Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
SILVANO GHISI
CHAPECÓ - SC
2014
SILVANO GHISI
CHAPECÓ – SC
2014
TERMO DE APROVAÇÃO
SILVANO GHISI
______________________________________________________
Profa. Dra. Maria Cristina Cereser Pezzella
Professora-Orientadora
______________________________________________________
Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro
Professor-Convidado
______________________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Antonio Lucas Camargo
Professor-Convidado
Aos meus pais, Nilton e Noely.
Aos meus irmãos, Simonei e Cristiane.
AGRADECIMENTOS
Aos colegas de viagem, Arno, Sadi e Ilse, pelo companheirismo, pela paciência, pela
persistência e pelo compartilhamento de todos os momentos.
As possibilidades das descobertas científicas e dos inventos tecnológicos, com destaque para
tecnologias de informática e comunicação, têm imprimido novos modos de ser e agir aos
indivíduos, resultando em uma diferenciada conformação social que vem sendo denominada
de “Sociedade da Informação”, onde a informação passa a ser o fator motriz. A partir daí
novos surgem novos parâmetros às tensões entre indivíduos e Estado, e sobre quem passa a
ter o poder, a habilidade e a capacidade de imiscuir-se no campo de vivência e ação
individual. Não mais somente os poderes públicos podem operar como intrusos na vida
pessoal, também os próprios particulares surgem como potenciais ameaças a esse espectro
quase sagrado de um matiz de liberdade que opõe aos demais um dever de afastamento. Nesse
panorama, a privacidade se consubstancia em um dos direitos amiúde evocados para refrear a
atuação estatal na vida pessoal, no agir e nas relações dos indivíduos. Edificada a partir da
clássica fórmula norte-americana do “direito de ficar só”, a privacidade evoluiu à concepção
ativa de conferir ao indivíduo o direito de controlar os usos e aplicações de suas informações,
em razão dos riscos e potencialidades das tecnologias da Sociedade da Informação. Nas mais
variadas ações e relações entre pessoas e instituições na Sociedade da Informação, o direito à
privacidade é posto em teste, dada a capacidade das tecnologias de informática e comunicação
torná-lo inoperante ou esvaziado. A invasão dos aspectos privados do cotidiano das vidas
humanas pela aplicação destas tecnologias provoca o fenômeno da ampla visibilidade, e
conduz a uma arriscada noção de que a publicidade seja a regra e a privacidade a exceção. O
fluxo de dados pessoais, a vigilância eletrônica e a visibilidade resultantes de variados
mecanismos tecnológicos, estes não mais apoderados só pelos poderes estatais, mas também
nas mãos de qualquer indivíduo, conferem uma nova dimensão a preocupações em torno do
direito à privacidade. Uma busca por efetiva proteção dos dados pessoais, reconhecendo a
necessidade de cessão de determinadas informações para algumas ações, ao lado da percepção
de um interesse individual na autoexposição, e ainda as facilidades com que a vigilância
eletrônica pode conferir visibilidade à vida humana, são os fatores que permitem discutir a
defesa de uma legítima expectativa de privacidade na Sociedade da Informação como
mecanismo eficaz de proteção.
The possibilities created by scientific discoveries and technological invents, especially those
related to communication and computer technologies, have made possible new ways for
individuals to be and act, which results in a differentiated social conformation that has been
named “Information Society”, where information is the main driving factor. From this point
on, new parameters are created to the tensions between individuals and the State, and about
who has the power, the ability and the capacity to interfere in the field of individual
experience and action. Now not only the government can operate as an intruder to personal
life, but also the individuals themselves come through as potential threats to this nearly sacred
spectrum of an understanding of liberty that opposes to others a duty of staying away. In this
aspect, privacy is consubstantiated as one of the rights summoned to stop the state
interference in private life and in individuals’ actions and relations. Built from the classic
American formula “right to be alone”, privacy has evolved to the active conception of giving
the individual ways to control the uses and applications of one’s information, due to the risks
and potentialities of Information Society’s technologies. Among the most variable actions and
relations between people and institutions in the Information Society, the right to privacy is put
at test, given the capacity of computer and communications technologies to turn it empty or
inoperable. The invasion of private aspects of people’s daily lives causes the widespread
visibility phenomenon, and induces the risky notion that publicity is the rule and privacy, the
exception. The personal data outflow, the electronic surveillance and the visibility originated
from different technological mechanisms, not only operated by the government, but also by
any individual, give a new dimension to worries concerning the right to privacy. The search
for an effective protection of personal data, acknowledging the need to set free certain
information for some actions, sided by the perception of an individual interest in self-
exposition, and the facilities with which the electronic vigilance can provide visibility to
human life: these are the factors that allow to discuss the defense of a legitimate expectation
of privacy in Information Society as an effective mechanism of protection.
Key words: Information Society; Visibility; Personal Data; Privacy; Legitimate Expectations.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 09
INTRODUÇÃO
sobrepujando a própria essência da pessoa natural por um conjunto de dados, um alter ego
informacional.
Esta percepção direciona o presente estudo para a investigação das categorias dos
direitos humanos e direitos fundamentais, relevantes para se cogitar da defesa do direito à
privacidade na Sociedade da Informação, pois ante sua operação globalizante, a inserção no
conjunto dos direitos humanos, por seu caráter universal, surge como base de sustentação.
A pesquisa perpassa, assim, pela formação dos direitos humanos e o despertar dos
indivíduos para o reconhecimento desta categoria como algo que lhes seja próprio, mas
também do outro. Delimitados o que sejam direitos humanos, o estudo dedica-se aos direitos
fundamentais, apropriados para os ordenamentos jurídicos internos, com força vinculativa
decorrente das normas fundamentais de cada país, fazendo um esforço, porém, em conciliá-
los com o fenômeno multiculturalista eclodido pela Sociedade da Informação.
Da gênese dos direitos fundamentais como limitações ao agir estatal, estudar-se-á suas
inovadoras prospecções, incluindo a proposta de funcionarem também como limites aos atos
particulares entre si. Nesse plano, faz parte da pesquisa a investigação dos direitos
fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro, essencialmente à luz das disposições da
Constituição Federal de 1988, e com vagar enfoca-se a privacidade como direito fundamental
e os desdobramentos jurídicos que recebe.
Ante o intenso fluxo de dados pessoais, investigando os modos pelos quais podem se
tornar visíveis a outras pessoas, sejam estes legítimos, consentidos, tolerados ou clandestinos,
a pesquisa ora proposta visa entender os parâmetros jurídicos tendentes à proteção dos dados
pessoais, buscando fontes normativas no direito estrangeiro e também na produção legislativa
específica do direito brasileiro.
12
Adotada a premissa de que qualquer aspecto da vida humana possa ser traduzido em
um dado ou informação pessoal, no que se incluem os momentos ocorridos em espaços
públicos e privados, este estudo se arvora em investigar as causas e justificativas de uma
perceptível profusão de visibilidade na Sociedade da Informação e como isso conduz a um
estado de ampla vigilância ou observação de todos por todos. Almeja a pesquisa, assim,
identificar quais são as razões que justificam a provocação ou indução da visibilidade humana
à míngua da concordância do indivíduo exposto, sem se olvidar, ainda, de examinar se
também contribuem para a amplidão da visibilidade os desejos particulares, em muitos casos,
por autoexposição.
A partir do percurso acima delimitado, para atender aos objetivos gerais e específicos
traçados, divide-se este estudo em três capítulos.
1 SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
O intelecto humano, o espírito inventivo, e o trabalho, têm, cada qual, a seu modo, no
decorrer de eras de transformação da humanidade, agido na conformação social pela produção
de inovações, técnicas, ciências, teorias, tecnologias. Aliado ao desejo de pô-las sob domínio
incontestável do homem, adquirem roupagem, na maioria das vezes, de adoração. Heiddeger
(2003, p. 12) ensaia que “pretende-se dominar a técnica. Este querer dominar torna-se tanto
mais urgente quanto mais a técnica ameaça escapar ao controle do homem”.
As sociedades têm sido surpreendidas com as possibilidades e descobertas científicas,
com os inventos tecnológicos e aplicação de técnicas, com destaque para as áreas de
comunicação, pesquisas médicas, inventos eletrônicos e informáticos, mecanismos de
comunicação, e outros.
Com efeito, a cada nova descoberta científica, a cada revolucionário invento
tecnológico, os valores e as possibilidades das sociedades são testados. O meio social suporta
o impulso que novas tecnologias possam gerar e acerca destas manifesta-se. É nesse esteio, da
absorção das novas tecnologias, e uma inevitável síntese emergida de um processo dialético
que as tenha em conta, que há de se investigar a influência dos meios telemáticos e
informáticos como elementos essenciais de um novo tipo de sociedade, e, enfim, mais
particularizadamente, a informação como fenômeno e fator de ligação, todos engastados no
que se propõe denominar de “Sociedade da Informação”.
ambos, e que apenas são o que são em virtude desta correlação, na medida em que em si o
objeto é o desconhecido, e somente ao interagir com o sujeito que busca conhecê-lo é que se
revela pela apreensão que o sujeito dele faz, justamente porque a função do objeto é ser
apreensível. Logo, segundo continha Hessen (1999, p. 18-19), o sujeito determina o objeto.
as tecnologias revolucionárias são introduzidas, o mito então aparece como redenção pela
tecnologia”.
Com efeito, a inserção ou surgimento de qualquer tecnologia em uma sociedade
provoca o imaginário, conduzindo à produção de imagens de sonhos relacionados aos objetos
técnicos. Surgida como algo que não se consegue compreender, a cultura sonha com a
tecnologia e a explica no plano da imaginação em referência a um passado já conhecido.
Inovações tecnológicas, portanto, são aceitas e explicadas a partir de reconstituições históricas
de um passado já experimentado. Nesse plano, Felinto (2003, p. 176) discorre que as técnicas
retomam a natureza a partir de uma nova perspectiva, e nisso, reaproxima o homem de
imagens, temores e mitos.
Para entender o papel da tecnologia no tecido social é importante desvelá-la do mito
incrustado, assim delimitando, tão-somente de forma conceitual, tecnologia e técnica. Logo,
torna-se importante ter em mira a ponderação de Heiddeger (2003, p. 11):
A técnica não é a essência da técnica. (...) Assim também, a essência da técnica não
é, de forma alguma, nada de técnico. Por isso nunca faremos a experiência de nosso
relacionamento com a técnica enquanto concebermos e lidarmos apenas com o que é
técnico, enquanto a ele nos moldarmos ou dele nos afastarmos.
Desta maneira, inescusável ter-se que tecnologia e técnica são contextos diferenciados.
Aquela mais ampla que esta. Assinala Decol (2005, p. 3) que “tecnologia envolve sociedade e
cultura em maior medida do que a ciência”.
As tecnologias, em especial neste estudo, as informáticas e telemáticas, são o ponto de
partida. Da união entre informática, telemática e telecomunicações, surgiu a Internet,
responsável, notadamente, pela rápida proeminência da denominada Sociedade da
Informação.
Importante fixar que são tecnologias de informática, para Ferreira (2004, p. 478),
aquelas que congregam o “tratamento da informação, através do uso de equipamentos e
procedimentos da área de processamentos de dados”. Por certo que deva ser entendido em
sentido extensivo o vocábulo “procedimentos”, para ter-se aí inserta a ideias de softwares que
promovem a interface entre o usuário e a máquina.
As tecnologias de telemática, por sua vez, são as que resultam da combinação entre os
equipamentos de informática, os softwares e os meios de telecomunicação, união esta que
permite a manipulação e utilização da informação através de fluxos de compartilhamento via
redes, em tempo real.
17
Paira, grosso modo, uma percepção de que o acontecimento das tecnologias nas
sociedades as determina, como se fossem o fator de condução e conformação. Todavia,
equivocado é crer-se em uma relação direta e preponderante de causa e efeito entre tecnologia
e sociedade, tanto que para Castells (2003, p. 43),
Não somente as técnicas são imaginadas, fabricadas e reintegradas durante seu uso
pelos homens, como também é o próprio uso intensivo de ferramentas que constitui
a humanidade como tal (junto com a linguagem e as instituições sociais complexas).
As verdadeiras relações, portanto, não são criadas entre ‘a’ tecnologia (que seria da
ordem da causa) e ‘a’ cultura (que sofreria os efeitos), mas sim entre um grande
número de atores humanos que inventam, produzem, utilizam e interpretam de
diferentes formas as técnicas.
Um sistema é constituído por elementos autoproduzidos e por nada mais. Tudo o que
opera no sistema como unidade – mesmo que seja um último elemento não mais
passível de ser decomposto – é produzido no próprio sistema através da rede de tais
elementos. O ambiente não pode contribuir para nenhuma operação de reprodução do
sistema. O sistema, obviamente, também não pode operar no seu ambiente.
dependente destas formações, de tal sorte que o retorno ao estágio anterior às tecnologias de
informática e telemática já não é mais praticável sem a desestruturação do sistema social
corrente. É esta concepção que leva Decol (2005, p. 5) a afirmar que as tecnologias possuem,
também, um papel de co-autores sociais.
Em que pese a maleabilidade das sociedades em lidar com as irritações das
tecnologias e a isso exararem reflexos, a presença estatal ganha considerável relevo. Castells
(2003, p. 44) acentua que “embora não determine a tecnologia, a sociedade pode sufocar o seu
desenvolvimento principalmente por intermédio do Estado”. O que ocorre é que se o mercado
vê nas tecnologias fatores importantes para o incremento econômico, a aceleração da
produtividade e a agregação de valores nas mercadorias, o Estado a vê como mecanismo
facilitador do controle. Vieira (2007, p. 183) ressalta que o Estado adota tecnologias na
modernização da administração pública, na racionalização da prestação de serviços, redução
de custos, e para aproximar-se dos cidadãos.
Todavia, para além da faceta acima discorrida, as tecnologias também podem
funcionar como eficientes elementos no exercício do controle estatal sobre os indivíduos,
notadamente pela formação de arquivos de dados pessoais e a vigilância de pessoas. Rodotà
(2008, p. 113), ao versar sobre uma sociedade da vigilância, propiciada pela implantação de
técnicas e tecnologias, discorre que seus riscos “ligam-se tradicionalmente ao uso político de
informações para controlar os cidadãos, o que qualifica tais sociedades como autoritárias ou
ditatoriais”. A produção de tecnologias, e sua utilização no controle do ser humano,
transmudada em sistemas e aparatos de fiscalização propiciou uma nova forma de sujeição do
homem, segundo visão apresentada por Foucault (1987, p. 144).
Estes sãos os feitos aflorados mais pressentidos na relação entre tecnologia e
sociedade, e revelam, em virtude de anteriores fenômenos internalizados e refletidos, uma
capacidade de o sistema social lidar com as provocações das tecnologias inovadoras.
Retomando o pensamento de Castells (2003, p. 44-45),
uso) destas pelas sociedades, operando como um sistema fechado, onde, segundo Luhmann
apud Neves e Samios (1997, p. 25), “informações são sempre constructos internos”.
Em esteira análoga, Lèvy (2003, p. 25-26) afirma que a tecnologia tem papel, quando
muito, condicionante, mas nunca determinante da sociedade e da cultura. Fenômenos sociais
jamais são operados unidirecionalmente por relações de causa e efeito, pois a pluralidade de
atores, fatores e circunstâncias impede cálculos e projeções precisas de determinantes.
Apoiado em interessante metáfora, o Lèvy (2003, p. 25) explica a inexistência de um
pretenso determinismo entre tecnologias e sistemas sociais:
aspectos e existência desta conformação social multifacetada. De acordo com Laborit apud
Lojkine (2002, p. 113), a informação “não é nem massa nem energia (...) em si, ela é
imaterial, posto que representa ‘este algo que faz com que o todo não seja apenas a soma das
partes’”. Segundo Vieira (2007, p. 177), “a informação contém em si o principal ativo da
sociedade da informação, ou seja, sua principal riqueza, sendo indispensável ao desempenho
de qualquer atividade”.
Assim, fala-se em Sociedade Informacional, segundo termo cunhado por Castells
(2003, p. 57-59) ou Sociedade da Informação, como prefere Lèvy (2003, p. 22-25), e termo
que se adota neste estudo. Mas desde logo é essencial fixar que a Sociedade da Informação
não se reduz às tecnologias de informática e comunicação. Estas são elementos de grande
relevância e responsáveis por significativas transformações, porém na definem nem
determinam per si a sociedade contemporânea. O que dá a tônica da Sociedade da Informação
é que qualquer conhecimento, qualquer técnica, qualquer modus, transmuda-se em informação
captável e da qual se pode apoderar, conservar, reproduzir e disseminar.
tomado e conhecido não pelo ser natural, mas pelas informações que lhe são inerentes ou lhe
dizem respeito.
