigidos pela moralidade política. 1 69
A noção de princípio, acima referida, é de capital
importância para a compreensão do sistema jurídico de
Dworkin, que importa em uma revisão da rígida sepa­
ração entre Direito e Moral, cristalizada pelo positivis­
mo jurídico. O fundamento metapositivo do Direito é
encontrado no seio do modelo de comunidade que
denomina comunidade de princípios, na qual seus mem­
bros, atuando como agentes morais, aceitam que são
governados por princípios comuns e não por regras
forjadas em um compromisso político. 1 7 º Isto significa
que não se está a tratar de uma comunidade geográfica
ou linguística, nem tampouco de uma comunidade li­
gada por vínculos emocionais ou convencionais, mas

mentais e Controle de Constitucionalidade, ed. cit., p. 454: "A questão meto­


dológica coloca-se no centro da reflexão sobre o papel que deve desempenhar
a Corte Constitucional ou o órgão dotado de competência para aferir a legiti­
midade das leis e demais atos normativos, como é o caso do Supremo Tribunal
Federal, entre nós."
1 69 . Ronald Dworkin, Equality, Democracy and Constitution: We the People in
Court, in Alberta Law Review, 28, 1 990, p. 324/346.
1 7 0 . Ronald Dworkin, Law's Empire, The Belknap Press of Harvard University
Press, 1 997, p. 2 1 1 : "Members of a society of principie accept that their
political rights and duties are not exhausted by the particular decisions their
political institutions have reached, but depend, more generally, on the scheme
of principies those decisions presuppose and endorse. "

83
por princípios de conduta compartilhados e endossados
pelos cidadãos.
Tais princípios podem estar - e em geral estão -
incorporados e densificados em normas jurídicas esta­
tuídas mediante um processo legislativo autorizado pelo
reconhecimento social, mas as transcendem, sendo até
justificável, sob determinadas circunstâncias excepcio­
nais, a desobediência civil como forma de superar a
injustiça de normas contrárias a um princípio transcen­
dente. 1 71 Opondo-se frontalmente à concepção norma­
tivista (rulebook model) , Dworkin erige um modelo
instituinte de direitos (rights model) , fundados em prin­
cípios morais transcendentes e aferidos através da le­
gislação e dos precedentes judiciais - e não decorrentes
da legislação e dos precedentes . 1 72
Os direitos fundamentais na visão de Dworkin são,
assim, direitos morais, reconhecidos no seio de uma
comunidade política (comunidade de princípios) cujos
integrantes são tratados com igual respeito e conside­
ração (equal protection) . A característica fundamental
do Estado de Direito, segundo sua visão, é o ideal de
igualdade, que fundamenta a crença no valor intrínseco
idêntico de todos os seres humanos . 1 73 Como assinala
Gisele Cittadino, "esta igualdade, que pressupõe os
indivíduos como agentes morais independentes, exige
que direitos fundamentais lhes sejam atribuídos para

1 71 . V. Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, ed. cit., p. 206/222 (Civil


Disobedience) e Uma Questão de Princípio, ed. cit., p. 1 53/1 7 1 (Desobediência
civil e protesto nuclear) .
1 72 . Vera Karam de Chueiri, Filosofia do Direito e Modernidade. Dworkin e a
possibilidade de um discurso instituinte de direitos, JM Editora, 1 995, p. 68 e
segs.
1 73 . V., sobre essa forma de fundamentação de direitos, Álvaro de Vita, O
Lugar dos Direitos na Moralidade Política, Lua Nova, nº 30, 1 993, p. 9 e segs.

84
que tenham a oportunidade de influenciar a vida polí­
tica1 realizar os seus projetos pessoais e assumir as
responsabilidades pelas decisões que sua autonomia lhes
assegura. " 1 74
Assim1 a Constituição e seu sistema de direitos
fundamentais incorporam princípios morais1 com os
quais a legislação infraconstitucional e as decisões ju­
diciais devem ser compatíveis . Daí advogar Dworkin
uma leitura moral da Constituição1 "que coloque a
moralidade política no coração do direito constitucio­
nal . " 1 7 5 Tal concepção pressupõe que o aplicador do
Direito assuma uma postura ativa e construtiva1 carac­
terizada pelo esforço de interpretar o sistema de prin­
cípios como um todo coerente e harmônico dotado de
integridade . 1 7 6
A integridade a que se refere Dworkin significa
sobretudo uma atitude interpretativa do Direito que
busca integrar cada decisão em um sistema coerente
que atente para a legislação e para os precedentes
jurisprudenciais sobre o tema1 procurando discernir um
princípio que os haja norteado. Ao contrário da herme­
nêutica tradicional1 baseada fortemente no método sub­
suntivo1 numa aplicação mecânica das regras legais iden­
tificadas pelo juiz ao caso concreto1 o modelo constru­
tivo de Dworkin propõe a inserção dos princípios1 ao
lado das regras1 como fonte do Direito. Nos chamados
casos difíceis (hard cases) assim entendidos aqueles
-

para os quais há dificuldade em alcançar o conteúdo


jurídico que irá regê-los1 sej a pela ausência de regra

1 74 . Gisele Cittadino, ob. cit. , p . 1 56 .


1 7 5 . RonaJd Dworkin, Freedom 's Law. The Moral Reading of the American
Constitution, Harvard University Press, 1 996, p. 2 .
1 76. Ronald Dworkin, Law's Empire, ed. cit., p . 1 76 e segs.

85
específica, seja por força de aparente antinomia entre
normas - é a interpretação construtiva dos princípios,
e dos direitos dele decorrentes, que fornecerá ao apli­
cador do Direito condições de encontrar a "resposta
certa", entendida como a "melhor resposta possível" 1 77
dentro de um processo de argumentação racional.
Neste ponto torna-se imprescindível distinguir os
conceitos de regras e princípios de Direito. As regras
são preceitos jurídicos de reduzido teor de generalidade
a abstração, que indicam claramente suas condições de
aplicação. Sua incidência dá-se sob a forma peremptória
do "tudo ou nada" (all ar nothing) . 1 7 8 Isto é: presentes
determinados pressupostos fáticos, ou a regra incide
plenamente ou sua aplicação é descartada, pela cons­
tatação de que os fatos em questão a ela não se sub­
sumem. Eventuais conflitos entre regras são resolvidos
pelos critérios clássicos de solução de antinomias: o
critério hierárquico (lex superior derogat inferiori) , o
critério cronológico (lex posterior derogat priori) e o
critério da especialidade (lex specialis derogat genera­
li) . 1 79 O que importa, aqui, é que a aplicação de uma
regra ao caso concreto exclui a incidência de qualquer
outra, de tal sorte que, na generalidade dos casos, como
observa argutamente Inocêncio Mártires Coelho, as cha­
madas regras de solução de conflitos são invocadas pelos
aplicadores do Direito menos para resolver do que para
declarar inexistentes os conflitos internormativos. 1 80

1 77 . Ronald Dworkin, Law, Philosophy and Interpretation, apud Ricardo Lobo


Torres, O Espaço público e os Intérpretes da Constituição, in Revista da Pro­
curadoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, vol. 50, 1 997, p. 1 0 1 .
1 78 . Ronald Dworkin, Taking Ríghts Seriously, ed. cit., p . 24.
1 79 . Norberto Bobbio, Teoria do Ordenamento Jurídico, ed. cit., p . 92.
1 80. Inocêncio Mártires Coelho, Interpretação Constitucional, ed. cit., p . 8 1 .

86
Os princípios, por seu turno, não seguem a mesma
forma de incidência das regras . Com efeito, contêm os
princípios uma certa maleabilidade, a que os doutrina­
dores denominam calibragem, decorrente de sua estru­
tura aberta e maior grau de abstração. Assim, é juridi­
camente possível que dois ou mais princípios conflitan­
tes entre si sejam aplicáveis a uma mesma situação
concreta, não podendo o intérprete optar pela incidên­
cia exclusiva de um em detrimento do outro. Através
do método hermenêutico da ponderação, 1 8 1 o intérprete
se habilita a aferir, diante de um caso concreto, qual
o "peso" específico que, naquela hipótese, deve ter cada
um dos princípios aplicáveis. É preciso, portanto, buscar
uma otimização na aplicação dos princípios, 1 82 de forma
a permitir a máxima incidência de cada um deles, com
prejuízo mínimo dos demais . Esta a lição precisa de
Ruy S amuel Espíndola:

"O conflito entre princípios se resolve na dimensão


do peso e não da validade, ou melhor, princípios
colidentes não se excluem de maneira antinômica,
perdendo um deles a existência jurídica, a validade
ou a vigência; apenas se afastam diante da hipótese
colocada ao juízo decisório. Assim, pelo procedimento
da ponderação de princípios em conflito afasta-se,

1 8 1 . Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, ed. cit., p. 26/2 7. Entre nós,
confira-se, sobre o tema da ponderação de princípios, o valioso trabalho de
Daniel Sarmento, A Ponderação de Interesses na Constituição, Editora Lumen
Juris, 2000.
1 82 . Sobre a visão dos princípios como mandados de otimização, naturalmente
circunstanciados por fatores materiais e jurídicos, que devem ser observados
na maior extensão possível, v. Robert Alexy, Sistema Jurídico, Princípios Jurí­
dicos y Razón Prática, in Derecho e Razón Prática, Editora Fontamara, 1 993,
p. 1 5 .

87
no caso, o princípio cujo peso foi sobrepujado pelo
outro, que recebeu aplicação, ou ainda, pela metódica
da harmonização ou concordância prática aplicam-se
ambos os colidentes, até o limite das possibilidades
que o peso de cada um comporta. " l 83

Por intermédio da interpretação baseada em prin­


cípios, Dworkin rechaça a tese normativista de que os
juízes nos casos difíceis, decidem de forma discricio­
1

nária, quando a lei não contém todos os elementos para


a tomada de decisão. Mesmo aí, segundo o autor, o
Direito oferece outros critérios que vinculam o magis­
trado. A lição de Oscar Vilhena Vieira, discorrendo
sobre a tese de Dworkin, é esclarecedora sobre o ponto:

"Não há uma liberdade total, onde o magistrado


decide a partir de valores externos ao Direito, que,
na maioria das vezes, são os seus próprios, mas uma
esfera carregada de princípios [que pertencem ao
sistema jurídicoJ que limitam e impõem determinado
sentido às decisões judiciais. É dentro dessa esfera
que se deve decidir. Caso haja discricionariedade,
essa ocorre apenas num sentido fraco. Dworkin não
aceita, dessa forma, a proposição dos positivistas de
que toda norma aberta é, na realidade, um convite
para que os juízes exercitem suas próprias escolhas.
Ao invés de se buscar controlar a discricionariedade
por intermédio da regulamentação e detalhamento
minucioso de como devem se comportar os agentes
do Estado - tradicional ao direito administrativo

1 83 . Ruy Samuel Espíndola, Conceito de Princípios Constitucionais, Editora


Revista dos Tribunais, 1 999, p. 248.

88
-, busca-se densificar o ambiente decisório a partir
de princípios. " 1 84

A noção de princípio é também fundamental para


a legitimação da jurisdição constitucional no embate
contra decisões da maioria legislativa. Aqui Dworkin
contrapõe os argumentos de princípio (arguments of
principie) aos argumentos de política (arguments of
policy) como diferentes tipos de argumentos que bus­
1

cam justificar uma decisão sobre grandes questões po­


líticas (em sentido amplo) .
As policies são metas ou diretrizes a serem alcançadas
pelo governo para a melhoria de algum aspecto econô­
mico ou social da comunidade como um todo. Os
argumentos de política tentam demonstrar que a co­
munidade como um todo seria beneficiada se um pro­
grama particular for adotado; são, assim, sob esse as­
pecto1 argumentos baseados no objetivo ou no resulta­
do. 1 8 5 Os princípios1 ao contrário, são padrões que de­
vem ser observados não em função da melhoria ou
avanço que proporcionem para a coletividade nos planos
econômico, político ou social, mas porque constituem
uma exigência de justiça1 equidade ou alguma outra
dimensão da moralidade . Os argumentos de princípios
são baseados em direitos1 que devem ser assegurados
ainda que contra fins coletivos tidos como desej áveis
pela maioria . 1 86
Assim1 as funções da jurisdição constitucional e dos
corpos legislativos são concebidas como processos de

1 84 . Oscar Vilhena Vieira, ob. cit., p . 200.


1 8 5 . Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, ed. cit ., p . 22 e Uma Questão
de Princípio, ed. cit., p. IX.
1 86 . Idem.

89
desenvolvimento da democracia, tendo cada qual um
âmbito de atuação e uma racionalidade próprios . As
questões de princípio são matérias insensíveis à escolha
ou à preferência da população (choice-insensitive ar
preference-insensitive) sendo1 antes1 imperativos morais
1

da própria comunidade1 reconhecidos como direitos


fundamentais das pessoas. Já as questões de política
são1 por sua natureza1 matérias sensíveis à escolha ou
à preferência da população (choice-sensitive or prefe­
rence-sensitive) 1 de vez que importam em fins coletivos
a serem alcançados pela comunidade1 sem relação direta
ou comprometimento de direitos fundamentais . 1 87
A jurisdição constitucional seria1 por assim dizer, o
fórum do princípio por excelência1 porquanto os juízes
constitucionais1 por sua formação e independência1 são
considerados mais aptos ou qualificados para resolver
questões de princípios (insensíveis à escolha) 1 l 88 en­
quanto os parlamentos e governos são mais qualificados1
à vista de sua legitimação popular 1 para escolher as
políticas públicas que melhor atendam ao interesse da
coletividade. 1 8 9
Para Dworkin, a jurisdição constitucional é não só
compatível com a democracia, como contribui decisi­
vamente para o seu fortalecimento. Em Freedom 's Law.
The Moral Reading of the American Constitution, pu­
blicado em 1 9961 o autor traça uma distinção entre a
democracia majoritária, fundada no princípio da maio­
ria, e o que denomina democracia constitucional. Com

1 8 7 . Ronald Dworkin, Equality, Democracy and Constitution: We the People in


Court, in Alberta Law Review, 28, 1 990, p . 324/346.
1 88 . V., neste sentido, Alexander M . Bickel, The Least Dangerous Branch. The
Supreme Court at the Bar of Politics, Yale University Press, 1 986, p. 25/26.
1 89 . José de Souza e Brito, ob. cit., p . 43.

90
a habitual clareza, Dworkin expõe assim sua concepção
de democracia:

"Democracy means government subject to conditions


- we might call these the 'democratic' conditions
- of equal status for all citizens. When majoritarian
institutions provide and respect the democratic con­
ditions, then the verdicts of these institutions should
be accepted by everyone for that reason. But when
they do not, or when their provision or respect is
defective, there can be no objection, in the name of
democracy, to other procedures that protect and res­
pect them better. The democratic conditions plainly
include, for example, a requirement that public of­
fices must in principle be open to members of all
races and groups on equal terms. If some law pro­
vided that only members of one race were eligible
for public office, then there would be no moral cost
- no matter for moral regret at all - if a court
that enjoyed the power to do so under a valid cons­
titution struck down that law as unconstitutional.
That would presumably be an occasion on which the
majoritarian premise was flouted, but though this is
a matter of regret according to the majoritarian
conception of democracy, it is not according to the
constitutional conception. " 1 90

Com efeito, uma democracia só pode ser verdadei­


ramente considerada o governo segundo a vontade do
povo se os cidadãos são tratados como agentes morais
autônomos, tratados com igual respeito e consideração.

1 90 . Ronald Dworkin, Freedom's Law. The Moral Reading of the American


Constitution, ed. cit., p. 1 7/ 1 8 .

91
As "condições democráticas" são, assim, os direitos
fundamentais, reconhecidos pela comunidade política
sob a forma de princípios, sem os quais não há cidadania
em sentido pleno, nem verdadeiro processo político
deliberativo. Os direitos fundamentais são, portanto,
uma exigência democrática antes que uma limitação à
democracia.
Em suma: o ideal democrático de autogoverno (go­
verno pelo povo) é satisfeito quando o princípio da
maioria é respeitado; nada obstante, o princípio majo­
ritário não assegura o governo pelo povo senão quando
todos os membros da comunidade são concebidos e
igualmente respeitados como agentes morais. Dworkin
cita o exemplo dos judeus alemães que não foram
respeitados como membros morais da comunidade po­
lítica que, durante o regime nazista, tentou exterminá­
los . Embora tivessem eles direito ao voto, o programa
hitlerista e o Holocausto não foram democráticos (no
sentido empregado por Dworkin) , mesmo havendo sido
aprovados pela maioria do povo alemão. 191 Um único
princípio de moralidade política - valor-fonte de todos
os direitos do homem - seria suficiente para j ogar por
terra a legitimidade constitucional de toda a nefanda
legislação aprovada sob o Terceiro Reich: o princípio
da dignidade da pessoa humana.
S eguindo esta mesma linha, embora com fundamen­
tação filosófica diversa, o jurista alemão Robert Alexy
sustenta que os direitos fundamentais são compatíveis
com a democracia, mas representam, simultaneamente,
uma desconfiança do processo democrático. São demo­
cráticos na medida em que asseguram a existência e
desenvolvimento de pessoas capazes de manter o pro-

1 9 1 . Idem, p . 23.

92
cesso democrático em funcionamento 1 pois sem eles a
democracia fica reduzida a mera figura de retórica. Por
outro lado1 com a vinculação também do legislador1 os
direitos fundamentais são subtraídos do poder decisório
das maiorias parlamentares1 o que reflete a aludida
desconfiança na democracia. 1 92
A existência da jurisdição constitucional como ins­
tituição política tem1 precisamente1 a missão - que é1
ao mesmo tempo1 sua fonte de legitimação - de fazer
com que os problemas mais fundamentais1 os conflitos
mais profundos entre o indivíduo e a sociedade sejam
expostos e debatidos como questões de princípio1 e não
definitivamente resolvidos na arena das disputas de
poder. 1 93

1 1 1 . 4 . A j urisdição constitucional como instrumento


de defesa do procedimento democrático.

É precisa a observação de Habermas - e isto1 de


resto1 pode ser constatado ao longo do presente estudo
- de que a crítica à jurisdição constitucional é condu­
zida quase sempre sob o prisma da distribuição de
competências entre legislador democrático e justiça; e1

1 92 . Robert Alexy, Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrá­


tico. Para a relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia
e jurisdição constitucional, in Revista de Direito Administrativo nº 2 1 7, jul./set.
1 999, p. €5/66 .
1 93 . Ronald Dworkin, Uma Questão de Princípio, ed. cit., p. 1 03 : "Temos uma
instituição (a judicial review) que leva algumas questões do campo de batalha
da política de poder para o fórum do princípio. Ela oferece a promessa de que
os conflitos mais profundos, mais fundamentais entre o indivíduo e a sociedade
irão, algum dia, em algum lugar, tornar-se finalmente questões de justiça. Não
chamo isso de religião nem de profecia. Chamo isso de Direito. "

93
nesta medida, ela é sempre uma disputa em torno do
princípio da divisão de poderes. 1 94 A assertiva soa quase
tautológica: quanto mais ampla a atividade judicante
da Corte Constitucional, menor o espaço de livre con­
formação do Legislativo. 1 9 5 A calibragem exata dessa
distribuição de poder é uma discussão teórica que per­
manece em aberto.
Nos Estados Unidos, após dois períodos em que a
Suprema Corte ostentou um perfil nitidamente pro­
gressista, l 9 6 com vasta utilização do método de inter­
pretação construtivo - que, na doutrina contemporâ­
nea, tem em Ronald Dworkin um de seus expoentes
-, articula-se, a partir dos anos oitenta, um amplo
movimento de reação conservadora. 1 97 Difundem-se,
nesse contexto, ideias antagônicas ao ativismo judicial,
que consideram antidemocráticas as construções juris­
prudenciais feitas para além do texto literal da Cons­
tituição. Segundo a crença de seus expositores, o cons­
trutivismo do Tribunal Constitucional acaba por esta­
belecer um governo de "guardiões platônicos" - numa
alusão aos reis-filósofos de Platão - que substituem a
vontade dos representantes do povo pelas suas próprias
convicções. 1 9 8

1 94 . Jürgen Habermas, Direito e Democracia entre Facticidade e Validade, ed.


cit., vol. I , p. 298.
1 9 5 . Peter Haberle, Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos
Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e
"Procedimental" da Constituição, Sergio Antonio Fabris Editor, 1 997, p. 49.
1 9 6. Como j á dito anteriormente, esses períodos se deram sob a presidência
de Earl Warren (1 953- 1 969) e Warren Burger ( 1 969- 1 986), caracterizando-se
pela afirmação de novos direitos e especial proteção das minorias.
197 . V. Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, ed.
cit., p. 1 08 .
1 9 8 . V . , neste sentido, Learned Hand, The Bill of Rights, Harvard University
Press, 1 958, p. 7 3 .

94
O originalismo foi uma corrente doutrinária renas­
cida nesse período, precisamente com o projeto de
justificar, no plano teórico, a plataforma política con­
servadora de autocontenção judicial (judicial self-res­
traint) . A doutrina é fundada no argumento de que o
intérprete da Constituição deve cingir-se, no desempe­
nho de seu mister, à busca da intenção original (the
original intent) dos "fundadores" da nação, dos elabo­
radores da Carta. Qualquer tentativa de atualização
evolutiva de disposições constitucionais vetustas, segun­
do a nova realidade social, é tida pelos originalistas
como ilegítima, pois importaria em uma ação do Judi­
ciário não autorizada pela Lei maior na sua vontade
seminal; seria como que um ato praticado ultra vires
mandati . 1 99
Como assinala Luís Roberto Barroso, com a argúcia
de praxe, o originalismo é a patologia da interpretação
histórica, pois nem mesmo o constituinte originário
pode ter a pretensão de aprisionar o futuro. 200 É o
mesmo autor quem cita, como subproduto burlesco do
originalismo, o julgamento, pela Suprema Corte norte­
americana, do caso Olmstead vs. United States (2 7 7
U . S . 4 3 8 - 1 92 8 ) , no qual o Chief Justice Taft
considerou que a interceptação telefônica não violava
a 4ª Emenda (que veda provas ilegais e buscas e apreen-

1 99 . A literatura sobre o originalismo é vasta. Dentre outros, v. The Great


Debate: Interpreting our Written Constitution, coletânea com textos de Edwin
Meese, William Brennan Jr., John Paul Stevens, Robert Bork e Ronald Reagan,
publicado por The Federalist Society, s.d.; William Rehnquist, The Notion of
a Living Constitution, in Texas Law Review nº 54, 1 9 76, p. 693; Robert Bork,
O Que Pretendiam os Fundadores, Revista de Direito Público, vol. 93, 1 990,
p. 6 e segs.
200. Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, ed. cit.,
p. 1 26.

95
sões sem ordem judicial) porque, ao tempo em que
seu texto foi redigido ( 1 7 9 1 ) , não existia telefone. 2 º 1
A tentativa frustrada do Presidente Ronald Reagan
de alçar à Suprema Corte Robert Bork, um dos mais
aguerridos defensores do originalismo - cuja indicação
acabou sendo rejeitada pelo Senado 2 º 2 -, não impediu
que se formasse na Corte, sob a presidência de William
Rehnquist - ele próprio um originalista - uma sólida
maioria conservadora. S ob sua batuta, e após a nomea­
ção de diversos juízes de perfil conservador, a Corte
Suprema americana teve significativamente reduzida
sua relevância política e seus julgados já não ostentam
o mesmo caráter quase mítico de antanho. Após o fiasco
das indicações de Robert Bork - rejeitado pelo Senado
- e de Douglas Ginsburg - que renunciou à indicação
após acusações de uso de maconha na juventude - o
Presidente Reagan conseguiu nomear, em 1 98 7 , An­
thony Kennedy. Em 1 99 1 , foi a vez de Clarence Tho­
mas, hoje o único juiz afrodescendente da Suprema
Corte norte-americana. No governo do presidente re­
publicano George W. Bush, Rehnquist, Kennedy, Tho­
mas, S calia e O 'Connor formavam a maioria conserva­
dora que costuma dominar as votações da Corte em
casos controvertidos . Os dois mandatos consecutivos
conferidos, durante os anos noventa, ao democrata Bill
Clinton - advogado formado pela prestigiosa Faculda­
de de Direito da Universidade de Yale e político de
tendência progressista - não contribuíram para o res-

2 01 . Idem, p. 1 2 7 .
202 . Sobre o tema, v . Morton J . Horwitz, The Bork Nomination and American
Constitutional History, Syracuse Law Review nº 39, 1 988, p. 1 .029. Sobre o
mesmo tema, ver também Ronald Dworkin, Freedom's Law, especialmente os
artigos intitulados Bork: The Senate Responsability, p. 265-275 e What Bork's
Defeat Meant, p. 2 76-286.

96
gate do prestígio institucional da Suprema Corte, até
mesmo em razão da vitaliciedade dos seus juízes, que
não permite a renovação periódica de sua composição. 20 3
O atual presidente dos Estados Unidos Barack Obama
- também advogado, formado pela Faculdade de Di­
reito da Universidade de Harvard - já indicou, até o
momento, dois membros à Suprema Corte: a Justice
S onia S otomayor, primeira juíza hispano-americana a
chegar à Suprema Corte americana, bem como a Justice
Elena Kagan .
No campo doutrinário, as posições de judicial self­
restraint tiveram a sua defesa mais articulada e con­
tundente com a obra de John Hart Ely, Democracy and
Dístrust. A Theory of Judicial Review, publicada em
1 980 e já considerada um clássico da literatura consti-

20 3 . Ao contrário da maior parte dos países da Europa continental, nos quais


os juízes dos Tribunais Constitucionais são nomeados a termo fixo, com man­
datos que variam entre seis e doze anos (6 anos em Portugal e na Suíça; 9 anos
na Itália, Espanha e no Conselho Constitucional da França; J 2 anos na Alema­
nha) . Só há vitaliciedade na Áustria e na Bélgica. V., sobre o tema, Marcelo
Rebelo de Souza, Legitimação da Justiça Constitucional e Composição dos
Tribunais Constitucionais, in Legitimidade e Legitimação da Justiça Constitu­
cional. Colóquio no 1 0° Aniversário do Tribunal Constitucional, Coimbra
Editora, 1 995, p. 2 1 1/228, 220. No Brasil, por força do art. 95, inciso I, da
Constituição da República, os magistrados, inclusive os Ministros do STF,
gozam da garantia da vitaliciedade. Felizmente, aqui, por força de orientação
jurisprudencial, os Ministros do STF estão sujeitos à aposentadoria compulsória
aos setenta anos de idade, ao contrário do entendimento prevalecente nos
Estados Unidos. Apenas a título de exemplo, o juiz mais velho da Suprema
Corte norte-americana era, até 201 O, o Justice John Paul Stevens, o qual se
aposentou com 90 (noventa anos) em junho daquele ano. Dizia-se nos Estados
Unidos que Stevens aguardava em atividade a sucessão do Presidente George
W. Bush por um político democrata, de forma a evitar o ainda maior fortale­
cimento da maioria conservadora da Corte (a qual se concretizou com a eleição
do presidente Barack Obama em 2008) . Atualmente, com 80 (oitenta) anos,
a Justice Ruth Bader Ginsburg é a componente mais velha da Suprema Corte
Americana.

97
tucional norte-americana. A construção teórica de Ely
tem interessado1 inclusive1 à ciência política1 2º4 por­
quanto1 ao invés de investir no desenvolvimento de uma
específica hermenêutica para o trato da Constituição1
apta a reduzir o espectro da discricionariedade judicial1
o autor reavalia o papel a ser desempenhado nas socie­
dades democráticas pela jurisdição constitucional. 2º5 O
cerne de suas preocupações está sintetizado logo no
intróito de seu conhecido livro:

"Thus the central functian1 and it is at the sarne


time the central problem af judicial review: a bady
that is nat elected ar atherwise palitically responsible
in any significant way is telling the peaple 's elected
representatives that they cannat govern as they 1d
like. That may be desirable ar it may nat, depending
an the principles an the basis af which it is dane. " 2 0 6

Mas quais seriam estes princípios norteadores da


justiça constitucional que a tornaria não apenas com­
patível como desejável em um regime democrático?
Ely principia por descartar a assim por ele denomi­
nada falsa dicotomia que tem aprisionado o debate
constitucional contemporâneo: a) ou as Cortes devem
ater-se às opções valorativas1 crenças e propósitos da-

204 . Robert Dahl, Democracy and its Critics, Yale University Press, 1 989, p.
1 73 e segs.
205. Oscar Vilhena Vieira, ob. cit., p. 2 1 2 .
206. John Hart Ely, Democracy and Distrust. A Theory of Judicial Review, ed.
cit., p. 4/5 . Para uma compreensão crítica, embora resumida, da obra de Ely
em português, v. Jorge Hage Sobrinho, "Democracy and Distrust - A Theory
of Judicial Review" - John Hart Ely: Resumo e Breves Anotações à Luz da
Doutrina Contemporânea sobre Interpretação Constitucional, in Arquivos do
Ministério da Justiça, 4 8 ( 1 86) , jul./dez. 1 995, p. 20 1/22 5 .

98
queles que redigiram a Constituição há mais ·de dois
séculos (mesmo as emendas mais significativas, das
vinte e sete existentes foram promulgadas há muito
1

tempo ) 2 0 7 ; b) ou não há alternativa senão entregar às


Cortes (especialmente à Suprema Corte) a soberania
máxima da nação, isto é, o poder de rever as opções
valorativas da sociedade, feitas pelos seus repre­
sentantes eleitos. 2º 8 S egundo o autor, ambas as alter­
nativas são inconsistentes com a democracia. Por isso
mesmo seu esforço teórico é no sentido de pavimentar
uma terceira via.
Sustenta Ely, com propriedade, que a primeira al­
ternativa - a dos chamados ínterpretatívístas, dentre
os quais se incluem os orígínalistas como facção mais
radical - compromete a democracia na medida em
que pretende subordinar todas as futuras gerações aos
ideais e valores que permearam o trabalho dos elabo­
radores da Carta de 1 7 8 7 e fundadores do constitucio­
nalismo norte-americano (framers) . A Constituição
deve ser relida a cada geração, com as atualizações
formais e informais 209 que permitam revigorar a sua

20 7 . Note-se que a 27" Emenda - segundo a qual toda lei que altere a
remuneração de senadores e deputados só entra em vigor na legislatura seguinte
- foi aprovada pelo Congresso em 1 789, vindo a ser promulgada apenas em
0 7 . 05 . 1 992, quando só então obteve a trigésima oitava ratificação, do Estado
de Michigan. Apenas a título de esclarecimento, para que uma proposta de
emenda se torne parte da Constituição norte-americana, é necessária, nos
termos do art. V, sua aprovação por maioria de dois terços das duas Casas
Legislativas e três quartos das Assembleias Legislativas dos Estados ou pelo
mesmo número de Convenções estaduais especialmente convocadas para este
fim.
208 . John Hart Ely, ob. cit ., p. vii.
2 09 . Sobre o tema, consulte-se a obra primorosa de Anna Cândida da Cunha
Ferraz, Processos Informais de Mudança da Constituição, Editora Max Limo­
nad, 1 98 6 .

99
legitimidade como documento político fundamental.
Invocando célebre carta de Jefferson a Madison1 Ely
conclui que a Constituição é patrimônio dos v1vos1 e
não dos mortos. 21 0
Quanto à segunda alternativa1 Ely objeta que1 no
contexto de um Estado que nasceu sob o signo da
democracia1 o conteúdo das normas abertas da Cons­
tituição possa ser preenchido segundo valores ditados1
em caráter obrigatório e definitivo1 por uma elite de
poucos juízes não ungidos pelo voto popular e desone­
rados da responsabilidade política própria dos repre­
sentantes eleitos. Sua tese é a de que as decisões morais
fundamentais numa sociedade democrática devem ser
tomadas pelos representantes do povo1 e não por ma­
gistrados a partir de concepções morais supostamente
universais ( como1 v.g. 1 os direitos naturais) ou preten­
samente aceitas como um consenso da comunidade.
Em relação aos direitos naturais1 Ely concorda com
Mangabeira Unger em que "todas as tentativas de cons­
truir uma doutrina moral e política a partir da natureza
humana falharam. Os fins universais alegados são poucos
e abstratos para dar conteúdo à ideia de bem1 ou eles
são numerosos e concretos para serem verdadeiramente
universais. Deve-se escolher entre a trivialidade e a
implausibilidade" . 2 1 1
No que se refere à tese da existência de princípios
morais1 aceitos e endossados pela coletividade1 e que1
à moda de Rawls e Dworkin1 devem ser tomados em

21 O. Thomas Jefferson, The Writings of Thomas Jefferson, 1 1 6, 1 2 1 , apud John


Hart Ely, ob. cit., p. 1 1 : "the earth belongs in usufruct to the living; the dead
have neither powers nor rights over it. " Como curiosidade, para Jefferson a
concepção original de uma Constituição expiraria a cada dezenove anos.
2 1 1 . Roberto Mangabeira Unger, Knowledge and Politics, 1 97 5 , apud John Hart
Ely, ob. cit., p. 5 1/ 5 2 .

1 00
conta para pautar a atuação da jurisdição constitucional,
Ely se mostra cético. Dada a multiplicidade de visões
de mundo e concepções sobre o bem e o justo existente
nas sociedades pluralistas, não parece aceitável ao autor
"a noção de um conjunto objetivo de princípios morais
válidos e descobríveis, ao menos não um conjunto de
valores que possa derrogar decisões tomadas por rep­
resentantes eleitos pelo povo " . 21 2 Os supostos princípios
consensuais não passariam, no mais das vezes, da pro­
j eção de preferências valorativas - conscientes ou não
- dos próprios magistrados.
Assim, descrendo na viabilidade de princípios morais
consensuais ou neutros, 2 1 3 dedutíveis pela razão e sus­
cetíveis de fundar um ativismo judicial em termos
consistentes com a democracia, Ely propõe a limitação
do judicial review (judicial self-restraint) a questões

2 1 2 . John Hart Ely, ob. cit., p. 54.


2 1 3 . Sobre o tema, v. o artigo de Herbert Wechsler, Towards Neutral Principies
of Constitutional Law, Harvard Law Review nº 73, 1 959, p. 1 . Em trabalho
posterior, de 1 965, intitulado The Courts and the Constitution, publicado na
Colorado Law Review nº 65, 1 96 5 , p. 1 .001 , Wechsler reitera a ideia de
princípios neutros como fonte legitimadora da interpretação constitucional.
Luís Roberto Barroso, em passagem clássica de sua Interpretação e Aplicação
da Constituição, transcrita pelo Ministro Sepúlveda Pertence no prefácio da
obra, após demonstrar o comprometimento da postura supostamente neutra
com o status quo, define com precisão lapidar - e com um certo auxílio da
psicanálise - a utilidade e os limites da noção de neutralidade: "Idealmente,
o intérprete, o aplicador do direito, o juiz, deve ser neutro. E é mesmo possível
conceber que ele seja racionalmente educado para a compreensão, para a
tolerância, para a capacidade de entender o diferente, seja o homossexual, o
criminoso, o miserável ou o mentalmente deficiente. Pode-se mesmo, um tanto
utopicamente, cogitar de libertá-lo de seus preconceitos, de suas opções polí­
ticas pessoais e oferecer-lhe como referência um conceito idealizado e asséptico
de justiça. Mas não será possível libertá-lo do próprio inconsciente, de seus
registros mais primitivos. Não há como idealizar um intérprete sem memória
e sem desejos. Em sentido pleno, não há neutralidade possível." ( ed. cit., p.
25 7/2 5 8) .

1 01
relativas à preservação da integridade do próprio regime
democrático. Isto é: o papel do Judiciário não seria o
de fazer escolhas substantivas, incluindo a conteudização
de princípios e direitos, tarefa reservada, nos Estados
democráticos, aos agentes políticos investidos pelo voto
popular; sua missão seria a de garantir a lisura dos
procedimentos pelos quais a democracia se realiza. Um
controle, enfim, centrado apenas nas condições de for­
mulação do ato legislativo (input) , desprovido de qual­
quer pretensão de alcançar o seu resultado substantivo
(outcome) . Para Ely, "apenas uma teoria que enxergue
o controle de constitucionalidade, atribuído aos tribu­
nais, como um reforço da democracia, e não como um
guardião superior que arbitra quais resultados devem e
quais não devem ser admitidos, será compatível com a
própria democracia . " 21 4
A inspiração declarada d a tese advém d a famosa
nota de rodapé nº 4 do voto proferido pelo Justice
Harlan Stone no caso United States v. Carolene Products
Co. , 2 1 5 julgado em 1 93 8 pela Suprema Corte . Tal nota
aponta como que um itinerário a ser percorrido por
um Tribunal Constitucional na aferição da validade de
qualquer lei: (I) os juízes devem se ater, o quanto
possível, ao texto constitucional; (II) devem avaliar se
os canais de participação política que levaram à elabo­
ração da norma legal estavam abertos; (III) por fim,
devem verificar se a norma em questão discrimina
grupos minoritários, levando à fragilização do processo
democrático.

2 1 4 . Oscar Vilhena Vieira, ob. cit., p. 2 1 5 .


2 1 5 . John Hart Ely, ob. cit., p . 75/77. ParaOscar Vilhena Vieira, esta é
"certamente a nota mais importante de todo o direito constitucional americano"
(ob. cit . , p. 2 1 5) .

1 02
Na v1sao de Ely, a Constituição é um documento
cuj a finalidade precípua é de natureza procedimental,
destinada a viabilizar que cada geração se autogoverne,
consoante as decisões da maioria. Não contém ela,
assim, um quadro de valores a ser descoberto; ao con­
trário, estabelece apenas os meios de chegar a tais
valores. A essência da Constituição seria, portanto, a
disciplina do procedimento democrático. O regime de­
mocrático, no entanto, pressupõe que todo cidadão
deva ser tratado com igual respeito e que as minorias
tenham assegurada a sua subsistência. No pensamento
do autor norte-americano1 a missão da jurisdição cons­
titucional consistiria em velar por tais pressupostos
procedimentais da democracia. 2 1 6
Assim1 o controle de constitucionalidade deve preo­
cupar-se fundamentalmente com a preservação das li­
berdades que preservem abertos os canais da partici­
pação política, tais como as liberdades de expressão1
de consciência1 de associação e o voto universal1 secreto,
igualitário e periódico. Qualquer bloqueio nos canais
da mudança política, de molde a perpetuar determina­
dos grupos no poder ou dele alijar sistematicamente
outros1 compromete o bom funcionamento do regime
democrático. Além disso1 cabe à Corte Constitucional
facilitar a representação das minorias, sustando leis que
exibam caráter discriminatório e, como tal, representem
risco para a higidez do sistema representativo. Nestes
casos1 a maioria política não merece confiança1 pois
seus interesses podem colocar em xeque a própria de-

216.Embora não haja uma referência sequer à obra de Kelsen no livro de Ely,
é de se assinalar a precedência do jurista austríaco na associação do papel das
Cortes Constitucionais à defesa das minorias e, via de consequência, do próprio
processo democrático. A este propósito, v. seção III.2, supra.

1 03
mocracia: assim, e só assim, no pensamento de Ely, se
legitima a justiça constitucional em um regime demo­
crático.
Oscar Vilhena Vieira figura exemplo pertinente de
uma tal situação, colhida da realidade política brasileira:

"Não serão os próprios representantes os mais indi­


cados para corrigir esses problemas de mau funcio­
namento democrático. Exemplo disso é o caso da
sub-representação dos cidadãos dos Estados mais
populosos em relação aos menos populosos no Brasil.
Esperar que o Congresso - fruto dessa distorção e
beneficiário da mesma - a corrija é esperar que a
maioria dos parlamentares lute contra seus próprios
interesses. Este é um caso típico onde a resolução do
problema e o consequente fortalecimento da demo­
cracia devem sair de fora do sistema representa­
tivo. " 2 1 7

E m remate, Ely enfrenta objeção feita por Michael


Perry, relativa à dificuldade de se sustentar, na era
pós-Holocausto, que as questões atinentes ao processo
são mais importantes que as questões de substância. 2 1 8
Após registrar que o argumento de Perry é o mais
poderoso de nossa era, 2 1 9 Ely responde que as leis e
políticas nazistas não resistiriam ao contraste constitu-

2 1 7. Oscar Vilhena Vieira, ob. cit., p. 2 1 6 .


2 1 8. Michael Perry, The Abortion Funding Cases. a Comment on the Supreme
Court's Role in American Govemment, Georgia Law Journal nº 66, 1 9 78, p .
1 191/1 2 1 6.
2 1 9 . John Hart Ely, ob. cit, p. 1 8 1 : "Perry's adjectival reference is the most
powerful of our age: 'You wouldn't let courts second-guess the substantive
merits? Why, that means you'd have to uphold the constitutionality of the
Holocaust' . "

1 04
cional nas bases propostas em sua teoria, já que impor­
tavam na exclusão social, vitimização e extermínio de
minorias isoladas.
Inobstante seu louvável esforço intelectual no sen­
tido de tornar o instituto da judicial review compatível
com a democracia, a obra de Ely apresenta várias de­
ficiências teóricas e algumas inconveniências práticas.
Crítica arguta e consistente à sua teoria é formulada
por Ronald Dworkin no ensaio O fórum do princípio,
publicado na coletânea intitulada Uma Questão de Prin­
cípio. 220
Dworkin concorda com a tese de que as decisões
políticas devem ser tomadas, em regra, pelos agentes
eleitos e que o controle judicial deva centrar-se nos
critérios que presidiram a elaboração das leis, e não nos
seus resultados. Discorda, entretanto, de que o ideal
abstrato de democracia - tão invocado por Ely -
possa oferecer sustentação maior para uma doutrina da
jurisdição constitucional baseada no controle do pro­
cesso do que para uma baseada nos resultados. Na
verdade, Dworkin procura demonstrar a inviabilidade
de que um judicial review focado no processo de feitura
das leis possa prescindir de considerações de índole
substantiva.
Utilizando o argumento do próprio Ely - segundo
o qual não há consenso sobre que princípios morais
devem prevalecer, o que inviabilizaria um controle subs­
tantivo - Dworkin demonstra que também quanto ao
significado da democracia, e aos direitos processuais
dela decorrentes, existem divergências . Assim, a escolha

220 . Ronald Dworkin, Uma Questão de Princípio, ed. cit., especialmente p.


80/ 1 00 .

1 05
entre diferentes acepções de democracia é uma escolha
necessariamente substantiva. 2 2 1
Como visto na seção anterior (III . 3 , supra) , Dworkin
propõe um modelo de democracia constitucional em
oposição à democracia majoritária, baseando-se, justa­
mente, em determinados direitos que, por uma questão
de princípio, devem ser assegurados às pessoas, com
prevalência sobre as políticas públicas decididas pelas
maiorias eleitorais. Uma teoria da democracia pressu­
põe, assim, uma teoria dos direitos fundamentais do
homem, que funcionem como trunfos contra maiorias
irresponsáveis, mas, ao mesmo tempo, como princípios
deontológicos inerentes à própria noção de regime de­
mocrático. 2 2 2
A despeito de considerar inevitável que a Corte leve
em conta aspectos substantivos da lei no exercício do
controle da constitucionalidade, isto não significa que
deva aquilatar o grau de utilidade de seus resultados .
Esta é uma consideração e uma avaliação que compete
aos representantes eleitos pelo povo. Daí a importância
da distinção entre argumentos de princípio (dos quais
se extraem razões para a afirmação de direitos) e ar­
gumentos de política (dos quais se extraem razões para
medidas utilitárias, voltadas ao bem-estar geral) , apre­
sentada na seção anterior, que estabelece a linha divi­
sória entre os campos de atuação da jurisdição consti­
tucional e do parlamento.
Não obstante as críticas, a compreensão procedimen­
talista da jurisdição constitucional - que, de resto,

221 . Idem, p. 82/83.


222 . Neste sentido, Dworkin chega a afirmar que a tese de Ely, se bem
compreendida, coincide com o seu argumento em favor da jurisdição consti­
tucional como instrumento de defesa de direitos fundamentais, no contexto
de uma democracia constitucional ( ob. cit., p. 82) .

1 06
reflete uma visão procedimental da própria Constitui­
ção - foi recebida com interesse por teóricos da filo­
sofia política como Robert Dahl e Jürgen Habermas .
Sua preocupação fundamental é a de "buscar a cons­
trução de procedimentos éticos de deliberação1 dada a
impossibilidade da revelação de valores éticos a prio-
. ,, 22
n . 3

Habermas um dos mais influentes filósofos da se­


1

gunda metade do século XX1 procurou utilizar sua


concepção de razão comunicativa e a sua teoria do
discurso 22 4 -amplamente aplicada ao campo das ciên­
cias sociais - para superar as tensões entre as tradições
filosóficas fundadas em Kant e Rousseau1 erigindo uma
teoria procedimental e discursiva da democracia da qual
extrai um sistema de direitos fundamentais . A publi­
cação1 em 1 9921 do livro Direito e Democracia entre
Facticidade e Validade1 22 5 marca a caminhada do pen­
sador alemão do campo da sociologia empírica para o
da filosofia do Direito. Ao final do primeiro volume da
obra1 o autor faz uma profunda reflexão sobre a questão
da legitimidade e dos limites da justiça constitucional
no âmbito de um regime democrático. 226
Para H abermas1 ao contrário de Dworkin1 a formação
democrática da vontade não tira sua força legitimadora

22 3 . Oscar Vilhena Vieira, ob. cit., p. 2 1 6/ 2 1 7.


22 4 . Sobre o tema, no campo da filosofia pura, v. o ensaio de Sergio Paulo
Rouanet, Razão Negativa e Razão Comunicativa, in As Razões do Iluminismo,
Companhia das Letras, 1 998, p. 3 3 1 /347.
22 5 . Jürgen Habermas, Direito e Democracia entre Facticidade e Validade,
Editora Tempo Brasileiro, 1 997, 2 vol., tradução de Flávio Berro Siebeneichler.
226. Para uma ampla análise da reflexão de Habermas sobre a temática da
jurisdição constitucional, v. a brilhante Dissertação de Mestrado de Cláudio
Pereira de Souza Neto, Jurisdição Constitucional, Racionalidade Prática e
Democracia, PUC-RJ, 2000, p. 1 47 e segs.

1 07
da convergência preliminar em relação a convicções
éticas consuetudinárias, mas sim de pressupostos co­
municativos e procedimentos, os quais permitem que,
durante o processo deliberativo, venham à tona os me­
lhores argumentos . 22 7 Assim, n a perspectiva haberma­
siana, os direitos fundamentais do homem não são pro­
duto de uma revelação transcendente (como na doutrina
jusnaturalista) , nem de princípios morais racionalmente
endossados pelos cidadãos (como propõe, kantianamen­
te, Dworkin) , mas consequência da decisão recíproca
dos cidadãos livres e iguais de legitimamente regular
as suas vidas por intermédio do direito positivo. O
papel de tais direitos básicos é o de assegurar a auto­
nomia pública e privada dos cidadãos para que estes
possam deliberar num ambiente de liberdade e igual­
dade, no qual a única forma de coerção seja a do melhor
argumento.
O Direito legítimo será aquele em que os cidadãos
participam não apenas como destinatários, mas também
como autolegisladores. Sua teoria pressupõe, assim, uma
justificação procedimental - e não metafísica - dos
direitos fundamentais, que passam a ser compreendidos
como condições viabilizadoras da participação dos ci­
dadãos na formação do consenso democrático. Com a
clareza e o apuro didático possíveis - e que ficam
muito aquém do desejável 2 2 8 assim Habermas ex-
-1

22 7 . Jürgen Habermas, ob. cit., vol. 1, p. 345.


228 . Não resisto à transcrição, a este propósito, de passagem hilariante da obra
do jurista português Paulo Ferreira da Cunha, Constituição, Direito e Utopia
- Do Jurídico-Constitucional nas Utopias Políticas, ed. cit., p. 4 4 1 /442: " Quer
na apresentação dos seus pontos de vista, quer na refutação dos seus críticos,
teóricos como Habermas, indubitavelmente heróis do trabalho intelectual e
respeitabilíssimos enquanto lutando pela sua causa teórica, não podem deixar
de nos sugerir (a nós latinos, irrequietos e leigos), nas circunvoluções dos seus

1 08
plica as relações entre a teoria do discurso, a democracia
e os direitos fundamentais:

"A ideia de autolegislação de cidadãos não pode,


pois, ser deduzida da autolegislação moral de pessoas
singulares . A autonomia tem que ser entendida de
modo mais geral e neutro. Por isso introduzi um
princípio do discurso, que é indiferente em relação
à moral e ao direito. Esse princípio deve assumir -
pela via da institucionalização jurídica - a figura
de um princípio da democracia, o qual passa a
conferir força legitimadora ao processo de normati­
zação. A ideia básica é a seguinte: o princípio da
democracia resulta da interligação que existe entre
o princípio do discurso e a forma jurídica. Eu vejo
esse entrelaçamento como uma gênese lógica de di­
reitos, a qual pode ser reconstruída passo a passo.
Ela começa com a aplicação do princípio do discurso
ao direito a liberdades subjetivas de ação em geral
- constitutivo para a forma jurídica enquanto tal
- e termina quando acontece a institucionalização
jurídica de condições para um exercício discursivo
da autonomia política, a qual pode equipar retro­
ativamente a autonomia privada, inicialmente abs­
trata, com a forma jurídica. Por isso, o princípio da
democracia só pode aparecer como núcleo de um
sistema de direitos. A gênese lógica desses direitos

infólios, aquela ingénua interrogação dos Shadoks: 'Pourquoi faire simple, quand
on peut faire compliqué7' E com toda a humildade, sincera humildade, e sem
a mais leve fímbria de demagogia (que de facto poderia esta insinuar-se, em
tempos de incultura generalizada) somos levados a questionar-nos em surdina,
com medo até de proferirmos heresia inapelável: não haverá contradição entre
pregar-se a comunicação e ser-se afinal tão impenetravelmente prolixo7"

1 09
farma um processo circular, no qual o código do
direito e o mecanismo para a produção de direito
legítimo, portanto o princípio da democracia, se cons­
tituem de modo cooriginário . " 229 (grifos do original) .

A pretensão de Habermas é, assim, substituir os


fundamentos moral ou transcendental dos direitos do
homem, próprios da tradição liberal, por um funda­
mento procedimental, extraído de sua teoria democrá­
tica. O princípio do discurso, elevado à condição de
ideia-força da democracia, pressupõe uma igualitariza­
ção de fundamento comunicacional entre os indivíduos,
pedra angular de um novo contrato social. "A razão
adquire o seu máximo expoente na comunicação plena,
no pleno diálogo, logo, para tal há que ter sujeitos iguais,
que para isso darão as mãos numa sociedade com di­
reitos fundamentais. " 23 º Tais direitos não são um dado,
anterior à prática de autodeterminação dos cidadãos,
senão que compõem um rol de condições básicas da
própria democracia, enquanto liberdades que os cida­
dãos são obrigados a atribuir-se reciprocamente, caso
queiram normatizar a sua convivência mediante produ­
ção de regras de direito legítimas.
Nesse sentido é que Habermas apresenta a demo­
cracia como núcleo de um sistema de direitos funda­
mentais. Seu esquema de direitos fundamentais é todo
ele deduzido logicamente do princípio discursivo, ins­
titucionalizado sob a forma do princípio democrático.
Numa organização didática - e não cronológica - os
direitos surgem grupados da seguinte forma: ( 1 ) direitos
fundamentais que resultam da configuração politica-

229 . Jürgen Habermas, ob. cit., vol. I , p . 1 58 .


23 0 . Paulo Ferreira d a Cunha, ob. cit., p . 433.
1 10
mente autônoma do direito à maior medida possível
de iguais liberdades subjetivas de ação; esses direitos
exigem como correlatos necessários; (2) direitos fun­
damentais que resultam da configuração politicamente
autônoma do status de um membro numa associação
voluntária de parceiros do direito; (3) direitos funda­
mentais que resultam imediatamente da possibilidade
de postulação judicial de direitos e da configuração
politicamente autônoma da proteção jurídica indivi­
dual. 231
Essas três categorias de direitos de liberdade, antes
que meros direitos liberais de defesa, devem ser inter­
pretados como garantias da autonomia privada de su­
jeitos que se reconhecem como destinatários de leis e
que adquirem, assim, a pretensão de instituir direitos
e fazê-los valer reciprocamente. 232 No grupo seguinte
os sujeitos do Direito assumem também o papel de
autores da sua ordem jurídica. São eles: (4) direitos
fundamentais à participação, em igualdade de chances,
em processos de formação da opinião e da vontade, nos
quais os civis exercitam sua autonomia política e através
dos quais eles criam Direito legítimo. 233 Tais direitos
têm, evidentemente, reflexo direto na interpretação e
na configuração política posterior dos direitos arrolados
anteriormente . Este é o momento da institucionalização
democrática dos direitos, em que os cidadãos aparecem

231 . Jürgen Habermas, ob. cit., vol. I, p. 1 59.


232 . Idem.
2 33 . Idem, p. 1 60. Neste contexto é que Habermas afirma ser possível alcançar
a legitimidade pela via da legalidade. V., sobre o tema, Jürgen Habermas,
Comment la Légitimité Est-elle Possible sur la Base de la Légalité7, in Droit et
Morale, Tanner Lectures, É ditions du Seuil, 1 986, p. 1 5/54.

