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uma situação em que a solidariedade social e o mecanismos autônomos, não estatais, de integra-
sentimento de pertencimento não ultrapassavam o ção social.
ambiente familiar e para designar um ethos que Se é assim, que impacto teria produzido a crise
excluía a colaboração fora do círculo restrito da dos anos 80 sobre os padrões de solidariedade
família. previamente existentes? Se é que acompanho bem o
Banfield enfatiza a dificuldade que tal forma raciocínio da autora, o efeito teria sido muito
de solidariedade oferece para o desenvolvimento negativo do ponto de vista da integração social. É
socioeconômico. Sua preocupação é menor em que, além da pauperização que a crise produziu, o
relação às causas desse padrão de integração Estado não foi só deslegitimado como fonte de
social, que ele vincula por vezes à estagnação impulsão do desenvolvimento, mas também como
econômica (p. 115). No entanto, esta é justamente sustentáculo da ideologia da comunidade nacional
a conexão que Elisa Reis procura explorar. que prometia a inclusão progressiva daquelas cama-
De início, ela observa que a vinculação entre das sociais colocadas em posições inferiores de uma
escassez econômica e solidariedade não é unívoca: ordem social extremamente desigual. A pauperiza-
nem sempre o infortúnio resulta em corrosão da ção e a desagregação do elo estatal da solidariedade
solidariedade pré-contratual e induz ao egoísmo previamente existente estariam criando as condi-
interesseiro; por vezes, aumenta a solidariedade ções para manifestações de familismo amoral. De
entre os companheiros de infortúnio. Isso implica um lado, as grandes massas da população que
que existem circunstâncias adicionais que ajudam precisam lutar desesperadamente para assegurar
a produzir a vinculação entre pauperização e falta sua sobrevivência imediata não encontram incenti-
de incentivos à participação em empreendimentos vo algum para a associação porque elas não podem
coletivos. Este é o seu ponto de partida para refletir se dar ao luxo de adiar a satisfação das necessidades,
sobre formas similares de amoralismo em socie- ao passo que o ethos dominante confia às elites
dades altamente desiguais, como as latino-ameri- esclarecidas a responsabilidade de zelar pelos po-
canas e, em especial, a brasileira. bres (p. 123). De outro lado, também entre os
O ponto central do seu raciocínio é que a setores mais ricos parece estar crescendo a tendên-
solidariedade não resultou, na América Latina, de cia para definir o espaço da comunidade em termos
processo produzido com relativa autonomia no limitados. Quanto maior é a distância entre os
plano societário. De fato, ela foi construída pelo segmentos sociais, mais abstrata se torna a preocu-
Estado. Este teria produzido uma ideologia do pação dos que estão em cima com as dificuldades
consentimento (o termo é de Richard Wilson) dos que estão embaixo. Teoricamente, aqueles que
vinculando projeto de crescimento econômico e têm alguma coisa a perder associam diretamente a
ideal nacionalista que deu base para a constru- violência e a insegurança com seus temores ante a
ção de um grau mínimo de solidariedade no plano pobreza e a desigualdade, enquanto que, na prática,
societário. Assim, não obstante as acentuadas a incapacidade do Estado de garantir a ordem, a
desigualdades sociais, políticas e econômicas na segurança e o bem-estar incentiva as pessoas a
América Latina, o progresso da sociedade nacional adotarem medidas de proteção privada, o que
sob a égide do Estado ofereceu os fundamentos tenderia a ampliar as distâncias sociais e a reforçar as
ideológicos para a manutenção da união da socie- concepções restritas de solidariedade (p. 125). A
dade.[...] O sentimento de pertencer a uma comu- autora reconhece que entre os mais pobres é
nidade nacional exprimia a crença generalizada de possível encontrar exemplos de associação espon-
que o progresso da sociedade distribuiria frutos da tânea e colaboração generalizada. [...] Entretanto, a
modernização entre um número cada vez maior de analogia com o familismo amoral se sustenta exata-
pessoas. (pp. 119-120). Desta maneira, a força da mente porque essas iniciativas são mantidas na
idéia de sociedade nacional em construção teria esfera privada e definidas em termos limitados.
contribuído para deslegitimar a existência de Isoladas da esfera pública, [...] essas formas de
interesses sociais diversificados e a construção de solidariedade não se universalizam (p. 125).
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Certamente, não pretendo aqui seguir todas ela não fez, eu diria que a própria autora concorda
as nuanças do argumento da autora. O importante com as limitações do seu esquema de análise. Pois,
é salientar que, mais uma vez, sua argumentação se não é ela mesma que introduz o sujeito oligarquia
constrói focalizando as implicações das opções cafeeira ou oligarquias quando cuida de mostrar
históricas passadas a relevância da autoridade a emergência, no Brasil, do processo de interven-
política na construção da solidariedade em socie- ção do Estado do domínio econômico? Com efeito,
dades extremamente desiguais sobre a situação a análise da política cafeeira na Primeira República
presente, quando a crise acentuou a escassez é tomada por ela como estímulo para refletir sobre
econômica e reduziu a legitimidade e a capacidade as interações dinâmicas entre Estado e interesses
efetiva do Estado. No Brasil, especialmente, o sociais. E, então, o que em outras partes do livro
familismo amoral resultaria do encolhimento do será tomado como opção já feita pela sociedade, a
mercado em uma sociedade muito desigual, cuja ser cotejada com outras diferentes, realizadas por
solidariedade não foi autoproduzida mas depen- sociedades distintas, é entendido nesse passo
deu principalmente do Estado para ser construída. como produto da luta dos cafeicultores por subor-
As virtudes do esquema de análise e, dinar o Estado aos interesses de manutenção da
sublinhe-se, do seu manejo por Elisa Reis não lucratividade da lavoura do café.
