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AUTARQUIA DE ENSINO SUPERIOR DE ARCOVERDE


CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE ARCOVERDE

ANAIS
III JOCUPE
III JORNADA DO CURSO DE PEDAGOGIA DO CESA
FOTOGRÁFICAS PEDAGÓGICAS
DENTRO E FORA DE SALA DE AULA

18 A 20 DE MAIO DE 2016
ISSN: 2447 - 0449
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ORGANIZAÇÃO DO EVENTO

Coordenação
Prof. Dr. Edmilson José de Sá
Prof. M.Sc. Austriclínio Andrade
Prof. M.Sc. Laécio dos Santos
Prof. M.Sc. Simone Salvador de Carvalho Meneses
Profª M.Sc. Kátia Carvalho Alexandre
Profª M.Sc. Vera Lúcia Maria Cavalcanti Maciel Modesto

Comissão Científica
Prof. Dr. Edmilson José de Sá
Prof.ª Drª Ana Paula Duarte Pires
Profª Drª Izabel Cristina Izidoro de Souza

Corpo docente
Prof. Dr. Edmilson José de Sá
Profª Drª Ana Paula Duarte Pires
Profª Drª Izabel Cristina Izidoro de Souza
Prof. M.Sc. Simone Salvador de Carvalho Meneses
Prof Msc. Joseildo Ferreira Cavalcanti
Profª Msc. Ana Zélia Belo
Profª Msc. Kátia Carvalho Alexandre
Profª Msc. Lizandre Maria Lins Machado
Profª Msc. Orlane Rosálie Nascimento Silva
Profª Msc. Vera Lúcia Maria Cavalcanti Maciel Modesto
Prof. Msc. Ednaldo Bezerra
Prof. Esp. Antônio César dos Santos Tenório
Prof. Esp. Evandro Valério da Silva
Prof. Esp. Otacílio de Freitas Góis
Prof. Esp.Jaelson Gomes de Andrade Pereira
Profª Esp. Janaína Ribeiro Araújo
Profª Esp. Marilan Belisário da Silva
Profª Esp. Rosenilda Vasconcelos de Freitas Amariz

Realização
Curso de Pedagogia do Centro de Ensino Superior de Arcoverde (CESA)
Av. Gumercindo Cavalcante - 420 - São Cristóvão, Arcoverde - PE, 56512-902
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Sistema de Bibliotecas da AESA, Arcoverde, PE, Brasil.
S000p III Jornada do Curso de Pedagogia do CESA (1 : 2016 : Arcoverde, PE)

III JOCUPE - III Jornada do Curso de Pedagogia: Fotográficas


pedagógicas dentro e fora de sala de aula. Anais; 18 a 20 de maio de
2016, em Arcoverde, Pernambuco; organização dos anais: Edmilson José
de Sá – Arcoverde: AESA – CESA, 2016.

1 CD-ROM

Inclui bibliografia.

ISSN: 2447 – 0449 - 1. Pedagogia - Congressos. 2. Pedagogia - Congressos. 3. Memória - Congressos. 4.Prática
Docente - Congressos. I. Sá. Edmilson. II. Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde. Centro de Ensino Superior de
Arcoverde. (2 : 2016 : Arcoverde, PE). IV. Jornada

CDU: 059(37/42)
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Apresentação

Os anais da III Jornada do Curso de Pedagogia do CESA resultam da troca de experiências


resultantes de um encontro no qual buscamos sempre promover a interação entre professores e alunos com o
objetivo comum de discutir sobre os problemas da educação brasileira e, principalmente, fomentar
intervenções viáveis para que o professor aplique em sala de aula, num evento que conta com sua 3ª edição.
O encontro, mais uma vez, se articula em três eixos: pedagogia - educação – professor e, neste ano
de 2016, o evento visou a uma participação mais ativa dos alunos do Curso de Pedagogia e de cursos afins,
que compartilharam suas pesquisas durantes as atividades propostas.
Em seus três de realização, o evento contou com duas conferências principais, palestras ministradas
pelos docentes da instituição, exposições orais e artísticas, minicursos e salas de comunicação individual, o
que permitiu que os turnos vespertino e noturno tivessem atividades simultâneas.
Esperamos que o evento se constitua em oportunidade de diálogo e interlocução a respeito das
atividades desenvolvidas a partir da experiência de cada um, e que possibilite reflexões mais densas sobre
esses trabalhos resultantes de esforços realizados nos estágios, nos projetos de extensão ou de iniciação
científica, bem como nas atividades resultantes de pesquisas a nível stricto sensu.

Bom evento a todas e a todos!!!


A Comissão Científica
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PROGRAMAÇÃO

Quarta-feira (18/5)

TARDE (DAS 14H30 ÀS 16H)

Exposição: Avaliação: para quê e para quem? – sala 3º Pedagogia


PROFª MS. VERA MODESTO

Sessão de Comunicações – sala 8º Pedagogia - Formação de leitores e a leitura audiovisual em práticas


educacionais

Romeu e Julieta em círculos de leitura e letramento


ALEX SANDRA DA SILVA MOURA – Coordenadora
Letramento literário: sequência básica com o conto “O tesouro no quintal” de Moacyr Scliar
ANTÔNIA MARIA MEDEIROS DA CRUZ
LUZIA CRISTINA MAGALHAES MEDEIROS
A influência dos contos da literatura infantil na formação dos valores: o que dizem as professoras da
Educação Infantil
GABRIELA MACÊDO DE ALMEIDA
ANA CLARA BARROS SAMPAIO DE BRITO
VANDELMA AVELINO BESERRA
SIMONE SALVADOR DE CARVALHO MENESES
A tecnologia na educação
MELQUIADES DA SILVA
JULIO CÉSAR DE SOUZA
Literatura de terror no Brasil, nos Estados Unidos e na Inglaterra: pontos sujeitos à discussão
EDMILSON JOSÉ DE SÁ

Sessão coordenada: Relação entre os estudos pós-coloniais e a luta por uma educação para os povos do
campo –
PROFª MS. SIMONE SALVADOR DE CARVALHO MENESES – Coordenadora
PROF MS. JOSEILDO FERREIRA CAVALCANTI
PROF. ESP. JAELSON GOMES DE ANDRADE PEREIRA

NOITE (DAS 19H ÀS 21H30)

Abertura: Direção e Coordenação de área – Auditório (AESA)


Palestra de Abertura: Educação, Igualdade e Diferença: desafios para uma pedagogia intercultural – Profª
MS. ANNA LÍSSIA (AEB / MAURÍCIO DE NASSAU)

Quinta-feira (19/5)

TARDE (DAS 14H30 ÀS 16H_

Sessão de comunicações: Educação, Diversidade e Interculturalidade - sala 8º Pedagogia

O resgate de valores éticos-morais na revolução de 1917 através da Metodologia de Anton Makarenko.


KAMILLA BIANCA GONÇALVES FREIRE
MYCHAEL JOHNNES SILVA LIMA

Letramento visual e construção de sentidos


SILVÂNIA MARIA DA SILVA AMORIM CRUZ
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MARIA LADJANE DOS SANTOS PEREIRA


A evolução da internet e sua influência na aquisição da escrita
MARIA JOSÉ DA SILVA FERREIRA FELIX
Formação inicial de professores (as): entre a mercantilização da educação superior e a necessidade de uma
educação emancipatória
SIMONE SALVADOR DE CARVALHO MENESES
O Tratamento da Análise Linguística em Livros Didáticos de Língua Portuguesa Aprovados pelo PNLD
2011 e 2014
TAÍZA FERREIRA DE SOUZA CAVALCANTI - Coordenadora
KARLA SIMONE BESERRA CAVALCANTI

Discussão temática: Inclusão – sala 1º Pedagogia


PROF. MS. LAÉCIO SANTOS
PROFª ESP. ROSENILDA AMARILIS

Minicurso: O artigo científico: da construção à apresentação – sala 7º Pedagogia


PROF. DR. EDMILSON SÁ

NOITE

DAS 19 ÀS 20H
Exposição Temática: Tirando as máscaras ... movimentos sociais, diversidade cultural e cidadania: um olhar
socioantropológico. – Espaço cultural
ALUNOS DO 1º PEDAGOGIA E PROFª Ms. KATYA CARVALHO

DAS 20H ÀS 21H40


Minicurso: O educador na educação infantil à luz da psicologia – Sala 8º Pedagogia
PROFª MS. ORLANE ROSALIE

Exposição temática: Educação e saúde – Sala 7º Pedagogia


PROFª DRª ANA PAULA DUARTE

Minicurso: O estágio em Pedagogia: novas abordagens – sala 6º Pedagogia


PROFª ESP. MARILAN BELISÁRIO

Minicurso: A estatística em pedagogia – Sala 5º Pedagogia


PROF. ESP. ANTÔNIO CÉSAR TENÓRIO

Exposição temática: Etapas do desenvolvimento humano: o que é essencial o educador conhecer de si


mesmo e de seus alunos sobre a formação da personalidade - Auditório (AESA)
PROF. DIRCEU MOREIRA (PSICÓLOGO)

Sexta-feira (20/5)

NOITE
DAS 19 ÀS 20H
Exposição temática: O campo de atuação do pedagogo – Auditório (AESA)
ALUNOS DO 4º PEDAGOGIA E PROFª MS. VERA MODESTO

DAS 20H ÀS 21H30


Palestra de encerramento: Educação e diversidade: diálogos com as diferenças - Profª Drª Bernardina Araújo
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GRUPOS TEMÁTICOS

GT 01 – Educação de crianças de 0 a 6 anos


GT 02 – Alfabetização e Letramento
GT 03 – Didática e Formação de professores
GT 04 – Fundamentos da Educação
GT 05 – Políticas Educacionais e Gestão Escolar
GT 06 – Educação Fundamental, Média e de Jovens e Adultos
GT 07 – Cultura e Processos Educacionais
GT 08 – Educação e Diversidade
GT 09 – Currículo e Educação
GT 10 – Educação Ambiental
GT 11 - Educação e Saúde
GT 12 – Formação de leitores e a leitura audiovisual em práticas educacionais
GT 13 – PIBID como integração ensino superior / escola básica
GT 14 – Questões interdisciplinares
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TRABALHOS COMPLETOS

Letramento literário: sequência básica com o conto “O tesouro no quintal” de Moacyr Scliar
CRUZ, A.M.M.
MEDEIROS, L.C.M.

A influência dos contos da literatura infantil na formação dos valores: o que dizem as professoras da
Educação Infantil
ALMEIDA, G.M.
BRITO, A.C.B.S.
BESERRA, V.A.
MENESES, S.S.C.

Literatura de terror no Brasil, nos Estados Unidos e na Inglaterra: pontos sujeitos à discussão
SÁ, E.J.

Relação entre os estudos pós-coloniais e a luta por uma educação para os povos do campo
MENESES, S.S.C.
CAVALCANTI, J.F.
ANDRADE PEREIRA, J.G.A.

Letramento visual e construção de sentidos


CRUZ, S.M.S.A.
PEREIRA, M.L.S.

Formação inicial de professores (as): entre a mercantilização da educação superior e a necessidade de uma
educação emancipatória
MENESES, S.S.C.

O Tratamento da Análise Linguística em Livros Didáticos de Língua Portuguesa Aprovados pelo PNLD
2011 e 2014
CAVALCANTI, T.F.S.
CAVALCANTI, K.S.B.

Movimentos sociais, diversidade cultural e cidadania: um olhar socioantropológico.


ALEXANDR, K.C.
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LETRAMENTO LITERÁRIO: SEQUÊNCIA BÁSICA COM O CONTO “O TESOURO NO


QUINTAL” DE MOACYR SCLIAR

Antonia Maria Medeiros da Cruz (UPE)¹


Luzia Cristina Magalhães Medeiros(UPE)²

RESUMO: O presente artigo é um recorte da dissertação do Mestrado Profissional de Letras, na


Universidade Pernambuco. Surgiu da urgência de demonstrações de metodologias e estratégias para
realização de atividades que valorizem o letramento literário. A estratégia escolhida para a atividade foi a
sequência básica. Assim, este artigo discute a eficácia da sequência básica de leitura, tendo como parâmetro
reflexivo inicial algumas proposições de Zilberman(2003) e Rouxel(2013) sobre literatura e leitura literária.
Apresenta também o modelo de sequência básica de leitura literária de Rildo Cosson (2014), propondo uma
atividade que pode auxilia o trabalho do professor de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental, com o
conto “o tesouro no quintal” de Moacyr Scliar constituída por quatro passos: motivação, consiste na
preparação do aluno para entrar no texto; introdução a apresentação do autor e da obra; leitura, faz-se
necessário que o professor acompanhe esse processo convidando o aluno a apresentar os resultados do que
leu; e interpretação, momento de compartilhar e ampliar os sentidos construídos individualmente. Pretende-
se com isso contribuído para o desenvolvimento de habilidades de leitura do texto literário.

PALAVRAS CHAVE: Letramento literário, sequência básica, estratégias de leitura.

PALAVRAS INICIAIS

Apesar das várias mudanças apontadas para o ensino de Língua Portuguesa, principalmente após a
publicação dos PCNs, no âmbito da ressignificação do tratamento com a leitura, percebemos que o trabalho
realizado na escola ainda evidencia um distanciamento de uma formação do leitor que seja significativa,
aberta, crítica e que contribua eficazmente para o prazer de ler. Assim, o educando, em muitos casos, lê,
mas não consegue compreender e interpretar, o que pode levá-lo a uma aversão pela leitura. Difícil gostar
do que não se entende.
Ponderando sobre tais aspectos, nosso objetivo, neste artigo, se volta para a construção de um
trabalho que encaminhe para a formação do leitor literário, de modo que o aluno exerça plenamente sua
cidadania e seja capaz de atribuir sentidos para qualquer tipo de texto, inclusive o texto literário. Por isso,
pensamos num trabalho que contribuísse para a formação do leitor literário, a partir de atividade de leitura
do conto, gênero considerado simples, com ideias, muitas vezes, absurdas e artificiais, porém, de valor
indiscutível, uma vez que encanta porque são carregado de significações; e que devido à sua brevidade,
podem ser experimentados, sem se tornarem cansativos.
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É nesse contexto que este artigo se insere, discutindo a formação de leitores literários no Ensino
Fundamental e apresentando uma proposta de sequência básica com o gênero conto, a partir das ideias de
letramento literário de Cosson (2014).

LITERATURA E LEITURA LITERÁRIA: ALGUNS ASPECTOS METODOLÓGICOS

A literatura faz parte das comunidades humanas desde tempos imemoriais. As histórias que
relatavam o surgimento do mundo, do homem e como ele recebeu o castigo de morte ofereciam identidade
grupal, marcavam normas, comportamentos, garantiam transcendência, e davam um sentido à vida,
conforme retrospectiva já feita por Cosson ( 2014).
É possível observarmos facilmente que adolescentes e jovens, desde os grandes centros urbanos até
as pequenas cidades do interior, estão excessivamente conectados nas redes sociais, nos jogos online, ou
seja, constantemente lendo alguma coisa, porém parece não de dispor de tempo, nem concentração para a
leitura de livros de literatura, hábito que requer atenção. As (não) razões apontadas vão desde a falta de
tempo até, simplesmente, ao " o não gostar", demonstrando não ser esse tipo de leitura, uma forma comum
de lazer.
Assim, os profissionais responsáveis por desenvolver habilidades de leitura na escola, colocam-se
diante de um quadro difícil, uma vez que acreditam que na importância da literatura para a formação
humana. Nesse sentido, Zilbermam (2003) tece duas constatações que acredita contribuírem com a ausência
da formação do leitor literário: a fragmentação dos textos literários nos livros didáticos, e a segunda é que as
teorias de leitura parecem dispensar o texto literário como um objetivo ou fim a ser atingido como fora no
passado.
Cosson (2014), corroborando com as constatações de Zilberman (2003) afirma que existe um
estreitamento do espaço da literatura na escola quando observa que o livro didático, que antes continha
fragmentos de textos literários, agora, é, em uma grande maioria, esmagados e se perdem no meio de tantos
outros gêneros; e ainda quando se compreende que o ensino de literatura ocupa um lugar indevido na escola
por se tratar apenas de uma manifestação cultural entre outras.
As práticas escolares, em relação ao texto literário, ainda resistem a mudanças. Assim, Rouxel (2013)
propõe uma reflexão, primeira, a partir da concepção de literatura que está na origem das orientações
didáticas e de suas transformações no campo dos estudos literários; e da apreensão de leitura literária que
subjaz a essas orientações. A autora afirma parecer preliminar pensar sobre as finalidades, as intenções e os
objetivos do ensino de literatura; sobre que literatura ensinar; e, por fim sobre os avanços retóricos que
configuram um novo quadro para refletir sobre o ensino de literatura.
Autores de diferentes áreas são enfáticos em demonstrar a importância da literatura na formação do
sujeito. Petit (2006), por exemplo, reconhece uma função reparadora da leitura literária e destaca que ler
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instaura um espaço de intersubjetividade entre leitor e texto; Barone ( 2007), ao estudar a relação entre leitor
e texto literário, observa que a leitura de histórias tem função de transmissão de valores e sentidos de uma
cultura, e terapêutica, na medida em que o leitor encontra em textos elementos ligados a seus conflitos,
valores, desejos e crenças. Gutfreind (2005), que utilizou a contação de histórias na psicoterapia de crianças
com carência afetiva, reitera a importância das narrativas curtas como antídoto contra o medo e como
reforço de identidade das crianças.
Neste contexto, podemos afirmar que a literatura é importante em todos os processos de educação e
possui papel fundamental na formação da personalidade do ser humano como forma de alterar a realidade,
embora enquanto arte não lhe sejam atributos necessários ao texto literário, dado que o mesmo não tem
finalidade didática, mas é um ato gratuito, prazeroso e mais que tudo, belo, tendo em vista sua finalidade
estética e consequente função poética.
Porém, vivemos na escola uma situação difícil quando a matéria é literatura. Nos dizeres de Cosson:

... Alguns acreditam que se trata de um saber desnecessário. Para esses a literatura é
apenas um verniz burguês de um tempo passado, que já deveria ter sido abolido das
escolas, eles não sabem, mas pensam que não precisam aprender literatura, porque já
conhecem e dominam tudo o lhes interessa...( COSSON, 2014, p.10)

Pensar o ensino de literatura implica "instituir o aluno sujeito leitor", afirma Rouxel (2013). Ou seja,
tanto para o professor quanto para o aluno, renunciar à imposição de um sentido imutável a ser transmitido.
"Trata-se de ao mesmo tempo, partir da recepção do aluno, de convidá-lo à aventura interpretativa com seus
riscos, reforçando suas competências pela aquisição de saberes e de técnicas" (ROUXEL, 2013, p 20).
Assim, para adquirir saberes no campo da leitura literária em classe são úteis saberes de três ordens:
" saberes sobre os textos, saberes sobre si e saberes sobre a própria atividade lexical" (ROUXEL, 2013,
p.21).
Nessa perspectiva, como afirma Malard (1985), o melhor caminho para a aprendizagem da literatura
ainda é a leitura dos textos literários e a crítica sobre eles, pois nenhuma outra forma de ver seus conteúdos,
como resumos ou adaptações, substitui a prática da leitura original, uma vez que são releituras. Esses fatores
podem ser apresentados para o aluno, fazendo com que ele entenda as semelhanças e diferenças entre esses
intertextos e como cada leitura, pelo olhar do leitor, é também uma “ré-escritura” de um texto.
Portanto, sendo a escola o espaço de sistematização de saberes sobre leitura, embora não seja o
único, para desenvolvermos a capacidade de leitura precisamos ler de maneira formativa. Segundo Cosson
(2014, p. 46-48), sistematizando o que as teorias da leitura concordam sobre a formação de um leitor
competente, lemos formativamente quando:

a) Lemos diversos e diferentes textos – de maneira que o leitor, de posse de várias


formas de composição do texto, possa se movimentar entre eles e construa uma
repertório que lhe servirá de base para as próximas leituras.
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b) Lemos de diversos modos – quando buscamos localizar uma informação, outras


vezes precisamos fazer inferências e etc.
c) Lemos para conhecer o texto que nos desafia e que responde a uma demanda
específica – as escolas de textos para leitura estão diretamente ligadas ao que se deseja
conhecer, entender e viver.
d) Avaliamos o que lemos – aquela que ao identificar as características de uma obra
analisa o que ela representa e por que representa daquela maneira, problematizando
esses elementos no seu contexto da produção e no presente da leitura.
e) Lemos para aprender a ler – uma boa parte do que lemos se deve a uma necessidade
prática de nosso cotidiano. Para se chegar a ser um leitor maduro, devemos ler para
aprender a ler e ampliar continuamente nossa competência leitora.(COSSON , 2014,
p. 46-48).

Essas características que sintetizam o aprendizado permanente da leitura formativa se desenvolvem também
na literatura. “É assim que, por meio da leitura da literatura, temos acesso a uma grande diversidade de
texto, pois é próprio do discurso literário a multiplicidade das formas e a pluralidade dos temas” (COSSON,
2014).
Portanto, o conhecimento dos vários modos de leitura literária é importante para percebermos que
existem muitas atividades que possibilitam o diálogo com a literatura tradicional dos estudos sobre a
aprendizagem de habilidades supostamente neutras.

PRÁTICAS DE LETRAMENTO LITERÁRIO NA ESCOLA

Integrando o plural dos letramentos, o letramento literário tem uma relação diferenciada com a
escrita. A princípio, é diferente dos outros tipos de letramento porque a literatura ocupa um lugar único em
relação à linguagem e proporciona um modo privilegiado de inserção no mundo da escrita, uma vez que
conduz ao domínio da palavra a partir dela mesma. Tal letramento, através da escola, demanda um processo
educativo específico que apenas a prática de leitura de textos literários não consegue sozinha efetivar.
O letramento literário requer do indivíduo habilidades em permanente construção em relação ao
universo literário, transcende limites espaciais e temporais e dar sentido ao mundo por meio de palavras. É
uma experiência de dar sentido ao mundo por meio de palavras que falam de palavras, além dos limites de
tempo e espaço.
Ao praticarmos a leitura na sala de aula, buscamos o letramento literário. Nesse sentido ratifica
Cosson:
[...] devemos compreender que o letramento literário é uma prática social e, como tal,
responsabilidade da escola. A questão a ser enfrentada não é se a escola deve ou não
escolarizar a literatura, como bem nos alerta Magda Soares, mas sim como fazer essa
escolarização sem descaracterizá-la, sem transformá-la em um simulacro de si mesma
que mais nega do que confirma seu poder de humanização. (COSSON, 2009, p. 23)

O letramento realizado com textos literários proporciona um modo privilegiado de inserção no


mundo da escrita, por conduzir ao domínio da palavra a partir dela mesma. O mesmo precisa da escola para
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se concretizar, isto é, ele demanda um processo educativo específico que a mera prática de leitura de textos
literários não consegue sozinha efetivar.
Com efeito, devemos ir além de simplesmente exigir que o aluno leia a obra e ao final faça uma
prova ou ficha, pois a leitura é construída a partir dos mecanismos que a escola desenvolve para a
proficiência da leitura literária.
Também no sentido de promover o letramento literário Cosson (2014) propõe oficinas através de
sequências básicas de trabalho que demandam uma preparação, cujos mecanismos podem favorecer o
processo de leitura como um todo.
A sequência básica é formada por quatro etapas: a motivação que consiste na preparação do aluno
para que ele “entre” no texto. Normalmente, essa etapa se dá de forma lúdica, com uma temática relacionada
ao texto literário que será lido e tem como objetivo principal incitar a leitura proposta. Na segunda etapa, a
introdução, é feita a apresentação do autor e da obra. O terceira passo é a leitura do texto em si que deve ter
um acompanhamento do professor. O autor chama esse acompanhamento de “intervalos” no qual há a
possibilidade de aferição da leitura, assim como solução de algumas dificuldades relacionadas à
compreensão de vocabulário ou mesmo de partes do texto. Tal sugestão é de fundamental importância para
que o aluno não perda o interesse ao longo da leitura. A última etapa é a interpretação e para o autor ela se
dá em dois momentos, um interior e outro exterior. O momento interior compreende a decifração, é
chamado de “encontro do leitor com a obra” e não pode ser de forma alguma substituído por algum tipo de
intermediação como resumo do livro, filmes, minisséries. Já o momento exterior é a “materialização da
interpretação como ato de construção de sentido em uma determinada comunidade” (Cosson, 2009, p. 65).
É no momento externo da interpretação que percebemos a diferença entre o letramento literário feito
na escola e a leitura literária que fazemos de forma independente. Para que o aluno tenha prazer na leitura
ele precisa passar pelo letramento literário (COSSON, 2014). A escola tem papel importante nesse momento
e talvez seja ela, de fato, a principal responsável pela formação e consolidação de alunos leitores críticos e
cidadãos atuantes de fato. No momento de interpretação o educando e amplia e compartilha os sentidos
construídos individualmente ganhando consciência de que estão inseridos numa coletividade .

SEQUÊNCIA BÁSICA: UMA PROPOSTA COM O CONTO O TESOURO NO QUINTAL DE


MOACYR SCLIAR

Uma vez que já apresentamos os aspectos teóricos da sequência básica proposta por Cosson (2014),
sugerimos aqui uma aplicação prática com o conto O tesouro no quintal de Moacyr Scliar. No entanto, não
temos a pretensão de prescrevermos um manual para ensino de literatura, porém, os detalhes do
encaminhamento da mesma, poderá nortear a construção de outras oficinas de leitura literária. Sugestões de
trabalho, nesse sentido, podem contribuir com o aumento do desejo do educando de conhecer o mundo da
leitura e aventurar-se no universo das palavras.
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1º etapa – Motivação

Poderá ser entregue uma caixa como se fosse um tesouro (semelhante a da imagem abaixo) para ser
passada de mão em mão dos alunos, fazendo-se as seguintes perguntas: Qual o maior tesouro que você tem
na vida atualmente? Que outro tesouro você gostaria de encontrar na vida? Que tesouro vocês imaginam que
eu guardo na minha caixinha?

Imagem diponível em: https://www.geocaching.com/geocache/GC6AX83_o-tesouro-x?guid=f8f858d5-1cbb-4348-9a63-3172f2e8a52e.

Após a participação dos alunos (é possível que algum aluno não queira responder e o mesmo deve
ser respeitado), informar que eles lerão um texto muito interessante que fala justamente de um tesouro.

2º momento – Introdução

A professora mencionará que eles farão a leitura uma linda história que se chama O tesouro
no quintal, (disponível em: http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/tesouro-quintal-634294.shtml),
escrita por Moacyr Scliar, um cara que escreveu muitos, muitos livros... A história fala de uma grande
família, o pai, a mãe e cinco filhos. Eles eram muito pobres. Para instigar a curiosidade das crianças, deve
ser feito o questionamento: (1) Será que existe mesmo um tesouro quintal e eles não sabem? Que tesouro
será esse?

3º momento – Leitura

De maneira encantadora o professor poderá ler a história alternado com leitura feita pelos alunos.

4º momento: Interpretação
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Em seguida, a professora e os estudantes devem fazer uma roda de conversa sobre as expectativas
frente à história contada. Os alunos farão comentários referentes a compreensão e as interpretações que eles
enxergam com relação a história lida. Poderão comentar sobre o final: Foi o esperado? Que outro final daria
para a história. Para deixar registrado, os alunos poderão imaginar e escrever como estaria a vida daquela
família vinte anos depois. Os textos poderão ficar expostos em mural na sala de aula

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao utilizarmos a sequência básica de leitura como caminho criativo de aproximação de leitor e texto,
ressaltamos a importância da utilização atividades práticas bem planejadas para contribuir para o letramento
literário. Tendo em vista que somos professoras da rede pública e mestrandas do Mestrado Profissional
em Letras - PROFLETRAS –acreditamos que é necessário buscar práticas alternativas que
fomentem a es-colarização adequada da Letramento literário.
Dessa forma, acreditamos que as sequências básicas de leitura estão inseridas nessas novas práticas.
Esperamos que as atividades decorrentes dessa sequência contribuam para a promoção do aprendizado,
levando em consideração o aspecto cognitivo de cada leitor. Acreditamos que com orientações e estratégias
o trabalho com a leitura pode ser aprimorado e motive o indivíduo de maneira adequada.

