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Gest. Prod., São Carlos, v. 21, n. 1, p.

143-155, 2014

A pertinência dos documentos prescritos nas


atividades dos profissionais de manutenção industrial:
o caso de uma indústria automobilística

The relevance of prescriptions in industrial maintenance professional


activities: a case study in the automotive industry

Alex Luis de Carvalho¹


Nilton Luiz Menegon²

Resumo: Um grande número de trabalhos de manutenção é descrito em procedimentos escritos precisos. Tais
procedimentos dizem respeito a um determinado tipo de equipamento/máquina. Nos procedimentos de manutenção,
as reparações dos equipamentos são descritas dentro de um padrão de estabilidade e normalidade onde todas as
operações ocorrem de acordo com o esperado, como se fossem feitas na oficina, como equipamentos isolados. Mas
na realidade, as reparações ocorrem em ambientes complexos. Frequentemente, as regras descritas nos procedimentos
devem ser adaptadas, ou por vezes desrespeitadas, para permitir o reparo em condições reais. Este artigo é o resultado
de pesquisa realizada em uma área de manutenção de máquinas de uma indústria automobilística, objetivando
compreender a pertinência das prescrições para a realização das intervenções de manutenção, sejam elas corretivas
ou preventivas. Baseada nos pressupostos metodológicos da Análise Ergonômica do Trabalho (AET), centrada na
distinção entre trabalho prescrito e trabalho real e entrevistas em autoconfrontação, a atividade efetivamente realizada
foi confrontada com a prescrição, evidenciando diversas fontes de variabilidade, constrangimentos e imprevistos que
são geridas pelos profissionais durante o curso da ação, mobilizando suas competências, baseadas na experiência e
saber acumulado, bem como estratégias de antecipação para o controle das situações e modos operatórios nem sempre
conscientes, o que garante “de fato” o compromisso eficaz entre produção e segurança. Os resultados do estudo
indicam que essas prescrições, ainda que elaboradas com a participação efetiva dos profissionais, são ineficientes
para o trabalho vivo. Os constrangimentos manifestos no trabalho real decorrem da própria lógica da atividade viva,
abismo inevitável entre o prescrito e o real.
Palavras-chave: Atividade de manutenção. Profissionais de manutenção. Análise Ergonômica do Trabalho (AET).
Prescrições. Indústria automobilística.

Abstract: A great many maintenance works are described in precise written instructions. These instructions are related
to a particular type of equipment/machine. In maintenance instructions, the repairs of equipment are described in a
pattern of stability and normality where all operations occur in accordance with the expected, as if they were made
at the workshop, as individual equipment. But actually, the repairs occur in complex environments. Quite often, the
rules described in the instructions have to be adapted, or sometimes broken, to enable repair under real conditions.
This paper is the result of a research conducted in the maintenance section of an automotive industry. The objective
of this study is to understand the relevance of prescriptions for the execution of maintenance activities, either
corrective or preventive. Based on the methodological assumptions of Ergonomic Work Analysis (EWA), centered
on the distinction between prescribed work and real work and self-confrontation interviews, the activity actually
performed was faced with the prescription, showing many sources of variability, constraints and contingencies that
are managed by professionals during the course of action; mobilizing skills based on experience and know-how, as
well as anticipation strategies for the control of situations and actions not always conscious, which indeed ensures
effective commitment between production and safety. The results indicate that these prescriptions, even though
developed with the effective participation of professionals, are inefficient for the live work. The constraints on the
real work are the result of the logic of live activity, unavoidable gap between the works prescribed and the real ones.
Keywords: Maintenance activity. Maintenance professionals. Ergonomic Work Analysis (EWA). Prescriptions.
Automotive industry.

1
Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Departamento de Engenharia de Produção, Universidade Federal de São
Carlos – UFSCar, Rod. Washington Luís, Km 235, SP-310, CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil, e-mail: alex@dep.ufscar.br
2
Grupo de Pesquisa Ensino e Extensão Ergo&Ação, Departamento de Engenharia de Produção, Universidade Federal de São
Carlos – UFSCar, Rod. Washington Luís, Km 235, SP-310, CEP 13565-905, São Carlos, SP, Brasil, e-mail: menegon@dep.
ufscar.br;
Recebido em 7/4/2012 — Aceito em 19/9/2013
Suporte financeiro: Nenhum.
144 Carvalho et al. Gest. Prod., São Carlos, v. 21, n. 1, p. 143-155, 2014