impedem que o leitor perceba alguns vazios ao O problema é que nem sempre a autora
longo do livro. Indo direto ao ponto, eu diria que procede desse modo. É o que se vê, por exemplo,
fazem falta, muitas vezes, referências aos atores no capítulo O Estado nacional como ideologia
que sustentam, de forma mais ou menos conflitan- o caso brasileiro. Ao final deste texto ela se
te, os princípios básicos de coordenação cujas pergunta: para qual direção apontam as mudanças
conexões históricas variáveis são focalizadas ao em curso nos padrões de relacionamento entre o
longo do livro. Estado e a sociedade? Estaríamos, por fim, esca-
De fato, quase sempre os sujeitos das combi- pando ao círculo autoritário? A resposta chega a ser
nações particulares entre autoridade, solidariedade surpreendente. Mesmo depois de constatar os
e mercado são as sociedades no seu todo. A elas avanços ocorridos durante e depois do regime
atribuem-se as opções históricas e são elas os autoritário no que se refere às condições materiais
elementos das análises macro-históricas. Assim, e político-burocráticas do Estado-nação, a autora
reitere-se o exemplo em favor da compreensão, não detecta sinais relevantes de mudança impor-
foram as opções passadas das sociedades de capita- tante na relação tradicional Estado/sociedade que
lismo tardio em favor da aceleração do desenvolvi- vem dominando o país por muitos decênios. Diz
mento econômico mediante a intervenção estatal ela: [...] mesmo nos grandes centros urbanos onde
que tornaram sua democratização mais difícil em se concentra o maior e mais antigo contingente de
comparação com os países que estiveram desde o cidadãos, influências da ideologia autoritária de
início na vanguarda do capitalismo e não ancoraram construção do Estado nacional ainda se fazem
seu desenvolvimento no impulso vindo do Estado. sentir. Mesmo o descontentamento e o desejo de
Não há dúvida, já se viu, que se pode produzir, mudar com freqüência dizem respeito aos detento-
desse modo, conhecimento sociológico relevante. A res circunstanciais do poder, e não ao papel de
questão é: não será ele insuficiente para dar conta de tutela que o Estado exerce sobre a sociedade. E
certos processos de transformação que transcorrem não poderíamos esperar que fosse diferente, visto
no presente? Ou, então, será o esquema adotado que a modernização da sociedade brasileira se deu
bastante bom para analisar os processos mesmos de sob a égide do Estado (pp. 86-87). Em face desse
escolha histórica ocorridos no passado, opções que domínio da ideologia autoritária, o que vislumbra
depois de consumadas podem ser tomadas como a autora como saída transformadora, democrati-
objeto da análise histórico-comparativa? zante? Para ela, as perspectivas atuais de democra-
Se não for inteiramente injusto usar um texto tização no Brasil estão amplamente condicionadas
de Elisa Reis como resposta para uma pergunta que à consolidação de mecanismos institucionais que
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criem as bases para uma consciência crescente dos rico das classes sociais enquanto principais catego-
direitos humanos. rias geradoras de identidades coletivas, como para
O que chama a atenção aqui é não é tanto o sua desarmonia com as novas identidades coleti-
pessimismo da análise ou o otimismo da recomen- vas que vêm adquirindo importância nos dias de
dação. É a ausência de qualquer referência analíti- hoje gênero, raça, etnia.
ca às forças sociais e políticas que mudaram ou Não há dúvida que esta tem sido a percepção
eventualmente possam mudar a relação Estado/ majoritária sobre a questão no interior da Sociolo-
sociedade. Ou, então, às forças sociais e políticas gia. O entendimento da dinâmica societária a partir
que sustentaram a ideologia autoritária do Estado. da teoria das classes tem, portanto, caído em
Onde estão o movimento operário e os movimen- desuso. Infelizmente, a Sociologia não produziu
tos sociais que colocaram em xeque o Estado teoria sobre a dinâmica do conflito societário que
autoritário desde os anos 70? Onde estão as pudesse substituir com vantagem a antiga teoria
organizações novas ou renovadas, enraizadas em das classes. Em decorrência, os sociólogos tendem
diferentes situações socioeconômicas, que ocupa- a usar, em seu lugar, noções meramente descritivas
ram o espaço público durante a Nova República? É para os diversos estratos socioeconômicos ou cate-
essa falta que surpreende no trabalho da autora, gorias funcionais.
quer dizer, a ausência de um tratamento analítico Obviamente, essas questões não dizem res-
dos confrontos entre forças sociais e políticas que peito apenas ao livro em discussão. Mas esta coletâ-
foram uma característica marcante dos anos 80. Se nea de trabalhos de Elisa Reis, além de ensinar sobre
é verdade que as tensões e afinidades entre princí- a sociedade, tem a qualidade de instigar o leitor a
pios de coordenação social são elementos centrais pensar sobre os problemas do nosso tempo e da
para a caracterização de cada situação histórica, Sociologia, esta ciência inquieta, eternamente jo-
elas só se efetivam em cada conjuntura graças aos vem. E isso certamente não é pouco.
atores coletivos que portam, de forma mais ou
menos conflitante, os diferentes pólos da autorida-
de, da solidariedade e do mercado. BRASILIO SALLUM JUNIOR
Não creio que haja aqui qualquer esqueci- é professor do Departamento de Sociologia
mento das forças sociais e políticas que podem da Universidade de São Paulo (USP).
contestar ou defender a relação Estado/sociedade.
Ou que a autora, inadvertidamente, deixe de mu-
dar de registro teórico quando passa do universo
histórico-comparativo para o âmbito propriamente
histórico, da transformação social situada em tem-
po e espaço definidos. Talvez ocorra aí uma
dificuldade real de tratar teoricamente os conflitos
societários. Dificuldade que é da própria discipli-
na. De fato, desde o desencanto ocorrido em
relação ao marxismo recolocam-se perguntas do
tipo: quem são os agentes do conflito societário no
mundo moderno? há um conflito societário central
que ordena os demais? qual a natureza das coleti-
vidades que produzem e reproduzem a vida soci-
etária nos dias de hoje?
