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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

A Morte de Bessie Smith (fragmentos)


de Edward Albee
Estreou em Berlin, Alemanha, em 21 de Abril de 1960 no Schlosspark Theater

tradução Alexandre Tenório

Cena 1
Um canto num bar. BERNIE sentado numa mesa, uma cerveja a sua frente, um copo.
JACK entra, cuidadosamente, traz uma cerveja na mão; não vê BERNIE.

BERNIE (Reconhecendo JACK, com agradável surpresa) Ei!

JACK Hm?

BERNIE Ei, Jack!

JACK Hm?... Que?... (Reconhecendo-o) Bernie!

BERNIE Ta fazendo o que aqui, cara? Vem sentar.

JACK Pô, eu não acredito...

BERNIE Vem, senta aqui , Jack.

JACK Pô... claro... poxa não acredito. (Vai para a mesa e se senta) Bernie. Nossa,
como ta quente. E aí, cara, como você ta?

BERNIE Bem; bem. Mas o que que você ta fazendo aqui?

JACK Ah, viajando; viajando.

BERNIE Na estrada, hem? Cara, você é a última pessoa que eu esperava ver entrando
por aquela porta; mundo pequeno, hãn?

JACK É; é.

BERNIE Na estrada, hem? Ta indo pra onde?

JACK (Um pouco, não muito, misteriosamente) Pro Norte.

BERNIE (Rindo) Pro Norte! Pro Norte? Lugar grande, o Norte, hem cara: O Norte.

JACK É... é, é sim: é grande sim.

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

BERNIE (Após uma pausa; rindo de novo) Então, pra onde, cara? Norte, onde?

JACK (Tímido e orgulhoso) Nova Iorque.

BERNIE Nova Iorque!

JACK Hã, ham; hã, ham.

BERNIE Nova Iorque, hã? Então. Pra que que você ta indo pra lá?

JACK (Tímido de novo) Hã... bom... Tenho umas coisas pra fazer lá. E você, cara,
tem feito o que?

BERNIE Nova Iorque, hã?

JACK (Obviamente morrendo de vontade de contar) Hã-hãm.

BERNIE (Percebendo) E aí, então, que bacana. Ei! Quer uma cerveja? Você quer
outra cerveja?

JACK Não, eu tenho que... bom, não sei, eu...

BERNIE (Levantando-se da mesa) Quer sim. Com esse calor? Só tomando uma ou
duas, pra refrescar.

JACK (Aceitando) É; que jeito? Claro, Bernie.

BERNIE (Com uma nota de um dólar na mão; vai saindo) Vou pegar duas pra gente.
Nova Iorque, hem? Vai me contar, Jack? Hãm?

JACK Ah, você não vai acreditar, cara; não vai acreditar.

(Luzes caem nessa cena, sobem na outra que é)

Cena 2
Parte externa de uma varanda, uma porta com tela; alguns móveis bem maltratados pelo
tempo. O PAI da ENFERMEIRA sentado na varanda com uma bengala ao lado de sua
cadeira. Música tocando em alto volume numa vitrola dentro da casa.

PAI (A música está muito alta; ele agarra o braço da cadeira; por fim) Pára!
Pára! Pára! Pára!

ENFERMEIRA (Lá de dentro) O que? Que que você ta falando?

PAI PÁRA!

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

ENFERMEIRA (Aparece, vestida para ir trabalhar) Não dá pra ouvir; o que você
quer?

PAI Desliga isso! Desliga essa merda dessa música!

ENFERMEIRA Pai, por favor...

PAI Desliga!

(A ENFERMEIRA se vira chateada, volta para dentro da casa. A música


pára)

Essa merda dessa música de preto. (Para a ENFERMEIRA lá dentro) Eu


estou com dor de cabeça.

ENFERMEIRA (Voltando) O que?

PAI Eu disse que estou com dor de cabeça; você toca essas merdas desses discos
o tempo todo; minha cabeça parece que vai explodir; você toca esses discos
a todo volume... eu com essa dor de cabeça...