1 Introdução MARTÍNEZ et al., 2013); modelos de predição,


Considerando a complexidade das plantas utilizando lógica Fuzzy e redes neurais (CHEUNG;
industriais, o trabalho formalizado baseado em IP; LU, 2005; AL-NAJJAR; ALSYOUF, 2003; RAZA;
instruções e procedimentos, em muitas companhias, LIYANAGE, 2009; HENNEQUIN; ARANGO; REZG,
tem um lugar dominante. Todos os procedimentos 2009; JAYASWAL; VERMA; WADHWANI, 2010);
são relacionados com uma instrução contendo uma modelos de manutenção centrada em confiabilidade
descrição das operações a serem realizadas. Ela está (RCM) e manutenção produtiva total (TPM) como
na origem taylorista, onde o projetista prescreve a bases das estratégias de manutenção, objetivando a
atividade do operador. máxima disponibilidade operacional a um custo ótimo
De uma forma geral, diversos estudos avaliaram a (SELLITTO, 2005, 2007; LI; GAO, 2010; AL-NAJJAR,
pertinência das prescrições em situações de trabalho. 1996; BAMBER; SHARP; HIDES, 1999; COOKE,
Autores como Hatchuel (1996), Lima (1994), Lima 2000; AHUJA; KHAMBA, 2008); além de estudos
e Schwartz (2002), Leplat (2004) e Terssac e Maggi que abordam a implantação de softwares específicos
(1996) apontam suas limitações, mostrando que para o controle e gerenciamento da manutenção
a eficácia do trabalho não provém do respeito às (PERCY; KOBBACY, 1996; NICOLOPOULOS et al.,
instruções, pois elas não dão conta da variabilidade 2003; IP; KWONG; FUNG, 2000; KANS, 2009;
presente nas situações produtivas, que decorrem DURÁN, 2013). Essas aproximações acompanham e
tanto dos indivíduos quanto dos dispositivos técnicos sustentam o desenvolvimento de uma gestão na qual
e organizacionais. Nessa perspectiva, a prescrição as dificuldades do trabalho real, do trabalho cotidiano
não alimenta a atividade, pois não dá conta da são subestimadas, minimizadas ou até mesmo apagadas
variabilidade e imprevistos que são inerentes aos ou categoricamente negadas (LLORY, 2002).
sistemas produtivos. Outros autores como Hubault Baseado nessas duas posições conflitantes, bem
e Ferreira (2004), Bazet (2002), Escriva, Maline and como na perspectiva vigente do sistema de gestão da
Schweitzer (2002), Six (2002) e Carballeda (2002) manutenção, o presente artigo é suportado num estudo
consideram a atividade como fonte de um processo sobre a importância da atividade viva dos profissionais
dinâmico e permanente de revisão das prescrições, e em como ela se presta à padronização. O estudo
recompondo-as pelo coletivo do trabalho, criando buscou compreender a pertinência das prescrições
espaços de discussão e a confrontação de diferentes elaboradas com a participação efetiva dos próprios
lógicas. Vê-se que o ponto de vista da atividade não manutentores de uma área de estamparia de uma
tem o papel de evitar a prescrição mas de renová-la. grande indústria automobilística, colocando como
Nessa perspectiva, segundo os autores citados, a questão central a sua contribuição para a realização
prescrição reelaborada alimenta a atividade, dando da atividade ou, em outras palavras, se ela alimenta
conta das variabilidades. a atividade dos profissionais de manutenção, levando
No contexto da manutenção, embora ela tenha em consideração as variabilidades e imprevistos
como uma das suas características peculiares lidar inerentes às atividades de manutenção.
com a variabilidade e imprevisibilidade das avarias e
disfuncionamentos dos equipamentos, seus conceitos, 2 A abordagem da atividade dos
ferramentas e modelos de gestão denotam sua profissionais de manutenção pela
filiação taylorista, sendo que na grande maioria das
aproximações o caráter prescritivo e sistemático é prática da AET
dominante, priorizando os modelos de otimização e A Análise Ergonômica do Trabalho (AET) tornou-se
ferramentas sistêmicas, bem como os softwares de uma metodologia essencial, tendo como característica
gerenciamento como controladores e mantenedores fundamental ser um método destinado a examinar
dos processos. a complexidade sem colocar em prova um modelo
A literatura apresenta um conjunto significativo de escolhido a priori. Segundo Wisner (1987, p. 4),
aproximações sistêmicas relacionadas à manutenção,
[...] o princípio da análise ergonômica do trabalho
por exemplo: modelos de controle de custos de
e do trabalho de campo é, em si, revolucionário,
manutenção (PERES; LIMA, 2008); modelos
pois nos leva a pensar que os intelectuais e
de manutenção para sistemas sujeitos a mais de
cientistas têm algo a aprender a partir do
um evento aleatório, para determinação de uma
comportamento e do discurso dos trabalhadores.
política ótima de manutenção preventiva (SANTOS;
MOTTA; COLOSIMO, 2007); modelos matemáticos Assim, a exigência científica principal da
baseados na teoria multicritério de apoio à decisão ergonomia está no conhecimento, pela observação
e sistemas especialistas para tomada de decisões das situações reais de trabalho, objetivando desenvolver
(CAVALCANTE; ALMEIDA, 2005; CAVALCANTE; conhecimentos sobre a forma como o homem
FERREIRA; ALMEIDA, 2010; ALMEIDA, 2012; efetivamente se comporta ao desempenhar o seu
OLSSON; ESPLING, 2004, MECABÔ, 2007; trabalho e não como ele deveria se comportar. Para
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apreender as situações de trabalho em sua totalidade os funcionários (eletricistas, mecânicos e