Esta ordem de questões ocupa a primeira
parte do último artigo da coletânea, Pobreza,
desigualdade e identidade política. Aí a autora
chama a atenção tanto para o esvaziamento histó-
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e das teorias das organizações, não pode ser de também do tipo de política adotada pelas
deixada de lado. As respostas do sindicalismo não empresas, as quais, nessas últimas décadas, têm
são apenas reações determinadas automaticamen- tido a iniciativa das mudanças. (p. 290).
te a mutações ambientais, mas decorrem também A conclusão geral é um exercício de prognós-
de transformações que se dão nos sindicatos en- tico sobre o futuro do sindicalismo. O próprio
quanto organização [...] (pp. 260-264). autor reconhece que tal exercício tende a ser
Na parte final do livro há um relato sobre as influenciado pelas convicções políticas e ideológi-
respostas sindicais à situação de crise e as alterna- cas de cada um e pelo país a partir do qual os
tivas que têm sido experimentadas, classificadas autores focalizam seu objeto: não seria preciso
como: (a) respostas de natureza coletiva, dirigidas ressaltar que os pesquisadores mais favoráveis aos
para os trabalhadores como grupo, envolvendo, sindicatos inclinam-se a vislumbrar saídas para o
conseqüentemente, as estratégias sindicais clássi- movimento sindical, enquanto os mais hostis
cas de mobilização (mais agressivas ou menos acham que os sindicatos terão muita dificuldade
agressivas, dependendo do contexto) e assumin- para sobreviver no tipo de habitat que se delineia
do, às vezes, um componente político, quando para o século XXI. (p. 295).
implicam a busca de apoio em partidos ou no Embora preocupado em tentar reduzir a in-
governo; (b) respostas orientadas para o trabalha- terferência ideológica e evitar generalizações ou
dor individual; e (c) respostas organizatórias refe- prognósticos precipitados, Rodrigues não resiste à
rentes a modificações na própria estrutura sindical tentação de sugerir tendências e fazer prognósti-
(p. 274). O autor apresenta também um resumo das cos, incorrendo nos perigos que identifica na
opiniões dos pesquisadores sobre as perspectivas análise de outros autores. Nesse processo, como os
da instituição sindical, considerando que as varia- outros pesquisadores, ele precisa demarcar o seu
ções dependem das inserções políticas dos analis- entendimento do que sejam os sindicatos, e aqui
tas e do modo como encaram o sindicato em sua concepção mais restrita (organizações perma-
situações de crise. Aqueles que pensam em termos nentes de trabalhadores assalariados formalmente
da revitalização do sindicalismo consideram que destinadas a tentar obter vantagens para seus
seria necessária a formação de outro tipo de movi- associados ou para o conjunto dos trabalhadores
mento sindical, mais democrático, menos burocra- mediante negociações com as empresas e o Esta-
tizado, mais dinâmico, mais capaz de atrair as do, pressões políticas e outros meios de atuação)
minorias étnicas, os trabalhadores marginalizados contém elementos que, ao nível formal, inviabiliza-
e os não-organizados. Nesse tipo de ampliação da riam a consideração de várias outras atividades
atuação é enfatizada a necessidade de os sindicatos sindicais que vêm sendo desenvolvidas.
darem mais atenção para os problemas que afetam O fato de pensar o futuro do sindicalismo
os trabalhadores como cidadãos. Entram nessa sem fazer uma separação entre instituição e movi-
classe as reivindicações que interessam às minorias mento, enfatizando a necessidade de que haja
étnicas, a atenção a questões que se referem alguma dose de movimento social, de oposição,
especificamente às mulheres, aos aposentados, à de potencial conflitivo, além de não excluir a
defesa do meio ambiente, às reivindicações demo- possibilidade de mudanças de estratégias, de apa-
cráticas, de modo geral. (p. 280). recimento de novas táticas, de colocação de novos
Mas, que ninguém se iluda, alerta Leôncio objetivos (p. 295), revela, na verdade, um enfoque
Martins Rodrigues: as recomendações de revitaliza- bastante perspicaz dos efeitos das transformações
ção em geral chocam-se com a realidade industri- pelas quais passa o sindicalismo, embora se man-
al, social, política e cultural dos tempos de globa- tenha dentro de uma concepção mais estreita e
lização. [...] As empresas estão numa posição con- formal sobre as funções da instituição sindical.
fortável para enfrentar as organizações sindicais, o No entanto, a opção do autor não contempla
que significa dizer que uma estratégia sindical não a grande quantidade de alternativas que vêm
vem apenas da vontade dos sindicatos, mas depen- sendo criadas pelos sindicatos para enfrentar as
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dificuldades da conjuntura atual: Na hipótese de acaba tendo o efeito de confirmar seu posiciona-
que os atuais sindicatos assumam predominante- mento também sobre o sindicalismo no país. Sua
mente funções que hoje são preenchidas por perspectiva negativa e um tanto hostil com rela-
entidades que organizam segmentos populacio- ção ao futuro do sindicato e sua descrença nas
nais não-assalariados, como ordens de profissio- novas alternativas e estratégias experimentadas em
nais (médicos, advogados e outras profissões libe- vários lugares do mundo, no entanto, não invali-
rais), cooperativas, movimentos sociais policlassis- dam a qualidade do seu trabalho intelectual, nem
tas, sociedades de amigos de bairro, ONGs de a necessidade de ler o livro e discuti-lo. Mas
defesa ecológica ou de outra natureza, sociedades algumas dúvidas permanecem. Se o sindicato já
de auxílio mútuo, o próprio fundamento da repre- passou por tantas dificuldades e períodos de recuo
sentação sindical estaria transformado. (p. 297). e crises, já foi tantas coisas, serviu a tantos fins, foi
Para ele, uma mutação do sindicalismo na direção instrumento de tantas lutas diferenciadas, agrupou
desse tipo de entidades deveria ser entendida tão variados tipos de trabalhadores, esteve inserido
como uma modalidade de declínio do sindicalismo em tanta contestação política e econômica diferen-
tal como ele existiu, com suas várias faces, no te, por que traçar agora uma fronteira tão radical a
mundo ocidental. partir da qual o que se delineia é a sua liquidação?