ENFERMEIRA (Chateada) Vai tomar sua pílula?

PAI Não!

ENFERMEIRA (Virando-se) Vou pegar suas pílulas...

PAI Eu não quero pílula nenhuma!

ENFERMEIRA (Exageradamente paciente) Tudo bem, então não vou pegar suas
pílulas.

PAI (Após uma pausa; calmamente, petulante) Você toca essas merdas desses
discos o tempo todo...

ENFERMEIRA (Impaciente) Desculpe, papai; eu não sabia que você estava com dor
de cabeça.

PAI Não use esse tom quando falar comigo!

ENFERMEIRA (Usando o tal tom) Não estou usando tom nenhum...

PAI Não discuta!

ENFERMEIRA Não estou discutindo; eu não quero discutir; ta calor demais pra se
discutir. (Pausa; depois, calmamente) Não sei porque não se pode tocar uns
discos uma vez ou outra sem que...

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

PAI Barulho dos infernos! Só por isso; um barulho dos infernos.

ENFERMEIRA (Depois de uma pausa) Pelo jeito você não vai me levar ao trabalho.
Com essa sua dor de cabeça, acho que não vai querer me levar ao hospital

PAI Não.

ENFERMEIRA É, eu já desconfiava. E na certa também vai precisar do carro.

PAI Vou.

ENFERMEIRA É; era o que eu achava. Que que você vai fazer, pai? Vai ficar
sentado a tarde inteira aqui na varanda, com sua dor de cabeça, tomando
conta do carro? Vai ficar a tarde inteira tomando conta dele? Sentado aqui
com a espingarda na mão pra não deixar os passarinhos cagarem nele... ou
sei lá?

PAI Eu vou precisar do carro.

ENFERMEIRA Ah; ta.

PAI Já disse que vou precisar dele.

ENFERMEIRA Ta... eu ouvi. Vai precisar dele.

PAI Vou!

ENFERMEIRA Sei; claro. Você vai pro Clube dos Democratas, vai ficar lá sentado
com aqueles folgados? Vai passar a tarde dando uma de político? Hã?

PAI Já chega, ta.

ENFERMEIRA Você vai ficar lá com aquele bando de vagabundos... fumando seu
charuto caríssimo, que você nunca fuma, porque não tem dinheiro pra
comprar, que nem eu tenho dinheiro pra comprar, pra ser mais clara... da
mesma marca que Sua Excelência, o prefeito, fuma... vai fica lá sentado
contando vantagem, como você é amigo do prefeito...vai ficar lá se gabando
de ser mais do que é, o que não é grande coisa...

PAI Dá pra você calar essa boca agora!

ENFERMEIRA ...um parasita ...um fracassado...

PAI CALE A BOCA!

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

ENFERMEIRA (Mais rápido) É pra isso que você vai precisar do carro, pai, e eu vou
ter que pegar aquele maldito ônibus, quente e fedido pra ir pro hospital?

PAI Já disse pra calar a boca! (Pausa) Já to de saco cheio de aturar você aí
achincalhando minha amizade com o prefeito.

ENFERMEIRA (Com desdém) Amizade?

PAI Isso mesmo: amizade.

ENFERMEIRA Olha, eu vou lhe dizer o que que eu vou fazer: Já que agora temos a
honra de ter sua Excelência, o prefeito, como paciente... assim que eu chegar
no hospital... caso eu consiga chegar, claro, naquela bosta daquele ônibus...
vou fazer uma visita a ele, e vou perguntar sobre sua amizade com ele; vou
só...

PAI Você nem se atreva a incomodar ele; ta me escutando?

ENFERMEIRA Ora, eu acho que o prefeito teria muito prazer se a filha de um de


seus melhores amigos fosse...

PAI Você vai é criar problema!

ENFERMEIRA (Bem sarcástica) Mas que problema, pai?

