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Acta Psicossomática, v. 2, n. 1, 2019, pp.

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PSICOSE E INVENÇÃO: APORTES TEÓRICOS E


CONCEITUAIS

Ivy França Carvalho; ¹Lucas Guilherme;


1

²Marina Alonso de Rezende Gripp; ³Bruna Pinto Martins Brito


¹Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

² Universidade Estácio de Sá

³ Universidade Federal Fluminense

Contato: ivyyfc@gmail.com

Resumo

O presente trabalho busca apontar questões teórico-conceituais a fim de provocar desdobramentos que nos
auxiliem a pensar a clínica da psicose como um espaço que possibilite a invenção, isto é, uma forma singular
do sujeito lidar com o Outro. Freud não considera a possibilidade de um tratamento para a psicose, visto que
estes pacientes somente investem uma transferência negativa em análise. Apesar disto, o autor traz impor-
tantes contribuições para a compreensão do mecanismo da psicose, principalmente, em seu caso Schreber.
Lacan aposta que não se deve recuar diante da psicose e que um tratamento lhes é possível a partir da consi-
deração de uma questão preliminar – a foraclusão do Nome-do-Pai. O autor nos indica certa insuficiência da
compensação imaginária para servir de apoio a falta deste significante primordial. A partir dessas elucubra-
ções teóricas, e considerando a premissa de um laço social precário na psicose, utilizamos a invenção con-
ceituada por Miller como aposta da clínica para ofertar ao sujeito um modo de criar para si uma possibilidade
de incluir-se no laço social.

Palavras-chaves: psicose, foraclusão, delírio, invenção.

PSYCHOSIS AND INTERVENTION: THEORETICAL AND CONCEPTUAL CONTRIBUTIONS

Abstract

The present work seeks to point out theoretical and conceptual issues in order to provoke unfolding that help
us to think the psychosis clinic as a space that makes possible the invention, that is a singular form of the sub-
ject dealing with the Other. Freud did not believe psychosis is treatable because psychotic patients were only
able to make negative transference during analysis. Despite so, the author brings important contributes to
our understanding on psychotic functioning mechanisms especially by addressing his findings with the case
Schreber. Lacan, however, believed in treating psychosis by facing a preambled issue: the Name-of-the-Father
foreclosure. The author indicates a certain insufficiency of imaginary compensation to support the lack of this
primordial signifier. Based on these theoretical elucubrations and considering the premise of a precarious so-
cial bond in psychosis, we use Miller’s concept of invention as a clinical path to offer the subject a way to create
a possibility to include himself in social bond.
Acta Psicossomática, v. 2, n. 1, 2019, pp. 40-52
Keywords: psychosis, foreclosure, delirium, invention.

PSICOSIS Y INVENCIÓN: CONTRIBUCIONES TEÓRICOS Y CONCEPTUALES

Resumen

El presente trabajo busca apuntar cuestiones teórico-conceptuales a fin de provocar desdoblamientos que
nos ayuden a pensar la clínica de la psicosis como un espacio que posibilite la invención, es decir, una forma
singular del sujeto de lidiar con el Otro. Freud no considera la posibilidad de un tratamiento para la psicosis, ya
que estos pacientes sólo invertir una transferencia negativa en análisis. A pesar de esto, el autor trae impor-
tantes contribuciones para la comprensión del mecanismo de la psicosis, principalmente, en su caso Schre-
ber. Lacan apuesta que no se debe retroceder ante la psicosis y que un tratamiento les es posible a partir de
la consideración de una cuestión preliminar - la foraclusión del Nombre del Padre. El autor nos indica cierta
insuficiencia de la compensación imaginaria para servir de apoyo a la falta de este significante primordial. A
partir de esas elucubraciones teóricas, y considerando la premisa de un lazo social precario en la psicosis,
utilizamos la invención conceptuada por Miller como apuesta de la clínica para ofrecer al sujeto un modo de
crear para sí una posibilidad de incluirse en el lazo social.

Palabras clave: psicosis, foraclusión , delirio, invención.

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Introdução te um lugar no laço social.

O presente trabalho busca pensar e apontar Com Schreber


algumas questões teórico-conceituais a partir das
contribuições primordiais de Freud e Lacan acer- O interesse de Freud a respeito da psicose
ca da constituição do sujeito psicótico. Deste modo, pode encontrar-se notoriamente a partir de seu estudo
apontaremos as elaborações desses autores em tor- da análise das “Memórias de um doente dos nervos” –
no de dois sujeitos: Schreber e o Homem dos Lobos. a autobiografia de Daniel Paul Schreber. Embora seja
Adiante, tomaremos a construção do termo “invenção importante destacar seus rascunhos, em torno do ano
psicótica” de Jacques Alain-Miller, a fim de que este de 1985, acerca das psiconeuroses de defesa. Em
conceito oriente-nos a pensar a clínica psicanalítica sua análise sobre Schreber, o autor demonstra um
como um espaço que possibilite a invenção, isto é, a olhar diferenciado, que o distancia daquele que era
construção de uma forma singular do sujeito lidar com compreendido pela psiquiatria da época a respeito do
o Outro. delírio psicótico, fornecendo assim uma importante
Freud, ao tratar em “Artigos sobre a técnica” contribuição ao entendimento da psicose e da cons-
(1911-13) a respeito das condições e possíveis orien- trução delirante.
tações quanto à clínica psicanalítica, situa a transfe- Em seu texto autobiográfico, Schreber
rência como uma ferramenta indispensável e ponto (1903/2007) escreve que o aparecimento de seus
crucial para o início do tratamento. Entretanto, ao distúrbios de nervos ocorre em dois momentos. O
postular que os sujeitos psicóticos somente investem primeiro momento é devido a sua candidatura como
uma transferência negativa em análise, Freud consi- Reichstag em Cheminitz, e o segundo, quando assu-
dera uma impossibilidade do tratamento psicanalítico miu seus deveres como “Presidente do Senado” em
a estes. É importante destacar, portanto, que o autor Dresden. Acerca de sua primeira doença no outono
não fala da inexistência de transferência e sim, apon- de 1884, Schreber descreve sua doença como uma
ta-a, nos casos de psicose, como um obstáculo ao crise hipocondríaca. Lacan (1958/1999) destaca com
tratamento. importância este momento em que antecede a ocor-
Embora estabeleça este impasse ao trata- rência do adoecimento de Schreber. Segundo o au-
mento, Freud traz importantes contribuições para a tor, nessas duas ocasiões, Schreber é convocado a
compreensão do mecanismo da psicose. Na obra lançar mão do significante fálico, que, entretanto, não
freudiana podemos notar que ele distingue a psicose possui.
do mecanismo da neurose, principalmente nas elabo- Posteriormente à época de sua enfermidade,
rações a respeito de Schreber (1911) e também em restabeleceu-se se na ocorrência de outros inciden-
algumas considerações a respeito do caso “Homem tes. Entre esses dois períodos, Freud (1911) destaca
dos Lobos” (1918). a ocorrência de um pensamento, que fora rejeitado
Lacan, por sua vez, insiste que uma clínica por Schreber com bastante indignação, “Afinal de
da psicose é possível, sob a condição de considerar contas deve ser realmente muito bom ser mulher e
uma “questão preliminar”. Para se compreender tal submeter-se ao ato da cópula” (Schreber, 1903/2007,
questão, retomaremos brevemente as contribuições p. 45).
de Lacan sobre a constituição do sujeito que nos au- No segundo adoecimento, no relatório de sua
xiliará a investigar o mecanismo da foraclusão como internação, aparecia um grau de hiperestesia, ideias
condição específica da psicose. hipocondríacas e ideias de perseguição; acreditava
Ao tomarmos a foraclusão do Nome-do-Pai estar morto e em decomposição. Segundo Schreber,
como questão preliminar, compreendemos que o su- todos esses horrores eram devido ao intuito sagrado
jeito busca outros modos de compensar a ausência a que fora submetido e que suas ideias delirantes já
deste significante primordial. Frente a isso, podemos assumiam. Dentre as ideias persecutórias, o médico
situar as possibilidades de tratamento na psicose a Flechsig ocupava um lugar destacado a quem cha-
fim de que a clínica possa sustentar uma construção mava de “assassino da alma”.
singular do sujeito, isto é, uma invenção que possibili- No Relatório de 1899 do Dr. Weber, consta