Considerando que o sindicalismo não é ape- Por que não pensar em termos da organização de
nas o resultado de processos econômicos e tecno- trabalhadores, estabelecer continuidades e ruptu-
lógicos, que o poder sindical está também vincula- ras práticas e formais e reconhecer transformações?
do a outros componentes do sistema político e
cultural, as observações finais do autor vão no
sentido de considerar que todos esses fatores JOSÉ RICARDO RAMALHO
podem ter efeitos maiores ou menores sobre a é professor do Programa de Pós-Graduação
organização sindical, embora tendam a ser negati- em Sociologia e Antropologia do Instituto de
vos. O prognóstico sobre o destino do sindicalismo Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ.
como instituição no interior da sociedade de servi-
ços, considerando ambas as instituições abstrata-
mente, é de uma instituição condenada a ocupar
uma posição subalterna na sociedade pós-industri-
al, porque todos os fatores que favoreceram sua
expansão passada não mais existem ou se reduzi-
ram significativamente. Para Rodrigues, as carac-
terísticas gerais da sociedade pós-industrial abrem
pouco espaço para a organização sindical, embora
a extensão desse espaço possa ser diferente quan-
do se avaliam sociedades nacionais específicas. A
conclusão vai, portanto, a favor da idéia do recuo
do sindicalismo à medida que avança a desindus-
trialização. (p. 301).
A publicação de Destino do sindicalismo é
certamente oportuna no contexto atual da discus-
são sobre o sindicalismo no Brasil. Embora a nossa
realidade tenha características particulares, as
questões tratadas ao longo do texto aplicam-se
também ao caso brasileiro e ajudam a pensar os
destinos do nosso sindicalismo. E a análise de
Leôncio Martins Rodrigues sobre os outros países
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atendidas, eles teriam de submeter-se às formas de de práticas de associativismo horizontais etc.), por
controle estabelecidas. No que diz respeito ao outro abria para a força de trabalho novas possibi-
Estado, este trocaria o controle intensificado e lidades ante os patrões (por exemplo, a cobrança
renovado sobre o trabalho pela inclusão dos traba- de direitos agora estabelecidos na lei).
lhadores e a garantia de alguns de seus direitos. A luta daqueles que tentaram se contrapor
Para ambas as partes este projeto significava ga- aos ditames da regulamentação não foi fácil. A
nhos e perdas. Segundo a autora, a política estatal autora demonstra, de forma detalhada, como os
voltada para os trabalhadores continha inegável anarquistas, únicos a levarem até o fim seu posici-
dimensão positiva, em que pesem os aspectos onamento contra o sindicato oficial, viram minguar
negativos de repressão e manipulação (p. xix). seu poder de inserção no movimento sindical.
Apesar de levar em conta algumas das visões Mesmo forças como os comunistas e os trotskistas,
recorrentes na literatura sobre o tema, Angela inicialmente contrárias à integração, acabaram por
Araújo não se prende muito a algumas das conclu- se submeter às novas condições. Foi-lhes difícil
sões por elas defendidas. Por exemplo, mesmo concorrer com os sindicatos oficiais, por exemplo,
reconhecendo o papel da repressão, não deixa de após o governo definir, na Lei de Férias (1934), que
indicar que, para além dela, outros elementos só os associados aos sindicatos oficiais poderiam
concorreram no processo de integração do movi- desfrutar de tais direitos. Além disso, pesava o fato
mento operário e sindical autônomo às esferas do de que, nos moldes corporativos, a nova Carta
sindicalismo oficial introduzido no Brasil pela Lei constitucional de 1934 garantia aos sindicatos
de Sindicalização, Decreto 19.770, de 1931. Ela oficiais o direito à representação classista nos
demonstra, de forma bastante substanciada, como legislativos estaduais e federal (p. 201).
algumas forças do movimento de trabalhadores, O livro de Angela Araújo faz uma interessante
situadas à esquerda do espectro político, contribu- reconstituição do ideário que presidiu a implanta-
íram, junto com o chamado sindicalismo amarelo, ção do projeto autoritário-corporativo em nosso
de cunho mais conservador, na efetivação prática país. Na primeira parte a autora indica o instrumen-
de tal estrutura. tal teórico que lhe servirá de fio condutor. A obra
Não foi apenas a repressão, ou o desejo de Gramsci aparece em primeiro plano.
conciliador de determinadas lideranças do movi- A segunda parte do livro trata do processo de
mento dos trabalhadores, que empurraram o movi- construção do projeto autoritário-corporativo. A
mento autônomo para a oficialização e maior idéia de que o Estado assumiu um papel prepon-
controle do Ministério do Trabalho. Está claro que derante nesse processo é levada em conta; porém,
esses fatores estiveram presentes na montagem da como indica a autora, não se poderia deixar de
estrutura. Entretanto, o fator central, na visão da perceber o papel desempenhado pelos atores soci-
autora, é que com a implantação do projeto corpo- ais seja no sentido da formulação de seus projetos,
rativo os trabalhadores, pela primeira vez na histó- seja na tentativa de sua implantação. É neste
ria do Brasil, passaram a ser reconhecidos como aspecto que o trabalho traz uma contribuição de
interlocutores importantes para os governantes. A extrema relevância.