111
não apenas como destinatários das leis, mas também,
à moda de Rousseau, como seus autores .
Por fim, surge uma quinta categoria de direitos, que
proporcionam as condições materiais para o exercício
dos direitos anteriores: (5) direitos fundamentais a
condições de vida garantidas social, técnica e ecologi­
camente, na medida em que isso for necessário para
um aproveitamento, em igualdade de chances, dos di­
reitos mencionados de ( 1 ) até ( 4) . 234 Neste grupo se
incluem os direitos econômicos e sociais básicos, essen­
ciais à dignidade humana, que constituiríam o chamado
mínimo existencial. 235 Sua inclusão no elenco de direitos
fundamentais se justifica na medida em que constitui
verdadeira condição das demais liberdades civis e po­
líticas, sobretudo nos países em desenvolvimento. 23 6
Habermas procura, assim, compatibilizar a soberania
popular com os direitos humanos, pois estes são vistos
como "condições necessárias que apenas possibilitam o
exercício da autonomia política; como condições pos­
sibilitadoras, eles não podem circunscrever a soberania
do legislador, mesmo que estej am à sua disposição.
Condições possibilitadoras não impõem limitações àqui­
lo que constituem" _ 237
Deste modo sendo condições necessárias do pro­
1

cesso democrático, os direitos fundamentais devem fi­


car imunes à vontade da maioria legislativa; com efeito,

234 . Idem.
235 . V., sobre o tema, Ricardo Lobo Torres, Os Direitos Humanos e a Tribu­
tação. Imunidades e Isonomia, ed. cit. , p. 1 2 1 e segs.
236 . Neste sentido, v. Carlos Santiago Nino, Fundamentos de Derecho Consti­
tucional. Análisis Filosófico, Jurídico y Politológico de la Práctica Constitucio­
nal, Editorial Astrea, 1 992, p. 705/706.
237 . Jürgen Habermas, Direito e Democracia entre Facticidade e Validade, vol.
I, p. 1 65 .

1 12
a maioria democraticamente eleita não tem a prerro­
gativa de inviabilizar o próprio procedimento democrá­
tico. 238 Aqui se situa o locus de atuação legítima da
jurisdição constitucional: a proteção do sistema de di­
reitos que possibilita a autonomia privada e política dos
cidadãos, condição da gênese democrática das leis. Em
palavras do próprio Habermas:
11(. .) o tribunal constitucional precisa examinar os

conteúdos de normas controvertidas especialmente


no contexto dos pressupostos comunicativos e condi­
ções procedimentais do processo de legislação demo­
crático. Tal compreensão procedimentalista da cons­
tituição imprime uma virada teórico-democrática ao
problema da legitimidade do controle de constitucio­
nal idade. " 2 39
Habermas rejeita, destarte, a visão da Constituição
como "ordem concreta de valores", da qual o Tribunal
Constitutcional seria um intérprete qualificado, que se
sobressai por suas virtudes intelectuais e acesso privi­
legiado à verdade. O pluralismo é um fato social que
não permite ao Judiciário a referência automática a
valores éticos fundadores de determinada comunida­
de. 2 4 º O modelo procedimental de interpretação cons­
titucional impõe ao juiz uma atitude voltada especial­
mente para a garantia das condições democráticas do
processo legislativo, e não para a avaliação de seus
resultados . 241 Isto não importa, como preconiza Ely,

238 . Cláudio Pereira de Souza Neto, ob. cit., p. 1 7 5 .


2 39 . Jürgen Habermas, Direito e Democracia entre Facticidade e Validade, vol.
I, p. 326.
240 . Cláudio Pereira de Souza Neto, ob. cit., p. 1 7 5 .
24 1 . Nesse ponto h á uma coincidência entre o s pensamentos d e Habermas e
1 13
necessariamente, uma postura de judicial self-restraint.
Vale transcrever, uma vez mais, o raciocínio do jurista
alemão:

11A discussão sobre o tribunal constitucional - sobre


..
seu atavismo ou automodéstia - não pode ser con-
duzida in abstracto. Quando se entende a constitui­
ção como interpretação e configuração de um sistema
de direitos que faz valer o nexo interno entre auto­
nomia privada e pública, é bem-vinda uma juris­
prudência constitucional ofensiva (offensivJ em casos
nos quais se trata da imposição do procedimento
democrático e da farma deliberativa da farmação
política da opinião e da vontade: tal jurisprudência
é até exigida normativamente. Todavia, temos que
livrar o conceito de política deliberativa de conota­
ções excessivas que colocariam o tribunal constitu­
cional sob pressão permanente. Ele não pode assumir
o papel de um regente que entra no lugar de um
sucessor de menor idade. Sob os olhares críticos de
uma esfera pública jurídica politizada - da cida­
dania que se transfarmou na 'comunidade dos in­
térpretes da constituição 1 -, o tribunal constitucio­
nal pode assumir, no melhor dos casos, o papel de
um tutor. " 242

Dworkin quanto ao papel das Cortes Constitucionais de resguardo das chama­


das condições democráticas, cujo conceito se confunde com o de direitos
fundamentais. Divergem, no entanto, quanto à fundamentação filosófica: em
Dworkin, direitos fundamentais decorrem de princípios morais generalizada­
mente aceitos e essenciais ao funcionamento de uma democracia constitucional;
em Habermas, são eles condições procedimentais essenciais ao funcionamento
de uma democracia discursiva.
2 4 2 . Jürgen Habermas, Díre'ito e Democracia entre Facticidade e Validade, vol.
1, p. 346/34 7 .

1 14
Para que o Tribunal Constitucional não se converta
em uma instância autoritária de poder1 Habermas res­
gata a ideia da sociedade aberta de intérpretes da Cons­
tituição1 243 formulada por Peter Haberle1 segundo a
qual o círculo de intérpretes da Lei Fundamental deve
ser elastecido para abarcar não apenas as autoridades
públicas e as partes formais nos processos de controle
de constitucionalidade1 mas todos os cidadãos e grupos
sociais que1 de uma forma ou de outra1 vivenciam a
realidade constitucional. 244
Como destinatários e autores do seu próprio Direito1
os cidadãos devem poder participar e ter voz ativa nos
processos de interpretação constitucional (a cidadania
procedimentalmente ativa1 como pretende Haberle) 1
não podendo ser ignorados pelos operadores oficiais.
Assim1 embora à Corte Constitucional se cometa a
palavra final sobre a interpretação da Constituição1
suas decisões devem ser amplamente fundamentadas e
expostas ao debate público1 pois a crítica advinda da
esfera pública Uuristas1 operadores do direito1 políticos1
jornalistas1 profissionais liberais em geral) possui um

243. Peter Haberle, Hermenêutica Constitucional. A Sociedade Aberta dos


Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e
"Procedimental" da Constituição, Sergio Antonio Fabris Editor, 1 99 7 .
244. Idem, p. 1 4/ 1 5 : "Todo aquele que vive no contexto regulado por uma
norma e que vive com este contexto é, indireta, ou até mesmo diretamente,
um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito
mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico.
Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a
norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da Constituição. ( . . . )
Subsiste sempre a responsabilidade da jurisdição constitucional, que fornece,
em geral, a última palavra sobre a interpretação (com a ressalva da força
normatizadora do voto minoritário) . Se se quiser, tem-se aqui uma democra­
tização da interpretação constitucional. Isso significa que a teoria da interpre­
tação deve ser garantida sob a influência da teoria democrática."

11 5
potencial racionalizador e legitimador. 245 Aliás, esta
mesma ideia já era defendida, ainda em 1 959, por Otto
Bachof, para quem a legitimação da jurisdição consti­
tucional seria obtida através de um permanente diálogo
com a opinião pública e, sobretudo, com a comunidade
jurídica. 2 4 6
Costuma-se repetir, de forma até mecânica, que
"decisão judicial não se critica, apenas se cumpre" . Tal
frase, em sua despretensão, revela a herança positivista
e autoritária de nossa tradição jurídica. Por certo, o
dever de submissão às decisões emanadas do Poder
Judiciário - e mesmo de um Tribunal Constitucional
- não importa necessariamente a sua aceitação acrítica
por quem quer que seja. Decisão judicial se critica,
sim: nos autos, por meio do recurso cabível, nas obras
doutrinárias, nos bancos universitários, na imprensa ou
até em sedes menos ortodoxas, como conselhos comu­
nitários e associações de moradores.
Em se tratando de processos de jurisdição constitu­
cional abstrata, cujos efeitos se irradiam, via de regra,
por uma infinidade de destinatários, afigura-se ainda
mais conveniente uma abertura interpretativa que possa
alcançar o maior espectro possível de interessados. Afi­
nal de contas, como assinala Inocêncio Mártires Coelho,
"nunca é demais relembrar que no âmbito da jurisdição
constitucional, aqueles que não participarem da relação
processual, que não assumirem qualquer posição no
processo ou que, até mesmo, ignorarem a sua existência,
poderão considerar-se políticamente não alcançados pe­
los efeitos da coisa julgada e, por via de consequência,

2 45 . Jürgen Habermas, Soberania Popular como Procedimento, Novos Estudos


CEBRAP, nº 26, 1 990, p . 1 1 1 .
2 4 6 . Otto Bachof, Jueces y Constitución, Editora Civitas, 1 987, p. 60.

1 16
autorizados a ignorar a força normativa da Constitui­
ção " . 247 O desenvolvimento do tão almejado sentimento
constitucional passa, necessariamente, por uma integra­
ção cada vez maior da cidadania no processo de reve­
lação e definição dos significados constitucionais pre­
valecentes.
A fonte última de legitimação da justiça constitu­
cional se encontra no "plebiscito diário " a que estão
sujeitas suas decisões e na sua capacidade de gerar
consenso, de forma a que sejam aceitas como justas e
extraídas dos valores constitucionais básicos. 2 4 8 Nessa
mesma linha de pensamento, Robert Alexy sustenta
que o Tribunal Constitucional se legitima quando a
coletividade o aceita como instância de reflexão racional
do processo político. Se um processo de reflexão entre
coletividade, legislador e Tribunal Constitucional se
estabiliza duradouramente - isto é, quando a Corte
Constitucional adquire credibilidade política e social
-, pode-se afirmar que a institucionalização dos direitos
do homem deu certo, no âmbito do Estado Democrático
de Direito. 2 4 9
À guisa de conclusão, é possível afirmar que as
construções teóricas de Dworkin e H abermas acerca
da jurisdição constitucional, embora partindo de fun­
damentos filosóficos diversos, acabam por apresentar
vários pontos de intersecção, além de outros que se

247 . Inocêncio Mártires Coelho, As ideias de Peter Haberle e a Abertura da


Interpretação Constitucional no Direito Brasileiro, Revista de Direito Adminis­
trativo nº 2 1 1 , p. 1 26 .
248 . Eduardo G arcía d e Enterría, ob. cit., p . 203.
249 . Robert Alexy, Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrá­
tico. Para a Relação entre Direitos do Homem, Direitos Fundamentais, Demo­
cracia e Jurisdição Constitucional, in Revista de Direito Administrativo nº 2 1 7,
jul./set. 1 999, p . 66.

117
afiguram complementares. Importa ressaltar, para os
fins aqui visados, que direitos fundamentais e demo­
cracia, tanto para Dworkin como para Habermas, con­
vivem numa relação de implicação recíproca. Assim,
parece correta a assertiva de que só há democracia onde
se respeitam os direitos fundamentais do homem; in­
versamente, só há espaço para a afirmação e efetivação
de tais direitos no âmbito de um regime democrático.
S ão faces da mesma moeda.
Assim, não há qualquer inconsistência lógica em se
sustentar que à jurisdição constitucional compete a
guarda tanto dos direitos fundamentais (proposta de
Dworkin) como do procedimento democrático (tese de
Habermas) . Ao revés, tais funções, longe de serem
antagônicas, são compatíveis e complementares . Em
muitos casos1 na verdade1 superpõem-se.
É louvável o esforço das teorias contemporâneas
sobre democracia e direitos fundamentais no sentido
do balizamento de um âmbito próprio de atuação da
jurisdição constitucional, que a torne compatível com
o sistema de separação e harmonia entre os poderes.
Mais do que meros corretivos liberais do princípio
majoritário1 os direitos fundamentais se afirmam1 ho­
diernamente1 como condições estruturantes da própria
democracia; devem eles1 por isso1 ficar à margem das
disputas políticas1 sob a proteção de um órgão inde­
pendente e capaz de subordinar os demais poderes à
autoridade moral e intelectual de suas decisões . Por
evidente1 numa sociedade aberta e pluralista1 tais de­
cisões 1 embora definitivas, submetem-se, sempre1 à crí­
tica intersubjetiva, não apenas dos operadores profis­
sionais do Direito como de todo e qualquer cidadão
interessado.
Por outro lado1 o desenvolvimento de uma herme­
nêutica especificamente constitucional1 disposta a con-

1 18
ter, em limites racionais, a discricionariedade judicial,
também tem contribuído, a seu turno, para conferir
maior consistência à atividade dos juízes constitucionais.
O projeto de juridicização da realidade política não se
esgota na promulgação de uma Constituição; é na prá­
tica diuturna das Cortes Constitucionais que ele se
completa, contribuindo para a racionalização do debate
político e para que algumas questões tradicionalmente
resolvidas no campo das disputas de poder sejam tra­
tadas, enfim, como questões de justiça. 2 5 0
Parafraseando Claude Lefort, a ideia moderna de
democracia constitucional nos convida a substituir a
noção de um regime fundado na legitimidade da Cons­
tituição e do Tribunal Constitucional, pela noção de
um regime fundado na legitimidade de um debate sobre
o que é legítimo e o que é ilegítimo - um debate
necessariamente sem garantidores e sem fim. 2 5 1 É dizer:
o Tribunal Constitucional não pode ser visto como "o
garante" dos direitos fundamentais e da democracia.
Seu papel é o de ser uma instância de reflexão racional
sobre a legitimidade das decisões da maioria e, no limite,
sobre a legitimidade das suas próprias decisões. A maior
contribuição de uma Corte Constitucional ao desenvol­
vimento civilizatório não está na verdade ou bondade
intrínseca de seus julgados, mas na forma pela qual eles
energizam o diálogo público e incrementam o seu grau
de racionalidade. Acreditamos que os juízes possam
fazê-lo melhor, atuando de forma paralela e comple­
mentar aos agentes políticos eleitos, por razões de fi-

2 5 0 . Ronald Dwork.in, Uma Questão de Princípio, ed. cit., p. 1 03 .


2 5 1 . Claude Lefort, Democracy and Political Theory, tradução David Macey,
p. 39, 1 98 8 .

1 19
losofia política, mas também por razões empíricas e
históricas.
De todo modo, há quem entenda que os Tribunais
Constitucionais não são mais do que um atavismo pla­
tônico, uma versão rediviva da República de reis-filó­
sofos, produto da patética esperança humana de que,
um dia, a verdade e o saber prevalecerão sobre o poder.
Assim, a questão da legitimidade democrática dos Tri­
bunais Constitucionais, provavelmente, nunca deixará
de inscrever-se entre as aporias recorrentes da filosofia
política e da doutrina constitucional. 2 5 2

252. Vital Moreira, ob. cit., p. 1 80 .

1 20
Capítulo IV

A velha e a nova jurisdição


constitucional brasileira

IV. 1 . Escorço histórico do controle judi­


cial da constitucionalidade no Brasil;
IV. 2 . A nova jurisdição constitucional
brasileira: o sistema eclético em vigor e
suas tensões.

IV. l . Escorço histórico do controle judicial da cons­


titucionalidade no Brasil.

Da primeira Constituição brasileira - a do Império,


outorgada em 1 82 4 - até a Carta promulgada em
1 988, atualmente em vigor, um longo caminho foi per­
corrido em matéria de controle de constitucionalidade .
Sob o influxo do ideário político francês - que
preconizava a rígida separação entre os poderes - e
da experiência constitucional inglesa - que consagrara
o princípio da supremacia do Parlamento -, a Carta

121
imperial não contemplou qualquer sistema de controle
judicial da constitucionalidade das leis . Em seu art. 1 5 1
nºs 8° e 9°1 outorgava ao Poder Legislativo a atribuição
de fazer leis1 interpretá-las1 suspendê-las e revogá-las1
bem como velar na guarda da Constituição . Consagra­
va-se1 assim1 no Direito Constitucional brasileiro1 ao
menos em termos ideais1 a supremacia do Parlamento1
e não a da Constituição. 253
A existência do Poder Moderador1 "chave de toda
a organização política" 1 como proclamava a Constituição
de 1 8241 longe de atenuar1 antes agravava o desprestígio
institucional da Lei Maior. Isto porque1 nos termos do
seu art. 98 - e refletindo a influência das ideias de
Benjamin Constant1 já aqui anteriormente expostas (v.
capítulo II1 supra) -1 ao Imperador cumpria resolver
os conflitos entre os Poderes1 tarefa levada a cabo1
evidentemente1 no terreno político1 e não jurídico. Por­
tanto1 durante o período imperiat não se reconhecia
aos juízes o poder de recusar aplicação aos atos do
Parlamento que contraviessem ao texto constitucio­
nal. 25 4
A conhecida influência do direito norte-americano
sobre os artífices da Constituição republicana1 especial­
mente Rui Barbosa1 foi decisiva para a introdução do
controle judicial difuso da constitucionalidade entre

253 . Gil mar Ferreira Mendes, A Evolução do Direito Constitucional Brasileiro


e o Controle de Constitucionalidade da Lei, in Direitos Fundamentais e Con­
trole de Constitucionalidade, ed. cit. , p. 229/230.
2 5 4 . Clemerson Merlin Cleve, ob. cit., p. 8 1 : "O dogma da soberania do
Parlamento, a previsão de um Poder Moderador e mais a influência do direito
público europeu, notadamente inglês e francês, sobre os homens públicos
brasileiros, inclusive os operadores jurídicos, explicam a ausência de um sistema
de fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis no Brasil ao tempo
do Império."

1 22
nós. 255 Embora alguns autores cheguem a questionar a
originalidade histórica do judicial review1 25 6 fato é que
o caso Marbury vs. Madison1 julgado em 1 803 pela
Suprema Corte dos Estados Unidos1 entrou para a
história como o primeiro precedente da proclamação
do poder dos juízes de deixar de aplicar as leis votadas
pelo Congresso quando incompatíveis com a Constitui­
ção (v. capítulo II1 supra) .
O Direito Constitucional brasileiro adota1 desde a
promulgação da Carta de 1 89 1 , a técnica da aferição
incidental da constitucionalidade das leis pelos órgãos
do Poder Judiciário . Em caso de incongruência entre a
lei e a Constituição1 reconhece-se a juízes e tribunais
o poder não apenas de conhecer do incidente de incons­
titucionalidade1 mas também o de resolvê-lo; isto é1
têm eles o poder de afastar a aplicação da lei reputada
inconstitucional na solução dos litígios concretos sub­
metidos à sua cognição.
Tal sistema é usualmente denominado incidental ou
difuso1 como se esses adjetivos fossem sinônimos1 o
que não é correto. Com efeito1 nem todo sistema de
controle incidental atribui difusamente aos órgãos ju­
risdicionais competência para decidir o incidente de
inconstitucinalidade . Em vários países1 como já visto
precedentemente1 os juízes têm o poder de apenas
conhecer e suscitar o incidente1 elevando-o à apreciação
da Corte Constitucional; e a esta se reserva1 em caráter

255 . Gilmar Ferreira Mendes, A Evolução do Direito Constitucional Brasileiro


e o Controle de Constitucionalidade da Lei, in Direitos Fundamentais e Con­
trole de Constitucionalidade, ed. cit., p. 23 1 .
25 6 . V. Mauro Cappelletti, ob. cit., p . 48 e segs. O autor sustenta que no
Direito ateniense e na Idade Média já se concebia a ideia da "supremacia de
uma dada lei ou de um corpo de leis" , o que seria a versão embrionária da
supremacia constitucional.

1 23
concentrado1 a competência para dirimir as questões de
constitucionalidade (v. capítulo II1 supra) . Assim1 o
correto é dizer que com a Constituição republicana de
1 89 1 foi introduzido 257 no Brasil um sistema de controle
judicial incidental e difuso da constitucionalidade das
leis.
Não se deve olvidar1 entretanto1 que o referido
sistema foi plagiado da matriz norte-americana1 vincu­
lada à tradição anglo-saxônica da common law. Assim1
representando embora inegável avanço1 do ponto de
vista democrático1 pelo acesso direto à Constituição
que proporciona às partes em litígio e aos juízes e
tribunais1 tal sistema exibiu1 desde logo1 algumas defi­
ciências e outras tantas inconveniências1 decorrentes de
sua adoção em um país herdeiro da tradição jurídica
romano-germânica.
A divergência de entendimentos entre juízes e mes­
mo1 por vezes1 entre tribunais1 associada à inexistência
de um sistema de vinculação aos precedentes1 como o
stare decisis1 no direito anglo-saxônico1 sempre foi fonte
geradora de incerteza e insegurança jurídicas. Por outro
lado1 o sistema não oferecia solução para o problema
da multiplicidade de demandas idênticas1 fundadas na
mesma questão constitucional. De fato1 como a lei
continuava formalmente em vigor (on the books) mesmo
após haver sido declarada inconstitucional1 inclusive
pelo Supremo Tribunal Federal1 não se evitava a pro­
liferação de tantas ações quantos fossem os interessados
naquela matéria. 25 8

2 5 7 . Na verdade, antes mesmo da promulgação da Carta de 1 89 1 , a dita


Constituição Provisória de 1 890 (Decreto nº 5 1 0, § 1 º, a e b) já conferia ao
Poder Judiciário tal competência, o mesmo estando previsto no Decreto nº
848, de 1 1 . 1 0 . 1 890, que instituiu a Justiça Federal.
2 5 8 . Mauro Cappelletti, ob. cit., p. 76/79. O autor italiano expõe as deficiências

1 24
A Constituição de 1 93 4 pretendeu criar um corretivo
para o sistema de controle puramente difuso até então
adotado, atribuindo, em seu art. 9 1 , inciso IV, compe­
tência ao Senado Federal para suspender, no todo ou
em parte, a execução de ato jurídico declarado incons­
titucional pelo Supremo Tribunal Federal. Procurou-se,
assim, dar efeito geral às decisões judiciais de incons­
titucionalidade, corrigindo os inconvenientes acima
apontados . 259
Após o eclipse autoritário do Estado Novo, sob cuja
égide o Presidente G etúlio Vargas chegou a editar De­
cretos reafirmando a validade de textos de lei declarados
inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, 260 a
Constituição de 1 946 restaura a tradição do controle
judicial no Direito brasileiro . 261 A par da manutenção
do sistema difuso e da competência do Senado Federal
para suspender a execução de atos declarados incons­
titucionais pelo Supremo Tribunal Federal, instituiu-se
a chamada representação interventiva, que permitia a
arguição, pelo Procurador-Geral da República, da in­
compatibilidade de atos normativos estaduais com os
chamados princípios constitucionais sensíveis . 262

geradas pela implantação do sistema norte-americano nos países da Europa


continental, vinculados, como o Brasil, à tradição jurídica romano-germânica.
259 . Rodrigo Lopes Lourenço, Controle da Constitucionalidade à Luz da Juris­
prudência do STF, Editora Forense, 1 998, p. 1 1 .
260 . Carlos Alberto Lucio Bittencourt, ob. cit., p. 1 3 9/ 1 40. Vale destacar que
a Constituição de 1 93 7, no parágrafo único de seu art. 96, contemplava a
possibilidade de o Presidente da República submeter ao Parlamento lei decla­
rada inconstitucional. Caso a validade de tal lei fosse reafirmada por dois terços
de cada uma das Casas Legislativas, a decisão judicial deixava de produzir
efeitos.
26 1 . Gilmar Ferreira Mendes, A Evolução do Direito Constitucional Brasileiro
e o Controle de Constitucionalidade da Lei in Direitos Fundamentais e Control e
d e Constitucionalidade, e d . cit., p. 238.

1 25
Tal instrumento abriu caminho para a adoção, entre
nós, do controle abstrato de normas, eis que se tratava
de incidente suscitado independentemente da instau­
ração de uma lide concreta e cujo escopo essencial era
a suspensão da eficácia do ato impugnado. 2 6 3 De fato,
o art. 1 3 da Constituição de 1 946 dispunha que o
Congresso Nacional deveria cingir-se a suspender a
eficácia do ato atacado na representação interventiva
- ao invés de chancelar o pedido de intervenção -,
caso tal medida fosse suficiente para reconduzir a si­
tuação à normalidade .
Somente com o advento da Emenda Constitucional
nº 1 6, de 26 de novembro de 1 96 5 , é que foi introduzido
no Brasil o controle abstrato da constitucionalidade de
normas federais e estaduais, nos mesmos moldes da
representação interventiva. Essa mesma Emenda intro­
duziu, no art. 1 24, inciso XIII, da Constituição de 1 946,
a possibilidade de o legislador instituir processo de
competência originária dos Tribunais de Justiça dos
Estados para a declaração de inconstitucionalidade de
lei ou ato normativo estadual ou municipal em face da
Constituição do Estado-membro.
Era, portanto, introduzido no Brasil o sistema de
controle abstrato da constitucionalidade, inspirado no
modelo idealizado pelo gênio de Hans Kelsen e con­
substanciado na Constituição austríaca de 1 92 0 (v. ca­
pítulo II, supra) . Conferia-se ao Procurador-Geral da
República a iniciativa exclusiva para deflagrar, perante

2 62 . Eram eles: forma republicana representativa; independência e harmonia


entre os poderes; temporariedade das funções eletivas; proibição da reeleição
de governadores e prefeitos para período imediato; autonomia municipal;
prestação de contas da administração; garantias do Poder Judiciário.
263 . Rodrigo Lopes Lourenço, ob. cit., p. 1 3 .
1 26
o Supremo Tribunal Federal, uma representação por
inconstitucionalidade de lei federal ou estadual. Com
isso se instaurava uma lide abstrata1 um processo obje­
tivo 1 que não envolvia o interesse concreto de partes
em litígio; assim1 a questão constitucional deixava de
ser uma questão prejudicial, como no controle inciden­
tal, para tornar-se a questão principal daquele processo.
Caso a Corte entendesse pela procedência da repre­
sentação, sua decisão produziria efeitos gerais, alcan­
çando todas as situações que sofreriam a incidência da
norma declarada inconstitucional.
Vale notar que a novidade foi introduzida sem que
se fizesse qualquer alteração ou adaptação no velho
sistema de controle incidental e difuso1 o que acabaria
por gerar uma permanente tensão dialética entre os dois
sistemas . 264 Até mesmo suspensão da execução de lei
ou ato normativo pelo Senado Federal, que só se jus­
tificava como fator corretivo de um sistema difuso puro 1
foi atavicamente mantida. 265
A Carta outorgada de 1 96 7 e a Emenda Constitu­
cional nº 0 1 /69 mantiveram a coexistência dos sistemas
de controle difuso-incidental e concentrado-abstrato.
A competência para a deflagração deste último perma­
neceu monopolizada pelo Procurador-Geral da Repú­
blica, o que1 de certo modo, limitou a sua significação
política e jurídica. Em verdade, ao receber qualquer

26 4 . A expressão foi utilizada pelo Ministro Sepúlveda Pertence em voto


proferido no julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1 -
1 /DF.
265 . O atavismo, aliás, foi mantido também no art. 52, inciso X, da Constituição
de 1 988, que não apresenta qualquer justificativa, teórica ou prática, havendo
um sistema de controle jurisdicional abstrato, no qual a decisão do Tribunal
Constitucional acarreta, de per se, a retirada da norma inconstitucional do
ordenamento jurídico.

127
requerimento para o ajuizamento de representação por
inconstitucionalidade1 dispunha o Procurador-Geral da
República de uma ampla margem de discricionariedade
na apreciação da plausibilidade da demanda1 o que1 no
final das contas1 restringia significativamente o acesso
de autoridades públicas e da sociedade civil em geral
à prestação jurisdicional da Suprema Corte.
Vale lembrar1 por oportuno e relevante1 que até o
advento da Constituição de 1 98 8 o Procurador-Geral
da República era nomeado e exonerado ad nutum pelo
Presidente da República1 sendo certo que a Procuradoria
Geral da República - instituição que lhe incumbia
chefiar - acumulava as funções de Ministério Público
Federal com a representação judicial da União Federal.
Esta dupla feição do cargo de Procurador-Geral da
República1 com certa submissão funcional à Chefia do
Poder Executivo1 explica1 de certo modo1 a timidez e
parcimônia com que a representação por inconstitucio­
nalidade foi utilizada até 1 98 8 . Pode-se mesmo dizer
que a deflagração da jurisdição constitucional abstrata
foi até então1 no Brasil1 uma questão de Estado, da qual
os cidadãos estavam completamente alij ados . Um caso
exemplar e emblemático de sociedade fechada de in­
térpretes da Constituição, na qual o cidadão é reduzido
à condição de mero espectador passivo das interpreta­
ções ditadas pelos tradutores oficiais da vontade cons­
titucional.
Para complementar esse quadro de autoritarismo
institucional, a Emenda C onstitucional nº 0 7 1 de
1 3 .04. 77 (conjunto de medidas conhecidas como pacote
de abril) , instituiu, no art. 1 1 9, inciso I 1 da Constituição
de 1 96 7/69, a alínea "0"1 o instituto que ficaria conhe­
cido como avocatória. Tal dispositivo permitia que o
Supremo Tribunal Federal deferisse a avocação, a pe­
dido do Procurador-Geral da República, de causas en-

1 28
volvendo perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à
segurança ou às finanças públicas, para que se suspen­
dessem os efeitos da decisão proferida e para que o
conhecimento integral da lide lhe fosse devolvido. Tal
expediente foi largamente utilizado, durante o regime
de exceção, para suspender decisões "jurídicas" à luz
de argumentos políticos, conforme a conveniência dos
governantes de plantão. 266
A mesma Emenda Constitucional nº 07 / 7 7 instituiu
a representação para fins de interpretação de lei ou ato
normativo federal ou estadual, posteriormente extinta,
e encerrou a controvérsia sobre a possibilidade da con­
cessão de liminar em representação de inconstitucio­
nalidade, reconhecendo-a de modo expresso.
Somente após o ocaso da ditadura militar, a reto­
mada da democracia e a instauração de um novo pacto
constitucional, a legitimidade do sistema político é re­
cuperada, criando o ambiente propício para a construção
de uma nova e efetiva jurisdição constitucional no país .

IV. 2 . A nova j urisdição constitucional brasileira: o


sistema eclético em vigor e suas tensões.

Os ventos da redemocratização do país trouxeram


consigo uma Assembleia Nacional Constituinte ( 1 986-
1 988) e a promulgação de uma nova Lei Fundamental,
a 5 de outubro de 1 988, batizada de "Constituição-ci­
dadã. " Resultado de um amplo e democrático debate
que envolveu os mais diversos setores da sociedade
brasileira, a nova Carta trouxe como grande inovação,
em matéria de jurisdição constitucional, a desmonopo-

266. Clemerson Merlin Cleve, ob. cit . , p. 293/294.

129
lização da iniciativa para a deflagração do controle
abstrato da constitucionalidade . Confira-se, a este pro­
pósito, passagem significativa da lavra de Luís Roberto
Barroso:

"De fato, o florescente desenvolvimento da jurisdição


constitucional no Brasil se deveu, substancialmente,
à ampliação da legitimação ativa para propositura
da ação direta de inconstitucionalidade. No regime
constitucional anterior, o Procurador-Geral da Re­
pública detinha o monopólio da deflagração do con­
trole abstrato de constitucionalidade, mediante ofe­
recimento de representação, para utilizar a designa­
ção então empregada. " 2 67

Gilmar Ferreira Mendes ressalta, a seu turno, com


acuidade, as consequências políticas de efeito democra­
tizante ensej adas pela mudança:

"A ampla legitimação, a presteza e celeridade desse


modelo processual, dotado inclusive da possibilidade
de se suspender imediatamente a eficácia do ato
normativo questionado, mediante pedido cautelar,
faz com que as grandes questões constitucionais se­
jam solvidas, na sua maioria, mediante a utilização
da ação direta, típico instrumento do controle con­
centrado.
A particular confarmação do processo de controle
abstrato de normas confere-lhe, também, novo sig­
nificado como instrumento federativo, permitindo a

267. Luís Roberto Barroso, Dez Anos da Constituição de 1 988 (Foi bom pra
você também7J , Revista de Direito Administrativo nº 2 1 4, 1 998, p. 1 5 .

1 30
aferição da constitucionalidade das leis federais me­
diante requerimento do Governador do Estado e a
aferição da constitucionalidade das leis estaduais,
mediante requerimento do Presidente da República.
A propositura da ação pelos partidos políticos com
representação no Congresso Nacional concretiza, por
outro lado, a ideia de defesa das minorias, uma vez
que se assegura até às frações parlamentares menos
representativas a possibilidade de arguir a inconsti­
tucionalidade de lei. " 268

De parte isto, a Constituição de 1 988 instituiu


mecanismos de controle contra omissões normativas
inconstitucionais, tanto em sede concreta ( art. 5 °,
LXXI ) - o que seria (ou deveria ser) o mandado de
injunção - como em sede abstrata (art. 1 03 , § 2°) -
a ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Ambos os instrumentos - e não há nenhuma novidade
em dizê-lo -, por variegadas razões, não se revelaram
aptos a remediar o crônico problema da mora legislativa
no cumprimento de obrigações positivas impostas pela
Constituição.
A Emenda Constitucional nº 3, de 1 7 de março de
1 993, introduziu, no já complexo sistema brasileiro de
jurisdição constitucional, a ação declaratória de consti­
tucionalidade. Tal instituto, simetricamente à ação di­
reta de inconstitucionalidade, tem por escopo propiciar
a prolação de uma decisão do Supremo Tribunal Federal
que reafirme, com eficácia erga omnes e efeito vincu-

268. Gilmar Ferreira Mendes, A Evolução do Direito Constitucional Brasileiro


e o Controle de Constitucionalidade da Lei in Direitos Fundamentais e Controle
de Constitucionalidade, ed. cit., p. 2 5 3 .

131
lante1 a constitucionalidade de determinada lei ou ato
normativo. Por tal decisão1 a presunção de constitucio­
nalidade da lei1 que é relativa (juris tantum) 1 torna-se
absoluta (juris et de jure) 1 impedindo a sua inobservân­
cia1 sob o argumento de inconstitucionalidade1 por
quem quer que seja1 inclusive pelos demais órgãos do
Poder Judiciário e pelo Poder Executivo. A mesma
Emenda nº 03/93 deslocou para o § 1 ° do art. 1 02 da
Constituição dispositivo que já constava do seu pará­
grafo único1 relativo à arguição de descumprimento de
preceito fundamental. Tal· instituto1 dada a dicção la­
cônica do dispositivo constitucional mencionado1 per­
maneceu como um enigma na doutrina constitucional
brasileira até a edição da Lei nº 9 . 8 8 2 1 de 3 de dezembro
de 1 9991 que pretendeu regulamentá-lo.
A notável produção jurisprudencial do STF em ma­
téria de jurisdição constitucional à luz da Constituição
de 1 98 8 revela um significativo avanço do sentimento
constitucional no país. 26 9 Apenas à guisa de ilustração1
em pesquisa levada a efeito em maio de 2 0001 o Su­
premo Tribunal Federal havia julgado1 desde a promul­
gação da Carta até então (em 1 2 anos 1 portanto) 2 . 2 1 2 1

ações diretas de inconstitucionalidade/ 7 º ao passo que1

269 . Com grande entusiasmo Luís Roberto Barroso saúda tal avanço, in verbis:
"O surgimento de um sentimento constitucional no P aís é algo que merece ser
celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tímido, mas real e sincero, de
maior respeito e até um certo carinho pela Lei Maior, a despeito da volubilidade
de seu texto. É um grande progresso. Superamos a crônica indiferença que,
historicamente, se manteve em relação à Constituição. E para os que sabem,
é a indiferença, não o ódio, o contrário do amor. ", Dez Anos da Constituição
de 1 988 (Foi bom pra você também?) , Revista de Direito Administrativo nº
2 1 4, 1 998, p. 2 5 .
270. Inocêncio Mártires Coelho, Constitucionalidade/Inconstitucionalidade:
uma questão política?, in Revista Jurídica Virtual nº 13, www . planalto.gov.br.,
junho/2000, p. 4 .

1 32
nos 2 2 anos anteriores, entre 1 966 e 1 98 7, julgara
apenas 7 2 6 processos de igual natureza. 2 7 1
Essa crescente judicialização do controle da cons­
titucionalidade acabou por gerar, de outro lado, inú­
meras discussões sobre os seus aspectos processuais,
com ênfase nas suas especificidades em relação aos
processos intersubjetivos.
A Emenda Constitucional nº 0 1 /69 previa, em seu
art. 1 1 9, § 3°, alínea "c", competência legislativa ex­
clusiva do Supremo Tribunal Federal para dispor sobre
o procedimento aplicável aos processos de sua compe­
tência originária e recursal. Assim, só o Regimento
Interno da Corte podia dispor sobre o processo de
controle abstrato da constitucionalidade.
Com o advento da Constituição de 1 988, tal com-·
petência legislativa do Supremo Tribunal Federal de­
sapareceu, passando a matéria à competência do legis­
lador ordinário (CF, art. 2 2 , inciso I) . O Regimento
Interno da Corte foi recepcionado, no que material­
mente compatível com a nova Carta, com o status de
lei ordinária. Todavia, suas disposições mostraram-se
obsoletas e insuficientes face à extensão alcançada pelo
controle abstrato de constitucionalidade após o advento
da Constituição de 1 98 8 . Por outro lado, as leis exis­
tentes sobre a matéria - Lei nº 2 .2 7 1 , de 2 2 . 07 . 1 95 4
e Lei nº 4 . 33 7, d e 0 1 .06 . 1 964 também já não con­
-

templavam soluções normativas para os novos e am­


pliados desafios a serem enfrentados pela nova jurisdi­
ção constitucional brasileira.

2 7 1 . V. Gilmar Ferreira Mendes, O Poder Executivo e o Poder Legislativo no


Controle da Constitucionalidade, COAD, Seleções Jurídicas, junho/ 1 997, p .
33.

133
Visando a colmatar essa lacuna e a consolidar a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal na matéria1
foi apresentado ao Congresso Nacional1 por iniciativa
do Poder Executivo1 o Proj eto de Lei nº 2 . 960/971
dispondo sobre o processo e julgamento da ação direta
de inconstitucionalidade e da ação declaratória de cons­
titucionalidade. O anteprojeto foi o resultado do tra­
balho de uma Comissão de juristas composta pelos
Professores Ada Pellegrini Grinover1 Álvaro Villaça de
Azevedo1 Antonio Jamyr Dall'Agnol1 Arnoldo Wald1
Carlos Alberto Direito1 Gilmar Ferreira Mendes1 Luís
Roberto Barroso1 Manoel André da Rocha1 Roberto
Rosas1 Ruy Rosado de Aguiar Júnior e Antonio Herman
Vasconcellos Benjamin1 sendo presidida pelo Professor
Caio Tácito. De tal proj eto resultou1 não sem alguns
significativos vetos1 a Lei nº 9 . 8681 de 1 O de novembro
de 1 9991 disciplinando o processo e julgamento da ação
direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória
de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal
Federal.
No capítulo seguinte são analisados alguns dos prin­
cipais aspectos inovadores1 positivos ou problemáticos1
do recente diploma legal1 como1 v.g� 1 aqueles relativos
à possibilidade de modulação dos efeitos temporais das
decisões1 cautelares e de mérito1 do Supremo TribunaC
e seu caráter necessariamente vinculante para os órgãos
judiciários e administrativos . Merece relevo1 ademais1
a sistematização promovida pela Lei1 logrando uma po­
sitiva harmonização entre os instrumentos da jurisdição
constitucional abstrata e a jurisdição incidental e difusa.
Destacam-se também os dispositivos em que a nova
Lei sinaliza com uma maior abertura no processo de
interpretação constitucional - no sentido que lhe em­
presta Peter H aberle - ao admitir expressamente a
manifestação de outros órgãos ou entidades1 além das

1 34
partes formais, no processo de controle abstrato, de
acordo com a sua representatividade e a relevância da
matéria em discussão, bem como a possibilidade de os
juízes da Corte se socorrerem, para a formação de sua
convicção, dos conhecimentos técnicos de peritos e de
depoimentos de pessoas com experiência e autoridade
no tema em debate, mediante realização de audiências
públicas. Um passo significativo na caminhada pela
democratização do processo constitucional brasileiro.
Uma outra Comissão de juristas, composta pelos
Professores Celso Ribeiro Bastos, G ilmar Ferreira Men­
des, Arnoldo Wald, Ives G andra Martins e Oscar Dias
Corrêa, foi convocada pelo então Ministro da Justiça,
em 1 99 7, para que elaborasse um anteprojeto de lei
destinado à regulamentação da arguição de descumpri­
mento de preceito fundamental, prevista, em redação
absolutamente vaga, no art. 1 02, § 1 º, da Constituição
da República. 272 A Lei nº 9 . 8 8 2 , de 3 de dezembro de
1 999, resultante do trabalho da aludida Comissão, res­
tou bastante desfigurada, em função dos vetos apostos
pelo Presidente da República ao proj eto original.
Como se verá no capítulo seguinte, embora inspirado
no recurso constitucional alemão (Lei Fundamental de
Bonn, de 1 949, art. 93, 1, 4) e no recurso de amparo
do Direito Constitucional espanhol (Constituição espa­
nhola de 1 9 78, art. 1 6 1 , 1 e 1 62, I, b) , o produto final
da Lei nº 9 . 8 8 2/99, a arguição de descumprimento de
preceito fundamental, longe está de ser - como seus
supostos congêneres europeus - um instrumento pro­
cessual que assegura o acesso direto do cidadão ao

272 . "Art.
1 02, § 1 ° A arguição de descumprimento de preceito fundamental
decorrente desta Constituição será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal,
na forma da lei . "

1 35
Tribunal Constitucional, de forma a alcançar a proteção
mais célere e efetiva de um direito fundamental seu
que haj a sido vulnerado. Antes que um recurso-cidadão,
o novel instituto - sobretudo após os nefastos vetos
presidenciais ao projeto original - assemelha-se muito
mais à vetusta e malsinada avocatória.
Mais recentemente, com a edição da Lei nº 1 2 .063,
de 27 de outubro de 2009, foi estabelecida a disciplina
processual da ação direta de inconstitucionalidade por
omissão. Fruto do II Pacto Republicano de Estado1
firmado entre os Poderes Executivo, Legislativo e Ju­
diciário, 273 o referido diploma acrescentou o Capítulo
II-A à Lei nº 9 . 8 68/99, que já regrava o trâmite da
ação direta de inconstitucionalidade e da ação declara­
tória de constitucionalidade. Aguardada por mais de 2 0
anos, a regulamentação d a ADIN por omissão ficou
aquém das expectativas nela depositadas. De fato, a
Lei nº 1 2 .063/09 pouco inovou naquilo que doutrina
e jurisprudência j á definiam como regime jurídico apli­
cável ao instituto. Nesse sentido, destaca-se a previsão
expressa da possibilidade de manifestação por escrito
dos demais legitimados para a propositura da ação,
dispositivo de teor idêntico ao vetado § 1 ° do art. 7°
da Lei nº 9 . 868/99 . Ressalte-se também a afirmação
do cabimento de medida cautelar no procedimento da

273. O II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais Aces­


sível, Ágil e Efetivo foi assinado no dia 1 3 de abril de 2009 pelos presidentes
dos Três Poderes da República. O objetivo do pacto é melhorar o acesso
universal à Justiça, especialmente dos mais necessitados; aprimorar a prestação
jurisdicional, mediante a efetividade do princípio constitucional da razoável
duração do processo e a prevenção de conflitos; e aperfeiçoar e fortalecer as
instituições de Estado para uma maior efetividade do sistema penal no combate
à violência e criminalidade, por meio de políticas de segurança pública combi­
nadas com ações sociais e proteção à dignidade da pessoa humana.

136
ADIN por omissão, o que era rechaçado pela própria
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 27 4
Com o quadro normativo traçado tanto pela Lei nº
9 . 8 68/99 como pela Lei nº 9 . 8 8 2/99, confirma-se a
tendência ao fortalecimento do sistema de controle
concentrado e abstrato, mediante ampliação de seus
instrumentos e efeitos, como tentativa de dar conta do
fenômeno da litigiosidade de massa, que não tem en­
contrado resposta adequada nas instâncias ordinárias do
Poder Judiciário . Mas quais os limites democraticamen··
te aceitáveis de tal movimento?
A análise empreendida no capítulo seguinte, centra­
da especialmente nas aludidas Leis nº 9 . 8 6 8/99 e
9 . 8 82/99, tem como norte os marcos teóricos fixados
no capítulo III, relativos à legitimidade e às formas de
legitimação da justiça constitucional no âmbito de um

274 . Cf., nesse sentido, ADIN-MC nº 1 .4 5 8, rei. Min. Celso de Mello, DJ de


20.09.96: " Inconstitucionalidade por omissão - Descabimento de medida
cautelar - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido
de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconsti­
tucionalidade por omissão (RTJ 1 3 3/569, Rei. Min. MARCO AURÉ LIO;
ADIN 267-DF, Rei. Min. CELSO DE MELLO), eis que não se pode pretender
que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela
própria decisão final emanada do STF. - A procedência da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do
estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal,
unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este
adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. - Não
assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites
fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF,
art. 1 03 , § 2°), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o
objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente" . No mesmo
sentido, ADIN nº 1 .996, rei. Min. limar Galvão, DJ de 28.02.03: "Ação direta
de inconstitucionalidade cumulada com ação de inconstitucionalidade por
omissão. [ . ] Descabimento, na segunda, de medida cautelar, providência
. .

insuscetível de antecipar efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão


final".

137
regime democrático. Evidentemente, as teses elabora­
das em países cuja realidade política, social e jurídica
em nada se assemelha à brasileira servirão apenas como
subsídios ou pontos de partida para a avaliação crítica
daquilo que denominei a nova jurisdição constitucional
brasileira . Pretende-se proceder, assim, à assimilação
crítica das teorias estrangeiras, numa saudável antropo­
fagia2 75 de suas influências, para adequá-las à realidade
nacional.

2 75 . O "movimento antropofágico" ( 1 928), liderado por Oswald de Andrade,


Tarsila do Amaral e Antonio de Alcântara Machado, dentre outros, se insere
no contexto do modernismo brasileiro e consistiu numa reação ao nacionalismo
xenófobo do "movimento verde-amarelo". Sua proposta era a adoção de uma
atitude simbólica de " devoração" dos valores e influências estrangeiras, num
processo de assimilação crítica, para dar-lhes um caráter nacional. Sobre o tema,
v. Douglas Tufa no, Estudos de Literatura Brasileira, Editora Moderna, 1 989,
p. 2 1 9 .

138
Capítulo V

O novo estatuto da jurisdição


constitucional brasileira: inovações
e aspectos polêmicos das Leis
nºs 9 . 8 68/9 9 e 9 . 8 82/99

V. 1 . A disciplina da ação direta de in­


constitucionalidade e da ação declara­
tória de constitucionalidade na Lei nº
9 . 868/99; V.2. A regulamentação da ar­
guição de descumprimento de preceito fun­
damental pela Lei nº 9.882/99: ação cons­
titucional do cidadão ou avocatória?; V. 3 .
A regulamentação da arguição de des­
cumprimento de preceito fundamental
pela Lei nº 9. 882/99: ação constitucional
ou ação avocatória?

V. l . A disciplina da ação direta de inconstitucionali­


dade e da ação declaratória de constitucionalidade na
Lei nº 9 . 8 68/99 .

A Lei nº 9 . 868/99 é uma lei de ritos. Assim o


proclama a sua ementa e o confirma seu artigo 1 °. 276

139
Não obstante, ao estatuir regras sobre o processo e
julgamento das ações que deflagram a judicatura cons­
titucional, o referido diploma legislativo não pode ser
tratado apenas como uma norma processual. Isto sig­
nifica que a sua interpretação não pode ser apropriada
pelos conceitos e princípios do Direito Processual Civil
sem que se atente para a especificidade da matéria de
que trata e dos fins a que se destina. A técnica processual
deve servir como instrumento de realização, e não de
frustração, dos superiores objetivos perseguidos pela
jurisdição constitucional. Assim, toda a inteligência da
Lei nº 9 . 868/99 está subordinada antes à Constituição
e ao Direito Constitucional, do que aos domínios do
processo civil.
A análise aqui levada a cabo não se pretende seja um
esquadrinhamento detalhado, do ponto de vista proces­
sual, de toda a sistemática traçada na Lei. O propósito,
como já adiantado ao final do capítulo anterior, é o de
avaliar criticamente se e como a referida sistemática pode
contribuir para que a jurisdição constitucional brasileira
cumpra suas funções a contento. Para tanto, será neces­
sário lançar mão das premissas teóricas discutidas no
capítulo III deste estudo, no qual se concluiu que a missão
por excelência das Cortes Constitucionais é a defesa dos
direitos fundamentais e das regras do regime democráti­
co, mais do que a mera guarda ritualística e asséptica das
regras previstas na Constituição.
É evidente que toda importação de teorias alieníge­
nas exige um esforço de adaptação à realidade jurídica,
política e social do país, a fim de que o trabalho sirva

276."Art. 1° Esta Lei dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de


inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o
Supremo Tribunal Federal. "

1 40
como um contributo efetivo para o aprimoramento da
instituição da justiça constitucional entre nós. Do con­
trário, o discurso até aqui expendido soaria como uma
missa rezada de costas para os fiéis e em latim.
Feitas essas considerações preliminares, passa-se ao
exame das principais inovações e aspectos polêmicos
da Lei nº 9 . 86 8/99 .
O art. 2°, incisos I a IX, d a Lei reproduz o elenco
de legitimados para a propositura da ação direta de
inconstitucionalidade previsto no art. 1 03 da Consti­
tuição Federal. Com a redação dada pela Emenda Cons­
titucional nº 45 de 20041 o texto constitucional passou
a prever expressamente a legitimidade ativa do Gover­
nador e da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Não
obstante, a Lei nº 9 . 8 68/99, desde a sua edição1 já fazia
referência a tais autoridades, ex vi art. 2°, incisos IV
e V. Não se tratava propriamente de uma inovação1
uma vez que a jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal1 em reverência ao princípio federativo1 já se
havia consolidado no sentido de que a omissão do texto
constitucional em relação aos Poderes Executivo e Le­
gislativo do Distrito Federal configurava hipótese de
lacuna e não de silêncio eloquente . Confira-se, neste
sentido, significativo trecho de acórdão da lavra do
Ministro Ilmar Galvão:

"A competência do Governador do Estado (rectius:


do Distrito Federal) para as ações da espécie (ações
diretas de inconstitucionalidade) é inegável, em face
da regra contida no art. 32, § 1 °, da Constituição
Federal, que atribuiu ao Distrito Federal as compe­
tências relativas aos Estados. Assim, a expressão
'Governador de Estado' contida no art. 1 03, V,
da mesma Carta, há de ser interpretada como
compreensiva do Governador do Distrito Fede-

141
ral,para o fim de a;uizamento da presente ação
(ação direta de inconstitucionalidade) " 2 7 7

O Distrito Federal é um ente da Federação anômalo,


que tem algumas características de Estado e outras de
Município. O art. 3 2 , § 1 º, da Constituição assim dispõe:
"Ao Distrito Federal são atribuídas as competências
legislativas reservadas aos Estados e Municípios ".
O Distrito Federal exerce, portanto, competências
legislativas estaduais. Por outro lado, a ação direta pode
ter por objeto tanto leis federais como estaduais . E
mais: o art. 1 03 da CF assegura aos Governadores de
Estado a possibilidade de ajuizarem a referida ação
contra leis estaduais e federais. Por que, então, o Go­
vernador do Distrito Federal não poderia fazê-lo, ques­
tionando a constitucionalidade de ato normativo distri­
tal e federal?
A solução adotada pelo Supremo Tribunal Federal
- e que, mesmo antes da EC nº 4 5/04, já se afigurava
correta - foi a de que o Governador do Distrito Federal
e a respectiva Câmara Legislativa são assemelhados,
para fins de propositura de ação direta, aos Governa­
dores de Estado e Assembleias Legislativas estaduais .
Não havia razão para excluir do controle concentrado
de constitucionalidade as normas do Distrito Federal
editadas no exercício de competência estadual. Esta,
precisamente, a posição adotada pelo Supremo Tribunal
Federal: sendo uma lei distrital que tenha conteúdo
estadual, poderá ser objeto de ação direta de inconsti­
tucionalidade . 278 Caso a lei distrital haja sido editada

277.RTJ 1 40/4 5 7 .
n º 645-2, rei. Min. limar G alvão. DJU d e 2 1 . 02.92, p . l .693. V.
2 7 8 . ADIN
também ADIN nº 665, rei. Min. Octavio Gallotti. DJU de 24.04 . 92, p . 5 . 376.