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que Schreber apresentava uma engenhosa estrutura e sua relação favorecida com Deus. Estas atitudes,
delirante e que não apresentava sinais de confusão entretanto, veem-se vinculadas com a posição femi-
mental ou inibição psíquica, nem mesmo prejuízos nina para com Deus que Schreber deve adotar.
em sua inteligência ou memória. As questões aponta- Para Freud, durante o período da doença de
das pelo médico são interessantes, visto que ele dis- Schreber, o mundo – tal como este o percebe – ha-
tanciava do caráter de uma debilidade, ideia essa que via chegado ao fim e a partir de agora, ele enxergava
Freud concorda ao analisar a obra de Schreber. diante de si um mundo diferente. O autor aponta, por-
Na construção delirante de Schreber, ele ti- tanto, que tal percepção de uma catástrofe mundial
nha a missão de redimir o mundo e restituir o estado pode ser frequente em alguns casos da paranoia. O
perdido de beatitude. Entretanto, para isso, deveria fim do mundo torna-se então uma projeção interna do
transformar-se em mulher. A transformação em mu- mundo subjetivo que chegou ao fim. É a partir disso,
lher não se supõe a partir de um desejo de Schreber, que Freud posiciona o lugar do delírio como uma re-
mas encontra lugar de destaque no delírio de Schre- organização do mundo subjetivo dos psicóticos e, de
ber, já que nota um dever da Ordem das Coisas para modo específico, na paranoia de Schreber:
cumprir sua missão redentora. A Ordem das Coisas E o paranoico o reconstrói, claro que não mais
exige imperativamente essa transformação, em que esplêndido, mas ao menos de modo que possa
seria fecundado por raios divinos para que fosse cria- voltar a viver dentro dele. Edifica-o novamen-
da uma nova raça de homens. É importante destacar te, mediante o trabalho de seu delírio. O que
nesse sentido, a própria afirmação de Schreber, em nós consideramos uma produção patológica, a
que essa transformação não abre nenhuma possibili- formação delirante, é, em realidade, uma inten-
dade de opor-se a esta exigência. Escreve Schreber: ção de restabelecimento, uma reconstrução.
Agora, contudo, dei-me claramente conta de (Freud, 1911/1986, p. 65, tradução nossa).
que a Ordem das Coisas exigia imperativamen- O delírio psicótico é tomado, por Freud, como
te a minha emasculação, gostasse ou não disso uma tentativa de cura da ruptura psíquica presente
pessoalmente, e que nenhum caminho razoável no sujeito psicótico. Compreendendo assim, uma pri-
se abre para mim exceto reconciliar-me com o meira aproximação em Freud a considerar o delírio
pensamento de ser transformado em mulher. A como uma solução a psicose, isto é, uma forma de
outra consequência de minha emasculação, na- estabilização. Com Miller (2003), podemos olhar para
turalmente, só poderia ser a minha fecundação a reconstrução de Schreber como uma invenção que
por raios divinos, a fim de que uma nova raça de incide no laço social, a fim de criar uma relação com o
homens pudesse ser criada (1903/2007, p. 50) Outro.
Ao analisarmos as memórias de Schreber, Em “Neurose e psicose” (1924), Freud desta-
a partir de Freud e Lacan, podemos perceber que ca que, nas psicoses, há uma perturbação da relação
falta algo que possibilite a abertura de uma hiância entre o eu e o mundo exterior, resultando numa perda
que se opunha à essa transformação. Com Lacan da participação da realidade. Portanto, o Eu cria para
(1958/1999), podemos nos referir aqui, a falta de um si um novo mundo exterior e interior, de acordo com o
significante primordial, o Nome-do-Pai que possibilite desejo do Isso. O delírio é apontado por Freud como
fazer uma barra à esta exigência de gozo da Ordem um remendo situado na fissura, e podemos dizer, num
das coisas. Portanto, o Deus Schreberiano é a ima- buraco existente na relação entre o Eu e o mundo ex-
gem de um pai gozador, do qual ele não tem nenhuma terior. Nesse sentido, Miller (2003, p. 12) destaca que
barra para lançar mão. “o delírio é uma invenção de sentido”
Schreber assume uma atitude feminina, assu- Tal como retomaremos adiante, em torno dos
mindo o lugar como esposa de Deus, “sou uma mu- anos 1956, o delírio será considerado uma forma pri-
lher a deleitar-se com sensações voluptuosas” (1903, vilegiada por Lacan, a compreender o movimento do
p. 281), do qual “Deus exige um estado constante de sujeito psicótico em velar o vazio deixado pela não
prazer” (Schreber, 1903, p. 283). Desse modo, Freud inscrição da metáfora paterna. Além de alguns tex-
(1911/1986) destaca que os elementos principais do tos primordiais de Freud a respeito da psicose, que-
delírio de Schreber são sua transformação em mulher remos retomar aqui, as elaborações do autor em seu