e dimensões, a ergonomia utiliza uma metodologia encarregado de manutenção) que participaram
própria de intervenção – a Análise Ergonômica do do processo de elaboração das prescrições
Trabalho. (CARVALHO, 2011).
Para demonstrar a atividade viva dos profissionais
de manutenção durante as intervenções, foram
empregados determinados métodos e técnicas de
3 Evidenciando a diferença entre
pesquisa: o trabalho prescrito e o trabalho
a) Coleta de dados em documentos da empresa, real na área de manutenção de
com objetivo de constituir e analisar a demanda máquinas
e para descrever o trabalho prescrito.
b) Observação do trabalho real e registro dos
3.1 Objeto de estudo: Departamento de
modos operatórios por fotografias e filmagens.
manutenção de máquinas da área de
Os profissionais foram filmados, fotografados Estamparia
e entrevistados durante a realização das
intervenções. As duas intervenções foram Subordinada à gerência da produção, é responsável
acompanhadas na íntegra (do início ao fim), pela manutenção e conservação das máquinas e
equipamentos de toda a área, atende aos setores central
totalizando 26 horas.
de corte, prensas manuais e prensas robotizadas, tendo
c) Ficha de descrição das atividades: Tais fichas como principais atividades: Manutenção corretiva/
foram elaboradas para descrever como os preventiva, robotizações de novas peças, otimização de
profissionais de manutenção realizam suas processos robotizados, melhorias no processo, reforma
atividades, bem como para registrar observações e atualização técnica de máquinas e equipamentos,
do próprio pesquisador (que também é um ator do além de integrar TPM (Manutenção Produtiva Total),
processo) após observação, fotografia e filmagem Sistema de Produção da Empresa e VDA.
dos profissionais em trabalho (CARVALHO, Atende 201 máquinas/equipamentos, dentre
2011). Essas permitiram dividir o trabalho dos eles prensas de ação simples e dupla, de 500 a
profissionais em etapas, ilustradas com fotos 1.800 toneladas, desbobinadeiras, tesouras, mesas
elevatórias, prensas enfardadeiras de sucata, esteiras
deles trabalhando e comentários do próprio
de sucata, pontes rolantes de 20 a 70 toneladas, talhas,
pesquisador, que serviram de base para as
alimentadores de platinas e robôs, sendo que a média
entrevistas em autoconfrontação. de idade do parque de máquinas é de 33 anos.
d) Autoconfrontação: Foram realizadas com os O departamento possui um efetivo de 41 mecânicos,
profissionais envolvidos nas intervenções, 29 eletricistas e seis encarregados, divididos em três
seu objetivo foi restituir a história/evento sob turnos de trabalho, um supervisor, dois analistas,
a óptica deles. Essa é justificada, pois não é além do suporte técnico (planejamento e compras da
possível explicar o sentido da ação de “fora”, manutenção), distribuídos em dois plantões avançados
sendo portanto necessário explicitar os motivos (central de corte e prensas robotizadas) e um plantão
e razões dos indivíduos, o que não pode ser central (prensas manuais). A experiência média dos
profissionais na área é de aproximadamente 12 anos.
feito sem recorrer à fala dos próprios atores,
em última instância, aqueles que podem validar
as interpretações propostas. As entrevistas 3.2 Organização do trabalho dos
em autoconfrontação consistem basicamente profissionais de manutenção
em obter comentários do sujeito sobre seu Os profissionais são divididos em três turnos de
próprio comportamento em diversos níveis, trabalho, sendo o horário da turma A das 06:00 às
obedecendo forçosamente a sequência (LIMA, 13:34 h, com 40 minutos de refeição, de segunda a
1998): Como (se faz, se sabe, escolhe etc.)? Para sexta-feira, e, aos sábados, das 06:00 às 11:30 h, sem
que (finalidade, objetivos)? Por que (motivos, horário de refeição; turma B, das 13:34 às 22:12 h; e,
razão)? turma C, das 22:12 às 06:00 h, ambas com 40 minutos
de refeição de segunda à sexta-feira.
e) Entrevistas não estruturadas com diferentes atores
A gestão da manutenção no chão de fábrica é
do departamento: Para reconstituir o processo exercida pelos encarregados, dois para cada turno,
de elaboração das prescrições (ITIs), a forma/ que coordenam os trabalhos em torno das demandas
grau de participação dos profissionais, bem e necessidades da produção, alocando as pessoas
como a importância que eles atribuem a esse nos plantões, bem como realizando a indicação de
documento, foram entrevistados individualmente funções e responsabilidades predefinidas (p. ex.: dos
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profissionais responsáveis pela manutenção preventiva 3.3 As ITIs (Instruções de Trabalho


de um determinado número de equipamentos/linhas, Internas)
dos profissionais que efetuam o acompanhamento in
As instruções de trabalho, de uma maneira
situ em linhas críticas etc.).
geral, sempre integraram o cotidiano das equipes
Diariamente, no início de cada turno, os
de manutenção, porém sob a forma de “receitas”.
encarregados recebem as informações dos gestores
Eram escritas para e pelos profissionais experientes
da turma anterior sobre o andamento dos serviços,
que conheciam a área, sendo um instrumento de
bem como se há alguma máquina/linha interrompida. orientação técnica para um determinado procedimento,
Com base nessas informações, os encarregados sem o aprofundamento quanto a detalhes específicos
efetuam a distribuição das tarefas, bem como de como se fazer a tarefa, bem como quanto às regras
determinam o número de pessoas (plantão nos de segurança até então implícitas, consideradas como
setores, manutenção corretiva não planejada/ prerrequisitos, fazendo parte do conhecimento e
planejada em andamento, manutenção preventiva competências dos profissionais. Essas “receitas” eram
etc.) para a execução dos trabalhos. A Figura 1 normalmente feitas pelos profissionais e encarregados
mostra uma representação simplificada das principais de forma individual, nelas, as trocas de informações
rotinas de manutenção de cada turno de trabalho, e acesso eram feitas diretamente entre eles, de forma
bem como o fluxo de informações entre as turmas informal.
anterior, posterior, encarregados, mecânicos e No entanto, em resposta a uma nova demanda da
eletricistas de manutenção. empresa para a implantação de um novo projeto, bem
No tocante à distribuição das tarefas, formalmente como frente às novas exigências quanto aos critérios
há uma divisão do trabalho conforme o nível de de eficiência produtiva e aumento de volume, foram
qualificação profissional (Mecânico/Eletricista de criadas, entre meados de 1998 até 2001, as Instruções
Manutenção I, II e III e Carta de Versatilidade). No de Trabalho Internas (ITIs). Esse projeto nasceu
entanto, ela também é feita de forma subjetiva, com como uma nova concepção de veículo, no qual novas
base na experiência e conhecimento que o gestor tem tecnologias seriam empregadas, previsão de uma
dos profissionais, onde os mais novos acompanham produção em larga escala, onde não seria admissível
os mais experientes. que ocorressem paradas para manutenção corretiva,

Figura 1. Representação do fluxo diário das principais rotinas da manutenção.