1 42
no exercício de competência municipal, não será cabível
a ação, porquanto a Constituição Federal não admite
que o controle abstrato de constitucionalidade, perante
o Supremo Tribunal Federal, sej a exercido contra leis
mumc1pa1s .
Assim sendo, foi adequado e legítimo o acréscimo
dos Poderes Executivo e Legislativo distritais, promo­
vido pelo art. 2° da Lei nº 9 . 868/99, no rol dos legiti­
mados para a propositura da ação direta de inconstitu­
cionalidade. Até porque a intenção inequívoca do cons­
tituinte foi a de ampliar, e não a de restringir, o acesso
à jurisdição constitucional abstrata, o que resta com­
provado pela alteração do art. 1 03 incisos IV e V, da
1

CF/881 promovida pela EC nº 45 de 2004 .


Costuma-se afirmar, sem que isso provoque qual­
quer polêmica, que a fiscalização abstrata da constitu­
cionalidade se perfaz através de um processo objetivo. 2 79
É que, ao contrário dos processos intersubjetivos, em
que as partes contendem em torno de direitos ou in­
teresses em conflito, o processo de controle abstrato
da constitucionalidade não envolve pessoas ou interesses
concretos, cingindo-se à aferição, em tese, da compa­
tibilidade de uma norma determinada com outra que
lhe é hierarquicamente superior. Diz-se, assim, que tal
processo é objetivo no sentido de que não envolve
situações jurídicas de caráter individual, destinando-se
não à solução de litígios intersubjetivos, mas à guarda
da Constituição. O Supremo Tribunal Federal adota

2 79 . G ilmar Ferreira Mendes, Controle de Constitucionalidade - Aspectos


Jurídicos e Políticos, Editora Saraiva, 1 990, p. 2 5 0/2 5 1 . Segundo o autor, o
processo objetivo é "um processo sem sujeitos, destinado, pura e simplesmente,
à defesa da Constituição. Não se cogita, propriamente, da defesa de interesse
do requerente, que pressupõe a defesa de situações subjetivas. "

1 43
placidamente a tese acima1 280 não sem algumas mitiga­
ções em determinados pontos.
Uma dessas mitigações consiste no instituto da per­
tinência temática . Embora a Constituição não a preveja1
o Supremo Tribunal Federal construiu1 nos últimos
anos1 uma robusta jurisprudência erigindo a pertinência
temática como requisito específico para que determi­
nados entes e órgãos possam manejar a ação direta de
inconstitucionalidade. 2 8 1
Entende-se por pertinência temática a exigência de
correlação entre as prerrogativas ou fins institucionais
do órgão ou entidade legitimado para a propositura da
ação direta com aquele ato normativo por meio dela
questionado . 2 8 2 A ideia da pertinência temática surgiu

280. ( . . ) no exercício do controle em abstrato da norma jurídica, o Supremo


" .

Tribunal Federal desempenha função política, em cujo âmbito instauram-se


relações processuais objetivas, que visam à tutela da ordem constitucional, sem
vinculações quaisquer a situações de caráter individual, sendo a Corte investida
numa competência de exclusão, consistente na remoção da manifestação estatal
inválida do ordenamento jurídico, desempenhando, pois, o papel de legislador
negativo. " (RTJ nº 1 3 1 / 1 001 e 1 46/46 1 ) .
28 1 . Interessante notar que a Lei nº 9. 868/99, apesar de haver ratificado vários
posicionamentos do Supremo Tribunal Federal em matéria de processo e
julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, não positivou a exigência
da pertinência temática para alguns legitimados ativos, os chamados legitimados
condicionados ou não universais. Sem embargo, em voto na ADIN nº 2.258,
o Min. Relator Sepúlveda Pertence afirmou que, não obstante a ausência de
referência expressa na Lei nº 9. 868/99 à pertinência temática, a existência de
tal requisito é fruto de interpretação direta da Constituição pelo Supremo
11

Tribunal, que, à lei ordinária, não seria dado elidir, ainda quando o preten­
desse. "
2 8 2 . Veja-se, assim, ADIN-MC nº 1 096, rei. Min. Celso de Mello, na qual se
assentou que a pertinência temática é "fator determinante da própria legitimi­
dade ativa ad causam para instauração do controle nonnativo abstrato. Esse
requisito torna imprescindível, para efeito de acesso ao procedimento de fisca­
lização concentrada de constitucionalidade, que se evidencia um nexo de afini­
dade entre os objetivos institucionais da entidade que ajuíza a ação direta e o

1 44
como solução para o excesso de ações diretas de in­
constitucionalidade propostas por confederações sindi­
cais e entidades de classe de âmbito nacional. Da mesma
forma1 tal requisito vem sendo exigido dos Governa­
dores de Estado e do Distrito Federal e Mesas de
Assembleias Legislativas e da Câmara Legislativa dis­
trital.
Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Fe­
deral1 portanto1 existem legitimados plenos, universais
ou incondicionados para a propositura da ação direta1
cuja missão institucional é a defesa da ordem jurídica
como um todo, que estão dispensados da comprovação
da pertinência temática: o Presidente da República1 as
Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados1
o Procurador-Geral da República1 o Conselho Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil e os partidos polí­
ticos com representação no Congresso Nacional. 283 E

conteúdo material da norma por ela impugnada nessa sede processual''. No


mesmo sentido, ADIN-MC 1 . l 5 7, rel . Min. Celso de Mello, ADIN-MC 1 . 1 5 1 ,
rel. Min. Sepúlveda Pertence, ADIN-MC 1 . 1 1 4, rei. Min. limar Galvão, ADIN­
MC 1 . 1 94, rei. Min. Maurício Corrêa; ADIN-MC nº 1 . 464, rel. Min. Moreira
Alves.
2 8 3 . Como observa Gilmar Ferreira Mendes, a exigência de que o partido
político tenha representação no Congresso Nacional é satisfeita ainda que na
circunstância de uma representação singular, o que representa uma amplíssima
compreensão da defesa das minorias no âmbito da jurisdição constitucional.
Ao contrário do que parece ao ilustre constitucionalista - que chega a indagar
se não seria mais adequado converter o direito de propositura dos partidos
políticos em direito de propositura de um determinado número de Deputados
ou de Senadores - a legitimação ampla conferida pela Constituição aos
partidos políticos, ainda quando extremamente minoritários, afigura-se como
medida salutar de preservação das diferentes minorias existentes na sociedade,
que muitas vezes só encontram em tais partidos o espaço necessário para a
defesa de seus ideais e interesses. O Partido Verde seria um exemplo vivo
dessa realidade. Cf. Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional - O
controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha, Editora Saraiva, 1 996,
p. 1 45 .

1 45
existem legitimados condicionados - Governadores de
Estado e do Distrito Federal e Mesas de Assembleias
Legislativas e da Câmara Legislativa distrital, confedera­
ções sindicais e entidades de classe de âmbito nacional
- dos quais se exige a demonstração do interesse em
agir em cada ação, consubstanciado no requisito da
pertinência temática. Sistematizando o entendimento
do Supremo Tribunal sobre o tema, confira-se esclare­
cedor trecho de acórdão da lavra do Min. Celso de
Mello:

"Inicialmente exigida apenas quanto às entidades de


classe de âmbito nacional (ADIN 3 96, rel. Min.
Paulo Brossard; ADIN 1 3 8, rel. Min. Sydney San­
ches; ADIN 893, rel. Min. Carlos Velloso) , a per­
tinência temática passou a ser considerada, partir
do julgamento da ADIN 1 . 1 1 4, rel. Min. Ilmar
Galvão, requisito indispensável também no que con­
cerne às Confederações sindicais [. . ] . O requisito
.

da pertinência temática, de outro lado, também foi


estendido pela jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal às hipóteses de ajuizamento da ação direta
de inconstitucionalidade tanto pelos Governadores
de Estado quanto pelas Mesas das Assembléias Le­
gislativas locais [. . . ] se a lei impugnada disser res­
peito, de algum modo, às respectivas unidades fede­
radas (ADIN nº 902, rel. Min. Marco Aurélio) .
Note-se, portanto, que a exigência jurisprudencial
que impõe o reconhecimento do vínculo objetivo de
pertinência temática somente tem aplicabilidade
quando se tratar dos organismos a que se refere o
art. 1 03, IX, da Carta Política (as confederações
sindicais ou as entidades de classe de âmbito nacio­
nal) ou quando o sujeito ativo do processo de controle
abstrato for o Chefe do Poder Executivo estadual

1 46
(ou distrital) ou a Mesa das Assembléias Legislativas
dos Estados-Membros (ou da Mesa da Câmara Le­
gislativa distrital) " (sem referência às autoridades
distritais no original) . 284

Vale notar que o parágrafo único do art. 2° da Lei


- vetado pelo Presidente da República - restringia a
exigência da pertinência temática às confederações sin­
dicais e entidades de classe de âmbito nacional, aludin­
do, ainda, às federações sindicais de âmbito nacional.
O veto foi motivado pelo fato de que a jurisprudência
do Supremo Tribunal não admite que estas entidades
(federações sindicais) detenham legitimidade para a
deflagração da ação direta. 285
É curioso que, na ótica da Presidência da República,
a Lei devesse necessariamente se conformar ao enten­
dimento da Corte, sem que sobre ele se pudesse formar
qualquer juízo crítico. A inovação do parágrafo único
do art. 2° serviria para corrigir uma jurisprudência
excessivamente restritiva do Supremo Tribunal em re­
lação às confederações sindicais e entidades de classe
de âmbito nacional, que devem ser vistas como instru­
mentos de participação da sociedade civil no processo
de interpretação e definição da vontade constitucional.
Quanto às entidades de classe de âmbito nacional,
o · Supremo Tribunal Federal vem impondo algumas
exigências para a caracterização do caráter nacional.
Com efeito, por analogia com a Lei Orgânica dos Par­
tidos Políticos (Lei Federal nº 9 . 096/9 5) , art. 7°, § 1 º,
a Suprema Corte exige que a entidade de classe tenha

ADIN-MC nº 1 .096, reL Min. Celso de Mello, DJ de 22.09 . 1 99 5 .


284.
ADIN-MC n º 689, rel. Min. Néri d a Silveira; ADIN-MC n º 7 72 , rel. Min.
285.
Moreira Alves; ADIN-MC nº 1 .003, rel. Min. Celso de Mello.

147
atuação em pelo menos nove Estados - número exigido
pela Lei para que o partido político seja considerado
de âmbito nacional. 286 Tal exigência se afigura excessiva
e contrária à razoabilidade1 uma vez que há inúmeros
casos em que a categoria representada pela entidade
de classe1 embora exibindo vulto e importância nacio­
nais1 exerce atividades apenas em alguns Estados da
Federação .
Exige-se1 ainda1 cumulativamente1 que as entidades
de classe: (I) sejam formadas por pessoas naturais ou
pessoas jurídicas que componham uma categoria pro­
fissional ou econômica diferenciada E (II) componham
uma categoria homogênea. Exigia ainda o STF1 como
3° requisito de legitimação1 que as mesmas não se
configurassem como "associações de associações " . 287
Este último requisito1 todavia1 foi objeto de alteração
jurisprudencial da Suprema Corte. 288 Exige-se das
confederações sindicais1 obrigatoriamente1 o registro
competente junto ao Ministério do Trabalho. 289
Perdeu-se boa oportunidade para uma regulamen­
tação mais democrática e menos estreita dos requisitos
a serem preenchidos por tais entidades para que elas
possam se habilitar à propositura da ação direta de
inconstitucionalidade. O argumento ad terrorem da pro­
liferação incontrolável de causas não pode servir como
pretexto para frustrar o acesso de grupos organizados1
de elevada representatividade social1 à participação nos

28 6. RTJ 1 29/959, 1 36/479, 1 4 1 /3 e 1 47/372.


287 . RTJ 1 32/56 1 , 1 38/8 1 , 1 3 8/42 1 , 1 3 9/3 78, 1 55/97, 1 5 5/4 1 6 e 1 6 1 /89.
288 . AgR na ADIN nº 3 . 1 53-DF, rei. Min. Sepúlveda Pertence, Informativo
356. No mesmo sentido, cf. ADIN nº 1 5, rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ
2 1 .08.2008.
289 . RTJ 1 501707 e 1 59/4 1 3 .
1 48
processos constitucionais sobre leis de grande relevância
para seus destinos .
O veto ao parágrafo único do art. 2°, por certo, não
inibirá que o Supremo Tribunal Federal continue a
exigir, nos moldes já estabelecidos, não apenas o preen­
chimento do requisito da pertinência temática, como
de todas as draconianas formalidades acima referidas
pelas entidades de classe e confederações sindicais.
Aliás, esta é uma conclusão que o próprio veto, na sua
exposição de motivos, cuida de explicitar. Tais exigên­
cias representam, na verdade, exceções ou mitigações
do princípio da objetividade do processo de fiscalização
abstrata da constitucionalidade.
Como se vê, o conceito de que a ação direta de
inconstitucionalidade instaura um processo objetivo
deve ser entendido em seus devidos termos. Do ponto
de vista da teoria processual, é correta a classificação,
eis que não há contendores litigando em defesa de
direitos subjetivos concretos, que deverão ser assegu­
rados pela prestação jurisdicional. O que não se pode
admitir é que a decantada objetividade seja invocada
para sustentar a falsa ideia de que a fiscalização abstrata
da constitucionalidade se perfaça através de um pro­
cesso asséptico, meramente formal, desprovido da es­
sência da ideia de lide que é o conflito de interesses.
Bem ao contrário, nele confluem os maiores conflitos
políticos, sociais e econômicos da nação, compondo um
quadro representativo dos fatores reais de poder. 29º

290. A expressão, como se sabe, foi cunhada por Ferdinand Lassalle em sua
célebre conferência de 1 863, publicada em português sob o título A Essência
da Constituição, Editora Liber Juris, 1 988, p. 1 1 : "Os fatores reais de poder
que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa
todas as leis e instituições jurídicas vigentes, determinando que não possam
ser, em substância, a não ser tal como elas são" (grifos do original) .

1 49
Uma concepção assim equivocada acaba por gerar
distorções processuais com consequências negativas
para o adequado exercício da jurisdição constitucional.
Exemplo disso é a restrição quase integral à incidência
das hipóteses de parcialidade dos julgadores no processo
de controle abstrato. Como não há partes propriamente
ditas1 nem tampouco interesses subj etivos em j ogo1 não
há cogitar de suspeição dos magistrados - proclama o
Pretório Excelso. Outrossim1 impedimento só haverá
na hipótese em que algum dos julgadores houver atuado
no feito que lhe toca julgar como requerente1 requerido1
Procurador-Geral da República ou Advogado-Geral da
União . 291
Esta restrição apriorística à possibilidade de arguição
do impedimento ou suspeição dos juízes do Supremo
Tribunal em sede de fiscalização abstrata prejudica a
independência da Corte1 a transparência dos julgamen­
tos e1 a fortiori1 a respeitabilidade de seus vereditos.

291 . No julgamento da ADIN nº 5 5-DF, entendeu-se que o Ministro Sepúlveda


Pertence estava impedido de julgar por haver sido provocado por terceiros,
ainda quando Procurador-Geral da República, a representar por inconstitucio­
nalidade contra a mesma lei objeto de ação direta, tendo ele indeferido o pedido
por considerá-la constitucional (RTJ 1 46/3) . Por outro lado, no mesmo julgado,
ficou ainda assentado que o Ministro que haja referendado a lei ou o ato
normativo objeto da ação, na condição de Ministro de Estado, não está impedido
de participar dos julgamentos das ações diretas de inconstitucionalidade. Na
ADIN nº 2.243, rei. Min. Marco Aurélio, decidiu-se, à unanimidade, que não
estão impedidos de participar do julgamento os Ministros que integram o
Tribunal Superior Eleitoral, inclusive o seu Presidente, que tenham prestado
informações para fins de processo concentrado de controle de constitucionali­
dade. Cf. no mesmo sentido, ADIN nº 2 .3 2 1 , rei. Min. Celso de Mello, ADIN
nº 3 . 74 1 , rei. Min. Ricardo Lewandowski. O entendimento restou ainda espo­
sado pela súmula 72 do STF, in verbis: "No julgamento de questão constitu­
cional, vinculada à decisão do Tribunal Superior Eleitoral, não estão impedidos
os ministros do Supremo Tribunal Federal que ali tenham funcionado no
mesmo processo, ou no processo originário".

1 50
Suponha-se1 por mera hipótese1 que um certo Ministro
haja sido advogado1 ao longo de toda a vida1 de deter­
minada empresa privada1 e que haja sido intentada ação
direta de inconstitucionalidade contra uma lei que afeta
direta e gravosamente os interesses daquela empresa.
É intuitivo que o referido Ministro possa ter questionada
a sua imparcialidade, ainda que as alegações do exci­
piente não sejam acolhidas. Os membros do Tribunal
- e especialmente aquele Ministro em relação a quem
foi feita a arguição - têm o dever1 ao menos1 de refutar
os argumentos apresentados1 tornando mais democrá­
tico e transparente o julgamento.
Por outro lado1 seria razoável que a Lei nº 9 . 868/991
além de permitir expressamente a arguição de parcia­
lidade dos julgadores, houvesse instituído uma hipótese
de parcialidade objetiva - impedimento - que seria
extremamente salutar para o aprimoramento da cultura
política brasileira. A medida seria singela mas de es­
trondoso efeito moral: o Ministro nomeado por Presi­
dente da República ainda no exercício de seu mandato
ficaria impedido de atuar1 como relator ou vogal1 nos
processos de fiscalização abstrata da constitucionalidade
contra leis ou atos normativos envolvendo interesse
direto do Poder Executivo Federal. À Corte1 por sua
formação plenária, caberia decidir, nas hipóteses em
que houvesse dúvida sobre a existência do aludido
interesse direto1 pela incidência ou não do impedi­
mento.
Longe de estar-se a perpetrar uma crítica direta
contra a presente ou qualquer pretérita composição do
Supremo Tribunal Federal, o que se propõe é uma
atitude de seriedade para com a Constituição e uma
garantia a mais para os jurisdicionados no contexto de
uma cultura política marcadamente personalista. É per-

151
tinente, a este propósito, a observação arguta e realista
de Luís Roberto Barroso:

"Seguindo a tradição republicana brasileira, molda­


da no constitucionalismo norte-americano, os Minis­
tros do Supremo Tribunal Federal são nomeados pelo
Presidente da República, 'depois de aprovada a es­
colha pela maioria absoluta do Senado Federal' (art.
1O1, parágrafo único) . Afastando-se, todavia, da
tradição americana, o Senado jamais exerceu tal
competência com aplicação e interesse, limitando-se
a chancelar, acríticamente, o ungido do Presidente.
Convertida a nomeação, de fato, em uma competên­
cia discricionária e unipessoal, a maior ou menor
qualidade dos integrantes da Suprema Corte passa
a ser tributária da sorte ou da visão de estadista
do Presidente da República. Que, como se sabe, nem
sempre existe, ou, ao menos, sucumbe eventualmente
a circunstâncias da política, da amizade e de outras
vicissitudes do crônico patrimonialismo da formação
nacional. " 292

À míngua de uma reforma constitucional que venha


alterar a vetusta fórmula de designação dos Ministros
e critérios de composição do Supremo Tribunal Federal
- o que demandaria um esforço quase hercúleo para
vencer as resistências do Presidente da República e para
formar-se um consenso em torno da fórmula de com­
posição ideal 293 - a proposta acima apresentada, de

292 . Luís Roberto Barroso, Dez anos da Constituição de 1 988 (Foi bom pra
você também7J , Revista de Direito Administrativo nº 2 1 4, 1 998, p. 1 4 .
293 . No Canadá, Japão, Noruega e Dinamarca, os juízes da Corte Constitucio­
nal são designados exclusivamente pelo Poder Executivo; nos Estados Unidos

1 52
lege ferenda, além de mais factível, poderia contribuir
significativamente para despersonalizar a escolha dos
juízes da Corte e fortalecer a sua independência.
Os arts. 3° a 9° da Lei nº 9 . 8 68/99 tratam, basica­
mente, do procedimento a ser seguido na ação direta
de inconstitucionalidade .
O art. 3° estabelece que a petição inicial da ação
indicará o dispositivo da lei ou ato normativo impug­
nado, os fundamentos jurídicos do pedido em relação
a cada uma das impugnações (inciso I), bem como o
pedido com suas especificações (inciso II) . Não pode
o Supremo Tribunal Federal julgar além ou diferente­
mente do que foi pedido pelo autor da ação. Com
efeito, não está a Corte autorizada a agir ex officio,
uma vez que não está incluída no rol de legitimados
para a deflagração do controle abstrato da constitucio­
nalidade estabelecido no art. 1 03 da Constituição Fe­
deral. 294 Hipótese diversa ocorre quando a petição ini-

e no Brasil, pelo Executivo, com aprovação do Senado; na Bélgica, pelo Parla­


mento, com aprovação do Rei; em Portuga i , exclusivamente pelo Legislativo;
na Alemanha, pelas duas Casas Legislativas; na Áustria e na França (Conselho
Constitucional) , pelo Executivo e pelo Legislativo; na Itália e na Espanha, pelo
Executivo, pelo Legislativo e pelo próprio Judiciário. Todavia, mais importante
que o modo de designação dos j uízes são os critérios que presidem a sua escolha,
garantindo-se uma composição pluralista e paritária, formada por magistrados
de carreira, advogados, professores de Direito e pessoas qualificadas pelo
desempenho de funções públicas relevantes. Também parece fundamental que
a vitaliciedade dos Ministros seja substituída por mandatos longos, que asse­
gurem a renovação periódica da composição da Corte. Sobre o tema, v. Louis
Favoreu, La Legitimité de la Justice Constitutionnelle et la Composition des
luridictions Constitutionnelles, in Legitimidade e Legitimação da Justiça Cons­
titucional. Colóquio no 1 0° Aniversário do Tribunal Constitucional, Coimbra
Editora, 1 995, p. 229/240.
294 . Cf., nesse sentido, ADIN nº 4.043, rei. Min. Eros Roberto G rau: "A
jurisprudência desta Corte é firme no tocante à imprescindibilidade de impug­
nação dos textos normativos que cuidem da mesma matéria atacada na ação

1 53
cial é silente a respeito dos dispositivos que regulamen­
tam a norma legal impugnada. Aqui, por uma razão
lógica, declarada a inconstitucionalidade do supedâneo
legal, devem ser estendidos os efeitos da declaração a
todas as normas que dele decorram, ainda que não
contempladas expressamente na peça vestibular da
ação. 29 5

direta. A demanda não pode atacar apenas um dos atos contidos no complexo
normativo. O sistema de leis vinculadas a determinado tema deve ser questio­
nado em sua íntegra. A razão disso reside no fato de a eficácia da declaração
de inconstitucionalidade alcançar tão-somente o ato impugnado e não o com­
plexo no qual inserido. Nesse sentido: a ADIN nº 2 . 1 74, rel. Min. Maurício
Corrêa, DJ de 7 . 3 .03; a ADIN nº 1 . 1 87 , rei. Min. Maurício Corrêa, DJ de
30. 5 .9 7; a ADIN nº 2 . 1 33, rei. Min. Ilmar Galvão, DJ de 9.3.00; a ADIN nº
2.45 1 , rel. Min. Celso de Mello, DJ de 1 °.8.0 1 ; a ADIN nº 2 . 972, rei. Min.
Carlos Britto, DJ de 29. 1 0.03; e a ADIN nº 2.992, rel. Min. Eros Grau, DJ
de 1 7. 1 2.04". Ainda no mesmo sentido, v. ADIN nº 2 1 33, rei. Min. Ilmar
Galvão; ADIN nº 1 1 87, rei. Min. Maurício Corrêa: "2. O acolhimento da
impugnação de algumas normas de um sistema (arts. 1 4 e 1 5) , via ação direta,
indissoluvelmente ligadas a outras do mesmo sistema (art. 1 6) , não impugnadas
na mesma ação, impüca em remanescer no texto legal dicção indefinida,
assistemática, imponderável e inconsequente. 3. Impossibilidade do exercício
ex-offício da jurisdição para incluir no objeto da ação outras normas indisso­
luvelmente ligadas às impugnadas, mas não suscitadas pelo requerente. 4. Ação
direta não conhecida, ressalvando-se a possibilidade da propositura de nova
ação que impugne todo o sistema" (sem grifos no original) .
29 5 . Cf., nesse sentido, ADIN nº 3 . 645, rei . Min. Ellen Gracie, julgamento em
3 1 . 5 . 06, DJ 1 °.9.06: "Constatada a ocorrência de vício [ . . . ] suficiente a fulminar
a Lei [ . . . ] ora contestada, reconheço a necessidade da declaração de inconsti­
tucionalidade consequencial ou por arrastamento de sua respectiva regulamen­
tação [ . . . ] . Esta decorrência [ . . ] ocorre quando há relação de dependência de
.

certos preceitos com os que foram especificamente impugnados, de maneira


que as normas declaradas inconstitucionais sirvam de fundamento de validade
para aquelas que não pertenciam ao objeto da ação" . Assim, restou ementado
que ocorre " [ d] eclaração de inconstitucionaüdade consequencial ou por arras­
tamento de decreto regulamentar superveniente em razão da relação de de­
pendência entre sua validade e a legitimidade constitucional da lei objeto da
ação. Precedentes: ADIN 43 7-QO, rei. Min. Celso de Mello, DJ 1 9 .02.93 e
ADIN 1 73-MC, rei. Min. Moreira Alves, DJ 2 7.04.90."

1 54
Quanto ao instrumento do mandato, referido no
parágrafo único do art. 3°, só será necessário quando a
inicial for subscrita por advogado. O Supremo Tribunal
Federal entende que os entes enumerados nos incisos
I a VII do art. 1 03 da Constituição detêm capacidade
postulatória plena para ajuizarem ação direta de incons­
titucionalidade, independentemente da constituição de
advogado, e para a prática de todos os demais atos
processuais. 296 Quanto aos partidos políticos, confede­
rações sindicais e entidades de classe de âmbito nacio­
nal, entende-se que necessitam do patrocínio advoca­
tício. 2 9 7
A Corte Constitucional não está vinculada aos fun­
damentos jurídicos apontados na petição inicial da ação
direta. Assim, embora rejeitando os fundamentos do
autor1 poderá declarar a inconstitucionalidade da norma
impugnada por razões jurídicas diversas. 298 Não se ad-

296. RTJ 1 44/3 . O Supremo Tribunal Federal, ademais, em recente julgado,


entendeu desnecessária a assinatura do legitimado quando presente a do pro­
curador, nos seguintes termos: " Descabe confundir a legitimidade para a pro­
positura da ação direta de inconstitucionalidade com a capacidade postulatória.
Quanto ao Governador do Estado, cuja assinatura é dispensável na inicial,
tem-na o Procurador-Geral do Estado." (ADIN nº 2 . 906, rei. Min. Marco
Aurélio, julgamento em 0 1 .06.201 1 , DJ de 29.06.20 1 1 ) .
2 9 7 . Vale ressaltar que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento -
vencidos os Ministros Marco Aurélio e Néri da Silveira - de que nas ações
diretas de inconstitucionalidade subscritas por advogado exige-se a apresenta­
ção de procuração com outorga de poderes expressos para impugnar a norma
objeto da petição inicial. O voto vencido sustentava que a exigência carecia de
supedâneo legal, sendo o poder para ajuizar a ação direta considerado implícito
na cláusula ad judicia. V. ADIN (QO) 2 . 1 8 7-BA, rei . Min. Octanvio Gallotti,
24.05.2000, Informativo STF nº 1 90. No mesmo sentido, v. ADIN nº 2.46 1 ,
rei. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 1 2 .05.05, DJ de 0 7 . 1 0 . 0 5 .
2 9 8 . RTJ 1 3 8/353 e 1 3 8/3 7 1 . Conforme destacou a Min. Ellen Gracie, " [a]
cognição do Tribunal em sede de ação direta de inconstitucionalidade é ampla.
O Plenário não fica adstrito aos fundamentos e dispositivos constitucionais

1 55
mite, entretanto, que a petição inicial da ação direta
se limite a pedir a declaração da inconstitucionalidade,
com alegações genéricas ou sem apontar os dispositivos
constitucionais supostamente violados, que justifiquem
a postulação. 299 Neste sentido, proclama o art. 4° que
a exordial inepta, não fundamentada e a manifestamen­
te improcedente 3 00 serão liminarmente indeferidas, em
decisão monocrática, pelo relator; desta decisão cabe,
como reza o parágrafo único do mesmo art. 4°, agravo
regimental, que será julgado pelo Plenário do Tribu­
nal. 3 0 1

trazidos na petição inicial, realizando o cotejo da norma impugnada com todo


o texto constitucional. Não há falar, portanto, em argumentos não analisados
pelo Plenário desta Corte, que, no citado julgamento, esgotou a questão. " Al
4 1 3 . 2 1 0-AgR-ED-ED, rel. Min. Ellen G racie, julgamento em 24. 1 1 .04, DJ de
1 0 . 1 2 . 04 . No mesmo sentido, v. ADIN nº 3 . 5 76, rei. Min. Ellen Gracie;
ADIN-MC nº l .606, rei. Min. Moreira Alves; ADIN-MC nº 5 6 1 , rei. Min.
Celso de Mello; ADIN nº 2. 728, rei. Min. Maurício Corrêa; ADIN-MC nº
2.2 1 3, rel . Min. Celso de Mello; ADIN nº 1 . 967, rei. Min. Sepúlveda Pertence.
299 . V. ADIN-MC nº 56 1 , rei. Min. Celso de Mello; ADIN nº 2 59, rei. Min.
Moreira Alves; ADIN nº 1 . 708, rei. Min. Marco Aurélio; ADIN nº 1 . 775, rei.
Min. Maurício Corrêa; ADIN-MC nº 2. 2 1 3, rel Min. Celso de Mello; ADIN
nº 1 .982, rei. Min. Maurício Corrêa. ADIN nº 1 .6 5 5 , rel. Min. Maurício Corrêa;
ADIN nº 3 . 2 1 8, rel. Min. Eros Grau .
3 00 . Nesse diapasão, proclamou o Supremo Tribunal Federal que " [é] mani­
festamente improcedente a ação direta de inconstitucionalidade que verse
sobre norma ( . . . ) cuja constitucionalidade foi expressamente declarada pelo
Plenário do Supremo Tribunal Federal, mesmo que em recurso extraordinário"
(ADIN nº 4 . 0 7 1 -AgR, rel. Min . Menezes Direito, julgamento em 22.04. 2009,
DJE de 1 6. 1 0.2009). No mesmo sentido: ADIN nº 4.466, rel. Min. Dias
Toffoli, julgamento em 1 3 .02.20 1 2, DJE de 1 7 .02.2 0 1 2 .
3 0 1 . Não caberá agravo regimental a o Plenário d o Supremo Tribunal Federal
quando a Corte, em sessão plenária, não conhecer da ação. É o que ficou
sedimentado na Questão de Ordem levantada na ADIN nº 2.073, rel . Min.
Moreira Alves: " [e J m se tratando de decisão do Pleno desta Corte que não
conhece de ação direta de inconstitucionalidade, não é cabível o agravo a que
alude o parágrafo único do artigo 4° da Lei 9. 868/99 que só é admissível contra
despacho do relator que liminarmente indefere petição inicial de ação dessa

1 56
O art. 5° da Lei nº 9 . 868/99 reproduz o art. 1 691
§ l 01 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Fe­
deral1 que veda expressamente a desistência da ação
direta de inconstitucionalidade1 à vista de sua natureza
objetiva e de seu caráter indisponível. Com efeito1 não
há interesse individual em j ogo a justificar o pedido de
desistência1 prevalecendo o interesse público de prote­
ção da Constituição. Por idêntica razão1 não se admite
a desistência de pedido liminar. 3 0 2 Aliás 1 segundo o
mencionado art. 1 691 § l 01 do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federat ao Procurador-Geral da Re­
pública não é dado desistir da ação1 ainda que1 ao final1
seu parecer seja pela constitucionalidade da norma ini­
cialmente impugnada. 30 3
O art. 6º1 caput1 determina que o relator solicitará
informações aos órgãos ou às autoridades 30 4 das quais

natureza. Questão de ordem que se resolve no sentido do não-conhecimento


do presente agravo. "
3 02 . ADIN-MC nº 892-7/RS, rel . Min. Celso d e Mello, DJU 07 . 1 1 . 1 997, p.
5 7 .230. No mesmo sentido, v. ADIN-MC nº 2049, rel. Min. Néri da Silveira.
3 03 . O Supremo Tribunal Federal já decidiu que "o art. 1 69, § 1 º, do RISTF/80,
que veda ao Procurador-G eral da República essa desistência, aplica-se, exten­
sivamente, a todas as autoridades e órgãos legitimados pela Constituição de
1 988 para a instauração do controle concentrado de constitucionalidade (art.
1 03 ) " . ADIN-MC nº 387, rei . Min. Celso de Mello. No mesmo sentido, v.
ADIN-MC nº 1 368, rei. Min. Néri da Silveira; ADIN nº 1 64, rel. Min. Moreira
Alves; ADIN-MC nº 1 840, rei. Min. Carlos Velloso.
3 04 . As autoridades responsáveis pela edição do ato normativo impugnado não
possuem capacidade postulatória perante o Supremo Tribunal Federal. Foi o
que ficou consignado no julgamento dos embargos declaratórios em agravo
regimental na ADIN nº 2 .098-ED-AgR,rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em
1 8 .3 .02, DJ de 1 9 . 04 .02 em que se afirmou que (. . ) a simples capacidade
" .

para prestar informações não acarreta a plena capacidade postulatória dos órgãos
estatais [de] que emanaram os atos normativos impugnados". Assim, " [ . . ] os
.

órgãos requeridos, [ . . . ] apesar de prestarem informações, não podem recorrer


sem a regular representação processual".

157
emanou a lei ou ato normativo impugnado1 que deverão
ser prestadas1 consoante o parágrafo único1 no prazo de
trinta dias contados do recebimento do pedido. 305
Os partícipes na elaboração do ato normativo im­
pugnado são os réus 306 da ação direta. Assim1 havendo
sancionado o projeto de lei1 responderá como réu o
Chefe do Poder Executivo1 ao lado da Casa Legislativa.
Caso o tenha vetado1 não participará da relação pro­
cessual. Em se tratando de ato administrativo norma­
tivo1 responderão1 por óbvio1 apenas as autoridades
administrativas responsáveis pela sua edição.
Questão interessante é saber se é possível que o
Presidente da República1 ou qualquer Governador de
Estado ou do Distrito Federal1 havendo sancionado um

305 . O prazo de trinta dias a que se refere o art. 6°, parágrafo único, da Lei
9 .868/99 tem sua contagem suspensa durante o período de recesso do Supremo
Tribunal Federal, conforme ficou entendido na questão de ordem suscitada no
bojo da ADIN nº 1 36, rei . Min . Aldir Passarinho. O fundamento é o art. 1 05,
caput, do regimento interno do STF: " Não correm os prazos nos períodos de
férias e recesso, salvo as hipóteses previstas em lei ou neste Regimento".
306 . Não obstante a nossa utilização do termo "réus", o Supremo Tribunal
Federal entende que não existem propriamente réus nos processos abstratos
de controle de constitucionalidade justamente por ser um processo objetivo.
Nesse sentido, cf. ED-ADIN nº 2.982, rei. Min. Gilmar Mendes: "A ação direta
de inconstitucionalidade configura típico processo objetivo, destinado a elidir a
insegurança jurídica ou o estado de incerteza sobre a legitimidade de lei ou ato
normativo federal . Os eventuais requerentes atuam no interesse de preservação
da segurança jurídica e não na defesa de um interesse próprio. Tem-se um
processo sem partes, no qual existe requerente, mas inexiste requerido. Os
requerentes são titulares da ação de inconstitucionalidade apenas para o efeito
de provocar, ou não, o Supremo Tribunal. Assim, a não identificação de réus
ou partes contrárias na ação direta de inconstitucionalidade apenas demonstra
que se cuida aqui de típico processo objetivo" (grifos nossos) . No mesmo tom,
Reclamação nº 397 MC-QO, rei. Min. Celso de Mello: "o ajuizamento de ação
direta de inconstitucionalidade, perante o Supremo Tribunal Federal, faz ins­
taurar processo objetivo, sem partes, no qual inexiste litígio referente a situações
concretas ou individuais" (grifos nossos) .

1 58
determinado projeto de lei1 venha1 posteriormente1 a
ajuizar uma ação direta, sob o argumento de que aquela
lei é inconstitucional.
Ao que parece, em primeira leitura1 não há nenhum
impedimento a que o Presidente da República ou os
Governadores o façam. Em primeiro lugar1 a legitimi­
dade desses órgãos para o ajuizamento da ação não é
condicionada de nenhuma forma pela Constituição. As­
sim1 não caberia ao intérprete e aplicador da Consti­
tuição restringir o que não foi objeto de restrição por
parte do legislador constituinte . Em segundo lugar1 se
o Chefe do Poder Executivo sancionou a lei e entendeu
que estava errado1 é melhor que proponha a ação direta
do que persistir no erro, dando cumprimento a uma
lei inconstitucional.
O Supremo Tribunal Federal j á entendeu que "a
circunstância de o Governador do estado poder ques­
tionar1 autonomamente1 a validade jurídica de uma
espécie normativa local em sede de ação direta1 fazendo
instaurar1 por iniciativa própria1 o concernente controle
concentrado de constitucionalidade1 não lhe confere a
prerrogativa de1 uma vez iniciada a fiscalização abstrata
por qualquer dos outros ativamente legitimados - e
constando ele como órgão requerido na ação direta -1
buscar a sua inclusão no pólo ativo. O órgão do Poder
Público que formalmente atue como sujeito passivo no
processo de controle normativo abstrato não dispõe de
legitimidade para requerer a suspensão cautelar do ato
impugnado1 ainda que tenha expressamente reconheci­
do a procedência do pedido" . 307

307. ADIN nº 807-2/RS, rei. Min. Celso de Mello, DJU 1 1 .06.93, verbis: ( . . . )
"

Quando o ato normativo impugnado em sede de fiscalização abstrata tiver


emanado também do Chefe do Poder Executivo - a lei, sendo ato estatal

1 59
Ora1 esse é um argumento que parece1 à primeira
vista1 muito consistente . Haveria uma incompatibilida­
de1 senão processual1 pelo menos lógica1 entre o Chefe
do Executivo sancionar uma lei - e ser portanto réu
na ação direta - e posteriormente pretender ser o seu
autor. Nada obstante1 o próprio Excelso Pretório não
nega a possibilidade da propositura da ação pelo Chefe
do Executivo na hipótese figurada; o que se nega é que
possa1 uma vez proposta a ação por qualquer outro
legitimado1 deslocar-se do pólo passivo para o ativo1
formulando1 por exemplo1 pedido de suspensão cautelar
do ato normativo objurgado.
A solução da Suprema Corte para o caso1 data venia1
não soa coerente . Com efeito1 quem pode o mais pode
o menos. Assim1 se o Chefe do Executivo pode intentar
a ação direta1 como seu autor único e autônomo1 não
parece razoável que lhe seja defeso reconhecer a pro­
cedência do pedido formulado por outro ente legitima­
do e1 via de conséquência1 que não possa deduzir um
pedido de suspensão cautelar do ato normativo atacado.
A melhor solução para a situação1 que a Lei nº
9 . 8 6 8/99 não cuidou de resolver1 seria aquela prevista
na Lei da ação popular (Lei nº 4 . 7 1 7/641 art. 6º1 § 3°) 1
que faculta à pessoa jurídica de direito público1 uma
vez citada1 ocupar o pólo ativo da demanda1 chancelando
ou mesmo aditando o pedido do autor popular. Pode-se
cogitar de sua aplicação analógica ao processo da ação
direta. Assim1 optando o Chefe do Executivo por po­
sicionar-se no pólo ativo da relação processual1 estará

subjetivamente complexo, emerge da conjugação das vontades autônomas do


Legislativo e do Executivo - e este figurar, em consequência, no pólo passivo
da relação processual, tornar-se-á juridicamente impossível o seu ingresso em
condição subjetiva diversa daquela que já ostenta no processo."

1 60
autorizado a formular todo e qualquer requerimento
que, na qualidade de autor, a Constituição e a Lei lhe
facultam.
O art. 7° da Lei nº 9 . 868/99 veda genericamente,
no seu caput, a intervenção de terceiros no processo
de ação direta de inconstitucionalidade. Trata-se de
mais uma decorrência da objetividade do processo em
questão: não havendo um direito subjetivo ou pretensão
concreta deduzida pelo autor e resistida pelos réus, não
pode haver um interesse jurídico a ensej ar a intervenção
de um terceiro na relação processual. Consolida-se,
assim, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
na matéria 3 08 e complementa-se o art. 1 69, § 2°, do
Regimento Interno da Corte, que veda expressamente
a assistência a qualquer das partes .
O § 1 ° do art. 7° criava a possibilidade de manifes­
tação por escrito dos demais legitimados para a propo­
situra da ação, referidos no art. 2°, inclusive com a
juntada de documentos reputados úteis para o exame
do caso, dentro do prazo fixado para a prestação de
informações, bem como a apresentação de memoriais .
Tal dispositivo foi vetado a o argumento de que poderia
importar em prejuízo à celeridade processual e de que
a "abertura pretendida pelo preceito" já estaria atendida
pelo § 2° do mesmo artigo.
Ambos os fundamentos apresentados para o veto,
com a vênia devida, são inconsistentes . O primeiro,
porque havia no dispositivo vetado a previsão expressa
de que a manifestação por escrito e eventual juntada
de documentos se fizesse no prazo da prestação de
informações. Já a apresentação de memoriais, como se

3 08 . V., por todos os precedentes, ADIN nº 1 3 50-5, rei . Mi.J1 . Celso de Mello,
DJU de 07 . 08 .96, Seção I, p. 26 666/7

1 61
sabe, não interfere com a marcha processual. O segundo
argumento, a seu turno, também não se sustenta, na
medida em que no § 2° - ao contrário do que sugeria
a redação do § 1 ° - tem-se apenas a previsão de um
poder discricionário do relator de admitir a manifesta­
ção de outros órgãos ou entidades, o que fará conside­
rando a relevância da matéria e a representatividade
dos postulantes. 3 0 9
Com o § 2° do art. 7º passou-se a admitir expres­
samente a participação de órgãos ou entidades (legiti­
mados ou não para a propositura da ação direta) , na
qualidade de amicus curiae, 3 1 0 contribuindo para que
a Corte decida as questões constitucionais com pleno
conhecimento de todas as suas implicações ou reper­
cussões . 3 1 1 Trata-se de inovação bem inspirada, que se
insere no contexto de abertura da interpretação cons­
titucional no país, permitindo que os indivíduos e grupos
sociais participem ativamente das decisões do Supremo
Tribunal Federal que afetem seus interesses.

309 . O veto, afinal, revela seu verdadeiro propósito: "Tendo e m vista o volume
de processos apreciados pelo STF, afigura-se prudente que o relator estabeleça
o grau de abertura, conforme a relevância da matéria e a representatividade
dos postulantes. "
3 1 O . Amicus curiae é o "amigo d a Corte", aquele que lhe presta informações
sobre matéria de direito, objeto da controvérsia . Sua função é chamar a atenção
dos julgadores para alguma matéria que poderia, de outra forma, escapar-lhe
ao conhecimento. Um memorial de amicus curiae é produzido, assim, por
quem não é parte no processo, com vistas a auxiliar a Corte para que esta possa
proferir uma decisão acertada, ou com vistas a sustentar determinada tese
jurídica em defesa de interesses públicos ou privados de terceiros, que serão
indiretamente afetados pelo desfecho da questão. V. Steven H. G ifis, Law
Dictionary, Barron's Educational Series, Inc., 1 975, p. 1 1 / 1 2 .
3 1 1 . Inocêncio Mártires Coelho, As ideias de Peter Haberle e a Abertura da
Interpretação Constitucional no Direito Brasileiro, Revista de Direito Adminis­
trativo nº 2 1 1 , 1 997, p. 1 3 2 .

1 62
A disciplina legal da figura do amicus curiae1 de longa
data admitida em outros ordenamentos jurídicos1 3 1 2 já se
encontrava contemplada no Brasil desde 1 9 761 no art. 3 1
da Lei nº 6.3851 de 0 7 . 1 2 . 1 9 761 que admite a intervenção
da Comissão de Valores Mobiliários - CVM em proces­
sos intersubjetivos nos quais se discutam questões de
direito societário sujeitas1 no plano administrativo1 à com­
petência dessa entidade autárquica federal.
A inovação da Lei nº 9 . 868/991 entretanto1 é dupla:
( 1 º) introduziu-se1 pela vez primeira entre nós1 a figura
do amicus curiae em processo objetivo de controle de
constitucionalidade; (2º) ao contrário do caráter de in­
tervenção neutra da CVM 1 fulcrada na Lei n° 6. 3 8 51761
nos processo de ação direta de inconstitucionalidade1 o
órgão ou entidade se habilitará para apresentar a sua visão
da questão constitucional em testilha1 oferecendo à Corte
a sua interpretação1 como partícipe ativo da sociedade
aberta de intérpretes da Constituição. 3 1 3

3 1 2. É da tradição do constitucionalismo norte-americano a admissão da figura


do amicus curiae em processos alçados ao conhecimento da Suprema Corte,
quando em discussão grandes questões constitucionais do interesse de toda a
sociedade. O ingresso dos amici curiae serve, assim, para pluralizar o debate
que, no sistema americano, é originariamente travado apenas entre as partes
do processo.
3 1 3 . Esta intervenção com parcialidade foi reconhecida expressamente na
ADIN nº 3 .045, rei. Min. Celso de Mello, na qual ficou assentado que a lógica
da causa de pedir aberta, "por ensejar ampla indagação jurisdicional, por parte
desta Suprema Corte, em torno dos possíveis fundamentos (invocados ou não)
justificadores de eventual invalidade constitucional do ato normativo, permite,
bem por isso, que 'amicus curiae' apóie a sua pretensão de inconstitucionalidade
em fundamento jurídico diverso daquele invocado pelo autor do processo de
fiscalização nonnativa abstrata, não se achando vinculado, portanto, aos argu­
mentos utilizados pela parte principal" (grifos nossos) . Em julgado recente, o
Plenário do Supremo Tribunal Federal admitiu, por maioria, a intervenção do
amicus curiae em sede de mandado de segurança impetrado por parlamentar
contra projeto de lei alegado como inconstitucional. No caso, o Senador Rodrigo

1 63
O propósito do art. 7°, § 2° da Lei é claramente o de
pluralizar o debate constitucional, permitindo que o Tri­
bunal venha a tomar conhecimento, sempre que julgar
relevante, dos elementos informativos e das razões cons­
titucionais daqueles que, embora não tenham legitimida­
de para deflagrar o processo, sejam destinatários diretos
ou mediatos da decisão a ser proferida. Visa-se, ademais,
a alcançar um patamar mais elevado de legitimidade nas
deliberações do Tribunal Constitucional, que passará for­
malmente a ter o dever de apreciar e dar a devida con­
sideração às interpretações constitucionais que emanam
dos diversos setores da sociedade. 3 1 4
A decisão de admitir ou não o amicus curiae é da
competência discricionária do relator, a quem caberá
aquilatar, de um lado, a relevância da matéria em dis­
cussão, e, de outro lado, a representatividade dos pos­
tulantes, para admitir ou não a manifestação do órgão ou

Rollemberg (PSB-DF) impetrou o writ com o objetivo de suspender a trami­


tação do Projeto de Lei 4 . 4 70/ 1 2, na Câmara dos Deputados, sob o fundamento
que o referido projeto criaria obstáculos para a criação de partidos políticos,
dificultando igualmente a fusão e incorporação entre as atuais agremiações.
Naquela oportunidade, entendeu o Ministro Relator Gilmar Mendes que,
embora a admissão de amicus curiae não seja prevista, de forma irrestrita, em
mandados de segurança, no caso em julgamento estava em discussão direito
com perfil de transcendência subjetiva, motivo pelo qual a intervenção plura­
lizaria o debate constitucional. Ficaram vencidos os Ministros Teori Zavaski,
Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, os quais votaram pela inadimissão da
intervenção, sob os fundamentos (i) da incompatibilidade da figura do amicus
curiae com o mandado de segurança no seu sentido estrito de tutela de direitos
subjetivos individuais ameaçados ou lesados; (ii) do óbice legislativo do ingresso
de terceiros em ação direta de inconstitucionalidade; (iii) que os peticionantes
teriam natureza de assistentes do autor, a defender interesse próprio (v. MS
3 2.033/DF, rei. Min. Gilmar Mendes, julgado em 05 .06. 20 1 3 . Informativo de
Jurisprudência nº 709, 3 a 7 de julho de 20 1 3) .
3 1 4 . Neste sentido, ver Paolo Bianchi, Un'Amicizia Interessata: L 'amicus curiae
Davanti Alla Corte Suprema Degli Stati Uniti, in Giurisprudenza Costituzio­
nale, Fase. 6, 1 995, Ano XI, Giuffré .

1 64
entidade postulante. Na análise do binômio relevância­
representatividade1 deverá o relator levar em conta a
magnitude dos efeitos da decisão a ser proferida nos
setores diretamente afetados ou para a sociedade como
um todo, bem como se o órgão ou entidade postulante
congrega dentre seus afiliados porção significativa (quan­
titativa ou qualitativamente) dos membros do(s) grupo (s)
social(is) afetado (s) . Como afirmou o eminente Ministro
Celso de Mello na ADIN nº 2 . 1 30-3 SC1 a intervenção
do amicus curiae1 para legitimar-se, deve apoiar-se em
razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual
na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem
uma adequada resolução do litígio. " 3 1 5
A previsão d a irrecorribilidade da decisão do relator
se aplica, por óbvio, àquelas decisões de conteúdo posi­
tivo, pois o dispositivo menciona expressamente apenas
como " despacho irrecorrível" (rectius: trata-se de decisão
interlocutória1 e não de despacho) a decisão que admite
a manifestação do amicus curiae. Por uma interpretação
conforme à Constituição, que prestigie o direito ao con­
traditório e à ampla defesa, deve a Suprema Corte dar
ao dispositivo a inteligência mais benéfica aos postulantes,
permitindo-lhes que, por meio de agravo regimental, sub­
metam a decisão indeferitória do relator ao Plenário. 31 6

3 1 5 . ADIN nº 2 . 1 30-3 SC, rei. Min. Celso de Mello, DIU 02.02.200 1 , Infor­
mativo STF nº 2 1 5 .
3 1 6 . Tal entendimento resulta também de uma interpretação a contrario sensu
do exposto nos ADIN-ED nº 2 . 59 1 , rei. Min. Eros, rei. Min. EROS G RAU,
j . 1 4. 1 2 . 2006, Informativo STF nº 452, 1 1 a 1 5 de dezembro de 2006) : "É
que a Corte já assentou não ter, o amícus curiae, legitimidade para recorrer de
decisões proferidas em processo de ação direta de inconstitucionalidade, senão
apenas para, na condição de requerente, impugnar a decisão que lhe não admita
a intervenção na causa, naqueloutra qualidade" (grifos nossos). No mesmo
sentido, cf. ED-ADIN nº 3 . 1 05, rei. Min. Cezar Peluso.
Em recente precedente da Corte, o Plenário do Supremo Tribunal Federal

1 65
Resta ainda indagar dos poderes processuais reconhe­
cidos ao amicus curiae admitido nos processos de ação
direta. Parece evidente que, além da mera apresentação
formal de peças por escrito (que, de resto, a Corte tra­
dicionalemnte sempre entendeu cabível, sob a forma de
memoriais fora dos autos) , deve-se-lhe reconhecer o di­
reito à sustentação oral nas sessões de julgamento, bem
como a interposição dos recursos cabíveis.
Com relação à sustentação oral, não há no texto da
Lei nº 9 .868/99 qualquer vedação expressa a sua rea­
lização pelo patrono do amicus curiae. Com efeito, o
art. 1 O, § 2° prevê apenas que será facultada sustentação
oral aos representantes judiciais do requerente e das
autoridades ou órgãos responsáveis pela expedição do
ato, sem qualquer conteúdo vedatório a que terceiros
possam vir a fazê-lo. Assim, parece evidente que tal

entendeu cabível o agravo regimental interposto contra decisão que, em sede


de ação direta de inconstitucionalidade, indeferira pedido de ingresso como
amicus curiae (ADIN nº 3 . 396 AgR/DF, rei. Min. Celso de Mello, 1 0. 5 .201 2,
Informativo nº 665, 7 a 1 1 de maio de 20 1 2 . Vencido o Ministro Marco
Aurélio) .
Não obstante, na ADIN nº 4.022, rei. Min. Marco Aurélio, por decisão
monocrática, negou seguimento ao agravo regimental interposto contra decisão
que negara a intervenção de entidade de classe de âmbito nacional na qualidade
de amicus curiae. Disse o eminente Ministro: "Observem o disposto no artigo
7°, § 2º, da Lei nº 9.868/99. Não cabe recurso contra o ato mediante o qual o
relator decide sobre a admissibilidade, ou não, da intervenção de terceiro no
processo revelador de ação direta de inconstitucionalidade. Os precedentes do
Tribunal, citados pela Associação requerente, não implicaram deslinde de con­
trovérsia sobre a impugnação de que trata a espécie. Lançamento de óptica à
margem das balizas próprias à matéria suscitada corre à conta de opinião
isolada do autor do voto" (grifo s nossos) . No mesmo sentido: ADIN nº 3 . 937
AgR, rei. Min. Marco Aurélio, julgado em 27.09.201 2, DJe 0 5 . 1 0. 20 1 2; ADIN
nº 4.439, rei. Min. Ayres Britto, julgado em 1 8 . 1 0.201 2, DJe 24 . 1 0. 20 1 2 .
Embora irrecorrível, há decisões admitindo a reconsideração da decisão dene­
gatória de ingresso na qualidade de amicus curiae. Ver, por todos, ADIN nº
4.638, Rei. Min. Marco Aurélio, julgado em 1 0 . 1 0.201 1 , DJ de 26. 1 0. 20 1 1 .