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trabalho intitulado “História de uma neurose infantil” O menino é então tomado por um grande pavor de ser
(1918), de modo a compreender o que ele pode nos devorado, acorda aterrorizado e corre para a cama da
ensinar acerca da clínica da psicose. babá.
Freud estabelece uma riquíssima interpreta-
Os impasses no tratamento do “Homem dos Lo- ção a este sonho, separando seus elementos e alu-
bos” e suas estabilizações dindo a histórias infantis que dispõe de um conteúdo
similar. Entretanto, gostaríamos de destacar sobre
O caso do Homem dos Lobos ocupa um es- este sonho a questão que parece central quanto a
paço importante nas elaborações de Freud e sua re- castração. Segundo Freud, era Natal no sonho e o
levância no movimento psicanalítico. Decerto, sendo conteúdo mostrava a distribuição de presentes; en-
escrito em 1914, mas somente publicado em 1918, tretanto, em vez de presentes na árvore, há lobos, e
este caso clínico de Freud traz questões ao autor até o sonho finda-se com o medo de ser devorado pelo
o final de sua obra. De modo que, em Análise Termi- lobo, ou seja, pelo pai. Freud é aqui bastante preciso,
nável e Interminável (1914) retomará a problemática mostrando que a relação do pai do Homem dos Lobos
do limite de tempo que impôs a esse caso. E ainda, aproxima-se mais da presença do Deus terrível e go-
em seu último artigo de 1939, a respeito do mecanis- zador Schreberiano, isto é, a figura do pai na psicose,
mo do Ichspaltung, ou seja, sobre a cisão do eu. do que aquele pai da dívida obsessiva presente em o
O caso atém-se à questão da neurose infantil, Homem dos Ratos.
que será descrita por Freud quinze anos após o seu Freud sustenta a hipótese que num dia de ve-
fim. Um jovem de 18 anos que adoeceu gravemen- rão, ao acordar de uma sesta vespertina, ele testemu-
te após uma infecção gonorreica, iniciando assim, o nha o ato sexual anal pelos pais, repetido três vezes
tratamento psicanalítico; algum ano mais tarde tor- em que ele pode ver os genitais da mãe e o órgão
na-se totalmente incapacitado e dependente. Antes do pai. Destaca que o conteúdo essencial desta cena
dos quatro anos de idade apresentava uma histeria primária são as posições em que os pais adotam: a
de angústia (zoofobia) que se transformou numa neu- posição erguida do homem e a curvada da mulher,
rose obsessiva de conteúdo religioso. Como destaca como os animais. Freud ressalta que na fobia dos lo-
Aflalo (2011), é a partir do caso do Homem dos Lobos bos, o pai e a mãe tornam-se lobos, mas o medo refe-
que Freud inverte a causalidade entre castração e re-se apenas ao lobo erguido, ou seja, o pai. A partir
sintoma, ao apontar que a neurose infantil mostra que desta conceituação, podemos então compreender
é a angústia de castração que produz o recalque. que frente à cena dos pais copulando, o Homem dos
Neste texto, Freud busca entender a neurose Lobos produz o sonho como uma forma de inventar
obsessiva de um homem que inicialmente era uma um sentido para aquela cena por demais invasiva e
criança tranquila e com grande afeição pelo pai. En- angustiante para ele.
tretanto, esta tranquilidade fora rompida quando não Freud destaca, portanto, que ao identificar-
recebeu no Natal a quantidade de presentes que es- -se com a mãe, no sonho a reconhece castrada - a
tava acostumado, e após este fato, relata uma série castração é, portanto, a condição para a feminilidade.
de incidentes que o deixavam fora do prumo. Poste- Ao eleger o ânus em detrimento do reconhecimento
riormente, sua relação com seu pai se modificou após da vagina, o menino busca contradizer a castração
um estranhamento entre eles. Seu pai demonstrava e apontar que o ânus é o lugar da relação sexual; há
uma preferência por sua irmã mais velha e ele se então uma recusa à castração, o que também aponta
sentia desprezado; o que mais tarde foi determinante para a foraclusão. Com o sonho, a teoria cloacal é
para o medo que sentia do pai. posta em dúvida e aproximava acerca do reconheci-
Um sonho é marcado com certa imprecisão mento da diferença sexual e do papel sexual da mu-
por Serguei, entre três e no máximo cinco anos. Era lher.
inverno no sonho e a janela se abre sozinha, quan- Com esta união pelo ânus, ele rejeita a cas-
do ele vê diante da mesma seis ou sete lobos bran- tração no sentido de uma verwerfung, destaca Freud,
cos sentados numa grande nogueira; tinham caudas ele não quis saber nada dela seguindo o sentido do
grandes e estavam com as orelhas em pé, como cães. recalque. Como Freud destacará posteriormente em