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entre outras ações que causassem perdas de produção falhas foram resetadas pelo próprio preparador
ou produtividade. Tem como objetivos: (especialista), juntamente com o eletricista que
- Criar uma rotina de trabalho padronizada; normalmente acompanha essa linha, até então
- Minimizar o tempo de máquinas paradas; eram falhas consideradas normais durante o
- Evitar montagens erradas; processo. A partir da terceira, o eletricista já
ficou de sobreaviso (a partir das 17:00 h). Por
- Intensificar o treinamento on-the-job, pois as ITIs
volta das 17:30, o mecânico de manutenção
foram elaboradas por um grupo de profissionais
estava fazendo uma inspeção/verificação de
composto por mecânicos/eletricistas experientes e vazamento nos cabeçotes desta linha, por acaso,
mecânicos/eletricistas inexperientes, encarregado e observou algo estranho na máquina. O motor
de manutenção e mestre de manutenção (analista); estava “fumaçando”. Imediatamente ele, lá de
Cada encarregado, junto com o analista, teve cima pediu, “gritou” para o preparador da linha
um assunto (tarefa) para transformar em ITI. Em que desligasse o motor. No mesmo instante, o
reuniões semanais, o grupo reuniu-se para discutir eletricista, que já estava em sobreaviso, subiu
e concluir a ITI. até o cabeçote da máquina para encontrar o
Cada ação foi discutida: os funcionários mais mecânico, que explicou o que viu. A partir daí
experientes explicaram aos mais novos qual era a foram iniciados os testes para saber o que ocorreu
melhor forma de executar cada tarefa. Passo a passo com o motor. Primeiramente, o eletricista pediu
foram listados, explicitando o como e o por que de se para o preparador ligar o motor para “ver” o que
fazer de cada uma. Posteriormente, os encarregados realmente estava acontecendo. Após ser ligado
das outras turmas analisaram e sugeriram melhorias. o motor, foi observado pelo eletricista que o
Atualmente existe um grande número de instruções motor estava faiscando pela saída de ar (parte
de trabalho sendo elaboradas para tarefas referentes dianteira). A partir daí o motor foi desligado e foi
à manutenção elétrica, bem como a permanência das dada sequência aos testes para diagnóstico. Após
“receitas”, que ainda são muito utilizadas devido às alguns testes, foi constatado pelos eletricistas
constantes atualizações tecnológicas, atendimento às que o motor estava queimado. Diagnosticado
normas regulamentadoras (p. ex.: diversos modelos o problema, por volta das 18:10 h iniciou-se
e marcas de Controladores Lógicos Programáveis o processo de substituição do motor. Cinco
(CLPs), inversores de frequência, sistemas de mecânicos e três eletricistas foram deslocados
segurança, sensores, transdutores etc.). A Figura 2 para esse evento até a sua conclusão, às 03:20 h
mostra um modelo de ITI: do dia seguinte.

3.4 A atividade real dos profissionais de 3.4.2 O caso de uma intervenção


manutenção preventiva
Nesta seção serão evidenciados os resultados dos
Esta intervenção teve um caráter preventivo, pois
estudos de campo, bem como a reconstituição dos
a máquina estava parada por quebra no reajuste
resultados por meio das entrevistas de autoconfrontação
(regulagem da altura) do prensa chapa, sendo
com os profissionais envolvidos. Para essa pesquisa
necessária a retirada do martelo e prensa chapa
foram escolhidas duas atividades: uma corretiva e
da máquina para reparo e revisão completa (troca
outra preventiva que tinham ITIs elaboradas, sendo a
de todas as vedações etc.), com tempo médio de
primeira atividade a substituição e teste de um motor
conserto de aproximadamente 30/35 dias. Diante
de corrente contínua e a segunda, a desmontagem do
de tal problema, foi aproveitado o momento
conjunto freio e embreagem de uma prensa.
para se revisar o conjunto freio e embreagem.
As seções a seguir apresentam uma breve
As atividades iniciaram-se no primeiro turno
narrativa contextualizando o curso da ação
após o horário de refeição (12:30 h), quando
dessas duas intervenções, bem como aspectos da
uma equipe de três mecânicos foi deslocada para
variabilidade, constrangimentos e imprevistos aos
iniciar os trabalhos. A partir daí, as atividades de
quais os profissionais são submetidos, além dos
desmontagem do conjunto de freio e embreagem
modos operatórios e das estratégias utilizadas para
da prensa se desenvolveram até às seis da manhã
dar conta da tarefa.
do dia seguinte.

