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Abstract: This essay analyzes the narrative of the process of creating a Hamlet staging,
conducted by the character Wilhelm Meister in the novel Years of Learning by Wilhelm
Meister, by Goethe. The essay starts from the idea of formation, present in the novel and
also in other works by the German author, to trace relations between the creative
theatrical process and its historical context. It also seeks to differentiate the rehearsal
process described from the other methodologies of theatrical creation present in the
same period, revealing the dialectical inspiration of the theatrical path narrated by
Goethe.
Keywords: Theater, creative process, German literature, staging, dramaturgy.
Résumé: Cet essai analyse le récit du processus de création d'une mise en scène de
hameau, dirigé par le personnage Wilhelm Meister dans le roman Les Années
d'apprentissage de Wilhelm Meister, de Goethe. L'essai part de l'idée de formation,
présente dans le roman et dans d'autres œuvres de l'auteur allemand, pour tracer les
relations entre le processus théâtral créatif et son contexte historique. Il cherche
également à différencier le processus de répétition décrit des autres méthodologies de
création théâtrale présentes à la même période, révélant l'inspiration dialectique du
chemin théâtral raconté par Goethe.
Mots-clés : théâtre, processus créatif, littérature allemande, mise en scène, dramaturgie.
Romance de formação teatral
A quase infinita literatura crítica sobre o romance de formação 1 possui como seu objeto
modelar o romance Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, de Goethe, publicado
em 1795-1796. Para Mazzari (2018), “não constitui tarefa fácil reconstituir com
precisão a dimensão espacial e temporal em que se desenrola o enredo dessa obra
povoada de atores itinerantes, aventureiros, burgueses, nobres, poetas e artistas” (p. 15),
mas é possível afirmar que “a aprendizagem do herói tem lugar aproximadamente entre
os anos de 1770 e 1780, no interior da Alemanha” (p. 15). A mais lapidar definição
sobre a experiência de formação narrada ali surge, entretanto, do próprio autor, anos
depois de publicada a obra:
1
Que pode ser rastreada, à título de principais fontes e referências para a reflexão que norteia este artigo,
desde o clássico ensaio, escrito em 1916, por Gyorg Lukács, Teoria do Romance (Lukács, 1999), até os
números 27 e 28 da revista eletrônica Literatura e sociedade, publicados em 2018.
(https://www.revistas.usp.br/ls/issue/view/10760) . Karl Morgenstern (1770–1852), em uma conferência
intitulada “Sobre o espírito e a relação de uma série de romances filosóficos”, proferida em
1810,foi quem entrou na história literária como aquele que cunhou efetivamente designação
Bildungsroman . (Cf. MAZZARI, 2018, P.13)
2
O trecho bíblico é mencionado, nos Anos de aprendizado..., pelo personagem Friedrich, ao amigo
Wilhelm, no final do livro VIII e foi retirado de uma passagem da Bíblia, do livro Reis I , 9-10.
narrativa como um indivíduo único, capaz de evoluir e progredir no tempo, de formar-
se, de realizar em ato aquilo que havia nele como potência. Isto não só supõe a
aquisição de habilidades, mas também uma formação subjetiva integral, o que implica,
entre tantos outros objetivos, disciplinar a própria individualidade e desejos, em uma
obrigação de aperfeiçoamento, já que a formação individual leva ao progresso universal
da humanidade. A formação tem aqui um componente histórico e utópico, pois sua meta
não é apenas o aprendizado do sujeito isolado, mas o desenvolvimento do gênero
humano, tal como surge no quinto capítulo do Livro VIII, em que Jarno lê ao herói
sentenças da “carta de aprendizagem de Wilhelm Meister”, promovendo certa
relativização no sentido da formação individual: “Só todos os homens juntos compõem
a humanidade; só todas as forças reunidas, o mundo. Estas estão com frequência em
conflito entre si e, enquanto buscam destruir-se mutuamente, a natureza as mantém
juntas e as reproduz”.( Goethe, 1994, p. 536-537).