REFERÊNCIAS

BARONE, L. M. C.. Apontamentos para construção do sujeito leitor. Construção Psicopedagógica,


2007.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto,
2014.
GUTFREIND, C. O terapeuta e o lobo: a utilização do conto na psicoterapia da criança (2ª ed.). São
Paulo: Casa do Psicólogo, 2005.
MALARD, Letícia. Ensino e literatura no 2º grau: problemas & perspectivas. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1985.
PETIT, M. (2006). A leitura em espaços de crise. Revista Brasileira de Psicanálise, 40 (3), 149-167.
ROUXEL, A. Aspectos metodológicos do ensino de literatura. In: Dalvi, M. A.; Rezende, N. L.; Jover-
Faleiros, R. (org.). Leitura de literatura na escola. São Paulo: Parábola, 2013.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11. ed. São Paulo: Global, 2003.

REFERÊNCIAS DE SITES

http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/tesouro-quintal-634294.shtml. Acessado em 10-05-2016

https://www.geocaching.com/geocache/GC6AX83_o-tesouro-x?guid=f8f858d5-1cbb-4348-9a63-
3172f2e8a52e. Acessado em 10-05-2016.
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A INFLUÊNCIA DOS CONTOS DA LITERATURA INFANTIL NA FORMAÇÃO DOS VALORES: O QUE


DIZEM AS PROFESSORAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL?

Ana Clara Barros Sampaio de Brito1


Gabriela Macêdo de Almeida2
Vandelma Avelino Beserra3
Simone Salvador de Carvalho Meneses4

RESUMO:A pesquisa parte da inquietação de responder ao problema: Quais valores perpassam os contos da
literatura infantil na visão de professoras da Educação Infantil? Para tanto, foram definidos como objetivos: Analisar
aproximações e distanciamentos entre os valores presentes em contos da literatura infantil, daqueles identificados
pelas professoras que atuam na em turmas de Educação Infantil; Mapear os contos da literatura infantil utilizados com
maior frequência em turmas de Educação Infantil; Identificar quais valores são evidenciados na moral da história;
Verificar quais valores e ensinamentos presentes em contos da literatura infantil são reconhecidos por professoras que
atuam nessa modalidade de ensino. Na fase exploratória foram identificados três contos mais frequentes em turmas de
Educação Infantil: O Patinho Feio, Os Três Porquinhos e Chapeuzinho Vermelho. Por meio do referencial teórico
verificou-se sua origem, principais transformações ocorridas no enredo e os valores presentes na moral da história. Por
meio de entrevista semiestruturada com professoras da Educação Infantil que atuam em escolas públicas e particulares
nos municípios de Arcoverde, Buíque e Venturosa foi possível perceber quais valores as mesmas reconhecem nos
contos. No trabalho com o Patinho Feio prevalece à preocupação em refletir sobre respeito às diferenças. Em relação
aos Três Porquinhos são aprofundadas questões como família, trabalho em equipe, preguiça, entre outros. Sobre
Chapeuzinho Vermelho trabalha-se, principalmente, o respeito aos mais velhos. Entretanto, as histórias trazem
ensinamentos, nem sempre explícitos, que acabam influenciando na formação de valores nas crianças, alguns destes
ainda não percebidos pelas professoras.
Palavras-chave: Literatura infantil. Importância dos contos. Formação de valores. O Patinho Feio. Os Três
Porquinhos. Chapeuzinho Vermelho.

1. INTRODUÇÃO

O uso de contos na educação infantil é uma forma lúdica e prazerosa para a criança de despertar interesse pela
leitura.

[...] acredita-se que a verdadeira função do conto de fada na literatura infantil é sensibilizar, resgatar a
imaginação perdida da criança, sendo formador da personalidade. O objetivo é que o conto esteja
envolvendo-as no maravilhoso,deixando fluir a fantasia, a magia e o belo, num momento de leitura
natural e prazerosa.(CARNEIRO, 2009, p.01).

Outra contribuição é a influência desses na formação da personalidade, do caráter e dos valores, uma vez que
a criança se identifica com personagens e situações. Eles auxiliam na compreensão da realidade, bem como na sua

1Licencianda em Pedagogia pelo Centro de Ensino Superior de Arcoverde (CESA). E-mail: aclarasampaio@hotmail.com
2
Licencianda em Pedagogia pelo Centro de Ensino Superior de Arcoverde (CESA). E-mail:gabrielamacedo1993@yahoo.com.br
3
Licencianda em Pedagogia pelo Centro de Ensino Superior de Arcoverde (CESA). E-mail: vandelmaavelino@outlook.com.br
4
Professora orientadora. Mestre em Educação Contemporânea pela UFPE. E-mail: simonesalvador91@hotmail.com
16

formação psíquica podendo contribuir na resolução de conflitos internos, no desenvolvimento da imaginação, nos
aspectos emocionais e da sensibilidade. Dessa forma, é importante refletir sobre os diferentes elementos presentes nas
histórias, principalmente aqueles que estão implícitos ou ocultos ao longo do texto.
Com base nisso, esse trabalho busca responder a seguinte curiosidade: Quais valores perpassam os contos da
literatura infantil na visão de professoras da Educação Infantil? O interesse por essa temática surgiu a partir de
estudos e reflexões realizados na disciplina Currículo, Programas e Projetos Educacionais por meio dos quais se
percebeu que, apesar de muitas estudantes já atuarem na docência e utilizarem histórias na sala de aula, havia
elementos ocultos nos contos da literatura infantil que exigia uma melhor interpretação deste por parte das professoras.
Para dar conta desse problema de pesquisa foi traçado como objetivo geral: Analisar aproximações e
distanciamentos entre os valores presentes em contos da literatura infantil, daqueles identificados pelas professoras
que atuam em turmas de Educação Infantil. E como objetivos específicos: Mapear os contos da literatura infantil
utilizados com maior frequência em turmas de Educação Infantil; Identificar quais valores são evidenciados na moral
da história; Verificar quais valores e ensinamentos presentes em contos da literatura infantil são reconhecidos por
professoras que atuam nessa modalidade de ensino.
Assim, por meio dessa pesquisa, pretende-se contribuir para que as professoras que utilizam os contos da
literatura infantil em sala de aula possam interpretar e refletir sobre a relação entre eles e a formação de valores na
criança. Entende-se assim, que a pesquisa poderá contribuir de maneira positiva na prática pedagógica, favorecendo
não apenas uma reflexão sobre os três contos aqui apresentados, mas de outras obras também utilizadas.
Em geral, os contos da literatura infantil podem contribuir de forma positiva ou negativa na formação de
valores na criança. O que irá depender da maneira como as professoras trabalham esse recurso didático em sala de
aula. Assim, para que estas levem os estudantes a refletirem sobre os diferentes ensinamentos implícitos ou explícitos,
faz-se necessário conhecer os diferentes aspectos que estão por trás de cada enredo, muitos deles só identificados
quando analisados a partir do contexto histórico da criação do conto e suas finalidades. Essa é uma das contribuições
que a presente pesquisa busca oferecer.

2. PERCURSO METODOLÓGICO

Com base nos objetivos, optou-se pela realização de pesquisas em três escolas da rede pública municipal e três
escolas da rede particular dos municípios de Arcoverde, Buíque e Venturosa. A escolha pelos referidos municípios
justifica-se pelas experiências desenvolvidas ao longo do estágio, tendo em vista que, cada uma das estudantes
pesquisadoras reside em um deles, o que aguçou a curiosidade para conhecer diferentes realidades espaciais.
Quanto aos sujeitos da pesquisa, foram convidadas, de cada um dos três municípios, as professoras do pré I e
pré II de escolas públicas e particulares. Essas as, 10 profissionais aceitaram participar desse trabalho. Em respeito ao
direito ao anonimato, as mesmas foram identificadas com letras de A a J, considerando a sequência de realização das
entrevistas, conforme tabela 1.
17

Tabela 1: Sujeitos da pesquisa


Pública Particular
Municípios
Pré I Pré II Pré I Pré II
Buíque A B C D
Arcoverde E -- F G
Venturosa H I J ---
Fonte: Acervo da pesquisa. Abr/ 2016.

O critério de seleção foi o maior tempo de atuação nessa modalidade. Em relação ao perfil profissional foram
identificadas as seguintes características: Com relação à experiência profissional na Educação Infantil (EI), a
Professora E é aquela que apresenta menor tempo com apenas 4 meses, embora já trabalhe há 12 anos na área de
educação. A Professora B tem 2 anos de atuação, a Professora H tem 3 anos, a Professora J e A tem 5 anos, as
Professoras F e I possuem 7 anos de atuação, as Professoras C e G possuem 10 anos e a Professora D é aquela com
maior tempo, contabilizando 11 anos de atuação.
Em relação à formação inicial 06 são graduadas em Pedagogia, 01 está cursando Pedagogia, 01 tem graduação
em Biologia e 02 têm apenas o normal médio. Sobre a formação continuada, apenas as professoras D e F afirmam não
ter participado de nenhum encontro específico sobre o trabalho em turmas de Educação Infantil. Já em relação a
formações específicas sobre contos na sala de aula, merece destaque o município de Buíque no qual todas as
entrevistadas (A, B, C, D) relatam ter participado de diferentes encontros relacionados ao tema. A Professora G
também participou de eventos sobre o tema. Assim, apenas 50% das entrevistadas receberam orientações nesse
sentido.
Como estratégias de coleta de dados, foram utilizadas a pesquisa exploratória e a entrevista semiestruturada.
De acordo com Mattar (1996, p.01) a pesquisa exploratória “[...] pode ser usada, para facilitar a elaboração de um
questionário ou para servir de base a uma futura pesquisa, ajudando a formular hipóteses, ou na formulação mais
precisa dos problemas de pesquisa”. Dessa forma, serviu para identificar junto às professoras da Educação Infantil
quais os contosutilizados com maior frequência em suas turmas, o que subsidiou a etapa posterior da pesquisa.
Uma vez identificados os três contos mais utilizados: Chapeuzinho Vermelho, Os Três Porquinhos e O
Patinho Feio, realizou-se a pesquisa documental, considerando a importância dos documentos escritos, sonoros e
visuais enquanto portadores de informações relevantes ao trabalho do pesquisador (LAVILLE; DIONNE, 1999). Essa
fase possibilitou a análise e identificação dos principais valores presentes na moral dessas histórias.
Em seguida, realizou-se a entrevista semiestruturada, por meio de uma “série de perguntas abertas [...] na qual
o entrevistador pode acrescentar perguntas de esclarecimento.” (LAVILLE; DIONNE, 1999, p. 188). Assim, por meio
de um roteiro básico previamente elaborado conforme os objetivos, realizou-se a entrevista com as professoras, o que
proporcionou dados sobre como as mesmas trabalham os contos e o que percebem sobre as contribuições dos
discentes na construção de valores na Educação Infantil. Sendo, portanto, uma atividade que favoreceu a interação
pesquisadoras e entrevistadas.
18

3. A LITERATURA INFANTIL NAS TURMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Nessa seção, são apresentadas reflexões sobre a importância do trabalho com contos, bem como, a relação
entre eles e a formação de valores. Em seguida, há um breve resgate do contexto histórico, das versões mais
conhecidas e da moral da história dos contos Patinho Feio, Três Porquinhos e Chapeuzinho Vermelho.

3.1. IMPORTÂNCIA DO TRABALHO COM CONTOS DA LITERATURA INFANTIL

É na Educação Infantil que a criança começa o seu desenvolvimento pessoal e social. Dessa forma, começa a
entender o que está acontecendo com ela e a partir daí descobrir o mundo a sua volta. Daí a importância do trabalho
com contos, uma vez que, segundo Bettelheim (2002, p. 20) “enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece
sobre si mesma, e favorece o desenvolvimento de sua personalidade”.
Dessa forma, além de divertir a criança essas histórias servem como ferramenta que facilitarão um novo olhar
sobre a vida, as pessoas, a sociedade, por trabalharem de forma lúdica alguns temas complexos para o entendimento
da criança, tais como, abandono, preconceito, diferenças de classes sociais, sexualidade, diversidade de gênero,
perigo, além da luta entre o bem e o mal.
Por trabalharem com essas e outras questões, “os contos são veículos transmissores de conhecimentos e
valores culturais, na qual são passados de geração em geração, transmitindo experiências para defrontar situações do
cotidiano.” (MESQUITA NETO, 2010, p. 01).
É possível desenvolver na criança atitudes em relação a seu cotidiano baseando-se nos contos da literatura
infantil, fazendo uma interpelação entre história e memória, isto é, passados de geração em geração. Despertando na
criança valores culturais que contribuem para formação de sua identidade e do seu desenvolvimento cognitivo.Mesmo
com tantas contribuições para o desenvolvimento intelectual e social da criança, muitas professoras ainda
desconhecem esse papel ou, desconsideram a necessidade de uma análise mais aprofundada acerca dessas histórias e
dos valores que carregam.
Um dos aspectos que o educador deve entender ao utilizar tais produções em sala de aula é que não se trata
apenas de uma ferramenta para estimular a leitura ou mesmo ensinar a ler, como algo que não influencia a vida da
criança. Para Bettelheim (2002), a forma como a professora trabalha poderá auxiliar a criança a desenvolver seu
intelecto e tornar clara as suas emoções. Assim, os contos, quando utilizados de forma correta, podem trazer grandes
significados para a vida da criança, além de contribuir de forma direta em todos os âmbitos de sua vida.

3.2. LITERATURA INFANTIL E FORMAÇÃO DE VALORES

Os valores são resultado das experiências vividas pelas crianças em diferentes momentos e espaços. Dessa
forma, a escola exerce um papel fundamental na educação de crianças. De acordo com Aranha e Martins (1992,
p.106),

Os valores resultam da experiência vivida pelo ser humano (crianças e adultos) ao se relacionar com o
mundo e seus pares. Daí a responsabilidade da instituição de Educação Infantil na vida da criança,
19
pois, “a primeira compreensão que temos do mundo é fundada no solo dos valores da comunidade a
que pertencemos”.

Nesse sentido, o trabalho com contos podecontribuir para o desenvolvimento de valores na Educação Infantil.
A partir deles, as crianças passam a identificar-se com os personagens percebendo as dificuldades e tribulações
vivenciadas no decorrer de cada enredo. Também pode contribuir na superação dos medos e a enfrentar situações
difíceis do seu cotidiano.São textos que levam as crianças a descobrir-se psicologicamente e emocionalmente,
enriquecendo sua vida interior, desenvolvendo percepções que irão ajudar a criar conceitos de vida, fazendo um elo
entre o real e o imaginário e assim compreendendo melhor a si mesma e o meio em que vive.
Corso (2006, p.303), ao falar sobre o uso dessas histórias afirma que “elas são como exemplos, metáforas que
ilustram diferentes modos de pensar e ver a realidade e, quanto mais variadas e extraordinárias forem as situações que
elas contam, mais se ampliará a gama de abordagens possíveis para os problemas que nos afligem”.
Nesse aspecto, os contos podem ajudar no processo de construção da personalidade infantil, levando a criança
para a descoberta de sua identidade,auxiliando no desenvolvimento do seu caráter, através do prazer ou das emoções
que as histórias transmitem. O simbolismo que está implícito nos contos visa agir em seu inconsciente, ajudando a
resolver os conflitos interiores, surgindo à necessidade da criança defender sua vontade e sua independência.
Os contos trazem para a criança um universo de emoções, sentimentos e significados que a fazem
compreender melhor o meio em que vive, proporcionando a formação de valores de maneira prazerosa. As histórias
infantis oportunizam várias descobertas, tais como, as maneiras de se relacionar com o próximo, o respeito, a
administração de conflitos pessoais e sociais, etc.
Por outro lado, Teixeira, Borges e Teixeira (2014) afirmam que a literatura infantil é portadora de múltiplos
significados, com códigos de conduta social e moral que contribuem na formação de valores, preparando a criança
para a realidade adulta, de forma encantadora e alegórica. Assim, é preciso analisar a presença de elementos ocultos
ou, não muito explícitos numa primeira leitura, o que requer um conhecimento mais profundo das histórias, seu
contexto de criação e finalidades.

4. ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS DA PESQUISA

A primeira fase desse trabalho foi realizada por meio de uma pesquisa exploratória que teve a finalidade de
mapear os contos da literatura infantil utilizados com maior frequência em turmas de Educação Infantil.
A pesquisa foi realizada durante os meses de fevereiro e março de 2016, em escolas das redes municipal e
particular dos municípios de Arcoverde, Buíque e Venturosa. O critério para seleção das instituições foi o maior
número de turmas nessa modalidade.
Por meio da aplicação de um questionário com a lista de diversos contos da literatura infantil, realizou-se o
levantamento de quais eram os mais utilizados, chegando às três histórias aqui trabalhadas. Em seguida, realizou-se a
análise documental que teve por finalidade identificar quais valores são evidenciados na moral da história. Por fim, a
realização da entrevista para verificar quais valores e ensinamentos presentes em contos da literatura infantil são
reconhecidos pelas professoras. Os resultados dessa etapa são apresentados a seguir.
20

4.1. PRINCIPAIS ENSINAMENTOS E VALORES PRESENTES EM CADA CONTO

Para Coelho (2000, p. 27 – 28) “conhecer a literatura que cada época destinou as suas crianças é conhecer os
ideais e valores ou desvalores sobre os quais cada sociedade se fundamentou (e se fundamenta)”. Dessa forma, para
compreender melhor os elementos inerentes ao enredo das três histórias selecionadas, bem como, o contexto de
origem, finalidade e principais valores, foi realizada uma pesquisa documental, cujos principais achados são
apresentados a seguir.

4.1.1. O Patinho Feio e a dificuldade de lidar com as diferenças

O Patinho Feio foi escrito por Hans Christian Andersen, por volta de 1840. Sendo assim, é a mais antiga das
três histórias. Em sua narrativa mostra situações relevantes envolvendo valores que, nem sempre, são percebidos pelas
professoras, que, muitas vezes, contam a história apenas para cumprir um momento de leitura, desconsideração à
importância de refletir junto aos estudantes sobre os elementos embutidos na mesma.
De acordo com o autor, a obra fala sobre um filhote de cisne que choca em um ninho de uma pata. Ao nascer,
pelo fato de ser fisicamente diferente dos seus irmãos, passa a ser maltratado, ofendido e rejeitado por sua família e
pelos demais animais do campo. Um dia, cansado de sofrer tanta humilhação o patinho resolve ir embora do ninho.
Entretanto, por onde passa continua a não ser aceito. Sozinho, enfrenta o terrível frio do inverno e quando chega à
primavera encontra-se com outras aves que ele considera nobres e esplendidas, despertando-lhe novamente o desejo
de aproximar-se de alguém e fazer parte de um grupo. O autor expõe:

Vou voar até àquelas nobres aves, mesmo que me matem a bicada por me atrever a aproximar-me,
feio como sou. Mas não me importo... é melhor ser morto por umas criaturas tão esplêndidas do que
apanhar bicadas de patos e galinhas e pontapés da rapariga da quinta ou ter de aguentar outro inverno
como o último.(ANDERSEN, 1984, p. 01).

Nesse momento, ele abre suas asas e cai na água em direção aos cisnes. Ao ver o seu reflexo percebe a
semelhança com aquelas lindas aves. Já não era mais o Patinho Feio, mas, um belo cisne branco, que passou a ser
apreciado e aceito por todos os outros.
É importante ressaltar que na referida obra, o conto relata que, o fato de ser diferente dos padrões exigidos
pelo grupo o filhote de cisne sofreu preconceito e rejeição, conforme fragmento a seguir:

(...) O filhote que saiu de dentro, não era pequenininho, nem amarelinho e nem engraçadinho. –
Quem, quem, fez o patinho para a mãe, esperando dela um gesto de amor. Mas a mãe pata não fez
nada do que faziam as mães quando nascem os filhos. Ela estava muito desesperada. – Que coisa mais
esquisita. Este patinho não se parece nada com os meus outros filhos. (ANDERSEN,1994, p. 01).

Dessa forma, percebe-se que o fato de ter aparência diferente de seus irmãos, o filhote de cisne é visto como
um ser esquisito, não recebendo apoio, afeto e carinho de sua família.
Algo semelhante pode acontecer com muitas crianças que sofrem por ter padrões físicos diferentes dos que o
grupo propõe, como por exemplo: gordo, magro, alto, baixo, negro, branco, entre outros. Além disso, esse preconceito
21

acompanha a criança em todos os âmbitos que ela esteja envolvida, principalmente na escola, onde acaba sendo
motivo de chacota, o que ocasiona sentimento de tristeza, exclusão e não aceitação.
Um dos caminhos para a superação seria a comunidade escolar trabalhar as diferenças de forma a contribuir
para superação de traumas e preconceitos. A história original termina mostrando justamente essa realidade:

— Não interessa nascer num terreiro de patos quando se sai de um ovo de cisne. Sentiu-se feliz por ter
sofrido tantas dificuldades, porque agora dava valor à sua boa sorte e ao lar que finalmente tinha
encontrado. Os majestosos cisnes nadaram à sua volta e acariciaram-no, com admiração, com os
bicos. [...] E os cisnes mais velhos curvaram as cabeças diante dele. (ANDERSEN,1994, p. 01).

Ao comparar as versões atuais com a original, percebem-se mudanças mínimas. Uma dessas mudanças é o
fato das versões atuais não fazerem tanta referência à cor da ave. Na primeira, isso é bem evidenciado, ao apresentar o
fato do patinho nascer com um aspecto acinzentado e feio, cuja superação se dá pela beleza majestosa da cor branca
do cisne.
Uma leitura atenta do conto evidencia elementos importantes a respeito da rejeição e do bullying, tanto por
parte dos supostos familiares, o que pode levar a criança a desenvolver métodos de defesa para lidar com a dor e os
sentimentos de tristezas provocados por esses fatores. De acordo com Bettelheim (2002, p.115, grifo nosso):
A criança que se sente incompreendida e não apreciada pode desejar pertencer a uma outra
espécie,mas sabe que é impossível. Sua possibilidade de sucesso na vida não é crescer para ter uma
natureza diferente, como o patinho que se transforma num cisne, mas adquirir qualidades melhores
e fazer melhor do que os outros esperam, sendo da mesma natureza de seus pais e irmãos.

Por outro lado, aquelas que não conseguem reagir e mudar essa realidade poderão enfrentar frustrações que
dificultarão sua futura relação com o mundo, devido a variações de comportamento, tais como: isolamento, tristeza e
agressividade.

4.1.2. Os Três Porquinhos e divisão social de classes

De acordo com Búrigo (2010), a primeira versão do conto infantil Os Três Porquinhos foi escrita em 1890 por
Joseph Jacobs, escritor de contos do folclore inglês. Com o passar do tempo à história original serviu como inspiração
para que outras versões surgissem, sendo a mais conhecida até os dias atuais a dos estúdios Disney, que, em
1933construiu o enredo com animação em vídeo.
A versão de Jacobs (1890) intitulada como “The Storyof three litte pigs” narra a história de três irmãos que,
deixando a casa da mãe, vão viver de forma independente e cada um constrói sua morada. O primeiro porquinho
constrói uma casa de palha, o segundo uma casa de madeira e o terceiro de tijolos. Enfrentam um lobo feroz que tem a
intenção de devorá-los. Apenas um deles, o mais trabalhador e mais velho é o sobrevivente e consegue matar o lobo.
Esse foi o que construiu a casa de tijolos, sólida e resistente, que o protegeu do predador.
Na versão dos estúdios Disney, os porquinhos também constroem suas próprias casas com os mesmos
materiais (palha, madeira, tijolos). Todos os porquinhos sobrevivem. Mas os dois que tiveram suas casas destruídas,
foram obrigados a viver com o irmão mais velho, em sua casa de tijolos, fruto de um trabalho árduo e de renúncias.
22

Para Bettelheim (2002), o conto é utilizado, muitas vezes com intuito de mostrar à criança o valor do trabalho
duro: só o terceiro porquinho aprendeu a viver de acordo com esse princípio, pois abriu mão do desejo de brincar para
se prevenir para o futuro. Mostra ainda as vantagens de crescer, uma vez que o terceiro, mais sábio e corajoso
porquinho é normalmente tratado como o maior e o mais velho. Dessa forma, a moral da história ensina que não
devemos ser preguiçosos, nem levar uma vida despreocupada com o futuro.
De acordo com Prado (2012) as questões sociais e econômicas aparecem de forma gradativa no conto: a casa
de palha, de madeira e de tijolos, sendo esta a mais superior. Da mesma forma, segue-se a apresentação das idades,
como maturidade e capacidade de resistir às atrocidades.
Para Teixeira, Borges &Teixeira (2014, p. 02):

[...] a distribuição fica clara no conto, pois se os porquinhos eram irmãos poderiam construir uma só
casa; no entanto, alegoricamente, cada um assume sua posição social representada na moradia por eles
construída. A recompensa, por sua vez, encontra-se no fato de apenas a casa mais bem construída ser
inabalada e garantir a proteção do porquinho mais velho.

De acordo com Búrigo (2010) há uma dignificação do trabalho e da dedicação, enquanto elementos que favorecem
conforto, segurança e garantia de sobrevivência. Assim, procura mostrar às crianças a importância do trabalho. Porém
Lajollo & Zilberman (2006) chamam atenção para o fato de contos da literatura infantil trazerem conexões entre a
situação social, econômica e a condição servil.
Na sala de aula, a história é geralmente utilizada para trabalhar os tipos de moradia, surgindo daí uma questão
preocupante, uma vez que, diante da possibilidade de atuação de professoras em diferentes contextos sociais, culturais
e econômicos, é interessante refletir sobre alguns elementos ocultos, dentre eles, destaca-se o fato da opção pela
construção de casas de madeira, palha ou outros matérias mais simples, nem sempre representar a falta de coragem e
de compromisso com o trabalho.

4.1.3. Chapeuzinho Vermelho e o despertar da sexualidade

Chapeuzinho Vermelho foi escrita na Alemanha, no século XIV pelos irmãos Grimm, inicialmente conhecida
como Capuchinho Vermelho. Nela a mãe pede que a menina leve alimentos para sua vovó que está doente. No
caminho, encontra-se com um lobo feio e mau. Nesse momento, começa um diálogo entre eles e a criança acaba
dando-lhe todas as informações sobre de seu roteiro. Ao chegar à casa da vovó, o lobo já se encontra lá, disfarçado.
Chapeuzinho entra e, apesar de achar a situação estranha, atende ao pedido da suposta vovó que pede para a menina
despir-se e deitar com ela na cama para ser aquecida.
Uma segunda versão, escrita por Charles Peraultt (1697) foi publicada no livro Contos da Mamãe Gansa.
Enquanto a primeira fala apenas que o animal devorou a vovozinha, na segunda ele, além de matar, coloca seu sangue
numa garrafa e fatia sua carne. Após alimentar, guarda as sobras na dispensa, veste a camisola e prepara-se para
esperar sua próxima vítima. Quando a garota chega, o lobo manda que ela coma alguma coisa. Sem saber, acaba
consumindo carne e vinho, e os restos mortais de sua vovó.
Na história, há ainda um gato que olha a menina de forma estranha e pensa: “Meretriz! Então, comes a carne e
bebes o sangue de tua avó com gosto. Ata teu destino ao dela.” (PERRAULT, 1967, p. 01). O desenrolar da história
termina com a menina sendo devorada. Para Bettelheim (2002, p.240-241):
23

[...] o vermelho é a cor que simboliza as emoções violentas, incluindo as sexuais. O chapéu de veludo
vermelho dado pela avó a Chapeuzinho Vermelho pode então ser visto como símbolo de uma
transferência prematura de atratividade sexual, que é ainda mais acentuada pelo fato de a avó ser
velha e doente, demasiado fraca até para abrir uma porta [...].

