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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Elaborada por Maria Salete de Freitas Pinheiro – CRB -1262

G326e Gênero, educação e sexualidades : reconhecendo diferenças para


superar [pré]conceitos / Organização André da Silva Bueno,
Dulceli Tonet Estacheski, Everton Carlos Crema.-- Uberlândia :
Ed. dos Autores, 2016.

197 p. : il.

Inclui bibliografia.
ISBN : 978-85-68351-48-2

1. Relações de gênero. 2. Sexo - Diferenças (Educação). 3. Discrimi-


nação de sexo na educação. 4. Identidade de gênero. I. Bueno, André
da Silva. II. Estacheski, Dulceli de Lourdes Tonet. III. Crema, Everton
Carlos.

CDD: 379.26
Expediente

- Diagramação:
Elaine Schmitt
- Projeto Gráfico e capa:
Elaine Schmitt
- Revisão Geral:
Ana Paula Bhürer e Vanessa Cristina Chucailo

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SUMÁRIO

Prefácio
Carla Fernanda da Silva Satler..........................................................7

Apresentação
Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski.............................................11

Gênero, sexo, sexualidade: categorias do debate


contemporâneo
Cristina Scheibe Wolff e Rafael Araújo Saldanha..........................14

Rüsen e o “novo humanismo” reflexões para a educação e a


diferença
Everton Carlos Crema.....................................................................42

Gênero na escola sim, mas como fazer?


Dulceli de L.Tonet Estacheski.......................................................63

Gênero e diversidade sexual, violência contra as mulheres e


homofobia na educação escolar
Sergio Antônio Andrigueto.............................................................80

Impressões sobre identidades de gênero: o desafio dos modelos


ideias
Vanessa Cristina Chucailo..............................................................93

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“Vish, sai de mim”: gênero e diversidade sexual para
estudantes do CEEBJA
Ana Paula Bührer Gonçalves........................................................108

Hora da Aventura: sexualidade desromantizada e novas


abordagens de gênero na programação infantil
Elaine Schmitt e Karina Janz Woitowicz.....................................121

História das mulheres: o que ler?


André Bueno.................................................................................140

Revista Realidade: as mulheres diante do sexo uma década


quebrando tabus
Thays Bieberbach.........................................................................154

Um texto qualquer...
Heloyse Tomal..............................................................................173

Sugestões para pesquisas e reflexões sobre gênero


Ana Paula Bührer G., Dulceli de L.Tonet Estacheski, Everton C.
Crema, Sergio A. Andrigueto e Vanessa C. Chucailo .................175

Sobre xs autorxs..........................................................................191

6
PREFÁCIO

“Ou você revoluciona a si mesmo


ou não revoluciona coisa alguma.”

Michel Foucault

Para além da apresentação do livro “Gênero, educação e


sexualidade: reconhecendo diferenças para superar (pré)conceitos”,
penso que me cabe apresentar também a história que permeia a sua
concepção, assim como o grupo de pesquisadores responsável e
seu compromisso de estudo e militância pela igualdade de gênero.
Este livro materializa muito mais do que os estudos solitários dos
seus autores, conta-nos a trajetória de um grupo de professores e
estudantes universitários que no exercício de estudo e interpretação
do mundo e, sobretudo da realidade local, perceberam a necessidade
de construir ligações e ações entre o saber universitário e o cotidiano
escolar e local, especialmente no que tange às questões de gênero e
diversidade sexual.

No momento atual, em que se enfrenta um combate religioso,


entranhado nas câmaras legislativas, em relação aos estudos de
gênero, errônea e capciosamente designado como ‘ideologia de
gênero’; é preciso destacar a audácia deste grupo em trabalhar com
a formação de professores sobre a temática. Audácia de sair do
comum, apresentar o novo, o inusitado, de dizer e escrever o que
muitos temem proferir. Audácia em ajudar o Outro quando todos se
fecham em seus mundos, em mudar quando for preciso e enfrentar
aqueles que insistem em fazer e dizer mais do mesmo.

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Por meio do projeto “Gênero e diversidade sexual: ações afirmativas
para combater a violência”, que tem neste livro uma extensão
e continuidade de suas ações, o grupo atuou com o objetivo de
romper os paradigmas de uma cultura machista, homotransfóbica
e preconceituosa sedimentada no espaço escolar. Tarefa difícil
que exigiu coragem, desprendimento e delicadeza. Pois apesar da
concepção de que a escola ocupa um lugar central na constituição dos
indivíduos, ao invés de construí-la como um espaço em que alunas,
alunos e professores atuem como produtores de novos saberes e
valores, acima do senso comum e numa atitude questionadora e
criadora, por vezes se mostra um espaço perpetuador de preconceitos,
moralismos e violência. Tal perpetuação apenas fere e fragiliza
os diferentes – e não somos todos? – aqueles que transbordam os
limitados padrões que alguns insistem em lhes impor.

O embate é contínuo, nesse sentido que a delicadeza na


forma de propor outras possibilidades de pensar e interpretar o
mundo se faz necessária à comunidade escolar que pensa a escola
apenas como espaço de manutenção da ordem e tradição, sem nunca
questionar a origem destas concepções.

Nesse sentido, as palestras, oficinas e rodas de conversa,


promovidas ao longo do desenvolvimento do projeto se constituíram
como meio para criar uma nova interpretação de mundo e uma
nova concepção micropolítica das relações escolares. Em que
professores devem atuar a partir de uma pluralidade de perspectivas
compreendendo como se constitui a diversidade sexual e de gênero
e o importante papel da escola como espaço de acolhida e debate,
onde os diferentes não sejam silenciados em seu existir em nome de
concepções heteronormativas e machistas da existência.

É possível afirmar que este livro se constitui de dupla

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finalidade. Ao mesmo tempo em que é o fechamento ou conclusão
para os professores, alunas e alunos que participaram das atividades
de formação desenvolvidas pelo grupo de pesquisa, também se
apresenta como incentivador de novos debates sobre os estudos
de gênero e diversidade sexual. O livro foi organizado de forma
que os leitores e leitoras possam avançar em suas discussões, pois
os primeiros artigos escritos por Cristina Scheibe Wolff, Rafael
Araújo Saldanha, Everton Carlos Crema e Dulceli de Lourdes
Tonet Estacheski nos proporcionam um diálogo com os conceitos
desenvolvidos nos estudos de gênero e suas relações com o espaço
escolar, ou seja, constituem a base de formação que permeou o
projeto: “Gênero e diversidade sexual: ações afirmativas para
combater a violência”. Em seguida, os artigos de Sergio Antônio
Andrigueto, Vanessa Cristina Chucailo e Ana Paula Bührer
Gonçalves destacam a experiência de pesquisa e formação vivenciada
pelo grupo, apontando a realidade das escolas em que atuaram por
meio de relatos e problematizações, em que a identificação com
as situações elencadas possibilita uma reflexão do espaço escolar
vivenciado pelos demais professores, assim como pensar as ações
necessárias para transformar as situações de preconceitos. Por
fim, os artigos de Elaine Schmitt, Karina Janz Woitowicz, André
Bueno e Thays Bieberbach conduzem nossos olhares para fora dos
muros escolares, para a forma como as mulheres e a diversidade
sexual é representada na cultura pop, no jornalismo e na literatura,
buscando ampliar a percepção sobre a discussão de gênero em nossa
produção cultural e como isso pode afetar as nossas relações e a
produção de preconceitos. O grupo ainda complementa com um
tópico: “Sugestões para pesquisas e reflexões sobre gênero”, com a
indicação de leituras, sites, filmes, animes, entre outros, em que os
leitores poderão aprofundar suas reflexões.

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Por fim, penso que o texto de Heloyse Tomal, de 12 anos, em
sua simplicidade de criança ao relatar as reflexões após acompanhar
uma aula/discussão sobre gênero e diversidade traduz aos leitores
a experiência que terão ao ler este livro: a possibilidade de se
transformar, ou seja, reconhecer os preconceitos em si constituídos
e trabalhar em si mesmo a construção de outra subjetividade, aberta
à diferença.

Agosto de 2016,
Carla Fernanda da Silva Satler
Historiadora e Professora

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APRESENTAÇÃO

“O historiador pode interpretar o mundo


ao mesmo tempo que tenta transformá-lo”
(Joan Scott).

Em 2014 foi publicado um edital do Programa Universidade


sem Fronteiras da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e
Ensino Superior do Paraná. Os professores André Bueno, Everton
Crema e eu, da Universidade Estadual do Paraná, campus de
União da Vitória, nos reunimos rapidamente para elaborar uma
proposta. Já tinha uma em mente. Nossa região é interiorana e
conservadora e nela se reproduzem estereótipos de gênero que
geram a discriminação das mulheres e homossexuais e com isso,
diferentes formas de violência são desencadeadas. Há algum tempo
já estávamos trabalhando, na medida do possível, para colaborar
na transformação dessa triste realidade. Cursos, disciplina optativa
na graduação em História, palestras e oficinas em escolas e outras
instituições, eventos acadêmicos, manifestações nas ruas, na rádio,
jornal e TV local. Esse edital nos deu a esperança de poder contar
com recursos e bolsistas que poderiam atuar com maior dedicação
a essas ações. Enviamos o projeto ‘Gênero e diversidade sexual:
ações afirmativas para combater a violência’ e felizmente o mesmo
foi aprovado.

Demorou um tempo até que os recursos viessem e fosse

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possível iniciar as atividades. Selecionamos bolsistas, duas pessoas
que entraram na categoria de profissionais recém-formados em
História e Filosofia, Vanessa Cristina Chucailo e Sergio Andrigueto
e uma estudante da graduação em História, Ana Paula Bührer
Gonçalves, e em setembro de 2015 iniciamos as atividades, contando
com a participação de outras pessoas que atuaram voluntariamente no
projeto, como a historiadora Carla Fernanda da Silva, as jornalistas
e fotógrafas Elaine Schmitt e Marcia Boroski e o historiador André
Bueno, idealizador do projeto junto conosco, mas que entre o tempo
de aprovação do projeto e início das atividades, mudou-se para o
Rio de Janeiro para lecionar na Universidade Estadual do Rio de
Janeiro e mesmo à distância, continuou atuante.

Foram desenvolvidas oficinas sobre gênero, diversidade


sexual e combate à violência de gênero junto aos Centros de
Educação de Jovens e Adultos dos municípios paranaenses de União
da Vitória, Cruz Machado, General Carneiro, São Mateus do Sul e
Bituruna. Ouvir os relatos de bolsistas após as oficinas emociona,
por um lado, por saber que pessoas foram atendidas, sentiram-se
acolhidas em suas dores, outras aprenderam sobre a diversidade e a
dignidade humana e, por outro lado, por compreendermos que ainda
há muito a se fazer para que tal dignidade seja experimentada por
todas as pessoas, para que os preconceitos sejam rompidos e para
que a sociedade atue de fato no combate à violência de gênero.

Uma exposição fotográfica denominada ‘Dados Vermelhos’


foi organizada com o eficiente trabalho das voluntárias Elaine e
Marcia, citadas acima. Uma série de dez fotografias acompanhadas

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de dados, informações sobre os números da violência de gênero no
Brasil, circulou por universidades e escolas promovendo a reflexão
sobre essa questão tão importante. Uma cartilha, ‘A vida de Francis’,
foi escrita unindo literatura e textos didáticos que tratam da temática.
Além da equipe do projeto, colaboraram com ela a historiadora
Carla e novamente a Elaine que ilustrou e diagramou o material que
deve enriquecer o acervo das escolas de nossa região, auxiliando no
trabalho docente.

E enfim, chegamos ao produto final do projeto, este livro,


resultado de pesquisas, debates, inquietações. Ele é composto por
textos de toda a equipe, André, Everton, Vanessa, Sergio, Ana e
eu, e também de pessoas que concordaram em partilhar saberes,
Carla, Cristina, Rafael, Thays, Elaine e Karina. Que ele seja um
instrumento positivo nessa empreitada, que pode não ser fácil, mas
que é tão necessária, de transformação da realidade que inferioriza e
maltrata pessoas e de construção de um mundo mais justo.

Agradeço imensamente a todas as pessoas que se envolveram


de uma forma ou de outra no projeto e que aqui foram citadas.
Bem como agradeço ao Núcleo de Educação de União da Vitória
e às escolas e universidades que nos receberam. E fica o elogio ao
Programa Universidade sem Fronteiras que tem fomentado projetos
de extensão que muito contribuem com a comunidade em que as
universidades estão inseridas.

Boa leitura!

Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski

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GÊNERO, SEXO, SEXUALIDADES: CATEGORIAS
DO DEBATE CONTEMPORÂNEO1

Cristina Scheibe Wolff


Rafael Araújo Saldanha

Introdução
Recentemente estamos trabalhando, no
Instituto de Estudos de Gênero da UFSC, em um
curso de especialização com o tema “Gênero e
Diversidade na Escola”, apoiado pelo MEC. Nas
aulas presenciais, algumas questões das professoras2
chamaram nossa atenção:
- Por que entre duas irmãs, criadas da
mesma forma, na mesma família, uma pode
ser “normal” e outra “homossexual”?
- O que fazer quando um pai de aluno
se enfurece quando seu filho (menino)
escolhe uma boneca como brinquedo?
- Qual é mesmo a diferença entre sexo e
gênero? Por que fazer esta diferença?
- Como lidar, na escola, com as
situações de bullying com relação a alunas
vistas como “homossexuais”?
- Por que as meninas têm mais
dificuldade em algumas matérias e os
meninos em outras?
Ou seja, as questões que atravessam gênero, sexo e sexualidades
estão presentes de forma muito intensa no cotidiano escolar, e geram
1 Este artigo foi originalmente publicado na revista Revista Retratos da Escola, Brasília, v. 9, n. 16,
p. 29-46, jan./jun. 2015. Disponível em: <http//www.esforce.org.br>.
2 Neste texto vamos usar a forma feminina nos artigos e substantivos coletivos. Isso não pretende
fazer uma exclusão dos indivíduos masculinos, apenas causar um estranhamento. Homens (cis, trans)
e pessoas não polares sintam-se incluídas.

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dúvidas, situações difíceis para professoras, alunas, mães e todas
as profissionais envolvidas no processo educativo. Nosso objetivo
neste texto é fazer uma introdução a esse debate, mostrando como
foram criadas algumas das categorias fundamentais nos estudos
sobre o tema, indicando algumas bibliografias e possibilidades de
aprofundamento. Para isso, dividimos o texto em duas partes: na
primeira parte iremos tratar da história da categoria gênero, fazendo
sua relação com o feminismo e com categorias como sexo, mulher
e mulheres (PEDRO, 2005). Na segunda parte, tratamos mais
especificamente do campo da sexualidade e da teoria queer. As
perguntas mencionadas falam de três categorias teóricas principais,
três tipos de fenômenos que não devem ser confundidos, embora
se relacionem intimamente: 1. O sexo, que normalmente se refere
a características físicas e biológicas dos corpos que, na nossa
sociedade, são classificados em machos (associados aos homens),
fêmeas (associados às mulheres) e intersex (antigamente chamados
de hermafroditas). 2. O gênero, que se refere aos aspectos culturais,
históricos e sociais de como se classificaram as pessoas a partir
das diferenças percebidas entre os sexos (SCOTT, 1990) e que
categoriza as pessoas como femininas ou masculinas (cisgêneros),
transgêneros (trans-homem, trans-mulher) ou não binárias e que
também se relaciona com o que tem sido chamado de “expressão”
ou “papel” sexual, ou seja, como as pessoas performatizam ou
representam seu gênero. 3. A sexualidade ou orientação sexual, que
se refere às práticas sexuais das pessoas, seja orientada para pessoas
do sexo oposto (heterossexuais), para pessoas do mesmo sexo
(homossexuais), para ambos (bissexuais), para pessoas trans (omni/

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pansexuais) ou para nenhum (assexuais). Essas três classificações
podem se cruzar de formas variadas.

As normas da sociedade ocidental contemporânea, embora


estejam em constante transformação, ainda criam a expectativa
de que uma pessoa que nasceu com características físicas e
biológicas reconhecidas como “fêmea”, comporte-se de maneira
“feminina” e tenha desejo sexual por “homens” e aqueles que, por
sua vez, tenham nascido com características físicas de “macho”,
comportem-se de maneira “masculina” e tenham desejo sexual por
“mulheres”. Mas tudo pode ser diferente, exemplos não faltam.
Figura 1- Sexualidade

Fonte: Adaptado do site <http://itspronouncedmetrosexual.com/2012/01/the-


genderbread-person/>

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Feminismo, sexo e gênero

Os estudos sobre mulheres e gênero se iniciaram a partir


de demandas da sociedade, afinal, são essas demandas que fazem
surgir os temas de pesquisa, os conceitos, os novos paradigmas.
Foi a partir das lutas das mulheres por reconhecimento de sua
cidadania e por direitos e educação que se iniciaram, com mais
regularidade, os estudos que enfocavam esse novo sujeito social:
na época, “a mulher” ou “o segundo sexo”.

Embora tenhamos mulheres precursoras na luta pelos


direitos das mulheres ainda no século XVIII (SCOTT, 2002), foi
na segunda metade do século XIX que surgiu com maior força o
movimento social designado pelo título de feminismo, e que tinha
como principal reivindicação o voto para as mulheres, sendo por
isso também chamado de “sufragismo”. As mulheres de vários
países, incluindo o Brasil, organizaram-se para obter o direito de
participação política, realizando manifestações públicas, petições,
escrevendo manifestos e jornais, entre outras formas de pressão
política. Esse movimento, que obteve êxitos ao longo do início
do século XX, chamou a atenção para as mulheres como sujeitos
sociais, iniciando uma discussão política que até hoje é bastante
importante. No Brasil, por exemplo, o direito ao voto para as
mulheres foi obtido em 1932.

Para as mulheres que reivindicavam direitos políticos, era


importante mostrar que elas tinham participação na história, na
cultura, nas artes, na economia e na sociedade. Desde então há
esforços para destacar a atuação de figuras femininas no cenário

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público, de certa maneira comprovando a capacidade das mulheres.
No Brasil, escritoras como Nísia Floresta (1810-1885) e Maria
Lacerda de Moura (1887-1945) escreveram numerosos livros nos
quais defendiam os direitos das mulheres.

Para além do voto, outra grande reivindicação das


mulheres foi o direito à educação. E, ao longo da primeira metade
do século XX, os progressos nesta área foram muitos, incluindo
o acesso de mulheres a carreiras antes totalmente interditadas
a elas, como a medicina, o direito, entre outras. Em 1949, uma
obra de cunho filosófico marcou o cenário francês, e mundial: “O
segundo sexo”, de Simone de Beauvoir, um livro que analisava,
sob vários aspectos, as causas e as maneiras pelas quais as
mulheres estavam historicamente subordinadas aos homens, na
sociedade ocidental (CHAPERON, 1999). Tendo sido escrita por
uma mulher, que tinha conexões muito importantes na academia
francesa, essa obra tornou-se um baluarte para o feminismo, na
medida em que legitimava, por um lado, as reivindicações que
eram sustentadas por grupos de reflexão e por organizações e, por
outro lado, também colocava em palavras e conceitos muitos dos
discursos que fundamentavam o feminismo. Ao longo das décadas
de 1950 e 1960, principalmente após a importante participação
das mulheres nos esforços de guerra da Segunda Guerra Mundial,
na Europa, Estados Unidos e União Soviética, especialmente, as
reivindicações feministas foram se ampliando (SILVA, 2003).

É nesta época, sobretudo a partir do fim dos anos 1960,


que aparece no cenário político um novo feminismo, o chamado
feminismo de segunda onda (PEDRO, 2012). Esta nova onda

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de movimentos trouxe novas reivindicações e novas formas de
organização. As novas palavras de ordem eram (e ainda são):
“salário igual para trabalho igual”, “o privado é político”, “nosso
corpo nos pertence”.

Acesso a novas carreiras e condições de trabalho e salário,


que possibilitem que as mulheres tenham autonomia, passa a ser
reivindicação ligada ao trabalho. As mulheres sempre trabalharam,
especialmente em tarefas ligadas a casa e à agricultura, mas
também nas fábricas, no artesanato. Se formos olhar, a vida da
maioria das mulheres no passado, assim como da maioria dos
homens, foram vidas marcadas pelo trabalho. Porém, agora, o que
se estava reivindicando era o reconhecimento deste trabalho.

A frase “o privado é político” refere-se a questões que eram


consideradas do âmbito do privado como, por exemplo, a violência
doméstica, os direitos reprodutivos, os cuidados com as crianças e
os serviços domésticos, que passam agora a ser questionados como
questões sociais, que devem ser objeto de políticas de Estado, como
o combate à violência, a construção e manutenção de creches,
equipamentos coletivos como restaurantes e lavanderias, políticas
de distribuição de contraceptivos, entre outras políticas.

“Nosso corpo nos pertence” refere-se, por sua vez, à


autonomia das mulheres frente a seu próprio corpo, com relação,
por exemplo, à opção de serem ou não mães, mas também com
relação ao seu direito ao prazer sexual, a se vestirem e se portarem
da forma como desejarem.

É interessante pensar que muitas dessas reivindicações, apesar

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de antigas, especialmente se pensarmos que já eram formuladas no
início do século XX por autoras como Maria Lacerda de Moura, ainda
hoje continuam nas bocas e nos cartazes das novíssimas feministas.
Se pensarmos que a renda das mulheres economicamente ativas no
Brasil ainda é cerca de 70% quando comparada a renda dos homens e
que o número de feminicídios – mulheres que são mortas geralmente
por seus maridos, companheiros, namorados ou ex, exclusivamente
por serem mulheres – é imenso, essas reivindicações ainda valem!

Sexo, mulher, mulheres

A primeira categoria usada para os estudos que envolvem


as diferenças entre mulheres e homens na sociedade foi “sexo”. A
subordinação das mulheres era atribuída a seu sexo, que por sua
vez era uma diferença considerada natural. Pesquisas científicas e
especialmente o conhecimento médico indicavam diferenças nos
corpos, entre homens e mulheres, que explicariam, de alguma maneira,
porque as mulheres estavam em uma condição de subordinação aos
homens. Os argumentos mais usados eram, e até hoje são (!!!), que as
mulheres, por terem menor força física, dependeriam do trabalho dos
homens para sobreviver, e, além disso, como elas teriam seu destino
marcado pela maternidade, isso também as tornaria dependentes dos
homens. Outras noções também assinalavam que os homens teriam
maior inteligência, que as mulheres estariam mais sujeitas aos
seus sentimentos e emoções, enquanto eles seriam mais racionais,
e outras coisas assim. Todas “cientificamente” comprovadas por
meios variados, desde as medidas do crânio, o peso da massa

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encefálica, a discriminação da quantidade de hormônios de cada tipo
presentes nos organismos, enquetes, e mais recentemente, pesquisas
envolvendo os cromossomos e o DNA.

O que estamos argumentando aqui não é que não existam


diferenças de cunho sexual, cromossômico, genético, ou mesmo
hormonal, mas que essas diferenças não podem ser imediatamente
transferidas para diferenças de status social, como foram durante
tantos séculos (PEYRE e WIELS, 2015).

Assim, como se tratava de falar de sexo, o sujeito do feminismo


neste momento era incontestavelmente “a mulher”. Como coloca
Joana Maria Pedro, usava-se o termo Mulher como contraposição ao
Homem, que era tido como sujeito universal. Através da categoria
Mulher, elas estavam dizendo que não se sentiam contempladas pela
noção de Homem como coletivo universal:
O que as pessoas dos movimentos feministas estavam
questionando era justa- mente que o universal,
em nossa sociedade, é masculino, e que elas não
se sentiam incluídas quando eram nomeadas pelo
masculino. Assim, o que o movimento reivindicava
o fazia em nome da “Mulher”, e não do “Homem”,
mostrando que o “homem universal” não incluía as
questões que eram específicas da “mulher”. Como
exemplos podemos citar: o direito de “ter filhos
quando quiser, se quiser” –, a luta contra a violência
doméstica, a reivindicação de que as tarefas do lar
deve- riam ser divididas, enfim, era em nome da
“diferença”, em relação ao “homem” – aqui pensado
como ser universal, masculino, que a categoria
“Mulher”, era rei- vindicada. (PEDRO, 2005, p.80).

As primeiras obras acadêmicas escritas no Brasil que


procuravam analisar a problemática das mulheres, nos anos 1960 e

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1970, utilizavam este termo. É o caso, por exemplo, dos livros de
Rose Marie Muraro, “A mulher na construção do mundo futuro”
(1966) e “A Libertação sexual da mulher” (1975); do livro da
socióloga Heleith Saffioti, “A mulher na sociedade de classes:
mito e realidade” (1976), e do pequeno “Mulher: objeto de cama e
mesa” (1974) de Heloneida Studart, entre outros.

Na medida, porém, em que o próprio movimento feminista


vai sendo questionado e ampliado, surgem questões a essa
categoria. O movimento de mulheres negras, por exemplo, nos
Estados Unidos e logo também nos países da América Latina,
mulheres de periferia, indígenas e outras vão questionar essa
sujeita, essa “A Mulher” e chamar a atenção para a diversidade
das mulheres e, mais recentemente, ou seja, a partir dos anos 1990,
para a interseccionalidade entre várias formas de dominação:
classe, raça, gênero, geração. (CRENSHAW, 2012).

A partir desse momento e dessa discussão, tanto os


movimentos quanto os trabalhos acadêmicos procuram utilizar
preferencialmente o termo mulheres, que indica essa diversidade
no próprio sujeito do feminismo e objeto de estudos.

A própria noção de sexo enquanto uma característica


“natural” e “biológica” começou a ser questionada. Os estudos do
historiador Thomas Laqueur (2001) mostram que o conhecimento
médico, por exemplo, ao longo da história variou bastante no que
era considerado como sexo masculino e feminino, e especialmente
em estabelecer quais seriam as diferenças e fronteiras entre um e
o outro. Para os médicos gregos da tradição de Galeno, haveria

22
apenas um sexo, o masculino, sendo que nas mulheres, os mesmos
órgãos estariam apenas dispostos diferentemente no corpo: ao invés
de estarem expostos, o pênis e os testículos estariam “para dentro”,
equivalendo à vagina e aos ovários. Ou seja, Laqueur argumenta
que o gênero, enquanto sistema de hierarquia, é anterior ao sexo.

Gênero

O termo gênero é usado na linguística para designar se um


objeto ou pessoa é feminino ou masculino, nas línguas latinas, mas
em outras línguas existe também o gênero neutro, expresso pelo
pronome “it” em inglês, por exemplo, ou “das” em alemão. No
sentido em que tem sido usado recentemente, como uma categoria
teórico-metodológica nas ciências humanas e sociais, seu uso
remonta a 1968, quando o psicólogo Robert Stoller empregou o
termo para diferenciar a “identidade sexual” construída por pessoas
que hoje seriam chamadas de transexuais ou intersex, de sua
“identidade anatômica”. (PEDRO, 2005, p.79). Ao longo dos anos
1980, o termo foi sendo mais utilizado por autoras preocupadas
com a teoria feminista, especialmente de língua inglesa, como
por exemplo, Gayle Rubin, em seu famoso artigo “Tráfico de
mulheres: notas para a economia política do sexo” (1993 [1975])
que falava de um sistema sexo-gênero. No Brasil, a categoria
gênero ficou conhecida principalmente após a publicação do artigo
da historiadora Joan Scott, “Gênero: uma categoria útil de análise
histórica”, em 1990, na revista Educação e Realidade.

Segundo Joan Scott, a categoria gênero:

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[...] tem duas partes e diversas subpartes. Elas são
ligadas entre si, mas deveriam ser distinguidas na
análise. O núcleo essencial da definição repousa
sobre a relação fundamental entre duas proposições:
o gênero é um elemento constitutivo de relações
sociais fundadas sobre as diferenças percebidas
entre os sexos e o gênero é um primeiro modo de
dar significado às relações de poder. (1990, p.86).

A partir do que ela diz e de outras discussões posteriores,


consideramos que, quando falamos em gênero, devemos nos
concentrar em alguns aspectos principais:

1. O gênero faz parte das relações sociais, assim como


classe, raça, geração e outras categorias. Ele não pretende
ser o único aspecto significativo das relações sociais,
mas também não pode ser ignorado como um importante
aspecto na configuração das sociedades contemporâneas
e passadas.

2. O gênero é construção, ou seja, ele não é algo que venha


da natureza, ele não está pré-determinado quando a pessoa
nasce, embora haja expectativas sociais que relacionam o
gênero ao sexo (mas, como vimos, o próprio sexo também
é uma construção...).

3. O gênero está relacionado à cultura, à história e à forma


social, ou seja, os aspectos que são considerados femininos,
masculinos ou mesmo neutros, dependem de cada cultura,
de cada sociedade e do tempo histórico e, portanto, podem
ser modificados, transformados, repensados.

24
4. Não se deve falar “os gêneros”, como se fosse equivalente a
“os sexos”, pois não há “um gênero masculino” por si só, ou
um “feminino”, mas um sistema relacional de classificação
social e cultural no qual certos comportamentos e
características, roupas, maneiras, atividades, são
consideradas femininas, masculinas ou neutras, dependendo
de onde e quando estamos nos referindo.

5. Gênero é poder, é hierarquia. As sociedades estabelecem


lugares sociais que são demarcados em termos de gênero,
classe, raça, geração, religião, entre outros. Mas o gênero
tem sido, nas sociedades que conhecemos, o primeiro
desses critérios, aquele que estabelece, desde que a pessoa
nasce e é identificada a partir de características sexuais
com papéis esperados de gênero, que atividades ela poderá
exercer em sua vida, e quanto poder terá em suas relações.
Nas sociedades que conhecemos, esta hierarquia é de tipo
“patriarcal”, ou seja, são as pessoas identificadas com o
gênero masculino que detêm a maior parte do poder. Isso
não quer dizer, como ensina Michele Perrot (1988, p.
168), que as mulheres não tenham “poderes”. E como nos
aponta Michel Foucault (1988, p. 91), não há poder sem
resistência.

6. A categoria gênero nasceu do esforço de se criar uma


epistemologia feminista, capaz de possibilitar a análise
social compreendendo a questão da subordinação das
mulheres e fazendo possível a sua transformação. Mas isso

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não quer dizer que o sujeito do feminismo tenha deixado de
ser “as mulheres”. Sobre isso a filósofa Judith Butler (2003)
tem toda uma reflexão e os vários feminismos atuais têm
se questionado bastante. O gênero trouxe para a discussão
feminista, e para as ciências humanas e sociais em geral,
uma dimensão relacional, que implicou, por exemplo, no
surgimento de um campo novo, o das masculinidades.
Afinal, não são só as mulheres que se tornam mulheres a
partir do gênero, mas os homens também se tornam homens.

O campo da sexualidade

Voltando a nossas aulas no curso de especialização para


professoras Gênero e Diversidade na Escola, outro questionamento
recorrente tem sido como lidar com as situações colocadas, cada
vez mais fortemente, nas escolas e nas salas de aula, pela presença
de alunas e alunos que assumem diferentes orientações sexuais e
diferentes identificações de gênero. Nas séries iniciais e também
entre os adolescentes, os episódios de bullying com relação às pessoas
que são consideradas “diferentes” são muito grandes. Muitas vezes
esse bullying acaba levando a situações de violência, a suicídios e a
intenso sofri- mento para aqueles que estão submetidos a ele. Causa
também, para as professoras e outras pessoas envolvidas (mães, pais,
administradoras escolares, entre outras), muitas dúvidas e angústias
frente a como lidar com essas situações.

Isso nos mostra que a escola enfrenta os mesmos dilemas e


problemas que a sociedade em geral. Recentemente, por exemplo,

26
houve a denúncia na imprensa de que um adolescente foi espancado
pelos colegas, tendo morrido em função dos ferimentos, em uma escola
pública, no estado de São Paulo, por ser filho de um casal homoafetivo3.
Dessa forma, precisamos compreender melhor a questão da
sexualidade e das diversidades sexuais, para que possamos conviver
respeitosamente, deixando de lado os preconceitos, minimizando o
sofrimento de alunas e alunos, mães, pais, professoras e professores.
Afinal, nossa Constituição, no artigo 3º. Parágrafo IV, diz que
constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil:
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”4.

Os estudos Queer

A teoria queer surgiu nos Estados Unidos, no fim da década


de 1980, como forma de oposição e crítica aos estudos sociológicos
sobre gênero e minorias sexuais, com o anseio de tentar entender
a dinâmica da sexualidade e do desejo na organização das relações
sociais. Apesar de tanto a teoria queer quanto a sociologia (e a
teoria social) compreenderem a sexualidade como uma construção
social e histórica, havia um pressuposto de que a forma “normal”
de sexualidade eram as relações “heterossexuais”, no pensa- mento
sociológico, de tal forma que as ciências sociais, até aquele momento,

3 Filho de pais gays morre após ser espancado, Blog Pragmatismo Político. 10/03/2015.
Disponível em: <http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/03/filho-de-pais-gays-
morre-apos-ser-espancado.html>. Acesso em: 28 jun. 2015.
4 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/cci- vil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 28 jun.
2015.

27
tratavam a ordem social como sinônimo de heterossexualidade. Por
essa razão, a noção de ‘normalidade’ estava calcada sobre uma visão
de que a heterossexualidade era o padrão e as demais sexualidades
eram desvios, ou seja, uma maioria normalizada e uma minoria
desviante (MISKOLCI , 2009).

Weeks (2007) esclarece que tanto o termo ‘heterossexual’


quanto o termo ‘homossexual’ parecem ter sido cunhados ao
mesmo tempo, na Alemanha, em 1869, por Karl Kertbeny, um
escritor austro-húngaro, com o intuito político de revogar as leis
antissodomitas do país. Até então, a atividade sexual entre pessoas
do mesmo sexo era chamada de sodomia, com ligações religiosas
em uma base moral cristã. Em muitos países havia sanções e penas
criminais para quem incorresse no crime da sodomia.

Surgindo do encontro entre uma corrente da filosofia e


dos estudos culturais norte-americanos com o pós-estruturalismo
francês, os estudos queer problematizaram, teórica e
metodologicamente, as concepções de sujeito, identidade, agência
e identificação, rompendo com a noção do sujeito iluminista; a
saber, o sujeito por essa visão era baseado numa concepção de
pessoa humana como um indivíduo centrado, unificado, dotado das
capacidades de razão, consciência e ação desde o momento de seu
nascimento (HALL, 2000). Dessa forma, para a teoria queer, era
preciso questionar os pressupostos de “normalidade” dos sujeitos,
entendidos pela perspectiva pós-estruturalista como provisórios,
circunstanciais e cindidos.