3.4.1 O caso de uma intervenção corretiva 3.5 Aspectos da variabilidade e


constrangimentos no trabalho real: o
Os problemas com o motor começaram por
revés da normalidade posta em marcha
volta das 14:00 h (linha estava produzindo),
apresentando falha de excesso de temperatura A análise da atividade permitiu evidenciar
a cada uma hora, mais ou menos. As primeiras elementos que caracterizam o trabalho de reparação,
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Figura 2. Exemplo de Instrução de Trabalho Interna (ITI).

seja ele corretivo ou preventivo, como extremamente pelos profissionais, o que evidenciou sua distância
complexo, evidenciando como o trabalho vivo se em relação à ITI, a saber:
presta pouco à normalidade e estabilidade, sendo
permeado por imprevistos e variabilidades que 3.5.1 Os constrangimentos físicos
evidenciam a distância entre o que é prescrito e o
que realmente é feito. Os esforços empregados
Nas duas atividades acompanhadas foram As atividades de manutenção em prensas pesadas
identificadas diversas fontes de constrangimento, demandam um grande esforço dos profissionais
variabilidades e situações imprevistas, bem como por conta das dimensões dos componentes, sendo
as estratégias e os modos operatórios empregados necessária, em grande parte dos conjuntos, a utilização
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Figura 3. Instrução para soltar os parafusos da tampa da embreagem e profissionais soltando parafusos de fixação.

de ferramentas e dispositivos de grande porte para


montagem e desmontagem, tais como alavancas,
chaves allen e de impacto, martelos de grandes
dimensões, canos etc.
Na ITI, a instrução soltar os parafusos de fixação
da embreagem revelou, na verdade, demandar um
grande esforço e atenção por parte dos profissionais.
A Figura 3 ilustra tal procedimento.
Foi observado que os profissionais, ao soltarem
os parafusos localizados na posição superior,
principalmente, além de terem de fazer um esforço
para soltá-los, ao mesmo tempo tinham de observar Figura 4. Instrução para retirada de componentes da
se a chave não ia escapar/pular do parafuso e cair em embreagem (ITI).
cima deles ou no chão, podendo causar acidente, já
que não havia nenhum apoio para ela. Para tanto, o
instruções retirar componentes são consideradas
esforço devia ser controlado, sem movimentos bruscos:
operações normais, porém nem sempre isso se dá
Pra não escapar a chave allen na testa. Porque você de forma estável e normal. A Figura 4 ilustra tal
não tá apoiando a chave na mão, não tá segurando procedimento:
ela. Então todo mundo tá esperto ali, que, se Essas operações se passaram em ambientes com
escapar a chave allen, não pegue ninguém... pouca luminosidade e em espaços reduzidos. Foram
por isso que tá todo mundo olhando pra ela... observadas as baixas condições de iluminação,
De repente, você faz muita força e, conforme principalmente quando a ponte está sobre a máquina,
você tá fazendo a força ali, você não tá legal bloqueando a iluminação do prédio e dificultando os
apoiando a chave, você tá puxando meio que de trabalhos, sendo necessária a utilização de dispositivos
lado o parafuso e a qualquer momento a chave de iluminação.
pode escapar e pegar na cabeça de um amigo e Em relação ao espaço reduzido, embora essa prensa
o nosso amigo ali, ó, porque nós dois estamos lá tenha um projeto/construção mais atual, foi evidenciada
e tem um outro amigo lá embaixo, esperando... uma grande dificuldade de acesso aos componentes
Isso é direto assim... da embreagem e, principalmente, do freio:
As condições de iluminação e o espaço reduzido Fora o espaço, você não tem espaço pra trabalhar...
A luminosidade do ambiente de trabalho bem Olha só, tá vendo? Ali só cabe você, não cabe
como o acesso aos componentes para a montagem/ mais ninguém, o outro tem de ficar olhando
desmontagem têm uma grande influência na atividade enquanto um trabalha aí, revezando...
dos profissionais. A iluminação externa, o local de A Figura 5 ilustra tais restrições.
instalação influenciam na execução dos trabalhos:
Isso aí prejudica demais... É um serviço grande, 3.5.2 Constrangimento temporal
peças pesadas, ferramentas pesadas, acesso difícil
A diversidade do contexto das ações
de se trabalhar e sem... falta de iluminação meu,
Um caráter de urgência permeia os trabalhos
prejudica demais
de manutenção corretiva realizados durante uma
Tais condições não são levadas em conta na pane inesperada, principalmente em uma linha/
prescrição, cabendo aos profissionais elaborar máquina crítica, e todos os profissionais, até que
estratégias e modos operatórios específicos diante o funcionamento normal do equipamento seja
das situações para efetuar os reparos. Na ITI, as restabelecido:
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Figura 5. Localização dos componentes da embreagem e freio.