A interpretação das versões traz nas entrelinhas questões fundamentais: a primeira, mais comum no trabalho
com o conto em ambientes escolares, é a desobediência. Entretanto, há elementos ocultos que podem sinalizar para a
sexualidade e sensualidade.
Como afirma Orlandi (1998, p. 14), “o texto é um bólido de sentidos. Ele ‘parte’ em inúmeras direções em
múltiplos planos significantes”. Assim, na sala de aula o conto é trabalhado em rodas de leituras, geralmente
priorizando apenas a questão da desobediência da menina.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) ao abordarem o tema orientação sexual afirmam que: “As
manifestações da sexualidade afloram em todas as faixas etárias. Ignorar, ocultar ou reprimir são respostas habituais
dadas por profissionais da escola, baseados na idéia de que a sexualidade é assunto para ser lidado apenas pela
família”. (BRASIL, 1998, p. 291).
Enquanto responsável pela educação da criança no âmbito escolar, as professoras precisam estar atentas aos
ensinamentos que contribuem para na formação de valores, utilizando os contos da literatura infantil de forma
consciente, favorecendo o desenvolvimento da identidade desse sujeito em processos de formação. O desafio é
trabalhar o conto, refletir sobre o contexto e ensinamentos presentes, e, ao mesmo tempo, preservar a intimidade das
crianças com o cuidado de não culpá-las ou reprimi-las pelas manifestações sexuais.

4.2. VALORES PRESENTES NOS CONTOS NA VISÃO DAS ENTREVISTADAS

A análise das entrevistas permitiu verificar a visão que as professoras possuem em relação aos contos e como
consideram importante o trabalho com os mesmos. A seguir, apresentamos os dados referentes a cada uma das três
histórias analisadas.

4.2.1. O Patinho Feio

A análise das entrevistas demonstra a identificação de elementos semelhantes ou relacionados entre si. Para a
Professora A “[...] à medida que contamos as histórias, as crianças vão elaborando suas próprias ideias, resolvendo
conflitos, diferenciando o bem do mal e facilitando a aprendizagem de forma lúdica e divertida.”
Em relação aos ensinamentos e valores presentes na história, o respeito às diferenças aparece em destaque na
visão das entrevistadas. Os temas: bullying, solidão, medo, indiferença e diversidade também são citados. O gráfico 1
apresenta a síntese das respostas:

Gráfico 1: Valores, comportamentos e atitudes que podem ser trabalhados a partir do conto Patinho Feio
24

Fonte: Acervo da pesquisa. Abr/ 2016.

Para Zilberman (1985) o conflito do patinho só se resolvenaidentificação com o grupo que o aceita como
igual. Assim, a forma como é trabalhado em sala será fundamental para definir os valores, comportamentos e atitudes
a serem incorporados pela criança. Caso o trabalho com a história se resuma a um simples momento de incentivo a
leitura, ausente de um debate e reflexões sobre as situações que aparecem no enredo, podemser reforçados na mente
das criançasa necessidade de identificação com os iguais e de distanciamento aos diferentes.
É possível, por exemplo, observar que a questão do abandono tanto do meio em que está inserido, quando por
parte da família, não é evidenciado em nenhuma das falas. O patinho foi abandonado por não corresponder aos
padrões estabelecidos por sua família e o grupo em que estava inserido. O que ocasionou momentos de tristeza,
exclusão, medo, solidão, entre outros. Da mesma forma, isso pode estar acontecendo com as crianças que passam por
situações semelhantes, o que, por sua vez, exige maior cuidado e atenção por parte da professora.
Ao serem questionadas sobre como trabalham, as entrevistadas, com exceção de apenas uma apresentaram
versões semelhantes, sintetizadas nas duas falas a seguir. Segundo a Professora I: ”na hora do conto começo
mostrando a capa do livro e questionando os alunos, além de contar entonando a fala”.
De forma bem semelhante, a Professora A afirma: “trabalho a apresentação do livro, a leitura, o reconto e a
dramatização”. Apenas a Professora J destaca alguns cuidados: “Trabalho essas histórias de maneira contextualizada e
dramatizada, com teatro de fantoches [...]. O patinho feio eu gosto de trabalhar mostrando a questão do preconceito
racial”.

4.2.2. Os Três Porquinhos

Ao serem questionadas sobre quais aprendizados de valores, comportamentos e atitudes podem ser
trabalhados no conto dos Três Porquinhos as entrevistadas apontam elementos positivos e negativos, conforme gráfico
2:
25

Gráfico 2: Valores, comportamentos e atitudes que podem ser trabalhados a partir do conto Três Porquinhos

Fonte: Acervo da pesquisa. Abr/ 2016.

De acordo com a análise do gráfico companheirismo, família e preguiça são os elementos mais destacados
pelas entrevistadas. Em relação aos dois primeiros, a Professora B destaca a importância de destacar “a atitude que o
porquinho da casa de tijolos teve em acolher os irmãos”. Para a Professora G questões como: “Trabalho em equipe
[...] solidariedade e companheirismo” merecem destaque na história. A preguiça e o medo também devem ser
trabalhados.
Para Bettelheim (2002), o conto é utilizado com a finalidade de mostrar a criança o valor do trabalho duro e da
dedicação em busca de um futuro melhor. As professoras vão além dessa visão materialista, ao enfatizarem as
questões referentes ao relacionamento familiar.
Entretanto, não foi encontrada nenhuma referência às questões de classes sociais e econômicas presentes nas
entrelinhas da história. Segundo Prado (2012) elas aparecem de forma gradativa no conto, ao se destacaremos tipos de
materiais (palha e madeira) como sendo os menos resistentes. Além disso, construir casas com esses materiais aparece
como sinônimo de preguiça, o que confirmado em algumas das entrevistas.
Em muitas regiões do Brasil e em algumas comunidades a construção de casas com esses materiais faz parte
da cultura e costumes locais. Assim, é importante trabalhar esse outro lado da história para não fortalecer uma visão
preconceituosa em relação a comunidades tradicionais ou de menor poder aquisitivo. Nesse contexto, o conto traz
reflexões sobre valores socioculturais e divisão social de classe que ainda não são percebidos por parte das
entrevistadas.

4.2.3. Chapeuzinho Vermelho

As entrevistas realizadas demonstram que as professoras reconhecem que, a partir da história de Chapeuzinho
Vermelho é possível destacar os elementos descritos no gráfico 3:
26

Gráfico 3: Valores, comportamentos e atitudes que podem ser trabalhados a partir do conto Chapeuzinho
Vermelho

Fonte: Acervo da pesquisa. Abr/ 2016.

De acordo com os resultados, observa-se que a maioria das professoras a história para trabalhar em sala de
aula a obediência e o respeito aos mais velhos, relacionando tambéma família, o cuidado com os estranhos. Além
disso,elas trabalham a mentira e a verdade.
Entretanto, há no enredo, principalmente, na sua história de origem, finalidades diferentes daquelas
trabalhadas em sala, com destaque para o despertar da sexualidade. Como evidencia Bettelheim (2002) numa leitura
psicológica do conto, a escolha pela cor vermelha está relacionada às emoções violentas, inclusive as sexuais.
Nesse sentido, como a sexualidade é algo presente desde os primeiros anos da criança, cabe as professoras o
desafio de refletir com as crianças sobre essas questões, preservando sua intimidade de forma a não reprimir suas
manifestações sexuais.
A história em questão é um excelente recurso didático para refletir com as crianças sobre o despertar da
sexualidade, os cuidados com pedófilos, principalmente com pessoas desconhecidas, uma vez que há inquietações e
curiosidades das mesmas sobre reações de um corpo em constante transformação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo teve por finalidade analisar aproximações e distanciamentos entre os valores presentes em contos
da literatura infantil, daqueles identificados pelas professoras que atuam na em turmas de Educação Infantil.
Por meio de uma pesquisa experimental foram identificados os contos mais utilizados pelas professoras em
sala de aula. Em seguida, foi realizada a entrevista para verificar quais valores e ensinamentos presentes em contos da
literatura infantil são reconhecidos por profissionais que atuam nessa modalidade de ensino.
Por meio desse trabalho, percebeu-se que os contos que podem contribuir para o desenvolvimento de valores
na Educação Infantil, pois trazem para a criança um universo de emoções, sentimentos e significados que a fazem
compreender melhor o meio em que vivem, favorecendo uma aprendizagem prazerosa.
Por outro lado, é importante refletir sobre os ensinamentos implícitos e explícitos nas histórias, pois estes
influenciam a formação de valores, comportamentos e atitudes nas crianças. Assim, não se trata apenas de uma
simples atividade de incentivo à leitura na hora do conto, mas da necessidade de aprofundar e refletir sobre valores e
27

desvalores (COELHO, 2000) presentes nas histórias, uma vez que elas trazem ensinamentos, nem sempre explícitos,
que acabam influenciados na formação da personalidade infantil.
Durante a pesquisa foi possível perceber que o olhar das professoras está, na maioria das vezes, voltado aos
aspectos explícitos de cada conto. Entretanto, elementos implícitos em cada uma das histórias ainda são pouco
percebidos e aprofundados pelas mesmas.
Algumas estratégias para superar essa situação seriam:
 Investimentos, por parte das escolas, em formação continuada sobre o tema;
 Pesquisas sobre a origem e finalidade de cada conto;
 Cuidados no planejamento das atividades, não limitando apenas aos momentos de leitura e dramatização.

Esses cuidados talvez possam tornar o trabalho bem sucedido, uma vez que o uso de contos na sala de aula é
algo bastante comum na Educação Infantil, os quais exerce forte influência na formação de valores, atitudes e
comportamentos por parte das crianças, contribuindo de forma significativa na construção da personalidade.

REFERÊNCIAS

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BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Orientação Sexual.


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28

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ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo, Globo, 1985.


29

LITERATURA DE TERROR NA INGLATERRA, NO BRASIL E NOS ESTADOS UNIDOS:


PONTOS SUJEITOS À DISCUSSÃO

Edmilson José de Sá (AESA-CESA)

Resumo: O artigo em tela trata de uma discussão acerca da literatura de terror, em particular as de origem brasileira e
anglo-americana, já que essas têm certa influência com a literatura infanto-juvenil, metodologicamente utilizada como
recurso para o ensino da literatura no curso de Pedagogia. De início, tratar-se-á do conceito de literatura de terror, a
partir das suas origens. Em seguida, será feito um recorte do terror na literatura infantil, para dar suporte à
apresentação dos autores brasileiros, ingleses e americanos e, a nível de reflexão pedagógica, serão oferecidas algumas
estratégias para ensinar literatura de terror na escola, a partir do respaldo teórico-metodológico apropriado ao
contexto. Espera-se, portanto, que o texto possa aguçar a curiosidade do leitor em um aspecto da literatura pouco
trabalhado em sala de aula, haja vista a categorização das principais obras desse gênero literário como não-canônicas,
mas comumente inspiradas nas magna opera tradicionais.
Palavras-chave: Literatura de terror brasileira e anglo-americana. Literatura Infantil. Ensino de literatura

INTRODUÇÃO

A literatura ensinada na escola costuma trazer ao aluno um recorte sócio-histórico e artístico dos
países onde os escritores nasceram e os acontecimentos mais importantes ocorreram, dividindo-se em
escolas literárias, por conta das produções existentes em cada época, desde a gênese do país até os dias
atuais, inspiradas efetivamente nas situações em que se envolveram em vida.
Contudo, exatamente na literatura dos dias atuais, costumam-se ter como aporte bibliográfico apenas
as grandes obras dos autores sejam da realidade mais próxima, a brasileira, sejam da realidade de outros
países, a exemplo das produções anglo-americanas, portuguesas, africanas e, em número mínimo, alemãs.
Mesmo diante dessa situação, é conveniente ressaltar aspectos da literatura contemporânea, que
resultam em obras de contexto fantástico, de terror, de ficção científica e, comumente, são registrados em
associação a outras artes como o cinema e a música e culminam em premiações como os prêmios Nobel de
que se tanto se ouve falar.
Por ora, neste artigo, será feita uma apresentação acerca da literatura de terror, desde os primórdios
do romance gótico, da tradição do gótico e do seu cruzamento para o atlântico em direção às américas.
Tendo em vista a necessidade de relacionar a temática do artigo ao curso de Pedagogia, convém
verificar aspectos de terror na literatura infantil, que permitiram uma tradução diferente da intencionalidade
do que está descrito no idioma de origem.
Ainda assim, acreditando nas condições de se trabalhar o terror sutilmente nas aulas de literatura
infanto-juvenil, serão oferecidas sugestões para a metodologia ser bem-sucedida.
30

1 LITERATURA DE TERROR: CONCEITO E DESENVOLVIMENTO

A literatura de aventura tão comum no romance da Idade Média, contrapondo-se ao romance realista
e descrição de fatos eminentemente reais, teve uma retomada registrada com a construção de obras tanto de
fantasia quanto de terror.
Nos primórdios da literatura de terror da Inglaterra, chamavam-se tal literatura de ‘gótica’, ou seja,
originaria dos povos godos, que habitavam o território entre os rios Elba e Vístula e que se espalharam pela
Europa nos primeiros séculos (HOUAISS, 2009) e se tratava de um gênero de prosa ficcional que envolvia
mistério e terror, ambientes lúgubres, como castelos arruinados, passagens secretas, fantasmas e entidades
sobrenaturais. Isso se confirma nas palavras de Tezza (2004):

O romance gótico, como se definiu o gênero, será uma resposta laica ao mundo das trevas
que não recorre nem à clássica cosmogonia grega nem ao milagre cristão. Assim, o gótico
confina o sobrenatural naquele que é com certeza o seu lugar mais adequado: o reino da
ficção.

A inspiração para a tal gênero surgiu, então, a partir da obra O Castelo de Otranto, escrita pelo
aristocrata e romancista inglês Horace Walpole em 1764, em que se amalgamavam as características do
gênero a elementos que pareciam denunciar algo reprimido pela incursão burguesa, talvez sugerido no
trecho a seguir:

Manfred tomou sobre se alcançar o assentimento da princesa; e satisfeito da sua boa fortuna,
e impaciente por se ver em estado de ter descendência, correu apressado à câmara de sua
esposa. O próprio crime lhe sugeriu a ideia, de que talvez ela já houvesse sido, por Isabel,
informada dos seus desígnios. Entrou em dúvida se a ida da princesa ao convento não seria
ou não um desejo de nele ficar, até poder elevar obstáculos ao divórcio. (WALPOLE, 1998,
p. 90, traduzido)

A literatura de terror está indubitavelmente relacionada ao medo, graças a lendas folclóricas,


episódios mitológicos e ritos ocultos que uniam o horror às experiências de vida contadas pela tradição oral
através dos séculos (GENS, 2004) como Miguel (2006, p. 50) justifica:

Esses medos sempre estão relacionados ao exterior, ao que não é a realidade percebida
usualmente: locais distantes, eras históricas distantes, estrangeiros que não se enquadram na
comunidade etc. Assim, poderíamos dizer que a temática do Outro, da alteridade, é o traço
essencial na narrativa de horror.

Se para Garcia et al (2011), “o medo está intimamente ligado aos mecanismos de proteção contra o
perigo”, para Freud (1996, p. 93), as fontes de sofrimento que levam ao medo no ser humano são : o próprio
corpo, condenado à decadência e à dissolução; o mundo externo, que pode voltar-se contra cada um, com
forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e as ações e atitudes dos outros homens.
31

Por isso, é possível encontrar na literatura aspectos que levam ao medo quer dos personagens que
compõem as narrativas, quer dos leitores e expectadores das obras de terror.
Não se pode, em hipótese alguma, eximir das origens do terror na literatura infantil, em particular a
dos contos de fadas, por conta dos elementos sobrenaturais que detêm, a exemplo dos contos de Perrault.
Ao contar a história de Enrique o do topete, Todorov (1981, p. 35 – 36) oferece uma ideia dessa questão:

É a história de um príncipe, inteligente, mas muito feio, que tem o poder de tornar tão
inteligentes como ele a quantos ele deseje; uma princesa, muito formosa, mas tola, recebeu
um dom semelhante 36 no que à beleza se refere. O príncipe torna inteligente à princesa; um
ano mais tarde, depois de muitas vacilações, a princesa outorga beleza ao príncipe.

Resta, então, saber se os contos de fada mais conhecidos das caminhas das crianças apresentam
elementos fantásticos pertencem ao terror.

2 O TERROR NA LITERATURA INFANTIL: A ORIGEM E A ATUALIDADE

Quando se fala em literatura infantil, logo vêm à mente os contos de fada, que surgiram no período
da Idade Média contados por camponeses europeus para toda a família (JOKURA, 2010, p.18). Porém, por
conta do cristianismo, as histórias originais foram abrandadas, visto que essas histórias tratavam de rainhas
más, lindas princesas, duendes, monstros, gigantes, sapatos de cristal, maçãs envenenadas, chaves mágicas e
espelhos.
Assim, os personagens e as imagens dos contos de fadas parecem encantar os leitores e plateias,
adultos e crianças há séculos. As histórias fantásticas têm, então, atravessado fronteiras culturais e passado
de geração em geração, sempre em mutação, renovada com cada redizer. Logo, algumas formas de literatura
têm maior poder de encantar e reacender a imaginação que um conto de fadas.
Pode surpreender saber que o terror na literatura infantil surgiu exatamente nas origens dos contos de
fada, haja vista que os primeiros contos produzidos por Charles Perrault no século XVII (COELHO, 2008,
p. 27) foram escritos para adultos e narrados em versos em reuniões sociais, campos, salas de fiar e locais
onde adultos se reuniam. Os heróis ou heroínas encaravam grandes obstáculos para vencer o mal e tais
contos envolviam feitiçaria, transformações, encantamentos, monstros, animais falantes e fadas e, como não
poderia faltar, expunham fortes porções de adultério, incesto, canibalismo e ainda mortes hediondas.
A história de Cinderela, por exemplo, foi escrita originalmente por Charles Perrault em 1697,
semelhante à versão conhecida da Disney, mas inspirada no conto de Giambattista Basile, na Itália, que
recolheu da tradição oral contos que foram publicados em 1634, munidos de crueldade, como ocorreu no
motivo do assassinato da madrasta e a cegueira das irmãs como castigo, no conto “La Gatta Cenerentola”
(COSTA, 1998, p. 30) e no abuso do príncipe à princesa enquanto ela dorme e a deixa grávida no conto A
Bela Adormecida.
32

Perrault também foi o responsável pela primeira versão da obra Chapeuzinho Vermelho sob o título
de ‘Le Petit Chaperon Rouge’ ainda no século XVII e deu um final sangrento ao conto, com o lobo jantando
a mocinha e concluiu da seguinte forma:

Capuchinho Vermelho despe-se e vai meter-se na cama, onde ficou muito espantada de ver as formas
da avó em camisa de noite 2 ; e disse-lhe:
- Avó, que grandes braços tem!
- É para melhor te abraçar, minha filha.
- Avó, que grandes pernas tem!
- É para correr melhor, minha pequena.
- Avó, que grandes orelhas tem!»
- É para escutar melhor, minha pequena.
- Avó, que grandes olhos tem!
- É para ver melhor, minha pequena.
- Avó, que grandes dentes tem!
- É para te comer...
E, ao dizer estas palavras, o Lobo malvado atirou-se sobre Capuchinho Vermelho e comeu-a.
(PERRAULT, 1697, s.p.)

Contudo, muito se modificou a partir do século XIX, quando os irmãos Jacob e Wilhelmin Grimm
inseriram o caçador à história. Desse modo, ele abre a barriga do lobo com um tesourão e salva a pele de
Chapeuzinho Vermelho e da vovó.

(...) – Aposto que este danado comeu a vovó, sem nem ter o trabalho de mastigá-la! Se foi isso, talvez
eu ainda possa ajudar!
Guardou a espingarda, pegou a tesoura e, bem devagar, bem de leve, começou a cortar a barriga do
lobo ainda adormecido. Na primeira tesourada, apareceu um pedaço de pano vermelho, na segunda,
uma cabecinha loura, na terceira, Chapeuzinho Vermelho pulou fora...(IRMÃOS GRIMM, [1819]
1997, s.p)

3 LITERATURA DE TERROR: AUTORES INGLESES, BRASILEIROS E AMERICANOS

Trazendo o terror para o viés etário mais adulto, vários escritores in limine ingleses, depois
brasileiros e por fim americanos, considerando a cronologia da literatura.
Começa-se pela obra de Mary Shelley, que a tornou famosa e tem sido traduzida e filmada em vários
idiomas mundo a fora. Frankenstein, publicado em 1818, fazendo uma crítica radical aos novos empregos da
tecnologia, a partir da história de um cientista aristocrata que leva o nome da obra e descobre um meio de
criar um ser humano com pedaços de outros corpos, mas que busca vingança de seu criador, haja vista o
horror com que sua fisionomia assustadora lhe levou a ser expulso perseguir a própria noiva do médico. A
obra encerra assim:

Em breve! – ele gritou com entusiasmo triste e solene – vou morrer e o que sinto agora já
não é sentido há muito tempo. Em breve, essas misérias ardentes serão extintas. Vou
ascender minha pilha de funeral triunfalmente e exultar na agonia das chamas torturantes. A
luz dessa conflagração vai desaparecer; minhas cinzas no mar serão varridas pelos ventos.
Meu espírito vai dormir em paz, ou se ele pensar, não certamente pensará assim. Despedida.
(SHELLEY, 1818, p. 277)
33

Em 1897, Bram Stoker lançou a moda de romances e vampiros com a criação do romance Drácula
que usava dos dotes sedutores para atrair suas vítimas em grande parte do sexo feminino. Trata-se de uma
obra que mistura elementos do avanço tecnológico como estradas de ferro, telégrafos, telefones e do
imaginário fantástico – as superstições.
Nas vias de chegar ao século XX, Henry James fez surgir A volta do parafuso em 1898, considerada
pelos críticos uma das histórias mais famosas sobre fantasmas da literatura inglesa e fala de uma governanta
contratada por um milionário misterioso para tomar conta de seus sobrinhos na casa de campo da família.
Ela só não contava com a visita dos fantasmas de dois amantes, a governanta anterior e o criado da casa que
a matou e morreu tempos depois.
A literatura inglesa é bastante antiga e desde os primórdios já se falava em seres maléficos a exemplo
da primeira obra Beowulf, escrita no século VIII, que tratava de um monstro – Grendel – que ameaçava o
reino dos dinamarqueses.
Já a literatura brasileira, iniciada com a Carta de Pero Vaz de Caminha em 1500, também teve, mais
adiante, seu lado tenebroso. Com o gosto pelo macabro registrado nas obras da segunda geração romântica,
já se prenunciavam as nuances do terror nos escritos literários.
Contudo, a questão fisionômica do personagem de terror no Brasil surgiu com a publicação de O saci
por Monteiro Lobato em 1921. Na verdade, o que se sabe é que a primeira referência ao negrinho de
carapuça vermelha e de uma perna só surgiu exatamente na narrativa que leva o mesmo nome.
Na versão brasileira coletada em Lobato (2005, p. 23), quando Pedrinho está prestes a pegar o saci, o
autor menciona:

Pela informação do tio Barnabé, logo que a gente põe a garrafa dentro da peneira o saci por
si mesmo, entra dentro dela, porque, como todos os filhos das trevas, tem a tendência de
procurar sempre o lugar mais escuro. De modo que Pedrinho o mais que tinha a fazer era
arrolhar a garrafa e erguer a peneira. Assim fez, e foi com o ar de vitória de quem houvesse
conquistado um império que levantou no ar a garrafa para examiná-la contra a luz.

Outra obra inspiradora do terror nas produções brasileiras é Feliz Ano Novo, escrita por Rubem
Fonseca e publicada inicialmente em 1975. A respeito dessa obra, Furtado (1980, p.14) informa que:

Numa primeira leitura do conto, somos golpeados pelo modo bruto com que se nos apresenta
a ação violenta do narrador, de Pereba e de Zequinha, e somos levados ao medo. Esse medo,
por sua vez, cria em nós uma certa repulsa aos assaltantes-personagens do conto e o mesmo
se estende ao mundo desses assaltantes retratado por Rubem.

Bernardo Guimarães com a Dança dos Ossos e Machado de Assis com a Causa Secreta completam
o grupo de obras literárias do cânone brasileiro que têm inspirado outros autores a tornar o terror como
gênero literário cada vez mais presente.
34

A partir de 1607, surgiu uma literatura mais nova, a Norte-Americana, a partir da vinda de
colonizadores ingleses à costa do que hoje é o Estado da Virginia. Porém, só no século XIX o terror se
destaca quando os contos de Edgar Allan Poe passam a fazer parte das mesas dos estudiosos do gênero, a
exemplo de O Gato Preto e A Queda da Casa de Usher.
No primeiro conto, o personagem principal se mostra como uma pessoa bastante delicada,
ridicularizada desde a infância por causa de seu amor excessivo aos animais. Numa versão publicada pela
virtualbooks, percebe-se claramente os resquícios macabros da obra:

O gato seguiu-me nas escadas íngremes e quase me derrubou, o que me exasperou até à
loucura. Apoderei-me de um machado, e desvanecendo-se na minha fúria o receio infantil
que até então tinha detido a minha mão, desferi um golpe sobre o animal, que seria fatal se o
tivesse atingido como eu queria. Mas o golpe foi sustido diabolicamente pela mão da minha
mulher. Enraivecido pela sua intromissão, libertei o braço da sua mão e enterrei-lhe o
machado no crânio. Caiu morta, ali mesmo, sem um queixume. (POE, s.d.)

Já no segundo conto, o dono da casa de Usher é caracterizado por Poe como uma criatura bastante
sensível e até um ruído ínfimo poderia lhe causar sofrimentos terríveis.
Também em uma versão da virtualbooks, Poe concretiza o terror afirmando na página 9:

Na verdade, não tenho aversão ao perigo, exceto no seu efeito absoluto – no terror. Nesta
condição lastimável e precária, sinto que mais cedo ou mais tarde chegará a ocasião em que
terei de abandonar, a um tempo, a vida e a razão, nalguma luta com o cruel fantasma: o
MEDO. (POE, s.d.)

Já nos anos setenta, Stephen King passou a ser consagrado pelos best-sellers do gênero do terror,
como Carrie e O Iluminado, tratando da violência social e doméstica americana, misturando-se ao
sobrenatural como uma saída imaginária para os problemas.
Desse modo, acredita-se que o terror surge como um álibi a partir do qual se foge dos problemas de
repressão e violência, nomeando tais ações simbólica e disfarçadamente como indizíveis.

CONCLUSÕES PRELIMINARES

O medo, as ameaças, os riscos... tudo isso sempre fez parte da vida do ser humano e, por extensão, do
ser vivo, como ainda ocorre hodiernamente. Isso ocorre pelo fato de se viver sempre em situações de perigo,
de tensão, de aversão.
Diante disso, concorda-se com Lovescraft (2007, p. 13) quando afirma que “os primeiros instintos e
emoções do homem foram sua resposta ao ambiente. O medo é uma reação ao desconhecido e deixa em
estado de alerta mesmo quando a pessoa está diante de um assombro“.
35

Assim, a partir do ensino de lendas, mitos e situações folclorescas é possível mostrar ao aluno como
exibir um quê de terror, a ponto de aguçar ainda mais a curiosidade amedrontada, existente desde a infância
quando escutava canções de ninar com alusão ao medo para a mãe atingir seu objetivo.
Se para Zilberman (1991) é delegada à escola a função de despertar na criança o gosto pela leitura,
as produções de terror possuem respaldo para as carências e violências do mundo em que se vive, o que já
tem sido ratificado por Rios (2013).

