Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
E HISTORIOGRAFIA
Introdução
Definir se a história é ou não é uma ciência faz parte de um debate
aparentemente eterno dentro do campo da história. Nenhum historiador
poderá ficar indiferente a esta discussão, devendo confrontar o pro-
blema mais cedo ou mais tarde. A importância de realizar essa reflexão
é que, a partir dela, o trabalho do historiador pode ganhar contornos
mais precisos, auxiliando sua tarefa como produtor de conhecimento
histórico. Em um ramo do conhecimento que possui tantas tendências
relevantes e diversos paradigmas, conhecê-los e estar apto a fazer sua
crítica é outra característica essencial para um bom historiador. Ademais,
o domínio dos conceitos e a sua correta aplicação para evitar o erro
do anacronismo são fundamentais para o correto desenvolvimento de
um trabalho histórico.
Neste capítulo, você vai conhecer a discussão sobre a cientificidade
da história e quais os principais fundamentos da história como ciência.
Além disso, vai aprender sobre as principais correntes historiográficas
surgidas a partir do século XIX. Por fim, você vai refletir sobre a impor-
tância do contexto histórico e do uso dos conceitos para a análise dos
fatos históricos.
2 O conceito de história
Positivismo
O francês Auguste Comte (1798–1857) é geralmente referido como o “pai” da
sociologia. Esse campo do conhecimento não existia até a primeira metade
do século XIX, tendo algumas de suas bases lançadas por Comte. Além
disso, Comte foi o responsável pela criação de uma nova doutrina, chamada
por ele de positivismo. Dentre suas principais características, podemos nos
referir à concepção de que o pesquisador (sujeito) nas ciências humanas pode
posicionar-se de maneira absolutamente neutra perante seu objeto de estudo,
tal qual nas ciências naturais.
Como nos lembram Bourdé e Martin (1983), a ciência positivista era calcada
na ideia da “lei dos três estados”, que seriam as etapas pelas quais o conheci-
mento humano havia passado pela história. A primeira “lei” diz respeito ao
“estado teológico”, no qual o ser humano atribuía os eventos históricos a seres
sobrenaturais; no estado seguinte, o metafísico, os seres sobrenaturais seriam
substituídos pelas abstrações de modo a explicar a história; finalmente, no “es-
tado positivo”, o ser humano busca explicar a realidade pelo método científico.
O conceito de história 7
Esta história positivista será uma história que, exatamente por acreditar que os
fatos podem ser isolados do sujeito que os confronta (o historiador) e podem
ser percebidos em seus contornos precisos, terá a capacidade de descrever a
verdade sobre os fatos históricos (que a este ponto constituem, para o positi-
vismo, a própria História), pois a análise do objeto pode ser assimilada pela
ciência (aquela ciência que é metodologicamente bem informada — isto é, a
ciência positivista) sem que haja qualquer perda ou redução: o saber histórico
tem a capacidade de reproduzir fielmente os fatos históricos.
Marxismo
Na primeira metade do século XIX, com a publicação do Manifesto Comunista
(1848), Karl Marx (1818–1883) e Friedrich Engels (1820–1895) inauguraram
uma nova e radical concepção da história, conhecida posteriormente por
materialismo histórico-dialético. No Manifesto, redigido sob encomenda em
1847 para a Liga dos Justos, como programa da organização, Marx e Engels
afirmaram que “[...] a história de todas as sociedades até hoje existentes é a
história da luta de classes” (MARX; ENGELS, 2010, p. 40). A partir dessa
simples, mas poderosa frase, todo um novo horizonte teórico se abriria, que
mais tarde seria chamado de marxismo. Segundo a concepção dos autores,
ao longo dos séculos todas as sociedades apresentaram um conflito principal
entre duas grandes classes principais. Na Antiguidade, a oposição se dava entre
senhores e escravos; no período medieval, a contradição social ocorria entre
nobres e plebeus; já na modernidade, com a ascensão da burguesia, que no
seu seio criava o proletariado, o conflito se tornava ainda mais simples, com
uma pequena parcela de burgueses contra a vasta população de proletários.
Para o marxismo, as lutas de classes são o motor da história, pois é a partir
delas que as novas sociedades surgem, suplantando as sociedades anteriores.
Isto ocorre pelos modos como uma sociedade se organiza em relação ao tra-
balho e à produção. Quando um determinado modo de produção se exaure, a
classe que o comandava é destruída por uma nova classe, que estabelece uma
nova forma de produção e circulação de mercadorias. Assim, cada vez que
o modo de produção de uma sociedade é revolucionado, toda a sociedade é
transformada radicalmente.
Para o marxismo, portanto, são as condições concretas da vida, o modo
como os homens reproduzem a sua existência (estrutura), que determinam
em última análise a consciência social e suas instituições política, jurídicas,
religiosas etc. (superestrutura). Segundo essa óptica, toda forma de Estado
é uma ditadura de classe, pois esse Estado é um reflexo da exploração e da
opressão que a classe dominante exerce sobre a classe dominada. O marxismo,
portanto, é uma corrente intelectual materialista, em oposição ao idealismo
alemão originado em Hegel.
O conceito de história 9
Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não
a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se
defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de
todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.