cooptação assumiu aqui um destacado papel. As- A autora analisa a visão de intelectuais
sim, ao mesmo tempo em que tinha interesses como Oliveira Vianna, Alberto Torres, Azevedo
óbvios no controle do movimento sindical autôno- Amaral e Francisco Campos e, sem forçar um
mo, o governo implantado no pós-1930 supria determinismo descabido, indica as possibilidades
determinadas demandas já históricas dos trabalha- de influência de tais idéias na conformação do
dores. Desta forma, a regulamentação das relações projeto. Indica, também, como, apesar de suas
de trabalho pelo governo, se por um lado permitia diferenças, o tenentismo pode ter representado
a este manietar, ainda que relativamente, as formas um chão fértil para a penetração daquele ideário
organizativas dos trabalhadores (por exemplo, nos princípios norteadores do governo, onde os
com a exigência da unicidade sindical, a proibição tenentes tiveram, num primeiro momento, forte
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influência. Além disso, analisa as origens do cor- maneira, seu quinhão na montagem do sindicalis-
porativismo a partir de processos como a criação mo corporativo.
do Ministério do Trabalho e o estabelecimento da Se pudéssemos dispor as lideranças sindicais,
Lei de Sindicalização de 1931. Esta parte é inte- esquematicamente, em um eixo temporal de inser-
ressante por demonstrar como o ideário corpora- ção na estrutura sindical oficial, viriam os amarelos
tivo já habitava o conjunto das idéias em jogo em e socialistas primeiro, depois os trotskistas e, a
fins dos anos 20 e que havia distintos projetos seguir, os comunistas. Por fora viriam os anarquis-
corporativos. Mesmo no interior do grupo no tas, que não aceitaram o sindicato oficial mas
poder o projeto corporativo não era homogêneo. também acabaram se enfraquecendo e chegando
O livro tece pontual, porém fina, análise sobre as à quase extinção. Os amarelos foram os primeiros
tensões entre, por exemplo, os tenentes e setores a insistir na importância desse tipo de reconheci-
da oligarquia gaúcha representados no Governo mento. Os trotskistas, embora o questionassem
Provisório por Lindolfo Collor. Neste sentido, são duramente no início, acabaram revendo sua posi-
examinadas também as propostas da burguesia a ção e se inserindo na estrutura oficial, para não
respeito do projeto corporativo. deixar as massas sob a influência única da burgue-
A terceira parte do livro trata da constituição sia e do Estado. Os comunistas, apesar da resistên-
e consolidação do sindicalismo corporativo, pen- cia, acabaram cedendo, e mesmo que, como os
sado como uma das peças fundamentais do projeto trotskistas, dissessem que lá estavam criticamente,
corporativo. Em um primeiro momento são anali- deram sua contribuição para a aceitação do novo
sadas as estratégias de cooptação implementadas tipo de sindicato que estava sendo proposto. No
pelo governo e as estratégias de resistência por caso, principalmente, de trotskistas e comunistas,
parte dos trabalhadores. São examinados os pro- não deve ser esquecido o esvaziamento de seus
cessos grevistas de 1930, 1931 e 1932, movimentos sindicatos e de suas propostas políticas no meio
liderados por setores do sindicalismo brasileiro operário por conta das benesses oferecidas pelo
identificados com o sindicalismo autônomo que governo àqueles trabalhadores que se integrassem
enfrentaram o governo não só por melhorias nas nas fileiras do sindicato oficial. No caso dos comu-
condições de vida dos trabalhadores, mas também nistas, pesaram também as novas orientações da
buscando escapar da oficialização. Muitos desses Internacional Comunista, que, depois da política
movimentos, embora demonstrassem o ânimo do de classe contra classe da virada dos anos 20 para
sindicalismo livre, foram sufocados pela intransi- os anos 30, assumiu uma política de conciliação
gência patronal, mas também pela ambigüidade do com os sindicalistas reformistas e socialistas.
governo, que transitava entre a mediação e a A ação de trotskistas e comunistas, mais dos
repressão. Nesta parte encontra-se a análise das primeiros, pode, segundo a autora, ser elucidativa
relações estabelecidas entre o movimento dos da relação estabelecida entre o Estado e o movi-
trabalhadores e a chamada Revolução Constitucio- mento dos trabalhadores no início dos anos 30.
nalista de 1932. Segunda a autora, os revolucioná- Para a implantação de seu projeto corporativo, o
rios constitucionalistas não viram com bons olhos Estado e os setores à sua frente necessitavam
as mobilizações dos trabalhadores e as identifica- garantir certos direitos à organização dos trabalha-
ram com a agitação comunista, o que, para os dores, de modo a sustentar sua política de colabo-
revoltosos, incluía Vargas, os tenentes e quem mais ração de classes. Quem estivesse dentro destes
a eles se associasse. moldes legitimava-se como interlocutor dos traba-
Depois de analisar o que seriam as últimas lhadores e defensor de suas demandas junto ao
tentativas do sindicalismo livre de se manter na governo. Quem estivesse fora deles sofreria a falta
ativa, a autora mostra de que forma as lideranças de reconhecimento, a exclusão e a repressão. A
sindicais de então, membros de grupos militantes entrada, porém, não era isenta de limitações. Se-
diferenciados anarquistas, amarelos, socialistas, gundo a autora, a visão de que se entrava para
comunistas e trotskistas , deram, cada qual à sua questionar foi se mostrando bastante difícil de se
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manter na prática, principalmente no caso dos Que a ação era limitada, não resta a menor dúvida.