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36

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ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino da literatura. São Paulo: Contexto, 1991.
37

RELAÇÃO ENTRE OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS E A LUTA POR UMA EDUCAÇÃO PARA


OS POVOS DO CAMPO

Jaelson Gomes de Andrade Pereira (AESA/CESA)5


Joseildo Ferreira Cavalcanti (AESA/CESA)6
Simone Salvador de Carvalho Meneses (AESA/CESA)7

RESUMO: Este artigo resulta de reflexões realizadas na Disciplina Tópicos Atuais em Educação II, no Programa de
Pós-Graduação em Educação Contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco. Aludi como base teórica os
Estudos Pós-Coloniais tendo como objetivo compreender as relações existentes entre os Estudos Pós-Coloniais e as
lutas dos povos do campo por uma educação do campo. O percurso metodológico efetivou-se a partir da análise
temática dos textos selecionados. O artigo estrutura-se em três seções: A primeira parte apresenta alguns fundamentos
dos Estudos Pós-Coloniais. Na segunda parte, discutimos a relação entre colonialidade e campo. Na terceira,
descrevemos a trajetória dos movimentos de resistência na luta dos povos do campo, por uma educação do e no campo
e a possível relação entre a Educação do Campo e o pensamento de fronteira. Para finalizar, trazemos, a partir desse
primeiro olhar, algumas indagações sobre o que garante que a expansão da política publica de educação do campo não
resultará numa ação apenas funcional, considerando a força com a qual a colonialidade se impôs? E se a mesma
atende as reais reivindicações dos movimentos sócias de resistência?
Palavras – chave: Estudos Pós-Coloniais, Campo, Educação do Campo, Movimento de resistência.

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho resulta de reflexões realizadas na Disciplina Tópicos Atuais em Educação II, no
Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea da Universidade Federal de Pernambuco.
O objetivo geral é compreender as relações existentes entre os estudos Pós-Coloniais e as lutas dos
povos do campo por uma educação do campo. Temos por objetivos específicos: analisar alguns dos
principais conceitos dos Estudos Pós-Coloniais; Compreender como o capitalismo na sua fase atual utiliza-
se das colonialidades do poder/saber/ser e da natureza para expandir seu projeto de dominação no campo;
descrever a trajetória dos movimentos de resistência na garantia do direito a educação do campo.
A educação aqui é vista a partir da sua capacidade de contribuir na formação e emancipação humana.
Assim, os movimentos sociais do campo reconhecem que a escola é um espaço estratégico de construção de
conhecimentos e saberes fundamentais a sua luta. Reconhecem ainda que ela tem sido utilizada
historicamente para favorecer a negação da identidade das classes populares e a afirmação da visão
urbanocêntrica que fortalece o projeto de dominação e expansão do capitalismo no campo.
Nesse sentido, a educação e a escola passam a ser vistas enquanto campos de disputa política,
surgindo daí a necessidade de ocupar o latifúndio do saber, de resistir ao currículo tradicional e as

5
Especialista em História Cultura Africana e Afro-brasileira – UCAM; Professor contratado no Centro de Ensino Superior de
Arcoverde – CESA; Professor de História na Secretária Estadual de Educação de Pernambuco - SEE/PE.
6
Mestre em Educação Contemporânea pela UFPE - CAA; Professor contratado no Centro de Ensino Superior de Arcoverde –
CESA e na Universidade Vale do Acaraú – UVA; Professor das redes pública e privada de Pernambuco (CDCA e Sec. de Educ.
Buíque – PE).
7
Mestre em Educação Contemporânea pela UFPE - CAA; no Centro de Ensino Superior de Arcoverde – CESA e na Rede
Estadual de Pernambuco – SEE/PE.
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instituições da ciência moderna. A luta pelo direito a terra, a reforma agrária e a vida digna, articula-se ao
direito ao conhecimento e a educação escola desde a educação básica até a universidade (ARROYO, 2012).
Esse reconhecimento do direito a ter direitos mobiliza diferentes sujeitos na luta pela transformação
das condições históricas, que por muito tempo os oprimiram e silenciaram, organizando movimentos de
resistência e de transformação social.
O trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisas bibliográficas, análise de documento e reflexões
sobre a relação entre os estudos Pós-Coloniais e a trajetória de luta dos povos do campo no Brasil.
Na primeira parte, apresentamos em linhas gerais alguns fundamentos dos estudos Pós-Coloniais; a
segunda descreve a relação entre colonialidade e campo, demonstrando como as colonialidades do
poder/saber/ser e da natureza estão presentes na apropriação do campo pelo capitalismo, por meio do
agronegócio; na terceira, nos deteremos a descrever os movimentos de resistência dos povos do campo,
apresentando a trajetória da luta por uma educação do campo e sua relação com a transformação do campo
como um todo, garantindo não apenas educação de qualidade aos sujeitos, mas, principalmente a integração
das lutas pela terra, reforma agrária, políticas públicas e educação; por fim, são apresentadas algumas
considerações finais.

2. ALGUNS FUNDAMENTOS DOS ESTUDOS PÓS – COLONIAIS

Os estudos pós-coloniais são perspectivas conceituais que buscam analisar como determinados
lugares e pessoas são construídas e subalternizadas em relação aos que são tidos como superiores e
desenvolvidos. Essa abordagem ‘outra’ demonstra como é construída através das relações históricas de
poder “esse imaginário de superioridade” entre os países colonizadores e colonizados ou do eixo Norte e Sul
global.
Dessa forma, que mesmo com o fim do colonialismo, outra forma de dominação muito mais forte foi
imposta, a colonialidade, que de acordo com Freire e Torres (2012) “[...] é um padrão de poder que interfere
nas relações intersubjetivas e nas formas de valorização do conhecimento e da divisão do trabalho, baseado
em uma hierarquia racial inventada para justificar a hegemonia branca eurocêntrica”, que cria identidades
que são subalternizadas, naturalizadas e destituídas por novas formas de dominação que se apresentam
como: colonialidade do poder, saber, ser e da natureza.
Para Quijano (2005)

A globalização em curso é, em primeiro lugar, a culminação de um processo que começou com a


constituição da América e do capitalismo colonial/moderno e eurocentrado como um novo padrão de
poder mundial. Um dos eixos fundamentais desse padrão de poder é a classificação social da
população mundial de acordo com a idéia de raça, uma construção mental que expressa à experiência
básica da dominação colonial e que desde então permeia as dimensões mais importantes do poder
mundial, incluindo sua racionalidade específica, o eurocentrismo.
39

A partir daí surgiram duas outras formas de classificação e subalternização dos seres humanos: a
racialização (que estabelece diferenças entre brancos, índios, negros e amarelos) e a racionalização (a razão
cientifica ‘eurocentrada’ acima dos conhecimentos apreendidos com a ancestralidade dos povos dominados),
desconhecidas até a chegada dos europeus a América.
Essas estratégias de dominação se tornaram muito eficientes, visto que a negação do direito a
‘humanidade’ dos povos subalternizados facilitou a apropriação da natureza. Já que a mesma não tinha
dono, para reivindicar sua posse. Deixou ainda fortes resquícios nos povos e nações que foram
subalternizados, naturalizando uma suposta inferioridade em relação ao colonizador. A qual se denomina
colonialidade do ser.
Outra observação interessante é a inversão da relação natureza/ser humano, ser humano/natureza, que
deixa sua relação harmônica de interdependência, para uma relação desarmônica mercadológica, onde a
principal função da natureza é satisfazer as necessidades do ser humano em sua relação de exploração e
dominação, o que Walsh (2009) vai denominar colonialidade da natureza ou cosmogânica. Essa visão
eurocêntrica é oposta a visão que os indígenas e afrodescendentes tem da mãe natureza, que a consideram
uma força vital, mágica, espiritual e sagrada.
Consequentemente, escapar desse sistema mundo formado ao longo dos séculos, como padrão não é
tão fácil, no entanto algumas resistências são apresentadas pelos teóricos dos estudos pós-coloniais. Dentre
elas, a opção decolonial que caracteriza-se, principalmente, pela capacidade de aprender a desaprender para
reaprender e pensamento crítico de fronteira, aquele que é construído a partir da crítica ao padrão dominante
de pensamento. (MIGNOLO, 2008).
O autor também faz uma crítica à forma de concepção epistemológica dominante, que é
eurocentrada, ao citar o que denomina de desobediência epistêmica como solução e crítica ao que é posto.
Visto que é necessário sair dos pensamentos enraizados gregos e latinos que já incorporamos na nossa
essência. Enquanto não nos libertarmos desse pensamento eurocêntrico e suas experiências, não seremos
capazes de ultrapassarmos os limites do Marxismo, Freudismo, Foucauldianismo que são epistemologias
dominantes. (MIGNOLO 2008).
Isso não significa negar as construções européias de pensamento que se tornaram globais, mas não
universais, nesse padrão de relação entre modernidade/colonialidade do sistema mundo. No entanto, faz-se
necessário uma maior compreensão e valorização de outras formas de pensamento que representem visões
outras.
Compreendemos assim que a abordagem dos estudos pós-coloniais demonstra como são frágeis
nossos conceito em relação à realidade que nos cerca. Demonstra ainda como muitos sujeitos reproduzem e
mantem o sistema mundo, devido ao poder exercido pela colonialidade em suas diferentes dimensões. Nesse
sentido, faz-se necessário uma compreensão mais aprofundada que apresente alternativas ‘outras’.
40

3. COLONIALIDADE E CAMPO

Partindo da leitura de alguns dos conceitos fundamentais dos Estudos Pós-Coloniais abordados
anteriormente, procuramos nesse ponto estabelecer a relação entre a realidade histórica dos povos do campo
(agricultores/as familiares, assalariados, assentados ou em processo de assentamento, ribeirinhos, caiçaras,
extrativistas, pescadores, indígenas, remanescentes de quilombos, entre outros) com o pensamento abordado
por Quijano (2005) e Walsh (2008 e 2009) quanto às colonialidades do poder, do saber, do ser e da natureza
ou cosmogânica, procurando explicitar o quanto estas estão impregnadas na construção social/cultural destes
povos, para, no próximo ponto, apontarmos alguns aspectos referentes à resistência a essa dominação.
No caminhar da história, o capitalismo se agrega à colonialidade e, enquanto o colonizador passa a
impor as condições das relações entre os indivíduos, aumentando sua capacidade de manipulação, desde o
âmbito econômico até as relações mais simples de convivência entre os povos. Como destaca Silva e Torres
(2013)

A população campesina, outrora força motriz do Brasil colonial-agrário, tem em sua história uma
larga trajetória de violência, de exploração e de exclusão. Desde a colonização, na criação das
capitanias hereditárias, com a escravidão e o extermínio dos povos que aqui já habitavam, até a
expansão da agroindústria e o recrutamento de mão de obra especializada para lidar com a terra, o
campo tem sido espaço disputado como lócus de poder político e econômico.

Uma das considerações que temos a fazer é que estamos entendendo o campo como espaço de lutas e
de enfrentamentos contra a perspectiva colonial, hegemônica e urbanocêntrica da sociedade, que durante
décadas buscou silenciar os povos campesinos nos seus saberes, fazeres, modos de ser e de existir. Outra
consideração, diz respeito ao entendimento do campo como território material e imaterial, constituído
através das inter-relações que o compõem e das muitas dimensionalidades dos seus espaços.
Cabe aqui uma pequena diferenciação entre o que se entende por território rural e território
campesino. O território rural compreende o espaço que não é urbano, portanto diferencia-se principalmente
por suas atividades produtivas, tradicionalmente as atividades rurais são agricultura e pecuária. A idéia de
território rural está relacionada aos interesses de manutenção da exclusão, desigualdade fundiária, ampliação
do agronegócio e êxodo rural, desvalorizando-o enquanto espaço de vida e construção de identidades.
Já o território do campesinato é uma construção dos povos do campo, que o valoriza enquanto espaço
de vida e trabalho, considerando suas populações, histórias, culturas, potencialidades e capacidade de
organização social, levando em conta as necessidades e especificidades locais.
Esta forma de entender o campo se contrapõe tanto à definição do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE, que o delimita referindo-se apenas a sua localização geográfica, quanto ao projeto de
desenvolvimento assumido historicamente no Brasil, que considerou durante décadas o espaço rural como
local apenas de atividades agrícolas, priorizando ao mesmo tempo as atividades urbano-industriais e
promovendo uma migração para os espaços urbanos. (MOLINA, 2006).
41

Nesse projeto, as colonialidades do poder/saber/ser (QUIJANO, 2005), e natureza (WALSH, 2008)


são ferramenta úteis ao capitalismo por seu poder de alcance e de manifestação, caracterizando-se por sua
capacidade de influenciar e condicionar a vida cotidiana em seus diferentes aspectos.
A exemplo disso, Quijano (2005) ao falar da colonialidade do poder, se refere aos processos de
dominação a partir da inferiorização de um povo frente ao padrão pré-estabelecido de organização social.
Acreditamos que Fernandes (2004), ao tratar do rural, na visão do paradigma capitalista, aponta elementos
característicos dessa colonialidade. Para ele, o capitalismo

[...] somente situa interesses no interesse do capital econômico. O que excluiu não existe na
modernidade: a lógica do mundo rural, saberes e práticas alternativas. Trabalhadores e suas técnicas
são vistos como improdutivos, excluídos, seus territórios não existem, exatamente porque o
paradigma não entende o campo como território de vida. (FERNANDES, 2004, p. 58)

Fica claro nas palavras do autor a presença da colonialidade do poder sobre a cultura, técnicas e
organização dos povos do campo, onde a lógica capitalista, na sua ordem de produção/lucro estabelece a
inferiorização destes para a absorção do que por ele, o capitalismo, é determinado como correto e única
opção.
A colonialidade do saber utiliza-se das formas de produção de conhecimento eurocentrados como
único modelo de legitimação cultural, excluindo formas, sujeitos e lugares que não se enquadrem
epistemologicamente a ela, não aceita, não considera existente outras formas de se conceber e disseminar o
conhecimento.
Esta colonialidade, constitutiva das formações sociais latino-americanas, se manifesta em múltiplas
dimensões do pensamento e da prática social. Nesse sentido apresentaremos aqui, de forma sucinta, duas
diferentes concepções de educação, sendo, uma ligada ao paradigma rural e excludente, financiada pelo
capitalismo/sistema mundo, e outra ligada ao paradigma do campo, uma pedagogia/escola/educação Outra
fundamentada nas análises de autores como Fernandes (2004) e Arroyo (1999, 2012).
As escolas nas quais predominam o paradigma rural os currículos geralmente não são interessantes,
não atraem os estudantes, pois fogem à realidade de suas vidas, considerando ainda que as ideias trabalhadas
no ambiente escola acabam por colocar a cultura/modo de vida da cidade superior a dos povos do campo. A
organização do calendário não considera as especificidades da comunidade. Não há preocupação com a
qualidade. Assim, desde a formação e composição da equipe de profissionais, ao material didático, merenda
escolar, mobiliário, infraestrutura, fica presente a ideia de que qualquer coisa serve.
Já a escola no campo interessa para as pessoas que dela fazem parte. Por esse motivo, é possível
afirmarmos que a escola rural não é de interesse dos latifundiários, pois, os seus filhos não estudam nela.
Quem realmente estuda na escola rural, são os filhos dos pequenos proprietários, trabalhadores empregados,
arrendatários, entre outros, ou seja, aqueles que irão migrar, ou que formarão a mão de obra barata. Assim,
conforme Fernandes (2006), “[...] o paradigma do rural tradicional elege, seleciona o que lhe interessa como
42

modelo econômico e cultural. Ao privilegiar operações lógicas para produzir uma realidade, valida suas
próprias escolhas e as tornam universais”.
A escola do campo está ligada aos movimentos de transformações sociais e a luta por um outro
projeto de sociedade. Os estudiosos que utilizam o termo “do campo” acreditam que este modelo de
educação deve emergir dos próprios movimentos sociais, como afirma Silva e Torres, (2013):

A educação reivindicada pelos povos do campo não é a educação propedêutica e enciclopedista, o


camponês luta por uma educação que valorize sua cultura, seus saberes, suas crenças, seus modos de
vida outros. Ele luta para que a diferença que caracteriza o campo não desvalorize seus processos de
produção de conhecimento e suas formas de organização da ação educativa.

A colonialidade do ser se expressa nas formas de inferiorização dos sujeitos, aproximando-os ou


distanciando-os de um modelo cultural, econômico, social e comportamental ditado pelo poder hegemônico.
Assim sendo, entendemos que o paradigma rural proporcionou e legitimou uma visão depreciativa do
campo, dos camponeses e camponesas, já que privilegia uma visão de mundo, uma ótica de enunciação
urbanocêntrica, onde a urbanidade sempre foi apresentada como um modelo hierarquicamente superior,
como sinônimo de evolução.
Entretanto o campo, lugar do campesinato, é constantemente apresentado e julgado como sinônimo
de atraso. Discursos como este, são comuns desde a mídia até o livro didático que chega às escolas do
campo, contribuindo de forma significativa para a negação da identidade. A exemplo disso, a citação a
seguir foi retirada de um livro de geografia de ensino médio:
Geralmente encontramos entre os trabalhadores rurais brasileiros baixos indicadores
socioeconômicos, como elevada natalidade, elevado analfabetismo, pequena qualificação profissional
e baixa remuneração. Além disso, eles sofrem com a falta de cumprimento da legislação trabalhista
por parte de alguns patrões e o elevado número de acidentes com ferramentas, como facões. Quanto
mais distantes das principais cidades e capitais, mais tensas são as relações sociais no campo.
(ALMEIDA; RIGOLIN, 2003, p. 410)

Os autores tornam ainda mais evidente à intenção de colonialidade do ser, a população rural não foi
poupada do processo de inferiorização, foi e ainda é sistematicamente caricaturizada, ou seja, ridicularizada,
não só pela hegemonia urbana, como também pelos meios de comunicação, basta lembrarmos de “Jeca
Tatu”, “Nerso da Capitinga”, entre outros. Assim, esta hegemonia proporcionou uma verdadeira invasão
cultural (FREIRE, 2005), onde os interesses apropriados pelos camponeses não eram compatíveis com suas
necessidades.
Por fim, a colonialidade da natureza se materializa na relação de exploração do ser humano para com
a natureza, extraindo dela tudo que possa ser lucrativo. Fernandes (2004) aponta para o perigo do
agronegócio:

Agronegócio é o novo nome do modelo de desenvolvimento econômico da agropecuária capitalista.


Esse modelo não é novo, sua origem está no sistema plantation, em que grandes propriedades são
utilizadas na produção para exportação. Desde os princípios do capitalismo em suas diferentes fases
esse modelo passa por modificações e adaptações, intensificando a exploração da terra e do homem.
43

Dessa forma, percebemos a intenção do capitalismo, que na ânsia de seus objetivos desconsidera
qualquer relação, além da exploração, com a terra/natureza. A imagem do agronegócio foi construída para
renovar a imagem da agricultura capitalista, para “modernizá-la”. É uma tentativa de ocultar o caráter
concentrador, predador, exploratório e excludente, para dar relevância somente ao caráter produtivista,
destacando o aumento da produção, da riqueza e das novas tecnologias.
Pode-se tomar como exemplo os conflitos atualmente desencadeados no Brasil pela expansão da
monocultura de cana-de-açúcar que se atrelam às demandas européias por “energias limpas” geradas pela
produção de agrocombustíveis. É possível indicar que a exploração da natureza permanece sustentando a
lógica que ampara a modernidade e mantêm a colonialidade do poder em zonas consideradas periféricas
(QUIJANO, 1997).
Situações vistas comumente como problemas ambientais originados pelo ‘desenvolvimento’ e pela
exploração da natureza são compreendidos pela noção de ‘conflito ambiental’. O caráter conflituoso da
situação se refere à forma como ela é objetivamente estruturada pelas relações entre as diferentes, e, não
raro, excludentes, pretensões de uso e significados atribuídos por diferentes grupos sociais a um mesmo
território.
Fernandes (2005) claramente nos dá uma definição do que aqui chamamos de território:
Os territórios são, portanto, concretos e imateriais. O espaço geográfico de uma nação forma
um território concreto, assim como um paradigma forma um território imaterial. O
conhecimento é um importante tipo de território, daí a essencialidade do método. Para a
construção de leituras da realidade é fundamental criar métodos de análise, que são espaços
mentais (imateriais) onde os pensamentos são elaborados. Para a Geografia o território é uma
totalidade, portanto é multidimensional. Para outras ciências o território pode ser
compreendido apenas como uma dimensão.

Para ele, o território camponês é o espaço de vida do camponês. É o lugar ou os lugares onde uma
enorme diversidade de culturas camponesas constrói sua existência. É uma unidade de produção familiar e
local de residência da família, que muitas vezes pode ser constituída de mais de uma família. É um conceito
importante para entender a sua existência. Inseparáveis, são destruídos e recriados pela expansão capitalista,
mas também se fazem na secular luta pela terra, na qual o camponês luta para ser ele mesmo.
(FERNANDES, 1999)
Desta forma, o controle exercido pelo capitalismo, através da colonialidade, é refletido diretamente
na tentativa de silenciamento e subalternização dos povos inferiorizados desde a colonização, localizados
principalmente, nas áreas rurais e nas periferias urbanas (CORDEIRO, 2009).
Entretanto, este controle acaba por estimular a desobediência política e epistêmica, a partir do
momento em que os povos silenciados reagem à condição de inferiorização, subalternização e dominação,
dando origem a diversos movimentos de resistência ao longo da história.
44

4. OS MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA NA LUTA HISTÓRICA DOS POVOS DO CAMPO

Falar das lutas dos povos do campo e dos movimentos de resistência no campo brasileiro é algo
urgente e ao mesmo tempo desafiador. Urgente pela necessidade de apresentar perspectivas históricas
diferentes daquelas até então apresentadas e desafiador porque, a maior parte do acúmulo histórico do povo
brasileiro é proveniente de uma leitura daqueles que nos dominaram.
Conforme visto anteriormente, essa dominação não se limitou a fase da colonização, mas permanece
presente até os dias atuais por meio da colonialidade.
Para Arroyo (2012, p. 61),
As formas de pensar os indígenas, negros, quilombolas, ribeirinhos, das florestas, como as formas de
pensar os trabalhadores dos campos e das cidades se articulam com as relações sociais, de produção,
de trabalho, com o padrão de poder, dominação/subordinação a que esses coletivos foram
subordinados. Quijano (2005) levanta a hipótese de que essa construção dos Outros está associada ao
padrão de poder/saber colonial que persiste nas relações do capitalismo moderno. O padrão de poder
exigia, implicava um padrão de conhecimento.

Analisando a história do Brasil, é possível identificar diferentes formas de reação às situações que
ameaçavam os seres humanos em suas condições de existência. Medeiros (1989) nos mostra que ao longo
dos diferentes períodos históricos as massas populares sempre organizaram movimentos de reação à
dominação e subordinação, colocando-se na condição de sujeitos históricos, capazes de construir seus
próprios caminhos de lutas, interferindo na dinâmica social, desde as revoltas e fugas dos escravos, dos
movimentos de caráter messiânico, da luta de trabalhadores e trabalhadoras por melhores condições de
trabalho, contra a promulgação de leis que iam de encontro aos seus interesses ou a favor da aprovação de
leis que os representasse.
Em relação à luta pela terra e a reforma agrária, os movimentos organizados são bem mais recentes.
Martins, apud Daltro (2007), descreve os movimentos que iniciaram, no período de 1954 a 1964, mas que
foram reprimidos durante a ditadura militar.

[...] De acordo com Martins (1994), os movimentos sociais que deram origem à luta pela terra no
Brasil, as Ligas Camponesas, no Nordeste, Trombas, em Goiás e a Revolta Camponesa de 1957, no
sudoeste do Paraná, constituem tentativas de rupturas com o modo conservador e reacionário de fazer
política no Brasil. (DALTRO, 2007).

Com o Golpe Militar, muitas lideranças ligadas a estes grupos desapareceram. Entretanto, durante
este período, foi criado o Estatuto da Terra, documento que institucionalizou a reforma agrária no Brasil.
Porém, na prática, nada foi resolvido. Pelo contrário, a modernização da agricultura aumentou ainda mais a
concentração das terras e a exploração do trabalho no campo.
Essa situação levou instituições ligadas ao campo, a exemplo da Comissão Pastoral da Terra – CPT,
a mobilizar os trabalhadores e trabalhadoras em busca de mudanças. Assim, ainda no período da ditadura,
ocorreram encontros e ocupações que deram origem as primeiras atividades do que posteriormente se
45

transformaria no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST, cujo ano oficial de criação é 1984
(DALTRO, 2007).
Desde o início, o MST já trazia a educação como uma de suas principais bandeiras de luta. Caldart
(2010) mostra o vínculo original que a Educação do Campo tem com outro projeto de vida, de país e
consequentemente de práticas transformadoras,

A Educação do campo nasceu como crítica à realidade da educação brasileira, particularmente à


situação educacional do povo brasileiro que trabalha e vive no/do campo. Esta crítica nunca foi à
educação em si mesma porque seu objeto é a realidade dos trabalhadores do campo, o que
necessariamente a remete ao trabalho e ao embate entre projetos de campo que têm consequências
sobre a realidade educacional e o projeto de país. Ou seja, precisamos considerar na análise que há
uma perspectiva de totalidade na constituição originária da Educação do Campo. E tratou-se primeiro
de uma crítica prática: lutas sociais pelo direito à educação, configuradas desde a realidade da luta
pela terra, pelo trabalho, pela igualdade social, por condições de uma vida digna de seres humanos no
lugar em que ela aconteça. (CALDART, 2010).

Nas lutas dos movimentos sociais do campo encontram-se entrelaçadas a luta pela reforma agrária,
pelas políticas públicas afirmativas dos povos do campo enquanto sujeitos de direitos e pela educação de
qualidade, que considere as especificidades em seus diferentes contextos e que esteja vinculada a um projeto
maior de emancipação humana. Para Caldart (2010)

Parece, aliás, que essa relação da Educação do campo com a escola incomoda a alguns: nasceu
lutando por escolas e escolas públicas (através do MST fazendo a luta por escolas nos acampamentos
e assentamentos), continua centrada nisso, e ao mesmo tempo nasceu, desde a radicalidade da
Pedagogia dos Movimentos Sociais, afirmando que educação é mais do que escola..., vinculando-se a
lutas sociais por uma humanização mais plena: luta pela terra, pelo trabalho, pela desalienação do
trabalho, a favor da democratização do acesso à cultura e à sua produção, pela participação política,
pela defesa do meio ambiente.

Para Arroyo (2012) a organização dos coletivos sociais mostra que estes reagem à tentativa de
silenciá-los, contestam a colonialidade em suas diferentes formas, não se reconhecem nas formas de pensá-
los e segregá-los, não se reconhecem como marginais, excluídos e desiguais, mostrando-se conscientes e
politizados

A tomada de consciência dessas populações mantidas por séculos sem direito a ter direitos ao teto, a
terra, à saúde, à escola, à igualdade e à cidadania plena se fazem presentes em ações e movimentos,
em presenças incomodas, que interrogam o Estado, suas políticas agrária, urbana, educacional.
Interrogam a docência, o pensamento pedagógico, as práticas de educação popular e escolar.
(ARROYO, p.09, 2012).

Dessa forma, acreditamos que aquilo que essa ‘tomada de consciência’ refere-se ao que Mignolo
(2008) denomina de “posicionamento crítico de fronteira”.
Ao evidenciar a presença dos coletivos populares nas escolas, Arroyo mostra que estes apresentam a
necessidade de resignificar a pedagogia clássica,
46
Os coletivos sociais em suas presenças nos movimentos ou nas escolas trazem Outras Pedagogias.
Vítimas de processos históricos de dominação/subalternização trazem suas pedagogias de resistência.
Trazem os contextos históricos, as relações políticas, em que foram produzidos subalternos, mas
também trazem, com maior destaque, as resistências a esses contextos e a essas relações sociais,
econômicas, políticas e pedagógicas. (ARROYO, p.14, 2012).