Portanto, os estudos queer se voltaram para a centralidade

28
dos mecanismos sociais relacionados à intervenção do binarismo
hetero/homossexual na organização da vida social contemporânea,
buscando olhar atentamente para uma política do conhecimento e da
diferença. Segundo o sociólogo Steven Seidman, queer seria o estudo
“daqueles conhecimentos e daquelas práticas sociais que organizam
a ‘sociedade’ como um todo, sexualizando – heterossexualizando
ou homossexualizando – corpos, desejos, atos, identidades, relações
sociais, conhecimentos, cultura e instituições sociais”. (1996, p.13).

A essa altura, você deve estar se perguntando o que significa


o termo queer, não é mesmo?

Queer “pode ser traduzido por estranho, talvez ridículo,


excêntrico, raro, extraordinário”, diz Louro (2004, p.38) e era usado
nas línguas anglo-saxônicas como um xingamento que denotava
anormalidade, perversão e desvio. Queer era, então, usado como
sinônimo de estranho, diferente dos demais. A escolha de queer
para denominar uma nova proposta teórica servia para destacar o
compromisso em desenvolver uma análise da normalização de
identidades que, naquele momento, era focada na sexualidade.

Sexo: três partes do mesmo corpo

O termo sexo pode ser relacionado a três noções básicas:


‘sexo biológico’, ‘sexo cultural’ e ‘ato sexual’; e todos eles estão
intimamente imbricados à corporeidade humana e suas marcas
identitárias, ainda que possam ser dissociados entre si.

Segundo Louro (2000), esperamos que essas marcas nos

29
indiquem – sem ambiguidade – as identidades de quem as possui. De
forma que sexo, gênero e sexualidade seriam evidentes nas marcas
dos corpos. Para ela, “teríamos apenas de ler ou interpretar marcas
que, em princípio, estão lá, fixadas. Mas, ficamos desconfortáveis se
nossa leitura não é imediatamente clara e reveladora; se, por algum
motivo, não conseguimos enquadrar alguém (ou a nós próprios)
numa identidade” (p. 61).

O que percebemos, a partir dos discursos médico-biológicos,


é que se tendeu a considerar que seres vivos podem ser assexuados
ou sexuados, de acordo com sua forma de reprodução. Para tais
discursos, aqueles organismos que se reproduzem sem que haja
qualquer partilha de material genético com outro organismo da
mesma espécie são chamados de assexuados. Já os seres vivos
sexuados são aqueles que se reproduzem por um ato sexual, por
aspectos fisiológicos que visam à troca de material genético, portanto,
sexo está intimamente ligado, por estes discursos, à reprodução.

Na biologia, enquanto área do conhecimento, ficou


evidenciado que indivíduos possuem determinadas características
anatomofisiológicas de acordo com sua função reprodutiva, de tal
maneira, que se convencionou tratar os diferentes indivíduos como
machos ou fêmeas.

Contudo, ao longo do processo de desenvolvimento das


ciências biológicas, percebeu-se que, em inúmeras espécies,
havia indivíduos que fugiam dessa classificação binária (macho-
fêmea). A princípio, trataram tais seres por hermafroditas5
5 O termo ‘hermafrodita’ vem da mitologia grega, do nome do deus grego Hermafrodito,
filho de Hermes e de Afrodite. Seu mito mais famoso é encontrado nas Metamorfoses de

30
, por acreditarem que, como o personagem da mitologia grega,
esses indivíduos possuíam as características dos dois sexos (fêmea-
macho), mas com o decorrer dos tempos foi percebida uma enorme
variação dentro dessa categoria. Dessa forma, dando ênfase à
espécie humana, podemos dizer que ela não é composta apenas de
machos e fêmeas, esses seriam os pólos de um modelo idealizado,
tido por binário. Mais recentemente, pode- mos notar que o termo
‘hermafrodita’ tem dado lugar ao termo ‘intersexual’, primeiro
porque o discurso médico acabou por tratar o hermafroditismo
como desvio, doença (já que foge a um padrão) e deveríamos vê-
lo como uma diferença; segundo porque as questões políticas de
gênero têm exigido a definição de um terceiro gênero humano - os
não binários - que respeite a individualidade de seres humanos que
possuem características que fogem dos pólos binários (tanto de sexo
quanto de gênero).

Hoje se estabeleceu que seres humanos intersexuais são


encontrados em qualquer variação de caracteres sexuais, incluindo
cromossomos, gônadas e/ou órgãos genitais, que ‘dificultam’

Ovídio, no qual consta que ele foi levado pelas ninfas até o Monte Ida, uma montanha sa-
grada da Frígia. Quando atingiu quinze anos, sentindo-se entediado do lugar, viajou para
as cidades da Lícia e de Cária. Estava nos bosques da Cária, perto de Halicarnasso quando
encontrou Salmacis, uma Náiade (ninfa aquática), em sua morada numa lagoa. Tomada de
luxúria perante a beleza do jovem, ela tentou seduzi-lo, mas foi rejeitada. Quando pensou
que ela havia ido embora, Hermafrodito despiu-se e entrou nas águas do lago. Salmacis,
então, saiu de trás duma árvore e mergulhou, enlaçando o moço e beijando-o violenta-
mente, tocando em seu peito. Enquanto ele lutava por desvencilhar-se, ela invocou aos
deuses para nunca mais separá-los. Seu desejo foi concedido e seus corpos se misturaram
numa forma intersexual. Hermafrodito, aflito e envergonhado, fez então seu próprio voto,
amaldiçoando o lago de forma que todo aquele que ali se banhasse seria igualmente trans-
mutado, como ele próprio. Informação disponível em: <http://www.letras.ufes.br/sites/le-
tras.ufes.br/files/field/anexo/e-book_Jorna- da_de_Estudos_Classicos_2010.pdf>. Acesso
em: 2 jun. 2015.

31
a identificação de um indivíduo como totalmente fêmea ou
totalmente macho. Essa variação pode envolver ambiguidade
genital, combinações de fatores genéticos e aparência (genótipos e
fenótipos) e variações cromossômicas sexuais diferentes de XX para
fêmea e XY para macho. Pode incluir também outras características
de dimorfismo sexual como aspecto da face, voz, membros, pelos e
formato de partes do corpo (MONEY; EHRHARDT, 1972).

Mas, ainda sobre o aspecto biológico do corpo, é preciso


inferir que a insurgência da técnica (ou o conjunto de métodos,
modelos, instrumentos, ferramentas, etc.), desenvolvida pela espécie
humana como forma de se apropriar da natureza, se diferenciar dela
e/ou subjugá-la trouxe também a possibilidade de interações médico-
cirúrgicas sobre o corpo. O corpo sexuado, além de construído
discursivamente, também pode ser modificado fisicamente,
talvez ainda não por mudanças cromossômicas (genéticas), mas o
fenótipo, que por definição é o conjunto de características físicas,
morfológicas e fisiológicas de um organismo, pode ser modificado
com técnicas que agem sobre o corpo. Assim, um macho pode
ter seu órgão sexual convertido em órgão sexual de uma fêmea, e
vice-versa – o mesmo vale para intersexuais, caso elas queiram ser
inseridas em um dos dois polos. Para tais organismos alterados pela
técnica, convencionou-se a utilização do termo transexual.

Vale ressaltar aqui que novas apropriações têm sido


utilizadas para tentar facilitar tais entendimentos (mas elas tomam
como fator fundamental essa noção biologizante dos seres humanos,
algo que a teoria queer refuta): temos os humanos ‘cis’, (do latim,
do mesmo lado), as pessoas cuja identidade de gênero está ao lado

32
do que socialmente se estabeleceu como o padrão para o seu sexo
biológico; e os humanos ‘trans’ (do latim, para além de), pessoas cuja
identidade de gênero é diferente do que foi estabelecido socialmente
como padrão para seu sexo biológico. Novamente, o reforço da
necessidade humana de categorização das diferenças parte de uma
noção guiada por aspectos ‘tidos’ por biológicos, a naturalização
dos corpos.

Pesam ainda, atualmente, as considerações de teóricas queer


como Judith Butler (2003) de que os corpos são discursivamente
construídos; a autora rejeita a distinção entre sexo e gênero e chega
até a afirmar que sexo é gênero. Se concordamos que o corpo não
pode existir fora do discurso que dá um gênero a ele, devemos
admitir que não existe nenhum corpo que não seja, já e desde sempre,
‘generificado’; a questão, para a teórica, não é que não exista uma
matéria, uma base material sobre qual se apoia o discurso, mas que
só podemos apreender sua materialidade através do discurso.

É exatamente isso que foi feito com o sexo biológico. Notar


as diferenças entre organismos XX e XY é relativamente simples,
mas foi preciso explicar essa diferença de forma discursiva. A base
material - os genes, as estruturas celulares, os tecidos, os órgãos,
os sistemas fisiológicos (digestório, reprodutor, etc.), o corpo - foi
explicada a partir de discursos, e dessa forma, outros discursos
eram utilizados para compor esses primeiros, como o jurídico, o
religioso. O macho passou a ser considerado (discursivamente)
como possuidor de pênis; a fêmea, de vagina; o/a/x intersexual ou
transexual, de uma variação entre um e outro, ou os dois. Isso porque
para partes corpóreas não denominadas a priori definimos nomes e

33
funções. Mas fazer-se homem, mulher ou não polar implica muito
mais do que considerar apenas as funções biológicas de fêmeas,
machos, intersexuais e transexuais.

Vale ressaltar que nós, seres humanos, para nos inserirmos


nas categorias sociais, nos apropriamos de discursos que indicam e
afirmam o que é ser macho, fêmea, inter- sexual e transexual, mas,
para todos os casos, esses discursos são violentos e agem como
dispositivos de encaixe, são ‘caixas onde os corpos precisam caber’.
Essa foi uma das principais questões para a teoria queer buscar
reconhecer os elementos que normalizam os corpos, criando corpos
normais e corpos anormais.

Essa indigência humana em busca de diferenciação, de


classificação, de nomenclatura, vem da necessidade de se apropriar
do mundo que nos cerca, de forma a dar sentido a esse mundo
(natureza) e poder dizê-lo sem grandes dificuldades linguísticas. A
linguagem é, assim, importante ferramenta para a espécie humana.
E é por isso que os nomes e qualificativos para as “novas” formas de
gênero e sexualidade causam tanta espécie: como chamar a pessoa
que é transexual, transgênero, não binária? Por que tantos nomes?
Qual a importância deles?

Você deve ter percebido que quando tratamos da questão


biológica do sexo humano, não nos referimos aos indivíduos como
‘homens’ ou ‘mulheres’. Biologicamente, seres humanos são tidos
como fêmeas, machos, intersexuais (ou transexuais, uma categoria
que ultrapassa apenas as questões biológicas tidas por ‘naturais’).
Mas, sobre essa base discursiva que proveu cada ser de um sexo

34
particular, existe uma gama de outros discursos que, a partir de cada
sexo biológico, determinaram (e determinam) comportamentos,
vestimentas, gestuais, enfim, que dotaram/dotam esses indivíduos
sexuados de aspectos culturais. Contudo, temos uma noção polarizada
e binária também dos gêneros: como feminino e masculino. Antes
mesmo de nascer já somos interpeladas por esses discursos: “É
menino ou menina”?

Segundo Scott (1990), ao longo dos séculos, as pessoas


utilizaram de forma figurada os termos gramaticais para evocar
traços de caráter ou traços sexuais de seres humanos. E completa
que, apenas recentemente, as feministas começaram a usar o termo
‘gênero’ no sentido mais literal, como uma maneira de referir-se ‘à
organização social das relações entre sexos’.

Tendemos a ver mulheres, homens, intersexuais e transexuais


como sujeitos generificados, mas não podemos esquecer que o
conceito de gênero não faz alusão direta ao sexo biológico, sendo
um conceito com validade apenas em um tempo e espaço defini- dos.
Masculino e feminino, como os pólos dos gêneros, são concepções
que dependem muito dos aspectos culturais que, em um tempo e
espaço específicos, atrelam certas características a fêmeas, machos
e não polares. Os estudos queer questionam as perspectivas que
ligam o masculino exclusivamente a machos e o feminino a fêmeas
porque buscam entender a origem dessas ligações. Inclusive porque
a transgeneridade é uma quebra na ordem interna dessa associação
direta.

Devemos relembrar que, ao tentar enquadrar sujeitos e práticas,

35
sempre incorre- mos no risco de reforçar noções heteronormativas,
ainda assim dentro da categoria da transgeneridade encontramos
diferenciações. Podemos ver pessoas que se reconhecem como
transexuais, outras que se denominam travestis e as pessoas
crossdresser (ou CD). De forma simplista, podemos dizer que:

a. Pessoas transexuais buscam a mudança de sexo e gênero,


normalmente não reconhecendo seu sexo biológico compulsório
e o gênero esperado para esse sexo como corretos. Para elas,
seu corpo inteiro não condiz com sua identidade de gênero, são
‘fêmeas’ que se vêem como ‘homens’ ou ‘machos’ que se vêem
como ‘mulheres’. E para tal, buscam a mudança corporal como
solução desse conflito entre sexo e gênero.

b. Pessoas travestis são pessoas que ultrapassam a barreira da


identidade de gênero. Elas buscam vivenciar seu cotidiano
dentro do esperado para o sexo oposto, podendo ou não modificar
seus corpos, mas sem grandes conflitos quanto ao órgão sexual
biológico de nascimento (pênis ou vaginas). Dentre as formas
de transgeneridade, esses sujeitos são os mais atacados pela
heteronormatividade, pois quebram com o binarismo do corpo,
inclusive com a linguagem, se tratando ora no feminino, ora no
masculino.

c. Crossdresser são pessoas que gostam de usar vestimentas


estabelecidas cultural- mente para o sexo oposto, no espaço e
tempo onde estão inseridas, mas sem qual- quer questão corpórea
a ser alterada. Não devemos confundir CD com drag-queen (ou

36
transformista), drags são performatizações artísticas em que
homens se vestem como mulheres, exacerbando as características
tidas por femininas.

Nenhuma dessas categorias está relacionada diretamente a


atos sexuais, de forma que transgêneros podem se reconhecer como
homossexuais, heterossexuais, bissexuais ou omni/pansexuais
(pessoas que sentem atração por trans).

Como pode ser observado, novamente, quando falávamos


dos discursos biológicos que separaram organismos entre machos e
fêmeas (excluímos aqui intersexuais e transexuais, por hora), vimos
que a questão reprodutiva foi base para as noções primordiais sobre
o ato sexual. Mas vamos romper com essa concepção desde já: a
espécie humana não faz sexo apenas com um impulso reprodutivo.

O que estamos tentando dizer é que a sexualidade não é


algo “dado” pela natureza e entendê-la implica entender “os rituais,
linguagens, fantasias, representações, símbolos, convenções, ou
seja, entender os processos profundamente culturais e plurais que
a constituem”. Segundo Louro, “através de processos culturais,
definimos o que é – ou não – natural; produzimos e transformamos a
natureza e a biologia e, consequentemente, as tornamos históricas.”
(2007, p. 11). A autora ainda afirma que as possibilidades da
sexualidade vistas como as formas de expressar desejos e prazeres,
também são sempre socialmente estabelecidas e codificadas.

O que pretendemos explicitar é que a sexualidade, como


foi construída ao longo dos últimos séculos, é composta por dois
principais aspectos: o desejo (a atração) e a prática (prazeres). O

37
desejo acaba por delimitar a construção de identificações sexuais,
sobre- tudo com aspectos políticos muito claros, que lutam contra
a heteronormatividade: são o que atualmente chamamos de LGBT:
lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, ou seja, pessoas que não
se reconhecem dentro de lógicas e práticas da heterossexualidade
e a quem têm sido negados muitos direitos. Porém, nem todas as
práticas sexuais são obrigatoriamente focadas no desejo.

Por tal razão, é comum que muitas pessoas vivenciem suas


vidas dentro da esfera da heterossexualidade, mas tenham práticas
sexuais diferentes do esperado e exigido para tal sexualidade. Em
outras palavras, as práticas sexuais não heterossexuais são muito
comuns e possíveis a qualquer pessoa, mas estão comumente
atreladas ao risco de uma inferiorização social. O binômio homo/
heterossexual é antes uma pedra de toque para práticas socialmente
aceitáveis ou não, com vínculos muito fortes a noções religiosas e
reprodutivas. Isso também explicaria o descrédito da bissexualidade
e da omni/pansexualidade (desejo/prazer por transgêneros).

Pelas mais diversas razões, as práticas homossexuais


acabaram criando novas subclassificações de sujeitos: temos os
HSH (homens que fazem sexo com homens), as MSM (mulheres que
fazem sexo com mulheres), TST (trans que fazem sexo com trans),
mas nesses casos específicos, a necessidade de classificação veio
‘de fora para dentro’, foram instituições ligadas aos Estados que, ao
perceberem muitas práticas incoerentes com lógica heteronormativa,
sob uma perspectiva de salubridade (sobretudo com campanhas de
prevenção de DST/HIV-Aids), classificaram tais sujeitos que se
excluem da homossexualidade, mas têm práticas homossexuais

38
(como, por exemplo, profissionais do sexo ou homens que julgam
que homossexual é apenas aquele que se deixa penetrar – passivo/
ativo).

A sexualidade humana, reforçando, é composta pelo desejo


e prazer, afeto e prá- tica, agenciamento interno e externo. O
que se destaca é a rigidez com que temos tentado enquadrar os
comportamentos sexuais. São duas esferas em constante conflito: a
interna e a externa, o reconhecimento subjetivo e o reconhecimento
social. Tais disputas nos levam à questão da organização política
das demais esferas sociais de um ser humano e a luta por equidade.
O sexo, em suas três acepções vistas aqui (biológica, cultural e ato
sexual), acaba sendo um dos principais elementos constitutivos
dos sujeitos sociais e identidades pessoais. A dominação masculina
sobre o feminino, a heteronormatividade que exclui outras práticas
sexuais ou as coloca como desvio à norma, o ideário de ligação entre
afeto e ato sexual, a pretensa ideia da existência de apenas machos
e fêmeas na espécie humana, a concepção de que a reprodução é a
função básica do ato sexual são alguns dos componentes discursivos
utilizados pelos saberes-poderes para canalizar as potencialidades
humanas para fins específicos: a manutenção de estruturas. Dessa
maneira, deixamos o questionamento para a reflexão: o quanto a
escola, enquanto espaço de (re) produção de saberes tem sido algoz
ou libertadora de seres humanos, sob uma ótica queer ou feminista?
E as curiosidades das alunas sobre seus corpos e sobre os corpos
alheios devem ficar fora dos muros da escola, como se fossem
bicicletas imóveis a serem resgatadas na saída?

39
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41
RÜSEN E O “NOVO HUMANISMO” REFLEXÕES PARA A
EDUCAÇÃO E A DIFERENÇA

Everton Carlos Crema

É tempo de nós, historiadores, nos responsabilizamos


por explicar o que fazemos, como fazemos, e porque
é importante fazer. Não é apenas o público que
está confuso sobre o papel e o estatuto da história.
A maioria dos formandos em história tem pouca
noção da vocação do historiador ou sobre como seus
professores aprenderam o que ensinam. Não é preciso
dizer, a situação dos estudantes do ensino médio é
ainda mais complicada, já que a história é muitas
vezes soterrada por um currículo generalizante de
estudos sociais. Ademais, cursos de história, em
todos os níveis, são geralmente concebidos para
organizar um objeto especifico e não para cultivar
um modo de pensar o passado. (APPLEBY; HUNT;
JACOB, 2011, p. 367).

O presente texto é uma tentativa, um exercício, de reflexão


a partir do pensamento do historiador Jörn Rüsen e da presente
influência de suas ideias sobre a história e o ensino da história, em
direção a um ‘humanismo histórico’. Abordaremos alguns aspectos
teóricos e conceituais da teoria ‘ruseniana’, tendo em vista, o papel e
a contribuição esperada da história em sua relação com o cotidiano e
a cultura social, especialmente no que toca a questão da diversidade,
da diferença e da intolerância. Aqui se apresenta um fragmento
do pensamento de Jörn Rüsen que sustentou debates, reflexões
e propostas de ensino durante a realização do projeto - Gênero e

42
Diversidade Sexual: Ações afirmativas para combater a violência –
financiado pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino
Superior – SETI – Universidade Sem Fronteiras – USF que buscou
combater a violência de gênero e contribuir para a compreensão
da diversidade sexual nas Escolas de Jovens e Adultos – EJAS do
Núcleo Regional de Educação de União da Vitória – Paraná no
biênio, 2015-16.

Para Rüsen (2010) existe uma necessidade em percebermos


dentro do humanismo universal a condição da individualidade
humana, superando a ideia de um racionalismo etnocêntrico
e impositivo que acompanhou a era moderna. Nesse sentido a
perspectiva do pensamento humanista de Rüsen compreende
a identidade e a diferença como fatores preponderantes para a
organização política e social da vida, rompendo com uma visão
humanista tradicional baseada em uma cosmogonia e metafísica.
Dessa forma, o humanismo é uma forma de pensar conjuntamente
as igualdades e diferenças, inerentes do ser humano, numa tentativa
de se superar o racionalismo lógico universal, através da diversidade
cultural, sistematizada no conceito de ‘humanismo diverso’, onde
a soma da diversidade e das individualidades criaria a base de
um novo e necessário humanismo, um todo construído de partes
distintas, diferentes e diacrônicas. Nas palavras do autor:
O humanismo atribui aos homens do passado a
liberdade da autodeterminação. Ele vincula a esse
ponto de vista o entendimento de outras formas de
vida, alheias. Uma hermenêutica histórica torna
possível que formas diferentes de vida reflitam uma
às outras e se compreendam, de modo que o olhar
sobre a alteridade dos outros permita reconhecer a

43
singularidade do próprio eu. (RÜSEN, 2015, p. 273).

Rüsen (2015) apresenta os problemas do conhecimento


e da consciência contemporâneos, apontando a necessidade
de percebermos a forma com a qual organizamos nosso saber,
percebendo no processo científico e na construção do saber, sua
relação com a organização política, econômica e social de uma época.
Torna-se necessário compreendermos, como o processo de produção
científica e sua relação com o ensino se desenvolvem, buscando
evitar a ignorância científica e a degradação da razão, sob pena, de
que a razão científica absoluta submeta o homem, a razão do próprio
conhecimento. Segundo Rüsen a ciência e a razão são submetidas
a extremos, que ora tentam unificar abstratamente o conhecimento
anulando a diversidade e a humanidade, ora fragmentam o saber
sem conceber sua unidade. Pensamos e conhecemos algo, distante
de sua realidade, relativizando e reproduzimos saberes, sem deles
nos apoderarmos. Reproduzimos o conhecimento sem compreender
sua natureza, sequer compreendemos a quem deve servir o
conhecimento. Num certo sentido o conhecimento científico,
especificamente, o histórico, por sua relação com o tempo e com as
carências de orientação da vida prática.

Um dos principais problemas da normatividade social a


serem superados, pelo humanismo histórico, se relaciona diretamente
com o ‘etnocentrismo’ e a formação da identidade individual e social.
Se entendermos a história como um conhecimento válido para a vida,
para a geração de sentido crítico, para a compreensão e percepção
do tempo, temos que admiti-lo como um atributo individual, se

44
pensarmos o homem singularmente. A identidade individual de
qualquer pessoa é fundamental na construção de sua subjetividade,
ponto de referência e medida, para sua ‘consciência histórica’,
que muito mais que um conhecimento formal, é como dito, uma
subjetivação da realidade, é ao mesmo tempo uma experiência e
expectativa pessoal, uma orientação histórica.

A realização do ‘eu’ é parte constitutiva do ‘ser’, e se


constrói pela identificação da diferença objetiva nos contextos
sociais e culturas históricas. Segundo Rüsen, a distinção é
condição fundamental da individualidade e autonomia, aprendemos
precocemente a perceber a alteridade dentro de padrões normativos/
culturais aceitos de ‘igualdade’. Buscamos nos distanciar das
diferenças e diversidades, numa pretensa condição de homogeneidade
e normatividade aceita, nesse sentido, as diferenças, desigualdades
e diversidades em sua amplitude e presença, são superadas por um
discurso e práticas sociais espelhadas e equivalentes. “A identidade
é sempre, também, a diferença para com os outros, tanto no caso
da identidade pessoal com respeito à de outra pessoa, quanto na
da identidade social relativamente às demais formações sociais”.
(RÜSEN, 2015, p. 266).

A ideia de ‘etnocentrismo’ não é recente em termos


de Teoria Social, muito menos foi sua trajetória histórica em
grupos sociais, que perceberam na ‘homogeneidade’, ou em suas
representações, uma forma de identificação, pertencimento e coesão
social fundamental, construído e construindo modelos psicossociais
de ação. No mesmo sentido o ‘devir’ histórico e a crescente

45
especialização e complexidade social, forçaram a ideia etnocêntrica,
ou qualquer outra perspectiva de identidade, a uma condição
crescente e ampliada, reforçando e cerrando fileiras em defesa de
uma identidade reconhecida e compartilhada. A alteridade produzida
pela ‘valorização assimétrica’ rechaça a diferença e a diversidade,
numa moralidade positiva em ‘nós’ e negativa nos ‘outros’.
Ele se torna ainda mais agudo ao longo de outro
processo. O pensamento etnocêntrico projeta a
alteridade dos outros, aquelas propriedades que o
sujeito considera problemáticas ou até insuportáveis,
na formação de sua identidade. O sujeito se livra,
assim, do peso de suas próprias insuficiências. Tal
banimento das zonas sombrias do passado próprio,
no entanto, não suprime a alteridade, sentida como
um desafio ou mesmo uma ameaça ao próprio eu,
sobretudo quando esse se imagina transparente e
puro. (RÜSEN, 2015, p. 267).

Outra questão/problema que se apresenta para o campo


da história, com claras implicâncias sociais e metodológicas, para
o ensino e para a consciência histórica, é a relativização cultural.
Segundo Rüsen:
[...] um relativismo histórico não é apenas incapaz
de resolver tais conflitos como os torna insolúveis no
plano do pensamento argumentativo. Ele não pode
se afastar do postulado normativo da equivalência de
pertencimentos e diferenciações históricas diversas.
(RÜSEN, 2015, p. 270).

Disso depreendemos que o conhecimento histórico orienta


as perspectivas humanas no tempo, suprindo ou resolvendo suas
carências de orientação e uma relativização histórica entre tempos
históricos, desconsiderando a própria força de transformação e o

46
conhecimento histórico. Comparar relativamente práticas, costumes,
leis, contextos e temporalidades diferentes desconsiderando a
dimensão normativa construída do processo de formação histórica, é
negar o próprio devir, em nome de uma racionalização moralizante.

Relativizar, comparativamente, por exemplo, formas de


julgamento, costumes ou modelos e práticas sexuais, nega a própria
natureza e o caráter social da história, já que o conhecimento
histórico serve para concebermos nossas ações em conformidade
com o tempo, há ‘cada tempo’. Nessa direção o relativismo histórico
contribui diretamente para o esvaziamento do conhecimento histórico
e sua orientação temporal, e nesse sentido, sem a normatividade
histórica que torna as ações humanas em conformidade e inteligíveis
no ‘tempo’ histórico, perdemos a capacidade de entendimento
e compreensão que a história nos oferece, abrindo caminho para
analogias equivocadas e descontextualizações inadvertidamente,
em desserviço da sociedade e do conhecimento histórico.

A relativização histórica não deve se tornar um modelo de


‘racionalização’ simplista, ela deve permitir às pessoas a geração
de sentido crítico e uma orientação da vida prática positiva e
valorativa da alteridade, em direção ao pensamento humanista
histórico. Devemos nos colocar no lugar do(s) outro(s), percebendo-
se na diferença, restará, que o pensamento histórico deixará de
ser um ferramental de diferenciação e exclusão, tornando-se uma
oportunidade de entendimento e aproximação. Nos novos contextos
sociais, “em tempos de globalização, a separação entre o “dentro” e
o “fora” dos processos culturais de formação histórica da identidade

47
é cada vez menos clara. A globalização instaura uma proximidade
que requer novas formas de diferenciação do outro” (RÜSEN, 2015,
p. 269). Ou então:
Gostaria de interpretar essas sentenças, que lembram
Humbolt, da seguinte forma: a singularização do ser
humano como realização do ato livre segundo a razão
prática e autônoma é um processo de individuação
que não só faz os outros iguais no horizonte da
dimensão humana na razão prática, mas, ao mesmo
tempo, também diferentes em meio ao igual.
(RÜSEN, 2014, p. 53).

Em resposta ao problema do relativismo e do etnocentrismo,


Rüsen (2015) apresenta a ‘crítica’, como possibilidade de
solução da premente ideia de ‘barbárie’ e da alienação do outro.
“Sem crítica, a razão da cultura histórica se esvai. É claro que
uma crítica só aparece ao outro como plausível na medida em
que siga critérios que superam os elementos de diferenciação”.
(RÜSEN, 2015, p. 271). Outra reposta para o problema repousa na
constituição do conceito de humanismo, como prática indentitária
da cultura histórica, ou seja, não devemos buscar a diferença como
elemento de heterogeneidade, mas sim, perceber a diferença pela
homogeneidade. A vantagem dessa perspectiva é transformar a
‘práxis’ da cultura histórica em historicidade, tornando-a presente,
contextualizada e crítica. Ao mesmo tempo, sua presentificação nos
afasta de teleologias e cosmogonias tradicionais que tem como lugar
o passado, ‘as origens’, e o peso de seu arrasto. Como resultado a
cultura histórica passa a ser perspectivada dentro de uma pluralidade,
benfazeja a critica humanista e ao reconhecimento do outro(s),
num entendimento multicultural. Entretanto essa perspectiva que

48
prima pelo humanismo deve se converter em uma ‘hermenêutica
humanizante’.
Essa hermenêutica cultiva a capacidade de
simplesmente não julgar as formas da vida humana
a partir do modelo de vida própria. Ela torna
impossível interpretar as mudanças históricas como
meros desenvolvimentos em direção ao presente. Ela
torna inteligíveis, a partir dos pontos de vista dos
respectivos indivíduos, as formas de vida diversas,
espacial e temporalmente, e inclui sistematicamente
esse entendimento em todas as interpretações
históricas. (RÜSEN, 2015, p. 272-273).

As reações à diversidade de gênero, perspectivadas por uma


heteronormatividade e todas as suas implicações, não encontram no
tempo presente, qualquer tipo de justificativa, validade, ou orientação
da vida prática na geração de sentido crítico. Elas são a projeção do
passado, em suas origens, no presente, o que conhecemos como uma
teleologia da história, com leituras extremamente conservadoras,
pois buscam eternizar o passado no presente, negando o processo de
mudança histórica em seu devir. O resultado disso é um gigantesco
anacronismo e uma descontextualização da realidade, que é
substituída por uma idealização construída do passado. Restam
disso alguns problemas, como a subversão do pensamento histórico,
a negação da mudança no tempo e a ausência de crítica positiva e
valorativa. Em nosso caso, em relação à diversidade, bem sabido,
e claramente marcado, são as intervenções políticas defendidas e
implementadas por grupos conservadores, institucionais ou não,
em relação à educação de gênero e o combate à diversidade sexual,
ensinadas e debatidas nas escolas, inclusive com projetos de lei
criminalizando essas ações. Por outra perspectiva, mas na mesma

49
direção devemos reagir a um claro projeto de despolitização e
desconstrução crítica dentro das escolas e no ensino escolar, com
sérias consequências para a sociedade e para a cultura histórica.

Perceber o papel da história, de uma cultura histórica e do


próprio ‘humanismo histórico’ em suas implicações e possibilidades
é fundamental para discutirmos, que tipo de educação queremos
nas escolas, que sociedade construiremos e como o conhecimento
científico habilitará as pessoas. Terminantemente as reflexões de
gênero não estão à margem do campo da história, seja na teoria,
pesquisa, ensino e extensão. O gênero, as diversidades sexuais
não devem e não podem ser percebidos e ensinados de maneira
fragmentária ou complementarmente, pois as discussões que ele
enseja são centrais para a sociedade contemporânea, pois catalisam
e conduzem o debate de perspectivas para qual mundo precisamos
construir. As discussões, debates e ações afirmativas sobre gêneros
e diversidades hoje são a vanguarda de um projeto humanista
revigorado e tangem muito mais do que explicitam em seus temas
e abordagens. Falamos e defendemos pelo gênero e diversidade,
de liberdade, de respeito, de humanidade, de ética e da superação
do preconceito e estigmatização. Precisamos olhar ‘através’ das
relações de gênero e diversidade sexual, muito mais do que ‘para’ o
gênero e suas diversidades.
Em um plano bem abstrato da argumentação, este
exemplo demonstra a ideia do que deve ser aprendido
quando se lida interpretativamente com o passado
humano. Trata-se de entender a capacidade mesma
de produzir tal interpretação, de entender sua forma
lógica e sua evolução. Esse entendimento pode
ser elaborado, pela didática da história, em teoria

50
do aprendizado histórico. Em hipótese alguma,
porém, essa tarefa deve ficar restrita ao círculo de
especialistas de didática da história. Pelo contrário,
ela deve ser refletida e realizada, intencionalmente,
nos próprios processos de aprendizado. Quer isso seja
possível, está fora de dúvida. Pode-se tomar e analisar
situações da vida cotidiana em que a questão aparece,
mesmo que ainda não tenham sido incorporadas no
material didático previamente disponível. Com isso,
elementos fundamentais da lógica do pensamento
histórico podem ser trabalhados já nos primeiros
anos do ensino de história nas escolas, e sempre
retomados adiante. (RÜSEN, 2015, p. 256).

Ensejado isso, buscaremos apresentar e relacionar


a utilização dos conceitos de ‘consciência história’6
e de ‘educação histórica’7 no ensino de história e na cultura histórica,
ao gênero e a diversidade sexual. A categoria de consciência
histórica para Rüsen (2001) pode ser percebida como a capacidade do
conhecimento, a experiência vivida e a memória individual e social.
Permitindo ao indivíduo compreender sua relação com o tempo em
si e sua relação com o mesmo, agindo e transformando criticamente
sua realidade e compreendendo a diferença. A consciência histórica
é formada a partir da relação de tipos de conhecimento narrativos,
pois nos apropriamos do mundo pela linguagem e damos significado
à vida da mesma forma. Os tipos de conhecimento históricos são:
tradicional, exemplar, crítico e genético, que em conjunto, dimensões
e densidades diferentes constroem a consciência histórica e orientam
as carências de orientação da vida.
6 Conceito desenvolvido por Dr. Jörn Rüsen – professor emérito da Universidade de Witten / Herd-
ecke –Alemanha, pesquisador em teoria da História, com diversas obras publicadas no Brasil.
7 Conceito metodológico desenvolvido pela professora e pesquisadora Dra. Maria Auxiliadora
Schmidt, possui significativa publicação nacional e internacional, pesquisadora chefe do LAPEDUH
– UFPR.