A pressão nesses casos é muito grande. Você tem


de estar junto com o sistema, o sistema é assim
que funciona. Parou, a pressão é total, a hora
que liberou a máquina fica mais tranquilo, mas
enquanto a máquina tá quebrada é só pressão...
Foi uma corretiva, uma máquina que tava
rodando, a peça era crítica, aí tem toda a pressão
do encarregado, porque você não sabe nem se
tem aquele motor, onde é que tem, se vai dar Figura 6. Instrução para solicitar a ponte rolante (ITI).
tudo certo, se não vai dar, então começa toda uma
pressão, indo o encarregado lá para pressionar atendimento prioritário à produção (transporte, troca
a gente, muita gente lá em cima trabalhando e de ferramentas, abastecimento das linhas):
acaba de repente um até atrapalhando o outro...
É sempre a mesma correria, a gente sempre
tem que tá trabalhando com a ponte, mas a
3.5.3 A variabilidade organizacional produção é prioridade. Se eles precisarem,
a gente tem de parar, a não ser que seja uma
Foram observadas e evidenciadas pelos profissionais
peça que nós já levantamos e é muito pesada
as diferentes relações entre os profissionais de
e não tem jeito de voltar, aí tiramos. Mais se
manutenção e produção durante os trabalhos com
tiver jeito de parar, o pessoal é prioridade.
a ponte rolante. Na ITI, a instrução de solicitar a
Agora num serviço que geralmente é a preventiva,
ponte rolante, teve sentidos diferentes em função
a máquina está disponível pra gente, a produção
do tipo de intervenção. A Figura 6 ilustra tal tarefa.
é prioridade, a gente não tem tanta pressa assim...
Na manutenção do tipo corretiva foi observada uma
maior disponibilidade da ponte rolante, justificada Diversidade e variabilidade dos indivíduos
pela pane de uma máquina/linha crítica: Para Guérin et al. (2001), a diversidade
interindividual significa que cada pessoa tem a
Na verdade, tem onde a gente entra... Como,
sua própria história, sua própria experiência. Os
como é que eu posso falar, como prioridade...
constrangimentos, as dificuldades e os eventos
Por exemplo, escapou a correia do motor, né?
positivos que cada um encontra fora de seu trabalho
Tem pouca peça na linha lá. Tá pra parar a
variam. Os profissionais altos e baixos adotarão
linha lá em cima na ala 14, que é a montagem
posturas diferentes, o que tem mais experiência
final. Para tudo, tem que mexer com isso, daí
desenvolverá estratégias diferentes daquele que
para o abastecimento lá na frente. Para tudo, a
tem menos. Os esforços, os raciocínios usados e a
prioridade é lá, vai fazer lá e fim de papo. Mas
fadiga resultante não serão equivalentes, mesmo que
são raras as exceções.
o resultado produzido pareça idêntico.
Já nos trabalhos de manutenção preventiva Durante as intervenções, diversas situações que
ou corretiva planejada, onde o equipamento está evidenciam essa diversidade foram constatadas. Em
disponível para a manutenção, a disponibilidade função da vivência, experiência de cada profissional
da ponte rolante foi em geral menor, devido ao da área, bem como da baixa frequência com que
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se faz a revisão nesses conjuntos, foi observado e operatórios evidenciando os mecanismos cognitivos
relatado por alguns profissionais, em determinados colocados em ação para garantir a fluidez e a eficiência
momentos, apresentam uma certa dificuldade para das intervenções, bem como para evitar acidentes,
desmontar um determinado componente (p. ex.: bucha a saber:
expansiva e êmbolo da embreagem):
O máximo que você vai fazer é regular 3.6.1 A importância da comunicação entre
a folga... Pra regular a folga, você só os profissionais
vira... Agora, pra desmontar igual a gente
desmontou, dois, três anos ou mais. A comunicação entre os profissionais, seja para
Na realidade a gente não, é... nós soltamos a solicitação dos serviços com a ponte rolante, bem
a bucha inteira, né? Olha lá! Não precisava, como para a retirada de componentes em uma área com
era só soltar, afrouxar um pouco os parafusos, elevados níveis de ruído, constantes movimentações
né? Pra sacar ela, entende? É um serviço que de cargas pesadas, faz com que ela tenha uma grande
é pouco feito, né? Eu tinha feito esse serviço importância quanto à fluência da intervenção e,
num freio há muito tempo atrás... Aí nós não principalmente, à segurança. Na ITI, a tarefa de içar
sabíamos... Eu sabia que era pra soltar os a tampa ou algum componente com o auxílio da
parafusos, mas tem dois parafusos que eles ponte rolante requer na verdade uma grande atenção
ficam presos, não precisa tirar eles, é só afrouxar e sintonia entre os profissionais. A Figura 7 ilustra
o resto, aí você solta ele com tudo, entendeu? tal instrução:
Eu acredito, assim... é que, como é uma máquina Devido ao espaço reduzido e à necessidade de
que você não tá atendendo direto, tem poucas o profissional ter de ficar de frente com a peça, foi
máquinas delas, né? É a mesma igual você descer evidenciada a extrema importância da comunicação
um martelo de quinhentas e descer um martelo, e concentração entre mecânico e ponteiro na hora de
vai, de dupla ação, é... não é tão normal, né? Não executar uma manobra com ponte rolante, devido ao
é comum pra gente, apesar da gente já ter feito, alto risco de esmagamento. A comunicação entre os
só que aí você fez, vai, um serviço nessa máquina profissionais foi feita via sinais e gestos, entre duas
e fez 30 no modelo do cotidiano e você acaba pessoas somente, a fim de evitar-se uma manobra
esquecendo um pouco, né, do sistema, como errada, o profissional sinalizou para o ponteiro (que
você vai desmontar... Não é uma novidade, que nesse caso era um dos mecânicos) o que ele deveria
a gente já tinha feito o serviço, mas tem uma fazer (para cima, para baixo, mais devagar, para lá,
dificuldade maior devido a essa... Poxa, aqui, para cá etc.):
como era mesmo!? Aí você lembra...
É que nem a gente falou, né, meu... Se dois
caras falam... no caso, o Marcão não ia
3.6 O gerenciamento dos imprevistos, as saber nem o que fazer, pra que lado ele ia.
estratégias e modos operatórios: um Como ele tá pondo o cabo, tá direto na peça,
compromisso eficaz entre produção e eu falo diretamente com ele, o outro cara, que
segurança tá do lado, eu nem dou atenção, porque quem
tá lá é ele, se Deus o livre acontecer alguma
Em função da própria natureza da atividade do coisa, é ele que tá lá do lado da peça, então todo
profissional e da resposta aos constrangimentos, o cuidado é pouco...
variabilidades e imprevistos aos quais eles estão
submetidos, e que não constam nas prescrições/ Já a tarefa de solicitar a ponte rolante também
instruções, os profissionais de manutenção diz respeito à forma de comunicação e negociação
implementaram diversas estratégias e modos que é feita na grande maioria das vezes entre eles,

Figura 7. Instrução para içar a tampa e profissionais içando componente da embreagem.