trotskistas, cujo discurso e prática eram adoçados Porém, daí a reduzi-la à colaboração de classes vai
quando o grupo se colocava à frente de entidades uma distância enorme.
oficiais. Desta forma, conjugando cooptação e O sindicato corporativo que se desenvolveu
repressão, o governo conseguiu constituir a base após 1930 sob a égide do Estado tinha como
de sustentação onde fincaria as raízes de seu orientação original manter-se como uma organiza-
projeto corporativo. Porém, as dificuldades não se ção passiva, apolítica e de colaboração de classes.
colocaram somente do lado dos trabalhadores; a Contudo, após a Constituição de 1934, em um
implantação do projeto corporativo não seria tran- clima de intensa euforia liberalizante e com lide-
qüila também para o governo. ranças progressistas, ele não pôde cumprir tais
Na última parte do livro a autora demonstra desígnios. Ao organizar e/ou capitanear greves,
como o sindicalismo corporativo conviveu com não pôde ser passivo nem de colaboração. Tam-
formas de insubordinação política. Analisa o de- pouco pôde manter-se apolítico em uma conjuntu-
senvolvimento hegemônico do sindicalismo oficial ra prenhe de tensão social e política.
em seus primeiros anos de implantação e indica Contudo, isso não duraria por muito tempo.
como, a partir da Constituição de 1934, ele começa Em 1935, em um crescente clima de tensão, que
a se projetar como liderança no ascenso dos ameaçava não só o projeto sindical corporativo
movimentos grevistas, contidos desde 1932. Con- mas também o próprio arranjo no poder, o gover-
forme assinala: [...] a implantação do sindicalismo no, lançando mão da Lei de Segurança Nacional
corporativista no período 1933/1934 foi marcada (LSN), decide reprimir a Aliança Nacional Liberta-
pela ambigüidade e por uma dinâmica contraditó- dora (ANL), que catalisava os movimentos de
ria. De um lado, as medidas adotadas pelo governo oposição ao governo, e intervir duramente nos
conseguiram impulsionar a implantação da estru- sindicatos. O cenário recrudesce ainda mais com a
tura sindical, trazendo para dentro dela não só os tentativa de insurreição da ANL, em novembro.
trabalhadores mas também suas principais lideran- Esta forneceu o álibi necessário para um maior
ças para não falar de segmentos importantes das endurecimento do regime. Como indica a autora, o
classes patronais. De outro, se a adesão das lide- governo aproveitou-se deste pretexto para pro-
ranças sindicais independentes foi fundamental mover um verdadeiro processo de degola das
para dar vida a esta estrutura, para fazer dela um lideranças sindicais independentes e combativas,
instrumento efetivo de representação dos interes- aniquilar todas as agremiações políticas de esquer-
ses dos trabalhadores, ela colocou, ao mesmo da e fechar todos os canais por meio dos quais os
tempo, uma dificuldade para a realização plena do trabalhadores pudessem expressar-se autonoma-
projeto corporativo, na medida em que procurou mente (p. 309). Será a partir deste processo, já no
transformar este sindicalismo num instrumento de Estado Novo, que o governo irá incrementar a
luta e conflito e não de colaboração, como estava implantação do corporativismo, derrotando o sin-
previsto na concepção governamental. (p. 293). dicalismo livre.
Foi a partir deste tipo de contradição, entre o Apesar de um desfecho tão sombrio naquela
projeto e a prática de implantação do corporativis- conjuntura, a história posterior do movimento dos
mo, que as forças de esquerda conquistaram im- trabalhadores brasileiros demonstra que, apesar de
portantes postos na estrutura sindical e tentaram, todas as pressões, o sindicalismo de corte progres-
ainda que com reduzido sucesso, reeditar formas sista continuou a se impor, por dentro da estrutura,
de organização autônomas. trazendo sérios reveses à incorporação tranqüila e
Com esta visão a autora escapa da concepção pacífica dos trabalhadores. Se o sindicato livre
simplista, muito utilizada nas análises acerca do acabou fenecendo como prática concreta, também
sindicalismo do período 1945-1964, que atribui a é verdade que os trabalhadores, mesmo limitados
este uma orientação de colaboração de classes pelas condições estabelecidas, continuaram bus-
simplesmente por atuar por dentro da estrutura. cando construir seus espaços de autonomia.
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da matriz industrial. Embora Raud reconheça o uma política voluntarista, mas se trata de uma
papel de indução das empresas em uma sociedade construção social do mercado, de um desenvolvi-
capitalista, sua proposta analítica alinha-se ao lado mento apoiado sobre e modelado pelas característi-
daqueles que acreditam no papel das instituições de cas sociais (p. 27). Esta forte interação das firmas
caráter não privado e nos mecanismos públicos de e do mercado com o ambiente onde se inserem dá-
intervenção e regulação social para o planejamento se a partir de mecanismos específicos de regulação
e organização da economia em uma era de mudan- tanto formais como latentes. Os formais são dados
ças. Neste sentido, seu trabalho é pioneiro porque pelas organizações políticas locais, especialmente
revela que os processos de desconcentração indus- as agremiações de empresários e trabalhadores e o
trial não são uma panacéia das teorias heterodoxas, poder público. Os mais importantes, porém, são os
mas, ao contrário, como indica seu estudo sobre o mecanismos informais de regulação, e neste senti-
caso catarinense, pode-se encontrar formas de in- do a reciprocidade interfirmas assume grande
dustrialização descentralizada, de trajetória muito importância. Em muitos casos estas relações são
recente, cuja análise traz à luz resultados bastante até mesmo mais relevantes que a troca mercantil.
diferenciados em relação ao modelo dominante. Segundo Raud, essa reciprocidade está assentada
O primeiro capítulo do livro compõe-se de em relações de interconhecimento, de amizade, de
três seções destinadas a uma revisão da experiên- confiança e de parentesco que têm como base as
cia da Terza Italia, região central da Itália onde se famílias extensas, formas sociais típicas das socie-
verificou um processo de industrialização baseado, dades rurais.