51
Pontualmente o conhecimento do ‘tipo tradicional’ pode
ser compreendido como um entendimento originário, que acaba por
criar um enraizamento da normatividade da vida e do mundo em
uma ampla temporalidade, ou seja, é o tipo de conhecimento que se
baseia na tradição e na aceitação consentida para se realizar, pois “a
inquietação provocante das mudanças no tempo da vida humana é
domesticada pela representação, na profundeza ou na raiz do tempo,
da permanência dos princípios que, empiricamente produzem a
ordem”. (RÜSEN, 2007, p. 49).

O conhecimento do ‘tipo exemplar’ possui uma


regulamentação baseada no campo da experiência e na capacidade de
abstração mais elaborada referencialmente, recebe menos influencia
da temporalidade e está mais próximo do agir concretamente. “As
representações do ordenamento da vida, que constituem a identidade,
passam a ser criticáveis e fundamentáveis à luz de princípios”.
(RÜSEN, 2007, p. 52-53).

No ‘tipo crítico’ o conhecimento acontece, quando novas


categorias explicativas da história surgem e se chocam com modelos
anteriores, desse embate surge uma síntese que orienta o agir
humano, “as interpretações históricas das circunstâncias atuais da
vida prática que delas decorrem, são desconstruídas pelo conflito
das experiências históricas, abrindo espaço para outros e novos
modelos de interpretação”. (RÜSEN, 2007, p. 55).

Em último, o conhecimento do ‘tipo genético’ que


reelaborado historicamente permite que o tempo seja perspectivado
como uma qualidade da vida humana. “A concepção determinante,

52
pela qual o passado dinamizado temporalmente é articulado com a
prática concreta do presente de modo que o futuro apareça como
chance de superação, é a da mudança constante, qualitativamente
resistente”. (RÜSEN, 2007, p. 59).
Os princípios estão interligados de forma
extremamente complexa. Condicionam-se
mutuamente e opõem-se ao mesmo tempo.
Constituem um conjunto de relações dinâmicas,
cujo formato varia conforme as circunstâncias sob as
quais as orientações históricas se tornam necessárias
na vida prática. Essa dinâmica corresponde à
dinâmica temporal intrínseca à vida humana prática.
Ela estabelece logicamente a historicidade interna
das orientações históricas. Isto pode ser especificado,
para a formatação historiográfica do saber histórico,
como a correlação dos pontos de vista necessários
à relação historiográfica aos destinatários do saber
histórico. (RÜSEN, 2007, p. 47-48).

Apresentados de forma sucinta, os tipos de conhecimento


histórico que constituem ou propriamente constroem a consciência
histórica, nos indicam alguns caminhos de reflexão, primeiro, nos
mostra a complexidade e riqueza da consciência histórica e por
decorrência a própria complexidade do pensamento histórico.
Segundo nos apresenta os mecanismos de construção de um
conhecimento histórico visceralmente ligado à realidade e ao
cotidiano de professores(as) e alunos(as), dentro e fora da sala de
aula. Nesse sentido, a validade do conhecimento histórico, não se dá
fora da consciência experimentada daquele que ensina ou aprende
história, juntos. A história se torna então, carne da realidade, uma
história encarnada (CARR, 1982). Ou então: “Chego a estranhar,
muitas vezes que ela seja tão monótona, pois grande parte dela deva

53
ser invenção”. (MORLAND, s/d, apud CARR, 1982, p. 2).

O último par conceitual, a ser apresentado, dentro de


claros limites, é o de ‘educação histórica’, derivado e constituído
a partir da consciência histórica, pode ser entendido, como uma
transposição didática metodológica do modelo de construção/
compreensão histórica da consciência histórica, em sua relação com
o processo de ensino/aprendizagem. Segundo Maria Auxiliadora
Schmidt (2009), a noção de ‘educação histórica’ permite a relação
direta entre a aprendizagem histórica e compreensão histórica a
partir dos pressupostos da ciência histórica. O aluno aprende história
da mesma forma que historiadores fazem seu trabalho histórico,
sem mediações cognitivas externas entre o ensino e aprendizagem
descontextualizadas. Dentro da aprendizagem histórica a educação
histórica se constrói de forma direta com o conhecimento histórico e
a consciência histórica do aluno, se aprende história, historicamente.
O resultado desse processo é a criação de uma racionalidade histórica
onde as diversas categorias do pensamento histórico, constroem uma
forma de compreensão do raciocínio histórico e não a organização
de um conhecimento histórico específico.

Para Schmidt (2009) a importância da ‘aprendizagem


histórica situada’ infere diretamente na relação de aprendizagem
histórica a partir dos pressupostos da ciência histórica, ou seja,
se aprende história da mesma forma que historiadores fazem
seu trabalho histórico. Segundo a autora, as teorias psicológicas
do conhecimento buscam desenvolver dentro da sala de aula,
mediações entre o ensino e aprendizagem descontextualizadas

54
e distantes do cotidiano e das experiências sociais e da memória.
Dentro da aprendizagem histórica situada não existem mediações
externas, e a educação histórica se constrói de forma direta com o
conhecimento histórico. O resultado desse processo é a criação de
uma racionalidade histórica específica:
[...] onde os processos mentais ou atividades da
consciência histórica podem ser considerados os
fundamentos da Didática da História, pois tratam-
se de processos de pensamento estruturados do
pensamento histórico e, portanto, da consciência
histórica, os quais encontram-se por trás dos
conteúdos. (SCHMIDT; BARCA; URBAN, 2014,
p.28).

Especificamente a relação da educação histórica com o


ensino de história retoma os modelos de compreensão da vida prática,
as dimensões reais do cotidiano e seu utilitarismo. Se buscarmos
ensinar história historicamente, (educação histórica) devemos nos
utilizar de todo o conhecimento individual do aluno(a), de sua
experiência, de sua narratividade, na construção de categorias e
perspectivas de compreensão próprias. Essas categorias e dimensões
devem se apresentar adequadas as condições de aprendizagem,
conhecimento, inferência e empatia pessoais. Na educação histórica
devemos trazer para sala de aula, as formas de compreensão e
entendimento de si e do mundo, que nossos alunos(as) possuem e
que são equivalentes singulares de identidade. Devemos nos utilizar
dos modelos de aprendizagem da vida prática, historicamente
construídos e mediados pela teoria e didática da história, e a partir
deles apresentar o conhecimento científico formal da história. Não
prescindimos de modelos de ensino advindos da pedagogia e da

55
psicologia educacional, sobretudo pela pouca importância que deram
a consciência histórica humana, nesse sentido, uma capacidade
especifica do pensamento. Optaram pela análise e problematização
de estruturas cognitivas gerais, desconsiderando as diferentes formas
do pensar em suas especificidades, postulando um único modelo
cognitivo.
Assim, ensinar e aprender fazem parte indissociável
de um mesmo processo de constituição de sentido do
agir no tempo, em particular de sua conexão com o
que havia ontem e com o que há hoje, que – juntos
– são indispensáveis para explicar o quê e porque
haverá isso ou aquilo amanhã. (MARTINS apud
SCHMIDT; BARCA; URBAN, 2014, p. 48).

Os modelos formais e científicos do conhecimento negam a


experiência social do conhecimento e as categorias do conhecimento
histórico, defendem uma sistematização e homogeneização do
ensino, que vai contra a especificidade do conhecimento histórico.
Construiu-se uma forte ‘didatização’ geral do processo de ensino-
aprendizagem escolar, numa formulação mecânica e universal do
saber, etapas de um processo linear, não dialógico. A ideia de causa
e efeito, de ação e resultado para com os conteúdos históricos,
busca reproduzir um ‘conhecimento’ histórico e não criar uma
‘compreensão’ histórica do processo. Claro resta, a diferença
qualitativa e a perda a noção de validade do conhecimento histórico.
Nesse sentido, para que a história seja encarnada e oriente nosso agir
no tempo, suprindo nossas carências de orientação, ela deve partir
da própria experiência humana com o conhecimento, percebido
também como um modelo/processo de aprendizagem. Aprendemos

56
aprendendo e devemos aprender história historicamente.

Exemplificando, até o inicio da escolarização de uma


criança, por volta dos sete anos, um gigantesco e continuado
processo de compreensão, aprendizado e conhecimento vem se
desenvolvendo natural e socialmente. Dentro da cultura escolar
todo o conhecimento social e suas formas de compreensão, de
forma geral, são marginalizados ou negados pela escola, em direção
contrária a experiência e expectativa do aluno(a). As formas de
relacionamento do conhecimento com a vida prática e o cotidiano
do aluno, construídos por uma ampla perspectiva, concreta e válida,
são gradualmente e repetidamente, substituídas por conhecimentos
parcelados em níveis e áreas lineares subsequentes, que se
chocam com as formas de compreensão históricas usualmente
utilizadas pelas crianças. Também podemos apontar que modelos
educacionais, que se constroem fora da realidade histórica do aluno,
tendem a reproduzir o distanciamento e a irrealidade, também no
conhecimento formal/tradicional.
Na origem da experiência histórica está uma
mudança temporal vivida, e não raro também sofrida,
nas múltiplas condições da vida humana prática:
por exemplo, uma mudança profunda nas relações
de dominação. O tempo se rompe, por assim dizer,
divide-se em uma antes e um depois, em meio aos
quais se situa a mudança experimentada. O caráter
desafiador de tal experiência reside na carência
cultural do homem, de orientar sua vida prática
mediante uma representação do processo do tempo
que faça surgir uma significação transversal no
encadeamento dos eventos mutantes. A perturbação
do tempo pode ser, assim, superada. (RÜSEN, 2015,
p. 44-45).

57
Percebemos essa relação de distanciamento entre um
conhecimento formal e um conhecimento histórico prático, ou
mesmo a relação de modelos explicativos formais-científicos,
comparados a modelos prático-cotidianos, quando uma criança nas
séries iniciais, aprende formalmente algum conteúdo ou assunto
escolar. Se na realização de suas tarefas, em dúvida, pede ajuda aos
pais, ou responsáveis em geral cria-se um dilema. Primeiramente a
criança deseja que a mãe, pai, ou responsável a ensinem corretamente
segundo o modelo formal-científico, ensinada pela professora ou
professor, inclusive se utilizando de um vocabulário específico,
observadas as fases e etapas aprendidas. Caso isso não ocorra, e
o pai, mãe ou responsáveis por diversas maneiras e metodologias
de ensino, práticas e cotidianas, na informalidade do conhecimento
ou mesmo pela experiência, não usem um vocabulário formal e, ou
ainda, alternem ou modifiquem etapas nas resoluções, enfrentarão
um problema. A criança não se satisfará com a explicação ou
resolução, não, porque, o resultado ou explicação foi correto ou
incorreto. Mas porque, sem o formalismo científico escolar, com o
qual a criança já está acostumada ou em processo de assimilação, a
validade do conhecimento se põe questionada e invalidada.

A separação cria naturalmente um problema de integração


e relação dos modelos e tipos de conhecimento, pois quando a
realidade do aluno não é contemplada nos conteúdos escolares
formais, em decorrência e insuficiência, os conhecimentos escolares,
também não se farão presentes, no cotidiano e na vida prática dos
alunos(as). Nossos alunos não foram ensinados, sobretudo, foram
desestimulados, a utilizarem e relacionarem o conhecimento

58
científico com o conhecimento cotidiano, deixando de produzir
uma síntese. Por isso nossos alunos(as), em geral, não constroem
relações entre o conhecimento histórico e a vida prática de forma
significativa, tornando as aulas de história monótonas, desprovidas
de validade, de sentido e de vida, que ficam sempre no passado.
O distanciamento entre o conhecimento como experiência e o
conhecimento científico, necessariamente mediado pelo professor,
deve incorporar e relacionar esses dois universos. Não defendemos
uma separação, mas sim uma integração do conhecimento científico
da história com o conhecimento prático e as experiências dos
alunos(as), a partir do modelo da educação histórica. Nesse sentido,
olhar para a educação histórica em seu modelo é olhar segundo
Schmidt (2014) para a relação do aprendizado histórico na criação
da identidade humana, na e para a vida prática.

Essa relação supera as operações do conhecimento histórico,


bem como, o processo de aprendizado didático-metodológico. A
relação entre o conhecimento científico e o conhecimento histórico
cultural constrói individualidades, modos de ser e variedades.
Portanto, ensinar, debater e conhecer as relações de gênero e a
diversidade sexual na sala de aula é permitir que o aluno reconheça
e valide essa diferença, como um conhecimento válido e orientador
de suas ações prático-políticas.

Devemos lembrar que em sociedade, as relações de gênero e


as diversidades sexuais existem em uma amplitude de possibilidades
e condições anteriores, historicamente postas. Quem vem negando
essa existência, experiência, conhecimento e liberdade de escolha

59
individual é a escola, quando não discute tais relações, ou quando
não as toma de forma direta e efetiva, preferindo as sombras.
Sobretudo, quando não as incorporam as narrativas e conteúdos
escolares, criando um silenciamento e complementariedade dessas
questões. Falar, debater o gênero e a diversidade sexual nas escolas
é incorporar pessoas, vidas e vivências distintas na formação do
conhecimento histórico e por decorrência na consciência história de
nossos alunos e alunas.
Alteridade é a melodia do passado, tocada pela
consciência histórica para as circunstâncias presentes
na vida, a fim de as pôr para dançar. Elas precisam ser
postas para dançar, para que seus movimentos sejam
reconhecidos pelos participantes justamente como
seus próprios, aqueles mesmos para além dos quais
desejam ir. Elas precisam aparecer como algo que foi
outro, para poderem ser avaliadas como algo que se
torna outro. (RÜSEN, 2007, p. 143).

Se a consciência histórica individual, não incorpora a cultura


da diferença e da alteridade, não é exclusivamente a falta desse
conhecimento, para a orientação da vida prática e a geração se sentido
crítico, que elimina as carências culturais, a ausência e o silêncio
criam monstros. Como dito, a falta do conhecimento, não acaba
com as necessidades de orientação cultural, muito provavelmente
o individuo desprovido do conhecimento do humanismo histórico,
buscará outras formas de conhecimento para orientar suas posições,
ações no tempo, ou seja, em sociedade. Como a escola, não se
abriu totalmente para uma discussão de gênero, diversidades
e minorias, o aluno(a) vai ao campo social buscar referências de
formação e orientação, assimilando pelo senso comum uma gama

60
de ideias conservadoras, retrógradas, preconceituosas e criminosas,
se adequando em parte as experiências que vivência, assimila e
reproduz.

A educação e a escola devem, portanto, se abrir integral


e verdadeiramente, para as discussões relativas ao gênero,
diversidade, racismo, preconceito e tantas outras formas de exclusão
e marginalização. Devemos partir do conhecimento, passando
pela compreensão em direção a uma consciência histórica, que
incorpore a diferença como um princípio integrador e gerador da
validade do pensamento histórico, nas carências de orientação da
vida, não de uma vida abstrata e idealizada, mas da vida cotidiana.
Se alcançarmos isso, não transformaremos somente os modelos
de ensino, diretamente ligados à cultura histórica individual.
Começaremos a mudar os contextos sociais, semeando a alteridade,
a crítica e a capacidade de nos colocarmos no lugar dos outros,
nesse momento e perspectiva, nos tornamos iguais no reconhecer
de um ‘humanismo diverso’. Segundo as Diretrizes Curriculares
para o Ensino de História do Paraná: “Um sujeito é fruto de seu
tempo histórico, das relações sociais em que está inserido, mas é,
também, um ser singular, que atua no mundo a partir do modo como
o compreende e como dele lhe é possível participar”. (PARANÁ,
2008, p. 8).

REFERÊNCIAS
CARR, Edward Hallet. Que é História? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

PARANÁ. Diretrizes Curriculares da Educação Básica. História. Secretaria de

61
Estado da Educação – SEED. Paraná, 2008.

RÜSEN, Jörn. Teoria da História: Uma teoria da história como ciência. Curitiba:
Editora da UFPR, 2015.

RÜSEN, Jörn. Cultura faz sentido: Orientações entre o ontem e o amanhã.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

RÜSEN, Jörn. História viva: Teoria da história formas e fundamentos do


conhecimento histórico. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2007.

RÜSEN, Jörn. Razão Histórica: Teoria da história os fundamentos da ciência


histórica. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; URBAN, Ana Claudia; (orgs)


Passados Possíveis: A educação histórica em debate. Ijuí, Ed. Unijuí, 2014.

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel. Aprender história: Perspectivas


da educação histórica. Ijuí: Editora Unijuí, 2009.

62
GÊNERO NA ESCOLA SIM, MAS COMO FAZER?

Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski

Joan Scott se tornou referência internacional para os estudos


de gênero há muito tempo. Em seu artigo ‘Gênero: uma categoria
útil de análise histórica’ ela definiu gênero como “um primeiro
modo de dar significado às relações de poder” (SCOTT, 1995, p. 91)
e isso ajudou muitas pesquisadoras e pesquisadores a compreender
e a buscar explicar as relações hierárquicas de gênero a partir das
temáticas mais diversas. Os debates sobre gênero se expandiram
sobremaneira, a tal ponto que Scott, como relata em outro artigo
seu, ‘Os usos e abusos do gênero’, chegou a se questionar se eles
eram ainda necessários ou se gênero era uma questão resolvida.
Nos últimos anos eu tinha começado a perder o
interesse no gênero. Por uma razão, parecia ser
uma questão resolvida, uma palavra que tinha-se
tornado parte de um vocabulário comum. Os debates
acalorados sobre se a renomeação dos estudos de
mulheres em programas de estudos de gênero era
uma violação dos princípios feministas parecia
resolvido (mesmo que não da mesma forma em todos
os lugares). (SCOTT, 2012, p. 327).

Foi uma controvérsia em relação a um material didático, em


2011 na França, que a fez perceber que a discussão ainda se fazia
extremamente necessária. Um manual de instrução, aprovado pelo
Ministério da Educação, incluiu uma unidade em biologia humana

63
intitulada: ‘Tornar-se homem ou mulher’, e que foi considerada por
políticos, religiosos, pais e alguns educadores como censurável.
Desencadeou-se uma campanha massiva contra o manual, em
jornais, blogs, cartas, petições. Scott (2012) afirma que Christine
Boutin, antiga senadora e porta-voz do Vaticano enviou uma carta
ao então Ministro da Educação na França, Luc Chatel, denunciando
o que chamou de ‘ideologia de gênero’. O ministro manteve-se firme
e o manual não foi retirado.

O evento fez com que Scott percebesse que o debate


sobre gênero era intenso na academia, mas fora dela ainda não
suficientemente, fazendo com que, mesmo que o termo seja
amplamente utilizado, seus significados ainda não sejam realmente
entendidos. Scott (2012, p. 331) afirma que: “Em vez de (como eu
equivocadamente pensei) tornar-se mais claro ao longo do tempo,
gênero se tornou mais impreciso; o lugar de contestação, um
conceito disputado na arena política”. Essa realidade comprovou a
necessidade da continuidade dos debates e a autora nesse seu texto
faz interessantes reflexões, retomadas de discussões, sobre mulheres,
desigualdade, diferença sexual que valem a leitura.

No Brasil em 2015 vivenciamos algo muito parecido em


relação aos Planos Municipais e Estaduais de Educação. Por um lado,
nunca vi tanto interesse das pessoas em relação ao que constaria nos
programas escolares. Famílias refletindo sobre a legitimidade ou não
do que seria discutido nas escolas não é algo que acontece todo dia.
Vivemos uma realidade lamentável em que conseguir a participação
familiar no ambiente escolar, por vezes, é uma luta. Docentes

64
aguardam a presença de pais, mães ou responsáveis nas reuniões
escolares para tratar de questões importantes em relação à vivência
escolar de seus filhos e filhas e ficam muitas vezes no vazio. Vivi essa
experiência na educação básica e sabemos que as justificativas para
a ausência são muitas, válidas ou não. A inserção do tema gênero
nos planos de educação, porém, fez com que lideranças religiosas,
desvirtuando a temática, apavorassem pais, mães e demais tutores e
tutoras de crianças, que habituados a respeitar os discursos dessas
lideranças, não quiseram ouvir o discurso da escola e de proponentes
dos planos.

Aqui, gostaria de falar sobre duas formas de violência:


a violência na fala e a violência no tentar calar como modos de
violência de gênero na educação. Primeiro, a violência na fala
combativa ao tema gênero. As imagens abaixo, de faixas carregadas
por manifestantes contrários à discussão de gênero nas escolas são
representativas do que pretendo expor.

Figura 1: Câmara de Vereadores de Ariquemes, Rondônia.


Fonte: http://www.noticiadaki.com.br/noticia/2015/07/07/ariquemes-ideologia-
de-genero.html

65
Figura 2: Câmara de Vereadores de Cuiabá, Mato Grosso.
Fonte: http://www.akitafacil.net/news/?p=252

A primeira afirma que a ‘ideologia de gênero’ destrói o ser


humano e a segunda faz uma alusão de que a ‘ideologia de gênero’
é contra Deus, a fé, e a família. Ao motivar tais manifestações as
lideranças religiosas cristão, católicas e evangélicas, buscaram
demonstrar que os estudos de gênero iriam contra valores considerados
essenciais por esses sujeitos que indignados se levantaram contra a
temática, mesmo sem terem buscado informações a respeito. Não
perguntaram o que seria o debate de gênero proposto, disseram não
a ele pautados no discurso religioso que se disseminou em igrejas,
vídeos e textos na internet.

Sobre a primeira faixa, recordo-me aqui de uma questão


levantada pelo historiador alemão Jörn Rüsen em sua obra
‘Humanismo e didática da história’. Ele argumenta que precisamos
aprender a ser humanos e remete a uma citação de Johann Gottfried
Herder, de 1971, afirmando que “A humanidade é o caráter da nossa
espécie; só é em nós inata como um potencial, e como tal deve ser

66
em nós cultivada”. (HERDER apud RÜSEN, 2015, p. 19). No texto,
Rüsen aborda, entre outras coisas, a questão da diversidade cultural
salientando que a experiência da diversidade cultural é realidade
para estudantes, não sendo mais a diversidade uma questão de
distância, mas sim de proximidade, e não só na escola, mas em todo
ambiente de vivência. A humanidade em nós está condicionada
a nossa capacidade de olhar e valorizar a outra pessoa em sua
humanidade. Que ‘ser humano’ estaríamos destruindo ao debater
gênero? Que ideia de humanidade é esta que exclui a diversidade e a
humanidade da outra pessoa e que considera família apenas aquela
que segue o seu padrão e entende como válida somente a fé que
remete ao seu entendimento espiritual? Acusar os debates de gênero
de destruidores da família e do ser humano é violência, pois excluir é
desumano e violento. A fala que ataca a humanidade da outra pessoa
é uma forma de violência.

Nosso segundo ponto refere-se à violência do tentar calar.


Diferente da experiência narrada por Scott (2012) em relação à
França, onde o Ministro da Educação se manteve firme e não se deixou
levar pela pressão de um discurso preconceituoso e conservador,
alguns municípios e estados brasileiros retiraram o termo gênero dos
planos de educação. A decisão tomada em câmaras de vereadores
e assembleias legislativas, por pessoas que não necessariamente
sabiam do que se tratava a questão, mas se deixaram pressionar,
é indignante para quem almeja uma educação que desconstrua
estereótipos e preconceitos e defenda uma escola que não exclua,
não discrimine. Tentar calar a valorização da diversidade é outra
forma de violência.

67
E surge a pergunta: A quem interessa o calar? Thompson
(1998) argumenta que a ação que desestabiliza as convenções
instituídas incomoda a quem detém o poder, pois a resistência a esse
poder restringe, mesmo que em parte, sua ação. Nossa sociedade
machista e heteronormativa não quer admitir a dignidade de outros
sujeitos e deseja calar quem luta pela não violência de gênero, pois
isso subverte a ordem das coisas. A culpabilização das vítimas por
violência doméstica, por violência sexual, por homofobia corrobora
com um discurso equivocado de moralidade e religiosidade que
favorece agressores. O debate sobre gênero pode romper com a
ideia instituída de que a culpa pelo estupro sofrido é da vítima e
não do agressor, de que a culpa pela morte violenta é da travesti
que não se adequou à regra imposta, e com a ideia de que é por
não adequarem-se que homossexuais deveriam se esconder e não
ter direito a estudo, vida e dignidade, para não escandalizarem as
pessoas que não conseguem ver humanidade nas outras pessoas.

Esse tentar calar traz à tona a percepção de que o debate


sobre gênero não é tão intenso na academia, como gostaríamos
que fosse, pois embora existam centros importantes de pesquisa
na área espalhados pelo Brasil e as publicações a respeito tenham
se ampliado muito, ainda vemos a perpetuação de preconceitos no
espaço acadêmico por parte de docentes e discentes. E se nesse
espaço de produção do saber a realidade é essa, fora dela é ainda
mais conflituoso. Precisamos falar de gênero, das hierarquias sociais
que discriminam e fazem sofrer e da possibilidade de transformar
essa realidade.

68
Vimos que muitas pessoas entre políticos, religiosos e
população, desconhecem a questão ou deliberadamente, mesmo
conhecendo, preferem a exclusão, a discriminação e a violência. Então
a pergunta que me fiz foi se docentes da educação básica, sabem do
que se tratam os estudos de gênero, pois precisamos pensar que para
a escola discutir com propriedade, é preciso para tanto formação,
entendimento do assunto. Aproveitando um momento de formação
docente, do qual participaram 29 docentes de escolas públicas da
cidade de União da Vitória/PR, representantes de diferentes áreas
do conhecimento - Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Artes,
Matemática, Biologia, Geografia, Educação Física e História -
solicitei que respondessem algumas questões sobre a temática
visando traçar um panorama da realidade escolar. Mesmo sabendo
que o número reduzido de participantes não refletiria com exatidão o
contexto maior das escolas locais, entendi como pertinente realizar
a atividade que poderia trazer, e trouxe, clareza sobre algumas
questões que precisam ser pensadas se queremos que a escola seja
também protagonista no combate à violência de gênero.

A primeira questão proposta se referia a leituras já realizadas


por eles sobre o tema. Vinte e sete pessoas afirmaram que já haviam
lido algo sobre gênero, uma escreveu que leu muito pouco e outra
declarou que nunca leu nada. Considerando que a internet divulgou
muita coisa equivocada sobre gênero no período de discussões sobre
os planos de educação, perguntei aos professores e professoras se o
que haviam lido era positivo ou negativo. Sete pessoas afirmaram
que o que leram era positivo, dezesseis declaram que leram coisas
positivas e outras negativas a respeito do tema e as demais não

69
definiram. Apenas cinco pessoas, porém souberam determinar
com mais ou menos precisão, a fonte das informações recebidas
apontando para os cadernos de temas transversais da Secretaria
Estadual de Educação, a Revista Nova Escola, a página do Coletivo
Feminista Mais que Amélias na rede social e apenas uma pessoa
indicou um artigo acadêmico. As demais se limitaram a marcar as
opções ‘redes sociais’ e ‘blogs’, o que nos alerta para refletir sobre o
tipo de informações que esses docentes têm recebido sobre o tema.

Ao questionar sobre a importância de estudar gênero, vinte


e seis pessoas responderam positivamente. Duas pessoas acham
que não tem tanta importância e uma afirmou não ter nenhuma,
nesses casos, os conteúdos das disciplinas foram apontados como
mais relevantes. Uma professora de Língua Inglesa declarou que
“Sei muito pouco e acho muito chato. Acho também que poderiam
ser estudados outros temas que são mais gerais” e um professor de
Educação Física afirmou que há temas mais importantes como os
“da própria disciplina”.

Existe ainda na escola a perpetuação de uma concepção que


preza pela quilometragem de páginas lidas do livro didático, por uma
ilusória lógica de que é preciso ensinar o que ‘cai no vestibular’? E
considerando que a pergunta se dirigia a docentes sobre a necessidade
deles e delas estudarem gênero para compreenderem a temática e
poderem atuar adequadamente na escola, podemos considerar que o
descaso com o tema reflete o descaso que terão diante das questões
de gênero que surgem no cotidiano escolar? As vinte e seis pessoas
que afirmaram ter interesse no estudo acalentam e trazem esperança,

70
pois não se trata de querer tornar todos e todas pesquisadores e
pesquisadoras de gênero, mas de instrumentalizar para a ação na
prática docente de forma consciente.

Embora a breve pesquisa tenha demonstrado que o


conhecimento docente (considerando as pessoas que participaram da
atividade) seja ainda parcial, fragmentado, sobre o assunto, e que o
tema é explorado com maior afinco apenas por algumas professoras,
as dúvidas e declarações apresentadas permitem traçar uma série de
reflexões que são importantes para pensarmos uma escola livre da
discriminação de gênero.

As dúvidas apresentadas referem-se principalmente à


conceituação de gênero. A equiparação de gênero (feminino e
masculino) e sexo (feminino e masculino) aparece, assim como
a ideia de que os estudos de gênero tratam apenas de mulheres e
homossexuais, como vemos nas afirmações a seguir:
“Sei que gênero é masculino (homem) e feminino
(mulher). Tenho dúvidas como a preferência por
mudar de sexo, LGBT.” (Professora de Geografia).
“Pouco sei na questão de gênero (homem/mulher), no
sentido mais aprofundado. Ainda muitos conceitos
misturados quando penso em gênero, vem em
mente ‘mulher’ e ‘homossexual’, primeiramente.”
(Pedagoga).
“Esclarecimentos sobre a diferença gênero e
diversidade sexual” (Pedagoga).
“LGBTs se encaixam em gênero e diversidade?”
(Professora de Língua Inglesa).

A diversidade sexual foi apontada como tema que levanta


muitos questionamentos e docentes apresentaram o interesse de

71
saber mais para melhor trabalhar no cotidiano escolar pensando em
uma escola inclusiva:
“Minha dúvida é sobre como trabalhar
homossexualidade, tema muito complicado nos dias
de hoje.” (Professora de Educação Física).
“Assim como todas as minorias, os homossexuais
possuem dificuldades em serem aceitos pela
família e pela sociedade. Muito se fala, mas ainda
o preconceito é gritante, um tema que deve ser
trabalhado nas escolas para que possa evoluir com
o passar dos anos” (Professora, não revelou a área).
“Minha pretensão e curiosidade é saber entender os
gêneros, tem tanta classificação e cada um com suas
particularidades. Nem sei se há uma necessidade
de classificação. Acredito que isso ajudaria a
compreender mais os alunos, todos nós somos
diversos, então diferentes. Mas algumas pessoas
enfrentam muito mais preconceitos.” (Professora de
Língua Portuguesa).

Tais inquietações não podem passar despercebidas. É preciso


que se pense em uma formação que dê conta de esclarecer as dúvidas
sobre gênero e diversidade sexual. E quando digo formação, penso
na responsabilidade dos cursos de formação docente, magistério
e cursos de graduação em licenciaturas e na formação continuada
de docentes. Nos cursos de licenciatura o tema só é debatido se
no colegiado do curso há professores/as que estudam o tema e
oferecem disciplinas optativas, dificilmente a temática compõe a
matriz disciplinar. Na formação continuada há uma diversidade de
cursos sendo oferecidos, infelizmente esses cursos atingem somente
os interessados no tema e não toda a escola e é preciso pensar em
estratégias que supram a carência escolar no entendimento do tema.

72
Ao serem questionados/as sobre quando a escola deve
debater o tema, uma professora da área de matemática, afirmou que
apenas devemos debater sobre gênero na escola quando “surgirem
situações, principalmente em sala de aula, em que envolvam o
tema ‘gênero’” e outra professora, de Língua Portuguesa, declarou
que é quando “surgir o assunto e ter nos conteúdos”. Preocupa em
primeiro momento a ideia de que apenas a sala de aula é espaço de
atuação docente. Padrós (2002, p. 38) ao discorrer sobre a função
social docente afirma que é essencial “pensar a atuação consequente
do professor no espaço escolar [...] A premissa diz respeito ao
entendimento de que ser professor implica em assumir de forma
permanente uma postura aberta ao estudo, ao aprendizado, ao novo
e ao diferente”. E ao argumentar sobre a postura e o compromisso
docente diante do que chama de universo escolar, o autor aponta
para diferentes objetivos, sendo o primeiro deles a visualização e
ocupação do espaço escolar como um todo “o que significa extrapolar
os limites físicos da sala de aula”. (PADRÓS, 2002, p. 39). Para ele,
tal atitude docente na escola amplia inclusive a qualidade de seu
trabalho nos limites das quatro paredes da sala de aula.

Quando o tema é trabalhado somente quando surge uma


questão em sala de aula corremos riscos e gostaria de apontar
dois: não saber agir diante da situação e tratar como problema o
que não é. O primeiro ponto é óbvio, o desconhecimento, a falta
de estudo e, portanto, de compreensão, dificulta a ação. Isso tem
causado diferentes ações negativas, desde o docente tentar ignorar
a situação fingindo que não viu ou não ouviu e forçando a volta
à discussão do conteúdo da disciplina a ações bem intencionadas,

73
porém desastrosas que reforçam os preconceitos e a discriminação
entre discentes a partir de uma abordagem equivocada.

O segundo ponto refere-se a uma inversão das coisas, quando


o sujeito é entendido como o problema e não o preconceito ou
discriminação em relação a ele. Assim, a pessoa homossexual, por
exemplo, sua presença em sala, pode ser entendida como problema
a ser resolvido e não o preconceito que ela sofre, o que é um grande
equívoco. Quando deixamos para trabalhar a diversidade sexual
somente quando surge a questão em sala de aula é isso que pode
acontecer. Docentes e discentes desinformados podem ver na pessoa
uma questão a ser resolvida em sala, ver nela uma dificuldade que
não teriam se sua presença, entendida como incômoda, não existisse.
Essa inversão precisa ser urgentemente superada para que a escola
não seja excludente. A narrativa de uma professora de Matemática é
significativa:
“Não posso dizer que sei muita coisa, pois embora
tenhamos que trabalhar esse assunto com nossos
alunos não o fazemos muito, apenas quando surge
alguma situação em sala. Tenho dificuldade em
incluir esse assunto no dia a dia da minha disciplina,
talvez pela falta de conhecimento no assunto”.

O conhecimento ajuda a combater o preconceito e três


docentes que participaram da pesquisa apontaram a escola como lugar
de desconstrução de estereótipos e preconceitos. Uma professora
de Língua Portuguesa afirmou que “muitas vezes (a escola) é o
único lugar em que se fala sobre o assunto”. Em contrapartida, uma
pedagoga declarou que “ainda é necessário haver mais respeito
entre os pares, ser mais fortalecido e valorizado o gênero mulher”,

74
afirmando os preconceitos propagados na escola entre docentes, ao
que uma professora de Biologia complementa “pena que muitos
colegas professores além de não trabalhar o tema ainda criticam, e
ainda pior, tem preconceito”.