152 Carvalho et al. Gest. Prod., São Carlos, v. 21, n. 1, p. 143-155, 2014

na qual o profissional dirige-se ao operador de ponte Em função da distância do plantão de manutenção


rolante e faz a solicitação: central, bem como do próprio local da máquina
em que é efetuada a manutenção – parte de cima
Na maioria das vezes nós conversamos
(cabeçote) ou parte de baixo/porão (dispositivo de
diretamente com o ponteiro, né? Mas às
repuxo) – evidenciou-se que os profissionais contam
vezes tem que chamar, vai, gritar, assoviar...
com os imprevistos, buscando uma gama maior
A prioridade é pra eles, entendeu? Então,
de dispositivos e ferramentas de uma só vez, para
dependendo do tipo de serviço que você vai
possível utilização:
executar, se for algo um pouco mais demorado,
você já tem que planejar com o pessoal da A distância é relativamente grande pra quem
produção o que você vai fazer pra você poder vai fazer o percurso a pé. Então você desce aqui
solicitar a ponte, por que senão não dá pra você pra buscar dois tirantes, depois descer de novo
começar e ficar no meio do caminho... pra pegar um macaco... No mínimo, é 30, 40
minutos aí, ó, que você perde aí, ó, vindo lá de
Vale ressaltar que esse procedimento também cima aqui pegar alguma coisa, depois voltar...
depende da boa relação entre os colegas. A
proximidade, o coleguismo entre eles proporciona Outra estratégia evidenciada foi em relação à
uma certa liberdade para se chamar, brincar, o que desmontagem dos componentes do freio, na qual os
agiliza os trabalhos e faz as coisas acontecerem de fato: profissionais não seguiram a sequência proposta na
instrução de trabalho (Figura 9).
É muito mais eficiente você ir direto no operador Cientes das restrições de disponibilidade da ponte
e puxá-lo do que uma solicitação formal para rolante, os profissionais optaram por soltar vários
o encarregado dele, por exemplo. Engessa o componentes, deixando-os com um ou dois parafusos
processo, as coisas não andam. (o suficiente para a peça não cair/segurança) melhor
localizados, de modo a retirá-los de uma só vez
quando disponibilizada pela ponte rolante.
3.6.2 As estratégias de antecipação Em função dos imprevistos e riscos, a experiência, o
Os profissionais, em função da sua experiência saber acumulado permite aos profissionais elaborarem
e competência, adotam medidas de antecipação, estratégias que dão sustentação a compromisso eficaz
para permitir o bom desenvolvimento do trabalho, entre a produção e a segurança. A instrução de retirar
bem como de economia do corpo. As instruções não algum componente tem um outro significado:
conseguem prever tudo o que pode ser utilizado no Nossa preocupação era não entrar na frente,
curso da ação (Figura 8). porque sabiamos, conforme a localização do
No que tange às ferramentas necessárias, o cabo, quando ele desprende da máquina, dá o
profissional confirma: balanço... ele ia tentar deixar o cabo reto, né?
Nós nos preparamos pra não perder tempo depois E você não pode ficar na frente e nem tentar
e ter que voltar tudo de novo... segurar porque você não aguenta... Por que na

Figura 8. ITI de desmontagem da embreagem (ferramentas e dispositivos).


A pertinência dos documentos prescritos nas atividades dos profissionais... 153

verdade o cabo não tava sustentando o peso, Para sua retirada, devido ao ajuste com interferência
né? O cabo tava fazendo uma alavanca, não tava entre cubo e eixo principal da prensa, os profissionais
esticadinho, retinho... tiveram de providenciar um dispositivo (tirantes)
para sacá-lo, operação em que apertaram de forma
coordenada cada um dos lados para que não houvesse
3.6.3 Os modos operatórios e o o travamento do conjunto.
conhecimento tácito mobilizados Conforme você vai apertando um lado, ele vai
durante as intervenções soltando, aí ele fica deslocado, né? Aí você vai
Os profissionais de manutenção implementam pro outro lado e assim ele vai saindo paralelo,
inúmeros modos operatórios para garantir a qualidade né? Se você forçar só de um lado, ele trava...
da intervenção. O conhecimento tácito dos profissionais
faz com que eles saibam pelo tato a correta tensão no 4 Considerações finais
cabo de aço ao içar algum componente. A instrução
içar algum componente, para ser eficiente, pressupõe
tal competência: 4.1 Os limites dos procedimentos
prescritos nos trabalhos de
Então, aí a gente só estica os cabos, né? Daí você manutenção
vê pelo tato, aí você vê que o cabo tá esticado,
aí você já tá... o peso da proteção já tá sobre o Nos procedimentos de manutenção, as reparações
cabo, já. Aí você consegue soltar o parafuso, se o dos equipamentos estão prescritas como se fossem
parafuso estiver muito preso na hora de soltar, é ser feitas nas oficinas, como equipamentos isolados.
Mas, na realidade, esses reparos ou intervenções
que subiu muito, aí você pede pra ele descer um
ocorrem em ambientes complexos, nos quais as regras
pouco. Isso entre os três, ali, a gente comunica
descritas no procedimento devem ser adaptadas ou,
um com o outro, entendeu? Aí só, como você
por vezes, desrespeitadas para permitir a intervenção
falou, só um comunica com o ponteiro, pra em condições reais. O profissionalismo dos operadores
ele não atrapalhar, senão um pede pra subir e de manutenção é a melhor garantia da qualidade da
o outro pede pra descer, aí ferrou, entendeu? intervenção (DANIELLOU, 2002).
Então, tem de haver uma atenção, nessa hora... Os resultados da pesquisa evidenciam como
A gente verifica pela tensão dele, né? Isso é tato o trabalho vivo se presta pouco à padronização,
nosso, né? Não tem técnica, cada um sente, eu mostrando que durante os trabalhos de manutenção
acho que tá bom, quando fica igual a uma corda corretiva ou preventiva as prescrições/instruções de
de viola é porque tá bom (risos). trabalho elaboradas com a participação direta dos
próprios profissionais que executam as atividades
Na ITI, a instrução retirar o porta elementos
de reparo não alimentam a atividade viva de
revelou, na verdade, exigir grande esforço e
manutenção ou, em outras palavras, elas não dão
coordenação por parte dos profissionais. A Figura 10 conta da variabilidade, das imprevisibilidades e
ilustra tal procedimento. constrangimentos inerentes às atividades de
manutenção, assim, seguir somente por elas não
irá garantir a qualidade e eficiência da intervenção.
Nas situações estudadas foi possível evidenciar
esse abismo, em que os profissionais a todo momento
mobilizam suas competências tácitas, estratégias
para o controle das situações, bem como modos
operatórios nem sempre conscientes para a garantia