Estes passam a assumir o que Mignolo (2008) vai chamar de “pensamento outro” e “pedagogia
decolonial”.
Assim, acreditamos que seja importante relatar um pouco da história que os coletivos populares vêm
construindo por meio do Movimento Por uma Educação do Campo. Esse relato tomará por base alguns
estudos realizados por Munarim (2007), Freitas e Molina (2011).
Em 1997, o MST em parceria com a Universidade de Brasília – UnB realiza o I Encontro Nacional dos
Educadores e Educadoras da Reforma Agrária. Deste evento participaram diversas instituições com o objetivo de
pensar uma escola pública para as populações do campo, que pudesse tomar como referência o contexto social,
econômico, político e cultural do campo, refletindo sobre as possíveis práticas pedagógicas que pudesse dar conta
dessa realidade.
O ‘Manifesto das Educadoras e Educadores da Reforma Agrária ao Povo Brasileiro’, documento
lançado neste evento pode ser considerado a certidão de nascimento do Movimento Por Uma Educação do
Campo. Este documento apresenta os fundamentos do Movimento, demonstrando o forte vínculo da ação
pedagógica com a intencionalidade político de construção de um novo projeto de país e para o povo
brasileiro, conforme trecho a seguir:

No Brasil, chegamos a uma encruzilhada histórica. De um lado está o projeto neoliberal, que destrói a
nação e aumenta a exclusão social. Do outro, há a possibilidade de uma rebeldia organizada e da
construção de um novo projeto. [...]
Somos educadoras e educadores de crianças, jovens e adultos de Acampamentos e Assentamentos de
todo o Brasil, e colocamos o nosso trabalho a serviço da luta pela Reforma Agrária e das
transformações sociais. [...] compartilhamos do sonho da construção de um novo projeto de
desenvolvimento para o Brasil, um projeto do povo brasileiro”. (MANIFESTO DO I ENERA, 2007).

Em 1998 foi realizada a I Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo, promovida pelo
MST, a UnB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, a Unesco e o Unicef. Nessa
conferência, definiu-se o uso do termo educação do campo em contraposição a educação rural8.
Este evento apontou a necessidade de fortalecer a articulação entre as diferentes instituições
espalhadas por todo o país. Assim, a partir dele, foi criada a Articulação Nacional Por Uma Educação Básica
do Campo. Dentre outras ações, esse movimento passou a reunir documentos, artigos e relatos de
experiências para sistematização e publicação da Coleção Por Uma Educação Básica do Campo.9

8
A expressão educação rural está vinculada a concepção positivista e capitalista, na qual a política de educação está voltada para
uma formação, que instrui o individuo a desenvolver atividades no mundo do trabalho, o que transforma a força de trabalho em
objeto, mercadoria. Já a educação do campo, pauta-se na luta dos movimentos sociais pela garantia de direitos e emancipação dos
povos do campo. (FERNANDES e MOLINA, 2004)
9
A coleção já conta atualmente com sete publicações: 1. Por uma educação básica do campo (memória); 2. A educação básica e o
movimento social do campo; 3. Projeto popular e escolas do campo; 4. Educação do Campo: identidade e políticas públicas; 5.
Contribuições para a Construção de um projeto de Educação do Campo; 6. Projeto Político-Pedagógico da Educação do Campo -
1º Encontro do Pronera na região Sudeste; 7. Campo – Políticas Públicas – Educação.
47

Em 1999 começam as primeiras experiências de formação específica de professores em nível


superior, uma conquista do MST em parceria com a Universidade Federal do Espírito Santo – UFES e o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA por meio do Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária – PRONERA, com o Curso de Licenciatura Plena em Pedagogia para
Educadores e Educadoras da Reforma Agrária.
Em 2002, a aprovação das Diretrizes Operacionais de Educação Básica para as Escolas do Campo -
Resolução Nº 01/2002, garantiu amparo legal a luta dos povos do campo.
Em 2003 é criado no MEC o Grupo Permanente de Trabalho – GPT de Educação do Campo.
A II Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo, realizada em Luziânia – GO, em 2004,
representou um importante espaço para divulgação, reconhecimento e valorização de práticas pedagógicas
que vinham sendo desenvolvidas pelas diversas entidades camponesas, em sintonia com os princípios e
fundamentos contidos nas Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo. O resultado
final do encontro foi o documento intitulado Carta de Luziânia, no qual, as instituições presentes,
reafirmaram o lema ‘Educação do campo: direito nosso, dever do Estado’.
Ainda em 2004, ocorre a criação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
– SECAD, posteriormente SECADI e da Coordenação Geral de Educação do Campo.
Percebe-se conforme relata Munarim, a existência de um momento histórico no qual o governo
federal, via Ministério da Educação, passa a abrir espaço, mesmo que por meio da pressão dos movimentos,
para a transformação na relação Estado – sociedade,

Desde a eleição à Presidência da República de outubro de 2002 até a realização dessa Conferência,
identifico a existência de um “momento histórico” particular do Movimento de Educação do Campo,
marcado justamente pelo advento do Governo Lula, que se constituiu “espaço” de fortalecimento
desse Movimento Social. Com efeito, a criação, no âmbito do Ministério da Educação, de um Grupo
Permanente de Trabalho de Educação do Campo (GPT), com a participação de representantes do
Governo e das organizações e movimentos sociais que compunham a “Articulação Nacional”, se
constitui em momento profícuo de elaboração de uma agenda para que o próprio MEC a execute.
Ocorre aí uma inflexão na relação Estado-sociedade na temática da Educação do Campo. Isto é, a
historicamente pesada e refratária estrutura do MEC à participação social se flexibiliza e se dispõe a
cumprir um papel que é sua obrigação, conforme reivindicam os sujeitos da Educação do Campo e
preveem as normas instituídas. (MUNARIM, 2007)

Em 2005 é criado o Programa Saberes da Terra, com a finalidade de garantir que a educação de
jovens e adultos do campo seja integrada com qualificação social e profissional. O programa ficou sobre a
responsabilidade dos Ministérios da Educação, do Desenvolvimento Agrário e do Trabalho e Emprego.
Com o objetivo de promover debates, avaliar e articular pesquisas na área, que pudessem subsidiar a
construção de políticas públicas, foram realizados em 2005 e 2008, respectivamente, o I e II Encontro de
Educação do Campo e Pesquisa: Questões para reflexão.
48

Entre 2005 e 2007 foram realizados seminários regionais e estaduais de Educação do Campo,
promovidos pelo MEC, MDA, Secretarias Estaduais de Educação e Movimentos Sociais e Sindicais do
Campo.
Em 2008 é publicado o Parecer 03/2008 que trata das Diretrizes Complementares da Educação do
Campo.
Todas essas ações possibilitaram uma maior pressão que obrigou o Governo Federal a oferecer
cursos de formação docente específica. Assim, foi criado o Programa de Apoio a Implantação de Cursos de
Licenciatura em Educação do Campo – Procampo, cuja primeira proposta começou a ser construída em
2005, pela SECAD e representantes do Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária -
Iterra. Por meio da parceria entre o MEC, o Iterra e a Universidade de Brasília, foi iniciada em 2007 a
primeira turma da Licenciatura em Educação do Campo. Em seguida, foi à vez da Universidade Federal de
Minas Gerais - UFMG, Universidade Federal da Bahia - UFBA e Universidade Federal de Sergipe - UFS.
A partir daí, foram lançados editais de convocação a instituições de ensino superior para
apresentação de projetos de criação de novas turmas de graduação.
Pouco a pouco, os editais foram sendo ampliados, contemplando também a formação nos níveis de
especialização e pós-graduação stritu senso.
Em 2010, a aprovação do Decreto 7.352 garantiu maior legitimação à luta dos povos do Campo.
Neste ano foi criado também o Fórum Nacional de Educação do Campo – FONEC, espaço que reúne
organizações da sociedade civil, movimentos sociais do campo, instituições de ensino superior e de ensino
técnico profissionalizante.
Nessa trajetória há, sem dúvida, avanços e desafios. Entretanto, é possível identificar uma forte
reação às tentativas históricas de conformá-los, educando-os para se aceitarem inferiores, inexistentes ou
sub-humanos. Assim, os coletivos sociais populares, reagindo a essas formas de pensá-los lutam e se
organizam no sentido de superar essa visão, assumindo um “posicionamento crítico de fronteira e um
pensamento outro”, que vem provocando mudanças na história das classes populares no Brasil.
Freitas e Molina (2011) ao realizarem uma análise dos avanços e desafios na construção da Educação
do Campo reafirmam o protagonismo dos movimentos sociais nessa trajetória

Nos últimos treze anos, os movimentos sociais e sindicais rurais organizaram-se e desencadearam um
processo nacional de luta pela garantia de seus direitos, articulando as exigências do direito a terra
com as lutas pelo direito à educação. Esse processo nacionalmente se reconhece como Movimento de
Educação do Campo. Sua novidade se refere principalmente ao protagonismo de sujeitos que não
haviam antes ocupado a cena educacional brasileira: os trabalhadores rurais. É em função desse
protagonismo que o conceito Educação do Campo se vincula necessariamente ao contexto no qual se
desenvolvem os processos educativos e os graves conflitos que ocorrem no meio rural brasileiro, em
decorrência dos diferentes interesses econômicos e sociais em disputa pela utilização desse território.

As autoras chamam atenção para a necessidade de se promover estratégias coletivas no


enfrentamento às contradições impostas pelo projeto hegemônico.
49
As contradições impostas pela hegemonia da agricultura capitalista estendem-se a diversos países da
América Latina, expondo também a urgente necessidade da promoção de estratégias mais coletivas
para o enfrentamento das perversas condições sociais geradas por este modelo de exploração.
(FREITAS & MOLINA, 2011)

Essa necessidade de unificação de agendas culminou na realização do Encontro Nacional Unitário de


Trabalhadores e Trabalhadoras, Povos do Campo, das Águas e das Florestas, que teve por tema: Por Terra,
Território e Dignidade, ocorrido em Brasília no período de 20 a 22 de agosto de 2012. O encontro reuniu
representantes de trinta e sete instituições que afirmaram os principais pontos de luta comuns e
comprometeram-se com estratégias coletivas em prol do enfrentamento daquilo que eles denominaram de
projeto neocolonizador.
Para os presentes, o Brasil, país rico em terra, água, bens naturais e biodiversidade, atrai o capital
especulativo e agroexportador, acirrando os impactos negativos sobre os territórios e populações indígenas,
quilombolas, comunidades tradicionais e camponesas, expandindo este modelo para outros países da
América Latina e África. (Declaração do Encontro Unitário, 2012).
Dessa forma, fica claro que a visão da superioridade hegemônica das nações capitalistas, ou do norte,
continua atuando e tentando invisibilizar para dominar as comunidades tradicionais do sul, o que requer
estratégias coletivas de mobilização, denúncia e enfrentamento, por meio dos movimentos de resistência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas questões até então apresentadas é possível perceber que os estudos pós-coloniais
contribuem para o entendimento e a melhor compreensão da história dos povos do campo (agricultores/os
familiares, assalariados, assentados ou em processo de assentamento, ribeirinhos, caiçaras, extrativistas,
pescadores, indígenas, quilombolas, entre outros), uma vez que esclarecem o que há por traz de
determinadas posturas e comportamentos, inicialmente dos europeus e atualmente das nações capitalistas
hegemônicas, que insistem em expandir seu projeto neoliberal a todo o planeta.
Nesse projeto, a supremacia do capital e do mercado busca por meio das colonialidades do
poder/saber/ser e da natureza, exterminar e/ou ocultar os direitos das classes populares, negando seus
saberes, fazeres, crenças, modos de ser e de existir, bem como, o direito a permanecer com qualidade em
seus espaços e territórios.
Entretanto, graças à capacidade de luta e organização social destes povos, surgem, ao longo da
história brasileira, e, com maior força a partir da segunda metade do século XX até os dias atuais, diversos
movimentos de resistência que lutam pela afirmação de seus direitos e pela garantia dos mesmos a partir da
pressão que leva a criação não apenas de programas e projetos, mas principalmente, de políticas públicas
afirmativas.
Assim, a luta pela terra e pela reforma agrária passa a ser fortalecida pela luta por uma educação do e
no campo. Nela, por meio da tríade: campo, políticas públicas e educação, os movimentos afirmam que
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querem uma educação diferenciada e de qualidade, adequada as realidades e necessidades dos povos do
campo, que valorize e respeite seus conhecimentos, culturas e modos de vida, que oportunize uma educação
enquanto ferramenta de emancipação humana, que considere o trabalho enquanto princípio educativo e não
como objeto de exploração e alienação.
Assumindo um posicionamento crítico de fronteira e um pensamento outro, as diversas organizações
representantes destes sujeitos vêm fortalecendo-se e alcançando importantes resultados por meio do
Movimento Por Uma Educação Básica do Campo. Nessa trajetória, há avanços e desafios, mas, sem dúvida,
não há como negar que estamos diante de um importante momento histórico de enfrentamento as injustiças e
de mobilização das classes populares, por meio da afirmação de um projeto contra hegemônico, baseada na
crença da necessidade de ressignificação de práticas, pedagogias e relações de convivência mais humanas.
Entretanto temos que reconhecer que o capitalismo também reestrutura suas formas de opressão,
recriando estratégias, ocupando espaços e setores que possam enfraquecer essa luta. Nesse sentido, a partir
do exposto, alguns questionamentos surgem: Até que ponto a expansão da política pública de Educação do
Campo atenderá as reais reivindicações e anseios dos movimentos sociais do campo? Como superar as
barreiras impostas pelas colonialidades, principalmente em relação aos educadores e educadoras que atuam
nas escolas do campo e que muitas vezes reproduzem as velhas práticas de opressão, subordinação?

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52

LETRAMENTO VISUAL E CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS

Silvânia Maria da Silva Amorim Cruz (UPE)


Maria Ladjane dos Santos Pereira (UPE)

Resumo: Notamos cada vez mais o uso de vários modos de linguagens na comunicação da sociedade, seja
no meio impresso ou digital. Esse cenário exige do professor repensar as estratégias de leitura dos textos
estudados em sala de aula e os objetivos desse estudo, uma vez que a presença cotidiana da mídia
multimodal e muito atraente dita comportamentos e padrões, isto é, impõe ao leitor dar conta da leitura
conjunta dos vários recursos semióticos utilizados para compreender as informações dadas sobre o mundo
que o cerca. Com isso, esperamos defender a ideia de que a construção de sentidos procede da percepção e
análise das funções exercidas pelos variados modos de linguagem. Fundamentamos, pois, nossas análises na
teoria da Linguística Textual (Koch e Elias (2007, 2010), Koch (1997, 2004, 2006), Marcuschi (2008, 2002),
Elias (2014), Cavalcante (2013), Cavalcante e Custódio Filho (2010)); na Teoria da Multimodalidade (Kress
e van Leeuwen (1996), Dionísio (2011, 2006)); e nos Estudos Retóricos de Gêneros (Bazerman, (2011,
2006)), como teorias que se complementam ao considerarem que todos os recursos de linguagem são
fundamentais e contribuem para o processo de compreensão do propósito comunicativo dos textos. Uma
pesquisa dessa natureza justifica-se pelas contribuições que o processo de análise traz para um ensino-
aprendizagem que valorize a habilidade de extrair significados de todos os elementos que compõem um
gênero.
PALAVRAS-CHAVE: Letramento visual. Leitura. Ensino

INTRODUÇÃO

Notamos cada vez mais a inserção de vários modos de linguagens na comunicação da sociedade, seja
no meio impresso ou digital, esse cenário exige do professor repensar as estratégias de leitura dos textos
estudados em sala de aula e os objetivos desse estudo, uma vez que é a presença cotidiana de uma mídia
multimodal e muito atraente que dita comportamentos e padrões, isto é, impõe ao leitor dar conta da leitura
conjunta dos vários recursos semióticos utilizados para compreender as informações dadas sobre o mundo
que o cerca.
Consoante Dionísio (2011), embora a combinação de várias linguagens não seja um fenômeno
recente, fenômeno esse que alguns autores denominam multimodalidade, o uso de combinações vem se
acentuando, evidenciando as diferentes formas como este conceito concretiza-se nas abrangentes maneiras
de uso da linguagem; oral, escrita e visual.
É fato que textos com maior ou menor complexidade na sua composição são constantemente usados
em sala de aula, aqui enfatizando as aulas de Língua Portuguesa; são filmes, charges, gráficos, fábulas, etc.
Todavia, até que ponto esses gêneros textuais são explorados pelo seu caráter multimodal, de modo que o
professor provoque os estudantes a construírem sentido a partir da análise de todos os modos de linguagem
que atuam como instrumentos orquestrados no todo do texto?


KRESS, Gunter; VAN LEEUWEN, Theo. Reading images: the grammar of visual desing. New York: Routledge, 1996.
DIONÍSIO, A. P. Gêneros textuais e multimodalidade. In: KARWOSKI, A., GAYDECKZA, B. & BRITO, K. (orgs.). Gêneros
textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2011, p. 137-152.
53

Em vista disso, o estudo proposto busca contribuir no sentido de proporcionar ao aluno a apreensão
dos sentidos difundidos pelos textos, de modo crítico e com domínio dos variados recursos da linguagem. É
essa perspectiva crítica e integradora de leitura que acreditamos ser essencial na formação do leitor, a fim de
que ele seja conhecedor dos usos da linguagem; seja competente em realizar referências, observar
implicações e julgar “verdades”.
Metodologicamente, esse artigo está organizado como segue: primeiro discorremos sobre
multimodalidade e construção de sentidos; em seguida abordamos o gênero anúncio publicitário como
recurso didático e, por último, apresentamos as atividades propostas pelo Livro Didático de cada ano do
Ensino Fundamental II, assim como alguns possíveis encaminhamentos metodológicos.

Multimodalidade e construção de sentidos

Os textos produzidos e divulgados pela mídia desencadearam a discussão a respeito do uso da


linguagem multimodal. Atualmente, a mudança do enfoque, até então dado apenas à escrita/fala, fez surgir
outra perspectiva de estudo do discurso que diz respeito a imagens, sons, gestos, cores, movimentos,
diagramação, entre outros, assim, os diferentes recursos semióticos tomam parte da composição do texto,
construindo sentidos.
De acordo com Kress e van Leeuwen,

As estruturas visuais formam significados, assim como as estruturas lingüísticas


e, por meio disso apontam para diferentes interpretações e para diferentes
formas de interação social. Os significados que podem ser expressos pela língua
e pela comunicação visual demonstram que certas coisas podem ser expressas
verbalmente e visualmente. Outras podem ser ditas, apenas, visualmente, e
outras, somente, verbalmente. Mas quando algo pode ser dito de ambas as
maneiras, o modo pelo qual será expresso tanto verbal quanto visual será
diferente (1996, p. 3).

Multimodalidade, portanto, diz respeito ao uso de mais de um modo de representação da


linguagem, logo, todos os textos, sejam eles orais ou escritos, são multimodais. Segundo Dionísio (2011),

Se as ações sociais são fenômenos multimodais, consequentemente, os gêneros


textuais falados e escritos são também multimodais porque, quando falamos ou
escrevemos um texto, estamos usando no mínimo dois modos de representação:
palavras e gestos, palavras e entonações, palavras e imagens, palavras e
tipográficas, palavras e sorrisos, palavras e animações etc. (2011, p.139).

Dado o exposto, a leitura eficaz dos recursos semióticos nas práticas sociais de comunicação concebe
um encontro crítico e reflexivo, entre o leitor/ouvinte e o texto, um encontro fundamentado no diálogo, na
percepção das informações e ideias propagadas, relacionando-as com os contextos de uso, avaliando-as
como válidas ou não para a construção de significados.
54

À vista disso, ao explorar as múltiplas linguagens, o aluno tem a oportunidade não só de reconhecer
os diversos modos de que a sociedade se utiliza para representar o mundo, mas a oportunidade de
reconhecer-se como parte integrante desse mundo e, assim, apreciá-lo com coerência e criticidade.
Segundo Rojo, a formação de um aluno letrado, e de um cidadão consciente, crítico, capaz de
interagir em uma sociedade globalizada, implica em prepará-lo para,

escapar da literalidade dos textos e interpretá-los, colocando-os em relação com outros


textos e discursos, de maneira situada na realidade social; (...) discutir com os textos,
replicando e avaliando posições e ideologias que constituem seus sentidos; (...) trazer o
texto para a vida e colocá-lo em relação com ela (2010, p. 1-2)

Assim sendo, é imprescindível um ensino voltado para os multiletramentos, neste artigo em destaque
o letramento visual, a partir do qual, acreditamos oferecer ao sujeito habilidades interpretativas que o
auxiliem a agir sobre as diferentes linguagens semióticas do mundo contemporâneo.
Kress e Van Leeuwen (1996) ao sugestionarem um aprofundamento nos estudos dos textos não
verbais declaram que o ver é entendido como menos complexo que o ler, todavia, ler uma imagem implica
perceber as escolhas feitas; cores, tamanhos, formatos, símbolos, etc., pois toda escolha é feita para construir
significados, isto é, nada é por acaso. Logo, na sociedade letrada atual, somente saber ler os signos verbais
não é suficiente.
Ao analisarmos um texto é necessário ir além de seus aspectos gramaticais e linguísticos, o que não
significa desconsiderar tais aspectos, mas acrescentar a esse estudo a análise dos demais elementos de modo
a selecionar e organizar as informações relevantes à construção da significação, além da observação da
integração das informações, relacionando-as no ato de construção dos sentidos do texto em seu contexto de
uso.
Para Rojo (2010), capacitar o aluno a ler produtivamente envolve procedimentos e capacidades de
natureza cognitiva, linguístico-discursiva e social, desse modo, as habilidades de leitura dividem-se em três
conjuntos de capacidades:
1. Capacidades de decodificação;
2. Capacidades de compreensão;
3. Capacidades de apreciação e réplica do leitor em relação ao texto.
As referidas capacidades, segundo a autora, devem ser ensinadas concomitantemente, no entanto, as
práticas escolares, ainda, estancam no primeiro conjunto, sendo poucas a abordarem o segundo e, raramente
o terceiro conjunto.
Quando nos comunicamos, ou seja, quando participamos de práticas discursivas, conjugamos nossos
conhecimentos linguísticos, de mundo e das convenções sociais, sendo assim, é fundamental uma pedagogia
baseada na concepção dos modos de uso da linguagem.
55

Nesse sentido, para ser um comunicador eficiente, atualmente, é preciso ser capaz de selecionar,
interpretar e relacionar os vários recursos semióticos, inclusive a imagem, para transmitir e construir
significados. As referidas reflexões evidenciam que as imagens, assim como tantos outros recursos
semióticos, passam a integrar os gêneros textuais e a construir sentidos no cenário atual da comunicação.
E é nesse cenário diverso de gêneros, aos quais somos expostos cotidianamente, que encontramos o
anúncio publicitário, onde a junção de várias modalidades é fundamental para a construção de sentidos e
para efetivação de seu extraordinário poder de persuasão.

Concepção de gênero via Sociorretórica de Charles Bazerman

A perspectiva sociorretórica, de modo geral, evidencia os gêneros textuais como ações sociais
colocados à disposição da comunicação e que, conforme Bakhtin, reconhece a importância do papel ativo do
indivíduo como o produtor desses gêneros.
Para Bazerman,
Os gêneros são coleções percebidas de enunciados. Os enunciados são
delimitados, têm começo, meio e fim, ocupam lugar definido no tempo e no
espaço e são percebidos como portadores de algum sentido. Portanto, dois
elementos que eu enfatizo nos gêneros é que eles são categorias de
reconhecimento psicossocial e categorias de enunciados (BAZERMAN, 2011,
p.17).

Bazerman (2006) conceitua os textos como ações de nossa vontade, produzidos através de nossas
aspirações e intenções e, os gêneros como formas de vida, frames para a ação social. Eles delineiam nossos
pensamentos e as comunicações por meio das quais interagimos, o autor afirma que “cada texto se encontra
encaixado em atividades sociais estruturadas e dependentes de textos anteriores que influenciam a atividade
e a organização social” (p. 22). Desse modo, identificamos um gênero pela sua circulação no contexto
social, por suas características textuais familiares
Ainda de acordo com Bazerman (2006),

[...] cada texto se encontra encaixado em atividades sociais estruturadas e


depende de textos anteriores que influenciam a atividade e a organização social.
(...) cada texto estabelece condições que, de alguma forma, são levadas em
consideração em atividades subseqüentes. Os textos [...] criam realidades, ou
fatos, já que ambos, alunos e professores, vivem naquilo que eles
explicitamente afirmam e nas estruturas de relações e atividades que
implicitamente estabelecem (...). Cada texto bem sucedido cria para seus
leitores um fato social. Os fatos sociais consistem em ações sociais
significativas realizadas pela linguagem, ou atos de fala (BAZERMAN, 2006,
p. 22).

Pensando no trabalho com gêneros em sala de aula, Bazerman, enquanto educador, destaca a
importância do professor ter a percepção de que o aluno já traz para a escola vivências externas ao ambiente
56

escolar, são os gêneros que utilizam no convívio familiar e em situações corriqueiras, portanto, é relevante
um trabalho em que os estudantes percebam que diferentes situações exigem diferentes gêneros, com
diferentes posições, ideias e objetivos.
Assim, preocupa-se em tornar essas informações favoráveis ao letramento, defendendo a ideia de que
o aluno capaz de reconhecer os gêneros pode ser capaz, também, de ler mais integralmente um texto, além
de escrever de forma mais efetiva para o leitor que aspira atingir.

O gênero anúncio publicitário

Desde o final do século XIX, com a divulgação dos primeiros pôsteres dos cabarés de Paris, até os
anúncios divulgados por diferentes suportes atualmente, as imagens servem como ferramentas de persuasão
e têm seu valor comunicativo reconhecido pela publicidade em geral.
São inúmeros os meios de divulgação da publicidade; televisão, internet, rádio, jornal, revista,
outdoors, paredes, etc. Hoje, é impossível andar pelas ruas, assistir a programas de televisão, navegar pela
internet sem esbarrar em anúncios, em sua maioria, compostos por imagens, as quais se apoderam de grande
parte do espaço destinado ao gênero.
Sendo assim, ao analisar o texto publicitário, não se pode isolar os diferentes elementos semióticos
que o compõe, destacando que não pretendemos dizer que determinado modo de linguagem é superior a
outro, mas enfatizar que todos os modos são utilizados com alguma intenção e todos, de maneira interligada,
contribuem para a construção de sentidos do leitor.
Para Carvalho,
Toda representação montada em torno do produto se estrutura a partir de uma
lógica própria que tem na sedução sua mola mestra. O anúncio, ao promover o
produto, objetiva seduzir o consumidor e levá-lo, consequetemente, a aderir à
mensagem proposta. Para tanto, apresenta uma visão parcial e deformada, em
que jogos de luz e sombra, ângulos de focalização e superposição de planos
manipulam fragmentos de realidade e privilegiam objetos antes que pessoas –
estas são coadjuvantes, componentes secundários, embora importantes
enquanto testemunhas do efeito de determinado produto (CARVALHO, 2014,
p.20)

Assim, o aluno, caso não seja preparado para perceber e compreender os mecanismos de
manipulação dos anúncios, possivelmente será um leitor e um consumidor insciente às táticas persuasivas
que ditam padrões e, portanto, será incapaz de modificar a realidade.
O gênero anúncio publicitário utiliza de diferentes recursos para cumprir sua função
sociocomunicativa: ilustrações, sons, movimentos, cores, dentre outros. Conforme Sant’Anna (2002, p.180),
as ilustrações ajudam na memorização do anúncio, além de intensificar os valores de atenção, compreensão
e credibilidade, pois “enquanto a maioria das pessoas acredita no que está impresso, uma maioria ainda mais
esmagadora acredita no que vê”.
Ainda segundo esse autor, a ilustração tem oito funções:
57

1. Aumentar o índice de atenção.


2. Tornar o anúncio mais aprazível à vista.
3. Induzir à leitura do texto.
4. Estimular o desejo pela coisa anunciada.
5. Engrandecer a coisa anunciada.
6. Demonstrar ou reforçar afirmações feitas no texto.
7. Identificar o produto ou a marca.
8. Formar atmosfera adequada (SANT’ANNA, 2002, p.181)

Parece evidente a importância das funções que exercem as ilustrações que compõem os anúncios e
não podemos tratá-las de maneira superficial durante o processo de análise textual e, por conseguinte, de
construção de sentidos.
Quanto aos recursos linguísticos, como o anúncio publicitário trata-se, geralmente, de um texto
conciso, a seleção dos referidos recursos é objetiva e muito criativa, buscando sempre uma resposta positiva,
influenciando, assim, pensamentos e ações.
Destacam-se entre esses recursos linguísticos os aspectos morfossintáticos, como o verbo comprar,
que segundo pesquisa realizada por Vestergaard e Schroder (2000), é evitado no seu modo imperativo, para
que não haja o risco de o público sentir-se obrigado a fazer algo, dessa forma, esse verbo é substituído por
outros que encobrem essa obrigação, como descubra, experimente, adquira, veja, escolha, etc..
Além dos recursos referentes à semântica (explora o duplo sentido das palavras); ao léxico (os
vocábulos são selecionados para enaltecer valores como beleza, juventude, sucesso, status, amor, poder,
elegância, etc.); à pragmática (faz uso de provérbios, pois são tomados como verdades já aceitas pela
sociedade, portanto, ajuda na persuasão); às figuras de linguagem (as mais utilizadas são a metáfora, a
personificação e a metonímia) (CARVALHO, 1996).
Em vista disso, é essencial um trabalho pedagógico que estude o anúncio publicitário como um
gênero fruto da ação social, que dissemina valores e atitudes marcados pela época, dessa forma, preparando
nossos alunos, também consumidores, para agir mediante a massificação publicitária.