E nesse contexto, um dos fenômenos mais perturbadores gerado na Sociedade da
Informação, notadamente pela união das tecnologias de informática e comunicações, a par da
expansão e popularização da comunicação em redes via Internet, consiste no surgimento dos
espaços ou ambientes virtuais.
A propósito, adota-se aqui a nomenclatura de espaços ou ambientes virtuais para todo
e qualquer conjunto de informações fornecidas, cedidas ou captadas de indivíduos, estejam ou
não organizadas em bancos de dados ou mecanismos análogos e que possam ser consultadas e
recuperadas a qualquer tempo, bem como combinadas com outras informações resultando na
revelação de traços da identidade e vivência de indivíduos ou grupos. Logo, não se pode
reduzir o conceito de espaços ou ambientes virtuais a websites e serviços de comunicação e
interação existentes na Internet. O campo é maior, mais abrangente, e engloba outras
tecnologias de manipulação de informações, como registros de serviços públicos, de entidades
públicas e privadas, de empresas, e outros.
Os ambientes virtuais – construídos a partir e sobre informações, e destas dependentes
- provocam deslocamento das ações e mesmo da vivência humanas para um universo virtual,
transpondo relações sociais, afetivas, comerciais, laborais e políticas para um novo plano de
existência humana, possibilitando novas experiências sensoriais que levam ares de
desprendimento do mundo natural. Entretanto, este plano não suprime e não encerra com a
existência e a relevância do mundo natural. Estabelece, em verdade, uma coexistência, como
explica Lévy (2003, p. 211):
Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de produção se
anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente
vivido se esvai na fumaça da representação.
As imagens fluem desligadas de cada aspecto da vida e fundem-se num curso
comum, de forma que a unidade da vida não mais pode ser restabelecida. A
realidade considerada parcialmente reflete em sua própria unidade geral um pseudo
mundo à parte, objeto de pura contemplação. A especialização das imagens do
mundo acaba numa imagem autonomizada, onde o mentiroso mente a si próprio. O
espetáculo em geral, como inversão concreta da vida, é o movimento autônomo do
não-vivo.
O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu
instrumento de unificação.
2
Adota-se biometria como o estudo das medidas, estruturas e traços biológicos dos seres vivos e órgãos de seres
vivos, direcionada especialmente à coleta de informações que permitam a identificação precisa de um ser –
especialmente o ser humano – extremando-o de qualquer outro, com destaque para dados da íris, retina, traços
faciais, digitais, etc., transformando em estruturas matemáticas e armazenados em bancos de dados.
29
o ser humano sem nome é apenas uma realidade fática; com o nome penetra no
mundo jurídico, a expressão mais característica da personalidade. Assim, nome é o
chamamento pelo qual se designa uma pessoa, individualizando-a não só durante a
vida, como também persiste após a morte.
Imprescindível ter em foco que a ‘existência’, transitação e atuação dos indivíduos nos
espectros informacionais consubstancia-se em verdadeira forma de inclusão na Sociedade da
Informação, participação esta essencial ao atendimento da dignidade da pessoa humana em
sua completitude, uma vez que o indivíduo é, inexoravelmente, um ser social, cujas inter-
relações não se perfazem completamente sem a participação nos planos de existência
virtualizada, isto é, a partir do alter ego informacional.
Negar, dificultar ou refrear tal faceta participativa deságua em uma nova e perversa
circunstância excludente e violadora de direitos. A situação ganha relevo quando notado que
inúmeros serviços públicos prestados pelo Estado vêm, paulatinamente, sendo transportados
para os meios virtuais, a exemplo do ocorrido com a concessão ou não de benefícios
previdenciários e trabalhistas antes relatados a partir da identificação individual por um
número (PIS).
O evento acima relatado exprime o fenômeno provocado pela classificação pessoal
decorrente da manipulação de informações a seu respeito, fazendo com que o ser humano seja
decomposto, passando a existir um ser material (biológico) e um ser imaterial
(informacional). A classificação humana, a partir das informações coletadas, leva à eleição de
categorias de inserção dos indivíduos, do que defluem naturalmente direitos igualmente
decompostos. Assim, tem-se o ser humano como ser biológico detentor do direito à vida; o ser
humano como componente de uma coletividade, detentor do direito à liberdade, à igualdade;
o ser humano como trabalhador, detentor do direito ao trabalho digno, e outros.
3
Gazeta do Povo, Economia, 27 maio 2011. ‘Pis Mutante” dá semanas de aflição aos trabalhadores. Disponível
em: <http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=1130356>. Acesso em: 17 abr. 2014.
31
A esse modo, tem-se direitos especialíssimos e próprios das mulheres4, das crianças5,
dos idosos6. A distribuição dos direitos conforme a classificação humana atrai o problema da
igualdade e das minorias, em razão da justificativa e legitimidade para, na diferença, conceber
direitos a uns e não a outros.
4
Cf., Declaração Sobre a Eliminação da Violência contra As Mulheres, da ONU, de 1993.
5
Cf., Declaração Universal dos Direitos da Criança, da ONU, de 1959.
6
Cf., Princípios das Nações Unidas para Pessoas Idosas, de 1991.
32
(2008, p. 114-115), que o alcandora a uma entre várias categorias admitidas na Sociedade da
Informação.
Castells (2003, p. 57-58) acentua que identidade é “o processo pelo qual um ator social
se reconhece e constrói significado com base em determinado atributo cultural ou conjunto de
atributos, a ponto de excluir uma referência mais ampla a outras estruturas sociais”. Lucas
(2010, p. 173-174) reforça que as modalidades identitárias passam a ser fundamentadas em
projetos específicos e necessidades particulares, provocando colisão de interesses e de valores
num mesmo ambiente social.
Basta tencionar, nessa raia, que o direito à vida deixa de se restringir à proteção contra
seu término. Estudos médicos e científicos permitiram perquirir sobre um critério técnico
preciso acerca do início da vida7, e daí as infindáveis discussões sobre a proteção do
nascituro, ou mesmo do projeto de nascituro quando em tela a proteção de embriões humanos
7
É possível aferir ao menos cinco teorias científicas sobre o início da vida humana (MUTO, Eliza; NARLOCH,
Leandro. Vida: o primeiro instante. Revista Superinteressante. São Paulo: Editora Abril, nov. de 2005).
33
8
De acordo com Nucci (2008, p. 422), reincidência é “o cometimento de uma infração penal após já ter sido o
agente condenado definitivamente, no Brasil ou no exterior, por crime anterior”.
9
Como exemplo da importância da recuperação de informação pessoa para fins de reincidência, colhe-se o
seguinte julgado: “ACÓRDAO APELAÇAO CRIMINAL P TRÁFICO E ASSOCIAÇAO - PRELIMINAR DE
NULIDADE DA SENTENÇA ANTE A NEGATIVA DE INSTAURAÇAO DO INCIDENTE DE
INSANIDADL - REJEITADA - MÉRITO - TRÁFICO E ASSOCIAÇAO PARA O TRÁFICO -
ABSOLVIÇAO - IMPOSSIBILIDADE - DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS CONDUTORES DO
FLAGRANTE - VALOR PROBANTE - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - APREENSAO
DE MAIS DE TRÊS QUILOS DE COCAÍNA - ÂNIMO ASSOCIATIVO - PEDIDO DE AFASTAMENTO DA
AGRAVANTE DA REINCIDÊNCIA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇAO MATERIAL - POSSIBILIDADE -
NECESSIDADE DE CERTIDAO CARTORÁRIA OU DOCUMENTO COM FÉ PÚBLICA - RECURSO
CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA ANTE A
NEGATIVA DE INSTAURAÇAO DO INCIDENTE DE INSANIDADE: (...). 4. Não havendo nos autos
certidão cartorária, ou qualquer documento com fé pública que demonstre possuírem os acusados
condenação criminal pretérita ao crime perpetrado, deve ser desconsiderada a circunstância agravante da
reincidência. 5. Recurso conhecido e improvido” (TJES – 2ª Câmara Criminal – ACR 24070048830 – Rel. José
Luiz Barreto Vivas – j. 06.08.2008 –DJ 12.09.2008) [grifou-se].
34
O impacto dessa outra forma de ser, de estar e de viver, nas relações sociais e
interpessoais é significativo. Bauman (2004, p. 8-9) discorre que as pessoas têm,
gradativamente preferido referir-se a seus mais variados tipos de relacionamentos (familiares,
amorosos, sociais) como momentos de conexão e desconexão, fazendo aflorar a
essencialidade dos relacionamentos em rede. Pontualmente, o citado sociólogo faz ver:
não são mais adequadas. A mudança técnica gera, portanto, quase um sofrimento”.
Mas a transformação que tecnologias imprimem ao ser natural, nessa passagem para
um ser informacional, podem ser ainda mais drásticas. Lèvy (1999, p. 217) discorre que a
evolução biológica fez novos órgãos se encarregarem de funções que antes eram exercidas por
outros. Em direção conexa, Darwin (2002, p. 374) supõe que órgãos que tiveram as funções
assumidas por outros e que passaram a desenvolvê-las com maior precisão e resultado, foram
gradativamente diminuindo de tamanho e importância, e com o passar de gerações podem ter
sido completamente excluídos.
O incremento de tecnologias nas habilidades e competências naturais do ser humano
pode provocar fenômeno análogo ao acima descrito. Lèvy (1999, p. 19) demonstra a
interligação entre corpo, mente e tecnologias. Sugere que os aparelhos de aplicação médica
tornaram transparente a interioridade orgânica do corpo humano. Os enxertos e próteses
fazem simbiose entre homem e máquina. O natural metabolismo é modificado com drogas,
medicamentos, hormônios. Até mesmo a reprodução passa a ser regulada tecnicamente,
abandonando o acontecer natural. O espectro psíquico passa a ser dominado e regido por
medicações e terapias. A “virtualização do corpo” é um passo na intento da auto-criação e da
perpetuação da espécie.
Uma noção de substituição de funções ou habilidades por um modo virtualizado mais
rápido e eficiente pode ser encontrado nos mecanismos de posicionamento global por satélite
(GPS) que se prestam a indicar a localização de qualquer ponto com elevado grau de precisão,
tecnologia que pode tornar obsoleta, ou ao menos não tão eficiente, a habilidade humana de
localização e senso de dimensão espacial, além de interferir nos processos comunicativos, e
então na criação de relações interpessoais, que amiúde eram necessários para se chegar de um
ponto a outro, por se recorrer ao conhecimento detido por outros indivíduos no percurso.
Este exemplo ilustra as potencialidades das implicações do ser informacional no
mundo natural e na vida humana na Sociedade da Informação, porque se verificam
importantes influências de um plano de atuação no outro, reforçando a noção de que são
inseparáveis entre si o ser natural e o ser informacional.
Esta informação tem sido decisiva no cruzamento com os dados que constam das
declarações de IVA e de impostos sobre o rendimento, tendo como objectivo
confrontar os rendimentos declarados pelos contribuintes com os pagamentos
recebidos através de cartões de crédito e de débito e, assim, identificar pagamentos
não declarados e situações de subfacturação11.
10
UOL, Notícias, Economia, 2012. Receita Federal usa cruzamento de dados para tentar evitar fraudes no IR.
Disponível em: <http://economia.uol.com.br/impostoderenda/duvidas-frequentes/receita-federal-usa-
cruzamento-de-dados-para-tentar-evitar-fraudes-no-ir.jhtm>. Acesso em: 27 abr. 2014
11
PÚBLICO, Economia, 04 dez. 2013. Governo detecta fuga de 400 milhões com cruzamento dos dados fiscais
e bancários. Disponível em: < http://www.publico.pt/economia/noticia/governo-detecta-fuga-de-400-milhoes-
com-cruzamento-dos-dados-fiscais-e-bancarios-1615050 >. Acesso em: 15 jan. 2014.
38
Dos espaços públicos, a vigilância por captação de imagens e movimentos passou aos
contornos dos espaços privados, e no Brasil a Lei 7.102/1983 tem o primeiro registro da
adoção destes mecanismos ao tornar obrigatória a implantação de sistemas de segurança, e
entre as opções ali previstas está a de sistemas formados por “equipamentos elétricos,
eletrônicos e de filmagens que possibilitem a identificação dos assaltantes” (art. 2º, I, Lei
7.102/1983).
É óbvio que, em todos esses casos, quanto mais constantemente as pessoas a serem
inspecionadas estiverem sob a vista das pessoas que devem inspecioná-las, mais
perfeitamente o propósito do estabelecimento terá sido alcançado. A perfeição ideal,
se esse fosse o objetivo, exigiria que cada pessoa estivesse realmente nessa
condição, durante cada momento do tempo. Sendo isso impossível, a próxima coisa
a ser desejada é que, em todo momento, ao ver razão para acreditar nisso e ao
não ver a possibilidade contrária, ele deveria pensar que está nessa condição
[grifou-se].
12
Notadamente os autores se referem aos atentados ocorridos no metrô de Londres em 07 de julho de 2005,
consistente numa série de explosões que provocou a morte de 37 pessoas, especulando-se que foram provocados
pelo grupo terrorista Al Qaeda, que não assumiu a autoria (Folha de São Paulo, Mundo, 08 jul. 2005. Disponível
em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mundo/ft0807200501.htm>. Acesso em: 18 abr. 2014).
39
Esta questão da fronteira entre espaço público e espaço privado abre caminho à
reflexão sobre a mediação técnica, sobre o modo como as novas tecnologias da
informação, que incluem os media, participam da redefinição da fronteira entre
público e privado, ao misturarem em permanência lugares e actividades públicas e
privadas. O exemplo-tipo desta realidade é a publicitação da intimidade nos media
audiovisuais e na Internet, assim como, de um modo geral, a comunicação
electrónica.
Especialmente nos espaços públicos, cada sujeito que esteja dotado de um dispositivo
tecnológico capaz de captar a presença de outros, pode registrar e reproduzi-la de forma
instantânea, e para um contingente indeterminado de outras pessoas, sem qualquer autorização
prévia de tal divulgação. Em outras palavras, em poucos comandos intuitivos de um
dispositivo tecnológico (celular, smartphone, tablets) registra-se uma pessoa lendo jornal em
40
uma praça, e no instante seguinte este registro está disponível em algum espaço em rede para
livre consulta de uma infinidade indeterminável de pessoas. Ampliam-se, portanto, as
possibilidades de qualquer indivíduo estar intermitentemente infenso aos olhares alheios,
representados por tecnologias e dispositivos tecnológicos dotados de mecanismos de captação
da presença e vivência pessoal. O modelo conforma-se à visão da vigilância hierárquica
proposto por Foucault (1987, p. 143-144):
13
TERRA. Notícias. Tecnologia. Se seu carro tem um GPS, sabemos o que você faz, diz vice da Ford. 09 jan.
2014. Disponível em: <http://tecnologia.terra.com.br/se-seu-carro-tem-um-gps-sabemos-o-que-voce-faz-diz-
vice-da-ford,06b2bb1c55a73410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html>. Acesso em 15.01.2014.
42
14
Cf., disponível no website da entidade na Internet (www.ibge.gov.br).
43
ao poder instalado. Não por outra razão que a vigilância e a coleta de informações recai sobre
os cidadãos, principiando por formas de coleta de dados e monitoramento simplificado,
fluindo para refinados mecanismos de manipulação e cruzamento de informações, num
esforço quase que de predição do futuro pela identificação de riscos a partir da análise de
dados pessoais e de grupos e a projeção de probabilidades daí decorrentes.
Com efeito, segurança, bem comum e interesse público, são as justificativas
recorrentes do Estado para implantar técnicas de vigilância contínua e coletar informações
pessoais, porque seriam o pressuposto para prevenir a ocorrência de atos atentatórios àqueles
valores. Nesse exato sentido insere-se, no caso pátrio, a Lei 12.654/2012, ao prever que a
identificação criminal poderá incluir a coleta de amostras biológicas para a formação de um
banco de dados genéticos, e a extração do material genético será obrigatória.
Na linha da norma acima analisada, a sociedade da vigilância experimenta uma
importante mudança. Passa da coleta clandestina de informações para a sujeição de indivíduos
a procedimentos forçados de fornecimento de informações a seu respeito, intensificando
sobremaneira os mecanismos invasivos de vigilância e controle.