Essa aspiração utópica, contida no o romance de Goethe, que prevê a formação
como capacidade de avanço da subjetividade social até realizar a harmonia entre o
sujeito e o mundo, superando a oposição, que marca o pensamento moderno, entre
sujeito e objeto, é também uma resposta a uma experiência histórica de alienação, de
fragmentação do indivíduo e da sociedade capitalista, contextualizada historicamente
pela Revolução Industrial e suas consequências. Para o filósofo húngaro Gyorg Lukács,
o romance de Goethe “está ideologicamente na fronteira entre duas épocas: dá forma à
crise trágica dos ideais humanistas burgueses, e ao início de sua
superação – provisoriamente utópica – do marco da sociedade burguesa” (Lukács, 1972,
p.127). O caminho que seguirá Wilhelm é o da integração às regras e controles sociais,
e descobrimos, durante a narrativa, que seus passos – e seus erros – foram sempre
guiados e determinados, à distância e secretamente, pela Sociedade da Torre, uma
sociedade secreta de clara inspiração maçônica, cujos membros configuram uma
comunidade onde Wilhelm encontrará a felicidade amorosa e um lugar para exercer um
ofício3. De forma modelar para a ideologia burguesa de então, o herói abandonará suas
3
Um exemplo de como age a Sociedade da Torre ao longo do romance pode ser encontrado no seguinte
trecho, em que um remetente misterioso orienta Meister a respeito de uma crise durante a montagem de
Hamlet: “Pode-se, portanto, imaginar qual não foi o assombro de Wilhelm ao encontrar, certa tarde, sobre
sua mesa, lacrado e endereçado a seu pseudônimo, com caracteres estranhos, o seguinte bilhete: — O
singular jovem, estás, como sabemos, em grande apuro. Mal encontras pessoas para teu Hamlet, e menos
ainda para os espectros. Teu zelo merece um milagre; milagres não podemos fazer, mas qualquer coisa de
milagrosa há de se passar. Se tens fé, à hora apropriada aparecerá o espectro! Tem ânimo e fica tranquilo!
Não há necessidade de resposta, estaremos a par de tua decisão." (Goethe, 1994, p. 299-300). Já no final
de sua trajetória, no Livro VIII do romance, Wilhelm assim define a Sociedade: “Tudo que conheço
desses santos homens, sua louvável intenção parece ser a de separar todo o tempo o unido e unir o
ilusões a respeito do teatro e optará por uma profissão, a de cirurgião, totalmente
distante de seus sonhos libertários do início de sua trajetória.
Há nesse ideal pedagógico e de formação, contido na atividade da Sociedade da
Torre, influência do tratado Emílio, de Rousseau4, a partir da meta de uma espécie de
educação pelo erro, em que o sujeito é deixado livre para desviar-se do que seria o seu
caminho natural, até reconciliar-se com sua verdadeira Natureza, por meio da desilusão
e do duro aprendizado errante:
separado. O tipo de trama que pode resultar disso continuará talvez para sempre como um enigma
a nossos olhos profanos”. (Goethe, 1994, p. 532).
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Em uma das diversas reflexões sobre o aprendizado movido pelo erro, escreve Rousseau acerca das
crianças: “Apesar disso será preciso, sem dúvida, guiá-la [a criança] um pouco, mas muito pouco e sem
que o pareça. Se se enganar, deixai-a fazer, não corrijais seus erros, esperai em silêncio que ela esteja em
condição de vê-los e de corrigi-los ela própria. (...) Se ela não se enganasse nunca, não aprenderia tão
bem. ( Rousseau, 1979, p.136)
práticas e processos criativos que perduraram por grande parte do teatro ocidental do
século XX.
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Para o maior teórico do classicismo francês, Boileau, os princípios que deve seguir o gênero trágico
versam sobre agradar ao público, despertar o terror e a compaixão; obedecer às regras da exposição
concisa e clara e a submissão às três unidades, à verossimilhança, à conveniência e à progressão
dramática. “Nós, que a razão engaja às suas regras, queremos que a ação se desenvolva com arte: em um
lugar, em um dia, um único fato”. (Boileau-Despréaux, 1979, p. 42). Evidentemente, tais regras não
servem para definir a dramaturgia de Shakespeare.
padrões “monstruosos” do poeta inglês. Nos Anos de aprendizado, o percurso de
encenação – e de formação – do Hamlet expressa essa revalorização do teatro do
elisabetano.