PAI Você tome muito cuidado.

ENFERMEIRA Ah, mas vocês não são tão amigos. Olha, tive uma boa idéia, você
podia me levar pro hospital e aproveitava pra fazer uma visita ao seu grande
amigo, o prefeito. Então, essa não é uma boa idéia?

PAI Vá embora! Vá embora!

ENFERMEIRA (Quase sem som) Você me dá nojo.

PAI O que? Que que você disse?

ENFERMEIRA (Bem calmamente) Eu disse, você me dá nojo, pai.

PAI É? É?

(Ele pega a bengala, começa a bater com ela no chão várias vezes. Este
gesto, que começa como um sintoma de raiva, vai se tornando cada vez mais
fraco, até se transformar numa ação débil e patética e por fim cessa; a
ENFERMEIRA fica olhando, parada)

ENFERMEIRA (Suavemente) Acabou?

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

PAI Vá embora; vá trabalhar.

ENFERMEIRA Vou pegar suas pílulas antes de ir.

PAI (Em branco) Já disse que não quero.

ENFERMEIRA Não me interessa se você quer ou não...

PAI Eu não sou um de seus pacientes!

ENFERMEIRA Ah, não imagina como isso me deixa contente.

PAI Você dá mais atenção a eles do que a mim!

ENFERMEIRA (Vencida) Eu não tenho pacientes, pai; eu não sou enfermeira de


setor; quando é que você vai botar isso na cabeça? Eu trabalho na recepção;
trabalho no balcão da recepção. Você sabe disso; por que sempre finge que
não sabe?

PAI Se você fosse... como é que você chama... se você fosse enfermeira de
setor... se você fosse, você daria mais atenção a seus pacientes do que dá a
mim.

ENFERMEIRA Pai, você é o que hem? Que que você é? É doente ou não? Um... um
pobre aleijado, ou assim que eu sair pro trabalho, vai se levantar, pegar o
carro e ir lá pro Clube dos Democráticos, ficar lá com aquele bando de
vagabundos? Dá pra se decidir, pai? O que não dá é pra ser tudo ao mesmo
tempo.

PAI Deixa pra lá.

ENFERMEIRA Não dá; simplesmente não dá.

PAI Deixa pra lá, vai!

ENFERMEIRA (Depois de uma pausa) Bom, eu tenho que ir pro trabalho.

PAI (Com sarcasmo) Por que não pede ao seu namorado pra levar você pro
trabalho?

ENFERMEIRA Tudo bem; esquece.

PAI Por que não pede a ele pra vir buscar você, hã?

ENFERMEIRA Eu disse, esquece!

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

PAI Ou será que ele só quer é trazer você pra casa de noite... quando já ta
escurinho; quando já ta bem escuro e dá pra fazer sacanagem dentro do carro
dele? Será por isso? Por que você não traz ele aqui quando ta claro pra eu
poder ver ele; por que um dia desses você não traz ele aqui pra eu dar uma
boa olhada nele?

ENFERMEIRA (Com raiva) Bom, pai... (Um gesto rápido mostrando o ambiente em
volta) talvez por que eu não queira que ele veja o...

PAI Eu escuto vocês; escuto vocês de noite; escuto você dando risada e se
divertindo aí fora no carro dele; eu escuto vocês!

ENFERMEIRA (Falando alto para cobrir o som da voz dele) To indo, pai.

PAI Vai, tudo bem, pode ir!

ENFERMEIRA Vou sim, porra!

PAI Vá embora! Vai!

(A ENFERMEIRA fica um instante olhando para ele; vira-se, sai)

E vê se não fica a noite inteira aí dentro do carro dele quando voltar. Ta me


ouvindo? (Pausa) Ta me ouvindo?

(Luzes caem)

Cena 7

JACK (Entra correndo) To precisando de ajuda, rápido, moça!

ENFERMEIRA 2 O que você quer aqui?