Outra circunstância propiciada pelos aparatos de vigilância da Sociedade da
Informação e ó extrapolamento das fronteiras territoriais nacionais, evoluindo para a
vigilância de um país sobre outro, a exemplo das ações praticas pela Agência Nacional de
Segurança (NSA) dos Estados Unidos, tendo por alvo vários países dos quais se coletaram
inúmeros dados de operações telefônicas e mensagens eletrônicas (e-mails) sob a justificativa
de prevenir a ocorrência de atos terroristas15.
De acordo com Bigo, Carrera, et all (2013, p. 5), a vigilância de certos grupos não é
uma fenômeno novo em regimes liberais, na medida em que grupos específicos de indivíduos
têm sido amiúde observados por serviços de inteligência, ante a suspeita de conduzir
atividades criminosas, incluindo violência política (terrorismo). A vigilância de um país sobre
outro é, porém, uma novidade, pois a rigor estas práticas eram corriqueiras em regimes
autoritários em que seus serviços de inteligência espionavam a própria população para
detectar dissidências de opinião política.
Com efeito, são os propósitos e a escala de vigilância que distinguem regimes
democráticos de estados policiais. Contudo, o domínio de tecnologias sofisticadas que
permitem acesso desautorizado e clandestino a informações pessoais rompeu esta barreira e
forneceu novos mecanismos de dominação e abalo às soberanias, o que levou a ONU, diante
15
The Guardian, World News, 06 jun. 2013. Disponível em: <http://www.theguardian.com/world/nsa>. Acesso
em: 18 abr. 2014.
45
16
Reuters Brasil, Mundo, 18 dez. 2013. Assembleia da ONU pede fim da espionagem eletrônica excessiva.
Disponível em: <http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRSPE9BI00020131219>. Acesso em: 18 abr. 2014.
46
A evolução das sociedades, apurada pelas técnicas e tecnologias, enfeixa novos ares às
tensões entre indivíduos e Estado, e sobre quem passa a ter o poder, a habilidade e a
capacidade de imiscuir-se no campo de vivência e ação individual. Não mais somente os
poderes públicos operam como intrusos na vida pessoal, mas também os próprios particulares
surgem como potenciais ameaças a esse espectro quase sagrado de um matiz de liberdade que
opõe aos demais um dever de afastamento.
17
De acordo com Vieira (2007, p. 48), “aqueles que defendem o caráter individualista dos direito de
personalidade apregoam que o foco da proteção centra-se na pessoa em si mesma, ou seja, em seu patrimônio
individual (intimidade, vida privada, honra e imagem). Aqueles que ressaltam o caráter comunitarista enfartizam
que os direitos de personalidade devem eleger como foco de proteção não apenas o indivíduo em si, mas toda a
coletividade, não se admitindo proteção a interesses egoístas de uma única pessoa em detrimento de todo um
grupo social. Com o avanço do terrorismo, a corrente comunitarista conquista cada vez mais adeptos. Analisa-se
a proteção da intimidade e da vida privada das pessoas não mais sob o aspecto do interesse individual de
invocar-se o direito subjetivo de estar só e não ser importunado por intervenções de terceiro, mas em razão dos
interesses de todo um grupo social”.
47
questiona como poderiam os direitos humanos ser considerados universais se não são
universalmente reconhecidos, e porque a necessidade de Declarações que os exponham se são
direitos tão evidentes pertencentes a cada pessoa em todos os povos. Aquilo que é evidente
não precisaria ser assim declarado. Verdadeiros direitos humanos, nessa linha de pensamento,
congraçariam três premissas essenciais, quais sejam, ser naturais, iguais e universais.
Bobbio (2004, p. 18) cogita que a edição da Declaração Universal dos Direitos do
Homem de 1948 pela ONU pôs fim às dificuldades sobre a conceituação e categorização dos
direitos humanos, pois uma vez ali reconhecidos pela maioria dos países, significa que
existem boas razões para escolhê-los, e então a problemática se deslocaria para o plano da
proteção dos direitos reconhecidos. Haveria, portanto, um consenso em torno de determinados
direitos como pertencentes ao gênero humano, desvinculados de qualquer fronteira espacial,
alheios às ideias de território e nacionalidade.
O consenso descrito por Bobbio pode ser compreendido como uma versão
pragmática e objetiva a empatia referida com Hunt (2009, p. 24-25), na medida em que
autoevidência dos direitos humanos pressupõe uma carga racional a par de uma carga
emocional, pois só são reconhecidos quando exsurgem evidentes no âmago de cada indivíduo,
e diante de sua violação sente-se horror. Trata-se de sentir-se no outro. O despertar individual,
e consequentemente coletivo, para um ou outro direito humano, e para os direitos humanos
como categoria sobranceira, pressupõe autonomia e empatia.
A empatia, por sua vez, resulta da constatação de que, mesmo ante a separação dos
corpos fomentada pela autonomia, permanece uma ligação etérea entre os indivíduos, num
certo sentido de que todos pensam e sentem mais ou menos da mesma forma. De acordo com
Hunt (2009, p. 27), necessita-se atilar que “nossos sentimentos interiores são semelhantes de
um modo essencial”.
Todavia, em que pese seu intuito universal, constata-se que a Declaração Universal
dos Direitos do Homem de 1948 não é o único instrumento explícito tendente a regular
direitos humanos. Com o mesmo desiderato tem-se a Declaração Islâmica Universal dos
Direitos Humanos de 1981, a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos de 1986, a
Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia de 2000, e a Carta Árabe de Direitos
Humanos de 2004.
Estes instrumentos também buscam dar conta dos direitos humanos e se propõem
universalizantes, e se levados a cotejo com a Declaração de 1948, encontrar-se-á inúmeras
49
A Declaração Islâmica Universal dos Direitos Humanos define o papel dos direitos
humanos no sentido de que “esses direitos têm por objetivo conferir honra e dignidade à
humanidade, eliminando a exploração, a opressão e a injustiça”19 [grifou-se].
Na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos encontra-se que “a liberdade,
a igualdade, a justiça e a dignidade são objetivos essenciais para a realização das legítimas
aspirações dos povos africanos”20 [grifou-se].
Já a Carta Árabe dos Direitos Humanos exprime a “fé da Nação Árabe na dignidade
da pessoa humana, (...)”21 [grifou-se]. Por fim, a Carta dos Direitos Fundamentais da União
18
Disponível em: <http://www.onu.org.br>. Acesso em: 19 jul. 2013.
19
Disponível em: <http://www.direitoshumanos.usp.br>. Acesso em: 19 jul. 2013.
20
Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/africa/banjul.htm>. Acesso em: 19 jul. 2013.
21
Disponível em: <http://www1.umn.edu/humanrts/instree/loas2005.html>. Acesso em: 19 jul. 2013.
50
Européia reverbera que “a União baseia-se nos valores indivisíveis e universais da dignidade
do ser humano, da liberdade, da igualdade e da solidariedade”22 [grifou-se], consolidando em
seu art. 1º que a dignidade do ser humano é inviolável e deve ser protegida e respeitada.
Dignidade humana é algo fluído, difícil de conceituar, porém é certo que existe, e
segundo Maurer (2008, p. 121-122) é carregada de diversos significados, fator que não lhe
retira a força, mas ao revés revela a riqueza com que é construída e fundamentada. E ainda
que sempre seja dotada de certo grau de indeterminação, o que inclusive possa ser uma de
suas características mais marcantes, tanto não impede a utilização e aplicação de seu
conteúdo.
Com Kant (2003, p. 66) apreende-se que a dignidade está em atribuir ao homem uma
condição tal que impeça de ser igualado a uma coisa, de sorte que uma pessoa não está sujeita
a outras leis que não àquelas que atribui a si mesma, fundadas num princípio de autonomia e
virtude, ao passo que a coisa é carente desta liberdade. As coisas, portanto, têm um valor
traduzido em preço e podem ser substituídas por outras, ao passo que a pessoa tem um valor
inato, inerente à sua humanidade, que é a dignidade, não passível de substituição.
Nesse passo é que Baez (2010, p. 26) apresenta intrigante compreensão da dignidade
22
Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf>. Acesso em: 19 jul. 2014.
51
da pessoa humana, conformada por uma dimensão básica e uma dimensão cultural. Na
primeira estaria o direito de autodeterminação do ser humano segundo sua razão quanto a
questões essenciais da própria existência. Na segunda estariam presentes valores de uma
determinada moral cultural histórica e geográfica, representativa daquilo que se elege como
caracteres informadores de uma vida digna autoproduzida dentro de determinada cultura.
Esta visão bidimensional da dignidade da pessoa humana tem importante relevo diante
das comunidades multiculturais com as quais se depara hodiernamente, e pode funcionar
como catalizador do reconhecimento e efetivação de direitos humanos em meio às diferenças
e igualdades entre os povos.
23
Alguns exemplos das frequentes violações de direitos humanos, de acordo com relatórios da Human Rights
(2014): i) estima–se que 6500 pessoas foram mortas em combate armado no Afeganistão em 2007, quase a
metade delas foram mortes de civis não combatentes nas mãos de insurgentes. Centenas de civis também foram
mortos em ataques suicidas por grupos armados; ii) no Brasil em 2007, conforme os números oficiais a polícia
matou pelo menos 1260 pessoas, o total mais elevado até à data. Todos os incidentes foram qualificados
oficialmente como “atos de resistência” e receberam pouca ou nenhuma investigação; iii) na Uganda, 1500
pessoas morrem a cada semana nos acampamentos de pessoas internamente refugiadas. De acordo com a
Organização Mundial da Saúde, 500.000 morreram nestes acampamentos; iv) as autoridades vietnamitas levaram
à força pelo menos 75.000 dependentes de drogas e prostitutas para 71 acampamentos de “reabilitação”
superlotados, qualificando os detidos como “de alto risco” de contrair HIV/SIDA, mas sem prover nenhum
tratamento; v) em 2008, as autoridades dos EUA continuaram a manter 270 prisioneiros na Baía de Guantánamo,
Cuba, sem acusação ou julgamento, sujeitos a "water–boarding," uma tortura que simula o afogamento. O antigo
Presidente, George W. Bush, autorizou a CIA a continuar com a detenção e interrogação secretas, apesar das
mesmas violarem a le internacional; vi) em Darfur a violência, as atrocidades e o sequestro são predominantes, e
a ajuda externa está praticamente cortada. Em especial as mulheres são vítimas de ataques incessantes, com mais
de 200 violações na vizinhança de um acampamento de pessoas refugiadas num período de 5 semanas sem
nenhum esforço por parte das autoridades para castigar os autores; vii) na Argélia, refugiados e pessoas em
procura de asilo foram vítimas frequentes de detenção, expulsão ou maus tratos; vii) na China os praticantes de
Falun Gong foram escolhidos para tortura e outros maus tratos enquanto estavam em detenção. Os cristãos foram
perseguidos por praticarem a sua religião fora dos canais aprovados pelo Estado; viii) a Rússia reprimiu a
dissidência política, exerceu pressão sobre meios de comunicação independentes ou fechou e perseguiu
organizações não governamentais. Manifestações públicas pacíficas foram dispersadas à força e advogados,
defensores dos direitos humanos e jornalistas foram ameaçados e atacados.
52
Por outro lado, ao se admitir que para a validade dos direitos humanos nas fronteiras
internas dos países é necessário que sejam positivados, e que esta positivação consiste em um
processo de escolha, infere-se que a eleição entre um e outro direito é consequência direta dos
valores e princípios de uma comunidade, de sua moral, e logo de sua cultura, o que dá vazão à
atuação da vertente relativista dos direitos humanos, porque dependentes de fatores culturais.
se faz entre os vários direitos humanos no processo de positivação para direitos fundamentais:
a responsabilidade com aqueles do grupo a que se pertence justifica a positivação de direitos
em detrimento de outros.
Daí porque Lucas (2010, p. 254) defende que o fundamento universalista dos direitos
humanos está em reconhecer que universalmente todos os homens são seres humanos, e que
também universalmente estão situados em determinada cultura; o que os difere é a cultura em
que inseridos. Esta inferência é universal e essencial, e denuncia no que os homens são iguais,
e para o que se deve ter empatia pra vê-los autoevidentes. Mas a partir da igualdade universal
pela pertença ao gênero humano, vislumbra-se também a diferença pela imersão em uma
cultura quando é exercida a vivência, pois o homem só se reconhece imbuído de uma cultura
se também reconhece que existe o outro culturalmente diferente, ainda que pertencente ao
gênero humano.
Para que uma norma constitucional possa ser caracterizada como norma de direito
fundamental, segundo proposição de Alexy (2012, p. 67-68), pode-se utilizar de um critério
extremamente formal atinente à sua positivação explícita na redação topológica do texto
constitucional, ou seja, serão disposições de direitos fundamentais aquelas incluídas em
capítulo ou tópico intitulado como sendo sobre direitos fundamentais. Nessa linha enquadra-
se o art. 5º da Constituição Federal de 1988, porquanto alocado dentro do intitulado “Capítulo
II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, o que corrobora a assertiva de Alexy (2012, p.
68) de que “normas de direitos fundamentais são as normas diretamente expressas por essas
disposições” [destaque no original], sendo que neste conjunto chamam-se disposições de
direitos fundamentais as normas contidas em um capítulo formalmente preparado para
englobar direito fundamentais.
O critério formal da positivação, ainda que válido, não é suficiente, pois não é raro que
uma verdadeira norma de direito fundamental possa estar espraiada ao longo do texto
constitucional, acidental ou propositalmente fora do conjunto de disposições explicitamente
denominadas como regentes de direitos fundamentais. Sarlet (2008, p. 87) pontua que a
conceituação meramente formal de direitos fundamentais também é insuficiente para a análise
de Constituição Federal brasileira de 1998, a Carta Magna “admite expressamente a existência
de outros direitos fundamentais que não aqueles integrantes do catálogo (Título II da CF), seja
com assento na Constituição, seja fora desta”.
Exemplo disso pode ser visto no art. 228 da Constituição Federal brasileira de 1988
que estabelece a inimputabilidade dos menores de 18 (dezoito) anos. Essa norma, fora do
conjunto formal tópico dos direitos fundamentais, é daquelas chamadas por Alexy (2012, p.
68), baseado em Frierich Klein, de “disposições periféricas associadas”, incluídas no conjunto
das normas de direitos fundamentais.
24
É curioso perceber que a idéia de que o soberano não estava sujeito a qualquer limite nas suas decisões e
atuações vem exposta nos estudos de responsabilidade civil quando abordam o chamado período da
irresponsabilidade estatal, representado pelo adágio “the king can do not wrong”.
25
De acordo com Bonavides (2005, p. 563-572), “os direitos de primeira geração são os direitos de liberdade, os
primeiros a constituírem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos (...). Já os
direitos de segunda geração são os direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de
coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram
por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século (...). os direitos de terceira geração (...) não se
destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de determinado Estado.
Têm por destinação o gênero humano mesmo (...). A teoria já identificou cinco direitos da fraternidade, ou seja,
da terceira geração: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de
propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação. (...) são direitos de quarta
geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização
da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-
se no plano de todas as relações de convivência”.
26
Cumpre registrar que o citado autor não reduz sua compreensão sobre direitos fundamentais a direitos de
defesa, pois este é um dos conjuntos sobre os quais discorre na obra Teoria dos Direitos Fundamentais. Além
destes, Alexy (2012, p. 201 e ss.,) contempla explicitamente direitos a ações positivas.
57
de médicos no sistema público de saúde, ou uma ação normativa, como a edição de leis que
dêem concreção aos comandos constitucionais, valendo como ilustrativo o disposto no art. 48
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal brasileira de
1998, que impôs a obrigatoriedade da elaboração de um Código de Defesa do Consumidor27.
Mas seja pelos direitos que exigem uma abstenção, ou aqueles que reclamam uma
prestação, há uma característica comum nos direitos fundamentais até então expostos, qual
seja a oponibilidade, exigência e vinculação do Estado, nas relações estabelecidas com os
particulares. Surge, porém, um passo adicional na efetivação e concretização dos direitos
humanos transmudados em direitos fundamentais, traduzido do elastecimento da vinculação
para abranger os particulares nas relações puras entre si.
A toda evidência, direitos fundamentais nunca perderam sua essência que é ser
obstáculo à atuação do Estado, que pode ser lido como uma barreira em prol dos indivíduos
contra a atuação dos poderes constituídos. Todavia, nas sociedades capitalistas
27
“Art. 48. O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará
código de defesa do consumidor” (ADCT)
58
O exercício de poder tem como efeito imediato a exclusão daqueles que não ostentam
o mesmo poder, o que na via dos particulares cria relações assimétricas, dando vazão a
prováveis violações a direitos fundamentais, reclamando, portanto, a defesa da vinculação dos
particulares a direito fundamentais.