1 66
dispositivo não veda, por exemplo, a manifestação oral
do Procurador-Geral da República ou do Advogado­
Geral da União, embora não sejam requerentes ou
representantes judiciais dos requeridos na ação direta.
De igual modo, não veda o dispositivo que os amici
curiae tenham suas razões sustentadas oralmente por
seus advogados nas sessões de julgamento.
Por outro lado, o § 2° do art. 7°, ao contrário do
que fazia o § 1 ° do mesmo art. 7°- que acabou sendo
vetado - não restringe a manifestação do amicus curiae
a peças escritas . De fato, do contraste entre o § 1 ° e
o § 2º contata-se nitidamente que a mens legislatoris
foi a de permitir a manifestação do amicus curiae tanto
pela via escrita como pela via oral.
Por fim, a admissibilidade da sustentação oral me­
lhor atende ao sentido teleológico da norma. Pluralizar
o debate constitucional significa permitir que a voz dos
afetados se faça ouvir e receba a devida consideração
do Tribunal e da sociedade como um todo. De fora
parte o risco de que, por excesso de trabalho e falta
de tempo, as manifestações escritas não sejam lidas por
todos os integrantes do Tribunal, há que se destacar a
enorme importância que hoje assume, no âmbito da
jurisdição constitucional concentrada, a transmissão das
sessões de julgamento pela televisão, para todo o país.
Com efeito, faz parte do diálogo constitucional travado
pelo Tribunal Constitucional com a sociedade a apre­
sentação oral dos argumentos pelo requerente, reque­
ridos e amici curiae, perante a audiência da sociedade
aberta de intérpretes da Constituição, de forma que o
público, destinatário último da decisão, seja informado
das posições e argumentos de todos os envolvidos na
questão. Não faz sentido dar aos julgadores voz perante
a opinião pública e limitar a participação do amicus
curiae às peças escritas, que só serão conhecidas por
aqueles que manusearem os autos do processo.

1 67
Após entendimento inicial em sentido contrário, 3 1 7
o STF reviu sua posição e passou a admitir, por maioria,
a sustentação oral do patrono do amicus curiae. Con­
fira-se, pela sua relevância, importante trecho do voto
do eminente Ministro Celso de Mello, verbis:
Não se pode perder de perspectiva que a regra
inscrita no art. 7°, § 2° da Lei nº 9 . 8 6 8/99 que -

contém a base normativa legitimadora da interven­


ção processsual do "amicus curiae " tem por ob­
-

j etivo essencial pluralizar o debate constitucional,


permitindo que o Supremo Tribunal Federal venha
a dispor de todos os elementos informativos possí­
veis e necessários à resolução da controvérsia, vi­
sando-se, ainda, com tal abertura procedimental,
superar a grave questão pertinente à legitimidade
democrática das decisões emanadas desta Corte
(G U STAVO BINENBOJM, "A Nova J urisdiçãç
Constitucional Brasileira", 200 1 , Renovar; ANDRE
RAMOS TAVARES, "Tribunal e Jurisdição Cons ­
titucional ", p . 7 1 /94, 1 998, Celso Bastos Editor;
ALEXANDRE DE MORAES, "Jurisdição Consti­
tucional e Tribunais Constitucionais ", p. 64/8 1 ,
2000, Atlas) , quando no desempenho de seu ex­
traordinário poder de efetuar, em abstrato, o con­
trole concentrado de constitucionalidade.
Tenho presente, neste ponto, o magistério do emi­
nente Ministro G I LMAR MENDES (" Direitos Fun­
damentais e C ontrole de Constitucionalidade " p. 1

503/504, 2ª ed., 1 999, Celso Bastos Editor) , expen-

3 1 7 . AD!N-MC nº 2 . 32 1 ,
Informativo nº 208, decisão monocrática do então
Presidente do SFT, Min. Carlos Velloso; ADIN-MC (QO) nº 2 . 223, Informa­
tivo STF nº 246, decisão por maioria do Plenário, vencido o relator, Min. Marco
Aurélio e os Ministros Nelson Jobim e Celso de Mello.

1 68
dido em passagem na qual põe em destaque o en­
tendimento de PETER H ÃBERLE, segundo o qual
o Tribunal "há de desempenhar um papel de inter­
mediário ou de mediador entre as diferentes forças
com legitimação no processo constitucional" (p. 498) ,
em ordem a pluralizar, em abordagem que deriva
da abertura material da Constituição, o próprio de­
bate em torno da controvérsia constitucional, con­
ferindo-se, desse modo, expressão real e efetiva ao
princípio democrático, sob pena de se instaurar, no
âmbito do controle normativo abstrato, um indese­
jável deficit" de legitimidade das decisões que o
11

Supremo Tribunal Federal venha a pronunciar no


exercício, "in abstracto ", dos poderes inerentes à
jurisdição constitucional.
Daí, segundo entendo, a necessidade de assegurar,
ao "amicus curiae" , mais do que o simples ingresso
formal no processo de fiscalização abstrata de cons­
titucionalidade, a possibilidade de exercer a prer­
rogativa da s ustentação oral perante esta Suprema
Corte.
( . .)
.

Esse entendimento é perfilhado por autorizado ma­


gistério doutrinário, cujas lições acentuam a essen­
cialidade da participação legitimadora do 11 amicus
curiae " nos processos de fiscalização abstrata de
constitucionalidade (GU STAVO BINENBOJM, "A
Nova Jurisdição Constitucional Brasileira", p. 1 5 5,
200 1 , Renovar; G UILHERME PE NA DE MORAES,
" Direito Constitucional/Teoria da Constituição",
p. 226-227, item n. 4 . 1 0 . 2 . 2, 2003, Lumen Juris,
v.g.), reconhecendo-lhe o direito de promover, pe­
rante esta Corte Suprema, a pertinente sustentação
oral (FREDIE DIDIER JR., " Possibilidade de Sus­
tentação Oral do Amicus Curia e " , in "Revista Dia-

1 69
lética de Direito Processual", vol. 8/3 3 - 3 8 , 2003;
NELSON NERY JR./ROSA MARIA DE ANDRA­
DE NERY, " Código de Processo Civil C omentado
e Legislação Extravagante", p. 1 3 88, 7ª ed., 2003,
RT; EDGARD SILVEIRA BUENO FILHO, "Ami­
cus Curiae: a democratização do debate nos pro­
cessos de controle de constitucionalidade", in "Di­
reito Federal", vol. 70/ 1 27-1 3 8 , AJUFE, v.g . ) . 3 1 8
No que diz respeito ao direito de recorrer do amicus
curiae, não há razão para que possa apresentar seus
argumentos, por escrito e oralmente, perante o Tribunal
e, como desdobramento lógico, não possa se insurgir
contra a decisão, por meio dos recursos cabíveis. Pode,
assim, o amicus curíae utilizar-se do agravo regimental
contra decisões interlocutórias do relator, bem como
dos embargos de declaração contra os acórdãos caute­
lares e de mérito. 3 1 9 Ademais, no plano do controle

31 8 . ADIN nº 2. 77 7-8 SP, rei. Min. Cezar Peluso, Informativo STF nº 33 1 . O


Supremo Tribunal Federal, assim, passou a admitir a possibilidade de susten­
tação oral do amicus curiae. A título exemplificativo, cf. despachos de admissão
de amicus curiae nas ADIN nº 3 .934, rei . Min . Ricardo Lewandowski; ADIN
nº 2 . 7 7 7 , rei. Min. Cezar Pelluso; ADIN nº 3 .045, rei. Min. Celso de Mello.
Com a emenda regimental nº 1 5, de 30 de março de 2004, tal entendimento
passou a constar em previsão expressa no Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal, art. 1 3 1 , § 3°: "Admitida a intervenção de terceiros no
processo de controle concentrado de constitucionalidade, fica-lhes facultado
produzir sustentação oral, aplicando-se, quando for o caso, a regra do § 2° do
artigo 1 32 deste Regimento".
3 1 9 . O Supremo Tribunal Federal, no entanto, tem apresentado entendimento
em sentido contrário ao aqui defendido, afirmando que as " [e] ntidades que
participam na qualidade de amicus curiae dos processos objetivos de controle
de constitucionalidade não possuem legitimidade para recorrer, ainda que
aportem aos autos informações relevantes ou dados técnicos. " ADIN-ED nº
2 . 59 1 , rei. Min. Eros Grau. Cf.1 no mesmo sentido, AgR-ADIN nº 2 . 58 1 , rei.
Min . Maurício Corrêa; ADIN-ED nº 3 . 1 05, rel. Min. Cezar Pelluso; ADIN-ED
nº 1 . 1 99, rei. Min. Joaquim Barbosa; AgR-ADIN nº 2 . 58 1 , Maurício Corrêa;

1 70
abstrato estadual, poderá o amicus curiae valer-se dos
recursos especial e extraordinário, conforme seja o caso
de cabimento de um ou outro .
Por fim, cabe dar uma palavra acerca d a oportuni­
dade da interveniência do amicus curiae. O art. 7°1 §
1 ° - vetado pelo Chefe do Executivo - dispunha que
os outros legitimados à propositura da ação direta po­
deriam se manifestar no prazo assinalado pelo art. 6°
para a prestação das informações pelas autoridades res­
ponsáveis pela edição do ato normativo, isto é, 30
(trinta) dias. O art. 7°1 § 2°, a seu turno, estabelece
apenas que o relator poderá admitir o amicus curiae
para se manifestar sobre o objeto da ação, observado
o prazo do parágrafo anterior. Nada obstante o veto ao
§ 1 ° do art. 7º, entendo que o amicus curiae terá 3 0
(trinta) dias para s e manifestar nos autos, contados da
data da publicação da decisão que o admitir no processo.
Por outro lado, não me parece que a habilitação do
amicus curiae nos autos deva se dar dentro do prazo
das informações prestadas pelas autoridades responsá­
veis pela edição do ato normativo impugnado. O STF,
no julgamento da ADIN-AgR nº 4 . 07 1 , rel. Min. Me­
nezes Direito, 3 2 0 entendeu que a possibilidade de in­
tervenção do amicus curiae está limitada à data da

ADIN-ED nº 3.6 1 5, rei. Min. Cármen Lúcia. Tal posicionamento foi confir­
mado em recentes julgados do Plenário: ADIN nº 4 . 1 67 ED-AgR, rei. Min.
Joaquim Barbosa, julgado em 2 7 . 2 . 20 1 3 , Informativo 696, 25 de fevereiro a
l 0 de março de 20 1 3; ADIN nº 3.934 ED-AgR, rel.Min. Ricardo Lewandowski,
julgado em 24.02.20 1 1 , DJ de 3 1 .03.201 1 .
3 2 0 . Julgamento em 22 .04. 2009, DJ de 1 5 . 10 . 2009, Informativo 543, de 20
a 24 de abril de 2009 . Pefilhando o mesmo entendimento: ADIN nº 4. 246,
rei . Min . Ayres Britto, julgamento em 10.05.20 1 1 , DJE de 20.05.20 1 1 ; ADIN
nº 4 .067-AgR, rei. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em l 0.03.201 O, Plenário,
DJE de 23.04 . 20 1 0. ADIN nº 4.2 1 4, rei. Min. Dias Toffoli, decisão monocrá­
tica, julgamento em 02.03 . 20 1 0, DJE de 09.03 . 2 0 1 0 .

1 71
remessa dos autos à mesa para julgamento. Conside­
rou-se que o relator, ao encaminhar o processo para a
pauta, j á teria firmado sua convicção, razão pela qual
os fundamentos trazi d os pelos amici curiae pouco se­
riam aproveitados, e dificilmente mudariam sua con­
clusão. Além disso, entendeu-se que permitir a inter­
venção de terceiros, que já é excepcional, às vésperas
do julgamento poderia causar problemas relativamente
à quantidade de intervenções, bem como à capacidade
de absorver argumentos apresentados e desconhecidos
pelo relator. Por fim, ressaltou-se que a regra processual
teria de ter uma limitação, sob pena de se transformar
o amicus curiae em regente do processo .
Na oportunidade, ficaram vencidos, na preliminar,
os Ministros Cármen Lúcia, Carlos Britto, Celso de
Mello e Gilmar Mendes, Presidente, que admitiam a
intervenção, no estado em que se encontra o processo,
inclusive para o efeito de sustentação oral. Estes salien­
tavam que essa intervenção, sob uma perspectiva plu­
ralística, conferiria legitimidade às decisões do STF no
exercício da jurisdição constitucional. Observavam, en­
tretanto, que seria necessário racionalizar o procedi­
mento, haj a vista o concurso de muitos amici curiae
implicar a fragmentação do tempo disponível, com a
brevidade das sustentações orais. Ressaltavam, ainda,
que, tendo em vista o caráter aberto da causa petendi,
a intervenção do amicus curiae, muitas vezes, mesmo
já incluído o feito em pauta, poderia invocar novos
fundamentos, mas isso não impediria que o relator,
julgando necessário, retirasse o feito da pauta para
apreciá-los.
O art. 8º da Lei dispõe que, expirado o prazo das
informações, serão ouvidos sucessivamente, o Advoga­
do-Geral da União e o Procurador-Geral da República,

1 72
que deverão se manifestar, cada qual1 no prazo de
quinze dias.
Como se sabe1 o Advogado-Geral da União1 nos
termos do art. 1 031 § 3°1 da Constituição1 tem como
função obrigatória no processo de ação direta a defesa
da constitucionalidade do ato normativo impugnado.
Atua ele1 assim1 como uma espécie de curador da
presunção de constitucionalidade das leis e atos nor­
mativos 1 3 2 1 contribuindo1 ademais1 para a formação do
contraditório.
Sem embargo1 o Supremo Tribunal Federal já ad­
mitiu expressamente a possibilidade de o Advogado­
Geral da União se manifestar pela inconstitucionalidade
da norma questionada. No bojo da ADIN nº 1 . 6 1 61
ficou consignado que " [o] munus a que se refere o
imperativo constitucional (CF1 art. 1 031 § 3°) deve ser
entendido com temperamentos. O Advogado-Geral da
União não está obrigado a defender tese jurídica se
sobre ela esta Corte já fixou entendimento pela sua
inconstitucionalidade. " 322 Nestes casos1 a manifestação
prévia do Supremo1 a quem cabe a guarda da Consti­
tuição1 terá derrubado a presunção de constitucionali­
dade da norma1 revelando-se absolutamente irracional
e atentatório à supremacia constitucional que o AGU1
ainda assim1 insista na defesa da norma impugnada.
É possível ainda questionar se o AG U 1 para além
destas hipóteses1 estará sempre jungido à defesa da lei
atacada. A resposta parece negativa. Uma interpretação
exclusivamente literal do artigo 1 03 1 § 3 º da CF1 reve­
la-se de todo irrazoável e muitas vezes contrária aos

3 2 1 . Revista de Direito Administrativo, vol. 1 79- 1 80, p . 208.


3 22 . ADIN nº 1 . 6 1 6, rei. Min. Maurício Corrêa, j. 24.05 . 200 1 , DJ 24.08 . 200 1 ,
p. 41.

1 73
objetivos da norma. A finalidade da prev1sao de um
curador da presunção da constitucionalidade das leis é
proporcionar um embate de ideias e perspectivas no
processo objetivo de modo a oferecer ao Supremo Tri­
bunal Federal o maior número de argumentos disponí­
veis para que a questão constitucional sej a analisada
por todos os ângulos. 323
Não se pode olvidar, porém, que a Advocacia-Geral
da União possui estrutura hierarquizada e conexão in­
dissociável com a defesa dos interesses das instituições
federais, notadamente suas competências (art. 1 3 1 1
CF) . Assim, quando a lei ou ato questionado em sede
de ADIN conflitar com interesses institucionais da
União, 3 24 ter-se-ia uma posição extremamente delicada

3 2 3 . O STF j á decidiu que " (. . .) havendo, nesse processo objetivo, arguição de


inconstitucionalidade, a Corte deve considerá-la sob todos os aspectos em face
da Constituição e não apenas diante daqueles focalizados pelo autor. 3 . É de
se presumir, então, que, no precedente, ao menos implicitamente, hajam
sido considerados quaisquer fundamentos para eventual arguição de
inconstitucionalidade, inclusive os apresentados na inicial da presente
ação" (ADIN nº 1 . 896, rei. Min. Sydney Sanches, DJ de 1 8 . 2 . 1 999; grifamos).
3 2 4 . É o caso, e.g., de norma estadual que tenha usurpado competência legis­
lativa do ente federal. Na ADIN nº 3 . 645, que versava sobre a constituciona­
lidade de Lei do Estado do Paraná que obrigava, em contrariedade à Lei Federal
nº 1 1 . 1 05/2005, os particulares a divulgarem informações quanto à presença
de organismos geneticamente modificados em alimentos e ingredientes alimen­
tares destinados ao consumo humano e animal, o Advogado-Geral da União
manifestou-se expressamente pela inconstitucionalidade do diploma estadual.
Como se extrai do relatório daquele julgado, o AG U sustentou que a lei
impugnada violava o "art. 24, V e XII, § 1 °, da Constituição, por representar
(. . .) comando geral sobre produção, consumo e proteção e defesa da saúde" .
Afirmou, ainda, "que a diversificação das regras sobre rotulagem afeta direta­
mente o comércio interestadual, assunto cuja competência é privativa da União
(CF, art. 22, VII)" . O conflito institucional também ocorre quando o Presi­
dente da República, através de petição inicial muitas vezes assinada pelo próprio
AGU, propõe a ação direta de inconstitucionalidade. Nesse sentido, v. MEN­
DES, Gilmar Ferreira, Controle de constitucionalidade, aspectos jurídicos e

1 74
para o AG U, o qual teria de optar entre a defesa dos
interesses da União, em cumprimento ao disposto no
art. 1 3 1 da Constituição, ou o exercício o munus que
lhe foi conferido pelo §3° do art. 1 03 nos processos
objetivos de inconstitucionalidade. 325
Neste contexto, não há como fugir dos fatos: em
numerosos casos o AGU efetivamente sustentou a in­
constitucionalidade da norma impugnada, a despeito da
previsão do art. 1 03, §3º1 da Constituição. 326 Isso de-

políticos, São Paulo: Saraiva, 1 990, pp. 260- 1 , nota 62; e VELOSO, Zeno.
Controle Jurisdicional de Constitucionalidade. Belo Horizonte: Dei Rey, 3ª
edição, 2003, pp. 90-94. Esta questão não será desenvolvida, mas anote-se que
o Supremo tem precedentes admitindo a possibilidade de, em casos que tais,
não defender a constitucionalidade da norma. Por exemplo: na ADIN nº
3 . 5 99-DF, proposta pelo Presidente da República contra leis federais que
alteravam a remuneração de servidores públicos do Legislativo federal, o Ad­
vogado-Geral da União manifestou-se pela procedência da ação, pugnando
consequente declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos atacados. Não
obstante tal postura, os Ministros presentes à sessão sequer comentaram a
postura da AG U . Consignando a postura do AG U nesse mesmo sentido, v.
ADIN nº 3 . 8 1 8-ES.
3 2 5 . Não se ignora que o STF adotou entendimento segundo o qual "não existe
contradição entre o exercício da função normal do Advogado-Geral da União,
fixada no caput do art. 1 3 1 da Carta Magna, e o da defesa da norma ou ato
inquinado, em tese, como inconstitucional, quando funciona como curador espe­
cial, por causa do princípio da presunção de sua constitucionalidade" (ADIN­
QO 72, rel . Min. Moreira Alves, RTJ 1 3 1 : 470) . No entanto, o que se propugna
é uma reflexão sobre a correção deste entendimento.
3 2 6 . Nesse sentido, vej am-se os acórdãos proferidos no julgamento das ADIN
nº 2.336, rei. Min . Nelson Jobim; ADIN nº 2 . 847, rei. Min. Carlos Velloso;
ADIN nº 2 . 88 1 , rei . Min. Carlos Velloso; ADIN nº 2 .903, rei. Min. Celso de
Mello; ADIN 2 . 988, rei. Min. Cezar Peluso; ADIN nº 2 . 995, rei. Min. Celso
de Mello; ADIN nº 3 .035, rei. Min. Gilmar Mendes; ADIN nº 3 . 1 47, rei. Min.
Carlos Britto; ADlN nº 3 . 1 48, rei. Min. Celso de Mello; ADIN nº 3 . 1 67, rei.
Min. Eros Grau; ADIN nº 3 . 1 89, rei. Min. Celso de Mello; ADIN nº 3.293,
rei. Min. Celso de Mello; ADIN nº 3 . 5 2 5 , rei. Min. G ilmar Mendes; ADI N
nº 3 . 5 8 7, rei . Min. Gilmar Mendes; ADIN n º 3 . 590, rei. Min. Eros Grau, rei.
p/ Acórdão Min. Marco Aurélio; ADIN nº 3.599, rei. Min. G ilmar Mendes;

1 75
monstra, de forma clara, como a interpretação literal
é vetusta e incompatível com a realidade. Mais além.
Pode-se dizer ainda que a intervenção inexoravelmente
vinculada do AG U em tais circunstâncias não é sequer
desejável. O seu aporte argumentativo não contribuiria
para robustecer a contraposição de ideias, mas sim para
mascarar os reais intentos da instituição que integra,
gerando problemas do ponto de vista da previsibilidade,
da coerência e da atuação dos Poderes Públicos.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal pareceu
mover-se para a alteração de sua vetusta jurisprudência
sobre o tema. No bojo da ADIN nº 3 . 9 1 6, rel. Min.
Eros G rau, o Tribunal, por maioria, rejeitou questão
de ordem no sentido de suspender o julgamento do
processo para determinar ao Advogado-Geral da União
apresentasse defesa da lei impugnada, nos termos do
artigo 1 03 , § 3°, da Constituição Federal. 3 2 7 Na opor­
tunidade ficaram vencidos os Ministros Marco Aurélio,
que havia suscitado a questão, e Joaquim Barbosa. En­
tendiam estes Ministros que a AG U não teria opção
diante do texto claro da Lei Maior, devendo, pois,
inexoravelmente defender o ato normativo impugnado.
A maioria, porém, entendeu que a AG U manifesta-se
pela conveniência da constitucionalidade e não da lei,
sendo-lhe lícito apresentar a sua própria convicção ju­
rídica sobre a questão trazida a juízo .
Menos problemática é a posição d o Procurador-Ge­
ral da República. Este, por seu turno, elabora seu pa­
recer com total autonomia - reflexo, de resto, da
independência funcional reconhecida a todos os mem-

ADIN n° 3 .645, rel . Min. Ellen Gracie; ADIN nº 3 .679, rel. Min. Sepúlveda
Pertence; ADIN nº 3 .8 1 8, rei. Min. Carlos Britto. Em todas elas, os relatores
mencionaram, expressamente, a posição do AGU pela inconstitucionalidade.
3 2 7 . Julgamento em 0 7 . 1 0.09, DJ de 1 9. 1 0.09.

1 76
bros do Ministério Público (CF, art. 1 2 7, § 1 º) -
podendo, inclusive, como já visto, opinar pela impro­
cedência do pedido mesmo naquelas ações que houver
ajuizado.
O art. 9° da Lei nº 9 . 868/99 institui saudável e
auspiciosa inovação nos processos de fiscalização abs­
trata da constitucionalidade no Brasil. Costuma-se di­
zer3 28 - e esta tem sido mesmo a posição do Supremo
Tribunal Federal 329 - que a ação direta não comporta
dilação probatória, à vista de seu caráter estritamente
objetivo . Todavia, a Lei nº 9 . 868/99 desmistifica tal
ideia, prevendo, em seu art. 9°, § 1 º, a possibilidade
de o relator, em caso de necessidade de esclarecimento
de matéria ou circunstância de fato ou de notória in­
suficiência das informações existentes nos autos, re­
quisitar informações adicionais, designar perito ou co­
missão de peritos para que emita parecer sobre a ques­
tão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir
depoimentos e pessoas com experiência e autoridade
na matéria. 33 0 Já o § 2° do mesmo artigo abre a possi­
bilidade de o relator solicitar informações aos Tribunais
Superiores, aos Tribunais federais e aos Tribunais es­
taduais acerca da aplicação da norma impugnada no
âmbito de suas respectivas jurisdições.

3 28 . Rodrigo Lopes Lourenço, ob. cit. , p . 3 1 .


3 2 9 . ADIN nº 1 . 286-SP, rei. Min . limar Galvão, DJU 06.09. 1 996, p . 3 1 . 848.
Cf., no mesmo sentido, ADIN nº 1 . 5 2 7, rei. Min. Maurício Corrêa; ADIN nº
794, rei. Min. Sepúlveda Pertence; ADIN nº 1 . 523, rei . Min. Maurício Corrêa.
33 0 . As audiências públicas, embora representem inovação no processo e jul­
gamento da ação direta de inconstitucionalidade, já eram previstas em outras
áreas, como, v.g. , no art. 32 da Lei do Processo Administrativo Federal (Lei
nº 9. 784, de 29 de j aneiro de 1 999) : "Art. 32. Antes da tomada da decisão, a
juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada
audiência pública para debates sobre a matéria do processo. "

1 77
Como relata a exposição de motivos do Projeto de
Lei, nos Estados Unidos, o chamado B randeis-Brief -

memorial utilizado pelo advogado Louis D. Brandeis no 1

case Müller vs. Oregon ( 1 908) contendo duas páginas


1

dedicadas às questões jurídicas e outras cento e dez


voltadas para os efeitos da longa duração do trabalho sobre
a situação da mulher - permitiu que se desmistificasse
a concepção dominante, segundo a qual a questão cons­
titucional configurava simples questão jurídica de aferição
de legitimidade da lei em face da Constituição.
Em última análise toda lei é criada visando à pro­
1

dução de efeitos concretos sobre a realidade, e só assim,


no confronto com situações concretas, é que a norma
revela todo o seu conteúdo significativo. 33 l Assim, a
análise da compatibilidade de uma determinada lei com
o texto constitucional não deve ser empreendida no
plano meramente teórico senão que deve levar em
1

conta os problemas jurídicos concretos ensejados pela


incidência da lei sobre a realidade.
A inovação da Lei é elogiável sob todos os seus aspec­
tos, uma vez que há, com efeito, diversos casos em que
a apreciação da constitucionalidade de uma norma de­
pende do esclarecimento sobre fatos relativos à sua pro­
dução, forma de incidência e repercussão prática. Igual­
mente louvável a previsão de diligência pericial, que pode
se tornar necessária na apreciação de leis que cuidem de
questões técnicas muito específicas, inacessíveis ao leigo.
Gilmar Ferreira Mendes, citando trabalho clássico de
Klaus Jürgen Philippi, 332 enumera diversos casos em que
o Tribunal Constitucional Federal alemão lançou mão de

331 . Neste sentido, Karl Larenz, A Metodologia da Ciência do Direito, Editora


da Fundação Calouste Gulbenkian, 1 989, p. 396.
3 3 2 . Klaus Jürgen Philippi, Tatsachenfeststellungen des Bundesverfassungsge­
richts, Colônia, 1 97 1 .

1 78
grupos de peritos e autoridades em determinadas maté­
rias científicas para esclarecer-se sobre os aspectos em­
píricos resultantes da incidência da lei objeto do controle
de constitucionalidade. 3 3 3
Por outro lado, as audiências públicas e a consulta
à jurisprudência dos Tribunais superiores, regionais fe­
derais e estaduais poderão servir como instrumentos
que permitirão à Corte Constitucional auscultar as
convicções e interpretações da Constituição formuladas
pelos magistrados do país e pelos diversos segmentos
da cidadania. À sabedoria, sensibilidade e espírito de­
mocrático dos juízes do Supremo Tribunal Federal ca­
berá fixar o grau adequado de permeabilidade da Corte
a tais influências. De todo modo, a mera possibilidade
de sua manifestação como um fator condicionante das
decisões sobre as questões constitucionais no país j á
representa, por s i só, u m notável avanço.
O Supremo Tribunal Federal em diversas oportuni­
dades convocou audiências públicas em processos de
controle concentrado de constitucionalidade. A primei­
ra da história do Supremo Tribunal Federal ocorreu no
bojo da ADIN nº 3 . 5 1 0 de relataria do Ministro Carlos
Britto. Tratava-se de ação direta de inconstitucionali­
dade, proposta pelo Procurador-Geral da República,
questionando dispositivos da Lei de Biossegurança (Lei
nº 1 1 . 1 05/05) que autorizavam utilização de material
embrionário, em vias de descarte, para fins de pesquisa
e terapia. O Chefe do Ministério Público Federal sus­
tentava que os dispositivos impugnados contrariavam

3 3 3 . Gilmar Ferreira Mendes, Controle de Constitucionalidade: Hermenêutica


Constitucional e Revisão de Fatos e Prognoses Legislativos pelo Órgão Judicial,
in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, ed. cit., p .
467/469.

1 79
11 a inviolabilidade do direito à vida, porque o embrião
humano seria vida humana, e faziam ruir fundamento
maior do Estado democrático de direito, que radica na
preservação da dignidade da pessoa humana".
O Ministro relator1 entendendo que a matéria em
questão se revestia de saliente importância1 por suscitar
numerosos questionamentos e múltiplos entendimentos
a respeito da tutela do direito à vida1 determinou a
realização de audiência pública1 a teor do § 1 ° do art.
9° da Lei nº 9 . 868/99. Segundo seu entender1 a au­
diência1 " além de subsidiar os Ministros deste Supremo
Tribunal Federal, também possibilitará uma maior par­
ticipação da sociedade civil no enfrentamento da con­
trovérsia constitucional1 o que certamente legitimará
ainda mais a decisão a ser tomada pelo Plenário desta
nossa colenda Corte. " (despacho publicado no DJ de
0 1 .02 . 2 007) .
Sem embargo da previsão legal para a designação
de audiência pública (§ 1 ° do art. 9° da Lei nº 9 . 868/99) ,
não havia, no âmbito do Supremo Tribunal Federal,
norma do regimento interno dispondo sobre o proce­
dimento a ser especificamente observado. Diante dessa
carência normativa1 determinou o Min. Carlos Britto
que se aplicasse como "parâmetro o Regimento Interno
da Câmara dos Deputados1 no qual se encontram dis­
positivos que tratam da realização, justamente, de au­
diências públicas (arts. 2 5 5 usque 2 5 8 do RI/CD)"
(despacho publicado no DJ de 3 0 . 0 3 . 200 7) . Somente
com a emenda regimental nº 29 de 1 8 de fevereiro de
20091 o parágrafo único do art. 1 54 do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal passou a prever
o procedimento para as audiências públicas perante a
mais alta Corte do Judiciário brasileiro.
A audiência foi realizada no dia 20 de abril de 2007
no auditório da 1 ª Turma do STF . Foram convidados

1 80
1 7 especialistas1 além dos arrolados pelo Procurador­
Geral da República1 que compareceram independente
da expedição de convite . Durante mais de 1 O horas
argumentos técnicos a favor e contra as pesquisas foram
ventilados. A TV Justiça e a Rádio Justiça transmitiram
ao vivo as palestras .
As outras oportunidades em que o Supremo Tribunal
Federal se valeu da convocação de audiência pública
foram em sede de arguições de descumprimento de
preceito fundamental. A Lei nº 9 . 882/991 que rege o
procedimento da ADPF1 contém dispositivo bastante
semelhante ao art. 9°1 § 1 °1 da Lei nº 9 . 8 68/99 . Prevê
o art. 6º1 § 1 °1 da Lei nº 9 . 882/99 que1 "se entender
necessário1 poderá o relator ouvir as partes nos processos
que ensej aram a arguição1 requisitar informações adi­
cionais1 designar perito ou comissão de peritos para que
emita parecer sobre a questão, ou ainda1 fixar data
para declarações, em audiência pública1 de pessoas com
experiência e autoridade na matéria" (grifos nossos) .
Na ADPF nº 1 0 1 , rel. Min. Cármen Lúcia, ajuizada
pelo Presidente da República, discutia-se a legitimidade
de decisões judiciais que permitiam a importação de
pneus usados em contrariedade a Portarias do Depar­
tamento de Operações de Comércio Exterior - Decex
e da Secretaria de Comércio Exterior - Secex; as
Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente
- Conama; e os Decretos Federais que1 expressamente1
vedam a importação de bens de consumo usados1 es­
pecialmente pneus usados, em reverência ao direito ao
meio ambiente1 garantido pelo art. 2 2 5 da CF/88 .
A Min. Relatora entendeu que1 ante a elevada re­
percussão social1 econômica e jurídica da matéria1 bem
como o alto grau de conhecimento técnico demandado
para o deslinde das questões postas perante o Supremo
Tribunal1 era necessária a realização de audiência pú-

181
blica, nos termos do § 1 ° do art. 6° da Lei n. 9 . 8 82/99,
a ocorrer no dia 2 7 de junho de 2008 (despacho pu­
blicado no DJ de 20.06.2008) . Estabeleceu-se, ainda,
que, na abertura da audiência pública, o arguente teria
a palavra em primeiro lugar, pelo prazo de 20 minutos.
Na sequência, seria sorteada a ordem dos expositores
dos grupos, cuja manifestação alternaria segundo a tese
defendida. Decidiu-se também que o conteúdo das
apresentações seria transmitido pela TV e Rádio Justiça
e pelas demais transmissoras que assim o requeressem.
Na ADPF nº 54, rel. Min. Marco Aurélio, discutiu-se
a possibilidade de interrupção da gravidez quando cons­
tatada a gestação de feto anencéfalo. A ação, ajuizada
pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na S aú­
de (CNTS), buscou demonstrar que a antecipação te­
rapêutica do parto não consubstancia aborto, pelo que
este envolve a vida extra-uterina em potencial. Argu­
mentou-se ainda que impor à mulher o dever de carregar
por nove meses um feto que sabe, com plenitude de
certeza, não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia
e frustração, resultando em violência às vertentes da
dignidade humana - a física, a moral e a psicológica
- e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade,
além de colocar em risco a sua saúde.
Reconhecendo a complexidade da matéria e a mul­
tiplicidade de questionamentos envolvidos na questão,
o Min. Relator Marco Aurélio determinou a realização
de audiência pública na forma do art. 6°, § 1 º, da Lei
nº 9 . 8 8 2 / 9 9 ( d e s p a c h o p u b l i c a d o n o DJ d e
0 5 . 1 0 . 2004) . As audiências foram realizadas nos dias
26 e 28 de agosto e nos dias 04 e 1 6 de setembro de
2008, contando com participação de 2 5 interessados,
entre especialistas e pessoas com experiência no tema.
O pedido deduzido na ação foi julgado procedente,
declarando-se inconstitucional a interpretação que ti-

1 82
pificava a interrupção da gravidez de feto anencéfalo
como crime de aborto, enquadrável nos artigos 1 2 4,
1 2 6 e 1 2 8, incisos I e II, do Código P enal. 334
Na ADPF nº 1 86, rel. Min. Ricardo Lewandowski,
foi convocada audiência pública para ouvir o depoimen­
to de pessoas com experiência e autoridade em matéria
de políticas de ação afirmativa no ensino superior ( des­
pacho publicado no DJ de 2 3 .09. 2009) . A ADPF em
questão foi proposta contra atos administrativos que
resultaram na utilização de critérios raciais para pro­
gramas de admissão na Universidade de Brasília - UnB .
O Min. relator, considerando a relevância jurídica
da questão, bem como sua alta repercussão social, de­
terminou a convocação de audiência pública a ser rea­
lizada nos dias 3 a 6 de março de 20 1 0, das 9h às 1 2h,
seguindo o disposto no art. 1 54, III, parágrafo único,
do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Além da expedição de convites a autoridades de des­
taque na ordem constitucional brasileira, como o Pre­
sidente do Congresso Nacional, o Procurador-Geral da
República e o Advogado-Geral da União, publicou-se
também edital de convocação para que os interessados
pudessem requerer sua participação. O Plenário, após
colher as declarações na audiência pública, julgou im­
procedente o pedido formulado, entendendo ser cons­
titucional o sistema de reserva de 20% (vinte por cento)
de vagas no processo de seleção para ingresso de estu­
dantes com base em critério étnico-racial.
Atualmente, há diversas audiências públicas já rea­
lizadas ou que ainda acontecerão em diversos processos
de controle abstrato de constitucionalidade cujo julga-

334 . ADPF 5 4 , Rel . M i n . Marco Aurélio, julgado em 1 2 . 0 4 . 2 0 1 2 , DJE


30.04.20 1 3.

1 83
mento ainda se encontra pendente. Em maio de 2 0 1 2,
por exemplo, foi realizada audiência pública a pedido
do Ministro Luiz Fux nos autos da AD IN n ° 4 . 1 03, a
qual discute a constitucionalidade da Lei nº 1 1 . 705/08
(a "Lei Seca") , que proíbe a venda de bebidas alcoólicas
à beira de rodovias federais ou em terrenos contíguos
à faixa de domínio com acesso direto à rodovia. O
mesmo se deu na ADIN nº 3 . 93 7, que impugna a Lei
nº 1 2 . 68 4/07, do Estado de S ão Paulo, que proíbe o
uso de produtos materiais ou artefatos que contenham
qualquer tipo de amianto ou asbesto em sua composi­
ção. A audiência foi realizada audiência pública em
agosto de 2O1 2 a pedido do Ministro Marco Aurélio.
O Ministro Luiz Fux utilizou-se do instituto ainda
em outras oportunidades. Nas ADIN nº 4 . 679, 4. 7 5 6
e 4 . 7 4 7, foram realizadas audiências públicas e m feve­
reiro de 20 1 3 para discutir o marco regulatório da TV
por assinatura no Brasil, em decorrência da edição da
Lei n ° 1 2 . 48 5 / 1 1 , bem como foram realizadas audiên­
cias públicas para fossem debatidos temas relacionados
às queimadas em canaviais (RE 5 8 6 . 2 24, em abril de
2 0 1 3) . No mesmo ano, também foram realizadas au­
diências convocadas pelo Ministro Dias Toffoli sobre
campos eletromagnéticos de linhas de transmissão de
energia (RE 62 7 . 1 89, em março de 20 1 3) .
Por fim, destaca-se que estão previstas, ainda para
o ano de 2 0 1 3, a realização de audiências públicas sobre
a possibilidade de cumprimento de pena em regime
menos gravoso quando o Estado não dispuser, no sistema
penitenciário, de vaga no regime indicado na condena­
ção (RE 64 1 . 3 20, rel. Min. Gilmar Mendes) e acerca
dos pontos de vista econômico, político, social e cultural
concernentes ao sistema de financiamento de campa­
nhas eleitorais vigente, a ser analisado na ADIN nº
4 .650, de relataria do Ministro Luiz Fux.

1 84
Os arts . 1 O a 1 2 da Lei nº 9 . 868/99 cuidam da
regulamentação da medida cautelar na ação direta de
inconstitucionalidade, prevista expressamente no art.
1 02, inciso I, alínea "p", da Constituição da República.
O art. 1 0, caput, determina que a cautelar será
concedida por decisão da maioria absoluta dos membros
do Tribunal, respeitado o quorum mínimo de oito Mi­
nistros presentes (art. 2 2 ) , após audiência, em cinco
dias? 35 dos órgãos ou autoridades dos quais emanou o
ato. Com a exigência de que a decisão seja tomada por
maioria absoluta - ainda que em sede cautelar -
presta-se reverência ao art. 9 7 da Constituição. Embora
o preceptivo se refira apenas à declaração da inconsti­
tucionalidade, o que, numa interpretação restritiva, po­
deria levar à inexigibilidade da maioria absoluta para
as decisões cautelares, o legislador ordinário obrou bem,
atentando para a teleologia da norma constitucional e
para a circunstância de que, no mais das vezes, o acórdão
proferido em julgamento ao pedido de medida cautelar
é decisivo e permanece em vigor por vários anos.
Questão relevante é saber se o relator da ação direta
está autorizado a conceder o pleito liminar de forma
monocrática. Embora o texto da Lei nº 9 . 868/99 se
refira ao Plenário da Corte como órgão competente
para a apreciação do pedido, diversos julgados do Su­
premo Tribunal Federal 33 6 já admitiram o deferimento

335 . Na ADIN-MC nº 2 . 099, rel. Min. Marco Aurélio, ficou assentado que
" [a] s informações de que cuida o artigo 1 0 da Lei nº 9. 868/99 devem ser
prestadas em cinco dias, prazo que, ultrapassado, viabiliza o exame do pedido
de concessão de liminar " .
33 6 . ADIN-MC nº 4 . 3 0 7 , rel. Min. Cármen Lúcia, decisão monocrática em
02 . 1 0.2009, DJE de 08 . 1 0.2009, referendado pelo Plenário em 1 1 . 1 1 .2009,
DJE de 05 .03.20 10; ADIN-MC nº 4. 1 90, rel. Min. Celso De Mello, decisão
monocrática em 0 1 .07 .2009, DJE de 04.08.2009, referendado pelo Plenário

1 85
monocrático de medida liminar em ações de controle
abstrato de constitucionalidade. O entendimento pare­
ce ser razoável à luz do poder geral da cautela inerente
à própria prestação jurisdicional1 sendo justificável (i)
diante de situações de grave risco à ordem constitucional
e (ii) em contextos de especial sobrecarga do Plenário1
nos quais a apreciação do pedido de medida cautelar
poderia ser impedido por problemas de agenda. 337
O § 1 ° do art. 1 O faculta a oitiva do Advogado-Geral
da União e do Procurador-Geral da República1 cada
qual em três dias1 a critério do relator . O § 2° do
mesmo artigo faculta a realização de sustentação oral
no julgamento do pedido de medida cautelar1 o que se
afigura positivo1 dada a importância e a longevidade
que a decisão adquire no contexto da realidade forense
brasileira. O § 3°1 por fim1 dispensa1 em casos de

em 1 0.03 . 20 1 0, DJE de 1 1 .06.201 0; ADIN nº 2 . 849, rei. Min. Sepúlveda


Pertence, julgado em 28.03.2003, DJ 03.04.2003; ADIN nº 4.232, rei. Min.
Menezes Direito, julgado em 1 8 .05 . 2009, DJE de 2 5 . 0 5 . 2009; ADIN nº 1 . 899,
rei. Min. Carlos Velloso, decisão monocrática em 1 3 . 1 0 . 1 998, DJ de
2 1 . 1 0. 1 998, referendado pelo Plenário em 1 4 . 1 01 998, DJ de 0 1 .06.200 1 .
337 . É o que prevê genericamente o Regimento Interno do STF, in verbis: "Art.
2 1 . São atribuições do Relator: ( . . . ) IV - submeter ao Plenário ou à Turma,
nos processos da competência respectiva, medidas cautelares necessárias à
proteção de direito suscetível de grave dano de incerta reparação, ou ainda
destinadas a garantir a eficácia da ulterior decisão da causa; V - determinar,
em caso de urgência, as medidas do inciso anterior, ad referendum do Plenário
ou da Turma". Destaca-se, neste diapasão, decisão proferida nos autos da ADIN
nº 4 .9 1 7, na qual a Ministra Cármen Lúcia suspendeu, em caráter cautelar,
dispositivos que preveem novas regras de distribuição dos royaltíes do petróleo
contidas na Lei 1 2 . 734/2 0 1 2. No decisum, ainda pendente de análise pelo
Plenário da Corte, a ministra destaca que o fato de os cálculos e pagamentos,
especialmente referentes aos royalties, serem mensais, a providência judicial
fez-se urgente, motivo pelo qual o provimento monocrático foi indispensável.
(ADIN nº 4 . 9 1 7, rei . Min Carmen Lúcia, julgado em 1 8 .03 . 2 0 1 3, DJE de
2 1 .03 .20 1 3) .

1 86
excepcional urgência, a audiência dos responsáveis pela
edição do ato normativo impugnado, possibilitando a
concessão da cautelar inaudita altera parte.
Como qualquer medida cautelar, a concessão da
liminar em ação direta de inconstitucionalidade está
sujeita aos requisitos genéricos de plausibilidade da
pretensão (fumus bani iuris) e perigo na demora da
decisão definitiva (periculum in mora) . Rodrigo Lopes
Lourenço colaciona hipóteses em que o Supremo Tri­
bunal Federal tem negado a liminar, por ausência de
periculum in mora: a) decurso de longo tempo desde
a edição da norma impugnada; b) risco elevado de
prejuízos caso concedida a liminar, superiores aos de­
correntes do seu indeferimento; c) lei inquinada de
inconstitucional é meramente autorizativa ou de eficácia
limitada à ulterior edição de norma regulamentadora. 338
Por fim, resta salientar que, em alguns casos, a Corte
Suprema tem mitigado a exigência do periculum in
mora, substituindo-o pela conveniência administrativa
do deferimento da liminar. Tal entendimento tem ser­
vido para evitar que normas teratológicas, editadas há
tempo considerável, permaneçam produzindo efeitos,
com sensível prejuízo para o interesse público. 3 3 9

338. Rodrigo Lopes Lourenço, ob. cit., p. 84.


339. ADIN-MC nº 768, rel. Min. Marco Aurélio, RDA 1 9 1/21 1 : "Ação Direta
de Inconstitucionalidade. Liminar. A concessão, ou não, de liminar em ação
direta de inconstitucionalidade faz-se considerados dois aspectos principais -
o sinal de bom direito e o risco de manter-se com plena eficácia o ato normativo.
Este último desdobra-se a ponto de ensejar o exame sob o ângulo da conve­
niência da concessão da liminar, perquirindo-se os aspectos em questão para
definir-se aquele que mais se aproxima do bem comum . " No mesmo sentido,
v. ADIN-MC nº 2. 1 5 7, rei. Min. Moreira Alves; ADIN-MC nº 2.380, rei. Min.
Moreira Alves; ADIN-MC nº 1 .69 1 , rei . Min. Moreira Alves; ADIN-MC nº
1 .677, rel. Min. Moreira Alves; ADIN-MC nº 1 .623, rel. Min. Moreira Alves;
ADIN-MC nº 95 1 , rei. Min. Moreira Alves.

1 87
Em regra, a concessão da liminar pelo Supremo
Tribunal Federal em sede de ação direta opera efeitos
apenas ex nunc. Todavia, a Corte vem, recentemente,
mitigando tal orientação, já havendo concedido limina­
res em ações diretas com efeitos retroativos . 34º Tal é,
precisamente, o que proclama o art. 1 1 , § 1 º, da Lei
nº 9 . 8 68/99, placitando, assim, a jurisprudência conso­
lidada sobre a matéria.
O § 2º do referido art. 1 1 , por seu turno, estatui
que a concessão da medida cautelar torna aplicável a
legislação anterior acaso existente, salvo expressa ma­
nifestação da Corte em sentido contrário. Esta é, com
efeito, uma consequência lógica e obrigatória da inva­
lidade da lei inconstitucional, que se revela inapta à
produção de qualquer efeito válido, inclusive a revoga­
ção de outra lei. A doutrina chancela placidamente tal
entendimento. 34 1

3 40 ADIN-MC 1 .434-SP, rei. Min. Celso de Mello, RTJ 1 64/506: "A medida
cautelar, em ação direta de inconstitucionalidade, reveste-se, ordinariamente,
de eficácia ex nunc, operando, portanto, a partir do momento em que o
Supremo Tribunal Federal a defere. Excepcionalmente, no entanto, a medida
cautelar poderá projetar-se com eficácia ex tunc, com repercussão sobre situa­
ções pretéritas. A excepcionalidade da eficácia ex tunc impõe que o Supremo
Tribunal Federal expressamente a determine no acórdão concessivo da medida
cautelar. A ausência de determinação expressa importa em outorga de eficácia
ex nunc à suspensão cautelar de aplicabilidade da norma estatal impugnada em
ação direta. Concedida a medida cautelar (que se reveste de caráter temporá­
rio) , a eficácia ex nunc (regra geral) tem seu início marcado pela publicação da
ata da sessão de julgamento no Diário de Justiça da União, exceto em casos
excepcionais a serem examinados pelo Presidente do Tribunal, de maneira a
garantir a eficácia da decisão. " No mesmo sentido, cf. ADIN-MC nº 2 . 1 05,
rei. Min. Celso de Mello; ADIN-MC nº 2 . 66 1 , rei . Min. Celso de Mello;
ADIN-MC nº 2 . 5 26, rei. Min. Moreira Alves; ADIN-MC nº 2 . 667, rei . Min.
Celso de Mello; ADIN-MC nº 2 .408, rei. Min. Celso de Mello; ADIN-MC nº
2.458, rel. Min. Ilmar Galvão.
341 . Luís Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, ed. cit.,
1 88
A tal entendimento doutrinário corresponde, sem
contrastes, a jurisprudência do Supremo Tribunal Fe­
deral. Ainda em 1 986, a Suprema Corte, em sessão
plenária, proferiu acórdão unânime em julgamento do
pedido de revogação de medida cautelar formulado nos
autos da Representação de Inconstitucionalidade nº
1 . 3 5 6- 1 , assim ementado, verbis:

11REPRESENTAÇÃ O POR INCONSTITUCIONA­


LIDADE. SUSPENSÃ O LIMINAR DA EFICÁ CIA
DA LEI. CONSEQ UÊNCIAS.
A suspensão liminar da eficácia da lei torna aplicável
a legislação anterior acaso existente, e não impede
que se edite nova lei, na conformidade das regras
constitucionais inerentes ao processo legislativo. " 342

No corpo do acórdão, lê-se trecho transcrito de


parecer do então Procurador-Geral da República e hoje
aposentado Ministro da Suprema Corte, José Paulo
Sepúlveda Pertence, de seguinte teor:

11 (. .) A suspensão liminar da eficácia de lei ou ato


normativo, com efeito, equivale à suspensão tempo­


rária de sua vigência, de modo que caberia à As­
sembléia Legislativa do Estado aplicar a legislação

p. 89: "A premissa da não-admissão de efeitos válidos decorrentes do ato


inconstitucional conduz, inevitavelmente, à tese da repristinação da norma
revogada. É que, a rigor lógico, sequer se verificou a revogação no plano jurídico.
De fato, admitir-se que a norma anterior continue a ser tida por revogada
importará na admissão de que a lei inconstitucional inovou na ordem jurídica,
submetendo o direito objetivo a uma vontade que era viciada desde a origem.
Não há teoria que possa resistir a essa contradição. " No mesmo sentido, Rodrigo
Lopes Lourenço, ob. cit., p. 8 7 .
3 4 2 . Representação n º 1 . 356- 1 , rei . Min. Francisco Rezek, RTJ 1 20/64.

1 89
anterior, desde o primeiro momento da concessão da
medida cautelar, até o julgamento final da repre­
sentação. " 34 3

Mais recentemente, j á em 1 992, acórdão unânime


do plenário do STF proferido em julgamento à ADIN
nº 6 5 2 -5/MA, reiterou a tese:

"A declaração de inconstitucionalidade em tese en­


cerra um juízo de exclusão, que, fundado numa
competência de rejeição deferida ao Supremo Tribu­
nal Federal, consiste em remover do ordenamento
positivo a manifestação estatal inválida e desconfor­
me ao modelo plasmado na Carta Política, com todas
as consequências daí decorrentes, inclusive a plena
restauração da eficácia das leis e das normas afe­
tadas pelo ato declarado inconstitucional. " 344

Portanto, o § 2º do art. 1 1 da Lei nº 9 . 868/99 nada


mais fez que positivar a jurisprudência já assente do
Supremo Tribunal Federal.
Cumpre observar que, nos termos do dispositivo
legal em questão, a Corte poderá deliberar em sentido
contrário ao revivescimento da lei revogada. Tal delibe­
ração, no entanto, não poderá ocorrer nas hipóteses em
que a legislação revogada for anterior ao próprio texto
constitucional considerado violado. Consoante pacífico
entendimento do próprio Supremo Tribunal, tais leis
não poderiam ser objeto de ação direta de inconstitu-

343.Idem, p. 6 5 .
344.ADIN n º 652-5/MA, rei. Min. Celso d e Mello, D J U d e 02.04.93. No
mesmo sentido, cf RTJ 1 46/462; RTJ 1 74/58; RTJ 1 0 1 /499; RTJ 1 20/64.
RTJ 1 02/67 1 .