Assim, o processo de encenação descrito no romance expressa uma pedagogia
teatral, que envolve a redescoberta de Shakespeare como símbolo da poética do
primeiro romantismo alemão, e uma perspectiva de formação coletiva para a atrasada
Alemanha da época6, além do processo educacional de Meister. A formação daquela
montagem de Hamlet é também formação individual e nacional. Por isso, a primeira
etapa dos ensaios, que envolvia a adaptação do texto de Shakespeare para a realidade do
público alemão, deveria envolver um aprendizado, por parte da companhia teatral
envolvida, das características específicas daquela forma dramatúrgica:
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Refletindo sobre Lessing, Paula (2008), traz importante contribuição sobre o estágio social da Alemanha
do período: “No caso da Alemanha na primeira metade do século XVIII, ainda perfeitamente fragmentada
e, por isto, diminuída diante de Estados Nacionais já constituídos, como a França e a Inglaterra, por
exemplo, a estratégia de superação do “atraso”, de alcance das potências européias, mobilizou, entre
outros instrumentos, um questionamento à hegemonia cultural francesa. Lessing se colocou esse
problema a partir da construção de uma dramaturgia especificamente alemã, o que significou, de pronto,
um confronto com a “Reforma teatral” de Johann Christoph Gottsched (1700-1766), crítico e professor
grandemente renomado então, que queria introduzir, na cena alemã, as regras do teatro clássico francês,
de Pierre Corneille (1606-1684), de Jean Racine (1639-1699). Lessing vai combater o projeto de
Gottsched opondo à tragédia clássica francesa o “gênio” de Shakespeare, as demasias, o furor, a
enciclopédia dos sentimentos humanos contidos em seu teatro” (p. 219-220).
O que está em jogo, no processo de ensaio que começa a ser descrito nessa etapa do
romance, não é a construção de um discurso cênico independente da dramaturgia, por
meio de um sistema de signos próprio, tal visão acerca da encenação teatral só seria
hegemônica a partir do século XX. No entanto, a cena não significa também a
apresentação dos aspectos narrativos do texto, já aparentes em uma leitura superficial da
obra: o trabalho de adaptação do texto, que envolve principalmente cortes e supressões,
deve ater-se à uma abordagem crítica da peça, que visa desvelar o que apenas a
encenação pode empreender, por meio da junção de uma nova camada de significados
àqueles previstos pelo dramaturgo. Segundo a interpretação de Meister, esse tecido de
significados por ser dividido em duas vertentes: aquela ligada à sequência de ações e de
relações entre os personagens, que seria a principal; e uma segunda, que envolve “fios
tênues” mas igualmente importantes, formados pelos movimentos “exteriores” dos
personagens, que conferem uma moldura aos conflitos familiares da trama. Para
Meister, fazem parte dessa moldura exterior as ações realizadas fora do âmbito privado
dos conflitos:
as agitações na Noruega, a guerra com o jovem Fortim Brás, a embaixada ao
velho tio, a discórdia apaziguada, a expedição do jovem Fortim Brás à
Polônia e seu regresso ao final, assim como o regresso de Horácio de
Wittenberg, o desejo de Hamlet de partir para lá, a viagem de Laertes à
França, seu retorno, o envio de Hamlet à Inglaterra, sua captura pelos
piratas” (Goethe, 1994, p. 291).
Esses defeitos são como esteios momentâneos de uma edificação, que não
podem ser removidos sem antes erguer-se um sólido muro. Minha proposta,
portanto, é não tocar absolutamente nas primeiras e grandes situações,
conservando-as tão cuidadosamente quanto possível tanto em seu conjunto
quanto em seu detalhe, mas rejeitar de vez esses motivos exteriores,
particulares, dispersivos e dispersadores, substituindo-os por um só. — E
qual seria? — perguntou Serlo, levantando-se de sua confortável posição. —
Já está na própria peça — replicou Wilhelm bastando apenas que se o
use corretamente. Trata-se das agitações na Noruega. (Goethe, 1994, p. 292).