“Não confio em quem carrega suas coisas em sacolas de papel”, diz Elizabeth Liz
Garfiel a seu filho Bobby Garfiel, ao ver o novo vizinho, Ted Brautigan, descarregando
sacolas e levando-as para sua residência. A cena acima é do filme Lembranças de Um
Verão28, e mostra a indignação da personagem Elizabeth ao ver que um vizinho trazia objetos
em sacolas de papel opacas, cujo conteúdo não podia ser conhecido de fora.
A indignação de Elizabeth por Ted ocultar os objetos que trazia consigo em sacolas
opacas leva automaticamente a reputá-lo indigno de confiança, sem ao menos conhecê-lo,
traduzindo uma ideia de que aquele que se propõe a deixar algo fora do conhecimento de
terceiros o faz por razões escusas e ilegítimas. Esta linha de pensamento liga-se à frase “a luz
do sol é o melhor dos desinfetantes” pronunciada por Louis Brandeis, ex-juiz da Suprema
Corte dos EUA em 1903, pondo em destaque o homem que nada tem a esconder sobre o qual
28
LEMBRANÇAS DE UM VERÃO (Hearts in Atlantis). Direção de Scott Hicks. Beverly Hills: Castle Rock
Entertainment. Dist. Warner Bros., 2001. 1 filmes (1h41min): legendado, colorido, 35mm.
59
fala Rodotà (2008, p. 25), materializando a concepção do “homem de vidro”, aquele que pode
ser transfixado pelos olhares alheios.
Os indivíduos se tornaram mais autônomos à medida que sentiam cada vez mais a
necessidade de guardar para si mesmos os seus excretos corporais. O limiar da
vergonha baixou, enquanto a pressão por autocontrole aumentou. O ato de defecar
ou urinar em público tornou-se cada vez mais repulsivo. As pessoas começaram a
usar lenços em vez de assoar o nariz com as mãos. Cuspir, comer numa tigela
comum e dormir numa cama com um estranho tornaram-se atos repugnantes ou ao
menos desagradáveis. As explosões violentas de emoção e o comportamento
agressivo passaram a ser socialmente inaceitáveis. Essas mudanças de atitude em
relação ao corpo eram as indicações superficiais de uma transformação subjacente.
Todas assinalavam o advento do indivíduo fechado em si mesmo, cujas fronteiras
tinham de ser respeitadas na interação social. A compostura e a autonomia
requeriam uma crescente autodisciplina.
(...)
A elite da sociedade parisiense começou a insistir numa variedade de quartos para
uso privado, que iam desde os boudoirs (que vem do francês bouâer para "amuar-
se" — um quarto para expressar seu mau humor em privado) à toalete e aos quartos
de banho. Ainda assim, o movimento em direção à privacidade individual não deve
ser exagerado, ao menos na França. Os viajantes ingleses queixavam- se
incessantemente da prática francesa de três ou quatro estranhos dormirem n um
mesmo quarto numa hospedaria (ainda que em camas separadas), do uso de
lavatórios à vista de todos, do ato de urinar na lareira e do de jogar o conteúdo dos
penicos na rua pelas janelas.
29
Para Doneda (2006, p. 105-106), Warren e Brandeis não restringiram a privacidade ao “direito de ser deixado
só” (right to be alone), e esta compreensão deve-se a uma associação feita na obra do magistrado Thomas
Cooley, sendo que Warren e Brandeis teriam apresentado uma perspectiva mais aberta de privacidade.
60
Rousseau (2006, p. 23) apresenta uma relação de integração do indivíduo que, pelo
contrato social, submete-se reciprocamente a espaços públicos e privados, ressaltando que
“cada indivíduo, contratando, por assim dizer, consigo mesmo, acha-se comprometido numa
dupla relação, a saber: como membro do Estado em face dos particulares e como membro do
Estado em face do soberano”. Na visão rousseauniana, a vontade geral reflete-se na
coletividade, no espaço público, sobrepondo-se ao privado.
os espaços públicos (esfera públicas) nos quais, por meio do agir comunicativo, se propiciaria
a intermediação entre sociedade e Estado.
a aparência — aquilo que é visto e ouvido pelos outros e por nós mesmos constitui a
realidade. Em comparação com a realidade que decorre do fato de que algo é visto e
escutado, até mesmo as maiores forças da vida íntima ... vivem uma espécie de vida
incerta e obscura, a não ser que, e até que, sejam transformadas, desprivatizadas e
desindividualizadas, por assim dizer, de modo a tornar-se adequadas à aparição
pública.
(...)
A realidade da esfera pública conta com a presença simultânea de inúmeros aspectos
e perspectivas nos quais o mundo comum se apresenta e para os quais nenhuma
medida ou denominador comum pode jamais ser inventado.
Martins (2005, p. 157), por sua vez, pressupõe um aspecto diferenciado dos espaços
públicos, apontando que “em termos sociais, todavia, o espaço público designa a constituição
de uma intersubjectividade prática, do reconhecimento recíproco como sujeitos, da ligação
das pessoas e do encadeamento das suas acções na cooperação social”. E nesse propósito,
Habermas (2003, p. 93), prospecta que
(...) as esferas públicas ainda estão muito ligadas aos espaços concretos de um
público presente. Quanto mais elas se desligam de sua presença física, integrando
também, por exemplo, a presença virtual dos leitores situados em lugares distantes,
de ouvintes ou espectadores, o que é possível através da mídia, tanto mais clara se
torna a abstração que acompanha a passagem da estrutura espacial das interações
simples para a generalização da esfera pública.
pode olvidar que o reconhecimento de um ambiente ser espaço privado ou público também
está condicionado a um determinado momento histórico, e até mesmo no contingente cultural
de determinada comunidade, pois quanto mais individualista for o pensamento cultural, mais
espaços privados existirão, e do contrário, quando mais coletivo e transcendente ao indivíduo
for determinada cultura, avolumar-se-ão os espaços públicos.
Ao presente estudo importa, pois, a qualificação dos espaços públicos e privados por
seu cunho institucional e jurídico, na linha prelecionada por Martins (2005, p. 158):
Por sua vez, pelo critério institucional ou jurídico, são qualificados como públicos os
lugares ou os problemas que relevam de uma instituição pública. Neste caso, o
privado opõe-se ao público e o segredo ou a inacessibilidade constituem a condição
da sua protecção. Podemos falar então do domicílio ou da empresa, que relevam de
uma autoridade privada, e das ruas ou das praças, que relevam da ordem pública.
Dada esta incerteza, fica claro que não existe um espaço público natural e que a
nossa atenção deve recair não apenas na evolução e na porosidade da fronteira entre
público e privado, mas também na evolução das significações que estas noções
revestem, por exemplo, nas deslocações entre uma acepção física concreta e uma
acepção imaterial do espaço público.
É certo, porém, que a fronteira entre espaços públicos e privados nem sempre é
pressentida e facilmente identificada, dado que experimentam um latente processo de
imbricação decorrente da própria dinâmica dos sujeitos neles insertos e por meio deles
reciprocamente envolvidos.
A rigor, os espaços públicos e a vida pública são marcados pela ampla visibilidade,
pela divulgação e publicidade. Em contraposição, os espaços privados e igualmente a vida
privada consubstanciam-se na esfera de resguardo do indivíduo, daquilo que permite o
isolamento da vida, o sigilo das relações, o desaparecimento da vivência aos olhos alheios. No
plano da vida não divulgável, dos espaços não-públicos, reside a privacidade.
Há, portanto, razoável consenso entre inúmeras nações, e por mais de um instrumento
declaratório, que a privacidade é um direito inerente a todo ser humano e merece ser protegida
e assegurada.
Infere-se, pela análise dos instrumentos internacionais e internos acima referidos que
a privacidade tem estreita proximidade com intimidade, por vezes tratada como sinônimos.
Entretanto, entende-se que são aspectos e direitos não unívocos, sendo importante traçar suas
distinções. A própria doutrina que se dedica ao assunto não é uniforme a respeito, como
expõe Doneda (2006, p. 101) ao mencionar que se há uma profusão de termos, por vezes sem
muito critério, para tratar dos aspectos envolvidos por ela, dentre os quais destaca vida
privada, intimidade, segredo, sigilo, recado, reserva, e outros.
No caso pátrio, pela dicção dada ao art. 5º, X, da Constituição Federal de 1988,
65
percebe-se que o constituinte originário contemplou direitos distintos, ainda que próximos,
isto porque reconheceu como direitos fundamentais a intimidade e a vida privada. Com efeito,
o constituinte desdobrou a vida privada em uma faceta ainda mais específica, sob o caráter de
um direito à intimidade, defendendo Mendes e Branco (2012, p. 315), ainda que não percam
de vista que privacidade e intimidade possuem arestas de contato, que:
Inegável que para os autores acima citados visa-se proteger a pessoa da interferência
e intromissão alheia, por isso o foco consiste em almejar por a salvo de qualquer curiosidade e
expectação desautorizada. A questão da distinção entre privacidade e intimidade, sua
intensidade e espécies de manifestações pessoais, modo de ser e relações que podem conter,
são tuteladas por cada direito.
A intimidade, de acordo com Farias (1996, p. 114) protege o modo de ser de cada
indivíduo a ponto de excluir do conhecimento alheio estas circunstâncias que se relacionam
exclusivamente à própria pessoa, impedindo a indiscrição alheia sobre assuntos puramente
privados, alcançando ligação com o princípio da exclusividade inerente à esfera privada,
assim identificado por Hannah Arendt, em contraponto ao princípio da igualdade que é
essencial à esfera pública. Lafer (1998, p. 267-268) mostra, a partir do pensamento trilhado
por Hannah Arendt, que o princípio da exclusividade contrasta com o conformismo social,
enaltecendo o individualismo e a autonomia, deixando em um plano valorativo secundário o
ajustamento às regras sociais.
A exclusividade inerente à intimidade faz com que esta alcance, segundo discorre
Farias (1996, p. 114-115), uma discrição pessoal inerente a acontecimentos atomizados da
vida pessoal, envolvendo, por exemplo, dados pessoais, vida amorosa e conjugal, saúde física
e mental, costumes domésticos reservados pela pessoa para si.
66
A vinculação daquilo que não deve ser levado ao conhecimento alheio em virtude de
um princípio de confiança, decorrente do dever de confidencialidade entre indivíduos unidos
por uma relação intersubjetiva qualquer, amiúde negocial, é esposada por Cachapuz (2006, p.
92-93) a partir de caso da jurisprudência inglesa sobre a publicação não autorizada de
fotografias do casamento de um casal de artistas. A violação à privacidade ocorreria, neste
particular, pela quebra da crença de que a informação seria mantida apenas entre as partes
envolvidas contratualmente.
A vista destas ponderações doutrinárias quer parecer que a distinção básica entre
privacidade e intimidade pressupõe a ideia de relação, isto é, se tratará como privacidade o
direito de proteger do conhecimento e intervenção externa as informações e aspectos de atos e
fatos do indivíduo com outro – porque estas informações só interessam aos envolvidos – , ao
passo que será intimidade o direito de impedir que qualquer pessoa tenha conhecimento sobre
fatores da relação do indivíduo consigo mesmo. A privacidade pode ser entendida, portanto,
como um aspecto maior que abrange um destacamento mais profundo concebido como
intimidade. E são essas as premissas distintivas entre privacidade e intimidade adotadas no
presente estudo.
Estas vinculações a aspectos físicos ainda prevalecem, e são importantes, mas não
resumem do direito à privacidade, senão lhe conferem complexidade. Basta notar que na
Constituição Federal de 1988 encontram-se os direitos fundamentais de inviolabilidade de
domicílio (art. 5º, XI), de correspondência, de comunicações e dados (art. 5º, XII).
30
David Augusto Röder, jurista e filósofo alemão, escreveu em 1846 o trabalho “Grundzüge des naturrechts”
(características básicas do direito natural), onde apontava como alguns atos considerados violadores de um
direito natural à vida privada, a exemplo de “incomodar alguém com perguntas indiscretas” ou “entrar em um
aposento sem se fazer anunciar”.
31
Após a morte da famosa atriz Francesa Elisa Rachel, seus retratos no leito de morte foram publicados em
grande número, levando sua irmão a pedir ao Tribunal Civil de la Siene que determinasse a interrupção das
publicações, pedido que foi acolhido em respeito à dor dos familiares.
68
32
Nos Estados Unidos, em 15 de dezembro de 1890 foi publicado na Harvard Law Review, o artigo intitulado
The Right To Privacy, escrito pelo advogado Samuel D. Warren, estudo que é frequentemente tomado como a
primeira declaração implícita de um direito dos EUA de privacidade. Warren e Brandeis escreveram que a
privacidade é o “direito de ser deixado em paz” e tem por foco proteger os indivíduos. Esta abordagem foi uma
resposta aos recentes desenvolvimentos tecnológicos da época, como a fotografia, e jornalismo sensacionalista,
também conhecido como “jornalismo amarelo”.
69
Daí porque passou a ser comum falar-se em direitos ao nome, honra, imagem,
70
intimidade, privacidade, corpo, integridade física e psíquica, e outros, que acabaram sendo
encampanados pelas legislações civis. Direitos de personalidade, nessa via, podem ser
considerados aqueles essenciais à pessoa, inerentes a ela e extrapatrimoniais, ainda que
quanto a este último carácter seja ao menos em princípio.
Podem ser concebidos, ademais, como aquele conjunto de direitos que asseguram o
mínimo necessário ao conteúdo de personalidade, próprios da pessoa, logo inatos, aptos a
dotar a pessoa do poder de proteger sua essência como ser humano e suas qualidades.
Seguindo a definição clássica elaborada por Limongi França (1975, p. 411), os direitos
da personalidade representam todo o espectro físico, psíquicos e morais do indivíduo. No
conjunto dos aspectos físicos ingressam a vida, a integridade física, a imagem. No aspecto
psíquico está a liberdade de pensamento, a intimidade, o segredo. E no aspecto moral
encontram-se a identidade pessoal, a honra, as criações intelectuais.
Importante notar que a junção de aspectos físicos, psíquicos e morais, revela a pessoa
digna de respeito e proteção em todas essas dimensões que lhe constituem, o que somente se
faz possível a partir da tutela de sua personalidade, fator que propicia espaço para o
desenvolvimento pessoal de sua humanidade. Daí porque Miranda (2013, p. 11177) aduz que
o objetivo jurídico da tutela da personalidade é assegurar e proteger a identidade, a capacidade
da pessoa desenvolver suas características individuais e pessoais, seu pensamento, suas ações,
valores, enfim, tudo que lhe permite Ser um ser único, autônomo e extremado dos demais, no
sentido de uma personalidade inconfundível.
Nessa raia, direitos de personalidade, por exaltarem a pessoa como ser de identidade
única digna de tutela e a quem deve ser garantido o direito ao livre desenvolvimento de sua
condição humana, portando de sua personalidade, provocam a retomada da liberdade, da
33
O Código Civil brasileiro vigente (Lei 10.406/2002) buscou regular os direitos de personalidade entre seus art.
11 a 22, em capítulo denominado “Dos Direitos da Personalidade”.
72
autonomia privada em sentido tanto interno quanto externo. Nos moldes preconizados por
Miranda (2013, p. 11178), garante-se a autonomia de se construir uma personalidade livre da
intervenção de terceiros, refletindo em um direito à individualidade resultante da confluência
de liberdades de agir e não interferência ou impedimentos.
Por primeiro, no próprio art. 5º, X, tem-se a garantia do direito fundamental à imagem,
inegavelmente um direito de personalidade. O nascedouro da proteção à imagem, conforme
relata Farias (1996, p. 120-121), está com o direito a intimidade, muito em decorrência da Lei
34
Na linha desta teoria, a esfera mais íntima (intimsphäre), mais interna e atinente ao indivíduo consigo mesmo,
sendo absoluta. A esfera secreta (Geheimnisphäre) teria uma maior abrangência que a anterior por abarcar
determinadas pessoas que fazem parte da vida recôndita do cidadão e conhecem determinados segredos. Por fim,
a esfera privada (Privatsphäre), mais abrangente que as outras, engloba fatos cujo conhecimento é adstrito a
determinado círculos de pessoas, ficando alheia apenas a grande coletividade que não tem pertinência com
aqueles fatos.