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1925, o recalque é uma negação, mas no sentido em Lacan, será a conceitualização da foraclusão.
que houve uma afirmação anterior, primeira, ou seja, Embora este caso seja intitulado a partir da
foi aceito pelo sujeito a castração. Desta forma, sua fobia que o paciente relata nas primeiras cenas da
identificação com as mulheres passava pela zona infância, Freud não o relaciona à sua análise de fo-
anal, o que embasava sua atitude homossexual e bia realizada anteriormente, mas faz uma aproxima-
passiva com os homens. ção do presente caso com o do paranoico Schreber.
Freud destaca aqui uma importante distinção Schreber era um paranoico e seu delírio era de ser a
a que nosso trabalho se atém. Ao apontar que coexis- mulher de Deus e, ter assim a missão de gerar seus
tem no Homem dos Lobos a angústia da castração e a filhos; além de haver uma submissão marcante deste
identificação com a mulher, o que aparece como uma com seu pai. Sendo assim, esta aproximação se sus-
contradição. Entretanto, o que ocorre neste caso não tenta pelo fato de ambos os casos serem marcados
é um recalque como efeito da castração realizada, por uma renúncia à própria masculinidade, em prol de
mas um outro processo de defesa, uma rejeição no ser amado tal qual uma mulher. A partir dessas iden-
sentido de uma verwerfung, que como destaca Freud, tificações do sujeito com a posição feminina, Aflalo
é algo muito diferente de um recalque [verdrangung]. sustenta que elas “dão lugar a um Outro não castra-
Freud ressalta, “O processo inteiro torna-se assim do” (2011, p. 88).
melhor característico de modo em que o inconscien- Aflalo (2011, p. 95) ao pensar a respeito da
te trabalha. Um recalque [verdrängung] é algo dife- feminilização nestes dois casos, aponta que no caso
rente de uma rejeição [verwerfung]” (FREUD, 1918 de Schreber,
[1914]/1986, p. 74, tradução nossa). a recusa da castração é radical. Ela o deixa num
É nesta rejeição da castração, que aparecerá empuxo-à-mulher, ao passo que, para o segun-
aos cinco anos a alucinação do dedo cortado. O me- do [o caso do Homem dos Lobos], a recusa está
nino brincava no jardim com a babá e com o canivete secundariamente modalizada. O sujeito pode
ele fazia um corte na casca de uma das nogueiras então se feminilizar e se tornar mãe. Podería-
que aparece no sonho. De repente, é tomado por um mos dizer que o empuxo-à-mulher, a feminiliza-
pavor que havia cortado o dedo mínimo da mão, en- ção e a mãe formam uma série homogênea de
tretanto não sentia nenhuma dor e angústia. O dedo tentativas de cura na psicose.
estava preso somente pela pele. Incapaz de olhar Ao tratar a feminilização, no caso do Homem
para o corte, para aquilo que dava ao menino notícias dos Lobos como uma tentativa de cura, Aflalo (2011),
da castração, ele se tranquiliza, e vê que o dedo está nos auxilia pensar, que no referente caso, a feminili-
ileso. Destaca Freud, zação pode funcionar como uma forma de compen-
Já nos é conhecido a atitude inicial de nosso sação na psicose, ou seja, trata-se da constituição de
paciente frente ao problema da castração. Ele uma forma estabilizadora à falta da castração. Freud
a rejeitou [verwerfung] e se ateve ao ponto de (1918/1989, p. 91) a define nos seguintes termos: “afi-
visto da união pelo ânus. Ao dizer que a rejeitou nal, seriam encontradas nele, lado a lado, duas cor-
[verwerfung], o significado mais imediato des- rentes contrárias, das quais uma abominava a idéia
ta expressão é que não quis saber nada dela de castração, ao passo que a outra estava preparada
seguindo o sentido do recalque [verdrägung]” para aceitá-la e consolar-se com a feminilidade, como
(1918 [1914]/1986, p. 78, tradução nossa). uma compensação”, ou como um substituto, tal como
Neste texto, Freud fará uma importante dis- o podemos encontrar em demais traduções.
tinção entre Verwerfung e Verdrängung, realizando Desse modo, como ressalta o próprio Lacan (1955-
um importante acréscimo ao termo Verwerfung ao 6/2010), não há em Freud uma elaboração ou um
associá-lo a um “como se não existisse” a castração. tratamento da psicose. Entretanto, as construções e
Comumente, no alemão, pertence ao verbo verleug- estabilizações realizadas em ambos os casos, permi-
nen o significado de “negar a existência da evidên- te-nos, a partir de Lacan, compreender um tratamento
cia” (Hanns, 1996, p. 374). Como veremos adiante, possível da psicose e o lugar da clínica psicanalítica
este relato clínico e a utilização do termo verwerfung como um espaço de estabilização na psicose e suas
trouxe considerações muito importantes ao que, com invenções frente ao Outro.