É urgente a formação, pois, como argumenta um professor de


Educação Física é necessário que haja “maior esclarecimento e que
o assunto seja tratado com naturalidade” e a professora de Língua
Portuguesa complementa: “existem muitas questões que precisam
sempre ser discutidas e esclarecidas e não apenas em alguns
momentos específicos, pois deveriam fazer parte do cotidiano da
escola e de toda a comunidade.”

Tornar o tema cotidiano, inserir nos conteúdos próprios


das disciplinas foram considerações apontadas por docentes, assim
como a preocupação com a dificuldade que sentem em relação a
isso.
“Minha maior preocupação é de como abordar o
assunto em sala” (Professora de Língua Portuguesa).
“Como ensinar aos alunos sobre esse tema?”
(Professora de Educação Física).
“Penso que ocorre a necessidade de um ‘norte’ mais
específico para uma melhor atuação em sala de aula”
(Professora de Matemática).

É preciso ouvir essas reivindicações e promover não apenas


a formação, mas também a elaboração de materiais, o acesso a eles,
que auxiliem docentes na abordagem da temática no conjunto de
todas as disciplinas escolares. O ideal seria que a temática estivesse
presente nos livros didáticos, permeando todos os conteúdos, não

75
como anexos, informações complementares, curiosidades. Assim
como as temáticas de história da África, cultura afro-brasileira e
cultura indígena não deveriam compor apenas inserções na disciplina
de História e Artes, como geralmente ocorre, gênero e diversidade
sexual deveriam se fazer presentes como parte integrante dos
conteúdos das disciplinas e é claro, como já apontado, da formação
docente.

A desigualdade social e a violência foram apontadas como


motivadoras para o estudo e o debate sobre gênero e diversidade
sexual nas escolas. A discriminação das mulheres apareceu como
tema recorrente:
“Ainda há muito preconceito dentro da nossa
sociedade, embora a mulher tenha conquistado
alguns direitos ela ainda é vista por parte de alguns
como objeto.” (Professora de Língua Portuguesa).
“Este é uma tema que deve ser amplamente discutido
na escola, pois a mulher já está dentro do mercado de
trabalho e supostamente tem os mesmos direitos dos
homens. Mas ainda é pouco respeitada. Educação
sobre esse tema também é papel da escola.”
(Professora de Língua Inglesa).
“Na sociedade em que vivemos ainda existe muita
desigualdade entre gêneros masculino e feminino,
gerando com isso exclusão da mulher porque nossa
sociedade é patriarcal.” (Professora de História).

E ao afirmar que a escola é o espaço para debates sobre o


assunto, uma professora de História destacou que:
“Acredito que por ser mulher e professora,
automaticamente acabamos por nos interessar por
leituras dessa natureza: gênero, inclusão, equidade,
cidadania, entre outros. Mas como não é minha área

76
de trabalho, as leituras são difusas e esporádicas. O
que não lhes diminui o valor e a função.”

É evidente que os sujeitos são sempre os primeiros


interessados em suas questões, então as mulheres serão as primeiras
a levantar a voz contra a discriminação que sofrem, bem como
homossexuais, negros e indígenas o fazem. E é preciso criar espaços
para que falem e é necessário ouvir a sua voz, pois como salienta
Spivak (2010), há o perigo de entendermos ‘o outro’ apenas como
objeto de conhecimento e assumamos a tarefa de falar ‘pelo outro’ ao
invés de ouvi-los. A escola, assim como a academia, precisa deixar
falar e precisa aprender a ouvir. Isso nos ajudaria a compreender que
podemos falar com, ao invés de apenas falar de. Assim não apenas
mulheres, negros, indígenas e LGBTs se preocupariam com o fim dos
preconceitos de gênero, étnico-raciais e por diversidade sexual, mas
ao aprender com esses sujeitos sobre dignidade humana, lutaríamos
a seu lado para combater violências e discriminações.

Considero outra forma de violência de gênero não abordar


tais questões na formação docente, inicial e continuada, assim
como é violência não abordar o tema na escola, porque o calar é
uma forma de colaborar para a manutenção do status quo. Privar
do conhecimento é violência porque permite a manutenção de
estereótipos e preconceitos que geram discriminação. Somos
responsáveis por mostrar caminhos possíveis para a mudança.
A escola precisa educar para a não violência, para a dignidade
humana, para que nossos alunos não se tornem agressores e nossas
alunas não se tornem vítimas, para que a diversidade não seja tratada
como problema. Essa educação para a não violência é papel de

77
toda a sociedade e a escola não pode se isentar de fazer sua parte,
começando pelo nosso próprio aprendizado e nossa própria postura
para a não violência verbal, moral, física, sexual.

Algumas narrativas de docentes me parecem essenciais


para concluir esse texto, pois respondem à agressão que sofremos
com a acusação de que os estudos de gênero pretendem destruir
o ser humano, como vimos na figura 1, na faixa de manifestantes
na Câmara de Vereadores de Ariquemes/RO quando abordamos as
críticas em relação ao tema nos planos de educação. Ao questionar
se devemos debater gênero na escola, docentes argumentaram:
“Sim. Para cultivar o respeito e ressaltar o valor de
cada um e de todos como seres humanos no decorrer
natural das aulas” (Professora de Matemática e
Química).
“Sim. Como forma de ‘educar’ as pessoas para o
diferente, para aceitar os seres humanos como de fato
são!” (Professora, não revelou a disciplina).
“Sim. Para humanizar as relações.” (Professora de
Educação Física).

O tema precisa ser trabalhado na escola sim, os estudos de


gênero proporcionam uma percepção digna de toda pessoa fazendo o
contrário da acusação recebida, não destrói o ser humano, humaniza
as relações. Não destrói a família, valoriza e respeita a diversidade
de constituições familiares, não destrói a fé, compreende o direito de
toda pessoa de viver suas crenças, sejam quais forem. Para trabalhar
com coerência, porém, é preciso definir estratégias que insiram
o tema na formação docente, inicial e continuada, e também nos
materiais didáticos.

78
REFERÊNCIAS
PADRÓS, Enrique Serra (org.). Ensino de História: formação de professores e
cotidiano escolar. Porto Alegre: EST, 2002.

RÜSEN, Jörn. Humanismo e didática da História. Curitiba: W.A. Editores, 2015.

SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação


e Realidade. Porto Alegre, vol. 20, n. 2, jul./dez. 1995. Disponível em:
<https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/1210/scott_gender2.
pdf?sequence=1> Acessado em: 21 de maio de 2016.

SCOTT, Joan. Os usos e abusos do gênero. Projeto História, São Paulo, n. 45,
dezembro de 2012. Disponível em: http://revistas.pucsp.br/index.php /revph/
article/view/15018/11212. Acessado em: 21 de maio de 2016.

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: UFMG,


2010.

THOMPSON, Edward P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular


tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

79
GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL, VIOLÊNCIA
CONTRA AS MULHERES E HOMOFOBIA NA EDUCAÇÃO
ESCOLAR

Sergio Antônio Andrigueto

A identidade de gênero e diversidade com referência na


diversidade sexual e violência, abordada e compreendida como
uma construção social, cultural e histórica, colocada na escola com
suma importância no papel de conscientização a ser discutido neste
espaço de saberes, um amplo desafio para o tratamento educacional
contemporâneo como determinado espaço privilegiado para
reflexões do tema.

Fazem-se necessárias ações de trabalho educativo de


gênero combate de violências contra as mulheres e homofobia
nas escolas, surge da necessidade objetiva em conteúdos do
projeto, do tratamento conjunto de gênero diversidade e combate
a desigualdades e violências devem considerar os referenciais de
gênero e a busca da igualdade. Desta forma procura-se auxilio por
meio do conhecimento científico e não por meio de valores e crenças
pessoais do senso comum, os educadores através de desenvolvimento
de formação de consciência social e produção de materiais de apoio
didático-pedagógico.

Busca-se envolvimento na mudança de situações de realidades

80
dramáticas e urgentes na sociedade que estão invariavelmente
ligados a questões de gênero e dentro do contexto escolar, como
evasão escolar, desempenho do educando e influencias do meio
de desigualdades aplicadas de forma aberta, velada ou silenciosa
que a invisibilidade de problemas da ordem de gênero pode passar
despercebidas no espaço escolar - a ausência da fala – aparece
como uma espécie de garantia da “norma” (LOURO 1997 p. 68).
Procurar o rompimento com o conservadorismo e círculos históricos
e culturais que muitas vezes o aluno esta inserido no cotidiano que
o expõem a violência doméstica e outras relações desiguais, por
isso é preciso construir políticas com entendimento de educadores e
especialistas que defendem que a escola como um local privilegiado
para tratar de temas como este.

A importância da escola ao precisar suporte crítica


sobre gênero e diversidade, que vai contra o conservadorismo
impregnado na mentalidade do meio dos sujeitos, com problemas
nas questões de violências contra mulheres oriundas na sociedade
patriarcal orientada também pela linha heteronormativa. Quebrar
o conservadorismo que na maioria das vezes vem das origens do
educando que reproduz comportamentos que ferem a igualdade de
gênero, respeito à alteridade, identificação de diferenças subjetivas
e sociais, para o respeito ao que é distinto a ele.

Deve ser no ambiente escolar porque é o local em que esse


assunto pode ser tratado com qualidade crítica. Desta forma a criança,
jovem e adulto aprende dentro na sala de aula respeitar a diversidade.
Devem-se discutir estes assuntos para sair da resistência trazendo a

81
tona o debate para salas de aula, de extrema importância à questão
de gênero no plano educacional que dissolvam o binário homem/
mulher imposto contra diversidade e vontade humana desenvolvida
em sociedade.

Será na escola encaminhar-se de perspectivas do feminismo


que indicam as relações de poder que estão inseridas nas dinâmicas
sociais que os educandos fazem parte, tirando reflexões do binarismo
de gênero que enraíza questões do comportamento machista que
culminam para diversas consequências desastrosas no cotidiano.
Buscar uma problematização em conteúdos de gênero é primordial
para tentar uma sociedade mais igualitária fora destas relações de
poderes hierarquizados pela dominação do feminino.

Proporcionar assim que educadores saibam lidar com a


diversidade dentro da escola que parte para sociedade. Desmistificar
ideias erradas que gênero e diversidade se tratam de orientação
político ideológica de interesse de grupo(s) ligada à manutenção
de poder ou que tente mudar a orientação sexual dos educandos,
gênero e diversidade é orientado para o respeito da igualdade, para
erradicar violência funcional de comportamentos impostos por
regras desiguais, de medos, preconceitos ignorantes, mitos tabus e
aversões à orientação que não seja heteronormativa.

Desestruturar a mentalidade machista, sexista da sociedade,


que torna na sociedade invisíveis mulheres, - inscrever as mulheres
na história implica necessariamente a redefinição e o alargamento das
noções tradicionais daquilo que é historicamente importante, para
incluir tanto a experiência pessoal e subjetiva quantas as atividades

82
públicas e políticas (SCOTT, 1995, p.73), e atinge outros sujeitos
homossexuais, negros, pobres tolhendo seus direitos. O professor
deve estar preparado para compreender esta realidade e contribuir
com mudanças efetivas no esclarecimento e melhoramentos sociais
usando-se da escola como instrumentalização de transformações.
Um desafio dos professores estarem pautados em uma teoria
científica que traga visibilidade as mulheres considerando-as como
sujeitos. Na qual as mulheres são percebidas como sujeitos sociais
e políticos e ainda como sujeitos do conhecimento “o que era
negado na concepção iluminista moderna” (LOURO, 1997 p. 149)
deslocando dos argumentos culturais da desigualdade biológica,
tentando justificar uma referência masculina.

Na sociedade brasileira é propagado comportamento sexista,


homofóbico, estereotipado e racista. Comportamentos que avançam
historicamente no patriarcal, culturalmente e por viés moral, várias
religiões têm seus dogmas baseados no binário homem/mulher.
Mas é preciso pensar em educação para além das suas doutrinas
religiosas, principalmente quando se trata do Estado laico.

As perspectivas na educação e no poder que ela tem em


mudar o quadro social instaurado por problemas relacionados na
desigualdade de gênero. “a seleção dos conhecimentos é reveladora
das divisões sociais e da legitimação de alguns grupos em detrimento
de outros”. (LOURO, 1997 p. 85). Que as transformações partam
de ação político educacional e possibilite desenvolvimento com
abrangência interdisciplinar em que professores aprimorem a
capacidade de identificar e expor através dos conteúdos reflexões

83
pelo viés de todas as matérias de humanas e científicas.

Em termos de gênero a discussão na escola proporcione


ferramentas pedagógica e teórica que contemple uma diversidade
existente. Entre a gama de conceitos dentro de gênero e diversidade,
indica orientação sexual como termo usado para apontar por
quais gêneros a pessoa sente-se atraída, em relação afetividade e
sexualidade seja fisicamente, romanticamente e/ou emocionalmente.
Ela pode ser, heterossexual, bissexual, homossexual, pansexual ou
assexual. Já a identidade de gênero faz referência a como cada um se
reconhece dentro dos padrões de gênero estabelecidos socialmente.

As identidades coletivas e individuais vão sofrendo a


influencia das experiências de vida, modelos regras e discursos que
tomamos contato, produzindo novos significados e sentidos para as
várias dimensões para as nossas realizações de vida – profissional,
familiar, amorosa, etc. – “várias possibilidades de viver prazeres e
desejos corporais são sempre sugeridas, anunciadas, promovidas
socialmente (e hoje possivelmente de formas mais explícitas do
que antes)”. (LOURO, 2000, p. 4). Desta forma não são somente as
características biológicas que determinam a construção da identidade
de gênero.

O papel do ambiente escolar é considerar um dos principais


lugares de construção dos saberes da criança, incluindo as construções
das identidades e, consequentemente, das diferenças. Assim, a ideia
de incorporar o tema aos Planos de Educação visa proporcionar
uma discussão para diminuir o preconceito nas escolas, além de
preparar as instituições de ensino para combater a discriminação de

84
identidade de gênero e coibir a violência de orientação sexual.

Para mais de observar com antecedência a propagação de


propostas pedagógicas com conteúdos sobre diversidade quanto
à orientação sexual, relações e identidade de gênero, violência
contra as mulheres tais propostas devem apontar para a necessidade
de estabelecer medidas para evitar a evasão escolar motivada por
orientação sexual ou à identidade de gênero.

Também desenvolver através do espaço escolar coordenar


ações de promoção da igualdade de gênero, diversidade e coibir a
violência contra as mulheres e homofobia, no projeto afirmativo de
Educação significam atender à Constituição Brasileira, à legislação
educacional e às diversas regras normativas dos direitos humanos
internacionais no qual, o Brasil deve cumprir suas leis.

A grande responsabilidade do gênero na escola é destituir


meios institucionais que mantém o controle social. O Estado não
pode esquivar-se da responsabilidade de educação, não pode deixar
que as limitações culturais, religiosas e políticas determinem os
direitos, e é por isso que o gênero deve ser aplicado na reflexão
da educação cumprindo a Constituição que ampara direitos dos
cidadãos, visando à coexistência e liberdade da diversidade.

A sociedade patriarcal e o machismo impregnado nela


agem muitas vezes de maneira silenciosa. A mulher é relegada
ao papel secundário mantido invisível ao longo da História por
teóricos e pensadores, até mesmo filósofos que contribuíram para o
pensamento da sociedade “ficaram presos em aspectos e preconceitos

85
de sua época, não possuindo uma visão que fosse além do que era
apresentado em seu tempo”. (PACHECO, 2015, p. 20). Limitam-
se os espaços da sociedade, pessoas banalizam o tempo inteiro e
acabam por aceitar sua naturalização, legitimam costumeiramente
atribuindo a culpa às vítimas das opressões. A escola é o espaço
do conhecimento, mas também, disciplinadora e normatizada os
comportamentos, as relações entre os gêneros, determinando o lugar
das meninas e dos meninos de alguma forma, dentro da escola e na
sociedade.

Fundamentalmente, a escola como instituição deve partir


da premissa do respeito aos direitos de cada educando. E essa é a
perspectiva do trabalho com a diversidade, assumir que as pessoas
são diferentes, que têm orientações sexuais, etnias, condições
sociais e econômicas diferentes, mas que não deva ser motivo
para discriminação, essas diferenças não podem gerar e nem se
transformar em desigualdade ou violência.

A discussão de sexualidade no âmbito escolar é uma


necessidade, e muitas vezes ela se furta de fazer de forma explícita,
implicitamente acontecem, seja nas brincadeiras, olhares e
comentários, é um discurso presente mesmo que a instituição não
queira explicitá-lo. É papel da escola pensar na constituição de
educando, na questão de gênero, pois a criança se questiona o que é
feminino e o que é masculino, os padrões estão muito estabelecidos
e rígidos e não há possibilidade de uma transgressão, e quando o
mesmo acontece, logo há uma forma da escola vigiar, separar o
masculino do feminino.

86
Pensando a educação como uma prática política de formação,
sobretudo de formação para cidadania, ela implica um compromisso
radical do ponto de vista de assegurar a liberdade de expressão
e entender que questões relacionadas ao gênero e sexualidade,
muito antes do que consiste numa determinação estável, segura ou
supostamente natural, elas são fluídas, e essas posições não são tão
seguras, e são desde sempre, convenções sociais violentas, arbitrárias,
que tentam trazer ou construir certa inteligibilidade sobre os corpos,
essa ideia que macho é masculinidade, e fêmea é feminilidade,
são consequentes, como se nós naturalmente vivenciássemos
essas experimentações, como se isso fosse natural, evidente e
inquestionável, e na realidade isso é o reflexo de uma norma, a
expressão de uma convenção social da heteronormatividade, do que
qualquer outra coisa.

O pânico moral que existe em relação a esta questão, é que


ao questionar a diversidade, ao confrontarem essas fronteiras de
gênero, estariam de alguma forma cruzando também a fronteira do
exercício da sexualidade. O ambiente escolar é um espaço político
importante de exercício da liberdade para com o educando, a escola
tem essa responsabilidade.

Duas questões são primordiais para o educador, pensar


dentro da escola o que é gênero, o que é essa construção social de
identidade, e a questão da orientação sexual e da sexualidade, e
visão distinta de ambos.

Os educandos em geral, têm facilidade em discutir tais


assuntos, enquanto às vezes o educador, ainda guarda resquícios

87
conservadores da cultura machista, sexista presentes na sociedade,
o conservadorismo em maneira geral, parte do educador e não do
educando. Não só instituição e educadores são conservadores,
estamos vivenciando um momento muito conservador no país,
vimos um avanço de forças fundamentalistas que produzem
repercussões em todas as políticas públicas, e a educação é uma
delas, não se trata de culpar os educadores, são apenas sujeitos que
se movimentam neste campo que está sendo colocado para eles no
momento. A precariedade em termos de financiamento público para
a educação, de formação continuada, para tal traz como reflexo a
vulnerabilidade, a precariedade das condições de possibilidade para
educadores também enfrentarem esses preconceitos.

Se analisarmos o Brasil, são poucos cursos de pedagogia, por


exemplo, que tem em seus currículos a disciplina ‘sexualidade’, um
elemento fundamental para formação docente, são elementos onde
o próprio educador começa a perceber que fazem parte da formação
geral do educando e que isso será, querendo ou não, trazido ao
cotidiano escolar. Essa formação como política pública deve ser
pensada, inclusive, para questões de violência sexual, violência de
gênero e outras violências, que a escola deveria ser esse palco de
discussão, proteção, de liberdade para o público escolar em geral.

A abordagem dos conteúdos em gênero conjunto


ao projeto de pesquisa Gênero e Diversidade Ações
Afirmativas para Combater a Violência, vem de um segmento
de trabalho do Coletivo Feminista Mais que Amélias8
8
Coletivo formado em 2013, atuando, principalmente, nos municípios de União da Vitória – PR e
Porto União – SC.

88
e outros agentes da educação na região. Graças a um
determinado trabalho valoroso em prol do esclarecimento
das questões de gênero contamos na pesquisa com a
experiência da professora Eliane Affonso Smykaluk9
que prestativamente e gentilmente compartilhou suas experiências
na entrevista:

Como a escola trabalha com relações de gênero, como era visto


antes, e como se trabalha hoje? E se existe apoio por parte do
governo na formação dos educadores (as)?

Eliane: No sistema escolar essas preocupações sempre estiveram


presentes mais no sentido de heteronormatização e disciplinamento
dos sujeitos. A inclusão destas temáticas como as questões de
gênero e da diversidade sexual é muito recente. Isso na perspectiva
da igualdade de gênero e reconhecimento da diversidade sexual,
problematizando a desigualdade, o preconceito e discriminação que
defendemos, enquanto educadores(as) que participam de formação
sindical, também no movimento feminista e de combate à homofobia,
é muito recente e tarefa desafiadora mais com educadores(as)
que com educandos(as). Eu ousaria dizer que estamos no começo
com retrocessos por conta das bancadas fundamentalistas nas
câmaras de vereadores(as) e deputados(as) com seus projetos e

9
Professora aposentada da Rede Pública Municipal de União da Vitória (1985-2013). Professora da
Rede Estadual de Ensino do Paraná desde 1994. Foi secretária de Gênero, relações Étnico-raciais e
dos Direitos LGBT da diretoria regional da APP-Sindicato de União da Vitória por várias gestões.
Participa do Coletivo Feminista e de Combate à Homofobia da APP-Sindicato de União da Vitória
e de ações e formação nos coletivos estaduais Feminista, de Combate ao Racismo e de Combate à
Lgbtfobia que tem pautas específicas e conjuntas.

89
programas de “Escola sem partido”, sendo a primeira na Câmara de
vereadores(as) do Rio De Janeiro por Carlos Bolsonaro em 2014.
O primeiro documento de políticas nacionais com estas reflexões
sobre as temáticas em torno das sexualidades, homossexualidade e
identidades de gênero foram os cadernos de Temas Transversais dos
Parâmetros Curriculares Nacionais publicados pelo MEC em 1998,
com o foco no combate à AIDS e DSTs. Já no Paraná, foi quando a
Coordenadora do Núcleo de Gênero e Diversidade Dayana Brunetto
Carlin dos Santos, militante do movimento LGBT e com doutorado
nas temáticas, foi publicado o Caderno Temático sobre sexualidade
com distribuição gratuita e formação específica para educadores(as)
professores(as) e funcionários(as). Infelizmente, não houve mais
formação neste sentido e alguns encontros estaduais só acontecem
por força dos movimentos sociais, sem o incentivo do governo do
estado como anteriormente.

Que medidas as escolas deveriam estar tomando para combater


a desigualdade de Gênero e à Homofobia no ambiente escolar?

Eliane: Creio que na atual conjuntura de falta de políticas públicas


de enfrentamento à violência de gênero e de combate à homofobia,
fortalecimento do conservadorismo com o aparente apoio da
sociedade, ao menos que se vê veiculado na grande mídia e redes
sociais, com tentativa de criminalização de ações e esforços neste
sentido, só trabalhará tais temáticas na escola educadores(as) que
tiveram uma formação mais consistente, que buscam formação
e são sensíveis à promoção da cidadania e dos direitos humanos.

90
Já há muitos anos colocamos estas questões e sugerimos ações
para construirmos comportamentos não sexistas e de acolhida à
diversidade sexual, desde a linguagem inclusiva, pois a linguagem
inviabiliza o feminino. Mesmo sendo uma professora de Língua
Portuguesa a questionar a linguagem tradicional, trata-se de um
trabalho cotidiano e de resistência e, somente dessa forma, observam-
se pequenas mudanças e mais acolhida a estas questões. É preciso
também questionar as representações de gênero nos livros didáticos,
murais e atividades culturais: atividades femininas e masculinas, o
espaço privado e o doméstico, a representação das famílias, o uso dos
espaços escolares por meninos e meninas, as atividades nas diferentes
disciplinas, o que se oculta, o que se evidencia neste sentido no
trabalho pedagógico. Isso só é possível com momentos de interação,
em espaços de formação para se problematizar e desconstruir ideias
do senso comum e superar muito da tradição escolar que como
educadores(as) fomos formados(as) e reproduzimos na ação docente.
Faltou citar o lançamento do Plano Nacional de Políticas para as
mulheres e do Programa Brasil sem Homofobia, ambos de 2004 do
governo federal para o enfrentamento às desigualdades e violência
de gênero contra mulheres e comunidade LGBT. É do conhecimento
de todo(as) a repercussão que teve principalmente o Programa
Brasil Sem Homofobia, pois a mídia e conservadores(as) na política
defendiam o patriarcado, a família tradicional e acreditavam que tal
programa incentivaria a homossexualidade e colocaria em risco o
modelo de família formado só por um homem e uma mulher. Penso
que algo muito positivo são as pesquisas acadêmicas e inúmeras
publicações advindas das mesmas contribuem infinitamente para

91
superarmos as incompreensões acerca da homofobia e da educação
sexista. Só com argumentos de autoridade e de pesquisas para
combater o senso comum com eficácia.

Considerações finais

Para pensarmos teorizações é necessário lançar-se de


pesquisas e estudo feministas podem ser fontes de estudos com vários
elementos fundamentais para provocar questionamentos e reflexões
de transformação que levem a uma educação democratizada que
desvie das desigualdades de gênero e seus desdobramentos sociais.

Formação para cidadania, política social com sociedade


democrática, educação plena é respeito e, por fim, se não nos
sentimos conforme essa situação social, então certamente, encontra-
se justificativa não apenas para observar, mas especialmente, tentar
interferir na continuidade dessas desigualdades de gênero e práxis
consequentes da violência, que tem origem claramente indicada em
comportamentos e práticas culturais ligadas ao questionamento e
críticas da desigualdade de gênero.

REFERÊNCIAS
LOURO, Guacira Lopes (org). O corpo educado: pedagogias da sexualidade.
Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
LOURO, Guacira Lopes, Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-
estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
PACHECO, Juliana (org.). Mulher & Filosofia: as relações de Gênero no
pensamento filosófico. Porto Alegre: Editora Fi, 2015.
SCOTT, Joan. Gênero uma categoria útil de analise histórica. Educação e
Realidade. Porto Alegre, vol. 20, n. 2, jul./dez.1995, p.71-99.

92
IMPRESSÕES SOBRE IDENTIDADES DE GÊNERO: O
DESAFIO DOS MODELOS IDEAIS

Vanessa Cristina Chucailo

O presente relato propõe-se a apresentar uma discussão sobre


questões referentes às impressões sobre identidades de gênero, e o
que se entende ou imagina enquanto ‘modelos ideais’ de mulheres
e/ou homens na sociedade atualmente, a partir de uma atividade
realizada com estudantes de EJAs (Educação de Jovens e Adultos),
de três escolas paranaenses dos municípios de Cruz Machado,
General Carneiro e Bituruna.

A atividade fez parte das oficinas aplicadas pelo projeto


de extensão ‘Gênero e Diversidade Sexual: ações afirmativas
para combater a violência’, da Universidade Estadual do Paraná
(UNESPAR/Campus União da Vitória), aprovado pelo Programa
Universidade Sem Fronteiras (USF), elaborado e mantido pela
Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior do
Paraná (SETI).

Envolver-se nos trabalhos junto aos/as estudantes dos EJAs


e dos/as professores/as, participando de forma ativa através de
oficinas sobre gênero e diversidade nas escolas foi uma experiência
fundamental para encontrar elementos que possibilitaram a reflexão
sobre as construções sociais e culturais de gênero, especialmente

93
no que se refere ao contexto das masculinidades e feminilidades
possíveis, questionando os diferentes papéis desempenhados por
mulheres e homens na sociedade.

No decorrer do desenvolvimento humano, homens e mulheres


são educados em função das naturezas distintas, conduzidos por
motivações diversas, fazendo ou não parte dos papéis predefinidos
a partir de seus sexos biológicos. O argumento que utiliza essas
características biológicas diferentes e complementares entre os
corpos para justificar o papel de cada pessoa na sociedade acaba
por ter um caráter quase determinante nas relações sociais. Essa
distinção biológica, ou distinção sexual dos corpos acaba servindo
muitas vezes para explicar, ou justificar a desigualdade social
(LOURO, 2003, p. 20).

É, portanto, de extrema importância contrapor essas argumentações


que utilizam das características biológicas e sexuais para determinar as
relações humanas, uma vez que entendemos que a forma como essas
características são representadas ou apreendidas enquanto pertencentes
aquele corpo, ou até mesmo aquilo que se diz ou se pensa a respeito delas é
que vai, de fato, constituir o que é atributo feminino ou masculino em uma
dada sociedade, em um dado momento histórico (LOURO, 2003, p. 21).

Para compreender essas relações de homens e mulheres na


sociedade não necessariamente a partir de seus sexos, mas sim a
partir de tudo que se construiu socialmente e culturalmente a partir
deles, a categoria gênero aparece como conceito fundamental de
análise.

Segundo Joan W. Scott:

94
[...] o termo “gênero” torna-se uma forma de indicar
“construções culturais” - a criação inteiramente social
de idéias sobre os papéis adequados aos homens
e às mulheres. Trata-se de uma forma de se referir
às origens exclusivamente sociais das identidades
subjetivas de homens e de mulheres. (1995, p. 75).

Com o aumento dos estudos sobre sexo e sexualidade,


o gênero enquanto categoria de análise tornou-se bastante útil,
oferecendo uma forma de distinguir a prática cultural dos papéis
sexuais atribuídos às mulheres e aos homens (SCOTT, 1995, p.
75). Como aponta Thomas Laqueur (2001, p. 23), quase tudo que
se queira dizer sobre sexo contém em si uma reivindicação sobre o
gênero. A grande questão é que a sociedade acabou modelando essas
‘diferenças’ com base em crenças quase sempre fundamentadas por
estereótipos de gênero sociais e culturais (COSTA-JUNIOR; MAIA,
2010, p. 24).

Nossa percepção sobre o mundo acaba condicionada ao


discurso dominante sobre o que é ‘ser homem’ ou ‘ser mulher’. Mas
que percepção é essa de ‘ser homem’ e ‘ser mulher’? Nesse contexto
os estudos de gênero acabam servindo como forma de evidenciar
essas diferenças, não pela distinção biológica entre os sexos,
mas pelos modelos socialmente, historicamente e culturalmente
construídos e que são aprendidos ao longo das nossas vidas.

Ao entendermos que o gênero é historicamente e socialmente


construído entendemos também que os discursos, as representações
e as relações entre homens e mulheres estão em constante mudança,
ou seja, as identidades de gênero continuadamente sofrem

95
transformações (LOURO, 2003, p. 35).

Quando falamos que o gênero constitui a identidade do


sujeito nos referimos a algo que vai além do simples desempenho
dos papéis, mas sim, perceber o gênero como fazendo parte do
sujeito. Dessa forma diferentes instâncias, práticas e espaços podem
ser tomados pelas relações de gênero (LOURO, 2003, p. 25).

As identidades, dentro da dinâmica do gênero, são sempre


construídas, e não dadas ou acabadas em um determinado momento:
Em suas relações sociais, atravessadas por diferentes
discursos, símbolos, representações e práticas, os
sujeitos vão se construindo como masculinos ou
femininos, arranjando e desarranjando seus lugares
sociais, suas disposições, suas formas de ser e de
estar no mundo. Essas construções e esses arranjos
são sempre transitórios, transformado-se não apenas
ao longo do tempo, historicamente, como também
transformando-se na articulação com as histórias
pessoais, as identidades sexuais, étnicas, de raça, de
classe... (LOURO, 2003, p. 28).

Buscou-se nesse sentido, explorar e questionar esses


‘modelos’ nas oficinas com os/as estudantes, para que percebessem
que ao falarmos de uma identidade, seja ela feminina ou masculina,
é difícil chegar a um consenso de um modelo correto, ideal, e que
represente uma totalidade, uma vez que somos múltiplos, diversos e
nossas intenções sofrem constantes transformações.

Quando falamos de gênero “O conceito passa a exigir que se


pense de modo plural, acentuando que os projetos e as representações
sobre mulheres e homens são diversos”. (LOURO, 2003, p. 23).

96
Vejamos então como a atividade nas escolas foi conduzida.

Oficina ‘Modelos Ideais’: a proposta e o desenvolvimento da


atividade

A proposta da oficina era iniciar o debate sobre a construção


social de gênero a partir da montagem de ‘modelos’ de homem e/
ou mulher, permitindo que os/as estudantes refletissem sobre os
conceitos de masculinidades e feminilidades possíveis, questionando
os papéis desempenhados, tanto por mulheres quanto por homens,
e reconhecendo assim as distintas manifestações dos gêneros
presentes na sociedade.

A ideia dessa oficina foi uma adaptação de propostas de


atividades presentes na cartilha ‘Gênero Fora da Caixa: Guia prático
para educadores e educadoras’ (DI PIERRO; ORTIZ, 2011).

A oficina foi conduzida nas três escolas (Cruz Machado,


General Carneiro e Bituruna) da mesma maneira, e consistia na
montagem de cartazes pelos/as estudantes, tendo como questão
norteadora: “Em sua opinião, qual o modelo de homem/mulher
mais valorizado pela sociedade atualmente?”.

As turmas eram divididas em pequenos grupos, e a questão


norteadora era escrita no quadro para que os/as estudantes pudessem
visualizar. A proposta de atividade era lançada, e cada grupo recebia
algumas revistas para encontrarem os modelos que considerassem
ideais para montarem seus cartazes.

97
Foi uma proposta de atividade bastante livre e desafiadora
para os grupos, pois ainda não havíamos discutido sobre questões de
gênero. A ideia dessa oficina era justamente partir do entendimento
da turma a respeito das construções das identidades de gênero, sem
que se dessem conta de que estavam ou não reproduzindo certos
estereótipos de masculinidades ou feminilidades.

O debate dentro dos grupos era inevitável, e logo as dúvidas


e os questionamentos começavam a surgir. Que imagens escolher?
O que é ser um modelo ideal? O que serve de base para um/uma, não
agrada meu/minha colega, como resolver? Podemos escolher mais
de uma figura? Podemos escrever no cartaz nossas opiniões?

A atividade causou bastante alvoroço no sentido de provocar


reflexões que talvez antes, grande parte das/dos estudantes nunca
tivesse percebido ou até então, parado para questionar. Afinal
sabemos que algumas questões relacionadas à identidade de gênero
estão presentes enquanto algo dado e parecem intocáveis, uma vez
que estamos acostumado/as com elas dessa forma.

Depois que os cartazes estavam prontos, uma dupla ou


o grupo era convidado para apresentar para a turma o trabalho
final. Os modelos construídos eram então analisados pela turma,
pensando algumas questões para conduzir a discussão, tais como:
quais problemas eram possíveis identificar naqueles modelos? Era
possível identificar um padrão nos modelos escolhidos? Como é
estar de acordo com esses padrões? A turma se identifica com esses
padrões? É possível identificar preconceitos presentes na ideia de
ser mulher/homem propagada pela mídia? Esses modelos podem ser

98
enquadrados na realidade social em que nos encontramos, na família
ou na escola?