1 90
cionalidade . 345 Eventual ação direta proposta com este
fim estaria fadada à extinção sem julgamento de mérito.
Ora, se nem mesmo em ação direta que fosse ajuizada
com esta finalidade específica a Corte estaria autorizada
a suspender, com alcance erga omnes, a eficácia de
dispositivos da legislação revogada, como admitir pu­
desse fazê-lo em outra ação direta, que tem por objeto
questionar a constitucionalidade de outro diploma legal?
Assim, em hipóteses que tais, o Supremo Tribunal
Federal, em coerência com sua jurisprudência, deve
limitar-se a suspender a eficácia da norma impugnada,
deixando para o controle concreto aferir se a legislação
anterior permanece ou não em vigor.
Não obstante o entendimento aqui esposado, com­
preensão diversa foi defendida no voto do Ministro
Relator Sepúlveda Pertence, na ADIN nº 2 . 2 5 8, em
que se questiona, dentre outros dispositivos da Lei nº
9 . 868/99, o seu art. 1 1 , §2º. Sobre o efeito repristina­
tório em discussão, confira-se trecho do voto, in verbis:

"(. . .) o Tribunal pode apreciar incidentemente a


constitucionalidade da lei precedente à impugnada
para, julgando-a igualmente inválida, impedir sua
revivescência decorrente da declaração de inconsti­
tucionalidade da que a tenha revogado. A recusa da
repristinação se fundará, na hipótese, em juízo si­
milar ao da declaração incidente de inconstitucio­
nalidade de norma cuja validade seja prejudicial
da decisão principal a tomar, que sempre se pode
dar de oficio e que nada exclui possa ocorrer no

345 . Ver RTJ 1 40/383, 1 40/405, 1 40/407, 1 40/7 5 4, 1 4 1 / 1 4, 1 4 1 /50, 1 4 1 /56,


1 4 1 /362, 1 42/22, 1 42/43, 1 42/363, 1 43/3, 1 43/3 5 5 , 1 44/69, 1 4 5/339,
1 45/4 9 1 e 1 47/3 72

1 91
julgamento de uma ação direta de inconstituciona­
lidade, onde, como sucede no sistema brasileiro, um
mesmo tribunal, o STF, cumule as funções de órgão
exclusivo do controle abstrato com o de órgão de
cúpula do sistema difuso. Com efeito, na situação
cogitada, é patente que o afastamento por inconsti­
tucionalidade da revivescência da legislação anterior
- tal como sucederia com a declaração incidente de
sua invalidade -, não gerará efeitos equiparáveis
à declaração na via principal da ação direta: basta
considerar que será despida de eficácia retroativa
erga omnes e vinculante para outros efeitos senão os
do veto à sua 'repristinação ' . "

O art. 1 2 da Lei nº 9 . 868/99 institui medida de


economia processual, permitindo que, em face da re­
levância da matéria e de seu especial significado para
a ordem social e segurança jurídica, o pedido de medida
cautelar sej a julgado conjuntamente com o mérito da
própria ação direta . 3 46
Os arts. 1 3 a 2 1 da Lei tratam do procedimento da
ação declaratória de constitucionalidade, reproduzindo,
em sua maior parte, o rito definido para a ação direta
de inconstitucionalidade. Passa-se, assim, a examinar
apenas os aspectos em que a Lei nº 9 . 868/99 conferiu
tratamento diferenciado à ação declaratória de consti­
tucionalidade .
Como se sabe, a ação declaratória de constitucio­
nalidade foi introduzida no Direito brasileiro pela Emen-

346. O Supremo Tribunal Federal tem se utilizado reiteradamente do disposto


no art. 1 2 da Lei 9.868/99 . Nesse sentido, v . ADIN nº 4 . 1 7 1 , rel. Min. Ellen
Gracie; ADIN nº 4 . 2 1 5, rel. Min . Eros Grau; ADIN nº 4 209, rel . Min. Eros
.

Grau; ADIN nº 3 .022, rel. Min. Joaquim Barbosa; ADIN nº 4.000, rel. Min.
Joaquim Barbosa; ADIN nº 3 . 500, rel. Min. Marco Aurélio.

1 92
da Constitucional nº 03/9 3 . Trata-se1 na feliz expressão
cunhada por Gilmar Ferreira Mendes1 de uma ação
direta de inconstitucionalidade com o sinal trocado. 347
Sua finalidade é a de afastar a insegurança jurídica ou
o estado de incerteza sobre a validade de lei ou ato
normativo federal1 por meio de uma decisão proferida
pelo Supremo Tribunal Federal com efeitos vinculantes
em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao
Poder Executivo (CF, art. 1 02, § 2°) . Julgando proce·­
dente o pedido formulado na ação, a Corte Suprema
convola a presunção de constitucionalidade da lei1 que
é relativa (juris tantum) , em presunção absoluta (juris
et de jure) 1 impedindo, daí por diante, que qualquer
outro órgão judicial e a Administração Pública como
um todo deixem de aplicá-la, argumentando com a sua
inconstitucionalidade . 348
Logo após a edição da referida Emenda, inúmeros
juristas publicaram estudos sustentando a inconstitu­
cionalidade da nova ação. 349 O Supremo Tribunal Fe-

347 . Gilmar Ferreira Mendes, O Controle de Constitucionalidade das Leis no


Brasil: Balanço e Perspectivas, in 1 988 - 1 998: Uma Década de Constituição,
obra coletiva organizada por Margarida Maria Lacombe Camargo, Editora
Renovar, 1 999, p. 1 98 . Nesse sentido, v. ADIN nº 3 . 3 24, rei. Min. Marco
Aurélio: "Há que se distinguir a ação direta de inconstitucionalidade da ação
declaratória de constitucionalidade. S ão irmãs, cujo alcance é chegar-se à
conclusão quer sobre o vício, quer sobre a harmonia do texto em questão com
a Carta da República. O que as difere é o pedido formulado. Na ação direta de
inconstitucionalidade, requer-se o reconhecimento do conflito do ato atacado
com a Constituição Federal, enquanto, na declaratória de constitucionalidade,
busca-se ver proclamada a harmonia. A nomenclatura de cada qual das ações
evidencia tal diferença" (grifos nossos) .
348 . Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, Editora Atlas, 2000, p.
605/606.
349 . V. Ação Declaratória de Constitucionalidade, obra coletiva coordenada
por Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, Editora Saraiva,
1 994.

1 93
deral, no entanto, no julgamento da Ação Declaratória
de Constitucionalidade nº 1 -DF, ao apreciar questão
de ordem, rejeitou tal alegação de inconstitucionalidade.
A decisão foi tomada por ampla maioria, ficando ven­
cido, solitariamente, o eminente Ministro Marco Au­
rélio. 3 50 Embora a questão da constitucionalidade do
novo instituto tenha ficado prejudicada após o pronun­
ciamento do Pretório Excelso, vale conferir o resumo
esclarecedor da controvérsia traçado por Clemerson
Merlin Cleve, que se posiciona no sentido da legitimi­
dade constitucional da ação. 3 5 1
O art. 1 3 da Lei n° 9 . 868/99 traz o rol dos legiti­
mados ativos à propositura da ação declaratória de
constitucionalidade. Sua redação, no entanto, continua
a reproduzir o antigo art. 1 03, § 4°, CF/88, revogado
pela Emenda Constitucional nº 4 5 de 2004 . Esta, a seu
turno, ampliou tal elenco, estendendo o direito de
propositura a todos os entes previstos no art. 1 03 . Por
consequência, impõe-se um dever de leitura do art. 1 3
da Lei 9. 868/99 à luz do art. 1 03 da CF/ 8 8 . Fica a
ressalva ao leitor desavisado .
O art. 1 4, em seu inciso III, institui um requisito
a mais para a peça vestibular da ação declaratória de

3 50 . ADC-QO nº 1 -DF, rei. Min. Moreira Alves, RTJ 1 5 7/3 7 1 : "Ação decla­
ratória de constitucionalidade. Incidente de inconstitucionalidade da Emenda
Constitucional nº 3/93, no tocante à instituição dessa ação. Questão de ordem.
Tramitação da ação declaratória de constitucionalidade. Incidente que se julga
no sentido da constitucionalidade da Emenda Constitucional nº 3, de 1 993,
no tocante à ação declaratória de constitucionalidade. " Justificando a constitu­
cionalidade da ação declaratória de constitucionalidade, sustentou o Min. Se­
púlveda Pertence, na ADC-QO nº 1 -DF, que " ( . . . ) tanto se ofende a Consti­
tuição aplicando lei inconstitucional quanto negando aplicação, a pretexto de
inconstitucionalidade, à lei que não o seja. Em ambos os casos, fere-se a
supremacia da Constituição " .
3 5 1 . Clemerson Merlin Cleve, o b . cit . , p. 282/290.
1 94
constitucionalidade em relação à ação direta de incons­
titucionalidade: a demonstração da existência de con-­
trovérsia judicial relevante sobre a aplicação da dispo­
sição objeto da ação declaratória.
Antes mesmo da edição da Lei nº 9 . 868/99, o Su­
premo Tribunal Federal já manifestara o entendimento
de que é necessária a demonstração da fundada incer­
teza sobre a constitucionalidade da lei ou ato normativo
federal, como requisito de cabimento da ação declara­
tória de constitucionalidade . 35 2 Tal incerteza deve ser
comprovada pela juntada de sentenças e acórdãos dos
Juízos e Tribunais, de modo a asseverar a controvérsia
jurisprudencial quanto à legitimidade constitucional da
norma que constitui o objeto da ação. 353
Os arts. 1 5 a 20 da Lei se limitam a determinar a
aplicação à ação declaratória de constitucionalidade dos
mesmos ritos previstos para a ação direta de inconstitu­
cionalidade. Não cuidou a Lei, como deveria, de estabe­
lecer um contraditório no processo da ação declaratória.

35 2 . NaADC-QO nº 1 -DF, registrou o Min. Sepúlveda Pertence que "o


interesse de agir só se atualiza, só se manifesta de modo a autorizar a propositura
da ação declaratória de constitucionalidade, quando haja controvérsia judicial,
objetivamente demonstrada e em proporções relevantes, sobre a validez de
determinada norma legal" . No mesmo sentido, na ADC-MC nº 8, manifestou­
se o Min. Celso de Mello: "O ajuizamento da ação declaratória de constitucio­
nalidade, que faz instaurar processo obj etivo de controle normativo abstrato,
supõe a existência de efetiva controvérsia judicial em torno da legitimidade
constitucional de determinada lei ou ato normativo federal . Sem a observância
desse pressuposto de admissibilidade, torna-se inviável a instauração do pro­
cesso de fiscalização normativa in abstracto, pois a inexistência de pronuncia­
mentos judiciais antagônicos culminaria por converter, a ação declaratória de
constitucionalidade, em um inadmissível instrumento de consulta sobre a
validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal, descarac­
terizando, por completo, a própria natureza jurisdicional que qualifica a ativi­
dade desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal".
353 . RTJ 1 5 7/3 7 1 .
1 95
Embora se entenda que a fiscalização abstrata se perfaça
através de um processo objetivo, é inegável que, ao menos
em relação à ação direta de inconstitucionalidade, o cons­
tituinte se preocupou em assegurar a existência do con­
traditório. Esta, precisamente, a função do Advogado­
Geral da União, já estudada linhas atrás.
Não há, de fato, previsão semelhante para a ação
declaratória de constitucionalidade . Nada obstante, em
reverência ao princípio do contraditório, consagrado no
inciso LV do art. 5° da Constituição da República, seria
conveniente que a Lei nº 9 . 868/99 houvesse criado a
oportunidade processual para a manifestação dos entes
legitimados à propositura da ação direta de inconstitu­
cionalidade, bem como de outros órgãos e entidades,
com vistas à impugnação do pedido declaratório de
constitucionalidade. Na verdade, tal previsão constava
do Projeto de Lei aprovado no Congresso, no seu art.
1 8, § § 1 ° e 2º, vetados pelo Presidente da República.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, toda­
via, encarregou-se de estender à ação declaratória de
constitucionalidade a possibilidade de intervenção de
amicus curiae. Como asseverou a Ministra Ellen Gracie,
" [é] certo que a previsão de ingresso na causa, para
manifestação, de outros órgãos e entidades encontra-se
situada, na Lei 9 . 868/99, no capítulo que rege, especifi­
camente, a tramitação das ações diretas de inconstitucio­
nalidade (art. 7°, § 2°) . Contudo, é inegável a estreita
interconexão entre estas ações e as declaratórias de cons­
titucionalidade. Ambas objetivam, em última análise, a
verificação abstrata da compatibilidade de determinada
norma com o ordenamento constitucional pátrio" . 35 4

3 5 4 . ADC nº 1 4, rei. Min. Ellen G racie, decisão monocrática, julgamento em


1 6. 1 2 .08, DJE de 03.02 .09. Neste mesmo sentido, asseverou o eminente

1 96
Com relação à possibilidade de concessão de medida
cautelar em ação declaratória, o Supremo Tribunal Fe­
deral já se manifestou pelo seu cabimento, inobstante
a inexistência de previsão constitucional expressa -
como existe para a ação direta de inconstitucionalidade
(CF, art. 1 02, I, "p") -, fundando-se, para tanto, no
poder geral de cautela reconhecido a todo Juiz ou
Tribunal. No julgamento do pedido de medida cautelar
na ação declaratória de constitucionalidade nº 4-6 (cujo
objeto era dispositivo da Lei nº 9 .494/9 7 que proibiu,
em determinadas hipóteses, a antecipação da tutela
jurisdicional contra a Fazenda Pública) , a Corte Supre­
ma deferiu a liminar, com efeitos ex nunc, para impedir
a concessão de tutelas antecipadas dali em diante, bem
como para sustar os efeitos futuros daquelas anterior­
mente concedidas . 355
Já na ADC nº 9, redação para o acórdão Min. Ellen
Gracie (DJ de 06.02. 2002) , o Supremo Tribunal Fe­
deral, por maioria de votos, deferiu o pedido cautelar
para suspender, com eficácia ex tunc e com efeito
vinculante, até o final do julgamento da ação, a prolação
de qualquer decisão que tivesse por pressuposto a cons­
titucionalidade ou a inconstitucionalidade dos arts. 1 4
a 1 8 da Medida Provisória nº 2 . 1 52/200 1 . Tais dispo-

Ministro Menezes Direito, em decisão proferida na ADC 1 8 (DJ de


22 . 1 1 . 2007) , que "não houve, com os vetos do Presidente da República (aos
parágrafos 1° e 2° do art. 1 8 da Lei 9.868/99) , qualquer repúdio, sob qualquer
fundamento, ao ingresso de amicus curiae em ação declaratória de constitucio­
nalidade. Neste caso, atento ao fato de que esta ação integra o sistema de
controle concentrado de constitucionalidade, não há razão lógico-jurídica, plau­
sível, para deixar de aplicar o § 2º do art. 7° da Lei nº 9.868/99, específico
das ações diretas de inconstitucionalidade, às ações declaratórias de constitu­
cionalidade. "
355 . ADC n º 4-6, rei. Min. Sydney Sanches, DJU de 1 3 .02. 1 998. V . Informa­
tivo do STF nº 96.

1 97
sitivos estabeleciam, diante da crise energética que
assolava o país, limites de uso e fornecimento de energia
elétrica, bem como fixavam medidas compulsórias de
redução do consumo, podendo culminar até mesmo
com o corte do seu fornecimento.
Deste modo, o Supremo Tribunal Federal estendeu
às cautelares concedidas em ação declaratória de cons­
titucionalidade os efeitos que a Constituição Federal,
em seu art. 1 02, § 2°, reservava às decisões definitivas
de mérito proferidas nessa ação. Tanto assim que a
Corte tem admitido o uso do instrumento da Recla­
mação (CF, art. 1 02, I, "l") para a garantia da autoridade
vinculante de medidas cautelares que asseveram, limi­
narmente, a constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal. 3 5 6
O art. 2 1 da Lei nº 9 . 868/99, 3 5 7 todavia, parece não

356. Nesse sentido, ADC-MC nº 8, rei. Min. Celso de Mello: "O provimento
cautelar deferido, pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de ação declaratória
de constitucionalidade, além de produzir eficácia erga omnes, reveste-se de
efeito vinculante, relativamente ao Poder Executivo e aos demais órgãos do
Poder Judiciário. A eficácia vinculante, que qualifica tal decisão - precisamen­
te por derivar do vínculo subordinante que lhe é inerente -, legitima o uso
da reclamação, se e quando a integridade e a autoridade desse j ulgamento forem
desrespeitadas" . A título exemplificativo, cf. Reclamação nº 5 . 758, rei . Min.
Cármen Lúcia, DJU de 07.08.2009; Reclamação nº 2 . 726, rel. Min. Sepúlveda
Pertence, DJU de 03.02 . 2006; Reclamação nº 2 . 0 5 7, rel . Min. Ellen Gracie,
DJU de 20.08 . 2004; Reclamação nº 2.087, rel. Min. Ellen Gracie, DJU de
1 3 .06.2004.
3 5 7 . O art. 2 1 da Lei nº 9 .868/99 é objeto da ADIN nº 2 . 2 5 8, originalmente
de relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, atualmente distribuída ao Ministro
Dias Toffoli. Ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil, a ação afirma que referido dispositivo entra em colisão com o controle
difuso de constitucionalidade, garantido implicitamente na Constituição para
os juízes de primeiro grau e expressamente para os Tribunais (art. 97, CF),
ofende o princípio do juiz natural (art. 5º, XXXV I I, CF) e afronta o disposto
no art. 1 02, I, a, e § 2°. Sem embargo, as supostas violações foram rechaçadas
pelo Ministro relator, que deixou assentado que não há qualquer violação à

1 98
conferir às medidas cautelares concedidas em ação dec­
laratória de constitucionalidade efeitos tão amplos
quanto lhes vinha reconhecendo a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal. Com efeito, o dispositivo
legal dispõe que a Corte poderá, pela maioria absoluta
de seus membros, deferir medida cautelar consistente
na determinação de que os juízes e os tribunais sus­
pendam o julgamento dos processos que envolvam a
aplicação da lei ou ato normativo objeto da ação dec­
laratória até seu julgamento definitivo. O parágrafo
único do art. 2 1 dispõe ainda que o Tribunal deverá
proceder ao julgamento do mérito da ação no prazo de
cento e oitenta dias, sob pena de perda da eficácia da
cautelar liminarmente deferida.
Importa estabelecer a inteligência mais adequada
que se deve extrair do dispositivo em exame: instituiu
ele um único tipo de provimento cautelar suscetível de
ser obtido nas ações declaratórias de constitucionalida­
de, consistente na suspensão dos processos que envol­
vam a aplicação da norma controvertida? Ou será que
ao utilizar o verbo poder ("O Supremo Tribunal Federal,

garantia do juiz natural (1) porque preceito visa assegurar a eficácia da decisão
futura, num ou noutro sentido, do Supremo Tribunal Federal, que, cuidando-se
de aferir da constitucionalidade, ou não, de lei ou ato normativo, é, por
excelência, o juiz natural da questão; (II) porque - diversamente da antiga
avocatória, com a qual se insiste em tentar assimilá-la -, a norma não desloca
do juiz para o STF o julgamento da causa, mas, apenas, a questão da constitu­
cionalidade, que lhe cabe decidir com eficácia para todos e efeito vinculante_
Afirmou-se ainda que sequer para adotar decisão cautelar do Supremo poderá
ser julgada a ação proposta perante o juízo ordinário, porque da decisão de
mérito prolatada pelo STF poderá resultar, afinal, em sentido contrário, a
declaração de inconstitucionalidade da lei. Conclui-se, assim, que a única
solução é suspensão do andamento do feito ou, pelo menos, a suspensão da
decisão que nele se tenha que tomar, num ou noutro sentido, até a decisão de
mérito da ação direta no STF .

1 99
por decisão da maioria absoluta de seus membros, po­
derá . . . ) , a Lei nº 9 . 868/99 estaria apenas criando uma
"

faculdade para os juízes da Corte Suprema, sem sub­


trair-lhes a possibilidade de compelir, por decisão cau­
telar dotada de efeito vinculante, todos os juízes e
tribunais do país a aplicarem determinada lei, ainda
que contra a sua convicção? 35 8
A primeira opção afigura-se a mais correta, embora
em favor de ambas - reconheça-se - militem argu­
mentos plausíveis . Passa-se a sustentar o entendimento
adotado. Em primeiro lugar, cumpre relembrar que não
há previsão constitucional no sentido do cabimento de
medida cautelar em ação declaratória de constitucio­
nalidade. Assim, o único dispositivo que trata da matéria
é o art. 2 1 da Lei nº 9 . 868/99, sendo certo que nele
só é contemplada a medida cautelar suspensiva dos
processos em curso . Em segundo lugar, ao que parece,
o legislador instituiu uma norma de prudência, pela
qual os processos ficam sobrestados aguardando pela
decisão de mérito, a ser proferida obrigatoriamente em
cento e oitenta dias. Tal medida se apresenta como um
minus em relação à jurisprudência do Pretório Excelso,
que não impedida o curso normal dos processos envol­
vendo a norma controvertida na ação declaratória de
constitucionalidade, mas tornava compulsória a sua ob­
servância e aplicação por todos os juízes e tribunais do
país . Em terceiro e último lugar, parece ter sido o
legislador ordinário mais fiel ao texto constitucional
que a jurisprudência da Corte Suprema (suma heresia!) :
é que, de fato, o art. 1 02, § 2°, em sua literalidade,
prevê eficácia erga omnes e efeito vinculante apenas
para as decisões definitivas de mérito proferidas nas

3 58 . Neste sentido, Alexandre de Moraes, ob. cit., p. 61 1 .

200
ações declaratórias de constitucionalidade. Como ex­
ceção à regra geral, tal norma constitucional só pode
ser interpretada de forma estrita, e não ampliativa,
como aconselha boa e comezinha regra hermenêutica.
Ao Supremo Tribunal Federal caberá, como sói acon­
tecer, a palavra final. De qualquer modo, seja qual for
o entendimento prevalecente, cabe a advertência quan­
to à conveniência de que o julgamento do mérito das
ações declaratórias de constitucionalidade sej a célere
- de preferência, realizado sempre com observância
do prazo assinado no parágrafo único do art. 2 1 - de
modo a afastar os resquícios de incerteza e insegurança
jurídicas gerados pela demora demasiada e pelo risco,
sempre possível, de contradição entre a decisão final e
a decisão cautelar. Este, afinal, o grande móvel que
ensejou a criação do instrumento.
Das 3 2 ações declaratórias de constitucionalidade
ajuizadas até maio de 20 1 3 , sete (as de número 4, 5,
8 9, 1 1 , 1 2, 1 8) tiveram pedidos de liminar deferidos .
1

E m cinco delas, houve atribuição d e efeitos ex nunc.


Em duas, de nºs 9 e 1 2, houve atribuição de efeitos ex
tunc. Em nenhuma delas o S TF impôs a todos os juízes
e tribunais a obrigatoriedade da aplicação da lei ou ato
normativo cuja controvérsia sobre a constitucionalidade
ensejou a instauração do processo abstrato de controle .
Chegamos, enfim, aos arts. 2 2 a 2 8 da Lei nº
9 . 868/99, que versam sobre a decisão nas ações direta
de inconstitucionalidade e declaratória de constitucio­
nalidade.
A Lei nº 9 . 8 68/99 promoveu uma elogiável organi­
zação no sistema brasileiro de fiscalização abstrata da
constitucionalidade, especialmente no que toca à com­
patibilização entre os instrumentos processuais por meio
dos quais ela se realiza.

201
Assumiu-se, de uma vez por todas, que as ações
direta de inconstitucionalidade e declaratória de cons­
titucionalidade são ações dúplices. Demais disto, ficou
claro que os efeitos das decisões em uma e outra ação
são rigorosamente simétricos. Isto significa que a pro­
cedência da ação direta de inconstitucionalidade equi­
vale à improcedência da ação declaratória (proclamação
da inconstitucionalidade de determinada lei ou ato nor­
mativo ) e que a improcedência da ação direta de in­
constitucionalidade equivale à procedência da ação dec­
laratória de constitucionalidade (proclamação da cons­
titucionalidade de determinada lei ou ato normativo) . 3S9
Tal é o que se contém na dicção precisa e esclarecedora
do art. 24 da Lei nº 9 . 868/99. Os arts. 22, 23, 2 5 , 2 6
e 2 8 , a seu turno, estabelecem rigorosamente a mesma
disciplina para as decisões proferidas tanto em uma
como em outra ação. Resta saber se tal tratamento é
compatível com a sistemática constitucional em vigor .
O art. 2 2 exige um quorum mínimo de oito Ministros
para que a Corte delibere acerca da constitucionalidade
ou inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. O
dispositivo não exibe qualquer incongruência com a
Constituição, sendo antes norma de organização interna
do Tribunal à qual nenhuma censura pode ser oposta. 360

359. Importa ressalvar, ainda que possa soar como obviedade, que a produção
de efeitos dúplices ou simétricos está condicionada ao exame do mérito. Nesse
sentido, " [o] não conhecimento da ação direta quanto ao item impugnado não
gera, em nenhuma hipótese, a declaração de sua constitucionalidade. Não há
qualquer previsão legal ou constitucional que ampare tal entendimento'' . AgR­
Recl. n° 5 . 9 1 4, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ de 1 4.08.2008 .
360. Nesse sentido, dispõe o art. 1 43, parágrafo único do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal: "O quorum para votação de matéria constitu­
cional e para a eleição do Presidente e do Vice-Presidente, dos membros do
Conselho Nacional da Magistratura e do Tribunal Superior Eleitoral é de oito
Ministros" . Norma de idêntico teor já era expressa, muito antes da Lei nº

202
Ao contrário, cuida-se de norma que revela o zelo do
legislador para com o processo de fiscalização abstrata,
que, afinal, pode resultar na anulação ou ratificação de
leis votadas e aprovadas por representantes eleitos pelo
povo. É razoável que se exija uma quantidade mínima
de Ministros envolvidos na discussão em torno da le­
gitimidade da lei, a fim de que o resultado do julga­
mento reflita a posição do Tribunal como um todo.
Já o art. 2 3 estatui que a declaração da constitucio­
nalidade, tal como a declaração de inconstitucionalida­
de, só poderá resultar da deliberação da maioria absoluta
dos membros do Supremo Tribunal Federal (pelo menos
seis Ministros) . Quanto à proclamação da inconstitu­
cionalidade, nada há que discutir: a previsão legal de­
corre de exigência constitucional (CF, art. 9 7) . Mas no
que se refere à proclamação da constitucionalidade -
em relação à qual o texto constitucional é silente -
seria dado ao legislador ordinário exigir idêntico quorum
de aprovação?
A resposta é positiva. Não se pode confundir, quando
se trata do princípio da reserva de plenário, a sua
aplicação ao controle concreto e incidentat com aquela
relativa ao controle abstrato. No controle incidental,
caso o órgão fracionário entenda pela constitucionali­
dade da lei, poderá prosseguir no julgamento até o
veredito final. Somente se o órgão considerar plausível
a alegação de inconstitucionalidade é que deverá cindir
o julgamento, alçando o incidente à apreciação do tri­
bunal pleno ou órgão especial (CPC, art. 4 8 1 ) .
Em se tratando de declaração de constitucionalidade
em sede abstrata, mesmo inexistindo previsão consti-

9.868/99, no art. 1 48, parágrafo único, do Regimento Interno de 1 970 do


Supremo Tribunal Federal.

203
tucional expressa1 é razoável que a lei processual exija
a anuência da maioria absoluta dos Ministros da Corte
Suprema1 à vista da relevância e da repercussão política
e social da decisão . Assim1 se por um lado a Constituição
não exige o quorum de maioria absoluta para a procla­
mação da constitucionalidade1 por outro não inibe que
o legislador o faça. E1 na espécie1 o faz por motivos
justificáveis1 razoáveis e proporcionais à importância
capital da decisão .
O art. 26 da Lei nº 9 . 868/99 361 dispõe que as
decisões em ação direta de inconstitucionalidade ou em

361 . O art. 26 da Lei 9.868/99 é objeto de questionamento quanto à sua


constitucionalidade na ADIN nº Z . 1 54, rei. Min. Dias Toffoli, ajuizada pela
Confederação Nacional das Profissões Liberais - CNPL. Argumentam os
requerentes que ao abolir o exercício da ação rescisória nos processos de
controle concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal,
a lei teria violado o art. 5°, XXXV, da Constituição Federal, que assegura a
inafastabilidade da tutela jurisdicional. A lei estaria, enfim, excluindo da apre­
ciação do Poder Judiciário eventual lesão de direito que poderia decorrer de
sentença eventualmente maculada por vícios. Segundo o voto do Ministro
relator Sepúlveda Pertence, a Lei nº 9.868/99, neste pormenor, apenas se
restringiu a dar explicitação legislativa à orientação sedimentada no mesmo
sentido da jurisprudência da Corte (AR nº 878, DJ de 06.06. 1 980, Min. co.
Rafael Mayer, RTJ 94/49 e AR 1 365, 03.06. 1 996, rei. Min. Moreira Alves, DJ
de 1 3 .09 . 1 996) . Sustentou-se ainda - e na mesma linha do que aqui se
defendeu linhas atrás - que a extensão e os pressupostos de admissibilidade
da ação rescisória constituem matéria da legislação processual ordinária. Assim,
não havendo imposição constitucional, a vedação por lei especial à ação resci­
sória da decisão de determinados processos não há como ser tida por incons­
titucional, salvo se arbitrária ou desarrazoada. Por fim, afirmou o Ministro
Sepúlveda Pertence que as decisões de mérito na ADIN e na ADC, por sua
natureza dúplice ou ambivalente, repelem a sua desconstituição por ação
rescisória. Trata-se de desdobramento lógico da ideia de segurança jurídica. É
dizer: se se cuida de declaração de inconstitucionalidade, uma vez tornada
eficaz, ela importa expungir da ordem jurídica positiva a norma legal julgada
inválida: desconstituir essa decisão implicaria restabelecer a força da lei, antes
eliminada, com efeitos claramente perceptíveis de qualificada insegurança
jurídica.

204
ação declaratória de constitucionalidade são irrecorrí­
veis1 ressalvado o manejo dos embargos declaratórios1 3 62
não podendo1 igualmente1 ser objeto de ação rescisória.
A vedação ao cabimento de rescisória consagra antiga
jurisprudência da Corte neste sentido. 3 6 3 Por outro lado1
nenhuma censura pode ser feita à vedação legal em tela
do ponto de vista constitucional1 pois é à lei processual
que compete estabelecer as hipóteses de cabimento de
ação rescisória. Por evidente1 na regra prevista no art.
1 021 I1 "j" 1 que confere competência ao Supremo Tri­
bunal Federal para julgar a ação rescisória de seus
próprios julgados1 está implícito que tal competência é
exercitável nos termos e condições estabelecidos na lei
processual. 3 64
Nada obstante1 seria mais razoável que a Lei hou­
vesse criado algum mecanismo de revisão das decisões
proferidas no controle abstrato1 independentemente do
ajuizamento de ação rescisória. À falta dele1 será possível
reeditar uma demanda direta de inconstitucionalidade
quando o dispositivo da Constituição que serviu de
parâmetro para a decisão anterior houver sido alterado1
seja formalmente1 pela via da reforma constitucional1

3 62 . Consoante o art. 535 do Código de Processo Civil, os embargos de


declaração servem para sanar omissão, contradição ou obscuridade existente
na decisão judicial.
3 6 3 . Ação Rescisória nº 8 78/SP, rei. Min. Moreira Alves, RTJ 94/49: "Ação
Rescisória. Cabimento. Declaração de inconstitucionalidade de lei em tese.
Não cabe ação rescisória contra decisão de declaração de inconstitucionalidade
de lei em tese, falecendo legitimidade ao particular para intentá-la. Ação
rescisória inadmissível . "
364 . Antes d o advento da Lei n º 9. 868/99, Oswaldo Luiz Palu sustentava o
cabimento, em algumas hipóteses, de ação rescisória contra acórdãos proferidos
em ação direta de inconstitucionalidade. V. Controle de Constitucionalidade
- Conceitos, Sistemas e Efeitos, Editora Revista dos Tribunais, 1 999, p .
205/2 1 0

205
seja informalmente, pela ocorrência de uma mutação
constitucional. 3 6 5
No que diz respeito à legitimidade recursai, o STF
já assentou entendimento no sentido de que estão pri­
mariamente legitimados a recorrer das decisões em
controle abstrato os órgãos e entidades legitimados à
propositura das ações. Assim, mesmo em se tratando
de ente despersonalizado, tem ele legitimidade recursa!.
Tal foi o que a Corte decidiu na ADIN nº 2 . 1 30/SC,
em que afirmou que o Estado-membro não tinha legi­
timdade para recorrer de decisão profe rida em ação
direta, recaindo a legitimidade, ao revés, na figura do
Governador do Estado, legitimado à propositura da
medida. 3 66
O art. 28 da Lei nº 9 . 868/99, em seu parágrafo
único, estatui que a declaração de constitucionalidade
ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação
conforme a Constituição e a declaração parcial de in­
constitucionalidade sem redução de texto, 367 têm efi-

3 6 5 . V. Anna Cândida da Cunha Ferraz, Processos Informais de Mudança da


Constituição, Editora Max Limonad, 1 986.
3 66 . ADIN nº 2 . 1 30/SC, rei. Min. Celso de Mello, DJ 1 4. 1 2 . 200 1 . Porém,
entende o Supremo Tribunal que "carece de legitimidade recursa! quem não
é parte na ação direta de inconstitucionalidade, mesmo quando, eventualmente,
tenha sido admitido como amicus curiae. " ED-ADIN nº 3 . 5 82, rei. Min.
Menezes Direito, DJ de 30.04.2008. V., no mesmo sentido, ED-ADIN nº
2.59 1 , rei. Min. Eros Grau: "Entidades que participam na qualidade de amicus
curiae dos processos objetivos de controle de constitucionalidade, não possuem
legitimidade para recorrer, ainda que aportem aos autos informações relevantes
ou dados técnicos " .
3 6 7 . Como ensina Gilmar Ferreira Mendes, "ainda que s e não possa negar a
semelhança dessas categorias e a proximidade do resultado prático de sua
utilização, é certo que, enquanto na interpretação conforme à Constituição se
tem, dogmaticamente, a declaração de que uma lei é constitucional com a
interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial, constata-se, na declaração
de nulidade sem redução de texto, a expressa exclusão, por inconstitucionali-

206
cacia contra todos e efeito vinculante em relação aos
órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública
federal, estadual e municipal.
O § 2° do art. 1 02 da Constituição Federal, intro­
duzido pela Emenda Constitucional nº 03/93, dispõe
que as decisões definitivas de mérito proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal em ações declaratórias de
constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e
efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder
Judiciário e ao Poder Executivo. E nenhum dispositivo
constitucional confere às decisões proferidas em ações
diretas de inconstitucionalidade semelhantes efeitos .
Assim sendo, poderia a Lei nº 9 . 8 68/99 ter equiparado
os efeitos das decisões proferidas em uma e outra ação?
Parece conveniente, para o esclarecimento da ques­
tão, sej a formulada, de início, a seguinte indagação:
diante da redação do art. 1 02 , § 2º, da Constituição,

dade, de determinadas hipóteses de aplicação {Anwendungsfalle) do programa


normativo sem que se produza alteração expressa do texto legal. " V. Gilmar
Ferreira Mendes, Moreira Alves e o Controle da Constitucionalidade no Brasil,
Celso Bastos Editor, 2000, p. 54/ 5 5 . É de se remarcar, todavia, que o Supremo
Tribunal Federal temse utilizado da declaração de inconstitucionalidade sem
redução de texto para alcançar uma interpretação conforme a Constituição, de
maneira a salvar a lei ou ato normativo da declaração da sua inconstituciona­
lidade tout court. Neste sentido, Alexandre de Moraes, ob. cit., p. 45/46 e Luís
Roberto Barroso, Interpretação e Aplicação da Constituição, ed. cit . , p .
1 76/ 1 7 7 . N a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, v . , por todos,
Representação nº 1 .4 1 7-7, rei. Min. Moreira Alves, julgamento em 09. 1 2 . 1 987,
RT - CDCCP, 1 :3 1 4, 1 992, p. 330: "O mesmo ocorre quando Corte dessa
natureza (constitucional), aplicando a interpretação conforme à Constituição,
declara constitucional uma lei com a interpretação que a compatibiliza com a
Carta magna, pois, nessa hipótese, há uma modalidade de inconstitucionalidade
parcial (a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto - Teilnichtigerk­
larung ohne Normtextreduzierung) , o que implica dizer que o tribunal consti­
tucional elimina - e atua, portanto, como legislador negativo - as interpreta­
ções por ela admitidas, mas inconciliáveis com a Constituição . "

207
qual o efeito de uma decisão do Supremo Tribunal
Federal que dê pela improcedência do pedido formu­
lado em uma ação declaratória de constitucionalidade?
A resposta é de obviedade ululante : a proclamação da
inconstitucionalidade do ato normativo que foi objeto
da ação, com eficácia erga omnes e efeito vinculante
em relação aos órgãos do Poder Judiciário e ao Poder
Executivo. Com efeito, a norma constitucional alude a
decisão definitiva de mérito, pouco importando se o
juízo foi de procedência ou de improcedência.
Por razões de ordem lógica e de coerência sistêmica,
o mesmo raciocínio deve ser aplicado às ações diretas
de inconstitucionalidade. S eria uma inconsistência ló­
gica do sistema que se pudesse obter na ação declara­
tória, em caso de improcedência, algo insuscetível de
ser obtido na ação direta, quando esta é julgada pro­
cedente. Em sendo assim, em caso de procedência do
pedido formulado na ação direta, todos os demais órgãos
do Poder Judiciário e o Poder Executivo ficam impe­
didos de aplicar a norma; caso o juízo do Supremo
Tribunal seja pela improcedência da ação direta, pro­
clamando, pois, a constitucionalidade da norma, ficam
eles compelidos a aplicá-la.
Portanto, não há qualquer inconstitucionalidade no
art. 28 da Lei nº 9 . 8 68/9 9 . Ao revés, a equiparação
entre os efeitos das decisões proferidas nas ações direta
de inconstitucionalidade e declaratória de constitucio­
nalidade era uma conclusão que já podia ser extraída
da própria sistemática constitucional, independente­
mente de previsão expressa. O Supremo Tribunal Fe­
deral recentemente se pronunciou no sentido da cons­
titucionalidade do art. 2 8 , parágrafo único, da Lei nº
9 .868/99, entendendo que a ADC consubstancia uma

208
ADIN com sinal trocado e, tendo ambas caráter dúplice,
seus efeitos são semelhantes . 3 68
Vale salientar que mesmo antes do advento da Lei
nº 9 . 868/99 o Supremo Tribunal Federal já admitia o
uso da Reclamação para assegurar a autoridade de suas
decisões proferidas em ações diretas de inconstitucio­
nalidade, desde que intentada por quem foi parte na
ação . 369 Com a inovação introduzida pelo art. 2 8 da Lei
nº 9 . 8 68/99 que, segundo o entendimento aqui
-

adotado, apenas realiza uma interpretação declarativa


do texto constitucional -, a tendência é que a Suprema
Corte admita também o cabimento da Reclamação ajui­
zada por quem, embora não tendo sido parte na ação
direta, vê-se prejudicado por decisões de outros órgãos
do próprio Poder Judiciário que contrariem acórdãos

3 68 . Reclamação nº 1 . 880-SP, rei. Min. Maurício Corrêa, Informativo STF nº


289. Nesse sentido, confira-se o seguinte trecho do voto do Min. Gihnar
Mendes na Rei. nº 2.2 56, DJ de 30.4.04: "Aceita a ideia de que a ação
declaratória configura uma ADIN com sinal trocado, tendo ambas caráter
dúplice ou ambivalente, afigura-se difícil admitir que a decisão proferida em
sede de ação direta de inconstitucionalidade seria dotada de efeitos ou conse­
quências diversos daqueles reconhecidos para a ação declaratória de constitu­
cionalidade. Argumenta-se que, ao criar a ação declaratória de constituciona­
lidade de lei federal, estabeleceu o constituinte que a decisão definitiva de
mérito nela proferida - incluída aqui, pois, aquela que, julgando improcedente
a ação, proclamar a inconstitucionalidade da norma questionada - 'produzirá
eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do
Poder Judiciário e do Poder Executivo' (art. 1 02, § 2° da Constituição Federal
de 1 988) . Portanto, sempre se me afigurou correta a posição de vozes autori­
zadas do Supremo Tribunal Federal, como a de Sepúlveda Pertence, segundo
a qual, 'quando cabível em tese a ação declaratória de constitucionalidade, a
mesma força vinculante haverá de ser atribuída à decisão definitiva da ação
direta de inconstitucionalidade '" (grifos nossos) .
3 69 . V., por todas, Reclamação nº 702-5/PI, rei. Min. Maurício Corrêa, DJU
de 04. 1 1 . 1 997, p. 56.548, com ampla remissão aos precedentes do STF.

209
proferidos em sede de ação direta de inconstituciona­
lidade . 37 0
Foi o que ocorreu1 por exemplo1 na apreciação do
pedido de medida cautelar na Reclamação nº 2 . 1 891
apresentada pelo Estado do Mato Grosso do Sul com
fundamento no art. 1 02 1 I1 "1" 1 da Constituição Federal1
combinado com os arts. 1 3 da Lei nº 8.038/90; 1 5 6 e
seguintes do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal; e 281 parágrafo único1 da Lei nº 9 . 8 68/99 . O
Relator da Reclamação foi o Min. Gilmar Ferreira Men­
des1 que assim concluiu sobre o efeito vinculante das
decisões preferidas em sede de ação direta de incons­
titucionalidade:

"Já afirmei1 em outra ocasião que, aceita a ideia de


que a ação declaratória configura uma AD IN com
sinal trocado, tendo ambas caráter dúplice ou am­
bivalente1 afigura-se difícil admitir que a decisão
proferida em sede de ação direta de inconstitucio­
nalidade não tenha efeitos ou consequências seme­
lhantes àqueles reconhecidos para a ação declara­
tória de constitucionalidade. Ao criar a ação decla­
ratória de constitucionalidade de lei federal, esta­
beleceu o constituinte que a decisão definitiva de
mérito nela proferida - incluída aqui, pois, aquela
que1 julgando improcedente a ação, proclamar a
inconstitucionalidade da norma questionada - 1pro­
duzirá eficácia contra todos e efeito vinculante, re­
lativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário
e do Poder Executivo ' (Art. 1 021 § 2° da Constituição
Federal de 1 988) . Portanto1 afigura-se correta a

3 70. Neste sentido, Alexandre de Moraes, ob. cit., p. 599.

210
posição de vozes autorizadas do Supremo Tribunal
Federal, como a do Ministro Sepúlveda Pertence,
segundo o qual, 'quando cabível em tese a ação
declaratória de constitucionalidade, a mesma força
vinculante haverá de ser atribuída à decisão defini­
tiva da ação direta de inconstitucionalidade ' {Re­
clamação n. 1 67, despacho, RDA, 206:246 (24 7)) .
Nos termos dessa orientação, a decisão profe rida em
ação direta de inconstitucionalidade contra lei ou
ato normativo federal haveria de ser dotada de efeito
vinculante, tal como ocorre com aquela profe rida na
ação declaratória de constitucionalidade. Observe­
se, ademais, que, se entendermos que o efeito vincu­
lante da decisão está intimamente vinculado à pró­
pria natureza da jurisdição constitucional em dado
Estado democrático e à função de guardião da Cons­
tituição desempenhada pelo Tribunal, temos de ad­
mitir, igualmente, que o legislador ordinário não está
impedido de atribuir essa proteção processual espe­
cial a outras decisões de controvérsias constitucionais
proferidas pela Corte. Em verdade, o efeito vincu­
lante decorre do particular papel político-institucio­
nal desempenhado pela Corte ou pelo Tribunal Cons­
titucional, que deve zelar pela observância estrita
da Constituição nos processos especiais concebidos
para solver determinadas e específicas controvérsias
constitucionais. Esse foi o entendimento adotado pelo
Supremo Tribunal na ADC 4, ao reconhecer efeito
vinculante à decisão profe rida em sede de cautelar,
a despeito do silêncio do texto constitucional. Não
foi outro o entendimento do legislador infraconstitu­
cional ao conferir efeito vinculante às decisões pro­
feridas em ação direta de inconstitucionalidade. Por
fim, o Plenário desta Corte, ao julgar Questão de

21 1
Ordem em recurso de agravo regimental na Recla­
mação 1 880, rel. Min. Maurício Corrêa, declarou,
por maioria, a constitucionalidade do art. 28, pará­
grafo único da Lei Federal nº 9. 868, de 1 999. (. ). .

No caso, muito embora o ato impugnado não guarde


identidade absoluta com o tema central da decisão
desta Corte na ADIN 1 . 662, Relator o Min. Mau­
rício Corrêa, vale ressaltar que o alcance do efeito
vinculante das decisões não pode estar limitado à
sua parte dispositiva, devendo, também, considerar
os chamados 'fundamentos determinantes '. Nesse
sentido, trago à reflexão algumas observações sobre
os limites objetivos do efeito vinculante: 'A concepção
de efeito vinculante consagrada pela Emenda n. 3 ,
de 1 993, está estritamente vinculada ao modelo ger­
mânico disciplinado no § 3 1 , (2) , da Lei orgânica
da Corte Constitucional. A própria justificativa da
proposta apresentada pelo Deputado Roberto Campos
não deixa dúvida de que se pretendia outorgar não
só eficácia erga omnes mas também efeito vinculante
à decisão, deixando claro que estes não estariam
limitados apenas à parte dispositiva. Embora a
Emenda n. 3/93 não tenha incorporado a proposta
na sua inteireza, é certo que o efeito vinculante, na
parte que foi positivada, deve ser estudado à luz dos
elementos contidos na proposta original. Assim, pa­
rece legítimo que se recorra à literatura alemã para
explicitar o significado efetivo do instituto. A pri­
meira indagação, na espécie, refere-se às decisões
que seriam aptas a produzir o efeito vinculante.
Afirma-se que, fundamentalmente, são vinculantes
as decisões capazes de transitar em julgado (Chris­
tian Pestalozza, Verfassungsprozessrecht, cit. , p.
324) . Tal como a coisa julgada, o efeito vinculante

212
refere-se ao momento da decisão. Alterações poste­
riores não são alcançadas (Cf. Christian Pestalozza,
Verfassungsprozessrecht, cit. , p. 3 2 5) . Problema de
inegável relevo diz respeito aos limites objetivos do
efeito vinculante, isto é, à parte da decisão que tem
efeito vinculante para os órgãos constitucionais, tri­
bunais e autoridades administrativas. Em suma, in­
daga-se, tal como em relação à coisa julgada e à
força de lei, se o efeito vinculante está adstrito à
parte dispositiva da decisão ou se ele se estende
também aos chamados fundamentos determinantes,
ou, ainda, se o efeito vinculante abrange também as
considerações marginais, as coisas ditas de passagem,
isto é, os chamados obiter dieta (Cf. Maunz, in
Maunz, et al. , B VerfGG, cit. , § 3 1 , I, n. 1 6) . En­
quanto em relação à coisa julgada e à força de lei
domina a ideia de que elas hão de se limitar à parte
dispositiva da decisão, sustenta o Tribunal Consti­
tucional alemão que o efeito vinculante se estende,
igualmente, aos fundamentos determinantes da de­
cisão (BVerfGE 1 , 1 4 (3 7) ; 4, 3 1 (3 8) ; 5, 3 4 (3 7) ;
1 9, 3 7 7 (3 92) ; 20, 56 (86) ; 24, 2 89 (2 94) ; 3 3 ,
1 99 (203) ; 40, 88 (93) ; cf. , também, Maunz, dentre
outros, B VerfGG, § 3 1 , I, n. 1 6; Norbert Wischer­
mann, Rechtskraft und Bindungswirkung, Berlim,
1 9 79, p. 42) . Segundo esse entendimento, a eficácia
da decisão do Tribunal transcende o caso singular,
de modo que os princípios dimanados da parte dis­
positiva e dos fundamentos determinantes sobre a
interpretação da Constituição devem ser observados
por todos os tribunais e autoridades nos casos futuros
(BVerfGE 1 9, 3 77) . Outras correntes doutrinárias
sustentam que, tal como a coisa julgada, o efeito
vinculante limita-se à parte dispositiva da decisão,

213
de modo que, do prisma objetivo, não haveria dis­
tinção entre a coisa julgada e o efeito vinculante
(Cf. , sobre o assunto, Norbert Wischermann, Rechts­
kraft und Bindungswirkung, cit. , p. 42) . A diferença
entre as duas posições extremadas não é meramente
semântica ou teórica, apresentando profundas con­
sequências também no plano prático (subjacente à
discussão sobre a amplitude do efeito vinculante
reside uma questão mais profunda, relativa à própria
ideia de jurisdição constitucional (Verfassungsge­
richtsbarkeit - Norbert Wischermann, Rechtskraft
und Bindungswirkung, cit. , p. 43) . Enquanto o en­
tendimento esposado pelo Tribunal Constitucional
alemão importa não só na proibição de que se con­
trarie a decisão profe rida no caso concreto em toda
a sua dimensão, mas também na obrigação de todos
os órgãos constitucionais de adequar a sua conduta,
nas situações futuras, à orientação dimanada da
decisão (Norbert Wischermann, Rechtskraft und Bi­
ndungswirkung, cit. , p. 45) , considera a concepção
que defende uma interpretação restritiva do § 3 1 ,
I, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional que
o efeito vinculante há de ficar limitado à parte
dispositiva da decisão, realçando, assim, a qualidade
judicial da decisão (Norbert Wischermann, Rechts­
kraft und Bindungswirkung, cit. , p. 43) . A aproxi­
mação dessas duas posições extremadas é feita me­
diante o desenvolvimento de orientações mediadoras,
que acabam por fundir elementos das concepções
principais. Assim, propõe Vogel que a coisa julgada
ultrapasse os estritos limites da parte dispositiva,
abrangendo também a 'norma decisória concreta '
(Klaus Vogel, Rechtskraft und Gesetzeskraft, in
B VerfG und GG, cit. , v. 1 , p. 568 (589) . A norma

214
decisória concreta seria aquela 'ideia jurídica sub­
jacente à formulação contida na parte dispositiva,
que, concebida de farma geral, permite não só a
decisão do caso concreto, mas também a decisão de
casos semelhantes ' (Klaus Vogel, Rechtskraft und
Gesetzeskraft, in B VerfG und GG, cit. , v. 1 , p. 568
(599) . Por seu lado, sustenta Kriele que a força dos
precedentes, que presumivelmente vincula os Tribu­
nais, é reforçada no direito alemão pelo disposto no
§ 3 1 , I, da Lei do Tribunal Constitucional alemão
(Martin Kriele, Theorie der Rechtsgewinnung, 2 . ed. ,
Berlim, 1 976, p. 2 9 1 , 3 1 2 e 3 1 3) . A semelhante
resultado chegam as reflexões de Bachof, segundo o
qual o papel fundamental do Tribunal Constitucional
alemão consiste na extensão de suas decisões aos
casos ou situações paralelas (Otto Bachof, Die Prü­
fungs und Verwerfungskompetenz der Verwaltung ge­
genüber dem verfassungswidrigen und bundesrechts­
widrigen Gesetz. AoR 8 7 (1 962) , p. 25) . Tal como
já anotado, parecia inequívoco o propósito do legis­
lador alemão, ao formular o § 3 1 da Lei Orgânica
do Tribunal, de dotar a decisão de uma eficácia
transcendente (Cf. Brun-Otto Bryde, Verfassung­
sentwicklung, cit. , p. 420) . É certo, por outro lado,
que a limitação do efeito vinculante à parte dispo­
sitiva da decisão tornaria de todo despiciendo esse
instituto, uma vez que ele pouco acrescentaria aos
institutos da coisa julgada e da força de lei. Ademais
tal redução diminuiria significativamente a contri­
buição do Tribunal para a preservação e desenvol­
vimento da ordem constitucional (Brun-Otto Bryde,
Verfassungsentwicklung, cit., p. 420) . ' ('Controle
Concentrado de Constitucionalidade ', Martins, Ives
Gandra da Silva e Mendes, Gilmar Ferreira. Ed.