73
Alemã da Fotografia, em 1876. Não é raro que a violação do direito à imagem traga
embutido, e até mesmo como questão precedente, a violação à privacidade, especialmente
quando se trata da captação de imagem sem prévio consentimento da pessoa a que se refere.
A estreita vinculação entre imagem e privacidade foi enfocada pelo Supremo Tribunal
Federal no julgamento do ARE 756917 AgR/SP, onde discutiu-se se haveria ofensa a
privacidade pela publicação de fotografias pessoais em jornal de grande circulação. Nesse
particular caso, a Corte Constitucional brasileira concluiu que se as fotografias foram antes
disponibilizadas na Internet pelos próprios autores (de quem elas se referiam), em ambiente
público que permitia o acesso irrestrito de qualquer pessoa, não existiu violação à
privacidade35.
35
(STF – 1ª Turma - ARE 756917 AgR – Rel. Min. Luiz Fux – j. 29.10.2013 – DJE 19.11.2013. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 01.06.2014).
36
Qualifica-se a chamada publicidade subliminar que se define por qualquer estímulo realizado abaixo do limiar
da consciência que produz efeitos na atividade psíquica e mental do indivíduo, termo esse inventado por James
Vicary, especialista em marketing americano, no ano de 1957.
74
pensamento no seu aspecto interno, Schreiber (2013, p. 167-168) discorre sobre o risco em
potencial do mecanismo de cookies37, amiúde utilizados em operações de comércio
eletrônicos.
Autonomia em privacidade, portanto, diz respeito às decisões que se pode tomar sobre
sua própria personalidade, não sendo dado decidir sobre aspectos da personalidade alheia, sob
qualquer justificativa, seja ela de índole moral, jurídica ou política, e outras mais.
37
Os cookies, que são pequenos arquivos com informações do consumidor – seus rastros na consulta por
produtos e serviços – permitem reconhecer o usuário e podem levar à identificação de supostas preferências
deste, apresentando produtos que o manipulador das informações, notadamente o fornecedor, considera afinadas
com o perfil daquele consumidor.
75
(...) nada mais íntimo e mais privado para os indivíduos do que a prática da sua
própria sexualidade. Implicando o silêncio normativo da nossa Lei Maior, quanto a
essa prática, um lógico encaixe do livre uso da sexualidade humana nos
escaninhos jurídico-fundamentais da intimidade e da privacidade das pessoas
naturais. Tal como sobre essas duas figuras de direito dispõe a parte inicial do art.
10 da Constituição, verbis: ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a
imagem das pessoas’.
(...)
Daqui se deduz que a liberdade sexual do ser humano somente deixaria de se
inscrever no âmbito de incidência desses últimos dispositivos constitucionais (inciso
X e §1º do art. 5º), se houvesse enunciação igualmente constitucional em sentido
diverso. Coisa que não existe. Sendo certo que o direito à intimidade diz respeito
ao indivíduo consigo mesmo (pense-se na lavratura de um diário), tanto quanto
a privacidade se circunscreve ao âmbito do indivíduo em face dos seus parentes
e pessoas mais chegadas (como se dá na troca de e mails, por exemplo) [grifou-se].
No caso acima esquadrinhado pelo Supremo Tribunal Federal construiu-se uma fina
vinculação entre a liberdade sexual e a intimidade, resultando no reconhecimento de que a
sexualidade humana está circunscrita ao âmbito da privacidade. Na análise dos votos
edificados no julgamento em foco, localiza-se a enfática tutela de proteção ao uso concreto da
sexualidade, elemento extremamente íntimo sobre o qual ninguém além do indivíduo, ou de
76
quem com ele envolto, possam conhecer e decidir a respeito. A esse modo, o Ministro-Relator
Ayres Britto altercou que “nada é de maior intimidade ou de mais entranhada privacidade do
que o factual emprego da sexualidade humana”.
Ademais, o julgado fez uma sutil distinção entre intimidade e privacidade, reputando a
primeira como a relação do indivíduo consigo mesmo, e a última como a relação estabelecida
com outras pessoas elegidas, deixando a margem terceiros sem pertinência nesta vinculação.
É, pois, exatamente a diferenciação adotada no presente estudo alhures esboçada.
Além disso, a exemplo do elo traçado por Cohen (2012, p. 81), o supracitado julgado
do Supremo Tribunal Federal em foco, na dicção do voto do Ministro Luiz Fux, ressaltou a
vertente da autonomia decisional que deflui da privacidade, quando discorreu que a pessoa
homossexual faz uma escolha – ato resultando de sua autonomia decisional – entre tornar
pública sua opção sexual ou vive-la secretamente. Assim, continuou o referido Ministro,
“(Pre)determinada a sua orientação sexual, resta-lhe apenas escolher entre vivê-la
publicamente, expondo-se a toda sorte de reações da sociedade, ou guardá-la sob sigilo,
preservando-a sob o manto da privacidade, de um lado, mas, de outro, eventualmente
alijando-se da plenitude do exercício de suas liberdades” [grifou-se].
Há um conjunto de dados pessoais que merece maior proteção por estarem ligados a
aspectos substancialmente íntimos do Ser, que fazem parte da sua constituição como pessoa,
que erigem sua identidade e lhe fornecem espaço para existência em autonomia, livre de
qualquer tolhimento ou intromissão. Nesse aspecto, podem ser reputados como dados
sensíveis aqueles atinentes à saúde, religião, ideologia política, opção sexual, etc. Dados
sensíveis, de acordo com Rodotà (2008, p. 78) devem constituir o núcleo duro da privacidade,
pois carregam em si a força de se tornarem focos de discriminação das pessoas a que se
referem.
77
Uma busca por efetiva proteção dos dados pessoais, reconhecendo a necessidade de
cessão de determinadas informações para algumas ações, ao lado da percepção de um
interesse individual na autoexposição, e ainda as facilidades com que a vigilância eletrônica
pode conferir visibilidade à vida humana, são os fatores que permitem discutir a defesa de
uma legítima expectativa de privacidade da Sociedade da Informação.
38
Nesse sentido, Lyon (2010. p. 115) fala de uma “sociedade expectadora”, de um “sinóptico”, onde muitos
observam poucos. Na linha de pensamento exposta por este autor, é possível dizer que as tecnologias levaram a
um cenário onde todos observam todos.
79
pessoais fornecidos ou coletados, por vezes de forma não mito transparente, consiste em um
novo perigo à autonomia pessoal e à dignidade humana, desponta o direito de manter controle
sobre os dados pessoais como uma nova dimensão da tutela da privacidade.
Não que o sentido clássico da privacidade tenha sido abandonado, e nem o deve, pois
continua relevante e imprescindível para impedir a intromissão dos poderes públicos ou dos
intentos privados. O direito de estar só, de opor uma barreira intransponível ao acesso alheio
ainda permanece e é essencial na Sociedade da Informação em que mecanismos tecnológicos
cada vez mais sofisticados - micro câmeras, dispositivos de captação sonora, de visualização
de fontes de calor, e outros - permitem adentrar, à distância, no âmago das vidas e
relacionamentos humanos.
Esta percepção já era partilhada há muito por Doneda (2000, p. 120) ao apontar para
“uma transformação na definição do direito à privacidade, do ‘direito de ser deixado em paz’
para o ‘direito a controlar o uso que outros fazem das informações que me digam respeito’”.
Um exemplo concreto da preocupação ressaltada pelo jurista acima citado pode ser
visualizado no exame de um caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Paraná que envolvia a
prisão errônea de uma pessoa, confundida com outro por ter o mesmo nome que o indivíduo
verdadeiramente procurado pelas autoridades policiais40. Dos autos desta demanda consta que
o Instituto de Identificação inseriu os nomes errados na filiação do indivíduo preso
indevidamente, e estes foram os fatores levados em conta para ter sua prisão efetivada e ficar
encarcerado por 12 (doze) anos. A responsabilização estatal no caso decorreu de decisões e
atos de autoridades baseados em dados pessoais.
Inegável que no caso acima relatado a pessoa concreta e sua personalidade foram
postas em segundo plano, privilegiando-se o Ser Informacional, que não correspondia ao ser
real, e desaguando em grande prejuízo. O caso alerta para o risco das ações com base em
dados pessoais.
Para propugnar uma tutela em torno dos dados pessoais, entretanto, mostra-se
necessário traçar contornos a respeito desta categoria. Doneda (2006, p. 152) menciona que os
termos “informação” e “dado” são utilizados frequentemente como sinônimos, referindo-se a
um fato ou aspecto da realidade. Todavia, a fundo são aspectos distintos. O dado seria uma
pré-informação numa acepção mais primitiva e fragmentada, ao passo que a informação seria
a representação decorrente do dado propiciando o conhecimento sobre algo.
No plano geral dos dados, têm relevância ímpar os dados atinentes às pessoas,
universo no qual Echterhoff (2010, p. 156) apresenta uma distinção entre dados não
nominativos e dados nominativos. Os primeiros transparecem como dados anônimos, amiúde
estatísticos, econômicos, políticos, sociais, não relacionados diretamente com nenhuma
pessoa específica. Já os dados nominativos são aqueles que de forma direta ou indireta
identificam uma pessoa ou permitam a identificação.
39
Cf., Capítulo 1, Seção 1.2.
40
TJPR - 4ª Câmara Cível – ACR nº. 359904-0 – Rel. Adalberto Jorge Xisto Pereira - j. 06.03.2007. Disponível
em: <http://www.tjpr.jus.br>. Acesso em: 21 jun. 2014.
81
consonância com a proposta de Vieira (2007, p. 255), como aqueles atinentes a determinada
pessoa identificada ou identificável. Os dados pessoais traduzem alguma mensagem, direta ou
indireta sobre o indivíduo a que se referem, e figuram nesta categoria também aqueles dados
que mesmo não relacionados a pessoa identificada permite a identificação quando associados
a outros dados.
Os dados sensíveis, de acordo com Doneda (2006, p. 160-161), são aqueles que se
coletados e processados surtem um potencial de discriminação ou de lesividade aos titulares, e
em alguns casos até para coletividades. A rigor, no conjunto de dados sensíveis estariam os
relacionados a raça, convicções políticas, credo religioso, opção sexual, históricos médicos,
aspectos genéticos. Por outro lado, os dados não sensíveis, conforme expõe Echterhoff (2010,
p. 157), são aqueles considerados de domínio público, não reservados ao seu titular, a
exemplo de nome, estado civil, domicílio, profissão.
Invocando a teoria alemã das esferas da privacidade, Vieira (2007, p. 256) traça uma
classificação alternativa dos dados pessoais, suscitando a existência de dados em três níveis:
dados não-sensíveis, dados sensíveis e dados de tratamento proibido. Os primeiros estariam
alocados na esfera privada (Privatsphäre), os segundos na esfera da intimidade (Intimsphäre),
e os últimos na esfera do segredo absoluto (Geheimsphäre).
Na tríade de dados pessoais acima apresentada, os dados não sensíveis podem ser
82
A necessidade de uma tutela especial a estes dados leva alguns estudiosos a defender a
existência de um direito autônomo à proteção de dados pessoais, justificando Zanon (2013, p.
146) que isto seria resultado da incapacidade do tradicional direito à privacidade contemplar
proteção eficaz diante das novas circunstâncias e complexidades da Sociedade da Informação.
Enquanto a privacidade tocaria aquilo que é privativo, confidencial e secreto, a proteção dos
dados pessoais tutela aquilo que é inerente ao próprio indivíduo, que lhe é pessoal. Além de
significar o direito de se opor contra intromissões estatais e privadas na esfera particular, a
proteção de dados pessoais mostra-se afeta à autonomia decisional, conferindo à pessoa,
segundo continua Zanon (2013, p. 147), o poder de controlar “até onde vai a sombra que paire
sobre as informações que lhe respeitam, construindo-se como uma liberdade de determinar o
usos dos próprios dados”.
Percebe-se que a ideia de um direito singular à proteção dos dados pessoais não é
essencialmente nova, tendo constado explicitamente na Carta de Direitos Fundamentais da
União Européia ao incluir como um direito contido no conjunto das liberdades, conforme a
dicção de seu art. 8º, item 1: “todas as pessoas têm direito à protecção dos dados de carácter
pessoal que lhes digam respeito”. O item 2 do mesmo artigo ainda prevê que o tratamento que
se dê aos dados pessoais deve ser leal, para fins específicos, e precedido do consentimento da
pessoa a que se referem, além de que às pessoas é assegurado o direito de acesso aos dados
coletados que lhes digam respeito e pleitear retificações quando necessárias.
Com efeito, a normatização da Comunidade da União Européia é a mais profusa na
disciplina da proteção aos dados pessoais. Notadamente que também existem
regulamentações do direito norte-americano, sobremodo baseadas no chamado right to
83
bem como o bloqueio, apagamento ou destruição” (art. 2º), e estipula em seu art. 7º alguns
princípios aplicáveis a este tratamento como forma de assegurar a proteção dos dados
pessoais envolvidos nestes processos.
Ainda que a Lei 12.527/2011 reconheça restrição especial à coleta de dados pessoais
concernentes à intimidade, vida privada, honra e imagem, e necessidade de consentimento do
titular para divulgação, por outro lado o seu art. 31, § 1º dá abertura para a possibilidade de
coleta e tratamento de dados pelas exceções que estabelece no § 3º do mesmo artigo, quando
estas informações forem necessárias para prevenção e diagnóstico médico (inciso I), para fins
estatísticos (inciso II), para o cumprimento de ordens judiciais (inciso III), para defesa de
direitos humanos (inciso IV), para proteção do interesse público e geral preponderante (inciso
V), e para apuração de irregularidades que envolvam a pessoa ou para recuperação de fatos
históricos relevantes (§ 4º).
Em que pese o cuidado dedicado pela Lei 12.527/2011 com as informações pessoais,
é procedente a crítica trazida por Zanon (2013, p. 144) no sentido de que a norma ignorou o
princípio da proibição do tratamento de dados sensíveis, consistente na garantia máxima de
impedir que o Estado possa coletar e manipular esta espécie de dados.
As ressalvas a essas proteções ficam por conta do interesse público, amiúde com o
intuito de identificar agente praticante de um delito ou causador de um dano, quando dados
poderão ser fornecidos a partir de requerimentos de autoridades policiais, administrativas, ou
do Ministério Público, mas sempre contando com a atuação de uma ordem judicial (art. 10, §
1º, § 3º; art. 13, § 2º; art. 15, §§ 1º e 2º; art. 22).
privacidade e da proteção aos dados pessoais como direitos distintos a merecer tutela nas
operações via Internet, perfilhando a proposta de Zanon (2013, p. 181) no sentido de que a
proteção de dados pessoais é um direito autônomo com contornos e regime próprio, estando
ao lado da privacidade com um desdobramento extensivo de um direito geral de
personalidade.
A norma em foco, porém, relega a efetivação da proteção dos dados pessoais ao uma
lei específica, como se vê no art. 7º, III. Nem por isso, entretanto, na ausência desta lei
especial, haverá espaço para a manipulação indiscriminada de dados pessoais, uma vez que
entre as garantias asseguradas às pessoas em suas operações via Internet está a vedação do
fornecimento de dados a terceiros sem prévio consentimento livre e informado do titular dos
dados (art. 7, VII). No mesmo sentido, complementar à garantia anterior, está o direito de
receber informações claras e completas sobre a coleta, uso, armazenamento de dados pessoais,
com o adendo de que seu tratamento só poderá ocorrer se o princípio da finalidade justificar,
se for lícito nos termos legais, ou estejam previstos em contratos (art. 7º, VII).
De certo modo o direito ao esquecimento também foi acolhido pela Lei 12.965/2014,
em seu art. 7º, X, ao prever a possibilidade de exclusão definitiva dos dados pessoais
fornecidos para a criação e execução de uma determinada aplicação na Internet, quando
encerrada a relação este as partes envolvidas. Entretanto, esta exclusão não é automática, e
dependerá do requerimento expresso do titular dos dados.
42
Na estipulação de conceitos, a Lei 12.965/2014 define como registros de conexão o “conjunto de informações
referentes à data e hora de início e término de uma conexão à internet, sua duração e o endereço IP utilizado pelo
terminal para o envio e o recebimento de pacotes de dados” (art. 5º, VI), e como registros de acesso a aplicações
na internet “o conjunto de informações referentes à data e hora de uso de uma determinada aplicação na internet
a partir de um determinado endereço IP” (art. 5º, VIII).