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seus objetos. O eu, como ressaltamos anteriormente,
A foraclusão do Nome-do-Pai como questão pre- é essa superfície refletida na relação com os objetos
liminar especulares. O lugar do A (Autre), é onde pode ser
formulada a questão de sua existência, e que estrutu-
Ao longo do ensino de Jacques Lacan, pode- ra todo o esquema: ele é o sustentáculo para que haja
mos notar um enorme interesse no que concerne a a relação do Sujeito com o outro, a diagonal imaginá-
questão da psicose. “Da psicose paranoica e suas ria do eu e seus objetos, e o retorno do Outro em sua
relações com a personalidade” (1932), sua tese de mensagem invertida direcionada ao Sujeito. O Outro
doutorado, demonstra sua dedicação a esta temática fornece sustentáculo para que todas estas relações
e suas primeiras aproximações no campo da psica- se fixem.
nálise. Perpassando por importantes momentos em Lacan retoma a leitura do complexo de Édipo
sua obra, dedica-se especificamente a esta questão freudiano, a fim de sustentar essa estrutura e situar
nos anos de 1955-6, em seu seminário sobre “As psi- ali os três significantes (mãe – criança – falo), onde
coses” e nos anos de 1975-6 sobre “Joyce, o sintho- se pode também identificar o Outro. A fórmula da me-
ma”. táfora paterna visa uma substituição significante, ou
Desse modo, Lacan aponta no início deste se- seja, substituir o desejo da mãe. Segundo Lacan, a
minário do biênio de 1955 e 1956, que o tratamento metáfora do Nome-do-Pai insere-se no lugar anterior-
das psicoses somente se torna possível, ao tomá-lo mente simbolizado pela ausência da mãe. O Nome-
como uma questão. Como destaca o autor, se em -do-Pai, enquanto um segundo significante (S2) vem
Freud, a questão das psicoses é uma impossibilidade substituir o significante do desejo da mãe (S1).
de tratamento, é preciso, a partir da leitura freudiana, O Nome-do-Pai diz então de uma lei que é in-
estabelecer um mecanismo específico da psicose, dispensável para que haja a constituição do sujeito.
que seja tomado como uma questão preliminar ao tra- Lacan esclarece que “Aqui chamamos de lei aquilo
tamento. que se articula propriamente no nível do significante,
Para conceituar a foraclusão enquanto meca- ou seja, o texto da lei” (Lacan, 1958/1998, p. 152). O
nismo específico da psicose, Lacan atenta-se para o fato de o texto da lei encontrar-se como significante
termo verwerfung encontrado na obra de Freud. Em- decorre do que Lacan denominou de Nome-do-Pai,
bora, nos textos freudianos tal termo não se eleve a um pai simbólico: “Esse é um termo que subsiste no
estatura de um conceito, Lacan aponta como no rela- nível do significante, que, no Outro como sede da lei,
to original em alemão do caso do “Homem dos Lobos” representa o Outro. É o significante que dá esteio à
(1918), a palavra verwerfung aparece como recusa lei, que promulga a lei. Esse é o Outro do Outro” (La-
da castração. Lacan concede-nos uma definição pre- can, 1957-1958/1999, p. 152).
cisa da verwerfung, referindo-se à foraclusão de um O pai é tomado por Lacan como aquele que
significante primordial como o mecanismo da psico- através de sua presença transmite o falo, enquanto
se. Na verwerfung, “trata-se da rejeição de um sig- um significante da ausência no Outro. A entrada do
nificante primordial em trevas exteriores, significante Nome-do-Pai situa o significante fálico como aquilo
que faltará desde então nesse nível. [...] Trata-se de que falta ao Outro materno, tornando-o inconsciente.
um processo primitivo, que não é o dentro do corpo, Portanto, o pai enquanto portador do falo vem res-
mas aquele de um primeiro corpo de significante”. ponder à falta enigmática do desejo da mãe. Devido
(Lacan, 1955-6/2010, p. 178). à intervenção paterna, a criança pode nomear a au-
É em seu mais importante texto sobre a psi- sência da mãe referindo-se à presença desta junto
cose, “De uma questão preliminar a todo tratamento a um terceiro, ou seja, o pai simbólico. O falo é, por-
possível da psicose” (1958/1998), que Lacan apro- tanto, o significante que internamente estabelece as
fundará em tal termo para ser referir à carência e a um conexões do sujeito na estrutura. Significação esta
furo onde deveria inscrever-se a função paterna. que “deve ser evocada no imaginário do sujeito pela
Para pensar a constituição do Sujeito, Lacan esta- metáfora paterna” (1958/1998, p. 563)..
belece o Esquema L. Nesse esquema, lemos que o Na ausência deste significante primordial, não
Sujeito em sua relação com o outro (autre) constitui o mediado pelo significante fálico, o sujeito é invadido e
seu eu, como aquilo que reflete de sua relação com dilacerado, chegando à imagem deste sujeito morto,
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tal como o vemos na psicose. A carência do Nome- Apoiando-se na leitura freudiana e avançando
-do-Pai em seu efeito metafórico provoca um furo no com ela, e também opondo-se a estas formulações de
lugar da significação fálica. Este furo, portanto, é pre- outras analistas, Lacan apontará, de forma imprescin-
enchido por elementos imaginários até que possam dível, que a possibilidade do tratamento na psicose só
alcançar o nível de uma metáfora delirante que possi- pode se realizar, a partir da consideração da foraclu-
bilite ao sujeito uma compensação. É nesse sentido, são do Nome-do-Pai como questão preliminar, como
que pretendemos articular e avançar neste trabalho já destacamos anteriormente.
apontando para as possibilidades de invenção do su- Apoiando-se na leitura freudiana e avançando
jeito psicótico. com ela, e também opondo-se a estas formulações de
outras analistas, Lacan apontará, de forma imprescin-
Da ausência de um significante as invenções sin- dível, que a possibilidade do tratamento na psicose só
gulares do sujeito pode se realizar, a partir da consideração da foraclu-
são do Nome-do-Pai como questão preliminar, como
Laurent (1991) ao retomar o percurso de Jacques já destacamos anteriormente.
Lacan acerca do seu ensinamento a respeito das No ano de 1976, em “Joyce, o sinthoma”,
psicoses, aponta principalmente quanto a inovação como bem sabemos, Lacan empreende uma nova
operada por Lacan, em suas primeiras formulações, leitura a respeito das psicoses e surge uma maneira
desde sua tese em psiquiatria em 1932, perpassando completamente diferente na consideração sobre as
alguns textos até o momento em que desenvolve seu formas de estabilização desta. Entretanto, conside-
seminário intitulado “As psicoses” no biênio 1955-6. rando este trabalho e suas formulações iniciais em
Lacan, ao introduzir no campo da psicose o termo de- torno do ensino de Lacan entre os anos de 1936 a
sencadeamento, pode acentuar e opor-se a tendên- 1956, como podemos pensar as formas de estabiliza-
cia geral que havia no movimento psicanalítico que ção da psicose, a partir desta época?
insistia na consideração que não havia desencadea- No ensinamento de Lacan até 1946, como
mento e sim uma acumulação de traumas que eram destaca Laurent (1991), o único modo de estabili-
produzidos (Laurent, 1991). zação consistia na passagem ao ato. A respeito do
A introdução do termo desencadeamento re- caso Aimée, trabalhado em sua tese de doutorado,
sultou, por conseguinte, na recepção de alguns alu- é somente a partir da agressão física, que esta pode
nos de Lacan, ao elaborar uma forma imediata para estabilizar-se durante sua vida. Salientamos a este
a proposição de um tratamento que resultaram por respeito, que a passagem ao ato,
pensar nos seguintes termos, longe de favorecer o laço social desfaz suas
se há um déficit simbólico, então a cura está possibilidades, posto que auto ou heteromutila-
do lado do imaginário, como na esquizofrenia dor, o ato redunda em agressividade, violência
precisamente há um déficit imaginário, então, o e, algumas vezes, em crime. Estratégia de esta-
tratamento consistirá em propor um excesso ou bilização, portanto, que não se deve encorajar