JACK Aconteceu um acidente, moça... tem uma mulher machucada aí no meu


carro...

ENFERMEIRA 2 É? É mesmo? Então, sente aí e aguarde... Pode se sentar aí e aguardar


um pouco.

JACK É uma emergência! Aconteceu um acidente!

ENFERMEIRA 2 ESPERE! Sente-se e aguarde!

JACK A mulher ta muito machucada...

ENFERMEIRA 2 FICA FRIO AÍ!

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

JACK Moça... é a Bessie Smith que ta lá dentro daquele carro...

ENFERMEIRA 2 NÃO ME INTERESSA QUEM TA LÁ, VOCÊ FICA FRIO, SEU


PRETO!

(Música sobe. As luzes caem nessa cena e sobem no hospital principal, na


ENFERMEIRA e no RESIDENTE para...)

Cena 8

(Música cai)

ENFERMEIRA (Alto) Ei, meu filho... oh negão!

(O SERVENTE entra)

Cadê meus cigarros.

RESIDENTE Acho que eu vou...

ENFERMEIRA Você fique aí!

(O SERVENTE entrega o cigarro à ENFERMEIRA, cuidadosa e


atenciosamente a fim de entender o que há de errado)

Podia ter morrido esperando esse cigarro. Que que foi... ficou sentado
um tempo, lá em baixo descansando os pezinhos... foi?

SERVENTE Você me mandou... voltar...

ENFERMEIRA Antes disso! Onde você foi... na fábrica dos cigarros? Deu um pulo
rápido até Winston-Salem pra comprar eles na fábrica?

SERVENTE Não... eu...

ENFERMEIRA Deixa pra lá. (Para o RESIDENTE) Onde? Onde você tava querendo
ir?

RESIDENTE (Muito formal) O que disse?

ENFERMEIRA Perguntei... onde é que você tava querendo ir? Tomar um café?

RESIDENTE É isso o que você quer? Agora que conseguiu o cigarro, bateu a
vontade de tomar um café também? Agora que ele voltou de uma tarefa, quer
me mandar fazer outra?

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

ENFERMEIRA (Com um sorriso maldoso) É... acho que seria legal... manter vocês
dois ocupados. Eu gostaria sim de um café, e gostaria que você fosse lá
pegar um pra mim. Então, por que não dá um pulo lá no hall e me traz um
café? Mas quero fresco e quente... e forte...

RESIDENTE ... e puro...?

ENFERMEIRA Com leite! ...e açúcar... e rápido!

RESIDENTE Acho que seu desejo é uma ordem... hãm?

ENFERMEIRA Ah, sem dúvida!

RESIDENTE (Vai quase até a porta, no fundo, pára) Sabe, acabei de pensar uma
coisa tão bacana... que talvez quando você esteja aí na sua mesa abrindo a
correspondência com esse estilete que você usa pra abrir as cartas, que de
repente você corte seu braço sem querer... e aí você vai correndo pra
emergência... numa hora que eu esteja lá e aí você entra correndo, o sangue
jorrando do seu braço como de uma torneira... e eu pego no seu braço... pego
nele... só pego nele... e fico olhando jorrar... eu só pego no seu braço e fico
olhando o sangue jorrar...

ENFERMEIRA (Pega o estilete... fica segurando-o) Esse aqui? Mais provável ele
entrar nas suas costelas!

RESIDENTE (Saindo) Um café pra senhora.

ENFERMEIRA (Depois de um instante de silêncio, joga o estilete na mesa) Deixa ele


comigo. CRACK! Ele vai sentir meu chicote. (Para o SERVENTE) Que que
você ta fazendo aí parado... hã? Você gosta de ficar olhando?

SERVENTE Eu não sou nenhum voyeur.

ENFERMEIRA Você o que? Gosta de ficar ouvindo? Tem prazer nisso?

SERVENTE Eu disse que não.