215
Saraiva, 200 1 , p . 3 3 8 a 3 4 1) . Assim, adotada a
ideia de que o efeito vinculante alcança os funda­
mentos determinantes da decisão, afigura-se neces­
sário, nesse primeiro exame, considerar o parâmetro
interpretativo fixado pela Corte na ADIN 1 . 662.
Nos autos da ADIN 1 . 662 esta Corte já se pronun­
ciou no sentido de que a previsão de sequestro contida
no § 2° do art. 1 00 da Constituição deve ser inter­
pretada necessariamente de modo restritivo. Deci­
diu-se, especificamente, que a 1 equiparação da não
inclusão no orçamento das verbas relativas a preca­
tórios, ao preterimento do direito de precedência,
cria, na verdade, nova modalidade de sequestro,
além da única prevista na Constituição '. No caso,
verifica-se que já houve inclusão do precatório no
orçamento do Estado. A execução de tal ordem no
prazo, todavia, não ocorreu tendo em vista a ausência
de recursos por parte da autarquia estadual. Ade­
mais, tenho por aplicável ao caso o precedente fir­
mado pelo Plenário desta Corte na RCL 1 862, sob
a relataria do Min. Maurício Corrêa, cuja ementa
possui o seguinte teor: 'EMENTA: RECLAMAÇÃ O.
GOVERNADOR DO ESTADO: LEGITIMIDADE.
PEDIDO CONTRA ATO FUTURO: INADMISSI­
BILIDADE. PRECATÓRIO. VENCIMENTO DO
PRAZO PARA PAGAMENTO: SEQUESTRO DE
VERBAS P ÚBLICAS. IMPOSSIBILIDADE. 1 . Re­
clamação. Legitimidade ativa do Governador do Es­
tado por ter capacidade postulatória concorrente para
requerer idêntica ação direta. Precedentes. 2 . Não­
cabimento da medida contra possível atuação da
autoridade reclamada, supostamente contrária à de­
cisão desta Corte. Exigência de prática de ato con­
creto. Pedido não conhecido nesta parte. 3 . Venci-

216
menta do prazo para pagamento de precatório. Hi­
pótese que não se equipara à preterição de ordem,
sendo ilegítima a determinação de sequestro em tais
situações. 4. O Tribunal decidiu, de forma expressa,
no julgamento de mérito da ADIN 1 662 -SP, que a
previsão de que trata o § 4° do artigo 78 do ADCT­
CF/88, na redação dada pela EC 3 0/00, refere- se
exclusivamente aos casos de parcelamento de que
cuida o caput desse dispositivo. Inaplicável, portanto,
aos débitos trabalhistas de natureza alimentícia. 5.
Ratificação da exegese de que a única situação su­
ficiente para motivar o sequestro de verbas públicas
destinadas à satisfação de dívidas judiciais alimen­
tares é a ocorrência de preterição da ordem de pre­
cedência, ausente no caso concreto. Reclamação par­
cialmente conhecida e, nesta parte, julgada proce­
dente. ' Ante o exposto, sem prejuízo de melhor exame
quando do julgamento do mérito, CONCEDO A
CAUTELAR para determinar a suspensão das ordens
de sequestro pertinentes aos precatórios nºs 1 1 3/98,
5 1/98, 72/98, 7 1 /98, 68/98, 1 2/99, 3 7/99, 1 1 6/99,
69/99, 1 22/99, indicados na inicial e, na eventual
hipótese de já ter ocorrido a execução de ordens de
sequestro, a imediata devolução aos cofres públicos
do Estado dos valores correspondentes, até decisão
final sobre a matéria. Comunique-se mediante 'telex'
e ofício. Requisitem-se as informações. Brasília, 03
de fevereiro de 2 003 . MINISTRO GILMAR MEN­
DES Relator" (Rcl 2 1 89, rel. Min. Gilmar Mendes,
DIU 0 7. 02 . 03, p. 62) .

Sistematizando a decisão proferida na Reclamação


em tela, entendeu a Corte que: (I) as decisões proferidas
em ADIN, tal como aquelas proferidas na ADC, têm

217
eficácia erga omnes e efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Execu­
tivo; 371 (II) cabe Reclamação1 ainda quando ajuizada
por quem não foi parte no processo da ação direta de
inconstitucionalidade1 contra decisões de outros órgãos
do Poder Judiciário que hajam desrespeitado o efeito
vinculante das decisões proferidas em sede de ADIN; 37 Z

371 . O Supremo Tribunal Federal já em mais de uma oportunidade afirmou


que o efeito vinculante das decisões de mérito nas ações de controle abstrato
de constitucionalidade não abrange o Poder Legislativo. Dessa forma, pode o
legislador dispor, em novo ato legislativo, sobre a mesma matéria versada em
legislação anteriormente declarada inconstitucional pelo Supremo, ainda que
no âmbito de processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, sem
que tal conduta importe em desrespeito à autoridade das decisões do STF.
" Não foi por outra razão que o art. 28, parágrafo único, da Lei nº 9.868/99,
ao referir-se ao efeito vinculante, claramente restringiu-o, no plano subjetivo,
'aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e
municipal '" (grifos no original) . Reclamação nº 5 .442-MC, rei. Min. Celso de
Mello, decisão monocrática, DJ de 06.09.2007 . No mesmo sentido, v. ADIN­
MC nº 1 . 850, rei . Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 2 7 . 04.2001 .
37 2 . Nesse sentido, cf., AgR na Reclamação nº 2 . 1 43, rei . Min. Celso de Mello,
DJ de 06.06. 2003. " Legitimidade ativa para a reclamação na hipótese de
.
inobservância do efeito vinculante. - Assiste plena legitimidade ativa, em sede
de reclamação, àquele - particular ou não - que venha a ser afetado, em sua
esfera jurídica, por decisões de outros magistrados ou Tribunais que se revelem
contrárias ao entendimento fixado, em caráter vinculante, pelo Supremo Tri­
bunal Federal, no julgamento dos processos objetivos de controle normativo
abstrato instaurados mediante ajuizamento, quer de ação direta de inconstitu­
cionalidade, quer de ação declaratória de constitucionalidade. " Ressalte-se,
contudo, que não basta alegar desrespeito à decisão do STF para estar legiti­
mado a ajuizar a reclamação. É preciso prova de prejuízo em virtude do
descumprimento da autoridade do pronunciamento da Corte Suprema. Assim,
v. AgR na Reclamação nº 4.507, rei. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 1 9 .09.2008:
"A alegação genérica de descumprimento de decisão da Corte proferida na
ADIN 3 . 5 22, rei . Min. Marco Aurélio, desacompanhada da demonstração
inequívoca do prejuízo sofrido pela reclamante, não basta para estabelecer a
legitimidade desta para figurar no pólo ativo da presente reclamação. " No
mesmo sentido, AgR na Reclamação nº 4. 344, rei. Min. Ricardo Lewandowski,

218
(III) o efeito vinculante da ADIN não se limita ao
dispositivo da decisão1 mas alcança1 também1 os cha­
mados "fundamentos determinantes" . Ficam excluídas1
assim1 do efeito vinculante1 as considerações tecidas in
obiter dicta1 que não constituem fundamento determi­
nante da decisão . 3 7 3
No entanto1 o Supremo Tribunal Federal1 no julga­
mento do agravo regimental na Reclamação n ° 2 .4 7 5 1
DJ de 02.08.071 entendeu1 por maioria1 que "o efeito
vinculante é para o que foi decidido pela Corte. E o
que foi decidido está no dispositivo do voto do relator 1
fielmente resumido na ementa do acórdão" . Afirmou
o Ministro relator Carlos Velloso que fundamento e
obter dictum são conceitos sinônimos e que1 portanto1
"não integram o dispositivo da decisão" . Buscou-se ainda
destacar trecho do voto do Min. Moreira Alves na ADC
nº 1 -DF:

(. . .)
((

a) - se os demais órgãos do Poder Judiciário, nos


casos concretos sob seu julgamento, não respeitarem
a decisão prolatada nessa ação, a parte prejudicada
poderá valer-se do instituto da reclamação para o
Supremo Tribunal Federal, a fim de que este garanta

DJ de 07 . 1 2 .2007 e AgR na Reclamação nº 4.438, rei. Min. Sepúlveda Per­


tence, DJ de 24. 1 1 .2006 .
3 7 3 . Em diversas oportunidades o Supremo Tribunal Federal tem se manifes­
tado no mesmo sentido. Cf. Reclamação nº 4.692-MC, rei. Min. Cezar Peluso,
decisão monocrática, DJ de 1 4 . 1 1 .2006; Reclamação nº 4.38 7-MC, rei. Min.
Celso de Mello, decisão monocrática, DJ de 02. 1 0.2006; Reclamação nº 4.4 1 6-
MC, rei . Min. Celso de Mello, decisão monocrática, DJ de 29.09.2006; Re­
clamação nº 1 .987, rei. Min. Maurício Corrêa, DJ de 2 1 .05.2004 e Reclamação
nº 2 . 2 9 1 -MC, rel. Min. G ilmar Mendes, decisão monocrática, DJ de
0 1 .04 . 2003 .

219
a autoridade dessa decisão; e
b) - essa decisão (e isso se restringe ao dispositivo
dela, não abrangendo - como sucede na Alemanha
- os seus fundamentos determinantes, até porque
a Emenda Constitucional nº 3 só atribuiu efeito
vinculante à própria decisão definitiva de mérito) ,
essa decisão, repito, alcança os atos normativos de
igual conteúdo que deu origem a ela mas que não
foi seu objeto, para o fim de, independentemente de
nova ação, serem tidos como constitucionais, adstrita
essa eficácia aos atos normativos emanados dos de­
mais órgãos do Poder Judiciário e do Poder Execu­
tivo, uma vez que ela não alcança os atos editados
pelo Poder Legislativo.
( . . ) " (Grifos nossos) .
.

Ficaram vencidos naquela oportunidade, os Minis­


tros Gilmar Mendes, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa
e Celso de Mello, que entendiam, nos termos do voto
do Min. Gilmar Mendes, que "o alcance do efeito
vinculante das decisões não pode estar limitado à sua
parte dispositiva, devendo, também, considerar os cha­
mados 'fundamentos determinantes ' " . Sem embargo, a
posição vencedora restou novamente aplicada na Re­
clamação nº 2 . 990-AgR, rel. Min. Sepúlveda Pertence,
j . 1 6. 0 8 .2007, DJ de 1 4 .09.200 7 . Conforme afirmou
o Min. relator, "em recente julgamento, o Plenário do
Supremo Tribunal Federal rejeitou a tese da eficácia
vinculante dos motivos determinantes das decisões de
ações de controle abstrato de constitucionalidade (Rcl
2 . 4 7 5 -AgR, j . 2-8-07) " .
Vale, ainda, remarcar que o legislador foi técnico
ao fazer alusão à interpretação conforme e à declaração
de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto,

220
dando a entender, assim, que tais institutos são distin­
tos. E de fato o são. A interpretação conforme à Cons­
tituição constitui mecanismo de interpretação por meio
do qual se excluem as possibilidades interpretativas do
texto normativo que se revelam incompatíveis com a
Constituição, prestigiando-se aquela(s) que se harmo­
nizam com a Lei Fundamental. Já a declaração parcial
da inconstitucionalidade sem redução de texto constitui
técnica de controle de constitucionalidade, que pode
decorrer de uma interpretação conforme à Constituição
ou pode ser consequência do reconhecimento da incons­
titucionalidade de · determinadas hipóteses de incidência
da norma. No primeiro caso, o texto normativo admite
mais de uma interpretação, sendo que uma ou algumas
delas se revelam inconstitucionais. Já no segundo caso,
o texto admite apenas uma interpretação, mas algumas
hipóteses de incidência da norma são incompatíveis
com a Constituição. Assim, a equiparação feita pela
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não é es­
tritamente técnica. Com efeito, pode haver declaração
parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto
que não decorra de uma interpretação conforme e, de
outra forma, é também possível que a interpretação
conforme conduza a Corte, em sede de ação declaratória
de constitucionalidade, a proclamar a constitucionali­
dade de um dentre as várias interpretações possíveis
do texto normativo.
Resta, por fim, examinar o art. 2 7 da Lei nº
9 . 868/991 talvez a mais polêmica das inovações intro­
duzidas pelo recém-editado diploma legal. 3 74 É esta a
dicção literal do dispositivo:

374 . A Confederação Nacional das Profissões Liberais - CNPL ajuizou, pe­


rante o Supremo Tribunal Federal, a ação direta de inconstitucionalidade nº

22 1
11Art. 2 7. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo, e tendo em vista razões de segu­
rança jurídica ou de excepcional interesse social,
poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de
dois terços de seus membros, restringir os efeitos
daquela declaração ou decidir que ela só tenha efi­
cácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro
momento que venha a ser fixado. "

A norma em questão, a par de reafirmar, implicita­


mente, a regra da nulidade da lei inconstitucional, tra­
dicionalmente reconhecida no Direito brasileiro, 375 pro­
põe a sua flexibilização, diante de razões de segurança
jurídica ou excepcional interesse social que justifi­
quem, a juízo do Supremo Tribunal Federal, a mo­
dulação dos efeitos temporais da declaração de in­
constitucionalidade.
Esclareça-se, desde logo, e como premissa inicial,
que o modelo brasileiro de jurisdição constitucional
continua a admitir, como regra geral, a eficácia ex tunc

2 1 54, tendo por fundamento a alegação de incompatibilidade dos arts. 26 e


27 da Lei n° 9 . 868/99 com os arts. 5°, I, II e XXXV e 1 02, I, "j", da Constituição
Federal. Na 1 ª edição deste livro observou-se que não seria viável a apreciação
do mérito da ação, pela ausência de relação de pertinência temática entre as
normas impugnadas e os interesses da classe representada pela entidade-autora.
O parecer da Procuradoria-Geral da República confirmou o entendimento ali
esposado, defendendo o não conhecimento da ação direta por falta de legiti­
midade ativa ad causam da autora em decorrência da inexistência de pertinên­
cia temática. Entretanto, caso fosse a ação conhecida, opinou a PGR pela
constitucionalidade dos arts. 26, in fine, e 27, da Lei nº 9.868/99. Finalmente,
ressalte-se que também a Ordem dos Advogados do Brasil impugnou a validade
do art. 27 da Lei nº 9.868/99, através da ação direta de inconstitucionalidade
nº 2258, apensada à ADIN 2 1 54. Os pedidos de medida cautelar das duas
ações ainda encontram-se pendentes de julgamento.
3 7 5 . V. Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional - O controle abs­
trato de normas no Brasil e na Alemanha, ed. cit., p. 249.

222
das decisões declaratórias (por isso mesmo declara­
tórias) da inconstitucionalidade das leis e atos norma­
tivos, vinculada à tradição norte-americana. Corolário
lógico do princípio da supremacia da Constituição -
que não se coaduna com o reconhecimento da validade
de uma lei inconstitucional, ainda que por período
limitado de tempo - a doutrina e a jurisprudência
nacionais, majoritariamente, vislumbram no princípio
da nulidade da lei inconstitucional a estatura de verda­
deiro princípio constitucional implícito. 3 7 6
Como assinalado por Jorge Miranda, com aguda
sensibilidade, "a fixação dos efeitos da inconstituciona­
lidade destina-se a adequá-los às situações da vida, a
ponderar o seu alcance e a mitigar uma excessiva rigidez
que pudesse comportar; destina-se a evitar que, para
fugir a consequências demasiado gravosas da declaração,
o Tribunal Constitucional viesse a não decidir pela
ocorrência de inconstitucionalidade; é uma válvula de
segurança da própria finalidade e da efectividade do
sistema de fiscalização. " 3 7 7 Compartilhando da mesma
ideia, García de Enterría sustenta que, nos modelos,
como o brasileiro, em que a regra geral é o efeito ex
tunc do juízo de inconstitucionalidade, as ponderações
em torno da adoção do efeito ex nunc são complemen­
tares e excepcionais, 378 apoiando-se na denúncia do

376. Em sede doutrinária, v. José Carlos Moreira Alves, A Evolução do Controle


de Constitucionalidade no Brasil, in Garantias do Cidadão na Justiça, obra
coletiva coordenada por Sálvio de Figueiredo Teixeira, Editora Saraiva, 1 993,
p. 1 0. Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, v. Representação nº
980, rei. Min. Moreira Alves, RTJ 96/496, 508; Recurso Extraordinário nº
1 03.6 1 9, rei. Min. Oscar Corrêa, RDA 1 60/80.
3 7 7 . Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo II, ed. cit., p .
500/50 1 .
3 7 8 . Nesse sentido, cf. ED-ADIN nº 2 . 996, rei. Min. Sepúlveda Pertence:

223
risco de mitigar-se, por imposições pragmáticas decor­
rentes da impossibilidade física, social ou política de
desconstituir determinadas situações, o próprio juízo
de censura por violação da Carta Magna - exatamente
em razão das dificuldades de fazer frente ao dogma da
nulidade absoluta da lei inconstitucional. 3 79
O art. 27 da Lei nº 9 . 868/99 guarda estreita seme­
lhança com o art. 2 8 2 , nº 4, da Constituição de Portugal,
que parece ter sido a fonte de inspiração imediata do
legislador pátrio. De outro lado, aproxima-se o dispo­
sitivo da chamada declaração da inconstitucionalidade
sem a pronúncia da nulidade, incorporada, a partir de
1 970, ao § 3 1 , (2) , 2º e 3° períodos da Lei Orgânica
do Tribunal Constitucional Federal alemão (Bundesver­
fassungsgericht) . 380 A Constituição austríaca (após
1 975) confere, em seu art. 1 40, ampla margem de
discrição à Corte Constitucional para modular os efeitos
de suas decisões declaratórias de inconstitucionalidade.
Em outros países que não adotaram em texto consti-

"Sobre a aplicação do art. 27 da LADin - admitida por ora a sua constitucio­


nalidade - não está o Tribunal compelido a manifestar-se em cada caso: se
silenciou a respeito, entende-se que a declaração de inconstitucionalidade,
como é regra geral, gera efeitos ex tunc, desde a vigência da lei inválida" . No
mesmo sentido, RE-AgR nº 386.440, rei . Min. Ricardo Lewandowski: "A
atribuição de efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade, dado
o seu caráter excepcional, somente tem cabimento quando o tribunal manifes­
ta-se expressamente sobre o tema, observando-se a exigência de quorum qua­
lificado previsto em lei. Nesse sentido menciono as seguintes decisões, entre
outras: AI 533.800 AgR/RJ e AI 4 5 7 . 722 AgR/RJ, rel. Min. Eros Grau; AI
588.533/RJ, rei. Min. Joaquim Barbosa".
3 79 . Eduardo García de Enterría, Justicia Constitucional: la Doctrína Prospec­
tiva en la Declaración de Ineficácia de las Leyes Inconstitucionales, Revista de
Direito Público, vol . 92, outubro/dezembro de 1 989, p. 5/ 1 6 .
380 . Sobre o tema, com análise detalhada da jurisprudência do Tribunal Cons­
titucional tedesco, v. Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional - O
controle abstrato de normas no Brasil e na Alemanha, ed. cit., p . 202/22 1 .

224
tucional ou legal normas semelhantes, a jurisprudência
se encarregou de construí-la. 38 1
Os conceitos e institutos jurídicos são criados para
conformar a realidade; em inúmeras situações, todavia,
os fatos derrotam as normas, obrigando o jurista a
reavaliar suas noções teóricas, de modo a adequá-las às
novas necessidades e aspirações sociais. A flexibilização
dos efeitos temporais da declaração de inconstitucio­
nalidade é uma dessas imposições da experiência à
lógica jurídica. Inobstante, como mitigação do princípio
da constitucionalidade em determinado lapso de tempo,
deve ser encarada como medida excepcional - j amais
como regra -, utilizável apenas para a preservação de
outros valores e princípios constitucionais que seriam
colocados em risco pela pronúncia da nulidade da lei
inconstitucional. A aplicação do novo dispositivo está,
assim, necessariamente condicionada pelo princípio da
razoabilidade ou proporcionalidade . 382
Adota-se, aqui, tese sustentada por autores como
Daniel S armento 383 e Christina Aires Correa Lima, 384

38 1 . Esteo caso, v.g., da Espanha, ao que se vê da sentencia 45/1 989, de 20


de fevereiro de 1 989, da qual dá notícia García de Enterría no artigo acima
citado, Justicia Constitucional: la Doctrina Prospectiva en la Declaración de
Ineficácia de las Leyes Inconstitucionales, p. 5 . O ilustre Mestre espanhol
informa ainda que até nos Estados Unidos a Suprema Corte vem, em diversos
casos, adotando efeitos meramente prospectivos nas declarações de inconsti­
tucionalidade (idem, p. 6) .
382 . Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo II, ed. cit., p .
504 .
383 . Daniel Sarmento, Eficácia Temporal do Controle de Constitucionalidade
(O Princípio da Proporcionalidade e a Ponderação de Interesses) das Leis,
Revista de Direito Administrativo nº 2 1 2, abril/junho de 1 998, p. 2 7/40.
384 . Christina Aires Correa Lima, Os Efeitos da Declaração de Inconstitucio­
nalidade perante o Supremo Tribunal Federal, Cadernos de Direito Constitu­
cional e Ciência Política nº 27, 1 997, p. 1 83/208.

225
no sentido de que o principio da nulidade das leis
inconstitucionais pode ser ponderado com outros prin­
cípios de igual magnitude, incidentes em determinadas
situações concretas. Tal ponderação, como explica Da­
niel S armento, deve ser feita à luz do princípio da
razoabilidade ou proporcionalidade no seu tríplice as­
pecto: adequação, necessidade e proporcionalidade em
sentido estrito. 38 5 Confira-se, a propósito, lúcida passa­
gem do jovem autor:

"Assim, entendemos que o princípio da proporciona­


lidade autoriza uma restrição à eficácia ex tunc da
decisão proferida no controle de constitucionalida­
de, sempre que esta restrição: (a) mostrar-se apta
a garantir a sobrevivência do interesse contraposto;
(b) não houver solução menos gravosa para proteger
o referido interesse, e ( c) o benefício logrado com
a restrição à eficácia retroativa da decisão compensar
o grau de sacrifício imposto ao interesse que seria
integralmente prestigiado, caso a decisão surtisse
seus efeitos naturais . ( . . . )
Assim, quando a atribuição de efeitos retroativos à
decisão de inconstitucionalidade acarretar grave le­
são a outros interesses tutelados pela Lei Funda­
mental, pode o Judiciário restringir tais efeitos, va­
lendo-se do princípio da proporcionalidade . " 386

38 5 . Sobre o tema, v. Willis Santiago Guerra Filho, Ensaios de Teoria Consti­


tucional, Imprensa Universitária, 1 989, p. 75; Raquel Denize Stumm, Princípio
da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro, Livraria do Advoga­
do Editora, 1 995, p. 79 e segs.; Suzana de Toledo Barros, O Princípio da
Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de
Direitos Fundamentais, Brasília Jurídica Editora, 1 996, p . 72 e segs.
386 . Daniel Sarmento, Eficácia Temporal do Controle de Constitucionalidade
(O Princípio da Proporcionalidade e a Ponderação de Interesses) das Leis,

226
Vale notar que1 antes mesmo do advento da Lei nº
9 . 8 68/991 o Supremo Tribunal Federal1 adotando em­
bora1 como regra1 a declaração da inconstitucionalidade
com efeitos retroativos1 387 já admitiu alguns tempera­
mentos. Assim1 a Corte tem asseverado a legitimidade
de atos praticados por servidor público investido na
função pública por força de lei posteriormente declarada
inconstitucional. 388 Outrossim1 na declaração de incons­
titucionalidade de leis concessivas de vantagens a seg­
mentos do funcionalismo público (especialmente ma­
gistrados) 1 o Tribunal adotou o entendimento de que·
"a retribuição declarada inconstitucional não é de ser
devolvida no período de validade inquestionada da lei
declarada inconstitucional - mas tampouco paga após
a declaração de inconstitucionalidade" . 389
Esta última decisão aliás 1 mereceu censura severa
1

de Gilmar Ferreira Mendes 1 um dos maiores defensores


da flexibilização ora instituída pelo art. 27 da Lei nº

Revista de Direito Administrativo nº 2 1 2, abril/junho de 1 998, p. 38/39.


387 . Remarque-se que o Ministro Leitão de Abreu defendeu no Supremo
Tribunal Federal a tese da anulabilidade da lei inconstitucional, sob o argumento
de que o ato legislativo adentra o mundo jurídico com a presunção de validade,
impondo-se, em razão disso, enquanto não declarado inconstitucional, à obe­
diência pelos destinatários de seus comandos. A Corte, no entanto, permaneceu
fiel a seu entendimento consolidado. V. RTJ 8 2/79 1 . Posteriormente, o mesmo
Ministro Leitão de Abreu justificou que pretendia apenas atenuar o caráter
absoluto que o Tribunal emprestava à retroatividade das decisões de inconsti­
tucionalidade, propondo que as situações jurídicas constituídas de boa-fé, com
fulcro em lei só posteriormente declarada inconstitucional, deveriam ficar
imunes aos efeitos de tal declaração. V. RTJ 97 /1 .369. Sobre o tema, v.
Clemerson Merlin Cleve, ob. cit., p. 25 1 .
388 . RE 79 .620, rei Min. Aliomar Baleeiro, DJU de 1 4 . 1 2 . 1 974; RE 7 8 . 594,
rei. Min. Bilac Pinto, DJU de 04. 1 1 . 1 974.
389 . RE 1 22 . 202, rei . Min. Francisco Rezek, DJU de 08.04 . 1 994, RDA
202/ 1 6 1 . Registre-se que, anteriormente, a Corte já havia adotado posição
semelhante no RE 1 0 5 . 789, rei. Min. Carlos Madeira, RTJ 1 1 8/30 1 .

227
9 . 8 68/991 por considerar que o princípio constitucional
da irredutibilidade de vencimentos não se prestava a
conferir sustentação à decisão1 uma vez que "os venci­
mentos irredutíveis são apenas aqueles licitamente re­
cebidos. " 3 90 A crítica dirige-se1 na verdade1 contra o
juízo de ponderação feito no caso concreto1 já que o
peso do princípio da irredutibilidade de vencimentos
não justificaria1 sob a ótica do ilustre autor1 a restrição
imposta ao princípio da nulidade da lei inconstitucional.
Como se vê1 o art. 27 da Lei em comento é uma
novidade apenas em termos1 de vez que a norma por
ele introduzida1 conquanto inédita no Direito positivo
brasileiro1 foi objeto de construção jurisprudencial pelo
Supremo Tribunal Federal. É fundamental1 no entanto1
que a Corte Suprema utilize com parcimônia - como1
de resto1 tem feito até aqui - o dispositivo legal1 sem
se deixar impressionar por argumentos conjunturais e
ad terrorem1 como aqueles fundados em considerações
exclusivamente financeiras ou econômicas. Dado o seu
caráter excepcional1 qualquer limitação de efeitos da
declaração de inconstitucionalidade deve-se ater ao es­
tritamente necessário para a salvaguarda dos valores
albergados no art. 2 7 da Lei nº 9 . 868/99. 3 9 1
O Supremo Tribunal Federal, não obstante a pen­
dência do julgamento da ADIN nº 2 . 2 5 8 1 rel. Min.
Sepúlveda Pertence, tem utilizado expressamente o art.
2 7 da Lei nº 9 . 8 68/99 na modulação temporal dos
efeitos da declaração de inconstitucionalidade . 3 9 2 A

390 . Gilmar Ferreira Mendes, A Nulidade da Lei Inconstitucional e Seus Efeitos,


Revista de Direito Administrativo nº 202, outubro/dezembro de 1 995, p .
1 7 1 / 1 80, 1 78 .
3 9 1 . N o mesmo sentido, Marcelo Rebelo d e Sousa, O Valor Jurídico do Acto
Inconstitucional, s.e., Lisboa, 1 988, p . 263/269.
392. A título ilustrativo, confira-se a ADIN nº 2.240; ADIN nº 2 . 5 0 1 ; ADIN

228
Corte já entendeu, inclusive, ser cabível a oposição de
embargos de declaração com o objetivo exclusivo de se
modularem os efeitos da declaração de inconstitucio­
nalidade. 393
Caso paradigmático ocorreu no julgamento da ADIN
nº 4 .029, 394 cujo objeto era a lei federal nº 1 1 . 5 1 6/07,
a qual criou o Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade. A lei fora declarada, de início, in­
constitucional pelo Plenário do Supremo Tribunal Fe­
deral, em função de ter sido editada a partir de uma
Medida Provisória que não havia sido submetida a uma

nº 2 . 904; ADIN nº 2.907; ADIN nº 3 .022; ADIN nº 3 . 3 1 5; ADIN nº 3 . 3 1 6;


ADIN nº 3 .430; ADIN nº 3.458; ADIN nº 3 .489; ADIN nº 3 .660; ADIN nº
3 .682; ADIN nº 3 .689; ADIN nº 3 .8 1 9; ADIN nº 4 .00 1 ; ADIN nº 4 .009.
393 . Destaca-se o posicionamento consignado no julgamento da ADIN nº
2 . 797-ED, no qual o Plenário entendeu, por maioria (vencidos os Ministros
Menezes Direito e Marco Aurélio), que " [o ] sembargosdedeclaraçãoconstituem
a última fronteira processual apta a impedir que a decisão de inconstituciona­
lidade com efeito retroativo rasgue nos horizontes do Direito panoramas caó­
ticos, do ângulo dos fatos e relações sociais. Panoramas em que a não salvaguarda
do protovalor da segurança jurídica implica ofensa à Constituição ainda maior
do que aquela declarada na ação direta" (ADIN nº 2. 797-ED, rei. Min. Menezes
Direito, rei. pi acórdão Min. Ayres Britto, julgado em 1 6.05 . 2 0 1 2, DJE de
2 8 .02.20 1 3) . V. também nesse sentido: ADIN nº 4 . 1 67 ED-AgR, rei. Min .
. Joaquim Barbosa, 27.02.20 1 3 , Informativo nº 696, 25 de fevereiro a 1 ° de
março de 20 1 3; RE nº 600.885-ED, rei. Min. Cármen Lúcia, julgado em
29.06.20 1 2, DJE de 1 2 . 1 2 .201 2; RE nº 500. 1 7 1 -ED, rei. Min. Ricardo Le­
wandowski, julgado em 1 6.03.20 1 1 , DJE 03.06.201 1 ; ADIN nº 3.601 -ED, rei.
Min. Dias Toffoli, julgado em 09.09 . 20 1 0, DJE 1 5 . 1 2.20 1 0; Em outra opor­
tunidade, porém, entendeu o Supremo, por maioria (vencidos os Ministros
Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Eros Grau e Cezar Peluso) que o acolhimento
dos embargos de declaração para a modulação dos efeitos da decisão estaria
condicionado a pedido também veiculado na petição inicial (ADIN nº 2 . 7 9 1 -
E D , rei . Min. Gilmar Mendes, rei. p / acórdão Min. Menezes Direito, julgado
em 22.04.2009, DJE 04.09. 2009) .
394 . ADIN nº 4.029, rei . Min. Luiz Fux, julgado em 0 8 . 03 . 20 1 2, DJE
2 7 .06.20 1 2 .

229
comissão mista de deputados e senadores antes de sua
conversão em lei, como prevê a Constituição Federal
(art. 62, § 9°) . Naquela oportunidade, o Plenário de­
cidiu, aplicando o art. 2 7 da Lei nº 9 . 8 68/99, modular
os efeitos de sua decisão para, em vez de conferir
eficácia ex tunc à declaração de inconstitucionalidade
daquela lei, abrir a possibilidade para que o Congresso
Nacional editasse nova norma, no prazo de 2 anos, para
garantir a continuidade da autarquia.
Ocorre que, logo na sessão seguinte, a Advocacia­
Geral da União suscitou questão de ordem dando no­
tícia de que todas as medidas provisórias até então
convertidas em lei haviam desrespeitado o mesmo dis­
positivo constitucional ( art. 6 2, § 9º) . Receosa de pro­
mover um verdadeiro "apagão legislativo" no Brasil, a
Corte entendeu por bem modular os efeitos de sua
decisão, evitando atribuir-lhe eficácia retroativa. O Ple­
nário, então, modificou a proclamação do resultado de
julgamento e declarou que somente as novas medidas
provisórias que vierem a ser encaminhadas pelo Poder
Executivo ao Congresso Nacional terão de observar, em
sua tramitação, o rito previsto pela Constituição Federal
em seu artigo 62, §9º.
Resta ainda analisar dois aspectos do novo dispositivo
legal que poderão ensejar controvérsia. Primo: é legítima
a instituição, por lei ordinária, de limitação temporal
aos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, já
que, por seu intermédio, se estaria a mitigar o próprio
princípio da supremacia da Constituição? Secando: é
legítima a exigência do quorum qualificado de 2/3 (dois
terços) dos membros da Corte Suprema para que a
referida limitação sej a aprovada, quando o art. 9 7 da
Constituição da República exige o quorum de maioria
absoluta como requisito para a declaração de inconsti­
tucionalidade tout court?

230
As respostas a ambas as indagações - apresso-me
em dizê-lo desde logo - afiguram-se afirmativas .
Quanto à primeira questão1 é de se ver que o art.
2 7 da Lei nº 9 . 8 68/99 não será1 em verdade1 o funda­
mento das decisões do Supremo Tribunal Federal que
venham a restringir a eficácia temporal da declaração
de inconstitucionalidade de determinadas leis. Seu fun­
damento será a proteção de outros valores e princípios
constitucionalmente assegurados - ligados à segurança
jurídica ou a excepcional interesse social - e que seriam
colocados em risco por uma decisão retroativa. Ao assim
decidir1 não estará o Supremo Tribunal sobrepondo
uma lei ordinária - a Lei nº 9 . 868/99- à Constituição1
mas1 diversamente1 estará ponderando valores e princí­
pios de mesma hierarquia e igual dignidade constitu­
cional. Neste sentido as razões apresentadas pelo Ad­
vogado-Geral da União1 Gilmar Ferreira Mendes1 nos
autos da ação direta de inconstitucionalidade nº 2 . 1 541
antes aludida1 elaboradas pelo Consultor da União An­
dré Serrão Borges de S ampaio:

"É lição comezinha da doutrina constitucional con­


temporânea a existência de tensões entre princípios
constitucionais. A solução de tais conflitos de prin­
cípios jurídicos não se dá, todavia1 por meio da
exclusão de um dos princípios colidentes, mas antes
por meio de uma ponderação, em que se determina1
sob determinadas circunstâncias, a prevalência de
um dos princípios contrapostos. Esse procedimento
metódico recebe diversas denominações (ponderação,
colisão de direitos ou princípios fundamentais, equi­
líbrio de direitos, etc.) que podem ser reconduzidas
à ideia geral de cotejo da adequação de cada prin­
cípio às circunstâncias fáticas e normativas do caso
a decidir. De fato, a regra inserta no art. 2 7 da Lei
231
sob exame traduz uma autorização legislativa (e
sempre haverá uma reserva legal implícita em todo
conflito entre normas ou princípios constitucionais
com vistas ao estabelecimento de padrões normativos
para a sua solução) para que a Corte Constitucional
proceda à ponderação entre o princípio constitucional
da nulidade da lei inconstitucional e 'razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social',
por meio da qualificadíssima maioria de dois terços
de seus membros. (. . .)
(. . .) Faculdade semelhante àquela inscrita no art.
2 7 da Lei nº 9. 868, de 1 999, é, antes, exigida pelo
complexo sistema constitucional brasileiro. Essa exi­
gência decorreria exatamente da necessidade de pro­
mover, por meio da ponderação, a concordância prá­
tica entre os distintos bens, direitos e valores cons­
titucionais afetados em uma decisão da jurisdição
constitucional. Nessa medida, inexiste, tal como de­
monstrado, ilegitimidade alguma na disposição in­
serida no art. 2 7 da Lei no 9. 868, de 1 999" 395 .

395 . DOU de 28.03. 2000, Seção I, Informações nº AGU/AS-01/2000. Cf.,


nesse sentido, AI 4 7 4. 708-AgR, rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática,
julgamento em 1 7 . 3 .08, DJE de 1 8.4.08: "A norma contida no art. 2 7 da Lei
nº 9.868, de 1 0 de novembro de 1 999, tem caráter fundamentalmente inter­
pretativo, desde que se entenda que os conceitos jurídicos indeterminados
utilizados - segurança jurídica e excepcional interesse social - se revestem
de base constitucional. No que diz respeito à segurança jurídica, parece não
haver dúvida de que encontra expressão no próprio princípio do Estado de
Direito consoante, amplamente aceito pela doutrina pátria e alienígena. Excep­
cional interesse social pode encontrar fundamento em diversas normas consti­
tucionais. O que importa assinalar é que, consoante a interpretação aqui
preconizada, o princípio da nulidade somente há de ser afastado se se puder
demonstrar, com base numa ponderação concreta, que a declaração de incons­
titucionalidade ortodoxa envolveria o sacrifício da segurança jurídica ou de
outro valor constitucional materializável sob a forma de interesse social. " (grifos

232
De resto, vale salientar que, se mesmo à míngua de
previsão legal expressa, o Supremo Tribunal Federal
lançou mão de temperamentos em relação à regra da
eficácia retroativa de suas decisões declaratórias de
inconstitucionalidade, não parece razoável supor que a
Corte considerará inconstitucional dispositivo de lei
que justamente consagra referida prerrogativa. 396
Por fim, no que toca ao quorum qualificado de 2/3
(dois terços) exigido como pressuposto para que a
1

declaração de inconstitucionalidade tenha seus efeitos


temporais limitados, afigura-se compatível com a Cons­
tituição e, ademais, exigência dotada de razoabilidade.
A premissa dos que sustentam tese oposta é equivocada:
a de que a Constituição, em seu art. 9 7 , não faz distinção
entre a declaração da inconstitucionalidade com ou sem
a pronúncia da nulidade, exigindo, em qualquer caso,

nossos) . No mesmo tom, v. RE-AgR nº 364. 304, voto do Min. Gilmar Mendes,
julgamento em 3 . 1 0.06, DJ de 6. 1 1 .06: (. .. ) sem abandonar a doutrina tradi­
"

cional da nulidade da lei inconstitucional, é possível e, muitas vezes, inevitável,


com base no princípio da segurança jurídica, afastar a incidência do princípio
da nulidade em determinadas situações. Não se nega o caráter de princípio
constitucional ao princípio da nulidade da lei inconstitucional. Entende-se,
porém, que tal princípio não poderá ser aplicado nos casos em que se revelar
absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida (casos de omissão ou de
exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade) , bem como
nas hipóteses em que a sua aplicação pudesse trazer danos para o próprio
sistema jurídico constitucional (grave ameaça à segurança jurídica) . "
396. Vale destacar que tais temperamentos não s e limitam aos casos d e fisca­
lização concentrada e abstrata de normas. Também no controle concreto e
incidental - não disciplinado, frise-se, pelos ditames da Lei nº 9.868/99 - o
STF tem modulado os efeitos das decisões declaratórias de inconstitucionali­
dade, em exceção à regra da atribuição de eficácia retroativa. Nesse sentido,
cf. RE nº 442.683, rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 1 3 . 1 2.05, DJ de
24.03 .06; Pet. nº 2 .859-MC, rei. Min. G ilmar Mendes, decisão monocrática,
julgamento em 06.04 .04, DJ de 1 6.04 .04; RE nº 1 97 .9 1 7, rei. Min. Maurício
Corrêa, julgamento em 6.6 .02, DJ de 7 . 5 .04.

233
apenas o voto da maioria absoluta dos membros do
tribunal.
Pois bem. Em primeiro lugar1 deve-se atentar para
o fato de que1 gramaticalmente1 proferir uma decisão
declaratória significa1 a fortíorí, reconhecer uma situa­
ção preexistente1 com projeção de efeitos no passado .
Assim, ao se referir à declaração da inconstitucionali­
dade de lei ou ato normativo do Poder Público1 o art.
97 da Lei Maior visa a alcançar a decisão ordinária,
corriqueira, que proclama a nulidade do ato em decor­
rência da incompatibilidade com a Constituição. Milita
também em favor desse entendimento a interpretação
histórica: de fato1 como consagrado na tradição do
Direito brasileiro1 lei inconstitucional é ato nulo1 sendo
retroativa, de conseguinte1 a decisão que a reconhece
como tal. Assim, a mens legislatoris1 na hipótese1 era
no sentido de que o quorum de maioria absoluta era
exigível para a decisão que reconhecia1 com efeitos ex
tunc1 a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo.
Por outro lado, ainda que o texto constitucional,
em sua literalidade1 não contivesse qualquer distinção
entre a decisão declaratória e a anulação de lei incons­
titucional com efeitos prospectivos1 não há como negar
que se trata de decisões substancialmente distintas . São
distintas no grau de responsabilidade que exigem da
Corte, tendo em vista a sua repercussão social e política.
Com efeito1 ao reconhecer a inconstitucionalidade de
uma lei1 mas negar, na mesma decisão, que qualquer
pessoa - sej a ela o cidadão, a empresa privada ou o
ente público - possa deduzir pretensão decorrente dos
efeitos já produzidos por tal lei1 o Supremo Tribunal
Federal se coloca em posição sensivelmente mais deli­
cada do que se apenas houvesse proclamado a incons­
titucionaldiade sem qualquer ressalva quanto aos efeitos
temporais .

234
Como é intuitivo1 a exigência de quorum mais ele­
vado guarda uma relação de proporcionalidade com o
grau de responsabilidade e a repercussão social e política
da decisão . Portanto1 como a limitação temporal do
juízo de inconstitucionalidade constitui um plus1 em
termos de responsabilidade1 se comparado com a pura
e simples proclamação da nulidade1 é razoável a exi­
gência de um plus no quorum necessário à prolação da
primeira decisão. É de bom alvitre que um consenso
maior sej a exigido dentro da Corte Suprema1 nas hi­
póteses de validação dos efeitos pretéritos de uma lei
inconstitucional1 como garantia de que a decisão1 apesar
de sua excepcionalidade1 é adequada1 necessária e con­
forme ao interesse público .

V.2 A disciplina processual da ação direta de incons­


titucionalidade por omissão

O fenômeno da inconstitucionalidade por om1ssao


é traço crônico da experiência constitucional brasileira1
marcada que é pelo desencontro entre norma e reali­
dade. 3 97 A configuração da omissão inconstitucional1
porém1 não se perfaz com a simples inércia do legislador.
Pressupõe1 ao revés1 a existência de um não fazer do
Poder Público em face de norma constitucional impo­
sitiva da obrigação de disciplinar normativamente dada
situação. Logo1 o juízo de desvalor sobre a inação nor­
mativa do Estado depende da existência de preceito
constitucional que determine um dever de legislar. Con­
tudo1 a violação ao que determina a constituição poderá

3 97 . Luís Roberto Barroso, O Controle de Constitucionalidade no Direito Bra­


sileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 220.

235
ser total ou parcial. Será total quando o legislador se
abstenha por completo em empreender a providência
normativa reclamada pela Lei M aior. Será parcial, por
sua vez, quando, inobstante a atuação legislativa, esta
se mostra deficiente à luz daquilo que a constituição
pretende promover, ou exclui do seu âmbito de inci­
dência hipótese que deveria ser incluída em respeito
ao postulado da isonomia.
A Constituição de 1 988 não cerrou os olhos à frus­
trante trajetória brasileira de inefetividade dos preceitos
constitucionais, prevendo, assim, mecanismos de con­
trole contra a omissão normativa do Poder Público. Em
sede abstrata, a ação direta de inconstitucionalidade
por omissão foi criada pelo art. 1 03, § 2º, da Consti­
tuição. Sem embargo, a Lei nº 9 . 868/99, na sua redação
original, não dispensou qualquer tratamento a tal me­
canismo de controle abstrato, cabendo à doutrina e à
jurisprudência definirem os contornos do regime jurí­
dico aplicável. Apenas com a promulgação da Lei nº
1 2 . 063/09, e passados 2 1 anos sem regulamentação
infralegal, criou-se disciplina normativa própria à ação
direta de inconstitucionalidade por omissão, mediante
o acréscimo do Capítulo I I-A à Lei nº 9 . 868/99. Não
obstante isso, pouco se avançou em relação às constata­
ções doutrinárias e jurisprudenciais já existentes sobre
o instituto. O que fez o legislador foi coligir entendi­
mentos consolidados, sem grandes inovações substan­
ciais .
Segundo a estruturação dada pela Lei nº 1 2 .063/09,
o novo Capítulo II-A da Lei 9 . 868/99 passa a ser
articulado em três Seções, que estabelecem, respecti­
vamente, os requisitos de admissibilidade e o procedi­
mento da ação (Seção I); as regras atinentes à medida
cautelar (Seção II); e a decisão na ação direta de in­
constitucionalidade por omissão (Seção I I I) . Conforme

236
estabelece o art. 1 2-E1 aplicam-se ao procedimento da
ação direta de inconstitucionalidade por omissão1 no
que couber1 as disposições relativas à ação direta de
inconstitucionalidade .
O elenco de legitimados à propositura da ação direta
de inconstitucionalidade por omissão é o mesmo em
relação à ação direta de inconstitucionalidade e à ação
declaratória de constitucionalidade1 como prevê o art.
1 2-A. Assim1 aplica-se a mesma lógica relativamente à
pertinência temática e à capacidade postulatória que
vale para a ADIN e para a ADC. A petição inicial1 a
seu turno1 deverá indicar1 além do pedido da ação1 a
sua causa de pedir1 que se configura pela "omissão
inconstitucional total ou parcial quanto ao cumprimento
de dever constitucional de legislar ou quanto à adoção
de providência de índole administrativa" 1 na forma do
art. 1 2-B 1 I. Ao Relator atribui-se o poder de indeferir
liminarmente a petição inepta1 não fundamentada e a
manifestamente improcedente1 decisão da qual caberá
agravo regimental1 segundo prevê o art. l 2-C1 caput e
parágrafo único. Tal como ocorre nas demais ações de
controle abstrato1 por se caracterizarem por processo
objetivo de resguardo da supremacia da Constituição e
não de interesses subjetivos1 não será admitida a desis­
tência da ação proposta1 ex vi do art. 1 2-D. Embora
inexistente previsão expressa no Capítulo II-A1 inaugu­
rado pela Lei nº 1 2 .063/091 quanto à possibilidade de
admissão de amici curiae e à realização de audiências
públicas1 deve-se entender que são mecanismos possí­
veis de serem manej ados à luz do art. 1 2-E c/c arts.
7°1 § 2º1 e 9º1 § 1 °1 da Lei nº 9 . 868/99.
Importante ressaltar que a nova lei faz ressurgir
disposição anteriormente vetada na Lei 9 .868/99 (art.
7°1 § 1 º) . Tal dispositivo concedia aos demais legitima­
dos para a propositura da ação direta de inconstitucio-

237
nalidade o direito de manifestação, por escrito, sobre
o objeto da ação, podendo pedir a juntada de docu­
mentos reputados úteis para o exame da matéria, no
prazo das informações, bem como apresentar memo­
riais. Conforme exposto linhas atrás, os fundamentos
apresentados para o veto são inconsistentes. Com o art.
1 2-E, § 1 º, acrescido pela Lei nº 1 2 .063/09, resgata-se
expressamente tal possibilidade de intervenção dos de­
mais legitimados, sem necessidade de admissão do re­
lator, como ocorre com as hipóteses de intervenção de
amicus curiae. Dessa forma, é louvável a previsão con­
tida no novo dispositivo, que completa a lacuna antes
presente no art. 7°, § 1 º, da Lei nº 9 . 868/9 9 . É de se
ver ainda que tais legitimados devem poder realizar
sustentação oral e eventualmente interpor os recursos
cabíveis . Interpretação diversa serviria de incentivo à
propositura de ação paralela, com o mesmo objeto, o
que traria grandes prejuízos à celeridade e à economia
processual.
Outra novidade da Lei nº 1 2 . 063/09 diz respeito à
participação do Advogado-Geral da União, bem como
do Procurador-Geral da República. O novo procedi­
mento atribui ao Relator o poder de solicitar a mani­
festação do Advogado-Geral da União (art. 1 2-E, § 2°) .
Vale dizer, o AGU não se manifestará obrigatoriamente
em todos os processos de inconstitucionalidade por
omissão. A razão dessa não obrigatoriedade de partici­
pação do AG U está no art. 1 03, § 3 °, da Constituição,
que impõe tal manifestação apenas para defesa de lei
ou ato normativo . Nem sempre haverá ato normativo
para ser defendido, como ocorre nos casos de omissão
total, podendo dispensar a participação do Advogado­
Geral da União. Sem embargo, não há por que negar
a possibilidade de manifestação do AG U mesmo nos
casos de suposta omissão total. Poderia o Advogado-

238
Geral da União sustentar a inexistência de omissão
ilegítima do Poder Público, o que de fato contribuiria
ainda mais para a formação dialética do convencimento
do Tribunal em relação à matéria deduzida em juízo .
Ao Procurador-G eral da República1 por sua vez1 é as­
segurada manifestação nas ações em que não tenha
figurado como autor (art. 1 2-E, § 3°) , como forma de
evitar uma nova manifestação1 desnecessária em face
da economia processual.
A grande inovação da Lei nº 1 2 .063/09 foi a previsão
expressa do cabimento de medida cautelar na ação
direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 1 2-F) .
Como já adiantado1 a jurisprudência do Supremo Tri­
bunal Federal não a admitia nestes processos1 uma vez
que a única consequência jurídica seria a mera comu­
nicação formal ao órgão legislativo ou administrativo de
sua mora inconstitucional1 conforme dispõe o § 2°1 art.
1 03, da Constituição. 398 Segundo a nova Lei (art. 1 2-F1

398 . Cf., nesse sentido, ADIN-MC n º 1 .458, rel. Min. Celso d e Mello, D J de
20.09.96: " Inconstitucionalidade por omissão - Descabimento de medida
cautelar - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido
de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconsti­
tucionalidade por omissão (RTJ 1 33/569, Rel. Min. MARCO AURÉ LIO;
ADIN 267-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO) , eis que não se pode pretender
que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela
própria decisão final emanada do STF. - A procedência da ação direta de
inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do
estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal,
unicamente, o poder ele cientificar o legislador inadimplente, para que este
adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. - Não
assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites
fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF,
art. 1 03, § 2º) , a prerrogativa ele expedir provimentos normativos com o
objetivo ele suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente" . No mesmo
sentido, ADI N nº 1 . 996, rel. Min. limar G alvão, DJ de 28.02.03: "Ação direta
ele inconstitucionalidade cumulada com ação de inconstitucionalidade por

239
§ 1 º) 1 será possível1 em sede cautelar1 que o Supremo
Tribunal Federal (i) suspenda a aplicação da lei ou do
ato normativo questionado1 no caso de omissão parcial;
(ii) suspenda processos judicia.is ou procedimentos ad­
ministrativos em que se discuta o objeto da ação; (iii)
fixe outra providência. À primeira vista1 a possibilidade
de o Supremo Tribunal Federal tomar outra providência
parece atribuir ao órgão de cúpula do Judiciário brasi­
leiro grande poder1 inclusive para normatizar1 ainda que
temporariamente1 a lacuna ilegítima existente. A palavra
final quanto à extensão do dispositivo1 no entanto1
caberá ao próprio Tribunal. Espera-se que nesta em­
preitada hermenêutica o Supremo Tribunal federal aja
cautelosamente1 sopesando as diversas variáveis em
jogo 1 como os princípios da separação de poderes 1 da
força normativa da constituição1 bem como considera­
ções sobre sua legitimidade político-democrática e ca­
pacidade institucional para disciplinar questões inicial­
mente deixadas ao legislador.
Quanto à decisão em sede de ação direta de incons­
titucionalidade por omissão1 o art. 1 2-H basicamente
repete o teor do art. 1 031 § 2°1 da Constituição . Pres­
creve que1 declarada a inconstitucionalidade por omis­
são1 será dada ciência ao Poder competente para a
adoção das providências necessárias. No caso de omissão
imputável a órgão administrativo1 as providências de­
verão ser adotadas no prazo de trinta dias (art. l 2-H1
§ 1 º) 1 tal qual estabelece a parte final do § 2° do art.
1 03 da Constituição, ou em prazo razoável a ser esti­
pulado excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em vista

orrussao. [ . . . ] Descabimento, na segunda, de medida cautelar, providência


insuscetível de antecipar efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão
final " .

240
as circunstâncias específicas do caso e o interesse pú­
blico envolvido. Neste último caso1 muito embora a Lei
Maior nada fale sobre prazo superior a trinta dias1 certo
é que circunstâncias que fogem à normalidade podem
impor constrangimentos fáticos à solução da questão
no prazo assinalado pela Constituição. Obrou bem o
legislador1 pois não haveria como fugir da realidade.
Por óbvio1 aplicam-se à decisão na ação direta de
inconstitucionalidade por omissão as disposições quanto
ao quorum de julgamento1 comunicações e publicação
da decisão em ação direta de inconstitucionalidade e
ação declaratória de constitucionalidade (art. 1 2-H1 §
2º) . Assim1 a decisão final será irrecorrível1 ressalvada
a interposição de embargos de declaração1 e não poderá
ser obj eto de ação rescisória (art . 26 da Lei nº
9 . 868/99) . Também o será naturalmente dotada de
eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos
demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração
Pública federal1 estadual e municipal ( art. 281 parágrafo
único1 da Lei nº. 9 . 868/99) .