uma prótese imaginária para reconstruir uma na clínica com a psicose. Podemos, no máximo,
estrutura. Na paranoia, em que há um excesso aprender com o ato na psicose o que, de sua
imaginário, há que produzir então um vazio no essência, pode nos auxiliar a pensar o campo
imaginário e enfatizar uma prótese simbólica das estabilizações (Guerra, 2007, p. 49)
(Laurent, 1991, p. 9-10). Como destaca Maleval (2009), nos anos de
Lacan opunha-se a estas ênfases das pró- 1956, o ensinamento de Lacan em sua leitura a res-
teses simbólicas, ou por outra parte, de restituir os peito de Schreber, ressalta que, dentre as formas de
limites do corpo ao sujeito esquizofrênico e os proce- remediar a relação com o real na existência do sujeito,
dimentos de remendo. Sublinhando também o opos- o delírio é o mais conhecido e o mais completo, en-
to do trabalho de Laplanche que pensava que esta quanto uma forma de suplência. Posto isso, investi-
prótese simbólica deveria ocupar o lugar do pai. Para garemos algumas elaborações de Lacan acerca das
Lacan, “se alguém se apresenta no lugar do pai, de- estabilizações imaginárias na psicose até a conceitu-
sencadeia a psicose. Obviamente há nisto uma con- ação de metáfora delirante a fim de pensar este lugar
tradição” (Laurent, 1991, p. 10).
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possível no tratamento e apostar nas invenções de ser posta, mas creio que só em sentido abusivo
cada sujeito. pode se falar de cura (Lacan, 1955-6/2010, p.
Lacan considera o mecanismo da foraclusão 105).
como a desestruturação da ordem simbólica pela Mais tarde, ainda nas elaborações deste se-
inexistência de um significante primordial – o Nome- minário, Lacan ressalta não só o mecanismo de com-
-do-Pai. Na foraclusão, diante da impossibilidade de pensação, mas de uma compensação imaginária do
saída pela simbolização, aquilo que não é simboliza- Édipo ausente. Esta traria ao psicótico, através de
do, portanto, aparece no real. Mas, como se virar sem uma identificação imaginária da imagem paterna, a
essa “armadura simbólica”? virilidade do significante, do Nome-do-Pai. O autor re-
Essas pontuações constroem a questão pre- toma a ideia de que algo pode sustentar a situação do
liminar ao tratamento da psicose, pois daí, segundo psicótico durante muito tempo, e que este pode viver
Lacan, se “introduz [...] a concepção a ser formada do sob condições estáveis por um longo período e, de
manejo, nesse tratamento, da transferência” (1959, uma só vez, desencadear.
p. 590). Utilizando-se de uma analogia a respeito da Quinet (2006) auxilia-nos assim, a pensar a
existência possível de tamboretes de quatro e três respeito da constituição da compensação imaginária:
pés, Lacan enuncia a possibilidade de existir no mun- por falta de referência simbólica, o psicótico apoia-se
do apesar desta desestruturação: no registro imaginário, onde o outro pode ser toma-
Nem todos os tamboretes têm quatro pés. Há do como espelho e modelo de identificação imediata.
os que ficam de pé com três. Contudo, não há Desta forma, o semelhante é percebido no registro
como pensar que venha faltar mais um só se- imaginário, onde a relação apreendida é a regra.
não a coisa vai mal. [...] é possível que de saída Isto mostra que o sujeito psicótico apreende o
não haja no tamborete pés suficientes, mas que outro apenas como uma imagem, o que sugere uma
ele fique firme assim mesmo até certo momen- situação pouco estável, retomando a imagem laca-
to, quando o sujeito, numa certa encruzilhada niana do tamborete de três pés. Miller (1997, p. 28)
de sua história biográfica, é confrontado com demonstra ser possível distinguir essas identifica-
esse defeito que existe desde sempre. Para de- ções imaginárias como no estádio do espelho: “o ou-
signá-lo, contentamo-nos até o presente com o tro, a quem me identifico, sou eu mesmo”, ou seja, sob
termo Verwerfung. (Lacan, 1955-6, p. 237) uma dualidade agressiva, que não traz estabilidade
A desestruturação, consequência da ausên- ao sujeito.
cia da armadura simbólica, indica-nos a falha na ca- Desta forma, referindo-se à clínica das psico-
pacidade de mediação simbólica e na proliferação ses, não poderia ser baseada nas identificações ima-
imaginária. Isso nos aponta que é possível que um ginárias, visto que são instáveis. É nesse sentido, que
psicótico funcione com um tamborete sem um dos Lacan apontará a metáfora delirante enquanto uma
pés, mas que somente fique firme até certo momen- estabilização ao nível significante. Com a constru-
to. Quando o sujeito é então convocado a lidar com ção da metáfora delirante, Lacan aponta um modo de
esta ausência, que existe desde sempre, a falta deste estabilização não mais imaginário, mas que permite
significante primordial, leva o sujeito a reconsiderar o uma amarração simbólica para o sujeito. Prossegue o
conjunto dos significantes e assim, descompensar. autor,
No Seminário “As psicoses”, Lacan nos fala É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo
de um processo de compensação, primeiramente re- furo que abre no significado, dá início à casca-
ferindo-se a um momento de calmaria após a irrupção ta de remanejamentos do significante de onde
do delírio de Schreber: provém o desastre crescente do imaginário, até
Podemos falar de processo de compensação, e que seja alcançado o nível em que significante
mesmo de processo de cura como alguns não e significado se estabilizam na metáfora deli-
hesitariam em fazê-lo, sob o pretexto de que, rante. (Lacan, 1958/1998, p. 584)
no momento da estabilização de seu delírio, o Em seu seminário acerca d’ “As formações do
sujeito apresenta um estado mais calmo que inconsciente” (1957-8), Lacan fornece-nos a fórmula
no momento da irrupção do delírio? Seria uma da metáfora paterna apontando para a função de sua
cura, ou não? É uma questão que vale a pena amarração de significação. A metáfora paterna, se-
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gundo Lacan, é mais duradoura (Maleval, 2009).
A amarração de que falo, o ponto de basta, é tão Serge Cottet (1999) aponta como que, de-
somente uma história mística, pois ninguém ja- pois da Conversa de Archachon, há uma utilização
mais pode alinhavar uma significação num sig- do aspecto criacionista das psicoses, em virtude de
nificante. Em contrapartida, o que se pode fazer enodamentos específicos, como suplências do No-
é atar um significante num significante e ver no me-do-Pai. Essa questão, portanto, ao mesmo tem-
que dá. Nesse caso, sempre se produz alguma po em que destaca a foraclusão como indispensável
coisa de novo, a qual, às vezes, é tão inespera- para a direção do tratamento das psicoses, também
da quanto uma reação química, ou seja, o surgi- reconhece que não basta responder à pergunta “há
mento de uma nova significação (1957-8/1999, ou não há foraclusão?”. Segundo o autor, esta per-
p. 202). gunta não basta para prever os efeitos, as crises e
Nesse sentido, em seu importante texto “De as recaídas. Cabe ainda ressaltar, na direção deste
uma questão preliminar a todo tratamento possível trabalho, que esta resposta também não pode prever
da psicose” (1958/1998), Lacan situa a metáfora em as invenções de cada sujeito na psicose.
sua função de estabilização, um ponto de basta que A invenção é um termo aprofundado por Jac-
detém o deslizamento do significado sobre o signi- ques-Alain Miller a partir de sua “A invenção psicótica”
ficante. Portanto, a metáfora delirante pode assim (2003). O autor ressalta, portanto, com bastante im-
funcionar como um modo de suprir o Nome-do-Pai e portância o termo construção utilizado por Lacan em
operar como um basta às significações incessantes seu seminário sobre as psicoses. A utilização deste
que incidem sobre o sujeito psicótico, fenômeno este, termo em Lacan refere-se a uma discussão acerca
também destacado por Lacan, como automatismo da importância de situar a relação do sujeito psicótico
mental. com o significante.
