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Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2016. xi, 261 ISBN 9788530966058.
“Qual é o segredo que se esconde sob a letra? (...) Ou seja, ver em que todo fenômeno é
uma ilustração das estruturas fundamentais que constituem a coisa humana. Enfim, a
interpretação hermenêutica faz sobressair como, em dado momento, o simbólico vai
atualizar-se. O atual sendo uma encarnação do que é substancial.”
29 ¶ 1
“Essa lógica “contraditória”, lógica do “terceiro dado”: pode-se ser isso e aquilo, tal
fenômeno é plural, conjuntivo... remete a essa imemorial sabedoria popular, do qual é
habitual desconfiar (ou escarnecer).”
36 ¶ 2
“Resumindo, tudo o que, de uma maneira ou de outra, lembra que o irreal é constitutivo
do Real, que o sonho é uma parte importante de nossa natureza humana, que o lúdico
não está acantonado no mundo da infância, mas que se mantém, como um fio vermelho,
ao longo de nossa existência. Acontece que o ‘preço das coisas sem preço’ está
encontrando um surpreendente vigor no ciclo pós-moderno que se inicia atualmente.
‘Consenso’ que nada mais é que a partilha dos sentimentos, que o campo magnético
onde se exercem as atrações sociais.”
41 ¶ 4
“A gênese e o declínio de tudo constituem o infinito. A ordem das coisas repousa sobre
isso.”
42 ¶ 3
“Mas a coragem dos espíritos livres anda ao lado da confiança em relação ao que é.
Confiança na alteridade; seja o outro do grupo, o outro da natureza ou o outro do
sagrado. É essas duas características – coragem e confiança – que se reconhece que um
pensamento não está assujeitado.”
48 ¶ 2
“E é por meio das imagens, ou graças a elas, que se pode apreender o Real em sua
inteireza. Há até uma noção, proposta por Henry Corbin ou Gilbert Durand: ‘imaginal’,
que exprime bem a dimensão englobante e o aspecto fecundador das imagens, da
imaginação, do imaginário na estruturação fundamental do viver-junto. É a partir do
‘imaginal’ que se pode compreender o paradigma matricial onde toma corpo uma
sociedade. O mesmo se dá com uma ‘episteme’, pela qual representações e organizações
estruturam uma civilização. Em resumo, o jogo das imagens está na origem desses
princípios geradores, diretores, organizadores, que animam profundamente o corpo
social. Para dize-lo em uma fórmula estalando de sentido, a ‘forma é formante’.”
162 ¶ 3
“O Real é plural, complexo, completo e mais que um conceito, que tem por ambição
esgotar o que ele designa, explicá-lo em sua totalidade, a imagem, a figura, a metáfora
(e pode-se ainda encontrar outras noções) se contenta em abordar um aspecto do
enigma. Ela levanta um canto do véu. É isso a verdade como desvelamento (alétheia)
que deixa o mistério humano em sua inteireza. Pois é a partir de tal mistério que
começam o pensamento, a poesia e outras vibrações comuns, causas e efeitos da vida
coletiva. Os sociólogos falam, a esse respeito, de ‘sintonia’ para designar esse ‘animal
que troca’ que é o homem.”
163 ¶ 2
“A compreensão dessas formas permite reconhecer que dois fatos históricos distantes no
tempo podem ser contemporâneos. (...) Ou seja, um estado de espírito, uma atmosfera
mental barroca que pode encarnar-se em momentos diferentes das diversas épocas da
humanidade.”
164 ¶ 2
“Oswald Spengler, por sua vez, falando de ‘pseudo-morfoses’, destaca as semelhanças
entre Cristo e Buda (...). Ou ainda, em que Pitágoras pode ser considerado
‘contemporâneo’ de Descartes.”
164 ¶ 3
“Pois ‘os conceitos que as ciências humanas inventam para pensar se tornam
rapidamente automatismo que impedem de pensar e cujo uso mecânico mascara a
descoberta’. Tais automatismo vêm dessa lógica binária que foi a especificidade dos
Tempos modernos ocidentais. E, é preciso dize-lo, garantiu sua performatividade e, até
mesmo, sua hegemonia no mundo inteiro.”
168 ¶ 3
“(...) chamam uma lógica ‘contraditorial’. Ou seja, uma lógica que reconhece a
coerência das disparidades. Por exemplo, muito concretamente, a importância dos
afetos, dos humores, e outros fatores emocionais, na vida política, economia e, é claro,
quotidiana.”
169 ¶ 2
“É freqüente surpreender-se com repetições de uma obra digna desse nome. E que ela
seja teórica, musical, pictural etc.Repetições só dizem e redizem a redundância do Real.
Repetições rejeitam o ‘sistema’ porque o pensamento autêntico é um perpétuo
recomeço. Sua arte é um perpétuo vaievém, e isso à imagem do fluxo e refluxo da vida,
e sendo a retórica social sua expressão.”
173 ¶ 1
“É a força dos opostos que constitui a energia de ser o que se é. E isso tanto concerne à
estrutura individual quanto à organização societal.”
175 ¶ 2
“(...) a não mais pensar a realidade, mas mostrar que é o Real que nos pensa. O que não
é simples paradoxo. Pois essas descobertas científicas fazem atentar para um espaço e
um tempo indefinido em uma cosmogênese em perpétuo devir. (...) Eis o que nos
introduz a uma ‘ecosofia’, isto é, em uma sabedoria ambiental e, portanto plural, na qual
a pessoa e a tribo são apenas o eco de uma tradição que vem de muito longe, e que
repousa sobre uma correlação constante do homem e do mundo.