Esta obra gigantesca que é O Capital contém simplesmente uma das três
grandes descobertas científicas de toda a história humana: a descoberta do
sistema de conceitos (portanto, da teoria científica) que abre ao conhecimento
científico aquilo que podemos chamar de “Continente-História”. Antes de
Marx, dois “continentes” de importância comparável já haviam sido “abertos”
ao conhecimento científico: o Continente-Matemática, pelos gregos do século
V a.C., e o Continente-Física, por Galileu.
Desde que Karl Marx publicou seus primeiros trabalhos, no século XIX, o marxismo
esteve no centro dos debates acadêmicos e políticos. Por conta disso, ainda hoje existe
muita confusão sobre o significado dessa corrente intelectual e política conhecida como
marxismo. No podcast a seguir, você irá encontrar um debate entre professores doutores
com visões distintas a respeito do termo, explicando o que é e o que não é marxismo.
https://qrgo.page.link/z2qmd
Nova história
A chamada “nova história” é uma corrente historiográfica que surge em fins
da década de 1960, vinculada à terceira geração da Escola dos Annales. Esta
O conceito de história 11
Phillipe Ariès foi um dos grandes nomes da terceira geração da Escola dos Annales.
Ariès dedicou seus estudos às questões envolvendo família e infância. Confira no vídeo
a seguir uma pequena biografia deste historiador.
https://qrgo.page.link/9q25M
O problema do anacronismo
Observar o contexto histórico é tarefa essencial para o historiador. Um dos pio-
res erros de abordagem que o historiador pode cometer é utilizar conceitos que
fazem sentido na época em que produz seu texto, mas que são completamente
estranhos à época sobre a qual se debruça. A isso chamamos de anacronismo,
ou seja, atribuir a um determinado período histórico ideias, sentimentos,
instituições e outras características gerais que já haviam desaparecido ou
que surgiriam muito tempo depois. Um exemplo claro: um historiador, ao
escrever sobre a forma como os antigos egípcios se organizavam em relação
ao trabalho, jamais poderá utilizar categorias como burguesia ou proletariado,
classes sociais que surgiriam muitos séculos depois. Para Febvre (1968, p. 15
apud RIAUDEL, 2015, documento on-line), o historiador deve evitar a todo
custo o anacronismo, sendo este “[...] o pecado dos pecados, o pecado entre
todos irremissível”.
Em um caso, pode ocorrer o anacronismo “de ontem para hoje”. É o que ocorre
quando lemos um texto de outra época e, de modo inaceitável, atribuímos a
certa palavra um sentido que ela não tem hoje, comprometendo toda a inter-
pretação do texto. Em outro caso, pode ocorrer o anacronismo “de hoje para
ontem”. É o que se verifica quando, ao tentar analisar um texto ou processo
histórico do passado, ou ao tentar descrever cenas e acontecimentos históricos,
utilizo uma palavra de hoje (que não existia naquela época) e o resultado é ca-
tastrófico, produzindo incontornáveis estranhamentos e drásticas deformações.
ALTHUSSER, L. Advertência aos leitores do Livro I d'O Capital. In: MARX, K. O capital:
crítica da economia política: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2017. Livro 1.
BARROS, J. A. Os conceitos na história: considerações sobre o anacronismo. Ler História,
n. 71, p. 155-180, 2017. Disponível em: https://journals.openedition.org/lerhistoria/2930.
Acesso em: 13 ago. 2019.
BLOCH, M. Apologia da história ou o ofício de historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BOURDÉ, G.; MARTIN, H. As escolas históricas. Lisboa: Publicações Europa-América, 1983.
BURKE, P. A escola dos annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São
Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.
DELUMEAU, J. História do medo no ocidente 1300-1800: uma cidade sitiada. São Paulo:
Companhia das Letras, 2009.
FONSECA, R. M. O positivismo, "historiografia positivista" e história do direito. Argumenta,
n. 10, p. 143–166, 2009. Disponível em: http://seer.uenp.edu.br/index.php/argumenta/
article/view/131. Acesso em: 13 ago. 2019.
MARX, K. O 18 Brumário e cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969.
MARX, K. O capital: crítica da economia política: o processo de produção do capital.
São Paulo: Boitempo Editorial, 2017. Livro 1.
O conceito de história 17
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto comunista. São Paulo: Boitempo Editorial, 2010.
MOSCATELI, R. A narrativa histórica em debate: algumas perspectivas. Revista Urutágua,
n. 6, 2005. Disponível em: http://www.urutagua.uem.br/006/06moscateli.htm. Acesso
em: 13 ago. 2019.
REIS, J. C. O desafio historiográfico. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
RIAUDEL, M. Literatura vs história: uma questão anacrônica? Literatura e sociedade, v. 20,
n. 20, p. 157–166, 2015. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ls/article/view/107426.
Acesso em: 13 ago. 2019.
RÜSEN, J. Razão histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Brasília:
Editora Universidade de Brasília, 2001.
RUST, L. D. A "terceira geração dos annales" e o exorcismo do tempo. BIBLOS, v. 22,
n. 1, p. 47–60, 2008. Disponível em: http://www.brapci.inf.br/index.php/res/v/22893.
Acesso em: 13 ago. 2019.
VEYNE, P. M. Como se escreve a história: Foucault revoluciona a história. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1982.
WHITE, H. Meta-história: a imaginação histórica do século XIX. São Paulo: EDUSP, 2008.