Figura 9. Sequência de desmontagem do freio (ITI). Figura 10. Instrução para retirar o porta elementos (ITI).
154 Carvalho et al. Gest. Prod., São Carlos, v. 21, n. 1, p. 143-155, 2014

dos compromissos de eficiência, qualidade e segurança, maintenance: A UK manufacturing case study


revelando que por trás da aparente simplicidade dos perspective. Journal of Quality in Maintenance
gestos manuais esconde-se uma complexidade de Engineering, v. 5, n. 3, p. 162-181, 1999. http://dx.doi.
gestos cognitivos que garantem a continuidade do org/10.1108/13552519910282601
processo produtivo (BOUYER; SZNELWAR, 2005). BAZET, I. Le plan ou la prescription de l’engagement. In:
No entanto, ao contrário do que possa parecer, CONGRÈS DE LA SELF, 37., 2002, Provence. Actes...
tais constatações nada têm a ver com o que Lima Provence, 2002. p. 162-167.
(1994) chama de “anarquismo radical”, que negaria BOUYER, G. C.; SZNELWAR, L. I. Análise cognitiva
do processo de trabalho em Sistemas Complexos de
qualquer forma de autoridade ou regulação coletiva,
Operações. Ciências e Cognição, v. 4, p. 2-24, 2005.
mas procuram simplesmente apontar os limites e a
Disponível em: <www.cienciasecognicao.org>. Acesso
ineficácia dos controles externos sobre a atividade de
em: ago. 2009.
trabalho, mostrando que o padrão nada mais é que o CARBALLEDA, G. Uma contribuição possível dos
mínimo necessário e não o que permite desenvolver ergonomistas para a análise e a transformação da
a produção. Não se resolvem problemas dentro dos organização do trabalho. In: DUARTE, F. (Ed.).
padrões mas fora deles, pois problemas reais não Ergonomia e Projeto na indústria de processo
ocorrem segundo os padrões preestabelecidos. contínuo. Rio de Janeiro: Ed. Lucerna, 2002. p. 281-297.
Tal constatação não deprecia a sua utilidade para CARVALHO, A. L. Manutenção prescrita e
responder à questão do que fazer, servindo como uma manutenção real: Uma abordagem baseada na
orientação, uma ferramenta de auxílio aos profissionais atividade dos profissionais: O caso de uma indústria
(dos novatos aos mais experientes). automobilística. 2011. 190 f. Dissertação (Mestrado)-
É importante salientar que as ITIs não são Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2011.
exigidas pela gerência da manutenção/empresa. CAVALCANTE, C. A. V.; ALMEIDA, A. T. Modelo
Esses documentos ficam expostos em um local de multicritério de apoio a decisão para o planejamento
acesso público e estão disponíveis para consulta ou de manutenção preventiva utilizando promethee II em
para sanar alguma dúvida. Além disso, as instruções situações de incerteza. Pesquisa Operacional, v. 25,
raramente são utilizadas pelos profissionais no curso n. 2, p. 279-296, maio/ago. 2005.
da ação, principalmente durante os trabalhos de CAVALCANTE, C. A. V.; FERREIRA, R. J. P.; ALMEIDA,
manutenção corretiva, onde o diagnóstico das falhas A. T. A preventive maintenance decision model based
se dá pela competência, conhecimento e experiência on multicriteria method PROMETHEE II integrated
with bayesian approach. IMA Journal of Management
de cada profissional sobre o processo.
Mathematics, v. 21, p. 333-348, 2010. http://dx.doi.
Este trabalho, por meio da aplicação dos
org/10.1093/imaman/dpn017
pressupostos da AET enfatizou o trabalho vivo
CHEUNG, A.; IP, W. H.; LU, D. Expert system for aircraft
dos profissionais de manutenção, evidenciando a maintenance services industry. In: Journal of Quality in
diferença entre o prescrito e o real e contribuindo para Maintenance Engineering, v. 11, n. 4, p. 348-358, 2005.
o reconhecimento da atividade viva, contrariando o http://dx.doi.org/10.1108/13552510510626972
pensamento dominante de estabilidade, causa e efeito, COOKE, F. L. Implementing TPM in plant Maintenace:
que os “informáticos” insistem em negar. Some Organisational Barries. International
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