— O senhor soube compreender muito bem — disse ele, entre outras coisas
— que as circunstâncias exteriores devem não só acompanhar essa peça, mas
também ser mais simples que as indicadas pelo grande poeta. O que se passa
fora do teatro, o que o espectador move, o que ele tem de imaginar, é como
um pano de fundo diante do qual se movem as personagens em ação. —
Essa grande e simples perspectiva da frota e da Noruega será de grande valor
para a peça; se a suprimíssemos completamente, só restaria uma cena de
família, e a grande ideia de que toda uma dinastia real se aniquila aqui em
virtude dos crimes e das torpezas íntimas não estaria representada em toda
sua dignidade. (Goethe, 1994, p.294)
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O conceito de aufhebung, utilizado na filosofia dialética de Hegel, é geralmente vertido por “superação”,
quando não por “suprassunção”, termo criado por Paulo Menezes ao traduzir a Fenomenologia do
Espírito. A difícil tentativa se dá em reproduzir numa única palavra a junção entre abolir, elevar e
conservar, presente em aufhebung . Seguindo Leandro Konder, Jorge de Almeida e Gabriel Cohn, optei
por adotar “suspender” na tradução do conceito.
sentimento9 – e do teatro tributário desse período, é narrado no romance de Goethe
como uma etapa da formação da montagem teatral e de Meister como artista e ser
humano. Se na arena social as contradições dos ideais ilustrados pareciam de resolução
impossível, o teatro funciona no romance como território em que a crise pode ser
“suspensa”. Importante notar que o romance de Goethe não descreve por muito tempo
as apresentações da peça quando terminada. A opção por descrever o processo criativo
do Hamlet de Meister tem por objetivo expressar o longo processo de aprendizado e
concretização das soluções encontradas, em que o passo a passo da narrativa dos ensaios
simboliza o percurso de realização dos aspectos revolucionários do Esclarecimento:
Sobre a base dessa contradição Lukács aponta que, durante todo o século XIX,
surgiram tentativas de solução utópica. Para o filósofo húngaro, a ironia “finíssima e
profunda” de Goethe nos Anos de aprendizado..., consiste em que o ideal de
humanidade livre se realize no romance por meio da colaboração pedagógica de dois
grupos de seres humanos em duas ilhas diferentes: a Sociedade da Torre e o teatro. O
fato da realização de uma humanidade reconciliada só ser possível de maneira utópica –
em refúgios insulares – consiste, ainda segundo Lukács, em um testemunho do
“rebaixamento” dos ideais civilizatórios burgueses, na exposição de que Wilhelm
Meister se encontra na fronteira de duas épocas: o romance daria forma à crise trágica
do humanismo liberal e ao começo da sua estagnação. Por isso, o teatro seria
apresentado como parte desse impasse, e a encenação do Hamlet apresentada como um
grande fracasso. Daí a opção de Wilhelm por abandonar, logo depois, sua carreira
teatral:
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Para Lukács, o grande impasse enfrentado por Goethe e pelos românticos alemães se deu em enfrentar
“a oposição mecânica entre razão e sentimento. (...) Nisto se expressa sem nenhuma dúvida uma crise da
tendência filosófica predominante na Ilustração, a transição a um estágio superior do pensamento. Mas
também essa é uma tendência internacional de toda a Ilustração, ainda que com uma função corretora
precisamente da última corrente que entra em ação, a alemã (Lukács, 1972, p.64).
Corresponde plenamente a essa concepção do teatro [como ilha utópica] que
a ação do Anos de aprendizagem rebaixe o teatro, que o teatro não seja já
para Wilhelm Meister "vocação", senão ponto de partida. (...) O Wilhelm
posterior, já maduro, considera explicitamente essa vida como um erro ou um
desvio até a meta (Lukács, 1972, p.93).