Tais questões se fizeram importantes para conduzir o debate


para o campo social, uma vez que é nele que se constroem e se
reproduzem as relações (nem sempre em condições de igualdade)
entre os sujeitos (LOURO, 2003, p. 22).

Vejamos no tópico a seguir alguns resultados sobre os


cartazes produzidos pelos/pelas estudantes durante as oficinas.

Resultados

Nos processos de reconhecimento das identidades, a


atribuição das diferenças torna-se evidente. O reconhecimento do
‘outro’ parte do lugar social que ocupamos. A sociedade constrói
contornos, demarca fronteiras entre aquilo que representa a norma,
e que deve, por conseguinte, estar de acordo com seus padrões
culturais, ou então fica as margens, fora dela. Como explica Louro:
Em nossa sociedade, a norma que se estabelece,
historicamente, remete ao homem branco,
heterossexual, de classe média urbana e cristã e
essa passa a ser a referência que não precisa mais
ser nomeada. Serão os “outros” sujeitos sociais que
se tornarão “marcado”, que se definirão e serão
denominados a partir dessa referência. Desta forma,
a mulher é representada como “o segundo sexo” e
gays e lésbicas são descritos como desviantes da
norma heterossexual. (LOURO, 2000, p. 9).

99
Durante a montagem dos cartazes, a necessidade de definir
uma identidade que correspondesse a esse ideal de sociedade branca
e heteronormativa era evidente em alguns trabalhos apresentados.
Apenas na escola em Bituruna, as turmas apontaram a ‘falta
de opções’ para representar tanto a diversidade sexual quanto a
diversidade étnica.

Somente um grupo optou por apresentar um casal


homoafetivo nas montagens, como vemos na imagem 1. É curioso
apontar a preocupação do grupo em deixar claro que se trata de “dois
homossexuais”, sendo essa a única escrita no cartaz.

Imagem 1 – cartaz produzido no EJA de Bituruna

Pode-se entender que essa marcação evidencia a necessidade


de situar o ‘outro’ que é ‘diferente’, ou que foge as normas sociais.
O caráter normativo da heterossexualidade acaba ocupando um
lugar central na sociedade, evidenciando-se como sistema de prática
normalizadora, assumindo uma postura dominante e privilegiada,
exercendo muitas vezes uma violência (simbólica ou declarada,
implícita ou explícita) sobre qualquer pessoa que se distancie dos

100
limites impostos pela hegemonia heterossexual (COSTA; PEREIRA;
OLIVEIRA; NOGUEIRA, 2010, p. 94-95). Ao classificar os sujeitos
a sociedade acaba estabelecendo divisões e atribuindo rótulos
para fixar as identidades, definindo-as, separando, distinguindo e
discriminando, de forma sutil ou violenta (LOURO, 2000, p. 9-10).

Ainda em relação à diversidade, um dos cartazes chama a


atenção por tentar reproduzir uma diversidade no que se refere a
modelos femininos:

Imagem 2 - cartaz produzido no EJA de Bituruna.

Como é possível observar na imagem 2, nesse cartaz o


grupo optou por escolher mulheres que fogem as normas ou aos
padrões estéticos e socialmente aceitos por grande parcela da
população. A diversidade na escolha das imagens (mulheres brancas,
mulheres negras, mulheres com diferentes manequins) demonstra a
preocupação em dar visibilidade e representatividade aos diferentes
‘modelos’ de identidade feminina.

101
No que se refere à construção de modelos femininos, a
maioria dos cartazes reproduziram figuras de mulheres magras,
modelos brancas, com corpos esculturais, algumas bem vestidas, com
roupas caras, ou então seminuas. Algumas aparecem na companhia
de homens, ou então, com crianças, representando a maternidade,
tido por muitas pessoas como um ‘ideal’ para o sexo feminino.

Outro cartaz se destaca tanto pela escolha das modelos


femininas quanto pela fala do grupo, descrita no cartaz, como vemos
na imagem a seguir:

Imagem 3 - cartaz produzido no EJA de Bituruna.

Percebe-se através da imagem 3 que o grupo na


tentativa de talvez agradar ou elogiar as mulheres, quando dizem “Toda
mulher tem sua beleza.”, acaba se contradizendo. Essa contradição
fica evidente na escolha das imagens de mulheres objetificadas pelo
universo da publicidade, que reproduzem o estereótipo da mulher
ideal a partir de características físicas e superficiais. A esse respeito,
algumas falas reproduzidas nos cartazes se destacaram:

102
“Hoje em dia a sociedade da mais valor pra corpo
status social dinheiro fama (sic)” (EJA de Bituruna).
“Para sociedade, o que eles valorizam, é beleza, classe
social, a roupa que veste. Mas na nossa oponião, o
que deveria ser valorizado, é o carater, honestidade
[...] (sic).” (EJA de General Carneiro).
“No mundo atual as pessoas são mais valorizadas
pela aparência, pelo dinheiro, pela fama e posição
social. Infelizmente hoje em dia a sociedade é assim.
Pensamos ao contrario que cada pessoa tem seu
brilho e seu valor, devemos respeitar e aceitar todos
como são. (sic)” (EJA de General Carneiro).

Nota-se com isso, que alguns grupos se mostraram


preocupados e incomodados com os padrões femininos e masculinos,
especialmente aqueles apresentados pela mídia, que valoriza e
objetifica o corpo, a aparência e o status social. Um grupo descreve
“Esses que ficam de baixo do sol todos os dias são totalmente
desvalorizados. Os valores deviam ser todos iguais, a mulher ainda
continua sendo desvalorizada” (EJA de General Carneiro).

A desvalorização da mulher é algo histórico, e o que


surpreende é em pleno século XXI, ainda existam tantos casos de
violências de gênero. Para as mulheres, “Conquistar seu lugar numa
sociedade que possui uma forte resistência quanto a novos conceitos
de gênero tem sido uma tarefa muito difícil e de garra”. (PEDRO;
GUEDES, 2010, p. 3-4). Ou seja, o empoderamento feminino
é algo necessário, e uma busca constante. Esse empoderamento
permite a desconstrução da ordem patriarcal vigente nas sociedades
contemporâneas, possibilitando que as mulheres assumam o controle
sobre seus corpos e suas vidas (SARDENBERG, 2006, p. 2).

103
Como evidenciou um grupo em General Carneiro em seu
cartaz:
‘VALORIZAÇÃO DA MULHER “ATUAL”
Hoje em dia a mulher é mais valorizada. Em todas as
profissões tem uma mulher atuando. Mas ainda não
foi chegado ao objetivo, porque muitas que trabalham
na mesma profição (sic) e o salário não é igual.
Também hoje em dia apesar de ter a lei a Maria da
Penha, ainda há muitas mulheres submissa (sic) que
se calam diante a violência.’

Foi notória a preocupação e os apontamentos feitos pelo


grupo, tanto em relação ao mercado de trabalho quanto em relação à
violência doméstica. De fato, o mercado de trabalho ainda é afetado
pelas diferenças entre os gêneros, fazendo com que muitas mulheres
ocupem posições desiguais e hierarquicamente determinadas,
favorecendo relações discriminatórias (QUERINO; DOMINGUES;
LUZ; 2013). Em relação à violência doméstica, a criação da Lei Maria
da Penha (nº 11.340/2006) possibilitou um maior esclarecimento
diante das situações de violência vivenciadas por muitas mulheres,
uma vez que a lei discorre sobre os diferentes tipos de violência
(física, psicológica, sexual, moral e patrimonial), não se limitando
apenas as agressões físicas.

No que se referem às identidades masculinas de gênero,


os cartazes trouxeram menos referências, se comparadas com as
identidades femininas. Porém as preferências na hora da escolha dos
modelos ideias masculinos foram muito semelhantes às escolhas dos
modelos femininos: homens brancos, ricos, heterossexuais, famosos,
bem vestidos, corpos musculosos. Mas alguns cartazes foram bem

104
pontuais no que se entende por ser um ‘modelo ideal de homem’.
Destacamos duas características apontadas por alguns deles: 1) ser
um pai presente e 2) ser viril.

Foi interessante o grupo apontar a paternidade como uma


característica importante para o gênero masculino atualmente, já
que durante muito tempo a sociedade patriarcal lhe reservou um
espaço hierárquico dentro da família praticamente excluso da trama
doméstica, sendo este espaço, tido como próprio das mulheres.
Nesse sentido, o homem ‘pai presente’ assume uma postura que vai
além do papel de mero reprodutor ou provedor do lar, reinventando
sua identidade e acolhendo uma postura mais subjetiva e maleável
em relação às construções sociais de gênero (GOMES; RESENDE,
2004, p 119-120).

Sobre a questão da virilidade apontada por um dos grupos


como característica de um modelo ideal de masculinidade, podemos
entender o quanto essas construções estereotipadas dos gêneros
ainda estão muito presentes. A ideia da virilidade como atributo
próprio (e ideal) da masculinidade acaba por reforçar os mitos de
que todo homem precisa ser forte, provedor, macho, viril, não deve
demonstrar sentimentos:
O homem será considerado macho na medida em
que for capaz de disfarçar, inibir, sufocar, seus
sentimentos. A educação de um verdadeiro macho
inclui necessariamente a famosa ordem: “Homem
(com H maiúsculo) não chora”. (SAFIOTTI, 2001,
p. 25)

Como aponta Scott (p. 82), a ideia de masculinidade

105
repousa na repressão necessária de aspectos femininos, induzindo
o conflito entre masculino e feminino. Para Connel (1997, p. 2)
“La masculinidad existe sólo en contraste con la femineidad”10
. Uma vez que a ideia de feminilidade é ser frágil, sensível, emotiva,
sentimental, delicada, a masculinidade vai repousar na oposição de
todos esses atributos, tidos como próprios do sexo feminino.

Finalizando a discussão

Para finalizar, as experiências obtidas com a proposta dessas


atividades demonstraram que as imagens masculinas e femininas
apresentados pelos/pelas estudantes de um modo geral, são aqueles
que mais se assemelham as figuras famosas da televisão, modelos,
atrizes e atores de novelas, etc, ou seja, figuras bem diferentes da
realidade da maioria.

Quando falamos em um ‘modelo ideal’ de mulher/homem,


a discussão ao final da atividade em todas as escolas era de que não
é possível afirmar que somos iguais, ou que existe um “padrão”,
exceto aquele apresentado pela mídia, porém este não condiz com a
realidade social, nem com as identidades de gênero que cada pessoa
toma para si.

REFERÊNCIAS
CONNELL, Robert W. La organización social de la masculinidad. In. Teresa
Valdés y José Olavarría (editores) Masculinidad/es: poder y crisis. Chile: Isis
10 “A masculinidade só existe em contraste com a feminilidade”.

106
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NOGUEIRA, Conceição. Imagens sociais das pessoas LGBT. In: NOGUEIRA,
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de Janeiro: RelumeDumará, 2010.

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação. Uma perspectiva pós-


estruturalista. 6º ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

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SAFFIOTI, Heleieth I. B. O Poder do Macho. São Paulo: Editora Moderna, 2001.

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SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação
e Realidade. Porto Alegre, vol. 20, n. 2, jul./dez. 1995.

107
“VISH, SAI DE MIM”: GÊNERO E DIVERSIDADE
SEXUAL PARA ESTUDANTES DO CEEBJA

Ana Paula Bührer Gonçalves

O projeto de extensão ‘Gênero e Diversidade Sexual:


ações afirmativas para combater a violência’, tem como objetivo
promover a discussão e o ensino de gênero e diversidade sexual nas
escolas, numa tentativa de gerar um ensino igualitário e inclusivo.
Selva Fonseca e Marcos Silva, em seu texto ‘Tudo é história: o que
ensinar no mundo multicultural’, afirmam que devemos “incluir em
contextos específicos os sujeitos e os saberes dos excluídos” (2007,
p. 45), sendo assim, o projeto dá voz aos sujeitos que muitas vezes
são esquecidos e invisibilizados pela sociedade, principalmente
no que se refere às violências e as permanências das construções
sociais que limitam os seres.

O que não podemos deixar acontecer é o que Ramos (2007)


chama de negar x11 ‘outrx’, essa negativa seria uma tentativa de
demonstrar às pessoas qual seria o ‘modo correto’ de se viver ou de
agir e acabam negando a pluralidade e tirando o direito dx outrx de
ser, agir e pensar a sua própria maneira. A autora comenta, também,

11 Para o leitor ou leitora que desconhece a linguagem igualitária, utilizamos neste artigo o ‘x’, ‘e’
ou o ‘@’ para designar todas as pessoas, femininas ou masculinas. Essa forma de escrita substitui o uso
do parêntesis ou a barra (o/a; o (a)) e dessa forma não coloco o masculino antes do feminino ou vise-
versa. Se configura assim num discurso igualitário. É uma alternativa na gramática como ato político
em prol da igualdade de gênero.

108
que por vezes a negação dx outrx é uma tentativa de afirmação
e legitimação daquele que x oprime, colocando fronteiras entre
o aceitável, o correto, o normal e o ideal. Sendo assim, devemos
compreender que existe pluralidade entre os indivíduos, e essa
pluralidade não deve ser negada, reprimida, controlada e esquecida.

Ramos (2007) trabalha com a palavra multiculturalismo que


seria um ato político, social e cultural de resistência dxs excluídxs,
marginalizadxs ou subordinadxs, num esforço de tornarem suas
identidades reconhecidas e respeitadas, resistência essa, que
modifica o sistema econômico, político, social e cultural e gera
a compreensão da diversidade. O multiculturalismo se encaixa
perfeitamente na discussão de gênero e diversidade sexual, pois a
cultura não é feita apenas por sujeitos que se encaixam em padrões,
também é produzida, reestruturada e vivida pelos sujeitos que estão
à margem da sociedade.

Rüsen em seu texto ‘Humanismo e didática da história’


(2015) afirma que a humanidade deveria aceitar a diversidade, pois
ela é inerente aos sujeitos, não podemos enquadrar os sujeitos em
um único ponto, isso é negar a sua existência, negar as vivências
e as experiências. Assim sendo, o projeto tenta humanizar, incluir,
e gerar debates sobre a pluralidade, sempre buscando o respeito
e a empatia, para que as pessoas tenham a liberdade de ser o que
quiserem ser, serem o que são, de serem plurais.

O projeto vem de encontro com as Novas Diretrizes


Curriculares Nacionais, mesmo que em uma versão preliminar
do texto ‘Por uma política curricular para a educação básica:

109
contribuição ao debate da base nacional comum a partir do direito
à aprendizagem e ao desenvolvimento’, de 2014, que fez parte dos
debates para a Base Nacional Comum, que reforçam a necessidade
de falar e ensinar sobre o plural, demonstrando a preocupação em
melhorar a educação, principalmente no que se refere à inserção
de novos sujeitos históricos, de todos os gêneros, sexualidades,
classes sociais, raças, etnias e religiões.

Um dos pontos importantes do projeto é realmente comentar


sobre os problemas culturais que separam, segregam e agem com
violência perante a diversidade, pois é importante também que
professores e professoras questionem as construções socioculturais
em que vivemos, como afirma Dinis:
[...] pensar a questão da homossexualidade pode
ser um convite para que o/a educador/a possa
olhar para sua própria sexualidade e pensar a
construção histórico-cultural de conceitos como
heteronormatividade que toma como norma
universal a sexualidade branca, de classe média e
heterossexual. (2008, p. 484).

A misoginia, a homofobia, o machismo e o sexismo são


aspectos na nossa sociedade que oprimem, nega direitos e matam
pessoas, por conta da falta de conhecimento e de respeito perante
a diversidade de gêneros e sexualidades, e como o objetivo do
projeto é criar ações afirmativas para combater a violência, nada
mais correto que criar ações dentro das escolas, que são ambientes
de aprendizagem, de debates, e de valorização dos seres.

Pensando na igualdade, na humanização e no respeito entre

110
os sujeitos, o projeto tem como principal ação a realização de
oficinas com turmas dos CEEBJAs (Centro Estadual de Educação
Básica para Jovens e Adultos) nos municípios de São Mateus do
Sul, Bituruna, General Carneiro, Cruz Machado e União da Vitória,
cidades pertencentes ao Estado do Paraná.

O CEEBJA recebe estudantes com mais de 14 anos, o


que difere este educandário das demais instituições de ensino,
chamadas de ensino regular. Xs alunxs que frequentam o EJA tem,
por vezes, histórico de desistência escolar entre os mais jovens,
pessoas que não tiveram a oportunidade de estudar, no caso das
mulheres desistência dos estudos causada por relacionamentos
abusivos, e casos de travestis e transexuais que não se ‘adequaram’
ao ensino regular e acabam encontrando no EJA a oportunidade
de concluir os estudos. É por conta dessa realidade particular que
o projeto ‘Gênero e Diversidade Sexual’, escolheu ofertar suas
oficinas voltadas ao ensino de jovens e adultos, para que esses
sujeitos compreendam a importância do tema, para que aprendam
a respeitar a diversidade existente dentro de seu meio social e
escolar e para que possam se sentir representadxs dentro de um
ensino igualitário, valorizando sua realidade e seus saberes.

Para tornar o ensino de gênero e diversidade mais dinâmico,


uma oficina foi executada a partir de uma atividade que consiste em
duas etapas, a primeira com a produção de cartazes sobre padrões
de beleza e como esses padrões geram violência, e a segunda parte
resume-se em uma dinâmica mais conceitual, na qual cada alunx
teria um conceito que seria debatido.

111
Para realizar a oficina foram escolhidos dezesseis conceitos,
que são: gênero, sororidade, masculinidades, feminilidades,
violência contra as mulheres, homofobia, heteronormatividade,
machismo, feminismo, educação sexual, corpo, diversidade
sexual, sexo biológico, identidade de gênero, orientação sexual e
linguagem inclusiva de gênero. Essas palavras foram escolhidas
para que realmente fossem discutidas de forma ampla as relações
entre gênero e diversidade. Essa oficina foi inspirada no texto de
Gabriel Di Pierro e Marília Ortiz intitulado ‘Gênero Fora da Caixa’
(2011), nesse texto os autores abordam várias dinâmicas, vários
conceitos e como esse tema pode ser trabalhado com diferentes
turmas e diferentes realidades.

A partir dessas oficinas, mais especificamente a partir das


falas dxs alunxs, que este artigo foi produzido, na tentativa de
demonstrar a necessidade de um olhar mais humano, empático
e igualitário entre os sujeitos e como as pessoas ainda carregam
preconceitos de diferentes formas, muitas vezes sem perceber.

A experiência dentro dessa oficina gerou diversas


percepções e diversos discursos, desde pessoas extremamente
feministas até pessoas extremamente conservadoras. A primeira
frase que podemos problematizar é aquela que dá início ao título
que deriva de uma das falas dos estudantes. Quando iniciamos os
debates sobre a homossexualidade um estudante comentou “vish,
sai de mim”, demonstrando seu preconceito e sua falta de vontade
em discutir esse tema.

O estudo sobre a pluralidade é importante, mas, para além de

112
gerar alívio para as minorias, que finalmente estão sendo inseridas
no ensino, existe também a resistência do conservadorismo, como
afirma Dinis:
[...] em um momento histórico em que mais se fala
sobre educar para a diferença, vivemos um cenário
político mundial de intolerância que se repete
também no espaço da vida privada, em determinada
dificuldade generalizada em nos libertarmos de
formas padronizadas de conceber nossa relação com
o outro. (2008, p. 479).

Assim como a fala de Dinis (2008), podemos perceber com


o comentário dx alunx, que o conservadorismo se faz presente em
todos os meios da sociedade, dentro e fora da escola, mas é na
escola que muitas vezes x estudante tem a oportunidade de conhecer
outras visões e debater sobre preconceito e sobre diversidade.

Outros comentários sobre a diversidade sexual foram:


‘Deus criou o homem e a mulher’, ‘uma criança ser adotada por
dois pais não é bom, o que ela vai fazer nos dias das mães? O que
ela vai responder quando perguntarem?’, ‘preferia viver em um
orfanato a ter dois pais ou duas mães’, ‘dois homens adotarem uma
criança é complicado, não vão cuidar direito’. Podemos perceber
que a religião sempre é usada como justificativa para o preconceito.
Em relação às famílias homoafetivas, os comentários revelam que
ter dois pais ou duas mães seria ‘problemático’, já que estes não
teriam a mesma ‘capacidade’ para criar uma criança, como um
casal hétero teria.

Um questionamento sobre a diversidade sexual realizado por

113
um estudante foi o seguinte: “A homossexualidade é uma doença, é
uma escolha ou é sem-vergonhice?”. Essas ideias são bem comuns,
essas falas são originárias de uma época em que a homossexualidade
ainda era entendida como homossexualismo, termo que define a
diversidade sexual como uma doença, posteriormente veio a ideia
de que a diversidade seria uma escolha, e por fim a associação da
homossexualidade à promiscuidade. Todas essas questões foram
criadas para tentar marginalizar e banalizar a pluralidade sexual.
Ainda hoje notamos casos de pessoas que não conseguem aceitar ou
compreender a diversidade e acabam negando a existência desses
sujeitos, o que é bastante problemático. Os sujeitos homossexuais,
assexuais, transexuais, bissexuais, pansexuais e dentre tantas
outras manifestações de sexualidades existentes, devem ser
compreendidos e respeitados, assim como a heterossexualidade é
respeitada e valorizada na nossa sociedade.

Outro ponto é da afirmação de que homens não possuem a


capacidade para cuidar de uma criança, sendo este papel entendido
enquanto exclusivo das mulheres. Em contra partida ocorreram
falas que afirmavam que família é onde existe amor, independente
de como ela é constituída.

Em relação aos papéis sociais que distinguem homens e


mulheres, muitos tiveram resistência sobre a possibilidade das
mulheres poderem realizar as mesmas atividades que os homens
realizam, como por exemplo, “diz que mulher pode fazer qualquer
coisa, mas quero ver uma colhendo erva-mate, não aguenta nada”.
Mas vale ressaltar que existem muitas mulheres que trabalham

114
com a agricultura, principalmente com a agricultura familiar.
Notamos que, para alguns alunxs, a relação entre força física e
capacidade para determinadas funções estão supostamente ligadas
ao sexo biológico do indivíduo, e não é associada a uma construção
sociocultural.

Outra fala interessante é “as mulheres ganham menos, mas


se aposentam antes”. Martín Paradelo Núñez (2012) descreve que
a expansão do patriarcado condicionou às mulheres aos trabalhos
considerados inferiores, por não gerarem renda, como por exemplo,
o trabalho doméstico. E mesmo com os movimentos sociais, como o
feminismo apoiando a saída das mulheres dos lares para o mercado
de trabalho, muitas permanecem com dupla jornada de trabalho, e
é por conta dessa realidade que muitas mulheres acabam recebendo
aposentadoria antecipada.

Para além dessas falas existem outras bem problemáticas


e ao mesmo tempo interessantes, como por exemplo, no caso da
discussão sobre violência doméstica, os comentários foram os
seguintes: “elas querem viver assim”, “apanha porque gosta”,
entre outros que associavam a permanecia da vítima em situação
de violência ao masoquismo e até mesmo ao amor. O que podemos
notar mais uma vez é que nunca, em hipótese alguma se questiona
a ação do agressor, mas sim a conduta da vítima por permanecer
nesse meio. Como professores e professoras tentamos explicar que
a vítima é uma vítima, e as circunstâncias que as fazem permanecer
com o agressor são variados.

A vinculação entre violência e amor deriva de uma ideia

115
machista e misógina, que demonstra que a mulher deve se portar
de maneira ‘frágil, delicada, recatada e do lar’, e quando a mulher
foge desse padrão o dever do homem, que é entendido como ‘forte,
viril e trabalhador’, é de ‘educar’ a sua parceira para que ela se
porte como ‘deve’, nem que para isso seja usada a violência, nas
suas variadas formas.

Outra fala interessante sobre a violência contra as mulheres,


agora no aspecto do abuso sexual é da expressão daquilo que
chamamos de cultura do estupro, na qual a sociedade busca uma
justificativa para o ato, uma culpabilização da vítima, associada
ao modo como a mulher se veste, como se porta em público e até
mesmo como é sua vida sexual.

Quando questionamos os estudantes sobre o abuso sexual


e sobre o que eles pensam sobre o tema, um estudante respondeu
“ah professora, mas têm muitas por aí que procuram”. Vemos aqui
novamente a tentativa de culpabilizar à vítima e não o agressor.
As mulheres devem usar de seus corpos como lhes convém,
justamente porque o corpo pertence a elas, se uma mulher sai para
encontrar um parceiro ou uma parceira isso é o direito da mulher,
que além de ter o direito de relacionar-se, também possui o direito
de escolher com quem, como e quando irá se relacionar. Quando
uma pessoa está procurando por prazer ela está procurando por
prazer e não por violência e abuso. Outro ponto importante a se
debater é que normalmente educamos as mulheres para reprimirem
sua sexualidade das mais variadas formas, mas não ensinamos os
homens a respeitarem as mulheres, não os ensinamos o significado

116
da palavra não.

Mas tivemos também durante as oficinas, falas defendendo


as mulheres como, por exemplo: “temos que entender que as
vítimas podem ter medo de denunciar por conta da violência”,
“às vezes a vítima não tem para onde ir”, “as mulheres devem ser
livres e independentes”, mostrando que existem pessoas que estão,
aos poucos, mudando seu modo de pensar e a cultura em que estão
inseridas apenas por pensar de forma diferente dos demais.

Quando falamos em linguagem igualitária e a necessidade


de incluir as pessoas na nossa fala e na nossa escrita é possível
notar que existe a permanência do entendimento de um indivíduo
masculino como sujeito universal. Para explicar melhor o uso
da linguagem igualitária normalmente citamos o uso da palavra
‘todos’ e ainda nota-se que é mai fácil enquadrar as mulheres em
palavras masculinas do que a aceitação dos homens para com
as palavras femininas. Por exemplo, quando dizemos ‘bom dia
a todos’, as mulheres automaticamente respondem, mas quando
trocamos a palavra ‘todos’ por ‘todas’, os homens não se sentiram
representados pela palavra, assim podemos demonstrar como
excluímos sujeitos até mesmo na forma em que falamos e na forma
como escrevemos.

Para finalizar esses debates, encerremos com a fala


de um estudante que questionou “porque só falam mal dos
homens? As mulheres também são violentas, existem mulheres
preconceituosas”. Sim, existem mulheres preconceituosas e
violentas, assim como existem homens que não compactuam com

117
o machismo, a misoginia e o sexismo existentes na sociedade, a
questão que estamos discutindo é que, por anos as mulheres foram,
são e infelizmente continuarão sendo exploradas, inferiorizadas,
assassinadas e tratadas como objeto. Por muito tempo, as mulheres
acabaram separadas ou até excluídas (juntamente com toda a
diversidade sexual, étnica, religiosa, etc.) da sociedade, da cultural,
da política e da economia.

As mulheres por décadas não tiveram o direito ao voto,


o direito ao trabalho fora de casa, além de sua função como
responsável pelo lar não ser reconhecido como trabalho. É graças
a movimentos sociais, a educação e conscientização de que a
sociedade por séculos valorizou o homem branco, de classe média
e heterossexual como único indivíduo que deveria ser valorizado,
respeitado e ouvido, hoje todas as diferenças possuem um espaço
social, mesmo que ainda mínino, estamos caminhando. Então
não é generalizar, não é negar a existência do homem branco,
de classe média e heterossexual, é que não o entendemos como
único indivíduo a ser ouvido e respeitado, é porque valorizamos
todxs. E é isso que o projeto procura a valorização dos sujeitos, a
participação e a inserção de todxs.

Considerações finais
Ao trabalharmos gênero e diversidade sexual na escola
devemos sempre estar atentos a comentários preconceituosos,
provenientes de uma falta de conhecimento e de um conservadorismo
cultural, e mesmo que ocorram casos de preconceito não podemos
julgar o sujeito, devemos ouvi-lo, questioná-lo e problematizar os

118
comentários numa tentativa de demonstrar outra realidade a ser
pensada e vivida.

O que constatamos é que comentários conservadores vieram


principalmente dos mais jovens, o que nos mostra a necessidade de
discutir gênero e diversidade sexual nas escolas. Esses comentários
demonstram também a falha na inclusão social, pois esses sujeitos
devem conhecer a nossa realidade sociocultural, e nossa realidade
é múltipla.

Podemos concluir que, as oficinas aplicadas não tratam um


sujeito específico, mas toda uma sociedade que precisa caminhar
para a igualdade e para a liberdade dos sujeitos. Não somos
todxs iguais, mesmo que tenhamos vários laços que nos unem,
não pensamos sempre da mesma forma, não compartilhamos
dos mesmos gostos, somos pessoas e é por isso que devemos ser
respeitados.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Por uma política curricular para a educação básica: contribuição
ao debate da base nacional comum a partir do direito à aprendizagem e ao
desenvolvimento. Versão Preliminar. Brasília: MEC, 2014.

DI PIERRO, Gabriel; ORTIZ, Marília. Gênero Fora da Caixa. Projeto Juventude,


Gênero e Espaço Público. São Paulo: EMpower, 2011.

DINIS, Nilson Fernandes. Educação, relação de gênero e diversidade sexual.


Educação e Sociedade, Campinas, vol. 29, n. 103, p. 477-492, maio/ago. 2008.

NÚÑEZ, Martín Paradelo. Mulher, trabalho e anarquismo. In: RAGO, Margareth.


Gênero e História. CNT-Compostela, 2012.

RAMOS, Márcia Elisa Teté. O Ensino de História e a questão do multiculturalismo

119
depois dos Parâmetros Curriculares Nacionais. In: CERRI, Luiz Fernando (org.).
Ensino de História e Educação: olhares em convergência. Ponta Grossa: UEPG,
2007.

RÜSEN, Jörn. Humanismo e Didática da História. Curitiba: Editora W. A.,


2015.

SILVA, Marcos; FONSECA, Selva Guimarães. Tudo é História: o que ensinar no


mundo multicultural? In: Ensinar História no Século XXI: em busca do tempo
entendido. Campinas: Papirus, 2007.

120
HORA DA AVENTURA: SEXUALIDADE
DESROMANTIZADA E NOVAS ABORGAGENS DE
GÊNERO NA PROGRAMAÇÃO INFANTIL

Elaine Schmitt

Karina Janz Woitowicz

Por meio da análise do conteúdo do desenho infantil chamado


Hora da Aventura, exibido pelo canal de TV por assinatura Cartoon
Network, desde 2010, pretendemos discutir, principalmente, o papel
da TV na formação do comportamento infantil e a sua influência nas
construções sociais sobre gênero e sexualidade.

Composto por personagens distantes daquelas encontradas


em grande parte dos desenhos infantis atuais, especificamente
quanto à construção de roteiro e mentalidade das personagens, os
relacionamentos que existem na ficção citada serão analisados com
maior interesse, na intenção de identificá-los como uma possível
alternativa, transformadora e inédita, na programação oferecida
ao público infantil. O desenho em questão é percebido como uma
produção que ultrapassa as construções tradicionais de sexualidade
e família, por exemplo.

Além das relações, a linguagem utilizada e o contexto em


que a história é desenvolvida também podem ser entendidos como

121
parte de uma nova forma de se pensar a programação infantil e
a influência que ela exerce sobre a visão e o comportamento das
crianças.

Para realizar a análise do desenho em questão, torna-se


necessário refletir sobre o papel e a presença da mídia no cotidiano
das crianças, de modo a caracterizar o potencial de educação
informal assumido pela televisão junto ao público referido. D e s s e
modo, ao longo do texto, são levantados aspectos sobre a influência
da mídia na construção de valores e estereótipos, destacando o lugar
ocupado pelos desenhos animados nas representações da realidade
propostas ao público infantil.

A televisão e a criança

Desde seu surgimento no século XX, e maior desenvolvimento


a partir da década de 1960, a TV conquistou, com sucesso, adeptos
no mundo inteiro. Hoje ela está presente em milhares de lares e
oferece uma diversidade de canais que atendem aos interesses de
variados consumidores, desde o público infantil até a terceira idade.

O crescimento da TV por assinatura, em que o usuário paga


para ter acesso a uma quantidade maior de programas, também
é alto, segundo o site da Agência Brasil. Em 2014, o número
nacional de assinantes da TV a cabo era de cerca de 30% dos lares12

12 Informação disponível no site: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noti-


cia/2014-04/tv-por-assinatura-ja-esta-em-28-dos-domicilios-do-pais> Acessado em
21/03/2016.

122
. No primeiro bimestre de 2015, o número de assinantes do
serviço era de 18,26 milhões. Tais dados representam somente o
Brasil, entretanto, é possível imaginar a grande parcela mundial,
principalmente de países desenvolvidos, que também possuem
acesso a esta vasta gama de canais. Segundo dados da Revista
Exame, o mercado americano contava em 2010 com 59,8 milhões
de assinantes, prevendo aumento significativo para o futuro:
Em termos de projeções futuras, um estudo
da MagnaGlobal publicado pela publicação
especializada Multichannel News mostra que o
mercado de TV por assinatura em geral nos EUA
(incluindo todas as tecnologias) deve fechar o ano
com 106 milhões de assinantes de TV paga, número
que deve crescer a 111 milhões até 2016. (EXAME,
2011).

Independente da quantidade de canais possíveis, muitos


pesquisadores e pesquisadoras já desenvolveram estudos
sobre a influência que o meio exerce sobre seus espectadores
e principalmente sobre as crianças. Esse interesse demonstra
preocupação não somente com os formatos que são produzidos, mas
com o conteúdo que é oferecido e de que maneira ele é recebido
pelo público infantil. Estudos apontam críticas a uma relação cada
vez mais intensa e contínua entre a TV e a criança, o que coloca em
risco seu desenvolvimento e formação cultural:
A sociedade de consumo, ao mesmo tempo que
oferece todo o conforto do lar, retira as pessoas dos
contatos interpessoais e impõe à criança espaços
privados, retirando-lhe os espaços públicos onde ela
compartilhava e usufruia da riqueza da diversidade
cultural. (PACHECO, 1998, p. 32).

123
Sobre uma interação cada vez mais constante entre o meio
e a infância, Pacheco (1998) alerta para necessidade de se pensar
a criança como um ser social determinado historicamente, que
influencia e é influenciada. Assim, a TV possui um papel importante
na sua vida, pois funciona como fonte onde ela extrai material
para organizar e interpretar suas experiências vividas. Conforme
Guareschi (1998, p. 90), muitas pesquisas já se detiveram na análise
de conteúdo apresentado pelos meios de comunicação de massa
e concluíram que estes podem, muitas vezes, levar à criação de
comportamentos individuais e sociais, bem como ao conformismo e
a reafirmação de estereótipos.
Além de a comunicação construir a realidade,
ela constrói com determinada conotação, com
determinada dimensão valorativa: as coisas são
passadas para nós como se fossem positivas
ou negativas, como se fossem boas ou más.
(GUARESCHI, 1998, p. 91).