fundamentalmente, na combinação de sinergias da Os distritos industriais italianos estão locali-
economia local com uma inserção sui generis no zados no nordeste-centro do país, em regiões
mercado nacional e internacional de mercadorias, como Emília-Romagna, Vêneto, Trentino-Alto-Adi-
processo esse descrito pela literatura recente como ge, Friuli-Venezia Giula, Toscana, Marche e Um-
de industrialização difusa. No Brasil, vários pes- bria, relativamente próximos ao triângulo industri-
quisadores vêm citando o caso italiano como al de Gênova, Turim e Milão, e difundiram-se
ilustração para justificar argumentos em defesa das rapidamente nas décadas de 1960 e 1970. Para
formas alternativas de desenvolvimento. Por esta alguns autores, como Piore e Sabel (1989), eles
razão, a revisão que Raud realiza da literatura revelam uma nova fase do capitalismo industrial,
contribuirá inequivocamente para ampliar o co- caracterizada pela especialização flexível. Ou-
nhecimento dos brasileiros sobre o que é, de fato, tros, no entanto, como Bagnasco e Triglia (1993),
este processo de industrialização difusa. sugerem que sua existência deve-se a um conjunto
Logo no início, a autora chama a atenção de situações favoráveis fortemente ancoradas no
para a distinção fundamental entre os termos in- contexto local. Não obstante essas divergências
dustrialização difusa, descentralização industrial e interpretativas quanto ao significado desses distri-
distritos industriais, muitas vezes confundidos. Os tos para a economia industrial, parece haver con-
distritos podem ser interpretados como um proje- senso entre os estudiosos acerca de suas caracterís-
ção particular da industrialização difusa. A descen- ticas recentes e do ambiente que permitiu sua
tralização constitui-se em uma de suas característi- emergência.
cas e, às vezes, pode ser apenas uma fase deste Após analisar extensa bibliografia, Raud con-
processo. A industrialização difusa italiana caracte- clui que os distritos industriais italianos também se
riza-se, segundo Raud, por redes de pequenas e ressentem dos problemas que afetam outras estru-
médias empresas concentradas em uma cidade ou turas industriais, como a concorrência estrangeira e
num território, cada qual especializada em um as conseqüências da reestruturação e da moderni-
estágio do processo de produção de um mesmo zação tecnológica, com o agravamento do desem-
tipo de bem e ligada ao mesmo mercado. prego, o crescimento das pressões sindicais por
A industrialização difusa não é concebida melhores salários e, mais recentemente, as altera-
como fruto do laissez-faire, nem o resultado de ções provocadas no ambiente local pela contrata-
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ção crescente de trabalhadores migrantes do Ma- fronteiras disciplinares que muitas vezes asfixiam a
greb e da África. Em muitos casos, estes problemas produção do conhecimento em ciências sociais,
modificaram significativamente as características revelando uma adequada e rigorosa combinação
originais do modelo italiano. de conceitos da Economia, da Sociologia e da
Da leitura desta excelente revisão teórica é Geografia, que talvez lhe tenham sido legados por
quase inexorável que o leitor se ponha a seguinte sua origem intelectual francesa.
questão: é possível reproduzir tal modelo de de- Em Indústria, território e meio ambiente no
senvolvimento? A resposta de Raud é de que há Brasil o leitor também encontrará o justo resgate
restrições de variadas ordens que obstaculizam as da contribuição de um geógrafo que por longos
possibilidades de reprodução autônoma e inde- anos dedicou-se ao estudo das particularidades do
pendente deste modelo de industrialização, mes- processo de industrialização catarinense. A obra
mo em situações em que possa contar, virtualmen- de Armen Mamigonian talvez esteja para os catari-
te, com o apoio explícito do Estado. Nesta parte nenses como a de Jean Roche está para os gaúchos.
vale a pena reproduzir, sinteticamente, argumen- Ambos os autores, geógrafos de formação e de
tos de outros estudiosos do assunto, como Ganne origem estrangeira, dedicaram-se a analisar em
(1992), que considera que a experiência italiana profundidade as razões históricas e estruturais que
não pode servir de modelo para a compreensão de distinguem os processos de industrialização destes
casos similares devido às especificidades que cada dois estados do sul do restante do Brasil. Aqui o
situação envolve. Para superar este e outros limi- argumento é simples: no Sul, ao contrário do que
tes, Courlet (1994) propôs a noção de sistema ocorrera em São Paulo, o processo de acumulação
produtivo localizado, mais abrangente, de modo a de capital estaria fortemente vinculado aos merca-
permitir a análise de outras situações, em outros dos locais, produzindo uma dinâmica econômica
contextos que não o italiano ou o europeu. específica baseada nas trocas mercantis realizadas
A partir desta moldura analítica, no segundo entre os pequenos proprietários rurais de origem
capítulo é abordado o processo de industrialização européia, que com a venda de seus produtos
ocorrido em Santa Catarina, centrando-se a análise agrícolas obtinham recursos que lhes possibilitava
no setor têxtil de Blumenau, localizado no vale do a aquisição de mercadorias dos comerciantes lo-
rio Itajaí, e no pólo moveleiro de São Bento do Sul, cais. Muitas vezes estes donos de casas de comér-
situado no nordeste do estado. A experiência cio eram os compradores dos produtos dos agricul-
catarinense é então comparada à italiana visando tores e os revendedores de mercadorias manufatu-
uma avaliação do potencial de uma estratégia radas ou gêneros alimentares. Com o lucro auferi-
alternativa de bioindustrialização descentralizada do, alguns desses vendeiros passaram a aplicar
no Brasil (p. 108). Aí percebe-se com clarividência seu capital em atividades industriais, quase sempre
a influência exercida pelo seu orientador de tese, formando sociedades com alguns artesãos que
professor Ignacy Sachs, da École des Hautes Étu- dominavam o savoir-faire.