O anúncio publicitário na coleção Tecendo Linguagens

Analisamos as atividades propostas pela coleção descrita abaixo:

TECENDO LINGUAGENS
Tania Amaral Oliveira
Elizabeth Gavioli de Oliveira Silva
Cícero de Oliveira Silva
Lucy Aparecida Melo Araújo
www.editoraibep.com.br/pnld2014/tecendolinguagens
IBEP - Instituto Brasileiro de Edições Pedagógicas
3ª Edição 2012
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Nossa proposta de abordagem


A coleção apresenta questões relativas a: a) a quem se dirige o anúncio; b) a intenção do anunciante;
c) a identificação do produto anunciado; d) justificativa da presença de determinados elementos visuais. Em
algumas atividades é solicitado que o aluno faça a relação ora entre “a imagem e as frases”, ora entre “a
imagem e o evento”, ora entre “o enunciado e a posição do objeto”, ora entre “enunciado e contexto”.
Acreditamos haver um início de reflexão sobre sua constituição e função enquanto gênero textual,
embora, as demais atividades resumam-se ao uso do texto como pretexto para estudar gramática.
Apresentaremos a seguir, a título de demonstração, as atividades propostas, a partir de um anúncio
publicitário, sugeridas pelo livro didático de Língua Portuguesa, do 8º ano, páginas: 161-163, como exemplo
do que vimos discutindo até o momento.
Para efeito de contextualização, a Havaianas é uma marca de chinelos, produto da São Paulo
Alpargatas, tem nos últimos anos representado o "espírito nacional" no comércio exterior. A trajetória de
sucesso do produto é marcada pela adequação às novas demandas do mercado e pela constante inovação, o
que fez com que atingisse o patamar de ser uma das grandes representantes das industriais nacionais ao
redor do mundo.
Quanto ao anúncio aqui analisado, sua publicação original foi em seis páginas seguintes à capa da
Revista Veja, Editora Abril, em janeiro de 2005, por isso o “desejo de feliz 2005”. Cada par de páginas
apresentando uma ilustração de um par de Havaianas. É uma revista cara para os padrões de vida da maioria
dos brasileiros e que apresenta em sua composição muitos anúncios de página inteira, o que amplia seu
faturamento.
Essa breve contextualização acreditamos ser importante durante a discussão em sala de aula, para
que os alunos percebam o recorte feito pelo livro didático, além da funcionalidade do gênero em questão.
Segue exemplo extraído do livro:
59

Observamos que as atividades propostas dedicam-se, quase que exclusivamente, à leitura do verbal,
detendo-se à palavra pé. Exercícios deste tipo não são totalmente descartáveis, pelo contrário, eles possuem
sua validade, no entanto, acreditamos que os alunos devem ser estimulados à leitura de gêneros textuais,
refletindo sobre suas estruturas, suas funções, seu caráter multimodal e seus usos, de maneira que concebam
as diversas situações comunicativas da sociedade, ou seja, atividades baseadas essencialmente nos gêneros.
Para Bentes e Leite,
Os problemas no trabalho com leituras e escrita na escola são consequência,
principalmente, de dois fatores: não considerar os textos integrados a gêneros
específicos, com características, estrutura, intencionalidade bem definidas; não
perceber a leitura e a escrita como processos que só ocorrem na interação com o
texto (BENTES e LEITE, 2010, p.327).

Desse modo, verificamos nas atividades apresentadas que elas pouco contribuem para o
desenvolvimento das capacidades voltadas ao letramento visual10 dos estudantes. Acreditamos que são
necessárias atividades que possibilitem ao aluno apropriar-se de diversificadas formas de letramentos para
que possa responder às exigências contemporâneas de leitura, posicionando-se criticamente nas mais
diversas situações ou contextos.
Conforme Dionísio (2011) que estabelece uma relação entre os conceitos de multimodalidade e de
letramento, a autora assevera que o sujeito letrado deve ser capaz de atribuir sentido a mensagens, assim
como de produzir mensagens que se constituem de diferentes linguagens.
Da mesma maneira, Kress e van Leeuwen (1996) defendem a necessidade do letramento visual e
que, assim como as estruturas linguísticas, as estruturas visuais realizam significados, de modos diferentes,
mas realizam.
Se analisássemos a dimensão verbal separadamente, possivelmente não chegaríamos à compreensão
do texto em sua totalidade. Por exemplo, nas repetidas expressões com a palavra pé, a compreensão da razão
de sua repetição é recuperada pela imagem dos chinelos. Além da referência da expressão “nesse calor” que
exige tomar o texto para além de sua materialidade ‘linguística’, uma vez que o referido de “nesse calor” é o
clima tropical característico do Brasil.
Nesse sentido, reafirmamos que as atividades de leitura devem ter como principal finalidade ensinar
o aluno a ler os textos, percebendo-os como multimodais e, assim, significá-los na sua relação com outras
linguagens, discursos e contextos sócio-históricos, pois acreditamos que desse modo os alunos podem
desenvolver a competência de formular suas próprias réplicas de acordo com a compreensão dos mais
variados gêneros a que tiverem acesso na vida.

10
Segundo Dionísio (2011) letramento visual está relacionado à organização social das comunidades, logo, com a organização dos
gêneros textuais, ou seja, vivemos em uma sociedade cada vez mais visual.
60

Olhando o anúncio como um todo, percebemos que o texto está em um fundo vazado branco, frase
por frase, sobre um misto de estampas que remetem ao artesanato, à flora e à fauna brasileiras, além do
solado dos chinelos que também faz alusão à natureza e a povos indígenas, através das frutas e do cocar.
Os elementos ovais do centro do solado representam os desenhos do calçadão da praia de
Copacabana e parte do mapa do Brasil, ou seja, todos os elementos visuais reforçam a identidade nacional,
conforme a identidade do próprio chinelo; cuja fabricação é totalmente nacional.
A partir da observação e percepção de tantos elementos representados pelo visual e pelo verbal, um
leque de discussões se abre sobre as escolhas feitas e sua relação com o Brasil, mais especificamente as
praias (as mais famosas como Copacabana), música e festas (diferentes estilos de cada região, história,
influência, temas), artesanato (renda, renascença, palha, barro, indígena), fauna (diversidade), flora (florestas
e rios; localização e importância), povos indígenas (importância na história do Brasil, miscigenação), a
presença do esporte no país (os mais/menos populares, os mais/menos valorizados).
As expressões “dar no pé”, “pé para cima”, “pé no samba”, “pé quente”, “dá pé”, “pé frio”, pé de
meia”, pé-de-chumbo”, “pé-de-vento” depreendemos o tão falado jeitinho brasileiro, ou seja, a malandragem
vista como uma estratégia de sobrevivência e uma concepção de vida, onde é possível vencer sem muito
esforço.
Destarte, verificamos que, mesmo sendo um recorte do anúncio original, ele aponta para a identidade
e a cultura brasileira sob o ponto de vista da revista, mais uma questão que deve ser discutida.
Elencamos a seguir alguns aspectos que consideramos também serem indispensáveis à construção de
sentidos pelos alunos:
1) Das prováveis condições de produção - quem escreveu, para quem, em que contexto, com que
intenção sócio-comunicativa, em qual suporte.
2) Da distribuição espacial da informação – como estão distribuídos os elementos visuais e os
escritos; sua composição; como se relacionam.
3) Da articulação entre cores, tons, imagens, objetos, estampas e texto verbal – todos esses
elementos foram usados para construir sentidos? Quais? A que remetem todas as cores, tons,
imagens, objetos e estampas? Poderiam ser substituídos, cumprindo o mesmo propósito
comunicativo? Como? Por quê?
4) De evocação de comportamentos, costumes e tradições – há evocação? Como essa evocação
acontece? Através de quais estratégias? Com quais objetivos?
5) De estratégias argumentativas – o que são estratégias argumentativas? Elas estão presentes no
anúncio? Como podemos identificá-las?
6) Da relação entre texto e contexto – analisar as informações divulgadas, percebendo-as no seu
contexto de produção.
7) Da seleção lexical que obedece (ou não) à norma padrão – sabendo quem escreveu, para quem e
em qual suporte, refletir sobre a adequação ou não da seleção lexical.
61

8) Da polissemia dos signos – atentar para os vários significados que uma palavra, expressão ou
qualquer outro signo pode adquirir dentro de um determinado contexto.
9) De ideologias veiculadas – analisar as “verdades” propagadas, aceitando-as ou não, refletindo
criticamente sobre os possíveis padrões ditados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Reafirmamos que as atividades de leitura devem ter como principal finalidade ensinar o aluno a ler
os textos, percebendo-os como multimodais e, assim, significá-los na sua relação com outras linguagens,
discursos e contextos sócio-históricos, pois acreditamos que desse modo os alunos podem desenvolver a
competência de formular suas próprias réplicas de acordo com a compreensão dos mais variados gêneros a
que tiverem acesso na vida.
Dessa forma, indo além de atividades e exercícios que se resumem a identificação de informações
explícitas e valorização somente de aspectos gramaticais.

REFERÊNCIAS

BAZERMAN, Charles. Gênero, agência e escrita. HOFFNAGEL, J. G, DIONÍSIO, A. P. (orgs.),


HOFFNAGEL, J. G. tradução e adaptação. São Paulo: Cortez, 2006.
_____. Gêneros Textuais. DIONÍSIO, A. P., MILLER. C., BAZERMAN, C., HOFFANAGEL. J. (orgs.);
tradução Benedito Gomes Bezerra, Fabiele Stockmans De Nardi, Darío Gómez Sánchez, Maria Auxiliadora
Bezerra, Joice Armani Galli. – 1. ed. – Recife: [s.n.], 2011.
BENTES, A. C., LEITE, M. Q. (orgs.). Linguística de texto e análise da conversação: panorama das
pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.
CARVALHO, Nelly. O texto publicitário na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2014.
_____. Publicidade: a linguagem da sedução. São Paulo:Ática, 1996.
CAVALCANTE, M. M. Os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2013.
CUSTÓDIO FILHO e CAVALCANTE, M. M. Revisitando o estatuto do texto. Revista do Gelne,
Fortaleza, v. 12, n. 2, 2010.
DIONÍSIO, Ângela Paiva. Gêneros textuais e multimodalidade. In: KARWOSKI, M.A., GAYDECZKA, B.,
BRITO, S. K. (orgs.), 4.ed. Gêneros textuais: reflexões e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. 137-
152.
Guia de livros didáticos: PNLD 2014: apresentação: ensino fundamental: anos finais.
– Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2013.
KOCH, I. V. Introdução à linguística textual: trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes,
2004.
KRESS, G. e van LEEUWEN, T. Reading Images: the Grammar of Visual Design. Londres: Routledge,
1996.
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola Editorial,
2008.
VESTERGAARD, Torben. A linguagem da propaganda. Tradução: João Alves dos Santos. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2000.
ROJO, R. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. São Paulo: SEE: CENP, 2010.
Disponível em: <http://debragancapaulista.educacao.sp.gov.br>. Acesso em: 28 maio 2015.
SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica e prática. São Paulo: Pioneira Thomson Learning,
2002.
62

Tânia Amaral Oliveira... [et al.], Língua Portuguesa, 6º ano. 3 ed. São Paulo: IBEP, 2012. (Coleção
Tecendo Linguagens)
_____. Língua Portuguesa, 7º ano. 3 ed. São Paulo: IBEP, 2012. (Coleção Tecendo Linguagens)
_____. Língua Portuguesa, 8º ano. 3 ed. São Paulo: IBEP, 2012. (Coleção Tecendo Linguagens)
_____. Língua Portuguesa, 9º ano. 3 ed. São Paulo: IBEP, 2012. (Coleção Tecendo Linguagens)
63

FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES(AS): ENTRE A MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO


SUPERIOR E A NECESSIDADE DE UMA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA

Simone Salvador de Carvalho Meneses11

RESUMO: Este trabalho tem por finalidade apresentar algumas das consequências enfrentadas pelas instituições de
formação inicial de professores(as) devido aos avanços da mercantilização do ensino superior e compreender a
importância das práticas alternativas na implementação de um projeto de educação contra-hegemônico, que favoreça
uma educação emancipatória. Para tanto, apresentaremos inicialmente alguns dos elementos que estão por trás da
mercantilização do ensino superior e da transnacionalização do mesmo, que vem ocorrendo principalmente por meio
da expansão de experiências de universidade online. Por sua vez, essas práticas acabam favorecendo a
descaracterização do papel das universidades locais na produção de conhecimentos vinculados aos interesses do país.
Em seguida, refletiremos sobre alguns elementos importantes a serem superados ou reafirmados e defendidos por
aqueles que buscam um ensino superior público alternativo a esse projeto capitalista neoliberal global, presentes
principalmente nas experiências realizadas por meio de parcerias entre o Estado, as universidade e os movimentos
sociais do campo nas últimas décadas, os quais apontam para perspectivas de formação emancipatórias.
Palavras - chave: Papel da universidade, Mercantilização do ensino superior, Ensino superior emancipatório.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho é fruto dos estudos, reflexões e debates realizados na disciplina Didática do Ensino
Superior, a partir das contribuições de Boaventura de Sousa Santos (2004), ao tratar sobre A Universidade no Século
XXI, onde o autor aponta por um lado, as consequências da expansão do projeto neoliberal nas universidades e por
outro algumas ideias que poderão presidir uma reforma criativa, democrática e emancipatória nesses espaços.
Com base nessas contribuições, procuramos analisar: Quais os principais desafios e avanços da universitária
brasileira na atualidade diante da mercantilização do ensino superior e da necessidade de uma educação
emancipatória, proveniente das demandas dos movimentos sociais organizados?
Nesse sentido, o trabalho tem por objetivos: analisar as principais consequências enfrentados pela
universidade devido aos avanços da mercantilização do ensino superior e compreender a importância das práticas
alternativas na implementação de um projeto de educação contra hegemônico que favoreça a educação emancipatória.
A partir das contribuições de Arroyo (2011 e 2012), Brito (2011), Caldart (2004), Reis (2004) e Santos (2004),
Pimenta e Anastasiou (2002)analisaremos alguns dos principais elementos presentes nas experiências, a serem
superados ou reafirmados na tentativa de buscar esse outro projeto de formação em nível superior, tendo em vista a
necessidade de repolitizar as práticas ainda presentes nas universidades públicas.
A primeira parte do texto abordará o dilema enfrentado pelas universidades públicas e pelo Estado que se
encontram atualmente diante da emergência das demandas advindas dos movimentos, e, por outro lado, das pressões
do Banco Mundial e FMI que, enxergando a educação como lucrativa mercadoria, estimulam a redução das vagas
gratuitas, ao mesmo tempo em que apoiam financeiramente os projetos de ampliação e transnacionalização das
instituições particulares.

11Mestre em Educação Contemporânea pela UFPE/CAA. Especialista em Programação do Ensino de Geografia – UPE e em
Educação Profissional – ITEP; Professora na Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde – AESA e na Rede Estadual de
Pernambuco – SEE/PE.
64

Em seguida, refletindo a partir de autores que analisam experiências desenvolvidas por meio de parcerias entre
Estado, universidades e movimentos sociais, destacaremos alguns elementos fundamentais a serem considerados para
o enfrentamento do projeto neoliberal.

2. ENTRE AS DEMANDAS DA FORMAÇÃO E A MERCANTILIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO


BRASIL

Estudos realizados sobre a situação da educação ofertada as classes populares no Brasil, principalmente aos
povos do campo12 apontam a precariedade e abandono do poder público para essa significativa parcela da população.
Em relação à formação dos educadores e educadoras em nível superior o INEP divulgou no documento
Panorama da Educação do Campo (2007), que até 2005, dos docentes que atuavam no ensino fundamental – anos
iniciais apenas 21,6% possuía formação em nível superior. No ensino fundamental – anos finais apenas 53,1% e no
ensino médio 88,7, comprovando grande demanda de formação, principalmente no ensino fundamental.
Após apresentar os índices sobre a situação da educação básica no campo brasileiro, o próprio MEC/INEP
reconhece que:

Resumindo todas essas estatísticas, existem 354.316 professores atuando na educação básica do
campo, e eles representam 15% dos profissionais em exercício no País. São, em sua grande maioria,
os menos qualificados e os que recebem os menores salários. Diante deste quadro, é evidente a
necessidade do estabelecimento de uma política que valorize os profissionais da educação do campo.
É oportuno destacar a necessidade de ações efetivas focadas na expansão do quadro, na formação
profissional adequada e na formação continuada, considerando projetos pedagógicos específicos e
uma melhoria salarial que estimule a permanência de profissionais qualificados em sala de aula nas
escolas rurais.

A necessidade de investimentos em formação inicial para esse público aponta para algumas preocupações,
dentre as quais destacamos: Como garantir não apenas a aquisição de um diploma de nível superior, mas a
transformação da prática docente por meio de uma formação específica para essa realidade, que possa contribuir para
superar as pedagogias de subalternização e opressão a que as camadas populares têm sido historicamente submetidas?
Essa é uma das grandes questões apontadas por aqueles que defendem e lutam pelo reconhecimento do direito
destes povos a uma educação de qualidade, que considere suas especificidades e contribuía para a implementação de
pedagogias de libertação e emancipação.
Freire no livro Pedagogia do Oprimido (1974, p.77) já criticava o modelo de educação baseada na aquisição
de conteúdos e na visão do estudante como alguém que chega a escola vazio de conhecimentos, para ele:

A educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode
fundar-se numa concepção dos homens como seres vazios a quem o mundo “encha” de conteúdos;
não pode basear-se numa consciência especializada, mecanicistamente compartimentada, não nos
homens como “corpos conscientes” e na consciência como consciência intencionalizada ao mundo.
Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em sua relação com
o mundo.

De acordo com a Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo, são considerados povos do campo: agricultores e
12

agricultoras, quilombolas, indígenas, caiçaras, ribeirinhos, pescadores, camponeses, assentados, reassentados, sem terras,
caipiras, lavradores povos das águas e das florestas.
65

Apesar dos avanços do ponto de vista teórico e do acúmulo de estudos que apontam para a necessidade de
resignificar o papel da escola, na prática, a realidade pouco mudou.
Em relação ao ensino superior a situação agrava-se ainda mais, tendo em vista os desafios impostos ao mesmo
na atualidade.
Para Santos (2004), a universidade passa por um momento crucial, com uma mercadorização do ensino
superior que transforma o conhecimento num produto de consumo. Essa situação, afasta as universidades de um de
seus mais importantes papéis, que é o da produção conhecimentos que apontem para a formação humana numa
dimensão não apenas econômica, mas comprometida com questões sociais mais amplas.
A transformação do conhecimento em mercadoria, nos últimos anos, vem intensificando a transnacionalização
desse atrativo mercado atualmente em curso, com universidades virtuais, muitas delas ligadas a grupos empresariais,
que ofertam educação à distância e aprendizagem online, rompendo assim as fronteiras territoriais.
Por meio de projetos financiados pelo Banco Mundial e FMI, investe-se no ensino superior privado, em
detrimento do ensino público. Esses projetos trazem em sua base o rompimento com a ideia de educação superior
pública, de qualidade e vinculada a um projeto de país, aos interesses nacionais, estimulando o individualismo, a
meritocracia e a competitividade, elementos centrais no projeto hegemônico neoliberal, que, na educação, ganham
forma por meio da Teoria do Capital Humano13.
Para Santos (2004, p. 24):

[...] esta pressão produtivista desvirtua a universidade, até porque certos objetivos que lhe poderiam
estar mais próximos têm sido esvaziados de qualquer preocupação humanista ou cultural. É o caso da
educação permanente, que tem sido reduzida à educação para o mercado permanente. Do mesmo
modo, a maior autonomia que foi concedida às universidades não teve por objectivo preservar a
liberdade académica, mas criar condições para as universidades se adaptarem às exigências da
economia.

3. EM BUSCA DE UM PROJETO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR CONTRA HEGEMÔNICO

As mudanças impostas ao ensino superior e ao papel da universidade vão de encontro ao projeto de educação
e de sociedade defendido pelas classes populares. Santos (2004) afirma que, para se contrapor ao projeto hegemônico
neoliberal é preciso a consolidação de um projeto contra hegemônico e alternativo, que favoreça a transição do
modelo universitário e unilateral, para um que seja pluriversitário e interativo, uma vez que:

Nos países pluriétnicos e multinacionais, o conhecimento pluriversitário está a emergir ainda do


interior da própria universidade quando estudantes de grupos minoritários (étnicos ou outros) entram
na universidade e verificam que a sua inclusão é uma forma de exclusão: confrontam-se com a tábua
rasa que é feita das suas culturas e dos conhecimentos próprios das comunidades donde se sentem
originários. (SANTOS, 2004, p. 43)

Para superar essa lógica, é preciso repensar o modelo de educação em pauta, principalmente nas licenciaturas
que precisam caminhar na perspectiva de uma formação voltada a melhor compreensão da realidade, para a apreensão
e construção de conhecimento comprometidos com um novo projeto de sociedade.

13
Segundo Frigotto (2006) a TCH baseia-se na meritocracia individual, transferindo a responsabilidade pelo sucesso para o
indivíduo, legitimando a exclusão social. Na visão microeconômica, a educação é tratada como fator de desenvolvimento
econômico e distribuição de renda, do mesmo modo que, pode ser considerada como responsável pelos avanços
educacionais e de crescimento econômico de um país, em uma visão macroeconômica.
66

Para Pimenta e Anastasiou (2002, p.204):

Muitos processos de ensino em curso na universidade não passam de meras reproduções de mini
palestras ou reunião de um número determinado de pessoas ouvindo uma delas expor determinado
assunto [...]. Aí, de fato, o termo ‘ensinar’ está sendo utilizado com a desconsideração de seus
elementos essenciais.

Certamente, não serão essas práticas e concepções de educação bancárias as responsáveis pela mudança. Mas,
sem dúvida, a reflexão sobre elas e seus resultados servirão de base para possíveis transformações no que diz respeito
ao papel dos docentes universitários.
Reis (2004), ao tratar sobre as mudanças necessárias à implementação de um novo projeto de formação,
chama atenção para a necessidade da transformação das velhas práticas e da construção de um novo caminhar e um
novo compreender do processo educacional, superando as práticas pedagógicas autoritárias e reacionárias ainda
arraigadas na educação brasileira. Posturas que, com certeza limitam a formação de profissionais numa perspectiva
emancipatória, autônoma e comprometida com a educação das classes populares.
Um projeto contra hegemônico que resgate o papel da universidade como um bem público é para Santos
(2004) um projeto político exigente, a ser realizado por três importantes protagonistas: os universitários, que
denunciam a posição conservadora e recusam a ideia da inelutabilidade da globalização neoliberal, o Estado Nacional,
ao optar politicamente pela globalização solidária da universidade e os cidadãos, individual ou coletivamente
organizados, interessados em fomentar os processos que articulem seus interesses aos da universidade.
Nesse sentido, graças à luta dos movimentos sociais organizados e do comprometimento de universidades e
educadores/as militantes, na última década vem ocorrendo no Brasil vários exemplos de formação específica em nível
superior, a exemplo dos diversos cursos de Pedagogia da Terra, oferecidos por meio do Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária – PRONERA, das Licenciaturas em Educação do Campo e Intercultural Indígena, além
da inclusão de disciplinas específicas nos cursos de Pedagogia.
Segundo Arroyo (2012, p. 59):

Disputar os próprios espaços de produção, sistematização do conhecimento, confrontar seus


conhecimentos, sua racionalidade, seus critérios de validade com os conhecimentos, a racionalidade,
os critérios de validade pensados como únicos, legítimos, é algo muito novo nos novos sujeitos
sociais. Mudam a direção em que o pensamento educativo popular os conformou: levado dos centros
de pensamento válidos por intelectuais comprometidos aos espaços criados de conscientização,
cultura e educação. [...] Um movimento de diálogo horizontal no reconhecimento.

Essas novas posturas, esse movimento horizontal, coletivo, organizado, não silencioso, de luta por políticas
afirmativas e pela garantia de direitos historicamente negados que, na visão de Arroyo constituem uma das grandes
riquezas a ser pesquisada e incorporada pelos espaços de produção e validação de conhecimento, capaz de contribuir
na repolitização do pensamento pedagógico e das teorias socioeducativas.
Brito (2011, p. 245) ao pesquisar sobre os cursos do PRONERA na UFPB afirma:

É indispensável no diálogo entre a Universidade e os movimentos sociais – ao pensar a educação do


campo e em especial os cursos de formação de professores - levar em consideração uma leitura sobre
a relevância da relação entre a luta pela terra e o currículo escolar, já que diferentes saberes estão
sendo produzidos seja em escolas convencionais, seja em realidades educacionais diferenciadas.A
formação do educador é uma estratégia de luta e fortalecimento da Educação do Campo com o papel
de fomentar reflexões que acumulem força e espaço de construção de um novo conceito de educação.
67

Essa parceria é fundamental, pois deixá-los a margem é alimentar a cultura historicamente imposta pelo
projeto hegemônico de pensar e decidir os diferentes aspectos da sociedade de cima para baixo, para os mais fracos,
mais necessitados, desprovidos de conhecimento, incapazes de tomar decisões.
Percebe-se que a luta é bem maior, pois tratar-se de uma disputa de poder no campo das ideias, que busca
reestruturar a educação brasileira na tentativa de abolir as pedagogias inferiorizantes que historicamente tem servido
para tornar tanto as escolas quanto as universidades como espaços classificatórios, seletivos e excludentes.
De acordo com Arroyo (2011, p. 135):

A formação do professor tem que ser enriquecida dentro dos princípios do humanismo pedagógico,
cada vez mais retomado pela concepção democrática de educação. Temos de inserir nos currículos
dos centros deformação esses componentes voltados para o equilibrado desenvolvimento das
múltiplas dimensões da personalidade.

Certamente, essa transformação não ocorrerá de forma passiva. É necessário que ocorram os movimentos de
resistência para ‘ocupar o latifúndio do saber’ (lema dos movimentos sociais), uma vez que a universidade ainda é,
sem dúvida, um dos espaços públicos mais almejados pela elite burguesa e onde mais se percebe sua influência seja na
organização, no currículo, ou nas teorias que assumem, reveladas muitas vezes nos discursos,nas práticas e nas formas
de tratar os sujeitos pertencentes às classes populares.
Caldart (2010, p. 133) ao tratar da formação dos educadores e educadoras em nível superior aponta algumas
das possíveis tensões existentes:

O encontro entre a Educação do Campo e uma Licenciatura só pode ser tenso. Primeiro porque o
formato legal e institucional das Licenciaturas existentes no sistema educacional é expressão de uma
concepção de formação de educadores e de escola que diverge dos debates originários da Educação
do Campo e segundo porque os sujeitos envolvidos nesse encontro, movimentos sociais, governos e
universidades, não tem, em seu conjunto, os mesmos interesses e objetivos e nem a mesma dinâmica
de atuação, ou seja, se o curso mantiver sua proposta de origem ele encarnará as tensões e
contradições que estão hoje no conjunto da Educação do Campo, talvez agravadas pelas tensões
específicas do debate sobre formação de educadores que está no conjunto da sociedade.