A construção dessa metáfora delirante pode- Como não ver na fenomenologia da psicose que
mos vê-la em Schreber ao assumir o lugar de “Mulher tudo, do início até o fim, se deve a uma certa re-
de Deus”. Construção esta que ele inventa e sustenta lação do sujeito com essa linguagem, de uma
a fim de operar um ponto de basta nas desordens de só vez promovida ao primeiro plano da cena,
gozo que o invadem devido a foraclusão do Nome-do- que fala sozinha, em voz alta, com seu ruído
-Pai que não promoveu a significação fálica. Desse e seu furor, bem como com sua neutralidade?
modo, essa compensação somente alcança o nível Se o neurótico habita a linguagem, o psicótico é
de uma metáfora delirante, visando uma substituição habitado, possuído, pela linguagem (...) preciso
daquela efetuada pela metáfora paterna, se ela resta- ligar de novo o núcleo da psicose a uma relação
belece a relação entre o significante e o significado. do sujeito com o significante sob seu aspecto
Desse modo, num primeiro momento, Lacan mais formal, sob seu aspecto de significante
mostra a compensação como uma saída para a psi- puro, e que tudo que se constrói ali em torno são
cose, mas somente inicialmente. A direção do trata- apenas reações de afeto ao fenômeno primei-
mento deve apontar, mais tarde, para a elaboração de ro, a relação com o significante (Lacan, 1955-
uma suplência. Nesse sentido, Maleval (2011) aponta 6/2010, p. 292-3, grifo nosso).
uma importante distinção entre suplência e compen- Tomando o termo construção em Lacan, Mil-
sação, afirmando que “em certos casos uma compen- ler atribui que devido à ausência do significante pa-
sação imaginária da função fálica se instaura” (Ma- terno, a invenção pode se caracterizar de modo mui-
leval, 2001, s.p.). Por outro lado, a suplência é mais to pertinente ao tratar-se da questão das psicoses.
sólida que as identificações imaginárias e se trata de Para isso, o autor realiza uma importante distinção do
uma invenção do sujeito, que permite limitar o gozo e aspecto da criação e da invenção. A primeira possui
guarda uma marca do que ela supre. um viés teológico que diz acerca de uma criação a
A suplência seria uma forma construção liga- partir do nada – ex nihilo. Enquanto a segunda, ain-
da a algo produzido, externo, enquanto a invenção da que semanticamente estes termos aproximem-se,
partiria do próprio sujeito. Neste intuito, a invenção é é tomada como uma construção, uma elaboração a
uma forma singular de cada psicótico lidar com a re- partir de materiais já existentes. A partir dela, o sujeito
lação com o Outro, forma essa de uma estabilização “descobre-se o que já está lá, inventa-se o que não
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está” (Miller, 2003, p. 6), de modo a sustenta-lo na sua Nosso esquizofrênico brasileiro tem o senti-
relação com o Outro. mento de estar fora do seu corpo, e precisa in-
A invenção, segundo Miller (2003) seria uma ventar como ele mesmo o diz, recursos para se
forma de originalidade e diversidade, que se oporia à ligar ao seu corpo. Nos dedos coloca anéis que
criação e se aproximaria do termo “bricolagem”. Isto tem o valor de laços com o corpo. Na cabeça,
é, fazer com o que está disponível de materiais para uma faixa, para liga-la ao corpo. Estes são seus
este sujeito. O bricoleur, como nos aponta Bastos recursos. São laços colocados sobre órgãos,
(2004), “recorre a restos, partes de objetos, cacare- partes do corpo. Temos aí, de uma maneira mí-
cos, coisas sem utilidade que são aproveitadas, reci- nima, elementar, a invenção. (Miller, 2003, p. 6)
cladas num novo objeto, onde cada peça adquire um O esquizofrênico enigmatiza a presença no
novo uso.” (Bastos, 2004, p. 262-263). É importante corpo e a relação com os órgãos sem apelar para os
destacar, o quanto esta distinção possibilita uma di- discursos estabelecidos. É nesse sentido, que Miller
reção pertinente ao lugar do analista na atuação de (2003) aponta na distinção entre a neurose e a psico-
serviços de Saúde Mental, embora não se restrinja se. Posto que, o corpo e os órgãos do corpo se cons-
somente a elas. tituem também como problemas para o neurótico,
No texto supracitado, Miller retoma o caso de porém este adota soluções típicas, empobrecidas, ao
um sujeito esquizofrênico apresentado pela psicana- apelar os discursos estabelecidos para resolver seus
lista Samyra Assad. Esse sujeito falava de si mesmo problemas de ser falante.
como uma “central telefônica sem telefone”. Dizia so- Devido à foraclusão do Nome-do-Pai, o sujei-
bre um rádio que dava ordens, ordens que “vinham de to psicótico se vê obrigado a inventar um discurso,
dentro” e o ajudavam a lidar com linguagem. Segundo inventar seus recursos para enlaçar seu corpo e seus
a psicanalista, órgãos ou para inserir-se no laço social. Nesse sen-
Ele interpreta o efeito do Outro da linguagem tido, Miller realiza uma distinção das invenções para-
sobre ele. Recebe-se do Outro os efeitos da lin- noicas e esquizofrênicas. Como apontamos anterior-
guagem, só que ele não consegue transmitir; mente, o sujeito esquizofrênico inventa um discurso
a central telefônica é sem telefone, pois esse que possibilite uma reintegração do corpo nos órgãos
Outro além de ser estranho, apresenta sua fun- de modo a enlaçar-se com os seus recursos, como no
ção que segrega, fazendo conviver o sujeito, caso apresentado, através dos anéis e das faixas.
somente com as partes do seu corpo, que não Por outro lado, na paranoia, essa invenção
encontram uma unidade, por sua vez, advinda encontra-se em outro nível da esquizofrenia, elas
de sua marca (1998, p. 105) incidem na questão do laço social, no qual o sujeito
Segundo a autora, na esquizofrenia, não há “é então levado a inventar uma relação com o Outro”
um Outro a quem o sujeito esquizofrênico se direcio- (Miller, 2003, p. 11). A invenção paranoica, tal como
ne, de modo que a mensagem e seu destino se tor- encontramos em Schreber, responde às expectativas
nam equivalentes. Assad destaca que a direção do da sociedade inventando um Outro totalmente inédito
tratamento desse sujeito visava deslocar o gozo no no laço social.
corpo para o gozo no Outro, requerendo constituir, Em ambos os casos, podemos destacar que
embora precariamente, um Outro a qual se endere- compreendendo a singularidade de cada um, a inven-
çar. A fim de que o sujeito possa “significantizar a pre- ção na psicose apontará para um modo de orientar-
sença do corpo fragmentado em sua vida, ao nível -se em sua relação com o Outro. Devido à ausência
de uma parceria” (Assad, 1998, p. 107), que possa do significante paterno, o psicótico não pode utilizar-
funcionar como uma suplência numa invenção que -se desse significante primordial para orientar-se, a
lhe seja própria. invenção pode auxiliá-lo nesta relação direta com a
Miller destaca que esse sujeito apresentava linguagem, sem recorrer para os discursos estabele-
desordens em seu corpo, tal como Lacan apontava cidos.
acerca da esquizofrenia, e também perturbações no Miller (2003, p. 15) ainda destaca que os su-
nível da linguagem. estacamos, portanto, algumas jeitos psicóticos, “são obrigados a fazer esforços to-
dessas perturbações e também algumas invenções talmente desmedidos para resolver problemas que,
desse sujeito: para o normal ou o neurótico, são resolvidos pelos
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discursos estabelecidos”. Entretanto, o autor ainda a fim de direcionar o tratamento.
faz uma ressalva importante, visto que na atualidade,
nestes tempos que o Outro não existe, também o su- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
jeito neurótico está condicionado a se tornar inventor.
Destacamos, com isso, que a direção do tratamento, Affalo, A. (2011). Reavaliação do caso do Homem dos
seja na neurose ou na psicose, pode visar a invenção Lobos. In A. Figueiró & S. Laia (Orgs.), O Homem dos
de um modo singular de lidar com o Outro. Lobos com Lacan (pp. 53-122). Scriptum.