Diante do papel formador da mídia para o público infantil,


entende-se que a criança sentada diante da TV confere sentido,
interioriza e reproduz os valores presentes nos conteúdos por
ela consumidos. Com essa prática, o autor percebe os meios de
comunicação como um objeto total no mundo da criança, que nunca
se ausenta, nem frustra, abandona; e que é capaz de fazer parar
tensões internas, não permitindo dúvidas ou angustias, “Um objeto
de produção contínua de presença e de discurso”. (GUARESCHI,
1998, p. 89-90).

Para Borges (2012), o advento da TV fechada ampliou,


igualmente, o leque de programação exclusiva para as crianças, com

124
uma oferta de vinte e quatro horas de atrações. Atualmente, são doze
canais infantis, digitais e em alta definição, disponíveis nesse tipo de
serviço. De acordo com o autor, um dos fatores que favoreceram essa
situação foram as denúncias e reivindicações pelo fim da erotização,
costumes e excesso de propaganda direcionada para o público
infantil em canais abertos. Com isso, tais canais passaram a investir
na TV por assinatura, onde a produção e a utilização de formatos
comerciais ficam a critério da própria emissora. Nesse ambiente de
maior independência, Borges afirma que, do viés publicitário, os
canais infantis ficam entre os líderes de audiência.

O autor apresenta ainda o resultado de uma pesquisa realizada


pela Discovery Networks na qual foram entrevistados 1.450 pais em
diversas cidades brasileiras. A pesquisa mostra que 93% dos pais
afirmaram preferir que seus filhos assistam à TV por assinatura ao
invés de programação aberta, pois consideram que os canais infantis
da TV fechada são mais educativos e adequados para a formação das
crianças (BORGES, 2012).

Dürst (1998) levanta ressalvas na ideia de dirigir uma


programação infantil simplesmente para educação ou entretenimento
da criança. Para o autor, trabalhar o imaginário infantil é parte do
desenvolvimento, entretanto, é preciso haver espaço para diferenças,
questionamentos e contradições, naturais de um mundo não linear
e não homogêneo: “Os programas infantis buscam somente manter
o status quo; todos eles se dirigem a uma criança inexistente, que
não existe há muito tempo” (DÜRST, 1998, p.120). Problematizar
padrões e conceder liberdade de decisão seria, para o autor, uma

125
necessidade da programação infantil, que por muito tempo produz
determinismos e reforça comportamentos e posições sociais, morais
e de gênero.

No canal Cartoon Network, disponível na TV por assinatura


e que ganha destaque nesse estudo por exibir a série analisada,
são diversas as opções de desenhos e programas infantis. Durante
o dia inteiro o canal transmite desenhos animados com diferentes
características e personagens. É interesse perceber as mudanças
nessas produções, principalmente quando comparadas ao que era
apresentado nesse, e em outros canais voltados à ala infantil, há
poucos anos.

No que diz respeito à produção dos desenhos que começaram


a ser exibidos na última década, percebe-se diversas modificações,
que vão desde inovações de efeitos e possibilidades audiovisuais
proporcionadas pela tecnologia, até a construção dos personagens
e do roteiro. As produções anteriores, via de regra, tinham dentre
suas características de roteiro a sensação de que estavam congeladas
no tempo, sem que os personagens envelhecessem ou assumissem
uma grande mudança de vida13. Também não se distanciavam de
uma tradição de valores e constituição moral correta, que visava
terminar o episódio com uma lição de moral ou ressaltar uma
virtude considerada apropriada para o desenvolvimento saudável
dos telespectadores.

13 Tal característica também facilita a exibição de episódios que não precisam ser
seguidos diariamente para que sejam compreendidos. Eles iniciam e encerram a história
em cada episódio.

126
Grande parte dessas produções possuía semelhanças no roteiro
ao apresentar personagens desprovidos de problemas pessoais ou
afetivos, sejam familiares ou amorosos, além de possuírem foco nulo
sobre sexualidade14. Muitos eram heróis, assumindo sumariamente
o lado de um bem ideal, incorruptíveis e advindos de um núcleo
familiar previsto como ‘tradicional’. Alguns possuíam, ainda, um
amor romântico e idealizado, com historias que se encaixam na
jornada cíclica de narrativa da Jornada do Herói15. A exposição a
estes determinados desenhos, em uma infância que dura cerca de
10 anos, traz internalizações na forma de ver o mundo, entender as
relações e identificar-se com o outro e podem ser percebidas nas
falas, desejos e brincadeiras infantis.

Mas, e quanto à programação exibida hoje? Ela claramente


se modificou e assumiu características inusitadas como as que serão
apresentadas aqui. A série animada Hora da Aventura é, nesse
momento, um objeto de grande interesse para análise, como proposta
de mudança e de novas possibilidades na programação infantil.

Proposta alternativa de animação

Diferente dos desenhos que costumavam ser apresentados


ao público infantil na televisão nas décadas anteriores, Hora da
Aventura faz parte de uma nova ideologia de roteiro, trabalhando
com linguagem considerada muitas vezes imprópria para crianças
14 A ausência do tema nos desenhos infantis é vista como uma forma de proteger o
público infantil e garantir que não tenham uma vida sexualmente ativa precocemente.
15 Este conceito de jornada cíclica, presente em mitos, é de cunho narrativo e foi
formulado pelo antropólogo Joseph Campbell, em 1949.

127
e com situações que são, a princípio, desconexas ou de grandes
reflexões sobre a vida. Além disso, existem relações inéditas do
ponto de vista amoroso, familiar e de identidade sexual. Entender
essa programação que vem sendo oferecida ao público infantil pode
levar à compreensão de inúmeros comportamentos, pensamentos
e conceitos que, como efeito, podem ser internalizados pelos
consumidores.

Figura 1 - capa ilustrativa para divulgação do seriado, com Jake e Finn no centro.

A série, que teve início em 2010, já completou um total


de seis temporadas. A sexta produção começou a ser exibida em
2014, totalizando 182 episódios que já foram ao ar. Cada um dura
cerca de onze minutos e é exibido em pares, o que resulta em uma
programação de meia hora, como é comum no canal.

Desde a sua estreia, Hora da Aventura já alcançou uma grande


quantidade de seguidores e entusiastas entre crianças, adolescentes
e adultos. Segundo o site colaborativo oficial do canal16, o desenho
recebeu duas vitórias no prêmio Annie Award, uma no Prêmio Emmy
16 Disponível no link: <http://pt-br.cartoon-network-brasil.wikia.com/wiki/Hora_de_Aventura>
Acessado em 07/04/2016.

128
do Primetime, duas nomeações para o Critics’ Choice Television
Award e para o Festival Sundance de Cinema. Em 2013, ganhou um
Motion Picture Sound Editors Award e um prêmio British Academy
Children’s Award.
De acordo com um comunicado de impressa do Cartoon
Network, a grade horária do episódio exibido, intitulado “Pânico na
Festa do Pijama”, teve um aumento de três dígitos de porcentagem
comparado ao mesmo período do ano anterior. O episódio foi visto
por 1,661 milhões de crianças entre 2 a 11 anos, um aumento de
110%, enquanto foi visto por 837 mil crianças entre 9 a 14 anos, o
que equivale a um aumento de 239%.

A série americana foi desenvolvida por Pendleton Ward para


o canal de TV por assinatura Cartoon Network. A história segue as
aventuras de um garoto humano chamado Finn e um cão chamado
Jake, que possui poderes mágicos, permitindo que ele altere sua
forma e tamanho de acordo com a sua vontade. Jake é o melhor
amigo de Finn, e também seu irmão adotivo. Ambos habitam a “Terra
de Ooo”, um território pós-apocalíptico que aconteceria mil anos
após a “Grande Guerra dos Cogumelos”, formada pela explosão de
uma bomba nuclear. Dessa forma, os personagens seriam resultado
de radiação nuclear, o que explica suas particularidades físicas. Em
“Oooo” acontecem as interações dos protagonistas com os outros
personagens da série como a Princesa Jujuba, o Rei Gelado e
Marceline, a Rainha dos Vampiros.

Finn é, presumidamente, o último ser humano existente na


Terra de Ooo, conforme aparece no episódio da primeira temporada

129
“Lembranças da Montanha Boom Boom”. Nele, Finn é abandonado
por seus pais em uma floresta até que os pais biológicos de Jake
o adotam. Assim, Jake e Finn se tornam amigos e aventureiros
profissionais, passando a desbravar masmorras e resgatar as várias
princesas que habitam a região. O sistema político de Ooo é análogo
ao medieval, constituído por diversos reinos com características que
diferem entre si, como o Reino de Fogo, das Nuvens ou o Reino
Gelado. O Reino Doce é governado por Princesa Jujuba, onde tudo
e todos são feitos de doce. Finn foi jurado seu paladino e possui a
missão de proteger a princesa e o reino de todas as ameaças.

Mesmo que seja classificada na TV Americana como


apropriada somente para maiores de 12 anos, o sucesso efetivo de
Hora da Aventura entre o público infantil foi imenso, atingindo a
marca de cerca de 2,5 milhões de espectadores já no dia em que foi
exibido o primeiro episódio, em abril de 201017. Ao contrário do
que críticos apontam como ideal, a série não está na sessão Adult
Swim da TV paga, em que estão disponíveis desenhos considerados
adultos como Uma Família da Pesada, American Dad e Sealab
2021. Outro desenho animado considerado adulto é South Park,
criada por Trey Parker e Matt Stone para o canal Comedy Central,
exibido pela primeira vez em 1997.

Entretanto, Hora da Aventura não pode ser comparada às


produções de adult swim. A série é claramente voltada ao público
infantil, deixando de fora ironias, sarcasmos ou referências aos
acontecimentos reais, como é comuns em tais desenhos. Ao invés
17 De acordo com o blog oficial da emissora: <http://cartoonnetworkbrasil2015.blogspot.com.
br/2013_12_01_archive.html> Acessado em 21/03/2016.

130
disso, trabalha com questões de maior profundidade como medo,
questionamentos existenciais e aborda relações de gênero além do
sistema binário.

Em uma matéria publicada no site Indiewire, direcionado a


assuntos culturais, o crítico Eric Kohn afirma que a série representa
o progresso de desenhos na década de 2010. Assim, Hora da
Aventura, “embora aleatório, efusivo e frequentemente adorável
naquele familiar estilo de desenho animado de sábado de manhã
[...] também brinca com um sútil contexto incrivelmente triste”.
(INDIEWIRE, 2012).

Outra característica interessante é a cronologia realista na


qual o protagonista Finn, de 11 anos, a cada temporada envelhece
um ano. Assim como ele, a história também amadurece em seus
temas. Conforme Finn atinge a adolescência, as histórias perdem
a inocência para dar espaço às dores que surgem com o fim da
infância. Personagens chegam à puberdade, passam por problemas
decorrentes na vida adulta e morrem.

Relações de Gênero e Sexualidade

Para além do que já foi apresentado, procuramos discutir as


relações desenvolvidas no desenho Hora da Aventura. Há, durante
alguns episódios, o sentimento de ciúmes por ex-namorados(as),
referências à prática sexual, personagens com fetiches e ação de
sexo sem paixão ou sentimento de amor.

Jake e Lady Iris, por exemplo, são namorados desde o

131
primeiro episódio da série e sempre demonstraram afetividade entre
si. Porém, subvertendo a construção tradicional de uma animação
infantil, na quarta temporada Lady revela a Jake que está grávida.
A reação do Jake à notícia demonstra que a gravidez foi um grande
acidente.

Após o nascimento dos bebês, Jake se faz presente em


suas vidas e na de Lady, que continua sendo sua namorada. Eles
jamais se casam, mesmo após terem filhos. Durante uma conversa
Finn questiona isso para Lady, perguntando se Jake é seu marido e
ela responde que são somente namorados. Além disso, o casal de
namorados deixa claro como são seguros e despreocupados com sua
intimidade. Quando Finn está nervoso por estar prestes a dar seu
primeiro beijo, Jake explica sobre a intimidade com uma mulher
dando o corpo da Lady como exemplo.

No começo da série, Finn está no início de sua adolescência


e desde o principio demonstra interesse em Jujuba. A diferença de
idade entre eles faz com que Finn veja a princesa como seu amor
platônico. É somente na terceira temporada, quando Finn está com
13 anos, que conhece Princesa Fogo. A partir de então o personagem
passa a perder interesse pela primeira Princesa. Ambos namoram por
algum tempo, mas devido ao fato de o corpo da princesa queimar sua
carne humana, Finn não pode tocar, abraçar ou beijar a princesa sem
se ferir. Ademais, caso ele a beijasse, a excitação dela poderia ser
de tamanha intensidade que o fogo gerado causaria uma catástrofe
climática e destruiria o mundo. Diversos artifícios foram usados
para mostrar como Finn, no começo de sua puberdade, desejava ter

132
contato físico com sua namorada e não podia.

Depois de algum tempo o relacionamento de Finn e Princesa


Fogo termina. E termina de maneira extremamente sexual, onde
Finn sonha que Princesa Fogo atira rajadas de fogo em sua virilha e
ele sente prazer. Os sonhos são resultado de ele ter visto a namorada
em combate. Detalhes do episódio indicam a afirmativa, mas o
sonho mostra com maior clareza que Finn sente prazer em assistir
violência e luta. O episódio evidencia a excitação de Finn em ver a
namorada praticar violência, e esse prazer é sexual. Utilizando de
detalhes pessoais para persuadi-la a lutar mais vezes, Princesa Fogo
se sente magoada e termina o namoro.

Durante a sexta temporada, Finn está com 16 anos e encontra


seu pai. Nesse momento ele descobre que seu pai não é a pessoa
afetuosa que esperava. Com toda mágoa resultante desse episódio,
Finn entra em depressão e começa a encontrar alternativas para se
sentir melhor. A partir de então ele resolve ir a festas e deseja se
relacionar com outros personagens sem compromisso. A série retrata
a prática de Finn em relação às mulheres como um comportamento
decadente, como se Finn estivesse passando por muitos problemas
emocionais.

A etapa depressiva da vida de Finn termina quando ele tem


sua primeira relação sexual com Princesa Caroço. Eles iniciam a
situação com um beijo, mas a princesa o obriga a passar a noite em
sua casa. Pela reação demonstrada por Finn, a maneira que aconteceu
sua primeira vez o desagradou muito. Em meio a pensamentos
confusos, o personagem relembra seu primeiro amor, Princesa

133
Jujuba, e retoma a promessa que fez um dia, de proteger a princesa
e seu reino. Com isso sai da depressão e reencontra o sentido de sua
vida, que é ser um paladino aventureiro.

Exemplos como esse revelam que a vida sexual do Finn é


tema recorrente de vários episódios. Embora não sejam o ato per se,
beijos e outras demonstrações de afeto fazem parte de um universo
sexual que é explorado diversas vezes na forma de problemas que
precisam ser resolvidos.

Outra relação que chama atenção acontece entre as


personagens Princesa Jujuba e Marceline, a Rainha dos Vampiros.
A partir do episódio O que está perdido, da terceira temporada,
subtextos dão indícios que ambas tiveram uma relação homoafetiva
no passado. Nada ocorre de maneira explicita, porém alguns
diálogos relembram momentos compartilhados carinhosamente
pelas personagens.

Em agosto de 2014, em uma noite de autógrafos para o


livro de Martin Olson The Adventure Time Encyclopedia, Olivia
Olson, que faz a dublagem de Marceline na versão americada na
série, confirmou que as personagens tinham um relacionamento
amoroso no passado. Segundo Olson, desde que o programa vai ao
ar, em alguns países onde as relações do mesmo sexo são ilegais, o
relacionamento de Princesa Jujuba e Marceline não pode se retratado
na série de TV18.

Outros dois exemplos que podem ser explorados é da


18 O vídeo em que a dubladora faz a afirmação pode ser assistido pelo link: <https://www.youtube.
com/watch?v=AZV223FM19Y> Acessado em 07/04/2016.

134
personagem Dona Tromba, uma idosa elefanta que, em certo
episódio, quer beijar seu namorado em público e fica ofendida que
todos se enojem e exijam que o casal faça isso escondido. Além
disso, existe BMO, o videogame e amigo de Finn e Jake que tem sua
ausência de gênero constantemente trabalhada na série, ora dizendo
sentir-se um menino e ora dizendo sentir-se uma menina.

Os personagens que compõem o desenho se relacionam, por


vezes, de forma desromantizada e puramente sexual, sem construir a
imagem de um amor ideal como ferramenta de salvação contra o mal
ou transformação. Também as questões de gênero ganham novo teor
dentro do seriado, como por exemplo, nos diálogos apresentados
pelo personagem BMO.

Para Buttler (2003), gênero implica em significados culturais


que são, sobretudo, performativos. Ou seja, o conceito de gênero
investe contra a lógica essencialista que acredita em uma mulher
e em um homem universais e trans-históricos. Fazendo referência
aos significados socialmente constituídos, gênero seria uma
categoria social imposta sobre as subjetividades e corpos sexuais.
Problematizar conceituações de gênero impostas como ‘normais’
dentro de uma programação infantil pode ser visto como forma
de desconstruir padrões e apresentar, desde cedo, um universo de
múltiplas identidades e escolhas.

Conforme Louro (1997), é necessário demonstrar que o


conceito de gênero não diz respeito simplesmente às características
sexuais, mas que é a maneira como essas características são
representadas ou valorizadas. Entretanto, é o que se diz ou se pensa

135
sobre elas que vai constituir, efetivamente, o que é feminino ou
masculino em uma sociedade e em um dado momento histórico:
Para que se compreenda o lugar e as relações de
homens e mulheres numa sociedade importa observar
não exatamente seus sexos, mas sim tudo o que
socialmente se construiu sobe os sexos. O debate vai
se constituir, então, através de uma nova linguagem,
na qual gênero será um conceito fundamental.
(LOURO, 1997, p. 21).

Hora da Aventura parece ir contra esse ‘socialmente


constituído’, de uma heterossexualidade compulsória19, que
estabelece lugares de fala e atuação, delimitando papéis. De acordo
com a ideia de heterossexualidade compulsória (RICH, 1980), os
comportamentos são induzidos a instituir representações sociais e
restringir o humano à condição binária, hierárquica e reprodutora.
Os desejos representados na série se tornam predominantes sob
uma heteronormatividade e possibilitam um rompimento com
os conceitos impostos tradicionalmente por pais e educadores ao
público infantil.

As performances de gênero dentro da história são também


formas de questionar papéis fixos, binários, ancorados no sistema
sexo-gênero, como sistema coerente às normas sociais. Mesmo que
envolto em discursos e contextos lúdicos, Hora da Aventura avança
nesse sentido, privilegiando uma sociedade anti-transfobia, que
aceita o outro e respeita todas as formas de sexualidades e gêneros.

Louro (1997) compreende os sujeitos como tendo identidades


19 Definida por Cohen (2005) como a prática que legitima e privilegia a heterossexualidade e
relacionamentos heterossexuais como fundamentais e ‘naturais’ dentro da sociedade.

136
plurais ou múltiplas identidades, que se transformam e que não
são fixas ou permanentes, podendo apresentar-se contraditórias.
Naturalizar essa pluralidade de identidades desde o desenvolvimento
infantil dos sujeitos é uma forma de desconstruir preconceitos
reafirmados por séculos sobre homossexualidade, identidade sexual
e modelos de relação. Ao identificar o outro e percebê-lo como algo
normal e que merece respeito, muitas crianças podem fazer relação
com a forma com que elas mesmas se identificam, com gostos e
comportamentos variados, nem sempre representados em meio a
construções hegemônicas de gênero.

Considerações Finais

Hora da Aventura trabalha com temas de grande importância


e categorizados como inéditos. Além da sexualidade exposta e da
corrente abordagem de papéis de gênero, há metáforas para Mal de
Alzheimer, demência, depressão e luto pela morte de personagens.
Até mesmo reflexões sobre ética fazem parte do roteiro.

Apesar de fazer grande sucesso entre o público adulto, que


simpatizou com a maneira inteligente com que a série trabalha
diversos assuntos, é importante lembrar que o programa é exibido em
um canal voltado ao público infantil e conta com milhares de fãs que
possuem menos de 12 anos. A série demonstrou grande equilíbrio
entre possuir apelo infantil com muitas cores, personagens marcantes
e brincadeiras ‘bobas’, ao mesmo tempo em que empreende uma
camada de temas ‘adultos’.

Indiferente da faixa etária que mais consome a programação,

137
o artigo tentou argumentar pontos que transformam Hora da Aventura
em uma série inovadora. Essa novidade pode ser o primeiro passo
para uma nova gama de produções infantis, que se desprendem de
padrões morais ultrapassados e encaram a realidade como ela é:
desromantizada e plural.

REFERÊNCIAS
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brasileira. Mediação, Belo Horizonte, v. 14, n. 15, jul./dez. de 2012. Disponível
em: <http://www.fumec.br/revistas/mediacao/article/view/1357/926> Data de
acesso: 03/02/2016.

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CRAIDE, S. TV por Assinatura já está em 28% dos domicílios do país, 2014.


Disponível em <http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2014-04/
tv-por-assinatura-ja-esta-em-28-dos-domicilios-do-pais> Data de acesso:
03/02/2016.

COHEN, C. J. Punks, bulldaggers, and welfare queen: The radical potential of


queer politics? In: JOHNSON, P., HENDERSON, M. Black Queer Studies: A
critical anthology. Duke UP: 2005. p. 21-51.

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criança, imaginário e educação. Campinas: Papirus, 1998.

GUARESCHI, P. A. O meio comunicativo e seu conteúdo. In: Televisão, criança,


imaginário e educação. Campinas: Papirus, 1998.

HEFFERNAN, V. Critic’s notebook: what’s moral in South Park, 2004. Disponível


em <http://www.nytimes.com/2004/04/28/arts/critic-s-notebook-what-morals-in-
south-park.html> Data de acesso: 03/02/2016.

KOHN, E. Why adventure time in its fifth season is


more gorundbreaking than you may realize, 2012.
Disponível em <http://www.indiewire.com/article/why-adventure-time-now-in-
its-fifth-season-is-more-groundbreaking-than-you-may-realize> Data de acesso:
03/02/2016.
LOURO, G. L. Gênero, Sexualidade e Educação. 2ª ed., Petrópolis: Vozes, 1997.

138
PACHECO, E. D. Infância, cotidiano e imaginário no terceiro milênio: dos
folguedos infantis à diversão digitalizada. In: Televisão, criança, imaginário e
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Papel da tv no desenvolvimento infantil, 2104. Disponível em <http://tvcultura.


cmais.com.br/quintaldacultura/diretrizes-pedagogicas/qual-o-papel-da-tv-no-
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POSSEBOM, S. TV a cabo perde assinantes há uma década nos EUA, 2011.


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RICH, A. “Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence”. In: Signs:


Journal of Women in Culture and Society, 1980.

139
HISTÓRIA DAS MULHERES: O QUE LER?

André Bueno

Desde já, peço escusas pelo tom oportunamente pessoal


que imprimirei neste ensaio. Ele nasceu de um projeto mais amplo,
desenvolvido em fins do ano de 2015, quando me dedicava à
construção de um Livro-fonte sobre a História das Mulheres. Duas
condições básicas me levaram a formular a proposta de realizar
esse livro; a primeira, do meu envolvimento com a causa feminista,
indubitavelmente legítima em suas mais variadas formas de
expressão; a segunda, de possuir certa experiência com a produção
de Livros-fonte, um instrumento didático bastante eficaz para a
divulgação e o estudo de documentos históricos fundamentais.

Após de ter realizado uma série de Livros-fontes sobre


História Asiática – nos quais inclui uma seção especial à História
das Mulheres – comecei a me perguntar o que seria necessário
para construir um Livro-fonte sobre a História das Mulheres.
Inicialmente, o projeto ficaria focado no ‘Oriente’ – isto é, Antigo
Oriente Próximo, Índia e China. Todavia, uma pesquisa breve, tanto
na rede quanto nas bibliografias disponíveis em português, me levou
a uma constatação preocupante: embora se comente muito sobre o
Feminismo e sobre a História das Mulheres, há uma carência muito
grande no conhecimento das várias histórias das Mulheres, seus
textos básicos, sua evolução ao longo dos milênios, a formação de

140
seus conceitos e contextos.

Isso leva a reincidência problemática de um discurso


‘presentista’: muitxs autorxs citam-se mutuamente, mas sem
dirigir-se ou indicar materiais acadêmicos e/ou documentos
históricos. As pautas contemporâneas são guiadas por discussões
absolutamente atuais [o que é totalmente compreensível]; no
entanto, o desconhecimento sobre os textos femininos, feministas e
misóginos fomenta certas dificuldades na formulação dos discursos
e das propostas presentes na agenda das questões de gênero.

É necessário que me aprofunde um pouco mais nessa questão,


a fim de evitar confusões; explicarei esse ponto através dos dois
exemplos de problema dos mais corriqueiros. O primeiro trata-se,
como já comentei rapidamente, do ciclo tautológico de afirmação
dos conceitos feministas, sempre calcado na contemporaneidade.
Por desconhecerem a origem das ideias, seu desenvolvimento, e
suas autorias, muitos textos de divulgação pública afirmam positiva
e coerentemente suas propostas, mas carecem de fundamentação
consistente. Isso abre brechas perigosas, sob o risco de desqualificar
o discurso proposto. Felizmente, as tentativas de desconstruir as
afirmações feministas têm sido, em geral, tão ou mais despreparadas
do que alguns desses textos, o que nos leva a constatar que grande
parte da defesa do machismo usualmente é feita, tão somente, a
partir da concepção de que o ‘machismo deve prevalecer’. Óbvio,
esse ainda é o recurso da força física, que paulatinamente entra
em desuso. Todavia, cumpre salientar que a formação dos quadros
intelectuais feministas necessita aprofundar-se em suas origens

141
históricas e conceituais. Apenas para citar um exemplo: muitos textos
públicos feministas brasileiros, disponíveis na rede, praticamente
não citam a obra basilar de Lélia Gonzalez [1935-1994], autora
indispensável para se conhecer a trajetória do Feminismo no Brasil.
Seus livros continuam, em grande parte, distantes do grande público,
carecendo de reimpressões ou mesmo, de maior divulgação em sites
de downloads, algo tão trivial nos dias de hoje. É muito mais comum
citarem-se autorxs estrangeirxs, conectando-se com propostas
feministas advindas da Europa e Estados Unidos, deixando de lado
significativas produções brasileiras. Não afirmo isso em função de
qualquer forma de nacionalismo redundante: simplesmente, faço
o convite à leitura dessa autora, cuja atenção à cultura brasileira
antecedeu em muito [ou mesmo, deu origem] a várias afirmações
feministas atuais, tornando-a uma leitura indispensável para as
questões de gênero no Brasil.

Essa abertura, no sentido do preparo dos quadros intelectuais


e ativistas, tem permeado um segundo fenômeno, que contribuiu para
ensejar o projeto do Livro-fonte: o uso do passado como justificativa
para a conduta social e cultural do presente. Talvez, em nenhum outro
campo, o passado é invocado com tanta força como nas questões de
Gênero, para justificar práticas e condutas misóginas. Tais questões,
embora estejam sendo cada vez mais debatidas e desenvolvidas
no contexto atual, são atravessadas com violência pelas evocações
da tradição como sustentáculo do conservadorismo. Incapazes de
discutir o assunto à luz da ciência, muitos indivíduos entregam-se a
uma convocação do antigo, isenta de barreiras históricas e temporais,
criando mecanismos conceituais evidentemente contraditórios, mas

142
de fácil aceitação dada sua superficialidade.

Assim, preconceitos ancestrais, práticas machistas, ideias


equivocadas, são amplamente divulgadas e aceitas porque são
‘antigas’. Por se entender que elas fazem parte de uma ‘tradição’,
elas devem ser preservadas – a prejuízo, evidentemente, da condição
feminina. Fica claro que essa é uma escolha restrita e dirigida;
afinal, será difícil encontrar alguém que cogite em deixar seu carro
na garagem para resgatar a tradição da cavalaria, ou de abandonar
a moderna farmacopéia para retornar a alquimia. No entanto, crê-
se – e ainda assim, por causa de um grupo seleto de textos – que a
relações com o Feminino devem ser tratadas em caráter especial,
revelando toda a preocupação que existe em torno de sua afirmação.

Uma leitura mais ampla, relacionada aos textos sobre


a História da Mulher, daria conta de dissolver essa formulação
errônea. Disso podemos fornecer algumas indicações fáceis; alguns
argumentadores brasileiros, por exemplo, justificam a submissão da
condição feminina por conta de citações em Levítico – antigo texto
bíblico que nos proíbe também de cortar o cabelo, usar roupas de
tecidos diferentes, misturar alimentos à mesa, mas que permite a
escravidão. É fácil perceber que o texto, além de estar ligado a um
contexto espaço-temporal específico da história humana, tanto mais
se torna de difícil aceitação pela sua amplitude de propostas, ligadas
a uma outra realidade distinta da contemporânea. Não deveria ser
complicado dialogar com esses textos, bem como com os escritos de
outras civilizações e épocas: mas o desconhecimento, sendo o pilar
da intransigência, é também a oportunidade do erro. Isso se aplica a

143
todo e qualquer discurso que proponha reformas sociais e culturais;
e por isso, é importante conhecer as fontes históricas, para saber
do que se tratam, e quais suas contribuições ou influências para o
contexto atual.

Esses incômodos me levaram a trabalhar, pois, na elaboração


de um guia de fontes básicas sobre a História das Mulheres. Essas
coletâneas [mais conhecidas em inglês como ‘Source books’]
abundam em outros idiomas, mas em português, ainda são raras.
A meu ver, tornara-se urgente elaborar um projeto nesse sentido,
fornecendo um quadro mais amplo do Feminino ao longo da história,
e nas mais diversas civilizações.

Mas, o que ler?

A realização de um Livro-fonte exige uma unidade central na


proposta, que dirige a escolha dos textos. Como afirmei antes, a
preocupação era construir um quadro sobre a História das Mulheres;
mas essa perspectiva era vaga, e muito ampla, dado os conjuntos
de documentos disponíveis. Existem textos escritos por mulheres
[visões ou testemunhos], mas que não implicam necessariamente em
qualquer rompimento com o discurso machista ao longo da história;
existem também textos sobre as mulheres, que em sua maioria, ao
longo da história, são essencialmente machistas. Uma derradeira
possibilidade seria a de apresentar as biografias de Mulheres
notáveis – caminho válido e apreciável, mas que não atenderia nossas
pretensões. Esse tipo de trabalho transforma as figuras notáveis em
exceções, destacando-as do restante da sociedade. Isso nos afastaria

144
das personagens cotidianas, agentes da mudança, cuja ausência dos
nomes não implica de modo algum numa menor importância no
curso da História.

Outrossim, alguém pode pensar que a construção de


um Livro-fonte se trata de uma simples colheita de fragmentos
dispersos, ajuntados numa massa de letras para deleite estético ou
para a simples [e eterna] introdução a um determinado tema. Nada
está mais distante dessa visão equivocada. A decisão de uma linha
central, na escolha dos trechos, envolve uma pesquisa exaustiva – e
em nosso caso, mesmo, a tradução de muitos textos indisponíveis
em português, ou de difícil acesso, que irão constituir a proposta
final.

Nesse caso, a preocupação era de estruturar uma visão sobre


a condição feminina ao longo da História, o que determinou o caráter
dos textos escolhidos. Assim, a concepção central seria mostrar, ao
longo do tempo, as visões sobre a Mulher – tanto as produzidas por
homens quanto por mulheres. Por limitações de espaço, e em função
da própria proposta do livro, o objetivo era criar um quadro geral,
permitindo que o livro fosse utilizado, como afirmamos antes, como
instrumento didático e guia introdutório, mas sem exaurir a questão.

Nascia, assim, o livro Textos sobre História das Mulheres,


cuja produção geraria uma série de desdobramentos.

Descobertas

Essa escolha poderia nos fazer supor, por conseguinte, que um

145
grande período da História das Mulheres seria coberto apenas pela
escrita dos homens. Mas trata-se de um ledo engano. Apenas para
exemplificar, mais uma vez: o primeiro texto de autoria reconhecida,
na História da Humanidade, é o de Enheduana, sacerdotisa da antiga
Mesopotâmia [datas: séc. 23 AEC]. Sim, o primeiro escrito de quem
conhecemos a autoria é feminino. E se trata de uma luta política e
religiosa acerba, o que nos indica que a produção textual masculina
posterior não nos revela, de fato, as condições gerais da sociedade
em sua profundidade.

Um princípio básico da interpretação histórica é que não


devemos aceitar os documentos sem analisá-los. Isso se aplica,
evidentemente, a todos os textos que serviram de base a formação da
coletânea. Precisamos, pois, inverter certos paradigmas. Os textos
asiáticos abundam em regras e orientações para controlar as mulheres
– e manter-se-iam, nesse sentido, por milênios. Gregos e romanos
repetiriam tom similar. Quando lemos uma grande quantidade de
textos masculinos, que a todo custo defendem a submissão feminina,
devemos nos perguntar: estamos diante de um quadro de dominação
machista total ou, justamente ao contrário, de insubmissão ampla e
irrestrita? Muitas vezes, percebemos pelos ‘detalhes’ nos discursos
oficiais que a insistência nas recomendações quanto ao controle das
mulheres nos revelam, justamente, a necessidade de submetê-las – e
não, que fossem necessariamente submissas. Senão, como explicar
a presença de Faraós-mulheres no Egito, a determinada Mãe de
Mêncio [séc. 4 AEC] na China, ou de Safo de Lesbos [séc. 7 AEC]?
Obviamente, a ausência de textos femininos na Antiguidade não
implica que as mulheres não produzissem seus escritos, mas sim, que

146
o controle político masculino procurou, gradualmente, banir o seu
papel na história, restando-nos apenas materiais seletos. Portanto,
até que a arqueologia possa virtualmente reverter esse quadro, resta-
nos especular, por exemplo, o que Hipácia de Alexandria [séc. 5
EC], última grande filósofa, teria descoberto acerca da Astronomia
e das ciências naturais.

Mesmo o advento do mundo cristão não arrefeceu a ação


das mulheres na história. O Evangelho de Magdalena [séc. 1 EC]
nos revela uma mulher sábia, discípula de um Jesus que poderia
ser tranquilamente definido como feminista. E, embora o mundo
europeu posterior tenha criado modelos ideais de mulher – Maria
Santa, Madalena arrependida e Eva, a pecadora [nunca perdoada] – as
mulheres continuaram laboriosamente a externar suas reivindicações.
Por essa razão, a descoberta do texto de Cristina de Pisano [1363-
1430 EC], foi absolutamente gratificante. Cristina criara um libelo
em defesa de uma literatura feminina – e quiçá feminista – tão eficaz
que os homens de sua época [a caluniada e difamada Idade Média] o
preservaram; e lembremos que, em questões de gênero, o machismo
muito dificilmente faz concessões.