Conscientes dessas tensões e mais ainda, da necessidade de avançar na luta pelo projeto de sociedade contra
hegemônico, os movimentos pressionam o governo, o que, para Arroyo (2012, pp. 292 e 293):

É de extrema relevância política que dos movimentos sociais venham pressões por educação, pelo
direito ao conhecimento, à cultura, à escola e à universidade, mas por outra concepção desses direitos
e por outra função social, política e cultura da escola e universidade públicas. Por outra escola
indígena, do campo, quilombola, das florestas. Por outros critérios de acesso e permanência nas
universidades.

Essa pressão, com certeza, vem obrigando as universidades públicas brasileiras a repensarem seu papel e
assumirem uma posição frente a esta e tantas outras demandas e desafios impostos na atualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
68

Com base nas questões apontadas ao longo do trabalho, foi possível perceber que as universidades encontram-
se na atualidade num momento crucial. Se por um lado, enquanto instituições sociais, reflete as características do
sistema hegemônico, por outro, em seu interior também refletem as tensões e contradições presentes a partir dos
diversos grupos que a compõem.
Dessa forma, o sistema capitalista neoliberal, ao reconhecer os lucros advindos da transformação da educação
superior em mercadoria de consumo, destinada aqueles que dela poderão usufruir por meio de pagamentos ou
financiamentos para tal, estimula a propagação de projetos de formação transnacionais, de universidades online, onde
estimula-se o estudo a distância, sendo o/a professor/a apenas um tutor. Nesse formato, instituições e profissionais que
delas fazem parte, vão abdicando do compromisso político de uma formação voltada a transformação social,
contribuindo apenas para a manutenção do status quo. A educação ofertada passa a comprometer-se apenas em formar
o sujeito com base nas exigências do mercado. Entretanto, considerado alguns exemplos que ‘facilitam’ ao máximo a
obtenção de diplomas, não estaríamos diante de mais uma estratégia de inclusão excludente?
Por outro lado, emergem na atualidade diferentes demandas dos movimentos sociais que se preocupam em
romper com a lógica neoliberal. Ao lutarem por formação escolar defendem a necessidade de ‘ocupar o latifúndio do
saber’, desde a educação até a pós-graduação e chegam a esses espaços conscientes de que não aceitam esse modelo
historicamente imposto, que serviu apenas para aumentar a exclusão social e o preconceito. Desse entendimento,
emergem as experiências que defendem outros projetos alternativos de educação e de sociedade, carregado de
símbolos, cores, sentidos e significados que apontam na direção da emancipação humana, da garantia de direitos e das
práticas de libertação.

REFERÊNCIAS

ARROYO,Miguel. Outros Sujeitos, Outras Pedagogias. Petrópolis – RJ: Vozes, 2012.


______. Reinventar e formar o profissional da educação básica. In: NOGUEIRA, P. H. de Q. MIRANDA, S. A.
de. Miguel Gonzáles Arroyo: Educador em diálogo com o nosso tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.
BRASIL. Ministério da Educação. Panorama da Educação do Campo. Brasília: INEP/MEC, 2007.
BRITO, Rosa Maria de Jesus. Formação superior de educadores do campo: Os cursos de licenciatura do Pronera
na UFPB. In: BATISTA, Maria do Socorro Xavier. (Org.). Movimentos sociais, Estado e políticas públicas em
educação do campo: pesquisas e práticas educativas. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011. p. 243-
272.
CALDART, Roseli Salete. (Org.) Caminhos para transformação da escola: Reflexões desde práticas da
Licenciatura em Educação do Campo. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
PIMENTA, Selma Garrido. ANASTASIOU, Léa das Graças Camargo. Do ensinar a ensinagem. In: PIMENTA,
Selma Garrido. ANASTASIOU, Léa das Graças Camargo. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002.
(Coleção Docência em Formação – Vol. 1).
REIS, Edmerson dos Santos. Educação do campo e desenvolvimento rural sustentável: avaliação de uma pratica
educativa. Juazeiro/ BA, 2004.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Universidade no Século XXI: Para uma reforma democrática e emancipatória
da Universidade. São Paulo: Cortez, 2004. (Coleção questões da nossa época – Vol. 120).
69

O TRATAMENTO DA ANÁLISE LINGUÍSTICA EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA


PORTUGUESA APROVADOS PELO PNLD/2011 e 2014
Taíza Ferreira de Souza Cavalcanti14
Karla Simone Beserra Cavalcanti15

RESUMO: Nesta pesquisa buscamos analisar como livros didáticos de língua portuguesa aprovados no PNLD/ 2011
e no PNLD/2014 têm tratado o eixo de ensino da análise linguística. Para a produção de dados utilizamos a pesquisa
documental, tendo como corpus de investigação as resenhas das coleções apresentadas no Guia de Livros Didáticos
referentes aos PNLDs/2011 e 2014. Para analisar os dados utilizamos a análise de conteúdo. Os resultados apontaram
que, embora a perspectiva transmissiva ainda se faça presente, o LDP tem buscado aderir às novas perspectivas de
ensino, com destaque para a presença de livros que contemplam um tratamento híbrido, isto é, em que se encontram
tanto a perspectiva transmissiva como a reflexiva, a depender do conteúdo explorado, bem como aquelas coleções que
já apostam numa abordagem predominantemente reflexiva como forma de explorar os conhecimentos linguísticos.
Palavras-chave: Ensino de Língua Portuguesa, Análise Linguística. Livros Didáticos de Língua Portuguesa, PNLD.

INTRODUÇÃO

O campo de estudos relacionado ao ensino de língua portuguesa tem sido foco de intensos debates,
questionando, por exemplo, os limites do ensino “tradicional” de gramática e a “nova” proposta de análise e
reflexão sobre a língua.
Essa “nova” perspectiva demanda que, ao invés de aulas compartimentadas de leitura, produção e
gramática, sejam propostas atividades que, além de articularem esses eixos de ensino, favoreçam a reflexão
sistematizada sobre o uso dos recursos normativos e textuais da língua, possibilitando melhor compreensão e
domínio do uso da linguagem em diversas situações comunicativas vivenciadas na escola e nos demais
ambientes sociais.
Essa mudança fez emergir a necessidade de documentos curriculares, professores e livros didáticos
de língua portuguesa (LDP) investirem em práticas de ensino menos transmissivas, priorizando, assim, um
viés mais reflexivo.
Diante do exposto, o presente trabalho objetiva analisar como o eixo da reflexão linguística vem
sendo tratado nos livros didáticos de língua portuguesa (LDP) dos anos finais do ensino fundamental,
tomando, como objeto de investigação, as resenhas dos livros didáticos constantes em dois Guias do Livro
Didático aprovados no PNLD/2011 e 2014. Consideramos que esse material nos fornecerá importantes
conhecimentos acerca da temática investigada, uma vez que esse catálogo apresenta um panorama geral de
como as obras didáticas estão se apropriando das atuais perspectivas de ensino.

14
Mestra em Educação Contemporânea Pela Universidade Federal de Pernambuco- UFPE/Centro Acadêmico do Agreste- CAA.
Professora de língua portuguesa da rede municipal de Buíque-PE, e-mail: taizinhafsc@hotmail.com/ taizafsc@gmail.com.
15
Mestra em Educação Contemporânea pela Universidade Federal de Pernambuco- UFPE/ Centro Acadêmico do Agreste-CAA.
Professora de Língua Portuguesa da rede estadual de Pernambuco, desenvolvendo, atualmente, atividades de formação de
professores do Ensino Fundamental – anos finais –, na Secretaria de Educação de Pernambuco. E-mail:
karlacavalcanti08@gmail.com
70

ENSINO DE LÍNGUA MATERNA E A PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA

O ensino de língua portuguesa, agora orientado pelo paradigma sociointeracionista, requer uma
mudança nas metodologias de ensino em relação aos modelos tradicionais, e, em contraposição a esses,
enfatiza a necessidade de práticas de análise linguística (AL), nas quais o estudante desenvolva um
conhecimento adequado acerca dos usos dos recursos linguísticos nas atividades de leitura, escrita ou
oralidade.
Sob essa ótica, Mendonça (1996, p. 204) observa que a

AL surge como alternativa complementar às práticas de leitura e produção de textos, dado que
possibilitaria a reflexão consciente sobre os fenômenos gramaticais e textual-discursivos que
perpassam os usos linguísticos, seja no momento de ler/escutar, de produzir textos ou de refletir sobre
os mesmos usos da língua.

Isso nos leva a compreender que a ideia de AL baseia-se na capacidade comum a todos os indivíduos de poder
refletir sobre a linguagem, o que seria fortalecido na escola a partir de atividades conscientes e sistemáticas de
reflexão sobre a língua. Em outros termos, o objetivo da escola seria propiciar aos alunos as condições necessárias
para que estes pudessem ampliar a capacidade de refletir sobre o que dizem e como dizem, estimulando a prática de
AL, em vez da memorização de nomenclaturas gramaticais.
No entanto, enfatizamos que essa prática não pretende excluir o ensino da gramática, visto que a AL “inclui
tanto o trabalho sobre questões tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do texto” (GERALDI,
1996, p.74).
Todavia, é importante compreender que o ensino da gramática não pode ser visto com um fim em si mesmo,
mas necessita realizar-se por meio de atividades que permitam reflexões acerca dos usos que constroem os sentidos do
texto.
Seguindo esses princípios, a AL busca tomar os aspectos normativos e textuais da língua como objetos de
reflexão coerente e sistematizada, de forma que o estudante compreenda os usos de determinados recursos, sejam eles
referentes à ortografia, concordância, regência, pontuação, coesão e coerência textual ou figura de linguagem, entre
outros, que são indispensáveis para a construção e entendimento dos enunciados (ANTUNES, 2009; MELO &
SILVA, 2007).
Nessa perspectiva, acreditamos que a escola constitui “o lugar privilegiado para se desenvolver
habilidades conscientes e sistemáticas de análise linguística” (SANTOS; ALBUQUERQUE; MENDONÇA,
2007, p. 123), o que justifica a realização de propostas de ensino pautadas na reflexão das formas reais de
uso da língua e na articulação da leitura, produção e AL, visando à ampliação de competências discursivas.

O LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA PORTUGUESA E O ENSINO DE AL

O livro didático de língua portuguesa (LDP) vem passando, ao longo dos anos, por inúmeros
questionamentos sobre sua validade e utilização nas situações de ensino, bem como por diversas mudanças,
71

influenciadas, principalmente, pelas discussões acadêmicas acerca da concepção de língua, ensino de língua
e pelas exigências do PNLD.
Ao se referir ao modo como os LDs estavam aderindo a essas mudanças, Marcuschi (2003) observou
que a maioria dos LDPs publicados até a década de 1990 não se preocupava em vincular o ensino da língua
materna às situações de uso cotidiano. Para esse estudioso, os livros tratavam a língua como se fosse
“desvinculada dos usuários, deslocada da realidade, semanticamente autônoma e a-histórica” (p.23).
É nesse contexto de críticas e de divergências entre os conteúdos apresentados nos livros didáticos e
os abordados em propostas curriculares, entre outros fatores, que o MEC iniciou, em 1995, o
desenvolvimento do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), objetivando submeter esses manuais a
um criterioso trabalho de análise e avaliação, a partir do qual é publicado um guia (Guia de Livros
Didáticos), que fornece uma descrição e análise acerca dos manuais avaliados, visando a auxiliar e orientar
os docentes na escolha do livro didático (ALBUQUERQUE; COUTINHO, 2006).
Nesse sentido, entendemos que, para que um livro didático de língua portuguesa seja recomendado
pela avaliação do PNLD, é necessário que o mesmo atenda aos critérios especificados para cada eixo do
ensino de língua portuguesa, que se baseiam, em muitos aspectos, nas discussões teóricas fomentadas,
principalmente, a partir da década de 80 do século passado. Em outras palavras, é critério de avaliação dos
livros didáticos a adequação das propostas dos eixos da leitura, produção textual e AL.

METODOLOGIA

Ao realizarmos esse estudo, utilizamos a análise documental, que, segundo Laville e Dione (1999),
possibilita que o pesquisador reúna, descreva e transcreva as informações contidas num documento, de
modo que possa selecionar aquelas que interessam ao estudo proposto. Para analisar os dados, utilizamos a
análise de conteúdo, “abordagem que tem por finalidade efetuar deduções lógicas e justificativas, referentes
à origem das mensagens tomadas em consideração” (BARDIN, 2011, p.48).
Para tanto, utilizamos como instrumento de coleta de dados, a pesquisa documental, a partir de um
corpus de 16 resenhas sobre as coleções didáticas de língua portuguesa – anos finais do ensino fundamental
– aprovadas no PNLD/2011 e 12 resenhas sobre as coleções didáticas de língua portuguesa – aprovadas no
PNLD/2014, nas quais focalizamos o tratamento didático dado ao eixo da AL. Eis as coleções cujas resenhas
foram analisadas:

Quadro 1: Coleções didáticas aprovadas nos PNLD/2011; PNLD/2014


PNLD/2011 PNLD/2014
A aventura da linguagem (Luiz Carlos
Travaglia; Maura Alves de Freitas Rocha; Vânia A Aventura da Linguagem (Luis Carlos
Maria Bernardes Arruda – Fernandes); Travaglia, Maura Alves de Freitas Rocha, Vania
Maria B. A. Fernandes)
72
Diálogo - Ed. renovada (Eliana Santos Beltrão;
Tereza Gordilho); Jornadas Port – Língua Portuguesa (Dileta
Antonieta Delmanto, Franklin de Matos, Laiz
Barbosa de Carvalho)
Linguagem e interação (Carlos Emilio Faraco;
Francisco Marto de Moura; José Hamilton Tecendo Linguagens (Tania Amaral Oliveira,
Maruxo Junior); Elizabeth Gavioli de Oliveira Silva, Cícero de
Oliveira Silva, Lucy Aparecida Melo Araújo);
Linguagem: criação e interação (Cássia Garcia
de Souza; Márcia Paganini Cavéquia); Para Viver Juntos– Língua Portuguesa (Greta
Marchetti,Cibele Lopresti Costa, Jairo J. Batista
Soares,Márcia Takeuchi)
Para ler o mundo – Língua Portuguesa (Graça
Sette; Maria Angela Paulino; Rozário Starling); Coleção Perspectiva: língua portuguesa
(Norma Discini, Lúcia Teixeira);
Para viver juntos – Língua Portuguesa (Ana
Elisa de Arruda Penteado, Cibele Lopresti Costa; Português Linguagens (Thereza Anália Cochar
Eliane Gouvêa Lousada Greta Marchetti; Jairo J. Magalhães, William Roberto Cereja);
Batista Soares; Mª Virgínia Scopacasa; Manuela
Prado/Mirella L. Cleto; Heidi Strecker);
Português - A arte da palavra (João Carlos
Rocha Campos; Flávio Nigro Rodrigues; Português nos Dias de Hoje (Carlos Emílio
Gabriela Rodella de Oliveira); Faraco, Francisco Marto de Moura)
Português - Ideias e linguagens (Dileta
Delmanto; Maria da Conceição Castro); Português: uma língua brasileira (Regina
Figueiredo Horta, Lígia Menna, Graça Proença)
Português - Uma proposta para o letramento
(Magda Soares); Projeto Teláris – Português (Vera Lúcia de
Carvalho Marchezi,Terezinha Costa Bertin, Ana
Maria Trinconi Borgatto);
Português Linguagens (William Roberto
Cereja; Thereza Cochar Magalhães); Singular & Plural – Leitura Produção e
Linguagem (Laura de Figueiredo, Marisa
Balthasar, Shirley Goulart)
Projeto ECO – Língua Portuguesa (Cristina
Soares de Lara Azeredo); Universos Língua Portuguesa (Rogério de
Araújo Ramos, Márcia Takeuchi)
Projeto RADIX (Ernani Terra; Floriana Toscano
Cavallete); Vontade de Saber Português (Tatiane
Brugnerotto, Rosemeire Alves)
Trabalhando com a linguagem (Givan Ferreira;
Isabel Cristina Cordeiro; Maria Aparecida
Almeida Kaster; Mary Marques);

Trajetórias da palavra (Celina Diaféria; Mayra


Pinto);

Tudo é linguagem (Ana Maria Trinconi


Borgatto; Terezinha Costa Hashimoto Bertin;
Vera Lúcia de Carvalho Marchezi);
Viva Português (Elizabeth Marques Campos;
Paula Cristina Cardoso; Silvia Letícia de
Andrade).

A partir dos dados coletados, realizamos os procedimentos de análise mediante a utilização da


análise de conteúdo temática categorial (BARDIN, 2011), seguindo as etapas de pré-análise, exploração do
73

material (codificação e categorização da informação) e tratamento dos resultados obtidos, inferência e


interpretação.
Inicialmente, buscamos identificar, com base nas resenhas do Guia do Livro Didático dos
PNLD/2011 e PNLD/2014, a abordagem utilizada pelos LDP no eixo da análise linguística. Tais resenhas
constituíam-se, estruturalmente, das seguintes seções: a) Visão Geral, b) Descrição da coleção16 c) Análise e
d) Em Sala de Aula.
Partindo dessas informações, procuramos agrupar as coleções em categorias distintas, de forma a
evidenciar a abordagem metodológica da obra, embora isso não signifique a presença de uma única
abordagem no tratamento da AL.

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A análise das resenhas das coleções de livros didáticos da área de língua portuguesa dos anos finais
do ensino fundamental, aprovadas nos PNLD/ 2011 e PNLD/2014, apontaram as seguintes categorias em
relação às abordagens metodológicas da AL: 1) coleções nas quais a abordagem dos conhecimentos
linguísticos é predominantemente transmissiva, seguindo as tendências tradicionais de ensino; 2) coleções
que apresentam um tratamento didático mais reflexivo do que transmissivo; 3) coleções que apresentam um
tratamento híbrido, ora adotando uma postura tradicional, ora optando pela reflexão. Eis a distribuição das
coleções por abordagem predominante:

Quadro 2 - Distribuição dos livros didáticos de língua portuguesa, segundo a abordagem utilizada no eixo da
análise linguística.
ABORDAGEM PNLD/2011 PNLD/2014
QUANT. % QUANT. %
Predominância da abordagem transmissiva. 6 37,5% 4 33,3%
Predominância da abordagem reflexiva 4 25% 5 41,6%
Tratamento híbrido – reflexão e transmissão 6 37,5% 3 25%
Total 16 100% 12 100%

Ao refletirmos sobre esses dados, percebemos que, em relação ao tratamento do eixo da AL,
aconteceram algumas mudanças entre o PNLD/2011 e o PNLD/2014, uma vez que o quantitativo de
coleções nas quais predominavam as tendências tradicionais de ensino foi reduzido de 37,5% (PNLD/2011)
para 33, 3% (PNLD/2014). Essa mudança de abordagem também é perceptível em relação às coleções que
adotavam tendências mais reflexivas: enquanto no PNLD/2011, havia um percentual de 25% de coleções
nas quais predominavam uma abordagem reflexiva, no PNLD/2014, esse percentual cresce, atingindo,
aproximadamente, 42% das coleções, no entanto, deve-se considerar que no PNLD/2011, o número de
coleções aprovadas – 16 – foi significativamente maior que no PNLD/2014 – 12 –, o que nos leva a

16
Esse item aparece só no Guia do PNLD 2014.
74

relativizar tais resultados. Mesmo assim, os dados dos dois PNLDs parecem indicar que os LDPs estão
passando por um processo gradativo de adesão às novas perspectivas de ensino, propondo, assim, um ensino
mais reflexivo que possa contribuir mais efetivamente para a formação linguística dos educandos.
Esse processo de reflexão e apropriação dos novos referenciais de ensino pode ser percebido se
considerarmos que há coleções aprovadas, tanto no PNLD/2011, quanto no PNLD/2014, que tratam os
conteúdos por meio de uma postura híbrida - que ora se orientam para a reflexão, ora para as práticas
tradicionais, o que pode sinalizar que mesmo a abordagem tradicional estando presente, entre essas coleções,
há uma intencionalidade de inovar no tratamento dos conteúdos, uma vez que a reflexão também é
recorrente.
A seguir, discutiremos mais detalhadamente cada uma das categorias identificadas na análise das
resenhas.

PREDOMINÂNCIA DA ABORDAGEM TRANSMISSIVA

As coleções didáticas categorizadas como predominantemente transmissivas apresentavam, segundo


os Guias do Livro Didático PNLD/2011 e PNLD/2014, grande investimento em conceituações e descrições
do sistema linguístico, apresentando, geralmente, dificuldades em promover articulação entre os eixos da
leitura, escrita e AL. Por isso, ao sugerir as atividades, por vezes, insistiam em práticas fragmentadas de
ensino, nas quais leitura, escrita e AL eram compreendidas como conhecimentos distintos.
Nesse sentido, as sugestões de atividades tendiam a priorizar a transmissão de regras, descrições,
principalmente, de conteúdos considerados da gramática tradicional, como a morfologia e a sintaxe. Tais
conteúdos eram explorados em longas explanações, destacando-se um excesso de nomenclaturas, com
atividades de reconhecimento, e classificação dos conceitos estudados em frases isoladas e/ou pequenos
textos, como podemos visualizar nos exemplos a seguir que foram extraídos das resenhas das coleções:

“As atividades enfatizam a descrição dos tópicos linguísticos, objetivando seu reconhecimento,
classificação e uso em frases ou pequenos textos” (p. 57-58).

“A abordagem adotada é predominantemente estrutural, na medida em que a coleção se ocupa de


detalhar o sistema da língua, descrevendo seus componentes morfológicos [...] e sintáticos [...] em
frases isoladas” (p. 62).

“A proposta dos conhecimentos linguísticos, numa abordagem transmissiva, focaliza principalmente a


estrutura da língua [...]. Predominam o uso do estilo expositivo autoral e o uso da metalinguagem,
tanto nas longas explicações que acompanham as propostas quanto nas próprias atividades”
(BRASIL, 2011, p. 93-94).

Quanto ao tratamento dos conteúdos, foi observado que as atividades privilegiaram, na maioria das
vezes, o estudo dos conceitos dos termos morfossintáticos, parecendo objetivar a fixação deles como
75

princípio para o aprendizado da norma linguística de maior prestígio, conforme podemos visualizar na
análise da coleção Tecendo Linguagens – PNLD/2014:

“No tratamento dos conhecimentos linguísticos, predominam atividades que levam à construção dos
conceitos gramaticais, e o recurso frequente a nomenclatura” (BRASIL, 2013, p.70).

No entanto, é importante ressaltar que, apesar de apresentar tais características, as coleções que se identificaram nessa
categoria, por vezes, apresentavam boa qualidade do material textual, e as atividades desenvolvidas por meio desse
material tendiam ao favorecimento da reflexão no tratamento dos aspectos referentes à textualidade.

PREDOMINÂNCIA DA ABORDAGEM REFLEXIVA

As coleções agrupadas nessa categoria apresentam um tratamento voltado para a análise e reflexão da
língua. As atividades focalizam tanto o nível da frase, como do texto e do discurso numa abordagem
funcional e reflexiva que contempla, por exemplo, conteúdos morfossintáticos, semânticos, textuais e
discursivos, visando à observação, análise e reflexão desses conteúdos, como pode ser visto nos seguintes
exemplos:

“As atividades contemplam progressão, complexidade e sistematização dos conhecimentos


linguísticos em abordagem que conjuga adequadamente as perspectivas estrutural, textual e
discursiva. Conduzir à reflexão constitui-se em marca saliente da coleção, que se preocupa em inserir
o aluno na prática de reflexão linguística a partir do uso situado da língua” (BRASIL 2011, p. 74).

“A coleção trabalha os objetos linguísticos de modo sistemático, com explicações claras, apoiadas em
seu funcionamento no texto. [...] O tratamento dado aos conhecimentos linguísticos é funcional e
reflexivo, apresentado com economia de conceitos” (BRASIL 2011, p. 92).

Procura levar o aluno a refletir sobre aspectos da língua relevantes tanto para o desenvolvimento da
proficiência em leitura e produção de textos quanto para a capacidade de análise de fenômenos
linguísticos e discursivos. (BRASIL, 2013, p. 80-81).

Nesse sentido, ressaltamos que as atividades, segundo as resenhas analisadas, pareciam propiciar ao
estudante um conhecimento mais produtivo sobre os tópicos referentes à concordância, pontuação, coesão,
coerência, semântica, entre outros, que são indispensáveis para a compreensão do funcionamento dos
enunciados, bem como para o melhor desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita.

TRATAMENTO HÍBRIDO – TRANSMISSÃO E REFLEXÃO

Nesta categoria, as coleções caracterizam-se por apresentarem, de forma mais nítida, um tratamento
ora transmissivo, ora reflexivo nos conteúdos de AL. Nesse sentido, convivem, nas coleções, oportunidades
76

de reflexão acerca do caráter funcional da língua e do texto, ao lado de transmissão de conteúdos, definições
e conceituações, seguindo os moldes da gramática tradicional.
Desse modo, as resenhas das coleções indicaram que elas têm buscado investir na adesão de novas
perspectivas, no entanto, não excluem as práticas tradicionais de ensino, e, nesse caso, tentam conciliar o
tratamento de ambas as abordagens, o que pode ser visualizado a seguir:

“A Aventura da Linguagem”: “Verifica-se que a coleção ora opta por uma explicação que parece
bastar-se por si mesma, ora se volta para a reflexão sobre as estratégias com que os conceitos são
propostos” (BRASIL, 2013, p.62).

“A exploração de conhecimentos linguísticos toma como objeto de ensino os níveis da frase, do texto
e do discurso, em perspectiva ora predominantemente transmissiva, ora analítica e reflexiva”
(BRASIL, 2011, p. 111).

Diante das informações expostas, compreendemos que o tratamento do ensino da AL ou


conhecimentos linguísticos, segue, nessa abordagem, perfil semelhante ao apontado nas pesquisas de Morais
e Silva (2011) e Aparício (2009), ou seja, ora os LDPs analisados apresentavam uma postura reflexiva, ora
um tratamento mais aproximado das abordagens tradicionais do ensino de língua. A opção por adotar um
tratamento híbrido sobre os conteúdos parece revelar que algumas coleções de LDPs estão, gradativamente,
se apropriando das perspectivas inovadoras de ensino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossos resultados parecem indicar que o tratamento mais transmissivo está associado à exposição de
conceitos, principalmente, dos conteúdos considerados tradicionais da gramática, como as classes de
palavras e as regras ortográficas, em atividades de reconhecimento e classificação.
O tratamento reflexivo, por sua vez, parece ter relação com os conteúdos que extrapolam a descrição
e a normatização gramatical, como os efeitos de sentido e as características dos gêneros textuais. Nesses
conteúdos, e, de uma forma geral, nas coleções predominantemente reflexivas, nota-se a presença maior de
atividades no nível textual e discursivo, contemplando aspectos de observação, análise e comparação.
Dessa forma, as coleções parecem inovar o ensino de análise linguística quando trabalham com
conteúdos mais relativos ao texto/gênero e à produção de sentido, numa abordagem reflexiva, mantendo um
ensino mais tradicional, quando se ocupam de descrever e conceituar o sistema da língua, numa abordagem
transmissiva, às vezes com pouco espaço para a reflexão, conforme indica a análise das resenhas do Guia.
Embora nossa pesquisa não tenha como objetivo analisar mudanças no ensino de AL, mas apenas o
tratamento didático desse eixo, semelhante aos resultados da pesquisa desenvolvida por Silva e Morais
77

(2011), nossos dados também parecem indicar um movimento de permanências e mudanças no tratamento
didático da AL nos livros didáticos do PNLD/2011 e PNLD/2014.
Contudo, se, por um lado, reconhecemos que algumas coleções didáticas estão esforçando-se para
adotarem, gradativamente, o viés reflexivo na abordagem dos conteúdos de ensino da língua portuguesa, o
que sugere a ocorrência de avanços em relação ao ensino, por outro lado, pressupomos que há autores de
LDPs que ainda resistem em aderir às novas perspectivas de ensino, provavelmente, porque não concordam
com as bases epistemológicas que as sustentam. Isso indica o quanto, ainda, é necessário refletir sobre as
contribuições que o ensino da AL pode proporcionar ao desenvolvimento linguístico dos estudantes no que
concerne às habilidades de leitura, escrita e oralidade.
E nesse sentido enfatizamos que se faz necessário o desenvolvimento de novos estudos sobre o modo
como os LDPs estão se apropriando das novas perspectivas de ensino, de forma que esses possam contribuir
para que professores, pesquisadores e avaliadores reflitam sobre a pertinência das atividades que estão sendo
sugeridas. Pressupomos que essa reflexão pode favorecer o desenvolvimento de atividades que contribuam
para efetivação de práticas mais exitosas de ensino e aprendizagem acerca do uso dos recursos normativos e
textuais oferecidos pela língua.