V.3 . A regulamentação da arguição de descumprimen­


to de preceito fundamental pela Lei nº 9 . 882/99: ação
constitucional ou ação avocatória? 3 9 9

Após haver pairado no limbo por mais de onze


anos1 4oo a arguição de descumprimento de preceito fun-

399. Sobre o tema, confira-se a coletânea de artigos Arguição de Descumpri­


mento de Preceito Fundamental: Análises à Luz da Lei nº 9. 882/99, André
Ramos Tavares e Walter Claudiius Rothenburg (organizadores), Editora Atlas,
200 1 .
400 . O Supremo Tribunal Federal, durante tal período, entendeu que o art.
1 02, § 1 ° da Constituição constituía norma de eficácia limitada e efeitos

241
damental, introduzida na Constituição de 1 98 8 e des­
locada para o § 1 ° do art. 1 02 pela Emenda Constitu­
cional nº 03/93, foi finalmente regulamentada pela Lei
nº 9 . 8 8 2 , de 3 de novembro de 1 99 9 . Sem contar com
toda a produção doutrinária e jurisprudencial já exis­
tente sobre a ação direta de inconstitucionalidade e a
ação declaratória de constitucionalidade, os comentários
que se seguem acerca do novo instrumento cingem-se,
por imperiosa prudência, ao que se costuma denominar
como primeiras impressões.
Embora tenha sido anunciado como um instrumento
de proteção dos direitos fundamentais do cidadão, ins­
pirado no recurso constitucional alemão40 1 (Lei Funda­
mental de Bonn, art. 93, I, 4 e Lei Orgânica do Tribunal
Constitucional Federal, art. 90, 2) e no recurso de
amparo espanhol 4º 2 (Constituição de Espanha, arts. 1 6 1 ,
I e 1 62, I, "b" e Lei Orgânica do Tribunal Constitu­
cional, arts. 4 1 e segs .) a verdade é que a arguição
1

brasileira, tal como regulamentada pela Lei nº 9 . 882/99


(sobretudo após os vetos do Presidente da República
ao projeto aprovado pelo Congresso Nacional) , ficou
mais para avocatória do que para ação constitucional
do cidadão.
Com efeito, a ampla legitimação prevista no art. 2°
do projeto de lei - que, no seu inciso II, atribuía a
qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder

diferidos à edição da lei regulamentadora. V., neste sentido, AG RAG -


1 45860/SP, rei. Min. Marco Aurélio, DJU de 1 2 .03.93, p. 3 .663; AGRPET-
1 1 40/TO, rei. Min. Sydney Sanches, DIU de 3 1 .05 . 96, p . 1 8 .803.
40 1 . V., sobre o tema, Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da
República Federal da Alemanha, S ergio Antonio Fabris Editor, 1 998, p .
2 7 1/272.
40 2 . V., sobre o tema, Zeno Veloso, Controle Jurisdicional de Constituciona­
lidade, Editora Del Rey, 2000, p. 297/298.

242
Público legitimidade para o manej o do instrumento -
acabou reduzida, após o veto presidencial, ao elenco
de legitimados para a propositura da ação direta de
inconstitucionalidade (art. 2°, I) . Ao cidadão resta ape­
nas solicitar ao Procurador-Geral da República, median­
te representação, nos termos do art. 2°, § 1 º, o ajuiza­
mento da medida, previsão que, de resto, é despicienda,
à vista do direito de petição, assegurado no art. 5°,
XXX IV, "a", da Constituição da República. 4 03
O novo remédio vem tornar ainda mais complexo
- talvez mais confuso - o já eclético sistema de
jurisdição constitucional brasileiro. O art. 1 º, caput, da
Lei nº 9 . 8 8 2/99 institui uma arguição autônoma, ver­
dadeira ação, por meio da qual se pretenderá evitar ou
reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato
do Poder Público . Tal ação constitucional, como se vê,
poderá ter caráter preventivo ou repressivo.
O conceito de preceito fundamental, que não consta
da Constituição, tampouco na Lei é esclarecido. Ao
que parece, a ideia é conferir ao Supremo Tribunal
Federal uma ampla margem de discricionariedade para
estabelecer o parâmetro constitucional do controle a
ser exercido no âmbito do novo instrumento. 404 S erá

403 . "Art. 5º, XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do


pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa
de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder. " O Supremo Tribunal
Federal confirmou o entendimento ao julgar a ADPF 1 1 , verbis: "A arguição
de descumprimento de preceito fundamental poderá ser proposta pelos legiti­
mados para a ação direta de inconstitucionalidade, mas qualquer interessado
poderá solicitar ao Procurador-Geral da República a propositura da arguição
(art. 2°, § 1 º) . Assim posta a questão, porque o autor não é titular da legitimatio
ad causam ativa, nego seguimento ao pedido e determino o seu arquivamento".
ADPF nº 1 1 , rel. Min. Carlos Velloso, DJU 06.02 . 0 1 , p. 294.
404 . Neste sentido, cf. ADPF-QO nº 1, rei. Min. Néri da Silveira: "Guarda da
Constituição e seu intérprete último, ao Supremo Tribunal Federal compete

243
necessário que a Corte estabeleça uma hierarquia axio­
lógica entre os dispositivos formalmente constitucionais
- já que inexiste hierarquia formal - a fim de que
possa chegar àqueles considerados integrantes do seleto
rol de preceitos fundamentais. De todo modo, como
premissa básica, tem-se que o parâmetro do controle
empreendido na arguição de descumprimento é sensi­
velmente mais restrito que aquele da ação direta de
inconstitucionalidade . 40 5 Nesta, o parâmetro é qualquer
norma formalmente constitucional; naquela, somente
as normas da Constituição qualificadas, por sua estatura
axiológica, como preceitos fundamentais. 406
Por outro lado, em sentido inverso, os atos do Poder
Público suscetíveis de controle transcendem, evidente­
mente, os atos normativos . Além de atos do Legislativo,
incluem-se no objeto da arguição qualquer ato do Exe­
cutivo, do Judiciário, do Ministério Público e dos Tri­
bunais de Contas que importem lesão ou ameaça a
preceito fundamental da Constituição. Portanto, se o

o juízo acerca do que se há de compreender, no sistema constitucional brasi­


leiro, como preceito fundamental, cujo desrespeito pode ensejar a arguição
regulada na Lei nº 9 . 882, de 3 . 1 2 . 1 999. ( ) Imprescindível é, na arguição em
...

exame, que o requerente venha a apontar o preceito fundamental que tenha


por lesado e este efetivamente, seja reconhecido, como tal, pelo Supremo
Tribunal Federal. Cuida-se, aí, de instrumento de defesa da Constituição, em
controle concentrado" .
40 5 . Neste sentido, Celso Ribeiro Bastos e Alexis Galiás d e Souza Vargas,
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, Revista de Direito
Constitucional e Internacional nº 30, janeiro/março de 2000, p. 70.
406 . São preceitos fundamentais da Constituição, a nosso ver, segundo um
critério axiológico: os princípios fundamentais; os direitos e garantias funda­
mentais, aí incluídos os direitos e garantias individuais e coletivos, os direitos
sociais, os direitos de nacionalidade, os direitos políticos e os direitos do
contribuinte; os princípios que estruturam o sistema de repartição de poderes
e a federação e os princípios gerais da ordem econômica.

244
parâmetro do controle foi restringido1 seu objeto restou
substancialmente ampliado .
Passada uma década desde a edição da Lei nº
9 . 882/991 é possível identificar algumas posições do
Supremo Tribunal Federal quanto aos atos do Poder
Público passíveis de controle em sede de ADPF. Com
efeito1 o STF não admite arguição de descumprimento
de preceito fundamental para questionar: (I) súmulas
de Tribunais1 40 7 ainda que sejam de caráter vinculan­
te; 408 (II) atos que já tenham sido revogados; 4 º 9 (III)

40 7 . ADPF-AgR nº 43, rel . Min. Eros Grau, DJ de 1 9. 1 2.2003: "Os enunciados


de súmula são passíveis de revisão. Essa revisão deve, contudo, ocorrer paula­
tinamente, qual se formam se formam os entendimentos jurisprudenciais que
culminam com a edição dos verbetes. A arguição de descumprimento de
preceito fundamental não é adequada a essa finalidade" . No mesmo sentido,
v. ADPF-AgR nº 80, rei. Min. Eros Grau, DJ de 1 0.08.2006; ADPF nº 1 52,
rei. Min. Cezar Peluso, DJ de 1 7 .09.2008.
408 . A questão foi enfrentada em decisão monocrática na ADPF nº 1 28, rei.
Min. Cezar Peluso, DJ de 23 .04.2008: É que a Lei nº 9. 882/99 prescreve, no
"

art. 4°, § l º, que se não admitirá arguição de descumprimento de preceito


fundamental, quando houver outro meio eficaz de sanar a lesividade. Ora, é
fora de dúvida que o ordenamento jurídico prevê, para a hipótese, outros
remédios processuais ordinários que, postos à disposição do arguente, são aptos
e eficazes para lhe satisfazer de todo a pretensão substantiva que transparece
a esta demanda. Como observou o Advogado-Geral da União, 'a revisão e o
cancelamento, bem assim a edição de enunciado de súmula vinculante encon­
tra-se disciplinado na Lei nº 1 1 .4 1 7, de 19 de dezembro de 2006, que, ao
regulamentar o art. 1 03-A da Constituição da República, estabelece procedi­
mento específico para tais situações'".
409 . ADPF-MC, nº 4, rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 22.09.2006: " ( ... ) [F] azen­
do parte a arguição de descumprimento de preceito fundamental do sistema
concentrado de constitucionalidade, a decisão final declarará, ou não, ' a incons­
titucionalidade de lei ou ato normativo' (art. 1 1 da Lei nº 9.882/99) . Neste
caso, incide a mesma orientação aplicada em relação à ação direta de incons­
titucionalidade, no sentido de restar prejudicada a demanda quando não mais
estiver em vigor a lei ou ato normativo do poder público ora impugnado" . No
mesmo sentido, cf. ADPF nº 49, rel. Min. Menezes Direito, decisão monocrá­
tica, DJ de 08 .02.2008 .

245
atos que não estejam prontos e acabados1 mas ainda
sejam suscetíveis de modificação. 4 1 0
Merecem uma nota especial o s atos d e natureza
secundária ou infralegais1 a exemplo dos decretos re­
gulamentares1 resoluções1 portarias e instruções norma­
tivas . Tais atos não retiram seu fundamento de validade
diretamente da Constituição1 havendo sempre norma
infraconstitucional interposta entre eles e a Lei Maior.
O cabimento de ADPF contra atos de tal natureza ainda
permanece como um ponto pouco claro na jurispru­
dência do Supremo Tribunal Federal. Como se sabe1 é
de entendimento no âmbito da Corte Suprema que a
ação direta de inconstitucionalidade não se presta ao
controle de atos normativos secundários. O STF afirma
que1 nestes casos1 a violação à Constituição1 acaso exis­
tente1 seria meramente reflexa ou oblíqua. Assim1 cons­
tatada a contrariedade ao Texto Maior1 abrem-se duas
possibilidades: (i) verificando-se que a própria lei re­
gulamentada viola a Constituição1 deve ser ela o objeto
da ação direta1 e não o ato secundário; de outro modo1
(ii) verificando-se que o ato infralegal exorbitou dos
limites legais1 a hipótese é de ilegalidade1 e não de
inconstitucionalidade1 o que desautoriza a propositura
da ADIN. 41 1

41 0 . Na ADPF-AgR nº 43, rei. Min. Carlos Britto, o ato questionado era o


projeto de emenda à Constituição nº 40 de 2003 . Em decisão monocrática,
DJ de 1 5 . 1 0.2003, afirmou o Min. relator: " [À] luz do art. l º, caput, da Lei
nº 9.868/99, parece-me fácil concluir que a arguição de descumprimento de
preceito fundamental deve recair mesmo sobre ato do Poder Público. Entre­
tanto, é do meu pensar que a norma sob exame também exige que o ato
impugnado esteja pronto e acabado; vale dizer, não mais suscetível de alterações
materiais, pelo fato de haver ultimado o respectivo ciclo de formação" .
41 1 . Cf., nesse sentido, ADIN-MC n º 996, rei. Min. Celso d e Mello, j . em
1 1 .03 . 1 994, DJ de 06.0 5 . 1 994; ADIN-MC nº 1 .347, rei. Min. Celso de Mello,
DJ de 0 1 . 1 2 . 1 995; ADIN nº 2 . 243, rei. Min. Marco Aurélio, DJ de 1 6 08 2000;

246
Tendo em vista o caráter eminentemente subsidiário
da ADPF (§ 1 ° do art. 4° da Lei nº 9 . 88 8 2/99) , não
haveria qualquer óbice para o seu cabimento quando o
ato questionado é de caráter secundário. Isso porque
o não cabimento de ADIN caracterizaria a inexistência
de outros meios de sanar - de forma eficaz e com o
mesmo alcance dos demais meios existentes no controle
objetivo - a violação constitucional causada pelo ato
do Poder Público. Na jurisprudência do STF, contudo,
a questão não é tão simples.
De certa forma, a Corte Suprema parece reconhecer
tal hipótese de cabimento da ADP F . Nesse sentido,
vale citar a ADPF nº 33, rel. Min. Gilmar Mendes. Na
oportunidade, o STF entendeu cabível e julgou proce­
dente a ADPF proposta com o objetivo de impugnar o
art. 34 do Decreto Estadual nº 4 . 307 /86, que aprovara
o Regulamento Econômico-Social do Pará (IDESP) ,
veiculado através da Resolução do Conselho Adminis­
trativo nº 8/8 6 . Em direção idêntica, já na ADPF-MC
nº 47, rel. Min. Eros Grau, o STF conheceu da ação e
concedeu a liminar pleiteada para suspender o trâmite
de todos os feitos em curso e dos efeitos de decisões
judiciais ainda não transitadas em julgado, que versem
sobre a aplicação do art. 2° do Decreto nº 4 . 726/87
do estado do Pará, que cria Tabela Especial de Venci­
mentos e S alários destinada a remunerar os ocupantes
de cargos e funções-de-emprego privativos de titulares
de cursos superiores ou habilitação legal equivalente do
extinto Departamento de Estradas e Rodagem do Es­
tado-membro.

ADIN nº 2 .626, rei. Min. Ellen Gracie, DJ de 05 .03. 2004; ADIN nº 3 . 1 32,
rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 09.06. 2006.

247
Nestes julgados1 porém1 não houve qualquer mani­
festação expressa e inequívoca acerca do cabimento de
ADPF contra ato do Poder Público de natureza secun­
dária. Aliás, para tornar mais problemática a identifi­
cação do entendimento do STF sobre a matéria1 no
Agravo Regimental na ADPF nº 931 rel. Min. Ricardo
Lewandowski1 a Corte1 por maioria1 negou provimento
ao recurso que questionava a decisão monocrática do
relator que negara seguimento à arguição. Dentre outros
fundamentos invocados1 foi expressamente indicado o
caráter secundário do ato normativo impugnado - o
Decreto presidencial nº 5 . 5 9 7 /2005 -1 o que inviabi­
lizaria "o acesso à via do controle normativo abstrato
em sede de arguição de descumprimento de preceito
fundamental" . 4 1 2
Há1 todavia1 equívoco nesta compreensão do objeto
da arguição de descumprimento de preceito fundamen-

4 1 2 . DJ de 07.08.2009 . Vale frisar que, na oportunidade, ficou vencido o Min.


Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso. Conforme destacou: " [N ] ão
me impressiona, levando em conta o disposto no artigo l 0 da Lei de regência
- a nº 9.882/99 -, o fato de não haver, no caso, ato abstrato normativo
autônomo. O preceito legal revela caber a arguição de descumprimento de
preceito fundamental contra ato, gênero, do Poder Público que, de alguma
forma, possa ser considerado como a colocar em plano secundário direitos
fundamentais. Tendo a admitir, Presidente, a ação ajuizada" . Sem embargo, o
Min. Ricardo Lewandowski, em decisão monocrática na ADPF nº 1 69, DJ de
1 4.05. 2009, manteve a posição vencedora na ADPF nº 93. Segundo o Ministro,
" [a] arguição de descumprimento de preceito fundamental configura instru­
mento de controle abstrato de constitucionalidade de normas, nos termos do
art. l 02, § l º, da Constituição, combinado com o disposto na Lei 9.882, de 3
de dezembro 1 999. Na espécie, observo que a questão discutida nos autos
refere-se a ter o Decreto 6. 620/2008 extrapolado o conteúdo da Lei
8 .630/ 1 993. Assim, não se trata de controle de constitucionalidade, mas de
verificação de ilegalidade do ato regulamentar. (. . ) Isso posto, não conheço da
.

presente ação, prejudicada, pois, a apreciação do pedido de liminar" e destaques


no original) .

248
tal. Se, por um lado, é certo que tanto a ADPF 4 1 3 como
a ADI são espécies de controle abstrato de constitu­
cionalidade, por outro, não há por que simplesmente
sujeitá-las às mesmas regras quanto ao seu cabimento.
A Lei nº 9 . 882/99 foi clara ao determinar o caráter
subsidiário da ADPF justamente para suprir eventuais
lacunas que o controle abstrato demonstre possuir. Com
efeito, abre-se, pela via da ADPF, a possibilidade de o
STF apreciar graves violações à ordem constitucional
brasileira, as quais, não fosse o papel colmatador da
arguição, permaneceriam imunes a um controle de ta­
manha extensão .
A par da arguição autônoma, instituiu a Lei, no
inciso I do parágrafo único de seu art. 1 º, uma arguição
incidental, cabível quando for relevante o fundamento
da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo
federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores
à Constituição. Ao contrário da arguição autônoma, que
tem natureza jurídica de ação, a arguição incidental é,
na verdade, um incidente processual. 4 14 Com efeito,
infere-se do art. 1 º, parágrafo único, I, da Lei nº
9 . 88 2/99 que pressuposto do cabimento desta arguição
é a existência de uma controvérsia constitucional já
instaurada (leia-se: um processo no qual as partes con­
tendam em torno da constitucionalidade de determi­
nada lei) acerca de lei ou ato normativo federal, estadual
ou municipaC incluídos os anteriores à Constituição.
Como explicita Gilmar Ferreira Mendes, o novo
instituto "permite a antecipação de decisões sobre con-

4 1 3 . Na sua modalidade autônoma.


4 1 4 . Neste sentido, Juliano Taveira Bernardes, Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental, Revista Jurídica Virtual do Palácio do Planalto nº 8 ,
janeiro/2000, p. 2 , www. planalto.gov.br.

249
trovérsias constitucionais relevantes1 evitando que elas
venham a ter um desfecho definitivo após longos anos1
quando muitas situações já se consolidaram ao arrepio
da interpretação autêntica do Supremo Tribunal Fede­
ral. " 41 5 Manoel Gonçalves Ferreira Filho1 no entanto1
desvenda o verdadeiro desiderato do novel instrumento:

(. .) o objetivo real, disfarçado embora, é introduzir


11 •

uma farma de avocatória, concentrando nas mãos


do Supremo Tribunal Federal questões de inconsti­
tucionalidade, suscitadas incidentalmente perante
outras instâncias. "41 6

Embora a arguição de descumprimento incidental


exiba algumas diferenças em relação à vetusta avoca­
tória 41 7 - especialmente o fato de que o juiz do caso
concreto não é afastado do julgamento, ficando apenas
vinculado1 ao sentenciar, à decisão pontual do Supremo
Tribunal Federal acerca da questão constitucional alçada
ao seu conhecimento -, o fato é que o uso de conceitos
jurídicos indeterminados como1 v.g. 1 "preceito funda­
mental" e ausência de " qualquer outro meio eficaz de
sanar a lesividade" a inexistência de previsão na Lei
1

de participação das partes do processo no incidente (o


que viola o princípio constitucional do contraditório e

4 1 5 . Gilmar Ferreira Mendes, Arguição de Descumprimento de Preceito Funda­


mental, p. 8, wvvw . jusnavigandi.com.br/doutrina.
4 1 6 . Manoel Gonçalves Ferreira Filho, O Sistema Constitucional Brasileiro e
as Recentes Inovações no Controle de Constitucionalidade, Revista de Direito
Administrativo nº 220, abril/junho de 2000, p. 1 4.
4 1 7 . Cf. refutando a assemelhação pretendida, Celso Ribeiro Bastos e AJexis
Galiás de Souza Vargas, Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental,
Revista de Direito Constitucional e Internacional nº 30, jan./mar. 2000, p .
76/ 7 7 .

250
da ampla defesa, como se verá) e o veto presidencial
ao dispositivo que conferia legitimidade ao cidadão para
utilizar-se da arguição, dão ao novo instrumento um
perfil autoritário, com ares, ou ao menos pretensão, de
se convolar em uma avocatória rediviva.
É de se ver que, nos termos do art. 1 O, § 3°, da Lei
nº 9 . 88 2/99, as decisões proferidas tanto na arguição
autônoma como na incidental têm eficácia erga omnes
e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do
Poder Público. Assim, julgada a ação e fixados o modo
e as condições de interpretação e aplicação do preceito
fundamental (art. 1 01 caput) 1 o acórdão proferido pelo
Supremo Tribunal Federal na arguição de descumpri­
mento alcança os mesmos efeitos de uma decisão pro­
ferida em ação direta de inconstitucionalidade. 4 1 8
É de fato salutar que s e possam alçar a o controle
concentrado da Corte Suprema normas municipais e
normas anteriores à Constituição, como dispõe textual­
mente o art. 1 °1 parágrafo único1 I1 da Lei nº 9 . 8 82/9 9 .
Como o art. 1 021 I1 " a " , d a Constituição Federal não
se refere a leis e atos normativos municipais, não é
viável a fiscalização abstrata de sua constitucionalidade

4 1 8 . Nesse sentido, cf. Reclamação nº 6.064-MC, DJ de 29.5 .08: "A Arguição


de Descumprimento de Preceito Fundamental, regulamentada pela Lei nº
9.882/99, permite que o Pretório Excelso se manifeste em caráter definitivo,
na via concentrada. A referida decisão será dotada de eficácia contra todos e
efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público, em todas
as esferas e níveis, sendo, demais disso, irrecorrível e irrescindível, nos termos
do art. 1 0, § 3º, e do art. 1 2, ambos da Lei nº 9.882/99. A decisão na arguição
de descumprimento de preceito fundamental poderá ter, segundo a nova
previsão legal, efeitos 'erga omnes ', efeito vinculante, efeito 'ex tunc' ou 'ex
nunc', e efeito repristinatório" . No mesmo tom, v. Reclamação nº 6.465, rel.
Min. Eros Grau, decisão monocrática, DJ de 0 1 .09.2008: "As decisões, desta
Corte, que resultam dos julgamentos das arguições de descumprimento de
preceitos fundamentais são dotadas de efeitos erga omnes e caráter vinculante ".

251
na sede da ação direta, nem se poderia cogitar de inserir
tal previsão na Lei nº 9 . 868/991 sob pena de inconsti­
tucionalidade . Não se afigura, entretanto, qualquer in­
constitucionalidade na previsão constante da Lei nº
9 . 882/991 de vez que, quanto à arguição de descum­
primento de preceito fundamental, o art. 1 021 § 1 º, da
Lei maior delegou integralmente ao legislador ordinário
a definição de seus contornos e de seu objeto . 4 1 9
Faz-se mister, todavia, ponderar que a Lei nº
9 . 882/99 não conferiu legitimidade aos Prefeitos Mu­
nicipais, nem tampouco às Mesas de Câmaras Munici­
pais ou a qualquer entidade pública ou privada de
âmbito municipal, para manejarem o novo instrumento.
Resta saber a quem interessará deflagrar, via arguição
de descumprimento de preceito fundamental, a juris­
dição da Suprema Corte para o exercício do controle
de constitucionalidade de leis e atos normativos muni­
cipais . Espera-se que a Lei nº 9 . 882/99 não tenha criado
- como diria Barbosa Moreira - um sino sem ba­
dalo. 420
O procedimento da arguição de descumprimento -
tanto a autônoma como a incidental - mereceu disci­
plina semelhante àquela prevista na Lei nº 9 . 868/99
para as ações de fiscalização abstrata da constituciona-

4 1 9 . Em sentido contrário, Alexandre de Moraes, ob. cit., p. 6 1 6. O autor vê


no art. l º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.882/99 uma indevida ampliação
do rol de competências do Supremo Tribunal Federal, constitucionalmente
fixadas em enumeração taxativa (argumento que faz lembrar o célebre caso
Marbury v. Madison) . Teria ele razão caso o art. 1 02, § 1 ° não estabelecesse
a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar a arguição de descum­
primento de preceito fundamental, delegando ao legislador ordinário, ao mesmo
tempo, a definição do seu objeto.
420. José Carlos Barbosa Moreira, S. O.S. para o Mandado de Injunção, in Jornal
do Brasil, 1 1 .09.90, 1° caderno, p. 1 1 .

252
lidade . Destacam-se1 por sua peculiaridade1 três aspec­
tos do procedimento da arguição de descumprimento:
(I) a subsidiariedade como requisito de cabimento da
medida ( art. 4°1 § 1 º) ; (II) a possibilidade de concessão
de liminar para a suspensão de processos em andamento
ou de qualquer outra medida que guarde relação com
a matéria objeto da arguição (art. 5°1 § 3°) ; (III) ausência
de previsão de participação dos litigantes do processo
do qual se origina a arguição incidental.
A regra da subsidiariedade1 no que se refere à ar­
guição de descumprimento de preceito fundamental1
está prevista no art. 4°1 § 1 °1 da Lei nº 9 . 882/99 nos
seguintes termos:

"§ 1 º Não será admitida arguiçao de descumpri ­


mento de preceito fundamental quando houver qual­
11
quer outro meio eficaz de sanar a lesividade.

Gilmar Ferreira Mendes advoga que uma interpre­


tação excessivamente literal do dispositivo acabaria por
retirar do novo instituto qualquer significado prático.
Assim1 propõe que a inexistência de "qualquer outro
meio eficaz de sanar a lesividade" não sej a interpretada
em termos absolutos1 mas de forma relativa1 tendo em
vista os fins a que se destina o instrumento1 tal como
se tem verificado na jurisprudência das Cortes Cons­
titucionais alemã e espanhola.4 2 1 Assim sendo1 sustenta
o autor1 "o juízo de subsidiariedade há de ter em vista1
especialmente1 os demais processos objetivos já conso­
lidados no sistema constitucional. Nesse caso1 cabível

42 1 . Gilmar Ferreira Mendes, Arguição de Descumprimento de Preceito Funda­


mental: demonstração de inexistência de outro meio eficaz, Revista Jurídica
Virtual Palácio do Planalto nº 1 3, junho/2000, p. 1/2, www. planalto.gov.br.

253
a ação direta de inconstitucionalidade ou de constitu­
cionalidade, ou, ainda, a ação direta por omissão, não
será admissível a arguição de descumprimento. Em
sentido contrário, não sendo admitida a utilização de
ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitu­
cionalidade, isto é, não se verificando a existência de
meio apto para solver a controvérsia constitucional re­
levante de farma ampla, geral e imediata, há de se
entender possível a utilização da arguição de descum­
primento de preceito fundamental " . 422
Note-se que as considerações do hoje Ministro Gil­
mar Ferreira Mendes parecem prevalecer no Supremo
Tribunal Federal. Ao relatar a arguição de descumpri­
mento nº 1 7, o Ministro Celso de Mello assim afirmou:
"A mera possibilidade de utilização de outros meios
processuais, contudo, não basta, só por si, para jus­
tificar a invocação do princípio da subsidiariedade1
pois, para que esse postulado possa legitimamente
incidir - impedindo, desse modo, o acesso imediato
à arguição de descumprimento de preceito funda­
mental - revela-se essencial que os instrumentos
disponíveis mostrem-se capazes de neutralizar, de
maneira eficaz1 a situação de lesividade que se busca
obstar com o ajuizamento desse writ constitucio-
nal " . 423
Está-se de acordo com o entendimento acima espo­
sado, no sentido de que a mera existência de processos
ordinários e recursos extraordinários não deva excluir,
aprioristicamente, a utilização do novo remédio, uma
vez que sua disciplina - sobretudo após o veto presi-

422. Idem, p . 3.
423. ADPF 1 7, rel. Min. Celso de Mello, DJU de 2 8 .09. 0 1 , p. 64.

254
dencial ao inciso II do art. 2° tem perfil marcada­
-

mente objetivo, cuja finalidade precípua é a guarda da


Constituição e da ordem jurídica como um todo. 424
Convém todavia, que o Supremo Tribunal Federal se
utilize deste alto grau de discricionariedade que lhe foi
conferido pela Lei com prudência e parcimônia, a fim
de não asfixiar, de forma prematura, a formação livre
e espontânea da convicção dos magistrados nas instân-

424 . No mesmo sentido, cf. ADPF nº 74, rel. Min. Celso de Mello, decisão
monocrática, DJ de 0 1 .02.07: "É claro que a mera possibilidade de utilização
de outros meios processuais não basta, só por si, para justificar a invocação do
princípio da subsidiariedade, pois, para que esse postulado possa legitimamente
incidir, revelar-se-á essencial que os instrumentos disponíveis mostrem-se aptos
a sanar, de modo eficaz, a situação de lesividade. Isso significa, portanto, que
o princípio da subsidiariedade não pode - e não deve - ser invocado para
impedir o exercício da ação constitucional de arguição de descumprimento de
preceito fundamental, eis que esse instrumento está vocacionado a viabilizar,
numa dimensão estritamente objetiva, a realização jurisdicional de direitos
básicos, de valores essenciais e de preceitos fundamentais contemplados no
texto da Constituição da República. Se assim não se entendesse, a indevida
aplicação do princípio da subsidiariedade poderia afetar a utilização dessa
relevantíssima ação de índole constitucional, o que representaria, em última
análise, a inaceitável frustração do sistema de proteção, instituído na Carta
Política, de valores essenciais, de preceitos fundamentais e de direitos básicos,
com grave comprometimento da própria efetividade da Constituição" (grifos
nossos) . Devem ser registradas também as observações do Min. Gilmar Men­
des, em decisão monocrática na ADPF nº 76, DJ de 20.02.06: "Não se pode
admitir que a existência de processos ordinários e recursos extraordinários deva
excluir, a priori, a utilização da arguição de descumprimento de preceito
fundamental. Até porque o instituto assume, entre nós, feição marcadamente
objetiva. Nessas hipóteses, ante a inexistência de processo de índole objetiva,
apto a solver, de uma vez por todas, a controvérsia constitucional, afigurar-se-ia
integralmente aplicável a arguição de descumprimento de preceito fundamen­
tal. É que as ações originárias e o próprio recurso extraordinário não parecem,
as mais das vezes, capazes de resolver a controvérsia constitucional de forma
geral, definitiva e imediata. A necessidade de interposição de um sem número
de recursos extraordinários idênticos poderá, em verdade, constituir-se em
ameaça ao livre funcionamento do STF e das próprias Cortes ordinárias" .

255
cias ordinárias . É preciso que esta competência seja
exercida somente nos casos relevantes e no momento
oportuno. Caso contrário1 o Tribunal Constitucional
deixará de ser o intérprete último para se converter em
intérprete único da Constituição1 transformando-se
numa instância autoritária e deslegitimada de poder.
Hipótese interessante encontrava-se em julgamento
perante o Supremo Tribunal Federat agitada na argui­
ção de descumprimento de preceito fundamental nº 41
ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista contra
a Medida Provisória nº 2 . 0 1 9/20001 que fixou valor do
salário mínimo. A alegação do autor era de inconstitu­
cionalidade por omissão 1 tendo em vista que o valor
fixado não atenderia de forma integral às necessidades
do trabalhador constitucionalmente previstas . Os Mi­
nistros Octavio G allotti (relator) 1 Nelson Jobim1 M au­
rício Corrêa1 Sydney S anches e Moreira Alves votaram
pelo descabimento da ação1 tendo em vista a existência
de outro meio para sanar a alegada lesão: a ação direta
de inconstitucionalidade por omissão. Pelo cabimento
da medida votaram os Ministros Celso de Mello1 Marco
Aurélio1 Sepúlveda Pertence1 Ilmar Galvão e Carlos
Velloso1 sob o fundamento de que a ação existente -
a ação de inconstitucionalidade por omissão - não
seria1 em princípio1 meio eficaz para sanar a lesão . 42 5
O empate foi afastado pelo voto do Ministro Néri da
Silveira1 que concluiu pela admissibilidade da ação .
Com razão a segunda corrente1 tendo em conta que o
provimento jurisdicional suscetível de ser proferido na
ação direta de inconstitucionalidade por omissão é1

425 . ADPF n º 4 , Informativo do STF n º 1 95 . E m virtude d a aposentadoria do


relator, Ministro Octavio Gallotti, e da regra do art. 38, IV, do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal, a Ministra Ellen Gracie substituiu o
antigo relator.

256
apenas1 a notificação da autoridade responsável acerca
de sua mora (CF1 art. 1 03 1 § 2°) 1 não se traduzindo
em medida apta a satisfazer concretamente o direito
previsto na Constituição e cuj o exercício se encontra
inviabilizado pela ausência de norma regulamentadora.
A ADPF em questão1 porém1 restou prejudicada tendo
em vista a conversão em lei da Medida Provisória ques­
tionada. 426
A segunda questão sobre a qual cabe tecer comen­
tários refere-se à possibilidade de concessão de liminar
na arguição de descumprimento1 prevista no art. 5°1 §
3°1 da Lei nº 9 . 8 82/99. O dispositivo estatui que a
liminar poderá consistir na determinação de que juízes
e tribunais suspendam o andamento de processo ou os
efeitos de decisões judiciais1 ou de qualquer outra me­
dida que apresente relação com a matéria objeto da
arguição de descumprimento de preceito fundamental1
salvo se decorrentes da coisa julgada.
A norma guarda semelhança com o art. 2 1 da Lei
nº 9 . 8 68/991 relativo à possibilidade de concessão de
medida cautelar em ação declaratória de constitucio­
nalidade . Tal possibilidade1 é oportuno lembrar1 mesmo
antes do advento da Lei nº 9 . 868/991 foi placitada pelo
Supremo Tribunal Federal1 como já visto1 no julgamento
das ações declaratórias de constitucionalidade nºs 4-61
5/DF e 8/DF1 fundando-se1 para tanto1 no poder geral
de cautela1 reconhecido a qualquer juiz ou tribunal.
O dispositivo não exibe1 em princípio1 qualquer
inconstitucionalidade. 427 S eria conveniente1 entretanto 1

426. ADPF nº 4, rei. Min. Ellen Gracie, j . 02.08.2006, DJ de 22.09. 2006.


427. Em sentido contrário, Thomas da Rosa Bustamante, Notas sobre a Argui­
ção de Descumprimento de Preceito Fundamental e sua Lei Regulamentadora,
p. 6, WW\-v.jusnavigandi. com.br/doutrina.

257
que a Lei nº 9 . 882/99 contivesse dispositivo idêntico
ao parágrafo único do art. 2 1 da Lei nº 9 . 868/99, que
prevê a caducidade da liminar caso o mérito da ação
não sej a julgado em cento e oitenta dias .
Apesar de ainda não ter sido julgado o mérito da
maioria das arguições já propostas, por encontrar-se em
curso ação direta de inconstitucionalalidade questio­
nando a validade da Lei nº 9 . 8 82/99, tem-se notícia de
corajosa decisão monocrática, da lavra do Min. Maurício
Corrêa. Ao analisar uma arguição de descumprimento
com pedido de concessão de medida liminar obj etivando
a suspensão imediata da eficácia dos artigos 3 5 3 a 360
do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de Alagoas
e, em decorrência, que fosse determinado o sobresta­
mento das reclamações e sustadas as decisões profe ridas
com base nos dispositivos, o Ministro assim entendeu:

"Iniciado o julgamento do pedido cautelar na sessão


do dia 3 0 de agosto de 200 1 , o Pleno do Supremo
Tribunal Federal houve por bem adiar sua aprecia­
ção, até o julgamento da ADIN nº 2 . 2 3 1 - 9/DF,
distribuída ao eminente Ministro Néri da Silveira.
Resta evidente, contudo, o risco de dano irreparável
ou de difícil reparação e o fundado receio de que,
antes do julgamento deste processo, ocorra grave
lesão ao direito do requerente, em virtude das ordens
de pagamento e de sequestro de verbas públicas,
desestabilizando-se as finanças do Estado de Ala­
goas. Ante tais circunstâncias, com base no artigo
5°, § 1 °, da Lei nº 9. 882/99, defiro, 'ad referendum '
do Tribunal Pleno, o pedido cautelar e determino a
suspensão da vigência dos artigos 3 5 3 a 3 60 do
Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado
de Alagoas, de 3 0 de abril de 1 98 1 , e, em canse-

258
quência, ordeno seja sustado o andamento de todas
as reclamações ora em tramitação naquela Corte e
demais decisões que envolvam a aplicação dos pre­
ceitos ora suspensos e que não tenham ainda tran­
sitado em julgado, até o julgamento final desta ar­
guição . " 428

Por fim, resta ainda examinar a ausência de qualquer


disposição na Lei que contemple a participação, dos
litigantes no processo de que se origine a arguição
incidental, no processo e julgamento do incidente de
inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Fe­
deral. De acordo com o art. 5°, inciso LV, da Consti­
tuição da República, "aos litigantes, em processo judicial
ou administrativo, e aos acusados em geral são assegu­
rados o contraditório e ampla defesa, com os meios e
recursos a ela inerentes" . Inobstante o caráter marca­
damente objetivo que a arguição de descumprimento
de preceito fundamental assumiu com a sua disciplina
pela Lei nº 9 . 88 2/99, quando se tratar de arguição
incidental, com reflexos diretos e imediatos da decisão
sobre as partes do processo original, é imperioso que
se assegure a possibilidade de sua participação no inci­
dente. Como é também proclamado na Carta Magna
(art. 5°, LIV) , ninguém pode sofrer qualquer privação
de seus bens e sua liberdade sem o devido processo
legal. A existência do incidente de inconstitucionalida-

428. ADPF nº 1 0, rei. Min. Maurício Corrêa, DJU 1 3 .09. 0 1 , p. 5. O Supremo


Tribunal Federal já deferiu, até setembro de 2009, dez pedidos de medida
cautelar em ADPF. As medidas cautelares foram concedidas nas ADPFs nºs
1 0, 33, 47, 53, 54, 77, 79, 1 1 4, 1 30 e 1 72 . Em todas elas, o STF determinou
a suspensão de todos os processos em curso e dos efeitos das decisões judiciais
que versassem sobre a aplicação do dispositivo questionado, até o julgamento
final da ação.

259
de, por si só, não aparenta violação à garantia; todavia,
seu julgamento pela Corte Suprema, sem que as partes
diretamente afetadas possam apresentar razões, realizar
sustentação oral e suscitar qualquer outro incidente
necessário à defesa de seu interesse, configura, à evi­
dência, .afronta ao devido processo legal e aos princípios
do contraditório e ampla defesa.
Considero oportuno encerrar este capítulo com pas­
sagem significativa do artigo dos acadêmicos Pedro Lou­
la e Teresa Melo, que, com entusiasmo, mas mantendo
os olhos na realidade, sintetizam o que se espera do
novo instituto:

"Por fim, esperamos que a arguição não se torne um


expediente governamental para impor suas preten­
sões, apoiado na tradicional confiança que o Poder
Executivo deposita no Supremo Tribunal Federal,
mas sim um novo mecanismo de tutela capaz de
aprimorar e tornar mais efetiva a proteção dos prin­
cípios e valores constitucionais. Os contornos da
arguição dependerão da exegese a ser feita pelo STF,
e acreditamos que esta é uma boa oportunidade para
dar uma guinada rumo à tão esperada efetividade
dos preceitos fundamentais de nossa Constitui­
ção . " 42 9

42 9 . Pedro Loula e Teresa Melo, Arguição de Descumprimento de Preceito


Fundamental: Novo Mecanismo de Tutela das Normas Constitucionais, Revista
Forense nº 3 5 7, 200 1 , p. 430.

260
Capítulo VI

A supremacia da Constituição nas sedes


legislativa e administrativa

VI. 1 . Considerações preliminares sobre o


tema; VI. 2 . A defesa da supremacia da
Constituição em sede legislativa: a sindi­
cabilidade do veto por inconstitucionali­
dade; VI. 3 . A defesa da supremacia da
Constituição em sede administrativa: a
possibilidade de o Poder Executivo negar
aplicação a lei reputada inconstitucional.

VI. l . Considerações preliminares sobre o tema.

A adoção de um sistema de jurisdição constitucional


confere ao Poder Judiciário papel decisivo na guarda
da Constituição. Esta é uma assertiva quase acaciana.
Ao Supremo Tribunal Federal compete1 como intér­
prete derradeiro da Lei Maior1 dizer o direito consti­
tucional em caráter definitivo. Todavia1 no ordenamento

261
jurídico brasileiro, também os Poderes Executivo e
Legislativo desempenham papel importante na defesa
da supremacia constitucional.
Portanto, e logo de plano, é preciso desmitificar a
ideia de que ao Poder Judiciário esteja reservado um
monopólio sobre o controle da constitucionalidade. Na
verdade, todos os Poderes devem reverência à Consti­
tuição e, mais ainda, têm o dever de impedir, dentro
de seu elenco de competências, qualquer atentado à
Lei Fundamental. Os Poderes Executivo e Legislativo
não são, assim, meros sujeitos passivos do controle da
constitucionalidade, exercendo também, no âmbito de
suas atribuições e responsabilidades, o poder-dever de
atuar como sujeito ativo na preservação dos princípios
e regras constitucionais . O princípio, portanto, é não
descumprir a Constituição e não permitir que se a
descumpra.
No contexto de uma sociedade aberta de intérpretes
da Constituição, às autoridades públicas deve ser asse­
gurado um amplo espaço de expressão e participação
na revelação e definição dos significados constitucionais
prevalecentes . Tal participação não se dá, entretanto,
apenas no âmbito do processo formal de fiscalização da
constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Fe­
deral.
Destacam-se, neste capítulo, duas vertentes de atua­
ção, por assim dizer, heterodoxa dos Poderes Executivo
e Legislativo na guarda da Constituição.
A primeira vertente, exercida em sede legislativa,
consiste na participação do Chefe do Poder Executivo
no processo de elaboração das leis. Tal participação se
dá através do exercício do poder de veto pelo Presidente
da República, Governadores de Estados e Prefeitos dos
Municípios, dentro de cada unidade da Federação. O
veto, como se verá, pode ter como fundamento, a par

262
da contrariedade ao interesse público1 a inconstitucio­
nalidade do proj eto de lei em tramitação perante o
Poder Legislativo.
A segunda vertente é aquela empreendida em sede
administrativa1 no âmbito interno do próprio Poder
Executivo. Trata-se da possibilidade1 reconhecida ao
Chefe do Poder Executivo1 de negar aplicação a uma
lei que lhe pareça inconstitucional. Negativa de aplica­
ção por decisão autoexecutória1 independente de qual­
quer pronunciamento prévio do Poder Judiciário1 a
partir da simples constatação desta incompatibilidade
da lei com a Constituição1 mas sujeita sempre1 por
provocação de qualquer interessado1 ao reexame ju­
dicial.
Passa-se1 a seguir1 ao exame em separado de cada
uma dessas vertentes de atuação1 buscando-se demons­
trar sua relevância não apenas para a higidez da Cons­
tituição1 como também para a lisura e bom funciona­
mento do regime democrático.

Vl. 2 . A defesa da supremacia da Constituição em sede


legislativa: a sindicabilidade do veto por inconstitu­
cionalidade.

Dispõe o art. 661 § 1 ° da Constituição Federal que


o Presidente da República pode vetar um projeto de
lei aprovado pelo Congresso Nacional caso o considere1
no todo ou em parte1 contrário ao interesse público ou
inconstitucional. O § 4° do mesmo artigo prevê a pos­
sibilidade de rejeição do veto - sej a qual for o seu
fundamento - pelo Congresso1 em sessão unicameral1
desde que alcançada a maioria absoluta dos Deputados
e Senadores1 em escrutínio secreto. Nesta hipótese1

263
caso não mantido o veto, o projeto é enviado ao Pre­
sidente da República para promulgação.
Na teoria geral do veto é ainda predominante o
entendimento, tanto em sede doutrinária como juris­
prudencial1 de que o veto é insindicável, devido à sua
natureza de ato estritamente político. 43 0 Em notável
trabalho monográfico, verdadeira referência no tema1 43 1
José Alfredo de Oliveira Baracho dá notícia da posição
majoritária. Confira-se, a propósito, significativo trecho
de acórdão do Colendo Supremo Tribunal Federal acer..,
ca da questão1 in verbis:

" O exercício do poder de veto, apesar de estar cingido


à constitucionalidade e ao interesse público, não
pode, em si, ser considerado abusivo, visto que im­
plica em juízo subjetivo e particular. " 432

Em outro estudo1 433 o j á referido José Alfredo de


Oliveira Baracho assim responde à indagação sobre a
possibilidade de a Suprema Corte apreciar a juridici­
dade do veto presidencial1 paralelamente à apreciação
política exercida pelo Congresso Nacional, verbis:

"Em verdade, há uma instância prevista no texto


constitucional para a apreciação do veto presidencial.

430 . Para um estudo aprofundado dos atos políticos, sua origem e natureza, v.
Carlos Roberto de Siqueira Castro, O Devido Processo Legal e a Razoabilidade
das Leis na Nova Constituição do Brasil, Editora Forense, 1 989, p. 245/26 5 .
431 . José Alfredo d e Oliveira Baracho, Teoria Geral do Veto, in Revista de
Informação Legislativa nº 83, jul./set. 1 984, p. 2 1 4.
432 . Representação nº 1 .065- 1 , Revista de Direito Administrativo nº 1 46,
out./dez. 1 98 1 , p. 200.
433 . José Alfredo de Oliveira Baracho, As Atribuições Constitucionais do Poder
Executivo, Revista de Direito Administrativo nº 3 1 , p. 4/5.

264
São as duas Câmaras do Congresso Nacional, em
sessão conjunta, conforme dispõe o art. 70, § 3 ° (. . .)
Antes de exaurida esta instância não é oportuna a
apreciação do veto. " 434

Vale destacar que o Supremo Tribunal Federal1 em


julgamento recente, reiterou seu entendimento conso­
lidado sobre a matéria ao considerar incabível arguição
por descumprimento de preceito fundamental intenta­
da pelo Partido Comunista do Brasil contra veto parcial
aposto pelo Prefeito do Município do Rio de Janeiro
em projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal. Em
sua decisão, entendeu a Corte que a arguição era inca­
bível "dado que o veto constitui ato político do Poder
Executivo", insuscetívet como tal1 de reexame pelo
Judiciário. 435
Não há portanto1 no quadro geral da doutrina e da
jurisprudência brasileiras1 uma distinção entre as duas
modalidades de veto reconhecidas no direito constitu­
cional brasileiro - o veto por contrariedade ao interesse
público e o veto por inconstitucionalidade .
Não obstante1 entendemos que tais modalidades de
veto exibem natureza jurídica distinta.
A contrariedade ao interesse público é um conceito
vago, indeterminado1 de elevado teor de subjetividade1
por meio do qual o Chefe do Poder Executivo manifesta
sua posição política contrária ao projeto de lei aprovado
pelo Poder Legislativo.

434 . Embora do texto não resulte diretamente a ideia da insindicabilidade do


veto, tal é o que se conclui pela remissão que o autor faz ao trabalho de Carlos
Medeiros Silva, Veto - Apreciação Judicial - Incompetência do Supremo
Tribunal Federal, Revista Forense, vol. 1 79, set./out. 1 958, p. 8 1 /83.
435 . ADPF (QO) 1 -RJ, rei. Min. Néri da Silveira, Informativo do STF nº 1 79,
j . 03 .02 .2000.

265
O veto por este fundamento constitui, assim, um
ato estritamente político. E esta expressão é aqui utili­
zada como um conceito jurídico, definido como aquele
ato cujo conteúdo de mérito é tal que o !orna insus­
cetível de reexame pelo Poder Judiciário. E o caso das
decisões políticas fundamentais, que dizem respeito à
oportunidade e à conveniência administrativas, por isto
mesmo reservadas apenas aos agentes políticos que
exercem mandato popular.
Deste modo, quando o Chefe do Poder Executivo
veta um projeto de lei por considerá-lo contrário ao
interesse público, está praticando um ato estritamente
político, que, como tal, não é suscetível de controle
judicial. O mesmo sempre se entendeu, como afirmado
linhas atrás, em relação ao veto sob o argumento de
inconstitucionalidade.
A questão que se apresenta é a seguinte: existe
identidade entre as naturezas jurídicas de um veto
aposto por contrariedade ao interesse público e um
veto fundado em inconstitucionalidade? Parece razoável
que esses dois atos se equiparem?
O veto por contrariedade ao interesse público é sim
um ato estritamente político, dado o seu conceito vago,
o seu caráter subjetivo e a sua finalidade de resguardo da
governabilidade. Mas se o Chefe do Poder Executivo veta
um projeto de lei por considerá-lo inconstitucional e
apresenta as razões por que o faz - e a Constituição, em
seu art. 66, § 1 º, determina que remeta essas razões em
48 horas ao Presidente do Senado Federal -, este não é
mais um ato estritamente político. Trata-se, ao revés, de
um veto jurídico-constitucional, motivado pela descon­
formidade entre o projeto de lei e a Constituição. 436

43 6 . Clemerson Merlin Cleve, ob. cit, p. 74; Zeno Veloso, Controle Jurisdicio­
nal de Constitucionalidade, Editora Dei Rey, 2000, p. 3 1 2 .

266
Com efeito, ao motivar o veto por inconstituciona­
lidade, o Chefe do Executivo está vinculando o seu ato
a determinados motivos, que devem ser verdadeiros e
consistentes . É possível traçar, aqui, uma analogia com
o princípio dos motivos determinantes, tomado por em­
préstimo ao Direito Administrativo.
O Chefe do Executivo poderia não ter motivado o
seu veto com o argumento de inconstitucionalidade,
hipótese em que estaria a praticar um ato estritamente
político. Todavia, havendo adotado como motivo de­
terminante do ato a inconstitucionalidade do projeto
de lei, vinculou-o a tal motivo, daí decorrendo a sua
sindicabilidade.
A tese de que o veto por inconstitucionalidade não
é um ato estritamente político foi assim sustentada,
com percuciência, por Gilmar Ferreira Mendes:

"Evidentemente, a vinculação de todos os órgãos


públicos à Constituição não permite que o Chefe do
Poder Executivo se valha do veto com fundamento
na inconstitucionalidade com a mesma liberdade
com que poderá utilizar o veto com base no interesse
público.
Dir-se-á, porém, que eventual utilização abusiva do
veto com fundamento na suposta inconstitucionali­
dade da proposição poderia ser sempre reparada,
pois estaria sujeita a apreciação e, portanto, ao
controle do organismo parlamentar competente.
Essa resposta é evidentemente insatisfatória, porque
admite que um órgão público invoque eventual in­
constitucionalidade sem que esteja exatamente con­
vencido da sua procedência. Isto relativiza, de farma
inaceitável, a vinculação dos Poderes Públicos à
Constituição. Por outro lado, parece inequívoco que

267
a apreciação do veto pela Casa Legislativa não se
inspira exatamente em razões de legitimidade. A
ausência de maioria qualificada fundada em razões
meramente políticas implicará a manutenção do veto
ainda que lastreado em uma razão de inconstitucio­
nalidade absolutamente despropositada.
A indagação que subsiste diz respeito à possibilidade
de que se pudesse judicializar a questão constitucio­
nal, tendo em vista a aferição da legitimidade ou
não do fundamento invocado.
Em um sistema de rígida vinculação à Constituição,
parece plausível admitir, pelo menos, que a maioria
que garantiu a aprovação da lei deveria ter a pos­
sibilidade de instaurar tal controvérsia. Quanto ao
instrumento processual adequado, deve-se mencionar
que o Supremo Tribunal Federal tem admitido a
utilização do mandado de segurança em situações
típicas de conflito entre órgãos. " 4 3 7

A tese tem ainda a seu favor o mérito de evitar a


perpetração do que seria uma fraude ao devido processo
legislativo. Com efeito, para a aprovação de um projeto
de lei ordinária, v.g. , é necessário o quorum de maioria
simples (maioria relativa dos parlamentares presentes) .
Obtido o quorum, o proj eto de lei é encaminhado à
Chefia do Poder Executivo, que, por hipótese, o veta
sob o argumento de inconstitucionalidade.
O veto é então encaminhado ao Presidente do Se­
nado Federal e, para a sua rejeição, é necessária não
apenas a maioria simples, outrora suficiente, e sim, nos

437. Gilmar Ferreira Mendes, O Poder Executivo e o Poder Legislativo no


Controle da Constitucionalidade, COAD, Seleções Jurídicas, jun. 1 997, p .
1 1/13.

268
termos do art. 66, § 4°, da Constituição, o quorum de
maioria absoluta, em sessão conjunta do Congresso
Nacional. Entretanto, supondo que o veto sej a infun­
dado, ensej ou ele urna fraude ao devido processo legis­
lativo estabelecido na Constituição, a saber: exigiu-se,
sob um pseudofundamento de inconstitucionalidade, o
quorum de maioria absoluta para aprovar urna lei ordi­
nária, quando seria necessário apenas o quorum de
maioria simples.
Os defensores da tese oposta poderiam alegar que
se o Chefe do Poder Executivo pode vetar por contra­
riedade ao interesse público - e tal veto não ensej aria
nenhuma consequência no âmbito do Judiciário - evi­
dentemente que o veto por inconstitucionalidade tam­
bém não pode ensejar, senão que bastaria ao Chefe do
Poder Executivo apontar sempre corno razão do seu
veto, a par da inconstitucionalidade, a contrariedade ao
interesse público.
Pois bem. A questão aqui se desloca de certo modo
do controle da constitucionalidade para a seara da res­
ponsabilidade política. Caso o Chefe do Poder Execu­
tivo entenda que o projeto de lei é contrário ao interesse
público, deve assumir o ônus político de sua decisão,
suscetível de ser alterada apenas por outro ato político
- do Poder Legislativo - que é a rejeição do veto,
pelo quorum de maioria absoluta. O que não se deve
admitir é que o veto possa ter por fundamento urna
alegada inconstitucionalidade, à evidência inexistente,
funcionando corno urna espécie de pretexto para que
o Chefe do Poder Executivo possa eximir-se de suas
responsabilidades políticas .
A tese aqui esposada é a seguinte: a maioria parla­
mentar que aprovou o projeto de lei e que entenda que
o veto por inconstitucionalidade não é fundado, tem o
direito de instaurar a controvérsia perante o Poder

2 69
Judiciário e de obter um pronunciamento que anule
aquele veto. E que permita, enfim, que aquele projeto
se converta em lei.
O remédio judicial apropriado poderia ser o man­
dado de segurança, tendo em vista que a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal o tem admitido como
instrumento para a solução de conflitos entre Poderes
e defesa de prerrogativas de funções. 438 A admissibili­
dade de um tal controle prévio de constitucionalidade,
exercido sobre o veto jurídico-constitucional, reveste-se
de grande importância para a garantia da lisura do
procedimento democrático, na medida em que impede
a subversão das regras do devido processo legislativo
pelo Poder Executivo .