Pela mesma razão, alguém poderia questionar a ausência


de Hildergad de Bingen [1098-1179 EC]. Não era uma mulher
a escrever? Sim, uma mística de grande quilate, e habilidade
invejáveis. No entanto, seu discurso é o mesmo da cultura geral.
Sua visão afirma a dos homens. Ela não proporcionara, portanto,
a alternativa de Cristina, mas apenas, confirma as pretensões da
ideologia dominante.

147
Feministas

A relação das fontes antigas e medievais nos fornece o


substrato essencial para sabermos o que permaneceu nas estruturais
sociais e culturais da atualidade, em vários sentidos. Todavia, como
dissemos, isso não justifica sua permanência. O desenvolvimento
humano, feito a partir de escolhas, exige o desenvolvimento ético
da existência. Deste modo, o surgimento dos primeiros movimentos
autenticamente feministas deve ser entendido como um progresso,
e não como exceção, dada a sua continuidade. A constatação do
papel produtivo da Mulher, de sua consciência histórica e política,
paulatinamente trouxeram a lume a sua ação transformadora na
longa trajetória humana.

A virada do século 18 para o 19 nos revela as primeiras


autoras absolutamente conscientes da questão feminina na história
mundial. Olympe de Gouges [1784-1793] e Mary Wollfstonecraft
[1759-1797] elaboraram a primeira agenda direta dos direitos
femininos. Era um desafio colossal, sem data para se encerrar; mas
a marca dos grandes projetos da humanidade é sua atemporalidade,
e a necessidade de existirem diante dos problemas que se propõe
resolver. Rápido eco fez-se em várias partes do orbe terrestre, e o
Brasil, atento as mudanças geopolíticas da época, revelou-nos a
existência de Nísia Floresta [1810-1885], provavelmente a primeira
autora feminista brasileira. Sim, o Império do Brasil dispunha de
uma consciente defensora da educação para as mulheres – na época,
algo socialmente vedado. No país da América Latina que mais
tardiamente fundou universidades, no século 19 ainda era necessário

148
brigar pelo direito das mulheres serem alfabetizadas e educadas
numa escola. Nísia fundou educandários, lutou pela emancipação
feminista, foi também abolicionista e marcou o início de uma longa
história de lutas em nossas terras. O feminismo brasileiro, pois,
nasceu junto com a História do Brasil Nação.

Os séculos 19 e 20 observam um aprofundamento das


mulheres em protagonizar e escrever sobre sua própria história e
direitos. Quem se propõe feminista, pois, não pode e nem deve
deixar de lado esses momentos cruciais da história. Os fundamentos
da luta, das ações, das reivindicações encontram-se delineados nesse
período de intensa movimentação. Emmeline Pankhusrt [1858-
1928] e o movimento sufragista destacam-se na Inglaterra, sendo
combatido como um movimento subversivo. O Socialismo abraçaria
a causa feminista, nas vozes de Alexandra Kollontai [1872-1952], e
Rosa Luxemburgo [1871-1919].

Controvérsias

Foi também um momento de temáticas complexas e difíceis.


Margaret Sanger [1897-1966], uma das defensoras da autonomia do
corpo feminino, era também uma eugenista, envolvida com teorias
racistas, fascistas e preconceituosas. Ela introduz um conceito novo,
mas a partir de uma perspectiva da época – hoje entendida como
lamentável. Esse tipo de conhecimento é válido, na medida em que
nos prepara para entender as origens, problemas e encaminhamentos
de questões mais recentes, como o aborto, controle de natalidade
e práticas higienistas. Voltamos aqui ao ponto indicado no início

149
do ensaio: é necessário conhecer um pouco melhor o passado para
entendermos o que discutimos agora. As pautas contemporâneas da
agenda feminista devem tomar conhecimento dessas leituras, no
sentido de melhor se estruturarem para respondê-las.

O mesmo pode ser dito sobre a inadiável leitura de Simone


de Beauvoir [1908-1986]. Hoje, qualquer um que pense em desfrutar
de um pouco mais de liberdade em seus mais diversos sentidos –
sexual, afetivo, cultural – deve minimamente conhecer as obras
dessa autora. É notável a grande profusão de textos em que ela é
criticada ou divulgada sem que muitos a tenham consultado [o que
fica evidente para quem leu sua obra basilar, O Segundo Sexo, 1970].

É imprescindível retornar a já citada Lélia Gonzalez, autora


brasileira que defendia o protagonismo das mulheres negras no
feminismo. Essa autora brasileira já falava de atitudes, teorias e
posturas feministas no Brasil, muitos anos antes de teorias similares
virem dos Estados Unidos. Além disso, sua análise da história
brasileira, do ponto de vista da cultura Afro-brasileira [da qual foi
também uma ativa divulgadora] deveria constar em qualquer trabalho
acadêmico sobre nossa história, dada sua lucidez e profundidade
crítica e relacional.

Da mesma maneira, muito se fala sobre relações patriarcais


e políticas sexuais. Mas quantxs conhecem Kate Millett? O assunto
é amplamente discutido, e relativamente dominado, mas em pautas
sumariadas e incompletas. O trabalho de Millett [1970] deve ser
ressaltado nesse sentido, tendo em vista sua abrangente análise
histórica, cultural e sociológica da questão.

150
Uma nova geração de escritoras feministas foi construindo
o quadro das reivindicações contemporâneas. Shere Hite [1980]
conseguiu chamar a atenção mundial com a publicação de sua
extensa pesquisa sobre o prazer feminino e as relações de gênero.
Em outra direção, Naomi Wolf [1992] cunhou termos como
‘Ditadura da Beleza’ para revelar o domínio do corpo feminino
através dos padrões estéticos, ligados a heranças culturais de
orientação machista. Especialistas em Ciências Humanas como
Joan Scott [1991], Michelle Perrot [1993 e 2013] e Judith Butler
[2003] colocaram as questões de gênero e a História das Mulheres
como um campo bem determinado dentro – e fora – da academia.
A passagem do século 20 para o 21 assistiu o surgimento de um
número substancial de intelectuais feministas, das mais diversas
orientações, capazes de propor e promover questões e ações ligadas
às múltiplas pautas feministas da Contemporaneidade.

Um começo como conclusão

Nesse ponto, porém, é que se torna necessário retomar o início


desse ensaio. A qualificação dxs debatedores feministas necessita
de um espectro mais amplo de leituras. Como havia comentado
anteriormente, muitos escritos, panfletos, textos, hipertextos, etc.
são ótimos em promover questões e debates, mas ocasionalmente,
desconhecem os fundamentos ou raízes dos problemas aos quais
atentam. Essa condição tem sido responsável pela reincidência
‘vitoriosa’ de precários discursos misóginos. A vivência e o
protagonismo nas questões de gênero é um ponto de partida
indiscutível para o entendimento e a participação no movimento

151
feminista; todavia, o estudo das condições históricas, culturais e
sociais que permeiam as relações de gênero é também indispensável
para garantir uma formação sólida, e uma argumentação segura.

Nesse sentido, defender questões sem conhecer-lhes as


origens, ou promover citações superficiais, deslocadas do contexto,
tornam-se muitas vezes os pontos frágeis de um discurso necessário
e urgente.

A promoção da causa feminista – ou ao menos, o entendimento


da História das Mulheres – acabou se tornando o grande mote
estruturador do livro Textos sobre História das Mulheres. Aqui,
preciso retomar, mais uma vez, o tom pessoal de minha apresentação.
Obviamente, muitas considerações que teci aqui, nesse ensaio, foram
providas de uma razoável pesquisa acadêmica e literária, impossível
de caber no curto espaço desse texto. A questão, porém, não é essa.
Ela diz respeito à capacidade de sermos sensíveis a leitura histórica.
Compor o Livro-fonte sobre a História das Mulheres foi uma tarefa
árdua, e em certos momentos angustiante, pela constante invocação
da raiva, do ódio, do ressentimento, da impotência do controle total,
da possessividade, enfim... Dos mais diversos sentimentos negativos
nutridos em relação à Mulher, ao longo de séculos, por uma estrutura
ideológica machista que se propunha dominante. Nesse ponto, uma
leitura atenta dos documentos nos revela uma longa trajetória de
luta e sofrimento, que não pode ser posta de lado se nos entendemos
minimamente humanistas.

A busca de uma nova consciência, pautada numa harmonia


saudável entre as mais diversas formas de expressão de gênero

152
e sexualidade, parece ser a única via possível para uma futura
existência humana, isenta dos violentos conflitos materiais e culturais
que continuam a nos assolar. Nesse sentido, torna-se indispensável o
estudo, o conhecimento, e a promoção de uma Educação inovadora,
desligada das utopias conservadoras misóginas que querem retomar
um mundo que não mais existe – ou, que talvez nunca tenha existido
de fato. Assim, pois, fica a oferta desse despretensioso ensaio, e o
convite a leitura de nosso pequeno livro Textos sobre História das
Mulheres.

REFERÊNCIAS
BUENO, André. Textos sobre História das Mulheres. [Introdução por Dulceli
Tonet Estacheski] Rio de Janeiro/União da Vitória: LAPHIS/Revista Sobre
Ontens, 2016. Disponível em: <http://revistasobreontens.blogspot.com.br/p/
livros.html>
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero. São Paulo: Civilização Brasileira, 2014.
HITE, Shere. O relatório Hite. São Paulo: Difel, 1980
MILLETT, Ket. Política Sexual. Lisboa: Don Quixote, 1970.
PERROT, Michelle, Minha História das Mulheres. São Paulo: Contexto, 2013.
PERROT, Michelle. História das Mulheres no Ocidente. Lisboa: Afrontamento,
1993.
SCOTT, Joan. Gênero uma categoria útil de análise histórica. Recife: SOS
Corpo, 1991.
WOLF, Naomi. O Mito da Beleza. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

153
REVISTA REALIDADE: AS MULHERES DIANTE DO
SEXO - UMA DÉCADA QUEBRANDO TABUS

Thays Bieberbach

O Feminismo, a Imprensa e a Academia

Em 1974 quando terminou a Guerra do Vietnã, os grupos e


movimentos que surgiram contra a guerra encontraram uma grande
oportunidade para redefinir a política, junto com os direitos humanos,
estabelecer qual seria o papel dos Estados Unidos perante o mundo.

O militarismo foi muito criticado como mecanismo para


defender os interesses nacionais. A política de direitos humanos teve
efeitos positivos em países como o Brasil, apesar das atrocidades
que continuaram a ser cometidas no país. Os “anos de chumbo”
como ficou conhecido o Golpe Militar que durou de 31 de março de
1964 até 15 de janeiro de 1985, teve seu auge em 1968 com o AI -5.
Porém nesse artigo destacaremos a Lei da Imprensa, que garantia ao
governo censurar publicações e punir quem escrevesse reportagens
que ofendessem a moral ou colocasse em risco a segurança nacional.

Quando tomaram o poder em 1964, os militares precisavam


garantir a imagem de um governo que não perseguia, não torturava,
não repreendia, mas para isso precisavam retirar do governo aqueles
que eram contra os seus ideais. Começaram uma faxina, deixaram

154
apenas aqueles que desejavam uma sociedade ordeira. Para impedir
que as notícias sobre as atrocidades do governo chegassem à
população, aumentaram o controle sobre a imprensa, tanto que boa
parte da população não imaginava o que o governo fazia. A Lei da
Imprensa demorou quatro anos para se fortalecer no Brasil, começou
a ser editada em 1964, mas só foi concluída em 1968.
Entre os anos de 1964 até 1968, ano da edição do
Ato Institucional n º. 5, podemos considerar que a
censura não foi tão rígida, não que não tenha existido,
pois filmes foram censurados já em abril de 1964,
assim como jornalistas foram presos também nesse
período, mas ela não era sistemática, não possuía
todo poder e aparato que ganhou nos anos seguintes,
e com a edição do AI-5 o governo adquiriu um poder
de controle muito maior sobre a imprensa. Caberia
à imprensa manter a população “informada” do que
acontecia no país, noticiar “um país que vai pra
frente”. (SAMWAYS, 2008, p. 5).

O Estado enviou aos jornais, em 13 de dezembro de 1968,


normas de como eles deveriam proceder. Como justificativa, o
governo dizia que a censura era para proteger a moral e os bons
costumes do país, mas percebemos que a preocupação ia além disso,
eles queriam proibir críticas ao governo.

É um mito pensarmos que foi com o governo de Ernest


Geisel de 1974 a 1979, que a abertura política começou a aparecer
lenta e gradual. Ele queria a abertura política, mas não queria perder
o poder sobre ela, o que o torna contraditório, uma vez que ele
demonstrava intenções de dialogar com a população, ele utilizava o
AI-5 para não perder autoridade.

155
Foi nesse período que foi registrado o maior número de
censuras a livros e revistas da época, e o seu Ministro da Justiça
Armando Falcão, ficou conhecido como o maior censor do Brasil,
principalmente quando se tratava de sexualidade. Porém antes
de deixar o governo, ele começou a desmontar ferramentas que
permitiam manter o controle da liberalização política. Ele enviou ao
congresso uma emenda, pedindo a extinção do Ato Institucional 5,
o que aconteceu em 1978. A Lei da Segurança Nacional continuou
em vigor, mas possibilitou aos movimentos igualitários ganharem
força no país.
No mesmo período no Brasil com o surgimento das redes de
pesquisas formadas na década de 1970 (PEDRO, 2006), o conceito
gênero começou a ser discutido no início dos anos 80, e passou a
ser usado como conceito no final da década. Na obra de Ilze Zilbel
(2012), ela narra como o conceito de gênero foi trabalhado no
Brasil e para entendê-lo, precisamos entender como o movimento
feminista brasileiro cresceu na segunda metade do século XX e se
organizou no meio de uma onda de modernização da sociedade e
de decisões políticas estatais que aumentavam as hierarquias e as
desigualdades sociais no país. As feministas começaram a se reunir
em universidades e precisavam mostrar que tinham relevância e
legitimidade de pesquisa sobre as mulheres. Os temas inicialmente
eram sobre a condição feminina e levantamentos de dados sobre a
condição das mulheres no Brasil. Por causa da ditadura militar, o
feminismo se aliou a outros grupos de resistências e lutaram por
várias causas, principalmente pelo direito das mulheres. Chyntia
Sarti (2004) em seu artigo “O feminismo brasileiro desde os anos

156
1970: revisitando uma trajetória”, narra as alianças feitas com
partes da igreja católica, como resistência à ditadura e como o termo
feminista era considerado pejorativo e com a abertura política os
grupos feministas começaram a aparecer com força.

Quando os temas femininos ganharam força na academia,


ganharam força na rua também. O governo se viu obrigado a rever
sua política de saúde feminina. As mulheres desejavam conhecer
mais sobre o seu corpo, seus prazeres. Mas de que forma elas fariam
isso, se muitas vezes os médicos omitiam os fatos e a igreja católica
repreendia quem fizesse sexo que não fosse para procriação?

Muitas recorriam para os periódicos feministas que


proporcionavam múltiplas informações, eles possibilitaram
mulheres de faixas etárias diferentes, descobrirem muito sobre
os seus corpos. Divulgar essas pesquisas fez o sexo ser questão
central nos relacionamentos, entender essas diferenças de como a
sexualidade era vista no cotidiano do casal, é essencial em nosso
artigo, porque a Revista Realidade está inserida nesse contexto e até
os dias atuais é usada em pesquisas como legitimadoras de novas
verdades

A clássica obra de Michel Foucault “A História da Sexualidade


I – A Vontade de Saber” (1985) nos apresenta que as teorias sobre
sexualidade aumentaram no século XIX e relatavam que desde o
século XVII, instaurou-se a chamada “Idade da repressão”. A partir
de então a sexualidade foi confinada, controlada e dominada por
intermédio de proibições, e assim, novos moldes foram impostos. O
conceito de sexualidade vem sendo tratado, por teóricos, cientistas

157
ou filósofos quase sempre pelo viés da repressão. A sexualidade
analisada por Foucault, ao nível do discurso, é incitada e não
repreendida. “Não se fala menos do sexo, pelo contrário. Fala-se
dele de outra maneira; são outras pessoas que falam, a partir de
outros pontos de vista e para obter outros efeitos”. (FOUCAULT,
1995, p. 29-30).

Para debater essa teoria, usaremos como fonte de análise


histórica uma pesquisa realizada no Brasil em 1966 pela Revista
Realidade, da Editora Abril.

Revista Realidade: uma década quebrando tabus

O Grupo Abril surge no Brasil durante a década de 1950


e a Revista Realidade em 1966,  a primeira revista do país a
investir em grandes reportagens. Esse título foi escolhido diante
das possibilidades de uma nova publicação, inovadora e que se
aproximava muito mais dos leitores que viam afinidade em relação
à vida e a nova linguagem. Tinham como público leitor, o que hoje
chamaríamos de classe A e B, em sua maioria, da aérea urbana e
considerada pelas demandas culturais, modernos.

Ela passou por diferentes fases, focaremos na primeira, pois


ela trouxe grandes temas daquele momento, matérias consideradas
polêmicas. Nessa nova forma de publicação os jornalistas escreviam
os textos em primeira pessoa, faziam descrições detalhadas de
lugares, feições, objetos, além disso, era possível alternar o foco
da narrativa. A intenção da revista era conseguir que o jornalista

158
transmitisse a reportagem com uma ideia real do fato. A Revista
Realidade durou dez anos e rompeu com todos os padrões estruturais,
tinham vários assuntos em pauta, a ordem simbolizada pela família,
sempre estava presente porque era ela que sustentava muitos tabus,
a revista buscava mostrar a liberdade que precisava transparecer.
Não havia pretensão de mudar o mundo ou de desafiar governos,
mas influenciou diretamente na quebra de tabus, na transformação
do pensamento da época. Priorizavam assuntos permanentes, com
profundidade. As publicações também fugiam dos padrões na direção
de arte e da fotografia, as matérias eram bem elaboradas, alfinetavam
indiretamente o regime militar. Ela dizia o que não era dito, e faziam
isso de uma forma que quem lia entendia as entrelinhas.

Relacionando as matérias da Revista Realidade com a obra


e o conceito de sexualidade, trabalhado por Foucault, notamos o
que ele tenta ressaltar desde o início, não importa se estão falando a
verdade ou não nos discursos, o fato é que estão falando sobre sexo.
Ele nem sempre foi reprimido e a fonte dessa pesquisa foi um meio
de informação que mulheres utilizaram entre os anos de 1966-1976,
tanto sobre o sexo, quanto sobre seus direitos.
O final da década de 1960 era uma época de mudanças de
padrões de comportamentos e em sua maioria afetava ou dizia
respeito às mulheres, como a libertação sexual que se deu após
o surgimento da pílula anticoncepcional, o aborto, a entrada no
mercado de trabalho, a situação das mulheres após o divórcio ou a
virgindade antes do casamento.

Quando lançada a revista em 1966, ela propôs algo

159
diferente, era ousada, criativa e profunda. Cada edição era temática
e buscava quebrar tabus, isso tanto agradava como incomodava.
Ela trazia em suas edições pesquisas sobre sexo, divórcio, gravidez,
anticoncepcional, prostituição, homossexualidade, trabalho,
mulheres independentes, abria espaço para as mulheres falarem,
mostrando que elas deveriam ter um ideal de conquista. A revista foi
acusada diversas vezes pelo moralismo e conservadorismo da
sociedade de publicar assuntos abusivos.

Em abril de 1966, a primeira edição da revista tinha a


reportagem “As suecas amam por amor”, uma entrevista com a
atriz Ingrid Thulin, ela trazia questões que permitiam os brasileiros
polemizar e questionar o conservadorismo.
O depoimento de Ingrid Thulin surgido no primeiro
número de Realidade antecipava um conjunto de
questões cuja essência permitia que o leitor brasileiro
polemizasse com valores que o remetiam ao universo
dos símbolos conservadores. Questões que diziam
respeito às formas de relacionamento individual entre
homens e mulheres eram dessacralizados na entrevista
com a atriz sueca e diziam respeito não apenas ao
núcleo família, mas também aos desdobramentos
que esse núcleo abrigava. Ingrid Thulin se afirmava
consciente do sentido dessa dessacralização adquirida
para a própria entrevistadora e destacava em suas
respostas o contraste entre padrões culturais diversos,
“meus pais me ensinaram a não ter vergonha da
nudez”, “o pecado não é um corpo nu”,“ casar é para
os que não sabem viver só”, “pôr um filho no mundo
é um ato de escolha”, “os meninos suecos riem da
virgindade”. Na base do depoimento, uma nova
ordem social que justificava a assimetria de valores
entre o moderno e o arcaico. (FARO, 1999, p. 94).

160
Ingrid Thulin afirmava que a liberdade da mulher levava
inevitavelmente a um novo sentido de família.

Em maio de 1966, a reportagem “Brasil: 60 milhões de pílulas


por ano” e a matéria “O aborto” de junho de 1968, abordavam os
temas de controle de natalidade pelo viés político e econômico, a
revista levantava as questões ético-jurídicas para desvendar o tabu
que cercava a pílula e o aborto, esse tema levantava debates acerca
da família, ordem tradicional e a visão libertária, que vinha com
o novo papel social das mulheres nas relações sociais. A revista
contestava o conservadorismo da época.
Em cada ano, mais de 30 milhões de mulheres
praticam o aborto em todo o mundo, o que significa
85 mil por dia ou 59 por minuto. No Brasil onde ele
é proibido por lei como em muitos outros países,
cálculos apontam uma média de 500 mil por ano.
(REALIDADE, junho 1968, p. 156).

Importante salientar que quando a Norma Freire escreveu


a matéria, ela não queria apenas fazer a denúncia dos fatos, e
sim levantar questionamentos sobre os métodos contraceptivos,
a liberdade de escolha das mulheres, as informações científicas a
respeito dos temas e a própria legislação brasileira.

Em julho de 1966, a revista lançou a matéria “Desquite


ou divórcio”, feita por José Carlos Marão, ele utilizava recursos
literários para interagir com os leitores, e isso fez surgir um debate
sobre os problemas, casamentos ilegais, separação, divórcio,
anulação. Ele colocava as opiniões de um defensor do divórcio e

161
de um defensor da família e terminou a matéria com o que seria a
primeira grande pesquisa da Realidade, um cartão-resposta, anexado
à revista, em que o leitor responderia a pergunta: “O que pensa do
divórcio?”. Essa matéria foi feita no período que o governo discutia
um novo código civil.

As capas se relacionavam com o conteúdo proposto e fugiam


do padrão de beleza feminina das revistas semanais. Exemplo é a
edição especial que saiu em janeiro de 1967, sobre a mulher brasileira,
a revista mostrou as condições femininas daquele período, no qual
as mulheres viam-se entre o conservadorismo e a emancipação. Ela
foi um catalisador das grandes questões comportamentais e culturais
dos anos 60.

Figura 1: Capa da edição especial de setembro de 1967

Fonte: realidade-revista.blogspot.com

A ordem familiar era caracterizada por abranger vários


aspectos que poderiam virar debates nas edições da revista. O
jovem virou fonte, pelos papéis que desempenhava na época, dentro

162
da estrutura social. Nesse período surgiu uma mitologia de que
toda estrutura da sociedade industrial tinha uma massa de jovens
determinados a romper com esses padrões de comportamentos
e pensamentos e que buscavam algo mais autêntico, a Realidade
soube aproveitar isso.

Na edição de agosto de 1966 a revista Realidade, publicou


sua segunda grande pesquisa, “A juventude diante do sexo”, com
texto de Duarte Pacheco, a qual queria montar o perfil dos jovens
rapazes e moças a respeito dos problemas sexuais. Receberam mais
de 116 mil respostas em três meses e se basearam em 1000 jovens
de SP e RJ entre 18 e 21 anos. A questão central da pesquisa era
o sexo, mas a partir das respostas percebemos um universo mais
amplo, como os valores e as atuações sociais dos jovens.

As respostas mostraram um profundo desconhecimento e


velhas ideias sobre diversos assuntos, fizeram a revista questionar
essa revolução sexual tão pregada pela mitologia dos jovens da
década de 1960:
E é por tudo isso, antes que se condene ou se aprove
a incômoda e nunca estudada revolução sexual da
juventude, que REALIDADE projetou e realizou um
trabalhoso inquérito: mil jovens foram entrevistados,
muitos técnicos compararam e calcularam índices.
O resultado está aqui, sem retoques nem hipocrisia,
a primeira parte da descrição do comportamento e
da atitude da juventude brasileira. (REALIDADE,
agosto 1966, p. 70).

Os planos da revista Realidade eram de  apresentar aos


leitores, no mês seguinte, em setembro de 1966, a conclusão dessa

163
pesquisa, o que, não foi possível, já que a revista recebeu uma
advertência do Juizado de Menores de São Paulo, comunicando que
apreenderiam aquela edição da revista caso publicasse a conclusão
da tal pesquisa que, era obscena e chocante, os 200 mil exemplares
com a conclusão da pesquisa foram recolhidos, antes das bancas
abrirem as portas.
Vamos analisar parte da pesquisa que foi publicada em
agosto de 1966, escolhemos algumas perguntas dentro das tabelas,
para exemplificar o que trazemos nesse trabalho.
O profundo desconhecimento de assuntos básicos
relacionados ao corpo feminino e masculino mostrou o quanto
o discurso sobre o sexo era omisso, algumas questões causaram
conflito entre o conservadorismo e a liberdade.

TABELA 1: PRIMEIRAS SENSAÇÕES SEXUAIS

Quadro II: Educação sexual


PERGUNTAS RESPOSTAS MOÇAS RAPAZES

SP RJ SP RJ TOTAL
1 Com que Até 7 anos 3,2 2,4 4,8 5,2 3,9
idade sentiu
as primeiras Entre 8 e 10 4,4 4,0 13,6 13,6 8,9
sensações anos
sexuais? Ente 11 e 15 48,0 55,6 71,6 69,6 61,7
anos
Ente 16 e 18 21,6 14,8 4,4 4,4 11,6
anos
19 em diante 1,6 2,4 0,4 0,8 1,3
Não respon- 19,6 20,8 4,0 2,4 11,7
deram
Fonte: Revista Realidade, agosto 1966, p. 72.

164
Observamos que grande parte dos jovens que responderam
a questão, sentiram as primeiras sensações sobre sexo entre 11 e 15
anos. Mas há duas faixas etárias que precisamos analisar, a primeira
é dos 8 aos 10 anos, que a maioria cerca de 13% dos meninos
responderam e apenas 4,5% das meninas. E a outra é a faixa etária
dos 16 aos 18 anos que cerca de 18% das meninas responderam e
apenas 4,5% dos meninos. Notamos que os meninos são estimulados
a sentirem as sensações sexuais mais cedo, para garantir a virilidade.
Já as moças, uma boa porcentagem delas respondeu que entre os 16
e 18 sentiram essas mesmas sensações, talvez por medo de admitir
que as sentiram antes.

TABELA 2: NOÇÕES SOBRE ASSUNTOS SEXUAIS

Quadro II: Educação sexual

PERGUNTAS RESPOSTAS MOÇAS RAPAZES


SP RJ SP RJ TOTAL
1. Com que Até 7 anos 1,2 1,6 5,6 5,2 3,4
idade você
aprendeu as Entre 8 e 10 anos 16,8 11,2 24,4 21,6 18,5
primeiras
noções sobre Entre 11 e 15 65,6 64,0 56,4 64,2 63,8
assuntos se- anos
xuais? Ente 16 e 18 8,4 9,2 8,0 3,6 7,3
anos
19 em diante 0,4 1,2 0 0,4 0,5
Fonte: Revista Realidade, agosto 1966, p. 72.

As primeiras noções sobre assuntos sexuais foram marcadas


pela grande maioria de moças e rapazes na faixa etária de 11 e 15
anos, nessa idade, tanto os meninos quanto as meninas começavam

165
a ser preparados para o casamento, era importante que soubessem
o que aconteceria após a primeira noite, geralmente é dentro dessa
faixa etária que vem a primeira menstruação, a preocupação das
mães com as filhas era grande, uma vez que elas deveriam se guardar
para o marido. Porém precisamos observar a faixa etária de 8 a 10
anos, que cerca de 23% dos rapazes marcaram e apenas 13% das
moças. Os jovens sempre foram estimulados mais precocemente, os
pais tinham a preocupação que seus filhos conhecessem cedo sobre
o sexo e praticassem também.

TABELA 3: INFORMAÇÕES

Quadro II: Educação sexual

PERGUNTAS RESPOSTAS MOÇAS RAPAZES

SP RJ SP RJ TOTAL

166
1. De quem Pai 4,8 6,4 24,8 29,2 16,3
você recebeu
Mãe 40,0 44,0 7,6 9,6 24,3
os principais
conhecimentos Irmão 2,0 4,8 12,0 11,6 7,6
sobre sexua- Irmã 7,6 14,4 1,2 0 5,8
lidade? Pode
Outros parentes 8,8 6,4 8,0 8,4 7,9
sublinhar mais
de uma res- Namorado (ou 10,4 16,0 1,2 4,8 8,1
posta. namorada)
Estranhos autori- 13,6 24,0 22,4 16,8 19,2
zados (médicos,
sacerdotes, etc)
Livros e revistas 44,0 48,0 56,4 46,8 48,9
Colegas e ami- 46,8 36,8 55,6 48,0 46,8
gos
Em aula especial 30,0 25,2 18,8 12,8 21,7
Em aula comum 56,0 52,8 41,6 28,4 44,7
No cinema 4,4 4,4 11,2 12,4 8,1
Por conversa de 11,6 12,8 20,4 21,2 16,5
estranhos ouvi-
das por acaso
Fonte: Revista Realidade, agosto 1966, p. 72.

A tabela número 3 nos dá uma grande possibilidade de


discussão, nos mostra que boa parte das meninas, 42% buscavam
informações com as mães e apenas 8% conversavam com o pai, já
os meninos procuravam conversar com os pais, 26%, e apenas 5%
conversavam com as mães, deixando nítidos os tabus relacionados
ao diálogo sobre sexualidade com o sexo oposto.

167
Mas o que chama a atenção são dois itens, um deles é que a
grande maioria das moças e rapazes buscavam informações em livros
e revistas, talvez porque as conversas com os pais não supriam as
dúvidas e curiosidades, buscar as informações em livros e revistas,
poupava os jovens de sentirem vergonha.

Outro ponto é aula comum. Cerca de 54% das meninas e 33%


dos meninos marcaram que tiveram seus primeiros conhecimentos
sexuais nessas aulas. O que nos remete a pensar nos dias atuais,
os quais vemos a cada dia surgirem novas barreiras para discutir
sexualidade, gênero e diversidade em sala de aula. A escola sempre
foi um norte na vida dos estudantes e da sociedade e fechá-las para
estas discussões é um atraso.

TABELA 4: FILHOS E QUESTÕES SEXUAIS

Quadro II: Educação sexual


MOÇAS RAPAZES
SP RJ SP RJ TOTAL
PERGUNTAS RESPOS-
TAS
1. Você preten- Sim 94,0 98,4 91,6 97,2 95,3
de esclarecer e Não 0,4 0 3,6 0 0,5
orientar os seus Não sei 5,6 1,6 10,8 12,8 5,2
filhos sobre ques-
tões sexuais?
Fonte: Revista Realidade, agosto 1966, p. 72.

Sim, essa foi a resposta da maioria, mostra que esses jovens


queriam uma relação mais próxima de seus filhos e suas filhas,

168
mostrar a eles as questões sexuais para que a nova geração não
sofresse como a deles.

TABELA 5: SEXO

Quadro III: Namoro

PERGUNTAS RESPOSTAS MOÇAS RAPAZES

SP RJ SP RJ TOTAL

1 Quantas ve- Nunca se ena- 11,6 7,2 14,4 11,6 11,2


zes você já se moraram
enamorou de Uma vez 38,0 40,0 34,0 30,8 35,7
verdade?
Duas vezes 26,0 41,6 18,8 26,4 28,2

Três vezes 8,0 3,6 10,0 10,0 7,9

Quatro vezes ou 3,2 6,0 7,6 7,2 6,0


mais
Não responde- 13,2 1,6 14,4 14,0 10,6
ram
Fonte: Revista Realidade, agosto 1966, p. 74.

Essa tabela nos mostra que a grande maioria dos jovens de


18 a 21 anos, já haviam tido relação sexual pelo menos 1 vez, cerca
de 39% das meninas e 32% dos rapazes. E conforme vai aumentando
o número de vezes que já tiveram relação sexual, a porcentagem
aumenta mais da parte masculina.

Conclusão

Percebemos que apesar de todas as tentativas de tornar o sexo

169
algo restrito aos consultórios médicos, às confissões e condenado
ao desaparecimento, fazendo crer que os atos ‘ilícitos’ só eram
possíveis em locais rentáveis como a prostituição, não tiveram o
efeito esperado pelo patriarcado e sociedade da época. Foi durante
o século XX que a sexualidade passou a ser pesquisada e divulgada
à população pelas grandes mídias. A Revista Realidade usou uma
metodologia baseada nos números e no maior número de respostas
anônimas, buscando as estatísticas para legitimar as pesquisas,
distribuiu os formulários em São Paulo e no Rio de Janeiro.

A pesquisa marcou época, a Revista Realidade enfrentava


o início do que seria um dos maiores atos de repressão da ditadura
militar brasileira, o AI-2 que em 1968 se tornou o AI-5, não
sabemos se um dia será divulgado o resultado da pesquisa da
edição número 05 de 1966, mas analisando algumas reportagens e
a pesquisa “Juventude diante do sexo” percebemos que as jovens
ao mesmo tempo que buscam conhecer mais sobre o próprio corpo
e sexualidade, se sentiam culpadas por não seguirem os padrões
desejados e exigidos na época.

O sexo nesse período explorava as mulheres, as jovens


aprendiam que tinham que se submeter a tudo o que os homens
queriam, acreditando que se eles tinham prazer e se excitavam de
uma forma, elas também deveriam ter as mesmas sensações.

A revolução sexual dos anos 60 foi uma resposta às mudanças


sociais de longo prazo que afetaram a estrutura das famílias, em
que o papel da mulher passou a ser questionado. Até o final da
Segunda Guerra Mundial, acreditava-se que quanto maior a taxa de

170
natalidade, melhor era para a nação, mais pessoas, mais riquezas,
mais forte as forças militares, maior o número de consumidores,
porém com o surgimento da pílula anticoncepcional, esse paradigma
foi quebrado.