ENFERMEIRA (Meio para si mesma) Aposto que não. Deixe ele comigo... falando
assim comigo... ele vai sentir o meu chicote. Não perde por esperar. (Agora
para o SERVENTE) Meu pai diz que o Francisco Franco vai ganhar aquela
guerra... que ele vai ganhar... e que vai ser maravilhoso.

SERVENTE É mesmo?

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

ENFERMEIRA É o que ele diz. Meu pai diz que Francisco Franco ta com todos eles
no bolso, que eles são um bando de radicais, sei lá, e que vai ser ótimo...
maravilhoso.

SERVENTE Será mesmo?

ENFERMEIRA Eu disse a você que meu pai é... historiador, então ele não é qualquer
um. A opinião dele vale alguma coisa. Ainda vale alguma coisa. Ele diz que
quem quiser ir pra lá se meter naquele rolo tem que saber no que vai dar...
seja lá o que for.

SERVENTE Com certeza seu pai é um homem bem informado, e...

ENFERMEIRA O que?

SERVENTE Eu disse... eu disse... que com certeza seu pai é um homem bem
informado, e... a opinião dele deve ser respeitada.

ENFERMEIRA É isso aí, garoto... você chega e diz o que acha que as pessoas querem
ouvir... você é como os dois lados de uma moeda. Você ouviu... ouviu ele
me ameaçando? Ouviu?

SERVENTE Ah, agora... Acho que não...

ENFERMEIRA (Friamente) Você ouviu ele me ameaçando?

SERVENTE Acho que não...

ENFERMEIRA Pr’um rapaz tão esperto... você ta sendo tão burro. Não sei o que
fazer com você. (Ela agora está pensando no RESIDENTE e sua expressão
revela isso) Você se recusa a entender as coisas e isso é um péssimo sinal...
péssimo. Ainda mais levando-se em conta que é tudo planejado...

SERVENTE O que que é planejado?

ENFERMEIRA (Com uma grande risada, sem achar graça. Quase perdendo o
controle) Como assim, você não sabe? Não sabe que eu e você estamos
praticamente noivos?

SERVENTE Eu... eu não...

ENFERMEIRA Nunca ouviu falar em realidade econômica? Você nunca foi


apresentado às coisas como elas são? (Um risinho) Nossos cavaleiros
templários foram conquistar o crepúsculo... nas rodas de um carro
moderno... as distâncias se encolhendo, a pintura descascando... e o que resta
é uma grande... uma grande sensação de abandono?

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

SERVENTE (Com cuidado) Não to entendendo...

ENFERMEIRA Sério? (Sua voz treme) Sério... que não ta me entendendo? Por que?
Qual o problema, garoto, ainda não sacou o lance?

SERVENTE (Contido mas com raiva) Achava que você já estivesse cheia de fazer
pouco mim. Realmente achava...

ENFERMEIRA Você vá agora até o quarto 206... suba lá agora e diga ao prefeito que
assim que o cu dele estiver melhor ele já tem um casamento pra fazer.

SERVENTE (Com um pouco de asco) Realmente... você vai longe demais...

ENFERMEIRA Ah, não me diga, vou mesmo? Olha vou te dizer uma coisa... Eu to é
de saco cheio! Saco cheio. To de saco cheio desse mundo quente, burro e
cheio de moscas. To de saco cheio da disparidade das coisas do jeito que elas
são, e do jeito que deviam ser! To de saco cheio dessa mesa... desse
uniforme... que pinica... To de saco cheio de ter que olhar pra você... só
pensar que você existe me dá... coceira... to de saco cheio dele.
(Calmamente: cantando) To de saco cheio de falar pelo telefone desse
maldito hospital... de saco cheio desse cheiro de desinfetante... me dá
vontade de morrer... to de saco cheio de dormir a noite e de acordar no dia
seguinte... de saco cheio... saco cheio da verdade... e de saco cheio de mentir
sobre a verdade... saco cheio de mim mesma... EU QUERO SALTAR
FORA!