des en Sciences Sociales, pesquisador renomado e Tanto no Rio Grande do Sul como em Santa
muito conhecido no ambiente acadêmico brasilei- Catarina, esse tipo de transação econômica teria
ro. Esta influência se dá pela incorporação da idéia favorecido a formação de um mercado local de
do ecodesenvolvimento, a partir da qual a autora produtos manufaturados e alimentares, permitindo
se põe a discutir as perspectivas do desenvolvi- a expansão de atividades industriais e a acumula-
mento industrial descentralizado no Brasil nos ção de riqueza fora do centro dinâmico da econo-
marcos da sustentabilidade ambiental. mia brasileira. Além disso, o fato de serem regiões
O livro de Cécile Raud soma-se ao esforço, habitadas por imigrantes de origem européia, se-
do qual também compartilho (Schneider, 1999), de gundo Raud, teria contribuído de modo decisivo
divulgar as possibilidades analíticas da perspectiva para forjar um ambiente social, econômico e cultu-
teórica inaugurada pelos estudiosos da industriali- ral muito similar ao encontrado na região da Terza
zação difusa. Seu trabalho inova ao romper com as Italia. Assim, a mão-de-obra qualificada, o espírito
RESENHAS 193
empreendedor, o papel das instituições locais e a mento se ajusta com a abordagem da industrializa-
acumulação de capital advinda do comércio dos ção difusa?
produtos primários constituíram-se nos requisitos Mas a contribuição da autora não termina aí.
fundamentais para fazer deslanchar o processo de O terceiro e último capítulo do livro é reservado à
industrialização. Mas o estudo de Raud também apreciação das perspectivas da industrialização
contempla a importância dos aspectos exógenos difusa no Brasil à luz das lições extraídas do
que contribuíram para a industrialização catari- processo de industrialização de Santa Catarina. A
nense, como é o caso do apoio do Estado e das adoção do modelo de industrialização assentado
mudanças mais gerais que se processavam na nas pequenas e médias empresas, semelhante ao
economia brasileira ao longo da industrialização italiano, é apontada como uma possibilidade re-
por substituição das importações. mota se este for concebido desvinculado de um
Raud não realiza apenas uma abordagem ambiente que permita uma interface entre empre-
interessante do processo de industrialização catari- sas e setores industriais. Aos interessados no deba-
nense, como também apresenta o potencial dos te das políticas públicas que poderiam contribuir
seis principais pólos regionais de desenvolvimento para a desconcentração econômica e industrial no
do estado, extraindo lições comparativas dos casos Brasil, esta seção do livro apresenta recomenda-
do setor têxtil da região de Blumenau e do setor ções sugestivas, especialmente àqueles que gos-
moveleiro de São Bento do Sul. Mais do que isto, tam de extrair das análises propostas concretas.
chega a afirmar que em atividades de expansão Em razão desta opção, o trabalho de Raud
recente no Estado de Santa Catarina, como a passa a perseguir respostas a questões que em
fruticultura (especialmente no oeste catarinense), a certa medida até surpreendem pelo modo como
aqüicultura (especialmente no litoral) e a silvicul- são formuladas. A autora enfrenta a difícil e ousada
tura (especialmente no planalto catarinense), tal- tarefa de discutir as chances de novas estratégias
vez se encontrem formas embrionárias de um de industrialização descentralizadas no contexto
novo modelo de desenvolvimento de menor im- brasileiro a partir da redefinição (ou atuação, para
pacto ambiental e menos marcado pelos desequi- sermos mais enfáticos) do papel do Estado nas
líbrios demográficos e econômicos, identificadas políticas científica e tecnológica e industrial. Na sua
como experiências de bioindustrialização descen- opinião, caberia ao Estado, em primeiro lugar,
tralizadas (p. 155). Para cada uma destas iniciati- fornecer um ambiente que permita a emergência
vas a autora vislumbra formas de organização de uma competitividade sistêmica (p. 255). No
social e produtiva como as cooperativas, as asso- entanto, ela não reivindica uma atuação estatal
ciações, as indústrias caseiras, os condomínios, as semelhante àquela que patrocinou, de cima para
empresas comunitárias, que poderiam constituir-se baixo, a industrialização brasileira. Ao contrário,
em formas renovadas de garantia da sustentabilida- sugere uma reterritorialização das políticas de
de sem comprometer sua viabilidade econômica. desenvolvimento, fortemente apoiadas na noção
A leitura deste capítulo do livro deixa no de governança. Contudo, mais importante que
leitor a agradável sensação de que algo ainda sua incursão na análise das propostas de políticas
pode ser feito para reverter ou apresentar alterna- públicas parece ser a incorporação da reflexão
tivas ao modelo concentracionista do desenvolvi- sobre a gestão territorial como uma variante pouco
mento industrial brasileiro. A autora lista uma série utilizada no ordenamento do desenvolvimento
de exemplos de iniciativas locais e regionais que brasileiro recente.
levam à reflexão sobre a viabilidade de ampliação Ao leitor por certo não escapará que a obra
do modelo de descentralização industrial para representa uma significativa contribuição ao deba-
outras regiões brasileiras, além de sugerir temas de te sobre o desenvolvimento e os modelos de
pesquisa a serem aprofundados em outros traba- industrialização. Por estas razões, Indústria, terri-
lhos. E conclui com uma indagação fundamental: tório e meio ambiente no Brasil, de Cécile Raud, é
em que medida a perspectiva do ecodesenvolvi- um livro vivamente recomendável que certamente
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