89
Como se vê, a Lei 12.965/2014 abre espaço para a coleta e armazenamento de dados
pessoais, o que se põe em confronto com a tutela da privacidade defendida neste estudo à luz
das categorias dos dados pessoais (não-sensíveis, sensíveis e de tratamento proibido). Nesse
plano, o Marco Civil da Internet representa um retrocesso quando cotejado com normas de
outros países que não obrigam diretamente a guarda de registros de acesso e aplicações na
internet, o que se pode verificar, por exemplo, com o art. 6º, 1, da Diretiva 58/2002 CE
quando dispõe que “os dados de tráfego relativos a assinantes e utilizadores tratados e
armazenados pelo fornecedor de uma rede pública de comunicações ou de um serviço de
comunicações electrónicas publicamente disponíveis devem ser eliminados ou tornados
anónimos quando deixem de ser necessários para efeitos da transmissão da comunicação”.
Nota-se que o olhar para a proteção dos dados pessoais, uma característica marcante
da Sociedade da Informação, deságua na identificação de um direito à privacidade
informacional ou autodeterminação informativa, que, seguindo a exposição de Cachapuz
(2006, p. 290), catalisa tanto a possibilidade de o indivíduo restringir aspectos particulares do
conhecimento público, quanto em que medida dados podem ser tornados públicos, a partir de
uma objetivação de sua vontade. Por esse prisma, a autodeterminação informativa
corresponde, nas palavras de Vieira (2007, p. 35), ao “direito que cabe a cada indivíduo de
controlar e de proteger os próprios dados pessoais, tendo em vista a moderna tecnologia e
processamento da informação”.
todavia são cada vez mais presentes em âmbitos privados, amiúde também por segurança,
para inibir ações criminosas, ou para vigilância familiar, a exemplo dos sistemas de
videovigilância de filhos por seus pais.
A rigor, é possível afirmar que são ao menos cinco razões que levam às ações
tendentes à visibilidade dos comportamentos humanos: a) segurança e interesse público; b)
exercício das liberdades de expressão; c) ser elemento de um produto ou serviço no mercado
de consumo; d) causar dano proposital a outra pessoa; e) porque simplesmente a tecnologia
propicia a produção da visibilidade.
No tocante a questões de segurança e interesse público, técnicas e tecnologias foram
percebidas pelos poderes públicos como instrumentos eficientes no controle social,
discorrendo Rodotà (2008, p. 238) que atualmente se depara com um avultamento dos modos
de controle social justificados, sobretudo, por razões de segurança e interesse público,
impulsionados pelo argumento da luta contra o terrorismo.
Para exemplificar, Bigo, Carrera, et all (2013, p. 7) mencionam a chamada “guerra
contra o terror” deflagrada após os eventos de 11 de setembro de 2001 no Estados Unidos que
arrefeceram as posturas das democracias no sentido de não realizar vigilância em massa. Os
Estados Unidos e alguns países europeus iniciaram, a partir daí, programas secretos de
vigilância populacional empregando variadas tecnológicas de captação e manipulação de
informações.
Nesse mesmo passo Limberger (2007, p. 169) aponta que o controle de sons e
imagens por meio de sistemas de videocâmeras dirige-se à promoção de uma segurança
coletiva. E sob este estrado, a vigilância passada de uma medida excepcional para uma
existência do cotidiano, como se fosse parte da vida ordinária, não mais direcionada a classes
perigosas, mas auscultando qualquer pessoa, sem justo motivo predeterminado. Logo, todos
os indivíduos passam a ser potenciais inimigos do Estado.
Também perpassa pela nota do interesse público uma busca do Estado pela
transparência de suas ações, do que é resultado no cenário brasileiro, por exemplo, a
divulgação de salários dos agentes estatais para consulta pública nos sites governamentais
oficiais na Internet. A partir da Lei de Acesso à Informação (Lei nº. 12.527/2011), vários
entes públicos passaram a disponibilizar na internet a relação dos servidores, cargos ocupados
e respectiva remuneração.
92
Inúmeras foram as ações judiciais intentadas por servidores públicos que sentiram sua
privacidade violada ante a revelação pública de seus vencimentos. O Supremo Tribunal
Federal, no julgamento da Suspensão de Segurança 3.90243 e da Suspensão de Liminar
623/DF44, firmou o entendimento que a remuneração dos agentes públicos é informação do
interesse coletivo ou geral, o que justifica a ampla visibilidade dos dados. Apreciando caso
análogo, o Tribunal de Justiça do Paraná45, mantendo a visibilidade da relação de nomes dos
servidores estaduais e seus respectivos salários na internet, justificou que há uma tendência
nacional de divulgação de todos os gastos realizados pelos órgãos públicos, o que é almejado
pelo princípio constitucional da publicidade (art. 37, caput, CF/1988) e pelo dever de dar
acesso à informação aos cidadãos.
Noutro passo, no plano da liberdade de expressão, a visibilidade tem papel central, na
medida em que a rigor a liberdade de expressar importa intrinsecamente no exercício do
direito de informação, que se desdobra nos direitos de informar, de se informar, e de ser
informado46. A livre movimentação da informação é essencial para a sustentação dos modelos
democráticos, para participação na vida coletiva, para a inserção social dos indivíduos,
consubstanciando-se em elemento essencial do desenvolvimento da dignidade da pessoa
humana. Além disso, fomenta espaço para a exploração econômica pela atuação dos meios de
comunicação, resultando na liberdade de imprensa e vedação à censura.
Com efeito, a liberdade de expressão segue a ideia geral de proibição de censura
prévia, apresentada por Toller (2010, p. 23-25) sob a denominação de doutrina das restrições
prévias, a prior restraint doctrine do direito anglo-saxão47. Compõe o núcleo desta doutrina,
primeiramente, a concepção de que nenhuma ideia, nenhum pensamento, nenhum tipo de
manifestação está previamente vedado ou sujeito a algum filtro autorizativo, de modo que há
um direito de que toda expressão seja difundida ao menos uma vez. A partir daí, a segunda
concepção revela um sistema repressivo, fundando na sanção posterior à divulgação ou
publicação da manifestação, quando já produzido um dano.
Um caso providencial neste contexto, enfocando a captação à distância de momentos
43
STF – Pleno - SS 3.902-Agr – Rel. Min. Ayres Brito – j. 06 jun. 2007. DJ 29 jun. 2007. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 06 jul. 2014.
44
STF – SL 623/DF – Min. Ayres Brito – j. 10 jul. 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 06
jul. 2014.
45
TJPR - 3ª Câmara Cível – AC 1077128-3 - Rel. Des. Hélio Henrique Lopes Fernandes Lima – j. 27 ago. 2013.
Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br>. Acesso em: 23 jul. 2014.
46
Cf., exposto no Primeiro Capítulo deste estudo.
47
Esta doutrina é também conhecida por ideia blackstoniada ou princípio de Blackstone, em referência a
William Blackstone que, no século XVIII, expôs em comentários a leis inglesas o que viria a ser condensado
como as bases da liberdade de imprensa e, consequentemente, da liberdade de expressão.
93
O fotógrafo em questão foi alvo de ação judicial por alguns moradores sob a
alegação de violação da privacidade e risco à segurança de crianças, gerando o caso Foster vs.
Svenson. Ao julgar a questão, em agosto/2013, a Suprema Corte de Nova York decidiu que as
fotografias poderiam ser exibidas porque se consubstanciam em arte, e “Arte é liberdade de
expressão e, portanto, garantida pela Primeira Emenda [da Constituição dos EUA]”48.
48
New York Supreme Court. Foster vs. Svenson, 01 ago. 2013. Disponível em:
<http://law.justia.com/cases/new-york/other-courts/2013/2013-ny-slip-op-31782-u.html>. Acesso em: 10 jul.
2014.
94
visualizando imagem de seu namorado na companhia de outra mulher, o que também levou
ao fim do relacionamento53.
Outrossim, não tardou a percepção de que a produção de visibilidade da vida pessoal
poderia ser um importante fator de prejuízo, sendo usado deliberadamente para provocar
danos a desafetos ou inimigos. Com efeito, notar que a visibilidade pode configurar um dano
à pessoa reforça a necessidade de proteção da privacidade. A esse modo, serve de exemplo o
fenômeno conhecido por vingança pornô (porn revenge), consistente na divulgação, em regra
via Internet, de imagens e vídeos íntimos de casais, por um dos parceiros quando findo o
relacionamento.
Neste caso, é inegável que o intuito é ferir o(a) ex-parceiro(a) com a visibilidade de
momentos de profunda intimidade. A preocupação com a vingança pornô é tamanha que nos
Estados Unidos, os estados da Califórnia e New Jersey já possuem leis sobre a matéria54. No
Brasil, estão em discussão no Congresso Nacional dois projetos de lei atinentes ao tema. O
Projeto de Lei nº. 5555/2013 pretende alterar a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) para
ampliar o rol de categorias de violência doméstica e incorporar a violação da intimidade, pela
Internet ou qualquer outro meio, sem consentimento. Já o Projeto de Lei nº. 6630/2013 busca
acrescentar ao Código Penal o delito de divulgação de fotos ou vídeos com cenas de nudez ou
ato sexual sem autorização da vítima.
Num outro sentido, por fim, a visibilidade das vivências e comportamentos humanos é
provocada pelo simples fato de as tecnologias a permitirem, sem se ter uma razão subjacente
atrelada a questões de interesse público, econômicos, de exercício da liberdade de expressão,
ou visando causar um prejuízo. Indivíduos equipados com dispositivos tecnológicos cada vez
mais potentes passam, deliberadamente, a captar a vida alheia e disseminar estes momentos
ao um grande e desconhecido público.
Essa razão de visibilidade pode ser ilustrada com o caso da modelo brasileira Daniella
Cicarelli, que em 2006, numa praia espanhola, foi flagrada em atos íntimos e sexuais com o
namorado. Em instantes o vídeo ali captado por uma pessoa que se encontrava no local foi
lançado na Internet, espalhando-se tal qual um vírus de alta capacidade de replicação. A
modelo ingressou com pedido judicial pretendendo que fosse vetada a exibição e circulação
nos meios midiáticos da Internet, obtendo êxito no intento por força da decisão proferida pelo
53
Notícia disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/02/russa-descobre-traicao-de-noivo-por-
imagem-no-google-street-view.html>. Acesso em: 05 jul. 2014.
54
Notícia disponível em: <http://www.portaldoholanda.com.br/lei-da-califrnia-criminaliza-postagem-de-
imagens-erticas-por-vingana#sthash.cm37XtSc.dpbs>. Acesso em: 05 jul. 2014.
96
Tribunal de Justiça de São Paulo55, após aguçada celeuma e controvérsia entre os julgadores,
prevalecendo a tese de que não havia um motivo público que justificasse a legitimidade
daquela visibilidade.
Outro fato peculiar que demonstra o afã por captar situações íntimas a distância, com
uso de equipamentos tecnológicos, ocorreu em Sarajevo, Bósnia e Herzegovina. Uma juíza do
local chegava todos os dias ao tribunal às 08h00, quando o prédio estava vazio, e quando em
sua sala, fechada, se despia por completo e passava a fazer ginástica. Esta conduta foi captada
por um funcionário da prefeitura a partir de um prédio vizinho, utilizando-se de câmera
fotográfica de longo alcance, com o detalhe de que este funcionário não estava no exercício
de suas funções públicas ao produzir estas fotografias, que foram levadas às autoridades e
acarretaram a destituição da magistrada56.
Os casos acima relatados demonstram a fragilidade da privacidade diante das
potencialidades dos aparatos tecnológicos de visibilidade e vigilância eletrônica. Mesmo que
se reconheça que as tecnologias da Sociedade da Informação dão vazão a visibilidades e
vigilâncias, muitas vezes clandestinas, e, portanto, ilícitas, é preciso perseguir um limite de
suas aplicações dentro da permissão dos direitos fundamentais, porque isto permite buscar
tutelas jurídicas para garantir o respeito à privacidade.
55
TJSP – 4ª Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento 472.738-4 – Rel. Des Ênio Santarelli Zuliani –
j. 28.09.2006. Disponível em: <http://www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 06 jul. 2014.
56
http://oglobo.globo.com/blogs/pagenotfound/posts/2014/02/10/juiza-destituida-por-fazer-ginastica-pelada-em-
tribunal-523818.asp
97
57
Nesse sentido cita-se o serviço FourSquare (www.foursquare.com) que tem como função principal permitir
que seus usuários indiquem, a partir de ações de check-in, informar e divulgar os locais que estiveram e a avaliá-
los com notas. Outros usuários podem conhecer estas estadias. O serviço se intitulado como fomentador do
compartilhamento de lugares entre pessoas.
98
A problemática acima denunciada, robustecida pela nem sempre clara linha distintiva
entre espaços públicos e privados e qual a intensidade da proteção à privacidade em cada um
destes, fruto inegável da influência das tecnologias da informação, dificulta soluções
peremptórias. Uma proposta de resolução que põe em confronto a aplicação de técnicas e
tecnologias e a privacidade dos indivíduos está na localização de legítimas expectativas de
privacidade, situações em que as circunstâncias fáticas, temporais e territoriais, a conduta dos
indivíduos, e os impulsos dos ordenamentos jurídicos em torno de uma tutela de confiança
individual e coletiva permitem exigir ou não a abstenção de aplicações tecnológicas.
Hodiernamente as expectativas suplantaram a concepção de serem externas ao direito,
passando ao um estágio em que produzem efeitos jurídicos relevantes. A encampação da boa-
fé, da tutela do investimento de confiança, do refreamento ao abuso de direito, produzem um
cenário propício a se cogitar de expectativas legítimas, justas, que vinculam partes entre si e
também a coletividade.
A tutela a confiança é defendida por Martins-Costa (2004, p. 119) ao sustentar que vai
além de segurança à lei ou boa fé, traduzindo-se em crédito social, tornando a confiança
positivada no normativo estatal, pois o Estado de Direito é fundamentalmente um Estado de
Confiança. A propósito, o Supremo Tribunal Federal traça, em sua jurisprudência58, uma
ligação simbiótica entre confiança e segurança jurídica, fator que revela o peso atual deste
conceito para o ordenamento jurídico pátrio.
Com efeito, a materialização da confiança eleva as expectativas do clássico plano da
58
STF – 2ª Turma - ARE 786383 AgR – Rel. Min. Teori Savascki – j. 25 mar. 2014 – DJE 10 abr. 2014.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 23 jul. 2014; STF – 2ª Turma - AC 3172 MC-AgR – Rel.
Min. Celso de Mello – j. 19 fev. 2013 – Dje 10 maio 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em:
23 jul. 2014.
100
mera esperança59 em vista de um direito futuro porque ainda não reunidas todas as condições
para seu exercício, para o status de legítimas e justas expectativas diante da inculcação da
crença sincera advinda de uma situação objetiva que inspira a certeza na concretização do
direito.
Nesse passo, na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal encontram-se
importantes julgados em que as justas expectativas ou expectativas legítimas constituíram
fundamentos jurídicos de peso nas decisões proferidas no âmbito daquele tribunal de índole
constitucional.
Assim, ao analisar a previsão constitucional em torno do direito à saúde, no RE
393175 AgR, o referido Tribunal aferiu que a disposição constitucional em foco (art. 196,
Constituição Federal de 1988) não poderia ser interpretada como uma simples promessa, “sob
pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela
coletividade”60[grifou-se].
No julgamento do MS 29350 reconheceu que a remoção de servidores públicos e
nomeação de investidos por concurso deve respeitar as legítimas expectativas dos servidores
depositadas na legislação vigorante, sob pena de ofensa ao princípio da confiança61. Já na
apreciação da ADC 30 cogitou da existência de razoável expectativa de um indivíduo
concorrer a um cargo público eletivo com base na moralidade que é presumida62.
Portanto, face à tutela da confiança, o Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo
justas, legítimas e razoáveis expectativas como fundamentos capazes de sustentar a invocação
da tutela jurídica para a proteção ou garantia de um direito. Estes postulados em torno de
expectativas imperativas, que neste estudo são denominas de legítimas expectativas, fornecem
bases para as expectativas de privacidade que se pode invocar na Sociedade da Informação.
De modo mais próximo ao tema aqui desenvolvido, alguns aspectos importantes
podem ser extraídos da Teoria da Expectativa Razoável de Intimidade construída no direito
norte-americano. O nascimento desta teoria está no julgamento do emblemático caso Katz vs.
