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A RODA DA FEIRA

Uma vivência (na) FELIZ(S) 1

Alvaro Pantoja Leite (*)

Uma quase lua cheia já brilhava no fundo do céu naquela quinta-feira, quando Mestre
Dionísio, tendo apresentado os três tambores com seus tocadores, chamava agora suas
coreiras para formar a roda do Tambor de Crioula, anunciando mais uma noitada de
brincadeira e encantaria, em meio a um evento cujo mote era também um chamado: “venha
mirar o mundo!” Não imaginava que durante aquela semana, circulando por uma Feira do
Livro na Ilha de São Luís, fosse navegar mares e admirar mundos daquele jeito!

Foi como nas noites anteriores, naquela tenda reservada ao que, no programa da
Primeira Feira do Livro de São Luís, se chamou "Aula-Show": um lugar onde mestres e
mestras de diversos notáveis saberes – das chamadas "expressões da cultura popular
maranhense" (dos Festejos do Divino, dos diversos "sotaques" do Bumba-Boi, do Tambor de
Crioula, etc.) – subiam ao palco, empunhavam o microfone e diziam a sua palavra; e
conversavam com o público, antes de chamar o seu povo para a apresentação no terreiro e
puxar suas toadas, animando e a todos envolvendo na dança-brincadeira.

Primeira lição: com tais mestres e mestras estamos sempre (re)aprendendo a brincar –
inclusive a "brincar com as palavras", esse movimento que anima toda boa literatura.

Nas rodas de tambor como nas de bumba-boi, a brincadeira é "uma linguagem que
associa histórias, memórias e música"2. Linguagem feita de narrativas que nos vêm "de longe"
– e chegam "perto" e calam "dentro" – e nos comovem através dos contos e da poesia de que
são feitas as toadas. Linguagem feita de sonoridades que nos movem e animam através dos
toques, das batidas cadenciadas e encadeadas de tambores, caixas, pandeiros, matracas.
Linguagem feita de mandalas3 que vão se desenhando e nos envolvendo, enquanto admiramos
encantados a roda da dança e, nela, o movimento das saias no girar das coreiras.

A roda significa o lugar, a encenação criada para a apresentação, realização do


tambor. Se levamos para um sentido mais geral a roda é a forma de inserção nos mais
variados ambientes. O tambor circula a sua roda em aniversários, festejos religiosos,
batizados, dias santos. A sua lógica é a do movimento, da circularidade de espaços,
motivos e empolgações.
Não só o espaço de apresentação é circular, como as saias das mulheres têm que
ser amplas para em determinado momento rodarem, assim como a frente, a "face"
dos tambores é redonda. As toadas também circulam, sendo as mais conhecidas
amplamente divulgadas entre os grupos. 4

"Como se fora brincadeira de roda"... os primeiros versos de Redescobrir, a canção de


Gonzaguinha eternizada na voz de Elis Regina - era esse o mote que vinha e voltava naqueles
dias, ecoando em minha mente enquanto circulava pela Feira do Livro.

1
1ª. FEIRA DO LIVRO DE SÃO LUÍS – VENHA MIRAR O MUNDO. São Luís, 18 a 27 de outubro de 2007.
2
A dança. “Entra na roda, mulher!" Em: RAMASSOTE, Rodrigo Martins (coord.) Os Tambores da Ilha
(p.115). São Luis: IPHAN / MinC, 2006.
3
Mandala é palavra vinda de uma língua muito antiga, o sânscrito, e quer dizer círculo encantado.
4
A roda. Em: Os Tambores da Ilha. Op.cit., p.47.
A dinâmica da circularidade orienta as performances das apresentações. Tanto o
toque quanto a dança seguem o princípio da alternância. ... Deve haver uma
circulação entre os que dançam e os que tocam, apesar de haver o reconhecimento
daqueles que são apontados como os que "arrepiam" na dança ou sabem fazer o
tambor falar com mais força. 5

Expresso aqui um ponto de vista, da minha vivência na Feira, a partir de uma percepção
pessoal do que possa ter sido uma idéia-chave, um princípio fundante da concepção que guiou
a realização dessa primeira FELIS: justamente a dinâmica da circularidade destacada pelos
pesquisadores de "Tambores da Ilha", percebida como uma "matriz" que gera e configura
jeitos próprios (apropriados) de imaginar/sentir/pensar/fazer/relacionar-se.

Penso que pode ser bem interessante revisitar a experiência da Feira tomando como fio
condutor essa imagem/figura – que pode servir, ao mesmo tempo, de inspiração poética e
conceito analítico – para contar a história desse evento multicultural. Imagino: girando como
num caleidoscópio, de quais tantas muitas rodas foram feitas a preparação e a realização dessa
1ª. Feira do Livro de São Luís? E dos tambores que circularam? E das saias que rodaram? E
das toadas que foram puxadas, cantadas e também circularam? E dos toques que convocaram
e das danças circulantes que animaram? E de toda a gente que circulou esses dias pela Feira, e
da alternância entre os que falaram e os que ouviram, os que dançaram e os que tocaram? E de
toda a con-vivência e de tanta con-versação de que foi feita essa vivência? E ...

Segunda lição: Tambor não se faz só. Os integrantes do grupo sabem que a dança,
assim como o toque, é de todos. E foi certamente esse saber-pensar que gerou o saber-fazer
que criou toda a ambiência sentida por quem lá esteve: a praça tornada pedra de encantaria.

Se agora o sentido mais forte é de que a Feira constituiu "um momento singular na vida
da cidade", e que "mesmo baseada em um modelo já tão aplicado Brasil afora, obteve aqui um
ar próprio e uma tonalidade de forte emoção e esfuziante alegria, por quanto de
contentamento se via estampado na fisionomia de todos", é porque as duas lições foram
mesmo aprendidas, vale dizer: tomadas em conta, vivenciadas, incorporadas. Do chamado
inicial, a Primeira Feira do Livro de São Luís já nos deixou um legado. Penso que, para os
anos vindouros, o desafio seja seguir apostando nesse legado.

“Tudo o que o Poder do Universo realiza completa-se num círculo.(...)


A vida dos seres humanos descreve um círculo da infância até a velhice,
o mesmo acontecendo com tudo que é movido por uma energia.
Nossas tendas eram redondas como ninhos de pássaros
e sempre dispostas em um círculo, o círculo de nosso povo,
um ninho de muitos ninhos, nos quais nos criamos e cuidamos de nossa criação
segundo a vontade do Grande Espírito.”

Black Elk (Alce Negro),


Ancião do povo Lakota- Sioux (indígena norte-americano)

(*) Alvaro Pantoja Leite é educador/formador e sociólogo, graduado em Filosofia, pós-graduado em Sociologia
e doutorando em Ciências da Educação. De 1990 a 2005 foi membro do Coletivo de Educadores do CENAP
(Centro Nordestino de Animação Popular, Recife-PE). Trabalha em programas de formação de educadores(as)
sociais desde os anos '80. A partir de 2000 vem atuando também como 'focalizador' em rodas, encontros e
oficinas de Danças Circulares, em todas as capitais do Nordeste. Contato: alvarpan@gmail.com.

5
A roda. Em: Os Tambores da Ilha. Op.cit., p.47.

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