SERVENTE (Depois de uma pequena pausa) Por que você não vai lá pra
emergência... e se deita um pouco? (Chega perto dela)

ENFERMEIRA Fica longe de mim.

(Neste instante a porta da rua é violentamente aberta e JACK se lança para


dentro da recepção. Ele está bêbado, chocado, apavorado, tudo ao mesmo
tempo. Seu rosto deve estar cortado mas não sangra mais. Suas roupas
sujas... desarrumadas. Ele dá uma pausa, alguns passos para o interior da
sala, respira pesado)

ENFERMEIRA Epa! Vamos com calma, aí.

SERVENTE (Sem avançar) Que que você quer?

JACK (Respira; confuso) O que...?

ENFERMEIRA Que negócio é esse de entrar disparado assim? Que que há com você?
(Para o SERVENTE) Vai lá ver qual o problema dele.

SERVENTE (Avançando um pouco) O que você quer?

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

JACK (Bem confuso) Que que eu quero?

SERVENTE (Recuando) Você não pode entrar aqui desse jeito... batendo a porta...
não sabe se comportar?

ENFERMEIRA Você ta bêbado?

JACK (Surpreso com a irrelevância da pergunta) Eu andei bebendo... sim... tudo


bem... eu to bêbado. (Com intensidade) Estou com uma pessoa aí fora...

ENFERMEIRA Vamos parar com essa gritaria. Isso aqui é um hospital.

SERVENTE (Mais perto da ENFERMEIRA) É isso mesmo. Isso aqui é um


hospital particular... conveniado com a rede pública. Se você continuar...
indo em direção a cidade...

JACK (Balança a cabeça) Não...

ENFERMEIRA Escuta aqui, seu preto... presta bem atenção... (Faz uma pausa e fala
a palavra distintamente mas sem nenhuma ênfase especial) ... isso aqui é um
hospital particular conveniado...

JACK (Desafiador) Eu to me lixando!

ENFERMEIRA Bom, vamos dar o fora...

SERVENTE (No momento em que o RESIDENTE volta com dois copos de café)
Anda, agora vamos embora... vamos embora.

RESIDENTE O que está acontecendo aqui?

SERVENTE Mandei ele ir pra Memphis...

RESIDENTE Cale a boca. (Para Jack) O que está acontecendo?

JACK Por favor... tem uma mulher aí comigo...

ENFERMEIRA A gente já mandou você dar o fora.

RESIDENTE Tem uma mulher aí contigo...

JACK Aí fora... no carro... aconteceu um acidente... sangue... O braço dela...

RESIDENTE (Pensa um momento, olhando para a ENFERMEIRA, vai para a


porta) Tudo bem... vamos lá ver. (Para o SERVENTE, que não sai do lugar)
Anda, vamos lá... você aí, vamos.

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

SERVENTE (Olhando para a ENFERMEIRA) A gente mandou ele ir pra


Memphis.

ENFERMEIRA (Olhando para o RESIDENTE, apertando os olhos) Nem pense em ir


lá fora!

RESIDENTE (Ignorando-a; para o SERVENTE) Ta surdo... vamos!

ENFERMEIRA (Forte) Eu disse... NÃO É PRA IR LÁ FORA!

RESIDENTE (Suave e triste) Meu amor... você vai me por de castigo? Vai mandar
o Prefeito me botar pra fora com um pontapé na bunda? Ou vai pedir minha
extradição ao governo federal? Diz pra mim, meu amor... o que que você vai
fazer, hem?

ENFERMEIRA (Entre os dentes) Não vá lá fora...

RESIDENTE Bom, meu amor, alguma coisa eu sei que você vai fazer... é melhor
aproveitar a chance então.

(Ele e o SERVENTE vão para a porta)

ENFERMEIRA (Meio com raiva, meio implorando) Não vão!

(Depois que eles saem)

Eu to avisando! Eu vou acabar com vocês. Se saírem por essa porta... não
precisa nem voltar.