U.S., em 1967, quando a Suprema Corte, seguindo proposta do juiz Harlan, considerou ilegal
59
De acordo com Amaral (1998, p. 194), os direitos subjetivos podem formar-se instantânea ou gradativamente,
e neste último caso dá-se uma situação de incerteza, de expectativa. A expectativa é um direito em formação
dependente de um ou outro elemento. Será uma expectativa de fato quando resumir-se a uma mera esperança, e
será expectativa de direito quando o direito já se configura em parte, existindo uma situação dependente de
requisito legal ou determinado fato.
60
STF - RE 393175 AgR – Rel. Min. Celso de Melo – j. 12 dez. 2006 – DJ 02 fev. 2007. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 14 jul. 2014.
61
STF – Pleno – MS 29350 – Rel. Min. Luiz Fux – j. 20 jul. 2012 – Dje 01 ago. 2012. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 14 jul. 2014.
62
STJ – Pleno – ADC 30 – Rel. Min. Luiz Fux – j. 16 fev. 2012 – Dje 28 jun. 2012. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 14 jul. 2014.
101
63
US Supreme Court. Katz vs. US, 18 dez. 1967. Disponível em:
<http://supreme.justia.com/cases/federal/us/389/347>. Acesso em: 10 jul. 2014.
64
STF – Pleno RE 389.808 – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 15 dez. 2012 – DJe 10 maio 2011. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 14 jul. 2014.
102
65
US Supreme Court. California vs. Ciarolo, 19 maio 1986. Disponível em:
<http://supreme.justia.com/cases/federal/us/476/207>. Acesso em: 15 jul. 2014.
103
não deixarão este âmbito privado, não serão levadas a conhecimento de terceiros não
participantes da relação contratual.
Nesse passo, entra em cena o consentimento, que deve ser explícito, informado e
legítimo, defendendo Rodotà (2008, p. 75) que o indivíduo deve ter o direito de escolher
aquilo que está disposto a revelar aos outros, voltando as atenções para o consentimento do
interessado, que na Sociedade da Informação deve consistir em um consentimento informado
com prescrições sobre quais devem ser as informações fornecidas ao interessado para que
possa validamente prestar seu consentimento à coleta, armazenamento e utilização de
informações. A legítima expectativa de privacidade, nesse âmbito, é definida pelo grau de
clareza e precisão das informações que incentivaram ou conduziram a um consentimento
sobre o fornecimento ou coleta de dados. Logo, a coleta clandestina de informações viola a
legítima expectativa de privacidade.
pelos simples sentidos seja possível conhecer o que se passa com uma pessoa em um
ambiente alheio, equipamentos tecnológicos não podem ser aplicados para capturar estes
momentos e levá-los a outras pessoas que não fazem parte do mesmo cenário e que não
tenham a mesma capacidade de cognição por sentidos próprios.
Nesse passo, a legítima expectativa de privacidade inibe que sejam capturados atos e
fatos tanto em espaços privados quanto públicos e sejam disseminados pelos meios de
informática e comunicação para outros observadores distantes e sem acesso ao mesmo campo
observatório. Esta ideia de legítima expectativa de privacidade pode ser reconhecida implícita
no julgamento do já referido caso da modelo brasileira Daniela Cicarelli quando a
possibilidade de impedir a veiculação de imagens e vídeos prevaleceu66 sobre a ideia primária
de que ao se expor em uma praia, um inegável espaço público, se despira de toda proteção do
direito de privacidade67.
Porém, nem sempre a legítima expectativa de privacidade é observada diante da
investida invasiva dos mecanismos tecnológicos da Sociedade da Informação. Assim foi que
o Superior Tribunal de Justiça decidiu no ano de 2004, quando concluiu, ao apreciar o caso de
uma banhista que fez topless e teve esta imagem fotografada e divulgada em jornal, que “se a
demandante expõe sua imagem em cenário público, não é ilícita ou indevida sua reprodução
pela imprensa, uma vez que a proteção à privacidade encontra limite na própria exposição
realizada”68.
Com efeito, a decisão acima não se atentou para a evolução da privacidade como o
direito de controlar os dados e informações que dizem respeito ao indivíduo. Se é certo que
nos espaços públicos não se pode impedir as percepções sensoriais daqueles que o
66
O voto vencedor, da lavra do Desembargador Ênio Santarelli Zuliani, assentou a concepção de que “não soa
razoável supor que a divulgação cumpre funções de cidadania; ao contrário, satisfaz a curiosidade mórbida,
fontes para mexericos e ‘desejo de conhecer o que é dos outros, sem conteúdo ou serventia socialmente
justificáveis’(...). Não há motivo público que justifique a continuidade do acesso. (...) Tendo em vista que o
vídeo não contém matéria de interesse social ou público, há uma forte tendência de ser, no final, capitulada como
grave a culpa daqueles que publicaram, sem consentimento dos retratados e filmados, as cenas íntimas e que são
reservadas como patrimônio privado. Portanto e porque as pessoas envolvidas são conhecidas, a exploração da
imagem poderá ter um sentido e uma conotação mercantilista, o que justifica mensurar a astreinte na mesma
proporção das vantagens que as requeridas pretendem auferir com a divulgação, sob pena de se tornar inócua a
providência judicial” (TJSP – 4ª Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento 472.738-4 – Rel. Des Ênio
Santarelli Zuliani – j. 28.09.2006. Disponível em: <http://www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 18 jul. 2014).
67
O voto vencido, do Desembargador-Revisor Maia da Cunha, de que não teria existido preocupação pelo casal
flagrado com a preservação de seus direitos à imagem, e que “como pessoas públicas, ao resolverem agir como
agiram, abriram mão da intimidade e da privacidade” até porque “sabiam que numa praia, com tanta gente,
corriam o risco de não terem a sua imagem preservada” (TJSP – 4ª Câmara de Direito Privado – Agravo de
Instrumento 472.738-4 – Rel. Des Ênio Santarelli Zuliani – j. 28.09.2006. Disponível em:
<http://www.tjsp.jus.br>. Acesso em: 18 jul. 2014).
68
STJ - REsp 595.600/SC – 4ª Turma - Rel. Min. Cesar Asfor Rocha – j. 18 mar. 2004 – DJ 13 set. 2004.
Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 18 jul. 2014.
105
69
STF – 1ª Turma - RE 460880 – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 25 set. 2007 – Dje 29.02.2008. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 jul. 2014.
70
STF – 2ª Turma RHC 90376 – Rel. Min. Celso de Mello – j. 03 abr. 2007 – Dje 18 maio 2007. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 jul. 2014.
71
STF – 2ª Turma - HC 82788 – Re. Min. Celso de Mello – j. 14 abr. 2005 – DJ 02 jun. 2006. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 jul. 2014.
107
Pela tutela da confiança, tanto a escuta ambiental quanto a gravação ambiental são
expedientes que não atendem à legítima expectativa de privacidade, porque a norma
constitucional informa que o sigilo recainte sobre as comunicações e dados somente poderá
ser levantado mediante ordem judicial e para fins de instrução processual criminal. Isto leva
os indivíduos a investir uma confiança de que poderão comunicar-se e transmitir dados com
seus interlocutores, sem risco de captação clandestina por quem consigo interaja na
comunicação.
72
GRECO FILHO, 1996, p. 4-6; GOMES e CERVINI, 1997, p. 95-96.
73
Para Supremo Tribunal Federal, por exemplo, em julgamento com repercussão geral, “é lícita a prova
consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro” (STF -
Pleno - RE 583937 QO-RG – Rel. Min. Cezar Peluso – j 19 nov. 2009 – Dje 18 dez. 2009. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 jul. 2014.
108
em atentado à dignidade daquele que tem seus dados sigilosos tornados visíveis ao público.
Arrematando, o Tribunal registrou que “o conhecimento de dados tão pessoais deva se
resumir aos órgãos de fiscalização e às pessoas que trabalham nos departamentos em que tais
informações sejam essenciais à consecução dos serviços”75.
Há confiança dos servidores públicos, portanto, de que seus dados pessoais, ainda que
gerados necessariamente em razão do cargo exercido, não serão tornados visíveis sem seu
prévio consentimento, pois há um dever do órgão que o remunera de conservar sigilosas
aquelas informações e não transferi-las a terceiros ou levá-las ao público. A disciplina da
proteção aos dados pessoais é a premissa que induz a esta legítima expectativa de
privacidade76.
Mas uma das legítimas expectativas de privacidade mais evidentes face às
potencialidades da miríade de tecnologias da Sociedade da Informação está em não ter a vida
aprisionada para sempre pela coleta indiscriminada de dados pessoais e vivências. Noutras
palavras, as atuações e passagens humanas devem ser quanto mais instantâneas e efêmeras
possíveis, não devendo ser indiscriminada e despropositadamente captadas e armazenadas e
disso transportadas perenemente para o universo tecnológico.
Os atos e ocorrências da vida humana não podem ficar eternamente conservados de
modo a permitir seu reavivamento a qualquer momento. Essa paz quanto ao passado revela o
importante papel do direito ao esquecimento, que abrange tanto dados pessoais quanto
visibilidades imagens e movimentos captados por dispositivos tecnológicos.
Justamente nessa linha decidiu o Tribunal de Justiça da União Européia77, no caso
Google Spain SL. e Google Inc. v. AEPD e Mario Costeja Gonzáles78, ao concluir que o
75
TJPR - Órgão Especial – MSOE 1112649-1 - Rel. Clayton de Albuquerque Maranhão – j. 31 mar. 2014.
Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br>. Acesso em: 22 jul. 2014.
76
É curioso perceber que antes da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.257/2011) a jurisprudência nacional
direcionava-se para considerar a divulgação de salários e vencimentos na Internet intrusiva e violadora da
privacidade. A título de ilustração, o Tribunal de Justiça do Paraná havia se manifestado no sentido de que “A
identificação pública do nome do servidor e o seu respectivo salário distancia-se do que genuinamente se
entende por publicidade e transparência, atentando-se contra a dignidade daquele que tem seus dados sigilosos
publicizados, de modo que não se garante com tal exposição a segurança jurídica da coletividade, mas apenas o
acalento da curiosidade de alguns” (TJPR - Órgão Especial - MSOE - 654649-0 - Foro Central da Comarca da
Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Ronald Juarez Moro - Por maioria - j. 18.02.2011). Em sentido similar,
o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (Paraná) também repudiou a divulgação dos nomes e respectivos
salários de agentes de uma autarquia, afirmando que “A divulgação pela autarquia de lista de nomes e salários de
seus empregados na Internet caracteriza ato ilícito, na medida em que representa afronta aos direitos
fundamentais da intimidade e vida privada, consagrados no art. 5°, X, da CF” (TRT 9ª Região – 2ª Turma - RO
03400-2007-322-09-00-4 – Aco 03235-2009 – Rel. Marlene T. Fuverki Suguimatsu – DJPR 03 fev. 2009.
Disponível em: <http://www.trt9.jus.br>. Acesso em: 20. 07.2014).
77
Tribunal de Justiça da União Européia – Grande Seção – Processo C-131/12 – j. 13 maio 2014. Disponível em:
<http://curia.europa.eu>. Acesso em: 27 jul. 2014.
78
O caso consiste em ação intentada por um cidadão espanhol contra o Google, desde o ano de 1010. Em janeiro
de 1998 o jornal La Vanguardia publicou um anúncio de um leilão judicial de imóveis para o pagamento de
110
indivíduo pode requerer que dados relacionados a si deixem de estar a disposição do público,
inclusive nos serviços de buscas de informações na Internet, direito que prevalece tanto sobre
interesses econômicos quanto sobre o interesse do público em ter acesso, por qualquer razão,
a tais dados.
Livre consentimento informado, autorização legal clara e justificada, ou ordem judicial
motivada, esta última desde que afinada à razoabilidade e à proporcionalidade79, são os
fatores que podem abrandar as legítimas expectativas da privacidade na Sociedade na
Informação. Logo, toda visibilidade na Sociedade da Informação deve que obtida com
transparência e sinceridade, para que não se aniquile a confiança pessoal.
De resto, as possibilidades e potencialidades tecnológicas per si não são suficientes
para afastá-las, sob pena de se criar uma expectativa inversa, ou seja, de que a vigilância e a
visibilidade sejam a regra do cotidiano e a reserva a exceção. Este pensamento não se coaduna
com o direito fundamental à privacidade, tanto no sentido clássico de um direito de estar só,
quanto no novel prisma do franco exercício do controle sobre a coleta e usos das informações
que digam respeito a si próprio. Mais que um simples direito de regras objetivas, a
privacidade da Sociedade da Informação perfaz-se a partir de um compromisso ético de
legítimas expectativas em torno de si.
dívidas à Segurança Social, constando o nome dos devedores. Após a venda dos imóveis e conclusão do
processo, o nome destes devedores permaneceu associado à dívida nas divulgações do referido jornal, agora na
Internet. Um destes devedores requereu que essa fase e sua vida fosse apagada da Internet, ingressando com
demanda contra La Vanguardia, exigindo que escondesse seu nome das publicações, e contra o Google, exigindo
que não indexasse aquela causa nos resultado das buscas que usuários fazem.
79
A proporcionalidade, segundo Alexy (2012, p. 117-118), é vista em três nuanças: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito. Considerando que na condição de mandamentos de otimização a realização
de princípios deflui de possibilidades fáticas e jurídicas, o sopesamento advém de uma relativização de
possibilidade jurídicas a priori, ao passo que as possibilidades fáticas permitem a atuação das máximas da
adequação e necessidade. A máxima da necessidade convence que dentre as várias maneiras que permitam um
mesmo resultado, deve-se optar por aquela que provoque o menor sacrifício a outros interesses igualmente
envolvidos no caso em decisão. A adequação na busca da medida que, entre várias, é a mais apropriada ao caso.
111
CONCLUSÃO
A redução do controle das próprias informações pessoais, aquelas mesmas que dão
vazão ao “ser informacional”, é uma consequência do fluxo de dados na Sociedade da
Informação, na medida em que o fornecimento, o compartilhamento, a troca e a captação de
informações, passam a ser pressupostos para o estabelecimento de relações negociais,
financeiras, políticas e sociais.
Mas seja dentro dos limites territoriais de cada país, ou em âmbito internacional, o fato
é que a vigilância da vida humana põe em risco os direitos à liberdade e privacidade
individual, aspecto que implica na necessidade de atuação de mecanismos de efetivação e
proteção de direitos fundamentais.
direitos de liberdade e às barreiras contra o Estado, porque há aspectos que ninguém deve
conhecer e intervir, nem os poderes públicos, tampouco os particulares.
Quando se admite que existem espaços que podem ficar desconhecidos de terceiros
por decisão individual, ao lado daqueles a que todos podem conhecer e ter acesso, surge a
visibilidade como elemento redefinidor da privacidade, própria então dos espaços públicos.
Visibilidade apresenta-se como o oposto da privacidade, já que esta permite a conclusão de
que certos fatos, atos e comportamentos possam ser tornados invisíveis a outras pessoais. A
problemática no particular é a tênue separação entre espaços privados e espaços públicos nos
quais se possa, por um lado invocar uma invisibilidade e noutro fazer uso da visibilidade para
conhecer aspectos da vida alheia, apoderar-se de informações nesse nível e reproduzi-las ou
aplicá-las em diversas destinações.
das informações pessoais torna-se imprescindível para segurança dos direitos da pessoa a que
se referem, pois a violação do espectro informacional repercute em ofensas relevantes à
vivência concreta da pessoa. Daí porque o direito à privacidade experimentou um
redimensionamento, passando do estágio do direito de ser deixado só ao direito de o indivíduo
exercer o controle de suas próprias informações, concepção mais afinada com as
potencialidades e riscos da Sociedade da Informação.
Por outro lado, a manipulação de dados pessoais, seja pela coleta autorizada ou
consentida, ou ainda por captação clandestina, gerando perfis pessoais pelo cruzamento de
informações, deságua em processos com potencial para discriminações ou lesões a indivíduos
ou coletividades.
A proteção aos dados pessoais, portanto, passa a fulgurar para alguns estudiosos como
um direito fundamental autônomo, e tem suas bases mais sólidas firmadas no direito
estrangeiro, especialmente na Comunidade da União Européia, pelas Diretivas CE 95/46 e
2002/58, que estabelecem princípios de proteção e manipulação de informações pessoais, bem
como a Carta de Direitos Fundamentais da União Européia que traça explicitamente o direito
de todas as pessoas à proteção dos dados e caráter pessoal que lhe digam respeito.