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, E. B. C. de; COUTINHO, 2006. M. L. Atividades de Leitura nos Livros Didáticos de


Língua Portuguesa. In: BARBOSA, M. L. F. de F. SOUZA, I. P. de.(Orgs) Práticas de Leitura e Escrita no
Ensino Fundamental. Belo Horizonte: Autêntica.
ANTUNES, Irandé, 2009. Língua Texto e Ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola Editorial,
BARDIN, L. 2011. Análise do Conteúdo. São Paulo, Edições 70.
BRASIL, Guia de Livros Didáticos PNLD 2014: 2013. Língua Portuguesa : ensino fundamental: anos finais.
– Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica.
BRASIL, Guia de Livros Didáticos PNLD 2014: 2010. Língua Portuguesa : ensino fundamental: anos finais.
– Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica.
GERALDI, J. W. Unidades Básicas do Ensino de Português. 2006. In Geraldi, J. W. (org). O Texto em Sala
de Aula e Ensino de Português. São Paulo: Ática.
LAVILLE, C.; DIONE, J. 1999. A Construção do Saber: manual de metodologia da pesquisa em
ciências humanas. Porto Alegre: Artmed; Belo Horizonte: Editora UFMG,

MELO, Kátia L. R. SILVA. A. 2007. Planejando o Ensino da Produção de Textos Escritos na Escola. In:
LEAL, T. F. BRANDÃO, A. C. P. Produção de Textos na Escola: reflexões e práticas no ensino
fundamental. 1 ed., 1 reimp. Belo Horizonte: Autêntica.
78

MENDONÇA, M. R. S. 2006. Análise Linguística no ensino médio: um novo olhar, outro objeto. In:
BUNZEN, M.; MENDONÇA, C. (Orgs.). Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo:
Parábola,.
MORAIS, A. G., SILVA, A. 2011. Entre Tradição e Inovação: O tratamento dado “ao ensino de
gramática” ou análise linguística m livros didáticos de íngua portuguesa. Revista Brasileira de
Educação vol. 24, nº 1. Portugal. pp. 119-144.
79

MOVIMENTOS SOCIAIS, DIVERSIDADE CULTURAL E CIDADANIA: UM


OLHAR SOCIOANTROPOLÓGICO PARA A EDUCAÇÃO
Katya Carvalho Alexandre17

RESUMO: Este artigo faz uma análise da culminância do projeto sobre Movimentos Sociais e Diversidade
cultural apresentado no III JOCUPE - Jornada Pedagógica do CESA – Cetro de Ensino Superior de
Arcoverde, realizada em 19 de maio de 2016, na qual se debateu sobre a importância de se haver nas escolas
um debate democrático e político que contemple a importância da luta das Diversidades Culturais a partir
dos Movimentos Sociais no Brasil. Tal debate se efetivou através de uma exposição temática com a
participação de alunos do primeiro período de pedagogia e de integrantes de movimentos sociais. Este
trabalho apresenta como problema norteador da pesquisa saber: “Qual é a importância de se trabalhar
movimentos sociais e diversidade cultural no campo educacional de ensino?” e teve como objetivo geral:
promover o debate envolvendo a relação entre Movimentos Sociais, Diversidade Cultural, Cidadania e
Educação, com alunos licenciandos do curso de pedagogia do ensino superior de modo a prepará-los a
trabalharem tais temáticas em suas escolas. Para referenciar o debate foram utilizados autores como
ARROYO, (1998), CANDAU (1997), CALDART (2001), CASTORIADIS (1992), FREIRE (1987),
GOHN, 1992 e 2003) e SANTOS (2003). A metodologia utilizada foi a bibliográfica, a de campo, através da
técnica da observação não participante e da culminância do projeto pedagógico. O resultado do projeto foi
analisado como positivo na formação de uma pedagogia cidadã e transformadora, capaz de associar o debate
teórico ao político e social no meio acadêmico.
Palavras – Chave: Diversidade Cultural. Movimentos Sociais. Educação.

INTRODUÇÃO

Este artigo é fruto de uma exposição realizada no III JOCUPE - Jornada Pedagógica do CESA –
Cetro de Ensino Superior de Arcoverde, realizada em 19 de maio de 2016, na qual se debateu sobre a
importância de se haver nas escolas um debate democrático e político que contemple a importância da luta
das Diversidades Culturais a partir dos Movimentos Sociais no Brasil. Tal debate se efetivou através de uma
exposição temática com a participação de alunos do primeiro período de pedagogia e de integrantes de
movimentos sociais.
Compreende‐se movimento social como “[...] ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e
cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e expressar suas demandas” (GOHN,
2003, p. 13).
Poder-se-ia indagar sobre o porquê se debater sobre os Movimentos Sociais no ensino superior,
especialmente no curso de licenciatura em pedagogia. A resposta é concisa. Os alunos de pedagogia
precisam ter uma formação ampla e também voltada para a questão política e social, afinal, irão futuramente
para o campo educativo no qual se depararão com situações escolares onde estarão presentes salas

17
Professora do CESA do curso de Pedagogia, mestre em sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE e
expositora do projeto Movimentos Sociais, Diversidade Cultural e Cidadania: um olhar socioantropológico para a educação.
80

heterogêneas, plurais, compostas por diversas realidades sociais, culturais, com diferenças étnicas,
econômicas, de gênero, religiosas, etc.
Por vezes, tais professores saem da formação acadêmica despreparados para lidarem com casos de
racismo, homofobia, sexismo, misoginia, intolerância religiosa, e todas as formas de discriminação que
porventura poderão ocorrem no espaço escolar, pois embora este ambiente devesse ser o espaço da inclusão,
sabe-se que na prática educativa, é justamente o espaço onde também ocorrem a reprodução dos
preconceitos.
Nesta perspectiva, é papel do educador tornar este ambiente um espaço democrático, inclusivo,
político e de constante diálogo e reflexão sobre essas questões, promovendo, de fato a prática da cidadania
uma questão concreta. É, portanto, papel da faculdade que forma este educador, prepará-lo para lidar com
situações referentes a diversidade cultural em sala de aula.

A relação movimento social e educação existe a partir das ações práticas de movimentos e grupos
sociais. Ocorre de duas formas: na interação dos movimentos em contato com instituições
educacionais, e no interior do próprio movimento social, dado o caráter educativo de suas ações. No
meio acadêmico, [...], o estudo dessa relação é relativamente recente. A junção dos dois termos tem se
constituído em “novidade” em algumas áreas, como na própria Educação – causando reações de
júbilo pelo reconhecimento em alguns, ou espanto e estranhamento – nas visões ainda conservadoras
de outros (GOHN, 2011, p. 333).

A faculdade, enquanto instituição de ensino superior, formadora de futuros formadores precisa ter o
compromisso social e político de dialogar sobre contribuição que os movimento sociais na sociedade
brasileira tiveram e tem nas demandas educacionais, entendidas como lutas por justiça social e direitos
humanos fundamentais a dignidade humana cidadã.
Este trabalho apresenta como problema norteador da pesquisa saber: “Qual é a importância de se
trabalhar movimentos sociais e diversidade cultural no campo educacional de ensino?”
Frente ao seguinte exposto, este trabalho apresenta o seguinte objetivo geral: promover o debate
envolvendo a relação entre Movimentos Sociais, Diversidade Cultural, Cidadania e Educação, com alunos
licenciandos do curso de pedagogia do ensino superior de modo a prepará-los a trabalharem tais temáticas
em suas escolas.
A escolha do tema se sustenta na hipótese de que não se pode formar um aluno preparado para lidar
com a diversidade escolar sem se debater a respeito destas questões nas instituições superiores de ensino.
Apoiando-nos em Sousa Santos (2003), entende-se a necessidade de uma orientação multicultural, nas
escolas e nos currículos, que se firme no diálogo entre políticas da igualdade e políticas da diferença. “As
versões emancipatórias do multiculturalismo baseiam-se no reconhecimento da diferença e do direito à
diferença e da coexistência ou construção de uma vida em comum além de diferenças de vários tipos”
(SANTOS, 2003, p. 33).
81

A RELAÇÃO ENRE A DIVERSIDADE CULTURAL, OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A


EDUCAÇÃO

É inegável que a construção da cidadania no Brasil se efetivou historicamente através de um


processo relacionado à capacidade de luta dos movimentos sociais e educacionais. Mas apesar de toda essa
luta, inclusive em prol da democracia e dos direitos das minorias, vive-se atualmente um momento delicado
no país no qual a sociedade passa por uma crise política, uma crise democrática e uma crise ética sem
precedentes, acalantada por escândalos de corrupção, discurso do ódio e intolerâncias com as minorias18,
ações estas que são refletidas dentro das escolas.
Por outro lado, as políticas orientadas pelo modelo neoliberal adotado no Brasil atacam os direitos
sociais e a escola pública a partir de estratégias privatizantes e métodos de ensino neotecnicistas,
subordinando os objetivos sociais e políticos do fazer escolar — voltados a formação do aluno cidadão —
aos objetivos da escola - empresa a partir de um paradigma de sociedade utilitarista, individualista e
competitiva cujo ensino se restringe a preparação do aluno para o escasso mercado de trabalho.
Nesse cenário, a ideia de meritocracia e o discurso do ódio direcionado ao “diferente” ou fora dos
padrões ditados como “normais” pelo sistema conservador elitista só tende a aumentar consideravelmente.
Da mesma forma, reforça-se o deturpado discurso de que os movimentos sociais são “desordeiros”,
“vagabundos”, “arruaceiros”, numa tentativa de deslegitimar a sua luta histórica.
O debate sobre cidadania, direitos humanos, diversidade cultural, cultura do estupro, políticas
públicas, direitos das minorias, sejam elas étnicas, de gênero, ou do campo, torna-se um grande desafio para
a escola atual que, ao mesmo tempo em que diz adotar uma política educacional pautada na inclusão, acaba
promovendo a exclusão em sua forma mais cruel e dantesca ao se omitir diante de atos cotidianos geradores
de discriminação, não promovendo espaço de diálogos e não assumindo o compromisso ético político da
escola.
A educação democrática a qual se entende hoje depois das garantias da LDB\96, prima por uma
escola inclusiva, democrática e voltada não só para a formação do aluno para o mercado de trabalho, como
também para a cidadania. Por isso, o caráter político está intrinsecamente ligado a escola, a sua luta histórica
por direitos sociais elementares, de modo que ela não pode fugir disso. Nesse aspecto, muito se deve a
organização e luta dos movimentos sociais, pois,

18
Pesquisa realizada em 501 escolas públicas do país, baseada em entrevistas com mais de 18,5 mil alunos, pais e mães, diretores,
professores e funcionários, revelou que 99,3% dessas pessoas demonstram algum tipo de preconceito étnico-racial,
socioeconômico, com pessoas com deficiência, gênero, orientação sexual ou territorial. Segundo a pesquisa Preconceito e
Discriminação no Ambiente Escolar, realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) a pedido do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), 96,5% dos entrevistados têm preconceito com relação a
portadores de necessidades especiais, 94,2% têm preconceito étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% de geração, 87,5%
socioeconômico, 87,3% com relação orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial. Fonte: Disponível em:
http://www.usp.br/espacoaberto/?p=4461. Acesso em: 05.04. 2016.
82
A educação ocupa um papel de destaque na dinâmica e no conjunto das reivindicações dos
movimentos sociais. Nas várias formas de lutas, sindicais, comunitárias, agrárias, culturais, dos novos
movimentos sociais, a educação faz parte das atividades. Sejam nas reivindicações por mais escolas,
por novas pedagogias e conteúdos curriculares, no desenvolvimento de atividades de formação de
seus participantes ou em campanhas de conscientização da sociedade, a educação ocupa uma posição
de grande importância (NASCIMENTO, 1999, p. 27).

Porém, é sabido que o projeto neoliberal, agora mais especificamente com o governo de Michel
Temer e do Ministro da Educação Mendonça Filho, compromete gravemente as conquistas democráticas e
direitos sociais conquistados com muita luta pelos movimentos sociais brasileiros, de modo que põem em
xeque as propostas do ideal democrático e o direito à educação de qualidade.
Por isso, torna-se urgente a elaboração de debates, reflexões e mobilizações nas faculdades de todo
país a respeito dos rumos da educação, especialmente nos cursos de licenciaturas em pedagogia.
É mister haver ainda a união entre a sociedade civil, órgãos não governamentais, movimentos
sociais, escolas e comunidades a fim de se repensar em um novo projeto socioeducacional baseado em
propostas alternativas que possam ser colocadas em prática com todo vigor e tenham poder de
enfrentamento do atual sistema imposto pelo governo neoliberal que estabeleceu a “época do conformismo
generalizado” (CASTORIADIS, 1992).
Passa a ser dever dos ambientes educacionais compreender a importância do fortalecimento da escola
pública para a luta pela democracia e a justiça social. Logo, é preciso estabelecer a construção de uma
relação dialógica entre a escola e os movimentos sociais, de modo que desse diálogo possa resultar uma
teoria pedagógica que, conforme Arroyo (1998, p. 138-165), “seja capaz de ressignificar a escola e superar
preconceitos em relação aos movimentos sociais”.
Não se pode mais se perceber a escola a parte das questões da sociedade. É preciso convidar para
debates dentro das próprias escolas os membros representantes da cultura local, das lideranças comunitárias,
dos militantes de movimentos sociais e das organizações populares. É preciso promover espaços para ouvir
sobre seus projetos, suas práticas, lutas e conquistas. A gestão democrática prevê a escola em diálogo com a
comunidade. Juntos podem pensar na possibilidade de um amplo movimento social pela redemocratização
da educação.

No contato com as escolas tenho percebido que a construção da visão e da prática de educação básica
universal que vem sendo construída com os modernos movimentos sociais, culturais e democráticos,
foi historicamente um processo lento e ainda bastante desfigurado na história de nossa formação
social. Nesse contato tenho me convencido que esta questão deveria merecer maior atenção e
sensibilidade de todos os pesquisadores e profissionais da educação (ARROYO,1998, p. 153).

Passa a ser dever ético do professor construir novas pedagogias, propor conteúdos curriculares que
valorizem e dialoguem com os movimentos sociais, a partir da diversidade cultural, propondo uma reflexão
sobre o respeito ao outro, facilitando o surgimento de autonomia do aluno. As experiências vivenciadas
pelos movimentos sociais necessitam ser socializadas nas escolas. Para Candau (1997), o campo da
83

educação não pode mais ignorar a realidade da globalização, exclusão social, multiculturalismo, raça,
diferentes manifestações culturais e outros.
A escola, enquanto uma instituição social necessita possibilitar uma “educação problematizadora”
dos conteúdos, onde se reconheça e vivencie a pluralidade étnica e cultural brasileira, impedindo que a
mesma seja um espaço de reprodução de formas de exclusão social, ou seja, a “educação problematizadora”
tem caráter reflexivo, propiciando a análise crítica da realidade social e pressupõe ação-reflexão,
distinguindo-se da “educação bancária” em que o professor apresenta os conteúdos aos alunos, impondo-
lhes um saber desprovido de reflexão (FREIRE, 1987, p. 70-71).
Neste sentido, a escola problematizadora seria também transformadora na medida em que prepara os
alunos para a vida social enquanto cidadãos críticos de sua realidade e sujeitos de sua própria história.
Caldart (2001) ao versar sobre a pedagogia do movimento, ratifica a percepção freiriana de que a
educabilidade do ser humano paira na sua “inconclusão”, no seu não condicionamento e na probabilidade
que ele tem de ser mais do que é. O autor entende a natureza humana a partir de um processo dinâmico,
constituindo-se social e historicamente.
Assim, cabe aos cursos de pedagogia preparar os futuros pedagogos para serem educadores que
promovam a problematização, o movimento, o diálogo e a reflexão em seus ambientes escolares, enquanto
agentes de uma educação transformadora, que não foge das questões sociais e da diversidade, mas ao
contrário, as convida para fazer parte do currículo escolar e dos debates em sala de aula. Nesse panorama a
relação entre educação e movimentos sociais é fundamental.
A educação, seja ela na formação fundamental, do ensino médio ou superior, deveria ter como meta
formar o cidadão holístico: politicamente, socialmente e culturalmente preparado para ser um educador ou
um homem digno, possibilitando que ele seja capaz de se identificar historicamente no meio em que vive e
perceber as diversas identidades.

METODOLOGIA

A Elaboração deste artigo se deteve primeiramente a partir de uma pesquisa teórica bibliográfica, na
qual os alunos do primeiro período de Pedagogia do CESA -– Cetro de Ensino Superior de Arcoverde na
disciplina de “Fundamentos Sociais e Antropológicos da Educação” puderam estudar os movimentos
sociais.

A pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente


de livros e artigos científicos. Embora em quase todos os estudos seja exigido algum tipo de trabalho
desta natureza, há pesquisas desenvolvidas exclusivamente a partir de fontes bibliográficas (GIL,
1994, p. 71).

Posteriormente foi elaborado junto com a turma um Projeto sobre o tema, de modo que este artigo já
representa o resultado do referido projeto que foi vivenciado no III Jocupe, Jornada Pedagógica do CESA.
84

Na prática, a turma foi dividida em grupo, referentes a cinco movimentos sociais: o Movimento
Negro; o MST – Movimento dos Sem Terra; o Movimento Indígena; o Movimento de Gênero e o
Movimento pela Paz.
Primeiramente foram debatidos todos os movimentos em sala de aula e posteriormente a turma cada
grupo ficou responsável por pesquisar uma bibliografia sobre o tema de seu respectivo movimento social e
desenvolver um Seminário Temático que foi apresentado em sala de aula. Esse trabalho se efetivou no
período de dois meses.
Os grupos responsáveis pelo movimento Indígena, do MST e Negro também fizeram pesquisa de
campo através de observações não participantes as comunidades locais. O grupo do movimento indígena
visitou na cidade de Buíque a comunidade dos kapinawa, (embora tenha vindo para a culminância do projeto
índios da comunidade Fulni-ô, de Águas Belas) e o grupo do Movimento MST visitou um assentamento
rural no município de Arcoverde- PE e o grupo do Movimento Negro visitou grupos culturais afro de
capoeiras e maracatu, de modo que os convidou a participar da apresentação do projeto.
Os demais, fizeram pesquisas documentais, bibliográficas em artigos, livros, leis, documentos
oficiais da UNESCO e ficaram responsáveis por trazer elementos da arte e artesanato e dos símbolos que
representam a luta dos movimentos sociais para a exposição.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para a realização da intervenção, foram trabalhadas atividades relacionadas diretamente com a


proposta final que gerou o projeto, e para isso essas ações foram construídas e vivenciadas seguindo uma
sistematização dessa proposta. Nessa perspectiva, foram ordenadas abordagens específicas de acordo com os
temas geradores: movimentos sociais, diversidade cultural e cidadania.
A culminância do projeto s efetivou através da organização da exposição dos grupos de movimentos
sociais a partir de standards contendo cada um uma mesa com materiais, artesanatos, bandeiras e símbolos
representativos de seus movimentos, alunos caracterizados e prontos para explicar o significado para o
público visitante do seu movimentos, suas lutas e seu caráter pedagógico.
A abertura se fez com a presença do grupo de capoeiras “Viver Capoeiras” da cidade de Arcoverde,
cedido pela Fundação Terra, que dançou para dar as boas-vindas aos convidados e apresentar a cultura
ancestral dos negros que utilizavam a dança como disfarce de luta durante o Brasil colonial que
escravizavam negros africanos. Em seguida, todos puderam visitar todos os grupos dos movimentos e
aprender sobre cada um deles através das explicações dos alunos. No encerramento, todos dançaram ao som
do Maracatu “Sinhá da Terra”, simbolizando o sincretismo religioso entre candomblé e catolicismo, através
da cultura afro.
Nesta perspectiva, assim organizou-se a culminância do projeto:
85

● O Movimento Negro abordou a luta contra a prática do racismo na escola, fez homenagens a
líderes negros, apresentou a Lei nº Lei 10.693/2003 que obriga a inclusão no currículo da temática “História
e cultura Afro-brasileira”, no conteúdo presente no parecer 003/2004 e na resolução no 1 de 17 de junho de
2004 do Conselho Nacional de Educação que institui as “Diretrizes curriculares nacionais para a educação
das relações etnicorraciais e para o ensino de História e cultura afro-brasileira e africana”. É bom lembrar
que o avanço na formulação dessas políticas se deve, em grande parte, pela pressão histórica de movimentos
sociais. E homenageou um antigo funcionário do CESA que era negro e participante do movimento negro
local, que havia morrido ano passado. Trouxe para expor artefatos de grupos quilombolas e artesanatos
simbolizando a cultura afro.
● O Movimento dos Índios focou especialmente nas comunidades indígenas de Pernambuco, os
xucurus de Pesqueira, os Funi-ô de Águas Belas e os Kapinawa de Buíque. Contou com artesanatos da
comunidade fuin-ô para expor e vender e com a presença de uma ex aluna indígena e que mora na
comunidade Funo-ô. Teoricamente, apresentou a Lei 10.639/2003 que sofreu uma alteração com a
promulgação da Lei 11.645/2008, que incluiu a história e a cultura indígena e fez um protesto contra o
genocídio ocorrido contra o povo Guarani – Kaiwoá e contra os Projetos de leis19 e emendas à Constituição
que tramitam no Congresso ameaçando, sobretudo, os seus direitos territoriais, tendo como foco a luta
contra a PEC 215 que dificulta a demarcação, como tenta rever terras já demarcada.
● O Movimento MST, (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) cujos alunos fizeram uma
pesquisa de campo conhecendo a realidade de acampamentos recentes perto da localização de Arcoverde;
além disso, foram expostos símbolos do movimento como a bandeira e utensílios da terra. O grupo mostrou
a história do movimento e apresentou dados O grupo mostrou que o MST está organizado em 24 estados nas
cinco regiões do país. No total, são cerca de 350 mil famílias que conquistaram a terra por meio da luta e da
organização dos trabalhadores rurais. Mesmo depois de assentadas, estas famílias permanecem organizadas
no MST, pois a conquista da terra é apenas o primeiro passo para a realização da Reforma Agrária. Também
mostrou a questão da educação dentro dos acampamentos e a escola dos sem terrinha.
● Movimento de Gênero, mostrou a importância da mulher na sociedade e falou sobre a Cultura do
Estupro e dos direitos dos grupos LGBTs e focou no protesto contra a Homofobia na sociedade e na escola,
cujos alunos pesquisaram sobre os índices de crimes e atos homofóbicos na escola. Levaram a bandeira do
movimento, símbolos e slides com depoimentos de pessoas vítimas de preconceito de gênero e homofobia.
Através de pesquisa documental o grupo mostrou que o Movimento Feminista e LGBT vem lutando para

19
Uma ofensiva promovida por deputados ligados ao agronegócio, por meio das Propostas de Emendas
Constitucionais números 038/99 e 215/00, que propõem transferir a atribuição da demarcação do Executivo para o
Legislativo, e a 237/13, que permite o arrendamento das terras indígenas para grandes produtores rurais. Também
contra o Projeto de Lei 1610/96, que permite a mineração em territórios demarcados, e do Projeto de Lei
Complementar 227/12, que legaliza latifúndios e assentamentos dentro das terras indígenas. O movimento indígena
também se diz pronto para se defender dos ataques do Executivo, com as Portarias 419/11 e303/12, que pretendem
estender a todo o Brasil as condicionantes definidas para a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, e o Decreto
7957/2013, que regulamenta a atuação da Força Nacional a prestar auxílio à realização de estudos sobre impactos
socioambientais.
86

que a homofobia e os homicídios em decorrência da vítima ser do sexo feminino sejam controlados pelo
país, com intenção de criminalizar ambos os atos. Mostraram que o feminicídio já foi qualificado na lista
dos crimes hediondos, um grande avanço para a atualidade, porém ainda é necessária a inclusão tanto de
transexuais como das travestis na lei que ampara o homicídio contra mulheres, sem distinguir o gênero; e
também a não criminalização da homofobia é ainda uma grande mancha de sangue na legislação brasileira.
Também fizeram uma caixinha para que os participantes respondessem uma pesquisa sobre o tema, cujo
resultado foi vivenciado em sala de aula e mostrou que a maioria já sofreu assedio ou presenciou um ato de
homofobia na escola.
● O Movimento pela Paz, o grupo pesquisou sobre os índices de violência na sociedade e na escola,
versou sobre os direitos humanos e focou no projeto da ONU chamado “Paz nas Escolas”. Levaram para
exposição imagens de celebridades que foram representantes dos Prêmios Nobel da Paz no mundo, falaram a
respeito de cada uma delas e expuseram símbolos que representava a paz. Se caracterizaram todos de
brancos e cantaram músicas de paz. Também expuseram o livro dos PCN’s Temas transversais de ética que
tratam de eixos temáticos que trabalhem os valores na sala de aula como: justiça, solidariedade, respeito
mútuo e diálogo.
Todos esses grupos fizeram a culminância do projeto através de estandes com exposições orais e
artesanais, arte e slides.
Os demais alunos puderam assistir através da visita de todos os standards onde os alunos
caracterizados, puderam falar sobre seus respectivos movimentos sociais. A duração da apresentação foi de
duas horas e foi realizada no dia 19 de novembro de 2016 no espaço cultural do CESA. A mensagem final
foi um pedido de respeito a diversidade humana, a valorização dos movimentos sociais e a luta contra toda
forma de discriminação e preconceito. Um pedido de justiça e paz e uma amostra que a educação pode ser
um caminho transformador para que isso se ralize.
O encerramento do evento se deu através da apresentação do maracatu e contou com grande número
de participantes do curso de pedagogia e demais licenciaturas.

CONCLUSÃO

Geralmente o ensino está envolvido numa cultura local e institucional que marginaliza experiências e
fragmenta conteúdos, numa lógica de aula tradicionalista e positivista. A culminância desse projeto
representou a superação dessa forma conservadora de ensino para os alunos de licenciatura em pedagogia do
CESA. Foi um momento diferenciado que provocou a discussão, o questionamento, a desacomodação e de
formação humana em perspectiva de uma pedagogia transformadora, pois entende-se que a formação e
qualificação do pedagogo precisa ultrapassar a competência técnica no meio acadêmico, expandindo a
qualificação do educador também para a formação para refletir e agir politicamente.
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Em termos de resultados para os alunos, percebeu-se que este projeto foi, na visão de todos,
fundamental para abrirem horizontes sobre a noção do que é educação, para quebrar tabus e preconceitos e
ampliar o olhar sobre a diversidade cultural em um espaço democrático de educação.
A riqueza de pesquisa realizada e vivenciada no projeto mostrou o caráter positivo em se sair do
panorama de aula tradicional e inovar os métodos de ensino através de projetos culturais, que envolvem
pesquisa, arte, debate, exposição e saber.
As ideias de diversidade cultural, movimentos sociais e construção da cidadania colocam-se
enquanto elementos principais na construção de alternativas democráticas para a formação do pedagogo, na
construção de políticas, pedagogias e conteúdos curriculares em que se dê visibilidade às diversas matrizes
sociais, culturais, políticas e étnicas constituintes da sociedade.
A formação do pedagogo não pode se limitar a conteúdos didáticos puro e simples, pois vive-se um
momento de luta pela redemocratização do país e o pedagogo terá papel fundamental nesse processo e
precisa estar preparado para agir enquanto pedagogo cidadão ativo e participativo na sociedade neoliberal
vigente. A sua formação será o seu diferencial nessa luta.

REFERÊNCIAS

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Cursos Pré-Vestibulares Populares. Orientadora: Prof ª Drª Maria Julieta Costa Calazans. Rio de Janeiro:
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), 1999. Dissertação de Mestrado em Educação.

SANTOS, B. S. Reconhecer para libertar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

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