O romance que inicialmente coloca o teatro em seu centro, retorna desde essa
perspectiva elevada ao terreno prosaico, para afirmar seu próprio ser, que é o
romance. O teatro não pode mais ser o único gênero de épocas pós-
revolucionárias que promove o ideal de liberdade, porque o mundo que ele
representa e com o qual ele está comprometido até a raiz deixou de ter plena
efetividade e de dar sua marca à realidade. O que interessa agora é o homem
em seus muitos aspectos. O modelo de Shakespeare, e principalmente o
subjetivismo de Hamlet, não explica mais a complexidade da existência.
(Werle, 2013, p.118)
Para Werle, o fato de Meister ter abandonado sua vocação artística indica que
a criação teatral fornece-lhe uma formação voltada para a interioridade, uma
interioridade, sob certo aspecto, artificial, de fuga do verdadeiro mundo das relações
sociais, uma vez que despreza o mundo exterior, o contato com o mundo real. “Meister
repentinamente sente a necessidade de deixar o palco e se colocar em uma base real
para sua formação “(Werle, 2013, p.117). Acredito ter demonstrado acima, durante a
análise da descrição da primeira etapa que envolve o processo de montagem do Hamlet,
o quanto a criação teatral promovida por Meister considera o mundo exterior, fazendo
escolhas de forma e de conteúdo a partir do confronto entre a realidade histórica de
Shakespeare e o panorama da Alemanha de então. Seria difícil defender, assim, que a
renúncia de Meister envolve algum tipo de crítica ao teatro como linguagem ficcional
que ofusca o contato com o mundo real. Mas compreendo as afirmativas de Lukács e de
Werle do seguinte modo: de fato, as apresentações de Hamlet não satisfazem Meister e
a sua recusa posterior em continuar fazendo teatro indica uma desilusão com a
atividade. O que me parece fundamental aqui é demonstrar, partindo da própria
desproporção encontrada na narrativa de Goethe, em que diversos capítulos são
dedicados a descrever o processo de ensaio da peça, enquanto as apresentações são
rapidamente abandonadas – tanto por Meister quanto pelo próprio Goethe, que deixa de
mencioná-las –, que a relação fundamental do romance não está entre “teatro e vida”,
como sugere Werle, ou entre “desvio”e “meta”principal, como quer Lukács: de fato, se
escolhermos esses termos, o teatro é sempre apresentado desfavoravelmente, como uma
passagem provisória e “utópica”.
O termo que eu gostaria de privilegiar neste ensaio não é o “teatro”, como
linguagem abstrata: é o processo de criação teatral. Parece-me que Goethe não pretende
retratar a situação do “teatro” na Alemanha, mas escolhe traçar, por meio de uma
descrição pormenorizada, um processo de ensaio. Esse processo não envolve uma
maneira qualquer de ensaiar, mas apresenta procedimentos de trabalho e de construção
da obra teatral totalmente distintos daqueles empregados pelos teatros do classicismo
francês ou do ascendente drama burguês de então. Tal diferença visa aproximar não o
teatro, mas o processo de construção teatral – dialético e coletivo, capaz de conjugar
teoria e prática, razão e sentimento, mente e corpo, indivíduo e grupo – do ideal de
formação humanista do Esclarecimento. Vejamos uma outra etapa desse processo e
como podemos aproximá-lo dessa concepção, inspirada pela Revolução Francesa e por
suas crises e fraturas, de formação humana para a liberdade.
Ele amava a música e afirmava que, sem esse amor, um ator não poderia
jamais formar uma ideia e um sentimento preciso de sua própria arte. Da
mesma forma como se age com mais facilidade e mais distintamente quando
os gestos vêm acompanhados e dirigidos por uma melodia, assim também
devia o ator compor em espírito, de certo modo, seu prosaico papel, para que
a monotonia não o atabalhoasse, segundo seu estilo e maneiras individuais,
mas sim o tratando com as devidas modulações de medida e tom. (Goethe,
1994, p. 241)
É possível comparar o processo descrito até agora no romance com esse trecho
de Stanislavski, entre infinitos outros exemplos em que o diretor russo menciona o
tempo-ritmo das ações, a partitura física, as imagens internas a serem criadas e
visualizadas durante a representação pelos atores, todos aspectos que podemos
identificar no processo de ensaio descrito em Anos de aprendizado:
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