A preocupação com uma tutela específica dos dados pessoais fez retornar, então, às
questões da visibilidade e vigilância eletrônica, porquanto vivências e estadas dos indivíduos
podem ser captadas e transportadas de um momento ou local para outro, levando ao
conhecimento de um indeterminado contingente de pessoas em ambientes distintos e
116
O indivíduo perde, assim, qualquer possibilidade de controle das informações que lhe
dizem respeito, cuja ideal operação deve contemplar a possibilidade de impedir a divulgação
de vivências. Uma conclusão que se firma em torno do direito à privacidade, ante as
possibilidades das tecnologias na Sociedade da Informação é que é preciso assegurar um
trânsito efêmero dos indivíduos nos ambientes públicos e privados, não podendo ter seus
momentos captados sem o explícito consentimento informado e levados a conhecimento de
um público à distância por meio das tecnologias em rede.
Neste estudo observou-se que a vigilância a partir dos dados pessoais captados e
cruzados entre si expõe ações tendentes à visibilidade dos comportamentos, que se explicam
por cinco razões: segurança e interesse público, exercício de liberdades de expressão,
consubstanciar-se em produto ou serviço no mercado de consumo, causar danos
propositadamente a quem se referem, e porque as tecnologias simplesmente propiciam a
visibilidade.
Todo este cenário, implementado pelos perigos da circulação de dados pessoais e sua
fraca proteção, bem como a ampla visibilidade provocada por aparatos de tecnologias de
informática e comunicação, tornando a vigilância uma quase-condição da Sociedade da
Informação, despertou ao problema central da pesquisa que foi como proteger a privacidade
nessa nova conformação social.
defesa à privacidade na movediça dicotomia entre espaços públicos e privados, cujos limites
foram esmaecidos pelas tecnologias de informática e comunicação.
Quanto aos dados pessoais, há legítima expectativa, pela tutela da confiança, de que
dados fornecidos em relações privadas ou públicas terão uso restrito à finalidade previamente
esclarecida para a qual foram fornecidos ou captados, numa clara alusão à hodierna roupagem
da privacidade como o direito de controlar os usos e destinos dos dados pessoais.
A legítima expectativa de privacidade indica que o direito de não ser tornado visível
por mecanismos tecnológicos acompanha a pessoa onde estiver, seja na condição de ser
natural nos espaços físicos, seja sob o caráter de ser informacional inserto no fluxo de
informações das redes comunicacionais.
Por fim, a pesquisa aqui realizada encontrou a mais expressiva legítima expectativa de
privacidade no direito ao esquecimento, no sentido de que há uma confiança individual e
coletiva de que o Ser Informacional não poderá ser aprisionado pela coleta de dados e
118
vivências. A vida pessoal não pode ser transportada perenemente para os canais de dados
tecnológicos e ali permanecer com a possibilidade de recuperação e reavivamento a qualquer
instante, pois na Sociedade da Informação a expectativa deve ser sempre o controle integral
pelo próprio indivíduo das informações que lhe digam respeito.
119
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução: Virgílio Afonso da Silva.
São Paulo: Malheiros, 2012.
AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.
AMARAL, Luiz Otavio de Oliveira. Teoria geral do Direito do Consumidor. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010.
BAEZ, Narciso Leandro Xavier. Direitos do Homem, Direitos Humanos e a morfologia dos
direitos fundamentais. In: BAEZ, Narciso Leandro Xavier; LEAL, Rogério Gesta;
MEZZAROBA, Orides. Dimensões materiais e eficaciais dos direitos fundamentais. São
Paulo: Conceito Editorial, 2010.
BALL, Kristie; LYON, David; WOOD, David Murakami; NORRIS, Clive; RAAB, Charles.
A Report on the Surveillance Society: for the information commissioner by the surveillance
studies network. Set. 2006. Disponível em: <http://www.surveillance-studies.net>. Acesso
em: 10.04.2014.
BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
______. Lei n. 12.654, de 28 de maio de 2012. Altera as Leis nos 12.037, de 1o de outubro de
2009, e 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, para prever a coleta de perfil
genético como forma de identificação criminal, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 29 maio 2012.
______. Lei n. 7.102, de 20 de junho de 1983. Dispõe sobre segurança para estabelecimentos
financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares
que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 jun. 1983.
______. Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5°
da Constituição Federal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul. 1996.
______. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 11 jan. 2002.
______. Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência
doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal,
da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher;
dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera
o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
providências. Lei Maria da Penha. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 08 ago. 2006.
______. Lei n. 12.654, de 28 de maio de 2012. Altera as Leis nos 12.037, de 1o de outubro de
2009, e 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, para prever a coleta de perfil
genético como forma de identificação criminal, e dá outras providências. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 19 maio 2012.
121
______. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4.060/2012. Dispõe sobre o tratamento de
dados pessoais, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=548066>.
Acesso em: 31 jan. 2014.
______. Projeto de Lei nº. 5555/2013. Altera a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 - Lei
Maria da Penha - criando mecanismos para o combate a condutas ofensivas contra a mulher
na Internet ou em outros meios de propagação da informação. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=576366>.
Acesso em: 30 jul. 2014.
______. Projeto de Lei nº. 6630/2013. Acrescenta artigo ao Código Penal, tipificando a
conduta de divulgar fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual sem autorização da
vítima e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=598038>.
Acesso em: 30 jul. 2014.
______.STF – 2ª Turma - HC 82788 – Re. Min. Celso de Mello – j. 14 abr. 2005 – DJ 02 jun.
2006. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 jul. 2014.
______. STF - RE 393175 AgR – Rel. Min. Celso de Melo – j. 12 dez. 2006 – DJ 02 fev.
2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 14 jul. 2014.
______. STF – 2ª Turma RHC 90376 – Rel. Min. Celso de Mello – j. 03 abr. 2007 – Dje 18
maio 2007. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 jul. 2014.
______. STF – Pleno - SS 3.902 – Rel. Min. Ayres Brito – j. 06 jun. 2007. DJ 29 jun. 2007.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 06 jul. 2014.
______. STF – 1ª Turma - RE 460880 – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 25 set. 2007 – Dje
29.02.2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 jul. 2014.
______. STF - Pleno - RE 583937 QO-RG – Rel. Min. Cezar Peluso – j 19 nov. 2009 – Dje
18 dez. 2009. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 20 jul. 2014.
______. STF. Pleno - ADPF 132 – Rel. Min. Ayres Brito – j. 05.05.2011 – Dje 14.10.2011.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 22.12.2013.
______. STF. Pleno - ADI 4277 – Rel. Min. Ayres Brito – j. 05.05.2011 – Dje 14.10.2011.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 22.12.2013.
______. STF – Pleno – ADC 30 – Rel. Min. Luiz Fux – j. 16 fev. 2012 – Dje 28 jun. 2012.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 14 jul. 2014.
122
______. STF – 2ª Turma - HC 91867 – Re. Min. Gilmar Mendes – j. 24 abr. 2012 – Dje 20
set. 2012. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 23 jun. 2014
______. STF – SL 623/DF – Min. Ayres Brito – j. 10 jul. 2012. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 06 jul. 2014.
______. STF – Pleno – MS 29350 – Rel. Min. Luiz Fux – j. 20 jul. 2012 – Dje 01 ago. 2012.
Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 14 jul. 2014.
______. STF – Pleno RE 389.808 – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 15 dez. 2012 – DJe 10 maio
2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 14 jul. 2014.
______. STF – 2ª Turma - AC 3172 MC-AgR – Rel. Min. Celso de Mello – j. 19 fev. 2013 –
Dje 10 maio 2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 23 jul. 2014.
______. STF – 1ª Turma - ARE 756917 AgR – Rel. Min. Luiz Fux – j. 29.10.2013 – DJE
19.11.2013. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 01.06.2014.
______. STF – 2ª Turma - ARE 786383 AgR – Rel. Min. Teori Zavascki – j. 25 mar. 2014 –
DJE 10 abr. 2014. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 23 jul. 2014.
______. STJ - REsp 595.600/SC – 4ª Turma - Rel. Min. Cesar Asfor Rocha – j. 18 mar. 2004
– DJ 13 set. 2004. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 18 jul. 2014.
______. TJES – 2ª Câmara Criminal – ACR 24070048830 – Rel. José Luiz Barreto Vivas – j.
06.08.2008 – DJ 12.09.2008.
______. TJPR - 4ª Câmara Cível – ACR nº. 359904-0 – Rel. Adalberto Jorge Xisto Pereira - j.
06.03.2007. Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br>. Acesso em: 21 jun. 2014.
______. TJPR - Órgão Especial - MSOE - 654649-0 - Foro Central da Comarca da Região
Metropolitana de Curitiba - Rel. Ronald Juarez Moro - Por maioria - j. 18.02.2011.
Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br>. Acesso em: 23 jul. 2014.
______. TJPR - 1ª Turma Recursal – RI 20120001452-0 – Rel. Juiz Leo Henrique Furtado
Araújo – j. 21 jun. 2012. Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br>. Acesso em: 05 jul. 2014.
______. TJPR - 10ª Câmara Cível – AC 942023-1 – Rel. Themis Furquim Cortes – j. 22 nov.
2012. Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br>. Acesso em: 05 jul. 2014.
______. TJPR - 3ª Câmara Cível – AC 1077128-3 - Rel. Des. Hélio Henrique Lopes
Fernandes Lima – j. 27 ago. 2013. Disponível em: <http://www.tjpr.jus.br>. Acesso em: 23
jul. 2014.
______. TJSP – 4ª Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento 472.738-4 – Rel. Des
Ênio Santarelli Zuliani – j. 28.09.2006. Disponível em: <http://www.tjsp.jus.br>. Acesso em:
06 jul. 2014.
123
BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: visibilidade e subjetividade nas novas
tecnologias de informação e de comunicação. Revista Famecos, Porto Alegre, n. 24, jul./
2004. p. 110-124.
CACHAPUZ, Maria Cláudia. Intimidade e vida privada no novo Código Civil brasileiro.
Porto Alegre: Safe, 2006.
DARWIN, Charles. Origem das espécies. Tradução de Eugênio Amado. Belo Horizonte:
Itatiaia, 2002.
DECOL, René Daniel. Era da informação: sociedade, mito e tecnologia. [s.l.]: Cebrap, 2005.
DUHIGG, Charles. O poder do hábito: por que fazemos o que fazemos na vida e nos
negócios. Tradução: Rafael Mantovani. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
ECHTERHOFF, Gisele. Direito à privacidade dos dados genéticos. Curitiba: Juruá, 2010.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. US Supreme Court. Katz vs. US, 18 dez. 1967.
Disponível em: <http://supreme.justia.com/cases/federal/us/389/347>. Acesso em: 10 jul.
2014.
______. US Supreme Court. California vs. Ciarolo, 19 maio 1986. Disponível em:
<http://supreme.justia.com/cases/federal/us/476/207>. Acesso em: 15 jul. 2014.
FACHIN, Luiz Édson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. 2 ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2006
FARIA, José Eduardo. O Estado e o Direito depois da crise. São Paulo: Saraiva, 2011.
______. Liberdade de expressão e comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
FELINTO, Erick. Novas tecnologias, antigos mitos: apontamentos para uma definição
operatória de imaginário tecnológico. Revisa Galáxia, PUC/SP, n. 6, Out./2003. p. 165-188.
FRANÇA, Rubens Limongi. Manual de Direito Civil. 3 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1975.
G1, Tecnologia e Games, 20 fev. 2013. Russa descobre traição de noivo em recurso de Street
View. Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2013/02/russa-descobre-
traicao-de-noivo-por-imagem-no-google-street-view.html>. Acesso em: 05 jul. 2014.
GAZETA DO POVO, Economia, 27 maio 2011. ‘Pis Mutante” dá semanas de aflição aos
trabalhadores. Disponível em:
<http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=1130356>. Acesso em: 17
abr. 2014.
GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
125
GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Interceptação telefônica: Lei 9.296, de 24.07.96.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. II. 2 ed. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003.
HESSEN, Joannes. Teoria do conhecimento. Tradução de João Vergílio Callerani Cuter. São
Paulo: Martins Fontes, 2009.
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São
Paulo: 34, 2003.
HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. Tradução Rousaura
Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
KANT, Immanuel. A metafísica dos costumes. Tradução: Edison Bini. Bauru, SP: Edipro,
2003.
LÈVY, Pierre. A máquina universo: criação, cognição e cultura informática. Porto Alegre:
Artmed, 1998.
______. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: 34, 2003.
LIGA DOS ESTADOS ÁRABES. Carta Árabe dos Direitos Humanos, 22 maio 2004.
Disponível em: <http://www1.umn.edu/humanrts/instree/loas2005.html>. Acesso em: 12 jan.
2014.
126
LOJKINE, Jean. A revolução informacional. Tradução de José Paulo Netto. 3 ed. São Paulo:
Cortez, 2002.
MENDES, Gilmar; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7 ed.
São Paulo: Saraiva, 2012.
NEVES, Clarissa Baeta; SAMIOS, Eva Machado Barbosa (Orgs.) Niklas Luhmann: a nova
teoria dos sistemas. Porto Alegre: UFRGS, Goethe-Institut / ICBA, 1997.
127
NEW YORK SUPREME COURT. Foster vs. Svenson, 01 ago. 2013. Disponível em:
<http://law.justia.com/cases/new-york/other-courts/2013/2013-ny-slip-op-31782-u.html>.
Acesso em: 10 jul. 2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 9 ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2008.
O GLOBO, Mundo, 10 fev. 2014. Juíza é destituída por fazer ginástica pelada em tribunal.
Disponível em: <http://oglobo.globo.com/blogs/pagenotfound/posts/2014/02/10/juiza-
destituida-por-fazer-ginastica-pelada-em-tribunal-523818.asp>. Acesso em: 25 jul. 2014.
OLIVEIRA, Alfredo Emanuel Farias de. O fundamento dos direitos de personalidade. Belo
Horizonte: Arraes, 2012.
______. Princípios das Nações Unidas para as Pessoas Idosas, 16 dez. 1991. Disponível
em: <http://direitoshumanos.gddc.pt/3_15/IIIPAG3_15_1.htm>. Acesso em: 30 mar. 2014.
PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito Digital. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
PÚBLICO, Economia, 04 dez. 2013. Governo detecta fuga de 400 milhões com cruzamento
dos dados fiscais e bancários. Disponível em:
<http://www.publico.pt/economia/noticia/governo-detecta-fuga-de-400-milhoes-com-
cruzamento-dos-dados-fiscais-e-bancarios-1615050 >. Acesso em: 15 jan. 2014.
REUTERS BRASIL, Mundo, 18 dez. 2013. Assembleia da ONU pede fim da espionagem
eletrônica excessiva. Disponível em:
<http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRSPE9BI00020131219>. Acesso em: 18 abr.
2014.
128
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à intimidade e à vida privada: uma visão jurídica
da sexualidade, da família, da comunicação e informações pessoais, da vida e da morte. Belo
Horizonte: Del Rey, 1998.
SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Tradução: Heloísa Matias e Maria
Alice Máximo. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2007.
______. A eficácia dos direitos fundamentais. 9 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2008.
SILVA, José Afonso de. Curso de Direito Constitucional positivo. 35 ed. São Paulo:
Malheiros, 2012.
SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1993.
TERRA. Notícias. Tecnologia. Se seu carro tem um GPS, sabemos o que você faz, diz vice da
Ford. 09 jan. 2014. Disponível em: <http://tecnologia.terra.com.br/se-seu-carro-tem-um-gps-
sabemos-o-que-voce-faz-diz-vice-da-
ford,06b2bb1c55a73410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html>. Acesso em 15.01.2014.
THE SUN, News, 31 mar. 2009. Google cheat view. Disponível em:
<http://www.thesun.co.uk/sol/homepage/news/article2350771.ece>. Acesso em: 05.03.2013.
UNIÃO EUROPÉIA. Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, 18 dez. 2000.
Disponível em: <http://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf>. Acesso em: 15 jan.
2014.
_______. Diretiva 1995/46 CE, de 24 de outubro de 1995. Relativa à protecção das pessoas
singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses
dados. Diário Oficial das Comunidades Europeias, Bruxelas, 31 jul. 2002. Disponível em:
<http://eur- http://eur-lex.europa.eu/pt/index.htm>. Acesso em: 10 jan. 2014.
UOL, Notícias, Economia, 2012. Receita Federal usa cruzamento de dados para tentar evitar
fraudes no IR. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/impostoderenda/duvidas-
frequentes/receita-federal-usa-cruzamento-de-dados-para-tentar-evitar-fraudes-no-ir.jhtm>.
Acesso em: 27 abr. 2014.
VIEIRA, Tereza Rodrigues. Nome e sexo: mudanças no registro civil. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2008.
ZANON, João Carlos. Direito à proteção dos dados pessoais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2013.