Vl . 3 . A defesa da supremacia da Constituição em sede


administrativa: a possibilidade de o Poder Executivo
negar aplicação à lei reputada inconstitucional.

Até o advento da Constituição de 1 988, era predo­


minante o entendimento, tanto em sede doutrinária
como jurisprudencial, de que o Poder Executivo estava
autorizado a negar cumprimento a leis que se lhe afi­
gurassem inconstitucionais; tal entendimento seria um
corolário lógico do princípio da supremacia da Consti­
tuição e da nulidade da lei inconstitucional. Com efeito,
se o cumprimento da lei importasse, a fortiori, a inob­
servância da Constituição, tal lei não poderia ser cum­
prida, sob pena de grave subversão da hierarquia das

438 . Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil
Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data. Editora Malheiros, 1 990, p.
1 6/ 1 7 .

2 70
normas jurídicas e comprometimento dos princípios
consagrados na Carta Magna .
. Esta concepção baseava-se no argumento de que a
interpretação, ou antes, a observância da Constituição
não é monopólio do Poder Judiciário. A este cabe, como
já dito e reafirmado, dar a última palavra, não só na
interpretação da Constituição como na fixação da in­
teligência de qualquer norma jurídica. No desempenho
de sua função administrativa, entretanto, também o
Poder Executivo interpreta e aplica a Constituição.
Assim, ao verificar uma incompatibilidade entre nor­
mas de diferente hierarquia que se apliquem à mesma
situação fática, deve o Poder Executivo optar por cum­
prir a norma hierarquicamente superior. Tal decisão é
autoexecutória, só merecendo ser revista se o órgão
competente do Poder Judiciário, provocado por algum
interessado, vier a decidir em sentido diverso .
E m valioso estudo sobre o tema, o Professor Luís
Roberto Barroso compendia os mais diversos pronun­
ciamentos doutrinários e jurisprudenciais que chance­
lam a tese acima. 439 Arrisco-me a citar, entre tantos:
Lucio Bittencourt, 440 Miguel Reale, 441 Themistocles
Brandão Cavalcanti, 44 2 Vicente Ráo, 443 José Frederico

439 . Luís Roberto Barroso, Norma Incompatível com a Constituição. Não Apli­
cação pelo Poder Executivo, independentemente de pronunciamento judicial.
Legitimidade, Revista de Direito Administrativo nº 1 8 1 - 1 82, p. 387 e segs . ,
1 990.
440 . Lucio Bittencourt, ob. cit., p . 9 1 , nota 3 .
441 . Miguel Reale, Parecer publicado no D O E d e S ã o Paulo d e 1 9 .03.63, apud
RTJ 96/496, 499.
442 . Themistocles Brandão Cavalcanti, Revista Arquivos do Ministério da Jus­
tiça, ano XXIII, nº 95, p. 4 7/49.
443 . Vicente Ráo, Folha de S. Paulo, 20.03.63, apud Revista Arquivos do
Ministério da Justiça, ano XXIII, nº 9 5 , p . 6 1 .

271
Marques, 4 44 Carlos Maximiliano, 4 4 5 Caio Tácito, 44 6 Ro­
naldo Poletti, 447 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, 4 48
Alexandre de Moraes 449 e Clemerson Merlin Cleve. 45 º
Não obstante, com o advento da Constituição de
1 988, alguns juristas passaram a questionar a tese, sob
o argumento de que, a partir de então, o Presidente
da República e os Governadores passaram a ter legiti­
midade para deflagrar o controle concentrado da cons­
titucionalidade perante o Poder Judiciário, não mais se
justificando o descumprimento autoexecutório de lei
considerada inconstitucional.
Destaquem-se nesta linha, com especial ênfase, os
trabalhos de Humberto Ribeiro Soares, 4 51 Zeno Velo­
so, 45 2 Ruy Carlos de Barros Monteiro, 453 e Alexandre
Camanho de Assis . 454
Embora sem adotar postura conclusiva, Gilmar Fer-

444 . José Frederico Marques, Revista Arquivos do Ministério da Justiça, ano


XXIII, nº 95, p. 6 1 .
44 5 . Carlos Maximiliano, Comentários à Constituição Brasileira, Editora da
Livraria do G lobo, 1 929, p. 3 1 2 .
446 . Caio Tácito, Revista de Direito Administrativo nº 59, p. 339.
447 . Ronaldo Poletti, ob. cit., p . 1 29 e segs.
44 8 . Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Revista da Procuradoria Geral do Estado
de São Paulo, vol. 1 2, p. 564.
449 . Alexandre de Moraes, ob. cit., p . 557 /558.
450. Clemerson Merlin Cleve, ob. cit., p . 24 7/248.
451 . Humberto Ribeiro Soares, Pode o Executivo deixar de cumprir uma lei que
ele próprio considere inconstitucional?, Revista da Procuradoria G eral do Estado
do Rio de Janeiro, vol. 50. p. 5 1 9.
452 . Zeno Veloso, ob. cit., p. 3 1 7/328.
453 . Ruy Carlos de Barros Monteiro, O argumento de inconstitucionalidade e
o repúdio da lei pelo Poder Executivo, Revista Forense nº 284, p. 1 0 1 e segs.
45 4 . Alexandre Camanho de Assis, Inconstitucionalidade de Lei - Poder Exe­
cutivo e repúdio de lei sob a alegação de inconstitucionalidade, Revista de
Direito Público, vol. 9 1 , p. 1 1 7/ 1 22 .

2 72
reira Mendes tende igualmente a esposar igual enten­
dimento. Confira-se o trecho a seguir, de sua lavra:

"É certo que a questão perdeu muito do seu apelo


em face da Constituição de 1 988, que outorgou aos
órgãos do Executivo, no plano estadual e federal, o
direito de instaurar o controle abstrato de normas.
A possibilidade de se requerer liminar que suspende
imediatamente o diploma questionado reforça ainda
mais esse entendimento. Portanto, a justificativa que
embasava aquela orientação de enfrentamento ou de
quase desforço perdeu razão de ser na maioria dos
casos. (. . .) Se se entender - como parece razoável
- que o Executivo, pelo menos no plano estadual e
federal, não mais pode negar-se a cumprir uma lei
com base no argumento de inconstitucionalidade,
subsistem ainda algumas questões que poderiam le­
gitimar uma conduta de repúdio. " 455

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, en­


tretanto, sempre chancelou placidamente a tese da
possibilidade do descumprimento da lei reputada in­
constitucional pelo Poder Executivo. 45 6 No julgamento
da Representação nº 980-S P, a Corte, em acórdão da
lavra do Ministro Moreira Alves, considerou constitu­
cional um Decreto editado pelo Governador do Estado
de São Paulo que determinava genericamente a todos
os órgãos da Administração estadual o não cumprimento

455 . Gilmar Ferreira Mendes, O Poder Executivo e o Poder Legislativo no


Controle da Constitucionalidade. COAD, Seleções Jurídicas, junho/ 1 997, p .
22.
45 6 . RTJ 2/3 86; 32/ 1 34; 33/336; 4 1/669; 96/496; RDA 56/295; 85/2 1 2;
1 40/49; RT 354/ 1 53; 3 5 8/ 1 30; 3 6 1 /300; 3 7 4/ 1 53; 384/9 1 .

2 73
de leis aprovadas pela Assembleia Legislativa1 mas que
houvessem sido vetadas sob o fundamento de incons­
titucionalidade por vício de iniciativa. Em passagem
eloquente de seu voto1 consignou o eminente Ministro­
relator:

"Não tenho dúvida em filiar-me à corrente que sus­


tenta que pode o Chefe do Poder Executivo deixar
de cumprir - assumindo os riscos daí decorrentes
- lei que se lhe afigure inconstitucional. A opção
entre cumprir a Constituição ou desrespeitá-la para
dar cumprimento a lei inconstitucional é concedida
ao particular para a defesa do seu interesse privado.
Não o será ao Chefe de um dos Poderes do estado
para a defesa, não do seu interesse particular, mas
da supremacia da Constituição que estrutura o pró­
prio Estado? Acolho, pois, a fundamentação - que,
em largos traços, expus - dos que tem entendimento
igual. " 45 7

Após a promulgação da Carta de 1 9881 o Supremo


Tribunal Federal ainda não teve a oportunidade de
apreciar a matéria com a profundidade devida. Não
sem alguma hesitação e ambiguidade, acenou a Corte
com a tendência à manutenção de seu entendimento
tradicional. Vej a-se, por muito oportuna, esta passagem
constante da ementa de acórdão proferido pelo Tribunal
no ano de 1 990:

0 controle de constitucionalidade da lei ou dos atos


11

normativos é da competência exclusiva do Poder


Judiciário. Os Poderes Executivo e Legislativo, por

4 5 7 . RTJ 96/508.
2 74
sua Chefia - e isso mesmo tem sido questionado
com o alargamento da legitimação ativa na ação
direta de inconstitucionalidade -, podem tão-só de­
terminar aos seus órgãos subordinados que deixem
de aplicar administrativamente as leis ou atos com
força de lei que considerem inconstitucionais. " 4 5 8

O raciocínio desenvolvido pelos que sustentam que


a Constituição de 1 988 teria inviabilizado o descum­
primento autoexecutório de lei considerada inconstitu­
cional pelo Poder Executivo não se afigura correto, com
a devida vênia, por uma série de razões .
A uma, porque o poder-dever do Chefe d o Executivo
de negar cumprimento a lei inconstitucional não tinha
como fundamento ontológico o fato de não ser ele
legitimado para a propositura da então chamada repre­
sentação de inconstitucionalidade. O descumprimento
de lei reputada inconstitucional era - e é - uma
decorrência, ou antes1 uma exigência do princípio da
supremacia da Constituição. Em última análise, o pres­
suposto para que o Poder Executivo1 em determinada
situação1 cumpra a Constituição é que deixe de cumprir
uma lei que lhe contrarie o sentido. Por outro lado1 o
que pretendem os partidários da tese contrária é que
o Poder Executivo pratique atos reconhecidamente in­
constitucionais sob o especioso argumento de que está
cumprindo a lei.
Além disto1 não prospera o argumento de que, ao
descumprir uma lei inconstitucional1 o Chefe do Execu­
tivo estaria incorrendo em crime de responsabilidade
(Constituição Federal1 art. 8 5 1 inciso VII) . Nada mais
equivocado. Primeiro, porque uma lei inconstitucional é

45 8 . ADIN nº 2 2 1 -DF, RTJ 1 5 1 /33 1 .

2 75
um ato inválido ab ovo, inapto à produção de qualquer
efeito válido. Logo, nenhuma consequência pode decorrer
de seu descumprimento. Outrossim, o cumprimento da
lei reputada inconstitucional acarretaria a prática de um
crime de responsabilidade ainda mais grave: a violação da
própria Constituição. É o próprio art. 85 da Lei Maior
que o diz de modo inequívoco: " S ão crimes de respon­
sabilidade os atos do Presidente da República que aten-
. tem contra a Constituição Federal" .
Assim, não está o Poder Executivo autorizado e ,
muito menos, obrigado a lavar as mãos diante de um
ato normativo que se lhe afigure inconstitucional, com­
pactuando com a violação da Lei Maior. Vale destacar
que mesmo após o advento da Carta de 1 98 8 a juris­
prudência tem reafirmado a tese aqui esposada. Con­
fira-se, v.g. 1 acórdão do Superior Tribunal de Justiça,
do ano de 1 993, assim ementado:
"Lei inconstitucional - Poder Executivo - Negativa
de eficácia. O Poder Executivo deve negar execução
a ato normativo que lhe pareça inconstitucional. " 459
Argumento interessantíssimo, em abono da tese aqui
sustentada, é oferecido por Clemerson Merlin Cleve .
Confira-se o teor de seu raciocínio que, pela clareza e
argúcia, merece transcrição literal:
"( . . . ) à medida que o Chefe do Executivo Federal
e os Chefes dos Executivos estaduais dispõem de
legitimidade para a propositura de ação direta com
pedido de liminar seria o caso de perquirir se ainda
1

podem, sem liminar concedida, recusar-se a cumprir

459 . REsp nº 23.22 1 /92, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU de
08 . 1 1 . 1 993.

2 76
lei ou ato normativo. S im, porque antes a titulari­
dade da ação direta residia unicamente nas mãos do
Procurador-Geral da República. Não mais, agora,
todavia.
Eventual resposta negativa poderia ter fundamento
em relação ao Presidente da República ou aos Go­
vernadores de Estado. Não o teria, porém, diante
de outros órgãos como os Tribunais de Contas, por
exemplo. E não o teria, finalmente, quanto aos Pre­
feitos Municipais, que não dispõem de legitimidade
para a impugnação, por via de ação direta, de leis
federais e, em geral, das leis estaduais . Alcançar-se-ia
com esse raciocínio evidente paradoxo: em relação
a algumas leis federais ou estaduais, os Prefeitos
Municipais gozariam de posição mais vantajosa que
o Presidente da República e os Governadores de
Estado. Imagine-se a hipótese de lei federal dispondo
sobre norma geral em determinada matéria (tribu­
tária ou urbanística, por exemplo) .
Ostentando o ato legislativo norma viciada, o Pre­
sidente da República somente poderia recusar-se a
cumpri-la caso antes tivesse obtido liminar. No caso
do prefeito, porque não pode obter liminar em sede
de ação direta, ficaria autorizado a recusar, desde
logo, seu cumprimento.
Deve, portanto, o STF nessa questão manter seu
entendimento, mesmo no contexto da Constituição
de 1 988, inclusive porque, nesta, como nas preté­
ritas, todos os Poderes da República estão vinculados
ao cumprimento da Constituição (art. 23, 1, CF) e,
então, ao processo contínuo de otimização de sua
normatividade. " 460

460. Clemerson Merlin Cleve, ob. cit., p. 247/248.

2 77
De parte todos os argumentos acima alinhados, após
a edição da Emenda Constitucional nº 03, de 1 7 de
março de 1 993, nenhuma dúvida resta quanto ao po­
der-dever do Executivo de negar aplicação a lei consi­
derada inconstitucional, havendo a tese sido acolhida,
de forma explícita, em nosso direito constitucional po­
sitivo.
É que a Emenda Constitucional nº 03/93 , dentre
outras inovações, instituiu no direito constitucional bra­
sileiro a figura da ação declaratória de constitucionali­
dade . Tal instituto, simetricamente à ação direta de
inconstitucionalidade, tem por escopo propiciar a pro­
lação de uma decisão do Supremo Tribunal Federal que
afirme, com eficácia erga omnes, a constitucionalidade
de determinada lei ou ato normativo. Por tal decisão,
a presunção de constitucionalidade da lei, que é relativa,
torna-se absoluta, impedindo a sua inobservância, sob
o argumento de inconstitucionalidade, por quem quer
que seja, inclusive pelos demais órgãos do Poder Judi­
ciário.
Tem-se, assim, que a finalidade da ação declaratória
de constitucionalidade é impedir a não aplicação de
uma lei, inclusive pelos demais órgãos do Poder Judi­
ciário, sob a alegação de vício de inconstitucionalidade .
Ocorre que, na redação da EC nº 03/93, há uma
referência expressa ao Poder Executivo, ao lado do
Poder Judiciário, como destinatário da decisão. Confi­
ra-se a dicção do § 2º do art. 1 02 da Constituição, com
a redação da EC nº 03/93 :
11
§ 2° As decisões definitivas de mérito1 proferidas
pelo Supremo Tribunal Federal1 nas ações declara­
tórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo
federal1 produzirão eficácia contra todos e efeito

2 78
vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder
Judiciário e ao Poder Executivo. "

Ora, levando-se em conta a regra elementar de


hermenêutica segundo a qual o legislador não utiliza
palavras ou expressões inúteis, a alusão expressa ao
Poder Executivo como destinatário da decisão do Su­
premo Tribunal Federal em ação declaratória de cons­
titucionalidade deve ter algum sentido. E o tem.
Caso o ordenamento constitucional brasileiro não
admitisse o descumprimento de lei considerada incons­
titucional pelo Poder Executivo, simplesmente a parte
final do § 2º do art. 1 02 da Constituição seria inútil e
sem sentido. Não sendo isto de qualquer modo admis­
sível1 a conclusão lógica1 que se extrai a contrario sensu1
é a de que o Poder Executivo pode e deve negar
aplicação a lei que repute inconstitucional, desde que
não haja decisão declaratória de constitucionalidade
proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Esta a única
interpretação plausível do dispositivo constitucional em
tela.
Aliás1 a Lei nº 9 . 8 68/991 no parágrafo único de seu
art. 2 8 1 corrobora o argumento aqui esposado1 ao dispor
que a declaração da constitucionalidade ou da incons­
titucionalidade de lei ou ato normativo pela Corte
Suprema tem eficácia contra todos e efeito vinculante
em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Admi­
nistração Pública federal, estadual e municipal. A alusão
às Administrações Públicas das diversas esferas federa­
tivas - o silêncio em relação ao Distrito Federal não
é logicamente proposital ou eloquente - seria ociosa
caso não se lhes reconhecesse a prerrogativa do des­
cumprimento autoexecutório da lei reputada inconsti­
tucional.

2 79
É possível concluir, portanto, que a tese aqui sus­
tentada mereceu consagração tanto em nível constitu­
cional como infraconstitucional.
Por medida de segurança jurídica, entretanto, tal
prerrogativa deve ser reservada, com exclusividade, ao
Chefe do Executivo, sendo vedado a qualquer outro
servidor dos quadros da Administração Pública que,
sponte sua, denegue cumprimento à lei. 461
Por outro lado, a decisão da Chefia do Poder Exe­
cutivo estará sempre sujeita a ulterior reexame pelo
Poder Judiciário, o que poderá dar-se tanto em sede
de controle concreto, como no âmbito da fiscalização
abstrata. À Administração Pública caberá alegar em sua
defesa que o descumprimento da lei deveu-se à sua
incompatibilidade com a Constituição. Caso o argu­
mento sej a acolhido, a conduta da Administração estará
sendo, a fortiori, validada pelo Poder Judiciário. Pro­
clamada, ao revés, a constitucionalidade da lei até então
enjeitada, fica o Chefe do Executivo à mercê dos pro­
cedimentos constitucionais e legais tendentes à sua
responsabilização político-administrativa. Com efeito,
ao optar por simplesmente negar aplicação à lei, ao
invés de ajuizar uma ação direta de inconstitucionali­
dade - caso cabível - o agente político o faz por sua
conta e risco, submetendo-se aos ônus daí decorrentes .

461 . Neste sentido, Elival da Silva Ramos, A Incon.stítucíonalídade das Leis,


Editora Saraiva, 1 994, p. 238.

280
Capítulo VI I

Síntese conclusiva

De uma conclusão se espera que proclame os resul­


tados da empreitada intelectual levada a cabo pelo
autor, de forma a demonstrar, do modo mais persuasivo
possível, que as ideias e concepções desenvolvidas são
as mais corretas ou adequadas. Não é este, porém, o
desiderato destas linhas finais . Pelo menos não o é no
sentido em que o são, via de regra, as conclusões de
trabalhos jurídicos.
Adota-se aqui a postura científica magistralmente
sustentada por Karl Popper, no sentido de que todo o
conhecimento é sempre conjectural e de que são as
refutações das teses generalizadamente aceitas - aque­
las ainda não refutadas - que promovem o progresso
da ciência. O que de melhor pode fazer o estudioso é,
assim, defender suas teses com honestidade intelectual
e a maior clareza possível, abrindo-se, desta forma, à
crítica da comunidade científica. Esta a pretensão maior
do presente estudo .

281
As ideias desenvolvidas ao longo do trabalho podem
ser reconduzidas, em apertada síntese, às proposições
objetivas que se seguem:
1 . O Estado Democrático de Direito é a síntese
histórica de duas ideias originariamente antagônicas:
democracia e constitucionalismo. Com efeito, enquanto
a ideia de democracia se funda na soberania popular,
o constitucionalismo tem sua origem ligada à noção de
limitação do poder. A democracia constitucional, con­
quanto proclamada neste final de século como regime
de governo ideat vive sob o influxo de uma tensão
latente entre a vontade majoritária e a vontade superior
expressa na Constituição.
2. A supremacia da Constituição e a jurisdição cons­
titucional são mecanismos pelos quais determinados
princípios e direitos, considerados inalienáveis pelo po­
der constituinte originário, são subtraídos da esfera
decisória ordinária dos agentes políticos eleitos pelo
povo, ficando protegidos pelos instrumentos de controle
de constitucionalidade das leis e atos do Poder Público .
3 . A jurisdição constitucional é, portanto, uma ins­
tância de poder contramaj oritário, no sentido de que
sua função é mesmo a de anular determinados atos
votados e aprovados, maj oritariamente, por repre­
sentantes eleitos . Nada obstante, entende-se, hodier­
namente, que os princípios e direitos fundamentais,
constitucionalmente assegurados, são, em verdade,
condições estruturantes e essenciais ao bom funciona­
mento do próprio regime democrático; assim, quando
a justiça constitucional anula leis ofensivas a tais prin­
cípios ou direitos, sua intervenção se dá a favor, e não
contra a democracia. Esta a fonte maior de legitimidade
da jurisdição constitucional.
4 . Por outro lado, para que a Corte Constitucional
não se torne uma instância autoritária de poder -

282
compondo um governo de juízes - que dita1 de forma
monolítica1 as interpretações oficiais a serem dadas aos
diversos dispositivos da Constituição1 é mister fomentar
a ideia de cidadania constitucional1 de forma a criar
uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição.
Todos têm o direito de participar ativamente do pro­
cesso de revelação e definição da interpretação consti­
tucional prevalecente1 cabendo ao Tribunal Constitu­
cional funcionar como instância última - mas não única
- de tal processo. A maior ou menor autoridade da
Corte Constitucional depende1 necessariamente1 de sua
capacidade de estabelecer este diálogo com a sociedade
e de gerar consenso1 intelectual e moral1 em torno de
suas decisões.
5. A Constituição de 1 98 8 estabeleceu um novo
paradigma em matéria de jurisdição constitucional no
Brasil. Pode-se afirmar que a desmonopolização do aces­
so direto ao Supremo Tribunal Federal1 com a ampliação
e democratização do elenco de legitimados para a pro­
positura da ação direta de inconstitucionalidade1 gerou
um salutar crescimento da jurisprudência da Corte so­
bre o tema do controle de constitucionalidade1 o que
indica uma maior preocupação da sociedade brasileira
com o respeito aos princípios e direitos estabelecidos
na Constituição.
6 . A recém-editada Lei nº 9 . 868/99, que dispõe
sobre o processo e julgamento da ação direta de in­
constitucionalidade e da ação declaratória de constitu­
cionalidade1 organizou satisfatoriamente o complexo
sistema de fiscalização abstrata da constitucionalidade
existente no Brasil. Ademais1 a nova Lei sinaliza com
uma maior abertura no processo de interpretação cons­
titucional1 ao admitir expressamente a manifestação de
outros órgãos ou entidades1 além das partes formais1
no processo de controle abstrato, de acordo com a sua

2 83
representatividade e a relevância da matéria em discus­
são, bem como a possibilidade de os juízes da Corte
socorrerem-se, para a formação de sua convicção, dos
conhecimentos técnicos de peritos e de depoimentos
de pessoas com experiência e autoridade no tema em
debate, mediante realização de audiências públicas. Um
passo significativo na caminhada pela democratização
do processo constitucional brasileiro.
7 . Como não há avanço linear1 senão que em todo
progresso há retrocessos, a também recente Lei nº
9 . 8 82/99, que regulamentou a até então misteriosa
arguição de descumprimento de preceito fundamental,
não tem os mesmos méritos . Com efeito, sob o pretexto
de criar uma ação constitucional que permitiria o acesso
direto do cidadão à Corte Suprema para a defesa de
direitos fundamentais (sob inspiração do recurso cons­
titucional alemão e do recurso de amparo espanhol) , a
nova Lei acabou por instituir um instrumento de cali­
bragem da jurisdição constitucional difusa, que tenderá
a reduzir substancialmente a livre formação da convic­
ção dos magistrados ordinários acerca das grandes ques­
tões constitucionais. Convém que o Supremo Tribunal
Federal se utilize deste novo remédio com prudência
e parcimônia, a fim de não asfixiar, de forma prematura,
a formação livre e espontânea da convicção dos juízes
nas instâncias ordinárias . É preciso que esta competên­
cia sej a exercida somente nos casos relevantes e no
momento oportuno. Caso contrário, o Tribunal Cons­
titucional deixará de ser o intérprete último para se
converter em intérprete único da Constituição, trans­
formando-se numa instância autoritária e deslegitimada
de poder.
8 . O veto por inconstitucionalidade não se caracte­
riza como ato estritamente político praticado pelo Che­
fe do Poder Executivo. Ao contrário, trata-se de ato

284
sindicável, passível de ser impugnado, perante o Poder
Judiciário, por qualquer integrante da maioria parla­
mentar que aprovou o projeto de lei. Tal controle prévio
de constitucionalidade afigura-se essencial para o res­
guardo da lisura do devido processo legislativo.
9 . O Poder Executivo, por intermédio de sua Chefia,
tem o poder-dever de negar aplicação, no âmbito de
suas atribuições, a leis ou atos normativos que se lhe
afigurem incompatíveis com a Constituição, inde­
pendentemente de autorização prévia do Poder Judi­
ciário. Tal entendimento, consagrado até o advento da
Constituição de 1 988, sofreu críticas por parte de alguns
juristas a partir de então, tendo em vista a possibilidade,
criada pelo novo ordenamento constitucional, de ajui­
zamento de ação direta de inconstitucionalidade pelo
Presidente da República e Governadores de Estados.
A Emenda Constitucional nº 03/93, no entanto, ao
instituir a ação declaratória de constitucionalidade,
chancelou, implicitamente, a tese da possibilidade do
descumprimento da lei inconstitucional pelo Poder Exe­
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Martins Fontes1 2003 .
WECHS LER, Herbert. Towards Neutral Principles of Cons­
titutional Law. Harvard Law Review nº 73, 1 9 59.

298
Lei nº 9 . 8 68,
de 1 0 de novembro de 1 9 99

Dispõe sobre o processo e julgamento da


ação direta de inconstitucionalidade e da
ação declaratória de constitucionalidade
perante o Supremo Tribunal Federal.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:

CAP Í TULO 1
Da ação direta de inconstitucionalidade e da
ação declaratória de constitucionalidade

Art. 1 ° Esta Lei dispõe sobre o processo e julgamento


da ação direta de inconstitucionalidade e da ação de­
claratória de constitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal.

2 99
CAP Í TULO II
Da ação direta de inconstitucionalidade

Seção I
Da Admissibilidade e do Procedimento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade

Art. 2° Podem propor a ação direta de inconstitu-


cionalidade:
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
I I I - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou a Mesa
da Câmara Legislativa do Distrito Federal;
V - o Governador de Estado ou o Governador do
Distrito Federal;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil;
VIII - partido político com representação no Con­
gresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe
de âmbito nacional.
Parágrafo único. (VETADO)
Art. 3° A petição indicará:
I - o dispositivo da lei ou do ato normativo im­
pugnado e os fundamentos jurídicos do pedido em
relação a cada uma das impugnações;
II - o pedido, com suas especificações.
Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de
instrumento de procuração, quando subscrita por ad­
vogado, será apresentada em duas vias, devendo conter
cópias da lei ou do ato normativo impugnado e dos
documentos necessários para comprovar a impugnação.

3 00
Art. 4° A petição inicial inepta1 não fundamentada
e a manifestamente improcedente serão liminarmente
indeferidas pelo relator.
Parágrafo único. Cabe agravo da decisão que inde­
ferir a petição inicial.
Art. 5° Proposta a ação direta1 não se admitirá
desistência .
Parágrafo único. (VETADO)
Art. 6° O relator pedirá informações aos órgãos ou
às autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo
impugnado.
Parágrafo único. As informações serão prestadas no
prazo de trinta dias contado do recebimento do pedido.
Art. 7° Não se admitirá intervenção de terceiros no
processo de ação direta de inconstitucionalidade.
§ 1 º (VETADO)
§ 2° O relator1 considerando a relevância da matéria
e a representatividade dos postulantes, poderá1 por
despacho irrecorrívet admitir1 observado o prazo fixado
no parágrafo anterior1 a manifestação de outros órgãos
ou entidades.
Art. 8° Decorrido o prazo das informações1 serão
ouvidos1 sucessivamente1 o Advogado-Geral da União
e o Procurador-Geral da República1 que deverão ma­
nifestar-se, cada qual1 no prazo de quinze dias.
Art. 9° Vencidos os prazos do artigo anterior1 o
relator lançará o relatório1 com cópia a todos os Minis­
tros1 e pedirá dia para julgamento.
§ 1 ° Em caso de necessidade de esclarecimento de
matéria ou circunstância de fato ou de notória insufi­
ciência das informações existentes nos autos1 poderá o
relator requisitar informações adicionais, designar perito
ou comissão de peritos para que emita parecer sobre
a questão1 ou fixar data para, em audiência pública1
ouvir depoimentos de pessoas com experiência e auto­
ridade na matéria.

301
§ 2º O relator poderá, ainda, solicitar informações
aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos
Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma im­
pugnada no âmbito de sua jurisdição.
§ 3° As informações, perícias e audiências a que se
referem os parágrafos anteriores serão realizadas no
prazo de trinta dias, contado da solicitação do relator.

Seção II
Da Medida Cautelar em Ação Direta
de Inconstitucionalidade

Art. 1 O. Salvo no período de recesso, a medida


cautelar na ação direta será concedida por decisão da
maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado
o disposto no art. 221 após a audiência dos órgãos ou
autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo
impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de
cinco dias.
§ 1 ° O relator, julgando indispensável, ouvirá o
Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da
República1 no prazo de três dias .
§ 2° No julgamento do pedido de medida cautelar1
será facultada sustentação oral aos representantes judi­
ciais do requerente e das autoridades ou órgãos respon­
sáveis pela expedição do ato1 na forma estabelecida no
Regimento do Tribunal.
§ 3° Em caso de excepcional urgência1 o Tribunal
poderá deferir a medida cautelar sem a audiência dos
órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o
ato normativo impugnado.
Art. 1 1 . Concedida a medida cautelar1 o Supremo
Tribunal Federal fará publicar em seção especial do
Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União
a parte dispositiva da decisão, no prazo de dez dias,

3 02
devendo solicitar as informações à autoridade da qual
tiver emanado o ato, observando-se, no que couber, o
procedimento estabelecido na Seção 1 deste Capítulo.
§ 1 ° A medida cautelar, dotada de eficácia contra
todos, será concedida com efeito ex nunc, salvo se o
Tribunal entender que deva conceder-lhe eficácia re­
troativa.
§ 2º A concessão da medida cautelar torna aplicável
a legislação anterior acaso existente, salvo expressa ma­
nifestação em sentido contrário.
Art. 1 2 . Havendo pedido de medida cautelar, o
relator, em face da relevância da matéria e de seu
especial significado para a ordem social e a segurança
jurídica, poderá, após a prestação das informações, no
prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral
da União e do Procurador-Geral da República, suces­
sivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo
diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar
definitivamente a ação.

Capítulo II-A
(Incluído pela Lei nº 1 2 .063, de 2009)

Da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

Seção 1
(Incluído pela Lei nº 1 2 .063, de 2009)

Da Admissibilidade e do Procedimento da
Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão

Art. 1 2-A. Podem propor a ação direta de incons­


titucionalidade por omissão os legitimados à propositura

3 03
da ação direta de inconstitucionalidade e da ação decla­
ratória de constitucionalidade. (Incluído pela Lei nº
1 2 .063, de 2009) .
Art. 1 2-B. A petição indicará: (Incluído pela Lei n°
1 2 .063, de 2009) .
I - a omissão inconstitucional total ou parcial quan­
to ao cumprimento de dever constitucional de legislar
ou quanto à adoção de providência de índole adminis­
trativa; (Incluído pela Lei nº 1 2 .063, de 2009) .
I I - o pedido, com suas especificações. (Incluído
pela Lei nº 1 2 .063, de 2009) .
Parágrafo único . A petição inicial, acompanhada de
instrumento de procuração, se for o caso, será apresen­
tada em 2 (duas) vias, devendo conter cópias dos do­
cumentos necessários para comprovar a alegação de
omissão. (Incluído pela Lei nº 1 2 .063, de 2009) .
Art. 1 2-C. A petição inicial inepta, não fundamen­
tada, e a manifestamente improcedente serão liminar­
mente indeferidas pelo relator. (Incluído pela Lei nº
1 2 .063, de 2009) .
Parágrafo único. Cabe àgravo da decisão que inde­
ferir a petição inicial. (Incluído pela Lei n° 1 2 . 063, de
2009) .
Art. 1 2-D. Proposta a ação direta de inconstitucio­
nalidade por omissão, não se admitirá desistência. (In­
cluído pela Lei nº 1 2 . 063, de 2 009) .
Art. 1 2-E. Aplicam-se ao procedimento da ação
direta de inconstitucionalidade por omissão, no que
couber, as disposições constantes da Seção I do Capítulo
II desta Lei. (Incluído pela Lei nº 1 2 .063, de 2009) .
§ 1 ° Os demais titulares referidos no art. 2° desta
Lei poderão manifestar-se, por escrito, sobre o objeto
da ação e pedir a juntada de documentos reputados
úteis para o exame da matéria, no prazo das informa-

304
ções1 bem como apresentar memoriais. (Incluído pela
Lei nº 1 2 .0631 de 2009) .
§ 2º O relator poderá solicitar a manifestação do
Advogado-Geral da União1 que deverá ser encaminhada
no prazo de 1 5 (quinze) dias. (Incluído pela Lei nº
1 2.0631 de 2009) .
§ 3° O Procurador-Geral da República1 nas ações
em que não for autor1 terá vista do processo1 por 1 5
(quinze) dias1 após o decurso do prazo para informações.
(Incluído pela Lei nº 1 2 .0631 de 2009) .

Seção II
(Incluído pela Lei nº 1 2 .0631 de 2009) .

Da Medida Cautelar em Ação Direta de


Inconstitucionalidade por Omissão

Art. 1 2-F. Em caso de excepcional urgência e rele­


vância da matéria1 o Tribunal1 por decisão da maioria
absoluta de seus membros1 observado o disposto no art.
221 poderá conceder medida cautelar1 após a audiência
dos órgãos ou autoridades responsáveis pela omissão
inconstitucional1 que deverão pronunciar-se no prazo
de 5 (cinco) dias. (Incluído pela Lei n° 1 2 . 0631 de
2009) .
§ 1 ° A medida cautelar poderá consistir na suspensão
da aplicação da lei ou do ato normativo questionado1
no caso de omissão parcial1 bem como na suspensão de
processos judiciais ou de procedimentos administrati­
vos1 ou ainda em outra providência a ser fixada pelo
Tribunal. (Incluído pela Lei nº 1 2 .0631 de 2009) .

305
§ 2° O relator, julgando indispensável, ouvira o
Procurador-Geral da República, no prazo de 3 (três)
dias. (Incluído pela Lei nº 1 2 .063, de 2009) .
§ 3° No julgamento do pedido de medida cautelar,
será facultada sustentação oral aos representantes judi­
ciais do requerente e das autoridades ou órgãos respon­
sáveis pela omissão inconstitucional, na forma estabe­
lecida no Regimento do Tribunal. (Incluído pela Lei nº
1 2.063, de 2009) .
Art. 1 2-G . Concedida a medida cautelar, o Supremo
Tribunal Federal fará publicar, em seção especial do
Diário Oficial da União e do Diário da Justiça da União,
a parte dispositiva da decisão no prazo de 1 O (dez)
dias, devendo solicitar as informações à autoridade ou
ao órgão responsável pela omissão inconstitucional, ob­
servando-se, no que couber, o procedimento estabele­
cido na S eção I do Capítulo II desta Lei . (Incluído pela
Lei nº 1 2 .063, de 2009) .

Seção III
(Incluído pela Lei nº 1 2 .063, de 2009)

Da Decisão na Ação Direta de


Inconstitucionalidade por Omissão

Art. 1 2-H. Declarada a inconstitucionalidade por


omissão, com observância do disposto no art. 2 2 , será
dada ciência ao Poder competente para a adoção das
providências necessárias . (Incluído pela Lei nº 1 2 .063,
de 2009) .
§ 1 ° Em caso de omissão imputável a órgão admi­
nistrativo, as providências deverão ser adotadas no prazo
de 30 (trinta) dias, ou em prazo razoável a ser estipulado

3 06
excepcionalmente pelo Tribunal, tendo em vista as
circunstâncias específicas do caso e o interesse público
envolvido. (Incluído pela Lei nº 1 2 .063, de 2009) .
§ 2° Aplica-se à decisão da ação direta de inconsti­
tucionalidade por omissão, no que couber, o disposto
no Capítulo IV desta Lei. (Incluído pela Lei nº 1 2 .063,
de 2009) .

CAP Í TULO III


Da ação declaratória de constitucionalidade

Seção 1
Da Admissibilidade e do Procedimento da
Ação Declaratória de Constitucionalidade

Art. 1 3 . Podem propor a ação declaratória de cons-


titucionalidade de lei ou ato normativo federal:
I - o Presidente da República;
II - a Mesa da Câmara dos Deputados;
III - a Mesa do Senado Federal;
IV - o Procurador-Geral da República.
Art. 1 4. A petição inicial indicará:
1 - o dispositivo da lei ou do ato normativo ques­
tionado e os fundamentos jurídicos do pedido;
II - o pedido, com suas especificações;
III - a existência de controvérsia judicial relevante
sobre a aplicação da disposição objeto da ação declara­
tória.
Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de
instrumento de procuração, quando subscrita por ad­
vogado, será apresentada em duas vias, devendo conter
cópias do ato normativo questionado e dos documentos

307
necessanos para comprovar a procedência do pedido
de declaração de constitucionalidade.
Art. 1 5 . A petição inicial inepta, não fundamentada
e a manifestamente improcedente serão liminarmente
indeferidas pelo relator.
Parágrafo único. Cabe agravo da decisão que inde­
ferir a petição inicial.
Art. 1 6 . Proposta a ação declaratória, não se admitirá
desistência.
Art. 1 7 . (VETADO)
Art. 1 8 . Não se admitirá intervenção de terceiros
no processo de ação declaratória de constitucionalidade.
§ l º (VETADO)
§ 2° (VETADO)
Art. 1 9. Decorrido o prazo do artigo anterior, será
aberta vista ao Procurador-Geral da República, que
deverá pronunciar-se no prazo de quinze dias .
Art. 20. Vencido o prazo do artigo anterior, o relator
lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e
pedirá dia para julgamento.
§ 1 ° Em caso de necessidade de esclarecimento de
matéria ou circunstância de fato ou de notória insufi­
ciência das informações existentes nos autos, poderá o
relator requisitar informações adicionais, designar perito
ou comissão de peritos para que emita parecer sobre
a questão ou fixar data para, em audiência pública,
ouvir depoimentos de pessoas com experiência e auto­
ridade na matéria.
§ 2° O relator poderá solicitar, ainda, informações
aos Tribunais Superiores, aos Tribunais federais e aos
Tribunais estaduais acerca da aplicação da norma ques­
tionada no âmbito de sua jurisdição.
§ 3 ° As informações, perícias e audiências a que se
referem os parágrafos anteriores serão realizadas no
prazo de trinta dias, contado da solicitação do relator.
3 08
Seção II
Da Medida Cautelar em Ação Declaratória
de Constitucionalidade

Art. 2 1 . O Supremo Tribunal Federal, por decisão


da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir
pedido de medida cautelar na ação declaratória de
constitucionalidade, consistente na determinação de
que os juízes e os Tribunais suspendam o julgamento
dos processos que envolvam a aplicação da lei ou do
ato normativo objeto da ação até seu julgamento defi­
nitivo.
Parágrafo único. Concedida a medida cautelar, o
Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção es­
pecial do Diário Oficial da União a parte dispositiva
da decisão, no prazo de dez dias, devendo o Tribunal
proceder ao julgamento da ação no prazo de cento . e
oitenta dias, sob pena de perda de sua eficácia .

CAP Í TULO IV
Da decisão na ação direta de inconstitucionalidade
e na ação declaratória de constitucionalidade

Art. 2 2 . A decisão sobre a constitucionalidade ou a


inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo so­
mente será tomada se presentes na sessão pelo menos
oito Ministros .
Art. 2 3 . Efetuado o julgamento, proclamar-se-á a
constitucionalidade ou a inconstitucionalidade da dis­
posição ou da norma impugnada se num ou noutro
sentido se tiverem manifestado pelo menos seis Minis­
tros, quer se trate de ação direta de inconstitucionali­
dade ou de ação declaratória de constitucionalidade.

3 09
Parágrafo único. S e não for · alcançada a maioria
necessária à declaração de constitucionalidade ou de
inconstitu- cionalidade, estando ausentes Ministros em
número que possa influir no julgamento, este será sus­
penso a fim de aguardar-se o comparecimento dos
Ministros ausentes, até que se atinja o número neces­
sário para prolação da decisão num ou noutro sentido.
Art. 2 4 . Proclamada a constitucionalidade, julgar­
se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual
ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalida­
de, julgar-se-á procedente a ação direta ou improce­
dente eventual ação declaratória.
Art. 25. Julgada a ação, far-se-á a comunicação à
autoridade ou ao órgão responsável pela expedição do
ato.
Art. 2 6 . A decisão que declara a constitucionalidade
ou a inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo
em ação direta ou em ação declaratória é irrecorrível,
ressalvada a interposição de embargos declaratórios, não
podendo, igualmente, ser objeto de ação rescisória.
Art. 2 7 . Ao declarar a inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança
jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o
Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços
de seus membros, restringir os efeitos daquela decla­
ração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de
seu trânsito em julgado ou de outro momento que
venha a ser fixado.
Art. 2 8 . Dentro do prazo de dez dias após o trânsito
em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal
fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e
do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acór­
dão.
Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade
ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação

310
conforme a Constituição e a declaração parcial de in­
constitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia
contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos
do Poder Judiciário e à Administração Pública federal1
estadual e municipal.

CAP Í TULO V
Das disposições gerais e finais

Art. 2 9 . O art. 482 do Código de Processo Civil


fica acrescido dos seguintes parágrafos:

"Art.482 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

§ 1 ° O Ministério Público e as pessoas jurídicas de


direito público responsáveis pela edição do ato ques­
tionado 1 se assim o requererem1 poderão manifes­
tar-se no incidente de inconstitucionalidade1 obser­
vados os prazos e condições fixados no Regimento
Interno do Tribunal.

§ 2° Os titulares do direito de propositura referidos


no art. 1 03 da Constituição poderão manifestar-se1
por escrito1 sobre a questão constitucional objeto
de apreciação pelo órgão especial ou pelo Pleno do
Tribunal1 no prazo fixado em Regimento1 sendo-lhes
assegurado o direito de apresentar memoriais ou de
pedir a juntada de documentos .

§ 3° O relator1 considerando a relevância d a matéria


e a representatividade dos postulantes1 poderá ad­
mitir1 por despacho irrecorrívet a manifestação de
outros órgãos ou entidades. "

311
Art. 30. O art. 8° da Lei nº 8 . 1 8 5 , de 1 4 de maio
de 1 99 1 , passa a vigorar acrescido dos seguintes dispo­
sitivos:

"Art. 8° · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·

I - ..........................................................................

n) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou


ato normativo do Distrito Federal em face da sua
Lei Orgânica;

§ 3° São partes legítimas para propor a ação direta


de inconstitucionalidade:
I - o Governador do Distrito Federal;
II - a Mesa da Câmara Legislativa;
III - o Procurador-Geral de Justiça;
IV - a Ordem dos Advogados do Brasil, seção do
Distrito Federal;
V - as entidades sindicais ou de classe, de atuação
no Distrito Federal, demonstrando que a pretensão
por elas deduzida guarda relação de pertinência di­
reta com os seus objetivos institucionais;
VI - os partidos políticos com representação na
Câmara Legislativa.

§ 4° Aplicam-se ao processo e julgamento da ação


direta de Inconstitucionalidade perante o Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e Territórios as se­
guintes disposições:
I - o Procurador-Geral de Justiça será sempre
ouvido nas ações diretas de constitucionalidade ou
de inconstitucionalidade;
II - declarada a inconstitucionalidade por omissão

312
de medida para tornar efetiva norma da Lei Orgânica
do Distrito Federal, a decisão será comunicada ao
Poder competente para adoção das providências ne­
cessárias, e, tratando-se de órgão administrativo,
para fazê-lo em trinta dias;
III - somente pelo voto da maioria absoluta de
seus membros ou de seu órgão especial, poderá o
Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade
de lei ou de ato normativo do Distrito Federal ou
suspender a sua vigência em decisão de medida
cautelar.

§ 5° Aplicam-se, no que couber, ao processo de


julgamento da ação direta de inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo do Distrito Federal em face
da sua Lei Orgânica as normas sobre o processo e
o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade
perante o Supremo Tribunal Federal. "

Art. 3 1 . Esta Lei entra e m vigor n a data de sua


publicação.
Brasília, 1 O de novembro de 1 999; 1 78º da Inde­
pendência e 1 1 1 ° da República.
FERNANDO H ENRIQUE CARDOSO
José Carlos Dias

313
Lei nº 9 . 882,
de 3 de dezembro de 1 9 99

Dispõe sobre o processo e julgamento da


arguição de descumprimento de preceito
fundamental, nos termos do § 1 ° do art.
1 02 da Constituição Federal.

O PRE S I DENTE DA REPÚBLICA


Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
Art. 1 ° A arguição prevista no § l º do art. 1 02 da
Constituição Federal será proposta perante o Supremo
Tribunal Federal, e terá por obj eto evitar ou reparar
lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder
Público.
Parágrafo único. Caberá também arguição de des­
cumprimento de preceito fundamental:
I - quando for relevante o fundamento da contro­
vérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal,

314
estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Cons­
tituição;
II- (VETADO)
Art. 2° Podem propor arguição de descumprimento
de preceito fundamental:
I- os legitimados para a ação direta de inconsti­
tucionalidade;
II- (VETADO)
§ 1 ° Na hipótese do inciso I I, faculta-se ao interes­
sado, mediante representação, solicitar a propositura
de arguição de descumprimento de preceito fundamen­
tal ao Procurador-Geral da República, que, examinando
os fundamentos jurídicos do pedido, decidirá do cabi­
mento do seu ingresso em juízo.
§ 2º (VETADO)
Art. 3° A petição inicial deverá conter:
I - a indicação do preceito fundamental que se
considera violado;
II- a indicação do ato questionado;
III- a prova da violação do preceito fundamental;
IV - o pedido, com suas especificações;
V - se for o caso, a comprovação da existência de
controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do pre­
ceito fundamental que se considera violado.
Parágrafo único. A petição inicial, acompanhada de
instrumento de mandato, se for o caso, será apresentada
em duas vias, devendo conter cópias do ato questionado
e dos documentos necessários para comprovar a impug­
nação.
Art. 4 ° A petição inicial será indeferida liminarmen­
te, pelo relator, quando não for o caso de arguição de
descumprimento de preceito fundamental, faltar algum
dos requisitos prescritos nesta Lei ou for inepta.

315
§ 1 ° Não será admitida arguição de descumprimento
de preceito fundamental quando houver qualquer outro
meio eficaz de sanar a lesividade.
§ 2° Da decisão de indeferimento da petição inicial
caberá agravo, no prazo de cinco dias.
Art. 5° O Supremo Tribunal Federal, por decisão
da maioria absoluta de seus membros, poderá deferir
pedido de medida liminar na arguição de descumpri­
mento de preceito fundamental.
§ 1 ° Em caso de extrema urgência ou perigo de
lesão grave, ou ainda, em período de recesso, poderá
o relator conceder a liminar, ad referendum do Tribunal
Pleno.
§ 2° O relator poderá ouvir os órgãos ou autoridades
responsáveis pelo ato questionado, bem como o Advo­
gado-Geral da União ou o Procurador-Geral da Repú­
blica, no prazo comum de cinco dias.
§ 3° A liminar poderá consistir na determinação de
que juízes e tribunais suspendam o andamento de pro­
cesso ou os efeitos de decisões judiciais, ou de qualquer
outra medida que apresente relação com a matéria
obj eto da arguição de descumprimento de preceito
fundamental, salvo se decorrentes da coisa julgada.
§ 4° (VETADO)
Art. 6° Apreciado o pedido de liminar, o relator
solicitará as informações às autoridades responsáveis
pela prática do ato questionado, no prazo de dez dias.
§ 1 ° Se entender necessário, poderá o relator ouvir
as partes nos processos que ensej aram a arguição, re­
quisitar informações adicionais, designar perito ou co­
missão de peritos para que emita parecer sobre a ques­
tão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência
pública, de pessoas com experiência e autoridade na
matéria.

316
§ 2° Poderão ser autorizadas, a critério do relator,
sustentação oral e juntada de memoriais, por requeri­
mento dos interessados no processo.
Art. 7º Decorrido o prazo das informações, o relator
lançará o relatório, com cópia a todos os ministros, e
pedirá dia para julgamento.
Parágrafo único. O Ministério Público, nas arguições
que não houver formulado, terá vista do processo1 por
cinco dias1 após o decurso do prazo para informações.
Art. 8° A decisão sobre a arguição de descumpri­
mento de preceito fundamental somente será tomada
se presentes na sessão pelo menos dois terços dos
Ministros.
§ 1 º (VETADO)
§ 2º (VETADO)
Art. 9º (VETADO)
Art. 1 O. Julgada a ação1 far-se-á comunicação às
autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos
questionados, fixando-se as condições e o modo de
interpretação e aplicação do preceito fundamental.
§ 1 ° O presidente do Tribunal determinará o ime­
diato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão
posteriormente.
§ 2° Dentro do prazo de dez dias contado a partir
do trânsito em julgado da decisão1 sua parte dispositiva
será publicada em seção especial do Diário da Justiça
e do Diário Oficial da União.
§ 3° A decisão terá eficácia contra todos e efeito
vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder
Público .
Art. 1 1 . Ao declarar a inconstitucionalidade d e lei
ou ato normativo1 no processo de arguição de descum­
primento de preceito fundamental, e tendo em vista
razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse
social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria

31 7
de dois terços de seus membros, restringir os efeitos
daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia
a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento
que venha a ser fixado.
Art. 1 2 . A decisão que julgar procedente ou impro­
cedente o pedido em arguição de descumprimento de
preceito fundamental é irrecorrível, não podendo ser
objeto de ação rescisória.
Art. 1 3 . Caberá reclamação contra o descumprimen­
to da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal,
na forma do seu Regimento Interno .
Art. 1 4 . Esta Lei entra em vigor na data de sua
publicação.
Brasília, 3 de dezembro de 1 999; 1 7 8º da Inde­
pendência e 1 1 1 ° da República.
FERNANDO H ENRIQUE CARDOSO
José Carlos Dias

Dispositivos vetados

Art. 1 º . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Parágrafo único . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
1 - · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · · ·

I I - em face de interpretação ou aplicação dos


regimentos internos das respectivas Casas, ou regimento
comum do Congresso Nacional, no processo legislativo
de elaboração das normas previstas no art. 5 9 da Cons­
tituição Federal.
Art. 2° . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
! - ..........................................................................
II - qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato
do Poder Público.
§ 1 º. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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§ 2° Contra o indeferimento do pedido, caberá
representação ao Supremo Tribunal Federal, no prazo
de 5 (cinco) dias, que será processada e julgada na
forma estabelecida no Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal.
Art. 5° . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
§ 4° S e necessário para evitar lesão à ordem cons­
titucional ou dano irreparável ao processo de produção
da norma jurídica, o Supremo Tribunal Federal poderá,
na forma do caput, ordenar a suspensão do ato impug­
nado ou do processo legislativo a que se refira, ou ainda
da promulgação ou publicação do ato legislativo dele
decorrente.
Art. 8° . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
§ 1 ° Considerar-se-á procedente ou improcedente
a arguição se num ou noutro sentido se tiverem mani­
festado pelo menos dois terços dos Ministros.
§ 2º Se não for alcançada a maioria necessária ao
julgamento da arguição, estando ausentes Ministros em
número que possa unfluir no julgamento, este será
suspenso a fim de aguardar-se sessão plenária na qual
se atinja o quorum mínimo de votos .
Art. 9° Julgando procedente a arguição, o Tribunal
cassará o ato ou decisão exorbitante e, conforme o caso,
anulará os atos processuais legislativos subsequentes,
suspenderá os efeitos do ato ou da norma jurídica
decorrente do processo legislativo impugnado, ou de­
terminará medida adequada à preservação do preceito
fundamental decorrente da Constituição.

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