(JACK vai para uma área vazia perto do banco à direita. A ENFERMEIRA
acende um cigarro)

Falei que eu ia acabar com vocês... E vou sim. (Agora para JACK) Acho que
eu disse que esse aqui é um hospital de branco.

JACK (Cansado) Sim, senhora... a senhora falou.

ENFERMEIRA (Atenta à porta) Parece que você não tem juízo pra fazer o que te
mandam... quer é criar problema pra si mesmo... problema pros outros.

JACK (Dando um suspiro) Não me importa...

ENFERMEIRA Você vai se importar!

JACK (Suavemente, balançando a cabeça) Não... não vou me importar. (Agora


meio para ela meio para si próprio) A gente tava na estrada... a gente não

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

tava indo muito rápido... acho que a gente nem tava correndo... a gente tava
com pressa, sim... e a gente tinha bebido... a gente tinha bebido... mas não
acho que a gente tava correndo... não tava correndo muito...

ENFERMEIRA (Suas falas agora são comentários tranqüilos sobre as falas dele)
...dirigiam bêbados... dia claro ainda...

JACK ...mas aí apareceu um carro... eu nem vi... ele não me viu... numa estrada
transversal... de repente, rápido, direto... (Fica rígido) ...PAF! (Relaxa) ... e a
gente não saiu... nenhum dos dois... os dois carros ficaram, na estrada...
parados... meu motor funcionando... eu desliguei... a porta... a porta da
direita toda amassada... foi só isso que aconteceu... e agente tava na estrada...
dando risada... a viagem tava tão boa, mas tava quente... ela tava com o
braço pra fora da janela...

ENFERMEIRA ...bem feito pra vocês... dirigindo bêbados...

JACK ...e eu disse... eu disse, meu anjo, a gente bateu... você ta bem? (Seu rosto se
contorce) Eu olhei... a porta tinha entrado... ela tava presa ali... onde a porta
tinha entrado... o lado direito dela, todo machucado pela porta, a porta entrou
no lado direito dela. BESSIE! BESSIE!... (Mais para a ENFERMEIRA) mas
senhora... o braço dela... o braço dela... o braço direito dela... tinha sido
arrancado... arrancado quase na altura do ombro dela... e tudo cheio de
sangue... ELA TAVA SANGRANDO TANTO...!

ENFERMEIRA (Distante) Como de uma torneira...? Ai... que coisa horrível...


horrível...

JACK Eu não esperei... por ninguém... o outro carro... eu liguei o meu... liguei...

ENFERMEIRA (Mais alerta) Você foi embora?... Deixou o lugar do acidente?

JACK O braço dela, senhora...

ENFERMEIRA Uma hora dessas a polícia deve estar atrás de vocês... sabia?

JACK Sei sim senhora... deve estar sim... mas eu fui... tinha um hospital uns três
quilômetros pra frente...

ENFERMEIRA (Rapidamente atenta) TA VENDO! Você foi a outro lugar? Você já


foi a outro lugar? O que que você ta fazendo aqui com essa mulher aí, hem?

JACK No outro hospital... eu fui até a recepção e disse o que tinha acontecido...
eles disseram, senta aí e aguarde... você vai ter que aguardar. ESPERE! Era
um hospital de branco, senhora...

ENFERMEIRA Esse aqui também é um hospital de branco.

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JACK Eu disse... é uma emergência... aconteceu um acidente... ESPERE! Você


senta aí e aguarde... Eu disse... eu disse que era uma emergência... eu disse...
a mulher ta muito machucada... VOCÊ FICA FRIO!... Eu disse, senhora,
quem ta no carro aí comigo é a Bessie Smith... NÃO ME INTERESSA
QUEM TA AÍ COM VOCÊ, SEU PRETO... FICA FRIO AÍ!... como é que
eu ia ficar aguardando....ela lá no carro... aí eu fui embora... continuei
dirigindo... parei no meio da estrada e me disseram pra vir pra cá... então eu
vim.