Eis bem colocada uma outra maneira de encarar a relação entre ‘as palavras e as coisas’,
a teoria e a práxis, o sonho e a realidade Eterno problema sua ligação e sua mútua
fecundação!”
178 ¶ 4
“Perecer para sai fim de renascer para o Outro. Entendo aqui este aspecto multiforme da
alteridade que é o outro da comunidade, o outro da natureza, na verdade o outro do
sagrado.”
180 ¶ 1
“A partir de então, não é o caso de esperar algum mundo reservado que seja, político ou
religioso, mas de conformar-se com este. Não querer extirpar o mal, mas homeopatizá-
lo. Não procurar a perfeição, erradicando o pecado, mas viver da melhor maneira a
completude do ser: a do claro-obscuro da existência. (...) Tal estoicismo, que é um
fundamento da sabedoria popular, não padece de falta de grandeza.”
184 ¶ 2
“Assim como o observa Monsenhor Joseph Holzner em seu livro erudito sobre Paulo de
Tarso: ‘Quem dirá a gênese de um canto ou uma epopéia? Ou a das lendas com eterno
frescor? Elas nascem na alma popular, e quando elas eclodem, um grande poeta, um
gênio saído do povo, se apodera dela e lhes dá uma forma e um nome.’ (...)
Basta, em alguns momentos, saber dizer, o mais belamente possível, o que está ‘em
todas as cabeças’, e o que palpita em todos os corações.”
188 ¶ 2
“(...) antiga memória: todos os sentidos, os sentidos de todos. Saber plural, saber
coletivo. Conhecimento que procede de através’. Ou seja, que integra o imprevisto, o
anacrônico, na verdade o que é anômico. Saber experencial também, que utiliza as
práticas ancestrais e as técnicas cumuladas ao longo das gerações.
O viés, no que ele coloca em jogo vários eixos (bi axis), não tem nenhum medo do
misterioso, da sombra, da estranheza. Todas as coisas que o racionalismo dos tempos
modernos tinha rejeitado ou, pelo menos, suspeitado. Eventualmente, acantonadas na
criação poética ou literária. (...) É essa estranha estranheza que explode, sem limitação,
em todos os domínios que convém pensar. ”
188 ¶ 3
“Hegel: ‘Toda verdade se tornou’. Ou seja, ela não está jamais certa dela mesma, ela
não é de toda eternidade.”
212 ¶ 2
“Esse sujeito que pensa, e assim nega sua animalidade, é a conseqüência lógica da
moral que o seguiu: o indivíduo deve garantir sua salvação, ele tem uma finalidade que
ele deve realizar. Seja no Paraíso celeste ou em seu avatar, o paraíso terrestre, o sentido
(para onde se deve ir) é, sempre, distante.”
220 ¶ 1
“Torna-se cada vez mais evidente que a verdade da razão é segunda em relação à
verdade dos fatos. (...) E isso, tão simplesmente, porque o Real, em sua essencial
imprevisibilidade, nos lembra que é preciso saber ajustar-se ao que é, antes do que
postular, de uma maneira encantatória, o que se gostaria que fosse. (...) Tanto é verdade
que, quando uma forma de pensamento não está mais em acordo com seu tempo, ela
tende a tornar-se uma fórmula que serve para tudo. Tagarelice compreensível só pela
tribo que emitiu seus códigos.”
225 ¶ 1
“Há primeiramente, vida, depois uma interpretação, uma representação dessa. (...) Ela o
será, mas se souber acrescentar-lhe a claridade da paixão!”
230 ¶ 1
“a ‘xenofilia’: um real amor pela inquietante estranheza sem a qual não haveria vida
viva!”
234 ¶ 1
“Heidegger lembra que ‘o poder do desejo é aquilo ‘graças’ a que algo propriamente
falando tem poder de ser’. Esse poder que é o do possível.”
234 ¶ 3
“Entendo por isso essa atitude de espírito aberta à diversidade das culturas. Ubiqüidade
que faz de cada um o habitante de um lugar particular, sem negar que ele seja também
cidadão do mundo.”
239 ¶ 3
“Acontece que, com efeito, essa ‘participação’ que Lucien Lévy-Bruhl, em livros
esclarecedores, descrevia para a alma ou para a mentalidade primitiva encontra uma
surpreendente atualidade nas aglomerações, da música tecno, as histerias das
‘liquidações’ pontuando o consumo, os comícios políticos ou sindicais, as paradas
‘gays’ e outras jornadas mundiais da juventude (JMJ), reuniões onde o que é importante
é vibrar junto, entrar em ‘sintonia’ com o Outro, e completar, assim, esse ideal
comunitário que, aquém dos ‘mundos reservados’ teóricos, constitui um ‘antemundo’
substrato primordial a partir do qual se eleva esse estar-junto que são, em suas histórias
diversas, todas as sociedades.”
240 ¶ 3
“O gênio pode ser solitário, mas jamais está isolado, a partir do momento em que
participa na e da consciência ou do inconsciente coletivos. Mas é verdade que essa
comunhão com o saber incorporado do povo não deixa de irritar. Precisando que o ódio
secretado pelos sábios abstratos, com certeza, visa aqueles que ousam dizer o que é,
mas, mais profundamente, concerne, justamente, essa gaya scienza algo pagã, que sabe
reunir o que a analise infecunda tinha, a longo prazo, separado: o corpo e o espírito, a
natureza e a cultura, o intelecto e os afetos.”
242 ¶ 1