Com o desenvolvimento de políticas públicas e dos direitos


humanos, a família grande e numerosa deixou de ser uma reserva
econômica, quando a criança ajudava na renda, deixando de estudar
e indo trabalhar para juntar dinheiro para seus pais na velhice. Criar
uma criança era caro e ter famílias com 5, 6 filhos deixou de ser uma
preocupação. O casamento como forma de direito de propriedade,
começou a existir para ‘garantir’ a paternidade, mas a partir do
momento que essa preocupação em ter filhos deixa de existir, o
casamento já não tem tanta importância e não é tão necessário,
permitindo dessa forma às mulheres uma liberdade sexual, porém,
essa mudança no papel da mulher na sociedade, fez com o que o
status que tinha antes, diminuísse, na medida em que ter filhos foi
deixando de ser prioridade. Ao mesmo tempo, essa liberdade fez
surgir novas possibilidades de independência feminina.

Assim como para os escravos depois da abolição, a


independência era algo mais fácil de falar do que de se praticar, elas
não tiveram as mesmas oportunidades de educação e emprego que
os homens, isso as manteve como dependentes deles e de uma forma
mais intensa, até mesmo fora do casamento, porque o casamento
ainda mostrava uma segurança.

O movimento feminista da segunda fase nos anos de 1960 e


1970 buscou e ainda busca tornar a mulher realmente independente

171
e livre, potencializando a mulher. A revolução sexual deu o direito
às mulheres de fazer sexo sem casamento e poligâmico. Porém,
essa liberdade não deu uma liberdade real para que elas pudessem
explorar a sua sexualidade. Não é possível decretar que as mulheres
sejam sexualmente livres, quando não são economicamente livres
é como colocar as mulheres numa posição mais vulnerável, de
propriedade e de fácil acesso.

FONTE
Revista Realidade, edição número 05, agosto de 1966. Editora Abril.

REFERÊNCIAS
FARO, J. S. Realidade, 1966-1968 - Tempo da reportagem na imprensa
brasileira. São Paulo: Editora AGE, 19995
FOUCAULT, M. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de
Janeiro: Grall, 1986.
PEDRO, M. J. Narrativas fundadoras do feminismo: poderes e conflitos
(1970-1978). Revista Brasileira de História.  vol. 26  n. 52,  São
Paulo, Dec. 2006.
SAMWAYS, D. Censura à imprensa e a busca de legitimidade no regime
militar. Revista Vestígios do Passado, a História e Suas Fontes. Rio
Grande do Sul, 2008.
ZIRBEL, I. Gênero e Estudos Feministas no Brasil. In: Carla Fernanda
da Silva; Celso Kraemer (orgs.). Corpos Plurais: Experiências Possíveis.
Blumenau: Liquidificador, 2012.

172
UM TEXTO QUALQUER...

Heloyse Tomal19

No dia 08 de agosto de 2014, minha mãe me chamou para


assistir uma aula dela na faculdade. O tema era sobre gênero e
diversidade. A cada coisa, cada frase que ouvia me fazia pensar:
qual o problema com as pessoas que não veem a beleza no diferente?
Qual o problema com as diferenças?

Então percebi. Percebi que tenho medo. Medo das pessoas.


Medo do que elas fazem, do que elas falam. Elas podem não gostar
de minhas ideias, minhas ações, ou o que sou, e elas irão me julgar,
e esse é meu medo!

Vi um vídeo, dias antes daquele, em que uma garota faz


amizade com um menino com uma deficiência, enquanto os outros
colegas, subitamente, o desprezam (algo que eu, sinceramente, não
compreendo o porquê).

Outra coisa que não entendo são os diversos preconceitos,


como, por exemplo, contra os negros ou a desigualdade dos sexos
(que era o assunto da aula). As dúvidas, então, veem à tona: por que
humilhar, bater ou ofender um negro? Sua cor só é diferente, mas
ele continua sendo um humano! E por que falar que mulheres são
fracas, que mulheres não podem levantar peso? Onde está a lógica
19 Este texto foi escrito originalmente em 08 de agosto de 2014, durante uma aula da disciplina
optativa Gênero e Diversidade na Escola ministrada por mim no curso de História da UNESPAR,
campus de União da Vitória. Helayne Cândido, mãe de Heloyse era aluna da disciplina e levou a
filha para a aula, pois é assim que muitas estudantes conseguem concluir seus cursos de graduação.
Não tenho registro de nenhum pai que precisou levar filhos ou filhas para a aula para poder estudar
durante todos os anos que leciono nessa instituição (desde 2007), mas os casos de mães que levam
suas crianças para a faculdade são muitos. Heloyse, que então estava cursando o 5º ano do ensino
fundamental, não ficou na sala se distraindo com outras coisas, prestou atenção e resolveu escrever
por vontade sua e me entregou o texto no final da aula. Ela e sua mãe autorizaram a publicação deste
texto. (Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski)

173
disso? Muitas pessoas dizem que as mulheres não podem carregar
um saco de cimento, por exemplo, mas para quê forçar os músculos?
Hoje em dia existe uma bela tecnologia chamada “roda”, e com ela,
independente do seu sexo, seja feminino ou masculino, você pode
carregar inúmeras coisas do peso que for!

Eu li o livro “O Diário de Anne Frank”, que é uma história


verdadeira (caso não saiba) e trata sobre a vida de Anne, uma judia no
tempo de Adolf Hitler. A Família Frank faz de tudo para se esconder,
mas acabam sendo encontrados e mortos, sem dó nem piedade.

Perguntei à minha mãe por que Hitler fez aquilo, e ela me


explicou que tal absurdo foi cometido, “simplesmente”, porque ele
queria uma “raça pura”, onde as pessoas que não se encaixavam no
que ele queria, não mereciam viver.

Então, pense comigo, qual o grande problema com o


diferente? Por que tudo e todos devem ser iguais? As pessoas não
precisam ser todas de um único jeito, sem ter uma personalidade
especial e só sua? Os seres humanos precisam parar com isso, aceitar
as diferenças e entender o óbvio: ninguém e nada é a mesma coisa!
Tudo tem sua maneira, e precisamos compreender isso e respeitar!
Seja alguém pobre ou rico, gordo ou magro, mulher ou homem,
negro, branco, pardo, não importa a cor, todos somos seres vivos e
merecemos respeito!

Um texto! Essa foi a forma que achei para me expressar!


Com isso, cheguei à conclusão de que tenho um grande medo...

Não são monstros com dentes afiados, não, não. Pois, para
mim, os verdadeiros monstros são algumas pessoas!

174
SUGESTÕES PARA PESQUISAS E REFLEXÕES SOBRE
GÊNERO20

Ana Paula Bührer Gonçalves


Dulceli de Lourdes Tonet Estacheski
Everton Carlos Crema
Sergio Antônio Andrigueto
Vanessa Cristina Chucailo

A proposta deste capítulo final foi reunir uma série de


sugestões e informações disponíveis na internet, e que podem ser
facilmente acessadas para download e consulta. Referenciamos
algumas páginas da rede, vídeos, depoimentos, filmes, documentários
e artigos sobre temáticas como gênero, sexualidade, violência contra
as mulheres, diversidade sexual, feminismos, etc.

Uma das propostas do Projeto ‘Gênero e Diversidade Sexual:


ações afirmativas para combater a violência’, é auxiliar e ampliar o
conhecimento e a pesquisa sobre essas temáticas. Acreditamos que a
informação e o conhecimento são a melhor maneira de combatermos
e desconstruirmos preconceitos e a violência de qualquer espécie.

SITES

• Projeto de estudo sobre ações discriminatórias no âmbito


escolar, organizadas de acordo com áreas temáticas, a saber,
étnico-racial, gênero, geracional, territorial, necessidades
especiais, socioeconômica e orientação sexual – disponível

175
em: http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/relatoriofinal.
pdf

• Dia a dia educação – Gênero e diversidade sexual,


disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/
modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=550

• Cadernos SECAD - Gênero e Diversidade Sexual na


Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos,
disponível em: http://pronacampo.mec.gov.br/images/pdf/
bib_cad4_gen_div_prec.pdf

• Gênero e Diversidade na Escola – Formação de


Professor@s em Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual
e Relações Étnico-Raciais. Livro de Conteúdo – Volume
1 – versão 2009: disponível em: http://www.eclam.org/
downloads/GDE_VOL1versaofinal082009.pdf

• Gênero e Diversidade na Escola – Formação de


Professor@s em Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual
e Relações Étnico-Raciais. Livro de Conteúdo – Volume
2 – versão 2009: disponível em:  http://www.e-clam.org/
downloads/GDE_VOL2_final.pdf

• Gênero e Diversidade na Escola Formação de Professor@s


em Gênero, Sexualidade, Orientação Sexual e Relações
Étnico-Raciais – Caderno de atividades, disponível em:
http://www.e-clam.org/downloads/Caderno-de-Atividades-
GDE2010.pdf

176
• Revista Gênero (Universidade Federal Fluminense – UFF)
disponível em: http://www.revistagenero.uff.br/index.php/
revistagenero

• Revista Mais que Amélias – Disponível em: http://


rstmaisqueamelias.wix.com/maisqueamelias

• Secretaria de políticas para as mulheres – Presidência da


República, disponível em: http://www.spm.gov.br/

• IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –


gênero (diversos) – disponível em: http://www.ibge.gov.
br/home/pesquisa/pesquisa_google.shtm?cx=0097910
19813784313549%3Aonz63jzsr68&cof=FORID%3A9
&ie=ISO-8859-1&q=g%EAnero&sa=Pesquisar&siteur
l=www.ibge.gov.br%2Fhome%2F&ref=www.ibge.gov.
br%2F&ss=1440j511500j8

• Secretaria de Direitos Humanos – Conselho Nacional de


Combate à Discriminação de LGBT (CNCD/LGBT) -
Presidência da República, disponível em: http://www.sdh.
gov.br/sobre/participacao-social/cncd-lgbt

• Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero – CNPQ –


disponível em: http://www.igualdadedegenero.cnpq.br/
igualdade.html

• Projeto Institucional: Igualdade entre os sexos – Gestão


escolar – projeto de aplicação, disponível em: http://
gestaoescolar.abril.com.br/aprendizagem/projeto-

177
institucional-igualdade-sexos-786167.shtml

• Instituto Maria da Penha, disponível em: http://www.


mariadapenha.org.br/index.php/9-artigos-de-noticias/5-a-
violencia-de-genero

• Delegacia da Mulher - Paraná: disponível em: https://


sistema3.planalto.gov.br/spmu/atendimento/busca.
php?uf=PR&cod=6

• Compromisso e atitude. Org – em defesa das mulheres,


disponível em: http://www.compromissoeatitude.org.br/
politicas-publicas-sobre-violencia-contra-as-mulheres/

• OEA – Organização dos Estados Americanos - Manual


para la incorporación de la perspectiva de género en las
Misiones de Observación Electoral de la OEA (MOEs/
OEA) disponível em: www.oas.org/es/sap/deco/pubs/
manuales/Manual_gender_s2.pdf

• Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola (GESE),


disponível em: www.sexualidadeescola.furg.br

• A Agência Patrícia Galvão criada em 2009 é uma


iniciativa do Instituto Patrícia Galvão – Mídia e Direitos,
para atuar na produção de notícias e conteúdos sobre os
direitos das mulheres brasileiras, disponível em: http://
agenciapatriciagalvao.org.br/

• Seminário Internacional Fazendo Gênero, disponível em:

178
http://www.fazendogenero.ufsc.br/

• Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da Universidade


Estadual de Campinhas (Unicamp), disponível em: http://
www.pagu.unicamp.br/en/o-pagu

DOCUMENTÁRIOS

• Fortes Mulheres (Women of Strength) - André François –


disponível em: www.youtube.com/watch?v=iQpARMZL_
jM

• Canto de cicatriz - Documentário relata história de vítimas


de violência sexual – disponível em: www.youtube.com/
watch?v=DHYt-a5say8

• Transversalización de la Perspectiva de Género y de


Derechos en la OEA, disponível em: www.youtube.com/
watch?v=Z0c18APwvOg

• Violência contra mulheres em números, disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=Wbd9fJiin5o

• ONU – BRASIL Campanha “Mulheres e Direitos” pede fim


da violência e promoção da igualdade de gênero, disponível
em: www.youtube.com/watch?v=Iwg6aXEgkvU

• Violência doméstica, disponível em: www.youtube.com/


watch?v=nfSxznfW7U8

179
• Viviane Mosé – Gênero nas escolas, disponível em: www.
youtube.com/watch?v=HRCfJ3EQQCw

• Leandro Karnal - Sexualidade – disponível em: www.


youtube.com/watch?v=TMXatfTxe7c

• Lei Maria da Penha - Antes E Depois da Lei – Supremo


Tribunal de Justiça, disponível em: www.youtube.com/
watch?v=d2paqJ3QzCE

• Leve-me Pra Sair (Take me out) – disponível em: www.


youtube.com/watch?v=7U3xUZdU3Us

CURTAS METRAGENS

• Maria da Penha – disponível em: http://www2.camara.leg.


br/camaranoticias/tv/programa/309-CURTA-MARIA-DA-
PENHA.html

• Até que a morte nos separe! – disponível em: www.


youtube.com/watch?v=G28GwqptGWw

• Vestido nuevo – disponível em: https://www.youtube.com/


watch?v=ktCXZg-HxGA

• “The Light”, HolySiz – disponível em: https://www.


youtube.com/watch?v=Cf79KXBCIDg

• Acorda Raimundo, acorda! - disponível em: https://www.


youtube.com/watch?v=HvQaqcYQyxU

180
• Majorité Opprimée (Maioria Oprimida) – disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=bHJqNpJ8xAQ

• Eu não quero voltar sozinho. Disponível em: https://www.


youtube.com/watch?v=1Wav5KjBHbI

ANIMAÇÕES

• Violência Intrafamiliar – Enrique – disponível em: www.


youtube.com/watch?v=dYKihb5fcXE

• Tipos de violência contra a mulher (Espanhol) – disponível


em: www.youtube.com/watch?v=VIsdhgIgl2I

• Era uma vez outra Maria. Disponível em: https://www.


youtube.com/watch?v=-ezAQj3G4EY

• Minha vida de João (La Vida de Juan). Disponível em:


https://www.youtube.com/watch?v=gMatcineJi8

• Persépolis. Disponível em: https://www.youtube.com/


watch?v=XEaMaFCATiM[

VÍDEOS ONLINE

• Casamento gay - quer que desenhe? (Põe na Roda)


disponível em: www.youtube.com/watch?v=tOv8HOp4x8g

• Violência contra homossexuais - telejornalismo

181
Faculdade Maringá, disponível em: www.youtube.com/
watch?v=27I5Oscvhjs

• E se fosse com você? (Por que criminalizar a


homofobia?) – disponível em: www.youtube.com/
watch?v=KXYtmju2mkw

• Homossexualidade (Drauzio Varella) – disponível em:


www.youtube.com/watch?v=rqi-UTb9f9Y

SLIDESHARES

• Gênero e diversidade sexual na escola – slideshare –


UNIFACS – Camaçari, disponível em: http://pt.slideshare.
net/sulieverena31/gnero-e-diversidade-sexual-na-escola

• Questionário sobre igualdade de gênero – EQUAL,


disponível em: http://pt.slideshare.net/equal_regional/
igualdade-de-gnero-9869437?related=1

FILMES

A cor púrpura

Sinopse: O filme mostra a dura realidade de uma família negra


patriarcal do começo do século 18, nos Estados Unidos. A história
gira em torno do drama de Celie Johnson, que aos 17 anos já tem
dois filhos, frutos da violência sexual do próprio pai. Além de ser
privada da convivência das crianças, Celine é forçada pela família

182
a se casar com um homem, que na verdade queria a irmã dela como
esposa. Ironicamente, a vida da moça começa a mudar quando a
amante do marido mostra que ela pode ser muito mais que apenas
uma serva dele. Em meio à violência doméstica e à ausência dos
filhos, Celine encontra refúgio escrevendo cartas. O contato com
uma missionária na África, por correspondência, muda sua vida. 

A excêntrica família de Antonia

Sinopse: Em uma pequena vila holandesa, uma matriarca relembra


momentos marcantes de sua vida e os curiosos personagens
com quem conviveu. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, a
independente Antonia (Willeke van Ammelrooy) voltou à cidade
natal acompanhada da filha. Assim teve início uma saga familiar
que atravessou gerações.

A garota dinamarquesa

Sinopse: Cinebiografia de Lili Elbe, que nasceu Einar Mogens


Wegener e foi a primeira pessoa a se submeter a uma cirurgia de
mudança de sexo. Em foco o relacionamento amoroso do pintor
dinamarquês com Gerda e sua descoberta como mulher.

Azul é a cor mais quente

Sinopse: Adèle é uma garota de 15 anos que descobre, na cor azul


dos cabelos de Emma, sua primeira paixão por outra mulher. Sem
poder revelar a ninguém seus desejos, ela se entrega por completo a
este amor secreto, enquanto trava uma guerra com sua família e com
a moral vigente.

183
Billy Elliot

Sinopse: Billy Elliot (Jamie Bell) um garoto de 11 anos que vive


numa pequena cidade da Inglaterra, onde o principal meio de sustento
são as minas da cidade. Obrigado pelo pai a treinar boxe, Billy fica
fascinado com a magia do balé, ao qual tem contato através de aulas
de dança clássica que são realizadas na mesma academia onde pratica
boxe. Incentivado pela professora de balé (Julie Walters), que vê em
Billy um talento nato para a dança, ele resolve então pendurar as
luvas de boxe e se dedicar de corpo e alma dança, mesmo tendo que
enfrentar a contrariedade de seu irmão e seu pai sua nova atividade.
C.R.A.Z.Y. – Loucos de amor

Sinopse: Nessa comédia de costumes canadense Zac é um menino


que vive com sua família em Québec, Canadá, nas décadas de 1960
e 1970. A narrativa percorre sua vida, da infância à juventude, junto
a outros quatro irmãos, sua mãe e um pai machista e homofóbico.
Zac sente atração por homens, mas, entre a culpa e o desejo, reprime
sua homossexualidade, em busca da aprovação familiar. O filme
aborda a temática com humor e possui uma trilha sonora repleta de
clássicos do rock da época.

Contra a corrente

Sinopse: Essa sensível produção se passa em um cenário paradisíaco


de uma cidadezinha da costa peruana. Miguel, um jovem pescador,
espera seu primeiro filho ao lado da esposa, Mariela. Um dia, conhece
ao artista plástico Santiago e inicia um caso. Miguel sustenta uma
vida dupla, mas as contradições não demoram a aparecer. O filme

184
mostra o caminho de autoaceitação percorrido pelo personagem,
superando não só os preconceitos da comunidade, mas os seus
próprios.

De gravata e unha vermelha

Sinopse: “Nunca fui uma mulher, mas lógico que nunca vou ser
um homem”. A frase de Bianca Soaresdá uma mostra da discussão
proposta pelo premiado documentário brasileiro, da psicanalista
Miriam Chnaiderman. O filme traz entrevistas com diversas
personalidades que, em suas histórias de vida, colocaram em
perspectiva o modelo de identificação binário homem/mulher, e
questionaram os estereótipos construídos para cada um dos sexos.
São entrevistados o cantor Ney Matogrosso, a cartunista Laerte, a
atriz Rogéria e o estilista Johnny Luxo, entre outros.

Hoje eu quero voltar sozinho

Sinopse: O premiado filme de Daniel Ribeiro poderia ser apenas


mais uma obra sobre o despertar da sexualidade na adolescência, se
não fosse por duas importantes variantes: Léo, o protagonista, é cego
e começa a gostar de Gabriel, um estudante de sua sala, de quem se
torna amigo. Segundo a especialista é uma boa obra para passar para
estudantes do ensino médio. “O tema da homossexualidade pode
trazer nervosismo e, com isso, piadas de mau gosto. Sem reprimi-
las, sugere-se que as aproveite para discutir a homofobia em nossa
cultura. O filme também trata do desejo de autonomia em relação
aos pais, o que é comum entre os adolescentes. Mas a deficiência
visual de Léo potencializa esse problema, dando a oportunidade de

185
se discutir a relativa e crescente autonomia que os adolescentes vão
conquistando à medida que amadurecem.”.

Laurence Anyways

Sinopse: O jovem diretor canadense Xavier Dolan, que em seus


filmes sempre aborda temáticas relacionadas à diversidade sexual
e identidade de gêneros, conta a história do professor de literatura
Laurence, um homem que, em seu aniversário de 30 anos, revela à
sua namorada que quer se tornar uma mulher e irá fazer uma cirurgia
de mudança de sexo. Mesmo abalada com a revelação, a namorada
resolve permanecer ao seu lado. Ambientado na década de 1990, o
filme mostra como o casal lida com os preconceitos de familiares,
amigos e colegas de trabalho.

Meninos não choram

Sinopse: Saiba como Teena Brandon se tornou Brandon Teena e


passou a reivindicar uma nova identidade, masculina, numa cidade
rural de Falls City, Nebraska. Brandon inicialmente consegue criar
uma imagem masculinizada de si mesma, se apaixonando pela
garota com quem sai, Lana, e se tornando amigo de John e Tom.
Entretanto, quando a identidade sexual de Brandon vem público, a
revelação ativa uma espiral crescente de violência na cidade.

Milk – a voz da igualdade

Sinopse: O premiado filme norte-americano relata a história


verdadeira de Harvey Milk, um político e ativista gay que foi o
primeiro homossexual declarado a ser eleito para um cargo público

186
na Califórnia, como membro da Câmara de Supervisores de São
Francisco. Milk iniciou seu ativismo opondo-se à violência policial
contra a comunidade gay. O filme pode servir como um disparador
para debater a questão da luta pelos direitos humanos e civis da
comunidade LGBTTIQ.

Minha Vida em Cor de Rosa

Sinopse: Este filme já é um clássico entre os que abordam identidade


de gênero. Nele, o caçula da família Fabre, Ludovic, um menino de
sete anos, começa a assumir uma identidade feminina. Sua família
oscila entre a repressão e a aceitação. Os conflitos se intensificam
quando Ludovic se maquia e veste roupas tidas como femininas, em
uma festa da família. O menino passa a questionar cada vez mais sua
identidade de gênero e a nutrir a ilusão de que conforme cresça, se
tornará uma mulher.

O Sorriso de Monalisa

Sinopse: Julia Roberts vive a professora de História da Arte


Katharine Watson, que quer romper os ideais machistas da sociedade
americana da década de 50. Mas ela se depara com a resistência das
próprias alunas ao ingressar no corpo docente do Colégio Wellesley.
A instituição é famosa por preparar jovens para a vida matrimonial
e de dona de casa. Mesmo assim, Katharine decide ir contra as
normas para mostrar às estudantes que elas são capazes de enfrentar
os desafios da vida adulta sem estar, necessariamente, à sombra de
um homem.

Persépolis

187
Sinopse: Marjane Satrapi é uma garota iraniana de 8 anos, que sonha
em se tornar uma profetisa para poder salvar o mundo. Querida pelos
pais e adorada pela ave, Marjane acompanha os acontecimentos que
levam à queda do xá em seu país, juntamente com seu regime brutal.
Tem início a nova República Islâmica, que controla como as pessoas
devem se vestir e agir. Isso faz com que Marjane seja obrigada a usar
véu, o que a incentiva a se tornar uma revolucionária.

Tomboy

Sinopse: Laure (Zoé Héran) é uma garota de 10 anos, que vive


com os pais e a irmã caçula, Jeanne (Malonn Lévana). A família se
mudou há pouco tempo e, com isso, não conhece os vizinhos. Um
dia Laure resolve ir na rua e conhece Lisa (Jeanne Disson), que a
confunde com um menino. Laure, que usa cabelo curto e gosta de
vestir roupas masculinas, aceita a confusão e lhe diz que seu nome é
Mickaël. A partir de então ela leva uma vida dupla, já que seus pais
não sabem de sua falsa identidade.
Transamérica

Sinopse: Bree Osbourne (Felicity Huffman) é uma orgulhosa


transexual de Los Angeles, que economiza o quanto pode para fazer
a última operação que a transformará definitivamente numa mulher.
Um dia ela recebe um telefonema de Toby (Kevin Zegers), um jovem
preso em Nova York que está à procura do pai. Bree se dá conta de
que ele deve ter sido fruto de um relacionamento seu, quando ainda
era homem. Ela, então, vai até Nova York e o tira da prisão. Toby,
a princípio, imagina que ela seja uma missionária cristã tentando

188
convertê-lo. Bree não desfaz o mal-entendido, mas o convence a
acompanhá-la de volta para Los Angeles.

XXY

Sinopse: Alex (Inés Efron) nasceu com ambas as características


sexuais. Tentando fugir dos médicos que desejam corrigir a
ambigüidade genital da criança, seus pais a levam para um vilarejo
no Uruguai. Eles estão convencidos de que uma cirurgia deste tipo
seria uma violência ao corpo de Alex e, com isso, vivem isolados
numa casa nas dunas. Até que, um dia, a família recebe a visita de
um casal de amigos, que leva consigo o filho adolescente. É quando
Alex, que está com 15 anos, e o jovem, de 16, sentem-se atraídos
um pelo outro.

SÉRIES

Masters of Sex

Sinopse da série: Adaptação de Michelle Ashford do livro não


ficcional “Masters of Sex: The Life and Times of William Masters
and Virginia Johnson”, de Thomas Maier. A história narra a vida e
o trabalho de William Masters (Michael Sheen) e Virginia Johnson
(Lizzy Caplan), cientistas que realizaram nos anos de 1950 uma
pesquisa sobre o comportamento sexual do ser humano.

The Lottery

Sinopse da série: Na história, as mulheres pararam de procriar,

189
levando o planeta ao risco de uma extinção da raça humana. Tentando
reverter o quadro, um grupo de cientistas consegue fertilizar 100
embriões em laboratório. Uma loteria é organizada pelo governo
americano para selecionar as 100 mulheres que receberão os
embriões.

190
SOBRE XS AUTORXS

ANA PAULA BÜHRER GONÇALVES: Licenciatura em História


pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus de
União da Vitória. Atualmente acadêmica do Curso de Licenciatura
em Filosofia pela mesma instituição. Bolsista pelo projeto “Gênero
e Diversidade Sexual: ações afirmativas para combater a violência”,
da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus União
da Vitória, aprovado pelo Programa Universidade Sem Fronteiras
(USF), elaborado e mantido pela Secretaria de Estado da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (SETI).

ANDRÉ BUENO: Possui graduação em História pela Universidade


Federal do Rio de Janeiro, mestrado em História pela Universidade
Federal Fluminense, doutorado em Filosofia pela Universidade
Gama Filho e Pós-Doutorado em História Antiga pela UNIRIO
– Rio de Janeiro. É professor adjunto na Universidade do Estado
do Rio de Janeiro – UERJ. Tem experiência na área de História e
Filosofia, com ênfase em Sinologia.

CARLA FERNANDA DA SILVA: Possui graduação em História e


especialização em História e Acervos pela Universidade Regional
de Blumenau (FURB). Fez Mestrado em História Cultural pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutorado em

191
História pela Universidade Federal do Paraná – UFPR (Bolsista
CAPES), com período sanduíche na Université Franche-Comté
(Besançon/França), com a tese Arte & Anarquia: uma ética de
existência em Roberto Freire. Possui experiência em História
Contemporânea, com pesquisa nos seguintes temas: cultura
afrobrasileira, gênero, corpo e educação.

CRISTINA SCHEIBE WOLFF: Possui graduação em História


pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mestrado
em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo.
Em 2004/2005 realizou Pós-Doutorado na Université Rennes 2,
na França, e entre 2010 e 2011, no Latin American Studies Center
da University of Maryland, em College Park, Estados Unidos.
Atualmente é professora associada do Departamento de História
da UFSC. Coordenadora do Laboratório de Estudos de Gênero e
História (LEGH). Participante do Instituto de Estudos de Gênero da
UFSC. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em História da
UFSC. Atua ainda no Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar
em Ciências Humanas e no Mestrado Profissional de Ensino de
História.

DULCELI DE LOURDES TONET ESTACHESKI: Graduação em


História pela Faculdade Estadual de Filosofia Ciências e Letras de
União da Vitória. Especialização em História e Sociedade na mesma

192
instituição. Mestrado em História pela Universidade Federal do
Paraná. Está cursando o doutorado em História pela Universidade
Federal de Santa Catarina. Atualmente é professora do curso de
História da Universidade Estadual do Paraná, campus de União
da Vitória, nas disciplinas de Metodologia e Prática de Ensino de
História, Estágio Supervisionado, Didática da História. É orientadora
do projeto ‘Gênero e Diversidade Sexual: ações afirmativas para
combater a violência’ que gerou esse livro. Co-fundadora do
LAPHIS - Laboratório de Aprendizagem Histórica – UNESPAR,
campus de União da Vitória. Membro do coletivo feminista Mais
que Amélias. Pesquisa nas áreas de ensino de história e estudos de
gênero, focando atualmente na questão da violência de gênero.

ELAINE SCHMITT: Graduada em Comunicação Social, com


habilitação em jornalismo, pelo Centro Universitário de União
da Vitória (UNIUV). Especialista em História, Cultura, Memória
e Patrimônio, pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR),
Campus de União da Vitória. Mestranda em Jornalismo pela
Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Participa do Grupo
de Pesquisa Jornalismo e Gênero, da UEPG, e é coorientadora de
Projeto de Pesquisa de Iniciação Científica. Membro do coletivo
feminista Mais que Amélias. Pesquisa nas áreas de jornalismo e
história da imprensa.

EVERTON CREMA: Possui graduação em História pela Faculdade

193
Estadual de Filosofia Ciências e Letras de União da Vitória. Mestre
em História pela Universidade Federal do Paraná, na área de Cultura
e Poder e doutorando em Educação pela UFPR na área de cultura,
escola e ensino. Professor do Curso de História, da UNESPAR -
FAFIUV - Universidade Estadual do Paraná - campus União da
Vitória. Membro do Conselho de campus (2014-2015). Desenvolve
projetos de pesquisa em História da Alimentação, Modernidade,
História do Paraná, História Local, Aprendizagem e Ensino de
História. Desenvolveu como Coordenador o Projeto: Os Catadores
da Margem Esquerda: Coleta e Sobrevivência no Médio-Iguaçu
no século XXI, vinculado ao programa de extensão Universitária,
Universidade Sem Fronteiras, Fomentado pela Secretaria de Estado
de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior - SETI, do Estado do
Paraná. Coordena projeto de pesquisa e extensão - Linguagens e
Tecnologias para o Ensino de História - Fundação Araucária e
o projeto Gênero e Diversidade Sexual: Ações afirmativas para
combater a violência - Universidade Sem fronteiras - SEED - PR.
Membro fundador do LAPHIS - Laboratório de Aprendizagem
Histórica - UNESPAR FAFIUV, Participou do Comité de Ética
da referida instituição (2013-2014). Chefe do Arquivo Histórico
UNESPAR-FAFIUV desde 2014. Presidiu o Instituto de Ensino,
Pesquisa e Prestação de Serviço em União da Vitoria - Paraná (2011-
2012). Membro do Grupo de Pesquisa - Grupo de Investigação sobre
o Movimento do Contestado - vinculado a UFSC - CNPQ, Membro
do grupo de Pesquisa História Intelectual, História dos Intelectuais
e Historiografia - vinculado a UFPR-CNPQ e Membro do grupo
de Pesquisa Cultura, Práticas Escolares e Educação Histórica -

194
vinculado a UFPR-CNPQ. Pesquisador vinculado ao Laboratório
de Pesquisa em Educação Histórica – LAPEDUH – UFPR.

Heloyse Tomal: Aluna do sétimo ano do ensino fundamental


do Colégio Santos Anjos. Amante da leitura e da escrita. Inspiração
para que construamos um mundo melhor.

KARINA JANZ WOITOWICZ: Possui graduação em Jornalismo


pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (1999), mestrado em
Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (2002) e doutorado em Ciências Humanas pela Universidade
Federal de Santa Catarina (2010), tendo cursado o Programa
Doutorado sanduíche junto à Universidad de Chile (Santiago), com
apoio da Capes. Atua como professora no Curso de Jornalismo e
no Mestrado em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta
Grossa (UEPG/PR), onde coordena projetos de pesquisa e extensão
e desenvolve pesquisas sobre os seguintes temas: mídia alternativa,
estudos de gênero, jornalismo cultural e folkcomunicação. Coordena
os grupos de pesquisa Jornalismo Cultural e Folkcomunicação e
Jornalismo e Gênero e o projeto de jornalismo cultural na internet
Cultura Plural. É vice-presidente da Rede de Estudos e Pesquisa
em Folkcomunicação (Rede Folkcom, gestão 2013-2015), diretora
científica da Associação Brasileira de Pesquisadores de História
da Mídia (Alcar, gestão 2015-2019) e coordenadora do GP de
Folkcomunicação da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos

195
Interdisciplinares da Comunicação, desde 2013). É editora da Revista
Internacional de Folkcomunicação (RIF) e bolsista produtividade em
Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico/Extensão pela Fundação
Araucária/SETI (2014-2016).

RAFAEL ARAÚJO SALDANHA: Possui graduação em Comunicação


Social (Publicidade e Propaganda) pela Universidade de Santa Maria.
Fez mestrado em História pela UFSC, onde desenvolveu seu estudo
sobre Gênero, com ênfase em Masculinidades. Atualmente cursa
o doutorado no Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas/
UFSC, onde pesquisa temáticas sobre sexualidade, virtualidade,
gênero e prostituição.

SERGIO ANTÔNIO ANDRIGUETO: Licenciatura em História,


pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, de União da Vitoria/
PR (FAFIUV). Licenciatura em Filosofia pela mesma instituição.
Bolsista pelo projeto “Gênero e Diversidade Sexual: ações
afirmativas para combater a violência”, da Universidade Estadual
do Paraná (UNESPAR), campus União da Vitória, aprovado pelo
Programa Universidade Sem Fronteiras (USF), elaborado e mantido
pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
do Paraná (SETI).

THAYS BIEBERBACH: Graduanda em História pela UNESPAR

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– União da Vitória. Desenvolve pesquisa nas áreas de gênero e
sexualidade. Feminista fundadora do Coletivo Feminista Mais Que
Amélias (União da Vitória /PR e Porto União/SC), e mãe do Lucas.

VANESSA CRISTINA CHUCAILO: Graduação em História pela


Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da
Vitória (FAFIUV). Mestra em História, pela Universidade Estadual
do Centro Oeste (UNICENTRO). Bolsista pelo projeto “Gênero e
Diversidade Sexual: ações afirmativas para combater a violência”,
da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR), campus União
da Vitória, aprovado pelo Programa Universidade Sem Fronteiras
(USF), elaborado e mantido pela Secretaria de Estado da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior do Paraná (SETI). Email: vane_
cristina00@hotmail.com.

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