Considerações Finais Assad, S. (1998). Central telefônica sem telefone. In:


Formas do desencontro: segregação, solidão, amor.
Com Freud, a partir das contribuições teóricas Revista Curinga, 11, 102-107. Belo Horizonte: Escola
dos casos Schreber e Homem dos Lobos, e poste- Brasileira de Psicanálise – Seção Minas Gerais.
riormente retomadas por Lacan, pudemos destacar Bastos, A. (2004). Segregação, gozo e sintoma.
as inovações que esses autores trazem acerca da Revista Subjetividades, 4(2), 251-265. Recupe-
psicose. O delírio, antes visto como uma construção rado de https://periodicos.unifor.br/rmes/article/
patológica, agora pode ser tomado como uma tentati- view/1504/3459
va de reconstrução, de cura frente à ruptura psíquica
presente no sujeito psicótico. Cottet, S. (1999). A hipótese continuísta das psicoses.
Com Schreber, pudemos pensar as ideias de- In S. Cottet, Ensaios de clínica psicanalítica (pp. 15-
lirantes de emasculação e do relacionamento privile- 50). Contra Capa.
giado com Deus como uma invenção que incide no
laço social e uma possibilidade de se relacionar com Freud, S. (1912). Sobre la dinámica de la trasferencia.
o Outro, uma criação de sentido para se posicionar In Freud, S. (1996). Obras completas Sigmund Freud,
no mundo. Com o Homem dos Lobos, consideramos 12. Buenos Aires: Amorrortu Editores. pp. 93-105.
que sua rejeição à castração e identificação com a
posição feminina, funcionavam também na dimensão Freud, S. Puntualizaciones psicoanalíticas sobre un
de uma invenção que visava à estabilização frente ao caso de paranoia (Dementia paranoides) descrito au-
significante que faltava a esse sujeito. tobiográficamente (1911 [1910]). In. Freud, S. (1986).
Ressaltamos assim, através destas elucubra- Obras completas Sigmund Freud, 12. Buenos Aires:
ções conceituais, a orientação de Lacan quanto à di- Amorrortu Editores, pp. 1-76.
reção do tratamento na psicose, ao que denominou
uma questão preliminar, a saber, a foraclusão do No- Freud, S. De la historia de una neurosis infantil (caso
me-do-Pai. Inicialmente, o autor apontava algumas del Hombre de los Lobos) (1918 [1914]). In. ______.
compensações imaginárias da foraclusão. Entretan- Obras completas Sigmund Freud, 17. Buenos Aires:
to, nota que estas demonstram-se demasiado insufi- Amorrortu Editores, pp. 1-112.
cientes. De tal forma, retomará a leitura de Schreber,
destacando o sucesso da metáfora delirante como um Freud, S. Neurosis y psicoses. In. ______. Obras
modo de suprir a insuficiência da metáfora paterna. completas Sigmund Freud, 19. Buenos Aires: Amor-
Nesse intuito, pretendemos deslocar das compensa- rortu Editores, pp. 151-160.
ções imaginárias as suplências simbólicas a fim de
aprofundar nas elaborações da invenção psicótica. Lacan, J. (1955-1956) O Seminário, livro 3: As psico-
Com isso, recorremos a Miller e seu concei- ses (2010). Rio de Janeiro: Zahar. pp. 9-71.
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sujeito a criação de um lugar singular, apostando na tratamento possível da psicose, In Jacques, L. Escri-
invenção de uma suplência, que frente a condição au- tos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. pp. 537-590.
sente na psicose, a invenção de um recurso inédito
frente ao Outro. Contudo, apontamos e apostamos na Lacan, J. (1958-9) O Seminário, livro 5: As formações
posição do analista na clínica, como uma parceria que do inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.
permita a invenção de um laço com o sujeito psicótico
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52
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