ENFERMEIRA (Amortecida, distante) Eu sei quem ela é... já ouvi ela cantar.
(Abruptamente) Diga seu nome! Você não pode deixar o local do acidente
assim... Eu vou ligar pra polícia; vou dizer a eles onde você está!

(O RESIDENTE e o SERVENTE entram. Seus uniformes estão


ensangüentados. O SERVENTE vai para o fundo evitando JACK. O
RESIDENTE entra encarando JACK)

ENFERMEIRA Ele deixou o local do acidente... ele foi embora... e não veio direto
pra cá... ele já esteve num outro hospital. Eu avisei pra vocês não se
meterem nessa...

RESIDENTE (Calmamente) Cale a boca! (Vai na direção de JACK, pára na frente


dele) Me diz uma coisa...

ENFERMEIRA Eu avisei vocês! Vocês não me deram a mínima...

JACK Também quer saber meu nome... é isso o que você quer?

RESIDENTE Não, não é isso o que eu quero. (Ele está controlado mas há uma
emoção violenta dentro dele) Me diz uma coisa. Quando trouxe ela pra cá...

JACK Trouxe ela pra cá... Lá ninguém ajudou...

RESIDENTE Tudo bem. Quando trouxe ela pra cá... quando trouxe essa mulher
pra cá...

ENFERMEIRA Ah, mas ela não é uma qualquer... não é uma cantora qualquer... é
Bessie Smith!

RESIDENTE Quando trouxe essa mulher pra cá... quando trouxe ela pra cá...
VOCÊ SABIA QUE ELA JÁ TAVA MORTA?

(Pausa)

ENFERMEIRA Morta!... esse preto trouxe uma mulher morta pra cá?

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A Morte de Bessie Smith (fragmentos) – Edward Albee tradução Alexandre Tenório

RESIDENTE (Temendo a resposta) Então...?

ENFERMEIRA (Distante) Morta... morta.

JACK (Cansado; vira-se e se dirige para a porta) Sabia... Eu sabia que ela tava
morta. Ela morreu no caminho até aqui.

ENFERMEIRA (Rapidamente) Aonde você vai? Onde você pensa que vai? Vou
chamar a polícia pra vir pegar você!

JACK (Na porta) Só vou lá fora.

RESIDENTE (Enquanto JACK sai) QUE QUE VOCÊ QUERIA QUE EU


FIZESSE, HEM? QUE QUE EU DEVIA FAZER?

(JACK faz uma pausa, olha para ele sem expressão, e fecha a porta atrás de
si)

ME DIGA! QUE QUE EU DEVIA FAZER?

ENFERMEIRA (Sarcástica) Talvez... talvez ele quisesse que você a trouxesse de


volta... o grande médico branco. (Seu riso começa a ficar histérico) O
grande... médico... branco... Pra onde você vai agora... grande... médico...
branco? Terminou? Essa aí foi sua última paciente... Pode ir embora agora,
cara! Essa aí foi sua última paciente... uma negra... uma negra morta... QUE
CANTAVA. Ora... eu também sei cantar, cara... Eu canto muito bem. Quer
ouvir? Hã? Quer ouvir como eu sei cantar? HAM?

(Ela começa a cantar e a rir ao mesmo tempo. O canto é atonal, quase um


lamento, o riso é quase um pranto)

RESIDENTE (Indo em direção a ela) Pára com isso! Pára com isso!

(Mas ela não consegue. Por fim ele dá-lhe um tapa. Silêncio. Ela congela,
com a mão sobre a face que ele bateu. Ele vai para a porta)

SERVENTE (De costas para a parede) Nunca vi uma coisa dessas... trazer uma
mulher assim... às vezes não sei o que que as pessoas têm na cabeça...

(O SERVENTE sai. O ambiente fica mais uma vez na silhueta... Um imenso


por do sol arde na contra luz; a música sobe)

Cai o pano.

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